UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LILIANE DOS SANTOS GUTIERRE O ENSINO DE MATEMÁTICA NO RIO GRANDE DO NORTE: TRAJETÓRIA DE UMA MODERNIZAÇÃO (1950 – 1980) NATAL - RN 2008 1 LILIANE DOS SANTOS GUTIERRE O ENSINO DE MATEMÁTICA NO RIO GRANDE DO NORTE: TRAJETÓRIA DE UMA MODERNIZAÇÃO (1950 – 1980) Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva NATAL-RN 2008 2 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos Gutierre, Liliane dos Santos. O ensino de matemática no Rio Grande do Norte: trajetória de uma Modernização (1950-1980)./ Liliane dos Santos Gutierre. – Natal, 2008. 261 f. il.; 1 CD-ROM; 1 DVD. Orientadora: Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós- Graduação em Educação. 1. Educação - Tese. 2. História da matemática - Tese. 3. Ensino de matemática - Tese. 4. Rio Grande do Norte - Tese. I. Paiva, Marlúcia Menezes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 37:51(813.2)(043.2) 3 LILIANE DOS SANTOS GUTIERRE O ENSINO DE MATEMÁTICA NO RIO GRANDE DO NORTE: TRAJETÓRIA DE UMA MODERNIZAÇÃO (1950 – 1980) Tese examinada e aprovada como requisito para obtenção do grau de Doutor em Educação pelo Programa de Pós- graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pela comissão examinadora formada pelos professores: Prof.a Drª. Eva Maria Siqueira Alves Universidade Federal de Sergipe - UFS Prof. Dr. Iran Abreu Mendes Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Prof. Dr. Sérgio Roberto Nobre Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP Profª. Drª. Maria da Conceição Fraga Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Profª. Drª. Rogéria Gaudencio do Rêgo Universidade Federal da Paraíba - UFPB Prof.a Drª. Maria Inês Sucupira Stamatto Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN _____________________________________________ Orientadora: Prof.a Drª. Marlúcia Menezes de Paiva Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN NATAL, 2008 4 A Carlos Neto, meu filho, que na sua ingenuidade natural de criança, muitas vezes, fez-me chorar, pois, mesmo nos poucos momentos em que estive fisicamente perto dele, acabei ficando longe, a partir do momento que precisava voltar minha atenção à redação deste estudo. À minha mãe, Maria Júlia, que cuidou do meu filho, para que fosse possível a concretização deste trabalho. Ao meu pai, Carlos Alberto, pelo apoio constante e ilimitado, e aos meus irmãos, Leandro e Ledílson, que compartilham comigo a felicidade de termos uma família abençoada por Deus. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me iluminado, sempre. Aos meus amados pais, Carlos Alberto e Maria Júlia, pois a eles tudo devo e ofereço. A meus irmãos, sempre presentes e confiantes no alcance dos meus objetivos. Ao Ledílson, que nos auxiliou nas ilustrações, deixando aprazível este trabalho, e ao Leandro, que, quando necessário, emprestou-nos seu notebook, juntamente com o modem. À professora Drª Marlúcia Menezes de Paiva, orientadora deste estudo, pela competente orientação. À Professora Arlete de Jesus Brito, cujo incentivo constante e cumplicidade cognitiva foram alavanca mestra para iniciar essa jornada. Ao Professor Gert Schubring, pela competente, objetiva e paciente orientação dada no início e durante o decorrer deste estudo. Ao Professor Iran Abreu Mendes, cujo incentivo constante, foi fator decisivo para o término deste estudo, além das contribuições significativas dadas na realização dos seminários doutorais. Aos narradores desta pesquisa, Evaldo Rodrigues de Carvalho (In memoriam), Adalberto Jorge Vieira Pinto, João Faustino Ferreira Neto, Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis, Antônio Roberto da Silva, Bhaskara Canan, Zélia Maria de Moura, Francisco Canindé de Oliveira, Nancy Gomes dos Santos e Teresinha Garcia de Melo, que, gentilmente, colaboraram, de forma decisiva, na realização deste estudo. À Maria José Medeiros Dantas de Melo, pela generosidade em conceder-me alguns textos da Educação Matemática, realizar a leitura deste estudo e dar sugestões, sendo algumas dessas, ortográficas e gramaticais. Às irmãs Teodolina Albuquerque de Almeida e Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro, pelas informações e fotografias acerca da sua mãe, Maria Nalva Xavier de Albuquerque (In memoriam). Aos irmãos Ana Graça, Valentina Graça e Bhaskara Canan pela disposição em ajudar-nos, permitindo-nos o acesso ao arquivo pessoal de seu pai, Teófilo Canan (In memoriam). 6 Ao senhor Onilson Rodrigues de Oliveira e Senhora Maria de Fátima Pinheiro Carrilho, Diretor Geral e Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação (NEPE) do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP) e também aos coordenadores, professores formadores e funcionários dessa Instituição, pela confiança, colaboração e oportunidade que nos deram para a realização deste trabalho. Aos professores Maria Edilande Braz, Ana Cristina Teixeira Barbalho, Josefa Poliana Clementino Ferreira, Márcia Maria Alves de Assis, Manoel Lopes da Costa, e à colega Ana Zélia Maria Moreira pela disposição em ajudar-nos, em relevantes momentos, no decorrer da realização desta pesquisa. Ao Professor Jaime Vital da Silva, atual diretor do Instituto Ary Parreiras, pelas informações e material fornecidos acerca da Escola Estadual Atheneu Norte- riograndense. Aos Professores Antônio Vicente Marafioti Garnica e Maria da Conceição Fraga, pelas valiosas contribuições durante os seminários doutorais. À Professora formadora do IFESP Denise Pinheiro Fontes e à Secretária do Registro Escolar do IFESP Liana de Araújo e Silva Pereira, pela solidariedade em colaborar nesta pesquisa, por nos colocar em contato com os Professores Adalberto Jorge Vieira Pinto e Zélia Maria de Moura, a serem por nós entrevistados. Ao Professor Raimundo Arrais, pela gentileza de ter permitido que assistíssemos às suas aulas, ainda quando elaborávamos o projeto deste estudo, junto aos alunos da graduação do Curso de História da UFRN, dividindo conosco seus conhecimentos, que muito auxiliaram nesta pesquisa. Aos amigos que, tão gentilmente, compreenderam nossa necessária ausência, diante de convites irrecusáveis. Ao professor José Fernandes Campos Júnior, pela seriedade na revisão da correção ortográfica e gramatical do texto deste estudo. À Albanita Lins de Oliveira e a Shirley de Carvalho Guedes, pela contribuição na revisão bibliográfica (ABNT). Aos responsáveis pelos arquivos que visitamos na cidade do Natal, em especial à vice-diretora Maria Lúcia da Silva Figueirêdo, da Escola Estadual Maria Nalva Xavier de Albuquerque, e ao senhor Paulo, do Arquivo Público. Aos professores, colegas e funcionários da Pós-graduação do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo apoio dado, sempre que necessário. 7 RESUMO O presente estudo busca descrever e analisar o processo de modernização do ensino da Matemática no Rio Grande do Norte, no período de 1950 a 1980. Para tanto, buscamos respaldo em pressupostos teóricos da História Cultural e de estudiosos da memória como Maurice Halbwach, Ecléa Bosi e Paul Thompson. Como instrumentos metodológicos, utilizamos a pesquisa de fontes bibliográficas e a entrevista semi-estruturada, a fim de reconstituir historicamente o cenário educacional matemático, de instituições e de pessoas que ensinaram Matemática no RN, ou daqueles que participaram da modernização do ensino dessa disciplina, recuperando sua formação e suas práticas no ato de ensinar. Para a análise das fontes, inicialmente organizamos de forma sistemática as transcrições das entrevistas e os documentos, que foram sendo acumulados no decorrer da pesquisa, de modo que prolongamos nossas reflexões, retornando aos fundamentos teóricos do trabalho, por meio de questionamentos dos saberes adquiridos e dos que nortearam a problemática do nosso estudo. A análise revelou que os momentos significativos para a modernização do ensino da Matemática no RN aconteceu por meio de: (1) o Curso de Treinamento de Professores Leigos no Rio Grande do Norte, em 1965; (2) o Curso para Professores da Escola Normal, em 1971; (3) o Projeto Satélite Avançado em Comunicações Interdisciplinares (SACI), em 1973; (4) as aulas do professor Malba Tahan, em Natal, a partir do final da década de 1950, que puderam ser analisadas por meio do caderno de aulas da professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque e pela narrativa do professor Evaldo Rodrigues de Carvalho e (5) os cursos da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). Assim, a modernização do ensino de Matemática nas escolas do Rio Grande do Norte, no período de 1950 a 1980, se deu principalmente pela divulgação do Método da Descoberta e do conteúdo Teoria dos Conjuntos em Cursos de Treinamento para professores. PALAVRAS-CHAVE: Educação. História da Educação Matemática. Matemática. Modernização. Ensino. 8 ABSTRACT This work aims to describe and analyze the process of the mathematics teacher modernizing in Rio Grande do Norte, in the period from 1950 to 1980. For that, we use as theoretical foundation assumptions of Cultural History and memories of the researchers Maurice Halbwach, Ecléa Bosi and Paul Thompson. As methodological tools, we used bibliographical resources and semi-structured interviews, in order to do a historical reconstruct of the mathematics educational scene of institutions and people who taught mathematics in Rio Grande do Norte, or those who participated in the modernization of the teaching of this subject, recovering their training and its practices in teaching. For the analysis of the bibliographical resources, initially we organized in a systematic way the transcripts of the interviews and documents, which were accumulated during the research, so long our thoughts, returning to the theoretical basis of this research, through questioning of knowledge acquired and that guided the problem of our study. The analysis showed that, important moments to modernize the teaching of mathematics in Rio Grande do Norte happened such: (1) Training Course of Lay Teachers in Rio Grande do Norte, in 1965, (2) Course for Teachers in Normal Schools, in 1971 (3) Satelite Project on Interdisciplinary Advanced Communications (SPIAC) in 1973; (4) Lectures of the teacher Malba Tahan, at Natal, from the end of the 50’s, that could be analyzed through the lessons notes of the teacher Maria Nalva Xavier de Albuquerque and the narrative of teacher Evaldo Rodrigues de Carvalho and (5) Courses of the Campaign for Improvement of Secondary Education and Broadcasting (CISEB). Thereby, the modernization of the school’s mathematics teaching in Rio Grande do Norte, in the period from 1950 to 1980, was given mainly by disclosure of the Discovery Method and by the Set Theory contents in Teacher Training Courses. KEY-WORDS: Education. History of Mathematics Education. Mathematics. Modernization. Teaching. 9 RESUMEN El presente estudio busca describir y analizar el proceso de modernización de la enseñanza de la Matemática en Rio Grande do Norte, en el periodo comprendido entre 1950 y 1980. Con ese fin, buscamos respaldo en aspectos teóricos de la Historia Cultural y en los investigadores de la memoria histórico-cultural, como Maurice Halbwach, Eclea Bosi y Paul Thompson. Como instrumentos metodológicos utilizamos la investigación de fuentes bibliográficas y entrevistas semiestructuradas, con el objetivo de reconstituir históricamente el escenario educativo matemático, de instituciones y de personas que enseñaran Matemática en RN, o de aquellos que hayan participado de la modernización de la enseñanza de esta disciplina, recuperando su formación y sus practicas en el acto de enseñar. Para el análisis de las fuentes, inicialmente, organizamos de forma sistémica las transcripciones de las entrevistas y documentos, que fueron acumuladas durante la investigación, de modo que prolongamos nuestras reflexiones, volviendo a los fundamentos teóricos de trabajo, por medio de cuestionamientos de los saberes adquiridos y de los que nortearan la problemática de nuestro estudio. El análisis mostró que los momentos significativos para la modernización del enseñanza de la Matemática en RN sucedieron a través del: (1) Curso de Capacitación de Profesores Laicos en Rio Grande do Norte, en 1965; (2) Curso para Profesores de la Escuela Normal, en 1971; (3) Proyecto Satélite Avanzado en Comunicaciones Inter-disciplinarias (SACI), en 1973; (4) las clases del profesor Malba Tahan, en Natal, a partir del final de la década del 50, que pudieron ser analizadas a través del cuaderno de clases de la profesora Maria Nalva Xavier de Albuquerque y por la narrativa del profesor Evaldo Rodrigues de Carvalho y (5) los Cursos de la Campaña de Mejoramiento y Difusión de la Enseñanza Secundaria (CADES). Por eso, la modernización de la enseñanza de Matemática en las escuelas de Rio Grande do Norte, en el periodo comprendido entre 1950 y 1980 y del contenido de la Teoría de Conjuntos en los Cursos de Entrenamiento para profesores. PALABRAS-CLAVES: Educación. Historia de la Educación Matemática. Matemática. Modernización. Enseñanza. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Euclides Roxo (1890-1950) e o Didático Lições de Arithmética..................... 50 Figura 2 Félix Klein (1849-1925).................................................................................. 51 Figura 3 Livro Didático de autoria de Oswaldo Sangiorge........................................... 57 Figura 4 Grupo Boubarki.............................................................................................. 59 Figura 5 2 (duas) salas. Município de Luiz Gomes/RN................................................ 70 Figura 6 1 (uma) sala. Município de Riacho de Santana/RN....................................... 70 Figura 7 1 (uma) sala. Município de Caraúbas/RN...................................................... 71 Figura 8 2 (duas) salas. Município de Dix-Sept Rosado/RN........................................ 71 Figura 9 A Folha. Treinamento de três mil professores................................................ 78 Figura 10 A Folha. Professores levam de Caicó métodos modernos e eficientes para o ensino no Seridó.......................................................................................... 79 Figura 11 Solenidade de encerramento do Curso de Treinamento. Entrega de Certificado...................................................................................................... 84 Figura 12 Solenidade de encerramento do Curso de Treinamento................................ 84 Figura 13 Avaliação Final de Matemática p. 1. 3ª Etapa. Professora Iolanda Lima Lobo................................................................................................................ 86 Figura 14 Avaliação Final de Matemática p. 2. 3ª Etapa. Professora Iolanda Lima Lobo................................................................................................................ 87 Figura 15 Avaliação Final de Matemática p. 3. 3ª Etapa. Professora Iolanda Lima Lobo................................................................................................................ 87 Figura 16 Plano de Aula 1.............................................................................................. 88 Figura 17 Plano de Aula 2.............................................................................................. 89 Figura 18 Avaliação Final de Matemática p. 1. 1ª Etapa. Professora Célia Santos...... 90 Figura 19 Avaliação Final de Matemática p. 2. 1ª Etapa. Professora Célia Santos...... 91 Figura 20 Avaliação Final de Matemática p. 1. 2ª Etapa. Professora Não identificada. 91 Figura 21 Avaliação Final de Matemática p. 1. 2ª Etapa. Professora não identificada. 92 Figura 22 Avaliação Final de Matemática p. 1. 2ª Etapa. Professora não identificada. 92 Figura 23 Trabalhos expostos no final do Curso de Treinamento (1)............................ 97 Figura 24 Trabalhos expostos no final do Curso de Treinamento (2)............................ 97 Figura 25 Trabalhos expostos no final do Curso de Treinamento (3)............................ 98 Figura 26 Justificativa – Professora Avani Medeiros...................................................... 98 Figura 27 Capas de alguns livros de Matemática publicados na década de 70............. 111 Figura 28 Informação contida na Caixa do Arquivo........................................................ 118 Figura 29 Plano de Curso............................................................................................... 118 Figura 30 Professor Teófilo Canan................................................................................. 124 Figura 31 Prova de Matemática (1). Frente e verso...................................................... 127 Figura 32 Prova de Matemática (2). Frente.................................................................... 128 Figura 33 Prova de Matemática(2). Verso...................................................................... 129 Figura 34 Capa do Diário de Classe das aulas de Matemática do professor Teófilo Canan............................................................................................................. 130 Figura 35 Diário de Classe das aulas de Matemática do professor Teófilo Canan........ 131 Figura 36 Ofício – Professor Teófilo Canan................................................................... 135 Figura 37 Declaração – Professor Teófilo Canan........................................................... 136 Figura 38 Certificado – IV Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan............ 136 Figura 39 Certificado – 2º Seminário da Matemática – Professor Teófilo Canan........... 137 Figura 40 Atestado de Freqüência – I Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan............................................................................................................. 137 Figura 41 Certificado de Curso – Aeronáutica................................................................ 138 Figura 42 Certificado – VIII Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan.......... 138 Figura 43 Certificado – VII Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan........... 139 11 Figura 44 Certificado – 1º Seminário de Matemática – Professor Teófilo Canan........... 139 Figura 45 Certificado – Treinamento sobre Plano de Ensino – Professor Teófilo Canan............................................................................................................. 140 Figura 46 Professor Josafá Cordeiro.............................................................................. 141 Figura 47 Certificado – Curso de Preparação Intensiva de Professores - Professora Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis.......................................... 150 Figura 48 Certificado – Exame de Suficiência – João Faustino..................................... 154 Figura 49 Certificado – Exame de Madureza – João Faustino....................................... 155 Figura 50 Atestado – Exame de Suficiência – João Faustino........................................ 156 Figura 51 Capa do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino.......................................................................................................... 156 Figura 52 Contra-Capa do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino................................................................................................. 157 Figura 53 Página 2 do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino................................................................................................. 157 Figura 54 Página 3 do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino................................................................................................. 158 Figura 55 Declaração – João Faustino – Professor Exame de Suficiência – Psicologia da Educação................................................................................. 159 Figura 56 Declaração – João Faustino – Professor Exame de Suficiência – Matemática..................................................................................................... 159 Figura 57 Atestado – João Faustino – Professor Exame de Suficiência........................ 160 Figura 58 Certificado do Curso de Aperfeiçoamento para Professores sob a responsabilidade do PABAEE (frente)........................................................... 162 Figura 59 Certificado do Curso de Aperfeiçoamento para Professores sob a responsabilidade do PABAEE (verso)............................................................ 162 Figura 60 Maria Nalva Xavier de Albuquerque............................................................... 164 Figura 61 Quadro pintado de Maria Nalva Xavier de Albuquerque................................ 165 Figura 62 Capa do Caderno da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque.......... 166 Figura 63 Professor Júlio César de Melo e Souza – Malba Tahan................................ 167 Figura 64 Página 1 do caderno da Professora Maria Nalva........................................... 168 Figura 65 Verso da página 1 do caderno da Professora Maria Nalva............................ 168 Figura 66 Reportagem do Jornal A República – Professor Malba Tahan...................... 172 Figura 67 Malba Tahan ministrando aulas na Escola Doméstica de Natal.................... 173 Figura 68 Algebrismo...................................................................................................... 174 Figura 69 Autógrafo de Malba Tahan............................................................................ 175 Figura 70 Capa do livro O Homem que Calculava......................................................... 176 Figura 71 Pensamentos.................................................................................................. 177 Figura 72 O vocábulo Jogo............................................................................................. 178 Figura 73 Jogo e Trabalho.............................................................................................. 180 Figura 74 Panlíndromes................................................................................................. 181 Figura 75 Jogo da memorização.................................................................................... 182 Figura 76 Jogo de Classe............................................................................................... 184 Figura 77 Recreação Matemática................................................................................... 185 Figura 78 Problema das oito pérolas.............................................................................. 186 Figura 79 Professora Maria Nalva (In memoriam) e suas quatro filhas. Da esquerda para direita: Telma (In memoriam), Teodolina, Tânia (In memoriam) e Themis............................................................................................................ 189 Figura 80 Professora Maria Nalva e seu marido Edson................................................. 190 Figura 81 Escola Estadual Maria Nalva Xavier de Albuquerque (Corredor e Quadra de Esportes)................................................................................................... 191 Figura 82 Frente da Escola Estadual Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque. 192 Figura 83 “A dama e o livro”........................................................................................... 192 Figura 84 Professora Maria Nalva recebendo homenagem em Brasília do então Ministro da Educação Ney Braga................................................................... 193 12 Figura 85 Assinatura da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque..................... 195 Figura 86 Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho...................................................... 196 Figura 87 Residência do Professor Evaldo, localizada no Bairro do Alecrim – Natal/RN......................................................................................................... 197 Figura 88 Capa dos livros Dicionário de termos matemáticos e Alecrim ontem, hoje e sempre, do Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho.................................. 198 Figura 89 Dedicatória feita à Liliane Gutierre pelo professor Evaldo no livro Alecrim ontem, hoje e sempre..................................................................................... 199 Esquema 1 Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950-1980)............................... 207 Esquema 2 Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950-1980) – (continuação)...... 208 13 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Relação dos nomes das Professoras e as respectivas disciplinas que lecionavam no Curso de Treinamento para Professores leigos do RN................................................................................................. 81 Tabela 2 Conteúdos abordados nas provas durante o Curso de Treinamento para Professores leigos do RN.......................................................... 94 Tabela 3 Resultados – Plano Experimental...................................................... 105 Tabela 4 Conteúdos matemáticos registrados no planejamento do Curso para Professores da Escola Normal.................................................. 109 Tabela 5 Conteúdos registrados em alguns diários da Escola Estadual Atheneu Norte-riograndense.............................................................. 142 Tabela 6 Funções secundárias do jogo – Malba Tahan................................... 179 14 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CADES Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário CBPE Centro Brasileiro de pesquisas Educacionais CCSA Centro de Ciências Sociais Aplicadas CECIBA Centro de Estudos de Ciências da Bahia CECINE Centro de Ensino de Ciências do Nordeste CEFET/RN Centro Federal de Educação Tecnológica/RN CELD Coordenação Estadual do Livro Didático CEPE Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais CIEM Commission Internatiolnale de l’Enseignement Mathématique CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COAPE Coordenação de Administração de Pessoal COSERN Companhia Energética do Rio Grande do Norte DIRED Diretoria Regional de Educação DVD Digital Video Disc (Disco Digital de Vídeo) EBRAPEM Encontro Brasileiro de Pós-Graduando em Educação Matemática ED Escola Doméstica de Natal/RN ETFRN Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte EUA Estados Unidos da América F.I.C Frères de I’Instruction Chrétienne GEEM Grupo de estudos do Ensino da Matemática GEEMPA Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemática de Porto Alegre GHOEM Grupo de História Oral e Educação Matemática IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFESP Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte IMUK Internationale Mathematische Unterrichtskommission INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Mat. Matutino mdc Máximo Divisor Comum MEB Movimento de Educação de Base MEC Ministério da Educação e Cultura MG Minas Gerais MM Matemática Moderna mmc Mínimo Múltiplo Comum MMM Movimento da Matemática Moderna NEDEM Núcleo de Estudos e Difusão do Ensino da Matemática Not. Noturno NURE Núcleo Regional de Educação OEEC Organization for European Economic Cooperation P.A. Progressão Aritmética PABAEE Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar PCN Parâmetros Curriculares Nacionais P.G. Progressão Geométrica 15 PLIDEF Programa do Livro Didático – Ensino Fundamental PPGED Programa de Pós Graduação em Educação PSD Partido Social Democrático RJ Rio de Janeiro RN Rio Grande do Norte SECERN Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte SEEC Secretaria do Estado, da Educação e da Cultura SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SIPEM Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática SIPEMAT Simpósio de Pesquisa em Educação Matemática SMSG School Mathematics Study Group SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TVU TV Universitária UDN União Democrática Nacional UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNESP Universidade Estadual Paulista URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USAID Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional Vesp. Vespertino VHS Video Home System (Sistema de Vídeo Caseiro) 16 SUMÁRIO 1 CENÁRIO DA PESQUISA: TRAÇOS DA TRAJETÓRIA PERCORRIDA.................. 17 2 EM BUSCA DE INFORMAÇÕES................................................................................ 27 2.1 Referencial teórico-metodológico.............................................................................. 28 2.2 Arquivos.................................................................................................................... 31 2.3 Memória.................................................................................................................... 35 2.4 O Ensino da Matemática no RN na voz dos narradores........................................... 37 3 O CAMINHO DA MODERNIZAÇÃO NO ENSINO DE MATEMÁTICA....................... 43 3.1 O primeiro movimento de modernização do ensino de Matemática......................... 44 3.2 O Movimento da Matemática Moderna..................................................................... 54 4 VESTÍGIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN (1950-1980)............................ 63 4.1 O analfabetismo no RN na década de 60: algumas questões.................................. 64 4.2 Treinamento de professores leigos no Rio Grande do Norte (1965)........................ 76 4.3 Plano Experimental da Escola Primária para 1970................................................... 101 4.4 Curso para Professores da Escola Normal............................................................... 106 4.5 Projeto Saci (1973- 1975)......................................................................................... 114 4.6 Planejamentos de aulas de Matemática em 1974 ................................................... 117 4.7 Diários de Classe do Colégio Atheneu Norte-riograndense..................................... 120 4.7.1 Professor Teófilo Canan........................................................................................ 124 4.7.2 Professor Josafá Cordeiro..................................................................................... 140 4.7.3 O conteúdo matemático registrado nos diários de classe do Atheneu Norte- riograndense................................................................................................................... 141 5 VESTÍGIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN (1950-1980) RELACIONADOS COM AS AULAS DE MATEMÁTICA DO PROFESSOR JÚLIO CÉSAR DE MELLO E SOUZA....................................................................................... 163 5.1 O Caderno de Maria Nalva Xavier de Albuquerque com registros das aulas do Professor Malba Tahan em Natal(RN), no ano de 1958................................................. 164 5.2 Evaldo Rodrigues de Carvalho: um representante do Ensino de Matemática no Estado do Rio Grande do Norte...................................................................................... 196 (IN)CONCLUSÕES...................................................................................................... 209 REFERÊNCIAS................................................................................................... 214 APÊNDICES........................................................................................................ 222 ANEXOS.............................................................................................................. 235 17 1 CENÁRIO DA PESQUISA: TRAÇOS DA TRAJETÓRIA PERCORRIDA Há apenas uma ciência dos homens no tempo, a qual necessita, sem cessar, unir o estudo dos mortos com o dos vivos. Como chamá-la? (...) O antigo nome de história parece-me o mais compreensível, o menos exclusivo; também o mais carregado das comoventes recordações de um esforço mais que secular (MARC BLOCH, 1996). 18 1 CENÁRIO DA PESQUISA: TRAÇOS DA TRAJETÓRIA PERCORRIDA No final do século XIX e início do século XX, a humanidade presenciou profundas transformações provocadas pela revolução tecnológica. Essas mudanças também influenciaram o sistema de ensino, o que nos levou à modernização do ensino da Matemática, provocadas principalmente pelas exigências advindas da Revolução Industrial. Essa Revolução consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social, como, por exemplo, a substituição do trabalho artesanal pela utilização de máquinas. Iniciada na Inglaterra, em meados do século XVIII, a Revolução Industrial expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Mas, somente após 1830, é que a produção industrial se descentralizou da Inglaterra, avançando rapidamente em outros países. No entanto, cada país se desenvolveu em seu ritmo, baseado nas suas condições econômicas, sociais e culturais. O Brasil fez parte de um grupo de países de industrialização tardia, por isso não estranhamos o fato de a Revolução Industrial, mesmo muito tempo depois, ainda influenciar a educação brasileira. Alguns autores, entre eles Vicentino (1997), nos alertam para uma outra revolução industrial que ganhou impulso na segunda metade do século XX: suas características estão associadas aos avanços ultra-rápidos que resultam obsolescências também velozes, especialmente na microeletrônica, na robótica industrial, na computadorização dos serviços, na química fina e na biotecnologia. A exigência de imensos investimentos e pesquisas é associada à eficiência e produtividade incomparavelmente maior, tendo a liderança dos grandes conglomerados econômicos multinacionais (VICENTINO, 1997, p. 288). Nessa perspectiva, houve uma preocupação em também modificar o ensino, ou seja, modernizá-lo, ampliando-o para a classe trabalhadora, pois a necessidade de melhorar a qualidade dos processos produtivos apontava para a formação permanente do trabalhador, por meio do acesso à educação, com a finalidade de que ele aprendesse a manipular as máquinas que inovavam e melhoravam a técnica de produção da sociedade. 19 Os reformadores do sistema educacional buscavam uma feição mais moderna do ensino, oferecendo à população disciplinas que servissem para sua formação geral, assim como mostrassem a relação existente entre a escola e o mundo do trabalho. Para isso, era necessário provocar mudanças nos currículos das escolas secundárias e das Universidades. Em nossos estudos, além desses níveis de escolarização, a pesquisa identificou que os currículos das escolas primárias do estado do Rio Grande do Norte não só também sofreram mudanças, bem como houve a preocupação de capacitar os seus professores, os quais, entre outros acontecimentos, promoviam a modernização do ensino da Matemática e de outras disciplinas. No contexto internacional do ensino de Matemática, iniciaram-se, então, os movimentos de renovação desse ensino nas escolas secundárias de países como a Inglaterra, a Itália, a França, a Alemanha, entre outros. Na Inglaterra, foram propostos por John Perry (1850-1920), engenheiro e professor de Física, os seguintes temas para um programa de Matemática prática para Engenheiros: o cálculo infinitesimal, as fórmulas algébricas, funções e gráficos, os métodos práticos no estudo da geometria e das medidas, a trigonometria numérica, trabalhos com a geometria em três dimensões e vetores. A proposta de Perry não foi aplicada devido a resistências em seu país. A sua campanha pela renovação do ensino de Matemática ficou conhecida como o movimento de Perry, que procurou enfatizar métodos de ensino prático, em laboratório, pois ele já percebia “a falta que os conhecimentos da moderna Matemática, especialmente aqueles relativos aos estudos das relações entre quantidades, estava causando para o desenvolvimento das ciências e para a formação dos futuros engenheiros.” (MIORIM, 1998, p. 61). Na Alemanha, em especial, aconteceu uma crise de modernização e, junto com ela, reformas curriculares no ensino da Matemática propostas por Felix Klein (1848-1925), eminente matemático alemão, que se preocupava com o ensino dessa disciplina e cujas idéias disseminaram-se pelo mundo ocidental. No Brasil, essas idéias acerca da modernização começaram a ser inseridas no ensino de Matemática da escola secundária a partir de 1928, no Colégio Pedro II, situado no Rio de Janeiro. Entre essas idéias inovadoras está a de uma visão mais moderna dos conteúdos matemáticos, provocando a eliminação de assuntos de 20 interesse formal, assim como os processos de cálculos desprovidos de interesse didático. A proposta era que fossem introduzidos nas escolas secundárias brasileiras o conceito de função e as noções do cálculo infinitesimal, pois a Matemática ensinada nas escolas era formal. Por outro lado, enquanto os estudos desenvolvidos nas universidades brasileiras e de outros países, nessa época, iam ao encontro dos avanços estabelecidos pelo grande impulso da indústria, nas escolas secundárias esse fato não acontecia. Isso gerou argumentos utilizados pelos reformadores para defender a introdução dos novos conteúdos nas escolas (MIORIM, 1998). As propostas modernizadoras para o ensino da Matemática não pararam no início do século XX, pois, a partir da década de 50 desse século, iniciava-se um novo Movimento conhecido como o Movimento da Matemática Moderna (MMM). Esse movimento ocorreu em diversos países e tinha, entre outros objetivos, o de renovar o ensino da Matemática por meio da introdução de tópicos, tais como: teoria dos conjuntos, lógica, estudo das estruturas algébricas fundamentais, topológicas e de ordem, entre outros. A reflexão sobre esses fatos históricos1 fez emergir em nós o desejo de buscar respostas para algumas questões acerca da história da modernização do ensino da Matemática no Estado do Rio Grande do Norte, entre as décadas de 50 e 80, do século XX. A partir de então, fomos motivados a nos debruçar sobre outras fontes históricas que nos permitissem identificar vestígios desse ensino, a fim de refletir e (re)construir parte da trajetória do ensino da Matemática. Sabemos que, no Rio Grande do Norte, há apenas um grupo (do qual somos um dos integrantes), que estuda a História do Ensino da Matemática no RN. O projeto intitulado Memória do Ensino de Matemática do Rio Grande do Norte é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e tem como objetivo a análise do referencial teórico acerca da História do Ensino da Matemática no Estado do Rio Grande do Norte2. Com a finalidade de mapear o foco da investigação, pesquisamos nas bibliotecas virtuais das universidades brasileiras e, especificamente, no Catálogo de 1 No capítulo 3 retomaremos o assunto acerca da modernização do ensino da Matemática. 2 Esse estudo é um dos resultados deste projeto. Concretiza o projeto. Finaliza o grupo. 21 Dissertações e Teses do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED)3, que compreende trabalhos de 1981 até 2003 do PPGED-UFRN, e não encontramos nenhum trabalho acerca do ensino de Matemática no RN. Lembramos que, a partir de 2004, já estávamos elaborando o nosso projeto de doutorado e divulgando-o por meio do projeto Memória do Ensino de Matemática do RN, e por meio de eventos locais, nacionais e internacionais, tais como: I Ciclo de Debates do CCSA - UFRN, III Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM), I Simpósio de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEMAT), X Encontro Brasileiro de Pós Graduando em Educação Matemática (EBRAPEM), XII Encontro de Pesquisas do Centro de Ciências Socias Aplicadas e o I Encontro Científico Pedagógico do Instituto Kennedy. Diante do exposto, reafirmamos o ineditismo4 da nossa pesquisa e a sua relevância ao reconstituir essa história, ainda não contada, enriquecendo não só a História do Ensino da Matemática no Rio Grande do Norte, mas a História do Ensino da Matemática em geral, pois desvela nuanças de uma História ainda encoberta em livros e arquivos não pesquisados. Assim, este estudo tem por objeto a reconstituição histórica do ensino de Matemática no Rio Grande do Norte, nas décadas de 50 a 80 do século XX. Nossa inquietação e motivação para desvendar o objeto de estudo fizeram emergir muitas perguntas, dentre elas, citamos: Como se dava o ensino de Matemática no RN? Como foi a formação dos professores nesse período? Quais os conteúdos matemáticos ministrados, nessas décadas, nas escolas do RN? Houve modernização do ensino da Matemática no RN? Se houve, que metodologias e/ou conteúdos foram introduzidos no ensino primário ou secundário que caracterizaram sua modernização? Os livros didáticos utilizados pelos professores do RN eram os livros utilizados em outras capitais brasileiras? Eram, de fato, utilizados livros e/ou apostilas, e/ou outro material textual? 3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Biblioteconomia. Catálogo de Dissertações e Teses do Programa de Pós-Graduação em Educação do CCSA 1981-2003. Maria do Socorro de Azevedo Borba e Francisca de Assis de Sousa (Org.). Natal(RN): CCSA/DEBIB, 2003. 216p. 4 Referimos-nos ao ineditismo da pesquisa não somente pelo fato de ainda não ter sido contada, mas, também, por apresentarmos vestígios da História da modernização do Ensino da Matemática no RN (1950-1980) com a sua forma, com os seus autores e suas representações. 22 O objetivo geral consiste em analisar como se deu a modernização do ensino de Matemática no Rio Grande do Norte, no período de 1950 a 1980. E tem por objetivos específicos: 1) Buscar na literatura específica, por meio da pesquisa bibliográfica, assuntos referentes à história social e política do ensino da Matemática no Estado do Rio Grande do Norte; 2) Identificar os livros didáticos de Matemática e outros materiais textuais de Matemática, utilizados nos anos de 1950 a 1980, em Natal (RN); 3) Identificar, no Rio Grande do Norte, se existiram os momentos que promoveram a modernização do ensino da Matemática. Como referencial teórico e metodológico de pesquisa, buscamos respaldo nos conceitos utilizados pela História Cultural, a fim de tornar possível a reconstituição histórica do cenário educacional matemático de instituições e das pessoas que constituem ou constituíram tal cenário. Como instrumentos metodológicos, lançamos mão não só da pesquisa de fontes bibliográficas, como também da entrevista semi- estruturada, como uma possibilidade de organizar a reconstituição histórica relacionada à formação e às práticas daqueles que ensinaram Matemática no RN ou daqueles que participaram da modernização do ensino dessa disciplina. Nossa pesquisa foi predominantemente qualitativa, pois investigar qualitativamente é descrever os pormenores relativos a pessoas, locais e conversas. É privilegiar a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos a serem investigados. Uma das estratégias mais representativas da investigação qualitativa é a entrevista em profundidade, que é aquela na qual o pesquisador tem como objetivo: compreender, com bastante detalhe, o que é que professores, directores e estudantes pensam e como é que desenvolveram os seus quadros de referência. Este objectivo implica que o investigador passe, frequentemente, um tempo considerável com os sujeitos no seu ambiente natural, elaborando questões abertas do tipo ‘descreva um dia típico’ ou ‘de que é que mais gosta no seu trabalho?’, registrando as respectivas respostas. O caráter flexível desse tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de acordo com a sua perspectiva pessoal, em vez de terem de se moldar a questões previamente elaboradas [...]. O material assim recolhido é complementado com outro tipo de dados, como registros escolares, artigos de jornais e fotografias (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.17). 23 Bogdan e Biklen (1994, p.47) nos dizem que a investigação qualitativa possui cinco5 características. Dentre essas, destacamos aquela em que os dados “incluem transcrições de entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos, documentos pessoais, memorandos e outros registros oficiais”. Os autores dizem ainda que, na busca do conhecimento, “os investigadores qualitativos [...] tentam analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o possível, a forma em que estes foram registrados”. A nossa opção pela abordagem qualitativa de pesquisa deveu-se também ao fato de nos propormos a analisar detalhadamente a situação estudada, de modo que elaboremos, pouco a pouco, uma explicação lógica das narrações, obtidas nas entrevistas, dialogando com as fontes escritas, construindo as respostas das nossas questões acerca da modernização do ensino da Matemática no RN, entre os anos de 1950 a 1980. Ainda sobre os instrumentos metodológicos utilizados, recorremos à entrevista semi-estruturada por se desenrolar “a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações.” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.34). Sobre a entrevista semi-estruturada, Laville e Dionne (1999, p.188) nos dizem que essa “é uma série de perguntas abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimentos”. Para a análise dos dados, inicialmente organizamos, de forma sistemática, as transcrições das entrevistas e os documentos que foram sendo acumulados no decorrer da pesquisa, de modo que prolongamos nossas reflexões, retornando aos fundamentos teóricos do trabalho, por meio de questionamentos dos saberes adquiridos e dos que nortearam a problemática do nosso estudo, analisando detalhadamente a situação estudada, construindo as respostas das nossas questões acerca da modernização do ensino da Matemática no RN. O que foi posto até aqui, embora pareça um percurso linear e pacífico, foi conflituoso, pois nosso objeto de estudo teve de ir se modificando, à medida que buscávamos respostas às nossas perguntas de pesquisa e não as encontrávamos. 5 As características citadas por Bogdan e Biklen (1994) são: (1) Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; (2) A investigação qualitativa é descritiva; (3) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos; (4) Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva e (5) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. 24 Primeiramente, nosso objeto de estudo foi o ensino de Matemática na escola secundária do Rio Grande do Norte, entre as décadas de 30 e 50 do século XX. Tivemos de modificar tal objeto por não encontrarmos nenhum documento específico do ensino de Matemática que possibilitasse desvendar as nossas questões6. Desse modo, a construção da pesquisa foi se ajustando às necessidades sentidas de modo a dialogar com as fontes que conseguimos agrupar no decorrer desse tempo que estivemos percorrendo os arquivos da cidade do Natal. Modificar o objeto de estudo foi, para nós, um tanto árduo, pois acreditávamos que responder a questões de como se deu o ensino de Matemática no RN no início do século XX, além de inédito, daria uma imensa colaboração à História da Educação Matemática no Brasil. Entretanto, na nossa caminhada pelos arquivos, alguns documentos acerca da Educação Matemática a partir da década de 1960 foram encontrados, tais como: diários de classe, livros didáticos, artigos de jornais, caderno de uma aluna, entre outros. Assim, decidimos recorrer a fontes orais, tendo em vista que ainda seria possível encontrar pessoas que vivenciaram as décadas de 60 e 70, no que se refere ao ensino da Matemática. Desse modo, focamos o nosso novo objeto na possibilidade de ter acontecido o Movimento da Matemática Moderna em Natal (RN) e fomos em busca de responder às questões, tais como: No Rio Grande do Norte, como as propostas de mudanças curriculares promovidas pelo MMM foram introduzidas? Os professores de Matemática foram treinados para atuarem com agentes para a implementação da Matemática Moderna nas escolas secundárias de Natal? De que modo o MMM chegou ao RN? Quais eram os livros didáticos utilizados por eles e quais os livros que passaram a utilizar quando a Matemática Moderna foi inserida nas escolas? 6 As questões foram: no Rio Grande do Norte, no início do século XX, houve novas propostas de mudanças curriculares? Como as propostas de mudanças curriculares foram introduzidas nesse Estado? Como se deu a inserção do novo currículo de Matemática e das novas metodologias no referido Estado? Professores de Matemática foram treinados para atuarem como agentes na implementação das Reformas nas escolas secundárias? Qual o papel do professor de Matemática na implementação dessa Reforma? E as Reformas que aconteceram no Brasil? Como elas chegaram até o Rio Grande do Norte? Em particular, no Atheneu? Em 1890 aconteceu a Reforma Benjamim Constant, em 1901, a Reforma Epitácio Pessoa! E quanto às Reformas Campos (1931) e Capanema (1942/46), que mudanças provocaram? Os professores de Matemática do Atheneu Norte- riograndense estavam interessados, de algum modo, nas discussões internacionais sobre a Matemática e o seu ensino? Quais eram os livros didáticos utilizados pelo professores nessa época? Enfim, as propostas de Euclides Roxo, através da Reforma Campos, foram implantadas no Atheneu Norte-riograndense? De que forma? 25 Mais uma vez tivemos de modificar nosso objeto de estudo, pois não encontramos documentos substanciais que atestassem a existência e as práticas desenvolvidas pelo MMM. Portanto, sem documentos acerca do MMM no RN, optamos por trabalhar com a História Oral. Buscamos compreender como se dá uma pesquisa que utiliza fontes orais e, definitivamente, lançarmos mão da História Oral como uma metodologia para trabalhar em nossa pesquisa. Na busca por essa compreensão nos deparamos com os seguintes autores: Thompson (1992), Barros (2004), Alberti (2005), Meihy (2005), Garnica (2006) e outros que falam de História Oral. Ao recorrermos à História Oral, encontramos uma possibilidade de organizar a busca de traços dos cenários históricos relacionados à formação e às práticas dos docentes no estado do Rio Grande do Norte no que se refere ao Ensino da Matemática. Conforme Baraldi e Garnica (2005), a História Oral, enquanto metodologia de pesquisa, possui características tão apropriadas para a investigação em Educação Matemática quanto as já utilizadas tradicionalmente, apresentando-se, assim, como uma possibilidade para a História da Educação Matemática. Meihy (2005, p.24) nos diz que a História Oral “responde à necessidade de preenchimento de espaços capazes de dar sentido a uma cultura explicativa dos atos sociais vistos pelas pessoas que herdam os dilemas e as benesses da vida no presente”. E foi por meio da História Oral que buscamos respostas para as questões acerca do MMM no RN. No entanto, o universo que ora se descortinava em nossa frente mostrava-nos mais uma vez que teríamos de abrir mão desse atual objeto e do estrito uso da História Oral, enquanto metodologia, pois as entrevistas que realizamos se revelavam apenas como respostas para o preenchimento de algumas lacunas evidenciadas nas fontes escritas e não contemplando, portanto, as respostas dos questionamentos sobre o MMM no RN. Isto posto, nossa pesquisa voltou-se, então, ao que tínhamos em mãos: os documentos encontrados nos arquivos e as entrevistas feitas puderam responder a questões voltadas à história da modernização do ensino da Matemática no Estado do Rio Grande do Norte, entre as décadas de 50 e 80 do século XX, delimitando nosso objeto de estudo, em definitivo, como falamos anteriormente. É importante destacar que utilizamos, nesta pesquisa, os procedimentos metodológicos de uma pesquisa que utiliza a História Oral na realização e no 26 tratamento das entrevistas, inclusive esclarecendo ao entrevistado acerca da carta de cessão, que é um documento de cessão de direitos sobre a entrevista, a ser assinado pelo entrevistado. Com a finalidade de situar o leitor na compreensão deste estudo, apresentamos, de forma sintética, a organização do trabalho. Além dessa parte introdutória, em que traço uma breve visão do estudo, a tese está estruturada em mais quatro partes, acrescida das (in)conclusões. Na segunda parte, Em busca de informações, apresentamos a opção pelos autores com os quais dialogamos para a construção do referencial teórico-metodológico e descrevemos alguns aspectos teóricos relacionados à memória, a fim de melhor compreendermos as narrativas dos nossos entrevistados. Apresentamos os participantes da investigação e os motivos que nos levaram a escolhê-los como narradores da pesquisa. Na terceira parte, denominada O caminho da modernização no ensino de Matemática, tecemos não somente algumas considerações sobre como essa modernização foi introduzida no Brasil, como também de que maneira ocorreu o seu desenvolvimento. Focalizamos, ainda, algumas das possíveis origens do Movimento da Matemática Moderna, no mundo. Na quarta parte, intitulada Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950- 1980), descrevemos alguns indícios do Ensino de Matemática no RN no período de 1950 a 1980, inter-relacionando esses com as narrativas dos nossos entrevistados. Na quinta parte, descrevemos os vestígios encontrados acerca da modernização do Ensino de Matemática no RN, no período de 1950 a 1980, relacionados com as aulas de Matemática do Professor Júlio César de Mello e Souza, em Natal/RN. Além disso, analisamos o ensino da Matemática no RN, em 1958, com nosso olhar voltado ao caderno de aulas da professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque e focalizamos, do mesmo modo, nossa atenção para o que nos disse o professor de Matemática Evaldo Rodrigues de Carvalho. Nas (In)conclusões, procuramos tecer algumas reflexões acerca desse estudo, estabelecendo conexões com as propostas teórico-metodológicas de ensino de Matemática presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática, suas possibilidades e limitações na sala de aula, bem como apontamos os desdobramentos do estudo por nós realizado. 27 2 EM BUSCA DE INFORMAÇÕES 1 Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP) 2 Escola Estadual Isabel Gondim 3 Escola Técnica do Comércio Alberto Maranhão 4 Arquivo Público da cidade do Natal 5 Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do RN 6 Escola Estadual do Atheneu Norte-riograndense 7 Escola Doméstica de Natal 8 Biblioteca Pública Câmara Cascudo 9 Escola Estadual Instituto Padre Miguelinho 10 Escola Estadual Profª Mª Nalva Xavier de Albuquerque 11 Instituto Histórico e Geográfico do RN A arqueologia não procura reconstituir o que pode ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde autor e obra trocam identidade; onde o pensamento permanece ainda o mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Em outras palavras, não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria identidade. Não pretende se apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita: isto é, na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto (FOUCAULT, 2005). 28 2 EM BUSCA DE INFORMAÇÕES Nesta parte, explicitamos a nossa opção pelos autores com os quais dialogamos para a construção do referencial teórico-metodológico. Descrevemos aspectos relacionados à memória, a fim de melhor compreendermos as narrativas dos nossos entrevistados, assim como apresentamos os participantes da pesquisa e os motivos que nos levaram a eles. 2.1Referencial teórico-metodológico Para investigar e analisar acerca da modernização do ensino de Matemática no Rio Grande do Norte, entre as décadas de 1950 e 1980, buscamos respaldo nos autores que utilizam a História Cultural, a fim de tornar possível a reconstituição do ensino da Matemática nas instituições e das pessoas que constituem ou constituíram tal cenário. Para Chartier (1990), as práticas culturais inscrevem em suas estruturas os recortes socialmente enraizados em determinados momentos históricos. Nesse sentido, considerando a Educação Matemática como uma prática social, culturalmente constituída, estaremos, nesta pesquisa, buscando compreender as práticas diferenciadas dos protagonistas do nosso estudo, ressaltando os mais variados modos de interpretar essas práticas. Chartier (1990) propõe-se compreender a racionalidade do discurso na historicidade de sua produção e das relações que estabelece com outros discursos. Entendemos, assim, estar esclarecendo como se deu a modernização do ensino da Matemática no RN, afinal, também estaremos, por meio dos documentos e dos discursos dos narradores, mostrando o que o ensino de Matemática daquele determinado período privilegiou como conhecimento matemático necessário para a formação científica da população escolarizada. Primeiramente, iniciamos nossa pesquisa histórica fazendo uma revisão bibliográfica para compreendermos como se dava o tratamento das mais diversas fontes históricas, sejam orais ou escritas. Em relação às escritas, vimos que a 29 história escrita não se reconstrói no presente. Ela simplesmente é a história do passado que permanece até o presente, por meio de fontes como: livros, cartas, manuscritos, atas, testamentos, processos, documentos particulares de indivíduos, de famílias, de grupos de empresas, microfilmes, jornais, entre outros. Para Le Goff (1996, p. 535), as fontes mencionadas acima fazem parte da memória coletiva e da história, pois são monumentos, heranças do passado, documentos. Cabe ao historiador escolhê-las. Ele afirma: “atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos”. Rodrigues (1978, p. 308) corrobora com o autor supracitado quando afirma que: lido o documento, verificada a sua autenticidade, precisamos, para a boa inteligência do texto, recorrer à filologia, que vai nos facilitar a compreensão do sentido exato do testemunho [...]. A filologia, assim, não como ciência auxiliar, mas como ciência em si mesma, investiga a genuinidade dos documentos e a autenticidade dos testemunhos, fornecendo-nos os elementos de convicção sobre a legitimidade da nossa interpretação paleográfica. Com seu auxílio transpomos o documento para a linguagem atual. É então que devemos observar uma série de regras críticas que se corporificam no que hoje chamamos de crítica histórica. Ao falarmos em crítica histórica nos remetemos à capacidade que temos, enquanto pesquisadores, de usar adequadamente as fontes históricas por nós escolhidas, interpretando-as, verificando sua autenticidade, integridade e credibilidade. As principais etapas da crítica, segundo Rodrigues (1978, p.313), são seis distintos problemas para todas as fontes: (1) quando a fonte, escrita ou não, foi produzida; (2) onde foi produzida; (3) por quem foi produzida; (4) de que matéria pré- existente foi produzida; (5) em que forma original foi produzida; (6) qual é o valor da certeza do seu conteúdo. Assim, entendemos que, em nossa pesquisa, devemos ficar atentos aos referidos seis distintos problemas, esgotando, na medida do possível, a autenticidade das fontes históricas que obtivermos. Ainda sobre isso, encontramos em Pesavento (1996, p.109): 30 que aquilo que chamamos de história é uma representação da passeidade (ou o ‘real concreto’ que teve lugar um dia). [...] o historiador vai tentar recuperar o passado, tal como ele chega até ele – sob a forma de textos e imagens – e, a partir daí, construir a sua versão. Mas o que chamamos de predisposição do olhar, aberta às novas possibilidades dadas para compreensão da história como representação, se acrescenta a um novo desejo: o de perseguir o resgate das sensibilidades passadas. Em nossa pesquisa, entendemos que: não há realidade histórica acabada, que se entregaria por si própria ao historiador. Como todo homem da ciência, este, conforme a expressão de Marc Bloch, deve, ‘diante da imensa e confusa realidade’, fazer a ‘sua opção’ – o que, evidentemente, não significa nem arbitrariedade, nem simples coleta, mas sim construção científica do documento cuja análise deve possibilitar a reconstituição ou a explicação do passado. (LE GOFF, 1996, p. 31). Valemo-nos, também, das considerações de Certeau (2007, p. 81): Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto. Este gesto consiste em ‘isolar’ um corpo, como se faz em física, e em ‘desfigurar’ as coisas para constituí-las como peças que preencham lacunas de um conjunto, proposto a priori. Ele forma a ‘coleção’. Constituí as coisas em um ‘sistema marginal’, como diz Jean Baudrillard; ele as exila da prática para as estabelecer como objetos ‘abstratos’ de um saber. Longe de aceitar os ‘dados’, ele os constituí. O material é criado por ações combinadas, que o recortam no universo do uso, que vão procurá-lo também fora das fronteiras do uso, e que o destinam a um reemprego coerente. E o vestígio dos atos que modificam uma ordem recebida e uma visão social. Instauradora de signos, expostos a tratamentos específicos, esta ruptura não é pois, nem apenas nem primordialmente, o efeito de um ‘olhar’. É necessário aí uma operação técnica. Assim, entendemos que o documento não é inocente, fazendo-se necessário desestruturá-lo, explicando as possíveis lacunas existentes. É preciso demolir a idéia de um tempo único, linear e homogêneo. 31 2.2 Arquivos As fontes escritas encontradas por nós no decorrer da pesquisa foram advindas de arquivos na cidade do Natal e de arquivos privados7, também conhecidos como arquivos pessoais. O primeiro dos arquivos que visitamos foi o da Escola Estadual do Atheneu Norte-riograndense. Posteriormente, percorremos os arquivos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, da Escola Estadual Instituto Padre Miguelinho, da Escola Estadual Isabel Gondim, da Escola Técnica de Comércio Alberto Maranhão, do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP), da Escola Doméstica de Natal (ED), da Secretaria de Educação (Inspeção Escolar), da Escola Estadual Maria Nalva Xavier de Albuquerque, o arquivo Público, os arquivos privados da família do Professor de Matemática Teófilo Canan, do Professor João Faustino Ferreira Neto e da professora Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis. Na Escola Estadual do Atheneu, encontramos os diários de classe dos professores de Matemática, na sua maioria da década de 1970. Alguns poucos da década de 1960. Contudo, não encontramos nenhum documento específico de Matemática como uma prova ou um plano de aula, por exemplo. No arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do RN, priorizamos os jornais A República e Tribuna do Norte. No desenrolar dessas reportagens, encontramos diversos acontecimentos acerca da educação de um modo geral, principalmente voltado ao ensino primário, como, por exemplo, a preocupação dos governantes com o analfabetismo no RN. Destacamos que encontramos referências ao professor Júlio César de Mello e Souza(1895-1974)8, cujo pseudônimo é Malba Tahan, quando veio ministrar aulas de Matemática em Natal aos professores da Escola Normal. 7 “A documentação de caráter privado pode dizer respeito a acervos de pessoas, de famílias, de grupos de interesse (militantes políticos, instituições, clubes, etc.) ou de empresas.” (BACELLAR, 2005, p.42). 8 Júlio César de Mello e Souza nasceu no dia 06 de maio de 1895, no Rio de Janeiro. Na infância, viveu no município de Queluz, interior do estado de São Paulo. Viveu a adolescência e a idade adulta no Rio de Janeiro. Estudou e ministrou aulas no Colégio Pedro II. Lecionou também na Escola Normal, no Instituto de Educação, na Escola Normal da Universidade do Brasil e na Faculdade Nacional de Educação. Publicou mais de 120 livros. Faleceu aos 79 anos de idade, no Recife, em 18 de junho de 1974, local em que estava ministrando cursos (LACAZ; OLIVEIRA, 2008). 32 Procuramos os arquivos das Escolas Estaduais Padre Miguelinho e Isabel Gondim e da Escola Técnica de Comércio Alberto Maranhão, devido às reportagens encontradas nos jornais, no Instituto Histórico e Geográfico do RN. Não encontramos nessas escolas documentos que nos trouxessem informações acerca do nosso objeto de estudo. Em relação ao arquivo do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP), encontramos um caderno intitulado Programas do Ensino Normal e dentro deste o programa de Matemática para as Escolas Normais do RN. Na introdução desse caderno consta que era um curso intensivo promovido pela Secretaria de Educação e Cultura em cooperação com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a United States Agency for International Development ou Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), visando reformular os programas das matérias do Curso Normal e oferecer oportunidades de aperfeiçoamento ao seu quadro de professores. O curso aconteceu de 04 a 26 de janeiro de 1971. Além desse material, encontramos um caderno de anotações sobre Matemática (1958), da professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque, cujas aulas foram dadas pelo professor Júlio César de Mello e Souza. No arquivo da Escola Doméstica de Natal (ED) não encontramos nenhum vestígio sobre o ensino de Matemática no período por nós delimitado nesta investigação, até mesmo porque só nos foi permitido, pela direção da escola, o acesso à biblioteca e a um espaço conhecido como museu. Na biblioteca Auta de Souza, da referida instituição, encontramos diversos livros didáticos de Matemática das décadas de 1960 em diante. Nossa visita a ED deveu-se ao fato de ser uma instituição pioneira no modelo de ensino voltado para a educação feminina no Brasil e do ensino secundário no estado do RN. Foi inaugurada em 1914, tendo como seu criador o intelectual norte-riograndense Henrique Castriciano de Souza9. Encontramos no acervo da referida biblioteca os seguintes livros de Matemática: Matemática – Curso Liceu, de J’Andrade Leite, L. et R. Waltiaux, André Mas, E. Delplanche; Matemática dos Irmãos Maristas; Matemática, de Luiz Mauro Rocha e Ruy Madsen Barbosa; Matemática para colégio e vestibular, de M. Silva 9 Henrique Castriciano de Souza nasceu em 15 de março de 1874, no município de Macaíba/RN. Foi um escritor e político brasileiro, fundador da Escola Doméstica de Natal. Morreu em Natal, no dia 26 de julho de 1947. (Disponível em . Acesso em 13/10/2008). 33 Filho; Matemática, de Ary Quintella; Matemática – Curso Colegial, organizado por School Mathematics Study Group; Tábuas de Logaritmos dos Irmãos Maristas; Matemática e Estatística, de Osvaldo Sangiorgi; Matemática, de Thales Mello Carvalho; Manejo das Réguas de Cálculo, de R. V. Carneiro; Álgebra, de Alves Rodrigues; Elementos de Geometria Descritiva – FIC; Álgebra Moderna e Cálculo Diferencial e Integral, de A. Delachet; Cálculo de Médias de Ruby F. Medeiros; Matemática para a Escola Moderna, de Scipione Di Pierro Neto. Um dado que nos chamou a atenção foi a constatação de que, na sua maior parte, esses livros foram doados. Tal fato põe em relevo a possibilidade de que esses livros podem não ter sido utilizados pelas alunas da escola ou, até mesmo, se foram ou não sugeridos pelos professores que lecionaram na referida instituição nas décadas de 50, 60 ou 70 do século passado. Em busca de pistas que possibilitassem clarificar o nosso objeto de estudo, também visitamos a Biblioteca Pública Câmara Cascudo da cidade do Natal, com o objetivo de averiguar quais os possíveis livros de Matemática das décadas de 50, 60 ou 70 do século XX foram supostamente utilizados pela população norte- riograndense. Os livros que lá encontramos foram: Geometria no espaço para o curso científico e exames vestibulares às escolas superiores, de Alberto Nunes Serrão; Cálculo Diferencial, de Miquel y Merino; Geometria Analítica, de Fernando Raul Neto e Pedro E. B. Muniz; Dicionário Ilustrado de Matemática de Gabriel Leão e José Augusto Mattos; Lógica – Exercícios - II Dedução no cálculo sentencial, de Leônidas Hegenberg; Teoria dos Conjuntos, de Seymour Lipschutz; Equações Diferenciais, de Frank Ayres Jr., Elementos de Matemática, de Jácomo Stavale; Matemática Superior, de J. Quinet; Noções de Geometria Descritiva, de Alfredo dos Reis Príncipe Júnior e Introdução ao Curso de Geometria Plana, de Lucas N. H. Bunt10. Na nossa caminhada pelos arquivos, procuramos o acervo da Secretaria de Educação e, neste, quem nos atendeu sugeriu que fôssemos ao arquivo da Inspeção Escolar. Lá, encontramos várias fichas de alunos, nas quais constavam seus nomes e notas nas disciplinas que cursavam. Esse material, sem desconsiderar a sua relevância para outras pesquisas como, por exemplo, o 10 Não foi possível realizarmos, ainda, uma pesquisa para sabermos se esses livros, nessa época, estavam ou não sendo utilizados, em outras instituições brasileiras de ensino. 34 desempenho escolar dos alunos na disciplina de Matemática, não correspondia ao nosso objeto de estudo. No arquivo público, encontramos diversos relatórios de projetos voltados principalmente à educação primária. Entre eles, destacamos o relatório do Curso de Treinamento para professores leigos do RN (1965). Nos arquivos pessoais dos professores que participaram desta pesquisa, encontramos documentos de naturezas diversas. Uns tratavam de momentos solenes, como os certificados de mérito docente, participação em eventos e conclusão de curso, em outros constavam os livros de Matemática que usavam no início da segunda metade do século XX. Nessas visitas aos arquivos sentimos, em diversos momentos, algumas dificuldades. Entre elas a falta de documentos sobre o ensino de Matemática, principalmente nas primeiras décadas do século XX; a falta de gentileza, por parte dos funcionários, no tratamento pessoal; a falta de vontade em fornecer as fontes; a não permissão da entrada (no interior do arquivo) para a escolha das fontes; a abertura e o fechamento do arquivo em horário diferente do oficialmente previsto; páginas de documentos rasgadas, cortadas e/ou rabiscadas. Bacellar (2005, p. 49) fala da difícil tarefa de situar informações nos arquivos: “aventurar-se pelos arquivos é sempre um desafio de trabalhar em instalações precárias, com documentos mal acondicionados e preservados, e mal organizados”. Assim, diante dos diversos documentos encontrados, sentimos a necessidade de entrar em contato com algumas pessoas, a fim de entrevistá-las11 para esclarecimentos, quando tentávamos desestruturar as fontes escritas que possuíamos. Sobre isso, Alberti (2004, p. 25) nos diz que: “as entrevistas podem também ajudar a esclarecer o conteúdo, a organização e as lacunas de arquivos existentes nas instituições.” Dessa forma, procurando entender como se trabalha com fontes orais, especificamente em Educação Matemática, buscamos contribuições em Garnica (2005). A partir daí, encontramos Thompson (1992), Bosi (2006), Halbwachs (2006) e outros autores que se referem à Memória, quando se trata de fontes orais. 11 Na introdução deste estudo, informamos, com detalhes, que lançamos mão da entrevista semi- estruturada. 35 2.3 Memória A memória remexe o passado e dele emergem imagens, emoções, palavras. Bosi (2006) afirma que a memória não reconstrói o tempo e nem o anula. Diz que é por meio dela que podemos reler o passado, ainda por momentos fugazes e recuperarmos sensações, alegrias, momentos de saudade, frustrações, enfim lembranças que nos pertencem. A autora (2006, p.46) diz ainda que lembrar significa um movimento de vir de baixo, sous-venir12, vir à tona o que estava submerso. Esse movimento permite que busquemos na memória algo que está inativo. Essa busca ocorre devido a um estímulo, como, por exemplo, uma palavra, uma fotografia, um aroma, um evento. Assim, atualizamos fatos, experiências, emoções que há muito tempo existiam e ainda estavam guardados em nossa memória. Halbwachs (2006, p.30) aborda a memória como algo que depende das relações sociais em que cada um de nós vive. Ele nos diz que as nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem. [...]. Para confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos no sentido literal da palavra, ou seja, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível. Desse modo, entendemos que a memória do indivíduo depende do relacionamento com os seus grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo, tais como família, classe social, escola, igreja, entre outros. Assim, para Halbwachs (2006), recordar é algo construtivo, é gradual e depende da situação do presente. Esse autor afirma que: 12 Se souvenir – Lembrar-se, em francês. 36 se a nossa impressão pode se basear não apenas na nossa lembrança, mas também na de outros, nossa confiança na exatidão de nossa recordação será maior, como se uma mesma experiência fosse recomeçada não apenas pela mesma pessoa, mas por muitas. (HALBWACHS, 2006, p. 29). Entendemos, então, que lembrar é reconstruir, repensar com imagens de hoje as experiências do passado. Assim como Halbwachs, entendemos que o passado se reconstrói à luz dos significados do presente. Contudo, analisar o passado como ele foi, na sua íntegra, não seria possível, afinal o passado, uma vez realizado, não se repete. Fraga (2000, p. 27), acerca disso, nos diz que é “esse processo que denominamos de memória”. Para a autora, a memória somente existe permeada por significados, por representações. Assim, o desafio de trabalhar com o passado está ancorado na reelaboração da fala dos depoentes, a partir do presente. Nem a história social, nem as pesquisas sobre ela, são feitas por seres isolados, mas sim, e em qualquer época, construídas por homens e mulheres que vivem coletivamente, e por isso mesmo são vivências que revelam um universo permeado de significados, seja eles na temporalidade do passado e do presente, seja na dos cenários que apresentam para o futuro. Desse modo, a lembrança de determinado fato não se forma com a mesma imagem que foi representada na época em que ocorreu, porque não somos mais os mesmos. Temos novas experiências, temos outros olhares. A experiência da releitura apresentado em Bosi (2006) é um exemplo dessa afirmação. Quando, depois de muito tempo, relemos um livro, temos a impressão de que é um novo livro, pois nossas emoções, bem como o ângulo sob o qual o compreendemos, não são mais os mesmos. Bosi (2006), ao referir-se às idéias de Stern, nos diz que a função da lembrança no indivíduo é conservar o seu passado da forma que melhor lhe convier, descartando, se desejar, o indiferente e alterando o desagradável. Disso, o passado é trabalhado qualitativamente pelo indivíduo e a memória não é tratada como um depósito, de modo que lembremos de tudo. Podemos, por exemplo, privilegiar alguns aspectos e negligenciar outros. Thompson (1992) anuncia que a história também é feita pela forma de como eventos ou padrões são vivenciados e lembrados na imaginação das pessoas. O 37 autor diz ainda que aquilo que as pessoas imaginam que aconteceu e também o que crêem que poderia ter acontecido pode ser tão fundamental quanto aquilo que, de fato, aconteceu. Daí nos remetemos às narrativas do entrevistado, que são histórias ocorridas num determinado tempo e espaço, sendo o entrevistado, ao mesmo tempo, autor, narrador e protagonista do episódio que narra. Essas histórias são expressas a partir do ponto de vista de cada um, dependendo das suas lembranças. Cada um constrói o seu passado qualitativamente, buscando o que melhor lhe convier, sem ter o desejo consciente de falsificá-lo. A lembrança é individual, é única. Retrata exatamente o modo como desejamos que seja. 2.4 O Ensino da Matemática no RN na voz dos narradores Nosso intuito foi motivar os narradores, por meio da entrevista, a recorrerem ao acervo dos seus momentos vividos nas décadas de 50 ou 60 ou 70 do século XX, quando participaram, de algum modo, do ensino de Matemática na cidade do Natal. Enfim, entendemos nossos narradores como exposto na definição dada por Benjamim (1993, p.221), quando afirma que o narrador: [...] pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima que sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida. Assim, entendemos que as narrações feitas pelos entrevistados estabeleceram um diálogo com as fontes escritas que desvendamos, como será mostrado nas partes 4 e 5, deste estudo. Desse modo, entendemos que as fontes escritas que possuímos, em conjunto com as fontes orais, são importantes porque torna possível estabelecer um diálogo entre as duas, o que resulta numa diversidade de informações e numa melhor 38 compreensão dos fatos. O entrelaçamento entre esses documentos e os depoimentos dos narradores é fundamental na tarefa de aprofundar o próprio trabalho da memória na reconstrução das lembranças vividas. Dessa forma trilhamos nossa pesquisa, tentando fazer da leitura dos documentos encontrados uma rede de significados, cruzando os dados obtidos com os que já possuíamos dentro do nosso universo de referência. Analisamos e interpretamos as narrações feitas e, como fazem os artesãos, fomos pacientemente e pouco a pouco burilando as fontes observadas para buscar explicações lógicas. Nesse sentido, foi necessário adentrar no que dizem as narrações para tentar construir argumentos acerca das questões emanadas do nosso objeto de estudo. O critério de escolha dos narradores deu-se em função do nosso objeto de estudo. Desse modo, decidimos entrevistar professores que ensinavam Matemática nas décadas de 50 a 80, do século XX, ou pessoas que estivessem envolvidas com o ensino de Matemática nas referidas décadas, a fim de entendermos algumas lacunas evidenciadas nas fontes escritas e compreender como se deu a modernização da Matemática no RN. Na difícil tarefa de escolher os narradores recorremos às reflexões advindas de Alberti (2004, p. 23), quando questiona as atitudes do pesquisador acerca dessa problemática. Diz a autora: Mas o que faz um pesquisador procurar um indivíduo que tenha sido ator ou testemunha de determinado acontecimento ou conjuntura para fazer dele um entrevistado? Com certeza a busca de alguma informação e de algum conhecimento que aquele indivíduo detém, e que o próprio pesquisador – mesmo que muito bem preparado e informado – não detém. Se não, é evidente que não haveria necessidade de se despender tempo e verbas na realização de uma entrevista. Nessa busca, primeiramente, procuramos o professor Evaldo Rodrigues de Carvalho (In memoriam) pelo fato de ser indicação de quase todas as pessoas com quem conversamos sobre nossa pesquisa. Ao encontrarmos o referido professor, ele nos concedeu a entrevista, sendo muito solícito e disposto a ajudar no que precisássemos. O professor Evaldo nos recebeu em sua residência, localizada no bairro do Alecrim, na cidade do Natal, em 14 de abril de 2006. O referido professor 39 participou do 1º Seminário de Matemática13, em Natal, proferindo palestras sobre Didática Geral e Filosofia da Educação. Escreveu vários livros, entre eles o Dicionário de termos matemáticos e o livro Alecrim ontem, hoje e sempre. Participou do primeiro estudo de Matemática Moderna, oferecido pela Universidade Federal de Pernambuco, nos anos de 1967 e 1968. Participou também como examinador e julgador de professores do ensino médio do Estado. Foi professor do Colégio Atheneu e da Escola Estadual Padre Miguelinho e fundou o primeiro cursinho pré- vestibular de Natal. Ele faleceu em 31 de agosto de 2006. Posteriormente, e um pouco ao acaso, no Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy, fomos apresentados ao professor Adalberto Jorge Vieira Pinto, que lecionou Matemática na Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), atualmente Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET/RN)14, na década de 1970. Desse encontro, nasceu a escolha de mais um narrador, pois, nessa conversa informal, percebi o quanto o referido professor poderia colaborar na pesquisa. A entrevista com o professor Adalberto Jorge aconteceu em sua residência no dia 03 de julho de 2008. Nosso terceiro narrador foi o professor João Faustino Ferreira Neto, que nos recebeu em seu escritório, na cidade do Natal, em 25 de julho de 2008. O professor João Faustino é graduado em Pedagogia e Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pós-graduado pela FGV e Universidade de Michigan (EUA). É professor da UFRN e do CEFET. Foi Deputado Federal em quatro legislaturas, integrou o Conselho Federal de Educação e presidiu a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Nossa busca por esse narrador se deve ao fato dele, na década de 1970, ministrar aulas de Matemática na ETFRN e organizar dois Seminários de Matemática, também na década de 70, em Natal. Ainda em 25 de julho do corrente ano, entrevistamos a professora de Matemática Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis. A referida professora nos recebeu em sua residência. Nossa busca por essa narradora deu-se pela informação que tivemos, de uma colega de trabalho, que ela teria sido aluna do Curso de Preparação Intensiva de Professores para ser habilitada a dar aulas de 13 Na biografia escrita pelo próprio Professor Evaldo, que está na “orelha” do seu livro Alecrim ontem, hoje e sempre, não consta o ano em que esse 1º Seminário de Matemática aconteceu. 