0
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ - CERES
DEPARTAMENTO DE LETRAS DO CERES - DLC
A ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA ANÁLISE DOS
DESVIOS ORTOGRÁFICOS E SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO
JAYANE DO NASCIMENTO SOUZA
CURRAIS NOVOS/RN
2015
1
JAYANE DO NASCIMENTO SOUZA
A ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA ANÁLISE DOS
DESVIOS ORTOGRÁFICOS E SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras - PROFLETRAS - da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Letras, na área de Linguagens e Letramentos
(Linha de Pesquisa em Teorias da Linguagem e
Ensino – área de concentração em Linguística
Aplicada).
Orientadora: Profa. Dra. Maria Assunção Silva
Medeiros
CURRAIS NOVOS/RN
2015
2
A ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA ANÁLISE DOS
DESVIOS ORTOGRÁFICOS E SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO
JAYANE DO NASCIMENTO SOUZA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras - PROFLETRAS - da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Letras, na área de Linguagens e Letramentos
(Linha de Pesquisa em Teorias da Linguagem e
Ensino – área de concentração em Linguística
Aplicada).
Orientadora: Profa. Dra. Maria Assunção Silva
Medeiros
Aprovada em _____/_____/_____
___________________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Assunção Silva Medeiros
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Presidente – Orientadora
_______________________________________________________________
Prof. Profª. Dra. Valdenides Dias Cabral
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Membro Interno
_______________________________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
Membro Externo
__________________________________________________________________
Profª. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Suplente interno
__________________________________________________________________
Profª. Dra. Maria do Socorro Maia Fernanda Barbosa
Universidade Potiguar
Suplente externo
3
Aos meus pais, Francisco de Assis Souza e Juliêta Nêuza do
Nascimento Souza, por todo amor, apoio, compreensão e por
serem exemplos de pessoas boas, simples e justas.
Ao Jardel, à Janyelli e à Sophia, por serem fonte de refúgio e
por me fazerem enxergar a vida pela perspectiva do amor e da
pureza.
Aos meus queridos avós Antão (in memoriam) e Rita, por todo
amor a mim dedicado.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de todo saber e de toda graça, pelo dom da vida e pela presença
constante em minha vida.
Aos meus pais, pelo apoio, pelo companheirismo, pelas noites mal dormidas e por
serem fiéis a Deus e a nossa família, cumprindo, com lealdade, o sacramento do
matrimônio, oferecendo-me um lar santo, em que pude crescer feliz.
Aos meus irmãos Diego e Jussier, pelo apoio constante e pela presença amiga.
Aos meus amigos, por tornarem o meu caminho mais iluminado.
À Secretaria Municipal de Educação de Ouro Branco pela licença concedida para a
realização deste trabalho.
À Profª. Dra. Maria Assunção Silva Medeiros, pelas orientações, pela amizade,
paciência e pelos conhecimentos compartilhados.
À UFRN, minha segunda casa, por me abrir as portas do saber, oferecendo-me um
novo olhar sobre o mundo e contribuindo para meu amadurecimento como ser
humano, profissional e cidadã.
Ao Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) pela oportunidade
de aperfeiçoamento profissional dada a cada um de nós professores.
À Capes pela bolsa concedida durante esses dois anos de curso.
À colega do tempo de Graduação, Laiane Ramos de Medeiros, por estar sempre
presente em minha memória e no meu coração.
E a todos os professores que contribuíram para minha formação escolar e
acadêmica, em especial a todos os meus professores da graduação e do mestrado.
Tenho um enorme carinho por cada um de vocês.
5
Toda e qualquer prática social de leitura e escrita faz parte da
nossa capacidade para expressarmos e compreendermos
sentimentos, opiniões, críticas e tudo que se encontra a nossa
volta. Tudo isso é linguagem, mas como entendê-la e praticá-
la? Não há receita imediata, o primeiro passo é despertar a
curiosidade e o gosto pelos sentidos que os signos linguísticos
verbais e não verbais nos mostram [...].
MEDEIROS, M. A. S (2014)
6
RESUMO
Esse trabalho apresenta uma reflexão sobre a língua escrita, uma prática
social que cada vez mais se fortalece no cotidiano das pessoas. Desvelar sua
natureza, organização e função deve ser o primeiro passo para os professores
mudarem de postura diante do ensino dessa modalidade linguística, ajudando os
alunos a utilizá-la de forma mais eficaz e segura. Dessa forma, a presente
dissertação busca compreender, à luz de teorias linguísticas contemporâneas, os
fatores que influenciam os desvios de escrita encontrados nas produções textuais de
alunos do 8° ano do Ensino Fundamental II, matriculados numa Escola Pública do
Rio Grande do Norte, considerando que esses desvios revelam o início da
aprendizagem dessa ferramenta de comunicação, representando as primeiras
hipóteses levantadas pelos alunos para dominá-la. Para a análise dos dados foram
utilizados os trabalhos desenvolvidos por Lemle (1995), Cagliari (2009), Carraher
(1985), Zorzi (1998), Guimarães (2005), Monteiro (2008), Veçossi (2010), entre
outros, a partir dos quais, a produção científica sobre aprendizagem da leitura e da
escrita vem se desenvolvendo. Os resultados dessa análise mostraram que os
desvios de escrita, presentes nos textos dos alunos, são motivados, não só por
desconhecimento da norma ortográfica da Língua Portuguesa, mas, também,
decorrem de fatores fonéticos, fonológicos e gramaticais. Como forma de suprir
essas dificuldades, buscou-se apresentar algumas estratégias de ensino-
aprendizagem da escrita que possam levar os discentes a refletir sobre o uso da
mesma, desenvolvendo essa habilidade de forma mais crítica e criativa. Acredita-se
que as estratégias apresentadas possam minimizar a escrita com desvios
ortográficos ou variação linguística, praticada pelos alunos.
Palavras-chave: Desvios de escrita. Ortografia. Estratégias de ensino. Alunos.
7
ABSTRACT
This paper presents a reflection on the written language, a social practice
that is increasingly strengthened in everyday life. Unveiling its nature, organization
and function must be the first step for teachers to change their posture towards the
teaching of this linguistic mode, helping students use it more effectively and securely.
Therefore, this dissertation seeks to understand on the light of contemporary
linguistic theories, the factors that influence the writing deviations were found in the
text production of students of the 8th grade of elementary school II, enrolled in a
public school in Rio Grande do Norte, whereas those deviations reveal the beginning
of learning of this communication tool, representing the first hypotheses raised by
students to dominate it. To analyze the data we used the works done by Lemle
(1995), Cagliari (2009), Carraher (1985), Zorzi (1998), Guimarães (2005), Miller
(2008), Veçossi (2010), among others, starting from of which, the scientific
production on reading and writing learning come developing. The results of this
analysis showed that the writing deviations present in the texts of the students are
motivated not only by lack of knowledge of standard orthographic of the Portuguese
language, but, also, stem from phonetic, phonological and grammatical factors. Thus,
we seek to present new teaching and learning strategies of writing that might lead
students to reflect on the use of the same, developing this ability more critically and
creatively. We believe that the activities presented can minimize writing with
orthographic deviations or linguistic variation practiced by students.
Keywords: Variances writin. Spelling. Teaching strategies. Students.
8
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 Escrita cuneiforme ............................................................................. 17
FIGURA 02 Escrita hieroglífica ............................................................................. 18
FIGURA 03 Alfabeto fenício .................................................................................. 19
FIGURA 04 Escrita pictográfica ............................................................................ 20
FIGURA 05 Escrita ideográfica ............................................................................. 20
FIGURA 06 Modelo de escrita silabária ................................................................. 21
FIGURA 07 Alfabeto português .............................................................................. 22
FIGURA 08 Testamento de Afonso II .......................................................................
24
9
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 Fonemas consonantais do português brasileiro ................................ 33
QUADRO 02 Encontros consonantais do português brasileiro ............................... 34
QUADRO 03 Molde silábico do Português Brasileiro .............................................. 35
QUADRO 04 Relações não-biunívocas (uma letra representando diferentes
sons) ...................................................................................................................
40
QUADRO 05 Relações não-biunívocas (um som representado por diferentes
letras de acordo com a posição em que se encontra) .............................................
41
QUADRO 06 Relações de concorrência entre letras e fonemas ............................ 41
QUADRO 07 Casos de regularidades contextuais .................................................. 44
QUADRO 08 Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes em
substantivos e adjetivos .........................................................................................
45
QUADRO 09 Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes nas
flexões verbais .......................................................................................................
45
QUADRO 10 Principais trocas relacionadas ao traço sonoro ................................. 53
QUADRO 11 Substituições relacionadas ao traço sonoro ...................................... 56
QUADRO 12 Desvio devido à transcrição fonética ................................................. 58
QUADRO 13 Desvio por motivação fonológica ....................................................... 64
QUADRO 14 Desvios por supergeneralização ....................................................... 71
QUADRO 15 Desvios por desconhecimento das regras contextuais ..................... 73
QUADRO 16 Grafia do fonema /s/ .......................................................................... 75
QUADRO 17 Possíveis contextos para o uso do fonema /s/ .................................. 76
QUADRO 18 Grafia do fonema /ʃ/ ........................................................................... 78
QUADRO 19 Grafia do fonema /z/ .......................................................................... 78
QUADRO 20 Grafia do fonema /ʒ/ .......................................................................... 78
QUADRO 21 Omissão do „h‟ inicial ......................................................................... 79
QUADRO 22 Letras parecidas ................................................................................ 80
QUADRO 23 Acento para mais e para menos ....................................................... 81
QUADRO 24 Desvio por desconhecimento das regras gramaticais ....................... 82
QUADRO 25 Dificuldade na separação de sílabas ................................................ 82
QUADRO 26 Desvios encontrados na produção textual 01................................... 84
QUADRO 27 Desvios encontrados na produção textual 02 .................................. 87
QUADRO 28 Desvios encontrados na produção textual 03 .................................. 90
10
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01 Desvio por motivação fonética .......................................................... 63
GRÁFICO 02 Desvio por motivação fonológica ...................................................... 70
GRÁFICO 03 Supergeneralização .......................................................................... 72
GRÁFICO 04 Desvios por desconhecimento das regras contextuais .................... 74
GRÁFICO 05 Desvios devido à concorrência de letras .......................................... 80
GRÁFICO 06 Resumo dos desvios encontrados no corpus do trabalho ................ 83
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 13
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................. 16
2.1 A ORIGEM DA ESCRITA NO MUNDO ................................................. 16
2.2 SISTEMAS DE ESCRITA ...................................................................... 19
2.3
2.3.1
2.3.2
A ORIGEM DA ESCRITA PORTUGUESA: UM BREVE RELATO ........
O período fonético - 1214 ao início do século XVI ...........................
O período pseudo-etimológico – de meados do século XVI até o
início do século XX.............................................................................
22
23
25
2.4 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA ..................................... 26
2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE FONOLOGIA E ORTOGRAFIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA .....................................................................
28
2.5.1 A fonologia do português ................................................................... 28
2.5.2 Ortografia da Língua Portuguesa ...................................................... 35
2.6 DIFERENTES ABORDAGENS PARA CLASSIFICAÇÃO DOS
DESVIOS DE ESCRITA ......................................................................
46
2.6.1 Abordagem de Lemle .......................................................................... 47
2.6.2 Abordagem de Cagliari ........................................................................ 47
2.6.3 Abordagem de Carraher ...................................................................... 49
2.6.4 Abordagem de Zorzi ............................................................................ 50
3 METODOLOGIA .................................................................................... 52
3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA .............................................................. 52
3.2 AMBIENTE DA PESQUISA ................................................................... 52
3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES .......................................... 53
3.4 ESTRUTURA DO CORPUS .................................................................. 54
3.5 CATEGORIZAÇÃO DOS DESVIOS DE ESCRITA ............................... 54
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DESVIOS ENCONTRADOS NOS
TEXTOS DOS ALUNOS ........................................................................
58
4.1 DESVIOS RELACIONADOS AO SISTEMA GRÁFICO ......................... 58
4.1.1 Desvio por motivação fonética ........................................................... 58
4.1.2 Desvio por motivação fonológica ...................................................... 64
4.1.3 Supergeneralização ............................................................................. 70
12
4.2 DESVIOS RELACIONADOS AO SISTEMA ORTOGRÁFICO ............... 72
4.2.1 Desvios por desconhecimento das regras regulares contextuais . 72
4.2.2 Desvios por desconhecimento das correspondências irregulares 75
4.3 LETRAS PARECIDAS ........................................................................... 80
4.4 PROBLEMAS NA ACENTUAÇÃO GRÁFICA ........................................ 81
4.5 DESVIO POR DESCONHECIMENTO DAS REGRAS GRAMATICAIS 81
4.6 DIFICULDADE NA SEPARAÇÃO DE SÍLABAS .................................... 82
5 PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O TRABALHO COM A
ORTOGRAFIA .......................................................................................
93
5.1 PRINCÍPIOS GERAIS ............................................................................ 93
5.2 PRINCÍPIOS RELATIVOS AO ENCAMINHAMENTO DAS
SITUAÇÕES DE ENSINO APRENDIZAGEM ......................................
95
6 SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II
98
6.1 QUANTO ÀS DIFICULDADES RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO
FONÉTICA .............................................................................................
98
6.2 QUANTO ÀS DIFICULDADES RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO
FONOLÓGICA ...................................................................................
99
6.3 QUANTO AOS DESVIOS POR NÃO CONSIDERAR AS REGRAS
CONTEXTUAIS .................................................................................
102
6.4 QUANTO AOS DESVIOS DEVIDO ÀS CORRESPONDÊNCIAS
IRREGULARES ...................................................................................
105
CONCLUSÃO ................................................................................................... 109
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 112
WEBGRAFIA .................................................................................................... 113
ANEXOS ........................................................................................................... 115
13
1. INTRODUÇÃO
Dentro da atual perspectiva socioeducacional do ensino, destaca-se, na
disciplina de Língua Portuguesa, a importância da valorização e do trabalho com as
diferentes variações linguísticas existentes em nosso país, a partir de uma análise
das formas pelas quais elas podem surgir em uma sociedade como a nossa. No
entanto, entre essas variações, a escola deve deter mais atenção sobre o ensino da
norma culta padrão, ajudando o aluno a refletir sobre a mesma e utilizá-la de forma
eficaz diante de situações em que se fizer necessário. Isso porque, o emprego
dessa norma funciona como fonte de prestígio, podendo ser posto à margem social,
aquele que dela não fizer bom uso. Assim sendo, cabe à instituição de ensino
oferecer ao aluno condições de conhecer e utilizar, de forma mais eficaz, a língua
padrão, garantindo-lhe um bom desempenho nas práticas sociais e no exercício de
sua cidadania.
Ocorre que, devido a falsos preconceitos e crenças, observa-se, na
atualidade, uma resistência dos professores em trabalharem certos aspectos da
norma culta, como é o caso da ortografia. Como reflexo disso, as produções textuais
dos alunos apresentam um número elevado de desvios ortográficos e gramaticais,
ora devido à influência da oralidade, ora resultante da variação linguística (entre
outros fatores que serão apresentados no decorrer deste trabalho) o que, muitas
vezes, compromete o sentido do que se deseja comunicar. Esse fato torna-se cada
vez mais preocupante, principalmente, quando observamos que adolescentes estão
chegando aos últimos anos do Ensino Fundamental, apresentando grandes lacunas
no domínio da ortografia, com desvios de escrita que não são esperados para esse
nível de ensino.
Dessa forma, e sabendo do poder que a escrita representa hoje nos meios
sociais, com práticas discursivas cada vez mais exigentes, principalmente no
mercado de trabalho, podemos nos perguntar: é possível elaborar estratégias que
auxiliem os alunos nessa tarefa? Pressupomos que a prática continuada e a vivência
dos discentes, em sala de aula, com gêneros textuais diversificados facilitariam o
desenvolvimento da capacidade linguística, quanto ao emprego da ortografia e à
diminuição do uso de desvios relacionados à variação e aos conhecimentos
14
gramaticais. Além disso, observamos a necessidade de um ensino sistemático da
norma ortográfica por meio de atividades que levem o aluno a refletir sobre os
recursos linguísticos disponíveis para a construção da comunicação escrita.
Face ao exposto, esse trabalho tem por objetivo refletir sobre os fatores que
influenciam os desvios de escrita apresentados na produção textual de alunos do 8°
ano do Ensino Fundamental. Para isso, procuramos entender o porquê desses
adolescentes estarem chegando ao final do Ensino Fundamental II, apresentando,
ainda, muitas dificuldades na escrita. Assim, buscamos repensar nosso fazer
pedagógico, ajudando nossos alunos a “escreverem certo”, mas, como adverte
Morais (2010), sem fazê-los ter medo de “escreverem errado” e até não gostar de
escrever.
Frente a isso, justifica-se esse estudo pela necessidade de encontrar
estratégias que minimizem as dificuldades de leitura e escrita no ensino
fundamental, principalmente quanto aos desvios fonológicos e à variação linguística
que interferem na produção textual dos alunos. Desse modo, a relevância do
presente estudo se encontra, principalmente, pela falta de análises mais
consistentes, em outros trabalhos, com relação a um diagnóstico de estratégias que
venham a suprir as necessidades de escrita no ensino fundamental. Outro fato que
impulsiona o desenvolvimento dessa pesquisa é trabalhar com língua portuguesa
em uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental e conviver com essa experiência
no dia a dia, principalmente quando os alunos são orientados a produzir textos
escritos.
Desse modo, para constituir o corpus dessa investigação, escolhemos 30
textos de alunos regulares do 8° ano do Ensino Fundamental, produzidos no período
de maio a setembro de 2014, especificamente, aqueles discentes que apresentam
maior dificuldade no domínio da norma padrão escrita. Cada um deles produziu três
textos diferentes, sendo duas resenhas de filmes e um artigo de opinião. Esses
gêneros foram trabalhados anteriormente na sala de aula.
Assim, o trabalho inicia-se com o capítulo A origem da escrita: uma nova
ferramenta para facilitar o dia a dia do homem, no qual são traçados alguns
comentários sobre a origem da escrita no mundo e sobre seu desenvolvimento na
15
Língua Portuguesa, bem como apresentamos considerações acerca de fonologia,
ortografia, processo de aquisição da escrita e de algumas abordagens sobre desvios
de escrita.
No capítulo sobre metodologia, são apresentados os caminhos escolhidos
para o desenvolvimento da pesquisa. Os métodos e instrumentos utilizados, a
caracterização dos informantes, a estrutura do corpus, a coletas de dados e a
categorização dos desvios utilizada na análise dos textos.
Na análise e discussão dos desvios encontrados procura-se compreender
a origem dos desvios de escrita encontrados nos textos dos alunos a partir de
Carraher (1985), Lemle (1995), Guimarães (2005), Monteiro (2008), Cagliari (2009),
Barrera e Nobeli (2009), Morais (2010), e Veçossi (2010).
O capítulo sobre os princípios norteadores para o trabalho com a
ortografia apresenta aspectos relevantes para o desenvolvimento seguro e eficaz
do aprendiz ao se apropriar da ortografia da língua portuguesa.
Ao final são apresentadas algumas propostas de intervenção que expõe
algumas técnicas para se trabalhar o ensino da norma ortográfica nas aulas de
Língua Portuguesa do ensino fundamental II.
16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
“A escrita permite apreender o pensamento e fazê-lo atravessar o espaço e o tempo”
(HIGOUNET, 2003, p. 10)
O presente trabalho traz uma reflexão acerca da escrita, uma das principais
ferramentas utilizadas na comunicação verbal entre as pessoas, buscando entender,
por meio de pressupostos linguísticos, como se estrutura essa modalidade da língua
e qual a sua importância para o desenvolvimento da cidadania daqueles que a
utilizam.
É incontestável o valor que a escrita possuiu na história da humanidade. Sua
utilidade, nas mais variadas situações cotidianas, fez com que ela se tornasse uma
ferramenta essencial na comunicação, e, se assim era antes do advento da
informática, na atualidade, diante de um grande aparato tecnológico que influencia
jovens, adultos e crianças a passarem boa parte de seu tempo se comunicando, ela
se tornou indispensável. Diante disso e reconhecendo o valor desse instrumento de
comunicação na modernidade, procurou-se elaborar um percurso histórico a respeito
de sua origem no mundo, na Língua Portuguesa e sobre os processos pelos quais a
mesma passou até se configurar na versão utilizada hoje em dia. Essa abordagem é
de fundamental relevância, por meio dela, observa-se que o processo de aquisição
da escrita reflete o processo histórico de seu desenvolvimento, que ocorreu por meio
de uma série de estágios, lentos e acabados, segundo a mentalidade e a língua da
sociedade em que foram operados (HIGOUNET,2003, p.10). Dessa forma, mais
adiante, busca-se compreender alguns dos problemas mais frequentes relacionados
aos desvios de escrita encontrados nos textos produzidos pelos alunos.
2.1 A origem da escrita no mundo
A origem e evolução da escrita refletem o avanço no processo comunicativo
desenvolvido pelo homem ao longo dos séculos. Nossos antepassados, para facilitar
suas vidas, procuravam organizar seu cotidiano, desenvolvendo sempre novas
estratégias para se relacionarem com o meio em que viviam e, assim, contribuírem
para o progresso da civilização. Nesse contexto, a escrita, enquanto sistema
simbólico de comunicação surgiu da necessidade do homem de organizar seu dia a
dia, sua vida econômica e social. Como mostra Oliveira (2005, p.16), inicialmente ela
17
foi utilizada para a contabilização de animais: ao sair com um rebanho, por exemplo,
o homem „desenhava‟ a figura de um boi e, ao lado, registrava, por meio de traços, a
quantidade de animais que estava levando.
Sabe-se que a escrita teve origem de forma independente em alguns lugares
do planeta. Porém, segundo Higounet (2003, p.29), a forma mais antiga que se
conhece atualmente, por meio de documentos, surgiu na Mesopotâmia por volta de
4000 a.C. e foi desenvolvida pelos sumérios, ficando conhecida como escrita
cuneiforme, que recebeu esse nome porque, segundo o autor, era feita com objetos
que tinham forma de cunha. Os suportes utilizados eram as tabuletas de argila ou
placas de barro. Algumas tabuletas cuneiformes eram queimadas em fornos para
garantir a durabilidade do que havia sido escrito, como mostra a Figura 1.
Figura 01 - Escrita cuneiforme
Fonte: Maria João Gama
http://wikistoriapedrosantarem.pbworks.com/w/page/
14689147/A%20Hist%C3%B3ria%20da%20escrita)
A escrita cuneiforme era analítica, ou seja, os símbolos grafados
representavam palavras. Segundo Higounet (2003, p.30), geralmente se pensa que
a notação dessa língua coincidiu com a chegada do povo à Mesopotâmia.
Pouco tempo depois, os egípcios desenvolveram a escrita hieroglífica,
formada por desenhos e símbolos, e que também consistia em uma escrita de
palavras. De acordo com Higounet (2003, p.37), os egípcios consideravam os
hieróglifos como sinais sagrados (do grego: hieros, “sagrado” e glyphein, “gravar”), a
fala dos deuses. Ainda segundo esse autor, os mais antigos monumentos da escrita
egípcia foram às tabuletas de Ahã, primeiro rei da dinastia Tinita, e datam do início
18
do terceiro Milênio a.C. Os hieróglifos, geralmente eram grafados em pedras e, em
alguns casos, pintados à tinta em sarcófagos de madeira ou em papiros. Na figura 2,
há uma representação desse tipo de escrita:
Figura 02 - Escrita hieroglífica
Fonte: Maria João Gama
http://wikistoriapedrosantarem.pbworks.com/w/page/
14689147/A%20Hist%C3%B3ria%20da%20escrita)
Já na China, acredita-se que os primeiros escritos foram desenvolvidos por
algumas de suas dinastias antigas. Isso, porque os primeiros documentos, nessa
língua, foram encontrados gravados em cascos de tartarugas na segunda metade do
segundo milênio. Esse sistema de escrita é utilizado até hoje por um conjunto de
povos que representa um quinto da população mundial.
