UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DIANA MARIA LEITE LOPES SALDANHA O ENSINO DE LITERATURA NO CURSO DE PEDAGOGIA: UM LUGAR NECESSÁRIO ENTRE O INSTITUCIONAL, O ACADÊMICO E O FORMATIVO NATAL 2018 DIANA MARIA LEITE LOPES SALDANHA O ENSINO DE LITERATURA NO CURSO DE PEDAGOGIA: UM LUGAR NECESSÁRIO ENTRE O INSTITUCIONAL, O ACADÊMICO E O FORMATIVO Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para a obtenção do título de Doutora em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Marly Amarilha. NATAL 2018 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE Saldanha,Diana Maria Leite Lopes. O ensino de literatura no curso de pedagogia: um lugar necessário entre o institucional, o acadêmico e o formativo / Diana Maria Leite Lopes Saldanha. - Natal,2018. 245f.:il. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação. Natal, RN, 2018. Orientadora: Drª Marly Amarilha. 1. Ensino de Literatura - tese. 2. Formação humana - tese. 3. Formação do Pedagogo - tese. I. Amarilha, Marly. II. Título. RN/UF/BSE-CE CDU 37.015 Elaborado por TIAGO LINCKA DE SOUSA - CRB-15/498 DIANA MARIA LEITE LOPES SALDANHA O ENSINO DE LITERATURA NO CURSO DE PEDAGOGIA: UM LUGAR NECESSÁRIO ENTRE O INSTITUCIONAL, O ACADÊMICO E O FORMATIVO Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para a obtenção do título de Doutora em Educação. APROVADA EM: __/__/__ _____________________________________ Profa. Dra. Marly Amarilha (UFRN) Orientadora _____________________________________ Profa. Dra. Elisa Maria Dalla-Bona (UFPR) Examinadora externa _____________________________________ Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves (UFCG) Examinador externo ____________________________ Profa. Dra. Alessandra Cardozo de Freitas (UFRN) Examinadora interna _____________________________________ Profa. Dra. Marta Aparecida Garcia Gonçalves (UFRN) Examinadora interna _____________________________________ Profa. Dra. Maria Amélia Dalvi (UFES) Suplente externa _____________________________________ Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira (UFRN) Suplente interno Esta tese é dedicada a Evandro Saldanha, meu esposo, companheiro de todas as horas; aos meus filhos, Filipe Victor eDébora Sofia, maiores bênçãos de minha vida; aos meus pais, José Evangelista (Di) e Maria Lopes; e aos meus irmãos, Gilmar Lopes e Eugênio Lopes. Ofereço esta pesquisa aos pedagogos e professores de crianças, jovens e adultos. AGRADECIMENTOS Até aqui nos ajudou o Senhor! (1 Samuel 7-12) Foi um percurso longo. Surgiram várias pedras no caminho e algumas vezes elas se juntaram e formaram muralhas, mas, cuidadosamente, retirei cada uma, sem pressa e sem desanimar, porque sempre acreditei que conseguiria seguir minha caminhada. Fui agraciada com o apoio e a companhia de outros, que contribuíram bastante para que eu concluísse esse percurso. Agradeço a vocês. Ao Deus da minha vida, por sua fidelidade e suas bênçãos. A Ele, o mérito desta tese! Ao meu esposo,Evandro, pelo companheirismo, pelo apoio incondicional, pela cumplicidade, pelo amor que me dedica e por compartilhar de meu sonho, sempre me ajudando e dividindo comigo a tarefa de cuidar e educar nossos filhos, possibilitando a realização desse sonho profissional. Aos meus filhos,Filipe Victor e Débora Sofia, pois nenhuma ausência diminuiu o amor entre nós, amor que me fortaleceu durante a caminhada. Aos meus pais,José Evangelista (Di) e Maria,pelo apoio e pela força que me deram todos os dias. Aos meus irmãos,Gilmar e Eugênio, pela partilha, pela coragem e pela força que nos une e nos faz acreditar e buscar a vitória. À minha tia Luiza, por cuidar de nossa casa. Às tias Margarida e Toinha, em nome das quais agradeço aos demais familiares por compartilharem desse momento. Ao meu sogro, Sula, e à minha sogra, Maria das Graças, pelo apoio nas minhas ausências. À professora orientadora Marly Amarilha, pelo zelo, compromisso, riscos, rabiscos, carinho, respeito e confiança durante todo o percurso, bem como pelos valiosos ensinamentos e por ser uma referência de educadora e pesquisadora. À professora Alessandra Cardozo, pelos conhecimentos compartilhados, pela competência e seriedade nos trabalhos desenvolvidos, pelo carinho e pela amizade. Aos companheiros do Grupo de Pesquisa Ensino e Linguagem, Sayonara, Ana Raquel, Beatriz, Daliane, Dayane, Danúbia, Daniela, Deuza, Diva, Emanuela, Estrela, Francimara, Francineide, Franciele, Gildene, Isaura, Jadiliana, Juliana, Lívia, Manoilly, Mayara, Nathália, Rayonnara, Vanessa, Wagner, Kívia,pelos conhecimentos compartilhados. À professora Araceli Benevides, minha orientadora de mestrado, pelo incentivo e apoio para continuar a caminhada em busca do doutorado. Aos companheiros do Departamento de Educação do Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia/CAMEAM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN, pelo apoio e incentivo de sempre. A Lúcia Sampaio, minha companheira de trabalho e amiga, por todas as contribuições na minha caminhada acadêmica, pelo incentivo e pela disponibilidade de sempre. A Francicleide Cesário, amiga e profissional que não mediu esforços para me ajudar nas horas mais difíceis. À minha amiga GilvaDemartelaere, pela participação valorosa na minha vida, dividindo comigo, mesmo distante, as angústias, o medo e as alegrias, assim como pelas palavras de apoio e incentivo e pelo cuidado que tem comigo. Aos professores examinadores, Dra. Elisa Maria Dalla-Bona, Dr. José Hélder Pinheiro Alves (UFCG), Dra. Alessandra Cardozo de Freitas (UFRN), Marta Aparecida Garcia Gonçalves (UFRN),e suplentes Dra. Maria Amélia Dalvi (UFES) e Adir Luiz Ferreira (UFRN), pelas contribuições significativas ao nosso trabalho. Aos professores, chefes de departamentos e secretários das universidades pesquisadas, pela relevante colaboração na construção dos dados deste trabalho. À equipe “Revisa Textos”, pelo trabalho de revisão técnica, e às tradutoras Noemi Gamboa (resumen) e Monica Gallotti (abstract). Ao Programa Biblioteca Ambulante e Literatura nas Escolas (BALE), pela experiência ímpar que me conduziu a esta pesquisa. Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq), pela bolsa concedida durante a realização do doutorado em Educação. À família IEAD, pela força, pelas orações e por compartilhar comigo o verdadeiro amor de Jesus Cristo. A todos os familiares, amigos e colaboradores que contribuíram para que eu concluísse a caminhada e cruzasse a linha de chegada. Muito obrigada! [...] O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor! A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho, você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens. E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos. Manoel de Barros RESUMO Este estudo investiga o ensino de literatura nos cursos de licenciatura em Pedagogia das universidades federais do Brasil. Toma-se como pressuposto que a literatura é fundamental para a formação humana e, portanto, deve fazer parte do currículo dos futuros professores de educação. A literatura é uma criação indispensável para a sociedade, considerando sua essencialidade no tratamento das características humanas e das diversas relações entre o homem e a linguagem, seus contextos social, político e cultural. A literatura é a manifestação universal de todos os homens sobre sua trajetória em todos os tempos, por meio da linguagem ficcional. Possibilita entender o presente, bem como registra sua transcendência imaginária. Dada sua natureza integralizadora das diferentes facetas do ser humano, no caso do curso de Pedagogia, a Literatura Infantil é crucial para o desenvolvimento das crianças, vindo daí a necessidade de sua presença na escola e, portanto, de docente qualificado para introduzi-la de maneira significativa nesse universo. O estudo alinha-se à abordagem de investigação qualitativa descritiva. Para compor o corpus da pesquisa, fez-se um levantamento das disciplinas de literatura em suas diferentes nomenclaturas (Literatura Infantil; Teoria e Prática de Literatura; Literatura e Infância; Literatura e Ensino da Língua Portuguesa; Alfabetização e Letramento; Educação Infantil, Linguagem, Leitura e Produção de Textos) ofertadas no curso de Pedagogia presencial, tomando os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) de Pedagogia, os Ementários, as Estruturas Curriculares, os Planos de Ensino das disciplinas de 27 (vinte e sete) universidades federais, uma para cada estado da federação. Como procedimentos metodológicos foram adotadas a revisão bibliográfica, a análise documental, a análise de conteúdo e as entrevistas não padronizadas via e-mail com professores das Instituições de Ensino Superior (IES). A análise indica que a presença da literatura na formação dos pedagogos é ainda incipiente e vulnerável aos meandros da estrutura curricular. De um corpus de 27 cursos, apenas 11 apresentam a disciplina de Literatura. É notória a preocupação de professores e coordenadores em inserir a literatura na formação inicial formal do pedagogo, dada a oferta dessa disciplina em caráter optativo em algumas universidades, o que revela uma demanda existente. Esse resultado indica que é preciso destacar a importância da literatura na formação docente em Pedagogia, visto que é esse graduado o responsável por introduzir as crianças no conhecimento sistemático da linguagem e favorecer os primeiros contatos significativos com a cultura letrada e humanística. É imprescindível introduzir a área de literatura no currículo de Pedagogia como forma de propiciar ao docente, em formação inicial formal, uma vivência teórica e prática sobre seu ensino, cujo intuito seja de contribuir para a sua atuação como futuro mediador de leitura. Acredita-se que um professor que conhece a relevância da literatura para a formação humana e degusta o texto literário estará mais preparado para formar leitores de literatura, sobretudo aqueles que estão fazendo o rito de passagem para a cultura letrada. Palavras-chave: Ensino de Literatura. Formação humana. Formação do Pedagogo. ABSTRACT This study aims to examine the teaching of Literature in undergraduate courses the area of Education inBrazilian Federal Universities. It is assumed that literature is fundamental to human formation and therefore should be part of the curriculum of future teachers in this area.Literature is an indispensable creation for society. This is due to its essence in dealing with human characteristics as well as its presence in the various relations between man and language, their social, political and cultural contexts.Literature is the universal manifestation for humans regarding their trajectory through time; achieved through the use offictional language. It enables us to understand our present as well as to register its imaginary transcendence. Since literature´s integrative nature it is present in the varioushuman facets. It also has become crucial for child development. Thus, in order for the discipline to meaningfully introduced in this context, there is the need for its presence in schools and the need for qualified teachers. The study relates to a descriptive qualitative research approach. In order to form the research corpus, a survey was done considering: the literature disciplines offered in the Education courses and their pedagogic-political projects. Thus, documents such as syllabus, teaching plans regarding subjects such as Literature and Portuguese and all Literacy related disciplines, Child education, Language and text production in 27 Brazilian Federal universities, one in each state of the federation. The methodological procedures adopted consisted of bibliographical revision, documental and content analysis as well as non-standard interviews via e-mail, with teachers from Higher Education Institutions.The analysis indicates that the presence of the literature discipline in teacher formation is still incipient and vulnerable regarding curricular structure. Only 11 from 27 courses had the discipline in its curricular structure. On the other hand, educators and coordinators demonstrated concern and manifested interest to add the literature discipline in the formal education of future educators; given the offer of this discipline in an optional in some higher education institutions, posing existing demand. The results also indicate that it is necessary to emphasize the importance of literature in teaching formation in Education. Theeducation graduateis responsible for introducing children into the systematic knowledge of language and favoring the first meaningful contacts with literate and humanistic culture.It is essential to introduce the presence of literature as a way to provide the teacher, in formal initial formation, a theoretical and practical experience regarding their teaching practices. These practices aim to contribute to their future role as a reading mediator. It is believed that a teacher who perceives the relevance of literature in human formation and deals with literary texts will, in the long run will be better prepared to train readers, especially those who are transitioning into literate culture. Key-Words: Teaching Literature Teaching. Humanformation. EducatorFormation. RESUMEN Este estudio investiga la enseñanza de literatura en los cursos de licenciatura de Pedagogía de las universidades federales de Brasil. Tomamos como presupuesto que la literatura es fundamental para la formación humana y, por lo tanto, debe formar parte del currículo de los futuros profesores de la educación.La literatura es una creación indispensable para la sociedad, considerando su esencialidad en el tratamiento de las características humanas y de las diversas relaciones entre el hombre y el lenguaje, sus contextos social, político y cultural.La literatura es manifestación universal de todos los hombres sobre su trayectoria en todos los tiempos por medio del lenguaje ficcional. Posibilita entender nuestro presente, así como registra su trascendencia imaginaria.Dada su naturaleza integradora, de las diferentes fases del ser humano, la literatura es crucial para el desarrollo de los niños, de donde la necesidad de su presencia en la escuela, y por lo tanto de docente cualificado para introducirlas de manera significativa a este universo.El estudio se alinea al enfoque de la investigación cualitativa descriptiva. Para componer el corpus de la investigación llevamos a cabo un sondeo de las disciplinas de literatura que se ofrecen en el Curso Presencial de Pedagogía tomando como referencia los Proyectos Pedagógicos de los Cursos (PPC) de Pedagogía, los Programas, las Estructuras Curriculares, los Planos de Enseñanza de las disciplinas de Literatura y Enseñanza de la Lengua Portuguesa, y los sílabos de las disciplinas de Alfabetización y Letramento, Educación Infantil, Lenguaje, Lectura y Producción de Textos de 27 (veintisiete) universidades federales, una para cada estado de la federación.Como procedimientos metodológicos fueron adoptados la revisión bibliográfica, el análisis documental, el análisis de contenido y entrevistas no estandarizadas vía e-mail, con profesores de las Instituciones de Enseñanza Superior - IES. El análisis indica que la presencia de la literatura en la formación de los pedagogos es todavía incipiente, vulnerable a las sinuosidades de la estructura curricular.De un corpus de 27 cursos, apenas 11 presentan la disciplina de literatura. Es notoria la preocupación de profesores y coordinadores en instituir la literatura en la formación inicial formal del pedagogo, dada la oferta de esta disciplina en carácter optativo en algunas IES, lo que indica una demanda existente.Este resultado indica que es preciso destacar la importancia de la literatura en la formación docente en Pedagogía, ya que es ese graduado el responsable de introducir a los niños en el conocimiento sistemático del lenguaje y favorecer los primeros contactos significativos con la cultura letrada y humanística.Es imprescindible introducir la presencia de la literatura como forma de propiciar al docente, en formación inicial formal, una vivencia teórica y práctica sobre su enseñanza, cuyo propósito sea de contribuir para su actuación como futuro mediador de lectura. Se cree que un profesor que conoce la relevancia de la literatura para la formación humana y degusta el texto literario estará más preparado para formar lectores de literatura, sobre todo para aquellos que están haciendo el rito de travesía hacia la cultura letrada. Palabras clave: Enseñanza de Literatura. Formación humana. Formación del Pedagogo. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AC – Acre AL – Alagoas ALB – Associação de Leitura do Brasil AM – Amazonas ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação BA – Bahia BALE – Biblioteca Ambulante e Literatura nas Escolas BDTD – Banco de Dissertações e Teses na Base CAMEAM – Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CE – Ceará CEALE – Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita CELLIJ – Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil “Maria Betty Coelho Silva” COLE – Congresso de Leitura do Brasil DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil DE – Departamento de Educação DF – Distrito Federal DL – Departamento de Letras DLCE – Departamento de Linguagens, Cultura e Educação DMTE – Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino DTEPE – Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais EJA – Educação de Jovens e Adultos FE – Faculdade de Educação FAE – Faculdade de Educação FAPERN – Fundação de Apoio à Pesquisa do RN GEPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Planejamento do Processo Ensino- aprendizagem IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES – Instituições de Ensino Superior PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PE – Pernambuco PED – Plano de Ensino da Disciplina PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola PNLD – Programa Nacional do Livro Didático PNLL – Plano Nacional do Livro e da Leitura PPC – Projeto Pedagógico do Curso PROCAD – Projeto de Cooperação Acadêmica PROFORMAÇÃO – Programa Especial de Formação Profissional para a Educação Básica Proler – Programa Nacional de Incentivo à Leitura SC – Santa Catarina RCNEI – Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil ES – Espírito Santo GO – Goiás MA – Maranhão MG – Minas Gerais MT – Mato Grosso OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PA – Pará PB – Paraíba PI – Piauí PR – Paraná RS – Rio Grande do Sul RJ – Rio de Janeiro RN – Rio Grande do Norte RR –Roraima SE –Sergipe TCC – Trabalho de Conclusão de Curso TO –Tocantins MS – Mato Grosso do Sul AP – Amapá SP – São Paulo RO – Rondônia UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UFAC – Universidade Federal do Acre UFAL – Universidade Federal de Alagoas UFAM – Universidade Federal do Amazonas UFBA – Universidade Federal da Bahia UFC – Universidade Federal do Ceará UFES – Universidade Federal do Espírito Santo UFG – Universidade Federal de Goiás UFMA – Universidade Federal do Maranhão UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFPA – Universidade Federal do Pará UFPB – Universidade Federal da Paraíba UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UFPI – Universidade Federal do Piauí UFPR – Universidade Federal do Paraná UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRR – Universidade Federal de Roraima UFS – Universidade Federal de Sergipe UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UFT – Universidade Federal do Tocantins UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso UNB – Universidade de Brasília UNESP – Universidade Estadual de São Paulo UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UNIFAP – Universidade Federal do Amapá UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo UNIR – Universidade Federal de Rondônia LISTA DE IMAGENS Imagem 1 – Contação de história no 1º encontro do BALE, em 23.05.2007, no Bairro Riacho de Meio, Pau dos Ferros, RN.........................................................................29 Imagem 2 – Roda de leitura no 1º no encontro do BALE no Bairro Riacho do Meio............................................................................................................................29 Imagem 3 – Contação de história no 1º encontrodo BALE, em 30.05.2007, no Bairro SãoGeraldo – Pau dos Ferros, RN............................................................................30 Imagem 4 – Roda de leitura no 1º encontro do BALE no Bairro São Geraldo...........30 Imagem 5 – Contação de história na Esc. MariaLuceny na cidade do Encanto- RN..............................................................................................................................32 Imagem 6 – Encenação de histórias na Comunidade Manoel Deodato, em Pau dos Ferros-RN, out. 2017..................................................................................................32 Imagem 7 – Momento de leitura na Vila Caiçara, munícipio do Paraná-RN, out. 2017............................................................................................................................32 Imagem 8 – Atendimento à comunidade no CAMEAM/UERN, out. 2017..................33 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Principais Documentos, Programas e Leis com diretrizes e orientações para a implementação das políticas públicas de leitura no Brasil..............................22 Quadro 2 – Universidades pesquisadas e sua localização........................................44 Quadro 3 – Professores colaboradores da pesquisa.................................................45 Quadro 4 – Disciplina Literatura Infantil ofertada no curso de Pedagogia da UFES........................................................................................................................110 Quadro 5 – O ensino de literatura nos cursos de Pedagogia das universidades federais brasileiras...................................................................................................140 Quadro 6 – Os saberes dos professores segundo Tardif.........................................146 Quadro 7 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Nordeste..................164 Quadro 8 – A oferta da disciplina Literatura nas vozes dos sujeitos da UFAL e da UFPE........................................................................................................................165 Quadro 9 – Disciplinas de Literatura ofertadas no curso de Pedagogia daUFBA..166 Quadro 10 – Disciplinas ofertadas pelo curso de Pedagogia da UFMA..................167 Quadro 11 – Disciplina ofertada pelo curso de Pedagogia da UFMA no PPC........168 Quadro 12 – A oferta da disciplina Literatura da UFMA nas vozes dos sujeitos.....................................................................................................................169 Quadro 13 – O ensino de Literatura na UFS nas vozes dos sujeitos......................170 Quadro 14 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Norte......................175 Quadro 15 – Disciplina Literatura Infantojuvenil/UNIR.............................................178 Quadro 16 – Demonstrativo da disciplina Literatura na UFAC.................................179 Quadro 17 – O ensino de Literatura na UFAC nas vozes do sujeito.......................180 Quadro 18 –Disciplinas na área de Linguagem, Letramento, Língua Portuguesa – Pedagogia/UFAC......................................................................................................181 Quadro 19 – Disciplinas na área de Linguagem, Letramento, Língua Portuguesa – Pedagogia/UFAC citadas pela colaboradora...........................................................182 Quadro 20 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Centro- Oeste........................................................................................................................186 Quadro 21 – Enunciado sobre ensino de literatura na UFG....................................187 Quadro 22 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Sudeste.................188 Quadro 23 – O ensino de Literatura na UNIFESP nas vozes dos sujeitos..............190 Quadro 24 – O ensino de literatura da UFMG nas vozes dos sujeitos....................192 Quadro 25 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Sul.........................197 Quadro 26 – O ensino de literatura da UFPR nas vozes dos sujeitos.....................198 Quadro 27 – Conteúdos predominantes nas ementas de Literatura.......................204 Quadro 28 – O lugar da poesia nas propostas da disciplina Literatura...................206 Quadro 29 – Disciplinas de Língua Portuguesa em que aparece Literatura............210 Quadro 30 – Conteúdos predominantes nas ementas de LP..................................212 Quadro 31 – Instituições que incluem Literatura no programa de LP......................214 Quadro 32 – Disciplinas relacionadas a Linguagem e Leitura e Produção do texto que incluem Literatura..............................................................................................217 Quadro 33 – Conteúdos predominantes nas disciplinas relacionadas à Linguagem e à Leitura e Produção de Textos...............................................................................218 Quadro 34 – Disciplinas relacionadas a Alfabetização e Letramento que apresentam literatura na ementa..................................................................................................219 Quadro 35 – Conteúdos predominantes nas disciplinas relacionadas a Alfabetização e Letramento............................................................................................................220 Quadro 36 – Ementas das disciplinas relacionadas à educação infantil que apresentam Literatura..............................................................................................222 Quadro 37 – Conteúdos predominantes na disciplina Educação Infantil.................223 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Ensino de literatura na pós-graduação em Educação e Letras (2001- 2010)..........................................................................................................................38 Tabela 2 – Demonstrativo do número de vagas oferecidas pelos cursos de Pedagogia por ano...................................................................................................155 Tabela 3 – Carga horária da disciplina Literatura nas IES.......................................158 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Oferta da disciplina Literatura no curso de Pedagogia nas universidades...........................................................................................................153 Gráfico 2 – Comparativo de oferta de disciplinas.....................................................154 Gráfico 3 – Comparativo de oferta de disciplinas – percentual................................154 Gráfico 4 – Demonstrativo do número de alunos que cursam Pedagogia nas IES e a relação com ensino de literatura na formação inicial...............................................156 Gráfico 5 – Demonstrativo com valores percentuais da oferta dadisciplina Literatura pelas IES..................................................................................................................157 Gráfico 6 – Demonstrativos com valores percentuais do número de alunos atendidos pelas IES..................................................................................................................157 Gráfico 7 – Demonstrativo de número de alunos vaga/ano do curso de Pedagogia nas IES de acordo com as regiões e a natureza do ensino de literatura.................160 Gráfico 8 – Número e natureza da oferta da disciplina no NE.................................162 Gráfico 9 – Vagas para Literatura no NE.................................................................162 Gráfico 10 – Demonstrativo em percentual vaga/aluno NE.....................................163 Gráfico 11 – Oferta da disciplina Literatura na região Nordeste após a análise dos dados........................................................................................................................171 Gráfico 12 – Demonstrativo das vagas/alunos que cursam a disciplina Literatura nas IES da região Nordeste –dados finais.....................................................................172 Gráfico 13 – Ensino de Literatura na região Norte...................................................173 Gráfico 14 – Vagas para Literatura na região Norte.................................................173 Gráfico 15 – Percentual de vagas para Literatura na região Norte..........................174 Gráfico 16 – Literatura na região Centro-Oeste.......................................................183 Gráfico 17 – Vagas oferecidas na região Centro-Oeste...........................................184 Gráfico 18 – Percentual de vagas no CO.................................................................184 Gráfico 19 – Ensino de Literatura na região Sul.......................................................195 Gráfico 20 – Vagas de Literatura oferecidas pela região Sul...................................196 Gráfico 21 – Percentual de vagas de Literatura oferecidas na região Sul...............196 Gráfico 22 – Demonstrativo da formação dos professores das IES pesquisadas...201 Gráfico 23 – Demonstrativo dos cursos responsáveis pela oferta deLiteratura em Pedagogia..........................................................................................202 Gráfico 24 – IES que contemplam Literatura na ementa de LP...............................210 Gráfico 25 – O ensino de literatura nos planos de ensino de LP.............................214 Gráfico 26 – Demonstrativo da Literatura integrada a outros componentes curriculares...............................................................................................................225 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 21 1.1 Os fios que conduziram a pesquisa ................................................................ 25 1.1.1 O Programa BALE ............................................................................................ 28 1.1.2 Experiências profissionais: o despertar para uma nova caminhada ................. 33 1.2 Iniciando o percurso pela trilha escolhida ...................................................... 35 1.3 Objetivos e delimitações da pesquisa ............................................................. 36 1.4 Estado da arte .................................................................................................... 37 1.5 Os caminhos da pesquisa ................................................................................ 40 1.6 Organização da tese.......................................................................................... 45 2 LITERATURA: UM PODER IMATERIAL VITAL AO SER HUMANO.................... 47 2.1 O porquê da literatura ....................................................................................... 47 2.2 A literatura e o contexto histórico ................................................................... 53 2.3 A literatura é um direito humano, é cultura .................................................... 56 2.4 O desenvolvimento humano e a literatura ...................................................... 65 2.5 A participação da poesia .................................................................................. 69 2.6 Literatura e educação ....................................................................................... 75 2.7 O leitor de literatura .......................................................................................... 86 2.7.1 O texto literário ................................................................................................. 87 2.7.2 O efeito estético e a recepção .......................................................................... 89 2.7.3 O leitor literário ................................................................................................. 95 3 PROPOSTAS CURRICULARES E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: O PERFIL DO PEDAGOGO ..................................................................................................... 100 3.1 Uma conversa sobre currículo ....................................................................... 100 3.2 Currículo e multiculturalismo ......................................................................... 105 3.3 O currículo, a universidade, a literatura: os caminhos e os atalhos .......... 106 3.4 Currículo e interdisciplinaridade.................................................................... 116 3.4.1 A literatura é interdisciplinar, transdisciplinar ................................................. 121 4 FORMAÇÃO DO PEDAGOGO ............................................................................ 129 4.1 Um pouco da trajetória do curso de pedagogia ........................................... 129 4.1.1 Curso de Pedagogia: o que dizem os documentos oficiais ............................ 132 4.2 Saberes necessários à formação do pedagogo: tem lugar para a literatura? ................................................................................................................................ 136 4.3 A formação do professor para atuar no ensino de literatura ...................... 144 5 LITERATURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O QUE DIZEM OS CURRÍCULOS DE PEDAGOGIA ............................................................................ 152 5.1 O ensino de literatura e o curso de Pedagogia............................................. 152 5.1.1 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Nordeste ... 161 5.1.2 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Norte ......... 172 5.1.3 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Centro-Oeste ................................................................................................................................ 183 5.1.4 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Sudeste .... 187 5.1.5 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Sul ............ 195 5.2 Formação inicial dos professores que atuam na disciplina Literatura ...... 201 5.3 O que as IES pesquisadas consideram relevante no ensino de Literatura 204 5.4 A travessia da literatura por outras áreas de conhecimento na formação do pedagogo: um ponto a ser discutido................................................................... 208 5.4.1 A literatura e o Ensino de Língua Portuguesa ................................................ 209 5.4.2 A Literatura, a Linguagem, a Leitura e a Produção de texto .......................... 215 5.4.3 A Literatura, a Alfabetização e o Letramento ................................................. 217 5.4.4 A Literatura e a educação infantil ................................................................... 219 6 CONCLUSÃO: ALGUNS SABERES E A CERTEZA DA INCOMPLETUDE ...... 225 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 235 ANEXOS ................................................................................................................. 245 21 1 INTRODUÇÃO É que não basta promover o acesso da criança ao livro ou reconhecer que o direito à leitura é fundamental para a cidadania. Mais que isso, é fundamental aproximar os meninos e meninas da literatura. (Ana Maria Machado) As discussões acerca da leitura de literatura são recorrentes no âmbito educacional. Esses debates são pertinentes devido à complexidade do processo de ler como uma prática que permite a construção humana e a interação entre povos de diferentes origens. Literatura é uma manifestação presente em diferentes culturas, a qual recria por meio da linguagem a trajetória humana. Possibilita-nos fazer uma especulação imaginária sobre nossa história, nosso desenvolvimento, nossos desejos, nossos sonhos, nossos amores, nossas lutas e nossos dissabores,mediante um discurso atravessado pelo ficcional e pelo estético. Propicia entender nosso presente, bem como sua transcendência. Dada a sua potência inventiva e humanística, entendemos que a literatura seja fundamental para a formação humana e, portanto, indispensável para os futuros professores que serão responsáveis pela introdução da leitura na vida de crianças, jovens e adultos, nos níveis de ensino da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). A leitura, em nosso país, ainda é tema de grandes discussões. Um dos indicadores de níveis de leitura, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA1, 2015), indicou que o Brasil caiu de posição no ranking mundial de leitura, ficando na 59ª posição entre 70 países que participaram da avaliação. O Brasil ocupava a 53ª no resultado do PISA de 2011, o que aponta que está havendo uma regressão dos estudantes na leitura e na compreensão leitora. O objetivo do Pisa é produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade da educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas de melhoria do ensino básico. As avaliações do Pisa acontecem a cada três anos e abrangem três áreas do conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências. A prova que serve como 1 Informações disponíveis em: . Acesso em: 23 maio 2017. 22 base para esse índice é coordenada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, no ano de 2015, foi realizada em 70 países. Essa avaliação ocorre a cada três anos e oferece um perfil básico de conhecimentos e habilidades dos estudantes, reunindo informações sobre variáveis demográficas e sociais de cada país e oferecendo indicadores de monitoramento dos sistemas de ensino ao longo dos anos. No Brasil, 51% dos estudantes estão abaixo do nível 2 em leitura – patamar que a OCDE estabelece como necessário para que o estudante possa exercer plenamente sua cidadania. No nível 2 em leitura, os leitores são capazes de responder itens básicos de leitura, tais como situar informações diretas, realizar inferências fáceis de vários tipos, determinar o que significa uma parte bem definida de um texto e empregar certo nível de conhecimentos externos para compreendê-lo. Tarefas típicas de reflexão neste nível exigem que os leitores façam uma comparação ou diversas correlações entre o texto e o conhecimento externo, elaborando sobre sua experiência e atitudes pessoais. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 4 (2016), promovida pelo Instituto Pró-Livro e aplicada pelo Ibope Inteligência, aponta que tem se elevado um pouco o número de leitores no Brasil. Em 2015, eles eram 56% da população, enquanto em 2011 eles representavam 50%. O índice de leitura, apesar de um pequeno avanço, revela que o brasileiro lê apenas 4,96 livros por ano, o que ainda não apresenta um resultado satisfatório de leitura. Partindo desses resultados, refletimos sobre as políticas de formação de leitores com ações voltadas para o incentivo à leitura e sobre a necessidade de elas serem repensadas e reavaliadas, considerando que não podemos negar o incentivo e o investimento do Ministério da Educação, visando à promoção e à qualificação da leitura no Brasil. Na pesquisa de Silva (2015), a autora traz um demonstrativo do conjunto de documentos que regulamentam e orientam as Políticas de Leitura no Brasil a partir de 1985, voltados para a formação do professor, do leitor e da prática escolar. Esses documentos produzem efeito na educação básica, pois guiam estruturalmente as ações para o trabalho com a leitura na escola. Vejamos o quadro elaborado por Silva (2015) com nossa inserção das datas nos documentos e programas (PCN, RCNEI, PNBE, PNLD, PNLL): 23 Quadro 1 – Principais Documentos, Programas e Leis com diretrizes e orientações para a implementação das políticas públicas de leitura no Brasil DOCUMENTOS E PROGRAMAS DESCRIÇÃO Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997) Diretrizes elaboradas pelo Governo Federal que orientam a formação das políticas curriculares para o ensino da leitura. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI, 1998) Concebido para servir como um guia de reflexão de cunho educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos, respeitando seus estilos. Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE, Início em 1997; desativado em 2017) Fornece obras e demais materiais para as bibliotecas das escolas públicas com vistas à democratização do acesso às fontes de informação, ao fomento à leitura, à formação de alunos e professores leitores e ao apoio à atualização e ao desenvolvimento profissional do professor. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 1985) É o maior programa de políticas públicas para o fomento à leitura no país. Compreende coleções de livros didáticos destinadas aos alunos da educação básica, cujo objetivo é subsidiar o trabalho pedagógico dos professores. Após a avaliação das obras, o Ministério da Educação (MEC) publica o Guia de Livros Didáticos com resenhas das coleções consideradas aprovadas. O guia é encaminhado às escolas, que escolhem,dentre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico. O PNLD também atende aos alunos que são público-alvo da educação especial. São distribuídas obras didáticas em Braille de língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia e dicionários. Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL, 2006) Conjunto de políticas, programas, projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela Sociedade para promover o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas no Brasil. Sua finalidade básica é assegurar a democratização do acesso ao livro, o fomento e a valorização da leitura e o fortalecimento da cadeia produtiva do livro como fator relevante para o incremento da produção intelectual e o desenvolvimento da economia nacional. LEIS E DECRETOS DESCRIÇÃO Lei n. 10.402, de 8 de janeiro de 2002 Institui o Dia Nacional do Livro Infantil. Lei n. 10.753, de 30 de outubro de 2003. Institui a Política Nacional do Livro. Lei n. 10.994, de 14 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o depósito legal de publicações, na Biblioteca Nacional, e dá outras providências. 24 Lei n. 11.899, de 8 de janeiro de 2009 Institui o Dia Nacional da Leitura e a Semana Nacional da Leitura e da Literatura. Lei n. 12.244, de 24 de maio de 2010 Dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país. Decreto n. 519, de 13 de maio de 1992 Institui o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler) e dá outras providências. Decreto n. 520, de 13 de maio de 1992 Institui o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e dá outras providências. Decreto n. 7.559, de 1º de setembro de 2011 Dispõe sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e dá outras providências. Fonte: Silva (2015, p. 58-59). O quadro elaborado por Silva (2015), que apresenta as políticas de leitura no Brasil (documentos, programas e diretrizes), indica que existe um investimento e um incentivo à leitura, entretanto, os dados dos níveis de leitura dos brasileiros demonstrados nas últimas pesquisas sugerem que essas políticas não estão apresentando resultados satisfatórios, parecendo não atingir a eficácia desejada. Partindo dessas reflexões, começamos a nos indagar: será que a ausência de formação dos primeiros professores – os pedagogos – não tem parcela de responsabilidade nesse quadro pouco promissor? Amarilha (1999) teoriza que a leitura não é interditada de forma explícita, mas as possibilidades de sua realização permanecem interrompidas direta ou indiretamente pela quantidade de analfabetos existentes, pela educação de má qualidade, pela ausência de bibliotecas e pela falta de políticas públicas que efetivamente viabilizem e garantam a democratização da leitura. A autora ainda acrescenta que, mesmo sendo considerada essencial para a formação do cidadão, a leitura de textos literários ainda é uma atividade secundária na escola e na sociedade. As políticas de implementação da prática de leitura de livros limitam-se a paliativos, programas voltados para a propagação na mídia, não se efetivando, concretamente, em melhorias para a população. Sobre a ineficiência dessas políticas, Berenblum (2009), no documento Por uma Política de Formação de Leitores, também traz essa comprovação e defende que a formação do professor é condição básica para que se efetive uma política de formação de leitores no âmbito da escola. Desse modo, defendemos que essa proposta não serve somente para a formação continuada, mas também deve ser efetivada na formação inicial formal do pedagogo queestá sendo preparado para atuar nas escolas. A formação inicial formal é entendida como a preparação teórico- 25 metodológica do discente em curso de graduação que ocorre na universidade. Enfatizamos que é inicial formal porque entendemos que não é possível delimitar o início da formação, mas sim, podemos estabelecer o momento em que ela se torna formal pelo ingresso em curso universitário para o exercício profissional. Esse reconhecimento gerou uma curiosidade epistemológica. Nesse quadro de referência, decidimos investigar o ensino de literatura na formação inicial formal dos futuros professores da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e do EJA. Nosso interesse em investigar o ensino de literatura no curso de licenciatura em Pedagogia se justifica nos âmbitos acadêmico e profissional, tendo em vista uma trajetória delineada pela temática proposta. Este estudo aparece, desse modo, como uma necessidade com vistas a uma educação transformadora, pautada nos ideais de formação humana e cidadã de um indivíduo que vive em uma realidade social desigual e excludente. A formação do leitor literário e a de mediadores de leitura propicia enxergar a literatura como criação indispensável para a formação do ser humano. Por esse motivo, é preciso refletir sobre o ensino que temos na universidade, especificamente no curso de Pedagogia, objetivando a formação de futuros professores que atuarão na educação infantil, no ensino fundamental e em EJA. 1.1 Os fios que conduziram a pesquisa O interesse pela leitura e pelas histórias sempre esteve presente em nossa trajetória pessoal. Considerávamos como uma das vantagens de morar em uma cidade de interior sentar nas calçadas quando faltava energia e ouvir histórias de terror, lendas e mitos que encantavam e povoavam a imaginação. Não tivemos muito acesso a livros literários nem dispúnhamos de bibliotecas nas escolas em que estudávamos. Às vezes, ficávamos contando os dias para visitar nosso tio que tinha uma melhor condição e comprava livros de contos de fadas. Quando chegávamos lá, deliciávamo-nos com livros grandes, capas em alto relevo, letras grandes e ilustrações belíssimas, dentre os quais lembramos de Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida e A Cabra e os Sete Cabritinhos. Eram tardes maravilhosas, alegres e inesquecíveis. Na escola, não tínhamos acesso aos livros de literatura, ou seja, a leitura era trabalhada com textos dos livros didáticos para fazer exercícios de gramática. 26 Relembramos de um livro didático que tinha uma história de Jeca Tatu (LOBATO) e de Robinson Crusoé (DEFOE), motivo pelo qual passamos o ano inteiro relendo essas histórias e imaginando o mundo de cada personagem. Recordamos, também, que pegávamos emprestadas com amigos algumas revistas em quadrinhos, comoTio Patinhas, Pato Donald e Irmãos Metralhas, porque o acesso era mais fácil. Na adolescência, lemos Júlia, Bianca e Sabrina. Depois a curiosidade pelos casos de amor, romances proibidos e paixões avassaladoras nos levou a ler livros como: Romeu e Julieta (SHAKESPEARE), O seminarista(GUIMARÃES), Se houver amanhã (SHELDON) e os divisores de águas da nossa relação com a literatura que foram Olhai os Lírios do Campo (VERISSIMO) e Senhora (ALENCAR). Talvez somente hoje temos condições de assumir e entender o quanto essas duas últimas obras nos marcaram, fazendo-nos compreender as histórias reais da época,que se misturavam com ficção e que abarcavam o processo de identificação com as personagens e a esperança de superação dos conflitos da alma de adolescente. A certeza de que a literatura se apropria da palavra para expressar os sentimentos, as vivências e as experiências humanas sempre permaneceu em nossos pensamentos. A leitura e a literatura também sempre fizeram parte de nossa trajetória profissional. Inicialmente, como professora de educação infantil (1994) e dosanos iniciais do ensino fundamental (1996-2000) e, posteriormente, como professora de Língua Portuguesa nos anos finais do ensino fundamental (2000-2007), vivenciamos, com os alunos, a intensidade de momentos de leitura por gosto e o contato com uma diversidade de textos. Essa experiência nos impulsionou a cursar uma segunda especialização, em Literatura Infantojuvenil, no Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia/CAMEAM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), que teve como trabalho final uma pesquisa monográfica sobre “A contação de histórias e a formação do leitor”(2008). No decorrer dos anos, nossas experiências profissionais no ensino fundamental como professora de língua materna e posteriormente como coordenadora pedagógica (2008-2011) nos fizeram perceber que a leitura de literatura era vista pela maioria dos profissionais da escola como passa tempo ou um modo de preencher o final da aula. O texto deveria ser imposto e explorado pelo professor e os momentos de leitura somente tinham validade quando serviam de pretexto para o ensino da língua materna, em especial da gramática. A interpretação do texto limitava-se a responder o que o autor queria dizerem determinados trechos, 27 retomar os nomes de personagens ea ideia principal e discutir sintaxe eos enunciadosa partir de uma análise que já apresentava explicações sintáticas prontas, o que tornava o pretexto ilegítimo enquanto atitude do leitor com o texto (GERALDI, 2006). Sempre nos questionávamos: por qual motivo a literatura não é trabalhada com frequência?Por que a poesia não estava presente nas aulas, se, quando realizávamos eventos na escola em datas comemorativas, os alunos se destacavam pelo interesse em ler e declamar poesias? Essas inquietações nos acompanhavam. Iniciamos nossos trabalhos no ensino superior como professora substituta no período de 2002 a 2004, no Programa Especial de Formação Profissional para a Educação Básica (PROFORMAÇÃO), no curso de Pedagogia do Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), localizado em Pau dos Ferros. Ministramos as disciplinas Prática de Ensino I, II, III, Trabalho de Conclusão de Curso – TCC I, II, III e Literatura Infantil. A experiência com a prática de ensino, acompanhando os estágios e observando os professores em suas salas de aula, serviu para ratificar a ausência da literatura nas escolas. Nos planos de aula que eles elaboravam, apareciam timidamente alguns textos literários, mas as atividades relacionadas ao texto geralmente tinham como objetivo trabalhar a gramática. O encantamento da literatura e o prazer do texto não apareciam nem nos planos nem nas aulas. Em 2004, ministramos a disciplina Literatura Infantil e consideramos uma experiência ímpar, pois os graduandos de Pedagogia demonstravam interesse bastante satisfatório.Utilizamos como metodologia estudos de textos teóricos e oficinas com narrativas e poesias, momento em que a adesão e a participação dos discentes na realização das atividades eram nítidas. Outros aspectos que se evidenciaram foram os relatos desses alunos no tocanteà disciplina, a necessidade que eles tinham de ler textos teóricos sobre a importância da leitura e literatura, bem como a compreensão de que deveriam inserir a literatura em suas aulas, pois possibilitaria o desenvolvimento do gosto pela leitura e o envolvimento dos alunos nas aulas. Em 2009, tivemos a oportunidade de ingressar na UERN/CAMEAM de Pau dos Ferros como docente efetiva do curso de Pedagogia. Assumimos a disciplina Estágio Supervisionado e pudemos, então, novamente, acompanhar a experiência docente dos graduandos nas escolas campo de estágio. Dessas experiências, vem à tona a problemática já percebida anteriormente e bastante debatida: a ausência da 28 literatura em sala de aula e a utilização do texto como pretexto para o ensino de gramática, relatada nos trabalhos de conclusão de curso de vários graduandos de Pedagogia dos anos 2009-2010. Esse fato nos chamou a atenção, posto que a literatura permanece sendo trabalhada de forma fragmentada e dissociada do contexto do educando, sem a preocupação com a formação do leitor de literatura na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Do mesmo modo, percebemos que o ensino superior também apresenta lacunas com relação à formação do leitor de literatura, fato que nos preocupa, tendo em vista que estamos formando futuros professores de crianças, jovens e adultos dos primeiros níveis de ensino. A ausência do ensino de literatura em Pedagogia e, consequentemente, a necessidade de uma formação que incentive o gosto pela leitura, bem como a formação de mediadores de leitura, evidenciam-se também em nossa experiência como professora da disciplina Literatura e Infância. No decorrer da graduação, 08 (oito) períodos divididos em 04 (quatro) anos, contamos apenas com essa disciplina que traz uma discussão acerca da literatura, da leitura e de seus aspectos históricos, conceituais e práticos. Durante a disciplina por nós ministrada, percebemos a carência dos graduandos em relação à literatura. Os relatos desses discentes nas aulas deixaram clara a pouca vivência que tiveram com práticas de leitura ao longoda educação básica, prevalecendo as experiências com a leitura por obrigação para preenchimento de fichas ou avaliações. Esse fato também foi constatado na pesquisa de dissertação de Saldanha (2013, p. 7), por meio das vozes dos sujeitos: “[...] eu tive poucas experiências com a leitura [...] eu lembro até de um livro que li, o Crime do Padre Amaro que eu li obrigada pela escola”. Evidenciou-se também a precariedade de repertório de leitura, pois os futuros pedagogos admitem que tiveram leituras limitadas, revelando, inclusive, dificuldades para selecionar a literatura para ser trabalhada com as crianças durante os períodos de estágios. Essas discussões também surgiram nos encontros realizados no Programa de Extensão Biblioteca Ambulante e Literatura nas Escolas (BALE), no qual atuamos como membro desde 2009. 