UNIVER O LEITOR DE COMUNIDADES DE LITERATURA SERIADA: UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA SEM FRONTEIRAS? UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM – PPGeL MESTRADO – LINHA DE ESTUDO: PRÁTICAS DISCURSIVAS ROSÂNGELA FRANÇA DE MELO O LEITOR DE COMUNIDADES DE LITERATURA SERIADA: UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA SEM FRONTEIRAS? NATAL 2017 ROSÂNGELA FRANÇA DE MELO O LEITOR DE COMUNIDADES DE LITERATURA SERIADA: UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA SEM FRONTEIRAS? Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem. Área de Concentração: Estudos em Linguística Aplicada. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves. NATAL 2017 O LEITOR DE COMUNIDADES DE LITERATURA SERIADA: UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA SEM FRONTEIRAS? Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem. APROVADO EM: _____ / _____ / _____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Orientadora) ____________________________________________________ Profa. Dra. Márcia Tavares da Silva Universidade Federal da Paraíba (Examinadora externa) ____________________________________________________ Profa. Dra. Araceli Sobreira Benevides Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (Examinadora Externa) Melo, Rosângela França de. O leitor de comunidades de literatura seriada: uma construção identitária sem fronteiras / Rosângela França de Melo. - 2017. 183f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, 2017. Orientador: Prof.ª Dr.ª Maria da Penha Casado Alves. 1. Linguística Aplicada. 2. Identidade - Comunidade de Leitores. 3. Linguagem. 4. Literatura seriada. 5. Sagas. I. Alves, Maria da Penha Casado. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33 Dedico este trabalho aos leitores Lucas, Ângela e Denilson, os quais representam, aqui, todos aqueles que ousaram ser jovens capitães em naves-livros; e à minha mãe, que comprava livros pela capa. Não sabe o poder desse gesto lindo e “absurdo” em minha vida. AGRADECIMENTOS Às vezes, penso que DEUS escreveu comigo e se divertiu quando também me diverti e sorriu ao encontrar as epígrafes comigo (Júlio Verne que o diga... Shiu! Segredo nosso!); amou este fazer científico-poético-literário-quase-absurdo tanto quanto eu. Somente não chorou comigo, porque sabia que não deveria fazê-lo, se eu buscava Nele a força superior necessária, qualquer sopro de heroísmo, qualquer gota de sabedoria, um tantinho assim que fosse de energia divina. Como posso não agradecer? Devo! Penso que ter o quê e a quem agradecer é uma dádiva! Portanto, deixo aqui todo meu amor, envolto em laços de fita de seda, do tipo que foi descrito em páginas pelas mãos de Adélias, Arianos e Quintanas. Por tudo o que se constitui como identidade leitora em mim: ofereço minha reverência eterna... ... à minha FAMÍLIA, por meu próprio coração, pelo sangue que corre em minhas veias, a todas as partes de mim mesma; pela paciência de pais, esposo, filhos, sogros, cunhados, tios, primos... ao entenderem meus silêncios, enquanto lia, ou escrevia, bem como minha euforia, ou minha decepção diante das páginas que me consumiam; por me conduzirem, ou me acompanharem, ainda que observando de longe, como quem deixa o filho atravessar a rua sozinho, para ver se ele vence o desafio; ... à minha ÂNGELA, filha amada, por ser a Alice de todos nós e me dar lições de coragem sobre não temer o que há na toca do coelho; ao meu LUCAS, filho amado, por ser o Skywalker defensor que sempre esteve pronto a ouvir e me oferecer histórias em quadrinhos para me fortalecer, desde que voltei a escrever; ao meu DENILSON, esposo, companheiro de uma vida, por ser o leitor devotado de minhas páginas e de outras milhares de páginas literárias; ... à minha MÃE, que se diz não leitora, por comprar livros pela capa, perder-se em matizes imperiosas e convencer-se de que as criaturas-livros deveriam ser minhas companheiras; por ajudar-me a montar minha primeira “biblioteca” (com duas criaturas), apresentar-me aos cordéis e se orgulhar de mim, sem nem mesmo saber por qual motivo; ... à minha orientadora, minha Morgana das Fadas, PENHA, a quem ouso chamar de materna, por fugir de Avalon para ler quadrinhos aqui, em terras potiguares; por não desistir deste conto inacabado que sou eu e permitir que meu traço escritor resistisse em meio à dureza acadêmica; ... à minha avó SEVERINA, que, tendo cursado até a terceira serie primária, revelou- me a grandeza de ser leitora de ofícios e Evangelhos (Como pode alguém ser tão ingênuo e tão sábio com um livro nas mãos? As mãos não são, por certo, nossas condutoras? Saudades dos finais de tarde, nos quais minha leitora Júlia “lia” com as mãos, sem jamais ter perdido a visão. É que as palavras somente valiam se, pelos dedos, fossem indicadas.); à minha tia RAILDA, por ter me apresentado ao Clube do livro e ter me feito herdeira de Kafka e Poe, aos doze anos; como leitora, sabia que jamais seria a mesma; ao meu avô CHICO, por ter caçado lobisomens, lutado contra a sedução da mãe d’água e rezado as orações do Livro de São Cipriano, em voz alta, para jogar no bicho e ficar milionário, em suas histórias que, para mim, são todas verdadeiras; ... ao meu PAI, um quixotesco sonhador, redundante assim, por ser um leitor voraz e um escritor fechado em gavetas, como eu sou ainda, embora saibamos que nossos filhotes literários, a qualquer hora, encontrarão a chave e se lançarão na vida; aos meus IRMÃOS, que mais pareciam personagens das crônicas de Veríssimo, para os quais li o que pude, em voz alta, na intenção de contê-los, ou adormecê-los, porque não sabia fazer outra coisa para impor-lhes a autoridade de irmã mais velha, basicamente, porque a literatura já me ensinara que eu não cabia naquela personagem; ... aos amigos, parceiros de profissão, conhecidos, vizinhos com os quais nem falo direito, meus cavaleiros andantes, por serem uma Távola Redonda inteira, buscando os cálices-livros e tentando devolvê-los a mim, como se eu me chamasse Arthur e minha paz, deles, dependessem; aos meus alunos, por terem acreditado em mim e terem se tornado capitães em nossa nau-escola, à espera de meu retorno; ... aos que construíram comigo este fazer científico, os semideuses do CHB, tributos do T&D, “moradores” da CLFIC, guerreiros, espadachins, deuses, guardiões, ladrões de raios, heróis de capa, espada e poções, amantes shakespearianos, meus meninos-leitores, protagonistas desde já, de minha vida, por me fazerem entender que as paredes de uma sala de aula não podem conter sequer uma única palavra no verso solitário de um poema, que dirá a imaginação e a liberdade; ao professor MARCOS COSTA, por ter me abraçado ainda quando uma sonhadora irritante no curso de Letras, perseguidora de seus passos e parecia me conhecer desde o ventre; às professoras Araceli e Márcia, por terem aceito a missão de julgar meus escritos; à corretora Fabíola, por seu olhar generoso, seu trabalho aqueceu este coração temeroso; aos meus colegas e amigos do Círculo de Bakhtin, por tudo que me ensinaram em prosas instigantes, nos vesperais de sábado, mais dialógicos dos últimos tempos; ... finalmente, aos professores-leitores que me encantaram com seu próprio encantamento e me seduziram, por meio de lábios sherlockianos, aos braços literários nos quais, não temo dizer, perdi-me em corpo, alma e consciência! Penso que ter o quê e a quem agradecer é uma dádiva! “Mas que haverá com a lua, que, sempre que a gente a olha, é com um novo espírito?” Mário Quintana (2009, p. 29) RESUMO O ato de ler mobiliza, para os tons diversos da escrita, o olhar de quem o faz e lhe permite apropriar-se da ideia alheia, do universo criado, da visão comum, da beleza, ou mesmo da deformação estética, entre tantas outras disposições existentes na relação leitor/objeto. Esse, é ressignificado; aquele, reinventa-se, a partir do “toque” estabelecido. Quem, ou o quê teria incentivado, nutrido essa relação; em quais condições essa se desenvolve; ainda, se o conjunto de características de uma geração foi fator determinante para estreitar laços com a criatura literária também permeiam o construto deste fazer pesquisador. O presente trabalho trata, mais especificamente, da tentativa de mapear traços identitários comuns entre os sujeitos pesquisados: leitores de literatura seriada, membros de comunidades criadas em torno desses volumes literários. A proposta é problematizar a identidade desses leitores e analisar o construto dessa, a partir dos elementos sociais que os cercam e que eles apontam como determinantes para uma redefinição de fronteira, entre o que lhes é apresentado como literatura boa e oficial e o que elegeu como a que responde às suas perspectivas. O estudo dessa identidade é individual, embora não se afaste da consciência de grupo que existe e é um dos fatores de coesão nas comunidades de leitores. O corpus da pesquisa é um conjunto de questionários, totalizando vinte e sete questionários selecionados para este trabalho, dos quais, dezesseis receberam a colaboração dos membros da comunidade Camp Half Blood (CHB), dos fãs da saga Percy Jackson, uma das coleções de Rick Riordan. Outros dois conjuntos, Comunidade de Leitores da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti (CLFIC) e Tributos e Divergentes (T&D), contribuíram para este fazer científico, respectivamente, quatro questionários da CLFIC e cinco do T&D. Como base teórica, por se tratar de uma pesquisa de mestrado em estudos da linguagem, na área de estudos em Linguística Aplicada, na linha dos estudos de práticas discursivas, busca expor esse mapeamento à luz das teorias de Bakhtin (2011, 2015) que considera a linguagem como um constante processo de interação mediado pelo diálogo. À percepção do enunciado bakhtiniano, concreto, marcado por vozes, reúne o conceito de forças centrípetas e centrífugas. Apresenta, ainda, do campo da Linguística Aplicada, o estudo das identidades modernas descentradas, ou fragmentadas, de Hall (2006) e a visão de Canclini (2006) sobre o ato de “descolecionar” e da contemporaneidade como construção histórica marcada pelos processos de hibridização. Tais orientações teórico-metodológicas possibilitam entender as comunidades de leitores como espaços construídos, conforme desejos/saberes/experiências de seus participantes, que lhes asseguram uma trajetória de leitura à revelia do que é socialmente valorizado como a “boa literatura”. Palavras-chave: Comunidade de Leitores. Identidade. Linguagem. Literatura. Sagas. Coleções. ABSTRACT The act of reading mobilizes, for the different tones of writing, the gaze of the one who does it and allows it to appropriate the idea of others, of the created universe, of the common vision, of beauty, or even of aesthetic deformation, among many other dispositions existing in the relation reader / object. This, it is resignified; that, reinvents itself, from the established "touch". Who, or what would have encouraged, nourished this relationship; under what conditions it develops; still, if the set of characteristics of a generation was a determining factor for closer ties with the literary creature also permeate the construct of this researcher doing. However, the present work focused more on the attempt to map common identity traits among the subjects studied: readers of serial literature, members of communities created around these literary volumes. The proposal is to describe and analyze the construct of the identity of this new reader from the social apparatus that surrounds him and which he points out as a determinant for his redefinition of the frontier, between what is presented to him as good and official literature and what he named as the which now responds to their perspectives. The study of this identity is individual, although we can not move away from the group consciousness that exists and is one of the factors of cohesion in the communities of readers. For that, a group was invited to participate in the research: Camp Half Blood (CHB), of fans of the saga Percy Jackson, one of the collections of Rick Riordan. Of the twenty-seven questionnaires selected for this study, sixteen were filled out by members of this community. Two other groups, the Community of Readers of the State School Professor Francisco Ivo Cavalcanti (CLFIC) and Tributes and Divergent (T & D), contributed to this scientific work, respectively, of CLFIC, four questionnaires answered and T & D, five questionnaires. It is intended to expose this mapping, in the light of Bakhtin's (2011, 2015) theories that considered language as a constant process of interaction mediated by dialogue. The concept of centripetal and centrifugal forces, also of the author, came together with the perception of the Bakhtinian, concrete, voiced statement. Are still in the field of applied linguistics, in this research, the study of modern "decentered or fragmented" identities of Hall (2005), "historically constituted, not biologically" and Canclini's (2006) vision of the The act of "taking off" and contemporaneity as a historical construction marked by the processes of hybridization. Such theoretical-methodological orientations allow the reader communities to be understood as constructed spaces, according to the desires / knowledge / experiences of their participants, which assure them a reading path in the absence of what is socially valued as "good literature". Keywords: Community of Readers; Identity, Language; Literature; Sagas; Collections. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Um presente para Alice ........................................................................................... 33 Figura 2 – Símbolo oficial do “Acampamento Meio-Sangue”, do “Camp Half-Blood RN”. .. 67 Figura 3 – CHB – Imagem produzida a partir de vídeo – Número artístico-musical no encontro “Casa de Afrodite”, em junho de 2014, a partir das 14h. .......................................... 68 Figura 4 – Recorte do questionário respondido por “Arth”, membro do CHB RN (Anexo A) 69 Figura 5 – CHB – Encontro Casa de Afrodite, em 14 de junho de 2014, a partir das 13h30 .. 70 Figura 6 – CHB – Convite Encontro Casa de Afrodite, em 14 de junho de 2014, a partir das 13h30 ........................................................................................................................................ 70 Figura 7 – Uma das apresentações musicais no encontro da Casa de Afrodite........................ 71 Figura 8 – Jogo “Quebrando o Coração”, entrega dos corações recortados, para serem fixados no peito dos participantes. ........................................................................................................ 72 Figura 9 – Jogo “Quebrando o Coração” ................................................................................. 73 Figura 10 – CHB – Jogo dos casais .......................................................................................... 74 Figura 11 – CHB – Jogo dos Casais – Composição dos casais nos painéis ............................. 74 Figura 12 – CHB – Encontro Casa de Hades, em 2013 ........................................................... 75 Figura 13 – CHB – Encontro Casa de Hades, em 2013 ........................................................... 75 Figura 14 – CHB – Convite para o encontro da Casa de Ares, em 06 de dezembro de 2014 .. 76 Figura 15 – CHB – Recorte do questionário respondido por Aleph Matteus, administrador no CHB .......................................................................................................................................... 77 Figura 16 – Postagem na Time Line do CHB a respeito da nova estrutura para os encontros em 2015 .................................................................................................................................... 78 Figura 17 – CHB – Convite elaborado e postado por uma das administradoras do CHB........ 79 Figura 18 – CHB – Pôster Encontro das Cortes, elaborado e postado por uma das administradoras do CHB .......................................................................................................... 80 Figura 19 – CHB – Encontro das Cortes Romanas, em 02 de maio de 2015, a partir das 14h 81 Figura 20 – CHB – Membro do grupo empunha espada de madeira, confeccionada por ele mesmo ....................................................................................................................................... 82 Figura 21 – CHB – Luta com espadas, jovens à espera do comando inicial ............................ 83 Figura 22 – CHB – Postagem realizada por uma das administradoras do CHB, na timeline do grupo, referente às novas regras. .............................................................................................. 86 Figura 23 – CHB – Concurso Encontro de Vênus – CHB – Postagem realizada por um dos administradores do CHB, referente à disputa entre as cortes ................................................... 89 Figura 24 – CHB – Poema de Segunda Corte (Autores: Igor e Samuel) ................................. 90 Figura 25 – CHB – Encontro Corte de Vênus- CHB , em 14 de junho de 2015, às 14h .......... 91 Figura 26 – CHB – “Cantada Inteligente” ................................................................................ 92 Figura 27 – CHB – Declamação de poema em homenagem aos casais ................................... 92 Figura 28 – CHB – Vencedores do Sorteio de Livros, atividade rotineira nos encontros........ 93 Figura 29 – CHB – Um dos vencedores do Sorteio de Livros, atividade rotineira nos encontros ................................................................................................................................... 93 Figura 30 – Primeiro Encontro Oficial do CHB em 2017 – Os Escolhidos do Olimpo – CHB, em 28 de janeiro, às 14h. .......................................................................................................... 94 Figura 31 – Convite Primeiro Encontro Oficial do CHB em 2017 .......................................... 95 Figura 32 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Caça-bandeira ........................................... 95 Figura 33 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Vencedoras no sorteio dos livros ............ 96 Figura 34 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Entrega das contas .................................... 96 Figura 35 – CHB – Casas Atena e Posseidon – As contas ....................................................... 97 Figura 36 – CHB – Casas de Atena e Posseidon –- Jogo Fuja da Tia M! ................................ 97 Figura 37 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Debate em defesa dos deuses ................... 98 Figura 38 – CHB – Casas Atena e Posseidon – Mãe de participante do CHB ......................... 98 Figura 39 – CLFIC – Apresentação da montagem feita pelo grupo da obra de Willian Shakespeare, em dezembro de 2015, na Escola Estadual professor Francisco Ivo Cavalcanti ................................................................................................................................................ 101 Figura 40 – CLFIC – Apresentação da montagem feita pelo grupo da obra de Willian Shakespeare, em dezembro de 2015, na Escola Estadual professor Francisco Ivo Cavalcanti ................................................................................................................................................ 101 Figura 41 – T&D – Encontro Panem, 24 de setembro de 2016, 14h, auditório da Livraria Saraiva, às 14h ........................................................................................................................ 102 Figura 42 – T&D – Encontro, 15 de janeiro de 2017, 14h, Área Verde do estacionamento do Shopping Midway Mall, às 14h .............................................................................................. 102 Figura 43 – 4ª Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró- Livro ....................................................................................................................................... 109 Figura 44 – Recorte do questionário respondido por Joana Cândido, membro do CHB ....... 112 Figura 45 – Imagem do filme Percy Jackson e O Ladrão de Raios ....................................... 114 Figura 46 – CHB Encontro das Cortes, maio de 2015, preparando-se para a luta com espadas, que, no filme, acontece na Caça às Bandeiras ........................................................................ 115 Figura 47 – Recorte do questionário da entrevistada Mikaela, membro do CHB e do T&D. 122 Figura 48 – Recorte do questionário de Mikaela, membro do CHB e T&D .......................... 125 Figura 49 – Recorte do questionário de Márcio, membro do T&D ....................................... 126 Figura 50 – Recorte do questionário de Amanda, membro do T&D ..................................... 126 Figura 51 – Trecho da pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2015) .................................... 127 Figura 52 – Perfil de leitura do brasileiro em relação à estimativa populacional .................. 127 Figura 53 – Perfil de leitura do brasileiro em relação aos livros mais citados ....................... 128 Figura 54 – Recorte do questionário de Mikaela, membro do CHB e T&D .......................... 129 LISTA DE SIGLAS CHB RN – CAMP HALF-BLOOD (ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE DO RIO GRANDE DO NORTE) T&D RN – TRIBUTOS E DIVERGENTES DO RIO GRANDE DO NORTE PDD – PARQUE DAS DUNAS CLFIC – COMUNIDADE DE LEITORES DA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR FRANCISCO IVO CAVALCANTI UNESCO – UNIÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA CAPES – COMISSÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DO NÍVEL SUPERIOR SUMÁRIO 1 UM PRINCÍPIO ELEMENTAR ........................................................................................... 19 1.1 ESPÉCIE DE PRÓLOGO DEVERAS INTRODUTÓRIO ....................................................................... 19 1.2 APROXIME SUA CADEIRA DO FOGO, POR FAVOR, E TENHA A BONDADE DE ME CONCEDER, POR BREVES HORAS SUA COMPANHIA! ................................................................................................... 20 1.3 NOSSAS CINCO SEMENTES DE LARANJA (OBJETO DE ESTUDO, JUSTIFICATIVA, PROBLEMÁTICA, QUESTÕES DE PESQUISA E OBJETIVOS) ............................................................................................ 23 1.4 AFINAL DE CONTAS QUEM SOU EU? ........................................................................................... 29 1.4.1 Sobre quem escreve estas folhas e por qual motivo as escreve .......................................... 29 1.5 TERRITÓRIO DE PAPEL (O ESTADO DA ARTE) .............................................................................. 37 2 TRANSCRIÇÃO FEBRIL: A TEORIA ............................................................................... 49 3 LABOR DE JARDINEIRO EM DIA DE CHUVA (O MÉTODO) ..................................... 59 3.1 PASSOS.........................................................................................................................................63 4 TRABALHOS, PESSOAS E DIAS ...................................................................................... 67 4.1 TENDA MÁGICA DOS MENINOS LIVRES (ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE – CHB RN)................67 4.2 PRINCIPALMENTE, PORQUE MENINOS LIVRES SÃO DONOS DE MUITAS CASAS.........................99 5 ENTRE MENINOS E LIVROS E ESPELHOS: TEORIZANDO E ANALISANDO IDENTIDADE... ..................................................................................................................... 104 5.1 “REBATIZAR-SE” PARA SER OUTRO! .......................................................................................... 104 5.2 QUEM DERA TER QUINZE ANOS PARA SER CAPITÃO ................................................................ 118 6 CASA DE FERREIRO (CONSIDERAÇÕES FINAIS A RESPEITO DE IDENTIDADE; ÚLTIMA REFLEXÃO SOBRE FRONTEIRAS, COMEÇANDO PELAS QUE EXISTEM NA ESCOLA E NO ESTUDO LITERÁRIO) ....................................................................... 132 6.1 ESPÉCIE DE EPÍLOGO CLARAMENTE ALUSIVO AO FUTURO ...................................................... 137 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 138 ANEXO A – QUESTIONÁRIO APLICADO COM OS QUE ADMINISTRAM E COORDENAM AÇÕES E/OU FUNÇÕES NO CHB ........................................................... 143 18 19 1 UM PRINCÍPIO ELEMENTAR O que são fronteiras, senão nossa necessidade protetora de nós mesmos? Quando ultrapassadas por cuidadosos pés, figuram como linhas em negrito de mapas hachurados, feitas para este fim: dizer-nos que estarão ali, quando decidirmos voltar para casa. Quando saltadas por indóceis membros, são-nos, senão, como cercas, caminhos certos para a casa da avó, estradas de tijolos amarelos, como que para nos alertar de que não é segura a façanha de nos distanciarmos delas. Quando rompidas pelas pontas dos dedos, vestem-se de couraça enrijecida pela água, poeira e o tempo, cobrem-se de capa duríssima, talvez para nos impedir, ou punir pelo avanço em terreno alheio. Fronteiras nos pintam com suas cores, e são suas bandeiras as quais carregamos; somos pacotes embalados, envoltos em fita de seda, liberados para o trânsito entre reinos, quando as respeitamos e amamos. Todavia, quem disse que delas podemos dar cabo? Ser humano fronteiriço é reconhecer as virtudes cartográficas de nossas origens. Ao passo que, ultrapassá-las, saltá-las e rompê-las definem nossa vontade. Quanto a ‘quem somos’ é mesmo uma questão de mapear o que está dentro das linhas tanto quanto o que, delas, liberta-se. Afinal, os muros são construídos para conter nossos corpos, jamais nossa identidade, essa é dotada de muito mais do que pés, membros e pontas dos dedos. que nos fecha em pacotes embalados. 1.1 ESPÉCIE DE PRÓLOGO DEVERAS INTRODUTÓRIO Tantas casas quanto forem possíveis, iguais em dignidade — fincadas em cantos, escondidas na cidade — reativam, dia após dia, antiga parceria entre as narrativas do mundo e seus leitores, inundando mãos fraternas, sangue irmão. Seus distintos moradores são-lhe tão fiéis quanto permitem seus desejos nômades de encantamento e sobrevivência. Ora passeiam entre as casas, ora perambulam por caminhos que levam aos castelos duríssimos. Não são tristes, tampouco insanos. Decididamente são donos, ainda que por poucos entretempos, das histórias renascidas ali. Todos os dias, vestem- se dos amantes de piratas, amigos dos lacaios mais inescrupulosos, salvadores de si e do outro, ladrões de raios, semideuses, tributos heróis, leitores! E seguem nutrindo as pesadas páginas. Os lances desse amor fadado ao encanto tanto quanto ao desencanto, que encontra, na fronteira de tudo, a motivação para reiniciar a história, serão aqui descritos. Se emprestardes a tudo olhos atentos, supriremos as faltas a contento. Contudo, se não deres 20 importância devida, será como ler o primeiro e último capítulos de um esperado livro, jurando tê-lo conhecido, a ponto de descrevê-lo de olhos bem fechados. Diria: fechadíssimos! 1.2 APROXIME SUA CADEIRA DO FOGO, POR FAVOR, E TENHA A BONDADE DE ME CONCEDER, POR BREVES HORAS SUA COMPANHIA! Caríssimo leitor, invitamos seu olhar investigativo para que percorra as páginas deste documento acadêmico, reunindo as pistas as quais o levarão à apreciação do jovem sujeito- leitor de sagas e sua identidade. Esse convite não demonstraria seriedade necessária se não lhe solicitássemos o uso de lentes capazes de ajudar na percepção mais apurada, livre das amarras impostas, inúmeras vezes, à escrita deste gênero acadêmico. Propomos a primeira pessoa (aqui, plural em essência), por concebermos que incontáveis vozes constituíram, por exemplo: a formação da autora, que se valeu do olhar de sua orientadora, dos dizeres dos teóricos, dos atos de enxergar, falar e agir daqueles que são os sujeitos, cujos construtos identitários foram tateados; bem como da percepção dos que foram convocados à provocação desta leitura, durante o processo de pesquisa e escrita. Ademais, o uso das lentes permitirá alcance maior do labor criterioso (da análise, das considerações...), por lhe proporcionar que repense as múltiplas possibilidades da apresentação de uma construção científica, sem que essa perca de vista as finalidades, funções, partes, que ajudam a responder, a justificar, a dar corpo e entendimento a esse fazer. Dessa forma, munir-se das lentes ─ esse “equipamento conceitual” tão subjetivo, metafórico em seu contorno, embora de função tão clara e precisa, sugerido por nossas mãos a tempo de que pudesse vencer as primeiras páginas ─ potencializará o ato de descortinar, para que reconheça, na forma como lhe é apresentado este construto acadêmico, a possibilidade de enxergar, com mais propriedade, esse específico leitor (sujeito de nossa pesquisa) e sua identidade; tudo, sob autoral assinatura de colorido tão literário. Isso o levará a reconhecer, imersos em deslizante escritura de traços narrativos, os objetivos, as perguntas de partida, os métodos, os aportes teóricos, as análises e as considerações, todos revelados em estrutura, desde já, parcialmente rompida em sua essência composicional. A percepção dos diferentes sentidos depende do uso das lentes; a orquestração das partes, ainda que dispostas em camadas e camadas de metáforas, depende do manuseio dessas lentes; o entendimento dos juízos valorados, aqui tecidos como “contos” e seus pontos acrescentados, nas vozes dos sujeitos pesquisados, somente será reconhecido quando olhos e 21 lentes formarem criatura híbrida, capaz de ler e enxergar muito mais até do que lhe é posto nesta trilha investigativa. Abertos e decididos a se dedicarem às páginas que seguem, os olhos de nosso leitor (Vossa Senhoria) são apresentados a “UM PRINCÍPIO ELEMENTAR”, seção 1, de caráter introdutório nesta dissertação, detentor da origem motivadora desta pesquisa, revelador das digitais autorais, em cujas laudas apresentamos: “APROXIME SUA CADEIRA DO FOGO, POR FAVOR, E TENHA A BONDADE DE ME CONCEDER, POR BREVES HORAS, VOCÊ!”, trata-se de nosso convite a você, leitor escolhido. No título, parafraseamos as palavras de Sherlock Holmes ao novo cliente, no conto “As Cinco Sementes de Laranja”. Por sua vez, apresentamos “NOSSAS CINCO SEMENTES DE LARANJA”, subseção na qual estão escritos os primeiros incômodos (questionamentos, embates ideológicos os quais confrontavam formação acadêmica e experiência em sala de aula), os objetivos e as perguntas que geraram toda a necessidade de investigação em torno desse sujeito de pesquisa; a justificativa, que tenta cumprir sua função, convidando a observar por qual motivo decidimos por esta pesquisa e análise, além de apresentar uma perspectiva futura de aproveitamento desses achados. Para encerrarmos UM PRINCÍPIO ELEMENTAR e darmos início, na sequência, ao estudo fronteiriço de palavras que possam nos dizer sobre identidade em tantos campos de leitura, ser-lhe-á apresentado o TERRITÓRIO DE PAPEL, no qual o conhecimento de outras vozes autorais são elencadas, descritas e, objetivamente, relacionadas ao contexto desta pesquisa, explicitando mais visibilidade à temática por meio de olhares outros: é caminho onde se encontra o Estado da Arte. Na seção 2, “LABOR DE JARDINEIRO EM DIA DE CHUVA”, o método é apresentado a partir de teorias que possam sustentar este fazer científico, observando com mais objetividade qual tipo de pesquisa se desenvolve e de que forma foi realizada, as teorias que sustentam nossas escolha metodológica e as justificativas as quais inscrevem esta dissertação no estudo da Linguística Aplicada. Intitulado assim por reconhecermos na “Profissão de Fé”, do mestre Olavo Bilac, o estímulo para o fazer bem, neste que tenta se aproximar ao menos da poesia expressa em seu “labor de joalheiro”. Posteriormente, na seção 3, TRABALHOS, PESSOAS E DIAS, seguirá uma descrição arrumada, uma narrativa quase disciplinada, escrita com ares de cartógrafo, mas sem a menor competência para tanto. Cremos, que num piscar levemente abusivo de olhar bem sincero, o jeito será levá-lo, desconfiado leitor, às “TENDAS MÁGICAS DOS MENINOS LIVRES”. O desejo era de que você fosse sozinho, para que pudesse desenhar com seu traço o mapa onde 22 se encontram os espaços de reunião das Comunidades de Leitores (CHB, T&D e CLFIC), tal qual foi realizado nesta seção, observando aspectos da estrutura para o real funcionamento dessas e quanto contribuíram para a definição de alguns aspectos na vida de seus membros. Esses também são retratados, identificados em suas funções, observados por suas ações participativas ou contemplativas do próprio grupo. Nesse “ínterim documental”, já se percebem traços comuns de identidade, revelados em atividades desempenhadas por esses conjuntos humanos, bem como na linguagem, na seleção de seus pertences literários, por exemplo. Sequencialmente, conduzimos seu olhar, atento leitor, à “TRANSCRIÇÃO FEBRIL”. Nessa seção 4, o corpo teórico, vozes sobre vozes, desfila quase impaciente, na tentativa de lhe dizer o quanto não há a condição solitária, ou adâmica, antes, sim, proliferada e proliferadora das ideias que dialogam. “ENTRE MENINOS E LIVROS: ESPELHOS!” “anuncia” os que trataram da identidade e nos auxiliaram no entendimento dessa. É iniciada seção 5, o corpo desta dissertação. Passamos a revelar, com mais propriedade, os sujeitos e suas falas, os quais nutriram esta investigação e o mapeamento identitário; página a página, com traçado marcante, delineiam-se os sujeitos, membros das comunidades de leitores em duas partes: “REBATIZAR-SE”, PARA SER OUTRO!” e “QUEM DERA TER QUINZE ANOS PARA SER CAPITÃO”. É quando a análise se reveste de uma armadura esquelética que lhe confere a forma humanoide, em linhas escritas. “Assustadoramente” performáticas, as características que distinguem tanto quanto tornam comuns esses sujeitos investigados parecem caminhar sob o olhar atento do leitor deste documento acadêmico. Chegará, por fim, nosso distinto leitor, como quem corre a renovar as lentes, às considerações finais. Essas, por sua vez, pretendem apontar para um acabamento que, paradoxalmente, não se propõe a encerrar, antes sim, sugerir que há pistas em quantidade a ser descobertas no percurso do estudo e da pesquisa das comunidades de leitores e os membros que as constituem. Abrigadas em “CASA DE FERREIRO...”, as considerações também aludem à função da escola e ao cumprimento de seu papel, como alimentadora dos atos de ler e escrever. Convidá-lo, então, é o primeiro ato. Os próximos lhe serão oferecidos no decorrer da leitura desta dissertação. Não antes de lhe dizer que antecipamos, ao invitamento, a primeira porta aberta, cuja passagem o levou à paráfrase do prólogo da peça Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare, “Duas casas, iguais em seu valor, em Verona...”. Nela, as comunidades de leitores são tratadas como casas, revelando a disposição deste documento em discorrer a 23 respeito dessa relação protetora entre essas e seus participantes. Também uma referência a uma das obras lidas e partilhadas cenicamente, pela Comunidade de Leitores da Escola Estadual professor Francisco Ivo Cavalcanti, que acolhe, entre outros, quatro membros do Camp Half Blood, os quais também foram entrevistados para esta pesquisa. Convite aceito, caríssimo leitor, seja, então, bem-vindo ao conhecimento que nos revelou identidades de jovens, os quais devotam tempo às coleções literárias, que dão nome e são o motivo da existência das comunidades onde estão inseridos. Rapazes e moças, sujeitos historicamente situados, ideologicamente “colocados” neste mundo juvenil, de laços bem estreitos com o universo à sua volta, os quais assumem o espaço que ora lhes reservam; ora é conquistado por eles. 1.3 NOSSAS CINCO SEMENTES DE LARANJA (OBJETO DE ESTUDO, JUSTIFICATIVA, PROBLEMÁTICA, QUESTÕES DE PESQUISA E OBJETIVOS) Em As aventuras de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle (2011, p. 167), destacamos a seguinte cena: Pegou uma laranja no guarda-louça e, abrindo-a em gomos, espremeu as sementes sobre a mesa. Apanhou cinco delas e jogou-as num envelope... ‘Isto estará à espera dele quando entrar no porto’, disse, com uma risadinha. ‘Talvez lhe custe uma noite sem pregar os olhos. Vai lhe parecer um prenúncio tão certo de seu destino quanto pareceu antes a Openshaw. No conto aludido, as clássicas personagens de Doyle, Holmes e Watson, investigam uma série de assassinatos, os quais sempre foram antecedidos pela entrega de cinco sementes de laranja, dentro de um envelope, às futuras vítimas. Em um dos diálogos que intercalam a investigação, Holmes observa: “Creio, Watson, que entre todos os nossos casos não tivemos nenhum mais fantástico do que este”. O caso mais fantástico de Sherlock teria de nomear também uma das subseções desta dissertação. Principalmente, porque, desde o início, reconhecemos como obra investigativa, merecedora de grande empenho, rigor e estudo minucioso, constituindo-se como um parecer pesquisador a respeito da identidade. Igualmente, por esta obra ser a que primeiro se detalha sob a lente de aumento do detetive literário por excelência. Para Sherlock Holmes, “despir” o outro, a ponto de conhecê-lo mais do que deveria, muitas vezes, menos do que o observado gostaria, ajuda-o a compreender o mistério que o cerca, bem mais até do que as pistas que se espalham por seu caminho. Assim, tratamos com a diligência que supomos necessária, inclusive na escolha da abordagem por 24 meio da escrita. Vamos, então, ao nosso “caso mais fantástico”. Para tanto e antes que as pistas desapareçam, detemos seu olhar sobre estas linhas, para lhe revelar a matéria deste estudo, sua escolha, sustentada por razões as quais, esperamos, permitam melhor compreensão da problemática, geradora das questões norteadoras desta prática e escrita investigativo-acadêmicas e os objetivos que as acompanham. Alinhadas, como pistas, nestas páginas, destacadas em negrito, nossas cinco sementes de laranja, entregamo-las a você, a partir de agora, como que envelopadas, nobre leitor. Essas (prometemos) não o levarão a um destino trágico, tal qual no conto “sherlockiano”, “Talvez, lhe custe uma noite sem pregar os olhos” (DOYLE, 2011, p. 167), entretanto, o único prenúncio é de explicitação, em detalhes, da natureza desta pesquisa. Durante os anos nos quais desenvolvemos este fazer pesquisador, membros do Camp Half Blood (CHB), Tributos e Divergentes (T&D) e Comunidade de Leitores da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti foram “fotografados”, “mapeados”, convidados a dizerem sobre si em tantas palavras quanto lhes conviessem, de tantas formas quanto lhes fossem possíveis nas práticas coletivas, as quais aludiam aos textos literários, escritos em série, nomeados, neste estudo, muitas vezes, como sagas literárias. Essas, eleitas para intensa admiração numa espécie de reverência aos seus personagens, às suas tramas, ao que as transformaram em objetos de desejo, a cada volume publicado. “Sagas literárias”, às quais o estudo de literatura, nas escolas, é indiferente, para as quais as designações “literatura de massa” e subliteratura são frequentes. Contudo, uma grata surpresa: nossos sujeitos-leitores não imaginam ser improvável dividir a mesma prateleira, na estante doméstica de livros, Jogos Vorazes1 (primeiro volume da saga homônima) e um machadiano Dom Casmurro2. São leitores e se distanciam da crua separação entre o que é licenciado como boa literatura e o que é penalizado como dispensável. Fios condutores de narrativas bem particulares foram desenrolados por meio de entrevistas. Descobrimos, assim: a respeito das primeiras indicações de leitura das coleções (sagas) escolhidas, quem ou o quê os teria apresentado a essas coleções; do namoro com os primeiros capítulos, das discordâncias com o autor, das paixões pelas personagens, ou de como, quando e por qual motivo se “vestiam” de forma a se identificarem como grupo. Tudo intrinsecamente relacionado ao “ser leitor”, que pode se revelar um estudante, ter firmes posicionamentos políticos, ser um fã de cinema, demonstrar sua timidez quase incontida, 1 COLLINS (2010). 