Por meio de seus estudos, Higounet (2003, p.48) afirma que “a tradição atribui
a invenção da escrita hieroglífica a imperadores mais ou menos lendários, ou a
secretários de um deles, no terceiro milênio antes de nossa era”. Também era um
tipo de escrita de palavras. No entanto, a primeira escrita fonética de que se tem
conhecimento é a fenícia, elaborada durante a segunda metade do segundo milênio
a.C. e que tentava reproduzir os sons da fala e não mais coisas ou ideias, como as
outras escritas conhecidas na época. Na figura 03, podemos ver uma representação
do alfabeto fenício formado por vinte e dois sinais puramente lineares:
19
Figura 03 - Alfabeto fenício
Fonte: Invivo – Fundação Oswaldo Cruz
(http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=914&sid=7)
Para uma compreensão acerca desse processo de evolução, considera-se,
também, de fundamental importância um conhecimento dos sistemas de expressão
que configuraram a escrita ao longo do tempo. É o que será visto a seguir com base
nos estudos de Cagliari (2009).
2.2 Sistemas de escrita
Conforme Cagliari (2009, p. 91) de uma forma geral, sem seguir uma linha de
evolução cronológica, a história da escrita pode ser dividida em três fases que
mostram sua evolução: a pictórica, a ideográfica e a alfabética.
Surgida por volta de 4.000 a.C., a escrita pictográfica consistia em
representar um objeto ou conceito, por meio de desenhos ou pictogramas. Possuía
um caráter icônico, ou seja, um desenho significava apenas o objeto representado.
Nada, além disso. Os primeiros pictogramas foram gravados em tabuletas de argila
com a utilização de objetos em formato de cunha. Devido a isso, considera-se que
essa escrita tenha sido a base da escrita cuneiforme. Na figura 04, apresenta-se um
exemplo da mesma.
20
Figura 04 - Escrita pictográfica.
Fonte : Biblioteca Aluísio Magalhães
https://biblioam.files.wordpress.com/2014/08/a1-3-escrita
-ideogrc3a1fica.jpg. Consultado em 20.04.2015
Mas a pictografia tinha muitas limitações, uma vez que, como nos mostra
Oliveira (2005, p.17), “nem tudo podia ser desenhado”. Por exemplo, conceitos como
beleza, dor, norte, céu, azul, quente, luz etc. não possuíam uma forma concreta que
pudesse ser retratada. Assim, com o tempo, os sinais foram tornando-se mais
abstratos e o sistema pictográfico evoluiu, dando origem a escrita ideográfica.
O sistema ideográfico caracterizou-se pelo uso de símbolos gráficos ou
desenhos representando objetos ou ideias. Diferente da pictografia, esse tipo de
escrita não apresenta o caráter icônico, logo, ocorreram muitos casos em que a
semelhança entre o ideograma e o objeto representado desapareceu. A partir da
figura 5 podemos ver uma representação da escrita ideográfica:
Figura 05 - Escrita Ideográfica
Fonte: Cagliari (2009, p. 92)
Com a utilização da escrita ideográfica, houve uma extensão dos significados
representados pelos desenhos, uma vez que um pictograma simbolizava, não
apenas o que estava ilustrado, mas qualquer conceito relacionado ao original.
21
Entretanto, por haver uma grande quantidade de ideias, objetos e palavras a serem
representados, a aprendizagem dessa língua tornou-se muito difícil, sendo
necessária a criação de outro código escrito.
Segundo Oliveira (2005, p. 18), o grande salto na evolução da escrita foi
dado quando se passou a representar o plano da expressão e não mais o do
conteúdo, ou seja, a escrita deixou de apoiar-se nos significados representados e
passou a ter, como base, os sons da fala. Os sistemas silábicos foram os primeiros
sistemas de escrita baseados no plano da expressão. Segundo Kato (1995, p.15) os
fenícios se apossaram da complicada escrita lexical-silábica dos egípcios, derivada
dos hieroglíficos e dela extraíram 24 símbolos, para formar o silabário. Um só
símbolo no silabário podia representar dois sons: um consonantal e outro vocálico. A
figura 6 representa a escrita silabárica:
Figura 06 - Modelo de escrita silabária
Fonte: Cagliari (2009, p. 94)
Posteriormente o homem percebeu que podia decompor as sílabas em
unidades menores e passou a representar os sons individuais e articulados (quanto
ao ponto e ao modo) da fala, originando a escrita alfabética. De acordo com Kato
(1995, p. 16), a descoberta da escrita alfabética ocorreu no século X a. C. quando os
gregos tomaram o silabário fenício emprestado e passaram a utilizar uma vogal após
cada consoante. A figura 07 representa o alfabeto da Língua Portuguesa.
22
Figura 07 - Alfabeto português
Fonte: Biblioteca Aluísio Magalhães
https://biblioam.wordpress.com/?s=origem+da+escrita.
Consultado em 20.04.2015
Como pode ser visto, o alfabeto português é formado por 26 letras, sendo 21
consoantes e cinco vogais. Criado pelos romanos aproximadamente no século VII
a.C. ele possuía apenas 20 letras, posteriormente foram inclusas as outras 6.
A seguir, faremos um breve relato sobre a origem e evolução da escrita
dentro na Língua Portuguesa.
2.3 A origem da escrita portuguesa: um breve relato
Quando uma nação surge, faz-se necessário o estabelecimento de alguns
elementos socioculturais que efetivem sua existência e garantam sua autonomia.
Em Portugal, por volta do século XVI, o surgimento de uma língua escrita, por meio
de uma nova tecnologia, a imprensa, ajudou a criar uma consciência nacional
bastante útil para o país naquele momento, pois, frente a um novo sistema de
produção e das relações produtivas do capitalismo, o país precisava se diferenciar
de alguns povos fronteiriços e mostrar sua supremacia. Existem três modos pelos
quais as línguas impressas lançaram as bases para a consciência nacional de
Portugal, como mostra a afirmação de Anderson (1989):
i) a criação de campos unificados de intercâmbio e comunicação
abaixo do Latim e acima das línguas vulgares; ii) a atribuição, pelo
capitalismo, de uma nova fixidez à língua, que, a longo prazo, ajudou
a construir aquela imagem de antiguidade, tão essencial à ideia
subjetiva de nação e iii) a criação de línguas-de-poder, na medida em
que determinados dialetos estavam inevitavelmente “mais próximos”
de cada língua impressa e dominavam suas formas finais;
provocando a perda de prestígio de suas parentes mais próximas.
(ANDERSON, 1989, p. 54)
23
Assim, a ortografia da língua portuguesa começa a ser configurada e
expandida, contribuindo para a construção da identidade desse país. Segundo Netto
(2011), no ambiente em que essa escrita surgiu, as principais grafias da época se
espelhavam no Latim, por ser a única língua com pergaminhos de “antiguidade,
nobreza e excelência” por meio da qual os copistas poderiam basear suas
produções e, dessa forma, com a escrita portuguesa não foi diferente. Então, pode-
se concluir que os princípios os quais regem a escrita latina, de certa forma,
explicam também as regras da ortografia de nossa língua.
Como se sabe, o alfabeto dos romanos provém do alfabeto Grego, dos quais
podemos observar notáveis correspondências entre as letras. Nesses dois alfabetos,
as letras são consideradas sob três aspectos: nome, figura e valor, que podem ser
entendidas, respectivamente, como: nome da letra, a figura que a representa e o
som da mesma. Sendo assim, o nome „B‟ identificava a letra „b‟ com o som [b]. No
entanto, na formação da língua portuguesa, nem todas as concepções da língua
latina foram rigorosamente mantidas devido às novas realidades que iam sendo
configuradas. Por exemplo, surgiu um conjunto de sons no português que não podia
ser representado por nenhuma letra do alfabeto latino. A solução encontrada foi a
criação de dígrafos (lh, nh, ch...), o que gerou uma certa discordância de acordo com
os três aspectos acima citados, pois, como sugere Netto (2011, p. 26): “Se cada
letra possui um som, um nome e uma figura, como interpretar os dígrafos, em que
há duas figuras, portanto duas letras, e apenas um som, portanto uma letra?” Isso
nos mostra que, apesar de se inspirar na escrita latina, o português ia se
configurando de acordo com suas próprias particularidades.
Para compreendermos a história da evolução gráfica da Língua Portuguesa
encontramos em Netto (2011, p. 27) três períodos distintos: O período fonético – a
partir de 1214; o período pseudo-etimológico – de meados do século XVI até o início
do século XX e o período atual – de 1911 até nos nossos dias
2.3.1 O período fonético - 1214 ao início do século XVI
De acordo com Netto (2011, p. 28), no período arcaico, a escrita da Língua
Portuguesa passou por várias tentativas de construção e teve suas primeiras
características particulares configuradas. Por não haver nenhum conjunto de regras
institucionalizadas, surgem, nessa época, muitas incongruências nos textos escritos,
24
uma vez que, cada escriba utilizava uma forma de grafar diferente. Observa-se isso
em Teyssier (1984) ao dizer que:
Por exemplo, tal como actualmente, o som [g], a oclusiva velar
sonora, era representado por g antes de a, o, u e por gu antes de e e
i; mas é frequente depararmos com uma troca de signos: gerra em
vez de guerra, algem por alguém, língoa em vez de língua, amigua
em vez de amiga, alguo em vez de algo. Analogamente, quera usado
para representar a oclusiva velar surda, o som [k], não só antes de
vogal palatal (eei), mas também de vogal gutural (a e o): cinquo por
cinco, nunqua por nunca (talvez pela proximidade com as formas
latinas quinque e nunquam). (TEYSSIER, 1994, pág. 24)
Tais discrepâncias eram mais que naturais, naquele momento de constituição
da escrita, período de levantar hipóteses para o uso da língua e de analisá-la a partir
do próprio sistema fonológico do Português. No entanto, cabe ressaltar que havia
toda uma sistematização coerente e regularizada nas análises realizadas, não se
tratava de uma escrita caótica. Desse modo, segundo Netto (2011, p.28), não se
pode considerar que um alfabeto português tenha sido configurado durante todo
esse perí\odo arcaico. Na realidade, havia muita semelhança entre as letras do
alfabeto latino e as letras utilizadas pelos portugueses da época. Cabe ainda
ressaltar que, no início dessa fase, foi publicado o Testamento de Afonso II1, o
primeiro documento de que se tem conhecimento escrito em Língua Portuguesa.
Figura 08 - Testamento de Afonso II
Fonte: Daniel Abrunhosa
(http://danielabrunhosa.blogs.sapo.pt/)
1
D. Afonso II de Portugal (cognominado o Gordo, o Crasso ou o Gafo, em virtude da doença que o teria
afectado; Coimbra, 23 de Abril de 1185 - Santarém, 25 de Março de1223), terceiro rei de Portugal, era filho do rei Sancho I de
Portugal e da sua mulher, D. Dulce de Aragão, mais conhecida como Dulce de Barcelona, infanta de Aragão. Afonso sucedeu
ao seu pai em 1211.
25
2.3.2 O período pseudo-etimológico – de meados do século XVI até o início
do século XX.
Durante esse período, as soluções propostas no decorrer da fase arcaica para
as discrepâncias apresentadas pelos copistas foram incorporadas à escrita, que,
segundo Netto (2011, p. 30), já começava a apresentar feições próprias da Língua
Portuguesa. Foi nessa fase que surgiram as primeiras normatizações de uso da
Língua Portuguesa escrita, quais sejam: Grammatica da lingoagem portuguesa, em
1536, por Fernão de Oliveira,Grammatica da língua portuguesa, em 1540, por João
Barros, Regras que ensinam a maneira de escrever e Ortographia da lingua
portuguesa, em 1574, por Pedro Magalhães Gandavo e Ortographia da lingoa
portuguesa, em 1576, por Duarte Nunes de Lião. Houve, também, nesse período,
uma retomada às formas clássicas tanto dos gregos quanto dos latinos e uma
grande variedade de empréstimos linguísticos foi incorporada ao Português. Assim,
a escrita passou a ter uma base etimológica, abandonando a simplicidade da
representação fonética. Porém, a valorização do clássico, exaltada pelo
Renascimento, levou a um certo descontrole no emprego das palavras. Além disso,
é importante lembrar que, muitas das anomalias que tornaram a escrita portuguesa
incoerente, foram causadas pela introdução de palavras eruditas, latinas e
helênicas. Como nos mostra Netto (2011, p. 32), foi a partir desse período, que
palavras como oje, ome, aver, nacer, tornaram-se, hoje, homem, haver e nascer.
2.3.3 O período atual – de 1904 até os dias atuais
Com o passar do tempo surgiu à necessidade de uma nova uniformização
para a grafia da Língua Portuguesa. Em 1904, Gonçalves Viana escreve o livro
“Ortografia Nacional” na tentativa de atender a essa demanda. De acordo com
Ribeiro, a reforma proposta por Gonçalves previa: proscrição absoluta e
incondicional de todos os símbolos da etimologia grega: th,
ph, ch (=>K), rh e y; redução das consoantes dobradas a singelas, com exceção
de RR e SS, mediais, que têm valores peculiares, eliminação das consoantes nulas,
quando não influem na pronúncia da vogal que as precede e na regularização da
acentuação gráfica. Depois disso, pouca coisa mudou. Só houve tentativas de
padronizar a ortografia dos países que utilizam o Português como língua oficial.
26
A breve historiografia apresentada acima sobre a língua escrita nos ajudará a
compreender o processo pelo qual um aluno passa durante a aprendizagem dessa
modalidade da língua. Uma vez que, como nos mostra Oliveira (2005) a ontogênese,
ou seja, a maneira como as crianças descobrem a escrita, reflete a filogênese, o
modo como essa língua evoluiu na história da humanidade.
2.4 O processo de aquisição da escrita
Ao iniciar seu desenvolvimento grafo-motor, as crianças apresentam estágios
muito semelhantes aos que foram apresentados. Em suas primeiras produções
escritas, é comum elas utilizarem desenhos para representar objetos ou conceitos. A
palavra família, por exemplo, para elas, deve ser escrita por meio de um desenho do
pai com a mãe, irmãos, etc. Com o tempo, elas passam a escrever silabicamente, e
grafias como fmg para formiga tornam-se comuns, até que avançam para a escrita
alfabética, passando a ligar os sons às letras do alfabeto.
Sobre esse processo de aquisição da escrita, há muito tempo estudiosos e
pesquisadores de diferentes áreas vêm tentando compreender como ele ocorre e
procuram desenvolver métodos eficazes para a alfabetização das crianças. Uma das
concepções mais significativas nesse campo, apresentada por Oliveira (2005),
afirma que a primeira interação entre o aprendiz e a escrita ocorre por intermédio da
oralidade. De acordo com essa teoria, quando chegam à escola, as crianças já têm
o domínio da fala, então, ao entrarem em contato com a escrita, elas tendem a
transferir para esta, aspectos da forma falada já adquirida. Aos poucos, a criança
passa a refletir sobre essa relação entre letra e som. Percebe, por exemplo, que
uma palavra pode ser pronunciada de diferentes formas, mas que só há uma grafia
legitimada. Porém, cabe ressaltar, como diz Oliveira (2005) que
não estamos sugerindo aqui que apenas o conhecimento da língua
falada tenha influência no processo de aprendizado da escrita. Mas
estamos sugerindo, sim, que este conhecimento está amplamente
envolvido no aprendizado da escrita. (OLIVEIRA, 2005, p. 10)
Essa concepção ainda ressalta que “aprendemos através de esquemas
mentais inatos” (id.ibdem), ou seja, cada aprendiz, enquanto um ser inteligente,
dotado de capacidade de raciocínio, de fazer interferências e generalizações,
27
interage com seu objeto de conhecimento, reconstruindo-o e assimilando-o de
acordo com sua capacidade cognoscitiva e sua competência linguística. Assim,
quando está frente à atividade de escrever, ele formula hipóteses de uso do objeto
de estudo, ordena-as, exclui, categoriza e reformula-as, a partir do conhecimento
que possui da fala.
Conhecer essas hipóteses elaboradas pelos alunos é de extrema importância,
pois é a partir delas as etapas pelas quais eles passam ao relacionar sons e letras
na aprendizagem da escrita podem ser compreendidas. Ademais, é por intermédio
dessas hipóteses que o professor de língua portuguesa compreenderá a origem dos
desvios ortográficos presentes nos textos de cada aluno e poderá buscar estratégias
para erradicá-los, ajudando o aprendiz a construir uma teoria adequada sobre a
relação entre oralidade e escrita. Alvarenga (1998) deixa claro que é fundamental ao
alfabetizador ter uma formação linguística adequada para ser capaz de entender a
escrita dos seus alunos e criar métodos que os auxiliem nessa tarefa. Segundo
esse autor,
no caso da aquisição da escrita, a identificação e explicação dos
erros que os alfabetizandos cometem (abordagem teórica)
fornecerão subsídios para a ação pedagógica: para a formação
linguística do alfabetizador, de modo que ele adquira competência
para compreender a natureza dos erros dos alfabetizandos, e para, a
partir dessa compreensão, definir o melhor procedimento para levar o
aprendiz a avançar na construção de seu conhecimento do sistema
ortográfico. (ALVARENGA et al.,1989, p.8)
Desse modo, os desvios devem ser considerados como parte natural desse
processo, pois eles indicam que o aluno está no controle de sua aprendizagem,
tentando dominar um código escrito, utilizando mecanismos para executar as
hipóteses que formulou. Eles podem ser entendidos, ainda, como resultados de
procedimentos cognitivos que são pré-requisitos para a aprendizagem do processo
de escrita. É o que ocorre, por exemplo, quando o aprendiz utiliza alguns métodos
operatórios ao escrever seus primeiros textos, tais como o controle qualitativo e o
controle quantitativo. Segundo Oliveira (2005), no primeiro caso, o alfabetizando
formula a ideia de que sons iguais devem ser representados por letras iguais e sons
diferentes, por letras diferentes; já no controle quantitativo, ele acredita que o
28
número de letras utilizadas corresponde ao número de sons pronunciados, deixando
a escrita com caráter de código, mas “é somente após um certo tempo, no processo
de substituição de hipóteses que o aprendiz alcança uma representação escrita com
base na língua, ainda não plenamente ortográfica, mas independente de sua própria
fala” (OLIVEIRA, 1990, p. 31).
Assim sendo, o professor precisa conhecer a natureza dos erros que seus
alunos cometem ao escrever, para poder ajudá-los a avançar nessa aprendizagem,
organizando materiais didáticos úteis para isso e repensando seus métodos de
ensinar leitura e escrita.
2.5 Considerações sobre fonologia e ortografia da Língua Portuguesa
Segundo Alvarenga et al (1989), devido à ineficácia do processo de
alfabetização no Brasil, a partir da segunda metade da década de 70 do século XX
estudiosos das áreas de Linguística, Psicolinguística e Sociolinguística passaram a
desenvolver pesquisas, no país, sobre o processo de aquisição da língua escrita,
procurando entender as causas do fracasso brasileiro em alfabetizar e buscando
alternativas para reverter esse quadro. Mas, foi na área de Fonologia onde se
concentrou a maior quantidade de estudos sobre o assunto, uma vez que, como
afirmam os autores, a aprendizagem das relações entre os sons da fala e as letras
da escrita é o primeiro passo para a formação da competência de ler e escrever.
2.5.1 A fonologia do português
Assim, por meio de uma compreensão dos aspectos fonológicos da língua
portuguesa pode-se entender um pouco sobre como o aprendiz constrói seu
conhecimento sobre as atividades de ler e escrever. A fonologia é uma disciplina
que estuda os sons de uma língua, buscando explicar como eles se organizam e
que funções podem desempenhar. De acordo com Seara, Nunes e Volcão (2011, p.
69), essa denominação foi elaborada por um grupo de cientistas pertencentes ao
Círculo Linguístico de Praga, que apresentaram os sons da Língua como elementos
constitutivos de palavras e possuidores de funções gramaticais diferentes.
Segundo Câmara Jr (2014, p. 39-51), o sistema fonológico do português
brasileiro é composto por sete fonemas vocálicos e dezenove fonemas
29
consonantais. As vogais se diferenciam das consoantes pela inexistência de
obstrução à saída de ar no trato vocal e são consideradas vozeadas ou sonoras
devido ao fato de serem emitidas com a vibração das cordas vocais. Quanto ao
ponto articulatório, para classificá-las, deve-se levar em consideração o corpo da
língua e os lábios. Ao parâmetro que define o movimento vertical da língua
denomina-se altura e ao que define o movimento horizontal (avanço/recuo)
denomina-se anterioridade e posterioridade. A seguir, podemos ver a classificação
das vogais quanto a esses parâmetros:
a) Classificação das vogais quanto à altura:
a.1) Altas (/i/ e /u/): são produzidas com o dorso da língua elevado ao
máximo, estreitando o trato vocal;
a.2) Médias-altas (/e/ e /o/): aquelas em que o dorso da língua apresenta-se
em posição intermediária entre a posição mais alta e a mais baixa, porém mais
próximo da mais alta;
a.3) Médias-baixas (/ɛ/ e /ͻ/): aparecem na mesma posição intermediária das
médias altas, mas, ao contrário destas, figuram em posição mais próxima as vogais
baixas;
a.4) Baixas (/a/): produzida com a língua na posição mais baixa do trato oral.
b) Classificação das vogais quanto ao avanço ou recuo da língua:
b.1) Anteriores: São produzidas quando a língua se eleva para frente, ou
seja, se dirige à parte anterior do trato oral, mas sem bloqueá-lo. Nessa categoria
encontram-se as vogais (/ɛ/, /e/, /i/).
b.2) Posteriores: Para a produção dessas vogais o dorso da língua é elevado
para trás, para a parte posterior do trato oral. É o que ocorre na pronúncia das
vogais (/ͻ/, /o/, /u/).
b.3) Centrais: Ocorrem quando a língua está numa posição central, é o caso
das vogais (/a/, //).
As vogais da Língua Portuguesa, em posição tônica, foram esquematizadas
por Câmara (2014, p. 41) em forma de um sistema triangular representado abaixo:
altas /u/ /i/
médias /ô/ /ê/ (2° grau)
médias /ò/ /è/ (1º grau)
30
baixa /a/
/posteriores/ /central/ /anteriores/
Como já exposto, as classificações altas, médias de 1º grau (abertas), médias
de 2º grau (fechadas) e baixa se refere à elevação gradual da língua na parte
anterior, central (ligeiramente anterior) ou posterior. Já o parâmetro anteriores,
central ou posteriores é definido pela articulação da parte anterior, central ou
posterior da língua.
Quando antecedem uma consoante nasal as sete vogais do sistema
fonológico português reduzem-se a cinco. De acordo com Volcão, Nunes e Seara
(2011), as vogais nasais são produzidas quando o véu palatino encontra-se
abaixado permitindo que o som também saia pelo trato nasal enquanto na produção
das vogais orais o véu do palato fecha a passagem à cavidade nasal fazendo com
que o som saia apenas pelo trato oral.
c) Classificação das vogais quanto ao movimento dos lábios:
As vogais ainda podem ser classificadas, quanto ao movimento dos lábios, em:
c.1) Arredondadas: produzidas com um arredondamento dos lábios [o], [ͻ],
[u]
c.2) Não-arredondadas : produzidas com os lábios estendidos /ɛ/, /e/, /i/.
Na posição tônica essas vogais apresentam caráter distintivo, porém quando
são átonas elas geralmente passam por um processo de neutralização perdendo
essa característica. É o que ocorre, por exemplo, com as vogais átonas finais que
perdem seus valores distintivos entre /e/ e /i/ (dente/i/) e entre /o/ e /u/ (destin/u/).
Quando dois ou três segmentos vocálicos se unem numa mesma sílaba do
português brasileiro recebem o nome de ditongo ou tritongo, respectivamente.
Geralmente eles são formados por duas vogais: a anterior /i/ e a posterior /u/.
Segundo Seara, Nunes e Volcão (2011) “quando essas vogais ocupam as posições
periféricas da sílaba são chamadas de semivogais e apresentam menor
proeminência acentual se comparadas às vogais que acompanham”.
Os ditongos podem ser constituídos de duas formas:
Vogal + semivogal
31
ou
semivogal + vogal
Denominam-se ditongos crescentes aqueles que apresentam a sequência
semivogal + vogal, como na palavra Lúcia [„lusy] e ditongos decrescentes os que
são formados por vogal + semivogal, como, por exemplo, ocorre na palavra roupa
[xowpɐ].
