Universidade Federal do Rio Grande do Norte Programa de Pós-Graduação Arquitetura e Urbanismo O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) GERMANA COSTA ROCHA NATAL FEVEREIRO 2012 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Programa de Pós-Graduação Arquitetura e Urbanismo O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) GERMANA COSTA ROCHA NATAL FEVEREIRO 2012 GERMANA COSTA ROCHA O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de Doutora em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Dra. Nelci Tinem NATAL FEVEREIRO 2012 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial de Arquitetura Rocha, Germana Costa. O caráter tectônico do moderno brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970- 1980)./Germana Costa Rocha. – Natal, RN, 2012. 250 f.: il. Orientador (a): Nelci Tinem. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura. 1. Arquitetura Moderna – Tese. 2. Tectônico – Tese. 3. Bernardes, Sérgio – Tese. 4. Campello, Glauco – Tese. I. Tinem, Nelci. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSE-ARQ CDU 72.036 GERMANA COSTA ROCHA O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Dra. Nelci Tniem Banca examinadora: Dra. Nelci Tinem - PPGAU/ UFRN – Orientadora Dra. Sônia Marques - PPGAU/ UFRN - Examinadora Interna Dra. Edja B. Faria Trigueiro - PPGAU/ UFRN - Examinadora Interna Dra. Maria de Jesus B. Leite – MDU/ UFPE - Examinadora Externa Dr. Márcio Cotrim – PPGAU/ UFPB - Examinador Externo Às minhas filhas Emmanuelle e Camilla. AGRADECIMENTOS A Nelci Tinem, pela força e incentivo desde o momento da decisão de realizar este trabalho, pelo período de orientação e pela confiança em mim devotada, além da disponibilidade de responsabilizar-se por um trabalho em andamento. A Sônia Marques, pela orientação inicial e valiosas contribuições no desenvolvimento deste trabalho. A Aristóteles Cordeiro Lobo, meu amigo, pela ajuda incondicional de sempre. Ao Arquiteto Glauco Campello, por autorizar usar imagens do seu acervo. A Izabel Amaral, pela prestimosa ajuda no envio de textos sobre tectônica. Aos alunos do CAU/DA/UFPB Valmir Borba e Diego Aristófanes, pela colaboração na modelagem digital dos projetos. Aos amigos Suely e Mirabeau Dias, Wylnna Vidal, Ricardo Araújo, Clovis Dias, pelas diferentes ajudas nesse percurso. Aos profissionais que trabalharam nas obras analisadas à época da construção, pelas entrevistas gentilmente dadas: Arquiteto Gilberto Guedes, Eng. Antônio Guilherme Araújo, Eng. Arnaldo Delgado e Eng. José Reinaldo. Aos engenheiros e funcionários de arquivos do DER-PB, da SUPLAN, do CREA-PB, da PMJP, da FUNESC. A Diógenes Pereira, pela correção das traduções. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte e ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo, pela oportunidade desta realização. Aos colegas do Departamento de Arquitetura da UFPB pelo apoio à realização desta tese. Ao Unipê – Centro de Universitário de João Pessoa - pelo apoio no início desta pesquisa, em particular, Profa. Vera Medeiros. A todos os familiares e amigos que de alguma forma contribuíram para mais uma etapa vencida. Tudo que se aprende tem um só e único sentido: aprender a amar. LÉON DENIS RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar o caráter tectônico das obras de Sergio Bernardes e Glauco Campello, construídas na Paraíba, entre a virada para década 1970 e início dos anos 1980, a fim de trazer reflexões sobre a importância da poética construtiva na estrutura formal da arquitetura, contribuindo para o debate sobre as especificidades e singularidades da arquitetura moderna produzida no Brasil. A pesquisa, utilizando as estratégias do estudo de caso, parte da revisão sobre o uso da “tectônica” por Kenneth Frampton e demais estudiosos do termo, para fundamentar o conceito de tectônica adotado e definir seus parâmetros analíticos. Em seguida, parte-se para a inserção das obras no ambiente cultural e sócio-político brasileiro, no marco temporal proposto, para, na seqüencia, analisar as obras de cada arquiteto. O estudo confirma que a força expressiva da arquitetura moderna heroica brasileira, ao enfatizar a poética construtiva, sedimenta uma cultura tectônica que repercute nas gerações seguintes. Palavras-chave: Tectônica, Arquitetura Moderna, Paraíba. ABSTRACT This study aims to analyze the tectonic character of the works of Sergio Bernardes and Glauco Campello architects, built in Paraiba, between the turn of the decade in 1970 and early 1980 in order to bring reflections about the poetics of construction’s importance in the formal structure of the architecture, contributing to the debate about the specificities and peculiarities of modern architecture produced in Brazil. The research, using the strategies of the case study, starts from the review on the use of "tectonic" by Kenneth Frampton and other scholars of the term, to base the concept and set the analytical parameters of the tectonics. Then it proceeds to the insertion of buildings in the cultural and socio-political Brazilian’s context in the period proposed for study, in sequence, analyzes the works of each architect. The study confirms that the expressive power of Brazilian heroic modern architecture, emphasizing the poetics of construction, sediments a tectonic culture that resonates in the following generations. Key words: Tectonics, Modern Architecture, Paraíba. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS 17 INTRODUÇÃO 24 CAPÍTULO 1 TECTÔNICA NA TEORIA DA ARQUITETURA 38 1.1 Tectônica na Teoria Crítica ao Pós-Modernismo 41 1.2 Tectônica na Abordagem Teórico-analítica 43 1.3 Repercussão da Tectônica 63 CAPÍTULO 2 NEXOS TECTÔNICOS DA ARQUITETURA 74 2.1 Parâmetros analíticos da dimensão tectônica 76 CAPÍTULO 3 NO CONTEXTO DA CULTURA ARQUITETÔNICA 98 3.1 A Consciência Construtiva nas Atitudes Projetuais 100 3.2 Diversidade Tectônica 119 CAPÍTULO 4 SÉRGIO BERNARDES – EXPERIMENTALISMO TECTÔNICO 132 4.1 Hotel Tambaú 135 4.2 Espaço Cultural José Lins do Rego 164 CAPÍTULO 5 GLAUCO CAMPELLO – A TECTÔNICA DO ABRIGO 196 5.1 Terminal Rodoviário Severino Camelo 199 5.2 Terminal Rodoviário Argemiro de Figueiredo 218 CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 234 REFERÊNCIAS 243 LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 1 - Tectônica na Teoria da Arquitetura Figura 1.1 - Detalhe da pavimentação do parque Philopapou 47 Figura 1.2 - As quatro técnicas artísticas tradicionais de Semper 49 Figura 1.3 - Frank L. Wright – Cata-vento Romeu e Julieta 51 Figura 1.4 - Frank L. Wright, Casa de Campo em Michigan 51 Figura 1.5 - Frank L. Wright, Residência Alice Millard 51 Figura 1.6 - Auguste Perret, Edifício 25 bis rue Franklin, Paris. 52 Figura 1.7 - Cabana caribenha - Grande Exposição de 1851 54 Figura 1.8 - Cabana primitiva de Abbé Laugier 54 Figura 1.9 - Abóbada em tijolo prensado da Casa Vicens, Barcelona 55 Figura 1.10 - Mandan House 55 Figura 1.11 - Wolf House (1926) - Mies Van der Rohe 57 Figura 1.12 - Josef Esters House (1930) - Mies Van der Rohe 57 Figura 1.13 - Van der Rohe, 860 e 880 Lake Shore Drive Apartments 63 Figura 1.14 - M. van der Rohe, Edifício Seagram 63 Figura 1.15 - Capa da Revista PROJETO, julho/95.p.90 67 CAPÍTULO 2 - Nexos Tectônicos da Arquitetura Figura 2.1 - Croquis (relação eartthwork/roofwork) em Jorn Utzon 81 Figura 2.2 - Museu Silkeborg 82 Figura 2.3 - Pavilhão de Langelinie, Copenhagen, 1953 82 Figura 2.4 - Ópera House Sydney 84 Figura 2.5 - Projeto do Museu Vitória e Albert- Daniel Libeskind 85 Figura 2.6 - Palazzetto dello Sport - Pier Luigi Nervi 86 Figura 2.7 - (a) Torre Millenium - Norman Foster (b) Place Victoria - Pierre Luigi Nervi e Luigi Moretti 86 Figura 2.8 - (a) Pavilhão Alemão Exposição de Montreal- Frei Otto. (b) Restaurante Los Mananciales - Félix Candela. 87 Figura 2.9 - Fábrica de Microprocessadores - Richard Rogers 87 Figura 2.10 - Esquema gráfico do Dom-ino - Le Corbusier. 89 Figura 2.11 - Villa Savoye - Le Corbusier 89 Figura 2.12 - Ministério da Educação e Saúde - Lúcio Costa e equipe 89 Figura 2.13 - (a) Salk Institute Laboratory - Louis Kahn (b) Kimbell Art Museum - Louis Kahn 91 Figura 2.14 - Casa da Cascata - Frank Loyd Wright 92 Figura 2.15 - Parque Guinle - Lúcio Costa 92 Figura 2.16 - Escadaria do Säynatsalo Town Hall - Alvar Aalto 93 Figura 2.17 - Building Workshop - Renzo Piano 94 Figura 2.19 - Igreja de Atlântida - Eladio Dieste 95 CAPÍTULO 3 - No Contexto da Cultura Arquitetônica Figura 3.1 - Museu de Arte Moderna (MAM) - Afonso Reidy 102 Figura 3.2 - Congresso Nacional - Oscar Niemeyer 102 Figura 3.3 - Unid. de Habitação de Marselha – LeCorbusier 102 Figura 3.4 - Hall de Exposições de Turin - Píer Luigi Nervi 102 Figura 3.5 -Faculdade de Arquitetura – USP-Vilanova Artigas 103 Figura 3.6 - Rodoviária de Jaú –SP - Vilanova Artigas 105 Figura 3.7 - Detalhe tectônico do pilar do Anhembi Tênis Clube, SP- Vilanova Artigas 105 Figura 3.8 - SESC Pompéia, SP - Lina Bo Bardi 107 Figura 3.9 - Fórum de Terezina, PI - Acácio Gil Borsói 107 Figura 3.10 - Edifício da FIESP/CIESP/SESI - Roberto Cerqueira César e Luis Roberto Carvalho de Franco. 108 Figura 3.11 - Pavilhão do Brasil da Feira Internacional de Osaka – Paulo Mendes da Rocha. 109 Figura 3.12 - Agência do BANESPA - Ruy Othake 110 Figura 3.13 - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – Chesf. Francisco de Assis Reis. 110 Figura 3.14 - Secretarias do Centro Administrativo da Bahia - João Filgueiras Lima (Lelé) 112 Figura 3.15 - Igreja do Centro Administrativo da Bahia - João Filgueiras Lima (Lelé) 112 Figura 3.16 - Casa Bernardo Issler - Sérgio Ferro 114 Figura 3.17 - Casa Pery Campos - Rodrigo Lefèvre e Nestor Goulart 114 Figura 3.18 - Esquema de montagem e armazenamento das abóbadas - Rodrigo Lefèvre. 114 Figura 3.19 - Sede da Fazenda Pindorama - Marcos Acayaba e Augusto Malzoni. 116 Figura 3.20 - Assembléia Legislativa do Piauí - Acácio Gil Borsoi 116 Figura 3.21 - Bombril Nordeste - Acácio Gil Borsoi. 117 Figura 3.22 - Clube dos Funcionários da Petrobrás, Fortaleza, CE – Mário Guerra Roque e Jayme Leitão 117 Figura 3.23 - Hospital Sarah Kubtschek, Brasília, DF - João Filgueiras Lima (Lelé). 118 Figura 3.24 - Centro de Convenções de Pernambuco - Joel Ramalho Jr., Leonardo Tossiaki Oba e Guilherme Zamoner 118 Figura 3.25 - Residência Jader Köu - Marcos Acayaba 119 Figura 3.26 - Projeto de residência em Tarumã, Manaus, AM – Severiano Porto. 121 Figura 3.27 - Plantas baixas da residência em Tarumã 122 Figura 3.28 - Residência do Arquiteto Severiano Porto 122 Figura 3.29 - Centro Administrativo do Estado da Paraíba Tertuliano Dionísio 123 Figura 3.30 - Edifícios da Universidade Federal da Paraíba - Leonardo Stuckert Filho. 123 Figura 3.31 - Estádio Ministro José Américo de Almeida – Almeidão - 133 Raul Cirne. Figura 3.32 - Estádio Governador Ernani Sátiro - Amigão 125 Figura 3.33 - Estação telefônica TELPA - Sérgio Teperman 125 Figura 3.34 - Estação telefônica TELEPARÁ - Sérgio Teperman 125 Figura 3.35 - Estação telefônica TELERN – Sérgio Teperman 125 Figura 3.36 - Caixa Econômica Federal - Jerônimo Lima e Carlos Pontual. 126 Figura 3.37 - Sede da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP/PB) - Cydno Silveira & Amélia Gama 128 Figura 3.38 - Sede da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP/PB) - Cydno Silveira & Amélia Gama 128 Figura 3.39 - Edifício do Ministério da Fazenda – J. Pessoa-PB 129 Figura 3.40 - Biblioteca Central da UFPB - José Galbinski e Armando Carvalho 129 CAPÍTULO 4 - Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico Figura 4.1 - Experimentação técnico-expressiva na tipologia de hotéis - Sérgio Bernardes: (a) Hotel Tambaú; (b) Hotel de Recife, (c ) Maquete do Hotel Tropical de Manaus 136 Figura 4.2 - Croquis Hotel Tambaú – por Sérgio Bernardes 138 Figura 4.3 - Banco de areia onde foi implantado o Hotel Tambaú 138 Figura 4.4 - Hotel Tambaú logo após sua inauguração/1971 138 Figura 4.5 - Croquis da relação transeunte/ inclinação do talude gramado da estrutura formal do hotel 139 Figura 4.6 - O Hotel visto da Praia de Manaíra 139 Figura 4.7 - O Hotel visto da Praia do Cabo Branco 139 Figura 4.8 - Vista área atual do Hotel Tambaú 140 Figura 4.9 - Plantas Baixas dos principais níveis do Hotel Tambaú 142 Figura 10 - Corte esquemático –croquis Sérgio Bernardes 143 Figura 4.11 - Praia de Tambaú à época da construção do hotel 143 Figura 4.12 - Diferentes poéticas construtivas 144 Figura 4.13 - Vista geral do embasamento – em construção 146 Figura 4.14 - Taludes do pátio interno 146 Figura 4.15 - Estrutura do talude em concreto armado 147 Figura 4.16 - Detalhe do shed entre o talude e a cobertura 147 Figura 4.17 - Circulação interna apartamentos – nível 5,00m 147 Figura 4.18 - Circulação interna apartamentos – nível 10,25 147 Figura 4.19 - Função simbólica da areia sobre o talude 148 Figura 4.20 - Acesso principal do Hotel 148 Figura 4.21 - Tectônica da leveza: (a) vista das varandas em balanço; (b) vista de uma das passarelas que unem os anéis do hotel. (c) Vista do terraço do anel de serviços. 150 Figura 4.22 - Painel de cobogós cerâmicos 151 Figura 4.23 - Fechamentos em tijolos cerâmicos maciços à vista 151 Figura 4.24 - Área de lazer com visão para o mar 153 Figura 4.25 - Vista externa da porção Leste do Hotel 154 Figura 4.26 - Vista externa da porção Leste do Hotel 154 Figura 4.27 - Embasamento de pedras calcárias - porção Leste 154 Figura 4.28 - Detalhe do “porão de pedras” – quebra-mar. 156 Figura 4.29 - Vista externa do hotel na maré alta 156 Figura 4.30 - Detalhe da esquadria em um dos terraços de lazer 156 Figura 4.31 - Seção transversal em 3D - laje dupla da estrutura 158 Figura 4.32 - Sistema de viga-pilar-laje disposto em posição inclinada 158 Figura 4.33 - Seção transversal mostrando o acesso/túnel de serviço 159 Figura 4.34 - Portão e túnel do Acesso de Serviço 160 Figura 4.35 - Acesso /saída para a praia. 160 Figura 4.36 - Caixa d’água - contraponto à horizontalidade do hotel 162 Figura 4.37 - Caixa D’água de Olinda – PE (1934) 162 Figura 4.38 - Caixa D’água Anhembi Tênis Clube (1961) 162 Figura 4.39 - Espaço Cultural José Lins do Rego (1980-1982) 165 Figura 4.40 - Indústria Farmacêutica Schering (1974) - RJ. 165 Figura 4.41 - Vista do Nível 0,00/+1,00 – Modelo Gráfico Digital 3D 166 Figura 4.42 - Vista do Nível +5,175 - Modelo Gráfico Digital 3D 166 Figura 4.43 - Vista do Nível -2,00 - Modelo Gráfico Digital 3D 167 Figura 4.44 - Vista aérea do Espaço Cultural 168 Figura 4.45 - Croquis de implantação 168 Figura 4.46 - Relação Sítio/ Estrutura Formal 169 Figura 4.47 - Projeção da coberta sobre o passeio público 169 Figura 4.48 - Esquema da relação Earthwork/Roofwork 170 Figura 4.49 - Vista parcial dos ambientes no subsolo sob a praça 170 Figura 4.50 - Portões de acesso aos ambientes do subsolo 170 Figura 4.51 - Biblioteca à época da inauguração-1983 170 Figura 4.52 - Vista da Praça do Povo, com canteiros de árvores 171 Figura 4.53 - Vista parcial de um dos mezaninos 171 Figura 4.54 - Embasamento da edificação - fachada noroeste 172 Figura 4.55 - Embasamento da edificação - fachada sudoeste 172 Figura 4.56 - Módulo estrutural circunscrito em um quadrado de 10x10 metros. 174 Figura 4.57 - Planta baixa da praça do Espaço Cultural, mostrando modulação retangular dos apoios 174 Figura 4.58 - Simulação simplificada da deflexão da treliça espacial 174 Figura 4.59 - Detalhe da estrutura metálica apoiada por pilares- árvores. 176 Figura 4.60 - Detalhe pilar-árvóre e rótula de sustentação e fixação. 176 Figura 4.61 - Pilar-árvore - Pavilhão de Exposições do Parque Anhembi – SP. 176 Figura 4.62 - Continuidade rítmica dos pilares-árvores 177 Figura 4.63 - Estrutura do mezanino em laje protendida 178 Figura 4.64 - Sistema estrutural da laje do piso da praça 180 Figura 4.65 - Execução do pilares 180 Figura 4.66 - Vista parcial de um dos pilares de sustentação da laje de piso da praça 180 Figura 4.67 - Passarela técnica existente na cobertura 180 Figura 4.68 - Seção em 3D - sistema estrutural de “caixa de metro” 181 Figura 4.69 - Circulação vertical - acesso ao restaurante 182 Figura 4.70 - Vista panorâmica da cidade a partir do restaurante do 182 Pedra Bonita Figura 4.71 - Vistas do planetário à época da construção. 184 Figura 4.72 - Planetário, visto do exterior 184 Figura 4.73 - Planetário, visto do interior 186 Figura 4.74 - Mezanino 186 Figura 4.75 - Painéis de vidro como elemento de vedação 186 Figuras 4.76 e 4.77 – Vistas dos elementos de vedação do pavimento superior 186 Figura 4.78 - Painéis em concreto aparente nas divisórias das cabines de estudo da biblioteca. 186 Figura 4.79 - Expressividade da luminária/ coletores de águas pluviais 188 Figura 4.80 - Detalhes de fixação 188 Figura 4.81 - Provocação sensorial através das águas das chuvas 188 Figura 4.82 - Exemplos de uso da água como elemento arquitetônico e de provocação sensorial por Bernardes 189 Figura 4.83 - Placas acústicas do teatro de arena 191 Figura 4.84 - Detalhe da fixação das placas acústicas 191 Figura 4.85 - Placas acústicas do Teatro Paulo Pontes 191 Figura 4.86 - Balcões do teatro em madeira – material com função acústica e estética. 192 CAPÍTULO 5 - Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo Figura 5.1 - Inserção do Terminal no Centro Histórico de J. Pessoa 200 Figura 5.2 - Vista aérea do Terminal Rodoviário 200 Figura 5.3 - Implantação no lote com indicações dos acessos 201 Figura 5.4 - Implantação do da Rodoviária de João Pessoa 201 Figura 5.5 - Corte Transversal - Distribuição das funções 202 Figura 5.6 - Vista panorâmica do embarque 202 Figura 5.7 – Vista do pavimento térreo (níveis +1,30 e 0,00) 203 Figura 5.8 – Vista do mezanino (nível + 2,60) 203 Figura 5.9 - Setor de embarque com as bilheterias 204 Figura 5.10 - Vista do interior do terminal 204 Figura 5.11 – Vista do portão de desembarque 205 Figura 5.12 - Croquis mostrando a relação earthwork/roofwork 206 Figura 5.13 - Sistema Estrutural de Pórtico Biarticulado 207 Figura 5.14 - Gráficos da variação do esforço de flexão 207 Figura 5.15 - Detalhe da variação da seção transversal dos pórticos 207 Figura 5.16 - Material elaborado para o concurso do terminal - 1976 209 Figura 5.17 - Continuidade rítmica dos pórticos 210 Figura 5.18 - Continuidade rítmica dos pórticos 210 Figura 5.19 - Modelo gráfico digital mostrando variação dos pórticos 211 Figura 5.20 - Movimento dos pórticos visto do espaço interno 211 Figura 5.21 - Ruptura do ritmo contínuo dos pórticos 212 Figura 5.22 - Croquis de Glauco Campello 213 Figura 5.23 - Detalhe pórtico e cobertura 215 Figura 5.24 - Detalhe das junções entre esquadrias de madeira, concreto aparente e cerâmica esmaltada 215 Figura 5.25 - Vista parcial do saguão de espera (cota 0,0) 215 Figura 5.26 - Vista parcial dos blocos de serviço 216 Figura 5.27 - Vista de um dos portões embarque/desembarque 216 Figura 5.28 - Vista dos blocos de serviço - “função de pódium” 217 Figura 5.29 - Vista do Terminal Rodoviário de Campina Grande 219 Figura 5.30 - Acesso ao terminal (área de embarque) 219 Figura 5.31 - Plataformas de embarque e desembarque 219 Figura 5.32 - Implantação no lote com indicações dos acessos 220 Figura 5.33 - Implantação do Terminal Rodoviário de C. Grande 220 Figura 5.34 - Vista do pavimento térreo (níveis +1,30 e 0,00) 222 Figura 5.35 - Vista do mezanino (nível + 2,60) 222 Figura 5.36 - Corte Transversal 223 Figura 5.37 - Vista panorâmica do terminal 223 Figura 5.38 - Igreja Episcopal, em Brasília, 1961 223 Figura 5.39 - Restaurante de Fábrica – Ascoli, 1974 223 Figura 5.40 - Volumetria do terminal 224 Figura 5.41 - Sistema estrutural da cobertura do envoltório espacial 226 Figura 5.42 - Redução do atributo da leveza da treliça espacial 226 Figura 5.43 - Inexpressividade do pilar 227 Figura 5.44 - Cobertura como protagonista da cena arquitetônica 227 Figura 5.45 - Terminal Rodoviário de Maceió –AL, (1980-82) 228 Figura 5.46 - Hering do Nordeste S.A, Paratibe, PE, 1979-88 228 Figura 5.47 - Centro Administrativo do Banco do Nordeste do Brasil S/A, Fortaleza,CE, 1981-85 228 Figura 5.48 - Espaço Cultural de João Pessoa 228 Figura 5.49 - Detalhe da calha e decida das águas pluviais 230 Figura 5.50 - Blocos de lojas do mezanino 230 Figura 5.51 - Blocos das bilheterias 230 Figura 5.52 - Detalhe tectônico proveniente diferentes texturas e cor dos materiais 232 O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 26 INTRODUÇÃO Este trabalho investiga as interações entre a expressividade arquitetônica e suas determinações construtivas. Parte-se da premissa de que o diálogo que se estabelece, indissociavelmente, entre expressividade e materialidade é intrínseco à arquitetura, assim como, a todo produto artístico. Como atividade essencialmente ordenadora, a concepção arquitetônica harmoniza os critérios de conceito e técnica, sendo imprescindível a consideração dos aspectos construtivos necessários à concreção da estrutura formal do objeto arquitetônico. O estudo dessas interações se baseia no conceito de tectônica conforme o entendimento de Kenneth Frampton, como uma das dimensões essenciais da arquitetura referente à poética construtiva, aquela que conjuga o estético e o simbólico ao técnico: “A arquitetura possui um caráter quintessencialmente tectônico através do qual parte de sua expressividade intrínseca é inseparável da maneira precisa de sua construção”1 (FRAMPTON,1999. p.23). O caráter tectônico pode ser entendido como uma das condições próprias da arquitetura decorrente das interações entre os princípios estético-formais e simbólicos - intencionais e desejados - e os recursos materiais e técnicos requeridos e utilizados para seu alcance, ou simplesmente, entre a ordem estético-formal e a ordem técnica. 1 Texto original: “Architecture has a quintessentially tectonic character whereby part of its intrinsic expressivity is inseparable from the precise manner of its construction” (FRAMPTON, 1999; p. 23). As traduções contidas neste trabalho foram feitas pela autora e corrigidas por Diógenes Pereira. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 27 Esse conceito é adotado nesta pesquisa, após um estudo aprofundado do significado polissêmico do termo, utilizado por esse autor e demais estudiosos do tema, bem como, dos fundamentos teóricos da tectônica que Kenneth Frampton estabelece para análise da arquitetura, no seu livro Studies in a Tectonic Culture, publicado em 1995. A publicação dessa obra instigou o debate sobre tectônica no discurso arquitetônico contemporâneo na América do Norte, encontrando repercussão além de suas fronteiras. A dimensão ou caráter tectônico não significa exclusão ou sobreposição de outra dimensão essencial da arquitetura – a espacial. Para Frampton (1999) essas duas dimensões – a tectônica e a espacial – são complementares. Entretanto, é a tectônica o alvo de suas análises. Estudar o caráter tectônico da arquitetura significa direcionar o olhar sobre o envoltório do espaço arquitetural em sua dimensão material e tátil, focalizando os nexos entre o estético e o técnico. Significa buscar compreender a influência recíproca entre construção formal da arquitetura e concepção técnico-construtiva. É nesse sentido que Frampton (1995), na sua releitura de obras arquitetônicas modernas de seis grandes mestres2 dos séculos XIX e XX, identifica uma qualidade estética inerente à poética construtiva, fruto de uma cultura tectônica. Nesta, a dimensão estética da arquitetura encontra sua força e autenticidade no potencial expressivo da estrutura e dos materiais e técnicas construtivas o que caracteriza segundo Frampton (1995, p.247), a linha tectônica do Movimento Moderno que se desenvolve de August Perret a Carlo Scarpa. No entanto, como essência da arquitetura o caráter tectônico pode se expressar de diferentes modos a partir das inúmeras possibilidades de interações entre expressividade e materialidade, variando no tempo e no espaço, e condicionado a fatores circunstanciais. As diferentes 2 Auguste Perret, F.L.Wright, Mies van der Rohe, Louis Kahn, Jonh Utzon, Carlo Scarpa. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 28 manifestações decorrentes da ação mútua entre o estético e o técnico na arquitetura são identificadas neste trabalho como diversidade tectônica. Essa diversidade tectônica pode ser encontrada na Arquitetura Moderna que também se manifesta de diferentes modos, conforme as circunstâncias de cada lugar e tempo, como relatam em suas versões historiográficas, por exemplo, Argan (1992), De Fusco (1981) e o próprio Frampton (1997). Na Arquitetura Moderna Brasileira, pode-se identificar essa diversidade tectônica, que decorre do modo de adequar-se os princípios gerais modernos às distintas condições de produção de edifícios no país, nas variadas trajetórias de seu desenvolvimento, tanto na fase heroica (1930- 1960), como nos momentos que lhe são posteriores, em particular, no período entre meados dos anos de 1960 e início dos anos 1980, considerado por Spadoni (2003), uma fase de transição3 do moderno nacional para a experiência contemporânea. O que chama a atenção é o fato dessas vertentes resultarem, em grande medida, da leitura que esses estudiosos fazem do envoltório material do espaço arquitetural, mais precisamente, dos nexos que se estabelecem entre o fazer artístico e a cultura técnica. Ou seja, é a leitura do caráter tectônico, predominantemente, que fundamenta grande parte dessas classificações, o que corrobora para a importância do olhar sobre essa dimensão da arquitetura. Pode-se dizer que é justamente essa mirada sobre a dimensão técnico- expressiva que leva Spadoni (2003, p.276) a concluir que há uma persistência da “aventura moderna brasileira”, assim como, a “sedimentação 3 Embora o título da tese de Spadoni se refira à década de 1970 como a fase de “transição do moderno” brasileiro, no seu texto ele esclarece que: “Esse período de transição de nossa matriz moderna começa seguramente, em meados da década de 1960, ou seja, após o advento da ditadura militar, e se esgota – para a área da arquitetura – no início de 1980, quando surge o primeiro confronto com o renovado debate internacional, já em curso desde a década anterior” (SPADONI, 2003, p. 67). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 29 de uma cultura técnica de grande sofisticação”, apesar dos dilemas e desafios que caracterizam o contexto da produção arquitetônica “após Brasília”, principalmente, entre a virada para os anos de 1970 e início dos anos 1980. É nesta perspectiva que se coloca a importância de se investigar a dimensão tectônica das obras dos arquitetos Sérgio Bernardes e Glauco Campello, construídas nesse período no Estado da Paraíba. Como o caráter tectônico se expressa nessa arquitetura? Que diferentes tectônicas do moderno brasileiro heroico podem ser encontradas nessas obras? Estas questões permeiam este trabalho que tem como objetivo principal analisar o caráter tectônico das obras de Sergio Bernardes e Glauco Campello, construídas na Paraíba, entre a virada para década 1970 e início dos anos 1980, a fim de trazer reflexões sobre a importância da poética construtiva na estrutura formal da arquitetura produzida, contribuindo para o debate sobre as especificidades e singularidades da arquitetura moderna produzida no Brasil. Para atingir tal intento, a pesquisa tem como objetivos específicos, assinalar os parâmetros analíticos oferecidos pelo conceito de tectônica adotado na pesquisa e delinear a diversidade tectônica da arquitetura moderna nacional produzida no período abordado. As obras dos arquitetos Sérgio Bernardes e Glauco Campello construídas na Paraíba, nesse período, constituem marcos referenciais do moderno brasileiro, apresentando características marcadas pelo emprego do concreto aparente em grande quantidade, cuja expressividade está associada à idéia de estrutura como definidora da forma, como é o caso do Hotel Tropical Tambaú (1968/1970), projetado por Sergio Bernardes e do Terminal Rodoviário de João Pessoa (1978/1982), projetado por Glauco Campello. Por outro lado, o Espaço Cultural José Lins do Rego, de 1979-1982, projetado também por Sérgio Bernardes, introduz no Estado, o uso da estrutura metálica, em grande escala, experimentando as possibilidades O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 30 plásticas do sistema de treliças espaciais metálicas, que permitem a fluidez do espacio decorrente dos grandes vãos necessários aos megaprojetos realizados na década de 19704. Paralelamente, em 1982, o Terminal Rodoviário da cidade de Campina Grande, no interior do estado, é projetado por Glauco Campello, seguindo a mesma configuração espacial do terminal de João Pessoa, entretanto experimentando a cobertura em treliça espacial metálica, talvez uma repercussão do sistema estrutural utilizado no Espaço Cultural em João Pessoa. Essas obras foram selecionadas para análise a partir dos seguintes critérios: 1) a relevância arquitetônica das inovações tecnológicas e estético-formais das obras introduzidas no Estado, influenciando, significativamente, a produção arquitetônica do lugar; 2) a importância da obra como marco referencial arquitetônico na Paraíba, projetado e construído no período de interesse da pesquisa; 3) a localização da obra, que permite a observação direta e a existência de dados documentais e físicos, que viabilizam uma análise mais aprofundada. A tese parte da hipótese de que há uma persistência na ênfase do caráter tectônico nas obras paradigmáticas construídas na Paraíba entre a virada para a década de 1970 e início dos anos 1980, em particular aquelas concebidas por arquitetos representantes de duas gerações modernistas brasileiras - Sérgio Bernardes e Glauco Campello - mesmo na perspectiva de mudança de paradigma proposta pela revisão do ideário moderno nacional no final do período abordado. Para a realização da investigação proposta, percorreram-se alguns caminhos, escolhidos como procedimentos metodológicos. O primeiro trajeto percorrido consistiu na revisão da bibliografia sobre a definição de tectônica 4 Essa mesma estrutura espacial metálica foi utilizada no Aeroporto Castro Pinto, no município de Santa Rita, também situado nesse Estado e que faz parte da grande João Pessoa. Essa obra não está incluída nas análises desta pesquisa devido à recente reforma que o descaracterizou completamente. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 31 dado o uso controverso do termo por Kenneth Frampton, a fim de se chegar ao conceito adotado neste trabalho. Partindo da leitura de seus textos e de sua principal obra – Studies in a Tectonic Culture (1995) – buscou-se, também, as obras de Gottfried Semper (2004)5, e de Carl Bötticher (1992)6 – tendo em vista o entendimento do termo tectônica por esses teóricos alemães, cujo pensamento contribuiu para o desenvolvimento da teoria arquitetural moderna fundada no racionalismo estrutural do século XIX, uma das bases da arquitetura moderna produzida nas primeiras décadas do século XX. Por outro lado, essa investigação buscou a compreensão do uso do termo pelo próprio Frampton em sua análise de obras modernas. A revisão não se limitou a esses teóricos da tectônica, foram revisitados tanto textos anteriores aos de Frampton, como o de Sekler (1965), por exemplo, como textos contemporâneos publicados nesse início do século XXI, a maioria em decorrência da repercussão suscitada pela obra de Frampton em 1995. O estudo das fontes bibliográficas supracitadas, além de permitir a constituição do conceito de tectônica adotado para esta investigação, também colaborou para o segundo caminho percorrido na pesquisa, que foi a definição dos seus parâmetros analíticos. A escolha desses parâmetros fundamentou-se no modelo teórico de Kenneth Frampton e sua aplicação na análise de obras modernas, destacando, entretanto, a análise das interações entre a expressividade arquitetônica e suas determinações construtivas. Se o foco da tectônica é o envoltório material do espaço arquitetônico, as interações entre expressão e construção se realizam, essencialmente, a partir das relações materiais que se estabelecem na arquitetura em 5 Publicada pela primeira vez em alemão entre 1860-1863 - Der Stil in den technischen und tektonischen Künsten; oder, Praktische Aesthetik” (Estilo nas Artes Técnicas e Tectônicas ou Estética Prática) - e traduzida para o inglês em 2004, por Harry Francis Mallgrave. 6 Texto publicado pela primeira vez em alemão no ano de 1864 – Das Prinzip der hellenischen und germanischen Bauweise hinsichtlich der Übertragung in die Bauweise unserer Tage” (Os princípios da construção helênica e alemã em termos de sua aplicação nos dias atuais) - e traduzido para o inglês em 1992 por Wolfgang Herrmann. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 32 diferentes níveis: (1) relação sítio e estrutura formal arquitetônica; (2) relação estrutura resistente e estrutura formal arquitetônica e (3) relação elementos de vedação e estrutura formal arquitetônica. Esses foram os parâmetros analíticos adotados para a análise tectônica das obras escolhidas, que permitem uma abordagem que vai desde a escala do sítio aos detalhes construtivos, verificando em cada nível, como os materiais, suas funções e técnicas influem e condicionam o resultado estético da arquitetura. Para um melhor esclarecimento da relação entre estrutura resistente e estrutura formal arquitetônica recorreu-se aos estudos e considerações de Angus Macdonald (2001) e João Marcos Lopes (2006), que comungam com os princípios que fundamentam o conceito de tectônica. Uma revisão bibliográfica sobre a cultura arquitetônica moderna brasileira, também foi realizada no sentido de fundamentar o contexto da produção da arquitetura, com vistas à compreensão do modo como os aspectos técnico- expressivos da arquitetura moderna se distinguem em função do ambiente cultural e sócio-político brasileiro, no marco temporal proposto. O estudo se baseia nas principais pesquisas realizadas sobre o período no Brasil, ressaltando a tese doutoral de Francisco Spadoni, por conter uma revisão aprofundada sobre o período e o levantamento das principais vertentes arquitetônicas por ele identificadas, ainda que não contemple a produção arquitetônica na Paraíba. Outra obra importante sobre o contexto dessa produção consultada nesta pesquisa é a realizada por Segawa (1999), que traz um panorama geral do contexto político, econômico e cultural do período, ressaltando os principais tipos edilícios construídos em função do programa de integração promovido pelo governo autoritário e com os recursos que surgem com o “milagre econômico brasileiro”. Também a obra de Maria Alice Junqueira Bastos (2007) e alguns textos reunidos por Andreoli & Forty (2004) e Montezuma (2008), trazem à mostra um conjunto de obras realizadas nas diversas O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 33 regiões brasileiras no período em apreço, assinalando da produção arquitetônica após a construção de Brasília. Os trabalhos de Arantes (2002) e Koury (2003), sobre a obra do grupo Arquitetura Nova, trazem uma produção alternativa de arquitetura em que se enfatiza a dimensão tectônica, buscando uma prática profissional com base numa ética construtiva, em que as interações entre o estético e o técnico se dão a partir da verdade dos materiais, fundada em uma causa social. Nesse percurso, também, se busca compreender o lugar onde as obras escolhidas para análise são construídas, compreensão esta que pela escassez de estudos específicos, respalda-se nos trabalhos acadêmicos recentemente realizados7 e nos periódicos especializados publicados no período. Ressalta-se, ainda, a colaboração das obras de Gonçalves (1999) e Fernandes (1999), que tratam, respectivamente, das questões urbanas e das atividades produtivas no Estado da Paraíba naquele momento. O terceiro caminho percorrido, paralelamente à revisão bibliográfica, foi a coleta de dados documentais das obras selecionadas para estudo, nos arquivos disponíveis em órgãos públicos, como o Setor de Construção do Arquivo Central da PMJP (Prefeitura Municipal de João Pessoa); o arquivo da Secretaria de Planejamento do Estado da Paraíba – SUPLAN, o do CREA-PB, e o arquivo DNER8-PB, órgão responsável pela fiscalização da construção e manutenção dos terminais rodoviários de João Pessoa e Campina Grande, bem como das demais cidades da Paraíba. Também foram consultados os arquivos específicos, como o setor de Manutenção do Hotel Tambaú, onde se obteve arquivos digitais das reformas recentemente realizadas, os quais ajudaram no redesenho do Hotel Tambaú, e o Arquivo Histórico da FUNESC – Fundação Espaço Cultural - onde se conseguiu fotos da época da construção do Espaço Cultural. Igualmente, o CREA-PB e 7 Ressaltando os trabalhos de Ricardo Araújo (2010), Fúlvio Pereira (2008) e Adriana Leal Freire (2007). 