2 ASSIS (2002). 25 morar junto aos avós... Enquanto, paralelamente, pode se sentir um desbravador, um tributo ao heroísmo, uma vilã medíocre, um semideus, um ladrão de raios... Pois bem.... Os sujeitos falaram, escreveram, atuaram como membros dessas comunidades, ajudaram-nos a “escrevê-los”! Trata-se, portanto, de um relato de nossas experiências com essas histórias a escritura desta dissertação. Como toda narrativa, guarda em sua linha temporal segredos de tinta e papel. Cabe a nós, os contadores, tratar muito bem desses secretos pormenores, cuidar para que não se percam e nosso leitor, que se valeu das lentes e aceitou o convite para nos acompanhar, consiga vê-los, entendê-los, sabê-los, aceitá- los. Entretanto, sem querer exasperá-lo, caríssimo, trata-se também de uma pesquisa. Tanto melhor... Trata-se das histórias, em uma pesquisa; seus recortes, questionamentos, mapeamentos, contornos, análises. Ainda que passemos a correr o risco de impacientá-los, diremos que se trata, mais especificamente, dos sujeitos-donos dessas narrativas, os quais também são elementos constituintes nesta pesquisa. Sujeitos falantes em pesos e medidas, definidos historicamente e que chegam como personagens principais dessas “Tantas casas quanto forem possíveis”: rapazes e moças, membros de comunidades de leitores da literatura seriada (sagas), como bem anunciou o título de duvidoso “charme redundante”, que dá nome ao resultado deste labor. Contudo, se nos permitirem especificidade amiúde, afirmaremos que nos ocupamos intrinsecamente da Identidade desse jovem leitor de sagas literárias, que são membros de comunidades de leitores e o desafio de um construto identitário sem fronteiras: matéria de estudo, nossa primeira semente. Lançadas essas primeiras palavras-pistas, podemos dizer, em suma: debruçamo-nos sobre os construtos das identidades modernas, “descentradas, deslocadas, ou fragmentadas” (HALL, 2005) desses jovens leitores. Exato! É do que se ocupam essas palavras documentais (literárias, de fachada; científicas, por sua responsabilidade; acadêmicas, por seu destino). Como no poema de João3, no qual a personagem é apresentada gradativamente, “Severino da Maria do Zacarias, lá da Serra da Costela, limites da Paraíba”, é, para este documento, a identidade do leitor-falante, membro de comunidades leitoras, sujeito das histórias de uma pesquisa, nossa personagem principal. Para revelar os contornos que nos foram percebidos, durante nossa investigação, partimos, oficialmente, do seguinte questionamento: 3 Referimo-nos ao poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto (2009). No fragmento referido, a personagem Severino apresenta-se numa gradação que revela parte de seu construto identitário. Diz, então, como se chama, quem é e de onde vem. 26 Quem são os sujeitos, membros das comunidades de leitores de literatura seriada e quais traços de sua identidade são fronteiriços, no que diz respeito aos respectivos objetos literários de seus desejos? Cabe destacar, nesta conversação introdutória, a capacidade desses jovens leitores de se identificarem e tratarem essa identificação como um dos critérios determinantes para a consolidação de uma nova modalidade de reunião juvenil, instigada pelo prazeroso objeto literário, comum à maioria. Observarem-se, reconhecerem-se a ponto de se agruparem, reunirem-se a outros, no intuito de “edificarem” essas comunidades, inicialmente foi o que mobilizou nosso interesse, instigando-nos a tentar compreender quão determinante pode ser essa decisão em relação à identidade dos que se aventuram nessa convivência. Não somente essa, mas outras facetas desses jovens atraíram nosso olhar investigativo. Quem são e de que forma se mostram, quando se assumem membros dessas comunidades? O que respondem, quando expostos a críticas, quanto à escolha feita, em nome de uma paixão literária? Defendem ideologias, abraçam a cidadania? Seus sonhos são redesenhados, ou ilustram os desejos de outros? De quais cores poderíamos pintar seus espíritos devoradores de ficção? Não, amigo leitor, não se trata das perguntas que fazem parte da estrutura formal deste gênero, essas, em breve, serão listadas ainda nesta seção, ordenadamente, como convém. Antes, sim, queremos demonstrar por quais incômodos eram revestidos nossos interesses. “Quais”, e não “quantos”’, principalmente, porque não foram registrados. Sempre que pensávamos no assunto leitor-comunidade, incontáveis e incontroláveis afirmativas, interrogativas e negativas oracionais permeavam os diálogos que nos trouxeram aqui, a este resultado. Assim, revelamos, a partir de agora, a segunda semente: a justificativa. Certos de que ainda o temos, leitor amigo, passamos a dizer das intenções da referida pesquisa. Essa falta de inocência óbvia e sedutora, que revela os objetivos, caminha pela necessidade de investigar possíveis identidades culturais, juvenis, observadas em reuniões de grupos, cujos encontros são pautados no cumprimento de atividades, desafios, debates, ou outras ações seriadas (inspiradas em coleções como Pearce Jackson, 2008, ou Jogos Vorazes, 2010) adotadas como ícones representativo-literários desses grupos, entre as quais, algumas serão descritas em minúcias, no decorrer desta proposta. Essas identidades podem ser, também, compreendidas a partir do aparato social que as cerca e da possibilidade de apontá- las como um dos fatores determinantes para a condição de apreciadoras dessas sagas; percebidas a partir de como se mostram as escolhas dessas comunidades, ressignificadas por esses sujeitos pós-modernos, conhecedores da literatura seriada. Observamos, ainda, se, 27 muitas vezes, essa escolha pelas sagas se fez em detrimento de outros tipos ─ destaque para o cânon literário, abordado nas escolas, como parte constituinte do estudo de literatura, em sua prática de leitura. Antes que nos pergunte, caríssimo, há, sim, pontos originais de partida; questionamentos que nasceram dos primeiros “incômodos” a respeito das identidades que viriam a ser investigadas. Nesse sentido, perguntamo-nos: 1. Quais as práticas relativas ao jovem compõem sua rotina, como leitor e membro de uma comunidade (contemporânea) de leitores? 2. Quais elementos sociais são observados como determinantes na construção dessa identidade apreciadora da arte literária e, mais especificamente, do gosto pela literatura seriada? 3. Como se constituem os espaços geográficos e virtuais que acolhem as comunidades de leitores de sagas, na contemporaneidade, levando em consideração as práticas relacionadas aos encontros periódicos, as constantes ressignificações dos signos constituídos a partir das relações intrínsecas entre leitores e obras? Para que se constituíssem como objetivos, elegemos: 1) Problematizar as práticas que compõem a rotina do leitor e membro de uma comunidade de leitores. 2) Elencar os elementos sociais determinantes na construção dessa identidade apreciadora da arte literária e, mais especificamente, do gosto pela literatura seriada. 3) Descrever dialogicamente como se constituem os espaços geográficos e virtuais que acolhem as comunidades de leitores de sagas, na contemporaneidade, levando em consideração as práticas relacionadas aos encontros periódicos, as constantes ressignificações dos signos constituídos a partir das relações intrínsecas entre leitores e obras. Toda essa conduta sherlockiana, devotada a lidar com os traços da identidade alheia, mais se assemelha à clássica e nada inusitada montagem de um quebra-cabeças. Entretanto, e ainda que esse encaixe guarde seus apelos, é o resultado que nos encanta. Equivale-se à natureza espetacular que rege a decifração de um enigma entender o que é e como se constitui esse construto identitário. Para tanto, o método não poderia ser senão um que entendesse a natureza qualitativa de uma pesquisa que considera a dinâmica relação entre o sujeito e o mundo que o cerca. Portanto, metodologicamente construída, a partir do que nos apresentam os encaixes das peças de uma Linguística, como sustenta Moita Lopes (2006, p. 49), aplicada não “como prática interrogadora”, “inseparável da enorme reorganização do pensamento e das práticas sociais correntes na contemporaneidade”, antes, sim, promotora dos movimentos de 28 investigação que descentralizam os ângulos de observação sem descartar saberes outros, enraizados em outros tempos, também sem denotar, a esses, o poder determinista sobre o que deve ser encarado como certeza. Não há certezas estabilizadas. Esta pesquisa é construída em regime de “não verdade”... [...] uma forma de vida que, em lugar de investir na delimitação de um perfil disciplinar claramente contornado, passa a apostar no diálogo transfronteiras (envolvendo diversas áreas e diferentes modos de produção de conhecimento) e a assimilar a metáfora da trama como modo de conhecer ─ entendendo que o conhecimento produzido e as “verdades” a ele atribuídas são deste mundo, fabricados pela própria sociedade que neles se apoia [...] (MOITA LOPES, 2006, p. 52). Construção tão móvel afastou desde o início as crenças superficiais de que os membros da comunidade de leitores (encontradas, conhecidas, experimentadas, lidas e apresentadas nesta pesquisa) obedeciam a um sistema mumificado, constituidor de sua identidade. Assim, passamos a enxergar possibilidades que geraram a perspectiva de Identidades, compreendidas numa experiência de pesquisa não comprometida, como descreve Moita Lopes (2006, p. 52), “com lógicas e sentidos históricos viciados”. De fato, cinco sementes de laranja eram, para determinadas personagens, anúncio de morte, no conto homônimo. Nas mãos de Sherlock, foram entregues como anúncio de um destino certo. Já nestas palavras documentais, as cinco sementes são ressignificadas e se transformam na possibilidade de um nascedouro múltiplo, como árvore bem dotada de frutos mil. Longe da estéril experiência não literária e não leitora que insistentemente alguns setores da própria educação ainda divulgam ser a realidade da geração juvenil atual, ciência e arte são reunidas neste estudo para que você, paciente leitor, veja brotar, semente a semente, as seções desta dissertação. Nelas, os contornos identitários são desenhados historicamente em territórios distintos. Embora as origens, as referências escolares, os redutos de lazer, entre outros elementos socioculturais referentes aos membros das comunidades, sejam construídos em suas particularidades, um primeiro “corpo vivo” os reúne e conclama seus anseios à identificação: o livro! Este se “materializara” quando as inconsistentes, embora corajosas, incursões do ensino de literatura pelo campo do “Permita-se, ou te devoro” – entre a listagem de títulos do cânon literário abordado nas escolas e as novas possibilidades vivenciadas nas sagas – tornaram-se mais frequentes. 29 1.4 AFINAL DE CONTAS QUEM SOU EU? Comecemos por apresentar a razão de tal título, pensado a partir do seguinte trecho de Lewis Carrol (2009, p. 25) Ai, ai! Como tudo está esquisito hoje! E ontem as coisas aconteciam exatamente como de costume. Será que fui trocada durante a noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei esta manhã? Tenho uma ligeira lembrança de que me senti um bocadinho diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é: afinal de contas, quem sou eu? Ah, este é o grande enigma! 1.4.1 Sobre quem escreve estas folhas e por qual motivo as escreve Cabe informar que a história prossegue... “Alice estava começando a ficar muito cansada... de não ter nada que fazer; espiara uma ou duas vezes o livro que estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, ‘e de que serve um livro’”, pensou Alice, “sem figuras nem diálogos?” (CARROL, 2009, p. 13). E a menina Alice ainda refletiria sobre o calor e o fato de sentir-se “sonolenta e burra”, também sobre o quanto seria prazeroso levantar-se para colher flores e fazer, para si, uma guirlanda. Todos esses pensamentos, sentada ao lado da irmã, claro. Já evidenciamos o quanto a sonolência e a burrice estavam presentes: maldito e incansável calor! Infiltrado leitor, reiniciamos nossa investida pelo universo identitário acompanhando parte da história da questionadora personagem de Lewis Carrol, parceira inquieta nas questões sobre as quais vale a pena pensar, ao menos na visão dela: como um coelho com bolso de colete e relógio, que passara, por ela, agitadíssimo, falando consigo mesmo que estava atrasado. Sim, o coelho falara, mas a garota que até bem pouco tempo sequer conseguia mover-se por causa da temperatura, foi tomada pelo desejo de correr atrás da criatura ímpar, motivada por um colete e um relógio: “No instante seguinte, lá estava Alice se enfiando na toca atrás dele... Caindo, caindo, caindo” (CARROL, 2009, p. 14-15). E nós, que sequer sentimos esse calor todo enquanto escrevíamos estas páginas, espantamos qualquer dormência aparente nos dedos e “saímos” atrás de Alice. Não pelo inimaginável coelho que fala, não por seu colete (com bolso), não por seu relógio. Antes, para tentar responder a Alice de que serve um livro “sem figuras nem diálogos”. Enquanto corremos e caímos, tento lhe dizer sobre ser leitora e ser livro e do quanto o contato entre esses dois seres pode ser decisivo para quem interrompe a corrida e a queda, neste mundo, para se apoderar do dizer literário alheio, quer para rechaçá-lo, quer para amá-lo, jamais lhe ser indiferente. 30 Para iniciar, enquanto despencávamos pela toca do coelho, tratamos de pegar as cadeiras que pareciam flutuar, próximas às paredes. Paredes essas, “forradas de guarda-louças e estantes de livros... mapas e figuras pendurados em pregos” (CARROL, 2009, p. 14). Alice ainda pegou um pote de geleia de laranja e, dessa vez, estava cheio. “Paramos” e sentamos, enquanto continuávamos a cair, esta pesquisadora, Alice e o disposto leitor que nos acompanha. Tratei de resgatar Chartier, Bakhtin, Hall, Shakespeare, Riodan, Lewis e muitos outros que estavam nas estantes, que estavam nas paredes, que nos viam passar. Nas próximas horas, empanturrados de geleia, eles ouviriam sobre o que tínhamos a versar em defesa do sujeito-livro e da transformação pela qual passamos junto com um grupo de jovens leitores que, no decorrer do tempo que passamos juntos, tudo o que queríamos eram boas histórias: nós desejávamos as histórias deles; eles alcançavam as histórias para si. Ele pede então a sua leitora que fique quieta e leia em seu lugar. Ela deve ler, para ela mesma, em silêncio, a fim de dar nova vida a este mundo que, desabitado, corre o risco de se tornar inerte (CHARTIER, 2009, p. 155). Para estreitar laços, além daqueles que unem seres os quais caem numa toca de coelho decidi, em primeiríssima pessoa, apresentar-me... Não desejo imaginar um mundo civilizado sem a figura da criatura-livro nas mãos do desavisado (permitam-me, até desarmado) leitor, embora, com o esforço devido, possa fazê- lo. Outrossim, não me permito enxergar um futuro no qual as narrativas de ficção não existam. Apaixonadamente, prefiro desenhar oníricos encontros entre o esperançoso leitor e os romances, os contos, as crônicas, os poemas, as peças e seus “pares literários”. Certamente, porque a descoberta literária promove relações com os ambientes e os elementos que os constituem; também, com os elementos e os ambientes constituintes desses, que fazem amadurecer a percepção de mundo do leitor iniciante. Meu nome é Rosângela e eu sou uma leitora! Minha mãe comprava livros pela capa, influenciada pelo nocivo colorido, que driblava sua própria censura, um tipo de inversão da “‘apropriação penal’ dos discursos” (FOUCAULT apud CHARTIER, 2009, p. 23), na contramão do que fora afirmado pelo filósofo4. Dessa forma, escapou, para minhas mãos, Flagrantes (IANNONE, 1985), capa maravilhosa, de desenho tão simples e sedutor, o contorno da face de uma mulher, sobreposta ao desenho de um recorte urbano. E minha imaginação ganhou o mundo ao aliar-se à 4 Michel Foucault afirmou que essa expressão “justificou por muito tempo a destruição dos livros e a condenação de seus autores, editores ou leitores” (CHARTIER, 2009, p. 23). 31 literatura posta sob meus cuidados, ainda que meus inexpressíveis treze anos pouco entendessem da angustiante submissão feminina naquela família, descrita por Leila Rentroia Iannone. Criada em casa materna, eu via nos traços da personagem abuela5 a minha própria avó, forte, dona dos destinos de todos, mas não conseguia enxergar a conformidade da mãe, moradora daquelas páginas que me encantavam, nos contornos identitários de meu berço materno, embora tenha tomado para mim a lição que ela deixara para sua filha. Antes que possa lhes revelar, companheiros de queda, preciso descrever o que, até hoje, está emoldurado em minhas lembranças leitoras. A personagem mãe, grávida, banhada em suor sufocante, à porta da cozinha, que dava para o quintal, abraçava a personagem filha, que caíra, ferira-se, e sentia o odor da mistura de barro, suor e sangue, que a deixava nauseada. Fechem os olhos, caríssimos e vejam, sintam o cheiro forte e entendam quando ela profere o mais suplicante desejo: “Que minha filha aprenda a dizer, ‘não’!”. E, graças a esse momento, experimentei as memórias de Flagrantes mais uma vez. Porque é assim que fazemos (nós), os sedentos leitores: apropriamo-nos do ser livro, bem como vivenciamos as tramas e nos entregamos aos conflitos das personagens, como se a literatura decodificasse o mundo, tornando-o compreensível, transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas, como disseram Cosson e Souza (2011). (Incentivada pela atenção dos meus ouvintes, prossegui, mirando, agora, o olhar de Alice. A ela dirigi-me, especialmente...) Assim também são muitos da geração atual, os quais devoram incansavelmente narrativas seriadas, comumente nomeadas por sagas, enquanto passam despercebidos em comunidades igualmente desprestigiadas e não legitimadas pelos “censores contemporâneos”6. Entre as gerações passadas e a contemporânea, traços comuns, os quais sustentam que não importam quantas serão as centenas de páginas para os que decidem sentar-se à mesa, e desejar, e cheirar, e provar... Muito mais importa o toque no papel; folhas deslocadas entre dedos munidos de olhos, condutores para a fome cega nascida em outra parte deste corpo leitor. Cada corpo dobrado aos comandos de sua época; licenciados pelas formas e texturas múltiplas que desenhou os volumes de nossa apreciação literária. “Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico”, avisa-nos Chartier (2009, p. 77), que as “maneiras de ler” denunciam tempos e lugares. Ler, em bibliotecas, a partir da Idade Média, era um convite oficial ao silêncio. Dados os rigores morais, próprios de determinados 5 Abuela, traduzido para “avó”, em português. 6 Nomeamos, assim, os grupos instituídos como defensores e guardiões da “cultura erudita”, “clássica”, “boa cultura”, “cultura inteligente”, distanciada da que se intitula “de massa”, “popular”. 32 séculos, o comportamento do leitor adequava-se aos ditames. Assim, a Alemanha viu nascer as “sociedades de leitura” e, a Inglaterra, os book clubs. Esses previam, segundo Elias Nobert, em seus regulamentos, “[...] que o lugar da leitura deve ser separado dos lugares de um divertimento mais mundano” (CHARTIER, 2009, p. 78). Ah, essas “maneiras de ler”! “Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua compreensão” (CHARTIER, 2009, p. 77) e imprimem, àquele desavisado ou desarmado leitor, do início desse introdutório caminhar, seus selos histórico- sociais. Entretanto, não o fazem sozinhas. Há muito mais do que “as maneiras de ler” compondo características que se apresentam como constituintes das identidades múltiplas dos leitores, mais especificamente da geração atual; muito mais ajudou a definir e redefinir, quantas vezes fosse preciso, ou ainda casualmente necessário, moldar-se, transformar-se, reinventar-se como “dono”, por algumas horas que fossem, da literatura em suas mãos. Voltando-me aos dois e às paredes daquela toca sem fundo, daquela queda sem fim, revelei-me, também, uma professora leitora; descrevi minhas inquietações diante das máximas injustas as quais insistiam na ideia do jovem que não lê (não sabe e não deseja), proferidas por uma sociedade indiferente, levaram-me a pesquisar sobre leitura e comunidades de leitores, pois percebia que aqueles jovens que as compunham respondiam de forma contundente ao descrédito quando se reuniam em torno do sujeito-livro, para decifrá-lo. Por mais de vinte anos, em sala de aula, testemunhei o contato entre o leitor e a criatura-livro. Por mais de quarenta anos, eu mesma mantenho esse contato e lhes digo que jamais houve relação amorosa mais impossível, se considerarmos o inusitado par. Ambos de matérias distintas, formatos incongruentes... Nem para nos dizermos opostos servimos! Somos mesmo, a priori, inconcebíveis juntos. Dirigindo-me a ela, que se preparava para não mais nos acompanhar, segurei-lhe as mãos para lhe entregar dois presentes, o primeiro, um diálogo: ─ Ainda assim, Alice, essa relação, em tese, fadada ao insucesso, sustenta-se desde o princípio, alimentada por todos os sentimentos naturais a um enlace. Porque você também pode ser indiferente à narrativa que ele possa lhe oferecer, não é mesmo? ─ Sim! Acontece quase sempre, quando está quente demais para ler os “sem diálogo” e “sem figuras”. Inúteis! ─ Disse-me, numa despedida parcialmente descompromissada e “Bum! Bum!”, caímos “sobre gravetos e folhas secas: a queda terminara”. 33 Nesse instante, viu que havia um corredor comprido diante dela e que o coelho ainda estava à vista. Antes que ela entrasse, mais uma vez segurei-lhe a mão e lhe entreguei o segundo presente. Disse-lhe: “Para compor seus futuros diálogos...”. Figura 1 – Um presente para Alice Fonte: Autoria Ângela França de Abreu, aluna na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti, membro do acampamento Camp Half Blood, desenho da capa (2017). Feliz, com a sua figura em mãos, correu, para não mais nos vermos. Bem adiante, ainda gritou: “Meu nome é Alice!”. Ao que eu, quase num sussurro, respondi: “Eu sei!”. (Abro, aqui, literalmente, parênteses para lembrar do silencioso leitor, que me acompanha. Deve estar se perguntando de onde conheço Alice e, principalmente, como sairemos desta toca. Para lhe responder com exatidão, é melhor que lhe entregue um dos livros que havia retirado da estante e me revele: “Para sairmos, basta que acordemos; é destas páginas que a conheço. Já estive aqui!”). 34 Proponho que voltemos ao nosso caminho primeiro, destemido leitor. Há muito o que percorrer. Não afirmo ser definitiva a discussão desenrolada nesta espécie de experiência investigativa sobre humanos passos, aqui relatada como que em papiros tão frágeis quanto são algumas certezas do pensar científico. Que seja lido como princípio e introdutório, e que essa redundância lhe seja permitida; que possa abrir-se, como início que é de longa e instigante jornada para nossos leitores, como Vossa Senhoria o é, bem como foi para NÓS. E volto a ser plural, pois há mais, muito mais a dizer... Foi esse corpo identitário que nós e todas as vozes que compuseram este fazer pesquisador nos arriscamos a observar, entender, interpretar e descrever, pautando-se na construção identitária de leitores de literatura seriada (sagas), considerando, inicialmente, a condição de serem membros de comunidades que se comportam como grupos de leitura, ou agrupamentos recreativos para admiradores (fãs). Sendo assim, soerguem-se em significativa relevância os constituintes característicos dessa identidade leitora. Essa, por sua vez, imprime- se na pele das referidas comunidades contemporâneas, outorgando-lhes moderna roupagem, que vai além das particularidades estabelecidas em décadas, ou mesmo séculos anteriores. Vale salientar, por exemplo, que as três últimas décadas do século XX conheceram comportadas comunidades que se revelavam em clubes do livro, ou pequenos grupos escolares idealizadores de fanzines, enquanto o novo milênio acompanhou o processo evolutivo que viu nascer verdadeiras corporações em torno do culto aos novos escritores e suas rentáveis obras. A comparação poderia parecer injusta, se levássemos em conta somente o conjunto tecnológico que sustenta as redes sociais, por meio das quais os grupos contemporâneos de leitura organizam seus encontros. Entretanto, o que se ressalta neste estudo é a postura desses novos sujeitos leitores que, não contentes em, exclusivamente, partilhar suas impressões a respeito das obras, arvoram seus sentimentos em encontros coordenados por equipes motivadoras de tarefas nada ingênuas, que misturam, por exemplo, as tradicionais sabatinas aos casamentos não oficiais, embora significativos para os membros, ainda que seja por um dia. É dessa matéria-prima para outras práticas de escrita (que não somente a literária) da qual partimos, a relação intrínseca entre o objeto e seu manipulador, o texto literário e aquele que o lê, independentemente das escolhas feitas por esse. Tentamos percorrer os largos caminhos e as vielas estreitíssimas também alcançadas por esses membros de comunidades de leitores. Buscávamos observar quais aspectos da experiência com a leitura, ou do tempo e da formação escolar contribuíram para suas escolhas. Nesse sentido, encontramos espaços ocupados por esses membros que iam desde bibliotecas até parques naturais, passando pelos 35 bancos de escola, quartos dos vizinhos, suas próprias residências ou o estacionamento de um shopping. Não havia “o lugar indicado”, havia “o lugar aberto”. Entendemos, então, o quanto a escola “não se aproveita” desse enlace; da insistência em gerenciar todo letramento literário disponível, como se não admitisse o que está além dos muros do livro didático e do currículo polido; do não saber a respeito dos jogos estabelecidos entre a criação do autor e a imaginação do que se apropria da obra. Mais especificamente, questionamos máximas que acompanham o ato de ler desde a cultura do manuscrito até a cultura do impresso e, atualmente, a digital. Algumas pessoas, de forma bem contundente, esbravejam sobre a incapacidade adolescente de escolher bem um texto literário, ou da inércia desses jovens diante da criatura-livro, ou das indecifráveis certezas, inconcebíveis certezas as quais chegam, quando, por fim, decidem ler. Nesse sentido, nós nos perguntamos quão inertes ainda estaremos diante da profusão humana que corre às livrarias, aos sebos e às bibliotecas em busca do que possa saciar, por exemplo, sua sede de aventuras? Os mesmos humanos que sentam em nossos bancos escolares, fardados e enfileirados, que tentam, muitas vezes em vão, relacionar seus escolhidos com o cânon apresentado. Não seria ─ a escola ─ local apropriado para que as comunidades dos novos leitores se reorganizassem, além dos quartinhos virtuais, das saletas fechadas em livrarias, dos cantos mais inusitados espalhados pela armação que a arquitetura urbana permite? Experimentar o diálogo entre o universo literário já conhecido pelo jovem estudante e o que consta na pauta escolar das disciplinas de literatura também não propiciariam mais desenvoltura nas práticas de escrita? Não estaria na hora de a escola pensar em publicações construídas a partir dessas práticas, visto que a experiência como autores em blogs, ou outras páginas eletrônicas, é fato? Reconhecemos, então, que esse viveiro pode gestar atividades de leitura que unam o processo dialógico entre gêneros literários e os demais, que possibilitem essa interação, “redescobrindo” suportes midiáticos, por meio dos quais essa mesma comunidade possa nutrir, bem como nutrir-se dos construtos artísticos, ideológicos e sociais provenientes das ações. Dessa forma, reunir os conhecedores da literatura canônica e seriada (sagas) como membros de uma comunidade (contemporânea) de leitores a fim de construir um referencial na comunidade escolar seria mais produtivo do que observar a morte lenta do ato de ler (e todas as implicações nele contidas) onde, no inconsciente coletivo social, deveria ser nascedouro certo: a escola! Contudo, esse é um capítulo à parte. Neste estudo, ainda esboçando amiúde as intenções nossas, quando resolvemos tatear essas faces múltiplas da identidade alheia, cabe dizer da resposta, ainda em construção, 36 quando indagados a respeito da importância do que for gerado nesta pesquisa. Pensamos que uma pesquisa que se propõe a destacar construtos identitários de leitores juvenis das novas sagas tem seu valor, quando questões – que vão desde a importância da prática de leitura entre os adolescentes até a utilidade de um círculo de leitores em instâncias, como a escolar (por exemplo), passando pela condição contemporânea da produção literária seriada, visando ao aquecimento editorial no país, ou ao suposto distanciamento entre os representantes dessa nova geração leitora e os postulados canônicos da Literatura – são levantadas. Inquietações e motivos postos, reiteramos a ideia de que conhecer traços que possam revelar o desenho, ainda que por pouco tempo emoldurado, do que pode ser chamado de IDENTIDADE é fundamental para iniciar um processo de entendimento das ações determinadas por essa, ou das reações ao que lhes é apresentado ao redor. Esse entendimento ajuda a desconstruir falsas máximas que expõem uma geração inteira como analfabetos funcionais literários. Esse mesmo entendimento pode vir a assegurar que novos paradigmas sirvam à inclusão de não tão novas assim, embora revestidas do frescor de criativas ideias de interação, que são as práticas de leitura coletiva em grupos, associações e comunidades de leitores. É a evidência dos devoradores de livros: crias letradas e definidoras das novas tendências, tanto quanto peças na competente engrenagem editorial; personas incógnitas nos corredores escolares, tanto quanto membros ativos nas comunidades que as acolhem, para ilustrar um pouco mais a relevância dessa busca científica proposta. Para que não nos perdêssemos em campos tão plurais, valemo-nos do que a “lógica da interdisciplinaridade possibilita” e escapamos às “visões preestabelecidas”, para “trazer à tona o que não é facilmente compreendido ou o que escapa aos percursos de pesquisa já traçados, colocando o foco da pesquisa no que é marginal” (SIGNORINI, 1998, apud MOITA LOPES, 2006, p. 19). À margem do que possa ser canônico em outro tipo de pesquisa, quando se trata de Linguística Aplicada, os olhares de outros fazeres científicos compõem, complementam, ressignificam os saberes da área da linguagem, ainda mais quando se trata de uma pesquisa norteada por uma concepção, assegurada em enlaces dialógicos, os quais uniram Bakhtin, Volóchinov e Hall, Canclini, entre outros representativos de áreas parceiras. Sigamos, agora, por outros territórios semeados... 37 1.5 TERRITÓRIO DE PAPEL (O ESTADO DA ARTE) Dedicado leitor, acompanha-nos... Exausto Eu quero uma licença de dormir, perdão pra descansar horas a fio, sem ao menos sonhar a leve palha de um pequeno sonho. Quero o que antes da vida foi o sono profundo das espécies, a graça de um estado. Semente. Muito mais que raízes. Adélia Prado (1993) Nesta subseção, somos como recém-nascidos. Licenciados pelo salvo-conduto poético de Adélia Prado, as indicações de nossa orientadora e a concepção de que o dialogismo bakhtiniano sustenta nossa ideia de fazer científico, nós adormecemos e, entre os silêncios, encontramos outras contáveis sementes as quais desataram a falar a respeito do empirismo de suas marcas neste solo, dinamicamente, pois se revelavam anteriores a nós e partiriam em breve, em busca de novo destino. “Ouvimos”, sobre, outrora, serem árvores; um dia, alimentarem-se de seiva bruta, tornarem-se cheias de elaborado alimento; serem robustas e frondosas; “repartirem-se” em mil óvulos, sementes à espera de novo nascimento. Durante esse “interlúdio”, entre essas ideias fecundas, fomos convidados a enxergar a trajetória do sol (ou seria a trajetória do nosso planeta, por ser menor) e de como isso não importava, somente a beleza desse astro-bola, de fogo, circunferente como é o conhecimento; rotatório, como é o saber: porque as descobertas sempre se encontram. Enquanto descansamos horas a fio, sem ao menos sonhar, nossas irmãs sementes romperam-se, decididas a serem raízes. Tempos depois, reconhecemo-las, pois somos como esses óvulos maduríssimos, desejosos de serem brotos, espichados até alcançarem o ar, fora da materna terra (onde, adormecidos, estivemos perdoados). Fora do útero, têm corpos esguios, que buscam os raios solares de uma consciência em diâmetro (disponível, quando está ao alcance do redescobrimento), assim é cada pesquisa em torno desses temas: como árvore. Se esse conhecimento circular possa lhe parecer uniforme, melhor que se certifique, caríssimo leitor, de que ainda usa as lentes solicitadas, no início deste caminhar, para que possa “enxergar” o saber, como roda solar, com suas erupções lançadas, como o fogo do carro dos deuses olimpianos, aos humanos, quando Prometeu nos foi defensor de nossa autonomia e 38 entendimento libertos. Jamais imobilizado, o conhecimento é circular, mas é também solar, portanto, solto, em movimento, queimando, absorvendo, criando, replicando o discurso que ora brota, ora adormece, ora está exausto, ou espichando-se para respirar... O que importa: decididamente, em estado evolutivo-efervescente, está. Dessa forma, e por considerarmos que esse conhecimento circular revolve a terra de nosso estudo ─ senão por seus fundamentos teóricos os quais, muitas vezes são os desta dissertação, ou por seus sujeitos e objetos de pesquisa que dialogam com o nosso, ao menos, por nos assinalar a reciprocidade quando o enfoque é a identidade do jovem leitor ─ reúnem- se, nesta subseção, as sementes-ideias com as quais mantivemos diálogo. Juntas, foram replantadas, como: o Estado da Arte... De saberes em fontes múltiplas, esparramados por esse universo macro... De laudas nascidas do sono profundo das espécies, a respeito de comunidades de leitores, leitura, literatura canônica, leitura à revelia da escola, identidade do jovem leitor de literatura seriada, o qual mais parece uma rica floresta, que apresentamos a seguir. Somos autores da mesma folha em branco, da mesma folha escrita, da mesma folha lida, embora, jamais, folhas idênticas. Percorremos picadas abertas por outros, reconhecemos que nossas folhas não são adâmicas, antes sim, dialógicas, porque... [...] todo discurso da prosa extraliterária ─ discurso do dia a dia, o retórico, o científico ─ não pode deixar de orientar-se “dentro do que já foi dito”, “do conhecido”, “da opinião geral”, etc. A orientação dialógica do discurso é, evidentemente, um fenômeno próprio de qualquer discurso. É a diretriz natural de qualquer discurso vivo (BAKHTIN, 2015, p. 51). Discurso vivo e pronto a romper-se, como semente que é. Explodir para o mundo, crescer, lançar ao vento novas sementes e renascer em outras paragens. Por estes recantos daqui, aportaram os fecundos reflexivos a respeito das leituras literárias, das características tanto das obras quanto do jovem leitor e o papel desse, no mundo atual, distinto de tempos outros... [...] uma vez que a atuação do homem, na pós-modernidade, se constitui pelos e nos processos de leitura. Ler literatura, nesse contexto, revela-se uma atitude mais elaborada, dialógica e reflexiva. Considerando a contemporaneidade como mediadora de leituras superficiais e a necessidade humana de um resgate comportamental do leitor diante das obras literárias [...] (SILVA, 2009b, p. 2). Na escrita de Silva (2009b), semelhante à nossa, o contexto histórico descrito temporalmente, no qual a literatura é desenhada a partir do impacto de suas andanças entre dedos e olhos humanos, abre caminho. Pensamos igualmente que nosso leitor merece esse 39 zelo no que diz respeito à história literária; para tanto, também nos valemos das folhas de outros (CHARTIER, 2009; COSSON, 2014) e encaminhamos esse olhar em outras seções. Cabe informar que Rosa Amélia P. Silva assina o artigo em questão, Leitura, necessidade; literatura, prazer, como recorte da Dissertação de Mestrado em Literatura da referida autora, intitulado, Ler literatura: o exercício do prazer: educação literária por meio de oficinas de leitura7 do ano de 2009, obtido na Universidade de Brasília. Detalhando esses registros históricos, Silva (2009b, p. 2) lembra-nos “de que as pessoas se surpreendiam quando viam outras lendo em silêncio, como se essa atitude fosse algo grandioso e dificílimo” e dá como exemplo o fato de as tropas de Alexandre, o Grande, surpreenderem-se ao se depararem com seu imperador, lendo silenciosamente. Também nos são caros esses relatos factuais os quais se assemelham tanto à prática de leitura ainda vigente, que “assusta” a tropa dos incrédulos, principalmente quando o leitor é jovem e se dedica a “devorar” uma série de volumes literários, como os fãs de algumas coleções literárias, não caracterizadas como clássicas ou como boa literatura. Escrever, então, é descrito como ação mais distanciada ainda, a não ser que esteja incluída nos fazeres escolares. Cabe ressaltar que as práticas de construção da leitura e da escrita não mudaram muito. Nessa perspectiva, a autora reforça que... [...] o processo de aquisição da escrita daquela época deixou-nos muitas heranças, uma vez que se percebe entre a prática pedagógica deles e o processo de alfabetização da atualidade grande semelhança. O estudante observa a letra e a reproduz; no caso dos ancestrais, reproduzia-se o sinal ou a sílaba, de acordo com a cultura. Aprendia-se a ler memorizando e, à medida que o estudante aprendia, avançava para textos mais complexos: provérbios, frases, listas de nomes, textos inteiros. A concepção escolar era voltada para a formação de profissionais ligados ao comércio. O sistema escolar atendia os estudantes a partir dos sete até os 18 anos de idade, quando eram inseridos no mercado de trabalho. Constata-se que muita dessas características ainda são observadas na atualidade (SILVA, 2009b, p. 2). Talvez a utilização de determinados suportes modernos reserve nova imagem, acrescida, no máximo, de recém-criado aparelho eletrônico, ao grupo que observa o aquele que lê (nos dias de hoje). Entretanto, esse ainda será o silencioso leitor, imperador de si mesmo, causando estranhamento à tropa, enquanto sobreviver à ideia de que leitura é restrita aos que conquistam o direito a uma pertença quase monárquica. Ou seja, a insistência em distanciar o texto literário de futuros leitores, por meio de campanhas em bastidores impensáveis como a própria escola, somente acarretará no quadro pintado no parágrafo anterior: o Grande incompreendido pelos que o veem. Quando citamos a escola, nós o 7 Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2017. 