Ainda segundo essas mesmas autoras, as consoantes podem ser divididas
em dois grandes grupos: surdas ou não-vozeadas, produzidas sem vibração das
pregas vocais e sonoras ou vozeadas, produzidas com a vibração das pregas
vocais. Diferente das vogais elas apresentam uma obstrução total ou parcial de ar
no trato oral e podem ser classificadas de acordo com o modo de articulação (que
define como o ar passa pelas cavidades supraglóticas) e quanto ao ponto de
articulação (que considera a posição dos articuladores ativos e passivos). Desse
modo, de acordo com Cristófaro (2002), apresentamos abaixo a classificação das
consoantes de Língua Portuguesa:
a) Quanto ao ponto de articulação:
De acordo com o ponto de articulação as consoantes podem ser:
a.1) Bilabiais – produzidas quando o lábio inferior toca no superior ( /p/, /b/,
/m/);
a.2) Labiodentais – durante a produção dessas consoantes o lábio inferior se
aproxima dos dentes superiores (/f/, /v/);
a.3) Dentais – produzidas quando a língua toca ou vai em direção aos dentes
superiores (/t/, /d/, /n/);
a.4) Alveolares – a lâmina da língua vai em direção aos alvéolos durante sua
produção (/t/, /d/, /n/);
a.5) Alveopalatais – a parte anterior da língua dirige-se à região medial do
palato duro (/ch/, /tch/, /j/, /x/);
a.6) Palatais – a parte média da língua toca o palato duro (/nh/, /lh/);
32
a.7) Velar – o dorso da língua encaminha-se em direção ao palato mole ou
véu do palato (/k/, /g/);
a.8) Uvular – ocorrem quando o dorso da língua vai em direção à úvula
(alguns róticos).
b) Quanto ao modo de articulação:
Quanto ao modo, elas podem ser classificadas em:
b.1) Oclusiva/plosiva – durante a produção dessas consoantes os
articuladores (ativos e passivos) realizam uma obstrução total e momentânea no
fluxo de ar. Por isso recebem o nome de oclusiva. Quando esse ar é liberado, ocorre
uma explosão acústica, daí porque esse segmento também é considerado como
plosivo.
b.2) Nasal – são produzidas a partir de uma obstrução total e momentânea do
fluxo de ar nas cavidades orais. Simultaneamente a essa obstrução, o véu do palato
se abaixa, permitindo que o ar seja expelido somente pelas cavidades nasais,
apesar de ressoar antes na cavidade oral.
b.3) Fricativa – ocorrem quando os articuladores produzem um estreitamento
do canal bucal, gerando um ruído de fricção a partir da passagem do fluxo de ar nas
cavidades supraglóticas.
b.4) Africada – na produção dessas consoantes ocorre uma “oclusão total e
momentânea do fluxo de ar, seguida de um estreitamento do canal bucal, gerando
um ruído de fricção, logo após o relaxamento da oclusão”.
b.5) Lateral – ocorre quando a língua toca os alvéolos causando uma oclusão
central e permitindo que o ar seja liberado por meio das paredes laterais do trato
oral.
b.6) Vibrante – roduzidas por um movimento vibratório e rápido da língua
causando breves oclusões totais.
b.7) Tepe – o tepe é produzido por apenas uma batida na ponta dos alvéolos.
33
b.8) Retroflexa – é produzida pelo levantamento e encurvamento da ponta da
língua em direção aos alvéolos.
A seguir, podemos ver um quadro dos fonemas consonantais da língua
portuguesa elaborado com base em Câmara Jr. (2014, p. 51):
Quadro 01 - Fonemas consonantais do português brasileiro
Fonemas consonantais
/p/ /b/ /f/ /v/ /m/
/t/ /d/ /s/ /z/ /n/ /l/ /r‟/
/k/ /g/ /s‟/ /z‟/ /n,/ /l,/ /r/
Fonte: elaborado pela autora
Observa-se, pois, que o alfabeto português é formado por 26 fonemas. Na
classe das oclusivas, /p/ e /b/ são labiais; /t/ e /d/ são anteriores e /k/ e /g/ são
posteriores. Quanto às fricativas, /f/ e /v/ são labiais; /s/ e /z/, anteriores e // e // são
posteriores. A classe das nasais é formada por: /m/, /n/ e /ᶮ/; laterais: /l/ e // e
vibrantes: /R/ e /r/.
2.5.1.1 O padrão silábico no português
Outro aspecto fonológico importante para o conhecimento do processo de
escrita é a sílaba, que, na perspectiva de Selkirk (1982), pode ser entendida como
uma unidade linguística com estrutura interna entre cujos constituintes está
estabelecida uma relação hierárquica. Segundo Collischon (1999), a sílaba do
português brasileiro é formada por vogais (V) e consoantes (C) ou semivogais (V´),
sendo, as primeiras, elementos obrigatórios que ocupam a posição de núcleo. Nas
posições periféricas silábicas aparecem as consoantes e as semivogais. A parte
anterior ao núcleo é chamada de ataque ou onset silábico e a posterior classifica-
se como coda silábica. O núcleo e coda constituem o que se chama de rima. O
ataque e a coda não são constituintes obrigatórios na estrutura silábica. Vejamos
um modelo de estrutura silábica:
34
ó (=sílaba)
Ataque Rima
Núcleo Coda
O português brasileiro apresenta os seguintes tipos de sílabas: simples
(aquelas que contêm apenas o núcleo), complexas (formadas pelo núcleo seguido
ou antecedido de consoantes), abertas ou livres (não apresentam codas silábicas) e
fechadas ou travadas (quando apresentam codas).
No que diz respeito à localização, as consoantes do português podem figurar
na posição de onset absoluto, onset medial, coda medial e coda final. Qualquer uma
delas pode ocupar a posição de ataque medial, porém, segundo Cristófaro Silva
(2002) os fonemas [ɲ] e [] não podem ocorrer no início de palavras, elas aparecem
em raríssimos vocábulos, empréstimo de outras línguas, como nhoque (do italiano)
e lhama (do sul-americano, empréstimo hispânico). Entretanto, ao pronunciar tal
palavra o falante acaba inserindo uma vogal inicial [ i`ɲɔkI] e [ i´ãm].
O onset pode ser simples, quando apresenta apenas uma consoante, ou
complexo, quando possui duas consoantes constituindo um encontro consonantal. A
coda recebe classificação semelhante: simples, por apresentar uma só consoante e
complexa, quando têm duas ou mais. No português do Brasil a estrutura do ónset
complexo pode ser formada por plosiva + líquida ou fricativa labial + líquida.
Quadro 02 - Encontros consonantais do Português brasileiro
Fonte: elaborado pela autora
O Quadro 2 apresenta todos os encontros consonantais que são permitidos
no português. As consoantes em posição de ataque podem formar onset complexo,
/pɾ/ - prato /tɾ/ - trator /kl/ - Klara /fl/ - flocos
/pl/ - plástico /tl/ - atleta /gɾ/ - graça /vɾ/ - palavra
/bɾ/ - braço /dɾ/ - pedra /gl/ - gladiador /vl/ - Vladimir
/bl/ - blusa /fɾ/ - frasco
35
constituindo sílabas de obstruinte + líquida ou consoante fricativa labial + consoante
líquida.
A língua portuguesa apresenta padrões silábicos diferenciados. De acordo
com Collischonn (1999), há um molde silábico que estabelece o número mínimo e o
número máximo de elementos permitidos numa sílaba, como apresentado no
Quadro a seguir:
Quadro 03 – Molde silábico do Português Brasileiro
V É
VC Ar
VCC ins.tante
CV Cá
CVC Lar
CVCC mons.tro
CCV Tri
CCVC Três
CCVCC trans.porte
VV au.la
CVV Lei
CCVV Grau
CCVVC claus.tro
Fonte: Bisol (1999, p. 107)
Essas são as estruturas de sílabas previstas pelo molde silábico do
português, que não permite, por exemplo, a formação de onset complexo com
fricativas coronais.
2.5.2 Ortografia da Língua Portuguesa
Sabe-se que a ortografia é apenas uma dentre várias facetas que a língua
escrita possui, contudo, nosso trabalho pretende estender um olhar mais atencioso
sobre esse aspecto linguístico, visto a sua relevância para o desenvolvimento da
habilidade de produzir textos. É necessário trabalhar a ortografia nas aulas de
Língua Portuguesa e, em especial, para o público que está sendo pesquisado:
alunos do Ensino Fundamental II, pois ela lhes garantirá um maior domínio da
36
escrita como competência comunicativa. Além disso, é dever da Escola assegurar
aos estudantes o acesso ao conhecimento linguístico pleno para que eles não sejam
julgados de forma negativa diante de determinadas exigências sociais. Acreditamos,
porém, que o ensino da ortografia deva assumir uma nova perspectiva que leve o
aluno a refletir sobre o uso dessa norma.
A ortografia do Português possui regras de naturezas distintas que
necessitam de competências variadas para sua aquisição. Há casos em que por
meio do contexto da palavra é possível prever a letra legítima a ser utilizada, já em
outros é a morfologia ou a etimologia que assegurará a grafia correta.
Segundo Kato (1995, p. 17-19), a primeira intenção ao se criar a ortografia do
português era fazer um alfabeto de natureza estritamente fonética, porém, o fato de
toda língua se modificar com o tempo impediu que isso acontecesse. Assim,
observa-se que nossa escrita tem diferentes motivações: fonêmica, pela qual uma
mesma letra pode ter mais de uma realização fonética; fonêmica e fonética, na qual
um fonema só pode receber um tipo de representação; fonética, que ocorre quando
a posição de um fonema define a escolha ortográfica; e lexical, que considera a
etimologia da palavra.
Algumas posturas inadequadas frente ao trabalho com a norma ortográfica
devem ser discutidas, e os professores precisam saber como utilizá-la de forma
produtiva em sala de aula. Não mais se admite visões preconceituosas diante dos
desvios ortográficos presentes nos textos dos alunos, como há muito vinha
acontecendo nas escolas em que essas produções, muitas vezes, eram avaliadas a
partir de palavras “certas” ou “erradas” que aparecia em sua composição. Como
sugere Oliveira (2005, p. 08), os desvios podem apontar as dificuldades que os
alunos estão tendo e as hipóteses que eles vão construindo na aprendizagem da
escrita.
Por outro lado, muitas escolas, numa atitude igualmente equivocada, estão
deixando de lado o trabalho com a ortografia, por considerá-lo uma prática
conservadora. Certo é que a escola não pode confundir o rendimento ortográfico do
aluno com sua competência textual, não deve focar nos erros de ortografia, nem
deixar de observar o avanço do aprendiz na composição de textos. No entanto,
37
precisamos ter em mente que a norma ortográfica é uma ferramenta que surgiu
tendo como principal finalidade facilitar a nossa comunicação escrita. Não ensiná-la
é privar o aluno de garantir seu pleno desenvolvimento enquanto bom usuário da
Língua. Além disso, outro problema surge quando o ensino da ortografia é
negligenciado na escola, os alunos continuam sendo cobrados por conhecimentos
dessa natureza sem, entretanto, terem tido acesso a eles. Morais (2010) destaca o
perigo dessa postura:
Vemos, frequentemente, que a escola cobra do aluno que ele
escreva certo, mas cria poucas oportunidades para refletir com ele
sobre dificuldades ortográficas de nossa língua. Creio que é preciso
superar esse duplo desvio: em vez de se preocupar mais em avaliar,
em verificar o conhecimento ortográfico dos alunos, a escola precisa
investir mais em ensinar, de fato, ortografia. (p. 25-26)
Para ensinar essa faceta da Língua, o professor precisa em primeiro lugar
conhecê-la bem: o que é? Como se estrutura? Qual a forma mais eficiente de
organizar seu ensino? O aluno deve compreender a norma como um objeto de
conhecimento a seu favor, algo que ele poderá explorar sem medo, pensando e
refletindo sobre sua função e organização e, assim, após compreender o
funcionamento dessa norma, ele a utilizará de forma eficaz e segura, contribuindo,
inclusive, para o fluir de suas ideias no momento de escrever um texto, pois ele não
precisará interromper constantemente sua atividade de produção para pensar com
que letra escrever esta ou aquela palavra.
No falar do Português brasileiro, assim como ocorre em outras línguas, uma
palavra pode ser pronunciada de diferentes formas, dependendo das características
individuais e socioculturais dos indivíduos que a utilizam. No entanto, o mesmo não
deve acontecer na escrita, pois isso dificultaria a comunicação entre indivíduos, por
exemplo, de idades, grupos sociais ou regiões diferentes. Como forma de impedir
que esse problema ocorresse surgiu a ortografia: “um recurso capaz de „cristalizar‟
na escrita as diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma língua”
(Morais, 2010 p. 27). Para entendermos como acontece essa unificação por meio
dos recursos ortográficos, vejamos um exemplo fornecido ainda por Morais (2010,
p.27):
38
Se um carioca e um pernambucano pronunciam de modo diferente a
palavra “tio” – o primeiro poderia dizer algo como “tchiô‟ e o segundo
“tiu” - , na hora de escrever, se não houvesse uma ortografia, cada
um registraria o seu modo de falar. E os leitores de suas mensagens
sofreriam muito, tendo que “decifrar” a intenção dos dois autores.
Dessa forma, podemos dizer que a ortografia é uma norma, estabelecida
socialmente, que determina uma forma padrão para cada palavra ser escrita em um
idioma. Assim, ao utilizá-la, os usuários da língua poderão continuar pronunciando
um texto à sua maneira, porém deverão seguir as regras estabelecidas pelas
normas ortográficas, no momento da escrita, para facilitar a comunicação entre
pessoas, que podem não pertencer a um mesmo grupo social. Cagliari (1999)
ressalta essa função da ortografia, ao afirmar que ela
[...] surge exatamente de um “congelamento” da grafia das palavras
fazendo com que ela perca sua característica básica de ser uma
escrita pelos segmentos fonéticos, passando a ser a escrita de “uma
palavra de forma fixa”, independente de como o escritor fala ou o
leitor diz o que lê. (p.65-66)
No Brasil e em Portugal, as primeiras regras de uma norma ortográfica foram
fixadas no século XX e, recentemente, em 2008, um novo acordo foi assinado entre
esses dois países para unificar ainda mais o Português escrito por ambos, que ainda
possuía diferenças significativas. Mas, no geral, pode-se dizer que a ortografia é
uma invenção relativamente recente. Como constata Morais (2010), ela surgiu como
reflexo das mudanças nas práticas culturais de uso da escrita e de acesso a ela,
ocorridas devido a movimentos como a obrigatoriedade da escolarização e
proliferação dos meios de comunicação de massa. Da mesma forma, o avanço da
tipografia e a substituição das práticas de leitura em voz alta foram determinantes
para que as palavras deixassem de ser escritas “coladas” umas nas outras e
passassem a ser segmentadas ou seja, separadas por espaço em branco. Nesse
ponto, cabe destacar que uma norma ortográfica, além de definir o uso de letras e
dígrafos, define, também, o emprego dos acentos e a segmentação que as palavras
devem receber em um texto.
Conhecendo as características e a natureza da norma ortográfica, não
podemos esperar que uma criança descubra sozinha como utilizar essa ferramenta,
39
isso poderia ser demorado e até mesmo impossível. É dever do professor oferecer
meios para que o aluno possa refletir sobre o uso dessa convenção e, assim,
desenvolver sua competência escritora.
Devemos salientar que há uma diferença entre dominar o sistema de escrita
alfabética e dominar a ortografia. Num primeiro momento, a criança compreende e
constrói diversos conhecimentos sobre o código alfabético, elabora hipóteses
relativas à quantidade de letras, à variedade de caracteres etc. para, só depois,
começar a desenvolver conhecimentos sobre o sistema ortográfico que vão além
das correspondências básicas entre letra e som.
De acordo com Ferreiro e Teberosky (1989, p.193 -221), durante o processo
de aquisição da língua escrita, a criança passa por cinco níveis sucessivos de
aprendizagem, desde a fase pré-silábica, na qual ela não relaciona letras aos sons
da língua falada e reproduz traços típicos da escrita que considera como forma
básica, até o nível alfabético, no qual ela já compreendeu que cada um dos
caracteres da escrita corresponde a valores menores que a sílaba. Ao final dessa
última fase o aprendiz já sabe como escrever usando as letras do alfabeto,
compreende que cada uma delas representa um som da fala, e que podem formar
sílabas, respeitando as sequências autorizadas. No entanto, o que ele ainda
desconhece é que existe, no Português, uma norma que determina a escrita correta
de cada palavra, a ortografia. Assim, alguém precisa informar ao aprendiz que,
quando ele se deparar com as incongruências de nosso sistema alfabético, em
casos em que, por exemplo, um mesmo som possa ser gravado por mais de uma
letra, existe uma convenção ortográfica que lhe indicará qual letra ou dígrafo deverá
ser usado.
2.5.2.1 As regularidades e irregularidades da norma ortográfica segundo
Lemle (1995)
O ensino da norma escrita dentro dos padrões da norma culta deve ajudar o
aluno a refletir sobre a estrutura e a organização da convenção ortográfica. Ele
precisa saber que em alguns casos, para escrever, existem regras que permitem
prever a grafia correta das palavras e já em outros será necessário memorizar.
40
Segundo Lemle (1995) há três tipos de relação entre as letras e os fonemas
existentes no Português:
a) Relações biunívocas – nas quais uma letra só representa um som e vice-versa. A
partir do dialeto carioca, a autora apresenta um exemplo desse tipo de relação entre
letras e fonemas. Vejamos:
„p‟ /p/
„b‟ /b/
„t‟ /t/
„d‟ /d/
„f‟ /f/
„v‟ /v/
„a‟ /a/
Nas relações biunívocas há um “casamento monogâmico” entre sons e letras,
cada letra tem seu som e cada som tem sua letra. Como, por exemplo, „p‟ /p/ - pato,
poder, roupa; „d‟ /d/ - dia, dente, cadeira; „v‟ /v/ - vacina, cavalo, viagem; etc.
b) Relações „de um para mais de um‟ ou não-biunívocas – nas quais uma letra pode
representar diferentes sons, de acordo com a posição em que se encontra, e, um
som só pode ser representado por diferentes letras, também dependendo da
posição. Os quadros abaixo apresentam casos de relações não-biunívocas:
Quadro 04 - Relações não-biunívocas (uma letra representando diferentes sons)
Letra Fone (sons) Posição Exemplos
S [s]
[z]
[š]
[ž]
Início da palavra
Intervocálico
Diante de consoante surda
ou em final de palavra
Diante de consoante sonora
Sala
casa, duas árvores
resto, duas casas
rasgo, duas gotas
M [m]
(nasalidade da vogal
precedente)
Antes de vogal
Depois de vogal, diante de p
e b
mala, leme
campo, sombra
N [n]
(nasalidade da vogal
Antes de vogal
Depois de vogal
nada, banana, ganso,
tango, conto
41
precedente)
L [l]
[u]
Antes de vogal
Depois de vogal
bola, lua
calma, sal
[e] ou [ɛ]
[i]
Não-final
Final de palavra
dedo, pedra
padre, morte
[o] ou [ͻ]
[u]
Não-final
Final de palavra
bolo, cova
bolo, amigo
Fonte: Lemle (1995, p. 21)
Quadro 05 - Relações não-biunívocas (um som representado por diferentes letras
de acordo com a posição em que se encontra)
Fone (som) Letra Posição Exemplos
[k] c
qu
Diante de a, o, u
Diantede e, i
casa, come, bicudo
pequena, esquina
[g] g
gu
Diante de a, o, u
Diantede e, i
gato, gota, agudo
paguei, guitarra
[i] i
e
Posição acentuada
Posição átona em final de palavra
pino
padre, morte
[u] u
o
Posição acentuada
Posição átona em final de palavra
lua
falo, amigo
[R]
(r forte)
rr
r
Intervocálico
Outras posições
carro
rua, carta, honra
[ãw] ão
am
Posição acentuada
Posição átona
portão, cantarão
cantaram
[ku] qu
qu
cu
Diante de a, o
Diante de e, i
Outras
aquário, quota
cinquenta, equino
frescura, pirarucu
[gu] gu
gu
Diante de e, i
Outras
agüenta, sagüi
água, agudo
Fonte : Lemle (1995, p. 22)
Esses quadros não apresentam todas as informações sobre as relações entre
som e letra, e as que são apresentadas podem variar de acordo com a comunidade
linguística da qual o aluno fizer parte. É necessário ressaltar que para esse tipo de
relação é possível aprender o emprego das letras por meio de uma regra, de modo
que elas podem ser sistematicamente ensinadas pelo professor.
c) Relações de concorrência – nas quais duas ou mais letras podem representar,
numa mesma posição, o mesmo som.
Quadro 06 - Relações de concorrência entre letras e fonemas
Fone Contexto Letras Exemplos
[z]
Intervocálico s
z
mesa
certeza
42
x exemplo
[s]
Intervocálico diante de a, o, u ss
ç
sç
russo
ruço
cresça
Intervocálico diante de e, i ss
c
sc
posseiro, assento,
roceiro, acento
asceta
Diante de a, o, u precedido por
consoante
s
ç
balsa
alça
Diante de e, i precedido por consoante s
c
persegue
percebe
[š]
Diante de vogal ch
x
chuva, racha
xuxu, taxa
Diante de consoante s
x
espera, testa
expectativa, texto
Fim de palavra e diante de consoante
ou de pausa
s
z
funis, mês, Taís, atriz, vez,
Beatriz
[ž] Início ou no meio de palavra e diante
de e, i
j
g
jeito, sujeira
gente, bagageiro
[u] Fim de sílaba u
l
céu, chapéu
mel, papel
Zero
Início de palavra zero
h
ora, ovo
honra, homem
Fonte: Lemle (1995, p. 24)
O Quadro 06 apresenta, com base nos fatos do dialeto carioca, os principais
casos da situação de concorrência pela qual mais de uma letra, na mesma posição
pode servir para representar o mesmo som.
2.5.2.2 As regularidades e irregularidades da norma ortográfica segundo
Morais (2010)
Morais (2010), também procura examinar como está organizada a norma
ortográfica de nossa Língua e apresenta uma classificação para as
correspondências estabelecidas entre letras e sons no Português brasileiro.
Segundo o autor, essa classificação é importante, pois nos permite compreender
que os desvios ortográficos não são idênticos, mesmo que tenham aparência
semelhante muitas vezes apresentam naturezas diferentes. Assim, Morais (2010, p.
35-44) aponta duas categorias em sua classificação: Correspondências regulares,
(que se subdividem em regulares diretas, regulares contextuais, regulares
morfológico-gramaticais) e correspondências irregulares.
Para as palavras que apresentam correspondências irregulares, não há uma
regra ou princípio que justifique o uso de determinada letra. Assim sendo, o aluno
43
terá que memorizar as formas permitidas pela norma. Geralmente, como nos mostra
Morais (2010), nesses casos é a tradição de uso ou a etimologia (origem) que
justifica o emprego de uma letra ou de um dígrafo. Exemplo de palavras que
apresentam dificuldades ortográficas irregulares: cidade, jiló, hoje, girafa, enchente,
enxada, etc.
As dificuldades regulares são aquelas em que a compreensão de
determinadas regras ou princípios gerativos permite ao aprendiz prever a letra ou o
dígrafo adequado para se grafar uma palavra. O professor precisa ter discernimento
do que é regular e irregular para poder organizar o ensino da ortografia. Dessa
forma, ele saberá que erros ortográficos distintos podem ter origens diferentes e
assim, terá maior facilidade para elaborar estratégias de intervenção adequadas a
cada caso.
Por trás das relações entre sons e letras existem diferentes critérios de
organização que, como foi dito, são os casos de regularidades e irregularidades.
Vejamos como eles se organizam:
a) Casos de correspondências fonográficas regulares
Como nos mostra Morais (2010), as relações regulares podem ser divididas
em: regulares “diretas”, regulares “contextuais” e regulares “morfológico-
gramaticais”.
a.1) Regulares diretas: são casos em que só há uma letra para representar
um som. Não haverá concorrência de letras, pois cada som só é representado por
uma delas ou por um dígrafo. Nesse grupo, estão incluídas as grafias p, b, t, d, f e v.