8 Atual DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 34 o Setor Administrativo da Rodoviária de Campina Grande disponibilizaram parte de seu registro fotográfico das obras da construção do Hotel Tambaú e de fotos recentes do Terminal de Campina Grande, respectivamente. Dada a precariedade dos documentos encontrados, particularmente a documentação gráfica dos projetos, foram realizados levantamentos físicos, registros fotográficos da situação atual e modelagem geométrica tridimensional, através de ferramenta digital, dos projetos das obras a fim de obter uma compreensão mais aprofundada da proposta arquitetônica e da materialização da sua construção. Os modelos tridimensionais digitais também foram utilizados para dar suporte às análises, constituindo um instrumento importante de registro do projeto original, dadas as inúmeras intervenções, e mesmo modificações, constatadas nas visitas às obras, as quais descaracterizam a proposta arquitetônica original. Nesse percurso, também, foram realizadas entrevistas com profissionais que participaram da construção das obras realizadas. Essas entrevistas tinham como principal objetivo obter informações detalhadas sobre os dados técnicos relativos ao projeto de arquitetura e ao projeto estrutural, sobre os condicionantes físicos do sítio, como tipo de solo e fundação utilizada; sobre os recursos técnicos disponíveis, concepção estrutural, sobre os materiais e tecnologias utilizadas e sua disponibilidade no Estado; além da opinião pessoal sobre a contribuição dessas obras para a cultura técnica – arquitetura e engenharia - da Paraíba. Na sequência desses percursos, o quarto caminho trilhado foi o da aplicação dos parâmetros analíticos da tectônica, ou seja, a análise propriamente dita do caráter tectônico das obras escolhidas. O primeiro passo foi estudar o projeto como um todo, analisando conjuntamente o levantamento fotográfico O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 35 atual e as fotos da época da construção9. Em seguida, debruçou-se sobre cada parâmetro da análise tectônica, buscando as interações entre o resultado plástico e a solução técnico-construtiva para sua concreção em cada nível analisado. À medida que a análise avançava, foram verificadas as relações tectônicas do objeto pesquisado com os elementos característicos da arquitetura produzida tanto na fase heroica do moderno brasileiro como no próprio período em que as obras foram concebidas e construídas, ou seja, na fase de “transição” do moderno brasileiro. Algumas comparações entre as obras analisadas foram surgindo à medida que se avançava na pesquisa. Finalmente, chegou-se ao último passo desse caminho em que reflexões, comparações e discussões com base nos resultados obtidos, sob a ótica tectônica, foram realizadas para constituir as considerações finais. Os procedimentos acima levaram à estruturação desta tese em seis capítulos. O Capítulo 1 – Tectônica na Teoria da Arquitetura – trata da fundamentação teórica sobre a utilização do termo tectônica no discurso arquitetural, realizada, a partir Kenneth Frampton, percorrendo os textos de outros estudiosos da tectônica, para se chegar ao conceito contemporâneo de tectônica adotado nesta pesquisa. O Capítulo 2 – Nexos Tectônicos da Arquitetura – trata da definição dos parâmetros analíticos utilizados nas análises das obras escolhidas a partir do conceito de tectônica e dos subsídios fornecidos pela fundamentação teórica presentes no Capítulo 1. 9 Especificamente as fotos da construção do Hotel Tambaú e Espaço Cultural. As fotos dos terminais rodoviários tiradas durante a construção não foram encontradas nos arquivos investigados, em particular os do DER-PB. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Introdução 36 O Capítulo 3 – No Contexto da Cultura Arquitetônica – trata dos contornos específicos das obras escolhidas para análise, com o objetivo de compreender o modo como os aspectos técnico-expressivos da arquitetura moderna distinguem-se em função do ambiente cultural e sócio-político brasileiro, no marco temporal proposto. O Capítulo 4 – Sérgio Bernardes: Experimentalismo Tectônico – apresenta o resultado das análises das obras realizadas por esse arquiteto em João Pessoa – Hotel Tambaú e Espaço Cultural - a partir da aplicação dos parâmetros analíticos da tectônica. O Capítulo 5 – Glauco Campello: A Tectônica do Abrigo – apresenta o resultado das análises das obras realizadas por esse arquiteto na Paraíba – Terminal Rodoviário de João Pessoa e Terminal Rodoviário de Campina Grande – a partir da aplicação dos parâmetros analíticos da tectônica. O Capítulo 6 – Considerações Finais – apresenta as reflexões, comparações e conclusões sobre as análises e pesquisa realizadas. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 40 1 TECTÔNICA NA TEORIA DA ARQUITETURA A atenção às interações entre os aspectos estéticos e materiais fundamenta o uso do termo “tectônica” no âmbito da arquitetura. Embora esse uso se origine na teoria moderna da arquitetura em sua abordagem racionalista e estrutural do século XIX, principalmente a alemã, o termo tectônica ressurge no discurso arquitetural na segunda metade do século XX juntamente com outros temas oriundos de outras vertentes filosóficas como a fenomenologia, o estruturalismo, a semiótica, que passam a alimentar o discurso arquitetural1. Entretanto, é após a publicação do livro de Kenneth Frampton Studies in a Tectonic Culture, em 1995, que a discussão em torno da tectônica ganha repercussão na teoria da arquitetura contemporânea. Nessa obra, Frampton apresenta um novo ângulo de interpretação da arquitetura sob a ótica da tectônica, fundamentado nas diferentes definições desse termo que ele toma emprestado dos teóricos alemães2 do século XIX. Ao estabelecer as bases teóricas da tectônica, K. Frampton faz referência ao termo ora como um modo de expressão arquitetural, ora como sistema construtivo. Esse modo dúbio de utilizar o termo tectônica passa a ser alvo de muitas críticas, o que o leva, em resposta aos seus críticos, a retomar o tema em dois momentos posteriores, procurando melhor esclarecer e definir 1 Esses assuntos são tratados em conjunto por Kate Nesbitt (2006), em sua obra “Uma Nova Agenda para a Arquitetura: antologia teórica 1965-1995”. 2 Principalmente, Karl Bötticher em sua obra “Die Tektonik der Hellenen” (A tectônica dos Helenos), publicada em 1842-1852 e Gottfried Semper no livro “Der Stil in den technischen und tektonischen Künsten; oder, Praktische Aesthetik” (Estilo nas Artes Técnicas e Tectônicas; ou, Estética Prática), publicado em 1860-1863. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 41 o que entende por tectônica: trata-se do ensaio publicado em 1998 – Between Earthwork and Roofwork, Reflections on the Future of the Tectonic - e do discurso inaugural no 20o Congresso da UIA em Beijing, em junho de 1999, intitulado The Seven points of The Mileniun: an untimely manifesto3.. Neste capítulo é feita uma revisão sobre o uso polissêmico do termo a partir de K. Frampton, percorrendo outras definições de outros estudiosos da tectônica, com o objetivo de se chegar ao conceito contemporâneo de tectônica adotado nesta pesquisa. 1.1 Tectônica na Teoria Crítica ao Pós-Modernismo. Um olhar pela trajetória do uso da tectônica4 no discurso de Frampton observa-se que o termo emerge no momento do debate crítico ao pós- modernismo, como resistência e crítica à tendência em determinadas práticas contemporâneas de reduzir a arquitetura à cenografia, em dois ensaios: “Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance”, publicado em 1983, e “Rappel à l’Ordre: The Case for the Tectonic”, publicado em 19905. No primeiro, embora a forte polêmica decorrente desse texto – sobre o regionalismo crítico - seja em torno do interesse fenomenológico na especificidade do lugar, o conceito de tectônica é associado ao de topografia, contexto, clima e luz e, principalmente, ao de place-form (forma do lugar ou caráter do lugar), como resistência ao uso que se faz da tecnologia sem consideração à cultura do lugar. Frampton considera a tectônica como um dos princípios essenciais à autonomia arquitetônica 3 Publicado posteriormente no The Journal of Architecture, Volume 5, Spring 2000. 4 Magnificamente sintetizada por Legault (2005). 5 Os quais são republicados no livro “Labour, Work and Architecture – Collected Essays on Architecture and Design”, uma antologia de textos do próprio Frampton, em 2002. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 42 juntamente com essa consciência do lugar e com a dimensão tátil da arquitetura em oposição ao cenográfico aplicado à estrutura portante ou resistente: [...] o princípio fundamental da autonomia arquitetônica reside na tectônica e não no cenográfico: isso quer dizer que, essa autonomia está contida nos ligamentos revelados da construção e na maneira pela qual a forma sintática da estrutura resiste explicitamente à ação da gravidade. É obvio que esse discurso entre a carga suportada (viga) e o suporte da carga (coluna) não pode existir onde a estrutura é escondida ou camuflada. Por outro lado, a tectônica não pode ser confundida com o puramente técnico, pois ela é mais do que a simples revelação da estereotomia ou da expressão do esqueleto estrutural. Sua essência foi primeiramente definida pelo esteta alemão Karl Bötticher no seu livro Die Tektonik der Hellenen; e foi talvez melhor resumida pelo historiador da arquitetura Standford Anderson. (FRAMPTON, 2002, p. 88) 6. Nesse mesmo texto, publicado pela primeira vez em 1983, Frampton cita o conceito do historiador Standford Anderson (1980) para quem a tectônica se refere “não apenas à atividade de produzir a construção materialmente necessária [...] mas, antes, à atividade que eleva a construção ao nível de produto artístico [art form]”7, ou seja, tectônica como arquitetura. No segundo artigo, "Rappel à l’Ordre : The Case for the Tectonic”, publicado em 1990, embora a referência à tectônica como categoria crítica seja mais enfática, atacando declaradamente o galpão decorado de Robert Venturi, Frampton amplia a noção de tectônica trazendo à baila os fundamentos do termo tratados pelos teóricos alemães do século XIX Karl Bötticher e 6 Tradução do texto original: “[...] the primary principle of the architectural autonomy resides in the tectonic rather than the scenographic: that is to say, this autonomy is embodied in the revealed ligaments of the construction and in the way in which the syntactical form of the structure explicitly resists the action of gravity. It is obvious that this discourse of the load borne and the load-bearing cannot be brought into being where the structure is masked or otherwise concealed. On the other hand, the tectonic is not to confused with the purely technical, for it is more than the pure revelation of the stereotomy or the expression of the skeletal framework. Its essence was first defined by the German aesthetician Karl Bötticher in his book Die Tektonic der Hellenen (1852), and perhaps best summarized by the architectural historian Stanford Anderson”. 7 Frampton cita parte do texto de Anderson contido no ensaio “Modern Architecture and Industry: Peter Behrens, the AEG, and Industrial Design”, publicado na revista Oppositions, n° 21, 1980, no qual ele analisa a obra de Behrens com base na teoria do alemão Karl Bötticher sobre tectônica. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 43 Gottfried Semper que ele retoma na introdução do livro Studies in a Tectonic Culture em 1995, e a partir dos quais ele ressalta o caráter dicotômico da tectônica, suspensa entre uma série de opostos como: o ontological / representational e stereotomic / tectonic, e que serão tratados neste trabalho mais adiante. Ao modo de Vittorio Gregotti (1983) e Marco Frascari (1984), e baseado na atribuição de Semper (2004) ao nó ou junção como componente presente na arte de construir, Frampton celebra a importância das junções entre os elementos materiais como lugar e origem do significado da arquitetura. Desse modo, o detalhe tectônico, isto é, o detalhe construtivo em harmonia com um princípio estético, além de narrar o modo de fazer a obra, é considerado um sistema de articulação com potencial transformador da linguagem arquitetônica. Nessa articulação entre as partes, os materiais e técnicas construtivas podem se revelar como fatores geradores da expressão do todo arquitetônico. 1.2 Tectônica na Abordagem Teórico-analítica Após sua emergência como argumento crítico no discurso de Frampton (1983 e 1990), a noção de tectônica é utilizada como teoria analítica, em Studies in a Tectonic Culture (1995). Resultante do processo iniciado nos textos anteriores, essa abordagem é ampliada a partir de fundamentos teóricos que Frampton busca estabelecer e que são aplicados no exame de obras modernas dos arquitetos Auguste Perret, Frank Loyd Wright, Mies van der Rohe, Jorn Utzon, Louis Kahn e Carlo Scarpa. Frampton considera que as reflexões sobre tectônica - compreendida por ele como poética da construção - podem mediar a prioridade dada ao espaço pelo pensamento moderno em arquitetura: O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 44 Sem querer negar o caráter volumétrico da forma arquitetural, este estudo visa mediar e enriquecer a prioridade dada ao espaço a partir da reconsideração dos modos construtivos e estruturais, através dos quais e por necessidade, ele [o espaço] deve ser obtido. Desnecessário dizer que não estou aludindo à mera revelação da técnica construtiva, mas antes ao seu potencial expressivo. À medida que o tectônico significa poética da construção ele é arte, mas nesse sentido a dimensão artística não é nem figurativa nem abstrata 8 . (FRAMPTON, 1995, p.2) Desse modo, Frampton tem seu foco voltado para o envoltório do espaço arquitetural em sua dimensão material e tátil, dando ênfase aos nexos entre a expressividade arquitetônica e sua materialização na construção. É sob esse ângulo que, ao reler as obras arquitetônicas dos grandes mestres, ele identifica uma corrente tectônica no Movimento Moderno, fruto de uma postura, ou mesmo de uma cultura tectônica, em que há uma apropriação do potencial expressivo da estrutura e dos materiais e técnicas construtivas com vistas ao alcance de uma qualidade estética autêntica e inerente ao fazer arquitetônico. Comentando sobre a origem dessa linha tectônica moderna ele esclarece: Como vimos, essa linha [tectônica] tem sua origem no século XIX, na prática de arquitetos como Henri Labrouste e nos escritos de Eugène Viollet-le-Duc, o qual argumenta que a verdade na arquitetura deve ser determinada em função dos duplos eixos do programa e da construção. Dentro dessa tradição, para Utzon, assim como, para Louis Kahn, “o que o edifício quer ser” dependia da incorporação de uma forma institucional dentro de uma estrutura expressiva 9 . (FRAMPTON, 1995, p.247) 8 Tradução do texto original: “Without wishing to deny the volumetric character of architectural form, this study seeks to mediate and enrich the priority given to space by a reconsideration of the constructional and structural modes by which, of necessity, it has to be achieved. Needless to say, I am not alluding to the mere revelation of constructional technique but rather to its expressive potential. In as much as the tectonic amounts to a poetics of construction it is art, but in this respect the artistic dimension is neither figurative nor abstract”. 9 Tradução do texto original: As we have seen, this line has its origins in the nineteenth century in the practice of such architects as Henri Labrouste and in the writings of Eugene Viollet-le-Duc, who argued that truth in architecture had to be determined about the twin axes of the program and the construction. Within this tradition, for Utzon, as for Louis Kahn, "what the building wants to be" has depended upon the embodiment of an institutional form within an expressive structure. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 45 Assim, retomando a relevância da consciência construtiva na ação projetual como meio de obtenção da “boa forma arquitetônica”10, Frampton (1995) oferece uma nova reflexão teórica sobre a produção moderna baseada na tectônica. Os fundamentos da tectônica, na argumentação analítica de Frampton (1995), são estabelecidos desde a etimologia do termo, passando pelas diferentes definições e usos da tectônica por Bötticher, Semper e Sekler, resultando no uso do termo em múltiplos sentidos, alvo principal das críticas à sua obra11. Retomando a etimologia do termo12, Frampton (1995) considera a tectônica, primeiramente, como uma prática ligada à “arte da fabricação”, referindo-se, geralmente, à construção do edifício considerada em sua dimensão artística, o que seria para muitos o próprio conceito de arquitetura. Importa para Frampton destacar a poética construtiva. A primeira referência à dimensão tátil da arquitetura é estabelecida pela relação entre o corpo, o sítio (o topos) e a obra construída, da qual decorre o fundamento teórico sobre a relevância da forma do lugar (placeform) e do embasamento (earthwork), ou seja, da importância fenomenológica da especificidade do lugar para a arquitetura, a importância do ato de conhecer o lugar como ponto de partida da arquitetura, que está presente em Gregotti 10 Auguste Choisy considerava a forma arquitetural como consequência lógica da técnica: “A essência da boa arquitetura foi sempre a construção” (BANHAM,2006, p.40). Choisy juntamente com os franceses Henri Labrouste e Viollet le Duc, assim como Willis na Inglaterra, desenvolvem um conceito de arquitetura com base nessa abordagem racionalista e estrutural, que na Alemanha é desenvolvida por Schinkel, Bötticher e Semper, fazendo uso do termo tectônica. 11 Andrew Ballantyne (1996) faz uma crítica aos cinco modos diferentes de Frampton usar o termo tectônica: (1) a construção considerada de maneira artística; (2) ossatura leve, em tensão; (3) qualquer forma construtiva incluindo a “estereotômica”; (4) a maneira de trabalhar um material - "tectônica do metal", “tectônica da pedra”, etc.; (5) "a-tectônico" em oposição ao tectônico; os quais Frampton (1998) busca esclarecer. 12 O termo “tectônica” deriva da palavra grega tekton que significa carpinteiro - o operário destro no trabalho da madeira - e alude a arte da fabricação de objetos em geral. Esse termo era atribuído também aos construtores de templos construídos em madeira. Essa designação profissional foi mais tarde ampliada e concedida aos mestres que se dedicavam a outras particularidades da edificação e utilizavam outros materiais: o adobe e o tijolo, a pedra, o cobre batido, o bronze, a cerâmica policromada. Passou a definir o operário ligado à construção (BARATA, 2009). Hoje o termo pode ser usado num contexto variado, como na biologia e geologia, mas, originalmente, era restrito ao ofício de carpinteiro e de construtor, que na Grécia antiga era chamado de tekton (SEKLER, 1965). A compreensão do termo evolui, por volta do século V a.C., para a noção de poética da fabricação. (FRAMPTON, 1995). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 46 (1985) e na prática projetual de Tadao Ando (1991), a quem Frampton recorre em seu texto. Para Gregotti (1985) o ambiente e os princípios de assentamento são a essência da produção arquitetônica, sendo fundamental para o ato arquitetônico de “construir o lugar”. Para Ando (1991) a prática projetual implica na necessidade de descobrir a arquitetura que o próprio sítio está pedindo. Para explicar essa relação do corpo humano com o ambiente e a arquitetura, ou seja, as percepções sensoriais humanas provocadas pela ambiência arquitetônica, Frampton toma como exemplo o detalhe da pavimentação do Parque Philopapou do arquiteto Dimitris Pikionis construído na década de 1950, cuja superfície provoca uma experiência que altera a cinética do corpo de quem a percorre com consequente impacto sensorial no sistema nervoso como um todo (Fig. 1.1). A intenção é assinalar a impressão que a textura dos materiais, a ressonância acústica do lugar, cheiros e cores, além da própria geometria dos volumes - no caso, os diferentes níveis e desenhos dos pisos - causam ao corpo humano. Sensações essas percebidas por outros sentidos que ultrapassam o sentido da visão e revelam a tendência do embasamento da edificação de transcender o estético e o funcional em nossas percepções. A referência à tatilidade da arquitetura também diz respeito à metáfora corporal. Frampton relaciona a capacidade do corpo de perceber o ambiente ao conceito de imaginação corporal desenvolvido pelo filósofo Giambatista Vico em 1730, para quem a linguagem, o mito e os costumes, são a herança metafórica das espécies trazida à existência através de suas realizações e experiências ao longo da história. A tangibilidade do objeto arquitetônico influencia essa experiência corporal, sendo essencial à nossa percepção da própria forma e espaço arquitetônicos, pois, revela sutilezas e significados que não podem ser apreendidos apenas pelo visual. A tectônica, na argumentação analítica, também se encontra suspensa entre uma série de opostos, sobretudo entre stereotomic/tectonic e ontological/ O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 47 representational, estabelecidos com base nas teorias de Semper e Bötticher, no século XIX, e entre tectonic/atectonic - a partir das reflexões de Sekler em meados de 1960. Essas dicotomias constituem, também, fundamentos teóricos da tectônica, que são aplicadas por Frampton (1995 e 1998) na análise das obras modernas e contemporâneas. Figura 1.1 Detalhe da pavimentação do parque Philopapou do arquiteto Dimitris Pikionis, em Atenas, 1951-1957. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 48 Stereotomic/Tectonic Essa dicotomia na abordagem tectônica está relacionada aos estudos etnográficos do teórico Gottfried Semper, constituindo a base de sua teoria, como esclarece Frampton (1995). Gottfried Semper (2004) acrescenta ao termo tectônica uma dimensão antropológica, a partir de uma investigação ampla da arte da fabricação de produtos artísticos em geral desde as culturas primitivas, com o objetivo de entender o que conduz a cada estilo, não limitando suas observações ao templo grego e gótico como faz Karl Bötticher. Entretanto, influenciado por este, considera que os princípios fundamentais do estilo de todo produto artístico, inclusive o arquitetural, são decorrentes do material e dos procedimentos técnicos usados na sua elaboração, e que estes “mudam radicalmente no tempo, de acordo com o lugar e com todas as outras circunstâncias possíveis” (SEMPER, 2004. p. 107). Partindo dessa premissa, Semper (2004) busca compreender a origem das formas e estilos arquitetônicos através de quatro técnicas artísticas tradicionais, que são classificadas a partir de quatro categorias de materiais em sua forma primitiva, de acordo com seus atributos e com seu propósito técnico: a técnica têxtil – o material primitivo é o tecido - flexível, dócil, adaptável, altamente resistente à ruptura; a técnica cerâmica – o material primitivo é a argila - maleável, plástico, facilmente modelado; a tectônica (carpintaria) – o material primitivo é a madeira - formato de bastão, vara, resistência relativa, resistente a forças trabalhando verticalmente ao longo do comprimento; a estereotomia (corte da pedra - masonry – construção de pedra, alvenaria, etc.) – o material primitivo é a pedra - forte, densamente agregado, resistente à compressão (Fig. 1.2). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 49 Figura 1.2 As quatro técnicas artísticas tradicionais, a partir de quatro categorias de materiais em sua forma primitiva, conforme Semper (2004): a técnica têxtil, a tectônica (carpintaria), a técnica cerâmica, e a estereotomia. Fonte: SEMPER, 2004. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 50 Apesar dessa divisão, Semper atenta para as inúmeras possibilidades formais resultantes das relações que se estabelecem entre essas técnicas e os materiais. Como por exemplo, a técnica cerâmica, de um modo geral, não se restringe a objetos executados em argila; pois, pode ser utilizada na fabricação de objetos de vidro, metal, uma vez que do ponto de vista material, são formados de uma substância mole (flexível) que foi endurecida e fixada. Por outro lado, a argila quando transformada em tijolos, telhas ou azulejos, pode ser relacionada tanto à técnica têxtil, revestindo as superfícies de paredes, quanto à técnica da estereotomia, quando cortados, empilhados e submetidos à compressão. Assim, mesmo definindo especificamente tectônica como a técnica da carpintaria, Semper (2004), reportando-se à tectônica em sua origem etimológica como arte da fabricação em geral, passa a utilizar as expressões: tectônica têxtil, tectônica do metal, tectônica da pedra, em referência à maneira de trabalhar e unir o material em questão, remetendo à técnica da carpintaria com um fim estético. Esse uso do termo tectônica como adjetivo constitui um dos parâmetros de análise de Frampton (1995). É nesse sentido que ele relaciona algumas obras de Frank Loyd Wright à tectônica têxtil, ao observar o uso que o arquiteto faz de ripas de madeira modulares (Fig.1.3 e 1.4), pré-fabricadas, assentadas horizontalmente como revestimento resistente às intempéries e também para unificar a superfície do volume da edificação e tratá-la nos moldes da alvenaria (FRAMPTON, 2001, p.102). Os blocos de concreto texturizados utilizados por Wright também constituem um exemplo da tectônica têxtil de Semper, concebidos pelo arquiteto como uma membrana envoltória de tecido em padrões que se assemelham aos tapetes orientais e que o levou a referir-se a si próprio como “tecelão” (Fig.1.5). Considerando, ainda, a presença da tectônica na origem mesma da arquitetura, Semper destaca sua importância como princípio orientador da estrutura formal arquitetônica desde os primórdios da civilização. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 51 Figuras 1.3 e 1.4 Frank Loyd Wright, Cata-vento Romeu e Julieta, em Wisconsin, EUA, de 1896 (à esq.) e Casa de Campo em Michigan, 1902 (à dir.). Fonte: FRAMPTON, 1995. Figura 1.5 Frank Loyd Wright, Residência Alice Millard, na Califórnia, EUA, 1928. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 52 De fato, os principais elementos da tectônica, enquanto arte da carpintaria, conforme classifica Semper: (1) a moldura (quadro) com seu correspondente enchimento; (2) a trama (treliça, grade); (3) os apoios; (4) a estrutura (integração dos apoios com a moldura) – são elementos da estrutura portante presentes em grande parte da estrutura formal arquitetônica. A evolução tecnológica e a descoberta de novos materiais permitem encontrar esses elementos da tectônica – enquanto técnica da carpintaria - constituídos de outros materiais como o ferro, o aço (composto de ferro e carbono). Como nos recorda Sigfried Giedion (1994), nos primórdios de utilização do concreto armado, assim como do ferro, adotam-se os mesmos sistemas estruturais utilizados para a madeira, compostos de vigas e pilares, elementos com uma boa extensão longitudinal dominante e que transmitem as cargas para o solo. Esse modo de usar o concreto armado remetendo à técnica da carpintaria, tanto do ponto de vista estrutural como do revestimento, é exemplificado por Frampton na obra de Auguste Perret (Fig. 1.6). Figura 1.6 Auguste Perret, Edifício 25 bis rue Franklin, em Paris, de 1903 – revestimento em terracota aplicado à estrutura, e imitando a madeira talhada. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 53 Ainda em sua obra Der Stil (publicada em 1868), relacionando o uso da técnica da carpintaria à cabana primitiva, Semper (2004) refere-se ao templo de mármore da Grécia Antiga como nada mais do que a petrificação da cabana primitiva de madeira. Entretanto, Semper, já no seu livro The Four Elements of Architecture and other wrintings, publicado em 1851, a partir da observação do modelo de uma cabana caribenha em bambu (Fig. 1.7), exposta durante a Grande Exposição de 1851, propõe um esquema teórico fundamentado numa conceituação antropológica compreendendo os quatro elementos da arquitetura antiga em sua forma pura e mais original: 1) uma lareira, 2) um aterro (fundação), 3) uma estrutura-telhado, e 4) uma membrana envoltória, que forma as paredes. Desse modo, ele desconsidera a cabana primitiva de Marc-Antoine Laugier apresentada em seu Ensaio sobre Arquitetura de 1753, como forma primordial de abrigo constituída de apenas um material (Fig. 1.8). Nesse sistema, a lareira (hearth) constitui o foco sagrado em torno do qual o todo toma ordem e forma, o primeiro e mais importante elemento da arquitetura, “o elemento moral da arquitetura”, o elemento que simboliza a ação humana, o que em termos atuais pode ser comparado ao espaço interior; o aterro (the mound) é o movimento de terra necessário ao assentamento do edifício; a estrutura-telhado corresponde ao arcabouço, e ao conceito de Semper de tectônica como a técnica da carpintaria, necessário à sustentação do quarto elemento que é a membrana envoltória (textural), considerada como ato diferenciador, pois, para ele a técnica têxtil - em sua função de atar, esticar, amarrar, prender para cobrir, envolver, proteger - constitui a base de todas as civilizações da mesma forma que o nó é o artefato estrutural primitivo básico, que predomina nas construções nômades (SEMPER, 1989). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 54 Figura 1.7 Desenho da cabana caribenha exposta na Grande Exposição de 1851, contendo os quatro elementos da arquitetura, conforme Semper (2004). Fonte: SEMPER, 2004. Figura 1.8 Imagem da cabana primitiva de Abbé Laugier na sua obra “Ensaio sobre Arquitetura”, de 1755. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 55 Frampton identifica nessas taxonomias de Semper – a partir das quatro técnicas artísticas com seus respectivos materiais, e dos quatro elementos da arquitetura - dois procedimentos materiais opostos da forma construída: o “stereotomics of the earthwork”, que pode ser traduzido para “estereotômica do terraplenagem”, correspondendo a sistemas construtivos caracterizados pelo empilhamento de unidades idênticas sujeitas à compressão; e o “tectonic of the frame”, traduzido como a “tectônica da estrutura”, que corresponde aos sistemas construtivos caracterizados pelo combinação de elementos de comprimentos variados, em tensão, para abraçar um campo espacial. No primeiro caso, representando o “peso” (massa), o stereotomic, alguns dos materiais mais comumente utilizados são a pedra e seus equivalentes aptos à compressão, como a rocha, o tijolo ou a terra batida, e mais tarde o concreto armado. No segundo caso, representando a “leveza”, o tectonic, o material usado ao longo da história é a madeira ou seus equivalentes como bambu e o vime. Apesar da importância dessa divisão Frampton lembra que existem casos em que a pedra é cortada, trabalhada, assim como o tijolo, e erguida de modo a tomar forma e a função de uma armação, como na obra de Antonio Gaudi (Fig.1.9) ou a Mandan House, construção típica da cultura indígena americana (Fig. 1.10). Figuras 1.9 e 1.10 À esquerda, abóbada em tijolo prensado na Casa Vicens, Barcelona, em 1878-1880; à direita, Mandan House, corte. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 56 Posteriormente, outros materiais podem ser associados a esses sistemas construtivos que representam a leveza, como as estruturas em metal – ferro e aço – as estruturas tensionadas, bem como, o concreto armado quando explorado em sua plasticidade através de vários sistemas estruturais como viga-pilar, cascas, etc. Frampton (1990) argumenta que esses dois procedimentos são tão recorrentes que geralmente ignoramos as consequências essenciais de suas diferenças, ou seja, o modo pelo qual tectonic tende para o céu, o aéreo, para a luz e para a desmaterialização da massa; enquanto que stereotomic tende para o telúrico, para a escuridão, para a terra, para a materialização. Como exemplo da aplicação dessa dicotomia stereotomic/tectonic como parâmetro analítico da tectônica por Frampton (1995), podemos citar suas análises das residências projetadas por Mies Van Der Rohe no início de sua carreira profissional, nas quais Frampton identifica essa relação dicotômica na oposição binária do uso do tijolo, como massa estereotômica pesada, em compressão, e o potencial tectônico do vidro e do aço, como materiais que permitem sistemas construtivos leves. Essa dicotomia também é vista por ele como o conflito entre a tradição e a inovação – uso da técnica tradicional do tijolo para abarcar o espaço versus utilização de grandes painéis em estrutura de aço e vidro, permitindo transparência e nova relação entre interior/exterior - (Fig. 1.11 e 1.12). No final da década de 1920, a opacidade pesada da massa de tijolo é substituída pela translucidez da luz do vidro industrializado, que passa a ser a matéria prima da arquitetura de Mies, que juntamente com a estrutura em aço constituem um sistema construtivo estritamente tectônico. Frampton (1995) também relaciona essa dicotomia sterotomic/tectonic às duas partes do todo arquitetônico, respectivamente: o embasamento ou aterro (earthwork) e o envoltório do espaço sobre o mesmo (roofwork). Referindo-se à importância dada por Semper às junções, ou articulações, entre as partes do todo arquitetônico, Frampton considera que na passagem O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 57 do earthwork para o roofwork, essa ênfase (nas junções) implica numa transição sintática fundamental, própria da essência da arquitetura, uma vez que é principalmente nessa passagem que uma cultura da construção se diferencia de outra. Os seja, essa dualidade entre a cultura pesada e a cultura leve - sterotomic/tectonic – pode ser observada em graus diferentes e em diferentes culturas (FRAMPTON, 1995. p. 86). Figuras 1.11 e 1.12 (à cima) Wolf House (1926) e (abaixo) Josef Esters House (1930) - Arquiteto Mies Van der Rohe. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 58 Em sua conferência de 1999, retomando a importância do sítio (topos) como resistência à tendência à homogeneização da arquitetura causada pelo uso globalizado da tecnologia, Frampton utiliza os termos place-form e product- form13 em substituição aos steretomic/tectonic ou earthwork/ roofwork. Para ele, o product-form é o edifício produzido e montado segundo métodos e sistemas industriais, que determinam o resultado formal da obra construída. O place–form, que podemos traduzir como “a forma do lugar” (ou o caráter do lugar), constitui o elemento topográfico (ou terrapleno) fundamental. É o solo onde, de uma maneira ou de outra, é moldado um componente pesado (heavy-weight), e que, em certos casos, oferece resistência à estrutura formal pré-fabricada leve (light-weight) pairada sobre seu topo. A intenção de Frampton é chamar atenção, nessa dicotomia, para a importância da relação sítio/edifício, no que se refere ao assentamento ou ancoragem do envoltório arquitetônico no sítio. Ou seja, ao modo como o arquiteto se apropria das características deste para conferir um valor estético ao lugar criado, a partir das técnicas e materiais utilizados. Ontological/Representational - Tectonic/ Atectonic O uso dessas oposições binárias está relacionado à distinção que Frampton (1990/1995/1998) faz entre a dimensão “ontological” e a “representational” da forma tectônica, distinção essa que deriva respectivamente dos conceitos de “coreform” e “artform” de Carl Bötticher, desenvolvidos em sua obra Die Tektonic der Hellenen, publicada em 1844 e que merecem ser abordados para melhor compreensão do uso dessa dualidade nas análises da arquitetura por Frampton. 13 Place-form é um termo já usado pelo próprio Frampton em 1983 e product-form é um termo emprestado de Max Billl, como produto industrializado, segundo ele mesmo relata (FRAMPTON,1999, p.27). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 59 Influenciado por teorias estéticas fundamentadas na percepção tátil e visual, Carl Bötticher considera os atributos estéticos das formas artísticas e a diversidade dos estilos arquitetônicos derivados dos materiais e técnicas de fabricação, portanto, condicionados à estática e dependentes de considerações tecnológicas e funcionais. Trata-se da tentativa de Bötticher de compreender as relações entre a ordem técnica e a ordem estética regidas pelos mecanismos inerentes à arquitetura (SCHWARZER, 1993; FRAMPTON, 1995). No debate que se trava no século XIX sobre estilo em arquitetura14, Bötticher critica toda forma de ecletismo que utiliza formas artísticas fora do seu contexto, sem compreender sua origem e essência, assim como todo revestimento que esconde o núcleo estrutural, com base apenas na superfície das coisas: Ninguém percebeu que a origem de todo estilo específico repousa sobre a eficácia de um novo princípio estrutural, derivado do material e que somente isso torna a formação de um novo sistema de cobertura do espaço possível, e assim traz à tona um novo mundo de formas artísticas 15 . (BÖTTICHER, 1992, p.153). Assim, Carl Bötticher, propõe um sistema integrado de expressão arquitetônica entre arte e estrutura, buscando uma síntese entre o estado ontológico da estrutura e o papel representacional do ornamento, a partir do qual ele desenvolve as noções de Kunstformen, Werkformen e tektonik. A forma artística - Kunstformen - deve ser entendida como a linguagem representacional do Werkformen - os elementos estruturais ou forma 14 Sobre esse tema, Heinrich Hübsch em 1828 publica a obra “In welchem Style sollen wir bauen?” (Em qual estilo devemos construir?), republicado em tradução inglesa em 1992. 15 Tradução do texto original: ”No one realized that the origin of all specific styles rests on the effect of a new structural principle derived from the material and that this alone makes the formation of a new system of covering space possible and thereby brings forth a new world of art-forms”. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 60 essencial. Essa concepção permite distinguir, respectivamente, o envelope artístico do núcleo estrutural de um objeto arquitetônico, devendo o primeiro, revelar a essência do segundo. Para Bötticher, tektonik é o resultado da união dessas duas noções. A tectônica surge como conceito de uma arquitetura que revela os princípios de sua construção e o uso adequado dos componentes materiais e propriedades estéticas dos mesmos (SCHWARZER, 1993; FRAMPTON, 1995). A partir desses conceitos de Bötticher pode-se perceber que as caneluras entalhadas na superfície da pedra no perímetro das colunas dóricas serviam não apenas para unir os cilindros de pedra sobrepostos, mas, também, para expressar esteticamente a pressão longitudinal (impulso) descendente da carga ao solo. O Partenon de Atenas é um dos exemplos que ilustra a perfeita harmonia entre estrutura e a expressividade arquitetônica. Angus Macdonald (2001), ao tratar da relação estrutura/arquitetura, considera esse edifício um exemplo em que os requerimentos estruturais ditam a forma, apesar de aparentemente não ter, à época de sua construção, o objetivo de celebrar a tecnologia construtiva. Esse processo alternativo de revelar (expor ou mostrar) e dissimular (encobrir ou ocultar) corresponde ao conceito de “mascaramento” no senso Semperiano que pressupõe que há uma correspondência entre o componente ontológico (the structure - a estrutura) e o componente representacional (the cladding -o revestimento), conforme explica Frampton (1998). Ele esclarece, ainda, que é nesse sentido que Sekler (1965)16 usa o termo “atectonic” pela primeira vez, para designar as situações opostas ao termo tectonic conforme a definição de C. Bötticher. Ou seja, quando o núcleo estrutural (ou a forma essencial – core-form) não é determinante da estética arquitetônica, sendo até mesmo, em alguns casos, negligenciado ou 16 A partir desses conceitos de Bötticher, assim como os de Semper, e antecipando Kenneth Framptom, Eduard Sekler (1965), Peter Collins (1960) e Stanford Anderson (1968) utilizam o termo tectônica para análise de obras modernas, numa reflexão sobre a “re-união” entre arte e técnica na arquitetura, paralela ao debate crítico do moderno que emerge nessa década de 1960. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 61 camuflado – escondido sob falsa aparência. A tectônica, para Sekler (1965), se refere às qualidades expressivas resultantes da forma visível e tangível do princípio estrutural (conceito intangível) alcançado pelo processo e técnica construtiva: Quando uma concepção estrutural se efetiva através da construção, o resultado visual nos afetará através de certas qualidades expressivas, as quais claramente têm a ver com o jogo de forças e correspondente arranjo das partes de um edifício, ainda que não possam ser descritas em termos de construção e estrutura sozinhas. Para essas qualidades, que são a expressão da relação entre forma e força, o termo tectônica é reservado 17 . (SEKLER, 1965, p.89) Frampton (1995) une à teoria de Bötticher, os conceitos de tectônica e atectônica desenvolvidos por Edward Sekler (1965), criando a expressão “ontologically tectonic” referindo-se à exposição da estrutura em sua dimensão estética e simbólica. Mesmo que exista o revestimento, este expressa o núcleo construído/estrutural, constituindo-se em um ornamento significativo, um modo de vestir esteticamente a solução técnica. Em oposição, a expressão “representationally atectonic, é usada para descrever a maneira pela qual a interação expressiva da carga (viga) e do suporte (coluna) na arquitetura é visualmente obscurecida ou negligenciada” (FRAMPTON, 1995. p.19). Essa dualidade entre a estrutura (ontological) e revestimento (representational), é evidenciada por Frampton ao comparar o acabamento do pilar de canto de dois arranha-céus que Mies van der Rohe projetou para 17 Traduzido do texto original: “When a structural concept has found its implementation through construction, the visual result will affect us through certain expressive qualities which clearly have something to do with the play of forces and corresponding arrangement of parts in the building, yet cannot be described in terms of construction and structure alone. For these qualities, which are expressive of a relation of form to force, the term tectonic should be reserved”. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 62 o Herb Greenwall em 1951: 860 Lake Shore Drive, Chicago e o Seagram Building, New York, concluído em 1959 (Fig.1.13 e 1.14): A síntese tectônica é particularmente elegante no Lake Shore Drive 860 onde a armação e a pele são mutuamente expressas de uma vez e ao mesmo tempo. Deve-se notar que os elementos verticais, que asseguram a unidade global do edifício, são em certa medida appliquê [justapostos], particularmente quando eles são fundidos sobre as placas de cobertura dos cantos (do edifício), desse modo, representando a estrutura de aço interna. Por outro lado, eles são, em geral, “ontológicos” na medida em que é uma parte absolutamente inseparável dos painéis de fenestração pré-fabricados em aço fundido 18 . (FRAMPTON, 1998, p. 25). Entretanto, a díade ontological/representational é considerada problemática para muitos de seus críticos, por relegar a um plano secundário um dos fundamentos da arquitetura que é a representação arquitetural que, ao contrário do modo como Frampton a considera, possui um papel determinante na “exposição” dos materiais, tornando explicita a essência propriamente metafórica da arquitetura, conforme argumenta Leagult (2005). Retomando essa questão no seu discurso de 1999, Frampton não apenas conceitua a tectônica como uma das dimensões essenciais da arquitetura juntamente com a dimensão espacial, como passa a admitir o aspecto representacional da forma arquitetônica e sua capacidade de se referir aos valores culturais encontrados, além dos parâmetros do seu contexto imediato, tanto que, em termos das dimensões, tectônica e espacial, a forma construída pode ser tão representacional em suas implicações quanto é ontológica. 18 Traduzido do texto original: “The tectonic synthesis is particularly elegant in 860 Lake Shore Drive where the frame and the skin are mutually expressed at one and the same time. One should note that the vertical mullions, that assure the overall unity of the building, are in some measure appliqué, particularly when they are welded onto the corner cover plates, thereby representing the steel frame within. On the other hand, they are, in the main, “ontological” inasmuch as they are an absolutely inseparable part of the pre-fabricated fenestration panels in welded-steel”. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 63 Assim sendo, na virada do século, o termo tectônica, definido como “o caráter essencial da arquitetura através do qual parte de sua expressividade intrínseca é inseparável da maneira precisa de sua construção”19, não mais se apresenta como um manifesto contra o cenográfico e o representacional, mas, como uma maneira de abordar a arquitetura (enquanto concepção) e construção (enquanto realização) conjuntamente, induzindo a uma retomada da reflexão sobre o ofício da arquitetura enquanto “arte de construir” e como argumento teórico para legitimar esse ofício e a autonomia do arquiteto. 1.3 Repercussão da tectônica Apesar das críticas à obra de Frampton, é após a publicação do seu livro, em 1995, que o debate em torno da tectônica desenvolve-se e o termo é difundido no discurso arquitetônico além das fronteiras norte-americanas. Entretanto, nos EUA, dois acontecimentos revelam o avanço desse debate e 19 Traduzido do texto original: “Architecture has a quintessentially tectonic character whereby part of its intrinsic expressivity is inseparable from the precise manner of its construction”. Figuras 1.13 e 1.14 Mies van der Rohe, 860 e 880 Lake Shore Drive Apartments (à esq.) e o Edifício Seagram, Nova Iorque, 1958 (à dir.) – detalhes das paredes em cortina de vidro e alumínio. Fonte: FRAMPTON, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 64 das investigações sobre tectônica entre os meios profissionais e universitários desse país. Trata-se da conferência internacional do ACSA20, realizada em Copenhague em Maio de 1996, que tinha por tema "as construções da tectônica no mundo pós-industrial”; e da publicação do número temático da ANY, n° 14 -"Tectonics Unbound"- em maio de 1996, que, ao reunir trabalhos de diversos estudiosos21 sobre o tema, inclusive do próprio coordenador desse exemplar da revista, Mitchell Schwarzer, mostra que Frampton não é o único a investigar os fundamentos históricos e teóricos da tectônica, conforme argumenta Legault (2005). Na primeira década deste século, a tectônica tem fomentado várias pesquisas acadêmicas, como a tese de Anne Beim, “Tectonic Visions in Architecture – Investigations into practices and theories of building” (Visões Tectônicas na Arquitetura - Investigações sobre práticas e teorias da obra construída), defendida em 1999, junto à Copenhagen, Royal Danish Academy of Fine Arts, School of Architecture, resultando na publicação do livro com o mesmo título, em 2004. Nessa obra Anne Beim analisa seis obras paradgmáticas modernas22 a partir das “visões tectônicas” de seus autores, que ela conceitua como investigações visionárias sobre novos materiais, tecnologias, estruturas e práticas de construção, como forma de construir (novo) significado na arquitetura. Já a tese doutoral de Ana Maria Schmidt, “The Tectonic Practise”23 (A Prática Tectônica), defendida em 2007, aborda a contribuição das ferramentas computacionais à “prática tectônica”, em oposição à crítica de William Mitchel para quem a tectônica está fora do contexto da experiência espacial virtual que prescinde, segundo ele, da construção física e da tatilidade da arquitetura. Recentemente, em 20 ACSA - Constructions of Tectonics for the Postindustrial World. 21 A revista ANY, n° 14 -"Tectonics Unbound"- de maio de 1996, trazia trabalhos de Scott Wolf sobre Karl Friedrich Schinkel, de Martin Bressani sobre Viollet-le-Duc e de Deborah Fausch sobre Mario Botta e Peter Eisenman. 22 A Lake Shore Drive Towers de Mies van der Hohe, Pavillon de l'Esprit Nouveau de Le Corbusier, the Eames House, de Jorn Utzon, Richards Medical Research Building de Louis Kahn e Alexandria Library proposta pelos Smithsons. 23 SCHMIDT, Anne Marie Due. The tectonic practice in the transition frompre-digital to digital era. PhD dissertation, Department of Architecture and Design, Utzon Centre, Aalborg University 2007. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 65 2010, Izabel Amaral24 defende a tese de que há uma “tectônica do projeto” e utiliza o conceito para analisar projetos de arquitetura contemporânea tomando como objeto empírico projetos de concursos realizados no Brasil e no Canadá. Ressalta-se, ainda, o congresso internacional realizado em Eindhoven, na Holanda, em dezembro de 2007, intitulado “Tectonics-Making Meaning”, que promove uma discussão inter e multidisciplinar na medida em que envolve arquitetos, engenheiros e empreendedores, para discutir a questão da tectônica, não apenas no âmbito da arquitetura, mas da engenharia e da ecologia, entre outros temas. No campo da publicação bibliográfica, em 2006, é lançado o livro “Le Projet Tectonique”, primeira obra francesa sobre “tectônica” organizada por Jean- Pierre Chupin juntamente com Cyrille Simonnet. Nessa obra são reunidos textos de diversos estudiosos que tratam do tema no âmbito da história, filosofia, sociologia, arte e ensino de arquitetura, com o objetivo de apresentar ao público francês, sob uma ótica multidisciplinar, a tese de Frampton sobre a tectônica (CHUPIN, 2006). Nesse mesmo ano, Helio Piñón (2006), buscando desenvolver uma teoria do projeto arquitetônico, ressalta a importância de uma consciência construtiva na ação projetual como condição da arquitetura e a “tectonicidade” como um valor inequívoco dos seus produtos”. Em seguida, comungando com o pensamento de Frampton de que não se trata de aplicação mecânica fortuita ou de mera verdade construtiva, mas, antes das interações entre a expressividade e a materialidade, animando a tensão entre forma e construção, ele esclarece: 24 AMARAL, Isabel. Tensions tectoniques du projet d'architecture : études comparatives de concours canadiens et brésiliens (1967 ‐ 2005). Tese Doutoral defendida em julho de 2010, junto a Faculté des Études Supérieures, Université de Montreal, Canadá. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 66 (...) qualquer edifício melhora substancialmente ao atender os aspectos construtivos que foram previstos para sua realização; isso não significa, naturalmente, aplicar mecanicamente soluções construtivas elaboradas sem propósito (...) a construção é simplesmente a condição básica do conceber (PIÑÓN, 2006, p. 126). Também numa postura crítica, Piñón recorre ao termo “a-tectônica” para denunciar as obras sem o mínimo de fundamentação estrutural e com uso abusivo e sem sentido das tecnologias contemporâneas disponíveis: “essa arquitetura não é tectônica, mas “tecnicosa” [...]. Na realidade não é arquitetura, mas uma mera gestão de lugares [...]”. ( PIÑON, 2006, p. 130). Antecedendo Chupin e Piñon, Kate Nesbitt (2006) em sua obra “Uma Nova Agenda para a Arquitetura: antologia teórica 1965-1995”, publicada pela primeira vez em 1996, considera que a ênfase sobre a poética da construção na arquitetura não constitui privilégio do discurso de Frampton, sendo também defendida por diversos críticos do chamado pós-moderno, dentre os quais, Vittorio Gregotti e Marco Frascari que, conforme essa autora, evidenciam o tema da representação. Assim, Nesbitt dedica o Capítulo 12 à tectônica, intitulado Expressão Tectônica, que reúne os textos de Frampton (1983 e 1990), de Gregotti (1983) e de Frascari (1984). No discurso arquitetural brasileiro a utilização do termo “tectônica” começa ressoar já no ano do lançamento do livro Studies in a Tectonic Culture (1995) - embora inicialmente sem nenhuma referência a Kenneth Frampton - na publicação do exemplar Nº187 da Revista Projeto de julho de 1995, cujo tema de destaque é “Arquitetura Tectônica” (Fig.1.15), ao qual estão relacionados os arquitetos João Filgueiras Lima, Joan Villá e Santiago Calatrava. Apesar desse título de chamada da revista, os textos contidos nesse periódico sobre a obra desses arquitetos não cita o termo nem aborda essa questão ao modo de Frampton e demais estudiosos da tectônica. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 67 Ressaltamos, entretanto, na sessão “Ensaio e Pesquisa” dessa edição, o texto de Joan Villá que aborda a questão da “re-união” entre arte e técnica, entre arquitetura e sua construção. Villá, “rastreando” a história da arquitetura e da construção, acredita que é na construção que a arquitetura pode encontrar sua condição criativa, indo além do reconhecimento da primeira como suporte físico da segunda. Apenas Luiz Espallargas-Giménez, nessa mesma seção, sem fazer referência à Frampton, reporta-se ao termo tectônica, principalmente, do ponto de vista da autonomia do arquiteto. Arque ou arche remetem ao primeiro, à origem: à fonte ou à causa. Já tectônica é a própria arte de construir. O arquiteto seria assim o detentor do conhecimento construtivo essencial, verdadeiro e original dos materiais e técnicas (PROJETO, julho/95, p.90). Figura 1.15 Capa da Revista PROJETO, julho/95.p.90. Fonte: Acervo da Autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 68 Destacamos, mais recentemente, o artigo do professor Marco Antônio Rezende (2004), “Arquitetura: construção ou abstração?”, no qual a tectônica segundo a abordagem de Frampton é considerada e seus textos referenciados. Nesse ensaio, Rezende argumenta sobre a “impossibilidade de dissociação” entre a arquitetura e sua materialidade, a construção, e sobre o potencial expressivo da estrutura e da tecnologia como integrante da criação arquitetônica, em conformidade à compreensão de tectônica em Frampton. Sem se referir diretamente ao conceito de tectônica em Frampton, ou nos teóricos alemães, Edson Mahfuz (2003) no seu ensaio “Reflexões sobre a construção da forma pertinente”, exaltando a importância da construção para a arquitetura, afirma que “a boa arquitetura tira proveito da disciplina introduzida pela construção”. Reconhece ainda como uma das características da autenticidade arquitetônica, a relevância da estrutura resistente na definição de sua estrutura formal: A materialidade de uma obra é ainda mais importante quando o seu caráter não é definido a partir do uso de elementos estilísticos extraídos da arquitetura de outros tempos e agregados a estrutura resistente. Em uma arquitetura que aspira a autenticidade, os edifícios são o que são, e não o que aparentam ser. (MAHFUZ, 2003, p.69). Mahfuz, participando de um debate sobre “A Pertinência da Forma e a Poética da Construção”, promovido pela revista eletrônica MDC25, se refere à compreensão moderna de forma e à importância da construção em sua constituição; para ele “a pertinência da forma e sua consistência dependem muito de como a técnica participa do processo projetual”, e está relacionada às suas partes em si e às circunstâncias do lugar, ao topos. A discussão 25 Palestra proferida em março de 2006, disponível em vídeo pelo periódico eletrônico MDC 001- Mínimo Denominador Comum – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Ano I, N.1, janeiro de 2006. Acesso ao site www.mdc.arq.br em 20/06/2008. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 69 sobre os vínculos entre forma e construção na prática arquitetural brasileira, abordada nessa revista eletrônica, em 2008, mostra a repercussão da tectônica, após mais de dez anos da publicação da obra de Frampton (1995). Nessa mesma revista, um texto relevante é o de Bruno Santa Cecília (2008), em que ele analisa algumas das obras referenciais do moderno brasileiro heroico sob a ótica tectônica nos termos de Frampton. Não se pode deixar de assinalar, entretanto, que o moderno brasileiro ainda na década de 1960 foi alvo de análise sob a ótica tectônica semperiana, realizada por Joaquim Cardozo em seu ensaio “Dois episódios na história da arquitetura moderna brasileira” publicado na revista Módulo, em março de 1965. Nesse ensaio, ao se referir ao uso freqüente das formas curvas tanto no Cassino, como na Igreja e na Casa de Baile por Oscar Niemeyer, Joaquim Cardozo assinala que: (...) esse uso, que se manifesta definitivamente na "forma aerodinâmica", não aparece nas composições do arquiteto Oscar Niemeyer como uma textura decorativa, que era o ponto de vista de Gottfried Semper, e sim numa intenção de leveza, de desligamento do solo e das condições materiais, e mais ainda uma sugestão de efeito dinâmico 26 . (CARDOZO, 2007, p. 34) Em seu discurso, fica clara a atenção à importância da presença da tecnologia construtiva na criação arquitetônica quando, ao se referir a Pampulha, Cardozo ressalta que a força de invenção do arquiteto Oscar Niemeyer é dirigida completamente ao problema da estrutura, sendo esta referenciada no seu aspecto formal e nos seus princípios de equilíbrio. Pode-se deduzir que embora a arquitetura permita as mais variadas abordagens teóricas, há uma linha de pensamento que alimenta as reflexões 26 Esse texto de Cardozo foi publicado pela primeira vez na revista Módulo, nº 4, pp. 32-36, de março de 1965, Rio de Janeiro, e reeditado pela revista eletrônica Vitruvius – 2007. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 70 sobre os nexos indissociáveis entre expressividade e materialidade do invólucro do espaço arquitetônico, e que alguns estudiosos dessa corrente utilizam o termo, ora em uma postura crítica frente à produção arquitetônica, ora em uma abordagem teórico-analítica. Como argumento crítico, a tectônica aparece como um rappel à l’ordre27 contra a proposta plástica supérflua e inautêntica: seja em oposição ao historicismo acadêmico dos séculos XVIII e XIX, pelos teóricos alemães Carl Bötticher e Gottfried Semper; seja como antítese, por Kenneth Frampton, ao pastiche historicista e à cenografia do galpão decorado pós-modernista, na segunda metade do século XX; seja no século XXI, no discurso de Hélio Piñon que aponta para a ausência de uma consciência construtiva na ação projetual de alguns arquitetos contemporâneos. Assim, de Bötticher a Frampton e nos discursos que lhe são posteriores, mesmo em contextos culturais e históricos diferentes, a atenção à tectônica reflete a preocupação com a legitimidade da arquitetura, em favor de uma qualidade arquitetônica nascida das relações genuínas entre sua estrutura formal e sua materialidade. Neste sentido, na arquitetura a dimensão estética encontra sua força e autenticidade na potencialidade expressiva da tecnologia e materiais construtivos. Avançando para a abordagem analítica, apesar dos diferentes sentidos adotados pelos estudiosos da tectônica, o uso desta tem como premissa a existência, em arquitetura, de um juízo estético inerente ao ato construtivo. O que se quer é ressaltar que apesar de inquestionável o lugar do estético e do simbólico para o alcance de significância dos espaços arquiteturais, o fazer arquitetônico é, também, procedente da cultura técnica e das condições materiais em tempos e lugares determinados. Ou seja, busca-se 27 “O necrológio de Choisy escrito no final do século XIX feito para o Gótico tardio deve ter soado como um rappel à l’ordre para a nova geração que considerava o Art Nouveau, nesse momento de início de declínio, como um caprice de mode, e que apresentava fastio pelo arbitrário e admiração pelo lógico” (Banham, 2006.p. 41). A mesma expressão é utilizada por Frampton no seu artigo sobre tectônica em 1990: uma chamada à ordem contra a cultura do simulacro na prática arquitetônica a partir das décadas de 1960-1970. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 71 estudar e explicar, por exemplo, que as caneluras das colunas dos templos gregos, as ogivas e arcobotantes góticos, ou ainda, a janela panorâmica e a planta livre modernas, são consequência tanto da busca pelo belo, monumental e funcional quanto dos meios técnicos e materiais através dos quais são concretizados. Desse modo, a tectônica em sua abordagem analítica estuda a arquitetura não apenas como manifestação artística, mas igualmente, como fenômeno tecnológico. Investigam-se as interações entre a expressividade, intrínseca à arquitetura, e a sua materialidade, condição do construtivo. Tectônica é a síntese dessas interações essenciais à arquitetura. Desse entendimento decorre a definição de Frampton (1999) de tectônica como um caráter essencial da arquitetura, que por sua vez interage com outro caráter também essencial, o espacial. Ambos, tectônica e espaço, não prescindem de um fator extrínseco à arquitetura, mas, determinante de sua origem – o lugar – enquanto ambiente físico, cultural e econômico. Assim, nesta pesquisa, adotando-se o conceito de tectônica como uma dimensão da arquitetura – aquela a partir da qual parte de sua expressividade intrínseca é inseparável da maneira precisa de sua construção, analisar a arquitetura sob a ótica tectônica implica estudar as interações entre a forma arquitetônica e a poética construtiva. A análise do caráter tectônico da arquitetura, com foco na tatilidade do envoltório espacial, permite ainda, correlacionar as partes do todo arquitetônico a partir dos diversos materiais em suas especificidades projetuais e técnicas, levando à compreensão das sensações provocadas por esses elementos materiais ao corpo humano, através dos volumes e dos próprios elementos espaciais que deles resultam. A atenção às junções entre essas partes materiais tem sua importância na compreensão do sentido da arquitetura. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Tectônica na Teoria da Arquitetura 72 A aplicação da teoria analítica fundamentada na tectônica por Frampton às obras modernas, em particular, permite apreciar essas interações do envoltório espacial, atentando para o fato de que, ainda que o discurso moderno priorize a noção de espaço, a prática projetual moderna é caracterizada por uma postura conceptiva que enfatiza essa dimensão tectônica, na medida em que recorre às novas técnicas e materiais construtivos para o alcance de uma nova ordem estética e espacial concebendo e materializando um novo modo de expressão arquitetural. Considerando as especificidades e singularidades da Arquitetura Moderna Brasileira, e o caráter plural nas diversas fases de seu desenvolvimento, este trabalho se propõe analisar as interações entre a expressividade e as determinações construtivas de quatro obras representativas do moderno brasileiro produzidas na Paraíba entre 1970 e 1980, a partir dos fundamentos da tectônica estabelecidos por Frampton. Entretanto, considerando a multiplicidade de sentidos da tectônica no modelo teórico desse autor, torna-se necessário estabelecer os parâmetros analíticos decorrentes da definição de tectônica adotada nesta pesquisa, com vistas a uma maior objetividade das análises, o que é realizado no Capítulo 2. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 76 2 NEXOS TECTÔNICOS DA ARQUITETURA Neste capítulo, são definidos os parâmetros analíticos decorrentes do conceito de tectônica entendido como a dimensão essencial da arquitetura a partir da qual parte de sua expressividade intrínseca é inseparável da maneira precisa de sua construção. Os elementos relevantes para a análise das interações entre a expressividade arquitetônica e suas determinações construtivas estão fundamentados no modelo teórico proposto por Kenneth Frampton e na sua análise de obras modernas. Considerando que essas interações ocorrem a partir das relações materiais que se estabelecem na arquitetura, os parâmetros adotados permitem uma abordagem que vai da escala do sítio à dos detalhes construtivos. Em todos os níveis são verificados como os materiais, suas funções e técnicas, influem e condicionam a expressividade da arquitetura. 2.1 Parâmetros analíticos da dimensão tectônica. Estudar o caráter tectônico da arquitetura significa analisar as interações entre a expressividade da forma arquitetônica e os princípios construtivos. Entretanto, importa ressaltar aqui o entendimento de forma arquitetônica, não reduzida ao aspecto externo do objeto edificado, mas, no seu conceito de forma identificada como estrutura, ou seja, como o conjunto de relações que se estabelecem na ordenação e estruturação de elementos materiais e O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 77 espaciais que resultam na arquitetura, conforme a compreensão moderna de arquitetura de Le Corbusier: A emoção arquitetural existe quando a obra soa em você um diapasão de um universo cujas leis sofremos, reconhecemos e admiramos. Quando são atingidas certas relações, somos apreendidos pela obra. Arquitetura consiste em “relações”, é “pura criação do espírito. (LE CORBUSIER, 1994, p. 10 e p.48, grifo nosso). Em um olhar mais atento aos aspectos teóricos da tectônica e suas aplicações analíticas por Frampton, observa-se que se trata do estudo da forma arquitetônica a partir dessa abordagem relacional, ou seja, do estudo das relações entre os elementos da arquitetura, principalmente, das várias relações dicotômicas por ele percebidas a partir da dimensão tectônica. Assim, considerando a compreensão da forma arquitetônica fundada nas relações entre seus elementos e a definição do termo estrutura como organização das partes ou dos elementos que formam um todo (TERCIOTTI et all, 2002), adota-se nesta pesquisa o termo estrutura formal arquitetônica como definição do modo como os elementos materiais e espaciais são ordenados, considerando os condicionantes do lugar, a finalidade da edificação e a disciplina construtiva para alcançar o significado e simbolismo artísticos desejados1. Entretanto, como o foco desta pesquisa é a dimensão tectônica da arquitetura, a análise proposta aborda as relações entre as partes materiais da estrutura formal arquitetônica em referência ao seu potencial expressivo2. Assim, o caráter tectônico pode ser estudado nas várias relações entre os elementos materiais, desde a relação que se estabelece entre o edifício e o 1 Conceito elaborado a partir dos estudos sobre tectônica em Semper (2004) e em Bötticher (1992); nos estudos sobre conceito de projeto arquitetônico de Mahfuz (2003); do conceito de forma arquitetônica em Ching (2008) e de estrutura arquitetônica em Costa Lima (2003). 2 O potencial da arquitetura em evocar emoções ou sentimentos. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 78 contexto da cultura arquitetônica e construtiva do lugar, passando pela relação entre o edifício e o sítio, até às micro relações estabelecidas pelos detalhes construtivos ou junções entre elementos ou partes do todo arquitetônico, e ainda, naquelas estabelecidas entre os diferentes materiais utilizados, todas visando um resultado estético. Desse modo, os parâmetros analíticos da tectônica decorrentes dos nexos entre os elementos materiais e a expressividade da estrutura formal arquitetônica são identificados em três níveis de relações principais: (1) relação sítio/ estrutura formal arquitetônica, (2) relação sistema portante/ estrutura formal arquitetônica e (3) relação elementos de vedação/ estrutura formal arquitetônica. Relação sítio e estrutura formal arquitetônica Este parâmetro tem como base as dicotomias earthwork/roofwork (embasamento/ cobertura) e placeform/productform (forma do lugar/forma produzida) identificadas por Frampton em seus estudos sobre a cultura tectônica. Importa analisar como o edifício se relaciona com o sítio e que implicações essa relação pode ter sobre o caráter tectônico da arquitetura. Se o ato de conhecer o lugar, descobrir a arquitetura que o sítio solicita e movimentar a terra para o assentamento do edifício é ponto de partida para a arquitetura, como considera Gregottti (2006), Tadao Ando (2006) e Semper (2004), respectivamente, conforme estudado no Capítulo 1, os resultados materiais expressivos dessa ação e sua relação com a estrutura formal arquitetônica são os primeiros a serem considerados na análise do caráter tectônico. Nessa relação o termo roofwork não se limita ao sentido do trabalho realizado para cobrir o espaço e que resulta na “cobertura”, mas, é entendido como a envoltória do espaço arquitetônico como um todo, abrangendo os elementos materiais que estruturam e delimitam esse O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 79 espaço. Do mesmo modo, embora a tradução do termo earthwork seja terraplenagem – movimento de terra para deixar um terreno plano, conforme Corona & Lemos (1972) –, o sítio é considerado em sua totalidade, sendo examinados nos seus nexos com a estrutura formal arquitetônica dois elementos determinantes nessa relação: (1) a implantação – posição do edifício com relação ao lote, à orientação favorável às características climáticas do lugar e às vias de acesso, e a relação com a paisagem natural e construída; (2) o embasamento - conjunto de trabalhos necessários para assentar solidamente a edificação (CORONA; LEMOS, 1972). A maneira como o terreno é trabalhado, para a ancoragem do edifício, atende de certo modo às suas características naturais - tipo de solo, geometria, desníveis, por exemplo - e aos limites ou concessões que delas decorrem, condicionando muitas vezes a escolha do sistema estrutural e construtivo, bem como dos materiais a serem adotados. Este nível analítico permite a observação das articulações materiais (junções) estabelecidas ou utilizadas na transição do embasamento para o envoltório do espaço, transição esta que pode constituir uma fonte de significado da arquitetura. A expressividade que resulta dessas junções decorre em parte dos procedimentos construtivos utilizados, que podem remeter a universos diferentes e que possibilitam a coexistência, inclusive da cultura técnica do pesado (heavy-weight) e a cultura técnica do leve (light- weight), que Frampton (1995) identifica na fórmula semperiana stereotomic/tectonic. Considerando a importância das provocações sensoriais ou resultados estéticos causados por essas diferentes culturas técnicas para a compreensão do sentido da arquitetura, mas, considerando, também, as confusões decorrentes do uso da terminologia stereotomic/tectonic, dado seu sentido etimológico, adota-se nesta pesquisa os termos: “tectônica do pesado” – para se referir à expressividade decorrente de procedimentos materiais que evocam o pesado (sistemas construtivos heavy-weight), o O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 80 comprimido, o telúrico, o escuro, que remete à materialização da forma construída; e “tectônica da leveza” - para se referir à expressividade decorrente dos procedimentos materiais leves (sistemas construtivos light- weight), que aludem à desmaterialização, à transparência, ao aéreo, voltados para a luz e para o céu. Um dos exemplos do modo como ocorre a transição entre embasamento/cobertura pode ser visto na cultura chinesa, onde se observa com clareza o contraste entre a alvenaria pesada da “base” e a “estrutura leve da cobertura” flutuando sobre esta. A fórmula desse esquema é identificada por Frampton (1995) nos diversos esboços do arquiteto Jorn Utzon (Fig. 2.1). O envoltório do espaço “pairando” sobre uma base de dimensões consideráveis é recorrente na obra de Utzon e encontra sua expressão máxima na Opera House de Sidney, onde se observa a cobertura do espaço em uma estrutura formal dinâmica constituída de “conchas” de variados tamanhos sobre uma plataforma em diferentes níveis (ver Fig. 2.4). Em outras obras e projetos do próprio Jorn Utzon essa relação se manifesta de modo diferente, como por exemplo, na proposta do Museu Silkeborg3, considerado por Frampton (1995) um típico “earthwork”, devido ao fato de grande parte do espaço do edifício encontrar-se abaixo do solo e ao trabalho de movimentação/subtração de volumes de terra realizados para esse fim (Fig.2.2). A proposta expressa a experiência de Utzon ao visitar as cavernas do Talung, na China, onde se encontram várias esculturas budistas nas rachaduras da terra. Como argumenta Frampton, um museu sob a terra parece apropriado ao primitivismo da “arte bruta” do Grupo Cobra para quem o projeto se destinava. Uma situação oposta a essa proposta, do ponto de vista da relação sítio/estrutura formal, o Pavilhão de Langelinie, é criado por 3 O Museu Silkeborg foi projetado, em 1962, como galeria para abrigar as esculturas do artista norueguês Asger Jor, fundador do Grupo Cobra, uma associação internacional de artistas, criada na Europa, em novembro de 1948 (Frampton, 1995). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 81 Utzon com o mesmo propósito do projeto anterior – o de abrigar um museu - mas, remetendo ao “pagode aéreo asiática”4 (Fig. 2.3). Assim, essa relação embasamento/coberta (earthwork/roofwork) não se limita a um esquema único, mas, varia de acordo com fatores circunstanciais de lugar e de tempo, dos requisitos programáticos e da cultura de quem projeta, assim como, do significado que se quer imprimir ao projeto ou obra arquitetônica. Desse modo, essa transição embasamento/coberta não acontece alheia ao todo arquitetônico e estabelece, por sua vez, forte relação com o sistema estrutural adotado, assim como, com os elementos de vedação. No entanto, as relações materiais que ocorrem no envoltório ou cobertura do espaço, são observadas com mais precisão nos níveis analíticos seguintes. 4 Pagode (templo) aérea asiática é uma torre escalonada com beirais múltiplos, construção típica comumente encontrada nos países da Ásia. (Disponível em www.dicionáriodoaurélio.com.br, acessado em 14/11/2011 às 10h27). Figura 2.1 Croquis da relação embasamento/cobertura (eartthwork/roofwork) em Jorn Utzon; (a) croquis do templo Chinês; (b) croquis conceitual da residência Porto Preto. Fonte: FRAMPTON, 1995. (a) (b) O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 82 Figura 2.3 Pavilhão de Langelinie, Copenhagen, 1953. Fonte: FRAMPTOM, 1995. Figura 2.2 Museu Silkeborg Fonte: FRAMPTOM, 1995. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 83 Relação estrutura resistente e estrutura formal arquitetônica. A integridade física da forma arquitetônica necessita da estrutura resistente que se constitui de elementos arquiteturais de suporte das cargas da construção desde a cobertura ao plano do solo. Sua geometria e proporções são determinadas pelo princípio estrutural, definidor do caminho das forças, sendo seus atributos relacionados às propriedades dos materiais e a estática. No estudo da arquitetura fundamentado na cultura tectônica, parte-se do entendimento de que a estrutura formal arquitetônica necessita nascer concomitantemente a uma proposta de estrutura resistente, que lhe é intrínseca, para que a primeira não corra o risco de não ser exequível. Como é o caso da Opera House de Sydney, em que a ausência dos princípios estruturais portantes na concepção inicial de sua estrutura formal, tornou-a inexequível (Fig. 2.5 a e b). Somente após discussões e trabalho conjunto do arquiteto Jorn Utzon com a firma de engenharia Ove Arup & Associados, tentando resolver o quadrinômio: representatividade formal, adequação funcional, metodologia construtiva e eficiência estrutural, é que a obra foi construída, porém, com sua forma final consideravelmente alterada em relação à ideia inicial, como explica Frampton (1995) e Lopes (2006). Importa ressaltar que nem sempre a estrutura resistente aparece no edifício de maneira explícita, pois, ela pode ser integrada ao todo arquitetônico de diversos modos. Estudos sobre os nexos entre arquitetura e estrutura, como os de Angus MacDonald (2001) e os de Lopes (2006), por exemplo, têm demonstrado as variadas maneiras que esses nexos se apresentam: desde a ignorância ou desconsideração deliberada dos requisitos da estrutura resistente - ou seja, quando pouca importância é dada aos requerimentos estruturais no momento em que a estrutura formal arquitetônica é determinada ou concebida - até as situações em que as formas adotadas têm um bom O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 84 (a) (b) desempenho por considerarem os critérios técnicos e estruturais, ao ponto de, em alguns casos, a estrutura resistente ser definidora da própria estrutura formal arquitetônica, como elemento significante de sua linguagem e expressividade. Um dos exemplos de arquitetura, em que os requerimentos estruturais tiveram pouca importância na concepção do edifício, conforme citado por Angus Macdonald (2001), é o Museu Vitória e Albert (Fig.2.5), em Londres, projetado pelo arquiteto Daniel Libeskind em 1995, construída no final dos anos 1980. Nessa obra, a relação entre estrutura resistente /estrutura formal arquitetônica, não ocorre de modo satisfatório, o que implica no uso Figura 2.4 Ópera House Sydney: (a) Concepção inicial; (b) Concepção final. Fonte: SCHMIDT, 2007. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 85 ineficiente do sistema estrutural, podendo resultar, como considera Macdonald (2001, p. 110), “em estruturas que são desajeitados e deselegantes”. Em suma, os elementos da estrutura resistente não contribuem, em si, para a estética arquitetônica, o que ocorre também com a lógica construtiva do edifício. No extremo oposto, são os casos em que os requisitos da estrutura resistente são determinantes da estrutura formal arquitetônica, ou seja, em que se busca alcançar os limites do que é possível estruturalmente como os grandes vãos (Fig. 2.6) ou as grandes alturas (Fig. 2.7) ou quando se deseja atingir extrema leveza (Fig. 2.8), apenas para citar alguns dos inúmeros exemplos existentes. São situações em que a dimensão do vão ou da altura ou a leveza que se deseja atingir a partir de elementos estruturais esbeltos, são tais que, em consequência, as considerações técnicas e estruturais se impõem como uma das prioridades nas decisões projetuais, a ponto de afetar significativamente o resultado estético do edifício. Situação esta que Macdonald (2001) classifica como “structure as architecture” (estrutura como arquitetura) e que se pode relacionar ao que Frampton (1995) considera “ontologically tectonic” (ontologicamente, ou essencialmente tectônico). Figura 2.5 Projeto do arquiteto Daniel Libeskind, para a extensão do Museu Vitória e Albert, Londres, 1995. A seção transversal mostra um sistema portante convencional de pilar e viga, que não é determinante da estrutura formal resultante. Fonte: MACDONALD, 2001. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 86 Figura 2.6 Palazzetto dello Sport, Roma, Itália, 1960; arquiteto Pier Luigi Nervi. O sistema estrutural de laje nervurada auxilia no alcance do grande vão desejado e, neste caso, colabora na expressividade da arquitetura. Fonte: Process Architectrue, N° 23, 1981. Figura 2.7 Nas torres, ou edifícios de grande altura, que tem como um dos maiores problemas a enfrentar- a sua estabilidade às forças horizontais do vento - o sistema portante, o contraventamento e o formato da planta são fundamentais à sua estabilidade e determinantes da estrutura formal resultante. (a) Torre Millenium, Tóquio, não construída, Arquiteto Norman Foster. (b) Place Victoria, Montreal, 1962-1966, Pierre Luigi Nervi e Luigi Moretti. Fonte: LOPES, 2006. (b) (a) O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 87 O que se denominou de “arquitetura high tech” nos anos 1980, pode-se dizer, é um caso particular de “estrutura como arquitetura”, em que, intencionalmente se deseja expor os requisitos técnicos e estruturais, os quais participam fortemente do vocabulário visual da estrutura formal arquitetônica, como é o caso de algumas obras de Richard Rogers (Fig. 2.9). Figura 2.8 As lâminas, em membranas tencionadas ou cascas de concreto, são exemplos de sistemas resistentes que permitem alcançar grandes vãos com considerável leveza. A geometria alcançada, geralmente, constitui a própria forma do edifício e responde pelo resultado estético. (a) Pavilhão Alemão, Exposição Mundial de Montreal, Canadá, 1967, projeto Frei Otto. (b) Restaurante Los Mananciales (1957058), em Xochimilco, projeto de Félix Candela. Fonte: LOPES, 2006. Figura 2.9 Fábrica de Microprocessadores, Newport, South Wales, 1982. Arquiteto Richard Rogers. Busca-se um resultado estético que decorre da exposição dos elementos estruturais e das instalações técnicas, que influenciam a ordenação da estrutura formal arquitetônica com um todo. Fonte: MACDONAL, 2001. (a) (b) O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 88 Entre esses dois extremos, dos nexos possíveis entre o sistema estrutural e a estrutura formal arquitetônica, ressalta-se aqui, os casos em que a expressividade do edifício não emerge necessariamente da visibilidade do sistema portante, mas, está diretamente relacionada a este. A estrutura resistente é geradora da estrutura formal, embora não colocada à vista. Uma das aplicações notáveis desse exemplo é a utilização da laje plana de concreto armado, projetando-se em balanço além do perímetro dos apoios da malha estrutural (Fig.2.10): As vantagens da continuidade estrutural possibilitadas pelo concreto armado são admiravelmente resumidas na armação estrutural da Casa Dom-ino de Le Corbusier de 1914. Lajes delgadas abrangendo os dois sentidos (dos caminhos das forças) são apoiadas diretamente sobre uma malha de colunas. (MACDONALD, 2001. p.104). Pode-se dizer que estão intrinsecamente relacionadas a esse esquema as possibilidades arquitetônicas que o princípio estrutural permite como aquelas reunidas por Le Corbusier em seus “cinco pontos para a nova arquitetura”, que tem como arquétipo a Villa Savoye (Fig.2.11) e que influencia sobremaneira a produção moderna da arquitetura, em particular a brasileira, a exemplo da obra ícone da implantação do modernismo no Brasil, o Ministério da Educação e Saúde (Fig.2.12). Assim como na Villa Savoye, o sistema estrutural de concreto armado contribui na determinação da estrutura formal, juntamente com os demais pontos da nova arquitetura, adaptados, no caso do MES, às condições de cultura, técnica e clima do Brasil, o que confere uma expressividade específica da arquitetura brasileira, a exemplo do plano de vedação composto por elementos de proteção solar (brise-soleil), que rompe com a pureza do prisma corbusiano. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 89 Figura 2.10 Esquema gráfico do Dom-ino (1914) de Le Corbusier. Fonte: MACDONALD, 2001. Figura 2.11 Villa Savoye, França,1928. Arquiteto Le Corbusier. Fonte: MACDONALD, 2001. Figura 2.12 Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1936, projetado por Lúcio Costa e equipe. Fonte: ANDREOLI & FORTY, 2004. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 90 Assim, pode-se dizer que o sistema estrutural portante ou resistente equivale à estrutura-telhado de Semper ou ao core-form (núcleo estrutural ou forma essencial) de Bötticher. Entretanto, longe e livre de uma discussão estilística ou argumentação crítica, o que se busca neste trabalho é a investigação da correlação estrutura/arquitetura, ou seja, averiguar de que modo os princípios estruturais e sua materialização participam do resultado estético- formal do envoltório do espaço arquitetural moderno. Estudos sobre a cultura construtiva moderna têm demonstrado a importância da engenharia estrutural para criação/materialização desses espaços. A utilização de grandes coberturas – em concreto, aço ou ferro -, o uso de pilotis, a introdução do plano estrutural contínuo como as cascas de concreto armado, são alguns dos aspectos da linguagem arquitetural moderna que os novos materiais, princípios estruturais e técnicas construtivas permitem, em conformidade com o pensamento racionalista estrutural. As junções entre os elementos da estrutura resistente também são estudadas nessa relação estrutura resistente/estrutura formal arquitetônica, uma vez que elas podem ser fonte de significado e de potencial expressivo da arquitetura, consideradas detalhes tectônicos. Um dos exemplos notáveis citado por Frampton (1995) é a ênfase que Louis Kahn dá as junções, considerando a dimensão humana do edifício e a concepção/execução deste como uma oportunidade do arquiteto criar vida. Para ele o modo como as junções e articulações da mão humana se une, por exemplo, faz com que o gesto como um todo seja belo e interessante. De modo análogo, as junções ou detalhes tectônicos, em uma obra arquitetônica não devem ser ocultados e colocados como em uma “luva de boxe”, devem, antes, ser evidenciados (Fig.2.13). (KAHN, 1957 apud FRAMPTON, 1995, p.227/228). Para Louis Kahn as junções que a luz permite ver revelam a probidade construtiva de uma obra, comungando assim com um dos fundamentos do racionalismo estrutural, como lembra Frampton (1995). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 91 Relação elementos de vedação e estrutura formal arquitetônica. Decorrente dos conceitos de membrana-envoltória de Semper e de art-form de Bötticher e utilizados por Frampton em suas análises, essa relação diz respeito não apenas a “pele” que reveste a estrutura portante, mas, também aos elementos de vedação e delimitação da envoltória do espaço (teto, piso, paredes, esquadrias). Na arquitetura moderna a independência dos elementos de vedação em relação à estrutura portante, alcançada pela tecnologia do concreto armado, assim como a do aço e do ferro, entre outras, permite a utilização de diferentes materiais concomitantemente, assim como, diferentes alturas, dimensões e espessuras (Fig.2.14 e 2.15). Figura 2.13 (a) Salk Institute Laboratory, Califórnia, USA, 1959-1965; e (b) Kimbell Art Museum, Texas, USA, 1966- 1972. Exposição das junções entre os elementos da estrutura portante. Arquiteto Louis Kahn. Fonte: A+U Architecture and Urbanism, 1983, Nº 11. (a) (b) O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 92 O que se busca compreender nessa relação é a influência dos fechamentos no resultado estético da estrutura formal, em função dos materiais utilizados. Importa averiguar como as articulações entre os diferentes materiais e técnicas construtivas influenciam na expressividade dos volumes que formam os espaços modernos. Trata-se, enfim, da investigação do modo como esses planos de vedação, ou como diz Conduro (2004), esses “delimitadores do espaço” - parede, teto e piso - e suas superfícies, são manipuladas para conferir valor sensorial, visual e tátil à arquitetura. É neste sentido que Frampton (1995) analisando a obra de Alvar Aalto, Säynätsalo Town Hall (Fig. 2.16), ressalta uma sequência de experiências táteis contrastantes que o usuário encontra a partir do hall de entrada da Câmara do Conselho: os contrastes entre luz e escuridão, frio e quente, além da sensação de umidade, a sensação de confinamento provocada pela alvenaria e piso revestidos com tijolos e do eco ressonante da própria pisada. Figura 2.14 Casa da Cascata, Pensilvânia, EUA, 1936. Arquiteto Frank Loyd Wright. Fonte: WESTON, 2005. Figura 2.15 Parque Guinle, Rio de Janeiro, 1948, projeto de Lúcio Costa. Fonte: ANDREOLI; FORTY, 2004. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 93 A dualidade entre a “tectônica do pesado” e a “tectônica da leveza” também pode ser observada entre os elementos de fechamentos da estrutura formal arquitetônica. Essa relação dual (leve versus pesado) é ressaltada por Frampton (1995) em várias obras por ele analisadas, como é o caso das residências de Mies Van der Rohe: Wolf House (1926) e Josef Esters House (1930) – (ver Capítulo 1 - Fig. 1.19 e 1.20). Na obra de Renzo Piano - Building Workshop – construída em Paris, 1987-1992, ele identifica o uso de sistemas light-weight, que ocasiona uma expressão tão pesada quanto, ao mesmo tempo, leve e desmaterializada (Fig.2.18). Figura 2.16 Detalhe da escadaria do Säynätsalo Town Hall, projetado por Alvar Aalto, em1952. Fonte: FRAMPTON, 1995 O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 94 Evidentemente que há casos em que os elementos de vedação são a própria estrutura portante, como é ocaso da Igreja de Atlântida (Uruguai, 1952/1959), projetada pelo arquiteto Eladio Dieste, em que a estrutura portante em cerâmica armada é ao mesmo tempo geradora do espaço ao assumir igualmente a função de vedação (Fig.2.19). A expressividade arquitetônica resulta diretamente do material e do sistema portante adotado: Sua resistência (cerâmica armada) é dada pela forma adotada, permitindo espessuras bastante reduzidas. As paredes formam com a lâmina de cobertura um contínuo que se comporta como um pórtico, com ligação rígida cobertura x parede devido às suas curvaturas acentuadas. Na base, a curvatura da parede é nula, comportando-se como articulação. (LOPES, 2006, p. 20). Figura 2.17 Building Workshop, edifícios residenciais, à Rue Meaux, Paris, 1987-1992 - Arquiteto Renzo Piano. Fonte: Disponível em www.miesarch.com. Acesso em 11/12/2011, às 22H00. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 95 Portanto, os elementos do envoltório do espaço arquitetônico – sistema portante, elementos de vedação – aqui separados por questões metodológicas, se relacionam entre si, e esse é um ponto importante na análise tectônica. É o caso da obra de Eládio Dieste em que, além dos elementos de vedação no plano vertical assumir o papel de estrutura portante, da mesma forma que o plano da cobertura, eles constituem a caixa mural do edifício, resultando numa aparente ausência de embasamento, parecendo estar ancorados diretamente ao solo. As interações entre a expressividade arquitetônica e suas determinações construtivas são investigadas a partir das relações entre os elementos materiais ou táteis do envoltório do espaço arquitetural, consideradas essenciais à análise da dimensão tectônica, embora as relações arquitetônicas não estejam limitadas as que foram consideradas neste trabalho. Podem-se resumir os parâmetros analíticos da tectônica adotados nesta pesquisa no Quadro 01. Figura 2.19 Igreja de Atlântida, Uruguai, 1952-1959 – Arquiteto e engenheiro Eladio Dieste. Fonte: LOPES, 2006. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Nexos Tectônicos da Arquitetura 96 Relação Arquitetônica Sítio/ Estrutura Formal Implantação Junções materiais e Detalhes construtivos Embasamento Estrutura resistente/ Estrutura formal Sistema Estrutural Sistema Construtivo Elementos de Vedação/ Estrutura Formal Plano das paredes Plano de coberta Plano de piso Quadro 01 – Parâmetros Analíticos da Tectônica A consideração do ambiente cultural, político e econômico, em que a produção arquitetônica analisada se insere constitui, também, um parâmetro analítico importante para compreensão da dimensão tectônica da arquitetura. Assim, essas questões são tratadas no Capítulo 3. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 100 3 NO CONTEXTO DA CULTURA ARQUITETÔNICA A análise da arquitetura não prescinde do estudo do contexto da cultura arquitetônica e de sua produção, uma vez que ela se manifesta de maneira diversificada de acordo com as questões sociais, técnico-culturais e econômicas de lugares e tempos específicos. Por em contexto constitui, também, um dos parâmetros de abordagem da arquitetura pelo viés da tectônica. Assim, este capítulo visa a compreensão do modo como os aspectos técnico-expressivos da arquitetura moderna se distinguem em função do ambiente cultural e sócio-político brasileiro, no marco temporal proposto. A inserção das obras de Sérgio Bernardes e Glauco Campello, escolhidas para análise da dimensão tectônica, no contexto da cultura arquitetônica em que é produzida também é importante para o entendimento da sua relação com a produção que lhe é antecedente, e mesmo com a que lhe é contemporânea. 3.1 A Consciência Construtiva nas Atitudes Projetuais Estudos realizados recentemente1 identificam uma diversidade de atitudes projetuais frente à arquitetura que caracteriza esse período entre a virada para os anos 1970 e o início dos anos 1980, considerado por Spadoni (2003) um momento de “transição” da produção moderna para a experiência 1 Dentre os quais se destacam as teses de Spadoni (2003) e Bastos (2007), além das investigações de Ruth Verde Zein (1982) e de Segawa (1999). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 101 contemporânea. Mais uma vez, observa-se que a expressividade arquitetônica em muitas dessas diversas expressões estão relacionadas à sua materialização2. Nota-se, na maioria dessas tendências, uma atitude moderna no que diz respeito a uma consciência construtiva, em que: o concreto armado passa a ser explorado pelas possibilidades estéticas de sua aparência natural ou bruta; os elementos da estrutura resistente adquirem a posição de protagonista da estrutura formal arquitetônica; os grandes vãos e balanços passam a ser explorados com maior intensidade e os espaços fluidos e contínuos continuam a ser explorados como atributos da eficiência organizacional. Os elementos de vedação e delimitação dos espaços (membrana envoltória) igualmente se libertam dos revestimentos, ou seja, explora-se a potencialidade expressiva dos materiais em seu estado “bruto”. A exploração das possibilidades estéticas do material aparente, em particular o concreto, já aparece na década de 1950 e início de 1960 no MAM/RJ, projeto de Reidy (Fig.3.1), que, como outros arquitetos brasileiros, acompanhavam os acontecimentos internacionais como, a Unidade de Habitação em Marselha, 1946-1952 (Fig. 3.3), de Le Corbusier; e o Edifício de Exposições de Turin, 1947-1949 (Fig. 3.4), de Píer Luigi Nervi, expostos na I Bienal Internacional de São Paulo, 1951 (SEGAWA,1999). Essas obras expressam uma arquitetura fundada no princípio da moral construtiva presente do pensamento racionalista estrutural, valorizando ao extremo a aparência própria dos materiais empregados e a exposição das articulações entre os elementos da estrutura, permitindo a fácil leitura da execução da obra. Também Oscar Niemeyer, no final da década de 1950, busca a simplicidade das formas arquitetônicas na interação entre o sistema estrutural e a concepção plástica original e consagra as possibilidades plásticas do concreto armado como matéria e tecnologia ideais (Fig.3.2). 2 Por exemplo, quatro das cinco vertentes enunciadas por Spadoni (2003) têm suas bases nos pressupostos da arquitetura moderna brasileira: (1) Moderno como expressão; (2) Experimentalismo; (3) Figura e estrutura; (4) A linha apagada do tempo. A única vertente que se propõe a contestar o moderno é: A superação da linguagem. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 102 Figuras 3.1 e 3.2 Museu de Arte Moderna (MAM), RJ, 1953, projeto de Afonso Reidy (à esq.). Fonte: www.casadomdesign.com.br. Acesso em fev. 2011 às 08h00. Congresso Nacional, DF, 1958, projeto Oscar Niemeyer (à dir.) Fonte: www.niemeyer.org.br. Acesso em 28/01/2012 às 17h00. Figuras 3.3 e 3.4 Unid. de Habitação de Marselha, França, 1947-1953. Arquiteto Le Corbusier (à esq.). Fonte: http//forum.skyscraperpage.com. Acesso em 28/12/2012 às 17h30. Hall de Exposições de Turin, Itália, 1947-1949. Projeto Píer Luigi Nervi (à dir.) Fonte: Process Architecture, N° 23, Píer Luigi Nervi, 1981. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 103 Essa nova expressividade arquitetônica torna-se a principal característica da arquitetura paulista, conquistando uma linguagem própria a partir do final da década de 1960, e que, apesar da polêmica sobre o uso da expressão, passa a ser conhecida como brutalismo paulista3, tendo como um de seus principais arquitetos o mestre Vilanova Artigas. Nas considerações de Artigas sobre o uso do concreto no edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo – FAU-USP (Fig.3.5), por ele projetado em 1961, tem-se uma ideia da importância dada ao uso do concreto armado e dos elementos do sistema estrutural como matéria plástica da arquitetura: O concreto utilizado não é só uma solução mais econômica, como corresponde à necessidade de se encontrar meios de expressão artística, lançando mão da estrutura do edifício, sua parte mais digna. A estrutura, para o arquiteto, não deve desempenhar o papel humilde de esqueleto, mas exprimir a graça com que os novos materiais permitem dominar as forças cósmicas, com a elegância de vãos maiores, de formas leves. (ARTIGAS, 1997, p.101). 3 “Brutalismo paulista” é uma expressão utilizada para se referir às características da escola moderna paulista que a partir desse momento conquista uma linguagem própria, influenciada pela arquitetura do “novo brutalismo inglês”, que emerge na Europa a partir dos anos 1950, o qual, segundo Montaner (1995; p.73), se caracteriza pela “exposição contundente da estrutura do edifício, a valorização dos materiais por suas qualidades inerentes e a expressão de cada um dos elementos técnicos”. Figura 3.5 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (FAUUSP), São Paulo, 1961 –1969. Arquiteto João Batista Vilanova Artigas. Fonte: ANDREOLI & FORTY, 2008. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 104 A exploração das potencialidades expressivas do concreto armado por Artigas e demais mestres da modernidade brasileira é em parte condicionada ao fato de ser esta a tecnologia mais avançada à disposição dos arquitetos brasileiros e que, conforme Segawa (1999, p.149), transforma-se “na expressão contemporânea da técnica construtiva brasileira”, sendo o seu uso intensificado nessa fase do “Brasil Grande”, tanto em função do tamanho das edificações - metrôs, escolas, entre outras - como da quantidade de obras realizadas no contexto do “milagre econômico brasileiro” 4. Assim, um caráter tectônico associado à supremacia do concreto armado permeia grande parte da produção arquitetônica dessa fase, principalmente, em seus primeiros anos. Uma das obras referenciais dessa “tectônica do concreto” é a rodoviária de Jaú, em São Paulo, 1973-1976, de autoria de Vilanova Artigas, que contém elementos da estrutura formal arquitetônica, característicos de grande parte de sua obra: a grande e única cobertura sob a qual os ambientes se distribuem em diferentes níveis, interligados por rampas. Na estação de Jaú, a laje plana da cobertura é perfurada na área dos apoios, permitindo passar a luz natural ressaltando a parte superior dos pilares em concreto que, atravessando os planos de pisos, se abrem em forma de árvore (Fig. 3.6). O desenho do pilar, ou seja, a exploração plástica desse elemento estrutural é recorrente na arquitetura de Artigas, como os pilares do Anhembi Tênis Clube, em São Paulo, de 1961 (Fig.3.7). 4 Segawa argumenta que esse monopólio da tecnologia do concreto armado se dá em função da ampla disponibilidade desse material no mercado da construção civil no Brasil, já que ainda não se dispunha dos sistemas metálicos com facilidade. Une-se a isso, o baixo custo de execução do concreto e a utilização de mão de obra desqualificada, realidade brasileira que se verifica ainda hoje. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 105 Figura 3.6 Vistas da Rodoviária de Jaú –SP (1973-1976) – Arquiteto Vilanova Artigas. Fonte: ANDREOLI & FORTY, 2008. Figura 3.7 Detalhe tectônico do pilar do Anhembi Tênis Clube, SP- (1961) – Arquiteto Vilanova Artigas. Fonte: ANDREOLI & FORTY, 2008. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 106 Artigas materializa na sua obra o conceito de desenho como desígnio, que na arquitetura une a arte e a técnica5. No desenho do pilar do terminal de Jaú, assim como, do Anhembi Tênis Clube, a dimensão tectônica é utilizada intencionalmente para alcançar o caráter simbólico, como ressalta Kenneth Frampton ao analisar a obra do mestre brasileiro: O segundo tropo 6 era o impulso erótico, quase perverso, de abrir a junção entre a viga e o pilar para permitir a penetração tanto da luz quanto da água em um ponto de máxima tensão, tal e como encontramos na parte superior dos pilares do tênis clube Anhembi (1961) e, mais tarde, e talvez de um modo ainda mais espetacular, nos capitéis da estação de ônibus de Jaú em 1973. Espacialidade aparte, estes recursos tectônicos manifestam uma intenção que só pode entender-se como simbólica, uma vez que o gesto vai de encontro à técnica e à tradição. (FRAMPTON, 2010, p.9). Em seguida Frampton cita o próprio pensamento de Artigas sobre a importância da expressão simbólica da arquitetura, que ele entende como justificativa do mestre para a solução construtiva adotada: É importante que os arquitetos modernos se exprimam com símbolos novos. Os novos símbolos são irmãos das novas técnicas e filhos dos velhos símbolos. (ARTIGAS, 1986, apud FRAMPTON, 2010, p.9). Essa expressividade arquitetônica proveniente da valorização dos materiais por suas qualidades inerentes e da expressão de cada um dos elementos técnicos, bem como da exploração formal dos elementos da estrutura resistente do edifício, pode ser observada nas obras de outros mestres modernistas que continuam atuando nesse período, como a de Lina Bo Bardi em que se destaca o Sesc Pompéia, 1977-1986 (Fig. 3.8); ou a de Acácio Gil Borsói, como o Fórum de Terezina no Piauí, de 1972 (Fig. 3.9). 5 Conceito contido no seu discurso da aula inaugural na FAUUSP – “O Desenho”, em março de 1967. (ARTIGAS, 1986). 6 Frampton (2010) considera dois tropos recorrentes na obra de Artigas: o primeiro diz respeito a rampas concebidas com o intuito de induzir o fluxo espacial horizontal de um plano a outro e o segundo é o citado no texto. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 107 Do mesmo modo, a tectônica do concreto é encontrada nas obras dos novos arquitetos que atuam nessa fase de “transição”, inclusive aqueles classificados, por Spadoni (2003), em “moderno como expressão”, como o Edifício da FIESP/CIESP/SESI, 1969-1979, dos arquitetos Roberto Cerqueira César e Luis Roberto Carvalho de Franco, integrantes do escritório Rino Levi (Fig.3.10). Destacam-se, ainda, nessa vertente tectônica moderna, em que se valoriza o sistema portante como definidor da arquitetura e o uso da grande e única cobertura como abrigo, o Pavilhão do Brasil da Feira Internacional de Osaka, 1969 -1970, de Paulo Mendes da Rocha (Fig. 3.11) e a Agência do BANESPA , SP, 1976, de Rui Othake (Fig. 3.12). No uso máximo da expressividade do tijolo à vista, destaca-se o edifício da Chesf na Bahia, 1979-1982, de autoria do arquiteto Francisco de Assis Reis (Fig.3.13). Figuras 3.8 e 3.9 SESC Pompéia, SP, 1977-1986. Arquiteta Lina Bo Bardi (à esq.). Fonte: ANFREOLI & FORTY, 2008. Editado pela autora. Fórum de Terezina, PI, 1972. Arquiteto Acácio Gil Borsói (à dir.). Fonte: BORSOI, 2006. Editado pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 108 Figura 3.10 Edifício da FIESP/CIESP/SESI, SP, 1969-1979. Arquitetos Roberto Cerqueira César e Luis Roberto C. de Franco. Fonte: LEVI, 2001. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 109 Figura 3. 11 Pavilhão do Brasil da Feira Internacional de Osaka, 1969 -1970. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Fonte: REVISTA PROJETO, N° 42, 1982 e ANDREOLI & FORTY, 2008. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 110 Figura 12 Agência do BANESPA , SP, 1976. Arquiteto Ruy Othake. Fonte: www.ruyothake.com.br Acesso 28/01/2012 às 23h00. Editado pela autora. Figura 3.13 Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – Chesf. Salvador, BA, 1979-1982 Arquiteto Francisco de Assis Reis. Fonte: MONTEZUMA, 2008. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 111 É importante destacar a obra do arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) com os edifícios projetados para o novo centro administrativo de Salvador, BA, entre 1973 e 1975 (Fig.3.14 e 3.15), em sua incessante pesquisa em direção à industrialização da construção. Industrialização que ele busca a partir da racionalização e padronização dos elementos da estrutura formal arquitetônica e do próprio processo de construção, pensado desde a concepção da arquitetura, sem abrir mão da poesia e sem desconsiderar a condição humana de quem usa e faz. Sua obra reflete seu pensamento, em particular, no tocante a exaltação do caráter tectônico a partir da tecnologia do concreto armado: O concreto armado oferece possibilidades maravilhosas à invenção arquitetural, quer na procura de espaços inéditos e surpreendentes, quer na especulação corajosa de concepções estruturais inovadoras, quer ainda na pesquisa de processos racionalizados de construção via industrialização, mecanização e pré-fabricação destinados a responder na escala correta às demandas da humanidade [...]. Se a estrutura é bem pensada, com intenção plástica e se define já na concepção inicial do projeto, como explica Oscar Niemeyer, quando ela termina, a arquitetura também está presente. 7 (REVISTA MÓDULO, fevereiro,1980, p. 79). Em sua obra, que se intensifica após a construção de Brasília - onde trabalhou no próprio canteiro junto à Niemeyer - persiste o caráter tectônico do moderno brasileiro consagrando o concreto armado, a liberdade formal “racionalizada” e a generosidade dos espaços, no entanto, “mirando a vertente social e econômica da pré-fabricação” (SEGAWA, 1995, p. 60). A continuidade de uma atitude moderna regida pela consciência construtiva e em busca da racionalidade do processo construtivo, que caracteriza a obra de Lelé, também é identificada na produção arquitetônica do grupo Arquitetura Nova, formado pelos arquitetos Flávio Império, Rodrigo Lefrève e Sérgio Ferro. 