14 A partir de 2009, o CEFET passará a ser designado Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). 40 Matemática em nível de 1º grau, tendo inclusive comprovante de tal curso. De fato, a professora fez o curso e muito colaborou com a nossa pesquisa. Posteriormente, em 15 de agosto de 2008, entrevistamos, em sua residência, o professor Antônio Roberto da Silva. Na década de 1970, ministrava aulas de Matemática nas escolas públicas de Natal. Atualmente, o seu fazer pedagógico repercute entre os estudantes da UFRN e do CEFET, por isso o vimos como um narrador com possibilidades de divulgar como se dá o ensino de Matemática no RN. Bhaskara Canan também foi um dos nossos entrevistados, pois é um dos responsáveis pelos arquivos pessoais do seu pai, o professor de Matemática Teófilo Canan (In memoriam), que fez parte de nossas investigações. Desse modo, o senhor Bhaskara, em sua residência, prestou-nos diversos esclarecimentos acerca da vida profissional de seu pai, em 18 de agosto de 2008. Entrevistamos também a professora Zélia Maria Moura. Nossa escolha por essa narradora deveu-se a dois fatores. O primeiro deles foi pelo fato de termos informações de colegas do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP)15, local que trabalhamos, que teria sido essa professora que levou à referida Instituição o caderno de Maria Nalva Xavier de Albuquerque16, que foi destinado, por ela, às aulas do professor Júlio César de Mello e Souza (1895-1974), em abril de 1958. O segundo fator que nos motivou a procurar a professora Zélia foi o fato de termos encontrado no Relatório do Plano Experimental da Escola Primária para 1970, uma de nossas fontes de pesquisa, o seu nome como sendo uma das colaboradoras para o desenvolvimento do referido Plano. Entramos em contato com a referida professora, primeiramente por telefone, pois ela reside em Belo Horizonte/MG. A distância geográfica que separa Natal/RN e Belo Horizonte/MG e a falta de disponibilidade de dinheiro e tempo impediram-me de interagir com ela, pessoalmente. No entanto, mostrando-nos ser uma pessoa muito solícita, nos fez diversos esclarecimentos, pelo telefone, quando perguntamos do caderno da professora Maria Nalva e do Plano Experimental da Escola Primária para 15 O IFESP localiza-se em Natal, onde funcionava a Escola Normal de Natal. Possui três cursos de nível superior: Normal Superior, Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação em Matemática e Licenciatura Plena em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa. Atualmente, oferece cinco cursos de Especialização, sendo dois na área de Educação Matemática, e os demais nas áreas de Educação Ambiental, Educação Infantil e Gestão de Processos Educacionais. 16 O referido caderno da Professora Maria Nalva Xavier foi uma de nossas fontes de pesquisa. Sua análise encontra-se na parte 5 deste estudo. 41 1970. Assim, para não perdermos tais informações, tão importantes para a pesquisa, restou-nos solicitar a ela que respondesse a tais questões pelo correio eletrônico (e- mail). Desse modo, enviamos um primeiro e-mail para a professora Zélia no dia 10 de setembro de 2008. Passados nove dias não havíamos recebido respostas. Por isso, no dia 19 de setembro, o reenviamos. Impacientes, optamos, no dia 17 de outubro de 2008, por telefonar-lhe novamente, para saber os motivos que a levaram a não ter respondido ao e-mail. A professora, então, se justificou e, em 20 de outubro, envia-nos um e-mail com as respostas aos nossos questionamentos. A opção que fizemos de entrevistar a professora Zélia por e-mail nos levou a refletir sobre a melhor maneira de se fazer uma entrevista, cabendo, portanto, ao pesquisador escolhê-la. Entendemos que a adaptação às novas formas de comunicação e, melhor que isso, saber aproveitá-las e reconhecer nelas uma das alternativas, também faz parte da vida do pesquisador. Faz-se necessário esclarecer que não estamos defendendo o e-mail como um meio excelente para a realização de entrevistas, mas, em alguns casos, necessário, sendo realmente a melhor opção, mesmo levando em conta suas deficiências. Ressaltamos também que, por meio das informações da professora Zélia, entramos em contato com as filhas da professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque, Teodolina Albuquerque de Almeida e Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro, que gentilmente, nos cederam informações e fotos da sua mãe, a fim de ajudar-nos nesta pesquisa. Outra entrevista realizada por e-mail foi a que fizemos com o professor Francisco Canindé de Oliveira. Nossa busca por esse narrador se deu pelo fato de encontrarmos o seu nome no diário de classe da disciplina de Matemática, de 1974, do Colégio Atheneu Norte-riograndense. Além disso, conhecíamos, pessoalmente, o referido professor por ser, atualmente, docente do Departamento de Matemática da UFRN e ter sido nosso professor, quando ainda fazíamos graduação. Optamos em fazer a entrevista por e-mail pela pouca disponibilidade de tempo do professor. Assim, enviamos um e-mail em 10 de setembro de 2008 e o reenviamos, em 19 de setembro, pois não havíamos recebido respostas do primeiro e-mail enviado. No dia 22 de outubro de 2008, reencontramos o professor Francisco Canindé, casualmente, durante a realização da XX Semana da Matemática da UFRN e, ao perguntarmos sobre a sua preciosa colaboração em nossa pesquisa, ele afirmou que 42 responderia ao e-mail brevemente. De fato, recebemos do professor Francisco Canindé as respostas aos nossos questionamentos, por meio do e-mail enviado, para nós, em 24 de outubro de 2008. Tivemos também a colaboração da professora Nancy Gomes dos Santos, atualmente aposentada pelo Departamento de Educação da UFRN. Nossa procura por essa narradora deveu-se ao fato de ela ter sido a Coordenadora Geral dos Cursos de Treinamento de professores leigos no Rio Grande do Norte, que aconteceram nos anos de 1963, 1964 e 1965 e também por ter sido coordenadora do Plano Experimental da Escola Primária para 1970, junto com a professora Leonice de Medeiros Lima. A professora Nancy, gentilmente, nos recebeu em sua residência, no dia 22 de outubro de 2008. Por intermédio dela, localizamos as professoras Teresinha Garcia Melo, professora de Matemática que lecionou, em Natal, para os professores leigos, durante esse Curso de Treinamento e Carmém Sylvia Mallen Machado17, coordenadora do III Curso de Treinamento para professores leigos, realizado em Caicó, em 1965. A professora Teresinha Garcia de Melo nos recebeu, muito gentilmente, em sua residência no dia 23 de outubro de 2008, e muito colaborou com a pesquisa. A professora Carmém Sylvia, embora compreendendo a importância da pesquisa, não aceitou realizar a entrevista, alegando, entre outros motivos, a quantidade de anos já passados (1965-2008) e o que tinha que ser falado já estava posto no relatório elaborado por ela, o qual encontramos no decorrer da nossa pesquisa, sendo, então, uma de nossas fontes. Do mesmo modo foi a atitude do professor de Matemática Geraldo Pereira Pinto. Nossa procura por esse professor deveu-se ao fato de ser indicação de quase todas as pessoas com quem conversamos sobre nossa pesquisa. Ele foi, na década de 1970, professor de Matemática da então Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) e certamente teria muito a colaborar. Entendemos que a participação dos professores Geraldo Pereira Pinto e Carmem Sylvia Mallen Machado seriam tão importantes quanto dos demais narradores aqui apresentados, por isso, não deixaremos de tentar, na condição de pesquisadora, colher seus depoimentos para futuros esclarecimentos sobre a modernização do ensino da Matemática no RN. 17 A professora Carmém nos informou que esse foi o seu nome de solteira. 43 3 O CAMINHO DA MODERNIZAÇÃO NO ENSINO DE MATEMÁTICA 1 Euclides Roxo (1890-1950) 2 Livro didático de Oswaldo Sangiorgi 3 Grupo Bourbaki 4 Livro Didático 5 Oswaldo Sangiorgi 6 Livro Didático 7 Félix Klein (1849-1925) 8 Livro Didático de Scipione Di Pierro Neto Os proponentes da matemática moderna consideravam de muita importância o fato de que a matemática ensinada no currículo tradicional era inteiramente conhecida antes de 1700 e que os estudantes se sentiam enfadados com essa matemática antiquada. Além disso, os proponentes alegaram que a idade moderna exige uma matemática completamente nova. Quão moderno é o conteúdo da matemática moderna? (KLINE, 1976). 44 3 O CAMINHO DA MODERNIZAÇÃO NO ENSINO DE MATEMÁTICA Nesta parte, descrevemos os movimentos de modernização do ensino da Matemática no Brasil e no mundo, por meio da aceitação e divulgação das propostas desses, por parte de alguns educadores brasileiros ou não, que, devido a essa aceitação e divulgação, legitimaram os movimentos. A descrição do caminho da modernização no ensino da Matemática, neste estudo, se fez necessária à compreensão dos vestígios do ensino da Matemática no Estado do Rio Grande do Norte, que serão apresentados e analisados nas partes 4 e 5 deste estudo. 3.1 O primeiro movimento de modernização do ensino de Matemática No final do século XIX e início do século XX nos deparamos com a modernização do ensino de Matemática no mundo. A introdução de elementos da moderna Matemática nos cursos de nível secundário foi um dos pontos defendidos pelas propostas de modernização do ensino da Matemática. Buscavam-se, nesse movimento, disciplinas que servissem para formação geral dos indivíduos, em outras palavras, um ensino que também tivesse preocupação com a relação entre escola e trabalho e, acima de tudo, provocassem mudanças nos currículos das escolas secundárias e das universidades, consideradas, naquela época, conservadoras. O descompasso existente entre a Matemática formal ensinada nas escolas e a necessidade da sociedade de saber mais e aplicar seus conhecimentos matemáticos foi um dos motivos que incentivou alguns matemáticos a implementar as reformas curriculares nas escolas secundárias (MIORIM, 1998). Sobre essas reformas curriculares no Brasil, encontramos os seguintes registros: (1) Reforma Benjamim Constant, em 1890, que, impregnada do ideário positivista, valorizou a ciência no ensino secundário; (2) Reforma Epitácio Pessoa, em 1901, que estruturou o ensino secundário em 6 anos; (3) Reforma Rocha Vaz, em 1925, que preparava para o vestibular de Administração às escolas superiores (5 anos) e o último (6º ano) era reservado aos que queriam ser bacharéis; (4) Reforma 45 Campos, ocorrida em 1931, fixou a duração de 7 anos para o ensino secundário (os 5 primeiros anos correspondiam ao ciclo fundamental e os dois últimos ao ciclo complementar; (5) Reforma Capanema, em 1942, que manteve o caráter enciclopedista da reforma Campos no ensino secundário e o dividiu em duas partes: o curso ginasial, de 4 anos, e o colegial, de 3 anos. Este último apresentava duas modalidades: o clássico e o científico (CARVALHO, 2003). Sobre o ensino da Matemática, no bojo da reforma Campos, não ocorreu uma renovação completa em relação ao emprego de novos métodos no ensino. Este continuava centrado na Geometria grega, Álgebra elementar, como fora constituída no século XVII, e no cálculo aritmético (ROXO, 1937). As propostas para as reformas curriculares foram intensificadas e ampliadas a partir do momento que não ficaram isoladas cada uma em seu país, ou seja, elas foram divulgadas, por meio de um comitê internacional para o ensino de Matemática, o Internationale Mathematische Unterrichtskommission (IMUK) ou Commission Internatiolnale de l’Enseignement Mathématique (CIEM), criado em 1908. Esse movimento internacional, na visão de Schubring (1999, p. 31) se constituiu num estudo de caso “revelador acerca da transmissão de idéias, principalmente por sua recepção no interior de diferentes contextos e por sua transformação de acordo com características culturais específicas”. Nas propostas curriculares organizadas pelo comitê internacional, podemos identificar uma preocupação comum nos diferentes países: a Matemática ministrada no nível secundário estava defasada, tanto com relação às exigências impostas pelas transformações socioeconômicas quanto com a Matemática ministrada nas universidades. Roxo (1937, p. 54) diz que, durante o Congresso de Roma, foram designados representantes nos diversos países que deviam apresentar um relatório à Comissão central desse congresso com o intuito de responder às seguintes questões: “Qual o estado atual do ensino de matemática, do ponto de vista da sua organização, da sua finalidade e do seu método? Quais as tendências modernas que nele se fazem sentir?” Klein (apud ROXO, 1937, p. 47), em seus estudos, enfatiza a necessidade do movimento de reforma na introdução da Elementarmathematik18 ao afirmar que: 18 A obra de Klein chama-se no original: Elementarmathematik vom hoeheren Standpunkt aus. O original tem três volumes, enquanto as traduções 46 Durante muito tempo cultivava-se na Universidade exclusivamente a ciência superior sem se levarem em conta, como quer que fosse, as necessidades da Escola secundária e sem se cuidar de estabelecer uma articulação com o ensino nesta última. Qual a conseqüência de tal procedimento? O jovem estudante universitário encontra-se, ao começar seus estudos, ante problemas que nada lhe recordam das cousas que o haviam, até então, ocupado, e, naturalmente, as esquece pronta e completamente. Quando terminado seus estudos acadêmicos, volta ao professorado secundário, e se vê obrigado a ensinar a matemática elementar pela forma que exige tal grau de ensino, como não pode realizar esse trabalho estabelecendo a devida ligação com a matemática aprendida nos estabelecimentos de grau superior, aceita logo o ensino tradicional, e, dos resultados feitos, só resta uma lembrança, mais ou menos agradável, mas que não exerce nem a mais remota influência no desempenho de seu magistério. Assim, a Matemática ensinada pela escola secundária (Geometria grega, Álgebra elementar, Cálculo aritmético) pouco contribuía para o trabalho desenvolvido na universidade, bem como, ao completar seus estudos, o professor que acabara de formar-se não estabelecia relação entre os conteúdos estudados no ensino secundário com os vistos na universidade. Desse modo, começaram a surgir, em diversos países, os movimentos de renovação do ensino de Matemática das escolas secundárias. Por volta de 1890, por exemplo, surgiu na Alemanha um movimento generalizado pelo aperfeiçoamento do ensino secundário, de modo que associações de engenheiros e professores se unificaram numa aspiração comum de reorganizarem o ensino da Matemática (ROXO, 1937). Roxo (1937) nos esclarece ainda que, por proposta de Félix Klein, em 1904, realizou-se, na cidade de Breslau19, uma reunião entre professores de ciências físicas e naturais e os matemáticos, a fim de conciliarem os seus múltiplos interesses. Dessa reunião, originou-se a comissão breslauense, propondo, no congresso de Meran20, os planos meranenses de ensino, que constituíram uma aspiração máxima dos reformadores, na Alemanha. Posteriormente, em substituição à comissão breslauense, fundou-se o selecionado alemão para o ensino da matemática e das ciências naturais, que desenvolveu suas atividades durante os nas outras línguas somente foram feitas para os dois primeiros volumes (SCHUBRING. Depoimento por e-mail). 19Localizada no sudoeste da Polônia. 20 Cidade localizada na província de Bolzano-Bozen, Itália. 47 anos de 1908 a 1914, publicando, inclusive, novos planos de ensino para a escola secundária, advindo de uma revisão e de um complemento dos planos meranenses. Miorim (1998, p. 61) afirma que, na França, os pontos relativos ao ensino da Matemática, nessa reforma, foram: “preocupação em tornar o ensino mais simples e intuitivo; introdução de novos temas, que pertenciam tradicionalmente ao ensino superior e sugestão do estabelecimento de uma articulação, ou ´fusão`, entre os temas geométricos e os aritméticos.” A autora acrescenta quais eram os novos temas: o conceito de função, a representação gráfica e as noções de cálculo infinitesimal. Esses temas, além de serem classificados como importantes para as ciências naturais e para a técnica, eram considerados acessíveis para o ensino secundário. Ainda sobre o movimento reformador na França, em Roxo (1937, p. 50) encontramos: A comissão encarregada de promovê-lo [o autor se refere ao movimento] concluiu pela necessidade de uma renovação do ensino secundário, no sentido de torná-lo mais simples e mais intuitivo e de se passarem para o ensino secundário certos assuntos que, de há longo tempo, eram considerados como pertencendo à matemática superior. Roxo (1937, p. 220) também nos diz que na Reforma Benjamin Constant foi criada a cadeira de Noções de Cálculo Infinitesimal para ser estudada em um dos últimos três anos do curso secundário. No entanto, esses estudos “não tinham ligação com o resto do curso, onde não era desenvolvida a idéia de função, e feito de um ponto de vista excessivamente formalístico, tornou-se inútil e contraproducente”. Klein (apud ROXO, 1937, p. 224), levando em consideração que a Matemática escolar deve oferecer uma base geral para compreensão da nossa cultura, nos diz: os fundamentos essenciais do cálculo diferencial e integral não pertencem, de modo algum, à alta análise, mas sim à matemática elementar; e não somente isso, sinão21 que devem fazer parte integrante da matemática 21 As palavras sinão e assás foram fielmente copiadas nessa citação. 48 secundária. Tanto do ponto de vista pedagógico, como do cultural, a inclusão das noções de cálculo prende-se intimamente ao desenvolvimento da idéia de função. Esta não pode atingir a um grau suficientemente elevado, sem auxílio dos conceitos, métodos e processos do cálculo, e este, por sua vez, não poderá ser convenientemente apresentado e eficazmente assimilado pelos educandos que não tenham assás amadurecido o pensamento funcional. O cálculo infinitesimal, de fato, foi apresentado para os alunos do ensino secundário e permanece na escola brasileira. Na década de 1970, por exemplo, podemos citar o capítulo II do livro brasileiro Matemática Aplicada de Imenes, Jakubovic e Trotta, onde encontramos o estudo de limites e derivadas. Já no livro Curso de Matemática para os primeiros, segundos e terceiros anos dos cursos clássico e científico, de Bezerra, o estudo sobre limites e derivadas encontra-se no primeiro capítulo. Ainda identificamos tais conteúdos nos livros de Farias (1958), Munhoz (1976), Sampaio (1977), entre outros. Schubring (1999, p.47) nos diz que, no Brasil, a reestruturação do currículo pelo conceito de função e pelas noções do cálculo infinitesimal foi recebida como uma transmissão do movimento de reforma do IMUK. Salientamos aqui que o autor considera transmissão “como um processo de transformação no qual a parte essencial é desempenhada pelo receptor. Isso significa que o receptor tem de fato um papel ativo”. No Brasil, um possível transmissor do movimento da reforma do IMUK seria o professor Eugênio de Barros Raja Gabaglia22. De acordo com Valente (2003, p.50), embora na virada do século XX tenha sido ele o responsável pela substituição dos velhos compêndios de matemática em uso no Colégio Pedro II desde a metade do século XIX, foi ele, também, que não comentou e nem dissertou “sobre as ruidosas discussões a propósito do ensino de matemática que presenciou na Europa e que, certamente, leu nos relatórios e artigos da revista L’Enseignement mathématique, órgão oficial da comissão”. Em 1912, no Colégio Pedro II, há uma preocupação, por parte dos professores de Matemática, em estudar as modificações a serem feitas na distribuição das matérias dos cursos e, também, com a atualização do ensino de 22 Professor de matemática do Colégio Pedro II – Rio de Janeiro – desde 1885, ano em que conclui a Escola Politécnica como engenheiro e bacharel em ciências físicas e matemáticas (VALENTE, 2003, p.51). 49 Matemática no referido colégio. Sendo assim, Arthur Thiré23 propõe que seja instituída uma comissão para solicitar ao governo brasileiro que nomeie o Doutor Raja Gabaglia delegado do Brasil, para reunir-se no Congresso de Matemáticos que iria acontecer na Europa (VALENTE, 2003, p.54) Desse modo, Gabaglia é eleito e viaja para a Inglaterra em 1912, investido da condição de representante do Brasil no V Congresso Internacional de Matemática. Diversos encontros continuam a realizar-se acerca da Matemática e Gabaglia continuava sendo o representante do Brasil no exterior, tendo oportunidades de presenciar as discussões internacionais sobre a modernização do ensino de Matemática. Entretanto, o mestre Gabaglia continuava a referenciar o ensino da Matemática e seus programas através dos livros do F.I.C24, traduzidos por ele. Valente (2003, p.58) afirma que: ao que tudo indica, o mestre pouco ou nada teria se enfronhado nos debates sobre a reforma modernizadora e mais teria feito o papel de relações públicas do governo brasileiro. Outra hipótese é que Gabaglia, participando dos debates, teria também alinhado suas posições com aquelas da Itália, quem sabe até, por uma questão de afinidade de origem familiar... Gabaglia é possível pensar também, teria interesses menos idealistas e mais pragmáticos: divulgar e dar uso aos livros do F.I.C., que traduziu pela Garnier – livros que seriam considerados ultrapassados, face ao ideário da modernização proposto pela reforma internacional. De qualquer forma, as discussões sobre a modernização do ensino de Matemática continuaram por meio dos professores Arthur Thirré e Euclides de Medeiros Guimarães Roxo. Euclides Roxo foi aluno do Colégio Pedro II, e em 1915, é nomeado para exercer, pelo prazo de três anos, as funções de substituto de aritmética do Colégio Pedro II. Posteriormente, Roxo assume a cátedra da referida instituição e, preocupado com a modernização do ensino da Matemática 23 Professor do Internato do Colégio Pedro II. Nascido em Caen (França), em 1853, formado pela École Polytechnique, foi contratado junto a um grupo de outros franceses pelo imperador Pedro II para trabalhar na Escola de Minas de Ouro Preto. Transferindo-se, posteriormente, para o Rio de Janeiro, foi professor das disciplinas de Cálculo e Geometria Analítica da Escola Politécnica. Foi, ainda, professor de Matemática de escolas secundárias como o Liceu Francês do Rio de Janeiro e, em 1910, ingressa no Colégio Pedro II, onde permanece até seu falecimento, em 1924 (VALENTE, 2003). 24 No Brasil do início do século XX, os F.I.C.(Frères de I’Instruction Chrétienne) e, posteriormente, a coleção FTD representaram a melhor síntese pedagógica da matemática escolar tradicional, clássica (VALENTE, 2003). 50 acontecendo com as reformas em diversos países, elabora, em 1922, o didático Lições de Arithmética. Posteriormente, em 1929, Roxo escreve um novo didático: Curso de Matemática, devido a sua adesão ao movimento modernizador do ensino da Matemática.25 Na Alemanha, Schubring (1999, p. 41) nos esclarece que, no último terço do século XIX, o atraso da instrução matemática nas escolas secundárias tornou-se evidente e, entretanto, nenhuma iniciativa de modernização, de mudança no currículo por parte dos professores de Matemática era realizada até que Félix Klein tornou-se ativo defensor das idéias de modernização da Matemática e desenvolvesse uma agenda de reforma. Klein (1849-1925) dedicou sua vida aos estudos dos grupos contínuos de transformações e seus invariantes, demonstrando a sua importância central na geometria, na mecânica, nas equações diferenciais, ordinárias e derivadas parciais. Klein também ministrou lições inspiradoras, cujas notas mimeografadas circulavam e 25 Uma das modificações realizadas no Colégio Pedro II, consideradas já antiquadas, foi a modificação da distribuição das matérias do curso secundário. Até então havia a seriação das matérias Aritmética, Álgebra e Geometria. A partir de agora, sob a denominação de Matemática, do 1º ao 4ºano do curso, seriam ministradas as aulas acerca da Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria (VALENTE, 2003). Figura 1 – Euclides Roxo (1890-1950) e o Didático Lições de Arithmética Fonte: 51 proporcionavam às gerações de matemáticos uma informação especializada e compreensível da Matemática (STRUIK, 1989). Klein acreditava na importância de estudar Matemática por ela mesma e enfatizava a maneira de como a disciplina poderia auxiliar para o desenvolvimento de outras ciências, sendo uma ferramenta teórica fundamental para obtenção de diversos resultados, e além de ressaltar o valor formal da Matemática (MIORIM, 1998, p.68). Miorim (1998, p. 68) afirma que: com relação ao ensino de Matemática desenvolvido nas escolas secundárias, acreditava que ela deveria ser ensinada com maior ´zelo` [ a autora se refere a Klein]. Não sugeria, entretanto, nem uma mudança de seus conteúdos, mas, apenas, que fosse ensinada de uma maneira mais viva, com mais significado. Para que isso pudesse ocorrer, acreditava que as universidades deveriam aumentar o padrão dos estudos matemáticos oferecidos aos futuros professores, de forma a possibilitar-lhes não apenas o contato com os assuntos sobre os quais iriam ensinar, mas também com os últimos desenvolvimentos da Matemática, os quais deveriam ser complementados com a produção de um trabalho independente. Ou seja, Klein acreditava que os estudos mais avançados de Matemática nas Figura 2 – Félix Klein (1849-1925) Fonte: 52 universidades acarretariam uma mudança de qualidade no ensino de Matemática nas escolas secundárias. Segundo Miguel (1993, p.36), Klein preocupava-se também com o uso da História da Matemática para o ensino da Matemática. Miguel (1993, p.36) relata que no prefácio à primeira edição alemã (1908) da obra Elementarmathematik26, cujo primeiro volume foi traduzido para o inglês em 1932 e o segundo em 1939, Klein expressava seu objetivo: o novo volume que ofereço ao público matemático, e especialmente aos professores de matemática de nossas escolas secundárias, deve ser encarado como uma primeira continuação das leituras ´Sobre o Ensino de Matemática nas Escolas Secundárias`, em particular de ´A organização da Instrução Matemática` de Schimmack e minha, que foram publicadas no ano passado por Teubner. Nesta época nossa preocupação centrava-se nos diferentes modos pelos quais o problema da instrução podia ser apresentado aos matemáticos. Nesta obra, minha preocupação é com os desenvolvimentos dos conteúdos da matéria de instrução. Finalmente em relação ao método de apresentação que se segue, será suficiente dizer que eu procurei aqui, como sempre, combinar a intuição geométrica com a precisão das fórmulas aritméticas, e que deu-me um prazer especial seguir o desenvolvimento histórico de várias teorias a fim de compreender as marcantes diferenças nos métodos de apresentação quando confrontados com os demais métodos presentes na instrução atual. Desse modo, percebemos a preocupação de Klein com o uso da História da Matemática como um método de ensino. Em nossa dissertação de mestrado (GUTIERRE, 2003) observamos que os defensores desse ponto de vista acreditam que os professores podem encontrar, na História da Matemática, métodos pedagogicamente adequados a abordagens de conteúdos em sala de aula, pois um exame detalhado da História da Matemática pode revelar diferentes métodos para resolver um mesmo tipo de problema, o que, sem dúvida, tem um grande valor pedagógico. Diante do exposto, ficam-nos claras as posições de Klein em modificar o ensino da Matemática. Entretanto, foi quando participou de um grupo de matemáticos na Technische Hochschule de Munique que reviu muitas idéias. Schubring (1999), em seu artigo “O primeiro movimento internacional de reforma curricular em matemática e o papel da Alemanha: um estudo de caso na 26 Em inglês: Elementary Mathematics from an Advanced Standpoint. 53 transmissão de conceitos”, declara que Klein percebeu que o maior perigo para o seu programa de reforma estava nas escolas técnicas superiores, pois essas escolas gozavam do estatuto de uma disciplina básica, propedêutica, devido ao seu caráter politécnico. O autor continua afirmando que os professores dessas escolas apresentavam os conteúdos dentro da maneira rigorosa da escola de Berlim. Tal modo não satisfazia os estudantes, que se afastavam faltando às aulas. Por outro lado, os engenheiros ficavam cada vez mais convictos de que eles próprios deveriam ministrar, também, esses cursos de Matemática. Por isso, Klein, a partir de 1900, propôs introduzir os conteúdos de geometria analítica e os elementos do cálculo diferencial e integral nas escolas técnicas superiores e nas escolas secundárias. Mas, como introduzir, de fato, os conteúdos de geometria analítica e as noções do cálculo infinitesimal nas escolas técnicas superiores e nas escolas secundárias? Klein, otimista, levou suas propostas, em abril de 1902, ao gabinete ministerial a fim de que elas fossem decretadas (a partir de cima). Entretanto, o ministério recusou-se a decretar tais propostas, uma vez que acarretariam mudanças, mas, pelo fato de concordar com as mesmas, sugere a Klein que tais propostas de mudanças curriculares sejam ‘a partir das bases’, isto é, professores adequadamente treinados atuariam como agentes para implementação das reformas em escolas selecionadas. Tais professores estariam autorizados a promover as mudanças propostas por Klein sem a aprovação prévia das autoridades escolares (SCHUBRING, 1999, p.43). Desse modo, Klein mostrou seu desejo de aperfeiçoar a Educação Matemática nas escolas, por meio da inserção, nestas, das idéias de que o conceito de função e as noções do cálculo infinitesimal deveriam fazer parte dos currículos escolares. Em parte, ele obteve sucesso, pois um número significativo de professores, associações e, inclusive, o ministério da Prússia juntaram-se a ele nessa luta. Young, matemático americano, citado por Roxo (1937, p.55) fala, em 1929, sobre o resultado do movimento de reforma. Ele assim se expressou: É demasiado cedo para predizer qual será o resultado do movimento internacional para melhorar o ensino da matemática e no meio do qual nos achamos atualmente. Pode, pelo menos, ser considerado como um grande 54 passo para provar que existe a inquietação; que a necessidade de melhorar está largamente reconhecida, que o sentimento tranqüilo de ser a matemática uma disciplina acabada, cujo ensino não está sujeito a ulterior aperfeiçoamento, dissipou-se de modo eficaz. O pêndulo se está afastando do abstrato, do formalístico, do sistematizado – possivelmente mesmo para o outro extremo – seja como for, está oscilando e ainda não chegou o dia de um relativo reajustamento. No tocante ao resultado do movimento de reforma é difícil avaliar até que ponto as idéias modernizadoras foram alcançadas, até mesmo porque as atividades do IMUK foram interrompidas durante os períodos das Grandes Guerras, e foram elas que representaram o primeiro grande movimento em prol da reforma do ensino de Matemática no mundo. No entanto, podemos dizer que, a partir de 1950, começaram a surgir, novamente, iniciativas organizadas e centralizadas em prol da melhoria do currículo e do ensino de Matemática, pois, segundo Soares (2001, p.28), nessa época “já havia consenso por parte de matemáticos, professores e educadores de vários países de que o ensino de Matemática não ia bem. O ensino precisava de novas diretrizes para que pudesse atender melhor às necessidades dos alunos”. Na visão de Miorim (1998), as propostas modernizadoras para o ensino da Matemática, que descrevemos até aqui foram, na verdade, uma espécie de preparação para o Movimento da Matemática Moderna (MMM). É sobre esse movimento que passaremos a descrever a seguir. 3.2 O Movimento da Matemática Moderna Em 1959, acontece, na França, a Conferência de Royaumont, apoiada pela Organization for European Economic Cooperation (OEEC). Nessa Conferência os países participantes defendem: a proposta de dar aos alunos uma melhor preparação para os estudos universitários e fornecer a Matemática como um instrumento para uso na vida diária. A demanda por cientistas e engenheiros e as novas aplicações da Matemática na indústria e em outros campos da atividade econômica também eram apresentadas como justificativa para a necessidade de 55 reavaliar os conteúdos e métodos utilizados para o ensino da Matemática nas escolas (SOARES, 2001, p. 26) Essa preocupação em modernizar o ensino de Matemática, segundo pesquisadores brasileiros que estudam o MMM, tais como Valente(2003), Soares (2001), Brito (2006), Miorim (1998), Burigo (1989), Matos(2007) e outros, dizem-nos que esse movimento foi originalmente motivado pelos norte-americanos, pois esses queriam resolver o problema de estarem em desvantagem tecnológica em relação aos russos, devido ao lançamento do Sputnik I (primeiro satélite artificial da Terra), em 1957. Soares (2001) afirma que, embora o Sputnik não tenha sido o único fator determinante da reforma, foi o seu lançamento que acelerou e desencadeou um movimento internacional de modernização do ensino de Matemática, pois os norte- americanos, convencidos da sua desvantagem tecnológica perante a então URSS, empenharam-se em uma reforma do ensino de Matemática e de Ciências, apoiando e financiando a criação de novos grupos para estudar propostas curriculares para a escola secundária. Foi, inclusive, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que, por exemplo, os governantes dos Estados Unidos perceberam os problemas existentes em relação ao ensino de Matemática, uma vez que os soldados americanos apresentavam um alto grau de deficiência nessa área. Para amenizar tal situação o governo norte-americano foi obrigado a oferecer cursos especiais e a desenvolver projetos, visando à melhoria do ensino secundário, adequando esse ensino à realidade da universidade e aos avanços tecnológicos (MIORIM, 1998). Além disso surgiram, nos Estados Unidos, inúmeros grupos de estudos. Entre eles, citamos o grupo de Estudos de Matemática Escolar da Universidade de Yale, conhecido como School Mathematics Study Group (SMSG), o qual se notabilizou pela publicação de livros didáticos e pela disseminação da Matemática Moderna no mundo (SOARES, 2001). Do Brasil, especificamente de São Paulo, foram selecionados, por currículo, os professores Lafayette de Moraes e Osvaldo Sangiorgi para freqüentarem os cursos do SMSG (GARNICA, no prelo). Assim, o Movimento da Matemática Moderna foi um movimento de reforma que ocorreu em diversos países, na década de 1950, com o objetivo de renovar o ensino da Matemática, aproximando o ensino de Matemática do nível secundário 56 àquele desenvolvido na universidade, por meio da introdução de tópicos, tais como: teoria dos conjuntos, lógica, estudo das estruturas algébricas fundamentais, topológicas e de ordem, conceitos de grupo, anel e corpo, espaços vetoriais, matrizes, álgebra de Boole, noções de cálculo diferencial e integral e estatística. Antes de 1950, os conteúdos, segundo Soares (2001), voltados ao ensino da Matemática eram: cálculos aritméticos, identidades trigonométricas, teoremas de geometria e suas demonstrações e resolução de problemas, sem utilidade prática. A teoria dos conjuntos não fazia parte dos conteúdos ministrados no ensino secundário. O Estado de São Paulo torna-se pioneiro no MMM, devido à criação do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM), em 1961, na cidade de São Paulo, liderado pelo professor Osvaldo Sangiorgi. As finalidades do GEEM eram: (1) incentivar, coordenar, divulgar e atualizar a Matemática, bem como o seu ensino, nos cursos primário, secundário e normal, principalmente nos estabelecimentos do estado de São Paulo, através da cooperação direta com a Secretaria dos Negócios da Educação de São Paulo e (2) promover intercâmbio com entidades congêneres e Centros Universitários, nacionais e estrangeiros, a fim de que se introduzam no ensino brasileiro, na medida dos recursos pedagógicos, os fundamentos da Matemática contemporânea (SANGIORGI, 1962). O professor Oswaldo Sangiorgi e outros, como, por exemplo, o professor Ari Quintela, tiveram uma grande inserção nas escolas secundárias brasileiras por meio de sua coleção de livros didáticos. Pinto (2007, p. 110) nos diz que “muito antes da chegada da Matemática Moderna ao Brasil [Oswaldo Sangiorgi] já havia conquistado a confiança dos professores com sua tradicional matemática”. Sobre a Matemática Moderna, Sangiorgi (1962, p.3) nos diz que: O nome Matemática Moderna apresentava-se, a rigor, indevidamente, pois, na realidade não se objetivava ensinar um programa completamente diferente daqueles tradicionalmente conhecidos. O que se deseja essencialmente com Modernos programas de Matemática (e esta seria a expressão mais aconselhada), é modernizar a linguagem dos assuntos considerados imprescindíveis na formação do jovem estudante usando os conceitos de conjuntos e de estruturas. 57 De fato, no volume 1 do seu livro Matemática – Curso Moderno, de 1966, Sangiorgi chama a atenção do leitor ao uso dos conjuntos e das estruturas. Na página 40 desse livro, no estudo sobre sistemas de numeração, ele faz uma exaltação à Matemática Moderna: É útil mostrar aos jovens alunos da 1ª série Ginasial a possibilidade de ‘construir’ sistemas diferentes do Decimal. A finalidade é propiciar um contacto ‘concreto’ com as idéias de conjunto e de ordem que constituem matéria importante para o desenvolvimento da Matemática Moderna. (Grifos do autor). Interessante notar que em diversos momentos desse livro, Sangiorgi se remete ao formalismo, às estruturas, à linguagem simbólica da Teoria dos Conjuntos. Na página 107, por exemplo, ele afirma que os estudantes precisam aprender novos símbolos que facilitarão o estudo dos divisores e múltiplos de um número. Há toda uma explicação, uma notoriedade voltada à certeza de que utilizar os símbolos da relação de pertinência (∈ (pertence), ∉ (não pertence)) ou os símbolos da relação de inclusão (⊃ (contém), ⊂ (está contido)) fará com que o aluno realmente entenda o conteúdo múltiplos e divisores. Figura 3 – Livro Didático de autoria de Osvaldo Sangiorgi Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 58 Percebemos assim que a maioria dos conteúdos apresentados nos livros tinham de ter uma relação com a Teoria dos Conjuntos. As operações de máximo divisor comum (m.d.c) e mínimo múltiplo comum (m.m.c), por exemplo, foram apresentadas por meio da intersecção de conjuntos. Além disso, todas as propriedades estruturais (fechamento, comutativa, elemento neutro, associativa) válidas para as operações de adição e multiplicação, foram demonstradas para o m.d.c. e para o m.m.c., rigorosamente. Sangiorgi (1962, p. 93), no seu artigo intitulado Sistemas Matemáticos e Estruturas, tece comentários sobre a Matemática Moderna. Ele nos diz: Preocupando-se, então, a Matemática atual, muito menos com a natureza dos elementos que estuda (números, polinômios, pontos, vetores, etc...) e muito mais com o tipo de estruturas que caracteriza as relações existentes entre esses elementos – que aparentemente não estão subordinados à relação alguma – é fundamental que a Escola Secundária de hoje, sem mais perda de precioso tempo, transmita aos seus jovens alunos as verdadeiras mensagens de que é portadora a Matemática contemporânea. Usando, num sentido bem geral, as idéias fundamentais de conjunto (de número ou não) e de operação (tradicional ou não), amparadas com uma notação mais ampla de símbolos lógicos, a unidade da Matemática será posta em evidência a cada passo, permitindo aos que a estudam uma melhor compreensão dos métodos e procedimentos empregados tanto para números, como para polinômios, pontos, vetores e abstrações das mais diversas, ressaltando-se, assim, o caráter estrutural da chamada Matemática Moderna. (Grifos nossos). E, de fato, Sangiorgi apresenta o conteúdo, destacando as estruturas. Ele defendia que certos conceitos deveriam ser desenvolvidos por meio de algumas estruturas e “nunca por vias que cuidam de mostrar ingenuamente interpretações provisórias e falhas” (SANGIORGI, 1962, p.3). No entanto, Soares (2001, p. 48) nos chama a atenção sobre o aspecto prático dos livros didáticos, assim se expressando: o que era posto em prática pelos livros didáticos era a ênfase excessiva em uma linguagem precisa e rigorosa e na justificação de cada passo dado na resolução do problema. O fato é que, apesar da veiculação da necessidade do estudo das estruturas matemáticas como base para o melhor entendimento da Matemática, o mais divulgado era a existência de uma correspondência entre essas estruturas com as estruturas mentais do 59 indivíduo. A idéia de estrutura, na prática, foi menos explorada e menos incorporada ao Movimento do que a idéia de conjunto. No entanto, as principais idéias defendidas por Sangiorgi e pelos adeptos da Matemática Moderna estavam concentradas nos trabalhos de Bourbaki. Diversos são os autores que falam sobre Nicholas Bourbaki, pseudônimo usado por um grupo de matemáticos (entre os quais podemos citar Dieudonné, Cartan, Chevalley, Weil) que, em livros e artigos, defendiam uma evolução e uma revolução interna na Matemática a partir do desenvolvimento e estudo da noção de estrutura. Para o Grupo Bourbaki três eram as estruturas fundamentais na Matemática, intituladas de estruturas-mãe: as estruturas algébricas, as estruturas de ordem e as estruturas topológicas. Estas três estruturas seriam capazes de gerar todas as outras. Os primeiros trabalhos publicados pelo grupo Bourbaki são das décadas de 1930 e 40 e tiveram grande influência no Movimento da Matemática Moderna. Bourbaki (apud GUIMARÃES, 2007) diz que o método axiomático encontra o seu fundamento na convicção de que, se a Matemática não é uma seqüência de silogismos desenvolvendo aleatoriamente, ela é concebida como uma ciência cuja evolução evidencia a sua unidade, podendo assim ser caracterizada como uma ciência com um método e um objetivo próprio. Figura 4: Grupo Boubarki Fonte: 60 As estruturas, para Boubarki, são um conjunto de propriedades a que obedecem todos os teoremas deduzidos dos seus axiomas. São “‘instrumentos’ que o matemático pode utilizar na sua investigação” (GUIMARÃES, 2007). Schwarz (apud Soares, 2001, p.47) fala que, nos trabalhos de Bourbaki, cada teoria é dissecada de tal maneira que ela se exprime numa sucessão de teoremas, proposições e corolários com demonstrações muito curtas, cada uma das quais é uma conseqüência quase imediata da precedente. O papel destes livros é pois, sobretudo, pedagógico; a maior parte dos resultados não são novos, embora expressos em geral de forma original. Enfim, para Bourbaki existia somente uma (única) Matemática e o método axiomático é o meio que permite que se chegue a essa unidade. Contudo, no início da década de 1970, o MMM começou a fracassar, pois, nesse período, algumas críticas se intensificaram em todo o mundo. Devemos, no entanto, reconhecer que o Movimento durou mais de uma década e que muitas de suas idéias iniciais foram deformadas ou não cumpridas, e depois de algum tempo o ensino da Matemática não melhorou (SOARES, 2001). Um dos maiores críticos da Matemática Moderna foi o matemático Morris Kline. Ele foi professor da Universidade de Nova York, desde o final da década de 1950. Em seu livro O Fracasso da Matemática Moderna (1976) são diversas as críticas feitas ao MMM. Entre essas, Kline (1976, p. 28) aponta a falta de motivação dos estudantes em estudar Matemática, em conseqüência da Matemática Moderna: A realidade é que não se oferece motivação para o estudo de matemática no currículo tradicional. Os estudantes estudam-na porque se exige que o façam. [...]. deixar de apresentar a importância da matemática equivale a ensinar o estudante a ler notações musicais sem lhe permitir que toque um instrumento musical. Além disso, sabemos que a Teoria dos Conjuntos foi o tópico que recebeu a maior ênfase por parte dos modernizadores, inclusive dos autores de livros didáticos, no Brasil. Sobre essa teoria que tanto os proponentes da matemática moderna estudaram e repassaram aos estudantes, afirmando que era um conceito básico da 61 matemática e que unificava vários ramos desta, Kline (1976, p. 117-119), contrariamente a essa opinião, diz: Ora, não há dúvida que a palavra ‘conjunto’ é útil. Nada mais significa que coleção, classe, grupo, etc., no sentido não-técnico comum. Mas, conforme já observamos, pede-se aos estudantes que aprendam a união e interseção de conjuntos, subconjuntos, conjunto vazio, conjuntos infinitos, correspondência de um para um entre conjuntos infinitos, conjuntos infinitos maiores e menores e outros conceitos. Tudo isso é pura perda de tempo. Nas teorias muito sofisticadas e adiantadas de matemática, a teoria de conjuntos exerce um papel, mas na matemática elementar não exerce nenhum. [...]. Um exame crítico dos usos da teoria dos conjuntos nos textos das escolas elementares e ‘high school’ rejeita a afirmação dos modernistas de que a teoria de conjuntos unifica a matemática. Além de usá-la artificialmente para definir conceitos, nenhum uso significativo é feito do assunto. O assunto todo é de fato posto de lado e somente o vocabulário sobrevive no desenvolvimento posterior. Soares (2001) nos diz que, em 1975, em um artigo publicado pelo jornal "O Estado de São Paulo", o próprio professor Osvaldo Sangiorgi, que defendeu as idéias da Matemática Moderna no Brasil, reconheceu os erros que foram cometidos. Sobre esse aspecto, Sangiorgi (apud SOARES, 2001, p.116) diz que "começaram a surgir também no Brasil, sinais vermelhos contra a aceleração exagerada que se fazia em nome da Matemática Moderna". Nesse mesmo artigo, Soares (2001, p.116) relata que o professor Sangiorgi apontou os principais efeitos da Matemática Moderna no ensino: (1) Abandono paulatino do salutar hábito de calcular (não sabendo mais a ‘tabuada’ em plena 5ª e 6ª séries!) porque as operações sobre conjuntos (principalmente com os vazios!) prevalecem acima de tudo; acrescenta-se ainda o exclusivo e prematuro uso das maquininhas de calcular, que se tornaram populares do mesmo modo que brinquedos eletrônicos. (2) Deixa- se de aprender frações ordinárias e sistema métrico decimal – de grande importância para toda a vida – para se aprender, na maioria das vezes incorretamente, a teoria dos conjuntos, que é extremamente abstrata para a idade que se encontra o aluno. (3) Não se sabe mais calcular áreas de figuras geométricas planas muito menos dos corpos sólidos que nos cercam, em troca da exibição de rico vocabulário de efeito exterior, como por exemplo ‘transformações geométricas’. (4) Não se resolvem mais problemas elementares – da vida quotidiana – por causa da invasão de novos símbolos e de abstrações completamente fora da realidade, como: ‘O conjunto das partes de um conjunto vazio é um conjunto vazio?’, proposto em livro de 5ª série. 62 Entendemos que obstáculos foram encontrados durante o Movimento da Matemática Moderna no Brasil. Citamos, por exemplo, a falta de conscientização dos professores de que era necessário pôr em prática o novo currículo. Citamos também a importância exagerada que foi dada aos livros didáticos, permitindo que livros de baixa qualidade circulassem livremente, sem nenhuma fiscalização do governo. Como diz Soares (2001, p.133): “aos livros foi deixada a tarefa de ensinar, já que o professor, sem dúvida a parte mais importante desse processo, não estava bem preparado”. Contudo, o Movimento da Matemática Moderna, ao contrário de outras propostas de menor amplitude, atingiu e mobilizou vários países durante mais de uma década, despertando em cada um deles maior ou menor envolvimento, rápida ou lenta introdução. A dimensão que o Movimento adquiriu mostrou-se importante para o Brasil, à medida que a aceitação e divulgação internacional das propostas da Matemática Moderna contribuíram para a legitimação do Movimento por parte dos educadores brasileiros. 63 4 VESTÍGIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN (1950-1980) 1 Nancy Gomes dos Santos 2 Zélia Maria de Moura 3 João Faustino Ferreira Neto 4 Maria do Socorro S. S. Alves de Assis 5 Antônio Roberto da Silva 6 Teresinha Garcia de Melo 7 Adalberto Jorge Vieira Pinto 8 Francisco Canindé de Oliveira Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas da memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. Se assim é, por que não aproveitar essa oportunidade que só nós temos entre os historiadores, e fazer nossos informantes se acomodarem relaxados sobre o divã, e, como psicanalistas, sorver em seus inconscientes, extrair o mais profundo de seus segredos? Eis um convite sedutor (PAUL THOMPSON, 1992). 64 4 VESTÍGIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN (1950-1980) Descrevemos e analisaremos nesta parte os vestígios encontrados acerca da modernização do Ensino de Matemática no RN no período de 1950 a 1980, inter- relacionando esses com as narrativas dos nossos entrevistados. 4.1 O analfabetismo no RN na década de 1960: algumas questões De acordo com os dados apresentados no Relatório de 1963, do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (CEPE) à Secretaria do Estado, da Educação e da Cultura do RN (SEEC/RN), “quase 80% da população adulta do Rio Grande do Norte é analfabeta ou sabe apenas assinar o nome, incapaz de ler o que escreveu [...] pobreza implica doença que implica pobreza”. O CEPE tinha como objetivo organizar matrizes curriculares dos cursos oferecidos pela SEEC/RN, assim como indicar materiais didáticos e atividades aos professores que ministrariam esses cursos. Na primeira metade da década de 1960, segundo o relatório do CEPE, o Rio Grande do Norte foi um dos estados de menor renda do país e estava entre as áreas de mais elevada natalidade do mundo. A mortalidade infantil também apresentava taxas elevadas: estava na ordem de 42% na capital Natal e de 20% em todo o Estado. A pobreza evidenciada no RN, nessa época, também se devia à distribuição irregular da terra, pois essas eram destinadas apenas à subsistência de seus proprietários. Ao camponês, por exemplo, que era a maioria da população, cabia apenas cultivar a terra para conseguir manter sua família. No entanto, o RN possuía 92% do seu território na zona semi-árida, sofrendo, assim, os efeitos negativos de um clima irregular e inseguro, não permitindo ao camponês a colheita garantida para o seu sustento (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963). De acordo com o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 60, a população alfabetizada em terras potiguares 65 era na ordem de 364.976 pessoas, enquanto que 586.688 pessoas não dominavam o conhecimento da leitura e da escrita. Ainda o relatório do CEPE continha a seguinte afirmação: “só a educação do povo e uma conscientização progressiva poderá trazer a indispensável mudança de mentalidade que proporcionaria ao Estado a primeira condição para alterar o quadro atual”. Assim, destacamos que também era o desejo do povo ser alfabetizado, pois percebemos tal desejo nas palavras do senhor Antônio Ferreira, um dos alunos da experiência educacional realizada por Paulo Freire, em Angicos27/RN, ao então Vice - Presidente da República João Goulart, quando este visitou o local do curso de treinamento (Angicos), para dar a última aula do curso de alfabetização de adultos: “Nós ainda temos a fome da barriga, mas a nossa maior fome é a da cabeça”. (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963, p.2). No país, no período que antecede 1960, estava na presidência do Brasil Juscelino Kubitschek de Oliveira28 e na vice-presidência João Goulart29. Esse governo elaborou um plano de metas para o país cujo slogan era cinqüenta anos de progresso em cinco de governo. Assim, o governo foi perpassado por medidas como a construção de hidrelétricas e a criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), entre outras. No Rio Grande do Norte, em 1956, Dinarte de Medeiros Mariz30 toma posse para governar o Estado e, durante o seu mandato (1956-1960), enfatiza, por meio das suas mensagens, sua preocupação com a Educação, como podemos perceber na mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 01 de junho de 1957, acerca do ensino: 27 Cidade localizada a 169 km da capital Natal. Foi na cidade de Angicos, durante o Governo de Aluísio Alves (1961-1966), que, para educar um grande número de pessoas em um curto espaço de tempo, foi lançado o método do professor Paulo Freire. Nesse estudo, posteriormente, nos remeteremos a esse assunto. 28 Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em 22 de agosto de 1902 em Diamantina/MG. Formou-se como médico na cidade de Belo Horizonte, em 1927. Venceu a eleição para Presidente da República com o slogan ‘Cinqüenta Anos em Cinco’. Morreu em 20 de agosto de 1976. (Disponível em: Acesso em 10/09/2008). 29 João Goulart nasceu em São Borja/RS, no dia 1º de março de 1918. Participou do governo de Juscelino Kubitscheck como vice-presidente. Reeleito vice-presidente com Jânio Quadros, Jango, como ficou popularmente conhecido, tomou posse em 7 de setembro de 1961, após a renúncia do então presidente em agosto do mesmo ano. Em 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto pelo golpe militar de 1964, e foi exilado no Uruguai. Faleceu no exílio, no município argentino de Mercedes, em 6 de dezembro de 1976. (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 30 Dinarte de Medeiros Mariz, nascido em Serra Negra do Norte no dia 23 de agosto de 1903. Faleceu em Brasília, no dia 9 de julho de 1984. (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 66 um dos principais problemas com que se vê a braços o meu Governo é o que diz respeito ao Ensino, cuja relevância é primordial na sua nobilitante missão e altas finalidades. Os defeitos de uma deficiente e vetusta organização pedagógica estão a exigir uma reforma fundamental que venha atualizar o ensino e adequá-lo às modernas tendências e orientação da didática. No contexto educacional brasileiro, nessa época, ainda acontecia nas escolas a influência do escolanovismo31 e esse apresentava sinais visíveis de exaustão. Saviani (2002, p. 11) afirma que: a pedagogia nova, ao mesmo tempo que se tornava dominante como concepção teórica [...] na prática revelou-se ineficaz em face da questão da marginalidade. Assim, de um lado surgiam tentativas de desenvolver uma espécie de ‘Escola Nova Popular’, cujos exemplos mais significativos são as pedagogias de Freinet32 e de Paulo Freire33; de outro lado, radicalizava-se a preocupação com os métodos pedagógicos presentes no escolanovismo que acaba por desembocar na eficiência instrumental. Articula-se aqui uma nova teoria educacional: a pedagogia tecnicista. 31 “As críticas à pedagogia tradicional formuladas a partir do final do século XIX foram, aos poucos, dando origem a uma outra teoria da educação. Esta teoria mantinha a crença no poder da escola e em sua função de equalização social. Portanto, as esperanças de que se pudesse corrigir a distorção expressa no fenômeno da marginalidade, através da escola, ficaram de pé. Se a escola não vinha cumprindo essa função, tal fato se devia a que tipo de escola implantado – a Escola Tradicional – se revela inadequado. Toma corpo, então, um amplo movimento de reforma, cuja expressão mais típica ficou conhecida sob o nome de ‘escolanovismo’. Tal movimento tem como ponto de partida a Escola Tradicional já implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria da educação que ficou conhecida como pedagogia tradicional. A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira de interpretar a educação e ensaiando implantá- la, primeiro, através de experiências restritas; depois, advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares.” (SAVIANI, 2002, p.7). 32 Célestin Freinet nasceu em 15 de outubro de 1896, em Gars ,no sul da França. Em 1º de outubro de 1935 inaugura a Escola Freinet, que foi a primeira escola proletária particular da França. Faleceu em 8 de outubro de 1966, deixando seu trabalho conhecido em mais de 20 países. Morreu em sua escola, em Vence. Sua mulher Elise e sua filha Madeleine continuaram escrevendo e divulgando o trabalho da pedagogia freinetiana. (Disponível em: . Acesso em 23/10/2008). 33 Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, no dia 19 de setembro de 1921. Foi um educador brasileiro. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. Faleceu em São Paulo, no dia 2 de maio de 1997. (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 67 Assim, em continuidade às atividades do governo de Dinarte Mariz, assumiu a administração do Estado, no período de 1961 a 1966, Aluízio Alves34. Em seu mandato, elegeu, também, a educação como uma das prioridades, lançando mão do plano Fazer em três anos o que não se fez em três séculos, que tinha como objetivo mudar o cenário educacional norte-riograndense, pois, a educação se constituía num dos problemas mais graves do Estado. Por essa razão, passou a ser uma das prioridades do novo governo. Nessa área, a situação era caótica, como demonstram os dados divulgados na época: ‘mais de 65% de analfabetos; podendo-se afirmar que cerca de 80% da população ativa apenas sabia assinar o nome; das 250.655 crianças em idade escolar, as escolas estaduais só podiam atender a 55 mil, enquanto as municipais apenas 27 mil e as particulares não abrigavam mais de 28 mil, num total deprimente de 11 mil matrículas. O déficit de mais de 140 mil crianças sem escola, sem nenhuma possibilidade de aprender a ler e a escrever, representava mais da metade da população escolar. [...]. O número de professores primários não excedia a 3.911, dos quais só 660 portavam diploma, e entre os restantes incluíam-se diaristas sem habilitação para o magistério e sem estabilidade funcional, reduzindo-se a 2.121 professores (HISTÓRIA..., 2008, p.7). Assim, a realidade presente no Rio Grande do Norte exigia um esforço das autoridades para promover mudanças à população. Tal esforço se deu quando foi organizado pela Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC) um Programa de Educação para o Triênio 1963/1965 incorporando-o ao “Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado, dentro das metas do Plano Trienal de Educação”. (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS,1963, p.3). O Programa de Educação para o Triênio 1963/1965 foi organizado de modo a contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Estado, pois o RN começava a produzir resultados com a extensão da rede de eletrificação de Paulo Afonso e com a criação de companhias mistas de incentivo ao investimento privado na região. Para tanto, tornava-se necessário elevar os níveis educacionais da população, a fim de se ter técnicos especializados, indispensáveis a todo e qualquer tipo de desenvolvimento. Além disso, segundo o relatório da SEEC, o RN precisava 34 Aluísio Alves nasceu em Angicos/RN, no dia 11 de agosto de 1921. Era jornalista, advogado e político brasileiro com base eleitoral no Rio Grande do Norte, estado do qual foi governador entre 1961 e 1966, sendo depois cassado pelo AI-5, em 1969. Faleceu em Natal no dia 6 de maio de 2006. (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 68 cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)35, ajustando-se ao Plano Nacional de Educação. Assim, a SEEC criou o Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte (SECERN), cujo diretor executivo era o Secretário de Educação, o jornalista Francisco Calazans Fernandes36, para aplicar com êxito os recursos recebidos para a execução do Programa. Tais recursos superavam o orçamento normal da Secretaria, pois provinham do Ministério da Educação e Cultura (MEC), da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), do Governo do Estado e da Aliança para o Progresso. Percebemos, assim, que Aluízio Alves tinha um estreito relacionamento com o governo norte-americano por meio da Aliança para o Progresso, pois conseguia empréstimos para a realização de suas metas de governo, inclusive criando e estruturando esse Serviço Cooperativo de Educação cujos objetivos já foram citados neste estudo. Desse modo, inferimos que o ensino no RN, inclusive o ensino de Matemática, foi afetado pelas conjunturas políticas, tanto nacionais quanto internacionais, que se corporificaram em um convênio entre SUDENE e outros órgãos, como a United States Agency for International Development (USAID). Essa Agência para o Desenvolvimento Internacional junto com o Ministério da Educação favoreceu, no RN, o desenvolvimento de políticas educacionais com a finalidade de combater o analfabetismo. As fontes por nós analisadas indicam que o economista Celso Furtado37 (1920-2004), então diretor da SUDENE, reuniu-se, em maio de 1961, com o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy38 (1917-1963), 35 LDB/1961. 36 “Francisco Calazans Fernandes, 73 anos, começou no jornalismo em 1948, destacou-se como repórter investigativo nas principais publicações brasileiras, ganhou um Prêmio Esso e enveredou, a partir do início dos anos 1960, pelos caminhos da gestão educacional. Foi secretário de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte entre 1962 e 1963 e dirigiu, de 1975 a 1992, o Departamento de Educação da Fundação Roberto Marinho.” (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 37 Celso Monteiro Furtado nasceu em Pombal(RJ), no dia 26 de julho de 1920. “Foi um importante economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. Suas idéias sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento divergiram das doutrinas econômicas dominantes em sua época e estimularam a adoção de políticas intervencionistas sobre o funcionamento da economia”. Morreu em 20 de novembro de 2004, no Rio de Janeiro. (Disponível em: . Acesso em 13/10/2008). 38 “John Fitzgerald Kennedy (Brookline, Massachusetts, 29 de maio de 1917 — Dallas, 22 de novembro de 1963) foi um político estadunidense e o 35° presidente de seu país (1961–1963).Sua família era de ascendência irlandesa e tradicionalmente católica. Kennedy era filho de Joseph P. Kennedy, embaixador dos Estados Unidos no Reino Unido no fim dos anos 30.” (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 69 para apresentar os projetos que vinham sendo desenvolvidos pela SUDENE e pelo então Governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves. A partir de então pretendeu-se alfabetizar 100.000 adolescentes e adultos em três anos “num esforço sem precedentes no Brasil e até mesmo na América Latina” (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963, p.8). Nas nossas pesquisas, observamos que o governador Aluízio Alves tinha como plano de meta Fazer em três anos o que não se fez em três séculos, daí inferimos essa vontade de alfabetizar 100 mil pessoas. Vieira (2005, p. 69) nos diz que a meta era alfabetizar aqueles que tinham acima de treze anos e que o Governador Aluízio Alves também tinha a pretensão de ampliar a escolaridade a todas as crianças do estado e, para tanto, seria necessária a construção de 1000 salas de aula. Tomou as seguintes medidas: recuperação de prédios antigos; construção de novos edifícios e funcionamento de cursos de 1º grau nos prédios dos Grupos escolares. Para o 2º grau foram construídos três prédios os quais funcionam até hoje: o Instituto Padre Miguelinho, o Instituto de Educação Presidente Kennedy e o Centro Educacional Winston Churchill. Nossa narradora Nancy Gomes dos Santos, se remete à participação da USAID nesse momento de medidas acerca da construção de prédios, durante o mandato de Aluízio Alves: percebemos a participação da USAID, se me lembro bem, foi no governo de Aluízio Alves, não sou partidária, não sou militante de nenhum partido, mas acho que o ensino tomou essa forma assim moderna, não foi nem contemporânea, porque contemporânea a gente está agora, mas essa forma moderna foi no governo de Aluízio Alves, pois com os recursos da USAID, construiu escolas, a construção do Instituto Kennedy, por exemplo. Lembro como se fosse hoje, os recursos também eram para pagar professores, para construção de escolas, então a estrutura educacional do RN, acredito que em todos os Estados, tomou um avanço enorme tanto no aspecto físico, como no aspecto técnico-pedagógico (NANCY GOMES DOS SANTOS. Depoimento Oral). No Jornal A Tribuna do Norte, p. 7, na reportagem intitulada Dois Governos Populares, da Edição Especial, consta a seguinte informação: 70 o Estado constava tão somente com 1020 salas de aula, ocupando 826 prédios, dos quais 492 pertenciam a particulares. Daquele montante de salas de aula, 248 exigiam restauração, 263 precisavam de reparos, igual quantidade reclamava construção de cisternas e 258 necessitavam de luz elétrica (HISTÓRIA..., 2008, p.7). Deparamos-nos com as fotografias a seguir no relatório do CEPE. Elas mostram exatamente a recuperação de prédios antigos e a construção de novos prédios escolares, como consta nas duas últimas citações. Figura 5: 2 (duas) salas. Município de Luiz Gomes/RN. Fonte: CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 6: 1 (uma) sala. Município de Riacho de Santana/RN Fonte: CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 71 Outro fato que nos chamou atenção acerca da alfabetização em Angicos, no RN, foi a utilização do denominado método do Professor Paulo Freire de alfabetização de adultos em 40 horas. O governo acreditava que esse método era preciso para poder educar um grande número de pessoas em um curto espaço de tempo. (HISTÓRIA..., 2008, p.7). O resultado dessa experiência foi considerado positivo, pois, nas 40 (quarenta) horas, como previsto: Figura 7: 1 (uma) sala. Município de Caraúbas/RN Fonte: CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 8: 2 (duas) salas. Município de Dix-Sept Rosado/RN Fonte: CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 72 encerrou-se a experiência pioneira, com resultados que despertaram a atenção de todo o Brasil: aproveitamento de 70% na alfabetização e 80% na conscientização cívica. Em 1965, cresceu o número de professores, ou seja, 61% a mais do que em 1960 (HISTÓRIA..., 2008, p.7). Vieira (2005, p. 71) nos diz que os objetivos da Campanha de Alfabetização iam além de ler e escrever, o que a nosso ver justifica a escolha do método supracitado. Segundo a autora, o programa também previa: (1) dar ao adulto o domínio das habilidades fundamentais em linguagem, leitura e aritmética; (2) promover o renascimento ou a criação de ideais e padrões elevados de vida; (3) formar no homem a convicção da sua responsabilidade (e da responsabilidade do Estado) em dar educação aos seus filhos; (4) habilitá-lo ao exercício da cidadania, como eleitor, como membro de uma nação livre e como participante ativo do regime democrático; (5) promover a elevação do seu nível de vida em casa, do ponto de vista da higiene, do conforto e da alimentação; (6) habilitá-lo a administração equilibrada dos seus recursos financeiros e da direção da sua própria vida; (7) despertar nele a noção de que ele, sua mulher, seus filhos, têm direito a uma vida melhor. (Grifos nossos). Nossos grifos, na citação acima, nos remete a entender que a Campanha de Alfabetização serviria, também, para garantir o eleitorado ao então Governador Aluízio Alves, fortalecendo assim suas bases eleitorais, pois ao lançar mão de um método de alfabetização que em poucos dias alfabetizava diversas pessoas, certamente traria um custo mínimo ao seu governo e aumentaria o número de eleitores. Nos itens da citação, especialmente no sétimo, percebemos a questão do gênero e a desvalorização da mulher, a partir do momento que explicita que era o homem que devia ser alfabetizado para dar uma vida melhor a sua mulher. Em relação à presença dos fundamentos da aritmética, cremos que se deve aos conhecimentos básicos da Matemática que qualquer cidadão deve possuir ao realizar um curso nesses moldes. A concretização das ações acerca da educação no RN nos parece nascer em 13 de abril de 1962, por meio do convênio entre a SUDENE e a USAID, de modo que a USAID se comprometia a fazer uma doação de um bilhão e seiscentos 73 milhões de cruzeiros à SUDENE, destinados ao melhoramento e ampliação do sistema de educação primária básica. Por esse convênio pretendia-se: (1) cooperar com o Conselho Estadual de educação do RN, criado pela lei nº 2768, de 09 de maio de 1962; (2) cooperar com o atual sistema e supervisão de ensino do RN, através da Secretaria do Estado da Educação e da Cultura, a fim de proporcionar treinamento e coordenar outras atividades ligadas ao desenvolvimento educacional; (3) promover o treinamento, a formação e o aperfeiçoamento de professores; (4) proceder à revisão ou à elaboração dos currículos de ensino elementar e normal; (5) organizar o serviço de produção de material didático, com o fim de adquirir, imprimir e distribuir regularmente um número de 400.000 exemplares de material de ensino e informação para formação, treinamento e aperfeiçoamento de professores, e para uso de alunos; (6) organizar e equipar um centro áudio-visual, para servir às unidades de formação de professores; (7) assegurar o ensino primário à população dentro da faixa de escolaridade (7 a 14 anos); (8) promover a melhoria da assistência escolar no que se refere à alimentação, tratamento médico, farmacêutico e dentário, recreação, material didático e vestuário; (9) intensificar pesquisas e experiências sobre as condições regionais que possibilitem melhor integração do aluno e sua família na vida da comunidade; (10) promover a campanha de erradicação do analfabetismo; (11) desenvolver o ensino técnico; (12) pagar salário de acordo com a reforma administrativa do Estado, considerando as condições reais da região, promovendo a valorização da carreira do Magistério Público; (13) organizar, equipar, instalar e manter o Serviço Cooperativo de Educação, órgão coordenador e executor deste programa e subordinado à Secretaria de Estado da Educação e Cultura do Rio Grande do Norte (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963, p.3). O item (3) desse acordo, que diz “promover o treinamento, a formação e o aperfeiçoamento de professores” foi detalhado em sete subitens nomeados pelas primeiras sete letras do nosso alfabeto39. O quinto e o sétimo, nomeados, 39 Os subitens eram os seguintes: “(a) reorganizando, modernizando e equipando a rede de Cursos de Regentes de Ensino Primário, com o objetivo de preparar anualmente 600 professores de 1º Ciclo; (b) reorganizando, modernizando e equipando os Cursos de Formação de Professores; (c) organizando um curso de emergência intensivo, com duração de um ano, para o aproveitamento de estudantes concluintes ou diplomados em cursos correlatos ao Normal, correspondente ao Curso Normal de 1º Ciclo; (d) construindo, instalando e equipando uma Escola Normal Rural, com a finalidade de formar e treinar professores e instrutores especializados nos processamentos e pecuários da região, os quais atuarão como orientadores, junto às diversas unidades de ensino primário; (e) promovendo gradativamente o treinamento intensivo de 3000 professores leigos, inclusive monitores e instrutores de ensino, presentemente em exercício no magistério estadual, através de cursos em período de férias; (f) organizando, equipando e mantendo uma escola primária de experimentação e demonstração, em coordenação com as escolas normais de 1º e 2º ciclos e com os cursos intensivos de férias; (g) proporcionando o treinamento em outros Estados da Federação e no estrangeiro a candidatos criteriosamente selecionados, com a finalidade de 74 respectivamente por e e g, nos chamaram a atenção, de modo que nos deteremos sobre eles. O item (e) diz: promovendo gradativamente o treinamento intensivo de 3000 professores leigos, inclusive monitores e instrutores de ensino, presentemente em exercício no magistério estadual, através de cursos em período de férias. Já o item (g) nos diz: proporcionando o treinamento em outros Estados da Federação e no estrangeiro a candidatos criteriosamente selecionados, com a finalidade de trabalharem nos programas de formação, treinamento e aperfeiçoamento de professores de ensino primário. Em relação ao subitem (g) supracitado, encontramos no Relatório de atividades do CEPE, elaborado pela SEEC/RN e contendo o ocorrido, entre maio de 1962 e 11 de julho de 1963, a concretização dessa ação já no ano de 1962. Conseqüentemente, podemos afirmar que o ensino de Matemática no RN foi afetado por essa ação, pois como evidenciamos no artigo publicado por Brito e Gutierre (2007), entre os diversos grupos que foram enviados a outros estados, encontravam- se: 3 (três) orientadores de Matemática para a escola primária, 1(um) orientador de Matemática e Estatística para as Escolas Normais, 10 (dez) professores de Matemática para o Ensino Normal e 16 (dezesseis) professores de Matemática para o ensino secundário, industrial e agrícola. Além disso, havia sido escolhido um professor como bolsista para realizar um curso de Metodologia da Matemática, em Belo Horizonte(MG). No primeiro semestre de 1963, este número foi de três bolsistas. Tais bolsistas participaram do Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), instalado na capital mineira, em 1959. Os bolsistas do RN que participassem do PABAEE deveriam formar e treinar outros professores (BRITO; GUTIERRE, 2007). Em nossa pesquisa encontramos que a professora Teresinha Gaspar de Melo foi uma das professoras designadas para fazer a capacitação. Foi ela que, em 1963, realizou o curso de Metodologia da Matemática, como bolsista do PABAEE. Outra bolsista foi a professora Nancy Gomes dos Santos, que realizou o Curso Educação Pré-Escolar. trabalharem nos programas de formação, treinamento e aperfeiçoamento de professores de ensino primário” (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1963, p.3). 