UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA FREUD ROMÃO MATEMÁTICA VÉDICA NO ENSINO DAS QUATRO OPERAÇÕES NATAL 2013 FREUD ROMÃO MATEMÁTICA VÉDICA NO ENSINO DAS QUATRO OPERAÇÕES Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. Orientador: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes NATAL 2013 FREUD ROMÃO MATEMÁTICA VÉDICA NO ENSINO DAS QUATRO OPERAÇÕES Dissertação aprovada em:_____/_____/______ Comissão Examinadora Prof. Dr. Iran Abreu Mendes (UFRN) (Orientador) Prof. Dr. Josildo José Barbosa da Silva (UERN) Examinador Externo Profa. Dra. Claudianny Amorim Noronha Examinadora Interna Profa. Dra. Mércia de Oliveira Pontes Examinadora suplente interna NATAL - RN 2013 Dedico este trabalho à minha esposa Claudenice, minha filha Isabelle, meu filho Freud Junior, minha mãe D. Geralda, minha irmã Ana Paula e meus Irmãos Alexandre e Francisco. AGRADECIMENTOS A Deus, pela dádiva da vida, que em sabedoria infinita materializou sua obra-prima, o nosso grande laboratório, a natureza, minha fonte de inspiração. Ao meu orientador Professor Dr. Iran Abreu Mendes, pelo apoio, incentivo e verdadeiro auxílio, sem os quais seria impossível tal jornada. Aos meus familiares, minha mãe D. Geralda, exemplo de luta e superação, que desde cedo me ensinou o gosto pelos estudos; meus irmãos Segundo e Alexandre, pelo apoio e incentivo; à mana Aninha, pelas colaborações nos momentos difíceis; à minha esposa Claudenice, e meus dois filhos Isabelle e Junior, pela paciência e renúncia de tantos momentos dedicados a este estudo. Aos verdadeiros amigos que se apresentaram para ajudar nos momentos em que precisei, especialmente, Carlos Aldemir Farias da Silva, Maria Auxiliadora Lisboa Moreno Pires e Miguel Chaquiam. À professora Dra. Margarida Maria Knobbe, pela revisão desta dissertação. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da UFRN, pelos ensinamentos. Aos funcionários do Programa que sempre atenderam com préstimo e gentileza às minhas solicitações. À Professora Dra. Maria da Conceição de Almeida pelos ensinamentos sobre uma nova visão de ciência, aprendida durante as disciplinas que tive o privilégio de cursar no Programa de Pós-Graduação em Educação. À coordenação do Projeto do observatório da educação intitulado Pesquisa e formação em Ensino de Ciências e Matemática: um recorte da produção acadêmica no Nordeste e panorama de ação formativa na Educação Básica, Núcleo UFRN, onde atuei como bolsista, principalmente à Professora Dra. Claudianny Amorim Noronha. À CAPES pelo apoio financeiro, sem o qual teria sido impossível desenvolver este estudo. Pois o apoio financeiro recebido por meio da bolsa permitiu minha dedicação aos estudos e contribuiu de forma significativa com a minha formação. Como a crista do pavão, como a gema na cabeça de uma cobra, assim está a Matemática, na cabeça de todo conhecimento. Lagadha, verso 35 RESUMO Este trabalho descreve um estudo acerca das possibilidades didáticas da Matemática Védica para o ensino das quatro operações. Para isso foram consultadas várias fontes bibliográficas considerando três aspectos principais. O primeiro de caráter histórico- cultural, com a finalidade de reunir informações acerca da Matemática oriunda da civilização védica, onde destaco (Plofker, 2009), (Joseph, 1996), (Bishop, 1999), (Katz, 1998), (Almeida, 2009). Este aspecto buscou evidenciar as relações do desenvolvimento desta cultura com a matemática implicada no livro Védic Mathematics escrito por Tirthaji e publicado em 1965. Neste aspecto o trabalho traz apontamentos em História da Matemática acerca do desenvolvimento da Matemática na Índia antiga. O segundo aspecto foi referente ao ensino de Matemática por meio de atividades de investigação em sala de aula, neste sentido, busquei uma bibliografia para auxiliar na construção de uma proposta de atividade para ensinar as quatro operações, partindo dos Sūtras da Matemática Védica, mas dentro de um enfoque investigativo, auxiliando no desenvolvimento do cálculo mental fortemente estimulado pelos Sūtras da Matemática Védica. Os autores adotados foram (Mendes, 2006, 2009a, 2009b), Ponte (2003). O terceiro aspecto considerou a busca por livros sobre o ensino de Matemática Védica, escritos por outros autores, baseados no livro de Tirthaji. Este aspecto revelou livros texto de Matemática Védica adotados em escolas e cursos livres do Reino Unido, Estados Unidos e Índia, todos tendo como base o livro Vedic Mathematics de Tirthaji. A partir dos estudos bibliográficos foram elaboradas orientações didáticas e sugestões de atividades para o professor, visando auxiliar no ensino das quatro operações. O produto educacional, composto pelos capítulos 4 e 5, encontra-se no corpo da dissertação e consiste nas orientações didáticas e sugestões de atividades que visam contribuir com os professores que ensinam do Ensino Fundamental anos inicias. Palavras-chave: Matemática Védica. Matemática e cultura. Cálculo mental. ABSTRACT This paper describes a study on the possibilities of teaching Vedic Mathematics for teaching the four operations. For this various literature sources were consulted considering three main aspects. The first of a historical-cultural, in order to gather information about the Mathematics originated from Vedic civilization, which highlight (Plofker, 2009), (Joseph, 1996), (Bishop, 1999), (Katz, 1998), (Almeida , 2009). This sought to emphasize relationships of the development of this culture with the math involved in the book Vedic Mathematics written by Tirthaji and published in 1965. In this respect the work brings notes on the history of mathematics on the development of mathematics in ancient India. The second aspect was related to teaching mathematics through research activities in the classroom, in this sense, I sought a bibliography to assist in the construction of a proposed activity to teach the four operations, based on the sutras of Vedic Mathematics, but within an investigative approach, assisting in the development of mental calculation strongly stimulated by the Vedic Mathematics Sutras. The authors were adopted (Mendes, 2006, 2009a, 2009b), Bridge (2003). The third aspect considered to search for books on teaching Vedic Mathematics, written by other authors, based on the book by Tirthaji. This revealed Vedic Mathematics textbooks adopted in schools and free courses in the UK, USA and India, all based on the book Vedic Mathematics of Tirthaji. From the bibliographical studies were prepared didactic guidelines and suggested activities for the teacher, to assist in teaching the four operations. The educational product, consisting of Chapters 4 and 5, is the body of the dissertation and consists of didactic guidelines and suggestions for activities that aim to contribute to the teachers who teach initial years of elementary school. Keywords: Vedic mathematics. Mathematics and culture. Mental calculation. LISTA DE FIGURAS Figura. 1 - Selos de cerâmica da civilização do vale do Indo-Sarasvati.................... 38 Figura 2 - Mapa do subcontinente Indiano mostrando a localização do vale dos rios Indo-Sarasvati, onde se encontram os principais sítios arqueológicos da civilização védica......................................................... 54 Figura 3 - Ruínas da civilização do Indo-Sarasvati................................................. 57 Figura 4 - Ruínas da civilização do Indo-Sarasvati................................................. 58 Figura 5 - Ruínas da civilização do Indo-Sarasvati................................................. 58 Figura 6 - O rio Sarasvati como foi traçado pelo prof. Valdiya................................ 61 Figura 7 - A capa do livro de Tirthaji Vedic Mathematics........................................ 67 Figura 8 - A folha de rosto e a foto do autor de Tirthaji........................................... 68 Figura 9 - O círculo de nove pontas, desenho realizado pelo autor.......................... 120 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Exemplo de subtração 21 Quadro 2 - Duração das eras védicas de acordo com a Kalpa-Sūtra 42 Quadro 3 - Representação transliterada das consoantes do alfabeto devanagari e seus respectivos valores numéricos 47 Quadro 4 - Os 16 Sūtras reunidos no livro Vedic Mathematics 49 Quadro 5 - Os 13 Subsūtras reunidos por Tirthaji 50 Quadro 6 - Datas radiocarbônicas (carbono 14) dos principais sítios arqueológicos da civilização do Indo-Sarasvati 56 Quadro 7 A operação de Subtração com o uso do complementar 79 Quadro 8 Explicação de como se determina o complementar de um número 81 Quadro 9 Explicação de como se determina o complementar de um número 81 Quadro 10 multiplicação com o Sūtra verticalmente e tranversalmente 90 Quadro 11 Caso geral da divisão com o aforismo no topo da bandeira 97 Quadro 12 Caso 1 da divisão com o Sūtra todos de nove e o último de dez 98 Quadro 13 Caso 2 da divisão com o Sūtra todos de nove e o último de dez 99 Quadro 14 Caso 2 da divisão com o Sūtra todos de nove e o último de dez 99 Quadro 15 Exemplo de comparação e contraste do algoritmo convencional e do algoritmo védico. 101 Quadro 16 explicação da divisão com o Sūtra Ekādhikena Pūrvena (por um a mais que o anterior) utilizando a multiplicação (primeiro modo) 102 LISTA DAS SIGLAS BARC - Bhabha Atomic Reseach Centre BHU - Banaras Hindu University INAF - Indicador Nacional de Analfabetismo funcional ISKCO - International Society for Krishna Consciousness MV - Matemática Védica EF I - Ensino Fundamental 1 EF II - Ensino Fundamental 2 EJA - Educação de Jovens e Adultos TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação TIA - Teoria da Invasão Ariana SUMÁRIO 1 Caracterização do Estudo ......................................................................................... 13 1.1 Do objeto de estudo .............................................................................................. 17 1.2 Por que usar Matemática Védica? ........................................................................ 20 1.3 Questões de investigação ...................................................................................... 25 1.4 Problema de pesquisa ........................................................................................... 26 1.5 Objetivos do estudo .............................................................................................. 28 1.6 Referencial teórico-metodológico ........................................................................ 28 1.7 Procedimentos metodológicos .............................................................................. 30 2 A cultura matemática védica como base para a Matemática escolar ................... 32 2.1 Nota introdutória .................................................................................................. 32 2.2 A Matemática como cultura védica ...................................................................... 36 2.3 A Matemática Védica adotada no estudo: Sūtras, Subsutras e suas aplicações ... 45 3 Estudo histórico sobre as origens da Cultura Matemática Védica ....................... 53 3.1 Abordagem histórica da civilização védica .......................................................... 53 3.2 O declínio da civilização do Indo-Sarasvati ......................................................... 59 3.3 O fim da teoria da Invasão Ariana ........................................................................ 62 4 As quatro operações a partir do livro Matemática Védica ..................................... 67 4.1 Caracterização do Livro Vedic Mathematics ........................................................ 68 4.1.1 A vida pública e a primeira docência ............................................................ 69 4.1.2 A vida religiosa e a docência continuada ...................................................... 70 4.2 As operações aritméticas fundamentais com os Sūtras da MV ...................... 72 4.2.1 A operação de adição ................................................................................... 72 4.2.2 A operação de subtração ................................................................................ 79 4.2.3 A operação de Multiplicação ......................................................................... 86 4.2.4 A operação de divisão.................................................................................... 96 Quadro xx: Explicação sintética do Sūtra no topo da bandeira ................................. 97 5 Orientações didáticas para o ensino das quatro operações por meio de sugestões de atividades de Matemática Védica para o professor ............................................ 108 5.1 O produto educacional como uma exigência do Mestrado Profissional ............ 108 5.2 Comentários e sugestões ao professor ................................................................ 108 5.3 O modelo teórico das atividades ......................................................................... 112 5.4 O ensino das quatro operações por meio dos Sūtras de MV em forma de sugestões de atividades e orientações didáticas para o professor ............................................. 117 6 Considerações Finais ............................................................................................... 139 Referências .................................................................................................................. 142 Glossário ...................................................................................................................... 145 13 1 Caracterização do Estudo O meu interesse pela Matemática Védica (MV) já me acompanha há pelo menos vinte anos, desde o tempo que cursei Filosofia Védica por seis meses, vivendo em um templo-escola da International Society for Krishna Consciousness − Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna (ISKOM) − na cidade de Manaus, estado do Amazonas, entre os anos de 1989/90. Naquele período, recebemos no templo, a visita de um Maharaja, um estudioso da cultura, que explicou acerca da cultura védica, dizendo que, além de um sistema de Filosofia, Lógica, Religião, Ética, Moral, Medicina e Astronomia, havia um sistema matemático. Tal sistema fora desenvolvido em tempos imemoriais e foi preservado por meio dos hinos, chamados de Sūtras1. O mestre explicou também, que um grande estudioso da cultura védica, havia recuperado e reunido esse saber perdido nos manuscritos antigos, encravados nas Mandalas do Atharva-Veda2. Falou ainda, sobre o livro de Matemática Védica de Tirthaji publicado originalmente em 1965. Foi durante essa visita ao templo-escola que o mestre demonstrou rapidamente como se fazia uma multiplicação e uma divisão utilizando alguns Sūtras. O modo simples de realizar as operações básicas da Matemática despertou a minha curiosidade pelo tema desde então. Naquele momento, comentei com o mestre que achei estranho o modo como ele operava os cálculos e o Maharaja, bondosamente me explicou dizendo que com a prática quase todas as operações podiam ser realizadas facilmente de modo “mental”. Passados alguns anos, após esse breve contato com a MV, voltei a me interessar pelo tema. Isso aconteceu após a leitura de algumas reportagens que davam conta do uso da antiga MV como auxílio na alfabetização matemática de estudantes entre oito e quatorze anos de idade, com notável sucesso, em algumas escolas de países como Índia, Inglaterra e Estados Unidos. Novamente, o assunto voltou a instigar a minha curiosidade. Contudo, foi após um contato com o professor Dr. Iran Abreu Mendes, que surgiu a proposta de estudar o tema. Partindo da sugestão e das orientações dadas pelo professor Iran Mendes pude então elaborar o projeto de estudo, isto ocorreu durante o período que frequentei aulas como aluno especial no Programa de Pós-Graduação em 1 Sentença condensada, aforisma ou conjunto de aforismas, sentença breve que remete a uma ideia e precisa de explicação. O termo será melhor explicado na página 44. 2 Um dos quatro vedas primários. Para mais informações ver páginas 38. 14 Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Por essas razões, iniciei este estudo no referido programa com o propósito de apontar algumas possibilidades didáticas do uso da MV no ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As principais características da MV, apresentada por Tirthaji (1992) em seu livro Vedic Mathematic, que me motivaram para iniciar este estudo, foram o estímulo ao cálculo mental e a criatividade em aritmética.3 Percebi, como professor, que estas características poderiam possibilitar aos estudantes desenvolverem diferentes raciocínios para a resolução das operações e também diferentes escritas numéricas por meio da exploração de relações entre os números, as operações e o sistema de numeração. Considerando estas características surgiu a pergunta preliminar: se a MV poderia auxiliar o trabalho do professor no ensino das quatro operações?. Foi esta a pergunta de partida motivadora do estudo. Este trabalho fornece um panorama geral sobre o livro Vedic Mathematics (Matemática Védica), escrito pelo Jagadguru Sankaracharya Sri Bharati Krsna Tirthaji Maharaji4 (1884-1960) e publicado pela primeira vez em 1965 na Índia. Contudo, seu foco principal são os primeiros cinco capítulos, nos quais o autor trata das quatro operações. Para melhor apresentar a MV, verifiquei ser de fundamental importância discorrer acerca de alguns aspectos históricos da civilização, que se desenvolveu no subcontinente indiano5, mais precisamente no vale dos rios Indo-Sarasvati, berço da cultura Védica. Isso porque só conhecendo a importância que a Matemática exerceu naquela civilização é possível entender de forma mais clara as razões pelas quais a mesma desenvolveu o sistema de numeração decimal, os algarismos e o zero, que posteriormente foram difundidos pelos árabes e hoje adotados no mundo inteiro. Neste sentido, Joseph (1996) explica: El sistema decimal de valor posicional se desarrolló cuando se asoció una escala decimal con el valor de las posiciones de los números organizados de izquierda a derecha o de derecha a izquierda. Y esto es 3 Chamo de criatividade em Aritmética a habilidade desenvolvida pelos estudantes de compor e decompor os números, seja por meio de adições expressando-os como parcelas de uma soma ou pela multiplicação fazendo sua representação por meio de produto. Esta habilidade permite representar um mesmo número com diferentes escritas valendo-se para isso das propriedades do sistema de numeração decimal, dos números e das operações. Este tópico será melhor explicado no capítulo quatro quando serão apresentadas as operações. 4 Aspectos sobre o autor são apresentados no item 4.1 do capítulo 4 deste trabalho. 5 Região geográfica onde hoje localizam-se os países Índia e Paquistão. 15 precisamente lo que ocurrió en la India, probablemente en época tan antigua como el período védico. (JOSEPH, 1996, p.330). Sobre o fato dos árabes terem difundido o conhecimento proveniente da Índia antiga, Lyons (2011) afirma o seguinte: Ainda assim, a visita da delegação hindu à corte abássida, por volta de 771, marcou um verdadeiro ponto de inflexão na história intelectual árabe. Os sábios indianos trouxeram com eles preciosos textos científicos sânscritos. [...] Os documentos continham todo conhecimento hindu de esferas, estrelas, matemática e outras ciências. (LYONS, 2011, p. 98). Foi, portanto, a partir dos aspectos apresentados por estes autores e ao perceber, que alguns livros de História da Matemática, comumente utilizados nos cursos de Licenciatura em Matemática (BOYER, 1985, SMITH 1958) trazem pouca informação acerca do tema, que a incursão na história ganhou fôlego. Logo, a intenção de trazer alguns apontamentos para o estudo desse período da História foi um motivador para o forte aspecto histórico presente neste estudo. A organização dos capítulos desta dissertação segue uma ordem. O leitor encontra, logo neste primeiro capítulo, a descrição do objeto de estudo, o referencial teórico-metodológico, o problema de pesquisa, enfim, todos os elementos que caracterizam o estudo. No segundo capítulo apresento os fundamentos teóricos do trabalho, trato das relações entre Matemática, sociedade, cognição e cultura como base para o ensino de Matemática e ainda trago apontamentos na direção da matemática como um elemento presente, que contribuía para unificar a cultura da região do vale dos rios Indo- Sarasvati. Faço ainda um aprofundamento sobre a relação entre Literatura, Religião e Matemática na cultura védica, também comentando brevemente sobre o livro Vedic Mathematics e a MV na educação. No terceiro capítulo, foco alguns aspectos históricos, sobre a cultura védica, sua localização geográfica, sua Ciência, Literatura e Matemática. Aponto algumas descobertas de sítios arqueológicos remanescentes e estudos, que têm trazido contribuições para a história da Matemática, como exemplo cito o fim da teoria da invasão ariana, tema que ainda se encontra presente em alguns livros de História da Matemática, discorro ainda sobre o declínio dessa civilização à luz de estudos recentes. Finalizando o capítulo, comento sobre as contribuições da cultura da Índia antiga para o desenvolvimento da Matemática ocidental. 16 No quarto capítulo foco no livro Vedic Mathematics. Inicialmente apresento uma breve biografia do autor e exponho sistematicamente a resolução das quatro operações por meio da MV com vista ao ensino. No quinto capítulo apresento orientações didáticas para o professor trabalhar a MV e também proponho um modelo teórico de atividades, adaptado a partir do trabalho de Mendes, Fossa e Valdés (2006), Mendes (2009a, 2009b). Este modelo está concretizado por meio de sugestões de atividades, utilizando a MV, direcionada aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da EJA. As sugestões de atividades para o professor trabalhar em sala de aula, estão estruturadas a partir do modelo teórico adaptado e levando em consideração os Sūtras da MV apresentados por Tirthaji, tendo sido adequadas para uma linguagem didática. O produto educacional é uma característica dos Mestrados Profissionais em Ensino, e neste caso está composto pela junção dos capítulos quatro e cinco, ou seja, está no corpo da própria dissertação. Nas considerações finais retomo as questões de estudo e comento sobre o livro de MV, escrito por Tirthaji, no sentido de que o mesmo é bastante amplo e abrange vários ramos da Matemática pura e aplicada, sendo que este trabalho focou no tema das quatro operações, logo, ainda há muito por explorar. 17 1.1 Do objeto de estudo A dificuldade do ensino e aprendizagem da Matemática, notadamente na educação básica, vem tornando-se evidente, através do fracasso escolar de milhares de estudantes. Isto também se reflete no crescente desinteresse, e até, em alguns casos, fobia pelo estudo da Matemática. Outra consequência relativa a essa dificuldade em lidar com a Matemática, é apontada pelo grande número de analfabetos funcionais. Estas informações são apresentadas por indicadores, como por exemplo, o Índice Nacional de Analfabetismo Funcional (INAF). Tais informações revelam a necessidade da adoção de medidas para reverter o quadro atual. Movidos por essas questões, pesquisadores da Educação, principalmente da Educação Matemática, lançam-se em uma busca por propostas didático-pedagógicas, que despertem interesse nos alunos pelo estudo da Matemática e possibilitem a melhoria nos processos de ensino e de aprendizagem. É, portanto, neste ambiente de buscas por alternativas didático- pedagógicas para o ensino de Matemática, que este trabalho se insere. A dificuldade para resolver as operações fundamentais e a falta de habilidade com o cálculo mental, aparecem como obstáculos ao estudo de outros ramos da Matemática. A habilidade com o cálculo aritmético, que envolve as quatro operações, requer por parte do estudante o domínio da contagem, das relações e das propriedades dos números e do sistema de numeração, mais ainda, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): “Os procedimentos de cálculo mental constituem a base do cálculo aritmético que se usa no cotidiano” (BRASIL, 1997, p. 76). Sendo assim, faz-se necessária a busca por estratégias de ensino, que contemplem o uso e o desenvolvimento do cálculo mental e das estimativas de imaginação criativa em aritmética. Foi, portanto, imbuído desse intento, e conhecendo as potencialidades da MV, que o presente estudo teve sua gênese e seu objetivo estabelecido. O contato com a MV permitiu-me perceber que nesta abordagem o cálculo mental era bastante estimulado, pois na antiga cultura védica – onde esta forma de calcular surgiu − essa era uma prática corriqueira. Isso se explica considerando essa sociedade em seus primórdios, cuja datação remete para um período entre 4000 a. C. e 3000 a.C. (KALYANARAMAM, 1997; KENOYER, 1998). Naquela época, a escrita ainda não estava disponível e todo o conhecimento, inclusive a Matemática, era transmitido de forma oral. Para preservar o conhecimento e possibilitar sua transmissão oral fidedigna, eles desenvolveram um sofisticado sistema de regras para recitação dos 18 mantras [versos]. Estes dispositivos mnemônicos6 garantiram a sobrevivência e a continuidade do conhecimento. O desenvolvimento da habilidade com o cálculo mental poderá proporciona ao estudante, entre outros benefícios, a facilidade em resolver os cálculos aritméticos, envolvendo as quatro operações, isto contribuirá com a alfabetização matemática, que se constitui no conjunto de conhecimentos e habilidades matemáticas básicas, indispensáveis à vida cotidiana e, portanto, ao exercício da cidadania na sua forma mais ampla. Como docente e vivenciando os problemas com o ensino e a aprendizagem das quatro operações aritméticas em sala de aula de escolas da rede pública e privada de Natal, RN, senti a necessidade de investigar as possibilidades didáticas da MV como estratégia para auxiliar no ensino das quatro operações. É oportuno esclarecer, que a MV aqui focada não se constitui em outra Matemática, ou tampouco em um método revolucionário. Esclareço que este estudo não encara a MV desta forma. Considero a MV reunida no trabalho de Tirthaji como uma abordagem da Matemática que privilegia o uso de propriedades do sistema de numeração decimal e permite aos estudantes buscarem diversos modos de calcular e encontrar seus resultados. Portanto, realizar cálculos aritméticos envolvendo as quatro operações, na perspectiva da MV, não se trata de memorização de fórmulas, mas sim do reconhecimento de relações entre os números, as operações e o sistema de numeração. Isto é operado por meio dos Sūtras, que funcionam como acionadores cognitivos7 para o reconhecimento dessas relações. Portanto, a principal diferença da MV em relação ao sistema convencional é o modo de operar. Esses esclarecimentos serão detalhados nos capítulos seguintes deste trabalho. Foi no subcontinente indiano, no período histórico da civilização védica, onde se desenvolveu o sistema de numeração decimal,8 ou seja, o sistema hoje adotado no mundo inteiro. Foram eles, portanto, os primeiros a realizarem operações de cálculo sobre esse sistema. Esse importante viés histórico − será retomado adiante −, por si só, já suscita várias possibilidades de investigação acerca da Matemática utilizada no cotidiano daquele povo. 6 Conjunto de técnicas utilizadas para auxiliar no processo de memorização. 7 O termo é usado aqui a partir da definição adotada por Farias (2006), que define o acionador cognitivo “(...) como um provocador das sinapses mentais, colocando em ação os dispositivos de produção de ideias e conhecimentos. (FARIAS, 2006, p. 56). 8 Cf. PLOFKER 2009. 19 A civilização védica foi quem legou ao mundo o sistema decimal usado hoje em toda a parte. Essa civilização experimentou grande desenvolvimento na arquitetura, Engenharia, Astronomia, Matemática e Religião. Os sítios arqueológicos descobertos durante o século XX revelaram várias informações e apontaram para uma mudança de paradigma, em relação às origens não europeias da Matemática.9 Os estudos descritos por estes diversos autores mostraram uma matemática desenvolvida naquela parte do mundo, em um período bem anterior à clássica civilização grega. Contudo, a investigação desse aspecto histórico não é o objeto deste trabalho. Esses elementos apareceram de forma inevitável durante a fase de levantamento histórico sobre o desenvolvimento alcançado pela cultura védica, pois não seria possível discorrer acerca da MV, sem nenhuma referência ou explicação referente ao desenvolvimento de sua cultura. De forma sintética posso dizer que a motivação deste estudo está na busca de estratégias para auxiliar o professor no ensino das quatro operações e seu objeto de estudo foi a busca de possibilidades didáticas do uso dos Sūtras [aforismos] da cultura matemática védica, apresentados originalmente por Tirthaji, como estratégias didáticas para o ensino das quatro operações. Como forma de apontar as possibilidades didáticas do uso da MV elaborei atividades e orientações didáticas para o professor do Ensino Fundamental nos Anos Iniciais. Essas orientações ensinam como realizar as operações aritméticas fundamentais por meio dos aforismos védicos apresentados por Tirthaji em seu livro Vedic Mathematics. A abordagem da MV baseada em Sūtras explorando as relações entre o sistema de numeração, os números e as operações, serve principalmente para dar sentido aos números, fazendo com que a aprendizagem esteja carregada de significado, como sugerem os PCN “[...] dar condições a elas [às crianças] de estabelecer vínculos entre o que conhecem e os novos conteúdos que vão construir, possibilitando uma aprendizagem significativa” (BRASIL, 1997, p.45). Na elaboração das atividades para auxiliar o professor no ensino das quatro operações, a partir dos aforismos da MV, considerei a perspectiva teórica da investigação em sala de aula defendida por Mendes, Fossa e Valdés (2006), Mendes (2009a, 2009b) e Ponte (2003), como um referencial e fiz adaptações para o caso da 9 Cf. (JOSEPH, 1996; ASHFAQUE and SHAIRK, 1981; KENOYER, 1998, 2005; MARSHALL, 1981; MACKAY, 1998; KALYANARAMAN, 1997; ALMEIDA, 2009). 20 MV, lançando mão do uso da história no ensino da Matemática fortemente defendida por Mendes em seus trabalhos. 1.2 Por que usar Matemática Védica? Essa pergunta surgiu quando considerei a importância de explorar possíveis possibilidades didáticas de uso da MV, para o ensino das quatro operações. Seu principal diferencial é a sua estratégia operacional, que se utiliza de Sūtras [aforismos] e Subsūtras (corolários), os quais se apoiam nas propriedades particulares dos números e do sistema de numeração decimal, para resolver as operações aritméticas de forma criativa, rápida e interessante. Isto sendo explorado didaticamente poderá conduzir os estudantes, por meio da investigação em sala de aula, a buscar novas formas de calcular, permitindo enxergarem além do cálculo mecânico e do algoritmo formal. A decisão do uso da MV está fundamentada, portanto, em argumentos apresentados e comentados a seguir: (1) O primeiro argumento refere-se à dificuldade de aprendizagem dos conteúdos matemáticos, verificada em estudantes do Ensino Fundamental nos anos finais – um dos níveis de ensino no qual exerço docência – esta dificuldade parece intimamente ligada com a resolução das quatro operações. Isto evidencia uma alfabetização matemática que não preencheu todas as lacunas necessárias, falhando principalmente no aspecto referente à habilidade com o cálculo mental, que antecede o cálculo aritmético. Os PCN do Ensino Fundamental nos anos iniciais informam: “os procedimentos do cálculo mental constituem a base do cálculo aritmético” (BRASIL, 1997, p. 76). Em relação ao primeiro argumento, chamo a atenção para o fato do domínio das quatro operações aritméticas fundamentais se constituírem em uma base indispensável à aprendizagem da Matemática, além de que essas operações são necessárias ao exercício das práticas cotidianas e, portanto, da cidadania em seu conceito mais amplo. A dificuldade com as quatro operações fundamentais é apontada por vários autores como um dos principais agentes do fracasso escolar. (PARRA e SAIZ, 1996; NACARATO, 2009). Os professores polivalentes do Ensino Fundamental dos anos iniciais são os responsáveis pelo ensino das quatro operações, portanto, é no sentido de buscar uma alternativa para auxiliar tais professores no ensino da Matemática escolar que este trabalho investiga as possibilidades didáticas da MV como um recurso 21 didático/metodológico para o professor ampliar o ensino oferecido a partir do livro didático, que muitas vezes, está baseado em procedimentos mecânicos com ausência de significado para os alunos. (2) O segundo argumento diz respeito ao potencial dos Sūtras da MV apresentados por Tirthaji, eles oferecem várias possibilidades, para ensinar as quatro operações aritméticas fundamentais, a partir da exploração das propriedades do sistema de numeração decimal e suas relações com os números. O tratamento apresentado pela MV não se prende a um algoritmo fixo; ao contrário, permite ao estudante desenvolver suas próprias estratégias para calcular. Isso estimula a criatividade em aritmética10 e possibilita o desenvolvimento da autonomia do estudante. Referindo-me ao segundo argumento, defendo a utilização da MV principalmente pela possibilidade que ela oferece ao professor de trabalhar o conteúdo das quatro operações por meio da investigação em sala de aula proposta por Mendes (2006, 2009a, 2009b) e Ponte (2003). Esta abordagem da Educação Matemática está plenamente de acordo com o que orienta os PCN: A atividade matemática escolar não é “olhar para as coisas prontas e definitivas”, mas a construção e a apropriação de um conhecimento pelo aluno, que se servirá dele para compreender e transformar sua realidade. (BRASIL, 1997, p. 19). (3) A docência exercida em cursos de graduação em Pedagogia e pós-graduação lato-sensu, oficinas e minicursos de formação continuada para professores polivalentes em instituições privadas de ensino superior oportunizaram-me uma reflexão acerca da necessidade de apresentar orientações didáticas que permitam ao professor ensinar por meio da investigação, usando atividades que figurem como complemento ao livro didático e possam ser usados no cotidiano da sala de aula para ensinar o conteúdo das quatro operações. O terceiro argumento justifica a direção do estudo para o público alvo escolhido, pois foi na prática docente, principalmente ministrando oficinas, palestras e disciplinas para professores do Ensino Fundamental anos iniciais e da EJA, que percebei a dificuldade no ensino das quatro operações. Como exemplo, cito o caso da subtração envolvendo os números naturais, quando alguns dígitos do minuendo possuem valores absolutos menores que os dígitos do subtraendo, nesse momento, surgem dificuldades 10 Neste estudo chamo de criatividade em aritmética a habilidade compor e decompor os números por meio das transformações aditivas, multiplicativas e suas inversas (subtração e divisão). Esta habilidade permite que um número seja pensado em forma de uma adição, um produto, uma subtração ou ainda uma divisão. Isto é particularmente útil na hora de calcular. 