UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA DA PAZ SIQUEIRA DE OLIVEIRA PENSANDO E AGINDO: ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICA Natal/RN 2013 MARIA DA PAZ SIQUEIRA DE OLIVEIRA PENSANDO E AGINDO: ESTUDO DARELAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação. Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Salonilde Ferreira Natal/RN 2013 MARIA DA PAZ SIQUEIRA DE OLIVEIRA PENSANDO E AGINDO: ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação. Aprovada em, 15 de março de 2013. BANCA EXAMINADORA Professora Dra. Maria Salonilde Ferreira- UFRN Orientadora - Professor Dr. João Maria Valença de Andrade– UFRN Examinador Interno Professor Dr. Francisco de Assis Pereira - UFRN Examinador Interno ______________________________________________________________________ Professora Dra. Maria Antonia Teixeira da Costa- UERN Examinadora Externa _____________________________________________________________________ Professora Dra. Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina - UFPI Examinadora Externa ______________________________________________________________________ Professor Dr. Francisco Claudio Soares Júnior - UFRN Suplente de Examinador Interno ______________________________________________________________________ Professora Dra. Maria Vilani Cosme de Carvalho Suplente de Examinador Externo Natal/RN 2013 A Paulinho (marido) e a Larissa (filha), os dois amores da minha vida, que sempre me compreenderam, incentivaram e apoiaram em todos os momentos durante a realização deste trabalho. AGRADECIMENTOS Este trabalho não se constituiu de uma tarefa individual. Muitas pessoas estiveram presentes e contribuíram com a nossa trajetória de diferentes formas. A todos, os meus sinceros agradecimentos. Em especial agradeço: A Deus e aos meus pais por terem me presenteado com a vida; A Paulinho, meu marido, amigo, companheiro e incentivador. A Larissa, minha filha, a paixão da minha vida; A Sérgio Santiago, Séfora Ramos Santiago e Zélia Santiago (in memoriam), pais e irmã do coração pelo carinho e pelas oportunidades concedidas nos estudos e na vida. A professora Doutora Maria Salonilde Ferreira (Saló) que foi orientadora e amiga. Com a humildade que lhe é peculiar me apresentou um mundo de conhecimentos e sabedoria. Com seu olhar de ‘bruxa’ foi severa e exigente quando necessário, mas uma fada, ou mesmo um anjo, nos momentos mais difíceis. Aos(as) Professores(as) Doutores (as) João Maria Valença de Andrade, Francisco de Assis Pereira, Maria Antonia Teixeira da Costa, Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina, Francisco Claudio Soares Júnior e Maria Vilani Cosme de Carvalho pela disponibilidade para ler este trabalho e pela valiosa contribuição. As colegas professoras partícipes dessa pesquisa, especialmente S., que se mostrou insistente e perseverante durante todo o processo. Sem a sua colaboração, disponibilidade e vontade de mudar, não teria sido possível a realização deste trabalho. Ao professor Edilberto Cleutom (Edil), pelo carinho e pela disponibilidade na revisão deste trabalho. A Lúcia de Fátima, amiga e companheira na vida e nos estudos, que viveu comigo as dificuldades e o que de bom aconteceu nesse período. A todos que fazem a Escola Municipal Professor Arnaldo Monteiro, meu campo de pesquisa. Aos colegas da Base de Pesquisa pelos momentos de estudo, aprendizagem e de descontração. A Aline, minha secretária, que durante todo esse período cuidou de mim, da minha família e da minha casa, não permitindo que questões outras fossem entraves nos meus momentos de estudo e elaboração. Aos professores da UFRN que fazem parte da base de pesquisa Currículo, Saberes e Práticas Educativas, especialmente aos participantes da linha de pesquisa Práticas Pedagógicas e Currículo. A todos que, direta ou indiretamente, estiveram ao me lado no transcurso deste trabalho. RESUMO Este trabalho, intitulado pensando e agindo: estudo da relação entre o desenvolvimento do pensamento e a prática pedagógica do professor, tem como objetivo investigar a relação entre o desenvolvimento do pensamento teórico e a prática pedagógica de uma professora da educação infantil que atua numa escola pública de Natal/RN, com crianças com idades variáveis de quatro a cinco anos. Em termos específicos, pretende propiciar a continuidade de um processo de formação que permita a professora envolvida elaborar o significado dos conceitos que compõem os conhecimentos curriculares, especificamente, o conceito de família; ter domínio dos processos e procedimentos lógicos inerentes ao desenvolvimento do pensamento e a formação de conceito; mediar de forma consciente e planejada as etapas necessárias à efetivação dos processos de elaboração conceitual propícios ao desenvolvimento do pensamento. Para desencadear o processo investigativo, utilizamos os princípios do materialismo histórico-dialético enquanto método para análise, por compreendermos que, através dessa lógica, é que poderemos buscar os elementos que darão sustentação a uma mediação pedagógica que permita maior eficácia na compreensão dos fenômenos. Recorreremos à pesquisa colaborativa, uma vez que era nossa intenção desenvolver uma ação investigativa compartilhada, tendo em vista buscar meios para resolver os problemas da prática pedagógica. A investigação colaborativa possibilita ao sujeito partícipe refletir, ser pesquisador e co-construtor da sua prática. Assim, alguns procedimentos metodológicos foram considerados adequados para que pudéssemos alcançar os resultados desejados, como Reuniões, Planejamento, Ciclos de Estudos Reflexivos, Observação Colaborativa, e Sessões Reflexivas. Utilizamos a metodologia conceitual de Ferreira (2009) como suporte para a análise do conceito de família elaborado. Para fazer a análise desse processo nos utilizamos das teorizações de Vigotski (1998, 2009), Rubinstein (1973), Liublinskaia (1979), Ferreira (2007, 2009), Freire (1996), entre outros. Podemos dizer que, na perspectiva da colaboração, a reflexão sobre a prática pode desencadear um novo olhar do professor sobre a sua prática pedagógica e o desenvolvimento do pensamento do seu aluno. Os resultados obtidos dão conta de que esse foi um trabalho bem sucedido no sentido de que percebemos uma relação estreita entre o que realizou a professora e as aprendizagens adquiridas pelos alunos. O sentido que a partícipe dá ao seu fazer possibilitou a abertura de caminhos para o desenvolvimento do pensamento, a partir do trabalho com a metodologia conceitual, revelando a consciência do significado da sua ação, e dialogando com as necessidades do aluno e trabalhando em função destas. Destacamos a importância da colaboração e do processo reflexivo para a formação e prática do profissional professor e as aprendizagens adquiridas com relação ao refletir crítico e colaborativamente, na argumentação e na reformulação das nossas ideias. Afirmamos que o que realizamos é apenas o começo de novos caminhos que surgirão pela necessidade que temos de busca, de descobertas e pela vontade de desenvolvermos ações produtivas, propiciadoras de condições para a expansão da formação profissional e da prática pedagógica do professor. As conclusões a que chegamos estão longe de se esgotarem, uma vez que é um tema complexo, que pode possibilitar o surgimento de novos estudos, de novas pesquisas, de novos conhecimentos. Palavras-chave: Prática pedagógica. Pensamento. Elaboração conceitual. Reflexão Crítica. Colaboração. RESUMEM Este trabajo, intitulado pensando y actuando: estudio da le relación entre el desarrollo del pensamiento y la práctica pedagógica del profesor, tiene como objetivo investigar la relación entre el desarrollo del pensamiento teórico y la práctica pedagógica de una profesora de la educación pre primaria que actúa en una escuela pública de Natal / RN, con niños de edades variables de cuatro a cinco años. En términos específicos, pretendemos propiciar la continuidad de un proceso de formación que le permita elaborar el significado de los conceptos que componen los conocimientos curriculares, específicamente, el concepto de familia; tener el dominio de los procesos y procedimientos lógicos inherentes al desarrollo del pensamiento y la formación del concepto; mediar de forma consciente y planeada las etapas necesarias para que se efectiven los procesos de elaboración conceptual propicios al desarrollo del pensamiento. Para desencadenar el proceso investigativo, utilizamos los principios del materialismo histórico-dialéctico mientras que para el método de análisis, porque comprendemos que, a través de esta lógica, es que podremos buscar los elementos que darán sustentación a una mediación pedagógica que permita mayor eficacia en la comprensión de los fenómenos. Recurriremos a la investigación colaborativa, una vez que era nuestra intención desarrollar una acción investigativa compartida, teniendo en vista buscar medios para resolver los problemas de la práctica pedagógica. La investigación colaborativa posibilita al sujeto participante reflexionar, ser investigador, coadjutor-constructor de su práctica. Así, algunos procedimientos metodológicos fueron considerados adecuados para que pudiéramos alcanzar los resultados deseados, como Reuniones, Planeamientos, Ciclos de Estudios Reflexivos, Observación Colaborativa, y Sesiones Reflexivas. Utilizamos la metodología conceptual de Ferreira (2009) como soporte para el análisis del concepto de familia elaborado. Para hacer el análisis de ese proceso nos utilizamos de las teorizaciones de Vigotski (2009, 1998), Rubinstein (, Liublinskaia, Ferreira, Freire, entre otros. Podemos decir que, en la perspectiva de la colaboración, la reflexión sobre la práctica puede desencadenar una nueva visión del profesor sobre su práctica pedagógica y el desarrollo del pensamiento de su alumno. Los resultados obtenidos nos muestran que este fue un trabajo bien sucedido en el sentido de que percibimos una relación estrecha entre lo que la profesora realizó y los aprendizajes adquiridos por los alumnos. El sentido que la participante da a su hacer posibilitó la abertura de caminos para el desarrollo del pensamiento, a partir del trabajo con la metodología conceptual, revelando la conciencia del significado de su acción, y dialogando con las necesidades del alumno y trabajando las. Destacamos la importancia de la colaboración y del proceso reflexivo para la formación y la práctica del profesional profesor y los aprendizajes adquiridos con relación al reflexionar crítico y colaborativamente, en la argumentación y en la reformulación de nuestras ideas. Afirmamos que lo que realizamos es apenas el comienzo de nuevos caminos que surgirán por la necesidad que tenemos de busca, de descubiertas, y por las ganas de desarrollar acciones productivas, propicias de condiciones para la expansión de la formación profesional y de la práctica pedagógica del profesor. Las conclusiones a que llegamos están lejos de que se acaben, ya que es un tema complejo, que puede posibilitar el surgimiento de nuevos estudios, de nuevas investigaciones, de nuevos conocimientos. Palabras claves: Práctica pedagógica. Pensamiento. Elaboración conceptual. Reflexivo Crítica. Colaboración. RÉSUMÉ Ce travail, intitulé penser et agir: étude de la relation entre le développement de la pensée et de la pratique pédagogique de l'enseignant, a pour objectif étudier la relation entre le développement de la pensée théorique et la pratique pédagogique d’une enseignante d'école maternelle qui travaille dans une école publique de Natal/RN, avec des enfants d’âge variable allant de quatre à cinq ans. Plus précisément, nous avons l'intention d'assurer la continuité d'un processus de formation qui permet à l'enseignante concernéed’élaborer le sens des concepts qui composent les connaissances du programme scolaire, en particulier, la notion de famille, maîtriser les processus et les procédures logiques inhérentes au développement de la pensée et de la formation de concept; procurer de manière consciente et planifiée les étapes nécessaires pour effectuer les processus d’élaboration conceptuelle propices au développement de la pensée. Pour déclencher le processus d'enquête, nous utilisons les principes du matérialisme historique dialectique en tant que méthode d'analyse, car nous comprenons que grâce à cette logique, nous pourrons obtenir les éléments qui appuieront une médiation pédagogique permettant une meilleure efficacité dans la compréhension des phénomènes. Nous aurons recours à la recherche collaborative, car c'était notre intention de développer une action d'enquête partagée, afin de trouver des moyens de résoudre les problèmes de la pratique pédagogique. La recherche collaborative permet au sujet participant de réfléchir, d’être chercheur et co-constructeur de sa pratique. Ainsi, certaines procédures méthodologiques ont été considérés appropriés pour que nous puissions atteindre les résultats escomptés : réunions, planification, cycles d’études réflexives, observation collaborative et sessions de réflexion. Nous utilisons la méthodologie conceptuelle de Ferreira (2009) comme support pour l'analyse de la notion de famille élaboré. Pour faire l'analyse de ce processus, nous utilisons les théories de Vygotsky (20096, 1998), Rubinstein (1973), Liublinskaia(1979), Ferreira(2007, 2009), Freire (1996), entre autres. Nous pouvons dire que, du point de vue de la collaboration, la réflexion sur la pratique peut déclencher un nouveau regard de l’enseignant sur sa pratique pédagogique et le développement de la pensée de son élève. Les résultats obtenus rendent compte qu'il s'agissait d'un travail réussi dans le sens où nous voyons une relation étroite entre ce que l'enseignantea réalisé et les apprentissages acquis par les élèves. Le sens que le participant donne à sa réalisation a rendu possible l'ouverture de chemins pour le développement de la pensée, à partir du travail avec la méthodologie conceptuelle, montrant la conscience du sens de son action, et dialoguant avec les besoins de l'élève et travaillant en fonction de celles-ci. Nous soulignons l'importance de la collaboration et du processus de réflexion pour la formation et la pratique de l'enseignant et les apprentissages acquis par rapport à la réflexion critique et collaborative, dans l'argumentation et la refonte de nos idées. Nous affirmons que ce que nous faisons est juste le début de nouveaux chemins qui surgiront par le besoin que nous avons de recherche, de découvertes et de la volonté de développer des actions productives, des conditions propices au développement de la formation professionnelle et de la pratique pédagogique de l'enseignant. Les conclusions auxquelles nous sommes arrivées sont loin d'être épuisé, puisqu'il s'agit d'un sujet complexe, qui peut permettre l'émergence de nouvelles études, de nouvelles recherches, de nouvelles connaissances. Mots-clés:Pratique pédagogique. Pensée. Élaboration conceptuelle. Réflexion critique. Collaboration. LISTA DE QUADROS QUADRO 01- Formação e atuação profissional das partícipes........................................... QUADRO 02 - Cronograma do planejamento geral............................................................ QUADRO 03 – Textos e autores estudados......................................................................... QUADRO 04 – Aulas observadas........................................................................................ QUADRO05 – Cronograma das Sessões Reflexivas........................................................... QUADRO 06 – Categorias para análise conceitual............................................................. QUADRO 07 – Categorias para análise da prática pedagógica.......................................... QUADRO 08 – Categorias consideradas no processo crítico-reflexivo.............................. QUADRO 09 – Categorias para análise do processo colaborativo...................................... QUADRO 10 – Rede conceitual do conceito de família..................................................... QUADRO 11 – Estágios de elaboração do conceito prévio de família............................... QUADRO 12 – Atributos gerais para a elaboração do conceito de família........................ QUADRO 13 – Atributos essenciais para a elaboração do conceito de família.................. QUADRO 14 – Atributos múltiplos do conceito de família................................................ QUADRO 15 – Atributos essenciais para a formulação do conceito de família................. QUADRO 16 – Atributos essenciais para a elaboração do conceito de família.................. 35 40 44 47 53 54 55 56 57 71 77 93 94 98 98 98 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Procedência dos alunos.................................................................................. 32 FIGURA 2 – Ações orientadoras do processo reflexivo...................................................... 49 SUMÁRIO 1 INICIANDO O PROCESSO........................................................................................ 2 PELOS CAMINHOS DO PENSAR E DO AGIR...................................................... 2.1 INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA........................................................................ 2.1.1 A Colaboração......................................................................................................... 2.1.2 A Reflexividade........................................................................................................ 2.2 O LÓCUS DA PESQUISA.......................................................................................... 2.2.1 A Escola.................................................................................................................... 2.2.2 As partícipes............................................................................................................ 2.3 POR ONDE CAMINHAMOS..................................................................................... 2.3.1 Reuniões................................................................................................................... 2.3.1.1 Com as partícipes.................................................................................................. 2.3.1.2 Com os pais............................................................................................................ 2.3.2 Planejamento........................................................................................................... 2.3.3 Ciclos de Estudos Reflexivos.................................................................................. 2.3.4 Observação Colaborativa....................................................................................... 2.3.5 Sessões Reflexivas................................................................................................... 2.4 PROCEDIMENTOSDE ANÁLISE............................................................................. 2.4.1 Elaboração conceitual............................................................................................. 2.4.2 Prática pedagógica.................................................................................................. 2.4.3 O Processo colaborativo crítico-reflexivo............................................................. 3 REVISITANDO CONCEITOS.................................................................................... 3.1 HISTORIANDO O CONCEITO DE FAMÍLIA......................................................... 3.2 SIGNIFICANDO FAMÍLIA........................................................................................ 3.2.1 Os significados prévios........................................................................................... 3.2.1.1 Família na visão de C............................................................................................ 3.2.1.2 O enunciado de S................................................................................................... 3.2.1.3 O significado de família para D............................................................................ 3.3 O PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA............... 3.3.1 (Re)elaboração do significado conceitual de família............................................ 3.3.1.1 A (re)elaboração de C............................................................................................ 11 20 21 24 27 31 32 34 35 35 36 38 38 42 45 48 53 54 54 56 58 65 71 72 74 76 77 81 101 104 3.3.1.2 A ressignificação de S............................................................................................ 3.3.1.3 A ressignificação de D........................................................................................... 4 A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM DISCUSSÃO....................................................... 4.1 DIFERENTES SIGNIFICAÇÕES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA........................... 4.2 BUSCANDO A EFETIVIDADE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA............................. 5 O PROCESSO REFLEXIVO TEÓRICO-PRÁTICO.............................................. 5.1 A REFLEXÃO TEÓRICA........................................................................................... 5.1.1 O processo reflexivo de S........................................................................................ 5.1.1.1 O momento intrassubjetivo.................................................................................... 5.1.1.2 O momento intersubjetivo..................................................................................... 5.1.1.3 O momento intrassubjetivo dos pares.................................................................... 5.1.2 O momento reflexivo de D...................................................................................... 5.1.2.1 A reflexão intersubjetiva........................................................................................ 5.1.2.2 A reflexão intrassubjetiva dos pares...................................................................... 5.2 REFLETINDO SOBRE O FAZER PEDAGÓGICO................................................... 5.2.1 A prática pedagógica de S....................................................................................... 5.2.1.1 O momento intrassubjetivo.................................................................................... 5.2.1.2 O momento intersubjetivo..................................................................................... 6 CONTINUANDO A BUSCA ....................................................................................... REFERÊNCIAS............................................................................................................... APÊNDICES..................................................................................................................... 106 107 112 113 118 147 149 149 150 155 158 159 163 164 166 167 167 175 182 188 198 11 INICIANDO O PROCESSO É assim que venho tentando ser professor, assumindo minhas convicções, disponível ao saber, sensível à boniteza da prática educativa, instigado por seus desafios que não lhe permitem burocratizar-se, assumindo minhas limitações, acompanhadas sempre do esforço por superá- las, limitações que não procuro esconder em nome do respeito que me tenho e aos educando. (FREIRE, 1996, p. 71). O processo de globalização tem acarretado uma série de transformações do ponto de vista cultural, político, econômico e educacional, afetando a compreensão das pessoas sobre si, sobre o trabalho que realizam e sobre o mundo. Há um aumento das exigências ao professor, fazendo com que este assuma responsabilidades cada vez maiores. Além de deter o conhecimento específico de sua disciplina, esse professor é solicitado para que seja facilitador da aprendizagem, responsável pelo equilíbrio psicológico e afetivo dos sujeitos do processo, educador sexual, além da atenção que tem que dirigir para os alunos especiais constituintes da turma que leciona (ESTEVES, 1999). Além disso, as mudanças de cunho tecnológico têm sido bastante acentuadas, possibilitando e exigindo um novo olhar sobre a formação desse professor e da sua ação com o aluno. Essa questão tem provocado discussões bastante intensas sobre a formação profissional e tem se dado, principalmente, em função dos resultados obtidos pelos alunos nas avaliações realizadas nos ambientes das escolas. As estatísticas mostram que o ensino oferecido não está atendendo às demandas e às exigências da realidade atual 1 . Nesse contexto, o desafio que se coloca é de como acompanhar essas mudanças, e o que fazer para que o professor, na sua formação, tenha acesso aos novos conhecimentos e a novas fontes de informação, que lhe possibilitem formas de atuação mais condizentes com essa realidade. Todos esses fatores colocam o professor no centro das mudanças, tornando-o responsável direto pelo sucesso ou fracasso do aluno, sem se considerar que para que esteja apto a acompanhar as novas demandas sociais e possa contribuir com uma educação de qualidade urge que se promovam sérias políticas de formação desse profissional, com transformações significativas para além dos antigos modelos normativos (ESTEVES, 1999). 1 Um exemplo disso sãos dados fornecidos pelo Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicando que 15,2% das crianças brasileiras chegam aos oito anos sem estarem alfabetizadas. No Nordeste esse número chega a 28%. Disponível em www.oei.es/noticias/spip.php?article11850&debut. 1 12 É fato que a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, vigente desde 1996, levou inúmeros professores aos centros acadêmicos em busca de formação superior nos cursos de pedagogia e licenciaturas, além de ter promovido uma explosão de cursos de especialização, inclusive na modalidade de educação à distância, para muitos profissionais carentes de formação. Todavia, isso contribuiu com a propagação de cursos de baixa qualidade que reforçam uma prática convencional, centrada no professor e repetidora de modelos ultrapassados. O que na verdade se criou foi uma política de resultados com a intenção de formar o máximo de professores no menor tempo possível, visando a atingir padrões de avaliação e indicadores que demonstrassem numericamente os avanços da educação brasileira, sem a devida reflexão de que a qualidade da educação depende tanto da formação do professor quanto de uma transformação radical nas condições de trabalho, passando por uma reestruturação do ensino desde a infraestrutura das escolas até a uma política salarial que valorize o profissional, elevando sua autoestima tanto no aspecto material quanto intelectual. Tudo isso contribui para que a educação brasileira permaneça, ainda, bastante defasada, desconsiderando as necessidades e mudanças da sociedade e contribuindo para a manutenção de uma estrutura escolar que “engessa” o modo e a forma de ser e agir do pretenso professor e, consequentemente, do trabalho por ele desenvolvido, mostrando-se incapaz de discutir e buscar soluções para os problemas que afloram no cotidiano da escola. Enfim, como enfatiza Perrenoud (2001, p. 223): O professor navega à deriva, ou se preferirmos, avança como um equilibrista, sem jamais estar certo de ter encontrado um equilíbrio estável, tentando conciliar o inconciliável, como misturar água e fogo [...]. O professor é chamado a dominar em tempo real, muitas vezes com urgência, numerosos parâmetros que constituem o triângulo pedagógico e didático. Nessas circunstâncias, reafirmamos a necessidade de um processo de formação que possibilite a esse profissional compreender a importância do seu trabalho, a função que deve exercer no atual contexto e na sua prática e, principalmente, que possa interferir na realidade social, educacional e política. Não devemos ser professor por acaso. O nosso fazer precisa estar comprometido com uma concepção de educação que valoriza o sujeito, o seu conhecimento e as implicações disso para a sua formação, para a vida. Na verdade, por mais discussões que sejam realizadas, menos ações e resultados são viabilizados, provocando inquietação, impotência, um sentimento de que nada está sendo 13 feito. Há por parte do professor sensação de sufocação, de incompetência, de saturação de responsabilidades, além de não se sentirem suficientemente preparados para atender as exigências, tanto curriculares, quanto sociais (IBIAPINA, 2003). Sobre essa questão, enfatiza ainda essa autora “[...] suas reações são ineficazes e caracterizam-se pela passividade, pela inércia e pela manifestação de comportamentos conservadores e obsoletos que privilegiam o autoritarismo” (idem, 2003 p. 51). Esse sentimento é traduzido em ações fragmentadas, em que os conteúdos, os conhecimentos, não se relacionam e ficam distantes da real necessidade do aluno com quem e para quem o professor deve desenvolver seu trabalho. Isso evidencia a exigência de se estabelecer a conexão entre formação e exercício profissional. É verdade que essa relação não é linear. Nada garante que uma formação de qualidade implique numa prática pedagógica de qualidade. No entanto, a expectativa é de que possa contribuir de forma significativa para que resultados mais efetivos sejam alcançados. Cabe ao professor aprender a refletir sobre todos os elementos que fazem parte do ato de ensinar e aprender, usando o conhecimento e o bom senso na sua prática cotidiana. Pensamos que a reflexão crítica sobre a prática e as experiências cotidianas viabilizam a formação do professor, como profissional e como sujeito. Para Freire (1996 p. 39): “[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática [...]. É refletindo sobre o seu fazer que certamente vai melhorando cada vez o seu fazer”. Desse modo, formar profissionais com qualidade, com competência, educadores críticos para atuar nessa nova realidade, nesse contexto globalizado, deve ser a meta dos governantes, das universidades, tendo em vista a necessidade de um profissional que aprenda a lidar, não apenas com conteúdos específicos de disciplinas, de forma descontextualizada, fragmentada, mas que apreenda a relação teoria e prática e possa perceber o sujeito como um todo. Um sujeito capaz de agir, interagir e modificar a sua realidade a partir do conhecimento das coisas e dos fenômenos. O agir como proposto por Ramalho, Nunez, Gauthier (2003, p. 80), [...] implica atividade teórica e prática, numa relação dialética. Uma prática constante, baseada na teoria (não exclusivamente na teoria científica, mas sim nela), como na teoria que possibilita a transformação do objeto/sujeito/contexto nas ações práticas. Na nossa visão teoria e prática são componentes da atividade competente, consequentemente, falamos de uma atividade transformadora em suas diferentes dimensões (cognitiva, política, afetiva, ideológica, histórica, produtiva, etc.). 14 É nessa perspectiva que os cursos de formação poderiam ser organizados: numa relação estreita entre teoria e prática, o que vai ocorrer não simplesmente pela mudança de currículos ou de postura das escolas como querem alguns, mas também, pela compreensão dos protagonistas da função que cada um deve exercer nesse novo cenário. Como enfatiza Ibiapina (2003, p. 51): “[...] o palco e o cenário mudam, mas os atores perdidos no novo cenário não sabem exatamente o que fazer”. Esse sentimento é o que observamos no discurso de professores, funcionários e gestores, que no cotidiano da escola se mostram perdidos num emaranhado de informações e de ideias sem saber como concatená-las para conseguir compreender mais efetivamente a sua ação, o seu fazer, como também a própria função da educação, da escola e do ato de ensinar. O mesmo constatamos em relação aos pais, que também, já não sabem lidar com seus filhos, que carregam consigo valores deturpados sobre si e sobre a vida e não conseguem agir conforme os ditames de solidariedade, respeito e amor que devem caracterizar as pessoas que compõem um grupo social. A tomada de consciência de que o mundo, a sociedade, mudou passa por compreender que há muitos conhecimentos a adquirir para que se possa tentar resolver os problemas que surgem nas suas novas formas e abordagens. Dentro dessa concepção, a escola tem uma função social urgente. O que nela se aprende não pode ser só ‘para daqui a alguns anos’. Tudo deve ser resolvido e utilizado agora. Nesse sentido, os contextos histórico, educacional, social e político exigem das pessoas saber agir e resolver os seus problemas, as tensões e as contradições que marcam uma sociedade com as características da nossa, buscar estratégias para modificar a realidade social, melhorar a sua vida pessoal e, consequentemente, o planeta. Não há mais lugar para saberes e conhecimentos estacionários, que não interajam com a dinâmica da vida em sociedade. Os conhecimentos precisam afetar de forma efetiva a vida do sujeito. Nessa direção, a formação do professor deve atentar para todos os aspectos que possam ser utilizados como instrumento de uma ação pedagógica que possibilite a aprendizagem dos alunos, como também para as mudanças que se façam necessárias à construção de uma sociedade mais democrática. Essa ideia é reforçada por Ruz (1998, p.93), que destaca: A modernização da profissão docente [...] passa por formar os professores de maneira participativa. Hoje isto significa formá-los para a convivência 15 democrática. Se assim não for, a visão de mundo e a disciplina que irão querer impor a seus alunos acabarão por se chocar com a realidade. O educador precisa recriar todos os dias, a partir do conhecimento, a sua prática, tendo em vista toda a complexidade de saberes existente. Por isso, o processo de formação inicial e continuado desse profissional precisa dar-lhe condição de se apropriar de conhecimentos e saberes que o façam compreender o aluno com o qual lida, a sua realidade, as contradições presentes no contexto no qual atua e, principalmente, compreender-se como profissional que necessita se fundamentar contínua e sistematicamente para ter uma atuação pertinente e efetiva, conseguindo os resultados inerentes à profissão que exerce. Com afirma Itelson (1986), o aprendizado tem lugar ali onde as ações do homem estão dirigidas para o fim consciente de assimilar determinados conhecimentos, hábitos, habilidades, formas de conduta e tipos de atividade 2 . No entanto, para que o sujeito aprenda é necessário situar-se no campo das forças e das influências que possibilitem o aprendizado. Em se tratando do aprendizado sistematizado, urge rever o papel que o professor desempenha na situação pedagógica. Nossa decisão em adentrar no campo da prática pedagógica, focalizando a figura do professor, surgiu das questões abordadas anteriormente, assim como, de fatos vividos e observados no cotidiano da escola como professora do sistema de ensino público e particular, nos níveis fundamental, médio e superior, particularmente nos cursos de formação de professor; como também, enquanto estudante do curso de graduação e de pós-graduação, sempre orientada pela ideia de Freire (1996) sobre a curiosidade epistemológica. As investigações realizadas no Mestrado em Educação, concluído em 2010 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cujo objeto de investigação foi a relação entre o processo de formação continuada de professores do ensino fundamental e o desenvolvimento do pensamento teórico, a participação na “Base de Pesquisa: Currículos Saberes e Prática Educacionais” e os estudos realizados no grupo de pesquisa “Docência e Aprendizagem”, nos impeliu a ir à busca de mais estudos e aprofundamento a respeito de como, na prática, o professor contribui para o desenvolvimento do pensamento do aluno. Como os trabalhos realizados nesse grupo se fundamentam no materialismo histórico-dialético e privilegiam a abordagem de investigação colaborativa-crítico-reflexiva, os estudos e pesquisas nas áreas de neurociência e bio-psicologia consideramos também esse referencial como fundamento epistemológico de nossas investigações. 2 Tradução livre da autora. 16 Em relação à problemática estudada constatamos a dificuldade em termos do desenvolvimento conceitual. A maioria das partícipes não pensa teoricamente, contudo, durante todo o processo vivemos momentos de colaboração em que havia uma preocupação em desenvolvermos o nosso trabalho pensando, colaborando e interferindo no fazer do outro. O processo reflexivo embora bastante importante, não é fácil, pois nos obriga a um desnudamento que nem sempre é agradável. Fazer o outro ver as nossas deficiências e fragilidades, na maioria das vezes, provoca comportamentos que dificultam as relações no grupo. Os resultados obtidos corroboraram as discussões desencadeadas na área de formação e prática pedagógica em que se destacam diversos fatores que vêm contribuindo para que o ensino-aprendizagem não se efetive devidamente. Em particular, os estudos realizados por pesquisadores como, Magalhães (2002, 2003, 2011); Liberali (2008); Ferreira (2009, 2011); Ibiapina (2004, 2007, 2008, 2012) e Cabral (2011). Essas evidências indicaram a necessidade de direcionarmos a pesquisa para a atividade de mediação, exercida pelo educador, nas situações formais de aprendizagem. Nessa direção, é que se situa a proposta de investigar a questão relativa à competência pedagógica do professor e suas implicações ao efetivar sua ação educativa no trabalho com o conceito, por ser esta a forma predominante de expressão do pensamento teórico. Assim é nosso objeto de investigação, particularmente, ampliar os conhecimentos no campo da prática investigando a relação entre o pensamento teórico e a prática pedagógica de uma professora da educação infantil. Compreendemos que cabe à escola, na organização de seu trabalho pedagógico, munir-se de elementos para elevar o pensamento teórico dos professores, de modo a criar condições para que esses atinjam o nível do pensamento conceitual e possam consequentemente desenvolvê-lo junto aos aprendentes, o que só é possível por meio de estudos e reflexões sistemáticas que transitem da teoria à prática e vice-versa. A escolha de investigar a relação entre prática pedagógica e desenvolvimento do pensamento, tendo como respaldo teórico a elaboração do conhecimento conceitual, efetiva-se em função da importância que essa modalidade de saber desempenha nesse processo e, ainda, do lugar da escola como agência educativa responsável pela criação das condições para a apropriação dessa forma de conhecimento como mediador do desenvolvimento do educando. Essa compreensão está associada às concepções acerca da relação entre aprender e se desenvolver. Dentre as diversas abordagens, focamo-nos principalmente na abordagem que 17 estabelece a inter-relação entre aprendizagem e desenvolvimento tratada por Vigotski (1998c), Rubinstein (1973), Liublinskaia (1979), entre outros. Para Vigotski (1998c p. 115), “o aprendizado humano pressupõe uma natureza específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam”. Nesse sentido, as crianças adquirem uma forma própria de se desenvolverem na sociedade, mediante a construção pessoal do conhecimento, surgido ou criado dentro de um contexto de interação. No cotidiano, observam o que os outros dizem, porque e o que dizem, internalizando o que é observado e se apropriando do que viram e ouviram, recriando e conservando o que se passa ao redor. Em função desta constatação, Vigotski (1998a) afirma que a aprendizagem da criança se dá pelas interações com outras crianças de seu ambiente, que determina o que por ela é internalizado. Assim, vai adquirindo estruturas linguísticas e cognitivas, mediadas pelo grupo. Considerando que entre as diversas funções mentais o pensamento é que desempenha função predominante nos processos de desenvolvimento, uma vez que se conecta com as demais, incluindo os processos psíquicos superiores como a consciência, por exemplo, e que há uma complexidade de saberes e competências exigidas para o exercício da atividade pedagógica, essa pesquisa focaliza a questão do desenvolvimento das funções mentais, em particular a capacidade de pensar, e a prática pedagógica que se efetiva na escola e busca responder a seguinte questão de investigação: qual a relação entre desenvolvimento do pensamento teórico do professor e sua prática pedagógica? Kostiuk (1986, p. 66) chama a atenção para esse aspecto destacando que “[...] é necessário descobrir em que condições a educação satisfaz realmente estes objetivos”. Assim, escolhemos investigar o conceito de família na educação infantil por ser um conceito pouco desenvolvido nesse nível de ensino. Em função disso é que almejamos nesse estudo:  Investigar a relação entre o desenvolvimento do pensamento teórico e a prática pedagógica de uma professora da educação infantil e, especificamente,  Propiciar a continuidade de um processo de formação que permita que a professora envolvida possa:  Elaborar o significado dos conceitos que compõem os conhecimentos curriculares, especificamente, o conceito de família;  Ter domínio dos processos e procedimentos lógicos inerentes ao desenvolvimento do pensamento e a formação de conceito; 18  Mediar de forma consciente e planejada as etapas necessárias à efetivação dos processos de elaboração conceitual propícios ao desenvolvimento do pensamento. Para que haja compreensão do que aqui expomos estruturamos essa tese em seis capítulos. Neste primeiro capítulo, intitulado “Iniciando o processo”, fazemos uma contextualização deste trabalho a partir do espaço em que estamos situados e introduzimos as ideias básicas que permeiam o estudo, focando especialmente a problemática que gerou nossas motivações frente ao objeto de estudo e especificando a seleção temática e o campo de pesquisa, bem como os objetivos e a questão de investigação. No segundo capítulo, “Pelos caminhos do pensar e do agir”, expomos e discutimos os caminhos teórico-metodológicos utilizados, tendo em vista o desenvolvimento do nosso objeto de estudo e o alcance dos objetivos estabelecidos. Nesse sentido, priorizamos uma abordagem fundamentada no materialismo histórico- dialético, que nos ajuda a compreender que o conhecimento tem sua origem nas condições materiais e sociais da vida humana (AGUIAR; FERREIRA 2008, p. 54) e que considera que os fenômenos passam por mudanças e se transformam. Nessa perspectiva, adotamos a abordagem colaborativa e a metodologia de elaboração conceitual ferreiriana, tendo em vista os objetivos estabelecidos voltados para a melhoria da prática desenvolvida pelas professoras partícipes, que precisam compreender a necessidade de um processo de ensino-aprendizagem consciente, conscientizador e centrado na formação e no desenvolvimento de conceitos. No terceiro capítulo, “Revisitando conceitos”, fazemos uma retrospectiva, buscando uma compreensão do conceito de pensamento, enfatizando a relação de interdependência que existe entre o pensamento e as outras funções mentais. Além disso, retomamos o conceito de família, fazendo uma retrospectiva ao longo do tempo, desde a sociedade primitiva. Expomos o conceito prévio de família elaborado pelas partícipes e a ressignificação feita após os Ciclos de Estudos realizados. No quarto capítulo, “A prática pedagógica em discussão”, refletimos sobre a prática pedagógica e como essa prática pode se tornar efetiva e útil para o desenvolvimento do pensamento teórico. No capítulo cinco, “O processo reflexivo teórico-prático”, discutimos o processo reflexivo, quando analisamos os aspectos teóricos e práticos, utilizando os Ciclos de Estudos Reflexivos e a Observação Colaborativa. 19 Por fim, no capítulo seis, “Continuando a busca”, fazemos algumas considerações quanto à importância desse trabalho, dos resultados colhidos e da utilização desses resultados no contexto das instituições escolares e principalmente deixamos claro que essa pesquisa não se encerra em si, mas pretende servir de orientação e meio para que os estudos continuem e que novos conhecimentos sejam buscados no sentido de fazer com que a prática desenvolvida nas escolas esteja voltada realmente para o desenvolvimento do pensamento teórico. 20 PELOS CAMINHOS DO PENSAR E DO AGIR O método [...] precisa de estratégia, de iniciativa, invenção e arte, sendo a própria atividade pensante do pesquisador. [...] é uma construção que envolve opções, seleções, combinações realizadas com a finalidade de descrever, explicar e intervir na realidade pesquisada (IBIAPINA; FERREIRA, 2007, p. 23). A problemática abordada nesse estudo requer a opção por um método de investigação condizente com as questões a serem tratadas e os objetivos visados. Assim, o estudo está orientado pelos fundamentos do materialismo histórico-dialético, uma vez que esse método permite revelar “[...] a totalidade do objeto de estudo, retratando-o de forma mais real e universal” (IBIAPINA; FERREIRA, 2005, p. 30). O materialismo histórico-dialético parte do ponto de vista de que os fenômenos contêm contradições internas desencadeadoras do seu movimento, o que implica mudanças e transformações que poderão ser apreendidas pelo pensamento, propiciando uma maior compreensão dos fenômenos em estudo. Se conhecermos a história do objeto, teremos condição de revelar esse movimento na sua essência. Kopnin (1978, p. 186) enfatiza que “o pesquisador ao utilizar esse método, se aprofunda na essência do objeto e em sua história”. O que significa dizer que as dúvidas, as incertezas e contradições vão estar presentes e que, através desses elementos, explicações e respostas serão buscadas. Para sua efetivação, faz-se necessário uma metodologia que se coadune com os princípios e leis que o fundamentam. Para isso, a escolha recai na abordagem colaborativa, cuja natureza dialética é indiscutível, permitindo que, como no caso dessa pesquisa, os partícipes de fato construam o conhecimento ao partilharem reflexivamente ideias, discutindo e interferindo nos discursos uns dos outros. Nesse sentido, partimos dos estudos reflexivos, de um lado sobre a formação de conceitos e de outro sobre o conceito de família. No primeiro caso, a discussão sobre formação de conceitos permite que as partícipes colaborem criticamente na própria construção do corpus teórico da pesquisa; por outro lado, a discussão sobre de família estabelece a reflexão sobre a prática pedagógica, uma vez que parte do conteúdo específico da turma de educação infantil da partícipe S. Para aprofundarmos essa abordagem metodológica, discutiremos a seguir sobre os fundamentos da investigação colaborativa. 2 21 2.1 A INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA A nossa escolha pela abordagem colaborativa deve-se ao fato de que esta propõe um novo olhar sobre o contexto no qual atuamos, possibilitando um trabalho conjunto, colaborativo e igualitário em que os partícipes passam por um processo de formação cujo foco principal é o desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo. Para Ibiapina e Ferreira (2005 p. 27): Essa nova maneira de pesquisar auxilia na compreensão e explicação das situações práticas educativas com vistas a transformar a realidade das escolas e dos professores, pois proporciona o aprendizado de atitudes que se voltam para o desenvolvimento profissional. Esse tipo de pesquisa só é possível se forem desenvolvidos laços que permitam aos partícipes exporem as suas ideias, saberes, conflitos, e principalmente, definir interesses comuns. Temos que ter claro que o sujeito, o professor, organiza a sua vida em função de valores construídos, de motivações, representações e crenças. Dessa forma, mudar é um processo de revisão e de reformulação no seu jeito de compreender e agir diante de determinada situação, o que pode gerar conflitos e incertezas nos seus pensamentos e ações. Segundo Magalhães (2002 p. 47): [...] a discussão do professor como um profissional crítico e reflexivo envolve uma rediscussão dos papéis tradicionalmente atribuídos ao professor, aos alunos, ao livro didático. Envolve questionamentos constantes sobre as práticas discursivas da sala de aula quanto a concepções de ensino/aprendizagem, conteúdos, valores e representações que estão sendo veiculadas. Para a autora, a pesquisa colaborativa pode se tornar um espaço permanente de reflexão, em que as práticas discursivas são analisadas e são investigadas as relações com as teorias de ensino-aprendizagem, os fins estabelecidos para o trabalho pedagógico, além das metas traçadas e dos objetivos efetivamente alcançados. Adotando também as ideias da pesquisa colaborativa, Liberali (2004, p.109) destaca a importância da linguagem no desenvolvimento da capacidade crítico-reflexiva do professor. Para essa autora, trabalhar a linguagem seria uma forma de instrumentalizar o educador para 22 um tipo de pensamento sobre sua ação que estivesse voltado para a sua transformação em agentes críticos, o que envolveria a compreensão sobre ser professor no atual contexto. Trabalhando com esse tipo de pesquisa, deixamos de investigar sobre os professores e passamos a investigar com eles, de modo a se constituírem sujeitos do processo, havendo a possibilidade de “se tornarem mais autoconscientes a respeito das situações em que estão inseridos, fundamentados pela visão e compreensão crítica do saber e do fazer educativo” (IBIAPINA; FERREIRA, 2005, p.27). Deixando de ser objeto e passando a sujeito da sua aprendizagem e da sua formação o professor passa a ser pesquisador da sua ação, que pode ser modificada não porque alguém considerou que deveria ser assim, mas pelo fato de ser conhecedor da sua realidade. Quando definimos os rumos do que fazemos e isso se dá por desejo e vontade própria, porque compreendemos o que estamos fazendo e, ainda, porque consideramos que é importante e vai produzir frutos de qualidade, a nossa ação é muito mais pensada e os resultados vão ser sempre mais significativos. Para Desgané (2007, p. 18), “o que a pesquisa colaborativa exige é a participação de co-construtores, ficando entendido que é a compreensão destes, no contexto do fenômeno explorado (e investigado), o elemento essencial do processo”. Ibiapina (2008) complementa essa ideia, quando enfatiza que a pesquisa colaborativa possui três dimensões: os partícipes colaboram, refletem, e são co-construtores do conhecimento. A reflexão que é o diálogo volitivo com a realidade perpassa todo o processo, o que faz com que se mergulhe, Tanto no conhecimento teórico quanto no mundo da experiência, para que se possa desvelar a que interesses servem as ações sociais e como elas produzem práticas ideológicas [...] oferece mais poder para os professores (re) construírem o contexto social em que estão inseridos, proporcionando condições para que esses profissionais compreendam que para mudar a teoria educacional, a política e a prática, é necessário mudar a própria forma de agir e pensar (IBIAPINA; FERREIRA, 2007, p. 27). Temos a clareza de que para mudar a forma de agir é necessário desejo, motivação e fundamentação teórica, além de um processo reflexivo em que os professores possam compreender a sua prática, trabalhem com mais eficiência e profissionalismo, sintam-se cada vez mais úteis, compreendam o seu verdadeiro papel, revejam o sentido da sua profissão e do seu fazer cotidiano. 23 Isso implica desencadear um processo de reflexão sobre a ação de forma colaborativa, tendo em vista um retomar e reelaborar dessa ação de maneira que os resultados da sua prática sejam cada vez mais efetivos. Entendemos as atividades colaborativas como reestruturadoras das relações sociais e das funções dos sujeitos no processo educativo, pois todos passam a ser responsáveis pela organização do trabalho, discutem e refletem conjuntamente, e têm o foco nas contribuições dos outros partícipes, que são fundamentais para a aprendizagem e a aquisição de novos conhecimentos, saberes e formas diversificadas de realizar determinadas tarefas. Partilhar conhecimentos, metas, objetivos e ideias, pode trazer resultados bastante significativos para o trabalho que realizamos, possibilitando uma formação dos profissionais envolvidos na pesquisa. Para Ferreira (2007, p. 24): [...] a pesquisa colaborativa em educação, além de desenvolver o sentido social da aproximação entre os pesquisadores acadêmicos e as carências da prática de ensino dos professores, abre caminhos para a autoformação de ambos. Como ainda afirma essa autora, não podemos “[...] querer transformar esses professores em pesquisadores de acordo com os modelos acadêmicos” (FERREIRA, 2007, p. 24). Essa afirmativa corrobora com o que estamos discutindo e vem se efetivando: a pesquisa colaborativa é na verdade uma forma de investigação em que os partícipes possuem a mesma importância e o mesmo valor no processo desenvolvido, uma vez que todos são pesquisadores da sua prática. Isso não significa que vão escrever dissertações ou teses, mas podem reescrever a sua própria história de ensino e aprendizagem, contribuindo para fazer com que a sua prática seja sempre mais efetiva, na medida em que percebem, a partir do outro, as suas dificuldades e limitações, tanto no que se refere ao aspecto teórico, quanto prático e busquem, assim, a promoção de sua própria formação num processo contínuo de reflexão. O professor toma o poder da sua própria formação (idem, 2007). Não esperemos que agindo nessa perspectiva tenhamos a solução de todos os problemas pedagógicos. Além disso, essa forma de trabalho não pode ser considerada uma nova receita em que todos vão se orientar. Deverá, em verdade, ser uma alternativa em que, a partir de interesses e necessidades mútuas, buscam-se outras maneiras e respostas para a realização do trabalho pedagógico. Contudo, é necessário ter clareza de que nem todas as respostas serão encontradas. Assim, 24 Depositar na pesquisa a solução dos problemas pedagógicos é, no mínimo, romantismo. O que se consegue muitas vezes com esta parceria é a reflexão sistemática e deliberada sobre os pontos que o professor e o pesquisador acreditam representar o nó do processo de ensino-aprendizagem em sala de aula ou fora dela; consegue-se ainda a visualização conjunta de possíveis formas para se desatar esse nó (MATTOS, 1995, p. 102). Nesse sentido, o professor passa a compreender que é capaz de aprender, agir, interagir e contribuir com o grupo com o qual está envolvido, com a elaboração de novos conhecimentos e práticas, atitudes e comportamentos, de acordo com as suas necessidades e dos alunos com os quais lida, alcançando metas e objetivos preestabelecidos. Temos clareza de que não é fácil investigar a própria prática, pois mexe com o ego, com os valores e com a autoestima do sujeito. Além de ser “um desafio que exige a ampliação tanto do conceito de reflexão quanto de pesquisa, deixando-os mais amplos e flexíveis” (IBIAPINA; FERREIRA, 2007, p. 21). Esse desafio que pode provocar muitas e importantes mudanças no contexto da escola e da sala de aula propicia o surgimento de práticas mais dinâmicas e criativas, uma vez que o professor vai compreender melhor o fenômeno educativo e a sua ação na sala de aula. Enfim, entendemos a pesquisa colaborativa como uma maneira de fazer com que o profissional se torne produtor do seu conhecimento, do seu fazer e encontre formas de mudar a sua prática a partir da compreensão dos fenômenos que o circundam e da reflexão que lhe é exigida. Essa compreensão nos obriga a realizar uma discussão dos conceitos básicos que permeiam os estudos colaborativos: a colaboração e a reflexividade, o que faremos nos próximos itens. 2.1.1 A Colaboração A colaboração caracteriza-se como uma ação na qual os objetivos e os problemas são partilhados, visando à construção do conhecimento e da aprendizagem. Através da colaboração é possível realizar uma produção no cotidiano da escola possibilitando a prática de discussões, aceitação ou não de ideias, elaborações e (re) elaborações do conhecimento. Entendemos, então, que a colaboração só pode estar presente em situações dialógicas, na interação entre os pares (IBIAPINA, 2008). 25 Segundo Magalhães, (2004, p. 75): O conceito de colaboração pressupõe, [...], que todos os agentes tenham voz para colocar suas experiências, compreensões e suas concordâncias e discordâncias em relação aos discursos de outros participantes e ao seu próprio. Nesse sentido, para desenvolvermos uma colaboração temos que criar e manter relações que incluam interesses pessoais e sociais comuns entre nós e os demais parceiros que juntos podem fazer surgir novos conhecimentos. Para Ibiapina e Ferreira (2007), com a colaboração, criamos novos valores e entendimento compartilhado, sendo necessária uma densa teia de conexões que aumenta o desejo e o poder para aprender e agir no sentido de transformar a nossa prática e realidade. A co-construção ativa do conhecimento, o ensino e aprendizagem entre pares, e a retroalimentação motivadora são determinantes para a aprendizagem colaborativa. Dessa forma, ao elaborar seu planejamento e desenvolver a sua ação, o professor não pode descartar a participação colaborativa de seus pares, como forma de alcançar o sucesso no que realiza, a partir de um processo autoformativo, como já enfatizado. Não é fácil fazer um trabalho que envolva a colaboração, uma vez que a formação inicial e a própria prática desenvolvida não possibilitou ao professor, na sua grande maioria, a vivência desse tipo de atividade. Contrariamente, aprendeu a realizar a sua ação de forma solitária, sem compartilhar conhecimentos, saberes e tarefas organizadas. A escola funciona como se cada um fosse uma ilha, onde as conversas, as trocas, a partilha, não existem ou são muito difíceis. Além disso, cada pessoa traz consigo as aprendizagens, os valores, enfim, as suas representações sobre suas identidades, papéis e domínio do conhecimento, que vão interferir positiva ou negativamente na relação com o outro. Não podemos esquecer, contudo, que essa relação é de extrema importância para que consigamos atingir os objetivos estabelecidos na organização do trabalho escolar. As ações colaborativas podem contribuir para o desenvolvimento dos processos cognitivo, afetivo e emocional de seus participantes. Estes, ao interagirem de forma colaborativa, fazem negociações, compartilham materiais e ideias, observações, conhecimentos anteriores, desenvolvem uma elaboração conjunta do conhecimento e autonomia no seu fazer e pensar. Rosa (2002 p. 18) confirma a nossa ideia, quando explicita que “[...] a pesquisa colaborativa não é um mero procedimento de resolução de problemas educativos, mas um meio de produzir a autonomia do professor”. 