40 fazemos, senão para lembrar do quanto eleger o que deve ser lido e o que não deve, o que é boa literatura e o que não é, pode segregar hábitos. Cabe dizer, por exemplo, que muitas das coleções elencadas por esses jovens leitores não constam da lista da leitura obrigatória, que dirá da leitura convidada, nos ambientes institucionalizados de estudo. Nesse sentido, distanciamo-nos de Silva (2009b) quando evidencia a existência do leitor passivo e do leitor ativo. Para ela, “[...] ser leitor ativo significava ser o leitor prático, dominar o código escrito estabelecido e transformá-lo em linguagem oral. Ser leitor passivo significava ouvir alguém decifrando um código escrito [...]” (SILVA, 2009b, p. 4). Acreditamos que não seja o cerne da questão e discutimos o que vem a ser tratado como passividade, visto que, ao ouvir outro leitor, não se apropria também de elementos suficientes para uma interpretação em torno da obra? Antes sim, comungamos com o pensamento de que nos são mais reveladores de sua identidade: as ideias, os registros dessas, as atuações desse jovem leitor nos contextos sociais nos quais está inserido. Silva (2009b) questiona, então, como se realiza a projeção dessas ideias, como se poderão denominar os que as registram (escritores ou escreventes?); questiona sobre suas igualdades e suas diferenças, ou mesmo por qual motivo utilizariam da palavra. Como poderíamos caracterizá-los? [...] protagonistas que se realizam no cyberespaço? Engajados ou não? Eles têm um papel social? Esperam ter? Ou estão ali revelando um desejo humano que sempre existiu: o de ser porta-voz da essência humana. Contudo, devido a inúmeras questões sociais não conseguiam se fazer escritores? Falantes de si, da sociedade, questionadores, agora podem. Será que são? (SILVA, 2009b, p. 9). Assim, nossas folhas são pintadas com matizes com traços comuns. Igualmente questionamos a respeito do papel desse leitor e de como é sua atuação nesse papel. Agrada-o ver-se como protagonista, assusta-o? Silva (2009b) encerra convidando-nos a refletir a respeito da escola como local para a fomentação dessas novas crias do prazer de ler. Não discordamos da autora, embora reconheçamos que outros espaços possam abrigar os mesmos personagens ávidos por nova colheita literária, que permite a reconstrução do indivíduo, dia após dia. Ela nos diz que, “[...] nessa (re)construção, é que cada vez mais nos humanizamos, por isso tão importante revela-se a escola como fomentadora e mediadora da leitura [...]” (SILVA, 2009b, p. 9). Complementamos, afirmando que esse revelar-se deve receber contornos de incubadora, para que não se permita, senão o cultivo de novas sementes. As comunidades de leitores, acreditamos, são tão fecundas quanto, mas, se obtivessem o aval da instituição escolar, seriam como berços irmanados, sim, das mesmas crias. Essas que, inclusive, romperão esses laços para chegarem a outras fronteiras, por meio das sedutoras e 41 coloridas páginas eletrônicas, bem como farão os espaços coexistirem: escola, comunidade, meio eletrônico. Em nossas folhas, observamos quão determinantes são os cruzamentos entre essas fronteiras, tanto quanto a manutenção das particularidades dos espaços por elas definidos. Elencadas entre esses lugares, as comunidades de leitores, ou grupos de leitores, que reúnem os protagonistas entrevistados para que pudéssemos entender sobre a identidade desse jovem leitor na atualidade, os quais se identificam por seu prazer que advém da leitura de sagas e da cultura que se criou em torno dessas coleções. Ávidos por colhermos vozes que revelassem interesse nesses grupos, encontramos Casado Alves (2015), em artigo intitulado Espaços de sociabilidades e amorosidade: a comunidade de leitores em série. Esse artigo é um recorte das investigações da autora, no Estágio de Pós-doutorado na Unicamp, sob a supervisão da Profa. Dra. Roxane Rojo. As folhas de Casado Alves responderam ao interesse desta construção acadêmica, no sentido de reconhecer em outras vozes anseio investigativo semelhante, pois objetivaram “[...] problematizar a constituição de comunidades de leitores de sagas e de livros em série”, enfocando “[...] as práticas leitoras de jovens de livros que se colocam fora da coleção escolar e que são concebidos como mera literatura de entretenimento ou de passagem para o que é socialmente valorizado como a ‘boa leitura’” (CASADO ALVES, 2015, p. 69). Convidou nosso olhar de semente não somente o fato de a pesquisa de Casado Alves desenvolver-se na área da Linguística Aplicada, bem como orientar-se pelas concepções de Bakhtin e o Círculo8, como também por discutir a estruturação de determinadas comunidades em torno de obras, cujo prazer pela leitura determinou a criação desses grupos. Vamos chamar inicialmente de encantamento o que mobiliza dezenas, centenas de jovens, por encontro, na intenção de manter viva a memória literária das obras escolhidas, como que para perpetuar o momento primeiro de cada leitura. Nos dizeres de Casado Alves (2015), ratificamos uma de nossas ideias formuladas sobre essas comunidades... [...] Tais leitores constroem espaços de sociabilidade onde a obra se torna o motor de leituras, de interpretações, de gestos de leitura que rebatem as afirmações ingênuas ou preconceituosas de que “o jovem de hoje não lê”, “a juventude não tem hábito de leitura”, “o jovem não tem gosto pela leitura”: tais dizeres enunciam uma história de “nãos” em relação ao jovem que não se sustenta em um primeiro diálogo com os participantes dessas comunidades. São jovens que “devoram” 200, 300 páginas de um livro e ficam à espera do próximo volume com a ansiedade daqueles que foram fisgados pelos fios tecidos por Sherazade. Muitos dos que desconsideram essa 8 Concepção dialógica da linguagem, referenciada, neste documento, na seção intitulada Transcrição Febril, na qual é apresentado parte das teorias que embasam este construto acadêmico. 42 leitura se assustariam com tal volume de páginas. Para que se possa construir conhecimento sistematizado sobre essas práticas leitoras, precisamos compreender que jovem é esse que está em cena na contemporaneidade a fim de não caiamos em afirmações superficiais e destituídas de dados advindos de pesquisa (CASADO ALVES, 2015, p. 69). Tanto a voz da autora referida quanto a nossa observam que a geração atual, a nova “linhagem” leitora, “marcha” despudoradamente na contramão de máximas insustentáveis as quais a determinam avessa ao encantamento que uma narrativa escrita, por exemplo, possa exercer. Tratamos dessa, especificamente, embora, e por que não dizer, todas as sucessivas gerações, de alguma forma, foram tão “subversivas” quanto, na sua fase broto, jovial, adolescente. Equivocadamente, essas máximas vociferam, contra esses jovens, conclusivas embasadas na sustentação de que somente se pode dizer leitor quem envereda por caminhos clássicos machadianos, por exemplo, para não citar toda a listagem canônica, escolar, oficializada pelo academicismo das universidades, como apropriada e merecedora do título de literatura: “... portanto, não são leitores.”, “... por isso, desconhecem a literatura.”, “... dessa forma, não conseguiriam ler e interpretar clássicos.” (CASADO ALVES, 2015, p. 69). Nossa procura continuou por outras sementes que pudessem nos dizer a respeito do estudo de identidade, sob a perspectiva de Stuart Hall (2006); forças centrífugas e centrípetas, sob a ótica de Mikhail Bakhtin(2015); a respeito, ainda, das comunidades elencadas para esta pesquisa, mais especificamente, a Camp Half Blood (CHB) e a Tributos e Divergentes (T&D), para fãs das coleções Percy Jackson e os Olimpianos (Riordan, 2008), Jogos Vorazes (Collins, 2010) e Divergentes (Roth, 2012), respectivamente. No Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando-nos dos descritores já elencados no início deste parágrafo, encontramos onze dissertações e uma tese. Entre esse número de sementes reduzidas, cinco apresentavam ideias que se embasavam no construto teórico de Stuart Hall, “brotando” em identidades culturais, e de Mikhail Bakhtin, “espalhando-se” em forças centrífugas e centrípetas. Entretanto, à exceção de uma dissertação, a grande maioria não tratava da identidade do jovem leitor de literatura seriada (sagas), que participa de comunidade de leitores, sujeito desta dissertação. A exceção referida está intitulada Literatura e adolescência em livros didáticos de português: representações sociais, recepção e efeitos estéticos na construção da identidade do leitor-adolescente, de autoria de André Luís Gomes Moreira (2003), da Universidade de Brasília. Assim, cabe tão somente ressaltar que a sustentação teórica nos demais trabalhos referidos assemelha-se ao aporte para nossa pesquisa, embora o afastamento entre os objetos de estudo não nos impila a descrevê-los nesta dissertação. 43 Resolvemos lançar o descritor “identidade” na janela de um site de buscas9 e encontramos uma semente “plantada” em Stuart Hall, a qual brotou em solo pesquisador, de “húmus” identitário. Ederson de Faria e Vera Lúcia Trevisan de Souza (2011) partilham a autoria das folhas resultantes de uma pesquisa intitulada, Sobre o conceito de identidade: apropriações em estudos sobre formação de professores, publicada na Biblioteca Eletrônica Científica Online – SciELO, que reúne uma coleção selecionada de revistas científicas brasileiras. As vozes autorais convidam-nos a conhecer a pesquisa “em que se buscou compreender como o conceito de identidade tem sido apropriado nas pesquisas sobre formação de professores e sua contribuição para a compreensão do processo de constituição da identidade docente” (FARIA; SOUZA, 2011, p. 1). Ademais, dissertações de mestrado e de doutorado que se propunham a estudar a identidade de professores foram analisadas. Por meio do estudo bibliográfico, chegaram aos autores que desenvolvem estudos sobre identidade, entre eles, Stuart Hall, autor-semeador do conceito utilizado, por nós, nesta dissertação. Nossa pesquisa foi em campo, o que nos distanciou um pouco mais do método utilizado na pesquisa em questão, que foi analisar trabalhos já realizados por pesquisadores, revelando seu caráter descritivo. Vale salientar que os resultados trazem a constatação da dinamicidade identitária, em constante movimento. Foi à procura de falares sobre as comunidades de leitores CHB e T&D que descobrimos seis estudos que dialogavam com o nosso. O maior número, quatro, dissertava a respeito da obra Jogos Vorazes (2010), escrito literário plantado pela estadunidense, Suzanne Collins. Destacamos, inicialmente, a semente-trabalho intitulada, Entre novas e velhas distopias: Admirável livro novo, cuja autoria é de Priscila Aparecida Borges Ferreira Pires. Trata-se de uma dissertação defendida em junho de 2016, pelo Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O estudo enfoca best-sellers e ensino de literatura. O que deteve nossa atenção foi parte dois dos temas tratados: literatura de massa e distopia. Esse trabalho preocupou-se em perguntar “de que maneira a leitura orientada da literatura de massa, apreciada e conhecida pelos alunos, poderia contribuir para a formação de leitores de literatura clássica”, o que nos reportou à relevância dessa discussão, que também se encontra em nossa pesquisa, descrevendo um diálogo fronteiriço entre a literatura dita “de massa” e a canônica escolar. Em nosso fazer pesquisador, observamos que a identidade do jovem leitor 9 Mecanismos de pesquisa ou motores de busca são sites que permitem realizar buscas as mais diversas, como: por outros sites, por vídeos, por imagens, por documentos, entre muitos outros itens. 44 revela influências de leituras múltiplas, muitas vezes, sem se importar em classificar desta ou daquela forma. Em Identidades Juvenis na Cultura da Convergência: Um estudo a partir do fandom online de Jogos Vorazes, Jaqueline Gomes de Aguiar apresentou o fandom on-line como um artefato cultural “que está inscrito em uma sociedade diversa, espetacular, globalizada e ativada pelo consumo, inclusive cultural. O fandom é parte desta experiência de convivência presencial/virtual, e é, também, elemento articulador de posições identitárias” (AGUIAR, 2016, p. 3). Nessa dissertação, defendida em março de 2016, na Universidade Luterana do Brasil, afirma-se ainda que “É este sujeito em condição de juventude, fluente, hiperconectado e midiático, que circula com naturalidade pelos inúmeros e múltiplos canais de comunicação presentes no contexto comunicacional atual, que acaba por também se apresentar e representar como leitor/autor e protagonista; outro eixo analítico do estudo” (AGUIAR, 2016, p. 8). Autores como Bauman, Hall e Jenkins , entre outros, desfilam no aporte teórico dessa produção, na qual a autora analisa a identidade juvenil a partir de quatro eixos, os quais chamaram nossa atenção: o jovem interminável/irredutível; o jovem hiperconectado/midiático; o jovem leitor/autor/protagonista e o jovem participativo/crítico. A narrativa distópica juvenil: um estudo sobre “Jogos vorazes” e “Divergente”, defendida em março de 2015, na área de Linguística e Letras, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), para obtenção do mestrado, por parte de Paula Martins Rodrigues, é-nos peculiar por unir duas das obras que “apadrinham”, por assim dizer, as comunidades de leitores “investigadas” em nossa pesquisa. A citada dissertação tentou compreender, das distopias juvenis, seu funcionamento, além de ressaltar a percepção acerca das diferenças entre essas distopias e aquelas escritas durante o século XX. A tentativa é de traçar possível perfil e ampliar a discussão dessas obras literárias. Ainda que muito específico da área de literatura, esse estudo, semelhantemente a outros já citados, levanta a questão da identificação da geração juvenil atual com as novas propostas literárias que passam também por distopias, tendência também inferida pelo fazer pesquisador nestas folhas nossas. Uma última obra observada nos resultados apresentados no banco de teses e dissertações da CAPES, que trata de identidade juvenil, é intitulada, Que a sorte esteja sempre a seu favor: Uma leitura psicanalítica da obra “Jogos Vorazes, sobre a oferta da literatura para a adolescência na sociedade da queda dos ideais”, e Cecília Silva Salomão é sua autora. A contribuição dessa vez advém da área de psicologia, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Defendida em maio de 2016, discutiu, a partir de um ponto de vista da psicanálise, a adolescência na sociedade pós-moderna, observando uma possibilidade 45 interpretativa da obra de literatura infanto-juvenil ‘Jogos Vorazes’ (COLLINS, 2010). Questionou a maneira como a obra Jogos Vorazes pode ofertar ideais, no que diz respeito à adolescência e uma saída dessa, o que corresponde ao que considera a psicanálise. Ressalto, nessa dissertação, o estudo a respeito da adolescência e da literatura como oferta de ideais, o que, para nós, revela-se uma perspectiva muito cara, pois, em nosso trajeto, na busca pela compreensão das identidades desses jovens leitores, observamos o zelo com o qual tratam das literaturas escolhidas, inclusive como fontes, nas quais os ideais eram sorvidos. O descritor “Percy Jackson e os olimpianos” levou-nos a uma dissertação nomeada, Práticas de leitura da cibercultura e a formação do leitor crítico: Fandom e transmidialidade da série Percy Jackson e os Olimpianos, de Elenice Koziel (2015), defendida na Universidade estadual de Maringá. Objetivou-se refletir “sobre a formação do leitor de textos literários, no contexto da cibercultura...”, procurando “entender de que forma as práticas de leitura estão acontecendo fora do ambiente escolar e estudar as possíveis relações dessas práticas com o espaço da educação formal.” (KOZIEL, 2015, p. 13). Entre as fontes utilizadas para essa pesquisa, destacamos Henry Jenkins, também mencionado em nossas folhas. Foi um convite a nossa atenção, nessa pesquisa, a análise da atuação dos leitores/fãs no ciberespaço, pois igualmente observamos, nas falas de nossos jovens leitores, entrevistados, que a expansão do fandom é “propiciada pela popularização do acesso à internet e aos dispositivos móveis, bem como sobre os diversos tipos de trabalhos de fãs e a relação dos fãs com o texto literário no ciberespaço.” (KOZIEL, 2015, p. 14). O registro dessa busca por folhas que dialogassem com as nossas aporta, finalmente, no conceito de forças centrípetas e centrífugas bakhtiniano, para revelar cinco sementes colhidas todas no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Entre essas, três tratavam, respectivamente, do discurso autoral nos livros didáticos de Língua Portuguesa, do ensino de língua portuguesa e da aprendizagem. Essas obras não mobilizaram nosso olhar no tocante a referenciá-las como significativa contribuição para nosso estudo. Elas têm sua importância inegável e figuram neste estudo somente como parte descritiva do processo constituinte do Estado da Arte. Duas obras, por fim, revelaram alguns pontos de convergência. Em 23 de maio de 2016, Catharine Piai de Mattos defendeu a dissertação de Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa, intitulada, Ideologia sobre a mulher em Pride and Prejudice: uma análise dialógica do filme e do livro, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, em Araraquara. Nela, a autora reflete, a partir das vozes de Volóchinov, Medviédev e Bakhtin, a 46 respeito do que se observa nos discursos sobre a mulher em ambas as obras, as diferenças e similaridades refratadas. Nesse estudo, vale ressaltar as afirmativas referentes às forças por meio da análise da atuação das vozes das personagens. Mattos (2016) insiste que, também no filme, as mesmas vozes que refratam ideologias das forças centrípetas, no livro, atuam. A diferença é que, na película, as vozes se intensificam, buscando a pluralização e a instabilidade dos valores sociais. Partilhamos constatação similar quando comparamos as obras literárias escolhidas pelas comunidades de leitores, por nós estudadas, e as obras cinematográficas homônimas que, apesar de terem suas características próprias do gênero, ainda mantêm muito mais do que enredos semelhantes ao dos romances: também reforçam essas vozes centrípetas nas figuras de determinadas personagens. A segunda obra em destaque problematiza sobre forças centrífugas e centrípetas, a partir do funcionamento dessas, nos discursos sobre a Literatura e seu ensino, bem como são determinantes quanto à influência em instâncias enunciativas. Nossa atenção voltou-se para essa semente por denotar, entre suas preocupações, o quanto dessa influência resvala na na constituição do leitor quanto à tomada de decisão. Esse último documento-semente é de autoria de Diana Pereira Coelho de Mesquita. Intitulado, Discursivizando uma episteme acerca do discurso pedagógico sobre o ensino de Literatura na Educação Básica, foi publicado em dezembro de 2013, por ocasião da conclusão do Doutorado em Estudos Linguísticos, pela Universidade Federal de Uberlândia. Esse estudo tem como pressuposto que as concepções tradicionalistas/conservadoras perpassam a prática dos professores de Literatura, bem como todo um conjunto de concepções, estéticas, autorias, letramentos, entre outros, os quais dificultam a construção, por parte do professor, de uma prática cujo objetivo seja a constituição do leitor maduro. Para sustentar esse estudo, um dos húmus-teóricos trata de compreender o funcionamento das forças centrípetas e das forças centrífugas atuantes sobre o discurso pedagógico acerca do ensino de Literatura. O que, para nosso plantar científico, foi um encontro significativo, quando verificamos a utilização comum do aporte bakhtiniano em questão, quando discutimos quais possíveis forças centrífugas e centrípetas atuam sobre as decisões, redesenhando a identidade do leitor juvenil; também o pressuposto de que forças semelhantes atuem sobre o fazer pedagógico do professor de literatura em sala, muitas vezes impedem o amadurecimento desse aluno-leitor, interessa-nos. Reconhecemos que outras sementes possivelmente foram plantadas em território tão fértil quanto os escritos a respeito de temas como: leitura, jovem leitor, comunidade de 47 leitores, identidade, forças centrípetas e centrífugas, bem como a respeito das obras, Percy Jackson e os Olimpianos, Jogos Vorazes, ou Divergentes. Entretanto, nosso olhar, lançado nesta estrutura formada em óvulo tão fecundo como é a investigação identitária, recai sobre as identidades dos jovens leitores das sagas citadas, que especificamente participam, ou participaram das comunidades de leitores intituladas CHB e T&D. Por essa especificidade, acreditamos que esse seja um primeiro estudo, jamais definitivo, jamais conclusivo, embora, sim, determinado a tratar com zelo o “revelar-se” dessas identidades leitoras, juvenis. Nessa direção, nós nos valemos do terreno poético do prado-nome de Adélia, de húmus invejável, para lhes dizer, destemido leitor: esperamos que este fazer científico, esta investigação identitária, este redesenho de ideias sobre comunidade leitora sirva como árvore- documento a sombrear novos incautos que desejem “uma licença de dormir”, para obterem “a graça de um estado. Semente”. “Muito mais que raízes”, essas folhas revelaram-se como casas, para a morada de tantos sujeitos, os quais advêm de outros “lares”: suas respectivas comunidades de origem. Há muito a dizer a respeito das casas construídas por esses jovens leitores. Elas não são de alvenaria, entretanto, edificaram-se como se assim o fossem. Seus moradores cuidaram para que fossem acolhedoras para a grande maioria, embora, como em uma família, ao se reunirem, demonstrassem que não havia somente traços comuns e suas diferenças eram confrontadas. Ainda assim, o CHB e o T&D mostraram-se “seguros lares”, quando, durante os encontros, seus integrantes decidiam reviver, mesmo que de maneira adaptada, as experiências vivenciadas pelas personagens dos livros que os inspiravam. Senão para exaltar suas escolhas literárias, que fosse para construir novas amizades, entre outras incontáveis razões para as casas existirem. A respeito dessas, constituir-se-á, agora, nosso dizer, caríssimo leitor. Renove suas lentes e nos acompanhe, por gentileza. Desvendemos as trilhas que nos convidam, sem a subserviência à estrada dos tijolos amarelos que fora imposta à Dorothy para que chegasse ao Mágico de Oz, mas com o charme sedutor do olhar ampliado que ora nos permite o passo seguro adiante, ora nos sequestra para fora da estrada, a descobrirmo-nos muito mais em espantalhos, leões e homens de lata. Chegamos à casa alheia. Melhor... Chegamos a um vilarejo, cujas ruas pouquíssimas também apontam para o mágico, o castelo, a análise... São estreitos de métodos, caminhos metodológicos da sistematização investigativa, procedimental, reveladora de tipos, teorias, traçados, passos. Chegamos também as casas! Peçamos licença! 48 2 49 2 TRANSCRIÇÃO FEBRIL: A TEORIA Jano era o porteiro do céu... com duas cabeças, pois todas as portas se voltam para dois lados (Thomas Bulfinch, 2001, p. 17)10 . Na Antiguidade, em Roma, os templos dedicados ao deus Jano mantinham suas portas principais abertas, durante as guerras; em tempos mínimos de paz, fechadas11. As portas do sanctuarium, na Idade Média, obrigatoriamente eram abertas aos criminosos e aos devedores se solicitassem guarida, e esses não seriam aprisionados. Resguardados os suplicantes, a passagem santa era lacrada mais uma vez. É neste espaço de laboração desta escrita que descerramos nova passagem para discorrermos a respeito do “olhar norteador alheio”12 ─ tão próximo das ideias desenvolvidas neste trabalho de pesquisa ─, que se apresenta: ora como teoria que embasa a procura dos contornos dos “desenhos de uma identidade”; ora como fundamento que se mostra como claridade sobre caminhos de difícil percepção, os quais, aos poucos, definem-se, redefinem-se... Que sirva de convite, então, a abertura desta seção ao distinto leitor deste dialógico tatear, descobridor do outro. Sigamos! Longe de se compor como santuário ou templo, ainda assim, esta dissertação acolhe quem se permite ultrapassar seus umbrais. Segue, comportando-se como arena discursiva onde vozes múltiplas funcionam como verdadeiros portais para que os contornos de seus “donos-falantes” sejam lidos, interpretados e descritos. Perceba! São portas que dão acesso a outras portas. E, não diferentes, todos os princípios teóricos também funcionam, sobre os caminhos há pouco citados, definindo-se, redefinindo-se... Reescrevendo-se: inicialmente, à luz das teorias de Mikhail Bakhtin, que considerou a linguagem como “um constante processo de interação mediado pelo diálogo, concepção de linguagem que tem como princípio constitutivo o dialogismo, modo de funcionamento real dessa” (BRAIT, 2013, p. 167), com a qual sedimentamos a ideia de que o discurso construído nesta escrita “está envolvido e penetrado por opiniões comuns, pontos de vista, avaliações alheias, acentos” (BAKHTIN, 2015, p. 48). 10 Bulfinch (2001, p. 16). 11 Idem. 12 Teoria utilizada como princípio básico desta pesquisa, que dialoga com as necessidades discursivo-científicas surgentes, podendo ressignificá-las tanto quanto alimentá-las em sua origem, com o intuito de firmá-las. Jamais a fim de devorá-las; antes, sim, correr ao encontro das enunciações desse objeto. Esse, que “é o ponto de concentração de vozes heterodiscursivas, entre as quais deve ecoar também sua própria voz [...]” (BAKHTIN, 2015, p. 51). 50 [...] que surgiu de modo consciente num determinado momento histórico em um meio social determinado, não pode deixar de tocar milhares de linhas dialógicas vivas envoltas pela consciência socioideológica no entorno de um dado objeto da enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social (BAKHTIN, 2015, p. 49). Nesse sentido, entendemos que, ao tratar da identidade dos membros de comunidades de leitores, tivemos acesso à consciência socioideológica norteadora das linhas ideológicas vivas desses grupos. Essa consciência regente ajuda a compor padrões definidores do comportamento desses leitores, desde a escolha da literatura até a orientação do vestuário, da linguagem, ou mesmo da coloração dos cabelos; redefinem objetivos, paradigmas e deixam evidente uma visão de mundo. E o que parecia ser, algumas vezes, de difícil compreensão para nosso olhar pesquisador, tornou-se mais legível, quando nos valemos da já referida concepção de linguagem bakhtiniana, que nos ajudou a entender esses grupos de leitores como objetos da enunciação, participantes ativos do diálogo social, do qual não podem se desprender por serem elementos constitutivos desse diálogo tanto quanto causas determinantes dos elementos enunciativos. Como enunciados concretos, agregam a multiplicidade de gêneros, tendências comportamentais, ideologias... Então, podem ser ditas, essas comunidades, como “residências” (de certa forma) confortáveis, onde seus “moradores” afinam os discursos em torno do que lhes é comum, igual, que lhes identifica. Além disso, por evidenciarem o que os agrega (unifica como grupo), conseguimos enxergar real e significativa produção ideológico- social, que reflete cor e traço próprios, basicamente, porque “[...] o objeto é o ponto de concentração de vozes heterodiscursivas, entre as quais deve ecoar também sua própria voz [...]” (BAKHTIN, 2015, p. 51). E assim o é! No contexto no qual se encontram, embora não sejam “titulares” (pais de um conceito), e observados elementos como idade, escolaridade, hábitos de leitura, experiências relacionadas a esses hábitos13, ousamos dizer que esses conjuntos humanos comportam-se como esse objeto (BAKHTIN, 2015, p. 51) crescido e cheio de formas bem definidas, outras em redefinição constante e concentram vozes heterodiscursivas, que ressoam infinitamente, cada vez que são experimentadas em ressignificações cíclicas, circulares, senhoras de conceitos e significados que abastecem os diálogos, até que as próximas partilhas dialógicas 13 O conjunto midiático construído em torno do “culto” às sagas corresponde a uma profusão de gêneros que passam a ser “consumidos” pelos fãs de forma sistemática. Portanto e, muitas vezes, o leitor das histórias do bruxo Harry Potter, por exemplo, também é expectador do filme, jogador nas arenas digitais e virtuais, colecionador, avaliador, membro de conselhos e das comunidades espalhadas pelo país, que mobilizam esses “protagonistas” em encontros periódicos, estruturados em programas que garantem essas múltiplas experiências. 51 aconteçam, evidenciando o que nomeou por psicologia do corpo social, cuja materialização se dá na forma de interação verbal. A psicologia do corpo social não se situa em nenhum lugar “interior” (na “alma” dos indivíduos em situação de comunicação); ela é, pelo contrário, inteiramente exteriorizada: na palavra, no gesto, no ato. Nada há nela de inexprimível, de interiorizado, tudo está na superfície, tudo está na troca, tudo está no material, principalmente no material verbal. [...]. A psicologia do corpo social é justamente o meio ambiente inicial dos atos de fala de toda espécie, e é neste elemento que se acham submersas todas as formas e aspectos da criação ideológica ininterrupta: as conversas de corredor, as trocas de opinião no teatro e no concerto, nas diferentes reuniões sociais, as trocas puramente fortuitas, o modo de reação verbal face às realidades da vida e aos acontecimentos do dia-a-dia, o discurso interior e a consciência autorreferente, a regulamentação social, etc. (VOLÓCHINOV, 2006, p. 41). A exteriorização da psicologia do corpo social licencia nosso olhar para as práticas de convivência em comunidade. É quando o movimento de ideias, por meio das expressões, ganha força e, o que pareceria um simples cumprimento, significa bem mais. Como exemplo: um beijo de saudação pode conquistar a atenção de um desavisado visitante, durante os encontros em determinadas comunidades, ou reuniões juvenis em torno do “culto” às sagas. Mais especificamente, porque uma ideia comum nesses contextos é a de que, objetivamente: rapazes e moças podem trocar beijos, independentemente do sexo do parceiro. Na verdade, prevalecem a necessidade e a permissão do outro. Declarações calorosas, vinculadas a juras de amor eterno, “cerimônias de casamento” foram, por nosso olhar pesquisador, vez ou outra, atestadas tão fictícias quanto as histórias lidas por esses jovens, embora, para eles, estivessem impregnadas dos valores e verdades deste tempo, bem como carregadas das marcas de outros espaços e tempos tão distantes quanto a História pudesse contar. Esses grupos são devoradores das novas coleções literárias, as mesmas tratadas por Canclini (2006) quando discorre a respeito do não agrupamento das culturas em grupo fixo. Para ele, A agonia das coleções é o sintoma mais claro de como se desvanecem as classificações que distinguiam o culto do popular e ambos do massivo [...] portanto desaparece a possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das “grandes obras”, ou ser popular porque se domina o sentido dos objetos em mensagens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe) [...] (CANCLINI, 2006, p. 304). Grupos como esses comunicam ideologicamente ao mundo, por meio da psicologia do corpo social e respondem à necessidade de reorganização dos que os compõem, diante de 52 um macro sistema social que não os legitima14, a ponto de o que leem não ser considerado literatura, quando comparado ao cânon referenciado em livros didáticos e listas da já instituída “leitura obrigatória” escolar. Isso nos permite voltar ao conceito de enunciado vivo, o qual assenta a ideia de que, cada comunidade ou grupo, em especial, acende as luzes do contexto histórico que os viu nascer, sem, no entanto, deixar de tocar situações históricas outras, microlâmpadas em “linhas dialógicas vivas envoltas pela consciência socioideológica” (BAKHTIN, 2015, p. 49), convidando-nos a perceber que “É disto que ele surge, desse diálogo, como sua continuidade, como uma réplica e não como se com ele relacionasse à parte” (BAKHTIN, 2015, p. 49). Assim, comportam-se como nascedouros quando se trata da ressignificação da palavra “comunidade”, por exemplo. Nessa, revigoram novos aspectos da criação ideológica ininterrupta; acrescem-se em número e chegam a reunir centenas de jovens em algumas edições de determinados encontros. Transbordam em energia e força a escolha por essas novas coleções como leitura, a ponto de travarem lutas com espadas de madeira, protegidas com espuma suficiente para também garantirem a proteção dos “cavaleiros”. A “comunidade” passa, então, a ter outros nomes e, cada um deles, representativo do referencial literário, cinematográfico, quadrinístico... capaz de se fazer notar por aqueles que o identificam em práticas contínuas nessas “terras-paralelas”. Quanto a isso, que fique claro: a ressignificação do agrupamento como comunidade jamais fará de seus membros, adâmicos seres, portadores de suas originais ideologias [...]. “Só o Adão mítico, que chegou com sua palavra primeira ao mundo virginal ainda não precondicionado, o Adão solitário conseguiu evitar efetivamente até o fim essa orientação dialógica mútua coma palavra do outro no objeto” (BAKHTIN, 2015, p. 51). Antes, melhor que sejam percebidos como reorganizadores de ideias prontas a responder a outras ideias... Portas que abrem outras portas! Seguimos transcrevendo febrilmente... Retomemos, caríssimo leitor, a lembrança da concepção dialógica já citada para ressaltar que prossegue o olhar norteador, alheio, teórico, que subsidia interpretações nesta pesquisa. Descerrada a passagem, pensemos em “porta” como palavra. No domínio da “ideologia do cotidiano” dos que buscavam aqueles templos religiosos, a referida palavra anunciava o posicionamento comum tanto quanto denunciava convenientes intenções. Assim, “portas abertas”’ servia para lembrá-los da reconfortante ideia de dependência da divindade 14 Como macro sistemas, referimo-nos à reunião dos microssistemas que os cercam: familiar, escorar, profissional... Principalmente na escola, o que os participantes das comunidades de leitores elegem como literatura predileta não corresponde ao cânon preestabelecido. A distância entre a literatura listada como essencial e a eleita como predileta deixa claro o quanto não se reconhece a importância dada a esta por esses membros. 53 que servia à “proteção” dos que eram acolhidos, ou mesmo da incômoda lembrança da causa do que os havia levado a solicitar abrigo e tantas outras significações a expressão viesse a comportar. Nessa perspectiva, encontramos no Círculo15 afirmações que reforçam a ideia da importância ideológica da palavra. [...] A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais (VOLÓCHINOV, 2006, p. 40). De certo, se imaginarmos esses espaços físico-sociais onde os humanos, jovens leitores reúnem-se, como perceptíveis cômodos de um aconchegante lar, principalmente, representativo deste tempo; continuarmos imaginando os outros lugares dessa residência como quartos similares, também representativos de tempos outros, podemos “enxergar” o trafegar ininterrupto da memória dos significados de palavras que abriram e fecharam passagens entre esses espaços, renascendo plurais tanto quanto singulares. É assim que “cultura” e “família” (para elencar somente duas) reescrevem-se de maneira a abranger as noções vivenciadas e aprendidas pelo autor da citação abaixo, Kassio Lins. No mínimo, para ele, cultura dá conta de literaturas não canônicas, quanto à noção de família, esta, decididamente, não se constitui somente por laços consanguíneos: tantas e tantas vezes passa pelos grupos familiares descritos nos livros. [...] se Natal precisa de incentivo à cultura eu não teria conselho melhor que conhecer a comunidade pois somos uma família... estamos de portas abertas para todos, e todas as ideias são bem-vindas [...] (Kassio Lins, membro da de Leitores na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti) A experiência do aluno, membro da Comunidade de Leitores16, revela portas constantemente abertas. Isso, de certa forma, não inibe a utilidade dessas? Para que serviriam, então? Ao menos, naquele templo romano, prestavam-se aos dois lados; abri-las, ou fechá-las revelavam o compromisso com uma “segura” função social. O que significaria, então, um estado tão singularmente imutável? Dizemos isso, porque o falante é ciente do quanto de todo 15 Círculo de intelectuais e de artistas russos do qual participavam, entre outros, M. M. Bakhtin, V. N. Volóchinov, P. N. Medviédiev. Ficou conhecido como “Círculo de Bakhtin” e discutiu ideias no campo das artes e das ciências humanas. 