1.1.1 O Programa BALE 29 O programa BALE, criado em 2007, surgiu como ação extensionista e caracterizou-se como uma iniciativa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Planejamento do Processo Ensino-aprendizagem (GEPPE), do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Campus de Pau dos Ferros-RN. O programa foi idealizado pelas professoras Maria Lúcia Pessoa Sampaio e Renata de Oliveira Mascarenhas. O BALE tem como objetivos principais incentivar e democratizar a leitura, principalmente de textos literários. Segundo suas idealizadoras, ele se constituiu em uma iniciativa de atendimento ao interesse social e coletivo da comunidade de Pau dos Ferros, tendo em vista a carência de bibliotecas nos locais atendidos. A implantação do Programa nessa cidade justificou-se [...] por ser distante dos grandes centros, desprovida de políticas administrativas eficientes, especialmente no âmbito da cultura e do lazer. Localizada na região do Alto Oeste Potiguar, a referida cidade, segundo o IBGE, disponibiliza para a população apenas uma pequena biblioteca municipal, com escasso acervo e sem envolvimento da comunidade local. Diante dessa realidade acredita- se que o Projeto BALE – Biblioteca Ambulante e Literatura nas Escolas, constitui-se num ponto de partida para democratização da leitura para a comunidade pauferrense (SAMPAIO; MASCARENHAS, 2006, p. 6). O programa deu início às suas atividades nas comunidades dos bairros São Geraldo e Riacho do Meio, em Pau dos Ferros, propondo-se a difundir o gosto pela leitura de forma lúdica e criativa e proporcionando o acesso das comunidades carentes a textos literários de gêneros diversos. Imagem 1 – Contação de história no 1º encontro do BALE, em 23.05.2007, no Bairro Riacho de Meio, Pau dos Ferros, RN Fonte: Arquivo BALE (2007). 30 Imagem 2 – Roda de leitura no 1º no encontro do BALE no Bairro Riacho do Meio Fonte: Arquivo BALE (2007). Imagem 3 – Contação de história no 1º encontro do BALE, em 30.05.2007, no Bairro São Geraldo – Pau dos Ferros, RN Fonte: Arquivo BALE (2007). Imagem 4 – Roda de leitura no 1º encontro do BALE no Bairro São Geraldo Fonte: Arquivo BALE (2007). O programa, em sua ação extensionista,oportuniza a integração entre universidade e comunidade. Ao estender a leitura aos diversos locais por onde passa, ele cumpre a função social de possibilitar o acesso à diversidade de textos para crianças, jovens e adultos que não dispõem de bibliotecas e acervo suficiente 31 para efetivar esse contato. Dessa forma, alcança os estudantes de graduação e a comunidade, priorizando as localidades periféricas nos diversos ambientes, como nas escolas, nas praças e nas ruas. Além disso, ele propicia o conhecimento teórico sobre a importância da leitura e a formação de leitores aos membros do projeto que hoje são professores dos cursos de Pedagogia e Letras, aos graduandos em Pedagogia, Letras, Economia e Geografia e a alguns alunos da comunidade. O BALE, desde 2007, expande práticas exitosas de leituras na região do Alto Oeste Potiguar, conforme está descrito no relatório de sua 9ª edição (SAMPAIO, 2015). O programa se desenvolve por meio de cinco projetos, denominados canteiros, e constantemente está em articulação com outras ações como o PIBID/DE/CAMEAM: “Mediadores de leitura e de textos em processos de autoformação” (EDITAL No 061/2013), envolvendo escolas/municípios; com o Projeto “Mirins Leitores, Grandes mediadores”. Ancora-se nos pressupostos da mediação e autoformação que se concretiza em cinco Projetos ou “Canteiros”: Formação (Projeto BALE_FORMAÇÃO), Informação (Projeto BALE.Net), Encenação (Projeto BALE_Em cena), Contação (Projeto BALE_Ponto de leitura) e Ficção (Projeto Cine_BALE_Musical) (SAMPAIO, 2015, p. 1). Em meio às mudanças ocorridas, o Programa BALE (2015) teve como destaque a ampliação de suas ações nas cidades de Portalegre (Convênio entre Prefeitura de Portalegre e UERN, com apoio da SEMED) e São Miguel. Em cada cidade, constituiu-se uma equipe responsável pelas suas respectivas ações, reuniões, encontros e planejamentos, consolidando-se por meio de “canteiros”. Outras atividades foram realizadas em conjunto com o programa, como o estágio curricular no BALE; as oficinas de formação de leitores, envolvendo TICs; a realização do I SELF (Seminário de Estudos Orientados em Linguagem, Formação do Leitor e TICs); a mediação e autoformação em conjunto com a biblioteca João XVIII, com o projeto “Mirins Leitores, grandes mediadores”; bem como a parceria com PIBID/CAPES e o PIBIC Jr. da FAPERN. Além das atividades que realiza, o programa BALE2 disponibiliza um riquíssimo acervo bibliográfico, com livros infantis e adultos de gêneros distintos, sendo determinado pelo Ministério da Cultura (Minc) como “Ponto de Leitura – Edição Machado de Assis”. O Programa possui uma sala 2Informação disponível em: . Acesso em: 7 maio 2017. 32 no CAMEAM/UERN, onde disponibiliza seu acervo para empréstimo, recebe visitas e atende a comunidade. Devido ao pouco espaço, geralmente suas atividades realizadas no campus são transferidas para salas de aula ou auditório. Imagem 5 – Contação de história na Esc. Maria Luceny na cidade do Encanto-RN Fonte: Disponível em: . Imagem 6 – Encenação de histórias na Comunidade Manoel Deodato, em Pau dos Ferros-RN, out. 2017 Fonte: Disponível em: . Imagem 7 – Momento de leitura na Vila Caiçara, munícipio do Paraná-RN, out. 2017 Fonte: Disponível em:. 33 Imagem 8 – Atendimento à comunidade no CAMEAM/UERN, out. 2017 Fonte: Disponível em:. O Programa BALE continua desenvolvendo um trabalho de destaque na região de Pau dos Ferros e em cidades circunvizinhas, pois viabiliza o acesso ao texto literário através de contação de histórias e roda de leitura. Contribui também para a formação leitora e como mediadores de leitura dos graduandos membros e voluntários de diferentes cursos que fazem parte do programa, alargando essa formação para a comunidade por meio de oficinas e seminários para professores da educação básica. Essa contribuição do Programa para a formação de leitores e mediadores de leitura também é apontada pelos participantes que fizeram parte de nossa pesquisa de dissertação (SALDANHA, 2013). 1.1.2 Experiências profissionais: o despertar para uma nova caminhada Como membro do BALE, assumindo a coordenação por algum momento, planejando e acompanhando frequentemente as atividades realizadas pelo programa e a participação dos graduandos bolsistas e voluntários, pudemos observar que seus participantes sempre relatavam a importância do programa para sua formação, ressaltando os resultados positivos que estavam alcançando. Logo, questionávamos se realmente o programa estava contribuindo para a formação desses graduandos e em quais aspectos. Essas indagações resultaram na pesquisa de mestrado “A formação leitora e de mediadores de leitura: uma experiência no programa BALE” (SALDANHA, 2013), a qual concluiu que o referido programa é fundamental para a formação leitora e como mediadores de leitura de graduandos/graduadas dos cursos de Pedagogia e Letras. Ademais, apontou que as vivências no BALE possibilitavam uma formação diferenciada com relação à leitura e 34 à literatura: formação teórica; conhecimento sobre as diferentes práticas de leitura; integração teoria-prática; acesso à diversidade de gêneros textuais; visão ampla da literatura; troca de experiências; didática de leitura diferenciada das existentes nas escolas; vivência com pesquisadores; formação do gosto pela leitura, conforme nos disse a participante Mariana: O BALE é minha base de formação leitora em todos os sentidos, uma vez que me proporciona o conhecimento acerca da leitura e suas vertentes (contação, formação, humanização, aprendizagem) nas reuniões e estudos; bem como na atuação direta nas escolas e em outros espaços não escolares; é um processo completo, pois tenho a base do conhecimento teórico e tenho essa oportunidade de exercer na prática e também divulgar esses resultados através da produção acadêmica, em que o BALE tem sido meu foco em um número significativo de produções (SALDANHA, 2013, dados do questionário). Nesse contexto, reconhecemos a importância do BALE para a formação dos graduandos que dele participam, na época, alunos de Pedagogia e Letras. Entretanto, a pesquisa nos mostrou que o ensino na graduação em Letras e Pedagogia não estava formando leitores, tampouco mediadores de leitura de acordo com o corpus estudado. A carência, nesse caso, percebida claramente a partir dos discursos dos graduandos, estava sendo compensada por um programa de extensão que não tem o objetivo de formação inicial formal, pois a meta da extensão universitária, segundoconfirma Saldanha (2013), é propiciar a formação do profissional articulada com a comunidade, atualizar, expandir e aperfeiçoar aspectos já trabalhados, constituindo-se em espaço privilegiado de produção do conhecimento que pode contribuir para a superação das desigualdades sociais existentes, como prática acadêmica que vincula a universidade nas suas atividades de ensino e de pesquisa com as demandas da população. Tal fato é constatado no discurso de Flor, ao afirmar: 93. Flor: [...] a gente passa a graduação inteira dizendo que tem que relacionar teoria e prática, teoria e prática, teoria e prática e muitas vezes só a prática do estágio ou só a graduação não consegue relacionar teoria e prática e no BALE você consegue relacionar teoria e prática [...] eu até falei da questão porque o BALE é do grupo de pesquisa, é do GEPPE, mas muitas vezes, quando nós fomos para o México, por exemplo, a gente se reuniu nessa sala, não só o México, mas outros eventos, exemplo, pra dividir grupos, pra fazer artigos, pra publicar artigos, então a gente consegue tirar nossa experiência, a nossa prática não fica só na prática, a gente traz aquilo pra o 35 científico, pra o acadêmico, a gente relaciona então essa formação, vamos dizer que é uma formação integral do graduando, porque você não fica só na prática, você não fica só na teoria, aqui você relaciona porque o espaço propicia isso, porque se você estuda estratégia de leitura para fazer um artigo sobre o BALE de uma experiência que você teve lá em Minas Gerais e você publica um artigo, você num tá relacionando teoria e prática? Então essa formação integral que dá ao graduando, então por isso que a gente fala que ele é um projeto completo nesse sentido, não que ele seja perfeito, que não possa ser acrescentado[...] (SALDANHA, 2013,entrevista coletiva). Mediante os resultados da pesquisa para a dissertação de mestrado, considerando nossa vivência na carreira docente, que percorreu toda a educação básica até a superior, encontramo-nos diante de uma problemática: a graduação, especificamente, a licenciatura em Pedagogia, responsável pela formação de profissionais para atuar na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e na EJA, não assegura em seu currículo um ensino de literatura que prepare os futuros professores para desenvolverem um trabalho com a leitura de literatura em sala de aula. Desse modo, decidimos fazer face a essa problemática, desenvolvendo uma pesquisa sobre a inserção do ensino de literatura nos cursos de licenciatura em Pedagogia. 1.2 Iniciando o percurso pela trilha escolhida De início, retomamos a leitura da Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. A partir disso, constatamos que o perfil do graduado em Pedagogia deverá contemplar consistente formação teórica, bem como diversidade de conhecimento e de práticas que se articulem ao longo do curso. Todavia, esse documento silencia sobre a literatura. Essa situação é crítica e desconfortável, haja vista a relevância da literatura na atuação do professor, como também a necessidade de uma formação que assegure a leitura de literatura e a mediação de leitores. Assim, entendemos que é preciso prover os professores tanto de repertório literário quanto de fundamentação teórica e metodológica para melhor entenderem e desenvolverem suas práticas de ensino de literatura (SILVA; ZILBERMAN, 2008). Nesse cenário, indagamos: que saberes de literatura o graduando vai apreender e construir se não existem disciplinas que contribuam para essa formação ou possibilitem vivências com diferentes práticas de literatura? 36 Os estudos e pesquisas sobre o ensino de literatura desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Ensino e Linguagem,da Linha Educação, Comunicação, Linguagens e Movimento, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), têm contribuído para ratificar a fragilidade na formação de professores que devem inserir a literatura nas salas de aula e desenvolver um trabalho que contribua para a formação do leitor. Nesse sentido, Amarilha (2012) argumenta que existe despreparo dos educadores como leitores e formadores de leitores, dada a precária relação que eles mantêm com o texto literário, levando-nos a crer que eles não se reconhecem como formadores e pouco utilizam o texto de literatura em sala de aula, impedindo o encontro das crianças com o prazer, o simbólico, a linguagem lúdica, o saber e o conhecimento de mundo que a literatura propicia. Para desvendar as tramas que são determinantes nessa problemática, julgamos relevante começarmos pela análise dos currículos de Pedagogia das universidades federais, no sentido de conhecermos a presença da literatura na formação dos pedagogos. Tomamos as universidades federais como corpus, considerando a condição de referência de ensino que elas representam. 1.3 Objetivos e delimitações da pesquisa Adotando como elementos desta investigação os aspectos constituintes do currículo, do ensino de literatura e da formação do pedagogo, escolhemos como norteadoras da pesquisa as seguintes questões: ✓ Quais as contribuições da literatura para o desenvolvimento humano? ✓ Existem disciplinas voltadas para o ensino de literatura nos cursos de Pedagogia das universidades federais? Tendo como eixos norteadores as questões propostas, elegemos como objeto de estudo o espaço da literatura no currículo do curso de licenciatura em Pedagogia, partindo do pressuposto de que uma formação inicial formal do pedagogo que contemple em seu currículo o ensino de literatura contribuirá para que este possa atuar na mediação de leitura de literatura e na formação de leitores em sua vida profissional. 37 Objetivamos, com esta pesquisa, investigar o ensino de literatura no curso da licenciatura em Pedagogia, considerando que a literatura é fundamental para a formação humana e indispensável para a formação de futuros professores da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e da EJA. Desse objetivo geral, desdobram-se os objetivos específicos abaixo: ✓ compreender a concepção de currículo e os saberes necessários para a formação de pedagogos que atuem nos níveis de ensino de sua competência; ✓ conhecer a presença da literatura no currículo de Pedagogia das universidades federais do Brasil. 1.4 Estado da arte Com o intuito de aprofundar nossos conhecimentos no tocante ao ensino de literatura na universidade, buscamos investigar trabalhos que evidenciassem tal prática na formação inicial, especificamente nos cursos de graduação em Pedagogia. Para tanto, examinamos em bancos acadêmicos e em bases científicas pesquisas de Mestrado e de Doutorado que discorrem sobre essa temática, no sentido de validar a importância de nosso objeto de estudo. Iniciamos uma busca pelo Banco de Dissertações e Teses na Base (BDTD), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), dos últimos dez anos. Nesse percurso, observamos que poucos trabalhos discutem o ensino de literatura na academia e essa escassez se torna mais evidente ao delimitarmos nossa pesquisa para a graduação em Pedagogia. Dos poucos registros que fizemos, destacamos que o ensino de literatura aparece como uma preocupação da graduação em Letras, na formação de futuros professores de Língua Portuguesa para os anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Essas pesquisas geralmente são desenvolvidas em Programas de Pós-graduação na área de Letras. Esse diagnóstico é ratificado no artigo que tem por título“Ensino de literatura: o que dizem as dissertações e teses recentes (2001- 2010)”,que faz um mapeamento em torno do ensino de literatura, no âmbito de programas de pós-graduação em Educação e Letras do país. 38 A pesquisa para esta tese foi realizada utilizando a palavra-chave Ensino de Literatura,que resultou emcinco trabalhos na área de Educação e onze na de Letras. Nas duas áreas, o foco dos estudos é recorrente no ensino médio, somando nove, mais da metade (56%) dos trabalhos desenvolvidos, conforme tabela abaixo. Tabela 1 – Ensino de literatura na pós-graduação em Educação e Letras (2001- 2010) EDUCAÇÃO Foco Número de trabalhos Ensino Médio 04 Discursos Livro Infantil 01 LETRAS Ensino Médio 05 Letras 03 Ensino Fundamental – 9º ano 01 Ensino Fundamental – 2º e 9º anos; Ensino Médio – 3º (análise de conteúdos de materiais didáticos nos três anos) 01 Ensino Fundamental – 5º ano 01 Fonte: Saldanha, 2016. Elaborado pela autora para fins de pesquisa.Referência: Dalvi e Rezende (2011). Dentre esses trabalhos apresentados, apenas a dissertação com o título“Brincando com a bicharada: a leitura de sextilhas populares e folhetos de cordel no ensino fundamental”, de Moura (2009), aproxima-se de nosso interesse, tendo em vista que objetiva estudar a recepção e o efeito estético causado pela leitura oral de sextilhas e folhetos em uma turma de 5º ano do ensino fundamental, concluindo que é possível a realização de um trabalho significativo de leitura literária na escola. Dos onze trabalhos realizados no curso de Letras, quatro estão vinculados à Universidade Estadual de Maringá (UEM) e três à Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Segundo Dalvi e Rezende (2011), esse fato parece sinalizar que a reincidência das pesquisas sobre Ensino de Literatura nesses locais está relacionada à existência de professores ou grupos de pesquisa que discutem a temática nas instituições-sede. As autoras concluem que, diante dessa estatística, é possível pensar que, se tivéssemos mais professores e grupos com pesquisa nessa área, obviamente teríamos mais estudos e contribuições. Encontramos algumas aproximações com nossa pesquisa na dissertação “Perspectivas de leitura e de ensino de literatura na formação docente do curso de 39 magistério”, de Oliveira (2011), que discute a respeito da leitura, do ensino de literatura e da formação docente, buscando investigar o trato dado à leitura e à leitura literária e analisando as características do ensino de literatura no curso de formação de professores de uma Escola Normal. A dissertação de Zuberman (2005), com o título “Tenho um problema: não gosto de ler! A formação do leitor literário – construção compartilhada do prazer de ler”, teve como objetivo investigar a recepção da leitura de literatura por parte de uma professora que revelou não gostar de ler e não se considerava leitora de literatura. A autora destaca o papel da mediação nos significativos avanços da professora em sua relação com a leitura de literatura. A tese de Ferreira (2007), intitulada “A literatura na sala de aula: uma alternativa de ensino transdisciplinar”,cujos principais objetivos são investigar o grau de transdisciplinaridade no ensino de literatura em sala de aula e propor a leitura literária como uma alternativa de ensino detransdisciplinar, aproxima-se de nossa pesquisa por trazer uma discussão sobre a necessidade da mediação como forma de assegurar uma prática que venha a efetivar o trabalho com a literatura em sala de aula e seu potencial transdisciplinar. A tese de Araújo (2015),“Pedagogia, Currículo e Literatura Infantil: embates, discussões e reflexões”, reflete sobre como se organizam e são significados os currículos dos cursos de Pedagogia de três instituições do estado da Paraíba, procurando perceber como se desenvolvem os estudos acerca da literatura infantojuvenil nesses cursos, que sentidos são dados à dinamicidade que o tema requer, bem como qual a atmosfera histórica, os embates políticos e as discussões geradas durante o processo de inserção desses componentes nos cursos em questão. Conforme observamos, os estudos se aproximam da nossa investigação nos eixos de ensino de literatura, leitura de literatura, mediação, formação leitora e formação do docente. Concomitantemente,distanciam-se por não discutirem especificamente sobre o ensino de literatura na formação do pedagogo. Frequentemente, o ensino de literatura está associado ao ensino médio e ao curso de Letras, mas, quando trata da formação do professor, relaciona-se ao graduando de Letras. Essas investigações revelam que o ensino de literatura é uma preocupação ainda tímida nas universidades, além do fato de que a maioria das pesquisas que 40 existem foi desenvolvida com foco no ensino médio e na graduação em Letras. Entretanto, o responsável pelo ensino da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental é o graduado em Pedagogia. Ele precisa, portanto, de uma formação que contribua para seu exercício em sala de aula, bem como para o ensino de literatura nesses níveis de ensino. Esse fato nos leva a reconhecer que necessitamos de um maior investimento em nosso objeto de estudo, devido a sua relevância e escassez de investigações nessa área. Reiteramos, assim, a importância desta investigação como construção indispensável para pensarmos sobre a inserção do ensino de literatura nos cursos de licenciatura em Pedagogia como maneira de possibilitar a formação de leitores e mediadores de leitura que atuarãona educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e na EJA e, possivelmente, terão a oportunidade de contribuir para a democratização da literatura e a melhora dos níveis de leitura dos nossos alunos. 1.5 Os caminhos da pesquisa Adotamos, neste estudo, a abordagem qualitativa, que dá ênfase à descrição, à indução, à teoria fundamentada e ao estudo das percepções pessoais (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Para Minayo (2011, p. 21), a pesquisa qualitativa procura responder a indagações bem particulares, pois “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. Segundo a autora, esses fenômenos tipicamente humanos fazem parte da realidade social, pois os sujeitos, além de agirem sobre a realidade, são capazes de pensar a respeitodo que fazem e de interpretar suas ações a partir do contexto social no qual estão inseridos, com suas vivências e partilha com os outros indivíduos. Quanto aos objetivos, é descritiva, uma vez que pretende descrever os fatos e fenômenos da realidade pesquisada (TRIVIÑOS, 2015). Nessa perspectiva, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica, a partir de material já elaborado e constituído principalmente de livros e artigos científicos (GIL, 2014), e documental, pois, por permitir realizar alguns tipos de reconstrução, o documento escrito compõe uma fonte extremamente preciosa para o pesquisador das ciências sociais (CELLARD, 2014). 41 A pesquisa documental, para Ludke e André (1986, p.38), “[...] pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. A utilização de documentos contribui para completar as informações recebidas de outras fontes, bem como para comparar os dados obtidos. Para a realização de nossa pesquisa, elegemos os seguintes documentos do curso de Pedagogia das universidades pesquisadas: Projetos Pedagógicos do Curso, Ementários, Estruturas curriculares, Planos de Ensino das disciplinas Literatura e Língua Portuguesa, Ementas de Educação Infantil, Alfabetização e Letramento e disciplinas voltadas para o ensino de Linguagens, Leitura e produção de textos. No tratamento dos documentos, utilizamos elementos da Análise de conteúdo, conforme a delineou Bardin (2011). Essa modalidade de abordagem “é sempre de ordem semântica” (BARDIN, 2011, p. 134), em que, a partir da organização e sistematização dos dados, no caso desta tese, sob forma quantitativa, por meio de números, percentagens, quadros e gráficos, é possível construir indicadores semânticos, portanto, qualitativos sobre o objeto em estudo. Elegemos, assim, como indicadores da inserção da literatura no curso de licenciatura em Pedagogia, as diferentes nomenclaturas que nomeiam as disciplinas que se referem à área de literatura, como: Literatura infantil, Literatura infantojuvenil, Teoria e prática de literatura, Educação e literatura, Literatura e infância, Literatura infantil e educação da criança, Língua e literatura, Educação literária na escola e na biblioteca, Leitura literária na escola, Metodologia do ensino de literatura, Pedagogia e literatura infantil e expressões afins, bem como as unidades didáticas que se apresentam nos programas dos cursos de Letras e que também são oferecidas aos cursos de Pedagogia. Um indicador distinto, considerado sobre a inserção da literatura nos cursos de Pedagogia, que compõe o corpus da pesquisa é a frequência da oferta, seja ela de natureza obrigatória, seja optativa ou eletiva. Nessa mesma lógica, outro indicador é a carga horária destinada à disciplina nos cursos de Pedagogia, visto que o tempo de acesso do graduando à disciplina implica também a qualidade de sua formação. Entendemos que o registro da presença da disciplina de Literatura nos cursos de licenciatura em Pedagogia, nos documentos que utilizamos para a construção de 42 dados, é um indicador fundamental do reconhecimento institucional, do ponto de vista de sua consolidação em espaço legal; acadêmico, do ponto de vista de sua existência como saber científico; e formativo, do ponto de vista do reconhecimento de sua relevância na formação do pedagogo. Utilizamos a internet como suporte técnico para a construção dos dados. De acordo com Mendes (2009), a solicitação de documentos em pesquisas online pode ser vantajosa, porque o acesso aos participantes é maior e múltiplos locais podem estar envolvidos. Em nosso caso, dada a abrangência da pesquisa, seria inviável realizá-la sem o auxílio da internet. No primeiro momento, fizemos uma busca dos Projetos Pedagógicos, das Ementas e das Estruturas Curriculares dos cursos de Pedagogia das universidades pesquisadas a fim de realizarmos um levantamento das disciplinas de literatura ofertadas no curso de graduação em Pedagogia. Em seguida, enviamos e-mail (conforme endereço no site) para a secretaria e/ou coordenação dos cursos de Pedagogia, requerendo os documentos disponibilizados pela maioria das universidades, eprocedemos à análise destes e diagnosticamos a necessidade de informações complementares para validar nossas análises. Como fontes complementares na construção dos dados, foram incluídas as informações fornecidas pelos colaboradores por meio de mensagens eletrônicas a respeito de aspectos que os documentos deixavam lacunas ou dúvidas. Para facilitar a descrição, a análise e a leitura, passamos a denominar, de maneira homogênea, de disciplina de Literatura as diferentes ofertas relativas à área de literatura do curso de Pedagogia. Recorremos, então, ao que Mendes (2009, p. 6) denomina de entrevistas não padronizadas: São menos estruturadas e, no ambiente online, podem ser feitas com indivíduos por emails ou chats, em conversas em tempo real. Dividem-se em semiestruturadas (que são relativamente formalizadas e se parecem mais com “conversas” entre participantes iguais) e não estruturadas ou indepth (que enfatizam as experiências subjetivas do indivíduo). Mantivemos contatos por e-mail com coordenadores dos cursos de Pedagogia e Letras, secretários dos cursos de Pedagogia e professores que se dispuseram a colaborar com nossa pesquisa, disponibilizando informações e documentos. Enviamos, por e-mail, carta com pedido de adesão à pesquisa, 43 solicitando informações iniciais para todas as instituições, e Termo de Consentimento livre e esclarecido para os professores, visto que Mann e Stewart (apud MENDES, 2009) esclarecem que, por mais que não haja ainda uma legislação que dê conta integralmente da internet, é dever do pesquisador levar em consideração alguns pressupostos éticos, e por e-mail, como, por exemplo, a obtenção do consentimento do participante da pesquisa. Considerando a dificuldade de contato com algumas universidades e a incompletude de alguns dados, utilizamos telefone, whatsapp e Facebooka fim de viabilizar as informações. Para a realização de nossa investigação, selecionamos 27 (vinte e sete) universidades federais, localizadas, prioritariamente, nas capitais do país, por agregarem geralmente os campi centrais, com exceção da Universidade Federal de Sergipe (UFS), localizada na cidade de São Cristóvão/SE, e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), localizada na cidade de Guarulhos/SP, por serem esses os locais dos cursos de Pedagogia. A escolha pelas universidades federais se deu devido ao fato de estas se destacarem na produção do conhecimento, na pesquisa e na extensão, bem como por funcionarem como laboratórios de programas do governo federal e serem responsáveis pela execução desses programas junto à educação básica. Essas instituições possivelmente possuem maior contato com professores e escolas de educação básica, podendo diagnosticar as principais demandas existentes na formação de professores e nas escolas. Nessas instituições, também se concentra o maior número de cursos de pós- graduação e, consequentemente, o maior número de pesquisas científicas que venham a apontar as necessidades educacionais do país. No quadro abaixo, apresentamos as universidades que compõem o corpus de nossa pesquisa: 44 Quadro 2 – Universidades pesquisadas e sua localização Universidade Localidade 01 Universidade Federal de Alagoas – UFAL Maceió – AL 02 Universidade Federal da Bahia – UFBA Salvador – BA 03 Universidade Federal do Ceará – UFC Fortaleza – CE 04 Universidade Federal do Maranhão – UFMA São Luís – MA 05 Universidade Federal da Paraíba – UFPB João Pessoa – PB 06 Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Recife – PE 07 Universidade Federal do Piauí – UFPI Teresina – PI 08 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Natal – RN 09 Universidade Federal de Sergipe – UFS São Cristóvão – SE 10 Universidade Federal do Acre – UFAC Rio Branco – AC 11 Universidade Federal do Amazonas – UFAM Manaus – AM 12 Universidade Federal do Amapá – UNIFAP Macapá – AP 13 Universidade Federal de Rondônia – UNIR Porto Velho – RO 14 Universidade Federal de Roraima – UFRR Boa Vista – RR 15 Universidade Federal do Pará – UFPA Belém – PA 16 Universidade Federal do Tocantins – UFT Palmas – TO 17 Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Cuiabá – MT 18 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS Campo Grande – MS 19 Universidade Federal de Goiás – UFG Goiânia – GO 20 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Rio de Janeiro – RJ 21 Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Guarulhos – SP 22 Universidade Federal do Espírito Santo – UFES Vitória – ES 23 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Belo Horizonte – MG 24 U Universidade Federal do Paraná – UFPR Curitiba – PR 25 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Porto Alegre – RS 26 Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Florianópolis – SC 27 Universidade de Brasília – UnB Brasília – DF Fonte: Saldanha, 2016. Elaborado pela autora para fins de pesquisa. No tocante aos sujeitos da pesquisa, contamos com a colaboração de dezoito professores, que se disponibilizaram a participar e a esclarecer algumas dúvidas por nós levantadas viae-mail. Propusemo-nos a preservar a identidade desses participantes. Para tanto, utilizamos nomes fictícios de personagens de obras literárias que fizeram parte de nossas leituras. Identificamos apenasa universidade e o departamento de origem desses professores: 45 Quadro 3 – Professores colaboradores da pesquisa Sujeito Universidade Departamento 01 Aurélia UFBA DL 02 Bentinho UNIFESP DE 03 Capitu UNIFESP DE 04 Cintra UFS DE 05 Diadorim UFMG FAE 06 Eugênio UFES DTEPE – DE 07 Emma Bovary UFES DLCE – DE 08 Eunice UFAC DE 09 Escobar UNIFESP DE 10 Fabiano UFAL DE 11 Iracema UFMG FAE 12 Macabéa UFPR FE 13 Martim UFMA DL 14 Olívia UFES DL 15 Raquel UFRJ DE 16 Rebeca UFG FE 17 Riobaldo UFMA DE 18 Sinha Vitória UFPE FE Fonte: Saldanha, 2016. Elaborado pela autora para fins de pesquisa. 1.6 Organização da tese Neste tópico, iremos explicar como esta tese está organizada. Inicialmente, apresentamos um capítulo introdutório com as motivações, a justificativa, as questões, os objetivos e a delimitação do objeto de estudo. Evidenciamos também o estado da arte, o percurso metodológico, a caracterização do lócus e os sujeitos da pesquisa. O segundo capítulo, intitulado“Literatura: um poder imaterial vital ao ser humano”, discorre acerca de algumas concepções sobre literatura, enfatizando a sua importância enquanto criação artística indispensável para a formação humana e como um direito humano e cultural que deve ser assegurado ao sujeito. Nessa perspectiva, a educação seria a responsável por efetivar a inclusão da literatura na sala de aula, mostrando o texto literário como produção inacabada que precisa do leitor para complementar os seus sentidos e atribuir significados. O terceiro capítulo,“Propostas curriculares e a formação do professor: o perfil do pedagogo”, apresenta umadiscussão sobre currículo como práxis, elemento social que se constitui dentro de um contexto, entrelaçado por aspirações sociais, políticas, econômicas e culturais, garantindo os interesses de um grupo. Nesse 46 sentido, a universidade se caracteriza como instituição social responsável pela produção do conhecimento e pela diversidade de saberes, formando o pensamento crítico. A literatura deveria ser, assim, um dos instrumentos que trariam esse conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar, interligando diferentes saberes e ultrapassando as fronteiras disciplinares. O quarto capítulo, que tem por título “Formação do pedagogo”, descreve a trajetória do curso de Pedagogia, expondo a sua origem, seu percurso e o perfil do pedagogo que ele forma. Apresenta os principais documentos que regulamentam e orientam a formação do pedagogo, que saberes são considerados necessários para essa formação e se a literatura está inclusa como um desses saberes. O quinto capítulo,“Literatura e formação de professores: o que dizem os currículos de pedagogia”, analisa os dados da pesquisa sobre o ensino de literatura nos currículos dos cursos de Pedagogia e na formação do pedagogo, bem como a possível inserção da literatura em outras áreas de conhecimento que integram o currículo, a fim de diagnosticar se existem efetivamente saberes de literatura que integrem a formação inicial dos futuros professores de crianças, jovens e adultos. Nas conclusões, propomos reflexões concernentes à finalização de nossa pesquisa, assim como recomendações e proposições para outros caminhos possíveis com relação à inserção da literatura no curso de licenciatura em Pedagogia. 47 2 LITERATURA: UM PODER IMATERIAL VITAL AO SER HUMANO Neste capítulo, propomo-nos a discutir o conceito de literatura. Para tanto, lançaremos o nosso olhar sobre a história da literatura, os conceitos que a cercam e o relevante papel que desempenha na vida do homem e da educação. 2.1 O porquê da literatura [...] o tema da literatura sempre foi o homem no mundo (Sartre). A literatura tem se constituído como uma criação artística indispensável para a sociedade, dada a sua essencialidade no tratamento das características humanas e as suas diversas relações entre o homem, a linguagem e seus contextos social, político e cultural. A história revela que a literatura, em sua abrangência, tem sido intrínseca à vida do homem desde os povos primitivos, que expressavam suas experiências por meio de narrativas, passando pelas civilizações antigas até a contemporaneidade. Não podemos negar o valor da literatura para os seres humanos, contudo, sabemos que esta ora é vista como um bem necessário à vida, ora é culpada por incentivar o mal entre as nações. Diríamos que a literatura é um legado que as gerações herdam de seus antepassados, pois narra a vida dos povos, as vivências, os medos, as lutas, as vitórias, os costumes e a cultura. Desse modo, é justificável a nossa identificação com personagens na construção de nossa própria história. Zilberman (2008) evidencia esse aspecto ao destacar a importância dos poemas Ilíada e Odisseia, explicando que [...] os dois poemas épicos passaram a representar para os gregos o que a Bíblia significava para os hebreus: contava as origens da nação helênica, explicava a diferença entre os homens e os deuses, justificava o modelo político adotado, elencava, para a população, as normas de comportamento privilegiadas pela sociedade (ZILBERMAN, 2008, p. 17). A literatura propicia o conhecimento e o processo de identificação com os personagens, ambos indispensáveis para nos reconhecermos integrantes de uma 48 comunidade. Por meio do texto literário, percorremos outros mundos, entramos nas histórias e construímos outras, visto que a literatura tem relação com nossa vida. Essa afirmativa nos fez mergulhar em dois romances, Senhora (ALENCAR, 2009)e Olhai os Lírios do Campo (VERISSIMO, 2005), que, mesmo escritos com a diferença de mais de cinquenta anos entre um e outro, trazem questões relativas à predominância do capitalismo e seu efeito na vida humana, às diferenças sociais, ao casamento e seus interesses e à relação do homem consigo mesmo e com a sociedade. Em Senhora (1875), de José de Alencar, a figura feminina assume características de uma mulher à frente de seu tempo. A personagem Aurélia Camargo, bela, inteligente e pobre, não perdoa seu amado Seixas por deixá-la por uma mulher rica. Ao receber uma inesperada herança, Aurélia, dividida entre o orgulho e amor ferido, planeja vingar-se do seu antigo noivo e propõe, através de seu tutor, um casamento por dinheiro sem que seja revelada sua identidade até as vésperas do casamento. O plano de Aurélia é concluído na noite de núpcias. Ela humilha o marido comprado, impondo-lhe regras de convivência conjugal, entre elas a de que, quando estivessem em casa, seriam dois estranhos, mas para a sociedade seriam vistos como um casal perfeito. Aurélia segue com seus planos de vingança e usa Seixas para satisfazer todas as suas vontades, deixando claro o seu direito de compradora: [...] – Aurélia! Que significa isto? - Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter esse orgulho, que os melhores atores não nos excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entretemos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido. - Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro d'alma. - Vendido sim; não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem mil cruzeiros, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento (ALENCAR, 2009, p.93). O marido comprado, subordinado à sua dona, atende aos seus caprichos, assumindo o lugar de homem objeto, sujeito a todas as vontades de sua compradora devido à dívida contraída para com esta. Aurélia mantém-se altiva, perspicaz, 49 soberana e dominadora, incentivada por sua imensa riqueza e pelo seu desejo de vingança. É pertinente a afirmativa de Candido (2014) quando menciona que a integridade da obra somente pode ser entendida fundindo texto e contexto em uma interpretação dialeticamente íntegra. É preciso situar a obra, o autor e a influência da organização social, política e econômica. As relações entre Aurélia e Seixas não podem ser vistas fora da realidade histórica na qual eles se encontram. Essas personagens representam a sociedade burguesa do Brasil no século XIX, aportada no dinheiro, moeda de troca das relações afetivas, bem utilizada pela protagonista para realizar seu plano e comprar um jovem ambicioso que pretende elevar-se dentro da sociedade por meio de um casamento bem-sucedido. Candido (2014) nos mostra que o externo, o social trazido em Senhora, importa como elemento que desempenha uma função estruturante na obra, tornando-se interno. As condições sociais precisam ser entendidas dentro de um contexto para compreendermos o seu significado, conforme explica: [...] Trata-se da compra de um marido; e teremos dado um passo adiante se refletirmos que essa compra tem um sentido social simbólico, pois é ao mesmo tempo representação e desmascaramento de costumes vigentes da época, como o casamento por dinheiro. Ao inventar uma situação crua do esposo que se vende em contrato, mediante pagamento estipulado, o romancista desnuda as raízes da relação, isto é, faz uma análise socialmente radical, reduzindo o ato ao seu aspecto essencial de compra e venda [...] Vemos que o comportamento do protagonista exprime, em cada episódio, uma obsessão com o ato da compra a que se submeteu, e que as relações humanas se deterioram por causa dos motivos econômicos. A heroína, endurecida no desejo de vingança, possibilitada pela posse do dinheiro, inteiriça a alma como por meio do capital, que o reduz à coisa possuída. E as próprias imagens do estilo manifestam a mineralização da personalidade, tocada pela desumanização capitalista, até que a dialética romântica do amor recupere a sua normalidade convencional. No conjunto, como no pormenor de cada parte, os mesmos princípios estruturais enformam a matéria (CANDIDO, 2014, p. 15-16). As análises feitas por Candido indicam que o romance representa a estrutura da sociedade burguesa da segunda metade do século XIX: os casamentos arranjados, por conveniência, em uma espécie de mercado matrimonial, no qual se estabelecia um contrato social para a manutenção do status econômico das famílias. 50 O casamento de Aurélia com Seixas denota claramente uma relação desigual, marcada, por um lado, pelo poder pessoal da mulher ofendida, que usa sua riqueza para dominar e impor padrões de convivência social, e,por outro, por Seixas, comprado, humilhado e subordinado a uma situação de servidão à sua dona. Essa relação demonstra o poder coercitivo de uma sociedade mercantil, exploradora, sustentada pela mão de obra escrava para gerar riqueza dos latifúndios. As vontades de Aurélia são realizadas por causa de sua riqueza, que lhe dá o poder de escravizar. O desejo do jovem burguês de ascender socialmente e de ter uma estabilidade econômica o leva a aceitar um casamento por interesse e servir de escravo para a esposa. Os interesses sociais e econômicos se sobrepõem aos interesses humanos, reduzindoos sujeitos ao amesquinhamento, ao processo de despersonalização e à perda de sua própria identidade. Acompanhamos uma história semelhante no romance Olhai os Lírios do Campo, de Erico Verissimo, escrito em 1938. A obra temcomo pano de fundo o Brasil pós-Revolução de 1930, que foi seguida pelo golpe que instituiu o Estado Novo. Nesse contexto, o país aderiu à economia capitalista e sofreu as consequências de conviver com a tradição rural, a burguesia rural, o intenso processo de industrialização, a modernização das cidades e o surgimento da burguesia industrial, que acentuaram as diferenças entre campo e cidade. Nesse cenário, prevaleciam o acúmulo do capital, a ostentação, a vaidade, o luxo e a supervalorização social, os quais se sobrepunham aos conceitos de moral e respeito ao outro, inclusive à família. Nesse âmbito, o personagem Eugênio, com uma infância marcada pelas dificuldades financeiras, torna-se um homem pessimista e complexado. Seu desejo ambicioso de adquirir fortuna e fama leva-o a deixar seu amor, Olívia, mulher simples, humilde e determinada, para casar com Eunice, mulher rica e influente. Escolhendo o casamento como o caminho para contrair riqueza e reconhecimento social, Eugênio, que acreditava no dinheiro como solução para sua vida e suas angústias, passa a viver de aparências, adultérios, conflitos interiores e eternas contradições. Aprendemos com Olívia outra forma de enxergar a vida e a sociedade, a superar a dor da traição ao ser trocada por outra. Ao contrário de Aurélia Camargo, que alimenta a vingança como forma de superar a dor, Olívia mostrou-se, através das cartas que escreveu para Eugênio, uma mulher controlada, humilde e que 51 criticava a sociedade capitalista fútil e vazia, o acúmulo de riquezas e a consequente hipocrisia das relações sociais, que leva o ser humano a se moldar e a se tornar máquina. Ela é apaixonada pela vida e defensora de valores humanos, como podemos observar no fragmento abaixo: Mas o que procuro, o que desejo, é segurar a vida pelos ombros e estreitá-la contra o peito, beijá-la na face. Vida, entretanto, não é o ambiente em que te achas. As maneiras estudadas, as frases convencionais, excesso de conforto, os perfumes caros e a preocupação com dinheiro são apenas uma péssima contrafação da vida. Buscar a poesia da vida fora da vida será coisa que tenha nexo? (VERISSIMO, 2005, p.171). A personagem feminina de Verissimo transparece doçura, sensibilidade e demonstra ser conhecedora das inquietudes masculinas, ao mesmo tempo que se revela forte e determinada ao seguir sua carreira profissional e criar, sozinha, a filha que tem com Eugênio. As narrativas expostas apresentam situações que elucidam as relações humanas com o outro e com a sociedade. Trazem reflexões sobre as diferentes atitudes das personagens, em circunstâncias semelhantes, evidenciando a importância da literatura para a construção da identidade do homem, pois ela expressa em suas obras as nossas vivências, os conflitos que enfrentamos no cotidiano, os desejos que sentimos, as relações que construímos com o outro e a relação com a sociedade na qual vivemos. O poder imaterial da literatura não pode ser medido, avaliado, pesado, mas serve para a alma humana, para o encontro dos sujeitos com seu interior e exterior, visto que dá prazer; guarda e revela, simultaneamente, os segredos da mente humana; alarga os horizontes da vida. Segundo Eco (2003), estamos cercados de poderes imateriais que influenciam nossa vida e têm algum significado. Dentre vários deles, o autor cita a literatura e a designa como um conjunto de textos que a humanidade produziu e produz para fins não práticos, não utilitários para as tarefas cotidianas (anotações, registros). São textos que se leem por prazer, elevação espiritual, ampliação dos próprios conhecimentos e até por passatempo. Eco é bastante enfático ao destacar a literatura como um poder imaterial e defende que somente o fato de esta servir para deleite já seria suficiente para a formação do homem. Ele traz para nós algumas funções que a literatura assume para a nossa vida individual e social, pois 52 [...] a literatura mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo; a língua vai para onde ela quer, mas é sensível às sugestões da literatura; a literatura, contribuindo para formar a língua, cria identidade e comunidade (ECO, 2003, p.10-11). O autor explica a influência da literatura na formação da língua individual e coletiva, uma vez que diversas obras e seus autores foram fundamentais para o desenvolvimento da linguagem de diversos povos. Segundo Eco (2003), a língua é mutável e percorre vários caminhos. O autor nos convida a pensar o que teria sido da civilização grega sem Homero e da identidade alemã sem a tradução da Bíblia feita por Lutero. Destacamos outra função da literatura citada pelo autor, a de que “a leitura literária nos obriga a um exercício de fidelidade e de respeito na liberdade de interpretação” (ECO, 2003, p.12). Nessa perspectiva, ele nos adverte que devemos propiciar ao leitor a liberdade de interpretação, o confronto com os conhecimentos das experiências que o leitor tem e a produção de novos, visto que o texto literário proporciona essa liberdade.A esse respeito, Eco (2003, p. 12) acrescenta: As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da linguagem da vida. Mas para poder seguir neste jogo, no qual cada geração lê obras literárias de modo diverso, é preciso ser movido por um profundo respeito para com aquela que eu, alhures, chamei de intenção do texto. O autor esclarece que o texto literário abre um leque de possibilidades, de interpretações e de inferências. É respeitável que o leitor seja conduzido a formular suas interpretações e juízos de valor, entretanto, convém ressaltar que isso não significa que todos os entendimentos sejam aceitos, pois o texto traz proposições que não podem ser colocadas em dúvida ou interpretadas livremente. A leitura do texto literário coloca o leitor em contato com diversas sensações, provocando reações e experiências múltiplas. Essa leitura é uma troca de impressões e de comentários acerca do texto, já que proporciona as lembranças e as vivências de acontecimentos cotidianos. Por essa razão, é importante a formação do leitor literário no sentido de proporcionar ao ser humano a fantasia, a liberdade, a espontaneidade e a inventividade, que são inerentes aos indivíduos. Para Pound (2013, p. 35), “a literatura é linguagem carregada de significado”. O leitor interage 53 com o texto e dá sentido ao que está escrito, não apreendendo somente o que é exposto pelo texto, o que está previamente definido. O leitor constrói novas significações, novos sentidos, que podem ser acrescentados à linguagem. Portanto, as qualidades comunicativas da literatura trabalham as questões sociais e promovem o questionamento e a criticidade. A literatura apresenta, refuta, indaga e confirma crenças e valores preconcebidos por diferentes gerações. É um evento da fala e do texto que exige uma leitura envolvente, o que conduz o leitor a dar sentido ao que lê a partir de seu contexto, sendo indispensável para a formação humana. 