UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PAULO HEMETÉRIO ARAGÃO SILVA A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CIVIL VIA AUXÍLIO DIRETO: Uma análise acerca do reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional NATAL/RN 2019 PAULO HEMETÉRIO ARAGÃO SILVA A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CIVIL VIA AUXÍLIO DIRETO: Uma análise acerca do reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação do Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino. NATAL/RN 2019 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Silva, Paulo Hemetério Aragão. A cooperação jurídica internacional em matéria civil via auxílio direto: uma análise acerca do reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional / Paulo Hemetério Aragão Silva. - 2019. 108f.: il. Dissertação (Mestrado em Direito) - U niversidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof. Dr. Marco Bruno Mi randa Clementino. 1. Transnacionalismo - Dissertação. 2. Cooperação Jurídica internacional - Dissertação. 3. Auxílio Direto Civil - Diss ertação. 4. Ordem Jurídica Transnacional - Dissertação. I. Clementino, Marco Bruno Miranda. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 341.23 Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais Paulo Pereira e Maria José Aragão. Aos meus saudosos avós paternos e maternos. Aos meus irmãos Kaio César e Maria da Conceição. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por ter me dado saúde, inspiração e coragem para escrever este trabalho. Agradeço aos meus pais, Paulo Pereira e Maria José Soares de Aragão, sem eles nada seria possível. Agradeço ao Professor Doutor Marco Bruno Miranda Clementino pela confiança, paciência e orientação. Agradeço a minha família, por acreditarem na educação. Agradeço aos professores Ana Beatriz Presgrave, Yara Gurgel, Keity Mara, Fabiano Mendonça, Erick Pereira e novamente ao meu orientador Marco Bruno, pelas disciplinas e seminários ministrados durante o mestrado, que sem dúvidas me fizeram amadurecer e crescer em conhecimentos jurídicos, e aos funcionários do PPGD pela presteza em solucionar os meus problemas. Agradeço a minha turma do mestrado, em especial aos (as) amigos (as) da minha linha, Emmanuelli, Camila, Fernanda, Ana Priscyla, Débora, Simões, Cláudio e Adriano. Aos meus colegas de profissão do UNIFACEX, em especial, ao professor Marconi Macedo, pelo incentivo e valiosos apontamentos. ―É impossível que ocorram grandes transformações positivas no destino da humanidade se não houver uma mudança de peso na estrutura básica de seu modo de pensar‖. Stuart Mill RESUMO A presente dissertação busca demonstrar que o auxílio direto, como instrumento de cooperação jurídica internacional, pode ser considerado um elemento facilitador do reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional, no instante em que penetra numa ordem jurídica nacional. Para isso, é relevante compreender a relação entre as transformações das interações sociais, ocasionadas pelo processo de globalização, e sua influência na cultura jurídica. As relações sociais praticadas em ambiente transfronteiriço acarreta o surgimento de relações jurídicas transnacionais, o que demanda à necessidade de instituir um marco regulatório, denominado de Direito Transnacional. A metodologia utilizada no trabalho foi a pesquisa bibliográfica, por meio de bases da doutrina nacional, internacional, da jurisprudência, da legislação, destacando os acordos internacionais subscritos pelo Brasil em matéria de cooperação jurídica internacional. A tipologia da pesquisa é qualitativa, visando agregar conhecimento acerca das questões discutidas. A pesquisa possui claros objetivos explicativos e exploratórios, visando averiguar a natureza jurídica e as características de alguns institutos, aprimorando ideias para atingir a conclusão do problema. Durante a pesquisa emprega-se o método dedutivo na análise de fenômenos como a globalização, a transnacionalidade, a cooperação jurídica internacional e a relação entre o auxílio direto e o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Os instrumentos da cooperação jurídica internacional são abordados, relacionando-os com a transnacionalidade da aplicação da ordem jurídica global. Ademais, analisa-se o papel do auxílio direto em matéria civil no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando a sua previsão normativa, aplicabilidade, classificação e a limitação decorrente da reserva de jurisdição. Por fim, verifica-se que o auxílio direto facilita o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional, quando penetra na ordem nacional, com o intuito de instrumentalizar uma cooperação jurídica, visto que indiretamente uma ordem jurídica acaba reconhecendo procedimento oriundo de outra. Palavras-chave: Transnacionalismo. Cooperação Jurídica Internacional. Auxílio Direto Civil. Ordem Jurídica Transnacional. ABSTRACT The present dissertation seeks to demonstrate that direct assistance, as an instrument of international legal cooperation, can be considered a facilitating element in the recognition of a transnational legal order, at the instant it enters an order national legal order. For this, it is relevant to understand the relationship between the transformations of social interactions, caused by the globalization process, and its influence on western juridical culture. Social relations practiced in a cross-border environment lead to the emergence of transnational legal relations, which demands the need to establish a regulatory framework, called Transnational Law. The methodology used in the study was the bibliographic research, through the bases of national doctrine, international, jurisprudence, legislation, highlighting the international agreements subscribed by Brazil in matters of legal cooperation international. The typology of the research is qualitative, aiming to aggregate knowledge about the issues discussed. The research has clear explanatory and exploratory objectives, aiming to ascertain the legal nature and characteristics of some institutes, improving ideas to achieve the conclusion of the problem. During the research, the deductive method is employed in the analysis the phenomenon such as globalization, transnationality, international legal cooperation and the relationship between direct aid and the recognition of a transnational legal order. The instruments of international legal cooperation are addressed, relating them to the transnationality of the application of the global legal order. Furthermore, analyze the role of direct aid in civil matters in the brazilian legal order, highlighting its normative prediction, applicability, classification and the limitation resulting from the reserve of jurisdiction. Finally, it is verified that direct aid facilitates the recognition of a transnational legal order, when it enters the national order, with the aim of instrumentalize legal cooperation, since indirectly a legal order ends up recognizing proceeding from another. Keywords: Transnationalism. International Legal Cooperation. Civil Direct assistance. Transnational Legal Order. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AGU Advocacia Geral da União Art. Artigo BCB Banco Central do Brasil BCBS Basel Committee on Banking Supervision CIC Câmara Internacional do Comércio COAF Conselho de Controle de Atividade Financeira CPC Código de Processo Civil CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CRFB Constituição da República Federativa do Brasil DRCI Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional IberREd Rede Iberoamericana de Cooperação judiciária Inc. Inciso IOC Internacional Olympic Committee MPF Ministério Público Federal OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas SCI Secretaria de Cooperação Internacional STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal do Justiça UNO’s Unidentified Normative Objects USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 2 ORDEM JURÍDICA TRANSNACIONAL ............................................................. 14 2.1 O DIREITO NACIONAL E O DIREITO TRANSNACIONAL..............................14 2.2 PLURALISMO JURÍDICO TRANSNACIONAL COMO FUNDAMENTO DA ORDEM JURÍDICA GLOBAL.......................................................................................23 2.3 GLOBALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS EM MATÉRIA CIVIL ..........28 2.4 CONDUTAS TRANSFRONTEIRIÇAS NO CONTEXTO DE UMA JURISDIÇÃO TRANSNACIONAL ...................................................................................................... 32 3 COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL CIVIL COMO INSTRUMENTO DE TRANSNACIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA ORDEM NORMATIVA................................................................................................................36 3.1 DO DIREITO INTERNACIONAL DE COORDENAÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL DE COOPERAÇÃO ..................................................................... 36 3.2 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL COMO VALOR UNIVERSAL NAS RELAÇÕES ENTRE OS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO...40 3.3 INSTRUMENTOS TRADICIONAIS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CIVIL .................................................................. 46 3.4 DESAFIOS PARA CRIAÇÃO DE UMA REDE DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL ....................................................................................................... 52 4 AUXÍLIO DIRETO CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO................................................................................................................57 4.1 ENQUADRAMENTO NORMATIVO .................................................................... 57 4.2 APLICABILIDADE DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA CIVIL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO ................................................................................. 64 4.3 AUXÍLIO DIRETO EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL ........................................... 71 4.4 RESERVA DE JURISIDIÇÃO COMO LIMITE AO AUXÍLIO DIRETO CIVIL..74 5 AUXÍLIO DIRETO CIVIL E A ORDEM JURÍDICA TRANSNACIONAL ......82 5.1 SOBERANIA ESTATAL COMO ELEMENTO RELEVANTE PARA O FORTALECIMENTO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL .............82 5.2 NECESSIDADE DE REDEFINIR A SOBERANIA ESTATAL NO CONTEXTO DE UMA TRANSNACIONALIDADE JURÍDICA.......................................................86 5.3 RECONHECIMENTO DE UMA ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL POR MEIO DA PENETRAÇÃO DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA CIVIL NAS ORDENS JURÍDICAS NACIONAIS ............................................................................ 88 6 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 97 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 100 11 1 INTRODUÇÃO Os desafios criados pelas transformações advindas do processo de globalização são percebidos nas diversas áreas de atuação humana. No direito não poderia ser diferente, em razão de sua forte presença social exercendo o papel de elemento de controle. Dessa forma, a globalização das relações sociais consequentemente ocasiona a globalização das relações jurídicas. O fenômeno da globalização causa a transnacionalização das relações sociais. O que impõe discussões acaloradas sobre as influências que esse movimento exercerá no direito nacional e internacional. E imposição de uma nova concepção de Estado, diante de todo esse processo de mudança global. Essa reformulação da concepção de Estado sustenta-se basicamente em dois pilares. O primeiro consiste na ruptura da própria cultura jurídica, lastreada no Estado-centrismo, como sendo o único capaz de produzir, interpretar e aplicar o direito. O Segundo, não deixando de ser uma consequência do primeiro, diz respeito à necessária redefinição do conceito de soberania estatal. A justificativa reside no atual contexto mundial, caracterizado pela intensidade dos relacionamentos no plano global, o que produz o surgimento de novos atores, que paralelamente aos Estados, atuam num ambiente transfronteiriço, com repercussão dentro e fora dos Estados. Em decorrência do aumento das interações transnacionais, principalmente envolvendo esses novos atores, tais como: instituições financeiras, empresas transnacionais, organizações não governamentais, movimentos sociais e outros. Surge uma nova categoria de relações jurídicas, adjetivadas de transnacionais. Com isso, a formatação de um instituto capaz de regulamentar as relações jurídicas transnacionais passa a ser compulsória, atribuindo-lhe o nome de direito transnacional. Nesse cenário de poucas convicções, mas de muitas incertezas, busca-se o porquê de pesquisar sobre uma ordem jurídica transnacional. E de que modo a cooperação jurídica internacional contribui para o seu reconhecimento, especialmente o auxílio direto em matéria civil. O presente trabalho possui como objetivo geral demonstrar de que forma a penetrabilidade do auxílio direto civil contribui para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Tem como objetivos específicos: compreender os desdobramentos ocasionados pela globalização no direito, com a transnacionalização das relações jurídicas e a superação do 12 Estado-centrismo; estudar a cooperação jurídica internacional como instrumento de transnacionalidade da aplicação ordem normativa; perquirir o tratamento do auxílio direto em matéria civil no ordenamento jurídico brasileiro; estabelecer uma relação entre o auxílio direto civil e a ordem jurídica transnacional. Em relação à metodologia, a dissertação foi desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica, buscando atestar o problema por meio da análise de discussões extraídas de bases doutrinárias nacionais e internacionais, da jurisprudência e da legislação, ressaltando os acordos internacionais, pactuados pelos Brasil na seara da cooperação jurídica, corroborando para o estabelecimento da relação entre a penetração do auxílio direto civil e o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. A tipologia da pesquisa é essencialmente qualitativa, objetivando incrementar o conhecimento do pesquisador sobre as questões debatidas, permitindo a formulação de posicionamento acerca da temática proposta. Os objetivos da pesquisa são meramente explicativos, por meio da averiguação de fenômenos, sua natureza, características. E também exploratória, pois busca lapidar ideias, utilizando-se de informações sobre o tema para que se possa alcançar uma provável conclusão em relação ao problema. Dessa forma, foi utilizado o método dedutivo, alcançando fenômenos como a globalização, a transnacionalização das relações sociais e institutos jurídicos como o Estado, a cooperação jurídica internacional, destacando o auxílio direto civil e a ordem jurídica transnacional. A partir do fenômeno da globalização e a consequente transnacionalização dos relacionamentos sociais, o direito passou a sofrer influências, que acabaram por ensejar a necessária superação da tradicional concepção de Estado e de soberania. Estabelecer a relação das transformações operadas, especialmente na segunda metade do século XX, com a cooperação jurídica internacional, no sentido de que a transnacionalidade atingiu o direito de uma forma insuperável, resultando num novo direito, em decorrência, impondo o reconhecimento de uma nova ordem jurídica. E a cooperação jurídica internacional, em especial, o auxílio direto, atuando como instrumento facilitador do reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Problematizando-se da seguinte forma: o auxílio direto civil como instrumento de cooperação jurídica internacional contribui para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional? 13 A resposta dessa questão demandou uma averiguação sobre os reflexos ocasionados pela globalização na cultura jurídica, e as consequências geradas pelo inter-relacionamento global, denominado de transnacionalismo. Passando-se para o estudo da cooperação jurídica internacional e a contribuição para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional, por intermédio da penetração do auxílio direto civil na ordem jurídica nacional. No segundo capítulo, será realizado um estudo acerca do direito nacional, do direito transnacional, demonstrando-se a imprescindibilidade de superar o Estado-nação. Em conjunto, verifica-se o pluralismo jurídico transnacional, como fundamento para a ordem jurídica global, a questão da repercussão da globalização nas relações jurídicas e a disciplina das condutas num ambiente transfronteiriço. Em seguida, no terceiro capítulo, será analisada a mudança de paradigma de tratamentos na relação entre os Estados, saindo-se de uma relação de coordenação para uma relação de cooperação. O valor universal da cooperação jurídica para os sujeitos do Direito Internacional Público, associado aos instrumentos tradicionais da cooperação. Por fim, serão elencados alguns desafios para a constituição de uma rede global de cooperação jurídica. Na sequência, no quarto capítulo, será realizada uma abordagem descritiva sobre o auxílio direto civil no ordenamento jurídico brasileiro, por meio do seu enquadramento normativo, das questões relacionadas com sua aplicabilidade, a classificação em extrajudicial e judicial, concluindo com a discussão do limite imposto ao auxílio direto extrajudicial, em virtude da reserva de jurisdição. Por fim, chegar-se-á ao quinto capítulo, dedicado a investigar a relação entre a penetração do auxílio direto civil na ordem jurídica nacional e o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Para isso, será analisada a soberania estatal como elemento relevante para a cooperação jurídica internacional, como também será apontada a necessidade de uma releitura da soberania estatal no contexto de transnacionalismo das relações jurídicas, e em medida, o auxílio direto que, uma vez penetrando na ordem jurídica nacional, contribui para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. 14 2 ORDEM JURÍDICA TRANSNACIONAL A evolução do direito está interligada com o desenvolvimento dos relacionamentos sociais. Cada vez que se altera o contexto das relações sociais, o direito deve seguir o mesmo ritmo, sob pena de cair em desuso por falta de adequação social. Com os avanços das interações sociais, novos desdobramentos começaram a surgir com a prática de atos em ambiente externo ao controle do Estado-centrista. Ademais, surge a imprescindível necessidade de aceitação do pluralismo jurídico, associado à ruptura do paradigma do exclusivismo estatal na produção normativa. Tudo isso demandou a necessidade de regulação dos atos realizados fora da ordem jurídica estatal, ocasionando uma segurança jurídica no cenário transfronteiriço. 2.1 O DIREITO NACIONAL E O DIREITO TRANSNACIONAL Para entender o direito nacional e o direito transnacional e a relação existente entre eles, torna-se salutar realizar um breve digressão acerca de conceitos basilares da Teoria do Estado e da Ciência Política. 1 O termo Estado, na linha de pensamento do professor Dalmo de Abreu Dallari , foi usado pela primeira vez na obra literária de Maquiavel, ―O príncipe‖, na seguinte passagem, ―todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e 2 são ou repúblicas ou principados‖ . Modernamente, o Estado é formado por elementos constitutivos, o que varia é a 3 quantidade desses elementos. Para uns seriam três elementos: território, povo e soberania ; 4 para outros seriam quatro: território, povo, poder e tempo ou período de existência ; aqueles que defendem a existência de cinco elementos: povo, território, soberania, finalidade e 5 capacidade de manter relações com os demais Estados . Há uma relação direta entre a manutenção e desenvolvimento do convívio em sociedade e a existência de um mínimo de organização interna e de estrutura de poder, para 1 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 51. 2 MACHIAVELLI, Niccolò. O príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 10. 3 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 9. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017. 4 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 299-383. 5 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 10. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 483. 15 que essa convivência seja possível. Porém, a imposição do poder exige a autoridade, que por 6 sua vez, requer legitimidade . A ideia de legitimidade é carregada de ideologias, sendo variável, conforme o tipo de pensamento ideológico predominante naquele espaço social. Não cabe aqui enveredar no 7 estudo acerca da legitimidade . O Estado é quem cria as condições organizacionais e estruturais para o exercício do poder. Por isso, o poder é essencial para o Estado, pois é sua característica marcante, não 8 havendo uma diferença clara entre poder e soberania . Por isso, no bojo do poder do Estado, encontra-se a prerrogativa de elaborar as normas jurídicas internas. Leciona o professor Paulo Bonavides que na linguagem política aplica-se de forma equivocada, sem realizar a correta distinção, as expressões força, poder e autoridade, o que exige clareza na retificação desse equívoco semântico. Segundo ele, a força é caracterizada pela aptidão material de condução interna e externa. Já o poder denota a sistematização ou regulação jurídica da força. Por fim, autoridade significa o poder expressado via consentimento, presumido ou aparente dos governados, na proporção que mais consentimento, mais legitimidade e quanto mais legitimidade, mais autoridade. O poder exercido com autoridade é um poder completo, capaz de resolver as dificuldades sociais. Menos inconformismo e mais consentimento social ocasiona maior estabilidade do ordenamento estatal, com a soma da força ao poder e do poder à autoridade. Sendo fraco o consenso social, consequentemente a autoridade também será fraca. Uma vez fortalecido o consentimento, a autoridade será reforçada9. A definição de Direito é muito complexa em decorrência do rigor necessário para estabelecer premissas universalmente aceitáveis. Além disso, pode-se abordar vários prismas, desde a simbologia do direito até a sua natureza de controle social, ao tentar definir o direito. Há dificuldade de alcançar um conceito único ou universal de direito, pois existe variabilidade de elementos componentes, como também a existência de inúmeras acepções do termo direito. A tentativa de encontrar uma definição para direito tem ocasionado certa frustração, resultante da grande complexidade envolvida nessa tarefa, tornando impossível 6 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 248. 7 Ibid. p. 247. 8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 110-111. 9 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 133-134. 16 formatar um conceito amplamente aceito, que absorva toda heterogeneidade de elementos que 10 compõem o direito . De um lado, o direito protege os indivíduos e as instituições do poder arbitrário, dando igualdade de oportunidades a todos, assegurando o amparo aos desfavorecidos. Em contrapartida, o direito é manipulável, permitindo a sua utilização contra os menos favorecidos, sendo acessível a poucos, devido à utilização de técnicas complexas de controle e 11 dominação de pouquíssimo conhecimento geral . Não cabe nesta pesquisa enveredar de modo mais detalhado no estudo acerca da definição de direito. Espera-se que essa sucinta introdução tenha sido suficiente para alertar sobre a complexidade do fenômeno jurídico. A relação de proximidade existente entre o direito e o poder é clara, pois nas lições de Bobbio, direito e poder são faces de uma mesma moeda, pois o poder tem a aptidão para criar o direito, sendo necessário para a sua positivação, somente o direito é capaz de limitar o 12 poder . Com a elevação do direito à categoria de Ciência autônoma com o surgimento do Estado nacional, adveio a bipartição do direito em dois campos inicialmente distintos: de um 13 lado, o direito nacional centralizado na figura do Estado, e de outro, o Direito internacional . A soberania do Estado seria o fundamento do Direito nacional, estabelecendo a crença de que o Estado seria composto por território, povo e governo, além de estabelecer que 14 a ordem jurídica nacional encontrava-se monopolizada pela autoridade estatal . Essas normas jurídicas internas criadas pelo Estado-Nação podem ser denominadas de direito nacional. A noção de direito nacional é resultante de toda produção normativa interna, capaz de regular a sociedade em determinado tempo e espaço. O direito nacional necessita de uma homogeneização baseada nos ideais de igualdade e universalidade, que busca sua legitimação nos esforços de criar uma nação homogênea por 10 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 241-242. 11 FERRAZ JÚNIOR. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 9- 10. 12 BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 23. 13 WEBERBAUER, Paul Hugo. Diálogos entre Constituição e Direito Internacional: Introdução à Teoria da Teia Constitucional. Revista da Faculdade de Direito da UERJ – RFD, Rio de Janeiro, v. 1, n. 25, p. 175-196, maio 2014. p. 178. 14 Ibid. 17 meio da unificação linguística, religiosa e cultural, isto é, igreja, escola e meios de 15 comunicação . Utilizando-se da premissa básica de que direito nacional e direito objetivo são expressões idênticas, pode-se concluir que o direito nacional é formado pelo conjunto de normas imperativas ao comportamento humano, permitindo ao indivíduo fazer ou deixar de fazer algo. Tais normas são externas ao homem, sendo um indicativo do caminho a seguir, 16 estabelecendo medidas repressivas em caso de descumprimento . A legitimidade da utilização da coerção é atribuída ao Estado, inicialmente atrelada ao poder soberano atribuído ao governante, que incorporava a representação de Deus na Terra. Posteriormente, com Rousseau, a legitimidade do uso da força pelo Estado decorre da 17 soberania popular . Cabe salientar que, sucintamente, a relação entre direito, poder e Estado é baseada na complementaridade, pois cada um exerce na medida certa uma função própria na coordenação e manutenção da coesão social. Muitas vezes até confundindo os conceitos de direito, poder e Estado. Antes de enveredar na discussão sobre direito transnacional, cabe destacar o contexto no qual está inserido esse novo paradigma do direito. Para a melhor compreensão do direito transnacional, deve-se averiguar a figura do Estado Transnacional, enfocando a conjuntura de sua formação. É fundamental consignar que o fenômeno da transnacionalização é consequência de um novo panorama mundial, no qual o Estado-Nação do final do século XVIII e início do século XIX é gradativamente superado por um novo modelo de Estado, o Transnacional. No contexto das transformações decorrentes principalmente da intensificação comercial surge a interferência de atores transnacionais na soberania, na identidade, nas comunicações e no poder dos Estados nacionais, isso, conforme os ensinamentos do sociólogo 18 alemão Ulrich Bech, é denominado de globalização . 15 DEMARCHI, Clovis; WLOCH, Fabrício. Aspectos Diferenciadores do Direito Nacional, Internacional, Plurinacional e Transnacional. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, Florianópolis, v. 1, n. 3, p. 52-71, dez. 2015. p. 60. 16 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 251. 17 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013. 18 BECK, Ulrich. O que é globalização? Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 30. 18 Alerta o autor alemão para o fato de que a globalização é indubitavelmente a palavra mais usada, abusada e mal compreendida, tanto no presente quanto será no futuro, apesar de 19 sua enorme relevância política para a concepção moderna de Estado . O dilema sobre o início do fenômeno da globalização econômica pode ser a causa das incertezas que perambulam o discurso e a conceituação da globalização. Descobrir essa 20 definição é algo semelhante à tentativa de pregar um pudim na parede . Todo esse resgate da globalização não é inútil, pois a transnacionalização é um fenômeno que nasce no contexto da intensificação das relações globais. A transnacionalização acarreta o necessário surgimento do Estado Transnacional, o que viabiliza a formação da categoria Direito Transnacional, objeto deste tópico. Decorrente da conjuntura da nova ordem mundial, sob a ingerência de vários fatores oriundos da intensificação da globalização, cabe plenamente a discussão acerca da formatação de espaços públicos transnacionais, que proporcionem a democratização das relações entre os Estados, fundada na cooperação e solidariedade, com a finalidade de garantir a construção dos 21 alicerces e estratégias para a governança, regulação e interferência transnacional . A vida em sociedade no passado, no presente e no futuro é constantemente influenciada pela nova visão de encarar o mundo, numa perspectiva global. Esse novo modelo de sociedade globalizada passa a influenciar plenamente o comportamento humano. Os novos meios de comunicação minimizam, para ser mais sutil, os limites formais das fronteiras dos Estados, dando início a um modelo de relações globais, refletindo-se nas esferas civil e 22 criminal, onde o controle social do Estado exerce cada vez menos influência . A compreensão da transnacionalização pode depender da sua percepção como fenômeno reflexivo da globalização, sobressaindo-se pela quebra territorial das relações político-sociais, lastreada pela megavalorização do sistema capitalista, que é responsável pela 23 reorganização do ordenamento jurídico mundial, afastado das soberanias estatais . Percebe-se que a atual configuração das relações ocasionadas pela transnacionalização, como alongamento da globalização, ocasiona a superação do Estado- nação, baseado nos seus elementos primordiais: território, povo e soberania, para um Estado 19 BECK, Ulrich. O que é globalização? Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 44. 20 Ibid. p. 46. 