75 De fato, ao retornarem à Natal, formaram e treinaram outros professores, pois assim nos diz a professora Nancy: “Nós, imediatamente, ao voltarmos fomos nomeados Supervisores de Ensino”. A professora Teresinha Garcia de Melo nos diz que, surpreendentemente, quando terminou o curso foi convocada para trabalhar na Secretaria de Educação, pois nós tínhamos equipes especializadas para trabalhar com os professores, em sala de aula, eram os treinamentos. [...]. Naquela época, tinha um órgão que se chamava Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais, o CEPE. Fiquei ali trabalhando, realizada. Na semana seguinte já fui convocada, intimada a ministrar aos professores o que havia aprendido em Belo Horizonte. Nesse momento, disse a mim mesma: “- Meu Deus, como é que nós chegamos com a cabeça tão cheia e, de repente, uma semana depois, nós vamos enfrentar uma equipe de professores que estavam esperando o máximo de nós?” [...]. Tremendo demais, enfrentei aqueles professores, aquela sala de aula para trabalhar Matemática na minha perspectiva, que era uma perspectiva nova, inovadora. (TERESINHA GARCIA DE MELO. Depoimento Oral). As professoras nos disseram, ainda, quando perguntamos como se dava a escolha pelos bolsistas: o maior curso, o nível mais elevado de ensino, naquela época, que o professor podia ter era o Ginásio Normal, porque, inclusive, nós não tínhamos faculdade aqui, em Natal. Assim, as pessoas saiam daqui para Alagoas, para fazer Direito. [...]. Era muito precário o nível de formação de professores, era precário demais. [...]. Naquela época, o maior nível de habilitação era o professor que tinha o Ginásio Normal. [...]. O critério de distribuição de bolsas de estudos era o seguinte: era o Quem Indique (QI). [...].Mas eu não fui quem indique, não! Lembro-me de que quem coordenava e distribuía as bolsas de estudo era Maria Alexandria Sampaio, professora, todo mundo, aqui, conhece. Lembro-me de que eu estava, ainda, fazendo faculdade, estava fazendo licenciatura em História e eu morava em uma casa, com um tio meu, não morava com mamãe e eu queria a todo custo sair para fazer o curso. Então, meu tio disse: “- Vai, Nancy, pedir uma bolsa”. Eu fui, mas a pessoa que me atendeu disse-me que não tinha mais vagas, porém eu sabia que tinha vaga. “Ah! Está bem, vou terminar meu curso de História!” Pensei. Terminei meu curso. Fiz bacharelado e ia fazer licenciatura. Um dia a coordenadora do CEPE, que era do RS, Lia Campos40, andou de escola em escola e foi observando os professores e não sei por que (eu estava ensinando o primário, já tinha o pedagógico), ela olhou para mim e disse-me: “-Tu não queres preencher um 40 Lia Campos nasceu em 13 de maio de 1928, na cidade de Encruzilhada do Sul/RS. Ressaltou a relevância da formação docente para o Ensino Primário. Promoveu no RN, entre outras atividades, o levantamento e a sistematização da rede escolar, a capacitação e os cursos de aperfeiçoamento para professores leigos. Faleceu em 15 de outubro de 1979 (VIEIRA, 2005). 76 formulário?” Porque vinha um formulário, então eu respondi: “- Não, D. Lia, eu terminei bacharelado e vou fazer licenciatura. Ela insistiu, dizendo-me: “- Preencha, se você for aprovada ou não, tudo bem”. Assim, preenchi o formulário. Oito dias depois o formulário chegou. É claro que eu fui, pois além do formulário, chegaram as passagens (NANCY GOMES DOS SANTOS. Depoimento Oral). A professora Teresinha Garcia de Melo assim relata: “eu fui convocada, convidada pela minha orientadora, na época, Maria Costa, para que eu fosse fazer um Curso de Especialização para o ensino primário, em Belo Horizonte”. No tocante ao subitem (e) do item 3 do convênio entre a SUDENE e USAID, que se refere ao treinamento intensivo de 3000 professores leigos, discorreremos no próximo item. 4.2 Treinamento de professores leigos no Rio Grande do Norte (1965) A SEEC-RN, dando cumprimento ao Serviço Cooperativo de Educação e ainda com recursos disponibilizados pelo Estado, SUDENE, MEC e USAID, realizou, no período de 8 de janeiro a 26 de fevereiro de 1965, o III Curso de Treinamento para Professores leigos, nas cidades de Natal, Mossoró, Caicó, Santa Cruz, Paus dos Ferros, Angicos e São José do Mipibu41. O investimento desses órgãos nesse curso foi no valor de dezessete milhões, trezentos e hum mil quatrocentos e vinte e oito cruzeiros, distribuídos entre pessoal administrativo, docente, professores-alunos e despesas de ordem geral (MACHADO, 1965). O objetivo geral do curso era “melhorar o nível cultural e técnico-pedagógico dos professores, assegurando-lhes melhoria de vencimentos e melhores condições de trabalho” (MACHADO, 1965, p.1). Esse curso visava treinar 3000 professores. Em Caicó, especificamente, a coordenadora do Curso, professora Carmem Sylvia Mallen Machado42 nos informa, por meio de relatório, que nesse centro de 41 Distâncias de Natal a: Mossoró (277 km), Caicó (269 km), Santa Cruz (124 km), Paus dos Ferros (406 km), Angicos (169 km), São José do Mipibu (39km). (Disponível em: . Acesso em 09/09/2008) 42 A professora Carmém Sylvia Mallen Machado nos diz em seu relatório que foi escolhida para responder por essa coordenação pela professora Lia Campos, então diretora do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (CEPE). Diz ainda que recebeu desta as diretrizes gerais para a execução do programa a ser desenvolvido, bem como recebeu orientações acerca da verba recebida para esse 77 treinamento, sob sua coordenação, seriam treinados 380 professores dentre os 3000 citados. Esse treinamento, na cidade de Caicó, aconteceu nas instalações do Centro Educacional de Formação do Magistério Primário de Caicó, sob a responsabilidade das professoras Maria Bernadete Marques Ginani e Elza Filgueira, diretora e vice- diretora, respectivamente, da escola de Aplicação. As duas hospedaram nesse Centro Educacional 75 professoras-alunas durante o treinamento (MACHADO, 1965). No jornal A Folha, da cidade de Caicó, datado de 16 de janeiro de 1965, encontramos a seguinte manchete: “Treinamento de três mil professores vai assegurar melhoria do ensino e melhores vencimentos aos participantes”. Nesse jornal, evidenciamos mais uma vez o destaque dado ao convênio Estado-SUDENE- MEC-USAID. Nesse mesmo documento consta que esses cursos de treinamento vinham sendo realizados desde 1963, com muito sucesso. A 1ª e 2ª etapas desse Curso de Treinamento aconteciam nas cidades de Natal, Mossoró, Caicó, Pau dos Ferros, Santa Cruz, Martins43, Angicos e São José do Mipibu. Para essas etapas, o CEPE havia previsto a presença de 2270 professores leigos, sendo distribuídos 1270 na primeira etapa e 1000 na segunda. Já a 3ª etapa acontecia somente nas cidades de Natal, Mossoró e Caicó. Nessa última etapa, a previsão pelo CEPE do número de professores leigos para realizarem o treinamento era de 736. (TREINAMENTO..., 1965). Na figura a seguir, há o destaque desse evento.44 curso da professora Nancy Gomes dos Santos, então coordenadora geral dos cursos de treinamento. 43 Distância de Martins a Natal: 362km. (Disponível em: . Acesso em 13/10/2008). 44 Para melhor compreensão do leitor, essa figura encontra-se no Anexo A deste estudo, em tamanho A4. 78 Enfim, no jornal A Folha, de 16/01/1965, o término da publicação sobre a importância do Treinamento dos Professores leigos se dá assim: o curso assume maior importância em face da lei nº 3161 de 24 de setembro de 1964 que reestrutura o Quadro do Magistério Público do Estado. A lei prevê uma Gratificação Título de 10% sobre os vencimentos aos portadores de certificados de conclusão45 das três etapas, assegurando-lhes ainda a classificação de Regentes de Classe do Ensino Primário com vencimentos básicos de Cr$19.500,00 e direitos a efetividade, avanços quinquenais, adicionais e aposentadoria. 45 Na publicação a escrita está abreviada assim: certif concl Figura 9: A Folha. Treinamento de três mil professores Fonte: Arquivo Público da Cidade do Natal/RN 79 Entendemos que para esses professores a expectativa de melhora econômica de vida e, conseqüentemente social, por meio desse curso era uma oportunidade única. Cremos, também, que o auxílio financeiro em forma de bolsa de estudo para custear a sua formação, além do regime de internato que incluía a alimentação também eram fatores decisivos para a motivação de freqüentar o curso do início ao fim. Sobre os benefícios advindos do curso pela qualificação dos professores leigos, a professora Nancy assim se expressa: os professores eram leigos e como leigos eles ganhavam muito pouco. Na maioria das vezes eles aprendiam com os próprios alunos. Nós visitávamos muitas escolas isoladas e, na maioria das vezes, eles sabiam menos que os próprios alunos, então eu, particularmente, achei positivo a existência desse Curso de Treinamento por isso. Afinal do ponto de vista de categoria e do ponto de vista financeiro, melhorou um pouco a situação do professor, além de deixar de ser leigo por conta desses cursos (NANCY GOMES DOS SANTOS. Depoimento Oral). A professora Teresinha Garcia de Melo também se remete à quantidade de professores leigos que havia no RN, nesse período: Figura 10: A Folha. Professores levam de Caicó métodos modernos e eficientes para o ensino no Seridó Fonte: Arquivo Público da Cidade do Natal/RN 80 O Estado era muito carente em relação a professores. O Estado tinha poucos professores formados em Magistério e uma gama muito grande de professores leigos. [...]. Comecei a trabalhar com os professores leigos de Natal, transmitindo algum conhecimento novo, em termos de metodologia (TERESINHA GARCIA DE MELO. Depoimento Oral). Dessa maneira, as reformas metodológicas do ensino da Matemática no RN, na década de 1960, aconteceram, segundo a professora Teresinha, a partir do momento que os bolsistas do PABAEE retornavam ao Estado, munidos dessas novas metodologias e, num efeito multiplicador, repassavam aos professores que ministravam aulas no Curso de Treinamento para Professores leigos. A respeito das novas metodologias de ensino da Matemática vivenciadas pelas professoras que fizeram o curso do PABAEE, a professora Teresinha nos diz: o novo nos curso do PABAEE era a metodologia aplicada ao ensino da Matemática, era o método da descoberta, que eu não nunca tinha ouvido falar. Era o ensino pela compreensão, por meio do uso de material didático que facilitasse a compreensão dos alunos e, logicamente, a minha, porque antes eu partia do princípio que matemática era somente de decorar. [...]. A equipe do PABAEE de Belo Horizonte que nos dava aulas foi fazer um curso nos Estados Unidos. Havia críticas no sentido de que a gente ia aplicar o conhecimento dos Estados Unidos no Brasil, mas a experiência foi muito válida, uma riqueza de material para facilitar a compreensão. Foi, nesse momento, que também conheci o flanelógrafo, o quadro valor de lugar, e outros materiais.[...]. O PABAEE, a meu ver, era uma verdadeira Universidade. [...]. O método da descoberta era voltado para a compreensão do aluno. O aluno deveria se perguntar: “- por que eu fiz isso? Por que deu esse resultado? Como eu fiz? Por que você diz que dois mais dois são quatro?” Fazia-se necessário a comprovação. (TERESINHA GARCIA DE MELO. Depoimento Oral). Percebemos, então, nas palavras da professora Teresinha, que a modernização metodológica da Matemática no RN, nessa década, está principalmente voltada ao uso do material didático e aos recursos visuais. Esse momento da vida profissional da referida professora, oportunizado pelo PABAEE, foi um momento-charneira. Josso (2004, p.64) nos diz que momentos ou acontecimentos-charneira “são aqueles que representam uma passagem entre duas etapas de vida, um ‘divisor de águas’”. 81 Entendemos, assim, que no Curso do PABAEE e, consequentemente, nas atitudes dos bolsistas norte-riograndense, privilegiou-se a Tendência Empírico- Ativista. Fiorentini (1995, p. 9), sobre essa tendência, nos diz que: os mais ativistas, entendem que a ação, a manipulação ou a experimentação são fundamentais e necessárias para a aprendizagem. Por isso, irão privilegiar e desenvolver jogos, materiais manipulativos e outras atividades lúdicas e/ou experimentais que permitiriam aos alunos não só tomar contato com noções já sabidas, mas descobri-las de novo. O método da descoberta, que foi muito difundido entre nós nas décadas de 60 e 70, contempla bem essa perspectiva. Exemplo disso é a atividade onde o aluno redescobreria que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º, a partir do recorte e da reunião dos vértices de um ou mais triângulos. O Curso de Treinamento com a participação de mais de 323 professores- alunos estava chegando ao fim. Esse fato foi noticiado no semanário A Folha, datado em 20 de fevereiro de 1965. O referido jornal também divulgou a relação das professoras e as disciplinas que lecionavam, conforme mostra a tabela a seguir: Disciplinas Professoras Metodologia da Linguagem Josefa Maria dos Santos e Isabel Fernandes Metodologia da Matemática Célia Santos e Avani Medeiros Estudos Sociais Gertrudes Dantas de Mello e Inês Fernandes Metodologia da Ciência Maria Elísia de Araújo e Ivonete Pereira de Oliveira Artes e Recreação Rita Pereira e Necy Alves Bezerra Essas professoras eram devidamente credenciadas para ministrarem o curso. Algumas, inclusive, da localidade. Essas, em especial, eram as que possuíam o Tabela 1: Relação dos nomes das Professoras e as respectivas disciplinas que lecionavam no Curso de Treinamento para Professores leigos do RN 82 curso do PABAEE, na sua maioria, realizado em Belo Horizonte, como falamos anteriormente (MACHADO, 1965). A professora Teresinha Garcia de Melo nos diz que as professoras Célia Santos e Donzídia Pereira Pinto, coordenadora do Curso em Angicos/RN46, também participaram do curso do PABAEE. Tal fato não nos parece surpreendente, pois, como vimos nas ações previstas do Programa de Educação para o Triênio, os bolsistas do RN que participaram do curso deveriam formar e treinar outros professores. No relatório feito pela professora Carmem Sylvia Mallen Machado consta a confirmação de 345 professores inscritos no Curso de Treinamento realizado em Caicó. Desses, 19 não compareceram, totalizando, assim, 326 professores-alunos cursistas. Esses 326 professores-alunos foram distribuídos em oito turmas, sendo três dessas voltadas para a 3ª etapa, mais três turmas voltadas à 2ª etapa e, finalmente, duas destinadas à 1ª etapa. Sobre o trabalho desenvolvido pelos professores em suas respectivas disciplinas, Machado (1965) nos informou que o CEPE enviou as diretrizes gerais para cada matéria, de acordo com o currículo previsto, naquela época. Entretanto, houve ajustes, nessas diretrizes, pela Inspetoria Geral de Ensino, a fim de atender às necessidades da região, sendo, então, os programas reformulados e os planos de cursos elaborados a partir desses. Na organização dos planos de cursos, acertou-se que o conteúdo programático baseado nos programas oficiais de 1ª e 2ª séries primárias do Estado, seria visto na 1ª etapa do curso. Na etapa intermediária, seria estudado o conteúdo programático baseado nos programas oficiais de 3ª e 4ª séries primárias e, na 3ª etapa, seria o conteúdo programático baseado no programa de 5ª série primária e revisão dos assuntos que não foram bem vistos nas etapas anteriores. Segundo o relatório, os objetivos gerais do Curso, na sua maioria, foram alcançados, uma vez que esse sempre teve o apoio do CEPE, SEEC e Serviço Cooperativo de Educação. Além disso, verificou-se “o esforço do professor em aprimorar seus conhecimentos e poder contribuir para a formação de cidadãos úteis a si e a sociedade” (MACHADO, 1965, p. 14). 46 Posteriormente, neste estudo, nos remeteremos ao trabalho da professora Donzídia Pereira Pinto. 83 Também contribui para o sucesso do Curso o fato de os representantes desses órgãos, por exemplo, terem visitado os professores-alunos. Manoel Benício Sobrinho, diretor executivo da SEEC, esteve no Centro Educacional de Formação do Magistério Primário de Caicó, em 08/02/1965. Dayse Taroso, assistente técnica da USAID e Zilda Lopes do Rego, chefe de gabinete da SEEC, estiveram lá em 12 de fevereiro. No dia 20 de fevereiro, o Centro Educacional recebeu o professor Regino dos Reis Higino, diretor do Serviço de Administração, e Zeneide Dantas dos Reis, membro da comissão de enquadramento do Magistério Público Estadual e, finalmente, no dia 24 de fevereiro, Caicó teve a presença do senhor Oriane Leandro Borges, funcionário do Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte (SECERN), que foi efetuar o pagamento da verba destinada ao mês de fevereiro (MACHADO, 1965). Compareceram à solenidade de encerramento do curso, no dia 28 de fevereiro, o então Governador do Estado Aluízio Alves, o então representante da SUDENE e também autoridades locais. Nesse encerramento solene, houve a entrega de certificados às professoras-alunas, a apresentação de um programa social e a exposição de materiais didáticos confeccionados pelas professoras- alunas. Sobre essa solenidade de encerramento dos professores leigos, a professora Nancy Gomes dos Santos nos diz: quando eles terminavam as etapas, que eu não estou bem lembrada quantas eram, o Governador visitava cada inspetoria com aquela pompa toda. Cada inspetor preenchia e distribuía os certificados. O governador comparecia à solenidade. Era uma alegria, tanto do pessoal da Secretaria, como dos professores, que, naquele instante, deixavam de ser um professor leigo e passavam a ser um professor de Curso Pedagógico, acho que hoje é o Magistério (NANCY GOMES DOS SANTOS. Depoimento Oral). 84 Figura 11: Solenidade de encerramento do Curso de Treinamento. Entrega de Certificado Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 12: Solenidade de encerramento do Curso de Treinamento Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 85 Finalmente, a coordenadora do Curso, Carmem Sylvia Mellen Machado, congratula-se, por meio do relatório, com o Governo do Estado, SEEC, CEPE, USAID e SUDENE pela promoção dos cursos, sugerindo que esses órgãos fizessem realizar, nos meses de julho a dezembro do mesmo ano, novos cursos de treinamento, a fim de assegurar efetividade à formação do professores leigos, bem como a conclusão do curso das turmas que ainda estavam fazendo a 1ª e 2ª etapas. Diz ainda que, inegavelmente, esses cursos: têm propiciado aos professores norte-riograndense novos horizontes no setor educacional e conseqüentemente maior eficácia na aplicação de métodos que assegurem uma educação mais concreta e mais sadia, baseada nos princípios modernos da educação – a educação integral do indivíduo dentro da sociedade em que vive. A análise das fontes nos faz perceber que a visita da assistente técnica da USAID funcionava como uma espécie de monitoramento e controle dessa agência sobre como estava ocorrendo a formação destas professoras leigas, nesse curso de treinamento. É inquestionável que o investimento feito em torno da formação das professoras por meio da ajuda que o Brasil recebia da USAID provocou mudanças sociais e econômicas não apenas nas professoras, mas também na educação de seus alunos. Por outro lado, gerou endividamentos ao nosso país devido aos acordos firmados entre os governos brasileiro e americano. Sobre esse aspecto, Arapiraca (1982, p.94) nos diz que: o investidor americano que se sentir prejudicado por medidas do governo ou de política econômica brasileira será indenizado pelo governo norte- americano, cujo montante de dívida será negociado de governo a governo ou arbitrado por tribunal internacional. Essa medida política é parte de um conjunto de atitudes assumidas pelo governo brasileiro após o seu alinhamento à política de expansão do capitalismo norte-americano na América Latina, com a assinatura da Carta de Punta Del Este, em 1961, que deu origem à Aliança para o Progresso. 86 Desse modo, podemos notar como a USAID e a SUDENE financiaram e ajudaram os governantes do RN no sentido de fazer cumprir ações relacionadas ao Ensino. Em se tratando do ensino da Matemática no III Curso de Treinamento para Professores Leigos, o que as fontes nos revelam? Uma das primeiras informações por nós encontradas foi a de que as professoras de Matemática designadas para esse treinamento foram Célia Santos e Avani Medeiros. Vale salietar que Avani Medeiros foi convidada para substituir a professora Iolanda Lima Lobo, que após ter ministrado um mês de aulas no Curso, adoeceu e pediu afastamento da função. Encontramos nos anexos do relatório escrito pela professora Carmem Sylvia Mellen Machado uma prova de Matemática de três páginas, elaborada pela professora Iolanda Lima Lobo. Veja-a nas figuras a seguir47: 47 Essa prova encontra-se no Anexo B deste estudo em tamanho A4, para melhor compreensão do leitor. Figura 13: Avaliação Final de Matemática p. 1. 3ª Etapa. Professora Iolanda Lima Lobo Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 87 E Figura 14: Avaliação Final de Matemática p. 2. 3ª Etapa. Professora Iolanda Lima Lobo Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 15: Avaliação Final de Matemática p. 3. 3ª Etapa. Professora Iolanda Lima Lobo Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 88 Esta prova foi preparada para ser aplicada aos professores-alunos que cursavam a terceira etapa do curso, ou seja, o final do curso. Percebemos que elementos da Teoria dos Conjuntos, conteúdo relacionado à Matemática Moderna, não fazia parte das questões propostas na referida prova. Observamos, também, que nos conteúdos descritos no planejamento (figura a seguir)48, não há nenhuma referência aos elementos da Teoria dos Conjuntos. 48 Esse Plano de Curso encontra-se no Anexo C deste estudo em tamanho A4, para melhor compreensão do leitor. Figura 16: Plano de Aula 1 Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 89 Para nos certificarmos se realmente houve ausência dos elementos da Teoria dos Conjuntos no treinamento ministrado aos professores leigos, fato esse já evidenciado no planejamento, questionamos a Professora Teresinha que nos esclareceu, dizendo que os conteúdos ministrados eram os básicos em Matemática, eram as operações, o sistema de numeração decimal, os conteúdos mesmo elementares, básicos, para o ensino para aprendizagem da Matemática. [...]. Nessa época, os conteúdos ministrados vinham de cima para baixo, existia a equipe em nível central da Secretaria de Educação, da qual eu fazia parte, então eu com mais outras colegas, inclusive de outras áreas, elaborávamos o material para chegar aos professores. Elaborávamos as apostilas. Nesse grupo, eu sempre dava a palavra final, sem nenhuma pretensão, era minha a palavra final, porque a gente fazia todas as apostilas, todas as orientações, toda a documentação e espalhava pelo Estado. [...]. Nos cursos de treinamento não houve Teoria Figura 17: Plano de Aula 2 Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 90 dos Conjuntos. Esse surgiu na década de 70, junto com a Matemática Moderna. Apareceu fortemente. Foi a febre do conjunto e nessa, lá vou eu junto, porque até quando a gente estava em Belo Horizonte, a gente não teve aquela dimensão de conjunto. Assim, a partir de 1970, começamos a trabalhar realmente os conjuntos, inclusive, algumas vezes, houve equívocos, pois pensávamos que os conjuntos iam ser trabalhados isolados dos outros conteúdos e eu, precisamente, colocava os conjuntos dentro da adição, dentro da subtração, da multiplicação, e dentro de outros conteúdos [...], porque eu empolgada, entusiasmada, estudava muito e a Secretaria de Educação divulgava meus trabalhos para os professores. Eu viajei o Estado todo divulgando a Teoria dos Conjuntos. [...]. O que tinha nos livros a gente ia para lá dizer, porque nem todos os professores tinham a oportunidade de ver o que era conjunto unitário, conjunto vazio, pertence, não pertence, tudo isso que a gente via na época, inclusive os livros traziam aquela parte muito enfatizada na Teoria dos Conjuntos. O livro do Sangiorgi era o meu livro de cabeceira e então como eu tinha a experiência da Metodologia do PABAEE eu pegava essa Teoria dos Conjuntos, que estava nos livros, de forma determinada e linear e trazia esses conteúdos para os demais. Esse era o meu trabalho (TERESINHA DE GARCIA MELO. Depoimento Oral). Destacamos, ainda, a prova da professora Célia Santos. Essa foi preparada para uma turma que cursava a 1ª etapa do Curso. Observamos que elementos acerca da Teoria dos Conjuntos não faziam parte dessa etapa, bem como não fazia parte da 2ª etapa, conforme podemos verificar nas figuras a seguir, que nos mostram uma prova da referida professora49 e outra da 2ª etapa do Curso. 49 Para melhor compreensão do leitor, as figuras 18 e19 encontram-se no Anexo D e as figuras 20, 21 e 22 encontram-se no Anexo E, deste estudo, em tamanho A4. Figura 18: Avaliação Final de Matemática p. 1. 1ª Etapa. Professora Célia Santos Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 91 Figura 20: Avaliação Final de Matemática p. 1. 2ª Etapa. Professora não identificada Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 19: Avaliação Final de Matemática p. 2. 1ª Etapa. Professora Célia Santos Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 92 Figura 21: Avaliação Final de Matemática p. 1. 2ª Etapa. Professora não identificada Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 22: Avaliação Final de Matemática p. 1. 2ª Etapa. Professora não identificada Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 93 Para clarificar nossas análises sobre os enunciados das questões dessas provas, recorremos a Pinto (2008, p.40), quando a autora nos diz que: reconstruir trajetórias das práticas de avaliação da matemática escolar é além de um desafio, uma necessidade, por possibilitar indagar as singularidades de uma remota cultura escolar que nos leva a compreender o presente, situando o que mudou, ou não, em relação às formas de avaliar o desempenho dos alunos, em matemática, especialmente por permitir uma reflexão sobre ‘o que’ e ‘por que’ a escola avaliava determinados conhecimentos, considerados básicos. É importante frisar que entendemos a cultura escolar como nos apresenta Julia (2001, p. 10): cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. (Grifo do autor). Na análise dessas provas escritas de Matemática, localizamos algumas particularidades. Percebemos, por exemplo, que as provas eram datilografadas, o que significa que não eram copiadas pelos professores. Além disso, a partir do momento que a máquina de escrever impunha limites, como o desenho da representação de frações, por exemplo, fazia-se à mão. Outra particularidade que observamos foi que a resolução de problemas que, em algumas provas, pedia-se para ser realizada em duas modalidades: (1) cálculo, localizado no canto esquerdo da folha, que entendemos ser o espaço destinado aos cálculos, na busca da sentença matemática pertinente ao problema, onde deve ser registrado a forma algorítmica da solução do problema e (2) solução, localizado no canto direito, que entendemos ser a resposta, escrita com palavras junto à resposta final do problema. 94 Essa organização, como podemos ver na figura 15, é feita logo abaixo do enunciado da questão, cujo espaço é dividido em duas partes, por um traço vertical. Nos enunciados das questões é possível reconstruir os conteúdos abordados. Na tabela a seguir tentamos (re)construir o que os vestígios nos apontaram sobre os conteúdos de matemática trabalhados no treinamento das professoras. As linhas hachuradas identificam os conteúdos que eram comuns às respectivas provas por nós analisadas. Prova 3ª Etapa Figura 13 Professora Iolanda Lima Lobo Prova 1ª Etapa Figura 18 Professora Célia Santos Prova 2ª Etapa Figura 20 Professora – Não identificada Potências Potências Adição e subtração com números naturais Decomposição em fatores primos Sistema de medidas Escrita dos algarismos hindu- arábicos Expressões Numéricas Expressões Numéricas Idéia de Multiplicação Soma de frações pela sua representação gráfica Associação da fração com sua representação gráfica Soma e subtração de frações pela sua representação gráfica Comparação entre frações (maior ou menor) Comparação entre números decimais (maior ou menor) Comparação entre frações (maior ou menor) Frações Impróprias e Frações Equivalentes Frações Equivalentes Raio do círculo Números decimais Unidades quadradas Dezena - Dúzia Operações com números decimais Operações com números decimais (Problema) Retas Velocidade, distância, tempo Área de retângulo Simplificação de fração Reconhecimento de triângulo isósceles e paralelogramo Figuras geométricas Soma e multiplicação de frações, envolvendo número misto. Observamos, nas análises dos documentos por nós realizadas, que há a supervalorização dos cálculos das operações fundamentais, bem como do estudo das frações. Observamos também que os problemas nessas provas não estão localizados em lugar único, destinados a eles. Esses são solicitados aos alunos, à medida que vão se apresentando os conteúdos. Por exemplo, onde há questões com números decimais, tem um problema que envolve números decimais. Segundo Dante (1994, p. 16), são diversos os tipos de problemas. Há os exercícios de reconhecimento, cujo objetivo “é fazer com que o aluno reconheça, Tabela 2: Conteúdos abordados nas provas durante o Curso de Treinamento para Professores leigos do RN 95 identifique ou lembre um conceito, um fato específico, uma definição, uma propriedade, etc”. Há os exercícios de algoritmo, que “são aqueles que podem ser resolvidos passo a passo. [...]. Seu objetivo é treinar a habilidade em executar um algoritmo e reforçar conhecimentos anteriores”. Há também os problemas-padrão, definidos por Dante (1994, p. 17) como sendo aqueles cuja “sua resolução envolve a aplicação direta de um ou mais algoritmos anteriormente aprendidos e não exige qualquer estratégia.” O objetivo desses problemas é: recordar e fixar fatos básicos através dos algoritmos das quatro operações fundamentais, além de reforçar o vínculo existente entre essas operações e seu emprego nas situações do dia-a-dia. De um modo geral, eles não aguçam a curiosidade do aluno nem o desafiam (DANTE, 1994, p. 17). Dante (1994) também apresenta mais três tipos de problemas: os problemas- processos ou heurísticos (cuja solução envolve operações que não estão contidas no enunciado), os problemas de aplicação (retratam situações reais do dia-a-dia) e os problema de quebra-cabeça (a solução do problema depende da sorte ou da facilidade de perceber algum truque). Seguindo essa classificação, percebemos que as questões das provas aplicadas no Curso de Treinamento para Professores Leigos do RN contemplam: (1) os exercícios de reconhecimento, quando, por exemplo, se pede ao aluno para sublinhar a maior fração, ou ligar a fração a sua representação gráfica, ou reconhecer qual das figuras é a esfera, entre outros; (2) os exercícios de algoritmo, nas questões que pede ao aluno para efetuar e calcular o valor da expressão, e finalmente (3) os problemas-padrão, pois eles são problemas convencionais pela estrutura em que se apresentam. Problemas convencionais, para Diniz (2001, p. 99), são “simples exercícios de aplicação ou de fixação de técnicas ou regras. [...] percebe-se neles a ausência de um contexto significativo para o aluno.” Observamos que as questões podem ser resolvidas pela aplicação direta de um ou mais algoritmos e, nos problemas propostos, a resolução consta em identificar qual a operação matemática ou quais as operações matemáticas apropriadas para mostrar a solução e transformar as informações dos problemas em linguagem matemática. 96 No final do Curso foi apresentada uma exposição de materiais didáticos confeccionados pelas professoras-alunas. A primeira fotografia da seqüência a seguir contempla o conteúdo de frações, mostrando o inteiro divido em partes iguais. Ao lado, há algumas maçãs desenhadas, mostrando a construção da tabuada do 4, quando temos uma vez o quatro (1x4), duas vezes o quatro (2x4) e assim por diante. Há também diversos relógios, o que nos faz inferir que aconteceu o estudo de horas, minutos e segundos. Na figura a seguir, há trabalhos voltados para o sistema de numeração decimal (unidade, dezena, centena) e na terceira figura dessa seqüência, destacamos cartazes que envolvem o conteúdo divisão. Diante do exposto, após a análise das provas, da narrativa da Professora Teresinha e da ênfase dada à construção de material didático, reafirmamos que a visão de ensino de Matemática que estava presente na prática docente daqueles que formavam os professores leigos era a tendência Empírico-Ativista, assim denominada por Fiorentini (1995, p. 9). Sobre essa tendência o autor nos diz que: o professor deixa de ser o elemento fundamental do ensino, tornando-se orientador ou facilitador da aprendizagem. O aluno passa a ser considerado o centro da aprendizagem - um ser ‘ativo’. [...]. Os métodos de ensino consistem nas ‘atividades’ desenvolvidas em pequenos grupos, com rico material didático e em ambiente estimulante que permita a realização de jogos e experimentos ou o contato - visual e táctil - com material manipulativo. [...]. Alguns, os menos ativistas, também chamados de empírico-sensualistas, acreditam que basta a observação contemplativa da natureza ou de objetos/réplicas de figuras geométricas para a descoberta das idéias matemáticas. [...]. Outros, os mais ativistas, entendem que a ação, a manipulação ou a experimentação são fundamentais e necessárias para aprendizagem. 97 Frações Relógios Figura 23: Trabalhos expostos no final do Curso de Treinamento (1) Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 24: Trabalhos expostos no final do Curso de Treinamento (2) Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Tabuada 98 Figura 25: Trabalhos expostos no final do Curso de Treinamento (3) Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) Figura 26: Justificativa – Professora Avani Medeiros Fonte: MACHADO, 1965. (Arquivo Público da Cidade do Natal/RN) 99 Percebemos no registro da professora de Matemática Avani Medeiros (Figura 26) a sua preocupação em mostrar aos seus superiores a metodologia utilizada em suas aulas, priorizando a prática do professor-aluno em detrimento ao conteúdo a ser ministrado. Sobre a metodologia de ensino, identificamos nos documentos que retrataram a exposição de materiais didáticos confeccionados pelas professoras- alunas, no dia do encerramento do curso, uma preocupação em disponibilizar e instrumentalizar o professor leigo a utilizar outras maneiras para ensinar Matemática, diferentes da aula puramente expositiva. O planejamento para as aulas de Matemática indicava, como vimos nas fotos acima, o uso de vários materiais didáticos, entre eles flanelógrafo, quadros de equivalência de frações, círculos, metro, régua, fichas, cédulas e outros. Mais uma vez confirma-se o que a Professora Teresinha nos falou. De fato, reformas metodológicas no ensino da Matemática no RN aconteceram e isso foi caracterizado como uma modernização no ensino dessa disciplina. Ainda sobre o Curso de Treinamento para Professores Leigos, encontramos informações acerca do ensino de Matemática, no curso ministrado na cidade de Angicos, no Instituto Cônego Leão Fernandes. Neste, a disciplina de Matemática ficou a cargo da professora Donzídia Pereira Pinto. O curso de sete horas diárias, como em Caicó, foi freqüentado por um total de 73 alunas, apesar de a matrícula inicial ter sido de 97 alunas. As aulas de Matemática iniciaram-se no dia 25 de janeiro. No planejamento elaborado pela professora Donzídia, os objetivos em relação aos professores-alunos eram os seguintes: (1) Proporcionar a recapitulação e ampliação dos conhecimentos básicos da Matemática necessários à direção de aprendizagem das classes da escola primária; (2) Levar ao domínio das relações matemáticas indispensáveis à resolução de problemas quantitativos que a vida apresenta; (3) Conduzir os trabalhos de grupo através dos processos específicos da Matemática que proporcione a formação de hábitos da disciplina, ordem e rendimento; (4) Despertar o gosto e o interesse pela disciplina a fim de garantir a eficiência do ensino desta e (5) Dar oportunidade ao professor de se familiarizar com o uso do material didático (BRITO; GUTIERRE, 2007). Entendemos que o terceiro objetivo expressava o desejo de que a Matemática servisse como veículo para desenvolver a disciplinarização, visando ao rendimento (BRITO; GUTIERRE, 2007). 100 Notamos, ainda, que na década de 1960 a pedagogia instaurada na sociedade era a tecnicista. De acordo com essa pedagogia, o marginalizado não era o ignorante, mas o incompetente, no sentido técnico da palavra, ou seja, o ineficiente, o improdutivo. Sobre esse aspecto, Saviani (2002, p. 13) nos diz que “a educação estará contribuindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes, isto é, aptos a dar sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade na sociedade”. Observamos que os conteúdos trabalhados no Curso de Treinamento de Professores Leigos, na cidade de Angicos, foram os mesmos trabalhados no Curso de Treinamento da cidade de Caicó. São eles: contagem, operações fundamentais, expressões numéricas, frações ordinárias, números decimais, sistemas de numeração decimal e romano, noções de geometria e sistema métrico decimal. Percebe-se que nas provas apresentadas anteriormente também se verifica o conteúdo potências. Na introdução da atividade sobre o sistema métrico decimal, por exemplo, elaborada pela professora Donzídia, encontramos o seguinte histórico: desde muito tempo, em todos os países do mundo reclama-se uma reforma dos pesos e medidas. Vários reis da França quiseram corrigir os defeitos [dos] antigos sistemas. Mas só a 8 de maio de 1790, foi Luiz XVI [que] decretou a criação de um sistema geral de pesos e medidas, e para isso encarregou a Academia de Ciências de Paris deste importantíssimo trabalho (PINTO, 1965, p. 1). A citação nos mostra uma tentativa da professora em inserir História da Matemática na formação dos professores leigos (BRITO; GUTIERRE, 2007). De nossa parte, acreditamos que a História da Matemática deva ter um lugar no ensino da Matemática, pois o professor que lança mão desse recurso pode prestar grande auxílio às aulas, resgatando, além de aspectos inerentes a algumas demonstrações, o estímulo à imaginação e à criatividade do aluno. Mas se faz necessário que esse professor, antes de lançar mão desse recurso, estude as potencialidades pedagógicas da História da Matemática e, supondo que esta tenha um lugar no ensino e que este lugar seja reconhecido e venha sendo aos poucos ocupado, convém debruçar-se sobre algumas questões, tais como: qual, 101 precisamente, é esse lugar? O que faz a História da Matemática quando usada nas aulas de Matemática? Em outras palavras, quais as funções que a História da Matemática desempenha, quando usada como recurso pedagógico nessas aulas? (GUTIERRE, 2003). No Brasil, por exemplo, temos, desde o final da década de 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais que servem de apoio às discussões e ao desenvolvimento do projeto educativo das escolas nacionais, à reflexão sobre a prática pedagógica, entre outros fatores. No que se refere aos caminhos para “fazer Matemática” na sala de aula encontramos, nos Parâmetros Curriculares (BRASIL, 1997, p.42) o reconhecimento de um lugar a ser ocupado pela História da Matemática: a História da matemática pode oferecer uma importante contribuição ao processo de ensino e aprendizagem dessa área do conhecimento. Ao revelar a Matemática como uma criação humana, ao mostrar necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do presente, o professor cria condições para que o aluno desenvolva atitudes e valores mais favoráveis diante desse conhecimento. Entendemos, entretanto, que em 1965, a professora Donzídia não tinha apoio suficiente às discussões e a reflexão sobre a prática pedagógica nas aulas de Matemática, fato que contribuiu para a tentativa, sem sucesso, do uso da História da Matemática como recurso pedagógico. Lembramos que, segundo a professora Teresinha Garcia de Melo, a professora Donzídia fez o curso do PABAEE e, nesse, a ênfase foi no ensino da Matemática pelo método da descoberta. 4.3 Plano Experimental da Escola Primária para 1970 O Plano Experimental foi criado pelo CEPE/SEEC a fim de combater o alto índice de repetência e evasão dos alunos da escola primária no RN, sobretudo na 1ª série (atualmente 2º ano do Ensino Fundamental). 102 Dentre os diversos objetivos específicos desse plano, destacamos aqueles que nos parecem convincentes, aos quais nos remeteremos, quando se fizer necessário. Primeiramente, em relação às crianças, destacamos o objetivo do CEPE em envolver 390 dessas, que correspondiam a treze classes de primeira série de nove unidades escolares de Natal-RN. Cada classe não deveria ultrapassar o limite de trinta alunos. Outro objetivo que destacamos, agora em relação à escola, foi o de integrar no Plano Experimental àquelas que tinham o maior número de evasões e repetências. Os objetivos em relação aos professores eram: (1) fazer o professor conhecer o Plano Experimental por meio de treinamentos; (2) assistir o professor por meio de encontros periódicos, seminários, palestras, reuniões, debates, e outros; (3) fazer o professor valorizar a supervisão como um meio de ajuda a sua atuação na sala de aula e (4) fazê-lo conhecer a situação da classe, para que assim pudesse regê-la. Os objetivos do supervisor eram assistir os professores e orientá-los, bem como avaliar e planejar com eles as atividades a serem desenvolvidas. Finalmente, os objetivos em relação ao CEPE foram: elaborar um roteiro programático mínimo a ser desenvolvido nas classes experimentais; manter uma equipe técnica de assistência direta ao plano e tornar constante o trabalho de coordenação das atividades do Plano Experimental (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1970). Leonice de Medeiros Lima e Nancy Gomes dos Santos eram as coordenadoras do Plano Experimental. A equipe técnica era formada por três supervisores no Núcleo Regional de Ensino e quatro técnicos do CEPE. As atividades propostas no Plano aconteceram no período de 07 a 21 de março de 1970. Essas foram executadas pela equipe técnica do CEPE, perfazendo um total de 18 horas, sendo 2 a 3 horas por dia. Eram treinados, por essa equipe, quatorze professores, nove diretores e três supervisores. No documento intitulado Plano Experimental da Escola Primária para 1970, escrito pelas coordenadoras supracitadas, encontramos a informação que os recursos, no valor de NCR$25.000,00, destinados à realização desse plano, foram provenientes do orçamento do Estado – 703/3140/11. Contudo, nesse mesmo documento, há a vistoria da senhora Zélia Maria de Moura, que era a técnica da 103 DAP/INEP/USAID no RN, que, nesse Plano Experimental, por meio da SEEC, tinha como atribuição colaborar para o desenvolvimento do referido Plano. Com isso, podemos inferir que a USAID e o INEP interferiram, também, na execução desse Plano Experimental. Procuramos à senhora Zélia Maria de Moura e ela foi uma de nossas entrevistadas. Como falamos no primeiro capítulo deste estudo, essa professora respondeu aos nossos questionamentos por e-mail. Sobre sua função de técnica da DAP/INEP/USAID no RN, ela nos diz que: Belo Horizonte concentrava o grupo de técnicos em Educação que coordenava os técnicos enviados aos Estados do Nordeste. No Recife, ficava o grupo de americanos (USAID) assessorados por outros tantos técnicos em educação das Minas Gerais, de São Paulo e do próprio Recife. [...]. Minha ligação sempre foi com a equipe de Belo Horizonte, com quem mantinha permanente contato via Relatórios técnicos sobre o trabalho que realizava junto à Secretaria de Educação do RN. [...]. A nós, mineiras, nos Estados do nordeste, nunca nos interessou saber, indagar os termos do convênio MEC/INEP/USAD. A nós bastava realizar o trabalho técnico e pedagógico junto às escolas, junto à equipe central da SEEC e junto ao senhor Secretário de Educação. Com esses mantínhamos constantes reuniões para prestação de contas pedagógicas. [...]. No Plano Experimental, nossa função era orientar os 14 professores, de 5 Grupos Escolares, de vários bairros de Natal. Ao chegar à Natal, os 14 professores já estavam escolhidos para assumirem as 14 classes de primeira série nos respectivos grupos escolares. Nossa tarefa principal sempre foi preparar pedagogicamente esses professores, visitando-os, semanalmente, a fim de corrigir distorções pedagógicas (quando havia). Enfim tínhamos a função de motivá-los continuamente para o bom desempenho da missão de alfabetizar bem seus respectivos alunos. [...]. As cinco Escolas e os 14 professores pertencentes ao Plano eram direta e administrativamente ligados ao 1º NURE. (ZÉLIA MARIA DE MOURA - Depoimento por e-mail). O Plano Experimental foi planejado para quatro anos de duração. Em mãos, temos o relatório do primeiro ano de execução do plano. Neste, consta que foram realizados dois cursos de treinamento para os 14 professores, que aconteceram nos meses de março e julho. Em relação à Matemática, chamou-nos a atenção o fato de 8 das 26 aulas desse curso serem destinadas aos conteúdos matemáticos. Também foi 8 o número de aulas destinadas à Linguagem. Assim, podemos concluir que Matemática tinha o mesmo peso dado à Linguagem nesses cursos de treinamento, nos quais, acima de tudo, desejava-se combater a problemática da evasão e repetência na escola 104 primária. As 10 aulas restantes do curso dividiam-se para as disciplinas de Estudos Sociais, Ciências Naturais e Planejamento. No segundo curso de treinamento que aconteceu no mês de julho de 1970 também se evidenciou que quase 30% das aulas dadas foram destinadas à Matemática. Novamente, percebemos o mesmo peso dado à Linguagem. Sobre isso, inferimos das palavras de Zélia Maria de Moura que não era proposital esse número de aulas de Matemática ser igual ao número de aulas de Linguagem, pois a matemática ensinada e trabalhada no Plano Experimental não se destacava em nada das demais matérias que compunham o Programa de Ensino Primário da SEEC. O tratamento pedagógico tinha igual peso e medida. (ZÉLIA MARIA DE MOURA - Depoimento por e-mail). (Grifos nossos). Finalmente, no relatório do Plano Experimental da Escola Primária para 1970 são evidenciados os pontos positivos e negativos da execução deste. Entre os positivos, chamamos a atenção para a análise feita pelas coordenadoras do Plano, quando as 14 professoras, já em suas escolas, aplicaram o que aprenderam no respectivo relatório: o ambiente social das comunidades, onde se localizam as classes influi diretamente para que houvesse pouco ou quase nenhum interesse da parte dos pais em mandar o filho para a escola; a infreqüência foi muito grande, o que refletiu em alto índice de evasão. A propósito, por falta de esclarecimentos iniciais, o índice de evasão foi, à primeira vista, alarmante. É importante porém que se esclareça o fato de a professora, por não ter sido bem esclarecida, considerou evasão até mesmo dos alunos que nunca chegaram a comparecer em sua sala de aula. Isto pesou no cômputo final (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1970, p.6). No tocante à repetência na 1ª série foi feito pelas supervisoras do Plano Experimental nas classes de suas alunas um teste de leitura oral e os resultados foram os da tabela a seguir: 105 Total de alunos testados 316 Boa leitura e interpretação 85 Leitura lenta, sílaba por sílaba 16 Não lêem nada 215 Porcentagem de alunos que lêem 31% Acerca desse resultado, os argumentos foram os que seguem: após computação dos testes, houve encontro com as professoras, para análise dos resultados e concluiu-se que, dentre os alunos que nada leram, há muitos que foram vencidos pela inibição e que, se testados pela própria professora de classe, teriam apresentado melhores resultados (CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS, 1970, p.8). Finalizamos apontando que, em 1970, quando foi colocado em ação o Plano Experimental, muitos professores advinham do Curso de Treinamento de Professores Leigos. Por isso, convém esclarecermos algumas questões em aberto: será que esse curso ou mesmo os dois cursos de treinamento oferecidos pelas próprias ações do Plano Experimental foram suficientes para a formação desses professores? Será que esses professores sentiam-se seguros para alfabetizar crianças? Por que o número de aulas destinado à Linguagem era o mesmo número destinado à Matemática se, no final, os testes, como vimos na citação acima, eram somente destinados à leitura oral? Enfim, no relatório acerca do Plano Experimental não consta qual o conteúdo matemático desenvolvido para esses 14 professores. Desse modo, fica mais uma questão em aberto: o que de fato se ensinou sobre Matemática aos 14 professores que fizeram parte das aulas do Plano Experimental? O Plano Experimental da Escola Primária para 1970 não nos pareceu ter sido significativo nem para aqueles que fizeram parte dele, por isso, talvez, tenhamos muitas dificuldades em responder às questões supracitadas. Essa afirmação se deve Tabela 3: Resultados – Plano Experimental 106 às palavras da Professora Nancy Gomes dos Santos, que era uma das coordenadoras desse Plano: o Plano Experimental era centralizado na Secretaria de Educação. Eu me lembro de que nós fizemos, pelo menos eu fiz, duas viagens a Recife com a coordenadora do CEPE que, na época, era Anilda Menezes. Nós tínhamos um encontro em Recife para discutir o andamento do Plano Experimental. [...].Olha, eu confesso a você, com sinceridade, eu não achei muita vantagem não, por exemplo nós dávamos aulas para a maioria dos professores do Pré e do Jardim de Infância. [...]. Eu confesso a você que não achei muita vantagem no plano experimental, é tanto que eu não tenho nem lembranças. [...].não tínhamos gratificações, tínhamos encontros e reuniões, mas a vida escolar eu, particularmente, achei que deixou muito a desejar (NANCY GOMES DOS SANTOS. Depoimento Oral). 4.4 Curso para Professores da Escola Normal A Secretaria de Educação e Cultura, em cooperação com a SUDENE e USAID, promoveu em Natal, entre 04 e 26 de janeiro de 1971, um Curso de Preparação Intensivo de Professores da Escola Normal com o objetivo de aperfeiçoar o quadro de professores dessa escola e reformular os programas das matérias do Curso Normal. O corpo docente do Curso foi composto por professores da UFRN e do Centro Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro, órgão vinculado ao INEP, localizado em Belo Horizonte. Os discentes totalizavam 130 (cento e trinta) professores-alunos, advindos das Escolas Normais do Estado. Segundo consta no convênio da SUDENE/USAID/SEECRN/INEP, a reformulação dos programas das matérias era um meio para “formar o pessoal docente destinado a ministrar o ensino primário, promovendo a sua realização pessoal e preparação profissional” (SUPERINTENDÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE, 1971, p.5). Entre as disciplinas ministradas estavam Matemática e Didática da Matemática. Essas eram ministradas apenas na primeira série do Curso Normal, embora a expectativa dos coordenadores do Curso Intensivo era que a disciplina de Matemática também fosse oferecida na 2ª série. Sobre isso afirma Guimarães (1971, p.130): 107 se for aprovado pelo Egrégio Conselho Estadual de Educação a proposta da inclusão de Matemática na 2ª série do Curso Colegial Normal, como orientação sugerimos aos senhores professores que as 5 primeiras unidades podem ser vistas na 1ª série com 3 aulas semanais e as duas últimas unidades na 2ª série com 2 aulas semanais. Marcondes Mundim Guimarães coordenava a comissão dos professores de Matemática que era formada por José de Araújo Ferreira, José Amilton Pereira, Maria Fausta Fernandes e Osvalita Rodrigues Pinheiro. Essa comissão, segundo o documento do convênio SUDENE/USAID/SEECRN/INEP, elaborou 7 (sete) unidades50 que deveriam ser vistas pelos discentes do Curso Intensivo, levando-se em consideração os dois pontos seguintes: (1) é preciso muito rigor na terminologia e conceituação que precisam ser ensinadas de acordo com as teorias mais modernas. (2) Sempre que possível, aliar o conhecimento teórico à sua aplicação prática, orientando o raciocínio do aluno para que, por meio de uma seqüência lógica, o mesmo chegue a concluir como utilizar estes conhecimentos. (SUPERINTENDÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE, 1971, p. 123). A citação acima nos remete para uma ação pedagógica na perspectiva do que apregoa a concepção formalista moderna, definida por Fiorentini (1995, p.16) como sendo aquela que se manifesta na medida em que enfatiza: a Matemática pela Matemática, suas fórmulas, seus aspectos estruturais, suas definições (iniciando geralmente por elas), em detrimento da essência e do significado epistemológico dos conceitos. Isto, porque se preocupa exageradamente com a linguagem, com o uso correto dos símbolos, com a precisão, com o rigor, sem dar atenção aos processos que os produzem; porque enfatiza o lógico sobre o psicológico, o formal sobre o social, o sistemático-estruturado sobre o histórico; porque trata a Matemática como se ela fosse ‘neutra’ e não tivesse relação com interesses sociais e políticos. [...]. A finalidade do ensino da Matemática na tendência tecnicista, portanto, seria a de desenvolver habilidades e atitudes computacionais e manipulativas, capacitando o aluno para a resolução de exercícios ou de problemas-padrão. 50 As unidades eram: (1) idéias gerais sobre conjuntos; (2) os números e os numerais; (3) operações com conjuntos e números naturais; (4) conjunto dos números racionais; (5) sistemas não decimais de medidas; (6) Geometria e sistemas decimais de medidas e (7) razões, médias e proporções. 108 Nessa época, devido ao MMM disseminado no Brasil e no mundo, os livros didáticos de Matemática enfatizavam de forma excessiva uma linguagem precisa e rigorosa, além da justificação de cada passo dado na resolução de um problema. Os modernistas desse período defendiam uma abordagem dedutiva da Matemática aliada a uma maior precisão na linguagem utilizada, assim muitas definições dos textos tradicionais dos livros didáticos de Matemática foram substituídas pela linguagem simbólica e todo conceito utilizado era cuidadosamente definido. Inferimos, então, que elementos da modernização do ensino da Matemática foram levados a esses professores-alunos da Escola Normal, por meio da interpretação que os docentes do curso davam aos livros didáticos adotados em Natal/RN. Lembramos que nossa narradora, a professora Teresinha Garcia de Melo vê a modernização do ensino de Matemática em Natal, por volta de 1970, quando a teoria dos conjuntos chega por meio dos livros didáticos. Soares (2001, p. 48) ainda nos diz que nessa modernização: a ênfase nos conjuntos era fundamentada no fato de ser um conceito básico da Matemática, além de uma poderosa ferramenta para a unificação da disciplina, que no século XIX era considerada como ‘as Matemáticas’. A análise das fontes nos permite afirmar que o livro didático de Matemática foi um fator preponderante para a modernização do ensino dessa disciplina no RN. Especificamente, nesse Curso para Professores da Escola Normal, percebemos que há um rol desses livros sugeridos pela comissão dos professores de Matemática. No entanto, não podemos afirmar se esses professores conheciam, sistematicamente, tais livros e se dominavam a linguagem e os conteúdos propostos nesses. Assim, questionamos: será que essa diversidade deveu-se à falta de conhecimento sobre os conteúdos desses livros por parte da comissão? Foram feitas análises desses livros didáticos antes de serem indicados aos professores? Ou até mesmo depois, junto com eles? Será que simplesmente o nome na capa não era suficiente para chamar-lhes a atenção? A tabela a seguir apresenta de forma sucinta os conteúdos matemáticos estudados nesse curso, assim como suas respectivas referências. Tanto os 109 conteúdos como os livros didáticos foram selecionados pela equipe de professores como unidades a serem estudadas. Referências Bibliográficas Unidades Subunidades Título(s) Autor(es) A Matemática Moderna no Ensino Primário. Z. P. Dienes Conceito de conjuntos, elementos, pertinência e notação. Elementos da Teoria dos Conjuntos. Benedito Castrucci Teoria Elementar dos Conjuntos. Edgar de Alencar Filho. Tipos de conjuntos. Matemática Curso Moderno. 1º volume. Osvaldo Sangiorgi Matemática para a Escola Moderna. Scipione Di Pierro Neto Relação de inclusão. Matemática - Ensino Programado - 1ª série. Antônio Marmo de Oliveira I Idéias gerais sobre conjuntos. Correspondência entre conjuntos. Matemática - Curso Moderno. A. Bóscolo e B. Castrucci Números Naturais. - - Numerais. Iniciação à Matemática. Jeloisa Menna Barreto e Mª Lúcia F. Esteves Peres Sistemas antigos de numeração. Ensino Moderno da Matemática. 1º volume. Orlando A. Zambuzzi Sucessão e Estrutura de ordem. Matemática - Curso Moderno. A. Bóscolo e B. Castrucci Sistema de numeração decimal e não decimal. Matemática para a Escola Moderna. 1ª série. Scipione Di Pierrô Neto. Matemática - Curso Moderno. 1º volume. Osvaldo Sangiorgi Matemática como você gosta. Jorge da Costa Ferreira Matemática - Conceituação Moderna Marcius Brandão Matemática Curso Liceu. 1º volume. Não informado II Os números e os numerais. Contagem em diversas bases e mudanças de base. Números e figuras. I. Adler Teoria Elementar dos Conjuntos. Edgar de Alencar Filho. União e interseção de conjuntos e suas propriedades. A Matemática Moderna no Ensino Primário. Z. P. Dienes Sentenças abertas e fechadas. Matemática Básica. 1ª série ginasial. Josias Mazzoti Propriedades da adição. Matemática Básica. 1ª série ginasial. Josias Mazzoti Produto cartesiano. Matemática – Ensino Programado – 1ª série. Antônio Marmo de Oliveira Propriedades da multiplicação. Matemática Curso Liceu. 1º volume. Não informado Conjunto complementar. Matemática Curso Liceu. 1º volume. Não informado Propriedade das operações inversas. Estruturas das sentenças. Fatores e múltiplos. Critérios de divisibilidade. Fatoração completa. III Operações com conjuntos e números naturais. Maximização, minimação e suas propriedades. Matemática - Curso Moderno. 1º volume. Osvaldo Sangiorgi 110 Medidas: Conceituação e escolha da unidade; A medição e a grandeza; Frações e números mistos. Não informado Não informado Matemática para o Ginásio Moderno Alésio de Caroli. Carlos A. Callioli. Roberto F. Costa Análise da forma p/q: Como elemento de um sistema; Como divisão; Como fração; Como razão. Matemática Moderna para o Curso Normal Helvécio Botelho Pereira Matemática Curso Liceu. 1º volume. Não informado Osvaldo Sangiorgi Matemática - Curso Moderno. 1º volume. Conjunto dos números fracionários: Números fracionários; Classes de equivalência e estrutura de ordem; Operações e propriedades. IV Conjunto dos Números Racionais. Conjunto dos números decimais: Forma fracionária e decimal; Operações; Dízima periódica e Geratriz; Sistema Monetário Brasileiro. Matemática para a Escola Moderna. 1ª série. Scipione Di Pierro Neto. Sistema Inglês de medidas. Matemática para o Ginásio Moderno Alésio de Caroli Medida do tempo. Matemática - Conceituação Moderna. 1º volume. Marcius Brandão V Sistemas não decimais de medidas. Medida de ângulos planos. Matemática Curso Moderno. 1º volume. Osvaldo Sangiorgi Conjuntos de Pontos. Matemática Curso Liceu. 2ª série. Não informado Definição, Elementos e Classificação dos triângulos e quadriláteros. Matemática para o Ginásio Moderno. 1º volume. Alésio de Caroli. Carlos A. Callioli. Roberto F. Costa Perímetros dos triângulos, quadriláteros e circunferências. Matemática Conceituação Moderna. 1º volume. Marcius Brandão Medidas de superfície. Aritmética – Exercícios J.J. Neves Rodrigues Áreas dos triângulos, quadriláteros e círculos. Matemática – Ensino Programado – 1ª série. Antônio Marmo de Oliveira Medidas de volume. Medidas de capacidade. Volume dos principais sólidos geométricos. VI Geometria e Sistemas Decimais de medidas. Medidas de Massa. Matemática – Curso Moderno. A. Bóscolo e B. Castrucci VII Razões, médias e Razão de número. Aritmética – Exercícios J.J. Neves Rodrigues 111 Médias. Matemática para a Escola Moderna. 1ª série. Scipione Di Pierro Neto. Números proporcionais. Regra de três. Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas. Matemática Curso Moderno. 1º volume. - Osvaldo Sangiorgi Porcentagem proporções. Juros Simples. Matemática Curso Liceu. 2ª série. Matemática Conceituação Moderna. 1º volume. Não informado Marcius Brandão Nas figuras a seguir, mostramos as capas de alguns dos livros de Matemática citados na tabela acima. Figura 27: Capas de alguns livros de Matemática publicados na década de 70 Fonte: Arquivo pessoal do professor Teófilo Canan Tabela 4: Conteúdos matemáticos registrados no planejamento do Curso para Professores da Escola Normal 112 Nossa pesquisa nos indica que no RN não houve grupos de estudos, como em alguns estados brasileiros, no início da década de 1960, que objetivavam, entre outros propósitos, a divulgação dos ideais do MMM entre professores de seus estados. Grupos de Estudos como o Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM) de São Paulo, o Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemática de Porto Alegre(RS) (GEEMPA) e o Núcleo de Estudos e Difusão do Ensino de Matemática (NEDEM), do Paraná, foram e são de fundamental importância para a História da Educação Matemática Brasileira. Por isso, cremos que o fato dessa não organização ou falta de um Grupo de Estudos sobre o MMM no RN levou a comissão de professores de Matemática indicar o livro Ensino Moderno da Matemática (1º volume), de Orlando A. Zambuzzi. Sobre esse livro, Scipione Di Pierro Neto, no mês de abril de 2003, no V Seminário Nacional de História da Matemática, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), de Rio Claro, em uma mesa-redonda intitulada O ensino de Matemática nas décadas de 60 e 70 (século XX) no Brasil: projetos pedagógicos e produção de livros didáticos fez a seguinte apreciação: Então, minha gente, coisas muito ruins foram feitas. Publicações boas, algumas, sérias. Outras não tão boas. Não sei quantos se lembram de um livro, de um autor que apareceu como autor, que não era professor, não freqüentou o GEEM, nunca tinha aparecido... vou até citar o nome dele: professor Orlando Zambuzi. Publicou um livro por uma boa editora de São Paulo: Matemática Moderna. Aí meu Deus do céu... Mas um livro tão errado, tão errado, tão errado, que o nosso prezado professor Castrucci não agüentou e falou assim: – ‘Scipione, eu vou falar com o editor’. Ele foi até o editor e disse – ‘Não pode colocar essas coisas...’. Ele somava conjuntos, qualquer tipo de conjunto, fossem disjuntos, não fossem, enfim, essas coisas mais horrorosas. E o livro foi o livro que mais vendeu durante anos. E em razão das advertências do professor Benedito Castrucci ao editor, o editor foi sério a ponto de, no ano seguinte, não aprovar mais reedições desse livro, até porque um conhecedor da Matemática, sério em relação aos trabalhos que se faziam para renovação da Matemática, foi capaz de influir a esse ponto: sair da sua cátedra, sair de sua casa para conversar com o editor (que por sinal é um médico bastante responsável e competente, e foi capaz de não publicar mais esse livro) (GARNICA, no prelo). Podemos inferir, a partir do que disse o professor Scipione Di Pierro Neto, que houve certo desconhecimento por parte dos professores de Matemática que formavam a comissão do que realmente seria a Nova Matemática, denominação usada naquela época. Os dados também evidenciam o interesse comercial que 113 permeava essa situação. Scipione Di Pierro Neto, nessa mesma mesa-redonda, falou sobre isso: Havia tanta paixão, tanto interesse, interesse comercial, que o meu primeiro editor, em 1967, diz, – ‘Não, seu livro vai chamar Matemática Moderna’, e eu disse – ‘Nunca, não tem que chamar Matemática Moderna’, eu falava – ‘Jamais’. Aí um dia eu telefonei para ele e falei – ‘Paulinho’, ele chama-se Paulo, ‘Paulinho, eu descobri um título para colocar no livro: Matemática para Escola Moderna’. Ele falou – ‘Ótimo, Scipione, ótimo. A gente põe ‘Matemática’ com letra grande, ‘para a escola’ em letra pequenininha, e ‘Moderna’ em letra grande’. (risos). Por aí vocês vêem o interesse comercial como era. E eu não consegui demover o editor... o ‘para a escola’ ficou bem pequeno. (Grifos do autor) (GARNICA, no prelo). Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 17) também nos falam sobre esse interesse comercial. Os autores afirmam que Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan), Cecil Thirré, Ary Quintella, Munhoz Maheder, Irene Albuquerque e Manoel Jairo Bezerra: interessados no ensino primário e secundário, em vez de pesquisar a realidade escolar ou o processo de ensino-aprendizagem, preferiram, nesse período, compendiar livros-texto para os alunos e prescrever orientações didático-metodológicas e curriculares aos professores. Posteriormente, os autores Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 18) ressaltam que: Malba Tahan diferenciou-se dos demais pela qualidade e quantidade de suas publicações. Além de publicar romances, textos de divulgação/popularização da matemática e de orientação didática, realizou estudos bibliográficos de tópicos específicos da matemática, estudos de episódios da história da matemática como, por exemplo, biografias, paradoxo, lendas e problemas célebres e levantamentos e ilustrações de fatos, de fatos de jogos e curiosidades populares nos quais a matemática se fazia presente. Diante do exposto, à guisa de conclusão, o conteúdo visto pelos professores da Escola Normal foram elementos da teoria dos conjuntos, medidas e geometria a partir do enfoque dos elementos da teoria dos conjuntos. A esses conteúdos foram 114 atribuídos os seguintes procedimentos didáticos: (1) aula expositiva, (2) estudo dirigido, (3) leituras (pesquisas bibliográficas), (4) trabalho em equipe, (5) seminários, (6) elaboração de trabalhos práticos, (7) levantamento de bibliografia, (8) exercícios diversos, (9) recursos audiovisuais, (10) excursões e (11) entrevistas e conferências. (GUIMARÃES, 1971). É interessante observar que a “bibliografia para enriquecimento”, assim intitulada no relatório, sugere a leitura de 14 (quatorze) livros, entre eles, Filosofia da Matemática, escrito por Stephen F. Baker; A Magia dos Números, de Paul Karlson e Matemática e Imaginação, de Edward Kasner e James Newman. Entretanto, nas aulas, esses livros não foram utilizados, conforme vimos na tabela acima. Em relação à disciplina de Didática da Matemática, os conteúdos apresentados, nesse curso, foram: unidades, múltiplos e submúltiplos, reduções, operações, cálculo de perímetro, área e volume. Para esses conteúdos, os procedimentos didáticos, entre outros, foram: excursão para observar a aplicação das diversas medidas, entrevistas com pessoas especializadas para demonstração de como usar os diferentes tipos de medidas e pesquisa em livros de Matemática de 1ª série sobre área. Ainda constaram como conteúdos, no que se refere à Geometria: as figuras sólidas, as figuras planas, as linhas, o ponto e o espaço. No que se refere a problemas, os conteúdos foram: conceito, modalidade e tipos de problemas, bem como o emprego da sentença matemática na resolução de problemas. Em relação à avaliação, foi abordado o conceito, a necessidade e os instrumentos de avaliação e seleção sobre os instrumentos de avaliação. 4.5 Projeto Saci (1973- 1975) O Projeto Satélite Avançado em Comunicações Interdisciplinares, conhecido como Projeto SACI51, que no segmento da tecnologia contaria com recepção de sinais, geração alternativa de energia e experimento educacional, iniciou, no Estado do Rio Grande do Norte, com o nome de Experimento Educacional do Rio Grande 51 O planejamento do Projeto SACI, bem como a produção dos programas educativos de rádio e televisão, foram feitos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos(SP). 115 do Norte (EXERN). Esse se utilizou de rádio e televisão para transmitir programas educacionais a professores e alunos. O objetivo desse projeto era “possibilitar a todo brasileiro o acesso à educação.” (MENDONÇA, 1973, p. 8). Esses programas voltavam-se, primeiramente, aos professores que não haviam completado o Curso Primário, Ginasial ou Normal no RN. O Curso intitulava- se Curso de Capacitação de Professores não titulados. No entanto, não era impedido de fazer o curso aquele que já possuía título de professor primário. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) elegeu o Rio Grande do Norte como local dessa experiência por diversas razões, entre elas: (1) já possuía um escritório em Natal, por conta das atividades desenvolvidas com a base de lançamentos de foguetes da Barreira do Inferno; (2) a UFRN já era concessionária de um canal de televisão educativa; (3) a SEEC/RN demonstrou interesse e (4) no RN, as condições eram tão difíceis que os resultados bem poderiam ser projetados para as regiões mais pobres do país (ANDRADE, 2005). No relatório do Diretor Geral do Projeto Saci, Fernando de Mendonça, feito ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) as razões porque o RN foi o escolhido para o início do Projeto SACI são as seguintes: (1) O Rio Grande do Norte pertence ao conjunto de Estados do Nordeste. Considera-se interessante escolher um Estado do Nordeste porque esta região contém mais de 20% da extensão do país e da ordem de um terço da sua população. Isto significa que ela é uma região muito importante. (2) Como os outros estados do país o Rio Grande do Norte também tem problemas no setor educacional: falta de escolas, repetência e evasão de alunos, professores não titulados, etc. (3) Além de apresentar os mesmos problemas educacionais, o Rio Grande do Norte é representativo do país em outros aspectos também. Por exemplo, o Estado apresenta três zonas geográficas comuns a outros Estados, ou seja, litoral, agreste e sertão. Apresenta, também, uma zona rural e uma zona urbana bem caracterizadas. (4) Além de tudo isso, o Governo do Estado – através de seu Governador, da Secretaria de Educação e Cultura, outros órgãos e a Universidade Federal do RN, demonstram grande interesse em que em seu Estado seja iniciado o Projeto Saci. Este interesse e colaboração estende- se às autoridades municipais, como os prefeitos e outros elementos interessados em educação (MENDONÇA, 1973, p. 12-13). Contudo, não podemos deixar de perceber tal ação como algo inovador e moderno. Em 1975, embora os objetivos e metas do Projeto SACI ainda não tivessem sido alcançados, o projeto foi interrompido pelo Governo Federal. Mas, um plano de 116 sobrevivência começou a ocupar as mentes de pesquisadores, professores e alunos do mestrado da UFRN e do Projeto SACI (ANDRADE, 2005). Assim, em meados de 1975: o Ministério da Educação (MEC), por intermédio do Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL), financiou o treinamento de funcionários da UFRN e da Secretaria de Educação que trabalhariam na TV-Universitária e no Sistema de Teleducação do Rio Grande do Norte (SITERN). A UFRN e a Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC) receberiam os equipamentos que tinham sido usados na produção e transmissão dos programas de rádio e televisão e os receptores instalados nas quatrocentas escolas do projeto. Esse processo foi chamado de estadualização do Projeto SACI (ANDRADE, 2005, p. 135). Assim, para dar continuidade ao projeto, foi criado o Sistema de Teleducação do Rio Grande do Norte (SITERN). Essa proposta incluiu aproximadamente 400 escolas, atingindo um total de 40 mil alunos, incluindo a zona rural. A partir daí, a TV Universitária do RN não seria mais apenas uma retransmissora das aulas produzidas em São José dos Campos. Em 1976, já sob a administração da UFRN, começa o processo de instalação da TV para produzir seus próprios programas (ANDRADE, 2005). Diante do exposto, nosso objetivo, no momento, não é apresentar em detalhes o Projeto Saci. Queremos, entretanto, destacar a importância dada à disciplina de Matemática nesse Curso, segundo consta no relatório feito pelo Diretor Geral do Projeto Saci, Fernando de Mendonça, ao CNPq. A Matemática era uma das sete áreas de estudo. As demais eram: Português52, Estudos Sociais, Ciências Sociais e Saúde53, Educação Moral e Cívica, Noções Pedagógicas e Noções de Didática. A área de Matemática, segundo o relatório, pretendia dar ao professor conhecimento básico sobre Conjuntos, Operações Matemáticas, Instrumentos de Medida, Conceitos Geométricos e Estrutura do Sistema Numérico. Das 489 aulas da grade curricular, 115 eram destinadas à Matemática, 104 a Português, 90 a Estudos Sociais e 90 a Ciências Naturais e Saúde. Para as disciplinas de Educação Moral e 52 Devido à LDB 5692/71, essa área passou a ser chamada Língua Portuguesa. 53 Devido à LDB 5692/71, essa área passou a ser chamada Ciências Físicas e Biológicas. 117 Cívica, Noções Pedagógicas e Noções de Didática foram destinadas 30 aulas para cada uma. Percebemos mais uma vez a importância dada à disciplina de Matemática, pois o número de aulas destinado a ela era maior que o número de aulas destinado a qualquer uma das outras. As aulas, no rádio ou na televisão, tinham a duração de 10 a 15 minutos, que deveriam ser acompanhas pelo material impresso, denominado de Material de Acompanhamento. O fato dos professores terem que estudar sozinhos foi um dos motivos para esse material ser elaborado em forma de Instrução Programada, cujos princípios para nós aprendermos melhor são: quando o assunto que estudamos é dividido de tal maneira que progredimos nele por meio de pequenos passos; quando cada passo do assunto contém uma pergunta para a qual temos que dar uma resposta; quando as respostas que damos são corretas, e podemos verificá-las na hora; podemos estudar no ritmo que nos é mais adequado (MENDONÇA, 1973, p.30 ). O Material de Acompanhamento de Matemática foi composto por 9 (nove) volumes, de 12 (doze) aulas cada um e 1 (um) volume de 7 (sete) aulas, totalizando assim 10 (dez) volumes, com um total de 115 (cento e quinze) aulas. Concluímos afirmando que o ensino de Matemática, no RN, também se deu por meio do Rádio e da Televisão. 4.6 Planejamentos de aulas de Matemática em 1974 No decorrer da pesquisa, encontramos, no Arquivo Público do RN, planos de aulas de Matemática. Esses são oportunos, pois, por meio deles, podemos averiguar o conteúdo matemático ministrado em 1974, no RN. No arquivo supracitado, a caixa que continha tais planejamentos intitulava-se: SEC. Planejamento Geral do IV NUREPS. 1974. 