Ainda segundo Morais, algumas crianças, no início da aprendizagem da
escrita alfabética, cometem trocas entre p e b, t e d e f e v.
a.2) Regulares contextuais: são casos em que o contexto indicará qual a letra
ou dígrafo deve ser usado. Assim, o aprendiz pode prever qual letra utilizar por meio
das regras contextuais. Para isso, ele tem de aprender a raciocinar sobre as
palavras. Sobre isso, Morais (2010) ressalta que
44
a compreensão dessas diferentes regras “contextuais” requer que o
aprendiz atente para diferentes aspectos das palavras. Note-se, por
exemplo, que em alguns casos ele precisará apenas observar qual
letra vem antes e qual vem depois (ao decidir entre /m/ ou /n/ quando
antecede outra consoante). Em outros casos ele precisará atentar
para tonicidade (como no caso da disputa entre /o/ e /u/ no final das
palavras). (MORAIS, 2010, p. 40)
Se o aluno compreender as regras subjacentes a cada um desses casos ele
terá mais segurança para grafar palavras que nunca viu, mas que apresentam as
mesmas características. Segundo Morais (2010), os principais casos de
correspondências regulares contextuais em nossa ortografia são:
Quadro 07 - Casos de regularidades contextuais
o uso de R ou RR em palavras como “rato”, “porta”, “honra”, “prato”, “barata”
e “guerra”;
o uso de G ou GU em palavras como “garoto”, “guerra”;
o uso do C ou QU, notando o som /k/ em palavras como “capeta” e “quilo”;
o uso do J formando sílabas com A, O e U em palavras como “jabuti”,
“jogada” ou “cajuína”;
o uso do Z em palavras que começam “com o som do z” (por exemplo,
“zabumba”, “zinco”, etc.);
o uso do S no início das palavras formando sílabas com A, O e U, como em
“sapinho”, “sorte” e “sucesso”;
o uso de O ou U no final de palavras que terminam “com o som de U” (por
exemplo, “bambo”, “bambu”);
o uso de E ou I no final de palavras que terminam “com som de I” (por
exemplo, “perde”, “perdi”;
o uso de M, N, NH ou ~ para grafar todas as formas de nasalização de nossa
língua em palavras como “campo”, “canto”, “minha”, “pão”, “maçã”, etc.)
Fonte: Morais (2010, p. 39)
Como pode ser visto a partir do Quadro 7 o contexto de uma palavra pode
definir qual a letra correta a ser utilizada. Assim, por exemplo, o fonema /k/ deverá
45
ser representado pela letra ´c´ se anteceder as vogais „a‟, „o‟ e „u‟, e por „qu‟, se
anteceder „e‟ ou „i‟.
a.3) Regulares Morfológico-gramaticais: Para esse grupo é a compreensão de
regras morfológico-gramaticais que asseguram a forma “correta” de grafar as
palavras. Essas regras permitem ao aprendiz saber a letra adequada para empregar
em determinados casos. Segundo Morais (2010), os alunos podem resolver uma
grande variedade de problemas se conseguirem compreender alguns princípios
gerativos ligados à categoria gramatical das palavras.
Quadro 08 - Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes em
substantivos e adjetivos
Exemplos de regularidade morfológico-gramatical observados na formação de
palavras por derivação:
“portuguesa”, “francesa” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem se
escrevem com ESA no final;
“beleza”, “pobreza” e demais substantivos derivados de adjetivos e que
terminam com o segmento sonoro /eza/ se escrevem com EZA;
“português”, “francês” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem se
escrevem com ÊS no final;
“milharal”, “canavial”, “cafezal” e outros coletivos semelhantes terminam com
L;
“famoso”, “carinhoso”, “gostoso” e outros adjetivos semelhantes se escrevem
sempre com S;
“doidice”, “chatice”, “meninice” e outros substantivos terminados com o sufixo
ICE se escrevem sempre com C;
Substantivos derivados que terminam com os sufixos ÊNCIA, ANÇA E ÂNCIA
também se escrevem com C ou Ç ao final (por exemplo, “ciência”,
“esperança” e “importância”).
Fonte: Morais (2010, p. 41)
Quadro 09. Casos de regularidades morfológico-gramaticais presentes nas flexões
verbais
As regras morfológico-gramaticais se aplicam ainda a vários casos de
flexões dos verbos que causam dificuldades para os aprendizes. Eis alguns
exemplos:
“cantou”, “bebeu”, “partiu” e todas as outras formas da terceira pessoa do
singular do passado (perfeito do indicativo) se escrevem com U final;
“cantarão”, “beberão”, “partirão” e todas as formas da terceira pessoa do plural
no futuro se escrevem com ÃO, enquanto todas as outras formas da terceira
pessoa do plural de todos os tempos verbais se escrevem com M no final (por
exemplo, “cantam”, “cantavam”, “bebam”, “beberam”);
46
“cantasse”, “bebesse”, “dormisse” e todas as flexões do imperfeito do subjuntivo
terminam com SS;
todos os infinitivos terminam com R (“cantar”, “beber”, “partir”), embora esse R
não seja pronunciado em muitas regiões do nosso país.
Fonte: Morais (2010, p. 42)
b) Irregularidades: É preciso memorizar
São casos em que não existem “princípios gerativos” que determinem o
emprego de uma ou outra letra. Dessa forma, é preciso memorizar as formas
autorizadas e, sempre que tiver uma dúvida, o aprendiz deve pesquisar a palavra
em um dicionário.
Morais (2010) aponta um fator interessante para o ensino dessas dificuldades:
o professor deve, em um primeiro momento, orientar os alunos a memorizar as
palavras que mais aparecem na escrita deles, as mais comuns, para, só depois, se
preocuparem com a aprendizagem das menos usuais.
A seguir, apresentaremos os principais casos de irregularidades de nossa
ortografia, elencados por Morais (2010, p.43). Segundo o autor elas se concentram
na escrita:
do “som do “S”: (“seguro”, “cidade”, “auxílio”, “cassino”, “piscina”,
“cresça”, “giz”, “força”, “exceto”);
do “som do “G”: (“girafa”,“jiló”);
do “som do “Z” (“zebu”, “casa”, “exame”);
do “som do “X” (“enxada”, “enchente”)
do emprego do H inicial (“hora”, “harpa”);
a disputa entre E e I, O e U em sílabas átonas que não estão no
final das palavras (por exemplo, “cigarro”/ “seguro”; “bonito”/
“tamborim”)
a disputa do L com LH diante de certos ditongos (por exemplo,
“Júlio” e “Julho”, “família”, “toalha”);
certos ditongos da escrita que têm uma pronúncia “reduzida” (por
exemplo, “caixa”, “madeira”, “vassoura”, etc.)
2.6 Diferentes abordagens para classificação dos desvios de escrita
Vários autores vêm se dedicando a analisar os desvios de escrita
encontrados nas produções de textos de seus alunos, procurando entender de que
forma se originam essas inadequações linguísticas, e o que elas podem indicar
sobre a aprendizagem do sistema ortográfico pelo aprendiz. Apresentaremos, a
47
seguir, algumas das propostas mais relevantes, nessa área, oferecidas por Lemle
(1995), Cagliari (2009), Carraher (1985) e Zorzi (1998)
2.6.1 Abordagem de Lemle
Como já foi visto anteriormente, Lemle (1995), caracteriza três tipos de
relação entre letras e fonemas: relações biunívocas, correspondências de um para
mais de um e relações de concorrência. Partindo dessa classificação ela categoriza
os desvios ortográficos em:
a) Falhas de primeira ordem: caracterizam-se por não apresentarem uma
correspondência linear entre as sequências dos sons e as das letras. Fazem parte
dessa categoria, além de leitura lenta, a repetição de letras (ppai – pai, meeu –
meu); a omissão de letras (trs – três, pota – porta); a troca na ordem das letras
(parto – prato, sadia – saída); o conhecimento inseguro do formato de cada letra
(rano-ramo, laqis – lápis, eua – lua) e a incapacidade de classificar algum traço
distintivo de som (sabo – sapo, gato-gado, pita – fita).
b) Falhas de segunda ordem: são aquelas nas quais a escrita apresenta-se como
uma transcrição fonética da fala. Como por exemplo: matu para mato; bodi para
bode; azma para asma; genrro para genro; falão para falam.
c) Falhas de terceira ordem: apresentam trocas entre letras concorrentes, como nos
exemplos: açado para assado; trese para treze; acim para assim; jigante para
gigante; xinelo para chinelo; chingou para xingou; puresa para pureza; sau para sal;
craro para claro; operaro para operário.
2.6.2 Abordagem de Cagliari
Cagliari (2009), por sua vez, analisou desvios encontrados em textos
espontâneos escritos por alunos das cidades de Aracaju, Sergipe, Campinas e São
Paulo oferecendo uma amostragem que pode ser útil aos professores no
entendimento do processo de aprendizagem da escrita. Por meio desse estudo, o
autor constatou que, quando estão começando a produzir textos espontâneos, os
aprendizes “aplicam nessa tarefa um trabalho de reflexão muito grande e se apegam
a regras que revelam usos possíveis do sistema de escrita do português”
(CAGLIARI, 2009, p. 120). É possível observar que eles procuram estabelecer uma
48
relação entre sons e letras a partir de regras que o próprio código ortográfico possui,
não escrevendo de forma aleatória.
As seguintes categorias de desvios foram elencadas pelo autor: transcrição
fonética, uso indevido de letras, hipercorreção, modificação da estrutura segmental
das palavras, juntura intervocabular e segmentação, forma morfológica diferente,
forma estranha de traçar as letras, uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas,
acentos gráficos, sinais de pontuação, problemas sintáticos.
a) Transcrição fonética: Ocorre quando o aluno apresenta em sua escrita uma
transcrição da própria fala, como mostram os exemplos a seguir:
a.1) Quando o aluno troca:a vogal „i‟ por „e‟, como em dci (disse), qui (que),
tristi (triste); a vogal „u‟ por „o‟: „tudu‟ (tudo); a letra„u‟ por „l‟: „sou‟ (sol) e o “li” por
“lh”: „armadilia‟ (armadilha).
a.2) No acréscimo, troca ou omissão de letras: rapais (rapaz), mato (matou),
mulhe (mulher), praneta (planeta).
a.3) Na juntura intervocabular: „vaibora‟ (vai embora), aínsima (aí em cima)
b) Uso indevido de letras: Caracteriza-se pelo fato do aluno escolher uma letra para
grafar o som de uma palavra quando a norma ortográfica estabelece outra letra,
como porexemplo,susego (sussego) ; dici (disse); caro (carro); licho (lixo); comeco
(começo); cei (sei); traz (trás); aseito (aceito); felis (feliz); xata (chata); coando
(quando); em (em); brincamdo (brincando); fogete (foguete); deneiro (dinheiro);
lhomem: (homem).
c) Hipercorreção: A hipercorreção acontece quando o aluno generaliza uma regra
passando a utilizá-la em contextos inadequados. Por exemplo, sabendo que muitas
palavras terminadas com e são pronunciadas com i o aluno passa a escrever todas
as palavras que tem som de i no final com a letra e. (lapes para lápis). (CAGLIARI,
2009, p.124)
d) Modificação da estrutura segmental das palavras: Refere-se a erros por troca,
supressão, acréscimo e inversão de letras, como ocorre, por exemplo, nas palavras
voz (foi), bida (vida), save (sabe), anigo (amigo), macao (macaco) e sosato (susto).
e) Juntura intervocabular e segmentação: Refletem critérios que a criança utiliza ao
analisar a fala. Uma vez que, nesta modalidade, a separação de palavras só é
marcada pela entonação do falante, é possível que ocorra uma segmentação
indevida durante a escrita ou que todas as palavras sejam grafadas unidas umas às
49
outras. É o que ocorre em “eucazeicoéla” (“eu casei com ela”) e a fundou
(“afundou”)
f) Forma morfológica diferente: ocorre quando, devido à variedade dialetal, o modo
de falar do aprendiz é muito diferente do modo de escrever, dificultando a grafia
correta das palavras. Por exemplo: ni um (em um ou num), pacia (passear), tá (está).
g) Forma estranha de traçar as letras: caracteriza-se pela dificuldade no traçado das
letras, principalmente as cursivas, como por exemplo, na escrita de um b é possível
ler-se v (sabe para sabe).
h) Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas: Por terem aprendido que nomes
próprios devem ser escritos com a inicial maiúscula passam a escrever outras
palavras também com maiúscula.
i) Acentos gráficos: Muitos desses desvios são ocasionados pelo fato de haver uma
semelhança ortográfica entre as formas com e sem acento. Por exemplo, em vó
(vou), voce (você), nao (não), leao (leão).
j) Sinais de pontuação: Por não ser um conteúdo ensinado logo nas primeiras séries
do ensino os alunos podem trocar os sinais de pontuação.
k) Problemas sintáticos: Desvios por problemas de natureza sintática, como
concordância, regência verbal, etc.
2.6.3 Abordagem de Carraher
Já para Carraher (1985) os desvios de escrita dos alunos refletem uma
ligação com a regra alfabética básica, pois tentam representar cada som por uma
letra. A autora utiliza a seguinte categorização:
a) Transcrição da fala: segundo a autora, no início da escolarização as crianças
estabelecem uma relação direta entre os sons e os grafemas, escrevendo conforme
falam. Carraher (1985, p.272) ainda mostra que os desvios de motivação fonética
são mais frequentes quanto maior for a diferença entre a variedade linguística falada
pela criança e a forma escrita.
b) Supercorreção: na tentativa de corrigir os desvios por transcrição da fala os
alunos acabam gerando outro tipo “erro”: a supercorreção. Por exemplo: dizemos
“vassôra”, mas escrevemos “vassoura”. O aluno pode grafar “professoura” por tentar
seguir essa regra.
50
c) Erros por desconsiderar as regras contextuais: Na ortografia do Português, há
casos em que o emprego de uma letra pode ser determinado pelo contexto imediato
da palavra. Por exemplo: antes de p e b escreve-se m.
d) Erros por ausência de nasalização: apesar da nasalização ser vista como um
traço distintivo, podendo distinguir duas ou mais palavras (como em fã e fá, mão e
mau), o fato de existirem variações de pronúncias que nasalizam ou deixam de
nasalizar certas palavras, sem que haja qualquer risco de confusão, pode levar o
aluno a concluir que essa marca é irrelevante para a escrita e passará a cometer
desvios dessa natureza.
e) Erros ligados à origem da palavra: Muitas palavras do Português brasileiro
apresentam dificuldades para serem escritas, pois, a escolha da consoante para a
representação de determinados sons reflete a origem da palavra, além de refletir a
pronúncia. É o caso, por exemplo, do uso do g ou j antes do i.
f) Erros por troca de letras: ocorrem quando o aprendiz faz a escolha errônea de
uma letra para grafar um som. Na maioria das vezes trata-se de troca entre
consoantes surdas e sonoras que têm outros traços distintivos em comum.
g) Erros nas sílabas de estrutura complexa: caracterizam-se pela dificuldade do
aprendiz em grafar sílabas com estrutura diferente, mais complexa que a padrão
(formada vogal e consoante). Geralmente ocorre uma perda de consoantes “extras”
ou a inclusão de vogais inexistentes. Exemplo: uso (urso), coelio (coelho).
2.6.4 Abordagem de Zorzi
Quanto a Zorzi (1998) ele procura compreender como ocorre o processo de
aprendizagem do sistema ortográfico pelas crianças. Para isso, analisou 514
produções escritas e classificou os desvios encontrados em dez categorias. São
elas:
a) Alterações ou erros decorrentes da possibilidade de representações múltiplas
(casos nos quais um mesmo som pode ser grafado por diversas letras ou uma
mesma letra pode representar diferentes sons. Ex: caçador/ casador,
presente/prezente, manchar/ manchar, perguntou/ pergumtou, combinar/combinar,
também/tanben, gelatina/gelatina, quarto/cuarto);
51
b) Alterações ortográficas decorrentes do apoio na oralidade (O aluno busca apoio
no modo de falar para decidir o modo de escrever. Ex: soltou/soutou,
trabalhar/trabaliar, quente/queiti, dormir/ durmi, se importa/ sinporta).
c) Omissão de letras (palavras grafadas de modo incompleto em função da omissão
de uma ou mais letras. Ex: sague/ sangue, quemar/queimar, coida /coitada).
d) Alterações caracterizadas por junção ou separação não convencional das
palavras (ocorrem quando as crianças usam o padrão de oralidade para segmentar
a escrita. Ex: asvezes/às vezes, „na quele/ naquele).
e) Alterações decorrentes da confusão entre as terminações am e ão (por influencia
dos padrões de pronúncia palavras terminadas em am podem ser grafadas ão e
vice-versa. Ex: falaram/falarão).
f) Generalização de regras (alterações ortográficas decorrentes do modo das
crianças generalizarem certos procedimentos de escrita, aplicando-os a situações
nem sempre apropriadas. Ex: cinema: cenema).
g) Alterações caracterizadas por substituições envolvendo a grafia de fonemas
surdos e sonoros (caracteriza-se pela substituição de grupos de letras que
apresentam em comum fonemas que se diferenciam pelo traço de sonoridade. Ex:
cato/gato, vome/fome, peganto/pegando, bato/pato).
h) Acréscimo de letras ( alterações decorrentes do aumento ou acréscimo de letras
Exemplos: manchugar/machucar, estatava/estava, fuigiu /fugiu).
i) Letras parecidas (palavras escritas erroneamente em razão do uso de letras
incorretas, mas cuja grafia apresentava alguma semelhança com a letra que deveria
ser utilizada. Ex: timha/tinha, caminlo/caminho, nedo/medo, caclorro/ cachorro).
j) Inversão de letras (palavras que apresentam letras invertidas no interior das
sílabas. Ex: pober/pobre, farquinho/ fraquinho).
k) E uma categoria denominada pelo autor de “outras” (que engloba erros que não
são categorizados em nenhuma das categorias anteriores. Ex: jange/sangue;
gurcha/ bruxa, parcicho /parecido, britos /labirinto).
52
3 METODOLOGIA
Nesse capítulo será apresentada a metodologia da pesquisa como também a
metodologia utilizada para a intervenção realizada. Primeiramente apresentamos a
abordagem da pesquisa, em seguida, a caracterização da escola na qual o trabalho
foi desenvolvido e dos alunos que produziram os textos analisados, a apresentação
do corpus e, por último, a categorização dos desvios encontrados.
3.1 Abordagem da pesquisa
Neste trabalho, optamos por desenvolver uma metodologia de base
qualitativa, interpretativa e quantitativa, porque nosso interesse é analisar os desvios
fonológicos decorrentes da interferência da fala na produção escrita, a frequência
com que eles aparecem nas produções textuais, como também entender as razões
que levam os alunos a não empregarem uma escrita de acordo com as normas da
ortografia de Língua Portuguesa. Para isso, trabalhamos com dois gêneros textuais,
em sala de aula, resenha e artigo de opinião, e solicitamos à turma que reproduzisse
textos, seguindo a estrutura dos referidos gêneros. A partir daí, analisamos os
principais desvios apresentados nos textos dos alunos e buscamos embasamento
em Lemle (1995), Cagliari (2009), Carraher (1985), Zorzi (1998), Guimarães (2005),
Monteiro (2008) e Veçossi (2010) para entender as origens das inadequações
linguísticas mais recorrentes. Diante disso, procuramos elaborar estratégias
didáticas que possibilitem aos alunos um maior domínio da escrita, o que lhes
garantirá maior participação nos eventos comunicativos sociais, tornando-os agentes
de sua própria história.
3.2 Ambiente da pesquisa
Essa pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipal José Nunes de
Figueiredo, localizada na cidade de Ouro Branco, Estado do Rio Grande do Norte. A
referida escola foi criada por meio do Decreto Nº 181/79 de 1º de fevereiro de 1980
e atende o Ensino Fundamental I e II, nos turnos matutino e vespertino. No ano de
2014 foram matriculados 408 alunos nessa instituição.
53
Com relação à estrutura física, a escola possui 10 salas de aulas, 01 sala de
leitura, 01 sala de informática com acesso à internet, 01 sala onde funcionam jogos
educativos, dependência administrativa (secretaria e direção), 01 sala dos
professores e coordenadores, cozinha, almoxarifado, quadra de esportes, em
construção e um pátio amplo com teatro aberto.
3.3 Caracterização dos informantes
A sala de aula escolhida é formada por um universo de 25 alunos, sendo 07
do sexo masculino e 18 do sexo feminino. Nesse grupo, percebemos que 10 dos
alunos apresentavam uma escrita mais comprometida com os desvios ortográficos e
decidimos abordar esse grupo para as análises. Assim, contamos com a
participação de 07 meninas e 03 meninos, com faixa etária entre 14 e 22 anos, todos
assíduos às aulas do oitavo ano do Ensino Fundamental. Como percebemos, alguns
estão fora de faixa etária para a referida turma, realidade essa que mostramos
através da caracterização do quadro 10.
QUADRO 10 – Caracterização dos alunos
Identificação Sexo Idade Procedência (Zona Rural ou Urbana)
AB M 14 anos Zona Rural
CN F 14 anos Zona Rural
DM F 18 anos Zona Rural
GN M 22 anos Zona Rural
JO F 14 anos Zona Rural
LM F 14 anos Zona Rural
MA M 17 anos Zona Urbana
RM F 14 anos Zona Rural
RA F 16 anos Zona Rural
VC F 14 anos Zona Urbana
Fonte: elaborado pela autora
A partir da variável „procedência‟, pode-se acreditar que os resultados
encontrados, mais adiante, estão relacionados ao fato de, 80% desses alunos,
serem provenientes da Zona Rural e, talvez, determinados fatores, como por
exemplo, a labuta no campo, a pouca condição econômica fazem com que eles se
distanciem da leitura de livros, jornais etc., o que acaba dificultando o domínio da
escrita por parte desses alunos.
Diante da presença, cada vez mais significativa, de desvios nas produções
textuais dos discentes dessa turma, pensamos em procurar uma forma de ajudá-los
54
a superar essa dificuldade na escrita, mas, para isso, seria necessário que, em
primeiro lugar, fizemos uma identificação dos desvios encontrados. Assim, durante o
período de três meses, os alunos foram orientados, em diferentes momentos, a
produzirem três diferentes textos em sala de aula, sendo duas resenhas e um artigo
de opinião, gêneros que pertenciam à grade curricular da série em que eles se
encontravam. Para realizar a análise, selecionamos apenas os textos daqueles
alunos que apresentaram maior número de desvios na escrita.
3.4 Estrutura do corpus
O corpus de nossa pesquisa é composto por 30 textos: 10 do gênero artigo de
opinião e 20 resenhas (10 sobre o filme: O conde de Monte Cristo e 10 sobre
“Tristão e Isolda”). Essas produções foram coletadas nas aulas de Língua
Portuguesa na referida turma. Primeiramente, trabalhamos com o gênero textual
artigo de opinião. Estudamos com os alunos as características e a estrutura desse
tipo de texto, apresentamos alguns exemplos e estimulamos a produção textual do
artigo. Em seguida, trabalhamos com resenhas de filmes, seguindo a mesma
sequência de abordagem do tema e de produção do texto.
3.5 Categorização dos desvios de escrita
Para a análise dos desvios de escrita, encontrados nos textos retiramos das
abordagens descritas na fundamentação desse trabalho, algumas das categorias
utilizadas. No entanto, devido aos trabalhos realizados por esses autores não terem
sido suficientes para dar conta de todos os desvios encontrados em nossa pesquisa,
também buscamos bases teóricas nos trabalhos de Guimarães (2005), Monteiro
(2008), Barrera e Nobeli (2009) e Veçossi (2010). Dessa forma, utilizamos as
seguintes categorias:
a) Desvios relacionados ao sistema gráfico
Segundo Guimarães (2005, p.109) o sistema gráfico corresponde aos meios
de que uma língua dispõe para exprimir os sons produzidos por seus usuários. Os
desvios correspondentes a essa categoria englobam dois sub-tipos: desvios por
motivação fonética e desvios por motivação fonológica.
55
a.1) Desvios por motivação fonética
Esses desvios ocorrem quando a criança busca representar, a partir de sua
escrita, a forma fonética das palavras, refletindo uma relação entre sons da fala e os
grafemas. O desconhecimento das diferenças entre língua falada e língua escrita é o
principal fator que influencia o surgimento desse tipo de desvio que é muito comum
no início da escolarização. Entretanto esses desvios aparecem ainda, no Ensino
Fundamental. Desse modo, o desvio por motivação fonética consiste na elevação de
vogais tônicas, pretônicas e postônicas; nos casos de ditongação e monotongação;
no apagamento da coda final /r/ e da coda medial /r/; na confusão entre am e ão e
no apagamento de /d/ em verbos no gerúndio, ou ainda na inserção da coda final /r/
e na inserção de vogais.
a.2) Desvio por motivação fonológica
Refletem a relação fonema/grafema e envolvem aspectos segmentais e a
grafia de estruturas silábicas. Segundo Guimarães (2005), as trocas entre os
fonemas /p/- /b/, /t/-/d/ e /f/-/v/, por exemplo, podem ser consideradas como desvios
segmentais e ocorrem pelo fato de esses pares serem muito parecidos, pois são
produzidos a partir do mesmo modo e ponto de articulação e só se diferenciam pelo
traço sonoro, ou seja, pela vibração ou não das cordas vocais. A autora ainda
apresenta uma possível causa para essas alterações na escrita quando afirma que
as correspondências biunívocas entre fonemas e letras estabelecem-
se sempre que exista uma relação de um para um, isto é, cada letra
com um fonema e cada fonema com sua letra, como /p/ /b/ „p, b‟; /t/
/d/ „t,d‟; /f/ /v/ „f,v‟; /a/ „a‟. A ortografia de palavras que envolvem tais
grafemas não costuma presentar dificuldades para a criança que já
se encontra em um estágio alfabético. Observamos, porém, que os
erros que envolvem esse tipo de grafema podem estar relacionados
à representação que a criança tem do fonema. (GUIMARÃES, 2005,
p. 59).