21 CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. A Transnacionalidade e a Emergência do Estado e do Direito Transnacionais. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 61-62. 22 CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Cooperação Jurídica Internacional Penal-Tributária e Transnacionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 220. 23 STELZER, Joana. O Fenômeno da Transnacionalização da Dimensão Jurídica. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 21. 19 Transnacional, alicerçado na relativização da soberania, passando as relações entre os Estados 24 para o plano virtual, desenvolvidas num espaço único de caráter transnacional . O fundamento da passagem do Estado nacional para o Estado transnacional será a restruturação do sistema político, com a consequente substituição da estrutura centralista de poder dos Estados nacionais, gerando mútua rivalidade, por uma distribuição multifacetada de poder, na qual há uma grande diversidade de atores transnacionais e nacionais cooperando e 25 concorrendo entre si . A conjuntura do Estado transnacional é marcada por uma penetrabilidade das relações entre os Estados, desconsiderando-se as fronteiras, por meio da criação de um novo espaço de relacionamento, no qual a soberania dos Estados é relativizada, no sentido de que há uma fragilização do poder soberano do Estado em detrimento do aumento do poder transnacional. No caso da transnacionalização, há um fenômeno multifacetado, complexo e polêmico, encontrando barreiras para ser admitido como fato consumado. Contudo, algumas características podem ser destacadas para a avaliação da transnacionalização, a exemplo da desterritorialização; da megavalorização do capitalismo e o enfraquecimento da soberania. A desterritorialização é marcada pela superação da lógica do sistema político-jurídico, cujo território é um ambiente relevante de dominação. Nesse sentido, o comércio mundial não está circunscrito aos limites territoriais dos Estados, ultrapassando-os constantemente, criando um 26 novo espaço de atuação transnacional . Os avanços do capitalismo fizeram com que os Estados nacionais desprezassem suas estratégias internas, para abraçar os valores neoliberais. Com isso, o comércio passou a ser o grande lema da transnacionalização. Decorrência da intensificação das transações comerciais, geradas pelo anseio do consumo. Por isso, a necessidade de criação de regras capazes de disciplinarem o enorme fluxo de bens e serviços transfronteiriços, daí a presença dessa 27 megavalorização do capitalismo, como característica da transnacionalização . Ainda se pode elencar o enfraquecimento da soberania na lista das características da transnacionalização. É notório que a soberania é um dos elementos formadores dos Estados. Porém, diante do fenômeno da transnacionalização, torna-se imprescindível uma revisão da definição, pois a pluralidade de centros de poder ocasionada por esse fenômeno não é 24 Ibid. 25 BECK, Ulrich. O que é globalização? Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 72. 26 STELZER, Joana. O Fenômeno da Transnacionalização da Dimensão Jurídica. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 27. 27 Ibidem. p. 29-31. 20 compatível com o conceito tradicional de soberania. Isso acaba gerando um desgaste conceitual e prático da soberania, atrelado à globalização, claramente demonstrado nos 28 processos de integração regional . O termo transnacional é utilizado para designar a atividade que ultrapassa as nações, as fronteiras, abarcando qualquer dinâmica física ou virtual, envolvendo pessoas, bens, ideias, informações, créditos, capitais, dentre outras ações. Desconsideram-se as barreiras formais dos Estados, como impedimentos para a elaboração dessas ações. A atividade transnacional acontece em vários espaços territoriais estatais, não existindo concentração numa só base 29 territorial, graças às facilidades implantadas pelo aumento das ferramentas de comunicação . É imprescindível a construção de uma dimensão jurídica para o Estado Transnacional, que seria o Direito Transnacional, objetivando regulamentar as movimentações econômicas baseadas na livre circulação de mercadorias e do capital. Com isso, as fronteiras nacionais são desconsideradas, sendo o território dos Estados alçado à categoria de ilusão cartográfica, tornando paulatinamente o Estado-nação uma espécie de 30 surrealismo nostálgico . Surge a oportunidade e também necessidade do estabelecimento de um marco regulatório dos comportamentos dos Estados (âmbito público) e dos particulares (âmbito privado), o que abriria espaço para a formação e desenvolvimento do Direito Transnacional, embasando a constituição de uma Ordem Jurídica Transnacional. No campo do maniqueísmo do lícito e ilícito, a propagação da soberania estatal é a principal consequência do transnacionalismo, acarretando dificuldades universais, relacionadas ao declínio da aptidão dos Estados de solucionarem seus problemas internos, resultante da constante necessidade de que a solução depende de providência que extrapola os seus limites fronteiriços. O benefício gerado pela fragmentação da soberania estatal consiste na barreira criada para a constituição e duração de regimes totalitários, ainda que isso 31 ocasione a fragilização da resposta do Estado, para as demandas submetidas a ele . O precursor moderno da nomenclatura Direito transnacional foi Philip C. Jessup, na obra Transnacional Law, publicada em 1965 na Yale University. Na obra, o autor norte- americano expõe os problemas relacionados à comunidade mundial, envolvendo o indivíduo e 28 STELZER, Joana. O Fenômeno da Transnacionalização da Dimensão Jurídica. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 32. 29 CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Cooperação Jurídica Internacional Penal-Tributária e Transnacionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 221. 30 OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-nação. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 7-12. 31 CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Cooperação Jurídica Internacional Penal-Tributária e Transnacionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 223. 21 a comunidade de Estados. Diante da complexidade dos laços criados pela comunidade mundial, Jessup compreendia que o Direito Internacional Público não atendia mais às exigências da nova época. Por isso, o autor consignou a expressão Direito Transnacional, utilizando-a para alcançar todas as normas reguladoras de fatos ou atos que ultrapassassem as 32 fronteiras nacionais . A criação de espaços públicos que transcendam os Estados nacionais pode servir de diretriz para a propositura de um modelo de Estado e de Direito Transnacional. Os professores Paulo Márcio Cruz e Zenildo Bodnar elencam algumas características que poderiam ter os modelos de Estado e de Direito Transnacional, são elas: uma Constituição de Estados em processo de forte abdicação de competências soberanas; Instituições compostas por órgãos e organismos de governança, regulação, intervenção e aplicação das normas transnacionais; capacidade fiscal em diversas áreas transnacionais, como ambiental, manutenção da paz, direitos humanos e outros; atuação em diversos campos, como o ambiental, o pacifista, direitos humanos e outros; pluralidade de visões, objetivando incorporar todas as nações, sem preconceitos; implementação gradual de formas de democracia deliberativa e solidária; criação de espaços públicos transnacionais, baseados na cooperação, na solidariedade e no consenso; a fundamental construção de uma força coercitiva apta a garantir os direitos e impor os deveres estabelecidos consensualmente pela democracia, ultrapassando um dos 33 principais obstáculos para a atuação dos Estados externamente . Nesse cenário de grandes transformações, o surgimento de um novo instituto é necessário para regulamentar as relações jurídicas advindas desse contexto de expansão das interações pessoais em nível mundial e os sistemas, controles e doutrinas, ambos advindos do fenômeno da transnacionalidade. Não podendo mais tais elementos serem compreendidos à luz do Estado-Nação, tendo em vista as enormes incompatibilidades existentes entre esse tipo de Estado e essas transformações globais. Esse novo instituto é a lei transnacional. A questão 34 que se faz presente é: o que é direito transnacional? Respondendo a questão acima utilizando as lições de Philip Jessup, citado em artigo de Roger Cotterrel, no qual considera a lei transnacional como "toda a lei que regula ações ou 32 CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. A Transnacionalidade e a Emergência do Estado e do Direito Transnacionais. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 63-64. 33 CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. A Transnacionalidade e a Emergência do Estado e do Direito Transnacionais. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 56-57. 34 COTTERREL, Roger. What is transnational law. Law & Social Inquiry, Chicago, v. 37, n. 2, p. 500-524, 2012. Available in: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2021088. Access in: 23 jul. 2019. p. 501. 22 eventos que transcendem as fronteiras nacionais‖. No cenário de relativização e mitigação do espaço físico, com os avanços tecnológicos na área dos transportes, juntamente com a amplificação e instantaneidade das comunicações interpessoais, as relações jurídicas praticadas no espaço transfronteiriço não podem ficar sem regulamentação adequada. Por isso, a imprescindível construção de um marco jurídico, que seria o direito transnacional, composto pela junção do direito nacional mais o direito internacional, podendo abarcar os setores públicos e privados. Mas há posições divergentes da adotada por Jessup, que não considerando o direito transnacional, distinto do direito nacional e do direito internacional, pois suas fontes primárias não são baseadas em agentes produtores internos de normas e nem em tratados ou convenções internacionais, mas são decorrentes de relações transnacionais 35 envolvendo agentes privados . O Direito Transnacional (Global Law) não é algo futurístico, atualmente, pode-se encontrar inúmeros objetos normativos não identificados, UNO’s (Unidentified Normative Objects), fora do alcance da soberania estatal, como os regulamentos econômicos do BCBS (Basel Committee on Banking Supervision), regimes jurídicos internos das empresas 36 multinacionais e as normas de autorregulações profissionais, dentre outros . Existe uma controvérsia relevante quanto à forma de incidência do direito transnacional nos ordenamentos internos dos Estados. Uma posição diz que o direito transnacional é formado por regras que se aplicam diretamente por meio das fronteiras nacionais. Outra posição afirma que é composto por sistema que regulamenta de forma 37 harmoniosa a vinculação das regras substantivas entre Estados . Vale destacar que o direito nacional está atrelado à concepção de Estado-nação, alicerçada no centralismo jurídico estatal, considerando o Estado como a única fonte de produção de direito. Exige-se desse tipo de direito a necessária aptidão de disciplinar todos os fatos e atos, com repercussão jurídica dentro do espaço territorial do respectivo país. Já o direito transnacional advém da necessidade de superar os limites impostos ao direito nacional, por intermédio da criação de novos espaços públicos e privados de relacionamentos, que não sejam contidos pelas barreiras políticas e geográficas dos Estados. Não se confunde com o 35 COTTERREL, Roger. What is transnational law. Law & Social Inquiry, Chicago, v. 37, n. 2, p. 500-524, 2012. Available in: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2021088. Access in: 23 jul. 2019. p. 501. 36 TEUBNER, Gunther. Global Bukowina: Legal Pluralism in the World-Society. In: TEUBNER, Gunther. Global Law Without a State. Brookfield: Dartsmouth, 1996. p. 3-28. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=896478. Access in: 24 jun. 2019. p. 1. 37 COTTERREL, Roger. What is transnational law. Law & Social Inquiry, Chicago, v. 37, n. 2, p. 500-524, 2012. Available in: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2021088. Access in: 23 jul. 2019. p. 502-503. 23 Direito Internacional Público, pois nesse as relações interestatais ainda possuem como diretrizes os elementos: território, povo e soberania. 2.2 PLURALISMO JURÍDICO TRANSNACIONAL COMO FUNDAMENTO DA ORDEM JURÍDICA GLOBAL O direito romano deixou uma lição imperecível nas palavras de Miguel Reale, quando as normas jurídicas são frequentemente aprimoradas à luz dos fatos e das necessidades variáveis, pois as normas são fixadas em função de fatos e valores. Assim, gradativamente, forma-se o direito positivo, que segundo o referido autor, é constituído por um conjunto de normas e modelos jurídicos, destinado a ter vigência e eficácia na integralidade de um território, formando um sistema global ou macromodelo, que os italianos 38 denominam de ordenamento jurídico . Objetivando explicar o que sustenta a unidade do pluralismo jurídico, Hans Kelsen aduz que a pluralidade de normas forma uma unidade, um sistema ou ordenamento, quando encontra o seu fundamento de validade em uma norma única, que é considerada o fundamento último da sua validade. O que Kelsen denomina de norma fundamental, responsável por 39 constituir a unidade diante da pluralidade de normas jurídicas em um ordenamento . A existência de múltiplos centros propulsores de normas jurídicas é uma forte característica do cenário atual das relações internacionais. Isso denota que o elemento soberania ainda exerce forte influência nas estruturas normativas estatais. A visão clássica de soberania estatal, com a centralização do poder político-jurídico no Estado, não é mais compatível com o Estado transnacional. No Estado transnacional, a soberania estatal é flexibilizada para que seja admitida a existência de outras fontes de poder jurídico não estatais. Com isso, rompe-se com a percepção absolutista da soberania do Estado, o que não significa o seu fim, mas apenas uma releitura desse elemento estatal, adequando-o a esse novo contexto de poder jurídico estatal ou não estatal. Diante da mitigação da soberania estatal, permitindo a coexistência de outros centros propulsores de normas jurídicas, a compreensão de pluralismo jurídico, ainda que difícil de entender, acaba sendo necessária. Nas lições de Gunther Teubner, o pluralismo jurídico não 38 REALE, Miguel. Estrutura e Fundamento da Ordem Jurídica. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/180576. Acesso em: 30 jul. 2019. p. 247-249. 39 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito – versão condensada pelo próprio autor. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 94. 24 seria apenas um conjunto de normas de conflitos sociais, mas uma multiplicidade de processos comunicativos diversos, em um determinado campo social, que observam a ação 40 social, sob o código binário de legalidade/ ilegalidade . O professor André de Carvalho Ramos, ao abordar o pluralismo de ordens jurídicas, considera que sua essência reside na coexistência de normas e de decisões de diversas origens, disciplinando um único espaço social, produzindo desdobramentos relacionados à agregação ou desagregação de significados das normas e decisões de fontes distintas. O pluralismo de ordens jurídicas é aquele que reúne e simultaneamente ocasiona uma disputa pela regência 41 jurídica de um único espaço ou sociedade . Há muitas discussões sobre a expansão da transnacionalização travando-se uma espécie de guerra religiosa nas palavras de Gunther Teubner, entre os que se opõem ao Global Law, em decorrência da impossibilidade de separar Direito e Estado, demonstrando um excesso de nacionalismo. E por outro lado, os que pregam a independência entre Direito e 42 Estado, podendo existir Direito, sem necessariamente estar atrelado ao Estado . A implementação de uma Ordem Jurídica Transnacional encontra um grande obstáculo na própria cultura jurídica, baseada no Estado-centrismo, que monopoliza a criação, interpretação e execução do direito. Quebrar esse pensamento ou pelo menos mitigá-lo não é algo fácil, devido à base doutrinária (contratualista) da criação do Estado, segundo a qual há necessidade de criação de uma instituição ou de arcabouço institucional capaz de garantir a 43 ordem e o direito dos seus membros (contratantes) por meio de um sistema jurídico . Buscando explicar as razões do centrismo estatal, Ulrich Bech identificou de forma crítica a terminologia nacionalismo metodológico, para tratar dos pressupostos explícitos e implícitos de que o Estado-nação é destinatário dos processos sociais. A nação é quem fornece o substrato para a análise de processos sociais, econômicos e políticos. É precisamente esse Estado-nação que é fundamentalmente questionável no âmbito da 40 TEUBNER, Gunther. Global Bukowina: Legal Pluralism in the World-Society. In: TEUBNER, Gunther. Global Law Without a State. Brookfield: Dartsmouth, 1996. p. 3-28. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=896478. Access in: 24 jun. 2019. p. 10. 41 RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade de Ordens Jurídicas: Uma nova perspectiva na relação entre o direito internacional e o direito constitucional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 106/107, p. 497-524, jan./dez. 2011/2012. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67955/70563. Acesso em: 18 ago. 2019. p. 500. 42 TEUBNER, Gunther. Transnationales Recht: Legitimation durchhorizontale Grundrechtswirkung. 2015. Available at: https://www.jura.unifrankfurt.de/53908273/ViellechnerRezension1.pdf. Access in: 24 jun. 2019. p. 1. 43 BARBOSA, Luiza Nogueira; MOSCHEN, Valesca Raizer Borges. O direito transnacional (―global law‖) e a crise de paradigma do estado-centrismo: é possível conceber uma ordem jurídica transnacional? Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, p. 145-158, 2016. p. 147. 25 pluralização das fronteiras. O entendimento do Estado como a única associação legítima de 44 criação, interpretação e execução do direito . Nessa linha, a expressão nacionalismo metodológico seria utilizada como referência crítica para as limitações do Estado-nação, inconcebíveis diante das transformações geradas pelo processo de globalização. A prevalência do nacionalismo metodológico impede que o Estado possa responder adequadamente as dinâmicas dos conflitos emergentes de uma sociedade cada vez mais transnacional ou global. Conforme os ensinamentos de Harold Berman, o direito sempre existiu, ainda que anteriormente à sua organização e institucionalização perante o Estado. Não obstante, o modelo formulado de que o direito necessariamente se origina de uma autoridade soberana. A integração de diversos sistemas, nos quais vários elementos adquirem sentido partindo do sistema como um todo. Estando tal sistema em constante desenvolvimento, o significado de cada elemento não decorre somente do que o sistema foi no passado, mas do que será no 45 futuro . O direito canônico é considerado o primeiro sistema jurídico ocidental. A separação entre categoria eclesiástica e não eclesiástica originou vários sistemas jurídicos, que conviveram pacificamente em uma mesma comunidade, ainda que existisse algum nível de 46 competição, demonstrando claramente a ocorrência de pluralidade de jurisdições . No atual contexto mundial, a crescente demanda por novos espaços públicos de juridicidade permitiu a configuração de um padrão normativo apto a disciplinar as relações jurídicas produzidas nesses novos espaços, diante da incapacidade do Estado-centrista de solucionar todas as questões submetidas ao seu positivismo jurídico. Por esse ângulo, nota-se que o direito prescinde do Estado para existir, não havendo relação de interdependência capaz de inviabilizar a formação de um corpo normativo sem a presença do Estado-centrista. Conforme relatado, já houve sim, ao longo da história, formações jurídicas externas ao Estado. Na concepção de um direito transnacional, quebra-se a 44 BECK, Ulrich. The cosmopolitan state: redefining power in the global age. Available in: https://pt.scribd.com/document/127482914/The-Cosmopolitan-State-Ulrich-Beck. Access in: 24. jun. 2019. p. 146. 45 BERMAN, Harold. Direito e Revolução: A formação da tradição jurídica ocidental. Tradução de Eduardo Takemi Kataoka. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006. p. 22. 46 BARBOSA, Luiza Nogueira; MOSCHEN, Valesca Raizer Borges. O direito transnacional (―global law‖) e a crise de paradigma do estado-centrismo: é possível conceber uma ordem jurídica transnacional? Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, p. 145-158, 2016. p. 149. 46 BERMAN, Harold. Direito e Revolução: A formação da tradição jurídica ocidental. Tradução de Eduardo Takemi Kataoka. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006. p. 22 26 referência ao Estado-centrista e ao positivismo jurídico, alcançando um novo patamar, o 47 Pluralismo Jurídico Transnacional . Na concepção do pluralismo jurídico transnacional, as mudanças no discurso e nos instrumentos de comunicação de redes especializadas ocasionarão mudanças no direito global (direito transnacional), tal como já ocorre nos discursos e comunicações envolvendo a lex 48 sportiva e a lex mercatoria , ambas legítimos exemplos de aplicação de uma ordem jurídica transnacional. A lex mercatoria surgiu como uma prática costumeira que posteriormente foi codificada pelo Estado e na sequência abandonada, ressurgindo apenas no século XX, como prática do comércio internacional. Na definição de Marcelo Neves, trata-se de uma ordem jurídico-econômica mundial, dentro do comércio transnacional, cuja constituição e desenvolvimento acontecem primariamente mediante contratos e arbitragens derivadas de 49 mútuas comunicações e expectativas entre atores privado . Desse modo, pode-se apontar os inconterms, espécie de contrato padronizado, como manifestação da regulação ocasionada pela lex mercatoria, advindo da sua formatação da 50 Câmara Internacional do Comércio (CIC) . Os Estados-nação deixam de protagonizar o monopólio jurídico global fixando-se na condição de atores paralelos na constituição de uma ordem jurídica transnacional. Esse paralelismo é exercido juntamente com as organizações não governamentais, movimentos sociais de alcance global, organizações de redes especializadas (por exemplo: Internacional Olympic Committee – IOC), empresas transnacionais (Microsoft, Visa, Johnson & Johnson e a Ford, dentre outras). Mais uma situação prática da nova forma de governança trazida pelo transnacionalismo seria a Organização Mundial do Comércio (OMC), quando soluciona as disputas entre Estados. Isso é um caso de normatividade de autoridade transnacional, que significa uma desnacionalização de parcela da ordem jurídica nacional. Com isso, a autoridade jurídica transnacional induziria uma possível diminuição da autoridade pública em 51 relação à privada, especialmente em matéria de governabilidade da economia . 47 BARBOSA, Luiza Nogueira; MOSCHEN, Valesca Raizer Borges, op. cit., p. 151. 48 Ibid. p. 149. 49 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 189. 50 FORNASIER, Matheus de Oliveira; FERREIRA, Luciano Vaz. Autorregulação e Direito Global: os novos fenômenos jurídicos não-estatais. Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 35, n. 2, p. 295-312, jul./dez. 2015. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/nomos/article/view/1518. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 302. 51 MORAIS, Fausto Santos de; ZOLET, Lucas Augusto da Silva. Espaços Contemporâneos de Expansão da Autoridade Privada: um estudo sobre globalização e transnacionalismo. Revista do Mestrado em Direito da 27 Nessa perspectiva, novos espaços surgem por meio da atuação coletiva dos Estados- nação e desses novos atores globais. Criando-se uma rede global inter-relacionada, baseada na coexistência de vários sistemas jurídicos. Nas palavras do jurista belga Benoit Frydman, o direito transnacional (Global Law) não deve ser compreendido como uma ordem jurídica 52 única, mas sim uma constelação inter-relacionada de sistemas legais , o que denota a imprescindibilidade do pluralismo jurídico transnacional como fundamento de uma ordem jurídica global. O sociólogo alemão Gunther Teubner sustenta que o direito transnacional não pode ser avaliado pelos mesmos padrões utilizados para a aferição dos sistemas jurídicos nacionais, pois constitui uma ordem jurídica global sui generis, que apesar de carecer de apoio político e 53 institucional, encontra-se presente nos processos socioeconômicos globais . Anne-Marie Slaughter estabelece um modelo empírico e descritivo de ordem mundial, baseado nas seguintes afirmações: 1) o Estado não é o único ator internacional, mas ainda é o mais importante; 2) o Estado não está desaparecendo, porém sofre um processo de desagregação institucional, em consequência da interação cada vez maior de suas instituições para além das fronteiras estatais; 3) as instituições estatais ainda representam certa identidade nacional, mesmo que reconheçam a rede global, traduzida na experiência de juízes, entes reguladores e legisladores; 4) os Estados continuaram evoluindo e desenvolvendo instrumentos capazes de agregar diferentes interesses institucionais, permitindo a continuidade das relações tradicionais entre os Estados; 5) as redes governamentais existem 54 paralelamente e, às vezes, dentro das organizações internacionais . Não se pode aquilatar com a mesma régua o direito transnacional e o direito nacional, visto que a variabilidade de contextos sociais, políticos e econômicos, nos quais está inserido o direito transnacional, demonstra o grau de complexidade do ambiente de atuação desse direito, comparado ao direito nacional, que possui bases de atuação mais definidas. A quebra do paradigma do monopólio do direito pelo Estado soberano decorrente de uma visão lastreada num nacionalismo metodológico e na teoria contratualista de sociedade é fundamental para fixar as bases do direito transnacional, cujo fundamento é a existência do pluralismo jurídico transnacional, que permite a coexistência de vários centros propulsores de Universidade Católica de Brasília, Brasília, v. 10, n. 1, p. 446-470, jan./jun. 2016. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/view/6776. Acesso em: 18 ago. 2019. p. 456. 52 FRYDMAN, Benoit. A pragmatic approach to global law. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2312504. Access in: 29 jun. 2019. p. 4. 53 TEUBNER, Gunther. Global Bukowina: Legal Pluralism in the World-Society. In: TEUBNER, Gunther. Global Law Without a State. Brookfield: Dartsmouth, 1996. p. 3-28. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=896478. Access in: 24 jun. 2019. p. 2. 54 SLAUGHTER, Anne-Marie. A New World Order. New Jersey: Princeton University Press, 2005. p. 42-43. 28 normas jurídicas (é necessário considerar que UNO’s possuem a natureza jurídica de direito), constituindo-se uma teia global, necessária para a formação da ordem jurídica transnacional. Não é fácil superar a tradição jurídica alicerçada em fundamentos que estão enraizados no ambiente cultural do direito. A noção de extrema dependência entre Direito e Estado ainda vai perambular, por muito tempo, nas mentes da maioria dos influenciadores do direito ocidental. Todavia, isso não significa dizer que os defensores da inexistente relação de dependência entre Direito e Estado devam ficar quietos. Pelo contrário, a contestação e a inquietação são essenciais para o método científico. A ciência não convive muito bem com ―verdades absolutas e eternas‖, pois sempre poderão ser rebatidas, desde que por meio de um procedimento rigoroso de reavaliação de seus fundamentos. O que não pode acontecer é a crítica rasteira, infundada, sem consistência jurídica. Mas, a crítica reflexiva, não conformista, associada ao rigor do método cientifico, é muito bem-vinda. O dogmatismo, puro e simples, é irmão gêmeo da intolerância e é por isso 55 que é perigoso . Portanto, contestar a tradição jurídica, que sustenta toda exclusividade do Estado, como único agente capaz de criar, interpretar e executar as normas jurídicas, nunca foi, nem é, e nem será tarefa simples. Todavia, gradativamente, aumenta-se o interesse nos centros de pesquisas, pelo conhecimento sobre o direito transnacional. Isso já é um grande avanço, antes tarde do que nunca. 2.3 GLOBALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS EM MATÉRIA CIVIL O intercâmbio global das relações humanas, acarretado pelo aumento e avanços exponenciais nas formas de comunicação, fez emergir uma rede de relacionamentos globais, nos mais variados campos de atuação humana, como no comércio, na cultura, na tecnologia, no direito e em outras áreas. A esse processo de constante interação em nível global dá-se a nomenclatura de globalização. É possível encontrar em escritos a expressão mundialização. Apesar de muitos distinguirem os termos globalização e mundialização, a título de exemplo, Maurício Andreiuolo Rodrigues, em sua obra Poder Constituinte Supranacional – Esse Novo 55 MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14/15. 29 Personagem. Ensina Andreiuolo que a globalização está adstrita à seara econômica. Já a 56 mundialização é utilizada de modo mais variado, abrangendo outras áreas . Existe quem defenda que a diferença entre globalização e mundialização reside simplesmente na preferência pelo uso de uma ou de outra expressão. Os teóricos anglo-saxões optam pelo termo globalização. Já os franceses preferem a denominação mundialização. 