1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TURISMO MESTRADO EM TURISMO Michel Jairo Vieira da Silva SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E TURISMO: ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO FÍLMICA CRIADA PELOS TURISTAS E RESIDENTES SOBRE NATAL - RIO GRANDE DO NORTE Natal – RN 2011 2 Michel Jairo Vieira da Silva SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E TURISMO: ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO FÍLMICA CRIADA PELOS TURISTAS E RESIDENTES SOBRE NATAL - RIO GRANDE DO NORTE Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito final para a obtenção do título de Mestre em Turismo, na área de Turismo e Desenvolvimento Regional. Orientadora: Profª Lore Fortes, Dra. Natal 2011 3 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Silva, Michel Jairo Vieira da. Segregação socioespacial e turismo: estudo da representação fílmica criada pelos turistas e residentes sobre Natal – Rio Grande do Norte / Michel Jairo Vieira da Silva. - Natal, RN, 2011. 183 f. Orientadora: Drª. Lore Fortes. Dissertação (Mestrado em Turismo) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Turismo. 1. Turismo - Dissertação. 2. Segregação socioespacial - Dissertação. 3. Representação fílmica - Dissertação. I. Fortes, Lore. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 338.48:316.334.56 4 Michel Jairo Vieira da Silva SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E TURISMO: ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO FÍLMICA CRIADA PELOS TURISTAS E RESIDENTES SOBRE NATAL - RIO GRANDE DO NORTE Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito final para a obtenção do título de Mestre em Turismo, na área de Turismo e Desenvolvimento Regional. Orientadora: Profª Lore Fortes, Dra. Natal/RN, 09 de Junho de 2011. BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Profª. Drª. Lore Fortes – UFRN Orientadora ________________________________________ Profº. Dr. Mauro Lemuel de Oliveira Alexandre – UFRN Examinador Interno ________________________________________ Profª. Luzia Neide Menezes Teixeira Coriolano – UECE Examinadora Externa 5 AGRADECIMENTOS Por onde começar? Humm... Agradeço primeiro a quem tudo criou e à sua maneira sempre sábia, permitiu que parte dessa jornada finalizasse com êxito: - Deus de milagres, Deus de propósitos, em você me refestelei para pedir e questionar tantas vezes. As gratas respostas vieram... agora só mais uma pergunta: - Quando começa meu Doutorado? Tudo bem, já sei... já sei... devo esperar o tempo de Deus! Mas se puder, não se demore. Abaixo do Senhor, entre muitos dos seus instrumentos, gostaria de destacar os meus pais que são meu chão, meu ar. E minhas irmãs que são como um acordar ouvindo ABBA e Bethânia, tomar café da manhã comendo bolacha assada, ou dormir escutando histórias do fundo do rio. Quero enaltecer o carinho de meus tios e primos que sempre acharam-me o parente mais inteligente e futuramente o melhor sucedido. Penso que eles se equivocaram... , mas continuo tentando. Obrigado aos amigos da vida. Eles são muitos, mas devo arriscar-me a citar nomes e sobrenomes e rezar para não esquecer nenhum. Começo por aqueles que conheceram junto comigo o ônus e o bônus da graduação em Turismo: Salete Gonçalves, Iluska Linhares, Ana Paulina Fagundes, Oscar Maloney, Salomar Amorim, Daniel Torres. Grato aos amigos das idéias, das palavras, do afeto: Rogério Alcoforado, Cristiane Martins, Júnior Teixeira,Rodrigo Santana, Bárbara Dieb, Aparício Júnior, Vinícius Marques, Vitor Pimentel, Marina Reis. Sei que faltam nomes. Aos amigos da saudade, Wiara Marinho, Evaldo Simões, e Juliana Honorato, mando um recado telepático - Vocês também fazem parte dessa história (eles não morreram, apenas a dinâmica da vida nos afasta geográfica ou rotineiramente). Gostaria de expressar gratidão a Jorge Oliveira pela bela caneca e tudo que se pode dela beber. Destaco meus amigos da labuta diária: Cândida Cantídio, Layo Lucena, Daniela Tinoco, Sergina Dantas, Lidiane Alves, Waleska Araújo e Patrícia Carla. Saúdo os amigos de sala de aula do PPGTUR: Josemery Alves; Darlyne Fontes; Ana Karenina, e Andéia Cacho, para além da sempre prudente e amiga, Juliane Medeiros (secretária do programa). Quero deixar bem claro que sem o auxílio na criação de um banco de dados, feito por minha prima Thamires de Brito e meu sobrinho Fyllype Jimmy, eu teria sofrido bem mais pra concluir esta pesquisa. Outro apontamento fundamental, Vitor Pimentel fez o design da 6 dissertação gratuitamente, gostei do resultado e da delicadeza do amigo, meu bolso também agradece. Sou grato também aos professores doutores que enriqueceram meu intelecto e inspiraram-me a buscar mais: Fransualdo Azevedo, Mauro Lemuel Alexandre, Rosana Mazzaro, Maria Lúcia Bastos, Lisabete Coradini...................................................................... ....................................................................................................................................................... ....................................................................................................................................................... ....................................................................................................................................................... ..............................................................................pensaram que eu esqueci a minha orientadora? Jamais. Na condição de orientadora, de professora, de educadora, de amiga – em todas essas atuações Lore Fortes me foi um ser brilhante. Deus não poderia ter me concedido honra maior do que trabalhar com uma das pessoas mais espirituosas, sensíveis, libertárias, sensatas, diplomáticas e tranqüilas que já conheci. Eu sou um poço de ansiedade e agitação, mas ao seu lado devo ter me tornado, em pequena ou grande escala, alguém melhor. Por “fim”, quero dizer obrigado a quem despertou-me para o “início”, o quase Doutor Allyson Carvalho de Araújo. Meu tão grande amigo, esteja certo que em muito me espelhei em você para alimentar este projeto. Saiba que suas virtudes são muitas, e dentre as mais tocantes destaco sua generosidade para com o amigo aqui. O amo como a um irmão que Deus equivocadamente esqueceu-se de colocar na barriga de minha mãe. Papéis picados são soprados de minha mão. Michel Vieira 7 While no one would claim to be on the side of injustice, without the continued spread of beliefs in support of injustice it would not survive long in its present form. Daniel Dorling, 2010. El turismo como actividad humana ha recebido relativamente poça atención em el análisis social, tal vez debido a que se le há considerado como uma actividad supérflua y lejana a los grandes problemas que aquejan a La sociedad. Alfonso G. Damián, 2010. 8 SILVA, M. J. V. Segregação socioespacial e turismo: estudo da representação fílmica criada pelos turistas e residentes sobre Natal - Rio Grande do Norte. 2011. 183 f. Dissertação (Mestrado em Turismo) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal: 2011. RESUMO O presente estudo inquieta-se e desdobra-se a partir de um apontamento de Ítalo Calvino, que em seu romance Cidades Invisíveis, aconselha a se evitar dizer “que, algumas vezes, cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si”. De caráter transdisciplinar (pressupostos sociologia, antropologia, geografia e comunicação), esta pesquisa faz uma reflexão acerca da segregação sócio-espacial e turismo: pobreza-riqueza; centro-periferia; tradição-espetacularização; visitante-visitado ao mapear o circuito turístico e discutir o fenômeno sitiando a cidade real e turística; Natal e “Cidade do Sol” – o Rio Grande do Norte, através de vídeos produzidos por residentes (documentários) e turistas (registros postados na Internet). Ao fazer uma análise comparativa entre as realidades vividas entre esses dois sujeitos (residente e turista), a pesquisa constatou poucas semelhanças, muitas disparidades de experiência com o urbano, apresentando a existência de duas realidades bastante distintas (região turística X região da periferia). Baseado na corrente teórica da fenomenologia, da representação social, e se utilizando da análise de conteúdo fílmico, verificou-se que a experiência turística promove ao visitante uma viagem segmentada e desintegrada do cotidiano, da cultura e do contato com o residente. Residente esse que, em grande parte, é morador de área desassistida, carente e sem perspectiva de vida (representada pela Comunidade Novo Horizonte). O confinamento e a segregação dos sujeitos, ocorrem até em seus momentos de lazer e expressões culturais (representado pela Praia da Redinha), visto que as áreas privadas e públicas de lazer turístico, indiretamente impedem o acesso daqueles que não podem contribuir à atividade de consumo presente nessas regiões. Conclui-se que o turismo em Natal enquanto atividade-fenômeno direciona e concentra os investimentos públicos infraestruturais na região de Ponta Negra e entorno (ilha turística), em detrimento de áreas mais carentes e periféricas da cidade. PALAVRA-CHAVE: Segregação socioespacial. Turismo. Representação Fílmica. Natal-RN. 9 ABSTRACT This study emerges and develops, from a note by Italo Calvino, who in his novel Invisible Cities advised to avoid saying "that sometimes different cities follow on the same site and with the same name, born and die without knowing, without communication among itself ". The research with a transdisciplinary work ( using elements of sociology, anthropology, geography and communication) made a reflection about segregation and tourism: poverty- richness, center-periphery, tradition- “spectaclezation”, the visitor-visited maping the touristic circuit and discussing about the phenomenon on the real city and touristic place: Natal and the "Sun City" - Rio Grande do Norte, studying videos produced by residents (documentary) and tourists ( posted on the Internet). Doing a comparative analysis between the realities of these two subjects (resident and tourist), the research found few similarities, many differences on the urban experience, with the existence of two distinct realities (tourist region X the periphery region). Based on theory of phenomenology, social representation, and using content analysis of film, it was noted that promotes to the visitor a trip segmented and disintegrated to daily life, culture and contact with the resident. Resident that, in largely part, lives in a unattended area, with no prospect of life (represented by Novo Horizonte Community). The confinement and segregation occurs even in his moments of leisure and cultural expressions (represented by Redinha‟s Beach), because the private an public leisure areas of tourism indirectly prevent access by people who can not contribute to the consumption on this places. This papper concluded that the tourism in Natal is an activity- phenomenon that directs and focuses on public investments for infrastructure tourist region (Ponta Negra Beach), in detriment of the poorest and periphery areas of the city. KEYWORDS: Socio and spacial segregation. Tourism. Video representation. Natal-RN. 10 LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Atributos de Imagens Aplicadas aos Diferentes Atores do Destino ................. 44 Tabela 02 – Atributos analisados comparativa entre Região Turística e Comunidade de Novo Horizonte ............................................................................................................................... 73 Tabela 03– Atributos analisados comparativa entre Região Turística e Praia da Redinha .. 131 LISTA DE MAPAS Mapa 01 – LOCALIZAÇÃO DA CIDADE DO NATAL/RN ............................................. 56 Mapa 02 – EXTREMOS SOCIOESPACIAIS EM NATAL/RN ......................................... 68 Mapa 03 – EXTREMOS SOCIOESPACIAIS E HÁBITOS DE LAZER EM NATAL/RN 125 Mapa 04 – DESTINO “CIDADE DO SOL” DENTRO DA CIDADE DE NATAL/RN .... 157 11 LISTA DE ABREVIATURAS ABD – Associação Brasileira de Documentaristas BID - Banco Interamericano para o Desenvolvimento BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais EMBRATUR- Instituto Brasileiro de Turismo EMPROTURN – Empresa de Promoções Turísticas do Rio Grande do Norte FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Estatísticas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente IFERN – Instituto Federal de Educação do Rio Grande Do Norte ITEC – Instituto Técnico de Estudos Cinematográficos MTur – Ministério do Turismo PRODETUR - Programa de Desenvolvimento do Turismo PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste 12 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Esquema adaptado pelo pesquisador a partir do esquema de Técnica de Pesquisa ao Estudo da Imagem de Destino Turístico ........................................................................... 43 Figura 02 – Hotel Internacional Reis Magos na década de 1960, Natal-RN ....................... 57 Figura 03 – Imagem Panorâmica vista da Ladeira do Sol durante a década de 1960, destacando o Hotel Internacional Reis Magos e a orla da praia do Meio - Av. Circular, hoje chamada de Pres. Café Filho, Natal-RN ................................................................................ 58 Figura 04 – Imagem aérea recente de parte da Via Costeira, Natal-RN .............................. 60 Figura 05 – Orla reurbanizada da praia de Ponta Negra, Natal-RN ..................................... 61 Figura 06 – Vista panorâmica da infraestrutura e serviços oferecidos na praia de Ponta Negra, Natal-RN ................................................................................................................................ 62 Figura 07 – Ponte Newton Navarro, Natal-RN .................................................................... 63 Figura 08 – Turista no Calçadão da praia de Ponta Negra ................................................... 69 Figura 09 – Abertura do documentário com imagem do canal ao fundo ............................. 71 Figura 10 – Fotografia antiga que registra a comunidade antes da obra do canal ............... 71 Figura 11 – Fotografia da comunidade durante a obra de edificação do canal .................... 72 Figura 12 – Panorama de parte da comunidade de Novo Horizonte .................................... 74 Figura 13 – Tubulação que despeja dejetos em natura no canal .......................................... 76 Figura 14 – Vista da sacada de um hotel, destacando a infraestrutura de Ponta Negra ....... 77 Figura 15 – Vista de sacada para área de lazer de hotel a beira mar da praia de Ponta Negra ........................................................................................................ 78 Figura 16 – Aeroporto Internacional Augusto Severo, Parnamirim..................................... 80 13 Figura 17– Turista vislumbrando a ampla varanda e sua paisagem ..................................... 82 Figura 18 – Unidade habitacional de hotel na praia de Ponta Negra ................................... 83 Figura 19 – Turista diante das centenas de UH‟s em hotel da Via Costeira ........................ 83 Figura 20 – Casas edificadas com material impróprio e em áreas de risco de desmoronamento ........................................................................................ 85 Figura 21 – Barraco feito com madeira e papelão ................................................................ 85 Figura 22 – Ruelas com esgoto a céu aberto em suas margens ............................................ 86 Figura 23 – Serviço de Taxi em área turística ...................................................................... 88 Figura 24 – Passeio de buggy pelo litoral norte do estado ................................................... 89 Figura 25 – Serviço de limpeza pública na orla de Ponta Negra.......................................... 90 Figura 26 – Área de escoamento de água de chuva misturada com esgoto, despejado na praia de Ponta Negra ...................................................................................................................... 91 Figura 27 – Caçamba superlotada de lixo, e sacos de rejeito ao redor ................................. 93 Figura 28 – Lixo acumulado na rua ...................................................................................... 93 Figura 29 - Imagem de vazamento de sistema de esgoto ..................................................... 95 Figura 30 - Imagem de guarda-chuva jogado no córrego, causando entupimento ............... 95 Figura 31 – Antigo Beco da Covardia, agora pacificado por moradores ............................. 97 Figura 32 – Viatura do Batalhão de Operações Policiais Especiais ..................................... 99 Figura 33 – Policiais turísticos na orla da praia de Ponta Negra .......................................... 100 Figura 34 – Prática de Aerobunda na Lagoa de Jacumã ...................................................... 101 Figura 35 – Prática de Tênis nas dependências do hotel ...................................................... 101 Figura 36 – Campo de futebol improvisado ao lado do canal a céu aberto.......................... 102 Figura 37 – Garoto escalando as paredes do canal para pegar bola .................................... 103 14 Figura 38 – Crianças brincando próximo ao canal ............................................................... 104 Figura 39 – Meninos fazendo símbolo de torcidas (gangs) organizadas de futebol ............ 105 Figura 40 – Fotografia de Natal que revela o distanciamento do turista com o resto da cidade ............................................................................................................................................... 107 Figura 41 – Grupo de Turistas sob as dunas de Jenipabu – Extremoz ................................. 110 Figura 42 – Turista fazendo compra de artesanato e survenires .......................................... 111 Figura 43 – Dançarina sob a mesa de uma casa noturna ...................................................... 111 Figura 44 – Estereótipo do imaginário sexual, apelo ao corpo feminino ............................. 112 Figura 45 – Turista em expressão de liberdade e paz ........................................................... 115 Figura 46 – Turistas se refrescando em hotel de luxo da Via Costeira ................................ 115 Figura 47 – Esquema de etapas para a criação de imagem de um destino ........................... 116 Figura 48 – Depoente Dona Maria José ou Nenê, moradora e lavadeira ............................. 118 Figura 49 – Turista tomando bronzeando-se em área reservada .......................................... 123 Figura 50 – Multidão que frequenta a praia da Redinha durante fim de semana ................. 124 Figura 51 – Abertura do documentário Redinha Arredia com o mercado ao fundo ............ 127 Figura 52 – Pescador após arrastão ...................................................................................... 129 Figura 53 – Restaurante de cozinha internacional ................................................................ 132 Figura 54 – Casal em restaurante de culinária regional ....................................................... 133 Figura 55 – Frequentadores e comerciantes dentro do tradicional Mercado da Redinha .... 134 Figura 56 – Preparação do Prato Ginga com Tapioca .......................................................... 135 Figura 57 – Muitas crianças e adultos se divertem beira mar da praia da Redinha ............. 138 Figura 58 – Turista mergulhando nos Parrachos de Maracajaú (Maxaranguape) ................ 140 Figura 59 – Turista em parque aquático de Maracajaú (Maxaranguape) ............................. 141 15 Figura 60 – Turista visitando os dromedários do “deserto” de Jenipabu (Extremoz) .......... 141 Figura 61 – Turista em visitação à Fortaleza dos Reis Magos ............................................. 142 Figura 62 – Família reunida durante final de semana .......................................................... 144 Figura 63 – Idoso tomando banho de sol e mar.................................................................... 144 Figura 64 – Foliões do Bloco dos “Cão” durante o Carnaval .............................................. 146 Figura 65 – Bloco carnavalesco tradicional Banda do Siri .................................................. 147 Figura 66 – Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes ................................................... 148 Figura 67 – Palácio Felipe Camarão fotografado da janela de um ônibus de turismo ......... 151 Figura 68 – Capitania das Artes fotografada da janela de um ônibus de turismo ................ 152 Figura 69 – Senhora acompanhada de netos na “farofada” de domingo .............................. 154 Figura 70 – Turistas fazendo passeio de lancha pelo litoral sul ........................................... 155 16 SUMÁRIO INTRODUÇÃO: BEM-VINDO À? ................................................................................... 18 1. UMA ROTA PÓS-MODERNA SOB A CONDUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL FÍLMICA DA CIDADE ................................................. 27 1.1. O trânsito dos sujeitos sob a faixa da Teoria da Representação Social ........... 33 1.2. Fenomenologia: a “topografia” do estudo ........................................................ 39 1.3. Local da infração ................................................................................................ 41 1.4. Seleção de condutores ........................................................................................ 41 1.5. Análise da imagem do acidente .......................................................................... 42 2. NATAL/RN: ENTRANDO NO TRAJETO DO TURISMO NACIONAL E INTERNACIONAL .................................................................................. 53 3. CAMINHOS ENTRE O RIO – MAR: RESIDENTES E TURISTAS EM ZONAS DÍSPARES ..................................................................................................... 65 3.1. Do Japão à Miami: infraestrutura geral ............................................................ 74 3.2. Mi casa es tu casa?: hospedagem/moradia ........................................................ 81 3.3. Vou de taxi ou “á pé”?: transportes .................................................................. 86 3.4. Do luxo ao lixo: limpeza e higiene/ serviços sanitários ..................................... 90 3.5. Fechei minha janela de frente pro crime: segurança pessoal ............................ 96 3.6. Um campinho de areia X Uma quadra de tenis: atividades desportivas ........... 100 3.7. Um horizonte distante: paisagens ...................................................................... 105 3.8. Da favela ao Alphaville: vida urbana ................................................................ 106 3.09. Andam falando por ai: reputação do local visitado/ vivido ............................. 109 3.10. Uma cidade bipolar: estimulante/ deprimente – relaxante/ estressante – alegre/ sombrio ................................................................... 114 3.11. Fim da Linha: encontro do rio com o mar ....................................................... 117 4. CADA MERGULHO “OUTRO” FLASH: HABITUS DE LAZER E ENVOLVIMENTO CULTURAL EM ÁREAS DISTINTAS ....................... 121 17 4.1. Tem menu e tira-gosto: restauração e oferta alimentar ..................................... 131 4.2. Wellcome to the jungle: hospitalidade ............................................................... 136 4.3. Lanchas para uns, terra firme para outros: atividades de lazer - atividades marítimas ................................................................ 139 4.4. Chiclete eu “não” misturo com banana: atividades culturais e aspectos históricos ................................................................. 145 4.5.Rua Interditada: nós “não” vamos invadir sua praia ......................................... 152 CONSIDERAÇÕES FINAIS: RUA SEM SAÍDA ............................................................ 156 REFERÊNCIAS 162 APÊNDICES 170 18 INTRODUÇÃO: BEM-VINDO À? 19 INTRODUÇÃO: BEM-VINDO À? Conversas de botequim em um bairro antigo desta cidade - bêbados inconvenientes, sem dinheiro, na esperança de fazer mais um “prego”; reunião de amigos e suas conversas regadas por viradas de copos de cerveja; poetas frustrados pelo descaso e críticas às suas obras. Uma ponte sobre o rio-mar que separa a cidade, e sua múltipla função – cartão postal, desafogamento do trânsito de carros e cenário para decisões suicidas. O corre-corre do transporte urbano - uma jovem espera ansiosa por um coletivo para a “zona norte” por mais de 40 minutos, em um ponto de ônibus abarrotado de pessoas – tumulto, “vales” a venda e ao vento, empregadas domésticas voltando da zona “sul” para a periferia, vendedores barulhentos de picolé, sacoleiras apressadas. Favela cortada por um rio morto – o cotidiano de moradores de uma das regiões mais violentas e pobres deste lugar. Descaso em uma praia da cidade – idosos desassistidos oferecendo sua já cansada força de trabalho abaixo do escaldante sol do eterno verão. A diversão em outra praia urbana – cidadão comum, famílias, fé, tradição, “tira-gosto”, progresso e saudade. Um turista vai a uma agência de viagens à procura de idéias, na tentativa de montar um pacote que possa saciar o seu desejo de aproveitar os dias que lhes foram atribuídos de férias. Dentre muitos destinos atraentes, se dedica a observar um lugar com belíssimas praias paradisíacas, uma estrutura hoteleira convidativa e alguns poucos pontos históricos, que complementam a idéia de que trata-se da possível visita a uma cidade turística. A passagem e paisagem são compradas. É só esperar o momento para vivenciar o que aquele destino parece ter se proposto a lhe dar. Chega o dia, o avião aterrissa com tranqüilidade em um tradicional aeroporto internacional. O visitante é recebido por um guia espirituoso que o conduz em um automóvel climatizado, por vias ordenadas e bem iluminadas até o seu hotel. Meio de hospedagem localizado a beira mar de um bairro visivelmente estruturado em tudo: de energia, de segurança, de comunicação, de opções de lazer, de transporte e de local para fazer contato com outros turistas que tomaram a mesma decisão de visitar um destino turístico ímpar, uma cidade perfeita. Cidade onde se experimenta passeios por uma extensa e bela faixa litorânea, e por onde o visitante transita por pseudo-desertos. Vive-se uma tarde de compras de suvenir, depois de registrar em máquina digital a passagem por fachada de algum prédio histórico, do qual, mau sabe o nome. Os dias passam nesse ritmo salutar. E em algum restaurante de cozinha sofisticada e internacional, ocorre o brinde de despedida de fim de 20 férias, adeus ao destino e retorno pra sua vida, certo de guardar nas lembranças a experiência de ter vivido aquele lugar. Pode parecer arbitrário, entretanto, está se narrando aqui histórias e estórias que transcorrem no mesmo lugar, na mesma “porção de terra identificada por um nome” (CORIOLANO; SILVA, 2005, p.25), o destino turístico nacional e internacionalmente conhecido – Natal – Cidade do Sol. Mas também, da capital do estado do Rio Grande do Norte, cidade com aproximadamente 806.203 habitantes, e que têm no setor de serviços – onde o turismo se insere - a maior fatia do produto interno bruto (85,02%), segundo IBGE (2007). Enquanto cidade nordestina que está entre as mais visitadas da região (4º lugar – FIPE, 2007), o turismo em Natal se apresenta como foco de proposições de investimento por parte do poder público e olhares recorrentes de empresários brasileiros e estrangeiros do ramo hoteleiro e imobiliário. Mas enquanto centro urbano, e não mais na mesma leva de dados empolgantes, a capital potiguar, junto aos demais municípios do estado do RN, apresenta um índice alarmante de pobreza (67,4% da população norte-rio-grandense vive com no máximo 1 salário mínimo per capita - IBGE, 2008). Dessa forma, tem-se aqui o propósito dos relatos livres que iniciaram esse texto. Ressalta-se o primeiro momento como fragmentos de roteiros de ficções e documentários cinematográficos, enredados e exibidos em festivais de vídeos realizados em Natal, e que denotam grande referência a enredos voltados para os aspectos socioespaciais vividos pelos residentes. Todavia, o segundo se baseou em breves registros fílmicos de turistas que visitam o lugar em questão, como também nos dados de pesquisa de caracterização e dimensionamento do turista que visita o destino (busca por sol e praia, qualidade de hospedagem, variedade de pacotes e receptivos, FIPE – 2007). Essas sequências (documentários, ficções, e narrativas) - que mais parecem um mosaico - um retrato ao mesmo tempo dinâmico e confuso - são leituras midiáticas construídas sobre a cidade nos últimos anos, e que formam uma rica apreciação discursiva dos próprios residentes e turistas. As duas, enquanto representações sociais (MOSCOVICI, 1978), ao delatar Natal, parecem formalizar ideias distintas, interpretações de vivências desconectadas. E não seriam? Haveria um muro imaginário que a divide? Fluem então duas cidades? Calvino (1972, p. 15) estaria certo ao exigir que “se evite dizer que algumas vezes 21 cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si”. Neste momento, se está falando da vivência no lugar que as pessoas têm, que se faz a partir da representação social que elas apreendem nas suas experiências “encenadas” neste lugar. Essa experiência inclui as práticas de significação e os processos de simbolismo abarcados nesta experiência que acaba por dar ao observador-participante o posicionamento (para o caso de Natal) aparentemente díspar – um para o turista e outro para o residente (WOODWARD - 2007). É através disso que se constrói a representação das relações sociais, compreensão sobre a relação do indivíduo com a sociedade que participa, ou simplesmente observa (URRY, 2001), ou pensa que participa e observa (indagação que se busca elucidar na dissertação – o turista poderia ao desfazer suas malas concluir que conheceu Natal-RN?). Essa incompatibilidade interpretativa entre visitantes e visitados acena para a compreensão de que o turismo é, assim como outros fenômenos sociais recentes, uma atividade tipicamente sintomática do processo global. Um exemplo da condição pós-moderna das últimas décadas, onde, estamos condenados ou prometidos à individualidade solitária, à passagem, ao provisório e ao efêmero, em um contexto superficial e distanciado das realidades que nos cercam (AUGÉ, 1994). Como se percebe, tais características, sinônimos da fugacidade das relações humanas, da busca por consumo imediato, e comercialização também do tempo e espaço - podem ser experimentadas numa viagem turística, em que inúmeros são os destinos-espaços condicionados e criados, e a serem recriados para atender aos mais diversos tipos de turismo e turista, na qual as relações com o sujeito local são questionáveis e os benefícios da atividade turística pouco extensivo ao autóctone. A extensão que é medida a partir do desenvolvimento do sistema de mercado turístico, que se insere num discurso público de progresso muitas vezes duvidoso (SEN, 2000), numa proposta que acaba por, em muitos países em desenvolvimento (Brasil possui diversos exemplos), sobrepor os interesses e a capacidade de participação da população local, implicando em problemas como segregação socioespacial (puro e impuro – BAUMAN, 1998). 22 Nesses casos, a construção do território (relação de poder e pertencimento a um lugar), preocupantemente, pode acirrar-se ou isolar grupos diante da especulação dos equipamentos e dinâmica do capital turístico (BACAL; MIRANDA, 1999). Capital esse que objetiva tornar o destino “espetacularizado” e mais convidativo aos olhos do turista – um pseudo-lugar (CRUZ, 2007), uma invenção, uma faceta de lugar criado pelo turismo. Entretanto, em muitos casos, o máximo que se consegue é reproduzir algo sem atribuir-lhe o sentido que o mesmo merece, fazendo da cultura do lugar alegorias fora do contexto, inserindo elementos desconectados para representar o destino, ou ainda padronizando espaços para atender ao turismo internacional, sem a presença de elementos autênticos locais, e interação com os atores da sociedade, criando uma “bolha turística”. Sobram para o autóctone, evidências da desvalorização, a re-significação de sua cultura e tradição para o visitante e, em alguns casos, até para si mesmo. Enquanto para o visitante, apresenta-se o imaginário de um destino paradisíaco, perfeito, mas ora falsificado, ora genérico, que se firma em uma série repetitiva que pode dar a impressão de que está tudo ficando com a mesma cara (YAZIGI, 2002, p. 17). Ou que se está visitando um destino dentro de outro, a exuberância das praias do Caribe na Europa, um Safari africano na Disney World, o exótico passeio em dromedários no deserto do Saara (dunas) no destino turístico Natal – RN. Em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, essa liberdade pela escolha entre o simulacro1, a segregação da experiência e o real vivido pelo residente, geralmente não acontece. Sendo assim mais prático, tanto para empresários como para governantes investir no primeiro (simulado, seja pela “espetacularização” da tradição, pela padronização de espaços para o turismo internacional, ou pela inserção de cenários externos), do que ordenar em todos os aspectos o destino turístico (hoje representado por verdadeiras ilhas turísticas dentro dessas cidades). Encobrindo não apenas aspectos culturais, mas maquiando a dinâmica social, práticas de lazer distintas, áreas de favelização e baixa qualidade de vida da periferia. O autóctone é normalmente convencido de que o turismo é uma atividade instantaneamente inclusiva econômica e socialmente, e vista em muitos casos como a mais viável saída para lugares onde predomina o desemprego e a falta de arrecadação. Mas a 1 Termo criado pelo filósofo Platão e exemplificado na sociedade pós-moderna de consumo por Baudrillard. Simulacro e Simulações (1991). 