22 de compreensão por parte dos estudantes, de como é possível subtrair um número com valor absoluto maior de um menor. Logo, é necessário que tanto o aluno quanto o professor possuam um entendimento claro sobre a notação posicional do sistema decimal. Quadro 1: Exemplo de subtração Fonte: arquivo pessoal do autor Neste momento, alguns professores usam saídas como “pedir emprestado”, o que muitas vezes mais confunde do que esclarece e foge com certeza de uma saída digamos, mais matematizada e fundamentada nas propriedades do sistema de numeração. A MV apresentada por Tirthaji em seu livro, traz estratégias que podem ser utilizadas pelo professor para ensinar a subtração quando ocorrer este caso11 e também para a multiplicação quando o estudante precisa multiplicar números de um dígito maiores que cinco, na grande maioria dos casos, o recurso disponível é memorizar a tabuada, mas como nem sempre isto é conseguido rapidamente por todos os estudantes, os que não conseguem ficam excluídos de realizar as atividades que exigem tal 11 Para compreender melhor ver a seção sobre subtração na página 79 3461→ minuendo −1894→ subtraendo Este exemplo esclarece um caso típico de subtração onde o minuendo possui na sua escrita, dígitos com valor absoluto menor que os dígitos do subtraendo. Para quem já domina plenamente a notação sintética do sistema posicional, perceberá facilmente que se trata de subtrair um número maior de um menor: 3000+400+60+1 −1000+800+90+4 Porém, quando ainda o estudante não possui pleno domínio a superação desta dificuldade, torna-se um obstáculo na aprendizagem da operação de subtração. 23 conhecimento. Este fato contribui para o desinteresse no estudo da Matemática e, consequentemente, para o fracasso escolar. A MV apresenta uma proposta onde dispensa a memorização prévia da tabuada de multiplicar acima de cinco e, ao mesmo tempo, trabalha a subtração em conjunto com a multiplicação, de forma relacionada diretamente com as propriedades da base de contagem e do sistema de numeração12. (4) Por ser o local onde, desde os primórdios, se desenvolveu o sistema de contagem de base dez13 a cultura dos povos do vale dos rios Indo-Sarasvati (cultura védica), nos oferece material para estudo histórico por meio do espólio das suas práticas socioculturais. Os sítios de Mohenjo-daro, Harappa e Lothal, com seus tijolos de proporções matemáticas bem definidas, seus altares com formas geométricas regulares, um sistema de pesos e medidas bem organizado,14 são exemplos de matemática aplicada ao cotidiano, Isto permite significar a Matemática como uma criação humana por meio de seu uso nas necessidades cotidianas de sobrevivência. Com relação ao quarto argumento, é importante destacar que a forte raiz histórica-cultural da civilização védica, corrobora também, para um entendimento da Matemática como uma criação humana para resolver problemas do cotidiano a matemática escolar dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, também tem esta característica, pois esta se configura numa Matemática indispensável para a vida cotidiana. Ao ensinar as quatro operações partindo do contexto histórico-cultural da civilização védica, mencionando fatos como o uso das operações para a contagem de tijolos e outros objetos cerâmicos, a medição do tempo, a divisão de terras etc. estará sendo usado a história no ensino da Matemática. Nesse aspecto, Mendes explica que: Das muitas modalidades de uso da história no ensino da Matemática que vêm sendo apresentadas, considero que há certa conexão entre elas, visto que a maioria tem sempre o objetivo de subsidiar uma aprendizagem significativa da matemática escolar. Desse modo, optei por me definir por algumas adequadas à minha proposta de abordagem didática centrada na investigação histórica nas aulas de matemática. (MENDES 2009a, p. 79). Portanto é nesta direção que busquei estruturar as propostas de atividades apresentadas neste trabalho, considerei alguns elementos da história da cultura matemática védica para apresentar os Sūtras como uma estratégia historicamente 12 Para compreender melhor ver página 79. 13 (Cf. PLOFKER, 2009, p. 14) 14 14 Cf. (ASHFAQUE and SHAIRK, 1981; KENOYER, 1998, 2005; MARSHALL, 1996; MACKAY, 1998; KALYANARAMAN, 1997). 24 construída, apoiada na língua materna [o sânscrito] e suas principais funções eram: (i) preservar ideias matemática [relações, entre os números e as operações], (ii) o conhecimento sobre o modo de calcular e; (iii) permitir sua continuidade para as outras gerações [por meio da oralidade] em um período de desenvolvimento da língua, onde a escrita ainda não estava bem estabelecida. O uso da História no ensino da Matemática pode encontrar material para trabalhar em sala de aula explorando ideias matemáticas presentes no desenvolvimento da cultura de diversos povos, desde a mais vetusta antiguidade, isto permite entre outras coisas significar a importância exercida pela Matemática no contexto dessas diferentes culturas. Portanto, ideias matemáticas presentes na história de diversas culturas podem ser usadas pelo professor durante a atividade de diversas formas, o uso de uma certa modalidade da história não inviabiliza outra, pois conforme Mendes (2009a) op. cit. “há uma certa conexão entre elas”. No caso do uso dos aforismas da MV como estratégia para o ensino das quatro operações, sugiro que a história da cultura védica seja usada para apresentar a Matemática como uma criação humana, fruto da criatividade na superação de dificuldades. Tal procedimento faz com que o ensino de Matemática encontre eco no cotidiano, uma vez que certas atividades humanas independem do grupo cultural ao qual se está ligado. Segundo Bishop (1994): Mathematical ideas develop everywhere because people may live in different cultures but they do very similar things. Some activities which all people do are very important in developing mathematical ideas (BISHOP, 1994, p. 1). Ideias matemáticas se desenvolvem em todos os lugares, porque as pessoas podem viver em culturas diferentes, mas elas fazem coisas muito parecidas. Algumas atividades que todas as pessoas fazem são muito importantes no desenvolvimento de ideias matemáticas. (tradução nossa). Então, segundo Bishop independente do grupo cultural ao qual se está ligado algumas atividades do cotidiano são parecidas. Estas atividades fomentam o desenvolvimento de ideias Matemáticas aplicadas na contagem de objetos, nas operações fundamentais realizadas ainda que de modo mental e sem o uso de um algoritmo formal, na medição do tempo, na construção de casas, na agricultura e no comércio, estes exemplos rementem ao desenvolvimento de ideias Matemática para a 25 superação de dificuldades. Este, portanto é o ponto que justifica o aspecto do uso da história neste estudo. 1.3 Questões de investigação Este estudo teve como diretriz norteadora a busca de possibilidades didáticas do uso da MV apresentada por Tirthaji no livro Vedic Mathematics, para a elaboração de um manual de orientações didáticas e sugestões de atividades para o professor, com o objetivo de auxiliar no processo de ensino das quatro operações aritméticas para o Ensino Fundamental nos anos iniciais. O estudo buscou investigar as possibilidades didáticas do uso da MV de Tirthaji para o ensino das quatro operações aritiméticas fundamentais. Esta busca se deu considerando que a MV: (i) Apresenta diferentes formas de resolver uma mesma operação, se valendo de casos particulares e gerais; (ii) Privilegia, prioriza e /ou estimula o cálculo mental, e isto facilita o desenvolvimento da habilidade de realizar operações mentais como comparar, classificar e concluir; (iii) Por ser uma forma de calcular reconstruída a partir de fontes histórico-culturais, permite uma articulação com outros campos do conhecimento como História, Geografia e Astronomia, contribuindo para uma articulação entre os diferentes saberes ensinados na escola. (iv) Por ser apresentada a partir de Sūtras [aforismos] e se valer do código da língua como dispositivo mnemônico, ela permite uma articulação com com a leitura, a escrita e a oralidade, isto ocorre quando os Sūtras operando como acionadores cognitivos partem da oralidade de uma sentença pronunciada e remetem a ideias e representações que permitem construir imagens mentais e buscar estratégias para realizar o cálculo. Pelo fato da MV, possibilitar resolver as operações de diferentes modos o estudante poderá então elaborar estratégias e testá-las, logo a abordagem da MV, vai na direção da investigação em sala de aula. A esse respeito parto do pressuposto de que os aforismos da MV reconstruídos por Tirthaji e apresentados em seu livro Vedic Mathematics se valem das propriedades do sistema de numeração, e utilizam o cálculo mental como estratégia para resolver as quatro operações. Portanto, as questões de investigação podem ser sintetizadas a partir da seguinte pergunta: Como uma estratégia de ensino que utilize os aforismos da MV poderá auxiliar no ensino e aprendizagem das 26 quatro operações? Para responder esta pergunta considerei a MV apresentada nos cinco primeiros capítulos do livro Vedic Mathematics, que tratam das quatro operações e forneceram os aforismas, os quais foram tomados como produtos historicamente construídos. Estes aforismos foram estudados, traduzidos para o português, explicados, com o foco voltado para a alfabetização Matemática e serviram de base para elaborar as sugestões de atividades a partir da perspectiva teórica da investigação proposta por Mendes (2009a, 2009b). Durante o estudo surgiram algumas inquietações, as quais originaram questionamentos que serviram para auxiliar no direcionamento do estudo. Estas questões se fundamentam nas perguntas: Por que a civilização védica desenvolveu uma Matemática tão elaborada? Haveria, então, demandas sociais como comércio, necessidade de construções, medição do tempo ou outros fatores para fomentar a busca por um saber matemático? Penso que essas questões ajudaram a explicar as razões as quais levaram ao desenvolvimento da cultura matemática védica, cujo ponto marcante é a adoção do sistema decimal e sua notação em tempos tão remotos. Durante a elaboração das orientações didáticas sobre o uso da MV, e das sugestões de atividades para o professor trabalhar em sala de aula, foi feita a leitura de alguns livros de MV importados da Índia15, que são utilizados por escolas e cursos livres do Reino Unido, dos Estados Unidos e da própria Índia como material de apoio ao ensino da Matemática. Nesses países, a MV é uma atividade extracurricular e oferecida como reforço pedagógico16 para auxiliar no processo de alfabetização matemática. 1.4 Problema de pesquisa O ensino da Matemática nos anos iniciais da Educação Básica, principalmente o conteúdo das quatro operações aritméticas, é realizado por professores polivalentes que, segundo Nacarato (2009, p. 22): “[...] têm tido poucas oportunidades para uma formação matemática que possa fazer frente às atuais exigências da sociedade”. Esse tema aparece como objeto de estudo de diferentes autores, como Parra e Saiz (1996); Nacarato (2009); Carvalho (2011), entre outros. 15 Nicholas , Williams & Pickles 2006; Kappor, 2009; Gloover, 2007; Williams & Gaskell, 2005. 16 O reforço pedagógico é entendido aqui neste trabalho como uma atividade extracurricular ofertada na escola em expediente de contra-turno para auxiliar no desenvolvimento dos estudantes. 27 As dificuldades de estudantes egressos dos anos iniciais do Ensino Fundamental sem o domínio do conteúdo das quatro operações foi o ponto de partida para uma reflexão sobre a busca de estratégias para enfrentar o desafio de ensinar as quatro operações. Outro fator que, no decorrer do estudo, influenciou na definição do problema de pesquisa, foi o meu trabalho como professor de Matemática em cursos de formação de professores polivalentes, em instituições privadas de Ensino Superior, essa convivência oportunizou-me ricos elementos para a reflexão acerca da dificuldade no ensino e aprendizagem das quatro operações. Considera-se que a alfabetização matemática proposta pelos PCN desdobra-se, entre outras coisas, no desenvolvimento de habilidade e competência do uso da Matemática na vida cotidiana, como por exemplo, ir à padaria e estimar quantos pães se pode comprar com R$ 2,00, já que cada unidade custa R$ 0,18; neste momento é necessário um cálculo aproximado. Para tal situação, a Matemática é mobilizada e o cálculo mental é requerido, sobretudo para aproximar resultados, estimar, comparar. Portanto, a Matemática envolvida no exercício da cidadania requer habilidade com as quatro operações o que, entre outras coisas, passa pelo conhecimento das propriedades do sistema de numeração e suas relações com os números. É esperado que os estudantes egressos dos anos iniciais do Ensino Fundamental estejam alfabetizados matematicamente, e, portanto aptos a assimilarem os conteúdos dos anos finais. Esta tarefa é realizada pelos professores polivalentes licenciados em Pedagogia que, na maioria das vezes, ainda se valem única e exclusivamente de procedimentos mecânicos, apresentando os números e as operações sem um significado prático que permita a sua utilização na vida diária. Considerando a faixa etária de tais estudantes, percebe-se que se trata de um momento de profunda transição, pois eles do 5º ano estão ingressando no período escolar onde passa a existir outro nível de cobrança é neste momento que as dificuldades oriundas do nível anterior emergem, provocando problemas de aprendizagem, como as dificuldades com as quatro operações logo esta dificuldade passa a se constituir em um obstáculo na aprendizagem de outros conteúdos matemáticos. A falta de habilidade em resolver adições, subtrações, multiplicações e divisões, impede muitos estudantes de participarem efetivamente das aulas e desencadeia fobia ao estudo da Matemática gerando muitas vezes um bloqueio na aprendizagem. 28 De forma sintética, o problema provocador da investigação é oriundo da dificuldade de ensino e aprendizagem das quatro operações. Essa dificuldade se traduz no crescente desinteresse pelo estudo da Matemática e no baixo índice de desempenho dos estudantes. Considerando isto é que surge a investigação das possibilidades didáticas da MV, apresentada por Tirthaji, como um possível auxílio ao professor no ensino da quatro operações. Portanto é esta busca que norteia o presente estudo. 1.5 Objetivos do estudo Este estudo tem como objetivo geral apontar possibilidades didáticas da MV, apresentada por Tirthaji, por meio de orientações didáticas e sugestão de atividades ao professor, como uma estratégia para o ensino das quatro operações aritméticas, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e da EJA. Dentre os objetivos específicos, destaco:  caracterizar a MV, ressaltando o contexto social, histórico e cultural, do seu surgimento, por meio de apontamentos históricos sobre a cultura védica que se desenvolveu na região do vale dos rios Indo-Sarasvati, local onde surgiu o sistema de numeração decimal;  discorrer sobre a MV, apresentada por Tirthaji em seu livro Vedic Mathematics, centrado nas quatro operações aritméticas fundamentais;  mostrar, por meio de sugestões de atividades para a sala de aula, exemplos do uso dos aforismos da MV no ensino das quatro operações. 1.6 Referencial teórico-metodológico A construção do referencial teórico não se deu em um momento único, mas sim ao longo de todo o estudo, pois, na medida em que surgiam dúvidas e questionamentos, novas bibliografias eram consultadas. A pouca disponibilidade de literatura sobre o tema no Brasil motivou a importação de alguns títulos da Índia17; dentre eles, a edição revisada do livro Vedic Mathematics de autoria de Tirthaji18. Também foram 17 Ver nota 15 na página 25. 18 Este é o livro de Matemática Védica de autoria de Tirthaji que foi publicado originalmente em 1965 na Índia, pela Banaras Hindu University. Uma cópia digitalizada foi utilizada neste trabalho. No entanto como a qualidade das imagens apresentava algumas dificuldades de leitura, foi então importada uma reimpressão da edição revisada de 1992, importada da Índia. 29 consultados artigos científicos, teses e dissertações sobre a história da Índia antiga, sobre as religiões orientais e também os textos sagrados chamados de Samhita, que contêm os quatro Vedas − com especial atenção para o mais importante deles, o Rig- veda, na edição de Ralph T. H. Giffth, de 1896 −, além de relatos de escavações arqueológicas e estudos hidrológicos realizados nos principais sítios da civilização do Indo-Sarasvati. Durante o trabalho de construção do referencial teórico realizei consultas em alguns livros de História da Matemática mais utilizados nos cursos de licenciatura. Fiz esta opção com o objetivo de verificar como a Matemática Védica ou a Matemática da Índia antiga é abordada nestes livros. Os autores consultados foram: Katz (1998), Plofker (2009), Boyer (1974), Cajori (2007) e Smith (1958). Eles auxiliaram no entendimento das contribuições matemáticas oriundas da Índia antiga para o contexto atual. Também Almeida (2009) com a Pré-história da Matemática forneceu elementos importantes para ampliar e aprofundar o entendimento sobre a questão. As relações entre Matemática, sociedade, cognição e cultura, como elementos presentes no desenvolvimento da cultura matemática védica, são sinalizadores desse conhecimento como um produto historicamente construído, resultado de necessidades daquela civilização. Estes aspectos foram estudados na visão de Bishop (1999, 1994). Na elaboração das sugestões de atividades e das orientações didáticas para o professor, que se constituem no produto educacional, autores com trabalhos de MV baseados no livro de Tirthaji, já publicados, como Glover (2008), William & Gaskell (2005) e Kapoor (2009), foram consultados. A seguir explico de forma mais sequenciada, como se deu a elaboração do referencial teórico considerando os objetivos do trabalho. Primeiramente, ocorreu-me ser necessária uma descrição histórica do surgimento da cultura védica, como uma forma de situar o leitor no eixo do tempo. Trabalhei com uma bibliografia que permitisse, da forma mais clara possível, apresentar a MV como um conhecimento historicamente construído, fruto das demandas sociais de sobrevivência, tais como: fabricar tijolos para construir casas; medir a terra para realizar plantações; contar objetos e valores nas atividades comerciais; calcular medidas para a construção de altares religiosos e templos; observar e estimar medidas de tempo no trato astronômico a fim de determinar o período correto de cerimônias e colheitas, etc. A bibliografia consultada se refere aos relatos e estudos de arqueólogos, paleontólogos, orientalistas, antropólogos, historiadores da ciência e cientistas da religião, que investigam e/ou 30 investigaram os principais sítio arqueológicos da civilização do Indo-Sarasvati; a cultura e a literatura védicas. Informo que os principais sítios arqueológicos que testemunham essa cultura, adotados aqui, são: Mohenjo-Daro, Harapa e Lothal. Os autores consultados foram: Calazans (2006), Knapp (2006), Kenoyer (2010), Kalyanaraman (1996), Mackay (1998), Marshall (1996), Ashfaque and Shairk (1981), Katz (1998), Seindenberg (1962) e Almeida (2009). No segundo momento, foram traduzidos e estudados, os cinco primeiros capítulos do livro Vedic Mathematics, de autoria de Tirthaji, com o objetivo de apontar a parte da MV a utilizada para o ensino das quatro operações e suas possibilidades de facilitação na aprendizagem das propriedades do sistema de numeração, partindo de um enfoque que privilegia o cálculo mental por meio dos Sūtras. Os trabalhos consultados, além de Tirthaji, foram os seguintes: William and Gaskel (2005), Gloover (2008) e Kapoor (2009). No terceiro momento, ocorreu a elaboração das orientações didáticas para o professor, sendo os autores considerados: Mendes (2009a, 2009b) e Ponte (2003). Autores da Metodologia do Trabalho Científico foram consultados para orientar a condução do estudo e a redação da comunicação dos resultados, dentre os quais destaco Severino (2011). 1.7 Procedimentos metodológicos O estudo procedeu da seguinte forma: (i) Apoiado na necessidade de conhecer melhor o problema de pesquisa e para auxiliar no delineamento do mesmo, busquei consultar estudos que tratassem do ensino- aprendizagem das quatro operações, entre eles destaco: Parra e Saiz (1996), Carvalho (2011). (ii) A exploração do livro Vedic Mathematics, com o objetivo de identificar quais capítulos responderiam melhor ao objeto de estudo, ocorreu por meio de uma leitura exploratória geral da obra, para em seguida focar nos capítulos de interesse do estudo; (iii) Em seguida, foi realizada uma tradução dos cinco primeiros capítulos do livro para servir como material de apoio; (iv) Busquei explicar de forma didática os cinco Sūtras que abordam diretamente as quatro operações a fim de reunir os elementos para a elaboração das orientações didáticas para o professor usando os aforismos como estratégia; 31 (v) Elaboração do produto a partir do livro de Tirthaji e das orientações teóricas dos trabalhos de Mendes (2009a, e 2009b). Este produto educacional traz orientações didáticas e sugestões de atividades para o professor, sobre o ensino das quatro operações na perspectiva da MV. No percurso da elaboração das atividades, realizei alguns testes durante minhas aulas com professores, apresentando as atividades de MV e observando pontos, que eram incorporados na organização do módulo de ensino. Essas observações contribuíram na elaboração do produto. No próximo capítulo comentarei os principais motivadores para o desenvolvimento da Matemática na cultura védica e sinalizarei com a mudança de paradigma acerca da teoria da invasão ariana, que atribui a invasores estrangeiros o desenvolvimento da cultura védica e, consequentemente, da Matemática, mostrando que as pesquisas atuais apontam para equívocos que abalam profundamente as bases dessa teoria. 32 2 A cultura matemática védica como base para a Matemática escolar 2.1 Nota introdutória Apresento nesta seção os dois fundamentos teóricos do trabalho. O primeiro está ligado à vertente da História da Matemática e permeia todo o trabalho. Ele traz elementos que apontam para a existência de uma matemática com raízes bem plantadas na cultura desenvolvida no vale dos rios Indo-Sarasvati [cultura védica], a partir de 4000 a. C. Esta região hoje é ocupada pelos países Índia e Paquistão. Mesmo fazendo alguns apontamentos históricos nesta seção, este tema será mais detalhado no terceiro capítulo do trabalho. O segundo fundamento apoia-se na finalidade de apresentar a MV de Tirthaji reunida, em seu livro Vedic Mathematics, como uma possibilidade didática para auxiliar no processo da alfabetização matemática, por meio de estratégias para o ensino das quatro operações, que exploram as relações entre os números, o sistema de numeração e as operações, além de estimular o cálculo mental. A MV é considerada aqui como um produto cultural, cujas raízes encontram-se na antiga cultura do povo que habitou a região do vale do Indo-Sarasvati, local onde se originou o sistema de numeração decimal e os dígitos hoje usados no mundo inteiro para escrever os números. É, portanto, dentro desse contexto que a MV de Tirthaji pode se constituir em uma estratégia de ensino, que estimula o cálculo mental e explora diferentes relações entre os números, o sistema de numeração e as operações. Do ponto de vista teórico, este trabalho assume que: (a) não houve a invasão ariana, 19 (b) existiu o rio Sarasvati, e este secou por volta de 1500 a. C. a 1000 a. C., forçando a migração da população em várias direções, o que disseminou a cultura e, consequentemente, o saber matemático para outros povos. Estudando a Historia da Matemática e as relações entre Matemática e cultura percebo que os povos, desde tempos longínquos desenvolveram a Matemática para resolver seus problemas de sobrevivência e solucionar questões do cotidiano, isto fica claro quando consideramos o problema de medição do tempo como um gerador da necessidade de organização de calendários. Outros fatores como: construção de moradias, templos e altares, demandaram Matemática aplicada à Arquitetura. Podemos 19 A Teoria da Invasão Ariana (TIA) aparece na maioria dos Livros de História da Matemática, usados nos cursos de Licenciatura em Matemática. Esta teoria, que teve origem nos meados do séc. XIX, afirma que a cultura védica formou-se a partir da invasão de tribos árias vindas do norte. Contudo as pesquisas e estudos do século XX colocaram em crise este paradigma. O tema será melhor abordado na página 62. 33 considerar ainda a medição de terras para o plantio, entre outros. Desde a antiguidade as sociedades enfrentaram problemas que ainda hoje existem,20 ligados a fenômenos naturais, como inundações, secas e a necessidade de medir o tempo, para controlar a época correta das colheitas, de ler e interpretar as efemérides para fazer previsões de fenômenos celestes, etc. Bishop (1999) comenta: A busca de conhecimento e as explicações dos fenômenos naturais estão associadas com um desejo de predizer e sem dúvida, a capacidade de predizer é um conhecimento poderoso. [...] Saber que os planetas se comportaram de uma determinada maneira, equivale, a saber, que não se comportaram de outras maneiras: em particular, equivale a saber que não se comportaram de uma maneira imprevisível ou aleatória. Saber isso equivale a obter uma espécie de segurança dentro do nosso mundo em perpétua mudança. (BISHOP, 1999, p. 96) (tradução nossa). Essa busca por conhecimento é uma característica marcante da cultura védica, explicitada na sua literatura, tanto que desenvolveu uma língua estruturada, o sânscrito, que permitiu a rápida evolução dessa sociedade nos mais diferentes aspectos, segundo Joseph (1996): [...] o sânscrito, se desenvolveu o suficiente para converter-se em um meio adequado para o discurso religioso, científico e filosófico. Seu potencial para a utilização em ciência aumentou grandemente como consequência da sistematização global de sua gramática por obra de Panini, há uns 2500 anos. (JOSEPH, 1996, p. 297, tradução nossa). O desenvolvimento de uma sociedade gera, entre outras coisas, uma demanda por controle. E para controlar as diferentes atividades, tais como: a produção de grãos, a distribuição de terras, a fabricação de artefatos − como tijolos e utensílios domésticos −, a criação de animais, era necessário um conhecimento matemático. A sociedade védica, possuindo uma língua bem estruturada experimentou grande progresso e isso se deu também pelo desenvolvimento da Matemática. Todas as sociedades e culturas que possuíram grandes centros urbanos apresentam uma Matemática desenvolvida, uma vez que o conhecimento matemático permitia fazer previsões, e isso é muito importante, pois partindo do desconhecido e chegando ao conhecido gera, segundo Bishop (1996), um sentimento de progresso: Aqui nos encontramos com os sentimentos de crescimento, de desenvolvimento, progresso e de mudança, e o primeiro aspecto importante deste valor é que do desconhecido se pode chegar ao conhecido. As matemáticas se desenvolveram porque mostraram seu valor. (BISHOP, 1999, p. 99). (tradução nossa). 20 Ver citação na página 24 34 A ideia, presente em alguns livros de História da Matemática como Boyer (1985), Smith (1958), Katz (1998). de que a Matemática da Índia antiga se desenvolveu apenas a partir da religiosidade devem levar em conta também: (i) a língua bem estruturada − como um fator que contribuiu grandemente; (ii) a tecnologia da cerâmica utilizada na fabricação de tijolos cozidos em fornos, com proporções matemáticas definidas; (iii) o fato do comércio desenvolvido requerer dos habitantes das cidades habilidades de medir e realizar cálculos aritméticos; (iv) a necessidade de medir o tempo para colheitas plantios, além do mais uma agricultura próspera demandava matemática para a agrimensura, empregada na medição de terras e controle da produção. Tudo isso, além, claro, da religiosidade com os altares de formas geométricas rigorosas e bem definidas, contribuíam para o desenvolvimento da Matemática e também para um progresso cultural, social e econômico. Portanto, a civilização do Indo-Sarasvati, a qual teve no auge de seu desenvolvimento − por volta de 1800 a. C. − um rápido crescimento de sua população urbana, passou por necessidades como construção de mais e melhores casas, templos e altares para as práticas religiosas; aumento da produção agrícola – que demandou controle, medição do tempo. As escavações dos sítios arqueológicos trouxeram artefatos que comprovam esse período (ASHFAQUE & SHAIK, 1981). Esse tema, no entanto, será mais detalhado no capítulo três deste trabalho. A demanda de uso da Matemática, na religião da cultura védica, fica evidente nos Sulbasutras21 (códigos da corda), eles trazem instruções matemáticas para a construção de altares particulares para o culto doméstico e outros para o culto comunitário. Eles são, na verdade, medidas e regras para os construtores de altares. Portanto, Matemática aplicada a uma prática social. Nesse aspecto, concordo com Joseph (1996), que afirma: As instruções dadas nos Sulbasutras foram principalmente em beneficio dos artesãos que desenharam e construíram altares. Exagerar na ênfase das razões religiosas e rituais do desenho e construção dos altares, a despeito de seus aspectos tecnológicos, é diminuir o papel dos artesãos na sociedade da antiga Índia. (JOSEPH, 1996, p. 309, tradução nossa). O rigor na forma e posição dos altares exigiam o desenvolvimento de uma geometria precisa, a contagem dos tijolos, a necessidade de cálculos para determinar os tamanhos, corroboram com a ideia de uma Matemática desenvolvida. Portanto esta pode 21 Ver Glossário no final do trabalho. 35 ser uma das raízes da aritmética védica, isto concorre também para explicar porque a Matemática desenvolveu-se na cultura védica. Outro exemplo do desenvolvimento da Matemática na civilização védica pode ser encontrado nos Sulbasutras de três capítulos escrito por Baudhayana [cerca de 800 a. C.] nele entre outras coisas o teorema de Pitágoras já aparece. Segundo Joseph (1996), ele também traz: Um procedimento de aproximação para se obter a raiz quadrada de dois correta até a quinta casa decimal, e diversas construções geométricas, entre elas algumas para ‘quadrar o circulo’ (aproximadamente) e construir formas retilíneas cujas áreas são iguais à soma ou diferença de outras formas (JOSEPH, 1996, p. 311, tradução nossa). A necessidade de precisão e rigor para as construções são, portanto, um dos motivadores para o desenvolvimento da Matemática. Esta necessidade também é verificada em outras frentes como, por exemplo, na Gramática, que exigia o cuidado na recitação dos mantras [versos], afim de que estes surtissem o efeito desejado, para isso eles obedeciam a regras rígidas. Portanto, a estruturação da língua teve forte influência no desenvolvimento da cultura como um todo e especialmente da Matemática, que tem na Álgebra um reflexo dessa evolução, segundo Joseph (1996, p. 301): “Efetivamente, se pode inclusive sustentar que o caráter algébrico das matemáticas da antiga Índia é simplesmente um subproduto da tradição linguística bem estabelecida de representar os números mediante palavras”. Um exemplo do uso do alfabeto sânscrito para representar números pode ser encontrado na página 45 desta seção. Considerando, então, a relação entre Matemática e cultura presente na civilização védica desde seus primórdios, penso que uma proposta de possibilidades e estratégias para auxiliar na alfabetização matemática, baseada na MV, é digna de apreciação e, porque não, de uso. Tendo em vista as dificuldades e o desinteresse pelo estudo da Matemática, na Educação Básica, cujo desfecho culmina com a exclusão de muitos e faz crescer o número de analfabetos funcionais, classifico este trabalho como uma busca por alternativas facilitadoras do ensino e da aprendizagem, dentro da perspectiva de desenvolvimento de habilidades e competências previstas nas orientações didáticas dos documentos oficiais como nos PCN para o ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Deixo claro, aqui, que este estudo não está em busca de um método milagroso para o ensino da Matemática, tampouco de um cânone universal que se aplique em todas as situações. Afirmo que a busca está focada em alternativas que 36 facilitem o trabalho do professor e permitam aos estudantes o desenvolvimento de habilidades e competências como estimar, comparar, fazer exatos e aproximados, mentais e escritos, mas também que eles possam enxergar a Matemática por outra lente; que possam vê-la além do cálculo, como uma ciência da explicação, que contribuiu e contribui grandemente para a melhoria da condição humana na Terra. 2.2 A Matemática como cultura védica As escavações na região do vale do Indo-Sarasvati mostraram uma tecnologia bastante avançada na indústria cerâmica, pois eles já utilizavam tijolos cozidos em fornos. Esses tijolos eram bem cozidos e apresentam tão boa qualidade que, segundo Joseph (1996, p. 306), “ainda hoje poderiam ser utilizados”. Contudo, o que mais chamou a atenção foram as proporções matemáticas bem definidas aplicadas na fabricação desses tijolos. No espólio arqueológico do sítio de Harappa foram identificados “quinze tamanhos diferentes de tijolos com uma razão padronizada das três dimensões – comprimento, largura e altura – sendo sempre de 4:2:1, e ainda hoje se considera essa proporção ótima para uma união eficaz” (JOSEPH, 1996, p. 306). Porém, a exumação de um dos artefatos matemáticos mais antigos já descobertos pelo homem – a régua de Mohenjo-daro22 – reforçou mais ainda a importância da matemática prática no cotidiano daquela civilização. Essa régua possui unidades de 3,35cm (ou seja, 1,32 da polegada inglesa), dividida em 10 partes iguais, com uma margem de erro de 0,005 polegadas, tal unidade é chamada de polegada indiana. Os tijolos confeccionados nos sítios de Mohenjo-daro, Harappa e Lothal geralmente tinham dimensões que eram múltiplos inteiros dessa unidade de medida (JOSEPH, 1996). O sistema de pesos era baseado nas proporções 1/20, 1/10, 1/5, ½, 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100, 200, 500; com uma unidade de peso equivalendo a 27,584 gramas, isto é muito próximo dos atuais 28 gramas e também aproximadamente igual à onça da Inglaterra, ou a uncia da Grécia. Rao (1973), citado por Joseph (1996, p. 304), “demonstrou que os pesos podiam ser classificados sobre uma base decimal”. Esses pesos eram produzidos em grande quantidade e possuíam formas geométricas regulares, cubos, hexaedros, cones, cilindros. Com isso ficam evidentes dois fatos: (i) uma cultura numérica com um sistema bem estabelecido de pesos e medidas; (ii) conhecimento em Geometria, pois os pesos que foram recuperados têm mostrado uma notável precisão. Outra surpresa dos 22 Um dos mais importantes sítios arqueológicos da civilização do Vale do Indo-Sarasvati. 37 arqueólogos foi que o arranjo físico das cidades e o estilo dos artefatos em toda a região do Indo são muito semelhantes. Eles concluíram que houve estrutura econômica e social uniforme entre essas cidades.23 Em uma análise mais aprofundada e extensiva, podemos perceber que o elemento comum à Economia, à Arquitetura à medição do tempo e a Religião era naturalmente a Matemática, pois somente um pensamento matemático uno e sistematizado, proporcionaria condições para tal expansão e integração. Esta ideia, vai na direção do trabalho de Almeida, que afirma: Uma monogênese paleolítica para a Matemática pode ser postulada principalmente se traçarmos um paralelo com a hipótese da monogênese das línguas, recém-lançada [...]