2.2 A literatura e o contexto histórico Mas quero falar de literatura especificamente. Em que se lê, sobretudo narrativas e expressão poética de povos e pessoas/personas em vidas vividas, sonhadas, desejadas, ensaio e criação. (Eliana Yunes) Entendemos que a literatura é uma produção cultural que propicia desvelar o universo humano com suas peculiaridades. Por meio dela, podemos conhecer a história e a cultura das gerações anteriores, dos diferentes povos e de nós mesmos. A leitura literária nos leva a construir sentidos e a preencher lacunas deixadas pelo autor, posto que, ao lermos uma obra literária, entramos em contato com personagens e com esses vamos construindo um processo de identificação. Logo, o leitor interage com o texto a partir de seu contexto, de seus sonhos, de seus desejos. De acordo com os registros históricos (FISCHER, 2006), desde sua origem, a literatura esteve vinculada aos interesses práticos da sociedade, distanciando-se da leitura por prazer, pois, “na maioria das vezes, a ‘literatura’ antiga expressava somente o que podia ser decorado. Leitura e escrita não existiam como domínios autônomos de atividade. Eram meros complementos ao discurso oral” (FISCHER, 2006, p. 13). A literatura era utilizada por uma pequena minoria para satisfazer suas necessidades. Os nobres chamavam leitores e contadores para entretê-los durante as refeições como forma de socialização, bem como antes de dormir, utilizando-a 54 também para revelação do poder, manipulação religiosa e preservação dos preceitos morais da nobreza. Para Manguel (1997), a história mostra que os monarcas, ditadores e governantes aspiravam contar com uma multidão analfabeta para dominá-la facilmente. Não podendo fazer desaprender a arte da leitura, utilizavam a limitação e a proibição como recursos para manter seu poder. O autor afirma que essa história é clareada por uma fileira permanente de fogueiras de censores, desde os primeiros rolos de papiros, códex, a livros de nossa época. Manguel (1997) traz à tona vários exemplos, como: 411 a.C., em Atenas, quando as obras de Protágoras foram queimadas; quando os nazistas queimam livros em Berlim, em 1933; a proibição da circulação de Dom Quixote no Chile, em 1981, liderada pelo general Pinochet; dentre outros acontecimentos que evidenciam a proibição da leitura, especialmente a literária, em virtude de seu discurso emancipatório, e a ameaça que esse potencial representa para os governos autoritários. Esses fatos nos fazem lembrar do romance O Nome da Rosa (2016), de Umberto Eco. A obra apresenta uma série de acontecimentos ocorridos durante a Idade Média que caracterizam a passagem do feudalismo para um novo regime econômico, como o capitalismo da Europa Ocidental, o renascimento, dentre outros. A narrativa traz discussões acerca de várias temáticas, entretanto, situaremos o enfoque na proibição da leitura de livros na biblioteca de um mosteiro. Eco expõe o poder da igreja católica na época e o controle que ela mantém sobre as bibliotecas, impedindo ao homem comum ter acesso a livros. O acesso à antiga biblioteca de um convento beneditino era proibido, como vemos no fragmento a seguir: [...] Ninguém deve. Ninguém pode. Ninguém, querendo, querendo, chegaria ali. A biblioteca defende-se por si, insondável como a verdade que abriga, enganadora como a mentira que guarda. Labirinto espiritual, é também labirinto terreno. Podereis entrar e podereis não sair (ECO, 2016, p. 76). Na biblioteca, havia livros com saberes considerados profanos, especialmente o II livro da Poética de Aristóteles (o qual tinha suas páginas envenenadas e quem as tocasse morreria), que discorria sobre a comédia e o riso. Nessa visão, os livros poderiam ameaçar a fé cristã e corromper o homem comum. Eco apresenta a proibição da leitura de literatura e o acesso ao livro como oposição ao conhecimento, visto que a biblioteca guardava um acervo de 55 conhecimentos materializados na obra de Aristóteles que simbolizava a abertura para o questionamento, para a ciência, para o raciocínio lógico e para a razão. Tais fatores ameaçariam a soberania exercida pela igreja. Essas reflexões e fatos demonstram que a leitura de literatura tem relevante significado para a formação social, política, estética, emocional e intelectual do indivíduo, o que é reconhecido pelas classes dominantes e dominadas (MANGUEL, 1997). A literatura dá prazer, autoconhecimento e possibilidades para o ser humano interpretar a realidade e atuar sobre ela, sendo instrumento de libertação e criticidade. É importante destacarmos que a disseminação da literatura se deu por meio da contação de histórias. Contadores antigos e mais experientes formavam rodas e, nesse contato direto com o público, chamavam a atenção para a apreciação das histórias. Manguel (1997) explica que ouvir o texto perdurou por muito tempo, antes do aparecimento da imprensa, considerando que a alfabetização era um fenômeno raro, como também raros eram os livros, que permaneciam nas mãos dos ricos e de poucos leitores. Por isso, uma das formas de familiarização com os livros era escutar os textos recitados ou lidos em voz alta. A leitura oral propiciava uma experiência diferente, pois, “ao mesmo tempo em que dependia também da capacidade de ‘desempenho’ do leitor, a leitura pública punha mais ênfase no texto do que no leitor” (MANGUEL,1997, p. 139). Os jograis recitados pareciam peças teatrais e o sucesso ou fracasso dependia do intérprete, das expressões e do tema. No século XVI, os professores, seguindo o método escolástico, mostravam seus saberes às crianças e aos jovens, liam livros e depois os jovens repetiam em voz alta, aspirando, com isso, que os pupilos pudessem falar com eloquência e viver na virtude. De acordo com Manguel (1997, p. 97), o mérito desse tipo de leitura consistia em o indivíduo “ser capaz de recitar e comparar as interpretações de autoridades reconhecidas e, assim, tornar-se ‘um homem melhor’”. A criança, inserida nas rodas de leitura dos adultos, quando aprendia a ler, era treinada para viver na sociedade conforme os padrões autoritários determinados. A literatura, dita infantil, atendia ao ensino de regras gramaticais e à memorização; a não assimilação desses textos implicava penalização, na qual os alunos liam e os professores seguravam uma vara de vidoeiro como forma de intimidá-los ou corrigi- los. 56 A literatura para a infância surgiu por meio de práticas voltadas para uma educação controladora e contraditória, não existindo lugar para o lúdico, para a imaginação nem para a beleza da poesia. Nessa lógica, Amarilha (2012, p. 46) explica: É somente em fins do século XVIII que se consolida um conceito mais específico do que seja infância. A necessidade de educar essa nova geração e introduzi-la nos moldes civilizatórios que se impunham, com a Revolução Francesa e o processo de industrialização, em toda Europa, criavam também espaço para a produção cultural ao público emergente. Nasce, assim, uma literatura de cunho didático, em que o lúdico é apenas um recurso para a instrução. A partir de critérios pedagógicos, os livros que compunham as bibliotecas dos adultos foram adaptados para as crianças. As fontes foram diversas: os contos populares, lendas e fábulas se constituíram no primeiro repertório de literatura para as crianças. Essa literatura não tinha um objetivo puramente estético, mas nela predominava o tom instrucional e pedagógico, o que contribuiu para diminuir-lhe o status frente a outras manifestações artísticas. Nesse contexto, percebemos que a literatura para a infância surgiu tardiamente e permaneceu por muito tempo a serviço dos ideais de uma sociedade que queria repassar seus preceitos e tradições. Mesmo depois de a infância ser vista como fase diferenciada, a literatura permaneceu a serviço da instrução dessas crianças nas escolas. Os livros foram adaptados para essa fase, com interesse didático. De modo geral, temos uma história que efetiva o descaso com o texto literário como bem cultural, necessário aos seres humanos. Negar a literatura, ou utilizá-la somente com fins práticos, didáticos e instrutivos, tira do sujeito a oportunidade de crescimento pessoal. 2.3 A literatura é um direito humano, é cultura Todo cidadão tem direito à literatura e é dever de uma sociedade democrática procurar garantir, a todos, as oportunidades de acesso ao universo da arte literária. (Ana Maria Machado) O debate acerca dos direitos humanos perdura há séculos. Esse fato recebe notoriedade e força na sociedade contemporânea devido às conquistas realizadas por diferentes grupos socioculturais, que ganham maior espaço nos debates e 57 cenários públicos. As discussões atuais sobre esses direitos são múltiplas e se evidenciam por meio dos movimentos sociais que apontam marginalizações, injustiças, desigualdades, discriminações e reivindicam a igualdade de direitos e o reconhecimento cidadão. Para Santos (2014), a incorporação dos direitos humanos nas constituições e nas práticas jurídicas de muitos países se dá há mais de duzentos anos. Esses direitos “foram reconceitualizados como direitos de cidadania, diretamente garantidos pelo Estado e aplicados coercitivamente pelos tribunais: direitos cívicos, políticos, sociais, econômicos e culturais” (SANTOS, 2014, p. 22). Entretanto, o autor explica que, na maioria dos países, a efetivação e a proteção aos direitos da cidadania ocorrem de forma precária, o que nos faz conviver com uma realidade perturbadora. O autor acrescenta que “a grande maioria da população não é sujeito de direitos humanos. É objeto de discursos de direitos humanos” (SANTOS, 2014, p. 15). Esse fato leva-nos a questionar se os direitos humanos realmente estão a serviço dos marginalizados, dos discriminados, dos explorados ou se tornam mais difícil esse acesso, haja vista que essa luta ilustra o descumprimento e violação dos direitos da cidadania. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, isto é, originam-se gradativamente em determinados momentos e circunstâncias, provenientes de lutas contra velhos poderes. De acordo com o autor, esses direitos nascem quando devem ou podem nascer, conforme o aumento do poder do indivíduo, acompanhado do progresso técnico, ou seja, da capacidade do homem de dominar a natureza e seus pares. Ao abordar o tema direitos humanos, Bobbio (2004) argumenta que o problema está intimamente ligado ao da democracia e da paz. Esses direitos são adquiridos com luta, e o marco inicial dessa conquista é o constitucionalismo. A paz é o pressuposto indispensável para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos humanos em todas as localidades, nacionais e internacionais. Somando-se a isso, o processo de democratização do sistema internacional é o caminho a ser percorrido em busca do ideal de paz. Para esse autor, direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. 58 Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo (BOBBIO, 2004, p. 7). Entendemos que os direitos humanos carecem de um reconhecimento constitucionalizado e que sua efetivação seja assegurada como forma de dar voz e incluir os grupos excluídos que lutam por seus direitos. Esse reconhecimento somente ocorre em uma sociedade democrática, a qual abre espaço para a igualdade de oportunidades de todos os cidadãos, respeitando a realidade sócio- histórica e as diferenças culturais. Atentamos para a necessidade de compreendermos que nenhuma cultura é monolítica, já que os grupos culturais são heterogêneos e buscam, por meio dos debates e ações, afirmar que o multiculturalismo é uma característica da sociedade contemporânea. Nesse contexto, deparamo-nos com uma educação que valoriza uma cultura hegemônica, camuflada, inexistente. Para Candau (2008, p. 50), no caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização, todos são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc. Desse modo, a educação é constitucionalizada como direito humano de segunda geração, incluída no rol dos direitos sociais, mas não cumpre sua função primordial de formar para a cidadania, de atender as reivindicações dos grupos minoritários, o grupo dos excluídos. Os sistemas educacionais propiciam o acesso a esses excluídos, contudo, essa inserção se dá sem nenhuma preocupação com um projeto de cultura que considere a variedade de dialetos, de saberes, de descrenças e de valores de grupos que estão à margem dos ditames sociais impostos e reproduzidos por meio dos currículos escolares. Candau (2008) defende um multiculturalismo aberto e interativo que intensifique a interculturalidade, por considerá-la a mais apropriada para a formação de sociedades democráticas e inclusivas que articulem políticas de igualdade com políticas de identidades. A autora aponta algumas características da perspectiva intercultural: 59 Uma primeira, que considero básica, é a promoção deliberada da inter-relação entre diferentes grupos culturais presentes em uma determinada sociedade [...] Em contrapartida, rompe com uma visão essencialista das culturas e das identidades culturais. Concebe as culturas em contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução [...] Está constituída pela a afirmação de que nas sociedades em que vivemos os processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de identidades abertas, em construção permanente, o que supõe que as culturas não são puras [...] A consciência do mecanismo de poder que permeiam as relações sociais [...] Não desvincula as questões da diferença e da desigualdade presentes hoje de modo particularmente conflitivo, tanto no plano mundial quanto em cada sociedade (CANDAU, 2008, p. 51). Nesse sentido, a perspectiva intercultural compreende as representações de raça, gênero e classe como fruto das lutas sociais, entendendo que existem diferenças culturais e a necessidade de transformação das relações sociais, culturais e institucionais. Essa perspectiva defendida por Candau (2008, p. 52) “quer promover uma educação para o reconhecimento do ‘outro’, para o diálogo com diferentes grupos sociais e culturais”. Diante desse contexto, a educação assume posição de destaque na luta pela efetivação dos direitos humanos fundamentais. Percebemos a necessidade da incorporação de conteúdos e conhecimentos que valorizem a diversidade cultural e as diferentes visões de mundo de forma democrática e equitativa. Defendemos a inserção da literatura nos currículos escolares dos sistemas educacionais por considerarmos esta como um bem cultural e um direito de todos os homens. A literatura traduz o pensamento de cada época e contribui para a formação cidadã do homem, constituindo-se como um conhecimento indispensável para a formação humana. Por meio da literatura, o sujeito tem oportunidade de vivenciar as mais diversas experiências. Ao interagir com o texto literário, o sujeito, enquanto leitor, está inserido em um contexto sociocultural, com conhecimentos formados da interação com outros, passando a conquistar novos aprendizados, interpretá-los, atribuir sentidos ao que lê e construir novos conhecimentos. A literatura propicia ao homem acercar-se dos pensamentos defendidos pelas diferentes classes sociais, dos acontecimentos que ocorrem na sociedade e dos problemas que afligem os seres humanos nos âmbitos pessoal, psicológico e social. 60 O texto literário traz marcas dos contextos social, político, econômico e cultural em cada época em que é escrito e acreditamos que “se a literatura de uma nação entra em declínio a nação atrofia e decai” (POUND, 2013, p. 39). Os escritores têm uma função social importante, pois, por meio da linguagem escrita, se comunicam, repassam a herança histórica e cultural de nossos antepassados e especulam sobre o futuro. Candido (2002, p. 85) assinala que a literatura possibilita ao leitor o conhecimento de mundo: A obra literária significa um tipo de elaboração das sugestões da personalidade e do mundo que possui autonomia de significado; mas que esta autonomia não a desliga das suas fontes de inspiração no real, nem anula a sua capacidade de atuar sobre ele. O texto literário contribui para o indivíduo conhecer a realidade e oferece a oportunidade de questionar, amadurecer, desenvolver a capacidade cognitiva, formular ideias, modificar conceitos e conceber novos, com diferentes visões de mundo. Sobre esse assunto, Candido (2002) traz exemplos da representação do regionalismo brasileiro em diferentes momentos na literatura. O Arcadismo, no século XVIII, que se aproximou do mundo europeu, apresentava o homem rústico idealizado na tradição clássica. No século XIX, surgiu o indianismo, que rompeu com a identificação do mundo europeu em busca do homem americano. Na obra Iracema (1991), o cearense José de Alencar exalta esse período. O autor romantizou a colonização realizada pelos portugueses,narrando a relação entre a índia Iracema, da tribo dos tabajaras, com o personagem histórico Martim Soares Moreno, o que simboliza uma espécie de conciliação entre o branco e o índio. A obra Marília de Dirceu (2015), do autor Tomás Antônio Gonzaga, traz marcas da cultura clássica europeia, como a vida campestre, o pastoreio e a fuga dos centros urbanos. A individualidade do poeta árcade é influenciada por um romance com uma mulher, pela prisão injusta e brutal, como inconfidente, e pela beleza da natureza e do clima tropical. Em Contos Gauchescos (1976), de João Simões Lopes Neto, considerado o maior autor regionalista do Rio Grande do Sul, exaltam-se a cultura e as tradições desse estado, assim como o gaúcho trabalhador, vaqueiro, honesto e rústico. 61 Candido (2002) discute o fato de o regionalismo se manifestar de duas formas: como instrumento de transformação da língua e autoconhecimento de um país ou como fator de artificialidade na língua e de alienação ao conhecer as características do país. Sem desprezar esse alerta, enfatizamos aqui a proximidade entre o leitor e o mundo e a oportunidade de apreciar as histórias, vivências, tradições e cultura dos povos em espaços e tempos diversos. Expandindo essa ideia, a literatura permite discutir temáticas sociais e criticar realidades que perpassam o tempo e o espaço. Tomemos como exemplo o romance Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos, que focaliza aspectos do Nordeste do Brasil, como a seca, a exploração e o coronelismo. A obra propicia uma visão que ultrapassa as fronteiras nordestinas, relacionando esse período às tensões vivenciadas na Europa, as quais tiveram como resultado a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a Ditadura de Vargas no Brasil. A narrativa denuncia as mazelas sociais e proporciona uma visão da sociedade brasileira em diversos aspectos. O romance traz o fenômeno natural da seca, que castiga milhares de nordestinos obrigados a migrarem para outras terras em busca de trabalho e sustento: Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos da caatinga rala (RAMOS, 1981, p. 9). A obra traz características da vegetação predominante em uma região que, além de sofrer com a escassez da chuva, ainda precisa lidar com a sua irregular, mostrando a devastação causada pelo fenômeno da seca que atinge o Nordeste. A chuva escassa soma-se ao descaso político do governo e à falta de políticas sociais que minimizem os estragos que esse fenômeno causa. As personagens aparecem em condições subumanas, à procura de um lugar melhor para viver, de uma vida mais digna, o que os impulsionam na caminhada. O romance Vidas Secas explicita a exploração e a opressão política da época. Fabiano e sua família são oprimidos pelo ambiente natural, mas esse não é o único problema, a opressão representada pelo patrão mostra o abuso de poder que caracteriza o coronelismo: 62 [...] o patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono. Quem tinha dúvida? (RAMOS, 1981, p. 22-23). A exploração social representada na atitude do patrão traduz uma época marcada pela opressão dos coronéis, donos de fazenda, e pela submissão de funcionários que temem perder o emprego e, por esse motivo, aceitam as circunstâncias a que são expostos. Essa dimensão social de exploração e do despotismo político também aparece na representação do Estado através do Soldado Amarelo: Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu no ombro de Fabiano: Como é camarada? Vamos jogar um trinta e um lá dentro? [...] Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia (RAMOS,1981, p. 27). A situação de humilhação e desrespeito imposta a Fabiano sugere o despotismo caraterístico do governo da época, que se manifestava injustamente como forma de assegurar o controle do Estado. Fabiano representa uma sociedade coagida pela violência simbólica, a qual se acostumou com a injustiça, com a marginalização e com a exploração: “Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e aguentavam cipó de boi oferecia consolações: - Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita” (RAMOS,1981, p.33). A narrativa apresenta os desejos de Fabiano e da família, que são uma linguagem rebuscada que facilitasse sua comunicação com os outros e um futuro melhor. Sinha Vitória aspira a uma cama de couro, na qual possa deitar e não sentir dor, simbolizando dias melhoras e o fim da vida nômade. A mulher agarra-se aos sonhos e projeta um futuro com otimismo e esperança: 63 Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa se foi esboçando. Acomodar-se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra. Mudar-se-iam depois para a cidade, e os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes deles (RAMOS,1981, p.126). Ao longo da narrativa, Graciliano Ramos expõe que os seres humanos são capazes de mudar, de se transformar, de lutar pelo que desejam. Fabiano, que oscila entre a condição de homem e de animal, passa a sonhar, a se desprender da animalização imposta pela opressão. Sinha Vitória demonstra a inconformidade com a vida que tem e sonha com a vida que quer, sempre almejando conquistar o que deseja. Vidas Secas denuncia a exploração do trabalhador pelos donos de fazendas e a negação de direitos básicos, como moradia, saúde, educação e lazer. É um retrato de uma sociedade que denigre a imagem do ser humano e o condiciona a circunstâncias miseráveis. O fenômeno natural da seca do Nordeste e de suas mazelas é evidenciado no poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e 1955. Nele, o retirante Severino sai do sertão nordestino para o litoral, trajetória marcada por morte, desespero, fome e miséria: “Dize que levas somente coisas do não: fome, sede, privação” (MELO NETO, 1994, p.35). O poema dialoga com Vidas Secas ao trazer o drama da seca, das circunstâncias miseráveis que vivem milhares de nordestinos e ao reportar uma crítica ao descaso dos governantes para com essa região. Essas duas obras literárias levam-nos a compreender que a literatura possibilita ao leitor conhecer o mundo, a realidade vivenciada em diferentes épocas, e compará-la com sua realidade. Esse exercício contribui para o homem desenvolver sua criticidade e sua consciência. Somente assim o ser humano terá condições de perceber as diferenças estabelecidas na sociedade, atuando em busca das mudanças sociais e dos direitos humanos. A literatura surge nitidamente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Ela permite que os indivíduos acompanhem a história da humanidade, as lutas, os amores e os dissabores. Concordamos com Candido (2011) quando afirma que não tem como haver equilíbrio social sem a literatura e, por essa razão, ela é fator indispensável de humanização. Ela é um direito humano que não deve ser negado por duas explicações básicas: 64 [...] a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e a visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade [...] a literatura pode ser um instrumento consciente de desmacaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. Tanto num nível quanto no outro ela tem a ver com a luta pelos direitos humanos (CANDIDO, 2011, p.188). A literatura é vista como um bem cultural que ultrapassa os limites temporais, que carrega a vida vivida por nossos antepassados, que registra e preserva a memória histórica, a qual possibilita entender nosso presente. Conforme Amarilha (2012, p. 77), é na literatura que nossa memória está melhor preservada porque, lá, os fatos da realidade associados à imaginação têm sangue, suor, emoção e, assim, é através dela que podemos observar em retrospectiva a trajetória da vida como múltipla e plena de virtualidades inesperadas. As muitas situações pelas quais passa um personagem, as decisões que toma e aquelas que não toma nos dão essa dimensão memorialista da realidade que se viveu e que se poderia ter vivido. A memória situa-nos do ponto de vista tanto da história social quanto individual, somos marcados por acontecimentos que tiveram impacto e eloquência para que deles nos lembrássemos. O historiador registra o que socialmente julga de maior força, o escritor registra aquilo que a si mais impressiona. A autora acrescenta que a literatura nos permite a sensação de fazermos parte de um grupo social maior. Mesmo que estejamos solitários, o texto literário nos mostra um enraizamento com outros seres, pessoas que vivenciaram o que estamos vivendo, sentiram o que estamos sentindo, porque sempre existem personagens com os quais nos identificamos. À luz dessas ideias, considerando que a literatura contribui para o conhecimento de mundo e, ainda, que é um bem cultural, defendemos que ela é também um bem necessário ao ser humano. De acordo com Candido (2011), existem bens compressíveis: como os cosméticos, os enfeites, roupas supérfluas; e bens incompressíveis, que não podem ser negados a ninguém, como alimento, a casa, a roupa. O autor traz uma discussão bastante pertinente quando enfatiza que a distinção desses bens está relacionada à concepção de cada um, propondo que 65 [...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestiário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência a opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura (CANDIDO, 2011, p. 176). Para Candido (2011), a literatura é um bem incompressível, já que a leitura de textos literários é essencial para o homem. Convém ressaltarmos que se faz necessária a criação de meios para que a produção literária circule entre as diferentes classes sociais, pois todos têm o direito à literatura. Entretanto, a abrangência da literatura entre as classes menos favorecidas economicamente possibilita e garante a distribuição igualitária dos bens sociais e a apropriação destes por um maior número de pessoas. 2.4 O desenvolvimento humano e a literatura Ao longo das discussões, acolhemos a concepção de que a literatura é fundamental para a formação humana. Nesse sentido, o acesso ao texto literário dignifica o homem e permite o contato com o belo, o feio, o prazer, a frustação, o dissabor, o riso etc. Ainda, que o sujeito entre em contato com o conhecimento histórico e cultural das gerações anteriores. Para Yunes (2010), além das leituras cotidianas e necessárias para a sobrevivência em uma sociedade urbana e motorizada, na qual as pessoas buscam agitação, prazeres efêmeros, o aparecimento na mídia e o consumo exacerbado, é preciso buscar a literatura. A leitura literária expressa características especificamente humanas: desejos, sonhos, aspirações, idealizações, medos, perdas, conflitos. A literatura possibilita ao leitor vivenciar experiências diversas, conhecer vários lugares, entender a si mesmo e o outro, pois“[...] nos oferece a vida em alteridade que ajuda a tomarmos posição, a fazermos escolhas, criticamente, com discernimento, não nos deixando enganar pelo fácil, imediato e modelarmente ‘verdadeiro’” (YUNES, 2010, p. 60, grifos da autora). A leitura da literatura proporciona a liberdade e o diálogo com a palavra, que se transforma e ganha novos sentidos construídos pelo leitor, que vão além do que o autor escreveu. 66 Azevedo (2004) acrescenta que temas que dispõem dos assuntos humanos relevantes não são apresentados naturalmente em livros didáticos, mas, sim, na literatura, devido à sua complexidade. Nesse sentido, esses textos lidam com temáticas que permeiam as relações sociais, mas são tratadas com indiferença. Ao mencionarmos descaso, lembramos do conto “O Grande Passeio” (1971), de Clarice Lispector, que aborda um dos temas discutidos na contemporaneidade: o desrespeito com o idoso e a velhice. O conto apresenta a história de uma idosa chamada Mocinha (ou Margarida) que perde o esposo e filhos. Sozinha, ela é trazida por uma boa moça para o Rio de Janeiro, ondeé abandonada. Mocinha passa a viver de favor na casa de uma família desconhecida e sua presença se torna um peso, um incômodo. A senhora é tratada como um objeto sem valor e a convivência com ela se torna indesejável, motivo pelo qual resolvem abandoná-la na casa de parentes que moram distantes. Ao chegar ao novo lar, a esperança de uma vida melhor se desfaz novamente, pois a dona da casa não oferece à velha nem água nem café, ignorando totalmente sua presença. O esposo, ao chegar em casa, tem um comportamento semelhante e ainda dá dinheiro para a senhora ir embora, sozinha. Vejamos o trecho abaixo: Não pode ser não, aqui não tem lugar não. E como a velha não protestasse e continuasse a sorrir, ele falou mais alto: Não tem lugar não, ouviu? Mas Mocinha continuava sentada. [...] e agora estou muito ocupado! Eu lhe dou dinheiro e você toma o trem para o Rio, ouviu? Volta para casa de minha mãe, chega lá e diz: a casa de Arnaldo não é asilo, viu? Aqui não tem lugar. Diz assim: casa de Arnaldo não é asilo não, viu! Mocinha pegou o dinheiro e dirigiu-se a porta. Quando Arnaldo já ia se sentar para comer, Mocinha reapareceu: Obrigada, Deus lhe ajude (LISPECTOR, 1998, p. 36-37). O conto explicita nitidamente as relações pessoais que estabelecemos com o outro, particularmente, com o idoso. Conviver com o idoso intimamente acentua as ideias de que juventude não prevalece para sempre, de que vamos precisar de auxílio de alguém, de que estamos nos aproximando da morte, situações bastante desconfortáveis, por isso, para alguns, o melhor é afastar desse fato. Mocinha é jogada de um lado para outro e, após conquistar sua liberdade, cansada e com fome, ela não sobrevive. Presenciamos constantemente idosos sendo tratados com 67 indiferença e desrespeito, levados para asilos e outras instituições, porque não têm alguém para cuidar deles, quando, pelo contrário, deveriam gozar de dias melhores, pois contribuíram com a família e com a sociedade. Esse tema tem sido discutido por grupos sociais e pelos direitos humanos. Em 2003, foi instituído o Estatuto do Idoso, que dispõe dos direitos deste, mas acompanhamos frequentemente situações e cenas que contradizem esse direito, que revelam os maus-tratos, o desrespeito e a indiferença com aqueles que carregam a experiência e a sabedoria de uma vida inteira. A história de Mocinha se confunde com a de muitos idosos, pois a solidão que a cerca é o mesmo isolamento ofertado aos que nos deram ensinamentos e cuidados no decurso da vida. A frieza demonstrada pelas famílias reflete a falta de amor, o individualismo e o egoísmo aos quais nos agarramos. A senhora frágil, insignificante, boba e abandonada é a mesma que a lei da vida vai fazer aflorar em cada um de nós. Essas interpretações são possíveis porque a literatura é o discurso da vida humana em todas as suas dimensões, uma vez que simboliza [...] as paixões e as emoções humanas; a busca do autoconhecimento; a tentativa de compreender nossa identidade (quem somos); a construção da voz pessoal; as inúmeras dificuldades em interpretar o Outro; as utopias individuais; as utopias coletivas; a mortalidade; a sexualidade (não me refiro à educação sexual, mas à relação sexo-afetiva essencialmente subjetiva, corporal e emocional); a sempre complicada distinção entre a “realidade” e a “fantasia”; a temporalidade e a efemeridade (por exemplo, o envelhecimento e suas implicações); as inúmeras e intrincadas questões éticas; a existência de diferentes pontos de vista válidos sobre um mesmo assunto etc. (AZEVEDO, 2004, p. 4). O autor acrescenta que existe uma diferença primordial entre o livro literário e o livro pedagógico. A literatura apresenta ao leitor seres humanos fictícios, complexos e paradoxais, o que propicia o envolvimento com o texto e possibilita um processo de transformação e construção de significados para a vida do indivíduo. Os livros didáticos trazem textos literários, mas geralmente não aproveitam seu valor estético e humanizador, atendo-se a trabalhar com personagens previsíveis, idealizados e abstratos, que impedem o envolvimento com o texto e proporcionam interpretações vagas e mecânicas. A ideia é explicada por Amarilha (2010, p.97), ao postular que “a literatura [...] efetivamente traz as cores e as vozes que estão obliteradas nos textos higienizados e pragmáticos dos manuais”. O texto literário 68 quebra a harmonia e o equilíbrio, muitas vezes, camuflados na sociedade para dar lugar ao questionamento, à dúvida, ao desequilíbrio e à transformação. Para Sartre (2006), o mundo que o escritor apresenta ao leitor é comum a ambos, entretanto, cabe ao leitor realizar a sua libertação concreta, mudar ou conservar o que está posto. Esse autor explica que cada livro propõe essa liberdade para o leitor, uma liberdade que é aos poucos conquistada, experimentada, ou seja, a leitura é um exercício de generosidade; e aquilo que o escritor pede ao leitor não é a aplicação de uma liberdade abstrata, mas a doação de toda sua pessoa, com suas paixões, suas prevenções, suas simpatias, seu temperamento sexual, sua escala de valores. Somente essa pessoa se entregará com generosidade; a liberdade a atravessa de lado a lado e vem transformar as massas obscuras da sua sensibilidade (SARTRE, 2006, p. 42). A leitura literária convida o leitor a mergulhar no seu universo peculiar e ao mesmo tempo a entrar em contato com o seu contexto, seus conhecimentos e suas vivências. Dessa forma, o ser humano conquista sua liberdade e vive, experimenta e transforma o que está no texto. Destacamos também o pensamento de Candido (2011). Inicialmente, desejamos frisar que o autor chama de literatura as manifestações culturais da sociedade, a começar pelo que denominamos folclore, lendas, causos, chistes até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Para Candido (2011, p. 176), a partir do momento em que entendemos a literatura dessa forma, podemos compreendê-la como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos, uma vez que “não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação”. O autor também afirma que a literatura está presente em todos os momentos de nossas vidas e é um instrumento poderoso de instrução e educação, pois a literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominantes (CANDIDO, 2011, p.177-178). 69 Assim sendo, a literatura é essencial para o desenvolvimento do ser humano. Entretanto, convém menciona que ela repercute de acordo com a realidade vivida pelo leitor, propiciando desvelar dimensões das experiências tipicamente humanas. Nas palavras de Candido (2011), ela não corrompe nem edifica, mas possibilita a humanização em sentido profundo, porque faz viver, à medida que traz livremente em si o que chamamos de bem e de mal. É notório o valor da literatura para a formação humana, haja vista proporcionar o contato com diversos mundos e estilos, além de possibilitar a vivência com personagens diferentes, pois, vilão, mocinho, sofredor ou vitorioso, todas elas sugerem (e carregam) características próprias do ser humano. Para pensarmos numa educação de qualidade, temos de assegurar direitos básicos, incluindo o direito à escola e direito à literatura. Nesse sentido, devemos garantir o acesso à literatura, possibilitando a todos o acesso à variedade de livros, sem distinção ou prenoção de que determinado livro não deve ser lido por determinados discentes, por ser uma leitura complexa, porque vai de encontro a sua realidade. Ao contrário, qualquer pessoa deve ter acesso a qualquer texto. Sob essa ótica, entendemos que a escola, mediante a função formadora que exerce na sociedade, deve ser o ambiente para promover essa prática. 2.5 A participação da poesia Poesia é voar fora da asa (Manoel de Barros) É oportuno destacarmos a poesia como uma criação literária de valor irrefutável para a formação do sujeito-leitor e do sujeito como ser humano. Ela permite ao homem o encontro com seu universo humanístico, com a fantasia, com o prazer de maneira exigente, pela complexidade de visão e pela sensibilidade elaborada. Além disso, possibilita uma leitura aberta e crítica da sociedade. Sua linguagem especial, oral ou escrita, envolve um jogo entre as palavras, a fantasia, a sonoridade, a musicalidade, os ritmos e as rimas que tornam sua leitura encantadora e lúdica. É uma forma de metamorfosear a realidade em expressão de beleza, de emoção, de recepção e de sensibilidade, despertando os valores estéticos. 70 Zilberman (2008) lembra que a literatura nasceu na Grécia com o nome de poesia e que ela existia para divertir a nobreza, nos intervalos entre uma guerra e outra. A poesia era recitada por profissionais da palavra, narradores de feitos bélicos do passado para uma aristocracia que escolhia a paz à luta armada. A poesia adotou desde os tempos mais remotos a propensão educativa. Entre os gregos, ela herdou a propriedade pedagógica dos mitos. Conduzida primeiro pela aristocracia, sua ação se alastrava, em princípio, indistintamente entre todos os membros da sociedade por meio de instituições, com vistas a fornecer padrões que a comunidade necessitava. A literatura foi conhecida como poesia não somente pelos gregos, mas também por romanos da Antiguidade e europeus renascentistas, que não recusaram a denominação primitiva. Concordamos com Zilberman (2008, p. 18), quando ressalta que “uma certeza, contudo, mantêm-se com o tempo: a de que o texto poético favorece a formação do indivíduo, cabendo, pois, expô-lo à matéria prima literária, requisito indispensável a seu aprimoramento intelectual e ético”. A linguagem literária da poesia propicia a interação do leitor com o texto em sua diversidade de significações, provocando experiências de sensibilidade e reflexão. A importância da poesia para a vida do homem aparece em uma das afirmações de Octávio Paz (2012, p. 13), ao mencionar que “[...] a poesia é minha estrela fixa”. O autor revela que a poesia sempre foi sua paixão primeira, a mais antiga, nunca deixou de acompanhá-lo e sempre que atravessava períodos de improdutividade se consolava lendo seus poetas favoritos. De acordo com Paz (2012, p. 21), a poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro [...] Convite à viagem; retorno à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular [...] obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da ideia [...] Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo e metros e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal [...] o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana! A poesia oportuniza enxergar novos horizontes e perceber o mundo em sua diversidade, a partir de vários pontos de vistas, múltiplos ângulos. Além disso, ela 71 desperta o sentimento, a emoção e a criatividade, propiciando a introspecção e a extrospecção. É importante frisar que a poesia é entendida como criação artística que pode estar em uma paisagem ou no poema, uma atitude criativa. O poema é a composição literária. Nas palavras de Paz (2012), é criação, a poesia erguida, o ponto de encontro entre o homem e a poesia. Os poemas de Mário Quintana manifestam a delicadeza ímpar da poesia e nos embalam no mundo da imaginação: Os poemas Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhoso espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... (QUINTANA, 1980, p.15). A poesia é imagem, sentimento, abstração e desejo. Encontramos na obra do poeta Manoel de Barros o universo imagético e sensível da poesia. O poeta descreve que as coisas mais simples, que parecem insignificantes, servem para poesia: “todas as coisas cujos valores podem ser disputados no cuspe à distância servem para poesia” (BARROS, 2013a, p. 9). A originalidade dos poemas de Barros, as metáforas frequentemente utilizadas e a riqueza da linguagem presente em seus poemas traduzem a importância da criação poética para a formação do homem, conforme o poema abaixo: O FAZEDOR DO AMANHECER Sou leso em tratagens com máquina. Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis. Em toda minha vida só engenhei 3 máquinas Como sejam: Uma pequena manivela para pegar no sono Um fazedor de amanhecer Para usamentos de poetas E um platinado de mandioca para o fordeco de meu irmão. Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias Automobilísticas pelo Platinado de Mandioca. 72 Fui aclamado de idiota pela maioria das autoridades na entrega do prêmio. Pelo que fiquei um tanto soberbo. E a glória entronizou-se para sempre Em minha existência (BARROS, 2013b, p. 13-14). A poesia de Barros, com uma linguagem característica do autor e com elementos aparentemente insignificantes, apresenta um mundo carregado de significados, uma realidade que foge e regressa ao real, trazendo o inusitado no lugar do convencional, do aceito, e desafiando o leitor a desenvolver a imaginação, a brincar e a dialogar com o texto, a construir sentidos, a fantasiar, a encontrar-se consigo mesmo e com o outro. Essa linguagem metafórica da poesia que propicia metamorfosear a natureza, o mundo, a cultura e a sociedade chama a atenção do leitor e possibilita seu envolvimento com o texto poético. Ela encanta e envolve, porque permite perceber e sentir os significados expressos, brincar com as palavras, construir conhecimentos novos. Dessa forma, é notória a relevância de trabalharmos a poesia em sala de aula, na medida em que conduz o discente a entender o discurso poético, as ideologias implícitas nesse discurso textual e as estruturas superficiais do texto. Por outro lado, temos observado que a poesia parece ausente da sala de aula e da vida de docentes e discentes. A criação poética, digna de ocupar espaço e promover o desenvolvimento da imaginação, da criação e da aprendizagem, tem sido vista como alternativa para exaltar datas comemorativas e eventos esporádicos realizados dentro das escolas. Para Amarilha (2012, p.26), “a poesia ocupa um espaço muito reduzido, sendo-lhe reservada, na maioria das vezes, uma função ornamental nas datas festivas do calendário escolar ou cívico”. As discussões sobre a poesia na escola trazidas por Amarilha (2012) e Averbuck (1993) demonstram a pouca importância que essa criação tem recebido nesse ambiente. De acordo com Averbuck (1993), a poesia não tem sido tema constante de discussões nas escolas. A relação desta com as crianças, com as narrativas infantis, tem permanecido no descaso, situação lamentável decorrente provavelmente da dificuldade de trabalhar com a poesia em sala de aula ou da pouca importância que esta tem para os professores. A autora afirma que “a poesia entra na escola marginalmente e os contatos que as crianças estabelecem com os textos poéticos são tão raros, que os poucos alunos que da escola guardam uma forte lembrança neste sentido tornam-se exemplos” (AVERBUCK, 1993, p.64). 73 Averbuck (1993) chama a atenção para o desinteresse do professor em trabalhar com a poesia. Essa aparente imparcialidade pode estar relacionada ao contexto social em que o docente está inserido, no qual prevalecem o ganho, o lucrativo, o útil, diferentemente da poesia, que é arte proscrita porque não dá lucro, porque dá prazer. Da mesma forma, encontramos esse posicionamento em Alves (2008), que expõe as dificuldades de os docentes trabalharem poesia, por não serem leitores ativos desses textos, e a ausência de uma metodologia que motive os discentes a ler textos poéticos. Alves destaca que “o desafio do professor é, inicialmente, a sua própria formação como leitor de poesia e, em um segundo momento, no nível da formação metodológica” (ALVES, 2008, p.23). Somando-se a esses fatos, o autor enfatiza a abordagem empobrecida da poesia nos livros didáticos. Nesse sentido, somente um professor que goste de poesias e reconheça teoricamente sua importância terá condições de viabilizar metodologias que priorizem a leitura de poesias em doses variadas e um trabalho de sensibilização que propicie o encontro com o prazer, o lúdico e o encantamento próprios do texto poético. Para aproximar a poesia do aluno, é fundamental que o professor seja próximo do texto poético, demonstre sensibilidade e sinta prazer na poesia. Amarilha (2012) afirma, por meio de suas pesquisas, que o texto preferido pelo professor é o informativo, fato que evidencia uma certa distância do prazer de ler o texto poético. A autora acrescenta que “[...] professores sem prazer não podem formar leitores desejantes” (AMARILHA, 2012, p. 25). É uma contradição falar na fruição do texto e no prazer que ele proporciona, assim como defender a necessidade de se relacionar com a literatura de forma libertadora, sem vivenciar experiências literárias prazerosas, limitando-se à leitura de textos informativos e pragmáticos. Essa constatação de Amarilha (2012) também está presente em Averbuck (1993), que defende o interesse do professor pela poesia como elemento de entusiasmo para inserir a poesia na sala da aula e de estímulo para o aluno. Amarilha (2012) alega que esse espaço comprimido que a escola reserva à poesia está associada à precária atenção atribuída ao gênero poético enquanto “provedor de estímulo intelectual, formação cognitiva e estética ao aprendiz mirim, consequentemente, como provedor de prazer” (AMARILHA, 2012, p. 26). Na maioria das vezes, a poesia é vista apenas como passatempo, portanto, não deve ocupar o espaço de conteúdos considerados mais importantes e indispensáveis. O texto 74 poético não é considerado em sua totalidade, carregado de significados e saberes que possibilitam o crescimento intelectual do indivíduo. No geral, as crianças gostam de poesia e se interessam por ela, mas, infelizmente, tem-se percebido que,à medida que estas vão se tornando adultos, esse gosto vai desparecendo. A esse respeito, Carlos Drummond de Andrade (1974, p. 16) traz uma forte reflexão: Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância relacionada com a necessidade de jogo, a ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos de viver – estado de pureza da mente, em suma? [...] o adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra instituição social, o elemento corrosivo do instinto poético da infância, que vai fenecendo, à proporção que o estudo Sistemático se desenvolve, até desaparecer no homem feito e preparado supostamente para a vida? Receio que sim. A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo. Sei que se consome poesia nas salas de aula, que se decoram versos e se estimulam pequenas declamadoras, mas será isso cultivar o núcleo poético da pessoa humana? [...] O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética. O autor esclarece que a poesia faz parte da infância, envolve as crianças e desperta nelas o ser poético. No entanto, o adulto parece se afastar da poesia para dar lugar a conhecimentos necessários à sua vida prática. Andrade (1974) atribui à escola a culpabilidade por extinguir a poesia do conhecimento considerado relevante, renegando seu valor formativo. O autor apela para que a escola considere a poesia como uma forma primária de ver as coisas e consequentemente seu caráter lúdico, imaginativo e criativo como elementos primordiais para o desenvolvimento e a aprendizagem nas várias disciplinas. O fato de as crianças gostarem da poesia é seguramente defendido por Amarilha (2012). Apesar de os docentes não evidenciarem esforço em incluir a poesia em suas aulas, na pesquisa O ensino de literatura: as respostas do aprendiz, realizada pela autora, 90% dos discentes demonstraram gostar da poesia: “Na verdade é na poesia que o lúdico da linguagem se faz mais notório, o que tem um apelo evidente para a sensibilidade infantil. A infância, como se sabe, é, por 75 excelência, o momento das brincadeiras” (AMARILHA, 2012, p.27). A poesia possibilita ao leitor exercitar suas capacidades cognitivas de forma lúdica, inventiva e criativa; por essa razão, concordamos com Amarilha (2012), quando defende que seu exílio da escola não se justifica. Portanto, acreditamos que a inserção da poesia na escola é fundamental para a formação de seres pensantes e criativos. O texto poético propicia a formação linguística, humana e social entrelaçada com o lúdico, com a alegria e com o prazer que este proporciona. Lembramos que, para que isso ocorra é preciso que o docente acredite na importância de trabalhar a poesia cotidianamente em sala de aula como parte integrante do currículo, como um saber necessário à formação do sujeito. 