7 Entrevista dada ao Conselho Editorial de Arquitetura, publicada no artigo “João Filgueiras Lima, Arquiteto: Pensamento e Obra”, na Revista MÓDULO, n° 57, de fevereiro de 1980, p. 79. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 112 Figuras 3.14 e 3.15 Secretarias, 1973 (acima) e Igreja 1975 (abaixo) do Centro Administrativo da Bahia. Arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé). Fonte: LATORRACA, 1999. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 113 O grupo Arquitetura Nova, sob forte e declarada influência de Artigas, busca uma prática profissional com base nessa moral construtiva, em que a ordem estética interage com a ordem técnica a partir da verdade dos materiais e em consonância com o papel social que o arquiteto deve desempenhar. Entretanto, conscientes da distância da produção brasileira de uma efetiva industrialização da construção, esses arquitetos buscam experimentar técnicas construtivas que possam ser aplicadas não apenas pelo técnico da construção, mas, pela população de um modo geral8. Assim, introduzem novos, ou recuperam velhos, sistemas construtivos que permitam a produção em larga escala a partir do uso intensivo de mão de obra e que atendam à nova estética da estrutura arquitetônica fundada no que eles chamam de poética da economia: [...] a economia aqui evocada não se restringe ao barateamento da obra, mas conota a intenção dos arquitetos em evidenciar e valorizar os esforços envolvidos na construção do conforto doméstico expressos pela aparência, tanto da complexidade das instalações que se fazem necessárias para o consumo da arquitetura, quanto pelas marcas que a atividade humana do canteiro de obras deixa na forma acabada dessa arquitetura. (KOURY, 2003, p. 61). Destaca-se na produção arquitetônica do grupo o desenvolvimento de um sistema construtivo baseado em abóbadas, principalmente, para o uso residencial e através do emprego de materiais e técnicas tradicionais como as alvenarias de tijolos ou blocos, assim como, de elementos em concreto aparente, como as vigotas do sistema portante da abóbada, com acabamento sem necessidade de revestimento, deixado à vista, do mesmo modo que são expostas as instalações prediais (Fig.3.16). 8 Prática que decorre também de sua oposição à exploração dos trabalhadores da construção civil no canteiro de obras, pelo descompasso entre a criação moderna e as condições reais de produção no Brasil, denunciada em vários artigos publicados pelo grupo (KOURY,2003). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 114 Figura 3.16 Casa Bernardo Issler, Cotia, 1961. Arquiteto Sérgio Ferro. Fonte: KOURY, 2003. Figura 3.17 Casa Pery Campos, São Paulo, 1970. Arquitetos Rodrigo Lefèvre e Nestor Goulart. Fonte: KOURY, 2003. Figura 3.18 Esquema de montagem e armazenamento das abóbadas, apresentadas na dissertação de mestrado, FAU-USP, São Paulo, 1981, por Rodrigo Lefèvre. Fonte: KOURY, 2003. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 115 O uso do sistema portante da abóbada é desenvolvido por Rodrigo Lefrève, na década de 1970 (Fig. 3.17), após a separação do grupo devido à questões políticas, através de várias obras por ele concebidas em parceria com outros profissionais, cuja experiência ele relata em uma dissertação de mestrado defendida em 1981, na FAUUSP, intitulada Projeto de um acampamento de obra: uma Utopia, a qual não consiste apenas na apresentação e explicação do princípio e das possibilidades do sistema estrutural da abóbada e a tecnologia por ele desenvolvida, mas, numa proposta de um canteiro-escola, cujo objetivo é resumido por Pedro Arantes: Na verdade, a tese é uma formulação teórica para o compromisso que assume com uma arquitetura que favoreça o trabalho coletivo, a democratização do conhecimento e a transformação das relações de produção. (ARANTES, 2002, p.132). Assim, o grupo Arquitetura Nova acompanha Lelé na busca pela racionalização e padronização, porém, mais pela via da produção manufatureira no canteiro de obras, pelo menos em um primeiro momento, visto que no esquema proposto por Lefrève, em sua dissertação, se observa a mecanização da montagem das peças – placas inteiras em concreto armado (Fig.3.18). A exploração do caráter tectônico proveniente da geometria da abóbada, como elemento de vedação do espaço, é utilizada, nessa fase, por outros arquitetos modernos, entretanto, através de tecnologias e sistemas construtivos diferentes. Pode-se citar como exemplo da tectônica resultante da sucessão rítmica de abóbadas em blocos de concreto o sistema de cobertura da Sede da Fazenda Pindorama, no interior do Estado de São Paulo, projetada por Marcos Acayaba, em 1974, (Fig. 3.19) e do edifício da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, em blocos cerâmicos, projetado por Acácio Gil Borsoi, em 1984, (Fig.3.20). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 116 Na passagem da década de 1970 para o início da década de 1980, a retomada da circulação de publicações especializadas sobre a produção arquitetônica nacional e internacional, contribuiu sobremaneira para o retorno do debate crítico e para o contato com a produção arquitetônica internacional. Da mesma forma a distância temporal do marco constituído pela construção de Brasília e a crise decorrente do golpe de 1964, Figura 3.19 Sede da Fazenda Pindorama, Cabreúva, SP, 1974-1975. Uso da tecnologia da alvenaria armada, abóbadas em bloco de concreto. Arquitetos Marcos Acayaba e Augusto Malzoni. Fonte: ACAYABA, 2007. Figura 3.20 Assembleia Legislativa do Estado do Piauí, 1984. Cobertura em abóbadas de tijolo. Arquiteto Acácio Gil Borsoi, em 1984. Fonte: BORSOI, 2006. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 117 colaboraram para o surgimento de novas interações entre o fazer artístico e o saber técnico nesses últimos anos do marco temporal desta pesquisa, incrementando o caráter plural da produção arquitetônica dessa fase. Novas tectônicas, ainda fundadas na verdade construtiva e nos princípios modernos, são verificadas quando se experimentam os novos materiais e tecnologias construtivas promovidas pelo desenvolvimento industrial intensificado no início dos anos 1980, como é o caso dos componentes em aço e alumínio cujo uso começa a se intensificar em vários sistemas estruturais (Fig. 3.21 e 3.22), do mesmo modo, que se torna intensivo o uso de elementos pré-fabricados de concreto em grande escala e dimensões (Fig. 3.23). Igualmente explora-se a tectônica que decorre da associação desses materiais e tecnologias: concreto, alumínio e/ ou aço (Fig. 3.24) ou do ferro e alvenaria de tijolos à vista (Fig.3.25). Figuras 3.21 e 3.22 Bombril Nordeste, Paratibe, PE, 1981. Arquiteto Acácio Gil Borsoi (acima.). Fonte: BORSOI, 2006. Clube dos Funcionários da Petrobrás, Fortaleza, CE,1984. Arquitetos Mário Guerra Roque e Jayme Leitão (abaixo). Fonte: Cadernos Brasileiros de Arquitetura. (CBA), N° 20. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 118 Figura 3.24 Centro de Convenções de Pernambuco, Olinda,PE, 1977-1983. Arquitetos Joel Ramalho Jr., Leonardo Tossiaki Oba e Guilherme Zamoner. Vista geral (acima) Detalhe: tectônica do concreto versus tectônica do metal (à esq.). Fonte: Revista Projeto, N°114, set. 1988. Figura 3.23 Hospital Sarah Kubtschek, Brasília, DF, 1980. Arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé). Fonte: LATORRACA, 1999. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 119 3.2 Diversidade Tectônica Esse quadro de diversidades tectônicas característico da arquitetura moderna brasileira possui como um dos fatores principais, a grande extensão territorial do país que, em suas dimensões continentais, abriga diferentes situações climáticas, cultural e socioeconômica em suas regiões. No período estudado, a estratégia de ocupação e integração das várias regiões do Brasil, definida pela política de ocupação do interior do país, resultou na oferta de uma grande quantidade de projetos e obras, colaborando com o aumento da migração interna de arquitetos e mesmo para a atuação dos profissionais mais reconhecidos nas diversas localidades do país: Figura 3.25 Residência Jader Köu, Barueri, SP, 1981. Arquiteto Marcos Acayaba. Fonte: ACAYABA, 2007. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 120 Esse trânsito de profissionais pelo país simboliza uma troca e um enriquecimento de valores que, como sementes ao vento, vão desenvolver novas atitudes em outras paragens. (SEGAWA, 1999, p. 134). Um desses casos é o caráter tectônico resultante do uso de materiais e técnicas regionais, mas, essencialmente afinados com os pressupostos modernos, observado na obra do arquiteto carioca Severiano Porto desenvolvida em Manaus (AM), onde se estabelece a partir da segunda metade de 1960. No projeto para residência em Tarumã, Manaus, AM, (Fig. 3.26 e 3.27), a tectônica moderna pode ser identificada: no uso do pilotis, aqui utilizado para garantir da ventilação dos ambientes e para a proteção contra a excessiva umidade do lugar; no uso da estrutura portante independente, que permite a independência dos elementos que delimitam o espaço, assim como, favorece o diálogo dos ambientes internos com o exterior, ao mesmo tempo que os unifica com um jardim interno; na distribuição das atividades em planos de níveis diferentes; no emprego dos materiais em seu estado natural, enfim, numa arquitetura fundamentalmente, adequada ao clima, técnica e cultura local, essencialmente, moderna. Essa tectônica é verificada, igualmente, no projeto de sua residência em Manaus, projetada em 1971, onde se verificam outros usos da linguagem moderna, como os elementos vazados em concreto aparente, no caso, executados no canteiro; a estrutura resistente em madeira, ressaltando-se a colunata de troncos quase ao natural que compõem a sustentação da cobertura, e se posiciona solta do volume do edifício; além do uso de paredes de alvenaria em pedra natural (Fig.3.28). É nesse sentido que se identifica uma troca do saber técnico-expressivo, ou da cultura tectônica, uma influência recíproca entre o saber erudito com o vernáculo. Igualmente no Estado da Paraíba, a produção arquitetônica mais significativa desse período é marcada, em boa parte, pela atuação de O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 121 profissionais de outras localidades e de alguns poucos profissionais paraibanos, com formação nas escolas do Recife ou do Rio de Janeiro, uma vez que o primeiro Curso de Arquitetura e Urbanismo só se instala no ano de 1975, na Universidade Federal da Paraíba, no campus de João Pessoa. Com a fundação do curso, profissionais de outras localidades – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Pernambuco - que chegam para atuar no ensino, também, passam a projetar no Estado, principalmente, na capital. Figura 3.26 Projeto de residência em Tarumã, Manaus, AM, 1979. A considerável inclinação do telhado é necessária ao escoamento das chuvas torrenciais típicas do clima tropical-úmido, característico da Região Norte do país. Arquiteto Severiano Porto. Fonte: Revista Projeto, N°15, Set/Out 1979. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 122 Figura 3.28 Residência do Arquiteto Severiano Porto, Manaus, AM, 1971. Fonte: Revista Projeto, N° 40, maio, 1982. Figura 3.27 Plantas baixas do projeto de residência em Tarumã, mostrando os diferentes níveis: planta nível +5.30 – onde está situada a grande varanda (à esq.); planta níveis: +2.20 (estar/ jantar, cozinha e varanda) e +3.10 (quartos, banheiros e circulação) (à dir.). Fonte: Revista Projeto, N°15, Set/Out 1979. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 123 A vertente tectônica moderna fundada na consciência construtiva e na expressividade dos materiais em seu estado bruto, tanto dos elementos de vedação como do sistema portante, é igualmente observada em grande parte dos tipos edilícios que surgem nas cidades paraibanas, em decorrência do “milagre econômico brasileiro” e em meio a uma alteração no cenário urbano, com o surgimento de centros administrativos e universitários, terminais de transportes (rodoviários), edifícios corporativos, estádios de futebol, entre outros, além das agências bancárias e de várias residências que proliferam nesse período (Fig. 3.29 e 3.30). Observa-se, em parte da produção paraibana, a sobrevida dos atributos modernos na expressão dessa arquitetura que se desenvolve nos anos 1970, podendo ser inserida na classificação de Spadoni (2003) “moderno como expressão”, experimentados em edifícios corporativos e institucionais. Figura 3.29 Centro Administrativo do Estado da Paraíba , 1973. Arquiteto Tertuliano Dionísio. Vista geral (à esq.); secretarias (no centro); Palácio dos despachos (sup. à dir.); salão de exposições (inf. à dir.). Fonte: PEREIRA, 2008. Figura 3.30 Edifícios da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), 1966. Leonardo Stuckert Filho. Reitoria (à esq.); salas de aulas do CCHLA – à dir.). Fonte: Fotos da autora ( 2011). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 124 No clima de autoritarismo, concentração de renda e poder, que também impregna o planejamento da expansão urbana e industrial na Paraíba, alguns edifícios parecem seguir os aspectos programáticos e mesmo estético-formais ditados pela estratégia de implantação das edificações impostas pelo governo, como é o caso dos Estádios de Futebol construídos em Campina Grande e em João Pessoa, que apresentam grande semelhança entre si, quanto ao caráter tectônico (Fig. 3.31 e 3.32). O mesmo ocorre com os edifícios de estações telefônicas da empresas de telecomunicações ligadas à antiga TELEBRÁS, como os da TELPA - Telecomunicações da Paraíba S/A - (Figs.3.33, 3.34 e 3.35), projetados pelo arquiteto Sergio Teperman no início dos anos 1970: A similaridade de soluções e de detalhes que utilizamos na maior parte dos edifícios teve também por finalidade permitir uma maior sistematização para a sua operação e manutenção, de forma que funcionários preparados em centros regionais ou nacionais de treinamento pudessem operar facilmente o edifício, em todas as áreas do país e com os tipos mais diversos de equipamentos telefônicos e de sistemas de energia. (TEPERMAN, 1982, p.54). O edifício-sede da agência bancária da Caixa Econômica, localizada em João Pessoa, projetada pelos arquitetos pernambucanos Jerônimo Lima e Carlos Pontual, em 1981, apresenta características marcantes da escola paulista, tanto no que se refere ao uso da grande cobertura para o abrigo das funções - a exemplo da FAU-USP (Fig. 3.5) projetada por Artigas e do Banco BANESPA (Fig.3.12) de autoria de Rui Othake - como no que se refere à reverência à estrutura portante em concreto aparente. O rigor do sistema portante na Agência Cabo Branco é marcado pela presença de grandes vigas, cujas formas seguem o desenho resultante da distribuição das forças estáticas e que suportam um grande prisma quase totalmente fechado. O que provoca uma sensação de peso ao transeunte, acentuada pelo balanço das vigas ao se projetarem sobre o passeio público - apesar do pavimento térreo, onde se encontra a agência, propriamente dita, ser delimitado por painéis de vidro conferindo-lhe transparência (Fig.3.36). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 125 Figura 3.31 e 3.32 Estádio José Américo de Almeida Filho - Almeidão, em João Pessoa –1973-1975 (à esq.); Estádio Governador Ernani Sátiro– Amigão, Campina grande, PB, 1977 (à dir.). Fonte: www.skyscrapercity.com.br. Acesso em Fev/ 2011. Figura – 3.33 Edifícios da antiga empresa de Telecomunicações da Paraíba S/A, 1974-1975. Arquiteto Sérgio Teperman. Fonte: ARAÚJO, 2010; REVISTA PROJETO, N° 45, novembro /1982. Figuras 3.34 e 3.35 Estação telefônica Santarém, TELEPARÁ – Telecomunicações do Pará S/A, 1974/1975 (à esq.); Estação telefônica Natal - TELERN – Telecomunicações do Rio Grande do Norte S/A (á dir.). Arquiteto Sérgio Teperman. Fonte: REVISTA PROJETO, N° 45, novembro /1982. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 126 Figura 3.36 Caixa Econômica Federal, Agência Cabo Branco, João Pessoa-PB, 1981-1983. Arquitetos Jerônimo Lima e Carlos Pontual. Fonte: ARAÚJO, 2010. Editada pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 127 Também essa tectônica “pesada”, que marca parte da produção arquitetônica brasileira nesse período, é identificada no edifício da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba – FIEP/SESI/SENAI-, localizado em Campina Grande. Projetado pelos arquitetos cariocas Cydno Silveira & Amélia Gama, o edifício é suspenso do solo por generoso sistema portante, permitindo a manutenção do conforto do ambiente urbano através da circulação da ventilação pelo pilotis (Fig. 3.37 e 3.38). Faz referência, ao Ministério da Educação e Saúde (RJ) com a presença do terraço-jardim na cobertura e do volume do auditório independente da torre de escritórios, mas, a ausência de revestimentos, explorando o caráter tectônico do concreto em sua forma aparente, faz referência à arquitetura moderna nacional produzida no momento de sua construção. Nota-se, igualmente, o uso de painéis em elemento vazado cerâmico, um recurso de adequação às condições climáticas do lugar, de promoção do diálogo entre exterior e interior, e de adoção de critérios de racionalização e economia, facilitados pela padronização e reprodução de componentes que podem ser produzidos industrialmente. Os elementos vazados como o cobogó, explorados em suas inúmeras possibilidades plástico-construtivas, que permite que o caráter tectônico da arquitetura se expresse em leveza, desmaterialização e transparência, passa a ser fluente na linguagem arquitetônica do moderno brasileiro, principalmente, na Região Nordeste onde é necessário vazar as paredes para a penetração dos ventos e filtragem da luz9. Utilizado nas várias fases do moderno brasileiro e em diversas tectônicas – blocos de cimento ou cerâmicos furados, “azulejados”, etc. - seu uso em material bruto é intensificado nas décadas de 1960 e 1970. Também a expressividade do brise-soleil, rompendo com a pureza do volume prismático, é explorada nessa fase e se mostra presente em várias obras construídas na Paraíba: por exemplo, o edifício do Ministério da Fazenda (Fig. 3.39), em João Pessoa, PB, 1985, de autoria dos arquitetos Antônio de Almeida & Sylvia 9 Como argumenta Armando Holanda em Roteiro para Construir no Nordeste, publicado em 1976. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 128 Andrade e a Biblioteca Central da UFPB, 1978-1981 (Fig. 3.40), projetada pelos arquitetos José Galbinski e Armando Carvalho. Desse modo, observa- se uma arquitetura, ainda moderna que, em alguns casos, busca adequar-se ao clima da região e dialogar com a cultura do lugar. Figura 3.37 Sede da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP/ PB) em construção, Campina Grande, PB, 1979. Arquitetos Cydno Silveira & Amélia Gama. Fonte: REVISTA MÓDULO - edição especial arquitetura n°1, março, 1981. Figura 3.38 Sede da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEP/PB) vista atual, Campina Grande, PB, 1979. Arquitetos Cydno Silveira & Amélia Gama. Fonte: Portal da FIEP-PB: http://fiepb.com.br. Acesso em fev., 2011. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 129 Figuras 3.39 e 3.40 Edifício do Ministério da Fazenda (à esq.), em João Pessoa, PB, 1985, de autoria dos arquitetos Antônio de Almeida & Sylvia Andrade e a Biblioteca Central da UFPB (à dir.), 1978-1981 projetada pelos arquitetos José Galbinski e Armando Carvalho. Fonte: Fotos da autora (2011). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 130 Neste breve panorama da produção arquitetônica moderna na Paraíba, situam-se as obras dos arquitetos Sérgio Bernardes e Glauco Campello, edifícios esses, que também surgem em função da expansão econômica e urbana sob um regime autoritário e em um contexto arquitetural marcado por dilemas, inflexões e uma perspectiva ainda moderna. A construção Hotel Tambaú constitui um marco para a cidade de João Pessoa, tanto do ponto de vista urbanístico como pelo ineditismo de sua proposta arquitetônica. Sua implantação no litoral da cidade acentua o processo de ocupação da porção leste, iniciado já na década de 1950, após mais de três séculos e meio de seu surgimento às margens do Rio Sanhauá, voltando-se, a partir de então, para o mar. O Hotel Tambaú é também, parte da política de desenvolvimento do Nordeste e da Paraíba, em particular, com base na expansão econômica, industrial e urbana implantada pelo governo federal em nível nacional e como incentivo à construção civil e ao turismo nesse Estado: Este setor (da construção civil) ainda receberá estímulos através de obras governamentais tais como a construção de vias importantes – a BR-230 e o Anel do Brejo – e o Hotel Tambaú. As rodovias citadas se constituíram em alavanca essencial à ampliação dos espaços produtivos e à circulação de mercadorias produzidas. O Hotel Tambaú representou o esforço estatal no sentido de incentivar o turismo como fonte de renda para a Paraíba. (FERNANDES, 1999, p.66). Nessa política de desenvolvimento urbano, as rodoviárias de João Pessoa e Campina Grande, a exemplo dos demais terminais que se proliferaram pelo país “grande e moderno”, é representante dos megaprojetos institucionais da arquitetura produzida na época do “milagre econômico brasileiro” que ocorre no início da década de 1970, a exemplo da Rodoviária de Jaú (1973-1976), projetada por Vilanova Artigas. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) No Contexto da Cultura Arquitetônica 131 O Espaço Cultural José Lins do Rego, construído já no extremo final do arco de tempo proposto neste trabalho, se constitui na concretização de uma ideal pessoal do governador Tarcísio Burity em promover, preservar e difundir a educação, a cultura e as artes, mas também, uma ação que se perfila perfeitamente à política autoritária do governo federal. Apesar do contexto político e ideológico adverso e considerando a diversidade tectônica observada nas variadas trajetórias desse período, como essas obras modernas referenciais produzidas na Paraíba se expressam de fato? Que contribuição técnico-expressiva elas, efetivamente, trazem para a produção arquitetônica local? São as questões que permeiam esta pesquisa e que se pretende responder através da análise sob o viés da tectônica. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 134 4 SÉRGIO BERNARDES - EXPERIMENTALISMO TECTÔNICO “O que chamamos de experimentalismo é a corrente que talvez melhor expresse a essência do moderno: a que se permite o risco da invenção. E invenção aqui deve ser utilizada em seu sentido amplo, não apenas como revelação ou descoberta, como indica sua raiz etimológica (...), mas também em seu sentido vulgar, como gerador do novo. (...) Se abordamos a ideia da invenção como um problema da arquitetura brasileira, deveríamos também encontrar suas variantes, sendo uma delas a ideia de experimentação”. (SPADONI, 2003.p.161 e 162). A vertente experimentalista da produção arquitetônica brasileira identificada por Spadoni (2003) nas décadas de 1970 e 1980 é caracterizada por uma inventividade fundada na experimentação das qualidades plástico- expressivas dos materiais e técnicas construtivas articuladas às novas estruturas formais arquitetônicas, o que pode ser entendido como um experimentalismo tectônico, e tem como um de seus expoentes o arquiteto Sérgio Bernardes. Neste capítulo, serão analisadas duas obras que expressam essa essencialidade moderna de geração do novo, de acordo com o espírito da época, revelando a persistência do caráter inventivo do moderno brasileiro fundado na lógica construtiva. No Hotel Tambaú, a análise permite identificar a adoção do mesmo princípio estrutural materializado em poéticas diferentes e a utilização de materiais em sua forma “bruta” para a concreção de elementos simbólicos. No Espaço Cultural uma relação dual entre a expressividade do aço e do concreto aparente é estabelecida a partir de sistemas estruturais e construtivos O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 135 diferentes, de acordo com a intenção plástica dada aos diversos volumes correspondentes às diferentes funções requeridas pelo programa. 4.1 Hotel Tambaú O Tropical Hotel Tambaú1 (1966-1970) faz parte desse exercício de investigação e experimentação técnico-expressiva que Sérgio Bernardes realiza ao longo de sua prática profissional, enfatizando, assim, o caráter tectônico de sua arquitetura que, nessa época (em particular final da década de 1960), é evidenciado nesse tipo edilício, como pode ser observado nas propostas arquitetônicas para hotéis em Manaus (AM), Recife (PE), além do próprio Hotel Tambaú em João Pessoa (PB) - (Fig. 4.1). Análogos em sua geometria circular esses edifícios se desenvolvem em torno de um núcleo de serviços e têm em comum um resultado estético associado às soluções técnicas e estruturais que os materiais propostos permitem. Investigando o caráter tectônico na relação sítio/ estrutura formal arquitetônica (placeform/productform), tanto na implantação como no embasamento da arquitetura do Hotel Tambaú, observa-se que as características naturais do sítio, como o tipo de solo arenoso com lençol freático muito próximo da superfície e o movimento periódico das águas do mar, têm suas implicações sobre as decisões projetuais, sugerindo, até mesmo, uma imposição do sítio à estrutura formal arquitetônica. Apesar do estabelecimento, numa primeira vista, de uma relação de impacto e contraste entre sítio e edifício, a apropriação desses condicionantes naturais, bem como, do entorno construído - escassas edificações de baixa 1 O Hotel recebe esse nome após ter sido adquirido pela Companhia Tropical de Hotéis, em 1971. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 136 (a) (b) (c) Figura 4.1 Experimentação técnico-expressiva na tipologia de hotéis realizada por Sérgio Bernardes no final da década de 1960 início dos anos 1970.: (a) Hotel Tambaú, João Pessoa, PB (1966/1971) - Fonte: Acervo SUPLAN-PB; (b) Hotel de Recife, Praia de Boa Viagem, Recife PE, 1968 - Fonte: VIEIRA, 2006; (c) Maquete do Hotel Tropical de Manaus/AM, 2° proposta, Manaus (1970) - Fonte: BERNARDES, 2010. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 137 altura, em sua maioria de uso residencial para veraneio2 - contribuem para o conceito e partido adotados, fazendo alusão às dunas de areia (Fig. 4.2), como argumenta o próprio Bernardes (1970), embora estas não predominem no litoral paraibano3. O que leva a crer que Bernardes se referia às dunas de areias de outras praias nordestinas, como as do Rio Grande do Norte ou de Lençóis, no Maranhão. O edifício, em sua estrutura formal circular se acomoda à forma do sítio - uma ponta de areia entre duas enseadas que constituem as praias da Tambaú e Manaíra (Fig.4.3 e 4.4) - limitado pelas ondas do mar e a avenida principal que contorna o tecido urbano. Adotando a forma geométrica de um tronco de cone, seccionado por um plano horizontal à altura correspondente a, aproximadamente, dois pavimentos, a estrutura formal proposta atende, em certa medida, a outro conceito adotado pelo arquiteto, o de não sobreposição à natureza, conforme ele mesmo esclarece: “(...) A natureza é de tal exuberância que a arquitetura não deve aparecer: é um fenômeno de mimetismo. (...) para não se ter arestas na correção das inflexões de ângulos diferentes o processo deve ser circular, pois é localizado na rótula (...)” 4 . (BERNARDES, 1970, p. 30). Esse conceito é reforçado pela opção à horizontalidade, intensificada pela própria inclinação da face lateral do tronco de cone, atenuando, a presença do edifício na paisagem natural e urbana, inclusive à escala do transeunte. (Fig. 4.5, 4.6 e 4.7). 2 O entorno do Hotel era de edificações térreas, excetuando os poucos edifícios verticais, também de uso residencial, como por exemplo, o Edifício Santo Antônio (constituído de três pavimentos) e o Edifício São Marcos (constituído de 11 pavimentos), construído na mesma época do Hotel Tambaú. 3 O elemento natural que aparece no litoral da Paraíba são as falésias - escarpas íngremes à beira mar, por efeito da erosão marinha, predominantes nas praias ao sul do Estado. 4 Bernardes fala sobre esses conceitos ao comentar o partido adotado na concepção do Hotel Tambaú no artigo “Prospectiva e Busca” na Revista de Cultura VOZES, N° 1, jan./fev., 1970. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 138 Figura 4.2 Croquis explicativos elaborados pelo Arquiteto Sérgio Bernardes sobre o partido adotado. Fonte: Revista de Cultura Vozes, Volume 1 - 1970. Acervo da Biblioteca Central - UFPB. Figura 4.3 Banco de areia onde foi implantado o Hotel, com vista do bate estacas à época da construção. Fonte: Acervo SUPLAN- PB Figura 4.4 Hotel Tambaú logo após sua Inauguração (1971). Fonte: Acervo de Humberto Nóbrega (UNIPÊ - PB) O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 139 Figuras 4.6 e 4.7 O Hotel visto das praias de Manaíra (acima) e do Cabo Branco (abaixo.) – inserção harmoniosa na paisagem urbana e natural. Fonte: Fotos da autora (2010). Figuras 4.5 Croquis ressaltando a relação do transeunte com a superfície externa inclinada (45°) e o talude gramado do hotel. Fonte: Croquis elaborado pela autora sobre o desenho de uma das seções do projeto do Acervo do Hotel. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 140 A solução formal busca, igualmente, atender a outro condicionante do sítio que é sua localização à beira-mar, o que sugere a ausência de muro entre a edificação e o entorno natural. Para isso, o círculo é decomposto concentricamente em anéis nos quais se distribuem os ambientes do hotel, constituindo-se o anel externo na sua própria caixa mural. A limitação da área de terreno disponível para a construção do hotel, acentuada pela maré, sugere que essa operação volumétrica de subtração de volumes faz-se a partir do seu perímetro em direção ao centro. Obtêm-se, desse modo, dois anéis de massa construída, e dois anéis vazios – pátios internos - resultando a estrutura formal do Hotel Tambaú no tipo edilício “edifício-pátio” (Fig.4.8). Figura 4.8 Vista área atual do Hotel Tambaú - Tipo edilício: “edifício-pátio”. Os dois anéis cobertos são ligados por passarelas. Fonte: Acervo PMJP O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 141 Assim, da periferia ao centro, os espaços são distribuídos de forma hierárquica, em “espaços servidos” e “espaços servidores”. No Hotel Tambaú, a distinção desses espaços se dá na relação topológica das funções e proporção dos volumes: espaços servidores nos anéis centrais, mais compactos; espaços servidos nos anéis periféricos, de maiores dimensões. Os espaços servidos são ocupados predominantemente por apartamentos e áreas de lazer dos hóspedes. Os espaços servidores contêm recepção, administração, restaurante, estar (lobby), lavanderia, além de equipamentos técnicos, situados no espaço aberto do pátio de serviço, como as caldeiras, e de onde parte a torre da caixa d’água, com a antena de para-raio em seu topo. Tanto os espaços servidos como os servidores, todos os ambientes são divididos seguindo uma modulação radial, atendendo ao princípio de racionalidade e funcionalidade (Fig. 4.9 e 4.10). Parte do grande anel externo, à época da implantação do hotel, era destinada a alguns equipamentos de comércio como: lojas de artesanato, salão de beleza, boate, farmácia, além de cinema e auditório, que se prolongavam sob o piso de parte do pátio de lazer5. Desse modo, a arquitetura do Hotel propunha um novo conceito de hospedar a partir de um espaço multifuncional em uma estrutura formal circular, provendo não apenas a necessidade dos hóspedes, mas, tornando-se, igualmente, um ponto de visitação para os próprios moradores da cidade, uma vez que, no momento de sua construção, a Praia de Tambaú era destituída desses equipamentos e caracterizada pelo uso ocasional de veraneio, conforme supracitado (Fig. 4.11). 5 Atualmente esses ambientes, originalmente destinados ao lazer, são ocupados por um centro de convenções. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 142 Planta Baixa – Nível 5,00 Planta Baixa – Nível 7,95 Planta Baixa – Nível 10,25 LEGENDA 1. Acesso Social 2. Foyer (Cinema) 3. Lojas 4. Cinema (Antigo) 5. Salão de Convenções 6. Foyer (Convenções) 7. Apartamentos 8. Jardins (Pátio Interno) 9. Equipamento Serviço. 10. Circulação/Serviço 11. Restaurante 12. Acesso/ praia 13. Piscina 14. Terraços/Lazer 15. Acesso de Serviço 16. Boate (Antiga) 17. Recepção 18. Rampa/piscinas 19. Administração 20. Exposição Artesanato 21. Pavimento Técnico 22. Jardim (s/ laje cinema) 23. Claraboia (Túnel Acesso) 24. Vista da cobertura dos anéis (telhas meio-tubo) Figura 4.9 Plantas Baixas dos principais níveis do Hotel Tambaú. Fonte: Modelo digital elaborado por Valmir Borba para esta pesquisa. Imagens extraídas e editadas pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 143 Figura 4.11 Praia de Tambaú à época da construção do Hotel - predomínio do uso residencial para veraneio e de moradia permanente dos pescadores. Fonte: Acervo SUPLAN - PB. Figura 4.10 Corte esquemático mostrando os principais níveis do Hotel Tambaú. Fonte: Croquis do arquiteto Sérgio Bernardes para a Revista de Cultura Vozes, Volume 1 – 1970. Acervo da Biblioteca Central - UFPB. Editado pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 144 A adoção de poéticas construtivas diferentes no fechamento dessa caixa mural – talude de areia e grama sobre placas de concreto versus esquadrias de madeira e vidro, separadas pela continuidade rítmica radial de esbeltas empenas de concreto, subdivide o anel externo do hotel em duas partes: o semicírculo que vai do Sul ao Norte, no sentido oeste, que a partir deste ponto do trabalho será considerado Semicírculo OESTE, e o semicírculo que abrange do Sul ao Norte, no sentido leste, doravante chamado de Semicírculo LESTE. Pode-se observar que essa relação dicotômica decorre, ainda, dos condicionantes do lugar, sendo determinante da expressividade e sentido do todo arquitetônico. Enquanto o Semicírculo Leste se abre para o céu e o mar, permitindo o diálogo entre o exterior e interior, a contemplação da paisagem natural e a iluminação e ventilação natural dos ambientes internos; o Semicírculo Oeste se fecha para o entorno construído, protegendo, entretanto, contra a forte insolação típica do nordeste brasileiro, os ambientes sob o talude gramado (Fig.4.12). Figura 4.12 Diferentes poéticas construtivas divide o grande anel, a partir de sua face externa, em dois semicírculos: Leste e Oeste. Fonte: Acervo SUPLAN - PB. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 145 Um dos elementos determinantes dessa dicotomia é a solução construtiva utilizada para o embasamento (earthwork) necessário a elevação do envoltório espacial (roofwork), devido à maré e ao lençol freático muito próximo da superfície. Essa necessidade de considerável elevação do edifício, também colabora na adoção de taludes suaves para o piso do pátio interno (Fig.4.13 e 4.14). O aterro, que em sua maioria é constituído de areia, no anel externo da base piramidal em sua porção Oeste, esse material, ao se estender, elevando-se em direção à cobertura em forma de talude, estabelece uma relação de continuidade na passagem da base pesada do “podium” para o envoltório do espaço na face externa desse semicírculo. A areia, unida ao gramado, colabora para uma expressividade arquitetônica que remete ao telúrico, pesado, materializado. Embora direcionado à cobertura, o talude não toca nesta, havendo continuidade apenas das vigas de sua estrutura resistente, constituída de viga-pilar com laje maciça de concreto armado (Fig. 4.15). Assim, entre o limite superior do talude e os ambientes sob a cobertura, é criado uma circulação aberta para o exterior que permite a iluminação zenital dos ambientes6 do pavimento térreo, amenizando a sensação de clausura provocada pelo plano inclinado de concreto da estrutura do talude, assim como, a iluminação natural através de elementos vazados da circulação dos apartamentos do pavimento superior - cota 10,25m (Fig.4.16, 4.17 e 4.18). 