16 Passamos a nomear assim os grupos que socializam em torno, ou a partir. de referenciais literários com ramificações em outras artes, tais como o cinema e os quadrinhos. Esses mantêm práticas de conjunto por meio das quais cultuam seus reverenciados objetos literários. Nesta pesquisa, eles representados pelas comunidades Camp Half Blood (CHB) e Comunidade de Leitores da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti (CLFIC). 54 um “sistema ideológico”, como nos apresenta Bakhtin, é lido no ajuntamento da palavra “portas” com a palavra “abertas”. Ele sabe o que pretende e torna signo (essa expressão) carregado de sua necessidade de dizer que, naquele ambiente, naquela escola, ao lado dos seus pares, quem se sente excluído (por suas díspares ideias) é acolhido na comunidade como em um santuário. Certamente, nesta pesquisa, essa “consciência” passou a nos interessar, por se tratar de um elemento gerador do diálogo que se firma entre esses membros e reforça contornos identitários. Cabe ressaltar a compreensão da palavra “diálogo”, “[...] num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja” (VOLÓCHINOV, 2006, p. 125). Dessa forma, as “portas abertas” ganham corpo em situações que vão, desde um encontro para a leitura do texto escolhido pela maioria até a encenação de um clássico drama; na predileção por arte sequencial17, ou na descoberta de sua familiaridade com o cinema; nas conversas sobre animes e mangás, ou no reconhecimento da total falta de informação a respeito. A esse respeito, VOLÓCHINOV (2006, p. 117) observa que esses movimentos, essas atividades alimentam a atividade mental do nós. Essa atividade, segundo o autor, podemos enxergar como um grau de consciência que se apresenta “[...] diretamente proporcional à firmeza e à estabilidade da orientação social” (VOLÓCHINOV, 2006, p. 117). Compreende- se, então, que um grupo e sua organização coletiva contribuem para a distinção e a complexidade do mundo interior dos indivíduos constituintes dessa coletividade. Percebe-se, em outras palavras, que essa mesma atividade mental do nós, amparada em contínuos diálogos, gera uma ideologia do cotidiano, para a qual a palavra não manifesta um conceito único: não pode ser dita, experimentada, escrita como se não refratasse em interlocutores ressoares quase ininterruptos tanto quanto esses o sejam. Antes, sim, caminha, convicta de seus passos firmes, entre membros de uma mesma comunidade, cuja passagem, já aberta, redesenha-a. [...] A ideologia do cotidiano constitui o domínio da palavra interior e exterior desordenada e não fixada num sistema, que acompanha cada um dos nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciência. [...] Os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ciência, da arte e da religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma forte 17 ‘Arte sequencial’, como são nomeadas as histórias em quadros, por Paulo Ramos, estudioso desse gênero, que discorre em sua obra A Leitura dos Quadrinhos, entre outras temáticas referentes, a respeito da diferença entre literatura e quadrinhos: “Quadrinhos são quadrinhos. E, como tais, gozam de uma linguagem autônoma, que usa mecanismos próprios para representar os elementos narrativos. Há muitos pontos comuns com a literatura, evidentemente. Assim como há também com o cinema, o teatro e tantas outras linguagens” (RAMOS, 2010, p. 17). 55 influência e dão assim normalmente o tom a essa ideologia. [...] (VOLÓCHINOV, 2006, p. 121). Eis que o significado de portas abertas passa a remeter “a algo situado fora de si mesmo” (VOLÓCHINOV, 2006, p. 29), reeditado tantas vezes quanto esse aluno tenha experimentado a desqualificação, por parte de outros, os quais avaliavam seu apreço também por uma literatura não prestigiada em listas do cânon oficial, e traduziam em máximas semelhantes a: “Não sabe o que é literatura de verdade”, ou “É um exemplo do empobrecimento cultural no cotidiano”. Trata-se, portanto, para esse falante, nesse lugar, de amparar-se na abertura irrestrita “[...] a todas as ideias [...]”18, de forma a falar em nome de numerosos grupos, que elegeram as novas sagas, os quadrinhos, as fanpages, entre outros gêneros e suportes, como oficiais dentro de seu “seguro” universo comum: as Comunidades de Leitores. Como tem peso esse novo signo! E como parece garantido, confiável, dono de uma lealdade possivelmente indiscutível, ao menos para os que fazem parte de uma dessas comunidades. Firmamo-nos na busca pela descrição da identidade dos falantes constituintes desses grupos, a partir do estudo desses signos verbais, inicialmente. Compreender as comunidades, a partir das ideologias que as cercam, é encontrar-se com esses signos e reconhecê-los. Mas esse espaço semiótico e esse papel contínuo da comunicação social como condicionante não aparecem em nenhum lugar de maneira mais clara e completa do que na linguagem. A palavra é o fenômeno ideológico por natureza... A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. Não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro de relação social (VOLÓCHINOV, 2006, p. 34). Nesse sentido, o espaço semiótico fala e sua projeção por meio da linguagem torna a visão de si evidente. Nada mais ideológico do que assegurar que o sentido de palavras e expressões ganhem o tom e a cor do grupo que, por meio dessas, expressa-se e cujos “movimentos tribais” chegam a outros com os quais se identificam. Nesse sentido, “viver em comunidade” passa a ter o sabor das coisas que lhes são comuns e com as quais se identificam. [...] Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. 18 [...] estamos de portas abertas para todos, e todas as ideias são bem-vindas [...] (Kassio Lins, membro da Comunidade de Leitores na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti). 56 Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semântico (VOLÓCHINOV, 2006, p. 30). Dessa forma, “portas abertas” repercutem, tais quais ondas que se ampliam, mapeando os que estão em volta e falando àqueles “que desconhecem a verdadeira literatura e empobrecem culturalmente”, leitura após leitura. Esses, por sua vez, respondem, a partir da ideologia que lhes é comum, no que VOLÓCHINOV (2006, p. 96) nomeia por “ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida”, despertadas em nós por “verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis” (VOLÓCHINOV, 2006, p. 96). Em outros termos, “tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” (VOLÓCHINOV, 2006, p. 29). Cabe ressaltar o problema da significação como objeto instigante de parte deste estudo, pois os sentidos enunciativos que ecoam do ajuntamento desses novos leitores são os mais variados. Em cada grupo (comunidade), percebemos quão singulares são as compreensões do que é literatura e de elementos que a perpassam comumente, tais quais o herói, a saga, o mito, a guerra, a paz... Esses entendimentos percorrem o trajeto definido, conhecido pelos que se identificam, numa espécie de curso autorizado individual, embora a enunciação seja coletiva. Partindo dessa verificação e nos valendo de Volóchinov (2006, p. 29) ao afirmar que: “[...] A enunciação monológica fechada constitui, de fato, uma abstração. A concretização da palavra só é possível com a inclusão dessa palavra no contexto histórico real de sua realização primitiva. [...]”, percebemos que, ainda que individualmente, Volóchinov (2006, p. 131-132) sustenta que “o sentido definido e único, uma significação unitária, é uma propriedade que pertence a um enunciado como um todo”. Portanto, a aquisição dos elementos textuais que permeiam a literatura seriada, como herói, fantasia, destino, ou mesmo a concepção do que venha a ser uma saga terão sentidos diferentes, cada vez que forem utilizados, por considerar a dependência da “situação histórica concreta”, numa escala microscópica, como salienta o filósofo, sem perder de vista que o sentido da enunciação completa (o tema) deve ser único (VOLÓCHINOV, 2006). [...] Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua (VOLÓCHINOV, 2006, p. 126). 57 Evolutiva e contínua também é a comunicação verbal no espaço comum aos membros de comunidades de leitores, onde essa ressignificação dos conceitos relacionados à Literatura ─ compreendida, nesta pesquisa, numa perspectiva de gênero do discurso, heterogêneo, “nos quais devemos incluir as breves réplicas do diálogo do cotidiano” (BAKHTIN, 2011, p. 262) ─ também se manifestam, independentemente das vozes contrárias, como as que surgem no ambiente escolar, por exemplo. Em suma, as identidades proclamam a literatura a ser cultuada, sem levar em conta do revozear incessante do que venha a ser uma leitura apropriada. Por falar nessas identidades, serão tratadas em uma seção dedicada à análise desses construtos identitários, por meio do que nos mostraram em termos de linguagem. Ela impera quando a questão é o mapeamento do sujeito, porque não se se constitui somente em discursos; imprime suas marcas também em outros aspectos. 58 3 59 3 LABOR DE JARDINEIRO EM DIA DE CHUVA (O MÉTODO) Iniciemos esta seção com um trecho da entrevista de Nélida Piñon ao escritor Luís Eduardo Matta, intitulada “Nenhum enigma nos protege da nossa própria brutalidade afetiva”. Como você enxerga a leitura no Brasil de hoje? Acredita que os brasileiros estão lendo mais, como se tem afirmado? Não vejo isso. Talvez eu esteja equivocada, espero estar. O que vejo é um empobrecimento intelectual no cotidiano, na compreensão dos fenômenos humanos, na dificuldade de se exprimir. Há uma carência léxica muito grande. Mas sinto também, por outro lado, que há uma curiosidade intensa. E que talvez nós estejamos numa fase de formação que deveríamos ter tido muito antes... A educação no Brasil é de extraordinária precariedade, portanto eu fico impressionada quando dizem que aumentou o índice de leitura (CANDIDO, [2014]). Em resposta, trazemos, pois, o depoimento de Mayra, 17 anos, membro da Comunidade de Leitores, na Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti Seres inter-relacionados, é do que a Comunidade de Leitores é formada. Ser uma pessoa que adora ler e gosta de debater sobre o que lê torna-se difícil em meio a uma sociedade na qual a minoria tem a leitura como lazer; sentir-se deslocada é o mínimo que pode acontecer. Encontrar um grupo de pessoas onde você se encaixa é a saída, mas isso não quer dizer que é fácil... Mas na nossa escola encontramos algo assim “de mão beijada”: recebemos o convite para participar ao invés de correr atrás como desesperados por água no deserto. Neste espaço, de “solo pedroso”, por meio do qual discorreremos a respeito de como nossa experiência se deu (a partir de quais indagações, quais regras, quais procedimentos), nasceram flores tão intensamente coloridas que toda adversidade encontrada por nosso fazer científico, vez ou outra, obrigava-nos a encarar a beleza da descoberta. Antes, porém, permitam-nos contar uma breve história, na voz de Chartier, como ele mesmo observa “[...] para terminar, um outro conto: a novela de Pirandello intitulada Mundo de Papel[ ...]” Nela, um leitor, o professor Balicci, fica cego de tanto ler. Ele fica desesperado porque a voz interior dos livros, que passava por sua visão se calou. Imagina então um primeiro subterfúgio, pedir a uma leitora para lhe ler em voz alta, mas o procedimento revela-se um desastre. A moça lê à sua maneira e Balicci não ouve mais a voz de seus livros. Ele houve uma voz, que choca sua audição e sua memória. Ele pede então a sua leitora que fique quieta e leia em seu lugar. Ela deve ler, para ela mesma, em silêncio, a fim de dar nova vida a este mundo que, desabitado, corre o risco de se tornar inerte. Lendo em lugar de Balicci, a leitora evitará que seus livros morram, abandonados, ignorados. Mas o drama se precipita quando um dia, lendo uma descrição da catedral e do cemitério de Trondheim, na Noruega, a leitora exclama: Eu estive lá e não é de modo algum como está no livro!”. O professor Balicci, então, tomado de terrível cólera, despede a leitora gritando: “Pouco me importa que você tenha estado lá, do modo como está escrito, é assim que deve ser” [...] (CHARTIER, 2009, p. 154-155). 60 O universo do professor Balicci estava contido em páginas. No conto, ainda se diz que ele continuara folheando os livros, eternamente cego, na esperança de retomar a memória do que conhecera naquelas linhas. Quando pensamos em Mayra, membro da comunidade de leitores19, que encontrou, em sua escola, “algo assim ‘de mão beijada’”, “água no deserto”, que a sacia, abrindo espaço para os leitores e suas predileções (independentemente de listar o cânon ou a literatura seriada da vez), poderíamos até encorpar o grupo dos tantos que, tal qual a escritora Nélida Piñon, impressionam-se por constatarem que “A educação no Brasil é de extraordinária precariedade”, mas, ainda assim, “aumentou o índice de leitura”. Poderíamos, se soubéssemos, principalmente depois do tatear dialógico desta pesquisa, dizer muito a respeito do que é considerado leitura e do quanto ler quadrinhos, por exemplo, não é considerado dessa mesma forma. Nesses primeiros passos, perguntamo-nos quanto do professor Balicci, cujo “sofrimento” primeiro se dá pela cegueira e prossegue na “voz, que choca sua audição e sua memória”, está presente nessas incrédulas afirmações a respeito do hábito de ler dos brasileiros; e quanto dessas frustrações tornar-se-iam preocupações mais sóbrias caso essas questões relacionadas ao ato de ler fossem ao menos discutidas, enxergando de verdade os leitores, ainda que fôssemos encontrá-los em guetos canhestros, como são vistos movimentos, comunidades, grupos e sociedades que ajuntam jovens em torno de determinada literatura juvenil. Dessa forma e para esmiuçar a respeito de como se deu esta pesquisa, precisamos deixar clara a ideia de que não acreditamos em uma pátria juvenil não leitora. Por isso, não nos incomoda a “A moça que lê à sua maneira...”. O modo que está escrito pode até ser o que se vê, mas não o que se lê. Não temos controle sobre a o enunciado alheio. Além do mais, “O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata (VOLÓCHINOV, 2006, p. 45)” e, nessa refração, constata-se o confronto de interesses. A tentativa de cercear a liberdade que há em refletir ou refratar é insana. Ainda Volóchinov atenta para uma questão, especialmente axiológica: Em cada época de sua existência histórica, a obra é levada a estabelecer contatos estreitos com a ideologia cambiante do cotidiano, a impregnar-se dela, a alimentar- se da seiva nova secretada. [...]. Rompido esse vínculo, ela cessa de existir, pois deixa de ser apreendida como ideologicamente significante (VOLÓCHINOV, 2006, p. 121). 19 Passamos a nomear assim os grupos que socializam em torno, ou a partir de referenciais literários com ramificações em outras artes, tais como o cinema e os quadrinhos. Esses mantêm práticas de conjunto por meio das quais cultuam seus reverenciados objetos literários. Nesta pesquisa, representados pela comunidade-sujeito- objeto desta pesquisa estão Camp Half Blood (CHB) e as comunidades que adicionaram suas experiências a este fazer científico, Comunidade de Leitores da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti (CLFIC) e Tributos e Divergentes (T&D). 61 Só assim a obra sobrevive nesta época. Portanto, entendemos que não importa ao professor Balicci que a moça tenha estado lá, bem como não sabemos da reação legítima da leitora diante do que leu. É assim também que os censores sociais comportam-se junto aos jovens das comunidades de leitores. Não os veem, não os legitimam nem as suas preferências literárias, talvez por isso alguns se refugiem em grupos específicos, nos quais sabem que não serão tratados como não leitores. Retomemos, caríssimo leitor, ao caminho citado há pouco, onde descobertas são como flores, para abrir picadas que nos levem às buscas identitárias dos leitores de textos literários ou narrativas em quadrinhos, dos romances seriados sobre os quais elementos fabulares, da fantasia e das mitologias, entre tantas outras ramas, ou mesmo os clássicos romances de nossa história literária, são saboreados. Esses novos leitores, igual e comumente aos que fazem esta pesquisa, tentam reunir pistas que os autodefinam. Perceberem-se é, antes de tudo, certificarem-se de que fizeram as conexões entre os pontos. Dessa forma, reconhecem-se múltiplos, “assumindo identidades diferentes em diferentes momentos; identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (HALL, 2005, p. 12). Assumir essas identidades concorre para que, muitas vezes, os indivíduos se agrupem, como fazem os membros de uma comunidade de Leitores denominada Camp Half Blood (CHB), ou “Acampamento Meio-sangue”, como foi traduzido para o português o nome do local para onde são enviados os semideuses nascidos em nosso tempo, segundo nos conta a Saga Pearce Jackson. Uma vez por mês, jovens, cuja identificação comum passa pela leitura dessa saga, reúnem-se em um parque da cidade para redescobrirem-se “donos” de conhecimentos semelhantes tanto quanto advindos de “sistemas de significação e representação cultural multiplicados”, diante dos quais “são confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis” (HALL, 2005, p. 12-13). Observá-los e tentar o registro das características que compõem esses novos “corpos devoradores de textos literários” são a demanda de nossa pesquisa no campo da Linguística Aplicada. “Identidades performadas em vez de pré-formadas” (PENNYCOOK, 2004b apud MOITA LOPES, 2006, p. 80), que não evocam uma identidade anterior, que se constituem em atos repetidos e não fogem ao enquadramento regulador, ainda que seja do próprio grupo, numa “[...] série contínua de performances sociais e culturais [...]” (BUTLER, 1990 apud MOITA LOPES, 2006, p. 80). Tantos e tamanhos pontos a ser relacionados, nascidos nas diversas manifestações sociais por meio da linguagem e dos demais elementos culturais que pudessem deixar vestígios nesses indivíduos cabem na perspectiva de além-fronteiras da LA. 62 [...] Uma LA que explode a relação entre teoria e prática, porque é inadequado construir teorias sem considerar as vozes daqueles que vivem as práticas sociais que queremos estudar; mesmo porque no mundo de contingências e de mudanças velozes em que vivemos a prática está adiante da teoria [...] (MOITA LOPES, 2006, p. 31). Não há como investir em descobertas junto aos membros desse grupo de leitores, dotando-nos, por exemplo, de impedimentos conceituais. Tratar a literatura acolhida, nessa comunidade, como “de massa”, ou “de consumo”, distanciada do elenco canônico, eleito “indispensável”, não nos proporcionaria a experiência transgressora do alimento novo. Além disso, valemo-nos de teorias outras que perpassam a filosofia, a exemplo desse ultrapassar fronteiriço, para visualizar com mais clareza tanto os construtos quanto os desenhos identitários dos membros da referida comunidade. Dessa forma, tateamos os aspectos relativos aos entrevistados, que compõem: sua rotina, como leitor e membro de uma comunidade (contemporânea) de leitores. Prosseguimos, buscando o aparato social, observado como determinante na construção dessa identidade apreciadora da arte literária e, mais especificamente, do gosto pela literatura seriada. Nesse cenário, nós nos questionamos, entre outros importantes pontos, se, utilizando-se dos espaços geográficos e virtuais que acolhem as comunidades de leitores de sagas, na contemporaneidade, pode-se atribuir a esses grupos contribuição significativa para o letramento literário dos seus membros. Já que mencionamos as descobertas como flores coloridas intensamente, em solo pedregoso, também, como a estrutura de um rizoma, a linguagem assegura a aglomeração desses indivíduos do CHB20, por não se distanciar dessa capacidade de ligar pontos, de se transformar: em brotos sociais, históricos, comportamentais os mais diversos. Linguisticamente, ela se projeta, lançando seus falantes para além das fronteiras, redimensionando os espaços por eles ocupados. Então, suas múltiplas identidades, as que se adaptam, adequam aos desenhos surgidos da ligação dos pontos, veem-se em práticas discursivas e tais práticas “[...]envolvem escolhas que têm impactos diferenciados no mundo social e nele interferem de formas variadas” (MOITA LOPES, 2006, p. 49). Por sua diversidade, a comunidade agrega “tribos” que cultuam, por exemplo, o cinema, os mangás, a literatura dita “de massa” e a literatura eleita como clássica, e é a linguagem que os representa, bem como suas vontades, seus interesses... A cada encontro, uma sucessão de atividades que põem à prova habilidades e conhecimentos a respeito dos saberes comuns aos membros. Jogos, danças, simulação de arenas, declarações amorosas, 20 Camp Half Blood, comunidade de leitores da saga Pearce Jackson; reúnem-se em Natal, no Rio Grande do Norte. 63 partilhas literárias, práticas que revelam as origens e os construtos que constituíram desde a experiência inicial como “consumidores” do mundo que os cerca, passando pelas apropriações vocabulares, em sua formação como leitores. Há de se entender que tantas composições definem esses “indivíduos híbridos”, “que podem ser contrastados com os ‘tradicionais’ e ‘modernos’ como sujeitos plenamente formados” (HALL, 2003, p. 74), leitores, membros de comunidade, em um processo de tradução cultural que não se completa e que os torna visíveis numa sociedade plural que não costuma aceitar-se tão diversa. Cabe ressaltar que hibridismo não se refere a “indivíduos híbridos”, antes, sim, “é realmente outro termo para a lógica cultural da tradução” (HALL, 2003, p. 74). 2.1 PASSOS... De junho de 2014 até 28 de janeiro de 2017, visitamos as comunidades com o objetivo investigativo-científico. Observamos, a princípio, uma estrutura organizada e hierárquica. Quando questionados, os administradores do CHB, de pronto, informaram a respeito. Na sequência, sintetizamos sobre: 1. A origem do nome: advém do acampamento homônimo, descrito, já, no primeiro volume, Percy Jackson e os Olimpianos, na obra de Rick Riordan (2008). 2. A estrutura administrativo-organizacional: o CHB é administrado por membros indicados pelos chalés; podem ser até sete administradores. O número de chalés corresponde ao número que houver de deuses, ou pares de deuses (as divindades menores, por exemplo) “cultuados” pelo grupo. Cada chalé é liderado por um conselheiro que tem a responsabilidade sobre a equipe; junto aos administradores, os conselheiros têm influência e poder de voto, no que diz respeito às decisões para os encontros. Os membros são chamados de campistas e são inseridos nos chalés mediante solicitação desses. Geralmente, as escolhas aconteciam após testes que os membros faziam, via internet, para saberem de quem eram “filhos”, o que não os impedia de refazerem o teste. Esses, que não se decidem, que não se identificam com um dos deuses, que não se sentem aceitos pelos irmãos semideuses, andam de chalé em chalé e são denominados “enxeridos”, “clandestinos”, “adotados”, entre outros termos. 3. As regras: existem e, recentemente, outras foram adicionadas (ver “Tenda Mágica dos Meninos Livres”, na seção 3, “Trabalhos, Pessoas e Dias”). Uma das mais citadas pelos administradores é a que trata das opiniões, na qual deixam clara a intenção de que todas devem ser respeitadas; evidenciam uma postura contrária às repressões em nome da própria opinião e salientam que a liberdade, com responsabilidade, deve ser mantida. 64 4. O financiamento dos projetos do grupo: os administradores tentam manter o custo mínimo para os participantes. Quando lhes é solicitada alguma contribuição, para que possam comprar itens que são sorteados entre os membros, chega, no máximo, ao valor de R$ 2,00 (dois reais). Todavia, na maioria das vezes, são os administradores que sustentam os encontros com doações deles mesmos ou externas ao grupo (os livros, muitas vezes, são presenteados por livrarias), embora relatem casos de administradores que tenham retirado volumes de suas próprias coleções para que os sorteios dos livros, momento tão esperado pelos campistas, acontecesse. 5. A quantidade de participantes por encontro: os relatos e alguns registros fotográficos falam de encontros em que se reuniram centenas de jovens. Durante a pesquisa, chegaram a reunir cinquenta membros. 6. Um cadastro dos participantes: não existe. Nunca houve a preocupação de fazer registros além dos fotográficos, ainda assim, em número reduzido. Justificam o fato por concordarem que não existe essa necessidade para fins oficiais. Deixemos mais claro ainda o processo de investigação oferecendo ao seu olhar, leitor companheiro, a descrição desses fazeres comunitários em torno da literatura, desenvolvidos por esses membros nos encontros, já na próxima seção. Antes, ficam registrados alguns dados necessários para o entendimento do que foi nosso fazer investigativo. A comunidade escolhida foi o Camp Half-Blood (CHB RN), inicialmente. Com o encerramento das atividades por quase um ano, observamos que outro movimento se instaurara entre os membros: passavam a migrar, como aves que procuram melhores condições de sobrevivência, para outros recantos. Um, em especial, agregou parte dos administradores e campistas do CHB. A comunidade denominada T&D (Tributos e Divergentes) ganha força diante do interesse desses que advinham do Acampamento Meio-Sangue, muito mais porque a identificação fora imediata do que especificamente por qualquer frustração ou desilusão, ou cansaço que a anterior “casa” pudesse ter-lhes proporcionado. Nas seções que seguem, outros traços identitários das comunidades e de seus membros ser-lhe-ão revelados, amigo leitor. Por enquanto, deixemos claro que outras comunidades são citadas por observarmos ligação com o CHB, como lhe foi dito. Por isso, agregamos a este estudo a descrição de práticas também alusivas ao T&D, muito mais para lhe dizer, caríssimo, sobre as convergências entre os dois grupos e observar que essa identidade juvenil, leitora, descentrada, em constante mutação aproximava-se mais do que Hall (2006) tratou como identidade cultural do que uma suposta instabilidade, própria do fato de serem jovens, ou uma crise de identidade, própria também da fase de 65 amadurecimento pela qual passam, como determinadas máximas declaradas e sustentadas durante séculos a respeito da juventude são conhecidas. Outras falas de jovens da Comunidade de Leitores da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti também foram inseridas neste falar coletivo sobre identidade. Deu- se porque nossos laços muito estreitos com essa comunidade levou-nos a observar que os primeiros incômodos que suscitaram esta pesquisa nasceram na escola, quando perguntávamos se o futuro para a experiência leitora nas instituições de ensino não passaria por novos e prolíferos grupos de leitores, que lessem as sagas, mas não abandonassem o cânon, como o fazem os da referida escola. Também porque um pequeno número, ainda que significativo e importante, mantém alguma relação com o CHB e com o T&D. As tribos definitivamente se encontram. Diria até que perpassam umas pelas outras, libertando-se das fronteiras. Faz-se necessário dizer que as duas comunidades T&D e CLFIC foram informadas que membros participantes da pesquisa integravam suas fileiras e que, por isso, seriam citadas como partes contribuintes desta pesquisa. Portanto, os dados também são compostos por falas de alguns que as constituem. Todas as citações alusivas a essas falas estão devidamente referenciadas com os nomes escolhidos por eles para serem tratados (alguns preferiram codinomes, enquanto outros mantiveram os nomes oficiais de registro, vide os questionários que estão no Anexo A). 66 4 67 4 TRABALHOS, PESSOAS E DIAS O CHB primeiramente é sinônimo de Família para mim, nos encontros conversamos, brincávamos, discutíamos e muitas outras coisas. Além disso, me ensino a respeitas as outras opções sexuais, e de que todos somos iguais de baixo da pele, somos de osso e carne independente da nossa escolha. (Atyson Jaime De Sousa Martins, membro do Camp Half-blood – CHB RN – Recorte do questionário – Anexo A) 3.1 TENDA MÁGICA DOS MENINOS LIVRES (ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE – CHB RN) Figura 2 – Símbolo oficial do “Acampamento Meio-Sangue”, do “Camp Half-Blood RN”. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2014. Sermos “de osso e carne, independente da nossa escolha” é muito mais do que habitar um corpo, muito mais do que representar um protótipo de humano ser. O que essa carne que cobre a ossatura, esse osso que rompe a carne desejam é um nome de significado único, por sua identidade una; um nome que se permita a coletividade de uma moradia cheia de outros, tão iguais quanto irreconhecíveis a olho nu. Penso que me faço entender, amigo leitor, quando o que espero é mais do que isso de Vossa Senhoria. Você se lembra das lentes? Decerto, está munido dessas. Elas não compõem o único artefato necessário para que continue junto a mim (junto a nós), nesta viagem, que agora chega a uma rua de duas casas. Quero seu espírito caseiro e as experiências vivenciadas entre seus amigos, aqueles que receberam o título de família; espero também os seus laços familiares, reconhecidos pelo calor da amizade que lhe devota. Entretanto, paciente companheiro, não me venha sem as faltas, suas e de todos 68 eles, pois são como matéria-prima para a compreensão de nossas virtudes, também das suas, também as deles. Seguiremos, nesta subseção, como recém-chegados, vizinhos desses que habitam essas duas casas. Ocuparemos, assim, uma terceira residência, construída somente para este fim: o de esquadrinharmos a vida do vizinho e da vizinha, subvertendo a intenção funesta dessas mesmas palavras no poema que suscitamos. Avisemos ao dono da rima “gregoriana”, que levaremos “à praça e ao terreiro”, visto que pesquisar, escutar e espreitar corresponderam ao início de um intento: dar visibilidade aos recantos onde geralmente se escondem os de osso e carne, independentemente de nossa escolha. Figura 3 – CHB – Imagem produzida a partir de vídeo – Número artístico-musical no encontro “Casa de Afrodite”, em junho de 2014, a partir das 14h. Fonte: Autoria própria (2014). 14 de junho de 2014 – Casa de Afrodite. A tarde chuvosa daquele sábado parecia contrastar com a festiva reunião de jovens. Isso, porque, de praxe, espera-se que um céu cinza faça jus à “tristeza cinematográfica” evocada, chegando a ser um clássico da ambientação romântica. Todavia, não para aqueles rapazes e moças. Negavam a tristeza e confraternizavam com o clima, o qual, longe de ser ruim, parecia especialmente construído para o encontro da Casa de Afrodite, um dos chalés do Acampamento Meio-Sangue, já referenciado em Percy Jackson e os Olimpianos (2008). Era o ano de 2014 e nem mesmo a Copa do Mundo, em nosso país, conseguira mobilizar, naquele dia, a atenção dos “campistas” (como eram identificados os membros desse grupo). Eu pisava, pela primeira vez, em “solo consagrado pelos deuses da literatura” e era apresentada ao CHB RN, o acampamento destinado àqueles jovens leitores que, naquele 69 momento, assumiam ser “semideuses”, “filhos das casas” descritas na saga Percy Jackson (Figura 4). Figura 4 – Recorte do questionário respondido por “Arth”, membro do CHB RN (Anexo A) Fonte: Autoria própria (2014). O convite postado na timeline do grupo referenciava o nascimento de Afrodite (ver Figura 5), revelando informações que não estavam registradas na saga da qual são fãs. Esse conhecimento extrapola as páginas da literatura produzida no século XXI e remonta à Antiguidade. O convite revela, além dos cuidados com o conforto do grupo, conhecimento das implicações de uma Copa do Mundo no país, por exemplo. Isso descarta o papel de alienadores, ou mesmo de alienados, porque decidiram cultuar o “pop literário do momento”. A maneira como é informado o deus homenageado de julho, Hermes, o mensageiro dos deuses, é divertidíssima (Figura 6)! Sabe-se, “à boca pequena”, que Hermes é o pai dos ladrões, roubou até mesmo seu irmão, Apolo. Devemos considerar também que, ao ser interpelado pelo deus do Sol, Hermes reconhece o que fizera, apesar de argumentar em seu favor, alegando que ainda era uma criança (na verdade, um bebê) e lhe presenteia com a lira, sua nova invenção. Então, os filhos desse deus não são maus, são como crianças, inconsequentes. 70 Figura 5 – CHB – Encontro Casa de Afrodite, em 14 de junho de 2014, a partir das 13h30 Fonte: Disponível em: . Acesso em: 3 jun. 2014. Figura 6 – CHB – Convite Encontro Casa de Afrodite, em 14 de junho de 2014, a partir das 13h30 Fonte: Disponível em: . Acesso em:5 jun. 2014. 71 Iniciado o encontro, assistiram atentos a uma sequência cênico-musical, composta por duetos românticos e apresentações em grupo, variados em ritmo, embora tratassem de encontros e desencontros amorosos, como convinha à trilha sonora dedicada à deusa do amor. Ao som de “You are the one that I want”, uma das canções da trilha sonora do filme Grease, ou do clássico consagrado por Nat King Cole, L. O. V. E., ainda que, na apresentação dos campistas, mais lembrasse a versão de Glee21, passando pela balada romântica da banda brasileira Legião Urbana, “Por Enquanto”, os jovens convidavam uma plateia cúmplice a se deliciar com as homenagens propostas à filha de Zeus, dona da casa anfitriã. Quem fez as honras da casa, durante todo o percurso artístico-musical, foi Beatriz, a conselheira do chalé (a mesma que postara o convite, ver Figura 6) e o séquito de Afrodite, auxiliada ainda por integrantes, “filhos” de outros deuses (ver Figura 2). Figura 7 – Uma das apresentações musicais no encontro da Casa de Afrodite Fonte: Imagem produzida a partir de vídeo. Autoria própria (2014) Encerrados os números musicais e de dança, dedicaram-se a pequenos corações vermelhos, que foram recortados em cartolina e fixados às camisas uns dos outros, minutos antes. Tratava-se de mais uma atividade do encontro, que conduzia cada membro a outro participante escolhido, para lhe dizer, de maneira que não deixassem dúvidas, o quanto desejava “arrancar-lhe” o coração e rasgá-lo. Também de maneira indubitável, o nome do jogo era mais do que sugestivo, praticamente um comando: Quebrando o Coração (ver figuras 8 e 9). 21 Série juvenil, já encerrada em sua TV de origem, na qual o coral de uma escola, Glee Club, é revitalizado por um professor, que vê, nessa iniciativa, a oportunidade de seres bastante distintos serem reunidos pela dedicação à música. 72 Figura 8 – Jogo “Quebrando o Coração”, entrega dos corações recortados, para serem fixados no peito dos participantes. Fonte: Imagem produzida a partir de vídeo. Autoria própria (2014). Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 12 jul. 2014. É bem verdade que a grande maioria não aderiu à proposta de “alertar que iria ‘arrancar”’, preferiram informar que iriam “retirar, descolar, pegar” e qualquer outra verbalização que não parecesse tão violenta. Até porque o encontro era da Casa de Afrodite, o culto ao amor fora priorizado em todas as ações do grupo, naquele evento, ainda que a intenção, naquele momento, fosse convidá-los a sentir as consequências da sedução, ora figurando como rejeitados (quando tinham o recortado coração “sequestrado”, retirado de suas vestes e fixado ao peito de seus “algozes tentadores”), ora como os que detêm o poder manipulador, vestindo-se da força de quem seduz e, logo depois, abandona, faces legítimas da Deusa da beleza e do amor. Mesmo assim, os poucos que passeavam pela área onde eles estavam, um parque ecológico-ambiental (Parque das Dunas), na capital do Rio Grande do Norte, deveriam se perguntar se era normal o comportamento daqueles jovens que, ora cantavam, ora descartavam corações aos montes, ora dançavam e, por fim, respondiam ardorosamente a um jogo de perguntas, todas a respeito da saga Percy Jackson para ganhar um dos livros que seriam ofertados aos vencedores dos jogos [Acredite!]. Vivenciava ali, minha primeira experiência junto aos participantes do CHB. 73 Figura 9 – Jogo “Quebrando o Coração” Fonte: Imagem produzida a partir de vídeo. Autoria própria (2014). Imagem fora de foco para resguardar alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. A sedução de Afrodite não cessara. Ela seria evocada em uma atividade que mobilizou o meu olhar, dessa vez, por corresponder aos conhecimentos literários dos participantes, intitulava-se: Jogo dos casais. Nele, os integrantes foram convidados a encontrar os pares da literatura a que correspondiam. Ao passo que descobriam, acentuava minha suspeita de que os encontros referenciavam também textos literários outros, que não compusessem a coleção que inspirara a criação do grupo (ver Figuras 10 e 11). Isso reforçou uma ideia já alimentada desde meus primeiros anos, em sala de aula, como professora: nós, inúmeras vezes, limitamos até mesmo o jovem leitor ávido por qualquer sedução que o leve às paginas da literatura de qualquer cor, nome, andar ou fala. As referências às sagas são imediatas (ver Figura 11). Frank e Hazel são personagens encontradas em Os Heróis do Olimpo (2010/2015), publicados sequencialmente à série Percy Jackson e os Olimpianos, do mesmo autor. Hazel também dá nome a uma das personagens do romance A culpa é das estrelas. Junto ao parceiro Gus, protagonizaram a lacrimejante história escrita por John Green. Ademais, a coleção das histórias do bruxo Harry Potter demonstra estar no imaginário desses jovens; no jogo, especificamente, representado pelas personagens Ron e Hermione. Mas é o casal Romeu e Julieta que amplia esse universo e convida às primeiras reflexões acerca do que trataria esta dissertação: as identidades do jovem leitor de sagas. Principalmente, por indicar que as fronteiras literárias, que classificam, rotulam, caracterizam de maneira a impedir, teoricamente, o acesso, para esses rapazes e moças, são transponíveis, bem mais do que se imagina. 