Em um estudo mais detalhado, o quadro abaixo, retirado de Monteiro (2008,
p. 42), mostra as principais trocas relacionadas ao traço [sonoro] que podem ocorrer
na escrita dos alunos. Observemos:
56
Quadro 11 – Substituições relacionadas ao traço sonoro
Casos Exemplos Forma ortográfica
Troca /k/ pelo /g/ griança Criança
Troca /g/ pelo /k/ amicos Amigos
Troca /b/ pelo /p/ tupo Tubo
Troca /p/ pelo /b/ sabo Sapo
Troca /f/ pelo /v/ veriado feriado
Troca /v/ pelo /f/ fejo vejo
Troca // pelo // ajou achou
Troca // pelo // cheito jeito
Troca /d/ pelo /t/ itea ideia
Troca /t/ pelo /d/ dudo tudo
Troca /k/ pelo /g/ aguilo aquilo
Troca /g/ pelo /k/ ninquem ninguém
Fonte: Monteiro (2008, p. 42)
Quanto à dificuldade na grafia de estruturas silábicas complexas, é normal
que ela apareça no início da aprendizagem da escrita, pois, ao começar a dominar o
sistema alfabético, o aprendiz, geralmente, utiliza a sílaba padrão CV
(consoante/vogal). Assim, estruturas formadas por VC, CVC ou CCV apresentam
uma maior complexidade e demoram mais a serem entendidas. São considerados
desvios por motivação fonológica os seguintes processos: Vozeamento e
desvozeamento, dificuldade no emprego de sílabas complexas, troca de letras,
segmentação e juntura intervocabular, acréscimo e omissão de letras.
a.3) Supergeneralização
Os desvios por supergeneralização ocorrem quando o aluno já tem o
conhecimento de uma determinada regra e a generaliza empregando-a em
contextos inadequados. Por exemplo, ele aprende que existem palavras no
Português que, embora sejam pronunciadas /i/, devem ser escritas com e, passando
a empregar essa regra a todos os casos. E assim, pode escrever eu dorme em vez
de eu dormi. Segundo Monteiro (2008, p.43) esses casos recebem motivação tanto
fonética quanto fonológica.
b) Desvio relacionado ao sistema ortográfico
b.1) Desvio por não considerar as regras regulares contextuais
57
Conforme nos mostra Morais (2010, p. 38), para muitas palavras é possível
prever o emprego de determinadas letras a partir do contexto em que elas serão
inseridas. Por exemplo: o grafema „g‟ antes de „e‟ ou „i‟ tem som de [], mas, para ter
som de [g], precedendo essas vogais, necessita formar o dígrafo „gu‟. Quando o
aluno deixa de considerar essas características contextuais ocorre o desvio.
b.2) Desvios por não considerar as correspondências irregulares
Algumas palavras apresentam uma maior complexidade na relação entre
letras e sons do sistema ortográfico, sendo necessário que o aprendiz leve em
consideração aspectos morfológicos e etimológicos para poder escrevê-las. Esses
casos são marcados por relações múltiplas, uma vez que um grafema pode
representar vários fonemas e um fonema pode ser representado por diferentes
grafemas. Para Lemle (1995), o domínio básico desses desvios, nos quais escolher
a letra correta para grafar uma palavra é uma tarefa totalmente arbitrária, constitui a
última etapa do processo de escrita.
c) Confusão entre letras parecidas
É comum que crianças no início da alfabetização confundam algumas letras
que têm o traçado semelhante e acabem trocando-as na hora de escrever. Tal é o
caso das trocas entre m e n, l e t, etc.
d) Desvios por desconhecimento de regras gramaticais
Esse tipo de desvio ocorre porque o aprendiz desconhece algumas regras
gramaticais necessárias para escrita permitida pela norma ortográfica.
e) Dificuldade na separação de sílabas
Ocorre quando o aluno faz uma separação de sílabas de forma inadequada
mostrando uma falta de consciência desse processo. O aluno, nesses casos,
segmenta a palavra no lugar em que termina a linha da página, sem considerar as
regras de composição silábica.
Partindo das categorias supracitadas o capítulo a seguir apresenta uma
análise e discussões dos desvios encontrados nos textos dos alunos.
58
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DESVIOS ENCONTRADOS NOS TEXTOS DOS
ALUNOS
Foi encontrada uma quantidade considerável de desvios de escrita nas
produções textuais dos alunos acompanhados e, na presente pesquisa, buscou-se
englobá-los em 5 grandes categorias que, em alguns casos, se subdividem. São
elas: desvios relacionados ao sistema gráfico, desvios relacionados ao sistema
ortográfico, confusão entre letras parecidas, desvios por desconhecimento de regras
gramaticais e dificuldade na separação de sílabas.
4.1.Desvios relacionados ao sistema gráfico
Os desvios relacionados ao sistema gráfico consideram aspectos fonéticos
e/ou fonológicos e no presente trabalho em desvio por motivação fonética, desvio
por motivação fonológica e supergeneralização.
4.1.1 Desvios por motivação fonética
Encontrou-se nos textos analisados, uma grande quantidade de desvios
devido ao reflexo da fala, que ocorre quando o aprendiz escreve uma palavra de
acordo com a forma que a pronuncia, sem levar em consideração a regularidade da
norma ortográfica. No quadro seguinte, são apresentados alguns desvios por
motivação fonética encontrados nos textos dos alunos:
Quadro 12 - Desvio devido à transcrição fonética
Elevação da vogal
pretônica inicial
infrentavam – enfrentavam, istranha – estranha, incenou –
ensinou, invenenada – envenenada e interrada – enterrada.
Elevação da vogal
tônica
humens – homem, luna – lona (3x), aunde – aonde (2x),
vergunha – vergonha, humen – homem
Elevação da
postônica final
Abadi – abade, condi – conde, descobri – descobre, mereci –
merece
Elevação da vogal
átona do clítico
si – se (6x)
Monotongação carcereros – carcereiros, especi – espécie , oviou – ouviu, dos
– dois, tezoros – tesouros, cardas – guardas, guerrero –
guerreiro, chego – chegou, tesoro – tesouro, entro – entrou,
bera – beira.
59
Ditongação atraiz – atrás, essio – isso, faz – fais, sei – sem, nei – nem, feiz
– fez
Apagamento de
coda medial /r/
sugiu – surgiu, cacereros – carcereiros, ilandeses – irlandeses
(3x), mage – margem, pesseba – perceba
Apagamento de
coda final /r/
liberta – libertar, Ve – ver, confirma – confirmar, joga – jogar,
Fica – ficar (2x), derrota – derrotar, entrega – entregar (3x),
chega – chegar (3x), procura – procurar, diverti – divertir,
compromete – comprometer, melho – melhor, ganha – ganhar,
esta – estar, namora – namorar (4x), estraga – estragar,
encontra – encontrar (2x), para – parar, more – morrer, brinca
– brincar, busca – buscar, transforna – transformar
Apagamento de /d/
em verbos no
gerúndio
cavano – cavando, precisano – precisando
Inserção de vogais Oviou – ouviu,boua – boa, infelizimente - infelizmente
Inserção de coda
final /r/
farar – fará (2x), ler – lê, lar – lá (4x), tar – tá, chegar – chega,
ficar – fica, sor – só, pelor – pelo,tunior – túnel,falar – fala,
passador – passado, prometer- promete,epocar – época,dar –
dá, dar – da, quer – que, trair – trai,entendor – entendo,onder –
onde, vidar – vida, ser – se,
Fonte: elaborado pela autora
Ao observar o quadro 12, necessita-se explicar cada processo encontrado
com base na motivação fonética.
a) Grafia das vogais
Quanto às vogais, de acordo com Câmara Jr (2010, p.44), em posição átona
elas passam por um processo de neutralização, eliminando a distinção entre alguns
fonemas, como ocorre com /e/ - /E/ e /o/ - /O/. Assim, os sete sons vocálicos do
Português brasileiro (/i/, /e/, /E/, /a/, /O/, /o/, /U/) podem ser reduzidos a cinco (/i/, /e/,
/a/, /o/, /U/), como em casos de sílabas pretônicas( „ab[]rtura‟/ab[e]rtura, []ração/
[o]ração) ou a três (/i/, /a/, /u/), como ocorre em sílabas postônicas finais, nas quais
há também perca dos traços distintivos entre /o/ e /u/ („sac[o]‟, „sac[u]). Já na posição
postônica não final pode ocorrer a perda do traço distintivo entre „o‟ e „u‟ (abórb[u]ra /
60
abob[o]ra). Esses fatores fazem com que o aluno fique confuso na hora de escolher
a vogal adequada para grafar determinadas palavras.
Para Monteiro (2008 p. 77), os casos que envolvem a grafia da pretônica
inicial (pouco frequente nesse estudo) são decorrentes da arbitrariedade da norma,
pois não há uma regra fácil de determinar a grafia da vogal. Enquanto que para o
levantamento da vogal postônica final e da vogal átona do clítico, a autora aponta
que é possível identificar uma regra que defina a grafia adequada „e‟ ou „o‟.
Na modalidade oral, segundo Bisol (1981) apud (Veçossi, 2010, p. 86), a
elevação das vogais pretônicas pode ter a nasalidade como um fator motivador.
Desse modo, compreendem-se os fatores que levaram os alunos a grafar
infrentavam – enfrentavam, incenou (ensinou), invenenada (envenenada) e interrada
(enterrada) em seus textos. Para Veçossi (2010, p. 86), outro fator que favorece
esse processo de elevação é a vizinhança de um segmento alveolar sibilante. O
autor encontrou em seu trabalho o caso da palavra „esforço‟ que foi grafada como
„isforço‟; no presente trabalho a palavra „estranha‟ que foi grafada como „istranha‟.
Quanto à elevação da vogal postônica final, foram encontrados quatro casos
(abadi/abade, condi/conde, descobri/descobre, mereci/merece) relacionados à grafia
do fonema [i] que poderiam ter sido evitados se os alunos tivessem considerado a
regra segundo a qual numa posição de sílaba acentuada (tônica) o som [i] é grafado
com a letra „i‟ enquanto que numa sílaba átona final de palavra corresponderá à letra
„e‟.
b) Ditongação e monotongação
A respeito da grafia dos ditongos as seguintes classificações foram utilizadas:
ditongação e monotongação. A primeira ocorre quando o aluno escreve duas vogais
para uma sílaba que só tem uma. Por exemplo: „faiz‟ em vez de „faz‟. Já a segunda
se caracteriza pela redução do ditongo a uma única vogal e reflete o que se passa
na oralidade quando o aprendiz pronuncia, por exemplo, „pexe‟, em vez de peixe‟.
Nos textos analisados foram encontrados 11 casos de monotongação e 6 de
ditongação.
61
A literatura na área mostra que a monotongação dos ditongos [ay], [ey] e [ow]
ocorre primeiramente na fala o que influencia o surgimento desse processo na
escrita. Segundo Veçossi (2010 p. 86), o ditongo [ow] sofre monotongação em todos
os contextos fonológicos, já o [ey] sofre variação em quatro ambientes (diante de [r],
[], [] e [g]) e o [ay] só varia antes de []. Este trabalho apresentou os seguintes
casos desse tipo de desvio: carcereros – carcereiros, guerrero – guerreiro, bera –
beira, tezoros – tesouros, tesoro – tesouro. Como pode ser observado, os casos de
monotongação do [ey] apareceram em quantidade um pouco superior a do [ow] e
não houve nenhum caso envolvendo o ditongo [ay].
Nos textos analisados, ainda foram encontrados dois casos em que o desvio
poderia ter sido evitado se o aprendiz tivesse o conhecimento da seguinte regra
morfológica contextual: “Todo verbo regular de primeira conjugação na terceira
pessoa do singular do pretérito do indicativo termina em „ou‟ (vogal temática „o‟ +
desinência número pessoal „u‟”). Foram eles: chego – chegou e entro – entrou.
Outros casos de monotongação foram encontrados nos dados dessa
pesquisa: especi – espécie, oviou – ouviu, dos – dois, cardas – guardas.
c) Apagamento da coda /r/ em posição medial e final
O apagamento da coda “r”, tanto na posição final da sílaba quanto na medial,
é considerado um desvio por motivação fonética. Monteiro (2008, p. 40) apresenta
um exemplo dessa relação ao ressaltar que, mesmo na forma oral mais próxima da
padrão, o “r” do infinitivo dificilmente é pronunciado, o que leva o aluno a omitir essa
letra ao escrever. Acredita-se que o conhecimento da regra morfológica segundo a
qual o verbo no infinitivo é grafado com „r‟ no final facilitaria a grafia dessas palavras
pelos alunos.
No presente estudo, esse desvio apareceu em uma quantidade considerável:
32 casos de apagamento do /r/ em coda final e 6 casos de omissão do /r/ em coda
medial. Esses fatores nos mostram que, embora os alunos acompanhados estejam
no oitavo ano do Ensino Fundamental, tendo, assim, um maior tempo de contato
com a escrita, eles ainda não estão conseguindo refletir sobre a mesma, enquanto
sistema de representação.
62
d) Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio
A variação linguística é apontada como outro fator presente na perpetuação
dos desvios por transcrição da fala. Segundo Carraher (1986), os desvios por
motivação fonética são mais frequentes quanto maior for à diferença entre a
variedade linguística falada pelo estudante e a forma escrita. No presente estudo
essa característica apareceu no texto de alguns alunos por meio da omissão da letra
d no gerúndio. Como por ex‟emplo: cavano e precisano. E, ainda, em casos como
dormiro e amaro que podem ser evitados se o aluno levar em consideração as
regras morfológicas para 3ª pessoa do plural. Esses tipos de desvios não devem ser
estigmatizados na escola, o professor deve discutir com os alunos as diferenças
entre língua falada e língua escrita, valorizando as variedades linguísticas
apresentadas por eles.
e) Inserção de coda final /r/ e inserção de vogal
Os últimos casos referentes a essa categoria são: inserção de vogal, que
apresentou apenas duas ocorrências e inserção de coda final /r/, com um número
bem mais relevante, 23 ocorrências. Para esse último processo acredita-se que no
momento de escrever o aprendiz faz uma associação auditiva à pronúncia dos
verbos terminados em ar, er e ir (cantar, brincar, chover, dormir) ou de palavra que
terminem com /r/ (Guiomar, Baltazar, ar, âmbar, bar, colar (de pérolas), dólar
par, ímpar, avatar, colher, talher, trabalhador, amor, horror, calor, dor, abajur etc.) e
acaba inserindo essa consoante em palavras nas quais ela não deve aparecer.
Zorzi (1998) busca apontar, em seu trabalho, alguns motivos que levam o
aluno a apresentar uma escrita com base em pistas acústico-articulatórias. O
primeiro deles, segundo o autor, é o fato de a linguagem oral constituir-se como uma
língua mais antiga, pois, antes de aprender a escrever, o aluno já tem um domínio
sobre ela, sendo natural que ele utilize alguns conhecimentos relacionados à mesma
no início da aprendizagem da escrita. No entanto, cabe ressaltar que, os alunos
abordados no presente estudo já estão no oitavo ano do Ensino Fundamental,
assim, as estratégias de ensino não estão sendo suficientes para ajudá-los a
avançar no domínio dessa modalidade linguística. Um segundo motivo para o
surgimento desses desvios é o fato de existirem algumas palavras na Língua
63
5%
7%
4%
5%
10%
6%
6% 29%
2%
3%
23%
Elevação da vogal pré-tônica inicial
Elevação da vogal tônica
Elevação da postônica final
Elevação da vogal átona do clítico
Monotongação
Ditongação
Apagamento de coda medial /r/
Apagamento de coda final /r/
Apagamento de /d/ em verbos no gerúndio
Inserção de vogais
Inserção de coda final /r/
Portuguesa que são escritas praticamente do mesmo modo como são faladas. E
uma terceira razão seria de ordem pedagógica, pois, muitas metodologias de ensino
ao colocarem a criança em contato apenas com formas mais regulares e fonéticas
da ortografia, reforçam a crença inicial de que a escrita é uma transcrição da fala.
Além disso, algumas práticas pedagógicas orientam os alunos a prestarem atenção
ao modo de pronúncia das palavras na hora de escrever “como se a fala fosse um
fator determinante da escrita”. (ZORZI,1998, p. 52).
De acordo com Cagliari (1999) e Carraher (1986) à medida em que as
crianças vão mantendo maior contato com a escrita e percebem a diferença entre
língua oral e língua escrita esses desvios tendem a diminuir. A partir do gráfico 01, a
frequência de cada um dos desvios relacionados à motivação fonética pode ser
observada:
Gráfico 01 – Desvio por motivação fonética
Fonte: elaborado pela autora
64
Como podemos observar, o resultado apresentado neste gráfico mostra que a
maioria dos desvios relacionados à motivação fonética refere-se ao apagamento da
coda final /r/, que contabilizou 29% dos casos, seguidos da categoria inserção da
coda final com 23% e, em menor quantidade, apareceu à inserção de vogais (3%) e
apagamento do „d‟ em gerúndio (2%).
4.1.2 Desvios por motivação fonológica
Os desvios encontrados nessa pesquisa, referentes a essa categoria, foram
vozeamento e desvozeamento; dificuldade na grafia de sílabas complexas; confusão
entre ão e am; juntura intervocabular e segmentação, acréscimo de letras, omissão
de letras, nasalização e desnasalização. A partir do quadro 13 pode-se ser visto
como esses desvios apareceram nos textos dos alunos:
Quadro 13 - Desvio por motivação fonológica
Vozeamento maba – mapa, monde – monte, provisão –
profissão, verimentos – ferimentos, confrondo
– confronto, cardas – guardas
Desvozeamento cardas – guardas, escondericho – esconderijo
Dificuldade na grafia de estruturas
silábicas complexas
colheceu – conheceu, buço – bucho, esguri –
escrito, conta – contra, Ingratera – Inglaterra
(2x), cleceu – cresceu, Ingaterra – Inglaterra, li
– lhe
Confusão entre ão e am correram – correrão, avião – haviam, jogarão –
jogaram, viajarão – viajaram, chegarão –
chegaram, chegaranhão – chegaram, andarão
– andaram, acharão – acharam, levarão –
levaram, ficarão – ficaram, viverão – viveram,
declarão – declaram, fição – ficam, apaixonão
– apaixonam, ganharão – ganharam,
pertensião – pertenciam, tratão – tratam,
apaixonão – apaixonam, encontrarão –
encontraram, dormirão – dormiram, tiveram –
tiveram (2x), avãosados – avançados
65
Juntura intervocabular propôsum – propôs um, apremeira – a
primeira, alevou – o levou, perdoala – perdoá-
la, confiase – confiar-se, agente – a gente,
ensima – em cima
Segmentação A o – ao, a quelas – aquelas, em fim – enfim,
de pois – depois, auferessem – oferecem, leva-
se – levasse
Acréscimo de letras pissa – pisa, tessouro – tesouro, marioria –
maioria
Omissão de letras namor – namorar, esperienci – experiência,
des – dessa, relacinamento – relacionamento,
no – não, Chef – chefe (04x), ouras – outras,
nanoram – namorarem, mage – margem, se
apaixou – se apaixonou, souto-se – soltou-se
Nasalização vinheram – vieram , començam – começam
Desnasalização carruaje – carruagem, denosiol – denunciou,
vigança – vingança (3x), vingaça – vingança,
denuciou – denunciou, coceguir – conseguir,
preferi – preferem, tentado – tentando,
arrepedendo – arrependendo, queri – querem,
tei – tem, dormiro – dormiram, amaro –
amaram, numa – nunha, marge – margem,
romace – romance, conseguido – conseguindo,
principal – principal, sei – sem, nei – nem.
Fonte: elaborado pela autora
a) Vozeamento e desvozeamento
Esses processos representam a troca de consoantes surdas por sonoras ou
vice-versa e são considerados „falhas de primeira ordem‟ por Lemle (1995, p.40).
Para Zorzi (1998), esses desvios de escrita podem ocorrer devido às dificuldades
que o aluno tem em discriminar os sons da própria fala. Ainda de acordo com o
autor, quando falamos, devido a certos automatismos, não precisamos pensar no
66
som que vamos reproduzir. No entanto na escrita o processo é diferente. Para
decidir qual a letra que deve ser utilizada, temos que procurar identificar, em nossa
própria fala, os sons que compõem uma determinada palavra. Entretanto,
Guimarães (2005, p. 59), esse processo de substituição de fonemas sonoros por
surdos na escrita reflete o mesmo processo que ocorre durante a aquisição da fala
pela criança.
De acordo com Monteiro (2008), desvios relacionados à grafia de estrutura
silábica e à troca de fonemas vozeados e não-vozeados são naturais a crianças que
estão começando a produzir textos escritos. Logo, mais uma vez, pode-se concluir
que os alunos alvo dessa pesquisa já deveriam ter suprido essa dificuldade. Nos
dados desta pesquisa, encontrou-se as seguintes ocorrências de vozeamento: maba
– mapa, monde – monte, provisão – profissão, verimentos – ferimentos, confrondo –
confronto. Observa-se, que nesses casos ocorreram substituições dos fonemas: /p/
por /b/, /t/ por /d/, /f/ por /v/ e /t/ por /d/. Quanto ao desvozeamento foram
encontradas apenas duas ocorrências: Cardas – guardas e escondericho –
esconderijo, nas quais observamos a troca dos fonemas /k/ por /g/ e // por //
b) Dificuldade na grafia de sílabas complexas
Quando começa a dominar o sistema alfabético de escrita, o aprendiz ainda
apresenta dificuldade no emprego de sílabas complexas, ou seja, aquelas que
fogem ao padrão CV (consoante-vogal). Assim, as sílabas formadas por VC, CVC,
ou CCV apresentam uma maior complexidade para o aprendiz da língua escrita. A
respeito da ordem de aquisição desses padrões silábicos Veçossi (2010, p. 122)
afirma que
A literatura da área que trata de aquisição de estruturas silábicas na
oralidade aponta a seguinte ordem de aquisição: CV CVC CCV,
isto é, após aquisição do padrão CV, haveria a emergência de
sílabas com coda („casca‟) e, na sequência, sílaba com ónset
complexo („prato‟).
Segundo Barrera e Nobeli (2009), as alterações por troca de letras,
nasalização e as dificuldades diante de sílabas complexas podem indicar
67
Um domínio ainda incompleto do sistema alfabético mesmo em
termos de correspondências básicas mais regulares entre grafemas
e fonemas o que sugere dificuldades e termo de consciência
fonológica (p. 47-48).
Outra característica que também se enquadra nessa categoria é a dificuldade
no emprego de dígrafos, aspecto bastante frequente nos textos analisados. Como
por exemplo: colheceu – conheceu, buço – bucho e li – lhe.
c) Confusão entre am e ão
Esse tipo de desvio (am>ão) ocorre quando palavras que terminam em am
são grafadas como ão ou vice-versa. De acordo com Zorzi (1998), apesar desse
desvio ser influenciado pela oralidade, a diferença que há entre essas duas
terminações não é de base fonética mas reside num fator entonacional, ou seja, diz
respeito a posição da sílaba tônica dentro da palavra. Enquanto, por exemplo, a
palavra cantaram é paroxítona a palavra cantarão é oxítona. Como mostra o autor,
os fonemas produzidos são os mesmos e o final da palavra tende a ser pronunciado
como “ãu”, no entanto, esse “ãu” se transforma em “am” se a tonicidade incidir na
penúltima sílaba e em “ão” se a tonicidade incidir na última sílaba. Entretanto o
desconhecimento da norma gramatical interfere na estabilidade do uso dessas duas
terminações.
f) Juntura intervocabular e segmentação
A juntura intervocabular ocorre quando dois ou mais elementos que
deveriam aparecer separado sem uma frase são ligados na escrita. De acordo com
Cagliari (1989), apud (ZORZI, 1998, p.61), as junções podem ser determinadas pela
entonação do falante uma vez que palavras pronunciadas dentro de um mesmo
grupo tonal tendem a ser escritas juntas. Assim sendo, foram encontradas sete
ocorrências desse tipo de desvio nos textos analisados: propôsum – propôs um,
apremeira – a primeira, alevou – o levou, perdoala – perdoá-la, confiase – confiar-se,
agente – a gente, ensima – em cima. Segundo Veçossi (2010, p. 103), a juntura
intervocabular expressa que em casos como propôsum – propôs um, apremeira – a
primeira, alevou – o levou e agente – a gente pode envolver “a consideração por
parte do aprendiz de que a estrutura composta por palavra gramatical (artigo,
68
conjunção, pronome, etc.) + palavra lexical (ou vice-versa) consiste em um único
item lexical”.