23 premissa de sucesso muitas vezes não se concretiza. “Se de um lado, o turismo é um potencial gerador de postos de trabalho e conseqüente ativador das economias, por outro, se constitui como um forte mecanismo de exclusão socioespacial” (FURTADO, 2008, p. 20). Sem descolorir os evidentes pontos positivos advindos da atividade turística em inúmeras localidades, muitos estudos descrevem a população residente timidamente valorizada e pouco beneficiada pelos louros oriundos do turismo (exemplificados pelos subempregos gerados nas praias de Natal – desregulamentação de direitos trabalhista, exploração infantil e idosos em condições sub-humanas de trabalho). Conhecida como destino turístico de sol e praia (compreende Natal e os municípios de Parnamirim e Extremoz), a grande Natal é um centro receptor de visitantes que tem seu processo de turistificação bastante recente, sendo a alavancada desse fenômeno ocorrida nas últimas décadas (a partir dos anos 1980). E diante desses impasses decorrentes da entrada dessa atividade na capital do Rio Grande do Norte, e o desejo de refletir sobre as relações promovidas pela atividade, é que surgiu o interesse em discutir os “porquês” que emergem das experiências do visitante e do autóctone, na cidade - evidenciadas pela capacidade da representação fílmica de cada grupo. (BOURDIEU, 2006) Essa representação imagética da capital potiguar, tanto para quem visita como para quem vive na cidade, certamente é bem diferente da que se tinha em meados dos anos 1980. Parte dessa transformação deveu-se à chegada da atividade nesse período, que além de apresentar forte influência na produção espacial e especulação imobiliária (FONSECA, 2005), promoveu crescimento populacional e modernização de espaço em favor exclusivamente da atividade. A fim de compreender tais atores incapazes de ser indiferentes aos efeitos do fenômeno social do turismo (BARRETTO, 2004) e suas apreensões sobre a cidade, torna-se relevante fazer, a partir do pensamento fenomenológico, uma análise qualitativa comparativa entre o que turistas e residentes representam socialmente através de seus vídeos (análise de conteúdo) documentais e de registro Natal (2006-2010). Após apresentação da problemática levantada, questiona-se aqui: Como se concebe a representação fílmica da cidade de Natal – Rio Grande do Norte, a partir do olhar do turista e do residente? Para responder a essa pergunta, objetivou-se analisar as semelhanças e disparidades entre a representação documental (residente) e de registro (turista) do destino sitiado. E com o intuito de alcançar tal resultado buscou-se, na condição de objetivos específicos: comparar as 24 relações socioespaciais entre os bairros de Ponta Negra e Novo Horizonte (favela do Japão); identificar os espaços e práticas de lazer litorâneas (além de aspectos culturais) oportunizadas aos turistas e residentes em Natal-RN; e por fim mapear o circuito turístico realizado atualmente em Natal-RN através dos vídeos turísticos selecionados. Ao investigar as relações que transcorrem nesse cenário ora paradisíaco, ora conflituoso, o interesse do pesquisador é “reunir de forma imparcial os dois olhares, numa síntese em que não há preto ou branco, mas uma rica gama de cinzas que condensa os benefícios que o turismo traz, assim como seus inconvenientes, como, aliás, é próprio de todo fato social” (SANTANA, 2009, p. 9). Nuances que muitas vezes não eram destacadas em estudos do Turismo no Brasil, que nas últimas décadas, refletiam a abertura e crescimento da atividade no país (MTur, 2010), havendo um acelerado desenvolvimento, principalmente nas investigações vinculadas a uma vertente administrativa e comercial. A produção científica da atividade turística, em vários casos, voltada para o domínio de interesses econômicos, tendeu a entender o fenômeno na ótica de mercado. Entretanto diversos são os estudos atuais que contemplam outros enfoques, sendo seus efeitos e questões de desenvolvimento nas mais diversas tangentes (ambiental, social e cultural) também aprofundadas. No interesse particular de se ter uma compreensão mais abrangente, não apenas econômicas e gestoras, e sim de sua relevância ampla social na cidade de Natal-RN é que se desdobra o trabalho em questão. Partindo dessa inquietação por reconhecimento das “pantomimas” e dos “louros” do turismo, surgiu esta pesquisa numa ótica transdisciplinar (o turismo é uma área que normalmente percorre transversalmente vários campos da ciência) com pressupostos do estudo das ciências sociais, e contribuições da geografia e da comunicação audiovisual. Nesse ritmo de investigação, em que se discute as realidades concebidas pelos grupos, na qual comungam ou distinguem-se - as causas e conseqüências dessas ideias formadas- formadoras, estruturadas e estruturantes (BOURDIEU, 2002) - sobre o que vem a ser a cidade de Natal. Aqui se evidencia a contribuição deste trabalho que, assim como alguns trabalhos que nas ciências sociais já vêm sendo realizados, questiona qual tipo de imagem, qual compreensão, de acordo com o olhar do turista, a cidade pode assumir. Essa verificação é alicerçada na hipótese de que o visitante é “convidado” a não reconhecer para além do muro social que a atividade turística cria, e de que a percepção do 25 visitante pode estar “domesticada” pelo fenômeno turístico. Isso geraria uma experiência fake sob a localidade, ou pelo menos, de que sua experiência turística se dá numa dinâmica de concentração em espaço (Praia de Ponta Negra) bastante prestigiada pelas políticas públicas e investimento do setor privado. No que se refere à percepção do autóctone, pensa-se na sua apreciação como representação da realidade que ultrapassa o campo de visão do turista – uma cidade convincente, visto que é a literal voz do seu povo. Os discursos enredados nas películas documentais potiguares possibilitam uma “viagem” (EINSENSTEIN apud CARRIÈRE, 1994, p. 33) para a realidade do cotidiano – um olhar para dentro dos trâmites sociais, com aproximação as diversas classes e grupos, observando bem de perto o que talvez outras expressões, ou até mesmo abordagem direta do morador, não possa revelar. Além de ser demonstração de pertença à cidade, de quem o produziu (documentarista e documentado), o recurso fílmico, assim como o literário, em suas representações subjetivas imaginárias correspondem à construção da realidade e acaba por apresentar uma leitura plausível e convincente dos fatos (PESAVENTO, 1997, p. 27) que ocorrem nos espaços menos privilegiados da cidade. Diversos filmes recentes produzidos na cidade não são apenas obra de projeção da cultura cinematográfica de Natal, mas forma rica de exibição da localidade, sendo uma construção midiática do povo e do espaço. Instrumento que, segundo Yazigi (2001) e ratificado por Cosgroove (1998, p. 98), pode “fornecer uma firme base a respeito dos significados que o lugar possui, expressa e evoca”. Essa condição reveladora do cinema dá credibilidade à imagem da cidade de Natal no olhar do residente, mas também do olhar não autêntico da experiência turística. Endossar essa comparação decifrou impressões que revelaram a dicotomia de uma cidade espetacularizada (fictícia) para o turista e realidade de exclusão social para grande parcela da população. Na mesma cidade em que se pode encontrar qualidade de serviços e infraestrutura internacional, detecta-se um aglomerado de sub-habitações (favelas) e todas as mazelas sociais comuns a esses espaços. Destacam-se nessa mesma cidade práticas e espaços de lazer distintas do visitante e do visitado (falta de diálogo espontâneo entre personagens) e por último o discurso dos benefícios da atividade turística manifestada no momento de 26 encontro entre turistas e residentes, a partir de subempregos ofertados na beira mar da praia de Ponta Negra. Essa abordagem conclui na inquietação-incerteza de que a cidade que a população local almeja não esteja sendo vivenciada apenas pelos turistas que a visitam (cidade de segurança, oportunidades, lazer e conforto). Estamos diante de uma pseudo-Natal - mais um cenário das práticas de lazer do visitante? Ou, como sugere Ruschmman (1997), estamos diante de uma cidade retrato das conquistas sociais, ambientais e culturais de quem no destino turístico vive e desses benefícios se apropria? 27 01. UMA ROTA PÓS-MODERNA SOB A CONDUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL FÍLMICA DA CIDADE 28 01. UMA ROTA PÓS-MODERNA SOB A CONDUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL FÍLMICA DA CIDADE Sapatos magnificamente lustrados e brilhantes tornam-se sujos quando colocados na mesa de refeições. Restituídos ao monte dos sapatos, eles recuperam a prístina pureza. (BAUMAN, 1998, p.15) Longe da ambição de aqui eleger por qual momento, fase da contemporaneidade o mundo passa hoje, ressalta-se para a análise em questão, traços atuais da vida em sociedade, que apesar de em diversas instâncias se tornarem dispares em suas convicções, editam elementos que corroboram para o entendimento do fenômeno turístico, seus atores (empresariado, turista e residente) e suas atuações. Busca-se inicialmente fundamentar-se, com base na teoria de “modernidade” e sua “descontinuidade” defendida por Giddens (1991), a compreensão de uma espécie de “hipermodernidade” advinda dos extremos dessa mesma modernidade agora discutida por Lipovetsky (1989). Entretanto, para tal trabalho, reconhecendo e tomando como eixo o estado de “pós-modernidade” – e seus elementos ora de ruptura, ora de exacerbação do Estado moderno – apresentado por Bauman (1998). Sempre fazendo uma crítica severa às colocações que formulam o que muitos reconhecem como “pós-modernidade”, Giddens entende que a humanidade passa por um processo de reestruturação e não de fim de seu sistema, dando espaço para outra fase. Reconhece que a atual conjuntura da modernidade revela-se enigmática – “numa ordem pós- moderna” (1991, p. 09) -, e que as “descontinuidades” da história do homem, a fragmentação das relações, as questões de tempo-espaço na contemporaneidade, que se observa desde as últimas décadas do século XX, e neste início de milênio, apresenta-se como elementos de uma necessidade de reconhecimento e adaptação aos encargos dessa nova fase da “ainda” modernidade. A ruptura com as concepções providenciais da história, a dissolução da aceitação de fundamentos, junto com a emergência do pensamento contrafactual orientado para o futuro e o "esvaziamento" do progresso pela mudança contínua, são tão diferentes das perspectivas centrais do Iluminismo que chegam a justificar a concepção de que ocorreram transições de longo alcance. Referir-se a estas, no entanto, como pós-modernidade, é um equívoco que impede uma compreensão mais precisa de sua natureza e 29 implicações. As disjunções que tomaram lugar devem, ao contrário, ser vistas como resultantes da auto-elucidação do pensamento moderno, conforme os remanescentes da tradição e das perspectivas providenciais são descartados. Nós não nos deslocamos para além da modernidade, porém estamos vivendo precisamente através de uma fase de sua radicalização. (GIDDENS, 1991, p. 49). A partir dessa idéia, pode-se compreender e discutir o fenômeno turístico e sua participação nas grandes transformações, seja no mercado consumidor, seja enquanto re- estruturador do espaço local, e como reflexo de um traço dessa “radicalização” da fase moderna. Essa radicalização, quando elucidada pelo olhar de Lipovetsky encerra a ideia de que o mundo vive “num tempo em que oposições rígidas se esbatem e as preponderâncias se tornam frouxas” (1989, p.76), comungando de certa forma com as colocações de Giddens. Entretanto, compreendendo outros elementos que reeditam a ideia de modernidade, ao apontar através principalmente do uso da arte e do consumo uma lógica denominada “hipermodernidade”, acentuando o acelerado processo de descontinuidade histórica, a negação da tradição, a valorização do furtivo, do novo e da mudança, a comunicação e a moda. Reconhecendo também os “valores hedonistas que encorajam a gastar, a gozar a vida, a obedecer aos impulsos [...] que passam a gravitar em boa medida em torno do culto do consumo, dos tempos livres e do prazer” (LIPOVETSKY, 1989, p.80) (elementos que podem ser facilmente observados no desenvolvimento do fenômeno turístico em massa), numa dinâmica que vislumbra a atual conjuntura como o extremo do modernismo, mas não sua ruptura. Já sinalizando para as questões também levantadas por Bauman (1998), que observa numa perspectiva de sujeitos beneficiados e excluídos da condição “hiper”, “pós” ou simplesmente “moderna”, Lipovetsky contribui para o entendimento de que a administração do cotidiano se instaura agora claramente na esfera privada, na emancipação do indivíduo (e as sujeições dessa mesma emancipação), indicando traços próprios dessa “hipermodernidade”, que paradoxalmente permite o acesso de todos ao automóvel ou à televisão, ao blue-jeans e à coca-cola, as migrações sincronizadas do week-end ou do mês de Agosto, designam uma uniformização dos comportamentos. Mas esquecemo-nos demasiadas vezes de considerar a face complementar e inversa do fenômeno: a acentuação das singularidades, a personalização sem precedente dos 30 indivíduos. A oferta em abismo do consumo multiplica as referências e modelos, destrói as fórmulas imperativas, exacerba o desejo do indivíduo de ser plenamente ele próprio e de gozar da vida, transforma cada um num operador permanente de seleção e de combinação livre, é um vetor de diferenciação dos seres. (LIPOVETSKY, 1989, p.101) Mais uma vez tentando fazer uma relação desses elementos com as causas e efeitos do turismo, reconhece-se aqui sua atual tendência global de crescimento, na medida em que o apelo ao consumo (o prazer de consumir) no mundo inteiro acelera-se incontrolavelmente, como também sua reformulação para padronização de destinos. Essa tendência tem o intuito de atender, com eficácia, não apenas à uniformização do desejo de consumir, mas de adquirir um produto, serviço, experiência turística ímpar, particular, dedicada agora a grupos específicos - que ora se criam e o turismo deve atendê-lo, como são criados pelo próprio apelo consumista do turismo. A partir dessa breve apreciação das idéias que se mantêm sob a égide da “modernidade”, para esta pesquisa preza-se pelo pensamento de Zigmunt Bauman, este que se apropria de tais elementos expostos também por Giddens e Lipovetsky. Todavia, acrescenta temas que permitem reconhecer uma defesa ao sistema “pós-moderno” e contribui para o debate acerca de temas como liberdade individual, papel eminentemente consumista (indivíduo “puro” ou “sujo”), insegurança, desregulamentação e privatização dos espaços e das organizações, condições dessa demanda pós-moderna, e que representa mudanças na dinâmica do mundo atual, e se evidencia na maneira de organizar e entender as formas de viver nesse sistema. Sem se preocupar em delimitar a linha que separa o modelo moderno do pós-moderno (apesar de dedicar-se em defesa do segundo), Bauman promove uma discussão assinalando descontinuidades históricas (características da pós-modernidade), e “determinando transformações [...] para colocar em questão algumas contingências dos espaços e tempos que nós habitamos, e que nos habitam, fazendo do nosso mundo o que hoje é e de nós mesmos - o que hoje somos”. (COUTINHO, 2001, p. 02). A começar pela idéia de que, diferentemente das perspectivas do período moderno que se erguia pela ordem coletiva, pela segurança e estabilidade dessa mesma ordem no ímpeto da ciência, política e ordenamento social (o indivíduo e a clareza do seu papel no mundo), na pós-modernidade é possível experimentar a liberdade individual e as consequências - nem 31 sempre felizes - dessa conquista. “A liberdade de escolha, eu lhe digo, é de longe, na sociedade pós-moderna, o mais essencial entre outros fatores de estratificação. Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia social pós-moderna” (BAUMAN, 1998, p. 118). É nesse contexto hierárquico que o presente trabalho encara o personagem do turista, e próprio setor produtivo do turismo (detentor de um prestígio, capacidade de decisão, e poder dentro da experiência de viagem) como os portadores da mais vasta liberdade, representada pela capacidade de consumo do espaço turístico. Na mesma proporção, mas de maneira inversa, pode-se visualizar pela ótica do residente, isso em destinos de países em desenvolvimento e com características de um capitalismo periférico (caso de Natal-RN), o papel daquele que vivencia o outro lado da liberdade. Ou seja, a falta dela (a segregação, a exclusão), através de uma dinâmica de liberdade que obriga – em um discurso de igualitário – o indivíduo se engrenar na máquina do consumo. Caso sem condições socioespaciais de alimentar o sistema, o indivíduo mal sucedido, que não colabora com a prática consumista do lazer e entretenimento, passa a ser isolado social e espacialmente pela desregulamentação e privatização das áreas de circulação do lugar turístico (condição que será elucidada através da análise do destino Natal). Privatização e desregulamentação promovem um dos traços mais fortes da ideia de pós-modernidade: a insegurança, a incerteza do porvir. Esta inquietação que ocupa um espaço cada vez maior no cotidiano das pessoas – livres e presas – se deve a “desordem” do mundo. Por exemplo, a medida que o empresário do trade turístico e o próprio turista se apropriam dos espaços eles desregulamentam o que antes estava posto, e no mesmo passo, regulamentam a seus interesses. Esta, dentre muitas outras novas possibilidades de ocorrência e descontinuidade de fatos, faz Bauman alertar: “o que quer que venha a tomar o lugar da política dos blocos de poder assusta por sua falta de coerência e direção e também pela vastidão das possibilidades que pressagia” (1998, p. 33). A partir dessa concepção do fenômeno turístico na perspectiva da pós-modernidade, o que se quer aprofundar é a teoria desenvolvida também por Bauman acerca dos papéis sociais, para tal, do turista e do residente em Natal: os puros e os sujos, respectivamente. O autor ressalta que o que se observa é o acelerado desenvolvimento das influências do mercado (o poder do turismo na condição de estimulador das experiências individuais, como na condução das decisões sobre o destino) que, de maneira feroz, rege a ordem do mundo contemporâneo. E é neste cenário que os puros podem ser entendidos como aptos a 32 participar do jogo consumista, os deixados fora com um „problema‟, como a „sujeira‟ que precisa ser removida, são consumidores falhos – pessoas incapazes de responder aos atrativos do mercado consumidor porque lhes faltam os recursos requeridos, pessoas incapazes de ser “indivíduos livres”(liberdade individual?) conforme o senso de “liberdade” definido em função do poder de escolha do consumidor. São eles os novos “impuros”, que não se ajustam ao novo esquema de pureza. Encarados a partir da nova perspectiva do mercado consumidor, eles são redundantes – verdadeiramente “objetos fora do lugar” (BAUMAN, 1998, p. 24). E estar fora do lugar, quando se remete ao fenômeno turístico em destinos como Natal, é tentar compreender onde estão e como vivem seus moradores, em que práticas de lazer e cultura estão envolvidos, e quais os reais benefícios advindos do turismo. Pois a tendência dessa purificação social e espacial é a que segrega e obriga muitas vezes o indivíduo “sujo” na área turística a tornar-se “puro”, na medida em que se junta aos seus, através de moradias na periferia, práticas de lazer segregadas e subempregos nas orlas das praias turísticas. Essa preocupação do mercado de “purificar” o espaço se dá a partir de duas exigências dirigidas ao Estado: “Uma é a exigência por parte dos livres consumidores (puros), de aumentar mais as liberdades do consumidor: privatiza-se o uso de recursos, reduzindo toda a intervenção coletiva nos negócios privados”. (BAUMAN, 1998, p. 24) A outra é a capacidade de articulação pública em manter o modelo de baixa intervenção, monitorando e desmobilizando a réplica, a possível reação do grupo sujeitado (também desregulamentado). Para a pureza do consumo, para permitir a liberdade de seu consumidor, é preciso deter os “consumidores falhos”, mantendo-os em “xeque” a um baixo custo para o sistema capitalista, sendo um exemplo disso o discurso do turismo, apresentado como exemplo no chavão de “emprego e renda” evidenciados por subempregos nas praias urbanas turísticas de Natal. E ainda sobre esse jogo que envolve: escolhidos e excluídos, turistas e residentes, puros e sujos, o que se apresenta aqui é a teoria que serve de baliza, de ponto de partida para compreender a relação visitante e visitado no destino em questão, transpondo a barreira de um mundo pós-moderno de estilos e padrões de vida livremente concorrentes. Há ainda um severo teste de pureza que se requer seja transposto por todo aquele que solicite ser ali admitido: tem de mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado 33 consumidor, de se regozijar com a sorte de se vestir e despir identidades, de passar a vida na caça interminável de cada vez mais intensas sensações e cada vez mais inebriante experiência. Nem todos podem passar nessa prova. Aqueles que não podem são a “sujeira” da pureza pós-moderna. (BAUMAN, 1998, p. 23) Dessa forma, ao buscar “espanar” os sujos e “avaliar” os puros do fenômeno turístico, essa pesquisa se aporta na concepção controvertida de pós-modernidade para fundamentar essa dinâmica de poder e disputa socioespacial. Para conduzir tal busca, esta dissertação se apropria da teoria de Representação Social difundida por Moscovici. 1.1. O trânsito dos sujeitos sob a faixa da Teoria da Representação Social Toda sociedade cria um conjunto coordenado de representações, um imaginário, através do qual ela se reproduz e que designa um articular o grupo e a ela própria, distribui as identidades e os papeis, expressa necessidades coletivas e os fins de alcançar. (ANSART, 1978, p. 21-22). Situada na fronteira entre a sociologia e a psicologia, a Teoria da Representação Social (TRS), emerge através de estudos da Psicologia Social na década de 1960 com Moscovici (La psychanalyse, son image, son public, 1961). Tal teoria tem seu percurso fecundado na retomada das ideias de Durkheim do início do século XX, que compreendia a estrutura social na perspectiva de Representação Coletiva, entendimento que abrigava discussões sobre crenças, direitos, ritos, religiões, idiomas, tradições e imagens de grupos. Mas que negligenciando em seus estudos aspectos da individualidade humana (elemento que a Psicologia Social, antes de Moscovici, estudava sem relacioná-lo com a sociedade). Dessa forma, unindo indivíduo e meio, a TRS ganha destaque, ao considerar as duas forças enquanto articuladoras dos processos de aceite, como de transformação do social. A TRS vai se apropriar das contribuições de Durkheim, mas aprofundar-se exatamente na interação entre o coletivo e o indivíduo na formação do extrato social, que segundo Moscovici (1978), seu principal ofício é constituir as trocas, as relações entre o sujeito e o grupo, através de um contexto de linguagem, significação e comunicação fluida - interação do indivíduo com a exterioridade (sociedade). 34 Essa interação se dá em um campo simbólico. Os papéis desempenhados pelo indivíduo na dinâmica social refletem tais sentidos simbólicos, implicando concluir que os sujeitos e certamente sua formação discursiva, fala, escritos, imagens, ideologias reforçam a representação da conjuntura dada, modelos de pensamento do contexto social de onde emerge o indivíduo. Ou seja, “as Representações Sociais são teorias, ciências que interpretam e elaboram o real” (MOSCOVICI, 1978, p. 50) um condensamento do real elaborado na medida em que é reapropriado pelo sujeito e pela sociedade. uma maneira de interpretar o cotidiano – uma forma de conhecimento social” e, ainda “um conjunto de conceitos, proposições e explicações que se originam na vida diária no processo das comunicações inter-pessoais; são o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais: elas poderiam igualmente serem vistas como a versão contemporânea do senso comum” (MOSCOVICI, 1981, p. 181- 186) Enquanto “senso comum” tanto na representação social compreendida nas comunidades tradicionais, como nas contemporâneas, de forma sucinta, é empregado elucidar a TRS como teoria que estuda a maneira de “ver o mundo” instalado na relação homem- sociedade. Visão essa que ao ser, elaborada e compartilhada com o objetivo de permitir o entendimento prático e adaptação do indivíduo às relações que o cerca, constrói uma “realidade” comum a um conjunto social (JODELET, 2001), independente de sua extensão espacial: tribo, vila, bairro, cidade, região, país. Isto é, formas de saber e fazer que circulam em uma sociedade, que são parte da cultura popular, erudita e científica, que se mesclam e penetram umas nas outras, e emergem como recursos que uma comunidade dispõe para dar sentido a sua realidade e entender seu cotidiano. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 117) Nas últimas cinco décadas se sucederam inúmeros trabalhos científicos e autores que contribuíram para a discussão e amadurecimento sobre a Teoria da Representação Social nas mais diversas ciências (ABRIC; ANSART; JODELET; MINAYO; SPINK; JOVCHELOVITCH; SÁ, entre outros). Mas também houve os que se utilizaram e se utilizam 35 das ideias difundidas por Moscovici para aplicar em abordagens na antropologia, comunicação, direito, medicina, história, no turismo entre outros; saberes e práticas sociais e culturais, análises de conteúdo ou discursos de grupos, tradição e historicidade (significação e valoração de imagens e relações). Mas vale ressaltar que o propósito dessa teoria não é abarcar o social (indivíduo e grupo) e sua mediação, entendendo tais representações como a extrato fidedigno de uma REALIDADE, a funcionalidade da TRS está em alicerçar-se na impressão que as pessoas têm acerca da sua experiência em sociedade. Acerca disso Minayo (2003, p. 110) alerta que: Por serem ao mesmo tempo ilusórias e “verdadeiras”, as representações podem ser consideradas matéria-prima para a análise do social [...], pois retratam e refratam a realidade segundo determinado segmento da sociedade [...] pela sua vinculação dialética com a realidade, a compreensão da fala (ou de outros elementos) exige ao mesmo tempo a compreensão das relações sociais que ela expressa. Porque as palavras não são a realidade, mas uma fresta iluminada: representam! Então, enquanto suspensão, figuração do real, a representação social se manifesta, permeada pela subjetividade, enquanto conjunto de conceitos, explicações e afirmações que se originam no cotidiano através de comunicações interindividuais; contribui para a formação e reformulação dinâmica dos comportamentos e orientação modulados pela comunicação e outros fatores sociais, fomentada pelo processo de objetivação e ancoragem – sucessão de estado e mudança. Dentro da TRS, tal processo se estabelece com o propósito de mediar a produção simbólica existente nas relações sociais contextualizadas. A objetivação teria a função de ordenar os “elementos constituintes da representação e ao percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade, isto é, se tornam expressões de uma realidade vista como natural” (CABECINHAS, 2004). Ou seja, seria a aceitação de um conceito, o estabelecimento de uma “verdade”, “materialização” de uma crença disseminada e arraigada em um grupo, que ao cristalizar tal entendimento o reconhece como naturalizado no convívio social – 36 semelhança com a ideia de habitus2 de Pierre Bourdieu (discutido no capítulo seguinte). Como também, na ideia de “pureza” e “sujeira” na pós-modernidade. No que se refere à ancoragem, ocorre – ora precedendo, ora em sequência - nessa relação com a objetivação como instrumento de referência, de tratamento, de catalogação de toda e qualquer nova ou re-elaboração de uma velha situação, imagem ou objeto vivenciado pelo indivíduo daquela sociedade, conferindo-lhe uma importância funcional para compreender e monitorar o ambiente. Enquanto processo que precede a objetivação, a ancoragem refere-se ao fato de qualquer tratamento da informação exigir pontos de referência: é a partir das experiências e dos esquemas já estabelecidos que o objeto da representação é pensado. Enquanto processo que segue a objetivação, a ancoragem refere-se à função social das representações, nomeadamente permite compreender a forma como os elementos representados contribuem para exprimir e constituir as relações sociais (MOSCOVICI, 1961, apud CABECINHAS, 2004). Tal processo acima descrito formaliza a importância das Representações Sociais para o indivíduo e a sociedade: ordenar as formas de agir, ação essa que segundo Abric (1998) apresenta quatro funções:  Função de saber: RS como “senso comum”, possibilita ao indivíduo compreender e explicar sua “verdade” social;  Função de identidade: RS permite ao grupo elaborar as especificidades, os signos identitários que os define;  Função de orientação: RS enquanto guia onde se baseiam as condutas e práticas sociais;  Função justificadora: na medida em que a RS orienta os comportamentos, os mesmos são elaborados por “porquês”, justificativas. 2 Sistema de disposições para a prática, sendo um fundamento objetivo de condutas regulares (estruturadas), logo da regularidade das condutas (estruturantes), e se é possível prever as práticas, é porque o habitus faz com que os agentes que o possuem comportem-se de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias. (BOURDIEU, 2004, p. 98) 37 Depois de descrever as funções de tais representações para o convívio social, faz-se relevante apontar as dimensões, a extensão da RS, que perpassa a informação, campo de representação e atitude: A informação corresponde “à organização dos conhecimentos que o grupo possui a respeito de um objeto social” (MOSCOVICI, 1978, p. 66). Ou seja, quanto maior o contato com o objeto representado, maior e melhor é a informação. Ibanez (1998, p. 47, apud CASTRO, 2007, p.35) acrescenta que “a origem da informação, além do modo como as pertinências e posições sociais, seus interesses e valores, mediatizam a quantidade e a precisão da informação disponível, influenciando no tipo de representação que se forma”. Ao referir-se a campo de representação, Moscovici (1978) explica que tal dimensão está relacionada com a ideia de imagem, de moldes sociais, ao sitio do conteúdo materializado, dos conceitos que cercam o objeto representado. E quando salienta a atitude, a entende como resultado final dentre as dimensões, já que termina por apresentar o posicionamento do sujeito, a partir do juízo de valor apreendido pela informação e campo de representação. Para além dessas dimensões, o autor ainda apresenta três formas de compartilhamento de representações sociais: hegemônicas, emancipadas e controversas. As representações compartilhadas por um grupo fortemente articulado e estruturado (uma nação, por exemplo) onde prevalecem suas idéias implicitamente em todas as práticas simbólicas de maneira uniforme e coerciva podem ser chamadas de hegemônicas. Em seguida, têm-se as representações emancipadas, onde cada grupo elabora suas próprias “verdades” e as compartilha com outros grupos que estão próximos, que mesmo trocando informações, mantêm um certo grau de autonomia sobre suas representações (ideia de função complementar). Por último, Moscovici (1978) orienta para a existência de representações controversas, essas que surgem enquanto ações reacionárias, de conflito e oposição dentro do próprio grupo social. Para finalizar, vale ressaltar aqui a utilização de métodos variados que podem ser utilizados na trajetória das Representações Sociais: entrevistas; questionários; técnicas de associação livre de palavras; observação participante; análise de documentos e de discursos (JODELET, 2001), que pode incluir a análise de narrativas audiovisuais, incluindo o cinema- documentário e vídeos de registro turístico. Narrativas essas últimas que serão, a título deste 38 trabalho, instrumentalizadas para entender sobre aspectos da segregação socioespacial em Natal-RN. Traço da dinâmica social percebido em todo o mundo, recorrente das mais diversas formas e com motivações muitas vezes distintas. Falar de segregação e turismo em Natal na ótica das Representações Sociais permite considerar modos e estilos de vida, e universos de representação da realidade sobre os “extremos” espaços e sujeitos da cidade, que para esta pesquisa, parte-se do princípio da disparidade (olhar do residente e olhar do turista) de experiência do urbano. Sendo essa segregação conceituada como: um mecanismo de triagem e de filtragem que seleciona, no conjunto das populações, os indivíduos mais capazes de morar numa área particular e num meio particular. Todo mundo quer morar nos lugares mais agradáveis, mas nem todo mundo consegue, porque os grupos não têm as mesmas características, nem a mesma influência política, nem o mesmo poder de escolher o seu lugar [...] Consequentemente, os indivíduos entram em competição para ocupar os melhores lugares, e as pessoas – os grupos – mais fortes conseguem atribuir-se os lugares privilegiados. [...] Resultando disso a SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL dos grupos sociais, que são distribuídos em lugares mais ou menos distintos: as áreas naturais. [...] Para resumir, numa sociedade hierarquizada, há, obrigatoriamente, marcas visíveis de pertencimento a uma categoria social. (GUIRRIEC, 2008, p. 31) (Grifo nosso) Dessa forma, estudar a segregação entre os grupos turista e residente é reconhecer os grandes obstáculos e contradições temporais, espaciais, culturais, econômicos e sociais para que a integração ocorra. Mas que a tentativa de criar uma gestão turística que prima por isso é crer que o ENCONTRO “alimenta a relação com a alteridade, exacerba a consciência de si e da diferença; [...] podemos nos perguntar se a presença do outro não é indispensável à afirmação de si mesmo e à existência da sociedade. (GUIRRIEC, 2008, p. 36). Ou seja, aqui se pretende analisar conteúdos baseados nas linguagens, práticas, falas, e imagens reveladas nesses documentários e vídeos de registro. Instrumentos que, ao servirem como representação social, elaboram possibilidades de perceber comportamentos, conflitos e “verdades” que retratam e guiam ideologias e atitudes desses dois grupos muitas vezes fronteiriços e heterogêneos. Para dar continuidade aos pilares do presente trabalho, serão 39 apontados a seguir os elementos que compõem a metodologia utilizada na pesquisa, apresentando o tipo de estudo; características e localização da área da pesquisa; os respectivos sujeitos da pesquisa e a forma de coleta e análise dos dados. 