0 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ - CERES DEPARTAMENTO DE LETRAS DO CERES - DLC A ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA ANÁLISE DOS DESVIOS ORTOGRÁFICOS E SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO JAYANE DO NASCIMENTO SOUZA CURRAIS NOVOS/RN 2015 1 JAYANE DO NASCIMENTO SOUZA A ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA ANÁLISE DOS DESVIOS ORTOGRÁFICOS E SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras - PROFLETRAS - da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras, na área de Linguagens e Letramentos (Linha de Pesquisa em Teorias da Linguagem e Ensino – área de concentração em Linguística Aplicada). Orientadora: Profa. Dra. Maria Assunção Silva Medeiros CURRAIS NOVOS/RN 2015 2 A ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA ANÁLISE DOS DESVIOS ORTOGRÁFICOS E SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO JAYANE DO NASCIMENTO SOUZA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras - PROFLETRAS - da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras, na área de Linguagens e Letramentos (Linha de Pesquisa em Teorias da Linguagem e Ensino – área de concentração em Linguística Aplicada). Orientadora: Profa. Dra. Maria Assunção Silva Medeiros Aprovada em _____/_____/_____ ___________________________________________________________________ Prof. Dra. Maria Assunção Silva Medeiros Universidade Federal do Rio Grande do Norte Presidente – Orientadora _______________________________________________________________ Prof. Profª. Dra. Valdenides Dias Cabral Universidade Federal do Rio Grande do Norte Membro Interno _______________________________________________________________ Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes Universidade Estadual do Rio Grande do Norte Membro Externo __________________________________________________________________ Profª. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz Universidade Federal do Rio Grande do Norte Suplente interno __________________________________________________________________ Profª. Dra. Maria do Socorro Maia Fernanda Barbosa Universidade Potiguar Suplente externo 3 Aos meus pais, Francisco de Assis Souza e Juliêta Nêuza do Nascimento Souza, por todo amor, apoio, compreensão e por serem exemplos de pessoas boas, simples e justas. Ao Jardel, à Janyelli e à Sophia, por serem fonte de refúgio e por me fazerem enxergar a vida pela perspectiva do amor e da pureza. Aos meus queridos avós Antão (in memoriam) e Rita, por todo amor a mim dedicado. 4 AGRADECIMENTOS A Deus, fonte de todo saber e de toda graça, pelo dom da vida e pela presença constante em minha vida. Aos meus pais, pelo apoio, pelo companheirismo, pelas noites mal dormidas e por serem fiéis a Deus e a nossa família, cumprindo, com lealdade, o sacramento do matrimônio, oferecendo-me um lar santo, em que pude crescer feliz. Aos meus irmãos Diego e Jussier, pelo apoio constante e pela presença amiga. Aos meus amigos, por tornarem o meu caminho mais iluminado. À Secretaria Municipal de Educação de Ouro Branco pela licença concedida para a realização deste trabalho. À Profª. Dra. Maria Assunção Silva Medeiros, pelas orientações, pela amizade, paciência e pelos conhecimentos compartilhados. À UFRN, minha segunda casa, por me abrir as portas do saber, oferecendo-me um novo olhar sobre o mundo e contribuindo para meu amadurecimento como ser humano, profissional e cidadã. Ao Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) pela oportunidade de aperfeiçoamento profissional dada a cada um de nós professores. À Capes pela bolsa concedida durante esses dois anos de curso. À colega do tempo de Graduação, Laiane Ramos de Medeiros, por estar sempre presente em minha memória e no meu coração. E a todos os professores que contribuíram para minha formação escolar e acadêmica, em especial a todos os meus professores da graduação e do mestrado. Tenho um enorme carinho por cada um de vocês. 5 Toda e qualquer prática social de leitura e escrita faz parte da nossa capacidade para expressarmos e compreendermos sentimentos, opiniões, críticas e tudo que se encontra a nossa volta. Tudo isso é linguagem, mas como entendê-la e praticá- la? Não há receita imediata, o primeiro passo é despertar a curiosidade e o gosto pelos sentidos que os signos linguísticos verbais e não verbais nos mostram [...]. MEDEIROS, M. A. S (2014) 6 RESUMO Esse trabalho apresenta uma reflexão sobre a língua escrita, uma prática social que cada vez mais se fortalece no cotidiano das pessoas. Desvelar sua natureza, organização e função deve ser o primeiro passo para os professores mudarem de postura diante do ensino dessa modalidade linguística, ajudando os alunos a utilizá-la de forma mais eficaz e segura. Dessa forma, a presente dissertação busca compreender, à luz de teorias linguísticas contemporâneas, os fatores que influenciam os desvios de escrita encontrados nas produções textuais de alunos do 8° ano do Ensino Fundamental II, matriculados numa Escola Pública do Rio Grande do Norte, considerando que esses desvios revelam o início da aprendizagem dessa ferramenta de comunicação, representando as primeiras hipóteses levantadas pelos alunos para dominá-la. Para a análise dos dados foram utilizados os trabalhos desenvolvidos por Lemle (1995), Cagliari (2009), Carraher (1985), Zorzi (1998), Guimarães (2005), Monteiro (2008), Veçossi (2010), entre outros, a partir dos quais, a produção científica sobre aprendizagem da leitura e da escrita vem se desenvolvendo. Os resultados dessa análise mostraram que os desvios de escrita, presentes nos textos dos alunos, são motivados, não só por desconhecimento da norma ortográfica da Língua Portuguesa, mas, também, decorrem de fatores fonéticos, fonológicos e gramaticais. Como forma de suprir essas dificuldades, buscou-se apresentar algumas estratégias de ensino- aprendizagem da escrita que possam levar os discentes a refletir sobre o uso da mesma, desenvolvendo essa habilidade de forma mais crítica e criativa. Acredita-se que as estratégias apresentadas possam minimizar a escrita com desvios ortográficos ou variação linguística, praticada pelos alunos. Palavras-chave: Desvios de escrita. Ortografia. Estratégias de ensino. Alunos. 7 ABSTRACT This paper presents a reflection on the written language, a social practice that is increasingly strengthened in everyday life. Unveiling its nature, organization and function must be the first step for teachers to change their posture towards the teaching of this linguistic mode, helping students use it more effectively and securely. Therefore, this dissertation seeks to understand on the light of contemporary linguistic theories, the factors that influence the writing deviations were found in the text production of students of the 8th grade of elementary school II, enrolled in a public school in Rio Grande do Norte, whereas those deviations reveal the beginning of learning of this communication tool, representing the first hypotheses raised by students to dominate it. To analyze the data we used the works done by Lemle (1995), Cagliari (2009), Carraher (1985), Zorzi (1998), Guimarães (2005), Miller (2008), Veçossi (2010), among others, starting from of which, the scientific production on reading and writing learning come developing. The results of this analysis showed that the writing deviations present in the texts of the students are motivated not only by lack of knowledge of standard orthographic of the Portuguese language, but, also, stem from phonetic, phonological and grammatical factors. Thus, we seek to present new teaching and learning strategies of writing that might lead students to reflect on the use of the same, developing this ability more critically and creatively. We believe that the activities presented can minimize writing with orthographic deviations or linguistic variation practiced by students. Keywords: Variances writin. Spelling. Teaching strategies. Students. 8 LISTA DE FIGURAS FIGURA 01 Escrita cuneiforme ............................................................................. 17 FIGURA 02 Escrita hieroglífica ............................................................................. 18 FIGURA 03 Alfabeto fenício .................................................................................. 19 FIGURA 04 Escrita pictográfica ............................................................................ 20 FIGURA 05 Escrita ideográfica ............................................................................. 20 FIGURA 06 Modelo de escrita silabária ................................................................. 21 FIGURA 07 Alfabeto português .............................................................................. 22 FIGURA 08 Testamento de Afonso II ....................................................................... 24 9 LISTA DE QUADROS QUADRO 01 Fonemas consonantais do português brasileiro ................................ 33 QUADRO 02 Encontros consonantais do português brasileiro ............................... 34 QUADRO 03 Molde silábico do Português Brasileiro .............................................. 35 QUADRO 04 Relações não-biunívocas (uma letra representando diferentes sons) ................................................................................................................... 40 QUADRO 05 Relações não-biunívocas (um som representado por diferentes letras de acordo com a posição em que se encontra) ............................................. 41 QUADRO 06 Relações de concorrência entre letras e fonemas ............................ 41 QUADRO 07 Casos de regularidades contextuais .................................................. 44 QUADRO 08 Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes em substantivos e adjetivos ......................................................................................... 45 QUADRO 09 Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes nas flexões verbais ....................................................................................................... 45 QUADRO 10 Principais trocas relacionadas ao traço sonoro ................................. 53 QUADRO 11 Substituições relacionadas ao traço sonoro ...................................... 56 QUADRO 12 Desvio devido à transcrição fonética ................................................. 58 QUADRO 13 Desvio por motivação fonológica ....................................................... 64 QUADRO 14 Desvios por supergeneralização ....................................................... 71 QUADRO 15 Desvios por desconhecimento das regras contextuais ..................... 73 QUADRO 16 Grafia do fonema /s/ .......................................................................... 75 QUADRO 17 Possíveis contextos para o uso do fonema /s/ .................................. 76 QUADRO 18 Grafia do fonema /ʃ/ ........................................................................... 78 QUADRO 19 Grafia do fonema /z/ .......................................................................... 78 QUADRO 20 Grafia do fonema /ʒ/ .......................................................................... 78 QUADRO 21 Omissão do „h‟ inicial ......................................................................... 79 QUADRO 22 Letras parecidas ................................................................................ 80 QUADRO 23 Acento para mais e para menos ....................................................... 81 QUADRO 24 Desvio por desconhecimento das regras gramaticais ....................... 82 QUADRO 25 Dificuldade na separação de sílabas ................................................ 82 QUADRO 26 Desvios encontrados na produção textual 01................................... 84 QUADRO 27 Desvios encontrados na produção textual 02 .................................. 87 QUADRO 28 Desvios encontrados na produção textual 03 .................................. 90 10 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01 Desvio por motivação fonética .......................................................... 63 GRÁFICO 02 Desvio por motivação fonológica ...................................................... 70 GRÁFICO 03 Supergeneralização .......................................................................... 72 GRÁFICO 04 Desvios por desconhecimento das regras contextuais .................... 74 GRÁFICO 05 Desvios devido à concorrência de letras .......................................... 80 GRÁFICO 06 Resumo dos desvios encontrados no corpus do trabalho ................ 83 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 13 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................. 16 2.1 A ORIGEM DA ESCRITA NO MUNDO ................................................. 16 2.2 SISTEMAS DE ESCRITA ...................................................................... 19 2.3 2.3.1 2.3.2 A ORIGEM DA ESCRITA PORTUGUESA: UM BREVE RELATO ........ O período fonético - 1214 ao início do século XVI ........................... O período pseudo-etimológico – de meados do século XVI até o início do século XX............................................................................. 22 23 25 2.4 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA ..................................... 26 2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE FONOLOGIA E ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA ..................................................................... 28 2.5.1 A fonologia do português ................................................................... 28 2.5.2 Ortografia da Língua Portuguesa ...................................................... 35 2.6 DIFERENTES ABORDAGENS PARA CLASSIFICAÇÃO DOS DESVIOS DE ESCRITA ...................................................................... 46 2.6.1 Abordagem de Lemle .......................................................................... 47 2.6.2 Abordagem de Cagliari ........................................................................ 47 2.6.3 Abordagem de Carraher ...................................................................... 49 2.6.4 Abordagem de Zorzi ............................................................................ 50 3 METODOLOGIA .................................................................................... 52 3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA .............................................................. 52 3.2 AMBIENTE DA PESQUISA ................................................................... 52 3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES .......................................... 53 3.4 ESTRUTURA DO CORPUS .................................................................. 54 3.5 CATEGORIZAÇÃO DOS DESVIOS DE ESCRITA ............................... 54 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DESVIOS ENCONTRADOS NOS TEXTOS DOS ALUNOS ........................................................................ 58 4.1 DESVIOS RELACIONADOS AO SISTEMA GRÁFICO ......................... 58 4.1.1 Desvio por motivação fonética ........................................................... 58 4.1.2 Desvio por motivação fonológica ...................................................... 64 4.1.3 Supergeneralização ............................................................................. 70 12 4.2 DESVIOS RELACIONADOS AO SISTEMA ORTOGRÁFICO ............... 72 4.2.1 Desvios por desconhecimento das regras regulares contextuais . 72 4.2.2 Desvios por desconhecimento das correspondências irregulares 75 4.3 LETRAS PARECIDAS ........................................................................... 80 4.4 PROBLEMAS NA ACENTUAÇÃO GRÁFICA ........................................ 81 4.5 DESVIO POR DESCONHECIMENTO DAS REGRAS GRAMATICAIS 81 4.6 DIFICULDADE NA SEPARAÇÃO DE SÍLABAS .................................... 82 5 PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O TRABALHO COM A ORTOGRAFIA ....................................................................................... 93 5.1 PRINCÍPIOS GERAIS ............................................................................ 93 5.2 PRINCÍPIOS RELATIVOS AO ENCAMINHAMENTO DAS SITUAÇÕES DE ENSINO APRENDIZAGEM ...................................... 95 6 SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II 98 6.1 QUANTO ÀS DIFICULDADES RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO FONÉTICA ............................................................................................. 98 6.2 QUANTO ÀS DIFICULDADES RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO FONOLÓGICA ................................................................................... 99 6.3 QUANTO AOS DESVIOS POR NÃO CONSIDERAR AS REGRAS CONTEXTUAIS ................................................................................. 102 6.4 QUANTO AOS DESVIOS DEVIDO ÀS CORRESPONDÊNCIAS IRREGULARES ................................................................................... 105 CONCLUSÃO ................................................................................................... 109 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 112 WEBGRAFIA .................................................................................................... 113 ANEXOS ........................................................................................................... 115 13 1. INTRODUÇÃO Dentro da atual perspectiva socioeducacional do ensino, destaca-se, na disciplina de Língua Portuguesa, a importância da valorização e do trabalho com as diferentes variações linguísticas existentes em nosso país, a partir de uma análise das formas pelas quais elas podem surgir em uma sociedade como a nossa. No entanto, entre essas variações, a escola deve deter mais atenção sobre o ensino da norma culta padrão, ajudando o aluno a refletir sobre a mesma e utilizá-la de forma eficaz diante de situações em que se fizer necessário. Isso porque, o emprego dessa norma funciona como fonte de prestígio, podendo ser posto à margem social, aquele que dela não fizer bom uso. Assim sendo, cabe à instituição de ensino oferecer ao aluno condições de conhecer e utilizar, de forma mais eficaz, a língua padrão, garantindo-lhe um bom desempenho nas práticas sociais e no exercício de sua cidadania. Ocorre que, devido a falsos preconceitos e crenças, observa-se, na atualidade, uma resistência dos professores em trabalharem certos aspectos da norma culta, como é o caso da ortografia. Como reflexo disso, as produções textuais dos alunos apresentam um número elevado de desvios ortográficos e gramaticais, ora devido à influência da oralidade, ora resultante da variação linguística (entre outros fatores que serão apresentados no decorrer deste trabalho) o que, muitas vezes, compromete o sentido do que se deseja comunicar. Esse fato torna-se cada vez mais preocupante, principalmente, quando observamos que adolescentes estão chegando aos últimos anos do Ensino Fundamental, apresentando grandes lacunas no domínio da ortografia, com desvios de escrita que não são esperados para esse nível de ensino. Dessa forma, e sabendo do poder que a escrita representa hoje nos meios sociais, com práticas discursivas cada vez mais exigentes, principalmente no mercado de trabalho, podemos nos perguntar: é possível elaborar estratégias que auxiliem os alunos nessa tarefa? Pressupomos que a prática continuada e a vivência dos discentes, em sala de aula, com gêneros textuais diversificados facilitariam o desenvolvimento da capacidade linguística, quanto ao emprego da ortografia e à diminuição do uso de desvios relacionados à variação e aos conhecimentos 14 gramaticais. Além disso, observamos a necessidade de um ensino sistemático da norma ortográfica por meio de atividades que levem o aluno a refletir sobre os recursos linguísticos disponíveis para a construção da comunicação escrita. Face ao exposto, esse trabalho tem por objetivo refletir sobre os fatores que influenciam os desvios de escrita apresentados na produção textual de alunos do 8° ano do Ensino Fundamental. Para isso, procuramos entender o porquê desses adolescentes estarem chegando ao final do Ensino Fundamental II, apresentando, ainda, muitas dificuldades na escrita. Assim, buscamos repensar nosso fazer pedagógico, ajudando nossos alunos a “escreverem certo”, mas, como adverte Morais (2010), sem fazê-los ter medo de “escreverem errado” e até não gostar de escrever. Frente a isso, justifica-se esse estudo pela necessidade de encontrar estratégias que minimizem as dificuldades de leitura e escrita no ensino fundamental, principalmente quanto aos desvios fonológicos e à variação linguística que interferem na produção textual dos alunos. Desse modo, a relevância do presente estudo se encontra, principalmente, pela falta de análises mais consistentes, em outros trabalhos, com relação a um diagnóstico de estratégias que venham a suprir as necessidades de escrita no ensino fundamental. Outro fato que impulsiona o desenvolvimento dessa pesquisa é trabalhar com língua portuguesa em uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental e conviver com essa experiência no dia a dia, principalmente quando os alunos são orientados a produzir textos escritos. Desse modo, para constituir o corpus dessa investigação, escolhemos 30 textos de alunos regulares do 8° ano do Ensino Fundamental, produzidos no período de maio a setembro de 2014, especificamente, aqueles discentes que apresentam maior dificuldade no domínio da norma padrão escrita. Cada um deles produziu três textos diferentes, sendo duas resenhas de filmes e um artigo de opinião. Esses gêneros foram trabalhados anteriormente na sala de aula. Assim, o trabalho inicia-se com o capítulo A origem da escrita: uma nova ferramenta para facilitar o dia a dia do homem, no qual são traçados alguns comentários sobre a origem da escrita no mundo e sobre seu desenvolvimento na 15 Língua Portuguesa, bem como apresentamos considerações acerca de fonologia, ortografia, processo de aquisição da escrita e de algumas abordagens sobre desvios de escrita. No capítulo sobre metodologia, são apresentados os caminhos escolhidos para o desenvolvimento da pesquisa. Os métodos e instrumentos utilizados, a caracterização dos informantes, a estrutura do corpus, a coletas de dados e a categorização dos desvios utilizada na análise dos textos. Na análise e discussão dos desvios encontrados procura-se compreender a origem dos desvios de escrita encontrados nos textos dos alunos a partir de Carraher (1985), Lemle (1995), Guimarães (2005), Monteiro (2008), Cagliari (2009), Barrera e Nobeli (2009), Morais (2010), e Veçossi (2010). O capítulo sobre os princípios norteadores para o trabalho com a ortografia apresenta aspectos relevantes para o desenvolvimento seguro e eficaz do aprendiz ao se apropriar da ortografia da língua portuguesa. Ao final são apresentadas algumas propostas de intervenção que expõe algumas técnicas para se trabalhar o ensino da norma ortográfica nas aulas de Língua Portuguesa do ensino fundamental II. 16 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA “A escrita permite apreender o pensamento e fazê-lo atravessar o espaço e o tempo” (HIGOUNET, 2003, p. 10) O presente trabalho traz uma reflexão acerca da escrita, uma das principais ferramentas utilizadas na comunicação verbal entre as pessoas, buscando entender, por meio de pressupostos linguísticos, como se estrutura essa modalidade da língua e qual a sua importância para o desenvolvimento da cidadania daqueles que a utilizam. É incontestável o valor que a escrita possuiu na história da humanidade. Sua utilidade, nas mais variadas situações cotidianas, fez com que ela se tornasse uma ferramenta essencial na comunicação, e, se assim era antes do advento da informática, na atualidade, diante de um grande aparato tecnológico que influencia jovens, adultos e crianças a passarem boa parte de seu tempo se comunicando, ela se tornou indispensável. Diante disso e reconhecendo o valor desse instrumento de comunicação na modernidade, procurou-se elaborar um percurso histórico a respeito de sua origem no mundo, na Língua Portuguesa e sobre os processos pelos quais a mesma passou até se configurar na versão utilizada hoje em dia. Essa abordagem é de fundamental relevância, por meio dela, observa-se que o processo de aquisição da escrita reflete o processo histórico de seu desenvolvimento, que ocorreu por meio de uma série de estágios, lentos e acabados, segundo a mentalidade e a língua da sociedade em que foram operados (HIGOUNET,2003, p.10). Dessa forma, mais adiante, busca-se compreender alguns dos problemas mais frequentes relacionados aos desvios de escrita encontrados nos textos produzidos pelos alunos. 