57 Desse modo, muitos utilizam como sinônimos as expressões globalização e mundialização . Um ponto que gera polêmica no estudo da globalização é o seu marco inicial. Diversos fatos históricos podem ser indicados como origens do processo de globalização, são eles: a expansão do império romano; as grandes navegações no período dos séculos XV e XVII; a Primeira Guerra Mundial; a Grande Depressão Econômica de 1929; o crescimento das empresas transnacionais e a queda do muro de Berlim, referência histórica sobre o fim da 58 Guerra Fria . As divergências existentes sobre o início da globalização acabam repercutindo na compreensão adequada desse fenômeno, inicialmente, econômico, mas que possui outras facetas (cultural, tecnológica, jurídica, dentre outras). A correta identificação do contexto histórico do início da globalização ajuda no entendimento de sua dinâmica evolutiva, facilitando no estabelecimento de suas diretrizes. Definir globalização não é tarefa fácil devido à imensa possibilidade de conteúdos que o tema proporciona. Isso ocasiona uma incerteza ou insegurança, quanto à extensão ou completude de qualquer definição conceitual tratando de globalização. O sociólogo alemão Ulrick Beck, em passagem já citada nessa pesquisa, aduz que a controvérsia sobre o início do fenômeno da globalização econômica pode explicar as incertezas que norteiam o discurso e a conceituação da globalização. Encontrar essa definição 59 é uma missão semelhante ao experimento de pregar um pudim na parede . De acordo com o grau de intensidade, o professor Português Boaventura de Souza Santos entende a globalização ―como conjuntos de relações sociais que se traduzem na intensificação das interacções transnacionais, sejam elas práticas interestatais, práticas 60 capitalistas globais ou práticas sociais e culturais transnacionais‖ . 56 RODRIGUES, Maurício Andreiuolo. Poder constituinte Supranacional – Esse Novo Personagem. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2000, p. 23. 57 STELZER, Joana. O Fenômeno da Transnacionalização da Dimensão Jurídica. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 19. 58 GUERRA, Sidney Cesar Silva. Direito Internacional Público. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2007. p. 230. 59 BECK, Ulrich. O que é globalização? Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 46. 60 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Os processos da Globalização. SOUZA SANTOS, Boaventura de (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 85. 30 Segundo Boaventura de Souza Santos, o processo de globalização teria duas facetas: a desterritorialização, com a desvinculação local e a transformação expansiva, de um lado, e a 61 reterritorialização, revinculação local e transformação desintegradora e retractiva, do outro . Assim, há um processo de desvinculação do local de origem do produto, serviço ou cultura, dentre outros, e também há a reintrodução desses aspectos no local de destino. No cenário global, a sociedade vivencia o consumo de produtos e serviços, em escala planetária, cuja linha de produção é composta por matéria-prima oriunda de vários países, os bens são fabricados, utilizando mão de obra de diversas nacionalidades e a distribuição e 62 consumo do produto final ocorrem nos mais variados espaços do mundo . A circulação de pessoas, bens e serviços numa esfera global possibilita a constituição de relações jurídicas. É inconcebível que essas relações fiquem à margem de qualquer regulamentação jurídica. Por isso, os atores globais que praticam atos jurídicos num ambiente transfronteiriço, dependem da formatação de condições jurídicas que lhes assegurem um mínimo de previsibilidade (segurança jurídica). É bastante considerável o fluxo de relações jurídicas de caráter transnacional, basta averiguar os atos praticados pelas empresas multinacionais, na produção, desenvolvimento e comercialização de produtos ou de serviços. As questões envolvendo as organizações internacionais, como sua atuação, constituição de regime jurídico próprio, contratação de bens ou serviços, arrecadação e fiscalização de recursos financeiros. Também, os movimentos sociais e os sindicatos, ambos de abrangência transnacional, que no desenvolvimento de suas atividades básicas, praticam diversas relações jurídicas transnacionais, por exemplo, na organização de eventos ou na aquisição de bens e serviços. Vale salientar que todo esse inter-relacionamento de pessoal e cultural decorre, em grande parte, das inovações tecnológicas na área da comunicação, especialmente por meio das telecomunicações, do satélite e da internet, possibilitando a troca de informações e o 63 intercâmbio de conhecimento e de bens por meio do E-commerce . Todo esse arsenal de relações jurídicas praticadas num ambiente que não está sob a égide do Estado-nação carece de uma regulação apropriada, capaz de assegurar previsibilidade, condição indispensável para construir uma segurança jurídica em nível transnacional. 61 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Os processos da Globalização. SOUZA SANTOS, Boaventura de (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 86. 62 MENEZES, Wagner. Ordem Global e Transnormatividade. Ijuí: Editora Unijuí, 2005. p. 106. 63 Ibid. p. 106-107. 31 O modelo de Estado Westefaliano e o Direito Internacional Clássico estão perdendo espaço para um sistema diferenciado de reorganização da sociedade de Estados, com o surgimento de novos mecanismos jurídicos, temas relevantes, paradigmas e novos desafios 64 para a comunidade internacional . A morte dessa forma de organização estatal (Estado Westefaliano) não resultou em um novo modelo institucional pronto e acabado, deixando os caminhos abertos. Algo deve substituir o padrão de Estado-centrista, proporcionado uma hegemonia desconhecida e uma 65 nova cultura de regulação . Entretanto, ainda que aparentemente imbuído de um fundamentalismo escatológico do Estado. Acreditar em aparências é temerário, pois muitas vezes, elas encobrem a verdade. Não se defende o fim do Estado ou de suas fronteiras nesta pesquisa. Mas, apenas uma releitura do Estado, de acordo com as reais transformações operadas pelo processo de globalização, que culminou com a transnacionalidade das relações interpessoais. Alguns são até críticos dessa euforia ocasionada pelo transnacionalismo, consequentemente pelo direito transnacional e seus desdobramentos. Alegando certa overdose de futurologia acerca dos destinos do Estado nas próximas décadas e a redução do sentimento 66 de construção de uma civilização universal . Mais uma vez, não se defende aqui o fim do Estado, porém coadunamos com os defensores da imprescindibilidade de uma adequação das estruturas do Estado-nação para a nova realidade global. Não sendo isso, exercício de futurologia, mas sim a constatação de que a conjuntura histórica exige uma resposta das instituições mundiais, tendo em vista que a não regulamentação de parcela considerável das relações interpessoais construídas extraterritorialmente ocasiona insegurança jurídica. Nesse contexto de variados atores globais com capacidade de produção normativa, há espaço para discutir o papel do Estado-Nação, diante do grande fluxo de relações jurídicas produzidas na arena transnacional. O centralismo estatal não pode deixar de visualizar as potencialidades dos relacionamentos advindos do ambiente transfronteiço, sob pena de, gradualmente, a ordem nacional não exercer mais a influência adequada para resguardar a sua legitimidade social. 64 MENEZES, Wagner. Ordem Global e Transnormatividade. Ijuí: Editora Unijuí, 2005. p. 110. 65 PUREZA, José Manuel. Para um internacionalismo pós-vestefaliano. In: SOUZA SANTOS, Boaventura de (Org.). A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. 233-256. p. 246. 66 RAMIRES, Maurício. Diálogo Judicial Internacional: o uso da jurisprudência estrangeira pela justiça constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 90. 32 Para isso, o reconhecimento da existência de uma ordem jurídica global é indispensável, associado à necessária construção e consolidação de uma jurisdição transnacional, apta a solucionar os conflitos de interesse advindos das relações jurídicas estabelecidas no espaço transnacional, sem a imprescindível submissão à uma específica ordem jurídica interna. 2.4 CONDUTAS TRANSFRONTEIRIÇAS NO CONTEXTO DE UMA JURISDIÇÃO TRANSNACIONAL O direito como ferramenta necessária para disciplinar a vida em sociedade, por meio de preceitos normativos elaborados de acordo com os valores aparentes ou subjacentes, presentes na sociedade em determinado tempo e espaço. Norma e direito não se confundem, pois apesar de a norma não ser direito, ela 67 contém direito, pois esse é enunciado, veiculado por uma norma . Desse modo, a norma seria a exteriorização formal do direito, visto que o direito seria paulatinamente desenvolvido e instrumentalizado por intermédio da norma. A capacidade dos Estados-Nações de demonstrar autoridade está cada vez mais comprometida, pois é extremamente difícil de controlar os fluxos transfronteiriços de recursos monetários, de mercadorias, de informações. Isso acaba ocasionado uma percepção de fragmentação da soberania estatal, levando-se a questionar a formatação dos Estados, num 68 cenário de reorganização política global . Diante da globalização das relações jurídicas e da inanição do direito estatal, novas formas de regulação social surgem para preencher essa lacuna causada pelas condutas transfronteiriças. Um marco regulatório global capaz de acompanhar a dinamicidade das relações jurídicas no plano transnacional, forjado pela justaposição de vários centros propagadores de atos normativos. Aqui se encontra como já tratado anteriormente, o direito transnacional (Global Law). Como dito, as organizações internacionais não governamentais atualmente exercem um papel relevante na produção normativa global, inclusive algumas ONGs com caráter 69 consultivo oficial . Não basta apenas produzir normas jurídicas e participar das ações globais, mas também cumprir a função de produtora decisões ou de opiniões deliberativas. 67 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 24. 68 ARNAUD, André-Jean. Da Regulação pelo Direito na era da globalização. In: ALBUQUERQUE, Celso de (Org.). Anuário: direito e globalização, 1: a soberania. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 25-26. 69 ARNAUD, André-Jean, op. cit., p. 49. 33 As obrigações contraídas num ambiente transnacional não podem ser deixadas ao relento jurídico, sem qualquer regulamentação. Isso sim é perigoso, ocasionando insegurança jurídica internacional. Daí a imprescindibilidade de que um conjunto normativo discipline as condutas transnacionais, objetivando atribuir previsibilidade para as relações jurídicas pactuadas transnacionalmente e criar um substrato normativo capaz de solucionar as contendas oriundas dessas relações. O constante aumento da circulação de pessoas e bens, ultrapassando os limites geopolíticos e jurídicos das fronteiras nacionais, torna imprescindível a atuação de um sistema normativo transnacional, que se pode considerar uma ordem jurídica global. Contudo, a produção de efeitos dessa ordem global depende da construção de novo olhar sobre o instituto da jurisdição. Tradicionalmente, a jurisdição está atrelada ao Estado, que por sua vez, associa-se à compreensão de soberania. Desse modo, vale a conclusão de que a jurisdição é decorrência da soberania estatal. Com isso, surge um grande desafio. Como formular uma jurisdição transnacional, sem necessariamente associá-la à soberania de determinado Estado? A resposta para o questionamento acima, depende da reformulação do conceito de soberania, objeto de análise em tópico específico desta pesquisa. Momentaneamente, destaca- se que a aceitação de uma jurisdição transnacional acontece quando prevalecer a admissão de uma nova ordem jurídica global, capaz de resolver os conflitos de interesse no ambiente transfronteiriço. Para isso, a redefinição de soberania estatal é imprescindível. Voltando ao tema da jurisdição transnacional para sua melhor compreensão, considera-se como sendo aquela em que há a imprescindibilidade de prática de atos 70 processuais, perante mais de um Estado, para que se decida sobre o bem da vida postulado . Aplicar com uma nova roupagem os paradigmas processuais num sociedade global assegura o acesso à ordem jurídica transnacional, fundamental em um cenário de crescente número de relações jurídicas transnacionais, que não podem ficar desguarnecidas da tutela jurídica. Na atuação da jurisdição transnacional, é preciso que se observe não somente o sujeito litigante, mas também o objeto do processo. Devido à possibilidade de praticar atos processuais em diferentes jurisdições estatais, elevando-se os custos financeiros, linguísticos e jurídicos. Por isso, a necessária aplicação da igualdade material em nível processual. 70 HILL, Flávia Pereira. A Nova Fronteira do Acesso à Justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 2, p. 261-296, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 268. 34 A necessidade de garantir no âmbito dos litígios transnacionais, os princípios basilares como o acesso à justiça, isonomia, efetividade e duração razoável do processo. Para isso, deve existir uma ação de coordenação dos magistrados de diferentes países, que atuam nas demandas transnacionais. Com essa união de propósitos, torna-se possível atingir uma prestação jurisdicional transnacional, observando-se os princípios fundamentais do 71 processo . A condução de um processo transnacional impõe desafios específicos ao julgador, na medida em que se contrapõe à soberania, de um lado, e o acesso à justiça e a isonomia, de outro. Esse imbróglio não poderá ser superado sem que haja uma clara revisão da tradicional 72 concepção de soberania . Em tópico específico desta pesquisa, analise-se a redefinição do conceito de soberania, tentando adequá-lo à realidade de um mundo global. E isso implica a visão de que os conflitos de natureza transnacional exigem a formatação de um processo transjurisdicional, baseado em novos paradigmas. O Direito Processual Transnacional adaptando-se a uma nova formulação de soberania, passa a enfatizar o indivíduo, na condição de jurisdicionado transnacional. Para isso, o reforço da cooperação jurídica entre os magistrados de diferentes Estados, por meio de 73 mecanismos facilitadores do tráfego de informações e de atos diligenciais . É nesse aspecto que entra o auxílio direto, quando penetra na ordem jurídica interna de um determinado Estado, acaba atuando como instrumento facilitador para o reconhecimento da ordem jurídica transnacional. Essa análise compõe o cerne da pesquisa, cabendo seu aprofundamento em tópico específico. Alcançar uma prestação jurisdicional transnacional justa, adequada e efetiva, somente será possível, mediante atuação complementar e cooperativa entre os órgãos do sistema de justiça dos diferentes países envolvidos, superando a incabível alegação da 74 soberania, como obstáculo para a consolidação de uma legítima jurisdição transacional . 71 HILL, Flávia Pereira. O direito processual transnacional como forma de acesso à justiça no século XXI: os reflexos e desafios da sociedade contemporânea para o direito processual e a concepção de um título executivo transnacional. 2013. 440 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5987. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 148. 72 HILL, Flávia Pereira. O direito processual transnacional como forma de acesso à justiça no século XXI: os reflexos e desafios da sociedade contemporânea para o direito processual e a concepção de um título executivo transnacional. 2013. 440 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5987. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 149. 73 Ibid. 74 Ibid. 35 Dessa forma, as condutas praticadas num ambiente transfronteiriço exigem a atuação do direito transnacional para a sua regulamentação. Daí a necessidade de assegurar o pleno acesso à ordem jurídica transnacional, por meio da construção de uma jurisdição transnacional, capaz de resolver os conflitos de interesses advindos desse novo espaço de juridicidade. 36 3 COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL CIVIL COMO INSTRUMENTO DE TRANSNACIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA ORDEM NORMATIVA O nível de intercâmbio das relações jurídicas no plano global exige um Estado colaborativo, sem qualquer resquício de isolacionismo. Não há espaço nesse contexto de intensidade das relações sociais para uma visão exagerada de soberania estatal. É fundamental a criação de instrumentos cooperativos que facilitem a interação entre as jurisdições nacionais dos Estados interessados. Para isso, a construção de uma rede de cooperação jurídica internacional capaz de sistematizar interna e externamente os atos cooperacionais é imprescindível. Ainda que vários desafios existam para a formação dessa rede cooperacional, não se pode negar a sua relevância para assegurar uma maior efetividade dos atos judiciais realizados extraterritorialmente. 3.1 DO DIREITO INTERNACIONAL DE COORDENAÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL DE COOPERAÇÃO Há controvérsia acerca da origem e da sistematização inicial do direito internacional 75 público . Inclusive, discute-se a existência ou não do Direito Internacional Público na antiguidade. Apesar da divisão entre os autores, opta-se pelo entendimento de que existindo comunidade internacional, ou seja, quando duas ou mais coletividades independentes passam a manter relações entre si. Não se pode negar a existência do direito, como instrumento regulatório dessa relação, só porque o direito de outrora possuía características diversas do direito atual. Ora, se o Direito Internacional Público disciplina as relações entre coletividades independentes, se existiram tais coletividades na antiguidade, que mantinham relações entre 76 si, indubitavelmente havia Direito Internacional Público nesse período histórico . O relevante é perceber que foi com o surgimento dos Estados Modernos que essa disciplina jurídica inaugurou o nível de atuação que dispõe nos dias atuais. Tendo como 77 78 princípios basilares o pacta sunt servanda e a igualdade absoluta dos Estados . 75 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 37. 76 MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. São Paulo: Renovar, 2004. p. 164. 77 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba, op. cit., p. 36. 78 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019. p. 13. 37 Após o período introdutório do direito internacional público, com os tratados da paz de Westfalia e o Congresso de Viena, fixando-se as suas bases iniciais, veio o período das grandes guerras do século XX, reforçando a necessidade de seu aprimoramento, como instrumento capaz de evitar novas catástrofes humanitárias. Finda essa breve abordagem sobre as bases iniciais do direito internacional público, cabe destacar uma afirmação do professor Valério Mazzuoli que sintetiza a evolução desse ramo do direito. O professor considera que sustentação histórica do direito das gentes e em decorrência disso, a comprovação de sua existência, advém da consolidação e reconhecimento pelos Estados-partes da sociedade internacional de que os primados do Direito Internacional impõe interna e externamente uma atuação de boa-fé e o respeito daquilo que pactuaram no âmbito externo 79. Um dos grandes atributos do direito internacional público é permitir que os Estados, como principais sujeitos, atuem de forma coordenada, no sentido de dividir as tarefas necessárias para assegurar o progresso pacífico da humanidade. Na primeira metade do século XX, o mundo vivenciou desafios econômicos e especialmente desafios bélicos. Em 1929, com a queda da bolsa de Nova York, iniciou-se um período de depressão econômica em nível global. Porém, a fase mais dramática na história dos primeiros cinquenta anos do século XX, diz respeito às duas Grandes Guerras que eclodiram no continente europeu, mas que repercutiram em todo mundo. O período pós-Guerras foi marcado pelo rearranjo da comunidade internacional, visando ao seu fortalecimento, na perspectiva de criação de mecanismos de integração entre os Estados e de resolução pacífica dos conflitos, evitando-se uma nova escalada beligerante em nível global. A expressão comunidade internacional, apesar de ser utilizada em numerosos documentos internacionais, não é adotada pela maioria da doutrina, uma vez que o termo comunidade exige a presença de vínculo natural, relacionado ao afeto entre os seus membros. Essa não é a realidade atual nas relações entre os Estados. Percebe-se que os laços existentes estão mais afetos à vontade de alcançar determinados interesses, não sendo produto de uma ligação espontânea de identidade. Por isso, o termo mais adequado para atribuir ao conjunto dos Estados que se relacionam seria sociedade internacional, pois não depende de afeto, de 79 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019. p. 14. 38 vínculo natural, mas sim decorre da vontade dos sujeitos, que desejam trabalharem em 80 conjunto . Com o fortalecimento das relações internacionais no pós-guerras do século XX, torna-se clara a existência de uma tentativa de unir esforços comuns, dividindo-se tarefas de forma coordenada, objetivando realizar os interesses definidos pelo conjunto dos Estados associados. Nessa relação não existe subordinação entre os participantes, o que diferencia da sistemática interna dos Estados. Logo após a Segunda Guerra, instaura-se no mundo o cenário da bipolaridade (Estados Unidos da América do Norte liderando de um lado, e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas liderando, do outro lado) ambos procuravam reunir aliados para conseguir atingir o ápice da influência global. Com isso, o risco de uma nova onda de conflitos reacendeu em todo planeta, principalmente com a crescente corrida bélica que se instaurou nos dois lados. Concluída essa etapa histórica entre as décadas de 1980 e 1990, com o término do mundo bipolar, o cenário internacional alcança um novo patamar de interação entre os Estados. Evolui-se de um relacionamento direcionado pela coordenação, com a definição de interesses comuns, sendo realizados por meio da divisão de tarefas, para um novo estágio de relações internacionais entre os Estados, baseado no valor da cooperação, que diferentemente da coordenação, apregoa a união de esforços de modo mais íntimo, por meio da realização conjunta de tarefas, com auxílio recíproco. Assim, a coordenação entre os Estados aproxima-se mais da ideia de formação de uma sociedade internacional. Já quando os Estados agem de forma cooperativa, aproximam-se mais da ideia de formação de uma comunidade internacional. Há quem entenda que a coordenação é uma forma mais leve (soft) de cooperação. De acordo com Peter Häberle, a cooperação é manifestada por meio de múltiplas formas. Abrangendo formas ―frouxas‖, como as relações coordenadas entre os Estados, até formas mais ―densas‖, como na criação e realização de ―tarefas comunitárias‖ em instituições comuns 81 ou supranacionais . O ideal de Estados cooperativos foi sendo estabelecido gradativamente, ao longo do século XX, com o fortalecimento do Direito Internacional. Inicialmente, encontram-se 80 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019. p. 5-6. 81 HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução de Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 13. 39 resquícios do modelo cooperativo, no pacto da Liga das Nações de 1919, quando estimula o 82 auxílio mútuo entre os membros da sociedade de nações, art. 16 . Logo após a Segunda Guerra Mundial, a Carta das Nações Unidas, quando trata dos propósitos e princípios, estabelece no seu art. 1.3, a cooperação internacional como forma de ―resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião‖. Já no artigo 55, a Carta das Nações trata a cooperação como mecanismo para constituir um ambiente de paz. No Brasil, a Carta 83 das Nações Unidas foi internalizada pelo Decreto 19.841 de 22 de outubro de 1945 . É possível identificar alguns documentos internacionais, ainda no período da Guerra 84 Fria, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 , em que o seu artigo 2 trata da possibilidade dos Estados Partes cooperarem entre si. Da mesma forma, existe a resolução nº 2625 de 1970 da Assembleia Geral da ONU, que prega a 85 necessidade da cooperação entre os Estados . Como já dito, na perspectiva jurídico-internacional, a cooperação entre os Estados substitui a mera coordenação e a mera coexistência pacífica. É notória a abertura do Direito Constitucional Nacional, indicando uma maior flexibilização da dicotomia direito interno e externo, criando-se espaço favorável na ordem jurídica interna para a influência do direito 86 internacional . Isso não significa a subordinação ou dependência do direito nacional ao direito externo, mas sim uma maior penetrabilidade das normas jurídicas internacionais na ordem jurídica interna. No Brasil, ocorreu o fortalecimento do valor cooperação em detrimento da tradicional coordenação nas relações internacionais, com o advento da Constituição de República Federativa do Brasil, que no artigo 4º, IX, coloca a cooperação entre os povos para o pregresso da humanidade como princípio das relações internacionais a serem estabelecidas pela República Federativa do Brasil. Com isso, prioriza-se nas relações internacionais a 82 BRASIL. Decreto nº 13.990, de 12 jan. 1920. Pacto da Sociedade das Nações. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de apoio/legislacao/segurancapublica/PACTO_DA_SOCIEDADE_DAS_NACOES.pdf. Acesso em: 18 maio 2019. 83 BRASIL. Decreto nº 19.841, de 22 de out. 1945. Carta das Nações Unidas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm. Acesso em: 18 maio 2019. 84 BRASIL. Decreto nº 591, de 06 de jul. 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 18 maio 2019. 85 ASSEMBLEIA GERAL DA ONU (AG). Resolução nº 2625 de 1970. Disponível em: https://undocs.org/en/A/RES/2625(XXV). Acesso em: 18 maio 2019. 86 HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução de Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 47. 40 construção de laços mais íntimos e duradouros, baseados na realização em conjunto de tarefas de interesse comum aos Estados participantes. Dessa forma, nota-se que progressivamente no cenário global as relações estabelecidas entre os Estados foram migrando da simples coordenação, baseada na divisão de tarefas e na convivência harmoniosa, para algo mais natural, espontâneo, forte, íntimo e consequentemente, duradouro, que seria a relação cooperacional entre os Estados, criando-se os alicerces daquilo que no futuro pode-se denominar de comunidade internacional ou direito internacional comunitário. 3.2 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL COMO VALOR UNIVERSAL NAS RELAÇÕES ENTRE OS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Diante de um cenário de grande intercâmbio (econômico, cultural, religioso, científico e jurídico) entre os diferentes povos, o Direito Internacional Público surge como elemento relevante na condução sistemática desse processo de interação, permitindo um substancial relacionamento entre os diferentes Estados de forma colaborativa, tentando incutir em todos o objetivo de desenvolvimento pacífico da humanidade. O Direito Internacional Público é considerado como sendo a disciplina jurídica da sociedade internacional. Os sujeitos do Direito Internacional Público são todos os entes, cujas condutas estão diretamente previstas nessa seara jurídica, e que tenham a possibilidade de 87 atuarem (direta ou indiretamente) no plano internacional . Ao identificar e regular os sujeitos 88 que podem atuar na órbita externa, o Direito das Gentes contribui na sistematização dessa atuação de modo a torná-la mais efetiva e menos conflituosa. Nesse sentido, os principais sujeitos do Direito Internacional Público são: os Estados, as organizações internacionais e os indivíduos. Como afirmado, esses são os principais sujeitos, não são os únicos. Evolutivamente, outros atores internacionais foram sendo agregados, sendo reconhecida a capacidade de titularizarem direitos e/ou obrigações no plano internacional. 87 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019. p. 351. 88 Muitos autores empregam a expressão direito das gentes (law of nations ou vӧlkerrecht), utilizada por Richard ZOUCH (1650), que é mantida em uso, por exemplo, em A. A. Cançado Trindade (2005, 2006, 2008) e Antoine FAVRE (1974). Melhor dito, jus inter gentes, como formulara Francisco de VITÓRIA. ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 29. 41 A título de exemplo, a doutrina faz referência às empresas multinacionais, à Santa 89 Sé, à Cruz Vermelha, à Ordem de Malta e às organizações não governamentais , como sujeitos do Direito Internacional Público. Não é objeto de estudo dessa pesquisa o aprofundamento acerca dos sujeitos do Direito das Gentes. Vale destacar que o Estado é o mais importante sujeito do Direito Internacional Público, pois como visto anteriormente, a própria origem e sistematização dessa seara do direito está intimamente atrelada ao surgimento dos Estados Modernos no período de transição da Idade Média para a Idade Moderna. Os Estados, ainda que não sejam mais os únicos sujeitos de direito da ordem internacional, continuam a desempenhar o papel de protagonistas. O Direito Internacional Público gira em torno de relações interestatais quase 90 que exclusivamente . Outro ponto importante em relação aos Estados como sujeitos do Direito Internacional Público, tratado adiante, é o fato de que a cooperação jurídica internacional tem como elemento norteador a criação de mecanismos que possibilitem a interação entre ordens jurídicas internas de diferentes Estados, por meio do cumprimento extraterritorial de medidas de caráter judicial e/ou administrativo. Dificilmente de forma direta, os outros atores do direito internacional conseguem atuar incisivamente na área da cooperação jurídica internacional, pelo fato de que a maioria não possui caráter estatal, no sentido de deter o poder de aplicar as normas jurídicas internamente e de exigir o seu respeito externamente, salvo a Santa Sé e as organizações não governamentais, ligadas à ONU, por deterem a capacidade de elaboração de normas jurídicas e de exigir o seu cumprimento. Com isso, a participação desses sujeitos do Direito das Gentes na cooperação jurídica internacional ocorre por intermédio dos Estados, de forma indireta. O contexto das relações internacionais é caracterizado pela descentralização do poder e pela paridade entre os Estados, demonstrando a necessidade de uma maior interação para que a organização dessas relações possa ser conduzida da melhor forma possível, evitando-se conflitos de interesses na aplicação das normas jurídicas internacionais. Daí surge a cooperação jurídica internacional como um mecanismo que possibilita a convivência harmoniosa das várias ordens jurídicas internas, permitindo a criação de novos espaços de juridicidade, capazes de regular os comportamentos praticados num ambiente transfronteiriço. 