2.6 Literatura e educação Nenhuma outra forma de ler o mundo dos homens é tão eficaz e rica quanto a que a literatura permite. (Nelly Coelho) As discussões sobre direitos humanos e cidadania trazem a certeza de que a educação permanece em destaque no sentido de possibilitar o desenvolvimento do homem, a construção de conhecimentos e a criticidade. O direito à educação está relacionado à condição de dignidade dos homens e é requisito para a consolidação da cidadania. De acordo com Sousa (2010), todos os países no mundo garantem em seus textos legais o acesso de seus cidadãos à educação básica. Esse fato se dá porque “a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visem à participação de todos nos espaços sociais e políticos e à (re)inserção no mundo profissional” (SOUZA, 2010, p.159). A educação vista dessa forma requer mudanças em suas instituições e currículos, considerando que em uma perspectiva intercultural esta deve promover o reconhecimento do outro e o diálogo entre diferentes grupos socioculturais. Para Candau (2012, p. 73), “é importante promover processos educacionais que nos possibilitem identificar e desconstruir nossas suposições, em geral implícitas, que não nos permitem uma aproximação aberta da realidade dos outros”. A autora salienta que a escola se constitui como palco de manifestações de diversos tipos de 76 preconceitos e discriminações, os quais são ignorados no ambiente escolar por fazerem parte de sua cultura padronizada, a qual apregoa que somos todos iguais. Nesse cindir de percepções, defendemos a inserção da literatura na escola como modo de inclusão dos direitos humanos, do reconhecimento das diferenças e do entendimento de uma sociedade diversificada. Podemos afirmar que a literatura é extremamente necessária e crucial para a formação humana, dada a sua abrangência e completude. Ela nos faz entender o mundo, seus encantos e contradições. Por essa razão, urge a necessidade de ser inserida na escola, na universidade e na formação docente. Todavia, para que ela cumpra seu papel humanizador, é preciso mudar sua forma de escolarização. Coelho (2000a) discute que, desde o século XX, os debates e as propostas no âmbito educacional vêm se multiplicando significativamente, com destaque no âmbito de Língua e Literatura. Para a autora, tal predominância pode parecer absurda aos “distraídos” que ainda não descobriram que a verdadeira evolução de um povo se faz ao nível da mente, ao nível da consciência de mundo que cada um vai assimilando desde a infância. Ou ainda não descobriram que o caminho essencial para se chegar esse nível é a palavra. Ou melhor, é a literatura – verdadeiro microcosmo da vida real, transfigurada em arte (COELHO, 2000a, p.15, grifos da autora). Nesse raciocínio, atribuímos à literatura uma tarefa fundamental na formação humana, à medida que oportuniza o encontro do sujeito com seu universo peculiar, nas dimensões psicológicas e socioculturais. O diálogo entre leitor e texto propicia o desvelar de mundos, o conhecimento da história e o rememorar de cultura das gerações antepassadas, o exercício da mente e das funções psicológicas superiores, o estudo e o conhecimento da língua. Por sua vez, é importante ressaltarmos a literatura como crucial para o desenvolvimento humano e a necessidade de sua inclusão na escola. Convém reconhecermos que é preciso haver uma mudança nas práticas pedagógicas realizadas nas instituições escolares, pois uma educação para a leitura literária deve pressupor uma educação para a mudança de percepção sobre o mundo factual e sobre a própria linguagem. Essa é uma problemática da escola que usa a literatura, mas faz, de fato, pouco proveito de seu potencial comunicativo e transformador (AMARILHA, 2013, p.79). 77 Como sabemos, no decorrer dos anos, a literatura tem sido utilizada como suporte pedagógico para o ensino da língua materna, especificamente para o estudo da gramática ou o estudo das escolas literárias e suas características. Constatamos em estudos na área (AMARILHA, 2012; GERALDI, 2006; LAJOLO,1993) que a literatura permanece sendo trabalhada de forma aleatória e mecânica. Nas palavras de Amarilha (2012, p.26), “a presença da literatura na escola é vaga, difusa, assistemática”. O texto literário é dissecado para dar visibilidade a conteúdos, para impedir bagunça e manter o silêncio em sala de aula, para preencher o tempo da aula. De acordo com Amarilha (2012), os professores não consideram a literatura como conteúdo ou atividade significativa para ser trabalhada em sala de aula. Ela é aproveitada para acalmar as crianças quando estão inquietas, para manter a serenidade e a disciplina na sala, ou seja, “ela é, de fato, utilitária, é instrumento de controle sobre a criança” (AMARILHA, 2012, p.17). O ensino de literatura ocupa ainda pouco espaço como disciplina do currículo. Quando aparece, é para cumprir uma noção conteudista, perdendo sua importância e essencialidade para a formação do sujeito, desconsiderando que [...] a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 2000, p. 106, grifo nosso). A autora assinala que a literatura como linguagem traduz simbolicamente valores, comportamentos, impasses, desejos e utopias dos povos que vivem em sociedade e cada leitor vai entrelaçando o significado que dá à sua leitura com os vários significados já construídos na história de um texto. Defendemos que a escola precisa incluir a literatura em seu currículo como forma de inclusão do aluno ao seu contexto, visto que o texto literário permite ao leitor dialogar com o real, ao mesmo tempo que mantém o contato com o simbólico, com a representação, com o dramático, elementos primordiais para o desenvolvimento mental do sujeito, porque “a vivência de outros personagens lhe proporciona um ensaio nos papéis sociais que a vida possa exigir” (AMARILHA, 2013, p.82). Para a autora, no processo de leitura, o leitor encontra-se imerso e identificado com os personagens, ao mesmo tempo ele transita do real para o 78 ficcional e retorna do ficcional para o real. Essa transição entre os dois mundos propicia ao leitor transferir percepções, informações, memórias e emoções para sua própria história. Amarilha (2013) lembra que, no processo de ler, o leitor faz com que o significado do texto ultrapasse as páginas do livro, estabelecendo relações com outros textos, acontecimentos e fenômenos do mundo empírico. Por sua vez, a autora explica que a escola precisa conhecer essa função pragmática do texto literário e sua qualidade comunicativa e funcional para entender a importância da literatura na vida do aluno e em seu currículo, visto que, [...] se o texto de literatura já por si anima um conjunto de informações que se constitui a bagagem de vida do leitor, podemos explorar então essa qualidade e trazer o aluno para dialogar com o texto – a leitura de literatura se transforma, assim, em oportunidade de discussão sobre a própria experiência do aprendiz. Com certeza, esse é um fio metodológico seguro de sustentar a atenção, interesse e motivação de qualquer leitor, pois cada leitura é também um ato autobiográfico (AMARILHA, 2013, p.83). Como percebemos, a literatura aqui entendida abre portas para que o leitor possa atribuir sentidos à palavra e compreendê-la em sua diversidade, favorece o conhecimento de si próprio e oferece o encontro deste com seu mundo nas mais variadas dimensões. Ao se relacionar com as personagens do texto, o sujeito passa pelo processo de identificação, de construção de identidade, sem o olhar reprovador do outro, sem medo de ser questionado, livre de julgamentos de valor. Para que esse acontecimento se efetive, é preciso que a escola ofereça textos e metodologias que considerem o espaço do leitor, seus gostos e preferências,a fim de que se estabeleça uma relação afetiva e cognitiva com a experiência de leitura. As instituições escolares precisam aceitar a literatura em sua plenitude, carregada da fantasia, da ficção, da emoção e da vida vivida por todos nós. Conforme explicita Queirós (2002, p. 160), a literatura é feita de fantasia. A escola, por ser servil, quer transformar a literatura em instrumento pedagógico, limitado, acanhado, como se o convívio com a fantasia fosse um bem menor. A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma transferência movida pela emoção. Não importa o que o autor diz mas o que o leitor ultrapassa. E a literatura é feita de palavras, e é necessário um projeto de educação capaz de despertar o sujeito para o encanto das palavras [...] nenhuma palavra é solitária. Cada palavra remete o leitor ou ouvinte para além de si mesmo. 79 O autor esclarece que as palavras têm significados diferentes. Cada leitor lê e atribui sentido a elas conforme suas vivências. Ele utiliza a palavra pai para exemplificar e mostrar que para cada leitor ela terá uma definição, cada pessoa adjetiva essa palavra de acordo com a experiência que teve com o seu pai. Para uns, será alguém que não conheceram, para outros, poderá ser alguém que o abandonou ou que deu carinho. O exemplo do autor nos remeteu ao conto “Tchau”(2010), de Lygia Bojunga, que narra a separação de um casal por meio da visão da filha mais velha, chamada Rebeca. O conto surpreende porque, nesse caso, a separação dos pais é causada pelo abandono da mãe:“— Rebeca, eu vou me separar do pai: não tá dando mais pra gente viver junto [...] — neste último ano tudo ficou tão ruim entre o pai e eu” (BOJUNGA, 2010, p. 24). A sociedade é marcada pelos valores machistas e pelo conceito de mulher vinculada ao de mãe protetora, cuidadora do lar e do esposo, que geralmente abdica de seus desejos para assegurar o bem-estar da família. O fato de a mulher abandonar o lar provoca um choque, uma quebra de valores, de conceitos, principalmente, em se tratando de uma paixão, de um novo amor capaz de levá-la a abandonar seus próprios filhos. Vejamos, a seguir, os fragmentos do texto: — Diz pra ele que não! Você não vai. A Mãe pegou a mala. Rebeca não largou. A Mãe puxou a mala. Rebeca puxou também. A Mãe puxou mais forte. Rebeca ficou agarrada na mala. O táxi buzinou de novo. As duas se olharam. O olho da mãe pedindo por favor. O olho da Rebeca também: por favor. A mãe estava de boca apertada; de testa enrugada. E não quis mais olhar pra Rebeca no olho; e puxou a mala com toda força, querendo arrancar ela da mão da Rebeca. Mas Rebeca não se soltou da mala e foi sendo arrastada no puxão. A buzina do táxi de novo, e mais comprido dessa vez. A Mãe soltou a mala; fechou o olho; apertou a testa com a mão feito coisa que estava sentindo uma tonteira ou uma dor de cabeça muito forte. Rebeca aproveitou pra se agarrar na mala de jeito que pra Mãe levantar a mala ia ter que levantar a Rebeca também. E outra vez a buzina tocou. A Mãe abriu o olho (parecia que a tonteira tinha passado), disse: — Tchau. — E saiu correndo (BOJUNGA, 2010, p. 39-40). A narrativa sugere um novo olhar com relação à mulher, como alguém que não está inerte, mas, pelo contrário, tem sentimentos, desejos e aspirações que 80 podem levá-la a tomar decisões contrárias à imagem estabelecida pela sociedade. O conto leva-nos a perceber que existem mães diferentes, com atitudes divergentes das que costumeiramente presenciamos ou esperamos delas. Nossa intenção aqui não é impor formas de pensar ou de agir, dada a complexidade que envolve a imagem de uma mãe, mas abrir espaço para mostrar que a literatura possibilita conhecer as várias situações que envolvem a nossa vida, mesmo que não aceitemos alguns modos de agir. Sabemos que existem milhares de mães como a de Rebeca, que, com certeza, não terão essa imagem de mãe estabelecida historicamente. Paramuitos leitores, a palavra mãe trará lembranças de descaso e de abandono, mas esse assunto geralmente não é abordado na escola, não é discutido com serenidade, impossibilitando que o indivíduo vivencie essas situações e construa identificações com seu mundo. Nesses momentos, a relevância da literatura fica evidente, pois inclui na experiência de leitura a vivência do leitor, permitindo-lhe autoconhecimento, estruturação identitária e reconhecimento de suas dores e de suas vitórias. Em perspectiva mais integralizadora, destacamos a posição de Barthes (2007), que apresenta a literatura como indispensável para a formação do homem, por ser o próprio aflorar da língua. Esse autor destaca que a literatura deveria ser a única disciplina permanente na escola, dada sua completude. Para ele, a literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico, antropológico (Robinson passa da natureza à cultura). Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário. É nesse sentido que se pode dizer que a literatura, quaisquer que sejam as escolas em nome das quais ela declara, é absolutamente, categoricamente realista: ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real (BARTHES, 2007, p. 17-18). O autor elucida que a literatura não engessa os saberes, mas os faz girar, por isso, ela é enciclopédica. Ela ensina de forma particular, diferente da escola, porque não costuma seguir regras, é subversiva, propõe quebras de paradigmas e de concepções cristalizadas e é capaz de abarcar todas as dimensões, especificamente as humanas. Esse autor defende que o saber que a literatura “mobiliza nunca é inteiro nem derradeiro; a literatura não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe de 81 alguma coisa; ou melhor; que ela sabe algo das coisas – que sabe muito sobre os homens” (BARTHES, 2007, p.18). Nessa concepção, o professor, considerando-se sua relevante contribuição para o processo de ensino-aprendizagem, é chamado a assumir a função mediadora de aspectos fundamentais da formação de seus estudantes: a formação para a vida. Concordamos com Zilberman (2003) quando afirma que a literatura não representa a absorção de certa mensagem, mas, antes, uma convivência particular com o mundo criado pelo imaginário. Desse modo, a autora assevera que a literatura é chamada a assumir uma função formadora, contrária ao desenvolvimento de uma missão apenas pedagógica. No entendimento de Zilberman (2008), a leitura, mesmo sendo uma prática solitária, permite ao indivíduo penetrar o âmbito da alteridade, expandindo suas vivências. Com ela, o leitor dialoga com outras experiências e, assim, transforma o que inicialmente parece ser um ato solitário em um circuito de socialização de experiências. A leitura estimula o diálogo e é neleque se revela a função formadora e verdadeiramente educativa da literatura e da leitura. Para Zilberman (2008, p. 24), “o texto artístico talvez não ensine nada, nem se pretenda a isso; mas seu consumo induz a algumas práticas socializantes, que estimuladas, mostram-se democráticas, porque igualitárias”. Saldanha (2013), ao investigar sobre a formação do professor leitor e de mediadores de leitura, salienta que é preciso o conhecimento teórico sobre a leitura para que esse profissional tenha condições de enxergar essa prática com um novo olhar, compreendendo sua importância e a necessidade de formação de leitores na sociedade. Contudo, Silva e Zilberman (2008) esclarecem que, após a oferta do aporte teórico, a expectativa é de que, com o livro nas mãos, os professores se movam, reflitam sobre os estudos que fizeram, revejam suas posturas e suas práticas frente à concepção de leitura e redimensionem o seu fazer pedagógico, encarando o desafio de ensinar a gostar de ler. Lembremo-nos das palavras de Lajolo (1993), quando afirma que o docente precisa gostar de ler, precisa praticar a leitura, mantendo uma boa relação com esta para ser um bom professor. Dificilmente alguém que não goste de ler incentivará a leitura ou conduzirá o discente a ela, pois o contato e a partilha de leituras com o outro são fundamentais e são decorrentes da familiaridade e da satisfação em ler. 82 Sobre esse aspecto, Amarilha (2010) enfatiza também a importância de o professor ter um repertório de leitura, ser um colecionador de histórias, visto que esse domínio cultural possibilita alargar a visão de seu aluno acerca de determinada temática, extrapolando os limites dos manuais: “Entendo o repertório de leitura como o estoque de histórias e poemas que permite ao professor relacionar, adaptar, desenvolver situações didáticas em benefício do ensino e da aprendizagem de questões específicas” (AMARILHA, 2010, p.87). Ou seja, o professor poderá utilizar as histórias e as poesias para mediar a aprendizagem de diferentes assuntos em sala de aula de forma serena, intencional e prazerosa. A obra literária também favorece o desenvolvimento da criticidade, de modo que o contexto de sua escrita pode ser fundamental para entender as mudanças sociais, políticas e econômicas da sociedade na qual o sujeito vive. É possível se reconhecer como sujeito histórico que pensa e reflete sobre os acontecimentos históricos e suas consequências para a humanidade. Nessa linha de pensamento, trazemos à memória a obra O Reizinho Mandão, da autora Ruth Rocha, publicada pela primeira vez em 1978. O livro integra a série dos Reizinhos (O Rei que não sabia de nada – 1980; O que os olhos não veem – 1981; Sapo vira rei vira sapo – 1982) escritos pela autora. O Reizinho Mandão ilustra o momento político vivido no Brasil durante a ditadura militar. A autora satiriza um período marcado pela prepotência, pelo autoritarismo, pela censura e pelas perseguições políticas arbitrárias e injustas. É uma temática bastante séria e profunda, que se refere a um período histórico específico e mantém-se atual. De igual modo, O Reizinho Mandão sugere também a discussão sobre a superproteção dos filhos, a criação dos filhos sem limites, a permissividade abusiva por parte dos pais e as consequências disso para a formação da personalidade do sujeito. A autora estabelece uma homologia entre a criança mimada que se torna autoritária e o momento político em que o país estava imerso. A narrativa tem momentos bastante discursivos, mas sua estrutura lúdica e o marcante bom humor são convites à leitura. A história inicia falando de uma criança criada por uma mãe superprotetora que realizava todos os seus desejos. Esse garoto era mal educado, prepotente e não admitia ser contrariado. De início, a história traz uma forte discussão sobre o comportamento humano: 83 O príncipe era um sujeitinho muito mal-educado, mimado, destes que as mães deles fazem todas as vontades, e eles ficam pensando que são os donos do mundo. Eu tenho uma porção de amigos assim. Querem mandar nas brincadeiras... Querem que a gente faça tudo o que eles gostam... Quando a gente quer brincar de outra coisa, ficam logo zangados, Vão logo dizendo: “Não brinco mais!” E quando as mães deles vêm ver o que aconteceu Se atiram no chão e ficam roxinhos, esperneiam e tudo. Então as mães deles ficam achando que a gente está maltratando o filhinho delas (ROCHA, 2013, p. 8). Nesse ponto da narrativa, a autora traz uma discussão a respeito de nossas atitudes. De um lado, mostra uma mãe permissiva, que faz todos os mimos que do filho, que do outro, uma criança egoísta, mal-humorada e birrenta, que tem dificuldade de relacionamento com os amigos. Situações como essas são vivenciadas frequentemente em nosso cotidiano. O conto propicia uma ótima discussão acercado comportamento humano, das atitudes e dos relacionamentos com o outro. Diante desse contexto, a escola é um espaço favorável para refletir sobre essas questões. Indo além dessas questões de relacionamentos, O Reizinho Mandão reflete sobre o autoritarismo, como o que ocorreu na política brasileira durante a ditadura militar, utilizando-se da sátira que é contestada pelo riso. A autora denuncia as arbitrariedades cometidas pelos governantes que recorrem à prepotência e ao autoritarismo despótico para escravizar, censurar e punir injustamente o povo: Precisa ver que reizinho chato que ele ficou! Mandão, teimoso, implicante, xereta! Ele era tão xereta, tão mandão, que queria mandar em tudo o que acontecia no reino. Quando eu digo tudo, era tudo mesmo! A diversão do reizinho era fazer leis e mais leis. E as leis que ele fazia eram as mais absurdas do mundo. Olhem só esta lei: “Fica terminantemente proibido cortar a unha do dedão do pé direito em noite de lua cheia!”. Agora, por que é que o reizinho queria mandar no dedão das pessoas, isso ninguém jamais vai saber. Outra lei que ele fez: “É proibido dormir de gorro na primeira quarta-feira do mês”. Agora, por que é que ele inventou essas tolices, Isso ninguém sabia. 84 Eu tenho a impressão de que era mesmo mania de mandar em tudo (ROCHA, 2013, p.10-11). Nesse ponto da narrativa, percebemos que o reizinho é déspota, estabelecendo leis absurdas que demonstram abuso de poder e ferem a dignidade dos homens. Na sequência da obra, vemos o rei reforçar sua tirania ao negar o direito de voz, de fala, pois, inconsequentemente, ele manda todos calarem a boca, até que as pessoas do reino, com medo da opressão, foram esquecendo como é que se falava, fazendo com que a tristeza tomasse conta daquele lugar. A temática proposta pela autora, com bastante seriedade, traz reflexões sobre o autoritarismo e o contextualiza no tempo e espaço em que foi escrita, tornando-se atual em qualquer época. A autora critica os governos autoritários e antidemocráticos.A simbologia implícita na obra mostra os malefícios de um governo autoritário e a necessidade da participação popular na política de um país, de se ouvir a voz do povo e abrir caminhos para a democracia. As reflexões feitas a partir de O Reizinho Mandão, que certamente não se esgotaram, confirmam o valor simbólico da literatura e a sua relevância para o desenvolvimento psicológico e social do homem, bem como sua influência na formação crítica do cidadão. Diante disso, defendemos que o texto literário é uma criação artística indispensável na sala de aula. O trabalho com a literatura poderá contribuir para a formação da mentalidade e da relação do discente com a sociedade. Para isso, o professor deve ser o principal agente de mediação entre a obra e o leitor. A despeito de sabermos que o docente tem a função de aproximar o discente do texto literário e de mediar esse encontro, alguns estudos, como o de Amarilha (2012), revelam que a relação do professor com o livro aparece como insatisfatória, pois,em pesquisa na qual foram entrevistados 70 (setenta) professores de Língua Portuguesa, apenas 15% estavam cadastrados na biblioteca da própria escola e o gênero de leitura preferido era o informativo. Esse resultado é bastante preocupante, tendo em vista que consideramos o docente como mediador de leitura, conforme expressa a autora: “Se nós entendemos que o professor é o mediador entre a criança e o livro, de que vale falar-lhe de técnicas, métodos e textos de literatura 85 para a infância se ele ainda não descobriu o livro e a literatura para si mesmo?” (AMARILHA, 2012, p. 80). Essa comprovação soa como um problema a ser enfrentado, discutido e solucionado. Falamos com propriedade daquilo que sabemos, que vivenciamos, de que temos experiências. É bem mais fácil argumentar e persuadir sobre a importância de algo que se faz presente em nossas vidas e que aparece como relevante ou ocupando espaço privilegiado. Entretanto, falar de literatura sem gostar torna-se desestimulante, perde-se o encanto, pois “é difícil falar de prazer para quem nunca o experimentou. No entanto, entendo que mais difícil ainda é ensinar a encontrar prazer no texto quando nós mesmos não nos deparamos com esse momento” (AMARILHA, 2012, p. 25). Resta-nos o desafio de convidar o professor a ler, a abrir-se para a literatura, e nesse encontro com a fantasia tornar-se alguém que apresenta o universo amplo da literatura para seus aprendizes. Consideramos que a leitura deve estar intrínseca à vida pessoal e profissional do professor, posto que é ferramenta principal de seu trabalho e oportuniza uma formação calcada em uma perspectiva transformadora do ensino, de tal modo que a utilização do texto literário pelo professor traduz essa visão. Entretanto, Silva (2009) chama atenção para a evidência de que as lacunas deixadas na formação do professor-leitor repercutirão na sua atuação como formador de leitores, pois, efetivamente, os resultados serão insatisfatórios e lamentáveis, assim como no culto ao livro didático, o que terá como ápice a desatualização e a dependência de programas de ensino. Portanto, sentimos a necessidade de repensar a formação de professores e direcionar melhor o foco voltado para a leitura e literatura, pois somente um professor leitor de vários textos e que goste de ler terá condição de desenvolver sua prática pautada em uma concepção transformadora de ensino, a qual seja capaz de propiciar o pensar e o refletir e agir sobre a realidade. A formação de professores não ocorre separadamente da formação pessoal, não estandodesvinculada de seu contexto, de suas vivências; ao contrário, é permeada pelas mudanças sociais, históricas e culturais. Por essa razão, o professor é o agente mediador que pode contribuir para transformações educacionais e para o desenvolvimento de práticas que possibilitem essas mudanças na sala de aula. Partindo de uma nova maneira de olhar a formação de 86 professores, sentimos e temos a necessidade de incluir um lugar especial para a leitura e a literatura. Quando tratamos da formação de professores, nossa preocupação recai na formação de pedagogos, porque os graduandos de Pedagogia são os responsáveis pela alfabetização das crianças, por colocá-las em contato com a palavra escrita e com a linguagem verbal. São os pedagogos que apresentam as primeiras narrativas, as poesias, a linguagem literária. Sobre esse tema, Amarilha (2013, p. 132) argumenta: É preciso que a formação literária sofisticada seja favorecida aos primeiros professores de nossas crianças, aos graduados em Pedagogia, porque é deles a tarefa de mediar o rito iniciático ao mundo da palavra, do simbólico, das metáforas por que passam nossos aprendizes. O mediador preparado saberá interagir nos processos de protagonismo que o contexto contemporâneo favorece [...]. Nessa lógica, é preciso introduzir o ensino de literatura nos cursos de Pedagogia como forma de propiciar ao docente uma vivência teórica e prática dessadisciplina,objetivando contribuir para a formação dos futuros mediadores de leitura. Acreditamos que um professor que conhece teoricamente a relevância da literatura para a formação humana e degusta o texto literário saberá formar leitores literários. Nesse sentido, trouxemos uma discussão sobre a literatura, seus conceitos e seus atributos, bem como sobre a necessidade da formação de professores leitores e de mediadores do texto literário. Concluímos que a literatura é um bem cultural e um direito que não pode ser negado à sociedade, de modo que precisamos repensar a formação do pedagogo com o objetivo de contribuir para a formação de leitores de literatura na escola. 2.7 O leitor de literatura Trata-se de um livro inacabado Porque lhe falta a resposta. Resposta esta que quero que alguém No mundo ma dê. Vós? (Clarice Lispector) 87 As discussões acerca da leitura de literatura tiveram como foco principal, até a década de 1970, o texto, sua estrutura verbal e produção. No final dessa década, surgiu um interesse em priorizar a leitura, a recepção do texto pelo leitor. O texto passou a ser visto como uma produção inacabada, que requer a colaboração do leitor para ganhar sentidos. Partimos dos conceitos propostos pela estética da recepção, alicerçados na compreensão da interação entre texto e leitor, que ocorre no ato da leitura, possibilitando a construção de sentido do texto literário pelo leitor, na discussão que segue. 2.7.1 O texto literário Adotamos a concepção de texto literário ancorada na ideia de um sistema aberto, plural e incompleto. Trata-se de uma atividade interpretativa que permite a produção de múltiplos significados por parte do leitor, considerado um sujeito histórico inserido em um determinado contexto social e espaçotemporal. Esses leitores, antes de lerem as palavras, leem o mundo e interagem com outros. Nesse processo de leitura, a produção de sentido não está restrita ao texto, mas, por esse ser um produto com várias lacunas, requer a coparticipação do leitor para preencher os vazios e construir novas significações (ISER, 1999; JAUSS, 1994). Nessa linha de pensamento, Eco (1994) explica que, na narrativa ficcional, ao se construir um mundo que abrange uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, é impossível dizer tudo sobre esse mundo. Por essa razão, solicita a presença de um leitor que preencha as indeterminações, lacunas, pois, para esse autor, “[...] todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte do trabalho. Que problema seria se um texto tivesse de dizer tudo que o receptor deve compreender – nunca terminaria” (ECO, 1994, p. 9). Esse autor utiliza a metáfora do bosque para designar o texto de ficção, porque um bosque é um jardim de caminhos que se bifurcam. Ao adentrarmos no bosque, nem sempre encontramos as trilhas bem definidas para fazermos um percurso determinado, previsível, mas cada um pode esquematizar sua própria trilha e escolher o modo de caminhar. Nessa caminhada, podemos utilizar experiências e descobertas para aprendermos mais sobre a vida, o passado e o futuro. Como um 88 bosque, um texto literário é uma produção que apresenta várias trilhas, podendo algumas ser retas e previsíveis, as quais o leitor reconhece, mas há outras indeterminadas, inacabadas, requerendo do leitor iniciativas e projeções que o levem a percorrer novos roteiros e preencher os espaços vazios com sua imaginação e experiência. Zilberman (2011) esclarece que a intenção da obra não é estabelecida de forma clara, cabendo ao leitor descobri-la. Essa falha institui a interação do leitor com o texto, conforme explica a autora: O mundo representado pelo texto literário corresponde a uma imagem esquemática, contendo inúmeros pontos de indeterminação. Personagens, objetos e espaços aparecem de forma inacabada e exigem, para serem compreendidos e introjetados, que o leitor os complete (ZILBERMAN, 2011, p. 88-89). As indeterminações e as lacunas que constituem a obra literária servem como porta de entrada para o leitor atuar no texto, visto que ele utilizará suas vivências para preencher essas lacunas, pois a “leitura, de fato, longe de ser uma recepção passiva, apresenta-se como uma interação produtiva entre o texto e o leitor”(JOUVE, 2002, p. 61). Iser (1999) defende que a interação do texto com o leitor se dá por meio dos espaços vazios presentes no texto literário. As lacunas deixadas no texto possibilitam que o leitor aja dentro do texto de forma interativa, podendo, assim, projetar sua imaginação e experiência. Esse processo interativo entre texto e leitor conduz o sujeito a estabelecer sentido, reconstruindo ao mesmo tempo seus próprios horizontes, pois, a partir do instante em que o leitor atribui significados ao texto, o que acontece apenas no campo de sua imaginação, o leitor, no percurso da leitura, absorve suas distintas perspectivas e preenche seus espaços. Essa atitude propicia ao leitor aprendizagem e incorporação de novas vivências em seu universo, levando-o à reconstrução de seus horizontes. Iser (1996) elucida que a obra literária apresenta dois polos: o artístico, que é o texto produzido pelo autor, e o estético, que é a realização efetuada pelo leitor. Dessa polaridade,resulta o seguinte entendimento: A obra literária não se identifica nem com o texto, nem com sua concretização. Pois a obra é mais do que o texto, é só na concretização que ela se realiza. A concretização por sua vez não é 89 livre das disposições do leitor, mesmo se tais disposições só se atualizam com as condições do texto. A obra literária se realiza então na convergência do texto com o leitor; a obra tem forçosamente um caráter virtual, pois não pode ser reduzida nem à realidade do texto, nem às disposições caracterizadoras do leitor (ISER, 1996, p. 50). O autor expõe que o texto apresenta esquemas e sinais textuais que proporcionam a interação entre texto e leitor. O sentido do texto não está explícito, cabendo ao leitor construí-lo a partir dos efeitos provocados pela obra. O texto somente se concretiza por meio da constituição de uma consciência receptora. Portanto, “a obra é o ser constituído do texto na consciência do leitor” (ISER, 1996, p.51), uma vez que o texto literário não carrega em si próprio a significação, mas ele apenas produz seu efeito quando é lido, confirmando que ler é um ato de criação, de produção de sentidos. 2.7.2 O efeito estético e a recepção Desenvolvemos neste tópico uma discussão pautada nos conceitos fundantes da estética da recepção, que propõe um novo entendimento sobre a relação do leitor com o texto literário, bem como sugere que a obra literária não existe por si só, mas depende de um receptor, não devendo o foco incidir somente sobre a obra e o autor, mas também sobre o leitor e a recepção. Essa teoria “reflete sobre o leitor, a experiência estética, as possibilidades de interpretação e, paralelamente, suas repercussões no ensino e no meio talvez tenham o que transmitir ao estudioso, alargando o alcance de suas investigações” (ZILBERMAN, 2004, p. 6). As discussões propostas terão como eixos basilares as teorizações dos principais expoentes alemães da Escola de Constança, Hans Robert Jauss, que se preocupa com a dimensão coletiva da leitura, e Wolfgang Iser, que traz uma visão voltada para o leitor individual. Sobre esses autores, Lima (2002, p. 52, grifo do autor) explica que Jauss está interessado na recepção da obra, na maneira como ela é (ou deveria ser) recebida. Iser concentra-se no efeito (Wirkung) que causa, o que vale dizer, na ponte que se estabelece entre um texto possuidor de tais propriedades – o texto literário, com sua ênfase nos vazios, dotado pois de um horizonte aberto – e o leitor. 90 Essas teorias se complementam, pois indicam que o texto literário somente tem significação a partir da interação do leitor com a obra, de modo que este, ao entrar no texto, possibilita o diálogo, a interpretação e a construção de sentidos. Para Jauss (1994), a obra literária tem um caráter dialógico, porque o leitor estabelece relações, interpretações e novas construções a partir do texto lido. A obra literária, por ser aberta, incompleta, propicia uma leitura inventiva, renovada, conferindo-lhe existência atual. O autor explica que a história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete (JAUSS, 1994, p.25). As obras literárias escritas em tempos diferentes permitem ao leitor conhecer a sociedade e o conhecimento de mundo em um determinado período histórico. Essa leitura se renova à medida que o leitor conhece a realidade,os valores e os costumes dessa época e confronta com a atualidade, criando novos conceitos. Jauss (1994) concebe o leitor como ser histórico que reconhece a história na estrutura textual, mas rompe com as leituras realizadas, fazendo suas interpretações e deixando suas marcas particulares no texto lido. O conceito de leitor paraZilberman (2004, p. 49),Jauss baseia-se em duas categorias: A de horizonte de expectativa, misto dos códigos vigentes e da soma de experiências sociais acumuladas; e a de emancipação, entendida como a finalidade e efeito alcançado pela arte, que libera seu destinatário das percepções usuais e confere-lhe uma nova visão da realidade. Segundo Jauss (1994), a literatura como acontecimento cumpre-se principalmente no horizonte de expectativa de leitores, críticos e autores, seus contemporâneos e pósteros, ao experienciarem a obra. A partir da experiência que o leitor tiver com a obra, terá condição de entender e apresentar a história da literatura em sua historicidade própria. O autor argumenta que existe uma relação de natureza dialógica entre o leitor e as obras que lê. O leitor dispõe de conhecimentos prévios, de referências de obras lidas, entretanto, ele pode romper com os esquemas formados, construir novos esquemas e ter uma nova percepção do universo a partir das novas leituras. Isso ocorre porque 91 a obra que surge não se apresenta como novidade absoluta num espaço vazio, mas, por intermédio de avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços familiares ou indicações implícitas, predispõe seu público para recebê-la de uma maneira bastante definida. Ela desperta a lembrança do já lido, enseja logo de início expectativas quanto a “meio e fim”, conduz o leitor a determinada postura emocional e, com tudo isso, antecipa um horizonte geral da compreensão vinculado, ao qual se pode, então – e não antes disso –, colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do gosto dos diversos leitores ou camadas de leitores (JAUSS, 1994, p. 28). No decorrer de suas vivências e leituras, o leitor constrói conhecimentos, formula hipóteses e guarda para si esquemas que se formaram a partir dessas experiências, que é o horizonte de expectativas, responsável pela primeira reação que o leitor mantém com a obra. Após esse primeiro contato, o leitor evoca obras já lidas, criando expectativas e hipóteses do desenrolar e do desfecho da obra, que podem permanecer ou ser alteradas. Desse modo, a função social da literatura é entendida a partir do encontro desta com o leitor, tendo em vista que o sentido da obra de arte deve ser visto como totalidade que se constrói historicamente. Sendo assim, a obra de arte literária é dependente da atividade perceptiva do leitor, que a transforma em objeto estético por meio da sua consciência, a qual tem a possibilidade de influenciar o destinatário ao veicular ou criar normas. A premissa de Jauss, segundo Zilberman (2004, p. 50), “é a de que a arte, não sendo meramente reprodução ou reflexo dos eventos sociais, desempenha um papel ativo: ela faz história, porque participa do processo de pré- formação e motivação do comportamento social”. Essa assertiva se concretiza porque a obra se comunica com o leitor, passando-lhe normas que são padrões de atuação. Nessa comunicação, o leitor se envolve intelectual, sensorial e emocionalmente com a obra, inclinando-se a se identificar com as normas transformadas em modelos de ação. Jauss (2002) esclarece que a experiência estética não se inicia pela compreensão e interpretação do significado de uma obra, menos ainda pela reconstrução da intenção de seu autor, pois “a experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com (Einstellungauf) seu efeito estético, isto é, na compreensão fruidora e na fruição compreensiva” (JAUSS, 2002, p.69). O leitor sentirá prazer no encontro com a arte se conseguir entendê-la (fruição 92 compreensiva) e somente entenderá o que aprecia (compreensão fruidora), ambos os processos concomitantes, que resgatam e valorizam a experiência estética e produzem um efeito. Jauss (2002) explica que a experiência estética propicia a emancipação do sujeito, porque libera o ser humano dos constrangimentos e da rotina habitual e estabelece uma distância entre o sujeito e a realidade,que é convertida em espetáculo. Interpretar uma obra possibilita ao leitor sentir prazer e agir, preservar o passado, redescobrir acontecimentos enterrados e projetar o futuro. A história da fruição estética, segundo Jauss (2002), materializa-se nos três conceitos da tradição estética: apoiesis, a aisthesis e a katharsis. A poiesis caracteriza-se pelo prazer que o indivíduo sente diante da obra, ao se sentir coautor. É uma experiência produtiva que oportuniza ao leitor satisfazer sua necessidade, alcançar outras dimensões ou permanecer no mundo real. A aisthesis é designada pelo efeito provocado pela obra, ou seja, o prazer adquirido através da experiência estética receptiva. A katharsisconsiste na experiência comunicativa da obra, visto que o indivíduo, além de sentir o prazer, sente a necessidade de ação e transformação das concepções que tem da sociedade, do mundo e da vida. Conforme Jauss (2002, p. 100-101), apoiesisé o prazer ante a obra que nós mesmos realizamos; [...] a aisthesis designa o prazer estético da percepção reconhecedora e do reconhecimento perceptivo; [...] e a katharsis aquele prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela poesia, capaz de conduzir o ouvinte e o telespectador tanto a transformação de suas convicções, quanto à liberação de sua psique. Essas três categorias básicas da experiência estética não precisam necessariamente ser vistas em uma hierarquia, porque elas estabelecem funções autônomas, podendo se relacionar entre si sem se subordinarem umas às outras. Entretanto, existe um movimento contínuo entre elas, em um processo que permite a recriação da obra de arte, interpretações sucessivas e a construção plural de significados que ultrapassam o horizonte de sua origem. É importante salientar que é um processo recíproco, no qual a obra é transformada pelo leitor e este, do mesmo modo, é transformado por ela. O procedimento metodológico de Jauss é norteado pela hermenêutica literária, a qual propõe demonstrar a interação da obra com o leitor a partir da lógica 93 da pergunta e da resposta introduzida no texto, não no receptor. Para entender a hermenêutica literária, é preciso situar-se no quadro da experiência proporcionada pela obra de arte, quando ocorre o efeito estético que se compõe da compreensão fruidora e da fruição compreensiva. O prazer estético conta previamente com um componente intelectual, a ser descrito por uma abordagem de tipo hermenêutico, cabendo apontar duas modalidades entre texto e leitor: de um lado, ao ser consumida, a obra provoca determinado efeito [wirkung] sobre o destinatário; de outro, ela passa por um processo histórico, sendo ao longo do tempo recebida e interpretada de maneiras diferentes – esta é sua recepção [rezeption] (ZILBERMAN, 2004, p.64, grifos da autora). Desse modo, o texto literário produz um efeito no leitor, tendo em vista que sua recepção deve ser entendida como um efeito que se dá no espaço que medeia o texto e seu leitor, em um encontro estabelecido na construção de sentidos e na fusão de horizontes. Iser (1996) defende que na leitura ocorre uma elaboração do texto, que se dá por meio de certo uso das faculdades humanas. Os efeitos do texto literário acontecem no processo de leitura, na comunicação proporcionada durante tal processo ao leitor. O texto literário apresenta um mundo imaginário de forma esquematizada, com espaços vazios, indeterminados, que requerem a presença de um leitor para preenchê-los. A intenção comunicativa é nitidamente evidenciada no texto literário, pois, “através dele, acontecem intervenções no mundo, nas estruturas sociais dominantes e na literatura existente” (ISER, 1996, p.15). Essas intervenções advêm das pistas e referências deixadas no text0o, que contribuem para sua compreensão. Nesse caso, Iser tem condições de confirmar um dos principais postulados da estética da recepção: a obra literária é comunicativa desde sua estrutura; logo, depende do leitor para a constituição do seu sentido. Este não corresponde a nenhum conteúdo universal, perene e imutável a ser extraído por um leitor competente; pelo contrário, pode mudar, se o público, a sociedade e a época forem outros (ZILBERMAN, 2004, p.64). Segundo Iser, o ato de leitura não se configura apenas como decodificação de códigos linguísticos, devendo ser considerado também o contexto de sua 94 produção e o modo como o leitor recebe o texto, a partir de um processo reflexivo que considera sua história, anseios, desejos, vivências e interdependências. Ao ser lido, o texto literário produz um efeito que se atualiza no processo de leitura. Esse efeito estético é causado pelo texto, mas requer do leitor atividades imaginativas e perceptivas. Para Iser (1996), somente na leitura a obra, enquanto processo, adquire seu caráter próprio, ou seja, é o ser formado do texto na consciência do leitor. Os sentidos do texto são originados pelas diversas possibilidades de interação entre a obra e seus vários interlocutores. Esse autor esclarece que a obra literária tem dois polos: o polo artístico, que é o texto produzido pelo autor, e o polo estético, que é a realização efetuada pelo leitor. Este apreende diferentes pontos de vistas que o texto oferece e, em seguida, relaciona-os com os seus, ao passar por diversos pontos de vista e esquemas formados oferecidos pelo texto. Assim sendo, segue dessa polaridade que a obra literária não se identifica nem com o texto, nem com sua concretização. Pois a obra é mais do que o texto, é só na concretização que ela se realiza. A concretização por sua vez não é livre das disposições do leitor, mesmo se tais disposições só se atualizam com as condições do texto. A obra literária se realiza então na convergência do texto com o leitor; a obra tem forçosamente um caráter virtual, pois não pode ser reduzida nem à realidade do texto, nem às disposições caracterizadoras do leitor (ISER, 1996, p. 50). No entendimento deIser (1996), dentro do texto literário existem estruturas e composições que produzem efeitos e influenciam na recepção da obra pelo leitor, proporcionando, consequentemente, a interação entre texto e leitor. A interpretação dependerá da relação do efeito do texto a partir das estruturas oferecidas. O texto não tem sentido próprio, cabendo ao leitor construí-lo. Iser (1999) explicita que o texto abriga um sistema de combinações linguísticas e, igualmente, é um lugar para aquele que deve realizar a combinação. Destaca que as lacunas deixadas no texto exigem que sejam preenchidas pelo leitor. Esses vazios condicionam a formação de representações do leitor a partir das condições instituídas pelo texto, tendo em vista que “os lugares vazios omitem as relações entre as perspectivas de apresentação, assim incorporando o leitor ao texto para que ele mesmo coordene as perspectivas” (ISER, 1999, p. 107), ou seja, o leitor é levado a agir dentro do texto, tendo sua atividade controlada pelo texto. 95 Existe também outro lugar sistêmico no qual o texto e o leitor se encontram, o qual representa os tipos de negação que aparecem no decorrer do texto. Essas potências de negação “evocam dados familiares ou em si determinados a fim de cancelá-los; todavia, o leitor não perde de vista o que é cancelado, e isso modifica sua posição em relação ao que é familiar ou determinado” (ISER, 1999, p. 107). Os lugares vazios e as negações regem de formas diferentes o processo de comunicação, mas são imprescindíveis para que ele aconteça, pois agem juntos como reguladores da interação entre o texto e o leitor. Portanto, o texto literário é um processo de comunicação que requer a participação de um leitor ativo, posto que a leitura se constitui como uma interação entre texto e leitor, de modo que este preenche os vazios do texto e dá sentido ao que lê. 2.7.3 O leitor literário Partimos das discussões teorizadas pela estética da recepção, que atribui ao leitor um papel produtivo diante do texto, pois somente nesse movimento dialógico a leitura tem sentido. Para Zilberman (2004), uma obra somente pode ser avaliada do ponto de vista do relacionamento com seu destinatário, tendo em vista que os valores não estão prefixados, o leitor não tem de reconhecer uma essência acabada que preexiste e prescinde de seu julgamento. Pela leitura ele é mobilizado a emitir um juízo, fruto de vivência do mundo ficcional e do conhecimento transmitido. Ignorar a experiência aí depositada equivale a negar a literatura enquanto fato social, neutralizando tudo que ela tem condições de proporcionar (ZILBERMAN, 2004, p.110). A autora esclarece que a literatura produz efeito, logo, quando age sobre o leitor, convida-o a compartilhar de um horizonte que decorre de outro e difere do seu, o que propicia o contato com vivências diversificadas, construídas nas relações sociais. Segundo Zilberman (2011), os vazios e as lacunas que constituem a obra literária permitem a entrada do leitor no texto, ao preenchê-los, efetivando as expectativas do mundo ficcional representado. As reações do leitor são provenientes da estrutura do texto, que carrega indeterminações, signos, estratégias e explicações, entretanto, o leitor participa da construção do texto à medida que traz 96 seus próprios códigos. Nessa perspectiva, a autora expõe que ocorrem dois tipos de concretização: “a do horizonte implícito de expectativas proposto pela obra, intraliterário, e a do horizonte de expectativas extraliterárias, que balizam o interesse estético dos leitores” (ZILBERMAN, 2011, p.89). Dessa inter-relação do efeito causado pela obra e da recepção apresentada pelo público, origina-se o diálogo entre texto e leitor. Zilberman (2011) afirma que o texto é um sistema de signos que somente tem sentido com a participação do leitor, quando este interage com o texto, decifra-o e lhe dá legitimidade. É importante ressaltar que é competência do leitor acatar o que está posto no texto – ilusão – ou posicionar-se criticamente diante do lido, pois o texto sempre depende da disponibilidade do leitor de reunir numa totalidade os aspectos que lhe são oferecidos, criando uma sequência de imagens e acontecimentos que desemboca na constituição do significado da obra. Esse significado só pode ser construído na imaginação, depois de o leitor absorver as diferentes perspectivas do texto, preencher os pontos de indeterminação, sumariar o conjunto e decidir-se entre iludir-se com a ficção e observá-la criticamente. A consequência é que ele apreende e incorpora vivências e sensações até então desconhecidas, por faltarem em sua vida pessoal (ZILBERMAN, 2011, p.89). Desse modo, o leitor toma para si o pensamento do outro, o que se torna uma experiência ímpar, pois ele substitui sua experiência pessoal por outra e suspende por um tempo suas disposições para experimentar algo que nunca vivenciou. Esse processo não sugere apenas entender os pensamentos alheios, mas também pensar sobre si e descobrir um universo de que não dispunha anteriormente, ou seja, conhecer a si mesmo a partir da reflexão sobre o outro. Essa experiência amplia o horizonte de expectativas do leitor e consequentemente promove sua emancipação. As teorizações de Jauss a respeito da experiência estética são apontadas por Zilberman (2004) como propiciadoras da emancipação do leitor, pois, para Jauss, mais do que uma atitude individual ou de mero entretenimento, a atividade leitora, por intermédio da literatura, emancipa o leitor, libertando-o das prisões, sendo elas naturais, sociais ou religiosas. Iser (1996) aponta o texto literário como evento da comunicação que produz efeito ao ser lido. A efetivação da leitura somente acontece a partir da produção de sentido realizada pelo leitor. O sentido é o resultado de uma interação entre os sinais textuais e os atos de compreensão do leitor. O texto ficcional oferece um 97 conjunto de referências e direcionamentos que torna possível formar o sentido do texto na consciência do leitor. Disso decorre a concepção do leitor implícito de Iser, a qual “designa então uma estrutura do texto que antecipa a presença do receptor” (ISER, 1996, p.73). O autor esclarece que o leitor implícito não tem existência na realidade concreta, mas nas referências e orientações dadas pelo texto ficcional e intenções evocadas pelo autor, que permitem a recepção por seus leitores possíveis. Por meio desses direcionamentos, o leitor consegue constituir o horizonte de sentido, utilizando sua capacidade de imaginação e preenchendo os vazios, o não dado pelo texto. Segundo Iser(1996, p. 79), a “concepção do leitor implícito descreve, portanto, um processo de transferência pelo qual as estruturas do texto se traduzem nas experiências do leitor através dos atos de imaginação”. Portanto, o leitor é convocado a participar do texto, entendendo os sinais deixados no texto pelo autor, ou seja, as lacunas que existem, e preenchê-las. Essa relação dialógica entre texto e leitor permite entendermos que ambos são ativos. O texto literário é uma produção comunicativa incompleta e indeterminadaque requer do leitor o uso de sua imaginação e experiências para completá-lo. Nesse campo de discussão, Eco (1994) concebe o leitor como integrante do texto literário e destaca que o leitor é o ingrediente essencial presente nas histórias, tanto no ato de contar quanto na própria história. O texto é incompleto, cheio de lacunas que precisam ser preenchidas pelo leitor, ou seja, “o texto está, pois, entremeado de espaços brancos, de interstícios a serem preenchidos, e quem o emitiu previa que esses espaços e interstícios seriam preenchidos e os deixou em branco duas vezes” (ECO, 2011, p.37). O autor compara a narrativa com um bosque, que tem vários caminhos, que podem ser contínuos, tortuosos, longos, curtos. Ao entrarmos no bosque, somos obrigados a escolher os caminhos que queremos seguir. Por essa razão, na realização da leitura, o leitor do texto literário tem de fazer opções, escolhas. Eco (1994) traz os conceitos de leitor empírico e leitor modelo para explicar a relação estabelecida entre texto e leitor. O leitor empírico refere-se a todos nós que, quando lemos uma obra, podemos interpretá-la de várias maneiras, utilizando o texto como abrigo de nossas próprias paixões, que podem ser provocadas pelo texto ou exteriores a ele. O leitor modelo de Eco (1994, p. 15) é um cooperador na produção do texto, tendo em vista que é “uma espécie de tipo ideal que o texto não 98 só prevê como colaborador, mas ainda procura criar”. Para criar um texto, o autor seleciona um conjunto de competências, estratégias textuais, signos, conteúdo e expressões, prevendo um leitor-modelo para cooperar com o texto. Ao mesmo tempo que o autor antecipa a existência de um leitor-modelo, ele movimenta o texto de modo a construí-lo. De acordo com Eco (1994), há duas maneiras de percorrer um bosque: conhecer um ou vários caminhos para sair do bosque ou chegar a um lugar determinado e caminhar para apreciar o bosque, descobrindo as diferenças que existem nos percursos feitos em trilhas distintas. Do mesmo modo, existem duas formas de percorrer um texto narrativo. O texto desse tipo se dirige a um leitor-modelo do primeiro nível, que quer saber muito bem como a história termina [...] mas também todo texto se dirige a um leitor- modelo do segundo nível, que se pergunta que tipo de leitor a história deseja que ele se torne e que quer descobrir precisamente como o autor modelo faz para guiar o leitor (ECO, 1994, p.33). No primeiro nível, o leitor se satisfaz lendo a história, posto que conhecerá o final. No segundo, a história será lida várias vezes, incansavelmente, até se entender o que o autor modelo quer do leitor, sendo, então, nesse momento, que os leitores empíricos se tornarão leitores-modelo. Eco explana que uma obra de ficção apresenta pessoas em ação e o leitor tem interesse em descobrir como essas ações se desenvolvem. A obra emite sinais de suspense que convidam o leitor a continuar a leitura. Para isso, ele faz os passeios inferenciais, que são as caminhadas imaginativas fora do bosque. “A fim de prever o desenvolvimento de uma história, os leitores se voltam para sua própria experiência de vida ou seu conhecimento de outras histórias” (ECO, 1994, p.56). Os textos também possibilitam ao leitor fazer previsões, o que constitui um aspecto emocional essencial da leitura, pois põe “em jogo esperanças e medos, bem como a tensão de nossa identificação com o destino das personagens” (ECO, 1994, p.57). O leitor é um cooperador do texto que atua nele como seu criador, buscando do mundo real as experiências e os conhecimentos ao se deparar com os sinais de suspense, além de prever o desenrolar da história, quando se envolve emocionalmente e se identifica com os personagens. Eco explica que o texto de ficção tem como pano de fundo o mundo real e é parasita desse mundo, por isso as histórias sempre tratam de acontecimentos passados, atuais ou vindouros. 