2.1 A origem da escrita no mundo A origem e evolução da escrita refletem o avanço no processo comunicativo desenvolvido pelo homem ao longo dos séculos. Nossos antepassados, para facilitar suas vidas, procuravam organizar seu cotidiano, desenvolvendo sempre novas estratégias para se relacionarem com o meio em que viviam e, assim, contribuírem para o progresso da civilização. Nesse contexto, a escrita, enquanto sistema simbólico de comunicação surgiu da necessidade do homem de organizar seu dia a dia, sua vida econômica e social. Como mostra Oliveira (2005, p.16), inicialmente ela 17 foi utilizada para a contabilização de animais: ao sair com um rebanho, por exemplo, o homem „desenhava‟ a figura de um boi e, ao lado, registrava, por meio de traços, a quantidade de animais que estava levando. Sabe-se que a escrita teve origem de forma independente em alguns lugares do planeta. Porém, segundo Higounet (2003, p.29), a forma mais antiga que se conhece atualmente, por meio de documentos, surgiu na Mesopotâmia por volta de 4000 a.C. e foi desenvolvida pelos sumérios, ficando conhecida como escrita cuneiforme, que recebeu esse nome porque, segundo o autor, era feita com objetos que tinham forma de cunha. Os suportes utilizados eram as tabuletas de argila ou placas de barro. Algumas tabuletas cuneiformes eram queimadas em fornos para garantir a durabilidade do que havia sido escrito, como mostra a Figura 1. Figura 01 - Escrita cuneiforme Fonte: Maria João Gama http://wikistoriapedrosantarem.pbworks.com/w/page/ 14689147/A%20Hist%C3%B3ria%20da%20escrita) A escrita cuneiforme era analítica, ou seja, os símbolos grafados representavam palavras. Segundo Higounet (2003, p.30), geralmente se pensa que a notação dessa língua coincidiu com a chegada do povo à Mesopotâmia. Pouco tempo depois, os egípcios desenvolveram a escrita hieroglífica, formada por desenhos e símbolos, e que também consistia em uma escrita de palavras. De acordo com Higounet (2003, p.37), os egípcios consideravam os hieróglifos como sinais sagrados (do grego: hieros, “sagrado” e glyphein, “gravar”), a fala dos deuses. Ainda segundo esse autor, os mais antigos monumentos da escrita egípcia foram às tabuletas de Ahã, primeiro rei da dinastia Tinita, e datam do início 18 do terceiro Milênio a.C. Os hieróglifos, geralmente eram grafados em pedras e, em alguns casos, pintados à tinta em sarcófagos de madeira ou em papiros. Na figura 2, há uma representação desse tipo de escrita: Figura 02 - Escrita hieroglífica Fonte: Maria João Gama http://wikistoriapedrosantarem.pbworks.com/w/page/ 14689147/A%20Hist%C3%B3ria%20da%20escrita) Já na China, acredita-se que os primeiros escritos foram desenvolvidos por algumas de suas dinastias antigas. Isso, porque os primeiros documentos, nessa língua, foram encontrados gravados em cascos de tartarugas na segunda metade do segundo milênio. Esse sistema de escrita é utilizado até hoje por um conjunto de povos que representa um quinto da população mundial. Por meio de seus estudos, Higounet (2003, p.48) afirma que “a tradição atribui a invenção da escrita hieroglífica a imperadores mais ou menos lendários, ou a secretários de um deles, no terceiro milênio antes de nossa era”. Também era um tipo de escrita de palavras. No entanto, a primeira escrita fonética de que se tem conhecimento é a fenícia, elaborada durante a segunda metade do segundo milênio a.C. e que tentava reproduzir os sons da fala e não mais coisas ou ideias, como as outras escritas conhecidas na época. Na figura 03, podemos ver uma representação do alfabeto fenício formado por vinte e dois sinais puramente lineares: 19 Figura 03 - Alfabeto fenício Fonte: Invivo – Fundação Oswaldo Cruz (http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=914&sid=7) Para uma compreensão acerca desse processo de evolução, considera-se, também, de fundamental importância um conhecimento dos sistemas de expressão que configuraram a escrita ao longo do tempo. É o que será visto a seguir com base nos estudos de Cagliari (2009). 2.2 Sistemas de escrita Conforme Cagliari (2009, p. 91) de uma forma geral, sem seguir uma linha de evolução cronológica, a história da escrita pode ser dividida em três fases que mostram sua evolução: a pictórica, a ideográfica e a alfabética. Surgida por volta de 4.000 a.C., a escrita pictográfica consistia em representar um objeto ou conceito, por meio de desenhos ou pictogramas. Possuía um caráter icônico, ou seja, um desenho significava apenas o objeto representado. Nada, além disso. Os primeiros pictogramas foram gravados em tabuletas de argila com a utilização de objetos em formato de cunha. Devido a isso, considera-se que essa escrita tenha sido a base da escrita cuneiforme. Na figura 04, apresenta-se um exemplo da mesma. 20 Figura 04 - Escrita pictográfica. Fonte : Biblioteca Aluísio Magalhães https://biblioam.files.wordpress.com/2014/08/a1-3-escrita -ideogrc3a1fica.jpg. Consultado em 20.04.2015 Mas a pictografia tinha muitas limitações, uma vez que, como nos mostra Oliveira (2005, p.17), “nem tudo podia ser desenhado”. Por exemplo, conceitos como beleza, dor, norte, céu, azul, quente, luz etc. não possuíam uma forma concreta que pudesse ser retratada. Assim, com o tempo, os sinais foram tornando-se mais abstratos e o sistema pictográfico evoluiu, dando origem a escrita ideográfica. O sistema ideográfico caracterizou-se pelo uso de símbolos gráficos ou desenhos representando objetos ou ideias. Diferente da pictografia, esse tipo de escrita não apresenta o caráter icônico, logo, ocorreram muitos casos em que a semelhança entre o ideograma e o objeto representado desapareceu. A partir da figura 5 podemos ver uma representação da escrita ideográfica: Figura 05 - Escrita Ideográfica Fonte: Cagliari (2009, p. 92) Com a utilização da escrita ideográfica, houve uma extensão dos significados representados pelos desenhos, uma vez que um pictograma simbolizava, não apenas o que estava ilustrado, mas qualquer conceito relacionado ao original. 21 Entretanto, por haver uma grande quantidade de ideias, objetos e palavras a serem representados, a aprendizagem dessa língua tornou-se muito difícil, sendo necessária a criação de outro código escrito. Segundo Oliveira (2005, p. 18), o grande salto na evolução da escrita foi dado quando se passou a representar o plano da expressão e não mais o do conteúdo, ou seja, a escrita deixou de apoiar-se nos significados representados e passou a ter, como base, os sons da fala. Os sistemas silábicos foram os primeiros sistemas de escrita baseados no plano da expressão. Segundo Kato (1995, p.15) os fenícios se apossaram da complicada escrita lexical-silábica dos egípcios, derivada dos hieroglíficos e dela extraíram 24 símbolos, para formar o silabário. Um só símbolo no silabário podia representar dois sons: um consonantal e outro vocálico. A figura 6 representa a escrita silabárica: Figura 06 - Modelo de escrita silabária Fonte: Cagliari (2009, p. 94) Posteriormente o homem percebeu que podia decompor as sílabas em unidades menores e passou a representar os sons individuais e articulados (quanto ao ponto e ao modo) da fala, originando a escrita alfabética. De acordo com Kato (1995, p. 16), a descoberta da escrita alfabética ocorreu no século X a. C. quando os gregos tomaram o silabário fenício emprestado e passaram a utilizar uma vogal após cada consoante. A figura 07 representa o alfabeto da Língua Portuguesa. 22 Figura 07 - Alfabeto português Fonte: Biblioteca Aluísio Magalhães https://biblioam.wordpress.com/?s=origem+da+escrita. Consultado em 20.04.2015 Como pode ser visto, o alfabeto português é formado por 26 letras, sendo 21 consoantes e cinco vogais. Criado pelos romanos aproximadamente no século VII a.C. ele possuía apenas 20 letras, posteriormente foram inclusas as outras 6. A seguir, faremos um breve relato sobre a origem e evolução da escrita dentro na Língua Portuguesa. 2.3 A origem da escrita portuguesa: um breve relato Quando uma nação surge, faz-se necessário o estabelecimento de alguns elementos socioculturais que efetivem sua existência e garantam sua autonomia. Em Portugal, por volta do século XVI, o surgimento de uma língua escrita, por meio de uma nova tecnologia, a imprensa, ajudou a criar uma consciência nacional bastante útil para o país naquele momento, pois, frente a um novo sistema de produção e das relações produtivas do capitalismo, o país precisava se diferenciar de alguns povos fronteiriços e mostrar sua supremacia. Existem três modos pelos quais as línguas impressas lançaram as bases para a consciência nacional de Portugal, como mostra a afirmação de Anderson (1989): i) a criação de campos unificados de intercâmbio e comunicação abaixo do Latim e acima das línguas vulgares; ii) a atribuição, pelo capitalismo, de uma nova fixidez à língua, que, a longo prazo, ajudou a construir aquela imagem de antiguidade, tão essencial à ideia subjetiva de nação e iii) a criação de línguas-de-poder, na medida em que determinados dialetos estavam inevitavelmente “mais próximos” de cada língua impressa e dominavam suas formas finais; provocando a perda de prestígio de suas parentes mais próximas. (ANDERSON, 1989, p. 54) 23 Assim, a ortografia da língua portuguesa começa a ser configurada e expandida, contribuindo para a construção da identidade desse país. Segundo Netto (2011), no ambiente em que essa escrita surgiu, as principais grafias da época se espelhavam no Latim, por ser a única língua com pergaminhos de “antiguidade, nobreza e excelência” por meio da qual os copistas poderiam basear suas produções e, dessa forma, com a escrita portuguesa não foi diferente. Então, pode- se concluir que os princípios os quais regem a escrita latina, de certa forma, explicam também as regras da ortografia de nossa língua. Como se sabe, o alfabeto dos romanos provém do alfabeto Grego, dos quais podemos observar notáveis correspondências entre as letras. Nesses dois alfabetos, as letras são consideradas sob três aspectos: nome, figura e valor, que podem ser entendidas, respectivamente, como: nome da letra, a figura que a representa e o som da mesma. Sendo assim, o nome „B‟ identificava a letra „b‟ com o som [b]. No entanto, na formação da língua portuguesa, nem todas as concepções da língua latina foram rigorosamente mantidas devido às novas realidades que iam sendo configuradas. Por exemplo, surgiu um conjunto de sons no português que não podia ser representado por nenhuma letra do alfabeto latino. A solução encontrada foi a criação de dígrafos (lh, nh, ch...), o que gerou uma certa discordância de acordo com os três aspectos acima citados, pois, como sugere Netto (2011, p. 26): “Se cada letra possui um som, um nome e uma figura, como interpretar os dígrafos, em que há duas figuras, portanto duas letras, e apenas um som, portanto uma letra?” Isso nos mostra que, apesar de se inspirar na escrita latina, o português ia se configurando de acordo com suas próprias particularidades. Para compreendermos a história da evolução gráfica da Língua Portuguesa encontramos em Netto (2011, p. 27) três períodos distintos: O período fonético – a partir de 1214; o período pseudo-etimológico – de meados do século XVI até o início do século XX e o período atual – de 1911 até nos nossos dias 2.3.1 O período fonético - 1214 ao início do século XVI De acordo com Netto (2011, p. 28), no período arcaico, a escrita da Língua Portuguesa passou por várias tentativas de construção e teve suas primeiras características particulares configuradas. Por não haver nenhum conjunto de regras institucionalizadas, surgem, nessa época, muitas incongruências nos textos escritos, 24 uma vez que, cada escriba utilizava uma forma de grafar diferente. Observa-se isso em Teyssier (1984) ao dizer que: Por exemplo, tal como actualmente, o som [g], a oclusiva velar sonora, era representado por g antes de a, o, u e por gu antes de e e i; mas é frequente depararmos com uma troca de signos: gerra em vez de guerra, algem por alguém, língoa em vez de língua, amigua em vez de amiga, alguo em vez de algo. Analogamente, quera usado para representar a oclusiva velar surda, o som [k], não só antes de vogal palatal (eei), mas também de vogal gutural (a e o): cinquo por cinco, nunqua por nunca (talvez pela proximidade com as formas latinas quinque e nunquam). (TEYSSIER, 1994, pág. 24) Tais discrepâncias eram mais que naturais, naquele momento de constituição da escrita, período de levantar hipóteses para o uso da língua e de analisá-la a partir do próprio sistema fonológico do Português. No entanto, cabe ressaltar que havia toda uma sistematização coerente e regularizada nas análises realizadas, não se tratava de uma escrita caótica. Desse modo, segundo Netto (2011, p.28), não se pode considerar que um alfabeto português tenha sido configurado durante todo esse perí\odo arcaico. Na realidade, havia muita semelhança entre as letras do alfabeto latino e as letras utilizadas pelos portugueses da época. Cabe ainda ressaltar que, no início dessa fase, foi publicado o Testamento de Afonso II1, o primeiro documento de que se tem conhecimento escrito em Língua Portuguesa. Figura 08 - Testamento de Afonso II Fonte: Daniel Abrunhosa (http://danielabrunhosa.blogs.sapo.pt/) 1 D. Afonso II de Portugal (cognominado o Gordo, o Crasso ou o Gafo, em virtude da doença que o teria afectado; Coimbra, 23 de Abril de 1185 - Santarém, 25 de Março de1223), terceiro rei de Portugal, era filho do rei Sancho I de Portugal e da sua mulher, D. Dulce de Aragão, mais conhecida como Dulce de Barcelona, infanta de Aragão. Afonso sucedeu ao seu pai em 1211. 25 2.3.2 O período pseudo-etimológico – de meados do século XVI até o início do século XX. Durante esse período, as soluções propostas no decorrer da fase arcaica para as discrepâncias apresentadas pelos copistas foram incorporadas à escrita, que, segundo Netto (2011, p. 30), já começava a apresentar feições próprias da Língua Portuguesa. Foi nessa fase que surgiram as primeiras normatizações de uso da Língua Portuguesa escrita, quais sejam: Grammatica da lingoagem portuguesa, em 1536, por Fernão de Oliveira,Grammatica da língua portuguesa, em 1540, por João Barros, Regras que ensinam a maneira de escrever e Ortographia da lingua portuguesa, em 1574, por Pedro Magalhães Gandavo e Ortographia da lingoa portuguesa, em 1576, por Duarte Nunes de Lião. Houve, também, nesse período, uma retomada às formas clássicas tanto dos gregos quanto dos latinos e uma grande variedade de empréstimos linguísticos foi incorporada ao Português. Assim, a escrita passou a ter uma base etimológica, abandonando a simplicidade da representação fonética. Porém, a valorização do clássico, exaltada pelo Renascimento, levou a um certo descontrole no emprego das palavras. Além disso, é importante lembrar que, muitas das anomalias que tornaram a escrita portuguesa incoerente, foram causadas pela introdução de palavras eruditas, latinas e helênicas. Como nos mostra Netto (2011, p. 32), foi a partir desse período, que palavras como oje, ome, aver, nacer, tornaram-se, hoje, homem, haver e nascer. 2.3.3 O período atual – de 1904 até os dias atuais Com o passar do tempo surgiu à necessidade de uma nova uniformização para a grafia da Língua Portuguesa. Em 1904, Gonçalves Viana escreve o livro “Ortografia Nacional” na tentativa de atender a essa demanda. De acordo com Ribeiro, a reforma proposta por Gonçalves previa: proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos da etimologia grega: th, ph, ch (=>K), rh e y; redução das consoantes dobradas a singelas, com exceção de RR e SS, mediais, que têm valores peculiares, eliminação das consoantes nulas, quando não influem na pronúncia da vogal que as precede e na regularização da acentuação gráfica. Depois disso, pouca coisa mudou. Só houve tentativas de padronizar a ortografia dos países que utilizam o Português como língua oficial. 26 A breve historiografia apresentada acima sobre a língua escrita nos ajudará a compreender o processo pelo qual um aluno passa durante a aprendizagem dessa modalidade da língua. Uma vez que, como nos mostra Oliveira (2005) a ontogênese, ou seja, a maneira como as crianças descobrem a escrita, reflete a filogênese, o modo como essa língua evoluiu na história da humanidade. 2.4 O processo de aquisição da escrita Ao iniciar seu desenvolvimento grafo-motor, as crianças apresentam estágios muito semelhantes aos que foram apresentados. Em suas primeiras produções escritas, é comum elas utilizarem desenhos para representar objetos ou conceitos. A palavra família, por exemplo, para elas, deve ser escrita por meio de um desenho do pai com a mãe, irmãos, etc. Com o tempo, elas passam a escrever silabicamente, e grafias como fmg para formiga tornam-se comuns, até que avançam para a escrita alfabética, passando a ligar os sons às letras do alfabeto. Sobre esse processo de aquisição da escrita, há muito tempo estudiosos e pesquisadores de diferentes áreas vêm tentando compreender como ele ocorre e procuram desenvolver métodos eficazes para a alfabetização das crianças. Uma das concepções mais significativas nesse campo, apresentada por Oliveira (2005), afirma que a primeira interação entre o aprendiz e a escrita ocorre por intermédio da oralidade. De acordo com essa teoria, quando chegam à escola, as crianças já têm o domínio da fala, então, ao entrarem em contato com a escrita, elas tendem a transferir para esta, aspectos da forma falada já adquirida. Aos poucos, a criança passa a refletir sobre essa relação entre letra e som. Percebe, por exemplo, que uma palavra pode ser pronunciada de diferentes formas, mas que só há uma grafia legitimada. Porém, cabe ressaltar, como diz Oliveira (2005) que não estamos sugerindo aqui que apenas o conhecimento da língua falada tenha influência no processo de aprendizado da escrita. Mas estamos sugerindo, sim, que este conhecimento está amplamente envolvido no aprendizado da escrita. (OLIVEIRA, 2005, p. 10) Essa concepção ainda ressalta que “aprendemos através de esquemas mentais inatos” (id.ibdem), ou seja, cada aprendiz, enquanto um ser inteligente, dotado de capacidade de raciocínio, de fazer interferências e generalizações, 27 interage com seu objeto de conhecimento, reconstruindo-o e assimilando-o de acordo com sua capacidade cognoscitiva e sua competência linguística. Assim, quando está frente à atividade de escrever, ele formula hipóteses de uso do objeto de estudo, ordena-as, exclui, categoriza e reformula-as, a partir do conhecimento que possui da fala. Conhecer essas hipóteses elaboradas pelos alunos é de extrema importância, pois é a partir delas as etapas pelas quais eles passam ao relacionar sons e letras na aprendizagem da escrita podem ser compreendidas. Ademais, é por intermédio dessas hipóteses que o professor de língua portuguesa compreenderá a origem dos desvios ortográficos presentes nos textos de cada aluno e poderá buscar estratégias para erradicá-los, ajudando o aprendiz a construir uma teoria adequada sobre a relação entre oralidade e escrita. Alvarenga (1998) deixa claro que é fundamental ao alfabetizador ter uma formação linguística adequada para ser capaz de entender a escrita dos seus alunos e criar métodos que os auxiliem nessa tarefa. Segundo esse autor, no caso da aquisição da escrita, a identificação e explicação dos erros que os alfabetizandos cometem (abordagem teórica) fornecerão subsídios para a ação pedagógica: para a formação linguística do alfabetizador, de modo que ele adquira competência para compreender a natureza dos erros dos alfabetizandos, e para, a partir dessa compreensão, definir o melhor procedimento para levar o aprendiz a avançar na construção de seu conhecimento do sistema ortográfico. (ALVARENGA et al.,1989, p.8) Desse modo, os desvios devem ser considerados como parte natural desse processo, pois eles indicam que o aluno está no controle de sua aprendizagem, tentando dominar um código escrito, utilizando mecanismos para executar as hipóteses que formulou. Eles podem ser entendidos, ainda, como resultados de procedimentos cognitivos que são pré-requisitos para a aprendizagem do processo de escrita. É o que ocorre, por exemplo, quando o aprendiz utiliza alguns métodos operatórios ao escrever seus primeiros textos, tais como o controle qualitativo e o controle quantitativo. Segundo Oliveira (2005), no primeiro caso, o alfabetizando formula a ideia de que sons iguais devem ser representados por letras iguais e sons diferentes, por letras diferentes; já no controle quantitativo, ele acredita que o 28 número de letras utilizadas corresponde ao número de sons pronunciados, deixando a escrita com caráter de código, mas “é somente após um certo tempo, no processo de substituição de hipóteses que o aprendiz alcança uma representação escrita com base na língua, ainda não plenamente ortográfica, mas independente de sua própria fala” (OLIVEIRA, 1990, p. 31). Assim sendo, o professor precisa conhecer a natureza dos erros que seus alunos cometem ao escrever, para poder ajudá-los a avançar nessa aprendizagem, organizando materiais didáticos úteis para isso e repensando seus métodos de ensinar leitura e escrita. 2.5 Considerações sobre fonologia e ortografia da Língua Portuguesa Segundo Alvarenga et al (1989), devido à ineficácia do processo de alfabetização no Brasil, a partir da segunda metade da década de 70 do século XX estudiosos das áreas de Linguística, Psicolinguística e Sociolinguística passaram a desenvolver pesquisas, no país, sobre o processo de aquisição da língua escrita, procurando entender as causas do fracasso brasileiro em alfabetizar e buscando alternativas para reverter esse quadro. Mas, foi na área de Fonologia onde se concentrou a maior quantidade de estudos sobre o assunto, uma vez que, como afirmam os autores, a aprendizagem das relações entre os sons da fala e as letras da escrita é o primeiro passo para a formação da competência de ler e escrever. 