118 Figura 28: Informação contida na Caixa do Arquivo Fonte: Arquivo Público da cidade do Natal /RN Figura 29: Plano de Curso Fonte: Arquivo Público da cidade do Natal /RN 119 Esse planejamento de Matemática foi pensado para ser aplicado na Escola de 1º grau Tarcísio Maia, localizada na cidade de Pau dos Ferros, localizada a 406 km da capital Natal. No plano de Curso a ênfase está na teoria dos conjuntos. Está claramente exposto no plano que o aluno da 1ª série deveria estudar acerca dos conceitos de conjunto, subconjuntos, elementos e relação de pertinência. Além disso, havia objetivos voltados à capacidade do aluno em identificar os princípios de relação, simbolização, cardinalidade, propriedades, invariabilidade e reversabilidade. Para tanto, as estratégias utilizadas expostas no planejamento foram as seguintes: discussão sobre conjunto de brinquedo das crianças ou de qualquer outro tipo de material manipulativo: pedras, palitos, tampas e outros; formação de conjuntos diversos com material tanto comportamental como manipulativo; identificação de conjuntos de qualquer ser da natureza pela nomeação de seus elementos formando a noção de conjunto como coleção dos seres da natureza; construção de conjuntos com material diverso; uso do flanelógrafo para formação de conjuntos e o estabelecimento das relações de correspondência, pertinência e não pertinência; observação das cores, formas e espessuras dos objetos manipulados na sala de aula; manipulação dos sólidos geométricos para observar seus atributos; contagem de 2 em 2, 3 em 3 ... como preparo à idéia de base, usando material manipulativo e desenhos; emprego adequado da terminologia de conjunto, elemento, limite, pertence, não pertence; questões orais para o estabelecimento das relações de pertinência e não pertinência; exercícios diversos indispensáveis à compreensão; uso do flanelógrafo para fixar o vocabulário. Considerando que aconteceram alterações no currículo de Matemática, quando comparado ao currículo de Matemática já existente no RN, percebeu-se tão somente o acréscimo de elementos da Teoria dos Conjuntos. Podemos dizer, portanto, que realmente quase nada mudou no ensino. O que aconteceu foi o acréscimo desses elementos, que eram ministrados em classe, principalmente porque constavam num capítulo inicial dos livros didáticos. A abordagem geral da Matemática pouco foi alterada, como podemos verificar nas estratégias citadas acima, quando da elaboração do plano de aula. Soares (2001) nos diz que, nessa época, nas escolas brasileiras, as únicas propostas realmente inovadoras foram àquelas desenvolvidas pelos grupos de 120 estudos da época, e estas, praticamente, não chegaram às salas de aula, pois não eram incorporadas aos livros didáticos. Finalmente percebemos, também, nas estratégias citadas acima, divulgadas no plano de ensino, outro tópico favorecido pelo Movimento da Matemática Moderna, que foram as bases de sistemas de números. Lembramos que os “modernistas” acreditavam que o estudo de bases diferentes faria o aluno compreender melhor a base 10 e as operações aritméticas. No entanto, esse fato não é motivo para considerarmos que houve uma modernização do ensino da Matemática. 4.7 Diários de Classe do Colégio Atheneu Norte-riograndense A nossa procura por diários de classe de Matemática na Escola Estadual Atheneu Norte-riograndense deve-se, pelo menos, a dois fatores. O primeiro deles volta-se à importância dessa escola no estado. O Colégio Atheneu Norte- riograndense54 foi fundado na capital do Estado do Rio Grande do Norte antes mesmo do Colégio que era modelo para o Império: o Colégio Pedro II, que foi fundado em 2 de dezembro de 1837, no Rio de Janeiro, “na Corte”. Quanto ao segundo fator que nos remete aos diários de classe do Colégio Atheneu, trata-se da reportagem contida no jornal Tribuna do Norte de 15 de outubro de 1967, pois, Brito, Cruz e Ferreira (2006, p.91), no artigo A inserção do Movimento da Matemática Moderna na UFRN, nos dizem que três professores ensinavam a Matemática Moderna em suas aulas de Matemática e que esses foram professores do Colégio Atheneu. São eles: Teófilo Canan, Josafá Cordeiro e José Ivaldo. As autoras, nesse artigo, afirmam ainda que “grande número de professores, do método tradicional, se recusa a dar a nova matemática”. Assim, fomos em busca de esclarecimentos acerca dessa possível modernização do ensino da Matemática por parte dos referidos professores. 54 A fundação do Atheneu aconteceu em três de fevereiro de 1834, pois no artigo 27, da lei nº 30 sancionada pelo presidente do império, Basílio Quaresma Torreão em 30 de março de 1834, diz: “o dia três de fevereiro, aniversário da abertura do Ateneu, é feriado”. Além disso, foi no dia três de fevereiro de 1834 que o Padre Antônio Xavier Garcia de Almeida, vice-diretor do Ateneu, abrira o livro de matrículas das aulas no referido Colégio (CASCUDO, 1961). 121 O Atheneu Norte-riograndense tornou-se necessário, no período do Império, para suprir as necessidades de quadros para a estrutura social vigente, afinal a estrutura econômica estava assentada em formas de trabalho, como a escravatura, e a educação tradicional privilegiava a elite. Assim, era necessário instituir, na sociedade, uma via eficaz para formar uma classe imbuída da moral dominante, destinada a ocupar as funções públicas e liberais que começavam a se expandir (BARROS, 2000). Na cidade do Natal, em 1834, havia cinco aulas de Humanidades, intituladas Aulas maiores. Eram elas: Filosofia, Retórica, Geometria, Francês e Latim. O então Presidente da Província, Basílio Quaresma Torreão (1787-1868) solicitou ao Conselho Geral da Província55, a reunião dessas cinco Aulas Maiores num Colégio. Cascudo (1961, p.10) nos mostra como o Presidente Quaresma se expressou quando sua solicitação foi aceita: por uma resolução do Conselho Presidencial foram reunidas, como forma de Colégio, as cadeiras de Humanidade no edifício, que serviu outrora de Aquartelamento. Esta medida deve tomar-se de tanta maior utilidade, quanto os Lentes coligados, dando-se uma importância recíproca, exigem de seus alunos mor respeito, e ficam ao alcance das vistas do Governo. O mesmo Conselho Presidencial que lançou os primeiros fundamentos a este Edifício moral, já criou um Bebel, permitiu uma sineta... e que mais falta para construir um Colégio de Belas Artes? Os Estatutos? Eles vos vão ser apresentados: recebei-os, e ponde o remate a esta tão importante obra! Que as outras províncias do Império aplaudão a existência do ATENEU DO RIO GRANDE DO NORTE, e que nossos vindouros digão á seus filhos, apontando-lhes com o dedo: - é ao Conselho de 1833 que devemos este tão útil Estabelecimento! Entendemos que é a Basílio Quaresma Torreão que devemos a existência do Atheneu, pois foi ele quem teve a iniciativa de reunir as cinco Aulas Maiores num Colégio. Quaresma Torreão amava a História, era “letrado e amigo de clássicos” (CASCUDO, 1961, p.21). O nome Atheneu se deve a ele, pois segundo Cascudo (1961, p.21): 55 Não havia Assembléia Legislativa Provincial. Pelo artigo 72 da Constituição do Império, foi Criado o Conselho Geral da Província, com treze membros, destinado a propor, discutir e deliberar sobre os negócios de maior interesse provincial e remeter estes projetos ao Poder executivo por intermédio do Presidente da Província (CASCUDO, 1961). 122 para um letrado, a deusa da Sabedoria continuava sendo a Minerva romana e bem mais legitimamente ATENAS, Palas-Atenas, ATHÉNÀ, grega, elmada de prata, coroada de louros e ramo de carvalho. Era a expressão da Inteligência sabedora, na plenitude do conhecimento e mesmo da busca, da pesquisa, na batalha pela Certeza das Cousas e das Causas. Em Atenas o estabelecimento de instrução, onde se lia e ouvia o sábio discorrer da Sapiência, era o ATHENAÌON, templo de Atenas, a casa da sabedoria, fiel ao seu destino alto e puro. O Atheneu funcionou no antigo Quartel Militar (Av. Rio Branco) de 1834 até 1859, pois a chegada de um batalhão desalojou alunos e professores, forçando-os a estudarem em residências. Em 1º de março de 1859, o Atheneu foi instalado no edifício da rua Junqueira Ayres, atual Secretaria Municipal de Finanças, e permaneceu lá até 1954. O prédio do Atheneu era referência na cidade e, muitas vezes, utilizado para outros fins. O professor Clementino Câmara, em Romance do Atheneu Norte- riograndense (1945, p.35-36), nos parece indignado com tal fato, quando afirma: “não havia edifício onde a escola pudesse funcionar [o autor se refere à Escola Normal]. Para onde iria? O Atheneu estava naturalmente indicado. E lá ficou a Escola Normal desde 13 de maio de 1908 até 31 de dezembro de 1910”. Informa ainda que essa decisão se deveu ao Governador Alberto Maranhão, que fechou as escolas primárias, rotineiras, retrógradas e improdutivas que havia no Estado, e criou a Escola Normal, a fim de preparar gente capacitada. Nas palavras do Professor Clementino Câmara entendemos que a Escola Normal utilizou as dependências do Atheneu até dezembro de 1910. Daí, inferimos que, quarenta e quatro anos depois, a Escola Normal e o Atheneu voltam a utilizar o mesmo espaço. Agora, o novo, construído para o ensino secundário, pois, no discurso (Documento do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1954) pronunciado pelo professor Severino Bezerra de Melo, Diretor do Departamento de Educação, ele afirma: logo ao primeiro contacto que tive com o chefe do governo, ao expor-lhe as necessidades do ensino do estado, coloquei em primeiro plano a da construção de um Instituto de Educação em Natal, nos moldes dos existentes nas grandes capitais e onde se reunissem todos os cursos 123 secundários oficiais, até então, como ainda hoje, distribuídos pelos bairros da cidade, em velhos prédios inadequados, sem os mínimos requisitos técnicos e pedagógicos, com inconvenientes de toda ordem para professores e alunos e inevitáveis prejuízos para o rendimento escolar. Após estudos e projetos aprovados pelo Ministério da Educação, foi construído o prédio destinado ao Colégio Estadual do Rio Grande do Norte, o Atheneu, e a Escola de Professores. Salientamos aqui que o Colégio Estadual do Rio Grande do Norte passa a denominar-se Colégio Estadual do Atheneu Norte- riograndense por meio do decreto n° 3285, de 3 de fevereiro de 1959 (CASCUDO, 1961). O prédio construído tem formato de “X”. Foi inaugurado em 11 de março de 1954 e permanece no mesmo local até os dias atuais. Em nota do jornal A República, de 11 de julho de 1945, encontramos: o Instituto de Educação do Rio Grande do Norte irá para o moderno bairro de Petrópolis, saudável e calmo recanto da capital potiguar. Lá há de se erguer o imponente edifício, onde os nossos jovens contemporâneos encontrarão ambiente adequado para o útil aprendizado das humanidades. No prédio novo, encontravam-se um ginásio para prática de esportes, sessões de cinema e auditório para festas, 16 salões de aulas comuns e 8 salões para aulas especializadas. Durante muitas gerações, o Atheneu foi considerado o melhor colégio do Estado. Essa afirmação nos remete a Chartier (1990), quando entendemos que as representações das pessoas que viveram nos idos de 1950 a 1980 (período da delimitação do objeto do nosso estudo), no Ateneu Norte-riograndense, são como apreensões discursivas e, suas práticas culturais, como estratégias de pensar. Ao falarmos em práticas culturais nos remeteremos, a partir de agora, aos vestígios encontrados por nós, na busca de informações, sobre as aulas desses professores citados na reportagem do Jornal Tribuna do Norte, como falamos anteriormente. 124 4.7.1 Professor Teófilo Canan O professor de Matemática Teófilo Canan nasceu em 06 de agosto de 192156. A fim de entrevistarmos o referido professor acerca da citação do seu nome na reportagem do Jornal Tribuna do Norte de 1967, o procuramos, no entanto, não foi possível a realização dessa entrevista, pois constatamos que ele havia falecido em 7 de novembro de 2003. Desse modo, entramos em contato com sua família, a fim de encontrar, nos materiais do professor Canan, o que era ensinado e como era ministrada a disciplina na década de 1960, por ele. Seus filhos, Bhaskara Canan, Valentina Graça Canan e Ana Graça Canan, junto à viúva Olaci Lima Canan, gentilmente, abriram as portas de sua casa para investigarmos, nos arquivos do professor, o que desejássemos. Eram muitos e diversos os livros de Matemática que constavam na estante da casa em que viveu o professor Canan. Segundo seu filho, Bhaskara, o professor Canan era autodidata, pois, ainda jovem, quando servia à Marinha Brasileira, em suas longas viagens de navio, estudava Matemática. Em cada porto, comprava livros de Matemática e os estudava. Na década de 1950, ao chegar a sua casa, que se localizava no centro da cidade de Natal, na Rua Floriano Peixoto, quando voltava das viagens do serviço militar, dava aulas particulares de Matemática. Assim nos disse Bhaskara Canan sobre seu pai: Dos 7 aos 15 anos foi vendedor ambulante. Aos 16 anos foi servir à Marinha, durante a Segunda Guerra Mundial, onde descobriu que conseguia estudar Matemática, sozinho, passando a comprar todos os livros 56 Encontramos alguns documentos que constam que a data de nascimento do Professor Teófilo Canan era 06/09/21. Perguntamos a sua filha Ana Graça Canan sobre a data verídica do nascimento de seu pai e ela nos disse que nos documentos oficiais como a carteira de identidade, por exemplo, a data registrada era 06/08/1921. Figura 30: Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo Pessoal da família do Professor Teófilo Canan 125 que podia e, também, passando a ensinar aos outros marinheiros. Depois da guerra, foi transferido para a Aeronáutica, onde continuou a ensinar. Quando deixou à Aeronáutica, passou a ensinar em casa, até ser convidado para ensinar no Colégio Atheneu e depois em outras escolas (BHASKARA CANAN. Depoimento Oral). Lembramos que o professor Adalberto Jorge Vieira Pinto, um dos nossos narradores, nos disse que teve aulas particulares com o professor Teófilo Canan. Sobre isso, ele narra: escolhi o professor Canan para ter aulas particulares porque ele era conhecido, muito conhecido. O professor Canan era um bom professor. Conheci-o dando aula particular. Eu sabia que ele ministrava aulas particulares, porque Natal era muito pequena, todo mundo sabia tudo...Além do mais, não tinha duzentos professores, não! Naquela época tinha cinco, seis professores de Matemática. Quando ele ensinava era prático, objetivo, não perdia muito tempo, passava problemas. Ele passava os problemas e eu os botava na cabeça, era realmente isso que queria para me preparar para o vestibular (ADALBERTO JORGE VIEIRA PINTO. Depoimento Oral). Os livros que encontramos no acervo do professor Canan, entre outros, foram: Tópicos de Matemática, de Gelson Iezzi, Osvaldo Dolce, Nilson J. Machado, Luiz Roberto S. Castro, Márcio C. Goulart e Antônio S. Machado; Matemática Moderna, de Henriqueta de Carvalho; Conjuntos, Funções e Inequações, de Cid A. Guelli, Gelson Iezzi e Osvaldo Dolce; Matemática – 2º ciclo, de Omar Catunda e outros; Matemática Moderna, da Agrícola Bethlem; Cadernos MEC, escrito por Manoel Jairo Bezerra; O TD trabalho dirigido no Ensino da Matemática – curso moderno, de Scipione Di Pierro Neto, Aida F. da Silva Munhoz, Wanda Nano, Iracema Ikiezaki e Alcebíades Vieira; Matemática – Ensino Programado, de Antônio Marmo de Oliveira; MEP6- Matemática – Estudo Programado, de Clauzet; Matemática Financeira, de Oswaldo Marcondes; Matemática Conceituação Moderna, de Marcius Brandão; Matemática para o Ginásio Moderno, de Alésio de Caroli, Carlos A. Callioli e Roberto F. Costa; Matemática, de Aluísio Andrade Lemos, Fidedico Higuchi e Salomão Fridman; Matemática com Estudo Dirigido, de Orlando A. Zambuzzi; Matemática – Curso Moderno, de L.H. Jacy Monteiro, Oswaldo Sangiorgi e Renate Watanabe; Matemática – Estudo Orientado, de José Francisco Comenalli Marques; Matemática Comercial e Financeira com complementos de 126 Matemática e Introdução ao Cálculo, de Nicolau D’Ambrosio e Ubiratan D’Ambrosio; Matemática Ginasial, de Roxo, Thiré e Melo e Souza; Matemática, dos Irmãos Maristas; Matemática para os cursos Clássico e Científico, de Thales Mello Carvalho. É interessante observar que no acervo do Professor Canan também havia livros que enriqueciam o conhecimento matemático, tais como: Segredos da Numeração, escrito por Carlos Luis Duque Estrada; A Magia dos Números, de Paul Karlson; Brincando de Matemática, de Perelman e Maravilhas da Matemática: influência e função da Matemática nos conhecimentos humanos, de Lancelot Hogben. Lançamos mão de uma prova de Matemática, elaborada e corrigida pelo professor Canan, quando ainda professor da Escola Técnica do Comércio, em 1963. Os conteúdos matemáticos contemplados nessa prova eram: expressão numérica, propriedade distributiva, regra de três simples e problemas que envolvem as operações matemáticas. Eram cinco o número de questões. Percebemos que essa prova valia 10,0 pontos, sendo que cada questão valia 2,0 pontos. A seguir veremos a mesma prova, aplicada a dois dos seus alunos, no dia 29 de abril de 1963. Um dos alunos tirou nota 5,0 e o outro nota 7,0. Fato que nos faz perceber que o professor Canan levava em consideração o raciocínio do aluno, atribuindo-lhe ao menos metade do valor da questão, quando este, ao menos, tentava resolvê-la. Sobre avaliar a aprendizagem do aluno na perspectiva de sua formação escolar, Pinto (2008, p. 49) nos diz que: é uma tarefa complexa que exige não só olhar para os resultados objetivos da provas, mas sobretudo voltar-se para os processos utilizados por esse aluno, seja na busca da resposta a um problema, seja na técnica algorítmica utilizada, nas tentativas de raciocínio. Na figura a seguir57 mostramos a prova do aluno que tirou nota 5,0. 57 Essa figura encontra-se no Anexo F deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. 127 Na correção da prova que está na figura acima, percebemos que o aluno ou aluna não se remeteu às questões de números 1 e 2, acertou as questões 3 e 4 e tentou fazer a questão número 5, sem sucesso. Assim, sua nota deveria ter sido 4,0. Inferimos que o professor Teófilo Canan tenha atribuído nota 5,0 a esse aluno ou aluna, pela tentativa de resolução da questão 5. As análises a seguir referem-se à prova do aluno que conseguiu tirar nota 7 na correção58. 58 Essa figura encontra-se no Anexo G deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Figura 31: Prova de Matemática (1). Frente e verso Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 128 Figura 32: Prova de Matemática (2). Frente Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 129 Observamos no canto esquerdo, ao lado de cada questão, a pontuação dada. À questão de número 3, foi atribuído o valor 1,0, isto é, metade do valor da questão, pois no desenvolvimento do cálculo dessa, há de fato, erro matemático. Percebemos, assim, que as questões eram corrigidas uma a uma, de acordo com a resposta apresentada. O processo de resolução dos problemas foi assinalado com um X pelo professor Canan, quando havia erro, e com um C, quando havia acerto. Notamos, também, que a correção foi feita com caneta, na cor vermelha. Outro aspecto por nós evidenciado é o de que não há apreciação ou comentários em relação aos erros ou acertos, mas há o desenvolvimento do cálculo correto, ao lado do errado. As provas não eram datilografadas, o que significa que eram copiadas pelos alunos. Não podemos afirmar, no entanto, se tal fato devia-se à precariedade da Escola Pública no RN. Observamos também que o professor contemplou em sua prova os exercícios de algoritmo, assim definido por Dante (1994), nas questões 4 e 5 e os problemas- Figura 33: Prova de Matemática(2). Verso Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 130 padrão (DANTE,1994), nas demais questões, pois eles são problemas convencionais pela estrutura em que se apresentam. Posteriormente, na primeira metade da década de 1970, já era ensinado, na 1ª série do então chamado científico, elementos da Teoria dos Conjuntos. Essa afirmação se deve ao fato de termos observado que no diário de classe do professor Teófilo Canan, no Colégio Atheneu Norte-Riograndense, foram registrados os conteúdos propostos pelo Movimento da Matemática Moderna. Professor Teófilo Canan Figura 34: Capa do Diário de Classe das aulas de Matemática do professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo da Escola Estadual Atheneu Norte-riograndense 131 As aulas dessa 1ª série iniciam-se com elementos da Teoria dos Conjuntos, como consta no diário. Foi registrado, pelo professor Canan, como aula dada a esses alunos os seguintes conteúdos: Simbologia da teoria dos conjuntos. Simbologia da Lógica. Conjuntos. Conjuntos numéricos fundamentais. Noções de lógica matemática. O modificador negação. Proposições compostas. Exercício. Implicações. Equivalência. Quantificadores. Subconjuntos. Subconjuntos dos reais. Interseção e reunião de conjuntos. Diferença de conjuntos. Produto cartesiano. Pares ordenados. Relação Binária. Exercício. A figura59 que se segue retrata alguns desses conteúdos: 59 As figuras 34 e 35 encontram-se no Anexo H deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Figura 35: Diário de Classe das aulas de Matemática do professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo da Escola Estadual Atheneu Norte-riograndense 132 As aulas do conteúdo supracitado tiveram a duração de um mês, pois se iniciaram dia 09 e terminaram dia 3160. Na página seguinte desse mesmo diário, inicia-se o estudo das funções, sendo destinado um mês e meio para função linear e um mês para estudos voltados à função quadrática. O ano termina com conteúdos de ângulo, arco e distância entre dois pontos. Notamos, então, que, conforme nos disse o professor Antônio Roberto em seu depoimento oral, elementos da Teoria dos Conjuntos não eram vinculados a outros conteúdos. Ministravam-se as definições, os conceitos, as operações e pronto. Assim diz o professor: Eu lecionava a teoria dos conjuntos e logo continuava com o conteúdo do capítulo seguinte do livro. Muitas vezes eu fiz isso. É claro que fiz muitas vezes... Você dava uma “coisa”, como se conjunto fosse uma “coisa” e o resto fosse outra, não fazia a conexão entre os conteúdos.[...]. Os professores não tinham a habilidade de fazer essa conexão, também tem aquela coisa muito forte de você rejeitar o novo. [...]. Aceitei a Teoria dos Conjuntos com grandes dificuldades de fazer essa conexão. Depois, com meus estudos, é que comecei a ir amadurecendo e ver que sou capaz de fazer a conexão entre os conteúdos. Que coisa linda, você nas funções! Eu não digo na “teoria das funções”, eu acho muita presunção você dizer a “teoria das funções”, você vê as funções elementares (o começo), mas tem que ver bem as funções e constatar como é linda a conexão das funções com a Teoria dos Conjuntos (ANTÔNIO ROBERTO DA SILVA. DEPOIMENTO ORAL). Esse depoimento é mais um dos fatos que nos levam a entender que a Teoria dos Conjuntos chegou por meio dos livros didáticos, de modo que a atenção dos professores se voltava para esse conteúdo, e os professores estudavam essa nova teoria para darem suas aulas. Outro narrador, o professor Adalberto Jorge Vieira Pinto nos diz: “com a MM, não foi o conteúdo que mudou, mas a forma dele se apresentar, nos livros. Conjunto, por exemplo. O livro trazia uma apresentação diferente dos livros anteriores ao MMM, a teoria dos conjuntos era quase literária, nessas novas edições” Soares (2001, p. 59) nos diz que com a chegada da Matemática Moderna às escolas: 60 Supomos que essas datas refiram-se ao mês de março, pois era o início do ano letivo. Eram os primeiros registros do 1º bimestre. 133 autores e editores de livros didáticos sentiram a necessidade de reformular seus livros em função dos novos conteúdos e das novas tendências do ensino. Os novos livros publicados ganharam no aspecto gráfico. Tornaram- se mais atraentes, com a presença de ilustrações, destaque para definições, cores novas e tamanho novo, entre outras inovações. Um dos primeiros autores a pensar na elaboração de novos livros didáticos foi Oswaldo Sangiorgi, que teve seus livros para o curso ginasial reeditados com novo nome e acompanhados também de um guia para o professor. Assim, entendemos que o professor Canan remetia-se à Matemática Moderna, em sua sala de aula, por meio do conteúdo Teoria dos Conjuntos, que havia nesses livros didáticos. Não podemos afirmar, no entanto, se, de fato, aquele conteúdo registrado no diário de classe foi realmente ministrado por ele ou se o professor registrou-o a fim de, simplesmente, cumprir com mais uma de suas obrigações. Além disso, devemos observar que havia o despreparo dos professores norte-riograndenses frente às verdadeiras idéias da Matemática Moderna, bem como o desconhecimento da matéria, de modo que fizeram do livro didático um mestre. O fato do professor Canan ter sido referenciado no Jornal A tribuna, deve-se, a nosso ver, à metodologia que utilizava em classe, e não como um possível professor “modernista” em busca da inserção da Matemática Moderna em Natal, afinal, como já falamos anteriormente, na voz do professor Antônio Roberto, Canan era um professor empolgante, que estimulava os alunos a participarem da aula, além de não haver em Natal Grupos de Estudos voltados à Educação Matemática. Outro fato que evidenciamos está na voz do professor Adalberto Jorge, quando esse nos disse que Natal, por ser uma cidade pequena, tinha poucos professores de Matemática e Canan era um deles. Justifica-se, também, o seu nome ter sido citado na reportagem, a presença constante do professor Canan em Treinamento, Encontros, Simpósios e outros eventos. Essa presença em eventos voltados à Matemática nos mostra que ele era um professor com preocupações em relação ao ensino. Encontramos, em sua residência, no arquivo pessoal da família, os certificados desses cursos. Entre esses, todos ocorridos em Natal, citamos o IV Encontro de Professores realizado nos dias 29, 30 e 31 de outubro de 1970, sob o tema aspectos da Educação Moderna; 1º Seminário de Matemática, realizado nos dias 19 a 21 de dezembro de 1970, promovido pela Faculdade de Educação da UFRN; I Encontro de Professores promovido pela Direção e Orientação Pedagógica do Colégio Estadual do Atheneu Norte-riograndense, realizado nos dias 08 a 11 de junho de 1971; o 2º Seminário da Matemática, realizado nos dias 19 a 21 de outubro 134 de 1972, também promovido pela Faculdade de Educação da UFRN; Treinamento sobre Plano de Ensino, realizado de 17 a 22 de fevereiro de 1975, promovido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura; os VII e VIII Encontros de Professores de Natal, promovido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura, realizados, respectivamente, nos dias 13 e 14 de outubro de 1976 e 30 e 31 de outubro de 1978. Notamos, por meio desses certificados, que aconteceram, especificamente, estudos voltados à Matemática, no final dos anos 1970. Não podemos afirmar o que exatamente era estudado, pois nos certificados não constam essas informações. Por outro lado, o professor João Faustino Ferreira Neto, em entrevista a nós, falou-nos que coordenou um Seminário de Matemática no RN e, embora não lembrasse o ano do evento, lembrou-se de que convidou o professor Osvaldo Sangiorgi para divulgar a Matemática Moderna para os professores de Matemática do Estado. Logo, podemos crer que talvez tenha sido esse o Seminário de Matemática que o professor Canan participou. Sobre esse evento, o professor João Faustino Ferreira Neto nos falou: “Eu trouxe Osvaldo Sangiorgi à Natal. Eu fiz dois Seminários aqui e ele participou de um deles. O seminário foi formidável, durou aproximadamente uma semana.” Em relação à inserção da Matemática Moderna no RN, o professor João Faustino nos falou que: houve de início uma certa reação, por parte dos professores, pois você tinha que mudar toda a metodologia de ensinar, não é que a estrutura matemática tenha mudado, mas ela se renovava, então eu fui aos poucos, adaptando-me e absorvendo aquelas mudanças, inclusive, até, estudando e entendendo os conteúdos que constavam nos livros didáticos (JOÃO FAUSTINO FERREIRA NETO. Depoimento Oral). Desse modo, entendemos que a modernização do ensino da Matemática na década de 1970, em Natal, aparece de forma lenta, individual, com pequenas mudanças curriculares, pois há o acréscimo do conteúdo Teoria dos Conjuntos, e com mudanças pontuais de alguns professores em relação à metodologia. Enfim, entre os cursos freqüentados pelo professor Canan, percebemos também que aconteceu o IV Encontro de Professores sobre o tema Aspectos da Educação Moderna. Não podemos afirmar, entretanto, que esse encontro tratou de 135 aspectos da Matemática Moderna para os professores de Matemática pela ausência de registros que mostrassem os temas trabalhados. A análise das fontes nos permitiu notar que o professor Teófilo Canan: (1) era um estudioso da Matemática e se preocupava com a sua formação e com o ensino desta disciplina, participando dos eventos que havia na cidade; (2) era examinador e julgador do concurso de professores do Ensino Médio do Estado e (3) recebeu, pelo menos, dois certificados de reconhecimento. Um desses foi fornecido pelo Diretor Marcílio Machado Fontes e vice-diretor Francisco Canindé Campos de Souza, da Escola Normal de Natal, em 1969, que registra a satisfação de ambos pelos serviços que o professor Canan prestou a essa instituição. Outro certificado de mérito, fornecido oito anos depois do citado anteriormente, foi dado ao professor Canan pela Prefeitura Municipal de Natal, pelos relevantes serviços prestados à Educação e à Cultura. Esses certificados demonstram a atuação e dedicação do professor Canan, desde o início da carreira magisterial, e que ele continuou sendo um forte representante da Matemática no Estado, no que se refere ao ensino dessa disciplina. Encerramos mostrando, nas figuras a seguir, os ofícios que registram que o professor Canan participou como examinador e julgador de concursos de professores do Ensino Médio e os certificados dos encontros de Matemática, que ocorreram em Natal, e dos quais participou. Figura 36: Ofício – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 136 Figura 38: Certificado – IV Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan Figura 37: Declaração – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 137 Figura 40: Atestado de Freqüência – I Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan Figura 39: Certificado – 2º Seminário da Matemática – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 138 Figura 41: Certificado de Curso - Aeronáutica Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan Figura 42: Certificado – VIII Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 139 Figura 44: Certificado – 1º Seminário de Matemática – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan Figura 43: Certificado – VII Encontro de Professores – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 140 4.7.2 Professor Josafá Cordeiro O professor Josafá Cordeiro lecionou Matemática na Escola Estadual Atheneu Norte-riograndense. Essa afirmação se deve à Bhaskara Canan, um dos entrevistados da nossa pesquisa, que foi aluno dessa instituição nos anos 1970. Segundo sua expressão, o referido professor era quieto e destacava, em suas aulas, elementos da Teoria dos Conjuntos, usando como apoio pedagógico o livro de Matemática de autoria de Marcius Brandão. Não encontramos o diário de classe utilizado pelo professor Josafá, na Escola Atheneu, ou se o encontramos, não consta o nome desse professor, (muitos diários de classe que lá estavam não traziam o nome do professor da classe). As informações que tivemos acerca desse professor nos foram dadas pela professora e ex-diretora do Colégio Ferroviário do Recife, localizado na capital do Estado de Pernambuco, cidade em que ele viveu os últimos anos de sua vida. Essa Figura 45: Certificado – Treinamento sobre Plano de Ensino – Professor Teófilo Canan Fonte: Arquivo pessoal da família do professor Teófilo Canan 141 professora, cujo nome é Quitéria Duarte Gitirana, nos forneceu uma foto, não atual, do professor Josafá. O referido professor é o segundo da direita para a esquerda. Em relação ao professor José Ivaldo, do qual sequer conhecemos o sobrenome, também citado na reportagem do Jornal Tribuna do Norte, tivemos a intenção de que ele fizesse parte de nossa pesquisa, mas pela falta de informações sobre como localizá-lo, não nos foi possível cumprir tal intento. 4.7.3 O conteúdo matemático registrado nos diários de classe do Atheneu Norte-riograndense Nesse momento, remeter-nos-emos ao conteúdo matemático registrado nos diários de classe do Atheneu, selecionados por nós61, informando, quando possível, 61 A seleção da amostra dos diários de classe foi feita por meio da técnica da amostragem por grupos. Para Laville e Dionne (1999, p.171) “a amostra por grupos é uma amostra probabilista formada pela seleção de agrupamentos de elementos (e, eventualmente, por diversas ordens de subgrupos) em cujo interior serão finalmente escolhidos de modo aleatório”. Figura 46: Professor Josafá Cordeiro Fonte: Arquivo pessoal da Senhora Quitéria Duarte Gitirana 142 o ano em que esses conteúdos foram ministrados, pois no arquivo da referida escola, os diários estavam agrupados, com o aviso que pertenciam à década de 70. Faremos, ainda, referência de como foi tratado o conteúdo Teoria dos Conjuntos (elementos dessa teoria), pelos professores dessa escola, tendo em vista que esse era o único conteúdo novo no currículo. Para melhor analisarmos o que está posto nesses diários, apresentaremos, a seguir, por uma questão de organização e melhor entendimento para o leitor, uma tabela com os dados que julgamos serem necessários para comentarmos e analisarmos, posteriormente. Ano Professor Curso Série/ Turma Turno Teoria dos Conjuntos Tempo destinado à Teoria dos Conj. Conteúdo ministrado 1 1964 Albimar Borges Cient. 1ºC Not. P.A. Noção de trigonometria. Orientação de arcos. Círculo trigonométrico. Complemento, replemento e suplemento de um arco. Funções circulares. Fatorial. Permutações e combinações. Binômio de Newton. Sistemas homogêneos. 2 1969 Escrita do nome ilegível Cient. 3ºE Not. Distância entre dois pontos. Área de um triângulo. Posições relativas entre retas. Distância de um ponto a uma reta. Circunferência. Trinômio do segundo grau. Números complexos. Função. Limites. Dispositivo de Briot-Ruffini. 3 1969 Escrita do nome ilegível Cient. 3ºF Not. Idem ao anterior 4 1970 Não informado Cient. 2ºB Mat. Introdução à trigonometria. Medidas de arcos. Redução de graus em radianos. Congruência de arcos. Funções seno e cosseno. Tangente. Cotangente. Secante. Cossecante. Função quadrática. P.A. P.G. 5 Não infor- ma- do Francisco Fowler Cient. 1ºA Mat. Teoria dos conjuntos. Introdução. Simbologia. Tipos de conjuntos. Subconjuntos. Operações. Diagramas de Venn. 20 dias (aproxima- damente) Introdução à trigonometria. Medidas de arcos. Redução de graus em radianos. Função (Cotangente. Cossecante. Secante). Intervalos. Razão. Proporção. Quarta e terceira proporcional. Média aritmética e geométrica. Números direta e inversamente proporcionais. Regra de três simples e composta. Porcentagem. Funções sobrejetora, injetora e bijetora. Função Linear. 6 Não infor- ma- do Teófilo Canan Cient. 1ºD Mat. Simbologia da teoria dos conjuntos. Simbologia da Lógica. Conjuntos. Conjuntos numéricos fundamentais. Noções 1 mês (aproximada- mente) Produto cartesiano. Pares ordenados. Relação Binária. Exercício. Noção de função. Função linear. Equação da reta que passa por dois pontos. Retas 143 de lógica matemática. O modificador negação. Proposições compostas. Exercício. Implicações. Equivalência. Quantificadores. Subconjuntos. Subconjuntos dos reais. Interseção e reunião de conjuntos. Diferença de conjuntos. perpendiculares. Função quadrática. Distância entre dois pontos. Equação da circunferência. 7 1970 Hélio Almeida Cient. 2ºD Mat. Estudo das coordenadas cartesianas. Estudo da trigonometria. Seno. Cosseno. Tangente. Cotangente. Secante. Cossecante. Arcos trigonométricos. Redução de quadrantes. Identidades trigonométricas. Logaritmo. Arranjos. Princípio da contagem. Fatorial. Permutação. Combinação. Binômio de Newton. Triângulo de Pascal. Determinantes. Teorema de Laplace. Regra de Chió. 8 1970 Francisco Fowler Cient. 2ºC Mat. Introdução à trigonometria. Medidas de arcos. Redução de graus em radianos. Congruência de arcos. Funções seno, cosseno e tangente, cotangente e secante. Fórmulas trigonométricas. Equação quadrática. P.A. P.G. 9 1970 Cristovam Damasceno Filho Cient. Série: Ilegível Turma E Not. P.A. P.G. Logaritmo. Equação exponencial. Retas. Planos. Poliedros. Teorema de Euler. Áreas e volumes de prismas e pirâmides. 10 1970 Escrita do nome ilegível Cient 1ºA Not. Noções de seno e cosseno. Operações com frações e com números decimais. Método da extração de raiz quadrada. Operações com potências de 10. Equação do 1º grau. Sistemas de equações lineares e os métodos de resolução. Potências. Equação do 2º grau e sua resolução pela fórmula de Bhaskara. Equação Literal. Discriminante e relações trigonométricas. 11 1971 José T. da Silva e Ivaldo Bezerra da Costa62 Cient. Série: Ilegível Turma A Mat. Operações com conjuntos. Conjuntos exaustivos. Decomposição. Dízima. Racionais e Irracionais. Sistemas de equações. Operações com números decimais. Proporções. Potenciação. Plano cartesiano. 12 1971 ...Feijão Cient. 1ºD Not. Teoria dos conjuntos. Definição63 de conjuntos, elementos, notações, tipos de conjuntos. União, interseção entre conjuntos. Exercícios. Conjunto Universo. 1 mês (aproximada- mente) Números decimais. Operações com nº decimais. Aplicações e relações. Domínio, contra-domínio e imagem de uma relação. Funções sobrejetora, injetora e bijetora. Funções (par, ímpar, monótonas, crescente 62 O professor Ivaldo lecionou nessa turma no segundo semestre de 1971. 63 No diário de classe está registrado “definição de conjuntos”. No entanto, sabemos que conjunto não é definido. O que temos é o conceito de conjunto. 144 Complemento de um conjunto. Exercícios. Correspondência entre conjuntos. Correspondência biunívoca. Ordem de um conjunto. Conjuntos disjuntos. Produto cartesiano. Relação e exercícios. Diferença entre conjuntos. e decrescente, linear, quadrática, exponencial, logarítmica). Equação da reta que passa por um e por dois pontos. Inequações lineares. Sinal do trinômio do 2º grau. Equações logarítmicas. Trigonometria. Arcos. Círculo trigonométrico. Complemento, replemento e suplemento de um arco. Funções trigonométricas. Relações fundamentais da trigonometria. 13 Não infor- ma- do64 Não informado Cient. 3ºG Not. Proposições simples e compostas. Equivalências. Noções primitivas de conjuntos. Notação dos conjuntos. Conjuntos numéricos. Exercícios. Subconjuntos. Reunião e interseção de conjuntos. Diferença de conjuntos. Complementar. Funções (domínio e imagem, crescente e decrescente). 2 meses (aproximada- mente) P.A. P. G. Matrizes. Funções sobrejetora, injetora e bijetora. Funções (constante, identidade, afim, linear, quadrática, exponencial). Inequações. Potências. 14 1972 Não informado Cient. 1º Vesp. Noção de conjunto. Conjuntos vazio, unitário, finito, infinito e universo. Operações com conjuntos. Representação de um conjunto por uma propriedade. Complementar de um conjunto. Diagrama. Subconjunto. Igualdade de conjunto. 1 mês (aproximada- mente) Plano cartesiano. Par ordenado. Funções sobrejetora, injetora e bijetora. Funções (quadrática, linear). 15 1974 Não informado Cient. 3ºC Mat. Conceituação de conjuntos. Elemento. Relações de pertinência e inclusão. Exercícios. Conjunto finito, infinito, universo, unitário e vazio. Igualdade de conjuntos. Subconjuntos. União e interseção de conjuntos. Diagramas de Venn. Complementar. Símbolos da linguagem dos conjuntos. Propriedade característica. Conjuntos numéricos. 1 mês (aproximada- mente) Radiciação e potenciação. Equação do 1º grau. Sistema de equações do 1º grau. Função quadrática. Noções de Geometria analítica. Sistema cartesiano ortogonal. Distância entre dois pontos. Função logarítmica. Funções trigonométricas e circulares. 16 Não infor- ma- do Não informado Cient. 1ºC Mat. Conjuntos. Elementos. Pertinência. Conjuntos unitário, universo, vazio. Subconjuntos. Complementar. Diferença. Interseção. União. Símbolos da linguagem dos conjuntos. 1 mês (aproximada- mente) Conjuntos numéricos. Intervalos. Relações e funções. Par ordenado. Sistema cartesiano ortogonal. Distância entre dois pontos. Relação (definição, domínio e imagem). Produto cartesiano. Função (1º grau, linear, crescente, decrescente, constante, identidade, 64 Nesse diário não está registrado o ano lecionado. No entanto, acreditamos ter sido no início da década de 1970, pelo fato de esse diário estar junto com os citados aqui, que eram do turno noturno (1964, 1969, 1970, 1972 e 1975). 145 quadrática, composta, modular, exponencial, logarítmica). Inequações. 17 Não infor- ma- do Antônio Alves 2º grau 1ºA Mat. Conjuntos. Pertinência. Elemento. União. Interseção. Diferença. Complementar. Conjuntos unitário, universo, vazio. Subconjuntos. Os símbolos da linguagem de conjuntos 1 mês (aproximada- mente) Conjuntos numéricos. Intervalos. Geometria analítica. Distância entre dois pontos. Par ordenado. Sistema cartesiano ortogonal. Relação. Função (constante, linear, identidade, afim, modular, exponencial, logarítmica). Logaritmos. Produto cartesiano. 18 Não infor- ma- do Ilto Matias de Sousa 2º grau 1ºM Mat. Conjuntos. Pertinência. Elemento. União. Interseção. Diferença. Complementar 20 dias (aproximada- mente) Relação. Função (identidade, constante, afim, linear) Inequação do 1º grau. Conjuntos numéricos. Intervalos. Noções de geometria analítica. Par ordenado. Sistema cartesiano ortogonal. Função (quadrática, composta, modular, exponencial, logarítmica). Equações exponenciais. Logaritmos. 19 1974 Edson Batista Pereira Cient. 3ºB Not. Conjunto unitário. Enumeração e propriedade característica. Conjunto universo. Quantificador universal e existencial. Conjuntos numéricos fundamentais. Subconjuntos. Operações com conjuntos. Aplicações. 1 mês (aproximada- mente) Logaritmo e função logarítmica. Resolução de equações exponenciais. Par ordenado. Produto cartesiano. Representação gráfica. Relação (domínio e imagem). Função (linear, quadrática, exponencial, circular). Trabalhos em grupo. 20 Não infor- ma- do Paulo Roberto da Silva Clássi- co 3ºA Not. Geometria analítica. Produto cartesiano. Relação. Função (linear, identidade, afim, crescente, decrescente, quadrática, exponencial). 21 1974 Francisco Canindé de Oliveira Cient. 1ºD Not. Relações binárias. Reconhecimento de uma função. Produto cartesiano. Função (identidade, constante, par, ímpar, linear, quadrática). Produtos notáveis. Quadrado da diferença. Adição, subtração e multiplicação de polinômios. Equação do 1º grau. Sistema de equações do 1º grau. 22 Não infor- ma- do Cient. 1ºC Not. Funções sobrejetora, injetora e bijetora. Funções (quadrática, linear, constante, crescente, decrescente, exponencial). Equação e inequação do 1º grau. Produtos notáveis. Polinômios e operações com polinômios. 23 1975 Gilda 1ºgrau 5ªC Vesp. Noções de conjunto. Símbolos de pertinência e inclusão. Operações com conjuntos. Subconjuntos. Conjunto complementar. 1 mês (aproximada- mente) Números e numerais. Operações matemáticas. Expressões Numéricas. Potenciação. Divisibilidade. MMC. MDC. Conjuntos Numéricos. 24 1975 Maria Gonçalves Lúcio 1ºgrau 5ªI Interm. Noção de conjunto. Relação de pertinência. Igualdade. Desigualdade. Conjunto unitário, vazio. Subconjuntos. Interseção. União. Números e numerais. Frações. Expressões numéricas. Números decimais. Potenciação. Introdução à radiciação. Múltiplos e divisores. Números primos. Regras da 146 Correspondência biunívoca. divisibilidade. Adição. Subtração. Multiplicação. Divisão. Relação de ordem dos números naturais. 25 1976 Não informado 2ºgrau 1ºB Mat. Conjunto. Elemento, Pertinência. Determinação. Igualdade. Universo. Unitário. Vazio. Finito. Infinito. Subconjuntos. Complementar. Diferença. Interseção. Reunião. Função (Exponencial. Logarítmica). Conjuntos numéricos. Intervalos. Módulo. Geometria analítica. Par ordenado. Sistema cartesiano. Distância entre dois pontos. Relação (definição, domínio e imagem). Função (constante, identidade, linear, afim, composta, exponencial, logarítmica, inversa). Inequações do 1º grau. Noções de trigonometria. 26 1976 Francisco da Silva Campos 2ºgrau 2ºE Mat. Seqüências. P.A. P.G. 27 Alexandre65 Cient. 2ºC Funções (quadrática, exponencial, linear); Funções sobrejetora, injetora e bijetora.Seqüências. P.A. P.G. Induções. Matrizes. Sistemas de equações lineares. Arranjo. Permutação. Binômio de Newton. A organização exposta acima, na tabela, nos faz notar que o conteúdo acerca dos elementos da Teoria dos Conjuntos foi ministrado pelos professores por, aproximadamente, um mês de aulas e, sempre, no início do ano. Inferimos que esse conteúdo era ministrado no início do ano pelo fato de que a maioria dos autores dos livros didáticos introduziam o referido conteúdo no primeiro capítulo do livro. É importante notar também, nessa amostra de diários, que o conteúdo acerca dos elementos da Teoria dos Conjuntos foi ministrado a partir do ano de 1971. Lembramos que esse conteúdo também foi sugerido no Curso de Preparação Intensivo de Professores da Escola Normal, que aconteceu entre 04 e 26 de janeiro de 1971. Desse modo, afirmamos que essa pequena mudança no currículo de Matemática, em Natal, inicia-se a partir de 1971, até mesmo porque para muitos professores norte-riograndenses, a modernização do ensino da Matemática que 65 Foi possível identificarmos, de forma legível, somente o nome Alexandre, na assinatura desse professor. Tabela 5: Conteúdos registrados em alguns diários da Escola Estadual Atheneu Norte-riograndense 147 acontecia no país, nessa época, resumia-se aos elementos da Teoria dos Conjuntos. Logo, esse conteúdo tinha que ser ministrado em classe. Os nossos narradores, Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis e Antônio Roberto, clarificam o que acabamos de mencionar. a Matemática Moderna, foi, especialmente, a parte de conjuntos. Era uma novidade, e a gente perguntava qual era o objetivo, no dia-a-dia? Onde é que era que as pessoas iriam utilizar aquela parte da Matemática? Aquela parte de união, intersecção? (risos). Ou seja, eu, pelo menos, não via onde seria utilizada no dia-a-dia. E a resposta que eles66 me deram é que a Matemática Moderna tinha como objetivo ajudar o aluno no raciocínio. O aluno ter mais raciocínio para maior interpretação. Eu acho que foi o único objetivo, mesmo da Matemática Moderna, a parte sobre conjunto, foi esse fazer com que o aluno raciocinasse mais, procurasse raciocinar mais, que a outra parte da Matemática era muito exata. São coisas que você faz e você tem como provar o que você está fazendo, mas a parte da Matemática Moderna, que eu acredito que foi esse o objetivo da inclusão dela nos conteúdos do 1º grau, dá para despertar o raciocínio do aluno para que ele pudesse interpretar mais a Matemática (MARIA DO SOCORRO SARMENTO SILVA ALVES DE ASSIS. Depoimento Oral). Conjunto. Era “conjuntivite” (risos). Aquela coisa: tudo era conjunto, mas o “pessoal” passava erradamente, quer dizer, na época eu não percebia essa coisa não, mas passava um tempão estudando conjunto. Conjunto, está contido, ... aquela coisa toda, mas acho que a Matemática Moderna foi mal administrada. O pessoal deixou de dar bem as quatro operações, para dar conjuntos: um elemento, pertence ou não pertence ... muito preocupado com aquela simbologia. [...]. Matemática Moderna era principalmente conjuntos (ANTÔNIO ROBERTO DA SILVA. Depoimento Oral). As palavras dos nossos narradores, mais uma vez, permite inferir que, nas escolas do RN, a modernização do ensino da Matemática era associada quase, exclusivamente aos elementos da Teoria dos Conjuntos, e que esses conteúdos eram estudados de forma individual pelos professores, por meio dos livros didáticos da época. É importante notar que elementos da Teoria dos Conjuntos foram ministrados em turmas de 5ª série do 1º grau, 1º e 3º anos do científico. Contudo, nos livros didáticos da época, esse conteúdo não constava nos livros do 3º ano, o que nos leva a crer que, em 1974, quando os professores do 3º ano lançaram mão de tal conteúdo e o ministraram em classe, talvez estivessem sentindo uma necessidade 66 A professora Maria do Socorro se refere ao curso da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) que realizou em Natal. 148 interna (necessidade pessoal advinda da imposição da sociedade) ou externa, advindas dos concursos vestibulares, afinal esse conteúdo da “Nova Matemática” estava no rol dos conteúdos a serem estudados para esse processo seletivo. Observamos que, numa dessas turmas de 3º ano, o conteúdo sobre conjuntos teve a durabilidade de aproximadamente dois meses. Esse fato nos remete às palavras do professor Antônio Roberto: “eu não ficava muito tempo naquele conteúdo [ele se refere à Teoria dos Conjuntos], mas tinha colegas que passavam um semestre inteiro falando sobre conjunto, está contido, conjunto universo, conjunto vazio, essa coisa”. Assim nos remetemos à Schubring (2003, p.61), quando fala que a fundamentação principal das amplas reformas curriculares da década de 1960 “estava em usar a ‘estrutura da disciplina’ para reconstruir o currículo escolar. O problema subjacente a essas reformas era a pergunta sobre a existência de uma relação entre o conhecimento científico e o escolar.” O autor afirma que esses esforços reformistas foram conduzidos pelo ponto de vista otimista de que o conhecimento científico poderia servir como uma estrutura básica para o conhecimento escolar. [...]. Os ativistas desse programa estavam convencidos de que era suficiente analisar a estrutura da disciplina, identificar seus conceitos básicos como elementos de conhecimento e reconstruir com isso o currículo escolar. Entendemos, assim, que o estudo acerca dos elementos da Teoria dos Conjuntos no RN limitou-se ao conhecimento que a maioria dos professores obtinham, a partir dos seus estudos, por meio dos livros didáticos (seus verdadeiros mestres), respeitando a “Nova Matemática” imposta pela sociedade na formação dos novos currículos escolares. Mas, que formação os nossos narradores tiveram nos idos de 1950 a 1980? Responder a essa pergunta nos propicia compreender o que retratam os documentos sobre a atuação desses professores em sala de aula. É sobre a formação dos nossos narradores que nos deteremos a seguir. Os Professores Antônio Roberto da Silva e Francisco Canindé de Oliveira cursaram a faculdade de Matemática na UFRN. Os professores Evaldo Rodrigues de Carvalho (In memoriam), Adalberto Jorge Pinto Vieira, Maria do Socorro Sarmento 149 Silva Alves de Assis e João Faustino Ferreira Neto realizaram, em Natal, os exames de suficiência que habilitavam candidatos, mesmo sem a formação necessária, para lecionar nas regiões onde houvesse falta de professores. Inicialmente esses exames eram realizados pelas Faculdades de Filosofia, mas de 1955 até 1960 eles foram deixados à cargo do MEC através da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), voltando à competência das Faculdades em 1961, após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases. Essa alternativa foi do Governo, que se dispôs a recrutar um magistério de emergência desde 1946 (SOARES, 2001). Sobre essa formação proporcionada pela CADES, a professora Maria do Socorro disse-nos: Em 1972 eu fui fazer o curso CADES ou Suficiência em Matemática, em Natal. Esse curso teve duração de 4 meses. Era tempo integral e só com Matemática. Era Matemática Moderna. Tinha a parte de álgebra e geometria e tinha também a parte de formação pedagógica, a parte de metodologia do ensino. Então, foi esse curso que me deu muito embasamento para continuar sendo professora. Esse curso foi muito importante. Ele teve convênio com a universidade. No ano seguinte, em 1973, a gente teve uma atualização na parte pedagógica, mais uma atualização só na parte pedagógica, mas foi só uma semana de reciclagem. A conclusão do curso tinha que ser uma nota para aprovação para poder continuar lecionando. [...].Durante esse curso nós tivemos a visita de vários escritores. Eles vinham falar da parte de Matemática Moderna, de conjuntos. Lembro-me de Osvaldo Sangiorgi e Giovanni (MARIA DO SOCORRO SARMENTO SILVA ALVES DE ASSIS. Depoimento Oral). (Grifos nossos). Notamos, mais uma vez, por meio da citação acima, que no RN, parece-nos que Matemática Moderna é sinônimo de conjuntos, mesmo para aqueles professores que tiveram algum tipo de formação. A figura a seguir mostra o certificado que habilita a Professora Maria do Socorro a ministrar aulas de Matemática. 150 O professor Adalberto Jorge Vieira Pinto também se referiu positivamente ao curso CADES: “esse curso foi divisor de águas”. O professor Adalberto se referia ao conhecimento metodológico adquirido por ele, enfatizando, inclusive, a importância de se iniciar uma aula de Matemática com uma motivação e com maneiras diferentes de trabalhar, como, por exemplo, o uso da técnica Estudo Dirigido e trabalhos em grupo. Ele enfatiza a importância da metodologia, quando Figura 47: Certificado – Curso de Preparação Intensiva de Professores - Professora Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis Fonte: Arquivo Pessoal da Professora Maria do Socorro 151 responsabiliza o professor pela sua escolha: “o aluno compreende melhor quando o professor o faz compreender melhor, a chave do aluno compreender, melhor ou pior, é o professor. Ele pode ser arcaico ou moderno, o professor é a célula”. Assim, entendemos que a modernização do ensino da Matemática no RN acontece, de forma precária e lenta, mas, principalmente, quando se volta à metodologia do ensino da Matemática, a partir do momento que professores a percebiam assim: Os autores dos livros de Matemática também se reciclavam, mudando, inclusive, a maneira da apresentação de determinados conteúdos nos livros. O que era de um jeito passou a ser de outro, foi por aí que começou a mudança, além de percebermos também a postura do professor na sala de aula em relação ao próprio conteúdo de Matemática, não é que o conteúdo mudou, mas a forma de apresentá-lo mudou, como conjuntos, por exemplo (ADALBERTO JORGE VIEIRA PINTO. Depoimento Oral). Perguntamos sobre o que havia de novo em Matemática na década de 1970, no RN, e ele nos disse que: Já existia a matemática moderna, mas depois o autor do livro estuda, ele tem que evoluir, ele tem que mudar a edição. Então veio com novidades. Começou a mudança nos livros, na apresentação da matéria. [...] . Na apresentação do livro, o conteúdo visualmente era mais agradável: trazia figuras. Enfim chamava a atenção! Inclusive, exemplos eram dados com figuras geométricas. [...]. Matemática Moderna era a representação do simbolismo, pois passou a ser um pouco diferente a simbologia (ADALBERTO JORGE VIEIRA PINTO. Depoimento Oral). Nessa entrevista, o professor Adalberto claramente diz não ter participado de nenhum curso sobre o Movimento da Matemática Moderna, inclusive na escola, segundo ele, não havia planejamentos e nem conversas sobre esse assunto, o que corrobora o que já evidenciamos nesta pesquisa: na década de 1970, foi dada uma importância exagerada aos livros didáticos, de modo que o professor ministrava o conteúdo da forma que melhor lhe conviesse. Ainda sobre essa mudança no ensino da Matemática, na década de 1970, no RN, o professor Francisco Canindé de Oliveira, um de nossos narradores, nos falou: 152 nessa época, falava-se numa maneira de ensinar Matemática, era a Matemática Moderna. Para nós professores, a Matemática Moderna era uma nova metodologia, na qual se usava a teoria dos conjuntos para o ensino de funções. Ela chegou até nós através das editoras, com o lançamento dos novos livros (FRANCISCO CANINDÉ DE OLIVEIRA. Depoimento por e-mail). Ainda sobre a modernização da metodologia do ensino no RN, o Professor João Faustino nos fala: houve de início uma certa reação em relação à Matemática Moderna, por parte dos professores, pois você teria que mudar toda a metodologia de ensinar, não é que a estrutura matemática tenha mudado. (JOÃO FAUSTINO FERREIRA NETO. Depoimento oral). O Professor João Faustino participou de um Curso, com a duração de 3 (três) meses, promovido pelo MEC, em Brasília. Nesse curso, foram vistos conteúdos relacionados à Matemática Moderna. No entanto, percebemos, por meio da citação acima, que a Matemática Moderna, mesmo para esses professores que tiveram a oportunidade de discutir e conhecer, em outros estados brasileiros, o Movimento que se disseminava pelo país, continuaram associando a este, a questão metodológica do ensino da disciplina. Faustino foi convocado a participar desse curso, sobre isso ele nos diz: Na época quem dirigia o Ensino Secundário era Lauro de Oliveira Lima67. Desejava ele a Teoria de Piaget, revolucionar o ensino brasileiro. (JOÃO FAUSTINO FERREIRA NETO. Depoimento oral). 67 Sobre Lauro de Oliveira Lima encontramos somente o que segue “Organizou congressos e cursos em vários estados brasileiros e escreveu, entre muitos outros livros dedicados ao aperfeiçoamento da educação no Brasil, Piaget para principante, A escola secundária moderna (1962), Dinâmica de Grupo e Uma Escola Piagetiana (1983)”. Disponível em: . Acesso em 18/10/2008). 153 Em 1963, João Faustino já era professor de Matemática no Seminário de São Pedro, em Natal. Assim, em busca de formação, inscreveu-se no Curso de Preparação para o Exame de Suficiência68. Faustino (2008, p. 38) nos diz: Esse exame era prova de fogo para qualquer professor. Primeiro o professor-aluno freqüentava um curso intensivo de 30 dias com oito horas de aula por dia, após o qual era ou não recomendado para o exame. Uma vez aprovado, obtinha o registro definitivo para o exercício do magistério daquela disciplina. [...]. Os cursos eram promovidos pela Cades – Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário – e somente ministrados em capitais onde não havia cursos superiores para algumas disciplinas ou quando o número de professores era insuficiente. O professor Max Cunha de Azevedo era o chefe da Inspetoria Seccional de Ensino Secundário. Os cursos eram instalados sob sua supervisão, e os professores, normalmente, os melhores do Brasil, a ele deviam as informações sobre o andamento e funcionamento das atividades programadas. Uma vez aprovado no exame de suficiência, o professor estaria apto a ensinar em qualquer estabelecimento de ensino. Ao perguntarmos para o Professor João Faustino sobre quem eram os professores e quais eram as disciplinas desse curso, ele nos respondeu, em depoimento oral: “o Professor de conteúdo matemático chamava-se Edmilson Pontes. Ele era de Alagoas. Catedrático em Matemática, um dos melhores do Brasil. A professora de Didática da Matemática chamava-se Branca, da Universidade do Rio de Janeiro”. João Faustino, assim como o professor Adalberto Jorge, se refere ao Curso de Suficiência como algo decisivo na questão metodológica do Ensino da Matemática. Sobre isso, Faustino afirma: o curso foi que me ofereceu o instrumental verdadeiro para ser o professor de Matemática que eu fui. Organizei-me, didaticamente. [...]. Antes eu era mais rigoroso, talvez eu não tivesse uma organização didática produtiva capaz de transmitir o conhecimento didático com mais facilidade, e despertar a motivação e a compreensão do aluno. (JOÃO FAUSTINO FERREIRA NETO. Depoimento Oral). 68 Posteriormente, o Professor João Faustino graduou-se em Pedagogia e Matemática pela UFRN. 154 João Faustino também nos fala do ensino da Matemática pelo rádio, com as Escolas Radiofônicas do Movimento de Educação de Base (MEB). As Escolas Radiofônicas foram criadas na Arquidiocese de Natal, em 1958, pelo bispo D. Eugênio de Araújo Sales. Tomou como modelo a experiência em Educação pelo rádio, realizada pelo Mons. Salcedo, na Paróquia de Sutanteza, na Colômbia, embora lá essa experiência não tivesse recepção organizada (PAIVA, 1997). João Faustino nos revela que dar aulas pelo rádio foi o grande desafio da sua história como professor de Matemática: Figura 48: Certificado – Exame de Suficiência – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 155 Eu ensinei Matemática pelo rádio. [...]. Na Escola Radiofônica preparava os alunos para o Exame de Madureza, naquela época já denominado supletivo. Eu me considerava como um mágico. Porque você se vê num estúdio de rádio e ao mesmo tempo você imaginar uma população enorme, em casas pobres de taipa, de barro, captando apenas as ondas daquele rádio. Essas pessoas se prepararam para o exame e muitas foram aprovadas, algumas até fizeram outros exames e concluíram o curso superior. [...]. Em cada localidade do interior do Estado, existia um radinho, radinho de baquelite, era movido por uma bateria de automóvel, aquela bateria descarregava, então, de 15 em 15 dias, passava um jipe trocando as baterias. Várias pessoas se reuniam e com um monitor, uma pessoa que ajudava a esses estudantes a aprenderem Matemática e a passarem nos Exames que faziam. Você imagina o que é uma pessoa fazer, por exemplo, a dedução da fórmula da equação do 2° grau, e entender tudo aquilo. Mas, como professor da Escola Radiofônica, me sentia um mágico. [...] Então, eu me sentia realmente como alguém que produzia algo diferente. Tinha a sensação que estava transmitindo conhecimento matemático a milhares de pessoas. Essas aulas eram transmitidas, pela manhã, às 6 horas da manhã e à noite. [...]. À noite eu escutava minhas aulas, quando ia dar aula no outro dia pela manhã. E quando eu saía da gravação eu podia ouvir pelo rádio. Não era fácil, mas foi uma grande experiência. [...]. Os Exames, para os alunos, eram feitos pela divisão seccional. Mas eu tinha notícia de que muitos alunos eram aprovados. (JOÃO FAUSTINO FERREIRA NETO. Depoimento Oral). Figura 49: Certificado – Exame de Madureza – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 156 A seguir mostramos o material confeccionado pelo Professor João Faustino, para as aulas da Escola Radiofônica. Observe que nesse material já constam elementos da Teoria dos Conjuntos, conteúdo considerado atual e moderno, na época, devido ao MMM, que se alastrava pelo país. Figura 50: Atestado – Exame de Suficiência – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto Figura 51: Capa do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 157 Figura 52: Contra-Capa do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto Figura 53: Página 2 do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 158 Nessa trajetória de formação de professores do RN, na década de 1960, é importante notar que alguns dos professores que foram habilitados a dar aulas de Matemática pelo Curso de Preparação para o Exame de Suficiência lecionaram, posteriormente, nesse curso. Entre esses, citamos os professores Adalberto Jorge Vieira Pinto e João Faustino Ferreira Neto. Sobre isso o professor Adalberto Jorge nos diz: o professor Max69 me convidou para dar aulas no Curso de Suficiência, mas eu questionei: “ - Professor Max, o senhor não está me achando muito novo para começar a dar essas aulas para gente de cabelo branco?” Ele sorriu e disse-me: “- Conheço-te! Já sei o seu histórico todinho. Vai dar certo!” (ADALBERTO JORGE VIEIRA PINTO. Depoimento Oral). 69 O professor Adalberto Jorge se refere a Max Cunha de Azevedo, então chefe da Inspetoria Seccional do Ensino Secundário. Atualmente, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (FAUSTINO, 2008, p.381). Figura 54: Página 3 do livro do Curso de Preparação aos Exames de Madureza – João Faustino Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 159 Nas figuras a seguir podemos verificar o motivo de o professor João Faustino ter lecionado no Curso de Preparação para o Exame de Suficiência. Figura 55: Declaração – João Faustino – Professor Exame de Suficiência – Psicologia da Educação Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto Figura 56: Declaração - João Faustino - Professor Exame de Suficiência - Matemática Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 160 Enfim, os professores Adalberto Jorge e João Faustino realizaram o mesmo concurso para a Escola Técnica Federal do RN. Eles foram aprovados, juntamente com o professor René Correia (FAUSTINO, 2008). Finalmente, o professor que também foi habilitado a dar aulas de Matemática pelo Curso de Preparação para o Exame de Suficiência foi o professor Evaldo Rodrigues de Carvalho. Sobre isso ele disse em entrevista ao apresentador do Figura 57: Atestado – João Faustino – Professor Exame de Suficiência Fonte: Arquivo Pessoal do professor João Faustino Ferreira Neto 161 Programa Memória Viva, Tarcísio Gurgel, cujo programa foi ao ar em 12 de outubro de 2006: Em 1957, o Padre Eimar me convidou para ensinar Matemática, pois eu gostava de ensinar. Então, disse-lhe: “–Padre, eu não tenho nenhum curso”. Ele respondeu-me: “ – Não! Você vai fazer um curso do MEC – Ministério da Educação e Cultura”70. Assim, eu fiz um curso de dois meses. Recebi o registro igual ao da Universidade, naquela época. Aí comecei a ensinar. Quanto à professora Teresinha Garcia de Melo, ela foi habilitada a lecionar Matemática para o Ensino Primário por meio do Programa de Assistência Brasileiro- Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), instalado na capital mineira, em 1959, como falamos anteriormente. O excerto a seguir aponta os motivos pelos quais ela fez a opção em se formar em Matemática. Fiz opção por Matemática porque eu achava que meus alunos, naquela época, já tinham uma certa dificuldade de compreender melhor a Matemática e eu de transmiti-la. Então, passaram-se seis meses. Eu sentia- me muito realizada, junto aos colegas da minha equipe, pois estava descobrindo novos horizontes, para trabalhar com a minha classe restrita de alunos, na Escola Alda Marinho (TERESINHA GARCIA DE MELO. Depoimento Oral). Para a professora Teresinha, o PABAEE foi uma verdadeira faculdade e foi a partir dele que ela teve a oportunidade de divulgar, no Estado do RN, a modernização do ensino da Matemática. Nas figuras a seguir mostramos as disciplinas cursadas por ela, num total de 405 horas. 70 O professor Evaldo se referia aos exames de suficiência que habilitavam candidatos, mesmo sem a formação necessária, para lecionar nas regiões onde houvesse falta de professores. De 1955 até 1960, eles foram deixados a cargo do MEC por meio da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). 162 Figura 58: Certificado do Curso de Aperfeiçoamento para Professores sob a responsabilidade do PABAEE (frente) Fonte: Arquivo Pessoal da professora Teresinha Garcia de Melo Figura 59: Certificado do Curso de Aperfeiçoamento para Professores sob a responsabilidade do PABAEE (verso) Fonte: Arquivo Pessoal da professora Teresinha Garcia de Melo 163 5 VESTÍGIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN (1950-1980) RELACIONADOS COM AS AULAS DE MATEMÁTICA DO PROFESSOR JÚLIO CÉSAR DE MELLO E SOUZA 1 Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan) 2 Evaldo Rodrigues de Carvalho (In memoriam) 3 Maria Nalva Xavier de Albuquerque (In memoriam) 4 Autógrafo de Malba Tahan no caderno da professora Maria Nalva 5 Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro e Teodolina Albuquerque de Almeida Sou eu que vou seguir você Do primeiro rabisco Até o be-a-bá. Em todos os desenhos Coloridos vou estar A casa, a montanha Duas nuvens no céu E um sol a sorrir no papel... Sou eu que vou ser seu colega Seus problemas ajudar a resolver Te acompanhar nas provas Bimestrais, você vai ver Serei, de você, confidente fiel Se seu pranto molhar meu papel... Sou eu que vou ser seu amigo Vou lhe dar abrigo Se você quiser Quando surgirem Seus primeiros raios de mulher A vida se abrirá Num feroz carrossel E você vai rasgar meu papel... O que está escrito em mim Comigo ficará guardado Se lhe dá prazer A vida segue sempre em frente O que se há de fazer... Só peço, à você Um favor, se puder Não me esqueça Num canto qualquer (O CADERNO. TOQUINHO; MUTINHO). 164 5 VESTÍGIOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN (1950-1980) RELACIONADOS COM AS AULAS DE MATEMÁTICA DO PROFESSOR JÚLIO CÉSAR DE MELLO E SOUZA Descrevemos, nesta parte71, os vestígios encontrados acerca da modernização do Ensino de Matemática no RN, no período de 1950 a 1980, relacionados com as aulas de Matemática do Professor Júlio César de Mello e Souza, em Natal/RN. Além disso, analisamos o ensino da Matemática no RN, em 1958, com nosso olhar voltado ao caderno de aulas da professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque e focalizamos, do mesmo modo, nossa atenção, para o que nos disse o professor de Matemática Evaldo Rodrigues de Carvalho. 5.1 O Caderno de Maria Nalva Xavier de Albuquerque com registros das aulas do Professor Malba Tahan em Natal(RN), no ano de 1958 71 Salientamos que a opção em separar essa parte da anterior deve-se a uma questão de estética do trabalho, pois se essas partes (4 e 5) ficassem juntas, totalizariam cento e quarenta e três páginas, um número muito maior cotejado ao número de páginas das partes 1, 2 e 3 deste estudo. Figura 60: Maria Nalva Xavier de Albuquerque Fonte: Arquivo Pessoal de Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro 165 Materiais escritos, produzidos em âmbito escolar e materializados em objetos, como um caderno, por exemplo, ganham estatuto de relíquia, pois são memórias que carregam traços e vestígios de vivências e práticas de um determinado tempo e lugar. Para Fiorentini e Lorenzato (2006) os documentos apresentam-se estáveis no tempo e são ricos como fonte de informação. Para Le Goff (1996, p. 535), um caderno, por exemplo, faz parte da memória coletiva e da história, pois são monumentos, heranças do passado, documentos. Ele afirma: “atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos”. O que podemos evocar da história do ensino da Matemática ao nos debruçar sobre os registros do caderno da professora Nalva? Que segredos estão guardados por trás da capa de seu caderno? Figura 61: Quadro pintado de Maria Nalva Xavier de Albuquerque Fonte: Arquivo da E.E. Mª Nalva Xavier de Albuquerque 166 Figura 62: Capa do Caderno da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque Fonte: Arquivo do IFESP Em 2005, fomos ao Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP), considerando este um lugar onde poderíamos conhecer fragmentos de práticas e saberes vigentes acerca da Matemática escolar no RN. Nesse Instituto encontramos, dentro de um armário72, que na época localizava-se na biblioteca da referida instituição, um caderno de capa dura de 72 Nessa instituição o referido armário era de aço, na cor cinza, de aproximadamente 1,80cm de altura e 1,20 de largura e é conhecido como Museu, cujo interior contém diversos documentos referentes à instituição. No Jornal Tribuna do Norte, de 07 de setembro de 1997, na página 23, o jornalista/Professor Paulo de Tarso Correia de Melo fala sobre o Museu no Instituto Kennedy: “com o apoio inicial da Unesco, da Secretaria Estadual da Educação, da Fundação José Augusto e do Conselho Estadual Cultural, o Museu da Educação se insurgirá contra a mentalidade tradicional e funcionará como centro de pesquisa e produção de conhecimento [...] o acervo será, inicialmente, constituído através de doações de particulares, instituições públicas, empresas, escolas privadas e públicas, grupos de serviço. Pretende-se com estas doações não apenas a indispensável recuperação da memória passada, mas a documentação da prática presente, de forma a promover a inovação futura, a produção e transformação cultural”. Isto posto, o fato é que o Museu da Educação no Instituto Kennedy, como fora proposto e como descrito nas palavras do jornalista Paulo de Tarso não foi efetivado, não foi concretizado. A tentativa de concretização desse Museu resultou nos poucos documentos que estão dentro desse armário de aço a que nos referimos anteriormente. 167 papelão cuja cor se aproximava do bege, com aproximadamente cem folhas, das quais foram usadas apenas quarenta folhas (Figura 62). Cunha (2007, p. 81) nos diz que esse tipo de material, quando encontrado, permite rastrear um conjunto de códigos culturais nele inscritos, disponibilizando ao pesquisador que sobre ele se debruça, “o (re)conhecimento de um sistema de regras culturalmente construídas e encarnadas nas concepções de pedagogia.” Para Fischer (apud CUNHA, 2007, p.81): além dessas possibilidades é possível trabalhar com esses materiais para deles apreender relações constituintes para a construção de uma possibilidade de memória da educação escolarizada e visualizar e descrever dinâmicas de um outro tempo não tão distante. Assim, adentramos no estudo dos registros desse caderno a fim de evidenciarmos aspectos do ensino da Matemática no final da década de 1950, no Estado do Rio Grande do Norte. Ao encontrarmos o caderno em questão, abrimo-lo e folheamos: era da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque, que foi por ela destinado às aulas do professor Júlio César de Mello e Souza (1895-1974), cujo pseudônimo é Malba Tahan (Figura 63), em abril de 1958, quando ele esteve em Natal, ministrando aulas. A página de abertura do caderno da professora Nalva evidencia esse fato, como podemos ver na Figura 64. Figura 63: Professor Júlio César de Melo e Souza – Malba Tahan Fonte: 168 Ficou evidente ao folhearmos o caderno, intitulado de caderno controlado da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque (Figura 65), o capricho e o carinho que a professora dava ao seu material, pois ele era enfeitado com figuras recortadas e coladas que continham flores, rosas, carruagens, bonequinhos do desenho infantil turma da Luluzinha e livros. Desenhos, supostamente, feitos por ela, decoravam e dividiam o espaço com suas anotações acerca dos conteúdos matemáticos, de forma encantadora. Figura 64: Página 1 do caderno da Professora Maria Nalva Fonte: Arquivo do IFESP Figura 65: Verso da página 1 do caderno da Professora Maria Nalva Fonte: Arquivo do IFESP 169 A presença de Malba Tahan no RN, no final da década de 1950, deveu-se ao convite do então diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) Anísio Teixeira73, durante o governo de Dinarte de Medeiros Mariz, devido à adoção da Reforma do Ensino Primário no Estado, realizada em obediência à Lei nº 2171, de 6 de dezembro de 1957, que “organizou e fixou as bases da educação complementar e da formação do Magistério Primário do Estado.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1957, p.135). Salientamos que, no parágrafo segundo, à página 100 do documento intitulado Síntese dos Relatórios apresentados pelos órgãos auxiliares da Administração e Secretarias do Estado, encontramos a decisiva colaboração financeira do INEP, por meio do então diretor Anísio Teixeira, para a efetivação do programa da Reforma do Ensino no Estado do Rio Grande do Norte: “não faltou ajuda financeira necessária à execução dos serviços de experiência pedagógica. E assim foi possível pelos convênios assinados entre o Governo do Estado e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos” (RIO GRANDE DO NORTE, 1958b, p. 100). Vieira (2005) nos diz que, de fato, o Secretário de Educação e Cultura Tarcísio de Vasconcelos Maia74, juntamente com o Governador Dinarte Mariz solicitaram o apoio do INEP. Sobre isso Nunes (apud VIEIRA, 2005, p. 46) afirma: cabia ao INEP, segundo o Decreto-Lei nº 580, organizar a documentação relativa à história e ao estudo atual das doutrinas e técnicas pedagógicas; manter intercâmbio com instituições do Brasil e de outros países; prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e provados de educação, ministrando-lhes esclarecimentos e soluções acerca de problemas pedagógicos. Esse Instituto tornou-se uma referência para a questão educacional no país. Anísio Teixeira assumiu a direção do INEP em 1952, enfatizando o trabalho de pesquisa como forma de alicerçar em bases científicas a reconstrução 73 Anísio Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900. Foi um advogado, intelectual, educador e escritor brasileiro. Faleceu em 11 de março de 1971. (Disponível em: Acesso em 15/09/2008). 74 Tarcísio de Vasconcelos Maia nasceu na cidade de Catolé do Rocha-PB, em 1917. Foi Secretário da Educação na administração do Governador Dinarte Mariz. Foi Governador do RN. Faleceu em 10 de abril de 1998. (Disponível em: . Acesso em 10/09/2008). 