89 GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 17/23. 90 MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. São Paulo: Renovar, 2004. p. 355. 42 Em síntese, os Estados, pressionados pelos desafios transfronteiriços da globalização, aceitaram a expansão quantitativa do Direito Internacional, mas exigiram, desconfiados e temendo falsos comprometimentos, que houvesse procedimentos internacionais que assegurassem a correta interpretação e implementação das normas produzidas. A teia das relações humanas está cada dia mais intensa, dado que o avanço tecnológico possibilita uma comunicação em nível global quase instantânea, transformando os limites geográficos e soberanos dos Estados em mera referência institucional no âmbito interno e/ou externo. No ambiente de constante internacionalização das relações humanas, as instituições perceberam que enormes consequências jurídicas surgem na vida privada das pessoas e em questões de interesse público. Em trecho do Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos – Cooperação em Matéria Civil, é possível perceber a complexidade do cenário global, exigindo-se uma inovação na atuação por parte dos Estados nacionais, diante desses novos espaços de juridicidade. O processo de globalização possui diversas visões, todas elas ligadas as mudanças dos espaços internos em ambientes globais. Desta forma, temáticas que eram visualizadas sob um prisma estritamente interno passam ao nível global, alterando por inteiro as movimentações de caráter econômico, financeiras, sociais e informativas. No contexto atual, a característica do Estado nacional, não está mais presente, inexistindo como figura relevante, limitadora das relações internacionais.91 Com isso, justifica-se a imprescindibilidade da cooperação jurídica internacional, como um mecanismo de aprimoramento das relações interestatais, especialmente quando o nível de interação humana atinge um estágio, que dificulta a identificação segura, acerca do início e do fim da prática de determinado ato, que transcendeu os limites fronteiriços dos Estados, comprometendo a escolha e aplicação da norma jurídica que deveria regulamentá-lo. A expressão cooperação jurídica internacional está sedimentada, decorrendo da ideia de que a efetividade da jurisdição, nacional ou estrangeira, pode depender do intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou ainda entre órgãos 92 judiciais e administrativos, de Estados distintos . 91 SAADI, Ricardo Andrade; BEZERRA, Camila Colares. A autoridade Central no exercício da cooperação jurídica internacional. In: BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 18. 92 PERLINGEIRO, Ricardo. Cooperação Jurídica Internacional. In: TIBÚRCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto (Orgs.). O Direito Internacional Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 798. 43 Tal percepção para ser mais bem compreendida, não se deve esquecer dos limites territoriais impostos à jurisdição estatal, criando um obstáculo circunstancial a essa necessária interação, o que é superado pela cooperação jurídica internacional, por meio da construção de ferramentas capazes de potencializar um efetivo cumprimento extraterritorial de medidas advindas de procedimentos judiciais ou administrativos oriundas de outros Estados. Diante das limitações da atividade jurisdicional, a criação de mecanismos que permitam certa integração dos sistemas jurídicos nacionais torna-se necessária, buscando assegurar a efetiva aplicação das normas jurídicas, com a ampliação dos espaços de juridicidade num ambiente globalizado. Maria Rosa Guimarães Loula explica que os atos de cooperação jurídica internacional são atos jurídicos processuais realizados por determinado Estado de forma passiva, no contexto de sua própria jurisdição. Essa atuação acontece em virtude da existência de processo em jurisdição estrangeira ou em decorrência de pedido do Poder Judiciário, do Poder Executivo ou de interessado estrangeiro. Também é cooperação jurídica internacional, quando um Estado ativamente solicita que determinado ato seja praticado em jurisdição estrangeira. A autora traz como exemplo a situação de um juiz brasileiro que profere uma ordem de citação de um cidadão uruguaio, domiciliado no Uruguai. A execução desse ato judicial dependerá da concordância do Poder Judiciário uruguaio93. Em face da pluralidade de jurisdições, é relevante a constituição de instrumentos capazes de proporcionar a cooperação jurídica internacional. Contudo, esse tema não é novidade, os precursores da Constituição norte-americana de 1787 já percebiam a necessidade de reconhecimento imediato das decisões dos Estados-membros, como elemento essencial para a constituição de uma perfeita União. No contexto da União Europeia, foi estabelecido o reconhecimento recíproco das decisões judiciais (tratado de Roma, art. 293), como também nas convenções de Bruxelas de 1968 e Lugano de 1988, nos regulamentos 44/2001 e 94 1215/2012, ambos da União Europeia . Os atos de cooperação jurídica internacional aumentaram substancialmente nos últimos anos, com a crescente necessidade de intensificar as relações interestatais, como o surgimento desses novos espaços de juridicidade, buscando-se uma maior aplicação das normas jurídicas no plano internacional. Não obstante, em decorrência dos avanços tecnológicos, a prática dos atos cooperativos era conhecida do judiciário brasileiro, desde o 93 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 51. 94 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 609-610. 44 Império, por meio da circulação das cartas rogatórias e sentenças estrangeiras entre o Brasil e 95 Portugal . O Brasil, tradicionalmente, não avançava na área da cooperação jurídica 96 internacional e, por muito tempo, pouca coisa foi realizada . No atual cenário jurídico brasileiro, há quem considere o surgimento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, como sendo o marco divisor, pois tal alteração constitucional não promoveu apenas a reforma do Poder Judiciário. Também promoveu abertura constitucional ao Direito Internacional, 97 assentando as bases de um novo patamar de cooperação jurídica internacional . Cabe destacar que a cooperação jurídica internacional, como mecanismo de intercâmbio entre os Estados, acontece sobre dois prismas. O primeiro diz respeito ao Estado que deseja a cooperação jurídica, devido à necessidade de realizar alguma medida (judicial ou administrativa), que só outro Estado pode realizar, pois tal ato está sob a égide de sua jurisdição. Nesse caso, a cooperação é classificada como ativa, em relação ao Estado solicitante. Por outro lado, encontra-se o prisma ou viés do Estado solicitado, que deverá realizar no seu território ou no âmbito de sua jurisdição interna, a medida requerida pelo outro Estado. Aqui se percebe a condição passiva da cooperação, visto que cabe a ele o papel de desempenhar a execução do ato cooperativo. Nesse contexto, como já explicitado acima, a cooperação jurídica internacional de acordo com o imediato interesse a ser alcançado, nacional ou estrangeiro, pode ser classificada em ativa e passiva. Se a jurisdição nacional depender da atuação de agentes públicos externos, a cooperação é ativa. Quando o direito interno regula a prática de atos públicos nacionais, de natureza administrativa ou judicial, relevantes à jurisdição estrangeira, a cooperação é passiva. Essa forma de cooperação pode envolver algumas situações, como: realizar atos judiciais nacionais, provocados por Estado/Juiz estrangeiro (cooperação judicial por iniciativa de Juízo externo); realizar atos administrativos nacionais, provocados por Estado/Juiz estrangeiro (cooperação administrativa por iniciativa de Juízo externo); realizar atos judiciais nacionais, provados por ente público ou privado, titular de direito subjetivo à declaração judicial estrangeira (cooperação judicial por iniciativa da parte); realizar atos 95 ARAÚJO, Nadia. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. Brasil. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria penal. 3. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. p. 3. 96 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 609. 97 SLOBADA. Pedro Muniz Pinto. Brasil na Idade Moderna da Cooperação Jurídica Internacional. Revista de Direito Constitucional Internacional e Comparado, Governador Valadares, v. 1, n. 1, p. 25-36, maio 2017. p. 30. 45 administrativos nacionais, provocados por ente público ou privado, titular de direito subjetivo 98 à declaração judicial estrangeira (cooperação administrativa por iniciativa da parte) . Resumidamente, a cooperação jurídica ativa cabe ao Estado que solicita o intercâmbio internacional, e a cooperação jurídica passiva cabe ao Estado que irá cumprir a medida jurídica solicitada nos limites territoriais de sua jurisdição. Não se deve esquecer que toda essa interação depende da compatibilidade dos atos cooperacionais com a ordem jurídica vigente no Estado que realizará a cooperação passiva. No Brasil, essa classificação da cooperação jurídica internacional em ativa, quando o Estado brasileiro é o requerente, ou passiva, quando o Estado brasileiro é o requerido, torna-se de suma importância, já que a cooperação passiva, no ordenamento jurídico brasileiro exige um prévio procedimento, antes do seu cumprimento. Com o advento da Emenda de nº. 45/04, tal procedimento foi transferido do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça, sendo essa corte competente para processar as cartas rogatórias e a homologação de 99 sentença estrangeira . Quando há a intenção de que um ato jurisdicional venha a produzir efeitos fora do país do juízo prolator, surge a questão fundamental, retratada no encontro de duas ou mais ordens jurídicas independentes, passíveis de subsistirem, no campo das relações internacionais, pela conciliação imbuída na solidariedade, ou comunhão jurídica universal jamais pela imposição arbitrária de uma sobre a outra, e menos ainda pela sujeição passiva de 100 uma em proveito da outra . Paulatinamente, o Brasil avança na área da cooperação jurídica internacional, formando-se uma nova perspectiva cooperacional, sem o viés da absoluta soberania estatal, que acaba conduzindo a errônea ideia de que cooperar uma cortesia ou gentileza internacional. Isso demonstra a pouca relevância dada à temática. A cooperação jurídica internacional é muito mais do que uma simples cortesia, trata-se de um dever estatal. A atual necessidade de uma ampla integração dos sistemas jurídicos exige uma postura proativa dos Estados, no sentido de unidos construírem um sistema de justiça internacional efetiva. 98 SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação Jurídica Internacional e Auxílio Direto. Revista CEJ, Brasília, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006. p. 76. 99 ARAÚJO, Nadia. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. In: BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria penal. 3. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. p. 6. 100 CARDOSO, P. Balmaceda. Homologação de Sentença Estrangeira. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Doutrinas Essenciais: Direito Internacional: Direito Internacional Privado: Doutrina e Prática – Temas Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 4. p. 1390. 46 Isso posto, percebe-se a relevância da cooperação jurídica internacional como um valor universal para todos os sujeitos do Direito Internacional Público, especialmente para o Estados, que devem aprimorar seus instrumentos cooperativos, visando sua maior celeridade e efetividade, na busca constante de alcançar o objetivo de adequar-se aos novos tempos, por meio da criação de novos espaços de aplicação da norma jurídica, assegurando o fortalecimento de um sistema internacional de justiça cooperativa entre os Estados. No final todos acabam ganhando com essa colaboração, pois os Estados conseguem garantir efetivação das suas decisões judiciais e os cidadãos conseguem atingir a concretização de seus direitos, ainda que o seu cumprimento aconteça extraterritorialmente. 3.3 INSTRUMENTOS TRADICIONAIS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CIVIL A existência de limitação territorial para a jurisdição impõe a necessidade da cooperação jurídica internacional como forma de otimização na aplicação das normas jurídicas nos novos espaços de juridicidade, criados pela necessidade de regulamentar as condutas humanas, através da aplicação das normas jurídicas extraterritorialmente, em virtude da expansão das interações humanas, resultantes dos avanços tecnológicos. Há alguns instrumentos tradicionais utilizados na cooperação jurídica internacional, são eles: a carta rogatória, a homologação de sentença estrangeira, o auxílio direto e a extradição. Cabe salientar que nesta pesquisa o foco é o auxílio direto civil, sendo que outros instrumentos serão analisados perfunctoriamente, especialmente os utilizados no campo civil, como a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira. Por isso, não se aborda a extradição, pois sua utilização é restrita à seara penal. A carta rogatória é um instrumento que objetiva a satisfação de ordem emanada de órgão judiciário estrangeiro, para ser cumprida no Brasil, pelo Poder Judiciário nacional. Nesse caso, trata-se de carta rogatória passiva, pois o Brasil será o local de seu cumprimento. Quando a autoridade judiciária brasileira é quem emite a carta rogatória para ser executada em outro Estado soberano, cuida-se de carta rogatória ativa. Historicamente, a carta rogatória remonta à época do Brasil império, sendo difícil apontar o marco temporal da utilização desse instrumento cooperativo pelos juízes brasileiros. Alega-se que antes do advento do Aviso Circular nº 01 de 1847, havia o cumprimento de cartas rogatórias, informalmente. O Brasil celebra com o Uruguai acordo para o cumprimento 47 de rogatórias em 1879. O exequatur foi instituído como pressuposto para o cumprimento da 101 carta rogatória com a Lei nº 221 de 1894, sendo de competência do Governo Federal . No entendimento de Pontes de Miranda, ―a carta rogatória supõe que se trate de carta entre juízes de Estados diferentes. Tem ela de satisfazer os requisitos da lei do país rogante e, 102 quanto ao recebimento e ao cumprimento, os da lei do país rogado‖ . Conforme os ensinamentos de Pontes de Miranda, ―o que se pede em cartas rogatórias são quaisquer atos judiciais que sirvam ao julgamento da ação proposta no país 103 rogante, ou mesmo ainda a propor-se, se o caso é de previedade‖ . Diante de várias percepções doutrinárias acerca da definição de carta rogatória, importa salientar que esse instrumento tem por escopo permitir a prática de atos processuais, derivados da jurisdição de um determinado Estado, no território de outro Estado. De acordo com o Estado soberano, são atribuídas inúmeras nomenclaturas para as cartas rogatórias. Ademais, o Aviso Ministerial nº 1 de 1847 foi o primeiro ato normativo que disciplinou a 104 carta rogatória no ordenamento jurídico brasileiro . Na evolução histórica acerca da exigência do exequatur à carta rogatória, inicialmente tal procedimento seria restrito para a carta rogatória passiva, pois tratando-se de procedimento de natureza administrativa, já que o exequatur era concedido pelo poder executivo, dependia do aval do poder judiciário nacional do local de seu cumprimento. Se a carta rogatória for ativa, essa exigência do exequatur não se faz necessária, para a execução da carta rogatória. Outra característica da carta rogatória passiva era o seu objeto, que não poderia conter diligência de caráter executório. O entendimento da vedação de carta rogatória executória predominou fortemente na jurisprudência pátria, em razão do debate que marcou a origem da carta rogatória como medida de caráter eminentemente administrativo, não podendo o gravame sobre bens e/ou pessoas ser realizado no Brasil, sem o devido processo judicial, criando uma resistência na 105 época pelos defensores da soberania brasileira . 101 CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Cooperação Jurídica Internacional Penal-Tributária e Transnacionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 163. 102 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 175. 103 Ibid. 104 FORNAZARI JUNIOR, Milton. Cooperação Jurídica Internacional: Auxílio Direto Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 28. 105 ABADE, Denise Neves. Convivência entre os instrumentos cooperacionais – A carta rogatória e o auxílio direto. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; CHOUKR, Fauzi Hassan (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014. 307-328. p. 311-312. 48 Com o advento da Constituição da República de 1934, a vedação à carta rogatória passiva executória começou a perder sentido, já que o exequatur passou a ser atribuição do Poder Judiciário, capaz de realizar um filtro mais condizente com os padrões da nossa ordem jurídica. Gradativamente foi sendo superada a posição de vedação de carta rogatória de caráter executório. Inicialmente, o STF começou a flexibilizar sua orientação tradicional contrária, permitindo que tratados internacionais autorizassem que carta rogatórias passivas contivessem viés executório. Essa celeuma foi perdendo relevância, após a EC nº 45/2004, e com o advento da resolução de nº 9 de 2005 do STJ, a questão foi superada, já que o ato normativo do STJ disciplinou expressamente a possibilidade das cartas rogatórias de caráter 106 decisório ou não decisório, art. 7° . O critério da competência centralizada sempre foi adotado pelo Brasil, concentrando- se a análise no órgão supremo do Judiciário. Na Constituição de 1934, cabia ao STF conceder o exequatur às rogatórias. Com a Emenda Constitucional de nº 45/2004, a competência foi 107 transferida para o STJ . A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao atribuir ao STJ a competência para a concessão do exequatur às rogatórias, está se referindo, de modo específico ao juízo de delibação consistente em aprovar ou não o pedido feito por autoridade judiciária estrangeira, para o cumprimento de diligência processual requisitada por decisão do 108 juízo rogante . No julgamento da reclamação nº 717/RS, o STF considerou imprescindível o procedimento do exequatur. O caso diz respeito à concessão do exequatur à carta rogatória por juiz da comarca de Santana do Livramento no Rio Grande do Sul, tendo sido a rogatória encaminha diretamente por juiz uruguaio da cidade de Rivera no Uruguai, que faz fronteira 106 ABADE, Denise Neves. Convivência entre os instrumentos cooperacionais – A carta rogatória e o auxílio direto. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; CHOUKR, Fauzi Hassan (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014. 307-328. p. 312-313. 107 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 609. DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. Ver., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 612. 108 ZAVASCKI, Teori Albino. Cooperação Jurídica Internacional e a Concessão de Exequatur. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Doutrinas Essenciais: Direito Internacional: Direito Internacional Privado: Doutrina e Prática – Temas Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 4. 1393-1407. p. 1398. 49 com a cidade brasileira. O juízo brasileiro fundamentou sua decisão, no Protocolo de Las 109 Leñas . Ao apreciar a reclamação, o STF entendeu que a competência do tribunal para conceder exequatur não pode ser desconsiderada por tratado internacional, pois os atos do direito internacional público estão sujeitos ao ordenamento jurídico brasileiro, devendo 110 obediência à supremacia normativa da Constituição . Apesar de existir defensor para o argumento de que a Constituição Federal de 1988 estabelece um direcionamento geral e compulsório da necessidade de homologação e da concessão do exequatur, respectivamente a toda sentença estrangeira e a toda carta rogatória, tal defesa está equivocada, pois a regra constitucional consiste em norma de competência interna. Com isso, a homologação de sentença estrangeira e a concessão do exequatur às cartas rogatórias deverão ocorrer somente quando for necessário, não havendo uma 111 compulsoriedade para tais procedimentos . No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Reclamação nº 2645, a Corte Especial, por maioria de votos, julgou improcedente o pedido então deduzido, reconhecendo a constitucionalidade e o cabimento do auxílio direto em vez de carta rogatória, nesse precedente considerado paradigmático112. O STJ compreendeu que a previsão constitucional que estabelece a competência da corte em conceder o exequatur à carta rogatória não exclui a possibilidade de previsão em tratado internacional de questão referente à prevenção e investigação de caráter penal. Não há uma exclusividade do STJ em matéria de cooperação jurídica internacional, só pelo motivo da constituição atribuir-lhe a competência para o exequatur às cartas rogatórias. 109 ABADE, Denise Neves. Convivência entre os instrumentos cooperacionais – A carta rogatória e o auxílio direto. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; CHOUKR, Fauzi Hassan (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014. 307-328. p. 314. 110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 717/RS. Relator: Min. Presidente Celso de Mello, 30 de dezembro 1997. DJ: Brasília, DF, 04/02/1998. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28RECLAMA%C7%C3O+CONS TITUCIONAL%29%28717%2ENUME%2E+OU+717%2EDMS%2E%29%29+E+S%2EPRES%2E&base=base Presidencia&url=http://tinyurl.com/yyhjw7wd. Acesso em: 4 maio 2019. 111 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 609. DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. Ver., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 612-613. 112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Reclamação nº 2645/SP. Constitucional. Competência do STJ. Exequatur. Carta rogatória. Conceito e limites. Cooperação jurídica internacional. Tratados e Convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Brasil. Constitucionalidade. Hierarquia, eficácia e autoridade de Lei Ordinária [...] 8. Reclamação improcedente. Relator: Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, 18 de novembro de 2009. DJe: Brasília, DF, 16/12/2009. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=7200524&num_reg istro=200702549165&data=20091216&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 11 jan. 2019. 50 Conforme os ensinamentos de Pontes de Miranda, ―o que se pede em cartas rogatórias são quaisquer atos judiciais que sirvam ao julgamento da ação proposta no país 113 rogante, ou mesmo ainda a propor-se, se o caso é de previedade‖ . Diante de várias percepções doutrinárias acerca da definição de carta rogatória, importa salientar que esse instrumento tem por escopo permitir a prática de atos processuais, derivados da jurisdição de um determinado Estado, no território de outro Estado. De acordo com o Estado soberano, são atribuídas inúmeras nomenclaturas para as cartas rogatórias. Ademais, o Aviso Ministerial nº 1 de 1847 foi o primeiro ato normativo que disciplinou a 114 carta rogatória no ordenamento jurídico brasileiro . Seguindo o provérbio que diz, quem pode o mais, pode o menos, já que na seara penal, há muito tempo, o Brasil vem aceitando que o objeto das cartas rogatórias inclua a prática de atos de citação, interrogatório, inquirição de testemunhas, exame, cópia ou traslado, verificação, remessa de documentos, existindo mudanças históricas quanto à admissibilidade 115 de pedidos de produção de determinadas provas . A rogatória em matéria civil norteia-se pelas mesmas diretrizes, visto que se no campo penal, que trabalha essencialmente com liberdades, pode-se realizar tais atos via carta rogatória, não há qualquer justificativa para o tratamento diferenciado no âmbito civil. Por isso, o ditado, quem pode o mais, pode o menos. O regramento do procedimento da carta rogatória encontra-se no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, nos artigos 216-O a 216-X e no Código de Processo Civil de 2015 nos artigos 960 a 965. Todavia, o procedimento da carta rogatória não é objeto desta pesquisa. A homologação de sentença estrangeira é ato processual confirmatório, imprescindível 116 para dar eficácia jurídica e força executiva à sentença prolatada por tribunal estrangeiro . É um procedimento de verificação da compatibilidade da sentença estrangeira com os ditames da ordem jurídica do Estado, onde ela deve produzir efeitos. Com isso, busca-se atribuir validade a esse documento emanado de um país, quando for compatível com a ordem jurídica de outro país. O Código de Bustamante, nos artigos 423 e 431, apregoa que as sentenças em matéria civil só produzirão efeitos, incluindo-se a coisa julgada, nos Estados contratantes, 113 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 175. 114 FORNAZARI JUNIOR, Milton. Cooperação Jurídica Internacional: Auxílio Direto Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 28. 115 JÁPIASSÚ, Carlos Eduardo; PUGLIESE, Yuri Sahione. A Cooperação Internacional em Matéria Penal no Direito Brasileiro. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; CHOUKR, Fauzi Hassan (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014. 197-223. p. 204. 116 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. p. 734. 51 após a verificação do preenchimento dos requisitos formais e materiais exigidos pelo Estado 117 requerido . Importa salientar que a relevância da temática homologação de sentença estrangeira está atrelada à circulação internacional de julgados, sendo necessária para assegurar a efetividade do sistema internacional de justiça, contribuindo para o fortalecimento da 118 segurança jurídica internacional . É pertinente observar que em muitos países cabe aos juízes de 1ª instância a competência para a homologação de sentença estrangeira, por exemplo: Alemanha, França, 119 Canadá, Suíça, Itália, dentre outros . No Brasil, a homologação de sentença estrangeira foi transferida do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça, após o advento da Emenda Constitucional de nº 45/2014. O procedimento de homologação é marcado pelo juízo de admissibilidade da decisão judicial estrangeira realizado pelo STJ, tendo natureza jurídica de ação, cujo mérito é verificar se a decisão alienígena ofende a soberania nacional, a dignidade 120 da pessoa humana ou a ordem pública . No transcurso da Emenda nº 45/2004 foi ventilada a possibilidade de transferir a competência de homologação de sentença estrangeira para os juízes federais. Isso poderia assegurar inicialmente maior rapidez na apreciação dos pedidos, mas o lado negativo seria a quantidade de recursos que poderiam ser interpostos contra a decisão do juízo federal, 121 tornando o procedimento moroso . A finalidade da mudança de competência do STF para o STJ, na homologação de sentença estrangeira foi, indubitavelmente, reduzir as competências do STF, já atolado de processos, dando ao tribunal um perfil mais próximo de uma Corte Constitucional. A crítica realizada na época acerca da alteração de competência alardeava que com a mudança o 117 BRASIL. Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929. Promulga a Convenção de direito internacional privado, de Havana. Rio de Janeiro-RJ, 13 de agosto de 1929. Disponível em: http://legis.senado.leg.br/norma/435904/publicacao/15693455. Aceso em: 5 maio 2019. 118 ARAÚJO, Nadia. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. In: BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria penal. 3. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. 31-48. p. 41. 119 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 609. DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 620. 120 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Regimento Interno 1989. Texto atualizado até a emenda regimental nº 30 2018. Brasília: STJ, 1989. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/publicacaoinstitucional//////index.php/Regimento/article/view/3115/3839. Acesso em: 14 abr. 2019. 121 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 609. DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 620-621. 52 processo de cooperação poderia tornar-se mais lento, em virtude da possibilidade de recursos extraordinários das decisões do STJ para o STF. Todavia, não se pode esquecer os filtros existentes para conter os recursos protelatórios, como a exigência de repercussão geral das 122 questões constitucionais . Há muito tempo, no Brasil, adotamos, no reconhecimento das sentenças estrangeiras, o sistema da deliberação, ou seja, um juízo prévio, examinando: a) se a sentença foi proferida por autoridade judiciária competente; b) se as partes foram citadas, ou se a revelia foi legal; c) 123 se a sentença transitou em julgado; d) se foi traduzida por intérprete juramentado . No período que antecede a mudança de entendimento no STJ, que culminou com a possibilidade de carta rogatória de caráter executório, a homologação de sentença estrangeira era basicamente a única opção para efetivar medidas executórias oriundas do estrangeiro no território nacional. Porém, o excesso de formalismo (requisitos exigidos na legislação e a necessidade do trânsito em julgado da sentença estrangeira) dificultava a utilização desse instrumento cooperativo, tendo em vista a necessidade de celeridade nos meios de cooperação jurídica internacional, para assegurar cada vez mais a sua efetividade e consequentemente sua 124 eficiência . Vale salientar, que se encontra no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, nos artigos 216-A ao 216-N e no Código de Processo Civil de 2015, nos artigos 960 ao 965, o regramento acerca do procedimento da homologação de sentença estrangeira. No entanto, não é objeto desta pesquisa analisar os detalhes de tal procedimento. 