. Neste caso, a Matemática teria uma fonte única, imersa no paleolítico, porém melhor identificada e caracterizada no neolítico, tese coerente com uma então contemporânea origem única das línguas. (ALMEIDA, 2009, p. 49). O trabalho que sustenta a ideia da monogênese da Matemática24 é conhecido como a hipótese de Van der Waerden-Seindengberg. Esses historiadores da ciência trabalharam a partir dos textos védicos chamados Sulbasutras (códigos da corda), instruções matemáticas para construções de altares religiosos contidos no Atharvaveda [um dos quatro vedas primários]. Lá, o teorema de Pitágoras era empregado, utilizando a mesma construção apresentada por Euclides de Alexandria nos “Elementos”, e os escritos hindus são bem anteriores ao período de Euclides. O que vai corroborar de forma contundente para a hipótese de Van der Waerden-Seidenberg, que postula uma monogênese da Matemática. Nas suas pesquisas, eles encontraram muitos pontos em comum entre os problemas chineses chamados Nove Capítulos da Arte Aritmética e os problemas babilônicos. Isso os levou a concluir que, possivelmente, viriam de uma mesma fonte pré-babilônica. Considerando a proposta da monogênese da Matemática, como se explicaria então a disseminação da Matemática por uma área tão vasta?. Para auxiliar na resposta dessa importante pergunta, considerarei dois pontos. O primeiro remete à ideia de que o saber matemático da cultura védica do vale do Indo-Sarasvati foi difundido possivelmente por meio do rico comércio de esmeraldas, rubis da Birmânia e ouro do 23 Cf. Knoyer, 1998 24 Hipótese que explica a origem da Matemática de modo semelhante a teoria linguística da monogênese das línguas Indo-europeias. Esta hipótese foi proposta pelos historiadores da ciência A. Seindenberg (1977) e Van der Waerden (1983). Eles propõem que a matemática Indiana, Chinesa, Grega e Babilônica possuem uma raiz ancestral comum na qual o teorema de Pitágoras e construção de altares desempenham papéis importantes. Para mais informações ver: Almeida (2009.p. 49). 38 Tibet, além dos produtos agrícolas. Essa afirmação encontra apoio nas descobertas arqueológicas de selos védicos de cerâmica, encontrados em regiões como Oriente Médio, Europa oriental, sul do subcontinente Indiano e China. Os arqueólogos puderam confirmar sua origem védica, segundo Kenoyer (2010), baseados nos motivos dos desenhos, que eram védicos e o fato de alguns destes selos terem sidos descobertos ainda dentro dos fornos de cozimento em construções da civilização do Indo-Sarasvati. Na figura a seguir há alguns destes selos: Figura 1 – Selos de argila encontrados nos sítios arqueológicos do vale do Indo-Sarasvati Fonte: http://www.harappa.com/har/moen0.html acesso em 04.nov.2011 O segundo ponto está fundamentado nas recentes pesquisas que confirmaram a existência do rio Sarasvati, que secou por volta de 1500 a. C.25 provocando o declínio da agricultura e tornando a maioria das cidades inabitáveis, por falta d’água. A seca, portanto, justificaria uma migração forçada em diferentes direções, o que serviria naturalmente para difundir a cultura e junto com ela os saberes matemáticos. Trabalhos de arqueólogos em escavações na região da Mesopotâmia − onde foram localizados vários selos védicos − atestam que, naquele período correspondente à seca do rio Sarasvati, as construções mesopotâmicas passaram por uma rápida e substancial mudança, passando a adquirir outro porte, formas e a usar tijolos de cerâmica cozida com proporções definidas de 4:2:1. Atribui-se a tal fato uma influência de comerciantes que migraram de outras regiões, possivelmente do vale do Indo26. Considerando estes fatos pode-se concluir que a situação ficou difícil, devido à seca na região banhada pelo rio Sarasvati, naturalmente houve uma migração e alguns comerciantes prósperos possivelmente migraram em direção às terras férteis do vale da Mesopotâmia, uma vez que já mantinham um intenso comércio com aquela região, difundindo, dessa forma, a tecnologia cerâmica de fabricação de tijolos e a cultura 25 Cf. Kalyanaraman, 1997 26 Cf. Knoyer, 2010. 39 Matemática imbricada. Portanto, esta é a relação fundamentadora que auxilia na explicação do desenvolvimento da Matemática desde os primórdios da cultura védica, bem como sua difusão para outras regiões. Acerca da cultura védica, tecida pela literatura, religiosidade e Matemática é importante considerar um dos aspectos que mais chama a atenção, qual seja, a abordagem em seus textos antigos dos mais diversos temas, tais como: Ciência, Religião, Medicina, Filosofia, Linguística, Astronomia, Artes, Matemática e Engenharia. Contudo, neste trabalho me deterei em uma explanação sucinta desta literatura, cujo objetivo é perceber o conhecimento matemático permeando este imenso arcabouço de conhecimento. Isto poderá ajudar a entender melhor sobre as fontes, onde Tirthaji foi pesquisar para reconstruir a MV apresentada em seu livro. Os mais antigos escritos védicos são quatro: Rig-veda, Yajur-veda, Sama-veda e o Atharva-veda27. Eles são considerados os principais Vedas e são normalmente chamados de Samhita (a composição). A literatura védica é muito vasta e aborda praticamente todos os campos do conhecimento, desde a filosofia, astronomia, religião, política, matemática, lógica e gramática até ética, moral e medicina, entre outros domínios. Os livros védicos são divididos em duas grandes classes: os Sruti e os Smrti. Os quatro vedas principais são classificados como Sruti, que são verdades reveladas, cada palavra é eternamente inalterada. Enquanto os Smrti são livros compostos pelos sábios, a formulação pode mudar de época para época. Os quatro vedas principais tinham mais de 100 mil versos. Agora, no entanto, só é possível encontrar algo em torno de 20.000. Só a título de exemplificação, o Rig- Veda, um dos Vedas com menor número de ramos, contém 1.017 hinos ou 10.522 versos dispostos em 10 livros ou mandalas, considerando o que ainda está disponível e pode ser encontrado. Há atualmente 30 manuscritos do Rig-veda no Bhandarkar Oriental Research Institute. Eles foram recolhidos no século XIX por George Bühler, Kielhorn Franz e outros estudiosos. Esses manuscritos são provenientes de diferentes regiões da Índia e, no final do século XIX, foram transferidos para o colégio Deccan, em Pune28. Esses manuscritos são frágeis e estão escritos em casca de bétula. Eles foram adicionados pela Unesco ao registro da memória mundial. Na publicação de sua tradução e comentários 27 Cf. Knapp, 2010. 28 Cidade do estado de Maharashtra, no sudoeste da Índia 40 dos hinos do Rig-veda, editada em 1869, em Londres, Max Müller29 (1823-1900) usou apenas parte dos manuscritos, precisamente 24 deles que estavam à sua disposição na Europa. Editores particulares de Pune e Bombaim também possuíam manuscritos que não estavam incorporados a este acervo consultado por Müller. Hoje, o total conhecido chega próximo a 80. A primeira tradução do Rig-veda mais popularizada para o inglês é a de Ralph T. H.Griffith, de 25 de maio de 1889, que fez uso do trabalho de Müller. O Rig-veda é o “veda do louvor”, possui um total de 10 livros ou mandalas, os oito primeiros livros na sua maioria contém hinos de louvor aos semideuses diversos; o 9º livro trata da soma ritual, que é a extração e a purificação do caldo da erva soma. O 10º livro contém os suktas ou versos de sabedoria e mantras que, quando usados, poderiam causar certos efeitos mágicos. O Rig-veda é também um texto místico, onde está contido o conhecimento abstrato e a percepção dos videntes; tem informações sobre yoga, a corrente espinal e o chakras, bem como sobre os planetas e suas órbitas. É primordial esclarecer, que para a cultura védica, não havia a confusão do geocentrismo e heliocentrismo ocorrido na Europa, desde cedo, fica claro nos textos e nos compêndios de Astronomia védica como o Laghada, o reconhecimento de que a terra não é o centro do universo.30 Além disso, os textos também teorizam a criação e a aniquilação da matéria, que ocorre infinitamente em um movimento de expansão e retração, lembrando o que nós conhecemos hoje por teoria do big- bang. O Yajur-Veda é o Veda dos rituais, ele já teve 109 ramos do conhecimento, mas agora apenas partes de 07 ramos são encontrados. Era usado como um guia na realização de rituais sagrados, e os versos eram cantados31. O Sama-Veda é o “Veda das melodias”, seus versos foram concebidos para serem utilizados como canções em várias cerimônias. A maioria deles é retirada do Rig- veda e organizada de acordo com sua utilização. Dos 1.000 ramos do Sama-Veda, 03 ainda estão disponíveis. O Atharva-Veda é o Veda dos cantos e já teve 50 ramos; hoje, temos apenas o ramo Shounak. É um livro de 5 977 versículos em 20 capítulos, contendo orações, feitiços e encantamentos. Os Sulbasutras (códigos da corda) se encontram encravados no Atharva-Veda, e falam de Matemática, ou seja, do comprimento particular de cordas para medições precisas dos altares. Os mais importantes autores são Baudhayana, 29 Linguista, orientalista e mitólogo alemão que traduziu vários textos védicos. 30 Estas informações podem ser encontradas em várias obras védicas como, o Mahabharata, o Śrimād Baghavatam ou o próprio Rig-veda. 31 Cf. Knapp, 2010. 41 Manava, Apastamba e Katyayana (PLOFKER, 2009, p. 17). Eles trazem detalhes sobre tamanhos e formas de altares para os rituais do fogo (Agni ruga) e outros, e onde tais cerimônias teriam lugar. Os Sulbasutras eram apenas uma parte do sistema mais amplo de Matemática, encontrado na Kalpa-Sūtra ─ Aritmética, Álgebra e Geometria. De fato, instrumentos geométricos foram encontrados em recentes escavações no vale do Indo, como, por exemplo, a régua de Mohenjo-daro, datada de aproximadamente 2500 a.C. Os Sulbasutras traziam instruções precisas para a construção de altares a partir de medidas marcadas em cordas fixadas a estacas, elas eram instruções quanto à forma de figuras simétricas como os quadrados, triângulos, trapézios e círculos. Altares de fogo, com formas geométricas definidas, os quais eram utilizados em cerimônias de adoração ao Deus Agni, foram encontrados nos sítios de Mohenjo-daro e Harappa, isto claramente contribui com a tese de que os arianos védicos eram os remanescentes da civilização do vale do Indo-Sarasvati, e não invasores de alguma tribo vindos do Norte. Joseph (1996) defende que: “Os Sulbasutras podem muito bem proporcionar um fio conector entre a cultura de Harappa, que se extinguiu por volta de 1750 a. C., e a emergência de uma cultura védica, já com a escrita mais elaborada no início do primeiro milênio a. C.” (JOSEPH, 1996, p. 309, tradução nossa). Portanto, este ponto também contribui com a proposta de que não houve nenhuma invasão ariana na civilização do rio Indo-Sarasvati. Com base nas investigações históricas realizadas por estudiosos da cultura védica e suas relações com a cultura científica e filosófica é possível admitir que os Sulbasutras não são a única fonte de Matemática do período védico, pois a Matemática não estava à parte, era presente como um cimento que unia o fazer, o saber e o pensar, nos mais diferentes campos do saber e nas mais variadas atividades da vida. Partindo dessas considerações, é possível admitir que a cultura matemática védica, foi inicialmente desenvolvida na civilização do Indo-Sarasvati e disseminada posteriormente para diferentes regiões, quando da grande migração causada pela catástrofe climática que levou essa civilização à ruína32. É perfeitamente compreensível que, na escassez de água as populações tenderiam a migrar em direção a regiões onde oferecessem tal recurso de forma abundante, daí se justifica a ocupação do vale do Ganges, Yamuna, entre outros. 32 Ver capítulo três seção 3.2, na página. 59. 42 Com relação ao sistema decimal adotado na cultura védica, pude perceber que o mesmo é registrado historicamente, por meio da literatura, desde tempos longínquos, como na medição do tempo por exemplo. Foi este um dos fatores que conduziu ao desenvolvimento da Matemática e também da Astronomia, pois o domínio desses saberes permitia a determinação precisa dos períodos dos rituais, das épocas de plantação e colheita e, portanto, imprimiam um ritmo à vida em sociedade. Logo, a Matemática estava diretamente presente no cotidiano daquele povo. Nesse sentido, Calazans(2006) afirma: “É precisamente o que representa o centro das atenções de todo ritual védico: a preocupação de medir o tempo de tal forma precisa, que não haja nenhuma falha nos rituais ao longo do ano” (CALAZANS, 2006, p. 228). Portanto, a evolução da Matemática na cultura védica está ligada às práticas sociais, como cerimônias religiosas, construção de casas, templos e altares, os quais exigiam medidas precisas, e, principalmente, na Astronomia, para a qual a medição do tempo era primordial para que determinado ritual surtisse o efeito desejado. Segundo Calazans (2006): A medição do tempo religioso foi coincidente com a do tempo astronômico sideral. Sem ela, todo ritual e toda a cosmogonia não teriam nenhum sentido; sem ela, não teria sentido manter a tradição (oral) e registrar no período fonético (utilizando um novo alfabeto, o devanagari), um ritmo de tempo determinado por configurações únicas e irrepetiveis. (CALAZANS, 2006, p. 228). A necessidade de medição do tempo, portanto, é outro elemento provocador do desenvolvimento da matemática. De acordo com a literatura védica, o tempo está dividido da seguinte forma: Quadro 2 – Duração das eras védicas, de acordo com a Kalpa-Sūtra Era védica Duração em anos Kalyuga 432 000 Dvāparayuga 864 000 Tretáyuga 1 296 000 Satya ou Krtayuga 1 728 000 Fonte: Knapp (2010) Observando a relação matemática existente na duração dessas eras, percebemos que : • Dvāparayuga é dada por 2 x 432 000 = 864 000 43 • Tretáyuga é dada por 3 x 432 000 = 1 264 000 • Satya ou Krtayuga é 4 x 432 000 = 1 728 000 Fazendo a adição do tempo de duração das eras encontra-se um total de 4 320 000 anos. O ano divino para os vedas é igual a 360 anos lunares, dividindo 4.320 000 / 360 = 12.000. Esse total equivale a 01 Mahāyuga, ou seja um ciclo de quatro eras. E 1.000 Mahāyugas é igual a 01 dia de Brahmā. Fazendo a multiplicação, obtemos o valor de uma Mahāyuga, que equivale a 12.000.000 [doze milhões] de anos lunares. Esse, portanto, é a duração de um dia de Brahmā. Considerando essa divisão tão elaborada do tempo, fica clara a necessidade de matemática para sistematizar e organizar todo esse pensamento. A escrita de números tão grandes fez com que os escritores védicos, cuja língua era o Sânscrito, desenvolvessem uma estratégia para registrar os grandes números com o auxílio de letras do alfabeto Devanagari33. It is a matter of historical interest to note, that, in their mathematical writings, the ancient Sanskrit writers do not use figures when big numbers are concerned in their numerical notations but prefer to use the letters of the Sanskrit Devanagari alphabet to represent the various numbers. (TIRTHAJI 1992, p. 189) É uma questão de interesse histórico notar, que, em seus escritos matemáticos, os antigos escritores sânscrito não utilizavam numerais quando grandes números estão em causa nas suas notações numéricas, mas preferem usar as letras do alfabeto Sânscrito Devanagari para representar os vários números.(Tradução nossa) É possível perceber que trata-se então do início de uma notação algébrica desenvolvida no período do Rig-veda, este por ser o mais antigo dos quatro vedas primários, tem sua datação por volta de 3102 a. C.34 por isso, fica claro que, durante o período da civilização do vale do Indo-Sarasvati, havia sim uma Matemática desenvolvida. Este argumento contribui para esclarecer que a cultura matemática védica teve um inicio bem anterior aos próprios Sulbasutras. Esta Matemática necessária à medição do tempo contribuiu com certeza para o desenvolvimento de um sistema de numeração. É fundamental lembrar que o registro do conhecimento dessa cultura − inclusive matemático − era feito nos primórdios de forma oral, pois a escrita só foi 33 Tirthaji (1992, p.189) 34 Esta datação refere-se ao período em que o sábio Vyasadeva reuniu vários Sūtras e compilou os quatro vedas. Estudos recentes do Birla Science Museum de Delhi, confirmaram esta data baseados em cálculo regresso realizado a partir de informações astronômicas sobre efemérides registradas pelo autor durante a compilação. 44 difundida com a organização da gramática de Panini por volta do sec. IV a. C.35 Então um mecanismo utilizado para preservar tais registros era colocá-los em versos que eram cantados. Um trabalho de Florian Cajori sobre História da Matemática, publicado originalmente em 1919, já trazia essa informação: Os indianos tinham por hábito colocar em verso todos os resultados matemáticos que obtinham, e vesti-los com roupas com significados obscuros e místicos, que embora fossem bem adaptados para ajudar a memória daquele que já tinha entendido o assunto, eram muitas vezes ininteligíveis para o iniciante. (CAJORI, 2007, p. 133). A apresentação dos conhecimentos em forma de versos (Sūtras) era o dispositivo mnemônico36 que, possivelmente, contribuiu para a preservação dos textos sagrados desde tempos longínquos. Um ponto importante é que o sistema decimal já estava bem estabelecido naquela época. Plofker (2009) informa que alguns dos mais arcaicos hinos védicos já apresentam a contagem em base dez. Vejamos: You, radiant [Agni, the fire-god], are the lord of all [offerings]; you are the distributor of thousands, hundreds, tens [of good things]. (Rig- veda 2.1.8) (PLOFKER, 2009, p. 13). Você radiante [Agni, o Deus do fogo], é o senhor de todas [oferendas], você é o distribuidor de milhares de centenas, dezenas [de boas coisas] (tradução nossa). Neste hino fica claro a relação decimal existente, pois há o uso de quantidades contadas em potências de dez, ou seja, 10=101, 100=102, 1000=103. Isso revela que, no período mais antigo do Rig-veda, ou seja por volta de 3102 a. C., o sistema decimal já era conhecido e utilizado. Em outro exemplo, essa ideia fica ainda mais clara: Come Indra [King of the gods], with twenty, thirty, forty horses; come with fifty horses yoked to your chariot, with sixty, seventy, to drink the [sacred beverage] Soma; come carried by eighty, ninety, a hundred horses. (Rig-veda 2.18.5-6) (PLOFKER, 2009, p.13). Venha Indra [Rei dos deuses], com vinte, trinta, quarenta cavalos; venha com cinquenta cavalos puxando sua charrete, com sessenta, setenta, para beber [a bebida sagrada] Soma, venha carregado pelos oitenta, noventa, cem cavalos (tradução nossa). Observamos a contagem dos cavalos da carruagem do Deus Indra feita por múltiplos de 10, começando com 20, até 100. Esse texto escrito do Rig-veda é datado 35 Panni organizou a primeira gramática do mundo por volta do século IV a. C. possuía cerca de 8000 Sūtras e apresentava notável rigor. Cf. Câmara Jr. (1979). 36 Ver nota da página 18. 45 modestamente em torno de 800 a 1000 a. C. Este outro exemplo remete à ideia de que já contavam em base decimal, desde muito antes de qualquer outra civilização que se tem registro. Considerando o desenvolvimento religioso, comercial, astronômico e arquitetônico, percebe-se claramente que a Matemática era empregada e havia, sim, um sistema contagem de base decimal, compatível com o desenvolvimento da sociedade védica. Os apontamentos históricos, contidos neste trabalho, servem para chamar a atenção de que a Matemática era um dos pilares da cultura védica, e juntamente com a cultura religiosa respondia às questões do cotidiano e davam conta de explicar o mundo. Destaco o aspecto de que essa divisão − hoje corrente − de conhecimento secular, conhecimento religioso e conhecimento filosófico, não estava instituída. Na cultura védica, todos esses elementos cooperam tanto para explicar o mundo como para resolver problemas práticos do cotidiano. Nessa civilização não havia nada fora do sagrado; o conhecimento matemático, a arte, a literatura eram interligados. 2.3 A Matemática Védica adotada no estudo: Sūtras, Subsutras e suas aplicações A MV abordada neste estudo não é retirada diretamente dos textos antigos. Adoto aqui o trabalho do estudioso e comentador da cultura védica, autor do livro Vedic Mathematics, Bharati Krsna Tirthaji (1884-1960)37. Esse autor teve seu trabalho publicado cinco anos após ter falecido. O autor era estudioso da cultura dos antigos vedas − e também professor com seis mestrados −, passou a interessar-se pelo tema quando estudava o Atharvaveda (um dos quatro principais vedas) e encontrou umas seções chamadas de ganitas Sūtra [fórmulas matemáticas], que, no entanto, não faziam nenhuma referência obvia à Matemática. Outros estudiosos não enxergavam nada além de sentenças filosóficas, não percebendo uma ligação direta com a Matemática. Tirthaji, então, dedicou-se a estudar estes textos durante um período de oito anos – quando esteve retirado para as florestas− e reconstruiu os Sūtras. Ele comenta dizendo que: […] and further confirmed and strengthened our resolute determination to unravel the too-long hidden mysteries of philosophy and science contained in ancient India's Vedic lore, with the consequence that, after eight years of concentrated contemplation in forest-solitude, we were at long last able to recover the long lost key a 37 Uma breve biografia do autor é apresentada no capítulo 4 deste trabalho. 46 which alone could unlock the portals thereof (TIRTHAJI, 1992, p. xxxiv). [...] e ainda confirmou e reforçou a nossa firme determinação em desvendar os mistérios demasiados longos e ocultos de filosofia e ciência contida na sabedoria antiga da Índia védica, com a consequência de que, depois de oito anos de contemplação concentrada na solidão da floresta, estávamos capazes de recuperar a chave perdida por longo tempo que só ela poderia desbloquear os portais do mesmo (tradução nossa). Esta chave são os Sūtras, com isso, Tirthaji mostra como a abstração filosófica se une à abstração matemática e como a estrutura gramatical, o léxico, a lexicografia e o código da língua eram utilizados na cultura védica. Ele então se determina a compreender as “referências” das ganitas-sūtra, estudando léxicos e lexicografia antiga. Sri Bharati Krsna Tirthaji reconstruiu, durante o seu retiro de oito anos nas florestas da remota região de Srigeri, estudando as escrituras, dezesseis Sūtras da MV, a partir do estudo dos textos védicos antigos, principalmente do Atharvaveda e do seu Parisista38 chamado Upaveda Sthapatya, que trata de Engenharia, Arquitetura, Artes Visuais e Matemática. O trabalho de Tirthaji segundo Manjula Triverdi “pode ser considerado como um novo Parisista dos Vedas”. (TIRTHAJI, 1992, p. vi). Ele descobriu que os escritores antigos davam muitos passos e palavras-chave para resolver problemas aritméticos, em código de certos conjuntos de sílabas, que rimam nos versos do Sūtra. Isso era dado em ordem natural e, portanto, podia ser imediatamente interpretado, ou seja, o código era para facilitar a aprendizagem. Tirthaji apresenta então o código de escrita usando as letras do alfabeto sânscrito Devanagari. Na escrita eram utilizadas apenas as consoantes para representar os números, e nunca as vogais, pois essas eram livres para permitir a construção de palavras e rimas de modo que fosse possível a boa pronunciação do Sūtra. Devemos considerar que o alfabeto Devanagari possui 49 letras, sendo 33 consoantes e 16 vogais: O quadro a seguir mostra as consoantes e os respectivos valores assumidos no código. 38 Termo que significa suplemento ou apêndice. É aplicado a vários trabalhos da literatura védica, que abordam detalhes não contemplados nos textos sagrados anteriores a eles. Existem Parisistas para cada um dos quatro vedas, contudo, apenas os que estão associados ao Atharvaveda são em maior número. 47 Quadro 3 − Representação transliterada das consoantes do alfabeto devanagari e seus respectivos valores numéricos ka,ta,pa, ya 1 kha, tha,pha, ra 2 ga,da,ba,la 3 gha, dha, bha, va 4 gna, ņa, ma, sa 5 ca,ta, śa, 6 cha,tha, șa 7 já, da, há 8 jha, dha 9 ksa ou ksudra 0 Fonte: Tirthaji (1992, p. 190). Vejamos o exemplo de um Sūtra de louvor que dá o valor de  (pi) com uma precisão de 32 casas decimais. (TIRTHAJI 1992, p. 189-190) Gopi bhagya madhuvrata Srngiso dadhi Şandhiga Khala Jivita Khatava Gala hala rașandhara Fazendo a decifração do código numérico representado pelo alfabeto, temos: Go pi bha g ya ma dhu vra ta 3 1 4 1 5 9 2 6 Srn gi so da dhi Şan dhi ga 5 3 5 8 9 7 9 3 Kha La Ji vi ta Kha ta va 2 3 8 4 6 2 6 4 Ga la ha la ra șa n dha ra 3 3 8 3 2 7 9 2 =3,1415926535897932384626433832792 Conforme Tirthaji a tradução da expressão é dada por: “O Senhor ungiu com o iogurte de adoração das vaqueirinhas de [Krishna], O salvador dos caídos, mestre de Shiva, por favor, me protegei” (TIRTHAJI, 1992, p. 190) (tradução nossa). Obs.: o g desacompanhado na palavra bhagya é utilizado na transliteração como um modificador de som vocálico, o mesmo ocorre com o n na palavra rasandhara. 48 Há, no entanto, um questionamento chave: o que é um Sūtra? De acordo com o dicionário Aurélio: “Na literatura da Índia, tratado em que estão reunidas, sob a forma de breves aforismos, as regras do rito, da moral e da vida cotidiana”. O Sūtra significa a essência de um ensinamento. Ele é um aforismo ou uma coleção de aforismos em forma de manual ou de um texto. Pode ser entendido como o fio ou a linha que mantém as coisas juntas. Por ser derivado da raiz verbal cujo significado é costurar; é dele que deriva o termo médico suturar. Neste estudo o Sūtra é entendido como um aforismo, uma sentença condensada, carregada de sentido. Quando um Sūtra é pronunciado, funciona como um acionador cognitivo, pois está carregado de significado; o som produzido pelo enunciado remete aos nossos mapas mentais e estes permitem reconhecer padrões; funcionam como mediadores entre as relações e as operações. A palavra Sūtra significa fio e é isso que ele faz, liga, conecta diferentes signos, acionando o cognitivo. Na MV isso é fundamental, pois permite imediatamente estabelecer relações e realizar mentalmente cálculos e operações, apoiando-se nas propriedades do sistema de numeração e dos números. Para a cultura védica, ele denota um tipo distinto de composição literária, com base em declarações curtas geralmente usando vários termos técnicos. Essa forma literária foi criada para a concisão, projetada para fim mnemônico. Em uma sociedade inicialmente ágrafa, ele tinha uma importante função de preservar o registro dos ensinamentos da tradição oral. Como os antigos textos védicos eram destinados a serem memorizados pelos estudantes da literatura védica em seus estudos formais, tanto religiosos como científicos, e considerando que cada linha é altamente condensada, surgiram ao longo do tempo outras formas literárias, que foram adicionadas a os Sūtras com a função de explicá-los. Vejamos uma das mais famosas definições de Sūtra originada na própria literatura védica no Vayu-purana39: “Alpāksaram asandigdham sāravad viśvatomkham astobham anavadyam Ca sutram sutravido viduh” [de mínimo silabário, inequívoco, conciso, abrangente, contínuo e sem falhas: quem conhece um Sūtra sabe que é assim. tradução nossa]. 39 O Vaya-Purana é um texto religioso védico dedicado ao Deus Vayu [o Deus do vento] e contém 24.000 Shlokas [canção ou hino]. 49 Tirthaji revelou após seu retiro de oito anos nas florestas estudando, haver decifrado os dezesseis Sūtras fundamentais e os Subsutras ou corolários da MV que, segundo ele, cobrem todos os ramos da Matemática: The Sutras (aphorisms) apply to and cover each and every part of each and every chapter of each and every branch of mathematics (including arithmetic, algebra. geometry-plane and solid, trigonometry-plane and spherical, conics-geometrical and analytical, astronomy, calculus- differential and integral etc., etc. In fact, there is no part of mathematics, pure or applied, which is beyond their jurisdiction. (TIRTHAJI, 1992, p. xxxv) Os Sutras (aforismas) aplicam-se e cobrem cada uma de todas as partes de cada capítulo e de cada ramo da Matemática (incluindo aritmética, álgebra, geometria plana e sólida, trigonometria, plana e esférica, cônicas geométricas e analíticas, Astronomia, cálculo diferencial integral e etc., etc.). Na verdade, não há nenhuma parte da Matemática pura ou aplicada, que esteja além de sua competência. (tradução nossa). A seguir, os dezesseis Sūtras e os Subsūtras traduzidos do sânscrito e apresentados no livro Vedic Mathematics: Quadro 4 − Os 16 Sūtras reunidos por Tirthaji em seu livro Vedic Mathematics Sutras em sânscrito transliterado Tradução 1 Ekadhikena Pūrvena एकाधकेन पूव ण “Por um mais do que o anterior” 2 Nikhilaṃ Navataścaramaṃ Daśataḥ “Todos de 9 e o último de 10” 3 Urdhva Tiryagbhyāṃ “Verticalmente e transversalmente 4 Parāvartya Yojajet “Transponha e aplique” 5 Sūnyaṃ Sāmyasamuccaye “Se Samuccaya é o mesmo, então é zero" 6 (Ānurupye) Śūnyaṃ anyat “Se um está na relação, outro é zero.” 7 Saṅkalana Vyavakalanābhyām “Pela adição e pela subtração”. 8 Pūraṇāpūraṇābhyām “Pela completação ou pela não completação” 9 Calana Kalanābyām “Cálculo diferencial” 10 Yāvadūnam “Pela deficiência” 11 Vyaștisamașṭiḥ “Específico e geral” 12 Śeṣāṇyaṅkena Carameṇa ” “Os restantes pelo último dígito” 13 Sopāntyadvayamantyaṃ “O final e duas vezes o penúltimo” 50 14 Ekānyūnena Pūrveṇa “Por um a menos do que o anterior” 15 Guṇitasamuccayaḥ “O produto da soma” 16 Guṇakasamuccayaḥ “Todos os multiplicadores” Fonte: Tirthaji (1992, p. xvii). Para apoiar os Sūtras, Tirthaji apresenta os Subsūtras, que funcionam como corolários na realização de algumas operações. Quadro 5 − Os 13 Subsūtras reunidos por Tirthaji Os Subsūtras ou corolários, transliterados do sânscrito Tradução Ānurūpyeṇa “Proporcionalmente” Śiṣyate Śeṣasaṃjñaḥ “O restante permanece constante” Ādyamādyenāntyamamtyena” “O primeiro pelo primeiro e o último pelo último” Kevalaiḥ Saptakaṃ Guṇyāt “ “Para 7 o multiplicando é 143” Veṣṭanaṃ “Pela osculação” Yāvadūnaṃ Tāvadūnaṃ “Diminua pela deficiência” Yāvadūnaṃ Tāvadūnīkṛtya Vargañca Yojayet “Qualquer que seja a extensão de sua deficiência, diminua ainda mais essa extensão; e ajustando também acima o quadrado (da deficiência)” Antyayordaśake’pi “Último do total de dez” Samuccayaguṇitaḥ“ “A soma dos produtos” Lopanasthāpanābhyām “Pela eliminação e pela retenção Vilokanam “Pela mera observação” Guṇitasamuccayaḥ Sammuccayaguṇitaḥ “O produto da soma é a soma dos produtos” Dhvajāṅkaḥ “Na bandeira” Fonte: idem Tirthaji escreveu originalmente 16 volumes no campo da MV (um para cada Sūtra), que seriam enviados para os Estados Unidos da América (EUA), para serem corrigidos e publicados. Contudo, em 1956, em circunstâncias não explicadas, tudo foi irreparavelmente perdido em um incêndio. Um ano depois, já doente e com catarata avançada, em seis semanas, ele escreveu apenas um volume o qual aborda de forma geral os dezesseis Sūtras. Esse 51 trabalho foi levado durante sua turnê aos EUA para lá ser revisado e publicado, contudo, após a sua morte em 1960, eles foram enviados de volta ficando aos cuidados do seu discípulo e secretário geral, e somente em 1965 o manuscrito foi editado pela Banaras Hindu University e impresso pela Motilial Banarsidass, em Varanasi. A MV apresentada por Tirthaji em seu livro, já vem há vários anos sendo utilizada no auxílio à alfabetização Matemática, em programas especiais e cursos extracurriculares em escolas da Inglaterra, Estados Unidos e Índia (principalmente nas escolas Maharishi). Desde 1986, as escolas inglesas de Saint James School e Queensgate School oferecem o curso de MV aos estudantes interessados como um auxílio na aprendizagem de Matemática. Essas escolas organizam cursos de MV em programas que permitem aos estudantes desenvolverem e aprimorarem a habilidade com o cálculo aritmético usando os Sūtras com notável sucesso. Quando foi introduzida em algumas escolas há alguns anos atrás, a Escola St. James, em Londres, e outras escolas começaram a ensinar o sistema védico, com notável sucesso. Hoje, esse sistema é ensinado em muitas escolas e institutos na Índia e no exterior, e até mesmo para estudantes de MBA em Economia. Quando, em 1988, Maharishi Mahesh Yogi40 comentou sobre os benefícios da MV, as Escolas Maharishi ao redor do mundo incorporaram imediatamente este estudo em seus roteiros pedagógicos. Na escola Maharishi em Skelmersdale, Lancashire, Reino Unido, um curso completo chamado "Computador Cósmico" foi escrito e testado com estudantes de 11-14 anos de idade e, posteriormente, publicado em 199841. De acordo com Mahesh Yogi, "Os Sūtras de MV são o software para o computador cósmico funcionar esse universo." Desde 1999, um fórum em Delhi chamado Fundação Internacional de Investigação para a Matemática Védica e herança Indiana, que promove a educação baseada em valores, tem sido o responsável por organizar palestras sobre MV em várias escolas em Delhi, incluindo Cambridge School, Amity International, DAV Public School,, Tagore International School. A escola Maharishi em Skelmersdale, Lancashire, fez um comunicado à imprensa em 23 de agosto de 200742, ressaltando o excelente desempenho de seus alunos no exame nacional de certificação do ensino médio (GCSE – General Certificate 40 Físico e Guru, fundador das Escolas Maharishi 41 Os autores Williams and Gaskell publicaram o trabalho intitulado Cosmic Calculator. Para mais detalhes consultar as referencias. 42 Ver os sites: http: http://maharishi-programmes.globalgoodnews.com/vedic-science/ e //pazmundialmaharishi.blogspot.com.br/2009_03_01_archive.html, http://home.iae.nl/users/lightnet/world/mathematics.htm 52 of Secondary Education) – comparável ao nosso ENEM. Todos foram aprovados na disciplina de Matemática, ou seja, obtiveram 5,0 ou mais (“C”). Isso equivale a 100% de aprovação, contra uma média nacional de 63%. O mais interessante é que 66% dos aprovados tiveram a qualificação máxima (“A” ou “A+”), o que representa mais do que o triplo da cifra nacional que é de 19,5%. Essa escola havia implantado há dois anos o programa de MV em aulas extracurriculares, para auxiliar no desenvolvimento da habilidade com o cálculo mental e como apoio aos estudos de Matemática. O trabalho de ensinar a MV tem sido liderado na Inglaterra por professores como James T. Gloover (2007), Keneth Williams e Mark Gaskell (2005), que afirmam “a principal aplicação da MV é na educação”. Eles fundaram nos anos de 1970 a Academia de MV, que oferece cursos e materiais didáticos para o ensino. No campo da informática, a MV tem se mostrado promissora. Atualmente, pesquisas apontam para uma nova geração de processadores, que poderão se utilizar do algoritmo védico no processamento de sinais digitais com surpreendentes resultados. O artigo de Chidgupkar & Karad, traz o relato da investigação utilizando microprocessadores Intel das famílias 8085 e 8086, que tiveram suas velocidades de processamento aumentadas em quase cem por cento com o uso do algoritmo védico.43 No próximo capítulo, abordo sucintamente a história da cultura védica, como uma forma de esclarecer melhor o leitor sobre essa civilização, local onde possivelmente surgiu o sistema de numeração decimal, os noves símbolos e mais o zero, e também a escrita numérica posicional e aditiva, hoje adotada em todo o mundo para escrever os números. Penso ser oportuna, e uma contribuição útil, uma breve incursão na origem dessa civilização. 43 Cf. Chidgupkar & Karad, (2004) 53 3 Estudo histórico sobre as origens da Cultura Matemática Védica Neste capítulo, apresento a cultura védica, sua localização geográfica, seu surgimento e desaparecimento. Os aspectos culturais, religiosos, econômicos e sociais, que mostram a Matemática na Religião, Arquitetura, Astronomia e no Comércio. Comentarei as escavações arqueológicas que levaram às descobertas dos sítios mais importantes. Os artefatos e instrumentos encontrados pelos pesquisadores, que comprovam o grau do conhecimento matemático daquela civilização, compatível com seu desenvolvimento. Trago apontamentos para a História da Matemática na Índia antiga, ainda que brevemente, para um melhor entendimento da conexão entre a cultura matemática védica e o surgimento do sistema de numeração decimal. 