26 Na colaboração ocorre a ajuda de um par mais experiente em relação a outro menos experiente quando este realiza uma atividade. A ação conjunta é que vai contribuir para que haja avanço no desenvolvimento, tanto de quem ajuda quanto de quem é ajudado (IBIAPINA, 2008, p.. 19): Nessa perspectiva, entendemos que a colaboração só é possível quando há disponibilidade, engajamento, adesão voluntária, confiança mútua, negociação e escolha conjunta da formação e interação, diálogo, desejo, vontade e compartilhamento por parte das pessoas de determinado grupo que, pelas suas necessidades, buscam novos conhecimentos e formas de compreender o contexto em que estão inseridas. Ter como foco uma prática pedagógica colaborativa reflexiva e dialógica, possibilitando ao professor um novo olhar sobre si e o seu aluno, sobre o seu entorno e sobre a sua forma de trabalho, poderá gerar uma ação cada vez mais eficiente e de qualidade. “[...] um ambiente colaborativo é fundamental ao desenvolvimento de práticas reflexivas”. (FERREIRA, 2009, p. 203). O professor passa a ser visto como alguém que não apenas repete, executa fórmulas e informações no trabalho com o seu aluno, mas uma pessoa que cria, experimenta e reflete, ou seja, traz para o seu fazer habilidades importantes, que o faz não apenas pesquisador, mas, principalmente, um profissional competente, dinâmico e criativo, contribuindo efetivamente para a formação de sujeitos críticos, solidários e participativos. Esta pesquisa concentra-se principalmente em criar um vínculo entre os sujeitos da ação pedagógica na escola lócus da pesquisa. Esse vínculo baseia-se numa ação tripartite: primeiramente, o estudo reflexivo e teórico sobre questões específicas (a saber, o processo de formação do conceito, associado à elaboração do conceito de família), executado coletivamente, passando ao planejamento desenvolvido juntamente à partícipe mediadora de uma turma de educação infantil, culminando com a Observação Colaborativa e posterior reflexão da ação desenvolvida. A base desse processo consistiu em reflexões e discussões orais acerca da fundamentação teórica, seguido sempre por uma sistematização escrita que permitisse estabelecer uma interlocução com a teoria e com os saberes dos diferentes teóricos, de forma a atribuir sentidos ao fazer pedagógico e ao próprio processo de formação coletiva. A seguir realizamos uma discussão sobre a reflexividade enfatizando conceitos e especificidades na pesquisa colaborativa. 27 2.1.2 A Reflexividade Muito se tem discutido a respeito da reflexão na formação e no trabalho desenvolvido pelo professor. Contudo, não tem ficado muito claro o que é na verdade essa reflexão e o que fazer para que sua qualidade evolua. As concepções de reflexão são múltiplas e variadas, mas não se reduzem ao âmbito do pedagógico, uma vez que a atividade de ser professor é muito mais abrangente. Alguns autores têm como parâmetro a reflexão da racionalidade técnica, outros, a reflexão prática, e outros a reflexão crítica que questiona o contexto social em que se desenvolve a açãoeducativa. Liberali (2008), reportando-se a Van Manen (1977), descreve três tipos de reflexão: técnica, prática e crítica. Ao realizar reflexões nos moldes técnicos, o professor “busca as soluções para seus problemas do dia-a-dia com base nas descobertas científicas e sugestões de especialistas, e não na sua experiência profissional” (IBIAPINA; LOUREIRO JR; BRITO 2007, p. 37). Para essa concepção: [...] refletir significa que a consciência pode gerar um conhecimento válido o suficiente para guiar as ações e quando se pede que os professores reflitam sobre a sua prática, supõe-se que a autoconsciência, isto é, a consciência de si mesmo é quem fornece o conhecimento e a compreensão sobre a prática docente (IBIAPINA; LOUREIRO JR; BRITO 2007, p. 38). A reflexão nesse sentido, para os positivistas, é uma atividade voltada apenas para o ensino do professor, o que não permite fazer uma análise do contexto social e político em foco. A reflexão prática busca compreender os fenômenos como estes ocorrem na sala de aula. Há uma preocupação pelo uso prático dos conceitos. “A preocupação está [...] na apresentação ou exemplificação, e na apropriação desses conceitos para uso prático” (LIBERALI, 2008), não considerando, portanto, o fenômeno em sua totalidade. A reflexão crítica por sua vez “implica a transformação da ação, ou seja, transformação social. Não basta criticar a realidade, mas mudá-la, já que indivíduos e sociedade são realidades indissociáveis” (LIBERALI, 2008, p. 38). Esse tipo de reflexão é um misto da reflexão técnica e da reflexão prática, uma vez que há uma inter-relação entre o 28 contexto social mais amplo e as ações práticas, o que pode possibilitara o professor atuar de forma mais autônoma. Ibiapina (2007) diferencia a reflexão da racionalidade prática da reflexão crítica, dizendo que essa diferença está na qualidade do questionamento feito no processo de reflexividade. A autora esclarece que a reflexão prática está relacionada aos problemas da ação que não são passíveis de serem resolvidos apenas de forma instrumental, desconsiderando a complexidade dos fenômenos da práxis educativa. A reflexão crítica, por sua vez, vai além dos problemas da sala de aula, que não são compreendidos isoladamente, ao contrário, envolvem uma série de ações. É necessária a compreensão da realidade em movimento. Isso é o que se chama de reflexão dialética. A reflexão dialética propõe o questionamento das estruturas materiais do trabalho e os limites da prática. Assim, faz com que as nossas ações sejam ampliadas e compreendamos os efeitos das estruturas materiais sobre a prática. Ferreira (2009, p. 205) enfatiza que “A reflexão crítica é [...] uma atividade que no contexto da pesquisa colaborativa garante a compreensão mais abrangente da ação educativa que se efetiva na escola e dos fatores que nela intervêm”. Ibiapina (2007) complementa essa ideia quando esclarece que a reflexão é atividade mental, movida por uma necessidade, em que olhamos para dentro de nós mesmos, tomando consciência do que vemos e fazemos. É uma busca para fazer melhor a prática que realizamos. “A reflexão crítica orienta a ação dos professores, auxiliando-os na reformulação de pensamento e planos e fazendo-os perceberem as consequências de suas ações” (IBIAPINA E FERREIRA, 2003 p. 74). Libâneo (2006, p.55) corrobora com as ideias das autoras anteriormente citadas quando salienta que a reflexividade só existe nos seres racionais conscientes e pode ser compreendida como “uma autoanálise sobre as nossas próprias ações”. Através dessa autoanálise, o professor desvenda as contradições e dificuldades da sua prática, buscando formas de compreendê-la e fazê-la cada vez melhor. Para esse autor há três significados distintos de reflexividade: No primeiro significado, é posta como consciência dos nossos próprios atos. É uma reflexão, um exame de consciência, em que é admitida uma realidade interior separada do mundo exterior. “Trata-se de uma visão platônica, cristã, idealista em que os resultados da reflexão têm o poder de dar à realidade uma configuração e de governá-la numa direção previamente definida” (LIBÂNEO, 2006, p. 56). No segundo significado o autor enfatiza a reflexão como uma relação direta entre a nossa forma de refletir e as situações práticas vividas, que é o que vai definir o nosso modo de 29 agir diante das situações. A capacidade reflexiva começa necessariamente numa situação concreta entre o mundo externo e a ação do sujeito, sendo a sua função proporcionar um rumo à ação (LIBÂNEO, 2006). O terceiro significado da reflexividade é a dialética. Nessa perspectiva, “a realidade ganha sentido com o agir humano [...] A realidade é uma construção teórico-prática” (LIBÂNEO, 2006, p. 57), e o conhecimento precisa ser crítico, implicando uma autorreflexão do profissional professor, nossos compromissos e limites, na intenção de mudar o nosso fazer, a nossa prática. Para Kemmis (1987), a reflexão crítica pode ser utilizada para que haja melhoria da escola e do desenvolvimento pessoal dos professores, que podem se transformar numa comunidade questionadora, crítica e reflexiva sobre o trabalho que realizam. Reportando-se a escola, Alarcão (2003, p. 83) afirma: A escola reflexiva é uma [...] organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização e se confronta com o desenrolar da sua atividade num processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo. Essas ideias reforçam a nossa discussão a respeito dessa questão e destacam a necessidade de uma escola que possibilite ao aluno uma formação condizente com as demandas atuais e com valores necessários e imprescindíveis, o que só será possível se o professor estiver consciente da sua profissão, do seu processo de formação e de um referencial teórico que sustente as suas ações. Sistematizando e questionando sua prática, tendo como parâmetro um referencial teórico e as diversas situações vividas no seu cotidiano, o professor poderá avaliar e reformular essa prática, tendo em vista um melhor desempenho profissional e consequentes resultados positivos para o aluno. Como afirma Magalhães (2002, p. 18), “o objetivo principal da reflexão é construir identidades em que os professores se percebam como atores que decidem”, considerando as questões socioculturais e interesses que permeiam as suas decisões. É evidente que não nos serve qualquer reflexão, a nossa intenção, como já enfatizado, é promover a reflexão numa proposta dialética, que tenha sempre em vista a realidade com a qual lidamos. Realizar mera reflexão sobre o trabalho pedagógico é insuficiente tanto para a compreensão teórica, quanto para a própria prática profissional. 30 Para realizarmos uma prática consistente é necessário estudo e compreensão da realidade contextual com a qual trabalhamos Para Ibiapina (2003 p.54), [...] o ato educativo de ensinar deve ser compreendido como parte integrante de um sistema social em mudança. Mudanças que atingem diretamente tanto no âmbito educacional mais geral, quanto no cotidiano da sala de aula. Nesse sentido, a prática pedagógica precisa e deve ser retomada, refletida e reorganizada, tendo sempre em vista ações cada vez mais sérias e competentes visando resultados efetivos pelos alunos. É importante que tenhamos clareza de que não nascemos reflexivos, aprendemos a ser a partir do contexto em que vivemos. Vamos convivendo, aprendendo, colhendo informações, construindo conhecimentos, e aprendendo a refletir. É na relação com o outro que vamos desenvolvendo essa capacidade. É assim que precisamos pensar no aluno como esse ser que aprende nas relações sociais, constrói conhecimentos, tem experiências que precisam ser consideradas e respeitadas. Precisamos ter consciência de que o refletir deve ir além da nossa prática imediata, devemos refletir sobre as questões que limitam o nosso fazer, sobre a estrutura organizacional da própria sociedade. Nesse estudo, a reflexão é entendida como um processo de pensar criticamente a relação teoria-prática, a partir de uma autorreflexão sobre o que sabemos, como desenvolvemos nossas ações, quais os nossos compromissos com o aluno, limites, possibilidades e responsabilidades, buscando as mudanças e transformações que se fizerem necessárias. A reflexão na proposta dialética tem que captar a realidade em movimento por meio do pensamento. Assim, é possível nos apropriarmos do conhecimento teórico e, dessa forma, ressignificarmos a prática e transformá-la. Para isso, é imprescindível disponibilidade, motivação e desejo de mudança. Nesse processo o fazer e o refletir sobre o fazer são obrigatórios, o que é corroborado por Freire quando discute que na formação dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. “É através dessa reflexão que será possível deixar de lado o fazer ingênuo, transformando-o num fazer crítico” (FREIRE, 1996, p. 38), contribuindo para que aluno aprenda a pensar conceitualmente e dessa forma consiga compreender os fenômenos que o rodeiam e possa resolver as situações que se apresentam no seu cotidiano, procurando mudar e transformar a si mesmo, ao outro e ao seu entorno. 31 Refletir não pode ser mais um modismo vocabular. Entendemos como uma forma de transformar a ação, no sentido de desencadear processos transformativos, uma vez que exige dos partícipes estudo e colaboração permanentes. É necessário que se constitua num efetivo processo de mudança das práticas vigentes no contexto das nossas escolas, que formam alunos sem as condições devidas de enfrentar as demandas sociais que ora se apresentam. A intenção da nossa pesquisa é exatamente estabelecer esse espaço de conflito em que os saberes sejam partilhados entre as partícipes do trabalho, de modo que estas interfiram criticamente no conhecimento e na prática pedagógica uma das outras. É importante salientar que o trabalho colaborativo realizado em nossa pesquisa não se trata apenas da discussão em torno da prática pedagógica. Pretendemos, em verdade, estabelecer um diálogo entre a prática pedagógica e as construções teóricas formuladas em parceria reflexiva, em busca tanto da construção do conceito de família, quanto de um fazer que permita essa formulação. Nesse sentido, podemos reafirmar que essa forma de reflexão compartilhada entre os diversos sujeitos envolvidos em nosso trabalho, visando a uma (re) elaboração não só dos conceitos, mas da própria prática, tem por mérito romper com os moldes mecanicistas e tecnicistas, que têm invadido a escola brasileira, fazendo do planejamento pedagógico um instrumento burocrático de projeções de ações desvinculado da realidade social e excessivamente fragmentário para se obter de fato uma prática significativa e operante que transforme a realidade social dos aprendentes. A viabilização e a concretização dos objetivos estabelecidos implicam a utilização de determinados procedimentos de investigação que possibilitem a construção da empiria, respondendo aos propósitos da nossa questão de investigação, o que passaremos a explicitar a seguir. 2.2 LÓCUS DA PESQUISA A escolha do contexto onde vai ser desenvolvida uma pesquisa de intervenção é condição fundante. Sem isso, é impossível a realização desse tipo de trabalho. Para a construção da empiria desse estudo, a escola pública foi o lócus onde encontramos os parceiros para a viabilização desse projeto. Assim, a nossa opção se deu por uma escola municipal da cidade de Natal/RN, que atende alunos da educação infantil e ensino 32 fundamental (anos iniciais), onde atuamos durante quatro anos como Orientadora Educacional, doze como gestora e hoje estamos na função de coordenadora pedagógica. A escolha por esse campo empírico foi motivado também pelo fato de considerarmos a necessidade de um processo de estudo e reflexão sobre a prática desenvolvida e, ao mesmo tempo, por alguns profissionais considerarem necessário haver um momento bem que pudéssemos discutir sobre essa prática e os resultados da aprendizagem dos alunos. A seguir caracterizamos a escola escolhida e as partícipes com as quais desenvolvemos as ações. 2.2.1 A Escola A escola espaço dessa investigação (Escola Municipal Professor Arnaldo Monteiro), localizada no bairro Neópolis, zona Sul de Natal/RN, atendia uma clientela de 280 alunos do primeiro segmento do Ensino Fundamental e 42 crianças da Educação Infantil. Desse total de alunos, é mínima a quantidade dos que moram no bairro. A maioria mora em comunidades vizinhas, principalmente no bairro de Ponta Negra. A vinda das crianças de Ponta Negra se dá pelo fato de que há uma superlotação nas escolas desse bairro e os excedentes, então, ocupam as salas de aula do Arnaldo Monteiro, que possui escassez de alunos. Os alunos do bairro onde está localizada essa Escola, em geral, não estudam em escolas públicas. Fig. 1 – Procedência dos alunos Fonte: Dados da matrícula/2010 Sua estrutura física é constituída por seis salas de aula, secretaria, sala de professores, sala de multimeios (vídeo e leitura), laboratório de informática, quadra 33 poliesportiva, um galpão que funciona como refeitório, cozinha e área livre para atividades recreativas, com um parque infantil. As atividades curriculares seguem as orientações da Secretaria Municipal de Educação e são norteadas pelo Projeto Político Pedagógico, Regimento Escolar e Conselho Escolar, que têm contribuído para a gestão da escola. Além desses instrumentos ainda existe o Caixa Escolar, através do qual chegam à escola os recursos financeiros com os quais se mantém. É missão dessa escola: Garantir o acesso e a permanência do aluno, assegurando um ensino de qualidade, por meio de um trabalho inovador, participativo, criativo e de respeito ao outro, visando formar cidadãos críticos e conscientes para enfrentarem os desafios do mundo moderno (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2011, p. 3). Mesmo com uma missão definida, são muitos os problemas de aprendizagem dessa instituição em função de uma série de elementos. Dentre esses, podemos destacar a falta de um processo contínuo de formação, envolvendo o planejamento que deve ser encaminhado pela escola, permitindo ao professor aprender a pensar, refletir sobre a sua prática pedagógica; a falta de integração escola-família, o desinteresse dos alunos, causado, talvez, pela não concretude do que está sendo realizado e o respeito pelos seus interesses e saberes, o desestímulo do professor, a falta de interesse e desmobilização por parte da direção do que é feito pela equipe com relação às questões pedagógicas, entre outros. Percebemos desde há bastante tempo que a prática pedagógica desenvolvida na instituição é muito fragmentada e, embora encontremos práticas realizadas de maneira excelente, não existe um trabalho coeso e um processo de formação continuada efetivo que possibilite a participação de todos os profissionais. Em apenas um dos turnos (vespertino) há acompanhamento pedagógico, o que torna complicado a realização de um trabalho articulado. Além dessas questões, é perceptível que os professores desconhecem as funções, processo e procedimento psíquicos implicados nos processo de ensinar e aprender e suas inter-relações com o desenvolvimento do aluno, o que nos faz elaborar a ideia de que em função disso, o processo de aprendizagem das crianças não se efetiva a contento. De maneira geral, essas crianças são aprovadas sem o domínio de habilidades e competências básicas, pelo fato de que, na maioria das vezes, o professor trabalha apenas no domínio do sensório- intuitivo apelando para a memorização mecânica. 34 Enfim, todos esses elementos são entraves que interferem na qualidade do ensino e desenvolvimento dos alunos, no sentido de se tornarem críticos, conscientes da necessidade de enfrentamento dos problemas do mundo em que vivem e de buscar alternativas de solução. Com relação ao quadro funcional, a Escola tem uma equipe composta por um diretor, vice-diretor, uma coordenadora pedagógica, além do corpo docente formado por 15 profissionais que trabalham diretamente com os alunos, sendo: uma professora de educação física, dois de arte-educação, uma de informática, 10 regentes de sala de aula, todos com curso superior e/ou cursos de pós-graduação em nível de especialização. Nesse contexto, dialogando no grupo e com os diversos autores, procuramos refletir sobre a formação do nosso próprio pensamento teórico, a partir do entendimento que possuíamos da nossa prática, tendo em vista a possibilidade de uma mediação pedagógica que viabilizasse o desenvolvimento do pensamento do aluno. Dessa forma promovemos um processo contínuo de estudos, uma vez que entendemos que, socializando e elaborando novos conhecimentos, elaboramos novas formas de lidar conosco, com o ensino e com a aprendizagem. Pensamos que assim encontramos o verdadeiro sentido da contribuição da pesquisa colaborativa. No item a seguir fazemos uma descrição das partícipes da pesquisa, tendo em vista as suas características de formação profissionais. 2.2.2. As Partícipes Iniciamos essa pesquisa com um total de quatro profissionais: uma da educação infantil, uma do 1º ano do ensino fundamental, uma do 2º anodo ensino fundamental, e uma Coordenadora Pedagógica. Logo nos primeiros meses do início da pesquisa, quando realizávamos as primeiras atividades, a professora do 2º ano resolveu não mais participar em função de questões pessoais. No final de 2010, a professora do 1º ano pediu remoção da Escola e outra logo assumiu o seu lugar, não mostrando o interesse em participar de um processo que já estava em curso. Em função disso, continuaram a professora da educação infantil e a coordenadora pedagógica, proponente da pesquisa, que permaneceram até o final. As partícipes possuem entre seis e 23 anos de serviço. Duas delas são casadas e todas possuem dupla jornada de trabalho. É importante deixar claro que para efeito de identificação, foi utilizada a inicial do nome de cada partícipe (D., S., e C.), conforme combinado. 35 É importante esclarecer que a professora C., embora já não pertença mais ao quadro de profissionais da Escola, participou por um longo tempo das nossas atividades (até o final de 2010) e por esse motivo, consta no quadro a seguir. Quadro 01-Formação e atuação profissional das partícipes Fonte: Ficha de dados elaborada pela autora/2010. Na Pesquisa Colaborativa, como sabemos, qualquer pessoa interessada pode fazer parte e contribuir com o grupo. O nosso grupo, como explicitado foi composto até o fim de 2010 de três partícipes. Contudo, para o processo de análise da prática pedagógica foram considerados os elementos que fizeram parte das ações da partícipe S., professora, da Educação Infantil, por ser a que se disponibilizou a expor-se a um processo intra e intersubjetivo. 2.3 POR ONDE CAMINHAMOS Dentre os inúmeros procedimentos de pesquisa para a construção da empiria tendo como foco a pesquisa colaborativa, foram privilegiados: a Reunião, o Planejamento, os Ciclos de Estudos Reflexivos, a Observação Colaborativa e as Sessões Reflexivas, descritos a seguir. 2.3.1 Reuniões As reuniões são responsável por discussões que podem tornar mais sistemático o trabalho que realizamos. Em reuniões podemos resolver uma série de situações que em muitas ocasiões poderiam ser de difícil resolução. Os participantes falam o que pensam, discutem e Nome (letra inicial) Formação inicial Pós-graduação Ano que leciona Tempo de docência C. Pedagogia -- 1º 06 anos S. Pedagogia Esp. Ed. Infantil Ed. Infantil 14 anos D. Pedagogia Mestre em Educação Coord. Pedagógica 23 anos 36 resolvem situações que podem estar entravando a superação de determinado problema. É na verdade, um espaço de debate e articulação clara das questões que interferem positiva ou negativamente no trabalho que está sendo desenvolvido. Na reunião é fundamental que as conversas, as discussões fluam, evitando “discursos trocados e argumentos atravessados” (BUENO, 2009). A conversa parte do princípio das multiplicações da diferença, das relações que se podem estabelecer a partir dessas diferenças. Para se tornar um sujeito da diferença, da experiência, é preciso criar um novo espaço. Um espaço para que nossas “ignorâncias” apareçam livres dos saberes que estão relacionados às interpretações (BUENO, 2009). As conversas em reuniões sistematicamente organizadas permitem descobrir o que nos separa, o que nos aproxima, o que é comum entre nós, facilitando a convivência e o alcance dos objetivos estabelecidos. Em seguida passaremos a descrever as reuniões efetivadas no contexto do estudo. 2.3.1.1 Com as partícipes As reuniões com os professores tiveram dois objetivos. Inicialmente, serviram para darmos esclarecimentos a respeito do trabalho a ser desenvolvido. Nesse momento, expusemos os objetivos e o objeto de investigação para que se decidissem se queriam ou não participar da pesquisa. Deixamos claro que os únicos critérios de aceitação no grupo eram a adesão, a vontade de estudar e o desejo de colaborar. No segundo momento, a reunião serviu para a leitura do Termo de Esclarecimento da pesquisa, incluindo a metodologia utilizada. Nesse Termo, foi feita uma descrição do que iria ser realizado. Além disso, nesse dia foi distribuído o Termo de Adesão, que foi lido de forma compartilhada. Refletimos sobre cada aspecto e depois assinamos. Esse termo de adesão serviu como normatização da constituição do grupo de partícipes. Para Aguiar e Ferreira (2007, p. 77), “sem essa adesão, os processos continuarão a ser para ele externos e estranhos, aos quais, se submete, mas jamais se converterão em expressão do seu próprio ser”. Além disso, fizemos à análise e discussão dos objetivos, que já haviam sido apresentados e lidos. Ao assinar o Termo de Adesão, os partícipes se comprometem a participar de forma voluntária e consciente da pesquisa. Na verdade, a priori, só se compromete quem tiver interesse pelo tema e, principalmente, se tiver interesse em estudar e vontade de rever e reformular a sua prática. 37 Na segunda reunião também definimos as atribuições dos partícipes. Esclarecemos que trabalhando na perspectiva da pesquisa colaborativa é necessário estabelecer as funções de cada um para que não fiquem desiguais as responsabilidades e todos se percebam como responsáveis pelo processo. Para Desgagné (2007 p. 18): [...] colaborar não significa que todos devem participar das mesmas tarefas, mas que sobre a base de um projeto comum cada participante colabore, oferecendo uma parte de contribuição específica e, consequentemente, beneficiando todo o conjunto. A partícipe proponente da pesquisa tem a função de orientar, de mediar, uma vez que possui uma experiência maior com relação à teoria, possibilitando fazer articulação com a prática, além de coordenar os estudos, as discussões buscando os materiais mais adequados. Deve, enfim, articular momentos em que o diálogo e a reflexão estejam presentes. Afinal, compreendemos que não é porque o processo é colaborativo e, consequentemente, democrático, que todos vão fazer tudo. Todos são responsáveis por todas as ações e resultados, mas individualmente possuem responsabilidades a cumprir. Assim, todos os colaboradores, inclusive o proponente da pesquisa, têm suas funções definidas. Elaboramos ainda um cronograma inicial do trabalho com as datas e ações a serem realizadas. Definimos a sala de leitura dos professores como o local em que realizaríamos os encontros e estudos. Definimos também que utilizaríamos o tempo de pelo menos duas horas e meia (até antes do intervalo das aulas). Nessa reunião ainda foi preenchida uma ficha de identificação com os dados no quadro anteriormente apresentado (quadro 01). Após esse processo, ficaram comprometidas com a pesquisa, como antes citado, as professoras: S., A., C. e D. Consideramos as reuniões um momento fundamental para que pudéssemos compreender e colocarmos os ‘pingos nos is’ sobre o trabalho que estávamos nos propondo a realizar. Podemos dizer que firmamos uma aliança, em que o eixo básico foi o compromisso e a responsabilidade dos partícipes, no decorrer de todo o processo. Em síntese, foram realizadas duas reuniões. 2.3.1.2 Com pais 38 Para a realização de pesquisa em que crianças são participantes de forma direta ou indireta é necessário que os pais ou responsáveis estejam a par do que acontece, desde o objetivo até o envolvimento da criança, permitindo a participação delas na pesquisa. Na primeira reunião, no dia 27/08/2010 estiveram presentes apenas seis pais dos 22 que têm filhos matriculados na escola. Na segunda, realizada no dia 29/08, convidamos apenas os que antes não haviam comparecido; nesse momento estiveram presentes mais sete que consentiram e apoiaram a realização da pesquisa, perfazendo um total de mais de 50%. Nessas reuniões, além das questões de normatização da pesquisa, esclarecemos sobre o objetivo e o que estávamos querendo pesquisar, discutimos sobre a aprendizagem das crianças, as suas dificuldades, a prática pedagógica dos professores e a importâncias da participação dos responsáveis nesse processo, esclarecendo que as crianças não estavam incluídas no processo, centrando-se a análise na prática da professora. Podemos dizer que esse foi um momento bastante significativo, pois houve apoio e disponibilidade por parte dos participantes. 2.3.2 Planejamento O planejamento é uma atividade inerente à vida do homem. Para viver de forma organizada o homem planeja desde as coisas mais simples às mais complexas da sua vida. Quando nos referimos à educação consideramos o planejamento uma atividade intrínseca “por suas características básica de evitar o improviso, rever o futuro, de estabelecer caminhos que podem nortear mais apropriadamente a execução da ação educativa [...]”. (PADILHA, 2005, p. 45) E, além disso, permitir acompanhar e reelaborar ações e pensamentos. Planejar e pensar andam juntos. Ao começar o dia, por exemplo, pensamos e distribuímos nossas atividades no tempo: o que iremos fazer, como fazer, para que fazer, com o que fazer, etc. Nas mais simples e corriqueiras ações humanas, quando pensamos de forma a atender metas e objetivos, estamos planejando, sem necessariamente criar um instrumental técnico que norteie nossas ações. Planejar enfim, faz parte da vida. Aquele que não mais planeja talvez já tenha robotizado suas ações, portanto, quem sabe, não tem a consciência do que está fazendo, nem se ainda pode construir algo, o que é um perigo quando tratamos especialmente do trabalho desenvolvido pelo professor que é um profissional que necessita, sob todos os pontos de vista, planejar a ação que pretende desenvolver, refletir sobre sua ação, pensar sobre o que faz, antes, durante e depois. 39 O planejamento é um processo que exige organização, sistematização, previsão, decisão na pretensão de garantir a eficiência e eficácia de uma ação. É essencial enfatizar que o planejamento de ensino implica, especialmente, em uma ação refletida: o professor elaborando uma reflexão permanente de sua prática educativa visando mudanças, retomadas e reelaborações, tendo sempre em vista uma atitude científica do fazer didático-pedagógico. É evidente, que não garante o desenvolvimento de uma prática consistente. Contudo, pode evitar problemas na execução das nossas ações. Planejando, estaremos minimizando a necessidade de fazer revisões durante a execução. Esse sempre foi um problema no contexto da Escola na qual desenvolvemos a pesquisa, pois, embora existisse um dia na semana disponível para a realização dos planejamentos, não havia nada concretamente organizado para que isso ocorresse. Foi com o início do Mestrado em 2008, quando pesquisamos sobre a formação continuada e o desenvolvimento do pensamento, que passamos a considerar o desenvolvimento de um projeto que pudesse dar efetividade e utilizar de forma mais sistemática e racional o tempo destinado aos professores para a organização do seu trabalho. Para Libâneo (1994, p. 221): “o planejamento é um meio para se programar as ações docentes, mas é também um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado a avaliação.” Ou seja, através desse instrumento é possível tomarmos consciência do que queremos fazer, quais as possibilidades e os riscos do trabalho que realizamos e a que resultados poderemos chegar, tendo sempre como lastro o respaldo teórico que deve fundamentar as nossas ações. Realizar uma atividade complexa como a de ensinar requer a compreensão de que teoria e prática estejam estritamente articuladas, pois só assim o professor poderá encaminhar o seu trabalho planejando ações sem improviso e casualidade, tendo clareza de que podem existir entraves, mas que, ao mesmo tempo, se tiver consciência do que pode e deve fazer haverá muito mais tranquilidade no desenvolvimento do processo. Nessa perspectiva, Ibiapina e Lima expressam que: [...] o ato de planejar assume importância substancial, visto que oferece elementos que sustentam escolhas feitas no dia-a-dia da ação docente, abrir espaços para a reconstrução dessa ação, implica, pois, compreender que, por meio dele, obtemos consciência dos limites e das possibilidades sabendo exatamente o que, o como e o porquê de realizar determinadas ações e não outras, [...] (IBIAPINA ; LIMA, 2007, p. 102). 40 Essa ideia nos respalda sobre o que pensamos a respeito da importância do planejamento. Entendemos que ele nos dá diretrizes e abre caminhos para que obtenhamos resultados mais efetivos do trabalho que realizamos. A seguir apresentamos as ações planejadas tendo em vista o nosso objeto de estudo e o alcance dos objetivos estabelecidos. Quadro 02 – Cronograma do planejamento geral Fonte: elaborado pela autora/2010 Para viabilizar as nossas ações optamos por trabalhar o planejamento baseado na metodologia da Elaboração Conceitual (FERREIRA 2009). Assim, iniciamos um processo que vai desde a sondagem dos conhecimentos até as ações propriamente ditas. “[...] A sondagem dos conhecimentos prévios é uma etapa imprescindível da metodologia de elaboração de conceitos” (FERREIRA, 2009, p.103). A partir desses conhecimentos, que são aprendidos e internalizados pelos alunos ao longo das suas experiências vividas em qualquer espaço e contexto, podemos detectar o que esse aluno já sabe, o que precisa aprender em termos cognitivos, como também no que diz respeito aos “[...] estágios do desenvolvimento cognitivo e socioafetivo [...]” (FERREIRA, 2009, p.103). É importante frisar essa questão porque, em geral, no trabalho que desenvolvemos na escola costumamos considerar apenas os aspectos cognitivos, descartando os aspectos sociais e afetivos que tanto interferem na vida do sujeito. Para obtermos os resultados desejados com a sondagem, necessário se fez que, a partir da metodologia de elaboração conceitual, planejássemos situações de aprendizagem diversas e coerentes, tendo em vista os objetivos estabelecidos, considerando segundo Ferreira, (2009) que a sondagem pode ser feita tendo em vista diferentes aspectos (conceitos, funções mentais, procedimentos, atitudes, habilidades, reações afetivas e outros). DATAS AÇÕES 14/05/2010 O que vamos fazer? 27/05/2010 Diagnóstico do conceito de família das partícipes Organização do cronograma de atividades 10/08/2010 Como trabalhar o conceito de família (organização das ações) 27/08/2010 Organização da Reunião com pais 27/09/2010 1ª Reunião com pais 29/09/2010 2ª Reunião com pais 10/11/2010 Retomada das ações realizadas 41 O trabalho realizado na sala de aula deve transcorrer da melhor maneira possível dando condição para que o aluno apreenda e internalize os conhecimentos trabalhados, o que só será possível se o trabalho desenvolvido pelo professor for efetivado com cuidado e de forma prazerosa, fazendo esse aluno se sentir participante ativo do processo, confiante e consciente de que aprender requer, além de uma ação pertinente do professor, vontade e desejo de quem aprende. Para despertar essa vontade e esse desejo é fundante um planejamento por parte desse professor, encaminhado para essa perspectiva. Conforme atestam os estudos de pesquisadores como: Ferreira (2007, 2008), que investiga a formação de conceito no Ensino Fundamental e na Pós-Graduação, Guedes (2003), Cunha (2011) e Oliveira (2011), que apresentam trabalhos com conceito no ensino superior, Marques (1997), Cabral Neta (1997), Aguiar (2006), Góis (1994, 2003), Soares Júnior (1994, 2000), Andrade (1998), Ibiapina (2004), Oliveira, (2010), que discutem o conceito no processo de formação de professores, a formação de conceitos pelo sujeito ocorre de forma diferenciada, uma vez que cada um vive também uma realidade específica no que diz respeito a suas experiências. Nesse sentido, o planejamento dos conteúdos e das situações de aprendizagem escolar relativas a isso devem estar condizentes com essa realidade. Como afirma Ferreira (2000, p. 146), “a origem do processo de formação de conceitos não pode ser identificada à maturação das funções mentais, nem ao seu meio cultural isoladamente”. Isso significa que há uma reciprocidade entre esses elementos, que interferem no processo desenvolvido pelo professor e na aprendizagem da criança. Por sua vez, as informações colhidas através da sondagem possibilitam que o ensino e aprendizagens posteriores se efetivem com maior concretude. É assim então, [...] que se dá a continuidade do processo, considerando procedimentos diferenciados para desencadeá-lo, uma vez que os diferentes estágios de complexidade dos conceitos e os variados níveis de escolaridade requerem estratégias de aprendizagem diversificada [...] (FERREIRA, 2009, p.108). Na fase inicial da escolarização, especialmente na educação infantil, o trabalho com conceitos é possível de ser realizado, temos clareza disso. Contudo, o processo inicia-se com conceitos que possuem um grau menos abrangente de generalidade, com uma base sensório- perceptível que vão se associando e atingindo níveis mais abrangentes, num movimento ascendente e em espiral (FERREIRA, 2009). Nesse sentido, consideramos, conforme Ferreira, o Estágio Exploratório, que, 42 [...] abrange desde as noções difusas a dispersas acerca dos fenômenos, sendo possível diferenciá-los, sem, no entanto, indicar seus atributos/propriedades isolados até a indicação desses atributos/propriedades e a formação de imagens isoladas que servirão de base para a elaboração dos conceitos (FERREIRA, 2009, p. 109). Embora a criança pequena da educação infantil ainda não seja capaz de formar conceitos dentro das características e dos padrões estabelecidos para a fase da conceituação é nesse período que o processo se inicia, devendo ocorrer de forma contínua e sistemática. Afinal, ninguém elabora conceitos sem a interferência de um par mais experiente, que é quem vai promover essa sistematização. Assim sendo, as situações de aprendizagem propostas devem ser interessantes, devem provocar reações afetivas positivas e a ampliação do repertório sensório-perceptivo do aluno a respeito do que vai ser conceituado (FERRWEIRA, 2009). Foi nessa perspectiva que encaminhamos nossas ações. Para isso, priorizamos alguns procedimentos lógicos que consideramos compatíveis com a faixa de escolaridade das crianças. Entendemos ser importante que as situações de aprendizagem estejam condizentes com o seu universo contextual sendo privilegiadas “[...] entrevistas, desenhos, uso de materiais concretos (caixas, cordões, lápis de cor, etc.)” (FERREIRA, 2009, p. 107). O planejamento tornou-se um instrumento importante para o contexto desta pesquisa, pois através dele programamos e direcionamos ao que pretendíamos realizar. Foi realizado nos dias definidos pela escola, ou seja, quinzenalmente, às terças-feiras a partir das 14 horas, mas com uma dinâmica em que o estudo e a reflexão estiveram sempre presentes. É importante enfatizar que o conceito e as situações de aprendizagem planejadas para o trabalho da partícipe S. com os alunos exigiram estudos e compreensão do que iria ser feito na sala de aula, o que se deu a partir dos Ciclos de Estudos Reflexivos, descritos a seguir. 2.3.3 Ciclos de Estudos Reflexivos Os Ciclos de Estudos Reflexivos têm se constituído num espaço de formação, em que o professor elabora e reelabora conhecimentos, melhorando o seu suporte teórico e, consequentemente, a sua prática, através de discussões de situações específicas. Além disso, possibilitam ainda “a reconstrução de saberes, a reconsideração de valores crenças e objetivos 43 da ação, propiciando a opção por alternativas mais eficazes à solução dos problemas vivenciados no cotidiano da prática pedagógica” (AGUIAR E FERREIRA, 2007, p 76). Os Ciclos de Estudos possibilitam ao partícipe perceber a necessidade de estudar sistematicamente, como forma de obter uma aprendizagem contínua, para encontrar formas de solucionar os problemas vividos na prática pedagógica (AGUIAR; FERREIRA, 2007). Nessa pesquisa, o objetivo da utilização desse procedimento se baseou, conforme as ideias das autoras, na compreensão de que só o estudo, a convivência no grupo, a troca de experiência podem fazer com que os saberes e conhecimentos sejam revistos e modificados, conforme as necessidade e exigências do contexto. Por isso é fundamental que a instituição escolar realize momentos, em que esse professor possa adquirir e elaborar novos conhecimentos e, assim, tornar mais significativo o seu fazer, contribuindo para melhorar a aprendizagem e o desempenho do aluno. Nessa perspectiva, os Ciclos de Estudos Reflexivos objetivaram retomarmos algumas questões relativas à colaboração, à reflexividade, ao desenvolvimento do pensamento, e ao conceito de família elaborado e reelaborado pelas partícipes, em particular S. que o trabalharia em sua sala de aula. Para Aguiar e Ferreira (2007, p. 76): A implementação dos Ciclos de Estudos Reflexivos implica algumas etapas: sondagem das necessidades formativas e dos conceitos cujos significados pretendem-se aprofundar, apropriação de novos pressupostos teóricos conceituais e reelaboração dos conceitos e de sua significação prática. Na verdade, pensávamos em realizar estudos apenas sobre o conceito de família e de prática pedagógica, uma vez que as partícipes eram as mesmas do ano anterior, quando concluímos o trabalho de mestrado. Porém, as mudanças antes mencionadas, particularmente, a inclusão de uma nova partícipe nos obrigou a estudar e promover discussões sobre tais assuntos. Assim, além dos textos relativos à família e à prática pedagógica estudamos também autores que abordavam a pesquisa colaborativa e formação conceitual. Os Ciclos de Estudos Reflexivos obedeceram à sistemática discutida e decidida pelos partícipes, tendo sido definido que iniciaríamos com o texto de Ferreira (2009), que trata da formação conceitual, obedecendo à sequência proposta abaixo:  Diagnóstico dos Conhecimentos Prévios;  Acesso antecipado aos textos; 44  Leitura prévia dos mesmos;  Discussão das ideias centrais dos autores e retomada de aspectos considerados necessários a uma maior compreensão das ideias;  Comparação dos conceitos emitidos pelos autores, destacando semelhanças e diferenças entre eles;  Relação das propriedades ou atributos essenciais (necessários e distintivos) do conceito;  Reelaboração dos conceitos considerando essas propriedades;  Comparação dos conceitos prévios e (re) elaborados. Combinamos que os textos seriam entregues sempre na semana anterior para que todos se familiarizassem e pudessem ser mais ágeis na discussão. Enfatizamos que em todos os momentos utilizaríamos um gravador de voz, visando não perder nenhum detalhe das discussões realizadas. A cada encontro retomaríamos a discussão anterior, a partir da transcrição do que havíamos dito e do que havíamos gravado. Cada partícipe poderia retomar a sua fala, acrescentar e melhorar a sua argumentação. Os Ciclos de Estudos Reflexivos foram realizados, obedecendo à disponibilidade do grupo de partícipes, ou seja, semanalmente ou quinzenalmente, mas sempre às terças-feiras, no turno matutino ou vespertino, período disponível para o planejamento das partícipes da pesquisa. Consideramos importante evidenciar que mesmo não fazendo oficialmente parte da pesquisa, outros professores sempre estiveram presentes aos estudos, mas pediram que nem seus nomes e falas fossem registrados, uma vez que não teriam como participar efetivamente do trabalho. Quadro 3 – textos e autores estudados Período Textos Referências 04/05/2010 e 18/05/2010 A trama de pesquisar e formar em colaboração IBIAPINA, Ivana Maria L. de M.; FERREIRA, Maria Salonilde. In: IBIAPINA, Ivana Maria L. de. Formação de professores – texto e contexto. Belo Horizonte, 2007. 18/05/2010 e 25/05/2010 Delineando Rotas: Procedimentos para elaboração conceitual FERREIRA, Maria Salonilde. Buscando caminhos – uma metodologia para o ensino- aprendizagem de conceitos. Brasília: liberlivro, 2009. 45 Fonte: Elaborado pela autora/2010. A distância entre o término de um texto e o início do outro se deu por questões de ordem pessoal das partícipes ou a compreensão do texto que algumas vezes necessitou de mais tempo que outros para ser analisado e compreendido, como também devido à organização e estrutura da escola. É importante destacar que mesmo tendo sido realizado o estudo de sete textos, a elaboração conceitual se restringiu ao conceito de família, uma vez que os outros textos e conceitos foram trabalhados e elaborados no período da pesquisa do mestrado e, como as partícipes eram as mesmas, nos detivemos apenas nos estudos e discussões. 2.3.4 Observação Colaborativa A observação faz parte da vida do ser humano. O homem observa para compreender, opinar, tirar conclusões. Mas para ser considerada uma observação científica deve utilizar princípios que são definidos a partir dos objetivos estabelecidos de acordo com o objeto de investigação de quem realiza determinada pesquisa. Na perspectiva desta pesquisa, a observação tem objetivo de produzir dados e particularidades inerentes à prática desenvolvida pelo professor e aos conhecimentos por ele externados. Além disso, também deve fornecer elementos para serem refletidos no espaço de 01/06/2010 O homem: um ser em atividade construindo seus conceitos AGUIAR, Olivette Rufino Borges P. In: FROTA, Paulo Rômulo de Oliveira Frota (Org.). Do cotidiano à formação de professores. Teresina: EDUFPI, 2003. 15/06/2010 Reflexividade e formação de professores LIBÂNEO, José Carlos. In PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, E. Professor reflexivo no Brasil – gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2006. 26/06/2010 A família ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. São Paulo: Centauro, 2002. 15/07/2010 e 16/08/2010 Deus Pai A família do futuro ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 27/08 /2010 A família como núcleo socializador Arcoverde, Ana C. Brito. Mediação de conflitos e família. Recife: Ed Universitária, 2002. 46 formação, com o intuito de desenvolver uma prática pedagógica cada vez mais coerente com a realidade e as necessidades de transformá-la. Dentre os vários procedimentos de observação optamos pela observação colaborativa, considerando que “[...] é procedimento metodológico que valoriza a participação, a colaboração e a reflexão crítica, conquanto processos formativos” (IBIAPINA, 2008, p.90). A observação tem um caráter subjetivo e é considerada um dos processos de coleta de informações e aquisição de conhecimento, sendo assim um dos recursos fundamentais na pesquisa científica, não podendo servir simplesmente para avaliar a ação desenvolvida pelo professor, pois dessa forma pode “retirar-lhe o potencial que pode adquirir na (re) construção do saber pedagógico” (PAIVA, 2002, p.521), embora qualquer observação realizada na sala de aula, ainda tenha essa conotação, descaracterizando, assim, a sua intenção. A Observação Colaborativa possibilita uma reflexão conjunta sobre a prática pedagógica, permitindo que as relações estabelecidas sejam analisadas, e a necessidade de mudanças ou não do trabalho desenvolvido seja compreendida. Segundo Ibiapina (2008, p. 94), esse procedimento “[...] auxilia o professor a rememorar sua prática por meio de diálogo volitivo com a realidade ajudando a se apropriar do conhecimento e do saber-fazer inerentes ao processo de ensinar [...]”. Observação Colaborativa privilegia as ações da descrição, a interpretação, o confronto, e a (re) construção de teorias e práticas voltadas ao processo de ensino-aprendizagem. “O saber pedagógico que advém dessa observação [...] nasce de um saber-fazer partilhado, co-construído e reconstruído”. O que nos faz compreender que a teoria nasce da prática e é alimentada por ela. Ainda segundo essa autora (2002), os ciclos de observação na modalidade colaborativa são apresentados em três fases, a saber: a de pré-intervenção, intervenção e pós- intervenção. Na intervenção e pós-intervenção, são registrados dados, baseado num roteiro anterior, que passam a ser refletidos com os partícipes. A intenção é fazer com que haja clareza sobre o que já foi aprendido, o que desenvolvem na sua prática e o que não conseguem desenvolver. Na verdade, é um exercício que possibilita aos professores, “o entendimento sobre o significado das escolhas que fazem no exercício docente” (IBIAPINA, 2008 p. 91). Revendo a prática pedagógica, o professor pode encontrar respostas para as dificuldades e dilemas melhorando-a por meio da reflexão, uma vez que vai se compreendendo e se assumindo como ser que acerta, erra e é movido pela (in) certeza de encontrar respostas para as suas dúvidas, para os seus problemas, afinal, como ressalta Freire (1996 p. 38), “[...] quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser, 47 de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me [...]”. Observando e refletindo sobre o seu fazer, tem a possibilidade de se tornar mais conscientes do que faz, das suas eficiências e deficiências podendo propor, criar e recriar o fazer pedagógico. Nesse sentido, utilizamos a Observação Colaborativa considerando, os ciclos de observação e as fases descritas por Paiva (2002). No momento inicial na pré-intervenção, nos reunimos para discutir o roteiro de observação, os objetivos e as suas finalidades. Na fase de intervenção, momento em que o trabalho é realizado, registramos os dados conforme o roteiro previamente elaborado, discutido e negociado antecipadamente com a partícipe. Na fase posterior, a pós-intervenção tivemos a oportunidade de rever a prática desenvolvida por meio da reflexão crítica, usando como suporte as ações de descrever, informar, confrontar, reconstruir, esperar e escutar. A fase de intervenção efetivou-se na sala de aula da partícipe S., professora da Educação Infantil, uma vez que é o trabalho realizado por essa professora que se constituiu o objeto da nossa análise. Foram realizadas cinco Observações Colaborativas, no período de 18 a 24/10/2010, as quais serão descritas posteriormente. Após esses momentos, revíamos as gravações de áudio, fotos, para, a partir daí, reformularmos as situações de aprendizagem, tendo em vista a retomada das ações. É importante destacar que no dia 30/09/2010 a partícipe realizou um diagnóstico buscando verificar qual o conceito prévio de família apresentado pelas crianças. Esse momento não foi observado por nós. No quadro a seguir apresentamos o conteúdo do que foi observado. Quadro 4 – Aulas observadas DATAS CONCEITOS 18/9/2010 Conceito de família – aspectos referentes ao seu significado conceitual: atributo geral do conceito (grupo social a partir da exploração das propriedades empíricas). 19/9/2010 Procedimentos lógicos da comparação, diferenças e semelhanças, a partir das propriedades empíricas. 20/09 Semelhanças e diferenças – Observação de um vídeocom imagens. 23/09/2010 Semelhanças e diferenças (aula de campo). Fonte: aulas realizadas em 2010. Essas observações constituíram-se objeto de análise da prática pedagógica e do processo de reflexão vivenciado nas Sessões Reflexivas explicitadas a seguir. 48 2.3.5 Sessões Reflexivas O processo de formação de professores exige uma constante reflexão crítica sobre a prática. Segundo Freire (1996, p.39), [...] é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a própria prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. Para a efetivação do proposto pelo autor recorremos as Sessões Reflexivas, que, no entender de Magalhães (2002, p. 06), “é uma atividade pensada para criar um espaço para a reflexão crítica”. Tendo em vista a afirmativa da autora, fica evidenciada a necessidade de um espaço onde as questões que envolvem a vida profissional do professor sejam discutidas no sentido de se buscar novos caminhos, tornando-se um meio para ele perceber mais claramente por que e como tem desenvolvido a sua prática. Para Kemmis (1999, p.02), [...] a reflexão crítica orienta a ação dos indivíduos, fazendo-os pensarem intencionalmente, auxiliando-os na reformulação de pensamentos e planos, fazendo-os perceberem as consequências de suas ações. Além disso, consideramos esse momento fundamental para que o professor veja a teoria e a prática como elementos que precisam ser considerados não isoladamente, como se nada tivessem a ver, mas como interdependentes e necessariamente articulados. Sobre essa questão, Pimenta (1997, p. 71) ressalta que “a reflexão sobre a prática, sua análise e interpretação constroem a teoria que retorna à prática para esclarecê-la e aperfeiçoá-la”. Na verdade, teoria e prática têm significados distintos, sua relação precisa ser compreendida para dar sentido ao que fazemos. Assim, a reflexividade pode incidir efetivamente sobre aspectos teóricos e práticos do professor no contexto da sala de aula, fazendo-o tomar consciência do seu fazer a partir das discussões realizadas. 49 Nesse estudo, as Sessões Reflexivas foram realizadas a partir de um planejamento sistemático, com a finalidade de possibilitar a reflexão crítica das partícipes envolvidas, sobre os conhecimentos teóricos e a sua prática pedagógica, tendo em vista possíveis transformações no seu fazer. O processo reflexivo se orientou pelas ações propostas por Magalhães (2002), compreendendo o descrever, o informar, o confrontar e o reconstruir, que se explicam através de um processo de inter-relação, como vemos a seguir: Fig. 02 – Ações orientadoras do processo reflexivo Fonte: Elaborado pela autora baseado em Magalhães, 2002. No descrever a atividade prática é apresentada da forma como esta se efetiva. Com essa ação o sujeito se distancia da ação desenvolvida. Não considera pontos de vista, argumentos e opiniões. Não julga, não valora, não avalia. Responde as questões: o que foi feito? O que fiz? É desencadeada através da contextualização que abrange alguns questionamentos: Quem? Onde? O que? Como? No informar, quando questionamos qual o significado das ações. São explicitados os objetivos, os princípios e os significados que orientam o trabalho desenvolvido pelo professor, incluindo os conhecimentos elaborados, a partir do contexto social em que a escola está inserida. Nesse momento, a análise discursiva reflexiva deve abranger “[...] um contexto social que relaciona a escola como agente cultural à comunidade e a sociedade mais ampla”. (MAGALHÃES, 2002, p.12), o que vai dar possibilidades de o professor trabalhar o CONFRONTAR RECONSTRUIR DESCREVER INFORMAR 50 conhecimento que é necessário relacionando-o com o conhecimento cotidiano do aluno, criando novas formas de ação no mundo social. O momento seguinte, o confrontar, por sua vez, busca as causas das ações, as questões teóricas que lhes dão sustentação, os valores culturais que as permeiam, suas contribuições. É o momento em que há o questionamento das relações teóricas que fazemos com a prática que desenvolvemos. Em geral, falta à compreensão da relação teoria e prática o que provoca conflitos. É nesse momento que o professor comprometido com o que faz questiona: por que faço assim? Esses questionamentos provocam novas elaborações e formas de desenvolver a prática. Para Magalhães (2002) essa etapa é muito difícil de ser alcançada. É o momento em que a teoria é questionada, podendo ser mantida ou transformada, o que vai provocar conflitos. É também o momento em que o uso social do conhecimento é feito, uma vez que precisa ser relacionado a um contexto mais geral, permitindo que os partícipes possam perceber quais teorias são utilizadas na prática que utilizam. O Reconstruir é a última etapa do processo da reflexão crítica e nos possibilita encontrar alternativas para fazer mudanças da prática, tornando as ações mais próximas da realidade com a qual trabalhamos. Dá-nos a chance de perceber que qualquer mudança é possível, contudo, é necessário que consideremos o grupo com o qual trabalhamos, os seus e os nossos conhecimentos, as suas possibilidades e necessidades. Responde a questão: o que modificar? Essas ações foram desenvolvidas a partir de três momentos distintos, mas que estão dialeticamente relacionados, se completando e auxiliando na construção do outro: a reflexão intrassubjetiva, a intersubjetiva e a intrassubjetiva dos pares. A Reflexão Intrassubjetiva é o momento em que cada partícipe faz a análise reflexiva do processo vivido por si, tendo como foco as ações já descritas anteriormente, ou seja, a descrição, a informação, a confrontação e a reconstrução. Para esse momento seguimos o roteiro abaixo: Sua descrição atende as características de:  Contextualização, respondendo as questões: O que? Por quê? Quando? Quem? Onde? Para que? Como? O seu RELATO é:  Claro, minucioso e isento de posicionamentos;  Complementado pelos princípios que orientam as ações, os motivos, os objetivos e as suas razões; 51  Fundamentado em explicações teóricas, valores culturais, explicitando as causas das ações e suas contribuições, relevância e consistência;  Estruturado de maneira que apresente alternativas de novos direcionamentos de sua prática; Outras observações sobre a experiência relatada. O segundo momento, a Reflexão Intersubjetiva, se constitui de um processo reflexivo coletivo orientado pelos princípios da reflexibilidade crítica, objetivando desenvolver ações que permitissem estabelecer a junção entre subjetividade e intersubjetividade, distanciando e aproximando os partícipes do que é comum e distinto na prática pedagógica de cada um. A intenção é possibilitar uma maior contribuição e conscientização tendo em vista mudanças nessa prática. Os pares pedem esclarecimento sobre as situações apresentadas visando tirar dúvidas, ou mesmo colaborar no esclarecimento de determinadas questões. Na verdade, nesse momento, a intenção é contribuir com o processo, tendo em vista a transformação da prática. Utilizamos os seguintes questionamentos: Descrever  Por que escolheu esse conteúdo?  Qual o objetivo do trabalho realizado?  Considerou o tema interessante?  Como fez o planejamento?  Como organizou a sala para a aplicação?  Com quantos alunos trabalhou?  Os alunos demonstraram gostar do que estava sendo realizado? Informar  Os objetivos foram atingidos? Como você detecta o atingimento?  Encontrou dificuldades em relação à aplicação da atividade?  Quais? A que atribui essas dificuldades? Confrontar  Qual a relação entre esses conhecimentos e a sua prática?  Que conceitos e teorias embasam a sua prática?  Qual a necessidade da ação desenvolvida?  Sentiu dificuldade para mediar o processo desenvolvido?  O processo desenvolvido contribuiu para melhoria da sua prática e para a melhoria da capacidade de pensar das crianças? Por quê? Reconstruir  Se você fosse realizar novamente essa ação, faria diferente. Por quê?  O que existe de semelhante ou de diferente entre a sua prática atual e as ações desenvolvidas anteriormente?  