170 educacional do país, além de criar o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), sediado no Rio de Janeiro e desmembrado nos Centros Regionais, localizados nas cidades de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre (VIEIRA, 2005). Anísio Teixeira também cultivou a luta pela escola primária. Objetivava a emancipação do povo brasileiro pela valorização da cultura popular e criticava as Reformas Campos e Capanema por serem, particularmente, burocráticas e centralizadoras (VIEIRA, 2005). No período de 1930 a 1960, estavam surgindo as Reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema. Em 1931, a Reforma Campos, promulgada pelo Decreto Lei nº 19890, de 18 de abril de 1931, fixou a duração de 7 (sete) anos para o ensino secundário: os 5 (cinco) primeiros para o ciclo fundamental e os dois últimos para o ciclo complementar, de preparação para os cursos superiores. A Reforma Campos constituiu-se na primeira iniciativa de organização nacional da educação brasileira e “continuou a caracterizar-se pelo enciclopedismo do currículo [...] e fez do ensino secundário a oportunidade de dar ao jovem uma súmula de todo o saber humano” (CARVALHO, 2003, p.124). A Reforma Capanema, promulgada pelo Decreto Lei nº 4244, de 9 de abril de 1942, manteve o caráter enciclopedista da Reforma Campos no ensino secundário e o dividiu em duas partes: o curso ginasial (ginásio), de 4 anos, e o colegial, de 3 anos, dividido em duas modalidades: o clássico e o científico. Posteriormente, foi regulamentado o Curso Normal (CARVALHO, 2003). Para Anísio Teixeira essas reformas marcaram, na escola primária, “métodos obsoletos de memorização e improvisação do fazer dos professores” (VIEIRA, 2005, p. 49). Assim, em 1958, atendendo à solicitação do Governo Dinarte Mariz, Anísio Teixeira incentiva um Curso de Preparação e Aperfeiçoamento para a formação de orientadores educacionais e de administradores escolares (diretores), que foi proposto e organizado pela Secretaria da Educação e Cultura do RN. Este teve por finalidade “dar provimentos aos cargos de orientadores e preparar especificamente diretores de escola primária”. No documento Síntese dos Relatórios apresentados pelos órgãos auxiliares da Administração e Secretarias do Estado, encontramos o que segue acerca do Curso para Orientadores e Diretores, em 1958: 171 I – O Curso de Administração teve por objetivos: a) – exame de princípios e normas que a administração escolar estabelece e aplicação destes princípios; b) Administração Escolar e sua relação com a filosofia pedagógica; O Curso de Supervisão: a) – preparo de elementos para o exercício da orientação de educação primária; b) – orientação e coordenação da atividade docente; II- Matérias: Direção da aprendizagem em Linguagem, Matemática, Estudos Sociais e Naturais – Administração e Supervisão Escolar – Jogos de recreação. Além dos professores do Distrito Federal, colaboraram elementos especializados locais: Maria Sampaio, Carmem Pedroza, Renée Pinheiro Borges e Ezilda do Nascimento. III – Atividades: Aulas, debates, seminários, enquetes, visitas com observação e participação de trabalho nas classes primárias da Escola de Aplicação e dos melhores Grupos da capital, confecção de material didático, etc. IV - Professores beneficiados: - 82 – Diretores da capital e do interior e candidatos ao cargo de orientador. (Grifo nosso). (RIO GRANDE DO NORTE, 1958b, p.87). Notamos que também havia especificações em relação ao Curso Intensivo de Orientação Pedagógica para Professores de Escolas Reunidas e Isoladas da Capital, em 1958. A seguir, mostramos outros conteúdos encontrados no documento Síntese dos Relatórios apresentados pelos órgãos auxiliares da Administração e Secretarias do Estado: - Objetivos: - Levar os professores das referidas escolas a adotarem métodos e processos recomendados pela nova Pedagogia e integrá-los à Reforma do Ensino. II – Matérias: - Metodologia das matérias básicas do currículo. III – Atividades: - Aulas, seminários, exposição e confecção de material, observação nas classes de Escola de Aplicação. IV – Duração: 1 mês, com aulas diárias de 4 horas. V – Professores beneficiados: 61. (Grifos nossos). (RIO GRANDE DO NORTE, 1958b, p.88). Assim, constatamos que esses cursos preencheram, na época, as expectativas dos seus organizadores, especialmente no tocante à disciplina de Matemática, quando da mensagem do Governador Dinarte de Medeiros Mariz à Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, em 1º de junho de 1958: 172 Aqui estiveram, vindos do Rio, especialmente, para dar aulas de suas especialidades pedagógicas, o Professor Júlio César de Melo e Sousa, que se transformou em verdadeiro acontecimento cultural, tantas e tão variadas e marcantes atuações deixou, em quase quinze conferências, proferidas em todos os estabelecimentos de ensino superior e instituições culturais, além dos Cursos de Didática e Metodologia que realizou no Colégio Estadual, para Professores Secundários e para professores em estágio, no ‘Curso de Aperfeiçoamento’ (RIO GRANDE DO NORTE, 1958a, p. 136). No Jornal A República75, de 08 de abril de 1958, na página 6, estava a informação de que o Professor Mello e Souza “levou” ao Auditório da Escola Normal de Natal um “crescido número de pessoas” e que quem foi à Escola Normal “não se decepcionou”. 75 A figura 66 encontra-se no Anexo I, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Figura 66: Reportagem do Jornal A República – Professor Malba Tahan Fonte: Jornal A República - Instituto Histórico e Geográfico do RN 173 Numa reportagem do Jornal A República, de 31 de janeiro de 1959, cuja manchete era: elevação do nível educacional do Estado: uma das diretrizes da atual administração, constava que Malba Tahan também ministrou aulas na Escola Doméstica de Natal, durante um curso voltado às reformas do Ensino Primário e Normal. Na figura a seguir, o professor Malba Tahan aparece ministrando sua aula na Escola Doméstica, junto ao Governador Dinarte Mariz e o então Secretário de Educação Tarcísio de Vasconcelos Maia (ELEVAÇÃO..., 1959). Oliveira (2006) afirma que Malba Tahan contribuiu para o ensino da Matemática ao apresentar suas propostas inovadoras e sua grande inquietação com o ensino vigente na época, além de ousar em suas atitudes de educador, para Figura 67: Malba Tahan ministrando aulas na Escola Doméstica de Natal Fonte: Jornal A República – Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do RN 174 proclamar o que julgava sensato para a educação, por meio de palestras, do conteúdo de seus livros e até mesmo de ironias contra os ‘algebristas’76. Sobre os “algebristas” encontramos no caderno da professora Maria Nalva, a seguinte nota: “Algebrismo – é a preocupação mórbida para complicar a Matemática.” (Figura 68). O algebrismo era cálculo numérico complicado, dos quais os estudantes nada aproveitam, problemas complicados sem a menor aplicação, tudo o que o professor apresentava com a finalidade única de complicar e tornar obscuro o ensino, servindo, inclusive, para eliminar candidatos nos exames de admissão, já que havia mais candidatos do que vagas. No artigo Malba Tahan: uma proposta de ensino de Matemática, pesquisa e extensão na formação inicial e continuada de educadores no Vale do Paraíba, escrito por Lacaz e Oliveira, contido na revista Educação Matemática em Revista, ano 13. p. 46, as autoras nos dizem que Malba Tahan incentivava o estudante a enfeitar o seu caderno, a organizá-lo, sugerindo que colasse figuras, recortes de jornais ou revistas pertinentes aos assuntos tratados em classe, de modo que tais recortes, figuras ou desenhos refletissem a sua própria personalidade ou a sua própria identidade. De fato, tal incentivo motivava os estudantes, pois o caderno da professora Maria Nalva, como falamos anteriormente, era ricamente ilustrado com figuras recortadas e desenhos. 76 Grifo da autora. Figura 68: Algebrismo Fonte: Arquivo do IFESP 175 Figura 69: Autógrafo de Malba Tahan Fonte: Arquivo do IFESP Marcas e manchas do tempo são notáveis nas folhas amareladas do caderno, mas essas não permitiram que o autógrafo de Malba Tahan se apagasse ou fosse manchado com o tempo (Figura 69). O caderno da professora Maria Nalva, para além de um testemunho de vida, retrata a prática pedagógica que Malba Tahan levava aos professores brasileiros, por meio das suas palestras. Oliveira (2006) afirma que Júlio César de Mello e Souza possuía, em suas obras, um discurso pedagógico direcionado aos professores de Matemática. Diz ainda que ele queria passar suas propostas sobre o ensino da Matemática, suas concepções de História da Matemática, suas idéias acerca das recreações matemáticas, por meio da personagem Beremiz Samir, na obra O Homem que Calculava (Figura 70). Essa obra apresenta uma convergência de vários domínios do conhecimento humano, entre eles a educação, a matemática, a cultura, a filosofia árabe e a narrativa tradicional, que auxiliam o professor na tarefa de educar. 176 Percebemos, assim, que Malba Tahan foi um ser-humano muito além do seu tempo, um precursor da Educação Matemática no Brasil. Essa afirmação pode ser constatada a partir do momento que fazemos uma reflexão acerca do que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sugerem, no tocante à Matemática. Nos PCN (BRASIL, 1997, p. 42) encontramos “alguns caminhos para ‘fazer Matemática’ na sala de aula”. Nesses, há algumas possibilidades de trabalho em sala de aula para o professor construir sua prática. Dentre elas, destacam-se o recurso à Resolução de Problemas, o recurso à História da Matemática, às Tecnologias da Informação e o recursos aos Jogos. Isto posto, podemos afirmar que as tendências em Educação Matemática (História da Matemática, Resolução de Problemas, Modelagem Matemática, Etnomatemática, Jogos, entre outras) assim nomeadas nos tempos atuais, já eram de domínio de Malba Tahan. É certo que, no caderno da professora Maria Nalva, constavam as teorias didáticas de Malba Tahan. Em seu livro, escrito com a professora Ceres Marques de Moraes e com o professor Manoel Jairo Bezerra, intitulado Apostilas de didática: especial de Matemática, ele traz, na página 13, pensamentos altamente elogiosos à Matemática, assinalado a importância desta para os conhecimentos da humanidade. Esses mesmos pensamentos estão nas primeiras folhas do caderno da professora Maria Nalva. São eles: “Sem a Matemática não nos seria possível compreender muitas passagens da Santa Escritura”, de Santo Agostinho, e “ A Matemática é a Figura 70: Capa do livro O Homem que Calculava Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 177 honra do espírito humano”, de Leibniz. No caderno, ainda consta a seguinte frase: “Por toda a parte existe a Geometria. Platão” (SOUZA, 1959a). (Figura 7177). A partir da análise desse caderno, evidenciamos a Didática da Matemática e os conteúdos matemáticos apresentados pelo professor Malba Tahan, durante o Curso de Aperfeiçoamento para professores primários do Estado do RN. As aulas de Mello e Souza iniciaram, então, com uma discussão acerca da Matemática, seu conceito e sua importância. Posteriormente, o professor apresentou a questão da motivação nas aulas dessa disciplina, enfatizando sua atenção aos jogos. Souza (1959b, p. 38) diz que não é suficiente que o professor conheça a matéria78 e a apresente claramente. Faz-se necessário que “oriente seu ensino com o pensamento polarizado nos objetivos diretos ou indiretos da Matemática, objetivos que decorrem dos valores dessa ciência”. Entre esses valores que se destacam no ensino da Matemática, Souza (1959b, p. 38) cita: “sua utilidade na vida corrente; sua utilidade para o estudo de outras matérias; sua utilidade como disciplina mental; sua utilidade na educação moral.” No tocante aos Jogos, a aula inicia-se como na Unidade dez79 do livro Apostilas de didática: especial de Matemática, com o registro: “O vocábulo jogo” 77 A figura 71 encontra-se no Anexo J, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. 78 A palavra matéria utilizada por Malba Tahan pode ser compreendida, atualmente, como o conteúdo matemático. 79 No livro, as unidades são numeradas com números romanos. Figura 71: Pensamentos Fonte: Arquivo do IFESP 178 (SOUZA, 1959c, p.155). (Figura 7280). Destaca três significados da palavra jogo: (1) brinquedo, recreio, passatempo, etc.; (2) atividades de natureza recreativa e (3) o jogo de classe, aplicado à aprendizagem Matemática e relacionado a jogos e brinquedos infantis. A partir daí há anotações no caderno sobre a teoria do jogo, em especial sobre o jogo e a criança, com a seguinte afirmação: o jôgo na vida da criança é uma coisa muito séria. A criança não é um adulto em miniatura, pensa, sente e faz tudo a seu modo. Tem mentalidade diferente. É a atividade verdadeiramente específica da criança. O jogo caracterisa81 a criança. É no jogo que a criança se revela. Sua almasinha aí se descobre. Suas tendências, emoções aí encontram seu terreno de espansões. Atualmente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, encontramos que o jogo, além de ser um objeto sócio-cultural em que a Matemática está presente, proporciona às crianças vivenciarem situações que se repetem, fazendo com que elas aprendam a lidar com símbolos e a pensar por analogia, pois, ao criarem essas analogias, tornam-se produtoras de linguagens, criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e dar explicações. (BRASIL, 1997). 80 A figura 72 encontra-se no Anexo J, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. 81 As palavras foram copiadas exatamente como estão no caderno. Figura 72: O vocábulo Jogo Fonte: Arquivo do IFESP 179 Na tabela a seguir mostramos quatro funções secundárias do jogo que Claparède (apud SOUZA, 1959c, p.162) destaca. Na segunda coluna da tabela descrevemos as funções conforme estão no livro Apostilas de didática: especial de Matemática e, na terceira coluna, como se encontra no caderno da professora Nalva. Funções secundárias do jogo Definições encontradas no livro Apostilas de didática: especial de Matemática, na p. 162. Exemplos registrados no caderno da professora Maria Nalva Passatempo “ocupação agradável para as horas de lazer. Tal seria o caso do indivíduo que joga damas, ou faz paciência com cartas, enquanto espera a hora de ir para a repartição que trabalha.” “Espera a hora do emprego jogando xadrez.” Recurso para descanso “Depois de ter trabalhado o dia inteiro, em seu escritório, o engenheiro vai a seu clube predileto jogar com seus amigos, duas ou três partidas de xadrez a fim de descansar um pouco de seus ‘múltiplos atropelos profissionais’”. “Joga para descansar das fadigas diárias.” Agente do progresso social “Uma partida de tênis, em caráter amistoso, disputada entre as equipes de dois colégios pode cooperar no sentido de ampliar os laços de camaradagem e amizade entre os alunos.” “Um time que vai a outro país, disputar partidas.” Agente de transmissão de idéias e costumes “As festas nacionais, as dramatizações, os recitais de poesias cívicas, as recreações folclóricas, etc., são atividades lúdicas com auxílio das quais é possível divulgar datas, relembrar episódios, apreciar costumes, etc.”. “Jogo de modo geral, na expressão genérica.” Na folha seguinte do caderno da professora Maria Nalva há o registro do que Malba Tahan chamava de Jogo e Trabalho (Figura 7382). Três exemplos são apresentados: (1) A pesca, (2) O Psicólogo e o Jardineiro e (3) Os meninos e o quadro-negro. Em relação a este último, encontramos, no referido livro o episódio de forma detalhada. Assim relata Malba Tahan: 82 A figura 73 encontra-se no Anexo J, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Tabela 6: Funções secundárias do jogo – Malba Tahan 180 ao entrar na sala dei de rosto com dois imensos quadros-negros, já antigos, montados em largos cavaletes. E, como de início de conversa, disse à Professora: - Muito trabalho deve ter a senhora para limpar êsses dois quadros-negros no início de cada aula. – Trabalho? – sorriu Dona Regina Lúcia Pimentel – Nem por isso. Sempre que se faz necessário chamo dois meninos, coloco um diante de cada quadro-negro, e, em tom de gracejo, lanço um desafio muito sério: ‘Vamos ver quem limpa, mais depressa, o seu quadro-negro!’ E basta isso. Cada um dêles se esforça por terminar a tarefa mais depressa, antes do outro e, no fim de poucos instantes os dois quadros-negros estão prontos, limpinhos sem um traço de giz. Bem sei que apagar o quadro-negro é trabalho. Mas com os meninos desta classe, na animação constante em que vivem, é fácil transformar o trabalho em jôgo, em brincadeira. Sinto-me, às vezes, em dificuldade para escolher a dupla da limpeza pois querem todos, à porfia, demonstrar agilidade, presteza e tomar parte no jogo. (Grifos do autor) (SOUZA, 1959c, p. 164). Figura 73: Jogo e Trabalho Fonte: Arquivo do IFESP 181 Entendemos que o professor Malba Tahan deva ter relatado tal episódio àqueles que, assim como a professora Maria Nalva, assistiam a sua aula. Números e expressões palíndromas83 também foram apresentados nesse curso, por Mello e Souza (Figura 7484). 83 Frase ou palavra que, ou se leia da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, tem o mesmo sentido. 84 A figura 74 encontra-se no Anexo J, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Figura 74: Panlíndromes Fonte: Arquivo do IFESP 182 Outro fato curioso foi à adaptação feita por Mello e Souza ao jogo cujo nome é Perdi o Bonde. Ele adaptou o jogo, pois o curso ministrado em Natal era destinado a Professores primários. Em seu livro explicou o jogo, supondo ser uma turma da segunda série ginasial, utilizou, portanto, polinômios como exemplo. Assim: Traçados os cinco retângulos e escrito o monômio inicial, o Professor, em voz alta e pausada, vai enunciando as operações sem as escrever no quadro-negro e sem indicar os resultados parciais. Assim: - Multipliquem por 2x. (pausa) – Dividam por 3b (pausa) – Multipliquem por 4x. (pausa) – Dividam por 8a. O aluno que se atrasar e não escrever, em tempo, um dos resultados parciais ficou para trás, perdeu o bonde. Daí a denominação do jôgo: Perdi o bonde. (Grifos do autor) (SOUZA, 1959c, p.184). A figura 7585 mostra a sugestão dada por Malba Tahan aos professores primários: “O Prof. dá o número para o 1º quadro, depois vai dando números para somar, diminuir ou outras operações, cujos resultados o aluno vai colocando nos quadros que se seguem.” 85 A figura 75 encontra-se no Anexo J, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Figura 75: Jogo da memorização Fonte: Arquivo do IFESP 183 Em 09 de abril de 1958, a professora Maria Nalva registrou, em meio às atividades matemáticas do seu caderno, a visita do Desembargador Adalberto Amorim86. Nesse registro, há o relato dessa professora, noticiando que o professor Malba Tahan palestrou junto ao visitante, contando, inclusive que quando ele esteve em Montevidéu, a fim de fazer suas conferências, uma escola, mantida por uma comissão de senhoras, chamou-lhe a atenção por ser organizada, atraente e encantadora. Contou, também, que nessa visita, uma das professoras disse-lhe que havia estreado o Jogo dos Patinhos, que havia aprendido com ele, no dia anterior. Nas próximas 4 (quatro) folhas do caderno, após o registro da visita do Desembargador, há anotações sobre números naturais e fracionários. Nessas anotações percebemos que Malba Tahan lançava mão ao recurso História da Matemática em suas aulas: “os egípcios representavam a fração por um pão dividido ao meio. Os egípcios representavam ½ assim ”. Souza (1959c, p. 197) aponta a História da Matemática como uma das finalidades, quando se trabalha com números. O autor diz que a finalidade didática foi “despertar no educando interesse pela História da Matemática”. Diz ainda que corrobora com Pastor (apud SOUZA, 1959c, p.191) quando esse afirma que “uma anedota histórica, uma curiosidade geométrica, uma disposição numérica imprevista – citadas em momento oportuno pelo professor de Matemática – tornam o ensino gracioso e leve; atraem, para a Ciência, a simpatia do estudante.” Malba Tahan também recorreu à História para falar sobre Medida do tempo, sobre calendários. No caderno, os registros são dos seguintes calendários: Calendário de Rômulo, Calendário de Numa Pompílio, Calendário Romano e o Calendário Juliano. Diante do exposto, inferimos que Malba Tahan esperava que a História da Matemática desempenhasse um papel motivador no ensino-aprendizagem dessa disciplina de modo que a História e as recreações despertassem e mantivessem o interesse do estudante pela Matemática. Sobre isso Miguel (1993) vê na posição sustentada pelos partidários da corrente A História como fonte de motivação para o ensino-aprendizagem da Matemática ou História-Motivação, assim definida por Miguel, uma exaltação do poder motivador da história que se deve ao que ele define 86 Não encontramos a biografia do referido desembargador. Não sabemos se ele ainda está vivo. 184 como “história-anedotário”. Esse seria um contraponto aos momentos formais do ensino, que exigem grande dose de concentração e esforço por parte do aprendiz. A interdisciplinaridade87, no sentido de ter duas disciplinas referenciadas, no caso, Geografia e Matemática, também se fez presente nas aulas de Malba Tahan. No Jogo de Classe, “para treinamento de números primos” a professora Maria Nalva escreveu: para iniciarmos damos uma sucessão de números até 30, digamos. Prepara-se a turma de alunos que queremos treinar, recomendando que um após outro irá dizendo os números, mas que aquele que tiver de dizer um número primo dirá o nome de uma capital de qualquer Estado. Na figura a seguir, constatamos a citação acima. 87 Germain (apud Lenoir, 1998, p.46) diz que “o conceito de interdisciplinaridade tem seu sentido em um contexto disciplinar: a interdisciplinaridade ‘pressupõe a existência de ao menos duas disciplinas como referência e a presença de uma ação recíproca’. O termo em si mesmo ‘interdisciplinaridade’ significa a exigência dessa relação [...] há a necessidade de uma interação.” Figura 76: Jogo de Classe Fonte: Arquivo do IFESP 185 Souza (1959c, p. 191), diz ainda que “dentro da moderna orientação do ensino” o professor tem que conhecer algumas recreações matemáticas, a fim de “aproveitá-las para motivar seus alunos e tornar mais agradável e interessante a aprendizagem da Ciência”. Assim, no Curso que ministrou em Natal, apresentou diversas atividades voltadas à recreação matemática. Entre elas: o bar das sete provas, com 10 pontas de cigarro, problemas das 8 (oito) pérolas, os três amigos inseparáveis, a escola dos periquitos e a superfície de Möbius. No caderno da professora Maria Nalva, todas as atividades supracitadas encontram-se descritas com detalhes, inclusive com desenhos, ilustrando a explicação, como mostram as figuras a seguir88: 88 As figuras 77 e 78 encontram-se no Anexo J, deste estudo, em tamanho A4, para melhor entendimento do leitor. Figura 77: Recreação Matemática Fonte: Arquivo do IFESP 186 O conteúdo matemático contido no caderno da professora Maria Nalva findou junto às atividades voltadas à recreação matemática. A partir de então os registros no caderno voltaram-se às questões profissionais. O primeiro assunto abordado acerca disso foi a Ética Profissional. Figura 78: Problema das oito pérolas Fonte: Arquivo do IFESP 187 Definição de Ética e reflexões sobre o assunto, em diversas profissões, foram registradas. Posteriormente, a reflexão se deu, exclusivamente, sobre a Ética profissional do Professor, enfatizando que esse deve desempenhar na sociedade um papel de relevância em relação à sociedade, à escola, ao educando, aos colegas e a si mesmo. Em relação ao professor e à sociedade, seis itens foram apresentados sobre o que o professor deve ser. A saber: (1) sóbrio, (2) equilibrado, (3) livre de vícios, (4) ter cuidado com sua apresentação, (5) Incutir nos meninos respeito à autoridade e (6) criar uma atmosfera de otimismo em relação ao Brasil. Em relação ao professor e os alunos, foram 11 (onze) itens apresentados. São eles: (1) não zombar do aluno; (2) abster-se de atitudes racistas: cor, nacionalidade; (3) não revelar em classe, sob pretexto algum, aspectos da vida particular do aluno; (4) evitar os mexiricos89 e intrigas de grupinhos; (5) não revelar aos alunos opiniões do colega; (6) procurar se assíduo e pontual; (7) não comentar em público o erro do aluno; (8) não praticar o abuso de confiança de namorar, mesmo platonicamente, o aluno; (9) não contar piadas; (10) abter-se, em aulas, de discutir políticas partidárias e (11) conquistar a amizade dos alunos sendo justo, correto e severo. Promover a aprendizagem do aluno é o objetivo principal do professor. Para atingir este objetivo não basta ao professor dar uma boa aula, trabalhar bem os conteúdos. A nosso ver, ele deve ter bem claro as concepções teóricas que fundamentam a sua prática e também identificar os itens citados por Malba Tahan que melhor influenciam na qualidade do ensino de Matemática. O conhecimento destes itens, pelos professores, pode ser fundamental para que seja possível uma boa relação entre professor e aluno. Os últimos itens registrados são destinados à relação entre o professor e os colegas: (1) não superestimar sua matéria perante as outras e (2) não fazer a menor alusão a colegas a não ser para elogiar. Pelo contrário, sempre que tiver oportunidade, devemos exaltar as qualidades. Entendemos que o professor deve buscar um espaço de harmonia, promovendo a amizade ou a solidariedade, sempre que possível, no seu ambiente de trabalho. 89 Fizemos à cópia de modo fiel ao registro no caderno. 188 No tocante aos últimos registros no caderno da professora Maria Nalva, destinaram-se à arte de contar história. Observava-se aos professores que deixassem de encarar a história como um mero divertimento para a criança ou adolescente. A história deveria ser “o centro de interesse, o fator de motivação e o recurso educativo”. Finalmente, constavam no caderno anotações sobre a arte de contar histórias, as qualidades características que um contador de histórias deve ter, os cuidados do narrador, os cuidados em relação ao auditório, além dos principais gêneros de história, como, por exemplo, história de fadas, história humorística, fábulas, e as maneiras como se pode apresentar uma história, como, por exemplo, história com fantoches, história com cânticos e história com mágicas. As histórias contadas registradas no caderno foram: Salim, o mágico; Os cegos de Bagdá; Sapo tabuada; O castelo das mil e tantas luzes; A moça chegou sozinha e o Rei do nariz torto. Entendemos que Malba Tahan não poderia deixar de se remeter ao conto infantil, à história, pois gerações de leitores encantam-se com suas histórias e lendas, que, certamente, contribuíram favoravelmente a essas gerações para o gosto pela leitura e pela Matemática. Entre as obras lendárias de Malba Tahan, citamos: O Homem que Calculava, Lendas do Povo de Deus, Lendas do Céu e da Terra, Maktub!, Mil histórias sem fim. Não poderíamos encerrar este capítulo, entretanto, sem nos remeter à biografia de Maria Nalva Xavier de Alburquerque. Obtivemos as informações biográficas da professora Maria Nalva na Escola Estadual Maria Nalva Xavier de Albuquerque, localizada no bairro Pajuçara da cidade do Natal. Fomos até essa escola e lá havia a cópia de um documento com as informações biográficas da professora. Posteriormente, tivemos a oportunidade de conversarmos com sua filha mais nova, Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro90, que nos informou que foi ela que elaborou tais informações para a Escola. Essa escola foi inaugurada no ano 2000. Maria Nalva nasceu no dia 29 de setembro de 1921. Filha do casal Manoel Augusto Xavier e Luiza Xavier do Nascimento, diplomou-se como professora 90 Fomos à residência da Senhora Themis Xavier de Albuquerque em 31 de outubro de 2008. 189 primária pela Escola Normal de Natal, em 1939. Nesse mesmo ano, lecionou no Núcleo de São Miguel, na zona rural do município de Ceará-Mirim91. Em 1942, no dia do seu aniversário, casou-se com o agricultor Edson Cavalcanti de Albuquerque. Desse casamento, nasceram suas filhas Teodolina Cavalcanti de Albuquerque92, Tânia Xavier Cavalcanti de Albuquerque, Telma Xavier de Albuquerque93 e Themis Xavier de Albuquerque94. 91 A distância de Ceará- Mirim à capital Natal é 31Km. (Disponível em: . Acesso em 15/09/2008). 92 Após seu casamento, passou a chamar-se Teodolina Albuquerque de Almeida. 93 Após seu casamento, passou a chamar-se Telma de Albuquerque Tito. 94 Após seu casamento, passou a chamar-se Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro. Figura 79: Professora Maria Nalva (In memoriam) e suas quatro filhas. Da esquerda para direita: Telma (In memoriam), Teodolina, Tânia (In memoriam) e Themis. Fonte: Arquivo pessoal de Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro 190 A professora Maria Nalva ocupou diferentes funções na área da educação no município de Ceará-Mirim. Foi professora e, posteriormente, diretora do Grupo Escolar Barão do Ceará-Mirim e também professora, diretora e supervisora de ensino da Escola Normal Regional, em períodos distintos. Aposentou-se, em 1969, como professora primária do quadro do Magistério Público do Estado do RN, embora ocupando, nessa época, o cargo de Professora do Ensino Médio e exercendo a função gratificada de Chefe da Seção Técnica da 1ª Inspetoria Regional de Ensino, sediada em Natal, que depois se chamaria 1º Núcleo Regional de Educação (NURE) e que, atualmente, é chamado de Diretoria Regional de Educação (DIRED). Maria Nalva, aos 50 anos, ingressou no Curso de Pedagogia da UFRN, juntamente com sua filha mais nova, Themis, que tinha 18 anos, na época. Maria Nalva conclui a graduação em 1975. Figura 80: Professora Maria Nalva e seu marido Edson Fonte: Arquivo pessoal de Themis Xavier de Albuquerque Pinheiro 191 Assim, Maria Nalva superou a morte súbita de seu marido, que ocorreu em dezembro de 1970, e de sua filha Tânia, em dezembro de 1972. Em setembro de 1979, falece Telma. Seu marido e suas duas filas faleceram de Trombofilia95, que é a propensão de desenvolver trombose (coágulos sangüíneos) devido a uma anomalia no sistema de coagulação96. Entre os anos de 1973 e 1988, Maria Nalva exerceu o cargo de Administradora Escolar, sendo que, a partir de 1976, acumulou também a função gratificada de Coordenadora do Livro Didático, até 1987, quando deixou de trabalhar, aos 70 (setenta) anos de idade, sendo 52 (cinqüenta e dois) desses dedicados à Educação do RN. Em 2000, é inaugurada a Escola Estadual Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque, no bairro de Pajuçara na cidade do Natal. As figuras a seguir mostram um pouco dessa escola, inclusive a estátua que faz uma homenagem à professora, intitulada “A dama e o livro”97, que simboliza o trabalho, competência e compromisso da Professora Nalva com a Educação e Cultura do RN. 95 As datas de falecimento e o motivo dos óbitos foram informados pela senhora Themis Xavier de Albuquerque, em 31 de outubro de 2008, em sua residência. 96 Disponível em . Acesso 04/11/2008. 97 Na placa colocada na Estátua assim está escrito: “HOMENAGEM ‘A Dama e o Livro’ simboliza o trabalho, competência e compromisso da Profª. Maria Nalva Xavier com a Educação e Cultura do RN. ‘Tem gente grande preocupada com o ensino público e gente miúda aguardando respostas... ’ Profª. Nalva. Natal, 08 de junho de 2000”. Figura 81: Escola Estadual Maria Nalva Xavier de Albuquerque (Corredor e Quadra de Esportes) Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 192 Figura 82: Frente da Escola Estadual Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre Figura 83: “A dama e o livro” Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 193 No Arquivo Público do RN, encontramos alguns ofícios redigidos por ela, enquanto coordenadora da Coordenação Estadual do Livro Didático (CELD). No ofício nº 14, por exemplo, datado em 16 de janeiro de 1980, é feita uma comunicação a então chefe da Coordenação de Administração de Pessoal (COAPE), Lindalva Santos Maia Néo, para participar do I Simpósio do Livro Didático que a SEEC/RN, por meio da CELD, estava promovendo, no período de 04 a 08 de fevereiro. O I Simpósio “contará com a presença de Autores de livros didáticos de 1ª a 4ª série, em uso nas nossas escolas, e será aberto aos supervisores pedagógicos, professores e técnicos envolvidos com o livro didático”. (ALBUQUERQUE, 1980). Já no ofício nº 15, datado em 27 de janeiro de 1981, é feito um convite a então chefe da COAPE/SEEC, Teginete Bezerra Soares, para abertura dos trabalhos do II Simpósio do Livro Didático que a SEEC/RN, por meio da CELD, estava promovendo no período de 02 a 06 de fevereiro, às 8h, no auditório do Colégio Estadual do Atheneu Norte-riograndense. O objetivo desse II Simpósio era “orientar a utilização de livros didáticos de 1ª a 4ª série do 1º grau, a serem distribuídos nas escolas estaduais e municipais beneficiadas pelo PLIDEF (Programa do Livro Didático – Ensino Fundamental)”. Figura 84: Professora Maria Nalva recebendo homenagem em Brasília do então Ministro da Educação Ney Braga Fonte: Arquivo da E. E. Maria Nalva Xavier de Albuquerque 194 Em 18 de outubro de 1974, foi publicada pelo Departamento de Pessoal da SEEC/RN, a pedido do então Secretário de Estado da Educação e Cultura Diógenes da Cunha Lima98, uma Certidão comprobatória de distinção à professora Maria Nalva, por relevantes serviços prestados ao Sistema de Ensino Estadual e proporcionando o melhor dos seus conhecimentos à causa da educação, além de se destacar, em seu trabalho, os aspectos profissional, humano e social. Em 1989 e 1991, ela recebeu da CELD/SEEC(RN) um cartão de prata em homenagem aos seus 50 (cinqüenta) anos e 52 (cinqüenta e dois anos) de serviços, respectivamente. Um tributo à Maria Nalva foi feito pela CELD, em 24 de fevereiro de 1989: “simples, serena, realizada; alegre e jovial. É feliz; possui riqueza de coração, espírito de sacrifício. Modelo de amizade; tem capacidade de perdoar e esperar contra toda esperança [...].” No ano de 1994, no dia 03 de novembro, o então presidente do Conselho Estadual de Educação, Mizael Araújo Barreto99, escreveu o ofício nº210/94 à Thêmis Xavier de Albuquerque, filha de Maria Nalva, que fez inserir, na ata de sua sessão plenária, um voto de profundo pesar pelo falecimento de Maria Nalva. No Jornal Diário de Natal, de 10 de novembro de 1994, encontramos a manchete: Morre D. Nalva, que dedicou sua vida à educação. A professora havia falecido em 23 de outubro de1994, aos 73 anos, de insuficiência cardíaca e coronariana. À guisa de conclusão, o caderno de Maria Nalva Xavier de Albuquerque com registros das aulas do Professor Malba Tahan, em Natal/RN, no ano de 1958, foi levado ao Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy pela então funcionária do Registro escolar desse Instituto, Zélia Maria de Moura. Essa informação se concretizou quando conseguimos localizar a Senhora Zélia Maria de Moura, que prontamente nos atendeu e conversou conosco, por telefone, no dia 04 de setembro de 2008, diretamente da cidade de Belo Horizonte- MG, onde reside atualmente. 98 Diógenes da Cunha Lima nasceu em Nova Cruz, 1937. É advogado, professor, poeta, ensaísta brasileiro. (Disponível em: . Acesso em 15/09/2008). 99 Foi o 1º reitor da Universidade Potiguar. (Disponível em: . Acesso em 15/09/2008). 195 Ela nos disse que Maria Nalva e ela eram muito amigas e, por isso, quando Maria Nalva veio a falecer, Teodolina, uma das filhas da professora, pediu que Zélia Maria distribuísse o arquivo pessoal da sua mãe para a SEEC ou onde ela achasse merecedor de sua memória. Assim, diz Zélia Maria de Moura: Maria Nalva Xavier de Albuquerque era uma grande profissional em Educação, personalidade de caráter firme e honesto, baluarte da Educação no Estado. Conheci Nalva, de perto, convivi longos anos com ela e aprendi muito com a mesma. [...]. Depois do falecimento de Nalva, um certo dia sua filha Teozinha - Teodolinda é o seu nome - convidou-me para ajudá-la a preparar o plano de distribuição dos livros que compunham sua biblioteca pessoal, que era enorme e linda. Nalva era uma leitora brilhante, não só comprava tudo que lhe interessava, como era também contemplada com livros de algumas editoras. Levamos algum tempo para pensarmos juntas o melhor destino para os livros preciosos de Nalva,verdadeira relíquia pessoal. [...]. Separamos muitos para este fim. À época, eu trabalhava no Instituto Kennedy, coordenando o Registro Escolar [...]. Os livros mais técnicos, de alto nível, foram então direcionados à Biblioteca do Instituto Kennedy e o caderno de Matemática, a que você se refere, foi levado junto com todo o acervo. Eu lamento informar-lhe que não tenho nenhum dado sobre a existência do mesmo. Fui amiga particular de Nalva, mas nunca soube de alguma ligação específica da parte dela com a Matemática. Nalva foi polivalente em matéria de ensino. Gostava de tudo e se envolvia com tudo. (ZÉLIA MARIA DE MOURA. Depoimento por E-mail). A relação entre as professoras Maria Nalva e Zélia Maria de Moura também era profissional, pois no ofício 142/80, de 27 de outubro de 1980, destinado a então coordenadora da COAPE/SEEC, pela professora Maria Nalva, submete o nome da professora Zélia Maria de Moura à apreciação do Secretário de Educação e Cultura para fazer parte da equipe de avaliação do livro didático. Enfim, na figura a seguir, consta a assinatura da professora Maria Nalva. Para a Grafologia, a assinatura é uma biografia abreviada do autor, de modo que de acordo com o seu símbolo é possível distinguir algumas características. Para nós, é a assinatura de alguém que contribui com a Educação do RN, mas, em especial, contribuiu com a História da Educação Matemática do RN. Figura 85: Assinatura da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque Fonte: ALBUQUERQUE, 1980 (Arquivo Público da cidade do Natal/RN) 196 5.2 Evaldo Rodrigues de Carvalho: um representante do Ensino de Matemática no Estado do Rio Grande do Norte A busca pelos nossos narradores se deu levando em consideração o desejo de entrevistar professores que ensinavam Matemática nas décadas 50, 60 e 70 do século passado. Nessa busca, primeiramente, procuramos o professor Evaldo Rodrigues de Carvalho (In memoriam) (Figura 86), pelo fato de ser indicação de quase todas as pessoas com quem conversamos sobre nossa pesquisa. Ao encontrarmos o referido professor, ele nos concedeu a entrevista, sendo muito solícito e disposto em colaborar no que precisássemos. O professor Evaldo nos recebeu em sua residência (Figura 87), localizada no bairro do Alecrim, na cidade do Natal, em 14 de junho de 2006. Figura 86: Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 197 No entanto, no dia e hora marcados, o professor Evaldo não se encontrava bem de saúde, fato que nos abalou a ponto de não ficarmos à vontade e exigir dele sua total atenção e seu precioso tempo. Tal fato nos fez tornar a entrevista menos densa e com pouca duração, questionamos aquilo que nos parecia ser o mais importante naquele momento. As perguntas que fizemos foram: (1) Em que ano os professores foram fazer o curso sobre Matemática Moderna (MM) em Recife? (2) Era um curso só para professores do ensino secundário ou do primário também? (3) Onde, especificamente em Recife, foi este curso? Quem ministrou? (4) Quantos e quais professores foram de Natal? Foram só de Natal, ou havia outros professores do RN? (5) Como os professores de Natal ficaram sabendo deste curso? (6) Quem financiou esta ida? (7) Quando isto ocorreu, já era trabalhada a MM nas escolas? (8) A partir de que ano, mais ou menos, a MM começou a ser trabalhada nas escolas de Natal? (9) Como os professores de Natal tiveram o primeiro contato com MM? (10) Que livro didático o senhor utilizou na época em que ensinou a MM? (11) Em que Figura 87: Residência do Professor Evaldo, localizada no Bairro do Alecrim – Natal/RN Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 198 escola o senhor trabalhava? Em que período(de que ano a que ano)? (12) Em que série lecionava? (13) Que mudanças ocorreram em seu ensino depois que fez o curso em Recife? (14) O que o senhor pensa sobre a MM? (15) O senhor teria algum documento (atestado do curso, plano de suas aulas na época, avaliações de aluno, outros,...) que se refiram ao Movimento da Matemática Moderna? Caso o tenha, podemos fotografar?100 O professor Evaldo Rodrigues de Carvalho nasceu no bairro do Alecrim, na cidade do Natal e residiu na mesma casa em que nasceu por setenta e quatro anos, quando veio a falecer. Seus pais chamavam-se João Rodrigues Sobrinho e Maria Anunciada Rodrigues de Carvalho. O referido professor, como falamos anteriormente, participou do 1º Seminário de Matemática, em Natal, proferindo palestras sobre Didática Geral e Filosofia da Educação. Escreveu vários livros, entre eles o Dicionário de termos matemáticos e o livro Alecrim ontem, hoje e sempre (Figura 88). Participou do primeiro estudo de Matemática Moderna, oferecido pela Universidade Federal de Pernambuco, nos anos de 1967 e 1968. Participou também como examinador e julgador de professores do ensino médio do Estado. Foi professor do Colégio Atheneu e da Escola Estadual Padre Miguelinho e fundou o primeiro cursinho pré-vestibular de Natal. 100 O professor Evaldo nos disse que não tinha nenhum documento desse período. Figura 88: Capa dos livros Dicionário de termos matemáticos e Alecrim ontem, hoje e sempre, do Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 199 Dessa pequena biografia, inferimos a importância desse professor para a cidade do Natal. Em 2006, por exemplo, meses antes do seu falecimento, o professor Evaldo foi convidado a participar do programa Memória Viva da TVU-RN, como já falamos anteriormente. No dia 12 de outubro de 2006, foi ao ar a entrevista realizada pelo apresentador do programa Tarcísio Gurgel, pelo jornalista e radialista José Rebouças e pelo diretor da escola Estadual Padre Miguelinho, naquela época, Getúlio Maria Soares. Esse programa foi reprisado em 15 de outubro do mesmo ano. Quando esse programa foi ao ar, o professor Evaldo já havia falecido. Ele faleceu em 31 de agosto de 2006. Para a nossa felicidade, o jornalista José Rebouças doou ao Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy a fita VHS, que continha a entrevista do programa Memória Viva realizada com o professor Evaldo. Nessa época, coordenávamos o Curso de Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação em Matemática da referida instituição. Tal fato fez com que fôssemos a pessoa a receber a fita, com a entrevista, em primeira mão. Ao assistir à fita, percebemos que a entrevista feita por nós ao professor, no dia 14 de junho de 2006, estava inclusa na entrevista que o professor Evaldo cedeu ao programa Memória Viva. As respostas dadas às nossas questões pelo professor Evaldo também foram dadas aos entrevistadores, porém com tranqüilidade, com felicidade, sem sentimento de dor, no silêncio que aquele ambiente continha e, Figura 89: Dedicatória feita à Liliane Gutierre pelo professor Evaldo no livro Alecrim ontem, hoje e sempre Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 200 principalmente, de forma completa, sem pressa de contar sobre a sua vida enquanto estudante, professor e morador do bairro Alecrim. Diante disso, sentimos-nos motivados a escrever, na íntegra, o que o professor Evaldo relatou nessa entrevista, pois consideramos esse fato um dos vestígios fundamentais para a compreensão da Matemática escolar do RN. Além disso, na condição de pesquisadora, tivemos a intenção de recuperar a fita de vídeo, uma fonte menos durável, copiando-a em um DVD. Diante disso, o que apresentaremos no apêndice H deste estudo é o que chamamos em História Oral de textualização (da entrevista). As entrevistas realizadas podem ser apresentadas na forma de textualização. Para Garnica (no prelo) a textualização é uma edição que preserva como que um “tom” do depoente, ainda que este tom já esteja irremediavelmente impregnado, pela própria natureza do processo e pela manipulação do textualizador, dos desejos, necessidades e tons desse agente que toma nas mãos a tarefa de textualizar. O que foi dito, como foi dito, nas circunstâncias em que foi dito é evanescente, sempre foge, sempre escapa. Resta a esperança do depoente – ou daqueles que, junto do depoente, viveram a experiência textualizada – reconhecer-se na leitura da experiência fixada pela escrita do outro. Souza (2006, p.265), na sua Dissertação de Mestrado, ao entrevistar o professor Garnica, questionou o motivo que o leva a lançar mão da textualização e ele respondeu: a gente textualiza porque recolheu depoimentos para compreender alguma coisa, então a gente tem que começar a ter uma postura investigativa em relação ao documento e a textualização é uma das possibilidades de exercitar essa postura investigativa em relação ao que o depoente falou. Porque você começa a ler, a reescrever, ler, reescrever, e essa trama permite, no mínimo, que você fique mais familiarizada com o que o depoente disse, até para poder, se quiser, voltar para o depoente e esclarecer algumas coisas. Então a função não é só estética, embora eu ache que exista uma função estética na textualização. Ela é também essencial do ponto de vista da pesquisa porque não acho que só coletar depoimento seja suficiente, acho que você tem que analisar o que você coletou. 201 Tecnicamente, conferimos de forma detalhada a entrevista no DVD, minimizamos os vícios de linguagem e preenchemos as lacunas abertas que julgamos que o professor Evaldo deixava. Para informações mais pontuais, quando necessárias, recorremos ao material que já possuíamos, obtido no decorrer da nossa pesquisa, como também conferimos no livro Alecrim ontem, hoje e sempre datas e nomes próprios. Lembramos que a gravação usada para este trabalho foi uma cópia em DVD a partir da fita de vídeo doada ao Instituto Kennedy pelo jornalista e radialista José Rebouças. Alguns problemas de gravação são perceptíveis, como por exemplo, a qualidade do som, mas não tornam a entrevista incompreensível. Desse modo, foram registradas quase uma hora de vídeo (59’05’’), totalmente resgatado nesta textualização. Neste momento, gostaríamos de salientar que à textualização segue um momento de conferência do registro pelos depoentes. Até por questões jurídicas, solicita-se desses colaboradores, após esta conferência, uma carta de cessão de direitos para o uso da entrevista pelo pesquisador. No entanto, salientamos que isso não se aplica aqui, pois a fita a que tivemos acesso já era documento público (GARNICA, no prelo). Por conseguinte, lembramos que feita a transcrição e a textualização, a análise se dará ao preenchermos as lacunas evidenciadas na fala do professor Evaldo, junto às notas de rodapé que estão no texto textualizado (apêndice H) e as que se encontram no final desse capítulo. Da entrevista, trazemos aqui elementos que julgamos ser apropriados para continuidade dessa parte. Um dos pontos que gostaríamos de levar em consideração na fala do professor Evaldo Rodrigues de Carvalho foi acerca das suas expectativas em relação aos cursos de Malba Tahan realizados em Natal. Nessa entrevista, Tarcísio Gurgel, apresentador do programa, perguntou ao professor Evaldo como ele havia começado a cultivar o seu amor pela Matemática. Ele então respondeu que, como era professor e ensinava Matemática, teve o direito de fazer um curso, em Natal, com a duração de quinze dias, com o professor Malba Tahan. O professor Evaldo assim se expressou sobre o seu despertar para as curiosidades e brincadeiras no campo da Matemática: 202 Ele [Malba Tahan] veio dar um curso para aperfeiçoamento de Matemática. Então, foi ele que me alertou para curiosidades que a Matemática tem. Ele me orientou e eu comecei a gostar das curiosidades e brincadeiras. [...]. Eu comecei a mudar a partir de Malba Tahan, quando ele teve aqui e me orientou. Fiz o curso (EVALDO RODRIGUES DE CARVALHO. Depoimento oral). Percebemos na citação acima que as aulas de Malba Tahan foram um “divisor de águas” na metodologia utilizada pelo Professor Evaldo. Como nos lembra Freire (1997, p.47), às vezes, o professor nem imagina “o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo”. Naquele encontro com os professores em Natal, o professor Malba Tahan talvez nem imaginasse o quanto influenciaria na vida profissional de seus alunos. Ao ser abordado pelo jornalista Tarcísio Gurgel sobre a abordagem metodológica no ensino da Matemática, o professor Evaldo assim se expressou: Porque tudo depende do método. Se você estiver ensinando direitinho, curiosidades, por exemplo, brincando, mostrando, comparando as coisas do dia-a-dia com a Matemática, o aluno aprende. [...]. Tudo depende do professor. Antigamente, a Matemática era ensinada de maneira dura, brusca. Hoje, tem meios de se ensinar, usufruindo das curiosidades, das brincadeiras, mas, infelizmente, os nossos professores não estão preparados para isso. [...].Mudando o método, o aluno gosta. Há professores que dão uma aula seca. Tem muitas coisas que a gente pode brincar com o aluno. Vai mostrando aquilo ali, brincando, mostrando uma coisa, mostrando outra, comparando uma coisa com outra, aí ele vai gostando da Matemática. Agora aquele método duro, rígido, aí só quem tem vontade mesmo é que aprende (EVALDO RODRIGUES DE CARVALHO. Depoimento Oral). O professor Evaldo deixou claro, na sua narrativa, que antes das aulas do professor Malba Tahan era considerado um professor rígido, que agia com um certo terrorismo, devido à capacidade que tinha de desenvolver cálculos. Após o curso de Malba Tahan, o Professor Evaldo passou a desenvolver com seus alunos atividades semelhantes às por ele experienciadas no curso. Ele, fala, por exemplo, que na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, três alunos que haviam concluído o curso superior, foram para um jantar, a fim de comemorar a 203 conclusão do curso. Após o jantar, eles foram pagar a conta e perguntaram ao garçom: “ - Quanto é?” O garçom respondeu: “ 10 reais para cada um”. O garçom, então, levou os 30 reais ao dono do estabelecimento e esse disse: “ - Isso está muito caro, basta cobrar 25 reais deles”. Assim, o garçom malandro pensou: “são 3 pessoas, se eu der 5 reais de troco vai haver briga entre eles. Vou ficar com 2 reais para mim e devolverei 1 real para cada um.” Observe que cada um pagou 10 reais, recebeu 1 real de troco. Logo, cada um dos formandos pagou 9 reais. Nove reais vezes 3 pessoas, totalizam 27 reais, acrescento, agora, os dois reais que ficaram com o garçom, totalizam 29 reais, mas não era 30 trinta reais? Cadê o 1 real? Souza (1959c, p. 203), em seu livro, intitula tal episódio de a conta esquisita. Ele diz: O sr, Horácio Sene, negociante em Queluz (São Paulo), contou-me o seguinte: - o caso passou-se em Taubaté. Fui, certa vez, com dois amigos fazer um lanche no Hotel da Estação. Ao terminar o lanche, pedimos a nota: - ‘Custa 30 cruzeiros o lanche’, respondeu o empregado. Cada um de nós contribui logo com 10 cruzeiros e o lanche foi pago. Momentos depois volta o empregado com 5 cruzeiros e declara: - Houve um engano. O lanche devia ter custado 25 cruzeiros e não 30. Aqui está a diferença de 5 cruzeiros que o patrão mandou restituir’. Da quantia devolvida dei dois cruzeiros de gorjeta ao rapaz e reparti os 3 cruzeiros restantes, como devia, cabendo de volta, para cada um de nós, o trôco de um cruzeiro. Um dos amigos, depois de meditar sôbre o caso, observou intrigado: - Essa conta está esquisita. Muito esquisita! Cada um de nós pagou dez cruzeiros e recebeu o troco de um cruzeiro. Logo, cada um de nós pagou nove cruzeiros. Ora, se cada um de nós pagou nove cruzeiros, é claro, é evidente, que o lanche custou 27 cruzeiros. Juntando-se a essa quantia (27) os dois cruzeiros que demos ao garçom encontro um total de 29 cruzeiros. Para os trinta cruzeiros que desembolsamos há uma diferença de um cruzeiro! Para onde teria ido êsse cruzeiro? Em Taubaté há cada coisa! Poderá o leitor deslindar o ‘mistério’ do caso? Notamos, portanto, que, de fato, Júlio César de Mello e Souza contribui com as aulas diferentes do Professor Evaldo. Entendemos que o professor Evaldo viu em Júlio César de Melo e Souza uma referência, talvez mesmo um ídolo. Segundo o professor Evaldo, ele foi escolhido para ser o seu secretário, nas aulas e, fora delas, seu amigo, a ponto de convidar- lhe para ensinar no Colégio Pedro II101. 101 O Colégio Pedro II localiza-se na cidade do Rio de Janeiro(RJ). Colégio que era modelo para o Império, foi fundado em 2 de dezembro de 1837, “na Corte”. Muitos matemáticos importantes passaram por lá, entre eles Euclides de Medeiros Guimarães Roxo, Eugênio de Barros Raja Gabaglia e Arthur Thirré (VALENTE, 2003). 204 Além de Malba Tahan, o professor Evaldo também se refere, com veemência a Manoel Jairo Bezerra. Ele afirma ter levado a Manoel Jairo Bezerra o dicionário que escreveu. E assim falou-lhe, Manoel Jairo: “ Evaldo, você é um homem muito feliz”. Então perguntei: “– Por que sou feliz?”. Ele repondeu-me: “ - Porque eu já escrevi 265 livros de Matemática e não escrevi um dicionário. Diante do exposto, inferimos que houve dois momentos importantes que consagraram o professor Evaldo Rodrigues de Carvalho como um representante do ensino de Matemática no Estado do Rio Grande do Norte. O primeiro momento refere-se aos conhecimentos didáticos obtidos por ele, no curso ministrado por Malba Tahan. Júlio César de Mello e Souza contribuiu para a melhoria das aulas do professor Evaldo quando apresentou, à comunidade natalense, suas propostas inovadoras e sua inquietação com o ensino vigente na época. Entendemos, assim, que, a partir desse momento, o professor Evaldo começou a se destacar na sociedade, por meio das escolas em que lecionava, ousando em suas atitudes de educador matemático e proclamando o que julgava sensato em relação ao conteúdo matemático e, principalmente, em relação à metodologia de ensino utilizada em sala de aula. Na fala do professor Evaldo acerca da metodologia de ensino, está evidente o discurso de Malba Tahan. Souza (1959b, p. 38) diz que não é suficiente que o professor conheça a matéria102 e a apresente claramente. Faz-se necessário que o docente “oriente seu ensino com o pensamento polarizado nos objetivos diretos ou indiretos da Matemática, objetivos que decorrem dos valores dessa ciência”. Entre esses valores que se destacam no ensino da Matemática, Souza (1959b) cita: (1) sua utilidade na vida corrente, (2) sua utilidade para o estudo de outras matérias, (3) sua utilidade como disciplina mental e (4) sua utilidade na educação moral. Perceba, então, que o professor Evaldo destaca esses valores quando aponta o fator motivador que o professor de Matemática deve levar à sala de aula. Um segundo momento que destacamos em relação a sua representação magisterial no RN é o fato de ele ter participado da seleção de candidatos ofertada pelo Centro de Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE), juntamente com a SUDENE, para fazer um curso sobre Matemática Moderna, que ocorreria em Recife, 102 A palavra matéria utilizada por Malba Tahan pode ser compreendida, atualmente, como o conteúdo matemático. 205 entre os anos de 1967 e 1968. Após a seleção, entre os candidatos do RN, o escolhido para a bolsa foi ele. Segundo entrevista concedida a nós pelo professor Evaldo, em 14 de junho de 2006, ele ficou sabendo do curso por meio de seu amigo Aldo Barbosa, representante da SUDENE no Estado. O curso foi ministrado por professores do CECINE e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Assim ele disse a Tarcísio Gurgel: Em 1967, fiz um concurso aqui em Natal para representar os professores do Nordeste, porque a SUDENE patrocinou um curso para estudarmos Matemática Moderna. Foi a primeira vez que eu ouvi falar o que era Matemática Moderna. Eu não sabia. Ensinava a Matemática da classe, a antiga. Mas a Matemática Moderna era do século XIX.103 Só agora que veio ser introduzida a Matemática Moderna. Então eu passei dois anos na Universidade do Recife, estagiando no CECINE a Matemática Moderna. Posteriormente, voltei à Natal e dei vários cursos para professores, porque o pessoal da SUDENE acreditava ser melhor preparar, de cada estado do Nordeste um professor do que mandar para cada estado do Nordeste vários professores para dar cursos. Era muito mais econômico para a SUDENE. Estudei, também, na Universidade Católica do Recife. Estudei por lá e depois comecei a me dedicar ao curso (EVALDO RODRIGUES DE CARVALHO. Depoimento Oral). O CECINE, a que o professor Evaldo se refere, é o Centro de Ensino de Ciências do Nordeste. Em 1965, esse Centro abriu inscrições para o curso de verão que ocorreria nos meses de janeiro e fevereiro de 1966, em Salvador. Tal curso tinha por objetivo “o aperfeiçoamento do ensino de Matemática no Curso Secundário, mediante o treinamento de Professores em programa especial, e através do intercâmbio profissional e cultural entre os participantes” (CENTRO..., 1965, p. 2). Haveria uma seleção entre os candidatos inscritos, realizada pelos professores do CECINE e do Centro de Estudos de Ciências da Bahia (CECIBA). O curso abordaria tópicos de Matemática Moderna. Não temos notícia de que algum professor do RN tenha participado deste curso. O bolsista assumia como compromisso ministrar curso de formação de professores do ensino secundário, quando retornasse ao seu Estado. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e de Pernambuco foram os escolhidos para difundir os 103 Para nós não ficou claro o que o professor quis dizer com a expressão “Matemática Moderna era do século XIX”. 206 ideais do Movimento da Matemática Moderna no Brasil, o que explica o curso freqüentado pelo professor Evaldo, em Recife (BRITO; GUTIERRE, 2007). Lembramos que uma das possíveis possibilidades dele ter sido escolhido para representar os professores nesse curso sobre Matemática Moderna, em Recife, foi o fato de ter realizado o Curso CADES. Por conseguinte, entendemos que o professor Evaldo ministrou cursos de formação aos professores do RN, além de realizar palestras no Estado, desvelando todo o seu potencial, sua capacidade e criatividade no que se refere ao ensino da Matemática. Finalmente, antes de nos remetermos as (in)conclusões deste estudo, apresentamos, a seguir, os esquemas 1 e 2, que mostram, de modo resumido, os vestígios sobre o Ensino de Matemática no RN, que descrevemos neste e no quarto capítulo. 207 Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950-1980) CEPE Dinarte Mariz (1956-1960) Aluízio Alves (1961-1966) Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado SEEC/RN – SECERN MEC/SUDENE/USAID/INEP/ALIANÇA PARA O PROGRESSO Treinamento de 3000 Professores Leigos (3 etapas) nas cidades do RN: Natal, Mossoró, Caicó, Santa Cruz, Paus dos Ferros, Angicos e São José do Mipibu Treinamento de bolsistas para trabalharem nos cursos de aperfeiçoamento de professores / PABAEE - MG Matemática – Metodologia Método da Descoberta Tendência Empirico-Ativista Esquema 1: Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950-1980) 208 Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950- 1980) Plano Experimen -tal da Escola Primária (1970) Curso para professores da Escola Normal (1971) Concepção Formalista Moderna; MMM. Elementos da Teoria dos Conjuntos; Medidas; Geometria. Projeto SACI (1973- 1975) Planos de aulas de Matemática (1974) Conjuntos; Operações Matemáticas; Medidas; Geometria; Sistemas Numéricos. Diários de classe do Colégio Atheneu O caderno da Profª Mª Nalva Xavier de Albuquerque; Aulas de Malba Tahan Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho; Aulas de Malba Tahan Importância desse Colégio no Estado Tribuna do Norte (15/10/67) Professores Teófilo Canan; Josafá Cordeiro e José Ivaldo. Esquema 2: Vestígios do Ensino de Matemática no RN (1950-1980) – (continuação) 209 (IN)CONCLUSÕES Pequenos passos podem não fazer muita diferença numa jornada curta, mas para a longa jornada da vida são capazes de colocar vocês num lugar completamente diferente (HUNTER, 2004). 210 (IN)CONCLUSÕES Apresentamos as conclusões do estudo levado a efeito sobre os vestígios do Ensino da Matemática no RN, nos idos de 1950 a 1980, cujas condições gerais de trabalho favoreceram a realização da presente pesquisa. Antes, lembremos o objetivo geral do estudo: analisar como se deu a modernização do ensino de Matemática nas escolas do RN, no período de 1950 a 1980. Na busca para atingirmos tal objetivo, inter-relacionamos os vestígios encontrados, nos arquivos da cidade de Natal, acerca da modernização do Ensino de Matemática no RN, nos idos de 1950 a 1980, com as narrativas dos entrevistados. Fizemos a análise das fontes, a cada vestígio apresentado. Desse modo, a análise da implementação de nossa proposta metodológica nos permitiu ressaltar, pelo menos cinco momentos significativos acerca da modernização do ensino de Matemática no RN: (1) o Curso de Treinamento de Professores Leigos no Rio Grande do Norte, em 1965; (2) o Curso para Professores da Escola Normal, em 1971; (3) o Projeto Satélite Avançado em Comunicações Interdisciplinares (SACI), em 1973; (4) as aulas do professor Malba Tahan, em Natal, a partir do final da década de 1950, que puderam ser analisadas por meio do caderno de aulas da professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque e pela narrativa do professor Evaldo Rodrigues de Carvalho e (5) os cursos da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). Em relação ao Curso de Treinamento de Professores Leigos no Rio Grande do Norte, podemos afirmar que a modernização do ensino de Matemática se deu pela tendência Empírico-Ativista, que emergiu no seio do movimento escolanovista, indo até as décadas de 1950 e 1960, e que proporcionou aos professores norte- riograndenses, por meio das bolsas disponíveis para realização do Curso do PABAEE, o Método da Descoberta, que foi muito difundido nas décadas de 1960 e 1970 em todo o país. Vestígios da modernização do ensino da Matemática, também foram evidenciados durante o Curso para Professores da Escola Normal, em 1971, devido ao MMM disseminado no Brasil e no mundo. Em relação ao Projeto SACI, apontamos a questão da tecnologia, pois, por meio da televisão e do rádio, foram difundidos os conteúdos referentes à 211 modernização do ensino da Matemática, daquele período. A Matemática era uma das sete áreas de estudo desse projeto e, na elaboração das apostilas de estudo, se percebia os principais propósitos do MMM. No tocante as aulas do Professor Malba Tahan, em Natal, a partir de 1958, eram voltadas a uma concepção empírico-ativista do processo de ensino- aprendizagem. Fiorentini (1995) nos diz que essa concepção, por meio de Malba Tahan e outros professores, contribuiu não só para unificar a Matemática em uma única disciplina, mas também para formular as diretrizes metodológicas do ensino da Matemática da Reforma Campos (1931), favorecendo, inclusive, o surgimento de livros-didáticos com figuras ou desenhos sob uma abordagem mais pragmática. Evidenciamos, nesta pesquisa, que as visitas do professor Malba Tahan, apesar de cunho político, que enalteciam os governantes da época, por estarem trazendo à Natal uma pessoa de renome nacional, foram um momento charneira, um “divisor de águas”, no que se refere à metodologia do ensino da Matemática. Um dos divulgadores dessa nova metodologia de ensino foi o Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho. Outro divisor d’águas por nós evidenciado nas análises diz respeito à abordagem metodológica da Matemática, quando, nossos narradores, deixam-nos explícitas suas percepções do ensino da Matemática antes e depois de terem realizado o curso da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), em Natal, que lhes davam o direito, de fato, de ministrarem aulas de Matemática. Finalmente, não podemos deixar de ressaltar que a campanha de alfabetização, ocorrida na década de 1960, em todo o Estado do RN; o Curso de Treinamento de professores Leigos, na década de 1970, bem como a disponibilidade de bolsas do PABAEE para a formação dos “formadores” e a presença de Júlio César de Mello e Souza, em Natal, no final da década de 1960 e início da década de 1970, aconteceram devido às conjecturas políticas, tanto nacionais quanto internacionais, que se corporificaram em um convênio entre a SEEC/RN, o MEC, o INEP, a SUDENE e a USAID. A análise das fontes realizadas nesta pesquisa confirma que, no Rio Grande do Norte, não houve grupos de estudos como ocorreu em alguns estados brasileiros. Esses estudos tinham como objetivo, entre outros propósitos, divulgar os ideais do MMM. 212 Em tese, a modernização do ensino de Matemática nas escolas do Rio Grande do Norte, no período de 1950 a 1980, se deu principalmente pela divulgação do Método da Descoberta e do conteúdo Elementos da Teoria dos Conjuntos em Cursos de Treinamento para professores. Os livros didáticos de Matemática utilizados pelos professores de Matemática naquela época, no Rio Grande do Norte, foram aqueles divulgados em todo o país. Estes continham a então denominada “Nova Matemática”, principalmente o livro didático de Oswaldo Sangiorgi, que também contribuíram para a divulgação das idéias apregoadas pelo MMM. Os pontos acima levantados nos remetem a um outro aspecto até aqui não explicitado neste trabalho: o retorno da pesquisa àqueles que colaboraram direta ou indiretamente. Pensamos, a princípio, na possibilidade de levar aos professores de Matemática do Atheneu Norte-riograndense e aos professores formadores de Matemática do IFESP um projeto voltado ao contínuo aperfeiçoamento do professor, estabelecendo, inclusive, conexões com as propostas teórico-metodológicas de ensino de Matemática presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática, suas possibilidades e limitações na sala de aula, de modo que o professor seja movido a buscar conhecimentos suplementares, o que é gratificante e contribui para o seu aperfeiçoamento profissional. Sabemos que uma pesquisa nunca se encerra em si mesma, ela aponta para outras perguntas e novos estudos. E não foi diferente nesta investigação. O desvelamento de nosso problema de pesquisa suscitou uma série de questões, que já foram apontadas anteriormente, no decorrer deste trabalho. Nossa intenção, após a (in)conclusão deste trabalho, é permanecer na pesquisa a fim de respondê-las, preenchendo cada vez mais as lacunas existentes na História do Ensino de Matemática no RN. O que aqui queremos ressaltar, agora, é uma limitação que sentimos. De natureza geral, que não poderá ser resolvida em estudos posteriores, mas, talvez, amenizada, refere-se à inexistência de arquivos escolares. De um modo geral, no Rio Grande do Norte, a preocupação, quando existe, com a preservação de documentos é muito recente, dificultando, portanto, estudos voltados até a década de 90, do século passado. Diante do exposto, consideramos nossa pesquisa relevante e inédita, principalmente porque estamos tentando (re)constituir um pouco da realidade ainda 213 não historiada, contribuindo, assim, com a História do Ensino de Matemática do nosso país. 214 REFERÊNCIAS ALBERTI, Verena. Histórias dentro da história. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. 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Este roteiro foi utilizado durante a realização da entrevista com os seguintes narradores: Adalberto Jorge Vieira Pinto, João Faustino Ferreira Neto, Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis e Antônio Roberto da Silva. 1 Perfil do entrevistado 1.1 Nome 1.2 Idade 1.3 Estado Civil 1.4 Grau de instrução 2 Trajetória de vida estudantil 2.1 Onde você estudou? 2.2 Onde fez seu 1º, 2º e 3º graus? 2.3 Quem eram os seus professores de Matemática? 2.4 Como eles ensinavam? 2.5 Você se lembra o que era ensinado (sobre Matemática) na sua época? 2.6 Algum conteúdo foi significativo para você? 2.7 Que imagem você tinha (quando aluno) do que é ser professor de Matemática? 2.8 Em que aspectos essas lembranças contribuíram para que você construísse a sua prática docente? 224 3 Trajetória de vida profissional 3.1 O que lhe motivou a tornar-se professor(a)? E professor(a) de Matemática? 3.2 Que curso universitário você fez? 3.3 Por que você foi ensinar Matemática? 3.4 Quando foi ensinar Matemática, já era formado ou ainda cursava a graduação? 3.5 Em que escolas lecionou? Quais as séries? 3.6 Sentiu dificuldades quando começou a lecionar Matemática? Quais e por quê? 3.7 Como superou essas dificuldades? 3.8 Você planejava as aulas? Por quê? 3.9 Em que você se fundamentava para planejar suas aulas? 4 Questões sobre o MMM no RN 4.1 Você já ouviu falar em Movimento da Matemática Moderna? 4.2 O que você entende por MMM? O que foi esse movimento? 4.3 Em que momento da sua vida profissional o MMM fez parte? 4.4 Você participou do MMM? De que modo? 4.5 Você teve alguma preparação? Participou de algum curso? Onde? 4.6 Como foram convidados os professores para fazerem esse curso? Quem oferecia? Era obrigatório participar? 4.7 Lembra o nome de algum(a) professor(a) que tenha ministrado o curso? 4.8 Em que esse curso ou essa preparação contribuiu nas suas aulas de Matemática? 4.9 Em que o MMM ajudou ou dificultou no ensino da Matemática? 4.10 Quais os livros utilizados antes do MMM, e depois? 4. 11 Tiveram conteúdos que não eram ensinados e passaram a ser? Quais? 4.12 Houve mudança curricular? De que modo? 4.13 Mudou alguma coisa no seu fazer pedagógico, após ou durante esse movimento? O que mudou exatamente? 4.14 O que do ensino das décadas de 60 e 70 do século XX você considera que deveria continuar até hoje? E o que não deveria? 4.15 Aconteceram mudanças dessas décadas para a década atual? Quais? 4.16 Os livros didáticos no MMM ajudaram ou prejudicaram a divulgação das idéias desse movimento? 4.17 Qual sua posição em relação ao MMM no RN? Você foi favorável ou não? Por quê? 5 Considerações finais 5.1 O que você gostaria de falar que ainda não conversamos? 225 APÊNDICE B Roteiro de entrevista O roteiro de entrevista a seguir foi dividido em três partes: (1) perfil do entrevistado, (2) questões direcionadas à trajetória de vida profissional do Professor de Matemática Teófilo Canan e (3) considerações finais. Este roteiro foi utilizado durante a entrevista do narrador Bhaskara Canan. 1 Perfil do entrevistado 1.1 Nome 1.2 Idade 1.3 Estado Civil 1.4 Grau de instrução 1.5 Nome da sua mãe e irmãs 2 Questões sobre a trajetória de vida profissional do Professor de Matemática Teófilo Canan 2.1Por gentileza, fale-me o que o senhor sabe sobre seu pai, em relação a sua escolha em ser Professor de Matemática. 2.2 Ele serviu à Aeronáutica ao mesmo tempo que à Marinha? 2.3 Por que então dava aulas de Matemática? 2.4 Conseguia conciliar o tempo? 2.5 O senhor foi aluno da Escola Estadual Atheneu, na época que o seu pai era professor? 2.6 Em que ano foi isso? 2.7 Por que não foi aluno dele? 2.8 O professor Josafá Cordeiro foi seu professor? 2.9 Em que ano? 2.10 Como eram as aulas dele?Quais os conteúdos de Matemática que ele ensinava? 2.11 Qual o livro didático que ele utilizava? 2.12 O professor Josafá utilizava algum outro material didático, além do livro? 3 Considerações finais 3.1 O que o senhor gostaria de falar que ainda não conversamos? 226 APÊNDICE C Roteiro de entrevista O roteiro de entrevista a seguir foi dividido em quatro partes: (1) perfil do entrevistado, (2) questões relacionadas ao caderno da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque, (3) questões relacionadas ao Plano Experimental da Escola Primária para 1970 e (4) considerações finais. Esse roteiro foi utilizado durante a entrevista, por e-mail, feita à Professora Zélia Maria de Moura. 1 Perfil da entrevistada 1.1 Nome 1.2 Idade 1.3 Estado Civil 1.4 Grau de instrução 2 Questões relacionadas ao caderno da Professora Maria Nalva Xavier de Albuquerque 2.1 Foi a senhora que levou o caderno da Professora Maria Nalva para o Instituto Kennedy? Com qual finalidade? E por que para o Instituto Kennedy? 2.2 A senhora sabia que era um caderno, cujos registros eram de Matemática? 2.3 Em algum momento a professora Maria Nalva lhe externou gostar de Matemática ou de algum curso, com aulas de Matemática, que ela fizera? 2.4 Alguma vez ela fez referência ao Curso de Malba Tahan? 2.5 Ela lecionava? Ou trabalhava na SEEC/RN? Em que função? 227 3 Questões relacionadas ao Plano Experimental da Escola Primária para 1970 3.1 O que significa a sigla DAP? 3.2 Qual era, de fato, a sua função nesse Plano? 3.3 Como eram os recursos repassados para esse plano? Vinham da USAID? Já tinham chegado à SEEC/RN, por isso o plano foi executado? 3.4 Qual era a relação da SEEC/RN com MEC/USAID? 3.5 Até quando, no RN, chegaram recursos do MEC/USAID/INEP? 3.6 Nesse relatório do Plano Experimental consta que foram realizados dois cursos de treinamento para 14 professores, que aconteceram nos meses de março e julho. Quem foram esses professores? Por que 14? Como foram selecionados? 3.7 Em relação à Matemática, chamou-nos a atenção o fato de 8 das 26 aulas desse curso serem destinadas a ela. O fato é que também foi 8 o número de aulas destinadas à Linguagem. Assim, podemos concluir que Matemática tinha o mesmo peso dado à Linguagem nesses cursos de treinamento, que acima de tudo, desejava-se combater a problemática da evasão e repetência na escola primária? 3.8 Leonice de Medeiros Lima e Nancy Gomes dos Santos eram as coordenadoras do Plano Experimental. A senhora mantém contato com elas? Teria o e-mail delas para que eu pudesse entrar em contato? 3.9 Será que esses dois cursos de treinamento oferecidos foram suficientes para a formação desses professores? 3.10 Será que esses professores sentiam-se seguros para alfabetizar crianças? 3.11 Por que o número de aulas destinado à Linguagem era o mesmo número destinado à Matemática se, no final, os testes eram somente destinados à leitura oral? 3.12 Qual o conteúdo de Matemática lecionado aos 14 professores que fizeram parte das aulas do Plano Experimental? Quem eram os professores de Matemática desses 14 professores? 4 Considerações finais 4.1 O que a senhora gostaria de falar que ainda não conversamos? 228 APÊNDICE D Roteiro de entrevista O roteiro de entrevista a seguir foi dividido em três partes: (1) perfil do entrevistado, (2) questões relacionadas à sua trajetória de vida profissional e (3) considerações finais. Este roteiro foi utilizado durante a entrevista, por e-mail, feita ao Professor Francisco Canindé de Oliveira. 1 Perfil do entrevistado 1.1 Nome 1.2 Idade 1.3 Estado Civil 1.4 Grau de instrução 2 Questões relacionadas à sua trajetória de vida profissional 2.1 Na década de 1970, o senhor ensinava em que escolas? 2.2 Nessa década de 1970 já se falava nas escolas sobre o Movimento da Matemática Moderna? O que é que se falava? 2.3 O que significava Matemática Moderna naquela época para os professores de Matemática? 2.4 Como a Matemática Moderna chegou até vocês, professores? 2.5 Como era feita a escolha dos livros didáticos? 2.6 Qual o livro didático utilizado pelo senhor no Atheneu, em 1974? 2.7 O senhor conheceu os professores Teófilo Canan, Josafá Cordeiro e José Ivaldo? Fale, por gentileza, um pouco sobre eles. 2.8 Nos arquivos do Colégio Atheneu encontrei um diário de classe, do ano de 1974, que constavam os seguintes conteúdos que o senhor havia ministrado no 1º ano? Turma D: Relações binárias. Reconhecimento de uma função. Produto cartesiano. Função (identidade, constante, par, ímpar, linear, quadrática). Produtos notáveis. Quadrado da diferença. Adição, subtração e multiplicação de polinômios. Equação do 1º grau. Sistema de equações do 1º grau. Por que não foi ministrado, nesse ano, pelo senhor, Teoria dos Conjuntos? 3 Considerações finais 3.1 O que o senhor gostaria de falar que ainda não conversamos? 229 APÊNDICE E Roteiro de entrevista O roteiro de entrevista a seguir foi dividido em três partes: (1) perfil do entrevistado, (2) questões relacionadas ao Curso de Treinamento de Professores Leigos no RN, em 1965, bem como a questões relacionadas ao Plano Experimental da Escola Primária para 1970 e (3) considerações finais. Este roteiro foi utilizado, durante a entrevista feita à narradora Professora Nancy Gomes dos Santos. 1 Perfil da entrevistada 1.1 Nome 1.2 Idade 1.3 Estado Civil 1.4 Grau de instrução 2 Questões relacionadas ao Curso de Treinamento de Professores Leigos no RN, em 1965, bem como a questões relacionadas ao Plano Experimental da Escola Primária para 1970 2.1 O que a senhora pode nos dizer sobre o Plano Experimental (07 a 21 de março de 1970)? 2.2 Nesse relatório do Plano Experimental consta que foram realizados dois cursos de treinamento para 14 professores, que aconteceram nos meses de março e julho. Quem foram esses professores? Por que 14? Como foram selecionados? 2.3 Em relação à Matemática, chamou-nos a atenção o fato de 8 das 26 aulas desse curso serem destinadas a ela. O fato é que também foi 8 o número de aulas destinadas à Linguagem. Assim, podemos concluir que Matemática tinha o mesmo peso dado à Linguagem nesses cursos de treinamento, que acima de tudo, desejava-se combater a problemática da evasão e repetência na escola primária? 230 2.4 Esses dois cursos de treinamento oferecidos foram suficientes para a formação desses professores? 2.5 Será que esses professores sentiam-se seguros para alfabetizar crianças? 2.6 Por que o número de aulas destinado à Linguagem era o mesmo número destinado à Matemática se, no final, os testes eram somente destinados à leitura oral? 2.7 Qual o conteúdo de Matemática lecionado aos 14 professores que fizeram parte das aulas do Plano Experimental? Quem eram os professores de Matemática desses 14 professores? 2.8 A professora Zélia Maria de Moura, que era a técnica da DAP/INEP/USAID, no RN , de que modo contribuía para esse plano? O que significa a sigla DAP? 2.9 Como eram os recursos repassados para esse plano? Vinham da USAID? Já tinham chegado à SEEC/RN, por isso o plano foi executado? 2.10 Qual era a relação da SEEC/RN com MEC/USAID? 