74 Figura 10 – CHB – Jogo dos casais Fonte: Autoria própria (2014). Fotografia fora de foco para resguardar alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso Figura 11 – CHB – Jogo dos Casais – Composição dos casais nos painéis Fonte: Autoria própria (2014). Fotografia fora de foco para resguardar alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 5 jul. 2014. Normal ou não, para os que assistiam longinquamente, bem como para os que “ousavam” passar bem perto da agitada companhia, o Camp Half Blood certamente impressionava, quer pelo uso de uma singular camisa laranja, quer pelo número de jovens ali reunidos, aproximadamente cinquenta. Quando com alguns deles conversei, ainda naquela tarde, disseram que a chuva talvez tivesse impedido a maioria de chegar ao parque. Não me contive. Necessitava indagar o que eles caracterizavam por “maioria”. De pronto, obtive a resposta, quase num fio jocoso juvenil que, em um dos encontros anteriores, chegaram a 75 reunir, aproximadamente, duzentos participantes. Fora o encontro em homenagem ao deus do mundo inferior. A Casa de Hades havia colocado à prova, as habilidades dessas centenas de criaturas leitoras, adolescentes, fãs do universo dos deuses do Olimpo, redesenhado nesse plano literário da coleção citada no início desta seção (ver Figuras 12 e 13). Figura 12 – CHB – Encontro Casa de Hades, em 2013 Fonte22: Disponível em: . Acesso em: 25 jun. 2014 Figura 13 – CHB – Encontro Casa de Hades, em 2013 Fonte: Disponível em: . Acesso em: 25 jun. 2014 22 Formação registrada no encontro da Casa de Hades, em 2013. Cabe ressaltar que algumas fotos estão propositalmente desfocadas, para garantir o respeito à opção de parte dos membros em não terem suas respectivas imagens divulgadas, senão dessa forma. 76 Meses separaram-nos daquele primeiro contato com o acampamento e sua criativa lista de atividades que dialogavam com as narrativas que batizaram o grupo. A partir de então, nós nos inteiramos um pouco mais a respeito da série escrita por Rick Riordan (2008). Percy, o herói dessas narrativas de ficção e fantasia, é um desses meio-sangues, um semideus, que por razões bem convincentes vai parar nesse reduto de proteção e reeducação, por assim dizer, para jovens filhos dos deuses olimpianos. Lá, além de descobrir sobre suas habilidades e seus poderes, aprende que deve conviver com os mortais e imortais, no mundo exterior. Para tanto, algumas práticas diárias voltadas para a sobrevivência são testadas. Assim, lutas com espadas, por exemplo, que foram retratadas, inicialmente, no Livro 1, eram comuns em seu treinamento. Como dissemos, as atividades do Acampamento Meio-sangue potiguar dialogavam com as narrativas, a ponto de uma luta com espadas de madeira ser travada em uma das edições do encontro. Também os “semideuses”, reunidos na Cidade do Sol23, eram testados. Era o dia seis de dezembro de dois mil e catorze, e o encontro da Casa de Ares, o deus da guerra, estava somente começando... Figura 14 – CHB – Convite para o encontro da Casa de Ares, em 06 de dezembro de 2014 Fonte: Disponível em: . Acesso em: 23 dez. 2014 06 de dezembro de 2014 – A Casa de Ares. O CHB encerrou o ano de 2014 com uma disputa de espadas em honra ao deus da guerra. Destacamos o convite (ver Figura 14) feito 23 Epíteto da capital do Rio Grande do Norte, Natal. 77 por meio da rede social Facebook, na qual o CHB alimenta um grupo, na intenção de informar a respeito das atividades da comunidade aos 1.863 membros adicionados até a presente data. A chamada explícita ao combate impulsionou os ânimos para a reunião. Coerente com o deus escolhido, o acampamento viveu seu dia espartano, elegendo a força e a habilidade com a espada, como “poderes” mais necessários. O espaço onde o acampamento é erguido corresponde a alguns anseios por similaridade, levando em consideração que o Camp Half-Blood, da série literária, abre-se em áreas verdes, para o extenuante treinamento de seus protegidos ilustres. Afinal, são os filhos dos deuses gregos que lá estão para entender como sobreviver na atualidade. O Parque das Dunas, onde acontecem os encontros, segundo o site oficial do Governo do Estado24, [...] possui uma área de 1.172 hectares. Reconhecido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica Brasileira... Seu ecossistema de dunas é rico e diversificado, abrigando fauna e flora de grande valor bioecológico, que inclui diversas espécies em processo de extinção [...]. O último encontro em 2014 finalizou as homenagens aos deuses gregos e preparou a comunidade para enamorar-se do panteão romano. Até então, tinham como base a estrutura da Série Literária Percy Jackson e os Olimpianos. Se visitasse o acampamento, veria o que Aleph nos descreveu objetivamente (ver figura 15). A proposta para o ano que se iniciara era acompanhar a sequência literária que dera continuidade à ficção criada por Rick Riordan. Diríamos ser uma vasta série mitológico-fictícia cujos primeiros volumes referenciam os deuses gregos, a partir da saga Percy Jackson e os Olimpianos, com O Ladrão de Raios, em 2005. Figura 15 – CHB – Recorte do questionário respondido por Aleph Matteus, administrador no CHB Fonte: Dados da pesquisa 24Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2017. 78 A estrutura dirigente continuaria a mesma, como reforça um dos administradores (ver figura 16), somente mudariam as referências literárias, que nomeariam os novos grupos. Os deuses gregos seriam substituídos pelos romanos e os chalés passariam a ser cortes. Figura 16 – Postagem na Time Line do CHB a respeito da nova estrutura para os encontros em 2015 Fonte: Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2015. Já que tratamos dessa transição da cultura grega para a romana, nos encontros do Acampamento Meio-sangue, é-nos pertinente dizer que Grécia e Roma partilharam estrutura semelhante de círculos de leitura, no início do século II a.C. Nesses grupos, autores que não pertenciam à classe de patrícios eram promovidos e acolhidos, revela-nos, Fischer (2006): [...] Na época do imperador Augusto, no final do Século I a.C., as principais eram Précia e Lésbia, que divertiam promoviam e incentivavam autores com boas perspectivas de sucesso, “administrando” suas carreiras na alta sociedade e os encaminhando para a fama e para a fortuna” (FISCHER, 2006, p. 67). 02 de maio de 2015 – Cortes Romanas. O cenário ainda era o Parque das Dunas, local que, até o presente momento do encerramento desta escritura, ainda abriga o CHB; cujas reuniões eram, anteriormente, mensais, agora, semestrais. O convite era acompanhado pelo pôster de cores intensas (ver Figuras 17 e 18). O panteão romano das histórias de Rick Riordan conquistava, página a página, seus fidelíssimos leitores e, em maio de 2015, todas as cortes foram convocadas para mais um encontro, no qual um dos testes seria a luta com 79 espadas. Acontece que os chalés ainda resistiam. Nascia um encontro híbrido em essência, com personas, no acampamento, defendendo o nobre nome de Zeus, ou de Atena, enquanto se ouviam os mesmos participantes gritarem pela primeira corte. Gritar em sinal de aprovação parece remeter mesmo à história dos círculos de leitura. Na Antiguidade, Roma assistiu ao crescimento do prestígio de autores por meio desses grupos literários. A aclamação era parte da etiqueta social e os poetas eram conduzidos ao status de grandes oradores, se assim o fossem, evidentemente. O silêncio era entendido como grave ofensa, pois os autores esperavam as críticas à atuação apresentada. [...] O próprio Augusto frequentava essas leituras “com boa vontade e paciência”. Os autores apresentavam seus versos, histórias e lendas mais recentes, e seus amigos literatos, companheiros eruditos ou poetas, bem como sua família, mecenas e o público em geral participavam gritando em sinal de aprovação, batendo palmas em intervalos regulares e levantado-se e aclamando em passagens particularmente excitantes (FISCHER, 2006, p. 67). Figura 17 – CHB – Convite elaborado e postado por uma das administradoras do CHB Fonte: Disponível em: https://www.facebook.com/groups/ChbRN/ Acesso em: abril de 2015 80 Figura 18 – CHB – Pôster Encontro das Cortes, elaborado e postado por uma das administradoras do CHB Fonte: Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2015 Assim, abrimos significativo espaço para lembrar quão importantes e simbólicos são esses territórios juvenis, como nomeia Carrano (2012), escolhidos pelos jovens para suas práticas em grupo. Nesses espaços, as identidades comuns dão o tom das reuniões e conclamam os participantes a se perceberem parte do grupo por meio de detalhes que os identificam. Os diferentes territórios juvenis são também lugares simbólicos para o reconhecimento das identidades comuns, e é em torno de determinado território que se constitui o grupo de iguais. E como a identidade do grupo precisa se mostrar publicamente para se manter, cada grupo cria, então, suas próprias políticas de visibilidade pública que podem se expressar pela roupa, mímica corporal, formas e conteúdos do falar e estilo musical, entre outros. (CARRANO, 2012). Podemos observar movimentos de identificação no território juvenil em questão, CHB, na convocação feita na página de uma rede social (ver Figura 17). Observemos como as cortes são orientadas a trazerem espadas, escudos e estandartes. São marcas que os distinguem entre si, determinando os espaços das cortes, ao passo que também os distinguem dos outros grupos que possivelmente estavam no Parque das Dunas, naquele mesmo tempo. Marcas essas... [...] que se relacionam com processos de representação, verdadeiras objetivações simbólicas que permitem distinguir os membros dos grupos no tempo e no espaço. As marcas podem ser objetivadas no próprio corpo, como uma tatuagem, ou mesmo habitar o corpo como adereço de identidade [...] (CARRANO, 2012). 81 A organização em grupos e o “afastamento territorial”, ainda que todos sob o mesmo teto, determinavam o tom do encontro (ver figura 19). Pintava-se de agressividade, embora controlada, as faces e os maneirismos quase quixotescos dos heróis, naquela tarde de domingo. As disputadas tarefas compunham-se desde um quiz a respeito da saga, ou dos deuses, até uma luta com espadas. Mobilizar os participantes era função dos conselheiros, que agora podiam ser nomeados por centuriões. O estímulo maior crescia, mesmo, junto à ideia de competição entre os grupos. Os melhores oradores quase sempre ocupavam lugar de destaque nas casas (agora, coortes). O motivo era bem simples, muitas das atividades exigiam argumentação ou conhecimento das narrativas, ou ainda conhecimento histórico a respeito da mitologia greco-latina. Esses membros também eram disputados e seduzidos a mudarem de casa. Ainda que fosse propagada a ideia de pertença aos grupos que os acolhiam, alguns deles deixavam seus pares para se reunirem a outros de clãs outrora adversários. O motivo, em diversas vezes, dizia respeito ao clamor que as casas faziam pelos bons oradores, também pelos bons “espadachins”, pelos bons corredores... Enfim, pelos que se destacavam por suas habilidades. O que não é de se estranhar, no que diz respeito ao convívio nos círculos de leitura, a história revela: “[...] Mais importante que o conteúdo de uma obra era, muitas vezes, a habilidade do autor em oratória, já que, assim como hoje, a diversão é, em geral, mais valorizada do que a inspiração. [...] (FISCHER, 2006, p. 68)”. Figura 19 – CHB – Encontro das Cortes Romanas, em 02 de maio de 2015, a partir das 14h Fonte: Autoria própria. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 12 ago. 2016. 82 Era comum ver casas representativas de deuses adversários, segundo a mitologia, como Zeus e Hares, travarem embates homéricos. Assim, no encontro das cortes, a rivalidade prosseguiu. Parecia até que a Casa de Ares festejava aquele domingo; não se pode negar que um combate entre espadachins é até peculiar. Não ajudou muito a divisão dos chalés que orientara Atenas e Ares, numa mesma corte, junto à Afrodite que deve ter se perguntado onde fora “estacionar seu carro dourado, puxado por cisnes”. Pensa que eles se atreviam a desistir da diversão, nobre leitor? Absolutamente! Esperaram ansiosos cada atividade, até poderem mostrar suas habilidades tanto na construção das espadas quanto no uso delas. Figura 20 – CHB – Membro do grupo empunha espada de madeira, confeccionada por ele mesmo Fonte: Autoria própria (2015). Brilho em 54%, para resguardar o direito de alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 12 ago. 2015. As espadas eram de madeira e os combates organizados de maneira que todos os participantes pudessem travar a mesma luta, no sentido de sobreviver às investidas dos demais (ver Figura 20). “Todos contra todos” não impedia que as alianças acontecessem. Logo, dois a dois, ou mais, estavam se defendendo dos ataques alheios, até que, entre os que compusessem a aliança, surgisse o grande vencedor. Ao menos, era assim, em tese. Percebi que essa atividade, em particular, permitia mais algumas regras fossem quebradas. Então, não era incomum que um ou outro integrante que estivesse no jogo “esquecesse” a aliança formada e 83 impusesse certa força diante dos colegas. Pareceu-me um jogo essencialmente masculino. Mesmo que não houvesse essa imposição, a agressividade latente, de certa forma, afastava as moças. O que não as impedia de todo. Cheguei a ouvir o vociferar quase estridente de uma das garotas que utilizava o argumento da origem das amazonas como motivo para que vagas fossem abertas para as mulheres. Ao que os garotos respondiam que não havia impedimento, mas nenhuma representante da ilha de Themyscira25 inscrevera-se. O deus da guerra acabaria por orgulhar-se diante de tanta combatividade (ver Figura 21). Figura 21 – CHB – Luta com espadas, jovens à espera do comando inicial Fonte: Autoria própria (2015). Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 13 jun. 2015. Senão por sua força, então por sua inteligência, entre outras facetas humanas, os participantes dos encontros eram escolhidos para as tarefas. Entretanto, por se tratar de um acampamento para jovens se adaptarem à singular condição de “semideuses” (semelhante às histórias), não tinham tanta autonomia assim. Um grupo menor traçava os rumos dos chalés cortes e das reuniões: eram os conselheiros (posteriormente chamados centuriões). Esses atuavam como organizadores, orientadores e sensores dos jovens acolhidos. Numa reação (semi)obediente, tal qual a condição “semimortal” desses jovens, deram-se ao direito de desobedecer a algumas dessas orientações, a ponto de regras serem constituídas para que a convivência fosse mais cordial entre os membros. 25 Nome dado à ilha das amazonas, guerreiras filhas dos deuses, as quais foram protegidas do mundo dos homens, segundo a mitologia grega, depois de se verem escravizadas por esses. 84 “Não é permitida em hipótese alguma a agressão, física, verbal ou psicológica aos integrantes do CHB, contrariar essa regra pode lhe proporcionar advertência, ou exílio, dependendo da gravidade da situação”26. “Em hipótese alguma” é tão veemente quanto um “Não” seguro e seguido do verbo “fazer”, em um imperativo nada encorajador, dito no tom mais ameaçador, caríssimo leitor, que nós consigamos imaginar. O que separa a advertência do exílio promove paz por um fio. Ser expatriado não é condição bem-vinda na fantasia literária, ou no concreto Camp Halblood “instalado”, mensalmente em meio à mata Atlântica daquele parque. “Pessoal e intransferível”, como senha bancária mesmo, asseguram três das regras do CHB, o respeito às diferenças e à privacidade. Tocar e não deixar marcas, ou, ao menos, as destrutivas não. Como se fosse possível passar uns pelos outros, durante as experiências dos encontros oficiais (para todos os membros), ou dos chalés (para os que a esses pertencem), ou ainda para “as sociais” (reuniões celebrativas, com o intuito de fortalecer laços), sem que digitais não fossem espalhadas por corpos e mentes. Ainda que, intimamente, soubessem dessa interação que, sim, deixa e transporta traços, marcas, ideias, lembranças, para cuidarem e se preservarem o mais que pudessem, erigiram barreiras que os protegiam de seus respectivos gostos musicais às opções religiosas, passando, inclusive, pelos decisivos “não gosto”, “não tenho”, “não professo”! 2- Brincadeiras feitas fora dos encontros do CHB RN ou Chalés agregados ao mesmo não são do interesse dos outros integrantes do grupo, portanto sugerimos que não postem coisas como brincadeiras de “Verdade ou Consequência”, sua vida pessoal, etc. 3- É indiscutivelmente proibida a utilização de locais sagrados de qualquer religião como ponto de encontro de qualquer filiado ao CHB RN. 4- Não serão toleradas ofensas contra gostos musicais, religiões, esportes ou qualquer que seja o tema fora do universo de Rick Riordan. 5- O grupo é exclusivo para quem tem interesse no universo mitológico de Rick Riordan, se você está para outros meios e não tem um mínimo interesse em Percy Jackson ou qualquer saga do autor, seu lugar não é aqui. 6- Não é permitido adicionar pessoas de outro estado ou país no CHB RN sem a permissão da Administração, seja no facebook ou nos grupos dos Chalés no Whatsapp. 7- Deverá ter pelo menos um ADM no grupo do Chalé, qualquer Chalé, no aplicativo Whatsapp. Este também terá a ADM do grupo para auxílio. (Disponível em: https://www.facebook.com/groups/ChbRN/; postado em 05 de janeiro de 2015 - Acesso em 14 de julho de 2015). Essas foram as primeiras regras que viriam a ser reescritas. Tudo para que se mantivesse a ordem e o respeito, como qualquer outra instituição o faz. Os membros líderes do CHB sempre tiveram a clareza de que organização e bom desempenho andam juntos, para 26 Disponível em: https://www.facebook.com/groups/ChbRN/; postado em 05 de janeiro de 2015. – Acesso em: 14 de julho de 2015. 85 que o grupo sonhasse com longevidade, refutando, assim, a ideia recorrente de que comunidades, atividades, grupos... organizados por adolescentes não se perpetuam, não criam raízes, por isso existe a necessidade da companhia e da orientação de um adulto. O CHB resiste, embora e não exatamente pelo fator juventude, ele viria a passar quase um ano sem atividades regulares, por outros motivos. Se, para Gonçalves Dias, as palmeiras e o sabiá representavam, naquela canção- poema, naquele poema-exílio, uma pátria verde, cuja distância de onde o poeta do Romantismo brasileiro se encontrava sequer repatriava os sonhos, que dirá acomodava a saudade, pensamos que, para os administradores do CHB, pátria, palmeiras e sabiás cabem em um acampamento para semideuses, ainda que esses sejam, paradoxalmente, leitores mortais. O lar, a nação mitológica para os jovens fãs da saga do herói Percy Jackson, aqui, na terra, em solo potiguar, não poderia ser aviltada. Dessa forma, novas regras foram agregadas. A seguir, temos uma postagem (ver Figura 22) realizada em uma das redes sociais na qual o grupo tem página fechada, exclusiva para os participantes. Como as provocações entre os membros dos chalés ─ que saíam ardorosamente em defesa de seus “pais imortais”, os deuses da mitologia, tal qual fazem os semideuses das histórias do Percy Jackson ─ foram transpostas para o reduto do grupo na internet, mais regras foram instituídas. 86 Figura 22 – CHB – Postagem realizada por uma das administradoras do CHB, na timeline do grupo, referente às novas regras. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2015 Importante repensar a postura, por meio das regras impostas por seu grupo, em qualquer instância. A simplicidade com que o item 4 do post tenta nos reeducar, atentando contra nossa arrogância chega a ser engraçado, tamanha a obviedade. “Apesar de você ter a liberdade de expressar a sua opinião, ela não pode de maneira nenhuma reprimir outra pessoa”. Simples assim... Se não for o opressor alheio, contra o qual um número significativo diz lutar, pode-se dizer coerente. Observamos o culto à liberdade de expressão muito forte entre os membros, mas percebemos que não nasceu lá, foi trazido de fora para dentro. No acampamento, entre os seres com os quais se identificam, podem ser quem desejam, sem receio de que não os compreendam. Apesar de essa voz ser “importada” do contexto externo no qual foram educados, criados, orientados, é no convívio, entre seus pares no CHB, que ela ganha significação real, ou que acreditam ser mais realista. Mais ou menos como se tivessem ouvido falar em liberdade por tempo suficiente para saber que, ora fazia todo sentido, porque o discurso era condizente com a prática de quem o proferia; ora não passava de uma ideia utópica, nas vozes de sonhadores; ora terminantemente contraditória, nas vozes de quem caminhava na contramão do que propagava. 87 De certa forma, já haviam experimentado esses conceitos, a ponto de serem taxativos quando argumentavam em nome do respeito às opiniões múltiplas que pudessem surgir. Chegavam a citar os pais, ou os professores, entre outras figuras que notadamente, para a sociedade, asseguram a sombra do discurso autoritário que... [...] exige de nossa parte um reconhecimento incondicional e nunca um domínio livre e uma assimilação com meu próprio discurso. Por isso ele não permite nenhum jogo com um contexto que o moldura, jogo com seus limites, nenhuma transição vacilante, variações estilizantes livremente criadoras. Ele penetra em nossa consciência verbal como uma massa compacta e indivisível, precisa ser integralmente confirmado ou integralmente refutado. [...] (BAKHTIN, 2015, p. 137, 138). Ainda que pareça contraditório utilizar-se de discurso tão interiormente persuasivo, como o que está inserido no conceito da formulação de regras, para falar em respeito e liberdade de opinião, vale ressaltar que, segundo Bakhtin (2015, p. 140), o que se observa, no uso da consciência, é que esse “discurso interiormente persuasivo é metade meu, metade do outro... Nossa formação ideológica é justamente essa tensa luta que em nós se desenvolve pelo domínio de diferentes pontos de vista, enfoques, tendências e avaliações verboideológica”. Significa dizer que o revozear externo, já foi, em essência, internalizado, quer para refutá-lo, quer para ressignificá-lo, quer ainda para reproduzi-lo. [...] É enorme o significado desse processo de luta com a palavra do outro e com sua influência na história da formação ideológica da consciência individual. Minha palavra e minha voz, nascidas da palavra do outro ou dialogicamente estimuladas por ela, mais cedo ou mais tarde começam a libertar-se do poder dessa palavra alheia. [...] (BAKHTIN, 2015, p. 143). As vozes do grupo foram também múltiplas quanto à recepção do novo contrato. Para que percebamos quão conscientes estão do que lhes possa modificar e por qual motivo devam aderir, ou não. Uma questão imperou no debate que se instaurou na página do grupo, em determinada rede social, a necessidade de que as diferenças entre eles não mais exaltassem ânimos, a ponto de se desrespeitarem e determinar uma decadência contínua no grupo, até chegar à sua extinção. Chegaram a um consenso: para que o próximo encontro acontecesse, uma trégua, aceitando o novo contrato teria de acontecer. E assim o foi. A partir de então, nesse desejo de mostrar as faces múltiplas do humano ser em cada um, decidiram por novo encontro em um 14 de junho, semana dos namorados, cujo tema somente poderia ser agradável à data, se fosse o amor. Assim, convidaram todos para os braços de Vênus e Eros. 88 14 de junho de 2015. Foi um encontro disciplinarmente dedicado ao sentimento que nos deixa tão desconsertados. Oswald de Andrade, poeta modernista, celebrou esse sentimento, em 1927, com o poema: “Amor”. Humor. Rir da força mais crédula e potente do universo, somente da boca de quem se apaixonou com a força de um homem infiel e não tratou de relegar às palavras todo peso do mundo. Amor, de Oswald, é de uma graça quase surda, dessas que se ri por dentro e, no máximo, o canto da boca professa sua intenção. Acompanhei o encontro do amor, rindo com o canto da boca, para não macular os incontáveis sorrisos tímidos, sedutores, envergonhados, matreiros, impacientes, impacientes, impacientes, mil vezes impacientes dos que participaram daquela ousada reunião. Sim, porque é muita ousadia insistir em um tema tão desconsiderado nos dias atuais. Na ocasião éramos o único exemplar adulto ali...! Acabamos por vestir nossa capa protetora de pesquisadora junto com Oswald “perverso” de Andrade... Coubemos os dois ali, quase invisíveis. Aqueles meninos sabiam, sabiam e nem sei se o conheciam. Sabiam e riam. O humor é um amor desacreditado mesmo. A preparação para o referido encontro deu-se nas redes sociais com a promoção de dois concursos: um de poesia e o outro da fotografia que mais representasse o amor, segundo eles mesmos, os membros do grupo. Na postagem, os administradores deixam clara a intenção de que, somente na timeline da página do grupo, em uma rede social, é que seria realizada a votação na qual seriam eleitos o melhor poema e a melhor fotografia. Ideia interessante se a finalidade foi movimentar a página. Cada postagem-comentário a respeito de um dos tópicos gerava respostas sobre respostas e, dessa forma, durante alguns dias, conseguiram fidelidade de alguns participantes, considerando, caro, que há mais de mil adicionados à pagina. Cabe ressaltar o estímulo à escritura de poemas, que é de grande valia, significativo mesmo. Rapazes e moças mobilizaram-se no fazer poético que viria a ter lugar em destaque durante o encontro, como perceberiam os que lá estiveram. Uma surpresa agradável fora posta à prova quando sugeriram que os poemas fossem lidos. Com isso, em vez de murmúrios lacônicos, ouviram-se palmas e gritos satisfeitos. Seria a poesia sendo aclamada por seus fãs? O que nos remete, mais uma vez, à história dos grupos literários, ainda na Antiguidade, valendo-nos da descrição cuidadosa de Fischer (2006, p. 69): “A escolha do texto a ser lido em público exigia bastante sensibilidade e era determinada por categoria, posição, influência, situação política, senso de decoro público, e diversos outros fatores [...]”. Entre os jovens leitores, da atualidade, membros do CHB, para aquele encontro esperado da coorte de Vênus, era fundamental que o poema versasse sobre o amor; e, para ser 89 aclamado o melhor, que seduzisse e motivasse os que frequentavam a página do grupo na rede social na qual era veiculada, a elegê-lo. Devidamente informados, seguiram a postar os poemas... (ver Figuras 24). Figura 23 – CHB – Concurso Encontro de Vênus – CHB – Postagem realizada por um dos administradores do CHB, referente à disputa entre as cortes Fonte: Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2015. 90 Figura 24 – CHB – Poema de Segunda Corte (Autores: Igor e Samuel) Fonte: Postagem realizada por um dos administradores do CHB, referente ao primeiro desafio entre as cortes: produção de um poema que tratasse do amor. Disponível em: . Acesso em: 25 jun. 2015. Produção que não podemos deixar que passe despercebida, ao menos destacando versos que são de uma beleza desconcertante, pois somos convidados à cumplicidade que há no rio que nasce em um e escorre para o outro, porque esse interlocutor é mar aberto. Os autores não deixam saída para ambos, pois sabemos que rios “correm para o mar”, a menos que sejam represados, mas essa já seria outra história. Se me permitem, os autores, “enxergar” o que não está visível, diria que compuseram a quatro mãos: um escorrendo em rio e outro, aberto em mar. Ainda que assim não o tenha sido, paciência... Quem mandou “amar em vermelho”? Visível demais, ainda que não, “a olho nu”. 91 Figura 25 – CHB – Encontro Corte de Vênus- CHB , em 14 de junho de 2015, às 14h Fonte: Autoria própria (2015). Brilho em 54%, para resguardar o direito de alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 14 ago. 2015. Foi um 14 de junho com sabor de Dia dos Namorados para alguns membros do CHB, que lá estiveram, mas certamente, com sabor de riso apimentado para grande parte dos que foram ao PDD (ver Figura 25) naquela tarde. A primeira parte do encontro mostrou que as atividades seriam predominantemente movidas pela oratória: consistiam em agrupar os nomes dos casais da literatura e proclamá-los em voz alta, vide o encontro de Afrodite no ano anterior; reunir toda coragem para fazer uma confissão amorosa a um dos participantes, ou uma cantada inteligente (ver Figura 26) e para fazer a leitura dos poemas escritos para o concurso (ver Figura 27), bem à moda “[...] da famosa frase “scripta manet, verba volat” cujo significado original era “a escrita passa a fala repercute” (FISCHER, 2006, p. 69). 92 Figura 26 – CHB – “Cantada Inteligente” Fonte: Autoria própria (2015). Imagem produzida a partir de vídeo. Figura 27 – CHB – Declamação de poema em homenagem aos casais Fonte: Autoria própria (2015). Imagem produzida a partir de vídeo, modificada por meio da ferramenta “efeito artístico”, para resguardar os participantes. Como em outras vezes, houve espaço singular para que fossem sorteados livros entre os participantes. Nessas horas, o olhar da pesquisadora flagra momentos de total felicidade, ao ser sorteado (ver Figuras28 e 29). Ousaria dizer que toda emoção por possuir a criatura-livro em suas mãos dialogou intimamente com o encantamento deste fazer pesquisador. As identidades surpreendem, principalmente, quando parecem tão familiares, tantas vezes já reconhecidas em outros encantados leitores. 93 Figura 28 – CHB – Vencedores do Sorteio de Livros, atividade rotineira nos encontros Fonte: Autoria própria (2015). Fotografia desfocada, para resguardar o direito de alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 23 jun. 2015. Figura 29 – CHB – Um dos vencedores do Sorteio de Livros, atividade rotineira nos encontros Fonte: Autoria própria (2015). Fotografia desfocada, para resguardar o direito de alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 23 jun. 2015. Cabe ressaltar que os exemplares não representam os volumes das sagas. Fortaleza Digital, de Dan Brown (2005), e Dom Casmurro, de Machado de Assis (2002), apesar da distância temporal entre as publicações, figuram entre os romances que se distanciam dos elementos fantásticos, da fantasia, ou da ficção, estabelecidos em coleções como Harry Potter, Percy Jackson e Jogos Vorazes, por exemplo. Da maneira como foram recebidos pelos 94 sorteados, pode-se dizer que presenciei um momento no qual a literatura é bem-vinda, não importando se todas correspondem ao mesmo enredo, autor, argumento... o que empobreceria substancialmente e limitaria a visão de qualquer leitor. Decididamente, não se aplica a esses jovens leitores, observados neste recorte de tempo. Uma das vencedoras, no sorteio, era apreciadora da obra de Rick Riordan, mas se agarrara ao Casmurro certa de que Machado não escaparia, para, talvez, fazer valer a máxima que reinterpretara conceitualmente o jargão da oratória, proclamada, anos antes, superior à escrita: “a fala é levada pelo vento, a escrita permanece” (FISCHER, 2006, p. 69). O CHB voltaria a se reunir muito tempo depois. No ano de 2016, somente os chalés mantiveram os encontros, os quais são restritos aos participantes. No início do ano de 2017, depois de muito discutirem a respeito na timeline do grupo, decidiram voltar. Foi com muito prazer que registramos o retorno desses apreciadores da literatura, jovens que estudam, trabalham, namoram, alimentam-se, dormem, como outros quaisquer. Singular o fato de se agruparem para tratar de literatura, à maneira deles, evidente! Afinal, uma caça às bandeiras, uma luta com espadas, jogos amorosos, pedidos de casamento a cada encontro, jogos, sorteios, danças, teatro, bombons e a fila para receber as contas do dia, decididamente exige a graça e o vigor da juventude. Figura 30 – Primeiro Encontro Oficial do CHB em 2017 – Os Escolhidos do Olimpo – CHB, em 28 de janeiro, às 14h. Fonte: Autoria própria (2017). Fotografia desfocada, para resguardar o direito de alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 2 fev. 2017. Mais uma vez, as casas estavam reunidas para celebrar seus pais, os deuses da mitologia grega, em especial, devotariam festas e honrarias ao deus dos mares, Posseidon, um dos três grandes do Olimpo e à deusa da sabedoria, Atena. O convite prenunciava a 95 importância do reencontro. “Os Escolhidos do Olimpo” intitulou a volta do CHB ao Parque das Dunas. Figura 31 – Convite Primeiro Encontro Oficial do CHB em 2017 Fonte: Disponível em:. Acesso em: 15 jan. 2017. Entre jogos... Figura 32 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Caça-bandeira FONTE: Autoria própria (2017). Brilho da fotografia em 50%, para resguardar o direito de alguns que não chegaram a assinar o termo de permissão. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 2 fev. 2017. 96 Sorteio de Livros... Figura 33 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Vencedoras no sorteio dos livros Fonte: Autoria própria (2017). Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 2 fev. 2017. Entrega de Contas... Figura 34 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Entrega das contas Fonte: Autoria própria (2017). Imagem modificada por meio da ferramenta “efeito artístico”, para resguardar os participantes. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 2 fev. 2017. As Contas...São entregues ao final de cada encontro. Como peças de um colar são exibidas como adorno, conferindo a quem as usa o status de pertencer ao grupo e participar de um número maior de encontros. 97 Figura 35 – CHB – Casas Atena e Posseidon – As contas Fonte: Imagem representativa Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2017. A representação das casas e das cortes se dá por meio das cores. No encontro do retorno do CHB, em janeiro de 2017, as contas distribuídas foram as que representavam a casa de Posseidon. Por ser um dos três deuses maiores no Olimpo, tem prioridade. Assim, não há o que discutir. A hierarquia é extremamente respeitada no grupo. Jogo – Fuja da Tia M!... Figura 36 – CHB – Casas de Atena e Posseidon –- Jogo Fuja da Tia M! Fonte: Autoria própria (2017). Imagem com brilho em 40% para resguardar os participantes. Disponibilizado para o grupo em: . Acesso em: 2 fev. 2017. 98 Debate: Atena x Posseidon... Figura 37 – CHB – Casas de Atena e Posseidon – Debate em defesa dos deuses Fonte: Autoria própria (2017). Imagem produzida a partir de vídeo, com brilho em 40%, para resguardar os participantes. Ainda houve tempo para conhecer outro exemplar adulto, com quem conversamos a respeito de como enxergava o CHB e a participação de sua filha no grupo, fato que viria a registrado mais detalhadamente na seção de análise deste documento. Figura 38 – CHB – Casas Atena e Posseidon – Mãe de participante do CHB Fonte: Autoria própria (2017). Imagem produzida a partir de vídeo, com brilho em 66%, apesar de a entrevistada permitir, por meio de vídeo a utilização de suas fotos. Durante dois anos, viria a conhecer a estrutura do que parte dos quinze entrevistados desse grupo de leitores, selecionados para comporem o corpo de sujeitos desta pesquisa disseram ser: “um lar”, sintetizado nas palavras de Atyson Martins, um dos administradores do grupo (que eram em torno de sete), “O CHB primeiramente e sinônimo de Família”. 99 Convido-o, corajoso leitor, a tatear as identidades desses entrevistados, membros do Camp Half-blood RN, que me ajudaram a entender como se processa essa construção identitária sem fronteiras. Entretanto, antes que passemos ao campo investigativo por natureza, a análise, ampliemos o conteúdo de imagens que nos dá uma visão concreta (literal) dessa experiência de caráter científico. Apresentamos, agora, mais duas comunidades muito importantes para o desenvolvimento desse fazer pesquisador em torno das identidades desses jovens leitores: o T&D e a CLFIC. Sigamos, para conhecê-las... 3.2 PRINCIPALMENTE, PORQUE MENINOS LIVRES SÃO DONOS DE MUITAS CASAS... Outros grupos de pesquisa foram o Tributos e Divergentes – T&D e a Comunidade de Leitores da Escola Estadual Professor Francisco Ivo Cavalcanti – CLFIC. O T&D foi o lugar que me completou. Foi onde fiz amizades que eu vou levar para a vida toda. É um lugar onde você se sente íntimo desde a primeira visita e sente vontade de continuar. É importante porque você é levado a experimentar coisas novas, É o tipo de coisa que não sente vontade de abandonar. O T&D foi a melhor coisa que me aconteceu. (Sabrina Sandy Marcolino, membro do Tributos e Divergentes – T&D RN – Recorte do questionário – Anexo A). As inquietações primeiras a respeito de comunidades de leitores surgiram na escola. Laços muito estreitos com a CLFIC permitiram-me o grato prazer de, em grupo, partilhar a literatura. Por ser coordenadora da comunidade, minha responsabilidade vai além de organizar, junto aos membros, os encontros. Mantê-la, oficialmente, como um dos projetos oficiais, assentados, na escola é tarefa das mais hercúleas. Ao que parece, jovens reunindo-se à professora, depois do horário regulamentar de aulas, para ler e partilhar impressões sobre a leitura; para ler e decidir como suscitar em outros alunos o desejo pela criatura-livro; para ler e experimentar a prosa e o verso da maneira mais simples, ou da mais elaborada. Assim, tive o orgulho de, junto a esses jovens alunos leitores, conhecer ou reler, nessas dezenas de anos de projeto de leitura em escola, seis de comunidade oficial de leitores, obras as quais permeiam o imaginário popular, infelizmente, porque muitas e muitas vezes, a leitura em nossa pátria, figura no campo do imaginário, do ouvi dizer. Ariano Suassuna, Rick Riordan, Carlos Drummond de Andrade, Nando Poeta, Mário Quintana, Anchella Monte, Clarice 100 Lispector, Gregório Duvivier, Carlos Fialho... Shakespeare! Uma lista não finda e que, este ano, ganhou a contribuição de Dias Gomes. Mas essa história ainda está sendo escrita. Por que essa comunidade deve ser referendada aqui, intrigado leitor? Simples! Foi por meio de alguns jovens dessa comunidade que ouvi falar a primeira vez no CHB. Ângela, Mayra e Dani, que têm suas falas citadas nesta dissertação e suas entrevistas anexadas ao final deste documento, comentavam, agitadas, sempre que podiam, a respeito de um grupo de fãs da saga Percy Jackson que se reuniam no Parque das Dunas, uma vez por mês, para experimentarem atividades as quais se aproximavam das que eram vivenciadas pelos semideuses, personagens dos livros do Rick Riordan, Em conversa com minha orientadora, não tivemos dúvidas de que uma investigação a respeito de identidades de jovens leitores passaria por lá. A CLFIC “mora” em uma escola pública. Seus membros são costumeiramente observados como alunos carentes, vítimas de um sistema educacional falido, por aqueles que desconhecem a realidade nossa. Diria que há muito de verdade, bem como de ficção nas afirmações que nos chegam nesse tom. Mas, há uma máxima que é destruída dia após dia a respeito desses alunos. Dizer que, por causa desses infortúnios, não são leitores ou produtores capacitados de textos é, terminantemente, uma inverdade! As carências que possam, infelizmente, partilhar não os fazem não leitores. Todo o tempo em que assim o foram, não fora por esses motivos, ao menos não por esses exclusivamente.. Ser aluno em uma escola pública, para os membros da CLFIC, é ser prova viva de que somente precisam de acesso e um convite sedutor para a leitura. Como este fazer pesquisador não é sobre eles, despeço-me da referência a esses jovens aluno leitores, com imagens da montagem de Romeu e Julieta, na escola nossa, berço deste grupo, onde encontramos canto acolhedor: a biblioteca. 