52 Na Reflexão Intrassubjetiva cada partícipe faz observações com relação a sua participação no processo vivido pelo outro: comenta, estimula e diz como colaborou com os aspectos teóricos e práticos tendo em vista os avanços da ação pedagógica. Para esse momento, apresentamos o seguinte roteiro 3 : Descrever  Solicito informações complementares;  Retomo aspectos que ajudem à compreensão do que foi relatado;  Evidencio contradições presentes no relato. Informar  Solicito esclarecimentos sobre conceitos e princípios que orientaram a prática;  Solicito evidências da relação entre as práticas e os princípios que as orientam;  Complemento a discussão acrescentando outras evidências; Concordo com os argumentos apresentados, complementando com outr  Os argumentos;  Discordo dos argumentos, quando necessário, apresentando e fundamentando meu ponto de vista. Confrontar  Solicito esclarecimentos sobre a pertinência e importância do referencial teórico;  Estimulo a identificação dos pressupostos teóricos;  Complemento a discussão com meus argumentos;  Discordo dos argumentos, quando necessário, fundamentando meu ponto de vista;  Solicito explicações sobre as causas dos fatos descritos. Reconstruir  Coloco questões que auxiliem a ampliar as alternativas de mudanças na prática;  Apresento algumas sugestões, evidenciando sua pertinência e importância para a consecução dos objetivos propostos. Escuta  Escuto os pares com atenção;  Respeito a vez de falar do outro;  Contribuo para os partícipes aprenderem a escutar. Espera  Espero minha vez para falar; 3 Roteiro seguindo em parte, a estrutura utilizado na pesquisa Conhecendo e Construindo a Prática Pedagógica, da Base Currículos Saberes e Prática Educativas, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. 53  Registro minha ideia para expressá-la no momento oportuno; Contribuo para os partícipes aprenderem a esperar. As Sessões Reflexivas foram realizadas após os Ciclos de Estudos e das Observações Colaborativas. As falas desses momentos foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra para que não perdêssemos as informações necessárias e pudéssemos retomá-las subsequentemente. Cabe considerar que no processo reflexivo desenvolvido, embora as ações sejam apresentadas separadamente, não acontecem de forma estanque, ao contrário, ocorre um movimento dialético e entrelaçado, em que uma está presente na outra. Realizamos três Sessões Reflexivas, duas dos Ciclos de Estudos sobre família e uma sobre as Observações Colaborativas realizadas do dia 18 ao dia 24 de outubro de 2010. As Sessões sobre os estudos duraram em média, duas horas e meia, as Sessões sobre as observações duraram três horas. A seguir o cronograma das sessões Reflexivas realizadas. Quadro 5 – Cronograma das Sessões Reflexivas Fonte: Ciclos de Estudos/ Observação Colaborativa realizados em 2010. 2.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE Para realizar a análise das informações obtidas utilizamos como subsídio empírico os dados construídos, mediados pelo processo de elaboração conceitual, pelos significados/sentidos da prática pedagógica da partícipe S., através das Observações Colaborativas e do processo crítico-reflexivo e processo colaborativo-reflexivo, desenvolvido tanto por S. quanto por D. Para isso, foram elaboradas categorias que subsidiaram as ações privilegiadas como categorias de análise. 2.4.1 Elaboração conceitual Data/Sessão Partícipe Tema 15/09/2010 S/D Ciclos de Estudos Reflexivos 24/09/2010 D/S Ciclos de Estudos Reflexivos 06/12/2010 S/D Aulas do dia 18 ao dia 24/10/2010 54 A análise do processo de elaboração conceitual requer como parâmetros categorias que abranjam os diferentes estágios da formação de conceito. Nesse sentido utilizamos as categorias utilizadas por Ferreira (2007), como veremos a seguir: Quadro 06 – Categorias para análise conceitual Fonte: FERREIRA, 2007. 2.4.2 Prática Pedagógica A prática pedagógica implica intervenção deliberada, consciente e voluntária a partir de motivos que impulsionam ações e operações para a consecução dos objetivos. Para analisar a prática da professora partícipe utilizamos duas categorias baseadas na formulação de Ferreira (2009): a prática pedagógica prevista e prática pedagógica efetiva. Como prática pedagógica prevista, entendemos o trabalho anterior a sua realização, ou seja, CATEGORIA S INDICADORES Descrição Enumeração dos atributos ou propriedades externas dos fenômenos a fim de distingui-los. Inclusão de todos os atributos do fenômeno sem abstrair os essenciais dos secundários. Estabelecimento de vínculos factuais que se revelam na experiência imediata. Predominância do conteúdo em relação ao volume. Descreve com plenitude e exatidão os atributos dos fenômenos, transmitindo uma imagem sensório-perceptiva do fenômeno. Caracterização Utilização do procedimento lógico da enumeração; abstração de alguns atributos ou propriedades essenciais que distinguem os fenômenos; seu volume apresenta um grau de generalização restrito às singularidades. Definição Inclusão do conteúdo do conceito ou do significado do seu termo; abstração dos atributos ou propriedades essenciais e necessárias para distinguir um fenômeno dos demais, sem esgotar todas as suas propriedades, aspectos e relações. Conceituação Inclusão dos atributos ou propriedades essenciais e necessárias, os nexos e relações que constituem a essência do fenômeno; contendo ao mesmo tempo, a singularidade, a particularidade e a universalidade, isto é, conteúdo e volume; volume com grau extensivo de generalidade, 55 como pensamos em realizá-lo. Como prática pedagógica efetiva, compreendemos as ações efetivamente realizadas. A seguir apresentamos uma síntese dessas categorias: Quadro 07: categorias para análise da prática pedagógica CATEGORIAS INDICADORES Prática Pedagógica Prevista Objetivos propostos, conhecimentos a serem internalizados, funções mentais, processos e procedimentos psíquicos e habilidades a serem desenvolvidas, atitudes a serem formadas, Delimitação temporal, Situações de aprendizagem (motivadora sistematizadora e avaliativa); Recursos mobilizados para a realização do processo de ensino- aprendizagem; Coerência entre esses aspectos e a viabilidade de aplicação Prática Pedagógica Efetiva Domínio dos conhecimentos disciplinares (ideias, juízos, concepções, conceitos) constitutivos do currículo escolar, assim como, do desenvolvimento biopsíquico, social, cultural e afetivo do ser humano (funções, processos, procedimentos psíquicos, habilidades sociais e de estudo, formação de atitudes) inerentes à atividade de aprender e ensinar; Domínio de procedimentos pedagógicos que favoreçam elaborar e internalizar conhecimentos, formar atitudes e desenvolver habilidades intelectuais, sociais que propiciem a formação de cidadãos na perspectiva critica e democrática; Intervenção nas dificuldades de aprendizagem e nos conflitos; Negociação com os alunos; Uso da colaboração para gerir as ações; Compreensão da relação teoria e prática; Adequação dos recursos mobilizados para o processo de ensino- aprendizagem e da avaliação Fonte: Adaptado de Ferreira, 2009. Essas categorias nos deram elementos para constatar que a abordagem colaborativa é fundamental para auxiliar nas reflexões das práticas pedagógicas de professores. Ao longo de nosso trabalho fomos constatando que, nesse processo de colaboração e construção, criaram- se novas condições para que as partícipes envolvidas realizassem as suas atividades de forma mais lúcida. 2.4.3 O Processo colaborativo e crítico-reflexivo 56 Para que ficasse evidente o processo crítico-reflexivo, elaboramos uma síntese dos tipos de reflexão fundamentados nos estudos de Liberalli (2008), Shon (1997), Perez Gomez (1992), e outros, assim como consideramos as categorias propostas por Ferreira, Ibiapina (2011), que serviram de referência para a análise desse processo. Quadro 08- Categorias consideradas no processo crítico-reflexivo Fonte: Adaptado de Liberalli, 2008. Para que pudéssemos verificar como ocorreu o processo colaborativo utilizamos também as categorias para análise do processo colaborativo, como vemos no quadro a seguir. Quadro 09- Categorias para análise do processo colaborativo. CATEGORIAS INDICADORES Reflexão técnica Eficiência do conhecimento para alcançar determinados fins, sem que estejam abertos a críticas e a mudanças. É marcada pela avaliação e/ou mudança da prática a partir de normas e teoria; tentativa de aplicar os conhecimentos teóricos às ações, sem que haja um real entendimento prévio das mesmas. Postura de reverência e subjugação ao poder da teoria formal, dos teóricos e dos seus enunciadores. Reflexão Prática Centrada na ação e na busca de soluções práticas para problemas isolados, por meio da pura troca de experiências. Propósito em compreender fatos ocorridos na sala de aula, buscando soluções práticas para eles baseadas nas experiências vivenciais, sem o devido respaldo teórico. Discussões centradas em narrativas de fatos ocorridos no contexto escolar, nas quais são feitas avaliações de cunho pessoal, baseadas no senso comum. Ausência de fundamentos teóricos acerca da relação teoria-prática para buscar compreender, explicar e transformar as ações pedagógicas. Reflexão crítica Foco central nas interconexões entre as ações práticas e os contextos histórico-sociais mais amplos. Maior autonomia. Busca a transformação da ação. Capacidade de analisar e tomar posições éticas frente a sua realidade social e cultural. CATEGORIAS INDICADORES Respeito a valores, ponto de vista, convicções, concordância, discordância e opiniões de cada um; 57 Fonte: Ferreira, Ibiapina/2011. Colaboração crítico-reflexiva Interpretação de teorias e práticas no sentido de transformar ideias inadequadas em adequadas; Compartilhamento e negociação de sentidos e significados; Argumentação crítica que conduz a reflexão sobre o agir e os processos de ensinar e aprender; Ampliação das condições do agir, tornando as ações conscientes, voluntárias e livres; Implementação de condutas emancipatórias, tornando os partícipes problematizadores e críticos dos contextos de ação; Mobilização de situações e recursos de forma que os conflitos e contradições impulsionem o aprendizado e desenvolvimento mútuo; Atenção ao sentido histórico da realidade que cerca os envolvidos, valorizando o presente e o passado na perspectiva do vir a ser; Aumento das potencialidades individuais e do poder de ser de cada um; Compreensão das relações que determinam as desigualdades sociais, econômicas e culturais presentes nos contextos de ação; Condições para que todos interajam, encorajando-os a ouvir e ser ouvido; Interação entre partícipes viabilizando a expressão compartilhada de ideias, emoções e sentimentos, visando à produção de conhecimentos, formação de atitudes, desenvolvimento de capacidades; Apropriação de formas de agir mais igualitárias, democráticas e cidadãs. Acrítica Ausência de negociação e compartilhamento de sentidos e significados; Predominância de ideias do senso comum, relações hierárquicas, discursos autoritários ou falas persuasivas. Aceitação ou rejeição da palavra da autoridade (pesquisador, diretor coordenador, professor) sem questioná-la; Negligência, descaso ou negação dos conflitos e contradições. 58 REVISITANDO CONCEITOS A formação e o desenvolvimento de conceitos envolvem muito mais do que a associação de elementos empíricos às palavras que os designam. O que descrevemos se constitui nos primeiros passos do caminhar que nos conduz à elaboração conceitual (FERREIRA, 2009) A formação e desenvolvimento de um conceito não ocorrem por obra do acaso, ao contrário, “[...] é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais tomam parte” (VIGOTSKI, 1998c, p. 72). No entanto, predomina na sua elaboração a atividade do pensamento. Como essa função encontra-se ativamente interligada à elaboração conceitual passamos a destacar suas inter-relações a partir dos estudos dos autores que as tomam como objeto de análise. Dentre esses autores, Vigotski é um dos mais influentes. Para esse autor (1998c), a formação de conceitos não é um processo que data do início da infância, ao contrário, percorre um caminho rumo ao pensamento conceitual, que vai se consolidar na adolescência. Além disso, os conceitos são significados sociais construídos nas relações que os sujeitos estabelecem com o seu entorno mediados por signos, símbolos e instrumentos. Desse modo, compreendemos que as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo são frutos das ações praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que se desenvolve. A história da sociedade na qual o ser humano vive e a sua história pessoal são fatores importantes que vão definir sua forma de pensar, fazer conexões e estabelecer relações. “O processo do pensamento apoia-se nos conhecimentos que o indivíduo já possui: representações, conceitos, métodos e processos” (LIUBLINSKAIA, 1979, p. 261), pois todos nós possuímos uma história pessoal que influencia a nossa forma de ser e de pensar. As conexões e relações têm vínculos com essa história e são viabilizadas, ou seja, descobertas, sempre a partir da formação e desenvolvimento do conceito. Corroborando com essas ideias, Rubinstein (1973, p.125) enfatiza que o “[...] pensamento reflete o ser nas suas conexões e relações, assim como nas suas múltiplas interferências”. O pensamento tem por fim apreender essas relações e conexões, como também a qualidade e natureza dos fenômenos e, além disso, aprofundar o conhecimento. É expresso por meio da linguagem e possui um caráter abstrato, não se desenvolvendo por 3 59 acaso, ao contrário, está apoiado nas experiências, nas representações, conceitos, nos métodos e processos, e na resolução de problemas de forma consciente. “Pensamento é conhecimento mediato e generalizado da realidade objetiva(com base na descoberta de conexões, relações e intervenções)”. (RUBINSTEIN, 1973, p. 127). Morin (1999, p. 201), por sua vez, destaca que “[...] o pensamento é uma dialógica complexa de atividades e de operações que aciona as competências complementares/antagônicas do espírito, cérebro”. Diz ainda esse autor que o pensamento [...] deve estabelecer fronteiras e atravessá-las, abrir e fechar conceitos, ir do todo às partes e das partes ao todo, duvidar e crer, deve recusar e combater a contradição, mas ao mesmo tempo assumi-la e alimentar-se dela [...]. O pensamento é um processo complexo de relações, separações, recursividade, que trabalha com antagonismo e pode criar novas ideias. Além de conotativo é também inovador e, se relacionado à valoração que leva à compreensão humana, ganha dimensão de instrumento e fomento de humanização. Afinal, é pelo pensamento que nos diferenciamos dos outros animais, que não possuem o poder de resolver os seus problemas da forma como fazemos. Através do pensamento o homem cria, inventa, compreende o seu contexto e pode fazer sua vida muito melhor. Para Liublinskaia (1979, p. 261), “pensamento é o reflexo dos objectos e fenômenos nas suas diferentes conexões”. E ainda ressalta: “O abrir e fechar de uma nova conexão, de uma nova associação, significa a resolução de um novo problema colocado perante o indivíduo [...].” Isso possibilita novas aquisições no que diz respeito ao desenvolvimento do pensamento teórico. O processo de pensamento busca, assim, descobrir essas conexões em cada caso, em cada situação, em cada fenômeno. Para Kopnin (1978, p. 195): O processo de pensamento começa quando e onde se dá a separação de indícios isolados e propriedades dos objetos, dos fenômenos do mundo material, a formação de abstrações mesmo que sejam elementares [...]. Ainda esclarece esse autor, “o pensamento é o reflexo da realidade sob forma de abstrações. O pensamento é um modo de conhecimento da realidade objetiva pelo homem” (KOPNIN, 1978 p. 121. Grifos do autor). 60 Todavia, o pensamento não se desenvolve por si só. O seu desenvolvimento se dá através de uma operação complexa, desencadeada pela busca de solução para algum problema em interação com outras funções que interferem no processo de seu desenvolvimento. Por isso, o pensamento, dentre as demais funções mentais, é o mais complexo, além de ser a função que diferencia o homem dos outros animais. Entretanto, para que se desenvolva de forma efetiva até o nível de pensamento teórico depende, como destacado antes, de outras funções e processos mentais (memória, sensações, sentimentos, linguagem, atenção voluntária, consciência, aprendizado, entre outros), mantendo com eles uma relação de interdependência. No entanto, devemos diferenciar o pensamento de outras atividades psíquicas. Por exemplo, a memória, percepção não são o pensamento, pois este implica sucessão, relação e conexão de ideias. O pensamento mobiliza a memória, permitindo que se estabeleça uma identidade com o objeto dessa memória, o que dá origem a sua identidade. Nós reconstruímos discursivamente a memória através da prática. O que temos armazenado está em forma de texto, em forma de discurso. A memória é uma função mental que vai além dos limites da cognição, interagindo e interferindo em outros processos psíquicos, como o afeto, a motivação, a criatividade, a inteligência, a personalidade, ou seja, a nossa evolução. É a partir dela que construímos e damos sentido à vida. “A memória deve ser estável, para que possamos aprender através da acumulação de experiências, mas também tem que ser suficientemente flexível para adaptar-se às constantes mudanças em nosso ambiente” (RATEY, 2002 p. 206). O mesmo se observa em relação à percepção. Segundo Rubinstein (1973 p. 85), “[...] não é a percepção como tal a que percebe, nem é o pensamento o que pensa; é o ser humano que faz isso, é a personalidade que percebe e que pensa”. Da mesma forma, a atenção e a consciência são fundamentais para o pensamento, “[...] são os alicerces sobre os quais criamos um entendimento do mundo” (RATEY, 2002 p. 128). Em todos os processos há sempre uma relação do mundo com o objeto, com as coisas. É nessa relação que a atenção se manifesta. Segundo Rubinstein (1973 p. 85), “a atenção é uma faceta de todos os processos cognitivos da consciência, e precisamente aquela faceta em que tais processos aparecem como uma actividade orientada para o objeto”. Assim, o fundamental no desenvolvimento do pensamento não se constitui na existência de cada função separadamente, mas sim, na mudança das relações entre as diferentes funções, tais como a memória lógica, o pensamento verbal, a atenção. Isto quer 61 dizer que o pensamento depende de todas as outras funções, ao mesmo tempo em que interfere constantemente nelas. Enfim, o pensamento se utiliza e é utilizado por outras funções mentais, que lhe enviam as mais diversas informações, fazendo com que tenhamos a compreensão dos fenômenos, do mundo e de nós mesmos. Diz ainda o autor acima citado (1973 p. 85): “Sensação, percepção, memória, imaginação, pensamento são processos que têm cada um o seu conteúdo específico, e formam cada um, também, uma unidade de imagem e actividade”, sem o que, não existiriam. Nesse processo a função da linguagem é fundamental, uma vez que a palavra é o signo que, dominado e incorporado, torna-se símbolo do pensamento. Disso decorre a inter- relação marcante entre o desenvolvimento da linguagem e do pensamento. A relação do pensamento com a linguagem foi discutida por Vigotski (1998c), considerando, a partir do estudo genético, que ambos possuem raízes genéticas diferentes e se desenvolvem ao longo de trajetórias diferentes e independentes. Além disso, essa relação se modifica e evolui ao longo das experiências do sujeito em função dos fatores sócio-históricos. Compreendendo que a relação entre pensamento e linguagem evolui, e o significado das palavras também, Vigotski (1998c) destaca os estágios por que passa a palavra na sua relação com o objeto. Inicialmente, no estágio primitivo, a palavra faz parte da estrutura do objeto, passando por um intermediário em que o significado é independente da referência, isto é, do objeto, até o estágio avançado, em que são possíveis os conceitos, as generalizações. Vigotski (1998c) ainda afirma que os processos cognitivos desenvolvem-se, inicialmente, independentes da linguagem. Todavia, num determinado momento, as curvas de evolução do pensamento e da linguagem encontram-se e passam a exercer uma relação de mútua dependência, ou seja, uma interdependência. O desenvolvimento da linguagem, segundo Vigotski (1998c), ocorre de três formas: linguagem externa, egocêntrica e interna. A linguagem externa tem a função de comunicação, de estabelecer relações entre a criança e as pessoas que a rodeiam. A linguagem egocêntrica é uma fase transitória entre linguagem externa e interna: é um elemento constitutivo da atividade prática da criança, que organiza o pensamento, permitindo planejar sua ação. Progressivamente, a linguagem egocêntrica muda de função, convertendo-se em linguagem internalizada. Nesse momento, o indivíduo alcança uma nova forma de pensar, que é o pensamento verbal. Assim, a fala, geneticamente social, no decorrer do desenvolvimento do indivíduo, passa a ser individual. Conforme a linguagem se desenvolve, modifica-se o pensamento que, uma vez modificado, também interfere no seu desenvolvimento. 62 Desse modo, mediado pela linguagem, organizamos, interpretamos, arquivamos e categorizamos as nossas aprendizagens. Apenas o ser humano possui essa condição para poder sobreviver no mundo. Podemos dizer que a linguagem é uma representação mental e simbólica das coisas no mundo, é responsável pela construção dos nossos conhecimentos e, ao mesmo tempo, ela é conhecimento. Liublinskaia (1979 p. 260) ressalta, que: O pensamento exprime-se por meio da linguagem, das palavras, é de carácter abstracto. Pense o homem o que pensar, e qualquer que seja o problema em cuja resolução trabalhe, o seu pensamento afirma-se sempre através do idioma, ou seja, de forma generalizada. A união das duas linhas de desenvolvimento, o linguístico e o cognitivo, provocam o início de uma nova forma de comportamento no desenvolvimento da criança. Neste momento, a linguagem começa a servir ao intelecto, e os pensamentos começam a verbalizar-se. Este fenômeno é indicado por dois sintomas específicos: a criança sente uma curiosidade ativa e repentina pelas palavras, perguntando constantemente pelo nome das coisas. Ela amplia, substancialmente, o vocabulário, de forma rápida e com variações. Para Vigotski (1998b), quando o indivíduo começa a dominar a língua, ele a utiliza de duas formas, que são paralelas e não se confundem: a função social e a função cognitiva. Embora seja um processo subconsciente, ao adquirir uma língua, o indivíduo descobre que esse instrumento que começa a dominar serve para ele mesmo e para o seu contato social, de modo diferente. A fala egocêntrica, por exemplo, serve de aperfeiçoamento para um amadurecimento que vai culminar na fala interior e, em todo o percurso, ocorre o desenvolvimento paralelo da fala socializada. Assim, o pensamento e a linguagem, que, até então, não estavam interligados, estabelecem uma primeira ligação que se firma e desenvolve. Esses primeiros contatos entre a linguagem e o pensamento passam a interferir no complexo universo cognitivo da criança de modo a determinar, a certa altura, que a linguagem pode servir de impulso para o pensamento. Liublinskaia (1979, p.262) enfatiza: A expressão do pensamento através da linguagem exige que o desenvolvimento do pensamento nas crianças se aborde através do processo de desenvolvimento da sua linguagem, através do processo de sua actividade prática, em crescimento e evolução [...]. 63 Sobre essa questão, expressa Vigotski (1998b, p.44) que “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem”, enfatizando a importância do uso dos instrumentos linguísticos para o pensamento. Pode-se dizer que a linguagem verbal é o mais elaborado sistema de signos presente na cultura humana, e através dela é possível organizar o pensamento e entender as informações. Apesar de possuírem cursos diferentes, em certo momento da vida do sujeito, o pensamento e a linguagem se cruzam. Com isso, o pensamento torna-se verbal e a fala torna- se racional, permitindo ao sujeito atribuir significados aos objetos e aos elementos que o circundam, como também às suas experiências anteriores. Esse é um momento de grande importância no desenvolvimento do sujeito, pois o significado é a convergência do pensamento e da linguagem, e é também nesta convergência que surge a palavra. Podemos dizer, então, que a linguagem se relaciona reciprocamente com todos os outros processos psíquico, mas a sua relação com o pensamento é fundamental. A linguagem é “[...] a forma de existência do pensamento” (RUBINSTEIN 1973, p. 32). Contudo, não podemos dizer que são a mesma coisa ou que possuem identidade. A linguagem está vinculada ao contexto do pensamento, que, “ao criar a sua forma verbal, forma-se a si mesmo” (Rubinstein, 1973 p. 33, Grifo do autor). Podemos dizer que pensamento e linguagem inexistem separadamente, mas não possuem identidade, o que nos faz entender que possuem peculiaridades e relações contraditórias. No processo de desenvolvimento do pensamento e da linguagem, a atividade do sujeito vai se simbolizando e, assim, ele vai se apropriando de conceitos, constituindo o pensamento conceitual. Vigotski (1998c) dividiu a apropriação dos conceitos em dois grupos: os conceitos cotidianos e os conceitos científicos. Os conceitos cotidianos são apropriados no decorrer da vivência do sujeito, sem nenhuma sistematização em seu aprendizado e destituídos de generalizações complexas. Já os conceitos científicos são aprendidos a partir de sistematizações, uma vez que são mais complexos que os cotidianos. Vigotski (1998c, p.104) define os conceitos como um “ato real e complexo do pensamento”. Os conceitos científicos evidenciam um tipo de pensamento desvinculado das experiências práticas, abstraído do contexto real imediato, que se caracteriza por uma atitude mediada em relação aos objetos concretos, a partir de relações hierárquicas entre conceitos e generalizações de conceitos. Com a apropriação dos conceitos científicos, as generalizações ganham complexidade; o próprio pensamento adquire outro caráter, passa a ser mais profundo, uma vez que exige o desenvolvimento de uma série de processos psíquicos, como a 64 abstração, a análise e síntese, a comparação, a diferenciação entre outras. Nessa direção, as formas de aprendizado desses dois tipos de conceitos são diferentes. Nuñez e Faria (2003 p. 53) confirmam essa ideia quando enfatizam que, [...] o processo de formação de um conceito científico é longo, complexo e nunca alcançado por meio de uma aprendizagem receptiva e memorística, mas sim por meio de uma atividade produtiva, mediada e social do aluno. A formação conceitual envolve não só ações e objetivos, mas também sentimentos, imaginação e trajetória do pensamento. O conjunto de experiências acumuladas no cérebro é a marca de nossa identidade. Para que o processo comece, terá de surgir um problema que possa ser resolvido pelo pensamento mediado pela linguagem. A linguagem ajuda a arquivar as informações, organizar o saber, e, a partir daí, construir o pensamento. Essa compreensão nos conduz a análise do processo de elaboração conceitual das partícipes tendo como referência o conceito de família. Nessa perspectiva passaremos a considerar os aspectos que constituem o processo da análise, formação e desenvolvimento do conceito – o histórico, o lógico e o psicológico. Fundamentados por essa abordagem epistemológica, nossa pesquisa se concentra de um lado na possibilidade de um processo de formação que conduza o pensamento do professor a uma elaboração conceitual, que lhe permitirá um conhecimento além dos conhecimentos empíricos gerados pela experiência, para que a partir daí seja possível o desenvolvimento do pensamento conceitual do aluno. Pensamos que, instrumentalizado por esse conhecimento conceitual, o educador viabilizará meios e estratégias que possibilitem a criança (como no caso particular de nosso objeto de observação) e o jovem a essa autonomia crítica. Nesse sentido, da mesma forma que, no processo de formação construído ao longo de nosso estudo, as partícipes refletem sob o contraponto de pares que figuram como o outro da reflexão, elevando o pensamento do estágio empírico ao nível crítico, no processo de ensino- aprendizagem o educador apresenta-se como o outro frente à criança, levando-o a transitar pelos estágios de formação do seu pensamento, para que atinja em níveis posteriores a desenvoltura de um pensamento crítico. Naturalmente, para que se atinja essa meta, a escola não pode submeter os aprendizes à mera explicação artificial e à memorização repetitiva, prática comum do professor que se 65 situa distante desse pensamento teórico e conceitual, mas constituir-se num espaço de interação significativa que desafie criticamente o estudante e permita que seja ele um coautor da construção do seu conhecimento. 3.1 HISTORIANDO O CONCEITO DE FAMÍLIA Em cada época, em cada contexto, vamos encontrar significações que apresentam diferença no papel, na importância e nas relações internas das famílias. Para termos uma melhor compreensão dessas questões buscaremos a história da constituição dessas significações. Nesse sentido, nos reportamos a estudos que discutem a sua formação cultural desde épocas mais remotas. Referendando-se nos estudos de Morgan sobre as fases clássicas da cultura, Engels (2000) destaca três grandes estágios, situando neles a estruturação da família: o Estado Selvagem, em que a apropriação dos produtos naturais prontos para a utilização tem predominância; a Barbárie, estágio em que surge a agricultura e a domesticação dos animais e, conforme avançam as formas do trabalho humano, incrementa-se a produção dos recursos da natureza; a Civilização que corresponde ao período da indústria, período em que ocorre à elaboração cada vez mais complexa dos produtos naturais e ao surgimento das artes. Segundo Engels (2000) desde os tempos pré-históricos, a evolução da família consiste numa redução constante do círculo em que predominava a comunidade conjugal entre os sexos, círculo este que originariamente abarcava a tribo inteira. O Estado Selvagem era o que de mais preliminar existia com relação ao gênero humano e corresponderia à estruturação por grupos onde cada homem pertencia a todas as mulheres e cada mulher pertencia a todos os homens. À Barbárie, corresponderia a família sindiásmica, caracterizada pela redução do grupo a sua unidade última que é o casal. É com a Barbárie que surge a monogamia. A produção de instrumentos (arco, flecha, cerâmica, tecelagem), caracteriza a barbárie, cuja ruptura ocorre com a fundição dos metais, desenvolvimento da agricultura e da pecuária. Na barbárie se inicia a dissolução da família pela consanguinidade (casamento grupal), típicos do estado selvagem, que gradativamente vai se modificando sendo substituído pela família sindiásmica, em que a poliginia é tolerada e a poliandria começa a ser castigada 66 no momento em que o direito materno torna-se paterno, para Engels (2000, p. 61), “[...] a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo” (Grifo do autor). As modificações operadas a partir desse estágio têm sua origem em causas não biológicas. As forças que impulsionaram a sua transformação são de origem econômica e social (aumento das produções dos bens materiais e sua privatização). Desse modo vão surgir novas modalidades de família: a patriarcal, a nuclear e a contemporânea. A família patriarcal era um extenso grupo composto pelo núcleo conjugal e sua prole legítima, ao qual se incorporavam parentes, afilhados, agregados, escravos e até mesmo concubinas e bastardos, todos abrigados sob o mesmo teto. Podemos dizer que era uma forma dominante de constituição social e política e tinha, no seu poder, o controle dos recursos da sociedade. É a partir dessa nova organização familiar que surge a expressão família, criada “[...] pelos romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sobre o seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos [...]” (ENGELS, 2000, p. 88). Até antes do século XV “a densidade social não deixava lugar para a família. Não que a família não existisse como realidade vivida: seria paradoxal contestá-la. Mas ela não existia com o sentimento e valor” (ARIÉS, 1981 p.191). É a partir desse período e até o século XVIII que esse sentimento é vivido. Enquanto até o século XVII a vida familiar ainda era vivida em público, a até a vida íntima era compartilhada, a partir do século XVIII isso deixa de existir. “A família tornou-se uma sociedade fechada onde seus membros gostam de permanecer, e que é evocada com prazer, [...] Não foi o individualismo que triunfou, foi a família” (ARIÈS, 1981 p.191). Na chamada família moderna ou nuclear, modelo vigente entre o final do século XVIII e meados do século XX, o amor romântico era o mais importante, e eram considerados a reciprocidade de sentimentos e os desejos carnais dos cônjuges, por intermédio do casamento. “A sacralização do casamento faz parecer que essa seja essa a única forma de constituir família” (DIAS, 2007, p. 138). Isso fez com que os relacionamentos chamados de marginais ou ilegítimos, por fugirem dos moldes legais, não fossem reconhecidos, fazendo com que as pessoas sofressem severas sanções. Esse modelo de família surgiu como um novo pacto, centrado na reciprocidade de sentimentos entre os cônjuges que, unidos pelo amor, agora passam a dividir a responsabilidade de cuidar e educar os filhos. Embora ordenada pela autoridade paterna, esta passa a ter uma dimensão simbólica, assentada em acordos e alianças, diferente de outrora quando era fundada no poder mítico do pai. 67 Na época moderna, a família ocidental deixou [...] de ser conceitualizada como paradigma de um vigor divino ou do Estado. Retraída pelas debilidades de um sujeito em sofrimento, foi sendo cada vez mais dessacralizada, embora permaneça paradoxalmente, a instituição humana mais sólida da sociedade (ROUDINESCO, 2003, p.20). Esse tipo de família conhecida como nuclear, reduzida ao pai, mãe filhos, organizada hierarquicamente em torno de uma rígida divisão sexual de papéis, em que o homem era responsável pelo sustento da família e a esposa pela educação dos filhos e cuidados do lar, institui novos padrões de educação dos filhos, e atribui alto valor à privacidade e intimidade nas relações entre pais e filhos. Não podemos dizer que quando surge um novo modelo o outro seja superado, uma vez que esse processo não ocorre de forma linear, não há a superação de um modelo pelo outro. Mioto (2004) entende que os “modelos” patriarcal e conjugal permanecem existindo como tais até os dias atuais, havendo a predominância de um ou de outro, dependendo da camada social a que pertence à família. Com a revolução industrial e o desenvolvimento tecnológico e eletrônico, os homens e mulheres passaram a dedicar-se mais ao seu trabalho do que a própria família e a sua casa, de modo que a convivência, a memória e o diálogo entre as pessoas ficaram muito mais complicados e difíceis. Nesse contexto, em que, para ser livre, o que conta é não construir nem manter vínculos, mas diminuí-los, para que possamos agir de acordo com o nosso desejo, disponibilidade e vontade, surge uma nova concepção de família, denominada contemporânea ou pós-moderna. Essa concepção começa a se firmar a partir da metade do século XX em que a família é constituída por dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. Nesse tipo de família a questão da transmissão de autoridade vai se tornando cada vez mais problemática: as separações se dão com uma frequência extraordinária, as recomposições conjugais acontecem em grande escala. Enfim, o casamento foi perdendo efetivamente sua força simbólica, à medida que aumenta o número de divórcios. Os lugares de pai, mãe, filho seguem mutações simbólicas, revelando-se novos contornos. No que tange a educação dos filhos, é a partir desse período que surge uma nova organização de família em que pais e filhos fazem parte de uma geração cuja intenção é de construir formas diferentes de lidar e agir. Esses pais e mães que fizeram a “revolução” de 60 e 70 agora são amigos dos filhos. Sua intenção é manter o diálogo, deixando que os filhos 68 ajam conforme sua vontade, sem lhe impor limites, pensando, assim, acabar com os conflitos e formar uma geração livre e responsável. Para Singly (2000), a família contemporânea é paradoxal, pois ela é ao mesmo tempo relacional e individualista. É por meio desse paradoxo que se constroem e se desconstroem os laços familiares. Cada um busca a fórmula que lhe possibilite ser livre junto; em que o ideal é a alternância entre um eu sozinho e um eu com o outro. Essa família na sua forma discursiva caracteriza-se como um grupo regulado pelo amor, no qual os adultos estão a serviço do grupo e principalmente das crianças. É importante salientar que, embora a cada momento histórico, como já enfatizado, corresponda um modelo de família preponderante, ele não é único. Concomitantes aos modelos dominantes de cada época existiam outros com menor expressão social. Além disso, o surgimento de uma tendência não elimina imediatamente a outra, prova disto é que em pleno século XXI podemos identificar a presença do homem patriarca, cuja mulher é "rainha do lar", associado ao modelo da mulher trabalhadora. Assim, não podemos falar de família, mas de famílias, uma vez que são muito diversas as relações que convivem em nossa sociedade. Outro aspecto a ser ressaltado, diz respeito ao seu significado social, qual a sua razão de existência e a sua importância nos diversos contextos. É visível que a família vem passando por mudanças e transformações fruto das mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas no mundo, fazendo com que surjam os mais variados significados. Kaloustian (2000, p. 65), trata desse assunto situando a família como garantia de sobrevivência e proteção de seus membros quando afirma que: A família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independente da forma como esta vem se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar de seus componentes. Desempenha um papel decisivo na educação formal e informal; em seu meio são absorvidos os valores éticos e humanitários. A família é o grupo primeiro que nos possibilita apropriarmos dos valores e conhecimentos de nossa cultura. Pensamos que na desordem da estrutura familiar, as crianças são os membros mais vulneráveis às situações de conflitos no grupo e, neste sentido, estão mais expostas que outras pessoas, justamente por não terem autonomia e capacidade plena de defesa e resolução, sendo crucial o papel da família quanto à proteção, cuidado, afetividade e educação. 69 Contudo, ao outorgar a proteção à família, independentemente da celebração do casamento, é o grupo, e não mais o casamento, que deve ser a base da sociedade. Nesse sentido, as famílias vêm sendo formadas das mais diversas maneiras, inclusive na forma homoafetiva, em que pessoas do mesmo sexo vivem e convivem juntas. Pluralizou-se o conceito de família, que não mais se identifica pela celebração do matrimônio. Nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal (art. 1º, III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana (DIAS, 2007, p. 45). Nessa perspectiva, casais homoafetivos ou mesmo heterossexuais vão se formando e adotando crianças que vão fazendo parte desses novos lares. Afinal, a família vem deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, o que imprimiu considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade, fazendo com que questionemos a ausência dos vínculos parentais nas estruturas familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Afinal, não é requisito indispensável para haver família que haja homem e mulher, pai e mãe (BARROS, 2002, p. 9). Existindo um núcleo familiar, estando presente o elo de afetividade a envolver pais e filhos, a identificação da união estável do casal torna imperioso o reconhecimento da dupla paternidade/maternidade. Os dois pais ou mães precisam assumir os encargos do poder familiar para assegurar a proteção, o cuidado e a educação do filho. O retorno do direito ao divórcio provocou muitas mudanças com relação ao papel do homem e da mulher. Hoje também é possível, pais ou mães criarem seus filhos sozinhos. Houve um processo de emancipação muito maior da mulher que saiu da submissão em que vivia (embora isso ainda seja uma realidade, talvez em menor escala), que mudou a sua personalidade e mudou consequentemente a configuração da estruturação familiar. Isso tudo se refletiu na educação das crianças e adolescentes, nas suas formas de pensar e de agir. É evidente que não é mais possível termos em mente o modelo convencional de família, ou seja, um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercado de filhos. É necessária como enfatiza Dias, (2007, p. 451): [...] uma visão pluralista da família, obrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita 70 enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, [...] (Grifo da autora). Diz ainda essa autora: É o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento no Âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é à vontade – para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento do amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos (DIAS, 2007, p. 451. Grifo da autora). As mudanças ao longo do tempo são evidentes como são evidentes também as questões comuns que estabelecem o que seja família, ou seja, o sentimento de família como elemento de integração, de afetividade, como um grupo que possui laços emocionais e afetivos, mas que não se firma mais na ideia de uma figura masculina que chefia e decide, mas de pessoas que se respeitam e expõem suas ideias e opiniões, pessoas que são diferentes, mas que são envolvidas pelos mesmos laços. “Na participação intrafamiliar não pode haver orgulho, dependência, vingança, coragem ou desculpa para o ‘fatalismo’. Deve, sim, haver a manifestação da visão de cada um sobre um mesmo fato ou evento” (GRUNSPUN; GRUNSPUN, 1990, p. 87). [...] a sua configuração mudou. A noção que tínhamos antigamente já não existe mais, sendo difícil encontrar um conceito que abranja, que dimensione, o que nos dias atuais caracteriza uma família. “os novos contornos da família estão desafiando a possibilidade de se encontrar uma conceituação única para sua identificação” (DIAS, 2007, p. 41): Com essas transformações, a família atualmente é concebida como um grupo fundado pelos laços de afetividade, uma vez que gradativamente vão se perdendo os laços centralizadores da figura paterna, como o mantenedor da família, tanto no aspecto econômico como nas relações sociais, religiosas e políticas.Assim, é possível afirmar que o conceito e a compreensão que se tem do que é família pode ser considerado histórico, pois depende das transformações operadas no contexto social, econômico e político e que o grupo familiar está inserido. Depende dos valores estabelecidos e do processo vivido que faz com que compreendamos as coisas e os fenômenos a partir da ótica que nos é mostrada. 71 Como enfatiza Roudinesco (2003, p. 17), não basta ver a família do “[...] simples ponto de vista antropológico; é preciso saber qual a sua história e como se deram as mudanças que caracterizam a desordem de que parece atingida na atualidade” Além disso, é primordial entender que a família possui uma função socializadora (educativa) cuja importância é preparar seus descendentes para o seu ingresso na sociedade com a transmissão da herança social e cultural por intermédio da educação. Ao exercer ação socializadora, a família atua também como transmissora de hábitos, costumes, ideias, valores, padrões de comportamento dependendo do seu status social. Mesmo considerando que o conceito de família passa por mudanças e que muitos elementos movem a sua significação, a partir das ideias postas, podemos conceituar a família como um grupo social, constituído para garantir a sobrevivência, a proteção e a educação dos seus membros. Considerando esses atributos passaremos a representá-lo na rede a seguir: Quadro 10 – Rede conceitual do conceito de família Quadro 9-Rede conceitual do conceito e família. Fonte: Elaborado pela autora em 2010. FONTE: Ciclos de estudos reflexivos/ 2010 Esse significado vai servir de referência para a elaboração e (re) elaboração do conceito de família que passaremos a discutir. 3.2 SIGNIFICANDO FAMÍLIA Entendemos que para trabalhar na perspectiva da formação e desenvolvimento do conceito, precisamos de um processo em que o ato volitivo e consciente esteja sempre presente no ato de ensinar e aprender, dando ao ser humano, de forma gradativa, a condição FAMÍLIAÍLIA Grupo social Sobrevivência Proteção Educação Membros 72 para ativar as suas funções mentais e ir produzindo alterações qualitativas nos seus processos psíquicos. Construir conceitos, como já enfatizado, não é uma atividade simples, uma vez que compreende não apenas a apropriação de determinada ideia, mas requer o envolvimento de todas as funções mentais, mediadas pela linguagem. É a linguagem “[...] que determinará o modo como são conduzidas as operações mentais na tarefa de solucionar um determinado problema” (IBIAPINA, 2007, p.31). Para Ferreira e Frota (2008, p.21): Os conceitos são significados atribuídos pelo ser humano aos fenômenos, a partir da apreensão de seus atributos e relações essenciais e necessárias [...] Os conceitos constituem um sistema de relações. O conceito expressa a conexão entre universalidade e singularidade. Nesse sentido, consideramos o processo de significação em toda a sua extensão e inter-relações. Assim, é necessário buscar os conhecimentos sobre o conceito de família já obtido por nós ao longo das nossas experiências tendo em vista a sua reelaboração. 3.2.1 Os significados prévios Sempre que iniciamos uma aprendizagem temos um repertório de conhecimentos prévios e de representações que afetam a forma como vamos nos apropriar ou absorver novas informações e conhecimentos. A aquisição de uma informação ou a aprendizagem de um conhecimento novo é sempre fruto de revisão, mudanças e complexificação dos conhecimentos prévios e das representações (ZABALA, 1998). Com a intenção de verificar a atuação da professora e como esta desenvolvia o processo de ensino com os alunos da educação infantil, era necessário fazermos uma análise do significado de família, conteúdo pertencente ao programa do nível de ensino com o qual trabalha, visando a uma (re) elaboração. Realizamos então, um diagnóstico, em que todos os partícipes responderam a mesma questão: o que é família? Para Novaes, (1988 p. 67), 73 [...] o diagnóstico [...] consiste na utilização de recursos, meios e processos técnicos com o objetivo de localizar e avaliar os problemas e dificuldades [...] determinando suas causas, para preveni-las e corrigi-las. Diz ainda esse autor: “O diagnóstico [...] está ligado à identificação dos problemas específicos possibilitando, assim, uma orientação e aconselhamentos apropriados” (NOVAES, 1988 p. 67). Além disso, permite sistematizar e objetivar as informações construídas, conferir os elementos que orientam a ação, ajudando a definir as necessidades, a conhecer as possibilidades e os obstáculos existentes e a estabelecer prioridades a serem concretizadas. Possibilita sabermos qual a percepção que temos de determinado fenômeno e, ao mesmo tempo, o significado disso para a nossa vida, a nossa forma de ver e pensar a realidade e agir sobre ela. Embora consideremos a importância do diagnóstico, sabíamos que não podia nos fornecer todas as informações necessárias sobre o que pretendíamos pesquisar. Contudo, poderia revelar qual o significado do que sabemos, dando ‘pistas’ sobre onde queremos chegar. Esses conhecimentos, mesmo muito próximos do senso comum, nos dão subsídios para que possamos construir e compreender o fenômeno a que nos propomos investigar. Pensamos então ser necessário saber qual a compreensão sobre o que é família, para depois verificarmos no que esses conhecimentos se transformariam. Reportando-se ao aluno, Miras (1998 p.19), afirma: Quando [...] enfrenta um novo conteúdo a ser aprendido, sempre o faz armado com uma série de conceitos, concepções, representações e conhecimentos adquiridos no decorrer de suas experiências anteriores, que utiliza como instrumentos de leitura e interpretação e que determinam em boa parte as informações que selecionará, como as organizará e que tipo de relações estabelecerá entre eles. Da mesma forma que o conhecimento dos alunos, o conhecimento profissional dos professores também está em permanente desenvolvimento. “A possibilidade de construir um novo significado, de assimilar um novo conteúdo [...], a possibilidade de aprender, passa necessariamente pela possibilidade de ‘entrar em contato’ com novo conhecimento” (MIRAS, 1998, p. 61). Assim, construir um diagnóstico do conceito de família foi fundamental. A seguir, evidenciamos em que estágio de elaboração conceitual nos encontrávamos. O processo desencadeou-se com D. explicando a finalidade da elaboração prévia do significado de família. 74 D.Gente, como já havíamos falado é necessário que elaboremos o conceito de família... É um conceito prévio... Que vai servir de referência para a análise dos nossos avanços sobre o que vamos estudar. Tem uma folha aqui. Todas nós vamos escrever... E... assim, depois que escrevermos vocês vão me entregar... C.: É pra entregar agora? D.: É sim. Todo mundo aqui é sabido... Não vai ter problema. S.: É... (kkkkk) C.: Nossa... Vai sair besteira, viu. D.: Nada que falamos e escrevemos é besteira. Vamos escrever sem medo... (Extrait do Ciclo de Estudos Reflexivos realizados no dia 18de maio /2010) Cada partícipe foi se colocando de forma escrita e depois cada uma leu o que havia escrito. Os extraits a seguir apresentam a discussão: 3.2.1.1 Família na visão de C. A partícipe coloca a família como “um núcleo de convivência” que, talvez para ela, seja o que consideramos um grupo social, contudo, isso não está claro e compreensível, uma vez que nem todo núcleo de convivência significa que é uma família. Além disso, a partícipe supõe o casamento como condição para a existência da família. Fica evidente que, talvez por se tratar de uma primeira conceituação, a partícipe limita-se ao senso comum sem estabelecer relações críticas frente às transformações vividas pela família no curso da história, tampouco reflete sobre a complexidade das relações familiares com que provavelmente convive, tanto no meio social, quanto entre os seus alunos. Segundo C. a família é formada por laços de parentesco. Entende o parentesco como laços “resultantes do casamento”. Na verdade, sabemos que o casamento cria laços de parentesco, que é o parentesco social, ou por afinidade, mas que não é a única forma. Pensamos que a ideia de C. está muito próxima do casamento na Antiguidade, considerada uma das principais instituições da sociedade que tinha como objetivo primordial a geração de filhos legítimos para herdarem a propriedade e o estatuto dos pais. Conforme C. Veja, aí o que eu escrevi... Família é um núcleo de convivência, unido por laços afetivos, que compartilha o mesmo teto. É como uma semente que necessita crescer e para isso precisa de cuidados. Para termos uma família é necessário que casemos, tenhamos filhos, sejamos parentes... Os laços de parentesco são resultantes do casamento, por consanguinidade... Não sei se tá errado... Mas é isso que eu penso que é... 75 palavras de Azevedo (2002, p.38): “O casamento foi o fundamento da família e da sociedade romana”, ideia muito comum ainda nos dias de hoje, que, continua dirigindo o pensamento e as ações das pessoas, como evidencia C. na sua formulação. Essa forma de compreender a família que permea os significados da partícipe C. teve sua predominância durante o patriarcado introduzido na nossa cultura no Brasil-Colônia, que tem como marca característica o trabalho escravo e a produção rural para a exportação. Encontramos nesse período um modelo de família tradicional e patriarcal. Naquela época, os casamentos eram arranjados, “[...] sem que a vida sexual e afetiva dos futuros esposos, em geral unidos em idade precoce, seja levada em consideração” [...] (ROUDINESCO, 2003, p. 19). Estavam baseados em interesses econômicos, e a mulher, tinha que ser casta, fiel, e subserviente. Os filhos, considerados extensão do patrimônio do patriarca, ao nascer, dificilmente experimentavam o sabor do aconchego e da proteção materna, pois eram amamentados e cuidados pelas amas de leite (ROUDINESCO, 2003). Nesse período, família passou a ser sinônimo de organização familiar latifundiária, o que provocou a instalação dessa sociedade do tipo paternalista, em que as relações de caráter pessoal assumiram vital importância. Samara (1983, p.73) enfatiza que a família patriarcal era base deste sistema mais amplo “[...] por suas características quanto à composição e relacionamento entre seus membros, [...] que estimulavam a dependência na autoridade paterna e a solidariedade entre os parentes”. Contudo, a sociedade, no seu movimento de mudanças e transformações, fez com que mudassem também alguns significados conceituais. Mesmos assim, como já enfatizamos, um modelo não substitui o outro automaticamente, ao contrário, continua povoando as ideias e a forma de pensar e agir dos sujeitos. A partícipe inclui também no seu enunciado o aspecto afetivo, predominante na concepção de família na contemporaneidade. Do ponto de vista lógico, o conceito elaborado mostra um grau de generalidade restrito às singularidades, não apresentando atributos que expressem as relações entre o geral, o particular e o singular, que caracterizam um enunciado no estágio da conceituação. Tendo em vista o que é expresso por C. podemos afirmar que se trata de um conceito espontâneo, associado a elementos próprios do pensamento empírico – a funcionalidade. Como esclarece Vigotski (1998b), o que caracteriza os conceitos espontâneos é a ausência da consciência do próprio conceito, dos nexos nele contidos e de suas conexões com outros conceitos. Na verdade, o conhecimento espontâneo, revelado nas expressões – ‘casamento’, ‘compartilha o mesmo teto’ – provêm das experiências vividas. 76 Desse modo, o enunciado de C, encontra-se no estágio da descrição, uma vez que enumera as características externas da constituição da família, estabelecendo apenas vínculos factuais, produzindo uma imagem sensório-perceptiva. As características destacadas no enunciado de C. se explicam pelas condições em que se efetiva a formação de um conceito. Como esclarece Kopnin (1978, p. 208), “[...] a limitação da prática histórico-social determina a limitação dos nossos conceitos sobre o mundo externo”. Portanto, afirmamos, considerando o conceito-referência e as categorias escolhidas com parâmetros de análise, que C. enumera no seu enunciado atributos que não possibilitam conceituar família. 3.2.1.2 O enunciado de S. A partícipe S. expressa o seu conceito da seguinte forma: Família é um grupo de pessoas que se relacionam em determinado espaço, regidos por regras de convívio, por laços afetivos com atitudes de cuidado e proteção. Penso que este grupo pode ser formado por descendência biológica (a partir do casamento ou união de um casal), ou por escolha própria definida por afinidades e necessidades diversas. S., faz à abstração de alguns atributos essenciais do conceito e atinge um nível mais elevado de generalidade. Apresenta, no seu enunciado, atributos peculiares à conceituação de família, que constam no discurso apresentado pelos autores com o quais dialogamos e que estão presentes no conceito-referência, como ‘grupo’, ‘cuidado’, ‘proteção’. Assim, com relação à lógica de elaboração, S. emitiu um significado para família que se encontra na categoria conceitual da caracterização, pois os indícios apontados por ela não se constituem, por si só, suficientes para representar, conceitualmente, o que é família, considerando que os atributos elencados não expressam as relações típicas de um enunciado em termos conceituais, ou seja, a relação geral, particular, singular. Em termos históricos, mesmo conservando ideias cristalizadas ao longo do tempo, inclusive a de que a família é formada a partir do casamento, S. produz um enunciado permeado pelas ideias e novas discussões no contexto vigente, por exemplo, laços afetivos, afinidades. Como afirma Dias, (2005, p. 53), a família “identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto”, o que faz com que esteja preocupada e pronta a buscar soluções para os 77 problemas que a envolve, uma vez que essas questões pode gerar um grupo não fechado em si mesmo. 3.2.1.3 O significado de família para D. No que se refere a D., esta conceitua família da seguinte forma: D. traz no seu enunciado atributos necessários e essenciais para a elaboração do conceito, como “grupos social”, “garantir a proteção”, “educação” e “sobrevivência”. Isso revela que há um entendimento do conceito em questão. Uma vez que apresenta atributos suficientes para explicar o fenômeno em questão. Apesar de sua elaboração ampliar o conteúdo, seu pensamento não permite estabelecer às relações de generalidade, particularidade e singularidade, que são imprescindíveis para que consideremos um conceito. Assim, do ponto de vista lógico, afirmamos que os seus conhecimentos prévios estão em nível de caracterização, na medida em que o conceito expressa a síntese do que é essencial no fenômeno – amplia o conteúdo, reduz o grau de generalidade. Tendo em vista a evolução histórica do conceito de família, é possível dizer que essa partícipe apresenta no seu enunciado elementos que estão presentes nas discussões atuais sobre a concepção de família numa perspectiva muito mais abrangente e com características bem peculiares, mostrando que a família representa para a vida social e pessoal uma experiência única de sociabilidade humana, não comparável com nenhuma outra forma de vida institucional (COURT, 2005). No quadro a seguir apresentamos os conceitos prévios elaborados pelas partícipes de forma sintetizada. QUADRO 11- Estágios de elaboração dos conceitos prévios de família Um grupo social, regido pelas relações de afetividade, que tem a finalidade de garantir a educação, a sobrevivência e a proteção, contribuindo com construção de valores éticos e humanitários, a partir da apropriação de conhecimentos da nossa cultura, tendo como foco o desenvolvimento da personalidade e do caráter da criança e do adolescente. Nome (letra inicial) Conceito prévio- família Estágios Família é um núcleo de convivência, unido por laços afetivos, que compartilha o mesmo teto. É como uma semente que necessita de Descrição -Apresenta alguns indícios 78 Fonte: Ciclo de Estudos reflexivos realizados em maio de 2010. Na elaboração do conceito prévio de família nenhuma das partícipes formulou o que poderia ser considerado um conceito no estágio da conceituação. S. e D. mantiveram uma aproximação com os autores estudados, mas, mesmo assim, chegaram apenas ao estágio da C. cuidados constantes para crescer e desenvolver-se e ajudar na sobrevivência dos seus membros. Para termos uma família é necessário que casemos, tenhamos filhos, sejamos parentes... Os laços de parentesco são resultantes do casamento ou de consanguinidade... relativos ao conceito de família, como ajudar na “sobrevivência dos seus membros”. -Encontra-se associada às vivências e experiências e pela sua incompletude não possibilita uma visão plena e detalhada (característica da descrição) do que seja família. S. Um grupo de pessoas que se relacionam em determinado espaço regidos por regras de convívio por laços afetivos com atitudes de cuidado e proteção. Penso que este grupo pode ser formado por descendência biológica (a partir do casamento ou união de um casal), ou por escolha própria definida por afinidades e necessidades diversas. Caracterização -Faz a abstração de alguns atributos, de traços essenciais do conceito e atinge um nível mais elevado de generalidade, embora restrito às singularidades. -Apresenta, no seu enunciado, atributos peculiares à conceituação de família, que constam no discurso apresentado pelos autores com o quais dialogamos. -Não contém o conjunto de atribuições e relações que distingue o conceito de outras modalidades do conhecimento. D. Um grupo social, regido pelas relações de afetividade, que tem a finalidade de garantir a educação, a sobrevivência e a proteção, contribuindo com construção de valores éticos e humanitários, a partir da apropriação de conhecimentos da nossa cultura, tendo como foco o desenvolvimento da personalidade e do caráter da criança e do adolescente. Caracterização -Há uma grande quantidade de atributos que apresenta restrições quanto às relações de generalidade, particularidade e singularidade, que são imprescindíveis para que consideremos um conceito. -Traz, no seu enunciado, atributos necessários e essenciais para a elaboração do conceito pretendido, como “grupo social”, “garantir a proteção”, “educação” e “sobrevivência”, mas não se constitui numa conceituação. -revela que há um entendimento do conceito em questão. 