Já na segmentação indevida ocorre um processo inverso, no qual há uma
separação ortograficamente incorreta dos vocábulos de uma frase. Segundo Zorzi
(2010, p. 60), para segmentar corretamente as palavras por meio de espaços em
branco, o aprendiz precisa ter um conhecimento convencional da grafia das
mesmas, e também alguma noção do que possa ser uma palavra. Ocorreram seis
casos de segmentação em nosso estudo: A o – ao, a quelas – aquelas, em fim –
enfim, de pois – depois, auferessem – oferecem, leva-se – levasse. Ainda de acordo
com Zorzi (1998, p. 61) esse tipo de processo “pode acontecer em razão da
acentuação tônica das palavras, que se reflete no modo como as sílabas são
separadas”. Como se trata de um aspecto prosódico relacionado ao acento, ao ritmo
e à entonação consideramos esse fator decorrente de motivação fonológica.
g) Acréscimo de letras
São casos em que as palavras apresentam mais letras do que
,convencionalmente, deveriam ter. Lemle (1995) incorpora essa categoria nas „falhas
de 1ª ordem‟ que são aquelas em que não há uma correspondência linear entre a
sequência dos sons e a das letras. Já para Cagliari (2009), ela pode ser classificada
como „modificação da estrutura segmental das palavras‟.
O acréscimo de letras não foi uma alteração encontrada, com frequência, nos
textos dos alunos desse estudo, com apenas quatro casos registrados. Para Zorzi
(1998, p. 75/76), não parece ser uma letra qualquer que as crianças inserem na
palavra, aumentando sua extensão. O autor mostra que, em geral, há uma tendência
em duplicar uma das letras que a palavra já possui. Na presente análise, isso pode
ser visto a partir da inserção da letra „s‟ nas palavras: pissa para pisa e tessouro
para tesouro, marioria para maioria, chegaranhão para chegaram. Os dois primeiros
casos podem também ser causados pelo desconhecimento da regra contextual do
„s‟ intervocálico.
h) Omissão de letras
Caracteriza-se pelo modo incompleto de grafar as palavras, devido à omissão
de uma ou mais letras. De acordo com Lemle (1995), os alunos que apresentam
69
esses desvios de escrita ainda estão na fase de dominar as capacidades prévias da
alfabetização, apresentando falhas que a autora classifica como sendo de primeira
ordem. Para Zorzi (1998), existem algumas possibilidades para explicar a omissão
de letras na escrita dos alunos. Segundo esse autor, o aprendiz pode não conseguir
realizar uma análise sonora de todos os fonemas que compõem uma palavra, ou,
mesmo apesar de ser capaz de realizar tal análise, é possível que ele tenha dúvidas
ou ignore como tal combinação de sons deve ser grafada, visto que, além da falta de
conhecimento das letras que estruturam uma sílaba, há o fato de algumas palavras
não apresentarem uma correspondência exata entre o número de fonemas e o
número de letras que devem ser grafadas, confundindo, assim, a cabeça do jovem
escritor. Numa terceira hipótese, o autor acredita que o aluno possa ter dificuldade
no controle da escrita, devido à falta de sincronia entre o pensar uma palavra e
articular sua escrita. Há ainda o fato do aluno não revisar seu texto devido à pressa
ou falta de hábito em realizar essa atividade. No presente estudo foram encontrados
catorze casos desse tipo de desvio, apresentando as seguintes características:
Omissão do núcleo silábico – 7 casos (relacinamento – relacionamento, no – não,
esperienci – experiência, chef – chefe (4x)); omissão de sílabas – 3 casos (des –
dessa, nanoram – namorarem, se apaixou – se apaixonou); omissão do núcleo da
sílaba – 4 casos (namor – namorar, souto-se – soltou-se), omissão do ónset – 1
caso (ouras – outras), omissão da coda final – 1 caso: mage – margem.
i) Nasalização e desnasalização
A nasalização ocorre quando o aluno substitui um fonema oral por um fonema
nasal. Na desnasalização, ocorre o contrário. Esses processos apresentam um fator
a mais de dificuldade ortográfica visto que, nos casos em que eles ocorrem
pronunciamos menos fonemas do que as letras que compõem a palavra. Por
exemplo, o “m” e o “n”, muitas vezes, são empregados apenas para nasalizar a
vogal que o antecede. Essas características podem aumentar as dúvidas do
aprendiz na hora de escrever, e pesquisas na área mostram que esse tipo de desvio
ocorre devido a uma dificuldade das crianças em diferenciar as vogais orais das
nasais.
O gráfico 02 mostra o percentual de desvios referente a cada uma das
categorias motivadas fonologicamente:
70
Gráfico 02 – Desvio por motivação fonológica
Fonte: elaborado pela autora
Fonte: elaborado pela autora
Como podemos observar, as categorias relacionadas à motivação fonológica
aparecem de forma bem distribuída quanto à frequência, destaca-se a confusão
entre ão e am com uma maioria de 24% e, em menor quantidade, o desvozeamento
e a nasalização, figurando com 2% dos casos.
4.1.3 Supergeneralização
Segundo Guimarães (2007), a supergeneralização ocorre quando a criança
começa a tentar corrigir os desvios por transcrição de fala, uma vez que ela já
compreendeu a diferença entre oralidade e escrita (p. 127). Pesquisadores e
estudiosos da área deram diferentes denominações a essa categoria, Cagliari (2009)
classifica-a como hipercorreção, Carraher (1985), como supercorreção e, para Zorzi
(1998) trata-se de generalização de regras.
Os desvios por supergeneralização têm relação com a fonética e com a
fonologia. Segundo Monteiro (2008, p. 81) ela ocorre pelo fato de a criança
generalizar regras sem observar as sub-regularidades do sistema.
No quadro 14, citamos os processos considerados desvios por
supergeneralização.
7%
2%
10%
24%
8% 7%
3%
15%
2%
22%
Vozeamento
Desvozeamento
Dificuldade no emprego de sílabas complexas
Confusão entre ão e am
Juntura intervocabular
Segmentação
Acréscimo de letras
Omissão de letras
Nasalização
Desnasalização
71
Quadro 14 - Desvios por supergeneralização
Abaixamento da vogal
pretônica
Denonsiol – denunciou,fogir – fugir, premeira – primeira,
alferresem – oferecem, Lotol – lutou
Abaixamento da vogal
pretônica inicial
enventou – inventou, enjustiça – injustiça, envadir – invadir,
envadem – invadem, infelizmente – infelizmente –
alferessem – oferecem
Abaixamento da vogal
tônica
toneo – túnel (3x), toneos – túneis, tonio – túnel, seguinte –
seguinte, essio – isso
Troca do „u‟ pelo „l‟ Denonsiol – denunciou, lotol – lutou, enganol – enganou
Troca do „u‟ por „o‟ Vio – viu, saio – saiu (2x), moreo – morreu, fureo – fugiu
Troca do „l‟ por „o‟ toneo – túnel (3x), tonio – túnel, difício – difícil
Fonte: elaborada pela autora
Quanto ao abaixamento da vogal pretônica, ele pode corresponder ao fato de
haver uma alternância na pronúncia desses fonemas, sendo as vogais altas, muitas
vezes, pronunciadas como médias. No abaixamento da vogal tônica, o aprendiz
generaliza a regra em que deve grafar „o‟ para o som [u] átono. E, sobre a troca do
„u‟ por „l‟, ela pode ocorrer devido ao estudante perceber que, ao pronunciar o som
do „u‟ em posição pós-vocálico, sempre escreve „l‟ e deixa de considerar que, em
terceira pessoa do singular no pretérito perfeito do indicativo, o verbo deve ser
grafado com „u‟ no final. No que diz respeito à troca da vogal „u‟ por „o‟ ela pode
ocorrer, segundo a literatura na área, devido ao aprendiz generalizar a regra
segundo a qual o „u‟ átono, no final da palavra, é representado por „o‟. Assim, ele
não leva em consideração o fato do fonema da 3ª pessoa do singular ser grafado
com „u‟.
O gráfico 03 mostra o percentual de desvios relacionados aos casos de
supergeneralização:
72
Gráfico 03 – Supergeneralização
Fonte: elaborado pela autora
Observa-se, a partir dos dados apresentados, que há uma certa equivalência
entre essas categorias. Três delas - o abaixamento da vogal pretônica, a troca do „u‟
por „o‟ e a troca do „l‟ por „o‟ - apresentam a mesma porcentagem, 16%. O
abaixamento da vogal pretônica inicial figurou com 19% das ocorrências e o
abaixamento da vogal tônica com 23%. Em último lugar, quanto à quantidade, temos
a troca do „u‟ pelo „l‟, com 10% dos casos.
4.2 Desvios relacionados ao sistema ortográfico
4.2.1 Desvio por desconhecimento das regras regulares contextuais
Os alunos que cometem esses desvios apresentam dificuldades ortográficas
de escrita uma vez que, como nos mostra Carraher (1985), o domínio das regras
contextuais exigem certa relativização da hipótese alfabética já que a criança deve
coordenar a análise da sequência de fonemas com informações sobre a posição das
letras antecedentes e consequentes.
Nos dados analisados, foram encontrados os seguintes desvios por não
considerar as regras contextuais: troca da coda medial „m‟ por „n‟, dificuldade na
16%
19%
23%
10%
16%
16%
Abaixamento da vogal pretônica
Abaixamento da vogal pretônica inicial
Abaixamento da vogal tônica
Troca „u‟ pelo „l‟
Troca do „u‟ por „o‟
Troca do „l‟ por „o‟
73
representação do fonema /g/, dificuldade na representação do fonema /ʀ/, em
contexto intervocálico, e dificuldade no emprego do “j” na frente de a, o, u, como
podemos ver no quadro seguinte:
Quadro 15 – Desvios por desconhecimento das regras contextuais
Desvio relacionados à grafia
da coda nasal medial troca
do m por n ou n por m
Conpromisso – compromisso (2x), conpletava –
completava, entrega – emtrega, enbora – embora,
conpra – compra, conprometer – comprometer,
inportante – importante, tanbém – também, emvolver
– envolver, ums – uns, lenbrança – lembrança
Dificuldade na representação
do fonema /g/
consegiu - conseguiu, gerra– guerra, pegua – pega
Dificuldade na representação
do fonema /ʀ/
guereiro – guerreiro (3x), Ingratera – Inglaterra,
morendo- morrendo, morer – morrer (3x), moreo –
morreu, morido– morrido, carosa – carroça, horível –
horrível, agaradinhos – agarradinho, Inglatera –
Inglaterra
Dificuldade na representação
do fonema // diante de a, o,
u.
agudou – ajudou, aguda – ajuda, agudão – ajudam
Fonte: elaborado pela autora
A respeito da troca da nasal „m‟ por „n‟, ou vice-versa, sabemos que ela ocorre
quando o aluno não leva em consideração a regra ortográfica que define qual
consoante deve ser utilizada de acordo com o contexto. Pela análise feita, nesse
estudo, observa-se que os alunos ainda têm dificuldades no emprego dessas letras.
Encontrou-se nove casos da troca do “m” por “n” e três casos de troca do “n” por “m”.
Já, para a representação do fonema /g/ a regra define que, diante de „a‟, „o‟,
„u‟, utiliza-se „g‟ e diante de „e‟ e „i‟ devemos utilizar “gu”. Poucos foram os casos
relacionados a essa dificuldade na escrita, apenas três ocorrências.
Quanto à grafia do /r/ sabe-se que ela também possui uma regra definida de
acordo com os diferentes contextos em que venha a aparecer. Sobre isso, Monteiro
(2008, p. 88) destacou, em seu estudo, que a utilização do “rr” intervocálico é
74
facilmente aprendida pela criança e, por isso desvios relacionados a esse contexto
não aparecem com frequência nos textos dos aprendizes. Entretanto, nos dados
coletados ainda surgiram sete casos dessa natureza, mostrando que esses
discentes precisam refletir mais sobre a língua escrita.
Em menor quantidade, observaram-se, ainda, três casos em que a relação
letra/ contexto não foi considerada. Refere-se à grafia do fonema // diante de „a‟, „o‟,
„u‟ deve ser grafado com a letra „j‟. No entanto, observamos 3 casos em que essa
consoante foi substituída pelo „g‟. Observemos no quadro abaixo o percentual
referente aos desvios causados por desconhecimento das regras ortográficas
contextuais.
Gráfico 04 - Desvios por desconhecimento das regras contextuais
Fonte: elaborado pela autora
38%
9%
44%
9%
Troca entre as codas nasais m e n
Dificuldade na representação do fonema /g/
Dificuldade na representação do fonema /R/
Dificuldade na representação do fonema /Z/ diante de a, o,
u.
75
Como podemos observar, os desvios por dificuldade na representação do
fonema /r/ (44%) e a troca entre as nasais „m‟ e „n‟ (38%) predominam sobre outros
casos dessa categoria, dificuldade na representação do fonema /g/ e a dificuldade
na representação do fonema // (diante de a, o, u), que figuram com apenas 9%
cada.
4.2.2 Desvio por desconhecimento das correspondências irregulares
Na norma ortográfica, há casos em que não existem regras para ajudarem o
aprendiz a grafar as letras de algumas palavras, sendo necessário atentar para a
etimologia ou para os aspectos morfológicos das mesmas. Quando esses fatores
não são levados em consideração, ocorre o desvio. Para Morais (2010, p.43), na
dúvida, é preciso consultar modelos autorizados (como o dicionário) e memorizar.
Desvios relacionados à grafia dos fonemas /s/, //, /z/, // e à omissão do „h‟ inicial
das palavras foram considerados pertencentes a essa categoria. Vejamos como eles
apareceram nos textos:
a) Grafia do /s/
Segundo Monteiro (2008), estudos que propõem uma classificação para erros
ortográficos mostram que a maior dificuldade do aluno, na escrita, diz respeito à
grafia do fonema /s/. No presente trabalho, foi encontrada uma grande quantidade
de desvios relacionados ao emprego desse fonema, 41 casos. Vejamos:
Quadro 16 - Grafia do fonema /s/
Casos Desvios encontrados
„s‟ Incenou - ensinou, responsabilidade - responsabilidade, falças - falsas, cão
- são, coceguir - conseguir, cério - sério (2x)
„c‟ Serto – certo (3x), sidade – cidade (2x), sima – cima (2x), sela – cela (2x),
senas – cenas, pesseba – perceba, percebeu - percebeu, pulisial – policial,
auferesem – oferecem, alferresem – oferecem, conhesido - conhecido,
denosiol – denunciou, presisa - precisa, desição - decisão, pertensião-
pertenciam, vense – vence
„ç‟ Avãosados - avançados, comecou - começou, carosa – carroça, viganca –
vingança (2x), comecou – começou (2x), crianca – criança.
76
„ss‟ ganhace - ganhasse, asacinada - assassinada, ganhase – ganhasse(2x),
compromisso - compromisso, possuíse - possuísse, discusões –
discussões, condesa - condessa, asado – assado, provisão – profissão.
„sc‟ adolecentes - adolescentes, crese - cresce, adolecencia - adolescência,
naceram – nasceram
„x‟ esperiente - experiente, esperienci – experiência, trouçe – trouxe.
Fonte: elaborado pela autora
Segundo Guimarães (2005), representar o fonema /s/ por meio de um
grafema é uma tarefa muito complexa para a criança, uma vez que esse som pode
ser representado de diversas formas (por „s‟, „c‟, „ss‟, „ç‟, „x‟, „sc‟, „xc‟, „sç‟ e „z‟). A
autora ainda faz um resumo das opções que a criança tem, de acordo com o
contexto e com o sistema gráfico, para representar esse fonema na escrita:
Quadro 17- Possíveis contextos para o uso do fonema /s/
Contexto Sistema ortográfico Possíveis grafias
/s/
Início de palavra Silêncio „c‟
cimento „s‟
intervocálico excêntrico „ss‟, „c‟
nasça „ss‟, „ç‟
nasce „ss‟, „c‟
maçã „ss‟, „sç‟
massa „ç‟, „sç‟
macio „ss‟, „sc‟
sintaxe* „ss‟, „c‟
Posição de coda medial experiência „s‟
mesmo „x‟
Depois de coda pensar - pensei „ç‟ ou „c‟
onça - conceito „s‟
Final de palavra rês „z‟
vez „s‟
Fonte: Guimarães (2005, p. 137)
77
Relacionados a esses contextos, observou-se, nos textos analisados, 09
casos de substituição do „c‟ por „s‟ em início de palavra (Serto (2x) – sidade (2x)–
sima – sela (2x) – cério – senas), o que decorre do fato de esses grafemas
disputarem a mesma posição diante de „e‟ e „i‟, sem que possamos definir critérios
para o uso de um ou do outro.
Quando o fonema /s/ figura entre vogais existem sete formas possíveis de
representá-lo, como podemos ver no quadro acima. Na pesquisa realizada
encontramos as seguintes ocorrências relacionadas a esse caso: pulisial,
auferesem, alferresem, conheçido, cresce, adolecentes, trouçe, provisão, asado,
carosa, ganhace, asacinada, ganhase, compromiso, possuíse, começou (2x),
viganca, discusões, condesa. No entanto, para algumas dessas palavras é possível
prever regras que diminuam a dificuldade relacionada à concorrência de letras,
como por exemplo, o „ç‟ nunca deve anteceder „e‟ e „i‟. O conhecimento dessa regra
teria evitado que o aluno grafasse a palavra conhecido com „ç‟. E, ainda, há dois
casos em que o aluno grafa „c‟ antes de „a‟ e „o‟ para grafar o fonema /s/, no entanto,
sabe-se que, diante dessas vogais e da vogal „u‟, essa consoante representa o
fonema /k/. Já em posição pós-consonantal, os desvios ocorreram com menos
frequência. Vejamos: Incenou, responssabilidade, falças, pesseba, persebeu,
avãosados.
Segundo Guimarães (2005), ao aparecer em posição de coda, o fonema /s/
geralmente é grafado com a letra „s‟, mas, em um número menor de palavras, o
sistema define o uso de „x‟ nessa posição. Relacionados a esse caso foram
encontrados apenas os desvios: esperiente e esperienci.
b) Grafia do fonema /ʃ/
O fonema // pode ser representado, no sistema ortográfico do português,
pelos grafemas „x‟ e „ch‟ os quais disputam praticamente os mesmos ambientes
(GUIMARÃES, 2005, p. 140). Encontramos apenas dois casos de desvios, nos
textos analisados, em que o „x‟ foi substituído por „ch‟. Logo, apesar de não haver
regras que determinem o uso de uma ou outra letra em todas as situações em que
esse fonema apareça, podemos perceber que os discentes já têm um bom domínio
78
de palavras que o contenham. O Quadro 18, apresenta os desvios relativos a essa
categoria.
Quadro 18 - Grafia do fonema /ʃ/
Casos Desvios encontrados
Troca do „x‟ por „ch‟ puchando – puxando (2x)
Fonte: elaborado pela autora
c) Grafia do fonema /z/
O fonema /z/ pode ser representado, na escrita, por três grafemas: „s‟, „z‟ e
„x‟.
Na presente pesquisa, a maioria dos desvios relacionados a esse caso
mostra que as crianças trocam o „s‟ por „z‟ na escrita de palavras como tesouro,
quiserem e avisar. Vejamos abaixo os casos em que os alunos tiveram dificuldade
na grafia desse fonema:
Quadro 19 -Grafia do fonema /z/
Casos Desvios encontrados
Troca do s por
z
tezouro – tesouro, tezouros – tesouros, quizerem – quiserem,
avizar – avisar
Troca do z por
s
Infelismente – infelizmente
Troca do s por
ss
Pissa – pisa
Fonte: elaborado pela autora
d) Grafia do fonema /ʒ/
Quadro 20 - Grafia do fonema /ʒ/
Casos Desvios encontrados
Troca do g por j carruaje – carruagem, jente – gente (3x)
Fonte: elaborado pela autora
79
A grafia do // diante de „e‟ e „i‟ também é definida pela etimologia da palavra,
não sendo diferente de outros casos arbitrários da língua. Foram encontrados nos
textos analisados 04 desvios desse tipo.
e) Omissão do „h‟ inicial
Quadro 21 - Omissão do „h‟ inicial
Desvios encontrados
Onesto – honesto - avião – haviam
Fonte: elaborado pela autora
No início de palavras, a letra „h‟ não representa nenhum fonema,
conservando, apenas, a tradição etimológica de nosso idioma. As palavras que
começam com essa consoante também precisam ser memorizadas pelos
aprendizes. Em nosso estudo ocorreram apenas dois casos desse tipo.
De acordo com Zorzi (1998), quando o aprendiz omite uma ou mais letras, na
escrita de uma palavra, ele pode não ter desenvolvido totalmente o processo de
segmentação fonêmica e, por isso, não consegue, ainda, detectar todos os sons que
compõem determinados vocábulos. Ainda segundo esse autor, as alterações
recorrentes da possibilidade de representações múltiplas não devem ser
consideradas como falhas dos alunos, mas, sim, como características da escrita que
se apresenta de forma complexa e de lenta assimilação.
O gráfico 05 apresenta a distribuição dos desvios de escrita motivados pela
concorrência de letras. Por meio dele, observa-se um predomínio da dificuldade na
representação do fonema /s/, totalizando 82% dos casos dessa categoria. Em
segundo lugar, com uma quantidade bem menor, aparecem os desvios devido à
dificuldade na representação do fonema.
80
Gráfico 05 – Desvios devido à concorrência de letras
Fonte: elaborado pela autora
4.3 Letras parecidas
Algumas letras do alfabeto português têm a forma gráfica muito semelhante
entre si e, tal fator, acaba levando o aprendiz a trocá-las no momento em que está
produzindo um texto escrito. Lemle (1995, p. 9) afirma que “são sutis as diferenças
que determinam a distinção entre as letras do alfabeto”. Para esta autora, o aprendiz
deve ser levado a refinar sua percepção para discriminar a grafia das letras.
Quadro 22- Letras parecidas
tá – lá (2x), conerço – começo, durnir – dormir, ananhece – amanhece, anigo –
amigo, mele – nele, licoes – lições, anigos – amigos (2x), una – uma (3x), un – um,
honem – homem, pronessa – promessa, transforna – transformar, compronete –
comprometer, conheçer – conhecer, fição – ficam, conpromiso – compromisso, linha
– tinha, men – nem, nanorar – namorar (3x), nanoram – namorarem, nanoram-
namoram, coneça – começa – cono – como (2x) – coneçaram – começaram
Fonte: elaborado pela autora
Observou-se, nos dados coletados, uma grande quantidade de desvios
relacionados à troca de letras parecidas. Foram consideradas pertencentes a essa
82%
3% 9%
6%
Dificuldade na representação do fonema /s/
Dificuldade na representação do fonema /ʃ/
Dificuldade na representação do fonema /Z/
Dificuldade na representação do fonema /ʒ/
81
categoria a substituição do „l‟ pelo „t‟ ou vice-versa, a substituição do „m‟ pelo „n‟ ou
vice-versa e a substituição do „c‟ pelo „ç‟.
4.4 Problemas na acentuação gráfica
A maior quantidade de desvios encontrados nos textos desses alunos está
relacionada a essa categoria e pode ser vista a partir do Quadro 23.