3.4 DESAFIOS PARA CRIAÇÃO DE UMA REDE DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL Os desafios transfronteiriços da globalização pressionam os Estados, que aceitaram a expansão quantitativa do Direito Internacional nas suas ordens internas, mas exigiram, desconfiados e temendo falsas promessas, que houvesse procedimentos internacionais que 122 TIBURCIO, Carmen. As Inovações da Emenda 45/2004 em Matéria de Homologação de Sentenças Estrangeiras. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Doutrinas Essenciais: Direito Internacional: Direito Internacional Privado: Doutrina e Prática – Temas Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 4. 949-967. p. 952-953. 123 CARDOSO, P. Balmaceda. Homologação de Sentença Estrangeira. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs). Doutrinas Essenciais: Direito Internacional: Direito Internacional Privado: Doutrina e Prática – Temas Direito Internacional Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 4. 1385-1392. p. 1392. 124 CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Cooperação Jurídica Internacional Penal-Tributária e Transnacionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 165-166. 53 assegurassem a correta interpretação e implementação das normas produzidas, sendo 125 assegurada a efetivação e o desenvolvimento das normas internacionais . É notória a importância da cooperação jurídica internacional, como mecanismo de intercâmbio jurisdicional, diante da expansão das interações humanas em nível global, desconsiderando-se os limites territoriais dos Estados e as já conhecidas limitações territoriais da Jurisdição, dificultando o seu exercício fora da área de atuação do poder soberano do respectivo Estado. Por isso, o aprimoramento das ferramentas cooperativas é tão relevante, para construir novos espaços de juridicidade, nos quais convivem harmoniosamente as diversas jurisdições estatais. Nesse aspecto, o que importa é a construção de um ambiente capaz de promover a aplicação efetiva pelos Estados interessados, das normas jurídicas internas ou externas, aos casos envolvendo condutas transfronteiriças, seja na busca de regulamentar essas condutas, seja na busca de punir eventuais ilícitos civis ou penais. Alguns desafios existem para adoção em massa do ideal cooperacional pelos Estados, reside no fato de que ainda existem Estados e/ou governos imbuídos da mentalidade 126 egoística, individualista, com clara agressividade externa . Dificilmente, um Estado com esse tipo de diretriz estará aberto ao diálogo cooperacional. Há também, alguns Estados, que apesar de relativamente abertos, utilizam-se corriqueiramente da soberania para obstar uma maior fluidez das relações cooperativas. Aproveitam-se do ordenamento jurídico interno para justificar o baixo nível de cooperação. Porém, na realidade, tais Estados não almejam de fato uma cooperação jurídica internacional mais incisiva. Escolheram a visão mais tradicional de relações internacionais, baseada no viés de coordenação, conforme já trabalhado em tópico anterior. Por óbvio, prestigiar demasiadamente a soberania, desconsiderando o interesse comum entre os Estados interessados e o atual contexto das relações internacionais, por meio da criação de burocracias sem fundamento, acaba menosprezando os demais Estados. Os 127 Estados devem visualizar a soberania como liame de aproximação e não de isolacionismo . Nesse sentido, Valério Mazzuoli, ao tratar da essência da soberania nas relações entre os Estados, leciona que a soberania verdadeira é composta pela cooperação internacional 125 RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade de Ordens Jurídicas: Uma nova perspectiva na relação entre o direito internacional e o direito constitucional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, v. 106/107, p. 497/524, dez./jan., 2011/2012, p. 501/502. 126 HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução de Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 7. 127 OLIVEIRA, Henrique Gentil; AGUIAR, Júlio Cesar. Novos Paradigmas da Cooperação Jurídica Internacional e o Conceito Contemporâneo de Soberania. Revista do Direito Público. Londrina, v. 12, nº 2, p. 77-103, ago. 2017, p. 98. 54 em benefício dos Estados, buscando-se alcançar objetivos comuns. Isso afasta a visão tradicional e até isolacionista de soberania, reforçando a necessidade de participação integral do Estado numa comunidade e num sistema internacional, especialmente na temática da proteção dos direitos humanos, o que de fato configuraria um ato de plena soberania128. Portanto, a utilização pelo Estado da soberania como obstáculo à cooperação jurídica internacional, não é aceitável no atual contexto dos relacionamentos estatais, baseado no ideal cooperacional. Defender o inverso é priorizar somente interesses egoísticos em detrimento do interesse geral dos demais Estados, ocasionando desconfiança e, por consequência, isolacionismo externo. Outro aspecto a ser levado em consideração, na análise dos obstáculos à cooperação jurídica internacional, reside no fato de que a legislação interna brasileira prevê no art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que ―As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando 129 ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes‖ . Dessa forma, 130 cláusulas gerais como a ordem pública e os bons costumes podem ser utilizadas pelo Estado requerido para obstar a cooperação jurídica, alegando-se que determinado ato cooperativo ofende esses conceitos abertos. Com isso, pode-se afirmar que o conceito de ordem pública, por ser aberto ou indeterminado, acaba abrangendo noção de soberania e dos bons costumes. Nesse sentido, a ordem pública seria a base de sustentação social, política e jurídica de um Estado, sendo 131 necessária à própria reafirmação da soberania estatal . A conscientização e preparação dos profissionais do direito na prática cotidiana da cooperação jurídica internacional, demonstrando que a intensificação das interações humanas em nível mundial exige um profissional habilitado para lidar com as nuanças da sistemática, envolvendo pluralidade de ordens jurídicas. No sentido de compreender da melhor forma 128 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Soberania e a proteção internacional dos direitos humanos: dois fundamentos inconciliáveis. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, p. 169-177, out./dez. 2002. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/823. Acesso em: 25 maio 2019. p. 173. 129 BRASIL. Decreto-Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 11 maio de 2019. 130 Essas são as normas abertas, ou vagas, ou, ainda, enunciados elásticos, porosos ou dúcteis, gênero que abrange várias espécies normativas caracterizadas pela ausência, na hipótese legal, de uma prefiguração descritiva ou especificativa, bem como é singularizada pelo emprego em seu enunciado de termos cuja tessitura é semanticamente aberta, e dotados, geralmente, de cunho valorativo. Dentre as normas abertas aninham-se os princípios normativos, os conceitos indeterminados, as diretivas («normas-objetivo») e as cláusulas gerais. COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 131 CAVALLIERI, Leila Arruda. A Cooperação Internacional. Revista de Direito da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, v. 7, n. 1, p. 195-220, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/ojs/revistadir/article/view/1677/742 . Acesso em: 19 ago. 2019. p. 200. 55 possível a utilização adequada dos instrumentos cooperativos (carta rogatória, homologação de sentença estrangeira, auxílio direto), visando atender aos atos advindos do exterior, tolerando e compreendo os demais sistemas jurídicos, na estimativa de que os outros Estados 132 também tolerem e compreendam nossas peculiaridades . Apesar de tantas barreiras à implementação da cooperação jurídica internacional, percebe-se um avanço na busca de criação e melhoramento dos instrumentos de cooperação jurídica internacional, diante da extrema imprescindibilidade de novos espaços de juridicidade, para adequar-se à recente realidade das interações que desconsideram as fronteiras dos Estados. Isso deriva do aumento da conscientização das esferas de poder e de governo nos mais variados Estados, abrindo-se para o atual cenário de globalização, que só tende a aumentar cada vez mais. No âmbito do Ministério Público Federal – MPF, encontra-se a Secretaria de Cooperação Internacional – SCI, que atua centralizando a prestação de apoio operacional aos membros do MPF em matéria de cooperação jurídica internacional. Dentre outras atribuições, a SCI busca fomentar redes de cooperação, com o intuito de superar as dificuldades existentes na cooperação entre os Estados. Tais redes são referências internas de contatos, designados pelo MPF, para otimizar a cooperação jurídica internacional, por meio da centralização de 133 informações, facilitando o trâmite dos pedidos cooperacionais (ativos e passivos) . Conforme tratado acima, existem vários desafios para a constituição de uma rede de cooperação jurídica internacional. A soberania é considerada o seu principal obstáculo. Porém, outros desafios impedem ou dificultam a formação dessa rede cooperacional, como o excesso de formalismo procedimental, a diversidade de idiomas, as despesas ou custos com o 134 procedimento da cooperação jurídica . O maior desafio para o avanço dessa rede cooperacional internacional consiste na quebra do prisma absolutista da soberania estatal, o que contribui, conforme já explicitado no tópico, a cooperação internacional como valor universal nas relações entre os sujeitos de direito internacional público, para a equivocada visão da cooperação jurídica internacional, 132 ARAÚJO, Nadia. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. In: BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria penal. 3. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. 31-48. p. 46-47. 133 BRASIL. Ministério Público Federal. Secretaria de Cooperação Internacional (SCI). Redes de Cooperação Jurídica. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/redes-de-cooperacao. Acesso: 20 maio 2019. 134 BAHIA, Saulo José Casali. Cooperação Jurídica Internacional. In: BRASIL. Ministério Público Federal. Secretaria de Cooperação Internacional. Temas de cooperação internacional. 2. ed. rev. e atual. Brasília: MPF, 2016. p. 43. 56 como sendo um ato de cortesia ou gentileza internacional. Tal percepção denota, infelizmente, diminuta relevância atribuída ao tema. Ultrapassar o isolacionismo jurídico estatal, muitas vezes encarnado em um ranço jurisprudencial, é uma barreira que gradativamente vem sendo superada por alguns fatores: a evolução da jurisprudência brasileira, em especial nos tribunais superiores (STF e STJ); a ampliação de previsão legislativa da cooperação jurídica internacional (CPC de 2015) e por fim, a acertada decisão política dos últimos governos, de subscrever vários acordos internacionais em matéria de cooperação jurídica internacional, tornando o Brasil mais receptivo à cooperação. Todavia, aumenta-se o discernimento sobre a necessidade de relativizar a soberania e, com isso, enaltecer o caráter obrigacional da cooperação jurídica internacional. Dando-lhe um valor bem maior do que uma simples cortesia, devendo a compreensão acerca da cooperação estar associada a um dever estatal. Tendo em vista a imprescindibilidade de um comportamento mais ativo dos Estados, por meio da formatação de uma ampla integração dos sistemas jurídicos, com o objetivo de criar um sistema efetivo de justiça internacional. 57 4 AUXÍLIO DIRETO CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Diante das dificuldades existentes nos mecanismos de cooperação jurídica internacional, especialmente a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira, percebeu-se a necessidade criação de um meio cooperativo mais informal e direto. Daí surge o auxílio direto na condição de instrumento apto a superar as barreiras existentes em outros instrumentos. Inicialmente, o auxílio direto surge de forma discreta, inclusive sem uma nomenclatura própria. Posteriormente, esse instrumento passou a ser previsto em tratados internacionais de cooperação jurídica internacional. 4.1 ENQUADRAMENTO NORMATIVO O auxílio direto como um dos instrumentos da cooperação jurídica internacional é considerado recente do ponto de vista normativo brasileiro. A regulamentação do auxílio direto era estabelecida basicamente em tratados internacionais bilaterais ou multilaterais, em matéria penal e civil. Não havia uma sistematização normativa de origem interna do auxílio direto no ordenamento jurídico brasileiro. Cabe destacar que o objeto de estudo desta pesquisa é o auxílio direto em matéria civil. É sabido que o auxílio direto como instrumento cooperacional já era conhecido e utilizado na cooperação jurídica internacional na seara penal, conforme exposto anteriormente. Dessa forma, não se abordam os tratados internacionais em matéria penal que trazem o auxílio direto como instrumento cooperativo, focando-se a análise nos documentos internacionais em matéria civil. Diante do aumento da interação entre os diversos povos, a unificação do direito surge como elemento de conciliação de soluções adotadas entre os Estados, evitando-se os conflitos de leis no espaço e propiciando um maior nível de segurança jurídica nas relações transfronteiriças. Nesse cenário, uma pluralidade de documentos internacionais disciplinam a utilização do auxílio direto civil, dentre eles podemos destacar alguns bilaterais: o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha, Decreto no 166 de 3 de julho de 1991; o Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, Decreto nº 1.476, de 2 de maio de 58 1995; o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina, Decreto nº 1.560, de 18 de julho de 1995; o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Oriental do Uruguai, Decreto nº 1.850, de 10 de abril de 1996; o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, Decreto no 3.598, de 12 de setembro de 2000; o Tratado sobre Auxílio Judicial em Matéria Civil e Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China, firmado em Pequim, em 19 de maio de 2009, Decreto nº 8.430, de 09 de Abril de 2015; o Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República da Costa Rica sobre Cooperação Jurídica Internacional em 135 Matéria Civil, Decreto n° 9.724, de 12 de março de 2019 . Analisando alguns dos acordos bilaterais pactuados pelo Brasil com outros Estados, iniciando-se pelo Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina, Decreto nº 1.560, de 18 de julho de 1995, percebe-se que artigo 1º faz alusão à assistência mútua e ampla cooperação judiciária. Isso denota que tais institutos não são idênticos, pois se assim fossem, não existiria necessidade de tratar do mesmo instituto 136 duas vezes, como observa Maria Rosa Guimarães Loula . A distinção dessas expressões reside no fato de que ampla cooperação judiciária significa uma forma genérica de abordar todos os instrumentos de cooperação jurídica internacional colocados à disposição dos Estados Partes. Já a expressão ―assistência mútua‖ é usada como sendo sinônimo de auxílio direto. O termo ―auxílio direto‖ possui outras nomenclaturas nos mais variados tratados internacionais, por exemplo: assistência judiciária mútua (Mutual Legal Assistance), pedido de assistência jurídica, pedido de auxílio. Essa diversidade de designações acaba gerando confusões no momento da celebração de tratados, visto que cada representação estatal possui uma nomenclatura usual, muitas vezes 137 desconhecida das outras representações . O Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha, Decreto nº 166 de 3 de julho de 1991, 135 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Acordos Bilaterais. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/acordos-internacionais/acordos-bilaterais. Acesso em: 16 jun. 2019. 136 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 126. 137 Ibid. p. 127. 59 coloca expressamente no artigo 3 a possibilidade de comunicação direta entre as autoridades centrais dos Estados Partes, no que diz respeito a documentos judiciais e/ou extrajudiciais. Cabe salientar que no Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Oriental do Uruguai, Decreto nº 1.850, de 10 de abril de 1996, o artigo 1 demonstra o compromisso dos Estados Partes de prestarem a assistência mútua e ampla cooperação, tal como tratado no acordo Brasil-Argentina. Por isso, todo esclarecimento já foi devidamente realizado anteriormente neste tópico. No Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, Decreto nº 3.598, de 12 de setembro de 2000, não expõe de forma clara a cooperação jurídica por meio da carta rogatória, mas trata do procedimento do auxílio direto. Já no Tratado sobre Auxílio Judicial em Matéria Civil e Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China, firmado em Pequim, em 19 de maio de 2009, Decreto nº 8.430, de 09 de Abril de 2015, coloca nitidamente, nos artigos 1 e 2, que os Estados Partes concordam em utilizar o mecanismo do auxílio judicial, para comunicações de procedimentos judiciais ou extrajudiciais, obtenção de provas, intercâmbio de informações legislativas, reconhecimento e execução de sentenças judiciais e laudos arbitrais e qualquer 138 outra forma de auxílio judicial, compatível com a legislação da parte requerida . Por fim, recentemente, o Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República da Costa Rica sobre Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, Decreto n° 9.724, de 12 de março de 2019, que expressamente traz como instrumento cooperativo, no 139 artigo 22, o pedido de assistência entre os Estados Partes . Seguindo a trajetória de analisar o quadro normativo envolvendo o auxílio direto, neste momento, arrolam-se alguns acordos multilaterais subscritos pelos Brasil, dentre eles: a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, Decreto nº 56.826, de 02 de setembro de 1965 (Convenção de Nova Iorque sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro); a Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores, Decreto nº 1.212, de 3 de agosto de 1994; o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria 138 BRASIL. Decreto nº 8.430, de 09 de Abril de 2015. Promulga o Tratado sobre Auxílio Judicial em Matéria Civil e Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China, firmado em Pequim, em 19 de maio de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Decreto/D8430.htm. Acesso em: 16 jun. 2019. 139 BRASIL. Decreto n° 9.724, de 12 de março de 2019. Promulga o Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República da Costa Rica sobre Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, firmado em Brasília, em 4 de abril de 2011. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/decreto/d9724.htm. Acesso em: 16 jun. 2019. 60 Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, Decreto nº 2067, de 12 de novembro de 1996; a Convenção Interamericana Sobre Obrigação Alimentar, Decreto nº 2.428, de 17 de dezembro de 1997; a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, Decreto nº 2.740, de 20 de agosto de 1998; Convenção Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000; o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e do Chile, Decreto nº 6.891, de 2 de julho de 2009; Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, Decreto nº 9.176, de 19 de outubro de 2017 (Convenção da Haia sobre a Cobrança Internacional de Alimentos) e a Convenção da Haia sobre Citação (Convenção Relativa à Citação, Intimação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial), Decreto n° 9.734, de 140 20 de março de 2019 . A princípio, cabe realizar uma ligeira abordagem sobre os acordos multilaterais, dos quais o Brasil é signatário. De longe, não existe a intenção de esgotar o tema, abordado em cada documento internacional, pois o foco é verificar as circunstâncias da presença do auxílio direto. A Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, Decreto nº 56.826, de 02 de setembro de 1965 (Convenção de Nova Iorque sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro), que nos seus artigos III, IV, V e VI faz referência implícita ao auxílio direto, como pedido a autoridades na transmissão de documentos, sentença, outras atos judiciários e trata da função da instituição intermediária. Essa transmissão de documentos possibilita a produção de uma decisão nacional, baseada em provas obtidas no estrangeiro. Tudo isso, 141 resumidamente, é o procedimento do auxílio direto . Na Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores, Decreto nº 1.212, de 3 de agosto de 1994, não aduz expressamente sobre o auxílio direto, mas nos seus artigos 6 e 8, respectivamente, ao tratar do procedimento de restituição de menor, considera competente as autoridades judiciárias ou administrativas, como também, o exercício desse procedimento de restituição ocorrerá por meio de carta rogatória, por meio da autoridade 140 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Acordos Multilaterais. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/acordos-internacionais/acordos-multilaterais. Acesso em: 16 jun. 2019. 141 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 130. 61 central ou diretamente pela via diplomática ou consular. Nesse sentido, está-se diante do auxílio direto. O Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, Decreto nº 2067, de 12 de novembro de 1996 (Protocolo de Las Leñas), trata em seu artigo 1 da assistência mútua e da cooperação jurisdicional. A distinção entre esses termos já foi mencionada no estudo sobre os acordos bilaterais neste tópico. Portanto, cabe frisar que apesar da distinção de nomenclatura, o Protocolo de Las Leñas admite o auxílio direto, quando traz a expressão assistência mútua. A Convenção Interamericana Sobre Obrigação Alimentar, Decreto nº 2.428, de 17 de dezembro de 1997, coloca de modo implícito o auxílio direto, no artigo 15, quando trata de pedido fundamentado para assegurar medidas cautelares ou de urgência em reclamação de alimentos, formulado por uma das partes, por agente diplomático ou consular. Tal pedido possui a natureza jurídica de auxílio direto no sistema jurídico brasileiro. Na Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, Decreto nº 2.740, de 20 de agosto de 1998, expõe em seus artigos 1, 13 e 14, a instituição de uma sistema de cooperação jurídica internacional, sem mencionar expressamente o auxílio direto. Entretanto, isso não significa que tal mecanismo de cooperação esteja vedado pela Convenção, pois os Estados Partes utilizarão os instrumentos disponíveis em seus 142 ordenamentos . A Convenção Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000, apesar da ausência de rigor técnico em alguns pontos terminológicos, não se proíbe a utilização do auxílio direto, especialmente, quando o artigo 7 aduz que as autoridades centrais dos respectivos Estados devem cooperar entre si, promovendo a colaboração de modo a assegurar o retorno imediato das crianças. Para isso, torna-se possível que a autoridade central promova ou favoreça a abertura de processo judicial no Estado requerido, com base nas informações obtidas perante a autoridade central estrangeira. Dessa forma, esse procedimento de troca de informações, capaz de alicerçar o 143 processo judicial, só pode ser considerado como sendo o auxílio direto judicial . O Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e do Chile, Decreto nº 6.891, de 2 de julho de 2009, coloca no artigo 1 a necessidade de cooperar, 142 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 137-138. 143 Ibid. p. 139. 62 trazendo novamente as expressões assistência mútua e ampla cooperação jurisdicional, como já dito distintas. No artigo 28, o acordo é mais direto ao mencionar que as Autoridades Centrais dos Estados Partes irão cooperar, mutuamente, não podendo opor questões de sua ordem pública. Tal cooperação tem por finalidade a obtenção de informações em matéria civil, comercial, trabalhista, administrativa e de direito internacional privado, sem quaisquer despesas. A Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, Decreto nº 9.176, de 19 de outubro de 2017 (Convenção da Haia sobre a Cobrança Internacional de Alimentos), substitui em parte Convenção de Nova Iorque sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, quando os Estados Partes em questão são signatários das duas convenções. Porém, nem todos os Estados que subscreveram a convenção de Nova Iorque aderiram à convenção da Haia, nesse caso, aplicam-se as regras da convenção da Haia. Essa convenção está repleta de disposições acerca do trâmite direto de pedidos (auxílio Direto), consoante os artigos 1, 4, 6, 10, 11, 12, 23. Tais artigos elencados não excluem outros, mas são os que melhor exprimem a cooperação jurídica via auxílio direto. Por fim, vale lembrar um antigo provérbio popular de autoria desconhecida, que possui o seguinte enunciado: ―antes tarde do que nunca‖. É nesse aspecto que se aborda a Convenção da Haia sobre Citação (Convenção Relativa à Citação, Intimação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial), Decreto n° 9.734, de 20 de março de 2019. Essa convenção foi firmada em Haia em 1965, sendo um marco no Direito Internacional Privado e no Processo Civil Internacional. O Brasil, inicialmente, não era um Estado cooperativo, seja no campo legislativo, seja no campo jurisprudencial. Atualmente, apesar de alguns avanços, o Estado brasileiro ainda tem muito a evoluir na seara da cooperação jurídica internacional. Um importante exemplo desse retrocesso foi o atraso em subscrever a Convenção da Haia sobre Citação. Isso certamente ocasionou grandes obstáculos para procedimentos cooperativos. Porém, felizmente, em março de 2019, o Brasil resolveu aderir a esse documento internacional, que inicia a relação processual. Diante da relutância brasileira em assinar a Convenção da Haia sobre Citação, criou- se o instrumento auxílio direto, como forma de ultrapassar as barreiras criadas pela ausência de um marco regulatório das comunicações envolvendo questões do Direito Internacional Privado e do Direito Processual Internacional. 63 Apesar da Convenção da Haia sobre Citação não tratar expressamente do auxílio direto, percebe-se que várias de suas disposições abordam procedimentos, que hoje acontecem por meio da utilização do auxílio direto judicial ou extrajudicial. Não cabe aqui analisar pontualmente cada disposição prevista na Convenção, inclusive as reservas feitas pelo Brasil. Acredita-se que com a subscrição da Convenção Relativa à Citação, Intimação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, a jurisprudência dos tribunais superiores (STJ e STF) possa evoluir. Os obstáculos criados, como a exigência de carta rogatória para instrumentalizar a citação de réu domiciliado no Brasil, não têm mais condições de permanecer, diante da referida Convenção, assinada em março de 2019. Realizada uma breve análise sobre os principais documentos internacionais a que o Brasil aderiu, nos quais se encontram implícita ou explicitamente referências sobre o auxílio direto como instrumento da cooperação jurídica internacional. Passe-se a averiguar de modo sucinto as disposições do Código de Processo Civil que tratam do auxílio direto. O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao incorporar na legislação infraconstitucional brasileira a disciplina da cooperação jurídica internacional. Introduzindo- se a regulamentação que já era prevista no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a homologação de sentença estrangeira e para as cartas rogatórias e tratando de 144 forma explícita a previsão do auxílio direto em matéria jurisdicional . A ampla e efetivamente garantia de acesso à justiça não pode ser contida pelos estreitos limites políticos dos países, devendo-se assegurar o acesso à justiça transnacional. E com peculiar sensibilidade, o novo CPC avança no firme propósito de trazer respostas aos 145 novos anseios da sociedade contemporânea . Nesse sentido, os tratados internacionais são extremamente relevantes, pois ditam o regramento da cooperação jurídica internacional, no que diz respeito à prática de atos processuais entre diferentes países. Ciente de tais condições, o CPC de 2015 estabeleceu que a cooperação jurídica internacional será disciplinada por tratado internacional do qual o Brasil 146 seja signatário, conforme os ditames do artigo 26 do Código . 144 HILL, Flávia Pereira. O direito processual transnacional como forma de acesso à justiça no século XXI: os reflexos e desafios da sociedade contemporânea para o direito processual e a concepção de um título executivo transnacional. 2013. 440 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5987. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 292. 145 Ibid. p. 293. 146 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 59. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 1. p. 203-204. 64 A ausência de tratado internacional entre o Brasil e o Estado interessado em cooperar, não obsta a realização da cooperação jurídica internacional, podendo ser baseada na reciprocidade, externada via relações diplomáticas, conforme aduz o artigo 26, §1º do CPC. Em relação à homologação de sentença estrangeira, o Código não impõe a reciprocidade (art. 147 26, §2º) . O Código de Processo Civil de 2015, como dito, destacou a cooperação jurídica internacional e ainda colocou tratamento específico para o auxílio direto, sendo cabível essa modalidade de cooperação, quando a medida solicitada derivar de decisão de autoridade judicial estrangeira, não submetida a juízo de delibação no Brasil. Não se restringindo o auxílio direto aos atos do Poder Judiciário, podendo a medida pretendida possuir natureza 148 administrativa . Com isso, o CPC de 2015, na condição de macrossistema, abriria espaço para um novo microssistema, que seria o Direito Processual Transnacional, responsável de conduzir a tramitação de processos envolvendo litígios transnacionais, por meio da regulamentação do exercício da jurisdição transnacional. 