101 Figura 39 – CLFIC – Apresentação da montagem feita pelo grupo da obra de Willian Shakespeare, em dezembro de 2015, na Escola Estadual professor Francisco Ivo Cavalcanti Fonte: Autoria própria (2017). Imagem desfocada para resguardar os participantes. Figura 40 – CLFIC – Apresentação da montagem feita pelo grupo da obra de Willian Shakespeare, em dezembro de 2015, na Escola Estadual professor Francisco Ivo Cavalcanti Fonte: Particular, imagem produzida pela pesquisadora, desfocada para resguardar No T&D, muitos membros do CHB se reencontraram, coincidentemente, durante uma crise pela qual o Camp Half Blood passou. O grupo de fãs das sagas Jogos Vorazes (Suzanne Collins) e Divergentes (Veronica Roth) também se reunia uma vez por mês e os objetivos eram semelhantes aos do CHB: cultuar as narrativas prediletas,, experimentando atividades que remetessem aos romances celebrados pelos membros do grupo. Ser fã do 102 semideus Percy não os impedia de idolatrarem Katniss, Peeta e Gale (Jogos Vorazes), Beatrice, Tobias e Peter (Divergentes). Portanto, quando tratamos de CHB, muitas vezes, também tocamos identidades que estavam no T&D. Mikaella e Márcio são administradores nas duas comunidades, para se ter um exemplo desse “intercâmbio” permeado pela literatura. Como este fazer pesquisador também não é sobre o Tributo e Divergentes (T&D), despeço-me da referência aos membros dessa comunidade, com imagens dos encontros os quais vivenciei junto a eles... Figura 41 – T&D – Encontro Panem, 24 de setembro de 2016, 14h, auditório da Livraria Saraiva, às 14h Fonte: Autoria própria (2017). Imagem desfocada para resguardar os participantes. Figura 42 – T&D – Encontro, 15 de janeiro de 2017, 14h, Área Verde do estacionamento do Shopping Midway Mall, às 14h Fonte: Autoria própria (2017). 103 104 5 ENTRE MENINOS E LIVROS E ESPELHOS: TEORIZANDO E ANALISANDO IDENTIDADE... JULIETA: É só seu nome que é meu inimigo: Mas você é você, não é Montéquio! O que é Montéquio? Não é pé, nem mão, Nem braço, nem feição, nem parte alguma De homem algum. Oh, chame-se outra coisa! O que há num nome? O que chamamos rosa Teria o mesmo cheiro com outro nome; E assim Romeu, chamado de outra coisa, Continuaria sempre a ser perfeito, Com outro nome. Mude-o, Romeu, E em troca dele, que não é você, Fique comigo. ROMEU: Eu cobro essa jura! Se me chamar de amor, me rebatizo: E, de hoje em diante, eu não sou mais Romeu. Shakespeare (2011, p. 49-50) 5.1 “REBATIZAR-SE” PARA SER OUTRO! Quando somos apresentados à indubitável resposta de Romeu, em uma das versões lítero-medievais da história dos amantes desditosos de Verona, Romeu e Julieta (SHAKESPEARE, 2011), o “Decifra-me, ou te devoro” cotidiano nosso, citado desde a Antiguidade ─ neste estudo, miticamente travestindo questões com as quais nos confrontamos no decorrer da vida humana e que possam nos parecer consumidoras de nós mesmos, quando não solucionadas ─ parece ter simples solução, oferecida pelo apaixonado Montéquio, não?! Perceba, desconfiado leitor, que se destituir de si (no que parece ser a concepção do nobre apaixonado) ou do que, até então, era-lhe conhecido como eu mesmo, em tese, é uma questão de proferir “a sentença” em segundos: “E, de hoje em diante, eu não sou mais Romeu”. Deve-se considerar que se trata de um adolescente, cuja identidade foi “desenhada”, no texto shakespeariano, à moda de parte da literatura do século XVI, que, entre outros fins, tentava [...] advertir os jovens, que eles devem governar seus desejos e não cair em paixões furiosas [...] (como também o é na historia de Romeu e Julieta, em Leo Novelle del Bandello, de 1554; ou na semelhante Historia novellamente ritrovata di due nobile amanti, de Luigi da Porto, publicada em 1530)27. Cabe também ressaltar que as duas personagens são elementos referenciais, socioculturais de suas respectivas famílias, as quais referenciam a cultura da Verona medieval, que exemplificava todo um contexto histórico, numa gradação identitária, ora refletida, ora refratada, nos signos que os próprios nomes Montéquio e Capuleto erigiram. 27 Introdução em Romeu e Julieta (SHAKESPEARE, 2011). 105 Volóchinov (2006, p. 45-46) é quem sustenta nosso dizer, afirmando que “O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata. O que é que determina esta refração do ser no signo ideológico? O confronto de interesses sociais [...]”. A tensão existente entre as famílias e os amantes é latente quando os interesses são postos à prova. Nesse sentido, o que cada personagem simboliza é refletido em sua casa de origem. Separados, viveriam sob a proteção dos muros que resguardavam a tradição, os costumes familiares; unidos, ao menos um teria de se desprender do que o elencava como parte de um todo. Negar o nome seria negar a primeira identidade. Julieta, então, antecipa-se e o faz, com precisão cirúrgica, ao suscitar o nome do jovem (o nome de sua família) como inimigo e propor que, dele, desfaça-se. Chamar-se outro acarretaria na quebra do vínculo afetivo e cultural que pudesse representar os Montéquio, desde as cores da bandeira, passando pelo brasão, pelas danças, pelas ordens patriarcais e tudo mais que compusesse uma espécie de “identidade local”, proporcionalmente falando, aos moldes do que nomeou Hall (2006, p. 76), por “‘identidade nacional’, [...] representativa de vínculos a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares... e do que algumas vezes é chamado de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento [...]”. Esse é o pertencimento que se relaciona à identidade local, pois “ser Montéquio” remonta ao lugar e tudo o que foi determinante para se conceber a ideia do clã inimigo, ao nome dela. Entendemos que o que possa simbolizar essa pertença alheia identifica o ser e o torna repulsivo para a parte contrária, essencialmente porque as famílias disputam o poder, o que torna a proposta de Julieta compreensível. Se o elemento identitário, que guarda essas características, aparentemente, alojadas, seguras em tempo e espaço, é o nome, então, para que os dois amantes se unam, basta que Romeu renegue aquilo que o torna um não semelhante e se (re)batize/nomeie/identifique. O que possa parecer ingênuo, por se tratar de uma história de amor, não o é. Volóchinov (2006, p. 35), já referenciado no tratamento dado à teoria que respalda os dizeres nesta dissertação, afirma-nos que “A palavra é o fenômeno ideológico por natureza [...]. Essa que, quando signo, preenche [...] qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral, religiosa [...]”, como nos descreve o teórico. Julieta convida-nos a refletir: “O que há num nome?”; mais ainda, convida-nos à exatidão do fato quando nos mostra quão neutra é a palavra. Sendo assim, verdadeiramente, “O que chamamos rosa teria o mesmo cheiro com outro nome”, tal qual nos “obriga” a enxergar, a Capuleto. O que nos leva a pensar nessa identidade que não se fragmenta de todo, não se desagrega, não se espatifa, incapaz de ser reunida, ou fadada a perder-se para sempre. Antes, sim, molda-se ao que lhe é imposto, ou 106 oferecido. Então, mudar o nome, o que resume a proposta, significaria desprender-se de algumas camadas que revestem Romeu, ainda que para vestir-se, covenientemente de outras, para ficar com Julieta. Mas, como fixar o estado final de uma identidade, incluindo seu significado? Em Hall, observamos que... [...] As palavras são “multimoduladas”. Elas sempre carregam ecos de outros significados que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para cerrar o significado. Nossas afirmações são baseadas em proposições e premissas das quais nós não temos consciência, mas que são, por assim dizer, conduzidas na corrente sanguínea de nossa língua. Tudo que dizemos tem um “antes” e um “depois” — uma “margem” na qual outras pessoas podem escrever. O significado é inerentemente instável: ele procura o fechamento (a identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença). Ele está constantemente escapulindo de nós. Existem sempre significados suplementares sobre os quais não temos qualquer controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar mundos fixos e estáveis (veja Derrida, 1981) (HALL, 2006, p. 40-41). Romeu trata de ressignificar-se, numa espécie de barganha sentimental, condicionando seu “renascimento” ao novo registro que deveria ser proferido por Julieta. Chamá-lo de ‘Amor’ “decretaria” novos significados para o nome e para o ser, escritos entre “o antes e o depois”, na margem, que lhes concederia, naquele espaço, naquele tempo, “o fechamento, (a identidade)”, embora não lhes fosse uma garantia de impenetrabilidade, pois, se Romeu passasse a ser “Amor”, então, as significações de ambos, originalmente, seriam modificadas, subvertidas, reforçando a inerente instabilidade dessas mesmas significações. Permita-nos, a esse respeito, reflexivo leitor, uma liberdade interpretativa, uma possibilidade de leitura para compor nossa linha de raciocínio, porque o jovem amante, da forma como responde à proposta, parece vencer o desafio de uma criativa esfinge. Aos nossos olhos, concedemos a ousadia de não mais enxergar o ser híbrido, monstruoso e mitológico dos recontos da história de Édipo. Permitimo-nos ver esta “Esfinge shakespeariana” ancorada em corpo, voz e movimento na figura da “frágil” Capuleto. Ela propõe o enigma, ela descreve as rotas do porvir para Romeu, não como oráculo, não como mudo troféu a ser conquistado, mas como quem se constrói sujeito do desejo dele e autora ideológica do desafio. Não pedimos que tente perceber igualdade nos enredos das duas histórias; acompanhe-nos numa outra perspectiva, questionando e maturando as seguintes ideias... Todavia, não fora “devorado”? Ao menos resguardado em partes que eram desejadas por Julieta? Partes que não correspondiam às camadas que o faziam Montéquio, evidentemente. O que a jovem sugeriu foi uma seleção do que o fazia Romeu, “perfeito, ainda que com outro nome”, tal qual o monstro que guardava a entrada de Tebas, arrancando o que lhe era 107 apetitoso e lançando ao precipício, o que lhe era desprezível, no corpo de incautos viajantes, quando esses erravam a resposta ao enigma. O que nos faz também reconstruir esse Romeu edipiano que resolve a proposição, com a condição de não ser um Capuleto, visto que sugere intitular-se amor, o que distancia Romeu do herói ingênuo, cuja identidade fora modificada sem o seu consentimento. Tal qual Édipo, em sua jornada para Tebas, ele sabe por qual motivo deve enfrentar o desafio da Esfinge, tem consciência de que não se ultrapassa aquela fronteira de maneira a não se modificar. O que os difere, talvez, seja o fato de o jovem Montéquio aliar-se à sua suposta inquisidora, porque percebera que a desejara muito mais do que vencê-la. “Se me chamar de amor...” é bem mais do que um dócil cortejo, trata-se da ressignificação do nome também para ela. Lembramos a você (quem sabe), assustado leitor, que pedimos permissão para libertar nossa capacidade interpretativa. Esperamos que entenda, tratou-se, a princípio, de darmos visibilidade a esse ato de (re)significar-se. Para nós, de suma importância que nossa companhia nesta cautelosa investida pelo universo da descoberta identitária, Vossa Senhoria, estivesse munido das mesmas lentes. Entender sobre essa disposição para a mudança é vital para reconhecer, como nós o fizemos, que essas criaturas-leitoras tão jovens desvencilhavam- se dos estereótipos classificatórios ao passo que a pesquisa em torno de suas práticas e falas acontecia. Também não é assim que nos permitimos modificar e traduzir nova identidade, (re)significando-nos, a partir da imposição ou oferta do outro, embora sob nossa permissão; manifestando-nos de forma, muitas vezes, incoerente ou avessa ao que era previsto, esperado? Nesta pesquisa, observamos os jovens leitores, ora moldando-se às forças centrípetas, “de unificação e centralização” (BAKHTIN, 2015, p. 39), as quais tentam conduzi-los, como Édipo, a um destino; ora desconstruindo o mito, compondo-se como Romeu, “decifrando” o enigma, para então reescrever-se. Nesse sentido, poderás nos perguntar, ansioso leitor, se comparares o destino de Romeu e Julieta ao que fora previsto a Édipo e Jocasta, compreendido em morte, humilhação, dor e desespero quando conhecedores da sentença do oráculo de que se uniriam mãe e filho, inocentes, como esposa e esposo: “Também não tiveram fim trágico, os jovens personagens shakespearianas? Igualmente não sentiram a dor e o peso da morte?”. Ao que responderíamos: Romeu e Julieta agiram muito mais como forças centrífugas, descentralizando-se, separando-se, desagregando-se daquilo que lhes fora dito como inconcebível, a união das casas. Viram-se, tocaram-se, casaram-se, amaram-se, quando outro destino para eles fora pensado. Enquanto isso, no mito grego, como ovelhas ao 108 matadouro, foram levados os amantes incestuosos para cumprir o que fora previsto pelos deuses, em oráculo, como reza a lenda. Descentradas e instáveis, desagregadas, livrando-se de suas camadas, (re)significando-se, também se “comportam” as identidades modernas dos sujeitos leitores, alimento deste fazer científico, quando, na contramão do que lhes é imposto como leitura ideal, clássica, canônica, boa... decidem por romper as fronteiras. Rompê-las significa unir castelos literários, dispostos quase sempre como adversários no campo da produção literária, nas mãos das já citadas forças centrípetas de centralização, as quais, nesse campo, correspondem às classificações advindas de determinados estudos teórico-literários, de estereótipos advindos do senso comum, do pragmatismo escolar que, entre outros fatores, determinam a lista oficial do que deve ser lido para que se formem novos leitores competentes. Ultrapassar esses limites pode, por exemplo, corresponder ao “simples” ato de conceber, lado a lado, em uma mesma biblioteca, ainda que seja uma biblioteca escolar: a história dos amantes shakespearianos, um clássico que há mais de quatrocentos anos encanta leitores no mundo inteiro, adaptada dezenas de vezes para o cinema, que inspirou outros grandes escritores, como o brasileiro Ariano Suassuna, autor de Uma Mulher vestida de Sol (2005), peça que apresenta igual arquétipo trágico-amoroso, contando a história de Rosa e Francisco, nascidos em famílias distintas e inimigas e que tentam viver um amor fadado a um triste fim; e os volumes da saga Crepúsculo (2009), de autoria da estadunidense Stephenie Meyer, traduzidos para 38 línguas diferentes e que vendeu mais de 120 milhões de livros em todo o mundo. O Brasil corresponde a 4,75% disso, com 5,7 milhões de livros comprados, segundo um site de notícias e entretenimento28. O primeiro livro dessa série foi lançado em 2005, o oitavo e último, em 2012. Na pesquisa, Retratos da leitura no brasil (2015), Crepúsculo surge em 19º lugar entre os livros mais marcantes lidos (5012 brasileiros foram entrevistados, entre 23 de novembro e 14 de dezembro de 2015); mas já chegou a figurar em 7º, no ano de 2011. Surpreende também as posições respectivas ocupadas por Dom Casmurro (2002), de Machado de Assis, e Harry Potter (2000), de autoria da escritora J. K. Rowling (outro representante dessa nova literatura eleita por algumas comunidades de leitores como obra a ser festejada, homenageada em encontros bastante criativos). 28 Disponível em: . Acesso em: 5 nov. 2016. 109 Figura 43 – 4ª Edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro Fonte: IBOPE INTELIGÊNCIA (2015), publicada em março de 2016 29 A referente pesquisa tratou os entrevistados todos como leitores, o que já foge à estereotipada e consagrada ideia de que leitor é aquele que se debruça exclusivamente sobre clássicos literários, constituintes cânones de estudos escolares, listas de críticos balizados, conjuntos acadêmicos e intelectuais, licenciados a figurarem como instrumentos de análise em sala de aula. Nesse caso, “rosa” ainda que não tivesse esse nome, teria o mesmo cheiro, como o têm todos os que se intitulam leitores, ainda que o sejam de obras quadrinísticas, mangás, fandoms, colunas em jornais, diários em blogs e outros “objetos” que se utilizem da linguagem literária, jornalística, biográfica... para semear ideias, contar histórias... Numa demonstração do que ousamos chamar de “inconformismo nominal”, os nomes se rebelam emoldurando-se, convenientemente, posto que o cheiro resistirá a qualquer mudança (se desejar) e o conformismo, para o bem da liberdade da palavra, como signo, não é exatamente uma escolha bem-vinda. Sendo assim, voltemos ao que se instaura na “cena do balcão”, como ficou conhecido o diálogo do qual destacamos a epígrafe desta seção. Desse modo, deixa a conhecer, nos falares das personagens shakespearianas, na Verona medieval: a demonstração dos ressentimentos pela conformidade, que não aceita a mudança e consagra o nome alheio (da família inimiga) como aquele que deve ser renegado, tudo representado na identidade local, pelas famílias; e o rompimento com a tradição de ódio e vingança entre as 29 Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2016. 110 duas casas, iguais em dignidade30, que viria a definir, naquele contexto, trágica pena para os amantes desditosos. A esse respeito, valemo-nos de Bauman, “desenhista” que é de realistas maneiras de observar esse conceito, quando nos diz... Sim, a “identidade” é uma ideia inescapavelmente ambígua, uma faca de dois gumes. Pode ser um grito de guerra de indivíduos ou das comunidades que desejam ser por estes imaginadas. Num momento o gume da identidade é utilizado contra as “pressões coletivas” por indivíduos que se ressentem da conformidade e se apegam a suas próprias crenças (que “o grupo” execraria como preconceitos) e a seus próprios modos de vida (que “o grupo” condenaria como exemplos de “desvios” ou “estupidez”, mas, em todo caso de anormalidade, necessitando ser curados ou punidos) (BAUMAN, 2005, p. 82). O que possa parecer contraditório revela, antes, sim, o campo de batalha: “lar natural da identidade” (BAUMAN, 2005, p. 83). Nele, as tensões podem descobrir faces e facetas dotadas de estreante rebeldia, anteriormente protegidas pelos véus do consenso. Enquanto esbravejam contra as tradições podem, por exemplo, guardar limpos e bem dobrados os véus para tempos de pacífica convivência. Importa para nós, nesta pesquisa, que esse conceito contestado da existência identitária, conscientemente descartado “por filósofos em busca de elegância lógica”, como caracteriza Bauman (2005, p. 83), auxilie-nos no mapeamento do construto da identidade dos adolescentes membros de comunidades de leitores, os quais, como o jovem Romeu, podem “passear” por essa ideia de ambiguidade. Vale salientar que não nos assusta o que possa significar inconsistência na textura dessa identidade, mesmo porque, valemo-nos de Hall para orientar nosso olhar consciente de que, “Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha [...]” (HALL, 2006, p. 37-38). O que nosso teórico propõe deixa-nos mais à vontade para lidar com esse conceito porque a escolha é real. Nossa “humanidade” escancara as predileções que nos desenham para o outro, embora, quem nos veja nem sempre consiga perceber as convenientes decisões, responsivas ao apelo do corpo identitário “selecionado”. Esse fator não prejudica muito a relação com o externo, se atender também as necessidades do outro. Então, ainda que barganhe, utilizando-se de seu nome, o incauto Romeu tem o apoio da proponente Julieta, que poderia atender ao apelo da tradição e interpretar essa troca, no mínimo, como conduta imoral, se considerasse os ditames da época. Contudo, abraça o que lhe é oferecido por quem viria a ser, segundo a escolha, um novo batizado. Nesse sentido, e ao contrário do que pensava Julieta, “um nome” é pé, mão, braço...; 30 “Duas casas, iguais em seu valor, em Verona, que a nossa cena ostenta...” (SHAKESPEARE, 2011, p. 15). 111 ao mesmo tempo que pode tentar destituir-se de tudo e revelar-se, aparentemente, alheio ao corpo. O nome é todas as feições e partes por situar-se histórica, social e ideologicamente; por agregar os fazeres de uma época, passando até mesmo pela escolha lexical que o compõe. Aderir à proposta de renegá-lo significaria (Ilusoriamente?), para Romeu, insistir em “descascar-se” do que o fizera um Montéquio. Ele teria nova resposta à Esfinge, o que não implicaria em livrar-se de todas as marcas do identitário primeiro. Bauman (2005, p. 82) caracteriza por “um grito de guerra usado numa luta defensiva” a ideia de que a identidade apresente-se como uma faca de dois gumes. Rebatizar-se, então, a partir desse pressuposto, ganha ares de reação comumente empregada, quando o sujeito se vê na arena dialógica identitária, ainda assim, não completamente modificado, não inteiramente reconstruído, como a restaurar arremedo de si mesmo. Guardamos as chaves de inúmeras portas fronteiriças desse construto de identidade. Hora ou outra, serão abertas. Senão todas, aquelas que atenderem aqueles apelos já referidos. Os gumes ambíguos em Romeu e Julieta não nos são tão desconhecidos assim. Quando pensamos nos jovens leitores que habitam as comunidades, sujeitos que são deste fazer pesquisador, lembramo-nos da faca metafórica, em Bauman (2005). Reforça a imagem desses seres que reagem ideologicamente ao que lhes é ditado como correção: normas comportamentais, de etiqueta, de convivência, de trato com outros grupos sociais; ou ainda (e o que lhes são tão caros) sobre o que ler, pensar, idealizar, a qual grupo pertencer. Reconhecemos, assim, a ideologia tal qual nos oferece Bakhtin e o Círculo, combatente à perspectiva defendida pelos estudiosos da época, que colocavam [...] a questão da ideologia ora na consciência, ora como um pacote pronto, advindo do mundo da natureza ou mesmo do mundo transcendental (BRAIT, 2013, p. 168). Bakhtin (apud BRAIT, 2013, p. 168) constrói o conceito “[...] na concretude do acontecimento, e não na perspectiva idealista [...]”. Observamos, neste documento, sempre que discorremos a respeito de ideologia, a ideia de Ideologia Oficial e Ideologia do Cotidiano, trazidas pelo Círculo. A ideologia oficial é entendida como relativamente dominante, procurando implantar uma concepção única de produção de mundo. A ideologia do cotidiano é considerada como a que brota e é constituída nos encontros casuais e fortuitos, no lugar do nascedouro dos sistemas de referência, na proximidade social com as condições de produção e reprodução da vida (BRAIT, 2013, p. 169). As reações ideológicas desses jovens leitores são frutos do cotidiano, dos “encontros casuais e fortuitos”, “do lugar do nascedouro dos sistemas de referência” e que leva alguns a 112 reconstruir a noção de “lar”, ou “família” em comunidades de leitores e seus membros, conforme apresentamos na Figura 44, a seguir. Figura 44 – Recorte do questionário respondido por Joana Cândido, membro do CHB Fonte: Dados da pesquisa Joana (membro do CHB) não foi a única a redesenhar o conceito de família e inseri- lo no grupo. Não que eles se destituam dos cheiros primeiros. Absolutamente! O nome pode até ser outro, mas a essência se mantém. Acontece que a ideologia do cotidiano reorganiza o conceito já previamente estabelecido e insere “[...] gente com os mesmos interesses que eu”, como nos afirma a jovem leitora. Tenhamos também a consciência de que essa postura não impede de as centralizações serem apresentadas a esses grupos. Imaginar que possam ser controlados todos e quaisquer grupos, comunidades, conjuntos sociais parece manter certa noção de estabilidade para os que constroem os formatos. As formas lhes são oferecidas, ou impostas, basicamente porque a sociedade ─ ainda que sociólogos pensem ser “um todo unificado e bem delimitado, uma totalidade, produzindo- se através de mudanças evolucionárias a partir de si mesma, como o desenvolvimento de uma flor a partir de seu bulbo” (HALL, 2006, p. 17) ─ está em constantes deslocamentos provocados por forças fora de si. Esse movimento constante também é visível internamente na sociedade, em determinados grupos que a compõem, tais quais as comunidades de leitores evidenciadas neste estudo. Nessa perspectiva, as identidades modernas, segundo Hall, não são desagregadas, embora deslocadas. [...] Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, tornam-se desvinculadas — desalojadas — de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem "flutuar livremente” [...] (HALL, 2009, p. 75-76). 113 Tratamos agora de aprofundar, jamais com a ideia finita de pesquisa acabada, irretocável, essa identidade, ora intrauterina, apegada “às suas próprias crenças... a seus próprios modos de vida” (BAUMAN, 2005, p. 82) e defensora de si mesma, ora combatente, externa e visível, um bíblico Davi (dessa vez, contrário à narrativa milenar, de crédula tropa) ainda assim, defensora de si mesma. [...] Em outro momento é o grupo que volta o gume contra um grupo maior, acusando-o de querer devorá-lo ou destruí-lo, de ter a intenção viciosa e ignóbil de apagar a diferença de um grupo menor, força-lo ou induzi-lo a se render ao seu próprio “ego coletivo”, perder prestígio, dissolver-se... Em ambos os casos porém, a “identidade” parece um grito de guerra usado numa luta defensiva: um indivíduo contra o ataque de um grupo, um grupo menor e mais fraco (e por isso ameaçado) contra uma totalidade maior e dotada de mais recursos (e por isso ameaçadora) (BAUMAN, 2005, p. 82-83). A faca de dois gumes fora suscitada durante o processo de conhecimento das comunidades. Os membros do CHB deixam clara a condição de refúgio quando descrevem sentimentos e relações no tocante a casa. Nesse caso, intrigou-nos o fato de que, costumeiramente, por meio dos questionários ou das conversas não oficiais, sentados à mesa, na praça de alimentação de um shopping, logo depois do encontro, não importa onde, o acampamento surgia encastelado. Vozes se revezavam no intuito de enaltecê-lo como lugar de família, de amigos, de seres que se reconheciam e não pareciam ser jugados pela vestimenta ou pela cor do cabelo. Neste espaço descritivo-dissertativo de nossas folhas documentais, convidamos Vossa Senhoria, leitor investigador, a “ouvi-los”. Ser-lhe-ão apresentados paulatinamente, da maneira mais legítima que nos pareceu mostrar identidades: não censurando quando falam em seu próprio nome, quando respondem sobre como definiriam o CHB para eles mesmos. Apesar de saber que sempre será nosso olhar sobre o que nos foi conveniente recortar; ainda assim, caríssimo, “ouça” com atenção. Serão, agora, necessárias lentes para sua intuição. Nós somos os pesquisadores neste estudo, você está mais liberto. Veja, perceba o que dizem e como se mostram: alguns com seu nome “de pia”; outros, “chamados de amor”, rebatizaram- se para esta pesquisa, assumiram codinomes. Não mais Romeus. Para mim o CHB inicialmente era uma oportunidade me adentrar a um mundo que existia apenas naquelas páginas, hoje para mim é uma família. Nós não só conseguimos trazer para a nossa realidade as vivencias da série, mas também fizemos grandes amigos. Compartilhamos angustias emoções, e descobertas em cada livro. Nos tornamos uma comunidade unida pelo amor à leitura e o que ela pode nos proporcionar. O CHB foi um presente, uma forma de encontrar dentro de cada um de nós coisas que nem sabíamos que existia, algo que, quando em jogos, vivíamos experiências de personagens que falavam tanto de nós e naquele instante percebíamos. Provamos que as histórias não são um pedaço de papel. Elas vivem!! 114 Elas são capazes de transportar, guiar, ensinar, sonhar e principalmente unir, sejam pessoas até pensamentos ou convicções (Biazinha, trecho do seu questionário). A nova família, para a participante do CHB, permitiu-lhe trazer para sua realidade “as vivencias da série” e provar que “[...] as histórias não são um pedaço de papel. Elas vivem!!”. Vale lembrar que o CHB reúne fãs do jovem Percy Jackson, que se descobre um semideus quando se depara com mitos e personas habitáveis somente, em tese, no mundo da mitologia grega, como centauros, sátiros, harpias, outros semideuses e os próprios deuses do Olimpo. O CHB é, portanto, o acampamento para os que se autoelegeram filhos desses deuses, reunidos em solo potiguar, mais especificamente, no Parque das Dunas. Pode parecer ridículo, mas a convicção com que tratam o tema demonstra a seriedade com que dizem ser meio-sangue, como são denominados os semideuses, na série literária de Rick Riordan. Por isso, Biazinha e quase todos os membros veem a oportunidade de explorar o conteúdo literário, praticando as tarefas e os desafios que eram confiados aos campistas, como a Caça às Bandeiras: “Naquela noite após o jantar havia muito mais agitação que de costume. Finalmente, era hora da captura da bandeira. Quando os pratos foram levados embora, a trombeta de caramujo soou e todos nos postamos junto às nossas mesas [...] (RIORDAN, 2008, p. 60). Figura 45 – Imagem do filme Percy Jackson e O Ladrão de Raios Fonte: Disponível em: . Acesso em: 2 ago. 2016. 115 Figura 46 – CHB Encontro das Cortes, maio de 2015, preparando-se para a luta com espadas, que, no filme, acontece na Caça às Bandeiras Fonte: Autoria própria (2016) Voltemos à fala de Biazinha ao afirmar que as histórias vivem para refletirmos a respeito do que comumente é denominado “descentração do sujeito” (HALL, 2006, p. 9), pelos teóricos que acreditam no colapso das identidades modernas. Nem a “perda do sentido de si”, nem colapso, ou “crise de identidade moderna” (HALL, 2006, p. 9). O fato de os sujeitos da modernidade constituírem-se dia após dia sem que seu nascimento determinasse o ser completo que somente seria inserido no contexto, como marionete num teatro de bonecos, não implica nesse desmoronamento, nessa ruína identitária quase profética que nos adiantavam estudiosos no século XX. Kobena Mercer (apud HALL, 2006, p. 9), um desses teóricos afirmou que “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”. Biazinha e os demais “semideuses” do CHB RN não constituem seres em crise de identidade, principalmente, porque não corroboramos com a ideia de estabilidade nata, da identidade. Antes, sim, concordamos com Hall (2006) que diz que a identidade tornar-se uma “celebração móvel”. [...] formada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos... Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu” (veja Hall, 1990). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada unia das quais poderíamos nos identificar — ao menos temporariamente (HALL, 2006, p. 12-13). 116 A jovem Bia celebra a “semideusa” agregada à estudante do curso de Artes, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que é filha, namorada de alguém, amiga de outras tantas, sujeito entrevistado para uma pesquisa em Linguística Aplicada, entre tantas outras Bias, que não trafegam ao redor de um “eu” coerente, como deixa claro o autor. Trata- se de uma identidade não unificada e sim, formada por identidades múltiplas, diferentes, contraditórias, as quais empurram esse sujeito pós-moderno em diferentes direções, o que gera os deslocamentos contínuos. Assim, há de se entender por qual motivo o acampamento para leitores com os quais Biazinha se identifica é visto como “um presente”, nas palavras da campista. As histórias dos livros, “vivenciadas” nos encontros “são capazes de transportar, guiar, ensinar, sonhar e principalmente unir, sejam pessoas até pensamentos ou convicções”, ou seja, não há crise, há o encontro de conjunto identitários predispostos a essa partilha, não porque nasceram predestinados a isso, mas porque se constituíram historicamente assim. Como se essa constituição histórica de rapazes e moças fosse esculpida de uma só forma, o que está longe de ser verdadeiro, eles chegam em pequenos grupos, ou sozinhos, para serem dezenas. No discurso de muitos, sinais de uma identificação, jamais de um imutável fator biológico. Veem o CHB como esse lar (re)significado, idealizado: “Pra mim é um lar, onde me sinto confortável em estar com pessoas que gostam das mesmas coisas, pensam da mesma forma, e me entendem. Procurei por muito tempo, até encontrar essa comunidade” (Donovan Di Angelo, Trecho do seu questionário). Percebamos que o conforto de Di Angelo por ter sido o CHB, de alguma forma, construído por seus anseios previamente, tal qual fazemos tantos de nós (e nem somos membros de um grupo dessa natureza!). Nós idealizamos lares os mais diversos. Nosso conforto se instaura quando identificamos parte da estrutura do que sonhamos no que está à frente dos nossos olhos. Há de se perceber, inclusive, características de um universo juvenil, e por que não dizer “humano”, tantas vezes descrito em versos, como na canção da banda de rock, Legião Urbana, “Veja o sol dessa manhã tão cinza/ A tempestade que chega é da cor dos teus olhos Castanhos / Então me abraça forte / E diz mais uma vez que já estamos distantes de tudo”31. O mundo parece tempestuoso para esses jovens, a ponto de edificarem o CHB e determinar para ele também a função de seguro porto, como nos revelam Emanuel e Naflavs, respectivamente: “Um modo de escape do mundo exterior para me fazer feliz” (Emanuel, Trecho do seu 31 Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2016. 117 questionário); “O grupo foi o local em que me acolheu, criei amigos e oportunidades de acrescentar minha lista cultural” (Naflavs – Trecho do seu questionário). Essa função já fora, em momentos outros, do próprio quarto, da escola, da rua, ou mesmo da casa onde moram, principalmente porque essas identidades contraditórias tornam esses deslocamentos indicadores de múltiplas moradas. Outros depoimentos, acrescentamos, para dizer o quanto esse jovem leitor sabe muito bem por qual motivo se aglomera em torno do culto de uma dessas sagas literárias. Vai além do que possa proporcionar as vivências, por mais que se assemelhem ao que leem nessas coleções. As partes dessa identidade, ora são devoradoras de informações, ora questionadoras, ou militam em defesa de interesses, desejos, gostos e necessidades, como fica claro nos dizeres de Alice Walker (Trecho do seu questionário), que vê na falta de organização nada que não possa ser compensado por ser “zueiro, engraçado, reconfortante, acolhedor, instigante”; ou na transfiguração do “fictício para o real”, que transforma o CHB em um “realizador de ‘sonhos’”. “Além de trazer jovens que não costumam ler para esse universo libertador, além de aumentar seu conhecimento filosófico e mitológico”, na visão de Antônio Lucas (Trecho do seu questionário); ou, ainda, na memória da família que Atyson “sempre carregará no peito”, pois o ensinou, acolheu “de braços abertos”, “sem muitas perguntas”, o que lhe conferiu a ideia de que se sentia seguro ao seu lado, ainda que ele não tivesse que dizer por qual motivo estava ali. Não havia necessariamente por que revelar. Era de senso comum que, se estivessem ali, reunidos, identificavam-se em muitas instâncias, ou não. Não havia essa preocupação. Parecia mesmo ser “coisa de adulto” tentar justificar a presença sua, em um domingo, num parque ecológico, para encontrar pessoas que compartilhassem os mesmos “prazeres” literários, musicais, cinematográficos... Atyson complementa: “Sinto saudades da época dos encontros, dos risos que me fizeram muitas vezes rir”. (Trechos do questionário). Encerramos essa primeira investida no universo identitário, celebrando esses deslocamentos e descentralizações sustentados em Hall (2006, p. 7), que nos convida a perceber esses movimentos “[...] como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social”. O que não implica temermos essa modernidade que confere, antes de mais nada, às descentradas, deslocadas ou fragmentadas identidades motivos para serem observadas como celebrações móveis, não como professam os defensores da imobilidade, da estabilidade fixa, serem tempos de crise e colapso. Não há esfacelamento quando identidades assim, tais quais 118 as desses jovens leitores, anunciam agregação de valores culturais tão diversificados quanto enriquecedores. 5.2 QUEM DERA TER QUINZE ANOS PARA SER CAPITÃO Embarcando em nau júlio-verniana, continuemos a discutir a questão da identidade: Era, na verdade, um grande pedaço de ferro, cuja influência sem dúvida alteraria as indicações da bússola. A agulha magnética fora desviada e, ao invés de marcar o norte magnético, que difere um pouco do norte da Terra, apontava para o noroeste. Era, portanto, um desvio de quatro quartos, ou seja, de meio ângulo reto. Quase imediatamente, Tom acordou. Seus olhos caíram sobre a bússola e ele pensou que o Peregrino havia mudado de rumo. Por isso, deu golpe de leme a fim de recolocar o navio na rota ─ pelo menos era o que imaginava. O que não podia suspeitar era que isso mudara a posição leste para sudoeste. Assim, enquanto o Peregrino, sob o impulso do vento, parecia seguir a direção escolhida, na verdade navegava com um erro de 45 graus em sua rota. (VERNE, 1975, p. 37). Dick Sand não percebera a mudança no rumo do Peregrino e a aventura apenas começara para ele e os demais tripulantes que lutariam por suas vidas, em águas desconhecias e raivosas, a partir de então. Mas, somente Dick chegaria ao posto de capitão. Quinze anos e uma responsabilidade que somente não era maior do que o mar à sua frente. Ele viria a encontrar o caminho onde tantos falharam e morreram por causa disso. Apesar de todo desconforto e dor que pudesse causar a mudança de rota para aquela tripulação, o fato determinou limites entre coragem e desespero para as tomadas de decisão. Certo que lhe ensinaram o que deveria ser feito, quais ações realizar quando ainda era membro da tripulação e não tinha sobre seus ombros tantas obrigações, entretanto, não o haviam mostrado caminhos outros que respondessem às demandas daquela situação inusitada: depois de um confronto com uma baleia, o capitão e a tripulação morreram. Assim, o desvio no percurso, forçado pela barra de ferro próxima ao instrumento, serviu também para provar a Dick, entre outros, que seu instinto de sobrevivência o salvara. Aproveitamos o instrumento bússola e o destino que ela teve no Peregrino para voltarmos à discussão a respeito de forças centrípetas e centrífugas, quando a questão é leitura. A novela de aventura e ficção do mestre Júlio Verne servirá de artéria por meio da qual conduziremos sanguineamente nossa análise a partir do posicionamento de “nossos jovens capitães”, acerca do ato da navegação por mares tão sedutores quanto os da literatura. Inicialmente, destacamos algumas falas, as quais dão-nos sinais bastante representativos do que ouvimos, enxergamos e registramos das mais variadas formas, durante nosso fazer pesquisador. 