2.5.1 A fonologia do português Assim, por meio de uma compreensão dos aspectos fonológicos da língua portuguesa pode-se entender um pouco sobre como o aprendiz constrói seu conhecimento sobre as atividades de ler e escrever. A fonologia é uma disciplina que estuda os sons de uma língua, buscando explicar como eles se organizam e que funções podem desempenhar. De acordo com Seara, Nunes e Volcão (2011, p. 69), essa denominação foi elaborada por um grupo de cientistas pertencentes ao Círculo Linguístico de Praga, que apresentaram os sons da Língua como elementos constitutivos de palavras e possuidores de funções gramaticais diferentes. Segundo Câmara Jr (2014, p. 39-51), o sistema fonológico do português brasileiro é composto por sete fonemas vocálicos e dezenove fonemas 29 consonantais. As vogais se diferenciam das consoantes pela inexistência de obstrução à saída de ar no trato vocal e são consideradas vozeadas ou sonoras devido ao fato de serem emitidas com a vibração das cordas vocais. Quanto ao ponto articulatório, para classificá-las, deve-se levar em consideração o corpo da língua e os lábios. Ao parâmetro que define o movimento vertical da língua denomina-se altura e ao que define o movimento horizontal (avanço/recuo) denomina-se anterioridade e posterioridade. A seguir, podemos ver a classificação das vogais quanto a esses parâmetros: a) Classificação das vogais quanto à altura: a.1) Altas (/i/ e /u/): são produzidas com o dorso da língua elevado ao máximo, estreitando o trato vocal; a.2) Médias-altas (/e/ e /o/): aquelas em que o dorso da língua apresenta-se em posição intermediária entre a posição mais alta e a mais baixa, porém mais próximo da mais alta; a.3) Médias-baixas (/ɛ/ e /ͻ/): aparecem na mesma posição intermediária das médias altas, mas, ao contrário destas, figuram em posição mais próxima as vogais baixas; a.4) Baixas (/a/): produzida com a língua na posição mais baixa do trato oral. b) Classificação das vogais quanto ao avanço ou recuo da língua: b.1) Anteriores: São produzidas quando a língua se eleva para frente, ou seja, se dirige à parte anterior do trato oral, mas sem bloqueá-lo. Nessa categoria encontram-se as vogais (/ɛ/, /e/, /i/). b.2) Posteriores: Para a produção dessas vogais o dorso da língua é elevado para trás, para a parte posterior do trato oral. É o que ocorre na pronúncia das vogais (/ͻ/, /o/, /u/). b.3) Centrais: Ocorrem quando a língua está numa posição central, é o caso das vogais (/a/, //). As vogais da Língua Portuguesa, em posição tônica, foram esquematizadas por Câmara (2014, p. 41) em forma de um sistema triangular representado abaixo: altas /u/ /i/ médias /ô/ /ê/ (2° grau) médias /ò/ /è/ (1º grau) 30 baixa /a/ /posteriores/ /central/ /anteriores/ Como já exposto, as classificações altas, médias de 1º grau (abertas), médias de 2º grau (fechadas) e baixa se refere à elevação gradual da língua na parte anterior, central (ligeiramente anterior) ou posterior. Já o parâmetro anteriores, central ou posteriores é definido pela articulação da parte anterior, central ou posterior da língua. Quando antecedem uma consoante nasal as sete vogais do sistema fonológico português reduzem-se a cinco. De acordo com Volcão, Nunes e Seara (2011), as vogais nasais são produzidas quando o véu palatino encontra-se abaixado permitindo que o som também saia pelo trato nasal enquanto na produção das vogais orais o véu do palato fecha a passagem à cavidade nasal fazendo com que o som saia apenas pelo trato oral. c) Classificação das vogais quanto ao movimento dos lábios: As vogais ainda podem ser classificadas, quanto ao movimento dos lábios, em: c.1) Arredondadas: produzidas com um arredondamento dos lábios [o], [ͻ], [u] c.2) Não-arredondadas : produzidas com os lábios estendidos /ɛ/, /e/, /i/. Na posição tônica essas vogais apresentam caráter distintivo, porém quando são átonas elas geralmente passam por um processo de neutralização perdendo essa característica. É o que ocorre, por exemplo, com as vogais átonas finais que perdem seus valores distintivos entre /e/ e /i/ (dente/i/) e entre /o/ e /u/ (destin/u/). Quando dois ou três segmentos vocálicos se unem numa mesma sílaba do português brasileiro recebem o nome de ditongo ou tritongo, respectivamente. Geralmente eles são formados por duas vogais: a anterior /i/ e a posterior /u/. Segundo Seara, Nunes e Volcão (2011) “quando essas vogais ocupam as posições periféricas da sílaba são chamadas de semivogais e apresentam menor proeminência acentual se comparadas às vogais que acompanham”. Os ditongos podem ser constituídos de duas formas: Vogal + semivogal 31 ou semivogal + vogal Denominam-se ditongos crescentes aqueles que apresentam a sequência semivogal + vogal, como na palavra Lúcia [„lusy] e ditongos decrescentes os que são formados por vogal + semivogal, como, por exemplo, ocorre na palavra roupa [xowpɐ]. Ainda segundo essas mesmas autoras, as consoantes podem ser divididas em dois grandes grupos: surdas ou não-vozeadas, produzidas sem vibração das pregas vocais e sonoras ou vozeadas, produzidas com a vibração das pregas vocais. Diferente das vogais elas apresentam uma obstrução total ou parcial de ar no trato oral e podem ser classificadas de acordo com o modo de articulação (que define como o ar passa pelas cavidades supraglóticas) e quanto ao ponto de articulação (que considera a posição dos articuladores ativos e passivos). Desse modo, de acordo com Cristófaro (2002), apresentamos abaixo a classificação das consoantes de Língua Portuguesa: a) Quanto ao ponto de articulação: De acordo com o ponto de articulação as consoantes podem ser: a.1) Bilabiais – produzidas quando o lábio inferior toca no superior ( /p/, /b/, /m/); a.2) Labiodentais – durante a produção dessas consoantes o lábio inferior se aproxima dos dentes superiores (/f/, /v/); a.3) Dentais – produzidas quando a língua toca ou vai em direção aos dentes superiores (/t/, /d/, /n/); a.4) Alveolares – a lâmina da língua vai em direção aos alvéolos durante sua produção (/t/, /d/, /n/); a.5) Alveopalatais – a parte anterior da língua dirige-se à região medial do palato duro (/ch/, /tch/, /j/, /x/); a.6) Palatais – a parte média da língua toca o palato duro (/nh/, /lh/); 32 a.7) Velar – o dorso da língua encaminha-se em direção ao palato mole ou véu do palato (/k/, /g/); a.8) Uvular – ocorrem quando o dorso da língua vai em direção à úvula (alguns róticos). b) Quanto ao modo de articulação: Quanto ao modo, elas podem ser classificadas em: b.1) Oclusiva/plosiva – durante a produção dessas consoantes os articuladores (ativos e passivos) realizam uma obstrução total e momentânea no fluxo de ar. Por isso recebem o nome de oclusiva. Quando esse ar é liberado, ocorre uma explosão acústica, daí porque esse segmento também é considerado como plosivo. b.2) Nasal – são produzidas a partir de uma obstrução total e momentânea do fluxo de ar nas cavidades orais. Simultaneamente a essa obstrução, o véu do palato se abaixa, permitindo que o ar seja expelido somente pelas cavidades nasais, apesar de ressoar antes na cavidade oral. b.3) Fricativa – ocorrem quando os articuladores produzem um estreitamento do canal bucal, gerando um ruído de fricção a partir da passagem do fluxo de ar nas cavidades supraglóticas. b.4) Africada – na produção dessas consoantes ocorre uma “oclusão total e momentânea do fluxo de ar, seguida de um estreitamento do canal bucal, gerando um ruído de fricção, logo após o relaxamento da oclusão”. b.5) Lateral – ocorre quando a língua toca os alvéolos causando uma oclusão central e permitindo que o ar seja liberado por meio das paredes laterais do trato oral. b.6) Vibrante – roduzidas por um movimento vibratório e rápido da língua causando breves oclusões totais. b.7) Tepe – o tepe é produzido por apenas uma batida na ponta dos alvéolos. 33 b.8) Retroflexa – é produzida pelo levantamento e encurvamento da ponta da língua em direção aos alvéolos. A seguir, podemos ver um quadro dos fonemas consonantais da língua portuguesa elaborado com base em Câmara Jr. (2014, p. 51): Quadro 01 - Fonemas consonantais do português brasileiro Fonemas consonantais /p/ /b/ /f/ /v/ /m/ /t/ /d/ /s/ /z/ /n/ /l/ /r‟/ /k/ /g/ /s‟/ /z‟/ /n,/ /l,/ /r/ Fonte: elaborado pela autora Observa-se, pois, que o alfabeto português é formado por 26 fonemas. Na classe das oclusivas, /p/ e /b/ são labiais; /t/ e /d/ são anteriores e /k/ e /g/ são posteriores. Quanto às fricativas, /f/ e /v/ são labiais; /s/ e /z/, anteriores e // e // são posteriores. A classe das nasais é formada por: /m/, /n/ e /ᶮ/; laterais: /l/ e // e vibrantes: /R/ e /r/. 2.5.1.1 O padrão silábico no português Outro aspecto fonológico importante para o conhecimento do processo de escrita é a sílaba, que, na perspectiva de Selkirk (1982), pode ser entendida como uma unidade linguística com estrutura interna entre cujos constituintes está estabelecida uma relação hierárquica. Segundo Collischon (1999), a sílaba do português brasileiro é formada por vogais (V) e consoantes (C) ou semivogais (V´), sendo, as primeiras, elementos obrigatórios que ocupam a posição de núcleo. Nas posições periféricas silábicas aparecem as consoantes e as semivogais. A parte anterior ao núcleo é chamada de ataque ou onset silábico e a posterior classifica- se como coda silábica. O núcleo e coda constituem o que se chama de rima. O ataque e a coda não são constituintes obrigatórios na estrutura silábica. Vejamos um modelo de estrutura silábica: 34 ó (=sílaba) Ataque Rima Núcleo Coda O português brasileiro apresenta os seguintes tipos de sílabas: simples (aquelas que contêm apenas o núcleo), complexas (formadas pelo núcleo seguido ou antecedido de consoantes), abertas ou livres (não apresentam codas silábicas) e fechadas ou travadas (quando apresentam codas). No que diz respeito à localização, as consoantes do português podem figurar na posição de onset absoluto, onset medial, coda medial e coda final. Qualquer uma delas pode ocupar a posição de ataque medial, porém, segundo Cristófaro Silva (2002) os fonemas [ɲ] e [] não podem ocorrer no início de palavras, elas aparecem em raríssimos vocábulos, empréstimo de outras línguas, como nhoque (do italiano) e lhama (do sul-americano, empréstimo hispânico). Entretanto, ao pronunciar tal palavra o falante acaba inserindo uma vogal inicial [ i`ɲɔkI] e [ i´ãm]. O onset pode ser simples, quando apresenta apenas uma consoante, ou complexo, quando possui duas consoantes constituindo um encontro consonantal. A coda recebe classificação semelhante: simples, por apresentar uma só consoante e complexa, quando têm duas ou mais. No português do Brasil a estrutura do ónset complexo pode ser formada por plosiva + líquida ou fricativa labial + líquida. Quadro 02 - Encontros consonantais do Português brasileiro Fonte: elaborado pela autora O Quadro 2 apresenta todos os encontros consonantais que são permitidos no português. As consoantes em posição de ataque podem formar onset complexo, /pɾ/ - prato /tɾ/ - trator /kl/ - Klara /fl/ - flocos /pl/ - plástico /tl/ - atleta /gɾ/ - graça /vɾ/ - palavra /bɾ/ - braço /dɾ/ - pedra /gl/ - gladiador /vl/ - Vladimir /bl/ - blusa /fɾ/ - frasco 35 constituindo sílabas de obstruinte + líquida ou consoante fricativa labial + consoante líquida. A língua portuguesa apresenta padrões silábicos diferenciados. De acordo com Collischonn (1999), há um molde silábico que estabelece o número mínimo e o número máximo de elementos permitidos numa sílaba, como apresentado no Quadro a seguir: Quadro 03 – Molde silábico do Português Brasileiro V É VC Ar VCC ins.tante CV Cá CVC Lar CVCC mons.tro CCV Tri CCVC Três CCVCC trans.porte VV au.la CVV Lei CCVV Grau CCVVC claus.tro Fonte: Bisol (1999, p. 107) Essas são as estruturas de sílabas previstas pelo molde silábico do português, que não permite, por exemplo, a formação de onset complexo com fricativas coronais. 2.5.2 Ortografia da Língua Portuguesa Sabe-se que a ortografia é apenas uma dentre várias facetas que a língua escrita possui, contudo, nosso trabalho pretende estender um olhar mais atencioso sobre esse aspecto linguístico, visto a sua relevância para o desenvolvimento da habilidade de produzir textos. É necessário trabalhar a ortografia nas aulas de Língua Portuguesa e, em especial, para o público que está sendo pesquisado: alunos do Ensino Fundamental II, pois ela lhes garantirá um maior domínio da 36 escrita como competência comunicativa. Além disso, é dever da Escola assegurar aos estudantes o acesso ao conhecimento linguístico pleno para que eles não sejam julgados de forma negativa diante de determinadas exigências sociais. Acreditamos, porém, que o ensino da ortografia deva assumir uma nova perspectiva que leve o aluno a refletir sobre o uso dessa norma. A ortografia do Português possui regras de naturezas distintas que necessitam de competências variadas para sua aquisição. Há casos em que por meio do contexto da palavra é possível prever a letra legítima a ser utilizada, já em outros é a morfologia ou a etimologia que assegurará a grafia correta. Segundo Kato (1995, p. 17-19), a primeira intenção ao se criar a ortografia do português era fazer um alfabeto de natureza estritamente fonética, porém, o fato de toda língua se modificar com o tempo impediu que isso acontecesse. Assim, observa-se que nossa escrita tem diferentes motivações: fonêmica, pela qual uma mesma letra pode ter mais de uma realização fonética; fonêmica e fonética, na qual um fonema só pode receber um tipo de representação; fonética, que ocorre quando a posição de um fonema define a escolha ortográfica; e lexical, que considera a etimologia da palavra. Algumas posturas inadequadas frente ao trabalho com a norma ortográfica devem ser discutidas, e os professores precisam saber como utilizá-la de forma produtiva em sala de aula. Não mais se admite visões preconceituosas diante dos desvios ortográficos presentes nos textos dos alunos, como há muito vinha acontecendo nas escolas em que essas produções, muitas vezes, eram avaliadas a partir de palavras “certas” ou “erradas” que aparecia em sua composição. Como sugere Oliveira (2005, p. 08), os desvios podem apontar as dificuldades que os alunos estão tendo e as hipóteses que eles vão construindo na aprendizagem da escrita. Por outro lado, muitas escolas, numa atitude igualmente equivocada, estão deixando de lado o trabalho com a ortografia, por considerá-lo uma prática conservadora. Certo é que a escola não pode confundir o rendimento ortográfico do aluno com sua competência textual, não deve focar nos erros de ortografia, nem deixar de observar o avanço do aprendiz na composição de textos. No entanto, 37 precisamos ter em mente que a norma ortográfica é uma ferramenta que surgiu tendo como principal finalidade facilitar a nossa comunicação escrita. Não ensiná-la é privar o aluno de garantir seu pleno desenvolvimento enquanto bom usuário da Língua. Além disso, outro problema surge quando o ensino da ortografia é negligenciado na escola, os alunos continuam sendo cobrados por conhecimentos dessa natureza sem, entretanto, terem tido acesso a eles. Morais (2010) destaca o perigo dessa postura: Vemos, frequentemente, que a escola cobra do aluno que ele escreva certo, mas cria poucas oportunidades para refletir com ele sobre dificuldades ortográficas de nossa língua. Creio que é preciso superar esse duplo desvio: em vez de se preocupar mais em avaliar, em verificar o conhecimento ortográfico dos alunos, a escola precisa investir mais em ensinar, de fato, ortografia. (p. 25-26) Para ensinar essa faceta da Língua, o professor precisa em primeiro lugar conhecê-la bem: o que é? Como se estrutura? Qual a forma mais eficiente de organizar seu ensino? O aluno deve compreender a norma como um objeto de conhecimento a seu favor, algo que ele poderá explorar sem medo, pensando e refletindo sobre sua função e organização e, assim, após compreender o funcionamento dessa norma, ele a utilizará de forma eficaz e segura, contribuindo, inclusive, para o fluir de suas ideias no momento de escrever um texto, pois ele não precisará interromper constantemente sua atividade de produção para pensar com que letra escrever esta ou aquela palavra. No falar do Português brasileiro, assim como ocorre em outras línguas, uma palavra pode ser pronunciada de diferentes formas, dependendo das características individuais e socioculturais dos indivíduos que a utilizam. No entanto, o mesmo não deve acontecer na escrita, pois isso dificultaria a comunicação entre indivíduos, por exemplo, de idades, grupos sociais ou regiões diferentes. Como forma de impedir que esse problema ocorresse surgiu a ortografia: “um recurso capaz de „cristalizar‟ na escrita as diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma língua” (Morais, 2010 p. 27). Para entendermos como acontece essa unificação por meio dos recursos ortográficos, vejamos um exemplo fornecido ainda por Morais (2010, p.27): 38 Se um carioca e um pernambucano pronunciam de modo diferente a palavra “tio” – o primeiro poderia dizer algo como “tchiô‟ e o segundo “tiu” - , na hora de escrever, se não houvesse uma ortografia, cada um registraria o seu modo de falar. E os leitores de suas mensagens sofreriam muito, tendo que “decifrar” a intenção dos dois autores. Dessa forma, podemos dizer que a ortografia é uma norma, estabelecida socialmente, que determina uma forma padrão para cada palavra ser escrita em um idioma. Assim, ao utilizá-la, os usuários da língua poderão continuar pronunciando um texto à sua maneira, porém deverão seguir as regras estabelecidas pelas normas ortográficas, no momento da escrita, para facilitar a comunicação entre pessoas, que podem não pertencer a um mesmo grupo social. Cagliari (1999) ressalta essa função da ortografia, ao afirmar que ela [...] surge exatamente de um “congelamento” da grafia das palavras fazendo com que ela perca sua característica básica de ser uma escrita pelos segmentos fonéticos, passando a ser a escrita de “uma palavra de forma fixa”, independente de como o escritor fala ou o leitor diz o que lê. (p.65-66) No Brasil e em Portugal, as primeiras regras de uma norma ortográfica foram fixadas no século XX e, recentemente, em 2008, um novo acordo foi assinado entre esses dois países para unificar ainda mais o Português escrito por ambos, que ainda possuía diferenças significativas. Mas, no geral, pode-se dizer que a ortografia é uma invenção relativamente recente. Como constata Morais (2010), ela surgiu como reflexo das mudanças nas práticas culturais de uso da escrita e de acesso a ela, ocorridas devido a movimentos como a obrigatoriedade da escolarização e proliferação dos meios de comunicação de massa. Da mesma forma, o avanço da tipografia e a substituição das práticas de leitura em voz alta foram determinantes para que as palavras deixassem de ser escritas “coladas” umas nas outras e passassem a ser segmentadas ou seja, separadas por espaço em branco. Nesse ponto, cabe destacar que uma norma ortográfica, além de definir o uso de letras e dígrafos, define, também, o emprego dos acentos e a segmentação que as palavras devem receber em um texto. Conhecendo as características e a natureza da norma ortográfica, não podemos esperar que uma criança descubra sozinha como utilizar essa ferramenta, 39 isso poderia ser demorado e até mesmo impossível. É dever do professor oferecer meios para que o aluno possa refletir sobre o uso dessa convenção e, assim, desenvolver sua competência escritora. Devemos salientar que há uma diferença entre dominar o sistema de escrita alfabética e dominar a ortografia. Num primeiro momento, a criança compreende e constrói diversos conhecimentos sobre o código alfabético, elabora hipóteses relativas à quantidade de letras, à variedade de caracteres etc. para, só depois, começar a desenvolver conhecimentos sobre o sistema ortográfico que vão além das correspondências básicas entre letra e som. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1989, p.193 -221), durante o processo de aquisição da língua escrita, a criança passa por cinco níveis sucessivos de aprendizagem, desde a fase pré-silábica, na qual ela não relaciona letras aos sons da língua falada e reproduz traços típicos da escrita que considera como forma básica, até o nível alfabético, no qual ela já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores menores que a sílaba. Ao final dessa última fase o aprendiz já sabe como escrever usando as letras do alfabeto, compreende que cada uma delas representa um som da fala, e que podem formar sílabas, respeitando as sequências autorizadas. No entanto, o que ele ainda desconhece é que existe, no Português, uma norma que determina a escrita correta de cada palavra, a ortografia. Assim, alguém precisa informar ao aprendiz que, quando ele se deparar com as incongruências de nosso sistema alfabético, em casos em que, por exemplo, um mesmo som possa ser gravado por mais de uma letra, existe uma convenção ortográfica que lhe indicará qual letra ou dígrafo deverá ser usado. 2.5.2.1 As regularidades e irregularidades da norma ortográfica segundo Lemle (1995) O ensino da norma escrita dentro dos padrões da norma culta deve ajudar o aluno a refletir sobre a estrutura e a organização da convenção ortográfica. Ele precisa saber que em alguns casos, para escrever, existem regras que permitem prever a grafia correta das palavras e já em outros será necessário memorizar. 