4.2 APLICABILIDADE DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA CIVIL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO Historicamente, o auxílio direto tem início na seara penal de modo discreto, sendo utilizado como mecanismo de superação das dificuldades encontradas para o cumprimento das cartas rogatórias de caráter executório, discussão já trabalhada em tópico anterior. Dessa forma, percebe-se que o advento desse instrumento está atrelado à cooperação jurídica 149 internacional passiva . O surgimento do auxílio direto está diretamente relacionado com os diversos tratados internacionais celebrados com o intuito de colaboração jurídica entre os Estados. Não há inicialmente um ato formal de constituição do auxílio direto, sendo tal mecanismo formado paulatinamente nas práticas cooperativas estabelecidas nos acordos internacionais. Segundo Maria Rosa Guimarães Loula, o auxílio direto surge inicialmente de forma apócrifa, sem nomenclatura específica. Previsto em textos de documentos internacionais que 147 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 59. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 1. p. 204. 148 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 59. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. v. 1. p. 205. 149 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 93. 65 tratavam de cooperação jurídica internacional, como instrumento de cooperação para a comunicação de atos processuais, produção de prova testemunhal e outros meios de prova. As características marcantes desses textos internacionais são a inexistência da expressão ―carta rogatória‖ e a previsão de autoridades centrais responsáveis em aplicar esse inovador instrumento de cooperação jurídica internacional150. A compreensão do auxílio direto é necessária para aprimoramento deste estudo. O auxílio direto é o meio mais aberto ou informal de cooperação jurídica internacional, pois não é imprescindível a interferência do Poder Judiciário, bastando a participação da diplomacia do Estado requerido para a sua efetivação. No Direito brasileiro, o auxílio direto é o procedimento destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de diversos Estados, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, diante de ato sem conteúdo 151 necessariamente judicial, a ser praticado por autoridades nacionais . Some-se a isso que a simplificação do auxílio direto permite que as cooperações ativa e passiva ocorram sem a necessária utilização do Poder Judiciário. Com isso, pode o auxílio direto ser praticado judicial ou extrajudicialmente, consoante abordagem em tópico específico. Aliás, a utilização do auxílio direto independe da previsão em tratado internacional. Admite-se o auxílio direto com base no primado da reciprocidade, significando que os Estados-membros da cooperação, especialmente o Estado-requerente, solicita ao Estado- requerido a realização de ato de cooperação jurídica internacional, comprometendo-se a retribuir a cortesia quando o ora Estado-requerido solicitar. Isso é a clara aplicação da boa-fé objetiva nas relações cooperacionais internacionais. Para facilitar as trocas de informações necessárias para a viabilização dos atos de cooperação internacional, cabe às autoridades centrais dos Estados interessados requererem a cooperação jurídica internacional, instruindo tal pedido com todas as informações e atendendo todos os requisitos exigidos pela ordem jurídica do Estado-requerido. Sendo possível que tal negociação aconteça diretamente entre os órgãos diretamente interessados dos Estados envolvidos na cooperação jurídica internacional. Vale ressaltar que o auxílio direto como instrumento de cooperação jurídica internacional tem caráter interno, sendo regulamentado por norma jurídica nacional. Já a carta 150 Ibid. p. 94. 151 SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação Jurídica Internacional e Auxílio Direto. Revista CEJ, Brasília, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006. p. 78. 66 rogatória, por exemplo, possui caráter multinacional, pois obedece aos ditames da legislação do Estado requerente e do Estado requerido. Pode-se identificar algumas semelhanças entre o auxílio direto, homologação de sentença estrangeira e a carta rogatória, Maria Rosa Guimarães Loula aduz que a grande semelhança entre esses mecanismos de cooperação é a finalidade, pois ambos servem para instrumentalizar atos de comunicação processual, produção de provas e a concretização de medida cautelares. Devendo-se destacar que o auxílio direto também pode ser utilizado na propositura de demanda de conhecimento perante o judiciário nacional, de forma idêntica às ações internas. Essa função do auxílio direto torna-o mais próximo da homologação de sentença estrangeira. Ainda que tal similitude seja apenas em relação ao seu objetivo, consistente na aquisição de decisão de mérito válida no território nacional152. O auxílio direto é um mecanismo do Direito Processual Internacional. Por isso, o Código de Processo Civil de 2015, quando disciplina os instrumentos de cooperação jurídica internacional, destaca o auxílio direto. No Brasil, o pedido de auxílio direto é recebido pelo autoridade central, sendo direcionado ao órgão interno encarregado de cumprir a diligência. Se houver necessidade, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, o pedido de colaboração será submetido ao crivo judicial, como a finalidade de assegurar a proteção aos direitos fundamentais e as garantias 153 constitucionais . É relevante frisar que o auxílio direto, distintamente de outros instrumentos cooperacionais, não está submetido a juízo de delibação. Isso decorre da inexistência de reconhecimento de decisão estrangeira em território nacional, mas sim somente a execução de uma diligência de índole local, que foi provocada pela parte estrangeira. Confirmando a informação explicitada nesta pesquisa, de que o auxílio direto tem natureza de procedimento 154 essencialmente nativo . Conforme já afirmado no início do presente tópico, o auxílio direto surgiu como alternativa às dificuldades criadas pela resistência em efetivar as cartas rogatórias de natureza executória. Então, percebe-se que os institutos estão interligados, mas possuem autonomia. As 152 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 93-94. 153 ABADE, Denise Neves. Convivência entre os instrumentos cooperacionais – A carta rogatória e o auxílio direto. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; CHOUKR, Fauzi Hassan (org.). Cooperação Jurídica Internacional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, p. 316. 154 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 109. 67 diferenças existentes entre o auxílio direto e a carta rogatória não ocasionam a exclusão de tais instrumentos, ao contrário, ambos coexistem. Há previsão nos tratados internacionais estabelecendo a cooperação jurídica internacional, no caso específico, o auxílio direto, a definição da autoridade central, responsável pelo acompanhamento e o trâmite da medida cooperativa. Romeu Tuma Junior considera a autoridade central como órgão administrativo responsável pela concentração da cooperação jurídica internacional. Com o surgimento dos primeiros tratados internacionais de cooperação jurídica internacional, nos anos 60 do século XX, a autoridade central foi constituída com a finalidade de simplificar as relações entre os Estados interessados em determinado tratado de cooperação jurídica internacional, por meio da reunião de todas as atribuições em uma única instituição. A unificação das funções administrativas em um único órgão técnico visa aprimorar as relações entre os Estados Partes da cooperação jurídica internacional, tornando-a mais rápida e eficaz. Isso criou um novo veículo de intermediação na seara da cooperação jurídica internacional, retirando a exclusividade da utilização dos canais diplomáticos como mecanismo de intercâmbio entre os Estados interessados em cooperar juridicamente155. Nesse aspecto, muitos tratados internacionais de cooperação jurídica internacional expressam a necessidade de definição da autoridade central no ordenamento jurídico interno do Estado requerido, com o objetivo de simplificar o processamento dos instrumentos cooperacionais. Dessa forma, o papel da autoridade central consiste na criação de uma ponte ou liame entre o Estado requerente e o Estado requerido, facilitando o preenchimento dos requisitos necessários para a efetivação da cooperação jurídica internacional perante o Estado solicitado. Dentro da estrutura do Poder Executivo Federal, especificamente no Ministério da Justiça e Segurança Pública, encontra-se a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), com competência para promover a política nacional de justiça, por meio da articulação dos diversos órgãos do sistema de justiça brasileiro, em nível federal, estadual, distrital, juntamente com agências internacionais e a sociedade civil organizada. Ademais, compete à 155 TUMA JUNIOR, Romeu. Autoridade Central e seu papel na cooperação jurídica internacional. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Manual de cooperação jurídica internacional e Recuperação de ativos: Matéria Civil. 1. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2008. p. 15. 68 Secretaria Nacional de Justiça, dentre outras, a coordenação, negociação de acordos e a 156 formulação de políticas de cooperação jurídica internacional, civil e penal . No âmbito da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), com a promulgação do Decreto nº 4.991, de 18 de fevereiro de 2014, criou-se o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Com o advento do Decreto nº 9.662, de janeiro de 2019, concentrou-se no DRCI, a competência para a estruturação, a implementação, a monitorização das políticas de cooperação jurídica internacional civil e penal. Como também, o DRCI passou a assumir com quase exclusividade, as funções de autoridade central em matéria civil e penal, exceto se houver previsão diversa em tratado internacional de 157 cooperação jurídica, que estabeleça outra autoridade central ou ponto de contato . A própria ordem constitucional pode estabelecer limitações ao sistema de cooperação jurídica internacional. E a autoridade central tem o papel de organizar o trâmite dos instrumentos, evitando o confronto direto com a Constituição do Estado requerido, o que obstaria o cumprimento do instrumento cooperacional. Os pedidos de cooperação ativa, solicitados por órgãos internos, são remetidos para a autoridade central brasileira, que verifica o atendimento dos requisitos exigidos pelo respectivo tratado internacional. Se preenchidos tais requisitos, a autoridade central nacional transmitirá o pedido à autoridade central estrangeira. Quando o pedido de cooperação retornar ao Brasil, cumprido ou não, seu recebimento cabe à autoridade central brasileira, que o 158 encaminhará à autoridade requerente . Ainda no contexto da tramitação de pedido de cooperação jurídica ativa, cabe ressaltar que caso não exista tratado internacional que fundamente o pedido cooperacional, o encaminhamento do pedido ocorrerá pelas vias diplomáticas. Competindo à autoridade central nacional direcionar o pedido ao Ministério da Relações Exteriores, que por sua vez, realizará o contato com a representatividade diplomática brasileira no exterior. Sendo a diplomacia 156 Anexo I, art. 13, inc. I, III. BRASIL. Decreto nº 9662, de janeiro de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Justiça e Segurança Pública, remaneja cargos em comissão e funções de confiança e transforma cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9662.htm. Acesso em: 16 jun. 2019. 157 Anexo I, art. 14, inc. III, ―a‖ e inc. IV. BRASIL. Decreto n. 9662, de janeiro de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Justiça e Segurança Pública, remaneja cargos em comissão e funções de confiança e transforma cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9662.htm. Acesso em: 16 jun. 2019. 158 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Ativa. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-ativa. Acesso em: 17 jun. 2019. 69 brasileira no país que recebe o pedido de cooperação ativa, competente para realizar esse intercâmbio perante os órgãos estrangeiros autorizados. Realizada a diligência solicitada no exterior, o Ministério das Relações Exteriores devolve o pedido à autoridade central, remeterá 159 à autoridade pleiteante . No que concerne aos pedidos de cooperação passiva, que são oriundos do estrangeiro, para serem cumpridos no Brasil. Conforme já explicitado, a tramitação interna do pedido de cooperação jurídica sofre alteração, de acordo com a existência ou não de tratado internacional que o discipline, independentemente se ativa ou passiva a cooperação 160 jurídica . A cooperação jurídica internacional passiva por intermédio do auxílio direto, objetiva conseguir uma decisão judicial nitidamente brasileira ou a realização de diligência de caráter administrativo. Iniciando-se o procedimento do auxílio direto passivo, por meio do recebimento do pedido de cooperação do Estado requerente. Com isso, a autoridade central brasileira verificará se a documentação atende aos requisitos necessários. Não atendendo aos requisitos, a autoridade central interna informa a autoridade central do Estado solicitante, para 161 que realize os procedimentos necessários ao atendimento dos requisitos . Preenchidos os requisitos formais necessários para a cooperação jurídica passiva, o auxílio direto poderá seguir dois trajetos diferentes. A definição dos caminhos dependerá da natureza jurídica do pedido cooperativo. Se possuir natureza administrativa, o auxílio direto será extrajudicial. Se o pedido possuir natureza de cooperação judicial, o auxílio direto será 162 judicial . Nesse momento, não abordaremos o auxílio direto extrajudicial e o auxílio direto judicial, pois serão tratados no tópico seguinte. Porém, isso não significa que o tema será esgotado, mas somente trabalhado de modo mais específico, evitando-se certa redundância entre partes desta pesquisa. 159 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Ativa. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-ativa. Acesso em: 17 jun. 2019. 160 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Passiva. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-passiva. Acesso em: 17 jun. 2019. 161 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Passiva. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-passiva. Acesso em: 17 jun. 2019. 162 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Passiva. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-passiva. Acesso em: 17 jun. 2019. 70 Em 2014, visando dinamizar a cooperação jurídica internacional entre os Estados iberoamericanos, foi criada a Rede Iberoamericana de Cooperação judiciária (IberREd). É composta por autoridades centrais e pontos de contatos dos países membros da Comunidade 163 Iberoamericana de Nações, possuindo um regulamento próprio . A atualização das informações dos sistemas de justiça dos países membros é a principal meta da IberREd. Com isso, agiliza-se os procedimentos de pedidos cooperacionais, através das seguintes atitudes: escolha das normas jurídicas aplicáveis à cooperação; identificação das autoridades competentes; explicitar as soluções práticas aos problemas; 164 acompanhar os pedidos de cooperação dentro dos respectivos Estados . No contexto de globalização das relações humanas e, consequentemente, a necessidade de os Estados interagirem entre si, buscando o fortalecimento de um sistema internacional capaz de propiciar uma maior efetividade das decisões judiciais ou administrativas. Diante do crescimento das críticas feitas aos instrumentos de cooperação jurídica tradicionais, atribuídas ao lento processamento desses meios de colaboração, surge a necessidade de cooperação jurídica mais direta, o que contribui para a celeridade dos pedidos 165 formulados . Nesse contexto, insere-se o auxílio direto como medida capaz de resolver a questão da necessidade dos Estados de cooperar juridicamente, sem que isso implique uma sujeição a um procedimento lento e burocrático. As medidas que podem ser concretizadas por meio do auxílio direto em matéria civil são aquelas que seriam adotadas comumente via carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, podendo ter ou não conteúdo jurisdicional. Nesse último caso, não estariam sujeitas à cláusula de reserva de jurisdição, o que consequentemente demonstra a ausência de ofensa à ordem pública. Note-se que, conforme já afirmado, a própria origem do auxílio direto remonta da necessidade de solucionar a problemática em torno da dificuldade de aceitação da carta 163 RED IBEROAMERICANA DE COOPERACIÓN JURÍDICA INTERNACIONAL. Reglamento de La Red Iberoamericana de Cooperación Jurídica Internacional, Iberred. Disponible en: https://iberred.org/sites/default/files/reglamento-de-la-red-iberoamericana-de-cooperacin-juridica- internacional.pdf. Acceso en: 15 jun. 2019. 164 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo Noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 723. 165 ARAÚJO, Nadia. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. In: BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria penal. 3. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. p. 12. 71 rogatória executória. Por isso, as medidas que outrora seriam instrumentalizadas por intermédio do auxílio direto, atualmente, após a superação dessa questão, especialmente com a mudança gradativa do entendimento do STF, passam a ser realizadas por carta rogatória. A cláusula de reserva de jurisdição, tratada em tópico específico, tem fundamento na percepção de que, diante do arcabouço de garantias atribuídas pela ordem constitucional de 1988, o Poder Judiciário é realmente o mais adequado para tutelar com exclusividade as garantias e os direitos fundamentais, pois é mais imune às pressões políticas, econômicas e sociais. Em tópico específico, aborda-se mais precisamente a relação entre o auxílio direto e a reserva de jurisdição. Maiores detalhes, no tópico seguinte, acerca da possibilidade de que os atos de simples comunicação processual, atos de natureza probatória e as medidas cautelares praticadas extraterritorialmente, serem solicitadas por intermédio do procedimento do auxílio direto judicial. Já quando o ato tratar de órgãos não judiciais, como o Ministério Público, como as autoridades policiais, como os conselhos de fiscalização, pode-se identificar esse 166 procedimento como sendo auxílio direto administrativo . No Brasil, as medidas efetivas por meio do auxílio direto devem obedecer aos ditames da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sem incorrer em violações aos direitos fundamentais e as garantias constitucionais, como também devem possuir caráter decisório, salvo se houver previsão contrária em tratado internacional. Podendo o auxílio direto em matéria civil, depender ou não da participação direta do Poder Judiciário, como forma de resguardar os valores fundamentais da ordem constitucional brasileira. 4.3 AUXÍLIO DIRETO EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL O instrumento cooperativo tratado nesta pesquisa, de auxílio direto, pode ser classificado em: auxílio direto extrajudicial e auxílio direto judicial. O primeiro é um procedimento que não depende da interferência do Poder Judiciário para atribuir-lhe validade, devido a sua natureza administrativa. Já o segundo é um procedimento que exige a participação direta do Poder Judiciário, em virtude da natureza do ato a ser praticado por meio do auxílio direto. 166 SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes. Cooperação Jurídica Internacional e auxílio direto. In: TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto (Orgs.). O Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Professor Jacob Dolinger. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 807. 72 A exigência de que certos atos sejam necessariamente realizados por meio da atuação do Poder Judiciário é decorrência da reserva de jurisdição. No tópico seguinte, analisa-se mais amiúde a relação entre o auxílio direto e a reserva de jurisdição. Deixando-se claro que a reserva de jurisdição é um instrumento de proteção das garantias e dos direito fundamentais, visando impedir que outros atores do sistema de justiça, sob o pretexto de cooperar juridicamente, acabem violando garantias constitucionais e os direitos fundamentais. Todavia, não é justicável que o Estado requerido, desinteressado em participar de cooperação jurídica internacional, acabe utilizando a reserva de jurisdição, como uma forma de desculpa, sem comprovação plausível de ofensas às garantias ou a direitos fundamentais. Abreviadamente, conforme já exposto, o procedimento de auxílio direto permitiria uma divisão. O auxílio direto que abarcasse a atuação de órgão(s) de natureza extrajudicial, componente(s) ou não do sistema de justiça. Por exemplo: investigações conjuntas do Ministério Público ou de autoridades policiais; investigações envolvendo o Ministério Público e o Conselho de Controle de Atividade Financeira (COAF), ambos os casos poderiam ser denominados de auxílio direto extrajudicial. O auxílio direto que obrigatoriamente exigisse a atuação de juiz nacional, consoante as disposições da ordem constitucional vigente, seria denominado auxílio direto judicial. Por exemplo, nas hipóteses de atos de comunicação processual, atos de natureza probatória e atos de natureza acautelatória. Cabe destacar que os Estados não possuem identidade organizacional do Poder Judiciário nacional. Tornando-se importante aferir a formatação dos órgãos do Poder Judiciário dos Estados interessados na cooperação jurídica internacional, para realizar o exame de compatibilidade entre as ordens jurídicas, no que diz respeito às competências e atribuições desses órgãos, evitando-se divergências que possam contrariar as disposições normativas e principiológicas estabelecidas nas Cartas Constitucionais. É possível realizar questionamentos diante da possibilidade de divergência, quanto ao tratamento dado pelos ordenamentos jurídicos dos Estados participantes da cooperação jurídica internacional. Se o ato possuir natureza administrativa no Estado requerente e judicial no Estado requerido, qual natureza prevalecerá? E por quê? Há entendimento no sentido de 167 prevalecer a natureza jurídica do lugar onde o ato será praticado . Não se pode confundir o auxílio direto e a cooperação administrativa. O auxílio direto é utilizado diante de atos de caráter decisório, quando existe acordo entre os Estados 167 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 116. 73 Partes. Quando o ato não possuir caráter decisório, ainda que seja entre órgãos do Poder 168 Judiciário, estamos diante de cooperação administrativa . Desse modo, atos de natureza meramente informativa, ou seja, atos que buscam exclusivamente informações, por exemplo: sobre datas, locais, legislação interna, entre outras. Tais atos podem ser realizados por meio de cooperação administrativa, diretamente solicitada pelos órgãos competentes do Estado-requerente aos órgãos competentes do Estado-requerido. Já quando o ato requerido pelo Estado possuir caráter decisório, a cooperação dependerá do mecanismo do auxílio direto, previsto em documento internacional ou baseado na reciprocidade entre os Estados Partes da cooperação. Portanto, não podemos confundir o auxílio direto com a cooperação administrativa, pois apesar de ambos os institutos possuírem a mesma finalidade, mas não são idênticos em termos procedimentais. Não existindo no ordenamento jurídico qualquer reserva de jurisdição, a tramitação do auxílio direto acontecerá na via administrativa, quando a natureza do ato cooperacional for administrativa. Nesse caso, verifica-se a presença ou não de órgão administrativo competente para realizar o cumprimento da medida. Se existir tal órgão diverso da autoridade central, cabe a ele executar a diligência solicitada pelo Estado requerente. Não havendo o órgão 169 administrativo competente, cabe à autoridade central realizar a diligência . Sendo o caso de pedido de auxílio direto judicial, a autoridade central brasileira enviará o pedido para a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável em formular a sua pretensão e realizar a devida representação judicial, por meio da busca de decisão judicial para o caso. Obtendo-se êxito no pedido de cooperação, via auxílio direto judicial, a autoridade central brasileira remeterá as informações e/ou documentos à autoridade central do 170 Estado requerente . As considerações finais deste tópico são as seguintes: compete aos juízes de 1ª instância conduzir o auxílio direto judicial. Sendo o auxílio direto um procedimento de 168 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 115. 169 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Passiva. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-passiva. Acesso em: 17 jun. 2019. 170 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pedidos de Cooperação Passiva. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em- materia-civil/roteiro-de-tramitacao/pedidos-de-cooperacao-passiva. Acesso em: 17 jun. 2019. 74 jurisdição voluntária, destinado ao intercâmbio direto entre juízes, sempre que reclamar, de 171 juízes nacionais, atos sem conteúdo jurisdicional . De outro modo, o auxílio direto administrativo é marcado pelo intercâmbio imediato entre os órgãos da administração pública ou entre juízes estrangeiros e agentes administrativos nacionais, sempre que a finalidade for reclamar atos administrativos de 172 agentes públicos nacionais . Sabe-se que a natureza do ato a ser cumprido no Brasil é importantíssimo para atribuir a essência ao auxílio direto. Não havendo barreiras normativas, que imponham a participação direta do Poder Judiciário, o auxílio direto, como visto, possuirá a natureza extrajudicial. De outro modo, quando a diligência depender de atitude de órgão judicial, em decorrência da existência de reserva de jurisdição, o auxílio direto possuirá a natureza judicial. 4.4 RESERVA DE JURISIDIÇÃO COMO LIMITE AO AUXÍLIO DIRETO CIVIL A Jurisdição é a função estatal, responsável pela aplicação concreta das normas jurídicas que compõem o sistema normativo do Estado, visando apreciar situações de ameaça 173 ou lesão aos direitos dos sujeitos envolvidos no conflito . O doutrinador Alexandre Freitas Câmara alerta que ―a expressão jurisdição vem do latim iuris dictio, dizer o direito, mas isso 174 não significa que só há jurisdição quando o Estado certifica direitos‖ . Sinteticamente, pode-se afirmar que a jurisdição é exercício do poder soberano do Estado, que em certo momento da evolução histórica da humanidade açambarcou o poder- dever de resolver os conflitos de interesse oriundos da sociedade. Essa resolução de conflitos, por meio do exercício da jurisdição, tem a aptidão de tornar-se definitiva com o advento da coisa julgada material. Não é objeto desta pesquisa esmiuçar a jurisdição estatal, mas somente expor resumidamente uma noção geral da definição de jurisdição. Isso decorre da necessidade de apresentar um dos objetos centrais desse tópico da pesquisa, que é a reserva de jurisdição. 171 SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação Jurídica Internacional e Auxílio Direto. Revista CEJ, Brasília, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006. p. 78. 172 SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação Jurídica Internacional e Auxílio Direto. Revista CEJ, Brasília, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006. p. 78. 173 GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 1. p. 55. 174 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 75-76. 75 É de se destacar que a reserva de jurisdição pode ser compreendida como uma versão de ordem pública interna. De acordo com os valores predominantes naquela sociedade, busca- se proteger esses valores, rotulando-se como detentores de ordem pública. O conteúdo da ordem pública é aferido pela mentalidade e sensibilidade padrão de uma sociedade, em determinado tempo e espaço. Um grande desvio de padrão, ou seja, uma linha fora da curva será combatido pelos tribunais. Isso demonstra claramente como o 175 fenômeno social é crucial para avaliar o que fere e o que não fere a ordem pública . No artigo 3º do Código de Bustamante, classificam-se as leis e regras vigentes no Estado em três: ordem pública interna, ordem pública internacional e a ordem privada. Já no artigo 4º desse código, aduz-se que ―os preceitos constitucionais são de ordem pública 176 internacional‖ . É possível detectar algumas características da ordem pública, como a relatividade ou instabilidade e a contemporaneidade. A primeira consiste na percepção de que a noção de 177 ordem pública advém da vontade popular . Sabendo-se que vontade popular é variável no tempo e espaço, não há identidade do conceito de ordem pública de um Estado para outro, nem de uma região para outra, pois a evolução dos fenômenos sociais permite sua constante variabilidade. A segunda característica da ordem pública, todo esse relativismo do conceito de ordem pública exige que o aplicador da lei atente para a situação atual, no momento de decidir, desprezando os padrões existentes 178 na época da ocorrência do fato ou ato jurídico . A Suprema Corte dos Estados Unidos da América, ao julgar o interessante caso Mitchell v. Wisconsin, acabou relativizando a quarta emenda da Constituição americana, segundo a qual não seria possível realizar qualquer busca e apreensão, sem autoridade judicial. Discutia-se a possibilidade da polícia de Wisconsin recolher material sanguíneo de indivíduo para averiguar o seu nível de alcoolemia, sem uma autorização expressa, e sem 179 mandado judicial . 175 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 446. 176 DOLINGE, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 447. 177 Ibid. p. 449. 178 Ibid. p. 449. 179 USA. Mitchell v. Wisconsin. N. 18–6210. Argued April 23, 2019—Decided June 27, 2019. Gerald Mitchell v. Wisconsin. Disponível em: https://www.supremecourt.gov/opinions/18pdf/18-6210_2co3.pdf. Acesso em: 24 jul. 2019. 