119 Antes, elucidemos qual concepção de leitura embarcou conosco nessa empreitada. Buscamos a voz de Cosson (2014), que também se valeu de Bakhtin, para pensar em leitura como diálogo. Bakhtin (2011) concebeu o dinâmico movimento de interação entre enunciados que se correspondem quando postos como elos numa cadeia discursiva. Para ele, “Todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. É a oposição ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido” (BAKHTIN, 2011, p. 289). Se pensarmos que ler também tem como ponto de partida a interação verbal, que pressupõe essa mesma interação para que haja entendimento, sustentamos o princípio da ideia que ler é dialogar. Cada enunciado isolado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. Ele tem limites precisos, determinados pela alternância dos sujeitos do discurso (dos falantes), mas no âmbito desses limites o enunciado... reflete o processo do discurso, os enunciados do outro, e antes de tudo os elos precedentes da cadeia (às vezes os mais imediatos, e vez por outra até os muito distantes ─ os campos da comunicação cultural) (BAKHTIN, 2011, p. 299). Cosson (2014) amplia esse diálogo conosco ao nos falar das perspectivas que sustentam essa concepção, que ele denomina “aproximações”. Em mares tranquilos, aproximamos nossas embarcações quando o teórico nos convida a pensar em ler como diálogo, o que se faz com o passado, “[...] uma conversa com a experiência dos outros”. Nesse diálogo, eu me encontro com o outro e travo relações com ele por meio dos sinais inscritos em algum lugar que é o objeto físico da leitura... Toda leitura é, assim, um diálogo com o passado, próximo ou remoto, que busca paradoxalmente eliminar esse passado, presentificar o passado (COSSON, 2014, p. 36). Por concordar com essa afirmativa, presentificamos a influência do instrumento bússola, objeto que lançou luzes à citação para que escolhêssemos como trecho inicial para esta fase da análise. É-nos extremamente sedutora e pertinente a imagem orientadora, norteadora e toda sensação de segurança que lhe é atrelada. Precisamos dessa suposta sensação para inserir, em condições de calmaria, uma dúvida sobre a precisão desse orientador. Para esclarecermos um pouco mais, trataremos como bússola todas as orientações quase dogmáticas, concebidas para indicar um também suposto “norte literário” para os que desejam aventurar-se em naus aparentemente tão seguras quanto equipadas, tais como se apresentam os pacotes doutrinadores do saber, em escolas, em nossas residências, nas academias de letras, nas universidades e em todas as “boas” instituições preocupadas em separar o joio do trigo. Leia-se, preocupadas em determinar o que deve e o que não deve ser lido, só para começar, porque, a priori, se receberem incentivo que justifique esse tipo de segregação literária, passam a dizer o que é literatura, quem é leitor, o que é leitura. 120 É mais especificamente na terceira aproximação oferecida por Cosson que nossas naus incursionaram pelas mesmas ondas, quase numa simetria de movimentos. Para o teórico... Por meio da leitura, tenho acesso e passo a fazer parte de uma comunidade, ou melhor, das várias comunidades de leitores, porque na leitura nunca estou sozinho, antes acompanhado de outros tantos leitores que junto comigo determinam o que vale a pena ser lido, como deve ser lido e, no seu limite, em que consiste o próprio ato de ler. A leitura é, assim, um processo de compartilhamento, uma competência social. [...] (COSSON, 2014, p. 36). Foi com essa “competência social” que nos encontramos quando passamos a investigar as identidades dos jovens leitores de sagas, participantes de comunidades leitoras, como o CHB. Tudo o que já dissemos quanto à significação dessas comunidades para esses jovens reforça essa concepção de leitura que tem como base o diálogo. Travar as batalhas simuladas com espadas nem se aproximava da diversão em torno das conversas, dos jogos, dos desafios que tinham como ponto de partida a leitura que os identificava como semelhantes, membros de uma família, como fora dito e registrado nesta pesquisa. O que pretendemos, companheiro leitor, é nos fazermos entender quanto àquela primeira ideia descrita na primeira parte desta análise. O que parece ser identidades fragmentadas, frutos da descentração, portanto, em crise, passa longe dessa afirmativa, quando observamos que o ato de ler, ler como diálogo, reúne-os numa coletividade agregadora dos próprios valores e determinante quanto à seleção do que pretendem ler, sem que esse prognóstico seja pendurado em praça pública, como faziam os romanos na Antiguidade para informar sobre o que o Senado outorgava como lei. Somente identidades múltiplas, sem que rodeiem um núcleo, esse não existe, podem “gerenciar”, diria até “suportar”, por exemplo, a leitura machadiana por um fã do bruxo Harry Potter, sem punir-se em penitenziagite eterno, como se estivesse diante de um ato sacrílego. Em síntese, entendemos também que ler... [...] consiste em produzir sentidos por meio de um diálogo, um diálogo que travamos com o passado enquanto experiência do outro, experiência que compartilhamos e pela qual nos inserimos em determinada comunidade de leitores. Entendida dessa forma, a leitura é uma competência individual e social, um processo de produção de sentidos que envolve quatro elementos: o leitor, o autor, o texto e o contexto (COSSON, 2014, p. 36). Assim, sigamos as vozes... A minha relação com a leitura começa não nos livros mas com os quadrinhos, Mafalda, Turma da Mônica, Luluzinha, Calvin e Haroldo, Batman, foram as minhas 121 primeiras experiências com leitura, daí veio o meu contato com os poemas e cordéis, e finalmente os mitos aos quais sempre fui fascinada, os gregos principalmente, tais como o mito de Hades e Persefone, o mito de Narciso, o mito da Medusa, as Plêiades, Os Doze Trabalhos de Hércules, A Queda dos Titãs, Orfeu, entre muitos outros. Quando tinha uns sete para oito anos me apaixonei a primeira vista por Alice no País das Maravilhas, na qual é minha obra predileta, em todos os sentidos, cada virgula, cada palavra e expressão desse pico psicodélico da literatura (Alice Walker, membro do CHB, fragmento do questionário). A leitura continua sendo o que me alimenta, alimenta minha fome de histórias, de fugir da realidade e, principalmente, de conhecimento. Toda leitura traz algo a se aprender. Tenho uma relação de amor com a leitura, ou ela alivia ou ela questiona (Mikaela Silva, membro do CHB e do T&D, fragmento do questionário) Sou completamente apaixonada por livros. A leitura veio junto com a superação de desafios com meus problemas de saúde na infância. Iniciou como uma forma de minha mãe me fazer sentir melhor diante das inúmeras internações e idas ao hospital, e depois me ajudou a preencher o vazio que a liberdade limitada acabava criando. A super proteção da minha mãe, junto com a baixa imunidade me impediram de brincar na rua, pegar na terra com minhas mão, correr, pelo menos ate os 7 anos. Então os livros eram minha forma de poder fazer tudo o que eu tinha vontade, através de cada personagem aventureiro. O amor foi tão grande que mesmo quando eu pude me recompor de minha situação de saúde, continuei amando a leitura. Hoje só consigo ler nas férias, mas eu aproveito cada minuto e leio o máximo que posso (Biazinha, membro do CHB, fragmento do questionário). A partir desses falares destacados, tentaremos apresentar uma linha de pensamento que esboce o quanto as identidades investigadas, ainda que atadas aos instrumentos de prumo mais rigorosos (como a educação escolar, por exemplo), rompem fronteiras e se desviam das rotas, para elas, calculadas, bem mais do que os 45 graus que tirou do caminho o Peregrino, no texto de Júlio Verne (1975). A leitura é, para essas três vozes, uma paixão que alimenta. Enraizado na experiência social e refletido “nos interesses específicos de classe” (JENKINS, 2015, p. 35) o gosto, também pela literatura, não aporta sozinho no percurso dessas identidades leitoras. Na lista apreciativa de Alice Walker, a exemplo do que foi afirmado, não faltam os quadrinhos. Esses, inclusive, recebem os louros quanto a ser os primeiros objetos que dialogam com ela. Somente uma identidade multifacetada incluiria em um mesmo contexto Mafalda, o Batman e o mito das Plêiades e ainda se diria fã de Lewis Carrol, chegando a caracterizar Alice no País das Maravilhas como “pico psicodélico da literatura”. A jovem leitora demonstra conhecimento de mundo abrangente; sugerir a psicodelia como que para evidenciar a experiência consciente da personagem principal evidencia isso. Trata-se de uma fã e uma fã que, aos moldes padronizados de controle do gosto alheio, porta- se, em poucos detalhes, já como uma espécie sutil de transgressão. “Ainda assim, a resistência dos fãs à hierarquia cultural vai além da simples inadequação de sua seleção textual e geralmente cai na própria lógica através da qual os fãs constroem o sentido em torno de suas 122 experiências culturais” (JENKINS, 2015, p. 37). Assim, Alice seleciona a partir do que é como sujeito cultual, agente social no seu meio, que construiu seus gostos experimentando e se experimentando, vivenciando o que o contexto lhe oferecia. As identidades múltiplas parecem mesmo desagregadas e, quando em crise, descontroladas, a ponto de denotarem valores à leitura, talvez somente agregados a elementos facilmente vinculados às instituições tidas, pelo senso comum, como gerenciadoras do bom senso, das tradições, dos costumes: família, igreja, governo, escola. Jenkins (2015, p. 37) convida-nos a perceber que, “[...] da perspectiva do gosto dominante, os fãs parecem leitores descontrolados, indisciplinados, impenitentes, monstruosos, marotos. Quando rejeitam o distanciamento estético”, por sua vez, as identidades leitoras, fãs das novas coleções literárias, como Percy Jackson e os Olimpianos, cultuada série para os membros do CHB, “[...] colhem com grande entusiasmo os textos que lhes são queridos e tentam integrar representações midiáticas à sua experiência social [...]” (JENKINS, 2015, p. 37). Mikaela, além de membro do CHB, é também uma das fundadoras do T&D (Tributos e Divergentes), grupo que agrega os fãs das sagas distópicas Jogos Vorazes e Divergentes. Mika, que “alimenta sua fome de historias” por meio da literatura, é um exemplo do que afirma o teórico. As identidades modernas querem a visibilidade, não se assustam ou se recolhem em pacatos esconderijos onde possam celebrar sua cultura. Ao contrário, lidam com as representações com naturalidade, como se houvesse, inclusive, certa obrigação do meio para lhes conferir credibilidade de fã. Mika responde com dedicação à relação de amor que tem com a leitura, a ponto de verter esse estímulo em escrita: é autora de duas “fanfics”, território de escrita eletrônica para os fãs, nos quais as histórias se estendem sob a autoria dos leitores. Figura 47 – Recorte do questionário da entrevistada Mikaela, membro do CHB e do T&D Fonte: Dados da pesquisa O poder exercido pelos censores de plantão chega a incomodar os que atuam nessa prática criativa. Vociferam contra os autores midiáticos e tratam essas escrituras como plágio, escrita menor, cópia transgressora dos textos literários. Não ignoramos o fato de essa prática 123 já estar inserida no que Hall (2006) ressaltou em seus estudos sobre identidade, como “homogeneização cultural”, o que não a diminui, no máximo, insere-a em determinado contexto. Traduzir todos esses construtos identitários, igualmente por figurarem nessa homogeneização, é simplificar para justificar um aparente controle por meio da globalização. As identidades não podem ser controladas, ou catalogadas, ainda assim, quem se dispõe a entender pelo avesso o que possa haver de benéfico em estruturas culturais globalizadas tende a ver todas as identidades como uma só. Daí um passo para a generalização que profere sentenças do tipo: esses jovens gostam das mesmas coisas e pelos mesmos motivos. No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido como “homogeneização cultural” (HALL, 2006, p. 75-76). Na contramão dessas imutáveis e perigosas verdades, Biazinha registrou ser “Completamente apaixonada por livros”. Não porque a escola doutrinasse ou as instituições legitimadas pela literatura oficial também cumprissem tal papel de divulgadoras da arte da escrita, antes, sim, aproximou-se dos livros para substituir as faltas que faziam as rotinas infantis que a ela eram negadas por sua enfermidade. Tocar a terra equivalia, para a nova leitora, a embrenhar-se em narrativas adentro, como se pudesse sentir a umidade da terra, a temperatura fora de casa. “Cada personagem aventureiro” convidava e Bia aceitava prontamente. As múltiplas identidades acomodam-se para reconstruir os ambientes literários na imaginação do leitor, corroborando com o que Jenkins (2015, p. 37) descreve como “borrar as fronteiras entre fato e ficção, falando de personagens como se tivessem uma existência à parte de suas manifestações textuais, adentrando no reino da ficção como se fosse um lugar tangível que podem habitar e explorar”. Nem tudo são flores nesse desagregar identitário. Quando questionados se já haviam passado constrangimento ou sofrido preconceito por participarem de encontro de leitores, ou ainda por aderirem à linguagem, às práticas de leitura, à maneira de se vestir e de agir na condição de membro de comunidades como CHB e T&D, as mesmas vozes apaixonadas pela leitura confessaram os embates instituídos entre elas e os grupos sociais que se constituem como vozes predominantes de forças centrípetas que atuam na tentativa de “controle” de grupos como o CHB, julgados a partir das escolhas literárias e dos constituintes identitários 124 gestados a partir dessa escolha. O gosto de Alice Walker pelo Harry Potter, ou de Bia pela montagem de “cosplays”32 renderam incômodos percebidos nas falas das leitoras. Sim, muitas vezes por sinal, quando mais nova me viam de todas as formas possíveis menos humana por gostar de Harry Potter, minha turma na época na conhecia, não entendia, e me julgava por fazê-los (Alice Walker, membro do CHB, fragmento do questionário). Com certeza. Já disseram que era coisa de criança, que eu crescesse e parasse de passar vergonha. Já me julgaram por fazer cosplay de uma personagem, ou gastar dinheiro com camisa personalizada e adereços. Mas eu nunca ligue, é quem eu sou (Biazinha, membro do CHB, fragmento do questionário). A esse respeito, Jenkins (2015) fala em transgressões e rompimentos das hierarquias culturais predominantes [...]determinam que suas preferências serão vistas como anormais e ameaçadoras perante os que têm interesse em preservar esses padrões (mesmo por aqueles que possam compartilhar de gostos similares, mas os expressam de maneiras substancialmente distintas) (JENKINS, 2015, p. 36). Embora todo discurso esteja “voltado para uma resposta” e não possa “evitar a influência profunda do discurso responsivo antecipável [...] (BAKHTIN, 2015, p. 52)”, talvez, o que essas vozes desejem passar, por breve momento que seja, despercebidas, para não terem que formular ou se reformular, pensando sempre no que o outro vai dizer, pensar, julgar a respeito. É no depoimento de Mika que sintetizamos o que parte do grupo relatou durante o tempo que passei com os membros nos encontros. A intolerância e a incompreensão a essas identidades têm berço doméstico. Quando comecei a ler livros fantásticos e a comprar livros e mais livros, meus pais pensavam que isso ia me desviar de tudo, da minha religião, dos meus estudos, iam me afastar de pessoas, me tornar “anti-social”. Até hoje eles pensam assim, dos meus livros, dos filmes que vejo, das camisas que uso. As pessoas olham torto, claro, mas nunca sofri preconceito das pessoas, mas percebo os olhares. O preconceito sempre vem dos meus pais. “Ta vendo coisa do demônio”, “isso não é bom de ler”, “esses livros estão te deixando rebelde”. Se estão me mudando, ótimo: é isso que eles fazem (Mikaela Silva, membro do CHB e do T&D, fragmento do questionário). O mito centrado na desagregação é forte e se traveste de esfacelamento total do indivíduo, como se esse não pudesse gerenciar sua vida. As identidades modernas sofrem dessa má interpretação de suas demandas múltiplas e nada congruentes. Para esses sujeitos, 32 Cosplay é o nome dado aos que cultuam a arte de vestir-se como personagens da cultura pop, quadrinística, oriental, cinematográfica, ou literária. 125 cursar uma universidade, trabalhar, dançar e participar de um desfile de cosplays é plenamente concebível. Compreendemos o que leva pais a tratarem o “consumo literário” como motivadores da rebeldia, ou de furtivo isolamento que possa acontecer na adolescência, revozeando vozes sociais que veem o jovem como recorrente transgressor e a literatura por ele escolhida como reflexo dessa escolha, tão transgressora quanto. Esse comportamento caracteriza-se, principalmente, por ignorância no tocante aos aspectos dessa cultura literária, que se agrega à cultura cinematográfica, à quadrinística; que convida esses jovens às discussões de gênero, ao posicionamento político diante das ações de um governo tirano, ou simplesmente os conduzem à diversão cuja postura ideológica está mais para a manutenção do riso, vide, respectivamente, as obras Septo (tele minissérie potiguar); V de Vingança (história em quadrinhos); Diário de um Banana (narrativa que conta as aventuras e desventuras de um adolescente). Solicitamos, então, que listassem obras que ainda estivessem na memória deles e que tivessem sido lidas a partir do início da adolescência, por entendermos que, na fase da infância, as interferências são determinantes quanto ao que o indivíduo tem acesso. A fase juvenil marca certa liberdade de escolhas, ao menos, em tese. De qualquer forma, as lembranças eram mais recentes, apesar de alguns depoimentos defenderem obras lidas ainda quando tinham entre oito e dez anos de idade. Alguns desses resultados publicaremos neste estudo, para finalizar esta análise convidando nosso paciente leitor à discussão sobre as máximas que sentenciam os jovens a ícones sociais da ignorância literária, quando vozes que constituem até mesmo o espaço escolar levantam-se contra essas identidades modernas, desfragmentadas, como inconsistentes, a ponto de não serem leitores protagonistas. Figura 48 – Recorte do questionário de Mikaela, membro do CHB e T&D Fonte: Dados da pesquisa 126 Figura 49 – Recorte do questionário de Márcio, membro do T&D Fonte: Dados da pesquisa Figura 50 – Recorte do questionário de Amanda, membro do T&D Fonte: Dados da pesquisa Esses recortes são representativos das listas apresentadas por todos os entrevistados, que se disseram leitores e de gêneros diversos (Anexo A), distanciando os membros dessas comunidades do estereótipo irresponsável que trata todos os indivíduos jovens como não leitores. A esse respeito, os resultados de uma pesquisa nacional intitulada “Retratos da Leitura no Brasil” apresentam um índice bem menor entre os que se reconhecem como leitores, principalmente, porque um critério determinava a eliminação de muitos: a leitura de um livro ao menos nos últimos três meses. Nem questionamos o tempo, há de se ter um motivo para tanto apesar de não estar explicitamente justificado; nesse caso, questionamos o fato de determinar o suporte, esquecendo inclusive que muitos são leitores de cordéis ou de quadrinhos, que não são, necessariamente, publicados no formato livro. De qualquer forma, não podemos negar que 5012 entrevistas não são significantes. 127 Figura 51 – Trecho da pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2015) Fonte: Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2016. Com base nesse resultado, podemos afirmar que o perfil do leitor ainda decepciona um país que pretende um futuro como pátria leitora. Quarenta e quatro por cento de indivíduos que se dizem não leitores sugerem iletramento, analfabetismo, acesso negado ao livro, ou mesmo falta do hábito da leitura por não se identificar com o ato de ler. Figura 52 – Perfil de leitura do brasileiro em relação à estimativa populacional Fonte: Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2016. Chama a atenção também a lista das obras mais lidas. Nenhuma surpresa com relação à Bíblia, que encabeça diversas listas pelo mundo inteiro. Interessante observar Dom Casmurro, romance machadiano, do século XIX, uma das obras clássicas, listada no cânon didático-escolar, constando nas três últimas edições da pesquisa. Na mesma condição, figuram Harry Potter, O Alquimista, O Pequeno Príncipe... 128 Figura 53 – Perfil de leitura do brasileiro em relação aos livros mais citados Fonte: Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2017. Muitas dessas obras também foram listadas pelos entrevistados para nossa pesquisa. Ressalto A Culpa é das Estrelas, de John Green, que, entre os eleitos da jovem leitora divide espaço na mesma estante, com A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. Desse modo, revela- se a disposição dessas identidades múltiplas, descentradas, para a agregação valorosa das diferenças, a ponto de experimentarem Clarice e passear pelas estrelas outras que possam firmar-se no celeste quadro literário. Para nós, devotado leitor, companheiro nosso na leitura dos caminhos que nos trouxeram até aqui, prova de que outros valores foram suscitados e agregados por meio dos diálogos enriquecedores com a criatura-livro. Quando solicitados a discorrer a respeito da relação com o mundo político-social que os cerca e a postura diante da diversidade cultural (de gênero, de leitores, de raça, de credo...), ficou clara a relação direta com a condição de leitores que são. Destacamos as representativas falas que descrevem uma situação de profunda alienação diante desses temas, quando ainda não agregavam valores advindos do diálogo com o livro e um estado contrário, quando a leitura passou a ser recorrente na rotina desses jovens. Vale lembrar que são fãs da saga Percy Jackson, membros de uma comunidade de leitores que se reúne para celebrar a cultura pop, artístico-literária tão combatida por grupos. Acerca do preconceito que sofrem, justificam ser uma espécie de proteção a uma suposta cultura melhor, verdadeira. 129 Na opinião de Alice Walker, que se autodenomina assim para estreitar laços com sua personagem literária predileta e se sentir, provavelmente, no contexto psicodélico já citado por ela antes, chamasse Ângela e reconhece, com ares de maturidade: [...] que se eu não tivesse lido o tanto que li talvez não entendesse o contexto sócio- político e econômico na qual o país que vivo está a passar por séculos, mas especificamente nos dias atuais, a leitura de Mafalda, uma leitura crítica em relação a sociedade em geral por exemplo me ajuda-se a entender a conjuntura “atual” do país. Uma simples história em quadrinhos dita por muitos ser infantil faz-se esclarecer o mundo a minha volta. Mikaela tem opinião semelhante. Diz que sempre foi muito distante do que a cercava, achava-se até ignorante. A jovem leitora revela que a leitura das distopias modificou sua maneira de enxergar essas questões. Figura 54 – Recorte do questionário de Mikaela, membro do CHB e T&D Fonte: Dados da pesquisa Percebemos, no decorrer da pesquisa, que os muros erguidos para encastelar os jovens leitores, membros do Acampamento Meio-sangue, serviam, não para contê-los, mas, para defendê-los. Tentavam, assim, evitar as críticas frequentes à escolha literária, elencada por eles para receber o status de leitura prazerosa. Enquanto o cânon oficial escolar é erigido em sacrossantos altares nas instituições de ensino, esses jovens leitores escolheram ler também Percy Jackson e, igualmente, erigir estrutura que o edificasse, senão como divino, então como majestoso. Nascem as comunidades de leitores para a exaltação à obra, para a vivência dela, embora por motivos tão simples quanto significativos tenham se aproximado das obras. 130 Encerramos esta análise lembrando, por meio de Bauman, que a identidade é um “conceito altamente testado”. “Sempre que se ouvir essa palavra, pode-se estar certo de que está havendo uma batalha. O campo de batalha é o lar natural da identidade. Ela só vem à luz no tumulto da batalha, e dorme e silencia no momento em que desaparecem os ruídos da refrega” (BAUMAN, 2005, p. 83). O campo onde essa batalha é travada, ora confunde-se com os lares onde crescem esses sujeitos leitores, ora são espelhos do próprio acampamento, onde são capitães de si, donos das decisões de suas respectivas casas mitológicas, parceiros de seus irmãos “semideuses”. Quem dera ter quinze anos e ser capitão para viver as lutas identitárias como o portador das chaves que abrem os portais e nos lançam às fronteiras inconcebíveis do que é literário e não é, do que é dito boa literatura e do que não possa ser. Quem dera ter quinze anos e não ser mais obrigado a enxergar as fronteiras como impeditivas para a experimentação das culturas que estão logo ali, ao alcance da próxima página, numa obra de ficção, cuja personagem principal lança feitiços, ou raios, luta com espadas, ou escreve poemas, defende o bem, portando um sabre de luz, ou ainda tenta sobreviver ao ataque de cangaceiros. Não importa o campo, importa que sobrevivam as identidades, importa que sejam múltiplas e que possam viver na vastidão de mil espelhos de Alice. Quando descentradas, que essas identidade possam ao menos aglomerar-se em quantas comunidades lhes forem convenientes, sem que seja preciso justificar sua opção pelo verde nos cabelos. Possam, ainda, decidir quem desejam ser! 131 132 6 CASA DE FERREIRO (CONSIDERAÇÕES FINAIS A RESPEITO DE IDENTIDADE; ÚLTIMA REFLEXÃO SOBRE FRONTEIRAS, COMEÇANDO PELAS QUE EXISTEM NA ESCOLA E NO ESTUDO LITERÁRIO) Havia portas ao redor do salão inteiro, mas estavam todas trancadas; depois de percorrer todo um lado e voltar pelo outro, experimentando cada porta, caminhou desolada até o meio, pensando como haveria de sair dali (CARROL, 2009, p. 17). A escola e suas portas! Conseguimos vê-las cumprindo funções distintas em relação aos que as percebem neste mundo (Porque as portas podem ser, ironicamente, imperceptíveis.). Quando aceitas como parte de uma estrutura segura, aparentemente não importa para onde apontem; fechadas, não oferecem risco. Embora existam “os” que passem por essas portas e não vejam imediatamente os dois lados, preferimos pensar que “os” sensíveis ao duplo espaço, antagônico, contrastante, bifurcado espaço são os incomodados, bem como os que incomodam. De qualquer forma, ambos são agentes em fronteiras que absorvem... Mas essa multiplicação de oportunidades para hibridar-se não implica indeterminação, nem liberdade irrestrita. A hibridação ocorre em condições históricas e sociais específicas, em meio a sistemas de produção e consumo que às vezes operam como coações, segundo se estima na vida de muitos migrantes. Outra das entidades sociais que auspiciam, mas também condicionam a hibridação são as cidades (CANCLINI, 2006, p. 30). Ainda assim, não perceber para onde apontam as passagens, tantas vezes implica não assinar por suas ações e, na escola, especialmente por ser o lugar dos sujeitos que serão abordados neste ensaio, não considerar entradas e saídas pode resvalar em consequências que ampliem o estado no qual os alunos fiquem calmos, sentados, enfileirados, cumpridores escrupulosamente do que lhes é ordenado. Assim, nossas escolas instituem passagens funcionais que querem sempre nos fazer crer, inevitáveis. Quando encaixadas em endurecidas paredes: fechadas, sinalizam possibilidades, protegem os de fora; abertas, são convites ao ato. Para Canclini (2006, p. 30), “As fronteiras rígidas estabelecidas pelos Estados modernos se tornaram porosas. Poucas culturas podem ser agora descritas como unidades estáveis, com limites precisos baseados na ocupação de um território delimitado”. Há certos músculos paralisados também em instituições educacionais onde o conhecimento teorético ─ que, segundo os atos-ecos bakhtinianos, corresponde ao conhecimento e à arte produzidos sem levar em consideração o mundo da vida ─ impera. Tanta imobilidade traduz-se na destruição das funções interativas, até que alguns ícones 133 começam a perder a habilidade de relacionar, ou relacionar-se, como a palavra, por exemplo, que deixa de ser ponte entre eu e o outro. Basta observar determinados estudos de literatura, enclausurados, cujas portas servem senão para limitar, corrigir a “imperfeita” noção de que haveria outro ambiente a ser visitado. As passagens lacradas impedem que professores e alunos compreendam e interpretem seus respectivos e humanos mundos, por não fazerem as relações que sugestivas portas abertas concordariam. Um abismo, clichê dos mais aclamados, é analogia suficiente para conceber o que acontece durante esse tipo de estudo, no qual as relações não são observadas. A descoleção dos patrimônios éticos e nacionais, assim como a desterritorialização e a reconversão de saberes e costumes foram examinados como recursos para hibridar-se (CANCLINI, 2006, p. 30). De um lado, o cânon tenta justificar seu espaço em mãos mecânicas; do outro, uma literatura seriada contemporânea acomoda as necessidades de um público leitor juvenil ansioso por hibridismos literários que incorporem ação, um romantismo deslocado, humor de específico entendimento, ou mesmo pontadas de reflexões filosóficas, dignas de arcaicos manuais, mas, ainda assim, dignas. Hibridismos que redefinem fronteiras culturais, por breve espaço contínuo, pensadas como estabilizadas, quando os próprios “[...] mercados mundiais de bens matérias e dinheiro, mensagens e migrantes [...]” (CANCLINI, 2006, p. 31) acentuaram a interculturalidade moderna, no que o teórico nomeou por processos globalizadores. Processos esses constituídos dentro do universo fronteiriço cultural histórico, espacialmente gerido por fatos e fatores sociais que imprimem e nutrem a gestação incontida de suas necessidades híbridas mais vorazes. Não que isso implique em ser desordenadas e não controladas, como afirma Canclini,.. Destaco as fronteiras entre países e as grandes cidades como contextos que condicionam formatos, os estilos e as contradições específicos da hibridação. As fronteiras rígidas estabelecidas pelos Estados modernos se tornaram porosas. Poucas culturas podem ser agora descritas como unidades estáveis, com limites precisos baseados na ocupação de um território delimitado. Mas essa multiplicação de oportunidades para hibridar-se não implica indeterminação, nem liberdade irrestrita. A hibridação ocorre em condições históricas e sociais específicas, em meio a sistemas de produção e consumo que às vezes operam como coações, segundo se estima na vida de muitos migrantes. Outra das entidades sociais que auspiciam, mas também condicionam a hibridação são as cidades (CANCLINI, 2006, p. 30). ... apenas, inevitáveis. 134 Também como portas e portões as fronteiras o são. Imaginar as linhas divisórias constituídas pelas culturas é relativamente fácil, pois determinamos nossa maneira de agir e reagir: aos mandos, comandos; às regras, metas; ao enquadramento social esperado em qualquer grupo que se preste a viver em comum, dadas as necessidades de sobrevivência de muitos, em um mesmo espaço, passarem por um determinado conceito de ordem. Isso é fato! Escolhemos nossa vestimenta ou asseguramos discursos, por exemplo, a partir das leituras que realizamos desse construto social que nos cerca. Como cercas, parecem se manter. Nesse sentido, até movimentos, os mais distintos, removem a terra sob essas estruturas e provam a solidez dessas. Consiste, então, em um produto humano criado para seu deleite, embora tenha rompido essa primeira fronteira, contribui para o repensar de uma sociedade que antes se via segura sobre fundações inabaláveis: a literatura. Aparentemente, não há limite ideológico que resista às forças centrífugas provocadas pela ressurreição da criatividade humana em cada romance, poema, conto, peça... Em tal condicionamento das categorias basilares da estilística a certos destinos históricos e tarefas do discurso ideológico reside a força dessas categorias e, simultaneamente, também as suas limitações. Estas foram geradas e formuladas pelas forças históricas atuais da formação verboideológica de certos grupos sociais, foram uma expressão teórica dessas forças ativas que criam a vida da linguagem. (p. 39) Essas forças são as forças da unificação e centralização do mundo verboideológico (BAKHTIN, 2015, p. 39). Entre os compêndios e seus seguidores, um vazio silencioso, ainda que carregado de valores. Pudéssemos parar, alçados, no meio, acima do desfiladeiro, ouviríamos os julgamentos dos interlocutores no que já se tornara uma contenda. Nesse caso, as máximas ecoariam semelhantes, assim: “Esses alunos nada leem!”; “Ler os clássico é muito chato, nada a ver com minha realidade.”. E o que é mais angustiante: ambos poderiam encontrar, no mundo da cultura alheia o que procuram, se a esfera na qual se constroem as relações, lá onde o signo emerge, a construção de valores e da ética valorada se efetivam, fosse acionada. A categoria da língua única é uma expressão teórica dos processos históricos da unificação e centralização linguística, uma expressão das forças centrípetas da língua. A língua única não é dada, mas, no fundo, sempre indicada e em cada momento de sua vida opõe-se ao heterodiscurso real. Ao mesmo tempo, porém, é real enquanto força que supera esse heterodiscurso, que lhe impõe certos limites, que assegura certo maximum de compreensão mútua e se cristaliza na unidade real, embora relativa, da linguagem falada (do dia a dia) com a linguagem literária, com a “linguagem correta”. [...]. As forças centrípetas da vida da língua, materializadas numa “língua única”, atuam no meio de um efetivo heterodiscurso (BAKHTIN, 2015, p. 41). 135 Enxergariam, por exemplo, que determinados romances, constituintes das novas sagas dão nova roupagem ao escapismo romântico (tão cultuado no século XIX, objeto de estudo nas salas de aula...) ao desfilar as problemáticas individualistas juvenis, apontando a “concretização de sonhos” como “saída” para restabelecer o equilíbrio almejado. Assim como Edward e Bela, vencem a morte em famosas e rentáveis páginas crepusculares por meio da concretização de seu amor. A referida saga ainda revisita o duelo, por excelência, entre famílias; sim, contenda semelhante serve de pano de fundo para a obra quinto centenária Romeu e Julieta; senão por seu recorde ─ mais de cem milhões de exemplares vendidos desde sua publicação em 2005 (EUA), 2008 (BR) ─, pela curiosidade, que deveria mover um professor-leitor, esse poderia, ao menos, reconhecer a disposição desses leitores-juvenis para a leitura das centenas de páginas, por volume. Os fenômenos de vendas multiplicam-se em histórias que contam sobre pares abatidos por doenças fatais, triângulos vorazes e corajosos, munidos de sentimento e ideologias para saírem em defesa (Creiam!) de fracos e oprimidos. Somente a saga do bruxo adolescente, Harry Potter, e seus companheiros de aventuras, em busca de, nada mais, nada menos, do que a defesa deste mundo “contra as artes das trevas” espalhou por esse mesmo mundo-leitor mais de 400 milhões de exemplares. Sendo que, a seguidora maioria é composta pelo universo de devoradores literários jovens. Excepcionalmente, jovens! A esse respeito, indagamos: por que a escola perde a chance de se certificar de que a porta dos estudos literários se voltam para, no mínimo, dois lados? O mundo da vida ressalta a necessidade de pôr em prática as ideias... Aquelas dos sujeitos enfileirados, calmos, que sejam! Bakhtin fez-se Jano bifronte de suas ideias. Também os mastigadores leitores da nova literatura seriada o fazem, ou tentam, quando lhes é permitido em público, ainda que essa plateia seja seus colegas de turma e um audacioso professor que se disponibiliza a reconstruir a ponte, aquela que fora destruída quando, em determinado momento, os valores constituintes do apreço literário desse novo leitor fora esquecido. Esse leitor-falante agora se realiza em ato que é pensamento e conteúdo seus, de sua responsabilidade, carregado da materialização única que reflete e refrata seus conhecimentos acerca da criatura-livro de sua estima: sua linguagem. O que esses devoradores de personas literárias fazem senão construir representações dessas experiências saboreadas? A passos largos, esse aluno-leitor constrói uma espécie de moeda de troca, com essas representações. Assim, ele recebe do grande grupo o status de detentor do universo literário comum a todos os demais que dele compartilham. 