1.2. Fenomenologia: a “topografia” do estudo O estudo aqui se apresenta pela perspectiva fenomenológica de visão de mundo, primando pela análise do fenômeno contextualizado, mas buscando resgatar e/ou compreender a essência do fenômeno estudado de maneira qualitativa. Considera como pontos importantes a descrição direta da experiência ao observar o fenômeno, bem como o exercício da suspensão das afirmações que o naturalizam para compreendê-lo (MERLEAU- PONTY, 1999). A pesquisa pousa o seu olhar sob objetos fílmicos da cidade do Natal-RN, imagens que remetem à representação social da cidade por diversos ângulos (documentários e de registro). A perspectiva do residente ou a perspectiva do turista configuram-se como distintas formas de entender e experienciar este destino. A compreensão que aqui se busca posiciona-se com um olhar transversal que tenta compreender a representação da cidade a partir destes dois sujeitos sociais. Neste sentido, parte-se do princípio que imagem pressupõe representação e identificação. E ao dirigir o olhar às imagens ou ao dar vida a elas, cria-se um certo elo de filiação, que possibilita significar o que é descrito na imagem como uma perspectiva individual e/ou coletiva (balizamento da representação social). Visto a possibilidade de significar, é necessário refletir sobre as formas de reprodução técnica de imagens com as quais as ciências sociais têm dialogado ao longo dos anos e como estas formas assumem sua função na compreensão dos fenômenos expostos. As imagens permitem, pois, este duplo movimento: sair de si e trazer o mundo para dentro de si. É nesse movimento entre olhar e imagem que está o princípio do pensamento. Sem pensamento, a imagem do mundo seria apenas um decalque do que acontece no exterior, sem nenhuma intervenção da inteligência. Com o pensamento, cria-se um mundo imaginário 40 (perspectiva do observador), que, nesse sentido, não é ficção, mas invenção do novo. (NOVAES, 2005, p. 12) Partindo de que “a produção das imagens jamais é gratuita, e, desde sempre, as imagens foram fabricadas para determinados usos, individuais e coletivos” (AUMONT, 1993, p. 78), paralelamente pensa-se que ao criar um valor de representação das coisas mostradas, a imagem (fílmica) também carrega uma função que tem relação com a experiência do sujeito, alterando (olhar do turista e do residente) possivelmente a compreensão do objeto (cidade) mostrado, descrevendo o sujeito social de maneira “inequívoca ou substancialista”. (KNOX; CORADINI, 2007). Assumindo a apreciação das imagens como início do percurso metodológico, a pesquisa ancora-se na análise de conteúdo (BARDIN, 1977) para encaminhar sua argumentação frente às semelhanças e disparidades na representação audiovisual da cidade de Natal. Diante do conjunto de operações analíticas disponibilizadas por Bardin, coloca-se na posição de adaptá-las à natureza dos materiais a serem investigados e às questões propostas nesse trabalho, considerando aproximações com o referencial da representação social (interpretação do real). O lançamento do olhar atento a significação de fenômeno, promove no pesquisador o sentimento de que A tentativa do analista é dupla: compreender o sentido da comunicação (como se fosse um receptor normal), mas também e principalmente desviar o olhar para uma outra significação, uma outra mensagem através ou ao lado da mensagem primeira. A leitura efetuada pelo analista, do conteúdo das comunicações, não é, ou não é unicamente, uma leitura “a letra”, mas antes o realçar de um sentido que se encontra em segundo plano (BARDIN, 1977, p. 41). Ao compreender o papel de espectador/pesquisador e apreciador crítico das imagens destacadas, acolhe-se a abertura para outras significações para além da leitura realizada com base em seu olhar. Ancora-se aqui na perspectiva de acolhimento a outras leituras no posicionamento de abertura à significação e o que está implícito na imagem, apontado por Merleau-Ponty (2005, p. 139). Este autor relata que “é próprio do visível, dizíamos, ser a 41 superfície de uma profundidade inesgotável: é o que torna possível sua abertura a outras visões além da minha”. Busca-se nesse exercício analítico comparativo posicionar a discussão na contraposição: “residentes X turista” e instigar a reflexão a partir de uma leitura poucas vezes incitada na área do Turismo. 1.3. Local da infração Este trabalho sitia suas reflexões na cidade turística de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Nesta abordagem da representação (aspectos que envolvem de poder e pertencimento) se vislumbra aqui a sinalização de duas cidades co-existentes (turística e não-turística). Esse entendimento, alinhado pelo eixo da segregação social entre os sujeitos da pesquisa, se faz a partir de uma análise comparativa entre as “versões” de suas experiências sociais no seio da cidade, experiências essas impressas no instrumento midiático. 1.4. Seleção de condutores Enfoca-se como fonte da investigação o tecido de representação oportunizado pelo recurso midiático. Para caracterizar a pesquisa, destacam-se primeiramente como lócus do universo da pesquisa na ótica dos residentes dois festivais de vídeos (Festival de Vídeo Potiguar3 e Goiamum Audiovisual4). Os referidos eventos de cinema da cidade do Natal têm contribuído para a circulação e consumo de obras cinematográficas. Tais festivais promovem oficinas de vídeo, como mostras competitivas e não competitivas, além de agregar ao longo dos anos, vídeos que falam do contexto local. Toma-se como recorte para caracterizar o universo da pesquisa as últimas quatro edições dos referidos festivais, por critério de acessibilidade ao material. Considera-se um recorte representativo, dada a riqueza do material encontrado, bem como pelo volume de 3 Festival que desde o ano de 2001 está incluso na programação, na categoria local do FestNatal – Festival de Vídeo de Natal, que ocorre desde o ano de 1987. 4 Evento que une festival de vídeo das mais diversas origens e categorias. Como também promove palestras e oficinas de vídeo, desde o ano de 2007. 42 películas veiculadas pelos eventos que ultrapassa a marca de 70 obras ficcionais e documentais locais nesses quatro últimos anos. Além do critério de acessibilidade, esse recorte adotou como critério de seleção, conter uma representação considerável da temática abordada no estudo, pois encontrou-se na diversidade de expressões cinematográficas um rico espaço de discussão para balizar reflexões e um olhar de apreciador/pesquisador críticos das imagens. Quanto aos vídeos de registro de viagem concebidos pelos turistas que visitam o destino de Natal-RN (datando o mesmo período, 2006 a 2010), destacam-se aqueles que foram postados no site www.youtube.com, página eletrônica que recebe vídeos de toda natureza (profissional e amador), promovidos com os mais diversos interesses (publicitário, informativo, curiosidades, entretenimento, etc.). Porém, para o presente trabalho, foram selecionados aqueles que podem dinamizar um olhar representativo da experiência turística na cidade, partindo principalmente da recorrência de temas abordados na maioria dos vídeos de viagens turísticas ao destino: locais de visitação e hospedagem, práticas de lazer, contato com residente. 1.5. Análise da imagem do acidente Dentro desses dois universos da pesquisa destacam-se algumas produções que considera-se significativas para a reflexão sobre o tema, utilizando como critérios a exaustividade da explicitação do par dialético semelhanças/disparidades, a partir dos olhares do turista e do residente. Dessa maneira, para instrumentalizar esta interpretação dos registros fílmicos fez-se necessário recorrer ao modelo de análise de imagem de destinos turísticos difundido por Santana (2009), destacando no desenho da pesquisa (figura 1), a sequência dos passos previstos para a realização do projeto final – a dissertação. A partir da técnica apresentada na figura 01, adaptada para essa pesquisa, se recorre novamente ao método de Santana, que complementa esta análise elencando atributos que devem ser destacados nas imagens (para esse caso, fílmicas) para uma discussão acerca da experiência vivida no destino. Sendo aqui tais atributos utilizados tanto nos vídeos de turistas, como também dos residentes, aspectos esses que, de acordo com o autor (que une em sua tabela idéias de outros autores), estão categorizados em três variantes: cognitivas, de fonte de 43 informação e motivacionais, e associadas determinam a representação da experiência no destino através da imagem. Para este trabalho, não é utilizada a totalidade de atributos (Tabela 01), mas sim aqueles que estão contidos nos registros selecionadas e que servem de elementos reflexivos sobre a comparação entre olhares dos sujeitos da pesquisa. Figura 01 – Esquema adaptado pelo pesquisador a partir do esquema de Técnica de Pesquisa ao Estudo da Imagem de Destino Turístico (SANTANA, 2009, p. 113). 44 Tabela 01 – Atributos de Imagens Aplicadas aos Diferentes Atores do Destino VARIÁVEIS COGNITIVAS VARIÁVEIS DE FONTE DE INFORMAÇÃO VARIÁVEIS MOTIVACIONAIS Qualidade da Experiência: Amigos/ familiares Relaxamento e Fuga: Infra-estruturais gerais Hospedagem Transportes Restauração e oferta alimentar Limpeza e higiene Segurança pessoal Serviços sanitários Vida noturna Profissionalismo Hospitalidade Atendimento às necessidades básicas Documentos e notícias Aliviar as tensões e estresse Escapar das demandas do cotidiano Relaxar físico e mentalmente Escapar das multidões Quebra de rotina Excitação e aventura: Fazer coisas excitantes Buscar emoções Iniciar aventuras Passar bem Livros e filmes Artigos e revistas Folhetos e guias de viagem Operadoras turísticas Agências de viagem Publicidade do destino Internet E-mail direto do destino Variáveis Afetivas: Agrado/ Desagrado Estimulante/ Deprimente Relaxante/ Estressante Alegre/ Sombrio Conhecimentos: Atrações/ Atividades: Aprender coisas novas Vivenciar diferentes culturas e modos de vida Enriquecer-se individualmente Conhecer lugares novos Ir a eventos culturais Atividades de lazer Excursionismo Atividades marítimas Atividades desportivas Atividades culturais Orientação familiar das atividades Outros: Atendimento de expectativas Recomendação do destino Probabilidade de repetir a viagem Social e Prestígio: Encontrar com pessoas de interesses similares Fazer amizades Estar em lugares nos quais os amigos estiveram Praticar atividades novas Poder contar mais da viagem Meio ambiente e economia: Apreciação de Campanha Institucional: Preço de hospedagem Preço de alimentação Preço de atividades Preço de compras e survenires Clima Poluição Praias Paisagens Ambiente agrícola/ pesqueiro Variedade da fauna e da flora Populações e vida rural Vida urbana Lugares de interesse histórico e cultural Internet Mailing Folhetos Compreensão do texto Exatidão do descrito Qualidade das fotos e vídeos Apresentação geral Acesso Criação de motivos Adaptação às suas necessidades Facilidade de contato Capacidade de resposta Cultura e sociedade: Reputação do destino Forma de vida local Folclore/ Artesanato Comportamento amigável da população local Qualidade de vida Exotismo Fonte: Santana, 2009, p. 115. 45 Visto a técnica e a riqueza de possibilidades de discussão a partir de alguns vídeos, os documentários selecionados para compor a amostra que fazem referência a práticas sociais dos RESIDENTES, constituindo representações sobre a cidade. Na mesma medida, e diante da mesma técnica e argumento, vídeos postados no www.youtube.com.br por turistas entre os anos de 2007 e 2010 foram previamente selecionados para análise. A coleta de dados foi feita de forma direta, em contato com produtores do festival e/ou obras selecionadas (entrevistas, como pesquisa livre com temática “viagem a Natal-RN”, no site www.youtube.com). De posse do material, realizou-se uma leitura aleatória motivados em identificar a cenas de representatividade do que se quer discutir sobre Natal. A análise se deu a partir da técnica de apreciação livre de imagem levantada por Almont (1993), estudando as imagens ora de significação primária ou natural, ora de significação secundária ou convencional. A primeira está voltada para a imagem factual, revelando a obviedade da cena. Como por exemplo: imagem de uma comida feita de mandioca, servida acompanhada de um peixe. Todavia, a segunda corresponde a análise da imagem prezando agora pelo contexto, pelo referencial cultural da imagem. Podendo aqui exemplificar a imagem anterior apresentando a culinária típica de uma comunidade praieira da Redinha, referenciando os elementos culturais de elaboração e consumo local do prato. A exploração do material foi feita por análise temática exposta na tabela 01 (tema como unidade de registro) por consistir “em descobrir os 'núcleos de sentidos' que compõem a comunicação [...] o tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões e atitudes” (BARDIN, 1977, p. 105); assim consideram-se os temas por regra de apontamento na tabela e destaque nos discursos sobre a representação da cidade de Natal para envoltos nos vídeos, a partir de então, formular os núcleos de sentido emergentes da análise. De posse de todos os registros, organizou-se por proximidade temática para que fosse possível observar suas proximidades e disparidades de interpretação, para assim encontrar os indicadores de conteúdo que se mostravam mais significativos para a discussão. Por fim, focou-se em algumas unidades de registro por acontecimento, considerando as cenas que sensibilizaram na apreciação. A partir da delimitação das cenas selecionadas, procedeu-se ao agrupamento das mesmas no que se denominou de eixos de discussão, a saber: 46 1 – Periferia do Descaso e Periferia do Prazer e; 2 – Turistas e residentes – traços culturais e práticas de lazer distintas. Além da finalização com o mapeamento do que se concebe como o destino turístico “Cidade do Sol”. Tais estudos se fazem a partir da apreciação dos vídeos documentais:  As Ruas do Rio - Documentário de Cíntia Sá e Cláudio Martins (2009), exibido no Festival Goiamum Áudio Visual.  Colorido, áudio em português, duração de 19 min.  Redinha Arredia: o canto do poeta – Documentário de Carlos Tourinho (2007), exibido no Festival de Vídeo Potiguar.  Colorido, áudio em português, duração de 9 min. e 48 seg. Além dos vídeos de registro de viagem:  Natal (RN) – postado por ESTEVANPAIVA (2007)  Colorido, compilação de fotos, duração de 7 min. e 14 seg.  Noite de Ponta Negra – postado por CIJAMEJR (2007).  Colorido, áudio em português, duração de 1 min. e 13 seg.  Praia de Ponta Negra – Natal (Brazil) – Poluição – postado por GERSONLMARTINS (2007).  Colorido, áudio em português, duração de 1 min. e 35 seg.  Spiaggia brasiliana di Ponta Negra – postado por ALESENESE (2007)  Colorido, áudio em português, duração de 3 min. e 51 seg.  CREU!!!! CHE FISICO!!!!!, postado por TMARKINO (2008)  Colorido, áudio em português, duração de 08 seg. 47  Férias em Natal/ 2008 – postado por FORMARADICAL (2008).  Colorido, áudio em português, duração de 9 min. e 01 seg.  A rainha do queijo da praia de Ponta Negra – postado por JULIBABA (2009).  Colorido, áudio em português, duração de 1 min. e 59 seg.  Festa traamicialcabaretazucardipontanegra natal – postado por SAULAMBROSI (2009)  Colorido, áudio de musica eletrônica, duração de 33 seg.  Férias em Natal RN – postado por DENISEPERIN27 (2009).  Colorido, compilação de fotos, duração de 4 min. e 42 seg.  Férias em Natal – postado por VLADQUINTO (2009).  Colorido, áudio em português, duração de 8 min. e 38 seg.  Natal-RN – postado por SIM27 (2009).  Colorido, compilação de fotos, duração de 7 min. e 08 seg.  natal-rn – postado por DEDECA22 (2009).  Colorido, compilação de fotos, duração de 7 min. e 58 seg.  Saindo de Natal/RN – postado por ANDREYMICHEL (2009).  Colorido, áudio em português, duração de 2 min. e 27 seg.  PRAIA DE PONTA NEGRA (NATAL) – postado por MATRICHAO (2009)  Colorido, áudio em português, duração de 2 min. e 36 seg.  Vai Ciccio – postado por DANIELEGOSTOSO (2009)  Colorido, áudio em português, duração de 3 min. e 59 seg. 48  Azucar em Ponta Negra Natal RN (2) – postado por CORAÇÃOBRASILEIRO (2010).  Colorido, áudio em italiano, duração de 59 seg.  Ponta Negra, Vida da praia de Ponta Negra, Meninas Lindes 1 2 – postado por CORAÇÃOBRASILEIRO (2010)  Colorido, áudio em português, duração de 9 min. e 34 seg. Os dois eixos citados referem-se à sequências de vídeos - que mais parecem um mosaico - um retrato ao mesmo tempo dinâmico e confuso - são leituras midiáticas construídas no cenário da cidade de Natal-RN nos últimos anos, sendo os feitos por turistas fruto da necessidade de divulgação de sua viagem (via Internet), e do status que essa experiência promove, sendo os filmes documentais exibidos em festivais de vídeos locais, tornando-se, em apreciação discursiva dos próprios residentes - todas voltadas direta ou indiretamente a questões de segregação sócio-espacial. Com relação aos documentários, o volume de produção fílmica na cidade intensificou- se na última década devido alguns incentivos fiscais à cultura (Lei Câmara Cascudo, por exemplo) e projetos acadêmicos e sociais (festivais e oficinas de vídeo como o Festival de Vídeo Potiguar, o Projeto Goiamum Áudio Visual, Cine Sesi Cultural entre outros), mas principalmente pela criação de cursos universitários na área de audiovisual (radialismo, publicidade, cinema, sendo grande parte dos vídeos exibidos nos festivais produções de estudantes e professores), e facilidade de manipulação e acesso da população a tecnologias midiáticas (câmera digital, celulares, software de montagem e edição de vídeo), além do interesse dos próprios moradores em registrar, ora ovacionar, ora denunciar questões do seu cotidiano citadino. Tais enredos, ao delatar em seus filmes experiências comuns ao dia-a-dia do homem local, parecem formalizar em suas óticas, representações acerca da sua pertença à cidade. Assim, na condição de mimese do contexto social onde foram desenroladas (convívio com o espaço), essas obras (assim como as de registro) referenciam os roteiros a experiência imagética, o olhar sobre esta cidade - impregnado de lembranças, relações sociais e 49 significados. Desta forma, se viabiliza aqui o cinema como instrumento “multidimensional” (SILVA, 2008, p. 36) para desenvolver reflexões sitiados no centro urbano Natal-RN. A partir do interesse de utilizar o instrumento cinematográfico como representação, permite-se aqui o diálogo entre as representações apreendidas entre o olhar local e turístico, elaborando um discurso conceitual – a partir de um imagético (DELEUZE, apud MACHADO, 2009) sobre o destino – a moderna cidade de Natal. Mas como falar da cidade moderna, que as vezes está deixando de ser moderna e de ser cidade? O que era um conjunto de bairros se espalha para além do que podemos relacionar, ninguém dá conta de todas as ofertas materiais e simbólicas desconexas que aparecem. (CANCLINI, 2006, p. 20) Filmes construídos e narrados pelos próprios nativos ou residentes, (assim como os montados pelos turistas, pode-se dizer assim), são uma alternativa recorrente de antropólogos que querem aproximar seu olhar inicialmente “distanciado” por sua própria experiência de vida, pela carga cultural que traz consigo. Dessa forma, acredita-se que dando voz e capacidade de criação ao sujeito, se corre menos risco de cair sobre uma interpretação daltônica, distorcida da realidade do grupo, este que - dependendo da técnica - muitas vezes não se reconhece discursivamente no vídeo. Acerca disso, Macdougall (1995, p.100) alerta: “os filmes são claramente importantes para as pessoas filmadas quando têm implicações práticas ou simbólicas para eles [...] são moldados tanto pelas estruturas nas quais estão inseridos, quanto pela forma e intenção a que se propõem”. Sendo assim, de maneira simplista – pode-se dizer – que esses filmes, na medida do possível, refletem ao mesmo tempo pertencimento às representações sócio-espaciais, assim como uma proposição alicerçada nos interesses que os sujeitos filmados querem delatar. Segue-se assim a indicação de Laraia (2008): analisar o grupo a partir do sistema a que o mesmo pertence – CONTEXTO. E esse talvez seja o maior obstáculo do pesquisador das ciências sociais, compreender a dinâmica, e inserir-se neste sistema, visto que com a análise fílmica é preciso ultrapassar três barreiras polissêmicas: o que o sujeito filmado revela e oculta em seu discurso (sendo a própria ocultação um traço importante na análise), o direcionamento e postura estética que o diretor do documentário (ou de registro) quer exibir, e 50 por fim o olhar do pesquisador que interpreta a interpretação do pesquisado (filme e sujeito), que assim como o estudioso, sofre inúmeras influências não somente de caráter técnico, mas também estético, cultural e ideológico, sendo o filme “não considerado como uma expressão (fidedigna), e sim a manifestação da relação nos filmes entre os cineastas e o povo” (BERNADET, 2003, p. 9). Ainda sobre as observações de MacDougall (1995) – apesar de suas obras tratarem mais especificamente de trabalhos antropológicos e comumente realizados em grupos isolados, e normalmente exóticos ao olhar ocidental. Quando se remete ao estudo de cidades, e neste contexto de globalização e pós-modernidade, a representação fílmica apresenta um desafio ainda maior para garantir um entendimento de representação do real – não apenas pela locação, mas também pela grande diversidade, fluidez e mutação dos conflitos, símbolos e imaginário que cercam os muros da cidade turística de Natal-RN, não podendo ser compreendida numa totalidade única, integrada por funções sistemáticas, uma cultura comum, conflitos entrecruzados ou uma autoridade global, mas consistindo em um conjunto de espaços de jogos relativamente autônomos que não podem ser remetidos a uma lógica social única, seja aquela do capitalismo, da modernidade ou da pós-modernidade. (BOURDIEU, 2002, p.66) Esta cidade, assim como as demais de um país-continente em desenvolvimento, é cheia de tradições, contrastes, conflitos e SEGREGAÇÕES de origem interna, como externa (mercado turístico). E que ao ter uma câmera colocada à disposição de sua população (e de quem a visita) possibilita a manutenção da memória coletiva - manifestada excepcionalmente no cotidiano das pessoas (ORTIZ, 1985). Como também, a saliência das diferenças reais, e sucumbência de estereótipos do “olhar ocidental” sobre os subalternos abaixo do Equador, representados frequentemente por filmes, literaturas, anúncios publicitários e outras linguagens promovidas pela visão reducionista eurocêntrica (modo irregular da representação européia da alteridade (BHABHA, 2007, p.105)). Natal-RN é vista atualmente como uma cidade turística em ascensão, estando em destacável posição entre as cidades mais visitadas do Brasil, posição essa devido não apenas às belezas naturais (Pesquisa FIPE de Demanda Turística, 2008), e especulação imobiliária 51 que possui, mas também a aspectos sociais e infraestruturais. Essa cidade da experiência turística díspar e separada da vivida pelo residente vem sendo edificada nas 3 últimas décadas, e é fruto de uma política pública que buscou criar um entorno turístico adequado (estruturação especificamente dessas áreas), e não a cidade de Natal como um todo. Essas ações preenchem a lacuna do “produto turístico” - interesses do empresariado - e parte da elite local que usufrui dessa área (FURTADO, 2008). Entretanto, em outra medida, ao não atender às expectativas e necessidades de grande parte dos residentes (crescentes áreas de favelização na periferia, problemas de saneamento, transporte, desemprego e violência), essa estruturação para atender ao turismo separa a cidade em duas, sendo essa segregação refletida até mesmo nas práticas de lazer e expressão cultural. Analisar essas imagens cinematográficas permite entendê-las como um artefato importante para interpretar o sistema social e relações espaciais (BARBOSA; CUNHA, 2006, autores da Antropologia Visual), promovendo o principal interesse desta imagem para as ciências sociais: “analisar a situação sócio-histórica que o produz” (BALANDIER, apud, CUCHE, 1999, p.143). Após esta breve fundamentação teórica focando na cidade de Natal, torna-se possível adentrar na realidade dos vídeos que: retrata a história visual de uma sociedade, expressa situações significativas, estilos de vida, gestos, atores sociais e rituais e aprofunda a compreensão de expressões estéticas e artísticas. Nesse caso, o que está em jogo é a análise de imagens e discursos visuais, produzidos no âmbito de uma cultura, como uma possibilidade para dialogar com as regras e os códigos dessa cultura. Imagens podem ser utilizadas como meio de acesso a formas de compreensão e interpretação das visões de mundo dos sujeitos e das teias culturais que eles estão INSERIDOS. (BARBOSA; CUNHA, 2006, p. 53, grifo nosso) Esses filmes - fruto dos mais diversos interesses (técnico, acadêmico, de denúncia, jornalístico, de registro, lazer etc.) - por mais que não tenha um compromisso antropológico (etnográfico) ou sociológico - um método de pesquisa arquitetado, ou proposta de aprofundar reflexões, e entendimento do “outro” (distanciamento) - forma um acervo rico de experiências que referenciam também a memória, captação do imaginário e um conflito social silencioso: segregação entre turista e residente. E quando compreendido a partir de uma análise de 52 narrativas áudio visuais, articula, sinaliza e trafega por processos sociais entrelaçados muitas vezes em uma única tomada (KELLNER, 2001). Capacidade que outras formas de apreender a realidade de Natal-RN talvez não permitiria com tanta síntese, rapidez e possibilidades (polissemia). 53 02. NATAL/RN: ENTRANDO NO TRAJETO DO TURISMO NACIONAL E INTERNACIONAL 54 02. NATAL/RN: ENTRANDO NO TRAJETO DO TURISMO NACIONAL E INTERNACIONAL Fundada ainda no período das chamadas Coroas Ibéricas (1580-1640), sendo local de apoio, defesa de território, fluxo e escoamento das primeiras navegações portuguesas ainda no século XVI, a cidade de Natal, que foi instituída em 25 de dezembro de 1598 após a conclusão da Fortaleza dos Reis Magos às margens do Rio Potengi, teve antes da chegada dos portugueses, como primeiros habitantes os índios Potiguares. Estes que, inicialmente pouco adaptados e bastante hostis a presença dos lusitanos, foram perdendo território, ora migraram, ora se miscigenaram, quando não, foram exterminados pelos colonizadores portugueses em batalhas que contaram também com personagens-exploradores franceses e holandeses em diversos períodos da história colonial do RN. Na condição de cidade sede da capitania hereditária do Rio Grade da colônia de Santa Cruz (Brasil), Natal tem seu contexto histórico marcado por um desenvolvimento lento, atrelado a sua posição de pouco destaque na colônia, servindo no primeiro momento como ponto de controle de território apossado pelos portugueses. As atividades econômicas durante os primeiros séculos voltaram-se para a negociação e distribuição (portuária) da cana-de- açúcar, da pecuária, atividade pesqueira, e da cotonicultura (CASCUDO, 1984). Cultura essa última que emerge a partir do século XVIII no Rio Grande do Norte, e que nos séculos seguintes (principalmente durante o século XX) promoveu também a criação de pólos industriais de produção têxtil. Apenas nas últimas décadas do século XX o fenômeno turístico passa a ser visto como impulsionador da economia local, que anteriormente estava alicerçada no comércio local, nas bases militares e desenvolvimento da indústria têxtil (que sinalizava passar por uma crise), possibilidade de criação de empregos, arrecadação, distribuição de renda e desenvolvimento. O desenvolvimento (conceito conflituoso observado nesta investigação) mais exclusivamente evidenciado pelas mudanças infraestruturais (espaciais), socioculturais, econômicos (paradoxais e conflitantes), que dão ao turismo e sua ação sobre o urbano posicionamentos de 55 encantamento, como também de incerteza sobre sua função de desenvolvimento “libertador”5 (SEN, 2000). Com as coordenadas geográficas 5° 12‟ 42” de latitude e 35° 12‟ 34” de longitude oeste (Mapa 01), mais precisamente cravada sob a costa oriental do estado do RN (aspecto determinante para o apelo turístico atual), o município de Natal conta com uma área de 169,9 km² e cerca de 803.811 habitantes (IBGE, 2010). A vegetação ainda presente é de característica dunar com elementos da Mata Atlântica e ecossistemas de manguezal, sendo a cidade cortada pelos rios Potengi (importante estuário que historicamente contribuiu para o escoamento e chegada de produtos e habitantes) e Pitimbu. Com temperatura média anual de 26°C (fator também determinante para a prática de turismo binário sol & praia), extensa área litorânea composta por praias que, em parte, compõem o cenário – produto turístico conhecido nacional e internacional Cidade do Sol, Natal na égide do turismo, vem transformando-se espacial e socialmente de maneira bastante rápida, resultado da necessidade de adequação a pressão dos processos socioeconômicos de âmbito global, especialmente quando se trata da atividade turística fundamentada na diferenciação, no uso e no consumo do território. Nesse contexto, ressalta-se a valorização do espaço litorâneo do Nordeste brasileiro (inclui a cidade de Natal), que, a partir dos anos 1990, começou a atrair investimentos internacionais motivados por políticas públicas de turismo implementadas na região. (FERREIRA; SILVA; FONSECA, 2009, p. 117). (parêntese nosso) Essas mudanças, que vêm alterando a imagem da cidade – principalmente nos espaços de trato do turismo – surgem da pressão global e de olhar sobre o potencial de negócio privado na cidade. Mas foi e é o poder público o grande articulador de ações e políticas (programas de financiamento e crédito) que abriu espaço para a trajetória do turismo em Natal nos últimos 50 anos, sempre o considerando enquanto discurso, a atividade como saída para os problemas de crescimento populacional e desemprego, falta de arrecadação e declínio da atividade industrial na região. 5Conceito de Desenvolvimento – com liberdade - desatrelado a ideia de crescimento unicamente econômico, mas que envolva outros elementos, principalmente os sociais de qualidade de vida, estendendo-se por participação pública nas decisões de governo, benefícios diretos e valorização do povo. 56 57 A atividade turística como setor orientado politicamente de maneira estruturada no Brasil surge na primeira metade do século XX. Porém o marco inicial para a atividade que se desenvolveria e tornaria a capital potiguar em um destino turístico se dá apenas a partir da década de 1960, quando se tem registro do primeiro equipamento turístico em Natal que tinha como cenário a praia – atualmente seu principal elemento captador de visitantes. No ano de 1965, foi inaugurado na praia do Meio (principal praia urbana da época e turística posteriormente) o Hotel Internacional dos Reis Magos (Figuras 02 e 03). Resultado da iniciativa do então governador Aluísio Alves, o projeto de construção contou com recursos da Aliança para o Progresso, do BID (Banco Interamericano para o Desenvolvimento) e do Governo Federal, através das ações da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), órgão este que, visando minar a desigualdade socioeconômica presente no país, nortearia também outras ações fundamentais para a adequação infraestrutura da cidade para o turismo. Figura 02 – Hotel Internacional Reis Magos na década de 1960, Natal-RN Fonte: www.natalguia.com.br, acessado em 10 de Janeiro de 2011. 58 Figura 03 – Imagem Panorâmica vista da Ladeira do Sol durante a década de 1960, destacando o Hotel Internacional Reis Magos e a orla da praia do Meio - Av. Circular, hoje chamada de Pres. Café Filho, Natal-RN Fonte: www.natalguia.com.br, acessado em 10 de Janeiro de 2011. Com requinte e qualidade nunca vistos na cidade de Natal, o estabelecimento torna-se referência de hospedagem e lazer (visitantes e elite local), posição que antes era do Grande Hotel, localizado no bairro da Ribeira (Bairro Portuário). Este que representava uma estrutura hoteleira mais voltada para “dentro” da cidade (empresários, políticos e militares) e não para o litoral, que agora estava sendo explorado para a formação do que hoje se conhece como principal produto turístico Natal: a praia. Dando continuidade ao processo de “turistificação”, se pode apontar a criação no ano de 1971 da EMPROTURN, órgão de instância estadual que tinha como disposição o alavanque do setor ainda incipiente do turismo no estado. Elegendo a motivação turística do binômio Sol & Mar como principal elemento a ser difundido, o órgão buscava investigar maneiras e fomentar a atividade no Rio Grande do Norte, principalmente na região da Grande Natal, inventariando e divulgando os atrativos desse novo destino. 