40 Segundo Lemle (1995) há três tipos de relação entre as letras e os fonemas existentes no Português: a) Relações biunívocas – nas quais uma letra só representa um som e vice-versa. A partir do dialeto carioca, a autora apresenta um exemplo desse tipo de relação entre letras e fonemas. Vejamos: „p‟ /p/ „b‟ /b/ „t‟ /t/ „d‟ /d/ „f‟ /f/ „v‟ /v/ „a‟ /a/ Nas relações biunívocas há um “casamento monogâmico” entre sons e letras, cada letra tem seu som e cada som tem sua letra. Como, por exemplo, „p‟ /p/ - pato, poder, roupa; „d‟ /d/ - dia, dente, cadeira; „v‟ /v/ - vacina, cavalo, viagem; etc. b) Relações „de um para mais de um‟ ou não-biunívocas – nas quais uma letra pode representar diferentes sons, de acordo com a posição em que se encontra, e, um som só pode ser representado por diferentes letras, também dependendo da posição. Os quadros abaixo apresentam casos de relações não-biunívocas: Quadro 04 - Relações não-biunívocas (uma letra representando diferentes sons) Letra Fone (sons) Posição Exemplos S [s] [z] [š] [ž] Início da palavra Intervocálico Diante de consoante surda ou em final de palavra Diante de consoante sonora Sala casa, duas árvores resto, duas casas rasgo, duas gotas M [m] (nasalidade da vogal precedente) Antes de vogal Depois de vogal, diante de p e b mala, leme campo, sombra N [n] (nasalidade da vogal Antes de vogal Depois de vogal nada, banana, ganso, tango, conto 41 precedente) L [l] [u] Antes de vogal Depois de vogal bola, lua calma, sal [e] ou [ɛ] [i] Não-final Final de palavra dedo, pedra padre, morte [o] ou [ͻ] [u] Não-final Final de palavra bolo, cova bolo, amigo Fonte: Lemle (1995, p. 21) Quadro 05 - Relações não-biunívocas (um som representado por diferentes letras de acordo com a posição em que se encontra) Fone (som) Letra Posição Exemplos [k] c qu Diante de a, o, u Diantede e, i casa, come, bicudo pequena, esquina [g] g gu Diante de a, o, u Diantede e, i gato, gota, agudo paguei, guitarra [i] i e Posição acentuada Posição átona em final de palavra pino padre, morte [u] u o Posição acentuada Posição átona em final de palavra lua falo, amigo [R] (r forte) rr r Intervocálico Outras posições carro rua, carta, honra [ãw] ão am Posição acentuada Posição átona portão, cantarão cantaram [ku] qu qu cu Diante de a, o Diante de e, i Outras aquário, quota cinquenta, equino frescura, pirarucu [gu] gu gu Diante de e, i Outras agüenta, sagüi água, agudo Fonte : Lemle (1995, p. 22) Esses quadros não apresentam todas as informações sobre as relações entre som e letra, e as que são apresentadas podem variar de acordo com a comunidade linguística da qual o aluno fizer parte. É necessário ressaltar que para esse tipo de relação é possível aprender o emprego das letras por meio de uma regra, de modo que elas podem ser sistematicamente ensinadas pelo professor. c) Relações de concorrência – nas quais duas ou mais letras podem representar, numa mesma posição, o mesmo som. Quadro 06 - Relações de concorrência entre letras e fonemas Fone Contexto Letras Exemplos [z] Intervocálico s z mesa certeza 42 x exemplo [s] Intervocálico diante de a, o, u ss ç sç russo ruço cresça Intervocálico diante de e, i ss c sc posseiro, assento, roceiro, acento asceta Diante de a, o, u precedido por consoante s ç balsa alça Diante de e, i precedido por consoante s c persegue percebe [š] Diante de vogal ch x chuva, racha xuxu, taxa Diante de consoante s x espera, testa expectativa, texto Fim de palavra e diante de consoante ou de pausa s z funis, mês, Taís, atriz, vez, Beatriz [ž] Início ou no meio de palavra e diante de e, i j g jeito, sujeira gente, bagageiro [u] Fim de sílaba u l céu, chapéu mel, papel Zero Início de palavra zero h ora, ovo honra, homem Fonte: Lemle (1995, p. 24) O Quadro 06 apresenta, com base nos fatos do dialeto carioca, os principais casos da situação de concorrência pela qual mais de uma letra, na mesma posição pode servir para representar o mesmo som. 2.5.2.2 As regularidades e irregularidades da norma ortográfica segundo Morais (2010) Morais (2010), também procura examinar como está organizada a norma ortográfica de nossa Língua e apresenta uma classificação para as correspondências estabelecidas entre letras e sons no Português brasileiro. Segundo o autor, essa classificação é importante, pois nos permite compreender que os desvios ortográficos não são idênticos, mesmo que tenham aparência semelhante muitas vezes apresentam naturezas diferentes. Assim, Morais (2010, p. 35-44) aponta duas categorias em sua classificação: Correspondências regulares, (que se subdividem em regulares diretas, regulares contextuais, regulares morfológico-gramaticais) e correspondências irregulares. Para as palavras que apresentam correspondências irregulares, não há uma regra ou princípio que justifique o uso de determinada letra. Assim sendo, o aluno 43 terá que memorizar as formas permitidas pela norma. Geralmente, como nos mostra Morais (2010), nesses casos é a tradição de uso ou a etimologia (origem) que justifica o emprego de uma letra ou de um dígrafo. Exemplo de palavras que apresentam dificuldades ortográficas irregulares: cidade, jiló, hoje, girafa, enchente, enxada, etc. As dificuldades regulares são aquelas em que a compreensão de determinadas regras ou princípios gerativos permite ao aprendiz prever a letra ou o dígrafo adequado para se grafar uma palavra. O professor precisa ter discernimento do que é regular e irregular para poder organizar o ensino da ortografia. Dessa forma, ele saberá que erros ortográficos distintos podem ter origens diferentes e assim, terá maior facilidade para elaborar estratégias de intervenção adequadas a cada caso. Por trás das relações entre sons e letras existem diferentes critérios de organização que, como foi dito, são os casos de regularidades e irregularidades. Vejamos como eles se organizam: a) Casos de correspondências fonográficas regulares Como nos mostra Morais (2010), as relações regulares podem ser divididas em: regulares “diretas”, regulares “contextuais” e regulares “morfológico- gramaticais”. a.1) Regulares diretas: são casos em que só há uma letra para representar um som. Não haverá concorrência de letras, pois cada som só é representado por uma delas ou por um dígrafo. Nesse grupo, estão incluídas as grafias p, b, t, d, f e v. Ainda segundo Morais, algumas crianças, no início da aprendizagem da escrita alfabética, cometem trocas entre p e b, t e d e f e v. a.2) Regulares contextuais: são casos em que o contexto indicará qual a letra ou dígrafo deve ser usado. Assim, o aprendiz pode prever qual letra utilizar por meio das regras contextuais. Para isso, ele tem de aprender a raciocinar sobre as palavras. Sobre isso, Morais (2010) ressalta que 44 a compreensão dessas diferentes regras “contextuais” requer que o aprendiz atente para diferentes aspectos das palavras. Note-se, por exemplo, que em alguns casos ele precisará apenas observar qual letra vem antes e qual vem depois (ao decidir entre /m/ ou /n/ quando antecede outra consoante). Em outros casos ele precisará atentar para tonicidade (como no caso da disputa entre /o/ e /u/ no final das palavras). (MORAIS, 2010, p. 40) Se o aluno compreender as regras subjacentes a cada um desses casos ele terá mais segurança para grafar palavras que nunca viu, mas que apresentam as mesmas características. Segundo Morais (2010), os principais casos de correspondências regulares contextuais em nossa ortografia são: Quadro 07 - Casos de regularidades contextuais  o uso de R ou RR em palavras como “rato”, “porta”, “honra”, “prato”, “barata” e “guerra”;  o uso de G ou GU em palavras como “garoto”, “guerra”;  o uso do C ou QU, notando o som /k/ em palavras como “capeta” e “quilo”;  o uso do J formando sílabas com A, O e U em palavras como “jabuti”, “jogada” ou “cajuína”;  o uso do Z em palavras que começam “com o som do z” (por exemplo, “zabumba”, “zinco”, etc.);  o uso do S no início das palavras formando sílabas com A, O e U, como em “sapinho”, “sorte” e “sucesso”;  o uso de O ou U no final de palavras que terminam “com o som de U” (por exemplo, “bambo”, “bambu”);  o uso de E ou I no final de palavras que terminam “com som de I” (por exemplo, “perde”, “perdi”;  o uso de M, N, NH ou ~ para grafar todas as formas de nasalização de nossa língua em palavras como “campo”, “canto”, “minha”, “pão”, “maçã”, etc.) Fonte: Morais (2010, p. 39) Como pode ser visto a partir do Quadro 7 o contexto de uma palavra pode definir qual a letra correta a ser utilizada. Assim, por exemplo, o fonema /k/ deverá 45 ser representado pela letra ´c´ se anteceder as vogais „a‟, „o‟ e „u‟, e por „qu‟, se anteceder „e‟ ou „i‟. a.3) Regulares Morfológico-gramaticais: Para esse grupo é a compreensão de regras morfológico-gramaticais que asseguram a forma “correta” de grafar as palavras. Essas regras permitem ao aprendiz saber a letra adequada para empregar em determinados casos. Segundo Morais (2010), os alunos podem resolver uma grande variedade de problemas se conseguirem compreender alguns princípios gerativos ligados à categoria gramatical das palavras. Quadro 08 - Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes em substantivos e adjetivos Exemplos de regularidade morfológico-gramatical observados na formação de palavras por derivação:  “portuguesa”, “francesa” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem se escrevem com ESA no final;  “beleza”, “pobreza” e demais substantivos derivados de adjetivos e que terminam com o segmento sonoro /eza/ se escrevem com EZA;  “português”, “francês” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem se escrevem com ÊS no final;  “milharal”, “canavial”, “cafezal” e outros coletivos semelhantes terminam com L;  “famoso”, “carinhoso”, “gostoso” e outros adjetivos semelhantes se escrevem sempre com S;  “doidice”, “chatice”, “meninice” e outros substantivos terminados com o sufixo ICE se escrevem sempre com C;  Substantivos derivados que terminam com os sufixos ÊNCIA, ANÇA E ÂNCIA também se escrevem com C ou Ç ao final (por exemplo, “ciência”, “esperança” e “importância”). Fonte: Morais (2010, p. 41) Quadro 09. Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes nas flexões verbais As regras morfológico-gramaticais se aplicam ainda a vários casos de flexões dos verbos que causam dificuldades para os aprendizes. Eis alguns exemplos:  “cantou”, “bebeu”, “partiu” e todas as outras formas da terceira pessoa do singular do passado (perfeito do indicativo) se escrevem com U final;  “cantarão”, “beberão”, “partirão” e todas as formas da terceira pessoa do plural no futuro se escrevem com ÃO, enquanto todas as outras formas da terceira pessoa do plural de todos os tempos verbais se escrevem com M no final (por exemplo, “cantam”, “cantavam”, “bebam”, “beberam”); 46  “cantasse”, “bebesse”, “dormisse” e todas as flexões do imperfeito do subjuntivo terminam com SS;  todos os infinitivos terminam com R (“cantar”, “beber”, “partir”), embora esse R não seja pronunciado em muitas regiões do nosso país. Fonte: Morais (2010, p. 42) b) Irregularidades: É preciso memorizar São casos em que não existem “princípios gerativos” que determinem o emprego de uma ou outra letra. Dessa forma, é preciso memorizar as formas autorizadas e, sempre que tiver uma dúvida, o aprendiz deve pesquisar a palavra em um dicionário. Morais (2010) aponta um fator interessante para o ensino dessas dificuldades: o professor deve, em um primeiro momento, orientar os alunos a memorizar as palavras que mais aparecem na escrita deles, as mais comuns, para, só depois, se preocuparem com a aprendizagem das menos usuais. A seguir, apresentaremos os principais casos de irregularidades de nossa ortografia, elencados por Morais (2010, p.43). Segundo o autor elas se concentram na escrita:  do “som do “S”: (“seguro”, “cidade”, “auxílio”, “cassino”, “piscina”, “cresça”, “giz”, “força”, “exceto”);  do “som do “G”: (“girafa”,“jiló”);  do “som do “Z” (“zebu”, “casa”, “exame”);  do “som do “X” (“enxada”, “enchente”)  do emprego do H inicial (“hora”, “harpa”);  a disputa entre E e I, O e U em sílabas átonas que não estão no final das palavras (por exemplo, “cigarro”/ “seguro”; “bonito”/ “tamborim”)  a disputa do L com LH diante de certos ditongos (por exemplo, “Júlio” e “Julho”, “família”, “toalha”);  certos ditongos da escrita que têm uma pronúncia “reduzida” (por exemplo, “caixa”, “madeira”, “vassoura”, etc.) 2.6 Diferentes abordagens para classificação dos desvios de escrita Vários autores vêm se dedicando a analisar os desvios de escrita encontrados nas produções de textos de seus alunos, procurando entender de que forma se originam essas inadequações linguísticas, e o que elas podem indicar sobre a aprendizagem do sistema ortográfico pelo aprendiz. Apresentaremos, a 47 seguir, algumas das propostas mais relevantes, nessa área, oferecidas por Lemle (1995), Cagliari (2009), Carraher (1985) e Zorzi (1998) 2.6.1 Abordagem de Lemle Como já foi visto anteriormente, Lemle (1995), caracteriza três tipos de relação entre letras e fonemas: relações biunívocas, correspondências de um para mais de um e relações de concorrência. Partindo dessa classificação ela categoriza os desvios ortográficos em: a) Falhas de primeira ordem: caracterizam-se por não apresentarem uma correspondência linear entre as sequências dos sons e as das letras. Fazem parte dessa categoria, além de leitura lenta, a repetição de letras (ppai – pai, meeu – meu); a omissão de letras (trs – três, pota – porta); a troca na ordem das letras (parto – prato, sadia – saída); o conhecimento inseguro do formato de cada letra (rano-ramo, laqis – lápis, eua – lua) e a incapacidade de classificar algum traço distintivo de som (sabo – sapo, gato-gado, pita – fita). b) Falhas de segunda ordem: são aquelas nas quais a escrita apresenta-se como uma transcrição fonética da fala. Como por exemplo: matu para mato; bodi para bode; azma para asma; genrro para genro; falão para falam. c) Falhas de terceira ordem: apresentam trocas entre letras concorrentes, como nos exemplos: açado para assado; trese para treze; acim para assim; jigante para gigante; xinelo para chinelo; chingou para xingou; puresa para pureza; sau para sal; craro para claro; operaro para operário. 2.6.2 Abordagem de Cagliari Cagliari (2009), por sua vez, analisou desvios encontrados em textos espontâneos escritos por alunos das cidades de Aracaju, Sergipe, Campinas e São Paulo oferecendo uma amostragem que pode ser útil aos professores no entendimento do processo de aprendizagem da escrita. Por meio desse estudo, o autor constatou que, quando estão começando a produzir textos espontâneos, os aprendizes “aplicam nessa tarefa um trabalho de reflexão muito grande e se apegam a regras que revelam usos possíveis do sistema de escrita do português” (CAGLIARI, 2009, p. 120). É possível observar que eles procuram estabelecer uma 48 relação entre sons e letras a partir de regras que o próprio código ortográfico possui, não escrevendo de forma aleatória. As seguintes categorias de desvios foram elencadas pelo autor: transcrição fonética, uso indevido de letras, hipercorreção, modificação da estrutura segmental das palavras, juntura intervocabular e segmentação, forma morfológica diferente, forma estranha de traçar as letras, uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, acentos gráficos, sinais de pontuação, problemas sintáticos. a) Transcrição fonética: Ocorre quando o aluno apresenta em sua escrita uma transcrição da própria fala, como mostram os exemplos a seguir: a.1) Quando o aluno troca:a vogal „i‟ por „e‟, como em dci (disse), qui (que), tristi (triste); a vogal „u‟ por „o‟: „tudu‟ (tudo); a letra„u‟ por „l‟: „sou‟ (sol) e o “li” por “lh”: „armadilia‟ (armadilha). a.2) No acréscimo, troca ou omissão de letras: rapais (rapaz), mato (matou), mulhe (mulher), praneta (planeta). a.3) Na juntura intervocabular: „vaibora‟ (vai embora), aínsima (aí em cima) b) Uso indevido de letras: Caracteriza-se pelo fato do aluno escolher uma letra para grafar o som de uma palavra quando a norma ortográfica estabelece outra letra, como porexemplo,susego (sussego) ; dici (disse); caro (carro); licho (lixo); comeco (começo); cei (sei); traz (trás); aseito (aceito); felis (feliz); xata (chata); coando (quando); em (em); brincamdo (brincando); fogete (foguete); deneiro (dinheiro); lhomem: (homem). c) Hipercorreção: A hipercorreção acontece quando o aluno generaliza uma regra passando a utilizá-la em contextos inadequados. Por exemplo, sabendo que muitas palavras terminadas com e são pronunciadas com i o aluno passa a escrever todas as palavras que tem som de i no final com a letra e. (lapes para lápis). (CAGLIARI, 2009, p.124) d) Modificação da estrutura segmental das palavras: Refere-se a erros por troca, supressão, acréscimo e inversão de letras, como ocorre, por exemplo, nas palavras voz (foi), bida (vida), save (sabe), anigo (amigo), macao (macaco) e sosato (susto). e) Juntura intervocabular e segmentação: Refletem critérios que a criança utiliza ao analisar a fala. Uma vez que, nesta modalidade, a separação de palavras só é marcada pela entonação do falante, é possível que ocorra uma segmentação indevida durante a escrita ou que todas as palavras sejam grafadas unidas umas às 49 outras. É o que ocorre em “eucazeicoéla” (“eu casei com ela”) e a fundou (“afundou”) f) Forma morfológica diferente: ocorre quando, devido à variedade dialetal, o modo de falar do aprendiz é muito diferente do modo de escrever, dificultando a grafia correta das palavras. Por exemplo: ni um (em um ou num), pacia (passear), tá (está). g) Forma estranha de traçar as letras: caracteriza-se pela dificuldade no traçado das letras, principalmente as cursivas, como por exemplo, na escrita de um b é possível ler-se v (sabe para sabe). h) Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas: Por terem aprendido que nomes próprios devem ser escritos com a inicial maiúscula passam a escrever outras palavras também com maiúscula. i) Acentos gráficos: Muitos desses desvios são ocasionados pelo fato de haver uma semelhança ortográfica entre as formas com e sem acento. Por exemplo, em vó (vou), voce (você), nao (não), leao (leão). j) Sinais de pontuação: Por não ser um conteúdo ensinado logo nas primeiras séries do ensino os alunos podem trocar os sinais de pontuação. k) Problemas sintáticos: Desvios por problemas de natureza sintática, como concordância, regência verbal, etc. 2.6.3 Abordagem de Carraher Já para Carraher (1985) os desvios de escrita dos alunos refletem uma ligação com a regra alfabética básica, pois tentam representar cada som por uma letra. A autora utiliza a seguinte categorização: a) Transcrição da fala: segundo a autora, no início da escolarização as crianças estabelecem uma relação direta entre os sons e os grafemas, escrevendo conforme falam. Carraher (1985, p.272) ainda mostra que os desvios de motivação fonética são mais frequentes quanto maior for a diferença entre a variedade linguística falada pela criança e a forma escrita. b) Supercorreção: na tentativa de corrigir os desvios por transcrição da fala os alunos acabam gerando outro tipo “erro”: a supercorreção. Por exemplo: dizemos “vassôra”, mas escrevemos “vassoura”. O aluno pode grafar “professoura” por tentar seguir essa regra. 50 c) Erros por desconsiderar as regras contextuais: Na ortografia do Português, há casos em que o emprego de uma letra pode ser determinado pelo contexto imediato da palavra. Por exemplo: antes de p e b escreve-se m. d) Erros por ausência de nasalização: apesar da nasalização ser vista como um traço distintivo, podendo distinguir duas ou mais palavras (como em fã e fá, mão e mau), o fato de existirem variações de pronúncias que nasalizam ou deixam de nasalizar certas palavras, sem que haja qualquer risco de confusão, pode levar o aluno a concluir que essa marca é irrelevante para a escrita e passará a cometer desvios dessa natureza. e) Erros ligados à origem da palavra: Muitas palavras do Português brasileiro apresentam dificuldades para serem escritas, pois, a escolha da consoante para a representação de determinados sons reflete a origem da palavra, além de refletir a pronúncia. É o caso, por exemplo, do uso do g ou j antes do i. f) Erros por troca de letras: ocorrem quando o aprendiz faz a escolha errônea de uma letra para grafar um som. Na maioria das vezes trata-se de troca entre consoantes surdas e sonoras que têm outros traços distintivos em comum. g) Erros nas sílabas de estrutura complexa: caracterizam-se pela dificuldade do aprendiz em grafar sílabas com estrutura diferente, mais complexa que a padrão (formada vogal e consoante). Geralmente ocorre uma perda de consoantes “extras” ou a inclusão de vogais inexistentes. Exemplo: uso (urso), coelio (coelho). 2.6.4 Abordagem de Zorzi Quanto a Zorzi (1998) ele procura compreender como ocorre o processo de aprendizagem do sistema ortográfico pelas crianças. Para isso, analisou 514 produções escritas e classificou os desvios encontrados em dez categorias. São elas: a) Alterações ou erros decorrentes da possibilidade de representações múltiplas (casos nos quais um mesmo som pode ser grafado por diversas letras ou uma mesma letra pode representar diferentes sons. Ex: caçador/ casador, presente/prezente, manchar/ manchar, perguntou/ pergumtou, combinar/combinar, também/tanben, gelatina/gelatina, quarto/cuarto); 51 b) Alterações ortográficas decorrentes do apoio na oralidade (O aluno busca apoio no modo de falar para decidir o modo de escrever. Ex: soltou/soutou, trabalhar/trabaliar, quente/queiti, dormir/ durmi, se importa/ sinporta). c) Omissão de letras (palavras grafadas de modo incompleto em função da omissão de uma ou mais letras. Ex: sague/ sangue, quemar/queimar, coida /coitada). d) Alterações caracterizadas por junção ou separação não convencional das palavras (ocorrem quando as crianças usam o padrão de oralidade para segmentar a escrita. Ex: asvezes/às vezes, „na quele/ naquele). e) Alterações decorrentes da confusão entre as terminações am e ão (por influencia dos padrões de pronúncia palavras terminadas em am podem ser grafadas ão e vice-versa. Ex: falaram/falarão). f) Generalização de regras (alterações ortográficas decorrentes do modo das crianças generalizarem certos procedimentos de escrita, aplicando-os a situações nem sempre apropriadas. Ex: cinema: cenema). g) Alterações caracterizadas por substituições envolvendo a grafia de fonemas surdos e sonoros (caracteriza-se pela substituição de grupos de letras que apresentam em comum fonemas que se diferenciam pelo traço de sonoridade. Ex: cato/gato, vome/fome, peganto/pegando, bato/pato). h) Acréscimo de letras ( alterações decorrentes do aumento ou acréscimo de letras Exemplos: manchugar/machucar, estatava/estava, fuigiu /fugiu). i) Letras parecidas (palavras escritas erroneamente em razão do uso de letras incorretas, mas cuja grafia apresentava alguma semelhança com a letra que deveria ser utilizada. Ex: timha/tinha, caminlo/caminho, nedo/medo, caclorro/ cachorro). j) Inversão de letras (palavras que apresentam letras invertidas no interior das sílabas. Ex: pober/pobre, farquinho/ fraquinho). k) E uma categoria denominada pelo autor de “outras” (que engloba erros que não são categorizados em nenhuma das categorias anteriores. Ex: jange/sangue; gurcha/ bruxa, parcicho /parecido, britos /labirinto). 52 3 METODOLOGIA Nesse capítulo será apresentada a metodologia da pesquisa como também a metodologia utilizada para a intervenção realizada. Primeiramente apresentamos a abordagem da pesquisa, em seguida, a caracterização da escola na qual o trabalho foi desenvolvido e dos alunos que produziram os textos analisados, a apresentação do corpus e, por último, a categorização dos desvios encontrados. 3.1 Abordagem da pesquisa Neste trabalho, optamos por desenvolver uma metodologia de base qualitativa, interpretativa e quantitativa, porque nosso interesse é analisar os desvios fonológicos decorrentes da interferência da fala na produção escrita, a frequência com que eles aparecem nas produções textuais, como também entender as razões que levam os alunos a não empregarem uma escrita de acordo com as normas da ortografia de Língua Portuguesa. Para isso, trabalhamos com dois gêneros textuais, em sala de aula, resenha e artigo de opinião, e solicitamos à turma que reproduzisse textos, seguindo a estrutura dos referidos gêneros. A partir daí, analisamos os principais desvios apresentados nos textos dos alunos e buscamos embasamento em Lemle (1995), Cagliari (2009), Carraher (1985), Zorzi (1998), Guimarães (2005), Monteiro (2008) e Veçossi (2010) para entender as origens das inadequações linguísticas mais recorrentes. Diante disso, procuramos elaborar estratégias didáticas que possibilitem aos alunos um maior domínio da escrita, o que lhes garantirá maior participação nos eventos comunicativos sociais, tornando-os agentes de sua própria história. 3.2 Ambiente da pesquisa Essa pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, localizada na cidade de Ouro Branco, Estado do Rio Grande do Norte. A referida escola foi criada por meio do Decreto Nº 181/79 de 1º de fevereiro de 1980 e atende o Ensino Fundamental I e II, nos turnos matutino e vespertino. No ano de 2014 foram matriculados 408 alunos nessa instituição. 53 Com relação à estrutura física, a escola possui 10 salas de aulas, 01 sala de leitura, 01 sala de informática com acesso à internet, 01 sala onde funcionam jogos educativos, dependência administrativa (secretaria e direção), 01 sala dos professores e coordenadores, cozinha, almoxarifado, quadra de esportes, em construção e um pátio amplo com teatro aberto. 3.3 Caracterização dos informantes A sala de aula escolhida é formada por um universo de 25 alunos, sendo 07 do sexo masculino e 18 do sexo feminino. Nesse grupo, percebemos que 10 dos alunos apresentavam uma escrita mais comprometida com os desvios ortográficos e decidimos abordar esse grupo para as análises. Assim, contamos com a participação de 07 meninas e 03 meninos, com faixa etária entre 14 e 22 anos, todos assíduos às aulas do oitavo ano do Ensino Fundamental. Como percebemos, alguns estão fora de faixa etária para a referida turma, realidade essa que mostramos através da caracterização do quadro 10. QUADRO 10 – Caracterização dos alunos Identificação Sexo Idade Procedência (Zona Rural ou Urbana) AB M 14 anos Zona Rural CN F 14 anos Zona Rural DM F 18 anos Zona Rural GN M 22 anos Zona Rural JO F 14 anos Zona Rural LM F 14 anos Zona Rural MA M 17 anos Zona Urbana RM F 14 anos Zona Rural RA F 16 anos Zona Rural VC F 14 anos Zona Urbana Fonte: elaborado pela autora A partir da variável „procedência‟, pode-se acreditar que os resultados encontrados, mais adiante, estão relacionados ao fato de, 80% desses alunos, serem provenientes da Zona Rural e, talvez, determinados fatores, como por exemplo, a labuta no campo, a pouca condição econômica fazem com que eles se distanciem da leitura de livros, jornais etc., o que acaba dificultando o domínio da escrita por parte desses alunos. Diante da presença, cada vez mais significativa, de desvios nas produções textuais dos discentes dessa turma, pensamos em procurar uma forma de ajudá-los 54 a superar essa dificuldade na escrita, mas, para isso, seria necessário que, em primeiro lugar, fizemos uma identificação dos desvios encontrados. Assim, durante o período de três meses, os alunos foram orientados, em diferentes momentos, a produzirem três diferentes textos em sala de aula, sendo duas resenhas e um artigo de opinião, gêneros que pertenciam à grade curricular da série em que eles se encontravam. Para realizar a análise, selecionamos apenas os textos daqueles alunos que apresentaram maior número de desvios na escrita. 