3.1 Abordagem histórica da civilização védica A opção por esta abordagem histórica [talvez um pouco alongada], se fundamenta basicamente em dois pontos: (i) na necessidade de apresentar, com bases culturais e históricas, que desde o princípio a Matemática era um conhecimento importante, presente e desenvolvido na cultura védica, e não estava separado dos outros saberes, pois isso remete à conexão da obra de MV de Tirthaji (1965) − que fez um trabalho de interpretador e comentador dos vedas − com os primórdios da literatura sânscrita e das origens da Matemática; (ii) Descrever operações na perspectiva da MV apresentada por Tirthaji, sem um estudo mais aprofundado na História da Matemática na Índia antiga, mencionando novos elementos e discutindo novas conexões, colocaria este trabalho em um vazio histórico-cultural, ou conduziria à vala comum da repetição da Teoria da Invasão Ariana44 − presente na maioria dos livros de História da Matemática adotados nos cursos de Licenciatura − cujas bases há muito tempo já foram abaladas. Enfim, reduzir o conteúdo histórico, do meu ponto de vista, empobreceria o estudo e estreitaria as contribuições e apontamentos para novos trabalhos. A antiga cultura do vale do rio Indo-Sarasvati, estendia-se por uma área de aproximadamente 400000 km² e ocupava parte dos territórios dos países Índia e 44 Esta Teoria afirma que a civilização védica do vale dos rios Indo-Sarasvati originou-se a partir da invasão de povos ários vindos das estepes. Esta teoria foi formulada nos meados do sec. XIX, e sofreu sucessivos abalos desde 1920, com a descoberta dos sítios arqueológicos de Mohenjo-Daro, Harappa e Lothal. Contudo apenas os livros de história da Matemática mais recentes como Katz (1998), é que trazem os primeiros apontamentos. Paquistão, no chamado subcontinente Indiano. Suas principais cidades eram: Harappa, Mohenjo-daro e a cidade portuária de Lothal. Figura 2 – Região do vale dos rios Indo Fonte: www.google imagens/mohenjo Historiadores do século os trágicos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, esse termo caiu em desuso. Atualmente, alguns autores Katz:”A civilization called Harappan arose in India on the banks of the Indus River in the third millennium b. c. e escavações arqueológicas, Harappa, Mohenjo-daro e outros sítios, como é relatado pelo trabalho de Ashfaque e Shaikh, publicado pela Unesco em 1981, que diz o seguinte: of Moenjodaro in 1922 was at f by the Archeological Survey Eles explicam que essa notável descoberta não foi nada mais que o primeiro resultado de explorações de rotina do serviço 45 (Cf. KENOYER, 2010). 45 Observe no mapa a seguir: -Sarasvati -daro XIX, a chamavam de civilização Ariana, contudo, após usam o termo cultura Harapiana, como se encontra em .” (KATZ, 1998, p. 4). Isso ocorre devido à divulgação das ocorridas no vale do Indo, e que levaram “The remarkable discovery irst nothing more than the result of routine explorations of British Índia” (ASHFAQUE & SHAIKH, 1981, p.9). arqueológico das Índias Britânicas. 54 à descoberta de O resultado das 55 escavações chefiadas pelo arqueólogo Sir John Marshall são reportadas em uma obra de 03 volumes publicada em 1931, intitulada Mohenjo-Daro and the Indus civilization. Com o progresso das descobertas em 1936, E. J. H. Mackay publica em 02 volumes Further excavatios at Mohenjo-Daro. Tais trabalhos ao mostrarem, que as ruínas descobertas revelaram uma civilização desenvolvida datada de aproximadamente 3500 a. C, causaram grande impacto no mundo da arqueologia ─ e consequentemente da historiografia ─, iniciando uma revisão da História das civilizações orientais, principalmente do subcontinente Indiano.46 Anteriormente, ruínas da civilização do vale do Indo já haviam sido localizadas. A primeira notícia da descoberta remonta aos idos de 1826, quando um desertor do exército britânico, James Lewis − cujo codinome era Charles Maison −, que estava atuando como engenheiro norte-americano a serviço da Índia, notou a presença de ruínas amontoadas em uma pequena cidade chamada Harappa, no Punjab. Como foi o primeiro sítio a ser descoberto, alguns historiadores chamam a civilização do vale do Indo de Harappiana. Alexander Cunnigham, chefiou a pesquisa arqueológica da Índia, ele visitou esse sítio em 1853 e 1856, enquanto procurava as cidades que tinham sido visitadas por peregrinos chineses no período budista. A existência de uma cidade naquele local só seria confirmada nos próximos 50 anos, mas ninguém tinha ideia de sua idade. Em 1872, tijolos maciços foram roubados e as camadas superiores desse sítio arqueológico foram praticamente destruídas. Os tijolos roubados foram utilizados para construir casas e na obra de uma ferrovia. Utilizaram os tijolos para forrar o leito da ferrovia em um trecho de 160 km. Cunnigham, fez pequenas escavações no local e relatou suas descobertas, tais como: cerâmicas antigas, ferramentas de pedra e um selo de pedra. Ele publicou suas descobertas, o que gerou alguns interesses por mais estudos. Escavações arqueológicas de rotina iniciadas em 1922 pelo Archeological Survey of British India e chefiadas por Sir Jonh Marshall, descobriram as ruínas de Mohenjo-daro, cujo nome significa na língua Sindh colina dos mortos. Com os primeiros estudos, logo perceberam que tratava-se de uma das cidades da civilização do vale do Indo-Sarasvati e, pelos artefatos encontrados, concluíram que possuía um comércio próspero e estrutura urbana desenvolvida.47MACKAY 1998 46 Cf. Kenoyer, 1998. 47 Cf. Mackay, 1998. 56 Conforme as datações realizadas a partir dos principais sítios arqueológicos da civilização do Vale do Indo-Sarasvati (KALYANARAMAM 1997), o período destes esta compreendido entre 4150 a. C. – 2185 a. C. O Dr. Kalyanaramam realizou vários estudos hidrológicos em busca do antigo leito do rio Sarasvati. O quadro a seguir fornece as datas dos principais sítios arqueológicos que contêm as ruínas das cidades dessa civilização. O processo de datação utilizado foi o do radiocarbono (C 14); as datas máxima e mínima estão ligadas ao fator de correção do processo de datação radiocarbônico. Quadro 6 – Datas dos principais sítios arqueológicos do vale do Indo-sarasvati. O processo de datação utilizado foi radiocarbônico SÍTIO ARQUEOLÓGICO DATA MÁXIMA - DATA MÍNIMA Balakot 4150-3800 a.C. Harappa 3338-3208 a.C. Mohejo-daro 2545-2315 a.C. Lothal 2655-2185 a.C. Fonte: Kalyanaramam (1997, p. 4). Observando o quadro acima, constata-se, que o período de florescimento desses núcleos urbanos organizados, vai remontar ao final do período neolítico, compreendido entre 10000 a. C. – 3000 a. C.48 As escavações a partir de 1922 se intensificaram, contudo, sempre houve interrupções devido a guerras e problemas políticos envolvendo aquela região de fronteira entre Índia e Paquistão. Uma das primeiras curiosidades reveladas pelas escavações foi a existência de Matemática prática aplicada na confecção de diversos artefatos, entre eles com destaque para a manufatura de tijolos, cujas dimensões eram proporcionais na razão 4:2:1 [comprimento, largura e altura]. Com esse simples e engenhoso uso da matemática, entre outras coisas, economizavam nos tijolos, pois, para completar as paredes e fazer amarração não havia a necessidade de quebra, para se obter o meio-tijolo [como ainda hoje, no Brasil isso é raro, ocorre um grande desperdício na 48 Cf. Kalyanaramam,1997. 57 quebra], pois uma dimensão é sempre a metade da outra. Outro ponto importante é que, segundo a arquitetura védica, essas proporções eram favoráveis à estabilidade da estrutura de tijolos − considere-se que não havia vigas de concreto armado −, pois as escavações revelaram construções com até 03 pavimentos. Os detalhes das estruturas de tijolos revelaram uma grande habilidade na construção, além disso, as ruas bem definidas e traçadas, como também as cerâmicas com ornamentos geométricos revelam que aquela população possuía conhecimentos de Geometria. Vejamos o que Gaspar (2003) comenta: O modo como as cidades deste período eram planejadas e as cerâmicas encontradas nas ruínas de Mohenjo-Daro com motivos de decoração que contém uma série de círculos que se interceptam, quadrados, triângulos unidos pelo vértice, retângulos com os quatro lados encurvados, etc., são evidências do conhecimento geométrico deste povo. (GASPAR, 2003, p. 67). No caso dos tijolos utilizados para a construção de poços circulares, se observa o cuidado de considerar a diferença entre o diâmetro externo e interno do poço, para isso produziram tijolos especiais em formato de cunha. Figura 3 − Vista das ruínas de Mohenjo-daro, uma das principais cidades da antiga civilização do vale do Indo-Sarasvati Fonte: http://www.harappa.com/har/moen0.html 58 Figura 4 − O detalhe dos tijolos utilizados nas construções dos poços Fonte: ibdem Figura 5 − A estrutura com tijolos soltos absorve vibração e resiste a terremotos Fonte: Ibdem. 59 3.2 O declínio da civilização do Indo-Sarasvati Um assunto polêmico, que se seguiu imediatamente após as descobertas dos sítios arqueológicos do vale do Indo-Sarasvati, foi a razão do declínio de cidades tão bem estruturadas e aparentemente prósperas. Várias hipóteses tentaram sem sucesso justificar esse fato. Uma delas, que muito repercutiu, foi a teoria da invasão ariana [abordada na seção seguinte], no entanto, nenhuma explicou satisfatoriamente, pois todas sucumbiam por falta de elementos de prova. O primeiro ponto desfavorável foi considerar que a civilização do Indo-Sarasvati não era védica. Essa confusão era gerada, em parte, pela teoria inconsistente da invasão ariana. A ideia da civilização do Indo- Sarasvati não ser védica não resistiu aos trabalhos dos arqueólogos, pois eles encontraram nas ruínas altares de fogo para a cerimônia do Agniruga [sacrifício do fogo], prática presente na cultura védica, sem falar nos textos sagrados do Rig-veda que mencionam o rio Sarasvati como um rio perene, e nunca relatam guerras ou invasões estrangeiras na região. Além do mais, a teoria da invasão ariana não resistia ao seguinte questionamento: como esses invasores arianos, ao tomarem posse dessa terra, implantaram uma cultura tão sofisticada, elaborada e complexa como a cultura védica?. De onde trouxeram essa cultura? Por que então não foi possível encontrar vestígios da cultura desses invasores em outras regiões? Também provas da presença de formas geométricas singulares, como o retângulo de lados curvados, usados em altares religiosos e em cerâmicas pela civilização do Indo-Sarasvati, e ricamente presente no período védico corroboram para desbancar esse lapso histórico. Nessa direção, o trabalho de Gaspar (2003) aponta que: O motivo mais comum de porcelana do período anterior, [período da civilização do Sarasvati] os retângulos com lados encurvados, está preservado no mais importante altar de sacrifício védico, o Mahavedi, que tem esta forma. Isto pode indicar alguma relação às civilizações dos dois períodos. (GASPAR, 2003, p. 67). Por outro lado, a Matemática presente nos Sulbasutras [instruções matemáticas para a construção de altares] traz evidências de que a civilização do Indo-Sarasvati [Harappiana] é o berço da cultura védica, pois, segundo Joseph (1996): [...] os Sulbasutras podem muito bem proporcionar um fio conector entre a cultura de Harappa, que se extinguiu por volta do ano de 1750 a. C. e a emergência de uma cultura védica escrita pelos começos do primeiro milênio antes de cristo, posto que a tecnologia altamente desenvolvida de fabricação de tijolos da cultura de Harappa teve sua 60 réplica na construção dos altares sacrificais do período védico. (JOSEPH, 1996, p. 309). Os altares de fogo encontrados nos sítios arqueológicos da civilização do vale do Indo têm a mesma forma geométrica e obedecem às mesmas proporções dos altares védicos de Agniruga [cerimônia do fogo]. 49Portanto, o declínio da civilização do vale do Indo-Sarasvati, não se deu por guerras ou invasões. Este declínio só poderia está ligado ao próprio desaparecimento do rio Sarasvati, pois este rio mítico, inúmeras vezes citado nos textos védicos, não existe atualmente e isto sempre era motivo, de dúvidas e incompreensões, principalmente por parte daqueles que descartavam de suas análises as informações contidas nos textos literários da cultura védica. A explicação para o declínio da civilização do Indo-Sarasvati só vai começar a aparecer no início da década de 1980, quando o professor Yashpal e um grupo de renomados cientistas partem de estudos dos textos sagrados, dos relatórios geológicos, de estudos em glaciologia e da análise de imagens do satélite Landsat, que sondou a região noroeste da Índia, para então encontrarem evidências substanciais da existência do rio Sarasvati. Apenas em 1996, no Renganatham Centre for Information Studies, e em janeiro de 1997, na World Sanskrit Conference, o Dr. Kalyanaraman apresenta um denso trabalho multidisciplinar, que confirma a existência do rio Sarasvati. O banco de desenvolvimento da Ásia financiou estudos e pesquisas, pois estava interessado em promover o desenvolvimento econômico das populações daquela região, principalmente a agroindústria. Para atingir esses objetivos, era necessário que fossem perfurados poços subterrâneos e isso só se tornaria viável, naquela região seca, se ficasse comprovada a existência do leito de um antigo rio, conforme aparece no trabalho intitulado Sarasvati River. Nesse trabalho, o professor Valdiya traçou, baseado nos estudos hidrológicos, o curso do rio Sarasvati. “In May 1996, Prof. Valdiya has traced, based on hydrogeological studies, the course of the Sarasvati River […]” (KALYANARAMAN, 1997, p. 7). A seguir o mapa do curso do rio Sarasvati traçado pelo Prof. Valdiya em 19996. É importante observar que trata-se de descobertas recentes, isto explica o fato destas informações ainda não refletirem na historiografia, dos livros de Historia da Matemática adotados nos cursos de licenciatura em Matemática que na sua maioria são traduções de obras da primeira metade do século XX. 49 Cf. Knapp, 2010. 61 Figura 6 − O rio Sarasvati como foi traçado pelo prof. Valdiya O rio Indo [ou Sindhu] juntamente com o Jhelum, o Chenab, o Ravi, o Beas, o Sutlej e o extinto Sarasvati, formam o chamado delta de Sapta Shindhu [sete rios] Fonte: Sarasvati River (Kalyanaramam, 1997). Em janeiro de 1997 os cientistas do BARC confirmaram que havia aquíferos com água subterrânea no local onde era o leito do rio Sarasvati. Testes de Tritium [isótopo do hidrogênio] confirmaram a qualidade da água e também a idade que estava entre 8000 a 4000 anos. Partindo da pesquisa do Dr. Kalyanaraman, diversos trabalhos apontam que o rio Sarasvati existiu e foi um rio potente e perene; secou por motivo de uma catástrofe ambiental, causada por um terremoto, que interrompeu o fluxo de água proveniente do derretimento de geleiras. A seca desse rio levou a civilização próspera que se desenvolvera em suas margens ao declínio. Esse declínio forçou a migração em várias direções. Também chamo a atenção para o fato importante do trabalho dos pesquisadores ter tomado como ponto de partida os relatos contidos nos textos sagrados dos vedas. Isto mais uma vez corrobora com a ideia de que a civilização do Indo- Sarasvati era sim uma civilização védica. O mítico rio Sarasvati é por várias vezes mencionado no Rig-veda (10.75.5), o mais antigo dos quatro vedas. Também no Mahabharata o rio é citado, o que causava grande confusão aos historiadores, orientalistas e indologistas do século XIX, pois o rio 62 não existe mais. Então, para um melhor entendimento, convém discorrer brevemente sobre tal fato. Vejamos o que diz Kalyanaraman(1997): The Sarasvati was a mighty and perennial river circa 3000 B.C. when so called Harappan civilization flourished, flowing from the Har kin dun glacier of the Himalayas in W. Garhwal into the Gulf of Khambat near Lothal, via the Little Rann and the Nall Lake (near Ahmedabad). (KALYANARAMAN, 1997, p.5). O rio Sarasvati era um rio potente e perene que corria por volta do ano 3000 a.C. na época em que se desenvolvia a civilização Harapiana, ele se originava do derretimento das geleiras do Himalaia mais precisamente a chamada geleira de Har kin dun, a oeste de Garhwal 50e corria para desaguar no golfo de Khambat perto de Lothal, passando por Little Rann e pelo lago Nall, próximo à cidade de Ahmendabad. (Tradução nossa). Os estudos hidrológicos mostraram que a seca do rio Sarasvati foi provocada por terremotos que interromperam o fluxo de água proveniente do derretimento da geleira de Har kin dum no Himalaia. Então, foi a seca do rio Sarasvati que trouxe pobreza para a região, com a falência da agricultura e consequentemente do comércio, forçando uma migração para várias direções. Esse foi o fator que permitiu a disseminação da cultura e consequentemente da Matemática. Reforçando essas evidências, escavações recentes, comandadas por Jonh Mark Knoyer da University of Wisconsin51, encontraram selos de cerâmica da civilização do vale do Indo-Sarasvati em espólios arqueológicos, da Mesopotâmia, da Babilônia e China. Este, portanto, é um aspecto da história da Matemática apresentado neste trabalho e que fica como um apontamento para trabalhos futuros, pois o objetivo deste estudo não está nessa direção. 3.3 O fim da teoria da Invasão Ariana A importância de abordar, ainda que sucintamente, este tema está ligada ao fato de que esta teoria, surgida nos fins do século XIX na Europa e utilizada para datar a civilização indiana pré-clássica, não se sustenta mais. A relação desta teoria com a MV e a História da Matemática é a afirmação acerca de invasores arianos vindos do Norte, 50 Região ao nordeste da Índia considerada a porta do Himalaia, pois lá estão localizados os três maiores picos dessa cordilheira, limita-se ao norte com o Tibet, lá nascem dois dos rios sagrados da Índia: o Ganges e o Yamuna. 51 Cf. Knoyer, 2010. 63 que invadiram a região atualmente ocupada pela Índia e Paquistão e impuseram sua cultura. Isto é uma questão fundamental, pois admitir a invasão ariana implica aceitar que a MV não teria então uma raiz no subcontinente indiano. Esta teoria, hoje totalmente superada e em descrédito, face ao avanço das pesquisas, foi uma das responsáveis por contribuir com uma visão eurocêntrica do desenvolvimento da Matemática. Tal foi sua influência, que ainda hoje a historiografia, com forte ranço eurocêntrico, não corrigiu totalmente seus escritos, apesar dos resultados de inúmeras pesquisas e publicações gritarem em outra direção. Contudo, sabemos que um paradigma52 não se muda da noite para o dia. O objetivo deste trabalho não é caminhar no rumo de um aprofundamento minucioso das questões históricas, mas a forte presença dessa teoria nos livros de história da Matemática, adotados nos cursos de Licenciatura de algumas universidades, convida a discorrer sobre o tema. O livro História da Matemática, de Carl Benjamim Boyer, publicado na década de 1960 e adotado como livro texto em vários cursos de Licenciatura em Matemática, traz a seguinte referência sobre a Matemática da Índia antiga: “[...] o país [que] foi ocupado por invasores arianos que introduziram o sistema de castas e desenvolveram a literatura sânscrita” (BOYER, 1974, p. 150). Fica claro o vínculo com a Teoria da Invasão Ariana [TIA]. Outro autor, D. E. Smith, refere-se ao tema da seguinte forma: “The earliest Indian civilization for which there is such evidence was formed along the Ganges river by Aryan tribes migrating from the Asian steppes late in the second millennium B.C.E.” (SMITH, 1998, p.4). O autor menciona que tribos arianas, vindas das estepes asiáticas, estabeleceram-se nas margens do rio Ganges no terceiro milênio antes de Cristo, isso é uma das variantes da TIA. Um relevante trabalho de História da Matemática na Índia Antiga, de autoria de Kim Plofker, já traz indicações da mudança de paradigma, quando diz que é “padrão” adotar a teoria da Invasão Ariana. O texto é o seguinte: This, the standard account of the origin and growth of Vedic India, is sometimes referred to as the Aryan invasion theory (AIT). However, most modern Indologists prefer other terms such as “immigration” or “influx” to “invasion”, which connotes earlier assumptions, now discarded large-scale military conquest in the Punjab (PLOFKER, 2009, p. 6). Isto, conta o padrão da origem e do crescimento da Índia védica, é muitas vezes referido como a teoria da invasão ariana (TIA). No entanto, indologistas mais modernos preferem outros termos como 52 O sentido de paradigma adotado aqui refere-se à definição dada por Thomas S. Kuhn. 64 "imigração" ou "fluxo" a "invasão", que conota pressupostos anteriores, agora descartados, de conquistas militares em grande escala no Punjab (tradução nossa). Verificamos também a referência aos “modernos” indologistas que preferem assumir outros termos, como imigração, fluxo, ao invés de invasão, pois atualmente diversos pressupostos “descartam” grandes conquistas militares na região do Punjab. Destaco entre eles o resultado das escavações, que até o momento não exumou grande quantidade de armas, artefatos de guerra ou indicações de batalhas, e os relatos dos textos sagrados, que não fazem menção a lutas ou invasões estrangeiras. Ora, as bases da TIA ou AIT [em inglês], proposta por Max Muller nos meados do século XIX, nunca foram respaldadas quer seja pelas provas linguísticas-filológicas, quer seja pelos escritos dos próprios textos sagrados como Rig-veda, quer pelas provas paleontológicas levantadas nas pesquisas arqueológicas dos sítios remanescentes. Segundo Knapp (2010), a TIA estava muito mais fundada numa relação de poder colonial, que segundo ele, objetivava construir um discurso no qual os arianos invasores no passado haviam imposto sua cultura, e portanto “justificava” a ocupação colonial inglesa. O pesquisador Dr. Deen Chandora, em seu artigo intitulado Distorted Historical events and discredited Hindu chronology, afirma que foi elaborada uma conspiração para distribuir desinformação, ocorrida em Londres em 10 de abril de 1866, na Royal Ásia Socity. A TIA começa a perder crédito e aos poucos vai sendo parcialmente abandonada, conforme já mostrado no notável trabalho de Plofker na área de História da Matemática. O livro de Plofker, inicialmente publicado em 1963, sob o selo da Princeton Univertsity Press, constitui-se, sem dúvida, em um trabalho de referência, que reuniu e condensou grande parte da MV contida na Kalpa-sūtra, já dentro de uma nova perspectiva, contemplando as descobertas arqueológicas de então. É importante lembrar que o matemático David Munfold [vencedor da Medalha Field 1974]53 escreveu um ensaio de seis páginas sobre o livro de Plofker, no qual concorda com a ideia de que a origem da matemática indiana não está na Grécia. Ele diz não haver evidências de que a Matemática Grega tenha logo cedo chegado à Índia, como afirmam alguns historiadores tradicionais. Essa afirmação vai na direção das pesquisas que apontam a civilização do Indo-Sarasvati como um local onde cedo se desenvolveu uma Matemática própria. Contudo, mesmo diante da grandeza do trabalho de Plofker, fica 53 Prêmio quadrienal atribuído pela União Matemática Internacional (IMV), concedida a, no máximo, quatro matemáticos por vez. 65 claro ainda o vínculo com a historiografia tradicional dos historiadores, indologistas e filologistas do indo-europeu que, segundo Calazans: Adotaram três postulados falaciosos (evidência linguística, teoria ariana invasionista e cronologia bíblica), a partir dos quais determinam com imprecisão positivista alguns estudos indológicos e a cronologia da história da Índia pré-clássica (CALAZANS, 2006, p. 227). Calazans afirma que um erro metodológico do século XIX foi, portanto, a geratriz da teoria da invasão ariana. Em oposição a este equívoco, os textos sagrados fornecem narrativas que permitem identificar com clareza o período astronômico correspondente à sua compilação. O fato dos historiadores e indologistas tradicionais do indo-europeu (ou indo-ariano) terem excluído de suas análises esse ponto fundamental é que Calazans chama a atenção: O resultado desta errada atitude metodológica no trabalho de investigação científica em História, levou aqueles investigadores a excluírem alguns dos elementos mais importantes de todo o processo evolutivo do pensamento pré-clássico indiano. A Astronomia e a necessidade de cálculo matemático foram justamente dois desses elementos, utilizados para resolver os problemas básicos da sobrevivência das populações ligados à construção do espaço urbano, religioso e astronômico (CALAZANS, 2006, p. 227). O autor ainda observa que, ao não utilizarem a Matemática e a Astronomia como instrumentos de auxílio à investigação histórica, eles reduziram a pesquisa a uma leitura deficiente dos textos védicos. Esse erro o autor mostra ter sido corrigido: A última grande contribuição científica para correção deste erro metodológico no trabalho cientifico em História, foi sem dúvida a investigação realizada pelo grande historiador da ciência A. Seindenberg (1962-1978). Não é a primeira vez, nem será a última, que as ciências como a Matemática, a Física e a Astronomia concorrem para a correção de desvios na metodologia de trabalho em outras ciências auxiliares (CALAZANS, 2006, p. 229-230). Apesar das inúmeras pesquisas e publicações corrigirem a cronologia adotada para datar as civilizações do Oriente, sabe-se que um paradigma não se muda da noite para o dia. Porém, no caso particular da civilização védica, os textos sagrados fornecem narrativas que permitem identificar com clareza o período astronômico correspondente à sua compilação ─ quando o sábio Srila Vyasadeva compilou os vedas, o equinócio vernal do Hemisfério Norte se encontrava na constelação de Orion, isso foi registrado pelo autor no texto. Com o cálculo regresso e programas de computador, pesquisadores do Birla Science Museum de Delhi encontraram a data de 3102 a.C.; além disso, os hinos do Rig-Veda já eram cantados por gerações antes de sua compilação. 66 Também os relatórios das escavações encontraram evidências que cidades da civilização do vale do Indo-Sarasvati, como Mohenjo-daro, Harappa e Lothal, já se constituíam em centros comerciais desenvolvidos da época.54 Ora, a existência de cidades com comércio e arquitetura desenvolvidos, conforme revelam as escavações, haveria com certeza de possibilitar um sistema matemático que atendesse as necessidades cotidianas de seus habitantes. Tais pesquisas revelaram artefatos de medição e pesagem, principalmente pesos com formas geométricas bem definidas, além de selos de cerâmica utilizados para marcar as mercadorias que eram vendidas, como forma de controlar a cobrança de impostos – tudo isso revela a existência de conhecimento matemático aplicado às práticas sociais. Esses mesmos selos foram também encontrados em civilizações da Mesopotâmia, o que confirma a ideia de que havia um contato comercial. Contudo, naquela época não havia registros arqueológicos de cidades com estrutura urbana desenvolvidas no vale da Mesopotâmia ao mesmo nível das cidades do vale do Indo- Sarasvati, o que leva a crer que há uma forte tendência de que o conhecimento matemático dessa civilização, que era bem mais desenvolvido, tenha influenciado a Mesopotâmia e as demais regiões com as quais se tinha relações de comércio, uma vez que, para a realização de transações comerciais, a Matemática é imprescindível. Os apontamentos históricos presentes neste estudo poderão auxiliar os professores no melhor entendimento da história da Matemática, principalmente no que tange a seus primórdios. Penso que os professores do Ensino Fundamental, que ensinam o sistema de numeração, ao conhecerem melhor a história do seu surgimento e desenvolvimento, poderão com certeza entender melhor o desenvolvimento da Matemática fora do foco eurocêntrico, permitindo novas interpretações e aceitando as contribuições de outros povos, fortalecendo a ideia da matemática como um produto da cultura humana, proveniente de contribuições dos mais diferentes grupos culturais. O grau de contribuição maior ou menor de cada cultura a meu ver não é relevante. No próximo capítulo, tratarei do livro Vedic Mathematics, mais especificamente dos Sūtras, que abordam as quatro operações, iniciarei o texto com uma breve nota acerca da vida de Tirthaji, autor do livro. 54 Cf. Knoyer, 2010; Mackay, 1998; Marshal, 1996. 67 4 As quatro operações a partir do livro Matemática Védica Neste capítulo, apresento as quatro operações com o uso dos Sūtras de MV, apresentados por Tirthaji em seu livro Vedic Mathematics. A título informativo trago inicialmente uma breve nota sobre o livro e a vida do autor, esta nota trata-se de uma síntese das informações apresentadas no capítulo intitulado My beloved gurudeva, contido nos pré-textuais do livro Védic Mathemátic. O livro Vedic Mathematics, publicado em 1965, cinco anos após a morte de seu autor, Bharati Krsna Tirthaji, apresenta a MV na forma de dezesseis Sūtras (aforismos) e treze Subsūtras (corolários). Segundo o autor, esses Sūtras cobrem diversos ramos da Matemática, incluindo Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria, Cálculo diferencial e integral (TIRTHAJI 2009, p. xxxv). A publicação do livro tornou-se possível por meio dos esforços de professores, amigos e admiradores de Tirthaji. Os manuscritos, que estavam guardados pela discípula e esposa do falecido secretário de Tirthaji, foram cedidos para o editor geral, Dr. V.S. Agrawala da Banaras Hindu University (BHU), que encaminhou-os à editora da BHU para revisão e impressão do livro. Portanto, sua primeira edição é na língua inglesa, em 1965, na cidade de Varanasi, Índia. Após esse período, ocorreram várias reimpressões ao longo das décadas de 1970, 1980 , 1990 e 2000. O exemplar utilizado neste estudo se constitui em uma reimpressão da edição revisada de 1992 em Delhi, realizada pela Motilial Banarsidass. Figura 7 − A capa do livro de Tirthaji Vedic Mathematics Exemplar da edição revisada de 1992, importado da Índia para este estudo. Fonte: Arquivo do autor. 68 Figura 8 − A folha de rosto e, no anverso, uma foto de Tirthaji Fonte: Arquivo do autor. 4.1 Caracterização do Livro Vedic Mathematics O livro está estruturado em pré-textuais e textuais, sendo que nos pré-textuais a numeração das páginas está em numerais romanos, e na dos textuais em numerais hindu-arábicos, totalizando 396 páginas em formato de brochura [paperback “C”], com 13,5 x 21,6cm. Nos pré-textuais, encontra-se: (i) uma nota de abertura escrita pelo editor-geral em 17 de março de 1965 na cidade de Varanasi, Índia; (ii) um prefácio escrito pelo Swami Pratyagatmananda Saraswati; (iii) um relato breve acerca do aspecto não convencional da obra; (iv) uma lista com os dezesseis Sūtras e seus corolários; (v) uma breve biografia do autor intitulada My beloved gurudeva, escrita pelo seu secretário pessoal, onde é comentado aspectos da vida pessoal de Tirthaji, sua viagem aos Estados Unidos e as palestras que ministrou lá. Também menciona um curso completo com suas palestras e demonstrações de MV organizadas pela Nagpur University em 1952. É partindo dessas informações que apresento, uma síntese sobre alguns aspectos da vida de Tithaji; (vi) há um prolegômeno e um prefácio escritos por Tirthaji. Nos textuais, há quarenta capítulos tratando sobre vários ramos da matemática, tais como: Aritmética, Álgebra, Geometria plana e esférica, Trigonometria, entre outros. Neste estudo me detenho nos cinco primeiros capítulos, que tratam de aritmética, mais precisamente das quatro operações; contudo, o tema também aparece em outros capítulos, uma vez que os Sūtras, dependendo da operação, possuem várias aplicações. 69 Dessa forma, o estudo não fica estritamente preso aos cinco primeiros capítulos, mas sim busca a temática das quatro operações em diferentes partes da obra onde ela aparece. Tirthaji nasceu em 14 de março de 1884, na cidade de Tinnivelly, no estado de Tamil Nadu no Sul da Índia, recebeu o nome de Venkatraman Shastri. Era filho de P. Narasinha Shastri. Seu pai era um Tehsildar [fiscal de receitas] e, mais tarde, aposentou- se como coletor adjunto da província de Madras. Venkatraman nasceu de uma família ilustre, seu tio Chandraskhara foi diretor da faculdade de Maharaja em Vizianagaram e, seu bisavô, C. Ranganath Shastri, foi juiz do tribunal da alta corte de Madras. Tirthaji começou seus estudos no Colégio Nacional em Trichanapalli; continuou no Colégio da Sociedade Missionária e, depois, no colégio Hindu em Tinnievelly. “Ele desde cedo era um excepcional e brilhante estudante, o primeiro lugar em todas as disciplinas e em todas as turmas, durante sua carreira educacional” (TIRTHAJI, 1965, p.xxiii). Em janeiro de 1889, foi aprovado em primeiro lugar no exame de admissão da Universidade de Madras. “Ele possuía uma excelente memória e uma curiosidade insaciável” (ibdem) Embora tenha tido as mais altas pontuações em Ciências e Matemática, ele também era brilhante em línguas, o que lhe rendeu o título de Saraswati, pela Associação Madras de Sânscrito em julho de 1899. Nessa época, ele foi muito influenciado pelo seu mestre em sânscrito, o guru Sri Vedam Venkatrai Shastri. Na universidade, ele foi o primeiro lugar no exame de bacharelado em 1902 e, logo em seguida, iniciou os estudos de pós-graduação, sendo aprovado no exame de mestrado (MA), no centro em Bombaim do American College of Sciences de Rochester, New York. Em 1904, passou nos exames de seis mestrados, um recorde na época. Os temas foram: Sânscrito, Inglês, Filosofia, Matemática, História e Ciências. Durante esse período, escreveu artigos e comentários sobre diversos temas para o W.T. Stead’s of reviews of reviews e outros jornais ligados ao movimento de libertação da Índia do domínio inglês. 4.1.1 A vida pública e a primeira docência Tirthaji lecionou Matemática e Ciências no colégio de Baroda e, em 1905, trabalhou para o Movimento Nacional de Educação, sob o comando de Sri Gopal Krishna Gokhale, líder político e amigo pessoal de Mahatma Gandhi. 70 Foi nessa época, que sua forte inclinação para as Ciências o conduziu a estudar as antigas escrituras sagradas. e então, em 1908, juntou-se ao mosteiro de Srigeri, em Mysore, para estudar as escrituras, a filosofia védica e vedanta, sob a orientação do Sankaracharya desse mosteiro, chamado Sri Nrisimha Satchidananda Sivabhinava Bharati Swami. Tithaji interrompeu seus estudos sobre as escrituras antigas para atender a um chamado de líderes nacionalistas, para dirigir o recém-criado Colégio Nacional Rajamahendri. Logo o professor Tithaji passa a ensinar também na faculdade por três anos, quando em 1911 volta a estudar as escrituras antigas no mosteiro de Srigeri. Durante sua caminhada de estudo dos Vedas, sempre trabalhou como professor. Lecionou Inglês, Filosofia e Matemática em várias escolas e Ashrams55 e atuou como professor convidado em várias instituições, em cidades como Munbai, Pune e Khandeh. Também realizou uma série de dezesseis palestras sobre a Filosofia dos Sankaracharya, a convite do Shankar Institute of Philosofy em Amalner, Khandesh. 4.1.2 A vida religiosa e a docência continuada De volta ao mosteiro de Srigeri, passou oito anos estudando a Filosofia Vedanta avançada e também praticava intensa meditação e yoga-sadhana em florestas próximas. Durante esse período, também lecionava em escolas locais. Foi iniciado na ordem sagrada dos Samnyasa na cidade de Benaras, por Jagadguru Sankaracharya Sri Trivikham Tirthaji Maharaja, do mosteiro de Sharadapeetha, em 04 de julho de 1919. Nessa ocasião foi lhe dado o título de Swami e o novo nome de Swami Bharati Krsna Tirthaji Maharaja. Em 1921, foi empossado como o Sankaracharya de Sharadapeetha e, ao assumir o pontificado, recebeu o título de Jagadguru, como manda a tradição. Neste período, visitou praticamente todas as regiões da Índia, dando palestras que despertaram a atenção da comunidade intelectual e religiosa da época. Enquanto Bharati Krsna Tirthaji exercia seu pontificado como o Sankaracharya do mosteiro de Sharadapeetha, o pontífice do maior e mais importante mosteiro dos quatro mosteiros de Sankar, o de Govardhana em Pune, estava com a saúde abalada e, impressionado com o trabalho de Sri Bharati Krsna Tirthaji, convidou-o para substituí- lo em Pune, mas Sri Bharati, respeitosamente, recusou a oferta. Contudo, em 1925, com o agravamento da saúde, o Sankaracharya de Govardhana reiterou o convite e Sri 55 Local de estudo e meditação. 71 Bharati Krsna Tirthaji se viu impelido a aceitar. Então renunciou ao pontificado do Mosteiro de Sharadapeetha em Gadi, Srigeri, e foi empossado como o Sankaracharya do mosteiro de Govardhana em Pune, no mesmo ano. Segundo (TIRTHAJI, 1965, p. xxvi): “Depois de empossado, ele tomou para si a gigantesca tarefa de renascimento da cultura indiana, espalhando o Sanatana Dharma56 e revivendo os mais altos valores humanos e morais [...]”