59 Em paralelo, e de certa forma “arrumando a casa” para a prática da atividade, durante a década de 1970, Natal participa do programa federal Cidade de Porte Médio, recebendo incentivos para obras para melhoramento de vias, ações de drenagem, transporte, e até mesmo desenvolvimento de artesanato (FURTADO, 2008). E ao se mostrar mais modernizada, principalmente em áreas de elite, mune a cidade de elementos estruturais relevantes para a atividade turística de fluxo nacional que aos poucos se apresentava. Porém, é apenas no final dessa década que talvez a página mais importante do desenvolvimento do turismo é lida. Mesmo considerada uma obra polêmica ambiental, social e economicamente, é inaugurada a emblemática Via Costeira (projeto Parque das Dunas Via Costeira, elaborado pelo decreto n° 7.538 – Figura 04). Essa obra ligava através de uma estrada litorânea o centro da cidade de Natal e a então praia de veraneio Ponta Negra. Para além da estrada, o projeto contava com incentivos para a construção de um pólo de hotéis de luxo à margem da via, que se localizava em área de preservação ambiental – Parque das Dunas. No que se refere ao crescimento do turismo, a construção da Via Costeira foi um marco inicial para lançar de vez Natal no competitivo mercado nacional (e posteriormente internacional) de turismo. Assim, não se pode negar que a Via Costeira se constitui do primeiro grande empreendimento turístico da cidade que envolveu governos e empresas privadas. (FURTADO, 2008, p. 146) A partir da política de Mega Projetos, que correspondia “a prática de implantação de grandes projetos turísticos, levando a cabo por governos de 7, dos 9 estados nordestinos, cada qual agindo no âmbito estadual” (CRUZ, 1999, p. 264), o governo do Rio Grande do Norte no ano de 1979 deu início, com recursos do II Plano Nacional de Desenvolvimento, a esta obra que seria entregue apenas no ano de 1983, e que pretendia dotar a cidade de um sistema hoteleiro com maior quantidade de leitos e mais sofisticados, buscando tornar a cidade mais competitiva no cenário turístico interno e externo, financiando o fomento da atividade e dando crédito para as empresas que queriam investir no ramo. 60 A implantação do Projeto Parque das Dunas Via Costeira só pode ser compreendida, portanto, segundo sua contextualização, que envolve, de um lado, o desejo da iniciativa pública em desenvolver o potencial turístico do Estado através de sua capital e, de outro, a pressão urbana do município de Natal sobre um trecho de sua orla de localização bastante valorizada e, até então, não integrado à cidade (CRUZ, 1995, p. 42). Figura 04 – Imagem aérea recente de parte da Via Costeira, Natal-RN Fonte: www.eit.com.br, acessado em: 27 de dezembro de 2010. Dando continuidade a um processo de investimentos e políticas públicas que muniram os espaços potencialmente turísticos de recursos para o andamento da atividade, surgem outras iniciativas, destacando-se o PRODETUR/NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo) iniciado em 1995. Esse programa, apesar de imprimir objetivos de melhoria da qualidade de vida da população através do desenvolvimento do turismo, em sua primeira etapa (1995-2002) se caracterizou na região costeira do RN, principalmente na Grande Natal, através de uma ação eminentemente de melhoria da infraestrutura, apresentando-se como uma política pública urbana. Dentre as ações pode-se elencar ampliação e modernização do Aeroporto Internacional Augusto Severo (Município de Parnamirim), pavimentação de vias (Rota do Sol, sentido 61 litoral Sul, e prolongamento da BR 101 até o município de Touros), saneamento, áreas de lazer, como é o caso da urbanização da praia de Ponta Negra (Figura 05), obra iniciada em 1999 e entregue no ano de 2002. Figura 05 – Orla reurbanizada da praia de Ponta Negra, Natal-RN Fonte: www.picasaweb.google.com, acessado em 03 de Janeiro de 2011. A segunda etapa do PRODETUR ainda está em andamento, e para além de buscar melhoramento infraestrutural (Aeroporto Internacional de São Gonçalo, por exemplo), atendeu também a programas de qualificação profissional, principalmente nos municípios que fazem parte do Pólo Costa das Dunas (outro exemplo de instrumento político atual de fomento coletivo e articulado de municípios turísticos), do qual Natal faz parte. Essa segunda etapa do programa marca o olhar público não apenas para a ordenação do entorno para atender a atividade turística, mas também do fator social, da força de trabalho para a execução de serviços, oferecendo cursos de garçom, cozinheiro, auxiliar de turismo pontual, recepcionista, organizador de eventos, artesanato, entre outros (cerca de 7.766 pessoas qualificadas este ano – dados cedidos pelo SENAC, 2010). Em paralelo a esse projeto de urbanização da orla de Ponta Negra (Figura 06), o próprio bairro, diante também do acesso facilitado pela Via Costeira, apelo paisagístico, 62 estrutura periférica (sofisticação, ordenamento e segurança superiormente discrepante de grande parte do resto da cidade) recebeu olhar de investimento privado nacional e estrangeiro, transforma-se rapidamente para atender o turista brasileiro, mas também o cada vez mais frequente e esperado, o capitalizado turista estrangeiro (europeu). Figura 06 – Vista panorâmica da infraestrutura e serviços oferecidos na praia de Ponta Negra, Natal-RN Fonte: www.pbse.com.br, acessado em 02 de janeiro de 2011. Com a criação de infra-estrutura repleta de restaurantes com cardápios cada vez mais internacionais, hotéis das mais diversas categorias e preços, pousadas, nightclubs, casas de cambio, centros de artesanato e Shopping Centers, e expandindo e consolidando essa região (Bairro de Ponta Negra e Via Costeira e escoamento facilitado tanto para o litoral sul, como norte – construção da Ponte Newton Navarro – Figura 07) como centro exclusivamente turístico, receptor de turistas brasileiros e estrangeiros (processo crescente de investimento internacional e fluxo estrangeiro através de vôoscharters europeus e efetiva divulgação internacional do destino). 63 Figura 07 – Ponte de Todos Newton Navarro – Redinha-Ribeira, Natal-RN Fonte: Banco de Dados do Autor, 2010. Entretanto o que se pode perceber é que tanto as obras quanto os benefícios oriundos do fomento da atividade é segmentado e o “bem-viver” experienciado nessa região, a segmenta espacial e socialmente e torna díspar de grande parte da cidade, fracionando o urbano em: turístico, para elites e para maioria pobre (FURTADO, 2008). A quem comunga da ideia de que “as alterações que acontecem nesses espaços afetam paradoxalmente a população residente: se de um lado, o turismo é um potencial gerador de postos de trabalho e consequente ativador das economias, por outro, se constitui em um forte mecanismo de exclusão socioespacial”. (FURTADO, 2008, p.20). E esse impacto último pode ser refletido em dados de imprópria distribuição de renda, discrepância nas condições de saneamento básico, estatística de pobreza e segurança, entre outros aspectos preocupantes observados em toda a Região Metropolitana de Natal. Numa síntese geral da realidade socioeconômica da Região Metropolitana de Natal, seria possível afirmar que há processos de segmentação e segregação socioespacial e de exclusão social desencadeados por essa segregação socioespacial revelados pela situação de pobreza que se faz presente em toda a região. Mesmo em Natal, onde os indicadores sociais são melhores, essa realidade é marcante na sua realidade social. (CLEMENTINO; PESSOA, 2009, p. 84) 64 A maioria desses benefícios estruturais, acentua a indagação dessa investigação:  A outra periferia da cidade (Ponta Negra também pode ser espacialmente considerada como periferia) se reconhece assistida por programas estruturais e sociais como os que ocorrem na região turística?  O processo de turistificação de espaços promoveu o afastamento/impedimento da população local de áreas públicas de lazer onde hoje se concentram os serviços turísticos? Para onde vão essas pessoas? Fazendo um apanhado sucinto da trajetória da atividade turística na cidade de Natal, e reconhecendo sua evolução, como também as contradições entre o que o turista vive e grande parcela da população vive, é possível agora sinalizar para os aspectos de segregação socioespacial oriundos dessa atividade, levando em consideração não aspectos graduais de desenvolvimento ou involução social, mas a discrepância entre visitantes e visitados, indo comparar o que existe de mais extremo entre esses dois grupos: as duas mais díspares periferias, as regiões de lazer mais distintas, além elementos culturais explicitados. 65 03. CAMINHOS ENTRE O RIO - MAR: RESIDENTES E TURISTAS EM ZONAS DÍSPARES 66 03. CAMINHOS ENTRE O RIO – MAR: RESIDENTES E TURISTAS EM ZONAS DÍSPARES Sapatos magnificamente lustrados e brilhantes tornam-se sujos quando colocados na mesa de refeições. Restituídos ao monte dos sapatos, eles recuperam a prístina pureza. Uma omelete, uma obra de arte culinária que dá água na boca quando no prato do jantar, torna-se uma mancha nojenta quando derramada sobre o travesseiro. (BAUMAN, 1998, p. 14) Enaltecer o que existe de mais belo, organizado e confortável é talvez o propósito primeiro do fenômeno turístico. Apontar as mais belas praias, os mais confortáveis meios de hospedagem, fornecer uma série de agradáveis restaurantes e demais serviços turísticos, todos entornados por um sistema de segurança adequado, vias bem iluminadas, sinalizadas e pavimentadas, é emprestar à demanda turística o melhor que a infra e superestrutura de um destino tem a oferecer. Porém esse “empréstimo” ultrapassa a condição de retorno, de compartilhamento com o residente. Requer em muitos casos a “entrega” de espaços da cidade ao fenômeno. Na mesma medida que é possível vislumbrar, ao tom de discrepância recorrente, outras realidades também “entregues”, mas agora a uma perturbadora biografia socioespacial. Pode-se encontrar a alguns quilômetros desse centro de oferta turística (bairro de Ponta Negra e entorno) uma realidade totalmente distinta, que faz elevar uma reflexão acerca da necessidade de uma visão estratégica do urbano e ações de enfrentamento dos conflitos sociais no seio da cidade (CLEMENTINO, 2002). Para além, a reflexão questiona o envolvimento do residente, de onde e como estão sendo feitos os investimentos governamentais, onde e como vive aquele personagem mais aquém do luxuoso espaço turístico. Personagem esse que representa uma significativa camada da sociedade desconhecedora do setor contraditoriamente mais importante da cidade de Natal-RN - turismo. Atividade que parece se articular sem compreender o principal objetivo do termo “desenvolvimento”, que: passa pelo fomento de programas para transformá-la (cidade), cujos projetos são complementares e articulados, contemplando diversas atividades econômicas, tais como agricultura, pesca, artesanato, pequenas indústrias, lazer e turismo, dentre outras, favorecendo créditos para microempresas, e, 67 sobretudo, visando ao crescimento e à participação das pessoas (CORIOLANO; SILVA, 2005, p. 140) independente de seus papel no processo produtivo. Sendo assim, é indispensável rever a capacidade transformadora (desenvolvimentista) do turismo, que prega tantos aspectos positivos no âmbito da cidade, mas que em muitos casos não se estende para além da região onde se instala, esquecendo as condições de vida que em nada se parecem com a experiência turística, e que estão a poucos quilômetros de distância, as vezes ao lado, no mesmo espaço citadino. Desta forma, este capítulo busca estabelecer uma comparação incomum (extremos espaciais e sociais de Natal), mas fazendo uma apreciação da capacidade centralizadora de recursos e de retorno em benefícios para um único espaço, a partir do planejamento governamental desigual e gerador de contrastes, instrumentalizados por políticas públicas que muitas vezes obedecem apenas o mercado imobiliário/turístico. Essa situação “enfatiza a necessidade de que os governos locais, em conjunto com entidades da sociedade civil, interfiram na dinâmica econômica e construam projetos capazes de gerar um maior dinamismo das atividades econômicas e maior redistribuição da riqueza e da renda” (SANTANA, 2009, p. 122). Não sendo assim, relega-se num planejamento desigual - que deveria ser estendido e reconhecido por toda a comunidade – áreas que se encontram sob uma ordem social decadente, pobre, conflituosa e sem perspectivas, enfraquecida pelo sistema que deveria incluí-la, e que, no caso a seguir vem a tê-la ora como ameaça (marginal), ora como inexistente (desconhecida). Natal aqui será estudada a partir do entendimento de periferia espacial, da compreensão de extremos geográficos da cidade (Mapa 02), visto que tanto o bairro de Ponta Negra e entorno, como a comunidade Novo Horizonte estão bordeando a cidade de Natal. Todavia, não apenas desse extremo geográfico se destacará, mas também da ideia de periferia sob a égide do social, de baixos índices de qualidade de vida, de periferia entendida como área dos menos abastados. Para além, vê-se a periferia como local onde residem pessoas com excelente condições de vida e acesso a serviços sofisticados. Essa definição de periferia comunga da simplificação das palavras de Paviani (1996, p. 86), que explica existir esses dois tipos de periferia: “aquelas que são ocupadas pelos destituídos e as que são ocupadas pelas classes privilegiadas”. 68 69 Novo Horizonte como periferia favelizada, e Ponta Negra como periferia elitizada (nesse caso pelo turismo), representantes dos conflitos da cidade contemporânea, e da “globalização”, que não deve ser encarada como responsável por todos os conflitos atuais em âmbito local e mundial, mas a maneira como a globalização é tratada é que deve ser entendida como o vilão de todos os entraves sociais (CORIOLANO; SILVA, 2005, P.158). Compreende-se que não está no turismo em si, mas na “forma como o turismo é explorado, ou como se dão as relações sociais de produção, isso é que vai determinar se distribui ou concentra renda”, e resulta não apenas em qualidade do produto turístico vendido, mas também da qualidade de vida de TODO o grupo que no destino vive. Ao invés disso, Natal se mostra como “uma cidade que se tornou através dos anos um palco segregado, onde diversos atores sociais procuram delimitar seus espaços.” (COSTA; MARINHO, 2008, p. 446) A comparação aqui se fará a partir dos vídeos de registro de viagem ao destino Natal-RN (Figura 08) e que foram postados no www.youtube.br entre os anos de 2007 e 2010. Figura 08 – Turista no Calçadão da praia de Ponta Negra Fonte: vídeo natal – RN 2, 2009. Para fazer comparação com os vídeos de registro turístico, têm-se o documentário “As Ruas do Rio: vidas reais ao redor de um rio morto”, produção local idealizada por dois 70 professores (Cláudio Martins e Cíntia Sá) a partir do projeto de inclusão social PROJOVEM, que desenvolve um trabalho fora do ensino regular, onde os alunos recebem uma instrução pra conclusão do ensino fundamental e iniciação profissional. Tal vídeo foi desenvolvido no bairro das Quintas, mais precisamente na comunidade de Novo Horizonte (região oeste de Natal), nome dado a alguns anos, após obra de canalização do rio que corta a comunidade (rio das Quintas ou rio das Lavadeiras – Figura 09). Apesar do novo nome – também conflituoso – a comunidade ainda é estigmatizada por ter sido batizada no passado por populares como “Favela do Japão” (Figuras 10 e 11). Esse apelido sofrível que poderia refletir alguma característica de região distanciada da realidade da cidade, de região abaixo das demais, segundo morador (José Alves), surge de um dos seus principais e mais antigos problemas, a desordem estrutural: Aqui só havia buracos, cada vez que chovia os buracos aumentavam. A cratera aumentava. Por ser morro, a chuva tinha facilidade de remover aquela areia e cavar. Ia passando um senhor de idade, olhou assim para aquelas crateras e falou: - Se continuar assim vai sair no Japão. E o pessoal antigamente tinha a impressão que o Japão era debaixo da terra. Daí os populares ouviram e foi de onde surgiu o nome Japão. E quando a proporção da favela aumentou deu-se a marca de favela do Japão. (José Alves, morador) E é sobre a formação, a origem dessa comunidade carente que tal vídeo se enreda, sendo resultado de um trabalho integrado entre professores e alunos, que entrevistando moradores do bairro, e se utilizando de tais depoimentos, acrescidos de reproduções imagéticas do presente e do passado do lugar, revelam através principalmente da oralidade, uma história rica e nunca antes registrada. O enredo escandaliza pelo contexto de exclusão social extrema, miséria, insuficiência de serviços de educação, saúde, e segurança além de atos de violência, tráfico de drogas e impacto ambiental grave sobre o rio das lavadeiras (canal largo de esgoto a céu aberto) que corta a comunidade e inspira o nome do documentário. 71 Figura 09 – Abertura do documentário com imagem do canal ao fundo Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Figura 10 – Fotografia antiga que registra a comunidade antes da obra do canal Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. 72 Figura 11 – Fotografia da comunidade durante a obra de edificação do canal Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. O cotejo dos vídeos de registro de viagem a Natal e o documentário anteriormente citado se deu a partir de alguns “Atributos de Imagens Aplicadas aos Diferentes Atores do Destino” (SANTANA, 2009), que aqui serão abordados não apenas na perspectiva turística, mas também sobre o olhar do residente, através do documentário. Os aspectos que serão analisados, e que podem formalizar uma discussão sobre segregação atendendo ao objetivo que é de comparar as relações socioespaciais, estão apresentados em tabela a seguir: 73 Tabela 02 – Atributos analisados comparativa entre Região Turística e Comunidade de Novo Horizonte VARIÁVEIS COGNITIVAS VARIÁVEIS DE FONTE DE INFORMAÇÃO Qualidade de Experiência: Variáveis Afetivas: Infraestrutura Geral Hospedagem/ Moradia Transportes Limpeza e Higiene Segurança Pessoal Serviços Sanitários Estimulante/ Deprimente Relaxante/ Estressante Alegre/ Sombrio Atrativos/ Atividades: Atividades Esportivas Meio Ambiente e Economia: Paisagens Vida Urbana Cultura e Sociedade: Reputação do local Dentre os aspectos analisados na coluna das Variáveis Cognitivas pode-se elencar, na posição de Qualidade de Experiência, os itens: 74 3.1.Do Japão à Miami: infraestrutura geral Ao se destacar os aspectos infraestruturais da comunidade de Novo Horizonte, o que se evidencia durante todos os 19 minutos de documentário é uma área carente de pavimentação, iluminação adequada, sistema elétrico desorganizado, ruelas desordenadas, apenas uma instituição governamental – que é a Escola Municipal Professora Angélica de Almeida Moura. A precariedade desses aspectos desenha uma região de favelização (Figura 12). O cenário é complementado pela existência do córrego do rio-esgoto, que segundo um dos idealizadores do vídeo, ainda apresenta nascentes de água limpa, mas que inevitavelmente se misturam aos dejetos de toda uma região que é no rio jogado (canal que leva o esgoto de parte da região oeste da cidade, e onde é despejado parte do lixo da própria comunidade). Figura 12 – Panorama de parte da comunidade de Novo Horizonte Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Um traço importante dessa região é o fato de que ao falar “das ruas do rio, a gente tem a ideia das ruas serem pavimentadas, retas e o rio ser tortuoso. E ocorre o contrário, todas as ruas da comunidade são tortuosas, e o próprio rio ele é canalizado, ele é reto” 75 (professor Cláudio Martins). Assim, pode-se fazer uma reflexão sobre a ação do planejamento governamental no local, que se dá de maneira direta, de cima pra baixo, objetiva, cortando a comunidade. A obra auxiliou os moradores no que tange ao antigo problema de transbordamento do rio no período de chuva. Entretanto, a única obra de grande porte nessa região não ocorreu de maneira completa, levando em consideração o re-ordenamento não apenas do trajeto do rio, mas também o ordenamento das ruas que o margeiam. Ou seja, o poder público realizou obra na comunidade, visando atender parte da necessidade da região oeste de Natal. Mas os problemas de infraestrutura geral - moradias em áreas de risco de desabamento, problemas de saúde pública (proliferação de insetos, doenças motivados por canal aberto em quase todo o seu percurso – Figura 13), entre outros - não foram contemplados pelo governo. Agora tudo como mudou, a melhora que houve aqui, eu mesma não gostei. Porque no antigamente esse rio era um rio muito limpo. Tinha aquelas duas carreiras de pedra. Todo mundo lavava roupa. Aquela água limpa, aquela coisa maravilhosa. Então a gente nesse tempo não tinha água saneada aqui nesse bairro, era tudo uma pobreza mesmo, mas era lindo. (…) Hoje a gente temos água saneada e a gente tem muito problema com essa tal dessa água. Era muito boa, eu gostava. Mas depois que tudo mudou, fizeram esse canal ai, pra mim não foi uma coisa muito boa, revela muita “seboseira”, é aquelas coisas que todo mundo vê, ta feio. Mas num valeu de nada, nesse lixo vem de tudo que é “seboseira” de outros lados, fica ai. As vezes tem dia que a gente quer passar por perto e não tem como passar com aquele mau cheiro. Não tem quem aguente. (…) O esgoto só acumula lixo. Os moradores mesmos é que providencia uma pessoa interessada pra esgotar e é assim (expressão de flexão repetitiva de dedos, representando excesso de mosquitos). Tem adoecido até gente por aqui. Tem gente que fica ai com essas fossas abertas, que é pra ir pro esgoto dez, doze dias. A gente não pode almoçar, a gente não pode tomar café, sair ai fora, que não dá. Isso é muito problema que os órgãos competentes deveriam olhar pra gente aqui. É porque o bairro é pobre? Mas a gente merece. (Dona Neuza, moradora) 76 Figura 13 – Tubulação que despeja dejetos em natura no canal Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Em contrapartida, o que se percebe nos vídeos que representam a experiência turística é uma infraestrutura deveras distinta da revelada pelo documentário, destacando uma “imagem forte e positiva do lugar, apoiada numa oferta de infraestrutura e de serviços que atraia investidores, visitantes e usuários capazes de consumir.” (CLEMENTINO, 2002, p. 127) Nas imagens se percebe o que pode-se compreender teoricamente como “ilha”, ou “bolha turística”. O turista guarda sua distância, e veda à distância de se reduzir a proximidade. É como se cada um deles estivesse trancado numa bolha de osmose firmemente controlada; só coisas, tais como as que o ocupante da bolha aceita podem verter para dentro [...] Dentro da bolha o turista pode sentir-se seguro: seja qual for o poder de atração do lado de fora, por mais aderente ou voraz que possa ser o mundo exterior, o turista está protegido (BAUMAN, 1998, 114) Os visitantes, ao apresentarem os lugares por onde circularam, registram o que se pode chamar de “espaço globalizado” ou “não-lugares” (CARLOS, 1996), ou ainda “pseudo- lugares” (CRUZ, 2007) com características que o torna padronizado ao que o mercado de 77 viagens estabelece como seguro, o arquétipo esperado pelo turista. Esse set para o espetáculo de qualidade turística (Figuras 14 e 15) tem seu principal ponto de convergência - o bairro de Ponta Negra e seu entorno: BR 101 (acesso ao Aeroporto Internacional Augusto Severo no município de Parnamirim), a Via Costeira que dá acesso aos hotéis de luxo e o litoral norte, além da rota do Sol – que liga a cidade ao litoral sul do estado. Em síntese a se remeter ao espaço de circulação turística e da elite local de Natal, um jardim se estende do aeroporto ao centro da cidade e por toda a Av. Roberto Freire, caminho dos turistas aos hotéis de Ponta Negra e da Via Costeira. Nas principais ruas e avenidas da cidade, foi instalada iluminação colorida, predominantemente verde, nas árvores existentes. Não faltam recursos e esforços para a produção de aeroportos, sistemas viários, calçamento, iluminação e embelezamento das áreas mais nobres das cidades. (VALENÇA; BONATES, 2008, p. 442) Figura 14 – Vista da sacada de um hotel, destacando a infraestrutura de Ponta Negra Fonte: Vídeo Férias em Natal/2008, 2008 78 Figura 15 – Vista de sacada para área de lazer de hotel a beira mar da praia de Ponta Negra Fonte: Vídeo natal – rn 2, 2009. De maneira direta, as imagens apresentadas pelos turistas denotam a presença de tudo que carece na região supracitada de Novo Horizonte. A praia de Ponta Negra é mostrada nos vídeos como sendo uma região totalmente pavimentada (hotéis de luxo e condomínios modernos e altos, fotografados das sacadas das UH´s), região bem iluminada (registrado em vídeo Noite em Ponta Negra) e com sistema de esgoto aparentemente adequado (visto que em nenhum registro se documentou problemas relacionados a saneamento básico da área). Outro aspecto revelado é a adequada sinalização pública, ordenamento das vias e trânsito, além do paisagismo da região (Av. Roberto Freire, o pórtico da onda, o giradouro, a Via Costeira e início da Rota do Sol), evidenciado pelo vídeo “Saindo de Natal”:“ - A cidade é muito bonita, é limpa. O povo é hospitaleiro de verdade, sabe tratar bem o turista. Nos adoramos isso aqui, amo tudo isso! (…) Agora dá pra ter uma noção da beleza da cidade, porque com toda essa luz, essas palmeiras, esses coqueirais, esse brilho”. Portanto: É nesse ambiente onde, uma vez captados, os turistas se vêem submetidos à estrutura empresarial, tornando-se definitivamente uma “matéria-prima” da “indústria”, fator catalisador de todo o sistema, já que é através dela, dos produtos e estereótipos que oferece ou intermedeia, que se produzem os encontros entre visitantes e locais. (SANTANA, 2009, p. 64) 79 Estereotipando assim a imagem de uma cidade perfeita, iluminada não apenas pelos longos dias de sol, mas por uma dinâmica social equilibrada. O registro feito por dois turistas que estão ao deixar a cidade mostra em curto tempo praticamente toda a representação imagética e do imaginário de quem visita Natal: uma cidade limpa e ordenada para receber. Será mesmo que agora, voltando para sua residência, ele estaria apto a dizer que “dá pra ter uma noção” sobre Natal? Acredita-se que seria necessário relativizar essa afirmação que está baseada numa experiência turística conduzida para a permanência do visitante na região melhor estruturada da cidade, onde tanto o poder público e suas obras de apoio ao fenômeno turístico, como a iniciativa privada nacional e estrangeira (construtoras, hotéis de rede, entre outros) sitiam o visitante, que acaba por não enclausurar-se inconscientemente em locais padronizados, mas também com a própria experiência turísticapadronizada (os vídeos, por serem semelhantes, revelam a repetição da experiência). Com relação a essa clausura em espaços e maneiras de se execer a viagem, Guattari apud Luchiari (1999, p. 24), entende, e nos vídeos sobre o destino Natal pode-se se diagnosticar que: Os turistas fazem suas viagens sem sair do lugar, confinados nos mesmos ônibus, nas mesmas cabines de avião, nos mesmos quartos de hotéis e desfilam diante dos monumentos, paisagens que já viram centenas de vezes nos jornais, prospectos e nas telinhas de TV. Em outra perspectiva Bauman (1998, p. 15) compreende essa “ação de controle” do que se vive, não apenas na experiência de viagem turística, mas essa “ordem” que, segundo ele, também envolver o residente segregado: “Ordem” significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis. 80 E qual é o destino final (e portão de entrada) dos turistas desse vídeo, e de todos os outros turistas aqui analisados? O Aeroporto Internacional Augusto Severo (Figura 16). Na condição de portão de entrada, o aeroporto tem papel fundamental para crescimento do turismo no estado, sendo certamente a área onde circula a maior fatia do fluxo turístico. Sua estrutura também é levantada pelo registro fílmico. Alguns vídeos (Férias em Natal / 2008, Natal RN, Saindo de Natal; e Natal (RN)) ora apresentam-no, ora citam-no. Mas todos sempre numa perspectiva positiva, apontando sua arquetetura arrojada, decoração moderna, temática e turística, estacionamento, além do conforto (apesar de já haver indícios de super-lotação do aeroporto, mas que nos vídeos não foram detectados) das ordenadas vias de acesso (BR 101, e Av. Roberto Freire), e do pórtico dos Três Reis Magos que dão as boas vindas a esse turista que normalmente se hospeda em Ponta Negra. Figura 16 – Aeroporto Internacional Augusto Severo, Parnamirim Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. Para além de repleta de serviços de hospedagem, restauração, casas de câmbio e artesanato, ao possuir uma infraestrutura de apoio à atividade turística (envolve saneamento, segurança, comunicação, iluminação e energia, fornecimento de água, entre outros) a região de Ponta Negra e seu entorno (Via Costeira), parecem representar uma outra cidade, ou pelo 81 menos uma área desta mesma cidade que em nada (ou quase nada) parece ou dialoga com a experienciada na comunidade de Novo Horizonte (Favela do Japão). Ou seja: As cidades tornam-se objeto de novos e intensos fluxos de população e de uma profunda redistribuição da renda: seja nos bairros nobres [...] com formação de elite global móvel [...] seja nos bairros populares, com a ampliação dos cinturões periféricos, onde se junta uma enorme quantidade de populações deserdadas. Em suma, a cidade socialdemocrata [...] torna-se ameaçada em suas fundações, pois o tecido social é submetido a intensas pressões que produzem uma verticalização crescente: os ricos tendem a se tornar ainda mais ricos, desfrutando as oportunidades disponibilizadas pela ampliação dos mercados, enquanto os mais pobres afundam na miséria, destituídos de sistemas de proteção social. (BAUMAN, 2009, p. 8) 3.2.Mi casa es tu casa?: hospedagem/moradia Diante dessa realidade, as alternativas para contornar a situação são o aluguel, que consome boa parte da renda do trabalhador; a autoconstrução ou a construção de barracos em favelas (COSTA; MARINHO, 2008, p. 448). Dando continuidade à ideia de oferta turística, os vídeos de registro formalizam repetitivamente a qualidade dos meios de hospedagem da região da praia de Ponta Negra, ovacionando a localização dos mesmos, em alguns casos – a beira mar, além da qualidade, conforto, decoração e sofisticação das acomodações e áreas internas de lazer. Momentos de chegada nos quartos climatizados e com sistema de cofre e chave magnética, espaçosas suítes podem ser vistas em quase todos os vídeos (Figura 17 e 19). E fica evidente também a maior amplitude das UH´s dos hotéis localizados na Via Costeira (Figura 18)- meios de hospedagem de luxo (imagens no vídeo Natal RN e Natal (RN), em que casais aparece em unidades habitacionais com ante sala, cozinha e varanda). 82 Figura 17 – Turista vislumbrando a ampla varanda e sua paisagem Fonte: Vídeo Natal (RN), 2007. Mas a amplitude desses estabelecimentos não se dedica apenas ao conforto dentro do quarto - muitas são as imagens que apresentam extensas áreas de lazer, play ground, piscinas, loja de souvenires, quadras de tênis, jardins, salão de jogos, restaurantes de aparente qualidade, toda essa estrutura oferecida dentro do próprio hotel, o que de certa forma, pode vir a indiretamente convencer o turista a se manter dentro, ou nas imediações desse hotel (faixas de praia praticamente “particulares” para os hóspedes dos estabelecimentos localizados na Via Costeira) isolado da vida urbana (espaço e autóctone) natalense. Mais ou menos no mundo inteiro, começam a se evidenciar nas cidades certas zonas, certos espaços – fortemente correlacionados a outros espaços “de valor”, (turismo) situados nas paisagens urbanas [...] nos quais, por outro lado, se percebe muitas vezes uma tangível e crescente sensação de afastamento em relação às localidades e às pessoas fisicamente vizinhas, social e economicamente distantes. (BAUMAN, 2009, p. 25) 83 Figura 18 – Unidade habitacional de hotel na praia de Ponta Negra Fonte: Vídeo Férias em Natal/ 2008, 2008. Figura 19 – Turista diante das centenas de UH‟s em hotel da Via Costeira Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. O que se observa na realidade dos moradores de Novo Horizonte é uma realidade mais uma vez díspar e DISTANTE da vista na região turística. Assim como grande parcela da 84 população de baixa renda de Natal, a localidade de Novo horizonte é refúgio daquelas pessoas impossibilitadas de possuir uma moradia digna, tendo como única possibilidade viver em cortiços, favelas, barracos e vilas desprovidas quase ou totalmente de infraestrutura básica. As residências são irregulares no que tange tanto a sua localização, em muitos casos em áreas de risco de desmoronamento (Figura 20), como também pela própria qualidade do material utilizado, e técnica para sua construção. Observam-se extensas áreas onde edificam casas alicerçadas em morros, amontoadas em ruelas (o documentário apresenta diversos bêcos: Covardia, Cocó, Trairage, Vida Loca, Lavadeira), paredes feitas com tijolo branco, com sistema de energia inseguro e sem reboco, conjugadas, sem sistema de esgoto (córregos de água doméstica contaminada nas marginais das ruelas – Figura 22), com poucos, quando não, com um único cômodo para acomodar suas famílias. Famílias essas que, assim como as demais que compõem o grupo de favelas da região Oeste de Natal, sobrevivem com o pior índice salarial da cidade: 58% das famílias ganham entre meio e 1 salário mínimo e 28% entre 0 e meio salário mínimo. (COSTA; MARINHO, 2008, p. 452) Os terrenos, por serem de pequenas extensões, não atendem à exigência pública de se possuir área descoberta. Não se evidencia a comum presença de calçada e muros. Algumas áreas de garagem podem ser encontradas, visto que pontualmente em algumas ruas podem transitar automóveis. Também observam-se casas em barrancos e feitas de acúmulo de papelão, madeira reutilizada, zinco e plástico, onde moram as pessoas mais humildes da comunidade (Figura 21). 85 Figura 20 – Casas edificadas com material impróprio e em áreas de risco de desmoronamento Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Figura 21 – Barraco feito com madeira e papelão Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. 86 Figura 22 – Ruelas com esgoto a céu aberto em suas margens Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. A disparidade dessas realidades (visitante e visitado) enfatiza a idéia de Bauman (2009), que acredita existir um duplo movimento no cotidiano de cidades contemporâneas: à medida que os bairros localizados no centro (nesse caso, centro de especulação) são valorizados e alvo de grandes investimentos urbanísticos, é possível encontrar com frequência áreas “corroídas” pelo descaso e degradação, resultando em um grupo marginal. 