79 caracterização. C. mantém uma distância do que deve ser considerado essencial e necessário para um enunciado ser caracterizado como conceituação. Torna-se evidente que as nossas formulações prévias sobre família diz muito das nossas aprendizagens e experiências. Essa compreensão e a própria forma como elaboramos e nos aproximamos da significação do conceito é fruto de toda a nossa vivência familiar, escolar e formação profissional. Mesmo compartilhando experiências semelhantes, cada pessoa reage segundo as suas características, seus recursos intelectuais e afetivos e sua forma de aprendizagem (OLIVEIRA, 2010). Poderíamos questionar o fato de as professoras, mesmo com tanto tempo atuando na profissão, não terem entendimento do que é conceito e nem mesmo conseguir formulá-los, entretanto, como esclarece Vigotski (1998c p. 228), “até mesmo o adulto está longe de pensar por conceitos. É muito frequente o seu pensamento transcorrer no nível do pensamento por complexos, chegando às vezes a descer às formas mais elementares e primitivas”. Para que isso aconteça com menos frequência é necessário aprender a pensar. É fato, como já enfatizado, que trabalhar com conceitos não é uma atividade simples, tendo em vista que, em geral, não fez parte da formação de nenhuma de nós, que vivemos momentos escolares de fragmentação e, às vezes, inconscientemente trazemos para a nossa prática um modelo tal qual foi apreendido. Do ponto de vista histórico, o conceito de família vem se modificando de forma bastante intensa, contudo, muitas ideias, às vezes ultrapassadas, perpetuam-se, o que faz com que as pessoas se apoderem dessas ideias e tenham dificuldade de mudar o seu jeito de dizer e fazer, tornando o trabalho frágil e superficial, sem muito sentido e objetividade, fazendo com que as partícipes não consigam enunciar de forma conceitual o que é família. No que se refere à significação de família, no caso específico da sociedade brasileira, os traços da família patriarcal se mantiveram presentes com muita intensidade na família moderna, até o século XX, fundamentada inclusive na legislação, pois, no Brasil, somente na Constituição de 1988 é que a mulher e o homem são assumidos com igualdade no que diz respeito aos direitos e deveres na sociedade conjugal. A Constituição Federal de 1988 deixa claro o que deve representar a família na vida da criança e do adolescente, quando estabelece no Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, 80 além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e como tal deve ser protegida, como se conclui do disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Diz esse documento no seu artigo 17: “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado”. Citamos outras convenções internacionais que reforçam o fato de ser a família pedra fundamental da sociedade, tais como a Declaração Universal dos Direito Humanos de1948 quando define no seu artigo XXV: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. Além dessas Convenções, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1992 no seu Artigo 10, destaca: Deve-se conceder à família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, a mais ampla proteção e assistência possível, especialmente para a sua constituição e enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos. Essas concepções têm talvez influenciado a tendência dos enunciados por nós emitidos ao centralizarem a função da família em relação aos seus descendentes expressos nos termos de crianças, adolescentes e filhos. Para se atingir o estágio de elaboração conceitual, é preciso, como adverte Ferreira (2003 p. 25), “[...] que o indivíduo vivencie situações facilitadoras, capazes de criar as possibilidades para atingir estágios cada vez mais elaborados do ato de pensar”. O que provavelmente pode não ter acontecido no nosso processo de formação. Nesse sentido, é primordial que o professor domine o que faz, trabalhe com organização, consciência e volição, tendo clareza de que os conceitos são construções históricas, ou seja, surgem da atividade prática e histórico-social do homem, sendo necessárias mudanças teóricas e metodológicas que: 81 [...] superem, por um lado, a antiga concepção, ainda vigente, segundo a qual os conceitos são assimilados memoristicamente na forma de definições acabadas e, por outro lado, que propiciem, ao aprendiz, as condições de (re) elaboração dos conceitos científicos (FERREIRA, 2009, p. 63) O conceito inicial é fruto das vivências, experiências e compreensões obtidas ao longo da formação e da prática profissional, contudo, não é algo que se possa considerar estável, ao contrário, precisa ser revisto e modificado. Lênin, citado por Kopnin (1978, p. 210), enfatiza: Os conceitos humanos não são imóveis, mas estão em eterno movimento, se transformam uns nos outros, desembocam uns nos outros, sem isso eles não refletem a vida ativa [...] O estudo deles, a arte de operar com eles exige sempre o estudo do movimento dos conceitos, da relação entre eles, das transformações mútuas. Discutiremos no capítulo a seguir o processo desenvolvido para que fosse possível a (re) elaboração do conceito de família anteriormente produzido, a partir de estudos e discussões a respeito da questão posta. 3.3 O PROCESSO DE RESSIGNFICAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA (Re) elaborar um conceito, como já enfatizamos, não é algo fácil. Ao contrário requer um trabalho lento e gradual no sentido de fazer com que compreendamos realmente o fenômeno estudado, pesquisado. Essa (re) elaboração não acontece por acaso é necessário que se faça uma ligação estreita com os conhecimentos que são produzidos socialmente e fazem parte da história de quem está envolvido. Como enfatiza Kopnin (1978, p. 203): “A formação do conceito é o resultado de um processo longo de conhecimento, [...] a expressão concentrada de um conhecimento anteriormente adquirido”. Nessa perspectiva, organizamos um processo de formação e estudo visando a reelaboração do conceito de família e com a pretensão também de termos na sala de aula novos caminhos e aprendizagens, entendendo que não é qualquer formação que possibilita a abertura desses novos caminhos e ação de qualidade, entendendo também que, 82 Os conceitos generalizam os dados da experiência e sem a acumulação de certo material empírico não se pode formar nenhum conceito [...]. Muitos conceitos novos se formam à base dos conceitos anteriores, (KOPNIN, 1978 p. 209). Além disso, [...] o conceito, em sua forma natural e desenvolvida, pressupõe não só a combinação e a generalização de determinados elementos concretos da experiência, mas também a discriminação, a abstração e o isolamento de determinados elementos e, [...] a habilidade de examinar esses elementos discriminados e abstraídos fora do vínculo concreto e fatual em que são dados na experiência (VIGOTSKI, 2009, p. 220). O conceito anteriormente elaborado foi a base para que o processo se efetivasse de forma dialógica e colaborativa. Para isso, como já enfatizado, utilizamos os Ciclos de Estudos Reflexivos, em que refletimos sobre as ideias dos autores que fundamentam as questões discutidas nesta tese, especialmente, a família. O primeiro Ciclo de Estudos Reflexivos ocorreu no dia 04/05/2010, mas os estudos tendo como foco a família tiveram seu início em 26/06/10. Aconteceu na sala dos professores da Escola, campo empírico da pesquisa. Havíamos organizado um cronograma e, nesse cronograma, os encontros seriam realizados sempre às terças-feiras, durante duas horas (uma hora de estudo antes do intervalo), ou seja, das 14 horas às 15 horas na sala dos professores. Como o intervalo acontecia das 15 horas e 30 min, às 16 horas, estudaríamos mais uma hora, ou seja, das 16 h às 17h. No primeiro dia, a partícipe C., por motivo particular, precisou sair mais cedo. Dessa forma, iniciamos às 13 horas e concluímos às 15 horas. O texto escolhido para esse momento foi “Família” de Engels (2002). A discussão foi iniciada a partir das explicações de D. como constante no extrait a seguir: 83 Todos riem e aproveitam o momento de descontração para comentar, falar outras coisas, mas são imediatamente trazidos de volta por D., que lembrou que o texto havia sido entregue há quinze dias, mas, mesmo assim, compreendia o fato de nem todos terem lido, pois todos eram muito ocupados, mas que era importante fazer o tempo render. Nesse momento, a partícipe S. interrompe e diz que considera o texto difícil e complicado. Assim, combinamos que discutiríamos até a página 48, uma vez que a maioria do grupo havia lido até essa parte e a partir daí faríamos uma leitura compartilhada e uma discussão concomitante. Como todos concordaram, passamos então a compartilhar, discutir, tirar dúvidas, fazer questionamentos. Nesse dia, todas as partícipes estiveram presentes, como vemos no extrait a seguir: D: Então... A gente faz assim; Discute até onde a gente leu e depois vai lendo e fazendo a discussão, ok? Só pra... Essa obra de Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado é considerada uma obra prima da Teoria da História primitiva. Penso que coerente com o método que lhe dá suporte, isto é, o materialismo histórico, que criara juntamente com Marx, Engels inaugura, já no século XIX, um debate sobre a história da família que ainda hoje considero bastante atual. De acordo com a concepção materialista, a produção e reprodução da vida imediata, tanto dos meios de existência, como do homem mesmo, são fatores decisivos da história. Esta é a ideia que o autor reconhece e valoriza nos estudos do antropólogo norte americano Morgan sobre os laços de parentesco entre as tribos indígenas localizadas no Estado de Nova York, cujas descobertas, segundo Engels, permitiram restabelecer os traços essenciais do fundamento pré-histórico da história... S.: O princípio materialista contido na obra de Morgan, segundo Engels, é o que fundamenta a compreensão de que as fases de desenvolvimento humano acompanham os progressos obtidos na produção dos meios de existência, ou seja, as épocas de progresso no desenvolvimento da humanidade coincidem com a ampliação das fontes de existência. D. Engels coloca... É... Que isso foi o que fez Morgan, o antropólogo americano... S. Ele classifica os estágios pré-históricos em três: O Estado Selvagem, que é o período em que predomina... A... A apropriação de produtos da natureza, prontos para ser utilizados, sendo as produções artificiais do homem destinadas a facilitar essa apropriação... D.: Oi gente, hoje vamos começar nossos estudos sobre família. No encontro anterior já elaboramos o nosso conceito e todas nós levamos a cópia do texto para ser lida e hoje fizéssemos apenas a discussão do texto que ficou definido: “Família” da obra de Engels: A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Esse é o primeiro texto. Estou propondo que inicialmente a gente discuta e depois faça uma síntese do nosso entendimento, dos atributos do conceito de família apresentado pelo autor. Quais os atributos essenciais e necessários para que a gente possa chegar ao conceito de família após, claro, as outras leituras... Esse texto é o primeiro que poderá nos fundamentar para a (re) elaboração do conceito prévio elaborado anteriormente... A.: Ei! Eu não li o texto todo não... Só li o início... S. Eu também. D: Gente... Somos um grupo colaborativo... Então, vamos discutindo e qualquer uma de nós pode interferir... Ajudar... Criticar... A intenção é crescer... Se a gente não entender e não tiver aqui quem explique, vamos pedir ajuda aos “universitários”... Todos: KKKKKKKKKKK (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010) 84 A: É... É o que ele chama de fase inferior? A infância do gênero humano... Por que a infância do gênero humano? Por que fase inferior? D: É o começo e tudo... O homem ainda vivia nos bosques... Viviam em árvores, se alimentavam de frutas, raízes... A: Ah, tá... S: o segundo período é o que ele chama de Barbárie, em que acontece a criação e a domesticação de animais e o advento da agricultura... Ai a produção passa a ser melhorada... o início do incremento da produção, a partir da natureza, pelo trabalho humano. A: O outro período é o da civilização... É o período que o homem aprende a elaborar os produtos naturais. D: É o período da indústria propriamente dita e da arte... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). A partícipe A., por sua vez, procurando um entendimento, interrompe e quer saber a relação entre essa discussão e o conceito de família que vai ser (re) elaborado. A: Mas, a gente não quer é construir o conceito de família? D: É... Realmente é o nosso objetivo... A: por que então, a gente está estudando esse texto? S. Mas tudo... Tudo não tem um começo...? D.: Penso assim,a forma como a sociedade foi se constituindo fez com que as famílias sejam de uma forma ou de outra.... É a partir desses estágios que ele vai caracterizando e significando os diferentes tipos de família... Engels... Assim... Com base nos estudos de Morgan sobre os iroqueses... A: Mas o que é iroqueses? D: Os iroqueses foram um grupo nativo dos Estados Unidos, que eram nômades... Eram Índios e formaram uma confederação que ocupou o norte do estado de Nova York e a província de Quebec. As tribos iroquesas tornaram-se conhecidas como as Cinco Nações. Sua confederação foi a organização indígena mais eficiente da América do Norte. Nessas tribos as mulheres tinham um papel importante. Elas nomeavam os membros do conselho tribal e os demitiam, caso sua conduta não fosse satisfatória. Cada tribo enviava um número determinado de representantes ao grande conselho da confederação. S: As mulheres... Faz tempo que elas são poderosas... Esse assunto é interessante... D. Então assim... Engels com base nos estudos de Morgan sobre os Iroqueses além de identificar o momento no estágio evolutivo e as condições que permitiram a transformação do macaco em homem, caracteriza os sistemas de parentesco e formas de matrimônio que levaram à formação da família... Aí, descreve as fases... E... E os modelos criados ao longo do processo de desenvolvimento humano. S.Ele apresenta no texto três modelos de família, num é? D. Isso... Que modelos são esses? S.O que ele chama de Família Consanguínea, que assim... Como se deu... D.: É... Vamos dizer... o primeiro progresso na constituição da família, na medida em que exclui os pais e os filhos de relações sexuais recíprocas, os grupos conjugais classificam-se por gerações, ou seja, irmãos e irmãs são, necessariamente, marido e mulher, revelando que a reprodução da família se dava através de relações carnais mútuas e endógenas. S.: E... Nos estágios mais primitivos... A invenção do incesto foi o passo mais... Decisivo na organização da família propriamente dita... Não havia assim... Barreiras determinadas pela cultura... Talvez nem fosse possível falar em família nesse período... A.: Não entendi direito esse negócio de família consanguínea... S.: Acho que é assim... A.: Mas o que tem a ver com que a gente quer? A gente não quer elaborar o conceito de família? 85 Nesse momento D. pergunta para A. se ela realmente leu texto, ao que ela responde: Na discussão travada entre D. e A. é possível identificar que, mesmo buscando realizar um trabalho colaborativo em que as pessoas discutem e resolvem as questões em comum acordo, em alguns momentos parece não haver entendimento do que foi decidido e, além disso, o fato das pessoas não terem na sua rotina a leitura, torna a compreensão de qualquer texto complicado, o que requer tempo para outras leituras e discussões. Retomando o texto, a partícipe D se volta para o que já viam discutindo: D.: Bom... Voltando ao texto... Vamos reiniciar discutindo o que o autor chama de família Sindiásmica... Vocês tem alguma coisa pra dizer? Ah, nem todo mundo leu. De maneira geral, o texto foi lido até aqui na p. 48, não foi? A.: Foi D.: Então, a partir daqui... Da p. 49, a gente pode ir lendo... Certo? É mais cansativo, mas penso que vai dar pra gente fazer assim... S. Esse tipo de família sindiásmica... D.: Sindiásmica... S.: Isso... Foi com a família Sindiásmica que começou assim... O casamento por pares... Tem assim, na p. 49: “o homem tinha, uma mulher entre suas numerosas esposas e, era para ela o esposo principal entre todos os outros”... Nossa... D.: O homem tinha uma mulher principal entre as suas numerosas esposas e a mulher a considerava como o esposo principal entre os inúmeros maridos que ela possuía. O homem vive com uma mulher, mas tem como direito a poligamia e a infidelidade conjugal. Das mulheres exigia-se uma fidelidade extrema e se a mesma fosse pega em adultério seria castigada severamente. Mas ai tem uma questão: o casamento pode se acabar facilmente tanto por parte do homem como pela mulher, mas os filhos pertencem exclusivamente a mãe... D.: Isso... Vamos (re) elaborar e esse texto nos dar elementos para isso... Engels destaca três grandes estágios e vai situando neles a estruturação da família... Então, embora ele não seja o único... Eu penso que é um dos mais importantes... Tá certo... Fui eu que escolhi o texto... Mas perguntei a vocês se tinha outro... Ninguém sugeriu nada... E tem mais... Vocês levaram pra casa... Leram e tinha dado tempo de vocês dizerem se preferiam outro ou não... A.: É por que eu achei ele muito cansativo... D.: Qualquer texto é cansativo... Quando a gente não tem essa prática... Mas com a continuação vai melhorando... A gente vai se apaixonando... A primeira leitura que eu fiz achei um porre... Super chato o texto, mas depois comecei a gostar... A: Ler eu li... É... Vai ver que eu não li direito... Realmente ler sempre foi um sofrimento pra mim... D.: A gente precisa tá o tempo todo atualizado com as leituras ... Como um professor não lê? Eu nem digo, gosta de ler... Por que às vezes a gente lê por obrigação... Mas por obrigação ou não, é uma necessidade... Senão, como a gente vai adquirir subsídios para realizar o trabalho da gente... S.: É mesmo, viu? (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). 86 A.: Esse negócio parece muito com o que acontece hoje... O casamento é fácil de acabar... E de uma maneira geral, o filho fica sempre com a mãe... D.: Em parte isso acontece... Os casamentos hoje são como um sopro... Se acabam rapidinho... Há traição em muitos casos, mas não explícita como era nesse tipo de família... A.: A hipocrisia hoje é muito maior... D.: Com certeza... Mas os filhos... Os filhos hoje não ficam exclusivamente com o pai ou com a mãe... A guarda em geral é compartilhada... A não ser... Que a mãe seja drogada... Tenha algum impedimento, enfim... Na família se considera a linhagem feminina, o que garante o direito materno em caso de dissolução do vínculo conjugal... Esse tipo de família é vamos dizer assim. Como está aqui na p. 51; ´”é demasiado débil e instável por si mesma para fazer sentir a necessidade ou simplesmente o desejo de um lar particular”... S. recorre ao autor do texto para discutir a classificação referente às modalidades de família. S.: Segundo Engels, a família sindiásmica é o estágio que permitiria o desenvolvimento da Família Monogâmica... Assim... Embora fosse consentida a infidelidade conjugal já havia a ideia de sal... De um homem e uma mulher D: A família monogâmica nasce da família sindiásmica, no período de transição entre a fase média e a fase superior da barbárie; seu triunfo definitivo é um dos sintomas da civilização nascente. Baseia-se no predomínio do homem; sua finalidade expressa é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se, essa paternidade, indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de seu pai. S.: É... Mas a família monogâmica diferencia-se do matrimônio sindiásmico por uma solidez muito maior dos laços conjugais, que já não podem ser rompidos por vontade de qualquer das partes. Agora, como regra, só o homem pode rompê-los e repudiar sua mulher. D.: E o que a gente pode perceber que, ao homem, se concede o direito à infidelidade conjugal, desde que ele não traga a concubina ao domicílio conjugal, e esse direito passa a se cada vez maior, à medida que se processa a evolução da sociedade. e... Assim... Quando mulher, por acaso, recorda as antigas práticas sexuais... é castigada mais rigorosamente do que em qualquer outra época anterior. A.: Essa coisa de mulher ser subjugadavem de longe, hem? D.: Na verdade... a monogamia, como está posto aqui na p. 67: “A monogamia não aparece como uma reconciliação entre o homem e a mulher, e menos ainda, como a forma mais elevada de matrimônio [...] ele surge como sob a forma de escravidão de um sexo pelo outro [...]”. Ainda tem assim: “A primeira divisão do trabalho é a que se faz entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos”. Ainda coloca que “o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história, coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia”. S. Quer dizer... A monogamia começa com a escravidão e as riquezas privada... D.: E a mulher passa a ser uma escrava... Empregada... A.: Hoje nas famílias ainda acontece isso: Os casamentos teoricamente são monogâmicos. D.: É verdade... Teoricamente as mulheres buscaram uma independência que não aconteceu... E passaram a trabalhar triplamente: cuidando dos filhos da casa e do marido e, ainda trabalhando fora para ajudar no orçamento doméstico... E as que não trabalham fora não ganham nada... A.: São enfim, as empregadas do serviço privado da sua casa... Li não sei aonde que a família individual moderna baseia-se na escravidão doméstica, franca ou dissimulada, da mulher, e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias individuais... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). 87 D. sintetiza a discussão, como veremos no extrait que se segue: D.: O que a gente viu no texto que lemos e discutimos é que há três formas principais de matrimônio, que correspondem aproximadamente aos três estágios fundamentais da evolução humana. Ao estado selvagem corresponde o matrimônio por grupos; à barbárie, o matrimônio sindiásmico; e à civilização corresponde à monogamia com seus complementos: o adultério e a prostituição. Entre o matrimônio sindiásmico e a monogamia, intercalam-se, na fase superior da barbárie, a submissão das mulheres escravas aos homens e a poligamia. D.: Olha a aqui na p. 42, está dito assim: “Esse tipo de tal família seriam descendentes de um casal, em cada uma de cujas gerações sucessivas todos fossem entre si irmãos e irmãs e, por isso, maridos e mulheres dos outros”. A.: Nossa... D.: Depois vemos que ele chama Família Panaluana... Dela são excluídas as relações carnais entre irmãos e irmãs, criando a categoria dos sobrinhos e sobrinhas, primos e primas. Passou a existir um tipo de matrimônio por grupos em comunidades comunistas. É a partir deste modelo de família que são instituídas as gens, ou seja, um “circulo fechado de parentes consanguíneos por linha feminina, que não se podem casar uns com os outros” , olha aí na p. 36... S. Quer dizer que agora não se podia ter relações sexuais entre irmãos e irmãs... D.: Isso... O que normal e comum no tipo de família anterior... A.: Na família Consanguínea... D.: Isso... Na família Consanguínea... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). Há uma discussão do texto lido do texto. As partícipes agora mostram compreender o que leram e quando isso não ocorre partem para questionamentos, buscando tirar as dúvidas com seus pares. Comparam os tipos de família apresentados no texto estudado com o que acontece atualmente com as famílias em que os casamentos nos moldes tradicionais não têm muita durabilidade e se encerram com lutas judiciais, com os filhos ficam com uma das partes e, além de que as mulheres continuam subjugadas. D. enfatiza que nessas mudanças que ocorreram ao longo da história, muita coisa ainda tem muito a ver com as épocas mais remotas da organização familiar: a mulher como a responsável pelo lar. Antes era a responsável escrava que fazia tudo para os filhos e o marido; e hoje ela se considera livre, contudo, essa liberdade esbarra também na exploração a que é submetida no dia a dia: é dona de casa, cuida dos filhos e ainda trabalha fora, o que é corroborado por A. quando enfatiza, que “é empregada da sua própria casa”. Continuando as discussões relativas ao que estava sendo estudado, as partícipes destacam algumas questões importantes deixando claro que tudo o que vivemos no contexto atual é fruto da nossa história social e cultural. Os extraits a seguir apresentam aspectos da discussão: 88 Nesse processo, é possível perceber na fala da partícipe S. alguns elementos do conceito de família, que nos serve de parâmetro, quando ressalta que família protege, educa e ensina valores. A partícipe D. faz questionamentos sobre o conteúdo estudado e pergunta se gostaram e qual foi a compreensão de todos a respeito do que foi lido, do que foi discutido. Todas dizem que consideraram interessante. D. enfatiza que apesar do caráter histórico das significação conceitual o texto de Engels nos dá uma dimensão da história da evolução família, que não podemos desconsiderar, em particular, o atributo grupo social. Afinal, o que somos e vivemos não é por acaso. Trazemos resquícios do que aprendemos, pela forma como fomos ou somos educados. E essa questão é importante para que tenhamos como referência da nossa compreensão e das nossas reformulações. É importante frisar que, a partir da leitura e, principalmente da discussão, inicia-se o estabelecimento de relações críticas. O processo de formação do conceito começa a migrar de uma atitude meramente descritiva para uma compreensão mais profunda. Por se tratar de uma primeira leitura, a concatenação das ideias ainda não permite o grau de abstração mais abrangente do pensamento conceitual, o que de fato ocorre é que as partícipes tecem paralelos comparativos com argumentos exemplificativos que margeiam ainda o universo empírico, típico de um pensamento ainda bastante ligado à singularidade prática. Após as considerações, a partícipe D. continua a falar sobre o texto lido e a continuidade dos estudos. A. inicia enfatizando: A.: Embora não dê ainda para a gente elaborar o conceito de família uma vez que precisamos de mais respaldo teórico... Penso que a gente poderia dizer que Família é um grupo de pessoas em interação, com uma história natural composta por vários estágios, sendo que a cada um deles correspondem tarefas específicas por parte da família... D.: Bom gente... Esse texto nos deu ideia de uma história interessante em alguns aspectos deprimente, mas que nos ajudará para que possamos reformular o conceito de família S.: Na verdade, o que se viveu e se vive nos grupos familiares é fruto dessa forma de organização ao longo da nossa história... D.: O que somos e vivemos não é por acaso... Trazemos resquícios pelo que aprendemos pelo que passaram pra gente... Desse processo de construção da história da família. S.: Esse texto foi ótimo... Tanta coisa que eu não sabia... A.: É pela história que a gente vai construindo o nosso jeito de ser e de agir... O que vemos nas famílias hoje é fruto de toda essa história... S.: Essa ideia de família... Essa ideia atual de família é fruto das nossas vivências... É fruto da nossa história... Independente do casamento... É fundamental uma família que protege que educa... Que ensina valores... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). 89 previamente elaborado... S.: Não é fácil, não, mas é interessante... Tanta coisa que eu não sabia... D.: Em alguns períodos pela forma como os grupos se organizavam talvez a gente nem pudesse falar em família... Mas havia uma função, havia um papel desempenhar... Penso que deu para que a gente tirasse as ideias básicas desse texto e na próxima aula, vamos discutir aquele texto que eu também já entreguei pra vocês... O de Roudinesco... O nosso encontro conforme os calendários será dia 15/07? Mas dá pra ser no dia 07/07? S.: Pode ser sim... Não... eu tenho uma coisa pra fazer nesse dia. D.: Então Ok. Fica 15/07. D. Gente, vocês já deram uma olhada no texto? Eu já ... Se não olharam, agora leiam, ok? (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). D. então passa a fazer uma síntese geral do livro de Roudinesco, dizendo que vai ser lido no próximo encontro e enfatiza que é importante a leitura de todo o livro, mas que a discussão versará sobre o capítulo 1, “Deus pai”, e o capítulo 8 “A família do futuro”. S.e A. reagem dizendo: S. Nossa... Como vai ser coisa? Não vai dar para concluir a leitura para a próxima semana, não... A.: Por que a gente não deixa pra outra semana? Aí vai dar tempo pra ler... Por que é quase o livro inteiro... D.: Ok. Então vamos deixar pra próxima... Que será o dia... dia 15? São mais de quinze dias... A.: dia 15/07... então tá... D.: Então estamos mantendo a data do calendário... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 26/06/2010). No dia 15/07 reiniciamos nossas leituras e discussões. Estiveram presentes no encontro C. e D. Por motivos pessoais, S. não pode comparecer, e A. já não fazia mais parte do quadro da Escola, motivo pelo qual deixou de participar. Após um bom tempo de conversa sobre o texto anterior, em que voltamos a tirar algumas dúvidas começamos o estudo do dia. D. Leu o texto, C.? C.: li quase todos... D. É uma pena que S. não tenha vindo... Ela tava tão interessada... Embora eu acredite que ela tenha lido... Bom, com é que a gente vai fazer? Vai seguindo a ordem dos textos, ou a gente vai falando de uma maneira geral... C.: Penso que é melhor de uma maneira geral... D.: OK. Quer começar? C.: Eu anotei algumas coisas. Posso ler? D.: Claro... C.: No capítulo 1 A autora destaca que a revolução científica e tecnológica provocaram uma revolução no conceito de família, se pensarmos que por esse nome designamos a união, reconhecida e apoiada pela sociedade, entre um homem e uma mulher com fins de criar e manter os filhos. Ela ressalta as ideias de autores como Lévi-Strauss sobre família, 90 parentesco, que enfatiza que a vida familiar se apresenta em praticamente todas as sociedades humanas, mesmo que sob formas e maneiras diferentes. A respeito do fenômeno familiar, considera possíveis duas abordagens: a primeira, sociológica, histórica ou psicanalítica, privilegiando a verticalidade de filiações, gerações, continuidades, transmissão de saberes; enquanto a outra, mais antropológica, privilegia a horizontalidade estrutural, comparando alianças: cada família, fruto do estilhaçamento de duas outras famílias. Eu não entendi bem isso: “fruto do estilhaçamento de duas outras famílias”... D.: estilhaçar é despedaçar... Aqui é colocado no sentido, de que as famílias vão se desdobrando. Entendo assim: que as famílias só se formam se existirem outras famílias: é daí que vai sair o homem, a mulher... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 15/07/2010). C. intervém, como podemos observar no extrait abaixo: C.: Ah... Fala também da família como instituição humana duplamente universal, associação de um fato de cultura e um fato da natureza o da ordem do biológico na reprodução, sendo assinalado que a própria palavra família encerra diferentes realidades, tendo chegado ao modelo nuclear, do Ocidente, após longa evolução, que ocorreu do séc. XVI ao XVIII. Diz D.: Sobre isso é colocado aqui na p. 19; “A família tradicional serve [...] para assegurar a transmissão de um patrimônio”. Os pais arranjam os casamentos dos filhos sem levar em conta a “vida afetiva e sexual”. C.: Era um negócio muito difícil... Pense... Minha mãe, meu pai arranjando um marido pra mim... Eu nasci no tempo certo... D.: Mas veja que o objetivo era assegurar um patrimônio... Você acha que iam jogar a riqueza na mão de qualquer um... Ou então, ia perder de ganhar? Além disso, o pai era o próprio Deus... Que mandava, desmandava e a pessoa não tinha como dizer não... Desobedecer às ordens do pai tinha consequências... Era uma família autoritária, com um pai arcaico... O pai dos tempos arcaicos era considerado “a encarnação familiar de Deus”. Essa ideia foi imposta pelo cristianismo, “à imagem de Deus, o pai é como uma reencarnação terrestre de um poder espiritual que transcende a carne”!... C: O pai era o todo poderoso... Após tantos anos ainda tem pai que acredita que tem o poder... D.: pior que tem... C.: depois tem a chamada família moderna... Que aparece no cenário social entre o século XVIII e metade do século XX. D.: Esse tipo de família tem a afetividade como princípio e tem sua relação baseada também no amor romântico, a autoridade passa a ser dividida entre o Estado e os pais de um lado, e entre os pais e as mães de outro. C.: E tem o casamento como uma forma de... Vamos dizer: sancionar a reciprocidade dos sentimentos e dos desejos sexuais através do casamento... Há uma divisão de trabalho entre os esposos... “fazendo ao mesmo tempo do filho um sujeito cuja educação [...] é encarregada de assegurar”. Veja aí na p. 19... D. O casamento então, se torna nessa fase um elemento fundante... C.: essa ideia... Esse desejo que muita gente ainda tem de casar, talvez venha daí, num é? D.: Provavelmente... Tudo o que a gente sabe... faz, é fruto das aprendizagens que tivemos, do que nos disseram ou nos fizeram realizar. D.: E a família contemporânea?. (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 15/07/2010). 91 A partícipe C. passa a colaborar com a discussão, situando a família contemporânea. C.: A família contemporânea... Surge a partir dos anos 60... Ela une pessoas por um curto ou longo prazo... Pessoas que estão em busca de relações íntimas ou realização sexual. Esse tipo de família é muito complicado... Ela perdeu a referência e se perdeu nas questões da autoridade. As pessoas se juntam e se separam na mesma velocidade... Ou seja, são muitas as rupturas ou recomposições conjugais... Isso faz com que a transmissão de autoridade se torne muito problemática. Vemos hoje graves problemas de autoridade... Quem tem o poder nas famílias muitas vezes são os filhos... Os pais perderam... Já não sabem o que fazer... Embora tenha que cuidar, proteger, dar educação aos filhos... A gente vê isso, no comportamento das crianças na sala de aula. D.: Esse texto deixa clara a importância da figura do pai na família que foi ao longo dos tempos se deteriorando fazendo surgir... A mulher como dona de si e do seu espaço... Deixando os filhos à mercê da empregada, da avó, da... C.: texto legal... A gente vê esses comportamentos e essa forma de educar nas crianças... Na sala de aula... D: será que tem alguma coisa que deixou de ser discutida? C.: penso que não... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 15/07/2010). Após a discussão, D. passa situar os aspectos metodológicos que possibilitam a elaboração conceitual. No dia 16 de agosto de 2010, realizamos o terceiro momento de estudo. Da mesma forma que os outros, este aconteceu na sala dos professores da Escola que serviu de campo de pesquisa, das 13 h às 15h30min. O texto estudado, como combinado no encontro anterior, foi outro de Roudinesco (2003): “A família do futuro”. D.: Então poderíamos fazer a elaboração dos atributos que nos ajudariam a reelaborar o conceito de família? C: penso que a gente poderia passar para o outro texto e só depois faríamos o levantamento... D.: É isso mesmo, pois aí teríamos mais elementos... Uma questão que é discutida que eu considero bastante importante no capítulo 8, diz respeito ao futuro da família... C.: Também achei legal... Mas penso que poderíamos deixar esse texto para o próximo encontro, pois quem ficou de fazer uma síntese desse texto foi S. e seria interessante que ela participasse... C.: É... Então, quando a gente terminar a discussão a gente faz o levantamento dos atributos... A gente marca para quando? D.: Pode ser para a próxima semana? Dia21? Eu ligo pra S. e combino com ela... Se ela não puder nesse dia, a gente revê a data, certo? C.: Pra mim tá tudo bem... Mesmo sendo o dia da minha folga do planejamento eu venho... Eu considero muito importante esses momentos em que a gente estuda, compartilha ideias, aprende coisas... Então até a próxima... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 15/07/2010). 92 Iniciamos esse encontro retomando o texto anterior e dizendo que a leitura e a discussão complementariam o que vínhamos refletindo. C. passa a ressaltar o que antes havíamos lido. C.: O texto anterior foi bastante interessante... S.: Pena que eu perdi a discussão... C.: É uma pena mesmo... Mas hoje a gente volta um pouquinho e discute esse que tem tudo a ver... A autora fala sobre uma questão interessante... Aqui na p.11: “baseada durante séculos na soberania divina do pai, a família ocidental foi desafiada, no século XVIII, pela irrupção do feminino”. A mulher passou a ter um lugar... foi concedido um lugar central à maternidade... S.: Na verdade era uma ameaça ao poder patriarcal... A união entre um homem e uma mulher... Ela distingue três períodos da evolução da família... A família tradicional, a família moderna, lá pelo final do século XVIII e na década de 60, a família contemporânea... D.: Nesse texto “a família do futuro” A autora discute a importância da psicanálise pensar o movimento da história (incluindo a família)... C.: Não só isso... Eu concordo com o que ela diz, mas às vezes me vejo extremamente pessimista e fico pensando que a família não está desenvolvendo o seu o papel de educar... proteger, cuidar. Na verdade, como também diz a autora, “família do futuro precisa ser reinventada”. Se ela faz essas considerações é sinal de que a que existe atualmente não está desenvolvendo o seu papel. (extraído primeiro ciclo de estudo sobre família realizado em 15/07/2010). C. continua ressaltando as dificuldades que passam as famílias atualmente e apresenta alguns exemplos de situações vividas por famílias que conhece e convive. A seguir, D. retoma o texto propriamente dito, estabelecendo relação com o que expressou a partícipe C. D.: É isso mesmo... Mas a gente percebe as mudanças que ocorreram na família, ao longo da história. Para que a gente entenda melhor essas mudanças é importante que se perceba que ela também é um sistema que precisa acompanhar as mudanças sociais, econômicas, políticas que acontecem no nosso mundo. Assim como o capitalismo, os meios de trabalho e as relações afetivas. A gente sabe que muita coisa mudou: o casamento deixou de ser puro e simplesmente para a procriação, a mulher tem o poder inclusive, de dominar essa procriação e que os homossexuais podem participar do processo de ser pai... Mãe... C.: E tem mais... D.: Eu não terminei... Além... C.: Desculpa... D. Além disso, também destaca a necessidades de aceitação dos pais homossexuais, no direito de constituir família... C: .: Até por que hoje a gente percebe a família diferente... São feitos arranjos e isso tem que ser considerado... Eu digo isso, mas fico pensando: cada vez mais pais se separam... Casam novamente... Mais filhos são gerados fora do casamento... Você não acha que essa desordem atrapalha o crescimento emocional e intelectual da criança. D.: Não sei... Conheço muitos pais separados que educam muito bem seus filhos e conheço também pais que moram juntos que não conseguem educar devidamente seus filhos... Isso é muito relativo!!!! Como eu também conheço casais gays que conseguem dar uma educação primorosa... Na verdade... Ter pais heterossexuais, ter pais que são casados e moram juntos não 93 é garantia de ausência de sofrimento e traumas... C.: É... Pode ser... Às vezes eu também acredito nisso... D.: Aqui na p. 198,no texto “a família do futuro” “a autora diz: [...] para os pessimistas que pensam que a civilização corre o risco de ser engolida por clones, bárbaros, bissexuais ou delinquentes da periferia, concebidos de pais desvairados e mães errantes, observamos que essas desordens não são novas [...] e, sobretudo que não impedem que a família seja atualmente reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar”. Na página 199 ela ainda enfatiza: [...] a família aparece como a única instância capaz, para o sujeito, de assumir esse conflito e favorecer o surgimento de uma nova ordem.. C. Então podemos dizer que a família seja de que forma ela se organiza e se encontra ainda é a instituição mais importante?! D.: Penso que sim... Apesar de tudo... (Extrait do primeiro ciclo de estudo sobre família, realizado em 15/07/2010). Após esse momento, D. lembra que é necessário fazer a enumeração dos atributos múltiplos e depois os atributos essenciais para que o conceito possa, posteriormente, ser elaborado. Então, estende um papel madeira na mesa e passa a escrever o que cada uma das partícipes enumerou dos atributos. Antes, C. ainda faz um comentário, mas as suas palavras não são consideradas por D. que logo muda de assunto. C.: Eu ainda acredito na família... D.: Bom... Penso que o texto foi concluído... Ou você tem ainda alguma coisa a dizer? C.: Não... D. Então, penso que podemos fazer a enumeração dos atributos... Hoje faremos essa enumeração tanto do texto de Engels, nossa leitura anterior, como do texto que lemos hoje... C.: É mesmo, não fizemos do texto anterior... (Extrait do segundo ciclo de estudo sobre família, realizado em 16 /08/2010). No quadro a seguir apresentamos a enumeração feita após a leitura e discussão dos textos relacionados. É importante lembrar que os atributos foram enumerados em comum acordo, a partir da leitura e discussão do texto de Engels (2002) e Roudinesco(2003). Quadro 12 - Atributos gerais para a formação do conceito de família TEXTOS ATRIBUTOS ROUDINESCO, ELIZABETH. Deus Pai. In: ROUDINESCO. E.A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. ROUDINESCO, ELIZABETH. A família do futuro do futuro: ROUDINESCO. In: A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. ENGELS, F.: Família. In A origem da família - da propriedade privada e do estado. Proteção, transmissão, valores éticos, afeto, grupo social. Grupo, parentesco, consanguinidade, laços conjugais. 94 São Paulo: Centauro editora, 2002. Fonte: Estudo realizado em agosto/2010. Após a enumeração dos atributos gerais, passamos a enumerar aqueles considerados essenciais e necessários que pudessem expressar o significado para família. Quadro 13 - Atributos essenciais para a formação do conceito de família TEXTOS ATRIBUTOS ROUDINESCO, ELIZABETH. Deus Pai. In: ROUDINESCO. E.A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. ________________. A família do futuro do futuro: ROUDINESCO. In:A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. ENGELS, F.: Família. In A origem da família - da propriedade privada e do estado. São Paulo: Centauro editora, 2002. proteção, grupo, grupo social. Fonte: Estudo realizado em agosto/2010. O texto de Roudinesco (2003) nos deu a possibilidade de pôr em discussão uma questão importante, ou seja, a necessidade de considerarmos as múltiplas formas de arranjos familiares que hoje são uma realidade no nosso contexto, incluindo a homoafetividade. A autora coloca que as desordens não são novas, mas a tratamos como se a realidade familiar de pais que não cuidam, não protegem, fosse algo atual, ao ponto de, na discussão, chegarmos à conclusão de que a família da atualidade não tem jeito e não está desenvolvendo a sua função. São colocados exemplos que fazem parte do cotidiano, da sala de aula, que é o universo mais próximo, em que as partícipes lidam com as crianças. Parece não haver clareza da evolução da sociedade e consequentemente dessa instituição chamada família, que está em desordem, mas ainda é muito importante. Por mais que a família viva uma desordem evidente, algo que não é novo, ainda é a instituição que pode fazer com que mudanças ocorram. Não simplesmente a família tradicionalmente constituída: pai, mãe e filhos, mas uma instituição que possibilite as crianças, aos filhos, proteção, cuidados e uma boa educação, seja lá de que maneira se dê a sua formação. Segundo Roudinesco (2003), a família é o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar. A família aparece como a única instância capaz, para o sujeito, de assumir os 95 conflitos e favorecer o surgimento de uma nova ordem. Temos clareza de que outros caminhos precisam ser trilhados no sentido de fazer com que a escola exerça a sua função tendo em vista essa nova realidade. É importante salientar a vontade de discutir, aprender e adquirir novos conhecimentos pelas partícipes, envolvidas efetivamente nesse momento. Com a enumeração dos atributos finalizamos esse terceiro encontro e reafirmamos o horário e a data já agendados para o próximo estudo. O que já tínhamos discutido até então ainda não era suficiente para fazermos a (re) elaboração pretendida. O texto xerocado foi entregue para que fosse estudado. Assim, no dia 27/08/2010, efetivamos a discussão do texto “A família como núcleo socializador”, de Arcoverde (2002). O processo teve início com as explicações de D. sobre o que tínhamos que fazer com o texto e depois passamos a discuti-lo. Antes disso D. esclareceu que a professora A. não era mais partícipe, uma vez que não trabalhava mais na escola. Explicou que havia dito a ela que mesmo não estando mais na escola poderia participar, mas recebeu a justificativa de que agora iria trabalhar numa instituição distante e, dessa forma, ficava complicado estar presente nos momento s de estudo. D. inicia então fazendo questionamentos sobre o texto e da sua importância para a (re)elaboração a ser realizada. D.: Gente, após esse texto, eu penso que será possível fazermos a (re) elaboração do conceito de família... Vocês leram? Gostaram? S.: Eu não vim no último encontro, mas eu tinha lido os textos anteriores e li esse também... Esse inclusive achei bem light... D.: Realmente ele é bastante interessante e tem uma linguagem boa... A gente compreende com facilidade... C.: Eu vi que é interessante, mas com as minhas correrias... Não deu pra... Eu não li todo... Mas... A autora inicia o texto conceituando família da seguinte forma: “é o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da proteção integral dos filhos, das crianças”... E coloca a família com a célula-base da sociedade... D.: Mas ainda há mulheres muito submissas... Mesmo com a Lei Maria da Penha... C.: (kkkkkk)... É mesmo... Para esclarecer o que estava sendo discutido, D. resolve ler um trecho do texto, transcrito abaixo. D. Vou ler um pouquinho aqui na p. 30: O termo família é utilizado largamente em vários sentidos: amplo, restrito e figurativo. Em sentido restrito, designa pessoas aparentadas, vivendo sob o mesmo teto, especialmente o pai, a mães e as crianças. Assim sendo, significa ser “parte” de um grupo com pessoas. [...] enquanto grupo social possui um chefe que pode ser ou não o provedor das necessidades de seus membros... Eu penso que é essa família que nos interessa: a família enquanto grupo social. E é... A gente aprende a conviver, a se comportar é nesse 96 processo... E muitas vezes a gente não tem determinado comportamento, não porque a gente... não quer, mas por que as pessoas a olham de uma determinada forma que faz você não querer se expor. A família, diz ela se reportando a Lukcman, é quem realiza a socialização dos seus membros. Ela cita Roudinesco... Ou melhor, ela nem cita ela diz, o que Roudinesco diz que a família contemporânea é relacional e individualista. S.: Ela diz também que dos anos 80 pra cá há um maior respeito... Tanto se trata bem criança, com adulto... Tanto homens como mulheres... C.: Como assim? D.: Assim: Nas famílias, tanto faz ser homem como mulher... Crianças... Há um maior respeito pela pessoa... eu não vejo isso não. A cada dia as pessoas se desrespeitam muito mais... Pai... Filhos... Não existe medida... Mas a autora diz que a ONU em 94 disse que no coração da sociedade, família era “uma pequena democracia...” Aonde é que eu não sei. É fato que só alguns homens se atrevem, por exemplo, a bater em mulher... que apanham por que são otárias, mas não existe essa supremacia masculina... Como nos primórdios... S. Isso é verdade... Muitas mulheres são chefe de família... E muitas vezes... (Extrait do Ciclo de estudos realizado em 27/08/2010). D. não deixa S. concluir e intervém: Nas discussões que aparecem no extrait acima S. e D. mostram uma compreensão sobre o que ocorre na sociedade com relação às famílias, no que diz respeito ao fato das mulheres continuarem submissas (embora já tenham ocorrido muitas mudanças), como também o fato de a família não ser considerada como tal apenas quando é formada por pai, mãe e filhos, mas são valorizados também, os arranjos familiares, que se constituem formas de possibilitar as crianças proteção, educação e sobrevivência. Depois da leitura e discussão do texto, D. solicita o posicionamento das partícipes em relação ao texto em pauta. D.: Ela manda sozinha.. Arcoverde também fala da questão que Roudinesco também discute... A questão da homossexualidade... Dos homossexuais poderem fazer adoção, pois afinal são pessoas que têm sentimentos e podem dar muito carinho e amor... C. Os arranjos familiares hoje são importantes... Você não tem família apenas quando tem pai ou mãe, mas quando tem pessoas que cuidam, protegem... D.: A família existe pra garantir a sobrevivência dos filhos, das crianças... S.: Dela mesma... D.: Na medida em que cuida, educa, e garante a sobrevivência das crianças... Está... Está garantindo a sua própria sobrevivência. (Extrait do Ciclo de estudos realizado em 27/08/2010). D. Gente, e agora, o que vamos fazer primeiro? A gente precisar retirar todos os atributos ou propriedade, depois a gente vai especificando... Dizendo o que é essencial e necessário... Porque às vezes um atributo faz parte de um conceito, mas que não apenas dele... C. Então, a gente vai retirar os atributos que são múltiplos depois os essenciais ao conceito... D. Isso... A gente vai considerar os textos estudados... C. Então, vamos... D. Antes... vamos ver... Vocês gostaram do texto? Foi possível uma apropriação do conteúdo? Eu amei... 97 D. faz, então, uma breve explicação do que seja atributo do conceito e exemplifica com algumas situações apresentadas e enfatiza que sempre que houver necessidade é importante que parem e rediscutam a questão, uma vez que é muito complicado trabalhar com as crianças algo que não se tem ideia, que não se compreende. A explicação dada parece ter ficado clara, pois logo depois C. comenta: Após as observações e considerações, cada uma das partícipes foi enumerando o que considerava atributo de família a partir do texto lido e D. ia anotando ao que todas diziam se concordavam ou não. Esses atributos estão sintetizados no quadro: S. Foi bem leve... C.: Gostei bastante... Foi possível alargar assim... o que a gente já tinha lido... D.: E agora? Vamos (re) elaborar o nosso conceito de família? C.: Vamos sim... Como vamos fazer? D. Penso que todas nós devemos escrever e depois a gente socializa... Mas antes o que é que temos que fazer? Vamos enumerar os atributos gerais do conceito, depois os essenciais para poder assim, elaborarmos... Dos textos anteriores, nós já fizemos isso... Depois veremos como vai ficar o conceito da gente... Vocês acham que há condição de fazermos isso agora? S. Acho que sim... Temos elementos pra isso... D. Então, vamos... Quais os atributos? Vamos dizer eu vou anotando... C.: Atributo é aquilo... S.: Não lembra que isso a gente já viu? C. Mas a gente aprende... Daqui a pouco desaprende... Mas o que eu quero é chegar lá. D. A gente estuda todo dia, mas a gente não sabe de nada... S. É mesmo... Garantir a sobrevivência é atributo? C.: Pera aí, mulher, tenha calma... Você sabe, mas eu ainda não sei não... Por que é atributo? D. Vamos retomar um pouco... (Extrait do Ciclo de estudos realizado em 27/8/2010). C.: Ah, assim tá certo... É muito complicado a gente ter que fazer algo sem entender... D.: O mais importante agora é a gente conseguir colocar esse conhecimento teórico na prática, no trabalho com as crianças.... Por que uma coisa é você verbalizar, a outra é você realmente utilizar... S.: É mesmo... Como pôr em prática isso... Essa é a grande dificuldade... A gente até entende, mas utilizar é o grande desafio... D.: é importante que a gente esteja sempre buscando... Não entendeu, pergunta ao colega, estuda... Só assim encontraremos as respostas que queremos... (Extrait do Ciclo de estudos realizado em 27/8/2010). 98 QUADRO 14 – Atributos múltiplos do conceito de família Fonte: estudo realizado em 27/08/2010 A partir dos atributos múltiplos enumerados, passamos a destacar o que é necessário e essencial para o conceito de família a ser (re) laborado. QUADRO 15– Atributos essenciais para a formação do conceito de família Fonte: Estudo realizado em 27/08/2010 Após esse momento, D. promove uma discussão a partir de questionamentos como: D.: Que atributos são os mesmos que foram retirados do outro texto? Vocês lembram? C.: Ah, no outro texto destacamos: proteção... S: Grupo social e aqui ela acrescenta alguns... C. Pra gente fazer o conceito da gente é preciso que a gente considere o que é essencial e necessário dos quatro textos?... D. Isso... (Extrait do estudo realizado em 27/08/2010) As partícipes passam então a enumerar os atributos a serem considerados na (re) elaboração a ser feita. QUADRO 16 Atributos essenciais para a formação do conceito de família Fonte: síntese dos autores estudados/2010 Texto Atributos ARCOVERDE Ana C. Brito. (Org.) A família como núcleo socializador. In: Arcoverde Ana C. Brito. (Org.). Recife: Editora universitária, 2002. Garantia de sobrevivência, proteção, vínculos sociais, biológicos e afetivos; Construção da identidade, grupo social, socialização. Texto Atributos ARCOVERDE Ana C. Brito. (Org.) A família como núcleo socializador. In: Arcoverde Ana C. Brito. (Org.). Recife: Editora universitária, 2002. Garantia de sobrevivência, proteção, grupo social. Atributos Grupo social; sobrevivência; proteção. 99 Após a síntese dos atributos, D. propõe a reelaboração dos significados previamente elaborados, no entanto, S. intervém dizendo: S.: Mas eu não gostaria de elaborar agora, não, por que eu vou ter que ir embora... D. Então a gente se reúne quando pra fazer isso? Sempre tem um problema... Algo a fazer... S.: É assim mesmo... Todo mundo tem outros afazeres. D. Então... Podemos nos reunir no dia 04? S. Eu posso trazer pronto? Aqui a gente discute... Ah, é bom trazer o que a gente escreveu antes para comparar... D. Então vamos fazer assim: no dia quatro de setembro sem falta estaremos aqui e eu trarei os conceitos anteriores. A gente (re) elabora e faz uma comparação com o queelaboramos antes, Ok? (Extrait do estudo realizado em 27/08/2011). No processo de construção do conhecimento há um ir e vir constante. Caminhamos, mas é possível e preciso retroceder, quando é necessário. Aprender, errar, não saber, faz parte do ser aprendente e, consequentemente, do ser professor, que deve ser um aluno a vida inteira. É essencial que todos os professores tenham essa consciência, pois não sabemos tudo, e o outro pode ser um aliado na aquisição, na elaboração dos nossos conhecimentos. Consideramos necessário enfatizar que, em situações de aprendizagem, ocorrem conflitos em função das diferenças de compreensão entre as pessoas, do tempo e do seu ritmo de aprendizagem. Com as partícipes desta pesquisa não poderia ser diferente. Embora os objetivos sejam os mesmos, há formas de agir, de ser e de perceber as coisas e os fenômenos das mais diversas maneiras, embora neste estudo esses conflitos tenham sido mínimos. Não que consideremos que conflito seja algo de todo ruim, ao contrário, uma vez que permite novas elaborações a partir das dúvidas, acordos e desacordos. Um ponto importante considerado na discussão foi o fato de termos necessidade de entender o que fazemos, sob pena de não chegarmos aonde pretendemos. Na sua fala, D. dá ênfase a essa questão quando destaca: “Como vamos trabalhar conceitos com as crianças se nós mesmas não sabemos ainda o que é?” Há uma preocupação com que já havíamos destacado em momentos anteriores: é importante que, para desenvolver uma prática, estejamos cientes e conscientes do que estamos fazendo, por que fazer e como fazer. O professor precisa dominar um conhecimento teórico que lhe dê respaldo para que possa intervir juntos aos seus alunos. Esse conhecimento teórico, a nosso ver, ainda é frágil e a busca para a sua melhoria ainda precisa ser mais intensa e efetiva. 100 Como um espaço importante de estudo e formação, os Ciclos de Estudos Reflexivos não se restringiram a reflexão técnica sobre como elaborar significados conceituais. Ocorreram durante todo o processo questionamento e também conflitos e impasses que precisaram ser mediados no sentido de que pudéssemos aprender e fazer cada vez melhor aquilo que pretendíamos. Entre esses conflitos, além das questões operacionais quanto à administração do tempo, o cumprimento do cronograma, o marcar e remarcar de datas de encontro, um dos grandes entraves foi conduzir as leituras de forma produtiva, vencendo muitas vezes a aversão das partícipes à complexidade dos textos e contornando às discussões infecundas e tangentes que desviavam do foco da reflexão. Além disso, a falta de apoio e de interesse da direção da Escola pelas questões pedagógicas também contribuíram de forma negativa para o andamento das nossas ações. É importante sempre ter claras as características da colaboração, que requer que todos se sintam aprendizes e aprendentes, o que nos faz lembrar Magalhães (2009, p. 64) quando enfatiza “[...] que todos possam se colocar [...] questionar a si e aos outros [...]”