. Mesmo em seu trabalho de pontífice, escreveu vários livros e tratados sobre Religião, Ciências, Matemática, Questões Sociais e Paz mundial. Além disso, sempre ministrava aulas em diversas escolas e universidades, dava palestras e realizava demonstrações em quadro e giz. A Universidade de Nagpur, em 1952, não só o convidou para palestras e demonstrações como também lhe arranjou aulas regulares de Matemática Védica, para a comunidade em geral, e especialmente para os professores de Física e Matemática da universidade. Em 1953, ele fundou em Nagpur a organização chamada Sri Vishwa Purnarnirmana Sangha (Associação de Reconstrução Mundial). Nos quadros administrativos da associação estavam devotos e personalidades intelectuais e educacionais de peso da vida pública da Índia. Em fevereiro 1958, foi convidado pela Self-realization felowship de Los Angeles, para uma temporada de três meses nos EUA, tornando-se o primeiro Sankaracharya dessa milenar ordem a fazer uma viagem para fora da Índia. Durante sua turnê, ministrou várias palestras em universidades e organizações, como Stanford University, University of California, San Diego College, Los Angeles City College, American Academy of Asia Studies, etc. Ele também foi convidado para ministrar uma palestra a um grupo seleto de estudantes de pós-graduação em Matemática no Californian Institute of Technology. A palestra despertou tanto interesse, que Tithaji foi convidado a retornar para ministrar demonstrações de quadro e giz. Ao retornar, realizou demonstrações de MV em Álgebra e quadráticas e, ao retornar ainda uma terceira vez, demonstrou aplicações da MV no campo do Cálculo Diferencial e Integral. Durante o período em que esteve nos EUA, o jornal Los Angeles Times News Paper publicou artigo sobre sua visita. 56 Traduzido do sânscrito “Lei eterna”, conhecimento intemporal sobre a cultura e tradições. 72 4.2 As operações aritméticas fundamentais com os Sūtras da MV Agora apresentarei os Sūtras (aforismos) de MV para resolução das quatro operações aritméticas fundamentais. Estes aforismos não são regras operativas a serem memorizadas, eles se constituem em sentenças curtas, condensada, que acionam o cognitivo remetendo a operações mentais como: comparar, classificar, contar e completar. Vejamos o que diz o próprio Tirthaji: And we were agreeably astonished and intensely gratified to find that exceedingly tough mathematical problems, (…) can be easily and readily solved with the help of these ultra-easy Vedic Sutras (or mathematical aphorisms) contained in the Parisisiata (the Appendix- portion) of the ATHARVAVEDA in a few simple steps and by methods which can be conscientiously described as mere "mental arithmetic" (TIRTHAJI, 1992, p. XXXIV). E nós estávamos agradavelmente surpresos e intensamente gratificado ao descobrir que os problemas matemáticos extremamente difíceis podem ser fácil e rapidamente resolvidas com a ajuda destes ultra- rápidos Sutras (ou aforismas matemáticos) Védicos contidos no Parisista (parte do apêndice) do Atharvaveda em alguns passos simples e por métodos que podem ser conscientemente descritos como mera "aritmética mental" (tradução nossa). Quando o estudante conhece o aforismo, ao deparar-se com a necessidade de realizar cálculos ou resolver problemas, automaticamente ele mobiliza as operações mentais necessárias, portanto, o aforismo opera como um acionador cognitivo. 4.2.1 A operação de adição No trabalho de MV apresentado por Tirthaji a adição pode ser realizada por meio de dois Sūtras, distintos. O emprego de um aforismo não impede o uso do outro, o estudante tem liberdade de escolher qual aforismo se adéqua melhor ao tipo de adição, essa escolha ocorre mentalmente de forma intuitiva. Os aforismos da adição são os seguintes: Pūranāpūranābhyān (pela completação ou não completação) e Ekādhikena Pūrvena (por um a mais que o anterior). Para facilitar o entendimento eles serão explicados separadamente. 73 Adição com o Sūtra Pūranāpūranābhyān (pela completação ou não completação) Quadro xx: Explicação sintética do Sūtra da completação elaborada durante o estudo. Fonte: arquivo pessoal do autor Este Sūtra permite trabalhar os conceitos de adição a partir de diferentes associações entre os números. Uma operação aditiva pode ser realizada de diferentes formas, e não apenas seguindo uma única sequência, como na maioria dos livros didáticos. Este Sūtra védico, oferece uma excelente estratégia mental para resolver adições, isto ocorre quando o estudante aprende a fazer mentalmente a completação de dezenas e centenas, por meio de diferentes associações entre os números. Esta estratégia apresentada no Sūtra, poderá ser utilizada pelo professor na introdução ao estudo das propriedades das transformações aditivas, como a associativa e a comutativa, uma vez que ao compor e decompor dezenas, centenas, o estudante estará aprendendo a representar um mesmo número de várias formas, este aspecto poderá auxiliar também no ensino da notação escrita do sistema decimal, pois, ao praticar a composição e a decomposição dos números o estudante estará desenvolvendo a habilidade de representar um mesmo número por meio de diferentes escritas, como por exemplo: o número 12 poderá ser escrito como 10+2, ou então 347, poderá ser escrito como 300 + 40 + 7. Com o uso deste aforismo o estudante poderá desenvolver a habilidade de reconhecer as possíveis “completações” ou “não completações”. Por exemplo, ao deparar-se com as adições de duas parcelas 8 + 2, 7 + 3, ele perceberá com a prática, O fundamento deste Sūtra está em associar os números das mais diferentes formas, sempre levando em consideração as bases decimais mais convenientes, desta forma podemos completar grupos de 10, 100, 1000, etc., fazendo as mais diferentes associações entre os números. Desse modo o uso do Sūtra opera a adição formando grupos, ou seja, pela “completação” das dezenas, centenas, etc. O aforismo permite fazer mentalmente o uso da propriedade associativa, e o estudante fará de forma livre a associação para formar grupos de dez, cem, etc., Com estes grupos formados a adição mental se torna mais simples, pois o número de parcelas se reduz. A habilidade de compor e decompor os números, por meio de transformações aditivas, está fundamentada na base do sistema decimal, que é de composição aditiva. 74 que nestas duas situações é possível completar uma dezena. No caso de deparar-se com outras adições do tipo 44 + 17, ocorrerá a operação mental de completação de 40 + 4 + 10 + 7 e logo poderá resolver mentalmente 40 + 10 = 50 e 7 + 4 = 11, então 50 + 10 + 1 = 61. Com a prática logo o estudante terá facilidade em completar centenas ou milhares e assim por diante. Por outro lado, o uso deste aforismo também abre caminho para o cálculo mental, estimulando a operação de composição e decomposição dos números, isto é muito importante para desenvolver a habilidade de escrever um número de diferentes formas, além de atender plenamente o que recomenda os PCN. “Os diferentes tipos de cálculo relacionam-se e complementam-se. O cálculo escrito, para ser compreendido, apoia-se no cálculo mental e nas estimativas e aproximações.” (BRASIL, 1997, p. 75). Observemos mais um exemplo: Considerando a adição: 18 + 9 + 2 = 29, o processo mental sugerido pelo Sūtra consiste em primeiro realizar a completação, no caso de duas dezenas, 20, ou seja, 18 + 2 = 20 e posteriormente adicionar 9. Isto é a aplicação da propriedade associativa Vejamos um exemplo: 4 + 7 + 8 + 6 + 2 = 27; adicionando 4+6 completa-se 10; 8+2 outro 10, temos 10 + 10 +7 = 27. Ao deparar-se com uma adição de muitas parcelas, o aforismo recomendado é: pela completação e pela não completação, portanto a operação mental realizada será de completar dezenas, centenas ou milhares. Muitos estudantes desenvolvem esta estratégia mental intuitivamente, contudo, outros levam um tempo longo para desenvolver, esta e/ou outra estratégia de cálculo mental, outros o fazem tardiamente e alguns outros não conseguem. Este aforismo pode auxiliar no ensino e na aprendizagem do cálculo aritmético, por meio do estímulo ao cálculo mental. Exemplo sequenciado de como ocorre a operação de adição por meio do aforismo da completação. Realize as adições 12 + 35+ 18 + 56 Mentalmente os números são decompostos para facilitar as completações, então neste caso temos: 1º ) O número poderá ser pensado da seguinte forma decomposta 10 + 2 + 30 + 5 + 10 + 8 + 50 + 6 2º ) As dezenas são adicionadas na tentativa de completar uma centena 3º ) Com as unidades restantes tentamos completar dezenas 75 4º ) Fazemos a adição final e a escrita sintética do número. Explicação do Sūtra: Ao pronunciar este Sūtra a ideia que vem a mente é a de completar, para isso o estudante precisa associar os números das mais diferentes formas, sempre levando em consideração as bases decimais mais convenientes, desta forma o estudante completará grupos de 10, 100, 1000, etc., fazendo as mais diferentes associações entre os números. Perceba que o Sūtra opera a adição formando grupos, ou seja, pela “completação” das dezenas, centenas e assim por diante. As completações são realizadas, graças a propriedade associativa da adição, que permite associar as parcelas das mais diferentes formas, sem alterar a soma. O estudante fará de forma livre as completações para formar grupos de dez, cem ou outros. Com estes grupos formados a adição mental se torna mais simples, pela redução no número de parcelas. Neste momento o estudante estará praticando a habilidade de compor e decompor os números. Vejamos outro exemplo de uma atividade com uso do aforismo: Como nosso sistema é decimal (contamos em grupos de 10), quantos grupos de dez (dezenas) formamos com os números abaixo? a) 13 + 9 + 8 + 7 + 2 + 1 b) 25 + 4 + 3 + 5 + 6  Com o 13 adicionado ao 7, formamos duas dezenas (13+7=20)  Adicionando o 8 ao 2 formamos outra dezena, então temos 30 (8+2+20=30)  Adicionando o 9 ao 1, temos outra dezena, agora termina a adição com um total de (9+1+30= 40), quatro grupos de 10, ou seja, 4 dezenas.  Observando percebemos que adicionando (25+5=30), temos 3 grupos de dez, ou seja, três dezenas.  Adicionando (4+6+30 = 40)  O resultado então é 40+3=43, quatro dezenas e sobram mais três unidades. Observe que no exemplo anterior como não sobraram unidades a casa das unidades ficou vazia e foi preenchida com o zero, já neste exemplo sobraram 3 unidades, logo, substituímos o zero pelas unidades que sobraram Partindo do exemplo acima os estudantes poderão trabalhar em duplas, onde um ficará com as parcelas a serem adicionadas e perguntará ao outro, este outro, tentará executar o cálculo mentalmente, e falará o seu procedimento mental [quais os números que ele associou ao realizar a completação], para ser registrado pelo colega, depois 76 inverte-se as posições, ao final o professor poderá discutir os resultados, socializando as diferentes estratégias de completação utilizadas pelos estudantes; Apesar do Sūtra pela completação ou não completação, não se referir diretamente à subtração, ele permite mediar o desenvolvimento do conceito de subtração, pois segundo Carvalho (2011): “outro aspecto da subtração, que, nas primeiras abordagens, não se associa à adição, é a completação, ou seja, o desejo de saber quanto falta em certa quantidade para se obter outra” (CARVALHO, 2011, p. 40). Adição usando o Sūtra Ekādhikena Pūrvena (por um a mais que o anterior) Quadro xx: Explicação sintética do Sūtra por um a mais que o anterior Fonte: arquivo pessoal do autor Ao observar este aforismo logo se pode perceber a operação de adição, pois, o sentido do Sūtra por um a mais que o anterior, não deixa dúvidas sobre a operação a ser empregada, uma vez que a palavra a mais, remete mentalmente à operação de adição. Com a utilização deste Sūtra todos os números naturais podem ser obtidos a partir do número 1, pois para se obter o número 2 adicionamos 1 ao anterior, usando os numerais escrevemos 2= 1+1. O número três pode ser escrito como uma adição 2+1=3, quando representado na reta numérica, torna-se mais fácil identificá-lo como um a mais que dois (sucessor de 2) e um a menos que quatro (antecessor de 4). Portanto, estas são propriedades do número três, este é o principal ponto focado pelo aforismo, ou seja, as diferentes relações que o aluno pode estabelecer entre os números. Sucessor de 2 1 2 3 4 5 Antecessor de 4 O aforismo Por um a mais que o anterior se fundamenta no princípio de que o nosso sistema de numeração é de composição aditiva e posicional. Assim, pode ser explicado pelo fato de que com exceção da unidade [1], todo número possui um antecessor e um sucessor. Logo qualquer número pode ser escrito como uma adição. 77 Esta visualização do número se constitui em uma importante estratégia para o desenvolvimento da habilidade do cálculo mental, pois permite entender os números inteiros como uma sequencia ordenada e, portanto, previsível. O aforismo védico por um a mais que o anterior, possibilita ao professor abordar as relações de composição aditiva, uma vez que a noção de cardinalidade e de ordinalidade, se encontram condensadas nesta frase, ou seja, descobre-se quanto são a partir da posição, isto é de onde se está. Os números naturais neste caso são naturalmente apresentados como uma sequência, com significado encadeado, uma vez que se obtém cada novo número a partir do seu anterior, neste momento a relação de ordem aparece, então, como uma consequência da composição aditiva e sucessiva do sistema de numeração. Explicação do Sutra: Este aforismo permite que se obtenham todos os números naturais a partir da adição do 1 ao antecessor. No uso do Sūtra por um a mais que o anterior o número 1 é o primeiro número e o 2 é um a mais que 1, 3 é um a mais que 2, 4 é um a mais que o anterior, ou seja 3, e assim por diante. Este Sūtra permite obter todos os números naturais em uma sucessão infinita. O ramo da matemática que trata dos números é a Aritmética. [...] O número (um) 1 representa a unidade e é o primeiro número. Para os Vedas unidade e totalidade estão em toda a parte. [...] Partindo do número um, todos os outros números podem ser obtidos usando o Sūtra Ekādhikena Pūrvena, cujo significado é por um a mais que o anterior. Estes números são chamados de naturais. (WILLIAMS & GASKEL, 2005, book 1, p. 1, tradução nossa). Este Sūtra possibilita trabalhar vários aspectos fundamentais relativos ás propriedades do sistema de numeração decimal, uma vez que os números são obtidos como o resultado de uma adição realizada a partir do digito anterior, neste momento já fica clara a noção de antecessor e sucessor, a partir do significado construído pelo Sūtra. Então o sistema decimal poderá ser facilmente explicado aos estudantes como sendo de composição aditiva, isto permitirá uma aprendizagem com significado. De acordo com o Sūtra mencionado o primeiro número é o 1, ao sofrer a aplicação do Sūtra por um a mais que anterior, o número seguinte (2) será operacionalmente construído da seguinte maneira: (1+1) = 2 aplicando novamente o Sūtra obtemos o sucessor de 2 e operando similarmente teremos que (2+1) = 3 e assim podemos concluir com facilidade, que 78 partindo do 1 todo número natural possui um sucessor obtido pela simples adição de 1 ao seu antecessor. Trabalhando esse aforismo os alunos podem compreender de forma significativa a importante noção matemática que é a noção de ordem. Por meio deste aforismo, também podem ser exploradas diferentes escritas numéricas, pois um número poderá ser escrito em forma de uma adição. Ex.: (8 = 7 +1), (6 = 4 + 1 + 1), ao trabalhar com os estudantes estas composições e decomposições aditivas, naturalmente o cálculo mental e a criatividade são estimulados, pois os estudantes logo perceberão o número representado de várias formas, podendo compô-lo e decompô-lo sempre que necessário. Este, portanto, é um exemplo do Sūtra como acionador cognitivo. O raciocínio também poderá ser ampliado na direção do número como um ente construído ou obtido por meio de uma operação, isto permite escrever os números que eles quiserem de diferentes formas utilizando o Sūtra por um a mais que o anterior. No processo de alfabetização matemática o aforismo ajudará a esclarecer, para o entendimento dos estudantes, que existem somente nove dígitos significativos e o zero, e com eles podemos escrever qualquer número. Isto é muito importante na aquisição inicial da noção de número, pois ajuda a superar com facilidade o obstáculo da diferenciação entre número e numeral. A soma dos dígitos: A MV utiliza uma estratégia bastante criativa para trabalhar com as operações. Ela é chamada de SOMA dos dígitos de um número. Esta estratégia auxilia entre outras coisas no entendimento da diferença entre número e numeral. A seguir alguns pontos importantes para considerar na operação com a soma dos dígitos:  a palavra dígito significa qualquer um dos numerais de um até nove mais o zero;  a soma dos dígitos de um número é encontrada adicionando-se seus numerais, quantas vezes forem necessárias até que este valor possa ser escrito com apenas um dígito.  cada número é diferente do outro e, portanto possui propriedades singulares que lhe caracterizam. Ex.: 4 é divisor de 8, sucessor de 3, antecessor de cinco, múltiplo de 2. Dentro da MV os números possuem significados construídos a partir das relações entre eles e o sistema de numeração, por isso proponho, que a MV aborda sim um ensino dos números e das operações com significado e não apenas como uma memorização mecânica. 79 Exemplo da soma dos dígitos: Temos o número 62, aplicando a soma dos dígitos fazemos 6+2 = 8, agora um número com mais dígitos, 843 fazemos: 8+4+3 = 15, novamente fazemos 1+5=6, este é o resultado da soma dos dígitos do número 843. 4.2.2 A operação de subtração Como calcular o complementar de um número por meio do Sūtra Nikhilam Navataścaramam Daśata (todos de nove e o último de dez) Quadro xx: explicação sintética do Sūtra todos de nove e o último de dez Fonte: arquivo pessoal do autor Para esclarecer melhor o processo apresentarei um exemplo concreto: determinar qual o complementar do número 72. Como a potência decimal mais próxima de 72 é 100 (10²), será em relação a ela que calcularemos o complementar. Como no sistema de numeração decimal todo número é composto e escrito da esquerda para a direita, no caso de 72 o sete é o dígito mais à esquerda (dezena) e o dois é o último dígito do número (unidades). Como o aforismo indica todos de nove e o último de dez, vamos calcular então o complementar de 7 em relação a 9 é 2, e o complementar de 2 em relação a 10 é 8 (pois dois é o último dígito do número 72). Concluímos então que de 72 falta 28 para chegar a 100. Logo 28 é chamado o complementar de 72, em relação à casa decimal mais próxima no caso 100. Observe o quadro a seguir: O significado deste Sūtra todos de nove e o último de dez, justifica a operação de subtração ao relacionar qualquer número com a base decimal mais próxima através da determinação do seu complementar em relação à base decimal escolhida, qual seja 10, 100, 1000, 10000, etc. Sendo assim, ele trata da diferença entre o número e a base escolhida. 80 Quadro 7: A operação de Subtração com o uso do complementar 7 2 Fonte: Arquivo pessoal do autor O complementar das demais casas fora a das unidades será calculado em relação a 9. Seguindo o aforismo todos de nove e o último de dez, encontramos, no exemplo anterior 28 como o complementar de 72 para 100. Com esta estratégia podemos determinar o complementar de qualquer número em relação às potencias de 10 mais próximas. Comparando com a operação convencionalmente executada, teríamos o seguinte: 100 - 72 28 Para executar a operação desta forma surge de imediato um primeiro obstáculo. O estudante precisa abstrair, que na coluna das unidades não se trata de zero menos dois e sim de uma dezena menos dois, ora isto é muito mais difícil, do ponto de vista cognitivo, do que quando, você encontra o minuendo com valor absoluto menor que o subtraendo, pois quando ocorre de ter por exemplo: 6−8, já existe uma grande confusão, uma vez operando, apenas com os números naturais não é possível subtrair um número maior de um menor, logo muitos artifícios (pouco matemáticos) são usados, onde o mais famoso é “pedir emprestado”, Porém neste exemplo ainda é maior a dificuldade, pois o salto cognitivo exige que se subtraia 2 de zero, o estudante aprendeu que zero não possui valor, como vai subtrair então 2 de um símbolo que representa a ausência de valor? Ainda mais este símbolo estando na casa das unidades. Claro que não podemos esquecer o estudo da escrita posicional aditiva e sintética do nosso sistema decimal, que aborda o valor relativo dos dígitos na escrita do número, e lembrar que o zero neste momento assume o papel de marcador de posição. Esta explicação, porém, requer ainda Como esta é a casa das dezenas, ou seja, este 7 representa 70 (7x10) então, de 10 para 100 faltam 90, logo de acordo com o Sūtra este dígito é complementar em relação a nove. Então de 7 para 9 (nove subtendendo 90) faltam 2, que representa 20, (2x10). O 2 é o último dígito do número de acordo com o Sūtra, logo calcularemos seu complementar em relação a dez. Então de 2 para 10 faltam 8. 81 um maior grau de abstração, pois problemas com a compreensão da escrita numérica correta são verificados mesmo em estudantes que já se encontram nos anos finais do ensino fundamental. Neste aspecto a MV de Tirthaji, por meio do aforismo todos de nove e último de dez, indica um raciocínio matemático fundamentado nas propriedades de escrita do sistema de numeração decimal e facilmente perceptível, pois a afirmativa condensada do Sūtra, não deixa dúvidas de que todos os dígitos de um número são complementares em relação a nove e apenas o último em relação a dez, dessa forma não temos que pedir nada emprestado. Para calcular o complementar de um número temos dois pontos importantes. O primeiro é quando um número possuir o zero no final (o dígito mais a direitana ordem das unidades), neste caso apenas o último dígito significativo, imediatamente anterior, deve ser considerado, por exemplo: o complementar de 870 é 130, pois o complementar de 8 para 9 é 1, e o complementar de 7 para10 é 3 e o zero é apenas escrito ao final. O zero em questão ocupa a casa das unidades e neste caso tanto no minuendo quanto no subtraendo não há unidades, ele é escrito apenas como marcador de posição, indicando que não há nenhuma quantidade na posição ocupada pelas unidades. Veja no quadro a seguir: Quadro: 8 Explicação de como se determina o complementar de um número Fonte: arquivo pessoal do autor Escrita extensiva Escrita sintética C D U C D U 800 + 70 + 0 8 7 0 100 + 30 + 0 1 3 0 1-Na posição das unidades não há nenhum valor, então repetimos o zero. 2- Na posição das dezenas temos 7 (70), então o raciocínio de completação sugerido pelo Sūtra, leva ao cálculo de quanto falta para completar 100, só que isto é feito valendo-se da escrita sintética o que faz com que o estudante calcule de 7 para 10, chegando a 3, que pela escrita posicional sintética representa 30. 3- Na posição das centenas o complementar de 8 (800) é calculado em relação a 9 (900), isto se explica pelo fato de que 900 é o máximo valor na posição das centenas, pois ao completar dez centenas formamos um milhar cuja notação será registrada na posição mais a esquerda (posição do milhar). Este procedimento de calcular o complementar em relação a 90, 900, 9000, etc., se repete sucessivamente, independente de quantos dígitos tenha o número. 82 O segundo ponto é quando temos um número onde o zero aparece antes da última posição, neste caso o número que será escrito é o nove, pois o complementar de zero para 9 é 9. Por exemplo, qual o complementar de 402? A base de dez mais próxima é 1000, o complementar de 4 (400) para 9 (900) é 5 (500), o complementar de 0 para 9 (90) é 9 (90), isto ocorre porque no número 402 a casa das dezenas está vazia, pois todas as dezenas estão agrupadas formando as quatro centenas, e o complementar de 2 para 10 é 8. Resposta 598. Na escrita posicional cada posição ou casa é preenchida da direita para a esquerda pelas unidades simples, depois dezenas simples e centenas simples, esta é a primeira classe denominada de classe das unidades simples. A classe seguinte é a do milhar e novamente temos unidade de milhar, dezena de milhar e centena de milhar, depois temos a terceira classe que é a classe do milhão e a sequência se repete. Na escrita numérica posicional escrevemos na classe das unidades até nove, usando os dígitos de um ao nove, ao completarmos uma dezena (um grupo com dez unidades), então registramos na posição mais à esquerda que temos uma dezena e para indicar que não há unidades “sobrando”, da dezena, escrevemos o zero na casa das unidades representando que as unidades estão agrupadas formando uma dezena e portanto, o espaço destinado a anotar as unidades está vazio e só será preenchido quando tivermos unidades que não formem uma outra dezena. Esta mesma situação se repete nas demais posições. É importante então, reconhecer o zero como um marcador de posição. Veja detalhadamente no quadro a seguir: Quadro: 9 Explicação de como se determina o complementar de um número Fonte: arquivo pessoal do autor Escrita extensiva Escrita sintética C D U C D U 400 + 0 + 2 4 0 2 500 + 90 +8 5 9 8 1-Na posição das unidades temos o dois, que tem seu complementar calculado em relação à dez. Então de 8 para 10 faltam 2. 2- Na posição das dezenas temos 0, então de zero para completar noventa (maior valor possível de ser escrito nesta posição), faltam noventa. Logo de 0 para 9 (90), faltam 9 (90). 3- Na posição das centenas o complementar de 5 (500) é calculado em relação a 9 (900), seguindo o procedimento anteriormente explicado no quadro 7. 83 Para ensinar a operação de subtração o professor poderá utilizar este aforismo, principalmente nas situações onde o algarismo do minuendo possuir valor absoluto menor que o subtraendo, pois normalmente é ensinado aos estudantes um truque de pedir emprestado o que muitas vezes resulta em confusão e conduz ao erro. Neste momento a ideia de valor complementar, trazida pelo Sūtra, contribui positivamente para o desenvolvimento da noção matemática de complemento, pois a diferença, que é o resultado da subtração, é o valor que adicionado ao subtraendo completa o minuendo e isto faz sentido e é fácil de ser percebido pelos estudantes. Por meio da explicação dos quadros 7 e 8 , podemos perceber que o fundamento matemático do aforismo está na escrita do sistema de numeração decimal, que é posicional aditiva, sintética e sempre da esquerda para a direita, partindo do maior valor para o menor. Subtração usando o complementar Em casos de subtração simples quando todos os algarismos do minuendo possuem valores absolutos iguais ou maiores, que os do subtraendo, esta operação é realizada sem muitos embaraços. Exemplo: 648  minuendo 315  subtraendo 333  diferença Os complementares são usados quando este caso não ocorre. O método consiste basicamente em pegar a diferença entre os dois dígitos, quando o dígito da linha inferior (subtraendo) possuir valor absoluto maior, e anotar na operação (no local da diferença) o valor do seu complemento. Quando o uso do complemento deixe de ser necessário, será subtraído o valor de 1 da coluna mais à esquerda. Também ocorrem casos em que o uso do complementar se dá no meio da operação. No exemplo seguinte isto ocorre na coluna das unidades de milhar, e neste caso o procedimento é o mesmo, todos de nove e o último de dez. Observe o exemplo a seguir: 84 Exemplo: 754972  minuendo 287651  subtraendo 467321  diferença a) Na primeira, segunda e terceira colunas da direita para a esquerda (unidades, dezenas e centenas) o minuendo possui valor absoluto maior que o subtraendo, e neste caso não há necessidade do uso do complementar; b) Na coluna da unidade de milhar o minuendo 4 possui valor absoluto menor que o subtraendo 7, a diferença entre estes dois dígitos é de 3 e o complementar de 3 para 10 é 7; c) Na coluna da dezena de milhar ocorre o mesmo, e a diferença entre os dígitos é de 3 o complementar de 3 para 9 é 6; d) O dígito do minuendo na posição da centena de milhar possui valor absoluto maior que o subtraendo e portanto, o complementar não é mais necessário. Temos então que finalizar aplicando a regra de subtrair uma unidade extra após o termino do uso do complementar, 7-2-1=4. Quando o complementar não é mais necessário no meio da operação, ou seja, quando todos os dígitos do minuendo possuírem valores absolutos iguais ou maiores que os do subtraendo, realiza-se na próxima coluna, imediatamente à esquerda, a subtração de 01 unidade conforme já demonstrado anteriormente. O caso geral da Subtração Ocorre quando os complementares são usados apenas se necessário em qualquer parte da subtração. Há quatro pontos que devemos observar em relação ao uso Sūtra todos de nove e o último de dez, na operação de subtração. a) Recorra aos complementares quando o dígito do minuendo (superior) possuir menor valor absoluto que o do subtraendo (inferior); b) O primeiro complementar é de dez e o resto é de nove, independente da posição que este ocupe no número; c) Encerre o uso do complementar quando o dígito superior (minuendo) possuir maior valor absoluto que o dígito inferior (subtraendo); d) Após, encerrar o uso do complementar diminua 1 daquela coluna. Observe mais uma vez o uso do complementar em subtrações simples: Exemplo: 85 8347  minuendo 4783  subtraendo a) 7 – 3 = 4, o dígito do minuendo possui valor absoluto maior que o subtraendo, então não usa complementar. b) 8 – 4, a diferença é 4 e o complementar de 4 para 10 é 6. c) 7 – 3, a diferença é 4 e o complementar de 4 para 9 é 5. d) 8 – 4 – 1 = 3, pronto, subtraindo o 1 extra, quando o complementar não é mais necessário, chegamos finalmente na resposta que é 3564. Outro exemplo do uso do aforismo: Exemplo: 8325  minuendo 2678  subtraendo 5643  diferença Explicação: Neste exemplo os dígitos do minuendo 3, 2 e 5, possuem valor absoluto menor que 6, 7 e 8, seus respectivos dígitos no subtraendo. E, portanto, a estratégia do uso do complementar poderá ser empregada. Então ao aplicar o Sūtra temos o seguinte:  Na posição das unidades a diferença entre 5 e 8 é de 3 e o complementar de 3 em relação à 10 é 7, logo escrevemos 7. devemos lembrar que segundo o aforismo, ele é complementar em relação a10;  Na posição das dezenas a diferença entre 2 e 7 é de 5 e o complementar de 5 para 9 é 4, então escrevemos o 4;  Na posição das centenas a diferença entre o valor absoluto dos dígitos é 3 e o complementar de 3 para 9 é 6, portanto escrevemos 6 no lugar da resposta.  Na posição das unidades de milhar o minuendo já possui o valor absoluto maior que o subtraendo neste caso, o uso do aforismo não é mais necessário, então fazemos a subtração 8-2-1=5. Toda vez que não for mais necessário o uso do aforismo devemos subtrair o 1 do minuendo. Resumo da explicação do Sūtra: A partir do aforismo todos de nove e último de dez as subtrações podem ser realizadas por meio da ideia do complementar de um número, ou seja, quanto falta a 86 este número para completar uma dezena, centena, milhar etc. Isto significa que o complementar é a diferença de um número para outro, no caso, a potencia de dez mais próxima. O aforismo se refere à ideia de que todos os dígitos de um número são complementares em relação a 9 e só o último dígito é complementar em relação a dez. O emprego deste aforismo é muito útil nas subtrações quando o dígito superior (minuendo) possuir valor absoluto menor que o dígito inferior (subtraendo). Este aforismo védico relaciona qualquer número com a unidade através da determinação do seu complementar em relação à base decimal mais próxima 10, 100, 1000, 10000, etc. ATENÇÃO: Quando se trabalha com o complementar a operação utilizada é a subtração, então quando temos um número onde o zero aparece antes da última posição, o número que será escrito é o nove, pois o complementar de zero para 9 é 9. Exemplo: qual o complementar de 402? A base mais próxima é 1000, o complementar de 4 para 9 é 5, o complementar de 0 para 9 é 9 e o complementar de 2 para 10 é 8. resposta 598. 4.2.3 A operação de Multiplicação Caso geral da multiplicação com o uso do Sūtra Ūrdhva-Tiryagabhyāṃ (verticalmente e Transversalmente) A seguir apresento um exemplo simples, usando o multiplicando e o multiplicador compostos por números com dois dígitos: Exemplo (1): multiplicar 12 x 13 O aforismo, significa que para multiplicarmos dois números quaisquer será necessário realizar multiplicações verticais e cruzadas, sempre tomando dois a dois os dígitos (multiplicando e multiplicador) de modo a organizar os resultados dessas multiplicações em ordem de acordo com cada casa decimal multiplicada. 87 12 x 13 1 ; 3+2 ; 6 (156) Observemos então a representação do processo de multiplicação apresentada a seguir, por meio do diagrama de flechas. a) Efetuamos a multiplicação vertical do lado esquerdo, e obtemos a resposta 1 x 1=1 (10 x 10=100), escrevemos então o 100 de forma sintética usando apenas o dígito 1. b) Fazemos a multiplicação transversal dos dois dígitos 1 x 3 = 3 (10 x3 +30) e 1 x 2 = 2, (10 x 2 = 20) em seguida adicionamos o produto desta multiplicação transversal 3 + 2 = 5 (30 + 20 = 50), como a escrita é sintética em lugar de 50 escreve-se 5. c) Agora fazemos a multiplicação vertical da coluna das unidades 2 x 3 = 6 d) A resposta se forma ao agruparmos os resultados parciais obtidos ao longo do processo, ou seja é: 1 ; 3+2 ; 6 = 156, (100 + 30 + 20 + 6 = 156). Observação: Quando o resultado de uma das multiplicações apresentar mais de um dígito, o dígito que se encontra mais a direita, será escrito abaixo alinhado com o seu digito superior precedente. Ao final da multiplicação será realizada uma adição. 2 3 1 1 1 1 2 3 2 3 1 1 88 Matemáticamente isto significa que o valor que excede o limite da casa decimal anterior será acrescentado na casa decimal imediatamente à esquerda. É importante observar que no sistema de numeração decimal a casa ou posição das unidades só comporta no máximo 9 unidades a décima formará uma dezena e a mesma será registrada na próxima casa imediatamente à esquerda. Da mesma forma ocorre nas demais posições, no caso das centenas, também só podemos escrever até 900 (9 centenas), ao completar a décima centena teremos uma unidade de milhar, cuja escrita será na próxima casa à esquerda, como nos casos anteriores, e isto assim sucessivamente para as demais casas decimais. Observe o exemplo seguinte: Exemplo (2): multiplicar 15 x 15 15  multiplicando 15  multiplicador 105  produto parcial 12  produto parcial 225  produto Descrição: (i) Multiplicação vertical da primeira coluna mais à esquerda (posição das dezenas) 1 x 1 = 1, (10 x10 = 100, pela escrita sintética escreve-se o 1). (ii) Multiplicação transversal e adição do produto 1 x 5 = 5 (10 x 5 = 50) e 5 x 1 =5 (5 x 10 = 50) e 5+5=10, (50 + 50 = 100) como o zero é o dígito mais a direita, (tanto faz em 10, 100, 1000, etc.) então apenas um zero é escrito e o 1 vai ser escrito abaixo do dígito precedente do zero, no caso 1. Matemáticamente é importante observar que ao obtermos-mos uma centena (100), na adição dos produtos cruzados, esta centena precisa ser adicionada na posição respectiva, por isso se justifica o dígito 1 ser escrito imediatamente abaixo e à direita, para que com a adição final a posição das centenas seja aumentada em 1. (iii) Multiplicação vertical 5x5=25, (25 = 20+5) neste caso registramos as cinco unidades na posição das unidades e trasferimos as duas dezenas (20), para baixo e à direita, para que, ao realizarmos a adição ela seja adicionada à casa das dezenas, respeitando a escrita posicional. 