3.4 Estrutura do corpus O corpus de nossa pesquisa é composto por 30 textos: 10 do gênero artigo de opinião e 20 resenhas (10 sobre o filme: O conde de Monte Cristo e 10 sobre “Tristão e Isolda”). Essas produções foram coletadas nas aulas de Língua Portuguesa na referida turma. Primeiramente, trabalhamos com o gênero textual artigo de opinião. Estudamos com os alunos as características e a estrutura desse tipo de texto, apresentamos alguns exemplos e estimulamos a produção textual do artigo. Em seguida, trabalhamos com resenhas de filmes, seguindo a mesma sequência de abordagem do tema e de produção do texto. 3.5 Categorização dos desvios de escrita Para a análise dos desvios de escrita, encontrados nos textos retiramos das abordagens descritas na fundamentação desse trabalho, algumas das categorias utilizadas. No entanto, devido aos trabalhos realizados por esses autores não terem sido suficientes para dar conta de todos os desvios encontrados em nossa pesquisa, também buscamos bases teóricas nos trabalhos de Guimarães (2005), Monteiro (2008), Barrera e Nobeli (2009) e Veçossi (2010). Dessa forma, utilizamos as seguintes categorias: a) Desvios relacionados ao sistema gráfico Segundo Guimarães (2005, p.109) o sistema gráfico corresponde aos meios de que uma língua dispõe para exprimir os sons produzidos por seus usuários. Os desvios correspondentes a essa categoria englobam dois sub-tipos: desvios por motivação fonética e desvios por motivação fonológica. 55 a.1) Desvios por motivação fonética Esses desvios ocorrem quando a criança busca representar, a partir de sua escrita, a forma fonética das palavras, refletindo uma relação entre sons da fala e os grafemas. O desconhecimento das diferenças entre língua falada e língua escrita é o principal fator que influencia o surgimento desse tipo de desvio que é muito comum no início da escolarização. Entretanto esses desvios aparecem ainda, no Ensino Fundamental. Desse modo, o desvio por motivação fonética consiste na elevação de vogais tônicas, pretônicas e postônicas; nos casos de ditongação e monotongação; no apagamento da coda final /r/ e da coda medial /r/; na confusão entre am e ão e no apagamento de /d/ em verbos no gerúndio, ou ainda na inserção da coda final /r/ e na inserção de vogais. a.2) Desvio por motivação fonológica Refletem a relação fonema/grafema e envolvem aspectos segmentais e a grafia de estruturas silábicas. Segundo Guimarães (2005), as trocas entre os fonemas /p/- /b/, /t/-/d/ e /f/-/v/, por exemplo, podem ser consideradas como desvios segmentais e ocorrem pelo fato de esses pares serem muito parecidos, pois são produzidos a partir do mesmo modo e ponto de articulação e só se diferenciam pelo traço sonoro, ou seja, pela vibração ou não das cordas vocais. A autora ainda apresenta uma possível causa para essas alterações na escrita quando afirma que as correspondências biunívocas entre fonemas e letras estabelecem- se sempre que exista uma relação de um para um, isto é, cada letra com um fonema e cada fonema com sua letra, como /p/ /b/ „p, b‟; /t/ /d/ „t,d‟; /f/ /v/ „f,v‟; /a/ „a‟. A ortografia de palavras que envolvem tais grafemas não costuma presentar dificuldades para a criança que já se encontra em um estágio alfabético. Observamos, porém, que os erros que envolvem esse tipo de grafema podem estar relacionados à representação que a criança tem do fonema. (GUIMARÃES, 2005, p. 59). Em um estudo mais detalhado, o quadro abaixo, retirado de Monteiro (2008, p. 42), mostra as principais trocas relacionadas ao traço [sonoro] que podem ocorrer na escrita dos alunos. Observemos: 56 Quadro 11 – Substituições relacionadas ao traço sonoro Casos Exemplos Forma ortográfica Troca /k/ pelo /g/ griança Criança Troca /g/ pelo /k/ amicos Amigos Troca /b/ pelo /p/ tupo Tubo Troca /p/ pelo /b/ sabo Sapo Troca /f/ pelo /v/ veriado feriado Troca /v/ pelo /f/ fejo vejo Troca // pelo // ajou achou Troca // pelo // cheito jeito Troca /d/ pelo /t/ itea ideia Troca /t/ pelo /d/ dudo tudo Troca /k/ pelo /g/ aguilo aquilo Troca /g/ pelo /k/ ninquem ninguém Fonte: Monteiro (2008, p. 42) Quanto à dificuldade na grafia de estruturas silábicas complexas, é normal que ela apareça no início da aprendizagem da escrita, pois, ao começar a dominar o sistema alfabético, o aprendiz, geralmente, utiliza a sílaba padrão CV (consoante/vogal). Assim, estruturas formadas por VC, CVC ou CCV apresentam uma maior complexidade e demoram mais a serem entendidas. São considerados desvios por motivação fonológica os seguintes processos: Vozeamento e desvozeamento, dificuldade no emprego de sílabas complexas, troca de letras, segmentação e juntura intervocabular, acréscimo e omissão de letras. a.3) Supergeneralização Os desvios por supergeneralização ocorrem quando o aluno já tem o conhecimento de uma determinada regra e a generaliza empregando-a em contextos inadequados. Por exemplo, ele aprende que existem palavras no Português que, embora sejam pronunciadas /i/, devem ser escritas com e, passando a empregar essa regra a todos os casos. E assim, pode escrever eu dorme em vez de eu dormi. Segundo Monteiro (2008, p.43) esses casos recebem motivação tanto fonética quanto fonológica. b) Desvio relacionado ao sistema ortográfico b.1) Desvio por não considerar as regras regulares contextuais 57 Conforme nos mostra Morais (2010, p. 38), para muitas palavras é possível prever o emprego de determinadas letras a partir do contexto em que elas serão inseridas. Por exemplo: o grafema „g‟ antes de „e‟ ou „i‟ tem som de [], mas, para ter som de [g], precedendo essas vogais, necessita formar o dígrafo „gu‟. Quando o aluno deixa de considerar essas características contextuais ocorre o desvio. b.2) Desvios por não considerar as correspondências irregulares Algumas palavras apresentam uma maior complexidade na relação entre letras e sons do sistema ortográfico, sendo necessário que o aprendiz leve em consideração aspectos morfológicos e etimológicos para poder escrevê-las. Esses casos são marcados por relações múltiplas, uma vez que um grafema pode representar vários fonemas e um fonema pode ser representado por diferentes grafemas. Para Lemle (1995), o domínio básico desses desvios, nos quais escolher a letra correta para grafar uma palavra é uma tarefa totalmente arbitrária, constitui a última etapa do processo de escrita. c) Confusão entre letras parecidas É comum que crianças no início da alfabetização confundam algumas letras que têm o traçado semelhante e acabem trocando-as na hora de escrever. Tal é o caso das trocas entre m e n, l e t, etc. d) Desvios por desconhecimento de regras gramaticais Esse tipo de desvio ocorre porque o aprendiz desconhece algumas regras gramaticais necessárias para escrita permitida pela norma ortográfica. e) Dificuldade na separação de sílabas Ocorre quando o aluno faz uma separação de sílabas de forma inadequada mostrando uma falta de consciência desse processo. O aluno, nesses casos, segmenta a palavra no lugar em que termina a linha da página, sem considerar as regras de composição silábica. Partindo das categorias supracitadas o capítulo a seguir apresenta uma análise e discussões dos desvios encontrados nos textos dos alunos. 58 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DESVIOS ENCONTRADOS NOS TEXTOS DOS ALUNOS Foi encontrada uma quantidade considerável de desvios de escrita nas produções textuais dos alunos acompanhados e, na presente pesquisa, buscou-se englobá-los em 5 grandes categorias que, em alguns casos, se subdividem. São elas: desvios relacionados ao sistema gráfico, desvios relacionados ao sistema ortográfico, confusão entre letras parecidas, desvios por desconhecimento de regras gramaticais e dificuldade na separação de sílabas. 4.1.Desvios relacionados ao sistema gráfico Os desvios relacionados ao sistema gráfico consideram aspectos fonéticos e/ou fonológicos e no presente trabalho em desvio por motivação fonética, desvio por motivação fonológica e supergeneralização. 4.1.1 Desvios por motivação fonética Encontrou-se nos textos analisados, uma grande quantidade de desvios devido ao reflexo da fala, que ocorre quando o aprendiz escreve uma palavra de acordo com a forma que a pronuncia, sem levar em consideração a regularidade da norma ortográfica. No quadro seguinte, são apresentados alguns desvios por motivação fonética encontrados nos textos dos alunos: Quadro 12 - Desvio devido à transcrição fonética Elevação da vogal pretônica inicial infrentavam – enfrentavam, istranha – estranha, incenou – ensinou, invenenada – envenenada e interrada – enterrada. Elevação da vogal tônica humens – homem, luna – lona (3x), aunde – aonde (2x), vergunha – vergonha, humen – homem Elevação da postônica final Abadi – abade, condi – conde, descobri – descobre, mereci – merece Elevação da vogal átona do clítico si – se (6x) Monotongação carcereros – carcereiros, especi – espécie , oviou – ouviu, dos – dois, tezoros – tesouros, cardas – guardas, guerrero – guerreiro, chego – chegou, tesoro – tesouro, entro – entrou, bera – beira. 59 Ditongação atraiz – atrás, essio – isso, faz – fais, sei – sem, nei – nem, feiz – fez Apagamento de coda medial /r/ sugiu – surgiu, cacereros – carcereiros, ilandeses – irlandeses (3x), mage – margem, pesseba – perceba Apagamento de coda final /r/ liberta – libertar, Ve – ver, confirma – confirmar, joga – jogar, Fica – ficar (2x), derrota – derrotar, entrega – entregar (3x), chega – chegar (3x), procura – procurar, diverti – divertir, compromete – comprometer, melho – melhor, ganha – ganhar, esta – estar, namora – namorar (4x), estraga – estragar, encontra – encontrar (2x), para – parar, more – morrer, brinca – brincar, busca – buscar, transforna – transformar Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio cavano – cavando, precisano – precisando Inserção de vogais Oviou – ouviu,boua – boa, infelizimente - infelizmente Inserção de coda final /r/ farar – fará (2x), ler – lê, lar – lá (4x), tar – tá, chegar – chega, ficar – fica, sor – só, pelor – pelo,tunior – túnel,falar – fala, passador – passado, prometer- promete,epocar – época,dar – dá, dar – da, quer – que, trair – trai,entendor – entendo,onder – onde, vidar – vida, ser – se, Fonte: elaborado pela autora Ao observar o quadro 12, necessita-se explicar cada processo encontrado com base na motivação fonética. a) Grafia das vogais Quanto às vogais, de acordo com Câmara Jr (2010, p.44), em posição átona elas passam por um processo de neutralização, eliminando a distinção entre alguns fonemas, como ocorre com /e/ - /E/ e /o/ - /O/. Assim, os sete sons vocálicos do Português brasileiro (/i/, /e/, /E/, /a/, /O/, /o/, /U/) podem ser reduzidos a cinco (/i/, /e/, /a/, /o/, /U/), como em casos de sílabas pretônicas( „ab[]rtura‟/ab[e]rtura, []ração/ [o]ração) ou a três (/i/, /a/, /u/), como ocorre em sílabas postônicas finais, nas quais há também perca dos traços distintivos entre /o/ e /u/ („sac[o]‟, „sac[u]). Já na posição postônica não final pode ocorrer a perda do traço distintivo entre „o‟ e „u‟ (abórb[u]ra / 60 abob[o]ra). Esses fatores fazem com que o aluno fique confuso na hora de escolher a vogal adequada para grafar determinadas palavras. Para Monteiro (2008 p. 77), os casos que envolvem a grafia da pretônica inicial (pouco frequente nesse estudo) são decorrentes da arbitrariedade da norma, pois não há uma regra fácil de determinar a grafia da vogal. Enquanto que para o levantamento da vogal postônica final e da vogal átona do clítico, a autora aponta que é possível identificar uma regra que defina a grafia adequada „e‟ ou „o‟. Na modalidade oral, segundo Bisol (1981) apud (Veçossi, 2010, p. 86), a elevação das vogais pretônicas pode ter a nasalidade como um fator motivador. Desse modo, compreendem-se os fatores que levaram os alunos a grafar infrentavam – enfrentavam, incenou (ensinou), invenenada (envenenada) e interrada (enterrada) em seus textos. Para Veçossi (2010, p. 86), outro fator que favorece esse processo de elevação é a vizinhança de um segmento alveolar sibilante. O autor encontrou em seu trabalho o caso da palavra „esforço‟ que foi grafada como „isforço‟; no presente trabalho a palavra „estranha‟ que foi grafada como „istranha‟. Quanto à elevação da vogal postônica final, foram encontrados quatro casos (abadi/abade, condi/conde, descobri/descobre, mereci/merece) relacionados à grafia do fonema [i] que poderiam ter sido evitados se os alunos tivessem considerado a regra segundo a qual numa posição de sílaba acentuada (tônica) o som [i] é grafado com a letra „i‟ enquanto que numa sílaba átona final de palavra corresponderá à letra „e‟. b) Ditongação e monotongação A respeito da grafia dos ditongos as seguintes classificações foram utilizadas: ditongação e monotongação. A primeira ocorre quando o aluno escreve duas vogais para uma sílaba que só tem uma. Por exemplo: „faiz‟ em vez de „faz‟. Já a segunda se caracteriza pela redução do ditongo a uma única vogal e reflete o que se passa na oralidade quando o aprendiz pronuncia, por exemplo, „pexe‟, em vez de peixe‟. Nos textos analisados foram encontrados 11 casos de monotongação e 6 de ditongação. 61 A literatura na área mostra que a monotongação dos ditongos [ay], [ey] e [ow] ocorre primeiramente na fala o que influencia o surgimento desse processo na escrita. Segundo Veçossi (2010 p. 86), o ditongo [ow] sofre monotongação em todos os contextos fonológicos, já o [ey] sofre variação em quatro ambientes (diante de [r], [], [] e [g]) e o [ay] só varia antes de []. Este trabalho apresentou os seguintes casos desse tipo de desvio: carcereros – carcereiros, guerrero – guerreiro, bera – beira, tezoros – tesouros, tesoro – tesouro. Como pode ser observado, os casos de monotongação do [ey] apareceram em quantidade um pouco superior a do [ow] e não houve nenhum caso envolvendo o ditongo [ay]. Nos textos analisados, ainda foram encontrados dois casos em que o desvio poderia ter sido evitado se o aprendiz tivesse o conhecimento da seguinte regra morfológica contextual: “Todo verbo regular de primeira conjugação na terceira pessoa do singular do pretérito do indicativo termina em „ou‟ (vogal temática „o‟ + desinência número pessoal „u‟”). Foram eles: chego – chegou e entro – entrou. Outros casos de monotongação foram encontrados nos dados dessa pesquisa: especi – espécie, oviou – ouviu, dos – dois, cardas – guardas. c) Apagamento da coda /r/ em posição medial e final O apagamento da coda “r”, tanto na posição final da sílaba quanto na medial, é considerado um desvio por motivação fonética. Monteiro (2008, p. 40) apresenta um exemplo dessa relação ao ressaltar que, mesmo na forma oral mais próxima da padrão, o “r” do infinitivo dificilmente é pronunciado, o que leva o aluno a omitir essa letra ao escrever. Acredita-se que o conhecimento da regra morfológica segundo a qual o verbo no infinitivo é grafado com „r‟ no final facilitaria a grafia dessas palavras pelos alunos. No presente estudo, esse desvio apareceu em uma quantidade considerável: 32 casos de apagamento do /r/ em coda final e 6 casos de omissão do /r/ em coda medial. Esses fatores nos mostram que, embora os alunos acompanhados estejam no oitavo ano do Ensino Fundamental, tendo, assim, um maior tempo de contato com a escrita, eles ainda não estão conseguindo refletir sobre a mesma, enquanto sistema de representação. 62 d) Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio A variação linguística é apontada como outro fator presente na perpetuação dos desvios por transcrição da fala. Segundo Carraher (1986), os desvios por motivação fonética são mais frequentes quanto maior for à diferença entre a variedade linguística falada pelo estudante e a forma escrita. No presente estudo essa característica apareceu no texto de alguns alunos por meio da omissão da letra d no gerúndio. Como por ex‟emplo: cavano e precisano. E, ainda, em casos como dormiro e amaro que podem ser evitados se o aluno levar em consideração as regras morfológicas para 3ª pessoa do plural. Esses tipos de desvios não devem ser estigmatizados na escola, o professor deve discutir com os alunos as diferenças entre língua falada e língua escrita, valorizando as variedades linguísticas apresentadas por eles. e) Inserção de coda final /r/ e inserção de vogal Os últimos casos referentes a essa categoria são: inserção de vogal, que apresentou apenas duas ocorrências e inserção de coda final /r/, com um número bem mais relevante, 23 ocorrências. Para esse último processo acredita-se que no momento de escrever o aprendiz faz uma associação auditiva à pronúncia dos verbos terminados em ar, er e ir (cantar, brincar, chover, dormir) ou de palavra que terminem com /r/ (Guiomar, Baltazar, ar, âmbar, bar, colar (de pérolas), dólar par, ímpar, avatar, colher, talher, trabalhador, amor, horror, calor, dor, abajur etc.) e acaba inserindo essa consoante em palavras nas quais ela não deve aparecer. Zorzi (1998) busca apontar, em seu trabalho, alguns motivos que levam o aluno a apresentar uma escrita com base em pistas acústico-articulatórias. O primeiro deles, segundo o autor, é o fato de a linguagem oral constituir-se como uma língua mais antiga, pois, antes de aprender a escrever, o aluno já tem um domínio sobre ela, sendo natural que ele utilize alguns conhecimentos relacionados à mesma no início da aprendizagem da escrita. No entanto, cabe ressaltar que, os alunos abordados no presente estudo já estão no oitavo ano do Ensino Fundamental, assim, as estratégias de ensino não estão sendo suficientes para ajudá-los a avançar no domínio dessa modalidade linguística. Um segundo motivo para o surgimento desses desvios é o fato de existirem algumas palavras na Língua 63 5% 7% 4% 5% 10% 6% 6% 29% 2% 3% 23% Elevação da vogal pré-tônica inicial Elevação da vogal tônica Elevação da postônica final Elevação da vogal átona do clítico Monotongação Ditongação Apagamento de coda medial /r/ Apagamento de coda final /r/ Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio Inserção de vogais Inserção de coda final /r/ Portuguesa que são escritas praticamente do mesmo modo como são faladas. E uma terceira razão seria de ordem pedagógica, pois, muitas metodologias de ensino ao colocarem a criança em contato apenas com formas mais regulares e fonéticas da ortografia, reforçam a crença inicial de que a escrita é uma transcrição da fala. Além disso, algumas práticas pedagógicas orientam os alunos a prestarem atenção ao modo de pronúncia das palavras na hora de escrever “como se a fala fosse um fator determinante da escrita”. (ZORZI,1998, p. 52). De acordo com Cagliari (1999) e Carraher (1986) à medida em que as crianças vão mantendo maior contato com a escrita e percebem a diferença entre língua oral e língua escrita esses desvios tendem a diminuir. A partir do gráfico 01, a frequência de cada um dos desvios relacionados à motivação fonética pode ser observada: Gráfico 01 – Desvio por motivação fonética Fonte: elaborado pela autora 64 Como podemos observar, o resultado apresentado neste gráfico mostra que a maioria dos desvios relacionados à motivação fonética refere-se ao apagamento da coda final /r/, que contabilizou 29% dos casos, seguidos da categoria inserção da coda final com 23% e, em menor quantidade, apareceu à inserção de vogais (3%) e apagamento do „d‟ em gerúndio (2%). 4.1.2 Desvios por motivação fonológica Os desvios encontrados nessa pesquisa, referentes a essa categoria, foram vozeamento e desvozeamento; dificuldade na grafia de sílabas complexas; confusão entre ão e am; juntura intervocabular e segmentação, acréscimo de letras, omissão de letras, nasalização e desnasalização. A partir do quadro 13 pode-se ser visto como esses desvios apareceram nos textos dos alunos: Quadro 13 - Desvio por motivação fonológica Vozeamento maba – mapa, monde – monte, provisão – profissão, verimentos – ferimentos, confrondo – confronto, cardas – guardas Desvozeamento cardas – guardas, escondericho – esconderijo Dificuldade na grafia de estruturas silábicas complexas colheceu – conheceu, buço – bucho, esguri – escrito, conta – contra, Ingratera – Inglaterra (2x), cleceu – cresceu, Ingaterra – Inglaterra, li – lhe Confusão entre ão e am correram – correrão, avião – haviam, jogarão – jogaram, viajarão – viajaram, chegarão – chegaram, chegaranhão – chegaram, andarão – andaram, acharão – acharam, levarão – levaram, ficarão – ficaram, viverão – viveram, declarão – declaram, fição – ficam, apaixonão – apaixonam, ganharão – ganharam, pertensião – pertenciam, tratão – tratam, apaixonão – apaixonam, encontrarão – encontraram, dormirão – dormiram, tiveram – tiveram (2x), avãosados – avançados 65 Juntura intervocabular propôsum – propôs um, apremeira – a primeira, alevou – o levou, perdoala – perdoá- la, confiase – confiar-se, agente – a gente, ensima – em cima Segmentação A o – ao, a quelas – aquelas, em fim – enfim, de pois – depois, auferessem – oferecem, leva- se – levasse Acréscimo de letras pissa – pisa, tessouro – tesouro, marioria – maioria Omissão de letras namor – namorar, esperienci – experiência, des – dessa, relacinamento – relacionamento, no – não, Chef – chefe (04x), ouras – outras, nanoram – namorarem, mage – margem, se apaixou – se apaixonou, souto-se – soltou-se Nasalização vinheram – vieram , començam – começam Desnasalização carruaje – carruagem, denosiol – denunciou, vigança – vingança (3x), vingaça – vingança, denuciou – denunciou, coceguir – conseguir, preferi – preferem, tentado – tentando, arrepedendo – arrependendo, queri – querem, tei – tem, dormiro – dormiram, amaro – amaram, numa – nunha, marge – margem, romace – romance, conseguido – conseguindo, principal – principal, sei – sem, nei – nem. Fonte: elaborado pela autora a) Vozeamento e desvozeamento Esses processos representam a troca de consoantes surdas por sonoras ou vice-versa e são considerados „falhas de primeira ordem‟ por Lemle (1995, p.40). Para Zorzi (1998), esses desvios de escrita podem ocorrer devido às dificuldades que o aluno tem em discriminar os sons da própria fala. Ainda de acordo com o autor, quando falamos, devido a certos automatismos, não precisamos pensar no 66 som que vamos reproduzir. No entanto na escrita o processo é diferente. Para decidir qual a letra que deve ser utilizada, temos que procurar identificar, em nossa própria fala, os sons que compõem uma determinada palavra. Entretanto, Guimarães (2005, p. 59), esse processo de substituição de fonemas sonoros por surdos na escrita reflete o mesmo processo que ocorre durante a aquisição da fala pela criança. De acordo com Monteiro (2008), desvios relacionados à grafia de estrutura silábica e à troca de fonemas vozeados e não-vozeados são naturais a crianças que estão começando a produzir textos escritos. Logo, mais uma vez, pode-se concluir que os alunos alvo dessa pesquisa já deveriam ter suprido essa dificuldade. Nos dados desta pesquisa, encontrou-se as seguintes ocorrências de vozeamento: maba – mapa, monde – monte, provisão – profissão, verimentos – ferimentos, confrondo – confronto. Observa-se, que nesses casos ocorreram substituições dos fonemas: /p/ por /b/, /t/ por /d/, /f/ por /v/ e /t/ por /d/. Quanto ao desvozeamento foram encontradas apenas duas ocorrências: Cardas – guardas e escondericho – esconderijo, nas quais observamos a troca dos fonemas /k/ por /g/ e // por // b) Dificuldade na grafia de sílabas complexas Quando começa a dominar o sistema alfabético de escrita, o aprendiz ainda apresenta dificuldade no emprego de sílabas complexas, ou seja, aquelas que fogem ao padrão CV (consoante-vogal). Assim, as sílabas formadas por VC, CVC, ou CCV apresentam uma maior complexidade para o aprendiz da língua escrita. A respeito da ordem de aquisição desses padrões silábicos Veçossi (2010, p. 122) afirma que A literatura da área que trata de aquisição de estruturas silábicas na oralidade aponta a seguinte ordem de aquisição: CV  CVC  CCV, isto é, após aquisição do padrão CV, haveria a emergência de sílabas com coda („casca‟) e, na sequência, sílaba com ónset complexo („prato‟). Segundo Barrera e Nobeli (2009), as alterações por troca de letras, nasalização e as dificuldades diante de sílabas complexas podem indicar 67 Um domínio ainda incompleto do sistema alfabético mesmo em termos de correspondências básicas mais regulares entre grafemas e fonemas o que sugere dificuldades e termo de consciência fonológica (p. 47-48). Outra característica que também se enquadra nessa categoria é a dificuldade no emprego de dígrafos, aspecto bastante frequente nos textos analisados. Como por exemplo: colheceu – conheceu, buço – bucho e li – lhe. c) Confusão entre am e ão Esse tipo de desvio (am>ão) ocorre quando palavras que terminam em am são grafadas como ão ou vice-versa. De acordo com Zorzi (1998), apesar desse desvio ser influenciado pela oralidade, a diferença que há entre essas duas terminações não é de base fonética mas reside num fator entonacional, ou seja, diz respeito a posição da sílaba tônica dentro da palavra. Enquanto, por exemplo, a palavra cantaram é paroxítona a palavra cantarão é oxítona. Como mostra o autor, os fonemas produzidos são os mesmos e o final da palavra tende a ser pronunciado como “ãu”, no entanto, esse “ãu” se transforma em “am” se a tonicidade incidir na penúltima sílaba e em “ão” se a tonicidade incidir na última sílaba. Entretanto o desconhecimento da norma gramatical interfere na estabilidade do uso dessas duas terminações. f) Juntura intervocabular e segmentação A juntura intervocabular ocorre quando dois ou mais elementos que deveriam aparecer separado sem uma frase são ligados na escrita. De acordo com Cagliari (1989), apud (ZORZI, 1998, p.61), as junções podem ser determinadas pela entonação do falante uma vez que palavras pronunciadas dentro de um mesmo grupo tonal tendem a ser escritas juntas. Assim sendo, foram encontradas sete ocorrências desse tipo de desvio nos textos analisados: propôsum – propôs um, apremeira – a primeira, alevou – o levou, perdoala – perdoá-la, confiase – confiar-se, agente – a gente, ensima – em cima. Segundo Veçossi (2010, p. 103), a juntura intervocabular expressa que em casos como propôsum – propôs um, apremeira – a primeira, alevou – o levou e agente – a gente pode envolver “a consideração por parte do aprendiz de que a estrutura composta por palavra gramatical (artigo, 68 conjunção, pronome, etc.) + palavra lexical (ou vice-versa) consiste em um único item lexical”. Já na segmentação indevida ocorre um processo inverso, no qual há uma separação ortograficamente incorreta dos vocábulos de uma frase. Segundo Zorzi (2010, p. 60), para segmentar corretamente as palavras por meio de espaços em branco, o aprendiz precisa ter um conhecimento convencional da grafia das mesmas, e também alguma noção do que possa ser uma palavra. Ocorreram seis casos de segmentação em nosso estudo: A o – ao, a quelas – aquelas, em fim – enfim, de pois – depois, auferessem – oferecem, leva-se – levasse. Ainda de acordo com Zorzi (1998, p. 61) esse tipo de processo “pode acontecer em razão da acentuação tônica das palavras, que se reflete no modo como as sílabas são separadas”. Como se trata de um aspecto prosódico relacionado ao acento, ao ritmo e à entonação consideramos esse fator decorrente de motivação fonológica. g) Acréscimo de letras São casos em que as palavras apresentam mais letras do que ,convencionalmente, deveriam ter. Lemle (1995) incorpora essa categoria nas „falhas de 1ª ordem‟ que são aquelas em que não há uma correspondência linear entre a sequência dos sons e a das letras. Já para Cagliari (2009), ela pode ser classificada como „modificação da estrutura segmental das palavras‟. O acréscimo de letras não foi uma alteração encontrada, com frequência, nos textos dos alunos desse estudo, com apenas quatro casos registrados. Para Zorzi (1998, p. 75/76), não parece ser uma letra qualquer que as crianças inserem na palavra, aumentando sua extensão. O autor mostra que, em geral, há uma tendência em duplicar uma das letras que a palavra já possui. Na presente análise, isso pode ser visto a partir da inserção da letra „s‟ nas palavras: pissa para pisa e tessouro para tesouro, marioria para maioria, chegaranhão para chegaram. Os dois primeiros casos podem também ser causados pelo desconhecimento da regra contextual do „s‟ intervocálico. h) Omissão de letras Caracteriza-se pelo modo incompleto de grafar as palavras, devido à omissão de uma ou mais letras. De acordo com Lemle (1995), os alunos que apresentam 69 esses desvios de escrita ainda estão na fase de dominar as capacidades prévias da alfabetização, apresentando falhas que a autora classifica como sendo de primeira ordem. Para Zorzi (1998), existem algumas possibilidades para explicar a omissão de letras na escrita dos alunos. Segundo esse autor, o aprendiz pode não conseguir realizar uma análise sonora de todos os fonemas que compõem uma palavra, ou, mesmo apesar de ser capaz de realizar tal análise, é possível que ele tenha dúvidas ou ignore como tal combinação de sons deve ser grafada, visto que, além da falta de conhecimento das letras que estruturam uma sílaba, há o fato de algumas palavras não apresentarem uma correspondência exata entre o número de fonemas e o número de letras que devem ser grafadas, confundindo, assim, a cabeça do jovem escritor. Numa terceira hipótese, o autor acredita que o aluno possa ter dificuldade no controle da escrita, devido à falta de sincronia entre o pensar uma palavra e articular sua escrita. Há ainda o fato do aluno não revisar seu texto devido à pressa ou falta de hábito em realizar essa atividade. No presente estudo foram encontrados catorze casos desse tipo de desvio, apresentando as seguintes características: Omissão do núcleo silábico – 7 casos (relacinamento – relacionamento, no – não, esperienci – experiência, chef – chefe (4x)); omissão de sílabas – 3 casos (des – dessa, nanoram – namorarem, se apaixou – se apaixonou); omissão do núcleo da sílaba – 4 casos (namor – namorar, souto-se – soltou-se), omissão do ónset – 1 caso (ouras – outras), omissão da coda final – 1 caso: mage – margem. i) Nasalização e desnasalização A nasalização ocorre quando o aluno substitui um fonema oral por um fonema nasal. Na desnasalização, ocorre o contrário. Esses processos apresentam um fator a mais de dificuldade ortográfica visto que, nos casos em que eles ocorrem pronunciamos menos fonemas do que as letras que compõem a palavra. Por exemplo, o “m” e o “n”, muitas vezes, são empregados apenas para nasalizar a vogal que o antecede. Essas características podem aumentar as dúvidas do aprendiz na hora de escrever, e pesquisas na área mostram que esse tipo de desvio ocorre devido a uma dificuldade das crianças em diferenciar as vogais orais das nasais. O gráfico 02 mostra o percentual de desvios referente a cada uma das categorias motivadas fonologicamente: 70 Gráfico 02 – Desvio por motivação fonológica Fonte: elaborado pela autora Fonte: elaborado pela autora Como podemos observar, as categorias relacionadas à motivação fonológica aparecem de forma bem distribuída quanto à frequência, destaca-se a confusão entre ão e am com uma maioria de 24% e, em menor quantidade, o desvozeamento e a nasalização, figurando com 2% dos casos. 4.1.3 Supergeneralização Segundo Guimarães (2007), a supergeneralização ocorre quando a criança começa a tentar corrigir os desvios por transcrição de fala, uma vez que ela já compreendeu a diferença entre oralidade e escrita (p. 127). Pesquisadores e estudiosos da área deram diferentes denominações a essa categoria, Cagliari (2009) classifica-a como hipercorreção, Carraher (1985), como supercorreção e, para Zorzi (1998) trata-se de generalização de regras. Os desvios por supergeneralização têm relação com a fonética e com a fonologia. Segundo Monteiro (2008, p. 81) ela ocorre pelo fato de a criança generalizar regras sem observar as sub-regularidades do sistema. No quadro 14, citamos os processos considerados desvios por supergeneralização. 7% 2% 10% 24% 8% 7% 3% 15% 2% 22% Vozeamento Desvozeamento Dificuldade no emprego de sílabas complexas Confusão entre ão e am Juntura intervocabular Segmentação Acréscimo de letras Omissão de letras Nasalização Desnasalização 71 Quadro 14 - Desvios por supergeneralização Abaixamento da vogal pretônica Denonsiol – denunciou,fogir – fugir, premeira – primeira, alferresem – oferecem, Lotol – lutou Abaixamento da vogal pretônica inicial enventou – inventou, enjustiça – injustiça, envadir – invadir, envadem – invadem, infelizmente – infelizmente – alferessem – oferecem Abaixamento da vogal tônica toneo – túnel (3x), toneos – túneis, tonio – túnel, seguinte – seguinte, essio – isso Troca do „u‟ pelo „l‟ Denonsiol – denunciou, lotol – lutou, enganol – enganou Troca do „u‟ por „o‟ Vio – viu, saio – saiu (2x), moreo – morreu, fureo – fugiu Troca do „l‟ por „o‟ toneo – túnel (3x), tonio – túnel, difício – difícil Fonte: elaborada pela autora Quanto ao abaixamento da vogal pretônica, ele pode corresponder ao fato de haver uma alternância na pronúncia desses fonemas, sendo as vogais altas, muitas vezes, pronunciadas como médias. No abaixamento da vogal tônica, o aprendiz generaliza a regra em que deve grafar „o‟ para o som [u] átono. E, sobre a troca do „u‟ por „l‟, ela pode ocorrer devido ao estudante perceber que, ao pronunciar o som do „u‟ em posição pós-vocálico, sempre escreve „l‟ e deixa de considerar que, em terceira pessoa do singular no pretérito perfeito do indicativo, o verbo deve ser grafado com „u‟ no final. No que diz respeito à troca da vogal „u‟ por „o‟ ela pode ocorrer, segundo a literatura na área, devido ao aprendiz generalizar a regra segundo a qual o „u‟ átono, no final da palavra, é representado por „o‟. Assim, ele não leva em consideração o fato do fonema da 3ª pessoa do singular ser grafado com „u‟. O gráfico 03 mostra o percentual de desvios relacionados aos casos de supergeneralização: 72 Gráfico 03 – Supergeneralização Fonte: elaborado pela autora Observa-se, a partir dos dados apresentados, que há uma certa equivalência entre essas categorias. Três delas - o abaixamento da vogal pretônica, a troca do „u‟ por „o‟ e a troca do „l‟ por „o‟ - apresentam a mesma porcentagem, 16%. O abaixamento da vogal pretônica inicial figurou com 19% das ocorrências e o abaixamento da vogal tônica com 23%. Em último lugar, quanto à quantidade, temos a troca do „u‟ pelo „l‟, com 10% dos casos. 4.2 Desvios relacionados ao sistema ortográfico 4.2.1 Desvio por desconhecimento das regras regulares contextuais Os alunos que cometem esses desvios apresentam dificuldades ortográficas de escrita uma vez que, como nos mostra Carraher (1985), o domínio das regras contextuais exigem certa relativização da hipótese alfabética já que a criança deve coordenar a análise da sequência de fonemas com informações sobre a posição das letras antecedentes e consequentes. Nos dados analisados, foram encontrados os seguintes desvios por não considerar as regras contextuais: troca da coda medial „m‟ por „n‟, dificuldade na 16% 19% 23% 10% 16% 16% Abaixamento da vogal pretônica Abaixamento da vogal pretônica inicial Abaixamento da vogal tônica Troca „u‟ pelo „l‟ Troca do „u‟ por „o‟ Troca do „l‟ por „o‟ 73 representação do fonema /g/, dificuldade na representação do fonema /ʀ/, em contexto intervocálico, e dificuldade no emprego do “j” na frente de a, o, u, como podemos ver no quadro seguinte: Quadro 15 – Desvios por desconhecimento das regras contextuais Desvio relacionados à grafia da coda nasal medial troca do m por n ou n por m Conpromisso – compromisso (2x), conpletava – completava, entrega – emtrega, enbora – embora, conpra – compra, conprometer – comprometer, inportante – importante, tanbém – também, emvolver – envolver, ums – uns, lenbrança – lembrança Dificuldade na representação do fonema /g/ consegiu - conseguiu, gerra– guerra, pegua – pega Dificuldade na representação do fonema /ʀ/ guereiro – guerreiro (3x), Ingratera – Inglaterra, morendo- morrendo, morer – morrer (3x), moreo – morreu, morido– morrido, carosa – carroça, horível – horrível, agaradinhos – agarradinho, Inglatera – Inglaterra Dificuldade na representação do fonema // diante de a, o, u. agudou – ajudou, aguda – ajuda, agudão – ajudam Fonte: elaborado pela autora A respeito da troca da nasal „m‟ por „n‟, ou vice-versa, sabemos que ela ocorre quando o aluno não leva em consideração a regra ortográfica que define qual consoante deve ser utilizada de acordo com o contexto. Pela análise feita, nesse estudo, observa-se que os alunos ainda têm dificuldades no emprego dessas letras. Encontrou-se nove casos da troca do “m” por “n” e três casos de troca do “n” por “m”. Já, para a representação do fonema /g/ a regra define que, diante de „a‟, „o‟, „u‟, utiliza-se „g‟ e diante de „e‟ e „i‟ devemos utilizar “gu”. Poucos foram os casos relacionados a essa dificuldade na escrita, apenas três ocorrências. Quanto à grafia do /r/ sabe-se que ela também possui uma regra definida de acordo com os diferentes contextos em que venha a aparecer. Sobre isso, Monteiro (2008, p. 88) destacou, em seu estudo, que a utilização do “rr” intervocálico é 74 facilmente aprendida pela criança e, por isso desvios relacionados a esse contexto não aparecem com frequência nos textos dos aprendizes. Entretanto, nos dados coletados ainda surgiram sete casos dessa natureza, mostrando que esses discentes precisam refletir mais sobre a língua escrita. Em menor quantidade, observaram-se, ainda, três casos em que a relação letra/ contexto não foi considerada. Refere-se à grafia do fonema // diante de „a‟, „o‟, „u‟ deve ser grafado com a letra „j‟. No entanto, observamos 3 casos em que essa consoante foi substituída pelo „g‟. Observemos no quadro abaixo o percentual referente aos desvios causados por desconhecimento das regras ortográficas contextuais. Gráfico 04 - Desvios por desconhecimento das regras contextuais Fonte: elaborado pela autora 38% 9% 44% 9% Troca entre as codas nasais m e n Dificuldade na representação do fonema /g/ Dificuldade na representação do fonema /R/ Dificuldade na representação do fonema /Z/ diante de a, o, u. 75 Como podemos observar, os desvios por dificuldade na representação do fonema /r/ (44%) e a troca entre as nasais „m‟ e „n‟ (38%) predominam sobre outros casos dessa categoria, dificuldade na representação do fonema /g/ e a dificuldade na representação do fonema // (diante de a, o, u), que figuram com apenas 9% cada. 4.2.2 Desvio por desconhecimento das correspondências irregulares Na norma ortográfica, há casos em que não existem regras para ajudarem o aprendiz a grafar as letras de algumas palavras, sendo necessário atentar para a etimologia ou para os aspectos morfológicos das mesmas. Quando esses fatores não são levados em consideração, ocorre o desvio. Para Morais (2010, p.43), na dúvida, é preciso consultar modelos autorizados (como o dicionário) e memorizar. Desvios relacionados à grafia dos fonemas /s/, //, /z/, // e à omissão do „h‟ inicial das palavras foram considerados pertencentes a essa categoria. Vejamos como eles apareceram nos textos: a) Grafia do /s/ Segundo Monteiro (2008), estudos que propõem uma classificação para erros ortográficos mostram que a maior dificuldade do aluno, na escrita, diz respeito à grafia do fonema /s/. No presente trabalho, foi encontrada uma grande quantidade de desvios relacionados ao emprego desse fonema, 41 casos. Vejamos: Quadro 16 - Grafia do fonema /s/ Casos Desvios encontrados „s‟ Incenou - ensinou, responsabilidade - responsabilidade, falças - falsas, cão - são, coceguir - conseguir, cério - sério (2x) „c‟ Serto – certo (3x), sidade – cidade (2x), sima – cima (2x), sela – cela (2x), senas – cenas, pesseba – perceba, percebeu - percebeu, pulisial – policial, auferesem – oferecem, alferresem – oferecem, conhesido - conhecido, denosiol – denunciou, presisa - precisa, desição - decisão, pertensião- pertenciam, vense – vence „ç‟ Avãosados - avançados, comecou - começou, carosa – carroça, viganca – vingança (2x), comecou – começou (2x), crianca – criança. 76 „ss‟ ganhace - ganhasse, asacinada - assassinada, ganhase – ganhasse(2x), compromisso - compromisso, possuíse - possuísse, discusões – discussões, condesa - condessa, asado – assado, provisão – profissão. „sc‟ adolecentes - adolescentes, crese - cresce, adolecencia - adolescência, naceram – nasceram „x‟ esperiente - experiente, esperienci – experiência, trouçe – trouxe. Fonte: elaborado pela autora Segundo Guimarães (2005), representar o fonema /s/ por meio de um grafema é uma tarefa muito complexa para a criança, uma vez que esse som pode ser representado de diversas formas (por „s‟, „c‟, „ss‟, „ç‟, „x‟, „sc‟, „xc‟, „sç‟ e „z‟). A autora ainda faz um resumo das opções que a criança tem, de acordo com o contexto e com o sistema gráfico, para representar esse fonema na escrita: Quadro 17- Possíveis contextos para o uso do fonema /s/ Contexto Sistema ortográfico Possíveis grafias /s/ Início de palavra Silêncio „c‟ cimento „s‟ intervocálico excêntrico „ss‟, „c‟ nasça „ss‟, „ç‟ nasce „ss‟, „c‟ maçã „ss‟, „sç‟ massa „ç‟, „sç‟ macio „ss‟, „sc‟ sintaxe* „ss‟, „c‟ Posição de coda medial experiência „s‟ mesmo „x‟ Depois de coda pensar - pensei „ç‟ ou „c‟ onça - conceito „s‟ Final de palavra rês „z‟ vez „s‟ Fonte: Guimarães (2005, p. 137) 77 Relacionados a esses contextos, observou-se, nos textos analisados, 09 casos de substituição do „c‟ por „s‟ em início de palavra (Serto (2x) – sidade (2x)– sima – sela (2x) – cério – senas), o que decorre do fato de esses grafemas disputarem a mesma posição diante de „e‟ e „i‟, sem que possamos definir critérios para o uso de um ou do outro. Quando o fonema /s/ figura entre vogais existem sete formas possíveis de representá-lo, como podemos ver no quadro acima. Na pesquisa realizada encontramos as seguintes ocorrências relacionadas a esse caso: pulisial, auferesem, alferresem, conheçido, cresce, adolecentes, trouçe, provisão, asado, carosa, ganhace, asacinada, ganhase, compromiso, possuíse, começou (2x), viganca, discusões, condesa. No entanto, para algumas dessas palavras é possível prever regras que diminuam a dificuldade relacionada à concorrência de letras, como por exemplo, o „ç‟ nunca deve anteceder „e‟ e „i‟. O conhecimento dessa regra teria evitado que o aluno grafasse a palavra conhecido com „ç‟. E, ainda, há dois casos em que o aluno grafa „c‟ antes de „a‟ e „o‟ para grafar o fonema /s/, no entanto, sabe-se que, diante dessas vogais e da vogal „u‟, essa consoante representa o fonema /k/. Já em posição pós-consonantal, os desvios ocorreram com menos frequência. Vejamos: Incenou, responssabilidade, falças, pesseba, persebeu, avãosados. Segundo Guimarães (2005), ao aparecer em posição de coda, o fonema /s/ geralmente é grafado com a letra „s‟, mas, em um número menor de palavras, o sistema define o uso de „x‟ nessa posição. Relacionados a esse caso foram encontrados apenas os desvios: esperiente e esperienci. b) Grafia do fonema /ʃ/ O fonema // pode ser representado, no sistema ortográfico do português, pelos grafemas „x‟ e „ch‟ os quais disputam praticamente os mesmos ambientes (GUIMARÃES, 2005, p. 140). Encontramos apenas dois casos de desvios, nos textos analisados, em que o „x‟ foi substituído por „ch‟. Logo, apesar de não haver regras que determinem o uso de uma ou outra letra em todas as situações em que esse fonema apareça, podemos perceber que os discentes já têm um bom domínio 78 de palavras que o contenham. O Quadro 18, apresenta os desvios relativos a essa categoria. Quadro 18 - Grafia do fonema /ʃ/ Casos Desvios encontrados Troca do „x‟ por „ch‟ puchando – puxando (2x) Fonte: elaborado pela autora c) Grafia do fonema /z/ O fonema /z/ pode ser representado, na escrita, por três grafemas: „s‟, „z‟ e „x‟. Na presente pesquisa, a maioria dos desvios relacionados a esse caso mostra que as crianças trocam o „s‟ por „z‟ na escrita de palavras como tesouro, quiserem e avisar. Vejamos abaixo os casos em que os alunos tiveram dificuldade na grafia desse fonema: Quadro 19 -Grafia do fonema /z/ Casos Desvios encontrados Troca do s por z tezouro – tesouro, tezouros – tesouros, quizerem – quiserem, avizar – avisar Troca do z por s Infelismente – infelizmente Troca do s por ss Pissa – pisa Fonte: elaborado pela autora d) Grafia do fonema /ʒ/ Quadro 20 - Grafia do fonema /ʒ/ Casos Desvios encontrados Troca do g por j carruaje – carruagem, jente – gente (3x) Fonte: elaborado pela autora 79 A grafia do // diante de „e‟ e „i‟ também é definida pela etimologia da palavra, não sendo diferente de outros casos arbitrários da língua. Foram encontrados nos textos analisados 04 desvios desse tipo. e) Omissão do „h‟ inicial Quadro 21 - Omissão do „h‟ inicial Desvios encontrados Onesto – honesto - avião – haviam Fonte: elaborado pela autora No início de palavras, a letra „h‟ não representa nenhum fonema, conservando, apenas, a tradição etimológica de nosso idioma. As palavras que começam com essa consoante também precisam ser memorizadas pelos aprendizes. Em nosso estudo ocorreram apenas dois casos desse tipo. De acordo com Zorzi (1998), quando o aprendiz omite uma ou mais letras, na escrita de uma palavra, ele pode não ter desenvolvido totalmente o processo de segmentação fonêmica e, por isso, não consegue, ainda, detectar todos os sons que compõem determinados vocábulos. Ainda segundo esse autor, as alterações recorrentes da possibilidade de representações múltiplas não devem ser consideradas como falhas dos alunos, mas, sim, como características da escrita que se apresenta de forma complexa e de lenta assimilação. O gráfico 05 apresenta a distribuição dos desvios de escrita motivados pela concorrência de letras. Por meio dele, observa-se um predomínio da dificuldade na representação do fonema /s/, totalizando 82% dos casos dessa categoria. Em segundo lugar, com uma quantidade bem menor, aparecem os desvios devido à dificuldade na representação do fonema. 80 Gráfico 05 – Desvios devido à concorrência de letras Fonte: elaborado pela autora 4.3 Letras parecidas Algumas letras do alfabeto português têm a forma gráfica muito semelhante entre si e, tal fator, acaba levando o aprendiz a trocá-las no momento em que está produzindo um texto escrito. Lemle (1995, p. 9) afirma que “são sutis as diferenças que determinam a distinção entre as letras do alfabeto”. Para esta autora, o aprendiz deve ser levado a refinar sua percepção para discriminar a grafia das letras. Quadro 22- Letras parecidas tá – lá (2x), conerço – começo, durnir – dormir, ananhece – amanhece, anigo – amigo, mele – nele, licoes – lições, anigos – amigos (2x), una – uma (3x), un – um, honem – homem, pronessa – promessa, transforna – transformar, compronete – comprometer, conheçer – conhecer, fição – ficam, conpromiso – compromisso, linha – tinha, men – nem, nanorar – namorar (3x), nanoram – namorarem, nanoram- namoram, coneça – começa – cono – como (2x) – coneçaram – começaram Fonte: elaborado pela autora Observou-se, nos dados coletados, uma grande quantidade de desvios relacionados à troca de letras parecidas. Foram consideradas pertencentes a essa 82% 3% 9% 6% Dificuldade na representação do fonema /s/ Dificuldade na representação do fonema /ʃ/ Dificuldade na representação do fonema /Z/ Dificuldade na representação do fonema /ʒ/ 81 categoria a substituição do „l‟ pelo „t‟ ou vice-versa, a substituição do „m‟ pelo „n‟ ou vice-versa e a substituição do „c‟ pelo „ç‟. 