2.11 Até quando, no RN, chegaram recursos do MEC/USAID/INEP? 2.12 O que a senhora pode nos dizer sobre o Curso de Treinamento para Professores Leigos, cujo terceiro aconteceu entre 8 de janeiro e 26 de fevereiro de 1965? 2.13 A senhora conheceu as professoras de Matemática Célia Santos, e Avani Medeiros e Yolanda Lima Lobo?Onde as encontro? 2.14 No anexo do relatório há provas de Matemática. Quem as elaborava? 2.15 Por que bolsistas participaram do Programa de Assistência Brasileiro- Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), instalado na capital mineira em 1959? 2.16 Como eram esses cursos na capital mineira? Quanto tempo? No seu caso, estudou Matemática? 2.17 No seu retorno, teve que contribuir com alguma coisa? De que forma? 3 Considerações finais 3.1 O que a senhora gostaria de falar que ainda não conversamos? 231 APÊNDICE F Roteiro de entrevista O roteiro de entrevista a seguir foi dividido em três partes: (1) perfil do entrevistado, (2) questões relacionadas ao Curso de Treinamento de Professores Leigos no RN, em 1965, bem como ao MMM no RN e (3) considerações finais. Esse roteiro foi utilizado durante a entrevista feita à narradora Professora Teresinha Garcia de Melo. 1 Perfil da entrevistada 1.1 Nome 1.2 Idade 1.3 Estado Civil 1.4 Grau de instrução 2 Questões relacionadas ao Curso de Treinamento de Professores Leigos no RN, em 1965, bem como ao MMM no RN 2.1 Como a senhora se formou professora de Matemática? 2.2 Como recebeu o convite para lecionar no Curso de Treinamento para Professores Leigos? 2.3 O que a senhora pode nos dizer sobre o Curso de Treinamento para Professores Leigos, cujo terceiro aconteceu entre 8 de janeiro e 26 de fevereiro de 1965? 2.4 Por que bolsistas participaram do Programa de Assistência Brasileiro- Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), instalado na capital mineira em 1959? 2.5 Quando foi esse curso? Como surgiu o convite para a senhora participar? 2.6 Como eram esses cursos na capital mineira? Quanto tempo durava? 2.7 Era só Matemática? Quais os conteúdos? Tinha Didática da Matemática? 2.8 No seu retorno, teve que contribuir com alguma coisa? De que forma? 232 2.9 Qual era o programa de Matemática desenvolvido nesse curso? Como ele foi escolhido e por quem? 2.10 E teoria dos conjuntos, foi ministrado? 2.11 Como era a preparação de vocês para darem essas aulas? 2.12 Qual a metodologia de ensino utilizada? E a avaliação? 2.13 Por que o uso de flanelógrafo, quadros de equivalência de frações, círculos, metro, régua, fichas, cédulas e outros, nos dias que antecederam o encerramento? 2.14 Conheceu Donzídia Pereira Pinto, Célia Santos, Avani Medeiros e Iolanda Lima Lobo? 3 Considerações finais 3.1 O que a senhora gostaria de falar que ainda não conversamos? 233 APÊNDICE G CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL PARA A DOUTORANDA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE LILIANE DOS SANTOS GUTIERRE 1. Pelo presente documento, .........................................................................., brasileiro(a),............................................................estado civil.............................., ...............profissão..............................., carteira de identidade nº....................., emitida por......................................, CPF................................................., residente e domiciliado(a) em ........................................................................................................................... ........................................................................................................................... ............................................................................. cede e transfere neste ato, gratuitamente, em caráter universal e definitivo à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a totalidade dos seus direitos patrimoniais de autor sobre o depoimento oral prestado no dia ..................................................................................., na cidade do natal, perante a pesquisadora Liliane dos Santos Gutierre. 2. Na forma preconizada pela legislação nacional e pelas convenções internacionais de que o Brasil é signatário, o DEPOENTE, proprietário originário do depoimento de que trata este termo, terá indefinidamente, o direito ao exercício pleno dos seus direitos morais sobre o referido depoimento, de sorte que sempre terá seu nome citado por ocasião de qualquer utilização. 3. Fica pois a Universidade Federal do Rio Grande do Norte plenamente autorizada a utilizar o referido depoimento, no todo ou em parte, editado ou integral, inclusive cedendo seus direitos a terceiros, Brasil e/ou no exterior. Sendo esta forma legítima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses, assinam o presente documento em 02 (duas) vias de igual teor e para um só efeito. 234 APÊNDICE H , Ver CD-rom 235 ANEXOS 1 APÊNDICE H Nossa opção em colocar este apêndice no CD-rom deve-se ao elevado número de páginas que registram as transcrições1, na íntegra, das entrevistas feitas, por nós, aos nossos narradores, além de duas textualizações2 também realizadas. O objetivo da divulgação das referidas transcrições e textualizações é disponibilizá-las para possíveis consultas por pessoas que tenham interesse nesse estudo, pois nessas transcrições e textualizações há descritos os pormenores das entrevistas, que poderão contribuir, de forma significativa, para esses possíveis interessados. Além disso, divulgar essas entrevistas, na íntegra, vai ao encontro de uma investigação qualitativa de pesquisa, que norteou nosso estudo, como discorremos na parte 1 deste trabalho. Isto posto, este apêndice possui, além de uma lista de ilustrações e um sumário, sete transcrições de entrevistas realizadas com os nossos narradores, duas textualizações e a cópia da entrevista realizada, por e-mail, com o Professor Francisco Canindé de Oliveira. Gostaríamos, neste momento, de ressaltar que essa não se caracterizou como uma transcrição, pois as respostas dadas pelo professor foram escritas, por ele, após cada pergunta feita. 1 Após a realização de cada entrevista, ouvimos a fita gravada e realizamos a transcrição da mesma. Ouvimos novamente a entrevista e conferimos o que foi transcrito, a fim de corrigir possíveis erros. Posteriormente, conforme nos recomenda Alberti (2005), ajustamos a transcrição à atividade de leitura (gramática, ortografia, adequação da linguagem escrita ao discurso oral), bem como acrescentamos notas, que esclareceram passagens obscuras, além de esclarecermos ao entrevistado acerca da carta de cessão. Essa é um documento de cessão de direitos sobre a entrevista, a ser assinado pelo entrevistado. ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. 2 Explicamos o que entendemos por textualização na parte 5 deste estudo. 2 LISTA DE ILUSTRAÇÕES (APÊNDICE H) Figura 1 Feira do Alecrim – Natal/RN........................................................................... 115 Figura 2 Capas de alguns livros escritos por Manoel Jairo Bezerra............................ 117 Figura 3 Escola Estadual Padre Miguelinho................................................................. 118 Figura 4 Mapa com as ruas do Bairro do Alecrim – Natal/RN...................................... 120 3 SUMÁRIO (APÊNDICE H) 1 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor Adalberto Jorge Vieira Pinto..................................................................................................................... 4 2 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor João Faustino Ferreira Neto..................................................................................................................... 26 3 Transcrição da Entrevista realizada com a Professora Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis............................................................................ 36 4 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor Antônio Roberto da Silva..................................................................................................................... 43 5 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor Bhaskara Canan.......... 64 6 Textualização da Entrevista realizada com a Professora Zélia Maria de Moura................................................................................................................... 66 7 Entrevista realizada com o Professor Francisco Canindé de Oliveira.............. 70 8 Transcrição da Entrevista realizada com a Professora Nancy Gomes dos Santos.................................................................................................................. 72 9 Transcrição da Entrevista realizada com a Professora Teresinha Garcia de Melo..................................................................................................................... 88 10 Textualização da Entrevista realizada com o Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho pelos Jornalistas Tarcísio Gurgel e José Rebouças e pelo Professor Getúlio Maria Soares, no Programa Memória Viva – TVU.................. 110 4 1 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor Adalberto Jorge Vieira Pinto Entrevista realizada em 03 de julho de 2008 Liliane: Então, seu Adalberto, o senhor é Adalberto Jorge Vieira Pinto, a sua idade hoje? Professor Adalberto: 69 Liliane: Estado civil? Professor Adalberto: Casado, oficialmente casado. Liliane: O senhor é graduado em? Professor Adalberto: Em Engenharia Civil Liliane: Há muito tempo? Professor Adalberto: Quarenta anos. Sou da turma de 67, dezembro de 67. Liliane: Fez graduação na UFRN? Professor Adalberto: Sim. O curso era oferecido na Rua Mipibú, na escola antiga, a minha turma foi a última que assistiu aulas nesse local. Depois foi para o Campus Universitário Liliane: O senhor chegou a fazer alguma Pós-graduação? Professor Adalberto: Não Liliane: Como surgiu o seu interesse pela Matemática, quando cursava Engenharia Civil? 5 Professor Adalberto: O interesse primeiro foi pelo Curso de Engenharia. Eu desde criança só queria Engenharia, pois Engenharia é uma Ciência Exata, como Matemática, Física, que fazem parte do currículo de Engenharia, logo eu peguei as duas para ensinar: Matemática e Física. Época normal de vestibular e tudo mais, comecei a ensinar Matemática, antes mesmo de passar no vestibular. É uma curiosidade, pois eu era professor do Atheneu, lecionava para o terceiro ano do científico e fiz vestibular com meus alunos. Eu tive dois alunos que passaram e foram meus colegas de turma e se formaram comigo na Escola de Engenharia. Liliane: Como foi que o senhor chegou ao Atheneu? Professor Adalberto: O Atheneu vem aí, a parte da necessidade! Liliane : Em que ano? Professor Adalberto: Isso foi em 1962, 63, 64. Liliane: E o ano que o senhor fez o vestibular? Professor Adalberto: Vestibular em 61. Liliane: Então deu aula antes de 61? Professor Adalberto: Ah! Sim! Foi em 59, basicamente. Liliane: Como se chamava na época? Hoje é terceiro ano. Professor Adalberto: Era terceiro ano cientifico para Engenharia, para Direito já era concurso diferente, era Ginasial e Cientifico, depois foi que houve a reforma e mudou coisa e tal. Liliane: Mas o senhor dava aula no Atheneu e era aluno de que escola? Professor Adalberto: Eu já tinha terminado, no Atheneu. Liliane: Então o senhor estudou no Atheneu? Professor Adalberto: Sim, eu fiz o cientifico. 6 Liliane: E os seus professores lá, o senhor lembra, como eram? Professor Adalberto: Lembro-me. Tinha alguns professores. Liliane: Lembra o nome deles? Professor Adalberto: Clovis Gonçalves. Willian que acredito que é aposentado pela ETFRN, foi meu professor e meu colega de ETFRN, William, Evaldo, Liliane: E como eram as aulas deles? Algo que lhe chamava a atenção? Professor Adalberto: Não. As aulas eram tradicionais. O professor chegava, tinha um quadro negro, que não era negro, era verde e ele fazia a apresentação da matéria, e se fosse de Geometria ou Matemática, mesmo pura, fazia problemas, você resolvia e fazia a apresentação da matéria e passava atividades para casa para se resolver. Era como vinha sendo feito, como já era há muitos anos. Depois é que tomei conhecimento quando fiz um curso pelo MEC para poder ensinar. Liliane: Ah! Tinha um curso do MEC para poder ensinar? Como era esse curso? Professor Adalberto: Tinha que ter! Era diplomado! Ai eu freqüentei o curso. A inspetoria de ensino daqui, era o doutor Max Azevedo. Ele era o inspetor federal do ensino. Ele convidava professores de fora, para dar aulas aqui. Professores do Rio, de Pernambuco, de Alagoas. A gente fazia esse curso e depois prestava exame, tinha uma banca examinadora para o MEC poder dar a carteirinha. Liliane: Fale sobre Max Azevedo. Professor Adalberto: Max Azevedo foi inspetor de ensino anos e anos, acho que se aposentou sendo inspetor de ensino aqui no RN. Liliane: Então era ele que organizava esses cursos? Professor Adalberto: Era ele era o representante do Ministério aqui. Liliane: E aconteciam aonde esses cursos aqui? 7 Professor Adalberto: Aconteciam, acredito que, na Fundação José Augusto. Incrível foi que eu fiz esse curso num ano e no outro ano fiz concurso para a ETFRN e com mais um ano comecei a dar esse curso, comecei a ser professor desse curso. Liliane: Quer dizer ajudar a formar professores? Professor Adalberto: Exatamente, é tanto que quanto o professor Max me convidou, eu questionei: “- professor Max o senhor não está me achando muito novo, para começar a dar essas aulas para gente de cabelo branco”. Ele sorriu e disse-me: ”te conheço, já sei o seu histórico todinho, vai dar certo!” Liliane: E o que era oferecido nesses cursos? O que vocês assistiam? Professor Adalberto: Eram aulas teóricas de Matemática, eu fiz Física e Matemática. Tinha as duas licenciaturas, eram aulas, tinha um curso intensivo, durante 30 dias. Matemática era só Matemática, para você se graduar. Liliane: E era um ano? Professor Adalberto: Não, era um curso intensivo acho que era aproximadamente trinta, sessenta dias, era nas férias. Esse curso era basicamente para quem tem a base todinha, era um curso para quem era professor se qualificar, eu já era professor, por exemplo para fazer concurso na ETFRN eu tinha que ter esse curso da qualificação, até então eu era professor porque dava aulas só. Liliane: E esses professores que vinham do Rio, de Pernambuco, enfim, o senhor lembra de algum nome, em especial? Professor Adalberto: Lembro não, já faz muitos anos. Liliane: Vamos retomar nossa conversa sobre o Atheneu. Sobre seus professores Clovis Gonçalves, William e Evaldo, o senhor lembra dos livros utilizados por eles? Lembra de algum ou tem algum? Professor Adalberto: Basicamente um livro muito usado era o de Osvaldo Sangiorgi. 8 Liliane : Isso em 59? Professor Adalberto: Em 59. 60, 61 Liliane: Quando o senhor era aluno? Já usava o livro de Sangiorgi? Professor Adalberto: Já usava Sangiorgi. Esse livro persistiu por muitos anos. Eles foram modernizados porque naquela época um livro passava de irmão para irmão; não fazia exercício, era um livro texto especifico da matéria ficava para meu irmão, depois para minha irmã, a família toda usava. Hoje é meio difícil, acho que é um dos erros isso, principalmente para as pessoas pobres, todo ano muda esse livro. Liliane: O senhor foi convidado a participar desse concurso do MEC ou o senhor foi de livre e espontânea vontade, porque o senhor queria dar aulas? Professor Adalberto: De livre e espontânea vontade. Liliane: Viu publicado? Como foi? Professor Adalberto: Não lembro, mas acredito que, pelos corredores da faculdade, se sabe de tudo isso. Foi um outro colega meu, Luiz Fernando, tinha Engenheiro fazendo, Roberto, tinha um professor de escola meu que fez conosco, exatamente, para melhorar. Não fez para dar aulas, ele era professor da Escola de Engenharia, Roberto Guimarães. Liliane: Em Didática eles ensinavam novas metodologias? Professor Adalberto: Todas tinham a cadeira de Didática da Matemática. Liliane: O tinha de novo? Vocês davam aulas utilizando esse novo? Tinha diferença do que vocês faziam? Professor Adalberto: Sentia! Na aprendizagem, sem modesta alguma, eu era mais ou menos era tido como bom professor, acredito que tudo isso, esses cursos que a gente via que vai abrindo os horizontes da gente. Liliane: E o livro continuou o mesmo, mesmo depois desse curso? 9 Professor Adalberto: Ai, eu não lembro. Liliane: O senhor não guarda nada dos cursos, livros dessa época, nem fotografias? Professor Adalberto: Tenho não Liliane: Já em 1965, quando o senhor foi dar aula EFTRN, o senhor foi baseado nessa construção, chegava, dava aulas do mesmo jeito que dava no Atheneu, buscando melhorar ou não? Professor Adalberto: Não, quando cheguei fiz o concurso pra ETFRN, já tinha feito o curso do MEC. Liliane: Mas as suas aulas continuaram de que modo, metodologicamente falando? Professor Adalberto: O curso do MEC foi um divisor de águas, eu já fazia até estudo dirigido! Liliane: Assim que vocês chegaram no CEFET, as pessoas que recebiam vocês, os orientaram? Como foi escolha do livro para estudar? Professor Adalberto: Acredito que isso ai, era decidido em conjunto porque o livro era um só. Liliane: E continuava sendo Osvaldo Sangiorgi? Professor Adalberto: Não lembro. Liliane: Na ETFRN, o senhor não lembra do livro que o senhor utilizou? Professor Adalberto: Não na ETFRN não lembro o autor Liliane: Quantos anos o senhor ficou lá? Professor Adalberto: Na ETFRN, no mínimo oito anos. Liliane: Lembra de algum livro que o senhor usou mesmo sendo mais recente nesses últimos anos? Os autores? 10 Professor Adalberto: Não lembro. Liliane: Mas usava livros? Professor Adalberto: Usava, deixei de ensinar em 73. Liliane: Aposentou-se? Professor Adalberto: Não, me formei e montei uma construtora e ensino você tem que ser exclusivista, se eu tiver um cargo técnico, se eu chegar nove horas ou dez, eu faço meu trabalho, aula não. Sete e quinze eu tenho que chegar, senão fica ali trinta, quarenta pessoas sem fazer nada. Liliane: Então o senhor pediu demissão? Professor Adalberto: Pedi! Foi a maior burrice. Todo mundo querendo entrar! O concurso público fez comigo Evaldo, William uns quatro a cinco engenheiros e eu era o único estudante. Liliane: Só tinha uma vaga? Professor Adalberto: Só uma, ficou comigo. Fiz uma monografia e uma aula ao vivo, na ETFRN, isso foi feito no período de aulas. As provas práticas eram uma aula, com o conteúdo sorteado. Liliane: Qual foi o seu tema o senhor lembra? Professor Adalberto: Foi Geometria. Dei uma aula sobre Geometria e no outro dia você vai dar uma aula para uma banca, e os alunos ali. Eu fui o único que consegui tirar um aluno que era tímido, do lugar, mas ele foi ao quadro negro e ele acertou foi aí que eu tirei o primeiro lugar, porque ninguém conseguiu isso, psicologia assim de olhar o menino que você acha que ele está pegando as coisas, não fica olhando para um e outro, eu dei sorte. Liliane: Mas, quantos alunos tinham ali? 11 Professor Adalberto: Era uma classe normal, uma sala de aula normal, trinta alunos, aproximadamente. Liliane: Lembra se já estavam concluindo? Professor Adalberto: Não era concluinte, acredito que era uma turma do primeiro ano cientifico. Esse concurso foi feito no prédio que nem era o da ETFRN, foi na Escola Industrial de Natal que era na Avenida Rio Branco, aquele prédio bonito. Liliane: E como era esse trabalho que tinha de apresentar essa monografia? Era uma prova escrita e ainda tinha que apresentar? Professor Adalberto: Não, a prova escrita era a monografia, eram três, uma prova de título, eu só tinha um título de professor, porque eu só tinha feito o curso do MEC e tinha passado no vestibular. Eu preparei a minha monografia que era a prova escrita. Foi sobre os teoremas fundamentais, hoje tem até um livro teoremas fundamentais é um teorema básico que você deduz outros teoremas, então eu fiz, peguei um colega lá do curso para fazer uma capa bonita com figuras geométricas, a gente pegou os professores mais antigos, eu fiz um programa teoremas fundamentais. Liliane: O senhor tem a cópia da monografia? Professor Adalberto: Não! Já procurei. É como agulha em palheiro. Liliane: Seria tão interessante se o senhor a tivesse! Professor Adalberto: Sabe, eu deixei de ensinar e a gente para guardar como recordação, daí se muda, se casa, tinha tudo apresentação, com tudo. Liliane: O senhor inicia as aulas na ETFRN e já começa a dar aulas? Professor Adalberto: Comecei em 65 mesmo. Liliane: E foi até 73, pediu afastamento do cargo, porque fez essa outra opção. Pediu para sair? 12 Professor Adalberto: É. Tanto que, quando fui lá, o diretor ficou pasmo, pois todo mundo querendo entrar na ETFRN, pois a ETFRN pagava melhor que a Universidade e, eu queria deixar, eu digo não é só isso, se fosse só isso eu não deixaria, olhe eu tenho consciência que ensino é exclusividade, não tem como você seguir dois, três ao mesmo tempo. O diretor me disse: “- rapaz, não deixe não, você está no rol. A ETFRN sempre teve bons professores e você é um dos bons aqui e a escola precisa de você, já que você sabe disso”. Então eu não queria estragar isso, eu queria deixar uma porta aberta, se amanhã ou depois eu precisasse essa porta ainda estaria entre aberta eu não vou estragar. Liliane: O senhor lembra, nessa época, alguma coisa sobre pessoas ou talvez nesse curso ou mesmo na própria ETFRN sobre a Matemática Moderna, que foi muito comentada no final da década de 60, no inicio da década de 70? Professor Adalberto: Mas, exatamente, esse divisor de águas esta dentro! Os autores eles também se reciclaram, de matemática também se reciclaram, então até a maneira a apresentação de determinadas matérias, que era de um jeito passou a ser de outra, foi por aí que tudo começou a mudança. Eu falei de postura na sala de aula, mas não é só por aí, não, o próprio conteúdo de Matemática, não é que o conteúdo mudou, mas a forma de apresentar, conjunto, por exemplo: o livro trazia uma noção diferente era quase literária, conjunto é um grupo de elementos, eles faziam ... vinham com desenhos, mostrando conjunto, a união de dois conjuntos, não sei quê! Está entendendo? A interseção de dois conjuntos, então visualmente mais bonito. Liliane: Então no curso do MEC o senhor já estudou essa nova matemática? Professor Adalberto: Ah! Sim, já. Liliane: E antes desse curso o senhor não tinha esse olhar? Professor Adalberto: Não, tinha não. Liliane: Mas como o senhor dava conjunto antes de fazer esse curso? O senhor dava conjuntos? 13 Professor Adalberto: Dava, conteúdo não muda é um só. Liliane: Só a forma de se apresentar e a questão de ordem o senhor lembra se ele apresentou diferente? Professor Adalberto: Já tinha a Matemática Moderna. O autor do livro estuda, ele tem que evoluir, ele tem que botar a edição, que sempre teve no livro, mas sempre vinha com novidades ai é que começou a mudança inclusive nos livros, na apresentação da matéria. Liliane: O senhor não tem nenhum livro dessa época? Professor Adalberto: Não tenho nada. Liliane: Matemática Moderna o senhor ouviu falar pela primeira vez, nesse curso? Professor Adalberto: Já foi depois do curso. Liliane: Depois do curso! Professor Adalberto: É depois dele. Liliane: Lembra de alguma coisa no CEFET, especificamente, que se falava em Matemática Moderna, entre os professores? Professor Adalberto: Não, são muitos anos! Liliane: Seria mais, nos próprios livros! Professor Adalberto: São mais de trinta de anos! Liliane: Aqui em Natal o senhor lembra de algum movimento acerca da MM? Professor Adalberto: Não, de nada, não lembro pode ter havido, mas não participei. Liliane: Então, quer dizer que o senhor percebeu a MM no próprio livro? 14 Professor Adalberto: Na apresentação do livro, o conteúdo visualmente era mais agradável, essas coisas, trazia figuras, enfim chamava a atenção inclusive, exemplos eram dados com figuras geométricas, mostrando-as. Liliane: Aí o senhor percebeu a MM e do modo como estava nos livros a teria dos conjuntos compreendia melhor? Ou não? Professor Adalberto: Aí é polêmico, não é por ai, o aluno compreende melhor quando o professor o faz compreender melhor, a chave do aluno compreender melhor ou pior é o professor, não tem outra maneira, pode ser arcaico, moderno de ultima geração. É o professor, o professor é a célula. O que é o professor? É sacerdócio! Pode ficar certa, o Brasil ainda não descobriu isso, no dia que descobrir essa situação vai melhorar. É o professor! Não existe livro, não existe nada, eu posso preparar um mês de aula sem nem ter livro e os alunos aprendem tudinho. Eu tive bons professores e tive também mais ou menos e ruins professores, todo mundo teve, não é verdade? E os bons, têm maneira diferente de falar, comportamento. Até mesmo eu peguei professor na Escola de Engenharia de se vangloriar, que deixava a metade da turma na 2ª época. Esse é o bom professor? Não! Ele é péssimo! Aquilo é o espelho dele! Porque tudo na vida é média, ninguém é bom porque reprova, professor que reprova muito ele está fora da média, ele é que não tem a capacidade de abrir a cabeça do aluno, para mim tudo é coisa do professor, não é livro, não é nada, sempre tive essa visão e continuo com ela. Liliane: E quando o senhor dava aulas? Seus alunos ficavam em 2ª época? Professor Adalberto: Ficavam! Liliane: O que o senhor fazia nessa situação? Professor Adalberto: Eu tenho a consciência muito tranqüila nisso, já eu na ETFRN, eu morava na Rua Rui Barbosa, perto da ETFRN , chegava aluno meu e dizia: “-Quero falar com o professor Adalberto! Eu respondia: -Pois não! “-Olhe professor, fiz a sua prova final, (eu não deixava nem em dependência ou em 2ª época), eu estou precisando de meio ponto, um ponto... Eu dizia: “- Você estava precisando, porque eu não vou medir, ninguém mede o conhecimento com 3,5 ; 15 5,6.... “ Eu já fui para 2ª época por causa de meio ponto, eu acho isso um crime. Liliane: Mas tinha aluno que era reprovado? Professor Adalberto: Tinha, a pessoa tem uma classe com 30, 40 alunos é impossível você ter homogeneidade, todo mundo dá show, não dá, sempre vai ter os bons, muitos bons, os médios que passam ali se espremendo, às vezes são até inteligentes, mas estudam pouco, mas ele passam no final do ano, ele cumpre, que para mim é bom, passou e tem aqueles que ficam no “ ferrão”, quantas vezes eu cheguei na 2ª época e pegava, vamos supor 6, 7 alunos, me faz esse trabalho para casa eu vou fazer a prova oral sobre ele. Você vê que é uma coisa honesta, porque o que eu vou perguntar, está dentro do exercício, enfim eu dirigia aquele trabalho no que era essencial porque tudo termina em bá, bá ,bá.... No ginasial o que é essencial? Equação do 2º grau! Eu passava aquele trabalho de casa, isso aqui vai ter peso x, o peso da prova será outro, agora eu vou tirar daqui de dentro, mesmo assim tinha aluno que não passava, porque ele copiou de outro, não estudou, não fez nada; eu botava a nota dele porque ele fez o trabalho, mesmo assim não dava para ele passar, porque ele tinha de ir ao quadro e mostrar o que aprendeu, mas a maioria passava. Vamos supor de uma turma de 40, ficavam 12, então desses 12 passavam 8, ficavam 4, não tem como não ficar por mais que você queira passar chega um ponto! Fulano, vou fazer as perguntas e ele não responde, faça o seguinte o que é que você sabe? Não estou aqui para te reprovar. É professor, não sei de nada. Então não pode passar, aqui é para quem sabe alguma coisa! Isso tem, toda classe tem, não tem como você ter 30 alunos e todos passarem por média. Liliane: O senhor dava aulas para que curso? Ali eram todos os cursos? Era logo nos primeiros anos, para aqueles alunos que entravam? Professor Adalberto: Não, variava muito, podia ser do 1º, 2º, 3º, não tinha só um professor de Matemática, eu dava aulas para aos cursos de Geologia, Estradas, Edificações. Liliane: Era de manhã e a tarde em sala de aula? 16 Professor Adalberto: Não, eu só pegava um expediente, inicialmente foi à noite, depois mudou, depois que eu deixei o Atheneu e o município, passei a dar aula pela manhã. Liliane: Então quer dizer que no Atheneu foi um convite não foi concurso e no município também? Professor Adalberto: Naquela época era como hoje, fazia concurso, mas a deficiência de professores era grande, faltava professor de Química, Física e Matemática, aí pega uma pessoa e coloca ali, para não deixar o aluno sem fazer nada, é melhor ter um professor que não tenha concurso, do que não ter nada. Liliane: Então o senhor era estudante do científico, quando começou a dar aulas ali no Atheneu? Professor Adalberto: Era. Liliane: Teve que fazer alguma seleção para mostrar que sabia o conteúdo? Professor Adalberto: Não, era de confiança do diretor, não tinha nada. Liliane: O senhor lembra desse nome, Josafá Cordeiro, professor que deu aulas no Atheneu? Professor Adalberto: Josafá foi meu amigo. Liliane: Fala-me dele. Professor Adalberto: Josafá era uma figura, era do meu tamanho ou mais baixo, eu já não sou grande, não sei se Josafá deu aula na Escola Doméstica, maneiroso, uma pessoa agradável, educada. Liliane: Ele deu aulas na mesma época do senhor lá no Atheneu? Professor Adalberto: Deu e acredito que depois deu aulas na Escola Doméstica. 17 Liliane: Vocês chegaram a conversar sobre conteúdos da Matemática Moderna? Ou não? Professor Adalberto: Conversando eu não me lembro não, desses conteúdos aí faz muitos anos. Liliane: Não teve mais notícias dele? Professor Adalberto: Na ETFRN, acho que teve um professor Isaías, professor de Matemática, é que são mais de 30 e poucos anos, não é brincadeira. Liliane: Não teve mais notícias de Josafá? Professor Adalberto: Não vi mais, Natal cresce. Liliane: Parece que ele foi para o Recife, parece que faleceu há uns dois anos! O senhor lembra de mais algum colega seu dessa época de Josafá? O senhor lembra o nome? Professor Adalberto: Não. Liliane: O senhor falou em conjunto, quando falei em Matemática Moderna, teria existido algum outro conteúdo que lhe chamava a atenção, nessa época, que os livros... chamavam mais atenção para ser dado? Professor Adalberto: Não, falei conjunto assim porque trabalha com figuras. Matemática Moderna a representação o simbolismo passou a ser um pouco diferente a simbologia. Liliane: Mas o senhor fez algum Curso para Matemática Moderna? Professor Adalberto: Não. Liliane: O professor Evaldo disse, em uma das entrevistas, que ele foi convidado para ir ao Recife para fazer um curso de Matemática Moderna, por isso estou lhe perguntando para ver se houve alguma repercussão quando ele voltou, mas estou vendo que não. Porque não chegou até vocês? 18 Professor Adalberto: Não chegou, o que fiz pela ETFRN foi um curso em Bauru, sobre Iniciação de Computadores, naquela época estava se falando em computadores, aqui não tinha computação e a escola ia recebê-los, fomos indicados para fazer esse curso na Fundação Bauru, eu e o professor René, que era professor da ETFRN também, viajamos juntos e fizemos Iniciação aos computadores digitais, um negócio assim, era um assombro não existia computadores, nós passamos uns vinte dias em Bauru, mas os computadores não chegaram. Liliane: Foi financiado pela ETFRN? Professor Adalberto: Foi a mando da ETFRN, para a agente ter uma idéia para quando os computadores chegaram, a gente iria iniciar o pessoal a finalidade era essa, mas isso não aconteceu porque os computadores não chegaram. Liliane: Lembra do professor Teófilo Canan? Professor Adalberto: Canan era uma pessoa idosa. Liliane: Ele deu aulas no Atheneu, na sua época? Professor Adalberto: Não, a mim não. Canan é pai de Bhaskara, um colega meu do SENAI, acho que Bhaskara é biólogo. Contatei o professor Canan, quando eu estava fazendo o terceiro ano do científico, para dar-me umas aulas particulares, para ele me deixar no ponto, não era nem vestibular, era o básico para estudar para o vestibular, aquilo que é oferecido nos cursinhos. Liliane: E ele lhe ajudou? Professor Adalberto: Sim, ele dava aulas todos os dias e eu pagava as aulas a ele, aula particular. Liliane: O senhor ia a casa dele? Professor Adalberto: Ia a casa dele. Liliane: Onde era a casa dele? 19 Professor Adalberto: Se não me engano, era na Floriano Peixoto, já no final. Posso estar enganado, tenho 40 anos de formado. Liliane: Por que o senhor o escolheu para ser o seu professor de aula particular? Professor Adalberto: Porque ele era conhecido, muito conhecido, professor Canan, bom professor. Liliane: O senhor o conheceu no Atheneu? Professor Adalberto: Não, o conheci mesmo dando aula para mim, assim aula particular. Liliane: como o senhor soube que ele dava aula particular? Professor Adalberto: Ah! Natal era desse tamanho [pequena], todo mundo sabia tudo... Liliane: Ele era professor de Matemática? Professor Adalberto: Não tinha 200 professores, não! Naquela época tinha 5, 6 professores de Matemática. Liliane: E ele tinha um jeito bom de ensinar? Professor Adalberto: Tinha, era prático, ele ia ao objetivo, não perdia muito tempo, passava problemas, problemas, botava na cabeça, era realmente isso que queria para me preparar para estudar para o vestibular. Liliane: O senhor entrou em 61? Professor Adalberto: Foi. Liliane: E o senhor não tem nada, livro que ele usava? Professor Adalberto: Não lembro. Liliane: Será que era só Sangiorgi mesmo? 20 Professor Adalberto: É capaz de ser e teve depois um livro que a gente indicava muito, o do Ari Quintela. Liliane: Será que é esse mesmo, que vocês usavam quando davam aulas? Professor Adalberto: Ari Quintela, também. Liliane: O senhor, enquanto professor, percebeu a MM por meio das diferenças apresentadas nos livros, na edição. Quem escolhia esses livros para vocês darem aula? Eram vocês mesmo? Professor Adalberto: Olhe, a indicação vem do Ministério, sempre foi até hoje acredito que seja assim na rede pública é o Ministério. Você pode até... O livro texto é aquilo e se você quiser tira de outro livro, leva para os meninos e daqui, o livro é do MEC. Liliane: As suas provas escritas sem ser as orais, o senhor já falou nas orais, mas quando o senhor aplicava as provas escritas para os alunos o senhor fazia assim como estava no livro, fazia parecido como estava no livro, quando o senhor elaborava as provas? Professor Adalberto: Não, igual ao livro não deve se colocar, porque não tem sentido, às vezes eu pegava um problema que foi resolvido na classe e botava para saber quem estava estudando, são artimanhas que a gente faz. Prova você elabora perguntas vamos supor uma parte de perguntas para ver como ele esta na oralidade da coisa e a parte de exercícios, você, lógico, tinha que elaborar para ser honesto com o aluno, o mais fiel ao conteúdo do livro, porque se não você queria arrumar uma arapuca para ele, você não bota igual, porque igual está no livro, mas você não pode fugir daquilo não. Por que senão o aluno diz que o professor não falou naquilo não, eu botava semelhante e às vezes, do texto. É o seguinte, porque para mim o bom professor é aquele que aprova, mas aprova ele sabendo, ele tem que saber e eu era muito duro como eu estudei eu queria que todo mundo estudasse, agora não procurei fazer injustiças por causa de meio ponto, um ponto. Liliane: Só quando não dava mesmo? 21 Professor Adalberto: Agora o aluno diz não sei de nada! Não tem como você aprovar. Liliane: O senhor saiu da ETFRN em 73, nunca mais voltou para a sala de aula? Professor Adalberto: Não. Liliane: Sentiu saudades? Professor Adalberto: Senti. Liliane: Nem aulas particulares? Professor Adalberto: Não, porque não tive tempo, pois como Engenheiro, montei uma construtora e deu certo, toma conta da gente, o orçamento ficava até duas horas da manhã, hoje o computador faz em até uma hora. Liliane: Interessante que na época do concurso da ETFRN, aceitavam Engenheiros, além de matemáticos para fazer o concurso? Hoje em dia não! Professor Adalberto: Não, Engenheiro não podia fazer. Só se tivesse a carteirinha do MEC, só professor aprovado no Mec podia fazer concurso público. Liliane: Tinha que ter essa carteirinha? Professor Adalberto: A carteirinha era sua licença para ensinar. Liliane: O curso era tão curto! Professor Adalberto: Não era pequeno não! Veja bem esse curso era feito, por professores de Matemática, ninguém ia aprender conteúdo não, eles davam o conteúdo para ver o nível de cada um, se não tem nível então não vai, o Ministério não vai te dar, mas não era aquilo, se eu só fosse Engenheiro eu não fazia o curso tinha que ser professor, eu tinha que ser estudante de Engenharia e professor isso ai era para qualificar o professor. Liliane: fale-me mais sobre os cursos do MEC. 22 Professor Adalberto: Os professores da rede pública vinham de Macaíba, Paus dos Ferros, as escolas mandavam os professores daqui para esses cursos era para reciclar esse povo. Liliane: E quanto tempo o senhor deu essas aulas? Professor Adalberto: Acho que uns 3 a 4 anos. Liliane: Sempre nas férias. Professor Adalberto: Eu deixei porque eu não tinha férias, nas férias ao em vez de passear, ir ao Rio, eu era jovem e estava dando curso. Liliane: O senhor não lecionava Didática, só Matemática? Professor Adalberto: Só conteúdo, quem dava Didática era João Faustino. Liliane: E essa Matemática era baseado no livro de Sangiorgi? Professor Adalberto: Não lembro. Liliane: E algum conteúdo ainda lembra? Professor Adalberto: Não, o conteúdo era vamos supor, professor do Ginásio era um, do Cientifico era outro, professor do Ginásio, as matérias mais importantes Equações, todas as Equações, Trinômio, aquelas coisas todas do Ginásio, na época 1º grau, se fosse para o 2º grau era matéria do 1º, 2º e3º ano cientifico Liliane: Era quadro e giz? Professor Adalberto: Não. A gente fazia estudo dirigido, a gente fazia estudo em grupo, aí eu já tinha feito outro curso lá. Liliane: Ai já aplicava? Professor Adalberto: Já aplicava. Liliane: Eles vinham do interior do Estado? 23 Professor Adalberto: Vinham do interior do Estado e daqui também. Eu tinha uma colega, ela veio do interior, aí foi que eu vi quanto era deficiente o ensino do interior, ela veio fazer esse curso de Matemática e ela não passou, agora ela tinha idade de ser minha mãe, fiquei constrangido. Liliane: Então tinha uma aprovação final? Professor Adalberto: Tinha. Liliane: Tinha uma avaliação para saber se era aprovado ou não? Professor Adalberto: Se não fosse tinha que refazer o Curso. Liliane: Quantas vezes fossem necessárias ou não? Professor Adalberto: Quantas vezes fossem necessárias. O importante era qualificar o professor, era aquela estória que digo tem que ter conteúdo mínimo, para você conseguir. Ela chegou falando como uma mãe fala com o filho. Eu fiquei tão constrangido eu não esqueci um bocado de coisa, mas a finalidade era melhorar o professor, aí foi que vi como era deficiente o ensino do interior, o da capital já era melhor. Liliane: O senhor citou Pau dos Ferros? Professor Adalberto: Veio aleatoriamente, acredito que vinham também do entorno de Natal. Liliane: Eles ficavam aonde? Professor Adalberto: Não sei, hotéis, pensões esses detalhes não lembro. O MEC tinha verba anual para isso. O professor Max que gerenciava tudo isso, montava a secretaria para o curso. Liliane: Lá na Fundação, onde hoje é a Fundação José Augusto? Professor Adalberto: Era lá! 24 Liliane: Foi até quando esse curso? Professor Adalberto: Eu não sei. Liliane: Será que em 73 quando o senhor se afastou ainda existia? Professor Adalberto: Acredito que sim, porque eu dei uns três a quatro anos, o dinheiro era bom. Mas nesses anos deixei de dar um passeio, logo pedi para me substituírem e garanti que meu substituto não ia dar nenhum problema, gostariam que aceitassem minha indicação, indiquei Maurílio, ele foi meu colega de turma, bom professor, ensinou também no Atheneu. Um dia desses encontrei com o professor Max ele disse-me: “- Professor Adalberto Jorge, eu já deixei de ser professor tantos anos” Eu e meu professor conversamos ali pegando umas laranjas, essas coisas todas no supermercado, deixei Maurílio Mariano em meu lugar não sei quanto tempo ele passou. Liliane: Se afastaram? Vocês não se encontram mais? Professor Adalberto: Maurílio eu o encontrei, pois fazia Engenharia comigo. Mas 40 anos de formado, foi ele que deixei em meu lugar, tenho certeza que ele saiu brilhantemente fez o concurso da Petrobrás passou e na própria Petrobrás foi ensinar. Liliane: Mesmo o senhor tendo se afastado da Matemática em 73, já faz 35 anos. O senhor acha que mudou muita coisa de lá para cá? Professor Adalberto: Mudou, sempre muda! Liliane: O senhor acha que mudou positivamente? Professor Adalberto: Não sei se foi para melhor ou pior, não sei, Denise é professora e eu sempre converso com ela. Você não tem fórmula mágica, enquanto Cristóvão Buarque disse uma grande frase, se gasta muito pouco na educação, educação tem que gastar com esforço, como uma guerra, esforço de guerra quando é brigar se acha recursos de todas as maneiras e se gasta muito pouco com a educação, então a população aumenta e a coisa não cresce na mesma medida que 25 a população cresce. Eu tenho as minhas dúvidas se hoje a ETFRN oferece a mesma qualidade quando ensinei em 73, eu tenho as minhas dúvidas, era porque eu estava lá? Não, não é isso! Todo mundo precisa de dinheiro, eu tenho minhas dúvidas se houve melhora, em algumas áreas houve, outras não, citando a ETFRN será que o nível hoje é igual, eu acho que não, agora é fácil saber quanto eles ganham hoje, ai faz a correção, nós ganhávamos 21 salários mínimos, tenho certeza que eles não ganham, nem parecido, hoje em dia, porque Marcone, professor de Matemática foi trabalhar no Ministério e foi diretor e professor da escola quando eu já tinha deixado logo depois e me encontrei com Marcone e foi exatamente em cima disso 8715,00 eles ganham parecido? Nem a metade como é que vai melhorar a qualidade? Ganhávamos mais que um professor da Universidade. Liliane: Tem alguma coisa que a gente não conversou que o senhor gostaria de falar? Que eu ainda não tenha perguntado, que o senhor acha importante? Professor Adalberto: O importante foi esse divisor de águas o curso e o atual, que a qualidade de ensino está mais comprometida que naquela época, porque o país cresceu, a população aumentou e a estrutura educacional não acompanhou o salário, e passa por muitas coisas, a gente está falando do professor e tudo, um diretor de uma escola deveria ter um perfil da escola dele, se não for assim não dá certo, tem umas ilhas que uma vez por outra você vê nos jornais, ilhas de sabedoria, aqui mesmo no RN, tem escolas, pode ver que o diretor faz dela a sua casa ele faz por amor, a causa ele ganha, mas infelizmente ele não ganha o suficiente para fazer isso. Liliane: O negócio não anda! Professor Adalberto: Nós temos exemplos de escolas públicas e boas aqui, mas são exceções, mas só vai melhorar quando a exceção passar a ser regra, aí melhora enquanto isso. Liliane: Muito obrigada! 26 2 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor João Faustino Ferreira Neto Entrevista realizada em 25 de julho de 2008 Liliane: Após a gravação da entrevista, precisarei da sua carta de cessão para autorizar a divulgação da entrevista. O senhor está vindo eventualmente à Natal? Professor João Faustino: Todo final de semana aqui você poderá obter minha assinatura. Eu tinha uma publicação de Matemática aqui, sobre o ensino pelo rádio, Matemática pelo rádio. Eu ensinei matemática pelo rádio. Talvez o relato dessa experiência seja útil para o trabalho de vocês. Liliane: Na Escola Radiofônica? Professor João Faustino: Na Escola Radiofônica. Preparava os alunos para o Exame de Madureza, naquela época já denominado supletivo. Eu me considerava como um mágico. Porque você se vê num estúdio de rádio e ao mesmo tempo você imagina uma população enorme, em casas pobres de taipa, de barro, captando apenas as ondas daquele rádio. Essas pessoas se prepararam para o exame e muitas foram aprovadas, algumas até fizeram outros exames e concluíram o curso superior. Então esse foi o grande desafio da minha história como professor de Matemática. Liliane: Mas professor, antes disso, como é que começou seu interesse pela Matemática, naquela época, de adolescente... Professor João Faustino: Meu irmão mais velho era estudante e era um aluno brilhante do colégio Marista, ele ensinava Matemática e eu comecei a gostar de Matemática. Passei a ensinar aos meus amigos, as pessoas com deficiência na aprendizagem de Matemática, vizinhos, colegas de turma e pessoas que não tinham ainda, nem a alfabetização completa. Assim, comecei a me motivar pelo ensino da Matemática. Até que meu irmão, na época, passou no 1º lugar no concurso para 27 Oficial da Aeronáutica e aí alguém tinha que substituí-lo, exatamente no Seminário de São Pedro. No seminário se ensinava como voluntário e pouca gente se interessava em se dedicar uma manhã inteira, uma tarde inteira, sem ter uma remuneração fixa, tinha apenas um pró-labore. Logo, fui fazer uma experiência, fui substituí-lo, e essa experiência terminou sendo 5 anos, eu ensinando. Eu tinha o quê? 16 anos. Liliane: Dos 16 aos 21 anos? Professor João Faustino: De 16 a 21 anos ensinando Matemática. Nesse período tive que servir ao exército, ficando o Seminário sem professor de Matemática. Nessa época, ocorreu um fato interessante: um dia, escutei do alto-falante do Quartel, que nós chamávamos de “boca de ferro”, chamando cabo Ferreira, que era eu, para que comparecesse ao comando. Fiquei preocupado em ter sido chamado. Logo fui me apresentar e me deparei com o seguinte: Dom Alair Vilar e o reitor do seminário tinham ido pedir ao comando que me liberarasse para continuar trabalhando para o Seminário. O comandante chegou e disse-me: “ - Que enrascada o senhor me coloca”. Ele pensava que eu havia montado aquela história. Defendi-me, dizendo: “- mas Comandante, eu não motivei essa situação”. Ele disse-me: “-muito bem, eu não posso negar um pedido do arcebispo, você vai servir ao quartel por um expediente e o outro vai dar aula no seminário, mas não vá cobrar nada deles, porque o senhor já está recebendo pelo exército”. Liliane: Qual o livro que o senhor utilizava para dar aulas no Seminário? Professor João Faustino: Osvaldo Sangiorgi. Era o que eu usava mais. A título de ilustração eu usava Malba Tahan. Eu trouxe Osvaldo Sangiorgi à Natal. Eu fiz dois congressos aqui a um deles compareceu Osvaldo Sangiorgi. Liliane: Vamos tentar lembrar os momentos cronologicamente. Professor João Faustino: Na ocasião, em 1963, era difícil vir para Natal o Exame de Suficiência, nos outros Estados era mais fácil, mas para Natal foi o primeiro. O que era o exame? Ele se dividia em duas etapas, a primeira etapa era um curso preparatório com 8 horas para o Exame de Suficiência, o exame era feito depois do 28 curso preparatório e aí os professores do curso eram recomendados ou não. Quem fosse recomendado estaria praticamente aprovado no exame. Liliane: O senhor fez o curso... Professor João Faustino: Eu fiz o curso e fui recomendado. Liliane: E quem eram seus professores nesse curso? Professor João Faustino: Professor de conteúdo chama-se Edmilson Pontes. Era Alagoano, e catedrático em Matemática um dos melhores do Brasil. A professora de Didática era a Srª Branca, da Universidade do Rio de Janeiro. Liliane: Só tinha essas duas disciplinas? Professor João Faustino: Didática Especial da Matemática e Didática Geral. Liliane: O curso era de um mês? Professor João Faustino: Era um mês. Liliane: Era oferecido pelo MEC? Professor João Faustino: Sim eram oferecidos pelo MEC, através da CADES: Campanha para o Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário. Liliane: E a Srª Branca era professora de Didática ou só Didática da Matemática? Professor João Faustino: Só Didática da Matemática. Eu passei e aí eu fui ensinar no colégio da Conceição, e numa escola do CNEC e, nessa espera, houve o concurso para professor de Matemática da Escola Técnica, isso em 1963, logo após a realização do exame. Logo fiz o concurso e fui aprovado. Liliane: Mais alguém foi aprovado? Professor João Faustino: Adalberto Jorge, eu e René que era um velho professor da Marinha. 29 Liliane: Quando o senhor deu aula no curso de suficiência, já era universitário? Professor João Faustino: Sim, era aluno dos Cursos de Pedagogia e Matemática. Liliane: Esse curso de Suficiência colaborou para dar aula em Didática? Professor João Faustino: O curso foi que me ofereceu o instrumental verdadeiro para ser o professor de Matemática que eu fui. A partir daí eu fui ensinar no colégio Marista e continuei no Seminário e eu só deixei o Seminário, quando eu passei a assumir a Direção da Escola Técnica, passando a me dedicar em tempo integral à ETFRN. Liliane: No CEFET, na ETFRN? Professor João Faustino: Não, no Marista. Eu fazia 4 tipos de provas diferentes: A, B, C, D, não havia possibilidade do aluno colar e eu ficava ali, observando para o aluno não passar cola. Até que um dia um dos alunos, dos mais fracos, respondeu todas as questões certas, absolutamente, certas, não houve outra nota a não ser 10. Ao entregar as provas, resolvi testar esse aluno. Chamei o aluno e disse-lhe: “-eu vou lhe dar 10, mas, venha aqui, por favor, você acertou todas as questões, eu vou lhe dar um 10, mas você vem aqui e responde no quadro. Então, ele disse-me: “- professor, porque essa discriminação?” Respondi: “- Não é discriminação”. Ele, então, falou: “-Professor, não é possível, eu já esqueci”. Logo o 10 passou para zero. Depois eu descobri que meu cunhado, que era adolescente, havia entrado no meu escritório e substituído a prova. Alguém com conhecimento havia respondido as questões. Mas eu fazia o seguinte, eu não reprovava, eu recuperava meu aluno. Enquanto o aluno não aprendesse o previsto eu não sossegava. Eu me lembro que uma vez um grupo de alunos precisava de aulas de reforço. Eu disse, não tem problema, tinha uma parede meio escura em um dos corredores e eu disse vocês apagam depois? E eu dei aula nessa parede para recuperar esses alunos. Mas eu não reprovava. Os meus alunos, os meus ex-alunos têm uma coisa interessante, eu noto que quase todos se dirigiram para a Engenharia ou para a Matemática, com certeza a Matemática que aprenderam ajudou a definição da profissão. Liliane: Essa metodologia que o senhor se refere, aprendeu no curso do MEC? 30 Professor João Faustino: Organizei-me didaticamente. Liliane: Antes era mais rigoroso? Professor João Faustino: Mais rigoroso, talvez eu não tivesse uma organização didática produtiva capaz de transmitir o conhecimento didático com mais facilidade, e despertar motivação e a compreensão do aluno. Eu fazia nas minhas aulas, em uma das aulas de Geometria usava o flanelógrafo, coisa muito antiga, mas era o que existia na época. Liliane: O senhor lecionou Matemática até que ano? Professor João Faustino: até 1975. Liliane: O senhor fez concurso? Professor João Faustino: Fiz concurso para ingressar no CEFET e na UFRN. Liliane: O senhor já estava no CEFET, quando iniciou a carreira na UFRN? Professor João Faustino: Já estava no CEFET, quando fui convidado a dar aulas na universidade. Liliane: Lembra quem fez o convite? Professor João Faustino: Acho que o reitor Onofre Lopes. Depois foi que eu fui fazer um concurso para formalizar a minha atuação na universidade. Liliane: Como foi a Matemática pelo rádio? Professor João Faustino: Em cada localidade do interior do Estado, existia um radinho, radinho de baquelite, era movido por uma bateria de automóvel, aquela bateria descarregava, então de 15 em 15 dias passava um Jippe trocando as baterias. Várias pessoas se reuniam e com um monitor, uma pessoa que ajudava a esses estudantes a aprenderem Matemática e a passarem nos Exames que faziam. Você imagina o que é uma pessoa fazer, por exemplo, a dedução da fórmula da 31 equação do 2° grau, e entender tudo aquilo. Mas como professor da Escola Radiofônica me sentia como um mágico. Liliane: Isso na década de 70, professor? Professor João Faustino: Não, na década de 1960. Liliane: Foi antes do CEFET? Professor João Faustino: Na mesma época. Então, eu me sentia realmente como alguém que produzia algo diferente. Tinha a sensação que estava transmitindo conhecimento matemático a milhares de pessoas. Essas aulas eram transmitidas pela manhã às 6 horas da manhã e à noite. Liliane: Eram aulas diárias? Professor João Faustino: Diárias. À noite eu escutava minhas aulas quando ia dar aula no outro dia pela manhã. E quando eu saía da gravação eu podia assistir pelo rádio. Não era fácil, mas foi uma grande experiência. Liliane: Como era a avaliação? Tinha prova? Professor João Faustino: Tinha avaliações freqüentes. Liliane: Era ensino de 1° grau? Professor João Faustino: Era preparação para o Ensino Fundamental, o que hoje a gente chama de Ensino Supletivo, era Suficiência ou Madureza. Era a preparação para o Exame de Madureza. Liliane: O senhor quem confeccionou o material? Professor João Faustino: Sim, eu quem o produzia. Eu tenho ainda aqui 4 volumes desse material. Liliane: Seria ótimo, se o senhor dispusesse de algum material. Professor João Faustino: Vou tentar localizar para vocês. 32 Liliane: O senhor chegou a participar da elaboração desse Exame de Madureza? Professor João Faustino: Não ele era feito pela divisão seccional. Mas eu tinha notícia de que muitos alunos eram aprovados. Liliane: O senhor passou a fazer planos de aulas? Professor João Faustino: Fazia com freqüência. Sempre buscava algo para motivar o aluno. Liliane: O senhor sempre teve essa preocupação em motivar o aluno? Professor João Faustino: Sempre tive essa preocupação. Liliane: Como foi o seu primeiro contato com a MM? Aconteceu esse contato? Professor João Faustino: Chegou por nosso intermédio, chegou em 61, 61 ou 62? A CADES já, eu acho que isso foi em 63, 63. A CADES já que vinha fazendo com os professores locais, então tinha que formar professores locais e a formação dos professores se deve ao próprio Estado. Eu fui a Brasília por uma promoção do MEC, para fazer um curso sobre MM. Não só a Matemática, mas, Matemática, História, Geografia, as matérias do antigo ginasial. Então foi um ou dois professores de cada uma dessas matérias. Foi um ou dois e eu fui um deles de Matemática. Na época quem dirigia o Ensino Secundário era Lauro de Oliveira Lima. Desejava ele a Teoria de Piaget, revolucionar o ensino brasileiro. Liliane: Quanto tempo durou esse curso? Professor João Faustino: 2 meses. Liliane: Vocês foram fazer esse curso durante 2 meses. E lá usavam que livros? Professor João Faustino: Sangiorgi, Ari Quintela e outros teóricos da Matemática. Liliane: Malba Tahan? Professor João Faustino: Malba Tahan? Não! 33 Liliane: E o curso foi proveitoso? Professor João Faustino: Sim, com ele se mostrou a estrutura do ensino da Matemática Moderna. Liliane: E aí como foi o retorno? Professor João Faustino: Primeiro fomos formar professores. Liliane: E eles se inscreviam? Professor João Faustino: Eles estudavam durante 6 meses. Liliane: E como era o nome desse curso? Professor João Faustino: Era curso de formação de professores, ministrado na Fundação José Augusto. O curso era para professores de Ensino Fundamental e Médio. E os conteúdos de nível superior. Liliane: Então o senhor e alguns professores de Matemática aqui do estado do Rio Grande do Norte, ministraram os primeiros cursos? Professor João Faustino: Exatamente. Liliane: E o professor Evaldo não foi porque ele foi financiado pela SUDENE? Professor João Faustino: Não, não foi por isso não. Não sei. Liliane: Ele foi para Recife. Professor João Faustino: É ele foi para Recife e ele já ensinava no estado já tinha uma experiência muito longa. Liliane: Como os professores recebiam esses cursos quando vocês voltaram de Brasília? 34 Professor João Faustino: Houve de início certa reação, por parte dos professores você ter que mudar toda a metodologia de ensinar, não é que a estrutura matemática tenha mudado. Liliane: Conte-me dos Seminários que o senhor coordenou e que trouxe Sangiorgi. Professor João Faustino: Na época foi muito positivo. E teve um fato assim, que tornou-se pitoresco naquela época. Existia um lugar “carne assada do Lira”, era um restaurante que, quem vinha a Natal ia à carne assada do Lira, lá nas Rocas. Lugarzinho limpo, organizado, bem asseado e ele mesmo preparava a comida. A carne, era uma coisa que ninguém conseguia fazer igual, só ele, o Lira! E ele era um cara, assim um tanto grosseiro, ele não tinha cordialidade com ninguém. As pessoas chegavam lá e ele dizia “- vai comer o que? Aqui só tem carne de sol”. O tratamento era assim, com certa rigidez. Atendia os seus clientes, botava os pratos na mesa e tal... Eu levei Osvaldo Sangiorgi nesse restaurante. Foi o Osvaldo Sangiorgi, sua esposa, que o acompanhava quando ele vinha para Natal, ficando, inclusive com Sônia, minha esposa. Enfim, fomos jantar. Estávamos na mesa, e lá paras tantas ele serve um guaraná quente, a esposa de Osvaldo Sangiorgi disse: “-O senhor poderia colocar gelo?” Aí ele disse “-menino, traga gelo! Menino traga gelo”. Assim veio o filho dele com um prato fundo, com umas pedras de gelo. Quando o menino foi colocar o prato, uma pedra de gelo escapuliu e caiu no decote da esposa de Osvaldo Sangiorgi (risos), foi um espanto! “-Pelo amor de Deus tire isso daqui”, dizia ela.. Aí a reação do Lira foi: “- Filho, vem cá, está vendo, eu já disse para não fazer isso, eu já lhe proibi você de pegar em gelo, pois que você gripa com facilidade”. (risos). Ele não queria nem saber o mal estar que tinha causado, não interessava. Liliane: Esse seminário, ele se deu em 3 dias, 4 dias? Professor João Faustino: Acho que foi uma semana. Liliane: Por que trazer Sangiorgi a Natal? Professor João Faustino: As palestras. Eu fiz duas. Uma sobre os livros de Sangiorgi e outra sobre as causas da reprovação em matemática. 35 Liliane: Onde aconteceu o evento? Professor João Faustino: No auditório do SESC. Liliane: O senhor quem organizou o evento? Professor João Faustino: Eu organizei. Liliane: O senhor organizou pelo Departamento de Matemática, fazia parte da escola de Filosofia? Como era? Professor João Faustino: Não. Eu era aluno de Pedagogia. Liliane: O senhor não coordenou mais eventos, por quê? Professor João Faustino: Eu fui ser gestor público, diretor do CEFET, depois fui ser Secretário de Educação do Estado, Secretário do Município, Deputado Federal, por 16 anos. Essas circunstâncias me afastaram da Matemática. Liliane: Professor, muito obrigada. Professor João Faustino: De nada. Eu quero que vocês deixem seus telefones. Liliane: Há alguma coisa que não perguntei que o senhor gostaria de falar? Professor João Faustino: Não. 36 3 Transcrição da Entrevista realizada com a Professora Maria do Socorro Sarmento Silva Alves de Assis Entrevista realizada em 25 de julho de 2008 Liliane: Gostaria que a senhora falasse um pouco sobre como passou a gostar de Matemática, como escolheu Matemática para lecionar. Professora Maria do Socorro: Eu sempre gostei de Matemática, desde o ginásio, uma das matérias que eu mais gostava era Matemática. Quando terminei o ginásio fui fazer o curso técnico em Contabilidade, também, com muita ênfase em Matemática, Matemática financeira. Em seguida, fui fazer o curso de Economia, que também tem muita Matemática. Era uma das matérias principais do vestibular, então a gente estudava muito e fui fazer cursinho em Mossoró para o vestibular e depois que passei no vestibular de Economia, no ano seguinte, já fui convidada para ensinar Matemática, porque vários dos meus professores tanto do cursinho como já da Faculdade eram professores de Matemática e me convidaram para ensinar no Colégio Estadual de Mossoró. Em seguida, um ano depois que eu estava no Colégio Estadual, fui convidada pelo Padre Sátero, para ensinar também no Colégio Diocesano Santa Luzia. E depois fui ensinar no Centro Educacional Elizeu Viana a parte de Matemática Financeira. Então, a minha vida sempre foi assim, muito voltada para a Matemática, por ser uma matéria que eu sempre admirei muito e gostava sempre, cada vez de aprender mais. Cheguei a fazer vestibular para licenciatura em Matemática, fui aprovada, mas aí não concluí. Liliane: Depois do Curso de Economia? Professora Maria do Socorro: Depois do curso de Economia, fui fazer o vestibular para licenciatura em Matemática, mas aí deixei, não cheguei a terminar o curso de Licenciatura. Liliane: Quais os níveis de escolaridade que a senhora ensinou nessas escolas? 37 Professora Maria do Socorro: Era em nível de 1º grau e 2º grau. 1º grau, no Colégio Estadual Diocesano e 2º grau, no Centro Educacional Elizeu Viana. Eu cheguei a ensinar também na Faculdade de Economia, em Mossoró, Matemática Financeira. Eu era aluna do curso e ao mesmo tempo era professora. Porque era permitido, como já estava no último ano do Curso de Economia, ensinar nos dois primeiros períodos do curso. Aí eu fui ensinar Matemática Financeira, porque um dos meus professores foi fazer mestrado em São Paulo e me indicou para ser a substituta, lá no curso de Economia. Liliane: Como se deu a sua formação como professora de Matemática? Professora Maria do Socorro: Eu fui ensinar no Colégio Estadual, em 1970. Em 1972, eu fui fazer um curso, se chamava curso da CADES ou Suficiência em Matemática. Esse curso teve duração de 4 meses, tempo integral e só com Matemática. Era matemática moderna. A parte de Álgebra e Geometria e tinha também a parte de formação pedagógica, a parte de metodologia do ensino. Então, foi esse curso que me deu muito embasamento para continuar sendo professora. Esse curso foi muito importante, ele teve convênio com a Universidade. No ano seguinte, em 1973, a gente teve uma atualização, no que se refere a parte pedagógica, mas uma atualização só na parte pedagógica, fruto desse primeiro curso, como complemento, mas foi só uma semana de reciclagem, somente da parte pedagógica. Esse curso que eu fiz recebia o nome se Suficiência, a conclusão do curso tinha que ser uma nota para aprovação para poder continuar lecionando. Tivemos que dar uma aula para ser avaliada tanto pela parte pedagógica do curso como pelos conteúdos de Matemática. Liliane: A senhora lembra o nome dos professores que ministraram aulas, nesse curso? Professora Maria do Socorro: De geometria, era o professor Marcondes, que era da Escola Técnica Federal. A parte de álgebra foi o professor Einar Gomes de Lima. Liliane: Vocês estudaram Matemática Moderna nesse curso de formação? 38 Professora Maria do Socorro: Estudamos Matemática Moderna, a parte de conjuntos, com o Professor José Delgado. Durante esse curso nós tivemos a visita de vários escritores. Liliane: Lembra quem? Professora Maria do Socorro: Scipione, Osvaldo Sangiorgi e Giovanni e outros que eu não sei o nome. Creio que eles vieram a Natal, especificamente, visitar os professores que estavam fazendo o curso e apresentar os seus novos livros. Então todos eles trouxeram muitos livros que iam ser lançados. Para que a gente tivesse conhecimento e analisar conteúdos e ver se era possível adotar esses livros. Liliane: E que eram os professores que trabalhavam com a parte pedagógica? Professora Maria do Socorro: Foram vários professores, eu lembro bem de Conceição Spinelli, professora do departamento de 2º grau, da Secretaria de Educação, da parte pedagógica, ela era daqui de Natal e deu aula também no curso. Teve uma outra professora, se eu não me engano, o nome dela era Eunice, mas eu não lembro o sobrenome. Mas, os professores de Matemática, que eram os que mais conviviam com a gente. Liliane: Quais os conteúdos estudados nesse curso? Professora Maria do Socorro: Da parte de Álgebra, toda a parte de Álgebra que era dada pelos professores era a de todo o 1º grau. A parte de conjuntos, que era o início da Matemática Moderna, a parte de conjuntos, que foi dada pelo professor Delgado. E a parte de Geometria, que professor Marcondes era especialista, a especialidade dele era nessa parte de Geometria, então foi dividida nessas três partes. Liliane: O conteúdo era voltado para o 1º grau? Professora Maria do Socorro: Só em nível de 1º grau. O Curso de Suficiência, o CADES era só em nível de 1º grau. Então, foi uma oportunidade que foi dada a quem não tinha o curso superior, fazer esse curso. Era uma especialização. Até 39 porque nem existia ainda a licenciatura em Matemática, logo, eram dados esses cursos de aperfeiçoamento exatamente para formar os professores. Liliane: Quando a senhora cursou? Professora Maria do Socorro: Dezembro de 1971 a março de 1972. Quando terminei o curso de Economia e com esse curso CADES, dava o direito a gente receber como licenciatura plena, que era o antigo PE3, na tabela de classificação do professor da Secretaria de Educação do Estado. Liliane: O que é PE3? Professora Maria do Socorro: PE3, professor de ensino 3, que era equivalente a licenciatura plena. Liliane: Mas não dava direito a ensinar o 2º grau não. Só o 1º grau? Professora Maria do Socorro: Só o 1º grau. Só dava direito ao 1º grau. Liliane: Como eram ensinados os conteúdos da Matemática Moderna que foram trabalhados pelo professor José Delgado, nesse curso? Professora Maria do Socorro: Olha, foi o início da Matemática Moderna. Foi especialmente a parte de conjuntos. Era uma novidade, e a gente perguntava qual era o objetivo, no dia-dia? O que era que as pessoas iriam utilizar com aquela parte da Matemática? Aquela parte de união, intersecção! (risos). Ou seja, eu pelo menos não via onde seria utilizado, no dia-a-dia. E a resposta que eles me deram é que a Matemática Moderna tinha como objetivo ajudar o aluno no raciocínio. O aluno ter mais raciocínio para maior interpretação. Eu acho que foi o único objetivo, mesmo da Matemática Moderna, a parte de conjunto foi esse, fazer com que o aluno raciocinasse mais, procurasse raciocinar mais, que a outra parte da Matemática era muito exata, são coisas que você faz e você tem como provar o que você está fazendo, mas a parte da Matemática Moderna, que eu acredito que foi esse o objetivo da inclusão dela nos conteúdos do 1º grau, foi para despertar o raciocínio do aluno para que ele pudesse interpretar mais a Matemática. Eu acho que foi como um despertar ao aluno, ou seja, a utilização do dia-a-dia, eu questionei, continuo 40 questionando, ainda hoje, pois eu não coloquei em prática, no dia-a-dia, nada de intersecção, nada de união. Não dava assim para aquela coisa muito prática, mas era uma coisa boa para o aluno raciocinar, para despertar mais o raciocínio, e que hoje as matérias são muito interligadas. Já, hoje, o professor de Português, ele usa a parte de Ciências, usa a parte de Matemática. O professor de Ciências usa a parte de Geografia, ou seja, há uma interligação muito grande com as disciplinas hoje. Percebo isso, pois acompanho meus netos nas tarefas da Escola e vejo que há uma interligação muito grande hoje entre as disciplinas, uma ajudando a outra. Liliane: Até quando a senhora lecionou Matemática? Professora Maria do Socorro: Eu dei aula em Mossoró até 1974. Em 1975 vim para Natal e aí eu deixei de ensinar, deixei de lecionar e fui trabalhar na parte administrativa da Secretaria de Educação, uma vez que meu curso era de Economia, aí eu deixei a sala de aula e trabalhei só na parte administrativa da Secretaria de Educação do Estado. Assim lecionei Matemática de 1970 a 1974. Liliane: Como foi sua experiência como professora de Matemática na Faculdade de Economia? Professora Maria do Socorro: Eu fui trabalhar com Matemática Financeira. Eu não gostei muito dessa experiência, uma vez que, eu ainda era muito jovem, ou seja, eu estava terminando um curso com vinte e três anos e já ensinando na faculdade e talvez por eu ser tão jovem não queria continuar, partindo, então, para a parte administrativa. Ou seja, eu não via muito interesse por parte dos alunos, seja, o aluno do 1º grau, ou o aluno do 2º grau. Sempre achei que esses se interessavam mais do que o aluno da faculdade, principalmente porque no Curso de Economia, que eu lecionava Matemática Financeira, os alunos eram pessoas que trabalhavam o dia todo, tinha pessoas assim, eram todos os alunos que tinham a minha idade ou próximos a minha idade, eram pessoas que já trabalhavam no Estado, na Secretaria de Finanças, em algumas indústrias de Mossoró e faziam o Curso de Economia para utilizar na sua profissão, então eram pessoas não muito comprometidas com o estudo. E talvez isso tenha me decepcionado um pouco, que me fez sair, deixar de lecionar. Recebi convite para lecionar na Universidade Federal, em Natal, não aceitei porque ainda estava com essa idéia. Hoje não, hoje eu vejo que quem faz faculdade 41 tem que estudar muito, até porque é uma exigência do próprio mercado de trabalho. Hoje, você é boa, ou você é um dos primeiros, ou você não entra naquilo que você quer, porque a concorrência é muito grande. Eu acho que se eu tivesse começado a lecionar na Universidade, com pessoas com esses objetivos, talvez eu tivesse continuado a lecionar Matemática. E, quanto aos seus professores, seus primeiros professores de matemática, você ainda lembra deles? Liliane: A senhora gostaria de falar mais alguma que eu não tenha perguntado? Professora Maria do Socorro: Ser professora de Matemática foi uma experiência muito válida, porque primeiro eu gostava muito, e ainda gosto muito de Matemática, é tanto que as minhas filhas, quando elas tiravam uma nota abaixo da média, em Matemática, eu ficava até um pouco revoltada, por eu gostar tanto e elas não gostavam muito de Matemática. Mas, foi uma experiência muito válida, conheci pessoas interessantes, também grandes educadores, eu acho assim, uma disciplina fantástica e às vezes eu chego até me arrependo de ter me ausentado de uma sala de aula. Tive a oportunidade de ser convidada e não voltei a lecionar e seguir minha carreira de professora. (risos). Além disso, o Curso CADES, que a Secretaria de Educação promoveu para todos os professores do ensino do 1º grau do Estado, do interior. Esse curso foi voltado para o professor do interior do Estado do Rio Grande do Norte. Então todos os professores de Matemática fizeram esse curso, eram quase 80 professores, eram duas turmas, vieram de todos os municípios, São Bento, Parelhas, Caicó, Mossoró, Pau dos Ferros, Jardim do Seridó, todos os professores de 1º grau do estado fizeram esse curso. Liliane: A senhora lembra do material utilizado nesse curso? Eles utilizavam o quê para dar aula? Apostila, livros? Professora Maria do Socorro: Apostilas. Eles utilizavam muitas apostilas e livros. Eram feitas avaliações de todos os conteúdos, semanalmente, e no final era feita uma avaliação do curso como um todo, cada participante escolhia um assunto para dar uma aula e dessa aula era, tinha uma nota que fechava a parte de avaliação do curso. 42 Liliane: E a senhora, enquanto professora de Matemática, qual o tipo de material que utilizava para dar suas aulas? Professora Maria do Socorro: Utilizava livros, apostilas. Muitas vezes os alunos não tinham condição de comprar o livro e a gente tinha que elaborar uma apostila, para ajudar o aluno. As escolas não dispunham de biblioteca, na época não existia biblioteca na escola. Liliane: Quais os autores desses livros que a senhora utilizava? Professora Maria do Socorro: Eu usei muito o livro do Scipione. Diga-se de passagem, eu tinha a coleção de livros do Scipione, de todo o 1º grau. Para mim era uma coleção excelente. Liliane: Muito obrigada! Professora Maria do Socorro: De nada. É uma pena não ter mais esse material guardado. As apostilas, os cadernos, as anotações. Eu não tenho nada. Também já faz bastante tempo, eu não tenho guardado, só tenho as cópias dos certificados (risos). Liliane: Muito obrigada. 43 4 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor Antônio Roberto da Silva Entrevista realizada em 15 de agosto de 2008 Liliane: Como o senhor sabe estou fazendo doutorado em Educação e gostaria de conversar com o senhor sobre o ensino de Matemática no Rio Grande do Norte. No entanto, antes de iniciarmos sobre sua vida profissional, veja se o senhor consegue rememorar o seu tempo de adolescente, os seus professores, para entendermos como o seu gosto pela Matemática foi surgindo. Professor Antônio Roberto: Meu pai era pedreiro, uma pessoa muito inteligente, ele se tornou mestre de obra e ele gostava muito de Matemática. Somos quatro, no caso eu tenho três irmãos e meu pai queria que eu fizesse Matemática, Engenheira alguma coisa com exatas, é tanto que fiz o ginásio, no tempo de ginásio ainda , eu fiz no Atheneu, no colégio tradicional de Natal e quando eu terminei o Atheneu fui para a Escola Técnica Federal e sempre gostando de Matemática, já pensou? Ele sempre me apresentava aos colegas dele, dizendo que eu era muito bom em Matemática, mas eu não era bom eu gostava de Matemática, sempre gostei muito de Matemática, desde a primeira série. Quando terminei o Atheneu fui para a Escola Técnica com o objetivo de fazer o curso de Edificações, seria da primeira turma desse curso. Liliane: No Atheneu o senhor cursou somente o ginásio? Professor Antônio Roberto: sim, pois a minha intenção era fazer Edificações, o curso técnico que estava começando. Eu fui da primeira turma de Edificações do CEFET. Liliane: Isso, em mil novecentos e...? 44 Professor Antônio Roberto: Em 1969, quando fui para o CEFET, a ETFRN, na época. Já no Atheneu tive a felicidade, também isso ajudou o gosto de estudar Matemática, mas tive a felicidade de pegar bons professores. Liliane: Lembra o nome deles? Professor Antônio Roberto: Lembro-me, tinha o professor Canan! Liliane: Pois é, Teófilo Canan. Fale-me dele! Quais foram os outros? Professor Antônio Roberto: Excêntrico, era um professor empolgante, o professor Canan estimulava, empolgava a gente. Teve o professor Gilberto que perdi de vista. Teve também o professor Einar, que parece que é do sindicato dos professores, foi presidente, muito dedicado. Mas quando fui para o CEFET, foi lá que o meu gosto aumentou pela Matemática, foi quando tive a felicidade de ser aluno do professor Willian, “o perigoso”. Willian Aires, já ouviu falar? Liliane: Ele é vivo ainda? Professor Antônio Roberto: É vivo, está completamente cego, ele é diabético, já era na época... Liliane: Willian, o quê? Professor Antônio Roberto: Willian Aires. Popularmente, conhecido como Willian,o perigoso, tudo dele era perigoso... Tudo era perigoso... Excelente professor, tive a infelicidade, não tive muita sorte, o professor do segundo ano técnico o professor, acho que por suas limitações era muito agressivo e gostava de colocar questões, provas muito difíceis, um professor que acho que nem devo dizer o nome dele. Liliane: Fique à vontade! Professor Antônio Roberto: Esse professor foi exatamente, no segundo ano técnico que comecei a estudar análise combinatória e probabilidade. Liliane: Ele era agressivo? 45 Professor Antônio Roberto: Um professor muito agressivo. Para você ter uma idéia, o primeiro contato que ele teve conosco, ele assim nos falou: “- Minha prova, tem duas questões, cada questão vale cinco pontos, não considero questões, não corrijo por escore, ou o aluno acerta ou não acerta, portanto minhas notas são zero, cinco ou dez”. Eram oito provas, oito avaliações num ano, todo mês era uma prova, oito avaliações num ano, não era bimestral, então, o primeiro contato com ele foi dessa forma: deu aquela parada sinistra, aí disse: “-Olha, faz muitos anos que o aluno não tira dez comigo. Agora se ele estudar bastante, ele tira um cinco. A nota normal é zero”. Liliane: Mas, qual foi o professor que lhe incentivava? Professor Antônio Roberto: Willian Liliane: O professor Willian deu aula no primeiro ano somente? Professor Antônio Roberto: Não, ele deu aulas no primeiro e no terceiro ano. Liliane: No primeiro e no terceiro. No segundo é que foi esse agressivo. Professor Antônio Roberto: Mas, a escola era muito organizada, na época, logo notando esses zeros todos, chamou a atenção dele e depois descobri, pouco tempo depois, me tornei professor e vim entender o porquê dele ser tão agressivo, ele sabia muito pouco Matemática e os alunos, a turma era muito estudiosa, então a forma dele se defender era sendo agressivo, sempre colocava “para quebrar” na turma, aquela coisa toda, depois eu acho que havia essa fragilidade, essa coisa dele sabe de não ter o domínio disso aí. Liliane: Nunca mais o encontrou, depois disso aí? Professor Antônio Roberto: Encontrei, mas faz pelo menos, uns vinte e cinco anos que não o vejo. Liliane: Não tem nem notícia? Então acabou a ETFRN em 1971? Professor Antônio Roberto: em 1971. 