. No processo desenvolvido ocorreram dúvidas, questionamentos e foi necessário buscar no grupo respostas para que assim pudéssemos crescer juntos, de que podemos inferir que o trabalho com o outro potencializa a nossa capacidade de reflexão, na medida em que compartilhamos saberes, valores e revemos o nosso fazer. Isto porque foi possível, dentro do próprio estudo reflexivo, discutirmos a própria prática da reflexão, de modo que todos os partícipes colaboravam na tentativa de contornar as dificuldades intrínsecas ao exercício da leitura. Paralelamente, a vivência do grupo de estudo permitiu que fossem ampliados os sentidos e significados da prática pedagógica, uma vez que, refletindo o conceito de família, saíssem da percepção estacionária e assumissem o ponto de vista da realidade em movimento, no caso, por meio do processo histórico e dialética da constituição da família. Esta constatação da dinâmica da realidade está clara na fala de C., transcrita abaixo: Nessa perspectiva, podemos dizer que o estudo reflexivo permitiu que saíssemos da simples atitude de colaboração para uma colaboração crítico-reflexiva, posto que, com as discussões, transcendemos paulatinamente de uma racionalidade técnica sobre o fazer docente C.: Não só isso... Eu concordo com o que ela diz, mas às vezes me vejo extremamente pessimista e fico pensando que a família não está desenvolvendo o seu o papel de educar... proteger, cuidar. Na verdade, como também diz a autora, “família do futuro precisa ser reinventada”. Se ela faz essas considerações é sinal de que a que existe atualmente não está desenvolvendo o seu papel. 101 para uma racionalidade crítica, que entende a dinâmica do processo ensino-aprendizagem como um fazer inevitavelmente partilhado. Foram momentos em que ocorreram discordâncias, mas ao mesmo tempo discussões no sentido de que chegássemos a um denominador comum. O agir colaborativo também esteve presente nos momentos em que interagimos questionando, respeitando as outras partícipes nas suas colocações, além disso, exercitamos as habilidades de esperar e escutar o outro falar. Nesse processo também podemos dizer que houve predominância da reflexão crítica, pois o tempo todo esteve presente nas falas, a vontade de mudar e uma abertura com relação às críticas. Essa preocupação crítica torna-se evidente, por exemplo, na fala de C.: Ao mesmo tempo em que a partícipe constata as inúmeras transformações por que passou a família, cogita sobre o que isso pode acarretar no crescimento emocional e intelectual da criança, o que revela um avanço no domínio da reflexão crítica. Para Liberali (2008, p.38), a reflexão crítica “[...] capaz de analisar sua realidade social e cultural [...]” e tomar um aposição frente aos conhecimentos de forma a desenvolver possibilidades de transformá-la. O que significa que o conceito de formação supera a concepção de simples processos de atualização por meio de informações técnico-científicas, para atingir o estágio de uma formação partilhada continuamente crítica, em que o estudo e a discussão não se separam do planejamento cotidiano das ações pedagógicas. As aprendizagens foram muitas, nos sentimos à vontade para concordar, discordar, nos posicionar a respeito de qualquer situação. A seguir passamos a analisar a ressignificação do conceito de família elaborado pelas partícipes, a fim de evidenciar possíveis avanços ou recuos. 3.3.1 Reelaboração do significado conceitual de família Os significados conceituais não são estáticos. Como temos afirmado e comprovado, pelo seu caráter histórico eles podem passar por mudanças e transformações, tanto em termos da produção social do conhecimento, quanto das singularidades individuais. No caso dos C.:Até por que hoje a Agente percebe a família diferente... São feitos arranjos e isso tem que ser considerado... Eu digo isso, mas fico pensando: cada vez mais pais se separam... Casam novamente... Mais filhos são gerados fora do casamento... Você não acha que essa desordem atrapalha o crescimento emocional e intelectual da criança? 102 indivíduos é necessário um processo de aprendizagem voluntário e consciente destinado para esse fim. Como já enfatizamos reelaborar os nossos conceitos não foi uma tarefa simples, pois envolveu estudos, discussões, barreiras conflituosas uma vez que temos perspectivas e formas deferentes de ver e compreender a ação de ser professora. Mesmo assim, os estudos realizados possibilitaram fazer comparações entre o que sabíamos e o que aprendemos a partir do que construímos como conceito prévio e o que pudemos produzir após a aquisição desses novos conhecimentos, sempre considerando que todas as nossas aprendizagens são refletidas na nossa prática junto ao aluno, no trabalho com conceitos e, consequentemente, para o desenvolvimento do seu pensamento. A seguir destacamos os nossos enunciados e a discussão analítica em termos histórico, lógico e psicológico a respeito do conceito em questão, além de destacarmos os diferentes estágios de complexidade de cada significado reformulado. Para isso, no dia 04/09/2010 nos reunimos novamente para (re) elaborarmos novos significado referentes ao conceito de família. D. inicia dizendo queda mesma forma que o significado prévio, cada uma das partícipes vai escrever numa folha de oficio que foi entregue, o conceito (re)elaborado. A seguir, a partir dos extraits a seguir, faremos a ilustração de como foi desencadeado esse processo. D. pessoal, hoje estamos aqui e é nosso objetivo (re)elaborar o conceito de família que elaboramos em junho. Eu trouxe todos eles para que depois a gente possa comparar e ver o nível do nosso crescimento... O material que a gente estudou foi muito importante, mas mais importante foram as nossas observações... Parece que ficamos mais atentas... S.: É verdade... E esse ficar atento faz com que façamos as coisas de uma forma melhor... D. Que bom... Então vamos fazer a nossa reelaboração? C. Mas eu acho que ainda não sei nada.... D. O pior é que nunca sabemos de nada... Por isso estamos o tempo todo estudando... C. É mesmo... C.: Nossa senhora, quanta besteira, quanta pobreza... (todos riem) D.: Besteira, não...Você disse o que sabia e o que acreditava... É importante sim, que a gente saiba que tem a possibilidade de mudar a forma de pensar e dizer... Pode até ter algumas fragilidades, talvez próprias da nossa falta de estudo sobre o assunto, mas besteira, não... C.: É verdade... Pra ser família tem que compartilhar o mesmo teto! É necessário casar... S.: Os conceitos mudaram... Já não podemos pensar dessa forma... C.: Até que podemos... Ninguém muda de uma hora p/ outra... D.: É verdade... Mas pra mudar precisamos estudar, nos inteirar das coisas... É por isso que estamos estudando... C.: Eu fiz assim, meu novo conceito: Eu quero reelaborar meu conceito... Mas eu não tenho condição de fazer agora, não... D: Você pretende fazer quando? C.: No próximo encontro, eu trago... D.: Mas você já não fez? (Extrait do momento realizado para (re)elaboração do conceito de família em 04/09/2010) 103 A partícipe D. entrega, como combinado em momento anterior, os conceitos escritos previamente e C. pergunta se pode fazer a leitura. Após a leitura, C. intervém e assim, abre a possibilidade da intervenção das outras partícipes. C.: É... Eu escrevi assim, mas eu acho que posso fazer melhor... Mas eu vou ler assim mesmo... Família é um grupo social que tem como fim garantir o bem-estar e a sobrevivência dos seus filhos e construir vínculos sociais e afetivos... Um dos atributos é grupo social... Eu vou particularizando... Eu vou deixar assim... D.: Quando é que você particulariza? Por que grupo social é um atributo geral C.: geral? D.: Sim...Não só existe grupo social família... C.: Ah... Eu vou deixar assim... (Extrait do estudo realizado para (re) elaboração do conceito de família em 04/09/2010). Mesmo C. considerando que o que escreveu é pobreza, é fundamental que tenhamos a compreensão de que quando se fala da escrita do nosso pensamento nada pode ser considerada pobre ou inútil. O que dizemos pode ter limitações, fragilidades, mas essas fragilidades são parte das nossas experiências e vivências. Além disso, há também o entendimento de que as mudanças ocorrem de forma gradual e que, para isso, é necessário que estudemos, ficando clara a importância dada ao nosso processo de formação. Mesmo dizendo não ser o conceito adequado C. passa a ler o que escreveu sobre família: D. começa a questionar: o que mudou? Ou não mudou nada? C.: Mudou algumas coisas, mas não sei se ficou melhor, não? D.: Quais os atributos essenciais que estão no seu conceito e no quadro de atributos retirados, vamos ver? C.: grupo social... Que é um atributo geral...Sobrevivência...Sobrevivência é distintivo, é essencial... Eu acho que tem que ter vínculos sociais e afetivos... D.: Quando você elaborou considerou os autores, o conceito-referência? C. Num é... S.: Isso deve fazer parte da família, mas não é essencial... C.: mas eu vou deixar assim... Veja bem... Sobrevivência, por exemplo... Isso é necessário e distintivo da família!!! D.: consideramos que sim... Como os seus membros, em todos os sentidos vão sobreviver? S. eu escrevi assim... Eu fiz... Mas eu penso que precisa ser refeito. Olhem o que eu escrevi... S.: “família é um grupo social primário formado por um sistema de membros interdependentes que se relacionam e convivem de forma específica". (Extrait do estudo realizado para (re)elaboração do conceito de família em 04/09/2010) 104 Há uma preocupação com os recuos/avanços alcançados no processo. Mesmo tendo já sido reelaborado é possível perceber a preocupação em melhorar o que foi escrito, embora anteriormente, C. não tenha demonstrado esse interesse por mudanças. Todavia, o próprio fato de a partícipe questionar a qualidade do novo pensamento expresso revela uma autocrítica inexistente na elaboração do primeiro conceito. Isso demonstra que a dinâmica das sessões reflexivas desencadeou um senso crítico de quem compreende que não existe saber pronto e definitivo, mas que o conhecimento é contínuo e ininterrupto. Fica claro que, se as instituições escolares adotassem rotineiramente, em seus planejamentos, esse instrumento de estudo partilhado e colaborativo, supriríamos significativamente as lacunas da formação continuada. Isso só é possível mediante mudanças estruturais e de atitude no contexto dessas instituições. Na medida em que os conceitos reformulados foram sendo apresentados a partícipe D. ia anotando todos os atributos retirados dessas formulações e escrevendo numa folha de papel madeira colado na parede. A partícipe D. Inicia a apresentação do seu conceito e a partícipe C. passa a fazer as anotações. C.: Agora eu anoto... Enquanto você fala, D. D..: Eu não sei se o meu precisa ser refeito... Então gente, eu escrevi assim: D.: Família é um grupo social, constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. O que acharam? Quais os atributos presentes? C.: Parece que tá certo... S.: Acho que a questão não é ser certo ou errado... Mas mais adequado... D.: Temos que ter a preocupação de saber se no nosso conceito estão contidos os atributos do conceito elaborado anteriormente e os atributos citados pelos autores das nossas referências... O que é particular? , o que é singular? O que é geral? E principalmente, quais os avanços que tivemos? (Extrait do estudo realizado para (re) elaboração do conceito de família em 04/09/2010). A seguir passaremos a apresentar a análise, dos conceitos ressignificados. 3.3.1.1 A (re) elaboraçãode C. Em relação aos enunciados produzidos por C. podemos dizer que inicialmente ela apresentou um significado extenso associado às vivências e experiências, incluindo-se na categoria descrição em que os indícios apresentados não eram necessários e/ou suficientes para serem considerados uma conceituação. Com a (re) elaboração evoluiu de forma bastante significativa, como pudemos observar no enunciado do quadro a seguir: 105 A sua reformulação inclui atributos encontrados nas leituras realizadas e que foram elencados no conceito-referência, como: ‘grupo social’, que é um atributo ou propriedade geral; e “sobrevivência” que é um atributo ou propriedade distintiva. Entretanto, ainda faltam elementos importantes que compõem o conjunto de atributos, para que seu enunciado seja considerado uma conceituação. No sentido lógico, afirmamos que a partícipe avançou na sua formulação, atingindo o estágio de caracterização. Contudo, em termos de desenvolvimento do pensamento, encontra- se no estágio de pensamento empírico, cujo princípio é de fazer generalizações a partir das experiências de atividades práticas, que é o que Vigotski (2009, p.242) denomina de conceitos espontâneos. No entender de Rubinstein (1973), o pensamento empírico atua vinculado ao conteúdo imediato e à situação prática sem dela desvencilhar-se totalmente. No entanto, constitui-se numa base para a evolução do pensamento teórico. No que diz respeito à evolução histórica, C. se mostra bastante atual na sua compreensão a respeito do significado de família, contrastando com o que pensava antes dos estudos realizados, quando considerava família como um núcleo que para existir precisaria dos laços de parentesco resultantes do casamento, gerador de filhos. Toda a sua produção revela que o estágio em que se encontrava antes dos estudos e discussões aprofundou-se consideravelmente, fazendo-nos entendera importância desse processo na efetivação de mudanças na nossa forma de pensar. No entanto, mesmo com esse crescimento, ainda permaneceu no nível conceitual da caracterização, pois ainda se mantém presente no seu enunciado características da sua experiência. Em geral, o professor internaliza formas culturalmente aprendidas numa dimensão diferente e traz consigo o referencial e uma bagagem acumulada ao longo da vida, através de situações concretas, o que é transferido para o seu discurso e para a sua prática. Como é exigido de C. uma formulação não mais na situação original, mas num plano abstrato, as dificuldades claramente se apresentam. Sobre essa questão nos referendamos em Vigotski (2009, p. 230), quando afirma: Dificuldades bem maiores encontramos no processo de definição desse conceito, quando ele se revela a partir de uma situação concreta em que foi C.: Família é um grupo social que tem como fim garantir o bem-estar e a sobrevivência dos seus filhos e construir vínculos sociais e afetivos. 106 elaborado, em que geralmente não se apóia em impressões concretas e começa a movimentar-se em um plano totalmente abstrato). Passaremos então, a análise do processo vivenciado por S. 3.3.1.2 A ressignificação de S. Elaborar conceito é algo bastante complexo que requer um processo de estudo sistemático, organizado, que possibilite a aprendizagem, a formação de conceitos e o desenvolvimento psíquico do sujeito. É provável que esse fato tenha interferido no processo de reelaboração do significado conceitual de S., mesmo que tenhamos vivenciado uma experiência relativa a esse processo. A análise do enunciado comprova o que acabamos de afirmar: Na sua elaboração inicial S. enunciou família como um grupo de pessoas, que podemos compreender como um grupo social, que é uma propriedade do conceito de família, conforme os autores com os quais dialogamos. Contudo, essa é uma propriedade geral, que por si só não determina o que é família. Nenhuma outra propriedade distintiva foi considerada pela partícipe, tendo em vista, o que discutimos. Podemos até dizer que S. foi bem mais sintética, tendo em vista que no seu conceito prévio o volume de informações era muito extenso, mas existiam outros elementos constitutivos do conceito de família. Contudo, embora as definições sejam em menor quantidade, permanecem sem emitir um conceito subtraindo, inclusive, elementos como “cuidado” e “proteção”, contidos no conceito-referência. Não podemos afirmar, porém, que não houve apreensão nem internalização das questões postas à discussão. Na verdade percebemos a tentativa de um salto do pensamento empírico ao abstrato, porém há no volume, um grau de generalidades ainda restrito \ás singularidades. É o que ocorre quando a partícipe utiliza expressões como “membros interdependentes” ou “convivem de forma específica”, sem dirigi-los a termos distintivos que poderiam diferir a família de qualquer outro “grupo interdependente relacionando-se de forma específica”. ”Família é um grupo social primário formado por um sistema de membros interdependentes que se relacionam e convivem de forma específica”. 107 Como afirma Vigotski (2009 p. 1341), [...] nas experiências, frequentemente observamos como a criança ou o adulto, mesmo tendo resolvido a tarefa de formar corretamente o conceito, ao definir esse conceito já formado resvala para um estágio mais primitivo e começa a enumerar diversos objetos concretos, abrangidos por esse conceito em uma situação concreta. Ainda afirma esse autor: “[...] Até mesmo o adulto está longe de pensar sempre por conceitos. É muito frequente o seu pensamento transcorrer no nível do pensamento por complexo, chegando, [...], a descer a forma mais elementar e mais primitiva”, (VIGOTSKI, 2009, p. 228), o que é plenamente compreensível em função das questões já abordadas. Tendo em vista a afirmativa da autora, S. não consegue estabelecer relações nem as conexões em termos do geral, particular e singular. A subtração dos atributos particulares restringe o volume do conceito à generalidade uma vez que existem outros grupos sociais que não se constituem família. A peculiaridade dos conceitos científicos está em refletir o universal em relação com o particular. Isso permitir estabelecer uma rede de conexões entre conceitos, revelando o grau de generalidade, o conteúdo e os processos e procedimentos do pensamento que apreendem esse conteúdo (FERREIRA, 2009, p. 62). Assim, do ponto de vista lógico, o conceito de S. permanece no estágio da caracterização, tendo em vista que sua elaboração apresenta, como já enfatizado, uma propriedade (grupo social), o que mostra que há elementos semelhantes com as ideias dos autores estudados e do conceito-referência elaborado para a análise dos enunciados. Como existe uma unidade dialética entre o lógico e o histórico a partícipe permanece na fase anterior. No dizer de Ferreira, (2007, p. 56): Para interpretar com mais precisão o histórico, faz-se necessário [...], o pensamento tornar-se lógico. É o lógico, que como elemento de mediação, que vai permitir ao pensamento recriar o histórico. Dando continuidade, passaremos a análise do significado elaborado por D. 3.3.1.3 O ressignificado de D. 108 Na elaboração de conceitos, a apreensão das propriedades ou atributos e das relações substanciais é fundamental. Cada um deles, separadamente, é imprescindível, contudo todos juntos é que darão a condição para a elaboração de um significado conceitual. O enunciado da partícipe D. revela que ocorreu um avanço significativo do conceito inicial para o atual, como veremos a seguir. Família é um grupo social, constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. Embora o conceito inicial contivesse vários atributos constituintes do conceito de família, ele apresentava também, como o das outras partícipes, uma abrangência de informações, que desviavam do essencial. O enunciado atual inclui todos os atributos/propriedades essenciais e necessários com nexos e relações constituintes do conceito de família, explicitados pelos autores estudados. Há no conceito a relação entre o singular, o geral e o particular. Quando enfatiza que família é um grupo social, esse grupo social expressa o geral, O singular, pertencente também a outras instituições, com propriedades e traços comuns, refere-se ao atributo (educação) e por fim, o particular (proteção e sobrevivência). Enfim, reflete a essência, o conteúdo, volume e sintetiza a generalidade que deve estar presente em um conceito. Nessa fase de (re)elaboração parece haver ocorrido uma maior conscientização, por parte das partícipes, do que caracteriza um conceito, ou seja, são conhecedoras dos atributos/propriedades essenciais e necessários. No aspecto histórico, D. considera o que dizem os autores sobre o movimento ocorrido ao longo do tempo, até as mudanças que ocorrem no contexto atual. Afinal, a família mudou no seu jeito de ser e de desenvolver a sua função, tem outras características e necessidades que precisam ser compreendidas e consideradas. A família hoje difere da família da Idade Média, da Idade Moderna, mas há atributos que não mudam jamais, como a “sobrevivência” e a “proteção”. De acordo com a dimensão lógica, o significado atribuído ao enunciado é de um conceito, visto que contém todos os atributos essenciais e necessários que relacionados constituem o conceito de família. Apresenta conteúdos, volume, nexos e relações, que são características fundamentais do conceito. 109 Os nossos enunciados revelam avanços em relação aos conceitos prévios. Isso fica claro à medida que apresentamos uma (re) elaboração mais sistematizada, modificando e acrescentando outros atributos essenciais, que caracterizam o conceito de família. A seguir uma síntese da ressignificação dos enunciados. Nome Conceito reformulado Nível de formulação C. Família é um grupo social que tem como fim garantir o bem-estar e a sobrevivência dos seus filhos e construir vínculos sociais e afetivos. Caracterização Houve evolução no seu conceito, mas não alcança o nível conceitual. A sua formulação aproxima-se de uma caracterização por considerar apenas algumas propriedades que tem similaridade com o conceito-chave eleito para análise conceitual (grupo social e sobrevivência). O seu volume apresenta um grau de generalidade restrito às singularidades e aos elementos perceptivos que devem ser considerados para o estágio conceitual. S. Família é um grupo social primário formado por um sistema de membros interdependentes que se relacionam e convivem de forma específica, a fim de garantir a sobrevivência dos filhos. Caracterização Apresenta um atributo geral do conceito- chave (grupo social.), distintivo do que é família. Abstrações desprendidas dos elementos perceptivos, cujo volume de informações apresenta restrições particulares. D. Um grupo social constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. Conceituação Inclui todos os atributos do conceito- chave, necessários e essenciais. Sintetiza em toda a sua generalidade o que deve conter um conceito. Expressa os nexos e relações que constituem a essência do conceito. Há conteúdo e volume. A apreensão das propriedades ou atributos e das relações substanciais é fundamental. Cada um deles, separadamente, é imprescindível, contudo todos juntos é que darão a condição para a elaboração de um conceito. A reformulação ocorreu, conforme constatamos anteriormente, após vários momentos de estudo e discussão e como já enfatizamos vivemos momentos de partilha, de troca de experiências, de saberes, tendo por base as interlocuções com os autores norteadores desse processo. Reiteramos, assim, que a elaboração conceitual não ocorre de forma espontânea, mas é fruto de um aprendizado sistemático e intencional, possibilitado por ações adequadas. 110 Quando se fornece as condições necessárias, o desenvolvimento dos conceitos científicos vai ultrapassar os conceitos espontâneos (VIGOTSKI, 1998c). Isso quer dizer que avançamos pelo fato de termos nos empenhado nos estudos efetivados no Ciclo de Estudos Reflexivos, sem o qual não estaríamos suficientemente respaldados teoricamente. Aconteceu, assim, o que Vigotski (1998c) denomina de movimento ascendente/descendente, o que nos possibilita dizer que houve avanço e sistematização nos enunciados produzidos por nós. Mesmo assim, nem todas as partícipes conseguiram elaborar um conceito nas suas formulações, apenas D., proponente da pesquisa chegou ao nível conceitual e provavelmente obteve esses resultados pelo fato de ser a mais experiente do grupo com relação aos conteúdos estudados (participa de uma base de pesquisa e estuda conteúdos como: conceitos, pesquisa colaborativa e reflexão crítico-colaborativa), o que o que nos dá a ideia de que quanto mais conteúdos e mais experiência com relação ao que foi proposto, mais resultados positivos podem ser obtidos.obteremos. Temos o entendimento de que estudar sobre conceitos vai nos ajudar a pensar conceitualmente, o que podemos reforçar com as ideias de Ferreira (2007 p. 69), quando enfatiza: [...] a elaboração conceitual, voluntária e consciente implica trabalho mental que ativa todas as funções psíquicas (sensação, percepção, atenção, memória, imaginação e predominantemente, o pensamento) [...]. Isso nos faz compreender que a elaboração conceitual não ocorre por acaso, ao contrário, exige que o processo de ensino e aprendizagem seja sistematicamente organizado para esse fim. É possível afirmar que o processo de (re) elaboração do conceito de família ocorreu numa perspectiva colaborativa-crítico-reflexiva. Podemos dizer isso pelo fato de que as situações de estudo ocorreram de forma conjunta, interativa, o que possibilitou a troca de experiências e a aquisição de novas aprendizagens que fizeram com que superássemos algumas limitações e potencializássemos conhecimentos e saberes. Essa reformulação conceitual só foi possível pelo processo de interação com os autores que nos serviram de referência. Para que pudéssemos analisar cada conceito elaborado e (re) elaborado, tomamos como referência, além das categorias de análise de Ferreira (2007), o conceito-referência, por nós elaborado e já apresentado através da rede conceitual apresentada no quadro 10. É fato, como já afirmamos que todas as nossas discussões e atitudes estão relacionadas às nossas experiências e vivências e o que discutimos sobre família não poderia 111 ser diferente, embora não possamos desconsiderar em todos os estudos realizados, as trocas feitas e, mesmo os desencontros, as desavenças e os conflitos, que fizeram com que houvesse avanço para o pensamento teórico. Esses espaços possibilitaram uma nova compreensão sobre o que é família. Embora saibamos que não se esgota nos autores estudados, foi o primeiro passo para que pudéssemos realizar a (re) elaboração do conceito previamente construído. Tudo indica ter havido um entendimento de que esses autores dialogam entre si, a partir de questões comuns, que foram significativas para que realizássemos a reelaboração dos significados atribuídos a família, como poderá ser observado na sua análise. Os nossos estudos provocaram, de certo modo, o trabalho mental de que fala Ferreira( 2007), na medida em que fomos incitados a ir à busca das respostas que queríamos. Foi também uma forma de despertar o interesse pelo estudo sistemático para que possamos continuar querendo aprender e ensinar as crianças com as quais trabalhamos. Como evidencia Ferreira (2009, p. 21), “a aprendizagem de conceitos implica funções, processo e procedimentos mentais cada vez mais complexos”, o que exige que a aprendizagem seja uma atividade consciente em que a forma de pensar seja transformada. É notório que o professor em geral não viveu na sua formação, esse processo, o que certamente dificulta a sua compreensão e o desenvolvimento do seu pensamento conceitual sobre as coisas e fenômenos. Entendemos ser fundamental o desenvolvimento do pensamento teórico do professor, sem o que não terá como desenvolvê-lo no seu aluno. Para Luria (1994, p. 170), “o pensamento teórico [...] serve de base à assimilação e ao emprego dos conhecimentos e se constitui no meio fundamental da complexa atividade cognitiva do homem”. Sem isso, se torna quase impossível entender como acontecem os fenômenos do universo e desenvolver ações para promover transformações. É importante destacar que “dominar um conceito implica não só conhecer os atributos e as propriedades dos fenômenos que o mesmo abrange, mas também saber empregá-lo na prática; saber operar com eles” (FERREIRA, 2009, p 74). Assim, estaremos, a seguir, discutindo a prática desenvolvida pela partícipe S, a partir da sua compreensão e formulação conceitual. Enfim, o processo de análise foi permeado pelos fundamentos teóricos que dão sustentação à pesquisa, particularmente, o desenvolvimento do pensamento conceitual do professor e sua relação com a prática pedagógica efetivada em sala de aula, que é discutida a seguir. 112 A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM DISCUSSÃO Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha. Não posso ensinar o que não sei. Mas, este, [...] não é saber que apenas devo falar e falar com palavras que o vento leva. É saber, pelo contrário, que devo viver concretamente com os educando. O melhor discurso sobre ele é o exercício da sua prática. (FREIRE, 1996, p.95) A prática pedagógica que se efetiva na instituição escolar tem sido nos últimos anos objeto de preocupação por parte daqueles que se preocupam com as questões inerentes ao modo como se efetiva o processo de aprendizagem e desenvolvimento do sujeito que aprende. As análises sobre essa problemática veem se intensificando no Brasil a partir da década de 80 representando um momento significativo dos estudos relativos à atividade docente. Essa temática tem recebido especial atenção por parte de investigadores como Freire (1996), Pimenta (1999), Fontana (2000), Ramalho (2003) e outros, que têm abordado a prática cotidiana desenvolvida na sala de aula. Vivemos uma realidade que exige um professor capaz de desenvolver uma prática propiciadora de mudanças; profissional articulado, que compreenda a necessidade de uma ação criativa e inovadora, tendo em vista a formação do alunado. Professores cônscios da sua função social e da força do conhecimento para melhorar a sua prática e a construção de um trabalho de qualidade fruto de todo um processo de profissionalização. Entretanto, há certa dificuldade para que aconteça essa profissionalização e a consequente eficácia do seu fazer. De acordo com o que coloca Ferreira (2004, p. 203): [...] Persiste entre os docentes um comportamento refratário à discussão da prática pedagógica em sala de aula, sem a qual não se rompe o círculo vicioso perverso do reconhecimento social e da desvalorização profissional. Sendo assim, a desidentidade profissional aparece como resultado inevitável da defesa viciosa de comportamentos docentes, descomprometidos como seu mandato social, o que impede a interação motivadora de colegas inovadores e penaliza aprendizagem de todos, alunos e professores. 4 113 Essa constatação nos conduz a buscar formas de precisar a prática pedagógica em sua totalidade e singularidade. Para que tenhamos uma visão mais abrangente e possamos entender o que vivemos hoje, faremos uma retomada das concepções de educação e como a prática pedagógica é significada ao longo do tempo. 4.1 DIFERENTES SIGNIFICAÇÕES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA Os significados atribuídos a educação ao longo de sua história, tem de uma forma ou de outra interferido nas concepções referentes à prática pedagógica. Para compreender esse processo enveredamos pelas ideias que ao longo do tempo pretenderam dar conta da compreensão e da orientação dessa prática em diferentes momentos e circunstâncias históricas. A concepção de educação é um repositório de muitas histórias dialeticamente interligadas reunidas pelo objeto complexo que é educar, embora colocadas sob óticas diversas e diferenciadas. Nos alicerces do nosso presente encontra-se a modernidade e por traz dessa coloca-se o modo medieval e antes desse, as sociedades antigas, sem falar nas formas primitivas de organização das sociedades. Cada uma dessas organizações sociais desenvolveram formas peculiares de conceber a educação dos seres humanos e práticas pedagógicas para a sua efetivação que vão desde a polis grega até a res pública romana reunida pelo ideal da Paideia 4 . Uma concepção dualista e diferenciada por classes que espelha uma sociedade dividida entre dominantes e dominados, entre grupos sociais governantes e subalternos. Sustentada por essa concepção emerge uma prática pedagógica caracterizada pelo uso da retórica, própria para aqueles que se destinam ao governo da polis e a vida política. Uma prática antitécnica que marginaliza o trabalho manual e valoriza o uso da palavra. Para o demos (povo), uma prática que se reduz ao mundo do trabalho. As transformações operadas nas sociedades antigas conduzindo a estruturação de uma nova organização social- a feudal – produz também mudanças na concepção de educar e de como fazê-lo. Ocorre uma radical revisão do processo e dos princípios educativos. 4 Ideal de educação grega que busca a formação do homem em suas várias esferas (social, política,cultural e educativa).Jäeger, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Lisboa: áster, 1967. 114 A Paideia reveste-se do sentido religioso, transcendente e teológico ancorado nos saberes da fé. Os processos educativos efetivam-se predominantemente no interior das instituições religiosas (mosteiros, catedrais e outras). Nesse período, a prática pedagógica é referendada pela religião e seus textos, mantendo, no entanto, o seu caráter classista. Na nobreza se formaliza e se ritualiza e para os servos articula-se aos conhecimentos técnicos. As transformações econômicas, sociais e políticas que fizeram ruir o mundo medieval, estruturar a sociedade burguesa e a constituição do Estado Moderno, provocaram também mudanças na concepção de educação. Esta passa a ser entendida como processo que visa o desenvolvimento pleno das potencialidades do ser humano. Mudam os fins educativos e também os meios. Além da família e da igreja oficializa-se a escola como instituição predominantemente responsável pela educação do indivíduo sob a égide do Estado. Porém a educação no Estado Moderno é permeada por uma profunda contradição. Prega a liberdade, mas ao mesmo tempo tende a moldar profundamente o indivíduo segundo “modelos” sociais de comportamento tornando-o integrado a sociedade. Essa contradição permeia também a prática pedagógica expressa na várias pedagogias que surgem a partir de então. Assim, identificamos num primeiro momento a pedagogia tradicional liberal que se caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral. De acordo com essa forma tradicional, o aluno é educado para atingir sua plena realização através de seu próprio esforço. Sendo assim, as diferenças de classe social não são consideradas e toda a prática pedagógica não tem nenhuma relação com o cotidiano do aluno, negando-o. O professor é um mero reprodutor de ideias, e os pressupostos de aprendizagem deixam evidente que o ensino deve consistir em repassar os conhecimentos, além disso, considera que a capacidade de assimilação da criança é idêntica a do adulto. A criança é vista como um adulto em miniatura, apenas menos desenvolvida. Nesse sentido, os conteúdos são organizados numa sequência lógica e aparecem sob a forma de unidades isoladas de estudo, dispersos em disciplina. O currículo é totalmente centralizado, e a sua concepção e administração competem à escola e ao professor. Os professores têm pouca capacidade de variação dos conteúdos programáticos e centram as suas expectativas na memória do aluno para reter ordens, normas, recomendações, e também na disciplina e na obediência. A relação é a de superior-adulto que ensina a inferior-aluno que aprende mediante a instrução, em clima de ordem, silêncio, atenção e obediência em relação aos valores vigentes. 115 Valorizam-se os métodos dedutivos de ensino-aprendizagem, o aluno percorre o caminho de aprendizagem do abstrato para o concreto, do geral para o particular, do remoto para o próximo. A preocupação central do professor concentra-se na memorização e repetição das definições contidas nos manuais escolares. O controle é feito através de avaliação que consiste em provas escritas e exercícios de casa, sendo o professor o “senhor” do conhecimento, que é considerado verdadeiro e nunca passível de refutações. Essa prática pedagógica tem resistido ao tempo e muitas das suas características ainda perduram apesar das propostas de modernização como a da Escola Nova, que diferentemente da Escola Tradicional que valoriza apenas o intelecto, discute a questão pedagógica do ponto de vista da psicologia, [...] do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos e processos pedagógicos, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade [...] (BARBOSA, 2005, p.52). Essa ideia nasce em contraposição à educação convencional, em fins do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil este ideário se fixa nos anos 20 e particularmente a partir da década de 30 difundida por Anísio Teixeira. Na forma difundida por Anísio Teixeira, na chamada Renovada Progressivista, a ideia da escola nova era aprender fazendo, o que abria novas perspectivas para o ato de ensinar e aprender, em que o aluno é sujeito do conhecimento, e o ensino é centrado nesse aluno. Outra abordagem dessa Pedagogia, a Tendência Liberal Renovada não-diretiva centrada na formação de atitude, baseando-se na busca do conhecimento pelo próprio aluno a partir do trabalho do professor que se utiliza de uma metodologia baseada na facilitação da aprendizagem. Da mesma forma que na progressivista, essa prática pedagógica é centralizada no aluno; e o professor é quem deve garantir um relacionamento de respeito, além de que a ideia apresentada é de que aprender é modificar as percepções da realidade. Segundo Libâneo, O que o professor tem que fazer é colocar o aluno em condições propícias para que partindo das suas necessidades e estimulando os seus interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências. A ideia é que o aluno aprende melhor o que faz por si próprio (LIBÂNEO, 2006, p. 64). Nessa perspectiva, o melhor método é aquele que atende a exigências do aluno no sentido psicológico. Valoriza-se o processo de aprendizagem e as formas que farão com que 116 as capacidades e habilidades desse aluno sejam desenvolvidas. Os adeptos desta prática costumam dizer que o professor não ensina; antes ajuda o aluno a prender. (LIBÂNEO, 2006). Destaca-se também a ideia do “aprender fazendo” de Dewey e as técnicas Freinetianas, que têm lugar garantido até os dias atuais, na prática pedagógica do professor, às vezes, infelizmente, de forma distorcida (LIBÂNEO, 2006). Outra modalidade que se inclui na Pedagogia Renovada é o chamado tecnicismo educacional que se instaura no Brasil na década 70 inspirada no behaviorismo e na aprendizagem sistêmica do ensino, “imposto às escolas pelos organismos oficiais [...], por ser compatível com a orientação econômica, política e ideológica do regime militar vigente” (LIBÂNEO, 1994, p. 67), o que ainda hoje se reflete na formação e prática do professor que usa prescrições e manuais para realizar o seu trabalho, sendo a instrução ainda um veículo de orientação da sua prática. Na década de 80 a busca de organização político-social que reclama participação e responsabilidade social, civil e política por parte da sociedade requer uma concepção de educação que propicie substância ao político. Desse modo, emerge as chamadas pedagogias progressistas ou teorias críticas, que “geraram ideias pedagógicas e práticas educacionais de educação popular [...]” (LIBÂNEO, 1994, p. 68), passando a ter uma maior visibilidade no contexto da educação, nascendo então, a pedagogia Libertadora e a Crítico-Social dos Conteúdos, cuja intenção era fazer nascer uma escola articulada com os interesses e as necessidades das classes populares. A Pedagogia Libertadora, que na sua gênese não possuía caráter escolar e era voltada para o público adulto, mais tarde veio se configurar como uma proposta alternativa para todos os níveis de ensino. O que propõe essa Pedagogia a discussão de temas sociais e políticos e uma prática centrada na realidade social, em que os problemas são analisados e ações coletivas são viabilizadas tendo em vista a sua solução.Na verdade, o trabalho com conteúdos sistematizados não é o que existe de mais importante, mas o processo de “participação ativa nas discussões e nas ações práticas sobre questões da realidade social imediata” (LIBÂNEO, 2006, p. 69). Diante desse contexto, muitas mudanças ocorreram e as demandas e a compreensão sobre a prática pedagógica desenvolvida no momento atual são outras, bem como a condução do processo ensino-aprendizagem. Entendemos a necessidade de uma reformulação pedagógica que ponha em foco uma prática formadora voltada para o desenvolvimento, em que a escola deixe de ser vista apenas como uma obrigação para o aluno, e se torne uma fonte de efetivação de seu desenvolvimento motivando-o a participar do processo de transformação 117 social, não como mero receptor de informações, mas como idealizador de práticas que favoreçam esse processo. Nesse sentido, precisamos de um professor que permita ao aluno um crescimento afetivo e intelectual que o faça se tornar um sujeito que pensa, que cria, recria e transforma o seu contexto, o que será possível se o espaço escolar tiver uma dinâmica criativa e que transmita ao aluno prazer e alegria. Alegria de querer ir à escola, de aprender, de saber para o momento presente e não como se costuma dizer, “para o futuro”. [...] o risco é que a escola apareça aos alunos como um medicamento amargo que é preciso ser engolido por eles agora, a fim de garantir mais tarde um mais tarde bem indeterminado, prazeres prometidos, senão assegurados. E então, a escola cairia na resignação de um presente vazio, até enfadonho, como condição de sucesso social muitos anos depois. (SNYDERS 1988, p. 12): Em geral, a escola é para os alunos esse medicamento amargo de que fala Snyders, onde não sente nenhum prazer por ali estar. É um lugar frio, que não desperta a vontade de pertencer ou estar nesse espaço, um lugar que, em geral, não oferece conteúdos e conhecimentos voltados para as necessidades e prioridades de quem a frequenta. Na verdade, pensamos não existir uma prática única, exclusiva, nem mais importante, uma prática que seja referência exclusiva. Todas possuem limitações, possibilidades, formas diferenciadas no lidar com o processo de aprender e ensinar. Perrenoud (2002 p. 76), afirma que: [...] ninguém é porta-voz autorizado de todos os profissionais e ninguém pode dizer qual é a prática pedagógica que serve de referência atualmente. Nem de fato nem de direito, ninguém tem o monopólio da palavra nesse âmbito. Contudo, referendada na Teoria da Atividade (Leontiev, 1978; 1988) consideramos que a prática pedagógica é uma atividade mediada pelo professor, movida por necessidades (motivos) e orientada pelo objetivo de propiciar uma ação coletiva, colaborativa, reflexiva, provocadora de novos saberes, de desenvolvimento psicossocial e afetivo, atitudes democráticas, ou seja, de aprendizagens como forma de constituição humana. 118 Assim, passamos a efetivar um “face a face” mais explícito, com uma prática pedagógica singular, buscando evidenciar como essa se redesenha em relação ao perfil profissional que atualmente o professor é instigado a assumir. 4.2 BUSCANDO A EFETIVIDADE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA Entendida como atividade, a prática pedagógica requer a superação da atuação espontânea ou reiterativa do dia a dia. Para isso, é necessário romper com a lógica segundo a qual ela precisa responder apenas às exigências imediatas de sua cotidianidade. Essa prática diária encontra-se imbricada numa rede de relações sociais e enraizada num determinado espaço histórico que a condiciona. Importa entender essas relações e dimensionar a prática pedagógica na perspectiva de uma efetiva transformação do ser humano e do seu entorno, ou seja, conectar os motivos da ação aos seus objetivos, o que implica sair do rotineiro e ascender ao plano reflexivo modificando-a e transformando-a. Nessa direção é que nos voltamos para a análise da prática pedagógica da partícipe S., centrada no processo de elaboração conceitual, cuja significação, como afirmamos anteriormente, está associada às possibilidades apresentadas pelo ensino-aprendizagem de conceitos para o desenvolvimento psicossocial dos indivíduos, uma vez que mobiliza todo psiquismo humano (funções, processos e procedimentos mentais) de forma cada vez mais complexa, em particular, o pensamento. Ferreira (2009, p. 22), referindo-se ao fato de a necessidade da escola ensinar a aprender a conceituar, adverte-nos: [...] os alunos chegam à escola com uma variedade de experiências. A partir dessas experiências é que formam as representações, concepções e conceitos através dos quais olham, de si mesmos, para a vida e para o mundo em que vivem, ajudando-os a explicar e interpretar o que acontece consigo mesmos, com os outros e no seu entorno. E acrescenta: Algumas vezes, esses conhecimentos são precisos; outras vezes, são imprecisos, ingênuos e podem constituir-se formas equivocadas de ver a realidade. Essas modalidades de conhecimento não se modificam espontaneamente nem pelo acréscimo de novas informações. Para ocorrer 119 modificações, faz-se necessária a efetivação de um processo de ensino- aprendizagem volitivo e consciente, centrado na formação e no desenvolvimento de conceitos e direcionado para essa finalidade. Nessa perspectiva, o processo se iniciou no estágio exploratório, com as crianças da educação infantil, alunas da partícipe S., consciente de que, se a elaboração no estágio de conceituação não se dá entre os quatro ou cinco anos, podemos introduzir elementos que possibilitem essa construção, uma vez que é fundamental para a efetivação desse processo (FERREIRA, 2009). Segundo essa autora (2009, p. 109), Esse estágio abrange desde as noções difusas e dispersas acerca dos fenômenos, sendo possível diferenciá-los, sem, no entanto, indicar seus atributos/propriedades isolados até a indicação desses atributos/propriedades e a formação de imagens isoladas que servirão de base para a elaboração dos conceitos. É importante considerar o que ainda afirma com relação a esse estágio: [...] são recomendáveis situações de aprendizagem interessantes que provoquem reações afetivas positivas, possibilitem a ampliação do repertório sensório-perceptivo do aluno a respeito do fenômeno a ser conceituado e o desenvolvimento dos processos e procedimentos implicados, nessa etapa da elaboração conceitual (FERREIRA, 2009, p. 115). Tendo em vista o proposto pela autora, assim como as especificidades da concepção de prática pedagógica como atividade, orientamos o planejamento do processo ensino- aprendizagem no sentido de precisar os objetivos, os atributos do conceito de família a serem explorados, e ações necessárias para sua execução (apêndice 2), o que passamos a acompanhar nos utilizando, como já explicitado, pela Observação Colaborativa. Esse conceito, apesar da sua complexidade, possui uma base sensório-perceptiva passível de ser associada ao seu significado conceitual que faz parte das experiências vivenciais das crianças. A seguir descrevemos o desenrolar do processo vivido. Antes de iniciar a etapa de observações S. realizou a sondagem das competências e conhecimentos prévios dos alunos. Para isso, elaborou uma situação de aprendizagem em que, inicialmente, as crianças viveram um “faz de conta”, em que brincaram de família e cada um 120 tinha papel e função dentro do grupo. Logo após esse momento, foi entregue a eles uma folha em branco, em que deveriam responder a pergunta ‘o que é família?’, da forma que soubessem fazê-lo. Essa etapa de sondagem é tida por estudiosos de várias abordagens teóricas (Vigotski, 2000); (Davidov, 1982); (Usova, 1988); (Ferreira, 2009); (Novack, 1968); (Martinez, 1999) como imprescindível ao desenvolvimento do processo. Ferreira (2009, p. 102) afirma: Esse conhecimento constitui-se o lastro a partir do qual se poderão operar as rupturas necessárias ao desenvolvimento dos processos psíquico-cognitivos, afetivos e volitivos implicados no ato de aprender. Tendo esse conhecimento como suporte, S. iniciou o estágio exploratório como passaremos a descrever. As observações das aulas de S. tiveram início no dia 18/10/2010 e se prolongaram até o dia 24/10/2010. A turma, que era formada por 23 alunos, na faixa etária de quatro a cinco anos, estava quase que por inteiro durante todo o processo desenvolvido. No dia determinado (18/10), chegamos à sala e a professora falou para as crianças que iríamos observar algumas aulas. Como já éramos conhecidas dos alunos por sermos coordenadora da escola e estarmos com certa frequência na sala de aula, não foi necessário uma longa apresentação. Conversamos sobre o porquê da observação, sobre a necessidade de aprender conteúdos importantes, da importância da participação deles nas aulas, de que mesmo adultos ainda continuávamos estudando, entre outras questões. A aula desse dia, conforme planejamento constante no apêndice 2, consistia em iniciar o período exploratório da elaboração do conceito de família. A partícipe iniciou com as crianças sentadas ao seu redor. Vejamos como tudo ocorreu nos extraits a seguir: S. Bom dia, gente... Alunos: Bom dia!!!! S. Dormiram bem? Tomaram café? Alunos: Sim!!! S.: Vocês já conhecem D. Mas durante alguns dias ela vai ficar na nossa sala vendo a gente... Vai assistir a aula... Vendo se vocês estão aprendendo e como estão se comportando... Vamos fazer a chamada... Ver quem veio hoje... (Extrait da aula do dia 18 de setembro de 2010). 121 Cada criança já está com o seu crachá e S. vai chamando cada nome. À medida que o nome vai sendo chamado, a criança mostra o seu crachá para os colegas, se levanta e põe no mural que se encontra pendurado na sala. A seguir, S. continua: S.: Vamos agora... ver quantas crianças estão presentes? Todos contando... Crianças: um... dois... três... Uma criança: hoje vieram 19. S. Será mesmo? Vamos ver... Quantos crachás sobraram? Outra criança: Sobraram cinco... S.: Quantos alunos estudam nessa sala? Outra criança: vinte e três... S.: Então... Se sobraram cinco... Faltaram quantos? S. Isso... E quantas meninas e quantos meninos? Uma aluna: Vamos contar de novo... Uma, duas, três... 10... Todos: dez meninas... S.: E agora... Meninos, quantos vieram? Um aluno: só contando nos dedos... S.: Então vamos... Todo mundo gravou quantas meninas? Alguns alunos: dez!!!! S. Então, vamos... (Extrait da aula do dia 18 de setembro de 2010). Todas as crianças ficam com os braços para cima buscando dar a resposta solicitada por S. As crianças começam a contar nos dedos e S. então propõe que contem aluno por aluno. Após esse momento inicial da aula e tendo como ponto básico o planejamento realizado anteriormente, a professora passa a fazer perguntas para as crianças, que falam todas de uma vez sem permitir que entendêssemos o que estavam querendo dizer. Crianças: dez... S.: Dez são as meninas... Vamos... Todas: um, dois, três, dezenove... Uma criança: a gente usou nove dedos... S.: Isso... Então quantos meninos vieram? Uma criança: nove, tia... S. Muito bem... Nove meninos e 10 meninas (Extrait da aula do dia 18 de setembro de 2010) 122 S.: Com quem você mora? Crianças aos gritos: papai... mamãe...minha avó... com minha tia.... No meio da confusão e vendo ser impossível às crianças responderem uma a uma, enquanto as perguntas eram feitas para o grupo, S. resolveu mudar a estratégia, e retoma a palavra como vemos a seguir: A partir daí S. perguntava de criança a criança que iam respondendo, conforme os questionamentos: com quem você mora? Quantas pessoas moram na sua casa? Quantos irmãos você tem? Na medida em que respondiam, ouviam o outro e interferiam, a professora anotava no quadro as respostas das crianças permitindo que enumerassem os elementos constitutivos de suas famílias. Concluído esse momento, S. propõe, como situação sistematizadora que as crianças ponham no papel, através de desenho ou da escrita (a escrita que elas sabem fazer), a discussão sobre os componentes da família. Um dos alunos pergunta: Um aluno: É pra desenhar a família? S.: É. Vocês vão desenhar ou escrever sobre a família... O que foi que a gente conversou? Outro aluno: A gente conversou que... a família minha é pequena... S.: O que mais a gente conversou? O mesmo aluno: ... Que a minha família é a minha vó e o meu vô e a minha tia.. S.: Isso... Teve mais o que? Uma aluna: professora... Tem irmã, vó, tia... S.: Então, tudo o que a gente conversou aqui sobre família vocês vão escrever... Desenhar na folha que eu vou entregar para vocês... Cada um vai fazer na sua folha...É uma folha pra cada um de vocês... (Extrait da aula do dia 18 de setembro de 2010). S: Vamos combinar uma coisa, pra falar... Se vocês quiserem falar tem que levantar o braço... Pra falar um de cada vez... Se não a gente não entende o que vocês estão dizendo... Certo? S:. Pessoal, agora só vai responder quem eu perguntar, certo? Crianças: certo!!! S: E agora? Quem mora com a mãe e o pai? Crianças: moro!!!!!!!!!!!!!! (Extrait da aula do dia 18 de setembro de 2010). 123 Apresentamos, a título de ilustração, o desenho de alguns dos alunos. Após desenharem a família, ação já realizada também na sondagem dos conhecimentos prévios, a partícipe, que já havia organizado um local na sala de aula, diz que ao terminar a tarefa as crianças devem ir ao local, explicar o desenho e colar onde foi indicado. Nesse momento algumas apenas colam o desenho, outras explicam o que fizeram com bastante desenvoltura. Para que todas participem S. estimula: S: Vamos gente, quem vai primeiro? Criança : Eu, vou... Vou não... (inaudível), mas eu não sei... S.: Vai ou não vai? Uma Criança: Vou... A Criança simplesmente prega o desenho no varal e S. intervém: S.: E aí, fale do seu desenho... Quantas pessoas da sua família você desenhou? Nesse momento a turma começa a se agitar e a partícipe novamente intervém: 124 S. continua o processo utilizando sempre o mesmo encaminhamento, questionando e possibilitando a participação e colaboração efetiva das crianças. Considerando as categorias da prática pedagógica prevista e da prática pedagógica efetiva podemos dizer que há uma inter-relação entre elas com mínimas variações inevitáveis à situação prática. Comparando-se os objetivos estabelecidos, como previsto no seu planejamento observamos, por exemplo, o acréscimo ao desenho, como registro da família, o encaminhamento para que as crianças utilizassem a escrita, fazendo-se para isso de escriba. Esse aparente improviso mostra a desenvoltura profissional da professora que compreendeu necessidade dessa adaptação, enriquecendo a situação sistematizadora, sem, no entanto, comprometer os objetivos previstos. Agindo assim a partícipe propiciou o exercício das funções mentais, tais como: a percepção imagética; a atenção volitiva (na medida em que possibilitava as crianças direcionarem sua atenção para as situações de aprendizagem desenvolvidas); a memória, uma vez que as crianças reproduziram a família através da linguagem oral e de imagens. Sempre se conduzindo por situações-problemas, fazendo questionamentos, como: “quem compõe a sua família?”, “Quantas pessoas fazem parte da sua família?” oportunizando que as crianças expressassem sentimentos em relação a família e desenvolvessem atitudes colaborativas (ouvir atentamente os colegas, esperar a vez de falar). Além do mais, utilizou o procedimento lógico da enumeração de forma interdisciplinar, quando solicita que as crianças contem e digam com quantas pessoas moravam, transitando de questões socioculturais para o exercício do raciocínio lógico- matemático. S: Ei, pessoal, temos que prestar atenção ao trabalho do colega... Até porque vocês não prestarem atenção... (inaudível)... Não vamos entender nada... E os trabalho tão todos lindos... A mesma criança pega novamente o desenho e conta: 1, 2, 3,4... S.: Cinco...Muito bem... Quem são? Criança: Minha bisa... Minha vó Socorro... Minha mãe e Minha irmã... (inaudível) S.: Mas você só disse quatro... Tá faltando uma pessoa... Quem é? Criança: Eu! S.: Muito bem!!!!você escreveu alguma coisa? Mesma Criança: Eu escrevi que família é bom...pabincar, ir pa o ...(inaudível) S.: Muito bem... Você gosta muito da sua família? Criança : gosto... Eu gosto da minha tia também... Ah, eu nem desenhei... Eu vou desenhar agora... S.: Pode desenhar... Agora pode sentar. (Extrait da aula do dia 18 de setembro de 2010). 125 Com relação às habilidades, a professora trabalhou visando à coordenação psicomotora (desenhando), a linguagem oral (explicando o trabalho feito). Não foi muito explícito, entretanto, o trabalho com as reações afetivas, mas há indícios no momento do elogio; e a própria vontade de realizar a tarefa é motivo de prazer e de alegria. Inclusive, algumas crianças teceram espontaneamente esse enlace afetivo pela própria natureza da tarefa e por terem sido convidadas a verbalizar o desenho, como o caso do aluno que diz “Eu escrevi que família é bom... pabincar...”