6 Esses ambientes eram originalmente destinados a lojas e serviços, mas, sofreram reformas a partir da década de 1980, e foram substituídos por apartamentos, ampliando a capacidade de hospedagem do hotel. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 146 Figura 4.14 Talude no pátio interno– descida às piscinas, metáfora corporal da descida à praia em direção ao mar. Fonte: Foto da autora (2010). Figuras 4.13 Vista geral do embasamento (earthwork/ Frampton ou mound/ Semper), para implantação da edificação. Fonte: Acervo do CREA/ PB. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 147 Figura 4.15 Vista da estrutura do talude em construção, em concreto armado. Fonte: Acervo CREA-PB. Figuras 4.17 e 4.18 Vistas internas de ambientes sob Semicírculo Oeste: circulação apartamentos–nível 5,00 (à esq.) e nível 10,25 (à dir.) Fonte: Fotos da autora (2010). Figura 4.16 Detalhe do shed para iluminação zenital, entre o talude e a cobertura. Fonte: Foto da autora (2010). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 148 Desse modo, o talude constitui o próprio elemento de vedação dessa porção do anel externo do hotel, remetendo ao telúrico, ao pesado e comprimido, à materialização, fechando-se para a paisagem urbana e negando o diálogo entre os ambientes internos e o exterior. Ao mesmo tempo, a inclinação do talude e o gramado colocado sobre a areia, adotando o papel representacional de recuo da edificação, ao se estender em forma de jardim aos limites do lote, colabora na amenização que a inclinação da base do cone promove no diálogo com o transeunte e o entorno construído imediato (Fig.4.19). A sensação de recuo e ao mesmo tempo de peso e clausura, é ampliada pelo acesso principal ao interior do hotel constituído de um extenso túnel em rampa que sobe em direção à recepção do hotel, apesar da ruptura que provoca no talude. A rampa, corrente na arquitetura moderna brasileira, não apenas como elemento de acesso aos edifícios, mas, também, como objeto de proposta estética proporcionando a leveza que o concreto armado permite, materializada em placas esbeltas, soltas do solo, em balanços com apoios centrais ou bi-apoiadas em suas extremidades e sem fechamentos laterais (ver Fig. 3.2), no acesso do Hotel Tambaú, longe de pretender essa leveza, aparece enclausurada em planos laterais de vedação em concreto aparente, embora sua largura seja considerável e conte com a presença de claraboias no teto (Fig.4.20 e 4.9). Figuras 19 e 20 Areia sobre o talude assume função simbólica de dunas areia (à esq.); vista do acesso através de túnel em rampa enclausurada, remete ao telúrico e ao pesado (à dir.). Fonte: Fotos da autora (2010). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 149 No entanto, após a passagem por essa “tectônica do pesado”, a sensação de opacidade e peso é substituída pela surpresa provocada pela presença dos grandes pátios internos abertos para o céu e para a luz, com jardins que remetem à paisagem natural externa, delimitados pela “tectônica da leveza”. Esta é expressa pelas vigas de concreto em balanço das varandas existentes na face interna do próprio Semicírculo Oeste e do Leste, assim como, da circulação do anel interno coberto do núcleo de serviços (Fig. 4.21). A expressividade proveniente da leveza dos balanços que a tecnologia do concreto armado permite, é acentuada pela esbeltez do plano da cobertura constituído de telhas meio-tubo, que também se projetam em balanço, e pelos peitoris vazados compostos de madeira e aço, encontrados igualmente nas passarelas que ligam os dois anéis cobertos. O elemento de vedação dos ambientes destinados aos serviços de apoio aos apartamentos e circulação vertical colabora para essa tectônica da leveza. Trata-se dos painéis de elemento vazado cerâmico que concedem, além da leveza e transparência, uma estética que remete à renda produzida por artesãos da região – o que nos permite, aqui, fazer referência à tectônica têxtil de Semper (Fig. 4.22). Pode-se observar, também, uma relação dicotômica na oposição binária do uso do material cerâmico, ora como massa pesada, em compressão, representada pelos tijolos aparentes maciços utilizados como elemento de vedação da maioria dos espaços internos do hotel, ora como material leve e transparente ao ser vazado, apesar de se utilizar a mesma técnica de assentamento: empilhamento de unidades em compressão (Fig. 4.23). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 150 (a) (b) (c) Figura 4.21 Tectônica decorrente da leveza dos balanços permitidos pelo concreto armado; pelos peitoris vazados compostos de pranchas de madeira e estrutura de tubos de alumínio; bem como, pela esbeltez do plano da cobertura em telhas “meio-tubo”: (a) vista das varandas em balanço; (b) vista de uma das passarelas que unem os anéis do hotel. (c) Vista do terraço do anel de serviços. Fonte: Fotos da autora (2010). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 151 Figura 4.22 Painel de cobogós cerâmicos – leveza, transparência, permeabilidade à luz e à ventilação natural. Fonte: Foto da autora (2010). Figura 4.23 Fechamentos internos em tijolos cerâmicos maciços à vista -ambiente da recepção do hotel, logo após sua inauguração -1970. Fonte: VIEIRA, 2006. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 152 A sensação de surpresa continua ao se chegar ao ambiente das piscinas localizado no pátio interno, em posição oposta à recepção do hotel e em nível mais baixo, de onde se avista a praia e o mar através das esquadrias de madeira e vidro dos terraços de jogos e lazer (Fig. 4.24). A caminhada da recepção do hotel, situada no nível 7,95m, em direção ao ambiente das piscinas, localizado na cota 5,00m, quando realizada sobre o plano de piso suavemente inclinado dos jardins do pátio interno, remete à caminhada que se faz na praia em direção ao mar (ver Fig. 4.14). Este é contemplado a partir dos ambientes da piscina e dos terraços de lazer e através esquadrias de madeira e vidro, que constituem parte dos elementos de vedação da face externa do Semicírculo Leste. Entretanto, apesar desse desnível entre a recepção e os ambientes da piscina e terraços de lazer, esses ainda se encontram elevados da praia, o que os protege da preamar e da visão dos banhistas, que podem andar sobre as areias que circundam o hotel externamente, principalmente, na maré baixa (Fig. 4.25 e 4.26). Nessa porção Leste do anel externo do hotel, torna-se necessário no embasamento a utilização de pedras calcárias devido à maré, as quais passaram a funcionar como “gabiões”7. Sobre esse embasamento de pedras, que na época da construção do hotel chega a, aproximadamente 2,00m de altura, ainda se faz necessário a construção de um ambiente oco, vazio – uma espécie de quebra-mar - para permitir o fluxo e refluxo das águas do mar sob a primeira laje de piso desse semicírculo, correspondente ao nível térreo (5,00m) da edificação do hotel (Fig. 4.27 e 28). A vedação desse ambiente na face externa do anel, através de placas de concreto com aberturas em tiras horizontais necessárias à entrada das águas da preamar, dispostas entre os pilares da estrutura portante e acompanhando a inclinação dos mesmos, contribui para expressividade arquitetônica decorrente da continuidade rítmica das empenas de concreto armado dispostas radialmente. 7 Gabião é um cilindro oco de fitas de ferro, cheio de pedras, para servir em barragens, diques etc. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 153 Figura 4.24 Vistas da área de lazer com visão para o mar a partir do deck da piscina e do salão de jogos do Hotel Tambaú. Fonte: Fotos da autora (2010). . O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 154 Figuras 4.25 e 4.26 Vistas externas da porção Leste do hotel, na maré baixa. Fonte: Fotos da autora (2010). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 155 Essas empenas de concreto têm função de proteção solar, além da função estética e estrutural, e que juntamente com as esquadrias recuadas, delimitando as varandas, promovem dinamismo na face externa dessa porção do anel, além de torná-la permeável à paisagem exterior, à luz e ao ar. Assim, diferentemente do Semicírculo Oeste, nessa porção Leste do Hotel Tambaú, em sua face externa, na passagem da “base estereotômica” para o envoltório do espaço arquitetônico – embasamento/edifício - uma relação de ruptura e descontinuidade é marcada pelo contraste entre o concreto aparente e os materiais naturais do sítio: areia da praia e água do mar. O elemento de vedação do “porão de pedras” em placas de concreto vazadas juntamente com as empenas e a estrutura portante, além de demarcarem com nitidez essa passagem, remete ao conceito de ancoragem do roofwork, invólucro do espaço, sobre o earthwork. Esse conceito é materializado em duas situações: na vazante da maré (baixa-mar), fixação do edifício sobre as areias da praia; e na preamar (maré alta) remete à posição de ancoragem dos barcos sobre as águas do mar, estabelecendo uma tensão concreto X água. Uma provocação sensorial tátil, além da visual e auditiva é obtida pela alternância do fluxo e refluxo das águas do mar, que Sérgio Bernardes (1970) chamava de “bochecho”, principalmente, para quem se encontra no interior do edifício ou para quem o contempla da praia (Figuras 4.29 e 4.30). Na relação estrutura portante/estrutura formal arquitetônica do Hotel Tambaú, observamos a utilização precisa de critérios técnicos e estruturais para a obtenção do bom desempenho da forma concebida. Essencialmente, para todo o edifício, adota-se o mesmo sistema portante – o de seção ativa viga-pilar com apoio duplo8. 8 Sistema estrutural formado por elementos lineares rígidos – incluindo suas formas compactas como a laje – nos quais a distribuição de forças é efetuada pela mobilização das forças secionais – internas (ENGEL, 2001). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 156 Figuras 4.27 e 4.28 Embasamento de pedras calcárias sob a porção Leste do anel externo à época da construção (à esq.). Detalhe do “porão de pedras” – quebra-mar (à dir.). Fonte: Acervo do CREA-PB. Figuras 29 e 30 Vista externa do hotel na maré alta (esq.); detalhe da esquadria em um dos terraços do terraço de lazer, mostrando respingo da água na maré alta (á dir.). Fonte: Fotos da autora (2010). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 157 Nos dois anéis cobertos, esse princípio estrutural é materializado em concreto armado através do sistema construtivo moldado in loco, ainda artesanal, apesar de se almejar, a industrialização, a produção em série através da modulação e padronização dos elementos portantes. A distribuição radial desses elementos contribui para a modulação dos espaços e para a forma circular resultante, evidenciando a simplicidade da solução técnico-estrutural na obtenção de um resultado formal inusitado. Entretanto, observam-se algumas diferenças sutis na materialização desse princípio estrutural, como condicionantes técnicos necessários às diferentes expressividades adotadas nos semicírculos Leste e Oeste. No primeiro (Leste), constituído de dois pavimentos, a concepção de balanços mutuamente equilibrantes e a ligeira inclinação nas extremidades da laje de piso dupla9 entre os pavimentos colaboram para a leveza alcançada, assim como, para a transparência tanto do edifício na relação interior/exterior, como da execução da obra, principalmente, no tocante à legibilidade do princípio estrutural adotado (Fig.4.31). No semicírculo Oeste, é acrescido à estrutura portante o mesmo sistema de viga-pilar-laje, entretanto, disposto em posição inclinada, e que corresponde à base estrutural do talude, conferindo à estrutura portante um resultado estético que remete ao pesado e comprimido (Fig. 4.32). Nesse caso, a areia e o gramado ao encobrirem a estrutura portante na face externa, reduz sua legibilidade quando contemplada do exterior, o que não acontece quando vista a partir dos ambientes internos, na concepção original do hotel. 9 Necessária às instalações hidráulicas e elétricas – já que as alvenarias e a própria laje são aparentes. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 158 Figura 4.31 Seção transversal em 3D, passando pelo anel externo - Semicírculo Leste - mostrando a laje dupla da estrutura portante, suavizada pela inclinação nas extremidades. Fonte: Modelo digital elaborado por Valmir Borba para esta pesquisa. Imagens extraída e editada por Aristóteles Cordeiro. Figura 4.32 Seção transversal passando pelo anel externo - Semicírculo Oeste - mostrando a laje dupla da estrutura portante e o mesmo sistema de viga-pilar-laje disposto em posição inclinada. Fonte: Modelo digital elaborado por Valmir Borba para esta pesquisa. Imagens extraída e editada por Aristóteles Cordeiro. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 159 A demarcação dos dois semicírculos externos é acentuada por dois elementos funcionais. Primeiramente, pelos acessos secundários contidos na própria caixa mural externa: um de serviço (ao norte), constituído de um túnel sob o pavimento térreo, atravessando os três primeiros anéis do círculo do hotel até chegar ao anel correspondente ao pátio de serviço (Fig. 4.33 e 34); o segundo acesso (ao sul) situado no nível do térreo (cota - 5,00), próximo ao pátio das piscinas, permite a saída direta do usuário à praia (Fig. 4.35). O outro elemento funcional que contribui na demarcação das diferentes expressividades dos dois semicírculos é a diferença de altura entre ambos, devido à presença do pavimento técnico, entre o térreo e o pavimento superior do semicírculo externo Oeste. Figura 4. 33 Seção em perspectiva do túnel de acesso ao pátio de serviço. Fonte: Modelo digital elaborado por Valmir Borba para esta pesquisa. Imagens extraída e editada por Aristóteles Cordeiro. . O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 160 A notável apropriação do potencial expressivo dos materiais e técnicas construtivas na arquitetura do Hotel Tambaú, pode ser percebida, ainda, na solução do plano de cobertura, disposto como uma fina lâmina, composta por telhas “meio-tubo” em fibrocimento, sobre o tronco de cone dos anéis do hotel, e dividido em camadas pelos sulcos circulares das calhas. A expressividade desse conjunto, demarcando os anéis construídos e os pátios internos, pode ser contemplada pela vista área do hotel, imagem que se tem explorado como elemento de atração turística da cidade de João Figura 4.34 Portão e túnel do Acesso de Serviço. Fonte: Fotos da autora (2010). . Figura 4.35 Vista do acesso /saída para a praia. Imagem do Hotel logo após sua inauguração-1970. Fonte: Acervo Wylnna Vidal. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 161 Pessoa. Por outro lado, a leveza do plano de cobertura é percebida pelos balanços que a telha de “meio-tubo” permite, quando contemplada tanto das varandas externas das suítes do pavimento superior como dos ambientes dos pátios internos do hotel. Ressalta-se aqui a apropriação da solução técnica adotada para cobrir a forma circular dos anéis e que consiste na utilização de longos tubos de fibrocimento partidos ao meio, em seu sentido longitudinal. A existência das duas calhas, que exige o corte dos tubos no seu sentido transversal, colabora para a disposição radial dos mesmos. A solução técnica, elaborada por Bernardes, é resultado da incessante investigação e experimentação de novos materiais e técnicas que caracterizam a prática profissional desse arquiteto: “(...) levou Sérgio a criar elementos hoje consagrados em nossa arquitetura, como o Tijolo-cubo (10 x 10 x 10 cm), o tijolo de vidro soprado conhecido como “Tijolux” e a cobertura em Telha Meio-tubo 10 de fibrocimento, talvez a primeira telha em meio-tubo no mundo, “uma telha colonial estendida para 4 metros”. (VIEIRA, 2006. p.86) Essa busca por novos resultados estético-formais a partir de novos materiais e técnicas construtivas denota uma atitude projetual que privilegia o caráter tectônico da arquitetura, e que caracteriza parte da produção moderna brasileira, nessa fase. A riqueza plástica que se busca alcançar através dos materiais e elementos construtivos em sua diversidade de texturas e cores, é igualmente encontrada na torre de caixa d’água - elemento de contraponto vertical à horizontalidade do hotel que se harmoniza com este no uso do concreto e tijolos cerâmicos aparentes (Fig.4.36). A tectônica do concreto armado da estrutura resistente associada à transparência de painéis de elementos 10 As telhas meio-tubo foram utilizadas por Bernardes pela primeira vez em 1960 na sua residência no Rio de Janeiro. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 162 vazados do fechamento de torres de caixa d’água é corrente em obras modernas brasileiras, como por exemplo, na caixa d’água de Olinda - PE de autoria de Luiz Nunes, construída em 1934, e na caixa d’água do Anhembi Tênis Clube, 1961, projetada por Vilanova Artigas (Fig. 4.37 e 4.38). Figura 4.36 Caixa d’água como contraponto à horizontalidade do hotel e detalhe tectônico Fonte: Imagem extraída de cartão postal do acervo de Marco Antônio Coutinho. Figura 4.37 e 4.38 Caixa d’água como objeto expressivo da arquitetura. À esquerda, Caixa D’água de Olinda – PE (1934) – Arquiteto Luiz Nunes. Fonte: GOODWIN,1943. À direita, Caixa D’água Anhembi Tênis Clube (1961) Arquiteto Vilanova Artigas. Fonte: ANDREOLI, 2004. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes – Experimentalismo Tectônico 163 Análise do caráter tectônico da arquitetura do Hotel permite ainda observar, que determinados elementos da proposta plástica não estão presentes na obra por especulação estética fortuita ou alegórica, mas também, por questões técnicas, como é o caso das tiras vazadas nas placas de concreto do fechamento do porão de pedras, cuja presença na estrutura formal arquitetônica decorre das características do sítio. Ao analisar a tectônica do Hotel Tambaú, pode-se concluir que, uma forma arquitetônica inusitada é alcançada através da expressividade de materiais e técnicas construtivas simples e convencionais. Embora executado em processo construtivo ainda artesanal, busca-se a lógica da produção em série através da modulação dos espaços e dos elementos construtivos, que caracteriza a modernidade brasileira, de adequar os princípios modernos de racionalização e funcionalidade, às condições da cultura técnica, clima e economia de cada lugar do território nacional. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 164 4.2 Espaço Cultural José Lins do Rego Sérgio Bernardes, após dez anos da inauguração do Hotel Tambaú, é contratado novamente pelo governo do Estado da Paraíba em 1980, para conceber um espaço multifuncional, que abrigue uma praça para manifestações artísticas e culturais, uma biblioteca, um acervo histórico, dois museus, um planetário, um teatro de arena, uma escola de dança, uma galeria de arte, um centro de convenções constituído de cinema, teatro e auditórios, entre outros equipamentos. Para atender aos requisitos tipológicos de um centro de cultura e de uma praça pública, concomitantemente, Bernardes toma como partido arquitetônico o espaço livre e aberto sob uma grande cobertura metálica em treliça espacial de alumínio (31.500,00m2 de área) que abriga e unifica as diferentes funções distribuídas em volumes estruturais independentes, de forma semelhante ao partido adotado no projeto da Indústria Farmacêutica Schering, em 1974, ainda que com diferentes funções (Fig.4.39 e 4.40). Ele não abre mão, entretanto, da tecnologia do concreto armado na concepção dos mezaninos, rampas e ambientes fechados como o teatro, cinema, bibliotecas, galeria de arte, entre outros, os quais, entretanto, não prescindem, também, do conceito moderno de espacialidade da planta livre (Fig. 4.41, 4.42 e 4.43). Assim, logo numa primeira vista, percebe-se uma relação dual entre diferentes tectônicas decorrente dos diferentes materiais - o concreto aparente e o metal (alumínio e aço) - que promove uma série de polaridades: aberto versus fechado, leve versus pesado, opacidade versus transparência. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 165 Figura 4.39 Espaço Cultural José Lins do Rego (1980-1982), João Pessoa, PB. Fonte: Acervo da FUNESC. Figura 4. 40 Indústria Farmacêutica Schering (1974)., Rio de Janeiro, RJ. Fonte: BERNARDES & CAVALCANTI, 2010. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 166 Figura 4.41 Vista do Nível 0,00/+1,00. Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. LEGENDA - Níveis 0,00/ 0,00 1. Espaço Polivalente; 2. Canal; 3. Ponte (em concreto); 4.Talude; 5. “Praça do Povo” (+1,00); 6. Teatro de Arena (-2,00); 7. Cúpula do Planetário. Figura 4.42 Vista do Nível +5,175 (Mezanino) Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. LEGENDA - Nível +5,175 1. Museu Espaço da Terra; 2. Museu Espaço do Homem; 3. Salas de aula (música/ língua estrangeira); 4. Administração; 5. Cine Bangüê; 6. Teatro Paulo Pontes; 7. Auditórios. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 167 Uma relação de oposição entre sítio e estrutura formal arquitetônica – place form/product form - também é claramente observada, tanto no que diz respeito ao contexto urbano quanto aos aspectos técnico-expressivos. Em sua implantação, a escala do edifício se contrapõe à escala residencial do entorno imediato, de modo imperativo e destoante, ocupando mais de cinquenta por cento do terreno, com sua extensa e única cobertura projetada, além dos limites do lote, sobre o passeio público de reduzida largura. O que ao mesmo tempo se mostra uma contradição em relação ao caráter aberto de sua estrutura formal arquitetônica que busca atender à intenção manifestada de democratização e promoção da arte e da cultura1, a partir do conceito de grande praça coberta. 1 Intenção esta proclamada pelo então governador Tarcísio de Miranda Burity, que desjava construir um espaço para a promoção, preservação e difusão da educação, da cultura e das artes, em suas variadas formas de manifestação e expressão, com vistas ao “desenvolvimento espiritual dos cidadãos paraibanos”, contratando Sérgio Bernardes para a materialização desse intento (RECONSTRUINDO A. 1989). Figura 4.43 Vista do Nível -2,00 (Subsolo). Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada pela autora. LEGENDA - Nível -2,00 1. Teatro de Rena; 2. Planetário; 3. Biblioteca; 4.Acervo Histórico; 5. Galeria de Arte Archidy Picado/ Salas de dança; 6. Área Técnica (cota -4,00). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 168 Essa tensão na relação sítio versus estrutura arquitetônica é visível ainda, no contraste entre a expressividade da tecnologia da estrutura metálica espacial e do concreto aparente, usado em larga escala, e a expressividade da tecnologia tradicional na alvenaria de tijolos e telha canal das habitações circundantes2. (Fig.4.44 a 4.47). 2 O caráter imperativo e grandioso, e mesmo invasivo do Espaço Cultural, assim como, os eventos e manifestações culturais – shows, teatros exposições, etc., que passa a abrigar, contrasta com a função de morar, expulsando muito dos moradores e provocando a mudança do uso residencial, das edificações circunvizinhas, para o uso comercial e de serviços. Figuras 4.44 e 4.45 Vista aérea do Espaço Cultural – Inserção no contexto urbano (acima). Croquis de implantação (abaixo). Fonte: Imagem do Google Earth – Acesso em agosto de 2011. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 169 A típica oposição entre a cultura do pesado – da “plataforma” ou embasamento (earthwork) da edificação - e a cultura da leveza - do invólucro estrutural que flutua sobre o mesmo (roofwork) - é facilmente percebida na estrutura formal do Espaço Cultural, expressa pela base de concreto aparente da grande praça e a cobertura em treliça espacial metálica (Fig. 4.48). Entretanto, nesse caso, o pódium, sobre o qual se estende o espaço da praça e demais ambientes de eventos em diferentes níveis, abriga sob sua superfície de concreto armado, vários equipamentos do centro de cultura – a biblioteca, o acervo histórico, a galeria de artes, a escola de dança, os camarins do teatro de arena, o foyer e o apoio técnico do planetário – funcionando, também, como “estrutura-telhado” que abarca o espaço (Fig. 4.49). A localização desses ambientes no subsolo (cota -2,0m) remete ao telúrico, à materialização, à compressão, sensação esta aumentada pelas tubulações das instalações elétricas e dos aparelhos de condicionamento de ar (fan coil) sem os quais a atividade humana, nesses ambientes, é impossível, devido à ausência de comunicação com o ambiente externo natural, que ocorre apenas através de seus portões de acesso (Fig. 4.50 e 4.51). Figuras 4.46 e 4.47 Relação Sítio/ Estrutura Formal - escala do edifício não se conjuga com a escala residencial do entrono construído imediato; projeção da coberta sobre o passeio público. Fonte: Fotos da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 170 Figuras 4.48 Esquema da relação Earthwork/Roofwork (embasamento/estrutura formal arquitetônica) - a estrutura telhado quase flutua sobre a base de concreto - sensação de desmaterialização. Fonte: Croquis elaborado pela autora sobre corte transversal do projeto. Figura 4.49 Vista parcial dos ambientes no subsolo sob à praça remete ao telúrico, pesado, comprimido. Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. LEGENDA: 1- Praça (+1,00) 2- Planetário (-2,00) 3- Biblioteca (-2,00) Figura 4.50 e 4.51 Um dos portões de acessos aos ambientes do subsolo - único meio de comunicação com o ambiente da praça e exterior (à esquerda- acesso ao planetário). Fonte: Foto da autora (2011). Condicionamento artificial do ar e da luz (à direita – biblioteca à época da inauguração-1983). Fonte: Acervo FUNESC. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 171 Em situação oposta, a chamada “Praça do Povo” localizada no térreo (cota 1,0m) permite a comunicação direta com o exterior, no sentido longitudinal do edifício (fachadas Nordeste e Sudoeste), tanto a partir dos espaços polivalentes (cota 0,00m) destinados às manifestações artísticas, que antecedem o centro praça, devido a quase inexistência de fechamentos laterais; como através dos mezaninos (cota 5,175m) (Fig.4.52 e 4.53) cujos fechamentos são em painéis de vidro temperado incolor. Entretanto, essa distribuição em três diferentes níveis (subsolo, térreo e mezanino), interligados por várias rampas de concreto aparente, não tira partido da inclinação natural do terreno, o que não atende, nesse ponto, ao princípio moderno de economia e racionalização, dificultando o acesso direto do usuário à praça a partir de determinados pontos da edificação, principalmente nas fachadas noroeste e sudoeste. (Fig. 4.54 e 4.55). Figura 4.52 (à esq.) Vista da Praça do Povo, com canteiros de árvores, conforme proposta de Bernardes. Fonte: Foto de Hugo Segawa, Revista Projeto, N°114, set- 1980, p.A-3. Editado pela autora. Figura 4.53 (à dir.) Vista parcial de um dos mezaninos - comunicação com o exterior permitido pela ausência de elementos de vedação ou por fechamentos transparentes como os painéis de vidro do mezanino. Elementos do envoltório do espaço remete ao aéreo, à luz, à leveza desmaterialização. Fonte: Foto da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 172 O talude de concreto aparente não estabelece um diálogo harmonioso com o ambiente circundante e o transeunte, dificultando, inclusive, o acesso deste ao Espaço, exigindo a construção de uma escada para esse fim, não prevista no projeto original. Do ponto de vista da relação estrutura resistente e estrutura formal arquitetônica, observa-se a utilização de diversos sistemas estruturais. A estrutura da grande cobertura única e aparente, totalmente independente dos demais volumes construídos, é constituída por uma treliça espacial plana3 composta por pirâmides de base quadrada (2,5 X 2,5m) com altura de 2,8m, que se repetem transversal e longitudinalmente, sendo formadas por barras de alumínio esbeltas, compondo o retângulo de 240 X 130m da grande cobertura da praça. Esta é apoiada sobre outras grandes pirâmides invertidas – os pilares-árvore – constituídos de aço e com altura de aproximadamente 7,45m, cuja base quadrada de dimensões 10X10m, consegue circunscrever um módulo de 16 pirâmides menores (Fig. 4.56). 3 Sistema estrutural de vetor ativo que consiste em duas ou mais grelhas poligonais paralelas, sobrepostas e interligadas (ENGEL, 2003). Figura 4.54 e 4.55 O embasamento da edificação (foto à esquerda) quase não é percebido no extremo da fachada noroeste, enquanto que na fachada sudoeste (foto à direita) a sensação de peso do embasamento (earthwork) é acentuada pelo talude de concreto devido ao desnível do terreno. Fonte: Fotos da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 173 As treliças espaciais são capazes de vencer grandes vãos devido à triangulação de barras compressíveis e tracionáveis, articuladas entre si em nós, formando um sistema que permite uma efetiva redistribuição e divisão em múltiplas direções das forças que atuam na estrutura, característico dos sistemas estruturais de vetor ativo. No Espaço Cultural os vãos entre os apoios da treliça espacial plana são implantados a partir de um módulo linear, correspondendo a um perfil transversal de quatro pilares-árvore, com um vão central de 60,0m e dois vãos em suas extremidades de 30,0m - atendendo à proposta arquitetônica de grande praça, com espaços abertos e livres de barreiras causadas por elementos estruturais. Esse perfil transversal se repete a cada 30,0m no sentido longitudinal do edifício, resultando numa modulação retangular desses apoios (Fig. 4.57), o que não favorece o funcionamento bidimensional da treliça espacial plana, que teria maior eficácia se os apoios estivessem distribuídos numa modulação quadrangular4. A modulação quadrangular, ao otimizar a distribuição das cargas, poderia colaborar para a utilização de balanços nas extremidades. Mas, ao contrário - e contrariando o princípio moderno de economia – utilizou-se de apoios nos dois extremos do perfil estrutural transversal para evitar grande deformação por flexão (Fig. 4.58). Mesmo assim, atendendo aos valores inerentes à tecnologia industrial como a racionalização e produtividade, alcançadas pela repetição dos elementos, essa malha estrutural da cobertura do Espaço, além da leveza física e visual, decorrente da esbeltez das barras que constituem a treliça, produz uma expressão de continuidade e transparência, provocando um efeito visual de infinitude e desmaterialização. 4 Conforme argumenta o Engenheiro Sandro Cabral (CABRAL & ROCHA, 2010), especialista em estruturas metálicas, ao analisar essa proposta estrutural do Espaço Cultural, em pesquisa realizada com a autora desta tese. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 174 Figura 4.56 Módulo circunscrito em um quadrado de 10x10 metros. Fonte: Imagem extraída e editada do modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa Figura 4.57 Planta baixa da praça do Espaço Cultural, mostrando modulação retangular dos apoios (em laranja) e ressaltando (em cinza) o perfil transversal dos apoios da treliça espacial. Fonte: modelo digital bidimensional do acervo do LPPM/ DA/CT/UFPB. Editado pela autora Figura 4.58 Simulação simplificada da deflexão que poderia sofrer a treliça espacial do Espaço Cultural, com a ausência dos pilares árvores nas extremidades da mesma. Fonte: Croquis elaborado pela autora sobre modelo digital. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 175 A expressividade da malha estrutural da cobertura é ampliada pelos apoios em pilares-árvores, cujos quatro suportes que os compõem recebem as cargas, aparentemente sem grande esforço, através dos nós que os unem à treliça. No entanto, as “rótulas”, de considerável tamanho, fixadas sobre os blocos de concreto das fundações onde tais apoios são fixados, expressam os esforços suportados pelos tubos de aço dos pilares-árvores (Fig. 4.59 e 4.60). Os pilares-árvore, à semelhança da solução adotada por Jorge Wilheim e Miguel Juliano no Pavilhão de Exposições do Parque Anhembi, São Paulo, em 1969, (Fig. 4.61), e utilizados pela primeira vez por Bernardes no Espaço Cultural, são eficientes para grandes estruturas, por estarem baseados na teoria funicular das forças, conforme Lopes5, ou seja, eles permitem que as forças atuantes na estrutura sigam seu caminho natural em direção ao solo. A rótula adotada nesse sistema estrutural tem a função não apenas de receber a carga dos pilares e fixar a estrutura na base, mas também, de permitir o movimento dos “braços” dos pilares resultante do aquecimento/resfriamento da treliça espacial, ou seja, foi concebida de maneira a acompanhar as variações de dilatação nas barras de alumínio e do aço, decorrentes da diferença de temperatura6. A potencialidade expressiva dos pilares-árvores é realçada pela sua distribuição linear no sentido longitudinal da praça, tanto no interior da mesma, fixados sobre os canais, que ladeiam a praça, e alternados pelos coletores de águas pluviais, como ao longo do passeio público, ressaltando o caráter tectônico da estrutura formal arquitetônica do Espaço Cultural (Fig. 4.62). 5 “Sempre que possível, as forças que atuam nas estruturas devem ser transmitidas ao solo de maneira mais próxima de seu caminho natural, denominado funicular das forças (...)” (LOPES, 2006, p. 41). 6 Conforme esclarecimento do Engenheiro José Reinaldo em entrevista concedida à autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 176 Figura 4.59 Detalhe da estrutura metálica apoiada por pilares-árvores. Expressão de leveza e desmaterialização. Fonte: Acervo da Funesc. Figura 4.60 Detalhe pilar-árvore e rótula de sustentação e fixação. Fonte: Foto da autora. Figura 4.61 Pilar-árvore, solução estrutural também adotada por Jorge Wilheim e Miguel Juliano no Pavilhão de Exposições do Parque Anhembi – SP, 1970. Fonte: Revista Projeto, N° 42, Edição Especial de 10 anos/ 1972-1982. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 177 Também contribuem na expressividade da cultura técnica leve (light-weight) presente na estrutura formal arquitetônica do Espaço Cultural, as lajes dos mezaninos em balanço, constituídas, porém, de outro material - o concreto aparente. Os mezaninos se estendem em uma configuração linear situados em todo o sentido longitudinal da praça, sobre pilares de seção quadrada (0,50x0,50m) dispostos em módulos retangulares de 10,00X12,00m. As lajes dos mezaninos demarcam os limites entre o ambiente externo e o interior da praça, entretanto, sem interferência no diálogo que se estabelece entre ambos. O princípio estrutural adotado para os mezaninos - uma associação de concreto protendido, utilizado nas lajes, e o concreto armado, utilizado nos pilares - é determinante da “tectônica da leveza” aí alcançada (Fig. 4.63). Do Figura 4.62 Continuidade rítmica dos pilares-árvores ressalta o caráter tectônico da obra no interior da edificação. Fonte: Foto da autora O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 178 mesmo modo, que é responsável pela continuidade e fluidez dos espaços, uma vez que o concreto protendido permite o alcance de grandes vãos entre os apoios sem a necessidade de vigas com grande altura. O mesmo material, o concreto aparente, é ainda utilizado nessa obra em dois sistemas estruturais cuja materialização produz uma expressividade que remete ao pesado e comprimido, ou ao que se chama neste trabalho de “tectônica do pesado”. Figura 4.63 Estrutura do mezanino em laje protendida; pilares em concreto armado. Fonte: Acervo FUNESC. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 179 O primeiro refere-se à estrutura resistente utilizada no platô da praça para abarcar os espaços do subsolo, cuja laje de cobertura desses espaços - ao mesmo tempo laje de piso da praça – necessita de uma considerável resistência para suportar grandes cargas (grande número de pessoas presentes nos eventos, stands de feiras de exposições, entre outros). Utilizando-se o concreto armado aparente em sistema construtivo convencional executado in loco, a laje se constitui de uma malha quadrangular (10x 10m) formada de pirâmides invertidas com vértices em inclinação suave, apoiadas sobre pilares de seção quadrada. A forma da laje segue a distribuição dos esforços, possuindo maior espessura (35 cm), próximo aos pontos de apoio devido ao esforço cortante a que está submetida – próximo à base da pirâmide, portanto - atingindo 15 cm nas extremidades, ou seja, no vértice central da pirâmide (Fig. 4.64 e 4.65) Os pilares que apoiam essa laje também tinham como objetivo suportar a carga da massa de areia dos canteiros destinados às árvores da praça. Desse modo, constituem-se de um tubo de base quadrangular de 2,20X2,20m formado por placas de concreto armado com 12 cm de espessura. Alguns desses pilares se prolongam além da superfície da laje de piso da praça, ora servindo de apoio para os bancos dos canteiros, ora como abrigando a circulação vertical de acesso às passarelas técnicas existentes na estrutura espacial (Fig. 4.66 e 4.67). O volume desses pilares colabora na sensação de peso, materialização e compressão dos ambientes do subsolo. Situação oposta àquela obtida nos mezaninos, em que os pilares, possuindo seção na mesma forma quadrangular, entretanto, com apenas 50x50cm, alcançam o mesmo vão de 10,0m, colaborando, assim, na sensação de leveza e desmaterialização. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 180 O segundo sistema estrutural que remete ao hight-weight – à cultura do pesado – é utilizado no volume de fechamento do palco do teatro e cinema. Igualmente utilizando como material o concreto aparente, num sistema construtivo convencional de concretagem in loco, o sistema portante adotado corresponde ao que se chama de “caixa de metro” (REINALDO, 2011 – informação verbal). Trata-se de paredes estruturais de concreto armado, nesse caso, com aproximadamente 0,20m de espessura. A caixa possui três aberturas destinadas à integração do palco às plateias do teatro, cinema e Praça do Povo, onde são fixadas as portas tipo Figuras 4.64 e 4.65 Vista parcial do sistema estrutural da laje do piso da praça com seus pilares vazados (à esq.); execução dos pilares (à direita). Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa; e Acervo da FUNESC. Figura 4.66 e 4.67 Vista parcial de um dos pilares de sustentação da laje de piso da praça, que neste caso, se prolonga até a passarela técnica existente na cobertura(à dir.). Fonte: Foto da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 181 guilhotinas7 para esse fim. O fechamento superior da caixa, entretanto, para o alcance do grande vão do palco, é realizado com laje nervurada em concreto armado com 1,5 m de espessura (Fig. 4.68). A caixa ainda se compõe de quatro torres situadas nas extremidades do palco, onde se localizam as escadas que acessam as passarelas técnicas sobre o palco em quatro níveis diferentes, depósitos e duas caixas d’águas coroando essas torres. A considerável altura da caixa do palco (25,0m) necessária às funções técnicas das artes cênicas é ampliada pela estrutura espacial metálica coberta com telhas de alumínio, sob a qual se abriga o restaurante8, equipamento integrado ao programa durante a execução da obra, com o intuito de aproveitar a bela vista do litoral paraibano. O acesso ao mesmo é realizado através de circulação vertical (escada e elevadores panorâmicos), também em estrutura metálica (Fig.4.69 e 4.70). 7 As portas-guilhotina pensadas para a integração palco-platéia, infelizmente nunca foram utilizadas. 8 O restaurante foi desativado e foram retiradas as estruturas metálicas da circulação vertical e da cobertura do edifício. Figura 4.68 Seção em 3D mostrando o sistema estrutural de “caixa de metro” da caixa de palco do teatro e cinema do Espaço Cultural. Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. LEGENDA: 1. Caixa de palco; 2. Palco; 3. Teatro Paulo Pontes; 4. Cine Banguê; 5. Camarins; 6. Foyer do cinema; 7. Foyer do Teatro; 8. Sanitários; 9. Espaço Polivalente da praça. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 182 Figura 4.69 Vista das torres de circulação vertical de acesso ao restaurante (atualmente inexistente), evoca a dialética entre a tectônica pesada da caixa de concreto e a tectônica leve da estrutura metálica. Fonte: Foto de Masaomi Mochizuki, do catálogo João Pessoa: a cidade, o rio e o mar (1991). Figura 4.70 Vista panorâmica da cidade a partir do restaurante Pedra Bonita – década de 1980. Fonte: Acervo da FUNESC. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 183 Assim, o volume que compõe a caixa do palco do teatro e cinema, com sua membrana envoltória em concreto aparente, remetendo também à clausura e escuridão, expressando a matéria “bruta”, pesada e comprimida, estabelece uma relação de oposição com a tectônica leve, aberta e transparente da grande cobertura da praça em estrutura espacial metálica, bem como, do próprio concreto utilizado nas lajes protendidas em balanço dos mezaninos. Essa tensão entre o volume do palco do teatro e cinema e o volume da cobertura da praça, também se dá devido às suas diferenças geométricas: a primeira, um prisma quadrado compacto e verticalizado, se contrapõe à dominante horizontalidade e expansão do volume planar da segunda. A estrutura metálica do acesso vertical, assim como, a cobertura em telhas de alumínio do restaurante buscam dialogar com o material da estrutura da cobertura da praça, e colaboram nessa tensão entre o concreto e o metal. Nos quatro sistemas estruturais adotados na arquitetura do Espaço Cultural, o princípio estrutural é legível, seguindo o fundamento da verdade construtiva, situando-se na vertente predominante dessa fase do moderno brasileiro na qual a estrutura define a forma, podendo entrar na classificação de Macdonald (2001) de estrutura como arquitetura. A estrutura da cúpula do planetário, localizado ao lado do teatro de arena, na extremidade oposta à do palco, segue o mesmo conceito de estrutura como definidora da forma, entretanto, devido às razões técnicas (como acústica, tipo de iluminação, projeção dos filmes) recebe revestimento adequado ao seu funcionamento (Fig.4.71, 4.72 e 4.73). A localização de seu plenário no subsolo se adéqua bem à atividade ali exercida, diferentemente da biblioteca e do acervo histórico, cujas funções são inadequadas à exposição da alta umidade do subsolo e à dependência permanente de exaustão mecânica e condicionamento artificial de iluminação e temperatura. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 184 Figuras 4.71 Vistas do planetário à época da construção. Fonte: Acervo FUNESC. Figuras 4.72 e 4.73 Planetário – exterior (à esq.) e interior (à direita). Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 185 As polaridades leve/pesado, aberto/fechado, opacidade/transparência, etc., também, decorrem da relação estrutura formal arquitetônica/elementos de vedação. No caso do Espaço Cultural, a quase ausência de fechamentos, principalmente, no ambiente da praça, contribui para caráter aberto e transparente que predomina na sua estrutura formal. Também, os elementos de vedação dos mezaninos (cota 5,75m) são responsáveis pelo alcance desse caráter aberto da arquitetura, permitindo a continuação do diálogo interior/exterior: nas áreas destinadas aos museus (Espaço do Homem e Espaço da Terra, que correspondem aos mezaninos) o fechamento para o interior da praça se constitui de um peitoril de concreto com altura de 0.80m e para o exterior, de painéis de vidro temperado incolor (Fig.4.74 e 4.75). Estes constituem, igualmente, os elementos de vedação das laterais dos ambientes localizados nas extremidades dos mezaninos (fachadas noroeste/sudeste), destinados à administração, escola de música e de línguas estrangeiras e foyers do teatro, cinema e auditórios. Entretanto, os fechamentos desses ambientes nas fachadas sudeste e noroeste, com empenas de painéis de alumínio sobre a estrutura espacial, rompem com essa leveza e transparência do invólucro espacial, principalmente, na fachada noroeste ao avançar sobre o passeio público, apesar de ser constituído do mesmo material da estrutura metálica – o alumínio (Fig. 4.76 e 4.77). As paredes divisórias dos ambientes internos do Espaço: administração, acervo histórico, biblioteca, camarins, etc., são constituídas de “réguas” de concreto expandido, cujo assentamento na vertical produz um resultado estético de polidez e leveza ressaltada pela sua reduzida espessura (Fig. 4.78), entretanto, a ausência de contraste entre os materiais promove uma sensação de monotonia – como é o caso desses painéis de concreto ao lado das estruturas do mesmo material. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 186 Figuras 4.74 e 4.75 Painéis de vidro como elemento de vedação de alguns ambientes do mezanino promovem o diálogo interior/exterior, além da leveza e transparência da estrutura formal arquitetônica. Fonte: Acervo da FUNESC e acervo da autora (foto à direita). Figuras 4.76 e 4.77 Vistas dos elementos de vedação do pavimento superior – transparência e leveza do vidro X opacidade e peso do frontão sobre o passeio público. Fonte: Acervo da autora. Figura 4.78 Painéis em concreto aparente nas divisórias das cabines de estudo da biblioteca. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 187 No Espaço Cultural, as junções entre os elementos materiais, não apenas tornam explícita a lógica construtiva como representam a exploração da potencialidade expressiva das técnicas e materiais utilizados, revelando o caráter tectônico de sua arquitetura. Um desses notáveis “detalhes tectônicos” é a solução dada a decida das águas pluviais, através de cilindros constituídos de oito tubos de alumínio fixados na cobertura e que têm, igualmente, função de luminária (Fig. 4.79 e 4.80). Estas “luminárias- calhas”, concebidas pelo próprio arquiteto, constituem-se de refletores encaixados no interior do cilindro e fixados na treliça espacial por cabos de aço. A água recebida por esses coletores desemboca nos canais existentes em toda a extensão longitudinal da praça, em seus dois lados, ao longo dos quais, pontes constituídas de pequenas placas de concreto com apoio central, permitem o acesso dos ambientes polivalentes e à praça em si. Acrescido à expressividade resultante da distribuição alternada e rítmica das pontes, luminárias-coletores e pilares-árvores, o barulho da água das chuvas e sua caída como pequenas cascatas sobre o canal, provocam sensações táteis, visuais e auditivas, que transcendem a nossa percepção do estético e do funcional, remetendo ao conceito de metáfora corporal utilizado por Frampton (1995) – (Fig. 4.81). A recorrência à água como elemento arquitetônico e de provocação sensorial é uma constante nas obras de Bernardes, utilizando-a não como um elemento estanque de um espelho d’água, por exemplo, mas, ao contrário, aproveitando a dinâmica do seu caráter fluido, ora como cascata, lago ou riacho trazido para o interior do edifício, geralmente, através das águas da chuva: como no Pavilhão do Brasil para a Exposição de Bruxelas, Bélgica, em 1958 (Fig.4.82a.), na sua própria residência (Fig.4.82b), na residência projetada para Willian Khoury, 1981-1995, (Fig.4.82c), ou na Indústria da Schering, 1974, (Fig.4.82d); ora como elemento monumental da natureza compondo com a arquitetura, mas, estabelecendo uma relação tátil e auditiva além da simples contemplação do interior do edifício - como no Pavilhão da CSN (1954) e no Hotel Tambaú. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 188 Figura 4.79 e 4.80 (à esq.) Expressividade da luminária/ coletores de águas pluviais como detalhes tectônicos; (à dir.) imagens mostrando detalhes de fixação. Fonte: BERNARDES e CAVALCANTI (2010); acervo da autora. Figura 4.81 Provocação sensorial através das águas das chuvas proveniente das calhas sobre os canais. FONTE: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 189 (a) (b) (c) (d) Figura 4.82 Exemplos de uso da água como elemento arquitetônico e de provocação sensorial por Bernardes em suas obras: (a). Pavilhão do Brasil para a Exposição de Bruxelas (1958); (b). Residência do arquiteto, RJ (1961); (c). Residência Willian Khoury, RJ (1981-1995); d. Indústria da Schering, RJ (1974). Fonte: BERNARDES & CAVALCANTI, 2010. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 190 As placas acústicas em fibra de vidro sobre o Teatro de Arena, também desenhadas por Bernardes, conferem um resultado estético ao ambiente da praça, tanto pela sua forma piramidal, com base retangular e altura suavizada, como pelo movimento gerado pela sua distribuição, diferentes inclinações e alturas, fixadas ora na altura da estrutura espacial da cobertura, ora na estrutura do prolongamento desta (Fig.4.83 e 4.84). O mesmo design é utilizado nas placas acústicas do forro do teatro e do cinema, porém, em madeira, sendo fixadas no interior dos tetraedros da estrutura da cobertura (Fig.4.85). A madeira é um material igualmente utilizado no revestimento das vedações laterais do teatro e do cinema, assim como, nos balcões (camarotes). Além da função acústica de absorção do efeito de reverberação, esse material colabora na qualidade estética do ambiente contrastando, em cor e textura, com a frieza da estrutura metálica e com a dureza do concreto. O movimento escalonado dos balcões também contribui para a qualidade acústica e resultado estético do ambiente. (Fig. 4.86). Outro detalhe construtivo, que não se pode deixar de ressaltar, são lanternins em policarbonato incolor, dispostos como faixas luminosas em sentido longitudinal entre as telhas de alumínio do plano de fechamento da cobertura, colaborando para a expressividade da estrutura espacial e qualidade do espaço arquitetônico. A esbeltez desse elemento de iluminação zenital, aliado ao considerável pé direito da praça (7,25 m, para o nível da praça) e à ventilação da cobertura permitida pelo caráter aberto da estrutura espacial metálica, reduz, consideravelmente, o calor gerado pela insolação direta através dessas claraboias para o ambiente da praça, resultando, ao contrário, em um ambiente agradavelmente coberto, iluminado e ventilado. Microclima este criado e mantido, igualmente, pela quase inexistência de vedações no térreo, permitindo o cruzamento da ventilação. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 191 Figura 4.83 Placas acústicas do teatro de arena como detalhe tectônico; Fonte: Acervo da FUNESC. Figura 4.85 Placas acústicas do Teatro Paulo Pontes. Fonte: Acervo autora. Figura 4.84 Detalhe da fixação das placas acústicas. Fonte: Foto da autora. Figura 4.85 Placas acústicas do Teatro Paulo Pontes. Fonte: Foto da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 192 Figura 4.86 Balcões do teatro em madeira – material com função acústica e estética. Exploração de detalhes tectônicos como os “nós” de fixação dos painéis de madeira a partir de encaixe. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 193 Assim, na dimensão tectônica do Espaço Cultural, a força expressiva das articulações materiais e dos elementos concebidos como soluções para requisitos técnicos – escoamento de águas pluviais, acústica, iluminação natural e artificial, etc. – demonstram a mente inventiva de Bernardes e correspondem à definição de Marco Frascari (2006) do detalhe como lócus da invenção e inovação da arquitetura. O que é recorrente em suas obras, como pode-se constatar, igualmente, na análise do Hotel Tambaú. Embora as diferenças entre as duas obras analisadas sejam dadas, predominantemente, pela sua função – um hotel e um centro de cultura e lazer - e pelo momento em que são construídas – final dos anos 1970 e início dos 1980 - o olhar sobre o caráter tectônico da arquitetura do Hotel Tambaú e do Espaço Cultural, permite identificar algumas diferenças, e também semelhanças, decorrentes da materialização da estrutura formal concebida. Essas obras, localizadas nos extremos do período em estudo, apontam para a persistência dos princípios modernos de racionalização, recorrendo às características da linguagem da arquitetura moderna brasileira produzida em grande escala a partir de meados da década de 1960 – em particular, a plasticidade resultante do uso dos materiais “brutos”, que ganha força e se estende nas grandes obras produzidas em 1970 e início dos anos 1980. No Hotel Tambaú, apesar de recorrer ao simbolismo e ineditismo de uma estrutura formal circular na função de hospedar, Bernardes tira vantagem da simplicidade de um único sistema portante - viga-pilar – utilizado de modo a explorar diferentes expressividades que os materiais utilizados permitem: tanto a do concreto armado, utilizado em larga escala no hotel, como a do aço associado à madeira, utilizados nas passarelas que ligam os dois anéis cobertos do hotel; explorando, ainda, o simbolismo dos materiais naturais como a areia dos taludes, e a expressividade dos materiais tradicionais como o tijolo cerâmico, utilizado em grande parte nos elementos de vedação O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Sérgio Bernardes - Experimentalismo Tectônico 194 espaços do hotel. O tijolo cerâmico utilizado em sua forma aparente requer um saber construtivo para a precisão de seu assentamento, cada vez mais escasso nos dias atuais. Assim, uma variação de materiais que recorre a sistemas construtivos convencionais, e mesmo artesanais, promovem uma arquitetura inovadora e moderna. Na estrutura formal do Espaço Cultural, Bernardes recorre às potencialidades estéticas de sistemas estruturais e construtivos diferentes em uma única obra, onde predominam três materiais – o concreto aparente, o alumínio e o aço – embora outros materiais como vidro, madeira, fibra de vidro apareçam nas junções entre as partes do todo arquitetônico. É nessas articulações materiais que a dimensão estética da arquitetura do Espaço Cutural encontra sua autenticidade e seu potencial inovador, tão bem explorado por Bernardes em suas obras. Na relação entre o sítio e a estrutura formal arquitetônica, pode-se considerar que as duas obras surgem de modo imperativo e imponente ao contexto urbano transformando o lugar. Contudo, enquanto que o Hotel Tambaú em sua estrutura formal consegue estabelecer um diálogo harmonioso com o entorno imediato, e com o passar do tempo, integrar- se em totalidade ao lugar, a ponto não poder ser dissociado da cidade, a estrutura formal do Espaço Cultural, permanece como um objeto oposto ao lugar, que estrangula as vias públicas, sufoca as edificações vizinhas, ainda que a intenção fosse a de criar um espaço aberto para o povo, e apesar das atividades culturais que promove. De todo modo, em ambas, a análise do caráter tectônico revela o recurso à lógica construtiva como um dos determinantes da dimensão estética da arquitetura, o que aponta para a persistência da ênfase desse caráter tectônico na arquitetura produzida por Sérgio Bernardes. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 198 5 GLAUCO CAMPELLO – A TECTÔNICA DO ABRIGO “Comecemos por uma ampla sombra, por um abrigo protetor do sol e das chuvas tropicais; por uma sombra aberta onde a brisa penetre e circule livremente retirando o calor e a umidade...”. (HOLANDA, 1976.p.11). A capacidade de adaptação da arquitetura brasileira em sua fase heroica (1930-1960) ao lugar é, reconhecidamente, uma de suas qualidades. Neste sentido, o arquiteto Glauco Campello (2001) considera que, nessa adaptação, o moderno brasileiro transcende os pressupostos modernos em expressões estéticas diversificadas, elegantemente concisas, singelas e transparentes, intrinsecamente brasileiras e, no entanto, universais. As duas obras analisadas e apresentadas neste capítulo refletem a busca de Campello pela materialização desses atributos em sua própria obra, a partir de um invólucro material que filtra as características do espaço natural, para abrigar espaços construídos funcionais e confortáveis. Entretanto, a análise mostra, ainda, que mesmo mantendo as qualidades da configuração espacial, a utilização de um envoltório material diferente, em que não há uma interação plena entre a ordem técnica e a ordem estética, pode comprometer os atributos expressivos do todo arquitetônico. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 199 5.1 Terminal Rodoviário Severino Camelo O Terminal Rodoviário Severino Camelo, concebido pelos arquitetos Glauco Campello e José Luiz França de Pinho em 19761, constitui uma obra representativa do moderno brasileiro na cidade de João Pessoa em suas qualidades plástico-formais e espaciais, além de materializar os princípios de adequação da arquitetura ao clima (quente-úmido) e à paisagem natural e urbana. Desse modo, considerando a relação que se estabelece entre o lugar existente e a estrutura formal arquitetônica que nele é inserida – placeform/productform – o terminal rodoviário de João Pessoa é um exemplo da atitude projetual consciente da importância do genius locci, do conhecimento do espírito lugar - em sua constituição física, cultural, topográfica e climática - como ponto de partida para a concepção da arquitetura. Implantada no sítio histórico da secular cidade de João Pessoa-PB2, a estrutura formal arquitetônica do terminal constitui-se, basicamente, de uma esplanada desenvolvida em três níveis, que se acomodam à inclinação natural do terreno, envolta por uma extensa cobertura plana que confere horizontalidade à obra e não interfere na visualização das margens do Rio Sanhauá, além de favorecer um diálogo pacífico entre a sua modernidade e o entorno histórico colonial (Fig. 5.1 e 5.2). A implantação do edifício no centro do lote, em sua extensão longitudinal, no sentido Norte-Sul, liberando o edifício dos limites do terreno através de extensos recuos, permite a existência de grandes áreas permeáveis 1 O Terminal Rodoviário de João Pessoa é resultado de um concurso público promovido pelo DER/PB – Departamento de Estradas e Rodagem da Paraíba. 2 João Pessoa foi fundada em 5 de agosto de 1585, recebendo o nome de Nossa Senhora das Neves, sendo a terceira capital de estado mais antiga do Brasil. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 200 sombreadas pela vegetação, necessárias a uma ambiência externa favorável ao clima quente-úmido do lugar, que estabelecem uma analogia com o próprio edifício do Terminal em seu conceito de grande abrigo sombreado e aberto. Na área livre que circunda o edifício articulam-se os acessos, as vias internas e os estacionamentos numa disposição que evita o cruzamento de seus fluxos e a interferência danosa no sistema viário do entorno imediato (Fig. 5.3 e 5.4). Figura 5.2 Vista aérea do Terminal Rodoviário Fonte: JOÃO PESSOA: a cidade, o rio e o mar.(1991). Figura 5.1 Inserção do Terminal no Centro Histórico de João Pessoa; ao fundo, o Rio Sanhauá. Fonte: Revista Projeto, n° 35, Nov./Dez.1981. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 201 Figura 5.3 Implantação no lote com indicações dos acessos: em vermelho o acesso de veículos; em azul o acesso de pedestres; em verde o acesso dos ônibus; amarelo a saída de veículos e, em magenta, a saída dos ônibus. Fonte: Acervo do LPPM/CT/UFPB. Editado pela autora. Figura 5.4 Implantação da Rodoviária de João Pessoa, circundada por grandes áreas de solo permeável com vegetação. Fonte: Google Earth (acesso em maio, 2010). Editado pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 202 O embasamento da edificação em diferentes níveis, tirando partido da inclinação natural do terreno, atende ao princípio moderno de economia e racionalização. Essa base da edificação em níveis interligados por rampas, aliada ao partido longitudinal adotado, facilita a distribuição linear dos diversos setores, permitindo a apreensão rápida e geral do espaço do Terminal pelo usuário quando este chega à área de embarque através do nível +1,30, sendo esta uma das grandes qualidades de sua proposta arquitetônica (Fig.5.5, 5.6, 5.7 e 5.8). A setorização linear e em planos de alturas alternadas, também proporciona outras vantagens funcionais, como: acesso direto à bilheteria situada, no amplo terraço aberto e abrigada pelo grande balanço da cobertura, seguido do fácil acesso à espera utilizando apenas meio lance de rampa. A ausência de cruzamento de fluxos de embarque e desembarque, cujas plataformas estão situadas em polos opostos, entretanto, interligadas por extenso espaço contínuo, no nível 0,0, é outra das qualidades do Terminal Rodoviário de João Pessoa (Fig. 5.9, 5.10 e 5.11). Figura 5.5 Corte Transversal - Distribuição das funções em níveis diferentes interligados por rampas. Fonte: Modelo gráfico digital elaborado por Cecília Leite e Thiago Bezerra para o arquivo do LPPM/CT/UFPB. Editado pela autora. Figura 5.6 Vista panorâmica do embarque - apreensão geral das funções. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 203 Figura 5.7 Vista do pavimento térreo (níveis +1,30 e 0,00). Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro Lobo. LEGENDA - Níveis +1,30/0,00 1. Embarque; 2. Bilheterias/agências; 3.Entrega de bagagem; 4.Espera/embarque; 5. Portão/embarque; 6.Plataforma/embarque; 7. Uso público/wcbs; 8. Serviços públicos; 9. Administração; 10. Plataforma /desembarque; 11. Portão desembarque; 12. Espera/ desembarque; 13. Turismo; 14. Saída. Figura 5.8 Vista do mezanino (nível + 2,60): Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada pela autora. LEGENDA – Nível 2.60 1. Mezanino; 2. Controle da Plataforma; 3. Restaurante; 4. Lojas; 5. Lanchonete. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 204 Figura 5.9 Setor de embarque com as bilheterias logo à vista. Fonte: Acervo do DER-PB. Editado pela autora. Figura 5.10 Vista do interior do terminal mostrando os diferentes níveis. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 205 A característica úmida e lodosa do solo de mangue, sobre o qual foi construído o terminal requer um aterramento de areia sobre todo o terreno3. Entretanto, na área da edificação em si, para garantir sua estabilidade, se faz necessário no embasamento, a construção de uma laje estrutural de concreto4, o que permitiu a adoção de um leve alteamento (apenas 0,17m) do plano de piso do edifício com relação ao do exterior, conferindo um resultado visual de quase inexistência do pódium na relação earthwork/roofwork (Fig. 5.12). A adoção dessa solução de embasamento diretamente ligado ao piso externo (tanto das plataformas dos ônibus, como 3 O aterramento foi realizado com o auxílio de estacas de areia (dreno vertical de areia), para facilitar o adensamento, conforme esclareceu o engenheiro do DER-PB, Antônio Guilherme Araújo, que participou da construção do terminal como estagiário. 4 A fundação foi resolvida com o aval dos arquitetos, conforme relato do engenheiro Arnaldo Delgado do DER, responsável pela obra, em entrevista realizada pela autora. Figura 5.11 Vista do portão de desembarque a partir da rampa de acesso à plataforma de desembarque e vista de uma das três rampas que acessam o mezanino. Fonte: Acervo de Glauco Campello. Disponível em www.glaucocampello.com.br/ . Acessado em janeiro de 2011 O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 206 do embarque e desembarque), quase ao rés-do-chão, nos espaços semiabertos simplificando o acesso à edificação, é recorrente em algumas obras do moderno brasileiro produzido na sua fase heroica. Esse reduzido desnível permitido pelo tipo de embasamento adotado, favorece a continuidade do espaço externo para o interno, e vice-versa, que Glauco Campello (2001) ressalta na sua análise da arquitetura nacional moderna e utiliza em seus projetos. Do ponto de vista da relação estrutura portante e estrutura formal arquitetônica, o Terminal Rodoviário Severino Camelo é um dos melhores exemplos, na cidade de João Pessoa, de uma arquitetura em que a sua dimensão estética encontra força e autenticidade no potencial expressivo da estrutura portante. Influenciados pela cultura arquitetônica do moderno brasileiro, Glauco Campello e José Pinho, exploram a plasticidade do concreto armado no desenho do pilar, que nesse caso corresponde ao conjunto de pórtico - sistema estrutural caracterizado pelo enrijecimento dos nós entre pilar e viga (Fig. 5.13). Na rodoviária de João Pessoa, a geometria do pórtico biarticulado segue a variação do esforço de flexão como mostra a Figura 5.14, ou seja, o momento de inércia da seção transversal é aumentado nos pontos onde há maior esforço de flexão. Figura 5.12 Croquis mostrando a relação earthwork/roofwork, no piso da rodoviária quase ao rés do chão. Fonte: Croquis elaborado pela autora sobre modelo gráfico digital. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 207 Figura 5.13 Sistema Estrutural de Pórtico Biarticulado. Fonte: ENGEL, 1997. Figura 5.14 Gráficos da variação do esforço de flexão para os diferentes vãos. Fonte: Gráfico elaborado pelo Eng. Sandro Cabral. Editado pela autora. Figura 5.15 Detalhe da variação da seção transversal dos pórticos principais. Fonte: Acervo do LPPM/CT/UFPB. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 208 A conformação do desenho do pórtico em relação aos esforços de flexão, somada à plasticidade do concreto armado e ao próprio sistema de pórtico bi-articulado, adotado pelos arquitetos, permite o afunilamento do pilar na direção da base, permitindo, também, a redução da seção das vigas em suas extremidades que, unidas ao seu suave arqueamento e generosos balanços (os quais atingem 15,80 m de extensão) promovem extraordinária leveza e simplicidade ao conjunto, resultando em uma estrutura formal arquitetônica caracterizada pela “tectônica da leveza”. A utilização adequada do concreto no sistema de pórtico proposto, aliado ao uso desse material em seu estado bruto, ou seja, sem revestimento, contribui para uma relação entre o coreform/artform (forma estrutural/forma artística) “transparente” do ponto de vista da legibilidade e nitidez do sistema portante. A correspondência entre o desenho do pórtico estrutural proposto à época do concurso e o que foi construído demonstra um domínio dos arquitetos dos princípios estruturais, assim como, sua intenção de exploração do potencial expressivo da estrutura e dos materiais desde a concepção do projeto (Fig.5.16). A potencialidade expressiva desse sistema estrutural é ampliada pela continuidade rítmica que a sucessão dos pórticos sobre a diretriz longitudinal do edifício promove (Fig. 5.17 e 5.18). Por outro lado, em um olhar mais atento, percebe-se que esse ritmo é quebrado pela variação tanto da extensão da seção transversal dos pórticos – 20,10 m, 25,05m e 30,00m - dispostos a cada 10 metros, como da altura dos seus pilares posicionados na leste do edifício, o que dinamiza o volume único da estrutura formal arquitetônica, principalmente quando contemplada do espaço interno, perspectiva que aumenta sua expressividade (Fig. 5.15, 5.19 e 5.20). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 209 (c) (b) Figura 5.16 Material elaborado para o concurso do Terminal Rodoviário, em 1976, (a) perspectiva Interna; (b) seção transversal; (c) maquete física. Fonte: Revista Projeto, n° 35, Nov./Dez 1981. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 210 Figuras 5.17 e 5.18 Continuidade rítmica dos pórticos vista das plataformas de embarque e desembarque, à época da construção. Fonte: Acervo de Glauco Campello. Disponível em www.glaucocampello.com.br/ . Acessado em jan. de 2011. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 211 Figura 5.19 Modelo gráfico digital mostrando variação dos pórticos em suas dimensões e posições Fonte: Modelo elaborado por Cecília Leite e Thiago Bezerra. Editado por Valmir Borba. Figura 5.20 Movimento dos pórticos visto do espaço interno. Fonte: Acervo de Glauco Campello. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 212 Essa sutil interrupção do ritmo na face leste da edificação, pela alteração na extensão dos pórticos, permite a demarcação visual e espacial entre as áreas de embarque e desembarque, ao mesmo tempo em que confere movimento ao conjunto (Fig. 5.21). Observa-se, desse modo, o alcance de considerável expressividade proveniente do sistema estrutural escolhido com o fim, também, de atingir boa funcionalidade na organização do espaço, sistema este que permite a adoção de grandes vãos5 atendendo, assim, a outro ponto característico da arquitetura moderna, o de planta livre, o que facilita o desempenho das atividades do Terminal. Por outro lado, a distribuição dos pórticos em módulos no sentido longitudinal do terreno, possibilita a ampliação do Terminal em etapas sem interferência no seu funcionamento e sem descaracterização do volume arquitetônico, fato considerado na concepção do projeto, conforme argumentam seus autores, Campello e Pinho (1981). 5 Os pórticos estruturais permitem grandes vãos devido à conexão rígida (os nós) entre os pilares e viga que os compõem (LOPES, 2006). Figura 5.21 Ruptura do ritmo contínuo dos pórticos e o movimento da cobertura. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 213 Direcionando o olhar para a tectônica resultante da relação entre a estrutura formal arquitetônica e seus elementos de vedação, observa-se que a cobertura do terminal rodoviário de João Pessoa não apenas é o elemento predominante de sua estrutura formal, o que é comum nesse tipo edilício6, como também, constitui um dos elementos de “vedação” mais expressivos do seu espaço interno, concedendo ao edifício um caráter aberto e sombreado. Conceito este defendido por Armando Holanda (1976), em cujo livro aparece um croquis do arquiteto Glauco Campello, que ilustra esse mesmo conceito, materializado nessa obra (Fig. 5.22). 6 Como argumenta João Sampaio (1981) em seu ensaio sobre “Rodoviárias e Coberturas”: em se tratando de terminais rodoviários, a cobertura constitui o elemento de vedação mais importante a ser considerado na concepção do partido arquitetônico, uma vez que, ao ser dimensionada, deve atender ao mesmo tempo à escala dos ônibus e a fluidez da movimentação de passageiros. Figura 5.22 Croquis de Glauco Campello como ilustração do conceito de “arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados”, conforme Armando Holanda, em Roteiro para se Construir no Nordeste. Fonte: HOLANDA, 1976. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 214 Essa expressividade é determinada pela união de alguns fatores que colaboram para o resultado estético da cobertura: a interação entre as vigas de concreto aparente dos pórticos, em um longo e suave arqueamento, e a textura do forro de alumínio que se forma com a disposição das réguas do Luxalon no sentido perpendicular a essas vigas; a ruptura dessa textura do forro pela grelha metálica quadriculada, realçada pela própria luminosidade proveniente da claraboia que se estende no sentido longitudinal da cobertura; o dinamismo provocado pela variação da extensão do pórtico e da altura de seus pilares; a horizontalidade de sua forma acentuada pelos extensos balanços das vigas que, apesar de serem de concreto em seu estado “bruto”, produzem leveza proveniente da suavização arqueada da altura das vigas em direção às extremidades dos pórticos, permitida pela plasticidade do concreto armado. Os grandes balanços das vigas, além da leveza que promove no conjunto, protegem os espaços internos tanto do sol como da chuva, não havendo necessidade de fechamentos verticais laterais, garantindo a permeabilidade das fachadas à ventilação cruzada, à iluminação natural e permitindo o diálogo entre o interior e o exterior, condição moderna importante (Fig. 5.23). Como é característico da arquitetura moderna produzida no Brasil, esse diálogo ocorre de maneira contraposta aos volumes puros de fachadas planas expostas ao sol. Em alguns momentos, a comunicação com o exterior, a partir do grande salão de espera, é interrompida pela presença dos blocos de serviços7 situados linearmente ao longo do eixo longitudinal do edifício e que têm função também de vedação. Nos blocos situados à face leste do edifício, correspondendo às bilheterias, o caráter maciço é suavizado pela fenestração dos elementos de vedação 7 Os blocos de serviço de uso público situam-se entre a plataforma e as áreas de espera, de modo a facilitar o desempenho de suas atividades. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 215 voltados para o interior do terminal, constituída de painéis contínuos de esquadrias de madeira tipo veneziana de tabique móvel (Fig. 5.24). Esses painéis expressam a tectônica da leveza e contrastam com a tectônica pesada do revestimento do embasamento do nível 1,30, constituído de placas de concreto aparente, que por sua vez também tem a função de elemento de vedação do espaço da espera no nível 0,00 (Fig.5.25). Figura 5.23 Detalhe pórtico e cobertura / diálogo com o exterior. Fonte: Acervo da autora. Figura 5.24 Detalhe das junções entre esquadrias de madeira, concreto aparente e cerâmica esmaltada. Fonte: Acervo pessoal. Figura 5.25 Vista parcial do saguão de espera (cota 0,0). Fonte: Acervo DER-PB. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 216 Na porção oeste do terminal, ainda nesse nível do grande salão de espera, outros blocos de serviços dispostos linearmente ao longo da dimensão longitudinal do edifício, também constituem elementos de vedação maciços, neste caso, entre a espera e as plataformas de embarque/desembarque. Entretanto, essa vedação é interrompida pelos portões de embarque e desembarque, permitindo a comunicação com o exterior e a iluminação natural do ambiente de espera (Fig. 5.26 e 27). Esses blocos de serviços situados entre as esperas e as plataformas de embarque, no nível 0,00, quando vistos do exterior a oeste do Terminal, formam um conjunto sólido, conferindo-lhes uma aparência de “pódium” sobre os quais pousam os pórticos (Fig.28). Entretanto, os pilares desses pórticos continuam em forma de prisma com base retangular, por dentro das alvenarias dos blocos, até alcançar a fundação de estacas, conforme sugere o detalhe contido no projeto arquitetônico do terminal. Leitura que não é clara na obra acabada. Figura 5.26 Vista parcial dos blocos de serviço a partir do saguão de espera (cota 0,0). Fonte: Cena retirada pela autora do modelo digital do acervo do LPPM / CT/ UFPB. Figura 5.27 Vista de um dos portões embarque/desembarque. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 217 Assim, Glauco Campello, considerando e valorizando as especificidades do contexto imediato e a realidade do lugar, desenvolvem uma arquitetura de excelente nível técnico e cultural, atendendo, no entanto, às normas de economia, simplicidade e conforto. No Terminal Rodoviário de João Pessoa pode-se dizer que a dimensão tectônica expressa com maestria a função primordial da arquitetura – a de abrigar. Figura 5.28 Vista dos blocos de serviço, em sua “função de pódium” a partir das plataformas de embarque/ desembarque (cota 0,0). Fonte: Croquis elaborado pela autora sobre modelo digital. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 218 5.2 Terminal Rodoviário Argemiro de Figueiredo O Terminal Rodoviário de Campina Grande1 (1981-1985) possui a mesma configuração espacial do Terminal Rodoviário de João Pessoa. A semelhança é tal, a ponto de ser questionada a necessidade do exame de sua arquitetura, o que induz, quase que automaticamente, à análise comparativa entre ambos. Entretanto, detendo o olhar no seu envoltório material percebe-se, logo à primeira vista, a diversidade tectônica decorrente da mudança no conjunto sistema de cobertura/ sistema estrutural resistente, que passa a ser constituído de estrutura espacial metálica no plano da cobertura apoiada em pilares de seção retangular de concreto armado e aparente (Fig. 5.29, 5.30 e 5.31). A diferença em relação ao terminal de João Pessoa também se dá em função da localização na malha urbana, já que o Terminal Rodoviário Argemiro de Figueiredo é implantado em uma área de expansão na periferia da cidade de Campina Grande, longe do centro, nas proximidades da BR 230, facilitando o acesso às demais rodovias que levam ao interior do Estado da Paraíba e dos demais estados vizinhos (PE e RN), importante para a condição da cidade de polo comercial dessa região2. O partido adotado atende, igualmente, ao conceito de grande abrigo sombreado e aberto, alcançado pela adoção de extensa cobertura plana que confere horizontalidade à edificação, não se sobrepondo ao entorno imediato devido a sua locação no centro do lote e aos consideráveis recuos sobre os quais se articulam extensas áreas de solo permeável - acessos, vias 1 Campina Grande é a segunda maior cidade do Estado da Paraíba. 2 Essa localização também atende aos parâmetros de implantação ditados pelo MITERP – Manual de Implantação de Terminais Rodoviários de Passageiros - a fim de evitar o fluxo de ônibus interestaduais nos centros urbanos. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 219 internas e estacionamentos - garantindo a racionalização e otimização dos fluxos de ônibus e veículos dos usuários (Fig.5.32 e 5.33). Figura 5.29 Vista do Terminal Rodoviário de Campina Grande, PB. Fonte: www.skyscrapercity.com, acessado em 07/02/ 2011. Figuras 5.30 e 5.31 Acesso ao terminal (área de embarque - à esq.) e plataformas de embarque e desembarque (à dir.). Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 220 Figura 5.33 Implantação do Terminal Rodoviário de Campina Grande circundado, por grandes áreas de solo permeável. Fonte: Google Earth (acesso dezembro, 2010). Editado pela autora. Figura 5.32 Implantação no lote com indicações dos acessos. Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 221 Nessa relação sítio/estrutura formal arquitetônica, também, a inclinação do terreno favorece o embasamento em diferentes níveis, embora, nesse caso, sua execução seja facilitada pelo solo de rocha decomposta (Fig. 5.34 a 5. 37). Da mesma forma que a rodoviária de João Pessoa, apresenta uma continuidade entre o espaço externo e os espaços semiabertos do terminal, em função da quase inexistência do pódium na relação earthwork/roofwork. Essa adoção do piso quase ao rés-do-chão no acesso à edificação é corrente na obra de Glauco Campello produzida nos anos 1960-70 (Fig. 5.38 e 5.39). O embasamento em diferentes níveis interligados por rampas em meio lance contribui, também, para a distribuição linear das atividades e diferentes funções ao longo do eixo longitudinal do edifício. Permite, ainda, de maneira semelhante à rodoviária da capital, a apreensão rápida e geral do espaço do terminal pelo usuário quando este chega à área de embarque através do nível +1,35m e contribui para a sua funcionalidade: a localização estratégica das bilheterias permite fácil identificação e acesso; o saguão de espera e portões de embarque podem ser acessados utilizando-se apenas meio lance de rampa; a ausência de cruzamento de fluxos de embarque e desembarque, é permitida pela localização das respectivas plataformas situadas nas extremidades opostas do grande saguão linear, interligadas pelo extenso espaço contínuo e fluído, onde se distribuem serviços de lanchonete, telefonia, etc., situados na cota 0,00. Entre esse saguão de espera e as plataformas de embarque e desembarque se distribuem os blocos dos demais equipamentos de serviços ao público como polícia rodoviária, juizado de menores, sanitários, entre outros. A interrupção desses blocos de serviços pelos portões de embarque e desembarque promove a comunicação direta entre a espera e as plataformas dos ônibus. Encontram-se no mezanino, o restaurante e os blocos de pequenos comércios distribuídos de modo a não interromper a fluidez do espaço e a comunicação com o exterior. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 222 Figura 5.34 Vista do pavimento térreo (níveis +1,30 e 0,00). Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. Figura 5.35 Vista do mezanino (nível + 2,60). Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. LEGENDA - Níveis +1,30/0,00 1. Embarque; 2. Bilheterias/agências; 3.Entrega de bagagem; 4.Espera/embarque; 5. Portão/embarque; 6.Plataforma/embarque; 7. Uso público/wc; 8. Serviços públicos; 9. Administração/ turismo; 10. Plataforma /desembarque; 11. Portão desembarque; 12. Espera/ desembarque; 13. Saída LEGENDA – Nível 2.60 1. Mezanino; 2. Controle da Plataforma; 3. Restaurante; 4. Lojas. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 223 Figura 5.36 Corte Transversal mostrando os diferentes níveis: (0,00) plataforma dos ônibus embarque/desembarque; (2,60) (mezanino –lojas/ guarita; (1,30) embarque/desembarque bilheterias. Fonte: Modelo digital elaborado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. Figuras 5.38 e 39 Igreja Episcopal, em Brasília, 1961 (à esq.) e Restaurante da Fábrica Ascoli, 1974 (à direita) - ambos da autoria de Glauco Campello. Fonte: Acervo de Glauco Campello. Disponível em www.glaucocampello.com.br/. Acessado em janeiro de 2011. Figuras 5.37 Vista panorâmica do terminal a partir da área de embarque. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 224 De fato, a grande diferença entre os dois terminais se dá no conjunto formado pelo sistema estrutural da cobertura e seus apoios, que na rodoviária de Campina Grande é constituído de um sistema estrutural de treliça espacial plana composta por tetraedros formados por barras de alumínio esbeltas, apoiada em colunas de concreto aparente de seção retangular (0,45 x 1,00m) distribuídos em módulos também retangulares de 20x30m e 20x26m. O volumétrico, o resultado é semelhante ao terminal da capital: uma única e grande coberta independente dos demais volumes construídos, cujos generosos balanços permitem o sombreamento dos espaços liberando-os de vedações no limite das fachadas, colaborando para a comunicação entre os espaços externos e internos (Fig. 5.40). Atributos modernos encontrados no terminal de João Pessoa, assim como, em outros edifícios desse tipo edilício que se proliferaram pelo Brasil entre 1970 e 1980. Figuras 5.40 Volumetria do terminal de Campina Grande. Fonte: Modelo digital executado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada pela autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 225 A distinção entre os terminais de João Pessoa e Campina Grande, entretanto, não resulta apenas da simples troca de sistema estrutural da cobertura/apoio, mas, do resultado estético que decorre da sua utilização e materialização no envoltório do espaço. Cabe aqui lembrar o sentido que Sekler (1965) dá ao termo tectônica, ressaltando a diferença entre estrutura e construção. Para ele nem sempre o princípio estrutural ao ser concebido e materializado em uma construção nos afeta visualmente através de qualidades expressivas. Pode-se dizer que esse é o caso do terminal de Campina Grande, ou seja, o potencial expressivo da estrutura espacial metálica é pouco explorado. Conforme argumentado na análise do Espaço Cultural, a malha estrutural do sistema espacial de treliça plana, além de sua capacidade de vencer grandes vãos, atende aos valores inerentes à tecnologia industrial como a racionalização e produtividade, alcançadas pela repetitividade dos seus componentes. Além desses valores, a proposta estrutural do sistema de cobertura do terminal de Campina Grande atende igualmente ao princípio moderno de economia ao se utilizar dos enormes balanços que a treliça espacial permite (Fig. 5.36 e 5.41), situação oposta ao do Espaço Cultural em que se acrescentam apoios nas extremidades. Entretanto, os atributos de ilimitabilidade e desmaterialização, continuidade e transparência da treliça espacial plana, no caso do terminal de Campina Grande, são prejudicados pelo fechamento lateral da estrutura com painéis de alumínio ondulado. Esse fechamento lateral da estrutura metálica, unido ao baixo pé- direito da edificação (5,40 em relação ao nível 0,0) – para esse tipo de sistema portante – reduz consideravelmente a sensação de leveza que o mesmo permite principalmente, quando se está no nível do mezanino (cota 2,60), cujo pé-direito é de apenas 2,70m para a base do tetraedro da estrutura (Fig.5.42, 5.43 e 5.44). O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 226 Figuras 5.42 Redução do atributo da leveza da treliça espacial pela falta de otimização. Fonte: Acervo da autora. Figuras 5.41 Sistema estrutural da cobertura do envoltório espacial. Fonte: Modelo digital executado por Diego Aristófanes para esta pesquisa. Imagem editada por Aristóteles Cordeiro. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 227 Os fechamentos laterais em telhas de alumínio aplicadas verticalmente na cobertura, igualmente compromete o potencial expressivo da treliça espacial plana, ao formar uma espécie de “frontão” ou platibanda inexpressiva. Situação contrária à rodoviária de Maceió - AL (Fig. 5.45), de autoria do arquiteto Leornardo Bittencourt & Associados, construído entre 1980-1982, e ao edifício da Hering do Nordeste S.A., de autoria do arquiteto Hans Broos, em Paratibe-PE, construído entre 1979-88 (Fig. 5.46), cujos elementos de proteção solar, também, dispostos verticalmente, ao invés de comprometer sua estética da treliça espacial, colaboram para potencialidade expressiva desse sistema portante e para o caráter tectônico da obra. A ausência de iluminação natural zenital na cobertura, não apenas colabora para sensação de relativo peso desta, como priva o espaço arquitetônico da luminosidade e qualidade plástica resultantes desses recursos, atributos presentes em outras obras que utilizam o mesmo princípio estrutural como o Centro Administrativo do Banco do Nordeste do Brasil S/A (Fig. 5.47), em Fortaleza e o próprio Espaço Cultural José Lins do Rego (Fig.5.48). Figuras 5.43 e 44 Inexpressividade do pilar; e cobertura como protagonista da cena arquitetônica. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 228 A inexpressividade dos pilares de sustentação da cobertura faz com que estes cumpram apenas sua função técnica de sustentação, abrindo mão da função estética de emocionar através da beleza e do “brilho da simplicidade”, recurso tectônico que Campello utiliza tão bem nos pórticos do terminal de João Pessoa. Essa falta de expressão dos pilares, juntamente com os consideráveis vãos que os separam, provoca uma sensação de inexistência de apoios e concede à cobertura o papel de protagonista do envoltório do espaço, condição oposta à rodoviária da capital da Paraíba e Figura 5.45 e 5.46 (à esq.) Terminal Rodoviário de Maceió –AL , (1980-82) Arquitetos Leonardo Bittencourt, Mário Aloísio e Eduardo Assunção; (à dir.) Hering do Nordeste S.A., arquiteto Hans Broos, Paratibe, PE, 1979-88. Fonte: Revista Projeto, N° 114, setembro de 1988. Figuras 5.47 e 5.48 (à esq.) Centro Administrativo do Banco do Nordeste do Brasil S/A, Fortaleza,CE, 1981-85, arquitetos Wesson Nóbrega e Marcos Thé Mota. Fonte: Revista Projeto, N° 114, setembro de 1988. (à dir.) Espaço Cultural de João Pessoa. Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 229 ao Espaço Cultural, em que ambos, apoios e cobertura, desempenham essa condição conjuntamente. Considerando as possibilidades técnicas da treliça espacial de atingir grandes vãos, condição também decorrente das dimensões dos tetraedros que a formam, tem-se a impressão de que, no terminal de Campina Grande, há uma subutilização dessa função técnica uma vez que as dimensões de seus tetraedros (2,5x2,5x2,0m) são quase iguais aos utilizados no Espaço Cultural (2,5x2,5x2,8m), atingindo vãos de 60 metros, o que no TRCG se limita a 30 metros. O que se leva a supor, igualmente, que a cobertura não foi projetada para aquele espaço. O que se quer chamar a atenção é para a importância das interações, não apenas entre a ordem estética e a ordem técnica, do caráter tectônico em si, mas, deste com a dimensão espacial, como coisas que nascem juntas, essenciais à condição arquitetônica. Em algumas junções entre os materiais, o detalhe construtivo narra o modo de execução da obra, por estarem à vista, sem revestimento, mas, nem sempre recorrem à poética construtiva, ao “fazer com arte”. Este é o caso da articulação entre a estrutura metálica espacial e os pilares de concreto, aos quais se unem os coletores das águas pluviais através de tubos de alumínio visíveis no plano da cobertura juntamente com as calhas do mesmo material. Essa articulação é uma solução técnica sem expressividade, em que o caráter tectônico não se manifesta (Fig.5.49). Os fechamentos em painéis de madeira e vidro das lojas sobre o mezanino possuem valor funcional ao promoverem a continuidade dos ambientes no interior do terminal e amenizarem a sensação de clausura de seus reduzidos espaços, entretanto, são destituídos de expressividade (Fig. 5.50). Os blocos de serviços onde estão localizadas as bilheterias possuem, de forma similar ao terminal de João Pessoa, a função de vedação, entretanto, a substituição dos tabiques móveis por vidro translúcido nos painéis de fechamento acentua o caráter maciço desses volumes prismáticos. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 230 Figura 5.49 Detalhe da calha e decida das águas pluviais; encaixe na estrutura metálica e descida dentro do pilar. Fonte: Acervo da autora. Figuras 5.50 e 5.51 Blocos de lojas do mezanino(à esq.) e das bilheterias (à dir.). Fonte: Acervo da autora. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 231 Entretanto, a independência desses blocos - das lojas do mezanino e das bilheterias – ao se desligarem da estrutura da coberta contribuem para o caráter moderno do espaço fluido e contínuo do todo arquitetônico. O revestimento cerâmico no fechamento de alguns desses blocos de serviços é um recurso técnico utilizado para manutenção do edifício, principalmente, por se tratar de um edifício público, mas que, de certo modo, também colabora no resultado estético do terminal, ao contrastar, em cor e textura, com o metal da treliça espacial e acentuar a independência dos blocos das mesmas (Fig. 5.51 e 5.52). Na arquitetura moderna brasileira, em particular na sua fase heroica, esse recurso ao revestimento cerâmico é recorrente, constituindo-se de um dos elos entre tradição e inovação, unido arte e arquitetura, como pode ser observado, por exemplo, na Igreja Santo Antônio em Pampulha, Belo Horizonte-MG, (Oscar Niemeyer, 1942 ), nos vários edifícios residenciais de Delfim Amorim, como o Edifício Araguaia (1961), em Recife-PE, entre outros tantos. O modo como os mestres modernos brasileiros utilizaram o revestimento cerâmico na arquitetura, vai além da simples necessidade técnica de proteção contra intempéries, podendo ser compreendido como um exemplo de aplicação, na linguagem moderna, da relação entre forma- construída e forma-artística (Werkformen e Kunstformen) como entendia Karl Bötticher. A partir da década de 1980, o uso da cerâmica como material de revestimento externo em fachadas para proteção contra intempéries passa a ser corrente principalmente no litoral da Região Nordeste do país, entretanto, nem sempre colaborando com o caráter tectônico dos edifícios. O que não é o caso dos terminais rodoviários aqui analisados, nos quais Glauco Campello faz uso desse recurso com muita propriedade. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 232 Os terminais rodoviários de João Pessoa e de Campina Grande, a exemplo dos demais terminais que se proliferaram pelo Brasil “grande”, é representante dos megaprojetos institucionais da arquitetura produzida no período do “milagre econômico”. Essas obras têm em comum com o Terminal Rodo-Aquaviário de Vitória - ES (1977-1978), projetado pelos arquitetos Carlos Fayet e Nelson Inda e a Rodoviária de Jaú (1973-1976), projetada por Vilanova Artigas, por exemplo: (1) a expressividade da estrutura portante em concreto aparente, modeladora do espaço contínuo através de grandes vãos; (2) a diferenciação de funções separadas por diferentes níveis interligados por rampas e, em sua maioria, dispostas longitudinalmente; (3) a horizontalidade do volume do edifício; (4) a conciliação da função de transbordo de passageiros com atividades como Figura 5.52 Detalhe tectônico proveniente de diferentes texturas e cor dos materiais. Fonte: Acervo da autora O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Glauco Campello – A Tectônica do Abrigo 233 restaurantes e pequeno comércio; e (5) a ausência de barreiras entre o exterior e o interior. Glauco Campello, considerando e valorizando as especificidades do contexto imediato e a realidade do lugar, desenvolve uma arquitetura de excelente nível técnico e cultural, atendendo, no entanto, às normas de economia, simplicidade e conforto. No entanto, é evidente a diferença do resultado plástico proveniente da mudança no sistema de cobertura e estrutura resistente do terminal de Campina Grande que, em decorrência, tem sua dimensão tectônica comprometida. Importa deixar claro, que não é a mudança dos elementos materiais do envoltório, per si, que compromete o caráter tectônico do todo arquitetural, nem a eficiência plástico-estrutural de um sistema ou material sobre o outro – o concreto armado ou a estrutura espacial metálica – uma vez que ambos, têm se mostrado eficientes, não apenas em força como em forma. Antes, é o modo como o arquiteto trabalha as interações entre esses dois princípios da arquitetura - o estético e o técnico – para que o caráter tectônico se manifeste e, harmonizando-se com a dimensão espacial qualifique a obra construída como obra arquitetônica. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 236 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da arquitetura a partir de sua dimensão tectônica permite a compreensão de que no fazer arquitetônico, expressividade e materialidade, estão intrinsecamente associadas, ou seja, arquitetura enquanto arte não se dissocia das técnicas e materiais que a concretizam. Igualmente, a investigação sobre as relações que se estabelecem no envoltório do espaço arquitetural, permite a observação da influência recíproca das partes materiais entre si e com o todo arquitetônico, sendo essas relações determinantes do seu valor estético e do sentido que lhe é atribuído. A investigação desses nexos entre expressividade e materialidade no estudo de caso aqui proposto, permitiu evidenciar uma persistência na utilização dos pressupostos modernos no que diz respeito à busca de um valor estético inerente à lógica construtiva. Do mesmo modo, revelou a persistência de uma atitude projetual em que se enfatiza o caráter tectônico resultante da exploração dos materiais em seu estado “bruto”, da potencialidade expressiva do sistema portante e da exploração de grandes vãos e balanços, características do moderno brasileiro heroico das décadas de 1950 e 1960, entretanto, em expressividades construtivas diversificadas. Nas obras de Sérgio Bernardes se materializa a ideia de invenção que caracteriza o moderno brasileiro heroico, atrelada à experimentação de novas possibilidades técnicas, materiais e espaciais, traço marcante da arquitetura e da personalidade desse grande arquiteto. Nas obras de Glauco Campello, ressalta-se uma postura projetual em que predomina não apenas uma consciência do caráter do lugar, mas também, uma consciência O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 237 construtiva, que atinge uma elegância arquitetônica, em particular no Terminal Rodoviário de João Pessoa, fruto da simplicidade, racionalidade e eficiência, qualidades do moderno brasileiro, por ele admiradas e materializadas em suas obras. Considerando os parâmetros de análises da tectônica adotados nesta tese, pode-se tecer considerações finais através da análise comparativa dos resultados obtidos. Relação sítio e estrutura formal arquitetônica Este parâmetro analítico reuniu as considerações de Frampton e Semper sobre o modo como o edifício produzido se relaciona com o lugar, que implicações sua implantação, em função da paisagem natural e construída, assim como, o embasamento realizado para a ancoragem do edifício, em função do tipo de solo, produzem sobre a expressividade arquitetônica. Nessa relação de passagem do earthwork para o roofwork, no Hotel Tambaú, observa-se um caráter tectônico que remete à solidez e à firmeza resultante da ancoragem do edifício no solo. O que implica num paradoxo com o simbolismo adotado no partido arquitetônico – dunas de areia de praia - que em princípio são móveis e instáveis. Nos terminais rodoviários, tanto de João Pessoa como de Campina Grande, a grande e única cobertura, resulta numa expressão de liberdade e desligamento do solo, permitindo o abrigo das atividades sem confinamento e o diálogo permanente entre interior e exterior. O mesmo ocorre com a grande cobertura do Espaço Cultural, embora se evoque uma dialética entre uma tectônica pesada decorrente do encravamento de ambientes no solo, totalmente “earthwork”, e a tectônica dos sistemas de construção leves que promovem sua liberação do solo. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 238 Importa ressaltar, na análise dessa relação arquitetônica, que no Hotel Tambaú e no Terminal de João Pessoa, as soluções técnicas adotadas em função das especificidades do terreno e características desfavoráveis do tipo de solo – arenoso com lençol freático próximo a superfície e lodoso com características de mangue, respectivamente – foram determinantes no resultado estético da arquitetura. No Hotel Tambaú, a estrutura formal adotada, as características do embasamento, os sistemas construtivos, o sistema estrutural,e os elementos de vedação, decorrem dessas características do sítio e são determinantes do caráter tectônico da sua arquitetura. No Terminal Rodoviário de João Pessoa, o sistema portante adotado, que se adéqua, do ponto de vista técnico ao tipo de fundação utilizado em função do terreno lodoso, é o elemento material mais determinante da expressividade arquitetônica resultante. O arquiteto também tirou partido da inclinação natural do terreno, distribuindo as atividades em diferentes níveis, o que favoreceu a horizontalidade da proposta promovendo, do mesmo modo que no Hotel Tambaú, um diálogo harmonioso com a paisagem natural e construída. No caso do terminal de Campina Grande e do Espaço Cultural o tipo de solo “bom” para a construção civil, não impôs soluções técnicas específicas, mas, ao contrário, permitindo uma liberdade maior de soluções estético-formais. Entretanto, no Espaço Cultural, apesar do conceito de grande praça coberta e aberta à população, sua estrutura arquitetônica se relaciona com o entorno urbano de maneira impositiva, invasiva e contrastante, pouco considerando as características físicas e a localização do terreno onde foi inserido. Relação estrutura portante e estrutura formal arquitetônica A abordagem tectônica da arquitetura considera que há uma relação intrínseca entre a estrutura formal arquitetônica e a estrutura portante O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 239 necessária à sua integridade física, podendo ser, em determinadas obras, o protagonista da expressividade arquitetônica. Fica evidente ao analisar essa relação, a influência da posição dos edifícios no arco de tempo considerado nesta pesquisa. No Hotel Tambaú (1966/1970) e no Terminal de João Pessoa (1976/1980), recorre-se à expressividade do concreto armado à vista e em larga escala para o sistema portante. Tecnologia que predomina no moderno brasileiro nessa fase, por ser ainda nesse momento, a tecnologia mais disponível à realidade do Brasile naquele momento, um país ainda em vias de desenvolvimento. No Hotel Tambaú uma estrutura formal arquitetônica inusitada e de grande porte é obtida a partir da adoção de um único e simples princípio estrutural, seção ativa viga-pilar com apoio duplo. No Terminal Rodoviário de João Pessoa, a exploração estética do desenho do pórtico biarticulado em concreto armado, com seus consideráveis balanços, o coloca como protagonista da cena arquitetônica, ressaltando seu caráter tectônico. No Espaço Cultural (1980/1983) e no Terminal de Campina Grande (1981- 1985), localizados no extremo final do período estudado, nota-se a busca de nova linguagem arquitetônica a partir de novas tecnologias e sistemas portantes, mas, buscando ainda uma estética moderna que nasce da probidade construtiva. Em ambos é introduzido o sistema de treliça espacial plana em alumínio, evocando uma diáolgo com o concreto armado à vista. Entretanto, no Espaço Cultural, a potencialidade expressiva do metal é bastante explorada, principalmente, através do pilar-árvore e dos detalhes tectônicos encontrados tanto nos nós da estrutura (a exemplo da rótula que fixa o pilar à fundação de concreto), como nas luminárias-calhas que participam do conjunto cobertura/apoios. O sistema portante de concreto armado, ainda utilizado em sua aparência bruta e em grande escala nessa obra, apesar de serem exploradas as suas possibilidades técnicas – tanto em sistemas leves, alcançando grandes vãos e extensos balanços, como em sistemas pesados de alvenaria portante – sua plasticidade não é explorada O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 240 como no Terminal de João Pessoa. Ele cede lugar à poética da estrutura metálica, que predomina e se impõe. O sistema portante da cobertura do Terminal de Campina Grande, pouco contribui para o alcance de uma poética construtiva, apesar de colaborar para a qualidade da organização espacial. Pode-se deduzir que, à medida que se distancia da fase heroica do moderno brasileiro, o concreto armado aparente utilizado matéria plástica da arquitetura passa a ser pouco explorado, apesar de continuar contribuindo com sua força técnica. Relação elementos de vedação e estrutura formal arquitetônica Os elementos de vedação e delimitação espaço arquitetural com suas características materiais leves ou pesadas, transparentes ou opacas, revestidos ou em matéria bruta, possuem, igualmente, importante papel na estrutura formal arquitetônica. Na arquitetura do Hotel Tambaú essa relação é mais proeminente devido à função do edifício. É justamente a adoção de poéticas diferentes nos planos de fechamento da caixa mural do grande tronco de cone, que provoca uma relação dicotômica no caráter tectônico de sua arquitetura – uma expressividade que remete ao pesado, telúrico, opaco decorrente do talude de areia gramado, na porção Oeste (em particular, para o passante na rua, do lado de fora do hotel), e uma expressividade que remete à transparência, à luz e leveza, proveniente das esquadrias de madeira e vidro, e do uso do concreto armado em sistemas leves, como as vigas em balanço, as empenas esbeltas dispostas radialmente (para o passante na areia da praia, do lado de fora do hotel). O tijolo cerâmico à vista, tanto maciço como vazado é o principal material utilizado nos fechamentos dos ambientes internos do hotel, sendo explorada a expressividade que decorre de seu O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 241 contraste com o concreto armado e a madeira das esquadrias e peitoris das varandas1. Nos terminais rodoviários, estudados nesta pesquisa, assim como, no Espaço Cultural, o caráter aberto de sua arquitetura, cujos espaços são protegidos pela grande cobertura, aliada aos grandes balanços, dispensam, quase que completamente, os fechamentos laterais, privilegiando a cobertura como o elemento determinante do caráter tectônico. No Terminal de João Pessoa e no Espaço Cultural, o uso de iluminação zenital colabora no alcance dessa expressividade, bem como em sua função principal de permitir a penetração da luz natural2. As interações entre materialidade e expressividade são determinantes nos volumes construídos sob a grande cobertura. Enquanto no Espaço Cultural os fechamentos desses volumes exploram a plasticidade dos materiais em sua aparência natural ou bruta - como o concreto, o vidro, o alumínio – nos terminais rodoviários já se percebe a utilização do revestimento cerâmico substituindo a estética dos materiais naturais pela estética da cor e textura dos materiais industrializados. Através do estudo realizado sobre obras de Sérgio Bernardes e Glauco Campello, representantes de duas gerações de arquitetos modernos brasileiros, pode-se afirmar, que a força expressiva da arquitetura moderna heroica brasileira ao enfatizar a poética construtiva, sedimenta uma cultura tectônica que repercute nas gerações seguintes. Embora, neste trabalho, seja deliberado o olhar sobre a tectônica como proposição analítica, nota-se que a dimensão espacial não deixa de ser considerada, mesmo não sendo a protagonista das análises. Dado sua condição como elemento igualmente essencial da arquitetura, entende-se 1 Expressividade essa que não é mais possível de ser apreciada atualmente, devido à pintura de cor branca ou beije, aplicada posteriormente, assim como, a massa corrida e pintura que escondem os tijolos em determinados ambientes atualmente destinados a conferências e cursos. 2 Infelizmente a falta de limpeza e manutenção reduz a função da iluminação zenital, fato comum em edifícios públicos no Brasil. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Considerações Finais 242 que espaço e tectônica sejam, igualmente, indissociáveis. Desse modo, uma análise das interações entre essas duas dimensões – a espacial e a tectônica – seria importante para uma compreensão integral do objeto arquitetônico, podendo oferecer mais subsídios para a teoria da arquitetura, além daqueles apreendidos apenas pela poética construtiva. O Caráter Tectônico do Moderno Brasileiro: Bernardes e Campello na Paraíba (1970-1980) Referências 245 REFERÊNCIAS ACAYABA, Marcos. Marcos Acayaba. São Paulo: Cosac & Naify, 2007. 272p. AMARAL, Isabel. Tensions tectoniques du projet d'architecture : études comparatives de concours canadiens et brésiliens (1967 ‐ 2005). Tese Doutoral defendida em julho de 2010, junto a Faculté des Études Supérieures, Université de Montréal, Canadá. ANDERSON, Stanford. Peter Behrens and the new architecture of Germany, 1900-1917. 1968. Tese (Doutorado) - Columbia University, Colúmbia, 1968. 616p. ______. Stanford. Peter Behrens and a new architecture for the twentieth century. Cambridge; Mass.: MIT Press, 2000. 429p. 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