4.4 Problemas na acentuação gráfica A maior quantidade de desvios encontrados nos textos desses alunos está relacionada a essa categoria e pode ser vista a partir do Quadro 23. Quadro 23- Acento para mais e para menos Acentuação para mais frasé – frase, traídor – traidor, vaí – vai (2x), caí – cai, saí – sai, á – a, fortuíto – fortuito, torna-sé – torna-se, muíto – muito (4x), tríste – triste (2x), depoís – depois (2x), féz – fez, tér – ter (2x), ão – ao, fícar – ficar (2x), traí – trair Acentuação para menos historia – história (7x), traido – traído, la – lá (5x), especi – espécie, sairam – saíram, ja – já (2x), atras – atrás (2x), familia – família, fisicas – físicas, farar – fará (2x), biblia – bíblia, baus – baús, vaí – vai, tambem – também (2x), e – é (15 x), so – só (4x), aniversario – aniversário (2x), varias – várias – (3x), licoes – lições, esta – está – epocar – época, pratica – prática, serio – sério (4x), varios – vários (2x), Cerio – sério, otimo – ótimo, ta – tá, seril – sério, esperienci – experiência, perdoala – perdoá-la, adolecencia – adolescência, premio – prêmio, ate – até – (2x), porem – porém (2x), simbolos – símbolo, prenio – prêmio – (2x), tumulo – túmulo, premio – prêmio, as escondidas – às escondidas, trai-lo – traí-lo, caido – caído, violencia – violência, proprias – próprias, pais – países, familha – família Fonte: elaborado pela autora Os desvios, envolvendo a acentuação gráfica das palavras, apareceram em grande quantidade nesse estudo. A maioria deles devido à ausência do acento gráfico. Acredita-se que esses fatores são decorrentes da falta de atenção dos alunos no momento da escrita ou decorra do fato de esses aprendizes não praticarem a retextualização, mesmo com a orientação da professora. 4.5 Desvios por desconhecimento das regras gramaticais 82 Alguns desvios de escrita poderiam ser eliminados se os aprendizes tivessem maior conhecimento dos aspectos gramaticais que constituem a língua portuguesa. Devido à ausência de tal conhecimento observou-se nos dados dessa pesquisa uma quantidade significativa desses desvios. Quadro 24 – Desvios por desconhecimento das regras gramaticais Mal – mau, por que – porque (16x), mas – mais (3x), mais – mas (14x), tem – têm (2x). Fonte: elaborado pela autora Acredita-se que se o aluno soubesse, por exemplo, que „mais‟ é um advérbio de intensidade e „mas‟ é uma conjunção adversativa; que „mau‟ é um adjetivo, usado como contrário de bom e „mal‟ é advérbio de modo, usado como contrário de bem, essas regras facilitariam a utilização correta de cada uma dessas palavras. 4.6 Dificuldade na separação de sílabas De acordo com Cagliari (2009 p. 102), “a prática de pedir às crianças que separem sílabas na escrita pode ser mais complicada do que parece”, isso, porque, para desenvolver essa atividade a criança utiliza como referencial o modo pelo qual pronuncia cada palavra, não considerando as regras gramaticais. Ainda segundo esse autor, há casos em que a pronúncia é variável, podendo gerar dúvidas quanto ao número de sílabas. Os casos relacionados a essa categoria podem ser vistos no Quadro 25. Quadro 25 –Dificuldade na separação de sílabas Malt-ratado – maltratado, velh-inho – velhinho, mo-rto – morto, Po-rque – porque, di- sse – disse, enco-ntrando – em- con-tran-do, fica-r – fi-car Fonte: elaborado pela autora Acreditamos que essa dificuldade, presente nos textos de uma única informante, mostra uma possível falta de atenção da aluna ao escrever, pois, ela não atenta para as regras de separação silábica do Português e, quando está escrevendo uma palavra, ao chegar ao fim de uma linha, escreve até onde há espaço e faz a separação de forma inadequada. 83 O gráfico 06 mostra o número de desvios cometidos pelos alunos em cada uma das categorias analisadas: Gráfico 06 – Resumo dos desvios encontrados no corpus do trabalho Fonte: elaborado pela autora Como podemos observar, os desvios de escrita encontrados nos textos dos alunos estão relacionados, em primeiro lugar, à acentuação gráfica, seguido pelos desvios decorrentes da motivação fonética, dos fonologicamente motivados, por desconhecimento da norma ortográfica, por desconhecimento das regras gramaticais, pela troca entre letras parecidas e pela separação de sílabas. Para uma visão mais minuciosa dos desvios encontrados nos textos de cada aluno apresentamos a seguir três quadros com as principais ocorrências atestadas. 21% 18% 6% 6% 13% 6% 22% 7% 1% Motivação fonética Motivação fonológica Supergeneralização Desvios por não considerar as regras contextuais Desvios por não considerar as correspondências irregulares Letras parecidas Acentuação gráfica Desconhecimento das regras gramaticais Dificuldade na separação de sílbas 84 Quadro 26 – Desvios encontrados na produção textual 01 TEXTO 1- Resenha do filme “O conde de Monte Cristo” DESVIOS COLABORADORES AB CN DM GN JO LM MA RM RA VC TOTAL Acento gráfico para (+) - - 01 05 - - - - 03 01 10 Acento gráfico para (-) 11 02 04 06 03 06 01 02 02 02 39 Segmentação 01 - 02 - - - - - - - 03 Juntura intervocabular - - - - - 01 - - - 01 02 Apagamento de coda final /r/ 05 - 04 01 - 01 - - - 02 13 Ditongação 00 - 01 - - - 01 - - - 02 Monotongação 03 - 01 01 - 03 - - - - 08 Elevação da vogal tônica 03 - 03 - - - - - - - 06 Elevação da vogal pré- tônica - - - 02 - - - - - - 02 Elevação da pré-tônica inicial - - 03 - - - - - - - 03 Elevação da vogal postônica - - - - - 01 - - - - 01 Elevação da vogal postônica final - 01 01 - - - - - - - 02 Elevação da vogal átona do clítico - - - - - 01 - - - - 01 Abaixamento da vogal pré-tônica - - - - - 03 - - - - 03 Abaixamento da vogal pré-tônica inicial - - - - - - 01 - - - 01 Abaixamento da vogal tônica 03 - - - - 02 01 - - - 06 Dificuldadena representação do fonema/ʃ/ 02 - - - - - - - - - 02 Dificuldade na representação dofonema /s/ 02 - 07 06 01 02 - - 02 01 21 Dificuldade na representação do - - - 01 - - - - - - 01 85 fonema/ʒ/ Dificuldade na representação do fonema /g/ - - - - - - - 01 - - 01 Dificuldade na representação do fonema /ʀ/ 01 - 01 - - 04 - - - - 06 Dificuldade na representação do fonema /k/ - - - - - 02 - - - - 02 Dificuldade na representação do fonema /z/ - - 02 - 01 - - - - - 03 Dificuldade no emprego de sílabas complexas 01 - 01 01 - - - - 01 - 04 Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio 01 - - - - - - - - - 01 nasalização - - - - - - - - - - - Desnasalização - - - 01 - 02 - 01 03 02 09 vozeamento - - - - - 02 - - 01 - 03 Desvozeamento - - - 01 - - - - - - 01 Troca da coda medial m por n ou n por m 01 - 01 03 - - - - - 01 06 Desvio devido às regras gramaticais 02 01 01 - - 02 - 01 - - 07 Dificuldade na separação de sílabas - - - - 03 - - - - - 03 Confusão entre am/ão - - 11 - - - - - - - 11 Plural irregular 01 - - - - - - - - - 01 Dificuldade na grafia do s em coda - - - - - - - - - - - Supressão do h inicial - - 01 - - - - - - - 01 Inserção de vogal - - 01 - - - - - - 01 02 Inserção de coda medial /r/ - - 01 01 - - - - - - 02 Inserção de coda final /r/ - - 02 10 - - 04 - - 01 17 86 Fonte: elaborado pela autora Omissão de letras 01 - 04 01 - - - - - - 06 Apagamento de coda medial /r/ 02 - - 01 - - - - - - 03 Apagamento de coda medial /s/ - - 02 - - - - - - - 02 Apagamento da vogal final - - 04 - - 01 01 - - - 06 Letras parecidas - - O1 05 - 01 - 01 - 08 16 Inserção de letras - - - - 01 - - - - 01 02 Troca do „u‟ pelo „l‟ 01 - - - - 01 - - - - 02 Troca do „u‟ por „o‟ - - - - - 03 - - - 02 05 Troca do „l‟ por „o‟ 02 - - - - 02 - - - - 04 87 Quadro 27 – Desvios encontrados na produção textual 02 TEXTO 2 – Artigo de opinião – Namorar ou ficar DESVIOS COLABORADORES AB CN DM GN JO LM MA RM RA VC TOTAL Acento gráfico para (+) - - - 06 - - - - - - 06 Acento gráfico para (-) 04 - 02 01 04 03 02 01 - 02 19 Segmentação - - - - 01 - - - - - 01 Juntura intervocabular - 01 - - - - - - - 01 02 Apagamento de coda final /r/ 03 - - 03 - 01 02 - 01 02 12 Ditongação - - - - - 02 - - - - 02 Monotongação - - - - - - - - 01 - 01 Elevação da vogal tônica - 01 - - - - - - - - 01 Elevação da vogal pré- tônica - - 01 - - - - - - - 01 Elevação da pré-tônica inicial - - - - - - - - - - - Elevação da vogal postônica - - - - - - 01 - - - 01 Elevação da vogal postônica final - - - - - - 01 - - - 01 Elevação da vogal átona do clítico - - - - - 01 - - - - 01 Abaixamento da vogal pré- tônica - - - - - - - - 01 - 01 Abaixamento da vogal pré- tônica inicial - - - - - - - - - - - Abaixamento da vogal tônica - - - - - 01 - - - - 01 Dificuldade na representação do fonema/ʃ/ - - - - - - - - - - - Dificuldade na representação dofonema /s/ - - 03 06 - 01 01 01 - 02 14 Dificuldade na representação do - - - 02 - - - - - - 02 88 fonema/ʒ/ Dificuldade na representação do fonema /g/ - - - 01 - - - - - - 01 Dificuldade na representação do fonema /ʀ/ - - 01 - - - - - - - 01 Dificuldade na representação do fonema /k/ - - - - - - - - - - - Dificuldade na representação do fonema /z/ - - 01 - - - - - - - 01 Dificuldade no emprego de sílabas complexas - - - - - - - - - - - Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio - - - - - - 01 - - - 01 nasalização - - - - - - - 01 - - 01 Desnasalização - - - 01 - - 01 02 - - 04 vozeamento - - - - - - - - - - - Desvozeamento - - - - - - - - - - - Troca da coda medial m por n ou n por m 01 - 01 01 - - - - - 02 05 Desvio devido às regras gramaticais 02 01 05 01 01 02 01 03 - 03 19 Dificuldade na separação de sílabas - - - - 01 - - - - - 01 Confusão entre am/ão - 01 01 - - - - - - - 02 Plural irregular - - - - - - - 01 - 01 Dificuldade na grafia do s em coda 01 - - - - - 01 - - - 02 Supressão do h inicial - - 01 - - - - - - - 01 Inserção de vogal - - - - - - - - - - - Inserção de coda medial /r/ - - - - - - - - - - - Inserção de coda final /r/ - 01 - 01 - 01 02 - 01 - 07 Omissão de letras - - 01 - 01 - 02 - 01 01 06 89 Fonte: elaborado pela autora Apagamento de coda medial /r/ - - - - - - - - - - - Apagamento de coda medial /s/ - - - - - - - - - - - Apagamento da vogal final - - - - - - - - - - - Letras parecidas 01 02 02 03 - - - - - 04 12 Inserção de letras - - - - - 01 - - - - 01 Troca do „u‟ pelo „l‟ - - - - - - - - - - - Troca do „u‟ por „o‟ - - - - - - - - - - - Troca do „l‟ por „o‟ - - 01 - - - - - - - 01 90 Quadro 28 – Desvios encontrados na produção textual 03 TEXTO 02 Resenha do texto “Tristão e Isolda” DESVIOS COLABORADORES AB CN DM GN JO LM MA RM RA VC TOTAL Acento gráfico para (+) - - 01 - 05 - - - 03 - 09 Acento gráfico para (-) 02 02 04 08 - 02 02 05 - 04 29 Segmentação - - - 01 - - - 01 - - 02 Juntura intervocabular - - - - - 01 - - 02 - 03 Apagamento de coda final /r/ - - - 01 01 - - - 03 01 06 Ditongação - - - 01 - 01 - - - - 02 Monotongação - - - 01 - 01 - - - - 02 Elevação da vogal tônica - - 01 - - - - - - - 01 Elevação da vogal pré- tônica - - - - - - - - - - - Elevação da pré-tônica inicial - - - 02 - - - - - - 02 Elevação da vogal postônica - - 01 - - - - - - - 01 Elevação da vogal postônica final - - 01 - - - - - - - 01 Elevação da vogal átona do clítico - - - - - 04 - - - - 04 Abaixamento da vogal pré- tônica - - - - - 01 - - - - 01 Abaixamento da vogal pré- tônica inicial 02 - - 01 - 01 - 01 - - 05 Abaixamento da vogal tônica - - - - - - - - - - - Dificuldade na representação do fonema/ʃ/ - - - - - - - - - - - Dificuldade na representação dofonema /s/ 02 01 - 05 03 03 - 01 - 03 18 Dificuldade na - - 01 - - - - - - - 01 91 representação do fonema/ʒ/ Dificuldade na representação do fonema /g/ - - - - - - - - - 01 01 Dificuldade na representação do fonema /ʀ/ - - 02 03 - 01 - - 01 - 07 Dificuldade na representação do fonema /k/ - - - - - - - - - - - Dificuldade na representação do fonema /z/ 01 - 01 - - - - - - - 02 Dificuldade no emprego de sílabas complexas - - 03 - - - - - 02 - 05 Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio - - - - - - - - - - - Nasalização - - - - - - - - - - Desnasalização - 01 01 - - 01 01 01 02 - 07 Vozeamento - 02 - - - - - - - - 02 Desvozeamento - - - - - - - - 01 - 01 Troca da coda medial m por n ou n por m - - - - - - 01 - - - 01 Desvio devido às regras gramaticais - 05 - 01 - 02 - 01 01 - 10 Dificuldade na separação de sílabas - - - - 03 - - - - - 03 Confusão entre am/ão - 01 - - - 05 - - 03 - 09 Plural irregular - - 02 - - - - - - - 02 Dificuldade na grafia do s em coda - - - 01 - - - - - - 01 Supressão do h inicial - - - - - - - - - - - Inserção de vogal - - 01 - - - - - - - 01 Inserção de coda medial /r/ - - - - - - - - - - - Inserção de coda final /r/ - - - - - - 02 - - - 02 92 Fonte: elaborado pela autora Omissão de letras - - - - - - 01 - 01 - 02 Apagamento de coda medial /r/ - - - - 03 - - - 01 - 04 Apagamento de coda medial /s/ - - - - - - - - - - - Apagamento da vogal final - - - - - - - - - - - Letras parecidas - - - - - - - - - 04 04 Inserção de letras - - - - - - - - - - - Troca do „u‟ pelo „l‟ - - - - - 01 - - - - 01 Troca do „u‟ por „o‟ - - - - - - - - - - - Troca do „l‟ por „o‟ - - - - - - - - - - - 93 5 PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O TRABALHO COM A ORTOGRAFIA A PARTIR DA SUGESTÃO DE MORAIS (2010) Antes de falarmos das propostas para o ensino da língua escrita no Ensino Fundamental II, queremos destacar, aqui, alguns princípios norteadores para o trabalho com a ortografia em sala de aula, que foram apresentados por Morais (2010). Consideramos que esses quesitos são de crucial relevância para o desenvolvimento seguro e eficaz do aprendiz ao se apropriar da língua enquanto modalidade escrita. Ao discorrer sobre esse tema, Morais (2010) explica que sendo a ortografia um conhecimento do tipo convencional, normativo, que foi arbitrado socialmente como correto, não podemos esperar que os alunos descubram, sozinhos, as regras que esse sistema contém. É preciso que o professor crie situações que estimulem a reflexão sistemática da norma ortográfica. Assim, o autor apresenta três princípios gerais para o ensino da ortografia e seis princípios relativos ao encaminhamento das situações de aprendizagem. Na sequência, falaremos brevemente sobre cada um deles. 5.1 Princípios gerais a) A criança necessita conviver com modelos nos quais apareça a norma ortográfica - precisa ter um grande convívio com materiais impressos Nesse ponto, o autor ressalta a importância de o aprendiz conviver com bons modelos de textos para apropriar-se da língua escrita. Destaca a leitura de materiais impressos tais como livros, jornais e revistas, que devem estar na escola, sempre disponíveis e perto dos alunos, pois, a maioria dos discentes de classe popular não tem chances de conviver com bons textos escritos, por meio dos quais possam refletir sobre a ortografia. Morais (2010), porém, ressalta que o contato frequente com textos impressos não é suficiente, apesar de a grande maioria das pessoas que leem muito, apresentar uma boa ortografia, existem casos em que, mesmo sendo bons leitores os indivíduos apresentam sérias dificuldades ortográficas. Especialistas e estudiosos do problema acreditam que esse fator está relacionado ao modo pelo qual o texto 94 escrito é tratado por esses leitores, uma vez que, por já terem um acesso, demonstram-se automatizados ao significado das palavras e não observam os detalhes internos de sua composição gráfica. Desse modo, o autor aborda a importância da leitura de textos conhecidos pelo aluno, pois essa prática possibilitará que ele olhe para “o interior das palavras”, tomando o texto escrito não só como veículo de significados, mas como um objeto de conhecimento em si. b) O professor precisa promover situações de ensino-aprendizagem que levem à explicitação dos conhecimentos infantis sobre a ortografia Sabendo que o aluno não é um sujeito passivo diante de sua aprendizagem, evidencia-se, nesse princípio, a necessidade de um ensino que o leve a refletir e explicitar suas ideias sobre a escrita correta das palavras. “O bom ensino precisa levar o aprendiz a elaborar, em nível consciente, seus conhecimentos ortográficos”. (Morais, 2010, p.72) Para isso, cabe ao professor a tarefa de semear dúvidas na sala de aula, aproveitando as perguntas que os estudantes fazem sobre a grafia de algumas palavras para incitar novas reflexões, plantando dúvidas permanentemente e ajudando-os a desenvolver uma capacidade de prever grafias incorretas quando forem escrever. Como estratégia para facilitar a tomada de consciência sobre as regularidades e irregularidades de nossa norma, o autor propõe „situações de transgressão intencional durante a leitura e a escrita‟. Essa tarefa consiste em levar o aluno a pensar, falar ou escrever formas erradas para a escrita de uma palavra, levando-o a assumir uma atitude de reflexão ortográfica e antecipando grafemas alternativos que poderiam levar à dúvida ou ao erro. c) O professor precisa definir metas ou expectativas para o rendimento ortográfico de seus alunos ao longo da escolaridade A escola precisa estabelecer metas para o ensino da ortografia. É necessário planejar o que se espera conseguir na promoção dessa competência, a cada ano. E para defini-las, Morais (2010, p.75) propõe algumas questões que devem ser estabelecidas: 95  Quando começar a ensinar ortografia?  Que metas estabelecer para cada turma, para cada ano?  Como sequenciar o ensino da ortografia? O referido autor oferece alguns encaminhamentos para cada uma dessas dúvidas. Em primeiro lugar, esclarece que o ensino da ortografia deve ocorrer a partir do momento em que as crianças já estão compreendendo o sistema de escrita alfabética, embora a curiosidade sobre questões ortográficas deva sempre ser estimulada e transformada em objeto de discussão e reflexão, mesmo na educação infantil, caso os alunos atentem para a complexidade da escrita alfabética. Sobre as metas a serem estabelecidas para cada turma, ele afirma que, num momento inicial, o professor deve diagnosticar quais são as principais dificuldades de seus alunos, para, a partir daí, definir objetivos a serem alcançados no seu rendimento ortográfico. E quanto ao modo de sequenciar o ensino da ortografia, Morais (2010, p.78) propõe que os conteúdos sejam organizados, conjugando dois critérios: “a regularidade (ou irregularidade) das correspondências fonográficas e a frequência do uso das palavras na língua escrita”. O professor deve trabalhar concomitantemente tanto os casos em que há uma regra para assegurar a escrita das palavras como àqueles em que é preciso memorizar a forma correta, investindo, pouco a pouco, nas palavras importantes, ou seja, aquelas que aparecem com mais frequência nos textos dos alunos. 5.2 Princípios relativos ao encaminhamento das situações de ensino aprendizagem a) A reflexão deve estar presente em todos os momentos da escrita Durante diferentes momentos em que a criança esteja lendo, escrevendo ou reescrevendo, a curiosidade sobre a ortografia pode aparecer e o professor deve estar pronto para ajudá-la a refletir sobre o assunto, mesmo não sendo dentro das situações específicas que ele planejou para focalizar essas regras. b) Não controlar a escrita espontânea dos alunos 96 Por meio da escrita espontânea de textos, o aprendiz utiliza todas as palavras que conhece para construir significados, não importando se essas palavras são fáceis ou difíceis, frequentes ou raras. Além disso, as produções espontâneas são adequadas para incitar a dúvida ortográfica e para estimular os alunos a usar o dicionário e revisar seus textos escritos. c) Não fazer da nomenclatura gramatical um requisito para a aprendizagem de regras (contextuais e morfológico-gramaticais) Ao discutir regras de compreensão metalinguística não devemos exigir que os alunos saibam usar termos difíceis ou terminologias especializadas. As crianças podem explicar esses “princípios gerativos” do seu modo, com o seu linguajar. d) Promover sempre a discussão coletiva dos conhecimentos que as crianças expressam O debate entre os alunos, sobre os saberes gramaticais que estão adquirindo, é uma estratégia indispensável para que eles reelaborem seus conhecimentos. Ao verbalizarem o que já sabem sobre esse assunto, eles confrontam ideias, constatam imprecisões nas regras elaboradas e avançam no domínio da norma. e) Fazer o registro escrito das descobertas das crianças – regras, listas de palavras, etc. O aluno deve ser orientado a anotar, constantemente, o que for descobrindo no trabalho com a ortografia, pois, segundo Morais (2010, p. 82) isso “facilitará a retomada da reflexão e a reelaboração coletiva das conclusões que vão formulando”. Ou seja, por meio dessa estratégia eles poderão observar, analisar e reelaborar, se preciso, os conhecimentos que já foram construídos. f) Ao definir metas, não podemos deixar de levar em conta a heterogeneidade do rendimento dos alunos 97 Todas as turmas são heterogêneas, visto que cada aluno tem suas características próprias, seu modo de pensar, de refletir sobre os conteúdos e de aprender. Logo, o professor deve respeitar essa diversidade, sabendo que nem todos os aprendizes terão o mesmo rendimento ortográfico após o ensino sistemático e que, por isso, é necessária a criação de situações complementares de estudo para ajudar àquele grupo pequeno de crianças que ainda tem dificuldade quanto ao assunto que foi trabalhado. 98 6 SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II Para a construção das atividades que visam a auxiliar os alunos na produção textual escrita, dentro da norma ortográfica da Língua Portuguesa, tomamos por base os trabalhos desenvolvidos por Lemle (1995), Monteiro (2008) e Morais (2010). Antes, porém, de realizar qualquer trabalho, acreditamos que o professor deva conversar com os alunos sobre a escrita, o que essa atividade representa para eles, quais as dificuldades que eles encontram na hora de escrever, o que mais gostam nessa atividade etc. A partir disso, o professor terá mais subsídios para orientar sua prática pedagógica. Vejamos, a seguir, as demais propostas para o trabalho, frente aos desvios encontrados nos textos em estudo. 