. Além disso, as crianças se mostravam felizes ao realizar a situação de aprendizagem proposta. Mesmo se tratando do momento inicial do estágio exploratório, a prática pedagógica de S. apresenta indícios da conexão entre o previsto e o realizado. No dia 19/10, a professora retoma a tarefa do dia anterior com alguns questionamentos e passa a dialogar e interrogar as crianças, com o objetivo de continuar a explorar o significado conceitual de família em termos da ampliação do repertório sensório- perceptivo dos alunos. S.: Vocês lembram do que vimos ontem? Crianças levantando a mão para falar e gritando: Eu sei... Eu sei.. S.: Vamos lembrar uma coisa: tem que falar um de cada vez... S.: Então... J. diga aí, o que você lembra que a gente estudou ontem... Criança. num sei... S.: Quem sabe? Outra criança: Eu sei... S.: Mas você não veio ontem?! A mesma criança: Vim não... S.: Quero saber de quem veio... Outra criança: A gente fez... Desenho... Colou ai, ó, (mostrando o mural)... A Gente falou nas famílias... O mesmo aluno: a família tem amor... Na minha família tem meu pai... Minha mãe, minha avó... Tem Didi... S: Quando a gente estudou ontem vocês viram se todas as famílias são iguais? Crianças: são!!! S:.São????!!!! Criança: não tia... tem menina que mora com a vó... com as tia... S.: Isso... Tem criança que mora na casa de passagem (há crianças nessa condição na sala de aula), tem criança que mora só com o pai, só com a mãe... Tem família que tem um filho, dois filhos... Outra Criança: lá em casa tem cinco pessoas... S.: Quem são? A mesma criança: minha mãe, meu tio, meu irmão grande, meu irmão pequeno... S.: e quem mais? Criança; só essas... S.: E você? Criança: É... E eu... S.: então gente, todo mundo tem uma família... Mas que não é igual a do outro... Hoje eu vou contar uma história que fala de diferenças... Prestem atenção... A gente vai conversar sobre 126 ela, certo? (Extrait da aula do dia 19 de setembro de 2010). Essa situação de aprendizagem objetiva trabalhar a ideia de diferença. Perceber diferenças e semelhanças é um dos elementos prioritários para desenvolver o procedimento lógico da compreensão, imprescindível no processo de elaboração conceitual. A comparação exige sempre um critério de referência. Nesse caso, foi estabelecida a diferença por ser mais facilmente perceptível do que as semelhanças, pois esta exige o domínio do significado conceitual. S., então, introduz a situação motivadora explicando que tem uma história para contar. A seguir apresentamos a síntese da história contada, “Minha família é colorida”, de Georgina Martins. Essa é a historia de um menino chamado Ângelo que tinha uma família toda colorida. Ele tinha dois irmãos e era muito observador. Certo dia chegou a casa e perguntou para sua mãe. Porque meu cabelo não ‘vua’. E o cabelo da vovó ‘vua’. Sua mãe demorou a entender, mas concluiu que ele queria dizer voar. Entendeu também que ele queria dizer que uns tinha cabelos lisos e outros da sua família tinham cabelos crespos. Sendo assim ela percebeu que tinha de explicar melhor aquele assunto. Sua mãe iniciou dizendo que num lugar bem distante o pai do pai de Ângelo tinha se encantado com uma moça que tinha uma pele negra, ele se apaixonou pelos olhos dela que eram pretinhos como uma jabuticaba, sendo que os dele eram azulzinhos. Para ficarem juntos eles se casaram, assim poderiam ficar juntinhos por quanto tempo quisessem. Desta união nasceram muitos meninos sendo um o pai de Ângelo. Eles foram crescendo e um dia o mais velho conheceu uma moça. Esta moça é a vó Célia que tinha olhos verdes. Assim a família ia se misturando uns casando com brancas outros com morenas, olhos azuis, olhos verdes e cada um com cabelos mais ou menos lisos. Outros cabelos encaracolados. E o menino concluiu que sua família era bonita como sua caixa de lápis de cor. Visando desenvolver a atenção voluntária das crianças, S. usou estratégias, como: mudar a voz, fazer perguntas, mostrar as imagens, entre outras. Concluída a história, as crianças queriam ver a capa, as gravuras e todas saíram dos seus lugares para ver o livro. Ela pede então que todas se mantenham sentadas e diz que prestem a atenção que vai conversar com eles sobre a leitura, iniciando a sistematização com alguns questionamentos, o que 127 possibilitou as crianças relembrarem o que ouviram e socializarem a compreensão que tiveram a respeito da história. S: Gostaram da história? Como era Ângelo? Ele era preto? Branco? Crianças: ele tinha cabelo enrolado!!!!! S.: Quem é que na sala tem cabelos enrolados e é escuro como Ângelo? Criança: Tia... É R... S.: É R., o quê? Criança: R. tem cabelo enrolado. S: Só R.? E os outros, como são? Criança: amarelo!!! S.: Amarelo?! Criança: Eu sou branco... Criança do cabelo enrolado: Eu tenho o cabelo enrolado, mas minha mãe tem o cabelo bem lisinho, ‘fessora’ S.: E o seu pai, com o é que ele é? Outra criança: Meu pai é... S.: Deixe falar... Depois você fala, certo? A criança de cabelo enrolado: meu pai é gordo... S.: Você não tava falando do cabelo dele? Criança: É... (já dispersa, prestando atenção a algo que o colega vizinho fazia). S.: Vamos gente, prestando atenção... (Extrait da aula do dia 19 de setembro de 2010). Além desses questionamentos, a professora fez outros, como: com quem Ângelo se parecia? Quem é o pai do pai do pai do Ângelo? Como ele era de acordo com o livro? Camilo, irmão do Ângelo, é igual a ele? Para finalizar, S. pegou no armário uma coleção ainda nova de lápis coloridos e pediu a atenção das crianças que nesse momento já estavam se levantando e correndo na sala de aula. Para fazer com que todos participassem e voltassem à concentração, ela iniciou o seguinte diálogo: S.: Vocês tem na bolsa uma coleção? Crianças: tem!!!!! Uma das crianças: Eu não tenho... S.: Quem não tem fica junto com o colega... Fica prestando atenção ao colega... Vamos ver... Quantos lápis têm na coleção? S.: Oba, todo mundo sabe contar... Mas me digam todos os lápis são iguais? Crianças: Não!!!! Uma das crianças diz: tem lápis pequeno e grande... S.: Isso... Mas são todos da mesma cor? Por que será que no final da história Ângelo disse que sua família parece com sua caixa de lápis de cor? Criança: Tia S. minha família não é lápis de cor, não... S. Como é uma caixa de lápis de cor? Estão vendo? Criança. Cheia de lápis... S.: todas são iguais? 128 Criança: são... S.: são todos da mesma cor? Criança.: Não... Tem verde... amalero, peto... Outra criança: não é peto... É preto... S: Isso gente, do mesmo jeito que as coleções de lápis colorido, as pessoas da família da gente não são iguais... Todas as pessoas que moram na sua casa são iguais? Criança: minha Irma tem cabelo amarelo... Eu e meu irmão a gente tem cabelo azul... S.: azul? Não existe cabelo azul... Criança: Tia... O cabelo da minha irmã é azul. S.: vamos relembrar: Outra criança: Não existe cabelo azul!!! S.: só se for pintado... Criança: mas o olho da gente pode ser azul... S.: Sim... Aí pode... Atenção gente... Outra Criança: A caixa é a casa dos lápis... Aí tem pequeno, azul (mostrando o vermelho). Outra criança: Esse vermelho... S.: Que crianças sabidas!!!! Criança: Eu sou sabido, pofessoa... (essa criança tem dificuldade na fala). S.: Todo mundo aqui é sabido... (Extrait da aula do dia 19 de setembro de 2010). Nesse momento entra na sala alguém para dar um aviso e interrompe o diálogo que estava ocorrendo, mas, logo depois, S. retoma: S.: Vamos, gente?! Vocês viram? Os lápis também têm uma casa... Qual é a casa dos lápis? A gente já viu que eles não são iguais... Na casa da gente, vocês já disseram que tem gente com cor de cabelo diferente... Há casas que tem mais gente, outras têm menos gente... Então da mesma forma que na caixa de lápis, que tem lápis, azul, amarelo, verde, roxo, cada um de cor diferente do outro... A família da gente também é formada de pessoas diferentes: algumas brancas, outras negras, umas loiras, outras com os cabelos pretos... Não é assim, gente? Algumas crianças: É!!!! Uma criança: minha irmã é bem pequena (diz isso, mostrando o tamanho com as mãos)... Ela ainda é bebê... S.: Pessoal, olhe o que R. tá dizendo: ele tem uma irmã pequena... Então, na casa da gente não tem só pessoa com os cabelos diferentes, mas tem pessoas grandes, pequenas... Uma criança: Meu pai é grrrrandão... Outra criança: meu vô também é grandão... Outra criança: minha irmã é pequena. S.: Então, gente, a gente viu que as famílias elas são diferentes... A cor dos cabelos é diferente, o tamanho das pessoas é diferente e tem família que é formada por muitas pessoas, outras com poucas... A família de D. tem cinco pessoas, ele já disse, não foi? D.? a família de J. só tem ela e a mãe, né isso? Então, gente, nenhuma família é igual e as pessoas que fazem parte das famílias na sua cor, no seu tamanho... Vocês gostaram da história? Algumas crianças: Gostei!!!!! Outra criança: tia, tá na hora do lanche? S.: Tá quase na hora Então, agora, vamos lavar as mãos? D.: Tia, posso levar esse livro p/ minha mãe ver? S.: Pode sim. No final da aula eu anoto na sua e na minha agenda e você leva, viu? Outra criança: Eu também quero... S.: Mas só tem um livro, só pode um de cada vez, certo? Algumas crianças: certo!!! 129 S. Hoje tem tarefa para casa, viu gente? Como situação avaliativa, S. solicitou que as crianças fizessem um desenho de sua família. Durante essa aula as crianças começam a ficar impacientes acima do que é considerado normal, e a professora encerra a discussão sobre a história e sugere que lavem as mãos por estar chegando a hora do lanche. Consideramos que a impaciência das crianças foi aceitável, pelo fato de a professora ter passado muito tempo com a leitura e a discussão sobre o livro. Criança nessa idade, além da inquietude natural tem o seu tempo de concentração sempre muito reduzido, pois a capacidade de concentração está em via de desenvolvimento. No dia seguinte, ou seja, no dia 20/10, e após ser discutida a rotina diária a situação motivadora foi a Roda de conversa, momento em que S. relembra o que foi visto no dia anterior, retoma a tarefa passada para casa, lembrando que são, como dizia a história, como “uma coleção de lápis colorido”. Nesse momento, as crianças falam sobre o que desenharam, levantando-se da Roda para pregar a tarefa no varal posto na sala de aula. A execução dessa tarefa permitiu verificar que a criança começa a perceber a ideia de diferença e a externá-la de forma imagética, uma vez que em alguns desenhos cada figura era representada por uma cor diferente. Enquanto iam expondo os desenhos as crianças e a professora expressava seus sentimentos. S. O trabalho de J. ta lindo... Agora pode pregar no varal... Uma criança: O meu tá lindo, tia? S. Tá... O seu também, ta lindo... Outra criança: o meu ta lindo, também... Minha vó disse... S.: Todos os trabalhos estão lindo... Vocês capricharam...Muito bem!!!!! As crianças participaram da discussão se utilizando predominantemente do procedimento lógico da indicação. Esse procedimento permite esclarecer os atributos do conceito substituindo o seu significado conceitual (FERREIRA, 2009), mas parece não terem chegado a um entendimento com relação ao final da história, fato, no nosso entender, provocado pelo uso da metáfora proposta por S. (sua família era bonita com o uma caixa de lápis de cor), que exige um estágio mais avançado do procedimento lógico da comparação, cujo parâmetro seria a igualdade. 130 Além disso, a situação-problema, “por que somos diferentes uns dos outros” não foi explorada suficientemente para as crianças elaborarem uma conclusão. Em nenhum momento foi discutida, por exemplo, a reprodução. Refletindo com S. sobre essa questão, ela enfatizou que não achou importante discuti-la naquele momento, uma vez que as crianças talvez não compreendessem. Argumentamos, que quando trabalha, por exemplo, plantas e os outros animais, o processo reprodutivo está presente e é discutido. Essa forma de pensar é fruto certamente de ideias cristalizadas, difíceis de serem modificadas. S., no entanto, oportunizou, o exercício de atitudes positivas, tais como: como ouvir os colegas e esperar a vez de falar, de respeito à diferença e à autonomia. Trabalhou as habilidades psicomotoras, por meio do desenho, da pintura e do exercício da linguagem oral. Estiveram também muito presente na realização das tarefas as reações afetivas, especialmente os incentivos provocados pelos elogios aos desenhos. Embora nem tudo tenha sido realizado, a partícipe e as crianças foram muito além do que pensávamos. Isso nos deu a convicção de que é possível ensinar e aprender tudo, em qualquer idade. Contudo, para que a aprendizagem realmente ocorra é necessário que “[...] que se desenvolva um trabalho educativo sistemático direcionado para essa finalidade e estruturar convenientemente a ação pedagógica” (FERREIRA, 2009, p. 115). Afinal, o estágio exploratório (FERREIRA, 2009) possui muitas possibilidades e é a partir dele que o sujeito poderá chegar à elaboração conceitual, ao conhecimento científico, o que não ocorrerá aos quatro ou cinco anos, mas que se iniciará nesse período. No primeiro momento, a impressão que tivemos é de que as crianças não iriam se interessar, uma vez que consideramos que o texto era muito extenso e complicado para ser trabalhado na Educação Infantil, mas a forma como a professora agiu fez com que elas ficassem atentas à leitura feita. Foi um momento mágico, em que o encantamento da história despertou sentimentos e emoções e proporcionou muitas aprendizagens, tendo em vista o fato das crianças terem participado e interagido com a história, com os colegas e com a professora. Assim, entendemos que, em sua prática, a partícipe mobilizou recursos e situações de aprendizagem coerentes com os objetivos dos conhecimentos a serem internalizados e o desenvolvimento psicossocial dos alunos. Todavia, quanto ao desenvolvimento do pensamento, propôs situações (uso da metáfora) que não se adequam ao estágio de evolução dessa função mental. O pensamento metafórico exige processos e procedimentos mentais que crianças da idade das que estão sob a responsabilidade de S. não atingiram ainda. 131 Sua lógica contém uma contradição (afirmar que o que não é, é), cuja complexidade está além do alcance de qualquer criança nessa faixa etária. No entanto, fez apelo constante a colaboração, solicitando a participação dos alunos, dando-lhes vez e voz. No mesmo dia (20/10), S. propôs como situação motivadora, um filme. Levou as crianças para a sala de vídeo para que assistissem ao filme cujo objetivo era fazê-las compreender as diferenças existentes na família em diferentes épocas sociais. Lembrou que elas já tinham visto que as famílias são diferentes e perguntou o que eles lembravam. Nesse momento, uma das crianças se posicionou: Criança: prrrrofessora, a família é como uma coleção... S.: Isso... Por que é como uma coleção? Criança: Por que... S.: mas por quê? (Extrait da aula do dia 20/09/2010). Esse diálogo, que não teve continuidade, reforça o que colocamos antes em relação à comparação e ao uso de metáforas com crianças nessa faixa etária. A partícipe conduziu as crianças até a sala de vídeo. Nesse espaço, as crianças ficaram muito dispersas, mesmo durante o diálogo estabelecido entre elas e S., a maioria gritava, pulava, mexia nos livros (a sala de vídeo funciona no mesmo local da biblioteca e lá existe uma quantidade imensa de livros; e os livros, fazem parte das tarefas diárias organizadas por S. coisa que muito lhes interessa). Vendo que não conseguia realizar o que havia planejado, a professora muda de estratégia como vemos no extrait abaixo: Elas soltam os livros e sentam nas suas cadeiras. Na verdade, o vídeo era de imagens de diversos tipos de famílias em diferentes épocas: famílias pequenas, numerosas, negras, brancas com formas diferentes de se vestir, crianças vestidas como adultos, entre outras. A professora fazia perguntas a fim de que eles percebessem a diferenças existentes em cada uma das imagens apresentadas. Não foi um recurso estimulante, ao contrário, foi bastante maçante, S.: Pessoal, vocês têm que prestar atenção, ouvir o que eu estou dizendo, para que vocês entendam e façam a tarefa corretamente...Eu prometo a vocês que quando a gente terminar de ver o vídeo, a gente vê os livros que vocês quiserem... Agora, tem que prestar atenção... Todos sentados... O vídeo vai ser muito legal... Criança: Vai ser um filme? S.: Vai ser um filme sim, mas sobre a família... (Extrait da aula do dia 20/09/2010). 132 razão pela qual as crianças se mantiveram o tempo quase todo inquietas e prestando atenção em outras coisas. Ao término da apresentação, a partícipe envolveu as crianças num diálogo que vai exemplificado no extrait a seguir: Após as respostas dadas, vendo que não estava conseguindo o desejado, a professora passa a direcionar de outras formas as perguntas, conforme o extrait seguir: S.: Eu vou perguntando a todos, mas agora eu tô falando com P. e todo mundo deve ouvir o que o colega tem pra dizer... Se todo mundo falar eu não vou entender nada e vocês também não vão entender, certo? Crianças: certo!!!! S.: E ai P., quantas pessoas tem na sua família? P.: tem minha mãe, minha irmã, minha outra irmã, meu tio... S.: Então, gente, quantas pessoas têm na família de P? Vamos contar? Tem mãe, uma, irmã, duas... Outra irmã, três... O tio, quatro e P., cinco... P. A família de P. é formada por quantas pessoas? Crianças: Cinco!!!! S.: Isso... Quem mais mora com cinco pessoas? S.: Pessoal às famílias que estão no vídeo são iguais? Todos: Não!!!!!! Criança: professora, as famílias não podem ser iguais... S.: Por quê? Criança: Por que... Outra Criança: As famílias são diferentes... S.: atenção, pessoal, vocês acham que as famílias são todas iguais? Crianças: não!!!!! S.: Vamos ver o que tem diferente ... As crianças se vestem como as de hoje? Crianças: Não!!!!!! S.: Como elas se vestem? Crianças: tão de gravata... S.: Criança não usa gravata, né? Crianças: não!!!! Uma criança: Mas meu irmão usou gravata no casamento da minha tia... S.: Ah, as crianças usam gravata quando vão pra um casamento... Pra uma festa, né? Criança: meu pai também usou gravata... S.: No casamento? Criança: não... Ele foi pra igreja... S: Paletó e gravata as pessoas usam quando vão pra uma festa... Quando vão pra um casamento... Pra igreja... Mas antigamente, até as crianças usavam, mesmo sem ser festa... Agora, vejam as fotos... As pessoas são iguais? Crianças: Não!!! S.: Vejam também... Antigamente as famílias eram muito grandes... tinha muita gente... Muitos filhos... Muitos netos... Hoje as famílias são menores... Vamos ver... Quantas pessoas tem na sua casa P.? (Extrait da aula do dia 20/09/2010). 133 Outra criança: tia!! Lá em casa só tem eu... S.: Como assim: Você mora sozinha? A mesma criança: Claro que não, né? Eu moro com minha mãe!!! S. Ah, na sua casa tem você e sua mãe... A mesma criança: É... Outra Criança: Tiaaaaaaaaa! (Extrait da aula do dia 20/09/2010). Sem dar atenção a criança que grita S. retoma a fala da criança anterior: S. Então, gente... D. mora apenas com a mãe, na casa de P. moram cinco pessoas... Mas o que a gente viu no filme é que as famílias antigamente eram muito grandes... Eu tenho uma colega que tem 18 irmãos... A mãe dela teve 19 filhos... Uma criança: Dormia na cama? S. Dormia na cama, na rede... A mesma criança: Lá em casa só tem minha cama e da minha mãe... S. Por que na sua casa só moram vocês duas... A mesma criança: O meu pai tá no céu... S. Tá?! Então, gente... As famílias antigamente eram grandes, se vestiam de um jeito diferente do que a gente se veste hoje, como a gente já viu... Outra criança: tem roupa de frio e roupa de calor... S.: Mas antigamente, crianças e adultos usavam paletó, gravata (se volta para mostrar as imagens do vídeo), mesmo sem ser frio... (Extrait da aula do dia 20/09/2010). Nesse momento, todas querem falar de uma vez, o que atrapalha o entendimento do que S. explica, do que algumas crianças dizem. A partícipe faz então, o mesmo questionamento a todas as crianças. Perguntando com quem moravam, quantas pessoas havia nas suas casas, se tinham irmãos, entre outras buscando mostrar a quantidade de pessoas, as diferenças e semelhanças entre as suas famílias. Num determinado momentos começaram a ficar mais inquietas do que já estavam, e passam a mexer nos livros. Uma delas começou a chorar e se encolheu debaixo do local onde fica a TV. Perguntamos por que estava chorando e ela respondeu que não tinha família, pois morava com a tia e com o tio e queria ir embora morar com mãe. Foi um momento muito tenso, de conversa, o que dispersou mais ainda os seus colegas. Para aliviar a tensão, a professora então, resolveu cantar uma música, o que fez com que voltassem a se organizar, indo para os seus lugares. A professora então resolveu cantar uma música para trazê-las de volta, o que foi bastante positivo, pois voltaram a se ater ao que dizia S. que deu por encerrada a tarefa na sala de vídeo e voltou para a sala de aula. Visando potencializar a discussão realizada, S. organizou uma tarefa que deveria ser feita em casa. Nessa tarefa, que continha a foto dos seus familiares, cada criança teria que 134 descrever as características da sua família, com relação à quantidade de pessoas, cor da pele, cor do cabelo, altura, tipo de casa em que mora, se essa casa é grande pequena, se os pais trabalham, em que trabalham, entre outras. Essa descrição deveria ser feita com o auxílio de alguém (pai, mãe ou responsável). A descrição é um procedimento que permite a substituição da representação imagética pela linguagem e/ou escrita. Constitui-se o início do segundo momento do estágio exploratório, buscando-se ampliar o repertório dos atributos gerais do conceito. Além disso, combina com elas, a aula de campo que já havia sido programada (conforme planejamento apresentado no apêndice 4), para a casa de uma das crianças da sala. A conversa a respeito dessa atividade se processou como vemos no extrait a seguir. Antes desse momento, a professora disse já ter conversado sobre essa situação de aprendizagem, falado do que poderiam aprender e como deveria ser o comportamento de cada uma das crianças na saída da escola, no caminho e na casa visitada, mas como sabemos, para trabalhar com crianças, a repetição é uma tarefa essencial, para que fiquem atentas e gravem o que deve ser realizado. Nesse sentido, para relembrar o que segundo ela já havia falado, a professora se expressa assim. S.: Assim gente, a gente vai pesquisar na casa de D. o seguinte: quantas pessoas tem na família dela? Quem mora com ela, quem cuida dela? Quem protege? Quais as características das pessoas? São brancas, negras? Tem cabelos lisos, crespos... Uma criança (menina): O meu cabelo é liso... S.: É sim... Mas nem todo mudo é igual... Há pessoas com o cabelo liso, com os cabelos crespos, loiros, pretos... A e gente já viu isso, num foi? Lembram da história que a gente leu? S. Ei pessoal, amanhã vai ser nossa aula-passeio na casa de D. A gente precisa combinar como vai ser e como vamos nos comportar... A casa de D. não é longe é bem pertinho, mas é preciso que os pais de vocês assinem esse papel ( mostra a autorização que tem na mão)... Uma criança: Mas eu não “molo” com meu pai... S.: Não tem problema... Quem vai assinar é o pai...A mãe... Ou a pessoa com quem você mora, certo? A maioria dos alunos: Certo!!!! S.: A criança que a mãe não assinar o papel não vai poder ir, certo? Então, quando vocês chegarem em casa não esqueçam de pedir para os pais de vocês assinarem... Outra criança: “pofessoa”, a gente vai de a pé? S.:Sim... A casa de D. é perto... A gente vai a pé... Agora a gente vai lembrar o que é que a gente vai fazer lá... (Extrait da aula do dia 20/09/2010). 135 Uma criança (menino): O cabelo da minha mãe é feio... S: Mas a gente vai ver também... Qual o tipo de casa... Se é grande pequena... S.: Então, gente, vai ser amanhã... Ninguém pode esquecer... Se a mãe dizer que alguém não vai... Vai ficar em casa, viu? Pensem no que vocês gostariam de perguntar, segunda-feira a gente vê... Uma criança: Amanhã, tia? S.: Amanha é segunda-feira? As crianças: não!!!! S: Amanhã é sábado... Depois de sábado é do... As crianças: domingo!!!!!!!! S.: Então, depois de domingo é que chega segunda, certo? As crianças: certo!!!! S.: Então, quando passar domingo é que chega o dia da gente ir pra casade D. (Extrait da aula do dia 20/09/2010) Nessa aula o recurso mobilizado para desenvolver o processo de ensino- aprendizagem (sala de vídeo) e a situação de aprendizagem prevista não se constituem fatores adequados aos objetivos propostos. A sala de vídeo continha elementos que propiciavam o desvio da atenção dos alunos, pois como apontamos antes, funciona também a biblioteca. Ambiente com muitos estímulos é desfavorável ao desenvolvimento da atenção no que se refere ao fator concentração, aspecto prejudicado, também, pela duração do tempo dedicado a uma mesma tarefa e a mobilização dos mesmos procedimentos lógicos (indicação e enumeração). Com relação aos procedimentos, introduz a descrição, mas em termos de conteúdo do conceito não apresenta avanços no sentido de introduzir a sistematização do atributo geral do conceito de família (grupos) previsto no planejamento. A negociação com os alunos se estabelece desde o início do processo, em particular, das atitudes favoráveis ao processo de aprendizagem (ouvir com atenção, esperar a vez, respeitar o outro), definidas como rotinas de organização. Vale destacar sua intervenção no momento de conflito emocional desencadeado pela discussão dos aspectos da constituição familiar, introduzindo uma situação não prevista anteriormente (a música), porém, apropriada para amenizar o estado emocional emergente. A Aula de Campo ocorreu no dia 23/09. Nessa, como nas outras aulas observadas, a partícipe cumpre a rotina diária, iniciando na Roda. Retoma a tarefa realizada em casa. Cada criança explicava o que tinha feito e como e quem da família havia lhe ajudado a realizar a tarefa, como também, se tinha gostado ou não do que tinha realizado. Com essa tarefa, como costumeiramente, montaram um mural, que havia previamente organizado por S. 136 Após esse momento, S. procura saber se trouxeram as autorizações enviadas para que os pais assinassem. De um total de 19 alunos presentes nesse dia na sala de aula, quatro não trouxeram a autorização, mas estavam na sala de aula, o que significa que a solicitação para que não viessem à escola, caso o documento não fosse assinado, não foi atendida. Assim, foi resolvido que as crianças ficariam na escola numa outra sala de aula. Todas as rotinas definidas anteriormente foram revistas anteriormente foram revistas, inclusive, as questões que seriam tratadas no local da aula. A Aula de Campo foi à situação motivadora utilizada por S. para integrar ao conceito de família, outros conhecimentos que poderiam estar articulados e favorecera indicação e/ou a enumeração dos elementos que compõem os atributos do significado família que orienta a sua prática pedagógica. Assim, S. solicitou que durante o trajeto da escola para a casa de D. elas observassem por onde passavam, o que encontravam e quando chegassem à casa da colega agissem da mesma forma. Consideramos essa ação bastante positiva por entendermos a observação como um dos primeiros processos de formação de desenvolvimento do pensamento, devendo ser orientada no sentido de que haja um real entendimento do que foi proposto. Segundo Ferreira (2007, p. 16), “A criança lança mão à observação desde os primeiros anos de vida. De início orientando-se pelo que é atraente nos objetos e pelos movimentos”. Depois com o passar do tempo e da idade vai aprofundando seu olhar e percebendo particularidades que a fará confrontar, comparar, compreender. Como enfatiza Rubinstein (1973, p. 203), é no processo de observação que a “atividade mental propriamente dita encontra a sua expressão (sobretudo na sua forma de confrontação e comparação)”. Para sairmos da Escola, os alunos foram organizados dentro de um elástico com três adultos acompanhando. Antes de sair, algumas crianças questionaram algo sobre o lanche e a professora informou que não se preocupassem, pois a dona da casa, mãe de D., iria oferecer o lanche para todas elas. Quando saímos eram 14h e 30 min, mas mesmo elas sabendo que se aproximava o momento de brincar, se mostraram muito satisfeitas e alegres. Chegando a casa da colega D., fomos recebidos pela sua mãe. As crianças tomaram água e num espaço já reservado, todos se sentaram em círculo. A professora agradeceu a dona da casa o tempo destinado a essa atividade e lembrou para as crianças o porquê da visita, como veremos a seguir: S.: Gente, todo mundo sabe por que a gente veio fazer essa visita a casa de D.? Uma criança: pra gente lanchar aqui... S.: Mas a gente só veio lanchar? Lembram do que a gente conversou? 137 Outra criança: pra gente ver... Pra gente desenhar? S.: Desenhar o que? A maioria das crianças: a família? S.: Então... O que foi que nos viemos ver aqui? Outra criança: “a gente foi” ver a casa de D. S. Só a casa? A mesma criança: a casa... o pai... Outra criança: a mãe... a avó S.: Isso... Outra criança: prrrrrrofessora, a gente veio estudar sobre a família... S.: Isso!!!!! Já que a gente veio estudar sobre a família... A gente já estudou na escola não foi? Quase todas as crianças: Foi!!!!! S.: Então... C. Você lembra o que a gente estudou na escola? C. A gente estudou... A gente estudou... Tem família que é grrrrrrrrrande... Pequena... S. O que mais? O que mais a gente estudou... Uma criança: tia... Todo mundo tem família... S.: Isso, todo mudo tem família!!!! Mas essas famílias são todas iguais... .C.: tem grrrrrrrrande e pequena. S.: muito bem... As famílias são diferentes... Algumas são grandes, outras pequenas, algumas tem pele escura, outras são brancas, tem cabelos lisos, cacheados... Outra criança: cabelo feio!!! S.: Então, já que a gente sabe tanta coisa, querem saber mais o que da família de D.? Uma criança: Eu quero saber... Eu quero saber... S.: Pode perguntar... A mesma criança: tô com vergonha... (Extrait da aula do dia 23/09/2010). A partícipe intervém dizendo: Sem se ater ao que a criança pergunta S. enfatiza: S.: Tá com vergonha por quê? Pode falar... Quem quer pergunta, enquanto passa a vergonha dele...Não querem saber quem mais faz parte da família de D, além da sua mãe? Outra criança: (levanta o braço) e pergunta: cadê seu pai, D.? D.: (Fica toda envergonhada se encolhendo no canto da parede)... Nesse momento a mãe de D. tenta “salvar” a filha e responde: Ela não tem pai... Ele morreu quando ela inda era bem novinha... Uma criança; Ela não tem pai? Outra criança: Eu também não tenho pai...Ele tá “peso”... C.: Na delegacia? : ele “robou”? Extrait da aula do dia 23/09/2010). 138 Ao invés de pedir que cada criança se apresentasse e dissesse seu nome, S. passa a dizer o nome de cada uma delas e depois faz algumas perguntas, como: quantas pessoas há na casa de cada um deles? Como são essas pessoas? Entre outras, para que pudessem fazer comparação e perceber que ser diferente não é melhor ou pior, mas algo que é fundamental na vida dos seres humanos. Após esse momento, faz com que as crianças percebam outras questões relativas ao conteúdo em foco. Vejamos a seguir como se desenrolou os diálogos. S.: Além do tamanho das famílias, que outras coisas... Outras diferenças a gente pode perceber entre elas? Uma criança: tem “quiança” que é pequena... tem “quiança” que “gande”... S.: Isso... Não só crianças... Nas famílias tem muitas diferenças... Há famílias grandes pequenas... Há famílias em que as pessoas são brancas, loiras... Uma criança: peta, né “fessoa”? S. Sim, preta, branca, loira, morena... C.: eu sou morrrrrrrreno... minha mãe é prrrrrreta... meu pai é brrrrrrranco... J.: Eu moro com minhas duas mães... Uma criança: eu também tenho... S.: tem o que? A mesma criança: duas!!!!!(mostra com a mão toda aberta)... S. Assim ó... Duas (mostra os dois dedos). Olhem só a cor de D. Qual a cor dos seus cabelos? Uma criança: São amarelo!!!!! S.: Isso... Amarelo... Que a gente diz que são loiros... A mesma criança: tia... Tia... Eu tenho cabelo “peto”... Naine tem cabelo amarelo... S.:: quem é Naine? A mesma criança: Minha tia!!!!! S.:: Você mora com a sua tia? A mesma criança: Moro com minha tia, minha “outa”tia meu tio, minha avó e Sofia... S. Sofia é sua irmã? A mesma criança: minha cachorra, “fessora”. S. Ah... Então você tem um cachorro? A mesma criança: não, menina!!! É uma cachorra!!!! S.: Isso... Muito bem vamos contar quantas pessoas formam a sua família... Vamos gente... a tia, uma a outra tia... o outo tio três, a avó, quatro e você, cinco... A mesma criança: e Sofia... Outra criança: Sofia... S: seja lá onde o pai esteja... Todo mundo tem pai... Façam outra pergunta... Vocês não querem saber quem mora nessa casa, com D. e mãe dela? C: quem morrrrra aqui? Mãe de D.: Aqui mora eu, D. e a minha mãe, a vó de D. que agora não tá em casa... S.: Ei, gente, a família de D. é grande ou pequena? Uma criança: grande!!! S.:: Vocês Acham que é grande? Quase todos: é pequena!!!!! S.: vamos ver se a família de vocês é menor ou maior. S.: Gente, a gente não se apresentou pra dona da casa... (Extrait da aula do dia 23/09/2010). 139 S. Mas Sofia é um animal cachorro... Ela tem a sua própria família... Mas ela não é gente... A gente toma conta, a gente alimenta, cuida, não pode maltratar, pode isso que a gente diz que os cachorrinhos fazem parte da nossa família, viu? A mesma criança: mas ela mora lá em casa!!!! (Extrait da aula do dia 23/09/2010). S. intervém o tempo todo, utilizando o procedimento da comparação para que as crianças compreendam que as famílias são diferentes, que precisamos cuidar dos nossos animais, mas que eles são bichinhos diferentes do homem. As crianças começam a ficar impacientes e já começam a dirigir a atenção para a TV ligada na sala da casa visitada. A mãe de D. percebendo desliga a TV, mas nem assim as crianças se aquietam. Para resolver situação, S. relembra os combinados e diz que se não se comportarem não terão como aprenderem coisas importantes. Assim, elas voltam para os seus lugares, mas é possível ver o cansaço e o desinteresse nos seus semblantes. Mesmo assim, a professora continua. S.: Pessoal, todo mundo sentado aqui, no local onde estavam... Antes da gente lanchar vai ver só uma coisinha... a gente viu que as famílias são diferentes, no tamanho algumas são pequenas, grandes... A de D. é grande ou pequena? Quem forma família dela? Em D.; D.: minha mãe, minha avó... S.Só tem duas pessoas? D.:(contando os dedos)... minha mãe...minha avó...(para alguns segundos e sorri)... E eu!!! S.: Isso...Quantas pessoas? Outra criança: “tês”... S.: Isso... três... Mas há pessoas aqui que tem famílias maiores, tem? Outra criança: lá em casatem...“fessora” amanhã eu fui "pá” “paia” Outra criança: Eu fui ”pá” piscina... Outra criança: Eu fui pu circo... S.: Que bom... Vocês se divertiram no final de semana que passou né? ...mas vamos aqui agora... Vamos prestar atenção... Estão cansados, né? Vamos lanchar... (Extrait da aula do dia 23/09/2010) A partícipe S. consegue que a maioria das crianças participe desse momento falando sobre o tamanho das famílias, a sua formação, as suas características, mas deduz estarem cansadas, quando elas passam a dizer: “fui “pá” paia”, “fui po circo”. Embora aparentemente as falas das crianças não tivessem nenhuma relação com o objetivo com o qual a partícipe trabalhava conseguimos ver uma relação entre uma coisa e outra. Provavelmente elas estavam dizendo que tinham ido à praia com as famílias, ao mesmo tempo em que remetem a situações de lazer e relaxamento, diversas do estado de ânimo do momento. Pensamos que S. poderia ter valorizado e retomado o que falaram, mas ela preferiu considerar que estavam cansados e sugeriu que parassem, lavassem as mãos para poderem lanchar. 140 O lanche que foi oferecido pela dona da casa foi posto na mesa arrumado em pratinhos descartáveis. Havia frutas (maçã, banana e laranja) e bolo de laranja com suco de acerola. Fomos servindo as crianças e cada uma foi se sentando no lugar mais conveniente. À medida que íamos servindo o lanche às crianças, a mãe de D. ia dizendo da importância de uma alimentação saudável, como era bom comer frutas, entre outros. Esse foi um momento de tranquilidade. Após o lanche, a professora disse que poderiam ficar um tempo brincando no espaço onde estavam, o que ocorreu com certa algazarra. Logo depois, S. alerta para a continuação das atividades e pede que mãe de D. mostre a casa onde mora. Ela então leva as crianças ao quarto da filha e mostra mais dois quartos existentes na casa, o que gera certa admiração e mais uma vez a mediação e a intervenção de S. Uma criança: tem lápis aqui... pode pegar? Outra criança: Não... É só prrrrá olhar... S.: Isso mesmo... Os dedos da gente não tem olho, certo!!!Lembrem dos combinados... A gente pode ver tudo, sem pegar... Uma criança: eu durmo com mãinha... S.: todos nós temos um cantinho pra dormir... Tem gente que tem um quarto como o de D. Uma criança: Ela é rica? Mãe de D.: Não... Ela não é rica, mas eu fiz esse quartinho pra ela. S.: Pessoal... Vocês tão vendo, tem família de todo jeito... grande... Uma criança: pequena... S. pobre... Rica... branca, negra, Outra criança: “peta”... S.: Isso... com cabelos pretos, com cabelos loiros... As famílias são diferentes, sim... Mas todas elas servem pra cuidar dos filhos, proteger, matricular na escola... Uma criança: Minha mãe (inaudível) bota almoço “pá” mim... Uma criança: Minha mãe me “touxe” para essa escola... S.: Sim... Você estuda na Escola Arnaldo Monteiro... Então gente... (Extrait da aula do dia 23/09/2010). Nesse instante, interrompendo o que dizia S., a mãe, dona da casa, pergunta se alguém tem bicho em casa? Pelas respostas, quase todas possuem, e ela diz que também cria um bichinho e apresenta uma tartaruga e um cágado que viraram uma atração para as crianças que fazem uma festa, ficam eufóricos, impossibilitando a continuação do trabalho da professora. Contudo, algo nos chama a atenção, uma das crianças menores (quatro anos), que faz a seguinte observação: Criança: Eita. Você vai “prrrresa”... Não pode“crrrrrrriarr” bichinho em casa... Mãe: Por que não pode... você disse que tinha até um cachorrinho!!!! A mesma criança: Cachorrinho, pode!!!! Mas minha mãe disse que “outos” bichinhos não pode... S.: É verdade... Cada animal tem que viver na sua própria casa... Ter sua própria comida... Ter o seu próprio lugar para brincar... Mas ela cuida, alimenta, ama os bichinhos... Criança: a casa da tartaruga não é aqui!? Ela não come... Mãe de D.: Não é aqui, mas aqui ela é muito amada, querida... A gente alimenta, dá água... (Extrait da aula do dia 23/09/2010). 141 Durante o restante do tempo da aula-campo, essa criança permaneceu calada. Quando íamos visitar o restante da casa já estava bem próximo do horário dos pais virem buscar seus filhos e a professora chama-os, organiza a fila e diz que chegou à hora de voltarem, pergunta se gostaram da aula, o que viram, o que aprenderam. A participação por parte da maioria das crianças foi visível especialmente pela forma como S. encaminhou a aula, contudo houve momentos em que a partícipe não aproveitou bem as ideias, as falas dos alunos, o que se tivesse acontecido provavelmente, poderia possibilitar um entendimento, uma compreensão maior que tiveram do conteúdo trabalhado. Todavia é preciso salientar que diversas são as situações inusitadas que se manifestam no ambiente da sala de aula, e, naturalmente, torna-se muito difícil fazer uso de todas essas situações de forma sistemática, mesmo porque exige do profissional uma capacidade de articulação bastante complexa, fazendo com que, inclusive, se necessário, desprenda-se de seu planejamento prévio para abarcar o estímulo espontâneo de uma situação. Isto só é possível se o professor é um profissional ativo no sentido de estar sempre buscando ampliar sua formação, atualizando-se teoricamente, e refletindo rotineiramente sua prática. Vejamos, por exemplo, que na situação em que a criança atenta à impossibilidade de se criar um animal selvagem em casa, revelava um conhecimento prévio, produto de um discurso difusamente midiatizado, o que aparentemente desviava do roteiro da aula sobre a família, todavia havia a possibilidade de se fazer o nexo relacionando o animal doméstico como elemento da família, em contraposição ao animal silvestre. Para que o professor consiga fazer essas articulações de improviso é fundamental que tenha o domínio dos conhecimentos, particularmente, os conceituais, como também, como ocorre o desenvolvimento do psiquismo do ser humano, além dos aspectos sociais e culturais. Para Fontana, (2000, p. 19), A mediação do outro desperta na mente da criança um sistema de processos complexos de compreensão ativa e responsiva, sujeitos às experiências e habilidades que ela já domina. Mesmo que ela não elabore ou não apreenda conceitualmente a palavra do adulto, é na margem dessas palavras que passa a organizar seu processo de elaboração mental [...]. S. poderia ter dado ênfase aos questionamentos da criança quando mostra que os seres humanos e animais têm moradias e forma de viver diferente, o que nos remete a Ferreira 142 (2009, p. 147), quando enfatiza que a “classificação, inclui fenômenos, objetos, seres, fatos e situações em uma determinada classe de conceito, a partir de critério de referência.” A situação vivida nos dá o entendimento de que além de enumerar, a criança compara, o que é um caminho para o desenvolvimento do seu pensamento teórico. A infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade humana que cerca a criança abre-se cada vez mais para ela. Em toda sua atividade e, [...], em seus jogos, que ultrapassaram [...] os estreitos limites da manipulação dos objetos que a cercam, a criança penetra um mundo mais amplo, assimilando-o de forma eficaz (LEONTIEV, 1988, p.59). Pelo exposto, podemos constatar que S. apesar dos avanços observados em sua prática pedagógica, como prever e criar de forma consciente e deliberada situações de aprendizagem que propiciam o desenvolvimento das funções, processos e procedimentos psíquicos, a formação de atitudes carece ainda de conhecimentos e domínio da metodologia que favorece esse processo, particularmente direcionar o raciocínio das crianças para a apreensão das relações e nexos entre os fatores sensório-perceptivos apreendidos pela observação, de forma a conduzi-los as abstrações e generalizações necessárias a distinção dos atributos do conceito em fase de elaboração. No dia seguinte à aula de campo (24/10), a professora partícipe inicia as tarefas do dia, organizando a rotina, cantando uma música e retomando a discussão do dia anterior. Logo após, com a intenção de concluir e fazer com que as crianças potencializassem o que havia sido trabalhado, dialoga com elas sobre o que gostaram, o que se lembram da visita, o que aprenderam. Concluída essa tarefa entregou uma folha de papel em branco e pediu que montassem, com massa de modelar, a família de D. e ao lado, a sua. Deveriam destacar a quantidade de pessoas das duas famílias, como também não poderiam deixar de enfatizar as características, a forma como viviam, aspectos da casa entre outros. Por fim, pediu que mostrassem também como chegamos a casa de D. desenhando o caminho percorrido. Para isso, a partícipe inicia um diálogo que se expressou da seguinte maneira: S.: Ei pessoal, estão lembrados do que fizemos ontem? Aonde fomos? O que fizemos? Uma criança: “pá” casa de D. S.: Isso... Mas a gente foi fazer o quê? A mesma criança: foi “pá” casa de D. S.: Vamos ajudar... A gente foi fazer o quê? Outra criança: a casa de D., a cama dela... É liiiinda a cama dela... 143 S.: É muito Linda, mesmo... Mas... Outra criança: Hoje “nóis” viu a mãe de D., a casa, a “tataruga”... Tia... Ela ainda vai ficar “pesa”? S.: Não sei... A mãe de D é quem vai resolver... A mesma criança: Nenhum bichinho pode ficar “peso”... Minha mãe disse... S.: é verdade... Mas a tartaruga, o cágado são bem tratados... Você não viu a comida, água... A mesma criança: mas os bichinhos tem sua casa, tia... (Extrait da aula do dia 23/09/2010). S. então, intervém: S.: É Isso mesmo: Nós também temos nossa, que são diferentes das dos outros animais... Dos bichos. Então... As famílias humanas vivem em locais diferentes dos outros animais... Nós somos diferentes... Nós dormimos em cama, comemos na mesa... Outra criança: Mas meu cachorrinho dorme na cama... S.: Mas não é certo... Cachorrinho tem dormir na cama dele... Cachorro não pode dormir com gente... Outra criança: Pode sim. Minha mãe deixa!!!! S.: Sua mãe deixa, mas você vai dizer a ela que não pode... Por que o cachorrinho pode transmitir doenças... Outra criança: Tiiiiia... minha irmãzinha ficou com (inaudível), pegou “guipe” do gatinho... Ela beija o gatinho... S.: Pois é... Animal transmite doença... E criança nenhuma, ou gente grande pode dormir, não pode beijar animal, não pode comer junto com ele... Todo animalzinho tem que ter o seu próprio lugar de dormir... Tem que ter o lugar de comer... A gente tem que dar carinho e não pode maltratar,ok?Mas vamos voltar aqui... Vocês viram que a família de D. é pequena, tem apenas três pessoas... Tem crianças aqui que tem mais de três... Tem cinco... Tem seis... Sete... Alguns são loiras, outras negras? Outros são morenos... Há famílias de todos os jeitos, de todos os tamanhos... Agora, todas as pessoas merecem e precisam ser respeitadas... Você não pode desrespeitar alguém porque é negro, branco, amarelo... porque é gordo, porque é magro, porque é feio, por que é bonito... Uma criança: Tia... Minha vovó é feia que só o cão... Minha mãe disse... S.: vocês lembrem do que a gente falou, do que a gente viu e agora, todo mundo vai pegar a folha que eu entreguei e a massa de modelar e montem a sua família e a de D. De um lado da folha vocês montam a família que a gente visitou ontem (a família de D.) e do outro a família de vocês. Quem souber escrever escreve também. Quem não souber apenas monta. Depois vocês pintam o desenho que fizeram. Ah, não se esqueçam de desenhar também o caminho que percorremos... Por onde fomos, vocês lembram? Ponham tudo isso no papel do jeito que lembrarem e souberem, ok? (Extrait da aula do dia 23/09/2010) É importante dizer que a tarefa proposta pela professora às crianças, não se encerrou com o trabalho com a massa de modelar. Após o momento da montagem ela fez um círculo e pediu que cada um explicasse o que havia feito. A maioria das crianças se mostrou desinibida, apresentou o material produzido (a representação de sua família ao lado da família visitada). As produções foram expostas numa carteira colocada num canto estratégico da sala. 144 O processo possibilitou mobilizar as funções mentais como a percepção, a memória, a atenção e o pensamento observarmos as crianças sob vários ângulos: o que sabiam, como viviam, mas, principalmente, possibilitou o trabalho com funções mentais como o pensamento e a memória, os processos psíquicos, como a análise, os procedimentos lógicos da enumeração e predominantemente da comparação (quando as crianças distinguem semelhanças e diferenças entre as coisas e as pessoas, especialmente com relação as suas características físicas). Porém, as abstrações ficaram restritas a substituição do perceptível pela linguagem imagética e oral, o que significa avanço em relação ao que comumente ocorre. Merece destaque, ainda, o empenho em propiciar a formação de atitudes como a cooperação, o interesse e o as regras de sociabilidade (esperar a vez de falar, ouvir com atenção), que são primordiais para que ocorra a aprendizagem, embora não explore situações que conduzam as generalizações, principalmente por não introduzir questões que facilitem o movimento do pensamento das crianças nessa direção. A prática pedagógica de S. respaldou-se predominantemente na concepção dialética de prática como atividade, embora em alguns momentos observássemos resquícios da concepção tradicional expressa em atitudes, como por exemplo, fazer a pergunta e ela mesma responder sem dar o tempo da criança refletir e encontrar sua própria resposta. Podemos afirmar que, de modo geral, predominou no previsto no planejamento uma carência entre os objetivos propostos em termos de funções mentais, processos e procedimentos psíquicos, formação de atitudes e desenvolvimento de habilidades. Observamos inadequações apenas em relação à delimitação temporal – tempo demasiado longo, na execução de determinadas tarefas, gerando momentos de desatenção, e certo tumulto, contudo reconduzido o andamento da aula pela intervenção adequada da professora, mediada pelos procedimentos pedagógicos favoráveis a superação das dificuldades e conflitos, uma vez que fundamentados na negociação, colaboração e diálogo. Se os avanços no processo de elaboração conceitual não correspondem ao previsto – determinar o atributo geral distintivo do conceito – grupo social- não podemos afirmar que a causa deve-se ao fato da partícipe não ter elaborado o significado em termos de conceituação ou não ter ainda, o domínio da metodologia proposta. Muitos são os fatores que contribuem para que isso ocorra. Entre outros, podemos citar os específicos da sala de aula que se repetiram com mais frequência: intervenção visando modificar comportamentos considerados prejudiciais ao andamento dos trabalhos, indicando o comportamento aceitável (esperar a vez, ouvir com atenção, aceitar a diferença), para criar um clima de ordem e tranquilidade e propiciar oportunidade dos alunos progredirem, dificuldades 145 que tem os alunos advindas da própria natureza dos conceitos referentes as abstrações e generalizações, que exige a combinação adequada entre os componentes sensório-perceptivo- verbal e conceitual, não ocorrendo, no nosso caso de forma mais efetiva. Além disso, ocorreram fatores externos, alheios a nossa vontade que impediram a continuidade do processo. Conflitos surgidos no âmbito da gestão da escola nos obrigaram a interromper o trabalho É evidente que trabalhar com 23 alunos do ensino infantil, dezenove no dia da aula- campo, não é simples, não é fácil. É necessário um desdobramento do olhar para que sejam captados anseios, desejos, saberes, e, a partir daí, buscar formas de atendê-los, responder os seus questionamentos, dúvidas e fazê-los descobrir e elaborar novos conhecimentos. Mesmo, assim, do primeiro ao último momento de observação das aulas percebemos que a professora traz no bojo das suas ações uma prática que busca o diálogo e que está preocupada não apenas em impor as crianças a sua forma de pensar, mas possibilitar a interação na sala de aula, de forma que pensem sobre suas ideias e atitudes e possam expressá-las e assim, construam modos sistemáticos de compreensão da realidade. Consideramos assim, que a prática de S. possui características da reflexão técnica e prática, constituindo-se no que entendemos por reflexão crítica. Além disso, quando nos voltamos às categorias elaboradas para a análise da prática é possível ver uma relação entre o que foi planejado e o que na verdade foi efetivado, embora muito do que foi discutido não fizesse parte do planejamento elaborado. Contudo, entendemos que a flexibilidade é um componente do ato de planejar, tendo em vista que há situações não previstas que precisam ser consideradas pela sua importância e interesse dos alunos. Embora o conceito elaborado e (re)elaborado por S. não tenha atingido o nível conceitual, parece que isso não foi impedimento para que, na maioria das vezes, as suas ações tivessem sido realizadas a contento. Após cada aula observada, revíamos o que havia sido feito e as questões teóricas buscando melhorar a prática desenvolvida. A responsabilidade do educador, de que às vezes não nos damos conta, é sempre grande, tendo em vista que visa a formação pessoal, ética, moral física, política, econômica e social do educando. Por isso é preciso conhecer com clareza as diferentes dimensões que caracterizam sua prática, reforçando que o seu papel fundamental é possibilitar de forma positiva que o educando vá sendo o próprio eixo de sua formação e que além de aprender conteúdo, aprenda a pensar, e desenvolva habilidades e aptidões, para que se torne autônomo na sua forma de ver o mundo e nele intervir. 146 Foi possível, assim, constatarmos que, de certa forma, a professora partícipe da pesquisa, a partir dos Estudos Reflexivos, busca aprofundar seus conhecimentos em processo de ruptura com as formas de pensamento cotidiano, o que significa um grau maior de consciência da realidade. O que por ora concluímos é que quando há uma ação efetivamente colaborativa afastando-se do mero tecnicismo e buscando ampliar o campo de pensamento da prática educativa, pode-se atingir de fato uma práxis criativa e criadora, que transcende ao pragmatismo da escola tradicional e promove a autonomia política de uma ação pedagógica emancipadora. Essa prática profissional torna-se de fato intencional, posto que se faz articulada com a vida social, subsidiada por um pensamento verdadeiramente democrático. Esta é uma transformação significativa uma vez que, em geral, especialmente na educação brasileira, ainda há uma grande valorização do conhecimento construído exclusivamente pela experiência, cuja ausência de reflexão e de respaldo teórico não permite uma reformulação real na forma de agir e de ser. É fato que a experiência é um elemento fundamental para a construção do conhecimento, todavia essa forma de aprendizagem é extremamente individual para que se atinja uma consciência crítica sobre o fazer, dimensão só possível por meio da troca de conhecimentos e experiências numa ação colaborativa entre os parceiros do processo ensino- aprendizagem. O domínio dos conhecimentos necessários a efetivação dessa prática estava ocorrendo no processo pela mediação da colaboração crítica reflexiva que passamos a analisar. 147 O PROCESSO REFLEXIVO TEÓRICO-PRÁTICO O [...] discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem que ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela aproximá-la ao máximo. Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. (FREIRE, 1996, p. 19) A realização de um processo reflexivo teórico-prático se faz necessário e imprescindível para o professor que precisa constantemente rever, analisar e potencializar o seu fazer. Para Sousa (2011, p. 275), [...] refletir significa explicitar os elos entre o fazer docente e as teorias, os valores e as crenças que permeiam as ações que o constituem, tornando o professor mais consciente do entorno onde sua ação se insere, ampliando a visão e compreensão crítica acerca do fazer educativo, buscando alternativas para modificá-lo. Assim, podemos inferir que o conhecimento teórico e prática devem estar articulados e que o desenvolvimento de um processo crítico-reflexivo co-partilhado vai possibilitar que seja refutada a oposição entre eles, tendo em vista que não se excluem, ao contrário, complementam-se. (IBIAPINA; FERREIRA, 2007) Freire (1996) deixa clara a necessidade da compreensão da inter-relação entre teoria e prática como forma de entendermos a atividade que realizamos a partir da superação da falácia da dicotomia teoria e prática. Essa superação nos faz vê-las como faces da mesma moeda, que se completam na formação e no fazer do professor. Perrenoud (1993, p. 149) também ressalta que não se deve dispensar de forma alguma uma sólida formação teórica, mas entende que “esta só tem interesse se articular com a prática em situação”, ou seja, a relação teoria-prática deve ser entendida numa relação dialética, que promova a ação-reflexão do professor também numa relação dialética permanente. Esse movimento visa fazer com que esse professor deixe de ser um mero 5 148 transmissor e passe a ser um profissional que constrói/reconstrói o conhecimento num processo investigativo que oriente a sua prática. Para que isso ocorra, faz-se necessário vivenciar um processo de reflexão no sentido de apreender essas conexões. Nessa direção, é que desenvolvendo um processo investigativo, ancorado na abordagem colaborativa crítico reflexiva, em que buscamos articular situações que possibilitassem as partícipes refletir e fazer novas interpretações sobre suas práticas buscando um fazer mais autônomos, na medida em que desenvolvem a capacidade de resolver problemas e trabalharem com mais profissionalismo (IBIAPINA; FERREIRA, 2007). Consideramos, também, que a capacidade de refletir não se adquire espontaneamente. Temos a condição de nos tornamos seres reflexivos, mas necessitamos de meios para desenvolvê-la. Nesse sentido, Freire (1996, p. 39), ainda completa: (...) a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. [...] O que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. [...] A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Consideramos importante reforçar o que já expressamos anteriormente: quando o professor desenvolve a sua prática pedagógica há uma teoria que a perpassa mesmo que nem sempre haja clareza e consciência disso, e ele desenvolve o seu trabalho munido desses conhecimentos aliado as suas experiências. Entretanto, concordamos com Weisz e Sanchez (2001, p. 24), quando afirmam que Para interpretar adequadamente o que está acontecendo com a aprendizagem de seu aluno, o professor precisa de um conhecimento que é produzido no território das ciências. Isso porque, na verdade, a gente consegue ver apenas o que tem instrumento para compreender. Assim, entendemos que um professor que não tem clareza sobre os caminhos que percorre não tem qualquer garantia sobre os resultados de sua ação, promovendo um processo de ensino mecânico e muitas vezes tecnicista para camuflar uma carência teórica. Essa ausência de reflexão crítica com certeza compromete, não apenas sua prática, como também a função social que lhe é destinada. 149 Nessa perspectiva, passamos a vivenciar momentos de reflexão teórico-prática com o intuito de nos conduzir a autoconsciência do processo vivenciado, assim como a novas compreensões e possíveis mudanças e transformações, os quais serão apresentados a seguir, de forma descritiva analítica. É importante frisar que embora quatro partícipes tenham, até determinado tempo, vivenciado esse processo investigativo, a vivência dos momentos reflexivo-colaborativos ocorreu entre as partícipes S. e D. 5.1 A REFLEXÃO TEÓRICA É imprescindível para o trabalho pedagógico que tenhamos uma base teórica que possibilite a reflexão crítica. O professor precisa ser um conhecedor dos conceitos e das leis gerais do seu objeto de trabalho, para que possa posicionar-se coerentemente. As teorias que ele adota, de forma consciente ou não, influenciam, sem sombra de dúvida, a sua prática pedagógica, mas é óbvio que, se ele não tiver clara a sua posição teórica, pode ser influenciado por modelos pragmáticos sedimentados ao longo das suas experiências, o que ocorre com bastante frequência na realidade escolar. Assim, para discutir os aspectos teóricos considerados durante o processo, utilizamos as Sessões Reflexivas que funcionaram como um espaço de discussão e análise, tendo como objeto de reflexão os estudos realizados durante os Ciclos de Estudos. 5.1.1 O processo reflexivo de S. A Sessão reflexiva de S. sobre os Ciclos de Estudos Reflexivos foi realizada no dia 15/09/2010 na Sala de Professores da Escola campo de da pesquisa e durou cerca de três horas. Iniciamos retomando o objetivo, informando que as ações que foram planejadas deveriam ser consideradas nesse momento. Após as informações, a revisão das ações com as quais trabalharíamos, D. inicia: D.: Oi. S!!! Éramos quatro resta apenas nós duas... Mas mesmo assim tá bom... É sinal de que sempre vai haver alguém que disponibiliza seu tempo para estudar... A gente sabe que aconteceram vários motivos pra que as outras pessoas não estejam aqui... O que é uma pena... 150 Hoje é dia 15 de setembro de 2010 e vamos dar continuidade aos nossos estudos, realizando a primeira Sessão Reflexiva sobre os textos estudados por nós... Como combinado, S., você fará essa Sessão hoje e eu farei no próximo dia 24/09. Vamos fazer tudo pra obedecer ao cronograma, ok? (Extrait da Sessão Reflexiva de S. e D. realizada em 15 de setembro de 2010). 