89 (iv) Agora se executa a adição, repete-se o 5 na posição das unidades, adiciona-se 0 + 2 = 2 na posição das dezenas e na posição das centenas fazemos 1 + 1 = 2 (100 +100 = 200). Dessa forma aparece a resposta 225 (200 + 20 + 5). Seguindo esta explicação vejamos outro exemplo ilustrativo: Exemplo (3): multiplicar 35 x 24 35  multiplicando 24  multiplicador 620  parcela 220  parcela 840  produto Descrição: (i) A multiplicação vertical 3 x 2 = 6, (30 x 20 = 600) escreve-se o 6; (ii) A multiplicação transversal e adição dos produtos parciais 2x5=10 (20 x 5 = 100) e 4x3=12 (4 x 30 = 120) e a adição 10+12=22 (100 + 120 = 220) escreve-se o dígito mais a direita e o da esquerda vai ser escrito abaixo do dígito precedente, no caso 6, para que ao efetuarmos a adição duas centenas sejam adicionadas; (iii) A multiplicação vertical 5 x 4 = 20, se faz exatamente como no caso anterior, ou seja escreve-se o 0 e o 2 vai ser escrito abaixo do seu precedente porque temos duas dezenas e zero unidades como produto e de acordo com a escrita do sistema decimal marcamos a posição das unidades com o zero e adicionamos as duas dezenas às demais na sua respectiva posição notacional; (iv) Agora se executa a adição 620 + 220 = 840, chegando a resposta final. Generalizando para um número qualquer, a explicação de Tirthaji no seu livro Vedic mathematics, é dada por meio de uma representação algebrica essa multiplicação toma genericamente os termos da seguinte maneira: (ax+b)•(cx+d). Aplicando a propriedade distributiva realizamos a multiplicação e obtemos o produto: acx2+x(ad+bc)+bd. o primeiro termo, ou seja o coeficiente de x2 foi obtido pela multiplicação vertical de a e c. O termo do meio, o coeficente de x é obtido pela adição dos produto das multiplicação transversal entre a vezes d e b vezes c. E o termo independente é obtido pela multiplicação vertical direta dos demais termos. 90 O autor aprofunda a explicação algebrica do uso do Sūtra verticalmente e transversalmente, para o caso da multiplicações de números com 3 dígitos. Vejamos suas considerações: And, as all arithmetical numbers are merely algebraic expressions in x (with x = 10), the algebraic principle explained above is readily applicable to arithmetical numbers too. Now, if our multiplicand and multiplier be of 3 digits each, it merely means that we are multiplying (ax2+bx+c) by (dx2+ex+f) (Where x= 10). (TIRTHAJI, 1992, p. 34). E, como todos os números aritméticos são meramente expressões algébricas na incógnita x (com x = 10), o princípio algébrico explicado acima é facilmente aplicável a números aritméticos também. Agora, se o nosso multiplicando e multiplicador, forem de três dígitos cada, significa que estamos multiplicando (ax2+bx+c) por (dx2+ex+f) (onde x=10). (Tradução nossa). A multiplicação algébrica com números de 3 dígitos fica da seguinte forma: ax2+bx+c  multiplicando dx2+ex+f  multiplicador adx4+x3(ae+bd)+x2(af+be+cd)+x(bf+ce)+cf O quadro a seguir explica a multiplicação por meio de uma representação de diagramas de flecha, para melhor compreensão. Quadro 10: A multiplicação com o Sūtra verticalmente e tranversalmente O coeficiente de x4 é obtido pela multiplicação vertical do primeiro digito (a partir do lado esquerdo) (a • d = ad e x² • x² = x 4). Observe o diagrama de flechas: ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ O coeficiente de x3 é obtido pela multiplicação transversal dos dois primeiros dígitos e pela adição dos dois produtos (a•e+b•d). Observe o diagrama de flechas: ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ O coeficiente de x2 é obtido pela multiplicação do primeiro dígito do multiplicando pelo último dígito do multiplicador, de um do meio por um do meio ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ 91 e do último pelo primeiro e pela adição todos os 3 produtos (a•f+b•e+c•d). O coeficiente de x é obtido pela multiplicação transversal do segundo dígito pelo terceiro e vice-versa, depois a adição dos dois produtos (b•f+c•e). ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ O resultado dos termos independentes é obtido pela multiplicação vertical do último dígito pelo último dígito.(c•f). ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ ʘ Fonte: reorganização e ampliação a partir do livro de MV de Nicholas, Williams & Pickles (2006). Multiplicação com o Sūtra Nikhilam Navataścaramam Daśata (todos de nove e o último de dez) O aforismo é tomado para justificar o processo de multiplicação de casos especiais, onde o multiplicando e o multiplicador estão próximos de valores correspondentes a potências de dez, ou seja, 101, 102, 103 e assim por diante. Nestes casos quando os números que queremos multiplicar estão próximos de 10, 100, 1000. Além do caso geral já apresentado, há também este Sūtra, que oferece uma estratégia para facilitar a multiplicação, tanto de números próximos das potencias de dez por falta ( ex. 85 x 94) observe que 85 faltam 15 unidades para 100 (10²) e 94 faltam 6 unidades para completar 100. Também é possível aplicar este Sūtra quando ocorre o excesso (ex. 112 x 115), neste caso 112 (100 + 12, passa 12 unidades de 100) e 115 (100 + 15, passa 15 unidades de 100). Portanto em casos especiais, cujos valores estejam próximos das potencias de dez este Sūtra poderá ser aplicado. O limite de aplicação deste aforismo é com números maiores que a metade do valor da potencia de dez escolhida. Por exemplo se for 10, então com números maiores que cinco já se pode incluir neste caso especial. Em uma outra potencia por exemplo 10² (100), os números maiores que 50 podem ser O aforismo significa que para a realização da multiplicação entre dois números que estão próximos das potências de 10 − por falta ou por excesso − deve-se considerar primeiramente a posição de cada dígito na composição do número, ou seja, deve-se analisar a escrita do número considerando, que todos os dígitos anteriores à casa das unidades são complementares em relação a nove e apenas o último [a casa das unidades] é complementar em relação à dez. 92 incluídos, assim por diante. Para as demais multiplicações há o caso geral já apresentado. A importância de ensinar este Sūtra está ligado ao fato de alguns estudantes, que ainda não conseguiram memorizar a tabuada de multiplicação envolvendo os dígitos maiores que cinco, poderão lançar mão desta estratégia para resolverem suas multiplicações uma vez, que este aforismo não exige do estudante ter decorado ou memorizado, esta tabuada, pois oferece o meio do estudante obtê-la rapidamente. È importante enfatizar também, que a MV apresentada por Tirthaji em seu livro Vedic Mathematics, privilegia o cálculo mental e portanto, explora preferencialmente os casos particulares, sendo o caso geral apenas utilizado como um recurso, quando não há casos particulares que atendam. Sobre a multiplicação por meio da subtração cruzada Tirthaji afirma o seguinte: This method holds good in all cases and is, therefore, capable of infinite application. In fact, old historical traditions describe this cross-subtraction process as having been responsible for the acceptance of the x mark as the sign of multiplication. (TIRTHAJI, 1992, p. 13). Este método é válido em todos os casos e é, portanto, susceptível de aplicação infinita. Na verdade, velhas tradições históricas descrevem este processo de subtração cruzada como tendo sido responsável pela aceitação da marca X como o sinal da multiplicação. (Tradução nossa). Os exemplos apresentados a seguir ilustram cada um do casos próximos de potências de 10, tanto por falta como por excesso. Multiplicação de números de um dígito. (101 base 10) Exemplo: multiplicar 7 x 8 um detalhe é que na MVde Tirthaji, para registrar a operação, há uma notação apropriada a qual sugere que se indique a base [potência de dez] em relação a qual se realiza a operação. (10) ---------- base decimal potência de 101 7 – 3 ------- A diferença de 7 para a base é de 3 unidades, [3 é o complementar de 7 ] x 8 – 2 ------- A diferença de 8 para a base é de 2 unidades, [2 é o complementar de 8] 5 / 6 -------- A resposta possui duas partes, da direita e a da esquerda a) Na direita se multiplica direto, ou seja, 3 x 2 = 6 b) Na parte esquerda da resposta se coloca a adição dos complementares, menos a base, conforme a seguir: 10 - (3+2) = 5, ou também é possível realizar a adição entre 93 multiplicador e multiplicando e subtrair o valor da soma da base decimal adotada: 7 + 8 – 10 = 5. Outro modo é usar a subtração cruzada ex.: 7 – 2 = 5 e 8 – 3 = 5. Dessa forma fica claro que há várias maneiras de se obter o lado esquerdo da resposta. Portanto é base nesta variedade de estratégias para calcular, que proponho o termo criatividade em aritmética, pois o estudante, tem liberdade, não fica preso a um único modo de fazer o cálculo. Vejamos outro exemplo: (10) A base é 10 o complementar de 9 para a base é 1 9 – 1 O complementar de 9 para a base é 1 x 8 – 2 O complementar de 8 para a base é 2 7 / 2 No lado direito o produto vertical direto entre os complementares 2 x 1=2 No lado esquerdo a subtração cruzada temos: 9 – 2 = 7 e 8 – 1 = 7. Multiplicação com números de dois dígitos (102 base 100) Para multiplicar números de 02 dígitos, próximos de 100, utilizaremos a base 100(10²), como o expoente da potencia é 2 o complementar de cada número deverá possuir 2 dígitos. Para encontrar o complementar será utilizado o Sūtra todos de nove e o último de dez. Exemplo, multiplicar 97 x 94:  O complementar de 97 para a base é 03 (dois dígitos por causa da base 100);  O complementar de 94 é 06. Isto ocorre porque 97 tem dois dígitos e o Sūtra recomenda todos de nove e o último de dez, então o complementar de 9 para nove é 0, e o complementar de 7 para 10 é 3, portanto temos 03 como complementar de 97. A operação se desenvolve do mesmo modo que no caso anterior (da base 10), ou seja, a resposta possui duas partes, a parte direita é obtida pela multiplicação direta dos complementares e na parte esquerda é utilizada a subtração cruzada. (100)-----------Indicando a base 97 – 03 -----O complementar de 97 em relação a base x 94 – 06 -----O complementar de 94 em relação a base 91 / 18 ---- No lado direito da resposta uma multiplicação direta 3 x 6 = 18 Lado esquerdo da resposta, subtração cruzada 97 – 6 = 91 ou 94 – 3 = 91. Multiplicação com números de três dígitos (103 base 1000) A multiplicação utilizando o Sūtra todos de nove e o último de dez, pode ser facilmente aplicada em bases com números grandes. Agora na base 1000 (10³), o 94 expoente é 3 e existem 03 zeros, então a resposta do lado direito deverá conter 03 dígitos conforme anteriormente explicado. Vejamos o exemplo: Seguindo o mesmo processo empregado nas bases 10 e 100, a multiplicação na base 1000, requer atenção para o detalhe mostrado no exemplo anterior. Observe que o complementar de 998 em relação à base é 002 e não apenas 2, a multiplicação é feita de forma direta em pregando-se apenas o algarismo significativo no caso o 2. A resposta da parte esquerda é como nos casos anteriores pode ser obtida de várias formas, no caso o mais prático aqui é uma subtração cruzada. A multiplicação com o uso do Vinculum O vinculum é uma inteligente estratégia criada por Tirthaji para facilitar multiplicações, está baseado em dois Sūtras já estudados anteriormente, são eles: Nikhilam Navataścaramam Daśata, traduzido como todos de nove e o último de dez e o outro é o Ekhādhikena Pūrvena, cuja tradução é por um a mais que o anterior. O vinculum se vale das propriedades do sistema decimal, que é posicional e aditivo, para realizar a escrita numérica, ou seja, representar um número em função de sua relação com as potencias de 10 mais próximas do número. Trabalhar em atividades explorando estas relações permitirá aos estudantes construírem significados para os números, a partir da exploração das relações entre os números e o sistema de numeração tão evidenciados pela MV. Vejamos um exemplo: O número 37 pode ser escrito de diversas formas, por exemplo: 3.101+7, ou ainda, 40-3, ou 4.101-3. Analisando as duas escritas concluímos que na primeira o produto foi adicionado de 7 e na segunda foi subtraído de 3, o que resulta no mesmo valor. Daí uma outra relação é evidente, a de que o complementar de 7 para 10 é 3. Na escrita do vinculum a notação criada por Tirthaji é 34 , a barra sobrescrita no dígito que ocupa a posição das unidades, indica o valor a ser subtraido da(s) dezenas à esquerda. Portanto, neste caso temos 4 dezenas menos 3 unidades, o que nos leva a 40−3=37. Utilizando os Sūtras, também podemos realizar imediatamente esta escrita do vínculum, tomemos o exemplo do número 68, na nossa escrita posicional o primeiro (1000) 786 – 214 x 998 – 002 784 / 428 95 dígito é o 6 e o último é o 8, aplicando o Sūtra por um a mais que o anterior, temos que no número 68, o dígito anterior sendo 6 um a mais que 6 é 7, então escrevemos 7. Para determinar o segundo dígito devemos levar em conta que o Sūtra todos de nove e o último de dez, se apoia na ideia do complementar, onde todos os dígitos de um número são complementares em relação a nove e só o último em relação a dez. Então, como 8 é o ultimo dígito do número, logo seu complementar em relação a 10 é 2, portanto com uso dos Sūtras a escrita vinculada de 68 é 27 , (lê-se setenta com dois vinculado). A relação entre o vinculum e os Sūtras é sinteticamente explicada por Gloover (2007): “Como uma ‘corrente’ ou ‘amarra’, que liga um número ao seu complementar”. (GLOOVER, 2007, v.1, p.86). Esta criatividade aritmética pode ser empregada em multiplicações simples, com os estudantes que ainda não aprenderam a tabuada dos dígitos maiores que cinco. Tirthaji explica: It may, in general, be started that multiplications by digits higher than 5 may some times be facilitated by the use of the vinculum. (TIRTHAJI, 2009, p. 37). Pode, em geral que multiplicações começadas por dígitos maiores que 5, algumas vezes são facilitadas pela utilização do vinculum. [tradução nossa]. Vejamos exemplos do uso do Sūtra todos de nove e o último de dez, através do vinculum para multiplicações simples: a) Usando o Sūtra verticalmente e transversalmente, já abordado anteriormente, executemos esta multiplicação com dígitos maiores que 5: b) A multiplicação utilizando o mesmo Sūtra, porém com o uso da escrita numérica vinculada. Explicação: o multiplicando 376 possuí dois dígitos maiores que 5, então ele será escrito na forma vinculada com o uso do Sūtra todos de nove e o último de dez, desse modo fica: 376 = 244 , (quatrocentos com vinte e quatro vinculado). 376 x 4__ 1504 244 x 4__ 9616 1504___ 96  6 sendo o último dígito é complementar em relação à dez, que é igual a 4 ;  7 é complementar em relação à nove, que é igual 2 ;  Quando a escrita do vinculum não é mais necessária, pois os dígitos são menores que 5, então emprega-se o Sūtra por um a mais que o anterior, e como número anterior é 3 então temos (3+1=4), escreve-se portanto o 4.  Agora se faz a multiplicação normalmente e logo em seguida se tem a resposta em escrita vinculada. Para voltar a escrita normal, o processo é simples: começando pela direita de 6 para 10 faltam 4, escreve-se o 4, de 9 para 9 não falta nada e escreve- se o zero, do próximo digito subtraí-se 1 (6-1=5), por causa do Sūtra do complementar, quando não é mais necessário então se subtraí 1, no caso do dígito final 1 ele apenas é repetido pois o complementar não é mais necessário, então temos a escrita 1504. O uso da multiplicação com o vinculum pode parecer complicada para uma primeira abordagem, contudo a descrição apresentada é de uma sequencia de operações mentais, que são rapidamente aprendidas e facilmente identificadas pelos estudantes a esse respeito Tirthaji afirma: The Sūtras are easy to understand, easy to apply and easy to remember; and the whole work can be truthfully summarized in one Word ‘mental’! (TIRTHAJI, 1992, p. xxxvi). Os Sūtras são fáceis de entender, fáceis de aplicar e fáceis de lembrar; e o trabalho inteiro pode ser completamente resumido em uma palavra ‘mental’! [tradução nossa]. Com o uso dos Sūtras estudados até agora, já trabalhamos a adição a subtração e a multiplicação na próxima seção será estudada a divisão. 4.2.4 A operação de divisão O caso geral da divisão com o Sūtra Dhvajāṅka (no topo da bandeira) O caso geral da divisão na MV é chamado por Tirthaji (1992, p. 227) de divisão em linha reta, ele é utilizado sempre que os casos particulares não resolvem, este é um ponto importante que chamo a atenção, pois, como já mencionado a MV, por tratar-se de um sistema de resolução de operações que privilegia o cálculo mental, ela explora preferencialmente os casos particulares. Por questões de limitação do estudo não apresentarei aqui todos os casos de divisão contidos no trabalho de Tirthaji (1992), pois remeteria a uma extrapolação dos 97 objetivos estabelecidos, uma vez que a justificativa e as explicações para os Sūtras dos demais casos, envolveria um considerável trabalho com álgebra e requisitaria conhecimentos matemáticos que fogem em muito ao entendimento do público ao qual este estudo está direcionado. Para o caso geral da divisão o aforismo utilizado é o Dhvajāṅka, cuja tradução significa no topo da bandeira. Também está implicado, o aforismo Ūrdhva-Tyryak, que significa, verticalmente e Transversalmente (já estudado na multiplicação). Quadro xx: Explicação sintética do Sūtra no topo da bandeira Fonte: arquivo pessoal do autor Vejamos agora um exemplo do caso geral da divisão usando a notação sugerida por Tithaji, nela o divisor é formado por números de dois dígitos. Exemplo (1): Efetue a divisão 38982 : 73. Quadro 11: Caso geral da divisão com o aforismo no topo da bandeira Fonte: Adaptado de Tirthaji (1992) Explicação passo a passo: 1º ) Inicialmente tomamos o dividendo 38 e dividimos pelo divisor geral 7 e temos então 38 : 7 = 5, logo o 5 é escrito como o primeiro dígito do quociente, abaixo da linha de resposta. Fazemos agora o produto entre o primeiro dígito do quociente 5 e o divisor geral 7 (7x5 = 35), este produto será subtraído do dividendo 38 (38−35=3), o 3 será escrito na linha dos restos das divisões parciais abaixo do 9. O aforismo orienta que quando há na divisão, dois ou mais dígitos no divisor, o último dígito (das unidades) será escrito separado de forma elevada, ou seja, ficará no topo da bandeira, e funcionará como um multiplicador dos dígitos do quociente, para as divisões parciais. As multiplicações sempre ocorrerão de forma vertical e cruzada, conforme o aforisma, verticalmente e transversalmente. 3 : 3 8 9 8 : 2 dividendo 7 : 3 3 : 1 restos das divisões parciais 534 : 0 resto da divisão total Quociente 73 é o divisor onde o 3 é o dígito das unidades, de acordo com o aforisma, ele vai para o topo da bandeira, (é escrito separado dos outros dígitos e de forma elevada). O 7 é o divisor geral. 98 2º) Agora faremos uma leitura vertical de baixo para cima e encontraremos 39, que será o próximo dividendo bruto. 3º) Faremos o produto da bandeira, ou seja 3, pelo primeiro dígito do quociente 5, (3 x 5 = 15). 4º) Agora a subtração de 39−15=24, (este é o dividendo líquido) e em seguida a divisão de 24 : 7 = 3 com o resto 3. O 3 resultado desta divisão, será o segundo dígito do quociente. O resto 3 será escrito na linha dos restos da divisões parcias, abaixo do 8. Fazendo a leitura vertical de baixo para cima temos agora 38. 5º) Novamente o produto da bandeira pelo segundo dígito do quociente, agora 3, então temos 3 x 3=9, e em seguida a subtração 38-9=29, este será o nosso dividendo liquido. 6º) dividimos 29 : 7 = 4, com resto 1, temos então 4 como o terceiro dígito do quociente e 1 para a linha dos restos das divisões parciais, que será escrito abaixo do 2. Fazendo agora a leitura vertical de baixo para cima encontramos 12. 7º) O produto da bandeira 3, pelo quociente 4, temos 3 x 4=12, fazendo a subtração temos 12−12=0, isto indica que terinou a divisão e o resto é zero. A leitura do resultado permite resumir que: 38982 dividido por 73 é igual a 534 com resto zero. Outro exemplo auxiliará no entendimento. Exemplo: Dividir 529 por 23: 1º) Dividimos 5 por 2 (primeiro dígito do divisor), o resultado (2) vai para o quociente e o resto (1) será escrito abaixo e após o cinco na linha dos restos. 2º) A leitura vertical de baixo para cima nos mostra 12, este será o dividendo bruto 3º) O produto da bandeira pelo dígito do quociente (3x2=6). 4º) Subtraimos este produto (6) do dividendo bruto (12), então temos (12−6 = 6), a difereça será o dividendo líquido à ser dividido pelo divisor geral (2) 5º) Fazemos a divisão (6:2=3), então 3 será escrito na linha do quociente 6º) Fazendo agora a multiplicação da bandeira (3), pelo quociente (3), obtemos 9 e ao fazer a diferença de 9-9=0, encerramos a divisão e escrvemos o resultado da seguinte forma: 529 dividido para 23 é igual a 23 com resto zero. 3 : 5 2 : 9 2 : 1 : 0 : 2 3 : 0 99 Divisão pelo Sūtra Nikhilam Navataścaramam Daśata (todos de nove e o último de dez) O aforismo todos de nove e o último de dez, já utilizado em outras operações, também é apresentado por Tirthaji para casos especiais de divisão, quando temos o nove como divisor, similarmente ao que já foi abordado em um dos casos da multiplicação. Neste sentido, o aforismo se torna interessante pela maneira de tratar a divisão sob duas formas: divisão sem resto e divisão com resto. O aforismo todos de nove e o último de dez, será empregado em casos particulares de divisão, quando o divisor for o número 9, e o dividendo for menor, que 90 e a soma dos seus dígitos for diferente de nove. No trabalho de Tirthaji ele apresenta dois capítulos sobre divisibilidade, com seus respectivos Sūtras e três casos particulares de divisão (entre eles encontra-se este), além do caso geral da divisão. Porém na MV apresentada por Tirthaji, os casos particulares são privilegiados pelo fato de serem priorizadas as operações por meio do cálculo mental, e é para esta finalidade, que os casos particulares são utilizados, para facilitar a operação e permitir o uso do cálculo mental. Contudo, quando há necessidade de um recurso para resolver problemas mais complexos, então o caso geral é acionado, ou seja, ele é utilizado apenas quando o caso particular não atende. Isto estimula o estudante a desenvolver uma habilidade matemática muito importante que é a identificação de relações entre os números e as operações, permitindo elaborar estratégias mentais de resolução das operações e dos problemas. Caso (1) divisão por 9 quando o dividendo for menor que 90 e a soma dos dígitos do dividendo for inferior a 10 e diferente de 9. Exemplo 1: Qual o resultado para a operação de divisão 12 : 9? Trata-se de verificar como a quantidade 12 será dividida em 9 partes e se tal divisão poderá ser efetivada de modo exato. Observemos, então, que ao longo do desenvolvimento histórico dessa operação, foi se constituindo uma notação própria para representar esse tipo de divisão. Vejamos o quadro a seguir com tal representação: 100 Quadro 12: Caso 1 da divisão com o Sūtra todos de nove e o último de dez Fonte: Adaptado de Tirthaji (1992) A representação nos mostra que: 12 : 9 12 é o dividendo e 9 é o divisor (12<90 e a soma dos dígitos 2+1=3 < 10) 1 é o quociente, que neste caso só tem 1 dígito e o resto é 3. Segundo o aforismo todos de nove e o último de dez:  O quociente será o primeiro dígito do dividendo (no caso 1);  O resto é a soma dos dígitos do dividendo (no caso 1+2=3); Caso (2) divisão por 9 quando o dividendo for menor que 90 e a soma dos dígitos do dividendo ultrapassar o valor da base 10 e a soma dos dígitos do dividendo for diferente de nove. Vejamos o Exemplo 2: Qual o resultado de 87 dividido para 9? Quadro 13: Caso 2 da divisão com o Sūtra todos de nove e o último de dez Fonte: : Adaptado de Tirthaji (1992) 87 : 9 -------- 87 é o dividendo e 9 o divisor a soma dos dígitos é maior que 10 (8+7=15) 9-------------- O quociente, é o primeiro dígito do dividendo mais 1, (8+1=9). 9/6--------Na resposta a parte da esquerda é o quociente 9, e a parte da direita é o O quociente é o primeiro dígito do dividendo, no caso 1. O resto é a soma dos dígitos do dividendo 2+1=3 12 9 3 1 O quociente é o primeiro dígito do dividendo mais um: 8+1=9 O resto é a soma dos dígitos do dividendo 8+7=15, como 15>10, fazemos outra adição 1+5=6, a soma dos dígitos de 87=6 87 9 6 9 101 resto que, foi obtido pela soma dos dígitos do dividendo (8+7=15) e como 15 é maior que 10 (a base) então, se faz a soma dos dígitos que é (1+5=6). Exemplo 3: Qual o resultado de 47 dividido para 9? Quadro 14: Caso 2 da divisão com o Sūtra todos de nove e o último de dez Fonte: ibdem 47 : 9-------47 é o dividendo (a soma dos dígitos dos é maior que 10), 9 é o divisor 5-------------O quociente é o primeiro dígito do dividendo mais 1, (4+1=5) 2---------é o resto que, foi obtido pela soma dos dígitos do dividendo (4+7=11) e como 11 é maior que a base 10, então, se faz a soma dos dígitos que é 1+1=2. Divisão com o Sūtra Ekādhikena Pūrvena (por um a mais que o anterior) O livro Vedic Mathematics inicia apresentando alguns exemplos de aplicações atuais de MV a problemas concretos de Matemática, através da demonstração de como se faz a conversão de uma fração ordinária em sua forma decimal correspondente, de modo simples, empregando o Sūtra Ekhādhikena Pūrvena, (por um a mais que o anterior), para calcular o equivalente decimal. Vejamos um primeiro exemplo de como encontrar a forma decimal equivalente da fração 19 1 , utilizando uma demonstração por comparação e contraste onde a divisão é realizada utilizando o algoritmo convencional e logo em seguida a mesma operação é realizada com o auxilio do Sūtra, então visualmente a partir da escrita de registro das operações, será possível comparar. Em seguida o modus operandi, é explicado. O quociente é o primeiro dígito do dividendo mais um: 4+1= 5 O resto é a soma dos dígitos do dividendo 4+7=11, como 11>10, fazemos outra adição 1+1=2, a soma dos dígitos de 11= 2 47 9 2 5 102 Exemplo da divisão com o uso do algoritmo convencional. [obs. por questões de facilitar a explicação, optei por colocar o quadro na próxima página]. Quadro 15: Exemplo de comparação e contraste do algoritmo convencional e do algoritmo védico. Fonte: ibdem Observe com atenção para o contraste com o método convencional, a escrita numérica e as etapas de trabalhos são muito menores com o uso do Sūtra. No algoritmo convencional o resultado é obtido após uma divisão em 18 etapas, o que nos dá como quociente um decimal recorrente com 18 dígitos, e a operação é tediosa, envolve diversas etapas com sucessivas multiplicações divisões e subtrações, o que aumenta bastante a chance do estudante cometer um erro. 1 │19____________________ 100 0,052631578947368421 95 50 38 120 114 60 57 30 19 110 95 150 133 170 152 180 171 90 76 140 133 70 57 130 114 160 152 80 76 40 38 20 (1)–início da repetição Divisão com o Sūtra por um a mais que o anterior, para calcular o equivalente decimal de uma fração ordinária. = 19 1 0, 0 5 2 6 3 1 5 7 8 9 4 7 3 6 8 4 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Observe a simplicidade e número muito menor de etapas de trabalho. 103 No sistema védico apresentado por Tirthaji, utilizando o Sūtra por um a mais que o anterior, é possível realizar a operação por dois modos diferentes: A resolução pelo primeiro modo utiliza a multiplicação, e é a seguinte: Quadro 16: explicação da divisão com o Sūtra por um a mais que o anterior utilizando a multiplicação (primeiro modo) Fonte: ibdem 1 19 O multiplicador (2), obtido pelo aforismo por um a mais que anterior (1+1=2) 0,0 5 2 6 3 1 5 7 8 9 4 7 3 6 8 4 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 Iniciamos escrevendo da direita para a esquerda o 1 que é o ultimo dígito do decimal recorrente, pois o produto entre o último dígito do denominador da fração e o último dígito do decimal, tem que ser invariavelmente igual a 9. Neste caso o 1, por ser o elemento neutro da multiplicação é o único número que garante isso. O 2 é o produto entre o multiplicador e o dígito inicial. (2 x1=2)  O 4 é o produto entre o multiplicador e o segundo dígito do decimal (2x2=4).  O 8 é o produto entre o multiplicador e o terceiro dígito (2x4=8).  O 6 é o produto (2x8=16), escreve-se o seis como resultado e o um será escrito imediatamente abaixo, para ser transportado.  O 3 é o produto (2x6=12), mais o um que foi transportado temos (12+1=13), escrevemos o 3 como resultado e imediatamente abaixo o 1 para ser transportado.  A operação se repete sucessivamente até percebermos que o decimal se repete, então, paramos e colocamos a vírgula. 104 Explicação comentada do primeiro modo, utilizando a multiplicação: Começamos com 1 como o último [ou seja, o mais a direita] dígito do resultado prosseguimos para a esquerda de forma contínua multiplicando por 2 (que é o Ekadhikena Purvena ou seja, um a mais do que o dígito anterior do denominador), até que uma repetição da operação inteira aparece e percebemos então que trata-se de um decimal recorrente e podemos, portanto, colocar a virgula para facilitar a leitura do número. A explicação do modus-operandi é a seguinte: (i) Colocamos o 1, como o dígito mais a direita (ii) Multiplicamos o último dígito do decimal (1) por 2 e escrevemos o produto (2) à esquerda do 1. (iii) Multiplicamos o 2 pelo multiplicador 2 e colocamos o produto 4 à esquerda do 2 como no caso anterior. (iv) Fazemos a multiplicação de 4 por 2 e escrevemos o produto 8 à esquerda do 4, seguindo o modelo. (v) Multiplicamos 8 por 2 e obtemos 16 como produto. Mas esse número tem dois dígitos, por isso, colocamos imediatamente o 6 à esquerda do 8 e escrevemos o 1 para ser transportado e adicionado no próximo produto (vi) Agora multiplicando o 6 por 2, temos 12 como produto, com a adição do 1, que foi transportado obtemos 13 como o produto consolidado, então escrevemos o 3 à esquerda do 6 e escrevemos o 1 abaixo para ser transportado na próxima etapa. vii) Em seguida, multiplicamos o 3 por 2, adicionamos ao produto o 1 transportado da direita e obtemos 7 como o produto consolidado. Mas, como este é um número de um dígito (com nada para ser transportado), nós o colocamos direto como nosso próximo multiplicando. 1 2 1 4 2 1 8 4 2 1 6 8 4 2 1 1 3 6 8 4 2 1 1 1 7 3 6 8 4 2 1 1 1 105 (viii-xviii) Seguimos este procedimento continuamente até chegarmos a 18 dígitos (contando da direita para a esquerda), até quando verificamos que o decimal inteiro começou a repetir-se. Neste momento, colocamos a virgula no primeiro e dígito da resposta e a multiplicação termina, da seguinte forma: O primeiro modo utilizou a multiplicação por 2, que é o Ekādhikena Pūrvena, ou seja o número que é apenas mais um do que o anterior, pois no denominador temos o número 19, logo o último dígito do denominador sendo 9 o anterior no caso é 1, então um a mais que um é dois (1+1=2). A regra é explicada por Tirthaji através do cálculo de frações auxiliares, contudo este tema envolve uma série de outros passos [ou etapas] que se distanciam do recorte estabelecido para este trabalho. Por este motivo adoto aqui apenas a regra. A resolução pelo segundo modo utiliza a divisão [em vez da multiplicação] pelo mesmo "Ekadhikena Purvena", ou seja, 2. E, como a divisão é uma operação inversa da multiplicação, então a operação de divisão, se inicia não da direita para a esquerda [como no caso da multiplicação], mas exatamente na direção oposta [ou seja, da esquerda para a direita]. Seu modus operandi é seguinte: (i) Dividindo 1 (o primeiro dígito do dividendo) por 2, vemos que o quociente é zero e o restante é 1. Portanto, nós definimos 0 como o primeiro dígito do quociente e escrevemos o restante (1) abaixo do zero, para que seja um dos muitos dígitos do dividendo [como uma espécie de procedimento reverso para o processo de execução- para-esquerda utilizado na multiplicação] e, assim, fazemos uma leitura vertical de baixo para cima e obtemos 10 como nosso próximo dividendo. (ii) Dividindo este 10 por 2, temos 5 como o segundo dígito do quociente e, como não há resto a ser prefixado, temos que levar o digito 5 como nosso próximo dividendo. = 19 1 0, 0 5 2 6 3 1 5 7 8 9 4 7 3 6 8 4 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 0 5 1 106 (iii) Assim, o quociente seguinte é 2 e o restante é 1. Nós, portanto, colocamos 2 para baixo como o terceiro dígito do quociente e o prefixamos o restante 1, abaixo do dois para compor o próximo dividendo. Fazendo uma leitura vertical de baixo para cima temos 12 como o nosso próximo dividendo. (iv) Temos então como quociente o digito 6 e zero como resto. Então, escrevemos o 6 como o quarto dígito do quociente, e como não há resto para ser prefixado, tomamos o 6 como nosso próximo dígito para a divisão que dá como quociente 3, com resto zero. 0 5 2 6 3 1 1 1 1 (v) Divimos 3 por 2, obtemos 1 como quociente e 1 como resto. Então, colocamos o um no local do quociente e o resto também um para baixo. Na leitura vertical de baixo para cima temos agora 11 como o nosso próximo dividendo. (vi-xvii) Realizando este processo de divisão por 2 em linha reta contínua obtemos um quociente de 17 dígitos e o 2 com resto zero. (xviii) Dividindo este 2 por 2, obtemos 1 como quociente. Então a divisão está encerrada com 18 dígitos e 0 como resto. Isto significa que o decimal começa a repetir-se a partir daqui. Então, paramos o processo de divisão mental e colocamos A virgula para facilitar a leitura do número. Note that, in the first method (i.e. of multiplication), each surplus digit is carried over to the left and that, in the second method, (i.e, of division), each remainder is prefixed to the right. (TIRTHAJI, 1965, p. 5). Note-se que, no primeiro método (ou seja, da multiplicação), cada digito excedente é levado até a esquerda e que, no segundo método (ou seja, de divisão), cada resto é prefixado para a direita. (tradução nossa). Na nota acima Tirthaji deixa claro que ele apresenta por meio da MV, dois métodos de divisão, isto explicita, portanto, que a MV apresentada por Tirthaji em seu 052 1 1 0 5 2 6 3 1 5 1 1 1 1 0 5 2 6 3 1 5 7 8 9 4 7 3 6 8 4 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 107 livro, não se trata de um método de resolução de operações, ela se constitui em uma abordagem das operações aritméticas fundamentais, baseada nas propriedades do sistema de numeração decimal e explora as relações de posição e ordem a partir da escrita numérica e suas características (posicional, aditiva e sintética). Ao concluir este capítulo sobre as quatro operações por meio dos Sūtras, e considerando esta abordagem verifico que, trata-se principalmente de um modo diferente e porque não criativo de lidar com a aritmética, ao contrário do que alguns comentam [sem o devido conhecimento], não se trata de memorização mecânica, mas sim de um outro modo de enxergar as relações entre o sistema de numeração, os números e as operações. Com este conhecimento percebemos que não há apenas um caminho para calcular ou um único método correto e universal, com a MV, o estudante pode criar seus próprios métodos, verificar suas respostas e testar seu alcance, neste sentido os casos particulares, fornecem uma boa oportunidade, pois como Tirthaji afirma várias vezes em seu livro, a MV privilegia o empregos dos casos particulares, que são mais simples, isto ocorre sem o prejuízo do caso geral que só é usado como um recurso, quando o caso particular não resolve. Neste ponto também percebo, que ao entrar em contato com a MV o estudante é naturalmente introduzido na pratica de comparar resultados, verificar se é possível aplicar o caso particular ou o caso geral, penso que isto poderá despertar no estudante a vontade de investigar, ponto de partida para a autonomia do seu aprendizado. No próximo capítulo apresento orientações didáticas para o professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da EJA, bem como sugestões de atividades para a sala de aula. 108 5 Orientações didáticas para o ensino das quatro operações por meio de sugestões de atividades de Matemática Védica para o professor Neste capítulo apresento orientações didáticas, por meio de atividades utilizando a MV, para o ensino das quatro operações aritméticas fundamentais, direcionada aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e da EJA. 5.1 O produto educacional como uma exigência do Mestrado Profissional O Mestrado profissional requer como trabalho de final de curso, segundo Moreira (2004): “[...] uma proposta de ação profissional, que possa ter, de modo mais ou menos imediato, impacto no sistema a que ele se dirige.” (MOREIRA, 2004, p. 133). No caso particular do Mestrado profissional em Ensino a orientação é que esta proposta de ação profissional se concretize por meio da: Elaboração de um trabalho final de pesquisa profissional, aplicada, descrevendo o desenvolvimento de processos ou produtos de natureza educacional, visando à melhoria do ensino na área específica, sugerindo-se fortemente que, em forma de conteúdo, este trabalho se constitua em material que possa ser utilizado por outros profissionais. (MORREIRA, 2004, p. 134). Segundo esta definição de Moreira o trabalho final de um Mestrado Profissional em Ensino deve descrever o desenvolvimento de processos ou produtos de natureza educacional. O trabalho deve constituir-se em um material que possa ser utilizado por outros profissionais. É, portanto, dentro da perspectiva desta orientação que os capítulos 04 e 05 compõem o produto educacional. Neste capítulo encontram-se as sugestões de atividades. Porém a ideia é que para poder aplicá-las o professor tenha primeiro tido contato com as explicações sobre os Sūtras, apresentadas no capítulo anterior. Este produto educacional traz um modelo de atividade para o ensino das quatro operações que atende o nível da alfabetização matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Por meio de atividades de investigação motivadas a partir de uma narrativa histórica. 