99 Para lidar com a obra ficcional, Eco (1994, p. 81) aponta uma norma básica a ser seguida, que é a suspensão da descrença, ou seja, o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de “suspensão de descrença”. O leitor tem de saber que o que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o escritor está contando mentiras [...] Aceitamos o acordo ficcional e fingimos que o que é narrado de fato aconteceu. O leitor literário precisa saber que a ficção é uma criação ancorada no mundo real, tendo lugares, pessoas, conflitos, conquistas, dúvidas, enfim, histórias semelhantes às vivências do cotidiano. Para adentrarmos nessas obras, precisamos assinar um acordo ficcional com o autor de que acreditamos que o que está sendo contado é verdade. Mediante as discussões que realizamos, podemos concluir que o leitor de literatura é protagonista fundamental na leitura. O texto não tem significação própria, mas o sentido somente é construído com a participação de um leitor que atua como colaborador. Com basenessas premissas sobre a literatura e sua relação com a construção da identidade humana e o protagonismo queexige do leitor para participar de uma experiência linguística, social, cultural, emocional, estética, imaginativa única, defendemos sua presença no curso de Pedagogia, visto que nele se formam os professores das primeiras letras. É sobre esse aspecto que passaremos a tratar a seguir. 100 3 PROPOSTAS CURRICULARES E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: O PERFIL DO PEDAGOGO O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, Curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade. (Tomaz Tadeu da Silva). 3.1 Uma conversa sobre currículo As discussões sobre currículo ganharam notoriedade há mais de um século. Como resultado, temos hoje a compreensão de que seu significado não se reduz a procedimentos, técnicas e métodos, pois percorremos um espaço guiado por questões sociológicas, políticas e epistemológicas. O currículo não é um objeto estático, é uma práxis. À medida que é uma práxis, constitui-se como expressão da função socializadora e cultural da educação. Dessa forma, as funções que o currículo desempenha como expressão do projeto cultural e da socialização são realizadas por meio dos conteúdos selecionados, de sua organização e das práticas que gera em torno de si. Assim sendo, analisar os currículos concretos consisteem estudá-los no contexto em que se configuram e através do qual se propagam em práticas educativas. Segundo Silva (2014), os estudos sobre currículo apareceram nos Estados Unidos do século XX. Esse país apresentou uma notável prosperidade nesse período, pois o crescimento industrial se destacava visivelmente, havendo o aumento de emprego, a acumulação de bens e produção, os movimentos imigratórios e a intensa massificação da escolarização. Com isso, as pessoas ligadas à administração da educação foram impulsionadas a racionalizar o processo de desenvolvimento e testagem dos currículos. O modelo de currículo idealizado por esse grupo está apontado no livro de Bobbitt, The Curriculum (1918). Silva (2014) explica que a concepção de currículo de 101 Bobbitt é intrínseca à de fábrica, pois segue as aspirações defendidas por Taylor3. O autor explicita: No modelo de currículo de Bobbitt, os estudantes devem ser processados como um produto fabril. No discurso curricular de Bobbitt, pois, o currículo é supostamente isso: a especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente mensurados (SILVA, 2014, p.12). A escola é comparada a uma empresa que visa obter lucros e, para tanto, traça estratégias e métodos para capacitar os indivíduos a exercerem determinadas funções, tornando-os eficientes e habilidosos. Desse modo, a definição de currículo como processo industrial e administrativo, propagada por Bobbitt, passou a ser considerada por escolas, professores e alunos. Como consequência desse modelo, herdamos a compartimentação dos conhecimentos em áreas, disciplinas e conteúdos trabalhados, na maioria das vezes, de forma fragmentada e desarticulada. Por esse motivo, os indivíduos pouco desenvolvem seus conhecimentos, pois são meros receptores de informações, normas e valores, considerados socialmente válidos. Sob essa ótica, a escola passou a ser vista como espaço que possibilitava o ajustamento e a adaptação das novas gerações às mudanças políticas, sociais e econômicas. O currículo tornou-se veículo de inculcação de valores, condutas e hábitos ajustados à nova ordem social. Dada a importância do currículo para a efetivação e a implantação do projeto de sociedade que um determinado grupo defende, surgiram acirradas discussões nesse campo, que trouxeram uma nova forma de ver e pensar o currículo. Antes de adentrarmos nessa nova discussão, é preciso conhecer de modo simplificado as visões das teorias de currículo. De acordo com Silva, essas visões se apresentam da seguinte maneira: 3Sistema de organização do trabalho concebido pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor. Método de racionalizar a produção, ou seja, de possibilitar o aumento da produtividade do trabalho “economizando tempo”, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo. O sistema Taylor aperfeiçoou a divisão social do trabalho introduzida pelo sistema de fábrica, assegurando definitivamente o controle do tempo do trabalhador pela classe dominante. Nessa perspectiva, procura-se obter o máximo rendimento do tempo, não raro obedecendo-se a regras e instruções ditadas por bulas e guias “científicos” de racionalização do agir, do sentir e do pensar (RAGO, Luzia Margareth; MOREIRA, Eduardo F.P. O que é taylorismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985). 102 1) A tradicional, humanista, baseada numa concepção conservadora da cultura (fixa, estável, herdada) e do conhecimento (como fato, como informação), uma visão que, por sua vez, se baseia numa perspectiva conservadora da função social e cultural da escola e da educação; 2) a tecnicista, em muitos aspectos similar à tradicional, mas enfatizando as dimensões instrumentais, utilitárias e econômicas da educação; 3) a crítica, de orientação neomarxista, baseada numa análise da escola e da educação como instituições voltadas para a reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista: o currículo reflete e reproduz essa estrutura; 4) a pós- estruturalista, que retoma e reformula algumas das análises da tradição crítica neomarxista, enfatizando o currículo como prática cultural e como prática de significação (SILVA, 2001, p.12). Nessa perspectiva, as teorias tradicionais caracterizam-se como neutras, científicas e desinteressadas. O currículo é visto como um conjunto de informações e conhecimentos escolhidos para serem transmitidos aos indivíduos na escola. Ao contrário, as teorias críticas e as teorias pós-críticas defendem que não existe teoria neutra, científica ou desinteressada, pois está implicada em relações de poder. O currículo, nessa concepção, é questionado quanto ao seu caráter histórico (variável, mutável) e ao caráter social (construído) do conhecimento escolar. Partimos do princípio de que o currículo é um elemento social e cultural que se forma dentro de um contexto entrelaçado por questões e aspirações sociais, políticas e econômicas, assegurando os interesses de um determinado grupo. Visto dessa forma, concordamos que o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado nas relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação (MOREIRA; SILVA, 1999, p. 7-8). Decorre desse entendimento que o currículo é fruto de uma seleção de conhecimentos realizada em um contexto mais amplo, no qual se elegem os conteúdos considerados mais importantes que devem integrá-lo, justificando-se sempre a escolha dos conhecimentos selecionados e não de outros. Apple (1999) alinha-se a essa ideia ao explicar que o currículo é parte de uma tradição seletiva, resultado de alguém, do entendimento de algum grupo sobre o que seja conhecimento legítimo, verdadeiro: “é produto das tensões, conflitos e concessões 103 culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo” (APPLE, 1999, p.59). É relevante entendermos que o currículo projeta e molda o ser humano desejável, ideal para a sociedade. À medida que os conhecimentos são selecionados e, posteriormente, efetivados nos currículos das universidades e escolas, um modelo de ser humano vai sendo formado, idealizado. Silva (2014) esclarece que, ao pensarmos em currículo como conhecimento, devemos atentar para o fato de que o conhecimento que compõe o currículo está intimamente imbricado naquilo que somos e nos tornamos, na nossa identidade, na nossa subjetividade. Silva (2001) lembra que a tradição crítica em educação nos ensinou que o currículo gera formas particulares de conhecimento e de saber, divisões sociais, identidades divididas, classes antagônicas. Na mesma linha, as perspectivas mais atuais expandem essa visão e mostram que o currículo igualmente produz e organiza identidades culturais, de gênero, identidades raciais, sexuais. Desse modo, “o currículo está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz” (SILVA, 2001, p.27). Na perspectiva pós-estruturalista, o currículo é poder, tendo em vista que, dentre vários conhecimentos e múltiplas possibilidades, escolher uma identidade ou subjetividade como ideal é uma operação de poder, pois “selecionar é uma operação de poder. Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder” (SILVA, 2014, p.16). Dessa forma, ratificamos a ideia de que as teorias de currículo estão intensamente envolvidas para garantir o consenso e obter uma hegemonia, a serviço de alguém ou de algo, com objetivos e metas a serem alcançados, distanciados da neutralidade. Destacamos aqui os conhecimentos que estão presentes nas universidades e escolas, que se manifestam de forma implícita e não aparecem citados nos documentos que norteiam os conteúdos a serem ensinados. É o currículo oculto, que não está explícito, mas ensina as relações de autoridade e de organização espacial, o controle e a distribuição do tempo, os padrões de recompensa e castigo. Diz respeito às relações interpessoais desenvolvidas na escola, contemplando a hierarquização entre administradores, direção, docentes e discentes, bem como a forma como os aprendizes são conduzidos a se relacionarem com o conhecimento. 104 Silva (2014, p. 78) define que o currículo oculto “é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes”. No currículo oculto,aprendem-se normas, valores, atitudes e comportamentos a serem seguidos para se ajustar à sociedade, isto é, atender ao padrão imposto para conviver com os outros. O currículo oculto é um importante instrumento de poder nas relações sociais, pois ensina conformismo, obediência, individualismo ereproduz identidades. Assim, as crianças menos favorecidas aprendem sua condição de submissão e as crianças das classes dominantes aprendem conhecimentos que possibilitam assumirem o papel de dominadores, assegurando a hegemonia dominante da sociedade. Dessa assertiva, entendemos que, ao elegerem determinados conhecimentos, valores e comportamentos, o currículo e a educação estão intimamente envolvidos com o processo cultural, com uma política cultural. O currículo é visto como “terreno de produção e criação simbólica, cultural” (SILVA, 1999, p.26). Esse autor explica que o currículo e a educação não apenas repassam a cultura produzida em um local distante, por outros sujeitos, mas também são partes complementares e ativas de um processo de construção e criação de sentidos, de significações e de agentes. Para Silva (1999), não existe uma cultura específica e homogênea da sociedade que mereça ser transmitida para as futuras gerações pelo currículo. A cultura é entendida como o “terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos” (SILVA, 1999, p.27). O pensamento sobre cultura é indissociável do conceito de grupos e classes sociais, sendo um espaço onde ocorre a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais, de maneira que o currículo é o local de manifestação desse conflito. Nesse sentido, convém evidenciarmos que o mundo contemporâneo vivencia a diversidade das formas culturais. Não há mais lugar para uma cultura homogênea, pois o terreno cultural é marcado pela heterogeneidade, pelas diferenças e pelas manifestações de grupos sociais dominados e marginalizados. Desse processo, urge a necessidade de discutirmos a relação entre currículo e multiculturalismo. 105 3.2 Currículo e multiculturalismo As discussões sobre multiculturalismo ganharam espaço de destaque na contemporaneidade, posto que constantemente presenciamos discursos sobre desigualdades sociais e de gêneros, cotas para negros, entre outros. Entretanto, esses mesmos discursos carregam significados ambíguos, ao tornarem mais evidentes o preconceito e as injustiças com os grupos historicamente marginalizados e ao assegurarem a predominância da cultura dos grupos privilegiados. Para Canen (2010), o multiculturalismo é entendido como um conjunto de respostas à pluralidade cultural e ao desafio a injustiças e desigualdades sociais. Partindo dessa concepção, devemos refletir sobre os diversos sentidos empregados ao multiculturalismo, pois não podemos permitir que as práticas curriculares multiculturais sustentem as diferenças e os preconceitos que desejamos combater. Essa autora aponta alguns sentidos e perigos do multiculturalismo que estão presentes na educação, como: 1) Multiculturalismo reparador – [...] oreduz a ações afirmativas, de garantia de acesso das identidades plurais, marginalizadas, a espaços educacionais e sociais, de forma a garantir supostas correções e reparações a injustiças passadas. É o caso da reserva de cotas para minorias, em instituições públicas, recentemente anunciadas pelo governo [...]; 2) Folclorismo – trata-se da redução do multiculturalismo a uma perspectiva de valorização de costumes, festas, receitas e outros aspectos folclóricos e “exóticos” de grupos culturais diversos [...]; 3)Reducionismo identitário – reconhece a diversidade cultural e a necessidade de combate à construção das diferenças e dos preconceitos, mas não percebe [...] as diferenças dentro das diferenças [...]; 4) Guetização cultural – perspectiva em que grupos ou identidades étnico-culturais optam (ou são levadas a optar) por propostas curriculares que se voltam exclusivamente ao estudo de seus padrões culturais específicos (CANEN, 2010, pp. 181-185). Canen (2010) elucida que a inserção dos sujeitos nas universidades e outros espaços não significa garantia de permanência, pois os conflitos culturais continuam em evidência e podem ocasionar a saída deles do ambiente que os acolheu. Do mesmo modo, os discursos folclóricos precisam ser analisados cuidadosamente, visto que o multiculturalismo não deve ser reduzido a momentos que celebram datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, ou a feiras culturais que trabalhem a diversidade, mas contemplar um discurso que promova a reflexão sobre 106 as desigualdades sociais, as relações de poder e o preconceito, a fim de minimizá- los, superá-los. Outro fator a ser observado é a homogeneização das categorias alvos de preconceitos e silenciamentos, pois não podemos generalizar as identidades que formam os grupos, ignorando as pluralidades e as subjetividades presentes, como, por exemplo, a categoria branca, vista como aquela que se opõe ao negro. Devemos considerar o perigo da guetização cultural, de supervalorizar uma cultura e adotá-la como única. O multiculturalismo deve estar assentado em uma visão de identidades híbridas e na necessidade de interações culturais. É essa perspectiva que entendemos que a universidade deva cultivar. 3.3 O currículo, a universidade, a literatura: os caminhos e os atalhos A universidade é uma instituição social que tem a missão de produzir conhecimento, estabelecer e articular os saberes, promover o desenvolvimento do pensamento crítico, bem como formar cidadãos, profissionais e intelectuais que possam atuar na sociedade. Tem sua origem fincada na Idade Média, estando ligada à igreja católica ou à corte real. A partir dessa época, essa instituição percorreu uma longa evolução histórica, sempre com o propósito de acumular, produzir e disseminar o conhecimento científico. Essa instituição está historicamente determinada, pois sua estrutura e funcionamento refletem a sociedade em geral. Esse fato evidencia-se pela presença de opiniões, atitudes, estilos e ideais que revelam as divisões e contradições da sociedade. De acordo com Chaui (2003), essa relação interna ou expressiva entre universidade e sociedade ratifica que, desde seu surgimento, a universidade pública foi uma instituição social, uma ação social, uma prática social, formada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições. A autora acrescenta que a universidade moderna foi legitimada na conquista da ideia de autonomia do saber em face da religião e do Estado, um conhecimento conduzido por sua própria lógica e pelas necessidades inerentes a ele. Depois da Revolução Francesa, a universidade formou-se a si mesma como uma instituição republicana, pública e laica. Após as revoluções sociais do século XX e com as lutas sociais e políticas decorrentes delas, a educação e a cultura passaram a ser vistas como direitos do cidadão, “fazendo com que, além da vocação republicana, a universidade 107 se tornasse também uma instituição social inseparável da ideia de democracia e do saber” (CHAUI, 2003, p. 5). Chaui (2003) esclarece que, sendo uma instituição social, a universidade não mantém uma relação de exterioridade com o Estado, mas acompanha as mudanças e as transformações sociais que ocorrem, tornando-se o reflexo da sociedade. Seu caráter republicano e democrático é determinado pela presença ou ausência da prática republicana e democrática do Estado. Desse modo, mesmo sendo a universidade um espaço de liberdade de expressão, de conflitos, de aspirações e de lutas, ela é determinada pelas circunstâncias histórico-sociais e econômicas em cada época, em cada sociedade. Por outro lado a universidade recebe constantemente exigências e atribuições por parte da sociedade, por outro, as políticas de financiamento das suas atividades por parte do Estado se tornam cada vez mais escassas. Santos (2013) explica que, ao confrontar-se com essa situação complexa, na qual a instituição é duplamente desafiada pela sociedade e pelo Estado, a universidade não parece preparada para enfrentar os desafios nem as reformas parcelares. Santos (2013) identifica três crises com as quais se defronta a universidade: a crise da hegemonia, a crise de legitimidade e a crise institucional. De acordo com Santos (2013), a crise da hegemonia decorre da contradição entre os conhecimentos exemplares e de alta cultura necessários à formação das elites de que as universidades se ocuparam desde a Idade Média na Europa e os conhecimentos e a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos úteis para a qualificação de mão de obra exigida pelo mercado de trabalho capitalista. A crise da hegemonia efetiva-se cada vez que uma dada condição social deixa de ser considerada exclusiva. Desse modo, Santos (2013, p.375) explica que “a universidade sofre uma crise de hegemonia na medida em que a sua incapacidade para desempenhar cabalmente funções contraditórias leva os grupos sociais a procurar meios alternativos de atingir os seus objetivos”. O autor considera essa crise a mais abrangente, porque nela está em causa a exclusividade dos conhecimentos que a universidade produz e transmite, sendo também a crisedos fatores condicionantes tem maior profundidade histórica. A segunda crise descrita por Santos (2013) é a da legitimidade, que ocorre devido à perda da consensualidade da universidade diante da contradição entre a hierarquização dos saberes especializados por meio das restrições do acesso e da 108 credencialização das competências e as exigências sociopolíticas da democratização e igualdade de oportunidades, reivindicando a formação de estudantes das classes populares. Por último, está a crise institucional (SANTOS, 2013), decorrente da contradição entre a reivindicação da autonomia na definição dos valores e dos objetivos institucionais e a submissão crescente a critérios de eficácia e de produtividade de origem e natureza empresarial, ou seja, a instituição é convocada a participar de forma direta de outras relações sociais, relacionadas à produção e à emancipação. Para Santos (2013), essas crises acentuaram-se no decorrer desses vinte anos. O autor acrescenta que elas estão interligadas e somente podem ser enfrentadas conjuntamente, por meio de vastos programas de ação originados dentro e fora da universidade, entretanto, a crise institucional ganhou uma notoriedade exagerada, monopolizando as atenções e os propósitos reformistas. A repercussão dessa ênfase na crise institucional ocasionou a crescente descaracterização intelectual da universidade (tentativa de solucionar a crise da hegemonia) e a crescente segmentação do sistema universitário e desvalorização dos diplomas universitários (tentativa de solucionar a crise da legitimidade). A universidade deixa de ser produtora para o mercado e passa a se produzir como o mercado. A crise institucional é considerada, há mais de dois séculos, o elo mais frágil da universidade pública, devido à autonomia científica e pedagógica dessa instituição estar assentada na dependência financeira do Estado. Além disso, juntamente com essa crise, houve o agravamento das outras duas, a de hegemonia e de legitimidade. O neoliberalismo e a globalização neoliberal, que a partir da década de 1980 se impuseram internacionalmente, afetaram determinantemente as políticas públicas de Estado. Edificadonas ideias políticas e econômicas capitalistas que defendem a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, somente devendo esta ocorrer em setores indispensáveis, de forma mínima, o neoliberalismo levou à perda geral de prioridade das políticas sociais (educação, saúde, previdência), como também à perda da prioridade da universidade pública nas políticas sociais de Estado. De acordo com Santos (2013), o neoliberalismo identificou as debilidades da universidade pública como insuperáveis, irreformáveis e utilizadas para justificar a abertura generalizada do 109 bem público universitário à exploração comercial, estando a alternativa cabível na criação de um mercado universitário. O autor acrescenta que a transnacionalização dos últimos anos é mais vasta e sua lógica é exclusivamente mercantil, pois [...] o desinvestimento do Estado na universidade pública e a globalização mercantil da universidade – são as duas faces da mesma moeda. São os dois pilares de um vasto projeto global de política universitária destinado a mudar profundamente o modo como o bem público da universidade tem sido produzido, transformando-o num vasto campo de valorização do capitalismo educacional (SANTOS, 2013, p.434). O autor explica que esse projeto pretende consolidar a mercadorização da universidade e se efetiva em dois níveis. No primeiro nível de mercadorização, a universidade é induzida a superar a crise financeira gerando receitas próprias, privatizando parte dos serviços e fazendo parcerias, principalmente com a indústria. O segundo nível incide em propositalmente eliminar a distinção entre universidade pública e universidade privada. Desse modo, a universidade se transforma em uma empresa que não produz apenas para o mercado, mas também produz a si mesma como mercado. Santos (2013) explicita que a crise tríplice da universidade foi agravada nos últimos anos, principalmente pela descapitalização da universidade pública, que conduz as instituições universitárias a capturarem recursos no âmbito da concorrência privada, buscando gerar receitas próprias, o que induz a universidade à lógica do mercado capitalista e à transnacionalização do mercado de serviços universitários, que está articulado com a redução do financiamento público; à desregulação das trocas comerciais em geral; e à revolução nas tecnologias de informação e comunicação, que acarretam desigualdades entre universidades. A defesa da universidade pública deve estar intimamente relacionada a uma profunda reforma das instituições públicas que conhecemos atualmente. A universidade pública é convocada a enfrentar inúmeros desafios em uma sociedade que se desenvolve expansivamente. Diante dos diversos problemas que surgem com esse desenvolvimento, decorrentes, a princípio, da expansão e da transnacionalização do mercado de serviços universitários, seguindo-se da alteração significativa das relações entre conhecimento e sociedade, a universidade, apesar de permanecer como instituição que promove o conhecimento científico, perde sua hegemonia e torna-se alvo de crítica social. Santos (2013) esclarece que o 110 conhecimento produzido nas universidades ou por instituições que possuem o mesmo ethos universitário consolidou-se no decorrer do século XX, tornando-se um conhecimento proeminentemente disciplinar, cuja autonomia estabeleceu um processo de produção relativamente descontextualizado em relação às demandas cotidianas das sociedades. Esse conhecimento é homogêneo e organizacionalmente hierárquico na medida em que agentes que participam na sua produção partilham os mesmos objetivos de produção de conhecimento, têm a mesma formação e a mesma cultura científica e fazem-no segundo hierarquias organizacionais bem definidas (SANTOS, 2013, p.449-450). O conhecimento universitário é organizado por um grupo de pesquisadores que define os problemas científicos a serem resolvidos, determina sua importância e traça a metodologia a ser seguida e o andamento da pesquisa. Esses conhecimentos são produzidos para serem utilizados ou não na sociedade. A despeito de existirem, os conhecimentos não necessariamente terão repercussão que mude o cenário existente entre o acadêmico, o formativo e o institucional, havendo caminhos e trilhas a serem percorridos e legitimados. Essas considerações nos levam a nos debruçarmos sobre a questão nuclear de nossa pesquisa, na medida em que defendemos a necessidade do ensino de literatura para os cursos de Pedagogia. Além disso, percebemos que algumas universidades compartilham a mesma ideia, mas o rigor curricular que deve ser seguido impede que a disciplina ocupe um lugar no currículo obrigatório, mesmo que seja uma reivindicação dos maiores interessados, que são os discentes, conforme observamos na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Nessa instituição, a disciplina Literatura Infantil e Juvenil aparece como optativa do curso de Pedagogia, ofertada pelo Departamento de Letras Vernáculas, conforme estrutura curricular do Projeto Pedagógico do Curso (PPC), de acordo com o Quadro 4: Quadro 4 – Disciplina Literatura Infantil ofertada no curso de Pedagogia da UFES Fonte: PPC/UFES (2010). 111 Ao constatarmos a oferta da disciplina, enviamos e-mail para a secretaria do curso, com o intuito de esclarecermos como se ela se dá. Em resposta, recebemos mensagem do chefe do Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais(DTEPE/UFES) com a seguinte informação: [...] a disciplina de Literatura Infantil é optativa para o curso de Pedagogia e é ofertada pelo Departamento de Letras. A oferta não tem sido regular, ocorrendo muito esporadicamente. Destaco entretanto, uma demanda grande dos alunos pela sua oferta. Por acaso, tivemos uma professora substituta no meu Departamento que se dispôs a ofertá-la no semestre 2015-1, sendo muito elogiada pelos alunos (EUGÊNIO, 2006, grifos nossos). De acordo com a mensagem, percebemos que a disciplina Literatura Infantil é de interesse dos alunos e que existe uma demanda perceptível por esse componente curricular, entretanto, o departamento não a oferece regularmente, sendo apenas um atalho do currículo, uma concessão à solicitação dos graduandos. Sabemos que existe um conjunto de fatores que determinam quais conteúdos serão priorizados. Observamos, nesse caso, que, como a literatura não faz parte do currículo do curso, uma dificuldade aparente para oferecer a disciplina recai na falta de professor para ministrá-la, haja vista que a docente destinada para tal função não faz parte do quadro efetivo do departamento, circunstância que se repete em outras universidades pesquisadas. De fato, a situação revela que os estudantes sentem essa necessidade, mas como a disciplina ainda não tem seu lugar legitimado no currículo também não tem professor que a assuma regularmente, fazendo com que a literatura transite de maneira improvisada e ocasional no curso. A procura pela disciplina, por parte dos alunos, é confirmada no discurso da professora substituta: Gostaria de esclarecer, de antemão, sobre a minha situação na Universidade Federal do Espírito Santo. Fui inicialmente aprovada no concurso para professora substituta da Faculdade de Letras, em 2014. Como também tenho especialização em Educação e porque houve uma demanda na Pedagogia, eu fui chamada para ministrar algumas disciplinas neste curso. Acabei oferecendo a disciplina de Literatura Infantil em um semestre. Muitos alunos solicitaram que eu continuasse a oferecer a optativa, inclusive que eu preparasse o módulo II para dar continuidade aos estudos. Mas havia outras disciplinas sem professor e eu, então, atendi à demanda na ocasião (OLÍVIA, 2016, grifo nosso). 112 Os discursos dos colaboradores da pesquisa deixam nítido que a literatura é necessária ao curso de Pedagogia. Da mesma forma, sua ausência na estrutura curricular obrigatória e a oferta esporádica nos levam a refletir sobre as escolhas dos conteúdos considerados relevantes para a formação do pedagogo. A lacuna deixada por esse componente curricular está explícita na confirmação de uma demanda existente, na solicitação dos alunos e na falta de professor para ministrá-lo. Situações como essas chamam a atenção para lembrarmos que o currículo não é um elemento neutro, mas social, cultural, construído dentro de um contexto entrelaçado por questões e aspirações sociais, políticas e econômicas, garantindo os interesses de um determinado grupo. Ocupar espaços no currículo é uma questão de poder. Os conhecimentos que são eleitos para integrar o currículo de um curso e de uma disciplina traduzem os ideais de um grupo específico, que os considera socialmente válidos. Silva (2014) explica que, ao selecionarmos o currículo a ser efetivado nas universidades e nas escolas, estamos construindo um modelo de homem, relacionado ao que somos e nos tornamos, à nossa identidade e subjetividade. O ensino de literatura, no caso específico da UFES, apresenta-se como uma necessidade no currículo de Pedagogia, pois, não fazendo parte de sua estrutura curricular obrigatória, percorre atalhos para se fazer presente em sala de aula. Ao contatarmos uma das professoras da disciplina Português da mesma universidade, obtivemos a seguinte informação: Quanto a Português: conteúdo e metodologia é oferecida semestralmente [...] acrescento uma informação que talvez seja interessante: além de “Literatura Infantil e Juvenil”, o curso de Pedagogia tem uma optativa “Formação do Leitor: literatura em espaços escolares” (EMMA BOVARY, 2016, grifo nosso). A disciplina “Formação do Leitor: literatura em espaços escolares”não aparece na estrutura curricular disponível nosite da universidade nem no projeto pedagógico do curso de Pedagogia. Fatos como esses nos levaram a manter contato com os departamentos e os professores da instituição. Finalmente, obtivemos o seu programa por meio de contato com uma professora que a ministrou em um semestre e disponibilizou o documento. Ao analisarmos o programa da disciplina, observamos que contempla objetivos e conteúdos da literatura, literatura infantojuvenil, produção literária, biblioteca, formação do leitor, formação do 113 professor e mediadores de leitura de forma consistente, sistemática e pontual. Trata- se de uma disciplina optativa; a professora que nos enviou o programa a tinha ministrado uma vez e não informou a frequência com que é ofertada. Ratificamos que o ensino de literatura na UFES tem uma demanda perceptível, entretanto, não consegue se consolidar, visto que apresenta duas disciplinas optativas: “Literatura Infantil”, que integra o PPC do curso de Pedagogia e é ofertada esporadicamente; e “Formação do Leitor: literatura em espaços escolares”, que não aparece no PPC do curso, mas é informada pela própria professora que a ministrou em um determinado período. Esses atalhos indicam uma preocupação dos docentes em consonância com demandas discentes em relação à oferta da disciplina literatura, mas essa demanda não atingiu um nível de interesse institucional que a legitimasse no curso de Pedagogia. Analisamos o programa da disciplina “Português: conteúdo e metodologia”, da UFES, ofertada no curso de Pedagogia, também ministrada pela professora Emma Bovary. Observamos que a literatura se faz presente no planejamento da docente, que dedica uma unidade da disciplina para trabalhar literatura infantil e obras de literatura infantil. Podemos afirmar que, no curso de Pedagogia da UFES, existe uma preocupação voltada para o ensino de literatura, porque os conteúdos são contemplados de diferentes formas em outras disciplinas. Os dados sugerem que a área é essencial para os graduandos e deve fazer parte dos conteúdos a serem estudados. Entretanto, ratificam a assertiva de que o conhecimento universitário é homogêneo e hierárquico e está a serviço de um grupo que determina quais conhecimentos são mais importantes e devem integrar o currículo. Nesse exemplo, claramente, observa-se a contradição entre a necessidade dos graduandos e a visão institucional. O que é necessário é apresentado de maneira precária, improvisada. Sob esse aspecto, concordamos com a ideia defendida por Nogueira (2004), quando explica que formar deixa de ser um processo de preparação para a vida, de articulação e totalização dos saberes e de diálogo com a história, transformando-se em uma operação de curto prazo designada a instrumentalizar indivíduos para uma melhor inserção no mercado de trabalho, negando a missão principal da universidade, que é ser capaz de produzir novos conhecimentos e aplicá-los à realidade social, sendo acessível a toda a sociedade, em todos os níveis sociais, 114 com vistas a inclusão social, cumprindo tanto uma função social quanto política. O autor comenta que há mais capacitação do que formação, por isso, [...] mudam as bases do ensino e da pesquisa, com a fragmentação dos currículos, o aumento da carga letiva, a aceleração dos ciclos de estudo, o privilegiamento da quantidade (disciplinas, matérias, informações, horas-aula, vagas, carga horária docente, artigos publicados, teses defendidas) sobre a qualidade, a valorização unilateral do pesquisador em detrimento do professor (NOGUEIRA, 2004, p. 4). A universidade é afetada pela concepção de conhecimento que a sociedade demanda. As escolhas curriculares e preferências teóricas são muitas vezes decorrentes dessas exigências. Nessa mesma linha de pensamento, Chaui (2003) reforça que os efeitos da economia e das novas tecnologias, como a fragmentação e a dispersão do espaço e tempo, a rapidez, a rotatividade e o efêmero, são transferidos para a universidade. A autora mostra que, para esse mercado efêmero, “a literatura, por exemplo abandona o romance pelo conto, intelectuais abandonam o livro pelo paper[...]” (CHAUI, 2003, p.11). Longe de questionarmos o valor estético intelectual dos contos e da diversidade de textos publicados a partir de resultados de pesquisas e trabalhos acadêmicos, a nossa intenção é elucidar a preferência por uma formação aligeirada, que se adéqua ao espaço-tempo do capitalismo, à abreviação do tempo para a graduação e pós-graduação, em detrimento de uma formação consistente, humana, que prepara para a vida, que considera a história e a cultura, que desenvolve o pensamento crítico. Chaui (2003) faz uma reflexão sobre a ideia de formação, relacionando-a ao que a própria palavra indica, que é a relação com o tempo, possibilitando que o indivíduo conheça o passado de sua cultura e entenda que esse passado produz o presente. Para assegurar a concreticidade dos direitos sociais e a democratização do saber, a universidade deve pensar em uma formação global para o sujeito que possibilite situar-se no mundo e atuar sobre ele. A esse respeito, Santos (2013, p. 385) reforça: Em face das incertezas do mercado de trabalho e da volatilidade das formações profissionais que ele reclama, considera-se que é cada vez mais importante fornecer aos estudantes uma formação cultural sólida e ampla, quadros teóricos e analíticos gerais, uma visão global 115 do mundo e das suas transformações de modo a desenvolver neles o espírito crítico, a criatividade, a disponibilidade para inovação, a ambição pessoal, a atitude positiva perante o trabalho árduo e em equipe, e a capacidade de negociação que os preparem para enfrentar com êxito as exigências cada vez mais sofisticadas do processo produtivo. Essa formação somente ocorrerá se a instituição universitária reformular o seu currículo considerando os conhecimentos necessários. Santos (2013) chama a atenção para a transição necessária do conhecimento universitário para o conhecimento pluriversitário, que é “um conhecimento contextual na medida em que o princípio organizador da sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada” (SANTOS, 2013, p.450). O autor enfatiza que esse conhecimento é contextualizado e dialoga com outros tipos de conhecimentos, ou seja, o que o torna heterogêneo vai de encontro às aspirações dos grupos sociais. Para Santos (2013), a universidade precisa lutar pela definição da crise, revisitar a crise da legitimidade e a crise da hegemonia, pois a universidade perdeu a capacidade de definir qual realmente é a sua crise. É preciso lutar pela reconquista da legitimidade, porque a reforma da universidade deve centrar-se nela. Para essa reconquista, de acordo com Santos (2013), teríamos cinco áreas de ação a serem privilegiadas: melhorar o acesso,pois sua democratização ainda é elementar; assegurar lugar especial para aextensão, comatividades que impliquem o currículo e a carreira dos docentes, bem como possibilitar à universidade uma participação ativa na sociedade; implementar a pesquisa-ação, primando pela participação da comunidade no desenvolvimento dos projetos de pesquisa; aderir à ecologia de saberes, que consiste no diálogo entre o saber científico e humanístico produzido na universidade e os saberes provindos dos diversos grupos sociais e na integração entre universidade e escola pública. A universidade pública está em crise, mas se conserva como principal espaço de reflexão da sociedade. Os docentes, discentes e funcionários que formam essa instituição são pessoas capazes de pensar, refletir e agir. Assim sendo, a universidade tem condições de enfrentar a crise, buscando alternativas para solucioná-la. A universidade precisa resgatar sua autonomia financeira, rever seus currículos com vistas à democratização do conhecimento e inserção de diferentes saberes, dialogar com a sociedade e os demais níveis de ensino e primar por uma formação sólida. Dessa forma, a instituição dará respostas aos problemas 116 multifacetados da humanidade, formulando novos projetos comprometidos com os interesses e as reais necessidades de todos. 3.4 Currículo e interdisciplinaridade Nas escolas da antiguidade, os filósofos aspiravam à distribuição da sabedoria; nos colégios modernos, nosso propósito é mais humilde ensinar matérias. (Whitehead). Entendemos o currículo como a concretização dos fins sociais, políticos, econômicos e culturais estabelecidos pela sociedade de cada época, que se atribui à educação. Os currículos cumprem diferentes funções de acordo com cada nível de ensino, pois refletem as finalidades demandadas pelos níveis distintos. Essas finalidades estão intrinsecamente relacionadas às aspirações e aos interesses de um grupo que traça os caminhos a serem percorridos para alcançar seus objetivos. Nas palavras de Sacristán (2000, p.17), “[...] o currículo reflete o conflito entre interesses dentro de uma sociedade e os valores dominantes que regem os processos educativos”. Nesse contexto, tivemos no decorrer da história influências dos modelos empresariais nos sistemas educacionais. Santomé (1998) reflete sobre as relações entre globalização, disciplinas, interdisciplinaridade e currículo integrado, explicitando o alcance do capital globalizado no que diz respeito aos sistemas de ensino. A fragmentação no processo de produção adotada durante o taylorismo e,posteriormente, pelo fordismo foi transferida para os sistemas educacionais, manifestando-se em um currículo fragmentado, composto de conteúdos abstratos, desconexos e incompreensíveis, distantes da realidade dos alunos. As disciplinas trabalhadas de forma isolada e descontextualizada não possibilitavam o desenvolvimento crítico e a compreensão da realidade, primando pela memorização, repetição dos conteúdos estudados, de modo que o objetivo principal era promover a obediência e a submissão dos alunos. A partir da década de 70 do século XX, esses modelos econômicos apresentaram sinais de fracasso e esgotamento, posto que o mundo empresarial do capitalismo passou a seguir o princípio de qualidade total adotado pelo toyotismo, que surgiu nas décadas de 1950 e 1960. Do mesmo 117 modo, dos sistemas educacionais são exigidos novos objetivos, como, por exemplo, formar indivíduos com conhecimentos, habilidades e valores que atendam à nova filosofia econômica. Nesse cenário, surgem conceitos como ensino globalizado, interdisciplinaridade, cooperação, trabalho em equipe, autonomia e democracia. Propomos aqui uma discussão sobre a interdisciplinaridade norteada pela ideia de mudança e resistência à dissociação do saber. Trata-se de uma reorganização curricular que possibilita a integração do conhecimento, entretanto, sabemos que existem outras abordagens sobre a temática, as quais não adotamos neste estudo. Segundo Fazenda (1994), o movimento da interdisciplinaridade apareceu na Europa, especialmente na França e na Itália, na metade da década de 1960, período do qual também emergiam os movimentos estudantis, buscando um novo estatuto de universidade e de escola. A interdisciplinaridade surgiu como aversão a todo conhecimento que privilegiava o capitalismo epistemológico de certas ciências, posicionando-se contrária à alienação da universidade às questões cotidianas, às organizações curriculares que ratificavam a demasiada especialização e a qualquer proposta de conhecimento que instigava o discente a caminhar por uma única direção. No Brasil, as discussões sobre interdisciplinaridade chegaram ao final da década de 1960 com sérias distorções, consideradas por Fazenda (1994) como próprias daqueles que se arriscavam ao novo sem reflexão, ao modismo sem medir as consequências deste. Nesse período, dois aspectos basilares merecem ser apreciados: o primeiro refere-se ao modismo da palavra interdisciplinaridade, empregada constantemente de forma superficial e impensada, desconsiderando seus princípios e dificuldades para realização. O segundo aspecto diz respeitoao avanço que os estudos sobre esse movimento tiveram a partir das reflexões desenvolvidas na década de 1970 por Hilton Japiassu. O estudo sobre interdisciplinaridade no Brasil teve como precedente Hilton Japiassu, com sua significativa produção, que tem por título Interdisciplinaridade e Patologia do Saber, de 1976, com parte do resultado de sua pesquisa de doutorado realizada na França. A interdisciplinaridade defendida pelo autor se contrapõe à dissociação do saber implementada pelo positivismo e denuncia a fragmentação do saber como uma doença que deve ser curada, erradicada, pois causa sérias consequências na formação do homem. Para esse autor, “o saber chegou a um tal 118 ponto de esmigalhamento, que a exigência interdisciplinar mais parece, em nossos dias, a manifestação de um lamentável estado de carência. Tudo nos leva a crer que o saber em migalhas seja o produto de uma inteligência esfacelada” (JAPIASSU, 1976, p. 30-31). O saber compartimentado leva-nos à alienação científica, enquanto o interdisciplinar aparece como remédio para combater essa patologia. Japiassu (1976) defende que esse fenômeno é a nova forma de enfrentar a repartição epistemológica do saber em disciplinas e as suas relações entre elas, tendo em vista que se trata de uma das mais significativas mudanças que comprometem, em nossa cultura, as providências da inteligência e as formas de seus discursos. Japiassu (1976) descarta a ideia de interdisciplinaridade como panaceia científica ou como empreendimento dissociado das características sociais e intelectuais da comunidade dos pesquisadores. O autor defende que o interdisciplinar se caracteriza pela intensidade das trocas de informações, das críticas e do enriquecimento recíproco entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa, destacando-se a interação de seus conceitos diretrizes, de sua metodologia, de sua epistemologia, de seus procedimentos, de seus dados. A interdisciplinaridade rompe com a compartimentalização das disciplinas, que favorece o fracionamento do saber e propõe uma reformulação generalizada das estruturas de ensino das disciplinas que privilegie a interconexão entre elas. Para isso, cada pesquisador, com sua especialidade disciplinar, deve assumir a posição de observador, desafiador, e perceber a relação de sua disciplina com as demais, propondo a socialização dos conhecimentos e sua ressignificação em conexão com outras disciplinas. Japiassu (1976) ressalta que a interdisciplinaridade ganhou notoriedade e sua terminologia foi demasiadamente adotada, entretanto, o que temos de concreto é a tendência a práticas pluridisciplinares, pois não existe uma relação de troca entre as disciplinas. Para compreendermos melhor a interdisciplinaridade, convém refletirmos aqui sobre os conceitos de disciplinaridade, pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade. ConformeJapiassu (1976), disciplina representa o mesmo que ciência. Nesse sentido,disciplinaridade é o conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características particulares nos planos de ensino, 119 da formação, dos métodos, das matérias. Segundo o trabalho de Jantsch, apresentado por Japiassu, há a seguinte descrição: Multidisciplinaridade gama de disciplinas que propomos simultaneamente, mas sem fazer aparecer as relações que podem existir entre elas [...] Pluridisciplinaridade justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas [...] Interdisciplinaridade axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade [...] Transdisciplinaridade coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino inovado, sobre a base de uma axiomática geral (JANTSCH apud JAPIASSU, 1976, p.73-74, grifo nosso). Segundo percebemos na multidisciplinaridade, existe um trabalho de várias disciplinas que se realiza de forma isolada, sem cooperação entre elas. No trabalho pluridisciplinar, há sinais de cooperação entre as disciplinas, mas não existe uma coordenação que possibilite a integração entre elas. Na interdisciplinaridade, ocorre a integração das diferentes áreas de conhecimento e existe um trabalho de cooperação e troca. Já na transdisciplinaridade as relações não se limitam apenas à integração das diferentes disciplinas, mas avançam propondo um sistema sem fronteiras estabelecido entre as disciplinas. Japiassu (1976) explica que a função da atividade interdisciplinar consiste, principalmente, em difundir uma ponte para ligar novamente as fronteiras que tinham sido instituídas anteriormente entre as disciplinas, com o objetivo de garantir a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos. O que se recomenda é uma intensa revisão de pensamento, que tem como eixo norteador a busca pela intensificação do diálogo, das trocas e da integração conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber. Nessa mesma linha de pensamento, dispomos das contribuições de Ivani Fazenda, que iniciou suas pesquisas sobre a interdisciplinaridade no Brasil no início da década de 1970. Para Fazenda (1979), a interdisciplinaridade surge como remédio para os males da fragmentação do conhecimento, com o intuito de preservar a integridade do pensamento e o restabelecimento de uma ordem perdida. A autora explica que, para além de uma terminologia adotada como lema, a interdisciplinaridade 120 é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida diante do problema do conhecimento, ou seja, é a substituição de uma concepção fragmentária para unitária do ser humano. É uma atitude de abertura, não preconceituosa, em que todo o conhecimento é igualmente importante [...] É uma atitude coerente, que supõe uma postura única diante dos fatos, é na opinião crítica do outro que se fundamenta a opinião particular (FAZENDA, 1979, p. 8-9). Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade requer uma mudança de atitude, propõe a integração entre os saberes, de forma interativa e participativa, e dá abertura ao diálogo e à voz do outro, à troca de conhecimentos. Para isso, é necessária uma atitude de ousadia e sensibilidade por parte do indivíduo, para que ele possa se engajar e propor a mudança. Fazenda (1979) esclarece que a metodologia é extremamente relevante, mas não devemos fazer dela o fim, pois a “interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se e, por isso, exige uma nova pedagogia, a da comunicação” (FAZENDA, 1979, p. 8). Para Fazenda (1979), interdisciplinaridade é essencialmente uma atitude de espírito, impulsionada pela curiosidade, pelo desejo, pela abertura, pela aventura e pela percepção das relações existentes entre as coisas que fogem à observação, pois busca percorrer caminhos diversos, desconhecidos, com o intuito de construir conhecimentos novos.Além disso, não se acomoda diante dos saberes já adquiridos, instituídos e institucionalizados, ao contrário, ultrapassa os limites do saber porque tem consciência de que o conhecimento é inacabado e se renova cotidianamente. Para isso, é indispensável uma formação adequada que possibilite ao docente desenvolver um trabalho interdisciplinar por meio de projetos, aprofundamento teórico e postura ética frente aos conflitos que envolvem o conhecimento. Nesse sentido, Morin (2003) também denuncia que existe uma inadequação cada vez mais abrangente e intensa entre os saberes compartimentados, separados e diluídos em disciplinas de forma desconexa. Para o autor, essa fragmentação impede de conhecer e compreender o global, o essencial, uma vez que os problemas essenciais não aparecem fragmentados e os problemas globais a cada dia tornam-se mais essenciais. Os problemas particulares estão situados em um contexto e o próprio contexto deve estar situado em um contexto planetário. O autor defende que 121 [...] o retalhamento das disciplinas torna impossível apreender “o que é tecido junto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo [...] o desafio da globalidade é também um desafio de complexidade. Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais frequência, com os desafios da complexidade (MORIN, 2003, p.14, grifos do autor). Segundo Morin (2003), a inteligência que somente sabe fracionar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, divide os problemas e dá uma única dimensão aos aspectos, que são variados e têm múltiplas dimensões. Por essa razão, enfraquece as possibilidades de compreensão e de reflexão diante dos problemas, bem como a incapacidade de enfrentá-los, pois não compreendem o contexto e o complexo planetário, permanecendo no engano, no inconsciente. Morin (2003) defende um ensino interdisciplinar e global, que envolva todas as áreas do conhecimento, porque são igualmente importantes. Dentre os conhecimentos descritos por ele, o ensino de literatura também ocupa lugar de destaque, porque contribui efetivamente para a formação humana, considerando que a literatura revela os mais profundos pensamentos da condição humana. “É, pois, na literatura que o ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vivida e ativa, para esclarecer cada um sobre sua própria vida” (MORIN, 2003, p. 49). A obra literária contempla as questões sociais, políticas, econômicas, culturais e diversas disciplinas. 3.4.1 A literatura é interdisciplinar, transdisciplinar Artigo 5: a visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida que ultrapassa o campo das ciências exatas devido ao seu diálogo e sua reconciliação, não apenas com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual. (Carta da Transdisciplinaridade, Arrábida/Portugal, 1994). As discussões sobre currículo proporcionaram um entendimento de como os saberes são sistematizados nas instituições de ensino. Parte-se da assertiva de que o currículo não é neutro, mas um território em disputa, no qual o grupo vencedor 122 determina os conhecimentos necessários à formação do homem.Trata-se de saberes que geralmente são selecionados para atender as aspirações mercadológicas da sociedade de cada época. Como resultado disso, temos um ensino fragmentado, que retalha e divide os conhecimentos, priorizando um ensino técnico, desconexo e descontextualizado. Nesse contexto, Santos (2013) aponta a necessidade de um saber contextual, de um diálogo entre as diferentes áreas de conhecimento para integrar os currículos nas universidades. Morin (2003) esclarece que o retalhamento das disciplinas impede a aprendizagem do global e defende um ensino interdisciplinar que envolva todas as áreas de conhecimento. Acrescentamos que um conhecimento global, contextualizado, que dialogue com todas as áreas de conhecimento e possibilite ao sujeito o conhecimento complexo planetário e a condição humana, ultrapassa os limites das disciplinas, da interdisciplinaridade para a transdisciplinaridade, pois a Transdisciplinaridade é uma teoria do conhecimento, é uma compreensão de processos, é um diálogo entre as diferentes áreas do saber e uma aventura do espírito. A Transdisciplinaridade é uma nova atitude, é a assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido da capacidade de articular a multirreferencialidade e a multidimensionalidade do ser humano e do mundo. Ela implica numa postura sensível, intelectual e transcendental perante si mesmo e perante o mundo. Implica, também, em aprendermos a decodificar as informações provenientes dos diferentes níveis que compõem o ser humano e como eles repercutem uns nos outros (MELLO; BARROS; SOMMERMAN, 2002, p. 9-10). A transdisciplinaridade é o diálogo entre as diferentes áreas de conhecimento que transcende os limites traçados pelas disciplinas. É uma forma de reconhecer a existência de diferentes níveis de realidade, conduzidos por diversas lógicas. Nesse sentido, retomamos nossas discussões sobre a importância da literatura para o ensino global, contextualizado e humano que se pretende introduzir, pois a literatura é transdisciplinar. Além de encantar e propiciar a experiência estética, o texto literário é um manancial de saberes que rompe com as fronteiras do saber disciplinar. Defendemos que uma obra literária reúne uma diversidade de conhecimentos que possibilitam apreender várias disciplinas, a condição humana, as subjetivas, os problemas e os conflitos existentes na vida. A literatura é um saber indispensável, inigualável e insubstituível para a formação do sujeito, devendo estar presente nos currículos universitários e escolares porque é 123 um conhecimento transdisciplinar, conforme constatamos nas palavras de Ferreira (2007, p.108): A literatura é transdisciplinar. Há uma relação (in)direta entre o que se entende por Transdisciplinaridade e o que se entende por Literatura [...] falo da literatura enquanto texto, criação humana, artifício da linguagem, cronotopia multidimensional; mundo paralelo, construto de complexidade; falo que a literatura é transdisciplinar desde sua origem, desde o fiat de seus prenúncios. Da mesma maneira que a transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar4, fazendo surgir novos dados do confronto das disciplinas e da articulação entre elas, oferecendo uma visão global e contextualizada da realidade, a literatura propõe acercar-se de múltiplos saberes, interligando-os e produzindo novos conhecimentos, instigando a leitura plural,sob diferentes ângulos, da realidade e do homem. O ensino de literatura como conhecimento transdisciplinar também ganha notoriedade nas ideias de Coelho (2000b, p. 24), que concebe a literatura como um “autêntico e complexo exercício de vida, que se realiza com e na Linguagem – esta complexa forma pela qual o pensar se exterioriza e entra em comunicação com os outros pensares”. Espaço de convergência do mundo exterior e do mundo interior, a literatura vem sendo apontada como uma das disciplinas mais adequadas para interligar diversos saberes. A autora vê a probabilidade de a literatura ser o fio de Ariadne no labirinto do ensino, o eixo organizador de unidades de estudo, ao propor uma metodologia com viés transversal, interdisciplinar, transdisciplinar. Partindo do pressuposto de que a obra literária contempla um conhecimento interdisciplinar, interligando diversas disciplinas, e transdisciplinar, porque ultrapassa as fronteiras das disciplinas e transforma o nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social,retomamos a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1981), já citada no capítulo anterior, para ilustrar algumas passagens que denotam conhecimentos de áreas específicas que estão em conexão com um todo, um contexto global. As paisagens descritas no romance nos dão uma visão geográfica do Nordeste brasileiro da década de 1930, da vegetação castigada pela seca e das consequências trazidas por ela. “A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas, o voo negro dos urubus fazia 4 Artigo 3 – Carta da Transdisciplinaridade, Arrábida/Portugal, 1994. 124 círculo altos em redor de bichos moribundos” (RAMOS, 1981, p.9-10). A obra de Graciliano não descreve a seca apenas como um fenômeno natural da região Nordeste, mas denuncia também os problemas sociais que assolam essa região. O romance ultrapassa o espaço e o tempo, trazendo à tona uma discussão atual de um problema antigo, com a mesma roupagem e o mesmo descaso. A seca no Nordeste permanece como um fenômeno que continua castigando os sertanejos, ratificando o termo Indústria da Seca,que é utilizado por Antonio Callado em 1960, em seu livro, para apontar um ciclo vicioso que favorece os políticos e as elites das regiões atingidas, poisestes controlam a distribuição das verbas concedidas pelos fundos de combate à seca, transferindo-as para pessoas e propriedades de seus interesses, principalmente onde possuem redutos eleitorais, familiares e afilhados.O que se percebe é que, quase 80 anos depois (1938) de Vidas Secas, a história se repete. A obra Vidas Secas nos faz conhecer uma diversidade política, social, econômica e cultural, entrelaçando diversos saberes e contemplando diferentes disciplinas. Propomos trazer alguns exemplos de assuntos que são trabalhados de acordo com a proposta curricular das disciplinas, na tentativa de elucidar a relevante contribuição da literatura para a formação do sujeito, mas, obviamente, não daremos conta da riqueza de conhecimentos contemplados na obra. Vidas Secas traz vários assuntos de geografia, como a seca, as características típicas da vegetação da região Nordeste, a caatinga, os mandacarus, os xiquexiques, osquipás, bem como nos apresenta os movimentos migratórios, principalmente o êxodo rural, pois o casal de retirantes vive fugindo da seca em busca de regiões que possibilitem sua sobrevivência. No final do romance, com a chegada de uma nova seca, eles decidem migrar para o sul, para uma cidade grande e cheia de pessoas fortes. Além disso, o livro possibilita discussões sobre os altos índices de mortalidade infantil e de desnutrição, quando cita: “[...] pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados no estômago, frio como um defunto [...] levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos” (RAMOS, 1981, p.10). As discussões históricas da obra abrangem temas como as capitanias hereditárias, as doações de sesmarias, o latifúndio, a escravidão e o coronelismo. A exploração pela qual passa Fabiano explicita os resquícios das atitudes vivenciadas no período da escravidão, a submissão e as condições desumanas da classe proletariada que perduram até os dias atuais, conforme trecho abaixo: 125 Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos. Mas não tinha roça e apenas se limitava a semear na vazante uns punhados de feijão e milho, comia da feira, desfazia-se dos animais, não chegava a ferrar um bezerro ou assinar a orelha de um cabrito [...] pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando não tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia [...] Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! (RAMOS, 1981, p. 92-93). Para além de excelentes aulas de matemática, o décimo capítulo de Vidas Secas, que tem por título “Contas”, traduz a submissão de um trabalhador escravizado por seu patrão. Fabiano é ludibriado por seu proprietário desde a partilha de legumes e animais, como no momento de receber seu salário, situação aceita por ele mesmo por medo de perder o emprego e desrespeitar uma autoridade. A seca que atormenta Fabiano e sua família é tema que abre várias discussões na área de Biologia, Ciências e Meio Ambiente. A obra descreve a caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, de uma forma real, destacando o solo raso e pedregoso, a variação climática produzida durante a seca e o inverno, a riqueza da biodiversidade dessa vegetação, que, em sua maioria, não pode ser encontrada em nenhum outro lugar do planeta, a desertificação e os problemas naturais e sociais causados pela falta de água. A narrativa não linear, o discurso indireto livre, a narrativa em terceira pessoa e o monólogo interior são apenas alguns conteúdos que podem ser explorados em Língua Portuguesa, entretanto, a linguagem monossilábica e gutural das personagens, a dificuldade de comunicação entre eles, a pobreza vocabular de Fabiano e demais personagens e o silêncio denunciam a vida de milhares de indivíduos nos centros urbanos, com dificuldades de raciocínio, o que os torna incapazes de compreender as forças que os dominam e os tornam retirantes de seu mundo. Fabiano era desprovido de linguagem e isso o tornava ignorante, impotente. Eleadapta-se à natureza e à sociedade, é submisso e conforma-se com sua condição miserável, considerando-se um bicho. A linguagem seca e escassa de Fabiano mostra a vida árida e como o meio ambiente a sua volta, a seca, a carência, a escassez e a resistência estavam enraizados em sua alma, em seu interior. A 126 visão de mundo do retirante era limitada, fragmentada. Ele não se sentia cidadão e somente se relacionava bem com os animais, conforme trecho: Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se aguentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias. Na verdade falava pouco. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas (RAMOS, 1981, p. 20-21). O romance de Graciliano Ramos mostra uma realidade do meio rural submetida ao meio urbano. Fabiano é injustiçado, roubado pelo patrão, oprimido pelo Soldado Amarelo, que representa o Estado, e não reage; a injustiça é a regra do meio social. As discussões sociológicas, filosóficas e ideológicas de Vidas Secas são inesgotáveis. A obra trata de assuntos polêmicos, como seca, pobreza, fome, capitalismo, analfabetismo, solidão, decepção, imposição do poder, má distribuição de renda e de terras, opressão, questões que afligem o Nordeste brasileiro e a sociedade em geral. A fase da infância também ganha notoriedade na obra, pois as crianças são tratadas com descaso, não têm nome.Os dois filhos do casal Fabiano e Sinha Vitória são o Menino Mais Velho e o Menino Mais Novo. São vítimas da seca, da fome e da miséria – andavam nus, maltratados, sujos como porcos. O desespero de Fabiano o faz culpá-los por sua desgraça: “– Anda, excomungado. O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém por sua desgraça” (RAMOS, 1981, p.10). As crianças também são constantemente vítimas de violência física por Fabiano e Sinha Vitória, sofrendo pancadas e cocorotes. Vidas Secas é uma narrativa de acontecimentos dramáticos, de silêncios e vazios carregados de significados, em uma paisagem inóspita e hostil.Seus personagens sofrem e passam por situações desumanas, bem como enfrentam obstáculos constantes para sobreviver à fome, à miséria e à injustiça. O autor descreve uma família que tem a cachorra Baleia como a representação mais 127 humana, com sentimentos, emoções, atitudes dos humanos; Fabiano, como a representação da ignorância, força bruta e conformismo, é um homem branco que não se reconhece como tal, mas como um animal;sua esposa Sinha Vitória sabe fazer contas, é dona de casa, cuida dos filhos, sonha com dias melhores e com seu objeto de desejo, que são caracterizados porver as crianças frequentarem a escola e uma cama, respectivamente. O menino mais novo admira o pai e quer ser igual a ele quando crescer, enquanto o menino mais velho é sonhador, curioso e duvida das coisas. O papagaio só sabe latir porque imita Baleia e acaba servindo de alimento para a família. A história desses retirantes é reconstruída a cada leitura, no momento em que o leitor vai preenchendo os vazios e atribuindo vozes ao silêncio das personagens, abrindo para o alcance de conteúdos inéditos, ultrapassando as delimitações das disciplinas, de acordo com os temas e as metodologias de abordagem. Parafraseando as ideias de Barthes (2007), afirmamos que, em um romance como Vidas Secas, há saberes diversos, múltiplos e inesgotáveis, bem como a literatura ultrapassa os limites da interdisciplinaridade, pois ela é transdisciplinar, ou seja, a leitura literária possibilita um conhecimento amplo e abrangente. Não pretendemos com essa análise reduzir a literatura a um mero instrumento didático, mas mostrar que ela dispõe de um manancial inesgotável de saberes, sendo capaz de inter-relacionar dimensões que estão situadas em níveis diferentes da realidade, o que possibilita observar e interpretar a realidade por diversos ângulos, dada a complexidade e a riqueza de significação que oferece. As vidas secas das personagens de Graciliano Ramos ultrapassam as fronteiras dos conhecimentos disciplinares, porque fazem parte do nível das subjetividades, da emoção e do estético, que somente o texto literário proporciona ao leitor. O silenciamento das personagens, as expressões e as atitudes que denotam fraqueza, medo, estranhamento, conflitos interiores, sofrimento e desumanização, evidenciando que a realidade tornou essas vidas secas, perpassam o conjunto de saberes que integram os currículos e convidam o leitor a compreender o não dito. Os sonhos de Sinha Vitória representam as vozes de milhares de pessoas que, por causa das fatalidades da vida, tiveram que calar, mas o desejo de uma vida menos seca permanece vivo. Esse diálogo que propicia diversas aprendizagens ocorre porque a literatura “é a única que sabe representar e elucidar as situações de incomunicabilidade, de fechamento em si, quiproquos cômicos ou 128 trágicos. O leitor descobre também as causas dos mal-entendidos e aprende a compreender os incompreendidos” (MATHIS apud MORIN, 2003, p.50). À luz dessas discussões, ratificamos a necessidade da inserção da literatura no currículo da formação de professores, posto ser um saber único, porque é múltiplo, diversificado, heterogêneo, subjetivo, instigante. É uma carência a ser preenchida, um direito a ser assegurado a todos. 129 4 FORMAÇÃO DO PEDAGOGO As discussões acerca da formação de professores, especificamente, do pedagogo, têm sido constantes, entretanto, elas não se esgotam. As indagações sobre o curso de Pedagogia, sua origem, percurso histórico, objetivos e perfil do pedagogo sempre estiveram presentes no âmbito educacional. Essas discussões se acentuaram na última década do século XX em decorrência da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e se estenderam até meados dos anos 2000, culminando com a implantação das diretrizes para o curso de Pedagogia, Resolução CNE/CP n. 01, de 15 de maio de 2006. Neste capítulo, veremos um pouco da trajetória da formação docente no Brasil, das Escolas Normais à criação do curso de Pedagogia. Analisaremos alguns documentos legais que amparam e norteiam o curso de Pedagogia, buscando entender a finalidade do curso, os objetivos, a formação e a identidade do pedagogo. A partir desses documentos, pretendemos também identificar os saberes considerados necessários para a formação do pedagogo e o espaço que a literatura ocupa nesse processo. 4.1 Um pouco da trajetória do curso de pedagogia No século XVII, Comenius já propalava a necessidade da formação docente. No entanto, de acordo com Saviani (2009), somente no século XIX a formação de professores demandou uma resposta institucional em decorrência da necessidade de uma instrução popular depois da Revolução Francesa. Desse contexto, decorre o processo de criação de Escolas Normais como instituições encarregadas de preparar professores. Segundo Saviani (2009), em 1794,foi proposta a primeira instituição com o nome de Escola Normal, sendo instalada em Paris, em 1795. Desde essa época, já existia a distinção entre Escola Normal Superior, para formar professores de nível secundário, e Escola Normal ou Escola Normal Primária, para preparar os professores de ensino primário. Ao longo do século XIX, além de França e Itália, as Escolas Normais foram instaladas na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos. 130 No Brasil, a formação de professores surgiu de forma precisa após a independência, quando emergiram as discussões sobre a organização da instrução popular. Essa formação pode ser distinguida em períodos históricos: 1.Ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890). Esse período se inicia com o dispositivo da Lei das Escolas de Primeiras Letras, que obrigava os professores a se instruir no método de ensino mútuo, às próprias expensas, estende-se até 1890, quando prevalece o modelo das Escolas Normais; 2. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890- 1932), cujo marco inicial é a reforma paulista da Escola Normal tendo como anexo a escola-modelo; 3.Organização dos Institutos de Educação (1932-1939), cujos marcos são as reformas de Anísio Teixeira no Distrito Federal, em 1932, e de Fernando de Azevedo em São Paulo, em 1933; 4.Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de Licenciatura e consolidação do modelo das Escolas Normais (1939-1971); 5. Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério (1971-1996); 6.Advento dos Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais Superiores e o novo perfil do Curso de Pedagogia (1996-2006) (SAVIANI, 2009, p.143-144). De acordo com Saviani (2009), de início, no período colonial até a criação dos cursos superiores por D. João VI, em 1808, não houve preocupação com a formação de professores. A partir da promulgação da Lei das Escolas de Primeiras Letras, em 15 de outubro de 18275, elas surgiram. O professor necessitava de preparo didático, de coordenadas pedagógico-didáticas, mas o que prevaleceu foi a formação pautada no princípio de que os professores deveriam ter o domínio dos conteúdos que seriam transmitidos às crianças. As Escolas Normais, que visavam a preparação de professores para as escolas primárias, foram criadas em vários estados brasileiros, mas se mantiveram de modo intermitente. Em 1890, ocorreu a reforma da instrução pública do estado de São Paulo, que fixou os padrões de organização e funcionamento das Escolas Normais. Os reformadores defendiam a preparação de professores para atuar de modo eficaz, pois, para eles, “sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos modernos processos pedagógicos e com cabedal científico adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz” (SÃO PAULO, 1890, p. 1). A reforma da Escola Normal de São Paulo tornou-se referência para as cidades do interior do estado e para outros estados brasileiros. 5Criação de cursos primários em todo o país pelo imperador D. Pedro I. 131 Saviani (2009) explica que, após a primeira década republicana, ocorreu um esfriamento do movimento reformador norteado pelo padrão da Escola Normal paulista,surgindo uma nova fase com a abertura dos institutos de educação, idealizados como espaços de cultivo da educação. Considerados como espaço de ensino e pesquisa, houve, inicialmente, a criação do Instituto de Educação do Distrito Federal, concebido e implantado por Anísio Teixeira, em 1932, e dirigido por Lourenço Filho, bem como, em 1933,do Instituto de Educação de São Paulo, implantado por Fernando de Azevedo. Esses institutos respaldavam-se nos ideais da Escola Nova. Os Institutos de Educação foram concebidos e organizados de forma a agrupar as exigências da pedagogia, que buscava se firmar como um conhecimento de caráter científico. Os Institutos de Educação foram elevados ao nível universitário, tornando-se a base dos estudos superiores de educação: o paulista foi incorporado à Universidade de São Paulo, fundada em 1934, e o carioca à Universidade do Distrito Federal, criada em 1935 (SAVIANI, 2009). Conforme o autor, foi sobre essa base que se organizaram os cursos de formação de professores para as escolas secundárias, generalizados para todo o país a partir do Decreto-lei n. 1.190, de 4 de abril de 1939, que deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, considerada referência para as demais escolas de nível superior. O modelo resultante do Decreto n. 1.190 se ampliou por todo o país e ficou conhecido como esquema 3+1, adotado na organização dos cursos de licenciatura e de Pedagogia. “Os primeiros formavam os professores para ministrar as várias disciplinas que compunham os conteúdos das escolas secundárias, os segundos formavam os professores para exercer a docência nas Escolas Normais” (SAVIANI, 2009, p.146). Nos três primeiros anos, o currículo agregava às disciplinas específicas conteúdos cognitivos e, durante um ano, voltava-se para a formação didática. O que se observou é que os cursos de licenciatura foram marcados pelos conteúdos culturais-cognitivos, que seguem um modelo de formação de professor que se consume na cultura geral e no domínio dos conteúdos da disciplina a ser ministrada, desprezando o aspecto pedagógico-didático, modelo que considera que a formação docente requer um preparo pedagógico-didático. No curso de Pedagogia, o caráter pedagógico-didático foi compreendido como um conteúdo que deveria ser transmitido aos alunos para garantir a eficácia na prática docente, deixando, dessa forma, de se constituir em um novo modelo que permeia a 132 formação docente para ser incorporado como um modelo dos conteúdos culturais- cognitivos. É importante destacar que o curso de Pedagogia seguiu um padrão de formação profissionalizante. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras adotou o padrão federal de universidade com uma formação marcada pelo seu caráter utilitário e prático. Brzezinski (2012) explica que se fortaleceu a tendência de converter essas faculdades em centros de transmissão de conhecimentos, separados da pesquisa e da busca constante por produção de novos saberes. Após o golpe militar de 1964, ocorreram várias mudanças no campo educacional. A Lei 5.692/71 modificou os ensinos primário e médio para a nomenclatura primeiro grau e segundo grau. Nessa nova organização, ocorreu a extinção das Escolas Normais, que foram substituídas pela habilitação específica de 2º grau para o exercício do magistério de 1º grau (HEM). Para Saviani (2009), a formação de professores para o antigo ensino primário não teve avanços, ficando restringida a uma habilitação dispersa em meio a tantas outras e representando um quadro de precariedade bastante preocupante. O curso de Pedagogia ganhou uma habilitação específica para a formação de docentes e de especialistas. 4.1.1 Curso de Pedagogia: o que dizem os documentos oficiais Para o curso de Pedagogia, a Lei 5.692/71 instituiu a formação de professores para a habilitação específica de Magistério e de especialistas de educação: diretores de escolas, orientadores educacionais, supervisores escolares e inspetores de ensino. A partir de 1980, começou um abrangente movimento em defesa de uma reformulação desse curso, que defendia a docência como base da identidade profissional de todos os profissionais da educação, o que resultou na tendência da maioria das instituições em conferir a Pedagogia a formação de professores para educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Essas mobilizações propunham uma melhoria na formação docente, entretanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB) 9.394, de 20 de dezembro de 1996, não atendeu às expectativas dos educadores envolvidos nesse movimento, introduzindo como alternativa aos cursos de licenciatura e de Pedagogia os institutos superiores de educação e as Escolas Normais Superiores, como demonstram os artigos: 133 Art. 62 – A formação de docentes para atuar na educação básica far- se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal (BRASIL, 1996). Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: I –cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental (BRASIL, 1996). Após vários anos de lutas e propostas para a melhoria na formação de docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, tivemos um retrocesso na legalização dessa formação. Na visão de Saviani (2009), a inserção dos Institutos Superiores sinalizou uma política educacional propensa a efetuar um nivelamento por baixo, devido ao fato de esses institutos se caracterizarem como instituições de segunda categoria, adotando uma formação mais aligeirada e mais barata. Saviani (2009) acrescenta que essa análise histórica revela a precariedade das políticas formativas que não priorizaram metas que forneçam uma preparação docente sólida e consistente para enfrentar os problemas da educação escolar do país. O curso de Pedagogia forma docentes para atuar na educação infantil, nos primeiros anos do ensino fundamental e em atividades relacionadas a gestão, administração e planejamento, conforme o artigo a seguir: Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996). Após a promulgação da Lei 9.394/96, os artigos 62, 63 e 64, especificamente, deram novo impulso às discussões acerca da identidade e da função do curso de Pedagogia, tendo em vista que no artigo 62 os Institutos Superiores de Educação são indicados como formadores de docentes para atuar na educação básica, além das universidades. O artigo 63 assegura a formação de docentes para a educação 134 infantil e ensino fundamental nesses institutos e, no artigo 64, o curso de Pedagogia forma profissionais para atuar em atividades não docentes. As discussões e os debates no campo da formação do profissional da educação no curso de Pedagogia se ampliaram,assim como a necessidade de uma definição mais clara sobre a formação e a atuação dos pedagogos. Em 15 de maio de 2006, foi aprovada a Resolução CNE/CP n. 01, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia – licenciatura (DCNs/2006), as quais determinam a finalidade desse curso e as competências requeridas do pedagogo: Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não escolares; III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não escolares (BRASIL, 2006, p. 2). As Diretrizes definem a destinação do curso de Pedagogia, a sua aplicação e a abrangência da formação a ser desenvolvida nesse curso. A formação no curso de Pedagogia deverá abranger integradamente docência, gestão educacional, pesquisa, avaliação, acompanhamento, planejamento e execução de atividades nos sistemas de ensino, assim como experiências educativas em espaços escolares e não escolares. Os Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura/Secretaria de Educação Superior (2010) especificam os ambientes de atuação do pedagogo: O Pedagogo trabalha como professor em creches e em instituições de ensino que oferecem cursos de Educação Infantil e Fundamental; como gestor de processos educativos de sistemas e de instituições de ensino; em editoras e em órgãos públicos e privados que produzem e avaliam programas e materiais didáticos para o ensino 135 presencial e a distância. Além disso, atua em espaços de educação não formal, como organizações não governamentais, hospitais, asilos, movimentos sociais, associações e clubes; em empresas que demandem sua formação específica e em instituições que desenvolvem pesquisas educacionais. Também pode atuar de forma autônoma, em empresa própria ou prestando consultoria (BRASIL, 2010, p.88). O perfil do pedagogo também é definido nos Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura/Secretaria de Educação Superior (2010), do seguinte modo: O Licenciado em Pedagogia ou Pedagogo é o professor que planeja, organiza e desenvolve atividades e materiais relativos à Educação Básica. Sua atribuição central é a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que requer sólidos conhecimentos sobre os fundamentos da Educação, sobre seu desenvolvimento histórico e suas relações com diversas áreas; assim como sobre estratégias para transposição do conhecimento pedagógico em saber escolar. Além de trabalhar diretamente na sala de aula, o licenciado elabora e analisa materiais didáticos, como livros, textos, vídeos, programas computacionais, ambientes virtuais de aprendizagem, entre outros. Realiza ainda pesquisas em Educação Básica, coordena e supervisiona equipes de trabalho. Em sua atuação, prima pelo desenvolvimento do educando, incluindo sua formação ética, a construção de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico (BRASIL, 2010, p. 88). A definição da atuação do pedagogo explicitada nos Referenciais (2010) reforça a atuação do pedagogo na sala de aula e em atividades educativas já propostas anteriormente pelas Diretrizes de Pedagogia (DCNs/2006). É imprescindível destacar que o curso de Pedagogia ganha novos contornos após as DCNs/2006 e é uma conquista da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação (ANFOPE), juntamente com entidades do setor educacional, principalmente as de formação de professores. Entretanto, sabemos que as controvérsias que acompanham essas Diretrizes não se eliminam, tampouco a identidade do curso de Pedagogia. Com essa aprovação, surgem inúmeros desafios, um dos principais é trilhar caminhos que viabilizem a construção efetiva de cursos e percursos de formação em Pedagogia com vistas à formação de profissionais que atuarão na educação básica, especialmente na educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, incluindo educação de jovens e adultos, bem 136 como na organização e gestão de práticas educativas criativas e inovadoras para serem executadas em espaços escolares e não escolares. As modificações propostas para o curso de Pedagogia implicam mudanças nos projetos pedagógicos e nas estruturas curriculares desses. Dessa forma, além dos desafios a serem enfrentados, surgem várias indagações relacionadas à implantação dos novos projetos pedagógicos, à organização do currículo de Pedagogia eà destinação do pedagogo. Por esse motivo, nosso interesse versa sobre a organização dos saberes que compõem os currículos dos cursos de Pedagogia e sobre quais as prioridades eleitas para a formação de sujeitos que atuarão na educação básica, especificamente na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, na alfabetização e na inserção das crianças e adolescentes no mundo institucionalmente letrado, escolarizado. 4.2 Saberes necessários à formação do pedagogo: tem lugar para a literatura? Os egressos do curso de Pedagogia atuarão com crianças, jovens e adultos, especialmente como professores das primeiras letras, que contribuirão no processo de desenvolvimento de leitura e escrita. Partindo do princípio de que a literatura abarca uma diversidade de saberes, sendo uma criação cultural que contribui para a formação do leitor, desenvolve a imaginação, aciona a fantasia e conduz o leitor a refletir sobre seu cotidiano e absorver novas experiências, analisamos a sua inserção nos cursos de Pedagogia, começando pelas diretrizes e pelos documentos norteadores desse curso. Concordamos com Silva (2001) quando enfatiza que a política curricular, metamorfoseada em currículo, executa um processo de inserção de alguns saberes e de alguns indivíduos, excluindo outros. Por meio do currículo, são efetivados os ideais de grupos sociais e políticos da sociedade. O currículo torna-se o eixo central dos sistemas educacionais, à medida que abarca uma carga de desejos, particularidades, reconhecimento, espaços conquistados e diversidade de saberes. Nas palavras de Arroyo (2013, p. 13), o currículo é um território em disputa, ou seja, “[...] é o território mais cercado, mais normatizado. Mas também o mais politizado, inovado, ressignificado”. Nesse sentido, ao pensarmos na diversidade de currículos, deparamo-nos com diretrizes e demais documentos que os normatizam e 137 organizam, os quais devem compor os conhecimentos que serão transmitidos nas instituições educacionais. Dessa forma, focalizamos inicialmente as Diretrizes Curriculares de Pedagogia DCNs/2006, observando os conhecimentos que compõem os componentes curriculares para essa licenciatura, com o intuito de averiguarmos se existe inclusão do ensino de literatura na formação dos futuros professores da educação básica. No artigo 2º, especificamente no segundo parágrafo, inciso II, as diretrizes apresentam as contribuições do curso de Pedagogia para a educação por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica: § 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará: I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas; II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural (BRASIL, 2006, p. 1). Dentre os conhecimentos propostos para o campo da educação, destacamos o linguístico e o cultural,pela intrínseca relação com o texto literário. A literatura, por meio da linguagem verbal, possibilita uma interação com a língua individual e coletiva, promovendo a ampliação dos conhecimentos linguísticos. Do mesmo modo, propicia partilhar da cultura de uma sociedade. O leitor de literatura está inserido em um contexto sociocultural que tem sua linguagem e sua cultura. Ao interagir com o texto literário, ele passa a alcançar novos aprendizados, interpretá-los, ressignificá- los e construir novos conhecimentos. A literatura é um bem cultural, isto é, é a manifestação dos pensamentos e acontecimentos ocorridos e imaginários, defendidos por diferentes estamentos sociais, por isso, transmite a multiplicidade de saberes e informações ao leitor, fazendo-o acercar-se dos problemas e discussões que permearam épocas distintas e futuras. As DCNs/2006 propõem, no seu artigo 3º, um repertório de informações e habilidades formado por uma pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos com que o graduando de Pedagogia deverá trabalhar: Art. 3º O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em 138 princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética(BRASIL, 2006, p. 1, grifos nossos). Os princípios que fundamentam os conhecimentos teóricos e práticos a serem consolidados no exercício da profissão do pedagogo abrangem uma diversidade de saberes que nos remetem à necessidade da inserção da literatura como criação artística que possibilitará a consolidação desses saberes em sala de aula. Ao apontarmoscontextualização, democratização e pertinência,observamos que o texto literário contempla esses aspectos, pois expande as fronteiras do conhecido, do vivido, e propicia a incorporação de novas experiências, conforme já enfatizado por Zilberman (2008), quando defende que o consumo do texto literário leva a práticas socializadoras que, ao serem incentivadas, apresentam-se democráticas. A sensibilidade afetiva e estética é intrínseca à literatura, à linguagem eà ficção, posto que os vazios deixados no texto levam o leitor de literatura a desenvolver a imaginação, a fantasia, a sentir emoção, a se identificar com as personagens ea vivenciar histórias de outros que se entrelaçam com a sua. Para Silva (2008), é difícil expor a vivência com a literatura porque sua essência é sentida, vivida. “O amálgama da experimentação da linguagem literária: difícil de descrever, mas fácil de sentir quando concretamente vivido pelo leitor” (SILVA, 2008, p.25). Essa experiência proporciona expandir as possibilidades de vida, enfrentando problemas e desafios rotineiros com novas perspectivas e construindo conhecimentos. No tocante àinterdisciplinaridade, conforme discutimos anteriormente, perecebemos a literatura como arsenal de saberes que ultrapassa os conhecimentos previstos nas diferentes áreas de conhecimentos, motivo pelo qual podemos afirmar que a literatura é transdisciplinar. A literatura como prática complexa de linguagem configura-se como uma das probabilidades mais vantajosas no planejamento e na organização do ensino em perspectiva transdisciplinar, abrindo espaço para confrontar os saberes através das disciplinas e construindo novos. O saber literário, como aponta Barthes (2007), nunca é inteiro nem derradeiro, ou seja, não está completo, nem fechado, mas abre um leque de possibilidades, sendo flexível e passível de alterações. Com relação à estrutura do curso de Pedagogia, proposta no artigo 6º das diretrizes, o conhecimento dever ser multidimensional, respeitando a diversidade 139 nacional e a autonomia das instituições. O que nos chamou atenção foram as alíneas (d) e (e) do primeiro parágrafo desse mesmo artigo, que estabelecem: d) utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de aprendizagem; e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial (BRASIL, 2006, p. 3). A estrutura indicada está em consonância com os princípios que fundamentam os conhecimentos teóricos e práticos, ratificando a importância do saber literário para compor a organização curricular do curso de Pedagogia. A literatura envolve o conhecimento multidimensional sobre o ser humano, pois trata de questões, peculiaridades e características tipicamente humanas e desenvolve de forma inigualável as dimensões cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial. Percebemos que as DCNs/2006 não apresentam nitidamente termos como literatura, ensino de literatura, literatura infantil e saberes literários para integrar os conhecimentos teóricos e práticos do curso de Pedagogia e sua estrutura curricular. Contudo, os fundamentos que norteiam essa formação demonstram claramente a pertinência de a literatura comporo currículo do curso, dada a diversidades de saberes que ela articula e sua função humanizadora no desenvolviemtno do professor. Considerando a importância das orientações legais para a organização e estrutura dos currículos, especificamente, do curso de Pedagogia, analisamos os Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura (2010). Ressaltamos que o perfil do egresso licenciado em Pedagogia está em consonância com o exposto pelas DCNs (2006) e os temas abordados na formação lançam a Literatura Infantojuvenil como conhecimento que irá compor essa formação, como podemos evidenciar: TEMAS ABORDADOS NA FORMAÇÃO História, Filosofia e Sociologia da Educação; Fundamentos da Infância; Didática; Pesquisa e Prática Pedagógica; Alfabetização e Letramento; Conteúdos e Métodos: da Educação Infantil, da Educação de Jovens e Adultos, do Ensino da Língua Portuguesa, da Matemática, da História, da Geografia, das Ciências, das Artes e da Educação Física; Psicologia da Educação; Psicopedagogia; 140 Educação Comparada; Educação NãoFormal; Legislação Educacional; Organização do Trabalho Docente; Teoria e Prática de Currículo; Políticas Educacionais; Gestão Educacional e Escolar; Planejamento Educacional e de Ensino; Avaliação Educacional e de Ensino; Literatura Infantojuvenil; Tecnologias da Informação e Comunicação aplicadas à Educação; Educação Inclusiva; Probabilidade e Estatística; Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS); Pluralidade Cultural e Orientação Sexual; Ética e Meio Ambiente; Relações Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) (BRASÍLIA, 2010, p.88, grifo nosso). Após a análise desses documentos, partimos para a realização de um diagnóstico sobre a oferta do ensino de literatura nos cursos de Pedagogia de 27 (vinte e sete) universidades federais do país. Acreditamos que a licenciatura em Pedagogia deva oferecer literatura porque são esses professores que irão atuar na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, portanto, serão os responsáveis pelos ritos iniciativosda linguagem como patrimônio cultural, imaginário e humano. Nessa fase, as crianças estão descobrindo o mundo e se desenvolvendo. Sendo assim, fizemos um levantamento preliminar das disciplinas ofertadas na graduação em Pedagogia, descritas no quadro abaixo: Quadro 5 – O ensino de literatura nos cursos de Pedagogia das universidades federais brasileiras Universidade Disciplina OB OP Cursos responsáveis 01 Universidade Federal de Alagoas – UFAL Literatura Infantil - X Pedagogia 02 Universidade Federal da Bahia – UFBA Literatura Brasileira XIV (Literatura Infantil) - X Letras Literatura Infantojuventil - X Letras 03 Universidade Federal do Ceará – UFC Literatura infantil e educacão da criança - X Pedagogia 04 Universidade Federal do Maranhão – UFMA Educação e Literatura X Literatura Infantojuvenil X Letras 05 Universidade Federal de João Pessoa – UFPB Língua e literatura X Pedagogia 06 Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Educação literária na escola e na biblioteca X Pedagogia 07 Universidade Federal do Piauí – UFPI Literatura Infantil X Letras 08 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Teoria e prática da Literatura I X Pedagogia Teoria e prática da literatura II X Pedagogia 09 Universidade Federal de Sergipe – UFS Não existe 10 Universidade Federal do Acre – UFAC Oficina pedagógica: Leitura e Literatura Infantil X Pedagogia 141 11 Universidade Federal do Amazonas – UFAM Literatura Infantil X Pedagogia 12 Universidade Federal do Amapá – UNIFAP Literatura Infantojuvenil X Pedagogia 13 Universidade Federal de Rondônia – UNIR Literatura Infantojuvenil - X Pedagogia 14 Universidade Federal de Roraima – UFRR Pedagogia e Literatura Infantil X Pedagogia 15 Universidade Federal do Pará – UFPA Literatura Infantil X - 16 Universidade Federal do Tocantins – UFT Literatura Infantojuvenil X Pedagogia 17 Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT Fundamentos e metodologia do ensino da linguagem IV (referente a literatura) X Pedagogia 18 Universidade Federal do Mato Grosso – UFMS Literatura Infantojuvenil X Pedagogia 19 Universidade Federal de Goiás – UFG Não existe 20 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Literatura Infantil X Pedagogia 21 Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Literatura, Infância e Escola Pedagogia 22 Universidade Federal do Espírito Santo – UFES Literatura Infantil e Juvenil X Letras 23 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Leitura Literária na Escola X Pedagogia 24 24 U Universidade Federal do Paraná – UFPR Metodologia do Ensino de Literatura infantil X Pedagogia 25 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Literatura e Educação X Pedagogia 26 Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Literatura e Infância X Pedagogia 27 Universidade de Brasília – UNB Literatura e Educação X Pedagogia Fonte: Projetos Pedagógicos dos cursos de Pedagogia. Legenda OB – OBRIGATÓRIA OP – OPTATIVA Os dados apontam que o ensino de literatura ainda é incipiente nos cursos de Pedagogia, considerando que, dos 27 (vinte e sete) cursos das IES pesquisadas, apenas 11 (onze) apresentam a disciplina como obrigatória, integrante do núcleo de estudos básicos. Temos 14 (quatorze) universidades que oferecem a disciplina como optativa, o que para nós é um resultado que merece atenção, pois as disciplinas optativas pertencem ao núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos que compõe o projeto pedagógico do curso, mas sua oferta depende de uma série de fatores, como disponibilidade de professor, disponibilidade de carga 142 horária, interesse dos discentes, prioridades elencadas pelo colegiado, portanto, não sabemos se efetivamente essa disciplina é ministrada ou qual a frequência dessa oferta. Apresentamos também 02 (duas) universidades que não oferecem a disciplina. Destacamos que esse quadro se refere à oferta nos cursos que se localizam nos campi centrais de cada instituição. Entretanto, entendemos que a representatividade do corpusrevela a abordagem institucional à área. É possível que, em outros campi dessas instituições, a disciplina seja oferecida nos moldes já mencionadas, devido ao interesse de algum docente ou à motivação ocasional, o que não invalida os dados construídos, que, por outro lado, confirmam o caráter instável da presença da literatura nos cursos de Pedagogia. Esse resultado retoma a discussão de Faria (2010), ao afirmar a ausência do ensino de literatura, especialmente literatura infantil, nos cursos de formação de professores. A autora afirma que, “eventualmente, tal matéria figura nos cursos de Pedagogia, onde não existem disciplinas especificamente literárias para lidar com textos de literatura infantil” (FARIA, 2010, p. 7). A autora também destaca que o curso demonstra pouco interesse no estudo e ensino de Literatura Infantil. Reconhecemos a importância do ensino de literatura na formação do graduando de Letras que irá trabalhar nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, entretanto, nossa preocupação repousa na formação do pedagogo, por este ser o responsável pela inserção da criança na cultura letrada, momento fundamental da formação do leitor e do desenvolvimento do gosto pela literatura, haja vista o pedagogo ser o profissional que deverá atuar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. A precariedade da presença do ensino de literatura dos currículos de Pedagogia e, consequentemente, a falta de preparação teórico-metodológica dos futuros professores acentuam o quadro caótico do ensino de literatura nas escolas exposto por Silva (2008), no qual não ocorre a fruição, o prazer e a liberdade decorrente do encontro do leitor com a literatura. O professor que não dispuser de uma formação que proporcione conhecer a riqueza do texto literário e a experiência estética dificilmente terá condições de explorar a sensibilidade e a diversidade de conhecimentos presentes na literatura, conforme explica o autor: 143 A literatura pode ser tudo (ou pelo menos muito) ou pode ser nada, dependendo da forma como for colocada e trabalhada em sala de aula. Tudo, se conseguir unir sensibilidade e conhecimento. Nada, se todas as suas promessas forem frustradas por pedagogias desencontradas (SILVA, 2008, p.46). A lacuna deixada na formação inicial formal do docente poderá implicar prática insastifatória na sala de aula. A didatização do texto literário é uma delas, pois sua utilização como pretexto para o ensino de gramática ou a interpretação mecânica “do que o autor quer dizer”, tarefas meramente pragmáticas, retiram da literatura sua essência de criação artística que propicia ao leitor a transição entre o mundo real e a ficção, que propicia a fantasia, a imaginação, o diálogo, o alargamento de compreensão dos conflitos, problemas, crises, encontros e desencontros da vida. Esse caminho costuma ser utilizado por professores sem formação adequada em literatura e seu ensino. Segundo Faria (2010), a exclusão da literatura, especificamente da literatura infantojuvenil dos currículos da formação de professores, é decorrente do fato de esta não ser considerada como verdadeira, ou seja, o estudo e a produção da literatura para crianças e jovens sofrem certo preconceito,já que ela chega a ser vista como “não literária”. Essa premissa também foi apresentada anteriormente por Peter Hunt (2010, p. 27), ao apontar: [...] para muitos acadêmicos, a literatura infantil [...] não é assunto. Seu próprio tema parece desqualificá-la diante da consideração adulta. Afinal, ela é simples, efêmera, acessível e destinada a um público definido como inexperiente e imaturo. Não é, como certa vez um professor universitário me disse, “um assunto adequado ao estudo acadêmico”. Sob essa ótica, a literatura para crianças é vista com descaso, desinteresse, contrapondo-se à ideia da literatura como criação artística indispensável à criança para o desenvolvimento do gosto pela leitura, instigando reações diversas de caráter cognitivo, afetivo, emocional e estético. Hunt (2010) acrescenta que esse fato se agrava devido à validação de textos limitadores eàdidatização, que controla e reduz as possibilidades de interpretação e interação com o texto. A propósito, o autor afirma: 144 A aceitação ampla de textos limitadores não só restringe o pensamento dos leitores como também a capacidade de pensar. A desconsideração desse problema faz parte de uma desconsideração geral da literatura infantil por sociolinguísticas e psicolinguísticas, e reflete a enorme influência que os mediadores menos preparados exercem na produção da literatura infantil. A maioria dos leitores pode se sentir superior ao material escrito para crianças e, por isso, eles se sentem mais livres para prescrever (HUNT, 2010, p.173). A discussão trazida pelo autor reincide na necessidade da formação teórica para os professores que irão atuar em sala de aula. Ao trabalhar com livros de literatura, nesse caso, direcionados para crianças, o docente precisa se desprender do pedantismo que perdura e se manifesta por meio do controle, da frase feita, da resposta guiada na hora da narrativa, limitando a capacidade de interação entre o texto, o autor e o leitor. Para tanto, o professor necessita de uma formação sólida que contribua para sua preparação como mediador do texto literário para crianças, jovens ou adultos, reconhecendo a polissemia da literatura para qualquer idade e em qualquer época. Diante do exposto, reafirmamos a importância da literatura na formação inicial formal do pedagogo. A inserção desse componente curricular nos cursos de Pedagogia oportunizará a compreensão da riqueza que constitui o texto literário e o prazer que esse propicia ao leitor. Nessa perspectiva, daremos continuidade às discussões sobre o ensino de literatura no curso de Pedagogia a partir da pesquisa que realizamos em várias universidades. 