6.1 Quanto às dificuldades relacionadas à motivação fonética Durante a análise dos dados dessa pesquisa vimos que muitos estudantes, mesmo no final do Ensino Fundamental, ainda estão escrevendo de acordo com sua fala, não refletindo sobre a língua escrita como sistema de representação. Para ajudá-los a suprir essa dificuldade sugerimos algumas estratégias de ensino tais como: a) Estimular a reflexão sobre a relação entre oralidade e escrita O professor deve promover uma discussão com os alunos sobre as principais características da fala e da escrita. Em que elas se assemelham e quais diferenças podem ser vistas entre ambas. Após essa primeira etapa ele pode levar para a sala a gravação de um texto em linguagem coloquial, deixar que os alunos ouçam e, em seguida, orientá-los a pensar de que forma poderiam transcrever a história, dentro da norma padrão da língua portuguesa. Por meio dessa atividade, eles observarão os aspectos que formam cada uma dessas modalidades, buscando encontrar maior adequação linguística ao utilizá-las de acordo com cada contexto. b) Reflexão sobre a língua escrita a partir do gênero „tirinhas do bode gaiato’ 99 O trabalho consiste em oferecer essas „tirinhas‟ aos alunos e orientá-los a encontrar nelas palavras que reflitam a fala dos personagens. Em seguida, sugerir que eles reescrevam os textos, passando-os para o discurso indireto. O professor pode ajudar os alunos a observarem que, nesse caso, eles deverão adequar seus textos à norma padrão. Por meio dessa atividade, é possível promover uma reflexão sobre variedades linguísticas e norma ortográfica. Ao final da mesma, pode-se sugerir que os alunos anotem em seus cadernos ou em um cartaz alguns conhecimentos que aprenderam a partir do estudo realizado. Ainda como intervenção para os desvios dessa categoria, Monteiro (2008) nos oferece duas propostas interessantes, quais sejam: pedir aos alunos que escrevam um texto a partir da fala dos colegas e incentivá-los a corrigirem os desvios presentes em seus próprios textos. No primeiro caso, as crianças, em duplas, escutam os colegas falando sobre um determinado assunto e tentam reproduzir, na escrita, o que ouviram. Monteiro (2008) observou, ao desenvolver esse trabalho em uma turma, que os alunos procuraram repetir rigorosamente a fala dos colegas, inclusive a entonação. Segundo ele, essas atividades ajudam os aprendizes a perceberem as diferenças entre língua oral e língua escrita, levando-os a observar, tanto a segmentação da escrita, quanto a relação entre fonemas e grafemas. A segunda proposta que a autora apresenta consiste na distribuição de trechos de textos trabalhados anteriormente, que contenham alguns desvios foneticamente motivados, para que os alunos possam encontrá-los e fazerem as possíveis adequações. Essas atividades levam os aprendizes a desenvolverem sua capacidade de reler os textos produzidos, encontrando inadequações ortográficas. Ela destaca que em cada trecho deve ser focalizado, por vez, apenas um tipo de desvio para induzir a atenção da criança a apenas um aspecto da escrita. 6.2 Quanto às dificuldades devido à motivação fonológica A respeito dos desvios relacionados a essa categoria, sugerimos atividades nas quais o aluno possa desenvolver sua capacidade de ouvir e ter consciência das diferenças relevantes entre os sons da fala, melhorando sua percepção auditiva. Para a formação dessa competência, Lemle (1995, p. 14) propõe como atividade a criação de listas de palavras que começam com o mesmo som, de palavras que 100 rimam e de canções que apresentam repetições de sílabas. Já Monteiro (2008), desenvolveu algumas estratégias de ensino visando a levar seus alunos a analisarem os fonemas de uma palavra e a pensarem sobre a estrutura das sílabas. Essa autora sugere que sejam colocados cartazes com pares mínimos de fonemas para que as crianças possam comparar e perceber as diferenças de sentido que ocorrem quando substituímos um pelo outro, por exemplo, quando trocamos o „f‟ por „v‟ (faca/vaca) ou o „p‟ por „b‟ (pomba/bomba). Além disso, ela desenvolve um trabalho, baseado no livro “Não confunda” de Eva Furnari (2002), no qual as crianças são orientadas a escolherem um par mínimo de fonemas para representar duas palavras diferentes. Uma criança, por exemplo, escolheu o par /t/ -/d/ e criou a frase: “Não confunda: tente com dente”, representando por meio de desenhos o conceito de cada uma dessas palavras. Morais (2010) também apresenta atividades interessantes para os casos que envolvem correspondências regulares diretas. Segundo esse autor, o professor pode, por exemplo, distribuir cartelas com palavras que contenham os sons “causadores de confusão” („t‟ e „d', por exemplo) e, sem dar maiores dicas, pedir que os alunos separem as palavras em duas colunas, agrupando aquelas que têm os sons parecidos. No início, os alunos receberão essas palavras em cartelas (onde estarão misturadas), mas, em outros momentos, eles deverão pesquisá-las em revistas, jornais ou livrinhos. Após a separação, eles deverão ler o que colocaram em cada coluna e discutir se há alguma palavra fora do lugar. Em seguida, o professor irá orientá-los a produzirem outras palavras que possam ficar nas colunas construídas. O autor ainda apresenta variações para essa tarefa, como utilizar figuras, cujos nomes contenham um dos dois grafemas trocados pelos alunos, e cartelas com o nome das mesmas. Os estudantes deverão separar as figuras que têm sons parecidos e, em seguida, encontrar cartelas com o nome de cada uma delas. Para finalizar esse trabalho, o professor ainda pode pedir que eles escrevam algo (como uma frase) sobre cada palavra classificada. Ainda sobre estratégias para esses desvios, Toledo (2010) sugere que o professor trabalhe a análise fonológica de trava-línguas, com seus alunos. A autora apresenta trava-línguas, contendo vários padrões silábicos que podem levar os alunos a refletir sobre a escrita. Como, por exemplo: 101 a) Ataque, núcleo e coda (consoante-vogal-consoante) “Larga a tia, lagartixa! Lagartixa, larga a tia!” b) Ataque complexo e núcleo (consoante – consoante – vogal) “Três pratos de trigo para três tigres tristes” “O brinco da Bruna brilha”. “O Padre Pedro tem um prato de prata”. “Pedro pregou um prego na pedra” “Três traças traçadas traçaram três trajes sem trégua” “É preto o prato do pato preto” “Bagre branco, branco bagre”. c) Sons consonantais: /t/ e /d/ “O Tatá tá? Não, o Tatá não tá Mas o tio do Tatá tá E quando o Tata não tá E o tio do Tatá tá É o mesmo que o Tatá tá”. “Alô, o tatu tá aí? Não, o tatu não tá, Mas a mulher do tatu tando É o mesmo que o tatu tá”! O tempo “ O tempo perguntou pra o tempo Qual é o tempo que o tempo tem. O tempo respondeu pra o tempo Que não tem tempo Pra dizer pra o tempo 102 Que o tempo do tempo É o tempo que o tempo tem. O doce O doce perguntou pra o doce Qual é o doce mais doce que o doce de batata doce o doce respondeu pra o doce que o doce mais doce que o doce de batata doce é o doce do doce de batata doce. // e ///: “ O caju do Juca É a jaca do Cajá Já a jaca da Juju É o caju do Cacá O caju do Juca, A jaca da Cajá A jaca da Juju E o caju do Cacá. Lá em cima daquele morro chato, Tem uma moça chata, Com um tacho chato na cabeça. Moça chata, Esse tacho chato é seu? Tacho sujo, chuchu chocho. A chave do chefe Chaves está no chaveiro O Juca ajuda: encaixa a caixa, agacha, engraxa. 6.3 Quanto aos desvios por não considerar as regras contextuais As atividades referentes a essa categoria devem levar o aluno a refletir sobre as várias relações que podem ser estabelecidas entre letras e sons. Morais (2008) 103 propõe algumas sequências de atividades por meio das quais o professor possa levar o aluno a contrastar palavras que contenham letras ou dígrafos que possam ser confundidos. O trabalho realizado pelos alunos consiste basicamente em classificar, organizar em conjuntos e escrever palavras que contém o mesmo “princípio gerativo”. Outro ponto importante que o autor destaca é oportunizar o debate entre os alunos sobre o que eles vão descobrindo e o registro, por escrito, dessas descobertas. Vejamos abaixo, como se organizam as principais atividades que Morais (2010) desenvolveu para o trabalho com as correspondências regulares contextuais ortográficas: a) Classificação de palavras reais A partir de um texto conhecido, o professor promove, com os alunos, uma reflexão sobre determinada regularidade contextual e, em seguida, pede que eles organizem, em conjuntos, palavras que apresentem a dificuldade ortográfica em foco e que são distribuídas em fichas no início da atividade. Morais (2010) cita o exemplo de um trabalho realizado para discutir o emprego do „r‟ e „rr‟. Vejamos: Após a leitura da fábula, “A cigarra e a formiga”, as crianças que estavam sendo acompanhadas receberam fichas com palavras nas quais o „r‟ e o „rr‟ apareciam em diferentes contextos. Em seguida, elas foram orientadas a procurar, em revistas, outras palavras que pudessem ficar nas colunas correspondentes a cada ficha. Para Morais (2010), essa tarefa é importante pois leva o aluno a “ sistematizar mentalmente os distintos conceitos ortográficos, atentando para os valores sonoros que a letra (ou dígrafo) assume em cada contexto” (p. 102). O autor ainda apresenta outras variações pra essa atividade, tais como, oferecer cartões ou escrever no quadro negro várias palavras para que os aprendizes as leiam e as organizem em conjuntos ao transferirem para seus cadernos, além de um caça-palavras (contendo a dificuldade ortográfica enfocada) por meio do qual, após o jogo convencional, os alunos podem separar as palavras encontradas em conjuntos. b) Classificação de palavras inventadas Morais (2010, p. 103) justifica a importância da utilização de palavras inventadas no trabalho com as dificuldades regulares contextuais por elas ajudarem 104 ao aprendiz a focalizar sua atenção sobre os aspectos ortográficos na escrita. “Como ele nunca viu a palavra antes, não vai poder recorrer à memória nem ao significado para decidir como escrevê-la.” Essa atividade é semelhante a anterior, pois nela os aprendizes deverão buscar critérios para classificar e organizar em conjuntos as palavras (agora inventadas) que apresentam as mesmas regras contextuais. Em seguida, deverão discutir regras a serem registradas a partir dos conhecimentos obtidos por meio dessa atividade. c) Produção de palavras reais Nessas atividades, os alunos recebem o desafio de escrever palavras reais com a dificuldade ortográfica regular que está sendo trabalhada. Para tanto, são apresentadas as seguintes alternativas:  recordar e anotar livremente palavras que contenham as correspondências letra-som nos contextos “classificados” ;  responder a cruzadinhas em que as palavras a serem descobertas contêm a correspondência regular enfocada;  formar palavras a partir de um conjunto de sílabas (ou sufixos) oferecidas em cartelas (algumas das cartelas contêm as combinações enfocadas, e as crianças devem encontrar combinações que produzam palavras de fato existentes). (MORAIS, 2010, p. 106) A diferença dessa atividade para as outras é que, nela, o próprio aprendiz deverá escrever as palavras, em vez de recebê-las ou pesquisá-las em revistas, jornais, etc. Em um exemplo fornecido pelo autor, ao trabalhar o emprego do „c‟ ou do „qu‟ foi solicitado aos alunos que escrevessem todas as palavras iniciadas por „que‟, „qui‟ ou „ca‟, „co‟, „cu‟ que eles pudessem lembrar. Em seguida, eles iam ao quadro registrar, nas colunas adequadas, as palavras lembradas, e, juntos, elaboravam regras para o de uma ou de outra letra. d) Produção de palavras inventadas Essa tarefa exige um esforço maior por parte do educando, pois ele terá que se concentrar nas correspondências entre grafemas-fonemas, combinando letras e sílabas permitidas na Língua Portuguesa para formar novas palavras, sem poder-se reportar, por meio da memória e dos significados, à palavras conhecidas por ele. Ao 105 propor esse tipo de atividade aos alunos, o professor deve trabalhar algumas palavras coletivamente antes de pedir que eles façam essa produção. Quanto ao modo de desenvolver essa tarefa o autor apresenta várias estratégias: entregar aos alunos cartões com sílabas (ou sufixos) para eles produzirem combinações; lançar mãos de gravuras “malucas” (carro, árvore com pés, carneiro com listras de zebras, etc.); e pedir aos alunos para inventarem nomes usando a correspondência regular em foco; atividades mais livres, como inventar palavras com a regularidade estudada e criar definições para elas. Acreditamos que todas essas atividades podem ser feitas com os adolescentes também. No entanto, partindo de textos e de palavras mais adequadas a faixa etária deles. 6.4 Quanto aos desvios devido às correspondências irregulares Como estratégia de ensino para sanar as dificuldades, frente às correspondências irregulares, Morais (2010) sugere a priorização das palavras de uso frequente na escrita. Segundo ele, o professor deve definir, com os alunos, listas de palavras que não poderão mais apresentar esses desvios ortográficos. Dessa forma, pouco a pouco as irregularidades da língua vão sendo internalizadas. O autor esclarece que as listas de palavras podem ser definidas por diferentes critérios: palavras que apresentam determinada dificuldade ortográfica (por exemplo o h inicial), palavras usadas nas tarefas do dia a dia escolar (por exemplo, exercício, resumo, adição, subtração, lição, multiplicação) e palavras irregulares ligadas a uma área de conhecimento ou tema que eles estejam estudando (por exemplo, civilização, humanidade, religião, habitação, etc). Ainda, segundo Morais (2010, p. 117), sendo a memória visual de fundamental importância para a internalização dos casos que envolvem irregularidades, as listas de palavras devem ficar sempre disponíveis para consulta dos alunos, no caderno deles ou em cartazes (nas paredes da sala). Outras atividades apresentadas por Morais para trabalhar a reflexão sobre a ortografia em sala de aula: 106 a) Ditado interativo Trata-se de um novo tipo de ditado, diferente do tradicional, no qual busca-se ensinar ortografia proporcionando uma reflexão sobre o que se está escrevendo. Desenvolve-se da seguinte maneira: O professor dita para a turma um texto já conhecido por todos e, por meio de pausas, convida os alunos a discutirem sobre algumas questões ortográficas selecionadas previamente. Ele pode indagar ao aluno se uma determinada palavra é difícil ou não de ser escrita e como ela poderia constituir uma fonte de dificuldade. Segundo Morais (2010) a opção por um texto já conhecido dos alunos tem uma explicação: Se o texto já foi lido e discutido, o grupo já estabeleceu com ele uma interação apropriada, tomando-o como unidade de sentido. Isso permite que o ditado interativo não repita a velha tradição de usar um mero pretexto para a condução de exercícios de análise linguística. Por outro lado o fato das crianças terem lido o texto previamente, já terem lido os significados que elaboraram em torno dele, propicia, que no ditado, voltem sua atenção para as palavras que o professor focaliza ou que elas mesmas escolhem como tema de discussão. (p.86) Em outros momentos o professor poderá ser menos diretivo, deixando que os alunos expressem, sozinhos, que sílabas das palavras consideram mais difíceis de escrever durante o ditado. b) Releitura com focalização Essa atividade consiste em promover a releitura coletiva de um texto já conhecido pela turma, fazendo pausas para debater a grafia de palavras que apresentem dificuldades ortográficas. Segundo Morais (2010, p. 87), o que interessa, nessa atividade, é a possibilidade de adquirir informações sobre a ortografia, por voltar-se a atenção para o interior das palavras. O professor também pode estimular os alunos a elaborar nessa tarefa transgressões e debatê-las. c) Reescrita com transgressão ou focalização 107 Essa atividade propõe uma transgressão na escrita, como forma de reflexão sobre as possibilidades de erros e acertos da nossa ortografia. Morais (2010) acredita que trabalhar com “erros de propósito” pode ser construtivo para os aprendizes, pois eles poderão colocar em prática seus próprios conhecimentos sobre à norma. O autor cita um exemplo em que desenvolveu situações de reflexão ortográfica por meio de revistinhas do Chico Bento: uma “tirinha” desse personagem foi oferecida as crianças para que elas encontrassem “erros” de grafia na história. Em seguida, houve uma discussão sobre os diferentes modos de falar, de pessoas que pertencem a grupos sociais distintos ou moram em regiões diferentes. Terminada essa reflexão, foi orientada uma atividade de reescrita com correção na qual os alunos puderam expressar seus pensamentos e opiniões sobre o que haviam aprendido por meio dessa atividade. d) Situações de ensino aprendizagem: usando o dicionário e revisando as produções infantis O dicionário é um instrumento essencial para ajudar no desenvolvimento da língua escrita, mas, infelizmente vivemos em um país onde as pessoas não têm a prática de consultá-lo no seu dia a dia. Além disso, há um preconceito com relação ao uso desse recurso. Muitos o chamam de “pai dos burros”, sem considerar que, na realidade, para utilizá-lo, o leitor precisa possuir diversos conhecimentos e habilidades como: saber que as palavras estão organizadas em uma sequência de letras, que, ao consultar a ortografia de uma palavra, o significado é um critério fundamental para comprovar se aquela palavra era, realmente, a que se queria escrever, e saber ainda que várias palavras (os verbos) não aparecem listadas no dicionário, pois, estão listadas em suas formas não flexionadas. É necessário que os dicionários estejam presentes nas salas de aula, desde a educação infantil, para que os alunos possam desenvolver uma atitude de curiosidade sobre a escrita e o significado das palavras. Algumas estratégias estão sendo desenvolvidas por professores para estimular seus alunos a usarem o dicionário: listar em ordem alfabética palavras que dizem respeito a um mesmo campo semântico que estão estudando em um projeto 108 ou numa unidade do currículo, fazer agendas, nessa mesma ordem, com telefones e endereços dos colegas , criar jogos de sequenciação de palavras etc. e) Revisão e reescrita dos textos Uma das tarefas mais importantes a ser desenvolvida para garantir um bom desempenho na produção textual é a reescrita, essa atividade faz parte da abordagem que considera o caráter processual da escrita. No entanto, parece haver, aí, um grande problema: os alunos apresentam uma forte resistência quando são orientados a revisar e reescrever seus textos. Assim sendo, é necessário que o professor possa elaborar estratégias para auxiliar os alunos nessa tarefa. Para Morais (2010), é importante que a escola trate de temas como revisão e reescrita, dentro de uma perspectiva comunicativa, levando os alunos a entenderem a necessidade de voltar ao texto para observar se a forma pela qual eles expressaram as ideias, está conseguindo comunicar aquilo que se pretende. Ao reelaborar um texto, o escritor não deve atentar apenas para questões ortográficas. Elementos como coerência, coesão, pontuação, entre outros, devem ser revistos na busca pela eficácia comunicativa, tendo sempre em vista a adequação ao leitor, a quem o texto será destinado. No entanto, a utilização da norma é mais uma ferramenta necessária na busca do ideal linguístico. Morais (2010) apresenta algumas estratégias para ajudar seus alunos a corrigir os desvios ortográficos. Segundo ele, é pouco útil fazer correções na ausência dos estudantes. O ideal é aproveitar o momento em que eles estão compondo seus textos: o professor deve circular pela sala e, ao observar desvios dessa natureza, ele pode levantar questões para ajudar o aluno a refletir e encontrar a forma aceita pela norma. E, quando o aluno não estiver presente, o mestre deverá apenas assinalar, nos textos, os pontos que apresentam desvios e deixar ao autor do texto a tarefa de corrigi-los, utilizando gramáticas, dicionários, livro didático etc. 109 CONCLUSÃO Esse trabalho mostra que a língua portuguesa é bastante complexa e por isso requer diferentes olhares para o seu trabalho. A partir deste estudo, buscou-se colaborar com as discussões sobre o processo de aquisição do sistema de escrita por alunos que apresentam maior dificuldade de escolarização, especificamente, aqueles que já estão nas séries finais do ensino fundamental, contribuindo, assim, na elaboração de novas metodologias frente ao trabalho escolar com a ortografia. Sabe-se que o trabalho com a produção de texto, na escola, vem passando por importantes transformações nas últimas décadas. O ensino da escrita enquanto produto deu lugar a um ensino que considera o caráter processual dessa modalidade. Diante desse novo contexto, a ortografia configura-se apenas como um dos aspectos envolvidos no processo de aprendizagem da escrita. No entanto, visto a importância desta norma para o desenvolvimento da competência linguística dos alunos, escolheu-se abordá-la na presente dissertação. Assim, observou-se nos textos analisados uma quantidade considerável de desvios de escrita relacionados tanto a aspectos fonéticos e fonológicos, quanto a aspectos ortográficos e gramaticais da Língua Portuguesa, apontando para a importância de uma intervenção escolar frente a cada uma dessas dificuldades. Nesse sentido, as propostas apresentadas, aqui, visam a um trabalho constante de reflexão sobre o uso da língua escrita, levando o aprendiz a interagir com esse objeto de conhecimento para construir sua própria aprendizagem. Acredita-se, porém, na importância do professor como mediador desse processo. É dele o papel de realizar o diagnóstico da escrita ortográfica de seus alunos para compreender em que etapa de aquisição dessa modalidade da língua eles estão e, a partir disso, elaborar estratégias para ajudá-los a avançar no domínio dessa capacidade. O conhecimento das diferenças entre os tipos de desvios encontrados nas produções textuais é de fundamental importância para que o docente possa elaborar as estratégias de intervenção, levando o aluno a conhecer as relações que a escrita possui com a fonética e com a fonologia, a analisar os contextos de uso e a reconhecer regras para o emprego de determinadas letras. Acreditamos que por meio de um ensino aberto ao diálogo, o professor possa ajudar 110 os alunos a se aproximarem da escrita, levando-os a pensar sobre a ela, a examiná- la e construírem regras sobre o uso da mesma. É necessário que o docente considere os diferentes níveis de domínio da escrita ortográfica presente em uma sala de aula, pois é natural que, em turmas heterogêneas, ocorram também diferentes níveis de aprendizagem. Além disso, como nos mostra Morais (2010), o professor nunca deve usar o número de erros encontrados em um texto como parâmetro de avaliação e sim atentar para o avanço dos alunos diante de cada dificuldade trabalhada durante as aulas de Português. Outro fator importante é que a escola deve abraçar e respeitar todas as variedades linguísticas, trazidas por cada educando, já que elas são reflexos da diversidade de povos e dialetos existentes em nosso país. Além disso, deve-se trabalhar em sala de aula as diferenças entre fala e escrita, assegurando ao aluno maior segurança ao lidar com cada uma dessas modalidades. Os desvios de escrita analisados foram encontrados nos textos de mais de um terço dos alunos da turma e apontam para diferentes percursos no processo de aquisição da escrita, mostrando a presença de dificuldades individuais. Podemos dizer que essas alterações são de diferentes naturezas, e existem casos de alunos que apresentam desvios que os outros não apresentam. Escolhemos trabalhar com uma amostra pequena de informantes para darmos mais atenção às ocorrências atestadas, de modo que pudéssemos trazer resultados mais precisos. Consideramos que as atividades para alunos, que já estão numa série mais avançada do ensino fundamental e ainda apresentam uma grande quantidade de desvios em seus textos, devam ser as mesmas utilizadas para os alunos das primeiras séries que enfrentam as mesmas dificuldades. No entanto, essas atividades devem ser adaptadas a gêneros adequados a cada faixa etária. Ainda cabe ressaltar que, para esse tipo de pesquisa, a coleta de produções orais dos mesmos colaboradores seria uma estratégia bastante interessante, pois permitiria ao professor observar se certos processos presentes no texto escrito, refletem aspectos ainda problemáticos na fala dos alunos. Essa ideia e a aplicação das estratégias de intervenção, aqui apresentadas, para o trabalho frente aos desvios ortográficos ficam como sugestões para futuras pesquisas. 111 Por fim, acreditamos que o trabalho tenha cumprido o objetivo de refletir sobre o ensino da língua escrita no Ensino Fundamental II, buscando apresentar metodologias que respeitem o aluno enquanto um ser ativo, um sujeito que aprende a partir de suas ações sobre os objetos do mundo, e que constrói sua própria aprendizagem. 112 REFERÊNCIAS ALVARENGA, D. 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