Quadro 23- Acento para mais e para menos
Acentuação
para mais
frasé – frase, traídor – traidor, vaí – vai (2x), caí – cai, saí – sai, á –
a, fortuíto – fortuito, torna-sé – torna-se, muíto – muito (4x), tríste –
triste (2x), depoís – depois (2x), féz – fez, tér – ter (2x), ão – ao, fícar
– ficar (2x), traí – trair
Acentuação
para menos
historia – história (7x), traido – traído, la – lá (5x), especi – espécie,
sairam – saíram, ja – já (2x), atras – atrás (2x), familia – família,
fisicas – físicas, farar – fará (2x), biblia – bíblia, baus – baús, vaí –
vai, tambem – também (2x), e – é (15 x), so – só (4x), aniversario –
aniversário (2x), varias – várias – (3x), licoes – lições, esta – está –
epocar – época, pratica – prática, serio – sério (4x), varios – vários
(2x), Cerio – sério, otimo – ótimo, ta – tá, seril – sério, esperienci –
experiência, perdoala – perdoá-la, adolecencia – adolescência,
premio – prêmio, ate – até – (2x), porem – porém (2x), simbolos –
símbolo, prenio – prêmio – (2x), tumulo – túmulo, premio – prêmio,
as escondidas – às escondidas, trai-lo – traí-lo, caido – caído,
violencia – violência, proprias – próprias, pais – países, familha –
família
Fonte: elaborado pela autora
Os desvios, envolvendo a acentuação gráfica das palavras, apareceram em
grande quantidade nesse estudo. A maioria deles devido à ausência do acento
gráfico. Acredita-se que esses fatores são decorrentes da falta de atenção dos
alunos no momento da escrita ou decorra do fato de esses aprendizes não
praticarem a retextualização, mesmo com a orientação da professora.
4.5 Desvios por desconhecimento das regras gramaticais
82
Alguns desvios de escrita poderiam ser eliminados se os aprendizes tivessem
maior conhecimento dos aspectos gramaticais que constituem a língua portuguesa.
Devido à ausência de tal conhecimento observou-se nos dados dessa pesquisa uma
quantidade significativa desses desvios.
Quadro 24 – Desvios por desconhecimento das regras gramaticais
Mal – mau, por que – porque (16x), mas – mais (3x), mais – mas (14x), tem – têm
(2x).
Fonte: elaborado pela autora
Acredita-se que se o aluno soubesse, por exemplo, que „mais‟ é um advérbio
de intensidade e „mas‟ é uma conjunção adversativa; que „mau‟ é um adjetivo, usado
como contrário de bom e „mal‟ é advérbio de modo, usado como contrário de bem,
essas regras facilitariam a utilização correta de cada uma dessas palavras.
4.6 Dificuldade na separação de sílabas
De acordo com Cagliari (2009 p. 102), “a prática de pedir às crianças que
separem sílabas na escrita pode ser mais complicada do que parece”, isso, porque,
para desenvolver essa atividade a criança utiliza como referencial o modo pelo qual
pronuncia cada palavra, não considerando as regras gramaticais. Ainda segundo
esse autor, há casos em que a pronúncia é variável, podendo gerar dúvidas quanto
ao número de sílabas. Os casos relacionados a essa categoria podem ser vistos no
Quadro 25.
Quadro 25 –Dificuldade na separação de sílabas
Malt-ratado – maltratado, velh-inho – velhinho, mo-rto – morto, Po-rque – porque, di-
sse – disse, enco-ntrando – em- con-tran-do, fica-r – fi-car
Fonte: elaborado pela autora
Acreditamos que essa dificuldade, presente nos textos de uma única
informante, mostra uma possível falta de atenção da aluna ao escrever, pois, ela não
atenta para as regras de separação silábica do Português e, quando está
escrevendo uma palavra, ao chegar ao fim de uma linha, escreve até onde há
espaço e faz a separação de forma inadequada.
83
O gráfico 06 mostra o número de desvios cometidos pelos alunos em cada
uma das categorias analisadas:
Gráfico 06 – Resumo dos desvios encontrados no corpus do trabalho
Fonte: elaborado pela autora
Como podemos observar, os desvios de escrita encontrados nos textos dos
alunos estão relacionados, em primeiro lugar, à acentuação gráfica, seguido pelos
desvios decorrentes da motivação fonética, dos fonologicamente motivados, por
desconhecimento da norma ortográfica, por desconhecimento das regras
gramaticais, pela troca entre letras parecidas e pela separação de sílabas.
Para uma visão mais minuciosa dos desvios encontrados nos textos de cada
aluno apresentamos a seguir três quadros com as principais ocorrências atestadas.
21%
18%
6%
6%
13%
6%
22%
7%
1%
Motivação fonética
Motivação fonológica
Supergeneralização
Desvios por não considerar as regras contextuais
Desvios por não considerar as correspondências irregulares
Letras parecidas
Acentuação gráfica
Desconhecimento das regras gramaticais
Dificuldade na separação de sílbas
84
Quadro 26 – Desvios encontrados na produção textual 01
TEXTO 1- Resenha do filme “O conde de Monte Cristo”
DESVIOS COLABORADORES
AB CN DM GN JO LM MA RM RA VC TOTAL
Acento gráfico para (+) - - 01 05 - - - - 03 01 10
Acento gráfico para (-) 11 02 04 06 03 06 01 02 02 02 39
Segmentação 01 - 02 - - - - - - - 03
Juntura intervocabular - - - - - 01 - - - 01 02
Apagamento de coda final
/r/
05 - 04 01 - 01 - - - 02 13
Ditongação 00 - 01 - - - 01 - - - 02
Monotongação 03 - 01 01 - 03 - - - - 08
Elevação da vogal tônica 03 - 03 - - - - - - - 06
Elevação da vogal pré-
tônica
- - - 02 - - - - - - 02
Elevação da pré-tônica
inicial
- - 03 - - - - - - - 03
Elevação da vogal
postônica
- - - - - 01 - - - - 01
Elevação da vogal
postônica final
- 01 01 - - - - - - - 02
Elevação da vogal átona
do clítico
- - - - - 01 - - - - 01
Abaixamento da vogal
pré-tônica
- - - - - 03 - - - - 03
Abaixamento da vogal
pré-tônica inicial
- - - - - - 01 - - - 01
Abaixamento da vogal
tônica
03 - - - - 02 01 - - - 06
Dificuldadena
representação do
fonema/ʃ/
02 - - - - - - - - - 02
Dificuldade na
representação dofonema
/s/
02 - 07 06 01 02 - - 02 01 21
Dificuldade na
representação do
- - - 01 - - - - - - 01
85
fonema/ʒ/
Dificuldade na
representação do fonema
/g/
- - - - - - - 01 - - 01
Dificuldade na
representação do fonema
/ʀ/
01 - 01 - - 04 - - - - 06
Dificuldade na
representação do fonema
/k/
- - - - - 02 - - - - 02
Dificuldade na
representação do fonema
/z/
- - 02 - 01 - - - - - 03
Dificuldade no emprego
de sílabas complexas
01 - 01 01 - - - - 01 - 04
Apagamento de /d/ em
verbos no gerúndio
01 - - - - - - - - - 01
nasalização - - - - - - - - - - -
Desnasalização - - - 01 - 02 - 01 03 02 09
vozeamento - - - - - 02 - - 01 - 03
Desvozeamento - - - 01 - - - - - - 01
Troca da coda medial m
por n ou n por m
01 - 01 03 - - - - - 01 06
Desvio devido às regras
gramaticais
02 01 01 - - 02 - 01 - - 07
Dificuldade na separação
de sílabas
- - - - 03 - - - - - 03
Confusão entre am/ão - - 11 - - - - - - - 11
Plural irregular 01 - - - - - - - - - 01
Dificuldade na grafia do s
em coda
- - - - - - - - - - -
Supressão do h inicial - - 01 - - - - - - - 01
Inserção de vogal - - 01 - - - - - - 01 02
Inserção de coda medial
/r/
- - 01 01 - - - - - - 02
Inserção de coda final /r/ - - 02 10 - - 04 - - 01 17
86
Fonte: elaborado pela autora
Omissão de letras 01 - 04 01 - - - - - - 06
Apagamento de coda
medial /r/
02 - - 01 - - - - - - 03
Apagamento de coda
medial /s/
- - 02 - - - - - - - 02
Apagamento da vogal
final
- - 04 - - 01 01 - - - 06
Letras parecidas - - O1 05 - 01 - 01 - 08 16
Inserção de letras - - - - 01 - - - - 01 02
Troca do „u‟ pelo „l‟ 01 - - - - 01 - - - - 02
Troca do „u‟ por „o‟ - - - - - 03 - - - 02 05
Troca do „l‟ por „o‟ 02 - - - - 02 - - - - 04
87
Quadro 27 – Desvios encontrados na produção textual 02
TEXTO 2 – Artigo de opinião – Namorar ou ficar
DESVIOS COLABORADORES
AB CN DM GN JO LM MA RM RA VC TOTAL
Acento gráfico para (+) - - - 06 - - - - - - 06
Acento gráfico para (-) 04 - 02 01 04 03 02 01 - 02 19
Segmentação - - - - 01 - - - - - 01
Juntura intervocabular - 01 - - - - - - - 01 02
Apagamento de coda final
/r/
03 - - 03 - 01 02 - 01 02 12
Ditongação - - - - - 02 - - - - 02
Monotongação - - - - - - - - 01 - 01
Elevação da vogal tônica - 01 - - - - - - - - 01
Elevação da vogal pré-
tônica
- - 01 - - - - - - - 01
Elevação da pré-tônica
inicial
- - - - - - - - - - -
Elevação da vogal
postônica
- - - - - - 01 - - - 01
Elevação da vogal
postônica final
- - - - - - 01 - - - 01
Elevação da vogal átona do
clítico
- - - - - 01 - - - - 01
Abaixamento da vogal pré-
tônica
- - - - - - - - 01 - 01
Abaixamento da vogal pré-
tônica inicial
- - - - - - - - - - -
Abaixamento da vogal
tônica
- - - - - 01 - - - - 01
Dificuldade na
representação do fonema/ʃ/
- - - - - - - - - - -
Dificuldade na
representação dofonema
/s/
- - 03 06 - 01 01 01 - 02 14
Dificuldade na
representação do
- - - 02 - - - - - - 02
88
fonema/ʒ/
Dificuldade na
representação do fonema
/g/
- - - 01 - - - - - - 01
Dificuldade na
representação do fonema
/ʀ/
- - 01 - - - - - - - 01
Dificuldade na
representação do fonema
/k/
- - - - - - - - - - -
Dificuldade na
representação do fonema
/z/
- - 01 - - - - - - - 01
Dificuldade no emprego de
sílabas complexas
- - - - - - - - - - -
Apagamento de /d/ em
verbos no gerúndio
- - - - - - 01 - - - 01
nasalização - - - - - - - 01 - - 01
Desnasalização - - - 01 - - 01 02 - - 04
vozeamento - - - - - - - - - - -
Desvozeamento - - - - - - - - - - -
Troca da coda medial m
por n ou n por m
01 - 01 01 - - - - - 02 05
Desvio devido às regras
gramaticais
02 01 05 01 01 02 01 03 - 03 19
Dificuldade na separação
de sílabas
- - - - 01 - - - - - 01
Confusão entre am/ão - 01 01 - - - - - - - 02
Plural irregular - - - - - - - 01 - 01
Dificuldade na grafia do s
em coda
01 - - - - - 01 - - - 02
Supressão do h inicial - - 01 - - - - - - - 01
Inserção de vogal - - - - - - - - - - -
Inserção de coda medial /r/ - - - - - - - - - - -
Inserção de coda final /r/ - 01 - 01 - 01 02 - 01 - 07
Omissão de letras - - 01 - 01 - 02 - 01 01 06
89
Fonte: elaborado pela autora
Apagamento de coda
medial /r/
- - - - - - - - - - -
Apagamento de coda
medial /s/
- - - - - - - - - - -
Apagamento da vogal final - - - - - - - - - - -
Letras parecidas 01 02 02 03 - - - - - 04 12
Inserção de letras - - - - - 01 - - - - 01
Troca do „u‟ pelo „l‟ - - - - - - - - - - -
Troca do „u‟ por „o‟ - - - - - - - - - - -
Troca do „l‟ por „o‟ - - 01 - - - - - - - 01
90
Quadro 28 – Desvios encontrados na produção textual 03
TEXTO 02 Resenha do texto “Tristão e Isolda”
DESVIOS
COLABORADORES
AB CN DM GN JO LM MA RM RA VC TOTAL
Acento gráfico para (+) - - 01 - 05 - - - 03 - 09
Acento gráfico para (-) 02 02 04 08 - 02 02 05 - 04 29
Segmentação - - - 01 - - - 01 - - 02
Juntura intervocabular - - - - - 01 - - 02 - 03
Apagamento de coda final
/r/
- - - 01 01 - - - 03 01 06
Ditongação - - - 01 - 01 - - - - 02
Monotongação - - - 01 - 01 - - - - 02
Elevação da vogal tônica - - 01 - - - - - - - 01
Elevação da vogal pré-
tônica
- - - - - - - - - - -
Elevação da pré-tônica
inicial
- - - 02 - - - - - - 02
Elevação da vogal
postônica
- - 01 - - - - - - - 01
Elevação da vogal
postônica final
- - 01 - - - - - - - 01
Elevação da vogal átona do
clítico
- - - - - 04 - - - - 04
Abaixamento da vogal pré-
tônica
- - - - - 01 - - - - 01
Abaixamento da vogal pré-
tônica inicial
02 - - 01 - 01 - 01 - - 05
Abaixamento da vogal
tônica
- - - - - - - - - - -
Dificuldade na
representação do fonema/ʃ/
- - - - - - - - - - -
Dificuldade na
representação dofonema
/s/
02 01 - 05 03 03 - 01 - 03 18
Dificuldade na - - 01 - - - - - - - 01
91
representação do
fonema/ʒ/
Dificuldade na
representação do fonema
/g/
- - - - - - - - - 01 01
Dificuldade na
representação do fonema
/ʀ/
- - 02 03 - 01 - - 01 - 07
Dificuldade na
representação do fonema
/k/
- - - - - - - - - - -
Dificuldade na
representação do fonema
/z/
01 - 01 - - - - - - - 02
Dificuldade no emprego de
sílabas complexas
- - 03 - - - - - 02 - 05
Apagamento de /d/ em
verbos no gerúndio
- - - - - - - - - - -
Nasalização - - - - - - - - - -
Desnasalização - 01 01 - - 01 01 01 02 - 07
Vozeamento - 02 - - - - - - - - 02
Desvozeamento - - - - - - - - 01 - 01
Troca da coda medial m
por n ou n por m
- - - - - - 01 - - - 01
Desvio devido às regras
gramaticais
- 05 - 01 - 02 - 01 01 - 10
Dificuldade na separação
de sílabas
- - - - 03 - - - - - 03
Confusão entre am/ão - 01 - - - 05 - - 03 - 09
Plural irregular - - 02 - - - - - - - 02
Dificuldade na grafia do s
em coda
- - - 01 - - - - - - 01
Supressão do h inicial - - - - - - - - - - -
Inserção de vogal - - 01 - - - - - - - 01
Inserção de coda medial /r/ - - - - - - - - - - -
Inserção de coda final /r/ - - - - - - 02 - - - 02
92
Fonte: elaborado pela autora
Omissão de letras - - - - - - 01 - 01 - 02
Apagamento de coda
medial /r/
- - - - 03 - - - 01 - 04
Apagamento de coda
medial /s/
- - - - - - - - - - -
Apagamento da vogal final - - - - - - - - - - -
Letras parecidas - - - - - - - - - 04 04
Inserção de letras - - - - - - - - - - -
Troca do „u‟ pelo „l‟ - - - - - 01 - - - - 01
Troca do „u‟ por „o‟ - - - - - - - - - - -
Troca do „l‟ por „o‟ - - - - - - - - - - -
93
5 PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O TRABALHO COM A ORTOGRAFIA A
PARTIR DA SUGESTÃO DE MORAIS (2010)
Antes de falarmos das propostas para o ensino da língua escrita no Ensino
Fundamental II, queremos destacar, aqui, alguns princípios norteadores para o
trabalho com a ortografia em sala de aula, que foram apresentados por Morais
(2010). Consideramos que esses quesitos são de crucial relevância para o
desenvolvimento seguro e eficaz do aprendiz ao se apropriar da língua enquanto
modalidade escrita.
Ao discorrer sobre esse tema, Morais (2010) explica que sendo a ortografia
um conhecimento do tipo convencional, normativo, que foi arbitrado socialmente
como correto, não podemos esperar que os alunos descubram, sozinhos, as regras
que esse sistema contém. É preciso que o professor crie situações que estimulem a
reflexão sistemática da norma ortográfica. Assim, o autor apresenta três princípios
gerais para o ensino da ortografia e seis princípios relativos ao encaminhamento das
situações de aprendizagem. Na sequência, falaremos brevemente sobre cada um
deles.
5.1 Princípios gerais
a) A criança necessita conviver com modelos nos quais apareça a norma
ortográfica - precisa ter um grande convívio com materiais impressos
Nesse ponto, o autor ressalta a importância de o aprendiz conviver com bons
modelos de textos para apropriar-se da língua escrita. Destaca a leitura de materiais
impressos tais como livros, jornais e revistas, que devem estar na escola, sempre
disponíveis e perto dos alunos, pois, a maioria dos discentes de classe popular não
tem chances de conviver com bons textos escritos, por meio dos quais possam
refletir sobre a ortografia.
Morais (2010), porém, ressalta que o contato frequente com textos impressos
não é suficiente, apesar de a grande maioria das pessoas que leem muito,
apresentar uma boa ortografia, existem casos em que, mesmo sendo bons leitores
os indivíduos apresentam sérias dificuldades ortográficas. Especialistas e estudiosos
do problema acreditam que esse fator está relacionado ao modo pelo qual o texto
94
escrito é tratado por esses leitores, uma vez que, por já terem um acesso,
demonstram-se automatizados ao significado das palavras e não observam os
detalhes internos de sua composição gráfica.
Desse modo, o autor aborda a importância da leitura de textos conhecidos
pelo aluno, pois essa prática possibilitará que ele olhe para “o interior das palavras”,
tomando o texto escrito não só como veículo de significados, mas como um objeto
de conhecimento em si.
b) O professor precisa promover situações de ensino-aprendizagem que
levem à explicitação dos conhecimentos infantis sobre a ortografia
Sabendo que o aluno não é um sujeito passivo diante de sua aprendizagem,
evidencia-se, nesse princípio, a necessidade de um ensino que o leve a refletir e
explicitar suas ideias sobre a escrita correta das palavras. “O bom ensino precisa
levar o aprendiz a elaborar, em nível consciente, seus conhecimentos ortográficos”.
(Morais, 2010, p.72) Para isso, cabe ao professor a tarefa de semear dúvidas na
sala de aula, aproveitando as perguntas que os estudantes fazem sobre a grafia de
algumas palavras para incitar novas reflexões, plantando dúvidas permanentemente
e ajudando-os a desenvolver uma capacidade de prever grafias incorretas quando
forem escrever.
Como estratégia para facilitar a tomada de consciência sobre as
regularidades e irregularidades de nossa norma, o autor propõe „situações de
transgressão intencional durante a leitura e a escrita‟. Essa tarefa consiste em levar
o aluno a pensar, falar ou escrever formas erradas para a escrita de uma palavra,
levando-o a assumir uma atitude de reflexão ortográfica e antecipando grafemas
alternativos que poderiam levar à dúvida ou ao erro.
c) O professor precisa definir metas ou expectativas para o rendimento
ortográfico de seus alunos ao longo da escolaridade
A escola precisa estabelecer metas para o ensino da ortografia. É necessário
planejar o que se espera conseguir na promoção dessa competência, a cada ano. E
para defini-las, Morais (2010, p.75) propõe algumas questões que devem ser
estabelecidas:
95
Quando começar a ensinar ortografia?
Que metas estabelecer para cada turma, para cada ano?
Como sequenciar o ensino da ortografia?
O referido autor oferece alguns encaminhamentos para cada uma dessas
dúvidas. Em primeiro lugar, esclarece que o ensino da ortografia deve ocorrer a
partir do momento em que as crianças já estão compreendendo o sistema de escrita
alfabética, embora a curiosidade sobre questões ortográficas deva sempre ser
estimulada e transformada em objeto de discussão e reflexão, mesmo na educação
infantil, caso os alunos atentem para a complexidade da escrita alfabética. Sobre as
metas a serem estabelecidas para cada turma, ele afirma que, num momento inicial,
o professor deve diagnosticar quais são as principais dificuldades de seus alunos,
para, a partir daí, definir objetivos a serem alcançados no seu rendimento
ortográfico. E quanto ao modo de sequenciar o ensino da ortografia, Morais (2010,
p.78) propõe que os conteúdos sejam organizados, conjugando dois critérios: “a
regularidade (ou irregularidade) das correspondências fonográficas e a frequência
do uso das palavras na língua escrita”. O professor deve trabalhar
concomitantemente tanto os casos em que há uma regra para assegurar a escrita
das palavras como àqueles em que é preciso memorizar a forma correta, investindo,
pouco a pouco, nas palavras importantes, ou seja, aquelas que aparecem com mais
frequência nos textos dos alunos.
5.2 Princípios relativos ao encaminhamento das situações de ensino
aprendizagem
a) A reflexão deve estar presente em todos os momentos da escrita
Durante diferentes momentos em que a criança esteja lendo, escrevendo ou
reescrevendo, a curiosidade sobre a ortografia pode aparecer e o professor deve
estar pronto para ajudá-la a refletir sobre o assunto, mesmo não sendo dentro das
situações específicas que ele planejou para focalizar essas regras.
b) Não controlar a escrita espontânea dos alunos
96
Por meio da escrita espontânea de textos, o aprendiz utiliza todas as palavras
que conhece para construir significados, não importando se essas palavras são
fáceis ou difíceis, frequentes ou raras. Além disso, as produções espontâneas são
adequadas para incitar a dúvida ortográfica e para estimular os alunos a usar o
dicionário e revisar seus textos escritos.
c) Não fazer da nomenclatura gramatical um requisito para a aprendizagem
de regras (contextuais e morfológico-gramaticais)
Ao discutir regras de compreensão metalinguística não devemos exigir que os
alunos saibam usar termos difíceis ou terminologias especializadas. As crianças
podem explicar esses “princípios gerativos” do seu modo, com o seu linguajar.
d) Promover sempre a discussão coletiva dos conhecimentos que as crianças
expressam
O debate entre os alunos, sobre os saberes gramaticais que estão adquirindo,
é uma estratégia indispensável para que eles reelaborem seus conhecimentos. Ao
verbalizarem o que já sabem sobre esse assunto, eles confrontam ideias, constatam
imprecisões nas regras elaboradas e avançam no domínio da norma.
e) Fazer o registro escrito das descobertas das crianças – regras, listas de
palavras, etc.
O aluno deve ser orientado a anotar, constantemente, o que for descobrindo
no trabalho com a ortografia, pois, segundo Morais (2010, p. 82) isso “facilitará a
retomada da reflexão e a reelaboração coletiva das conclusões que vão
formulando”. Ou seja, por meio dessa estratégia eles poderão observar, analisar e
reelaborar, se preciso, os conhecimentos que já foram construídos.
f) Ao definir metas, não podemos deixar de levar em conta a heterogeneidade
do rendimento dos alunos
97
Todas as turmas são heterogêneas, visto que cada aluno tem suas
características próprias, seu modo de pensar, de refletir sobre os conteúdos e de
aprender. Logo, o professor deve respeitar essa diversidade, sabendo que nem
todos os aprendizes terão o mesmo rendimento ortográfico após o ensino
sistemático e que, por isso, é necessária a criação de situações complementares de
estudo para ajudar àquele grupo pequeno de crianças que ainda tem dificuldade
quanto ao assunto que foi trabalhado.
98
6 SUGESTÕES DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL II
Para a construção das atividades que visam a auxiliar os alunos na produção
textual escrita, dentro da norma ortográfica da Língua Portuguesa, tomamos por
base os trabalhos desenvolvidos por Lemle (1995), Monteiro (2008) e Morais (2010).
Antes, porém, de realizar qualquer trabalho, acreditamos que o professor deva
conversar com os alunos sobre a escrita, o que essa atividade representa para eles,
quais as dificuldades que eles encontram na hora de escrever, o que mais gostam
nessa atividade etc. A partir disso, o professor terá mais subsídios para orientar sua
prática pedagógica. Vejamos, a seguir, as demais propostas para o trabalho, frente
aos desvios encontrados nos textos em estudo.