3.3.Vou de taxi ou “á pé”?: transportes A comunidade de Novo Horizonte, apesar de ser fronteiriça com uma área de grande circulação de frotas de ônibus intermunicipal, sofre com a ausência de veículos que entrem na comunidade (motivados pelo estreitamento das ruas). É necessário sair da região para as grandes avenidas (Km 6, ou Av. Bernardo Vieira) para acessar o sistema de transporte rodoviário. É importante ressaltar que existe uma preocupação da população quanto à 87 segurança (assaltos) de quem migra (sobe) para a região da Av. Bernardo Vieira, assim como uma preocupação externa - de condutores de veículos (como taxistas e motoristas de vã) em adentrar à comunidade: Não ter assistência, não ter a condição de transporte, as ruas são íngremes, tortuosas, pequenas, não tem muita passagem pra veículo. Os veículos são só os dos moradores, porque ninguém se mete a entrar porque não vai saber sair, ou tem medo de assalto. A própria comunidade quando sobe a ladeira e vê a Bernardo Vieira pelas vias arteriais que os cerca, são assaltados na própria Bernardo Vieira por pessoas de outras comunidades. Então é uma questão de ausência, uma sensação de não pertencimento, de trincheiramento: “- Uma parte aqui é o onde eu me sinto, se eu saio a cidade não é pra mim. Se eu for a Bernardo Vieira que margeia a minha comunidade eu vou ser assaltado.” (Professor Cláudio Martins em entrevista, 05/02/2011). A comunidade se sente ilhada pelas situações sociais, que refletem na condição espacial de se deslocar sendo “convidada” a manter-se na zona de separação, que demarca sua qualidade de pureza (estar junto de seus iguais marginalizados), e de não contaminar os demais espaços, que com sua presença se tornaria, como aponta Bauman (1998, p. 14), “impuro”. Ou seja, “O oposto da „pureza‟ – o sujo, o imundo, os „agentes poluidores‟ – são coisas „fora do lugar‟. Não são as características intrínsecas das coisas que as transformam em „sujas‟, mas tão-somente sua localização e, mais precisamente, sua localização na ordem de coisas idealizada pelos que procuram a pureza.” Á medida que o transporte parece um grande entrave, resultando no isolamento em Novo Horizonte, na área turística o sistema de transporte público e privado é representado nos vídeos com aparente eficiência. Apesar de não evidenciar nenhum momento em que os turistas estejam utilizando ônibus de linha intermunicipal, tal frota aparece nos vídeos que mostram as principais avenidas do bairro de Ponta Negra (Saindo de Natal). Bairro que concentra várias linhas de ônibus para as mais diversas áreas da cidade (inclusive durante a noite, quando o fluxo de profissionais do turismo: garçons, camareiras, recepcionistas, entre outros, estão voltando para suas residências na periferia). Ou seja, o sistema de transporte público serve para abastecer de mão de obra a região. O turista normalmente não utiliza este serviço, motivado pelas curtas distâncias entre os hotéis, restaurantes e demais atrativos do 88 bairro (desloca-se andando ou de taxi), como também pela condição de lotação e dificuldade de compreender o itinerário dos ônibus (falta de informação de horário e rota em português e em inglês). Nos registros turísticos pode-se verificar também as constantes frotas de taxi circulando (Figura 23), além de empresas que locam carros (Noite em Ponta Negra) para que o turista possa fazer seus pequenos percursos no próprio bairro, ou se aventurar nos litorais do estado. É preciso destacar também outros meios de transporte utilizados pelos que visitam o destino Natal: as vãs e ônibus de empresas de receptivo (Natal RN e Férias em Natal RN) que fazem tanto o traslado (climatizado) aeroporto-hotel; como alguns dos principais passeios pelo litoral do estado. Apesar dessa possibilidade, muitos turistas utilizam os serviços de transporte dos “bugueiros” credenciados (Figura 24), que conduzem o visitante em passeio pelas dunas de Jenipabu, visitação do litoral pela beira mar, entre outros serviços. Figura 23 – Serviço de Taxi em área turística Fonte:Vídeo Natal – RN, 2009. 89 Figura 24 – Passeio de buggy pelo litoral norte do estado Fonte: Vídeo Férias em Natal, 2009. Os transportes utilizados pelo turista também denunciam, para além da diferença na qualidade do transporte de quem vive e quem visita Natal, a falta de contato entre visitante e visitado fora do contexto de consumidor X trabalhador (poderia existir se ambos utilizassem o mesmo meio de transporte, por exemplo). Os vídeos revelam a ausência de residentes sob a espontaneidade de uso dos espaços turísticos e serviços comuns aos dois grupos, o visitante se limita a contatos de trabalho com os residentes, e quando acontece esse encontro em outra condição “as pessoas do lugar, com que os turistas deparam, eles literalmente „tropeçam com‟ elas acidentalmente, como um efeito colateral do empurrão de ontem, que antes de ontem ainda não era imaginado ou antecipado, e que podia facilmente ser diferente do que era, e levar o turista para algum outro lugar” (BAUMAN, 1998, p. 115). O „querer ir para algum outro lugar‟ por parte do turista que “esbarra” com o local ocorre porque às vezes esse residente representa um estilo de vida, tem uma aparência física, e um comportamento consumidor distinto do que o turista espera encontrar e os empresários do turismo oferecer. 90 3.4. Do luxo ao lixo: limpeza e higiene/ serviços sanitários Unir esses aspectos é compreender que eles se complementam, e que a eficiência de um interfere na qualidade do outro (limpeza em serviços sanitários, e vice-versa). Dito isso, vale ressaltar a limpeza e higiene observada nos vídeos turísticos (Figura 25): em todos eles não se encontrou referência negativa a tal aspecto. Pelo contrário, as imagens tanto das ruas e avenidas, quanto dos hotéis, é de extrema limpeza (evidência de recipiente lixo reciclável no vídeo Natal RN). Tem-se até registro de funcionário de empresa de limpeza pública (URBANA) trabalhando para deixar a orla de Ponta Negra limpa (PRAIA DE PONTA NEGRA (NATAL)). Figura 25 – Serviço de limpeza pública na orla de Ponta Negra Fonte: Vídeo Praia de Ponta Negra (Natal), 2009. Todavia com relação à higiene, alguns vídeos direta ou indiretamente, revelam um sério problema de manipulação insegura dos alimentos por parte dos ambulantes, sendo um dos problemas observados no vídeo “spiaggia brasiliana di ponta negra” e “A Rainha do Queijo” (crepes, queijos, sonhos de noiva, bebidas, entre outros). Isso é resultado da falta de 91 atividades de capacitação e de recursos daqueles que normalmente não foram absolvidos pelo mercado formal, e que na disposição de garantir – mesmo que pequena – sua renda (CORIOLANO; SILVA, 2005), oferecem seus produtos irregularmente nas praias de Natal. Esse tipo de situação é diferente quando os turistas apresentam os restaurantes e serviços de café da manhã dos meios de hospedagem, que são aparentemente frescos, bem acondicionados, manipulados e identificados. No tocante aos serviços sanitários, infelizmente os registros turísticos não apresentam qualquer evidência negativa ou positiva quanto ao aspecto. Poderia aqui concluir que o sistema de serviços sanitários é adequado e eficiente, mas um único vídeo feito por turista (Praia de Ponta Negra - Natal (Brazil) - Poluição), e os próprios comentários postados sobre o mesmo, denunciam problemas de saneamento na praia de Ponta Negra (Figura 26), apesar de ela ser considerada própria para banho segundo técnicos do IFERN e IDEMA. “Bellaschifezza, l avessisaputoavrei scelto come sindacol'altro candidato. Vergogna. Denunciamolasporcizia senzapaura.” “ Só ficam mostrando o lado belo, mas é andar pela praia e ver a poluição solta! (internautas discutindo o vídeo postado no www.youtube.com) Figura 26 – Área de escoamento de água de chuva misturada com esgoto, despejado na praia de Ponta Negra Fonte: Vídeo Praia de Ponta Negra - Natal (Brazil) – Poluição, 2007. 92 Apesar de considerar de enorme relevância a situação denunciada acerca dos dejetos na praia de Ponta Negra, a situação da comunidade de Novo Horizonte parece ainda mais preocupante, tanto quanto ao aspecto serviços sanitários, como de limpeza pública. Os moradores apontam o problema do acúmulo de lixo, seja em áreas de coleta (caçamba), seja no próprio córrego do canal, como um dos seus principais problemas: Eu acredito que se isso aqui melhorasse, até sobre esse rio e esses esgotos, tem dia ai que é a URBANA, é cheio de gente ai pra tirar colchão, cadeiras, coisas que eu não posso nem falar... não posso mesmo, que não posso... não posso falar (silenciando acerca dos dejetos hospitalares como fetos, e restos cirúrgicos). Uns chegam e chamam todo mundo pra ir olhar aquelas coisas. Ali faz muito mau pra saúde da gente. Cada um tivesse seu saquinho, como muitos fazem aqui, num acontecia como acontece aqui também. (…) Muita, muita gente não zela, pega um pacote de lixo (uma grande mosca circula pela sala, tirando rapidamente a concentração da depoente). Até que houve aqui muita falaria de muita gente e chegou uma caçamba ai. Mas ainda não evitou as “seboseiras”. Porque no lugar de jogar dentro da caçamba, como eles colocaram (fazendo gesto de círculo com as mãos, para dizer que as pessoas depositam o lixo ao redor da caçamba e não dentro) é ao redor, é aquela coisa. A gente não pode nem chegar perto. Preto de mosca. (Dona Neuza, moradora) O serviço de limpeza pública não atende com eficiência a região, visto a enorme presença de lixo nas mais diversas áreas da comunidade (Figuras 27 e 28). A própria população aponta sua falta de consciência ambiental como fator preponderante de acúmulo de lixo e foco de insetos, eles mesmos jogam o rejeito ao redor da caçamba, quando não, no próprio canal (que é a céu aberto), dificultando o trabalho – que já é incipiente motivado pela dificuldade de acesso – da empresa pública de limpeza. 93 Figura 27 – Caçamba superlotada de lixo, e sacos de rejeito ao redor Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Figura 28 – Lixo acumulado na rua Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. 94 Entretanto, a mais eloquente denúncia deste depoimento se dá a partir do momento em que a moradora afirma ter restos hospitalares presentes no canal (“as vezes passava aquelas coisas de maternidade e a gente deixava passar” – Dona Maria José ou Nenê, moradora e lavadeira), e que por possuir áreas de entupimento provocado por arremesso de objetos de grande porte, se acumulam em trechos do canal, causando mau cheiro e doenças, isso agravado pelas fossas artesanais e ausência de sistema ordenado de esgoto (Figuras 29 e 30). Tal situação não é triste exclusividade da comunidade aqui analisada, em Natal várias são as favelas, vilas e loteamentos populares irregulares, que não contam com sistemáticas políticas públicas urbanas que fazem uma real de provisão do sistema sanitário em geral: Em Natal, a maioria das favelas está localizada em áreas de fragilidade ambiental como dunas, mangues e encostas de morro, o que representa não apenas risco ao meio ambiente, mas também, riscos à população que reside nesses locais, pois está mais sujeita a problemas como enchentes, deslizamentos de encostas e contaminação de algumas doenças, já que vivem em péssimas condições de higiene (IMPLANAT, 1990, apud, COSTA; MARINHO, 2008, p. 449) Acrescenta Costa e Marinho (2008, p. 449): A maioria das favelas apresenta um perfil de extrema pobreza e um baixo nível de qualidade de vida, que se agrava quando observamos que os problemas ambientais, ocasionados pela falta de saneamento básico, são uma realidade comum. 95 Figura 29 - Imagem de vazamento de sistema de esgoto Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Figura 30 - Imagem de guarda-chuva jogado no córrego, causando entupimento Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. 96 3.5.Fechei minha janela de frente pro crime: segurança pessoal A população perigosa não será exterminada [...] Mas são grandes os riscos de que aqueles considerados componentes fundamentais da população perigosa possam ser confinados, armazenados, amontoados e obrigados a viver seus anos mais produtivos como consumidores de controle. [...] A busca da pureza moderna expressou-se diariamente com a ação punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza pós-moderna expressa-se diariamente com a ação punitiva contra os moradores das ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos indolentes. (BAUMAN, 1998, p. 25 e 26) A segurança quando levada à realidade da comunidade de Novo Horizonte (e sua representação externa – para os outros moradores de Natal que também desconhecem o local) faz compreender como esse grupo da sociedade encontra-se a margem dos serviços básicos da cidade. Além de não possuir nenhum posto de saúde, a comunidade, que também não possui posto policial permanente. E isso se reflete no altíssimo índice de violência, furto, tráfico e prostituição presente na área (destacados em depoimentos e poema), que tem moradores envolvidos em crimes fora do bairro. Esses problemas apresentados também durante o documentário, mostra iniciativas pontuais da própria população para tentar reduzir o quadro de desordem de uma das regiões mais violentas da cidade – a favela do Japão: Aqui era um grande tráfico de droga, concentrado um grande tráfico de drogas, homicídio, furtos. As vezes a população não tinha nem passagem. Era realmente assaltada aqui (apontando para o longo e estreito beco). Então era realmente uma coisa absurda. Quando eu cheguei aqui comecei a comprar moradia (hoje às aluga) e buscar estratégia de desarticular o crime daqui de dentro. E com o apoio de alguns amigos a gente acabou desarticulando o crime daqui de dentro (Figura 31) . Então hoje é o canto mais sossegado da comunidade se chama a Rua Santa Helena, antigo “beco da Covardia”. (José Alves, morador) 97 Figura 31 – Antigo Beco da Covardia, agora pacificado por moradores Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Essa ação de dentro para dentro, de buscar solucionar o que deveria ser o papel governamental é uma tendência atribuída à certeza de que do poder público tais medidas não virão, e que sendo assim, é responsabilidade do morador mudar, ou pelo menos minimizar os conflitos da realidade socioespacial que o entorna. “Para a maioria de nós, e na maior parte do tempo, eles (conflitos sociais locais) parecem ser as únicas questões em relação às quais se pode “fazer alguma coisa”, sobre as quais é possível influir, recolocando-as nos eixos, melhorando-as, modificando-as. O nosso agir ou não-agir só pode “fazer a diferença” quando se trata de questões locais, enquanto para as outras questões, declaradamente “supralocais” (os grandes problemas que envolvem Novo Horizonte), não existem “alternativas”. (BAUMAN, 2009, p. 30-31) Apesar das ações de alguns moradores, a situação de insegurança é muito latente. Durante a criação do documentário, por vezes a equipe se viu intimidada pelos residentes, que ora alertavam do perigo de confronto com os traficantes, ou mesmo o furto, ora prometiam 98 assaltar aqueles que registravam o cotidiano da região, como maneira de hostilizar e sugerir que fossem embora a tempo de não serem abordados por meliantes: Eles diziam sempre: - Vão te pegar, vão roubar tua mochila, vão te bater” [...] Fomos abordados por algumas mulheres, mães de famílias mais jovens, de uma educação muito pequena, dizendo: - A gente vai adotar essa máquina (referindo-se à câmera filmadora). Essa máquina é muito bonitinha, dá pra vender no mercado da quatro.” Acrescenta em outro momento que: Justamente aquela galera que tinha margeado o rio andando pelos becos ia nos pegar para assaltar. Ou seja, ia ser adeus a documentário, material, a dinheiro, a bolsa. Enquanto a nossa aluna estava certa que estava nos protegendo [...] o cara depois disse pra ela: “- É a minha área, eu permiti que você descesse na sua. Na sua área eu disse que não ia assaltar ninguém, você avançou e entrou na minha.” Ainda descreve outra experiência: E uma das meninas era viciada em crack, e tinha se ausentado durante meses porque estava internada, e fugiu pra ir à aula pra rever a galera e disse: - Você bateu foto do fosso de onde a gente guarda a droga.” (…) Dai a menina explicou que existe um fosso onde se guarda a droga, tem uma placa de metal, fina e frágil, mas que sustenta uma palha de coqueiro, um monte de areia e esse lixo, pra que ninguém passe perto e que ninguém vá mexer. E os garis, que são da comunidade sabem que aquilo ali não é pra ser mexido. Se o policial chegar ali, ele não sabe que é ali que se guarda. Mas a qualquer momento do dia ou da noite, a galera quando precisa vai lá e repõe, e tira pra fazer a entrega. É uma espécie de cofre do tráfico. (Professor Cláudio Martins em entrevista, 05/02/2011). A partir desses depoimentos fica claro a ineficiência, a indevida ausência de ações do poder público - da segurança pública e sistema de educação, que eficiente interferiria para a tranqüilidade perspectiva de vida da comunidade que hoje tem entre seus moradores os 99 articuladores do crime, mas em maior quantidade, os oprimidos pelo poder paralelo da receptação de mercadoria roubada e mais fortemente do tráfico, que certamente só chega à segura região turística na condição de distribuição de drogas. A realidade de insegurança, ou pelo menos a sensação de insegurança extrema, como ocorre na comunidade de Novo Horizonte, não se sente nos vídeos turísticos selecionados. Em nenhuma imagem se percebe presença de pedintes, de concentração de pessoas suspeitas, ou algum comentário negativo acerca do tema. Pelo contrário, em dois vídeos o sistema policial foi destacado (vídeos Saindo de Natal e Ponta Negra, Vida da Praia Meninas Lides 1 2 – Figura 33). No primeiro os turistas apontam a viatura do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais – Figura 32) que estava em ronda tranquila pela região. Já no segundo surgem dois policiais à paisana em suas bicicletas trafegando por entre os turistas no calçadão da praia, e um helicóptero da polícia sobrevoando o mar. Essa sensação de segurança que o turista indiretamente apresenta nos vídeos corresponde a mais um elemento promotor da experiência díspar daquele que visita o destino Natal, e que ajuda a formalizar essa ideia de cidade perfeita, sendo tal aspecto, um dos mais importantes quando o Brasil tem uma imagem interna e externa de alto índice de violência, índice esse não destacado na região turística de Ponta Negra. Figura 32 – Viatura do Batalhão de Operações Policiais Especiais Fonte: Vídeo Saindo de Natal, 2009. 100 Figura 33 – Policiais turísticos na orla da praia de Ponta Negra Fonte: Vídeo Praia de Ponta Negra (Natal), 2009. Ainda dentro das Variáveis Cognitivas, destaca-se na categoria Atrativos/ Atividades o item a seguir: 3.6.Um campinho de areia X Uma quadra de tenis: atividades desportivas Como já mencionado anteriormente, diversas são as opções de lazer privadas e públicas disponibilizadas para quem visita o destino Natal (dentro dos meios de hospedagem e fora deles), esses atrativos vão desde atividades recreativas em piscinas, play ground, salas de jogos de mesa, prática de surf, caiaque, “esquibunda”, “aerobunda” (Figura 34), mergulho em parrachos, entre outros. Mas a disposição do turista, o que se oferece de práticas realmente ESPORTIVAS são poucas, apesar da estrutura dos hotéis de maior porte, que possuem quadras poliesportivas para partidas de futebol, vôlei, basquete, e tênis (Figura 35). Para além disso, a região de Ponta Negra conta com áreas públicas seguras para surf (torre de salva- vidas) e pavimentados e extensos calçadões onde pode-se fazer caminhada, corrida e ciclismo. 101 Figura 34 – Prática de Aerobunda na Lagoa de Jacumã Fonte: Vídeo Férias em Natal/ 2008, 2008. Figura 35 – Prática de Tênis nas dependências do hotel Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. 102 Porém, como na avaliação dos demais aspectos, o que se observa na comunidade Novo Horizonte é uma discrepância significativa quanto à disponibilidade e a qualidade das áreas de práticas esportivas, que podem se resumir a duas: a quadra de esporte deteriorada e o campo improvisado de futebol, que fica a margem do canal. Os jovens e crianças alternam partidas em campo de terra (Figura 36), sem demarcação, com trave improvisada, ao lado de uma área de proliferação de doenças e causadora de acidentes (Figura 37), sem iluminação e voltado única e exclusivamente para o gênero masculino e única modalidade - futebol, relegando as garotas e moças nenhuma área dentro da comunidade para a prática de qualquer esporte que seja. Figura 36 – Campo de futebol improvisado ao lado do canal a céu aberto Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. 103 Figura 37 – Garoto escalando as paredes do canal para pegar bola Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. A ausência de atividades recreativas, ocupacionais que envolvem também o desporto é uma realidade do ócio da infância e mocidade, visto a grande quantidade de crianças na rua, e índice de jovens envolvidos com drogas, fora da escola e sem ocupação. Ou seja, vivem em um espaço que não possibilita um desenvolvimento social, psicológico e físico. Moram em um lugar que “amarra” o tempo e o mantém fora do controle deles. O tempo deles é vazio, nele nada acontece. Para eles, só o tempo virtual da TV tem uma estrutura, um “horário” – o resto do tempo escoa monotonamente, chegando e partindo sem exigir nada e aparentemente sem deixar vestígios. Suas marcas acumuladas aparecem de repente, imprevistas e sem serem convidadas. Imaterial, etéreo, efêmero, sem nada para preenchê-lo e lhe dar peso e sentido, o tempo não tem poder sobre esse espaço real demais a que estão confinados (BAUMAN, 1999, p. 95). Corroborando com essa idéia, professor Cláudio Martins em entrevista na data de 05/02/2011, diz que: 104 Muita gente na rua, muita gente ociosa, a juventude sem expectativa, sem estudo, sem perspectiva, sem uma área de lazer. O campo é improvisado. [...] Quando a gente fez nossa sessão de fotos, reconhecemos esse área de lazer que é o campo, e não tem outro. Muita criança na rua, muita criança descalça, muita criança hiper suja, com catarro (Figura 38 e 39). Figura 38 – Crianças brincando próximo ao canal Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. 105 Figura 39 – Meninos fazendo símbolo de torcidas (gangs) organizadas de futebol Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Dando continuidade à análise das Variáveis Cognitivas, agora de Meio Ambiente e Economia, destacam-se os itens a seguir: 3.7.Um horizonte distante: paisagens O que se pode apontar de relevante com relação ao grupo paisagístico que compõe a comunidade Novo Horizonte e a região de circulação turística de Natal (Ponta Negra e entorno e para além dos limites da cidade – os litorais norte e sul), é que ambas tem acesso a cenários de extrema beleza natural. Entretanto a disparidade está no fato de que quem se hospeda em Ponta Negra e faz os passeios pela costa, se INSERE no cenário EXCLUSIVO de belas paisagens naturais (praias, dunas, lagoas, falésias, parrachos, etc.) que é complementado pela infraestrutura específica e de apoio ao turismo. Isso “implica quase diretamente em férias ou tempo de lazer, fato que cria grandes diferenças entre o sujeito da atividade e o “anfitrião”, estabelecendo-se, além disso, relações marcadas por seu caráter transitório e desigual.” (SANTANA, 2009, p. 35) 106 Assim, persistem na cidade, como em várias regiões do estado, vários desequilíbrios. Enquanto a atividade imobiliária – que ganhou fama nos cenários nacional e internacional, atraindo grande número de investidores, tanto no lado da produção quanto no do consumo – se desenvolve, a população local, mais ainda a de pobres, é relegada ao segundo plano e tem de morar em áreas mais afastadas e menos atraentes. Entre os conjuntos habitacionais produzidos na zona Norte, e próximo a eles, têm proliferado os loteamentos e as ocupações irregulares, enquanto, na zona Oeste, têm se consolidado as favelas e, nos bairros mais centrais, as vilas, que formam verdadeiras reservas imobiliárias. Nessas áreas, são graves os problemas de infraestrutura e de serviços urbanos, segurança, educação, saúde e lazer. (VALENÇA; BONATES, 2008, p. 443) Diferentemente, o morador da comunidade de Novo Horizonte, se depara com uma paisagem também harmoniosa, mas que nela não está INSERIDO – ele está rodeado pelo “feio, mas o olhar alcança o belo, mas este se encontra fora da comunidade. Aquele que vive na favela alicerçada sobre um declive geográfico que vai dar no mangue, e que está rodeado de uma realidade de sofríveis paisagens de poluição, miséria, desestrutura, violência e abandono, tem a oportunidade de apreciar à distância uma paisagem pouco vista por aquele que visita a cidade: o por do sol sobre o rio Potengi. “E realmente a visão que você tem do rio e do manguezal pra o rio Potengi é uma coisa fantástica, fenomenal, muito linda, muito linda.E durante o dia mesmo é muito linda a imagem, o reflexo do sol e tal.” (Professor Cláudio Martins em entrevista, 05/02/2011). 3.8.Da favela ao Alphaville: vida urbana Baratas, moscas, aranhas ou camundongos, que em nenhum momento podem resolver partilhar um lar com os seus moradores legais (e humanos) sem pedir permissão aos donos, são por esse motivo, sempre e potencialmente, hóspedes não convidados, que não podem, desse modo, ser incorporados a qualquer imaginável esquema de pureza. (BAUMAN, 1998, p.15) 107 A urbanidade vivida tanto pelo morador da comunidade de Novo Horizonte, como a do hóspede da bolha turística de Ponta Negra, se dá de maneira reducionista e fragmentada e distante (Figura 40), mas por motivos distintos. O turista circula apenas no reduto criado para ele pelo trade e planejamento público, visto que a dinâmica da cidade em si, seu patrimônio histórico e cultural, parecem desinteressantes (pouco explorados pelo roteiro turístico). Dessa forma, “com um urbanismo no qual o turista possa se virar sem incômodo” (SANTANA, 2009, p. 32), a impressão que o visitante tem ao deixar a cidade, sem perceber a crise social que se esconde nos guetos, é de ter conhecido outra, que não é apenas distinta de Novo Horizonte, mas da maioria da população. Essa população que não aparece nos vídeos (a não ser como ambulantes e guias) dos turistas por acaso, mas que certamente não desenvolvem suas relações de urbanidade no mesmo território que o visitante, reconhecendo-se mais uma vez a segregação entre visitante e visitado (os residentes podem se considerar visitados?) Figura 40 – Fotografia de Natal que revela o distanciamento do turista com o resto da cidade Fonte: Vídeo Férias em Natal/ 2008, 2008. Ainda sobre verdades segregadoras, o morador da comunidade de Novo Horizonte (também segregado, mas numa outra perspectiva – de inferioridade) se vê desarticulado com a 108 cidade pela sua condição financeira, que reflete na educacional, profissional, de acesso a saúde, segurança e consumo. Essa exclusão sentida não é entendida como resultado de uma momentânea e remediável má sorte, mas como algo que tem toda a aparência de definitivo. Além disso, nesse momento, a exclusão tende a ser uma via de mão única que leva a um sentimento de pessimismo nas pessoas não apenas da comunidade, mas de outras com carência e realidade semelhante. As dificuldades de acesso aos demais locais da cidade começam com a dificuldade na quantidade e preços dos meios de transporte, passam pela desinformação, e chegam à principal barreira: a baixa estima alicerçada na certeza de não ser bem vindo em locais onde não podem consumir, e sentir-se parte – seja pela aparência (vestimenta e acessórios), seja pelo comportamento (modos de falar, de servir-se, entre outros). Para eles o centro da cidade, e principalmente a área turística, não existe. Não existe diálogo entre os lados da parede invisível (que aqui se pretende subir para melhor compreender) entre o morador de Novo Horizonte, da elite da cidade, e do personagem transitório, turista. Suas experiências de vida na cidade são tão distintas, que “não dá para ver sobre o que os moradores dos dois lados poderiam conversar caso se encontrassem para um bate-papo.” (BAUMAN, 1999, p. 95) uma sensação de não pertencimento: “- Uma parte aqui é o onde eu me sinto, se eu saio a cidade não é pra mim. Se eu for a Bernardo Vieira que margeia a minha comunidade eu vou ser assaltado. Eu não pertenço a Bernardo Vieira, na outra extremidade temos o Shopping Midway, e muitos alunos nunca foram ao Midway. Porque: “- Aquilo não é pra mim, eu não posso frequentar aquilo. Não posso. De ônibus é caro, a pé é longe demais.” Outro não está nesse extremo de não pode dizer que não pode ir, não pode frequentar na real. (Professor Cláudio Martins em entrevista, 05/02/2011). Essa condição de afastamento, de convencimento de que o morador dessa e de outras comunidades periféricas de Natal não são bem vindas nessa ou naquela área: shoppings, casas de show, lojas, praias e restaurantes, se dão à medida que a idéia de sujeira e pureza se interioriza em sua mentes: Uma vez que o critério da pureza é a aptidão de participar do jogo consumista, os deixados fora como um “problema”, como a “sujeira” que precisa ser removida, são consumidores falhos – pessoas que acabam por 109 sentir-se incapazes de responder aos atrativos do mercado consumidor porque lhes faltam os recursos requeridos, pessoas incapazes de ser “indivíduos livres” conforme o senso de “liberdade” definido em função do poder de escolha do consumidor. São eles os novos “impuros”, que não se ajustam ao novo esquema de pureza. Encarados a partir da nova perspectiva do mercado consumidor, eles são redundantes – verdadeiramente “objetos fora do lugar”. (BAUMAN, 1998, p. 24) Na condição de último item da Variável Cognitiva, referindo-se à categoria a Cultura e Sociedade, estuda-se o item: 3.9.Andam falando por ai: reputação do local visitado/ vivido O destino Natal: “cidade do sol”, faz parte do imaginário de quem visita por duas vertentes: um olhar para suas belezas naturais, bons serviços e estrutura turística; ou então local de prática de turismo sexual, sendo esse último mais voltado para o turista estrangeiro (nos vídeos selecionados, mais registrados por turistas italianos). Ou seja, Natal recebe aquele que, segundo Santana (2009, p.85-86), pode ser categorizado em (Figura 41):  Amantes do sol: Interessados em relaxar e tomar sol em lugares quentes e com muito sol, areia e mar.  Caçadores de “ação”: Principalmente interessados em festas e clubes noturnos, nos quais encontram pessoas do sexo oposto para ter experiências românticas sem complicações.  Turismo de massa organizado: Principalmente interessados em férias organizadas, pacotes turísticos, tirar fotos e comprar suvenires. Com relação ao primeiro imaginário, a reputação se faz a partir da constatação do visitante de se tratar de um destino com muitas opções de práticas de turismo motivacional de sol & mar, e essa reputação se concretiza a partir da semelhança entre os vídeos, muitos deles apontam os mesmos lugares visitados em anos diferentes, o que faz compreender que este 110 itinerário é conhecido e consolidado como oferta turística tradicional de Natal, e aceito pelos turistas, que revela seu encantamento, seja com imagens de alegria e sinais de paz e tranquilidade, seja em discurso: O marzão hoje tá demais, olha que azul mais lindo la no fundo. Perfeito! A cidade é muito bonita, é limpa. O povo é hospitaleiro de verdade, sabe tratar bem o turista. Nós adoramos isso aqui, amo tudo isso! Figura 41 – Grupo de Turistas sob as dunas de Jenipabu - Extremoz Fonte: Vídeo natal – RN 2, 2009. 111 Figura 42 – Turista fazendo compra de artesanato e survenires Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. Figura 43 – Dançarina sob a mesa de uma casa noturna Fonte: Vídeo Azucar em Ponta Negra Natal RN [2], 2010. 