76 O entendimento que prevaleceu foi o de que a lei não viola a quarta emenda à Constituição norte-americana, pois ao conduzir um veículo em via estadual, conforme a lei de Wisconsin, o sujeito estaria autorizando implicitamente a realização de teste para aferir o nível de álcool no sangue, sendo uma espécie de lei de consentimento implícito. E ninguém pode descumprir uma lei, alegando desconhecê-la. O placar do julgamento foi apertado: 5 votos contra o recurso de Mitchell e 4 votos favoráveis, baseando-se na quarta emenda. É interessante analisar esse caso Mitchell v. Wisconsin, pois esclarece a diferença existente entre os valores eleitos por cada sociedade para a definição de ordem pública, colocando-se o interesse geral, de um lado, e as garantias mínimas do cidadão frente ao Estado, de outro. Como dito, o entendimento do que vem a ser ordem pública sofre variação no espaço. No Brasil, uma prova colhida nessas circunstâncias não teria validade, devido ao direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII da CRFB de 1988), conhecido como princípio da não autoincriminação, também previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e 180 181 Políticos e na Convenção Interamericana de Direitos Humanos . Certamente lei similar seria considerada inconstitucional no Brasil, em razão do valor atribuído à ordem pública, por aqui, que não coincide com o valor de ordem pública nos Estados Unidos da América do Norte. Vale destacar que não existe a intenção de esgotar o tema ordem pública, pois não é o objeto desta pesquisa realizar essa tarefa. Cabendo somente concretizar uma sucinta análise da reserva de jurisdição na perspectiva de barreira estabelecida pela ordem jurídica interna, capaz de dificultar a cooperação jurídica internacional. Retomando a temática sobre a reserva de jurisdição, compreende-se como desdobramento da divisão funcional dos poderes, não se admitindo interferência de outros poderes em assuntos reservados ao Poder Judiciário, por ser esse o mais adequado para assegurar os direitos e as garantias fundamentais. Diante da independência funcional e de sua estrutura peculiar, o Poder Judiciário é considerado o mais preparado, no sentido da independência e da boa técnica, para tutelar os direitos e garantias fundamentais. 180 Art. 14, 3º, g. BRASIL. Decreto n. 592, de 6 de Julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 22 jul. 2019. 181 Art. 8, 2º, g. BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de Novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 22 jul. 2019. 77 Por isso, certas matérias ficam reservadas à atuação do Poder Judiciário, por exemplo: interceptação telefônica; indisponibilidade de bens; a prisão civil ou penal, salvo a prisão em flagrante delito. Essas matérias estão sujeitas à reserva de jurisdição por previsão legal e/ou jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores. A Constituição coloca como garantia a inviolabilidade das comunicações no artigo 5º, 182 inciso XII . O texto magno coloca como exceção a quebra da inviolabilidade das comunicações telefônicas, a imprescindibilidade de ordem judicial e a regulamentação legal. A lei que regulamenta a última parte do inciso XII do artigo 5º da Constituição é a Lei nº 9.296/96, conhecida como lei da interceptação telefônica. Ao julgar o tema dos poderes instrutórios de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o STF afastou a possibilidade de a comissão determinar a indisponibilidade de bens. A Suprema Corte entendeu que apesar de a CPI possuir poderes instrutórios, assegurados pela Constituição Federal, a indisponibilidade de bens é instrumento assecuratório da eficácia de provável decisão condenatória, não possuindo natureza probatória. Portanto, a matéria relativa à indisponibilidade de bens está atrelada à cláusula de reserva de jurisdição, diante da restrição a direitos fundamentais, não podendo ser decretado órgão que não exerça a função 183 jurisdicional típica . Contrariando o posicionamento anterior, no sentido de não aplicar a cláusula da reserva jurisdicional, o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, compreendeu que a quebra de sigilo bancário, não depende de autorização judicial, devido à previsão do art. 6º da 184 Lei Complementar nº 105/2001 . 182 ―É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal‖. Art. 5º, XII. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 183 COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. PODERES. LIMITAÇÃO. RESERVA CONSTITUCIONAL DE JURISDIÇÃO. 1. O art. 58, parágrafo 3º da Constituição da República confere às Comissões Parlamentares de Inquérito poderes instrutórios. 2. A indisponibilidade de bens é provimento cautelar que não se vincula à produção de provas. É medida voltada a assegurar a eficácia de uma eventual sentença condenatória que, assim como o poder geral de cautela, é reservado ao Juiz. 3. Segurança concedida. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 23446/DF. Relator: Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, 18 de agosto de 1999. DJe: Brasília, DF, 9/11/2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=493844. Acesso em: 20 jan. 2019. 184 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01. 1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à 78 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui julgamentos considerando prescindível o controle judicial, na quebra de sigilo bancário, com base na autorização da lei complementar 105/2001. Tal entendimento corrobora com o posicionamento do julgado do STF citado acima. A título de exemplo, os Embargos de Declaração no Recurso em Habeas Corpus nº 185 39896, originário do Estado de Pernambuco . luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10414323. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 174 Ementa e Acórdão RE 601314 / SP uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. 3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo. 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. 5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional. 6. Fixação de tese em relação ao item ―a‖ do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: ―O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal‖. 7. Fixação de tese em relação ao item ―b‖ do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: ―A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN‖. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral em Recurso Extraordinário nº 601314/SP. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília, 22/10/2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(601314.NUME.%20E%20RE.SCLA.)& base=baseAcordaos . Acesso em: 20 jan. 2017. 185 PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E USO DE DOCUMENTO FALSO. ACESSO AOS DADOS BANCÁRIOS DE FORMA DIRETA PELO FISCO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. ART. 6º DA LC N. 105/2001. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL. RE 601.314/SP. PENAL. RESERVA DE JURISDIÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. JUÍZO DE RETRATAÇÃO (ART. 1.030 DO CPC). AUSÊNCIA. 1. Retornam estes autos para novo julgamento, por força do inciso II do art. 1.030 do Código de Processo Civil. 2. A circunstância dos autos não se coaduna com a tese apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 601.314/SP, em sede de repercussão geral, pois, no caso vertente, a quebra dos sigilos bancário e fiscal do recorrente ocorreram para fins penais, de modo que persiste a imprescindibilidade de autorização judicial para tanto. 3. A tese firmada no item a do Tema 225, em sede de repercussão geral, limita-se a reconhecer que o art. 6º da Lei Complementar n. 105/2001 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. 4. Assim, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em nada interfere na conclusão externada no acórdão proferido no julgamento do presente recurso ordinário, pois aquela se refere à possibilidade de compartilhamento de informações bancárias com a Administração Tributária, não autorizando, por óbvio, o compartilhamento das informações para fins criminais, 79 Diante de alguns casos expostos, descrevendo os posicionamentos do STF e do STJ, percebe-se como o tema da reserva de jurisdição é controverso, gerando várias discussões no âmbito jurisprudencial. No contexto da reserva jurisdicional, a imposição de efetiva participação do Poder Judiciário na produção do ato não é predominante, cabendo apenas ao Judiciário o exercício de um juízo de admissibilidade do ato, sem interferir no seu conteúdo. A razão dessa exigência advém da compreensão de que o Poder Judiciário é o mais preparado para tutelar os direitos fundamentais e as garantias constitucionais, tendo em vista a sua independência 186 funcional e a tecnicidade de seus membros . José Joaquim Gomes Canotilho assevera que ―a reserva de jurisdição é classificada diante de dois tipos de monopólios, o monopólio da primeira palavra e o monopólio da última palavra‖. No monopólio da primeira palavra, cabe ao Judiciário não apenas a última palavra na solução da questão jurídica em discussão, mas também a primeira palavra, obstando qualquer intervenção de outra autoridade. Sendo obrigatório o monopólio da primeira palavra, quando estão em jogo os direitos de particular importância constitucional, cuja lesão deve corresponder a uma efetiva proteção jurídica. Já o monopólio da última palavra equivale ao direito de acesso de qualquer indivíduo ao processo justo para defender seu interesse jurídico- 187 subjetivo, podendo ser exercido em desfavor de atos estatais ou particulares . A reserva de jurisdição absoluta impõe a atuação do Poder Judiciário de forma exclusiva, envolvendo ato materialmente jurisdicional, com o intuito de resolver o conflito de forma definitiva, ainda está relacionado ao risco de violação a bem constitucionalmente com o afastamento da reserva de jurisdição. 5. Fica mantido o julgado que acolheu os embargos de declaração, apenas para esclarecimentos, sem atribuição de efeitos modificativos, mantendo a decisão que deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus, determinando o desentranhamento das provas decorrentes da quebra de sigilo fiscal e bancário. Determinada a devolução dos autos à Vice-Presidência do Superior Tribunal de Justiça para que, se for o caso, dê prosseguimento ao processamento do recurso extraordinário, nos termos do art. 1.030, I, b, do Código de Processo Civil. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Embargos de Declaração no Recurso em Habeas Corpus nº 39896/PE (2013/0252561-1). Relator: Min. Sebastião Reis Júnior, 14 de março de 2017. DJe: Brasília, DF, 22/03/2017. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1580995&num_regi stro=201302525611&data=20170322&formato=PDF. Acesso em: 20 jan. 2019. 186 A doutrina divide a reserva de jurisdição em: absoluta e relativa. Na reserva absoluta, cabe ao Poder Judiciário controlar totalmente a questão jurídica posta em discussão, não se admitindo a intervenção de qualquer outra autoridade, sendo o ato controlado exclusivamente pelo Poder Judiciário. Devido à sensibilidade da matéria, em razão do forte viés de garantia constitucional ou de direito fundamental. Já a reserva relativa, existe a presença de interesse público que legitima interferência de autoridade não jurisdicional, para solucionar a questão jurídica em discussão. RANGEL, Paulo Castro. Reserva de Jurisdição, sentido dogmático e sentido jurisprudencial. Porto: Universidade Católica Editora, 1997. p. 61-65. 187 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2007. p. 668-669. 80 relevante, ligado ao interesse público primário. Sendo necessário averiguar quais são os 188 direitos que exigem tal proteção . Na presença de ameaça ou lesão a direito fundamental, torna-se imprescindível o controle judicial do ato público ou privado em debate. Esse controle deve ser exclusivo, diante da melhor aptidão do Poder Judiciário salvaguardar os direitos fundamentais. Com isso, denota-se que a reserva de jurisdição impõe a necessidade de participação do Poder Judiciário, seja de modo efetivo e com exclusividade, o que afastaria as demais autoridades não jurisdicionais, seja participando de modo indireto, por meio de um controle prévio ou posterior da questão jurídica posta em discussão. Após realizada uma rápida averiguação acerca da reserva de jurisdição, coloca-se o tema deste tópico em discussão. Um dos desafios que impedem a plena e efetiva utilização do auxílio direto no Brasil consiste na barreira da reserva de jurisdição, como um limite ao auxílio direto, encontrando fundamento em normas constitucionais e infraconstitucionais e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme acima exposto. É importante não esquecer que o auxílio direto, como instrumento de cooperação jurídica internacional, pode ser praticado judicialmente ou extrajudicial. No primeiro caso não há impedimentos a sua utilização, pois o Judiciário controla os atos praticados no instrumento de cooperação, consoante expresso neste tópico, controla a primeira e a última palavra. O auxílio direto extrajudicial encontra limitações para o seu exercício, na reserva de jurisdição, devido ao receio de violações às garantias constitucionais e aos direitos fundamentais. A divisão orgânica das funções estatais é caracterizada pela existência de atos materialmente jurisdicionais. A reserva de jurisdição considerada como desdobramento dessa divisão das funções do Estado. Essa característica deriva do fato de que o Poder Judiciário é tido como o preparado para resguardar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Porém, existem atos materialmente jurisdicionais em sentido absoluto, que não podem de forma alguma ser praticados sem o controle exclusivo do Poder Judiciário. Como também, há os atos materialmente jurisdicionais em sentido relativo, que não dependem do controle integral do Poder Judiciário. Cabe salientar que a natureza jurídica do ato solicitado por meio da cooperação jurídica internacional será identificada, levando-se em consideração o ordenamento jurídico do Estado que esteja cooperando passivamente. Dessa forma, o ato possuirá a natureza 188 VILARES, Fernanda Regina. Reserva de Jurisdição de CPIs. São Paulo: Ônix, 2012. p. 65. 81 jurídica atribuída pelo ordenamento jurídico do Estado requerido, local de efetivação da 189 medida . Por exemplo, se o ato de cooperação no Estado que solicitou a cooperação (ativa) for passível de ser praticado por órgão extrajudicial, mas no Estado, local de cumprimento do ato de cooperação (passiva), tal ato deve ser praticado exclusivamente por órgão judicial, a cooperação internacional será necessariamente jurídica. O extremismo de considerar o Poder Judiciário como o único capaz de combater as ameaças ou lesões às garantias e aos direitos fundamentais, infelizmente, dificulta uma maior utilização do auxílio direto. Isso ocasiona o aumento da burocracia judicial, pois situações relativamente simples de cooperação jurídica extrajudicial são inseridas no campo judicial, o que torna o ato de cooperar mais lento e burocrático. Por fim, destaca-se a relevância dos instrumentos de cooperação jurídica internacional para a República Federativa do Brasil, os quais potencializam a concretização dos novos espaços de juridicidade, assegurando a aplicação das normas jurídicas do direito internacional e do direito interno, por intermédio da colaboração entre os Estados. Contribuindo, assim, para o respeito ao devido processo legal, garantia constitucional que é um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito. 189 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio Direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 116. 82 5 AUXÍLIO DIRETO CIVIL E A ORDEM JURÍDICA TRANSNACIONAL A superação do Estado-centrista é o primeiro grande passo para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Todos os avanços decorrentes do fenômeno da globalização impõem essa revisão do papel do Estado na criação das normas jurídicas. O contexto global repleto de órgãos que não se enquadram na categoria de Estado, mas que exercem forte influência normativa, demonstra claramente a existência de uma ordem jurídica paralela que não é interna nem internacional. Essa nova ordem possui nítida característica transnacional. E o auxílio direto como instrumento de cooperação jurídica internacional pode ser o facilitador do reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional pela ordem jurídica interna ou nacional. 5.1 SOBERANIA ESTATAL COMO ELEMENTO RELEVANTE PARA O FORTALECIMENTO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL É clássica a definição de Estado moderno como estrutura de centralização de poder político, assentando em determinado território, que exerce força sobre um agrupamento de indivíduos. Como também, é tradicional a identificação dos elementos constitutivos do Estado como sendo o povo, o território e a soberania. Conforme já disposto, há divergências acerca da quantidade dos elementos 190 formadores do Estado. Para uns, seriam três elementos: território, povo e soberania ; para 191 outros, seriam quatro: território, povo, poder e tempo ou período de existência ; há aqueles que defendem a existência de cinco elementos: povo, território, soberania, finalidade e 192 capacidade de manter relações com os demais Estados . Assim, os Estados como unidades de poder, fixados em determinado espaço geográfico, atuando na condução dos rumos de uma coletividade de indivíduos, carecem de interação entre si. O grau desse relacionamento variou ao longo da história, dependendo do tipo de arquitetura estatal disponível e dos níveis de interesses dos Estados. 190 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 9. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017. 191 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 299-383. 192 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 10. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 483. 83 O relacionamento entre os Estados é estruturado com base na soberania, 193 compreendida como o poder absoluto e perpétuo de uma nação . É a soberania que permite a independência do Estado na construção, desconstrução de relações com outro(s) Estado(s), ou na decisão de manter-se em isolamento. A soberania deve ser compreendida como expressão de força, baseada na união de imperativos éticos, econômicos, religiosos, culturais de determinado agrupamento humano. É indispensável considerar simultaneamente esses elementos, pois a soberania é necessariamente sócio-jurídica-política. Uma averiguação parcial da soberania seria demasiadamente falha, visto que não englobaria o seu real conteúdo social, jurídico e 194 político . Na realidade, soberania é o poder imperativo que possui o Estado de exigir o respeito e cumprimento de suas decisões, dentro do seu território. Dessa forma, ao editar suas leis e executá-las por si próprio, o Estado exerce plenamente esse poder, que internamente, não 195 encontra outro maior ou de mais alto grau . Essa visão corriqueira de soberania, gradativamente, vem perdendo força no atual contexto da sociedade globalizada, o que induz a sua necessária reformulação. Esse ponto será analisado no tópico seguinte. Não existe incompatibilidade entre a soberania e a cooperação jurídica internacional. Uma não exclui a outra, visto que ser cooperativo não significa abrir mão de sua soberania. Ocorre o oposto, pois quanto mais cooperativo for o Estado, mais reforçada a noção de soberania. A atuação cooperativa do Estado é expressão da sua soberania. Não se pode achar que um Estado cooperativo e menos soberano do que um Estado não cooperativo, pelo fato de que a cooperação exprime uma abertura maior do Estado às interferências externas. Porém, o Estado ao abrir sua esfera jurídica, permitindo que os atos de outros possam ser reconhecidos, faz isso baseado na sua soberania. Decidir pela maior abertura para a cooperação jurídica internacional é opção soberana do Estado. Não tem relação direta com a perda ou enfraquecimento da soberania. A releitura que se deve realizar da soberania é uma exigência do atual contexto global. 193 Tradução original: ―Les Six Livres de la Republique‖. Jean Bodin escreve ―la puissance absoluë et perpetuelle d’une Republique‖, livro 1, capitulo VIII. 194 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 139. 195 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Soberania e a proteção internacional dos direitos humanos: dois fundamentos inconciliáveis. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, p. 169-177, out./dez. 2002. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/823. Acesso em: 25 maio 2019. p. 171. 84 Conceber a soberania somente como força absoluta de um Estado não é mais condizente com a nova sistemática global, lastreada nas mais variadas relações jurídicas. Novos atores apareceram na arena mundial, sem que muitos deles possuam a condição soberana, atribuída ao Estado. O poder que esses novos atores possuem advém das novas formas de inter-relacionamento global. A flexibilização da definição de soberania é necessária para impedir os choques entre os Estados e esses novos agentes globais de transformação. Caso contrário, o simples exercício da soberania estatal obstaria qualquer participação dos novos agentes transnacionais. Os Estados estão inseridos numa espécie de aldeia global. Em razão disso, constantemente surgem situações que demandam a prática de atos fora do território estatal, ou seja, além dos limites da jurisdição nacional. Percebendo-se uma conectividade existente entre os Estados, o isolacionismo baseado na artificial limitação ocasionada pela territorialidade da jurisdição pode conduzir ao 196 ostracismo indesejável . Tal comportamento dificulta o desenvolvimento social, político e jurídico do Estado. A cooperação jurídica internacional não pode ser visualizada preponderantemente pelo prisma clássico da soberania. Se a visão pura e simples de Estado soberano for imposta no cenário cooperacional, dificilmente o resultado será exitoso. Ultrapassar essa distorção de foco é imprescindível para o desenvolvimento pleno da cooperação jurídica internacional. Não cabe mais, em pleno século XXI, enxergar a soberania como barreira ou desafio para a cooperação jurídica internacional. E ao cooperar, o Estado não deixa de ser soberano. Ao contrário, reafirmar-se ainda mais, no contexto de uma soberania que não sobrevive, sem que os outros atores globais possam contribuir para a sua longevidade. Ser um Estado soberano não é simplesmente afirmar que o é, mas sim por meio do constante intercâmbio demonstrar o interesse pela construção de um sistema global de justiça, capaz de ao mesmo tempo reafirmar a independência entre os Estados, como também contribuir para o fortalecimento de um solidarismo universal. Nesse sentido, consoante afirmado em linhas pretéritas, a cooperação jurídica internacional não pode ser tratada, como sendo ato de cortesia ou gentileza. Não que considerar o ato de cooperar como uma atitude gentil seja algo depreciativo. Porém, reduz 196 OLIVEIRA, Henrique Gentil; AGUIAR, Júlio Cesar. Novos Paradigmas da Cooperação Jurídica Internacional e o Conceito Contemporâneo de Soberania. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 2, p. 77-103, ago. 2017. p. 94. 85 drasticamente o seu sentido e alcance, pois insere o ato de cooperar no âmbito da boa ou má vontade do Estado. Denotando, infelizmente, uma irrelevância do tema. A constatação da existência de outros Estados igualmente soberanos, a permanência de uma convivência sadia na sociedade internacional e a formação de blocos de integração regional são apontados como alguns dos fatores determinantes para a redefinição do conceito 197 de soberania . Contudo, a cooperação jurídica internacional não se dirige às relações entre os Estados, mas prioritariamente ao indivíduo, ao jurisdicionado, que é o destinatário final da 198 prestação jurisdicional e titular das garantias fundamentais do processo . O fortalecimento da cooperação jurídica internacional deve ser alcançado pelos Estados não por conveniências geopolíticas, mas sim em virtude de seu compromisso com as garantias fundamentais, especialmente o acesso à justiça, enquanto consequência da dignidade 199 da pessoa humana . A cooperação jurídica internacional deve ser entendida como um dever do Estado, decorrente do princípio da solidariedade universal e da incansável busca pela noção de justiça 200 universal . A grande barreira para o avanço da rede cooperacional internacional ainda é a visão ultrapassada acerca da Soberania estatal. Essa percepção de soberania absoluta não mais se coaduna com as transformações ocorridas nas últimas décadas do século XX. O Estado que ratifica documento internacional com a finalidade de instrumentalizar a cooperação jurídica internacional no seu ordenamento jurídico não está diminuindo a sua soberania, na visão moderna do termo. Pelo contrário, o comprometimento do Estado via 201 tratado internacional é plenamente exercício de soberania . Pelo visto, a soberania estatal não pode ser usada como entrave para a cooperação jurídica internacional. E nem o ato cooperativo significa o declínio ou fim da soberania. A 197 PEREIRA, Marcus Vinícius Torres. Da admissão da litispendência internacional no conflito de jurisdições. Tese de Doutorado. Volume II. Rio de Janeiro: Uerj, 2008, p. 511. 198 HILL, Flávia Pereira. A Nova Fronteira do Acesso à Justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 2, p. 261-296, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 286. 199 HILL, Flávia Pereira. A Nova Fronteira do Acesso à Justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 2, p. 261-296, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 286. 200 OLIVEIRA, Henrique Gentil; AGUIAR, Júlio Cesar. Novos Paradigmas da Cooperação Jurídica Internacional e o Conceito Contemporâneo de Soberania. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 2, p. 77-103, ago. 2017. p. 95. 201 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Soberania e a proteção internacional dos direitos humanos: dois fundamentos inconciliáveis. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 39, nº 156, p. 169-177, out./dez. 2002. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/823. Acesso em: 25 maio 2019. p. 174. 86 consequência é inversa, visto que ao cooperar, o Estado reafirma a sua soberania não só perante os indivíduos situados em seu território, mas perante toda sociedade internacional de Estados. 5.2 NECESSIDADE DE REDEFINIR A SOBERANIA ESTATAL NO CONTEXTO DE UMA TRANSNACIONALIDADE JURÍDICA O Estado é um ente politicamente organizado, sendo uma organização humana, cujo objetivo é assegurar a manutenção e o desenvolvimento da convivência social, por meio de estruturas organizacionais, capazes de exercer o poder sobre todos aqueles que se encontrem no âmbito de sua influência. Essa visão centralista de Estado, inspirada em Max Weber, segundo a qual o Estado é uma comunidade humana que nos limites de determinado território, reclama para si, de modo exitoso, o monopólio da coação física legítima, só se atribuindo na atualidade, as demais associações ou pessoas individuais, o direito de exercer coação física, na medida em que o 202 Estado o permita, pois esse é considerado a única fonte do direito de exercer coação . Tal visão não pode mais prosperar, devido às mudanças de paradigmas operadas no final do século XX, que enfraqueceram as balizas do Estado-nação. Grandes dificuldades surgem devido a essa ruptura do modelo de centralismo político-jurídico no Estado-nação. Novos atores aparecem no mapa do poder, sem que sejam claramente reconhecidos, visto que não possuem uma identidade ou nacionalidade própria, estando disfarçados pelo apelido de ―mercado‖. A força propulsora desse mercado ramifica-se 203 em conglomerados, bancos, multinacionais, dentre outros . As relações advindas dos novos protagonistas do transnacionalismo não dependem necessariamente da participação do Estado. Aqui reside o maior desafio para o reconhecimento de uma nova ordem jurídica global, não obrigatoriamente estatal. Para isso, conforme já explicitado, o rompimento da visão centrista de Estado torna-se imprescindível, possibilitando a participação ativa desses atores globais na construção de uma ordem jurídica transnacional. Obter sucesso na tarefa de reconhecimento de uma ordem jurídica global depende da redefinição do conceito de soberania, passando obrigatoriamente pela aceitação da existência 202 WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: UNB, 1999. p. 525-526. 203 ROSA, Alexandre Morais da. Direito Transnacional, Soberania e o Discurso da Law and Economics. In: STELZER, Joana; CRUZ, Paulo Márcio (Orgs.). Direito e Transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 74. 87 de novos centros de poder normativo no âmbito global. Coincidindo com a existência de um pluralismo jurídico transnacional, já analisado em local específico desta pesquisa. A professora norte-americana Anne-Marie Slaughter propõe a criação de uma forma de governança global, baseada em redes multifacetadas, compostas por reguladores financeiros, juízes, empresas transnacionais e organizações internacionais, que obrigam os 204 Estados-nações a redefinirem suas fronteiras e o tradicional conceito de soberania . Não é defensável a conclusão de que o reconhecimento de ordem mundial, consequentemente acarretaria o desaparecimento do Estado. A ampliação dos relacionamentos interpessoais, em vários campos: financeiro, comercial, esportivo, dentre outros, ocasiona a necessidade de adaptar as clássicas instituições estatais, impondo uma atuação externa, para além das fronteiras. E essa atuação não é isolada, pois com esse intenso 205 relacionamento, também surgem os atores na arena global . Esse fenômeno não pode ser apreciado integralmente pelos observadores internacionais, pois enxergam, ainda, de forma míope, restringindo sua visão para questões internas, dentro de uma percepção ultrapassada e fictícia de Estado Unitário. Diminui-se a complexidade do sistema de relacionamentos transfronteiriços, não sendo mais tal percepção 206 atrasada de Estado, suficiente para a atuação governamental contemporânea . Abandonar a ficção do centrismo estatal e valorizar as redes de trabalho global é indispensável para um mundo cheio de desafios, que carece de mais governo, mas teme o aumento da influência da nova ordem mundial, baseada na relevância de atores não estatais, 207 nos setores corporativo, cívico e criminal . Partindo-se das lições expostas, reforça-se a compreensão de que a adaptação do Estado, ao atual cenário de transnacionalidade, não pode ocorrer sem a imprescindível superação da concepção tradicional de soberania estatal. Isso não significa o fim da soberania como elemento componente do Estado, mas apenas uma releitura de seu conteúdo, algo que é urgente. A visão absolutista e extremamente nacionalista da soberania estatal cria um exclusivismo, que não se coaduna com a realidade imposta por uma ordem jurídica que dialoga de forma irrestrita com setores públicos e privados. Impondo uma necessária atuação de sistemática global, buscando encontrar soluções para os novos desafios que se apresentam, 204 SLAUGHTER, Anne-Marie. A New World Order. New Jersey: Princeton University Press, 2005. p. 23. 