136 Conhecer a obra de determinado autor, prová-la e provar-se nessa captura parece contar pontos em sua jornada identitária. Percebe-se, então, o nascimento de comunidades organizadas a partir do referencial literário, para fins que vão desde a discussão sobre o destino de destemidos semideuses até a simulação de uma luta com espadas forjadas no mais profundo poço flamejante da criatividade, como fazem os integrantes do CHB (Camp Half Blood), leitores-seguidores da saga Pearce Jackson, para citar uma das comunidades existentes na cidade. Grupos que, apesar da escola ─ leia-se: aquele estudo de literatura que desconsidera o aluno-leitor, tratado há pouco neste fazer científico ─ são incentivadores das ações de ler e escrever, alimentando-se das tramas tecidas com elementos tão clássicos, à espera, talvez, que essa mesma escola lhes aponte uma possibilidade que sirva de diálogo entre as duas esferas, da cultura e da vida. Ademais, onde os recontos de suas experiências com a literatura de sua preferência sobrevivem? Tantas vezes, em “quartos fechados” na rede mundial de computadores, por meio de blogs, fanfictions, redes sociais: movimento claro, convencionado, naquela mesma seção sobre interação, como atividade mental do eu e atividade mental do nós. Como a atividade mental do eu perde sua modelagem ideológica e, por conseguinte, sua consciência, é a atividade mental do nós que “permite diferentes graus e diferentes modelagens ideológicas”. Esse trabalho febril de sua própria criação, ainda que apropriado da criação alheia, dependendo do contexto social no qual se desenvolveu o enlace entre a obra e o dedicado leitor, estampará em narrativas contínuas, crônicas, poemas, artigos, frases curtas, de coloração específica e forma de enunciação de contornos definidos pela situação. Nas comunidades atuais como o CHB, já mencionado, os sujeitos que as constituem experimentam a literatura junto ao outro, em um movimento que recupera o contexto entre falante e ouvinte, os quais invertem as posições, essencialmente, porque esses são do mundo; sujeitos que só se constituem sujeitos com o outro. Eles também estão nas escolas, sentados em bancos escolares, prontos a pôr em prática as suas ideias, que talvez até os levem a provar singularmente uma Capitu machadiana, deslumbrante de olhos ressacados e dissimulados, um Brás autor-defunto, defunto-autor, morto, acompanhado ao seu último território por onze questionáveis amigos... Quem poderá dizer que não?!?!?! A esse respeito, o que podemos dizer é que esse movimento contínuo de conhecimento alheio pode ser propiciado, ou iniciado, pelo Professor-Jano, desses que, pode até ser o detentor da chave que abre a porta, mas pode muito bem convidar esse leitor-aluno a girá-la dentro da fechadura, para definir-se proprietário de si e do mundo literário que o cerca 137 também. Aberta a passagem, sabe-se lá com o que tenhamos a ousadia em lidar. Fechada, jamais saberemos. 6.1 ESPÉCIE DE EPÍLOGO CLARAMENTE ALUSIVO AO FUTURO “Bem, se você ficar só ouvindo, sem falar tanto, vou lhe contar as minhas ideias sobre a Casa do Espelho” (CARROL, 2009, p. 164). Emprestado ouvido atento, quem sabe, exausto leitor, certamente, leitor amigo, percebeste quantas casas são possíveis. Não confere a nós a participação nas tuas próximas aventuras em terras férteis, cujas sementes crescidas possam revelar folhas incontáveis que versem sobre comunidades e leitores ávidos por romperem fronteiras. Todavia, se nos permitir ao menos uma experiência nova juntos, poderemos mostrar que além do espelho nem tudo é reflexo distorcido: outras semelhantes comunas literárias podem existir, ou nascer. Reunidos, descobriremos outros incontáveis sujeitos de identidades múltiplas, todos organizados em escolas, parques, quartos fechados, redutos os mais distintos. Em comum, a literatura que os convidará a ultrapassar, saltar, ou romper as fronteiras. Encastelados ou não, edificarão propostas de comunidades ora refletidas, ora refratadas, pois espelhos e portas, terras férteis e seres mitológicos, escritores, doces e beijos, muitos beijos estarão sempre ao alcance dos que ousarem ler. Assombrados pelas identidades dos sujeitos leitores, não mais estaremos. São-nos conhecidas, assumem formas, são adaptáveis. Quanto às crises que possam fazê-las serpentear, também se constituem de múltiplas faces. Nada que já não habitasse naquelas casas-comunidades primeiras. Para essa possível jornada, sugiro novas lentes. Esperemos que até mesmo a noite esteja mais clara, para que possamos enxergar melhor casas, sujeitos e identidades. Quem sabe a lua de Quintana nos presenteie com novo espírito, tão iluminado quanto. Duas casas, iguais em dignidade... 138 REFERÊNCIAS AGUIAR, Jacqueline Gomes de. Identidades juvenis na cultura da convergência: um estudo a partir do fandom online de Jogos Vorazes. 2016. 172f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2016. ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Paulus, 2002. (Coleção Nossa Literatura). BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. Introdução e tradução de Paulo Bezerra. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BAKHTIN, Mikhail. Teoria do Romance I: A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2015. BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedeto Vecchi. 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PARTE 1 Nº ________ NOME: Arthur Vinicius Fonseca Valério CODINOME: Arth Ano de nascimento: 22/12/1999 Endereço: Rua José Firmino dos Santos, Capim Macio. Grau de escolaridade do entrevistado: Ensino Medio. Escola: Facex Série: 2º ano Turno: Matutino Grau de escolaridade dos pais: (Mãe) Ensino médio completo. (Pai) curso Superior. Possui computador? Sim ( X ); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim ( X ), Quais? ( Facebook, Whatsapp, Tumblr etc... ); Não ( ), Por quê? _______________ PARTE 2 A respeito da estrutura do Camp Half Blood... Todas as questões dizem respeito ao CHB, aqui tratado como grupo, ou comunidade. 1. Como você conheceu essa comunidade? Através do meu irmão no qual tinha amigos que participavam. 2. Por qual (is) motivo (s), inicialmente, decidiu participar? Devido ao fato que eu era uma pessoa muito reclusa, mal saia de casa e não tinha muitos amigos próximos. 3. Por qual (is) motivo (s) decidiu continuar como membro? Por causa das grandes amizades que fiz lá, que me permitiram amadurecer como pessoa e me soltar mais, ser mais espontâneo. 4. Qual a origem do nome CHB? Foi inspirado em um lugar Fictício das series de livros de Rick Riordan, onde o CHB (Camp halfblood) Era um acampamento para jovens semideuses gregos. 5. Qual sua função no grupo? Antigamente eu era um membro bastante ativo, me tornei conselheiro-chefe do Chalé #11 – do deus grego Hermes, eu praticamente tinha a função de acolher os novatos que ainda não se identificaram com algum deus da mitologia e botar os meus “irmãos” de chalé na linha. 6. Como foi a escolha de seu nome para essa função: por sugestão, eleição, de outra forma? A antiga conselheira passou o cargo para mim, pós não estava conseguindo dar conta de administrar o grupo e sua vida pessoal. 7. Qual a estrutura administrativo-organizacional do CHB? Bem, há os Administradores, aqueles que organizam os encontros, gincanas e eventos, e a linha mais baixa, os conselheiros (no caso eu) que colocam ordem nos seus irmãos. 8. Existem regras a serem obedecidas para a participação nos encontros do grupo? No começo não, por ainda ser pequeno era mais fácil de controlar, as regras foram aparecendo com o passar do tempo e o aumento da popularidade do grupo. 9. Se houver, lembra-se de alguma que possa ser escrita agora? Creio que uma das principais regras era evitar discussões agressivas, o que era bem frequente devido a divergência de alguns campistas. 10. Descreva o que sabe a respeito da manutenção dos projetos do grupo. Como são financiadas as ações? Geralmente vinha de uma contribuição dos membros dando algo próximo de 2 reais, que seriam usados para financiar gincanas e sorteios. 11. Quantos membros, em média, participam dos encontros? 146 Em torno de 3 a 4 dezenas. 12. Existe um cadastro dos participantes? Por quê? Não, pós é difícil de controlar quem entra e sai, geralmente as pessoas tem que se apresentar no grupo do facebook e então chamariam o conselheiro chefe do chalé no qual a pessoa mais se identificava para acolher e explicar o funcionamento da comunidade. Assinatura do participante: _______________________________________________________ Contato: nisinho.arte@hotmail.com / 84 998439265 147 INFORMANTE ANA FLÁVIA 148 INFORMANTE ANA FLÁVIA 149 INFORMANTE ANGELA QUESTIONÁRIO 1 (Destinado aos que participam (ou participaram), como membros, ou visitantes, nos encontros do CHB.) PARTE 1 Nº ________ NOME: Ângela Franca de Abreu CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): Alice Walker Ano de nascimento: 2000 Endereço: Rua: Estudante Gustavo Enrique Romano, N° da casa: 13, Bairro: Lagoa Nova -> Conjunto: Potilândia. Grau de escolaridade do entrevistado: Cursando o Ensino Médio. Escola: Professor Francisco Ivo Cavalcante Série: 2ºC Turno: Matutino Grau de escolaridade dos pais: (Mãe) Pós graduada (Pai) Graduado Possui computador? Sim (X); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim (X), Quais? (WhatsApp, Facebook, mesmo não gostando muito de usar...); Não ( ), Por quê? _______________ PARTE 2 1. Qual(is) gênero(s) e tema(s) circula(m) em casa: (X) Literário (romances, contos, poemas, crônicas...) (X) Quadrinístico (história em quadrinhos, tiras, mangás...) (X) Religioso (X) Jornalístico (em jornais, revistas...) (X) Técnico / Profissionalizante 2. Conte-nos: quando começou a ler, de que forma, se houve incentivo, por parte de quem, quais os textos que, em sua memória, remetem a esse início como leitor. Comecei a ler desde de muito nova, houve muito incentivo dentro de casa e na escola, oque ajudou bastante, pelos meus pais e irmão mais velho e as minhas professoras na época, A História do “A” de Ziraldo, Volta ao Parque em 80 Minutos da Turma da Mônica, as histórias em quadrinho do Batman, Mafalda, Luluzinha, Tio Patinhas, Calvin e Haroldo, livrinhos de histórias das princesas da Disney, O Reino das Águas Claras de Monteiro Lobato, Lendas Brasileiras para Jovens de Câmara Cascudo, entre outros. 3. Como definiria sua relação com a leitura, hoje: pode-se dizer constante (mensal, quinzenal, por obrigação, por prazer...)? Constante com certeza, por prazer, obrigação, curiosidade, nostalgia, com uma novidade ou algo que já sabia. 4. O que você lê com regularidade? Mangás, Fanfics, críticas de cinema, artigos sobre jogos, cultura japonesa, coreana e chinesa, quadrinhos americanos e europeus, Light Novels, artigos sobre música japonesa, francesa, americana, inglesa, chinesa, coreana, entre outros. 5. Como definiria sua relação e o que costuma ler, ou assistir, relativo: a. Ao cinema: Frequente b. Aos quadrinhos: Todo o tempo, toda hora, minuto, segundo. c. Às séries, minisséries: Frequente. 6. É autor(a), coautor(a), criador(a), participante ou admirador(a) de web-serie, fanfiction, blog, ou qualquer outro tipo de portal midiático-eletrônico? Qual(is)? Sim, Creppypasta Brasil. 150 PARTE 3 7. Participa de alguma comunidade de leitores, fã-clube, grupo de leitores? Qual(is)? Sim, Fã clube de D.Gray-Man, Fã clube de Kaori Yuki, Always, Comunidade de Leitores, CHB, T&D, Fandoms de Homestuck, D.Gray-Man, Fairy Tail, One Piece, Diabolik Lovers, Uta No Prince- sama. 8. Você é leitor da Saga Pearce Jackson? (X) Sim – O que determinou sua decisão por ser leitor dessa saga? A paixão que tenho pela mitologia grega e a curiosidade de vê-la por um lado para tens. ( ) Não – Qual motivo o impediu? 9. Defina o CHB para você. Desorganizado, zueiro, engraçado, reconfortante, acolhedor, instigante. Assinatura do participante: Ângela França de Abreu Contato: 991116140. 151 INFORMANTE ANGELA QUESTIONÁRIO 4 Destinado aos que participam (ou participaram), como membros, ou visitantes, nos encontros do CHB (Camp Half Blood) ou T&D (Tributos e Divergentes/RN). PARTE 1 Nº ________ NOME: Ângela França de Abreu CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): Alice12 PARTE 2 1. DISCORRA (expresse suas ideias, conhecimentos e experiências) A RESPEITO DE: a. SUA RELAÇÃO COM A LEITURA... A minha relação com a leitura começa não nos livros mas com os quadrinhos, Mafalda, Turma da Mônica, Luluzinha, Calvin e Haroldo, Batman, foram as minhas primeiras experiências com leitura, daí veio o meu contato com os poemas e cordéis, e finalmente os mitos aos quais sempre fui fascinada, os gregos principalmente, tais como o mito de Hades e Persefone, o mito de Narciso, o mito da Medusa, as Plêiades, Os Doze Trabalhos de Hércules, A Queda dos Titãs, Orfeu, entre muitos outros. Quando tinha uns sete para oito anos me apaixonei a primeira vista por Alice no País das Maravilhas, na qual é minha obra predileta, em todos os sentidos, cada virgula, cada palavra e expressão desse pico psicodélico da literatura. b. SUA RELAÇÃO COM O MUNDO POLÍTICO-SOCIAL QUE O CERCA... Imagino que se eu não tivesse lido o tanto que li talvez não entendesse o contexto sócio-político e econômico na qual o país que vivo está a passar por séculos, mas especificamente nos dias atuais, a leitura de Mafalda, uma leitura crítica em relação a sociedade em geral por exemplo me ajuda-se a entender a conjuntura “atual” do país. Uma simples história em quadrinhos dita por muitos ser infantil faz-se esclarecer o mundo a minha volta. c. SUA POSTURA DIANTE DA DIVERSIDADE CULTURAL (de gênero, de leitores, de raça, de credo...) A cada ano vemos mais exemplos da diversidade cultural tomando conta do mundo pop, da literatura em geral, de costumes, pois com a globalização tudo estando a porta o tempo todo se tornou mais fácil o contato com as outras culturas, assim mostrando outras formas de ver e ouvir as coisas. Novas formas de se conceber uma ideia a muitos anos vista como lei acaba por voltar a ser teoria ou até mesmo uma ficção, tudo isso envolto na diversificação cultural, na globalização. 2. ALGUMA VEZ PASSOU POR CONSTRANGIMENTO, OU PRECONCEITO POR PARTICIPAR DE ENCONTROS DE LEITORES, OU AINDA POR ADERIR À LINGUAGEM, ÀS PRÁTICAS DE LEITURA, À MANEIRA DE SE VESTIR E DE AGIR, ENQUANTO MEMBRO DE COMUNIDADES COMO O CHB E T&D? LEMBRE-SE DE, AQUI, TAMBÉM DISCORRER (expressar suas ideias, conhecimentos e experiências). Sim, muitas vezes por sinal, quando mais nova me viam de todas as formas possíveis menos humana por gostar de Harry Potter, minha turma na época na conhecia, não entendia, e me julgava por fazê- los. Assinatura do participante: Ângela França de Abreu. Contato: 99111-6140. 152 INFORMANTE ANGELA 153 INFORMANTE ANTONIO 154 INFORMANTE ANTONIO 155 INFORMANTE ATYSON QUESTIONÁRIO 1 (Destinado aos que participam (ou participaram), como membros, ou visitantes, nos encontros do CHB.) PARTE 1 Nº ________ NOME: Atyson Jaime De Sousa Martins. CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): As pessoas do chalé me chamam de Aty. Ano de nascimento: 05/12/1997 Endereço: Rua Clementino Faria, 2131 Grau de escolaridade do entrevistado: Cursando Bacharelado Ciências e Tecnologia (CeT - 2º semestre) na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Escola: ______________________________________________________________________ Série: ________________ Turno: Noturno Grau de escolaridade dos pais: (Mãe) Por graduação (Pai) Ensino médio completo Possui computador? Sim ( X ); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim ( X ), Quais? ( Facebook ); Não ( ), Por quê? _______________ PARTE 2 1. Qual(is) gênero(s) e tema(s) circula(m) em casa: ( X ) Literário (romances, contos, poemas, crônicas...) ( X ) Quadrinístico (história em quadrinhos, tiras, mangás...) ( ) Religioso ( ) Jornalístico (em jornais, revistas...) ( ) Técnico / Profissionalizante 2. Conte-nos: quando começou a ler, de que forma, se houve incentivo, por parte de quem, quais os textos que, em sua memória, remetem a esse início como leitor. Quando comecei a ler livro, fui incentivado por parte da minha mãe, ela que já tinha lido Percy Jeckson, 50 tons de cinza entre vários outros, desse modo pude além de me aproximar mais da minha mãe, entrar no mundo dos livros. Além disso, pude conhecer pessoas novas, me enturma mais, ter mais assuntos para falar. Se eu me recordo bem, o primeiro livro que lê, foi da saga The Walking Dead, já que eu sou muito fá da série, não pude deixar de ler, logo depois veio a saga Rengers, Percy Jeckson entre outras mais. 3. Como definiria sua relação com a leitura, hoje: pode-se dizer constante (mensal, quinzenal, por obrigação, por prazer...)? Devido a universidade e a procura por trabalho, deixei um pouco de lado a leitura, agora raramente estou lendo algo. Mas, sempre lê por prazer, viajar nas histórias é o que eu mais gosto. 4. O que você lê com regularidade? O que eu mais leio hoje em dia, são artigos sobre jogos que vão lançar, ou muitas vezes sobre assunto envolvendo series. Em relação a livro, estou tentando terminar a série Rengers, esse no qual, já estou no 7º livro. 156 5. Como definiria sua relação e o que costuma ler, ou assistir, relativo: a. Ao cinema b. Aos quadrinhos c. Às séries, minisséries Em relação aos cinema, não digo que exista uma relação muito forte com o que eu goste ler, pois, no cinema prefiro ver um de terro, ou uma comedia, já nos livros gosto mais de uma aventura envolvendo o passado, onde eu posso voltar para aquela época e me sentir na história, Em relação aos quadrinhos e as series, já tem mais haver com o que eu gosto de ler, pois por meio das series ou quadrinhos fico sabendo do livro e vou atrás para ler, para saber se é igual ou se mudaram algo no enredo da história. 6. É autor(a), coautor(a), criador(a), participante ou admirador(a) de web-serie, fanfiction, blog, ou qualquer outro tipo de portal midiático-eletrônico? Qual(is)? Não possuo um autor favorito em relação aos livros ou ao que eu leio, sempre procuro uma história que eu consiga me envolver independente do autor que escreveu o livro. PARTE 3 7. Participa de alguma comunidade de leitores, fã-clube, grupo de leitores? Qual(is)? Sim, atualmente participo do acampamento meio sangue ou como costumam dizer Camp Halfblood (CHB), no qual estou no Chalé 3, mais precisamente o de Poseidon. 8. Você é leitor da Saga Pearce Jackson? ( X ) Sim - O que determinou sua decisão por ser leitor dessa saga? Primeiramente, por parta da minha mãe, que já tinha lido e depois por eu ter conhecido a comunidade, me interessou mais ainda ler. ( ) Não – Qual motivo o impediu? __________________________________________________________________________ 9. Defina o CHB para você. O CHB primeiramente e sinônimo de Família para mim, nos encontros conversamos, brincávamos, discutíamos e muitas outras coisas. Além disso, me ensino a respeitas as outras opções sexuais, e de que todos somos iguais de baixo da pele, somos de osso e carne independente da nossa escolha. É uma comunidade, no qual o novato sempre e recebido de braços apertos, com muitas perguntar, isso nunca falto. Sinto saudades da época dos encontros, dos risos que me fizeram muitas vezes rir. CHB para mim é uma família que irei carregar para sempre no peito. Assinatura do participante: Atyson Jaime De Sousa Martins Contato: (84) 99626-7780 / atysonjaime@gmail.com 157 INFORMANTE EMANOEL 158 INFORMANTE EMANOEL 159 INFORMANTE HUDSON UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM – PPGeL MESTRADO – LINHA DE ESTUDO: PRÁTICAS DISCURSIVAS IDENTIDADE DO LEITOR DE LITERATURA SERIADA (SAGAS) MEMBRO DE COMUNIDADE DE LEITORES: UMA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA SEM FRONTEIRAS? ROSÂNGELA FRANÇA DE MELO Projeto de pós-graduação na modalidade Mestrado, determinado pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), com o objetivo de desenvolver uma pesquisa na linha Estudos de Práticas Discursivas, ao longo do curso de mestrado. Orientador ª: Profa. Dra. Maria da Penha C. Alves Observações Importantes 1. Você está prestes a preencher um questionário de ordem pessoal, cujas respostas serão utilizadas, pelo pesquisador, na intenção de construir uma dissertação de caráter científico. Para tanto, precisa declarar serem legítimas e verdadeiras as respostas aqui transcritas. A assinatura consta na parte final, sem a qual, o presente documento não será validado. a. Seguem autorizações prévias para o(a) entrevistado(a) e para um dos responsáveis legais do(a) entrevistado(a), as quais devem ser devidamente preenchidas e assinadas. 2. Utilize o espaço que desejar para responder às questões propostas. As linhas são de ordem organizacional. Podendo, portanto, ter o número reduzido (ou ampliado), conforme desejo do respondente. QUESTIONÁRIO 1 (Destinado aos que participam (ou participaram), como membros, ou visitantes, nos encontros do CHB.) PARTE 1 Nº ________ NOME: Hudson Donovan Lima da Silva CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): Donovan Di Angelo Ano de nascimento: 1996 Endereço:Rua Professora Ivonete maciel ____________________________________________________________________ Grau de escolaridade do entrevistado: Ensino médio completo ______________________________________________ Escola: Francisco Ivo Cavalcanti ______________________________________________________________________ Série:3° ________________ Turno:Matutino _____________________ Grau de escolaridade dos pais: (Mãe)ensino médio incompleto ______________________(Pai)ensino médio incompleto ____________________ Possui computador? Sim ( X ); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim ( X ), Quais? ( Facebook, whatsapp ); Não ( ), Por quê? Facilidade na comunicação_______________ PARTE 2 1. Qual(is) gênero(s) e tema(s) circula(m) em casa: ( X ) Literário (romances, contos, poemas, crônicas...) ( X ) Quadrinístico (história em quadrinhos, tiras, mangás...) ( ) Religioso ( ) Jornalístico (em jornais, revistas...) ( ) Técnico / Profissionalizante 2. Conte-nos: quando começou a ler, de que forma, se houve incentivo, por parte de quem, quais os textos que, em sua memória, remetem a esse início como leitor. Comecei a ler os gibis da turma da mônica com 8/9 anos, continuei com a Bíblia, e mais tarde conheci as sagas. _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ ________________________________ 3. Como definiria sua relação com a leitura, hoje: pode-se dizer constante (mensal, quinzenal, por obrigação, por 160 prazer...)? Leio todos os dias, pois eh um prazer e meu passa tempo favorito. _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ ________________________________ 4. O que você lê com regularidade? Quadrinhos, sagas, romances e a bíblia. 5. Como definiria sua relação e o que costuma ler, ou assistir, relativo: a. Ao cinema :Sou apaixonado, principalmente adaptações de livros. b. Aos quadrinhos : Sou viciado, leio sempre que posso. c. Às séries, minisséries : Vejo várias, com bastante frequência. 6. É autor(a), coautor(a), criador(a), participante ou admirador(a) de web-serie, fanfiction, blog, ou qualquer outro tipo de portal midiático-eletrônico? Qual(is)? Já escrevi algumas fanfics, e já participei de um blog de poesias. PARTE 3 7. Participa de alguma comunidade de leitores, fã-clube, grupo de leitores? Qual(is)? Sou ADM do CHB , que são fãs dos livros de Percy jackson, e do T&D, que já foi o "Tributos e divergentes", mas hoje são "Trilogias e distopias".________________________________________________________________________ 8. Você é leitor da Saga Pearce Jackson? ( X ) Sim - O que determinou sua decisão por ser leitor dessa saga? Sou apaixonado por mitologia grega, e ela tem uma ligação fascinante com a atualidade.__________________________________________________________________________ ( ) Não – Qual motivo o impediu? __________________________________________________________________________ 9. Defina o CHB para você. Pra mim é um lar, onde me sinto confortável em estar com pessoas que gostam das mesmas coisas, pensam da mesma forma, e me entendem. Procurei por muito tempo, até encontrar essa comunidade. Assinatura do participante:Hudson Donovan Lima da Silva _______________________________________________________ Contato:996877761 ______________________________________________________________________ 161 INFORMANTE ISAURA QUESTIONÁRIO 1 Destinado aos que participam (ou participaram), como membros, ou visitantes, nos encontros do CHB. PARTE 1 Nº ________ NOME: Isaura Beatriz Souza de Azevedo CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): Biazinha Ano de nascimento: 1994 Endereço: Rua Altaneira, n 2682 Panatis III – Potengi – Natal/RN Grau de escolaridade do entrevistado: Graduanda - Ensino superior Escola: Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Série: 7° período Turno: Mat/Vesp Grau de escolaridade dos pais: (Mãe) Ensino fundamental completo (Pai) Ensino médio completo Possui computador? Sim ( x ); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim ( x ), Quais? ( Facebook, instagram, twitter ); Não ( ), Por quê? _______________ PARTE 2 1. Qual(is) gênero(s) e tema(s) circula(m) em casa: ( x ) Literário (romances, contos, poemas, crônicas...) ( x ) Quadrinístico (história em quadrinhos, tiras, mangás...) ( ) Religioso ( ) Jornalístico (em jornais, revistas...) ( x ) Técnico / Profissionalizante 2. Conte-nos: quando começou a ler, de que forma, se houve incentivo, por parte de quem, quais os textos que, em sua memória, remetem a esse início como leitor. Foi incentivo da minha mãe. Ela sempre sentava comigo para me auxiliar no aprendizado. Como eu era muito doente, ela sempre me presenteava com quadrinhos a cada vez que me levava a uma consulta, e eu lia na sala de espera. A leitura me fazia esquecer um pouco os problemas de saúde. 3. Como definiria sua relação com a leitura, hoje: pode-se dizer constante (mensal, quinzenal, por obrigação, por prazer...)? Hoje as leituras são em maior parte por obrigação, para estudo e pesquisa. Porem nas férias leio aventuras e romances o máximo que posso, sempre é a melhor parte de minhas férias. 4. O que você lê com regularidade? Tirinhas da internet. 5. Como definiria sua relação e o que costuma ler, ou assistir, relativo: a. Ao cinema: Sempre que posso. Gosto muito! b. Aos quadrinhos: Ultimamente tem sido muito difícil, mas quando consigo ler é sempre uma satisfação. c. Às séries, minisséries: É o que mais vejo nos dias atuais. Sempre tiro um tempinho para um episódio antes de dormir. 6. É autor(a), coautor(a), criador(a), participante ou admirador(a) de web-serie, fanfiction, blog, ou qualquer outro tipo de portal midiático-eletrônico? Qual(is)? 162 Estou participando de um projeto de web-serie que ainda está em processo de criação: Incorrigíveis. PARTE 3 7. Participa de alguma comunidade de leitores, fã-clube, grupo de leitores? Qual(is)? Sim! O CHB. Acampamento meio-sangue aqui de Natal. 8. Você é leitor da Saga Pearce Jackson? ( x ) Sim - O que determinou sua decisão por ser leitor dessa saga? A indicação de uma amiga ( ) Não – Qual motivo o impediu? __________________________________________________________________________ 9. Defina o CHB para você. Uma comunidade que virou família. Nos encontros fiz amigos que levarei para a vida inteira, e pude aprender e perpetuar cada vez mais o amor pela saga. Assinatura do participante: Isaura Beatriz Souza de Azevedo Contato: (84) 991777748 PARTE 2 1. Qual(is) gênero(s) e tema(s) circula(m) em casa: ( x ) Literário (romances, contos, poemas, crônicas...) ( x ) Quadrinístico (história em quadrinhos, tiras, mangás...) ( ) Religioso ( ) Jornalístico (em jornais, revistas...) ( ) Técnico / Profissionalizante 2. Conte-nos: quando começou a ler, de que forma, se houve incentivo, por parte de quem, quais os textos que, em sua memória, remetem a esse início como leitor. Meu início como leitora se deu através de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, por incentivo da minha mãe. Passei por alguns problemas de saúde, então não podia brincar como uma criança comum. Como alternativa para diversão, minha mãe me apresentou os quadrinhos, e isso despertou meu gosto pela leitura. 3. Como definiria sua relação com a leitura, hoje: pode-se dizer constante (mensal, quinzenal, por obrigação, por prazer...)? 4. Confesso que grande parte se da por obrigação, devida à intensidade de atividades da universidade. Para mim, ler para estudo não trás prazer como histórias, sem obrigação, ou pressão. Felizmente, nos momentos de folga tenho a oportunidade de ler prazerosamente. 5. O que você lê com regularidade? 163 Textos acadêmicos e Livros de aventura. 6. Como definiria sua relação e o que costuma ler, ou assistir, relativo: a. Ao cinema Sou apaixonada por cinema, tanto como telespectadora como atuante. Não gosto muito de adaptações de livros no cinema, pois muito se perde da história, e acaba, muitas vezes, desinteressando pessoas que pretendiam ler os livros. Sou fascinada por comédias românticas, e pretendo escrever algo relacionado um dia. b. Aos quadrinhos Quadrinhos foram minha primeira experiência de leitura, então tenho um carinho especial. Hoje em dia além de ler, faço também roteiro e ilustração de alguns quadrinhos. c. Às séries, minisséries Sou uma verdadeira maníaca por séries, tanto de TV como de Livros. Meu gosto varia entre Aventura, romance e comédia. Acredito que sempre há mais coisas a se contar, sempre existem detalhes preciosos entre o começo e o fim, então as séries fazem esse trabalho com maestria. 7. É autor(a), coautor(a), criador(a), participante ou admirador(a) de web-serie, fanfiction, blog, ou qualquer outro tipo de portal midiático-eletrônico? Qual(is)? Já tive um blog, e tenho um espaço em um site chamado recantodasletras.com.br. La eu costumava publicar poesias e letras de músicas de minha autoria. Atualmente estou fazendo parte de um projeto para uma web-serie, onde atuarei. PARTE 3 8. Participa de alguma comunidade de leitores, fã-clube, grupo de leitores? Qual(is)? Não estou atuante no momento, mas participei do CHB – RN por muito tempo. Entrei bem no inicio, quando era apenas um grupo no facebook para reunir fãs, e aos poucos foi se tornando um grande evento de reunião de leitores. Nesse tempo de participação fui eleita “Conselheira do chalé 10”, o que, de acordo com a saga de Percy Jackson, seria a líder do grupo de “Filhos de Afrodite”. 9. Você é leitor da Saga Pearce Jackson? ( x ) Sim - O que determinou sua decisão por ser leitor dessa saga? Após o fim de Harry Potter, eu não acreditava que poderia existir outra saga que fosse me encantar, e me trazer sensações como o livros de J. K. Rowling traziam. Então passei um tempo deprimida sem vontade de ler outras coisas. Uma amiga, muito fã da saga, indicou e me emprestou os livros de Percy. Fiquei emocionalmente envolvida com os personagens já de cara, e em poucos dias li toda a saga. ______________ ( ) Não – Qual motivo o impediu? __________________________________________________________________________ 10. Defina o CHB para você. Para mim o CHB inicialmente era uma oportunidade me adentrar a um mundo que existia apenas naquelas páginas, hoje para mim é uma família. Nós não só conseguimos trazer para a nossa realidade as vivencias da série, mas também fizemos grandes amigos. Compartilhamos angustias emoções, e descobertas em cada livro. Nos tornamos uma comunidade unida pelo amor à leitura e o que ela pode nos proporcionar. O CHB foi um presente, uma forma de encontrar dentro de cada um de nós coisas que nem sabíamos que existia, algo que, quando em jogos, vivíamos experiências de personagens que falavam tanto de nós e naquele instante percebíamos. Provamos que as histórias não são um pedaço de 164 papel. Elas vivem!! Elas são capazes de transportar, guiar, ensinar, sonhar e principalmente unir, sejam pessoas até pensamentos ou convicções. Assinatura do participante: Isaura Beatriz Souza de Azevedo Contato: (84) 91777748 / 96915751 – Bazvedo@hotmail.com QUESTIONÁRIO 2 (Destinado aos que administram (ou administraram) e coordenam (ou coordenaram) ações e/ou funções no CHB.) PARTE 1 Nº ________ NOME: Isaura Beatriz Souza de Azevedo CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): Biazinha Ano de nascimento: 1994 Endereço: Rua Altaneira, n 2682 Panatis III – Potengi – Natal/RN Grau de escolaridade do entrevistado: Graduanda - Ensino superior Escola: Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Série: 7° período Turno: Mat/Vesp Grau de escolaridade dos pais: (Mãe) Ensino fundamental completo (Pai) Ensino médio completo Possui computador? Sim ( x ); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim ( x ), Quais? ( Facebook, instagram, twitter ); Não ( ), Por quê? _______________ PARTE 2 A respeito da estrutura do Camp Half Blood... Todas as questões dizem respeito ao CHB, aqui tratado como grupo, ou comunidade. 1. Como você conheceu essa comunidade? Através do Facebook. Me inseriram no grupo e lá iniciaram os combinados para os primeiros encontros. 2. Por qual (is) motivo (s), inicialmente, decidiu participar? Eu estava lendo a primeira saga e queria muito comentar sobre o livro com mais pessoas, e lá encontrei a oportunidade. 3. Por qual (is) motivo (s) decidiu continuar como membro? Eu amei o grupo e as pessoas inseridas. Me senti muito bem junto deles compartilhando o amor pela saga. 4. Qual a origem do nome CHB? Camp Half Blood, que significa Acampamento Meio Sangue, e é o nome dado na série ao acampamento para onde vão os semideuses. 5. Qual sua função no grupo? Conselheira do Chalé de Afrodite. 6. Como foi a escolha de seu nome para essa função: por sugestão, eleição, de outra forma? Os líderes me elegeram por ser a mais velha e por sempre ter iniciativa. 7. Qual a estrutura administrativo-organizacional do CHB? 165 Existem os organizadores e criadores, e para cada chalé, pertencente a um deus Grego, um conselheiro. 8. Existem regras a serem obedecidas para a participação nos encontros do grupo? Sim. 9. Se houver, lembra-se de alguma que possa ser escrita agora? Organização e respeito ao grupo e ao local do encontro. 10. Descreva o que sabe a respeito da manutenção dos projetos do grupo. Como são financiadas as ações? É tudo feito em conjunto. Todos colaboram com alguma doação, caso possam. 11. Quantos membros, em média, participam dos encontros? Em média 40, mas dependendo do encontro pode dar bem mais. 12. Existe um cadastro dos participantes? Por quê? Até onde sei não existe cadastro, mas existe uma organização de cada chalé. Cada conselheiro é responsável pelo grupo com participantes de seu deus. Assinatura do participante: Isaura Beatriz Souza de Azevedo Contato: (84) 991777748 166 INFORMANTE JARDESON 167 INFORMANTE JARDESON 168 INFORMANTE JOANA 169 INFORMANTE JOANA 170 INFORMANTE JOÃO BATISTA 171 INFORMANTE JOÃO BATISTA 172 INFORMANTE JOSÉ ALVES QUESTIONÁRIO 1 (Destinado aos que participam (ou participaram), como membros, ou visitantes, nos encontros do CHB.) PARTE 1 Nº ______ NOME: José Alves ____________________________________________________________________ CODINOME (é opcional, resguarda o nome do entrevistado na dissertação): _Ciclope02_________________________________________________________________________ __ Ano de nascimento: 1995_________ Endereço: Quintas____________________________________________________________________ Grau de escolaridade do entrevistado: Universitário_____________________________________________ Escola: UFRN______________________________________________________________________ Série: _------_______________ Turno: Manhã_____________________ Grau de escolaridade dos pais: (Mãe) Ensino médio completo_________________(Pai) 5 série ____________________ Possui computador? Sim ( x ); Não ( ). Tem acesso às redes sociais? Sim ( x ), Quais? ( ); Não ( ), Por quê? _______________ PARTE 2 1. Qual(is) gênero(s) e tema(s) circula(m) em casa: ( x ) Literário (romances, contos, poemas, crônicas...) ( x ) Quadrinístico (história em quadrinhos, tiras, mangás...) ( ) Religioso ( ) Jornalístico (em jornais, revistas...) ( ) Técnico / Profissionalizante 2. Conte-nos: quando começou a ler, de que forma, se houve incentivo, por parte de quem, quais os textos que, em sua memória, remetem a esse início como leitor. Na realidade, sempre gostei de ler, não me lembro de nenhum incentivo por parte da família ou amigos, mas eu não os culpo, viveram e ainda vivem uma realidade de acordar cedo trabalhar, e descansar pro próximo dia. Eu lia de tudo, desde gibis da Mônica, Ciência Hoje e até as revistas Veja que passavam por mim, minha sede por informações e histórias só aumentaram desde então. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 3. Como definiria sua relação com a leitura, hoje: pode-se dizer constante (mensal, quinzenal, por obrigação, por prazer...)? Constante, praticamente todos os dias, desde parte conteúdo passado em sala de aula na universidade (obrigatório) aos quadrinhos (por prazer). _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 4. O que você lê com regularidade? Quadrinhos. 5. Como definiria sua relação e o que costuma ler, ou assistir, relativo: a. Ao cinema: Geralmente uma vez por mês. 173 b. Aos quadrinhos: Quase que diariamente. c. Às séries, minisséries: Séries, praticamente todos os dias. 6. É autor(a), coautor(a), criador(a), participante ou admirador(a) de web-serie, fanfiction, blog, ou qualquer outro tipo de portal midiático-eletrônico? Qual(is)? Não. Mas tenho planos para a produção de uma história em quadrinhos, futuramente._____________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ PARTE 3 7. Participa de alguma comunidade de leitores, fã-clube, grupo de leitores? Qual(is)? Camp half-blood (ou só CHB, voltado aos fãs da saga Percy Jackson). _________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 8. Você é leitor da Saga Percy Jackson? ( ) Sim - O que determinou sua decisão por ser leitor dessa saga? Eu queria ler, e me emprestaram, cheguei a ler os 3 primeiros ainda, antes de descobrir Guerra dos tronos.._ _________________________________________________________________________ ( ) Não – Qual motivo o impediu? __________________________________________________________________________ 9. Defina o CHB para você. O CHB atualmente está parado devido a outras prioridades dos membros, mas de dois anos pra cá teve uma grande importância pra mim, ampliando meu conhecimento sobre mitologia e aumentando de uma maneira incrível meu círculo de amizades, com pessoas de diferentes gostos, costumes e ainda assim, mesmo com essa “parada”, as amizades continuam, nos shoppings, festas e até no ambiente acadêmico. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ Assinatura do participante: José Alves _______________________________________________________ Contato: alvesjuniorxd43@gmail.com ______________________________________________________________________ 174 INFORMANTE JOSICLEITON 175 INFORMANTE JOSICLEITON 176 INFORMANTE MARCIO VINICIUS 177 INFORMANTE MARCIO VINICIUS 178 INFORMANTE MIKAELA 179 INFORMANTE MIKAELA 180 INFORMANTE MIKAELA 181 INFORMANTE AMANDA 182 INFORMANTE AMANDA 183 INFORMANTE AMANDA