46 Liliane: Já existia curso vestibular, já existia a Universidade Federal? Professor Antônio Roberto: UFRN, já existia! Fiz vestibular em janeiro de 1972. Liliane: Para que curso? Professor Antônio Roberto: Na época era assim, tinha a área de exatas, área biomédica, área de saúde e área de humanas, você entrava naquela área e por dois anos você cursava disciplinas e pelo seu desempenho você era classificado no curso que você escolhia, tinha noções de Engenharia Civil, Química, Física, não existia Engenharia da Computação, nem Ciências da Computação, existia Matemática, Química, Física, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, se não me engano, Engenharia Mecânica, não tenho muita certeza e então pelo desempenho do aluno depois de dois anos, esse processo era chamado diferenciado, então você entrava no curso. Mas, assim que eu entrei na Universidade comecei a dar aulas de Matemática. Liliane: Assim que entrou, onde era o prédio do curso? Professor Antônio Roberto: O prédio era ao lado do SESC, onde hoje é a Secretaria da Fazenda de Finanças do município, mas pouco tempo depois já se mudou para um prédio bem grande, esse prédio que tem na entrada do Campus onde funciona a FUNPEC, era a Escola de Engenharia. Liliane : E o Curso de Matemática era ali? Professor Antônio Roberto: Diferenciado. Pegava a Escola de Engenharia Civil, nós nos separamos e a escola de engenharia ficava ali. Liliane: Mas, as aulas do curso de Matemática, você assistia ali, naquele prédio? Professor Antônio Roberto: Assistia inicialmente naquele prédio onde hoje é a Secretaria da Fazenda de Finanças, ao lado do SESC. Liliane: E depois foi para esse prédio onde é a FUNPEC. 47 Professor Antônio Roberto: então entrei no Magistério mais ou menos por acidente, foi um acidente que eu queria, eu já gostava de dar aulas particulares, em casa, aquela coisa bem tímida. Liliane: E seu pai, ainda era vivo e viu o senhor entrar na faculdade? Professor Antônio Roberto: Chegou! Meu pai faleceu em 1990 e minha mãe perdi agora recente [emoção], onze de fevereiro, pessoas maravilhosas, e foi quer dizer papai viu eu começando a ensinar, entrei por acidente, meu irmão era professor e fazia Engenharia Civil. Liliane: Ele já dava aulas de Matemática? Professor Antônio Roberto: Meu irmão dava aula de Matemática e Física, de Desenho civil, era professor de Desenho, então não podia assumir umas aulas perguntou-me: “- Roberto, você pode assumir?” E assim eu entrei e comecei a ensinar, comecei nas escolas do Estado, inicialmente. Liliane: Mas, ele parou e lhe chamou para substituí-lo? Professor Antônio Roberto: Não, ele cedeu-me algumas aulas. Essas foram de cursinho pré-vestibular, foi uma barra, mas não foi assim, as aulas de cursinho, não foi assim, que entrei na universidade foi com 8 meses, 6 meses que eu estava na universidade, comecei a ensinar as primeiras aulas foram no estado na Escola Técnica do Comércio que ficava perto de onde eu morava. Liliane: O senhor recebeu convite de alguém? Professor Antônio Roberto: Do meu cunhado que era professor de Educação Física, hoje ele é médico, ele falou, eu namorava com minha esposa, então ele disse-me: “- Roberto, está faltando professor de Matemática na escola, vá lá e converse com o diretor”. Eu fui, conversei com o diretor e ele disse-me: “- Está faltando professor, você pode pegar algumas aulas? Está aqui alguns diários, não pode ficar para a segunda-feira? É pegar ou largar!” Isso numa sexta-feira, assim entrei numa sala de aula, eu tinha 17 anos. 48 Liliane: Mas já estava no primeiro ano do curso? Professor Antônio Roberto: Já estava no primeiro ano, na graduação, pagando as primeiras disciplinas do curso. Liliane: Aceitou o desafio? Professor Antônio Roberto: Aceitei e gostei, depois entrei no cursinho pré- vestibular, gostei, adorei, depois entrei na rede municipal em 1982. Liliane: Mas, fez concurso? Isso mesmo? Professor Antônio Roberto: A partir de 80, foi só concurso. Na Universidade Federal, entrei em 82 também. Liliane: Mas, vamos retornar ao começo. Na Escola Técnica do Comércio. O senhor chegou nessa escola. Como foram suas aulas? Que atitudes que o senhor tomou? Vamos pensar na aula mesmo! Que livros usou? Lia nos livros? Como era a metodologia utilizada, bem naquele começo, quando o senhor ainda não tinha a formação. Professor Antônio Roberto: Aulas expositivas. Liliane: Qual era o livro didático utilizado pelo senhor? Professor Antônio Roberto: O livro didático era um livro, como era escola técnica, quando eu cheguei na escola já tinha. O pessoal já adotava o livro, o livro Nicolau D’Ambrósio que é pai do Ubiratan D’Ambrósio. Liliane: Mas porque esse livro? Professor Antônio Roberto: Porque era um voltado para o técnico, pegava muito Matemática Comercial e um pouco de Matemática Financeira, muito pouco. Liliane: E ficou quanto tempo na Escola Técnica do Comércio? 49 Professor Antônio Roberto: Um ano, porque teve uma crise, porque meu pai queria, nunca me pressionou para eu fizer Engenharia Civil, mas o que eu queria mesmo era fazer Matemática. Era comum você migrar da Matemática para a Engenharia, sem ter aquela vontade de fazer, não era comum sair da Engenharia para a Matemática. Meu tio foi psicólogo em Recife. Faleceu faz três anos. Foi um psicólogo bem conhecido, a nível internacional, inclusive. Tenho muito orgulho disso, Paulo Rosa. Aí fui para o Recife morar durante o diferenciado, eu fui para o Recife passei treze meses estudando com ele, quando voltei me empenhei bastante, sempre empenhado para fazer Engenharia, mas pensando em Matemática, aí quando veio naturalmente a minha classificação, perdi para os colegas, esse ano que passei fora, aí eu fui classificado para o curso de Matemática, foi muito bom para mim. Cheguei para o meu pai e disse-lhe: “- Papai vou fazer Matemática, já sou professor, e não fui classificado, agora, em Engenharia, mas vou fazer Engenharia depois que terminar o curso de Matemática”. Notei que ele ficou desapontado, porque queria o engenheirinho, sou o caçula, então seria aquele engenheiro, mas terminei Matemática, meu irmão terminou Engenharia Civil, mas também não exerceu a profissão de engenheiro, já é professor aposentado, um professor bem conhecido aqui em Natal, o professor Pacífico, ensinou a vida inteira no Colégio da Neves, no Marista, muitos anos na década de 70, foi convidado para ensinar na Escola Técnica Federal, porque antes de 80, não existia concurso. Liliane: Como o senhor iniciou sua carreira na Universidade Federal? Professor Antônio Roberto: Na Universidade Federal entrei em 1982 e também na rede municipal em 1982. Liliane: Então lecionou na rede municipal e na UFRN no mesmo período? Professor Antônio Roberto: Sim. Inclusive em cursinho pré-vestibular, diminuindo bastante a minha carga horária de cursinho. Liliane: Quais foram os cursinhos? Professor Antônio Roberto: Ah! Ensinei Rocas, Ferro Cardoso, na época só tinha os dois, ensinei no prédio do colégio Marista, no Salesiano. 50 Liliane: Depois deixou o cursinho, ficou só com a escola municipal e a UFRN? Professor Antônio Roberto: Deixei o cursinho, fiquei com o município e a UFRN, nesse período também, tentei entrar, também me graduar, mas só terminei o curso em 77, demorei muito para me graduar. Liliane: Sete anos a graduação. Por que trabalhava? Professor Antônio Roberto: Trabalhei. Paguei algumas cadeiras da Engenharia Civil, me apaixonei também por Física, paguei algumas cadeiras da Física, pagava assim Métodos da Matemática da Física Aplicada I, Métodos da Matemática da Física Aplicada II Liliane: O senhor havia me dito que João Faustino tinha sido o seu professor? Quando foi isso? Professor Antônio Roberto: O João Faustino, ele foi meu professor Liliane: Marcondes já é falecido? Liliane: João Faustino foi professor no tempo do Atheneu, quando o Professor Canan também foi? Nesse período? Professor Antônio Roberto: João Faustino ele foi professor de Didática da Matemática, ele estava dividindo a disciplina com o professor Marcondes. Liliane: Enquanto professor sua carreira inicia, quando? Professor Antônio Roberto: Em 1972. Liliane: Mas quando o senhor vai para a Escola Técnica usou muito o livro de D’Ambrósio, não tinha um olhar para aqueles outros livros Ari Quintela, Manoel Jairo, Carlos Calante? 51 Professor Antônio Roberto: Ari Quintela, Manoel Jairo, Carlos Calante, usava. O abecedário da álgebra eu usei muito, no cursinho pré-vestibular, no mesmo ano fui para o cursinho pré-vestibular. Liliane: Depois foi para o Recife e depois continuou dando aulas de novo? Professor Antônio Roberto: Deixei-me ver! Foi assim: eu passei no vestibular, entrei quase de imediato na rede Estadual, na Escola Técnica de Comércio, estudando na Universidade. Em setembro fui convidado pelo meu irmão para dar aulas no Hipócrates, pegar umas aulas dele. Peguei essas seis aulas e, no final do ano, fui para o Recife. Lá tive uma rápida passagem no Colégio de Aplicação. No Colégio Santa Maria, passei 13 meses, depois, voltei. Quando voltei fui ensinar no cursinho pré-vestibular, ainda passei um período na Escola Técnica do Comércio, quando voltei não tinha concurso, o diretor gostou e fiquei no colégio, também não fiquei muito tempo, talvez tenha ficado um semestre e fui chamado para ser professor da escola Anísio Teixeira, professor fundador, o colégio começou e eu entrei no meio do ano. Liliane: Era cientifico? Professor Antônio Roberto: Não, era ensino profissionalizante, primeira experiência que tive em uma escola grande, de grande porte, o Anísio Teixeira funcionou nas instalações físicas do Atheneu, ele não tinha prédio próprio, você sabe onde fica o Anísio Teixeira? Liliane: Sim. Professor Antônio Roberto: Passei 17 anos, até 1985, ensinando sem interrupções em cursinho pré-vestibular, interrompendo meu curso de graduação. Interrompi, várias vezes, você sabe como é, a vida de estudante e professor ao mesmo tempo, interrompendo, sendo aconselhado a terminar, mas eu levava muito a sério o curso, então quando não dava tempo eu trancava as disciplinas. Liliane: Até que se graduou, em 1977? E a partir daí dessa graduação ficou na ETFRN? 52 Professor Antônio Roberto: Não. A partir da graduação, continuei no cursinho, na época, tive a oportunidade de ir ao Ceará, fazer um curso de verão e eu também casei logo, pouco tempo depois, assim que terminei e vi o seguinte que se fosse enveredar por um mestrado na Universidade do Ceará ou então na Universidade de Pernambuco, que lá eu tenho meu tio e no Ceará uma tia, também, e no Ceará a fama, nós devemos muito aos cearenses, pois há muito dos professores do Ceará que fortaleceram o curso de Matemática de Natal: Cláudio Dias, Papaléo, Cláudio Henrique, Anchieta Larganha, esses professores vieram do Ceará para fortalecer aqui o quadro.São cearenses que fizeram mestrado lá e vieram para cá para fortalecer e compor o quadro de professores de Matemática do curso de Matemática. Aqui em Natal já tinha o João Felipe, Luis Damasceno, excelentes professores, Ronaldo, que participou da biblioteca setorial e colocaram o nome dele, era uma pessoa que beirava a excepcionalidade, de tão genial. Liliane: No seu curso de verão o que o senhor fez? Professor Antônio Roberto: Eu só fiz um mês. No Ceará, passei pouco tempo, tive a oportunidade de fazer mestrado, mas eu iria ganhar um oitavo do que ganhava aqui em Natal, já casado e com a esposa, parece que estava esperando um filho, pensei, vou ganhar um oitavo para fazer mestrado, vou esperar um pouco, pois sou novo, era 1982. Em 1977,78, no meio do ano, ainda sem concurso, alguns professores entram na Universidade e eu só não entrei porque eu só terminei no final do ano, não tive essa sorte, mas entrou o professor Brilhante, Canindé, o professor Isaque, concurso interno, professora Marluce, Gurgel, eles entraram, Ciro. Fizeram um concurso interno, ali, era só para compor, mas eu perdi essa oportunidade porque só terminei no final do ano. Liliane: E já tinha que ter o curso? Professor Antônio Roberto: Já tinha que ter o curso, aí somente em 1982, surgiu a oportunidade de fazer o concurso para Escola Técnica Federal, tudo ao mesmo tempo, rede municipal, UFRN. Na UFRN estava abrindo os Campus avançados, alguns Campus Natal, Santa Cruz, Currais Novos, cinco Campus. Resolvi, então, fazer o concurso para Santa Cruz, pois ficava perto e não queria perder meu vínculo com os cursinhos pré-vestibulares, justamente devo muito ao professor Canudo, que 53 foi dono do Hipocrates. Foi ele que me iniciou no Magistério e devo muito ao meu cunhado, também. Achei que não passava nesse concurso, porque era uma vaga só e a disciplina que foi oferecida foi Fundamentos da Matemática, então na minha cabeça todo mundo que é de Matemática dominava essa disciplina, porque era uma retomada dos conteúdos do Ensino Médio, que, na época, era o ensino do 1º e do 2º graus e todo professor tinha o domínio dessa disciplina. Mas, engano meu, pois éramos trinta e sete e só tinha uma vaga para Caicó, que é a terra de minha esposa. Para Caicó tinha uma vaga para Álgebra Linear e eu adoro também, mas era muito distante eu fiquei sabendo. Passei na prova escrita tirei oito e meio na prova escrita, achei que muitos colegas iriam tirar uma nota superior a sete para concorrer, para ir para a aula, mas foi um engano muito forte, ninguém obteve, somente eu e um rapaz, passamos fomos para aula, para a análise do currículo e na aula eu ultrapassei um pouquinho ele, no currículo ele me ultrapassou um pouquinho, no final eu fiquei com média 8.00 e ele ficou com 7.96, por quatro centésimos. Fizeram uma festa para mim e eu fui pra a Santa Cruz. Liliane: E ficou lá quanto tempo? Professor Antônio Roberto: Ah! Em 1982 eu entrei fiquei até noventa, agora vim para Natal dar algumas aulas no lugar do professor Papaléo. Ele ia para Santa Cruz e eu ficava lá e Papaléo vinha e minha situação ficou regularizada, mesmo, em 1991 e 92, aqui em Natal, mas, nesse período, fui diretor do Campus de Santa Cruz e nessa minha entrada foi muito interessante, eu fui o primeiro lugar só tinha uma vaga a disciplina estava sendo oferecida e eu não fui chamado, aí quem foi chamada foi a professora Ângela que é vice-reitora, ela fez concurso para Santa Cruz também, Arlete que era candidata a reitora foi ensinar também em Santa Cruz, Luiz Álvaro de Letras, Doutor em Letras, uruguaio, também foi ensinar em Santa Cruz, Mário Lúcio, Eva Carneiro, coordenadora do Campus e Ângela passaram, fizeram concurso para lá, mas em Lógica, Metodologia das Ciências o diretor alegou, dizendo, assim: “- São onze, mas o reitor disse que só contratasse oito”. Como Ângela também tem a formação em Matemática, habilitação em Matemática, então ela vai pegar Fundamentos da Matemática e Metodologia do Ensino de Ciências, aí eu fui lá e disse que não, mas eu passei em primeiro lugar a disciplina está sendo oferecida, ele disse não vai ser desse jeito. Tive na reitoria e nada. Então conversando com um 54 tio meu, influente no Campus de Natal, acelerou a minha entrada, pois ele tio tinha uma aproximação com um Senador da República, Zezito Martins, bom só sei que eu fui chamado e eles reconheceram o erro. Liliane: Quem era o senador? Professor Antônio Roberto: Zezito Martins, eu acredito que mais cedo ou mais tarde eu seria chamado, lá eu fiquei e em 1986 eu me candidatei a diretor do centro. Eram os professores que me deixavam muito desapontado com os colegas, porque fizeram concurso para lá, mas o pessoal doido para ir para Natal, ninguém queria ficar lá, então eu tive muitos aborrecimentos, pois o pessoal negando o tempo todo a minha administração. Faltando seis meses para terminar a minha gestação, eu não digo gestão, faltando seis meses, o reitor determinou que o diretor do Campus ganharia igual ao do diretor centro, meu salário ficou seis vezes maior e eu numa plenária falei isso, aí de repente o Campus para todos eles era viável, então eu fiquei tão angustiado, tão chateado, que eu prometi para mim mesmo, nunca mais pegar cargo na universidade, onde quer que seja, já fui até lembrado para ser coordenador de curso, aqui em Natal, de compor uma chapa, mas eu não quero, mas de jeito nenhum devido esse desapontamento. Liliane: Professor essa sua experiência imensa com cursinho que está voltado para o vestibular, como eram assim as suas aulas no cursinho? Professor Antônio Roberto: Eu passei esse tempo todo, 17 anos, no cursinho, sem quebra. Comecei no final de 72 e fui até 85, ai em 91 o Colégio Anglo se instalou aqui em Natal e me chamou. Eu já entrei como professor Antônio Roberto, o professor da Universidade, aquela coisa! Mas não foi nada disso, ensinei uns dois anos, juntando dá uns 17 ou 18 anos e eu me angustiava muito porque eu já tinha o hábito de resolver problemas, sempre buscando os porquês. O cursinho dizia isso aos colegas, donos de cursinho professores, amigos meus, diziam que o cursinho era a negação do Ensino Médio, pois o aluno faz o primeiro, o segundo e quando chega ao terceiro ano, vem o “salvador da pátria”, o professor de Matemática que vai abrir a cabeça do nosso aluno e com os macetes ele vai fazer com que o aluno aprenda Matemática. O objetivo do cursinho é que o aluno entre na Universidade por meio de receitas. 55 Liliane: E isso lhe angustiava porque o senhor era adepto daquela construção do saber? O senhor usava o livro O homem que calculava, de Malba Tahan? Professor Antônio Roberto: Usava o livro de Polya e O homem que calculava, também. Liliane: Não era permitido, não tinha a oportunidade de fazer no cursinho esse tipo de raciocínio, esse tipo de construção. Professor Antônio Roberto: Não. Tinha vários colegas, por exemplo, o professor Paulo Mota que é do Departamento de Engenharia Elétrica, ele muito competente muito bom em Matemática. Eu o levei para o Hipócrates ele não passou um mês. Nós estudávamos os livros de Gelson Iezzi, a agente estudava Matemática para valer. Então ele foi fazer isso no cursinho, não passou um mês, no Hipócrates. No começo eu fui detalhar algumas coisas, durante as aulas, mas o pessoal foi reclamar no Marista. Liliane: Os alunos? Professor Antônio Roberto: Os alunos que não queriam aquilo. Não queriam saber o porquê e eu sempre me preocupei muito com isso. Liliane: Já na Universidade o senhor já tem a oportunidade de trabalhar de forma diferente, no CEFET? Professor Antônio Roberto: Há sim, no CEFET, muito na Universidade, também. Liliane: Essa metodologia diferenciada o senhor traz de onde? Professor Antônio Roberto: É um misto que vem dos professores do Ensino Médio, do meu ginásio, dos meus colegas professores que trabalharam comigo, colegas que me influenciaram também, mas sempre eu falei em sala de macete ele é fundamental no cursinho pré-vestibular. Ele é importante, mas quem é que descobre o macete? São aqueles professores que sabem o conteúdo. Eles sabem fazer o programa de uma, duas três quatro maneiras diferentes, ele escolhe aquela melhor maneira e dá para o aluno e nada daquelas receitas: minha terra tem 56 palmeira onde canta o sabia seno a, cosseno b mais seno b cosseno a; sabe fica perdendo uma oportunidade de ouro de mostrar esse conteúdo, vou dar só isso ai, e vamos fazer problemas. Quer dizer, assim o aluno está pensando que está aprendendo e não está aprendendo! Quer dizer eu sempre tive isso muito cedo tive isso na minha cabeça, o cursinho é uma negação. Eu me preparava para entrar em sala de aula, mas é uma negação do 2º grau, pois o aluno acha que não aprendeu nada durante o seu primeiro grau e no 2º grau, nos primeiro e segundo ano, acha que vai aprender tudo no terceiro, porque o professor é muito bom e vai fazer com que ele aprenda. Isso é um engano grande, não tem tamanho. Eu fui muito influenciado por professores, por Ronaldo, eu paguei umas três disciplinas, duas disciplinas. Liliane: Mas era de Didática? Professor Antônio Roberto: Não, mas tinha aquela coisa. Liliane: Era admirado Professor Antônio Roberto: Era admirado. Eu paguei duas disciplinas de Bacharelado com ele e já no Bacharelado ele dava um tratamento diferente até no Bacharelado ele dizia isso é muito importante às aulas eram sensacionais, tive a influência muito forte e tenho ainda dele. A meu ver ele foi o maior resolvedor de problemas que eu conheci na minha vida, ele é muito competente, eu tenho uma influência muito forte. Essa coisa de buscar pronto eu estou dando agora uma disciplina e finalmente ela chegou para mim, a teoria dos números, e eu chamo inicialmente com os alunos de teoria elementar dos números. Estou ministrando aritmética para os meninos e com o decorrer do tempo, vou dando com rigor, mas estou dando aritmética, os critérios, o que é um número primo, falando de forma sem rigor. Liliane: Professor, o senhor já ouviu falar do Movimento da Matemática Moderna? Como é que o senhor percebeu esse movimento? O senhor o percebeu? Professor Antônio Roberto: Bom, eu li um livro você deve conhecer: o Fracasso da Matemática Moderna. Ele fala bem e mal da Matemática Tradicional e fala bem e 57 mal da Matemática Moderna. Tudo era conjunto, então o pessoal passava erradamente, quer dizer, na época eu não percebia essa coisa não, mas passava um tempão estudando conjunto, conjunto está contido aquela coisa, mas acho que ela foi mal administrada, depois eu vejo isso, o pessoal deixou de dar bem as quatro operações, para dar conjuntos, um elemento pertence ou não, muito preocupado com aquela simbologia sabe. Liliane: Mas o senhor como aluno do Atheneu consegue lembrar desse conteúdo? Professor Antônio Roberto: Muito pouco, os professores usavam os livros, como os de Marcius Brandão, Oswaldo Sangiorgi, mas o livro de Ari Quintela, Carlos Calante. O Abecedário da Álgebra era todo a aquela linha tradicional, pesado mesmo, no sentido de fazer é tanto que não vingou essa Matemática Moderna ela não vingou. Liliane: Mas lá na Escola Técnica o senhor não abordava esses conteúdos? Professor Antônio Roberto: Do comércio já tinha essa coisa do professor Ubiratan D’Ambrósio com seu pai Nicolau, eles já escreviam, eu achava o livro muito gostoso. Liliane: Mas tinha essa parte da teoria dos conjuntos? Esse conteúdo era abordado por vocês? Professor Antônio Roberto: Não, não abordava. Liliane: Então você enquanto professor não pegou essa coisa da “conjuntivite”? Professor Antônio Roberto: Peguei, porque a conjuntivite foi, quer dizer eu comecei em 82, quando eu entrei no Município, mas eu não ficava muito tempo ensinado esse conteúdo. Tinha colegas que passavam um semestre inteiro, conjunto está contido, conjunto universo, conjunto vazio, essa coisa, é muito complicado isso aí Liliane: Mas porque ficava um semestre todo? Por que achavam o conteúdo complicado? Ou alguém? Naquele momento a sociedade? 58 Professor Antônio Roberto: Eu acho que era a sociedade que exigia, a comunidade do ensino de Matemática, olha tem que ser feito assim, eu fazia Liliane: Dava as aulas só que não levava esse tempo todo? Nas reuniões pedagógicas entre vocês, discutiam isso? Como era? Professor Antônio Roberto: Discutíamos, tínhamos duas supervisoras. Liliane: Vocês chegavam a tratar desse assunto, sobre Matemática Moderna? Quando falavam em Matemática Moderna se associava aos conjuntos ou mais alguma coisa? Professor Antônio Roberto: Matemática Moderna era principalmente conjuntos e conjuntos. Assunto muito importante, eu acho. Como é que eu diria? Eu acho perigoso, você falar que está falando da teoria dos conjuntos, acho muita presunção, conjunto é uma coisa muito importante. Liliane: Por quê? Professor Antônio Roberto: Porque conjunto você utiliza no cálculo combinatório. Conjunto dos números naturais, você introduz o conceito de funções que é muito importante. Ele deve ser bem tratado nas primeiras séries eu ficava muito preocupado com o livro que vinha o conceito de conjunto, com a idéia de agrupamento, dá a idéia de coleção e na página seguinte ele diz que conjunto vazio não tem nenhum elemento, isso é muita abstração! E, na outra, seguinte, ele dizia que o conjunto vazio está contido em qualquer conjunto. Isso é muita abstração, eu entendi essas coisas, fazendo o curso de Matemática. É o conjunto vazio, você faz partição. É uma coisa muito complicada, alguns conceitos que foram introduzidos, eu acho que foram introduzidos, erradamente, eu ficava muito incomodado em dar o conjunto vazio para o menino entender. Liliane: Por que não tinha aquelas respostas naquele momento, até para compreensão do aluno. Professor Antônio Roberto: muito complicado. 59 Liliane: Vocês chegaram a fazer algum curso fora do estado que falava sobre isso? Professor Antônio Roberto: Não Liliane: Lembra de algum evento que possa ter havido aqui em Natal? Professor Antônio Roberto: Veio o professor Scipione Pierro Neto Liliane: Quando? Professor Antônio Roberto: Entre 1975 e 1982. Liliane: Mas era o quê? Quem promoveu isso? Professor Antônio Roberto: Acho que era a Secretaria, não tenho mais certeza, a Secretaria de Educação do Estado ou do Município, não sei. Ele veio com o interesse de vender seus livros, muito sincero,mas os livros eram bons. Liliane: Mas houve algum destaque para a Matemática Moderna? Professor Antônio Roberto: Houve destaque, mas muito ligado para a parte de Geometria Plana, aquela parte, quer dizer bem complicada que eu acho muito complicado, aquele formalismo exagerado, que só faz afastar as pessoas da Geometria. Eu acho que o resgate, me lembro de um professor, ele muito preocupado com a questão da Geometria, de resgatar a Geometria, porque os professores não aprenderam, quando alunos e quando era para dar eles não davam, porque não sabiam dar, mas essa parte de conjunto, Matemática Moderna, eu me lembro toda vida do professor Scipione, ligando a Matemática Moderna com a Geometria, veio aqui em Natal também o Gelson Iezzi, o Osvaldo Dulce, voltados para o Ensino Médio Liliane: Esses encontros se davam aonde? Professor Antônio Roberto: Se davam..., quer dizer. eu não fui! Liliane: E vocês ficavam sabendo como? 60 Professor Antônio Roberto: Através da direção, a escola comunicava e era muito importante porque a gente discutia, jogava, por exemplo, essa questão do conjunto vazio, do conjunto universo. Liliane: Mas vocês não tinham a oportunidade de discutir entre vocês professores na escola para esclarecer mais? Professor Antônio Roberto: Não estou aqui dizendo que eu estou certo e ele errado eu acho que é como dizia o Kline, nem tanto como o artigo na revista do professor de Matemática, nem tanto Álgebra, nem tanto Aritmética, nem tanto..., quer dizer você sabe que a Matemática é calcada em três pilares. A questão da conceituação, a manipulação de fórmulas e as aplicações e eu acho que a vinda da Matemática como ela veio as pessoas se esqueceram. Liliane: E de que jeito ela veio? Professor Antônio Roberto: Ela veio assim, aqui os livros! Liliane: Ah, então ela chegou aqui, através dos livros. Professor Antônio Roberto: Através dos livros. Liliane: O professor estudava? Mas comparando com os professores que passavam mais tempo se dedicando a Matemática Moderna o senhor passava menos tempo, isso se deve a que? Professor Antônio Roberto: Porque era uma coisa nova e tudo que é novo você fica meio ressabiado Liliane: Lecionava a Teoria dos Conjuntos e seguia o capítulo do livro a seguir. Professor Antônio Roberto: Exatamente, muitas vezes eu fiz isso, é claro que fiz. Muitas vezes, você dava uma coisa como se conjunto fosse uma coisa e o resto fosse outra, não fazia a conexão. 61 Liliane: Normalmente, vinha no começo do livro, quando chegou algum livro especifico que tinham que seguir ou vocês pesquisavam em vários livros? Ou chegou um livro e aquilo ali é que valia? Professor Antônio Roberto: Não me lembro agora o livro que adotava. Eu me lembro muito do Oswaldo Sangiorge, tinha também o Álvaro Andrini Liliane: Lecionava tudo que tinha no capítulo de conjunto, de ponta a ponta e os alunos aceitavam? Professor Antônio Roberto: Sim. Liliane: Não tinham muitas dificuldades? Professor Antônio Roberto: Os professores não tinham a habilidade de fazer essa conexão, também tem aquela coisa muito forte de você rejeitar o novo e faltava muito. Liliane: E vocês rejeitavam o novo pelo fato de não saberem ou não? Professor Antônio Roberto: Também. Liliane: Mas o senhor particularmente aceitou? Professor Antônio Roberto: Aceitei com grandes dificuldades de fazer essa conexão. Depois é que comecei a ver, fui amadurecendo e vendo que coisa linda, você nas funções, eu não digo na teoria das funções, eu acho muita presunção você dizer a teoria das funções, você vê as funções elementares no começo, mas tem que ver bem as funções. Liliane: E nas provas, na hora do senhor avaliar os alunos, como é que o senhor cobrava essa parte de conjuntos? Professor Antônio Roberto: Já nessa época eu já tinha essa preocupação, por exemplo, de mostrar o principio da inclusão e da exclusão aquela famosa fórmula que aparece nos livros [n(AUB)= n(A)+n(B) – n(A∩B)]. Eu fazia aquilo, mas não aplicava nos problemas, era como se fosse uma revolta. Pedia para eles fazerem o 62 problema sem precisar ficar com a fórmula, a receita sabe e tanto que os alunos na resolução de problemas, eles diziam assim professor não precisa de fórmula. Liliane: Mas desde que o senhor conheceu esse conteúdo, que o senhor agia desse modo? Professor Antônio Roberto: Não, no começo eu usava a fórmula. Liliane: Logo que percebeu que dava para resolver os problemas sem a fórmula, começou a resolvê-los sem a fórmula? Professor Antônio Roberto: Isso, para você ver como são as coisas a gente vai amadurecendo. Quando estudávamos análise combinatória o professor dizia tudo é arranjo, combinação ou permutação, mas não é assim todos esses três tipos de agrupamento podem ser explicados muito bem por um princípio só ou dois princípios da adição e o principio fundamental da contagem, principio multiplicativo, o principio da inclusão e da exclusão, o principio da reflexão, o principio das gavetas. O triângulo de Pascal, quando eu vejo esses probleminhas, esses problemas de conjuntos você pode reparar, você vê esses probleminhas, no capítulo conjuntos depois você não vê mais, você vê intervalos e você vai usar quanto vai resolver uma inequação, mas você não faz a ponte, mas aí a gente vai aprendendo. Liliane: Por que vai estudando, o senhor não teve um curso não teve nada, não foi preparado para isso, foram os seus próprios estudos que o fizeram conhecer tal teoria? Professor Antônio Roberto: Tive a felicidade muito grande de pegar o irmão Marista, era o vice – diretor do colégio Marista, do Colégio Santo Antônio. Liliane: Como era o nome dele? Professor Antônio Roberto: Querginaldo. Não sei mais o sobrenome dele. Ele viu em mim um apaixonado pela Matemática, então ele me deu um livro em Francês, foi quanto me interessei em aprender a língua francesa e nós discutíamos alguns momentos, e ele lançava muitas perguntas, alguns questionamentos. 63 Liliane: Mas ele era matemático? Professor Antônio Roberto: Matemático Liliane: E dava aula no Marista? Professor Antônio Roberto: Não dava, ele era vice-diretor, ele era uma espécie de supervisor da escola, mas ele tinha a formação de Matemática, ele morou algum tempo na França. Liliane: Teve todo esse contato com a Matemática Moderna? Professor Antônio Roberto: Aí tive a felicidade de aprender com ele . Liliane: Ainda tem esse livro? Professor Antônio Roberto: Pois é eu emprestei esse livro. Liliane: Alguma coisa que eu não perguntei que o senhor gostaria de falar? Professor Antônio Roberto: Não. Liliane: Muito obrigada! 64 5 Transcrição da Entrevista realizada com o Professor Bhaskara Canan Entrevista realizada em 18 de agosto de 2008 Liliane: Por gentileza, fale-me o que você sabe sobre seu pai, em relação a sua escolha em ser Professor de Matemática. Bhaskara Canan: Dos 7 aos 15 anos foi vendedor ambulante, aos 16 anos foi servir a Marinha, durante a Segunda Guerra Mundial, onde descobriu que conseguia estudar Matemática, sozinho, passando a comprar todos os livros que podia e também passando a ensinar aos outros marinheiros. Depois da Guerra foi transferido para a Aeronáutica onde continuou a ensinar. Quando deixou a Aeronáutica passou a ensinar em casa até ser convidado para ensinar no Colégio Atheneu e depois em outras escolas. Liliane: Ele serviu à aeronáutica ao mesmo tempo em que à Marinha? Bhaskara Canan: Serviu a Marinha durante a Guerra, depois serviu a aeronáutica. Liliane: Por que então dava aulas de Matemática? Bhaskara Canan: Porque gostava, dava aula, até de graça. Liliane: Conseguia conciliar o tempo? Bhaskara Canan: Sim Liliane: O senhor foi aluno da Escola Estadual Atheneu, na época que o seu pai era professor? Bhaskara Canan: Sim. Liliane: Em que ano foi isso? Bhaskara Canan: Entre os anos de 1970 e 1975. Liliane: Por que não foi aluno dele? Bhaskara Canan: Ele nunca admitiu. 65 Liliane: O professor Josafá Cordeiro foi seu professor? Bhaskara Canan: Sim Liliane: Em que ano? Bhaskara Canan: Entre 1970 e 1975. Liliane: Como eram as aulas dele?Quais os conteúdos de matemática que ele ensinava? Bhaskara Canan: Teoria dos conjuntos. Liliane: Qual o livro didático que ele utilizava? Bhaskara Canan: Marcius Brandão Liliane: O professor Josafá utilizava algum outro material didático, além do livro? Bhaskara Canan: Não lembro. Liliane: Há alguma coisa que não perguntei que o senhor gostaria de falar-me? Bhaskara Canan: Não. Liliane: Muito obrigada pela sua colaboração. 66 6 Textualização da Entrevista realizada com a Professora Zélia Maria de Moura E-mail enviado a referida professora em 10 de setembro de 2008. E-mail recebido, com as repostas aos questionamentos, em 20 de outubro de 2008. Lendo e relendo seu e-mail, cheguei à conclusão de que, se fosse responder suas questões enumeradas como você organizou eu cairia no círculo vicioso da repetição. Primeiramente, entendi na sua leitura, que você deseja informações inteiramente distintas que não têm muito a ver uma coisa com a outra: Maria Nalva Xavier e Plano Experimental são duas coisas distintas e não se batem, de jeito nenhum, portanto, optei por descrever o que sei, sobre uma coisa e outra coisa. Uma carta "informativa" para você, dentro de um todo que aconteceu no século passado, mais precisamente 1970, ano em que trabalhei no Rio Grande do Norte, como Técnica em Educação, a serviço da Educação do Rio Grande do Norte, através do convênio MEC/INEP/USAID. Belo Horizonte concentrava o grupo de técnicos em educação que coordenava os técnicos enviados aos Estados do Nordeste. No Recife, ficava o grupo de americanos (USAID) assessorados por outros tantos técnicos em educação das Gerais e também de São Paulo e do próprio Recife. É como se fosse assim: técnicos de nível central (Rio de Janeiro) e depois Brasília (MEC); técnicos de nível intermediário (MEC/INEP/USAID). Técnicos em Educação que executavam a programação e selecionavam as pessoas (nós) para alguns estados nordestinos. A mim coube aceitar ou não o convite, a proposta. Aceitei e trabalhei, neste convênio, primeiramente Fortaleza/CE, por três anos; Maceió/AL, três anos. Em 1970, fui indicada para Natal/RN. Lamentei demais deixar os dois Estados anteriores, mas não cabia recusar. Nossa ligação era tão somente com a equipe sediada em Belo Horizonte que, por sua vez, se ligava com a equipe central sediada em Recife, todos através do mesmo convênio, o MEC/INE/USAID. Respondo por mim: minha ligação sempre foi com a equipe de Belo Horizonte, com quem mantinha permanente contato via relatórios técnicos sobre o trabalho que realizava junto à Secretaria de Educação, no caso, do RN. Nunca nos interessou as articulações do MEC, INEP com a USAID. Esta introdução me situa no trabalho que 67 realizava junto aos técnicos da Secretaria de Educação do RN, aonde cheguei, repito: em 1970. Sobre Maria Nalva Xavier de Albuquerque, grande profissional em Educação, personalidade de caráter firme e honesto, baluarte da Educação no Estado. Conheci Nalva de perto, convivi longos anos com ela e aprendi muito com a mesma. Nalva nunca teve absolutamente nada com o Plano Experimental. No início do meu trabalho Nalva chefiava o então Primeiro NURE (Núcleo Regional de Educação). Depois foi convidada/convocada para coordenar o setor do Livro Didático, na Secretaria de Educação, cujo trabalho foi ligado diretamente com o MEC. Nesta época, eu coordenava o Plano Experimental de combate à Evasão e Repetência no Ensino Primário, minha função específica, em Natal. Meu trabalho era então ligado à SEC. Nossa função: orientar os 14 professores de 5 Grupos Escolares de vários bairros de Natal. Em chegando a Natal os 14 professores já estavam escolhidos para assumirem as 14 classes de primeira série nos respectivos grupos escolares. Nossa tarefa principal sempre foi preparar pedagogicamente esses professores, visitar semanalmente ou mais que isso as salas de aula desses professores, fazer reuniões semanais com o grupo deles, corrigir distorções pedagógicas (quando havia), enfim motivá-los continuamente para o bom desempenho da missão de alfabetizar bem seus respectivos alunos. O treinamento a que você indaga, nos meses tais e tais, derivaram da realidade da SEEC e disponibilidade dos professores. Esses professores deveriam seguir anualmente seus próprios alunos, na linha de continuidade do trabalho, sem diferenciar em nada do que determinava os Programas Oficiais do Ensino em todo o Estado. Nós, técnicos, por se tratar de um convênio, levávamos conosco nosso salário de professora que éramos, em Minas, acrescido de uma gratificação mensal, advinda do convênio a que me referi no início, deste relato. A nós, mineiras nos Estados do nordeste, nunca nos interessou saber, indagar os termos do convenio central-MEC/INEPUSAID. A nós bastava realizar o trabalho técnico pedagógico junto às escolas, equipe central da SEC e senhor Secretário de Educação, com os quais mantínhamos constantes reuniões para prestação de contas pedagógicas. O tempo que durou o convênio também não consigo me lembrar. Quando tomamos conhecimento do término do convênio, ainda no século passado, recebemos da equipe central a orientação para retornar ao Estado de Minas, pelo menos em Natal, a equipe central da Secretaria, o 68 Senhor Secretário de Educação, técnicos centrais que atuavam junto ao Secretário, valorizando nosso trabalho demais, não nos deixaram retornar às origens (MG). Assim, o governo do RN se articula com o governo de MG e nos propuseram contratos para permanecermos em Natal. Valeu a idéia. Valeu tanto que no RN permaneci por trinta anos, ao todo. Assessorando a SEC e concursada que fui, na UFRN, permaneci aí, sendo aposentada do Departamento de Educação da UFRN. Natal representa minha Segunda Pátria, onde recebi o título de Cidadã Natalense. Resumo e articulação de outras indagações suas: se Nalva exerceu outras funções no Estado eu não sei. O que sei é que veio para Natal da cidade de Ceará- Mirim, acredito que diretamente para a equipe central, onde desenvolveu, como lhe disse, brilhante trabalho. Sobre seu "Caderno de Matemática", eis o que sei. Depois do falecimento de Nalva, certo dia, sua filha Teozinha (Teodolinda é o seu nome) convidou-me para ajudá-la a preparar o Plano de distribuição dos livros que compunham sua biblioteca pessoal, enorme, linda por sinal. Nalva era uma leitora brilhante, não só comprava tudo que lhe interessava, como era também contemplada com livros de algumas editoras. Levamos algum tempo para pensarmos juntas o melhor destino p/ os livros preciosos de Nalva, verdadeira relíquia pessoal. A esta altura, o Estado já havia criado uma Escola com o nome de MARIA NALVA XAVIER DE ALBUQUERQUE, que funcionaria no ano seguinte. Separamos muitos para este fim. À época, eu trabalhava no Instituto Kennedy, coordenando o Registro Escolar do Curso Superior de Pedagogia, o primeiro no Brasil. Os livros mais técnicos, alto nível foram então direcionados à Biblioteca do Instituto Kennedy e caderno de Matemática a que você se refere foi levado junto com todo o acervo e eu lamento informar-lhe que não tenho nenhum dado sobre a existência do mesmo. Fui amiga particular de Nalva, mas nunca soube de alguma ligação específica da parte dela com a Matemática. Nalva foi polivalente em matéria de ensino. Gostava de tudo e se envolvia com tudo. Quanto à Nancy Gomes dos Santos, nunca pertenceu ao Plano Experimental. Com a saída de Nalva para a equipe central da SEC, Nancy foi convidada para ser diretora do Primeiro NURE. As cinco Escolas e os 14 professores pertencentes ao Plano eram direta e administrativamente ligados ao 1º NURE. Enquanto coordenadora do Plano Experimental, sempre me dei muito com Nancy que não criava nenhum obstáculo ao trabalho da equipe central. Nancy, depois, foi 69 trabalhar comigo no Setor de Inspeção Escolar a nível central da SEEC, onde fui coordenadora por algum tempo. Dali Nancy também foi concursada pela UFRN e se aposentou lá. Leonice de Medeiros Lima também foi técnica em Educação a nível central da SEEC. Não tinha ligação específica com o Plano Experimental. A Matemática ensinada no Plano Experimental não se destacava em nada das demais matérias que compunham o Programa de Ensino Primário da SEEC. O tratamento pedagógico tinha igual peso e medida. Quero esclarecer a você que tudo que realizei aí, sobre Educação, setores que administrei, etc, absolutamente tudo ficou rigorosamente documentado por mim. Tudo ficou arquivado: Secretaria de Educação, Instituto Presidente Kennedy, cargos administrativos que assumi. Comigo, para as Gerais, nada trouxe. Espero ter contribuído de alguma forma com sua pesquisa. O que lhe disse no início, nada de documentos do que realizei em Natal, veio comigo. Tudo era, a cada época, entregue aos respectivos dirigentes dos setores competentes. Boa sorte no seu trabalho. Algo mais, estou ao seu dispor. 70 7 Entrevista realizada com o Professor Francisco Canindé de Oliveira E-mail enviado ao referido professor em 10 de setembro de 2008. E-mail recebido, com as repostas aos questionamentos em 24 de outubro de 2008. Liliane: Na década de 70 o senhor ensinava em que escolas? Professor Francisco Canindé: Atheneu. Liliane: Nessa década de 70 já se falava nas escolas sobre o Movimento da Matemática Moderna? O que é que se falava? Professor Francisco Canindé: Sim, Falava-se numa nova maneira de ensinar Matemática. Liliane: O que significava Matemática Moderna naquela época para os professores de Matemática? Professor Francisco Canindé: Uma nova metodologia, na qual usava-se a teoria dos conjuntos para o ensino de funções. Liliane: Como a Matemática Moderna chegou até vocês professores? Professor Francisco Canindé: Através das editoras, com o lançamento dos novos livros. Liliane: Como era feita a escolha dos livros didáticos? Professor Francisco Canindé: A escolha era feita por meio de reuniões com os professores da disciplina e a orientação do setor pedagógico. Liliane: Qual o livro didático utilizado pelo senhor no Atheneu, em 1974? Professor Francisco Canindé: O livro adotado era Matemática, volume 1, do autor Gelson Iezzi e outros da editora Moderna ( Para o primeiro ano do curso científico). Liliane:O senhor conheceu os professores Teófilo Canan, Josafá Cordeiro e José Ivaldo? Fale, por gentileza, um pouco sobre eles. 71 Professor Francisco Canindé: Conheci o professor Teófilo Canan. Uma pessoa simpática e bastante justo e rigoroso com seus alunos. Liliane: Nos arquivos do Colégio Atheneu, encontrei um diário de classe, do ano de 1974, que constavam os seguintes conteúdos que o senhor havia ministrado no 1º ano? Turma D: Relações binárias. Reconhecimento de uma função. Produto cartesiano. Função (identidade, constante, par, ímpar, linear, quadrática). Produtos notáveis. Quadrado da diferença. Adição, subtração e multiplicação de polinômios. Equação do 1º grau. Sistema de equações do 1º grau. Por que não foi ministrado, nesse ano, pelo senhor Teoria dos Conjuntos? Professor Francisco Canindé: Apesar de não constar no diário de classe, o assunto (teoria dos conjuntos) era introduzido na medida em que o conteúdo se fazia necessário. Liliane: Há algum assunto que eu não perguntei que o senhor gostaria de falar? Professor Francisco Canindé: Não. Liliane: Professor Canindé, mais uma vez, agradeço a sua colaboração. Muito grata. 72 8 Transcrição da Entrevista realizada com a Professora Nancy Gomes dos Santos Entrevista realizada em 22 de outubro de 2008 Liliane: Por gentileza, fale-me sobre o Curso de Treinamento de Professores Leigos do RN. Professora Nancy: O Ministério da Educação, visando o treinamento de professores tem promovido muitos cursos, todos com as mesmas características e eu conheci esses cursos, porque eu participei direta ou indiretamente. Todos com as mesmas características, só mudando a forma, por exemplo, o primeiro curso que eu conheci, em todo país, porque a gente tinha uma representação, em cada unidade federal, foi o PAMP. Não há mais nada sobre o PAMP porque a ignorância de certos técnicos da Secretaria da Educação fez desmemoriar, colocando arquivos fora. Liliane: Esse foi um dos motivos que senti dificuldades, na realização desse trabalho. Professora Nancy: O primeiro curso que surgiu com a iniciativa do Ministério da Educação convênio com o INEP para capacitar professores leigos, foi o PAMP (Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário), nesse período era um número muito grande de professores leigos. Liliane: Que época era isso? Professora Nancy: Nos anos 60. Uma senhora que assumiu a coordenadoria técnica da Secretaria de Educação achou que estava fazendo muito bem, destruindo o arquivo. Eu ia fazer minha pesquisa sobre esse curso, eu fui coordenadora, a nível nacional, aqui no estado. Substitui Maria Sampaio. Hoje não se faz uma pesquisa sobre o PAMP, pois essa senhora tinha queimado todo o arquivo, isso é uma ignorância a gente não tem memória, além de não ter memória às pessoas ainda 73 contribuem para reforçar essa falta de memória. Não tem nada sobre o PAMP. Você pode encontrar pessoas que participaram direta ou indiretamente, mas assim, especificamente, em Matemática e em Língua Portuguesa, por que o objetivo primordial do PAMP, a própria sigla diz Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário, porque a maioria dos professores, principalmente, aqui na capital, era leiga e, no interior, era quase 100% leiga. O que era leigo na época? Aquele que só tinha o primário, às vezes só tinha até a quinta série. Na capital, por incrível que pareça nas periferias, tinham professores leigos. Então o Ministério propôs o PAMP, a nível nacional, que tinha o apoio do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), que implantou, em cada Estado, uma coordenação. Era um curso que se realizava nos períodos de férias, com aulas presenciais e aulas a distância. Aulas presencias, você sabe, quando era nos períodos de férias, o professor se deslocava da sua cidade e vinha receber aulas. Existiam vários centros de treinamento, em Natal, Mossoró, Caicó, Pau dos Ferros. Liliane: Eu encontrei informações sobre esse evento nos jornais das décadas de 60, mas não com a sigla PAMP e sim com o nome de Curso de Treinamento para Professores leigos. Professora Nancy: É o PAMP, é porque a pessoa, ao em vez de colocar treinamento, é o mesmo PAMP, mas o objetivo não era treinar não, era capacitar. Eles realizavam esse curso por etapas. Ele terminou quando foi promulgada a lei 5692, que reformulou o ensino de primeiro e segundo graus, ai ele foi extinto. Você sabe que o Governo, o Ministério..., como eu disse a você as características são as mesmas, só muda o conteúdo, as características são as mesmas, só muda a forma, esse curso não durou um ano só, ele durou depois de 63, 64, 65. Quer dizer eu fui a coordenadora do Estado Liliane: No Arquivo Público, encontrei o relatório de Carmem Machado, sobre o Curso. Professora Nancy: Carmem da Silva Machado. Ela coordenava muito bem, era uma das coordenadoras do Centro de Treinamento, em Caicó. Agora, a nível de estado nós não temos nada, porque fazíamos, exigíamos um relatório de cada coordenadora. Seja de Mossoró, Caicó, Pau dos Ferros, Santa Cruz, Nova Cruz, 74 Natal. Elas mandavam o relatório, que consistia mais em números, as disciplinas que eram ofertadas naquelas etapas, porque tinha a primeira a etapa, a segunda, a terceira etapa,quatro etapas. O objetivo era exatamente formar professores à medida que o professor concluía as quatro etapas. Eu lembro que no tempo de Aluizio Alves, como Secretário de Educação, eles imediatamente concediam o diploma. O professor conseguia o diploma a nível pedagógico, agora tinha todas as disciplinas Língua Portuguesa, Matemática... Liliane: A senhora não tem um relatório, então, guardado? Professora Nancy: Nada, porque foi tudo arquivado. Não adiantava ficar com um relatório. Liliane: E esses arquivos que a senhora disse que se perderam? Professora Nancy: Foram queimados. Liliane: Como? Foi incêndio? Foi queimado de propósito? Professora Nancy: Foi posto fogo. Eu não sei a mentalidade dessas pessoas. Liliane: Então esses arquivos do PAMP foram queimados? Professora Nancy: Eu fui atrás deles, na Secretaria de Educação, porque nesses relatórios você poderia ter todos esses dados, quantos professores foram treinados, naquela etapa, você tinha o número de centro de treinamento de formação, o número de professores formados em cada etapa, as disciplinas lecionadas e também o aspecto financeiro, o dinheiro vinha, o recurso financeiro vinha do MEC, em nome da própria coordenadora, depositado no Banco do Brasil. Então aqui nós fazíamos com base nas diretrizes que vinham lá do INEP, a distribuição desses recursos. Liliane: Esses recursos que a senhora acabou de dizer, que vinham do INEP, mas tinha algo a ver com o convênio MEC/USAID? 75 Professora Nancy: USAID não tinha nada com isso, o INEP, você sabe que o INEP é ligado ao Ministério da Educação e Cultura. Não tivemos nenhuma ligação com a USAID. Para mandar professores para o exterior, aí tinha dinheiro da USAID. Tínhamos-nos até um órgão aqui no Estado, acho que cada Estado tinha, mas para a construção para melhorar a gratificação do supervisor, porque tinha. Nas aulas presenciais os alunos professores recebiam, mas quando eles voltavam para a sala de aula, eles não tinham o acompanhamento dado pelo supervisor. Em geral, mesmo o supervisor tinha sido o professor do curso. Então ele precisa. O Estado pagava pouco e esses recursos complementavam a gratificação do supervisor. Liliane: Inclusive aquelas bolsas do PABAEE, o convênio MEC/USAID colaborava financeiramente, com essas bolsas. Professora Nancy: Você lembrou muito bem eu fui até ex-aluna do PABAEE. Liliane: Eu soube que a senhora viajou também para Belo Horizonte, a senhora recebeu bolsa do PABAEE? Professora Nancy: Recebi. Liliane:A senhora foi como coordenadora do Curso de Treinamento? Professora Nancy: Não, fui como aluna, fazer especialização. Liliane: Em que? Professora Nancy: Em Educação a Pré-escolar, fomos duas daqui, do RN. Liliane: As duas para fazer especialização em Educação Pré-escolar? Professora Nancy: Não, uma foi para Matemática, outra para pré-escolar ou Estudos Sociais. Liliane: A senhora não lembra o nome dessa pessoa que foi para Matemática? Professora Nancy: Terezinha Garcia. 76 Liliane: Foi só ela? Professora Nancy: Eu tenho o telefone dela, para Matemática, só foi ela. Liliane: Nessa época! Tiveram outras oportunidades? Professora Nancy: Não. Nós só tivemos esse curso que era para formar uma equipe de supervisores que era para acompanhar exatamente os cursos, os professores, que estavam sendo beneficiados por esses cursos que vieram depois, foi a primeira equipe de supervisores. Liliane: Depois pode ter tido, em outro momento, outra equipe, ido para o PABAEE, fazer curso em Minas Gerais ou não? Professora Nancy: Tiveram, antes de nós, outras pessoas que fizeram curso no PABAEE, mas não formaram uma equipe de acompanhamento, não sei, agora a equipe que participei, que foi fazer o curso do PABAEE, era formada por nove professores, que foram selecionados. Nós, imediatamente, ao voltarmos fomos nomeados Supervisores de Ensino e esses, nessa época, na Secretaria, eu acho muito importante esse contexto porque a Secretaria de Educação adquiriu uma nova estrutura, no ensino do RN, porque antigamente ainda tava no Centro do Departamento de Educação, mas a coisa foi inchando..., inchando..., que ela tomou a forma de Secretaria de Educação. Eu me lembro que, nesse tempo, era Tarcisio Maia o Governador e como Secretário. Então a Secretaria assumiu uma nova configuração. Ela era muito centralizada, então se criou os órgãos intermediários, que eram as Inspetorias de Ensino. Essas inspetorias intermediavam o trabalho de Educação entre a Secretaria e as Escolas e recebiam essas pessoas os supervisores com a designação, com a gratificação. Essa gratificação era muito pouca, ele tinha o salário como professor e tinha mais essa gratificação da USAID. Liliane: Quer dizer que a USAID participou dessa forma? Professora Nancy: Quando chegamos do PABAEE, percebemos a participação da USAID, se me lembro bem, foi no governo de Aluízio Alves, não sou partidária, não sou militante de nenhum partido, mas acho que o ensino tomou essa forma assim 77 moderna, não foi nem contemporânea, porque contemporânea à gente está agora, mas essa forma moderna foi no governo de Aluízio Alves, pois com os recursos da USAID, construiu escolas, a construção do Instituto Kennedy, por exemplo. O próprio Presidente Kennedy veio aqui inaugurar. Lembro como se fosse hoje, os recursos também eram para pagar professores, para construção de escolas, então a estrutura educacional do RN, acredito que em todos os Estados, tomou um avanço enorme tanto no aspecto físico, como no aspecto técnico-pedagógico e essas pessoas que foram treinadas nesses cursos, em Belo Horizonte, logo quando chegavam nos Estados de origem, elas recebiam a função de Supervisoras, com gratificação que recebiam da USAID. A nível intermediário, isso não quer dizer que a Secretaria não deixou de centralizar não, antes desse curso tudo era feito. Nós tínhamos pessoas que vinham de fora, do RS para cá, nós éramos muito carentes de professores, eram leigos. Então veio gente de Belo Horizonte, professores do RS, professores do RJ, para exatamente formar uma equipe e dar assessoramento. A Secretaria de Educação a nível central, então a coisa era muito centralizada, ficou ainda muito centralizada. As provas eram realizadas na própria Secretaria de Educação, eu me lembro essa equipe de supervisão, por exemplo, de Matemática. Eles redigiram as apostilas de Matemática, era centralizada demais, a de Estudos Sociais, cada supervisor fazia a sua apostila e entregava ao Centro de Estudos e Pesquisa Educacional (CEPE) que era o órgão que central que coordenava a nível de secretaria todo o ensino do Estado, era a pessoa do RS. Liliane: Então, provavelmente, a professora Terezinha Garcia pode ter elaborado essa apostilas para ser aplicadas nesses cursos de treinamento? Professora Nancy: Pode. Ela ficou localizada, o interessante é que eram nove professoras aqui do RN. Liliane: Mulheres todas ou tinha homens também? Professora Nancy: Não tinha homem, não. Mas em todos os Estados iam cinco ou seis, mas aqui do RN fomos nove, então logo que as pessoas chegavam aqui elas eram localizadas. A Secretaria passou por uma reformulação, passou a ser Secretaria. Uma nova configuração, uma estrutura administrativa e pedagógica. Criaram-se as inspetorias de ensino, criaram-se os inspetores de ensino, e essas 78 inspetorias no começo eram sete inspetorias como eu disse: Mossoró, Caicó, Paus dos Ferros, Santa Cruz, Nova Cruz e Natal eu tive a experiência já no fim, em 1971 a 1974, de ser inspetora da primeira inspetoria em Natal, mas os cursos do PAMP já tinham terminado. Como eu estava falando, a centralização continuou e tudo era feito no nível de Secretaria e os inspetores serviam de intermediários entre a Secretaria e as escolas, levavam as apostilas, levavam as provas, acompanhavam os estudos, promoviam estudos em torno daquelas apostilas e acompanhavam a aplicação das provas. Liliane: E as provas, quem elaborava? Professora Nancy: Era a Central. Tínhamos essa equipe, no CEPE, que eu ti falei. As pessoas que vinham do INEP, de Belo Horizonte, elas eram distribuídas entre as inspetorias de ensino, no CEPE (Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais), então quem elaborava essas apostilas eram as pessoas que ficavam localizadas no CEPE. Nem os inspetores de ensino, nós éramos intermediários, eu tive um tempo como supervisora intermediária. Nós apenas recebíamos, colecionávamos, grampeávamos, dividíamos o material, a parte quantitativa e distribuíamos o material e a nossa parte era acompanhar o estudo dessas apostilas. Liliane: Eu perguntei sobre as provas porque encontrei no relatório da professora Carmem Machado algumas provas de Matemática, que foram aplicadas no terceiro curso de treinamento, em Caicó. Nas provas constavam os nomes das professoras Célia Santos, Avani Medeiros, Iolanda Lima Lobo, que na época tinha ficado doente e teve que se afastar, sendo substitutída por Avani Medeiros. Professora Nancy: Então elas fizeram algumas adaptações, porque as diretrizes gerais elas eram mandadas do CEPE, então na Secretaria de Educação nós tínhamos um órgão central que era o CEPE, um órgão intermediário que era a Inspetoria de Ensino, que ficavam localizados os supervisores e tínhamos a equipe de base, que eram as escolas. Nada chegaria as escolas se não fosse a intervenção do CEPE. Continuou ainda muito centralizado. Liliane: Mas alguma coisa ainda sobre esse treinamento que a senhora queira falar? 79 Professora Nancy: Oh! O treinamento é muito interessante, embora para mim signifique só quantidade e não qualidade, eu não sei se tinha algum cunho de natureza política, não sei, só sei que nós tínhamos muitos professores leigos no Estado, nos tínhamos o Aluízio Alves, a família Alves, que dominava a política do RN, do lado os Alves, do outro, os Marinhos, que era de Dinarte Mariz. A parte positiva que eu achei e acho é que na época os professores eram leigos e como leigos eles ganhavam muito pouco. Na maioria das vezes eles aprendiam com os próprios alunos. Nós visitávamos muitas escolas isoladas e na maioria das vezes eles sabiam menos que os próprios alunos, então eu, particularmente, achei positivo a existência desse Curso de Treinamento por isso, afinal no ponto de vista de categoria e no ponto de vista financeiro, melhorou um pouco a situação do professor, além de deixar de ser leigo por conta desses cursos. Quando eles terminavam as etapas, que eu não estou bem lembrada quantas eram, o governador visitava cada inspetoria com aquela pompa toda. Cada inspetor preenchia e distribuía os certificados. O governador comparecia a solenidade. Era uma alegria, tanto do pessoal da Secretaria, como os professores, que, naquele instante, deixavam de ser um professor leigo e passavam a ser um professor de Curso Pedagógico, acho que hoje é o Magistério. Eu achava isso positivo, hoje eu tenho as minhas restrições, outra visão de educação. Liliane: A senhora conheceu Donzídia, professora de Matemática, no Curso de Treinamento, em Angicos? Professora Nancy: Não. Eu conheci, essas duas meninas que você falou antes. Liliane: Célia. A senhora tem o contato ela? Professora Nancy: Deve estar aposentada. Ela chegou a ensinar na Faculdade. Liliane: Será que a gente consegue o contato delas? Professora Nancy: Se você conversar com Carmem, por telefone, sabendo se ela ainda mora lá... Liliane: A senhora tem o contato de Carmem? 80 Professora Nancy: Não tenho, mas sei onde ela mora. Ela também ensinou na Universidade, ensinou no centro avançado da Universidade, em Caicó. Foi inspetora e pediu transferência. Ensinou aqui na equipe de estrutura comigo e com outros professores. Nós fomos colegas de Estrutura e Funcionamento de Ensino de Primeiro e de Segundos graus e depois que nós nos aposentamos, tivemos alguns contatos, independente de ensino, contato pessoal, não a perdi de vista, porque sei onde ela mora, só não tenho o endereço escrito aqui. Liliane: Fale mais sobre o curso do PABAEE, por gentileza. Professora Nancy: O PABAEE era o programa de assistência ao ensino elementar, ele entrava mais com recursos financeiros e o INEP, a nível de país e dentro do Ministério, tinha uma equipe a nível nacional e outros estados mais avançados como o RS , o próprio estado das MG. Nós tivemos, aqui, por muito tempo, professores do RS, que estavam na equipe central, porque eles tinham um nível de formação mais elevado e de MG que ficaram por muito tempo. Eles recebiam dinheiro por conta do PABAEE. Liliane: Quanto tempo foi esse curso em Belo Horizonte? Professora Nancy: Só o pré-escolar, por exemplo, eu fiz o pré-escolar, a gente não estudava Português, só a parte pré-escolar, tinha uma professora. A temática do curso era uma parte pré-escolar, se fossemos fazer Estudos Sociais, tinha aulas só de Estudos Sociais, Matemática tinha aulas só de Matemática, Ciências... Nós também tivemos uma pessoa na parte de ciências. Interessante é que a Secretaria de Educação, nessa época, antes de 63, em termos de formação de professor, fazia dó. Até na Escola Normal... Sabe quem ensinava, os professores da Escola Normal, possuindo somente o ginásio normal? Não sei se você escutou... Foi D. Chicuta. Ela foi diretora da Escola Normal, mas ela nunca fez o Magistério. Valentina que foi até coordenada do ensino médio na Secretaria de Educação foi diretora do Atheneu, possuindo ginásio normal que era o maior curso, o nível mais elevado de ensino, naquela época, que o professor podia ter era o Ginásio Normal, porque, inclusive, nós não tínhamos faculdade aqui, em Natal. Assim, as pessoas saiam daqui para Alagoas para fazer Direito. Depois, começou, por exemplo, a faculdade, ai eles botaram o curso de Direito, mas ainda não era Universidade, era Faculdade de 81 Direito aí as pessoas não iam mais para Alagoas, nem Recife. Faziam aqui mesmo. Era muito precário o nível de formação de professores, era precário demais, porque isso, em se tratando de ensino de 1º grau e 2º grau, que é a denominação dada hoje, ensino primário e ensino médio, naquela época, o maior nível de habilitação era o professor que tinha o Ginásio Normal e eram poucas as pessoas que vinham de Belo Horizonte, do Programa de Aperfeiçoamento do Curso de Magistério do Ensino Primário, PABAEE. Posteriormente, fomos a São Paulo, passar dez meses as mesmas pessoas. Daqui só foram duas, só passaram duas, a Terezinha Garcia que fez Matemática e eu que fiz Estudos Sociais, então nós íamos com o objetivo de atuar nas escolas normais para suprir o quadro de docentes das Escolas Normais. Liliane: E isso foi depois de ir para Belo Horizonte? Professora Nancy: Foi depois, em 1966, daí depois de 1966, as pessoas sempre eram as mesmas, porque estava ali na Secretaria. Antes disso, com muita tristeza eu digo a você, vi as bolsas de estudos, nós já tínhamos a Faculdade de Filosofia, que hoje é a Fundação José Augusto. As bolsas se perdiam. As pessoas que não foram para Belo Horizonte, nem São Paulo, fizeram Pedagogia e fizeram habilitação em Matemática, nessa faculdade de Filosofia. Por exemplo, Zilda Lopes, não sei se você ouviu falar. Liliane: Sim, encontrei o nome dela nesse curso de treinamento. Professora Nancy: Logo depois ela foi Secretária de Educação. Então como eu estava dizendo, a experiência foi continuando. Aproveitavam essas pessoas para fazerem o encaminhamento de curso. Nós fizemos durante dez meses, onze meses, supervisão na área da Escola Normal, logo depois fui ensinar na Escola Normal. Terezinha novamente fez na área de Matemática só foram duas aqui do RN. Mas, como eu estava dizendo a você, o critério de distribuição de bolsas de estudos era o seguinte: era o Quem Indique (QI). Liliane: Esse curso era o de São de Paulo, o de Belo Horizonte, também? Professora Nancy: Não. De Belo Horizonte não, supria as vagas. 82 Liliane: Como foi o critério de seleção de pessoal para Belo Horizonte, para o curso do PABAEE? Professora Nancy: O de Belo Horizonte foi também quem indique, mas eu não fui quem indique, não! Lembro-me que quem coordenava e distribuía as bolsas de estudo era Maria Alexandria Sampaio, professora, todo mundo aqui conhece. Lembro-me que eu estava ainda fazendo faculdade, estava fazendo licenciatura em História e eu morava em uma casa, com um tio meu, não morava com mamãe e eu queria a todo custo sair para fazer o curso. Então meu tio disse: “- Vai, Nancy, pedir uma bolsa”. Eu fui, mas a pessoa que me atendeu disse-me que não tinha mais vaga, porém eu sabia que tinha vaga. “Ah! Está bem, vou terminar meu curso de História!” Disse-me. Terminei meu curso. Fiz bacharelado e ia fazer licenciatura. Um dia a coordenadora do CEPE, que era do RS, Lia Campos, andou de escola em escola e foi observando os professores e não sei porque (eu estava ensinando o primário, já tinha o pedagógico), ela olhou para mim e disse-me: “-Tu não queres preencher um formulário?” Porque vinha um formulário, então eu respondi: “- Não, D. Lia, eu terminei bacharelado e vou fazer licenciatura. Ela insistiu, dizendo-me: “- Preencha, se você for aprovada ou não, tudo bem. Assim, preenchi o formulário. Oito dias depois o formulário chegou. É claro que eu fui, pois além do formulário, chegaram as passagens. Liliane: Tudo pago, hotel também? Professora Nancy: Sim. Com a verba do INEP, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Nós íamos com os nossos salários, mais essa bolsa do INEP e como era Aluízio Alves que governava, ele esteve lá, pelo menos, em Belo Horizonte, que era compadre do governador. Nós fomos reclamar que a bolsa era precária, que não dava para pagar os estudos e que os salários também eram precários e ele prometeu que, assim que chegasse ao RN, mandava uma gratificação para todo mundo. Para você ver, como a coisa da política é forte, a politicagem é forte! Imediatamente, no mesmo mês, nós tivemos aumento no pagamento no nosso salário. Nós não pegávamos no dinheiro, o INEP pagava diretamente ao Instituto de Educação, que era o local onde nós freqüentávamos as aulas. Liliane: Mas vocês ficavam em hotel? 83 Professora Nancy: Ficamos em hotel. Mas esses recursos, onze mil cruzeiros, uma coisa assim, foi muita coisa, então, quando eles queriam, eles faziam isso. Então foi possível continuar ainda esses cursos de capacitação de professores a nível de Secretaria, a nível intermediário. Teve o de SP. Foram selecionadas duas: eu e Terezinha. Duraram dez meses e tinham bolsas também para irem para os Estados Unidos, as pessoas eram selecionadas, mas eu confesso a você que eu nunca me interessei, eu queria na verdade era fazer faculdade, eu nunca me interessei, mas de repente, nessa época, eu estava coordenando o PAMP, eu tinha acabado de coordenar, pediram meu currículo, nós tínhamos uma técnica... Liliane: Era Zélia Moura? Professora Nancy: Não. Zélia Moura era mineira. Maria Andrade que veio por conta do INEP para trabalhar a nível central no CEPE, Centro de Estudos Pedagógicos, e tinha outras pessoas, também, de outros Estados que não estou me lembrando e tinha os americanos que vinham acompanhar o curso. Liliane: Esse curso de treinamento? Professora Nancy: Acompanhar tudo, tudo... Liliane: Esses americanos por certo eram os responsáveis pelo convênio MEC/USAID? Para ver se os recursos estavam sendo bem aplicados. Professora Nancy: Exatamente, inclusive eu cansei de viajar com eles pelo interior. Liliane: Eles iam? Nas solenidades? Professora Nancy: Pelo menos aqui, no RN, eles iam. Liliane: O nome de Zélia, eu encontrei como sendo técnica da DAP. O que significa essa sigla? Professora Nancy: DAP era da estrutura do ministério de Belo Horizonte. De lá veio Zélia, Maria Andrade, Natália. Você ouviu falar em Natália? 84 Liliane: Esses americanos, eles ficavam em hotéis, aqui, e iam sempre na Secretaria? Professora Nancy: Ficam em hotéis e sempre iam na Secretaria de Educação. Liliane: Antes de 1960, quando o mais elevado grau de alguém, era aquele que tinha o Ginásio normal, a senhora sabe dizer alguma coisa sobre aqueles cursos do MEC, que se chamou Curso de Suficiência, que também formou muitos professores? Professora Nancy: Não sei, porque não trabalhei nele, mas sei que existiu tanto de Ciências, como Esquema I, Esquema II. Liliane: E o que significa Esquema I, Esquema II? Professora Nancy: Esquema I e II era mais um convênio com a Secretaria de Educação, o objetivo era o professor que tinha o bacharelado, mas não tinha a formação pedagógica. Liliane: Mas já tinha uma graduação. Professora Nancy: Mas, por exemplo, cobriu muito a clientela dos professores da Escola Técnica Federal hoje, naquele tempo era Escola Técnica Federal então a clientela professores graduados eles tinha a graduação, mas não tinha formação pedagógica. Liliane: Encontrei o seu nome com o da professora Leonice de Medeiros Lima, dizendo que vocês eram as coordenadoras do Plano Experimental para a Escola Primária para 1970, a senhora lembra desse Plano Experimental? Professora Nancy: Sim, exatamente. Liliane: O que a senhora pode nos dizer sobre ele? Professora Nancy: Era só para as Escolas Normais. Liliane: O Plano Experimental? 85 Professora Nancy: O Plano Experimental era centralizado na Secretaria de Educação. Eu me lembro que nos fizemos, pelo menos, eu fiz, duas viagens a Recife com a coordenadora do CEPE que, na época, era Anilda Menezes. Nós tínhamos um encontro em Recife para discutir o andamento do Plano Experimental. Liliane: O que era o Plano Experimental? Professora Nancy: Olha, eu confesso a você, com sinceridade, eu não achei muita vantagem não, por exemplo, nós dávamos aulas para maioria dos professores do Pré e do Jardim de Infância. Liliane: Estava voltado para alfabetização das crianças? Professora Nancy: Exatamente. Eu me lembro que eu fui dar uma aula no jardim da infância, que hoje eu já mais daria essa aula. Agora, a nível de base atingia poucas pessoas, agora a nível central, porque tantas pessoas ficam localizadas no CEPE, quando na parte intermediária nas inspetorias de ensino, eu confesso a você que não achei muita vantagem no plano experimental, é tanto que eu não tenho nem lembranças, quem coordenava o plano experimental aqui em Natal era Anilda Menezes eu fui como técnica em Educação e Leonice foi técnica de educação na base do pré-escolar não tínhamos gratificações, tínhamos encontros e reuniões, mas a vida escolar eu, particularmente, achei que deixou muito a desejar . Liliane: Agora eu li nesse relatório que tinham 14 professoras. Elas tinham aulas de Português e de Matemática, como também de outras disciplinas. O objetivo, conforme, escrito no relatório, desse Plano, era para ver se as crianças aprendiam a ler e a escrever, ai eu fiquei me perguntando: Por que a Matemática tinha o mesmo peso da Linguagem, se o objetivo era esse? Professora Nancy: Você viu isso no próprio relatório? Liliane: No próprio relatório. Porque o número de aulas destinadas a Linguagem era a mesma destinada a Matemática, mas a preocupação do plano era com a Linguagem, tanto que os testes finais, com as crianças, não tinha teste de Matemática, só tinha teste de nível oral para saber se as crianças sabiam ler. 86 Professora Nancy: Olha, eu confesso a você que esses planos de treinamentos de professores, a Secretaria, com o MEC deixavam muito a desejar. Veja a contradição: o ensino em termos de qualidade não melhora, como também em termos de quantidade, você um político vai para televisão e diz: “-no meu tempo, quando eu estivesse na Secretaria, eu alfabetizei três mil crianças”, a gente sabe que isso não é verdade, então não admira que tenha havido tantos planos e que irão acontecer outros planos, agora, nós estamos no Pró-básica, estive no CAC como uma das coordenadoras e o ensino continua a mesma coisa e se você for pegar uma criança ela vai ter dificuldade em Matemática, em Leitura, em interpretação. Liliane: Mas alguma coisa professora, sobre o Plano Experimental? Professora Nancy: Nessa época era Manoel Vilaça, o Secretário de Educação, não tinha essa mania de fazer politicagem. Era aproveitar o curso. Até os supervisores das inspetorias. Ele distribuía os certificados do Magistério, mais no interior, nos centros de treinamento do interior, que o governador fazia questão de ir a todos os centros. Teve lá Santa Cruz. Lembro-me que o Presidente Kennedy esteve aqui. Liliane: A professora Terezinha Garcia deu aulas nesses cursos de treinamento? Professora Nancy: Deu sim, ela era muito boa! Liliane: Qual era o Centro dela? Professora Nancy: Natal. Ela era muito boa, na época, em Matemática. Liliane: Faz tempo que a senhora não tem contato com ela? Professora Nancy: Faz muito tempo. Liliane: Mas ela,certamente, lembra da senhora? Professora Nancy: Lembra, claro! Uma amiga telefonou para mim pedindo para telefonar para Teresinha e eu fiquei assim meio, ela tinha acabado de fazer cirurgia, ai eu fiquei assim, será que Teresinha está doente? Ela me deu o telefone dela. Eu posso lhe dar e você tentar saber se ela está viva, porque ontem eu só faltei cair 87 para traz, pois eu fiz um curso de mestrado com uma das melhores colegas da Elizabete, que era professora do ETFRN, e da Universidade e ontem eu soube que ela tinha morrido, faz quatro anos que ela morreu eu não acredito. Não sei, a gente perde as pessoas de vista, os passos da gente vão diminuindo. Liliane: Muito obrigada pela sua valiosa colaboração. 88 9 Transcrição da Entrevista realizada com a Professora Teresinha Garcia de Melo Entrevista realizada em 23 de outubro de 2008 Liliane: Como foi que a senhora, naquela década de 60, se formou Professora de Matemática? Professora Teresinha: Naquela época, quando eu terminei o curso pedagógico, que hoje se chama Magistério eu fui logo ensinar em classe do Ensino Fundamental. Naquela época, era o primário. Fui professora primária, durante quatro anos, numa Escola chamada Alda Marinho, aqui em Natal mesmo, na Avenida Café Filho. Então entusiasmada, porque eu fui professora por vocação, por amor, por dedicação, trabalhei com crianças, na época, 2º ano primário, 3º ano primário, então naquela época a estrutura da Educação não era como a de hoje, mas já existia alguma coisa em termos de orientação, de supervisão pedagógica. De repente, eu fui convocada, convidada pela minha orientadora, na época, Maria Costa, para que eu fosse fazer um curso de especialização para o ensino primário, em Belo Horizonte, ou seja, na equipe de Belo Horizonte. Era recém chegada de treinamento, aperfeiçoamento de trabalhos nos Estados Unidos, convocou várias pessoas, professores de vários estados para participarem desse treinamento, dessa programação, ou seja, os recém chegados dos Estados Unidos fariam uma equipe, trabalhariam com professores, para que aqueles professores indo lá, quando voltassem se transformassem em professores orientadores do Ensino Primário. Na época, já precisamente o programa era o PABAEE, dito assim, de passagem, uma verdadeira Universidade. Na época, a carência de faculdade tanto para a gente chegar era muito restrito fui uma das convidadas, convocadas e comecei a trabalhar então chegando lá acho que foi uma grade especializações durante seis meses nos tínhamos a oportunidade de optar por várias disciplinas ou matérias referentes ao ensino primário, principalmente em termos de metodologia. Foi muito interessante, muito válido, na área de Ciências era Ciências Físicas e Biológicas, realmente era 89 Ciências que a gente trabalhava , era Matemática, ainda não era Matemática inclusa em Ciências, era separada, Estudos Sociais, Psicologia e outras afins. Eu fiz opção por Matemática, porque achava que meus alunos, naquela época, já tinham uma certa dificuldade de compreender melhor a Matemática e eu de transmiti-la. Então, passaram-se seis meses. Eu sentia-me muito realizada, junto aos colegas da minha equipe, pois estava descobrindo novos horizontes, não para trabalhar com a dimensão que depois me foi oferecido e, sim com a minha classe restrita de alunos, na Escola Alda Marinho, tudo bem terminou o curso. Liliane: Isso em mil novecentos e quanto? Professora Teresinha: Em 1963. Ficamos lá de abril a junho. Foi um curso muito intensivo e a gente então passava por várias áreas, como iniciantes e a especialização, naquela que a gente tinha feito, a minha opção era difícil: Matemática. Liliane: Aí foi onde tudo começou? Então, a senhora se tornou professora de Matemática pelo curso do PABAEE? Professora Teresinha: Exatamente, durante o curso eu sonhava, eu começava a ver aquela mudança em Matemática, que a gente estava começando bem precisamente era a Matemática compreensivamente. Eu sempre chamei isso, porque antes era só decoreba e meu sonho era, quando eu chegasse, aqui, em Natal, trabalhar com meus alunos, fazer com os meus alunos, um laboratório. Quando eu terminei, digo assim de passagem, realmente entre outras pessoas que estavam presentes, daqui do Estado, na minha área, fui convocada para trabalhar na Secretaria de Educação, que na época a Secretaria de Educação tinha uma estrutura voltada para o atendimento direto em sala de aula. Nós tínhamos equipes especializadas para trabalhar com os professores, em sala de aula, eram os treinamentos. Quando eu cheguei, para minha surpresa, já fui, no dia seguinte, fazer parte da Equipe da Secretaria e, naquela época, tinha um órgão que se chamava o Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais, o CEPE. Fiquei ali trabalhando, realizada. Na semana seguinte, já fui convocada, intimada a ministrar aos professores o que havia aprendido em Belo Horizonte. Nesse momento, disse a mim mesma: “- Meu Deus, como é que a gente chega com a cabeça tão cheia e, de 90 repente, uma semana depois a gente vai enfrentar uma equipe de professores que estavam esperando o máximo da gente?” Liliane: Que é o curso de treinamento de professores leigos? Professora Teresinha: Não, ainda não eram os professores realmente atuantes em sala de aula, eles estavam sendo treinados procurando, porque a Secretaria sempre se preocupou em dar em oferecer o melhor em termos pedagógicos para os alunos, então eu fui já para ir, daí, então, foi quando eu comecei uma semana após a minha chegada, foi excelente, foi maravilhoso, como se diz tremendo demais, enfrentei aqueles professores, aquela sala de aula para trabalhar Matemática na minha perspectiva, uma perspectiva nova, inovadora. Então, comecei a atuar até a época de me aposentar como pessoa que trabalhava a Matemática, que até uma época foi chamada de Matemática Moderna, logo depois pela década de 70, surgiu a febre da Matemática Moderna, junto ao que a gente chamava a entrada das noções de conjunto, um dos conteúdos que realmente não era visto antes. Bem no decorrer disto aí, minha cabeça já organizada e eu entusiasmada surge, concomitantemente, a época de professores leigos. O Estado era muito carente em relação a professores. O Estado tinha poucos professores formados em Magistério e uma gama muito grande de professores leigos que é onde nós vamos chegar agora. Comecei a trabalhar com os professores leigos de Natal, transmitindo algum conhecimento novo, em termos de metodologia. Liliane: Que a senhora aprendeu lá no PABAEE? Professora Teresinha: Lá no PABAEE. Liliane: E a Matemática Moderna que a senhora citou, também foi lá no PABAEE? Professora Teresinha: Não lá em Belo Horizonte não foi essa Teoria dos Conjuntos, lá em Belo Horizonte, foi a metodologia aplicada ao ensino da Matemática, entendeu? Método da descoberta que eu não ouvia falar, ensino pela compreensão, uso de material didático que facilitasse a compreensão dos alunos e logicamente a minha porque antes eu partia do princípio que somente era decorar. 