205 SLAUGHTER, Anne-Marie. A New World Order. New Jersey: Princeton University Press, 2005. p. 60. 206 Ibid. p. 61. 207 Ibid. p. 61-62. 88 diante das transformações desencadeadas pela transnacionalização das finanças, do comércio, dos esportes e da cultura, sem citar outras áreas englobadas. A abertura do Estado para a realidade transnacional requer um novo olhar para instituições planetárias, que surgem sem uma bandeira ou nacionalismo específico. E a soberania do Estado não pode ser usada como impedimento, evitando que essas novas formas de poder penetrem nas fronteiras do Estado. O Estado do atual século XXI e do futuro convive paralelamente com outros centros de poder político-jurídico, desprovidos de natureza estatal. Compartilhando o protagonismo nas discussões das questões globais. Na atual conjuntura mundial de relações humanas constantes e aceleradas, não é mais factível pensar o Estado na sua acepção tradicional, tendo a soberania, como única fonte de poder. Isso certamente esbararia no reconhecimento de outros centros de poder normativo não estatais. 5.3 RECONHECIMENTO DE UMA ORDEM JURÍDICA TRANSNACIONAL POR MEIO DA PENETRAÇÃO DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA CIVIL NAS ORDENS JURÍDICAS NACIONAIS Como já afirmado em linhas pretéritas, o sustentáculo de validade da ordem jurídica na visão de Hans Kelsen seria a norma fundamental. No sistema escalonando de normas 208 jurídicas, o papel de norma-base é exercido pela Constituição . Então, uma ordem jurídica nacional pode ser entendida como uma reunião de normas, dispostas de forma hierarquizada, que retiram sua vigência e eficácia de uma norma fundamental. Há quem discorde da percepção de Kelsen sobre a validade e eficácia da ordem jurídica, alegando que tais atributos de uma ordem normativa são desdobramentos da experiência jurídica, advinda da experiência histórico-axiológica. Sendo o direito uma expressão basilar do espírito humano em incansável processo de objetivação ordenadora 209 racional da convivência social, por meio da projeção de modelos jurídicos . Com o estreitamento das distâncias geográficas, o Estado-nação não consegue barrar o fluxo normativo produzido no atual contexto das relações jurídicas. A ideia de uma norma jurídica que ultrapasse os limites fronteiriços do Estado está cada vez mais presente e exemplos práticos não faltam para demonstrar sua concretude. Na Europa, grande parcela dos 208 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito – versão condensada pelo próprio autor. Tradução de J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 103. 209 REALE, Miguel. Estrutura e Fundamento da Ordem Jurídica. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/180576. Acesso em: 30 jul. 2019. p. 252. 89 textos normativos são produzidos fora das fontes legislativas nacionais, mas de instituições 210 transnacionais . A legitimidade como condição criada e imposta para o exercício de poder não resultou do surgimento do Estado, e nem é exclusividade dele. O próprio Estado para exercer seu poder soberano depende de legitimação. Por isso, o Estado não é o único sujeito capaz de 211 legitimar o direito positivo . No atual estado das coisas, diante de tantos exemplos de UNO’s (Unidentified Normative Objects), não é razoável colocar uma viseira obstruindo a realidade, imaginando que as questões ou disputas com viés transnacional serão resolvidas de forma imediata, utilizando-se os institutos existentes no direito interno ou no direito internacional. Ademais, desconsiderar o caráter jurídico dos UNO’s seria um retrocesso, demonstrando a imensa dificuldade de aceitar a superação do centrismo do Estado na produção normativa, gerando insegurança jurídica global. Imaginar que o código de ética ou de conduta de uma empresa transnacional, regras emanadas da FIFA (Fédération 212 Internationale de Football Association) ou que determinado ato regulatório do IOC (International Olympic Committee), acerca do uso de substâncias químicas, não possuem índole normativa, significa colocar no vácuo uma imensidão de disposições normativas, tratando da vida pessoal e profissional de milhões de pessoas em todo mundo. Outra situação que se pode elencar no contexto da importância de atribuir valor jurídico às normas não estatais diz respeito às recomendações de Basileia, oriundas do Comitê de Basileia para Supervisão Bancária (Basel Committee on Banking Supervision). Esse comitê tem por finalidade robustecer a regulação e a supervisão das práticas bancárias, promovendo a estabilidade financeira, por meio da harmonização das regulações adotas por seus 213 membros . 210 COTTERREL, Roger. What is transnational law. Law & Social Inquiry, Chicago, v. 37, Issue 2, p. 500-524. Available in: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2021088. Access in: 23 jul. 2019. p. 500-501. 211 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 251. 212 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (4. Turma). Recurso de Revista 11702-82.2015.5.01.0027. A) Agravo de Instrumento em Recurso de Revista interposto pelo reclamado. Acórdão regional publicado na vigência da Lei nº 13.015/2014. 1. Contrato especial de trabalho desportivo. Jogador de futebol. Direitos econômicos. Cessão ao atleta. Sistema FIFA/CBF. Possibilidade. Ato jurídico perfeito. Provimento [...]. Relator: Min. Alexandre Luiz Ramos, 25 de outubro de 2019. Disponível em: http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numer oTst=11702&digitoTst=82&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=01&varaTst=0027&submit=Consultar. Acesso em: 4 jan. 2019. 213 BRASIL. Banco Central do Brasil. Recomendações de Basileia. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/recomendacoesbasileia. Acesso em: 30 jul. 2019. 90 O Brasil, em 2009, passou à condição de membro do Comitê de Basileia e o Banco Central do Brasil (BCB) almeja garantir a convergência entre as regulações do sistema 214 financeiro brasileiro, com as recomendações do Comitê de Basileia . Toda essa normatização não estatal tem o potencial de gerar conflitos, quanto à sua aplicabilidade ou a sua interpretação. Por isso, é fundamental o papel do juiz, diante da condução de um processo de caráter transnacional. Vale salientar que a expressão juiz não significa necessariamente agente do Estado, podendo ser um sujeito privado, como um juiz arbitral. E na função de ator transnacional com o intuito de combater a criminalidade global, os juízes de diferentes países estão cada vez mais dialogando entre si, formando-se espécies 215 de comunidades judiciais transnacionais . Fazendo uso das lições de Mazzuoli, quando discorre sobre a Ordem Jurídica Internacional, esse autor aponta como sua característica a descentralização, diante de inúmeros centros normativos, distinguindo-se da ordem jurídica interna dos Estados, que é 216 corriqueiramente centralizada . Admitindo uma brevíssima comparação entre a Ordem Jurídica Internacional e a Ordem Jurídica Transnacional, encontram-se alguns pontos comuns, dentre eles, a descentralização normativa e a pluralidade de ordens jurídicas. Ambos são lados de uma mesma moeda. Demasiadamente alertado nesta pesquisa, o fato de que se vive uma época de grandes transformações, intensificada principalmente no final do século XX, mas que ainda não está concluída. Muitos avanços ainda virão demandando uma nova forma de pensar o mundo interconectado, e consequentemente suas relações interpessoais, especialmente, as com repercussão jurídica. A aceleração dos meios de comunicação, resultando no encurtamento dos fatores como o tempo e o espaço, aumentou as interações sociais, em nível global, impondo o estabelecimento de um padrão de condutas. Nesse ponto, é que surge a importância de conhecer o processo de transnacionalidade e suas consequências para o direito, conforme trabalhado em capítulo específico. 214 Ibid. 215 COTTERREL, Roger. What is transnational law. Law & Social Inquiry, Chicago, v. 37, Issue 2, p. 500- 524. Available in: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2021088. Access in: 23 jul. 2019, p. 500- 501. 216 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 10. 91 O principal desdobramento do fenômeno da transnacionalidade para o direito encontra-se na necessidade de formulação de uma nova seara jurídica, denominada de direito transnacional. Em virtude disso, também se desenvolveram as engrenagens para movimentar essa nova área do direito, que seria o Direito Processual Transnacional. Sem olvidar que para a aceitação do microssistema de Processo Transnacional é indispensável admitir a jurisdição transnacional, que consoante já explicitado, atuaria onde existe uma imprescindível prática de atos processuais, perante vários Estados, para que se 217 decida sobre o bem da vida reivindicado . Por outro lado, não é suficiente criar o Direito Processual Transnacional, se aqueles que irão conduzir o processo transnacional não estiverem preparados para fazê-lo. É nessa perspectiva que se retorna ao papel dos juízes, no sentido de que realizem uma autorreflexão, na condição de atores transnacionais cosmopolitas. Levando em conta que estão inseridos no sistema transnacional, enxergando os litígios num contexto comunitário. Com isso, desconsidera alguns elementos de conectividade local, reconhecendo o seu papel de ator 218 transnacional, não sobrepondo os interesses locais ao sistema transnacional . O esforço de magistrados de diferentes Estados, por meio de mecanismos facilitadores do tráfego de informações e de atos diligenciais, acaba sendo indispensável para o êxito do processo transnacional. Além disso, a busca pela adequação das diretrizes do Direito Processual Transnacional com a nova concepção de soberania, destacando o 219 indivíduo, sob a perspectiva de jurisdicionado transnacional . A cooperação jurídica internacional é uma forma de interação entre várias ordens jurídicas nacionais. É um tema flutuante, pois admite ser transportada para inúmeras denominações jurídicas. Podendo ser estudada no contexto do Direito Civil, Direito Penal, Direito Administrativo, Direito Internacional Público e Privado, Direito Processual Civil e Penal. 217 HILL, Flávia Pereira. A Nova Fronteira do Acesso à Justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 2, p. 261-296, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 268. 218 BERMAN, Paul Schiff. Judges As Cosmopolitan Transnational Actors. Tulsa Journal of Comparative & International Law, Forthcoming, v. 12, n. 1, p. 101-112, 2004. Available at: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=812973. Access in: 22 jul. 2019. p. 112. 219 HILL, Flávia Pereira. O direito processual transnacional como forma de acesso à justiça no século XXI: os reflexos e desafios da sociedade contemporânea para o direito processual e a concepção de um título executivo transnacional. 2013. 440 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5987. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 149. 92 Diante de tamanha versatilidade, a cooperação jurídica internacional ainda pode ser enquadrada no bojo do Direito Transnacional e do Direito Processual Transnacional. Aqui é onde reside o cerne da pesquisa, pois dentro dos aspectos do processo transnacional, pode-se inserir os atos de cooperação jurídica. Já foi analisado o fato de que ato cooperacional pode ocorrer por intermédio de autoridades judiciais, ou de autoridades administrativas. Tratando-se de cooperação de natureza administrativa, o ato pode ser instrumentalizado via auxílio direto extrajudicial, 220 dispensando-se a sua submissão ao juízo de delibação a ser realizado pelo STJ . É salutar não esquecer que a cooperação jurídica internacional não é realizada em prol do órgão julgador, mas sim, em benefício do jurisdicionado transnacional, importante é assegurar o acesso à justiça transnacional ao indivíduo. A função do direito processual transnacional, como microssistema do direito processual, reforça a percepção de que todos os princípios fundamentais do processo nacional e internacional aplicam-se ao processo transnacional, com as devidas adequações, se necessárias. O auxílio direto é um dos instrumentos de cooperação jurídica internacional, sendo caracterizado por sua simplicidade procedimental. Isso acaba proporcionando uma agilidade no procedimento cooperacional. As normas fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro não só delimitam como o procedimento da cooperação jurídica internacional deve se desenvolver, mas também estabelecem balizas para a sua realização, na medida em que fica vedada a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com tais normas, como ofensas à 221 ordem pública . Portanto, não é possível admitir que o juízo na condução de um processo transnacional determine a prática de atos cooperacionais que violem flagrantemente as disposições fundamentais, reconhecidas nos planos nacional, internacional e transnacional. Como afirmado em capítulo próprio, o auxílio direto foi concedido, especialmente no Brasil, como uma alternativa aos históricos entraves criados pela jurisprudência do STF, dificultando a cooperação jurídica internacional. 220 Id. A Nova Fronteira do Acesso à Justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 2, p. 261-296, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 291. 221 HILL, Flávia Pereira. A Nova Fronteira do Acesso à Justiça: a jurisdição transnacional e os instrumentos de cooperação internacional no CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 2, p. 261-296, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/30026/21000. Acesso em: 29 jun. 2019. p. 292. 93 Apesar dos avanços em termos jurisprudenciais no âmbito do STJ e também do STF, ainda há alguns obstáculos a serem superados por uma oxigenação na jurisprudência dessas cortes, especialmente em sede de direito probatório e em relação aos atos de comunicação processual. Subscrita a Convenção Relativa à Citação, Intimação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial (Convenção da Haia sobre Citação), internalizada pelo Decreto n° 9.734, de 20 de março de 2019, esse fato é considerado um marco evolutivo em matéria de cooperação jurídica internacional, devido ao progresso ocasionado para os processos, que tratem de questões transfronteiriças ou que possuam algum elemento de estraneidade. Voltando à discussão do auxílio direto, após essa sucinta digressão sobre os avanços da cooperação jurídica internacional no Brasil. Vale destacar, como já afirmado, que esse instrumento cooperativo é considerado o mais adequado, devido a sua simplicidade, para as diligências que não dependam de aval do Poder Judiciário. Desde que o ato cooperacional, não esteja submetido a qualquer impedimento relacionado à ordem pública, ou ao seu paralelo interno, que seria a reserva de jurisdição. O processo de transnacionalização das relações interpessoais decorrente da globalização acabou repercutindo no direito. Não poderia ser diferente, pois o intercâmbio social em nível mundial traz como consequência o intercâmbio jurídico. Como mencionado, o aumento das relações jurídicas categorizadas como transnacionais, devido ao contexto do transnacionalismo, no qual estão inseridas, obriga a criação de mecanismos capazes de solucionar os problemas que certamente surgirão. Reconhecer o direito transnacional como elemento catalisador das resoluções dos conflitos de natureza transnacional já é um avanço significativo. A dinâmica crescente das relações jurídicas em nível global é terreno fértil para o surgimento de desavenças, que culminam com demandas transnacionais, por exemplo: questões envolvendo investimentos financeiros, contratos comercias, direito desportivo, organizações internacionais. Tudo isso acarreta muitas vezes a necessária interação entre os juízes de países diversos, durante o trâmite de tais processos. A cooperação jurídica em matéria civil é considerada mais soft, em comparação com a cooperação penal. Não há dificuldades em desvendar os motivos, que vão desde o rigor da seara penal, tendo em vista os bens jurídicos nela tutelados (vida, liberdade de ir e vir, patrimônio, honra, dentre outros) até o primado da autonomia de vontade na seara civil, 94 relacionando-se, em sua maioria, a aspectos patrimoniais, o que possibilita uma maior liberdade dos sujeitos da relação jurídica em questão. Daí a opção pelo auxílio direto em matéria civil, tendo em visto o grau de liberdade atribuído à área civil na esmagadora maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados, uns em maior nível, outros em menor. Isso acaba permitindo uma maior fluidez da cooperação jurídica no campo civil. Quando em determinado processo transnacional, requere-se uma medida cooperativa via auxílio direto civil, cuja finalidade seria atos de comunicação processual ou produção de determinada prova. A admissão desse instrumento cooperativo pela ordem jurídica nacional acarreta de forma implícita o reconhecimento de ato processual transnacional, perante a ordem jurídica local. Os movimentos da interação normativa caracterizadora de uma sociedade transnacional possibilita um sistema de contato jurídico entre o internacional, o global e o local, produzindo o que se pode atribuir à nomenclatura de relação transnormativa entre o 222 direito interno, o direito internacional e acrescentando-se o direito transnacional. A título de exemplo, imagine um processo tratando de questões comercias, tramitando perante um juízo arbitral internacional. No decorrer do procedimento arbitral, denota-se a imprescindibilidade de algumas informações situadas no Brasil. Dessa forma, o juízo determina a realização de cooperação jurídica, por meio do auxílio direto. Esse instrumento de cooperação acaba transportando para a ordem jurídica nacional, todas as peculiaridades inerentes ao processo transnacional de onde foi extraído, excetuando-se quando houver violação de diretriz de ordem pública ou submetida à reserva de jurisdição. Some a isso, o fato de que ao penetrar na ordem jurídica nacional, o auxílio direto civil leva consigo toda a sinergia do sistema transnacional de justiça, atuando como instrumento facilitador e propulsor das comunicações processuais em nível global. É premissa básica para a aceitação da existência de uma ordem jurídica transnacional reconhecer o pluralismo jurídico global, caracterizado pela coexistência de vários centros produtores de normas jurídicas, tanto na esfera pública quanto na privada. Associando-se a isso, como já exposto, o reconhecimento da incapacidade do direito nacional e do direito internacional de encontrar as soluções adequadas para muitas das questões transnacionais. No processo de reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional é importante atentar para dois pontos crucias. O primeiro consiste em admitir a existência de normas 222 MENEZES, Wagner. Ordem Global e Transnormatividade. Ijuí: Editora Unijuí, 2005. p. 203. 95 jurídicas não estatais. O segundo reside no fato de que existem órgãos não estatais de solução de controvérsias transnacionais, como os tribunais arbitrais. Esse segundo ponto é tranquilo, pois já é bastante reconhecido pela ordem nacional e internacional, o instituto da arbitragem. Se os juízos arbitrais são aptos para resolver os processos transnacionais, não há empecilho para que possam fazer uso do auxílio direto, como instrumento cooperativo. E como isso, ao adentrar no ordenamento jurídico interno, contribui também para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Isso se deve ao fato de que o auxílio direto é eminentemente procedimental, ou seja, possui natureza jurídica de procedimento cooperacional. Desse modo, não possui caráter substancial (conteúdo), mas somente de forma, assumindo plenamente a substância jurídica que a respectiva ordem jurídica lhe impuser. Porém, quanto à forma do auxílio direto civil, cabe ressaltar uma questão interessante em relação à formalidade do auxílio direto, quando há divergência entre a ordem jurídica transnacional e a ordem nacional. Compreende-se que o nível de aceitação da existência de uma ordem jurídica transnacional influenciará no posicionamento a ser adotado. Admitindo-se que a ordem jurídica global é formada por um conjunto de normas jurídicas, emanadas de vários centros (públicos ou privados), e que o processo transnacional, apesar de não se afastar dos ditames fundamentais do processo em geral, é formado por especificidades próprias. Com isso, a formalidade do auxílio direto deve ser a adotada pela sua origem, qual seja o processo transnacional, que por sua vez, bebe da fonte do sistema transnacional. Pensar diferentemente, data venia, poderia ocasionar algumas contradições dentro do processo transnacional, no que diz respeito às formalidades dos seus atos. Ademais, não se esqueça do fato de que o processo transnacional pode dialogar com diversas ordens jurídicas nacionais. Causaria certa estranheza a existência dentro de um único processo transnacional, de vários auxílios diretos, formalmente diferentes, devido às distintas formas assumidas, quando penetraram nas diversas ordens jurídicas internas. Dessa forma, opta-se pela visão de que o auxílio direto assumirá a forma prevista pela ordem jurídica transnacional. Isso não significa que o Estado-requerido na cooperação jurídica internacional está obrigado a admitir qualquer forma de auxílio direto civil. Se a forma violar preceitos de ordem pública, pode o Estado recusar esse instrumento, salvo se for admitida a sua adequação para a formalidade aceitável internamente pelo órgão condutor do processo transnacional. 96 Por fim, quando o auxílio direto civil é oriundo de processo transnacional, pouco importa, se o órgão julgador é estatal ou não estatal assumirá a natureza jurídica atribuída pela ordem jurídica transnacional. Por isso, o ingresso desse tipo de auxílio direto na ordem interna acaba por contribuir para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional, proponente desse instrumento cooperativo de versatilidade global. 97 6 CONCLUSÃO As grandes transformações oriundas do processo de globalização impulsionaram o rompimento de alguns paradigmas do Estado-nação. Dentre eles, o centralismo jurídico, segundo o qual, o Estado seria a única fonte propulsora do direito. Não havendo direito sem o Estado. Essa forma equivocada de pensar ainda domina boa parte da cultura jurídica. Ultrapassando as barreiras da nacionalidade e da internacionalidade, criando-se um espaço, que recebe a nomenclatura de transnacional. Nesse espaço, atuam diversos atores globais, como: instituições financeiras; empresas transnacionais; organizações não governamentais; movimentos sociais e muitos outros. Todos esses novos protagonistas podem criar, modificar ou extinguir relações jurídicas, em tempo curtíssimo. O encurtamento das distâncias terrestres, seja pelos avanços dos meios de transporte, seja pelo progresso das ferramentas de comunicação, ocasiona o aumento das interações sociais em nível planetário. Incluindo-se no conjunto dessas interações o surgimento de relações jurídicas, praticadas num ambiente transfronteiriço, ou seja, além dos limites da jurisdição nacional. Por isso, podem ser denominadas de relações jurídicas transnacionais. A compreensão de que globalização impõe grandes mudanças no papel do Estado- centrismo, não pode ser desprezada. Sendo fundamental para a percepção de que o centralismo estatal nos moldes outrora concebidos é inviável. A pluralidade de ordens jurídicas, permitindo a coexistência de vários centros produtores de normatividade, públicos ou privados, não é compatível com a visão centrista de Estado. O desafio maior continua sendo ultrapassar o tradicionalismo da cultura jurídica, como dito, baseada no Estado-centrismo. Atingindo, ainda que parcialmente, essa meta, a formatação de uma ordem jurídica transnacional ganha solidez, representada pela segurança jurídica emanada dos seus atos, diminuindo as incertezas que permeiam muitas relações jurídicas transnacionais. Para tanto, propõe-se uma releitura dos elementos constitutivos do Estado, preponderantemente da soberania. Uma visão clássica de soberania estatal não pode mais prosperar no ambiente de relações jurídicas globais, em que não é possível identificar, com precisão, a ordem jurídica nacional onde foram constituídas. Diante da pulverização das relações jurídicas, os limites de atuação do Estado-nação mais atrapalham do que ajudam, não respondendo de modo satisfatório às demandas transnacionais que lhes são submetidas. Exigindo-se um novo sistema jurídico, sem 98 vinculação a determinado Estado, mas capaz de interagir com todos aqueles que atuam na esfera global. Em decorrência da percepção de que o centrismo estatal não é condizente com o contexto transnacional, pode-se considerar que o direito interno, também, não é o mais adequado para disciplinar as relações jurídicas transnacionais. Isso obriga a necessária formação de um direito transnacional, como marco de sistematização e de regulação dos desdobramentos jurídicos do transnacionalismo. A instrumentalização do direito transnacional depende da formulação de um novo microssistema processual, que sem olvidar das bases universais do processo, torna-se apto para disciplinar as relações processuais envolvendo querelas transnacionais, submetidas aos órgãos decisórios que compõem a ordem jurídica transnacional. Dá-se o nome de Direito Processual Transnacional a esse novo viés processual, que lida dentro do processo com as peculiaridades dos litígios transnacionais. Uma discussão que merece destaque diz respeito ao papel do juiz como condutor de um processo, cuja questão possui natureza transnacional. O juiz reconhecer-se como ator transnacional, capaz de visualizar o sistema como um todo, para isso, deve desprender-se de aspectos de interesse local. Tudo isso ocorre quando o juiz atua em rede de trabalho, com outros órgãos decisórios em nível global. Relacionado a tudo isso, o presente trabalho procurou abordar o enquadramento da cooperação jurídica internacional, no contexto de transnacionalidade das relações jurídicas. Tratando dos aspectos centrais dos instrumentos da cooperação jurídica internacional e demonstrando a relevância da cooperação jurídica para o Estado, e para os novos atores da ordem jurídica transnacional. Foi atribuído especial foco para o auxílio direto em matéria civil, como instrumento cooperativo capaz de permitir uma interação entre a ordem jurídica interna e a ordem jurídica transnacional. Isso ocorre com a penetração do auxílio direto na ordem jurídica nacional, por meio da sua recepção pelo sistema de justiça estatal. Ao admitir o processamento de um auxílio direto, extraído de um processo transnacional, pouco importando a natureza do órgão perante o qual tramita o processo (público ou privado), a ordem jurídica interna, acaba proporcionando uma abertura para o reconhecimento de uma ordem jurídica transnacional. Cumprir atos diligenciais, emanados de órgãos componentes de uma nova ordem jurídica, potencializa o reconhecimento de novos centros propulsores de normatividade jurídica, o que acaba refletindo para o fortalecimento junto às instituições nacionais e 99 internacionais, a existência de um espaço novo de juridicidade, que transcende as clássicas definições de nacionalismo e de internacionalismo. O auxílio direto é muito apropriado para a tarefa de facilitador do reconhecimento, pela ordem jurídica nacional, de uma ordem jurídica transnacional, devido a sua extrema simplicidade procedimental, o que muitas vezes dificulta a rejeição do seu cumprimento pelo Estado-requerido, visto que não consegue localizar incompatibilidades internas, que sirvam para justificar, razoavelmente, a recusa em cooperar. Caso o Estado que fosse demandado a cooperar passivamente, mas optasse por uma atitude de recusa desmotivada, tal agir transmitiria uma imagem de egoísmo, gerando um mal- estar na seara da cooperação jurídica internacional. Repercutindo negativamente e contribuindo para um isolacionismo, que não é o ideal na atual conjuntura de intensidade dos relacionamentos interestatais. Por isso, a discussão em torno do reconhecimento interno de uma ordem transnacional, por meio da penetração do auxílio direto civil nas ordens jurídicas nacionais, levando consigo todas as peculiaridades inerentes às questões transnacionais. Forçando, com isso, uma compatibilidade dos órgãos que compõem o sistema de justiça nacional, visando atender, como dito, as especificidades derivadas da transnacionalização das relações jurídicas. 100 REFERÊNCIAS ABADE, Denise Neves. Convivência entre os instrumentos cooperacionais – A carta rogatória e o auxílio direto. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; CHOUKR, Fauzi Hassan (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014. 307- 328. ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. ARAÚJO, Nadia. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. 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