112 Com relação ao outro imaginário voltado para o turismo sexual, muitos foram os vídeos encontrados no site de postagem youtube que tinham temática o apelo ao corpo e sensualidade feminina nas praias e casas noturnas (Figuras 43 e 44) de Natal (apesar de se ter selecionado apenas cinco: CREU!!!! CHE FÍSICO!!!!!; Festa tra amicci al cabaret azucar di pontanegra natal; Azucar em Ponta Negra Natal RN e Ponta Negra; Vai Ciccio e; Vida da praia de Ponta Negra, Meninas Lindes 1 2), criando na mesma medida que os vídeos de imagens de paisagens litorâneas, uma reputação de local onde se pode encontrar garotas de programa em grande quantidade. Figura 44 – Estereótipo do imaginário sexual, apelo ao corpo feminino Fonte: Vídeo Ponta Negra, Vida da Praia Meninas Lindes 1 2, 2010. Essas garotas vêm, em muitos casos da periferia da cidade, sendo também moradoras da comunidade de Novo Horizonte inclusas nessa realidade, que assim como as demais, vê na prostituição uma oportunidade de emergir socialmente casando ou sendo sustentada por um estrangeiro, se articulando para se prostituir no exterior, pagar em alguns casos seu vício em drogas, ou simplesmente conseguir sair da linha de pobreza na qual está. E esta é uma das imagens que se têm dessa região também conhecida na cidade de Natal como área sem lei, de crimes, refúgio de marginais, tráfico de drogas e gente muito pobre que vive em total miséria, abandonada pelo poder público, “O governamental, o institucional não desce até 113 lá”(Professor Cláudio Martins em entrevista, 05/02/2011), e por não descer, a não ser quando convém (período eleitoral), acaba por não desenvolver ações que possam desfazer essa imagem – que em grande parcela – é real: de exclusão social e miséria, mas que se deve relativizar ao crer que todos os moradores vivem sob extrema pobreza, e que são infratores. Entre os muitos estigmas atribuídos às favelas e amplamente difundidos através da mídia (lócus da pobreza, vadiagem, perigo, crime) está o da insalubridade, que remonta ao século XIX, com o surgimento da era higienista no país. O movimento higienista teve forte influência européia e pregava que os problemas de saúde afetavam os citadinos naquela época estavam relacionados às áreas pobres da cidade. A favela, desde o seu nascimento, teve sua imagem associada a ambiente imundo e insalubre, causador de doenças (GUIMARÃES, 2001). Isso não se aplica apenas às favelas cariocas; em Natal essa idéia também é difundida, embora saibamos que nem todas as pessoas que residem nesses lugares são criminosas, perigosas ou sujas. (BARBOSA, 2008, p. 579) Mas essa relatividade quando feita pela mídia, pelo governo e pela polícia, acaba por colocar todos os moradores no mesmo “balaio”, fazendo com que eles se vejam definitivamente afastadas para as margens, inaptos para serem “socialmente reciclados” (BAUMAN, 2009): indivíduos que precisam ser impedidos de criar problemas e mantidos a distância do centro produtivo da cidade. Essa preocupação em mantê-los distantes se manifesta pelo poder privado (que pressiona o público) por considerá-los repelentes dos verdadeiros consumidores de produtos e serviços elitistas e turísticos. Nesse mesmo ritmo, o poder público, para além de distanciados, busca “domá-los” por incentivos pontuais à localidade, visto que são pessoas com propensão à revolta e rebelar-se contra o Estado, mas principalmente por serem vistos como “curral eleitoral” de extrema importância. Fomos abordados por algumas mulheres [...]: “- O filhinho da mãezinha vai mandar os meninos descerem na lama, pra dizer que são porcos.” Eles disseram que muitos jornalistas pedem pra que a galera desça e fique na lama, pra ficar dramático e mostrar a catástrofe que eles querem denunciar e fazer cena. (…) A comunidade tem um estigma de sombra e escassez pra tudo. É uma espécie de pessimismo, uma áurea de pessimismo que a comunidade tem, que vai falhar e que tal (…) Porque eles dizem que todo mundo que vai lá vai pra detonar, dizer que não presta, que aqui só tem 114 bandido, que aqui só tem marginal. E como todo canto tem marginal, em qualquer esquina, aqui não é diferente. Eles não querem ser vistos como bandidos, como galera que mora numa favela, e ser novamente o excluído, do jornalista filhinho da putinha que joga você dentro do esgoto, bate a foto pra ficar trágico. (Professor Cláudio Martins em entrevista, 05/02/2011) Um estudante do PROJOVEM aponta ainda a apatia e desinteresse do poder público: Essas comunidades os políticos acho que não veem. Só veem como ponto de voto, e não pela comunidade em si. Em época de política a gente é bem atendido, os candidatos vêm aqui e faz isso, faz aquilo, mas quando passa a política eles somem. Presta serviço de dentista, de carteira de identidade, corta cabelo do povo, depois some. (Marcos Antônio, morador) 3.10. Uma cidade bipolar: estimulante/ deprimente – relaxante/ estressante – alegre/ sombrio Os adjetivos antagônicos apontados nessa análise se apresentam enquanto últimos a serem apreciados porque os demais aspectos destacados anteriormente somatizam o resultado estimulante, relaxante e alegre da experiência turística, e deprimente, estressante e sombria de uma camada da sociedade natalense, que esta dentre as menos abastadas. Reconhecem-se nos vídeos turísticos as mais diversas representações orais, gestuais e fisionômicas de satisfação com o que o destino Natal pode proporcionar: depoimentos voltando para casa, sorrisos eloquentes, acenos de despedida, gesto de paz e amor na beira da praia (Figura 45), confraternização entre novos amigos também turistas, exposição dos survenires comprados em lojas de artesanato, o êxtase sob as dunas, se confundem com os semblantes de total relaxamento admirando o pôr do sol, a preguiça sob a espreguiçadeira, o descansando a beira da piscina, e a refrescância de uma água de côco (Figura 46), situações que demonstram “os motivos fundamentais do turismo dessas massas urbanas no desejo de quebra da rotina diária e na liberdade de escolher uma vida diferente – embora fosse por tempo limitado.” (SANTANA, 2009, p. 31) 115 Figura 45 – Turista em expressão de liberdade e paz Fonte: Vídeo natal – RN 2, 2009. Figura 46 – Turistas refrescando-se em hotel de luxo da Via Costeira Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. 116 Tais situações refletem o olhar do planejamento público e de investimentos do poder privado para quase que exclusivamente para essa área turística. A formação desse olhar padronizado da experiência de visita passa por 5 etapas desde a idéia de cidade para o residente, até chegar à vivência do turista (adaptação das idéias de SANTANA, 2009 - Figura 47): Figura 47 – Esquema de etapas para a criação de imagem de um destino (criação do autor). Imagem do próprio residente Imagem construída para venda Imagem promovida Imagem recriada por operadoras Imagem concebida pelo turista (compra e viagem). Fonte: Criação do autor, a partir das idéias de Santana, 2009. Essa condição maquiadora do fenômeno turístico em destinos como Natal, diante do que foi mostrado, retrata uma desigualdade social e que negligencia a realidade deprimente de pessoas que vivem também ilhadas, mas sob a ordem da falta de perspectiva, de condições sanitárias impróprias, de cotidiano agitado, estressando pela violência, insegurança e tráfico que os cerca, e tomados pela ideia de um futuro incerto, ou melhor – certo de ser sombrio, vigiado e punitivo, como aponta Martins (2008, p. 68), ao referir-se às idéias de Foucault: 117 Essa é, certamente, uma indicação da variedade de formas da interiorização do olhar oculto que vigia (e pune) a cada um, a que se refere Foucault. Em Foucault, porém, no meu modo de ver, prevalece a suposição de que o homem comum tornou-se uma vítima impotente dos mecanismos ocultos de vigilância, do olhar invisível que dissemina a suspeita como técnica de controle (confinamento e exclusão) social. Ele próprio assinala a importância da claridade, da luminosidade e transparência dos ambientes para assegurar a eficácia de um difuso e disseminado olhar do poder. Diversamente dele, pode-se, pois, pensar que a escuridão tornou-se o ambiente do contrapoder (o poder paralelo do tráfico e sua repercusão). A escuridão, aí incluída a escuridão onírica, se situa no preâmbulo da insubmissão. E ela se tornou não só a contraluminosidade do sonho, mas estabeleceu também que as sombras constituem o cenário próprio da transgressão (conseqüência do descaso com Novo Horizonte) no mundo atual, isto é, o cenário do desafio à ordem e ao poder. 3.11. Fim da Linha: encontro do rio com o mar A segregação das novas elites globais; seu afastamento dos compromissos que tinham com o populusdo local no passado; a distância crescente entre os espaços onde vivem os separatistas e o espaço onde habitam os que foram deixados para trás; estas são provavelmente as mais significativas das tendências sociais, culturais e políticas associadas à passagem da fase sólida para a fase líquida da modernidade. (BAUMAN, 2009, p. 28) Os turistas são convidados a visitar apenas trechos da região costeira, deixando de conhecer os principais atores e cenários do destino turístico que escolheram para suas férias. Natal enquanto pseudo-lugar (CRUZ, 2007) torna-se evidente por diversas obras estruturais (traslado aeroporto – núcleo de hotéis) e movimentações ocorridas nos últimos anos. O bairro e praia de Ponta Negra (principal cartão postal da cidade, e exemplo disso), resultam em uma “ilha turística”. Hoje parte do bairro “é disponível apenas para os de alto poder aquisitivo – no caso, os estrangeiros, os investidores de todo o país, particularmente os de São Paulo, e as elites locais. Isso faz com que tenha se tornado inacessível até mesmo para as classes médias.” (p. 442) E quem se vê a “margem dessa ilha” e de sua estrutura com calçadão iluminado, shoppings, belos hotéis e restaurantes, rodovias pavimentadas e bem sinalizadas, acrescidos de segurança e limpeza, está sob uma realidade paralela muitas vezes com um nada “novo” horizonte de exclusão e miséria (Figura 48), em que turista não é convidado a contemplar. 118 Figura 48 – Depoente Dona Maria José ou Nenê, moradora e lavadeira Fonte: Documentário As Ruas do Rio, 2009. Os depoentes desse horizonte cinza parecem apontar o poder público como apático na busca por melhorias estruturais e sociais do local, mas também compreendem que a falta de consciência ambiental e o processo de apropriação desordenada do território promovida por eles mesmos (e teriam outra saída?) contribuiu para o estado desolador da comunidade. Identidade conturbada essa que se apresenta ao final do vídeo em formato de poema. Escritas pelo professor em parceria com as experiências dos alunos que construíram o documentário, as palavras mostraram os moradores vitimados pelo desequilíbrio (para esta pesquisa, confrontado com áreas turísticas) das ações governamentais que para além de não atenderem minimamente à função de “zeladoria da cidade e uma prestadora de serviços sociais [...] não atua como indutora do desenvolvimento econômico.” (CLEMENTINO, 2002, p. 130). 119 OCAOSURBANO O caos urbano Sem urbanidade Violento, nada lento Acelerado tormento Em todas as direções E sem sentidos Umbigos Destinos idos Escorrem e escorregam Vidas sem vida Abrem as valas, valas Falta dedo, dente, letra Câmbio, câmbio, cambio Ao quê, aonde, por que! Rio de lama Límpido passado Passam horas Tempo ingrato Ruas-ruelas-vielas Becos, mais becos Misericórdias Drogas e bolas Crianças, pivetes e balas! A esperança pirou O futuro é distante E não sabem Quando ou onde! Gritos e prantos Silêncios nos peitos Receios e angústias Recreios tardios Nas ruas Nuas Não nas escolas As casas são casas! Mal cabem no chão Papelão! Era lixo, hoje trabalho Trabalho, mermão! Poema de Cláudio Martins recitado durante os créditos do documentário. 120 A cada frase dita ou gritada deste poema, quilômetros de distância e um muro invisível maior se edificam entre a elite turística, e a realidade temerosa dos mais pobres da cidade. Ambos – turista e residente – ao modo que os compete, são manipulados pela força dos sentidos pós-modernos de comportamento, medo, consumo e confinamento. Consciente ou inconscientemente eles exercem sua experiência urbana sob a égide do capital, que seleciona, fragmenta e limita os espaços a circular e impressões pessoais de cada grupo. O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso e, enquanto você acredita estar visitando Tâmara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria. (CALVINO, 1990, p. 09) O fragmento do romance de Calvino, certamente quando escrito, não se tinha a pretensão de remeter-se a atividade turística, ou aos “impuros sociais”. Entretanto recai sobre o fenômeno aqui percebido – segregação socioespacial e turismo - com bastante propriedade. Muitos turistas vivenciam “páginas” muito bem escritas e marcadas nos locais onde visitam, repetem um discurso, uma vivência muitas vezes enlatada, pouco espontânea – IRREAL. Esse confinamento territorial do turismo (YÁZIGI, 2001), querendo encobrir as irregularidades do entorno, infelizmente não é mais uma tendência. Se apresenta como uma constante realidade de apropriação da cidade pelo fenômeno, que segrega por meio da diferença, como também da hierarquia do consumo, que com “suas estratégias capitalistas, visando ao espetáculo e ao embevecimento dos visitantes” (CORIOLANO; SILVA, 2005, p. 159) torna-se sinônimo de contradição ao que é vivido no cotidiano, um tanto cruel para muitos – nessa mesma cidade. Cidade – ora destino turístico, ora conjunto de zoneamentos urbanos desiguais - produto do poder privado e enfatizado pelo agente estatal, que distribui de forma irregular os projetos de melhoria das bases do social e equipamentos urbanos, colaborando para a saliência da segregação e disparidade de realidades expressa nesta pesquisa. 121 04. CADA MERGULHO “OUTRO” FLASH: HABITUS DE LAZER E ENVOLVIMENTO CULTURAL EM ÁREAS DISTINTAS 122 04. CADA MERGULHO “OUTRO” FLASH: HABITUS DE LAZER E ENVOLVIMENTO CULTURAL EM ÁREAS DISTINTAS Os elementos que estão envolvidos nessa „abstração‟ da cidade, os discursos, símbolos, [...] são elementos através dos quais o indivíduo empresta sentido à experiência de viver o urbano e, por isso mesmo, devem de ser considerados. (COSTA, 2005) Os textos, os diálogos, comportamento e paisagens – fragmentos/ recortes da experiência do urbano - cada vez mais mistos e complexos, representam a “abstração”, o entendimento do sujeito sobre o vivido. Entendimento esse que se encontra nas entrelinhas do discurso, símbolo, imagem, conteúdo, no caso – midiático, sobre Natal-RN. Com o propósito de mais uma vez reconhecer o que está além da tela dos vídeos de registro e documentais, na perspectiva do residente e do visitante, esta sessão pretende compreender a questão da segregação socioespacial. Diferente da sessão anterior, que se remetia a questões infraestruturais, qualidade de vida e acesso aos bens da cidade, neste trecho do estudo, tem-se como objeto os espaços e práticas de lazer e cultura, aspectos que – ao serem analisados – revelam mais um traço importante da separação entre turistas e residentes no destino Natal, resultado de uma das facetas do turismo, que em diversas situações interfere e modifica percepções dos outros e dos lugares cotidianos, nos valores e nos [...] padrões culturais que vão desde a gastronomia até aqueles que ajudam a fixar estereótipos, delimitar papéis, determinar status e, com isso, estabelecer níveis de relação com nossos iguais e não tão iguais. (SANTANA, 2009, p. 66) Aqui a motivação que separa a experiência turística, do cotidiano local, principalmente da classe popular, neste capítulo é a mesma do descrito anteriormente: a busca por encobrir o entorno e enaltecer uma pseudo Natal elitizada, padronizada internacionalmente, sem contrastes, sem o “povão” descapitalizado e com comportamento (habitus) distinto do turista normalmente psicocêntrico que visita Natal, voltado para a segurança e hierarquia social e certa reprodução da vida cotidiana do seu entorno habitual (PLOG, apud GOELNER, RITCHIE; MCINTOSH, 2002). Assim, estudar as práticas de lazer aqui representadas 123 principalmente pelas vividas nas areias das praias “coincidentemente” mais extremas da cidade de Natal (Praia de Ponta Negra e Praia da Redinha) é antes mesmo de esmiuçar as evidências, deparar-se com duas áreas frequentadas por públicos diferentes: o turista nacional e estrangeiro que fica às sombras das caras e espaçosas espreguiçadeiras de Ponta Negra (Figura 49) e o residente que se esconde sob o agitado, apertado e democrático guarda-sol da Redinha (Figura 50). Figura 49 – Turista tomando bronzeando-se em área reservada Fonte: Vídeo Férias em Natal RN, 2009. 124 Figura 50 – Multidão que frequenta a praia da Redinha durante fim de semana Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. Exemplificar símbolos dessa segregação (estranhamento) presentes no cenário litorâneo da cidade (Mapa 03) sinaliza para uma série de indícios que serão descritos através da apreciação de vídeos de registro recentes de viagens feitas ao destino Natal, cidade contemporânea e cenário para o campo de batalha no qual poderes globais (turismo) e os sentidos e identidades tenazmente locais se encontram, se confrontam e lutam, tentando chegar a uma solução satisfatória ou pelo menos aceitável para esse conflito (espaços turísticos X espaços para residentes): um modo de convivência que – espera-se – possa equivaler a uma paz duradoura, mas que em geral se revela antes um armistício, uma trégua útil para reparar as defesas abatidas e reorganizar as unidades de combate (BAUMAN, 2009, p. 35) (parênteses nosso) E acrescenta, ante a concepção de que cada grupo – semelhantemente ao que pensa Bourdieu – se mostra em maneiras de comportar, consumir e se dispor na sociedade como maneira de mostrar a que lado/parte da cidade/sociedade pertence e deve permanecer (para não se destacar como estranho em outros grupos/espaços): 125 126 Todas as sociedades produzem estranhos. [...] Os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses mapas, em dois ou em todos os três; [...] portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória [...] eles poluem a alegria com a angústia [...] Em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de FRONTEIRA que devem ser claramente vistas [...] Ao mesmo tempo que traça suas fronteiras e desenha seus mapas cognitivos, estéticos e morais, ela não pode senão gerar pessoas que encobrem limites julgados fundamentais para a sua vida ordeira e significativa. (BAUMAN, 1998, p. 27) (grifo nosso) A edificação e a ratificação dessa fronteira em Natal resultam em pouco contato do turista com o residente; redutos públicos, mas quase que “exclusivos” para suas práticas de lazer (caros e de difícil acesso); pouco envolvimento com a cultura local. Os vídeos selecionados corroboraram para essa discussão são aqui comparados com o documentário “Redinha Arredia” (Figura 51), obra de Carlos Tourinho, que conta com a participação dos alunos da Oficina de Cinema e Vídeo do ITEC (Instituto Técnico de Estudos Cinematográficos), e apoio da Fundação José Augusto. Exibido no mesmo ano no IV Festival de Vídeo Potiguar (evento que compõe e antecede o Festival de Cinema de Natal), o filme – oferece visibilidade aos moradores e banhistas da Praia da Redinha, sendo segundo França (2002, p. 61) “referências e representações imaginadas deste cinema, como forma de abrir à experiência daquilo que se pensa sobre a realidade” dos sujeitos desta praia, que foram elencados a partir de uma pesquisa dos discentes do curso de cinema. Os alunos saíram em campo, começaram a fazer a pesquisa sobre a Redinha, tudo sobre a Redinha, fotografia, quem morava lá, pessoas famosas, pessoas populares, pescadores. Enfim, todo aquele mundo pequeno ali, no sentido geográfico da praia da Redinha, eles foram lá e fizeram o levantamento [...] Tudo que nós víamos, nós filmávamos e ao mesmo tempo nós fazíamos as entrevistas [...] As pessoas estavam tomando banho, nós íamos lá e abordávamos com a pergunta, por exemplo: - O que a Redinha representa pra você? Se eu perguntasse: - O que você acha da Redinha? ficaria algo esquisito. A pessoa me responderia: - Se eu achasse ruim não estaria aqui. Com a outra pergunta as pessoas diziam: - A Redinha pra mim é tudo. Num sei o que lá... Em cima dessas respostas nós começamos a construir o que aquelas pessoas estavam fazendo ali. (Carlos Tourinho em Entrevista, 19/02/2011) 127 Figura 51 – Abertura do documentário Redinha Arredia com o mercado ao fundo Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. E é a partir dessa construção de como e o que aquelas pessoas estavam fazendo ali, é que emerge aqui um pilar teórico importante para reconhecer não apenas os vídeos de registro, mas principalmente o documentário - O conceito de habitus 6 de Bourdieu (2001). Tal entendimento sintetiza os eixos do enredo do filme: comportamentos, perspectivas e ações comuns ao grupo de moradores e frequentadores da Praia da Redinha (resistente aos convites do “progresso” do discurso do turismo, reduto da população simples nas horas de lazer). E quanto se analisa a relação desses moradores e frequentadores com tal praia urbana – através do filme, se compreende a formação de campos específicos de gostos e do saber, em que certos bens são valorizados por sua escassez e limitados a consumos exclusivos, serve para construir e renovar a distinção das elites (como subalternos). Em sociedades modernas e democráticas, onde não há superioridade de sangue 6 O habitus, conceito teórico de Pierre Boourdieu, apresenta-se como sistema de disposições para a prática, é um fundamento objetivo de condutas regulares (estruturadas), logo da regularidade das condutas (estruturantes). Sendo possível prever as práticas, o habitus faz com que os agentes que o possuem comportem-se de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias. BOURDIEU, P. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004). 128 nem títulos de nobreza, o consumo se torna uma área fundamental para instaurar e comunicar as diferenças”. (CANCLINI, 2006, p.36) A partir desta maneira de consumo do espaço - que se normatiza a diferença dentro da própria cidade de Natal – é que se determina e aponta quem vive ou visita a Redinha como pertencente à classe social menos favorecida. É o turista mais uma vez distanciado do “povão” e suas horas de lazer, práticas alimentares, entre outros aspectos distintos do que se percebe no outro extremo costeiro da cidade (os turistas que se hospedam no entorno da praia turística de Ponta Negra – vídeos de registro turístico). Neste momento o conceito de habitus se instaura, revelando o cotidiano do residente, o modo de vida da comunidade pesqueira, crenças religiosas, o lazer dominical, e festividades (LARAIA, 2008) comuns à população da praia certamente mais popular da cidade de Natal. Em síntese, o documentário mostra aspectos do passado longínquo – baseado na oralidade local e sua memória coletiva, referências a uma outrora simples e tranquila de vila de pescadores (Figura 52), um presente de opção de lazer popular, bairro por vezes violento, um futuro ameaçado pelo “progresso” dos investimentos de projetos de trazer a atividade turística (exemplo: Ponte Newton Navarro, durante as gravações ainda em obra). Tais abordagens remetem ao entendimento trifásico de Bourdieu (2001, p. 257) de que o habitus, as disposições do indivíduo, está diretamente ligado ao seu passado enquanto pertencente a um grupo social, a reprodução de elementos desse passado no presente, e sua influência precisa no “porvir”, e da ordem hierárquica que envolve a dinâmica social de pureza (segregação) elucidada por Bauman: “Ordem” significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis. (1998, p. 15) 129 Figura 52 – Pescador após arrastão Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. O passado, presente e futuro dos transeuntes dessa praia se manifestam inicialmente em uma única tomada – ou pelo menos ao que ela representa. O poeta potiguar Plínio Sanderson – nativo da praia da Redinha, caminha sobre o trapiche - construção recente que unida a outras obras (urbanização das barracas, estacionamento, arborização, e calçamento) repaginou urbanamente a antes vila de pescadores, tendo ao fundo os pilares de uma obra colossal (Ponte Newton Navarro) de grande impacto paisagístico, especulativo, e comercial na região. Ao percorrer esse cenário, o poeta rememora a rotina dos habitantes e banhistas da praia da Redinha, declamação em versos que dialogam com imagens fotográficas da história, da cultura, das personalidades, do povo desta praia cada vez mais urbana, com os louros e percalços do progresso advindo e anunciado. 130 REDINHA ARREDIA- PínioSanderson Entre gamboas, a tessitura de caranguejos, Cavalos marinhos grávidos... Entre gamboas, antes e depois do maruim, o cemitério dos ingleses, fantasmas da memória... Sou outrora piqueniques, serestas, ao labor dos alísios... Desmalhadas e algazarras, de veraneios, alpendres, cachaça... Praia sombreada de cajuais... Ondas encrespadas em águas ardentes... Toca do rei, pé do gavião, na festa do caju... A cerca do clube de pedra incrustada traquinamente... Mercado, meiota, ginga com tapioca... Quermesse, chegança, nau catarineta... Roda gigante, procissão na festa da padroeira dos navegantes... João bolão, bufão inveterado... Os cão chupando manga no mangue. De maneira objetiva, o poema vai dar voz a elementos importantes da sociabilidade e cultura popular, evidenciada nas “atividades banais e renovadas [...] multiforme” (CERTEAU, apud CUCHE, 1999, p. 150) - do imaginário no cotidiano da praia da Redinha (conhecida também como Redinha Velha, devido à popularização da faixa de praia que fica ao lado, e que nos anos 1980, com apelo turístico, levou o nome de Redinha Nova). Os aspectos abordados nessa pesquisa comparativa entre os vídeos são mais uma vez originados dos “Atributos de Imagens Aplicadas aos Diferentes Atores do Destino” (SANTANA, 2009), sendo os itens selecionados e apresentados na figura a seguir relevantes para a comparação entre atividades de lazer e experiências culturais. 131 Tabela 03 – Atributos analisados comparativa entre Região Turística e Praia da Redinha VARIÁVEIS COGNITIVAS Qualidade de Experiência: Restauração e oferta alimentar Hospitalidade Atrativos/ Atividades: Atividades de lazer/ Atividades marítimas Atividades culturais e Aspectos Históricos Dentre as Variáveis Cognitivas, que atendem à categoria Qualidade de Experiência, pode-se destacar os itens: 4.1.Tem menu e tira-gosto: restauração e oferta alimentar Comparar o lay out dos espaços, o cardápio e a qualidade dos serviços de A&B oferecidos na Praia da Redinha e na Praia de Ponta Negra e os demais espaços litorâneos frequentados por turistas, é entender que em tudo há distinção entre turistas e populares locais. Observa-se uma grande variedade de restaurantes (diversidade também de cardápios de estilo regional e internacional, além de profissionais muitas vezes com boa qualificação), amplas áreas de estacionamento privativo e público, excelente infraestrutura de alimentação (Figuras 53 e 54) e lazer (play ground, piscina) e paisagem privilegiada, salões muitas vezes climatizados, e áreas espaçosas para fácil e tranquila circulação (dentro e fora dos estabelecimentos), com acesso aos portadores de necessidades especiais, entre outros aspectos, voltados principalmente para o público turístico. 132 O cenário de consumo cheio de referências de requinte e sofisticação, quando comparado com a grande maioria das áreas de lazer de Natal (não apenas litorâneas), apresenta a concretude das diferenças e separação, seja no gosto, na disposição financeira, e acesso a espaços de alimentação/socialização, que - concorda Valença e Bonates (2008, p. 442) - “refletem o alto poder aquisitivo – no caso, os estrangeiros, os investidores de todo o país, particularmente os de São Paulo, e as elites locais. Isso faz com que o bairro de Ponta Negra – tenha se tornado “ilha”, inacessível até mesmo para as classes médias”, além de mercadoria transformadora das relações socioespaciais, principalmente na região costeira, não apenas em aspectos como especulação imobiliária, questões ambientais, mas também de sociabilidade autóctone. Figura 53 - Restaurante de cozinha internacional Fonte: Vídeo Natal-RN, 2009. 133 Figura 54 – Casal em restaurante de culinária regional Fonte: Vídeo Natal (RN), 2007. A discrepância na praia da Redinha é facilmente perceptível, onde é encontrado um aglomerado de pessoas concentradas (carros, vans, ônibus, motocicletas e pedestres) em uma estreita faixa de areia (vila) com poucas opções de estacionamento público, e nenhum privado, sem áreas de escoamento de trânsito, e com sérios problemas infraestruturais, como é o caso do principal centro de oferta alimentar da praia: Mercado da Redinha. O antigo mercado, que está junto ao mercado de peixe fresco, apresenta irregulares condições sanitárias (manipulação de alimentos – população local com deficiência de qualificação para atender e produzir alimentos, paredes e teto deteriorados, problemas sanitários visíveis, além de um espaço bastante reduzido – Figura 55) para atender a demanda de banhistas, principalmente nos finais de semana. Apesar da concentração dos frequentadores dentro e no entorno do Mercado, atualmente pode-se contar com algumas barracas e quiosques que vieram com a urbanização pública de parte da praia e permitiram um serviço de A&B mais adequado. 134 Figura 55 – Frequentadores e comerciantes dentro do tradicional Mercado da Redinha Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. Apesar de apresentar condição deficitária para atender a clientela, prezando pela qualidade dos serviços e infraestrutura (condição que também pode vir a representar um atrativo para locais e possivelmente uma classe específica de turista – interessados na simplicidade, no rústico e buscando contato com o autóctone), é neste mesmo mercado que se pode apreciar um prato típico local, e que normalmente só é oferecido na praia da Redinha: a Ginga com Tapioca (Figura 56). Tal elemento gastronômico - autêntico da cultura natalense, e representante da expressão pesqueira do homem com o rio Potengi e o mar – de certo deveria estar nos menus dos restaurantes turísticos da cidade, ou pelo menos, na programação gastronômica das agências de receptivos e afins que contemplariam a visita ao local. Entretanto, acabam por priorizar restaurantes com cardápios mais elaborados, e muitas vezes com forte influência da cozinha internacional. Assim, o prato da Redinha se limita à apreciação apenas dos moradores e banhistas que lá frequentam, e que ao chegar ao mercado revivem a experiência cultural do homem simples, do consumo da “piscinão” (Carlos Tourinho em entrevista, 19/02/2011), do popular, da cerveja, da música alta, da mistura, da cerveja, da emblemática ginga com tapioca. 135 A partir do depoimento de sra. Ivone, filha dos criadores desse prato simples (sanduíche marinheiro – nome batizado pela sua mãe - senhora Dalila), parte do documentário Redinha Arredia referencia mais uma vez o traço cultural e histórico do local, e que em nenhum dos vídeos turísticos sobre Natal se contempla. O depoimento da moradora, hoje já falecida, apresenta não apenas o aspecto humilde da comunidade que vive na praia, mas a peculiar história por ela contada – a origem do prato. Quando os homens iam pro mar só pegavam peixe grande. Quando foi um dia, eles deram um lance... quando veio tinha muita ginga, muita ginga mesmo. Aí eles disseram: - Ninguém vai botar esses peixes no mato, a gente vai vender. Aí papai disse: - Eu vou tirar que eu vou inventar uma novidade com esse peixinho. Porque a ginga é pequena, você conhece, né? Aí, papai tirou um cinco quilos, mandou tratar, tirar a cabeça. Papai tirava a cabeça, cortava assim (fazendo o movimento de corte no ar) a barriga. Daí disse: - Dalila (sua esposa), vamos fritar... vamos enfiar num ponteiro de coqueiro, aí a gente bota dez... dozeginguinha e frita, aí faz a tapioca e coloca dentro. Ai chama de sanduíche marinheiro, papai inventou. Ai mamãe disse: - Tá bom, tá certo! Ai começou-se a fazer. Daí todo mundo começou a fazer a ginga com tapioca. (Dona Ivone, depoente do documentário) Figura 56 – Preparação do Prato Ginga com Tapioca Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. 136 Enquanto tradição “conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas” (HOBSBAWN, 1997, p. 09), o prato – não apenasaparece na voz da senhora Ivone, mas também em outros trechos do vídeo, no momento em que é preparado, e na hora em que é apreciado por moradores e visitantes do Mercado Público da Redinha, que assim como os demais bares da região, têm como “tira-gosto” principal a Ginga com Tapioca. Esse que também pode ser entendido como elemento da vivência local e que não dialoga com a superestrutura turística que não divulga a especiaria do “outro lado do muro”, onde a imagem construída para a venda é marcada por uma política que, ao invés de ser “conjunta e com participação (colaborativa) de todos [...] na configuração de tal imagem, na seleção de atributos, na conjunção de produtos em suas referências físicas e emocionais sobre a identidade do destino” (SANTANA, 2009, p. 101), ressalta um conjunto de iniciativas que tendem a supervalorizar atributos pontuais, reeditando tradições, importando e recursos, pressupondo que sua demanda não considere relevante o contato com espaços como a Redinha e pratos como a popular Ginga com Tapioca. 4.2.Wellcome to the jungle: hospitalidade O objetivo é manter os enclaves extraterritoriais isolados do território contínuo da cidade; construir pequenas fortalezas no interior das quais os integrantes da elite global extraterritorial podem cuidar da própria independência física e do próprio isolamento espiritual, e tratar de cultive-los e desfrutá-los. (BAUMAN, 2009, p. 43) Quando analisado este aspecto, a capacidade de receber bem, de atender e até mesmo superar as expectativas de quem visita as duas regiões, se percebe evidências de que os dois grupos se sentem bem recebidos nos espaços que “escolheram” para a prática de seu lazer. Além de algumas expressões e depoimentos nos vídeos turísticos, a própria pesquisa da EMBRATUR (FIPE, 2009) coloca a hospitalidade do natalense como um dos aspectos melhor avaliados por turistas. Assim como no espaço turístico, diversos são os relatos de banhistas da praia da Redinha que se mostram extremamente satisfeitos com a sua experiência de lazer: 137 - Meu ponto turístico é esse. Redinha velha. (Senhora banhista) - É 10! 10! (Vendedor de bronzeador). Ainda trazendo para o conceito de habitus, esses sujeitos (turistas e residentes) se sentem parte do universo onde se inserem para a prática do ócio. Todavia, na mesma medida, também vale salientar que a hospitalidade no local de onde “se pertence” parece não ser a mesma quando esses sujeitos se deslocam para a praia onde se diverte o “outro”. Ao verificar que em nenhum dos vídeos turísticos selecionados foi detectada a visita à praia da Redinha, sinaliza-se para o fato de que o turista normalmente não chega a conhecê-la (a praia mais popular de Natal) sendo certamente desmotivado pela falta de apelo de agências e operadoras que se dedicam a explorar o litoral norte a partir da praia de Jenipabu – Extremoz (apenas o vídeo Saindo de Natal_RN cita a praia, mas não a apresenta imageticamente). O motivo já foi dito – crer que o habitus do turista (tradicionalmente) que visita Natal não tenha conexão – mixofobia 7 : medo de se misturar - com a praia, e com o popular (que também representa o pobre, o simples, a desestrutura, o povo, a “zorra” – Figura 57). 7 Termo utilizado por Steven Flusty, para descrever o impulso em enclausurar-se em experiências, ilhas de identidade, de semelhança, quando se depara com a possibilidade de lhe dar com o novo – o diferente, sendo o novo na contemporaneidade envolto numa instabilidade turbulenta da violência, da exarcebação de estereótipos – busca por comunidade dos iguais (turistas, por exemplo, que só fazem contato com outros turistas durante a as viagem). 