5.1.1.1 O momento intrassubjetivo Antes de iniciar a Sessão Reflexiva, S., retomando o que D. Já havia exposto, diz sentir muito que as outras partícipes não tenham continuado e enfatiza a importância do desenvolvimento dessa prática de reflexão para melhorar a sua vontade de continuar estudando e potencializando o seu fazer. S. dá início a sua reflexão fazendo o relato dos Ciclos de Estudos e enfatiza que procurou o máximo obedecer aos passos do roteiro norteador do processo. Inicia com a descrição. A ação de descrever consiste em fazer com que os fatos ocorridos sejam visualizados. Essa visualização é fundamental como primeira compreensão para as ações que realizamos (LIBERALI, 2008). Vejamos como se posicionou: DESCREVER Hoje, 15 de setembro, 14 h 30 minutos tô fazendo a primeira Sessão Reflexiva do processo de discussão teórica da pesquisa que realizamos. Estamos reunidos nasala de professores da Escola campo de estudo. Éramos quatro, hoje somos apenas duas, eu e D. Os nossos estudos foram realizados sempre na nossa Escola, às terças-feiras, no turno vespertino, que é o horário que eu não trabalho na Escola, é o dia destinado ao meu planejamento e vinha apenas para esse fim. Tivemos vários momentos de estudo. Estudamos sobre colaboração, reflexividade e formação conceitual, mas nos detivemos especialmente, nos textos sobre família, tendo em vista o fato de que teríamos que (re) elaborar o conceito de família anteriormente elaborado. Os estudos se iniciaram em maio de 2010 e foram concluídos em agosto de 2010. Além disso, o trabalho a ser realizado na minha sala de aula seria sobre família. Esse tema foi sugerido por D. e depois de algumas discussões, acatado por todas. Em alguns momentos dos Ciclos de Estudo eu não estive presente, mas mesmo assim não deixei de estudar os textos e sempre havia um espaço para que a gente retomasse o texto lido, dando a possibilidade de ficarmos inteirados das discussões. Além disso, tudo era gravado, eu podia ouvir e ver a transcrição do que tinha sido discutido e estudado. Houve discussões às vezes acaloradas, alguns conflitos, mas nada que não fosse resolvido... Esses estudos tinham uma intenção clara: a (re) elaboração do conceito de família, tendo em vista o fato de que a nossa prática tinha também esse objetivo dirigido para as crianças. Para realizar os estudos definíamos anteriormente o texto que seria estudado e uma das partícipes ficava na incumbência de fazer as cópias e entregar para os seus pares... Esse texto era lido antecipadamente e no dia marcado fazíamos a discussão das suas ideias. Nem sempre todas nós tínhamos lido o texto integralmente. Assim, fazíamos uma 151 leitura compartilhada e promovíamos a discussão prevista. Os estudos foram realizados dentro do calendário organizado por nós, embora em alguns momentos tenham ocorrido alguns empecilhos, o que não impediu o cumprimento do calendário e a leitura integral dos textos. Textos que de uma maneira geral foram muito interessantes, alguns gostosos e outros nem tanto gostosos de ler. (Extraitda Sessão Reflexiva de S. e D. realizada em 15 de setembro de 2010). A partícipe faz uma exposição clara e minuciosa do que foi realizado, dizendo o que e como foi feito e das suas intenções. A sua exposição responde as questões relativas a essa de descrever: o que foi feito? O que fiz? Quem? Onde? O que? Como? Mas se posiciona a respeito do que foi feito. A imparcialidade que é uma característica da descrição, não foi considerada, na medida em que enfatiza que os textos foram ‘interessantes’, ‘gostosos’. Centra-se na subjetividade e nos faz supor que ainda não houve o aprofundamento dos conceitos trabalhados. Limitação compreensível se considerarmos que o conhecimento teórico profundamente articulado as diversas formas de pensamentos só é possível com a continuidade do processo, ou seja, se a experiência dos Ciclos de Estudos transcender este momento singular, tornando-se atividade na vida da escola e dos professores. A seguir expõe o que considera como ação de informar INFORMAR Com o intuito de dar clareza ao que foi realizado, S. continua, agora com a ação de informar. Como esclarece Liberali (2008, p. 62), “a ação de Informar tem por objetivo explicar/generalizar as ações através de teorias, seu foco temático recai sobre a discussão e explicação de conceitos presentes nas ações”. Vejamos no extrair, a seguir: Não consigo separar essas ações elas se interligam e fica difícil dizer o que é uma ação ou outra... Mas vamos lá... Penso que posso dizer que os estudos que fizemos têm tudo a ver com o que precisamos. Trabalhar família na minha sala de aula sempre foi um problema. Eu sempre achei desinteressante. É importante que a gente entenda os conteúdos no seu contexto histórico e veja qual a relação entre o que a gente vê hoje e o que era visto antigamente... É isso, a gente consegue resolver, lendo, estudando, compartilhando ideias, como a gente fez. Talvez eu achasse o trabalho com família desinteressante pelo fato de trabalhar aleatoriamente, sem nenhuma fundamentação. Assim eu passava “por cima”, sem aprofundar as questões... Isso cansava e entediava as crianças e fazia com que eu não sentisse vontade de trabalhar esse conteúdo... Os conteúdos que estudamos me deram ânimo... As discussões sobre como era a família... As mudanças ocorridas nessa instituição... As nossas compreensões e ideias me fizeram ter vontade de fazer o trabalho com o conteúdo família com as minhas crianças de outro jeito... Utilizando a Metodologia para elaboração conceitual... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. e D. realizada em 15 de setembro de 2010). 152 A partícipe foi muito clara no que expôs na ação de informar, expressando aspectos referentes ao conteúdo trabalhado, à forma como realizava o trabalho, a falta de fundamentação, as suas implicações para a prática e o descontentamento dos alunos em relação a isso. Percebe os deslizes cometidos e diz das dificuldades de separar uma ação de outra, o que é compreensível, tendo em vista, que elas não se separam, ao contrário, se complementam. Enfatiza que, em geral, realizava o trabalho com as crianças sem a fundamentação devida para isso. Percebemos também em sua ‘fala’ o ponto nodal em que o estudo teórico cruza-se com o saber experiencial, exatamente no momento em que a partícipe constata que “passava por cima de determinados conteúdos”, por não se sentir segura do seu conhecimento. Esta consideração reflete uma tomada de consciência sobre a importância da formação continuada e do planejamento de ação fundamentado pela leitura e pela reflexão. Podemos dizer que além da questão sobre o conceito de família, a partícipe começa a desenvolver uma reflexão sobre sua ação, condição sinequa non para o exercício profissional. Sem essa capacidade de pensar o fazer, o professor é incapaz de criticar sua prática, automatizada em conhecimentos estáticos e inaptos ao desafio de transformar crianças e jovens em sujeitos críticos. Nessa ação, a partícipe considerou os questionamentos previamente estabelecidos, o que fez com que houvesse um entendimento da sua exposição. Aliado a isso, S. deixa evidente que se não houver consciência do que é posto para os alunos, a nossa ação fica vazia, pois estaremos trabalhando para alunos entediados, que não veem sentido no que está sendo ensinado. Em geral, ninguém gosta de correr riscos. Decidir mudar para alguns profissionais é correr riscos (FREIRE, 1996). E, como as mudanças vêm através de leituras, da colaboração do outro, da reflexão, nem sempre essas são as ações mais aceitáveis. CONFRONTAR Segundo Liberali (2008), ao fazer a confrontação, é possível uma compreensão mais profunda da ação. É a partir dessa ação que vamos buscar formas e subsídios para que possa ser feita a reconstrução, pois confrontamos a prática com as teorias, os nossos saberes e a realidade contextual e vamos buscando explicações e soluções para os problemas que nos envolvem e com os quais temos que lidar. Sobre a ação de confrontar S. se expressa assim: Agora eu trabalhando com esse conteúdo, eu tô estudando a metodologia conceitual de 153 Ferreira, que considero bastante interessante, fiquei com vontade de desenvolver um trabalho com família que sempre foi a minha fragilidade. Já fiz com as crianças o conceito prévio de família e foi bastante interessante. Quero ver agora, quando a gente tiver planejando esse conteúdo, como vai ser. Penso que vai melhorar muito... Antes eu desenvolvia projetos sobre frutas, sobre alimentação, entre outros que eu sabia que as crianças iam gostar. Na verdade, as crianças aprendem e gostam depende da forma como o adulto trabalha com ele, nesse caso, como eu trabalho com elas. A gente não pode esquecer que o que a gente faz é fruto também das coisas que se aprendeu ao longo da vida escolar, na formação... Embora, às vezes a gente estude muito, o que aprendeu nas nossas convivências e vivências, parece que fica arraigado... O que a gente estudou aqui foi uma parte do que preciso para melhorar o meu trabalho com o meu aluno, melhorar o trabalho no sentido desenvolvimento do seu pensamento... Por que esse estudo tem essa finalidade, fazer com que a gente trabalhe com as crianças a partir desse conteúdo, o pensamento... O pensamento teórico... A criança um dia vai chegar ao conhecimento teórico... O engraçado é que eu não consegui elaborar o meu conceito de família. Se eu mesmo não tenho elaborado isso, como trabalhar com as crianças? Mas eu consigo... Eu sei que preciso continuar estudando para fazer o meu trabalho melhor do que ele é... Eu não posso mais continuar assim... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. e D. realizada em 15 de setembro de 2010). Na sua confrontação, S. enfatiza que a prática desenvolvida tem resquícios da nossa história de vida pessoal e profissional, o que implica na nossa vontade e necessidade de mudar. Destaca a importância dos estudos realizados como parte do que precisa para ser uma melhor profissional. Destaca ainda o que nos propomos com a pesquisa, que é discutir qual a relação do desenvolvimento do pensamento com a prática pedagógica e verificar como isso é respaldado no trabalho com as crianças. Ao mesmo tempo se dá conta de que não conseguiu elaborar devidamente o conceito prévio e se interroga se dessa forma conseguirá trabalhar com os alunos. Essas dúvidas e interrogações emergem tanto no cotidiano da prática de S. quanto de outros professores. Esses professores se referendam no conhecimento do senso comum o que não lhes permite avançar na sua pratica nem efetivar uma reflexão sobre o seu fazer permanecendo no imediatismo da cotidianidade. Contudo, quando passam a ter contato com as teorias que poderiam fundamentar o seu trabalho cotidiano passa a viver conflitos que podem fazer com que tenha uma nova visão sobre o conhecimento, sobre o seu aluno, sobre a sua prática. É evidente que a partícipe tem uma compreensão do seu fazer e por que desenvolve a sua prática de determinada maneira e buscar as causas nas suas aprendizagens anteriores, no seu processo de formação para agir da forma que age. Mais importante que isso, é o entendimento que tem do seu próprio conhecimento e da necessidade de novas aquisições e aprendizagens. 154 Poderíamos afirmar que a consciência das suas fragilidades teóricas e do fato de não ter conseguido (re)elaborar o conceito de família é um dos fatores decisivo do despertar da necessidade, da força e da vontade que tem de mudar. Encontramos em Freire (1996) respaldo para nossos argumentos quando afirma: “Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha. Não posso ensinar o que não sei”. Para buscar esse conhecimento é fundamental, além das experiências, estudo e reflexão. Com elementos da Confrontação, S. inicia o seu Reconstruir. Vejamos como ocorreu o processo. RECONSTRUIR ECONSTRUIR A partícipe apresenta alternativas de mudança opinando sobre como deve ser realizado o estudo e enfatiza a inapropriação do local, mesmo sem citar outro onde os estudos poderiam ser realizados. Enfatiza ainda a necessidade das pessoas se desprenderem de conceitos e ideias ultrapassadas e mudarem as formas de ver e compreender a vida, destacando as leituras, estudos e momentos de reflexão, como fatores decisivos para a efetivação de mudanças. O que vai ao encontro das ideias de Liberali (2008, p. 80-81), quando afirma que “quando pensamos em reconstruir, imaginamos imediatamente novas possibilidades de fazer [...] buscamos alternativas para nossas ações”. Não é suficiente querermos fazer algo, é imprescindível que busquemos as formas, que queiramos realmente encontrar resultados positivos. Não devemos considerar que algo precisa melhorar e nada fazermos para que isso ocorra. S. Enfatiza a importância da inclusão de todos os profissionais em um trabalho como esse que estamos realizando, o que seria o ideal. Mas esquece de que a colaboração é algo que deve ser consciente e volitiva, dessa forma, não podemos “fazer as pessoas participarem”, se Assim... eu penso que a gente precisa se desprender de determinadas situações, conceitos, de determinadas formas de fazer e ver a vida...e a leitura nos dá elementos para isso. Eu acho que eu estudaria novamente esses textos, acrescidos de outros que possam enriquecer e também a forma de estudo seria diferente desde o começo. Poderíamos fazer com que todas as pessoas da escola participassem. Todo mundo tá precisando... Acho que a gente ia melhorar bastante o rendimento e principalmente ter uma compreensão maior do que fazemos, das nossas dificuldades e fragilidades. Para fazer novamente esses estudos eu mudaria de local. As pessoas não querem estudar mais perturbam demais. Passam, falam e isso atrapalha o andamento do que a gente tá realizando. ( Extrait d Sessão Reflexiva de S. e D. realizada em 15 de setembro de 2010). 155 não for pelo seu desejo e vontade. Entendemos, contudo, que esse desejo muitas vezes é despertado pelas nossas motivações e pelos estímulos recebidos. Foi bastante lúcida, concisa e reflexiva indo além dos textos estudados, contextualizando e discutindo a sua própria ação. Em geral, é muito difícil os profissionais da educação refletirem e tomarem posições concretas, tendo em vista que há um contexto a que estão submetidos e condicionados, muitas vezes adverso. Nesse sentido, fica claro que não é possível ficar a parte desse contexto. Mesmo assim em alguns momentos as ações se misturaram, uma vez que as diferenças entre descrever, informar, confrontar, e reconstruir são muitas vezes sutis, de modo que essa separação ocorre apenas para efeito didático. Não é possível tornar única cada uma dessas ações, pois se interdependem sob todos os ângulos. Além disso, sentimos a falta de alguns questionamentos contidos no roteiro preestabelecido. Afirmamos que o tipo de reflexão realizada é predominantemente crítica, em função do fato de S. estar buscando a partir do seu discurso mudanças efetivas na sua prática, de revisitar o seu discurso e ir além do que é pessoal, assumindo assim uma atitude de autonomia e consciência do contexto histórico-social em que está inserida. É obvio que temos que entender que apenas a reflexão não basta, “é necessário que o professor seja capaz de tomar posições concretas” (PIMENTA, 2006, p. 23), para que assim possa resolver as situações que surgem a todo instante no contexto da escola e da sala de aula. Após a reflexão intrassubjetiva é realizada a intersubjetiva dos pares, quando os partícipes colaboram de forma volitiva para a melhoria da prática ou do domínio das teorias. Foram consideradas também, as ações anteriormente programadas. Vejamos, a seguir. 5.1.1.2 O momento intersubjetivo Nesse momento de reflexão os pares pedem esclarecimento sobre as situações apresentadas visando tirar dúvidas, ou colaborar no esclarecimento de determinadas questões. Na verdade, a intenção é contribuir com o processo, tendo em vista a transformação da prática e dos aspectos teóricos. Para iniciar o processo D. voltando-se para a ação, começa os seus questionamentos e se posiciona com relação à ação de descrever. D.:Amei a forma como você fez a sua reflexão. Você foi clara, objetiva, considerou os elementos das ações, mas ainda na ação da descrição, você se posiciona, o que não poderia ter ocorrido. Uma das características da descrição é a imparcialidade, você sabe... No mais penso que você fez como deveria fazer... (Extrait da Sessão Reflexiva de S., realizada em 15 de setembro de 2010). 156 Retomando a reflexão feita por D., S. se expressa da seguinte forma: Após a sua interlocução e a fala de S. que não se referiu a observação feita por D., em relação ao seu posicionamento, esta faz alguns questionamentos sobre a ação de informar. D.: Depois desses estudos pra você os objetivos foram alcançados? S.: Pela compreensão que eu tive pelo que eu aprendi... Os objetivos poderiam ter sido alcançados, mas depois disso tudo, eu não consegui (re) elaborar o conceito de família... Ai é o que eu tô dizendo desde o começo... Como eu vou trabalhar com as crianças esse conceito se eu mesma não consegui elaborá-lo... Mas o mais incrível é que eu sei que entendi o que estudei, embora tenha faltado em alguns encontros. D.: É... Realmente você não chegou ao nível conceitual... Talvez por não ter atentado para a seleção dos atributos... S.: O pior é que eu entendo o que estudo... O que faço... Ou não entendo? D.: Penso que você entende, tanto é que faz, mas ainda está muito arraigado o que você aprendeu, como aprendeu e isso vai estar presente no seu no seu discurso e na forma de escrever. Às vezes também até você sabe se expressar oralmente, mas quando vai escrever não consegue... Sua escrita também é ‘engessada’... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. realizada em 15 de setembro de 2010). A partícipe D. enfatiza que ainda tem alguns questionamentos referentes ao confrontar e assim os faz. Esses questionamentos são considerados por S. como vemos a seguir: D.: Você acha que esses estudos eram necessários? Você poderia dizer que conceitos e teorias embasam a sua prática? Qual a relação entre a sua prática e os conhecimentos estudados? S.: Penso que tudo que foi estudado era necessário principalmente porque, independente da elaboração conceitual, que era nosso objetivo, estudar não faz mal a ninguém... Além disso, a gente tinha um foco... Um objetivo... A gente tinha que elaborar o conceito de família para depois desenvolver uma ação na sala de aula. Para desenvolver minha prática levo sempre em conta as ideias de Paulo Freire, Roseli Fontana e agora estou apaixonada pelas ideias de Ferreira, principalmente no que se refere ao trabalho com conceitos e a forma de planejamento... Acredito que o trabalho com conceitos é a forma mais efetiva de fazermos a criança aprender... De fazermos desenvolver o seu pensamento... S. Eu penso que deixei claro o objetivo... Mas os ciclos de estudo tiveram o objetivo de dar subsídios para que a gente pudesse fazer a (re)elaboração do conceito de família que tínhamos feito numa elaboração prévia... A elaboração desse conceito, os estudos que fizemos são a base para o trabalho que vou realizar com meus alunos... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. realizada em 15 de setembro de 2010). 157 O diálogo ocorrido se distanciou e ao mesmo tempo se aproximou dos objetivos das nossas discussões. Há a preocupação pela aquisição do conceito que respaldará a prática pedagógica, porém S. insiste que compreendeu o que foi discutido. A partir dos questionamentos de D. S. expande as suas ideias dizendo da importância desse conhecimento na sala de aula, conforme o extrait abaixo: D.: realmente eu acredito no trabalho com conceitos... Mas não é algo fácil... Precisa de um processo sério e sistematicamente organizado que seja desenvolvido por pessoas que tenham vontade e disposição... Além disso... A vida inteira agente aprendeu de forma fragmentada... Como trabalhar com conceitos, se em geral, a gente traz arraigada a prática que foi desenvolvida conosco? É preciso vontade de mudar... De querer fazer diferente, o que vai depender também do nosso processo de formação... Sabemos também que para fazer um trabalho na Escola não dependemos só da nossa vontade... Há uma série de fatores sociais, materiais e, mesmo pedagógicos que implicam nesse fazer... S.: É... Realmente... A minha vontade é aprender para fazer diferente na minha sala e fazer as minhas crianças também aprenderem... O tempo todo, a gente precisa querer aprender, não para chegar a perfeição... Ninguém vai chegar nunca à perfeição... D.: Sempre seremos seres inconclusos, como diz Paulo Freire... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. realizada em 15 de setembro de 2010). Percebemos nesses extraits que as partícipes comungam ideias referentes à formação conceitual e ao desenvolvimento do pensamento teórico, mostrando que, além de querer fazer diferente, o professor precisa da formação adequada para que possa levar adiante os seus ideais e objetivos. Além disso, há a preocupação pelo fato de o trabalho docente não ser algo que dependa apenas do professor, ao contrário, muitos fatores precisam ser considerados nesse processo. Todavia, as discussões transitam ainda da reflexão prática para a crítica, especialmente nas falas de S., que, embora mostre a consciência da necessidade das leituras e dos estudos, ainda reflete as suas ações por elas mesmas, sem estabelecer relações com a fundamentação teórica. Apesar disso, é visível a preocupação com estudos para trabalhar o desenvolvimento do pensamento do aluno, mesmo com S. não tendo desenvolvido o seu pensamento conceitual.Este fato não é um caso isolado tampouco particular da partícipe posto que, conforme afirma Ferreira (2009), Grande parte dos professores desconhece os requisitos da elaboração conceitual para os diferentes níveis de escolaridade (...), como não conhecem as etapas fundamentais do desenvolvimento dos conceitos e os procedimentos metodológicos mais adequados a cada uma das etapas. 158 Se não aprendemos, certamente não ensinamos o aluno a pensar teoricamente, através do conceito, algo que necessita de compreensão e do entendimento de aspectos teóricos que respaldam essa ação. Nessa direção, S. demonstra vontade de se aprimorar, de continuar estudando com mais sistematização, o que certamente lhe trará competência profissional e mais condição de atuar com o seu aluno, o que nos faz lembrar Freire (1996, p. 92), quando destaca que “o professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe”. Além disso, Freire é citado no diálogo das partícipes, o que nos faz rever novamente a sua fala: “É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (FREIRE, 1996, p. 58). Há o entendimento de que nada é definitivo e o aprender ocorre num processo permanente de mudanças. As ideias apresentadas pela partícipe S. nos dão a convicção de que está procurando meios para fazer cada vez melhor a sua tarefa de ensinar, buscando esse pensamento conceitual, para mudar a prática desenvolvida no cotidiano da escola, da sala de aula. Concluído esse o momento,passamos a reflexão intrassubjetiva dos pares. 5.1.1.3 Momento intrassubjetivo dos pares A reflexão intrassubjetiva dos pares é o espaço em que cada partícipe faz observações com relação a sua participação no processo que vivenciou. Faz observações, comenta, no sentido de refletir se realmente colaborou com aspectos teóricos e sugestões tendo em vista avanços na formação e prática da participe. A vivência desse momento vai descrita nos extraits a seguir. Iniciando sua reflexão D. enfatiza que participou efetivamente do processo, pois comentou, discutiu e acrescentou. D. No momento intrassubjetivo no que diz respeito à descrição, elogiei a forma como foi realizada com os dados necessários e com clareza, mas ao mesmo tempo, fiz um comentário com relação ao fato de que não houve isenção quando do relato. No que se refere à ação de informar fiz questionamento sobre os objetivos trabalhados, que já havia sido posto na descrição por você e eu não havia atentado. Além do descrever e do informar, também lancei algumas questões sobre o confrontar: Fiz questionamentos e busquei contribuir no esclarecimento às respostas dadas. Na verdade, foi um momento muito interessante, pois tive a oportunidades de expor minhas ideias e ao mesmo 159 tempo, ou melhor, a partir do posicionamento do seu posicionamento, que recebeu tudo que dissemos sem nenhum problema... É importante dizer também que respeitei o momento da sua fala. Ouvi com atenção e esperei sempre o momento em que eu pudesse falar, o que contribuiu, creio eu, para que as ideias ficassem mais claras... Penso que só tenho a dizer, isso... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. realizada em 15 de setembro de 2010). Nesse último momento do processo, D. destaca os pontos de colaboração em relação a S. Foi muito importante porque nos sentimos úteis e colaborativos. Pensamos que chegamos num nível em que aceitamos a ideia do outro, ouvimos as críticas e sugestões sem maiores problemas. Como estamos juntas desde o período do mestrado, em que também trabalhamos com Sessões Reflexivas, provavelmente essa relação de colaboração tenha sido facilitada, uma vez que já conhecíamos os caminhos e os seus percalços, embora tenhamos clareza de que mesmo fazendo o mesmo percurso várias vezes há sempre elementos que facilitam ou dificultam o nosso caminhar, ou seja, o processo nunca ocorre da mesma maneira e vamos encontrando problemas diferentes, mas também novas formas de resolvê-los. Podemos considerar que a reflexão de S., foi predominantemente reflexão crítica, tendo em vista que, nas nossas discussões, fomos além dos muros da escola, inclusive, entendendo que os problemas da escola são fruto dessa realidade posta. Não reduzimos as nossas falas ao certo ou ao errado, não fizemos simplesmente uma prescrição, mas apresentamos formas de mudanças teóricas. A reflexão crítica é um processo complexo e não corre de forma espontânea. Seu aprendizado demanda tempo e disponibilidade, talvez por isso, tenhamos conseguido trabalhar de forma tão efetiva. 5.1.2 O momento reflexivo de D. No dia 24 de setembro de 2010, às 14 horas reiniciamos o processo reflexivo- colaborativo realizado dessa vez por D., que inicia a sua sessão lendo o que havia escrito, contextualizando e caracterizando o local em que foi feita a pesquisa, os estudos, situando no tempo e mostrando quais e quantos estudos foram realizados, conforme o extrait a seguir. DESCREVER A Sessão Reflexiva que está sendo realizada hoje, dia 24 de setembro de 2010, às 14 horas, na sala dos professores da Escola Arnaldo Monteiro é parte dos procedimentos utilizados na pesquisa, “Pensando e agindo: estudo da relação entre a prática pedagógica e o desenvolvimento do pensamento teórico,” realizada na Escola Municipal Professora Arnaldo Monteiro com duas professoras dessa Instituição: eu coordenadora pedagógica e proponente 160 dessa pesquisa, e S., professora que atua na educação infantil. A Escola possui dezenove professoras que trabalham diretamente com as crianças. Dessas, quatro iniciaram o trabalho nessa pesquisa. No decorrer do processo, por problemas pessoais, duas dessas professoras resolveram não mais participar ficando apenas duas. Nesse sentido vamos fazer a reflexão da prática apenas de uma professora: a partícipe S. Iniciamos os Ciclos de Estudos de estudo sobre família com o texto “A família”, da obra de Engels, “A origem da família, da sociedade privada e do Estado”, no dia 26 de junho de 2010. Realizamos os estudos até 16 de agosto de 2010. Para discutir o conceito de família, além desse, utilizamos dois textos de Roudinesco: “Deus pai” e “a família em desordem.” Fizemos leituras compartilhadas e, assim, as discussões e exemplificações iam se dando à medida que essa leitura ia acontecendo. Além desses textos e autores, estudamos outros que fazem parte também do conteúdo da pesquisa, mas como todas as partícipes já haviam estudado num momento anterior na nossa pesquisa de mestrado, consideramos desnecessário promover Sessões Reflexivas para tais estudos e, assim, nos centramos nas discussões sobre família, uma vez que, com esses estudos, era nosso objetivo elaborar o conceito de família, sendo esses textos os mais importantes para esse fim. Nesses estudos, lemos, discutimos os textos e feito isso, retomamos alguns atributos dos conceitos trabalhados e passamos à (re) elaboração dos conceitos construídos anteriormente, no diagnóstico. Feita a reconstrução, teríamos que realizar um processo de reflexão das experiências vividas no ciclo de estudo, ou seja, teríamos que fazer a sessão de reflexão dos estudos realizados, o que ora realizamos. A sistemática para a realização dos ciclos de estudo efetivou-se segundo a Metodologia da Elaboração Conceitual (FERREIRA, 2009). Inicialmente fizemos o diagnóstico dos conhecimentos prévio, depois líamos os textos (tínhamos o acesso antecipadamente. Sempre havia uma partícipe responsável por xerografar nos entregar). No momento do encontro discutíamos e tirávamos as dúvidas. Depois enumerávamos os atributos de família de cada texto lido. Depois comparávamos o que cada autor dizia. Após a leitura de todos os textos é que passamos a nossa (re) elaboração. (Extrait da Sessão Reflexiva de S.realizada em 24 de setembro de 2010). D. foi objetiva, obedecendo ao que é prescrito como descrever, ou seja, durante todo o relato apenas descreveu os fatos, sem manter um posicionamento a respeito do que estava sendo posto em termos de juízos de valor ou qualquer outra forma de julgamento ou apreciação, o que caracteriza a ação de descrever. INFORMAR No momento da informação D. diz o que foi feito a priori e por que esse estudo se tornou necessário. Além disso, destaca como foram realizados os estudos e deixa evidentes as fragilidades teóricas presentes no trabalho realizado pelas partícipes, o que provocou um ir e vir constante, ou seja, um retroceder e avançar permanente no sentido de encontrar as melhores respostas para as pretensões do grupo, visando a um entendimento do que estava sendo estudado e discutido. Vejamos como se expressa D. Antes do estudo dos textos, havíamos solicitado que todos escrevessem um conceito para família. A partir da leitura do referencial, era nossa intenção que fosse revisto o conceito prévio e que o mesmo fosse comparado e melhorado, se fosse o caso. Queríamos entender o que os autores dizem o que é família. Depois comparar com o que foi escrito antes das sessões de estudo. Assim, discutimos as ideias básicas, enumeramos os atributos do conceito de família, 161 para depois da leitura de outros textos fazermos a reconstrução do conceito prévio, nosso objetivo maior. Foram muitas discussões, às vezes conflitos, mas nada que não fosse resolvido. Tenho consciência das fragilidades teóricas próprias da minha formação... As ideias cristalizadas a respeito desse conteúdo que teimam em não deixar a gente e fizeram com que muitas vezes tivéssemos que retomar a discussão sobre determinadas questões. Rever o que pensamos que já sabemos é fundamental para que possamos ter alternativas de outros entendimentos, de outros fazeres. Compreendemos que muitos estudos terão que ser realizados, mas, nesse momento, penso que os objetivos estabelecidos foram alcançados, ou seja, a reconstrução do conceito de família tendo em vista os autores considerados. Posso dizer que foi um momento singular, pois foi possível discutir, refletir, sem medo de estar fazendo algo errado... A colaboração foi um elemento fundamental nesse processo de aprendizagem... Às vezes retrocedíamos, por que não havia compreensão... Aí retomávamos as leituras e realizávamos nova discussão... O que fizemos nos serviu para que pudéssemos refletir e entender que só estudando é que poderemos ter condição de trabalhar com o professor, com o aluno, visando mudanças nos seus conhecimentos e saberes... Precisamos superar a concepção espontânea que faz parte da nossa prática, para fazer com que a nossa prática seja mais eficaz... Isso só se faz com estudo e desejo de mudar... Isso aliado a vontade e o desejo de colaborar pode ser a peça-chave para que o que fazemos se torne produtivo e eficaz... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. realizada em 24 de setembro de 2010). No informar D. deixa claro os objetivos, e os significados que orientam o trabalho realizado incluindo os conhecimentos elaborados, que são elementos que caracterizam essa ação. Destaca fragilidades teóricas e a necessidade de fundamentação no sentido de poder lidar com as situações que envolvem a prática, fazendo com que ela se torne mais eficaz. A própria (re) elaboração do conceito de família exigiu estudos, reflexões e mudanças. Tivemos que rever paradigmas e o nosso olhar sobre essa questão. D. enriquece as colocações quando se respalda em Vásquez (1968, p. 16) que afirma: “é impossível à consciência comum, abandonada as suas próprias forças, superar sua concepção espontânea e irrefletida da atividade prática”. Prosseguindo na sua reflexão D. faz a s confrontação CONFRONTAR Temos clareza de que a prática pedagógica exige uma constante reflexão e pode ser mudada a partir de um trabalho sistemático de reflexão. Foi com essa intenção que possibilitamos esses momentos de estudo. Melhorando a prática estaremos ajudando os alunos a aprender com eficiência e eficácia, estaremos ajudando ao desenvolvimento do pensamento teórico. Nos estudos, todas nós nos mostramos muito interessadas, perguntando, exemplificando e fazendo comparações. Considero que foram momentos bastante significativos, porque fez a gente estabelecer relações entre os nossos conhecimentos e experiências, entre as ideias dos autores e o que já conhecíamos. Despertou a necessidade de buscarmos mais como as crianças aprendem como podemos desenvolver o seu pensamento e elas possam pensar teoricamente. Sei que, enquanto professores, não sabemos como desenvolver o pensamento das crianças... Nem a gente aprendeu a pensar teoricamente para desenvolver, para trabalhar com as crianças, se não foi possibilitada essa condição no período da nossa formação inicial, fica complicado realizar esse trabalho. No nosso período de formação, o ensino era muito linear, mecânico. Não 162 aprendemos a pensar teoricamente, nem quando estávamos na escola, nem quando da nossa formação inicial. O trabalho com os conteúdos curriculares nem sempre é o mais adequado... Muitas vezes a gente deixa de lado conteúdos importantes porque não sabe trabalhar, distancia a teoria da prática e vice-versa e fica sem saber o que e como fazer. Pra isso, estudar é o melhor remédio... Embora nem sempre a gente consiga ter o entendimento necessário, mas é o passo inicial que devemos dar. Devemos estar atentos, vigilantes conosco mesmas para fazer com que o trabalho que desenvolvemos seja mais eficaz. Tenho que ter clareza da clientela com a qual eu lido... O que eu faço lhe serve? Os meus estudos estão servindo para esse entendimento? Algumas vezes o professor trabalha determinado conteúdo não porque é importante para o aluno, mas por que é mais fácil, lhe agrada... A gente viu isso, com você mesma. Lembra que disse que não trabalhava família porque não gostava, não achava interessante... Isso não acontece apenas com você, mas com muita gente... (Extrait da Sessão Reflexiva de S.realizada em 15 de setembro de 2010). Na ação de confrontar, a partícipe estabelece relações entre o trabalho que realiza e a necessidade de estudar e refletir sobre a prática, deixando clara a compreensão de que estudar vai trazer resultados positivos para o seu fazer, o que faz com que nos voltemos para as ideias de Freire (1996 p. 58), quando enfatiza que “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a própria prática”. Mudar a forma de ver as coisas, os fenômenos é algo necessário e primordial. Dessa forma, haverá possibilidades para que a nossa prática seja modificada e melhorada. Vemos que a partícipe está imbuída da sua tarefa enquanto educadora; sabe que o trabalho que realiza tem um significado na vida dos alunos e que precisa estar fundamentado e vigilante com relação a isso. Segundo Franco, (2012, p 160), um professor com essa preocupação “[...] não consegue simplesmente ‘dar a lição’ nem mais pensar nisso. Ele está lá, testando e refletindo”e assim, descobrindo novas formas de agir e articular o seu fazer. Segundo Liberali (2008), quando confrontamos, submetemos as teorias e as nossas ações a questionamentos na tentativa de compreender valores que servem de base ao agir e ao pensar, o que é visível no confrontar de D. quando diz: Tenho que ter clareza da clientela com a qual eu lido... O que eu faço lhe serve? Os meus estudos estão servindo para esse entendimento? Algumas vezes o professor trabalha determinado conteúdo não porque é importante para o aluno, mas por que é mais fácil, lhe agrada... Vejamos agora, o que a partícipe expõe no processo de reconstrução. RECONSTRUIR O conceito que estamos buscando construir não é simples e não é de fácil construção. Há muita discussão em torno do conceito de família inclusive com relação aos novos arranjos familiares, e para quem entende a família de determinada forma, em função do seu processo de formação, 163 mudar a nossa forma de compreendê-la não é simples. Entretanto, percebi que apesar das dúvidas e das interrogações há muita vontade de mudar. Foram muito importantes a reconstrução do conceito de família e a reflexão que ao longo dos nossos estudos fizemos sobre o trabalho que realizamos, embora nem todas tenhamos conseguido elaborar um conceito. Penso que se tivesse que começar agora daria outra dinâmica ao processo desenvolvido, fazendo com que todas as partícipes fossem mais efetivas nas suas construções e inclusive, propondo rever a (re) elaboração e fazendo um novo enunciado. Além disso, pensaria num outro local que permitisse que nossos encontros fossem mais sossegados, sem gente o tempo todo para atrapalhar o que estava sendo feito. O local era pequeno e muito ‘visitado’ por todas as pessoas da escola, o que não nos deu privacidade. Todos os lugares dessa instituição possuem essa característica, o que dificultou e dificultará encontros posteriores... (Extrait da Sessão Reflexiva de S., realizada em 24 de setembro de 2010). De acordo com o exposto é notória a preocupação da partícipe em fazer diferente o que realizou, o que nos dá a ideia da sua inquietude no sentido de sempre repensar e fazer diferente uma ação anterior, além de deixar claro que sempre é possível realizar aquilo que planejamos, mesmo que as condições da instituição sejam adversas. Esses momentos de reflexão sobre os aspectos teóricos discutidos nos Ciclos de Estudos Reflexivos fizeram com que atentássemos para como estamos com relação à fundamentação teórica necessária para a realização de ações compatíveis com nossos objetivos. 5.1.2.1 A reflexão intersubjetiva Para realizar o processo intersubjetivo S. enfatiza que tem quatro questões para expor: uma da descrição, duas da confrontação e uma da reconstrução. Os questionamentos feitos e as respostas dadas por D. veremos nos extraits a seguir. S. Você foi clara no que você expôs, mas com relação à descrição eu tenho uma observação e uma pergunta a fazer. Primeiro, para fazer esse estudo que dificuldade você encontrou? D: Penso que a maior dificuldade foi logo no início, quando as outras partícipes, A e C. ainda estavam no grupo e resolveram sair. Eu fiquei sem saber como fazer... Sem saber como iríamos concluir os estudos. Talvez por que eu mesma não tivesse atentado ainda para o fato de que na pesquisa colaborativa a quantidade de pessoas é o que menos importa... Mas depois tivemos que nos reorganizar e nos concentrar na ideia de que só havia nós duas, agora... Na verdade... Achei isso uma dificuldade... Por que você tava participando desde o início e isso dava a possibilidade da gente continuar o trabalho sem a menor dificuldade... O que você tem mais pra perguntar? Pra esclarecer? S.: Da descrição, acho que só isso... Acho que até a observação que eu queria fazer, você já respondeu... D.: Mas eu não poderia colocar dificuldade na descrição, pois a imparcialidade própria da descrição deixaria de existir... 164 S.: Ah, é mesmo... Eu tô lendo aqui, é informação... Agora sobre a confrontação... Bom... da informação acho que não preciso responder nada... Responder não, perguntar. Você já deu as respostas de acordo com os questionamentos das ações, mas com relação ao confrontar eu gostaria de saber assim... Qual a relação entre os conhecimentos e a sua prática? D.: Eu penso que já respondi... Mas vamos lá... A família é um conteúdo trabalhado na escola... Mesmo assim, mesmo eu sendo coordenadora pedagógica, parece que eu não tava dando a orientação devida... Se a gente voltar a sua fala, lá nos Ciclos de Estudo quando você diz que não sabia trabalhar família e não se interessava pra ensinar esse conteúdo e que passa por ele superficialmente... Eu penso que tenho responsabilidade por isso... Por que sou eu quem orienta o trabalho... Mas talvez eu também não tivesse o conhecimento teórico devido para essa orientação... Quando as coisas não funcionam na escola, na sala de aula, a gente não pode dizer que isso é culpa da professora... É responsabilidade de todos, inclusive minha responsabilidade enquanto coordenadora. É óbvio, que a situação em que vive a escola... Vai além do que podemos fazer nela... Questões estruturais... A falta de interesse por parte da direção e das autoridades são elementos importantes... S.: Faltou você dizer que teorias embasam o seu fazer? Que conceitos embasam a sua prática. D.: Penso que a escola deve ser um lugar onde o sujeito deve aprender e elaborar conhecimentos aprender a ser autônomo, compreender e mudar o seu entorno... Nessa perspectiva... Considero as ideias de Paulo Freire, Vigotski, Pimenta e também o trabalho com conceito de Ferreira. S.: Penso que você já respondeu tudo... (Extrait da Sessão Reflexiva de S.realizada em 24 de setembro de 2010). No momento intersubjetivo aqui transcrito, S. pôs em pauta algumas questões que não foram respondidas por D. A partícipe faz os esclarecimentos solicitados dentre elas a relação entre o conhecimento e a prática, enfatizando a importância do conhecimento teórico para que possamos desenvolver uma prática consciente dos fundamentos que a orienta. Entretanto, percebemos que, embora tenha seguido um roteiro prévio, as falas tendem a uma espontaneidade natural pelo fato de todo o percurso trilhado. Isto justifica possivelmente a ausência de algumas questões, como também o fato de a partícipe S. mostrar-se às vezes satisfeita com as respostas de D., dispensando um maior aprofundamento. Mesmo assim podemos salientar que os questionamentos de S. não se utilizam da reflexibilidade crítica posto que se limita a perguntas fechadas que pouco acrescentam ao processo de formação da partícipe D. 5.1.2.2 A reflexão intrassubjetiva dos pares Para realizar o momento intrassubjetivo e encerrar as Sessões Reflexivas sobre o conteúdo teórico S. expressou-se como no extrait que se segue. S.: Penso que participei e colaborei com você durante o processo desenvolvido. Fiz questionamento sobre aspectos que você não tinha falado durante a sua explanação: na 165 descrição, na confrontação e na reconstrução. Os meus questionamentos ajudaram a esclarecer questões importantes que eu precisava saber... Além disso, mantive a minha atenção no que você dizia e nunca interrompi, sempre deixei você concluir o seu pensamento para eu puder me posicionar. Talvez o fato de ser apenas nós duas, o trabalho fluiu com mais facilidade... Embora... Com mais gente, talvez a gente pudesse ter outras ideias, as pessoas podiam perceber mais coisas... Mas mesmo assim, foi bastante interessante e rico nosso processo reflexivo. Ocorreu um processo colaborativo, tendo em vista o fato de que tivemos a oportunidade de falar, de escutar, de dar nossa opinião, partilhar ideias... De ajudar você eu mesma no entendimento das questões. Na verdade, nos estudos que realizamos... Vivemos momentos de formação... Que é isso que deve acontecer nas escolas... Estudo... Formação constante... Só assim teremos condição de vislumbrar ações que vão possibilitar ao aluno uma realidade nova... Sem estudar, ficamos sem rumo e o resultado do nosso trabalho vai ser ineficaz... Só assim, vamos ser bons professores... (Extrait da Sessão Reflexiva de S. realizada em 24 de setembro de 2010). A partícipe S. fala da sua participação e colaboração no processo reflexivo desenvolvido por D. e vai além enfatizando da importância de estudos e desses momentos para que possamos rever e dar um novo rumo ao fazer pedagógico. S defende o estudo, a formação para que a prática pedagógica seja de fato concretizada de forma efetiva. É evidente que para nos mantermos atualizados sobre as novas metodologias de ensino, mesmo concluído o processo de formação em instituições, é fundamental. O processo de capacitação, de aprendizagem sempre vai ser muito longo e nunca deve ser interrompido. Só uma reflexão sistemática e continuada é capaz de promover a dimensão formadora da prática (NÓVOA, 2001). Contudo, há algo na fala da partícipe que merece o nosso comentário, especialmente quando diz que é com o estudo, com a formação é que nos tornaremos bons professores. Para S., o trabalho pedagógico parece depender única e exclusivamente dos seus estudos e da sua formação. Não considera aspectos políticos e sociais importantes que perpassam todo o fazer pedagógico e que influenciam as nossas ações. Parece não haver o entendimento de que, para nos tornarmos bons professores, não dependemos apenas de nós mesmos, mas também de uma série de fatores, como a nossa história de vida, que é bombardeada por questões sociais, culturais e políticas que interferem na nossa forma de ser e de pensar. Ser bom professor não é apenas uma questão de condições pessoais. O que nos dá os fundamentos para ser um “bom professor” é o conhecimento da diversidade e das contradições da realidade escolar. Para Pimenta (1997), Ainda para essa autora ser “bom professor” não é uma conquista perene, duradoura e transferível para qualquer circunstância, contexto ou época. É uma identidade em permanente construção (PIMENTA 1997). Desta forma, é um conceito que adquire significados conforme os contextos, os momentos histórico-sociais e pessoais, os valores e as finalidades que a sociedade, os educadores e os educandos atribuem à educação. 166 A partícipe ainda destaca no seu momento de reflexão o fato de termos desenvolvido um processo colaborativo e reflexivo, tendo em vista que falamos, escutamos, e expressamos nossa opinião, partilhamos ideias, ajudamos o outro no entendimento das questões. Poderíamos acrescentar que o processo reflexivo foi um momento singular, em que refletimos, discutimos e buscamos respostas para as nossas indagações. Nesse processo contínuo de formação é imprescindível que consideremos “a reflexão crítica sobre nossa maneira de agir, sobre nossos valores e sobre os condicionamentos que o contexto cultural tem sobre nós” (FREIRE, 1993 p.106). Podemos dizer que, tanto o momento reflexivo de S. como o de D. foram bastante significativos uma vez que, seu encadeamento possibilitou uma compreensão do que foi estudado, dando condições de fazer com que todas nós compreendêssemos o efeito da nossa ação. Os detalhes da nossa reflexão contribuíram para que produzíssemos novos significados e sentidos sobre o conceito de família e da nossa prática pedagógica. Foi um processo que se desencadeou num movimento dialógico em que a colaboração ocorreu de fato na medida em que trocamos experiências, convivemos com as contradições, vivemos conflitos e buscamos formas de resolvê-los. Nesse processo, embora tenha apresentado características de reflexão técnica e prática, foi permeado pela modalidade crítica, uma vez que defendemos nossos pontos de vista, focando nossas ideias não apenas no contexto escolar, mas considerando os contextos histórico-sociais mais abrangentes. Mesmo sendo o momento inicial do processo reflexivo, nos proporcionou ocasiões de aprendizagens e principalmente de tentativa de mudança de postura teórica e de suas relações com a prática pedagógica. Sendo o nosso foco apreender a relação teórica-prática particularizada na conexão entre conceituação e desenvolvimento do pensamento infantil, concretizado no processo de elaboração conceitual do significado de família, como temos enfatizado, passaremos a análise do processo reflexivo da prática vivenciada por S. nesse estudo, tendo, como já indicado antes, privilegiado as Sessões Reflexivas. 5.2 REFLETINDO SOBRE O FAZER PEDAGÓGICO A prática pedagógica tem sido foco de muitos estudos, discussões, preocupações e controvérsias. Essa também tem sido uma preocupação nossa, tendo em vista a realidade que se apresenta, em especial no campo empírico em que se desenvolveu essa pesquisa. 167 A escola precisa estar preocupada em desenvolver ações que possibilitem ao aluno internalizar os conteúdos curriculares, mas ao mesmo tempo, fazer com que produza a sua própria aprendizagem, mediado pela atividade pedagógica do professor. Temos observado as dificuldades que o professor tem para organizar uma prática que ensine realmente aos alunos a se apropriarem e elaborarem conhecimentos que sirvam de mediação ao desenvolvimento de sua forma de pensar. É verdade que esse profissional necessita das mínimas condições, como estrutura física e material para realizar o seu trabalho, o que muitas vezes não possui. Precisa que seu fazer e seus saberes sejam valorizados, precisa do apoio das famílias, para que dessa forma aprenda a valorizar também o seu aluno e buscar formas de investir nas suas possibilidades. Contudo, entendemos também, que não pode se limitar a esperar que as condições sejam totalmente favoráveis sob pena de nada realizar. É necessário buscar as formas de fazer com que as dificuldades intervenientes na atuação sejam minimizadas. Uma dessas formas é a opção por uma prática em que a colaboração entre os que fazem a escola mediada pela reflexão critica estejam presentes. Nessa perspectiva, foi que desencadeamos um processo colaborativo reflexivo centrado na prática pedagógica desenvolvida por S. que passamos a analisar. 5.2.1 A prática pedagógica de S. Considerando que a prática pedagógica de S. foi durante todo processo, permeada pela discussão e reflexão, particularmente nos momentos de planejamento quando as observações eram retomadas, realizamos apenas uma Sessão Reflexiva síntese da experiência vivenciada. Nessa Sessão, a reflexão iniciou-se como relato das aulas, destacando cada uma das ações consideradas necessárias para que esse processo se realize. Foram consideradas as cinco aulas vivenciadas por S. no período de 18 a 24/09/2010. As Sessões Reflexivas foram realizadas, diferentemente das anteriores no turno matutino (iniciando-se às 8 horas), no Laboratório de Informática, em função da sala de professores, antes utilizada, estar sendo ocupada com uma reunião da direção da Escola. Foram realizados em três momentos já enfatizados: a reflexão intrassubjetiva, a reflexão intersubjetiva e intrassubjetiva dos pares. 