5.2 Comentários e sugestões ao professor Após a explicação dos Sūtras da MV, realizada na seção anterior apresentarei sugestões de atividades e orientações didáticas para o professor trabalhar em sala de 109 aula o conteúdo das quatro operações, por meio de atividades de investigação motivada por uma narrativa histórica. O objetivo não é de substituir o ensino do algoritmo normalmente usado pela MV. A proposta didática sugerida é que, após a apresentação do conteúdo normalmente ensinado e a realização de alguns exercícios de aprendizagem, o professor apresente a MV. Esta apresentação poderá ser feita inicialmente com uma explanação histórica explicando o que é a MV e em seguida exemplos do seu uso na resolução de cálculos aritméticos, cujos resultados, devem ser comparados com os obtidos pelo algoritmo normalmente ensinado. Isto, portanto, poderá ser feito pelo professor logo após o ensino de uma operação. Por exemplo, após ensinar a subtração o professor apresentará o Sūtra da MV, que aborda esta operação, então, os estudantes poderão subtrair a partir do emprego do Sūtra e comparar os resultados. Outra forma de uso da MV já adotada em escolas de outros países, é a implantação de um programa de MV em forma de reforço pedagógico, com o objetivo de melhorar o desempenho dos estudantes nas aulas de Matemática. Neste sentido o ensino da MV poderá vir a se constituir em uma ação motivadora para os estudantes se interessarem pelo cálculo aritmético, pois não será mais o cálculo pelo cálculo eles utilizarão os Sūtras para obter resultados e poderão ao final compará-los com os resultados obtidos por meio do algoritmo normalmente ensinado. Os Sūtras permitem aos estudantes escolherem o processo de cálculo, ele poderá ser escrito ou mental57. Neste sentido Albergaria & Ponte (2008) informam: “A escolha de um processo de cálculo adequado a cada situação, seja escrito, mental ou recorrendo à calculadora, reflecte o maior ou menor grau de desenvolvimento do sentido de número” (ALBERGARIA & PONTE, 2008, p. 2). As atividades propostas visam apenas introduzir o estudante no uso dos aforismos védicos, pois uma vez que eles aprendam a empregá-los, ao depararem-se com um cálculo eles poderão decidir qual Sūtra aplicar. Ao empregarem os Sūtras dos casos particulares e conferindo as respostas eles estarão testando o alcance dos aforismos védicos e verificando para quais situações e valores eles são aplicáveis. Dessa forma estarão praticando matemática por meio da investigação, tudo isto de forma muito simples. Portanto, esta é a proposta para as atividades de MV em sala de aula. Ao 57 É importante esclarecer que estes processos não são excludentes, mais complementares e durante um cálculo mental o estudante poderá fazer anotações e registrar as etapas do seu raciocínio. 110 calcular com os Sūtras e buscar conhecer o alcance dos casos particulares apresentados pelos aforismos, o estudante estará inserido na perspectiva da investigação sugerida por Ponte (2003): Na minha perspectiva, “investigar” não é mais do que procurar conhecer, procurar compreender, procurar encontrar soluções para os problemas com os quais nos deparamos. Trata-se de uma capacidade de primeira importância para todos os cidadãos e que deveria permear todo o trabalho da escola, tanto dos professores como dos alunos. (PONTE, 2003, p. 2). É a partir desta perspectiva de investigação, que proponho as atividades de investigação em sala de aula. Com a estratégia do Sūtra o estudante poderá reorganizar seu conhecimento matemático e principalmente perceber que antes de realizar o cálculo escrito, ele faz primeiro o cálculo mental, compara, relaciona, classifica, etc. Isto permite tirar conclusões, identificar, semelhanças e diferenças, ampliando o sentido de número. Ao realizar as operações aritméticas por meio dos Sūtras védicos, compondo e decompondo números, ele aprende a enxergar outro número a partir de diferentes escritas, por exemplo: o número 8 pode ser escrito em forma de uma adição como 5+3, ou um produto 4 x 2, ou a diferença 9 – 1. Todas essas formas, representam a quantidade oito, que pode ser então representada pela escrita do dígito 8. Portanto foi considerando estes aspectos, que os aforismos védicos sobre as quatro operações − originalmente apresentados em Sânscrito e Inglês, por Tirthaji em seu livro Vedic Mathematic, − foram, objetos deste estudo. Penso que este trabalho ao fazer uma busca por possibilidades didáticas para o ensino das quatro operações a partir da MV de Tirthaji, poderá entre outras coisas auxiliar na ampliação do entendimento conceitual dos professores sobre o tema, bem como propor uma aproximação com ensino da Matemática por meio da investigação. Ao ensinar os Sūtras védicos o professor estará usando uma matemática oriunda de uma civilização antiga, cuja base de contagem era decimal e seus numerais foram adotados no mundo inteiro. O professor poderá então, explorar a história imbricada na MV, para o ensino-aprendizagem da Matemática escolar. Neste sentido Mendes (2009a) diz que: “É possível, portanto afirmar que alguns modos de usar a história na sala de aula de Matemática contribuem para o trabalho do professor e, consequentemente a aprendizagem dos estudantes.” (MENDES, 2009a, p. 79). As informações históricas da cultura védica como a medição do tempo e sua divisão em grandes eras, os tijolos com proporções matematicamente bem definidas, o código de escrita numérica utilizando 111 letras do alfabeto, etc., podem fornecer elementos para a elaboração de atividades, contudo Mendes (2009a) informa: “É importante, que o professor valorize e adapte as informações históricas às suas necessidades, visando seu melhor uso possível na sala de aula” (MENDES, 2009a, p. 81). Com isso esclareço que você professor, não irá trazer para a sala de aula toda a história da civilização védica, mas sim apenas os aspectos que contribuam para o ensino das quatro operações. Como exemplo ilustrativo, para o modelo proposto apresentarei uma sugestão de atividade de investigação, tendo como ponto de partida uma narrativa histórica: 1ª parte: narrativa história: Segundo o calendário védico o tempo esta dividido em quatro grandes eras, atualmente nós estamos na era de kalyuga que tem uma duração de 432 000 anos. Esta era teve início no ano 3102 a. C. Nesta data o sábio Vyasadeva compilou o livro mais antigo dos quatro vedas o Rig-veda. Para registrar esta data ele utilizou-se de um evento astronômico chamado de equinócio vernal58 do hemisfério norte, que nesta data estava apontando para a constelação de Orion. Por meio desta informação contida no próprio texto sagrado [Rig-veda], então foi possível calcular com precisão a data correspondente no nosso calendário. 2ª parte o problema de investigação O nosso calendário chama-se de calendário gregoriano em homenagem ao Papa Gregório VI seu criador. Nele o ano do nascimento de Jesus Cristo é chamado de ano 1. Nós estamos, portanto no ano 2013 do nascimento de Cristo. Considerando a duração da era de Kalyuga determine quantos anos faltam para o seu final. O problema apresentado pode facilmente ser resolvido sem o auxílio dos Sūtras, apenas por meio do algoritmo convencional. Ora se analisarmos sob este aspecto, também não seria necessário buscar por nenhuma nova proposta para ensinar, uma vez que com o sistema tradicional também já se ensinava Matemática. O objetivo de operar além do algoritmo convencional e utilizar também a MV para calcular é permitir, entre outras coisas, que ocorra uma aprendizagem que possibilite o estudante construir suas próprias estratégias de calcular e resolver problemas. Neste sentido Demo (1992) apud (Mendes, 2009b, p. 124) diz que: “O aluno não leva para a vida o que decora, mais sim o que cria por si mesmo”. Como já explicado anteriormente a abordagem da MV 58 O equinócio vernal é o período astronômico em que o dia tem a mesma duração da noite e o equinócio vernal assinala a entrada da primavera no hemisfério norte. 112 permite que o estudante se utilize das propriedades dos números, do sistema de numeração e das operações para elaborar suas estratégias de calcular. Com o auxilio do aspecto histórico contido nas atividades, a Matemática passa a ser mais bem caracterizada como criação humana, resultado de buscas das culturas na resolução de problemas de sobrevivência. Nesse aspecto Mendes (2009b), comenta: O desenvolvimento de projetos de investigação no ensino da Matemática tem por finalidade verificar a Matemática presente nas diversas situações em que construímos nossa realidade sociocultural, ampliando o conhecimento obtido historicamente. O uso de projetos de investigação no ensino de Matemática conduz professores e alunos para a compreensão do processo construtivo da Matemática escolar como produção cientifica elaborada socialmente, ao longo da história. (MENDES, 2009b, p. 125). O autor explica claramente em seu comentário as finalidades do uso da investigação e da História nas aulas de Matemática, por meio de projetos. Contudo o objetivo aqui é apresentar um modelo de atividade nessa perspectiva focado para o ensino das quatro operações aritméticas, por meio da MV. O uso desta perspectiva poderá trazer benefícios para a aprendizagem, principalmente pelo esclarecimento de que a Matemática não se trata de um saber acabado, puro, e sim de um edifício em permanente construção. 5.3 O modelo teórico das atividades As atividades e as orientações didáticas sugeridas neste trabalho têm como objetivo auxiliar o trabalho do professor na alfabetização matemática, principalmente no ensino das quatro operações. O modelo sugerido é adaptado a partir da proposta teórica de Mendes, Fossa e Valdés (2006), Mendes (2009a, 2009b), e Ponte (2003). Contudo para atender o caso específico do ensino das quatro operações a proposta dos autores foi adaptada levando em consideração a utilização dos Sūtras de MV. A perspectiva de investigação adotada é a partir de Ponte (2003), anteriormente citado, já o uso da história como recurso pedagógico, segue a proposta de Mendes, Fossa e Valdés (2006) que informam: Podemos considerar, inicialmente, que o uso da história como recurso pedagógico tem como principal finalidade promover um ensino aprendizagem da matemática que permita uma resignificação do conhecimento Matemático produzido pela sociedade ao longo dos tempos. Com essa prática, acreditamos ser possível imprimir maior motivação e criatividade cognitiva às atividades de sala de aula 113 durante nossa ação docente, pois esperamos que esse modo de encarar o ensino de matemática possa se constituir em um dos agentes provocadores de ruptura na prática tradicional educativa vivida até hoje nas aulas de matemática. (MENDES, FOSSA E VALDÉS 2006, p. 84). É, portanto, no sentido de imprimir “maior motivação e criatividade” que os aforismos védicos historicamente reconstruídos por Tirthaji desempenham seu papel, nas atividades de investigação em aritmética, pois oferecem aos estudantes possibilidades de elaborar suas próprias estratégias, rompendo com o ensino tradicional como deseja Mendes, Fossa e Valdés (2006). Justifico a adoção da expressão atividades de investigação em aritmética, por entender que são atividades por se tratarem de uma ação intencional e planejada com o objetivo de ensinar, e aritmética, por operar com o cálculo aritmético e não fazer uso dos recursos algébricos. Argumento a favor do uso da historia partindo do princípio de que a apresentação dos aforismos védicos pede, por assim dizer, uma explicação histórica, sem a qual tornaria este estudo vazio, neste aspecto a leitura dos trabalhos de Mendes (2006, 2009a, 2009b), forneceram os subsídios para a compreensão de como se procede a atividade de investigação em sala de aula, principalmente utilizando elementos da história da matemática na prática pedagógica. A proposta didática de modelo de atividade se estrutura em três aspectos básicos: O primeiro é o motivacional, que será operado por meio da História da cultura matemática védica – já apresentada nas seções anteriores − o principal objetivo é motivar o estudante, despertando sua curiosidade e fazendo-o perceber a Matemática como uma criação humana, um produto cultural historicamente construído para resolver os problemas de uma época. A sugestão para abordar este primeiro aspecto é que o professor retome a história do surgimento dos numerais e do sistema de numeração, isto permitirá imediatamente uma ligação com a civilização Védica. Pois os numerais são ensinados como sendo de origem Indu-arábica, ou seja, eles foram criados na Índia antiga e difundidos na Europa pelos árabes, este importante viés histórico permite aos estudantes perceberem o caráter universal da Matemática. Para atender os objetivos deste aspecto há um texto histórico no início da segunda parte de cada atividade sugerida. Este texto permitirá ao professor trabalhar a história em sala de aula, inicialmente ele funciona como motivador e ao término da atividade o professor poderá explorar o texto sugerindo aos estudantes que pesquisem informações sobre o sistema de pesos e medidas utilizados pela civilização védica. 114 O segundo aspecto é o mental (cognitivo), operado por meio dos Sūtras [aforismos] que funcionam como acionadores cognitivos,59 permitindo ao estudante realizar conexões mentais entre os números, as operações e o sistema de numeração onde o cálculo relacional precederá o cálculo numérico. Neste momento é quando o estudante já tendo conhecido o Sūtra, testa-o, resolvendo alguns cálculos apresentados pelo professor, ao encontrar o resultado ele inicia uma verificação com o auxílio do algoritmo formal já ensinado. O terceiro aspecto deste modelo de atividade é o investigativo onde o estudante terá oportunidade de investigar em aritmética por meio de atividades tanto na sala de aula como em atividades extraclasse. A sugestão para o professor é que após ter ensinado a operação aritmética pelo modo convencional, ele ensine também a resolução da mesma operação por meio do Sūtra védico, em seguida oriente os estudantes a realizarem uma operação a partir do aforismo védico, e verificar, com o auxílio do algoritmo convencional, sua validade. O professor poderá também pedir aos estudantes que investiguem se é possível realizar o cálculo, por meio do caso particular apresentado pelo Sūtra ou se apenas o caso geral deve ser empregado, isto poderá ser feito sempre recorrendo ao algoritmo convencional para conferir as respostas, o uso de calculadora eletrônica não está descartado, ficando porém, a critério do professor sua utilização ou não. Então neste momento, estará ocorrendo a investigação, pois o estudante estará buscando conhecer o alcance do aforismo védico. O professor poderá ampliar a operacionalização deste aspecto, por meio da sugestão de outros valores [números] previamente escolhidos, onde ele controlará a atividade sabendo para quais valores os aforismos do caso particular são válidos ou não, contudo o estudante terá a oportunidade de investigar e tirar suas próprias conclusões. Descobrir por meio do seu próprio esforço buscando conhecer, isto iniciará os estudantes na prática da investigação estimulando-os a buscar construir seu próprio conhecimento Mendes (2009a), explica: A investigação constitui-se assim, como um fator inerente ao homem e quando este espírito investigador, bem evidente na fase pré- operatória dos estágios piagetianos, permanecer desenvolvendo-se nas fases posteriores , conduzirá o estudante a um amadurecimento cientifico e matemático que o tornará cada vez mais autônomo e consciente da sua capacidade de apostar na curiosidade e na possibilidade de buscar conhecimento por meio da investigação. (MENDES, 2009a, p. 13). 59 Ver nota 7 na página 18 115 A explicação de Mendes aponta a importância de estimular o desenvolvimento do espírito de investigação nos estudantes. È, portanto, considerando este ponto, que o presente trabalho propõe orientações didáticas para o professor por meio de atividades de investigação em aritmética, tendo a história como recurso pedagógico e os Sūtras da MV como estratégia. Neste modelo o motivacional, o cognitivo e o investigativo se articulam durante a atividade de uma forma sinérgica e não linear, ora um aspecto é mais enfatizado, ora outro, esta dinâmica é ditada por relações típicas da sala de aula onde o professor privilegia um determinado aspecto em função de variáveis como o grau de interesse dos estudantes ou de suas dificuldades em aprender determinado conteúdo. Durante a realização das atividades de investigação em aritmética, propostas no modelo, a narrativa histórica, que precede o cálculo, motiva o estudante a conhecer a matemática da antiga civilização védica. Em seguida, após ensinar como os Sūtras operam, o professor apresentará o problema e/ou os cálculos a serem resolvidos por meio dos aforismos. Neste momento os aforismos védicos passam a operar como acionadores cognitivos do seguinte modo: em uma primeira ação funcionam com o reflexo mental, ao deparar-se com o cálculo o estudante lembra-se do aforismo e este remete a ideias, conceitos, modelos e representações que permitem estabelecer relações entre os números, as operações e o sistema de numeração. Este procedimento não deixa a criança imobilizada diante da dificuldade de realizar um cálculo, pois os Sūtras [conforme já ensinado] dão aos estudantes várias possibilidades de calcular. Tirthaji aponta que quando a criança se defronta com a dificuldade e eventual insucesso na resolução da operação, pelo método convencional, ela pode desenvolver fobia ao estudo da Matemática: In this context, it must also be transparently clear that the long, tedious, cumbrous and clumsy methods of the current system tend to afford greater and greater scope for the children's making of mistakes (in the course of all the long multiplications, subtractions etc. involved therein) ; and once one figure goes wrong, the rest of the work must inevitably turn out to be an utter waste of time, energy and so on and engender feelings of fear, hatred and disgust in the children's minds. (TIRTHAJI, 1992, p. 4) Neste contexto, também deve ser transparentemente claro, que os métodos longos, enfadonhos, embaraçosos e desajeitados do atual sistema, tendem a propiciar um maior e maior campo para as crianças cometerem erros, (no curso de todas as longas multiplicações, subtrações, etc. nele envolvidos) e uma vez um dígito estando errado, o resto do trabalho deve, inevitavelmente, acabar por ser um total 116 desperdício de tempo, energia e assim por diante e geram sentimentos de medo, ódio e asco nas mentes das crianças. (tradução nossa). A afirmação do autor chama atenção para um aspecto importante relacionado ao fracasso escolar no estudo das operações, que é a fobia pela matemática, cuja gênese, em grande parte, se encontra no fato do estudante não conseguir resolver certas operações, e muitas vezes não lhes é apresentado nenhuma alternativa, ao algoritmo formal, permitindo-lhe tentar construir uma solução a partir da mobilização de propriedades do sistema de numeração, dos números e das operações. O fato dos Sūtras explorarem estes aspectos, poderá despertar o interesse por estudar matemática. É neste sentido, que a MV pode ajudar, pois trabalhada na perspectiva de atividades de investigação aritmética em sala de aula, e tendo a história como recurso pedagógico, os estudantes estarão motivados e terão a oportunidade de testarem novos modos de resolver as operações, e eles então poderão tirar suas próprias conclusões. Neste sentido Mendes 2009b, explica claramente as possibilidades da atividade de investigação quando se refere aos três componentes de uma atividade matemática: [...] o intuitivo no qual a matemática não se liberta de suas raízes humanas, [...] desse modo, é importante discutirmos o caráter imaginativo do raciocínio matemático, [...] o algorítmico, que permite a adaptação do pensamento aos procedimentos problemáticos propostos na prática, treino sistemático ao qual o aluno é sujeito. Favorece, assim, a mecanização (memorização) do conhecimento. [...] o formal, no qual os conceitos matemáticos são expressos na forma de proposições que consideramos adaptáveis a todas as situações. (MENDES 2009b, p. 94-95). Por meio de atividades com a MV o estudante se sentirá motivado a investigar, testar possibilidades e estará envolvido na tentativa da descoberta, pois ao final da atividade escreverá um relatório sucinto, onde apresentará os resultados e poderá demonstrar através de cálculos suas conclusões. O estímulo à investigação em aritmética na sala de aula, proporcionado pela atividade, permite dar significado ao ensino e vai, na direção da proposta de Mendes (2009b): Sem a prática da pesquisa não se dá, efetivamente, um ensino significativo, ocorrendo mera transmissão de conhecimento como de um saber produzido por outros e que nos é apresentado como um produto acabado e frio. (MENDES 2009b, p.124). O ambiente de investigação na sala de aula poderá então conduzir a uma aprendizagem significativa na medida que for sendo introduzido de acordo com o desenvolvimento de cada turma. 117 Apresentarei a seguir o modelo de atividade de forma concreta materializado nas sugestões de atividades elaboradas com uso dos Sūtras. Estas atividades estão estruturadas a partir dos três aspectos já apresentados, este modelo aqui sugerido é adaptado a partir da proposta teórica de Mendes (2006, 2009a, 2009b) e Ponte (2003) e podem ser trabalhadas em complemento ao livro didático. 5.4 O ensino das quatro operações por meio dos Sūtras de MV em forma de sugestões de atividades e orientações didáticas para o professor Caro colega professor (a), as sugestões a seguir são modelos de atividade e como tal poderão ser reproduzidas tendo os valores alterados para serem reutilizadas ou ainda serem adaptadas para melhor atender ao seu plano de ensino. Pela estrutura que possuem e de acordo com o desenvolvimento da turma, estas atividades poderão ser entendidas como projetos, dentro do que sugerem os PCN, para a pedagogia de projetos. As explicações dos Sūtras encontram-se no capítulo 4 da dissertação. Atividade nº 1 – Adição com o Sūtra Ekādhikena Pūrvena (por um a mais que o anterior) A) Primeira parte: orientações didáticas ao professor 1º) O que o aluno poderá aprender com esta atividade? Objetivo de ensino Aspecto contemplado Conhecer um pouco da história da invenção dos algarismos (nove dígitos e o zero) pelos Indianos védicos e como eles foram difundidos pelos árabes (ver texto de apoio). Motivacional Perceber as características básicas do nosso sistema de numeração (aditivo, posicional e decimal) Cognitivo Aprender como se obtém os números naturais a partir da unidade por meio do Sūtra Ekādhikena Pūrvena Cognitivo/motivacional Aprender o significado de antecessor e sucessor Cognitivo Investigar e descobrir relações entre os antecessores e sucessores no círculo de nove pontos Investigativo Prever com base na descoberta das relações, os próximos números na sucessão dos naturais dentro do círculo de nove pontos Investigativo/cognitivo Praticar a adição por meio da soma dos dígitos Cognitivo 118 2º) Duração da atividade: A previsão inicial é de oito horas/aula dividido em quatro blocos de duas horas, que preferencialmente devam ser ministradas em quatro dias distintos. Esta divisão considerou o fato das escolas trabalharem quatro aulas de 02 horas por semana para a disciplina de Matemática. 3º) Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor: Sistema de numeração decimal, números naturais e adição de números naturais 4º) Estratégias e recursos de aula:  Entregue aos estudantes uma folha de papel com um círculo desenhado, possuindo a linha circular marcada em nove partes, com a mesma distancia entre elas, ou se o professor preferir, os estudantes poderão desenha-lo, isto depende do grau de desenvolvimento da turma ou da disponibilidade do professor.  Apresente a parte histórica, falando da antiga civilização desenvolvida no vale dos rios Indo-Sarasvati, se possível mostrar as ruínas por meio de imagens, comente sobre o uso da Matemática na Religião, para a construção de templos e altares, na Astronomia para medir o tempo, no comércio para o controle das mercadorias. Fale da descoberta do sistema de numeração decimal e a invenção dos símbolos para representar os números. Também é interessante falar do livro de MV escrito por Tirthaji, onde encontram-se os Sūtras (aforismos), que Tirthaji descobriu estudando os antigos textos védicos. Após isso poderá então ser apresentado o aforismo a ser estudado (Por um a mais que o anterior), explicando seu significado. Para este momento, poderá ser utilizado um projetor de multi-mídia, para exibir imagens, mapas para localizar geograficamente o território da civilização védica ou outros. Um texto de apoio encontra-se logo a seguir no inicio da atividade e varias imagens estão disponíveis em: http://www.mohenjodaro.net/ancientmetropolis.htm. 119 B) Segunda parte: Desenvolvimento da atividade a) Texto de apoio para a narrativa histórica: (aspecto motivacional) Por volta do ano 3000 a. C. em uma região da Ásia, hoje ocupada pelos países Índia e Paquistão, havia uma antiga civilização, que se estabeleceu ali desde o final do período neolítico, (idade do ferro), esta sociedade prosperou devido às terras férteis dos rios Indo e Sarasvati, que banhavam aquela região. Com o desenvolvimento logo surgiu um próspero comércio e, eles sentiram a necessidade de contar e fazer cálculos, para atender além do comércio a diversas outras atividades do cotidiano tais como: medir o tempo, fabricar tijolos, construir casas, altares religiosos, artefatos de cerâmica entre outros. Isto os levou a desenvolverem um sistema de numeração de base decimal e também uma escrita posicional e aditiva, para isto desenvolveram os símbolos para representar os números e também o zero. Tardiamente este conhecimento foi trazido pelos sábios hindus até a corte de um califa da Pérsia [Al’Mansur o fundador de Bagdá] por volta do ano de 771 da nossa era. Os árabes, que encarregaram-se de traduzir e divulgar esta escrita numérica por todo ocidente, tinham um lugar de estudos chamado de casa da sabedoria, logo, ao chegar na Europa as pessoas perceberam que era bem melhor escrever os números com os símbolos hindus trazidos pelos árabes do que com os símbolos romanos aos quais já estavam acostumados. Isto foi uma grande novidade para a época, pois realizar as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão com os símbolos romanos era algo bastante complicado e que poucas pessoas tinham conhecimento. Estes símbolos passaram então a ser conhecidos como algarismos, por causa do Matemático árabe Al-Khuwarizmi, que era um dos sábios da casa da sabedoria em Bagdá. Agora você gostaria de aprender como era que os antigos habitantes da região do rio Indo-Sarasvati faziam seus cálculos? Vamos então conhecer um dos modos como eles faziam as adições com o circulo de nove pontos. Este circulo, lembra a dança do Deus Shiva e na Matemática ele facilita algumas adições. b) O Sūtra por um a mais que o anterior como acionador cognitivo (aspecto mental) Ver explicação do Sūtra na página 75 deste trabalho. 120 Desenvolvimento da atividade com os estudantes: Partindo do número 1, e com o uso do Sūtra por um a mais que o anterior , todos os números naturais podem ser obtidos. Ao ouvir o Sūtra o estudante mentalmente aciona a operação de adição, ou seja, o cognitivo é acionado para somar. A fim de praticarmos pegue a folha de papel com o círculo de 9 pontos e siga as instruções:  Numere cada um dos pontos de 1 a 9;  Quando chegar ao 9, o zero deverá ser escrito ao lado direito do 1, e a sequência dos naturais continuará, sempre colocando um novo dígito à direita. Seguindo este modelo escreva até o número 27. Observe o desenho da figura abaixo: Figura 9 – o círculo de nove pontos Fonte : adaptado de WILLIAMS & GASKEL 2001 Lembrando a soma dos dígitos: A soma dos dígitos de um número é encontrada adicionando-se seus algarismos, quantas vezes forem necessárias até que este valor possa ser escrito com apenas um dígito. Execute junto com os estudantes a soma dos dígitos dos números de cada fila, reduzindo estes números a unidades (observe que isto só é possível a partir do número 10, ou seja quando o número for escrito com mais de um- digito- algarismo significativo). 3, 12, 21 2, 11, 20 1, 10, 19 9, 18, 27 8, 17, 26 7, 16, 25 6, 15, 24 5, 14, 23 4, 13, 22 121 c) Atividade de investigação: Após a realização da soma dos dígitos em cada fila ao redor do círculo, os estudantes deverão responder as seguintes perguntas: a) Foi possível encontrar alguma semelhança no resultado obtido em uma mesma fila? b) Há alguma relação entre a soma dos dígitos de uma fila e o da outra fila? c) Qual a relação entre a soma dos dígitos do último número da fila e o primeiro? d) Qual número representa a relação entre o valor da soma dos dígitos da fila anterior e o da fila posterior? e) Que outras relações você descobriu investigando o círculo de nove pontos? O Professor, deverá se sentir á vontade para elaborar outros questionamentos que julgar oportuno, bem como omitir algum dos sugeridos, pois isto dependerá do nível de desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Conclusões da investigação Com o resultado da investigação descobrimos que a soma dos dígitos dos números de cada fila correspondem sempre ao valor do primeiro dígito. Observando o círculo faça os experimentos sugeridos: a) Teste os números entre 1 e 9 adicionando ao primeiro dígito da fila. Qual número que adicionado permitiu encontrar o número da sequência? b) Na fila do número 2, você é capaz de prever os 03 próximos números? c) Você poderia prever os próximos três números de todo o círculo? Conclusão: Adicionando-se 9 a um número qualquer, isto não altera o valor da soma dos seus dígitos. 122 Atividade nº 2 – Adição com o Sūtra Pūranāpūranābhyān (pela completação ou não completação) A) Primeira parte: orientações didáticas ao professor 1º) O que o aluno poderá aprender com esta atividade? Objetivo de ensino Aspecto contemplado Aprender que os Sūtras de MV (aforismos) são sentenças curtas carregadas de significado e foram desenvolvidos para preservar a informação transmitida oralmente (ver texto de apoio) Motivacional Perceber as diferentes associações entre os números para formar grupos de 10, 100, 1000 etc. Cognitivo Aprender como se faz uma adição valendo-se da propriedade associativa completando grupos de dezenas centenas, milhares, etc. Cognitivo Iniciar o estudante na prática do cálculo mental Cognitivo Investigar as diferentes associações que podem ser feitas invertendo-se a ordem dos números. Investigativo Deduzir a partir das varias associações a existência da propriedade comutativa da adição Investigativo/cognitivo Praticar a escrita numérica por meio do registro das etapas do cálculo mental. Cognitivo 2º) Duração da atividade: A previsão inicial é de oito horas/aula dividido em quatro blocos de duas horas, que preferencialmente devam ser ministradas em quatro dias distintos. 3º) Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor: Adição com os números naturais e propriedades da adição 4º) Estratégias e recursos de aula:  Apresentar a parte histórica (motivacional), sobre o uso dos Sūtras na cultura védica, explicar aos estudantes a importância que eles tinha na preservação das informações matemáticas. (ver texto de apoio);  Ensinar como o Sūtra opera por meio de exemplo e em seguida, solicitar que os estudantes façam cálculos de forma individual e registre-os por meio da escrita; 123  No segundo momento, a atividade poderá ser desenvolvida em duplas, onde um estudante de posse das parcelas a serem adicionadas, perguntará ao outro estudante, este tentará executar o cálculo mentalmente, e falará o seu procedimento mental para ser registrado pelo colega, depois inverte-se as posições, ao final o professor poderá discutir os resultados, socializando as diferentes estratégias de completação utilizadas pelos estudantes. B) Segunda parte: Desenvolvimento da atividade a) Texto de apoio para a narrativa histórica: (aspecto motivacional) Segundo estudos arqueológicos, a civilização védica, que floresceu as margens dos rios Indo-Sarasvati, teve seu auge de desenvolvimento por volta de 1800 a. C. Nesta época houve um rápido crescimento de sua população urbana, isto provocou várias necessidades como construção de mais e melhores casas, templos e altares para às práticas religiosas; aumento da produção agrícola – que demandou controle, medição do tempo, etc. As escavações dos sítios arqueológicos trouxeram artefatos, que comprovam esse período (ASHFAQUE & SHAIK, 1981). A demanda de uso da Matemática, na religião da cultura védica, ficou registrada nos Sulbasutras [códigos da corda], que trazem instruções matemáticas para a construção de altares particulares para o culto doméstico e outros para o culto comunitário. Eles são, na verdade, medidas e regras para os construtores de altares. Para registrar as informações, e entre elas o conhecimento matemático, a cultura védica, desenvolveu um tipo distinto de composição literária com base em declarações curtas (aforismos) geralmente usando vários termos técnicos. Essa forma literária foi criada para a concisão, projetada para fim mnemônico (facilitação da memorização). Isto foi muito útil, pois na época a escrita ainda não estava bem desenvolvida e os aforismos tinham a importante função de preservar o registro dos ensinamentos da tradição oral. Como os antigos textos védicos eram destinados a serem memorizados pelos estudantes da literatura védica, em seus estudos formais, tanto religiosos como científicos, e considerando que cada linha é altamente condensada, surgiram ao longo do tempo outras formas literárias, que foram adicionadas à os Sūtras com a função de explicá-los. b) O Sūtra pela completação ou não completação, para o ensino da adição Ver explicação do Sūtra na página 72 deste trabalho. 