138 Figura 57 – Muitas crianças e adultos se divertem beira mar da praia da Redinha Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. Esse movimento de desconhecimento do espaço, quando se trata do residente, o problema não está no desconhecimento na maioria das vezes, mas sim no sentimento de realmente crer não pertencer a Ponta Negra, por exemplo, que para os banhistas da Redinha, não atende aos interesses deles, visto que em tudo é/está diferente (ofertas, comportamentos, vestimentas, preços principalmente) do que se consome na praia do extremo norte. Os frequentadores da praia da Redinha seriam, ao chegar às areias de Ponta Negra uns estraga-prazeres meramente por estarem por perto, pois não lubrificam nada à prosperidade da economia transformada em indústria de turismo. São inúteis, no único sentido de “utilidade” em que se pode pensar numa sociedade de consumo ou de turistas. E por serem inúteis são também indesejáveis. (BAUMAN, 1999, p. 104) Os residentes, na condição de usuários da praia da Redinha, se mantêm distante do território turístico, porque esse é um espaço onde concentra os interesses “estratégias para o capital” sustentado pelo consumo do turista e da elite local. Essas ações de espetacularização e de êxtase turístico (evidenciada em todos os vídeos de registro), segundo Coriolano e Silva 139 (2005), encontram nos residentes menos abastados atos de resistência (valorização da cultura própria e preservação dos hábitos de quem frequenta espaços populares), como também de adaptação (esse mesmo grupo que ao compreender a sua indisposição de consumo em áreas nobres, migra e/ou permanece nessas áreas). A partir do comentário de frequentadores, o que se percebe é uma grande parcela da população natalense (classe menos abastada) que se sente indesejada em Ponta Negra, local onde se concentram parte da elite local e principalmente a massa turística. Praia que é evidenciada em cartões postais e propagandas publicitárias em todo o mundo, e que no passar dos anos vem cada vez menos sendo inserida no cotidiano da grande maioria dos moradores da cidade. Moradores esses que não encontram em seus imaginários de cidade sua pertença (vice-versa) a uma praia ilhada por hotéis de luxo, restaurantes de culinária internacional, preços pouco convidativos. “- O povo diz que Ponta Negra é. Mas para mim é a Redinha. Porque Redinha é popular... (movimento de girar a mão num sentido que aceita todo mundo, e esfregar os dedos no sentido de econômico).” (Roberto - eletricista) “- Eu acredito que hoje, queira o não, ainda seja o cartão postal de Natal.” (Salete, operadora de caixa) E ainda a partir das Variáveis Cognitivas, na categoria Atrações/ Atividades, destacam- se os itens: 4.3.Lanchas para uns, terra firme para outros: atividades de lazer - atividades marítimas Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia social pós-moderna. (BAUMAN, 1998, p. 118) Unir atividades de lazer e atividades marítimas em uma única análise é reconhecer que muitas das atividades de lazer vividas pelo turista se dão através de passeios que envolvem atividades também marítimas, como a visita a parrachos (Figura 58) e passeios de Jet Sky, 140 lancha, ou jangada. E é basicamente esse tipo de atividade a mais comumente encontrada nos vídeos selecionados. A grande maioria das experiências turísticas aqui discutidas, mostram que a maioria das atividades de lazer, quando não são no proveito das áreas (piscinas, quadras poliesportivas, kidsclub, etc.) e atividades recreativas (hidroginástica, caminhada, jogos) no próprio hotel, são em passeios pelo litoral do estado, deixando a cidade de Natal e indo em direção aos parrachos de Maracajaú (Maxaranguape), ou parrachos de Pirangi (Parnamirim). Figura 58 – Turista mergulhando nos Parrachos de Maracajaú (Maxaranguape) Fonte: Vídeo Férias em Natal, 2009. Entretanto, nesse percurso – que normalmente é feito através de buggys ou ônibus de agências de receptivo - outros pontos e atividades de lazer podem ser realizadas: passeios de buggy pelas dunas de Jenipabu (Extremoz), e parte do litoral, skybunda e aerobunda, caiaque e pedalinho em várias lagoas (Jacumã, Pitangui, Arituba, entre outras) e rios (Punaú e Catu), além de visitas a parques aquáticos como o Manoa Parque (Maracajaú – Maxaranguape – Figura 59), e passeios em dromedários sob as dunas de Jenipabu (Extremoz- Figura 60). Apesar de todas essas atividades, a mais comumente percebida nos vídeos é ainda a mais contemplativa: o banho de sol e mar. 141 Figura 59 – Turista em parque aquático de Maracajaú (Maxaranguape) Fonte: Vídeo Férias em Natal RN, 2009. Figura 60 – Turista visitando os dromedários do “deserto” de Jenipabu (Extremoz) Fonte: Vídeo Férias em Natal_2008, 2008. 142 A principal atividade de lazer desenvolvida pelo turista convencional está associada sempre ao sol & praia, como se percebe a partir das diversas atividades acima citadas. Entretanto, é ainda o simples sentar beira mar, bronzear-se, banhar-se e consumir aperitivos, a prática mais comum. E essa é a de certa forma, a única dentre as citadas que é desenvolvida dentro da capital, nas areias da praia de Ponta Negra. Areias que disputam turistas com as atividades do extenso litoral norte e litoral sul (onde se localiza um dos principais destinos do estado, a praia de Pipa – recorrente em vários vídeos). “Um “litoral acolhedor” moldou, conjuntamente com tal modelo de investimentos, a simbologia da cidade do sol: praias, sol intenso e belezas naturais tornaram-se um atrativo para visitantes nacionais e, principalmente, internacionais.” (FERREIRA; SILVA, 2008, p. 459). Tal situação corrobora para entender que quando não está no hotel, ou em Ponta Negra (areia da praia, restaurantes, lojas de suvenires), o turista deixa Natal e segue para práticas de lazer no litoral, relegando-se o contato com qualquer outra atividade de lazer em outra área da cidade (exceto a praia do Meio e do Forte, que possui alguns meios de hospedagem e Fortaleza dos Reis Magos (Figura 61), além do centro da cidade através de um city tour duvidoso, que será analisado nas próximas páginas). Figura 61 – Turista em visitação à Fortaleza dos Reis Magos Fonte: Vídeo Natal (RN), 2007. 143 É importante ressaltar que está se tratando aqui do turismo de motivação sol & mar, quando pensado no turismo sexual – muito presente também no destino Natal, vários são os guetos onde turistas em sua maioria, estrangeiros, buscam o lazer na Cia de garotas de programa em casas noturnas de prostituição. E isso, como já mencionado no capítulo anterior, também é um traço muito forte do turismo realizado atualmente. Quando comparada a prática de lazer de sol & mar turística com a local (da classe popular), mais uma vez o que se encontra é uma grande distinção: se de um lado se apresenta uma série de opções de lugares e atividades recreativas que se desenvolvem entre iguais - turistas, de outro se observa uma população ilhada em uma pequena área. A praia da Redinha é reconhecida como popular principalmente porque, diferentemente dos espaços tomados pela atividade turística (Via Costeira, por exemplo – onde hotéis de luxo e serviço de transporte incipiente indiretamente impedem o acesso à praia), aceita a classe pobre, que ao chegar ao local, exerce seu lazer através das reuniões familiares, encontros de amigos, consumo de aperitivos (ginga com tapioca), banhos de mar (muitas crianças, idosos, casais), e dança e música (axé, forró, brega, eletrônico). O popular é muito popular. Principalmente crianças. São coisas que não se pode perder, aquele senhor sentado na areia todo esparramado, a água batendo pra lá e pra cá. Aquilo ali é a vida dele, é o piscinão do Rio. Tem um casal na areia da praia, todo romântico, rodeado de criança correndo, uma agonia, mas eles não estão nem ai, é a hora deles serem românticos. A mãe gritando: - Ei, ei? São coisas que acontecem. (Carlos Tourinho em entrevista,19/02/2011) Essas atividades, que normalmente se intensificam durante o fim de semana, segundo os próprios frequentadores, são uma entre as poucas opções (e eles parecem felizes com a condição – Figura 63) que eles têm para extravasar as tensões de um cotidiano de trabalho, como também de levar ludicidade para seus filhos (Figura 62). - Eu acho aqui entretenimento e lazer! É uma forma de a gente sair com os filhos, e vê a alegria deles tomando banho, se divertindo. Muito bom! (Dona Fátima, dona de casa) 144 Figura 62 – Família reunida durante final de semana Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. Figura 63 – Idoso tomando banho de sol e mar Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. Ao reconhecer que as práticas de lazer também refletem a segregação entre visitantes e visitados, conclui-se que a parte com melhor infraestrutura, opções de lazer entre outros 145 aspectos, está apenas na área turística, sendo reflexo dos investimentos privados, mas também públicos. Esse último que deveria priorizar a população mais pobre, historicamente carente em tudo, inclusive nas opções e qualidade do seu lazer. Como se sabe: As ofertas de lazer por parte dos órgãos públicos devem ser justas, isto é, trabalhar na perspectiva da educação para e pelo lazer, CONTEMPLAR A TODOS, dando prioridade ás classes mais carentes. Para isso, devem ser ricas, equilibradas e diversificadas: em conteúdos culturais (social, turístico, artístico, físico-esportivo, intelectual e manual), nos gêneros e nos níveis. Portanto, as ações governamentais devem ir na direção oposta à lógica do lucro (turismo, por exemplo) e à comercialização do divertimento e da alegria: a direção da humanização da solidariedade, da inclusão, da sociabilização, da cooperação, da emancipação e da participação de todos, entre outros valores. (CÂNDIDO, 2008, p. 505) (grifo nosso) 4.4.Chiclete eu “não” misturo com banana: atividades culturais e aspectos históricos Sentimento de Patrimônio é o ato de valorizar, resgatar e interpretar [...] sua cultura e sua história, estimulando a comunidade a transformar a si, o ambiente e seu futuro. Este sentimento é mediado pela sensibilidade de identificar áreas esquecidas das grandes e pequenas cidades, vilas e povoados. Pela percepção das subjetividades daqueles que habitam os não- lugares cujo crescimento desordenado contribui para a exclusão social; pela investigação dos lugares como espaço de interpretação das riquezas simbólicas. (FARIAS, apud CORIOLANO; SILVA, 2005, p. 28) Durante o documentário, após a declamação do poema de Plínio Sanderson, surge um dos ícones da cultura popular de Natal - os foliões do Bloco dos Cão (Figura 64), um dos mais animados, tradicionais e irreverentes do Carnaval Potiguar. Criado a mais de 50 anos pelo pescador José Gabriel (Zé Lambreta) e seus “pariceiros”, a grupo carnavalesco que só existe na praia da Redinha, é conhecido pela aparência pitoresca de seus foliões, que surgem totalmente banhados de lama negra (daí seu nome – demônios) do mangue que fica próximo à praia. Local que durante a terça-feira de carnaval é tomado por pessoas da comunidade, e de outros bairros da periferia, que se melam, e ao tom da irreverência da festa (grupo de tambores), “infernizam” as principais ruas do bairro da Redinha. 146 - Começou a muitos anos com três pescadores, que lisos (sem dinheiro), não tinham como brincar... daí inventaram isso ai dos cão, né?! Quem deu o nome foi a própria população. O pessoal ia passando sujo de lama aí diziam: os cão!!! Correndo todo mundo. Aí a gente aproveitava e melava todo mundo. (Eugênio – comerciante) Figura 64 – Foliões do Bloco dos Cão durante o Carnaval Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. Ao observar essa festividade carnavalesca, torna-se inevitável não perceber elementos desta manifestação que remetem a ícones das brincadeiras de carnaval ainda do período medieval, tão bem traduzido pelas obras literárias de François Rabelais, que até hoje são fontes de elucidação de aspectos culturais, morais e sociais desse período (BAKHTIN, 1993). No vídeo aparece descrito enquanto tradição (festa dos tolos) que resiste até hoje no carnaval da praia da Redinha (conta também com blocos como o Baia Cú na Vara). Ressalta-se aqui a imagem do diabo deste período - que não representava apenas o mau - mas também a libertação – mesmo que momentânea – da opressão social do Estado e da Igreja Católica. Nas diabruras dos mistérios da idade média, nas visões cômicas de além- túmulo, nas lendas paródicas, o diabo é um alegre porta-voz ambivalente das 147 opiniões não-oficiais, da santidade ao avesso, o representante do inferior material [...] as vezes o diabo e o inferno são descritos como meros “espantalhos alegres” (BAKHTIN, 1993, p. 36). E essa representação sociocultural do diabo medieval pode ser encontrada exatamente na manifestação carnavalesca do bloco, que elabora seu humor a partir do fim da distinção de classes (apesar de os participantes normalmente pertencerem à mesma classe) – todos estão na lama (conotação de pobreza); o poder sobre o comando do diabo (povo, liberdade, não- coerção) e da paródia aos rituais legais e civis, onde se clama pela ordem e deferência. Seriedade essa quebrada também por outros ritos, que assim como na tradição do período das trevas: elege Bufões (João Bolão, personalidade também da praia da Redinha), Bobos, Reis Momos, Rainhas de carnaval (paródia do poder do Estado – e brincadeira com hábitos desregrados da Elite – Figura 65), tomada de poder pela classe popular, e valorização da sexualidade nas curvas do corpo da musa do carnaval. Figura 65 – Bloco carnavalesco tradicional Banda do Siri Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. 148 Pode-se destacar também o lado religioso dos que vivem na Redinha, imagens do documentário se concentram também na procissão de Nossa Senhora dos Navegantes (padroeira dos pescadores – Figura 66), que reúne no mês de Janeiro devotos em frente a igreja construída no início na década de 50 do século XX, com pedras retiradas da orla da Praia de Jenipabu (Extremoz – RN), e à Capela dos pescadores (erguida no em 1922) que abre apenas uma vez no ano, durante a procissão. - A capela, a igrejinha dos pescadores fundou o sentimento de fé na vila. E não poderia deixar de ser, pela tradição portuguesa e nordestina, e ao mesmo tempo foi dedicada a Nossa Senhora dos Navegantes. (Vicente Serejo, jornalista e escritor) Figura 66 – Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. A festa não se concentra em torno apenas do sagrado (pagamento de promessas, pedidos de cura), mas também de interesses de legitimação “cultural e socioeconômica" (BASTOS, 2007, p. 8). Sendo uma manifestação religiosa que atrai o homem simples da região, e de outros bairros periféricos para o exercício da fé, como também para reencontrar amigos durante o evento (sagrado e profano), ou para trabalhar enquanto vendedor de 149 alimentos e bebidas, produtos religiosos ou “flanelinha”. Diante do sagrado e do profano observado na cultura popular da praia da Redinha, se percebe aqui o isolamento da atividade cultural ante o setor turístico através do reduzido fluxo de turistas que sabem e/ou freqüentam tais eventos e conhecem tais expressões (não houve qualquer menção ao carnaval ou quermesse em vídeos turísticos). Eu vejo a Redinha como um mini caldeirão cultural, tem intelectual e popular. Ela tem um carnaval próprio inclusive, com quatro a cinco blocos. Eu vou te dizer, a Redinha é uma realidade cultural nossa. [...] As pessoas daqui tem uma certa (silencia a palavra discriminação), porque vai encontrar lá aquela zorra. Vai encontrar gente bonita, mas a mistura. Mas na verdade os pais dessas pessoas já frequentaram muito a Redinha. E a Redinha acabou virando um piscinão, veio a ser popular demais, e acabou sendo segregada. Eu acho que as agências, já falei isso, você tem que pegar o ônibus e fazer um passeio na Redinha, ir lá e conhecer o mercado. Tem gente que gosta, e não vai ser roubado. É mais fácil ser roubado em Ponta Negra que lá, se você observar. Se você parar e dizer: - Uma hora de praia aqui. O turista vai ter um contato direto com o popular e vai ver que não é aquilo. Se você pegar por exemplo um turista europeu, se levar ele vai gostar, e garanto que ele vai querer voltar. Com relação a cultura, a história, aos hábitos, o governo não se preocupa, não a memória. Os bancos de memória não existem praticamente.(Carlos Tourinho em entrevista, 19/02/2011) Em síntese, o depoimento de Tourinho explicita o estereótipo, a rotulação de populacho da praia, sua segregação até mesmo entre locais, mas principalmente a turística. O visitante não tem sua presença nessas festividades ou práticas de lazer de sol & mar na Redinha. Tal produto não é ofertado pelas agências de receptivo, meios de hospedagem, como também pelo próprio marketing governamental. Esse último não insere esses traços da cultura-história local na formulação de seu produto turístico, que preza pelo reducionista diálogo com os hábitos do popular, priorizando em muitos casos uma cultura elitista ou “emprestada”, privando o visitante de uma experiência turística apenas de sol & mar, com “flashs” de cultura, pouco local. Quando tem contato com expressões culturais ou históricas, o turista se vê envolvido em uma colcha de retalhos mal costurada. O visitante encontra apelo para visitação à pseudo- desertos do Sahara e seus dromedários (praia de Jenipabu – Extremoz), nem um pouco 150 potiguares; convites para comer pratos cada vez mais internacionalizados, dançar capoeira na praia (traço da cultura baiana), comprar artesanatos muitas vezes advindos de outros estados ou nitidamente semelhantes a tudo que é vendido nas outras capitais turísticas do nordeste brasileiro (quando se sabe que o estado possui diversos produtos autênticos e próprios pouco explorados turisticamente, a própria ginga com tapioca é um exemplo disso). Os turistas até chegam a conhecer o principal prédio histórico da cidade de Natal. Vários vídeos apresentaram a Fortaleza dos Reis Magos. Alguns turistas chegaram até a fotografar a cidade de Natal e a praia da Redinha, mas de muito longe, o que pode - para tal análise - denotar o distanciamento da sua experiência turística. O visitante margeia a cidade pela costa, mas não adentra, a vê de fora, e essa condição de desconhecimento reflete nessa falta de contato com a cultura local, se torna mais crítico quando o que o turista tem acesso não é de todo fidedigno à cultura e história local. A brevidade pode estar no entendimento do mercado, como coloca Pratsapud Santana (2009, p. 123). O autor descreve a promoção da história e cultura pelo turismo como “ativações patrimoniais”, que em alguns casos, está menos interessada no conteúdo, na necessidade de aproximação, de valorização do patrimônio, e sim em sua transformação em produto, através de uma seleção de elementos e formas de contato que agradem o consumidor (aceitação do mercado). A principal motivação turística para o destino Natal, certamente é o mar, e por isso os olhos tanto do turista como das instituições públicas e privadas se voltam pra ele. Mas na verdade é a falta de incentivo das instituições em criar e oferecer um produto patrimonial de maneira adequada (hoje superficial e desarticulada) que desmotiva o turista, que já vem à cidade em busca do que em sua própria cidade de origem se disseminou no agenciamento da viagem: - É praia que tem lá, é praia que você vai ter. E em resposta o turista determina: - E o que eu quero mais? A partir dessa perspectiva, a história da cidade de Natal quando contada na ótica turística, através dos vídeos feitos pelos visitantes, surpreende pela ausência. Para além da Fortaleza dos Reis Magos, em nada se registra (a não ser o vídeo Natal – RN) o conhecimento de outros prédios históricos ou expressões culturais do destino. Os turistas simplesmente não registraram contato algum com o corredor histórico-cultural (normalmente representado pelos bairros da Cidade Alta e Ribeira). Isso não implica que os mesmos não visitaram, mas pode sinalizar para a falta de mecanismos governamentais e empresariais para apresentar um 151 citytour que cause no visitante uma referência de Natal não apenas associada ao litoral, que muitas vezes não está nos limites da própria cidade. Mas uma cidade que possui uma história digna de ser contada e inserida como produto turístico fundamental. O vídeo Natal – RN, o único que apresenta o city tour pelo centro de Natal, poderia representar bem esse momento de imersão na cultura, história e contato com a população em seu cotidiano citadino. Todavia, o único registro de passeio pela cidade mostra que os turistas conheceram o centro da cidade durante todo o tempo na perspectiva das janelas do ônibus da agência de receptivo. Todas as imagens mostram-se desfocadas pelo vidro de proteção da janela, registram apenas parte da fachada de alguns prédios como Igreja Matriz, Memorial Câmara Cascudo, Palácio Felipe Camarão (Figura 67), Capitania das Artes (Figura 68), entre outros. Isso faz crer que possivelmente nem chegaram a descer do veículo, e o momento que poderia ser de “encontro”, torna-se apenas de contemplação da paisagem vista pela janela. Figura 67 – Palácio Felipe Camarão fotografado da janela de um ônibus de turismo Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. 152 Figura 68 – Capitania das Artes fotografada da janela de um ônibus de turismo Fonte: Vídeo Natal – RN, 2009. 4.5.Rua Interditada: nós “não” vamos invadir sua praia Entender as práticas de lazer que transcorrem nessas duas praias (dois universos sociais distintos) é perceber que apesar de seus sujeitos estarem em busca de melhor aproveitarem seu ócio, nas demais questões estão distantes e exercitam isso de maneira díspar. Em tudo se percebeu isso, que também pode ser destacado até mesmo na escolha das trilhas sonoras que embalam vídeos turísticos e o próprio documentário. Os vídeos turísticos normalmente apresentam canções internacionais que expressam globalização, diversão, extravasamento e modernidade (Beautiful Day – banda U2, Livin La Vitta – banda Coldplay, vídeo natal- rn), à medida que o documentário elege uma canção local que descreve bem o habitusde quem se “enfeitiça” pela popular praia da Redinha. E é esse movimento ora regional, ora global, característico da condição pós-moderna, de pressões (turismo) e resistências (autóctones) que esse sintetiza a comparação aqui realizada. Abaixo, a canção executada no documentário, revela essa resistência local, ao descrever um cotidiano simplista que em nada se parece com a sofisticação das areias do outro lado da cidade. 153 Praia Feitiço (João Alexandre Garcia) Mulher, bota os bruguelos, leva pro carro. Se for preciso, diga que amarro, Que essa praia tem feitiço. Marido, esta Redinha é praia minha. Nela me sinto pequenininha, Pra que tanto rebuliço? Mulher deixa os meninos aí brincando. Frita um peixinho, vai cozinhando Enquanto eu tomo uma de cana. Marido, olha os navios que estão passando, E os goteiros que tão chegando. Quero uma peixada bem bacana. Deus não me tire de morar nessa Redinha, Pé no chão e bem calçado. Se fosse bem rico engarrafava esse ar. Depois desse feitiço, ficava rico pra danar. No emaranhado de pessoas que o folguedo acima evidencia: crianças correndo, famílias inteiras reunidas (Figura 69), som alto, reunião de amigos e copos de cerveja, mulheres expostas ao sol com seu bronzeador de “copinho”, vão revelando a realidade do homem a margem dos benefícios infraestruturais e de sociabilização que o turismo trouxe pra Natal. Diferentemente, os vídeos apresentam turistas (quase que sempre) acompanhados de outros 154 alegres turistas que conheceram no próprio destino ou viajaram juntos (Figura 70), sendo o contato com residentes apenas na condição de trabalhadores do turismo. E esses turistas conheceram Natal? A quem tenha dúvidas. Certamente falta um alerta maior para que o poder público e privado natalense chegue ao patamar comum a outros destinos que inseriram no contexto das suas ações novas buscas pelas populações residentes, antes atores passivos, e que passaram a fazer parte consubstancial da imagem construída para venda, assim como se tornou importante a auto-imagem, aquela que os residentes tinham sobre si mesmos e sobre a área na qual conviviam. (SANTANA, 2009, p. 100) Figura 69 – Senhora acompanhada de netos na “farofada” de domingo Fonte: Documentário Redinha Arredia, 2007. 155 Figura 70 – Turistas fazendo passeio de lancha pelo litoral sul Fonte: Vídeo Natal (RN), 2007. Não apenas no papel de empregados de hotel, pousada, restaurante, bar, ambulante informal na praia, garotas de programa, deve estar atrelado o benefício do fomento do turismo. O residente também precisa ser visto pelo turista como referência de qualidade de vida associada à liberdade de circulação pela cidade, de opção de lazer, valorização da cultura e integração espontânea e sem barreiras com os espaços públicos de lazer de Natal. 156 CONCLUSÃO: RUA SEM SAÍDA 157 158 CONCLUSÃO: RUA SEM SAÍDA Sim, há traços fortes nesta cidade (neste destino) de uma segmentação, de um recuo, muro, ou qualquer outro nome que se queira dar à disposição da atividade turística sobre a cidade de Natal-RN. As semelhanças na experiência do urbano expostas nas representações fílmicas criadas pelos residentes e turistas é mínima, à medida que as disparidades enaltecem a hipótese da cidade de Natal, em certa medida e dinâmica, se dividir em duas: a do residente, e a turística. Sendo exemplos do extremo socioespacial de Natal (Comunidade Novo Horizonte e Praia da Redinha) capazes de tornar audível a constante “mudez” no contato e “gritante” contraste entre sujeitos (visitante e visitado), através da denunciativa, rica e contemporânea expressão fílmica documental. Pode parecer atípico apresentar nas últimas páginas de toda a pesquisa - apenas nas considerações que finalizam tal dissertação - o mapa que elucida o questionamento acerca da segregação socioespacial turística em Natal. Entretanto, aqui se mostra proposital, afinal é com essa imagem (fruto da pontuação de todos os locais repetidamente visitados pelos turistas e observados nos vídeos) que se pode compreender de maneira mais esquematizada até onde vai geograficamente a experiência de quem decide passar seus dias de férias em Natal. Ou seria destino “Cidade do Sol”? Certamente o turista deva estar se referindo à segunda, à pseudo Natal. A “Cidade do Sol” limita-se no mapa a um pequeno espaço de concentração quando comparado com o tamanho da cidade (leva-se em consideração também que grande parte do “destino” está tomado pela reserva do Parque das Dunas). Compreende apenas parte do bairro de Ponta Negra, a Via Costeira (ambos para lazer serviços e acomodação de qualidade), além de vias de acesso (para o Aeroporto Internacional Augusto Severo e litoral norte pela Ponte Newton Navarro), e alguns locais de visitação na praia do Meio e do Forte (Fortaleza dos Reis Magos e Estátua de Iemanjá). Essa parte do circuito turístico no mapa foi intitulado de “área de circulação e visita” e pode-se dizer que é exatamente por onde o turista passa com frequência, tendo em vista a repetição na apreciação dessas imagens nos vídeos turísticos, que mais pareciam os mesmos em alguns momentos – ante a tão restritiva e confinada experiência. 159 O “Destino do Sol” poderia se resumir ao trecho em amarelo. Entretanto, representando a sutil fuga do eixo turístico convencional executado, apenas um vídeo registrou a passagem do turista pelo bairro da Cidade Alta (city tour), e traslado que envolveu a apreciação (pela janela do ônibus turístico) da Avenida Salgado Filho (destaque às imagens sem enquadramento dos Shoppings Midway, Natal e Portugal Center). O sitio no mapa desta área, denominada de “área de visitação incipiente”, se deu para mostrar que alguns turistas até ultrapassam a barreira invisível que separa a cidade do “destino”, mas que essa ultrapassagem ainda assim ocorre em bem menor escala, e de maneira rápida, segmentada e numa perspectiva que lembra a “vitrine de uma loja”, ou seriam as “grades de um zoológico”? Quando não está em uma área ou outra, o turista que visita o “destino” está dedicado à experiência do litoral turístico norte e sul (também apontados no mapa), e que em sua maior parte, não está nos limites da capital. Ou seja, nesse momento, o destino “Cidade do Sol” se delata e ganha atrativos que mais uma vez corroboram para entender que o visitante por ora conhece uma cidade que inspira equidade e qualidade de vida (representada por Ponta Negra e Via Costeira), ora está em locais fora dos limites da cidade, mas que servem como referência na criação do imaginário turístico dos que vão a Natal. Em suma, a experiência vivida o leva a uma Natal “perfeita”, com uma adequada oferta turística, atrativos paradisíacos ao alcance em minutos, e com os espaços públicos e privados voltados para o deleite quase que exclusivo do turista. Mas onde está a população, ou melhor, onde está e como está a população mais “extrema” socioespacialmente (distância geográfica representada pela comunidade Novo Horizonte)? Destaca-se o termo “extremo”, pois a pesquisa não se propôs em momento algum a desconsiderar que existam bairros de classe média, e algumas poucas áreas com dinâmica semelhante à vivida na região turística. Porém, aqui se quis revelar a realidade mais dessemelhante de Natal quando comparada com a vista no “destino”. Pode-se dizer que existe uma disparidade infraestrutural latente, e acentuado desnível social, ambos acelerados pela falta de investimento público que teria o papel de tirar as pessoas do extremo abandono e exclusão social, seja a partir de obras de melhoria (edificação de casas em áreas seguras, pavimentação de ruas, ordenamento sanitário, entre outros), como de iniciativas de concretas de desenvolvimento social (educação, saúde, segurança, acesso aos bens da cidade e perspectiva de vida com qualidade), que não se observa nos moradores das 160 dezenas de regiões desassistidas da capital, e que assim como a comunidade Novo Horizonte, ou “favela do Japão”, estão “abaixo” do campo de visão do interesse do poder público, que vê na atividade turística o discurso do desenvolvimento (“emprego e renda para todos”), mas que concentra seus esforços (obras e superestrutura) em atender muitas vezes aos interesses da iniciativa privada (empresários do turismo), na promessa de um desenvolvimento que ou não se concretiza, ou não se estende á todas as camadas da cidade (inexpressiva oportunidade de emprego, visto que não há qualificação local muitas vezes, e transformação da arrecadação de impostos em investimento concentrada na própria região turística, ao invés de buscar também melhorar a qualidade de vida nas periferias da cidade). Para além de um entendimento de que a periferia, o extremo, o mais diferente da realidade turística não se dá apenas no âmbito da moradia, da perspectiva de vida, do acesso ao urbano, a pesquisa para mostrar mais um traço da segregação socioespacial presente em Natal: os hábitos de lazer, expressões e símbolos culturais e históricos. Para não ser diferente, recorreu-se ao mais longínquo territorialmente e à representação do homem simples, do mais humilde, do popular. Envolvendo as tradições culinárias, festividades e religiosidade dos freqüentadores da Praia da Redinha, o que se pode concluir é que esses elementos estão fortemente arraigados nas classes populares. Todavia, a experiência turística está deveras distante de reconhecê-la, visto que em momento algum a mesma foi abordada pelos vídeos de registro de viagem. O trade do turismo, com quem o poder público acaba por comungar (falta de apoio em fomento do produto turístico que enaltece o povo, o popular), não promove os recursos históricos e culturais dessa região, assim como de outras. O movimento de afastamento da realidade (cultura e história local – que de imediato não traria “comissão” para o trade) se percebe de outras maneiras, como: o city tour pouco expressivo, a introdução de elementos de outras culturas (dromedários, por exemplo), a internacionalização de produtos e serviços, e dedicação excessiva no binômio “Sol & Mar”. Os aspectos culturais e históricos deveriam ser trabalhados para inserir a população, resgatar e manter traços culturais, como também servir de elemento complementador do produto turístico natalense que é eminentemente litorâneo, dependente de clima e que acaba por permitir que o turista passe pouco tempo nos limites da cidade consumindo seus produtos e serviços. 161 Não obstante, outro elemento revelador da segregação está na dinâmica, discurso e hábitos dos freqüentadores (hábitos de lazer) da Praia da Redinha. Esses, representantes do que existe de mais popular entre os potiguares, se vêem amontoados em uma pequena faixa de praia, com infraestrutura irregular (saneamento, higiene, entre outros problemas), mas certos de que aquele lugar lhes pertence. É o local para onde foi reservado ao uso daqueles que não podem usufruir dos serviços e produtos oferecidos na Praia de Ponta Negra, quase que exclusivamente turística. Conscientes ou não, os banhistas da Redinha reproduzem em hábitos a distinção de sua realidade popular diante da vivida na área nobre turística. Em seus depoimentos expressam um sentimento que não se oculta em momento algum: é nesta praia onde eles se sentem pertencentes e iguais, à medida que na região turística eles são indiretamente impedidos (capital social) de frequentar. Tal situação é dicotômica, e se repete na região turística - os visitantes (que deveriam ser motivados a incluir o contato com o autóctone na sua experiência de lazer, visto que é um dos princípios do turismo: o contato, o encontro pacífico) se confinam em sua região, dedicando-se normalmente a estabelecer contato com outros turistas, e com residentes apenas profissionais do turismo. Ao finalizar tal pesquisa, retomam-se aquelas “histórias e estórias” que abrem a introdução desse trabalho, tentando imaginar como seria se a “Cidade do Sol” e a cidade de Natal se integrassem. Aqui se poderia projetar um roteiro ideal – uma possível resposta, e como seria? Turistas visitam uma cidade imperfeita, mas sem grandes contrastes. Residentes moram em regiões com infraestrutura semelhante à encontrada em corredor turístico. Turistas interagem com a cultura local e deixam divisas para as diversas camadas da comunidade autóctone. Residentes frequentam espaços de lazer de qualidade criados para atender tanto à comunidade quanto aos visitantes. Turistas voltam para casa, felizes e certos de que conheceram uma cidade autêntica, real e equitativa. Residentes, conscientes de seu lucro, acenam contentes com o lucro que tiverem para estes turistas que um dia voltarão... ou aconselharão outros novos turistas a conhecer Natal = A Cidade do Sol. 162 REFERÊNCIAS 163 REFERÊNCIAS ABRIC, J. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, A.S.P.; OLIVEIRA, D.C. de. (Orgs.). Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB, 1998, p.27-38. ANSART, P. 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É como se eles tivessem a casa dentro do riacho. Como se eles saíssem do riacho. O rio não é mais rio, o riacho não é mais riacho há muito tempo, porque é um esgoto canalizado e pavimentado. E é de onde depois a gente veio a tirar o nome do documentário. Porque as ruas do rio a gente tem a ideia das ruas serem pavimentadas, retas e o rio ser tortuoso. E ocorre o contrário, todas as ruas da comunidade são tortuosas, e o próprio rio ele é canalizado, ele é reto. E um dia eu cheguei pra minha colega e disse: “– num tá normal a gente passar num sei quanto tempo aqui trabalhando com essa comunidade que é pra gente modificá-la e num dá atenção pra esse rio. Esse rio todo dia me chama pra que eu vá lá. Você vai lá comigo?” E daí, fomos lá. A comunidade veio se formar num declive, na margem do rio de uma região que é até a década de 70 do século passado era só manguezal. O bairro Nordeste, que é o bairro que sequencia e que finda e que a gente pega a referencia do rio o rio, era um bairro que era só chácara, e que depois a marinha acessou, e fez uma vila e que dali o manguezal e o resto de mata caiu pra dar espaço a moradia. Mas a ideia era porque que a galera foi se aglomerar ao redor daquele rio. E no meio da pesquisa- e a pesquisa se deu basicamente na oralidade – e quem assiste ao documentário vê essa oralidade muito marcante – não tinha como não ser ali, porque tinham outras áreas da cidade que haviam também riachos. Mas eram áreas que a prefeitura já tomava como áreas nobres, como Lagoa Nova. Então pegaram aquela galera que já se aglomerava pobre e transferia aquela galera pra perto do rio das Quintas, jogava ali. Porque teriam água e deixariam aquela área pra aquelas pessoas que fossem eleitas pela prefeitura para ganhar terreno e tal. E daí foi uma coisa que a gente observou, a disponibilidade de água era permanente em torno do riacho.  Quem apoiou? E de que maneira apoiou na execução e divulgação do vídeo? O apoio a gente teve dos colegas de trabalho, mais diretamente. Os 5 colegas da formação básica. Por vezes a gente passava o dia na comunidade, e a noite a gente não tinha força física e disposição mental pra dar aula. E a galera apoiava e entendia a atividade. E os alunos também se motivaram bastante: “- Professor, vai ser legal. Vamos lá. A gente conhece muita gente que pode falar, meu avô, minha vó.” Se eles não tinham mais esses parentes pra falar, mas já tinham falado muito. Então eles estão ávidos de ter uma referência, um suporte maior, um veículo maior pra registrar inclusive essas informações. E de apoio material foi o seguinte, a veiculação desse projeto para as outras 27 escolas era expectativa muito grande pra que esse documentário saísse. Teve o pagamento das cópias, a produção de banners, das camisetas, de convites para o lançamento. A mídia de divulgação e de registro mais de imediato foi cartão postal e teve o apoio do PROJOVEM. A primeira exibição do vídeo se deu num evento do 173 PROJOVEM. Não lembro exatamente qual era o evento em si. Encaixou-se na programação e era, como já disse, uma expectativa muito grande, porque todo mundo já dizia que fazia tanto tempo que a gente tava produzindo o vídeo. E foram 7 meses, e eu dizia: “- Ele não vai nascer prematuro. Não que ele nasça agora aos 7 meses, mas ele vai nascer num tempo bom e não adianta apressar.” E foi muito massa porque foi a primeira vez, e foi ovacionadíssimo. Porque tantos os alunos estavam imbuídos no projeto, como também pra participarem, pra descer conosco na comunidade, eles iam com farda. Então as passagens que eles estão vestindo a farda, e então foi uma aceitação bem maior da coordenação e dos colegas de trabalho, dos alunos terem usado a camisa. Na verdade foi um conjunto, a concepção, a espera. Foi uma espécie de gestação. Ninguém chegou e deu um enxoval, uma maquina e vai lá. Tá aqui dinheiro, tu tens suporte, vai almoçar aqui, ou coisa assim. Ou de ter muita compreensão, mas a expectativa de ver era muito interessante.  Como se deu a abordagem e participação dos sujeitos do vídeo? Eu gostei da expressão, os sujeitos do vídeo. No vídeo a gente pode ver os depoentes, os sujeitos eles se somaram, e daí a gente foi obrigado a fazer uma triagem, pra não ficar repetitivo. Porque a oralidade acaba sempre caindo na repetição. Mas além dos depoentes, o mais interessante é que os alunos realmente vestiram a camisa, que disseram: “ - eu quero, vamos repetir, vamos regravar e tem uma outra parte que a gente pode fazer.” E até hoje isso tem dado fruto. Tem um aluno que me escreve no orkut dizendo: “- Veio um jornalista aqui, ele me perguntou se já veio alguém, se já produziu alguma coisa. Eu digo que participei, com você e Cíntia, Cláudio. Agradeço demais, mudou minhas perspectivas, agora eu sei o que posso fazer.” Criou-se a ideia na comunidade, de que aquele rio não está ali a toa, isso aqui era tão belo. A proposta em si não era nada de dizer que aqui não presta, aqui tá detonado... nada a ver, era justamente dizer o que, quando, como, era a memória, o resgate, o registro. Coisa que a gente sentiu muita dificuldade, como já disse. Não havia muita foto, um ex-presidente do conselho comunitário que tinha algumas fotos de arquivo pessoal. A prefeitura não dispunha, a CAERN não dispunha, o acervo público de biblioteca também não dispunha de material a respeito. Então esse lance do depoente foi muito interessante, porque muitos alunos iam atrás das pessoas e perguntavam. A gente fez uma sessão de foto pra reconhecimento da área, e daí eu já vou falar desse terceiro sujeito, que é a comunidade em si. A comunidade disse “- Vamos filmar, que legal”. Ou detonava, “- Eles são só jornalistas que aparecem e depois somem. Vão só dizer que aqui não presta, vem com todo tipo de discurso.” Mas esses mesmos tinham uma ânsia do que é que a gente ia fazer. Fomos abordados por algumas mulheres, mães de famílias mais jovens, de uma educação muito pequena, dizendo: “-A gente vai adotar essa máquina. Essa máquina é muito bonitinha, da pra vender no mercado da quatro.” Ou então: “- O filhinho da mãezinha vai mandar os meninos descerem na lama, pra dizer que são porcos.” Eles disseram que muitos jornalistas pedem pra que a galera desça e fique na lama, pra ficar dramático e mostrar a catástrofe que eles querem denunciar e fazer cena. E a gente não precisou fazer esse teatro, até porque a gente nem sabia que tinha essa miséria. A gente sabe que tem jornalista que pra fazer matéria, faz uma desgraça. Mas a gente não foi em busca disso, a gente queria o natural da comunidade. E graças a Deus, quando a gente chegou tinha quem tivesse pegando bola, porque tinha um campo do lado do coisa, tinha gente pegando lixo, tinha gente tirando lixo de dentro. O que me chocou foi o riopavimentado, canalizado, mas ele tem olheiros que borbulhava água limpa no meio da lama. A gente ficou surpreso. Achou guarda-sol, calcinha, sofá, lixo hospitalar, feto, porque tem um hospital no bairro ao lado. Bairro lado não. Bairro que a comunidade faz parte, que é o bairro das Quintas. Ele é um bairro a parte, porque o bairro das Quintas é como se 174 tivesse um lado mais urbano, que é mais próximo do Alecrim, e as adjacências que permeiam o rio são comunidades alheias, é como se fossem autônomas. A prefeitura, depois da canalização do rio, batizou a comunidade de “Novo Horizonte”, no documentário tá dizendo isso. Só que no outro lado da cidade, na zona norte existe um outro bairro que se chama Novo Horizonte. Por um desleixo, descuido, por mais um descaso, a prefeitura registra um bairro, um bairro não – uma comunidade do bairro mais populoso da zona oeste de Natal. Se não for o mais populoso da cidade de Natal, que é o bairro das Quintas. Pega uma comunidade autônoma, podemos chamar assim, e tira a cultura o imaginário desse lugar e põe um nome que já existe noutra parte da cidade.  Como você vê criticamente a realidade do local documentado? Não ter assistência, não ter a condição de transporte, as ruas são íngremes, tortuosas, pequenas, não tem muita passagem pra veiculo. Os veículos são só os dos moradores, porque ninguém se mete a entrar porque não vai saber sair, ou tem medo de assalto. A própria comunidade quando sobe a ladeira e vê a Bernardo Vieira pelas vias arteriais que os cerca, são assaltados na própria Bernardo Vieira por pessoas de outras comunidades. Então é uma questão de ausência, uma sensação de não pertencimento: “”- Uma parte aqui é o onde eu me sinto, se eu saio a cidade não é pra mim. Se eu for a Bernardo Vieira que margeia a minha comunidade eu vou ser assaltado. Eu não pertenço a Bernardo Vieira, na outra extremidade temos o Shopping Midway, e muitos alunos nunca foram ao Midway. Porque: “- Aquilo não é pra mim, eu não posso frequentar aquilo. Não posso. De ônibus é caro, a pé é longe demais.” Outro não está nesse extremo de não pode dizer que não pode ir, não pode frequentar na real. Mas ele se põe nessa condição de não poder. A condição real é essa, de tipo um mega interior potencializado pela condição de fechamento da comunidade. Muita gente na rua, muita gente ociosa, a juventude sem expectativa, sem estudo, sem perspectiva, sem uma área de lazer. O campo é improvisado. Lixo, muito lixo, muito lixo. Quando a gente falou dos sujeitos na questão anterior, a gente falou justamente disso. Quando a gente fez nossa sessão de fotos, reconhecemos esse área de lazer que é o campo, e não tem outro. Muita criança na rua, muita criança descalça, muita criança hiper suja, com catarro.Toda uma questão, não diria de periculosidade, mas de risco social.E quando a gente fotografou com a participação direta dos alunos, e levou para a escola, os alunos festejaram porque a gente desceu a favela, porque a gente passou na frente da casa, porque o professor saiu do trono. Eu não tenho esse tipo de postura, mas normalmente eles enxergam isso, e tem professor que cativa isso. Eles: “- Você passou na minha casa, na minha rua, eu não tava em casa, tava trabalhando.” E uma das meninas era viciada em crack, e tinha se ausentado durante meses porque estava internada, e fugiu pra ir a aula pra rever a galera e disse: “- Você bateu foto do fosso de onde a gente guarda a droga.” E era um monte de lixo numa área muito limpa. Então eu estranhei e disse: “- Cintia, vamos bater foto.” E ela disse: “- Não, Cláudio, é mais um amontoado de lixo. Eu disse: “- Cíntia, não é, esse lixo tá muito limpo, esse lixo tá muito organizado.” Dai a menina explicou que há um fosso onde se guarda a droga, a uma placa de metal, fina e frágil, mas que sustenta, uma palha de coqueiro, um monte de areia e esse lixo, pra que ninguém passe perto e que ninguém vá mexer. E os garis, que são da comunidade, sabem que aquilo ali não é pra ser mexido. Se o policial chegar ali, ele não sabe que é ali que se guarda. Mas a qualquer momento do dia ou da noite, a galera quando precisa vai lá e repõe, e tira pra fazer a entrega. É uma espécie de cofre do tráfico. E essa sessão de fotos foi também interessante porque vários becos são batizados, o documentário mostra, o beco da Covardia, o beco do Cocó, o beco da Paisagem. Eles explicavam, Coco vinha também de covardia. Tinha o da Paisagem, que era um morro que eles fumavam, lombravam, cheiravam o pó deles, e ficavam lá vendo o 175 amanhecer do dia, o por do sol. E realmente a visão que você tem do rio e do manguezal pra o rio Potengi é uma coisa fantástica, fenomenal, muito linda, muito linda. E durante o dia mesmo é muito linda a imagem, o reflexo do sol e tal.  Qual era a sua visão sobre o local e sujeito documentado antes e depois da criação do vídeo? A visão prévia e depois não muda muito não. Não muda, mas intensifica. É como se eu tivesse um poço e ali se aprofundou. Não tem muita modificação, mas o tanto que o documentário se aprofunda, você vai criando outros meandros para conhecer e perceber o ser humano. Nessa questão, por exemplo, quando descemos, descemos junto com nossa aluna, descemos de dia. E o rio tem aproximadamente 2 quilômetros que a gente pode caminhar. Descemos com uma aluna que era traficante, declaradamente traficante. Ela disse: “- Falei com a galera, vocês vão poder descer, andar e margear o rio.” E isso fizemos, só que um certo momento, um dessa galera, um dos chefes dessa galera, da boca, passou com a galera subindo margeando o rio pelos meandros, pelos labirintos do beco e quando a gente chegou no que eles chamam de cachoeira do rio, que é uma das cenas que abrem o documentário, Cíntia disse: “- Cláudio, a gente sobe por aqui, pega a Bernardo Vieira e vai embora. E eu: “- Não, a comunidade viu a gente vindo, e tem que ver a gente voltar.” E justamente aquela galera que tinha margeado o rio andando pelos becos ia nos pegar para assaltar. Ou seja, ia ser adeus a documentário, material, a dinheiro, a bolsa. Enquanto a nossa aluna estava certa que estava nos protegendo... o cara depois disse pra ela: “- É a mina área, eu permiti que você descesse na sua. Na sua área eu disse que não ia assaltar ninguém, você avançou e entrou na minha.”  Qual é o principal propósito deste trabalho? Ele foi alcançado de alguma forma? O principal propósito era conhecer a fundo, aprofundar a visão, vê se tava certo ou errado. Vê se a galera tinha perspectiva, tinha consciência, se tinha registro, se tinha memória. Registro era pouco, memória também. Consciência do que eles podiam ter. As oportunidades são escassas. O governamental, o institucional não desce até lá. Eles reclamavam muito do meio de diversão deles. Que é só festa fora, em outro bairro também periférico, praia que é tida como periférica. Enfim, é uma perspectiva de quem tem pouco ira continuando a ter menos. O que é que de bom trouxe aquele povo para ali. O que é que de bom aquele rio teve a oferecer. Todo mundo diz que dava peixe, tomava-se banho, lavava-se roupa. Tanto é, que se chamava riacho das lavadeiras, ou rio das Quintas. Quer dizer, o que de mais caudaloso que tinha no bairro, que é enorme, era o rio, a fonte de água mais forte era aquela. Um bairro monstruoso como era as Quintas, dizia o rio das Quintas, que tinha uma importância muito grande. Mas nós, a população, é que fomos matando. Tanto é que nós, da zona oeste, o nosso esgoto de água servida é nele. O vídeo foi exposto pra comunidade na escola onde a gente trabalhava, a comunidade foi convocada. A gente doou algumas cópias. A todos os depoentes a gente entregou uma cópia, camiseta, um postal. Os familiares deles foram convidados. A gente falou para que os alunos depois exibissem pras pessoas que não puderam. O presidente do conselho comunitário e o ex-presidente ficaram com cópias, e ajudaram muito os dois, a divulgar e a manter. 176  Quais foram os principais obstáculos na criação deste vídeo? O obstáculo principal chama-se escassez. A comunidade tem um estigma de sombra e escassez pra tudo. É uma espécie de pessimismo, uma áurea de pessimismo que a comunidade tem, que vai falhar e que tal... e a gente batia muito nisso. Eles diziam sempre: “- Vão te pegar, vão roubar tua mochila, vão te bater.” E no mais, a própria escassez de produção nossa. A gente não dispunha de laboratório de áudio e vídeo, não dispunha de máquina. As máquinas eram a minha e a de Cíntia. Coincidentemente as máquinas eram iguais, então facilitou o manejo. Ela sabia mexer nas máquinas porque eram do mesmo modelo. Mas enfim, a ideia era de a gente se olhar e dizer assim: “- Poxa, se tivesse um laboratório, se tivesse um profissional filmando aquilo.” Porque roteiro, material e ideia, a gente dispunha mais. Quem pegava na câmera eramos eu, Cíntia e alguns alunos. Pela falta de manejo, eles fizeram mais fotografia.  Para a criação deste vídeo, houve alguma técnica ou pesquisa específica? Nada de teoria, nada de técnica. Mas muita leitura, muita pesquisa, muita busca de algum documento, de alguma matéria de jornal, do que fosse. Nada vinha com muita substância. A gente viu que o berço de toda informação seria a oralidade. Digamos, brotar, o nascer do rio, explodir. Então era a memória do povo, o que imaginário guardava, o que que os depoentes tinham a dizer. E a construção dele todo é a junção de depoimentos.  Qual foi a repercussão do filme para seus sujeitos e para a sociedade? Quebrou geral pra comunidade, foi um acréscimo de estima muito grande pra eles. Não necessariamente um acréscimo daquilo que eles não tem. Mas um enxerto de estima. Porque eles dizem que todo mundo que vai lá vai pra detonar, dizer que não presta, que aqui só tem bandido, que aqui só tem marginal. E como todo canto tem marginal, em qualquer esquina, aqui não é diferente. Eles não querem ser vistos como bandidos, como galera que mora numa favela, e ser novamente o excluído, do jornalista filhinho da putinha que joga você dentro do esgoto, bate a foto pra ficar trágico. Eles dizem: “- Vocês não chegaram aqui detonando nada. Chegaram pergutando se o rio era bonito, se o rio ainda é bonito? Como é que você enxerga? Você se sente bem aqui? Vocês chegaram batendo na real.” Então foi uma coisa nada fantasiosa, era documentar. A gente não tinha um material substancial tangível de foto, de matéria, de vídeo, do que fosse. Pra esse registro, a gente buscou de outra forma. A gente conseguiu fotos com o conselho comunitário, com já disse. Mas a ideia não era nem ficar com o tangível, nem fugir do tangível. Era só documentar. E o grande lance da comunidade foi: “- Vocês não vieram deturpar as coisas, nem fazer sensacionalismos, como normalmente se faz, nem chamar de bandidos, excluídos. E vocês nos deram um retorno.” Todo depoente, como já disse, ganhou sua cópia, e os brindes que produzimos eles receberam. E expulsamos na escola. Se é a única instituição pública que funciona ali, e se nos produzimos isso, e produzimos senão com eles? Se não fossem os depoentes? Se a comunidade não depor? A gente ia produzir como? A gente ia filmar só o rio? Não ia. A questão da memória e da oralidade, e o grande lance – o cara vem, filma, fotografa e não dá retorno. E a gente valorizou, encheu de estima. Participamos do projeto áudio visual Goiamum. O projeto desentoca do projeto Goiamum audiovisual. A ideia de desentocá-lo, expor. Eu não sei em número de quantos, mas “As ruas do rio” foi escolhido e 177 o cara disse: “- Ó, é o mais longo entre todos, tem 19 minutos, mas pelo tema e pela ideia da oralidade, da criação livre, pela expressividade natural dos depoentes, vamos deixá-lo. É uma coisa muito importante que a gente não vê que se registra com frequência. Então o vídeo foi escolhido.  Como você vê o cenário audiovisual na cidade de Natal – RN (aspectos positivos e negativos)? Eu acho uma bobeira, quando o cara que se chama ser humano cria setores, escaninhos, que chama de ciência, e que elas não podem se misturar. Mas se a vida é a mistura de tudo, que danado eu vou dizer que essa é a minha área e que estou unívoco e congelado ali? Então eu acho uma imbecilidade. O cara chega e diz: “- Você estuda turismo? Porque você tá vendo tal coisa?” Ora se turismo não é a junção de todas possíveis ciências, e ramos do conhecimento. Então se eu produzi um documentário, qualquer pessoa tem acesso a essa linguagem. Hoje, qualquer celular, que é isso que a gente catequizava, e é uma expressão pode até vir com um histórico triste de misérias, mas a catequese no sentido de repetição, a gente batia todo dia na mesma tecla com o aluno. Hoje, qualquer celular filma, hoje qualquer pessoa posta pra um jornal, na Internet, bota no seu Orkut, só seu Facebook uma matéria, um desenho, um amigo bêbado, coisa do tipo. Então, porque que a gente não pega também e cria uma coisa produtiva e criativa com roteiro, com sequência, com lógica. Eu acho que o espaço áudio visual de Natal é minimalista, no sentido de que as panelinhas se trancam e são donas da cultura, do conhecimento, daquilo que vem pra cá. E algumas pessoas têm acesso dentro de um banco, e ganham um edital. “- Eu conheço fulano, eu conheço cicrano. Fulaninho foi estudar num sei aonde, e estudou algumas técnicas de cinema, então ele entende de cinema e ele é que pode produzir.” Então a produção fica restrita. Você é tão sábio, então porque não divulga seu conhecimento? Então porque você não abre? O Goiamum Áudio Visual é uma proposta interessantíssima, mas fracassada. Fracassada em que sentido? Eu não tive retorno da exposição do meu vídeo. Eu, dezenas de vezes, procurei, e a galera dizia que fulaninha sabe da programação. Pô, como é que tu estás dentro da organização,tu és um organizador, e tu não dispõe de um material pra quem está inscrito, quem foi eleito, eu não entendo um negocio desse. Você fez uma ficha cadastral com telefone, com e-mail, com outros acessos como Orkut. Porque que você não foi acessado pra dar um retorno sobre isso ai. Então o audiovisual, se todo mundo quiser ficar no fantasioso, estamos bem. Mas por exemplo, tentei fazer alguns cursos na área, com algumas pessoas, como os “mestres” da câmera e do vídeo, isso e aquilo, falcatrua, falcatrua e panelinha. Não vejo grandes acesso não. Acho que o cara poderia descer numa comunidade dessa. Vai lá, pega teu celular. Fazer um concurso com escola pública, e dizer: “- Filma isso, filma aquilo”. Dá um roteiro, deixa o cara criar, e implica ali uma obra maior e melhor pro cara, e daí leva adiante, e daí enfim...produção, construção, criação do roteiro, de qual tua vocação. Se tu queres filmar, se tu queres ficar no roteiro, tu queres assessorar, produzir, o que que tu queres? Eu queria só destacar o subtitulo do vídeo. Ele não pode ser desprezado – vidas reais ao redor de um ex-rio, que também é real, se não ele não borbulhava nascentes e nascentes, como a gente chama de olheiros. Então são vidas reais ao redor de um ex-rio. Esse ex-rio que tá morto, tá ausente, mas ele é vida real também. Eu acho interessante quando se diz o autóctone: “- Eu moro no rio das Quintas” É fabuloso, o cara tá criando uma poesia e não vê. Como é que você mora dentro de um rio? E a gente sabe que existe uma realidade de palafita. Na região norte, por exemplo, tem muito rio, é mais que comum você morar em cima de um rio. Mas aqui pra nós, você morar dentro de um esgoto que não é mais rio. E se o nome rio insiste dentro do esgoto, então ele é rio, pô. Se não chamava ele de esgoto logo, mas que de fato ele é um esgoto. Mas nome rio da uma poesia muito forte, é um veio muito 178 grande. É aquela la de Fernando Pessoa, de que rio tudo corta, e as pedras que os comprimem. A grosso modo, essa ideia de a vida prossegue, ela vai rasgando. “Morte e vida, severina”, por mais insignificante que ela seja, ela tá vindo, é ela. É a morte, é a vida. E por fim, a poesia que tá lá, né. É uma poesia que eu escrevi, que a galera ressalta muito. É uma poesia que tem um ritmo grande, ela nasceu de um surto, nas horas de dormir, do primeiro sono, eu surtei e escrevi, era uma visão poética, mas é a que eu tenho. E eles se identificaram demais, e disseram: “- Porra! É assim que a gente vê. É assim que a gente vê todo dia, não é assim como a gente idealiza.” Falta dente, dedo, letra, falta muita coisa. E papelão era lixo, hoje papelão é casa, meu irmão! 179 ENTREVISTA REALIZADA EM 19/02/11 COM CARLOS TOURINHOS IDEALIZADOR DO DOCUMENTÁRIO “REDINHA ARREDIA”.  Como surgiu a ideia de realizar esse filme? Na realidade, o argumento não é meu. Isso surgiu durante a oficina de cinema do ITEC, do qual eu sou o diretor. - O que acontece? No caso faz-se o roteiro, na verdade a oficina de roteiro, oficina de fotografia, e no terceiro estágio é a oficina de vídeo baseada num roteiro que foi criado no estágio. Então, em sala eles escolheram o tema. Tinham vários temas e eles escolheram “Redinha”. A partir daí então se criou a parte da produção. - Como é que foi esse processo? Os alunos saíram em campo, começaram a fazer a pesquisa sobre a Redinha, tudo sobre a Redinha: fotografia, quem morava lá, pessoas famosas, pessoas populares, pescadores. Enfim, todo aquele mundo pequeno ali, no sentido geográfico da praia da Redinha, eles foram lá e fizeram o levantamento. A partir dali eu criei com eles o roteiro. - E com é esse processo? Como você não sabe o que vai acontecer, porque em documentário jornalístico fica muito difícilvocê prever o que vai acontecer, você pode fazer algumas anotações. Daí entramos em campo. Tudo que nós víamos, nós filmávamos e ao mesmo tempo nós fazíamos as entrevistas. Têm pessoas ali que falaram e não entraram. Porque se não o filme ia ficar muito grande. Então houve uma análise de peso das entrevistas. Ali nós temos um poeta, pegamos um poeta pra fazer uma poesia local, porque achamos que aquele poeta daria uma vida ao documentário, como deu. Decidimos que haveria um pouco de poesia no documentário. A partir dali então, nos fomos pra um intelectual que tem uma casa de final de semana, e para o povão que frequenta, e um artista plástico que já morreu inclusive, e os pescadores. Nós não ficamos muito em cima de pescador. Observa que nos mostramos o pescador. Nós queríamos mais o resultado de uma praia bonita, sempre foi cultuada aqui. Agora não, mas antigamente era uma praia muito bem frequentada. Ela agora está um pouco isolada, afastada pela imposição de Ponta Negra. Então me interessa assim, é aquele povo, é o pessoal da tapioca, o mercado, aquelas histórias que a mulher conta. Então essa foi a intenção inicial de fazer. E foi assim que foi construído o filme. E usamos também no inicio dois cantadores, e eles falam também do mar.  Quem apoiou? E de que maneira apoiou na execução e divulgação do vídeo? Quem apoiou e pagou foram os alunos. Não tivemos apoio do governo nenhum. A única coisa que nós conseguimos com o governo foi uma sala para dar aula. E eu te digo: me dê uma árvore frondosa que eu vou lá embaixo e dou aula. Então, não houve apoio nenhum, a não ser uma sala. A divulgação? Eu mesmo ligava para os coleguinhas jornalistas, eu também sou jornalista, e eles dão apoio, porque cinema é “um assunto”. Cinema é mágico. Eu não mando release, eu vou lá pessoalmente. Quando tem chance, espaço, eles divulgam.  Como se deu a abordagem e participação dos sujeitos do vídeo? Primeiro a procura de texto, eu ia na frente com o grupo armado. Tem até fotos da equipe. As pessoas estavam tomando banho, nós íamos lá e abordávamos com a pergunta, por exemplo: - O que que a Redinha representa pra você? Se eu perguntasse o que que você acha da redinha, ficaria algo esquisito. 180 Se eu achasse ruim não estaria ali. Com a outra pergunta as pessoas diziam: - A Redinha pra mim é tudo. Num sei o que lá. Em cima dessas respostas nos começamos a construir o que aquelas pessoas estavam fazendo ali. Chega um determinado momento que um cara que não é daqui, é de fora que diz: - Isso aqui o governo deveria ter internacional. Dai vai á loucura o negócio. Nós não pedíamos licença. O que eu aprendi na minha prática, é que quando eu peço licença pra filmá-lo eu já crio uma barreira do não. - Pra que que é isso? - Pra que que serve isso? Então pra evitar a rejeição eu já chego: - Oi, tudo bom? Já gravando direto. Eu não tenho a figura do repórter. Se não você não pega o gesto espontâneo do sujeito. E não houve rejeição nenhuma. “O popular é muito popular”. Principalmente crianças. São coisas que não se pode perder, aquele senhor sentado na areia todo esparramado, a água batendo pra lá e pra cá. Aquilo ali é a vida dele, é o piscinão do Rio. Tem um casal na areia da praia, todo romântico, arrodeado de criança correndo, uma agonia, mas eles não estão nem aí, é a hora deles serem românticos. A mãe gritando: - Ei, ei? São coisas que acontecem. Se fosse armar as pessoas seriam muito polidas.  Como você vê criticamente a realidade do local documentado? Eu vejo a Redinha como um mini caldeirão cultural, tem intelectual e popular. Ela tem um carnaval próprio inclusive, com quatro a cinco blocos. Eu vou te dizer, a Redinha é uma realidade cultural nossa. Eu não sou daqui, sou do Rio, mas vou dizer, é nossa porque estou aqui a 10 anos. As pessoas daqui tem uma certa (silencia a palavra discriminação), porque vai encontrar lá aquela zorra. Vai encontrar gente bonita, mas a mistura. Mas na verdade os pais dessas pessoas já frequentaram muito a Redinha. E a Redinha acabou virando um piscinão, veio a ser popular demais, e acabou sendo segregada. Eu acho que as agências, já falei isso, você tem que pegar o ônibus e fazer um passeio na Redinha, ir lá e conhecer o mercado. Tem gente que gosta, e não vai ser roubado. É mais fácil ser roubado em Ponta Negra que lá, se você observar. Se você parar e dizer: - Uma hora de praia aqui. O turista vai ter um contato direto com o popular e vai ver que não é aquilo. Se você pegar por exemplo um turista europeu, se levar ele vai gostar, e garanto que ele vai querer voltar. Com relação à cultura, a história, aos hábitos, o governo não se preocupa, não há memória. Os bancos de memória não existem praticamente. Quando se apresenta um projeto fica difícil deles entenderem (a equipe do governo). O turismo aqui é muito explorado sexualmente por culpa do governo, que nunca se preocupou em colocar um estande na Europa, e fazer propaganda não só do litoral, mas fazer do sentido do turismo como um todo. Quando você chega, você já dá de cara com um forte, de onde nasceu praticamente a cidade: português, holandês. Isso tudo é história. Mas isso não pode se concentrar só lá, tem outros pontos aqui dentro do estado. E Redinha é um exemplo.  Qual era a sua visão sobre o local e sujeito documentado antes e depois da criação do vídeo? Não porque eu já conhecia a Redinha, eu gostava da Redinha. Porque tem um amigo meu, que é o Jaguar, o chargista, que tem uma frase: - Intelectual não vai à praia, ele bebe. Eu não sou intelectual, mas acho o maior barato essa frase dele. Ele fica na praia, molha os pés e tome de cachaça. Então eu gosto da praia. Não é que eu seja um cachaceiro. Mas praia pra mim tem que ter esse prazer. Tem que ter o boteco, o churrasquinho, você use ou não use, mas tá ali a sua disposição. Agora tá mais sofisticado, já fizeram um calçadão, mas quando você senta Redinha é isso. Eu já fui um grande frequentador. E quando os alunos sugeriram fazer um documentário sobre a Redinha, eu disse: - Opa! Vamo nessa. 181 O que acontece, eu coloquei no blog e as pessoas ligam... é uma redescoberta pra elas. E a gente achou alguns turistas que caíram de para-queda, porque alguém falou e ele foi conferir. O guia chega ali e pode dizer: - Aqui você fica a vontade!  Qual é o principal propósito deste trabalho? Ele foi alcançado de alguma forma? Normalmente um filme como Redinha nunca termina, as coisas vão acontecendo sempre. Então o propósito pra aquele momento foi alcançado. O principal objetivo era de mostrar e divulgar a Redinha como uma parte forte daqui de Natal.  Quais foram os principais obstáculos na criação deste vídeo? Não houve nenhum obstáculo, não. As pessoas ajudaram bastante, estiveram sempre abertos. Tem até um morador que diz:- A Redinha era assim, agora é assado. E assim, chegou o crack, antes não tinha, mas chegou e daí realmente a própria população, os garotos começam a fumar e cheirar, aí... não tem dinheiro, dai fica perigoso.  Para a criação deste vídeo, houve alguma técnica ou pesquisa específica? Como eu disse anteriormente, houve uma pesquisa. A partir da pesquisa, baseada em, vamos falar assim, em seis perguntas: - Quem? O que? Como? Quando? Onde? E Porque? A partir disso você vai atrás do teu tema. Você vai fazendo seu roteiro em cima disso ai, e sua pesquisa a partir de fotos, de informações, principalmente com o pessoal mais antigo, com o registro oral. E ao mesmo tempo a técnica de abordagem do tema jornalístico, que parece ser fácil, mas não é. Porque são coisas imprevisíveis.  Qual foi a repercussão do filme para seus sujeitos e para a sociedade? Participamos do Festival de Vídeo Potiguar, nos entregamos os certificados num bar, e tem um negócio que nós esquecemos. Você me lembrou agora, estou até com vontade de fazer isso, projetar esse vídeo na Redinha, pra população da Redinha, que não foi feito ainda. Agora com relação a repercussão, foi boa. Pelo menos as pessoas do blog, dos festivais, tem sido muito boa. Você me abriu os olhos, vou projetar no mercado pra população.  Como você vê o cenário audiovisual na cidade de11 Natal – RN (aspectos positivos e negativos)? Olha, eu tô aqui a dez anos. A dez anos atrás, eu vim com a ideia de criar uma associação política, que é a ABD. AABD tem 27 afiliadas no Brasil inteiro. Vim pra cá, que não existia, dai criei aqui essa associação, para fazer um chamamento para aqueles que estavam desgarrados, e que gostam de cinema. E houve uma resposta boa, as pessoas que gostavam de cinema, e que queriam fazer cinema, se aproximaram da associação. Naquela época (11 anos atrás) era muito pequena. As pessoas tinham seus filmes, mas não sabiam onde passar. Passavam pra família, coisa assim. O Fest Natal teve uma grande ideia de criar o Festival de Vídeo Potiguar. (…) Hoje é uma realidade o vídeo e o cinema aqui. Você tem a ABD, você tem o ITEC, além dos alunos das universidades dos cursos de comunicação. 182 ATENÇÃO: OS VÍDEOS ANALISADOS NESTA PESQUISA ENCONTRAM- SE GRAVADOS NESTE CD ABAIXO.