5.2.1.1 O momento intrassubjetivo 168 Esse momento ocorreu com D. colocando inicialmente sua importância para a efetivação do processo colaborativo reflexivo Eu sou D. Estamos reunidos hoje, dia 06/12/2010, S. vai realizar a Sessão Reflexiva sobre as aulas realizadas no dia 18 ao dia 24 de setembro de 2010 em que foi trabalhado o conceito de família com o grupo de alunos da Educação infantil. Só estamos presentes eu e S. As professoras A. e C. que iniciaram o processo conosco já não fazem mais parte no quadro de professores da Escola de forma que seremos apenas nós duas. A partir de agora S.você fará a sua Sessão e considerará os questionamentos anteriormente propostos. (Extrait da Sessão Reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). Assim, S. inicia o processo reflexivo, começando pela descrição. Nunca é demais ressaltar que a essa ação nos permite visualizar as ações a serem analisadas. Para isso, ao descrever sua prática, o professor precisa está atento para apresentação do contexto no qual ela se insere e para as ações que a viabilizaram. Isso posto, nos reportaremos a análise dessa ação. DESCREVER Durante cinco aulas seguidas do dia 18 ao dia 24 de setembro de 2010 trabalhamos com o conteúdo família visando à elaboração desse conceito com os alunos da educação infantil, com idade entre 4 e 5 anos. Hoje é 06/12/2010, oito horas da manhã, vamos realizar a nossa Sessão Reflexiva sobre essas aulas dadas. Estão presentes eu e D. no laboratório de Informática da Escola. A turma com a qual trabalhei e sou professora é composta de 23 alunos. São 10 meninos e 13 meninas. Na primeira aula (dia 18/09) estavam presentes 19 crianças, no segundo dia 19/09, 21 crianças, no terceiro dia (20/09) também 21 crianças e na última aula, 19 alunos. Durante os dias nunca estiveram presentes todos os alunos. Antes desses momentos, no dia 30/09/2012, apliquei uma tarefa que serviu para que verificássemos o que as crianças sabiam a respeito de família. A tarefa era a seguinte: Foi entregue a ela uma folha em branco em que deveriam desenhar/escrever o que é família. Quem sabia apenas desenhar fazia desenho, quem sabia escrever (da forma que eles soubessem) escreviam e podiam também fazer as suas coisas. Como a maioria apenas desenha servi de escriba para aqueles que solicitaram, ou mesmo sem solicitar, aceitaram a sugestão da escrita feita por mim. É importante destacar que tínhamos um objetivo que a elaboração do conceito de família como grupo. Para fazer as aulas realizei um planejamento conforme proposto por Ferreira (2009) para o trabalho com a metodologia conceitual. Na primeira aula, anteriormente planejada, organizei a turma como de costume, em círculo, com as crianças sentadas no chão. Inicialmente retomei a tarefa do dia anterior, fiz a chamada utilizando os crachás e contei junto com as crianças quantas estavam presentes nesse dia. Contamos meninas e meninos, perguntei se havia mais meninos e meninas. Fiz muitos questionamentos às crianças sobre a família: quantas pessoas tem em casa? Com quem mora, o que é família? E por fim, pedi que cada uma desenhasse individualmente a sua família e organizamos um mural com os desenhos feitos. Na segunda aula, retomei a aula anterior e continuei trabalhando com o conteúdo família, tendo em vista que era meu objetivo fazer com que as crianças significassem família com o sentido de grupo. Para essa aula, organizei a leituras de um livro de história que foi desdobrada em outras situações de aprendizagem. Discuti inicialmente com as crianças a rotina diária, nesse dia não 169 fiz a roda no chão, as crianças ficaram sentadas nas suas próprias cadeiras, e disse de forma simples qual o objetivo da aula. Em seguida li a história chamada “Minha família é diferente”. Inicialmente apresentei a autora, li e mostrei pra elas o título da história e perguntei se elas conheciam e se alguém podia dizer do que se tratava apenas pelo título e aí, muitas respostas foram dadas. Depois da leitura discuti com as crianças questões relativas ao conteúdo apresentado: quais as diferenças apresentadas, o que é semelhante e diferente nos personagens, por que são diferentes fisicamente, entre outras questões. Complementando essa aula, propus uma tarefa para ser feita em casa, em que as crianças deveriam colocar as características das suas famílias com relação à parte física (pedir ajudada ao pai, mãe ou responsável de quem foram herdados os seus traços físicos) e quantidade de pessoas. Em cada tarefa havia foto de algumas das crianças com suas famílias e aí foi também solicitado que comparassem entre a sua e a família da foto. Retomei no dia seguinte, fazendo questionamentos ainda sobre a história e solicitando que desenhassem a suas famílias e depois pintassem. No terceiro dia de aula, planejei um vídeo, com o objetivo de fazer as crianças visualizarem e fazerem a comparação dos mais diversos tipos de família: grandes, pequenas, negras, brancas, ricas, pobres, antigas (caracterizadas pelas suas vestimentas e pela quantidade de filhos). Esse vídeo era composto por fotos, que foram organizadas sequencialmente. A terceira aula ocorreu na sala de vídeo espaço em que funciona também a sala de leitura. Como as crianças gostam muito de livros, gerou um tumulto, por que elas queriam simplesmente, manusear e ler os livros. Expliquei que depois daria um tempo para que lessem os livros, mas que naquele momento teriam que prestar atenção ao vídeo. Enquanto tentava explicar, uma criança começa a chorar. Interrogada sobre o motivo do choro, depois de muito tempo, diz que mora com a tia e o tio e que queria ir morar com a mãe (a mãe entregou ela e o irmão que também estuda na escola para a tia criar, mas não há clareza no motivo). O tempo todo tento reiniciar a aula. Num determinado momento, a confusão é tanta que resolvi cantar uma música para acalmá-los e depois voltamos para a sala de aula. Para a quinta e última aula da série foi organizada uma aula de campo para a casa de uma das crianças, com o objetivo de verificarmos as diferenças e semelhanças existentes as famílias (quantidade de pessoas, tipo físico, cor da pele, tipo de casa onde mora, entre outros). Para sair da escola, tive uma conversa inicial com as crianças, em que relembrei alguns combinados utilizados na sala, mas que seriam úteis quando saírem da escola. Lembrei ainda, que todas deveriam trazer a autorização enviada para os pais para que pudessem participar da aula, pois embora a casa da colega seja perto da escola, é muito complicado levá-las sem essa autorização. O objetivo era além de fazer uma aula fora da escola, possibilitar a criança viver uma realidade de família diferente da sua, com suas características, forma de vida, de moradia, número de pessoas, entre outras questões. Nesse dia, saímos da Escola às duas horas da tarde, com as crianças organizadas dentro de uma corda, como se fosse um trenzinho e nos dirigimos ao local combinado. Anteriormente, eu já havia conversado com a dona da casa, sobre qual o objetivo da aula. Chegando a casa foram feitas muitas perguntas, as crianças participaram bastante, conheceram a família, os compartimentos da casa um cágado e uma tartaruga, bichinhos de estimação dessa família. Fizeram muita “bagunça” com esses animais. Foi uma tarde muito proveitosa e alegre. Nesse dia, como combinado anteriormente, o lanche foi oferecido pela dona da casa. A volta à escola ocorreu no final da tarde, bem no final determinado pela escola, às 17 horas. (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 23 de dezembro de 2010). S. faz o seu relato, expressando e descrevendo com clareza como, onde e por que as situações de aprendizagem se efetivaram. Situa o contexto em que as aulas se realizaram (quantas crianças estavam presentes, como era organizada a sala em cada momento, que assunto foi trabalhado, como foi trabalhado). Entretanto, não enfatiza os objetivos previstos 170 nem se reporta a Aula de Campo nem as discussões e reflexões ocorridas durante o planejamento no contexto das observações colaborativas. Seu relato responde adequadamente a quase todos os requisitos da descrição, exceto a questão do distanciamento e isenção, como é recomendado da ação de descrever, quando enfatiza no final do seu relato, “foi uma tarde muito proveitosa e alegre”. Desse modo, podemos concluir que a participe já tem certo domínio das capacidades exigidas na ação de descrever tanto em termos lingüísticos quanto discursivo. Com relação à ação de informar, a partícipe declara o que vemos a seguir: INFORMAR De maneira geral, as aulas planejadas e efetivadas foram bastante produtivas, pois deram a oportunidade para que as crianças participassem de tudo o que foi realizado. A primeira aula envolveu muito as crianças. Eu fazia perguntas fazendo com que se expressassem sobre o tema em questão. Contudo, considero que a terceira aula não foi muito atrativa. A utilização de um vídeo apenas com fotos deixou a desejar, inclusive, no alcance dos objetivos. Foi muito difícil concluir essa aula. Pelo fato de o vídeo ser apenas fotos e sem movimento, ficou muito no questionamento, o que, sem dúvida, é importante, por que dá condição para a criança se posicionar, expor as sua ideias, aprender a pensar, entretanto, não deu resultado. As crianças se dispersaram e se desconcentraram muito. Sabemos que crianças nessa idade possuem um nível de atenção concentrada muito baixo, por qualquer coisa estão dispersas, mas pensamos que se a atividade for rica, criativa e interessante, a concentração dura mais tempo. Penso que essa é a parte difícil no trabalho com a educação infantil, embora em geral, eu me considere uma pessoa paciente. Eu nunca havia encontrado uma forma interessante de trabalhar esse conteúdo envolvendo realmente as crianças, mas agora elas participaram de uma forma muito intensa, tiveram realmente um papel ativo nesse processo: questionaram, responderam e despertaram a curiosidades, especialmente na segunda e quarta aula. Penso, pelas reações que a aula mais monótona e sem muita motivação foi à terceira, talvez porque fossem apenas fotos correspondentes a épocas diferentes, o que provocou impaciência e falta de interesse. A leitura de histórias nos fez ver que ela nunca poderá deixar de ser trabalhada, pois desperta prazer, curiosidade e muita disposição para participar. O modo de planejamento também ajudou bastante. Posso até dizer que o fato de o professor planejar devidamente a sua ação, gostar do que faz possibilita também o gostar e o querer dos alunos... O seu interesse depende muito do interesse do professor. Considero que essas aulas trouxeram muitos benefícios (potencialização da oralidade de crianças que ainda não participavam das aulas, ajudou-as a prestar atenção ao outro, a utilizar a imaginação), e certamente contribuíram para que eu olhasse de outro jeito para o meu fazer. Nesses momentos considerei e valorizei os conhecimentos das crianças e as formas que utilizam para explicar as situações surgidas e os fenômenos, sem esquecer, contudo, que o que faço precisa estar sustentado por uma base teórica... (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). A partícipe evidencia na sua informação a efetivação do que foi planejado, entretanto, considera que as situações de aprendizagem realizadas, especialmente a terceira aula, não foram as mais convenientes para crianças de quatro e cinco anos, uma vez que causou dispersão e falta de interesse. Considera, contudo, que os questionamentos realizados 171 possibilitaram com que houvesse aprendizagem, tendo em vista o fato de que é uma forma de participação e de fazer com que se inicie o processo de desenvolvimento do pensamento teórico. Para Liberali (2008), o informar tem como objeto de análise o conteúdo trabalhado, as referências que lhe serviram de base, as situações de aprendizagem e sua adequação ao conteúdo ensinado. A reação dos alunos, como também os princípios que orientam a prática docente possibilitam ao professor fazer interpretações do conteúdo trabalhado, metodologias e teorias que embasam a sua prática. S. considera, na sua reflexão, os elementos contidos na ação de informar e enfatiza a importância do professor gostar do que faz para fazer com que as crianças também gostem e se interessem pelas situações propostas. Destaca os benefícios trazidos para a aprendizagem das crianças Consideramos que S. contemplou as condições exigidas pela ação de informar e que seu relato corresponde realmente ao que observamos de sua prática. Nas suas aulas S. se utilizou de ações criativas que possibilitaram que as crianças oralizassem, questionassem e buscassem as próprias respostas, fazendo com que os objetivos das aulas fossem alcançados. É verdade que houve momentos em que se antecipou respondendo as questões, porém criou várias possibilidades, dando as crianças condições para externar as emoções, os sentimentos e o pensamento ao oportunizar a vez de verbalizarem suas experiências. Dessa forma S. trabalhou o conceito de família, que, segundo ela afirmou nos momentos de estudos e de reflexão, não lhe dava anteriormente nenhum prazer, pois não permitia muitas possibilidades, e as crianças não gostavam, o que fazia com que o trabalho realizado fosse muito superficial. Demonstra ainda capacidade reflexiva critica quando reconhece a inadequação das situações de aprendizagem proposta, por exemplo, o uso do vídeo só com fotografias, assim como a gestão do tempo, destacando a dificuldade das crianças se concentrarem em tarefas que demandam muito tempo e seu déficit teórico em relação o domínio de conhecimentos, em particular, o conceito de família, retomado na ação de confrontar. Assim, continuando o seu relato S. passa a fazer a confrontação. CONFRONTAR Durante as ações desenvolvidas houve falhas e alguns equívocos, deixei de retomar algumas questões trazidas pela criança... Talvez porque falte ainda a mim domínio teórico de algumas questões que fazem parte do meu cotidiano profissional. O meu medo sempre foi cair no ativismo... Fazer as coisas simplesmente por fazer... Eu entendo... Eu sei que preciso ter 172 clareza nas minhas ações... Se sou eu a pessoa que vai ensinar as crianças a pensar de forma científica, então eu preciso ter também o meu pensamento teórico desenvolvido... Eu estou gostando muito de trabalhar com D., com a pesquisa colaborativa... Como eu aprendo! Como eu aprendi! Respondendo aos questionamentos da ação de confrontar... Eu já até tinha dito que não gostava de trabalhar com o conteúdo família, pois achava chato e sempre dizia que as crianças não gostavam, mas hoje eu percebo que elas não gostavam por que eu não sabia trabalhar e também não gostava... Não é que eu tenha aprendido tudo... acho que ainda tenho muito o que aprender, mas o avanço foi muito grande. Eu sempre gostei de estudar, eu não terminei a graduação e ponto final. Eu sempre tava buscando mais, mas depois do grupo de pesquisa, depois desse trabalho que a gente tafazendo, minhas vontades e necessidades aumentaram muito mais. Embora, eu tenha clareza da necessidade de mais estudo, hoje o meu trabalho é muito melhor... Tenho a convicção de que precisamos ensinar a criança e dar a ela a condição de elaboração e de criação. Já não é mais possível copiar modelos, ou mesmo impor ao educando as minhas ideias... A criança precisa aprender a ser autônomo no seu pensamento e, assim, poder resolver os seus problemas. Ela não pode ser simplesmente expectadora do que fazemos, precisa participar efetivamente. Considero que a metodologia Ferreiriana para o trabalho com conceito é muito interessante, pois nos abre possibilidades de fazer com que a gente encontre caminhos que possibilitem uma aprendizagem muito mais efetiva. Nos dá a possibilidade de trabalhar e desenvolver o pensamento teórico, a começar pelas crianças da educação infantil que são as que eu trabalho... Não que essas crianças desenvolvam agora o pensamento teórico, mas é a partir de agora que começa... Tudo o que eu fiz baseado nessa metodologia não foi fácil, como eu já disse, mas o bom é que quanto mais a gente trabalha dessa forma mais é interessante, mais a gente quer acertar... Mais a gente estuda... Posso dizer que, com certeza, o meu trabalho, a minha prática melhorou consideravelmente... Não digo que faço tudo certo, que não tenho dúvidas... Tenho muitas dúvidas, mas o mais importante é a minha vontade de continuar acertando... Eu não tenho medo de errar, eu só tenho medo de prejudicar as crianças que precisam de alguém que as oriente e que as ensine a pensar... Olha só, eu tô construindo conhecimento, pois faço a cada dia descobertas de como os meus alunos aprendem, do que gostam, entre outras coisas... Que bom seria que todos nós professores tivéssemos a possibilidade de estudar, de rever a nossa prática, mas infelizmente as instituições responsáveis por isso não oferecem as condições para tal... Por que eu resolvo os problemas da minha sala de aula, mas essas crianças não vão ficar para sempre comigo e se não há continuidade do trabalho, se não há estudo... Como ficarão? Essa falta de continuidade do trabalho que se realiza na escola, a falta de fundamentação por parte dos profissionais, que, às vezes, ou na maioria das vezes, não estudam porque não tem como: os cursos não são oferecidos e quando o são não correspondem às necessidades, ou mesmo esses profissionais não querem ou não dispõem de tempo para tal, por ter uma carga horária carregada e estressante. (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). O Confrontar tem como finalidade analisar as ações considerando o contexto, ao conteúdo e as situações de aprendizagem, considerando sua pertinência e relevância. Inclui, também, a compreensão do processo de ensino-aprendizagem e o papel do educador em relação a sua prática. Nesse sentido, S. demonstra domínio do procedimento de confrontação argumentando sobre as condições estruturais que impedem avanços na profissionalização, enfatizando o fato de os professores não estudarem, não porque não querem, mas pelas 173 contingências da vida, pela situação econômica, que faz com que trabalhem vários expedientes, mantendo uma rotina de hábitos fixos que os impedem de se aperfeiçoar e se manter atualizado. Deixa claro o fato de ter cometido falhas e equívocos, ao mesmo tempo se mostra imbuída de estudar e acertar no sentido de fazer o que deve ser feito no trabalho com as crianças, ou seja, oferecer um ensino que na verdade contribua com o crescimento e o seu desenvolvimento. Enfatiza a necessidade de estudar, de fundamentos teóricos para fazer com que a sua ação seja mais efetiva. Fato evidente, pois a falta de domínio teórico e metodológico, na maioria das vezes, é um empecilho para que o professor desenvolva uma ação que se coadune com os fins da educação. Se não há clareza do porque desenvolvemos determinada ação, do que devemos fazer, fica impossível realizar um trabalho em que o aluno aprenda a pensar e a ser alguém que participa, elabora conhecimentos e busca transformar o seu contexto, exercendo, assim, a sua cidadania. Isso exige que esse aluno não seja mero expectador, ao contrário, é fundamental que participe ativamente do processo de aprendizagem, o que vai acontecer na medida em que o professor propuser situações de aprendizagem que o envolva, que possibilite a construção de motivos para querer ir à escola, para querer aprender, para se desenvolver psíquico e socialmente, destacando entre as funções mentais o seu pensamento. Apesar de ter, enquanto função mental, uma base bio-fisiológica, o pensamento como as demais funções mentais, passa por um processo de desenvolvimento. Esse não ocorre espontaneamente. É necessário que o indivíduo vivencie situações facilitadoras, capazes de criar as possibilidades para atingir estágios cada vez mais elaborados do ato de pensar (FERREIRA, 2009, p. 25). A autora adverte que, na maioria das vezes, a escola não cumpre essa função, acarretando déficits no desenvolvimento do pensamento do aluno que perdura por toda a escolaridade, inclusive, no nível superior. Não é possível trabalhar como se expressou a partícipe, ou seja, trabalhar os conteúdos não pela necessidade dos alunos, mas por ela gostar ou não gostar. Talvez isso tenha se refletido na dificuldade de S. em elaborar o próprio conceito de família, mesmo após os Ciclos de Estudos. 174 S. destaca inclusive a importância da participação em pesquisa por possibilitar que elabore conhecimentos e propiciar reformulações da pratica pedagógica, o que condiz com a afirmativa de Ibiapina e Ferreira, (2007, p. 27) quando destacam que: [...] o envolvimento dos partícipes nas atividades de pesquisa é uma condição para a superação da ideia do professor como usuário do saber elaborado por terceiros, já que nessa perspectiva, o professor é considerado agente social criativo e interativo. Entendemos, portanto, que S. utilizou os elementos que caracterizam a confrontar quando expõe a sua forma de ver e agir, suas dificuldades e possibilidades dentro do contexto que atua. Para Liberali (2008), é no confrontar que percebemos as visões e formas de agir do professor, que nem sempre são suas preferências, mas resultado das normas culturais e históricas que foram sendo absorvidas por ele. A seguir, nos debruçaremos no processo de Reconstrução. RECONSTRUIR Como nos esclarece Liberali (2008, p. 81): No Reconstruir, nos colocamos na história como agentes, passamos a assumir maior poder de decisão sobre como agirmos ou pensarmos as práticas acadêmicas. Como praticantes emancipados, passamos ter maior controle sobre nossa prática através de autogerenciamento, auto-regulação e auto-responsabilidade. Nessa perspectiva, vejamos como se expressa S. Sobre a aula em que usou o vídeo, S. se expressa assim: Com relação à segunda aula, se eu faria novamente o que eu fiz da mesma forma ou diferente? Respondo que alguns momentos eu faria diferente por acreditar que, assim, os alunos, minhas crianças teriam muito mais facilidade com o que estava sendo trabalhado. Eu acho que facilitaria até mesmo pra mim... É assim... Se eu faço melhor, meu aluno certamente vai aprender melhor também. A terceira aula por exemplo, mesmo eu tendo considerado que foi muito legal, eu acho que poderia ter feito após a leitura, não apenas questionamentos, mas ter organizado uma dramatização, em que cada um seria um personagem da história, poderia ter pedido que eles caracterizassem os personagens, entre outras coisas... Penso que ficou muito centrado em mim. Além disso, em outras atividades ficarei muito mais atenta ao que dizem meus alunos... Não que eu espere responder e atender a expectativa de todos, mas creio que seria mais ativa e perspicaz. (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). 175 Com relação à terceira aula, penso que faria de outra maneira, não sei como ainda, ou mesmo se usaria o vídeo novamente, pois da forma como foi apresentado não deu o resultado esperado, as crianças se dispersaram, mesmo assim valeu a pena... Aprendi que tenho que modificar o jeito de fazer... Creio que a minha prática mudou muito, porque também mudou a forma de olhar as crianças, os conteúdos, a mesma... Claro com a ajuda dos estudos, das discussões... A partir dessa prática, quem sabe, vão surgir novas teorias e vice-versa... Sei que para fazer um trabalho mais efetivo dependo de mim, mas dependo do que a escola me oferece, do que a secretaria de educação estabelece... Na verdade minha vida profissional depende elementos externos que nem sempre trazem ajuda... Além disso, na escola, em geral é cada um por si... O que traz um grande sofrimento... (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). Esse momento da reflexão é quando as bases para as mudanças e transformações são previstas, uma vez que elas só ocorrerão no contexto da efetivação de novas práticas. Podemos constatar que S. explicita no seu relato a necessidade de mudar, especificando os pontos em que isso deveria ocorrer, cônscia da sua participação para a sua prática desenvolver-se a contento e dos limites que a restringe, não dependendo exclusivamente de sua vontade. A partícipe enfatiza também a importância do outro para o processo de aprendizagem, o que vai ao encontro das ideias de Vigotski (1998b), quando salienta a sua importância para a construção de saberes, para a aquisição da capacidade de refletir criticamente e especialmente para o conhecimento de nós mesmos. Sem o outro ficamos sem referências que façam com que possamos buscar e descobrir um jeito próprio de ver, de ser, de pensar. Concluído o relato, iniciamos a discussão, considerada como momento intersubjetivo por tratar-se da busca de esclarecimentos e intervenções visando colaborar com o processo de formação potencializado o professor no sentido de tornar-se cada vez mais autônomo e consciente do seu agir. 5.2.1.2 O momento intersubjetivo Vejamos como esse momento ocorreu: D. Inicialmente quero lhe parabenizar porque eu achei que a sua reflexão foi bastante completa, mas eu gostaria que você esclarecesse uma questão com relação ao descrever. Você disse que não gostava de trabalhar família com suas crianças por vários motivos que já apresentou... Então por que decidiu ser partícipe dessa pesquisa e exatamente trabalhar o conceito de família? S.: Penso que foi exatamente por isso, por que eu não gostava... Quando você veio com o convite da pesquisa a gente sabia que ia trabalhar conceito, mas ainda não sabíamos qual... 176 Acredito que pelo fato da minha dificuldade você sugeriu esse tema... Não sei se você lembra, mas no início eu quis mudar... Mas após várias conversas e as outras partícipes que iniciaram conosco decidimos ficar com o conceito de família... Mas valeu... Tá valendo... D.: Outra coisa que eu gostaria que você dissesse, como é que você organizava as crianças em cada aula? S.: Todos os dias a gente tem uma rotina estabelecida... É uma rotina que não é ‘rotineira'. Não fazemos todos os dias as mesmas coisas, mas obedecemos a uma ordem que pode ser quebrada de acordo com o ritmo da turma... Então, todos os dias conversamos e fazemos uma roda em que todas as atividades e as tarefas do dia são discutidas. As vezes a gente pode retirar alguma coisa tendo em vista, uma situação nova que ocorreu e que não pode esperar. Na primeira aula, eles estavam normalmente sentados nas suas carteiras, na segunda aula, contei a história na roda e depois eles foram para as suas carteiras, na terceira aula, organizamos inicialmente na roda e depois fomos para a sala de vídeo e lá existem cadeiras pequenas onde eles puderam se sentar e, na quarta aula, fizemos o ritual diário na sala. Conversamos sobre o que havíamos combinado com relação ao comportamento e fomos para a aula-campo... Não ... Não é fácil fazer um trabalho com conceitos... As crianças são pequenas e requerem uma atenção sempre maior... Mas quando há uma rotina organizada junto com eles tudo fica melhor... (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2012). Esse questionamento teve a intenção de contribuir para a compreensão de que nas situações em que temos oportunidade de ampliar nossos saberes e como conectá-los com a prática, como propõe a abordagem colaborativa critico reflexiva, é procedente que priorizemos os aspectos deficitários de nossa formação. Contudo, essa decisão tem que se dá forma consciente e deliberada, caso contrário, seria uma decisão imposta sem significação para a partícipe. O mesmo ocorreu em relação ao planejamento, como poderemos observar no extrait que segue. Ao ser questionada, S. argumenta: S.: Bom... O planejamento, eu tive que aprender a fazer, pois eu só planejava como eu havia aprendido... Naquela forma sistêmica de fazer... Ainda não posso dizer que sei planejar e mesmo trabalhar com conceitos, mas eu chego lá... Com essa maneira de planejar foi muito mais fácil desenvolver o trabalho... É mais difícil fazer o planejamento, mas o trabalho fica muito melhor... A gente fica mais atenta a determinadas questões importantes para a aprendizagem... Nesse planejamento a gente considerou as situações motivadoras, sistematizadora e avaliadora... D.: uma das questões postas nessa ação é no sentido de verificar se os alunos demonstraram gostar da tarefa proposta ... Você percebeu se gostaram ou não? S.: Ah, criança é muito transparente, se ela não gosta, ela diz, se não com palavras, com atitudes e foi isso que aconteceu. A terceira atividade foi a que menos gostaram, ficaram inquietos, sem atenção... Eu acho que isso demonstra o gostar... Mas essa atividade não farei mais nunca... Pelo menos da forma como fiz... D. Eu também concordo com você... Penso que a atividade do vídeo poderia ter sido muito interessante se tivesse movimento, mas fotos, eles ficam atentos até certo tempo... Depois, tudo que aparecer na sua frente é motivo para despertar a sua atenção... Você lembra da leitura do livro? Eu penso que eles ficaram muito mais tempo atentos do que eu pensava que pudessem ficar... Quando chegou a impaciência deles você já tinha concluído o que tinha que fazer... Entendo que isso ocorreu assim, por que a atividade foi adequada. S.: Pois num é? 177 D. Uma coisa que eu queria dizer, é que você sempre foi uma professora responsável, boa professora, mesmo, mas vejo você agora muito melhor... Com vontade de acertar... Acessível às mudanças e as sugestões E eu? Ah, como eu aprendi, com você, com nossos estudos, com nossa parceria... Foram momentos maravilhosos... Desde que a gente iniciou com a A. e C. a gente manteve uma bela parceria, pena que elas tiveram que se afastar... Tiveram seus motivos... Tivemos conflitos... S.: Mas eles foram muito menores quando ficou só a gente, né? D.: Pois é... É assim mesmo quanto mais gente, mais discussões, mais conflitos, mas eu acho que mais aprendizagens também... É difícil conviver com as diferenças, mas a gente soube conviver... E é necessário aprender a conviver... (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). Essa retomada permitiu que S. apresentasse seu ponto de vista sobre o planejamento e as novas aprendizagens elaboradas com a introdução de uma forma diferente de planejar rompendo com o modelo a que estava habituada, destacando a importância da mudança no planejamento na precisão dos aspectos que considera significativos no ato de aprender: “com essa maneira de planejar foi muito mais fácil desenvolver o trabalho... É mais difícil fazer o planejamento, mas o trabalho fica muito melhor... A gente fica mais atenta a determinadas questões importantes para a aprendizagem...” Nesse diálogo há um fato singular que merece destaque. Trata-se do papel do outro e do conflito no aprendizado cuja discussão não se ampliou por não ter dado oportunidade ao partilhamento do seu significado. Consideramos assim, necessidade de se oportunizar, no espaço escolar, discussões que coloquem em pauta essas questões, como forma de fazer com que o fazer pedagógico seja dinâmico e significativo. O extrait a seguir reforça o que acabamos de afirmar: S.: Penso que o mais importante é a compreensão de que eu preciso pensar conceitualmente para trabalhar conceito com meus alunos, como já foi dito em outras discussões, não vamos poder fazer isso, se nós mesmos, não temos o pensamento teórico desenvolvido... D. Você acha então, que esse fato, prejudicou a sua ação com os alunos? S.: Certamente... No início pode ser até que você não tenha notado, mas eu me senti muito insegura... Eu nem conceituei família, com então trabalhar com as crianças esse conceito? Depois, no planejamento, a gente estudando, discutindo mais, eu fui me acalmando e entendendo o que tava fazendo... Na verdade, eu penso que o que eu escrevi não representa o que sei hoje... D.: é a prova de que a gente evolui, aprende todo dia e modifica a forma de pensar e fazer as nossas ações... Vamos... você poderia ter feito outra (re)elaboração do seu enunciado... S.: Pois é... O importante é que hoje eu penso de outro jeito, compreendo as coisas de outra forma e pude desenvolver ações entendendo o que estou fazendo... D.: E vamos continuar estudando e buscar fazer cada vez melhor... S.: Essa conversa da gente não era pra ser aqui... Mas eu precisava falar de novo do que senti, dos meus medos, insegurança... D. Claro que pode ser aqui... Embora seja o espaço para refletir sobre a sua reflexão, não 178 podemos fechar para nenhuma ideia, nem para os desabafos dos medos e das angústias... S.: Agora, refletir da forma como a gente fez, não é nada fácil... A gente se mostra para o outro, deixa clara as nossas dificuldades, limitações e pra quem não tá costumado, é fogo... Esse trabalho não termina aqui... Eu ainda vou continuar. E verificar se as crianças conseguem entender e elaborar, significar família como um grupo... Embora eu considere que a cada aula os objetivos foram alcançados, o nosso objetivo geral, não foi... D.: É uma contradição... Mas é verdade... Afinal, a gente sabe que essas crianças são pequenas... pela minha percepção conseguiram muitos conhecimentos, mas para elaborar esse conceito eu penso que leva tempo de trabalho, de experiência... Não adianta um trabalho desse ser feito num ano de ensino e no ano seguinte isso não acontecer... Ano que vem você deve seguir com essa turma e a gente prossegue nesse trabalho... S. Vai ser ótimo... (Extrait da Sessão reflexiva das aulas realizadas de 18 a 24 de dezembro de 2010). O processo reflexivo foi sem dúvida, um momento de bastante aprendizagem e de autoafirmação. Foram evidenciadas questões importantes que interferiram na nossa forma de ver e agir. Nesse último momento S. reafirma não ter conseguido chegar ao estágio de elaboração conceitual e, mesmo assim, trabalhou conceitos com as crianças, situação que a deixou muito insegura, mas que foi revertida com os estudos e o processo reflexivo- colaborativo. S. confessa seus medos, seus anseios e considera a necessidade de continuarmos estudando e refletindo, que é sem dúvida, uma forma de fazer com que, no diálogo com a realidade, o professor torne-se consciente da sua ação, que é pré-requisito básico para que ocorra a transformação dessa realidade (IBIAPINA; LOUREIRO JÚNIOR; BRITO, 2007). Consideramos importante dar destaque ao fato de que as crianças, independente de qualquer coisa, aprendem o que é ensinado, embora não atinjam na idade em que se encontram o estágio conceitual. Durante todo o processo reflexivo vivemos momento de muitas dificuldades, mas principalmente de muitas aprendizagens. O processo colaborativo foi bastante intenso e se constituiu em momentos de diálogo em que compartilhamos vivências e experiências. Pudemos expressar a nossa forma de pensar, ouvir e ser ouvidos, concordar, discordar das ideias expostas e, principalmente, foram criadas oportunidades para que expressássemos os nossos sentimentos e compartilhássemos significados e principalmente mudássemos nossa forma de agir. Entendemos que a interação entre os pares não é simples nem fácil, ao contrário, gera conflitos, contradições, mas, foi uma forma de aprendermos a entender o outro, apreender novos conhecimentos e buscar soluções. Há assim, evidências de que todos os momentos vividos por nós foram colaborativos não só no sentido da prática, mas, principalmente, da crítica, quando expressamos nossas 179 ideias, procurando ir além do nosso próprio pensamento e da realidade em que atuamos, contextualizando-a em termos históricos e sociais. Estivemos sempre abertas a ouvir e principalmente, percebemos fragilidades conceituais e metodológicas no que diz respeito à prática. Na verdade, todo o processo colaborativo critico reflexivo desenvolvido foi fruto dos nossos aprendizados e proporcionou o surgimento de novos conhecimentos, novas perspectivas, possibilidades de mudanças pessoais e para a transformação da prática. Foi uma forma de fazer com que nos desinstalássemos da poltrona confortável da acomodação irrefletida (GHEDIN, 2006). Para esse autor, [...] o sentido último do conhecimento que nos dignifica como sujeitos é justamente a desinstalação e o espanto que lançam cada ser humano, em particular, na direção de outros significados que transformam nosso modo de ser no mundo (p.143). Durante todo o processo, nos interrogamos e buscamos explicações e significados para o que fazíamos, tentando ser e fazer melhor a partir da aquisição e elaboração de novos conhecimentos, que foi sempre o nosso objetivo, tendo como base o agir colaborativo. Muito ainda temos que aprender: a lidar com o outro, trabalhar com o nosso aluno, aprofundar os aspectos teóricos para desenvolver uma prática pedagógica cada vez mais conscientes do que pretendemos e das mudanças que queremos provocar. Consideramos Vigotski (1998b), quando enfatiza que o papel do outro é fundamental, para que possamos construir novos saberes e, principalmente, para que possamos conhecer a nós mesmos e expandir a capacidade que temos de refletir de forma crítica e colaborativa. Destacamos a fala de S. e D. que expressando a importância desse processo enfatiza: S. Como seria bom se todos os professores compreendessem a importância de trabalhar com a colaboração... Se compreendessem que o outro pode ajudar a gente a se descobrir como profissional e como pessoa. Mesmo que haja brigas, incompreensões, a gente acaba encontrando o melhor caminho... Foi assim comigo... Me ver sob o olhar do outro e deixar que o outro nos veja é difícil, mas traz muitas aprendizagens... D. Foi assim com você e comigo também... A partir do outro a gente revê as ideias, a forma de fazer o trabalho, deixa até de ser intransigente, por que tem que negociar... Voltar atrás, rever a forma de pensar, de agir... É claro que nem todo mundo quer mudar, sair da sua zona de conforto... Mas acaba saindo em função da atitude do outro... Saber que você pode contribuir para que o seu colega passe a ser e a fazer melhor do que faz, que ele pode também agir assim com você é muito significativo... A gente a prende a ser tolerante passa a compreender que nem todo mundo aprende tudo da mesma forma e no mesmo tempo... 180 Analisando a tessitura final de todo o discurso construído, passando por todas as fases desta pesquisa, é possível afirmar que todo o processo se deu de fato dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva. O próprio fato de, em todo momento, conforme os depoimentos transcritos ao longo deste trabalho, o pensamento opera por avanços e recuos, intercalando momentos de lucidez a situações de conflito e de dúvida, revela a natureza da reflexão, no sentido de que quem pensa o fazer duvida do que faz. Exemplo claro dessa situação é o fato de a professora partícipe S., ao mesmo tempo em que angustiada por não ter atingido em seus estudos o nível conceitual, questiona-se da competência de conduzir sua turma ao desenvolvimento dessa atividade mental. A introdução dessa dúvida em seu discurso revela a atitude de alguém que não se posiciona numa zona de conforto profissional, ao contrário, mostra-se disposta à transformação. Em contraposição, analisando-se o discurso da partícipe quando do momento intrassubjetivo são notórias as oscilações que se dão no seu pensamento. Um ponto que denuncia essas oscilações é exatamente na ação de informar, quando após a descrição de sua ação, a partícipe deveria expor as razões e motivos de suas ações. De certa forma a professora foi bastante objetiva ao avaliar os altos e baixos de sua prática, como quando afirma: A primeira aula envolveu muito as crianças. Eu fazia perguntas fazendo com que se expressassem sobre o tema em questão. Contudo, considero que a terceira aula não foi muito atrativa. A utilização de um vídeo apenas com fotos deixou a desejar, inclusive, no alcance dos objetivos. Embora mencione os objetivos, não se encontra no seu discurso clareza quanto às razões que a levaram a escolher esta ou aquela ação em detrimento de outras. Se esse “lapso” parece revelar uma fragilidade no pensamento crítico da partícipe, no momento do reconstruir, flagra-se uma elevação nesse pensamento quando esta se mostra consciente das possíveis reformulações: A terceira aula, por exemplo, mesmo eu tendo considerado que foi muito legal, eu acho que poderia ter feito após a leitura, não apenas questionamentos, mas ter organizado uma dramatização, em que cada um seria um personagem da história, poderia ter pedido que eles caracterizassem os personagens, entre outras coisas... Penso que ficou muito centrado em mim. No refletir sobre a centralidade de sua ação S. desvela a criticidade imanente ao seu pensamento, posto que mostra a consciência de que o objetivo principal da prática pedagógica 181 está exatamente na descentralização e na atitude provocadora do professor. Atitude essa que é visível ao longo das aulas já descritas anteriormente, conduzindo as crianças a refletir, discutir, opinar e tirar suas conclusões. Ou seja, embora não expresse de forma explícita as razões de sua ação, podemos afirmar que esse conhecimento esteve implícito nos momento de execução prática. Afirmamos também, que isso só foi possível pelo fato de todo o processo ter-se desenvolvido dentro de um contexto colaborativo critico reflexivo, fazendo com que o trabalho desenvolvido em sala de aula, antes de ser produto de um pensamento individual, fosse o resultado de um pensamento coletivo, pautado em discussões teóricas e na troca de experiências, o que favoreceu a execução de um trabalho dinâmico permeado por um saber- fazer, independentemente de possíveis altos e baixos inevitáveis ao processo de ensino- aprendizagem. Por outro lado, constatamos também tanto nas observações das aulas dessa partícipe, quanto em suas reflexões posteriores à prática, o desnudamento de alguém que se expõe ao outro em vista do crescimento profissional. Esse desprendimento de se expor a opinião do outro só é possível quando se constrói de fato um ambiente colaborativo em que os participes se encontrem completamente engajados com a proposta de trabalho, a participação e a tomada de decisões são democráticas. A colaboração nesse sentido favorece essa troca de saberes e fragilidades porque, ao contrário de dar-se por julgamento avaliativo do fazer do outro, opera- se pela polifonia discursiva de vozes questionadoras de uma mesma ação, envolvidas na construção de um pensamento-ação. Foi nessa perspectiva que trabalhamos para que o nosso fazer dentro desta pesquisa fosse realmente um processo colaborativo em que “[...] todos têm o papel de ajudar uns aos outros a descobrir o que pensam, como fazem e qual a relação entre pensamento e ação” (IBIAPINA; FERREIRA, 2009, p. 25), pois temos a convicção de que apenas mediante essa exposição ao debate e ao confronto entre conhecimento e realidade, numa tessitura de relacionamentos entre as diversas áreas envolvidas no fazer pedagógico, promovendo a compreensão da interlocução contínua entre teoria e prática, é que realizaremos um processo educativo capaz de promover a autonomia crítica e independência política dos sujeitos principais desse processo. 182 CONTINUANDO A BUSCA O conhecimento é real por que toca a possibilidade de uma proximidade daquilo que está distante. Os limites do conhecimento são limites de nossas habilidades criativas, não da infinidade da realidade. Por isso, ele é busca permanente que possibilita, ao longo de toda trajetória, o descortino de nosso próprio ser no horizonte do mundo (GHEDIN, 2006, p. 143). Esse trabalho foi apenas um dos caminhos traçados para a busca do conhecimento e compreensão das conexões existentes entre teoria e prática, tendo como referência a pratica pedagógica. Temos a convicção de que existem outros que podem nos levar a lugares nunca antes conhecidos, mas esse foi o que trilhamos, numa busca permanente, como enfatiza Ghedin (2006), para chegar a esses lugares, que podem ser um novo começo pessoal e profissional. A pesquisa e os resultados que colhemos não são apenas fruto dos nossos estudos e da persistência, mas foram, principalmente, o resultado do compartilhamento de experiência de professores interessados em mudar seu fazer, rever as suas concepções teóricas, enveredando pelos caminhos da colaboração. Atuar mediada pela colaboração crítico-reflexiva é propor o desenvolvimento de um trabalho em que criatividade e criticidade caminham lado a lado, com o objetivo de construir uma prática pedagógica ao mesmo tempo singular e plural, uma vez que expressa a complexidade presente nas divergências, conflitos, contradições, como também compartilhamento em um contexto que se organiza pela confiança mútua, consideração às vozes do outro, foco na aprendizagem e produção de conhecimentos que orientem as mudanças e transformações. O processo por nós vivido apresentou na sua singularidade complexidade semelhante. Iniciamos com o envolvimento de quatro partícipes nos estudos teóricos, mas como já enfatizamos no decorrer desse trabalho, apenas duas permaneceram. A desistência das outras duas ocorreu por motivos que conhecemos e que são frequentes no discurso e vida do professor: “a falta de tempo para estudar”, o ativismo nas suas atividades, os vários turnos de trabalho, além dos conflitos existentes na instituição escolar, que, ao invés de serem promotores de novas formas de interação, são inibidoras do fazer. 6 183 Com o desafio de continuar num processo de formação, iniciado no período de mestrado, quando investigamos a relação entre formação do professor e desenvolvimento do pensamento teórico, redimensionamos a questão pondo em foco a relação entre a prática pedagógica e o desenvolvimento do pensamento infantil. Face aos fatos antes apresentados, demos continuidade ao processo com uma professora e seus alunos da educação infantil, centrado na elaboração conceitual. A maioria dos estudos sobre formação e desenvolvimento de conceitos ocorre com crianças a partir da segunda infância e adolescência. Porém, assumimos mais esse desafio. É evidente que pelas suas características uma criança da educação infantil não chega ao estágio de elaboração conceitual. Contudo, entendemos que é nessa idade e nesse nível que deve começar esse processo. Assim, o professor envolvido com essa criança deveria ter as condições para desenvolver um trabalho articulando aspectos teóricos e práticos a propiciar os alicerces das elaborações futuras. Para isso, foi necessário estudarmos teorias, interagirmos com as outras partícipes, buscando suporte para as ações a serem desenvolvidas com os alunos, e produzirmos as referências empíricas que constituiriam o nosso objeto de análise. Assim, iniciamos com a realização do diagnóstico do conceito de família escolhido como conceito-chave de mediação do ensino aprendizagem. A escolha do conceito de família ocorreu pelo fato de ser um conteúdo que faz parte do currículo da Escola, campo empírico da pesquisa, e por compreendermos que é um assunto que mobiliza muitas discussões e reflexões, implicando na forma de pensar do professor e do aluno, como ocorreu no processo desenvolvido. Além disso, conforme nos revelou uma das partícipes, o trabalho com esse conteúdo foi sempre superficial, uma vez que nunca havia encontrado uma forma interessante de trabalhá-lo e, consequentemente, despertar o interesse do aluno. Entretanto, entendemos que, para que um conteúdo seja motivante, é fundamental criar as condições viáveis e necessárias, isto é, as situações de aprendizagem que atendam aos diferentes graus de sua complexidade (FERREIRA, 2009). A partir daí, optamos por procedimentos metodológicos que nos permitiram visualizar aspectos importantes, tanto teóricos, como práticos do nosso fazer. Os Ciclos de Estudos Reflexivos nos deram a oportunidade de aprofundar questões e (re)elaborar o conceito com o qual trabalhávamos. Permitiram a formação reflexiva, a partir da metodologia de formação de conceitos, que significou para nós uma tentativa de nos tornarmos sujeitos produtores do conhecimento. 184 É fato, que apenas a partícipe D. chegou à formulação em termos de conceituação, apresentando na elaboração do significado de família o aspecto essencial que distingue os conceitos dos demais produções do pensamento (representações, ideias, juízos, concepções), ou seja, a relação entre o geral e o particular. Isso ocorreu provavelmente pela maior experiência no que diz respeito aos conteúdos estudados, à participação em grupos de pesquisa o que lhe proporcionou um campo mais vasto de conhecimento nessa área. A partícipe S., embora tenha enfrentado dificuldades iniciais, como colocado durante os momentos reflexivos, não conseguindo uma formulação verbal em termos de conceituação, com o processo, foi se apropriando de novos conhecimentos, que, agregados a sua experiência, potencializaram a sua prática. Podemos constatar que a prática pedagógica de S. orientou-se no sentido de desenvolver o pensamento das crianças à medida que propiciou situações de aprendizagem em que elas mobilizaram procedimentos lógicos fundamentais para atingir o pensamento conceitual, por exemplo, a indicação e enumeração de atributos ou propriedades gerais do conceito, além da comparação e da observação, assim como outras funções mentais como a percepção, a memória e a atenção, pois o processo de elaboração conceitual mobiliza todas as funções mentais, tendo, no entanto, a predominância do pensamento (VIGOTSKI, 2009). Ao longo do processo, ela procurou sempre criar um clima afetivo propício de modo que as crianças se sentissem motivadas para aprender a fim de que as atividades se constituíssem em aprendizagem. Naturalmente, o pensamento conceitual vai ocorrer posteriormente, em níveis de ensino e idade mais elevados, se o processo de ensino aprendizagem for consciente e volitivamente orientado para esse fim. Mesmo os adultos não conseguem, às vezes, expressar o seu pensamento em termos de conceituação, pois, “[...] apesar de ter elaborado mentalmente um conceito de forma correta, ao expressá-lo retorna ao estágio menos desenvolvido do pensamento [...]” (FERREIRA, 2009, p.148). Há indícios de que sua prática orientou-se pela concepção da prática pedagógica como uma atividade permeada pela colaboração e reflexão critica. Vimos que refletir criticamente não é fácil e envolve o desnudamento de cada um no sentido de que tem que se mostrar para o outro; é uma ação que pode ampliar a capacidade de pensar coletivamente sobre o fazer pedagógico, ou mesmo inibir, pois não ocorre sem conflitos. O extrait a seguir confirma o que acabamos de afirmar: S.: [...] refletir da forma como a gente fez, não é nada fácil... A gente se mostra para o outro, deixa clara as nossas dificuldades, limitações e pra quem não tá costumado, é fogo... 185 A reflexão tem a intenção de fazer com que mudemos nossa forma de ver o outro e nós mesmas, compreender o nosso fazer e transformá-lo em algo produtivo e efetivo na aprendizagem da criança. Na proposta dialética, tem de captar a realidade em movimento por meio do pensamento. Por intermédio da reflexão, é possível nos apropriarmos do conhecimento teórico e, dessa forma, ressignificar a prática e transformá-la. Para isso é imprescindível disponibilidade e desejo de mudança, e buscar os meios de efetivá-la. É importante destacar que S. pensava em dar continuidade ao processo no ano escolar de 2011. Para isso, era nossa intenção, e sugerimos à Escola que a partícipe permanecesse com os alunos que iriam para o primeiro ano, mas a direção da Escola não permitiu, o que interrompeu o trabalho que vinha sendo realizado, pois a outra professora não se dispôs a trabalhar a metodologia da elaboração conceitual. Não podemos esquecer que as transformações não dependem exclusivamente dos nossos desejos e vontades individuais. Elas estão também condicionadas às circunstâncias históricas. Contudo, pesquisar colaborativamente nos trouxe várias possibilidades, além de ter se constituído num espaço de formação em que a colaboração, a reflexão, a troca de conhecimentos e saberes proporcionaram crescimento pessoal, profissional e compreensão de que aprender através de conceitos pode ser o caminho para que o trabalho desenvolvido com os alunos não fique na superficialidade, que esse aluno seja ensinado a pensar e desenvolva o seu pensamento teórico. Esse deve ser o papel da escola no trabalho realizado pelo professor desde os primeiros anos escolares, com a clareza de que, quando o aluno chega à escola, já traz consigo experiências e saberes do seu cotidiano, posto que o “aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola” (VIGOTSKI, 1998a, p. 110). Nesse processo, dialogamos no grupo e com os diversos autores, procuramos refletir a formação do nosso próprio pensamento teórico, a partir do entendimento que possuíamos da nossa prática, tendo em vista a possibilidade de uma mediação pedagógica que viabilizasse o desenvolvimento do pensamento do aluno. Dessa forma, promovemos um processo contínuo de estudos, visando à socialização e à elaboração de novos conhecimentos e novas formas de lidar com nós mesmos, com o ensino e com a aprendizagem, ampliando com isso a nossa capacidade de pensar e de agir. Pensamos que é aí que se encontra o verdadeiro sentido da colaboração crítico-reflexiva na pesquisa colaborativa. 186 Durante esse trabalho não fizemos mágica. Tudo que o que vivemos e colhemos foi construído ao longo da nossa formação e do processo de colaboração, elaboração e (re) elaboração, ou seja, foi um processo vivo, dialético, e dialógico, passível por isso mesmo de acertos e tropeços. Precisaríamos de muito mais tempo, de muito mais momentos de estudos para uma maior fundamentação e uma reflexão permanente. Gostaríamos de enfatizar que esse foi um trabalho bem sucedido no sentido de que constatamos a relação entre os aportes teóricos internalizados pela partícipe e a prática pedagógica desenvolvida com seus alunos. O sentido e o encaminhamento que o professor dá ao seu fazer possibilitaram a abertura de caminhos para o desenvolvimento do pensamento. Há consciência do significado da sua ação, o que faz com que dialogue com as necessidades do aluno e insista para que realmente o aluno aprenda. Contudo, a impossibilidade da professora S. continuar desenvolvendo o trabalho com a turma, no ano seguinte, mostra o grau de fragmentação e descontinuidade da prática pedagógica na escola pública. É importante acrescentar também que para que sejamos um professor reflexivo devemos ter consciência da necessidade de problematizarmos continuamente a realidade pedagógica, analisando, refletindo e reelaborando, criativamente, os processos de atuação de modo a resolver os conflitos, construindo e reconstruindo nosso fazer no exercício profissional. Nesse sentido é que, ao longo do processo de elaboração deste estudo, naturalmente filtrado por uma situação específica, buscamos sistematizar o momento do fazer pedagógico em toda a sua plenitude, acompanhando-o em sua diacronia, desde o processo de formação, passando pelo planejamento, pela observação da prática e pela constante reflexão crítica do processo. Ação esta que se deu de forma colaborativa uma vez que as partícipes atuaram crítica e reflexivamente, interferindo, problematizando e buscando soluções para os entraves inevitáveis. Em síntese, essa experiência consistiu exatamente em fazer compreender que a prática pedagógica não pode se dar de forma monológica e fragmentária, com profissionais atuando isoladamente, cada qual separado e devidamente protegido do contato com o outro, evitando críticas e assumindo ares de inabalável autoridade, mas que essa prática é tão ou mais significativa quando permite a dialogia, cujos discursos se imbricam nem sempre em uníssono, mas imbuídos do mesmo fim, qual seja a promoção de um ensino de qualidade, significativo e promotor de transformações sociais. 187 No caso específico dessa pesquisa, a colaboração se deu justamente pela possibilidade da troca de vozes que buscaram as condições para um fazer efetivo. Sem esse contraponto do outro, o fazer pedagógico torna-se ilhado e perde a dimensão coletiva e imbricada de que depende a escola para a boa execução de sua função, qual seja a promoção do conhecimento escolar. Isto porque a missão da escola supõe uma constante mediação entre os diferentes sujeitos, conhecimentos e saberes, para possibilitar a consecução de uma ação consciente, com fins predefinidos, atenta às estratégias metodológicas e respaldada pelos saberes teóricos. Fica evidente que o trabalho realizado com o outro nos possibilita compartilhar saberes, mudar atitudes e valores potencializando nossa capacidade de reflexão, contribuindo, assim, para que nossa prática seja mais eficaz. Ampliando a perspectiva, devemos acrescentar que para se atingir educação de qualidade é importante uma reestruturação das instituições escolares, que supere a visão de um ensino tecnicista, transmissor de um conhecimento acabado e formal, pois, com estas mudanças, a formação transforma-se em possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e aprendizagem para que as pessoas aprendam a se adaptarem para poder conviver com a mudança e com a incerteza. Um ponto talvez bastante significativo e que merece ser levado em consideração no caso desta pesquisa é o fato de ela propor uma experiência de formação desenvolvida no próprio ambiente escolar. Não queremos dizer com isso que não sejam importantes os estudos desenvolvidos nos centro acadêmicos, mas nada mais justo de que a escola, sendo um ambiente de estudo para o aluno, o seja também para o professor. Se se criarem as condições necessárias para que isso seja uma rotina na relação entre os profissionais professores, contribuiremos para uma escola que de fato articula a teoria com a prática, uma vez que, unindo-se os estudos de formação aos planejamentos de ação, contribuímos para minimizar o hiato entre conhecimento teórico e conhecimento prático, fazendo da escola um ambiente continuamente de reflexão-ação. É repetitivo dizer o quanto aprendemos nesse processo e o quanto ainda temos a aprender, por isso afirmamos que o que realizamos é apenas o começo de novos caminhos que surgirão pela necessidade que temos de busca, de descobertas e pela vontade de desenvolvermos ações produtivas, interessantes e propiciadores de condições para a expansão da formação profissional e da prática pedagógica do professor. 188 REFERÊNCIAS ALARCÃO, I. Professor-investigador: que sentido? Que formação? In: CAMPOS. B. P. (Org.). Formação profissional de professores no ensino superior. Lisboa: Porto, 2001. ANDRADE, João Maria V. de. O conceito de cultura e a apreensão de história na 4ª série. Tese (Doutorado em educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação-Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1998. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 30-65; 121-148. ARCOVERDE, Ana C. Brito. Mediação de conflitos e família. Recife: Ed Universitária, 2002. 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Desenvolver a coordenação psicomotora; a linguagem oral e ouvir com a atenção Respeito à própria produção e a dos colegas. Alegria Tranqüilidade 200 APÊNDICE 2 – PLANO DA AULA 1 Conceito S. aprendizage m Funções mentais Processos psíquicos Proc. lógicos Hab. Atitudes R. afetivas Um grupo social, constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. Atributo destacado: grupo Motivadora Roda de conversa Sistematizad ora: Desenho da família Avaliadora: apresentação dos desenhos e montagem de mural Percepção Visual estabelecer relações entre o todo e a parte; Imagética Enumerar o elementos da família, descrever sentimentos, atitudes, explicar significados; Atenção: ouvir as consignas da professora Memória: Recordar os componentes da família e reproduzi-los em linguagem oral e imagética Pensamento: Situação-problema: Quem compõe a sua família Abstração: Substituir o diretament e perceptível pela linguagem verbal e imagética; Enumeração . Desenvolver a coordenaçã o psicomotora; a linguagem oral e ouvir com a atenção Respeito a própria produção e a dos colegas, atitude e iniciativa Alegria prazer 201 APÊNDICE 3 – PLANO DA AULA 2 Conceito S. aprendizagem Funções Mentais Processos Psíquicos Proc. lógicos Hab. Atitudes R. afetivas Um grupo social, constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. Atributo destacado: grupo Motivadora Roda de conversa. Leitura da história: Minha família é colorida Sistematizadora desenhos/pintura Avaliadora: Montagem de mural de varal Percepção Visual estabelecer relações entre o todo e a parte; Imagética explicar significados; Atenção: ouvir As orientações da professora Memória: Recordar os componentes da família e reproduzi-los em linguagem oral e imagética Pensamento: Situação- problema: por que somos diferentes dos outros? Abstração Substituir o diretamente perceptível pela linguagem verbal e imagética; Enumeração enumerar os elementos da família e as suas diferenças. Comparação Comparar as pessoas da família conforme suas características físicas Desenvolver a coordenação psicomotora; a linguagem oral e ouvir com a atenção Respeito, atitude e iniciativa Alegria prazer 202 APÊNDICE 4 – PLANEJAMENTO DA AULA 3 Conceito S. aprendizagem Funções Mentais Processos Psíquicos Proc. lógicos Hab. Atitudes R. afetivas Um grupo social, constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. Atributo destacado: grupo Motivadora Vídeo sobre a família Sistematizadora: Desenhos Tarefa xerografada Avaliadora: apresentação dos desenhos e montagem de mural Percepção Visual estabelecer relações entre o todo e a parte; Imagética Enumerar as características que diferenciam as famílias de ontem e de hoje o elementos da família, descrever Atenção: ouvir as orientações da professora Memória: Recordar os tipos de família contidos no vídeo através da linguagem oral e imagética Pensamento: Situação- problema: Que mudanças ocorreram na família ao longo do tempo Abstração: Substituir o diretamente perceptível pela linguagem verbal e imagética; Enumeração Comparação . Desenvolver a coordenação psicomotora; a linguagem oral e ouvir com a atenção Respeito a própria produção e a dos colegas, atitude e iniciativa Alegria Prazer 203 APÊNDICE 5 – PLANEJAMENTO DA AULA 4 Conceito S. aprendizagem Funções mentais Processos psíquicos Proc. lógicos Hab. Atitudes R. afetivas Um grupo social, constituído para garantir a proteção, educação e sobrevivência dos seus membros. Atributo destacado: grupo Motivadora Aula-passeio Sistematizadora: construção da família em massa de modelar - desenho do caminho percorrido Avaliadora: Montagem de mural Percepção Visual estabelecer relações entre o todo e a parte; Imagética Enumerar o elementos da família, descrever sentimentos, atitudes, explicar significados; Atenção: ouvir as consignas da professora Memória: Recordar os componentes, as diferenças que existem entre as família e reproduzi-los em linguagem oral e imagética Pensamento: Situação- problema: Quem compõea sua família Quais as diferenças entre as pessoas da sua família e a da colega visitada? Abstração: Substituir o diretamente perceptível pela linguagem verbal e imagética; Enumeração comparação . Desenvolver a coordenação psicomotora; a linguagem oral e ouvir com a atenção Respeito a própria produção e a dos colegas, atitude e iniciativa Alegria prazer 204 APÊNDICE 6 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PESQUISA: PENSANDO E AGINDO: ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE PENSAMENTO TEÓRICO E PRÁTICA PEDAGÓGICA LOCAL DA PESQUISA: ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR ARNALDO MONTEIRO DESCRIÇÃO DA PESQUISA Este projeto faz parte da Base de Pesquisa “Currículos, Saberes e Práticas Educativas”, da linha de pesquisa “Práticas Pedagógicas e Currículos” do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Propõe-se a execução de uma pesquisa colaborativa a ser realizada com os professores da Escola Municipal Professor Arnaldo monteiro. Pretendemos desencadear um processo de reflexão e uma ação em que o processo de desenvolvimento do pensamento e a prática pedagógica do professor estejam relacionados. Nessa perspectiva, pretendemos investigar a relação entre o desenvolvimento do pensamento teórico e a prática pedagógica de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e mais especificamente, propiciar a continuidade de um processo de formação que viabilize às professoras implicadas: apreender o significado dos conceitos que compõem os conhecimentos curriculares; compreender os processo e procedimentos psíquicos implicados na elaboração e internalização de conceitos e ter o domínio dos procedimentos lógicos inerentes ao desenvolvimento do pensamento; mediar de forma consciente e planejada as etapas necessárias à efetivação desse processo, além de analisar as inter- relações entre a mediação pedagógica desencadeada e o desenvolvimento do pensamento dos alunos. Nessa direção formulamos a seguinte questão de investigação: Qual a relação entre o desenvolvimento do pensamento teórico e prática pedagógica? Em função do exposto, gostaríamos da sua participação nesse estudo, formação e pesquisa. 205 APÊNDICE 7 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PESQUISA: PENSANDO E AGINDO: ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE PENSAMENTO TEÓRICO E PRÁTICA PEDAGÓGICA LOCAL DA PESQUISA: ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR ARNALDO MONTEIRO CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO PROFESSOR Eu, -----------------------------------------------------------------------------------, RG nº ___________, professora do ----------do Ensino Fundamental/Educação infantil( turno vespertino), concordo em participar da pesquisa: “Pensando e agindo: estudo da relação entre pensamento teórico e prática pedagógica.Tive pleno conhecimento das informações sobre o citado estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, procedimentos a serem realizados, os prós e os contras, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que a minha participação é isenta de despesas e que as minhas falas e imagens serão utilizados no contexto do trabalho escrito ( Tese) e em apresentações, seminários e congressos que eventualmente venham ocorrer. Natal, ------------- de ----------------de---------------------------- Pesquisador responsável:- ----------------------------------------- Professora partícipe ------------------------------------------------- 206 APÊNDICE 8 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PESQUISA: PENSANDO E AGINDO: ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE PENSAMENTO TEÓRICO E PRÁTICA PEDAGÓGICA LOCAL DA PESQUISA: ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR ARNALDO MONTEIRO CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO ALUNO Eu, -----------------------------------------------------------------------------------, RG nº -------------------------- -------mãe de ------------- ----------------------------------------------------aluno (a) do 1º ano do Ensino Fundamental ( turno vespertino), concordo em que meu filho participe da pesquisa: “Pensando e agindo: estudo da relação entre pensamento teórico e prática pedagógica.Tive pleno conhecimento das informações sobre o citado estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, procedimentos a serem realizados, os prós e os contras, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que a minha participação é isenta de despesas e que as falas e as imagens dos meu/minha filho(a) serão utilizados no contexto do trabalho escrito( Tese) e em apresentações, seminários e congressos que eventualmente venham ocorrer. Natal, ------------- de ----------------de---------------------------- Pesquisador responsável:- ----------------------------------------- Professora partícipe ------------------------------------------------- Pai/mãe/responsável -------------------------------------------------