4.3 A formação do professor para atuar no ensino de literatura A formação de professores é um desafio que tem a ver com o futuro da educação básica, esta por sua vez, intimamente vinculada com o futuro de nosso povo e a formação de nossas crianças, jovens e adultos. No entanto, as perspectivas de que essa formação se faça em bases teoricamente sólidas e fundada nos princípios de uma formação de qualidade e relevância social são cada vez mais remotas, se não conseguirmos reverter o rumo das políticas educacionais implementadas (ANFOPE, 2000, p. 8). A formação do professor agrega uma diversidade de saberes considerados necessários e indispensáveis a esse sujeito que atuará em sala de aula com a função de contribuir com a construção de conhecimentos, atitudes e habilidades fundamentais às novas gerações. Partindo dessa ideia, é crucial frisarmos que os 145 conhecimentos que compõem os currículos de formação legitimam os anseios e as aspirações de um grupo que determina quais conhecimentos são válidos e devem subsidiar a formação dos futuros professores. Para Tardif (2002), o saber docente é plural, diversificado e constituído por uma mistura de saberes provenientes da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais. Esse autor descreve cada saber da seguinte forma: Os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica) [...] o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores. Os saberes disciplinares [...] são saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes que dispõe a nossa sociedade como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no interior de faculdades e de cursos distintos. Os saberes curriculares [...] correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para cultura erudita. Os saberes experienciais [...] brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habituse de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser (TARDIF, 2002, p. 36-39, grifo do autor). A partir das ideias de Tardif (2002), entendemos que os saberes que constituem a formação docente são heterogêneos e advindos de vários espaços de formação, da universidade, da escola, da interação com os alunos, da vida pessoal do professor, ou seja, é um saber não definido somente por ele, mas produzido socialmente, fruto de uma negociação entre diferentes grupos. Esses saberes são construídos a partir de experiências anteriores e atuais em diferentes níveis.Eles são pessoais e também sociais, porque são adquiridos e compartilhados por um coletivo no contexto da socialização profissional. Tardif reforça a questão do pluralismo ou da diversidade do saber docente que se compõe de saberes diversos provenientes de diferentes fontes e origens, conforme quadro abaixo. Quadro 6 – Os saberes dos professores segundo Tardif Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no trabalho docente Saberes pessoais dos professores A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato etc. Pela história de vida e pela socialização primária Saberes provenientes da A escola primária e secundária, Pela formação e pela 146 formação escolar anterior os estudos pós-secundários não especializados etc. socialização pré-profissionais Saberes provenientes da formação profissional para o magistério Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem etc. Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas etc. Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala da aula e na escola A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares etc. Pela prática do trabalho e pela socialização profissional Fonte: Tardif (2002, p. 63). Como descrito por Tardif (2002), os saberes dos educadores identificados no quadro são utilizados por eles no contexto de sua profissão e da sala de aula. Torna- se clara a natureza social desses saberes, pois não são produzidos diretamente pelos professores, tendo em vista que a maioria deles é procedente de lugares sociais que antecedem a carreira docente ou situados fora do trabalho escolar. O autor esclarece que o saber profissional se constitui da convergência de múltiplos saberes provindos da história de vida, da sociedade, da escola e da universidade. A mobilização desses saberes no cotidiano escolar em sala de aula converge para a intenção educativa do momento, servindo como base de ensino, um conjunto de conhecimentos, de saber-fazer, de atitudes e intenções. À luz dessas perspectivas, propomos discutir a formação do professor leitor e de mediadores de leitura, nesse caso, a do pedagogo, docente que irá atuar na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Compreendendo que o saber docente é proveniente de vários lugares e de diferentes contextos, acreditamos que a formação desse professor leitor depende de sua experiência, interações e vivências do seu cotidiano e de sua formação institucional. Considerando que os saberes pessoais acompanham a vida do professor, apontamos que, para o docente incentivar a leitura do texto literário, ele deve ter uma íntima relação com a leitura, ler frequentemente e sentir prazer em ler. Além de gostar de ler, o texto precisa ter significado para ele, para que possa expressar sua importância para o discente e, consequentemente, essa leitura deve ter significado para o aluno. O professor leitor de literatura terá condição de inserir a literatura de 147 forma competente, dinâmica, lúdica e libertadora. Se assumir a posição de leitor que sente prazer na literatura, que conhece uma variedade de textos literários, terá, então, condições de estimular o gosto pela leitura literária, possibilitar o acesso a diversidade de textos e, consequentemente, fazer com que o aluno se deleite na leitura da obra, pois “não se deseja outra coisa como reação à leitura senão que o leitor desfrute intensamente o que ler” (CADEMARTORI, 2012, p.60). Ao ter acesso ao texto literário, o discente poderá se envolver com a história, com as personagens, com os lugares, com os conflitos e com os dilemas que são ao mesmo tempo por eles vivenciadas diariamente, ocorrendo assim o processo de identificação que a literatura propicia e a construção do sujeito leitor. Na pesquisa realizada por Saldanha (2013), constatamos que o incentivo à leitura literária permite a identificação e a interação do sujeito com a obra e sua construção enquanto leitor, conforme enunciado: 110. Mel [...] você se constrói leitor, você constrói o gosto, então, você vai gostando vai lendo e começa dialogar, interpretando... todo mundo sabe que eu gosto de Nós de Eva Furnari (risos)... porque que que eu gosto?... o livro... é engraçado, quando a gente escolheu... fui eu... Lúcia e Sofia que escolhemos para trabalhar a primeira vez lá na escola São Geraldo, eu não compreendia a dimensão do que era aquela história... a gente escolheu, lendo vários livros... lemos vários livros, nessa manhã, até escolher um que a gente disse “ah esses aqui é legal vamos apresentar esse”, que depois que apresentei a história, comecei a pensar nos nós, que eu tinha e eu comecei a lembrar muito de mim e de minha infância... então, por isso que esse livro marca muito, porque ele é uma espécie de retrato do que fui eu e ainda do resquício do que sou... a identificação... (SALDANHA, 2013, entrevista coletiva). O contato de Mel com a diversidade de textos literários lhe deu oportunidade de escolha, de percorrer várias histórias, de escolher algo que lhe chamasse atenção e, consequentemente, lhe tocasse. O enunciado de Mel torna clara sua identificação com o texto, pois a leitura a toca, possibilitando-lhe atribuir sentidos, reviver momentos de sua vida, de sua infância e de seus conflitos interiores. O professor leitor instiga a leitura e o acesso a textos variados permite que o aluno encontre algo que lhe toque e envolva, por se tratar de um conhecimento que não está nos livros didáticos, nem na rotina escolar. Segundo Machado (2007, p. 176), [...] é necessário que uma sociedade que se quer democrática seja capaz de garantir a todos o acesso aos primeiros livros de literatura. 148 E, em seguida, mostrar o caminho para que o leitor possa seguir sozinho com as leituras que irão acompanhá-lo por toda vida. Só livro didático ou leitura de aprimoramento profissional e informação sobre o mundo são absolutamente insuficientes. Nem ao menos são prioritários. É preciso ler literatura, em dieta variada, incluindo livros diferentes, de autores diversos, de estilos variados, de muitas épocas. Nada se compara a ela a esse respeito. Diante dessa afirmativa, é relevante frisar que somente um docente leitor de literatura terá condições de incentivar o aluno a ler, porque tem prazer na literatura, conhece a amplitude da leitura literária e sua contribuição para a formação de um sujeito pensante, é conhecedor de seu entorno social e situado politicamente. Conforme exposto por Amarilha (2010), o repertório de leitura como o acervo de histórias e poemas permite ao professor “desenvolver situações didáticas que julgar pertinentes e que colaboram para a inserção social do seu aluno na cultura mais ampla de sua coletividade” (AMARILHA, 2010, p.88). Dessa forma, o docente terá condições de inserir as histórias no momento certo para seus leitores. Outro aspecto a ser considerado é a necessidade de uma formação teórica sobre a leitura, para que esse profissional tenha condições de enxergar essa prática com um novo olhar, compreendendo a importância da literatura para a formação do discente e a necessária formação de leitores na sociedade. A formação teórica propicia ao docente a apropriação de conceitos sobre a abrangência do texto literário, o alargamento de horizontes sobre a diversidade de saberes que a literatura contempla e o dever de assegurar o direito à literatura como bem cultural de todos. Silva e Zilberman (2008) elucidam que, depois da oferta do aporte teórico, a expectativa é a de que, com o livro nas mãos, os professores movam-se, reflitam sobre os estudos que fizeram, revejam suas posturas e suas práticas frente à concepção de leitura e redimensionem o seu fazer pedagógico, encarando o desafio de ensinar a gostar de ler. A afirmativa de que é preciso formação teórica sobre leitura é apontada na pesquisa de Saldanha (2013) como crucial para a reflexão sobre a prática docente e a atuação no ensino de leitura. Vejamos as palavras de Mariana e Mel: Depois que eu tive (e continuo tendo) toda essa fundamentação sobre a importância da leitura e da contação de história na formação do aluno leitor, minha condição de professora se alargou a novos pensamentos sobre o ensinar a gostar de ler (MARIANA – dados do questionário). 149 51. Mel: [...] porque eu acredito assim, muito embora a leitura seja ampla, a formação que você tem, você ter contato com livros é outra coisa, então, você não tem acesso a livros, você não tem uma mediação, então, como é que você vai se construir leitor? (SALDANHA, 2013, entrevista coletiva) Os conhecimentos teóricos sobre o ensino de leitura literária devem integrar a formação do professor, nesse caso, a do pedagogo, que irá trabalhar nos anos iniciais do ensino com crianças. A presença da literatura na Pedagogia é indispensável para o entendimento de sua importância e para a preparação de mediadores de leitura. Partimos do pressuposto de que, para ensinar a ler, o docente precisa ser leitor e necessita de aportes teórico-metodológicos que possibilitem essa mediação junto ao discente. A esse respeito, Amarilha (2013, p. 131) explica que “a. o professor precisa ser leitor para ser um mediador convincente; b. a formação para mediar é necessária; c. a formação para mediar é possível”. Reforçamos a ideia de que dificilmente alguém que não gosta de ler incentivará a leitura ou conduzirá o discente a ela, pois o contato e a partilha de leituras com o outro é fundamental nesse processo de mediação e formação de leitores. Essa assertiva aparece no discurso de Sofia, ao elencar a contribuição do convívio com pessoas que falam sobre leitura, gostam de ler e partilham leituras para sua formação leitora. Ela esclarece que essa vivência contagia,conduz ao desejo de ler, à busca pela leitura. Sofia cita dois momentos decisivos para sua formação: a vivência com pessoas que gostavam de ler e a sua participação como bolsista no Programa BALE. Nas palavras de Josso (1988), chamamos de momentos charneiras6 períodos de aprendizados e de envolvimento com o texto, de mudança, segundo o enunciado abaixo: 46. Sofia: [...] eu penso também que a leitura se dá pelo contato com outras pessoas por exemplo, é, pessoas que gostam de ler, eu convivi com pessoas que gostam de ler [...] é como se outro me contagiasse (SALDANHA, 2013, entrevista coletiva). 48 Sofia: [...] o BALE foi onde eu me senti também contagiada, eu me contagiei com essa pessoa que gostava de ler e que escrevia e que gostava de falar sobre a leitura e, aqui, no BALE também me encontrei por causa disso, por causa que não era uma leitura, por exemplo sozinha, eu era contagiada por outras pessoas que tinham o mesmo ideal, que tinha o mesmo objetivo, compartilhar leituras, 6 Nesses momentos charneiras, o sujeito confronta-se consigo mesmo. A descontinuidade que vive impõe-lhe transformações mais ou menos profundas e amplas. Surgem-lhe perdas e ganhos. 150 dividir leituras, partilhar com outros que não fosse somente nesse grupo, pessoas externas, como, por exemplo, as crianças, os jovens, os idosos que é com quem nós trabalhamos, então, assim, o gosto pela leitura pra mim se deu dessa forma, pelo contágio, por ser contagiada pelo BALE, por essa leitura compartilhada, por essa leitura dividida(SALDANHA, 2013, entrevista coletiva). Os enunciados de Sofia nos mostram a indispensável função do mediador, aquele que serve como ponte que possibilita ao discente a travessia para o mundo leitura, da imaginação, da partilha e da descoberta que a literatura possibilita. Trata- se de um mediador entendido como alguém mais experiente, como “aquele que irá apoiar e incentivar o aluno a ser protagonista de sua formação, ser um par experiente e solidário ao acompanhá-lo a se adentrar no mundo literário” (AMARILHA, 2013, p.130). É por essa razão que, além de ser leitor, o professor, como mediador da leitura e da aprendizagem precisa de subsídios teóricos para apresentar a literatura como criação artística, como a arte da palavra que contempla o simbólico, o despertar da imaginação, as metáforas e o lúdico. A mediação da leitura literária feita pelo professor é fundamental para o desenvolvimento do gosto pela leitura e a consequente formação do leitor. Entendemos mediação com base na perspectiva de Vigotski (1998)de que o processo de interação com o outro mais experiente resulta em desenvolvimento e aprendizado, que seriam impossíveis acontecer sem esse outro. Por esse motivo, há a necessidade do professor mediador de aprendizagens, aquele que planeja e organiza metodologias que possibilitam a descoberta, estimula o desenvolvimento cognitivo e o crescimento intelectual, pois acreditamos que “o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer” (VIGOTSKI, 1998, p.118). Sendo assim, a mediação do texto literário feita pelo professor é fundamental para estimular o aluno a ler e a entender o texto em sua capacidade criativa e estética. As práticas de leitura realizadas nas instituições de ensino que usam o texto literário como pretexto apenas para estudo da língua materna e/ou de aspectos relacionados à estrutura do texto não são suficientes para despertar a fruição da literatura. Silva (2008) explica que o problema não está na literatura nem na educação, mas no ensino da literatura, nas metodologias utilizadas pelos professores, que tentam sem êxito realizar a formação de leitores nas escolas, pois, 151 “ao didatizar as produções literárias e sua leitura, de acordo com determinados princípios pedagógicos (aliás, também políticos), a escola dificulta, impossibilita ou até mesmo destrói o potencial educativo inerente à leitura da literatura” (SILVA, 2008, p.55). Nessa perspectiva, entendemos que o professor é um mediador que poderá conduzir o aluno à leitura literária. Entretanto, essa tarefa não é fácil, tampouco se realiza por meio da imposição, porque a leitura por obrigação, por hábito, não forma leitor. É preciso desenvolver o gosto, o desejo de ler, e que essa leitura tenha significado para o discente. Por essa razão, o docente precisa ser leitor, sentir prazer no texto literário, ler muito para formar seu repertório variado e oferecer essa variedade de textos aos alunos, tendo uma formação teórica que permita compreender a importância de trabalhar a literatura em sua amplitude de saberes estéticos, sociais, econômicos, políticos e culturais, necessários para a formação do sujeito. Nesse quadro de reflexões, entendemos que é o momento de conhecermos os currículos dos cursos de Pedagogia das IES selecionadas para esta pesquisa e analisarmos a presença ou não de disciplinas de ensino de literatura para a formação do pedagogo, resultado que apresentaremos no capítulo seguinte. 152 5 LITERATURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O QUE DIZEM OS CURRÍCULOS DE PEDAGOGIA Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. (João Cabral de Melo Neto) 5.1 O ensino de literatura e o curso de Pedagogia Conforme viemos demonstrando, a literatura é área fundamental na formação do licenciado em Pedagogia. Entretanto, devido ao vínculo tradicional com o curso de Letras, costuma-se pensar que a ele pertença com exclusividade e em definitivo. Esse argumento para nós não procede, porque a licenciatura em Letras prepara o professor para atuar do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio. Então, a educação infantil, os anos iniciais do ensino fundamental ea EJA ficam sem a literatura? Não se trata de desalojar a literatura do curso de Letras, mas de referendar sua presença no curso de Pedagogia para atender às demandas fundamentais e específicas dessa licenciatura, que é responsável pela formação dos professores da educação infantil, pelos anos iniciais do ensino fundamental e pelo EJA. Destaca-se ainda que a literatura oferecida a esses níveis de ensino atendidos pela Pedagogia, excetuando-se a EJA, é a Literatura Infantojuvenil escassamente lida, estudada ou oferecida nos cursos de Letras. Somando-se a esse fato, os dados revelam que as políticas de formação de leitores não conseguiram elevar suficientemente os níveis de leitura dos brasileiros. É nesse contexto que trazemos a discussão sobre a necessidade de inserir a literatura nos currículos dos cursos de Pedagogia. Os achados desta pesquisa são provenientes dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Pedagogia (PPC) e/ou da Estrutura Curricular das disciplinas, dos 153 ementários, dos Planos de Ensino das Disciplinas (PED) e de informações enviadas via e-mail por sujeitos colaboradores da pesquisa. Os dados sistematizados a partir das informações das 27 universidades federais pesquisadas comprovam que a disciplina de Literatura não faz parte da maioria dos currículos de Pedagogia dessas instituições, apontando para uma lacuna no sistema educacional, que tem repercussões tanto no ensino superior, no preparo dos professores, quanto na escolarização inicial. Como formar leitores se os saberes referentes à literatura, às práticas variadas de leitura e à mediação não fazem parte da formação dos futuros professores? Outro fator relevante é que somente onze universidades incluem a literatura como disciplina obrigatória no curso de Pedagogia, conforme vimos no capítulo anterior e retomamos no quadro abaixo. Gráfico 1 – Oferta da disciplina Literatura no curso de Pedagogia nas universidades Fonte: Saldanha, 2016.Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. As informações contidas no gráfico anunciam que o ensino de literatura não se configura como prioridade, como necessidade básica, como bem cultural, um direito que deveria ser oferecido a todas as pessoas da sociedade, mas, nas palavras de Candido (2014), é visto como um bem incompressível. A situação se torna mais grave quando percebemos que essas onze universidades que oferecem a disciplina não constituem nem a metade das universidades pesquisadas. Comparando-se a quantidade de universidades que não dispõem desse componente curricular ou o ofertam de modo optativo com as que oferecem de forma obrigatória, verifica-se que as universidades em que a disciplina não é obrigatória somam mais da metade, o que pode ser visualizado no quadro abaixo. obrigatórias optativas não existe 11 14 2 154 Gráfico 2 – Comparativo de oferta Gráfico 3 – Comparativo de oferta de disciplinas de disciplinas – percentual Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. pesquisa. As informações expostas revelam a frágil presença e a não prioridade da literatura na formação de professores e carregam a preocupação de que as disciplinas ofertadas em caráter optativo complementam os conhecimentos curriculares e, normalmente, são ofertadas dependendo da disponibilidade e do interesse do professor, mesmo que seja de interesse do formando, por isso, apresentam vulnerabilidade de oferta. Sabemos que existe todo um contexto institucional e burocrático que é estabelecido para a definição da carga horária de professores e da vida acadêmica dos graduandos. As disciplinas optativas ou eletivas são ofertadas nos Projetos Pedagógicos dos Cursos para oportunizar aos graduandos cumprirem determinado número de créditos, nesse caso, os alunos têm a possibilidade de selecionar a unidade curricular de seu interesse. Essas unidades apresentam coerência com a área de formação profissional escolhida, podendo representar aprofundamento de estudos em determinado campo. Indagamo-nos, então, se essas disciplinas em caráter optativo são realmente ofertadas e com que frequência, o que pretendemos responder durante esta pesquisa. Para termos uma visão mais acurada sobre a formação dos graduandos, julgamos relevante saber quantas vagas são oferecidas por ano pelos cursos de Pedagogia de todas as universidades pesquisadas. Nosso intuito é de averiguarmos Obrigatória; 11 optativa e não existe; 16 Obrigatóra 41% optativa e não existe 59% Comparativo de disciplinas 155 quantos alunos, aproximadamente, terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura (ou não) durante a formação inicial formal, conforme dados abaixo: Tabela 2– Demonstrativo do número de vagas oferecidas pelos cursos de Pedagogia por ano Número de vagas/ano Pedagogia Número Universidade Disciplina Literatura Vagas 01 UFAC OP 50 02 UFAL OP 120 03 UFAM OB 168 04 UFBA OP 140 05 UFC OP 80 06 UFES OP 120 07 UFG NE 140 08 UFMA OP 120 09 UFMG OP 132 10 UFMS OP 50 11 UFMT OB 90 12 UFPA OB 180 13 UFPB OB 300 14 UFPE OP 250 15 UFPI OB 160 16 UFPR OP 119 17 UFRGS OB 120 18 UFRJ OP 100 19 UFRN OB 200 20 UFRR OB 70 21 UFS NE 100 22 UFSC OB 130 23 UFT OB 80 24 UNB OP 300 25 UNIFAP OB 50 26 UNIFESP OP 120 27 UNIR OP 45 TOTAL 3534 Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Das 27 (vinte e sete) instituições, há uma média de 3.534 alunos que ingressam no curso de Pedagogia por ano. Desse total de discentes, fizemos uma estimativa de como se dará a relação deles com o ensino de literatura, considerando 156 que estão incluídas as instituições que oferecem a disciplina de diferentes formas: obrigatória, optativa e não oferecem. No gráfico abaixo, visualizamos essa estimativa. Gráfico 4 – Demonstrativo do número de alunos que cursam Pedagogia nas IES e a relação com ensino de literatura na formação inicial Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. A partir dos dados levantados, observamos que, dos 3.534 ingressantes do curso de Pedagogia, há em média 1.548 discentes que terão, obrigatoriamente, a oportunidade de cursar a disciplina Literatura no percurso de sua formação. Outros 1.746 estão em universidades que oferecem a disciplina em caráter optativo, dependendo de uma série de circunstâncias para serem ofertadas ou não. Lamentavelmente, contabilizam-se 240 alunos que, certamente, não cursarão a disciplina, porque esta não consta no programa de ensino dos cursos. Em termos percentuais, comparando o valor decorrente do número de universidades com o valor decorrente do número de alunos atendidos por elas, percebemos que houve uma pequena diferença nas ofertas de natureza obrigatória e optativa, como mostra o quadro a seguir. 1548 1746 240 Número de graduandos de Pedagogia (vaga/ano) que cursam ou não a disciplina Literatura Obrigatória Optativa Não existe 157 Gráfico 5 – Demonstrativo com valores percentuais da oferta da disciplina Literatura pelas IES Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Gráfico 6 – Demonstrativos com valores percentuais do número de alunos atendidos pelas IES Fonte: Saldanha, 2016.Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Ao observarmos os Gráficos 5 e 6, constatamos que existe uma diferença entre a oferta da disciplina Literatura em caráter obrigatório, que é de 41%,e o número de alunos que cursaram a disciplina nessa mesma natureza, que é de 44%, aumentando em 3% essa estimativa considerada por nós positiva, visto que amplia e garante a possibilidade de um número maior de discentes dispor de um embasamento teórico-metodológico sobre a literatura e a mediação do texto literário durante sua formação. Percebemos que essa diferença decorre da redução do número de alunos (49%) que cursaram Pedagogia em universidades que oferecem a 41% 52% 7% Demonstrativo de oferta de Literatura nas IES obrigatórias optativas não existe 44% 49% 7% Número de graduandos de Pedagogia (vaga/ano) que cursam ou não a disciplina Literatura Obrigatória Optativa Não existe 158 disciplina de natureza optativa (52%), havendo uma redução de 3% (em média 106 alunos, os quais não teriam a garantia de cursar a disciplina porque, quando aparece de maneira optativa, pode ser oferecida ou não). Fizemos um levantamento da carga horária destinada às disciplinas literatura da IES. Consideramos que o tempo proposto para cada disciplina é fundamental para sua organização, seleção dos textos que serão trabalhados e atividades que serão desenvolvidas pelo professor, pois os docentes sempre buscam adequar o cronograma de trabalho à carga horária da disciplina, conforme tabela abaixo. Tabela 3 – Carga horária da disciplina Literatura nas IES Número IES Disciplina Literatura Carga horária 01 UFAC OP 30h 02 UFAL OP 40h 03 UFAM OB 30h 04 UFBA OP 68h 05 UFC OP 64h 06 UFES OP 60h 07 UFG NE - 08 UFMA OP 60h 09 UFMG OP 60h 10 UFMS OP 68h 11 UFMT OB 60h 12 UFPA OB 51h 13 UFPB OB 60h 14 UFPE OP 60h 15 UFPI OB 60h 16 UFPR OP 30h 17 UFRGS OB 30h 18 UFRJ OP 45h 19 UFRN OB 60h 20 UFRR OB 60h 21 UFS NE - 22 UFSC OB 54h 23 UFT OB 60h 24 UNB OP 60h 25 UNIFAP OB 60h 26 UNIFESP OP 75h 27 UNIR OP 40h Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 159 Os dados sugerem que existe uma variação quanto à carga horária das disciplinas de literatura. Observamos que ocorre uma disparidade que varia de 30h a 75h destinadas às disciplinas. O tempo destinado aos componentes curriculares será determinante para uma maior ou menor permanência do discente na disciplina. Para traçarmos uma visão geral da oferta da disciplina Literatura nos cursos de Pedagogia, relacionando o número de alunos que ingressam por ano, de acordo com as vagas ofertadas pelas universidades pesquisadas, fizemos um demonstrativo dividido por regiões e universidades que integram a pesquisa em cada região, número de alunos atendidos, natureza da oferta da disciplina Literatura em cada IES: obrigatória, optativa, não existe, conforme gráficoa seguir: 160 Gráfico 7 – Demonstrativo de número de alunos vaga/ano do curso de Pedagogia nas IES de acordo com as regiões e a natureza do ensino de literatura Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 369 472 580 643 1470 0 0 140 0 100 119 472 350 95 710 250 0 90 548 660 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 Sul Sudeste Centro-Oeste Norte Nordeste Número de alunos vaga/ano que cursam Literatura nas IES Obrigatória Optativa Não existe Total de alunos 161 Observamos que existe uma variação considerável dos dados de acordo com as universidades e regiões às quais pertencem. Essa variação se dá devido ao número de estados e universidades que compõem cada região, demonstrando peculiaridades e diferenças. Percebemos que a região Nordeste, terceira região em extensão, tem o maior número de estados, o maior número de universidades e, consequentemente, apresenta o maior número de alunos. Com relação à oferta da disciplina Literatura no curso de Pedagogia, identificamos diferenças acentuadas de acordo com a região. No decorrer de nossa pesquisa, apresentaremos características específicas dessas universidades. Para tando, a trilha que pretendemos percorrer para explicitar os dados construídos seguirá um percurso sinalizado pelo agrupamento das universidades por regiões, dada a abrangência da pesquisa e dos dados disponíveis. Além de facilitar a compreensão e a análise dos dados, essa divisão em regiões considera os critérios estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como semelhanças nos aspectos físicos, humanos, culturais e sociais. 5.1.1 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Nordeste Na região Nordeste (NE), selecionamos 09 (nove) universidades federais, das quais 08 (oito) se localizam nas capitais.Nesse contexto, somente o curso de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) não pertence ao campus que está situado na capital, pois este não oferece a referida graduação. O curso de Pedagogia da UFS que analisamos pertence ao campus de São Cristóvão. Dessas 09 instituições, temos a seguinte distribuição com relação à natureza da oferta da disciplina Literatura: 03 obrigatória, 05 optativa e 01 não existe. Vejamos os gráficos abaixo: 162 Gráfico 8 – Número e natureza da oferta da disciplina no NE Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Dessas nove universidades, contamos com uma oferta anual estimada em 1.470 vagas para o curso de Pedagogia. A partir desse levantamento, considerando que a oferta corresponde ao número de alunos que, provavelmente, irão cursar a graduação, fizemos uma estimativa do total de alunos que poderão ter a oportunidade de cursar a disciplina Literatura ou não. Gráfico 9 – Vagas para Literatura no NE Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 3 5 1 Oferta da disciplina Literatura no NE Obrigatória Optativa Não existe 660 710 100 Número de alunos vaga/ano que cursam Literatura na região Nordeste Obrigatória Optativa Não existe 163 Gráfico 10 – Demonstrativo em percentual vaga/aluno NE Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Conforme os dados explicitam, de um total de 1.470 alunos que ingressam anualmente no curso de Pedagogia nas universidades nordestinas pesquisadas, 100 alunos não terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura, enquanto 660 terão assegurado o direito de cursar a disciplina. O que nos chamou a atenção foi o fato de 710 alunos, correspondendo ao percentual de 48%, permanecerem na estimativa dos que cursarão ou não a disciplina, posto que é oferecida em caráter optativo, o que não assegura que essa oferta seja regular. De acordo com os dados construídos, observamos que, em muitas universidades, a disciplina Literatura aparece no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e dispõe de uma ementa condizente com o Plano de Ensino da Disciplina (PED), aparecendo também na estrutura curricular como disciplinas de aprofundamento, mas na verdade não são ofertadas, ou são ministradas esporadicamente. No Quadro 7 abaixo, é possível observarmos o nome das disciplinas e ementas; em seguida, discutiremosalgumas situações específicas que requerem análise detalhada. 45% 48% 7% Número de alunos vaga/ano que cursam Literatura na Região Nordeste Obrigatória Optativa Não existe 164 Quadro 7 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Nordeste Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Universidade Disciplina Ementas 01 UFAL Literatura Infantil Optativa – 40 horas Leitura e análise de obras da literatura infantojuvenil voltadas para a ação e papel do professor como leitor para/com seus alunos, visando o tratamento didático que considere o lúdico, a literatura de tradição oral e a formação do gosto literário, desde a Educação Infantil até os anos iniciais do Ensino Fundamental. (PPC) 02 UFBA Literatura Infantojuvenil Optativa – 68 horas Estudo de textos destinados ao público infantojuvenil e de estratégias de ensino que discutam a problemática da leitura. (PED) 03 UFC Literatura Infantil e Educacão da Criança Optativa – 64 horas Breve histórico da literatura infantil no mundo e, especificamente, no Brasil; diversidade de gêneros literários, temas, autores, ilustradores; literatura infantil e desenvolvimento da criança; relações entre literatura infantil e processos de alfabetização e “letramento”; formação de leitores, contadores de histórias e produtores de textos para crianças e o pedagogo diante do seu papel enquanto adulto mediador. (PED) 04 UFMA Literatura Infantojuvenil Optativa – 60 horas Estudo da literatura Infantojuvenil das origens aos nossos dias. Análise da produção narrativa, contextualizando-a do ponto de vista estético e ideológico. (PED) 05 UFPB Língua e literatura Obrigatória – 60 horas A literatura no processo de alfabetização e suas implicações político-pedagógicas. Os vários gêneros literários. A literatura infantil e a produção de textos na escola. A literatura: direito e prazer. (PE) 06 UFPE Educação literária na escola e na biblioteca Optativa – 60 horas O letramento literário na escola e na biblioteca. Acervos, espaços de leitura e propostas pedagógicas para a educação literária. A mediação do professor na leitura e compreensão de textos literários. A roda de história como estratégia de formação de leitores. (PED) 07 UFPI Literatura Infantil Obrigatória – 60 horas Formação do repertório da Literatura infantil: contos de fadas, fábulas. Formação do leitor através da Literatura Infantil. Técnicas de contar histórias. (PED) 08 UFRN Teoria e prática da Literatura I Obrigatória – 60 horas Literatura e transdisciplinaridade. Conceito de Literatura infantil. Contos. Fábulas. Livro e ilustração. Narrativa. Poesia. Quadrinhos. Função do leitor. Andaimagem na aula de literatura. (PED) 09 UFS Não existe 165 Podemos observar que as propostas das ementas condizem com as disciplinas e priorizam o conceito de literatura, literatura infantil, estudo de obras literárias, mediação do professor e formação do gosto pela leitura. Entretanto, apenas três universidades (UFPB, UFPI, UFRN) ofertam a disciplina em caráter obrigatório. De posse desses dados, entramos em contato com as demais instituições com o intuito de esclarecermos como são oferecidas as disciplinas optativas no decorrer do curso. Algumas universidades justificaram através de e-mail que a oferta ocorre de acordo com a demanda e disponibilidade. Quadro 8 – A oferta da disciplina Literatura nas vozes dos sujeitos da UFAL e da UFPE Universidade Resposta UFAL Quanto à oferta de Literatura Infantil, ela é ELETIVA para os alunos a partir do 4º período que podem cursar a eletiva, somente em um ano não foi ofertada essa disciplina por conta dos professores estarem afastados. (FABIANO) UFPE Essa disciplina é eletiva. Ela é ofertada de acordo com as demandas internas do curso e a disponibilidade dos professores. (SINHA VITÓRIA) Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. As respostas estão de acordo com as regras que norteiam as disciplinas optativas ou eletivas. Essas disciplinas integram a estrutura curricular dos cursos, com o objetivo de aprofundar determinados conteúdos e temas. Podem ser oferecidas pelo curso de origem ou por outro curso, cuja oferta dependerá de vários fatores, dentre os quais: interesse do aluno, procura pela disciplina, disponibilidade de professor. Da mesma forma que a disciplina optativa, nesse caso a Literatura, é oferecida regularmente durante a graduação dos pedagogos, ela pode aparecer na matriz curricular, no Projeto Pedagógico do Curso, mas eventualmente ou em nenhum momento é oferecida,segundo confirmamos pela pesquisa. Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), observamos que as disciplinas Literatura Brasileira XIV (Literatura Infantil) e Literatura Infantojuvenil aparecem como disciplinas optativas do curso de Pedagogia, ofertadas pelo Departamento de Letras Vernáculas da referida universidade. 166 Quadro 9 – Disciplinas de Literatura ofertadas no curso de Pedagogia da UFBA Fonte: PPC/UFBA – 2012. O enunciado do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da UFBA (PPC/UFBA) apresenta as orientações curriculares de como ocorrerá a efetivação das disciplinas optativas nos cursos de graduação, nos seguintes termos: Deve-se observar que nem todas optativas são oferecidas nos semestres. Do rol de disciplinas optativas existentes no curso, em cada semestre, são escolhidas algumas delas para serem ofertadas aos alunos, de acordo com as negociações feitas entre o Colegiado, os departamentos e os professores, atendendo, quando possível, as solicitações dos alunos (PPC/UFBA, 2012, p.36). Com o intuito de esclarecermos como se dava a oferta das disciplinas optativas no curso de Pedagogia da UFBA, enviamos um e-mail para a Faculdade de Educação (FACED) solicitando os programas das disciplinas. A faculdade informou que as unidades curriculares pertenciam ao Instituto de Letras. Logo, enviamos e-mail para o instituto indicado e um fato nos chamou a atenção: essas disciplinas são ofertadas pelo Departamento de Letras Vernáculas e não são abertas, exclusivamente, para o curso de Pedagogia, conforme informação da chefe do Departamento de Letras Vernáculas: “Essas disciplinas não são ofertadas diretamente a Pedagogia. A Literatura Infantojuvenil, por exemplo, é ofertada todos os semestres. As vagas são abertas também para o curso de Pedagogia, mas não exclusivamente” (AURÉLIA, 2014). 167 Outro caso semelhante ocorreu com a Universidade Federal do Maranhão, que apresenta no Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia duas disciplinas optativas – Educação e Literatura e Literatura Infantojuvenil, no eixo dos estudos diversificados, conforme se observa: Quadro 10 – Disciplinas ofertadas pelo curso de Pedagogia da UFMA B) ESTUDOS DIVERSIFICADOS O Currículo oferecerá um elenco de disciplinas que contribuem para o enriquecimento do processo formativo. O aluno escolherá no mínimo duas disciplinas complementares, as quais podem ter uma oferta rotativa obedecendo ao critério do maior número de escolhas. Portanto, no âmbito dos estudos diversificados, o aluno terá a oportunidade de escolher entre as seguintes disciplinas: Criatividade e Novas Metodologias Educação Ambiental Educação e a Mulher Educação para a Saúde Educação e Diversidade Cultural Educação e Terceira Idade Educação e Literatura Educação, Trabalho e Tecnologia Educação do Campo Educação Não Escolar História da Educação Maranhense Historiografia da Educação Brasileira Linguística e Alfabetização Fundamentos da Educação Infantil Fundamentos da Educação de Jovens e Adultos Fundamentos da Comunicação Educacional História e Política da Educação Especial Literatura Infantojuvenil Sociologia Fonte: PPC/UFMA, (2007, p. 22, grifos nossos). Ao analisarmos o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da UFMA, encontramos disponível no ementário integrante do subeixo dos estudos diversificados a disciplina Educação e Literatura e a indicação da bibliografia. 168 Quadro 11 – Disciplina ofertada pelo curso de Pedagogia da UFMA no PPC Educação e Literatura – 60h EMENTA Fronteira entre o texto literário e o não literário. A dimensão política, social, ideológica e educativa da literatura. Interação do texto literário com os problemas e concepçõesdominantes na cultura do período em que foi produzido. Recursos estilísticos de representação do universo literário. BIBLIOGRAFIA COELHO, Nelly Novaes. Literatura, arte, conhecimento e vida. São Paulo: Peirópolis, 2000,159p. LOPES, Edward. A palavra e os dias: ensaios sobre a teoria e a prática da literatura. São Paulo: UNICAMP; Campinas, SP: UNESP, 1998, 170 p. NOMURA, Masa. Linguagem funcional e literatura: presença do cotidiano no texto literário. São Paulo: ANNABLUME, 1993.170 p. PAULINO, Graça; WALTY, Ivete (org.). Teoria da literatura na escola: atualização para professores de 1º e 2º graus. Belo horizonte: Lê, 1994. 120 p. PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto Alegre:ARTMED, 2000. I83 p. PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 1999. 88p. Fonte: PPC/UFMA, (2007, p. 86-87). O projeto apresenta, através da ementa, os conteúdos a serem trabalhados na disciplina e indica a bibliografia que subsidiará o desenvolvimento das aulas. Enviamos e-mail para o Departamento de Educação/ DE da UFMA com o intuito de sabermos qual a frequência com que as disciplinas são ministradas e de solicitar os seus programas de ensino, quando fomos informados que as disciplinas eram de responsabilidade do curso de Letras. Ao solicitarmos informações sobre as disciplinas Educação e Literatura e Literatura Infantojuvenil ao Departamento de Letras/DL da UFMA, obtivemos as seguintes respostas, nos episódios que seguem: 169 Quadro 12 – A oferta da disciplina Literatura da UFMA nas vozes dos sujeitos EPISÓDIO 01 –Solicitação ao DL/UFMA via e-mail Pesquisadora – Em se tratando do curso de Pedagogia da UFMA, constatamos que são ofertadas em caráter optativo as disciplinas Educação e Literatura e Literatura Infantojuvenil pelo Departamento de Letras (Informação procede?). Martim DL/UFMA – Essas duas disciplinas que constam como optativas na matriz curricular do curso de Pedagogia da UFMA ou são ministradas pelos próprios professores ou não são ofertadas, uma vez que há mais de oito anos – pelo que minha memória alcança – não é designado um professor deste departamento para cumprir essa missão em Pedagogia. Não temos um programa dessas disciplinas por aqui. O que temos é o programa da disciplina Literatura Infantojuvenil, que é ofertada ao nosso Curso de Letras. EPISÓDIO 02 – Solicitação ao DE/UFMA via e-mail Pesquisadora – [...] não encontro o programa da disciplina Educação e Literatura que consta no projeto de vocês, preciso saber se realmente é ofertada. Sobre a disciplina Literatura Infantojuvenil, o pessoal de Letras repassou a informação que a disciplina não é ofertada especificamente para Pedagogia (informação procede?), vocês oferecem a disciplina? Riobaldo DE/UFMA – De fato esta é uma disciplina que o curso de Letras oferta para outros cursos, mas acho que teve uma professora de Educação II que ministrou. Pesquisadora – Preciso de alguns dados que não encontrei no projeto: A ementa da disciplina Literatura Infantojuvenil.Os programas das disciplinas: Educação e Literatura, Literatura Infantojuvenil e Fundamentos e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. A frequência que são oferecidas as disciplinas Educação e Literatura e Literatura Infantojuvenil. Riobaldo DE/UFMA – Estou encaminhando a ementa e programa da disciplina Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa. A outra disciplina que você solicitou, apesar de aparecer no currículo do curso, como ela está como disciplina eletiva, nunca foi ofertada. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa, grifos nossos. Os enunciados dos sujeitos responsáveis pelas informações deixam nítido o fato de que a disciplina não é ofertada pelo curso de Pedagogia, inclusive, existe uma divergência de informações que elucidam um aparente descaso com o ensino de literatura na formação do pedagogo. As disciplinas constam no programa do curso, mas são ignoradas, parecem desconhecidas. Reafirmamos também a ideia de que a disciplina ofertada como optativa ou eletiva não garante sua efetivação na formação do graduando, como o próprio Riobaldo do DE/UFMA declara: “como ela está como disciplina eletiva, nunca foi ofertada”. No decorrer de nosso percurso, encontramos duas universidades que não oferecem a disciplina, uma delas é a UFS, que está localizada na região Nordeste. Mantivemos contato por telefone com o Departamento de Educação da UFS, com o propósito de esclarecermos se realmente as informações constantes no projeto do curso e na estrutura curricular disponíveis no site da universidade estavam corretas, 170 ao que o departamento informou que a disciplina não existe no curso de Pedagogia e que provavelmente deveria fazer parte do curso de Letras. Em seguida, enviamos e-mail reforçando a pergunta e solicitando outras informações. Vejamos: Quadro 13 – O ensino de Literatura na UFS nas vozes dos sujeitos EPISÓDIO 03 Pesquisadora –No caso da disciplina de literatura, ela faz parte de Letras, mas é ofertada ou não para Pedagogia como optativa? No PPC da UFS, a disciplina não aparece, mas às vezes ela é de Letras e é optativa para Pedagogia. Cintra DE/UFS – Conforme contato via telefone foram solicitadas duas questões. A primeira se nós tínhamos a disciplina Literatura Infantil ou outra relacionada com a Literatura, mas informo que essa disciplina faz parte do Departamento de Letras. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. De acordo com as análises realizadas, constatamos que, das 05 universidades que apresentam a disciplina Literatura em sua estrutura curricular, 02 (UFAL, UFPE) afirmam que sua efetivação se dáconforme a demanda e a disponibilidade do professor, 02 (UFBA, UFMA) esclarecem que, apesar de integrarem o currículo do curso, elas não são ministradas no curso de Pedagogia, posto que os colaboradores atribuem essa responsabilidade ao curso de Letras. Portanto, não há realmente vínculo institucional com o curso de Pedagogia. No caso da UFBA, a chefe de Departamento de Letras Vernáculas explicou que a disciplina Literatura Infantojuvenil é ofertada todos os semestres, mas não direta ou exclusivamente para o curso de Pedagogia. Com relação a UFMA e a UFS, não foi possível saber se a disciplina ocorre efetivamente em Letras e se existe procura por alunos de Pedagogia. No tocante à UFC, não obtivemos resposta quanto à frequência que é ofertada a disciplina. Observamos que, após a análise dos dados, mediante informações fornecidas pelas instituições, aconteceu uma alteração no que tange à oferta efetivamente da disciplina Literatura, tendo em vista constatarmos que 02 universidades que apresentam a disciplina em sua estrutura curricular afirmam não ministrarem esse componente curricular em nenhum momento, segundo os dados comparativos. 