124 c) Atividade de investigação: Trabalhando em duplas, com o aforismo da completação e da não completação, fazendo os cálculos e anotando apenas as dezenas e/ou centenas formadas: (i) Descubra por meio do cálculo mental, quantas dezenas e/ou centenas podem ser formadas adicionando-se os números a seguir; (ii) Qual é a melhor sequencia, ou seja, o modo mais fácil de associar os números para fazer as adições. Quando encontrar a melhor sequencia circule os números e identifique qual foi o primeiro o segundo, o terceiro, etc., que você associou para completar suas dezenas, centenas, etc. Sugestões de algumas adições a serem resolvidas por meio do aforismo da completação: a) 129 + 4 + 21 + 6 b) 362 + 27 + 8 + 15 +18 c) 617 +8 + 6 + 19 d) 895 + 66 + 2 + 5 + 7+15 e) 6 + 33 + 24 +17 f) 17 + 12 + 9 + 13 +18 +21 + 9 (iii) Organize sua adição em forma de colunas (um número abaixo do outro), respeitando unidade abaixo de unidade, comece a organização seguindo a ordem que você usou para realizar as completações, ou seja, o número que você usou primeiro em cima e logo abaixo o número que você escolheu para completa-lo e assim por diante. Ao final faça a adição e compare o resultado com o que você havia obtido antes de forma mental. (iv) Agora organize as parcelas em forma decrescente (do maior para o menor), tente realizar a adição. Logo após compare os resultados e escreva um relatório com sua opinião, sobre a seguinte pergunta: Como é melhor realizar a adição, organizando os números de forma decrescente ou organizando-os por meio da sequencia que você usou para fazer as completações? Caro Professor(a) a discussão com os estudantes pode ser aprofundada invertendo-se a ordem dos números, isto lhe permitirá avaliar se realmente os estudantes aprenderam a utilizar as propriedades associativa e comutativa. 125 Atividade nº3 − Subtração com o Sūtra Nikhilam Navataścaramam Daśata (todos de nove e o último de dez) A) Primeira parte: orientações didáticas ao professor 1º) O que o aluno poderá aprender com esta atividade? Objetivo de ensino Aspecto contemplado Conhecer a existência dos textos antigos da cultura védica onde estão registrados entre outras coisas o saber matemático daquele povo de onde se origina a MV, e como a Matemática foi importante para o desenvolvimento dessa cultura (ver texto de apoio). Motivacional Ensinar subtração com os números naturais explorando os casos onde o minuendo é maior que o subtraendo Cognitivo Praticar o cálculo numérico com a subtração a partir da ideia do complementar Cognitivo Investigar se o zero é um número ou um marcador de posição por meio do complementar Investigativo/motivacional Praticar o cálculo mental através da determinação do complementar Investigativo/cognitivo 2º) Duração da atividade A previsão inicial é de seis horas/aula dividido em três blocos de duas horas, que preferencialmente devam ser ministradas em três dias distintos. 3º) Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor: Subtração com os números naturais 4º) Estratégias e recursos de aula:  Inicialmente os cálculos deverão ser realizados de forma individual e registrados por meio da escrita.  No segundo momento, a atividade poderá ser desenvolvida em duplas, onde um estudante, com o auxílio de uma lista pedirá ao outro estudante, que determine o complementar, este outro tentará executar a subtração mentalmente, e falará o seu procedimento mental para ser registrado pelo colega, depois inverte-se as posições, ao final o professor poderá discutir os resultados, socializando as diferentes estratégias de determinação do complementar adotada pela dupla. 126 B) Segunda parte: Desenvolvimento da atividade a) Texto de apoio para a narrativa histórica: (aspecto motivacional) O termo vedas possui mais de um significado mas geralmente refere-se aos quatro livros sagrados do hinduísmo que são eles: Rig-veda, Yajur-Veda, Sama-Veda e o Atharva-Veda, estes livros são chamados de Samhita (a composição). O Rig-veda é o mais antigo deles, sua origem ainda não está bem estabelecida uma vez que já foram encontrados registros arqueológicos de altares construídos para cerimônias védicas em sítios arqueológicos datados com mais de 4000 anos a. C. O Rig-veda é formado por dez livros (ou mandalas) na sua maioria contém hinos de louvor aos diversos semideuses; no 9º livro trata da soma ritual, que é a extração e a purificação do caldo da erva soma (uma planta). O 10º livro contém os suktas ou versos de sabedoria e mantras que, quando usados, poderiam causar certos efeitos mágicos. Ele também é um texto místico, que contém o conhecimento abstrato e a percepção dos videntes; tem informações sobre yoga, a corrente espinal e o chakras (pontos de energia do nosso corpo), bem como sobre os planetas e suas órbitas. O Yajur-Veda é o Veda dos rituais, era usado como um guia na realização de rituais sagrados.60. O Sama-Veda é o Veda das melodias, seus versos foram concebidos para serem utilizados como canções em várias cerimônias. A maioria deles é retirada do Rig-veda e organizada de acordo com sua utilização. O Atharva-Veda é um livro que fala de ciência e magia ele contém 5977 versículos em 20 capítulos, com orações, feitiços e encantamentos. Os Shulba- Sūtras (códigos da corda) se encontram contidos no Atharva-Veda, e falam de Matemática, ou seja, do comprimento particular de cordas para medições precisas dos altares. Os Shulba-Sūtras eram apenas uma parte do sistema mais amplo de Matemática, encontrado na Kalpa-Sūtra (livro que dá os detalhes dos rituais) que continha Aritmética, Álgebra e Geometria. De fato, instrumentos geométricos foram encontrados em recentes escavações no vale do Indo, como, por exemplo, a régua de Mohenjo-daro, datada de aproximadamente 2500 a. C. Os Shulba-sūtras traziam instruções precisas para a construção de altares a partir de medidas marcadas em cordas fixadas a estacas; instruções quanto à forma de figuras simétricas como os quadrados, triângulos, trapézios e círculos. Com relação ao sistema decimal adotado na cultura védica, foi constatado que o mesmo é registrado historicamente desde tempos longínquos, quando a sociedade 60 Cf. Knapp, 2010. 127 védica teve a necessidade de contar e calcular para resolver problemas do cotidiano, como a medição do tempo por exemplo. Então este pode ter sido um dos fatores que conduziu ao desenvolvimento da Matemática e também da Astronomia, pois o domínio desses saberes permitia a determinação precisa dos períodos dos rituais, das épocas de plantação e colheita e, portanto, permitiam imprimir um ritmo à vida em sociedade. A Matemática, portanto, estava diretamente presente no cotidiano daquele povo. A necessidade de medição do tempo, portanto, é um dos elementos provocadores do desenvolvimento da matemática. De acordo com a literatura védica, o tempo está dividido em quatro grandes eras atualmente segundo este calendário nós estamos na era de Kalyuga cuja duração é 432000 anos, esta era teve início segundo cálculos astronômicos em 3102 a. C. b) O Sūtra todos de nove e último de dez para o ensino da subtração Ver explicação do Sūtra na página 79 c) Atividade de investigação: (i) Conforme o calendário védico a era de Kalyuga teve início em 3102 a.C, como nós estamos no ano de 2013 do nascimento de Cristo, fazendo a adição isto nos dá 3102 + 2013 = 5115. Agora descubra quantos anos ainda faltam para o fim da era de Kalyuga. Sugestão: organize sua subtração e se necessário use a ideia do complementar do Sūtra todos de nove e o último de dez. (i) Investigue se o zero é realmente apenas um marcador de posição. Para isso tente encontrar o complementar dos números a seguir, usando o cálculo mental. Obs.: Uma folha de papel deve ser usada como apoio pela dupla de alunos para ir anotando as respostas. Após a investigação deverá ser apresentada uma conclusão. Caro professor(a), você poderá orientar para que a dinâmica da atividade ocorra com um dos alunos perguntando e anotando o resultado em um papel. Depois a operação se inverte, 753 4520 8306 3005 7680 8000 68005 5706203 128 com o outro estudante perguntando no final os resultados devem ser comparados e uma conclusão escrita, com as próprias palavras dos alunos. Continuando a investigar procure com o auxilio de seu colega a solução dos problemas de subtração a seguir, pode usar o auxilio do complementar. Anote os resultados. 1. Na escola que estudo o total de alunos é 846, os meninos são em número de 395. Então quantas meninas há na minha escola? 2. Para construir o muro da minha casa meu pai comprou 1500 tijolos, ao final do serviço sobraram 285 tijolos. Quantos tijolos foram usados no muro? 3. Meu livro de Matemática tem 142 páginas, eu já li e resolvi o os exercícios de 58 páginas. Quantas páginas faltam para acabar o livro? 4. O noticiário da TV informou que chuvas muito fortes em São Paulo deixaram a cidade alagada impedindo mais de 800000 pessoas sem transporte, apenas os trens estavam funcionado, mas eles só atenderiam uma parte da população, aproximadamente 260000 pessoas. Qual o número de pessoas sem transporte? 5. A biblioteca da escola possui um acervo de 2348 livros. Após uma vistoria o bibliotecário constatou que 652 livros não tinham mais condição de uso e foram retirados das estantes. Quantos livros sobraram na biblioteca. Atividade nº 4 − Multiplicação com o Sūtra Nikhilam Navataścaramam Daśata (todos de nove e o último de dez) A) Primeira parte: orientações didáticas ao professor 1º) O que o aluno poderá aprender com esta atividade? Objetivo de ensino Aspecto contemplado Conhecer por meio dos textos antigos do Rig-veda que desde muito tempo há registros sobre a contagem em base decimal na cultura védica (ver texto de apoio). Motivacional Ensinar a multiplicação com o uso do aforismo todos de nove e o último de dez, explorando os casos em que os Cognitivo 129 números encontram-se próximos de potencias de dez. Explorar os casos em que multiplicando e multiplicador encontram-se próximos de potencias de dez como 10,100,1000, etc. Cognitivo Investigar o limite de alcance do aforismo e identificar, para quais valores ele não atende. Investigativo/motivacional Praticar a multiplicação com os números naturais, usando tanto o algoritmo védico, quanto o convencional e também a calculadora eletrônica. Investigativo/cognitivo 2º) Duração da atividade: A previsão inicial é de oito horas/aula dividido em quatro blocos de duas horas, que preferencialmente devam ser ministradas em quatro dias distintos. 3º) Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor: Multiplicação com os números naturais 4º) Estratégias e recursos de aula:  Explicação de como o Sūtra pode ser empregado, para os casos de multiplicação  Inicialmente os cálculos deverão ser realizados de forma individual e registrados por meio da escrita.  No segundo momento, a atividade poderá ser desenvolvida em duplas, onde os estudantes, vão testar o limite do aforismo védico construindo uma tabuada de multiplicação até 15. O estudante ao encontrar o resultado por meio do aforismo fará a verificação, com o uso do algoritmo convencional, então poderá comparar os resultados. Ao final, o professor poderá discutir os resultados, socializando as diferentes estratégias de multiplicação adotadas pela dupla e destacando as ideias mais criativas de emprego do aforismo. B) Segunda parte: Desenvolvimento da atividade a) Texto de apoio para a narrativa histórica: (aspecto motivacional) Uma importante evidencia de que o sistema decimal já estava bem estabelecido , no período mais antigo do Rig-veda, ou seja por volta de 3102 a. C., é encontrada nos hinos que já falavam da contagem em base decimal naquela época. Plofker (2009) informa que alguns dos mais arcaicos hinos védicos já apresentavam o sistema de base 10: 130 Você radiante [Agni, o Deus do fogo], é o senhor de todas [oferendas], você é o distribuidor de milhares de centenas, dezenas [de boas coisas] (Rig-veda 2.1.8) (PLOFKER, 2009, p. 13). (tradução nossa). Neste hino fica claro, que a relação decimal já era conhecida, pois há o uso de quantidades contadas em potências de dez, ou seja, 10=101, 100=102, 1000=103. Em outro hino, essa ideia fica ainda mais clara: Venha Indra [Rei dos deuses], com vinte, trinta, quarenta cavalos; venha com cinquenta cavalos puxando sua charrete, com sessenta, setenta, para beber [a bebida sagrada] Soma, venha carregado pelos oitenta, noventa, cem cavalos (Rig-veda 2.18.5-6) (PLOFKER, 2009, p.13). (tradução nossa). Observamos que a contagem dos cavalos da carruagem do Deus Indra é feita por múltiplos de 10, começando com 20, até 100. Esse texto do Rig-veda é datado modestamente em torno de 800 a 1000 a. C. Este outro exemplo remete à ideia de que já contavam em base decimal, desde muito antes de qualquer outra civilização que se tem registro. b) O Sūtra todos de nove e último de dez para o ensino da multiplicação Ver explicação deste Sūtra a partir da página 90. Atividade de aprendizagem Utilizando o Sūtra todos de nove e o último de dez resolva as multiplicações a seguir e investigue se é possível com outros números: a) (10) 9 x 7 b) (10) 6 x 8 c) (10) 9 x 9 d) (10) 6 x 7 e) (10) 9 x 8 Explore as Multiplicações utilizando o Sūtra todos de nove e o último de dez, em seguida resolva-as pelo método convencional. Escreva um relatório comparando os dois modos de operar. a) (100) 95 x 97 b) (100) 98 x 94 c) (100) 92 x 96 d) (100) 93 x 99 e) (100) 94 x 86 131 Escreva as multiplicações utilizando a notação da MV, e faça a operação. Compare os resultados com o uso do algoritmo convencional e teste se é válida para outros números. a) 77 x 98 b) 97 x 89 c) 88 x 96 d) 81 x 98 Escreva de acordo com a forma sugerida pela MV e resolva as seguintes multiplicações, na base 1000. Verifique as respostas com o uso do algoritmo convencional e escreva no seu relatório as conclusões sobre vantagens ou desvantagens do uso da MV. a) 999 x 816 b) 995 x 986 c) 965 x 998 d) 873 x 998 e) 600 x 998 c) Atividade de investigação: Caro colega professor(a) você poderá orientar os estudantes para a elaboração do relatório, pedindo que eles respondam algumas perguntas: a) Em quais casos foi mais fácil usar o Sūtra ou o algoritmo formal? b) Houve casos em que o Sūtra não funcionou? Quais? c) Você saberia identificar os casos em que o Sūtra não funciona? Usando a calculadora eletrônica: Professor(a), quando os estudantes já estiverem adquirido prática com o uso do algoritmo convencional e também com o uso do Sūtra, você poderá sugerir mais uma atividade, desta vez com o uso da calculadora eletrônica, a sugestão é a seguinte: Realize multiplicações em qualquer base já estudada (10, 100 ou 1000) e vá testando com números menores que a base, até encontrar o limite de aplicação do Sūtra todos de nove e o último de dez, pois lembre-se, este é um caso particular da multiplicação. Ao final peça para os estudantes registrarem as suas descobertas em relatório, que poderão ser apresentadas em seminário, com a demonstração da operação onde o Sūtra já não tem mais aplicação. Multiplicando com números maiores que a base Escreva as multiplicações conforme a notação da MV, e resolva em seguida compare os resultados usando o algoritmo convencional: Obs.: Lembre-se que os números estão próximos da base 10: a) 14 x 11 b) 11 x 12 c) 15 x 11 d) 12 x 13 132 Agora resolva estas multiplicações, considerando a base da qual os números estão mais próximos: a) 107 x 101 b) 109 x 103 c) 121 x 103 d) 108 x 104 e) 115 x 103 Realize as multiplicações em qualquer base já estudada (10, 100, 1000) e vá testando com valores que são maiores que a base até encontrar o limite de aplicação do Sūtra, pois lembre-se: este é um caso particular da multiplicação. Ao final registre sua descoberta em relatório, que poderá ser apresentada em seminário, com a demonstração da operação onde o Sūtra já não tem mais aplicação. Comente facilidades ou dificuldades encontradas. Sugestões ao professor: A apresentação dos relatórios em forma de seminário poderá ser em grupo e os demais alunos da sala podem anotar conclusões diferentes. Estas diferenças podem ser discutidas e registradas, isto poderá ocorrer ao final do estudo deste conteúdo. Atividade nº 5 − Multiplicação com o Sūtra Ūrdhva-Tiryak, (verticalmente e transversalmente) A) Primeira parte: orientações didáticas ao professor 1º) O que o aluno poderá aprender com esta atividade? Objetivo de ensino Aspecto contemplado Texto histórico “aplicações da MV” Motivacional Ensinar o caso geral da multiplicação com o Aforismos Ūrdhva-Tiryak (verticalmente e transversalmente) Cognitivo Praticar o cálculo mental com auxílio do diagrama de flechas. Cognitivo Representar a multiplicação por meio do diagrama de flechas Investigativo/motivacional Praticar a multiplicação com os números naturais, usando tanto o caso particular quanto o caso geral, identificando em que situações utilizar um ou outro caso. Investigativo/cognitivo 133 2º) Duração da atividade: A previsão inicial é de 04 horas/aula dividido em dois blocos de duas horas, que preferencialmente devam ser ministradas em dois dias distintos. 3º) Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor: Multiplicação com os números naturais, usando o algoritmo convencional, e a multiplicação com o uso do Sūtra todos de nove e o último de dez. 4º) Estratégias e recursos de aula:  Explicar como o Sūtra verticalmente e transversalmente pode ser empregado, para o caso geral da multiplicação a partir do conteúdo apresentado no tópico multiplicação.  Apresentar o diagrama de flechas como um recurso visual, que facilita no entendimento de como a operação é realizada, permitindo a criação de esquemas mentais, que automatizam o procedimento. Os cálculos deverão ser realizados preferencialmente de forma mental e individual, os passos intermediários devem ser escritos e registrados por meio da escrita numérica bem como representados pelo diagrama de flechas.  Explorar inicialmente a multiplicação de números que não foram possíveis de serem multiplicados com o Sūtra todos de nove e o último de dez.  No segundo momento, a atividade poderá ser desenvolvida em duplas, onde os estudantes vão calcular com números que não são possíveis de multiplicar por meio do caso particular. Neste momento o esquema da multiplicação deverá ser representado apenas pelo diagrama de flechas. Ao encontrar o resultado, deverá se feita a verificação com o uso do algoritmo convencional, então os resultados poderão ser comparados.  Durante a atividade de investigação a calculadora eletrônica poderá ser empregada B) Segunda parte: Desenvolvimento da atividade a) Texto de apoio para a narrativa histórica: (aspecto motivacional) 134 A necessidade de medição do tempo foi outro elemento provocador do desenvolvimento da Matemática. De acordo com a literatura védica, o tempo está dividido da seguinte forma: Quadro 6 – Duração das eras védicas, de acordo com a Kalpa-Sūtra Era védica Duração em anos Kalyuga 432 000 Dvāparayuga 864 000 Tretáyuga 1 296 000 Satya ou Krtayuga 1 728 000 Fonte: Arquivo pessoal do autor adaptado de Knapp (2010) Observando a relação matemática existente na duração dessas eras, percebemos que: • Dvāparayuga é dada por 2 x 432 000 = 864 000 • Tretáyuga é dada por 3 x 432 000 = 1 264 000 • Satya ou Krtayuga é 4 x 432 000 = 1 728 000 Fazendo a adição do tempo de duração das eras encontra-se um total de 4 320 000 anos. O ano divino para os vedas é igual a 360 anos lunares, dividindo 4.320 000 / 360 = 12.000. Esse total equivale a 01 Mahāyuga, ou seja um ciclo de quatro eras. E 1.000 Mahāyugas é igual a 01 dia de Brahmā. Fazendo a multiplicação, obtemos o valor de uma Mahāyuga, que equivale a 12.000.000 [doze milhões] de anos lunares. Esse, portanto, é a duração de um dia de Brahmā. b) O Sūtra verticalmente e transversalmente para o ensino da multiplicação Este Sūtra trata do caso geral da multiplicação, para explicação ver página 86, em seguida, oriente os estudantes a tentarem fazer as multiplicações. c) Atividades de investigação (i) Peça para os estudantes resolverem as multiplicações a seguir com números de dois dígitos, por meio do Sūtra verticalmente e transversalmente, oriente a construção de um diagrama de flechas para cada multiplicação. Em seguida fazer a conferência com o algoritmo convecional. Ao final devem comparar os resultados. 135 19 x 24 59 x 23 28 x 31 29 x 25 47 x 21 (ii) Seguindo os mesmos procedimentos execute agora as multiplicações que envolvem multiplicandos e multiplicadores de três dígitos. 582 x 231 321 x 152 785 x 362 795 x 242 623 x 347 (iii) Resolva as multiplicações a seguir por meio do aforismo verticalmente e transversalmente e anote os resultados. Em seguida tente resolver por meio do aforismo todos de nove e o último de dez (caso particular), ao final compare os resultados e responda as perguntas: (iv) Com base nas informações contidas no texto histórico, calcule quantos anos lunares dura dez dias da vida de Brahmā a) Faça esta multiplicação por meio do Sūtra verticalmente e trasversalmente e em seguida verifique a resposta com o auxílio do algoritmo convencional, ao final compare os resultados; b) Tente executar esta multiplicação com o uso da calculadora e anote o resultado; c) Voce seria capaz de multiplicar de uma outra forma, tente e anote o procedimento. Obs.: As perguntas objetivas, podem ser usadas para avaliar e estimular o estudante a tirar suas conclusões com base nas tentativas de resolução das operações. (1) Em que casos você pode multiplicar por meio do aforismo todos de nove e o último de dez,? ( ) quando ambos os fatores (multiplicando e o multiplicador) estão próximos de uma potência de 10. Ex. 10, 100, 1000 ( ) quando apenas um dos fatores está próximo da potência de 10 (2) Estar “proximo da potência de 10”, significa: ( ) que os fatores da multiplicação são menores que a potencia de dez. ( ) que os fatores da multiplicação são maiores que a potencia de dez. 15 x 13 18 x 16 37 x 12 983 x 842 846 x 73 136 ( ) que os fatores estão próximos tanto por serem maiores como por serem menores. (3) Escreva um caso de multiplicação, com os fatores menores que a potencia de dez escolhida, em que o aforismo todos de nove e o último de dez não funciona. (4) Escreva agora um caso com os fatores maiores que a potencia de dez e que o aforismo também não funciona. (5) Tente resolver as multiplicações apenas com com cálculo mental e registre com o auxílio do diagrama de flechas. Atividade nº 6 -- Divisão com o Sūtra Nikhilam Navataścaramam Daśata (todos de nove e o último de dez) A) Primeira parte: orientações didáticas ao professor 1º) O que o aluno poderá aprender com esta atividade? Objetivo de ensino Aspecto contemplado Ver texto de apoio Motivacional Ensinar o caso da divisão com o aforismo todos de nove e o último de dez Cognitivo Praticar o cálculo mental Cognitivo Conhecer e praticar o caso geral e os casos particulares da divisão Investigativo Praticar a divisão com os números naturais, usando tanto o caso particular quanto o caso geral, identificando em que situações utilizar um ou outro caso. Investigativo/cognitivo 2º) Duração da atividade: A previsão inicial é de 04 horas/aula divididas em dois blocos de duas horas, que preferencialmente devam ser ministradas em dois dias distintos. 3º) Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor: Divisão com os números naturais, usando o algoritmo convencional. 4º) Estratégias e recursos de aula: 137  Explicar como o Sūtra todos de nove e o último de dez pode ser empregado, para a divisão, a partir das explicações contidas na seção que trata da divisão.  Os cálculos deverão ser realizados preferencialmente de forma individual, os passos intermediários devem ser escritos e registrados por meio da escrita numérica.  Explorar inicialmente a divisão com números que possuam o dividendo de apenas um dígito, mais simples de serem operados com o Sūtra todos de nove e o último de dez.  No segundo momento, a atividade poderá ser desenvolvida em duplas, onde os estudantes vão calcular com números maiores e verificar, que há casos onde não é possível dividir por meio deste aforismo. O resultado obtido deverá se verificado com o uso do algoritmo convencional, então os resultados poderão ser comparados. B) Segunda parte: Desenvolvimento da atividade a) Texto de apoio para a narrativa histórica: (aspecto motivacional) O que mais chamou a atenção dos arqueólogos foram as proporções matemáticas bem definidas aplicadas na fabricação desses tijolos. No espólio arqueológico do sítio de Harappa foram identificados “quinze tamanhos diferentes de tijolos com uma razão padronizada das três dimensões – comprimento, largura e altura – sendo sempre de 4:2:1, e ainda hoje se considera essa proporção ótima para uma união eficaz” (JOSEPH, 1996, p. 306). Porém, a exumação de um dos artefatos matemáticos mais antigos já descobertos pelo homem – a régua de Mohenjo-daro – reforçou mais ainda a importância da matemática prática no cotidiano daquela civilização. Essa régua possui unidades de 3,35cm (ou seja, 1,32 da polegada inglesa), dividida em 10 partes iguais, com uma margem de erro de 0,005 polegadas, tal unidade é chamada de polegada indiana. Os tijolos confeccionados nos sítios de Mohenjo-daro, Harappa e Lothal geralmente tinham dimensões que eram múltiplos inteiros dessa unidade de medida (JOSEPH, 1996). O sistema de pesos era baseado nas proporções 1/20, 1/10, 1/5, ½ , 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100, 200, 500; com uma unidade de peso equivalendo a 27,584 gramas, isto é muito próximo dos atuais 28 gramas e também aproximadamente igual à onça da Inglaterra, ou a uncia da Grécia. 138 b) O Sūtra todos de nove e o último de dez para o ensino da divisão Para explicação sobre este Sūtra ver a página 97. c) Atividades de investigação Nesta atividade o Sūtra todos de nove e o último de dez será empregado em casos particulares de divisão, é importante lembrar que mais de um Sūtra pode ser usado na divisão e sempre que for possível o uso de algum destes aforismos com intuito de facilitar o cálculo, ele será empregado sem contudo, haver o prejuízo do caso geral, que só é acionado como um recurso. Para mais explicações leia a partir da página 97 deste trabalho.  Seguindo as explicações de como se aplica o aforismo todos de nove e o último de dez, no caso da divisão, e observando o exemplo do quadro11, solicite aos estudantes que tentem realizar as seguintes divisões: a) 111 : 9 b) 121 : 9 c) 142 : 9 d) 122 : 9 e) 150 : 9 f) 503: 9 g) 3210: 9 h) 4102 : 9 i) 620 : 9 j) 24: 9  Com base nas explicações e no exemplo apresentado no quadro 13. Peça para os estudantes tentarem realizar as seguintes divisões: a)   b)    Com o emprego do caso geral da divisão, por meio do aforismo no topo da bandeira, solicite aos estudantes que tentem resolver as seguintes divisões: a) 848 : 31 b) 685 : 21 c) 197 :32 d) 451 : 41 e) 145 : 12 Ao concluírem os cálculos por meio do aforismo os estudantes devem conferir os resultados por meio do algoritmo convencional e compara-los. Em seguida poderão responder algumas perguntas e tirar conclusões: a) Com o auxílio dos aforismos é mais prático ou mais difícil dividir? b) Em quais casos você utilizaria o aforismo? Obs.: outras questões podem ser elaboradas pelo professor, ou poderão surgir dos próprios estudantes. 139 6 Considerações Finais Procurei neste trabalho, a partir do estudo do livro Vedic Mathematics de Tirthaji, apontar possibilidades didáticas para utilização da MV na alfabetização matemática, precisamente para auxiliar o trabalho do professor no ensino das quatro operações. Considerei as dificuldades, que parte dos estudantes apresentam no trato com o cálculo aritmético. A pergunta acerca das possibilidades didáticas da MV, pode ser respondida, considerando não apenas o conhecimento isolado, reduzido à cálculos por meio de fórmulas ou regras, o que este estudo procurou mostrar foi que os Sūtras (aforismos) que constituem a MV, não estabelecem regras ou fórmulas resolutivas, eles remetem a ideias e representações, que permitem o estudante reconhecer relações matemáticas, compor e decompor os números e fazer associações. Com estas operações mentais ele se torna capaz de elaborar estratégias para resolver os cálculos. Em uma comparação metafórica o Sūtra não seria a luz, mas o fio que conecta e faz acender a lâmpada. Portanto, considerando esta ideia do Sūtra como um acionador cognitivo, posso propor que a MV apresentada por Tirthaji oferece sim por meio dos seus aforismos, possibilidades didáticas para o ensino das quatro operações, bem como auxilia no desenvolvimento da habilidade do cálculo mental. É muito importante fazer uma retomada, acerca do recorte do tema estudado, lembrando, que este trabalho focou no tópico das quatro operações, pois o livro de Tirthaji, vai muito além, chegando até a Matemática Superior. Portanto este estudo não podia ter a pretensão de dar conta de um grande número de tópicos da Matemática destinados aos mais diferentes níveis de ensino. Logo a obra de Tirthaji está longe de ser esgotada, outras pesquisas poderão buscar vários outros aspectos. O livro ainda não foi traduzido para o português, durante este estudo trabalhei com a edição em língua inglesa. A opção por não apresentar a tradução como um produto educacional está ligada ao fato de que o livro apresenta a MV com um nível de escrita e demonstração que não se adequaria aos objetivos deste estudo. Com relação a opção para o ensino de Matemática por meio de atividades de investigação envolvendo história − conforme já abordado em seções anteriores − percebi que a MV, considerando as seguintes características: (i) De ter sido reconstruída a partir de textos antigos; (ii) Ter se originado em um período histórico remoto e suas contribuições estarem presentes e sendo amplamente utilizadas nos dias atuais; (iii) Aparecer impregnada à outros saberes em um conjunto cultural mais amplo, 140 envolvendo, religiosidade, literatura, arte, etc., permite sim, uma conexão de máxima largura com a proposta teórica de Mendes (2009a, 2009b). Este, portanto, é o ponto que justifica o ensino da MV por meio de atividades de investigação envolvendo história e cultura. A intenção foi apresentar a MV como um saber historicamente construído e foi por meio desta incursão, nas origens da Matemática na Índia antiga, que percebi a escassez de informações em livros de História da Matemática sobre o tema. Este aspecto motivou a procura por informações em outras fontes, como relatos de Arqueólogos, estudos de orientalistas, cientistas da religião e livros sagrados. Com o objetivo de reunir algumas contribuições e apontamentos sobre o surgimento e desenvolvimento da civilização védica focando principalmente para o aspecto do surgimento dos numerais e do sistema decimal hoje adotado no mundo inteiro. Estes apontamentos históricos ao meu ver cumprem um importante papel de fornecer aos professores subsídios para trabalharem a origem dos numerais e do sistema de numeração com uma visão menos eurocêntrica, esclarecendo que a Matemática é uma ciência desenvolvida pela humanidade por meio da contribuição de diferentes culturas nas mais diferentes regiões do mundo. Não possui um berço, não há um grupo humano “privilegiado” ou “iluminado”. As razões para o seu desenvolvimento foram as necessidades de sobrevivência. Portanto, em relação aos apontamentos históricos, penso que poderão ser retomados em trabalhos futuros ou serem usados por outras pesquisas. A reflexão realizada durante este estudo me levou a perceber, como professor, a importância da MV para a educação, uma vez que ela pode oferecer contribuições, principalmente no campo da alfabetização matemática, auxiliando, por meio do estímulo ao cálculo mental e do desenvolvimento da habilidade de resolver as quatro operações, uma autonomia no estudante, dotando-o de um saber matemático indispensável para o exercício da cidadania. Considerando, conforme mencionado ao longo do trabalho, que a MV parte de uma perspectiva na qual o estudante se sente motivado a construir seu próprio método de resolução; a testar a validade, o alcance e/ou o limite dos aforismos; a busca para encontrar em quais casos eles são válidos ou não, abre também espaço para investigar e consequentemente facilita o desenvolvimento da autonomia e do pensamento crítico. Neste contexto, chamo atenção para um fato importante: trata-se de uma motivação intrínseca à própria Matemática. Ora, motivar os estudantes nas aulas é sempre um desafio para o professor em qualquer nível de ensino, mas precisamente no nível que 141 este trabalho aborda e em se tratando de Matemática, isso é especialmente potencializado, uma vez que os índices comprovadamente expressam uma fobia pelo seu estudo. A busca por motivações externas à Matemática são válidas e importantes. Elas aparecem em várias direções e têm auxiliado bastante. Porém, a MV desafia o estudante e o torna curioso para testar a validade dos Sūtras e isto o leva a investigar em aritmética, desertando o interesse no estudo da Matemática. Várias escolas ao redor do mundo, já perceberam isso e estão implantando programas de estudo extraclasses para ensinar o modo de operar da MV aos estudantes. Sinto-me na obrigação de retomar um ponto já abordado durante o trabalho, mas que considero de suma importância. Esse aspecto diz respeito ao fato de que a MV não é uma outra Matemática; também não apresenta fórmulas a serem memorizadas, ou tampouco se propõe a substituir os atuais sistemas de cálculo. Apresentar as possibilidades de uso da MV aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, para auxiliar no ensino e aprendizagem das quatro operações, foi a intenção deste trabalho, que espero, possa tê-lo feito a contento, sabendo porém que este é um assunto fecundo e que muito ainda deixa por ser pesquisado. 142 Referências ALBERGARIA, I. S., & PONTE, J. P. Cálculo mental e calculadora. In: A.P. Canavarro, D. Moreira & M.I. Rocha (Eds.). Tecnologias e Educação Matemática. Lisboa: SEM-SPCE. p. 98-109. ALMEIDA, M. de C. Origens da Matemática: a pré-história da matemática. vol. I: a matemática paleolítica. Curitiba: Ed. Progressiva, 2009. ASHFAQUE, S. M. and SHAIRK, K. H. Moenjodaro: a 5000-year-old legacy. Geneva, Switzerland: Unesco, 1981. BISHOP, A. J. 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Devanagari – “Escrita de Deus”, nome do alfabeto utilizado no período védico. Ghovardana – Um dos quatro mosteiros tradicionais da escola Hinduísta de Adir Sankarya, localizado no leste da Índia, na cidade de Puri (Pune), estado de Orissa. Guru ou brihaspati – Mestre, professor, aquele que ensina. Harappa – Um dos sítios arqueológicos da civilização que se desenvolveu no vale do rio Indo. Indo – Rio que nasce no planalto tibetano, e deságua no mar da Arábia próximo à cidade paquistanesa de Kanachi. Sua extensão é de 3200 km. Jagadguru – “Guru de todos nós”, distinção respeitosa. Kerala – Famosa escola antiga onde se ensinava matemática na Índia. Lothal – Um dos sítios arqueológicos da civilização do Indo, localizado próximo ao mar da Arábia. Maharaja(ji) – É um título acrescentado ao nome de grandes autoridades espirituais. Mandala – Nome dado à divisão dos livros do Rig-Veda Samhita. Mohenjo-daro – Um dos sítios arqueológicos da antiga civilização do vale do Indo. Samhita – “A composição”, nome dado aos principais e mais antigos textos védicos, que são: o Rig-veda, o Samaveda, o Yajurveda e o Atharva-veda. Sanyasse – Título religioso respeitável conferido a quem faz votos de renúncia. Shancaracharya – Mais alto título religioso da ordem monastérica de Adir Shancarya. Shindu – O mesmo que Indo, ou hindo. Rio cujo toponônimo serviu para denominar o pais Índia. Sri – Título respeitável que significa Senhor. Sūtra – Sentença breve, enunciado condensado e explicativo. Shulba Sūtras ou Sulbasūtras – “Códigos da corda”, instruções matemáticas contidas nos textos sagrados sobre a construção de altares. Swami − Monge, título honorífico dado a homem ou mulher, “aquele que sabe e domina a si mesmo” ou “livre dos sentidos”. Vedas – o termo possui vários sentidos derivacionais, 1. Os livros sagrados da literatura pré-clássica Indiana, 2. O povo da civilização do vale dos rios Indo-Sarasvati. Védico – o que é relativo aos vedas.