91 Liliane: Eram os americanos que davam aulas? Professora Teresinha: Não. Foi a equipe de Belo Horizonte, que tinha se especializado nos Estados Unidos, havia críticas no sentido de que a gente ia aplicar o conhecimento dos Estados Unidos, no Brasil, mas muito válida, uma riqueza de material para facilitar a compreensão do aluno. Foi quando começaram aparecer a minha visão sobre o flanelógrafo, o quadro valor de lugar, e outros materiais. Liliane: Lá vocês viram tudo isso? Professora Teresinha: Tudo isso! Liliane: Do RN, além da senhora que foi para o PABAEE estudar Matemática, tinha mais alguém? Professora Teresinha: Tinha também na mesma época. Liliane: Lembra quem foi? Professora Teresinha: Não, lembro de algumas pessoas, mas não sei bem, depois como elas ficaram, sei que elas voltaram para as salas de aulas. Liliane: Vamos retornar. Houve o convite da dona Maria Costa para ir a Belo Horizonte. Professora Teresinha: Inclusive Nancy foi e escolheu a área de Estudos Sociais, daí então se intensificou os cursos de treinamentos para professores leigos e eu comecei. Liliane: Foi em 1963 o primeiro? Tiveram três? Professora Teresinha: Não sei. Não me lembro se foi o primeiro em 63, eu sei que atuei bastante foi na década de 60, quando eu cheguei de Belo Horizonte, em junho de 63, e ai houve uma seqüência de treinamento de professores leigos e aonde foi a minha experiência mais, além de ter sido em Natal, logo que cheguei, na outra semana, ainda em junho, os professores leigos, eles tinham um treinamento de seis 92 meses, aqui, em Natal. Eram professores leigos de todo o Estado e então eu não saí mais, até realmente acabar todos os professores leigos e ficarem habilitados e eu continuando na Secretaria de Educação com a área de Matemática, sendo assim atuante, com mais força em todo o Estado. Liliane: A senhora recebeu um titulo do PABAEE? Como era, naquela época, para senhora poder dar aulas de Matemática, feito o curso do PABAE, recebeu alguma coisa? Professora Teresinha: Recebi. Liliane: Certificado, que permitia que a senhora ensinasse Matemática? Como era? Professora Teresinha: Não era assim especificamente, era curso de especialização para o ensino elementar o PABAEE, Programa de Assistência Brasileira Americana ao Ensino Elementar, então esse documento nós podemos até chamar de diploma, entre aspas, era o que realmente dava continuidade para a gente atuar com toda segurança. Eu e outras pessoas, em outras áreas. Trabalhei todo tempo com professores leigos, concomitantemente, também professores graduados até que, na época, vale salientar que eu não tinha curso superior era professora no mesmo nível daqueles que estavam ali, efetuando-se os leigos, então na década de 70 a nossa chefe deixou de ser da CEPE, uma mudança de estrutura passou a ser um órgão de ensino de 1º grau e nós teríamos que fazer um curso superior, porque a gente atuava com todos os professores, principalmente eu, que atuava com todos os professores do Estado, na área de Matemática e tinha professor de curso superior, o qual eu não tinha. Então fui para a faculdade, fiz completamente diferente, fiz Pedagogia, mas continuei trabalhando com Matemática, porque era minha experiência passada adquirida, antes estava continuando até eu me aposentar. Fiz várias propostas de ensino, tanto para o ensino rural como o da capital. Liliane: Essas propostas de ensino como foram? A senhora tem registros delas? Alguma apostila, alguma coisa? Professora Teresinha: Não. Foi um documento. Até pouco tempo eu tinha, era um documento. Um programa que a gente tinha, uma programação para professores 93 oficialmente registrado pela Secretaria de Educação, então tivemos a primeira, a segunda e tivemos ainda outras. Comecei a atuar, na década de 80, junto ao município. Liliane: Quais eram os conteúdos envolvidos nesses cursos de treinamento? Lembra? Professora Teresinha: Eram conhecimentos básicos em Matemática, eram as operações, sistema de numeração, os conteúdos mesmo elementares básicos para o ensino para aprendizagem da Matemática. Liliane: Utiliza algum livro, como era que chegava o material para o aluno? Como era assim o planejamento dos professores? A senhora planejava? Não planejava? Sentava com os outros professores de Matemática? Como é que se dava isso? Professora Teresinha: É realmente a gente, tudo isso, nessa época, se dava de cima para baixo, existia a equipe a nível central da Secretaria de Educação, então nós com mais outras pessoas também, ali, colegas de outra área elaborávamos material para chegar aos professores em termos de apostilas. Liliane: A senhora fazia parte desse grupo que elabora as apostilas? Professora Teresinha: Eu, realmente, sempre dava a palavra final, sem nenhuma pretensão, era minha porque a gente fazia todas as apostilas, todas as orientações, toda a documentação e espalhava pelo Estado. Liliane: E as provas que eram aplicadas nesses cursos de treinamento para os professores, em Mossoró, Angicos, Caicó, Paus dos Ferros, etc., eram feitas na central e ia para todos esses lugares? E as provas de Matemática era o professor de cada local que elaborava ou também vocês elaboravam e ia a mesma prova para todo mundo? Professora Teresinha: Como assim, em que termos? Liliane: Pergunto, porque encontrei um relatório sobre o curso de treinamento na cidade de Caicó e nesse continham as provas de Matemática, de modo que as 94 professoras do Curso de Treinamento, de Caicó, aplicariam essas provas para os professores leigos. Aqui, em Natal, não tinha isso? Professora Teresinha: Não, assim especificamente não tinha não. Liliane: Não tinha prova ou não era feita avaliação? Professora Teresinha: Porque nós recebíamos o professor leigo certo, orientávamos na época. Professora Teresinha: Em Natal, onde foi que eles ficaram? Professora Teresinha: Ah! Eles ficaram em vários locais, professores leigos ficavam hospedados, me lembro bem, no Instituto Padre Miguelinho, parece que na Escola Djalma Marinho. Liliane: E onde aconteciam as aulas? Professora Teresinha: Lá mesmo, no ambiente deles, onde estavam hospedados. Era precário, então a gente centrava eles. Liliane: A senhora chegou a dar aulas para eles? Professora Teresinha: Sim. Liliane: E foi em qual local que a senhora deu aula? Lembra? Professora Teresinha: No Instituto Padre Miguelinho, na Escola Winston Churchil, na Escola Augusto Severo e também pelo interior. Eu viajei muito trabalhei muito com eles. Em relação as provas, a avaliação do curso, que tinha a duração de seis meses, em duas etapas ou três, as provas a gente fazia em termos de avaliação para o professor, mas que somente para comprovar aquele conhecimento que a gente, na época, tinha que era transmitido para eles e ele recebia depois o seu diploma, voltava a sua cidade e nós ficamos acompanhando, assim duas vezes por ano, uma vez por ano, indo aos locais nos quais eles tinham retornado. 95 Liliane: Então, provavelmente essas provas que eu encontrei foi a própria equipe do local que elaborou. Não vieram da Secretaria para todo mundo aplicar não, a mesma prova para todas as cidades? Professora Teresinha: A prova que você diz para os professores leigos era elaborada no local, onde eles estavam localizados, agora houve uma época também isso tempos atrás, quando eu comecei, que as provas para os alunos eram elaboradas pela Secretaria de Educação. Na época, eu não fazia parte, as provas para medir o conhecimento do aluno. Houve uma época que era oriunda da Secretaria de Educação, mas logo depois acabou, não tinha mais, a partir de 65 ou 63. A gente não fazia esse trabalho. Liliane: E a senhora participou da elaboração dessas provas? Professora Teresinha: Não. Liliane: Os conteúdos que eu encontrei no relatório são: contagem, operações fundamentais, essas coisas expressões numéricas, frações, números decimais, sistema de numeração decimal, numeral romano, geometria, sistema métrico. Mas veja que não falava de teoria dos conjuntos Professora Teresinha: Não. É o que eu digo a você, até ai tudo muito bem, voltando de Belo Horizonte, começando a trabalhar, pensando nesses conteúdos básicos, adição, as operações, a parte da Geometria. Surgiu na década de 70 à teoria dos conjuntos, a Matemática Moderna apareceu, foi a febre do conjunto. Nessa eu embarquei também, porque até quando a gente estava em Belo Horizonte, à gente não teve aquela dimensão de conjunto. Começamos a trabalhar realmente os conjuntos, até que algumas vezes houve equívocos que a gente pensando que os conjuntos iam ser trabalhados isolados dos outros conteúdos e nós, eu precisamente, colocava os conjuntos dentro da adição, dentro da subtração, da multiplicação, e outros conteúdos. Liliane: Mas já no curso de treinamento de professores leigos fazia isso? 96 Professora Teresinha: Não. Somente depois, em torno de 1970, que a gente começou a encontrar com os professores e a gente então intercalava os conjuntos. Liliane: Como eram esses encontros? Professora Teresinha: Pela Secretaria, sempre pela secretaria. Liliane: Mas tinham encontros anualmente, regulares? Professora Teresinha: Regulares, para todo Estado. Liliane: Mas os professores vinham para Natal, ou vocês iam até os interiores? Professora Teresinha: Bem até quando ele era realmente leigo a gente centrava aqui no Estado, na capital, em Mossoró e tal, tal e tal. Depois a gente começou a viajar. A Secretaria já ofereceu mais estrutura, a Secretaria mudou o seu tipo de trabalho e nós já íamos até onde eles estavam, através das inspetorias de Natal, de Caicó, de Mossoró. Liliane: E porque não tinha a teoria dos conjuntos no curso de treinamento? Professora Teresinha: Porque quando eu vim de Belo Horizonte, a gente já veio com a Matemática Moderna, mas Moderna no termo pedagógicos a gente trabalha com os professores leigos e chamava-se Matemática moderna, porque já usava o quadro de valor e lugar, a gente já usava a verbalização, certo que era a metodologia que a gente aplicava, que era moderna, porque não era mais dois e dois quatro e acabou. Liliane: Entendi Professora Teresinha: A gente tinha que lançar mão de algum recurso. Liliane: Estava pensando que essa Matemática lá do PABAEE era essa teoria dos conjuntos. Professora Teresinha: Não. A gente não pensava ainda, porque até lá no PABAE não se falava de conjuntos, falava-se em conjunto, mas em conjuntos, assim é um 97 conjunto de passarinhos, quatro passarinhos, três passarinhos, ai de repente você tinha na década de 70, aqui, em Natal a Teoria dos Conjuntos. Liliane: Como foi o surgimento, no RN, dessa Teoria dos Conjuntos? Professora Teresinha: Foi pelo livro didático, pois nos livros já aparecia teoria dos conjuntos, os capítulo seguintes eram de adição, sistema de numeração, etc., como se fosse um conteúdo a mais e depois precisamente posso dizer, comecei a trabalhar essa teoria dos conjuntos dentro de cada conteúdo específico. Liliane: A senhora se reunia para discutir com alguém sobre essa nova teoria? Professora Teresinha: Tinha mais alguém na Secretaria de Educação Liliane: Vocês discutiam esse assunto? Professora Teresinha: Exatamente. Liliane: Um grupo pequeno? Professora Teresinha: Sim. Liliane: Lá no PABAEE a senhora conheceu novas metodologias, mas também eram dados novos conteúdos, tinha um professor só para conteúdos, só para metodologia? Ou era tudo junto? Professora Teresinha: Não era tudo junto, um professor só, porque era voltado para o ensino primário, fundamental, então era um professor só, para trabalhar o conteúdo com a metodologia, ou seja, foi uma reestruturação pedagógica nos conteúdos trabalhados. Liliane: Mas não era um professor só para todo o curso de seis meses? Professora Teresinha: Só Liliane: Um só para os seis meses, e era lá de Belo Horizonte ou de outro lugar? Professora Teresinha: Não ele era de Belo Horizonte 98 Liliane:Não lembra do nome dele ? O nome desse professor? Professora Teresinha: Helena. Do que? Meu Deus! Não me lembro! Liliane: Tudo de novo: tinha vocês da Matemática, tinha outras disciplinas ou tinha só a disciplina de Matemática? Professora Teresinha: Não, lá tinham outras disciplinas, a gente ficava em Matemática. Liliane: Mas quem escolhia Matemática só estudava Matemática, durante seis meses? Professora Teresinha: Matemática e outras disciplinas, como, por exemplo, Psicologia. Liliane: E o que mais? Português? Professora Teresinha: Menina! Deixe eu me lembrar aqui! Liliane: Vamos lembrar! Professora Teresinha: Exatamente, a gente trabalhava Psicologia, as outras metodologias, a gente passava pelas metodologias das outras matérias também, Artes, também, confecção de material e outras matérias. Liliane: Como era o contato de vocês de Natal com as professoras de Matemática lá de Caicó, tinham esses contatos, lá de Mossoró, lá de Angicos? Não tinha? Professora Teresinha: Não, porque realmente como eu quero dizer da maneira mais clara, não assim, especifico, isolado, eram professores de sala de aula com a turma de Ensino Fundamental que trabalhavam Matemática, Estudos Sociais, Ciências, Português todas as disciplinas, então, nós, especialistas consideradas na época, trabalhávamos com aqueles professores naquelas áreas especificas. Liliane: Eu encontrei no Arquivos Público, no relatório, o nome de três professoras de Matemática, alias quatro, não sei se a senhora chegou a conhecê-las. Elas 99 davam aulas de Matemática, nesse treinamento, mas no interior. São elas: Donzídia Pereira Pinto, Célia Santos, Avani Medeiros e Iolanda Lima Lobo, a senhora conheceu algumas delas? Professora Teresinha: Sim, Célia Santos. Ela também esteve lá em Belo Horizonte, não na época que eu estive, mas um ano depois, nós fomos a primeira turma sabe. Liliane: Célia foi também para Belo Horizonte? Professora Teresinha: Donzídia, também foi. Liliane: A senhora sabe dizer se elas são vivas ainda? Professora Teresinha: Sim, pelo do meu conhecimento são. Uma delas, Donzídia, eu sabia que ela estava morando em João Pessoa ou Campina Grande e Célia continuava em Caicó e as outras também. Liliane: Então elas davam aulas no interior e a senhora dava aulas aqui, não tinha algum contato entre vocês, que eram professoras de Matemática? Professora Teresinha: Tinha. Às vezes, por exemplo, a Secretaria promovia uns encontros, vamos então trazer uns orientadores, na época eles chamavam os orientadores ou supervisores, aqui, para Natal, então nós nos encontrávamos sempre a cargo da Secretaria e essa, como órgão central, então a gente se reunia com os supervisores de Caicó, de Mossoró e tal, tal e tal, sempre nos encontrávamos. Liliane: Então vinham os supervisores? Professora Teresinha: Exatamente, ou nós íamos lá, também. Liliane: E nesses encontros planejam as aulas de Matemática, nesses encontros tinham esse momento? Professora Teresinha: Não, não planejava, especificamente, porque eles lá já tinham sido, uma palavra que eu não gosto muito, treinados por nós e a gente já distribuía, encarregava eles fazerem o trabalho. 100 Liliane: Quer dizer que as professoras Donzídia e Célia chegaram a ser treinadas por vocês? Professora Teresinha: Não. Célia, por exemplo, foi comigo, não comigo, foi depois também era a mesma linha de trabalho, certo! E ela lá já se encarregava em Caicó, precisamente, de multiplicar aquele treinamento e conhecimento com outros. Da secretaria da Educação, precisamente eu, saiu o quê? As propostas curriculares que nós fizemos, que saiam da Secretaria, chegavam as Inspetorias de Ensino, Caicó, Mossoró e tal; e as pessoas que estavam nesses locais já se encarregam de trabalharem e nos íamos encontrá-los para fazer a avaliação. Liliane: As perguntas que eu fiz de um modo geral a senhora já respondeu. Porque eu ia perguntar sobre o PABAEE e a senhora já falou. Sobre o retorno, que realmente vocês contribuíram, ajudando esses professores, multiplicando o conhecimento, mas o que eu percebi, uma coisa muito forte, foi a metodologia. A senhora citou flanelógrafo, porque realmente eu vi umas fotos do encerramento do curso das professoras leigas e, essas mostravam uma espécie de exposição, mostravam os materiais, aqui em Natal também teve isso? Quem é que financiava esses cursos? Como chegavam o pagamento dos professores ? Professora Teresinha: Precisamente a Secretaria de Educação, mas como sempre a Secretaria de Educação, sempre deixava a desejar, em termos financeiros, nós tivemos o apoio muito forte da SUDENE. Essa era o órgão de desenvolvimento do nordeste, eles liberavam verbas para a Secretaria de Educação, deram um apoio muito forte em termos de gratificação das pessoas, em termos de pagamento de hora aula. Liliane: A senhora não tem fotos para me mostrar? Fotos dessa época, ou certificado seu, essas apostilas que vocês elaboravam? Professora Teresinha: Não tenho. O certificado eu tenho. Posso lhe mostrar, inclusive eu estava pensando qual eram as disciplinas que a gente trabalhava no PABAEE. 101 Liliane: Depois que a senhora se formou pedagoga, se afastou um pouquinho da Matemática ou continuou? Professora Teresinha: Continuei. Liliane: Se aposentou quando? Professora Teresinha: Em .... Liliane: Mas ficou muito na Secretaria ou ficou atuando em sala de aula, em 70, 80? Professora Teresinha: Não. Eu fiquei na Secretaria de Educação até me aposentar, acho que em 91, mas sempre trabalhando na Secretaria de Educação e depois da minha formação pedagógica, formação de faculdade, eu continuei trabalhando com Matemática até o momento de me aposentar na Secretaria e depois de me aposentar eu ainda trabalhei muito, pois era muito convocada para ir para os professores do interior, dava cursos aqui em Natal, uns três anos ou quatro. Liliane: Vocês usavam livros, eles davam livros para vocês? Professora Teresinha: Tinha os livros básicos, de leitura. Liliane: Nos cursos do PABAEE, sempre ia alguém do RN? Professora Teresinha: Sempre, mas acredito que, nos últimos, tenha havido alguma mudança de organização, pois foi a época que surgiu a lei de ensino 5692, que já mudou um pouco o trabalho e agora as disciplinas do PABAEE de onde você não imagina como foi valioso, coisa velha que a gente guarda e acha que nunca vai usar. [Professora Teresinha mostra o certificado do PABAEE]. Liliane: Que legal! 405 horas! Metodologia da aritmética, muito legal a senhora gostaria de falar alguma coisa que eu não perguntei? Professora Teresinha: Se você tiver alguma coisa que falte você pode voltar aqui algum dia, a gente tem, mas, no momento, aqui tanta coisa que a gente nem sabe onde se encaixar, mas o que eu tenho a dizer que foi uma experiência muito boa trabalhar, trabalhei também algumas épocas na Universidade, com os projetos do 102 professor Cláudio, Sebastião, Fossa, mais alguns, Canindé, Robson, sempre havia necessidade da gente trabalhar dar orientações, dar uma nova visão que a gente tem da Matemática, voltada para melhoria do ensino. Sempre estava lá na Universidade, muitos anos eu trabalhei em projetos junto com eles e também a gente não esquecia de ver alguma coisa, tanto para o professor quanto para o aluno. Nós trabalhávamos voltados para o professor em termos de melhoria de ensino e para o aluno em termos de compreensão. Uma coisa que a gente começou a ver em Belo Horizonte e aqui em Natal, quando eu cheguei a trabalhar mais diretamente era com a verbalização do ensino, foi quando eu descobri já tinha três anos de prática de sala de aula o método da descoberta. Liliane: Explique, por gentileza. Professora Teresinha: O método da descoberta era voltado para a compreensão do aluno. O aluno deveria se perguntar: “- porque eu fiz isso? Porque deu esse resultado? Como eu fiz? Porque você diz que dois mais dois são quatro?” Fazia-se necessário a comprovação e outra coisa que eu achei muito importante era que nós não seguíamos aquele tradicionalismo, trabalhar sistema de numeração e quando terminava, trabalhar adição, subtração, com a teoria dos conjuntos a gente, com a minha intuição, pegava a teoria dos conjuntos e trabalhava, intercaladamente, fazia um trabalho, Sistema de Numeração, por exemplo, as medidas a gente não esperava que chegasse...ensinava, porque até 1962, 63 até 70, mais ou menos, a gente via que tinha que trabalhar a adição, subtração, multiplicação e não chegava ao final do programa, principalmente nos livros, não chegava ao Sistema de Medidas. Então nós demos uma reviravolta, pois em quanto trabalhávamos as operações fundamentais, trabalhávamos Medidas, Geometria e quando trabalhávamos conjuntos que na época era estático a gente já poderia trabalhar os conjuntos e alguns conteúdos, como Sistema de Numeração, divisão, etc. e foi uma grande reviravolta na década de 70 no ensino de Matemática. Liliane: A senhora via nos livros e sentia que havia essa necessidade ou a senhora fez algum curso? Ou discutia com alguns colegas? Professora Teresinha: Discutia com duas colegas. A Secretaria, como órgão central, era muito acreditada e a gente fazia realmente que aquilo fosse acreditado, 103 sem imposição, lógico, já fazia isso aí, mas antes disso, quando veio realmente a teoria dos conjuntos, trabalhava muito pelos interiores, difundindo pelos núcleos das inspetorias os conjuntos, quase que isoladamente, era o que aparecia nos livros e a gente já fazia o trabalho mais integrado com outros conteúdos. Liliane: A senhora já ouviu falar daquele Curso de Suficiência que formava professores, CADES? Professora Teresinha: Não cheguei a fazer. Fiz do PABAEE. Se bem que, quando eu fui fazer, em Belo Horizonte, tinha as modalidades pra a gente se especializar e eu optei por Psicologia, mas, depois, na mesma hora, pensando em meus alunos que quando eu sai aqui de Natal eu sai da Escola Alda Marinho para Belo Horizonte e pensando em trabalhar com todo aquele conhecimento que conseguisse em Belo Horizonte, trabalhar na minha sala de aula, no Alda Marinho... Eu preferi trabalhar com a Matemática, mas foi puro engano, porque, quando eu cheguei, já estava determinada para ir trabalhar na Secretaria de Educação e não no Alda, como eu desejava, pois era realmente lá que eu tinha mais condições de irradiar e na sala de aula, ali, ia ficar restrita. Liliane: Esse curso de treinamento foi um marco aqui no RN? Professora Teresinha: Foi. Com certeza. Liliane: Muitos professores, muita gente formada, teve alguma coisa nesse nível depois disso? Uma coisa assim forte como essa? Em outras décadas? Professora Teresinha: Teve assim, por exemplo, um curso, também, de muita validade, quando eu já estava na Secretaria foi um curso técnico de preparação para o pessoal de Secretaria, também participei, foram dez meses em SP, nesse também Nancy participou. Liliane: Era só para diretores, supervisores? Professora Teresinha: Não. Era geral, mas assim técnico, mas eu sempre voltando para a Matemática, tanto é que quando eu voltei para Secretaria, com esse curso para técnico, voltei mesmo para trabalhar com a Matemática, nunca deixei desde de 104 1963, até me aposentar, que eu nem me lembro. E acima de tudo a renovação do ensino de Matemática porque você sai do curso pedagógico sem essa renovação. Liliane: A senhora fez o Magistério, não viram isso no Magistério? Professora Teresinha: Não, a gente não via. Na época era o pedagógico, era só aquelas matérias básicas: História, Geografia, Educação Física, então quando eu cheguei no PABAEE foi um marco realmente, pois nós admirávamos o trabalho de Matemática, bem diferente, na minha opinião foi o básico par a renovação do ensino da Matemática. Liliane: E quando a senhora chega aqui, logo tem um encontro com os professores para falar tudo o que aprendeu no PABAEE! Professora Teresinha: E tudo isso para passar para eles! Liliane: Esses professores eram aqui de Natal, ou vinham do interior de todos os locais? Professora Teresinha: Não. Na época, eram aqui de Natal, na primeira semana que eu trabalhei eram os professores de Natal, que a gente começa com os locais mais próximos. Liliane: A senhora foi uma divulgadora dessa renovação do ensino da Matemática? Professora Teresinha: Pronto, a palavra exata! Liliane: A senhora divulgou, mostrando para eles o que a senhora aprendeu no PABAEE e eles certamente multiplicaram esse conhecimento. Professora Teresinha: Multiplicador e como também a Teoria dos conjuntos, muitos cursos aqui em Natal, sem querer, eu me tornei estrela da Teoria dos conjuntos. Liliane: E como foi isso? 105 Professora Teresinha: Porque eu, empolgada, entusiasmada, estudava muito e a Secretaria de Educação divulgava meus trabalhos, através dos professores e eu viajei o estado todo, divulgando a Teoria dos Conjuntos. Liliane: Dando cursos? Como eram os cursos? Professora Teresinha: Eu me lembro que a gente pegava assim os conjuntos, na época, a gente, era assim repetitivo o que tinha nos livros a gente ia para lá dizer, porque nem todos os professores tinham a oportunidade de estudar sobre conjunto unitário, conjunto vazio, pertence, não pertence. Tudo isso que a gente via na época. Liliane: A senhora lembra do autor do livro? Professora Teresinha: Sangiorgi. Esse sempre foi o meu livro de cabeceira e então pessoas, como eu tinha a experiência da Metodologia do PABAEE. Eu pegava essa Teoria dos conjuntos, que estava nos livros, de forma determinada e linear e trazia esses conteúdos de Matemática de forma diferenciada. Esse era o meu trabalho. Liliane: E era isso que a senhora divulgava? Professora Teresinha: Certamente! Liliane: A senhora ia com quem? Ia sozinha? Como era isso? Os professores lhe aguardavam? Professora Teresinha: Aguardavam. Liliane: Mas ia sozinha? Professora Teresinha: Sozinha! Liliane: Pela Secretaria? Professora Teresinha: Pela Secretaria. Ia para Paus dos Ferros e me diziam Terezinha você, mas também iam as das outras áreas, que a gente chamava de área, mas eu ia trabalhar a minha parte de Matemática, sozinha, sem querer eu era a dona da bola. 106 Liliane: Isso a partir de 1970? Professora Teresinha: Sim, até a época de me aposentar. Se bem que quando eu me aposentei já tinham outras pessoas. Liliane: Engraçado é que a senhora nunca fez um curso sobre Matemática Moderna, foi tudo partindo da senhora das suas observações, dos seus estudos sozinha, não tinha um grupo de estudo. Ou tinha um grupo de estudos? Professora Teresinha: Não tinha. Tínhamos os professores que eram da Secretaria, a nível central e dos inspetorias de ensino, que hoje são as DIRED. Eles se reuniam ali para planejar. Tinha Francisco e outros, mas em termos de implantação, de divulgação eu sempre era a bandeira, porque era uma das que tinha a metodologia e associava essa metodologia a esses conteúdos para não ficarem isolados. Liliane: E ficava os dias lá dando aulas? Professora Teresinha: Semanas. Liliane: Atendendo ao público? Professora Teresinha: Exatamente, reuníamos os professores em Mossoró. Liliane: Todos professores de primeira a quarta série? Professora Teresinha: De primeira a quarta série. Liliane: Então quer dizer que de primeira a quarta série era envolvido esse conteúdo, porque a gente vê muito em livros de quinta série, ou 1º ano do Ensino Médio. Nessa época tinha uma preocupação de que de primeira a quarta série em usar a teoria dos conjuntos? Professora Teresinha: Com certeza! Era o básico. Depois houve a mudança da reforma de ensino, apareceu a nova lei a 5692, continuou esse trabalho com os professores da primeira a oitava série, mas sempre nesse patamar de metodologia. A Universidade, várias vezes, eu participei e era convocada para fazer trabalho com os professores da universidade e com alunos, nesse espaço, a gente participava 107 muito enquanto PABAEE e outros, participavam muito de congressos, qualquer congresso que havia em termos de Matemática Liliane: Aqui em Natal, teve congresso com Sangiorge ou outros que divulgavam o MMMi? Professora Teresinha: Não fui. Liliane:A senhora lembra de algum encontro, especificamente, que foi importante? Professora Teresinha: Foi em Santa Catarina. Liliane: Mas aqui em Natal não, me parece que Sangiorgi esteve aqui em Natal em 1968. Professora Teresinha: Mas quando aparecia assim era em termo de divulgação de livros didáticos. Liliane: A senhora conheceu o professor Evaldo Rodrigues de Carvalho? Ele disse que chegou a ir para Recife fazer um curso sobre Matemática Moderna financiado pela Sudene, a senhora não sabe nada desses cursos? Professora Teresinha: Não, realmente não. Eu o conheci. Liliane: Ele chegou a divulgar no Estado o MMM? Professora Teresinha: Ah! Também vale salientar que ele era um divulgador, uma pessoa que trabalhava melhor a Matemática, sem nenhuma pretensão, era o conteúdo pelo conteúdo, algumas vezes, nós nos encontrávamos para trabalhar a metodologia. Liliane: Ele chegou a ter encontros com a senhora para trabalhar a metodologia? Professora Teresinha: Sim. Ele era professor do Estado, obrigatoriamente era convocado, entre aspas, pela Secretaria que era o máximo órgão central, discutíamos as idéias. 108 Liliane: Então vocês discutiam essas idéias da Matemática Moderna nesses encontros? Era a senhora, ele, quem mais que participava? Professora Teresinha: Não lembro. Liliane: Registravam esses encontros? Professora Teresinha: Não, ficava ali mesmo. Liliane: Discutiam para entender o conteúdo ou para levar para os professores? Professora Teresinha: Não, para entender o conteúdo e consequentemente e discutir com os professores, mas minha parte mesmo foi mais voltada para o professor de sala de aula, pois por muito tempo professora de Didática da Matemática, do Instituto Kennedy. Liliane: Mas quando era a Escola Normal? Professora Teresinha: Não, Instituto Kennedy, já. Liliane: Em que período foi isso? Professora Teresinha: Foi em 1963, quando eu cheguei de Belo Horizonte, fui direto para a Secretaria de Educação e uma colega que trabalhava na secretaria e dava aulas na Escola Normal, quando eu cheguei ela disse você vai ficar lá no meu lugar, fiquei de 63 até me aposentar. Liliane: Quer dizer que tinha uma pessoa da secretaria, como era o nome dessa pessoa? Professora Teresinha: Zilda Nascimento Liliane: E daí quando a senhora chegou ela lhe indicou. A senhora conheceu Carmem Pedrosa que também deu aula lá? Professora Teresinha: Conheci. Liliane: Também dava aulas de Matemática? 109 Professora Teresinha: Não. Carmem Pedrosa trabalhou mais a nível geral Liliane: E a senhora ficou quanto tempo nessa Escola Normal? Professora Teresinha: De 1963 até a década de 80, eu acho. Liliane: Tanto lá como na secretaria dando cursos de Matemática? Professora Teresinha: Era um trabalho cansativo, pesado, exaustivo, muito mesmo. Mas primeiro eu gostava de fazer, segundo a necessidade, terceiro o dever da Educação, da Secretaria. Trabalhei assim com algumas alunas que foram do Magistério hoje do curso pedagógica trabalhei com essas meninas a algumas delas foram depois trabalhar comigo na Secretaria. Liliane: Muito obrigada pela sua atenção. Professora Teresinha: Eu gostei muito! Professora Teresinha: Que bom! Sinto-me feliz. 110 10 Textualização da Entrevista realizada com o Professor Evaldo Rodrigues de Carvalho pelos Jornalistas Tarcísio Gurgel e José Rebouças e pelo Professor Getúlio Maria Soares, no Programa Memória Viva - TVU Entrevista transmitida pela TVU em 12 de outubro de 2006. A reprise do programa aconteceu em 15 de outubro de 2006. Tarcísio Gurgel: Olá? A TV universitária passa a apresentar, nesse momento, o seu programa Memória Viva para receber um entrevistado que é natural de Natal, tem 74 anos e, desde muito jovem, se dedica às Ciências Exatas, para ser mais preciso, à Matemática. Lecionou em diversos colégios da cidade como o Ginásio São Luis, Atheneu, SENAC, Padre Miguelinho. A propósito do Padre Miguelinho, uma observação, porque ele está ligado à experiência de um anexo que existiu no Atheneu, chamado de Frei Miguelinho, que ele inclusive chegou a dirigir. Fundou o primeiro cursinho pré-vestibular de Natal, antes mesmo da criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dirigiu várias instituições de ensino. Publicou alguns livros sobre as ciências pitagóricas, inclusive o primeiro dicionário de Matemática, escrito em Português. Um fato curioso é que ele mora na mesma casa em que nasceu há setenta e quatro anos. Esse fato, certamente, é incomum em se tratando de uma cidade como a nossa. Por isso, provavelmente, é o habitante mais antigo que se teria visto naquele bairro. Ele é um apaixonado pelo lugar que vive e escreveu uma obra retratando os vários aspectos do Alecrim. Refiro-me à Evaldo Rodrigues de Carvalho que está no programa Memória Viva para ser entrevistado por duas pessoas que se ligam a ele através da atividade educacional que são: Getúlio Maria Soares, diretor do Colégio Padre Miguelinho e o José Rebouças que é jornalista, radialista, nosso companheiro de emissora. Evaldo, saiba que é um prazer muito grande a TV Universitária entrevistá-lo e eu queria que você falasse da sua infância nesse bairro que começa a ver com olhos de menino, que se encontra, talvez, na adolescência: o nosso querido Alecrim. Seja muito bem vindo a TV Universitária! 111 Professor Evaldo: Eu nasci no bairro do Alecrim há setenta e quatro anos. Fui criado nesse bairro. Meu pai tinha uma fábrica de móveis, por sinal era a maior fábrica de móveis de Natal. Ele recebia a madeira do Pará e do Paraná. Essa vinha de navio. Os porões do navio eram cheios de madeira. Ele fabricava móveis e vendia aos pequenos produtores. Inclusive ele fazia as esquadrias do Palácio da Cultura, da Prefeitura e do Colégio Marista. Tudo era feito lá em casa, com papai. Eu estudava no Colégio Marista e comecei, à noite, a ensinar aos empregados de papai. Geralmente, eram irmãos, primos, era a família. Nessa época, não tinha televisão, não tinha rádio. Quem tinha rádio era uma pessoa rica. Não se podia comprar. Então chegava meus primos e diziam: “ – Evaldo nos ensina a escrever nosso nome que nós não sabemos, nos ensina a ler”. Eu tinha uns 13 ou 14 anos quando comecei a ensinar. Assim, eles foram aprendendo a ler. Terminou que eu gostei da Matemática. Escolhi a Matemática. Logo depois, com 16 ou 17 anos, comecei a dar aulas particulares de Matemática a pessoas. Foi o começo do Magistério. Tarcísio Gurgel: Evaldo, fale um pouco mais da sua própria infância. Em que universo você se movia? Como era o Alecrim naquela época e quais pessoas interessantes você poderia evocar para nós? Professor Evaldo: Olha! O Alecrim era um bairro pobre, exclusivamente residencial, quase não tinha um comércio no Alecrim. Ele foi se desenvolvendo aos poucos. Depois, foi criada a feira do Alecrim. Foi quando melhorou mais. Na década de 40, o bairro começou a ser transformado em comercial. Hoje, o bairro do Alecrim é totalmente comercial. Ali no centro do Alecrim. Afastado, é claro, que tem residências. Para se ter uma idéia o bairro do Alecrim recolhe à Prefeitura de Natal 32% de impostos. Só o bairro do Alecrim. Tarcísio Gurgel: É mesmo? Professor Evaldo: O restante é dos outros bairros que recolhem impostos. No início, o Alecrim era uma comunidade. Tinha pouquíssimas ruas. O bairro do Alecrim 112 foi criado em 23 de outubro de 1911. Era muito grande. Aldo Tinoco3 o reduziu. Criou outro bairro. Antes, pegava o bairro de Lagoa Seca, na Rua Jaguarari, por ali. Tarcísio Gurgel: Agora, desse teu tempo mais remoto, com que pessoas você se relacionava? Que escola você freqüentava? Quais eram as brincadeiras do seu tempo de menino? Professor Evaldo: Eu quase não tinha brincadeira, porque eu vivia dentro da oficina, ajudando meu pai. Lá em casa todos os meus irmãos ajudavam papai e brinquedo mesmo, brincadeira, quase não tinha. Dentro de casa era estudando e trabalhando, quando garotinho mesmo. Tarcísio Gurgel: Vamos nos concentrar exatamente naquilo que você fez de melhor, ao longo de sua vida. Você começou então a estudar as primeiras letras com quem? No Alecrim? Professor Evaldo: No Alecrim. Com uma professora particular. Ali na Av. 9. Quando eu aprendi a escrever, fui estudar no Colégio Marista. Tarcísio Gurgel: Então você foi para o Colégio Marista? Professor Evaldo: Fui para o Marista. Tarcísio Gurgel: Você concluiu o segundo grau, que era o científico da época e vai cursar alguma faculdade? Professor Evaldo: Eu fiz o Ginásio, o Científico no Marista e o 3º ano Científico eu fiz no Colégio Atheneu, porque tinha poucos alunos no Marista e aí eu entrei para o Atheneu. Em 1957, o Padre Eimar me convidou para ensinar Matemática, pois eu gostava de ensinar. Então, disse-lhe: “–Padre, eu não tenho nenhum curso”. Ele respondeu-me: “ – Não! Você vai fazer um curso do MEC – Ministério da Educação e Cultura”4. Assim, eu fiz um curso de dois meses. Recebi o registro igual ao da 3 Engenheiro Civil sanitarista e ex-prefeito de Natal. 4 O professor Evaldo se referia aos exames de suficiência que habilitavam candidatos, mesmo sem a formação necessária, para lecionar nas regiões onde houvesse falta de professores. De 1955 até 1960 eles foram deixados a cargo do MEC através da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). 113 Universidade, naquela época. Aí comecei a ensinar. Em 1967, fiz um concurso aqui em Natal para representar os professores do Nordeste, por que a SUDENE5 patrocinou um curso para estudarmos Matemática Moderna. Foi a primeira vez que eu ouvi falar o que era Matemática Moderna. Eu não sabia. Ensinava a Matemática da classe, a antiga. Mas a Matemática Moderna era do século XIX.6 Só agora que veio ser introduzida a Matemática Moderna. Então eu passei dois anos na Universidade do Recife, estagiando no CECINE7 a Matemática Moderna. Posteriormente, voltei à Natal e dei vários cursos para professores, porque o pessoal da SUDENE acreditava ser melhor preparar, de cada Estado do Nordeste, um professor do que mandar para cada Estado do Nordeste, vários professores para dar cursos. Era muito mais econômico para a SUDENE. Estudei, também, na Universidade Católica do Recife. Estudei por lá e depois comecei a me dedicar ao curso. Lembrei-me, agora, dos professores Luiz Gonzaga de Souza e José Garcia da Rocha. Eles fundaram o curso São Jorge, no Padre Miguelinho. Isso em 1948. Interessante esse cursinho. Uma coisa muito interessante mesmo. Ele8 estudava Direito em Alagoas e ele mesmo ensinava Português, História e Geografia, mas não tinha professor de Matemática, nesse cursinho. Então, mesmo eu sendo aluno do curso, ele disse-me: “ – Evaldo, você vai dar aula sobre fração”. E eu dei. Os demais alunos respeitavam. Eles escolhiam os alunos para darem aula de Matemática. “ - Aí, fulano... João... você vai dar um curso sobre Trigonometria”. Assim, os próprios alunos eram os professores de Matemática desse curso. Essa era uma curiosidade interessante. Eu nunca tinha visto isso. Eu pagava o curso, não era de graça. Eles preparavam os alunos, naquela época, para fazerem o vestibular em Alagoas, em Recife. A matéria ensinada era a que o professor aprendia na faculdade de Direito. Ele estudava na faculdade e ensinava os conteúdos vistos nessa, para os alunos. Em 1956, nessa época, ainda não tinha Universidade. Comprei um curso. Coloquei o nome do Curso de Curso Pitágoras. Tarcísio Gurgel: Ah! O famoso Curso Pitágoras. Você formalizou o cursinho? Professor Evaldo: É registrado na Educação. 5 Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste. 6 Para nós não ficou claro o que o professor quis dizer com a expressão “Matemática Moderna era do século XIX”. 7 Centro de Ensino de Ciências do Nordeste. 8 O professor Evaldo refere-se a um dos professores citados. 114 Tarcísio Gurgel: Evaldo deixa-me fazer-lhe uma pergunta! Você praticamente é intimado pelo Padre Eimar para ser um professor de Matemática. Obviamente, ele sabia das suas condições, ou qualidades, da sua capacidade, enfim. Como é essa sua experiência, diria melhor, essa sua inexperiência. Você vai dar aulas. Há algum episódio interessante, pitoresco que você evocasse desse período? Professor Evaldo: Não. Eu fui convidado. Não teve nenhum episódio interessante. Naquela época, havia muito respeito aos professores. Tarcísio Gurgel: Mas, você começou realmente a cultivar com mais intensidade o seu amor pela Matemática. Como é que se dá essa coisa para uma pesquisa que muitas vezes vai redundar em livros, em artigos? Qual a primeira descoberta curiosa que você faz? Professor Evaldo: Eu ensinava Matemática e fiz um curso aqui em Natal, com a duração de 15 dias, com o professor Malba Tahan. Tarcísio Gurgel: Ah! O autor do famoso livro O Homem que calculava. Professor Evaldo: O Homem que calculava! Júlio César de Melo e Souza. Ele veio dar um curso para aperfeiçoamento de Matemática. Então, foi ele que me alertou para curiosidades que a Matemática tem. Ele me orientou e eu comecei a gostar das curiosidades e brincadeiras. Inclusive, nesse curso, nós éramos trinta alunos e eu fui escolhido, por ele, para ser o seu secretário. Ele disse-me: “– Você vai ser meu secretário”. Disse-me, assim, brincando. Lembro-me de um detalhe. Era uma sexta- feira e Malba Tahan disse-me: “- Evaldo, amanhã eu quero conhecer a feira do Alecrim.” (Figura 1). Eu disse: “- Professor o senhor quer conhecer a feira do Alecrim?”. Ele falou: “- Eu quero conhecer a feira do Alecrim!”. Então, questionei: “ – Porque o senhor quer conhecer a feira?” Ele repondeu-me: “– Porque eu tive informações no Rio de Janeiro, dos meus colegas, que estavam lá, que a maior feira do Nordeste é a do Alecrim. Por isso eu quero conhecer.” Assim, pegamos um 115 táxi e fomos lá. Posteriormente, Malba Tahan convidou-me para ensinar no Colégio Pedro II9. Queria me levar para lá. Tarcísio Gurgel: Foi mesmo? Professor Evaldo: Malba Tahan disse-me: “- Evaldo, se você quiser você vai ensinar no Colégio Pedro II. Não vai fazer concurso nenhum. Eu lhe coloco lá dentro”. Respondi a ele: “- Professor, muito obrigado. Eu não quero não, porque eu gosto muito de Natal”. Tem esse detalhe. Tarcísio Gurgel: Uma coisa interessante. Agora, você começa por conta? Professor Evaldo: Foi a partir daí que eu comecei a escrever em folhas de rascunho, sem publicar. Tarcísio Gurgel: Qual foi a primeira descoberta sua, curiosa, que você fez com a Matemática? Você começou a raciocinar assim..., você dizia:“ -isso já está consagrado no senso comum, mas pela Matemática...” Professor Evaldo: Tem muitas coisas interessantes. A gente começa a estudar e vê as curiosidades. A Matemática é a coisa mais rica do mundo em curiosidades. Por exemplo, dentro da Matemática, o primeiro matemático do mundo a predizer um 9 O Colégio Pedro II localiza-se na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Colégio que era modelo para o Império. Foi fundado em 2 de dezembro de 1837, “na Corte”. Muitos matemáticos importantes passaram por lá, além de Júlio César de Mello e Souza, entre eles, Euclides de Medeiros Guimarães Roxo, Eugênio de Barros Raja Gabaglia e Arthur Thirré. Figura 1: Feira do Alecrim – Natal/RN Fonte: 116 eclipse solar foi Tales de Mileto, no dia 23 de maio de 1734 a.C.10 Ele previu. Foi ao governo dele, avisar que no outro dia, em tal hora, haveria um eclipse. Nesse período, havia briga entre duas cidades. O rei avisou ao chefe, o governo avisou ao comandante que iria escurecer às 10 horas. As 10h, de fato, começou a escurecer. Foi escurecendo, escurecendo... Os que estavam lutando, assustaram-se e correram, por isso, os outros ganharam a guerra. Isso é um fato bem interessante. Tarcísio Gurgel: Uma esperteza à luz da Matemática. José Rebouças, por favor. José Rebouças: O professor Evaldo demonstrou durante toda sua vida essa paixão pela Matemática. Além dos cálculos, fórmulas, ele elaborou um trabalho inédito, inclusive para a sua época, que até hoje é um trabalho muito importante para gerações, que foi um dicionário. Criar um dicionário de Matemática que até o momento ninguém tinha pensado. Professor Evaldo, por favor, fale desse trabalho. Professor Evaldo: Olhe, no Brasil não existia dicionário de Matemática11, mas existia de Francês, Alemão, Inglês. Vários deles existiam, mas de Matemática não tinha... Então, comecei a escrever, escrever, ... Achava uma palavra interessante, curiosidade interessantíssima e anotava. Por exemplo, eu ensinei Matemática 38 anos. Você deve estar lembrado que quando se resolve uma equação do 2º grau, no final, se coloca x’ e x’’12. A gente ensina como linha, mas o nome matemático é plica: “ – p – l – i – c – a”. Isso eu descobri pesquisando vários livros, também, estrangeiros e tem outras curiosidades dentro do dicionário. Eu fiz esse dicionário. Quem prefaciou foi o professor Veríssimo de Melo13. Você deve conhecer! Tarcísio Gurgel: Antropólogo. Já falecido. Professor Evaldo: Ele era muito meu amigo. Certo dia ele telefonou para mim dizendo: “ – Evaldo, você quer conhecer Manoel Jairo Bezerra?”. Eu respondi: 10 Temos poucas informações sobre a vida e obra de Tales de Mileto, que não podemos precisar a época exata em que viveu. Sabemos, apenas, que foi por volta de 585 a. C. (BOYER, 1974). (BOYER, C. B. História da Matemática. São Paulo: Edgar Blücher, 1974). 11 Em 1972, por exemplo, foi publicado em Brasília, pelo Ministério da Educação e Cultura/Instituto Nacional do Livro, o Dicionário ilustrado de Matemática, cujos autores são Gabriel Magarinos de Souza Leão e José Augusto Juruena de Mattos. 12 Lê-se: xis linha e xis duas linhas. 13 Veríssimo de Melo foi Presidente do Conselho Estadual de Cultura do RN. Verificamos que no Dicionário de termos matemáticos, ele escreveu na “orelha” do livro. O prefácio desse dicionário foi escrito por José Henriques Bitencourt, que foi Presidente da Academia Norte-Riograndense de Ciências. 117 “ – Quero conhecer”. Quem foi Manoel Jairo Bezerra? Professor de Matemática, de Macau14, mas foi morar no Rio de Janeiro. Ele queria ser aviador e a mãe dele não deixou. Então ele resolveu ir para o Rio de Janeiro, estudar na faculdade. Ele estudou Matemática e foi dono de um colégio lá. O maior colégio do Rio de Janeiro era dele. Eu cheguei lá, levei o dicionário, mostrei para ele. Ele bateu no meu ombro e disse-me: “ Evaldo você é um homem muito feliz”. Então perguntei: “– Por que sou feliz, professor?”. Ele respondeu-me: “ - Por que eu já escrevi 265 livros de Matemática e não escrevi um dicionário. Esse é o primeiro dicionário de Matemática escrito em Língua Portuguesa”. Expressão de Manoel Jairo Bezzera. Tarcísio Gurgel: Manoel Jairo Bezerra que era um matemático realmente... Um nome nacional. 14 Macau(RN). Cidade localizada a 175 km da capital Natal. Figura 2: Capas de alguns livros escritos por Manoel Jairo Bezerra Fonte: 118 Professor Evaldo: Manoel Jairo Bezerra foi o matemático que introduziu o ensino da Matemática na TV Tupi. Tarcísio Gurgel: Passo a palavra para Getúlio Maria Soares, que vai endereçar uma pergunta ao professor Evaldo Rodrigues de Carvalho. Por favor. Getúlio Maria Soares: Professor Evaldo, toda a sua vida foi destinada à educação e ao Padre Miguelinho (Figura 3), podemos dizer que está no seu sangue. Foi o primeiro Colégio do Alecrim. O Colégio mais antigo e como foi sua vivência e convivência como diretor e professor que veio do Atheneu, nessa fase? Professor Evaldo: Bem, o primeiro colégio de fato do Alecrim foi o Grupo Escolar Frei Miguelinho, criado em 1919. O Frei Miguelinho tinha quatro salas de aula. Era a primeira série primária, segunda, terceira e quarta. Era lá, onde hoje são as salas de aula. Era um tablado de madeira. Em 1958, eu estava no Atheneu e a professora Olindina, você dever ter conhecido, ela disse-me: “- Evaldo você vai dirigir o anexo no Frei Miguelinho”. Eu falei: “ - Mas professora, estou somente há dois anos aqui, eu não sei nada de administração escolar”. Ela falou-me: “- Não! Você vai que é pertinho da sua casa”. Ela obrigou-me a assumir. Eu assumi, graças a Deus, deu Figura 3: Escola Estadual Padre Miguelinho Fonte: Arquivo pessoal de Liliane Gutierre 119 certo. Eram quatro salas de aula, a primeira série ginasial, a segunda, a terceira e a quarta. Tinham 4 séries. Era à noite. Eu dirigia, então, o anexo do Padre Miguelinho. Aí, quando foi em 1960, 1962, no governo de Aluízio Alves, o prédio do Padre Miguelinho foi demolido e construído um novo. Eu acho que foi um grande erro dele. O governador Aluízio mandou demolir a frente do primeiro colégio do Alecrim. Ele devia ter deixado àquela fachada original e construiria o restante da maneira que ele quisesse. Esse é o meu ponto de vista. Dessa nova construção há a mudança de nome do colégio. Era Frei Miguelinho e passou a ser chamado de Padre Miguelinho. Porque Padre Miguelinho? Porque Frei Miguelinho nasceu aqui em Natal. Era Frei, mas era meio político. Gostava de política e a ordem dele não admitia que ele fosse político. Então ele foi para Portugal. Em Portugal fez uma reciclagem e passou a ser Padre por lá. Daí veio o nome Padre Miguelinho. Eu dirigi esse colégio por mais de 10 anos. Ensinei mais uns 10 anos nesse colégio. Primeiro colégio de Natal. Getúlio Maria Soares: Uma curiosidade sobre o Alecrim é que ele é o 3º ou 4º bairro mais antigo de Natal e, além disso, tem muitas ruas numeradas (Av.1, 2) e assim vai. Isso se deu a que? Como foi que chegaram a isso? Ainda tem mais, mas não sei se é tipo um quadrado as ruas que vem se entrelaçando? Professor Evaldo: Olhe isso é o seguinte: antes da criação do bairro, em 23 de outubro de 1911, o bairro era uma comunidade. Já existiam algumas ruas, é claro. A rua principal, que vai do Baldo até as Quintas15, só tinha aquela rua. O prefeito, antes da criação do bairro, em 1909, 1908, criou algumas ruas no Alecrim. A Rua D. José Bernardo começava onde hoje é o Riacho do Baldo e ia até a igreja São Pedro. Ali era a praça D. Pedro II. Da praça D. Pedro II até a Policlínica é a Rua Fonseca e Silva. Isso foi criado antes da fundação do bairro. O prefeito também criou as ruas numeradas antes da criação do bairro. Em 1928, o prefeito Omar O’Grady contratou um arquiteto italiano16 para fazer um plano da cidade do Natal, mas já existiam as ruas numeradas, 1, 2, 3. Ao chegar a Natal, o arquiteto pediu ao prefeito que solicitasse ao Instituto Histórico e Geográfico de Natal17, personagens do Rio Grande do Norte. Então, com as informações em mãos, ele nomeou as ruas com os nomes dos presidentes das províncias, pois naquela época não eram estados, eram 15 Baldo e Quintas são bairros da capital do RN. 16 Arquiteto Gicomo Palumbo (CARVALHO, 2004) 17 Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte 120 províncias. A Avenida 1 e a Avenida 2 já existiam. A Avenida 1 foi nomeada de Presidente Quaresma. A Avenida 2 de Presidente Bandeira, ... No sentido contrário, que é um quadrado, as ruas foram nomeadas com nomes indígenas. Exemplo: Rua dos Caicós. Na cidade Alta, ele faz ao contrário. Eu não falo na cidade Alta, porque aqui é só Alecrim, mesmo. (risos). Mas lá, ele colocou nas ruas os nomes dos homens que foram Presidente da República. Deodoro, por exemplo. E nas outras ruas paralelas, foram colocados nomes de rios do Rio Grande do Norte. Muita gente pensa que é nome de cidade. Ceará-Mirim, por exemplo. Mas é nome de rio. Figura 4: Mapa com as ruas do Bairro Alecrim – Natal/RN Fonte: 121 Tarcísio Gurgel: Assu, Mossoró, Potengi. Professor Evaldo: Muita gente pensa que essas ruas numeradas foi do tempo da guerra. Já existiam essas ruas numeradas. Não foram os americanos, não. Isso foi criado. Agora ninguém sabe como foi que o prefeito teve essa idéia. Supõe-se que ele, na época, baseou-se nos Estados Unidos, naquelas Av. 1, 2 que tem por lá, afinal ele esteve nos Estados Unidos, mas, de fato, ninguém sabe. Tarcísio Gurgel: Vamos retornar a sua experiência com a Matemática acerca de coisas curiosas, pois você andou fazendo algumas incursões no terreno da Bíblia. Você, que é um católico praticante, é um homem que respeita a igreja, mas acabou descobrindo por vias da Matemática algumas coisas curiosas, que até ajudam a desmistificar certos aspectos contidos na própria Bíblia. Fale dessas coisas, Evaldo, por favor. Professor Evaldo: Curiosidade minha. Eu lendo a Bíblia, verifiquei o seguinte: que a arca de Noé não existiu e o dilúvio também não, mas dentro da Matemática. O poder de Deus, nem pensar! Tarcísio Gurgel: Você prefere não arriscar. (risos). Professor Evaldo: Vamos deixar bem claro: dentro da Matemática. A Bíblia diz que a arca de Noé é dada em côvados. Então eu transformei em metros. A arca teria 135m. Tarcísio Gurgel: Evaldo, explique, sobretudo para os telespectadores mais jovens, o que é côvado. Qual a quantidade de metros? Professor Evaldo: O côvado18 era uma medida antiga. Na época só existia côvado, que era aproximadamente 45 cm, por que o sistema métrico foi criado agora, no século XIX, século XX19. A arca tinha 135 côvados de comprimento, 50 de largura e 18 Medida de comprimento. No Egito antigo, o côvado era uma medida retirada da distância entre o cotovelo e as pontas dos dedos. Correspondia a dezoito polegadas (45,72 centímetros). (Disponível em: .Acesso em 15/09/2008). 19 Na época da Revolução Francesa, no final do século XVIII, um grupo de cientistas franceses projetou o sistema métrico decimal. Por recomendação da Academia Francesa de Ciências, adotou- se o metro como unidade de comprimento, definido como a décima milionésima parte da distância do Pólo Norte à linha do Equador pelo meridiano que passa por Paris. Em outubro de 1960, a Comissão Internacional de Pesos e Medidas deu uma nova definição para o metro, baseada no comprimento de onda de radiação emitida por um gás raro, o criptônio 86. Metro é a distância do Pólo Norte à linha do Equador pelo meridiano que passa por Paris, divida em 10 milhões de partes iguais. (GIOVANNI; CASTRUCCI; GIOVANNI JÚNIOR, 2002). (GIOVANNI, José Ruy; CASTRUCCI, Benedito; GIOVANNI JÚNIOR, José Ruy. A conquista da Matemática: a mais nova. São Paulo: FTD, 2002). 122 30 de altura. Então, Noé colocou a família dele dentro daquela arca e de cada animal, um casal. Acontece que o dilúvio durou 150 dias, porque para as águas baixarem foram 150 dias. Como é que eles poderiam colocar alimentos para os animais e para família dele durante 150 dias? Um barco como esse descrito. Como é que ele passou esse tempo todinho por lá? Impossível! A propósito, existiam dinossauros, inclusive maiores que a arca de Noé. Como é que eles poderiam entrar na arca? Agora, Deus tem poder! É claro! Milagre, ninguém vai discutir. Matematicamente, não existiu o dilúvio. Tarcísio Gurgel: Mas você tem ainda algumas outras histórias também nessa área. Algumas curiosidades. Você está preparando um livro, alguma coisa? Professor Evaldo: Justamente. Eu estou com o livro pronto, faltando somente dinheiro para publicar, intitula-se Coletânea de Matemática. Esse assunto referente à Bíblia está nessa coletânea. Uma outra curiosidade minha, também, encontrada na Bíblia é sobre Jesus Cristo. Estudei um pouco numerologia. Verifiquei que Jesus Cristo teve bons e maus momentos na vida dele com o número 3. Li a Bíblia todinha. Detalhei e verifiquei o seguinte: Jesus Cristo quando nasceu recebeu três presentes. Recebeu, também, a visita dos três Reis Magos. Ele teve 12 (4x3) apóstolos. Além disso, começou a pregar com 12 anos, morreu na 3ª hora, ressuscitou ao 3º dia. Morreu com 33 anos. Começou a pregar com 30 anos. Porque antes dos 30 anos, ninguém sabe, dizem que ele estava estudando. Não vou discutir essa parte. Tirei essas informações de todos os versículos. Estará nesse livro que vai ser publicado agora. Tarcísio Gurgel: Deixa eu te fazer uma pergunta, espero que não seja embaraçosa. Você está acabando de dizer que estuda numerologia, mas, sendo a Matemática uma ciência exata e a numerologia envolvendo um clima de certa magia, você crê, de fato, na numerologia? Isso existe? Professor Evaldo: Não. Não acredito não. São coincidências. De fato aconteceu isso na vida de Jesus Cristo. Eu me dediquei às Ciências Exatas. Tarcísio Gurgel: E que outros aspectos curiosos você abordaria no seu livro? Pode falar disso agora, mesmo o livro sendo inédito? 123 Professor Evaldo: Posso. Esse livro é uma coletânea, tem vários temas interessantes. Por exemplo, eu falo que na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, três alunos que haviam concluído o curso superior, foram para um jantar, a fim de comemorar a conclusão do curso. Após o jantar, eles foram pagar a conta e perguntaram ao garçom: “ - Quanto é?” O garçom respondeu: “ 10 reais para cada um”. O garçom, então, levou os 30 reais ao dono do estabelecimento e esse disse: “ - Isso está muito caro, basta cobrar 25 reais deles”. Assim o garçom malandro pensou: “são 3 pessoas, se eu der 5 reais de troco vai haver briga entre eles. Vou ficar com 2 reais para mim e devolverei 1 real para cada um.” Observe que cada um pagou 10 reais, recebeu 1 real de troco. Logo cada um dos formandos pagou 9 reais. Nove reais vezes 3 pessoas, totalizam 27 reais, acrescento, agora, os dois reais que ficaram com o garçom, totalizam 29 reais, mas não era 30 trinta reais? Cadê o 1 real?20 Têm, nessa coletânea, muitos problemas desse tipo, curiosos mesmo. Tem outro que fala de uma velhinha. A mesma chegou ao aeroporto e lá pediram a idade dela. Ela olhou, olhou e não informou a idade. Forneceu ao pessoal do aeroporto um enigma matemático. O pessoal teria que resolvê-lo para descobrir sua idade. Mas, o pessoal não entendeu nada. Falo, também, nesse livro, sobre o cálculo algébrico. Tarcísio Gurgel: Deixa eu lhe perguntar nessa linha de deixar você um pouco embaraçado. É brincadeira evidentemente. Vou fazer-lhe outra pergunta: é possível 20 Souza (1959, p.2030) relata episódio semelhante e o intitula de a conta esquisita. Ele diz: “O sr, Horácio Sene, negociante em Queluz (São Paulo), contou-me o seguinte: - o caso passou-se em Taubaté. Fui, certa vez, com dois amigos fazer um lanche no Hotel da Estação. Ao terminar o lanche, pedimos a nota: - ‘Custa 30 cruzeiros o lanche’, respondeu o empregado. Cada um de nós contribui logo com 10 cruzeiros e o lanche foi pago. Momentos depois volta o empregado com 5 cruzeiros e declara: - Houve um engano. O lanche devia ter custado 25 cruzeiros e não 30. Aqui está a diferença de 5 cruzeiros que o patrão mandou restituir’. Da quantia devolvida dei dois cruzeiros de gorjeta ao rapaz e reparti os 3 cruzeiros restantes, como devia, cabendo de volta, para cada um de nós, o trôco de um cruzeiro. Um dos amigos, depois de meditar sôbre o caso, observou intrigado: - Essa conta está esquisita. Muito esquisita! Cada um de nós pagou dez cruzeiros e recebeu o troco de um cruzeiro. Logo, cada um de nós pagou nove cruzeiros. Ora, se cada um de nós pagou nove cruzeiros, é claro, é evidente, que o lanche custou 27 cruzeiros. Juntando-se a essa quantia (27) os dois cruzeiros que demos ao garçom encontro um total de 29 cruzeiros. Para os trinta cruzeiros que desembolsamos há uma diferença de um cruzeiro! Para onde teria ido êsse cruzeiro? Em Taubaté há cada coisa! Poderá o leitor deslindar o ‘mistério’ do caso?”. (Grifos nossos). (SOUZA, Júlio César de Mello e. Jogos; Recreações e Curiosidades Matemática. In: MORAES, Ceres Marques de; SOUZA, Júlio César de Mello e; BEZERRA, Manoel Jairo. Apostilas de Didática: especial de Matemática. Brasília: MEC/CADES. [1959?]). 124 uma pessoa que não tem facilidade de raciocinar matematicamente, aprender a Matemática? Professor Evaldo: Sim! Tarcísio Gurgel: É mesmo! Você crê seguramente nisso? Não é porque você é um fanático por Matemática? Professor Evaldo: Não. Por que tudo depende do método. Se você estiver ensinando direitinho, curiosidades, por exemplo, brincando, mostrando, comparando as coisas do dia-a-dia com a Matemática, o aluno aprende. Ele fica gostando. Por exemplo, nesse livro da coletânea eu fiz 6 tabelas contendo os números de 1 a 63. Eu fiz essa tabela para adivinhar a idade dos alunos. Eu tenho até aqui a cópia, posso mostrar. Curiosidade. Brincadeira. Fazer essas coisas. Tudo depende do professor. Antigamente, a Matemática era ensinada de maneira dura, brusca. Hoje, tem meios de se ensinar, usufruindo das curiosidades, das brincadeiras, mas, infelizmente, os nossos professores não estão preparados para isso. Tarcísio Gurgel: Os professores de Matemática, antigamente, se eu estiver errado me corrija, pelo menos, muitos deles, agiam com certo terrorismo, pela capacidade que tinham, evidentemente, de desenvolverem os cálculos, etc. Você era um professor que colocava a meninada toda muito à vontade e fazia da sua aula uma coisa meio lúdica? Professor Evaldo: Ao contrário. Eu era um desses professores rígidos. Tarcísio Gurgel: Você fez o terror, também, Evaldo, para o pessoal? Como é que você me assegura que as pessoas aprendiam uma coisa tão complicada como a Matemática? Professor Evaldo: Eu comecei a mudar a partir de Malba Tahan, quando ele teve aqui e me orientou. Fiz o curso. Tarcísio Gurgel: Porque Malba Tahan tem muito essa coisa do jogo. Professor Evaldo: Comecei a mudar quando fui para Recife fazer a Universidade. Percebi que o negócio era diferente. Mudei por completo, mas eu era duro. Tarcísio Gurgel: Essa dificuldade que o aluno tem para com a Matemática o senhor atribuiria só a essa questão do método? 125 Professor Evaldo: Sim. Mudando o método, o aluno gosta. Há professores que dão uma aula seca. Tem muitas coisas que a gente pode brincar com o aluno. Vai mostrando aquilo ali, brincando, mostrando uma coisa, mostrando outra, comparando uma coisa com outra, aí ele vai gostando da Matemática. Agora aquele método duro, rígido, aí só quem tem vontade mesmo é que aprende. Tarcísio Gurgel: Eu passo a palavra ao jornalista José Rebouças para fazer uma nova pergunta. José Rebouças: Na sua obra, entre outros lugares pitorescos do bairro do Alecrim o senhor cita Quitandinha, que hoje é a atual praça Gentil Ferreira. Eu gostaria que o senhor falasse sobre aquela movimentação da década de 50, 60, do Quitandinha. Professor Evaldo: O Quitandinha foi constituído, um bar, em referência ao centro Quitandinha21 de Petrópolis. Quando fizeram a praça Gentil Ferreira, em 1939, especificamente no dia 24 de junho de 1939, fizeram o Quitandinha, era um bar. Nesse bar, tinha uma cobertura e muitos comícios aconteciam lá. Nós íamos para lá tomar um cafezinho e olhar o movimento. Vários políticos passaram por lá. O Presidente João Goulart, por exemplo, inaugurou a energia de Paulo Afonso no Rio Grande do Norte e fez o comício dele lá. Os Governadores Aluízio Alves e Dinarte Mariz também fizeram. Todo mundo fez comício no Quitandinha. Tinha show, também. Luiz Gonzaga já fez show lá. Outros artistas, também fizeram. Getúlio Maria Soares: Professor Evaldo, em frente ao Padre Miguelinho, nós temos um cemitério, o cemitério do Alecrim, é um cemitério muito antigo e as pessoas comentam que aqui, ali, vêem almas. Alguém comentou isso com o senhor? O senhor tem algo a dizer sobre essas coisas do além? Professor Evaldo: O cemitério do Alecrim foi inaugurado dia 11 de abril de 1856. Foi o primeiro cemitério aqui de Natal. Sua necessidade deve-se ao fato dos corpos serem sepultados, enterrados nas igrejas. Aí o governador mandou fazer o cemitério. Ele era bem pequeno, bem pequeno mesmo e aí tem várias histórias. Em 1942, Gentil Ferreira de Souza, queria construir um cemitério novo, que fosse bastante longe do centro da cidade. Esse local hoje é onde é a Vila Naval. Naquela 21 Não está claro no áudio do DVD, se o professor Evaldo realmente fala, nesse momento, as palavras centro Quitandinha. Pareceu-nos que sim. Ele se refere a algo no bairro de Petrópolis. No livro Alecrim ontem, hoje e sempre, na página 41, ele se remete ao Quitandinha, mas não esclarece nada sobre isso. 126 época, o referido local era cheio de mato. Mas, Gentil Ferreira era um prefeito que quando ele queria fazer alguma coisa ele consultava as pessoas e se todo mundo concordasse, ele fazia. Mas todos foram contra ele, no tocante à construção de um cemitério novo. Então, ele ampliou o cemitério que já existia, o que era bem pequenininho. Desse cemitério tem várias histórias de alma. Agora tem umas verdadeiras mesmo. Há uma interessante. É sobre uma moça que ao sair do cabaré da Ribeira, desses das Rocas22, pegou um táxi. Ela era bem bonita, era linda, linda mesmo e disse ao taxista: “ – Para o Alecrim”. Ao chegar ao cemitério do Alecrim, ela disse: “ – Pare! Eu moro aqui”. Desceu do táxi e desapareceu. Essa história quem me contou foi o sobrinho do motorista. Não sei se é verdade ou não, mas aconteceu isso aí. (risos). Tarcísio Gurgel: Esse motorista não seria um mortorista? (risos). Professor Evaldo: Outra história também foi a de um morto-vivo: seu Paulo. Paulo era carteiro. Falava Inglês, falava Francês, tudinho. E ele morreu. Foi um ataque23. Foram enterrar ele. Então, quando o corpo chegou próximo ao cemitério, entrando no cemitério, o defunto levantou, aí todo mundo correu. Por isso ele é chamado de morto-vivo. Tarcísio Gurgel: Sua opinião: você mesmo crê nessas coisas? De alma? Professor Evaldo: Não. Não creio. Agora, uma outra coisa do cemitério. É verídico. Os personagens estão vivos. Moravam em frente lá de casa. Juraci, da Caixa Econômica. Ele passou a lua-de-mel dentro do cemitério do Alecrim . Foi verídico. Tarcísio Gurgel: É mesmo! E a que se atribui essa escolha? Professor Evaldo: Essa escolha deve-se ao seguinte: ele começou a namorar com uma moça, atual esposa dele, num carnaval, no Alecrim Clube. Passados alguns meses, a mãe da moça não queria o casamento, porque ele era estudante. “Estudante não tem futuro!” Expressão da mãe da moça. Assim eles acabaram o relacionamento. Mas, quando foi no dia dos namorados, 12 de junho, eles queriam fugir para ficarem juntos. No entanto, nesse tempo não tinha motel. Tinha casa de recurso. Nessa casa de recurso a pessoa entrava e saia, rapidamente, passava lá 22 Ribeira e Rocas são bairros da cidade do Natal. 23 Na entrevista o professor Evaldo não informa qual o tipo de ataque. 127 dentro uma hora, meia hora, para entrar outro casal e aí eles pegaram e resolveram... Tarcísio Gurgel: É verdade. E depois casa de recurso era... De motel as pessoas não têm preconceito, casa de recurso é uma barra pesada. Professor Evaldo: Justamente. Então eles resolveram passar pelo cemitério. Depois ele casou-se na Igreja São Sebastião, no Alecrim e, hoje, tem filho formado. Uma boa pessoa. Tarcísio Gurgel: Mas ele, dessa experiência, não contou nada macabro? Professor Evaldo: Nada, nada. Tarcísio Gurgel: Também não tinha tempo. (risos). José Rebouças. José Rebouças: Professor Evaldo, voltando ao papel de educador, de Matemático e morador estudioso do bairro do Alecrim, como é que o senhor vê a educação de hoje em relação à educação da década de 60, antes da reforma? Professor Evaldo: A educação tem que ter uma atitude séria ou a tendência é acabar, porque os alunos não se interessam. Até o censo, agora, mostrou que o Rio Grande do Norte está em último lugar. Falta o interesse de alunos e de professores, principalmente de professores. O professor vai para uma aula e dá aula de qualquer jeito. Não estimula os alunos. Não mostra a necessidade que os alunos têm com aquilo ali e assim o interesse vai acabando, acabando... José Rebouças: O senhor acha que a palmatória daquela época dava um jeitinho? Professor Evaldo: Eu levei muita palmatória na escola primária, mas muita mesmo para aprender Matemática. Hoje em dia, não se pode fazer isso. Tarcísio Gurgel: Pelo o que estou entendendo, o senhor é mais favorável a um método mais rigoroso. Professor Evaldo: Além de ser rigoroso, que o professor busque um método que mostre ao aluno a utilidade da Matemática. Não simplesmente dar a aula e acabou. O professor tem que mostrar os porquês para os alunos usufruírem da Matemática amanhã ou depois. Tarcísio Gurgel: O senhor não crê que a própria conjuntura da sociedade contribua muito, decisivamente, para isso, porque na verdade há uma desagregação social 128 terrível hoje em dia, diferentemente da época que o professor era muito mais respeitado e o aluno tinha quase uma espécie de ritual, de ir à escola, os professores eram tratados de mestres. Não é verdade? Professor Evaldo: Eu quando estudei no Atheneu, no 3º ano, quando o professor chegava, nós, alunos, ficávamos em pé. Sentávamos somente quando o professor mandava. Floriano Cavalcante foi meu professor. Rômulo Wanderley, também. Tarcísio Gurgel: Rômulo foi seu professor e vizinho. O senhor podia falar um pouco da figura de Rômulo. O Rômulo é uma pessoa hoje, talvez, até um pouco esquecida. Ele foi uma pessoa importante, não foi? Professor Evaldo: Ele foi uma pessoa muito importante para o Rio Grande do Norte. O Rômulo Wanderley. Agora eu falo mais sobre os filhos dele: Berilo e Gilberto Wanderley, porque nós estudamos na mesma classe. Tarcísio Gurgel: Ah! Você foi colega de Berilo e de Gilberto? Professor Evaldo: E também de Geraldo Melo, senador, tudo da mesma turma. Tarcísio Gurgel: Mas, Berilo e Gilberto, fale um pouco dessa sua relação com eles, que eram homens do Alecrim. Eles foram nascidos ali. Professor Evaldo: Eram homens do Alecrim. A gente se dava muito bem. Quando um tinha uma dúvida perguntava ao outro. Amizade grande. Eu gostava muito dele. Um se formou24. Formou-se em Direito. O outro em Medicina. Inclusive uma vez eu fui fazer uma consulta a ele. Ele nem cobrou. “– Não quero cobrar nada”, disse-me. Agora, com Rômulo eu tinha pouca aproximação. Tarcísio Gurgel: Professor, o senhor tem consigo um livro que eu gostaria de mostrar para o telespectador. O livro, significativamente, chamado Alecrim, ontem, hoje e sempre, que denota exatamente o amor que o Professor Evaldo tem pelo Alecrim. Gostaria que o senhor falasse um pouco mais. É um livro que as pessoas que se interessam pelo Alecrim conseguem encontrar nas livrarias? Ou esgotou? Ou como é que faz para adquirir? Professor Evaldo: Esse livro eu coloquei na livraria. Aí deixei porque não se interessavam mais. Tenho alguns poucos livros desses em casa, na minha residência. 24 O professor Evaldo, nesse momento, refere-se a Berilo Wanderley. 129 Tarcísio Gurgel: Mas o senhor não vai lutar para reeditá-lo? Professor Evaldo: Não. Eu tenho uns 30, 40 desse ainda. Tarcísio Gurgel: Mas é muito pouco! Professor Evaldo: Mas a procura é pouca, também. Tarcísio Gurgel: Olavo de Medeiros Filho, o Olavinho, infelizmente nos deixou25. Professor Evaldo: Olavo foi da minha turma. Tarcísio Gurgel: Você que é um matemático, você que é um homem das ciências exatas, de repente escreve um livro que é de História. Como é que isso se dá? Professor Evaldo: É o seguinte. Como eu falei. Eu moro e nasci no Alecrim. Comecei a escrever um livro de Matemática e os meus colegas diziam-me: “ - Rapaz, porque você não escreve um livro sobre o bairro do Alecrim. Você mora esse tempo todinho no Alecrim”. Eu disse: “- Rapaz, eu sou um matemático, não sou historiador”. Eles continuavam a dizer: “- Mas, escreva!”. Então, resolvi escrever. Comecei a escrever, escrever. Passei 3 anos para escrever esse livro. Inclusive, não escrevi mais coisas por falta de informações da prefeitura, que não tinha as informações que eu queria. Não tinha mesmo. Por exemplo, fui buscar informações acerca do matadouro municipal, que ficava por trás da COSERN26. Ali se matavam os bois, naquele riacho, para vender lá fora. Posteriormente, a Prefeitura construiu o matadouro lá nas Quintas e depois passou para a guarda municipal Djalma Maranhão. Depois para o outro municipal, onde hoje vai ser um colégio da Prefeitura. A história eu sei. Outro detalhe, os marchantes pegavam os bois, levavam para brincar, onde é hoje o Banco do Brasil. Onde foi o cinema São Luiz. Então ali tinha tourada e vaquejada. Eu vi muitas vezes eles brincando de tourada e vaquejada e depois levavam os bois para matá-los e a prefeitura não tem nada sobre isso. Aí eu não coloquei no livro porque poderia haver dúvida. Tarcísio Gurgel: A propósito, seria interessante que o senhor falasse também um pouco para o telespectador a respeito dos tipos populares e das figuras do folclore, dos festejos e coisas assim, que, enfim o senhor presenciou, no Alecrim. 25 Tarcíso Gurgel refere-se à Olavinho, ao folhear as páginas do livro. Olavo de Medeiros Filho prefaciou o livro Alecrim ontem, hoje e sempre. 26 Companhia Energética do Rio Grande do Norte. 130 Professor Evaldo: No Alecrim tem muitas figuras folclóricas. O interessante foi Curisco. Curisco era um louco, débil-mental. Ele era muito católico e era da Congregação Mariana, da Igreja São Pedro. Nessa época, aparecia muito Frei Damião, fazendo pregação. Curisco ia para a Congregação Mariana. A turma dizia assim: “- Curisco, você mordeu a mão de Frei Damião.” Ele respondia: “ – Eu não mordi, não”. A turma retrucava: “– Você mordeu sim que eu vi.” Ele então dizia: “ – Quem mordeu a mão do Frei Damião foi sua mãe que tem duas carreiras de peito na barriga”. (risos). Ele era doido, viu! Tem outra coisa, nessa época: a missa era celebrada em latim, e ele respondia em latim. Decorava tudo. Tem outra figura folclórica: João Careta. Ele era um marchante que matava o boi e vendia na feira. Nesse tempo a carne não era pesada. Chegou certa vez, uma mulher na feira e disse: “ – Seu João, quanto é o preço dessa perna?” Ele olhou para ela e disse: “- Levanta a perna que eu dou o preço”. (risos). Fato verídico, não sabe? Muitas coisas dessas. José Rebouças: Além dessas figuras, tinha Cuíca. Professor Evaldo: A Cuíca era outra figura folclórica. A Cuíca era um débil-mental de João Câmara27. Das proximidades dessa região. Quando ele pedia esmola e a recebia, agradecia, batendo, com força, a cabeça no chão ou na porta. Ninguém sabe, até hoje, porque ele fazia isso. Não havia fraturas nenhuma! Tarcísio Gurgel: Esses doidos, líricos, que de repente acabavam sendo confinados pela modernidade. A sociedade, antigamente, convivia razoavelmente bem com eles. Acredito que foi muito bom e muito importante para a TV Universitária e obviamente, para todos nós a sua presença aqui a as informações resgatadas de sua memória, que você nos passou. É interessante que um homem que tem essa vivência e que, durante 74 anos, ama desvairadamente o bairro onde nasceu, residindo sempre na mesma casa, possa dar esse testemunho de amor, que é um testemunho de amor pela própria cidade de Natal. Nós agradecemos à sua presença. Professor Evaldo: Eu moro há 74 anos e pretendo me mudar para a mesma rua, mas não quero ir agora, vou esperar mais um tempo. (risos). Tarcísio Gurgel: Para uma rua que fica lá adiante do cemitério. (risos). 27 Cidade localizada aproximadamente a 75 km da capital do RN.