6.1 Quanto às dificuldades relacionadas à motivação fonética
Durante a análise dos dados dessa pesquisa vimos que muitos estudantes,
mesmo no final do Ensino Fundamental, ainda estão escrevendo de acordo com sua
fala, não refletindo sobre a língua escrita como sistema de representação. Para
ajudá-los a suprir essa dificuldade sugerimos algumas estratégias de ensino tais
como:
a) Estimular a reflexão sobre a relação entre oralidade e escrita
O professor deve promover uma discussão com os alunos sobre as principais
características da fala e da escrita. Em que elas se assemelham e quais diferenças
podem ser vistas entre ambas. Após essa primeira etapa ele pode levar para a sala
a gravação de um texto em linguagem coloquial, deixar que os alunos ouçam e, em
seguida, orientá-los a pensar de que forma poderiam transcrever a história, dentro
da norma padrão da língua portuguesa. Por meio dessa atividade, eles observarão
os aspectos que formam cada uma dessas modalidades, buscando encontrar maior
adequação linguística ao utilizá-las de acordo com cada contexto.
b) Reflexão sobre a língua escrita a partir do gênero „tirinhas do bode gaiato’
99
O trabalho consiste em oferecer essas „tirinhas‟ aos alunos e orientá-los a
encontrar nelas palavras que reflitam a fala dos personagens. Em seguida, sugerir
que eles reescrevam os textos, passando-os para o discurso indireto. O professor
pode ajudar os alunos a observarem que, nesse caso, eles deverão adequar seus
textos à norma padrão. Por meio dessa atividade, é possível promover uma reflexão
sobre variedades linguísticas e norma ortográfica. Ao final da mesma, pode-se
sugerir que os alunos anotem em seus cadernos ou em um cartaz alguns
conhecimentos que aprenderam a partir do estudo realizado.
Ainda como intervenção para os desvios dessa categoria, Monteiro (2008)
nos oferece duas propostas interessantes, quais sejam: pedir aos alunos que
escrevam um texto a partir da fala dos colegas e incentivá-los a corrigirem os
desvios presentes em seus próprios textos. No primeiro caso, as crianças, em
duplas, escutam os colegas falando sobre um determinado assunto e tentam
reproduzir, na escrita, o que ouviram. Monteiro (2008) observou, ao desenvolver
esse trabalho em uma turma, que os alunos procuraram repetir rigorosamente a fala
dos colegas, inclusive a entonação. Segundo ele, essas atividades ajudam os
aprendizes a perceberem as diferenças entre língua oral e língua escrita, levando-os
a observar, tanto a segmentação da escrita, quanto a relação entre fonemas e
grafemas. A segunda proposta que a autora apresenta consiste na distribuição de
trechos de textos trabalhados anteriormente, que contenham alguns desvios
foneticamente motivados, para que os alunos possam encontrá-los e fazerem as
possíveis adequações. Essas atividades levam os aprendizes a desenvolverem sua
capacidade de reler os textos produzidos, encontrando inadequações ortográficas.
Ela destaca que em cada trecho deve ser focalizado, por vez, apenas um tipo de
desvio para induzir a atenção da criança a apenas um aspecto da escrita.
6.2 Quanto às dificuldades devido à motivação fonológica
A respeito dos desvios relacionados a essa categoria, sugerimos atividades
nas quais o aluno possa desenvolver sua capacidade de ouvir e ter consciência das
diferenças relevantes entre os sons da fala, melhorando sua percepção auditiva.
Para a formação dessa competência, Lemle (1995, p. 14) propõe como atividade a
criação de listas de palavras que começam com o mesmo som, de palavras que
100
rimam e de canções que apresentam repetições de sílabas. Já Monteiro (2008),
desenvolveu algumas estratégias de ensino visando a levar seus alunos a
analisarem os fonemas de uma palavra e a pensarem sobre a estrutura das sílabas.
Essa autora sugere que sejam colocados cartazes com pares mínimos de fonemas
para que as crianças possam comparar e perceber as diferenças de sentido que
ocorrem quando substituímos um pelo outro, por exemplo, quando trocamos o „f‟ por
„v‟ (faca/vaca) ou o „p‟ por „b‟ (pomba/bomba). Além disso, ela desenvolve um
trabalho, baseado no livro “Não confunda” de Eva Furnari (2002), no qual as
crianças são orientadas a escolherem um par mínimo de fonemas para representar
duas palavras diferentes. Uma criança, por exemplo, escolheu o par /t/ -/d/ e criou a
frase: “Não confunda: tente com dente”, representando por meio de desenhos o
conceito de cada uma dessas palavras.
Morais (2010) também apresenta atividades interessantes para os casos que
envolvem correspondências regulares diretas. Segundo esse autor, o professor
pode, por exemplo, distribuir cartelas com palavras que contenham os sons
“causadores de confusão” („t‟ e „d', por exemplo) e, sem dar maiores dicas, pedir que
os alunos separem as palavras em duas colunas, agrupando aquelas que têm os
sons parecidos. No início, os alunos receberão essas palavras em cartelas (onde
estarão misturadas), mas, em outros momentos, eles deverão pesquisá-las em
revistas, jornais ou livrinhos. Após a separação, eles deverão ler o que colocaram
em cada coluna e discutir se há alguma palavra fora do lugar. Em seguida, o
professor irá orientá-los a produzirem outras palavras que possam ficar nas colunas
construídas. O autor ainda apresenta variações para essa tarefa, como utilizar
figuras, cujos nomes contenham um dos dois grafemas trocados pelos alunos, e
cartelas com o nome das mesmas. Os estudantes deverão separar as figuras que
têm sons parecidos e, em seguida, encontrar cartelas com o nome de cada uma
delas. Para finalizar esse trabalho, o professor ainda pode pedir que eles escrevam
algo (como uma frase) sobre cada palavra classificada.
Ainda sobre estratégias para esses desvios, Toledo (2010) sugere que o
professor trabalhe a análise fonológica de trava-línguas, com seus alunos. A autora
apresenta trava-línguas, contendo vários padrões silábicos que podem levar os
alunos a refletir sobre a escrita. Como, por exemplo:
101
a) Ataque, núcleo e coda (consoante-vogal-consoante)
“Larga a tia, lagartixa!
Lagartixa, larga a tia!”
b) Ataque complexo e núcleo (consoante – consoante – vogal)
“Três pratos de trigo para três tigres tristes”
“O brinco da Bruna brilha”.
“O Padre Pedro tem um prato de prata”.
“Pedro pregou um prego na pedra”
“Três traças traçadas traçaram três trajes sem trégua”
“É preto o prato do pato preto”
“Bagre branco, branco bagre”.
c) Sons consonantais:
/t/ e /d/
“O Tatá tá?
Não, o Tatá não tá
Mas o tio do Tatá tá
E quando o Tata não tá
E o tio do Tatá tá
É o mesmo que o Tatá tá”.
“Alô, o tatu tá aí?
Não, o tatu não tá,
Mas a mulher do tatu tando
É o mesmo que o tatu tá”!
O tempo
“ O tempo perguntou pra o tempo
Qual é o tempo que o tempo tem.
O tempo respondeu pra o tempo
Que não tem tempo
Pra dizer pra o tempo
102
Que o tempo do tempo
É o tempo que o tempo tem.
O doce
O doce perguntou pra o doce
Qual é o doce mais doce
que o doce de batata doce
o doce respondeu pra o doce
que o doce mais doce
que o doce de batata doce
é o doce do doce de batata doce.
// e ///:
“ O caju do Juca
É a jaca do Cajá
Já a jaca da Juju
É o caju do Cacá
O caju do Juca,
A jaca da Cajá
A jaca da Juju
E o caju do Cacá.
Lá em cima daquele morro chato,
Tem uma moça chata,
Com um tacho chato na cabeça.
Moça chata,
Esse tacho chato é seu?
Tacho sujo, chuchu chocho.
A chave do chefe Chaves está no chaveiro
O Juca ajuda: encaixa a caixa, agacha, engraxa.
6.3 Quanto aos desvios por não considerar as regras contextuais
As atividades referentes a essa categoria devem levar o aluno a refletir sobre
as várias relações que podem ser estabelecidas entre letras e sons. Morais (2008)
103
propõe algumas sequências de atividades por meio das quais o professor possa
levar o aluno a contrastar palavras que contenham letras ou dígrafos que possam
ser confundidos. O trabalho realizado pelos alunos consiste basicamente em
classificar, organizar em conjuntos e escrever palavras que contém o mesmo
“princípio gerativo”. Outro ponto importante que o autor destaca é oportunizar o
debate entre os alunos sobre o que eles vão descobrindo e o registro, por escrito,
dessas descobertas. Vejamos abaixo, como se organizam as principais atividades
que Morais (2010) desenvolveu para o trabalho com as correspondências regulares
contextuais ortográficas:
a) Classificação de palavras reais
A partir de um texto conhecido, o professor promove, com os alunos, uma
reflexão sobre determinada regularidade contextual e, em seguida, pede que eles
organizem, em conjuntos, palavras que apresentem a dificuldade ortográfica em foco
e que são distribuídas em fichas no início da atividade. Morais (2010) cita o exemplo
de um trabalho realizado para discutir o emprego do „r‟ e „rr‟. Vejamos: Após a leitura
da fábula, “A cigarra e a formiga”, as crianças que estavam sendo acompanhadas
receberam fichas com palavras nas quais o „r‟ e o „rr‟ apareciam em diferentes
contextos. Em seguida, elas foram orientadas a procurar, em revistas, outras
palavras que pudessem ficar nas colunas correspondentes a cada ficha. Para
Morais (2010), essa tarefa é importante pois leva o aluno a “ sistematizar
mentalmente os distintos conceitos ortográficos, atentando para os valores sonoros
que a letra (ou dígrafo) assume em cada contexto” (p. 102). O autor ainda apresenta
outras variações pra essa atividade, tais como, oferecer cartões ou escrever no
quadro negro várias palavras para que os aprendizes as leiam e as organizem em
conjuntos ao transferirem para seus cadernos, além de um caça-palavras (contendo
a dificuldade ortográfica enfocada) por meio do qual, após o jogo convencional, os
alunos podem separar as palavras encontradas em conjuntos.
b) Classificação de palavras inventadas
Morais (2010, p. 103) justifica a importância da utilização de palavras
inventadas no trabalho com as dificuldades regulares contextuais por elas ajudarem
104
ao aprendiz a focalizar sua atenção sobre os aspectos ortográficos na escrita.
“Como ele nunca viu a palavra antes, não vai poder recorrer à memória nem ao
significado para decidir como escrevê-la.”
Essa atividade é semelhante a anterior, pois nela os aprendizes deverão
buscar critérios para classificar e organizar em conjuntos as palavras (agora
inventadas) que apresentam as mesmas regras contextuais. Em seguida, deverão
discutir regras a serem registradas a partir dos conhecimentos obtidos por meio
dessa atividade.
c) Produção de palavras reais
Nessas atividades, os alunos recebem o desafio de escrever palavras reais
com a dificuldade ortográfica regular que está sendo trabalhada. Para tanto, são
apresentadas as seguintes alternativas:
recordar e anotar livremente palavras que contenham as
correspondências letra-som nos contextos “classificados” ;
responder a cruzadinhas em que as palavras a serem descobertas
contêm a correspondência regular enfocada;
formar palavras a partir de um conjunto de sílabas (ou sufixos)
oferecidas em cartelas (algumas das cartelas contêm as
combinações enfocadas, e as crianças devem encontrar
combinações que produzam palavras de fato existentes).
(MORAIS, 2010, p. 106)
A diferença dessa atividade para as outras é que, nela, o próprio aprendiz
deverá escrever as palavras, em vez de recebê-las ou pesquisá-las em revistas,
jornais, etc. Em um exemplo fornecido pelo autor, ao trabalhar o emprego do „c‟ ou
do „qu‟ foi solicitado aos alunos que escrevessem todas as palavras iniciadas por
„que‟, „qui‟ ou „ca‟, „co‟, „cu‟ que eles pudessem lembrar. Em seguida, eles iam ao
quadro registrar, nas colunas adequadas, as palavras lembradas, e, juntos,
elaboravam regras para o de uma ou de outra letra.
d) Produção de palavras inventadas
Essa tarefa exige um esforço maior por parte do educando, pois ele terá que
se concentrar nas correspondências entre grafemas-fonemas, combinando letras e
sílabas permitidas na Língua Portuguesa para formar novas palavras, sem poder-se
reportar, por meio da memória e dos significados, à palavras conhecidas por ele. Ao
105
propor esse tipo de atividade aos alunos, o professor deve trabalhar algumas
palavras coletivamente antes de pedir que eles façam essa produção.
Quanto ao modo de desenvolver essa tarefa o autor apresenta várias
estratégias: entregar aos alunos cartões com sílabas (ou sufixos) para eles
produzirem combinações; lançar mãos de gravuras “malucas” (carro, árvore com
pés, carneiro com listras de zebras, etc.); e pedir aos alunos para inventarem nomes
usando a correspondência regular em foco; atividades mais livres, como inventar
palavras com a regularidade estudada e criar definições para elas.
Acreditamos que todas essas atividades podem ser feitas com os
adolescentes também. No entanto, partindo de textos e de palavras mais adequadas
a faixa etária deles.
6.4 Quanto aos desvios devido às correspondências irregulares
Como estratégia de ensino para sanar as dificuldades, frente às
correspondências irregulares, Morais (2010) sugere a priorização das palavras de
uso frequente na escrita. Segundo ele, o professor deve definir, com os alunos, listas
de palavras que não poderão mais apresentar esses desvios ortográficos. Dessa
forma, pouco a pouco as irregularidades da língua vão sendo internalizadas.
O autor esclarece que as listas de palavras podem ser definidas por
diferentes critérios: palavras que apresentam determinada dificuldade ortográfica
(por exemplo o h inicial), palavras usadas nas tarefas do dia a dia escolar (por
exemplo, exercício, resumo, adição, subtração, lição, multiplicação) e palavras
irregulares ligadas a uma área de conhecimento ou tema que eles estejam
estudando (por exemplo, civilização, humanidade, religião, habitação, etc).
Ainda, segundo Morais (2010, p. 117), sendo a memória visual de
fundamental importância para a internalização dos casos que envolvem
irregularidades, as listas de palavras devem ficar sempre disponíveis para consulta
dos alunos, no caderno deles ou em cartazes (nas paredes da sala).
Outras atividades apresentadas por Morais para trabalhar a reflexão sobre a
ortografia em sala de aula:
106
a) Ditado interativo
Trata-se de um novo tipo de ditado, diferente do tradicional, no qual busca-se
ensinar ortografia proporcionando uma reflexão sobre o que se está escrevendo.
Desenvolve-se da seguinte maneira: O professor dita para a turma um texto já
conhecido por todos e, por meio de pausas, convida os alunos a discutirem sobre
algumas questões ortográficas selecionadas previamente. Ele pode indagar ao aluno
se uma determinada palavra é difícil ou não de ser escrita e como ela poderia
constituir uma fonte de dificuldade.
Segundo Morais (2010) a opção por um texto já conhecido dos alunos tem
uma explicação:
Se o texto já foi lido e discutido, o grupo já estabeleceu com ele uma
interação apropriada, tomando-o como unidade de sentido. Isso
permite que o ditado interativo não repita a velha tradição de usar um
mero pretexto para a condução de exercícios de análise linguística.
Por outro lado o fato das crianças terem lido o texto previamente, já
terem lido os significados que elaboraram em torno dele, propicia,
que no ditado, voltem sua atenção para as palavras que o professor
focaliza ou que elas mesmas escolhem como tema de discussão.
(p.86)
Em outros momentos o professor poderá ser menos diretivo, deixando que os
alunos expressem, sozinhos, que sílabas das palavras consideram mais difíceis de
escrever durante o ditado.
b) Releitura com focalização
Essa atividade consiste em promover a releitura coletiva de um texto já
conhecido pela turma, fazendo pausas para debater a grafia de palavras que
apresentem dificuldades ortográficas. Segundo Morais (2010, p. 87), o que
interessa, nessa atividade, é a possibilidade de adquirir informações sobre a
ortografia, por voltar-se a atenção para o interior das palavras. O professor também
pode estimular os alunos a elaborar nessa tarefa transgressões e debatê-las.
c) Reescrita com transgressão ou focalização
107
Essa atividade propõe uma transgressão na escrita, como forma de reflexão
sobre as possibilidades de erros e acertos da nossa ortografia. Morais (2010)
acredita que trabalhar com “erros de propósito” pode ser construtivo para os
aprendizes, pois eles poderão colocar em prática seus próprios conhecimentos
sobre à norma. O autor cita um exemplo em que desenvolveu situações de reflexão
ortográfica por meio de revistinhas do Chico Bento: uma “tirinha” desse personagem
foi oferecida as crianças para que elas encontrassem “erros” de grafia na história.
Em seguida, houve uma discussão sobre os diferentes modos de falar, de pessoas
que pertencem a grupos sociais distintos ou moram em regiões diferentes.
Terminada essa reflexão, foi orientada uma atividade de reescrita com correção na
qual os alunos puderam expressar seus pensamentos e opiniões sobre o que
haviam aprendido por meio dessa atividade.
d) Situações de ensino aprendizagem: usando o dicionário e revisando as
produções infantis
O dicionário é um instrumento essencial para ajudar no desenvolvimento da
língua escrita, mas, infelizmente vivemos em um país onde as pessoas não têm a
prática de consultá-lo no seu dia a dia. Além disso, há um preconceito com relação
ao uso desse recurso. Muitos o chamam de “pai dos burros”, sem considerar que, na
realidade, para utilizá-lo, o leitor precisa possuir diversos conhecimentos e
habilidades como: saber que as palavras estão organizadas em uma sequência de
letras, que, ao consultar a ortografia de uma palavra, o significado é um critério
fundamental para comprovar se aquela palavra era, realmente, a que se queria
escrever, e saber ainda que várias palavras (os verbos) não aparecem listadas no
dicionário, pois, estão listadas em suas formas não flexionadas.
É necessário que os dicionários estejam presentes nas salas de aula, desde a
educação infantil, para que os alunos possam desenvolver uma atitude de
curiosidade sobre a escrita e o significado das palavras.
Algumas estratégias estão sendo desenvolvidas por professores para
estimular seus alunos a usarem o dicionário: listar em ordem alfabética palavras que
dizem respeito a um mesmo campo semântico que estão estudando em um projeto
108
ou numa unidade do currículo, fazer agendas, nessa mesma ordem, com telefones e
endereços dos colegas , criar jogos de sequenciação de palavras etc.
e) Revisão e reescrita dos textos
Uma das tarefas mais importantes a ser desenvolvida para garantir um bom
desempenho na produção textual é a reescrita, essa atividade faz parte da
abordagem que considera o caráter processual da escrita. No entanto, parece haver,
aí, um grande problema: os alunos apresentam uma forte resistência quando são
orientados a revisar e reescrever seus textos. Assim sendo, é necessário que o
professor possa elaborar estratégias para auxiliar os alunos nessa tarefa.
Para Morais (2010), é importante que a escola trate de temas como revisão e
reescrita, dentro de uma perspectiva comunicativa, levando os alunos a entenderem
a necessidade de voltar ao texto para observar se a forma pela qual eles
expressaram as ideias, está conseguindo comunicar aquilo que se pretende.
Ao reelaborar um texto, o escritor não deve atentar apenas para questões
ortográficas. Elementos como coerência, coesão, pontuação, entre outros, devem
ser revistos na busca pela eficácia comunicativa, tendo sempre em vista a
adequação ao leitor, a quem o texto será destinado. No entanto, a utilização da
norma é mais uma ferramenta necessária na busca do ideal linguístico. Morais
(2010) apresenta algumas estratégias para ajudar seus alunos a corrigir os desvios
ortográficos. Segundo ele, é pouco útil fazer correções na ausência dos estudantes.
O ideal é aproveitar o momento em que eles estão compondo seus textos: o
professor deve circular pela sala e, ao observar desvios dessa natureza, ele pode
levantar questões para ajudar o aluno a refletir e encontrar a forma aceita pela
norma. E, quando o aluno não estiver presente, o mestre deverá apenas assinalar,
nos textos, os pontos que apresentam desvios e deixar ao autor do texto a tarefa de
corrigi-los, utilizando gramáticas, dicionários, livro didático etc.
109
CONCLUSÃO
Esse trabalho mostra que a língua portuguesa é bastante complexa e por isso
requer diferentes olhares para o seu trabalho. A partir deste estudo, buscou-se
colaborar com as discussões sobre o processo de aquisição do sistema de escrita
por alunos que apresentam maior dificuldade de escolarização, especificamente,
aqueles que já estão nas séries finais do ensino fundamental, contribuindo, assim,
na elaboração de novas metodologias frente ao trabalho escolar com a ortografia.
Sabe-se que o trabalho com a produção de texto, na escola, vem passando
por importantes transformações nas últimas décadas. O ensino da escrita enquanto
produto deu lugar a um ensino que considera o caráter processual dessa
modalidade. Diante desse novo contexto, a ortografia configura-se apenas como um
dos aspectos envolvidos no processo de aprendizagem da escrita. No entanto, visto
a importância desta norma para o desenvolvimento da competência linguística dos
alunos, escolheu-se abordá-la na presente dissertação.
Assim, observou-se nos textos analisados uma quantidade considerável de
desvios de escrita relacionados tanto a aspectos fonéticos e fonológicos, quanto a
aspectos ortográficos e gramaticais da Língua Portuguesa, apontando para a
importância de uma intervenção escolar frente a cada uma dessas dificuldades.
Nesse sentido, as propostas apresentadas, aqui, visam a um trabalho constante de
reflexão sobre o uso da língua escrita, levando o aprendiz a interagir com esse
objeto de conhecimento para construir sua própria aprendizagem.
Acredita-se, porém, na importância do professor como mediador desse
processo. É dele o papel de realizar o diagnóstico da escrita ortográfica de seus
alunos para compreender em que etapa de aquisição dessa modalidade da língua
eles estão e, a partir disso, elaborar estratégias para ajudá-los a avançar no domínio
dessa capacidade. O conhecimento das diferenças entre os tipos de desvios
encontrados nas produções textuais é de fundamental importância para que o
docente possa elaborar as estratégias de intervenção, levando o aluno a conhecer
as relações que a escrita possui com a fonética e com a fonologia, a analisar os
contextos de uso e a reconhecer regras para o emprego de determinadas letras.
Acreditamos que por meio de um ensino aberto ao diálogo, o professor possa ajudar
110
os alunos a se aproximarem da escrita, levando-os a pensar sobre a ela, a examiná-
la e construírem regras sobre o uso da mesma.
É necessário que o docente considere os diferentes níveis de domínio da
escrita ortográfica presente em uma sala de aula, pois é natural que, em turmas
heterogêneas, ocorram também diferentes níveis de aprendizagem. Além disso,
como nos mostra Morais (2010), o professor nunca deve usar o número de erros
encontrados em um texto como parâmetro de avaliação e sim atentar para o avanço
dos alunos diante de cada dificuldade trabalhada durante as aulas de Português.
Outro fator importante é que a escola deve abraçar e respeitar todas as
variedades linguísticas, trazidas por cada educando, já que elas são reflexos da
diversidade de povos e dialetos existentes em nosso país. Além disso, deve-se
trabalhar em sala de aula as diferenças entre fala e escrita, assegurando ao aluno
maior segurança ao lidar com cada uma dessas modalidades.
Os desvios de escrita analisados foram encontrados nos textos de mais de
um terço dos alunos da turma e apontam para diferentes percursos no processo de
aquisição da escrita, mostrando a presença de dificuldades individuais. Podemos
dizer que essas alterações são de diferentes naturezas, e existem casos de alunos
que apresentam desvios que os outros não apresentam. Escolhemos trabalhar com
uma amostra pequena de informantes para darmos mais atenção às ocorrências
atestadas, de modo que pudéssemos trazer resultados mais precisos.
Consideramos que as atividades para alunos, que já estão numa série mais
avançada do ensino fundamental e ainda apresentam uma grande quantidade de
desvios em seus textos, devam ser as mesmas utilizadas para os alunos das
primeiras séries que enfrentam as mesmas dificuldades. No entanto, essas
atividades devem ser adaptadas a gêneros adequados a cada faixa etária.
Ainda cabe ressaltar que, para esse tipo de pesquisa, a coleta de produções
orais dos mesmos colaboradores seria uma estratégia bastante interessante, pois
permitiria ao professor observar se certos processos presentes no texto escrito,
refletem aspectos ainda problemáticos na fala dos alunos. Essa ideia e a aplicação
das estratégias de intervenção, aqui apresentadas, para o trabalho frente aos
desvios ortográficos ficam como sugestões para futuras pesquisas.
111
Por fim, acreditamos que o trabalho tenha cumprido o objetivo de refletir sobre
o ensino da língua escrita no Ensino Fundamental II, buscando apresentar
metodologias que respeitem o aluno enquanto um ser ativo, um sujeito que aprende
a partir de suas ações sobre os objetos do mundo, e que constrói sua própria
aprendizagem.
112
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ANEXOS
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