171 Gráfico 11 –Oferta da disciplina Literatura na região Nordeste após a análise dos dados Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Legenda: DI – Dados iniciais DF – Dados finais Os dados indicam que ocorreu uma mudança com relação à oferta da disciplina optativa pelas universidades. No primeiro momento, partindo da construção dos dados com base nos Projetos Pedagógicos dos Cursos e nas estruturas curriculares disponíveis, contabilizamos 05 IES (ponto 5 – UFAL, UFBA, UFC, UFMA, UFPE) que oferecem a disciplina como optativa, entretanto, após averiguarmos por e-mail junto às universidades: 02 delas (UFBA, UFMA) asseguram não oferecer a disciplina, apenas consta nos documentos como uma possível opção, logo, temos que somente 03 universidades (UFAL, UFC, UFPE) realmente ofertam literatura, aumentando de 01 (UFS) para 03 (UFBA, UFMA, UFS) o número de instituições que não ministram a disciplina. Esse diagnóstico influencia diretamente no número de alunos que terão ou não acesso à literatura. A oferta de vagas que aparece nos dados iniciais (DI) não é efetivamente disponibilizada aos alunos, conforme dados finais (DF), os quais podem ser observados no gráfico abaixo. 5 3 1 0 1 2 3 4 5 6 DI DF Oferta da disciplina Literatura - dados finais optativa não existe 172 Gráfico 12 – Demonstrativo das vagas/alunos que cursam a disciplina Literatura nas IES da região Nordeste – dados finais Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadoraconforme documentos da pesquisa. Em decorrência disso, o número de alunos que poderão cursar esse componente curricular, se ajustado à modificação, cai de 710 (UFAL – 120; UFBA – 140; UFC – 80; UFMA – 120; UFPE – 250) nas universidades que apresentam a disciplina nos documentos para 450 alunos (UFAL – 120; UFC – 80; UFPE – 250) nas universidades que asseguram ofertar a disciplina no curso de Pedagogia em algum momento. O resultado que nos preocupa é o aumento do número de alunos que efetivamente não irão cursar a disciplina, pois, de um total inicial de 100 alunos (7%), somente a UFS não apresentava a disciplina nos documentos. Nesse sentido, tivemos um aumento para 360 discentes (24%) que cursarão Pedagogia em universidades (UFBA, UFMA, UFS) que efetivamente não oferecem a referida disciplina. 5.1.2 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Norte Dando continuidade à nossa análise, iremos apresentar as 07 universidades da região Norte (N) que fazem parte do corpus da pesquisa, sendo que todas se localizam nas capitais de seu estado. Com relação à natureza da oferta da disciplina Literatura,05 instituições a oferecem como obrigatória e 02 como optativa. 710 450 100 360 0 100 200 300 400 500 600 700 800 DI DF vaga/aluno após análise optativa não existe 173 Gráfico 13 – Ensino de Literatura na região Norte Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Das sete universidades, dispomos de uma oferta anual estimada em 643 vagas para o curso de Pedagogia. A partir desse levantamento, considerando-se que a oferta corresponde ao número de alunos que provavelmente irão cursar a graduação, fizemos uma estimativa do total de alunos que, provavelmente, terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura ou não. Gráfico 14 – Vagas para Literatura na região Norte Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conformedocumentos da pesquisa. 5 2 Oferta da disciplina Literatura na região Norte Obrigatória Optativa 548 95 Número de alunos vaga/ano que cursam a disciplina Literatura na região Norte Obrigatória Optativa 174 Gráfico 15 – Percentual de vagas para Literatura na região Norte Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conformedocumentos da pesquisa. Os dados nos mostram que, de um total de 643 alunos que ingressam anualmente no curso de Pedagogia nas universidades da região Norte, 548 terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura, enquanto 95 discentes, o que corresponde a 15%, permanecem na estimativa dos que cursarão ou não, uma vez que esta é optativa. Os dados construídos possibilitam observar que todas as universidades da região Norte possuem a disciplina Literatura no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), na estrutura curricular ou no ementário do curso. No quadro abaixo, apresentamos os nomes das disciplinas e ementas, em seguida, discutimos algumas situações específicas que requerem análise detalhada. 85% 15% Percentual alunos vaga/ano que cursam a disciplina Literatura na região Norte Obrigatória Optativa 175 Quadro 14 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Norte Universidade Disciplina Ementas 01 UFAC Educação e Literatura Infantil Optativa – 60 horas Aspectos teóricos da literatura infantil. Visão histórica. A relação entre a literatura infantil e a escola. O professor como contador de histórias. Abordagens pedagógicas atuais da literatura infantil na escola. (PPC) 02 UFAM Literatura Infantil Obrigatória – 30 horas Fundamentos históricos da literatura infantil: gênese, conceitos, natureza e funções. A literatura infantil no Brasil: relação com a sociedade e com a escola. Gêneros de textos literários destinados à infância. Narrativas orais. Princípios metodológicos para o trabalho com a literatura infantil. Leitura e análise de obras destinadas às crianças. (PED) 03 UNIFAP Literatura Infantojuvenil Obrigatória – 60 horas A literatura Infantojuvenil: conceito e evolução. A relação entre cultura popular e a literatura. A influência e a importância da literatura Infantojuvenil para o ensino e a aprendizagem no ensino fundamental. A literatura Infantojuvenil brasileira: principais autores. O conto de fadas, a narrativa e teatro infantojuvenil. O livro didático e a literatura para crianças. Experiências e projetos de ensino da literatura infantojuvenil nas séries iniciais do ensino fundamental. (PED) 04 UNIR Literatura Infantojuvenil Optativa –40 horas Conceituação, origem e desenvolvimento do gênero. Descrição dos subgêneros literários. História da literatura infantojuvenil e estudo singularizado de textos representativos. A ilustração do texto infantojuvenil e a educação. A literatura infantojuvenil e o significado social para a criança. Do imaginário ao real. Critérios de seleção de textos, procedimentos metodológicos e sugestões de atividades pedagógicas. Papel do professor como animador de leitura. (PPC) 05 UFRR Pedagogia e Literatura Infantil Obrigatória – 60 horas A Pedagogia e as origens da Literatura Infantil. Conceituação e abrangência do mágico, recreativo e maravilhoso da literatura infantil. Relações texto-intertexto e ilustração. Tendências contemporâneas da literatura infantil. (PED) 06 UFPA Literatura Infantil Obrigatória – 51 horas Percurso histórico: origem e evolução da literatura infantil. Literatura e representação da infância. Características do texto literário. Gêneros da literatura infantil: contos, contos de fada, fábulas. Funções da literatura infantil. O texto literário em sala de aula. Contação de histórias e desenvolvimento da criança. Literatura infantil e novas tecnologias. Clássicos da literatura infantil e literatura infantil contemporânea: seleção e análise de livros. (PPC) 07 UFT Literatura Infantojuvenil Obrigatória – 60 horas Literatura infantojuvenil: história, teoria e crítica. Origens orientais até a configuração definitiva no século XIX: fontes inaugurais. Formação da Literatura infantojuvenil brasileira: do folclore à obra de Monteiro Lobato. Período pós-Lobato. O lúdico, o poético e as minorias na literatura infantojuvenil. Literatura Infantil no processo de alfabetização. A literatura, o jovem e a sociedade. Os meios de comunicação de massa e o livro. 176 Perspectivas da pesquisa em literatura infantil. Análise crítica de obras. (PPC) Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 177 Sabendo do rigor que devemos ter quando estamos desenvolvendo uma pesquisa, buscamos contato com todas as universidades através de e-mail e telefone, a fim de confirmamos os dados documentais, esclarecermos dúvidas e nos apropriarmos de informações que julgamos necessárias, como os planos de ensino da disciplina Literatura. Em se tratando das instituições da região Norte, iniciamos nossa busca pelas IES que oferecem a disciplina em natureza optativa. AUniversidade Federal de Rondônia (UNIR) infelizmente foi a única instituiçãocom a qual não conseguimos nenhum contato, apesar de utilizarmos os e-mails e telefones disponíveis no site do Departamento de Educação dessa IES. As informações relacionadas a UNIR foram todas retiradas do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia, da Matriz Curricular e do Plano de Ensino das disciplinas disponíveis nosite da instituição. A disciplina Literatura Infantojuvenil compõe as disciplinas optativas ofertadas pelo departamento.Nesse sentido, vejamos as informações sobre as disciplinas conforme PPC do curso. 178 Quadro 15– Disciplina Literatura Infantojuvenil/UNIR Disciplina: Literatura InfantojuvenilCarga horária: 40 horas Semestre: EMENTA Conceituação, origem e desenvolvimento do gênero. Descrição dos subgêneros literários. História da literatura infantojuvenil e estudo singularizado de textos representativos. A ilustração do texto infantojuvenil e a educação. A literatura infantojuvenil e o significado social para a criança. Do imaginário ao real. Critérios de seleção de textos, procedimentos metodológicos e sugestões de atividades pedagógicas. Papel do professor como animador de leitura. OBJETIVOS Desenvolver habilidades pedagógicas para o uso da literatura juvenil na Educação Básica. BIBLIOGRAFIA BÁSICA ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 2008 COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantojuvenil. São Paulo: Editora Moderna, 2009. FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009. ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1981. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR BAPTISTA, M.C. A linguagem escrita e o direito à educação na primeira infância. Anais do I Seminário Currículo em Movimento Perspectivas atuais. Belo Horizonte: Faculdade de Educação-UFMG, 2010. CARVALHO, Mariana; CARVALHO, Maurício Ribeiro. O Pedrinho + o Aniversário do Príncipe. Scortecci Editora, 1998. 35p. CUNHA, Maria Antonieta. Literatura infantil: teoria e prática. São Paulo: Ática, 1989. FEIJO, Mário. O prazer da leitura. São Paulo: Ática, 2010. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. 50. ed. São Paulo: Cortez, 2009. 87p. GOULART, C. Alfabetização e letramento: os processos e o lugar da literatura. In: PAIVA, MARTINS, PAULINO, CORRÊA,VERSIANI (orgs). Literatura: saberes em movimento. Belo Horizonte: CEALE, Autêntica, 2007, p.57-68. GREGÓRIO FILHO, F. Práticas leitoras (de cor...coração): algumas vivências de um contador de histórias. In: YUNES, E. Pensar a leitura: complexidade. São Paulo: Loyola, 2002. MARTINS, Maria Helena. O Que é Leitura. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. SARAIVA, Juracy Assmann (Cols.). Literatura na escola: propostas para o Ensino Fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006. Fonte: Projeto Político-Pedagógico do Curso de Pedagogia da UNIR, 2012, p. 116 O plano de ensino da disciplina contempla em sua ementa temas específicos do ensino de literatura, trazendo conteúdos que geralmente são selecionados nesse componente curricular. A bibliografia indicada condiz com a proposta da ementa, com autores que, em sua maioria, dispõem de uma produção focada na preocupação com a literatura em sala de aula. A carga horária disponível nos chama a atenção por considerarmos reduzida, apenas 40 horas, quando a média é de 60 horas. Não obtivemos resposta quanto à 179 efetivação da disciplina no decorrer do curso e à frequência com que é oferecida. A segunda instituição que disponibiliza a disciplina Literatura em natureza optativa é a UFAC. Observamos que essa disciplina aparece em três momentos: Literatura Infantojuvenil na estrutura curricular do PPC, dimensão formativa; Educação e Literatura Infantil, no ementário do PPC; e Oficina Pedagógica: Leitura e Literatura Infantil, no ementário disponível no site do curso de Pedagogia/UFAC. No quadro a seguir, apresentamos as ementas encontradas. Quadro 16 – Demonstrativo da disciplina Literatura na UFAC Disciplina Ementa Educação e Literatura Infantil Optativa – 60 horas Aspectos teóricos da literatura infantil. Visão histórica. A relação entre a literatura infantil e a escola. O professor como contador de histórias. Abordagens pedagógicas atuais da literatura infantil na escola. Oficina Pedagógica: Leitura e Literatura Infantil Optativa – 30 horas Leitura e leitores; definições e tipologia. Leitor infantil versus literatura infantil: simetrias e assimetrias. Práticas leitoras do texto destinado à criança: representações e realizações. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Os dados encontrados levantaram várias dúvidas, principalmente a respeito de qual disciplina é ofertada. Entramos em contato com a instituição e obtivemos as seguintes respostas: 180 Quadro 17 – O ensino de Literatura na UFAC nas vozes do sujeito EPISÓDIO 04 Pesquisadora –Pelo contato telefônico parece que a literatura não tem uma disciplina específica ministrada no curso, peço-lhe para explicitar essa informação no e-mail. Eunice DE/UFAC – A depender da formação e concepção defendida pelo docente que ministra a disciplina o foco da literatura é evidenciado. É fato que no nosso currículo há diversas disciplinas na área da linguagem, letramento, língua portuguesa e com espaço gigantesco para focar a questão da literatura, mas que o docente tem liberdade de trabalhá-la com maior ou menor foco. EPISÓDIO 05 Pesquisadora –Gostaria de mais um esclarecimento, no PPC, p. 69, aparece a disciplina Educação e Literatura Infantil (eletiva) e no ementário Oficina Pedagógica: Leitura e Literatura Infantil. Essas disciplinas são trabalhadas? Eunice DE/UFAC –Sim, para além dessas disciplinas é possível encontrar também a disciplina de Literatura Infantojuvenil como integrante do Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos, conforme previsto no Projeto do Curso. Sim, essas disciplinas são trabalhadas de acordo com a deliberação do colegiado e a depender da necessidade da turma de alunos. Vamos ofertando na medida das necessidades e lacunas apresentadas pelos alunos. Ultimamente temos ofertado com maior incidência o Português Instrumental. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Os enunciados de Eunice DE/UFAC nos levam a retomarmos algumas discussões. A disciplina optativa dependerá de uma série de fatores para ser efetivamente trabalhada ou cursada pelo aluno durante a graduação, dentre eles, como aponta a própria Eunice, a formação do professor e sua concepção sobre o ensino de literatura. Nesse sentido, reforçamos a necessidade dessa formação para que o docente formador e o docente em formação compreendam a importância da literatura para a formação do ser humano e o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas e psicológicas. Outro fato a ser destacado é a falta de clareza quanto à oferta da disciplina Literatura, pois nossa colaboradora declara que existem no programa os nomes das disciplinas referentes à literatura, mas atribui a inserção de seu ensino em outras disciplinas na área de Linguagem, Letramento e Ensino de Língua Portuguesa, bem como explica que cabe ao professor atribuir um maior ou menor foco. Afirma que a disciplina pode ser trabalhada de acordo com as deliberações do colegiado e necessidades dos alunos e destaca como uma prioridade o ensino da disciplina Português Instrumental. Em nenhum momento, fica claro quando a disciplina relacionada à literatura foi oferecida, nem a frequência com que isso ocorre. Ao nos enviar os planos de ensino 181 solicitados, constatamos que não nos foram disponibilizados os de Literatura, mas os de Ensino de Língua Portuguesa I, O Ensino de Língua Portuguesa na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental II e Oficina de Leitura e Escrita, os quais seguem abaixo: Quadro 18 – Disciplinas na área de Linguagem, Letramento Língua Portuguesa – Pedagogia/UFAC Ensino de Língua Portuguesa I Ementa:A organização do trabalho pedagógico considerando a oralidade, a leitura e escrita como eixos organizadores dos contextos e competências relativos à apropriação do sistema de escrita, com ênfase na análise e reflexão sobre a língua: convenções gráficas (orientação, alinhamento e segmentação), natureza alfabética do sistema (relação grafema/ fonema, unidades fonográficas), leitura, produção e revisão de textos. Ensino de Língua Portuguesa II Ementa: A organização do trabalho pedagógico considerando a oralidade, a leitura e escrita como eixos organizadores dos conteúdos dessa área de conhecimento, com ênfase na análise e reflexão sobre a língua: usos e funções da escrita, convenções gráficas (segmentação e pontuação), ortografia, aspectos gramaticais; leitura, escrita e revisão de textos, considerando as condições de produção. Oficina de Leitura e Escrita Ementa: Escrita, leitura e formação de professores: fundamentos teóricos, práticos de leitura e escrita na formação de leitores e produtores de textos. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Esses dados sugerem que as disciplinas de Ensino de Língua Portuguesa priorizam os conteúdos relacionados a língua, aspectos gramaticais, ortografia, pontuação, oralidade, leitura e escrita. Ao analisarmos os planos de ensino na íntegra, observamos que, nos objetivos e conteúdos de ambos, o letramento, os gêneros textuais, a formação de leitores e produtores de textos aparecem nitidamente, entretanto, não visualizamos assuntos específicos que integrem o ensino de literatura, nem bibliografia que sugira esse trabalho. Do mesmo modo, na disciplina Oficina de Leitura e Escrita prevalecem o ensino da leitura, a escrita e a formação de leitores e produtores de textos. Propomos, ainda, analisarmos as ementas de 03 disciplinas das áreas citadas pela colaboradora, com a finalidade de averiguarmos se nelasexiste a inserção da literatura. 182 Quadro 19 – Disciplinas na área de Linguagem, Letramento Língua Portuguesa – Pedagogia/UFAC citadas pela colaboradora Alfabetização e Letramento Ementa: Fundamentos teóricos constitutivos do campo da alfabetização e do letramento e suas repercussões nos processos de ensino da leitura e da escrita; Alfabetização e letramento: dimensão conceitual, especificidades, objetivos e capacidades envolvidas; Análise e planejamento de situações didáticas de leitura, escrita e desenvolvimento da oralidade com base no princípio da indissociabilidade entre alfabetização e letramento. Português Instrumental Ementa: Ortografia. Pontuação. Colocação pronominal. Concordância nominal e verbal. Regência de verbos e adjetivos. Prática de leitura e análise de textos. Estrutura básica da composição. Prática de produção de textos. Linguagem, Leitura e Escrita Ementa: Estudo das teorias sobre aquisição e desenvolvimento da linguagem (mecanicista, psicolinguista, interacionista e sociopsicolinguista) e suas influências nas práticas escolares de ensino da leitura e da escrita. Abordagem histórica e lógica dos métodos de alfabetização e processos de ensino da leitura e escrita. Planejamento e vivência de situações de ensino e aprendizagem. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Conforme podemos perceber, não existem conteúdos que direcionem o foco para a literatura. Na disciplina Português instrumental, prevalecem aspectos relacionados a língua, norma culta, práticas de leitura e produção de textos, conteúdos que condizem com as propostas dos referenciais de Língua Portuguesa. Nas demais disciplinas, são priorizados assuntos sobre aquisição da linguagem e escrita, leitura e produção de textos e letramento. Portanto, não figuramos a abertura para o ensino de literatura dentro desses componentes curriculares, de modo que sabemos que eles podem ser abordados dependendo da concepção dos professores que os ministram e de oportunidades que possam surgir no desenrolar das aulas. Entretanto, defendemos que o ensino de literatura merece ser trabalhado de forma explícita, consistente, sistemática, possibilitando ao aluno um maior contato com a área e uma preparação mais adequada para os futuros professores de crianças, jovens e adultos. Ademais, esses resultados levam-nos a refletir sobre o fato de não haver clareza sobre o papel da literatura na formação do professor. Nessa perspectiva, questionamos: será que a literatura é consideradacomo disciplina indispensável para a formação do pedagogo? Que função a literatura 183 desempenha na formação inicial desse profissional? Por que a literatura não faz parte dos currículos dos cursos de formação dos educadores responsáveis pela iniciação da criança à leitura e à vida escolar? Indagações como essas, que pouco aparecem nos enunciados dos sujeitos da pesquisa e parecem ainda não ter uma resposta convincente a respeitodo papel da literatura nessa formação, talvez justifiquem a sua precária presença institucional. 5.1.3 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Centro- Oeste No que concerne às universidades que fazem parte da região Centro- Oeste (CO), das 04 instituições selecionadas, visualizamos que 02 oferecem a disciplina Literatura em caráter optativo, 01 em caráter obrigatório e 01 não oferta a disciplina, conforme dados abaixo: Gráfico 16 – Literatura na região Centro-Oeste Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Dentre essas 04 universidades, contamos com um total anual de 580 vagas para o curso de Pedagogia. De acordo com essa estimativa, considerando que a oferta corresponde ao número de alunos que provavelmente irão cursar a graduação e que possivelmente terão oportunidade de cursar ou não a disciplina Literatura,há apenas 90 vagas que asseguram a Literatura em caráter obrigatório, enquanto as demais estão na 1 2 1 Oferta da disciplina Literatura na região Centro-Oeste Obrigatória Optativa Não existe 184 estimativa de optativa ou inexistente, conforme podemos observar no gráfico abaixo. Gráfico 17 – Vagas oferecidas na região Centro-Oeste Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Gráfico 18 – Percentual de vagas no CO Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Os dados evidenciam que, de um total de 580 alunos que ingressam a cada ano no curso de Pedagogia nas universidades da região Centro-Oeste, apenas 90 terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura obrigatoriamente, um percentual mínimo de 16%, 140 discentes não cursarão a disciplina, e o maior número, correspondente a 60%, permanece na estimativa dos que cursarão ou não, em razão de a disciplina ser optativa. Apresentaremos a seguir os dados construídos que permitem observar os 90 350 140 Número de alunos ano/vaga que cursam Literatura no CO Obrigatória Optativa Não existe 16% 60% 24% Percentual alunos ano/vaga que cursam Literatura no CO Obrigatória Optativa Não existe 185 nomes das disciplinas e ementas; posteriormente, discutiremos algumas situações específicas que requerem análise detalhada. 186 Quadro 20 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Centro-Oeste Universidade Disciplina Ementa 01 UFMT Fundamentos e metodologia do ensino da linguagem IV (referente à Literatura) Obrigatória –60 horas Literatura Infantil: conceito e função. Aspectos históricos da Literatura Infantil. Gêneros Literários para criança. O texto verbal e visual na Literatura Infantil. Metodologia do Ensino da Literatura Infantil. (PED) 02 UFMS Literatura Infantojuvenil Optativa – 68horas O texto nos contos, poesias e histórias em quadrinhos, numa relação intertextual. Expandir o conhecimento através das fantasias, dos sonhos, da imaginação, através dos livros infantis que possibilitam e incentivam a criança para a descoberta do universo das coisas e do mundo da leitura e da escrita. Formação do leitor através da Literatura Infantil. Técnicas de contar histórias. Desenvolver habilidades de leitura, de ouvir, re (contar), re (criar) histórias. Produção nacional e estrangeira. Características das obras e subgêneros literários. (PED) 03 UFG Não existe 04 UNB Literatura e Educação Optativa – 60 horas O papel do formador do texto literário. A prática de ensino da Literatura Infantojuvenil: histórico, aspectos teóricos, autores e obras. Os contos de fadas. A poesia para crianças. Poesia e escola. A ilustração nos livros infantis. Os livros sem texto. O papel do professor na formação do leitor. (PED) Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 187 As ementas propostas pelas disciplinas dispõem de temas essenciais para o ensino de literatura. A disciplina Fundamentos e metodologia do ensino da linguagem IV da UFMT corresponde à disciplina Literatura. Encontramos também a disciplina Literatura Infantil integrando o quadro das disciplinas optativas dessa universidade, com a mesma ementa do componente obrigatório. Com relação à disciplina Educação e Literatura da UnB, mantivemos contato com a professora que a ministra, a qual nos disponibilizou o plano de ensino, mas não soube informar com qual frequência a disciplina é ofertada devido ao pouco tempo que está na instituição. Entramos em contato com a Faculdade de Educação da UFG com o intuito de sabermos se realmente a disciplina não existe no currículo de Pedagogia e obtivemos a seguinte resposta. Quadro 21 – Enunciado sobre ensino de literatura na UFG EPISÓDIO 06 Pesquisadora: [...] Em se tratando do curso de Pedagogia da UFG, constatamos que não existe disciplina de Literatura no curso (informação procede?). Rebeca – FE/UFG –Conforme conversamos, não tem como disciplina obrigatória do curso de Pedagogia a Literatura Infantil. Eventualmente há um núcleo livre ofertado em literatura. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. De acordo com o enunciado de Rebeca, observamos que realmente a disciplina não é ofertada no curso de Pedagogia, ratificando os dados anteriores que apontavam a inexistência da disciplina, pois não foi visualizada na estrutura curricular, nem no Projeto Pedagógico do Curso. A colaboradora informa que eventualmente existe um núcleo livre oferecido em literatura, mas não esclarece a frequência ou períodos em que ocorre. 5.1.4 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Sudeste Na região Sudeste (SE), selecionamos 04 universidades, dentre as quais nenhuma oferta a disciplina como obrigatória, e sim como optativa. Os dados construídos permitem observar os nomes das disciplinas e ementas; em seguida, faremos algumas discussões necessárias à nossa análise. 188 Quadro 22 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Sudeste Universidade Disciplina Ementa 01 UFRJ Literatura Infantil Optativa – 45 horas Literatura infantil, imaginação criadora e produção de cultura; leitura literária e outras leituras; história da literatura infantojuvenil no Brasil; escolarização da literatura e letramento literário; formação de leitores literários; indústria cultural e literatura infantil; o mercado editorial e a escola: a produção atual de literatura infantojuvenil. Texto e ilustração. Literatura, cinema e novas tecnologias.(PPC) 02 UNIFESP Literatura, Infância e Escola Optativa – 75 horas Problematizar o papel da chamada literatura infantojuvenil‖ nos processos educativos que ocorrem na escola e em outras instâncias de circulação de discursos. Compreender o surgimento de textos literários voltados para um público infantojuvenil e suas características no cenário brasileiro, especialmente no século XX e início do século XXI. Discutir a escolarização da leitura literária e suas implicações para a prática pedagógica. Conhecer gêneros literários (fábulas, contos, poemas, literatura de cordel, romances etc.) e as possibilidades de um trabalho escolar coerente com a formação de um leitor crítico e autônomo. (PED) . 03 UFES Literatura Infantil e Juvenil Optativa – 60 horas A questão do gênero. Literatura infantil e juvenil. Problemática de conceituação e historicidade do gênero. O sistema de produção-circulação-recepção. Literatura para crianças, jovens e ideologia. Modalidade de literatura infantil e juvenil: a narrativa e a lírica para crianças e jovens.(PPC) 04 UFMG Leitura Literária na escola Optativa – 60 horas Letramento literário, formação de leitores e escolarização. Conceituação e estatuto da literatura na escola. Aspectos históricos e sociológicos da leitura literária. Práticas de leitura literária e outras modalidades de leitura. Noções sobre representação: opacidade e transparência. Multimodalidade e estratégias de leituras contemporâneas.O livro ilustrado: Arte, pedagogia e mercado na literatura infantil e juvenil. Produção de literatura infantil e juvenil: hibridização de linguagens; análise de obras. Análise, organização e produção de materiais pedagógicos relativos a projetos de formação de leitores em sala de aula, na biblioteca e na comunidade (PED) Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 189 Ao analisarmos os dados das universidades localizadas na região Sudeste e diagnosticarmos inesperadamente que nenhuma dessas instituições oferta a disciplina Literatura em caráter obrigatório, entramos em contato com os departamentos dos cursos com vistas ao esclarecimento de algumas indagações. Nossa estranheza se deu pelo fato de essa região agregar um grande número de pesquisadores, projetos e eventos na área de leitura e ensino de literatura. Enviamos e-mail para o Departamento de Educação/UFRJ, que informou o contato de todos os professores que possivelmente trabalhavam com a disciplina Literatura Infantil. Após enviarmos e-mail para os professores recomendados, solicitando informações sobre a oferta da disciplina e plano de ensino, obtivemos apenas uma resposta da professora Raquel: “Já houve algumas versões diferentes de plano de curso para essa disciplina, conforme o professor que a ministrou, faz algum tempo que eu não fico responsável. Segue um dos planos que tenho, do semestre 2011.2 [...]”. Segundo as informações repassadas, não sabemos a frequência com que a disciplina é ofertada, apenas tivemos esse registro do ano 2011. No plano de ensino enviado pela docente, constam apenas o cronograma de atividades da disciplina e os textos que serão trabalhados em cada aula. Com relação à UNIFESP, visualizamos a disciplina Literatura, Infância e Escola, mas não conseguimos distinguir se realmente ela fazia parte do currículo de Pedagogia. Entramos em contato com o professor Bentinho, que, de acordo com o PPC do curso, era responsável pela disciplina, o qual nos esclareceu alguns pontos. Em seguida, mantivemos contato com a coordenadora do curso, Capitu, que confirmou as informações dadas; posteriormente, contamos com informações do professor Escobar. A esse respeito, observemos o quadro abaixo. 190 Quadro 23 – O ensino de Literatura na UNIFESP nas vozes dos sujeitos EPISÓDIO 07 Pesquisadora – Em se tratando do curso de Pedagogia da UNIFESP, a disciplina Literatura, Infância e Escola é ofertada em caráter eletivo pelo que entendi. Gostaria de solicitar sua contribuição no sentido de informar a frequência que essa disciplina é ofertada e em quais turmas e períodos. Bentinho–Infelizmente, eu não sou mais professor da UNIFESP. Eu trabalhei lá entre os anos de 2010 e 2014. Durante este período, criei e ofereci a disciplina Literatura, Infância e Escola [...] Ela não era uma disciplina para a Pedagogia apenas, mas começou como uma disciplina do chamado Domínio Conexo (oferecida pelo Departamento de Educação, no curso de Pedagogia) para todos os cursos do campus. Eu ministrei 03 ou 04 vezes essa disciplina, mas acho que com a minha saída da UNIFESP a disciplina não foi mais oferecida. Ou seja, não sei te dar maiores informações [...] ela não era obrigatória, mas eletiva e aberta para todos os cursos do campus (Letras, Ciências Sociais, História, Filosofia, Pedagogia). Eu procurava ofertar uma vez no ano em um turno apenas (infelizmente!). Se quiser, posso te enviar as ementas dos cursos ministrados. Pelo que eu saiba, não há uma disciplina sobre literatura no curso. Existia apenas esta eletiva. EPISÓDIO 08 Pesquisadora – Em se tratando do curso de Pedagogia da UNIFESP, constatamos que é ofertada em caráter eletivo a disciplina Literatura, Infância e Escola, qual Departamento é responsável? Capitu DE/UNIFESP–A UC de literatura não está sendo ministrada por enquanto, pois, como você sabe, o prof. Bentinho não está mais conosco. Pode ser que ela venha a ser oferecida, mas, sinceramente, não sei quando isso vai ocorrer. EPISÓDIO 09 Pesquisadora – Na construção de dados de minha tese, constatei que essa disciplina também não é ministrada no curso de Pedagogia da UNIFESP (Guarulhos). Caso tenha alguma informação sobre a disciplina Literatura no curso de Pedagogia da UNIFESP que possa repassar para mim, ficarei grata. Escobar – Em relação a UNIFESP, de fato, não há nenhuma disciplina específica sobre literatura infantil, seja no curso de Pedagogia, seja no curso de Letras. Eu vim para UNIFESP recentemente [...] no caso da UNIFESP, se ocorrer como tenho planejado, passarei a ofertar a disciplina como optativa (ou eletiva, como se denomina aqui, pelo PPP) a partir do segundo semestre. Posso ver com Bentinho mais a respeito, pois me parece que ele era o professor que ministrava a disciplina enquanto esteve na UNIFESP. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. O enunciado de Bentinho evidencia sua preocupação e compromisso com o ensino de literatura durante o período em que lecionou na UNIFESP. Bentinho confirma que a disciplina é optativa e não é ofertada somente para Pedagogia, mas para vários outros cursos. A resposta do professor confirma que esse componente curricular não é ofertado frequentemente, pois não registra vivências que antecedem ou sucedem o período de sua permanência na instituição, fato comprovado pela coordenadora Capitu, que associa a oferta da disciplina ao período em que o 191 professor lecionou e reforça que a saída do professor ocasionou a não oferta da disciplina. O professor Escobar ratifica a natureza da disciplina, apresenta interesse em ofertá-la e confirma que o professor Bentinho teve participação marcante paraa valorização e efetivação da disciplina Literatura na instituição. Contudo, deparamo- nos com as dificuldades e entraves que envolvem a oferta ou não de uma disciplina optativa, que sempre fica a depender de uma série de fatores para que seja ministrada. É importante ressaltarmos que o estado de São Paulo sedia o maior evento de leitura do país, o Congresso de Leitura do Brasil (COLE),que se iniciou em 1978 e permanece até os dias atuais, realizado a cada dois anos com apoio da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas FE/UNICAMP, na cidade de Campinas. O evento de leitura reúne pesquisadores de todo o país e possibilita uma vasta discussão com foco nos processos inventivos, criativos, imaginativos da leitura. Em 1981, durante o terceiro COLE, nasceu a Associação de Leitura do Brasil (ALB)7, ambos com o objetivo de promover as discussões em torno da leitura, sua promoção e democratização. A ALB agrupa todas as pessoas que estão interessadas no estudo e discussão de questões relativas à leitura – pesquisadores, professores de todos os níveis, estudantes universitários, bibliotecários, jornalistas, editores, livreiros, historiadores etc. Os estudos e pesquisas realizados pela ALB e COLE são amplamente divulgados por meio de livros, revistas, cadernos e boletins. Observamos, também, que dispomos, nesse estado, do Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil “Maria Betty Coelho Silva” (CELLIJ), da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), de Presidente Prudente. O CELLIJ8 tem como objetivo principal formar leitores a partir do texto literário e proporcionar um diálogo direto com os professores, jovens alunos, instâncias governamentais responsáveis pela implementação de políticas públicas no campo da Educação, bem como com discentes do curso de Pedagogia e seus docentes e, posteriormente, com o Programa de Pós-Graduação em Educação. O centro desenvolve vários projetos, atua com políticas públicas de leitura e promove ações que minimizem déficits de aprendizagens de crianças e jovens. Além disso, realiza o Congresso Internacional 7 As informações sobre COLE e ALB estão disponíveis em: . 8 As informações sobre o CELLIJ estão disponíveis em: . 192 de Literatura Infantil e Juvenil desde 1999, evento que propicia entre pesquisadores brasileiros e de outros países a discussão sobre o ensino de leitura, a qualidade da produção dos livros infantis e juvenis e a importância da literatura infantil e juvenil como material de leitura. Diante dessa exposição, a ausência da literatura como disciplina obrigatória no curso de Pedagogia da UNIFESP torna-se no mínimo contraditória, haja vista que a instituição se localiza em um espaço onde se concentra um vasto campo de pesquisas e estudos sobre leitura, literatura e formação de leitores, agregando pesquisadores nacionais e internacionais. Ao termos acesso à documentação do curso de Pedagogia da UFMG disponível no site, não visualizamos a disciplina Literatura, logo, prosseguimos da mesma forma: enviamos e-mail para a instituição com vistas a esclarecermos as dúvidas que surgiram, ao que contamos com a colaboração da coordenadora Diadorim, do colegiado de Pedagogia,da professora Iracema, vinculada ao Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) e responsável pela disciplina, conforme apresentamos no quadro a seguir. Quadro 24 – O ensino de literatura da UFMG nas vozes dos sujeitos EPISÓDIO 10 Pesquisadora – No curso de Pedagogia existe a disciplina Literatura ou disciplina semelhante? Coordenadora Diadorim – Sim. Oferecemos a disciplina nos semestres letivos como optativa. Ela é ofertada pelo DMTE – Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino, pelos professores vinculados ao CEALE. EPISÓDIO 11 Pesquisadora– [...] no curso de Pedagogia da UFMG, não consta a disciplina de Literatura na grade curricular, entretanto, ao enviar e-mail para a universidade, constatei que a disciplina Leitura Literária na Escola é ofertada pelo CEALE [...] gostaria de solicitar, se possível, ajuda, no sentido de explicitar como essa disciplina é ofertada no curso de Pedagogia. Iracema (CEALE) – Esta é uma disciplina optativa, o que significa que não está na obrigatoriedade do curso. Estamos fazendo um esforço para que ela seja ofertada todos os semestres para que o curso tenha uma disciplina de literatura na formação docente. Desta forma, ofertamos uma disciplina pela manhã e no noturno todos os semestres, dentro da carga sugerida pelo meu departamento. Ela é aberta aos alunos de Pedagogia que precisam de carga horária de disciplina optativa e eles escolhem dentro das ofertas da FaE. Não é presa a nenhum período e nem tem pré-requisito. Tenho recebido alunos de outras unidades da UFMG, pois eles podem escolher disciplinas optativas em qualquer faculdade. Já tive oportunidade de receber alunos da faculdade de letras e da faculdade de ciências exatas, da engenharia, mas o grande volume de alunos vem mesmo da pedagogia. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 193 Os enunciados das colaboradoras confirmam que a disciplina Leitura Literária na Escola é ofertada em caráter optativo. Iracema, professora responsável por esse componente curricular, esclarece que a oferta acontece todos os semestres em dois turnos, o que reforça a importância da literatura para a formação humana, tendo em vista que é aberta para outros cursos e recebe alunos de Letras e da área das ciências exatas. Enfatiza que a disciplina é relevante para a formação docente, bem como a necessidade de integrá-la como disciplina obrigatória. A professora colaboradora é vinculada ao Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita(CEALE9),que é um órgão complementar da Faculdade de Educação da UFMG, criado em 1990 com o objetivo de integrar grupos interinstitucionais voltados para a área da alfabetização e do ensino de Português. O CEALE desenvolve projetos integrados de pesquisa relacionados à análise do estado do conhecimento sobre a alfabetização e o letramento, assim como das práticas de leitura e escrita e dos problemas concernentesà sua difusão e apropriação. Dentro do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)10, desenvolvido desde 1997, que tem o objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nos alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência, o CEALE é um dos centros responsáveis pela avaliação de obras literárias que serão destinadas aos alunos da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental, da educação de jovens e adultos e do ensino médio. Os livros são avaliados de acordo com indicadores de qualidade textual, temática e gráfica, compondo um acervo que é enviado às bibliotecas escolares de escolas públicas de todo o país. 9 As informações estão disponíveis em: . 10O atendimento do PNBE é feito de forma alternada: ou são contempladas as escolas de educação infantil, de ensino fundamental (anos iniciais) e de educação de jovens e adultos, ou são atendidas as escolas de ensino fundamental (anos finais) e de ensino médio. Hoje, o programa atende de forma universal e gratuita todas as escolas públicas de educação básica cadastradas no Censo Escolar. O programa divide-se em três ações: PNBE Literário, que avalia e distribui as obras literárias, cujos acervos literários são compostos por textos em prosa (novelas, contos, crônica, memórias, biografias e teatro), em verso (poemas, cantigas, parlendas, adivinhas), livros de imagens e livros de história em quadrinhos; o PNBE Periódicos, que avalia e distribui periódicos de conteúdo didático e metodológico para as escolas da educação infantil, ensino fundamental e médio; e o PNBE do Professor, que tem por objetivo apoiar a prática pedagógica dos professores da educação básica e também da Educação de Jovens e Adultos por meio da avaliação e distribuição de obras de cunho teórico e metodológico. As informações estão disponíveis no site: . 194 O CEALE possui vários projetos como Tertúlia Literária,Tertulinhae Lugar de poesia é na escola,os quais objetivam o desenvolvimento da leitura, a formação do leitor literário e experiências com o texto literário. No que concerne a UFES, mencionamos anteriormente os dados construídos que revelaram que a disciplina Literatura Infantil e Juvenil é oferecida como optativa pelo Departamento de Letras, sendo a demanda de alunos que têm interesse pela disciplina grande, mas, devido à falta de professores, sua oferta se dá esporadicamente. No entanto, a professora Ema do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação nos apresentou a disciplina Formação do Leitor: literatura em espaços escolares,ministrada por ela no curso de Pedagogia. Ema é do Grupo de Pesquisa Literatura e Educação da UFES, que desenvolve estudos das relações entre livros, leitura, leitores e literatura, sejam ou não atravessadas pelas práticas de educação formal. A docente destacou a participação no Projeto de Cooperação Acadêmica (PROCAD), intitulado Leitura nas licenciaturas: espaços, materialidades e contextos na formação docente, o qual se tratou de uma cooperação entre os Programas de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, campi de Marília e de Presidente Prudente), da Universidade de Passo Fundo (UPF) e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em uma pesquisa de natureza interdisciplinar (Letras e Pedagogia) cuja temática estruturante é a leitura na formação docente nas licenciaturas em Letras e Pedagogia (DALVI; BATISTA; PLASTER, 2016). A pesquisa será desenvolvida em cursos presenciais de graduação, sendo sujeitos da pesquisa alunos ingressantes de ambas as licenciaturas, em razão de formarem professores para a educação básica, que ensinam a leitura e suas práticas. Os resultados dos dados das quatro instituições que fazem parte da região Sudeste nos levam a retornar as discussões sobre currículo como espaço de poder, territórios em disputas (ARROYO, 2013). As propostas curriculares oficiais trazem saberes considerados necessários, prioritários, indispensáveis à formação universitária ou escolar. Entretanto, diante das discussões postas, questionamos: até que ponto esses saberes são realmente prioritários? Que explicação temos diante de um currículo oficial que não dá espaço para um saber, no caso a literatura, que é necessário, que se manifesta por meio de vieses diversos, como projetos de pesquisas, programas, eventos, na tentativa de suprir uma lacuna existente no currículo obrigatório de uma formação inicial. É evidente que uma disciplina não dará 195 conta de uma formação completa, porém propicia aos futuros professores discussões teóricas, troca de experiências e apropriação de conceitos relevantes e indispensáveis para uma formação inicial. 5.1.5 Ensino de Literatura nos cursos de Pedagogia de IES da região Sul Selecionamos 03 instituições na região Sul, sendo que duas delas ofertam obrigatoriamente a disciplina Literatura no curso de Pedagogia e uma de forma optativa, de acordo com os dados abaixo. Gráfico 19 – Ensino de Literatura na região Sul Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Nessas 03 universidades, são oferecidas 369 vagas para o curso de Pedagogia,considerando que a oferta corresponde ao número de alunos que possivelmente irão cursar a graduação e que provavelmente terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura. 2 1 Oferta da disciplina Literatura na região Sul Obrigatória Optativa 196 Gráfico 20 – Vagas de Literatura oferecidas pela região Sul Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Gráfico 21 – Percentual de vagas de Literatura oferecidas na região Sul Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Os dados sugerem que, de um total de 369 alunos que entram a cada ano no curso de Pedagogia nas universidades da região Sul, 250 terão a oportunidade de cursar a disciplina Literatura obrigatoriamente, um percentual mínimo de 68%, enquanto 119 alunos permanecem na estimativa dos que cursarão ou não, uma vez que a disciplina é optativa. Exibiremos a seguir os dados construídos que possibilitam observar os nomes das disciplinas e ementas. 250 119 Número de alunos vaga/ano que cursam Literatura na região Sul Obrigatória Optativa 68% 32% Percentual de alunos vaga/ano que cursam Literatura na região Sul Obrigatória Optativa 197 Quadro 25 – Demonstrativo do ensino de Literatura na região Sul Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. UNIVERSIDADE DISCIPLINA EMENTA 01 UFPR Metodologia do ensino deLiteratura infantil Optativa – 30 horas A leitura e seu aprendizado. A especificidade da literatura infantil no contexto histórico da literatura. Funções da literatura infantil, histórico e suas decorrentes concepções. Metodologia do ensino da Literatura Infantil: o papel do professor e a literatura adequada às crianças pequenas e em fase de alfabetização. (PPC) 02 UFRGS Literatura e educação Obrigatória – 30 horas Literatura e escola. A formação do leitor. Narrativa. Poesia. Humor. Imagens. Contação de Histórias. Literatura para crianças, jovens e adultos. Marcadores identitários na Literatura Infantil: raça, etnia, gênero, classe, religiosidade, nacionalidade. (PED) 03 UFSC Literatura e Infância Obrigatória – 54 horas O estabelecimento do conceito de “in-fans” na literatura moderna. Aoposição entre racionalismo/irracionalismo e a passagem da fantasia ao plano da irrealidade. A separação entre necessidade/desejo e o conceito de inconsciente. O surgimento do “eu”. A rejeição do conceito de experiência por parte da literatura como modo de sobrepor-se ao projeto racionalista moderno. A relação entre mito e literatura. A poesia e o sublime. Leituras literárias: estratégias para formar uma coleção em aberto. O trabalho com textos na dinâmica escolar. Prática de ensino como componente curricular. (PED) 198 As ementas das disciplinas discorrem sobre temas relevantes e necessários para o ensino de literatura. O fato que nos chamou atenção foi a carga horária de 30 horas destinadas à disciplina Metodologia do ensino de Literatura Infantil (optativa). Visto que é uma redução, significa que, provavelmente, acarretará prejuízos aos discentes, pois, consequentemente,diminuem as aulas, os conteúdos e as experiências. No contato que mantivemos com a professora Macabéa/UFPR, responsável pela disciplina, percebemos o interesse e a disponibilidade da docente para ofertá-la, considerando que aministra há mais de vinte e cinco anos, conforme declarou. Quadro 26 – O ensino de literatura da UFPR nas vozes dos sujeitos EPISÓDIO 11 Pesquisadora – Em se tratando do curso de Pedagogia da UFPR, constatamos que é ofertada em caráter optativo a disciplina Metodologia do Ensino da Literatura Infantil (qual departamento é responsável?) Macabéa/UFPR–Eu sou a professora da disciplina "Metodologia do Ensino da Literatura Infantil", do curso de Pedagogia da UFPR, desde 1991.Nesta época tínhamos no curso a habilitação Pré-Escola e esta disciplina era obrigatória. O curso passou por uma reformulação, eu não me lembro em que ano, quando foram extintas as habilitações. Esta disciplina, então, passou a ser ofertada como optativa. A oferta dela é regular (semestralmente) e a demanda é grande. As turmas estão sempre completas, especialmente porque uns indicam para os outros. Pesquisadora– Penso que uma disciplina que é trabalhada desde 1991 justifica sua importância no curso de Pedagogia. Nossa luta, nosso sonho, é a inserção do ensino de Literatura no currículo obrigatório de Pedagogia, dada a importância da literatura para a formação humana. Macabéa/UFPR – A disciplina é anterior a 1991. Eu a assumi naquele ano. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Diante desse quadro, retomamos aqui a ideia de currículo como construção social (SILVA, 2014) que carrega sempre a pergunta necessária e cabível: Quais conhecimentos são considerados válidos? O que justifica a não consolidação da disciplina Metodologia do Ensino da Literatura Infantil no currículo prescrito como obrigatória? Obviamente, a importância da disciplina, sua procura pelos alunos e a disponibilidade do professor para ofertá-la não são parâmetros para excluí-la dos conhecimentos obrigatórios, haja vista uma oferta que se dá continuamente há mais de vinte e cinco anos e tem uma grande demanda. É visível a preocupação da maioria das universidades em ofertar o ensino de literatura para Pedagogia. A situação da UFPR ganha notoriedade pelo fato de a disciplina já ter sido disponibilizada em caráter obrigatório e atualmente como 199 optativa em todos os semestres e com grande demanda. A professora é efetiva, pesquisadora da área e com publicações significativas. Outro dado que merece destaque é a oferta em natureza optativa da disciplina Literatura no curso de Pedagogia da UFMG, pois a universidade dispõe do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), o qual possui uma relevante produção e contribuição na área de leitura e literatura, com um grupo de pesquisadores que discutem frequentemente a importância da literatura para a formação do leitor e do sujeito; inclusive, a própria professora que ministra a disciplina enfatiza essa importância e o cuidado em ofertá- la semestralmente: “Estamos fazendo um esforço para que ela seja ofertada todos os semestres para que o curso tenha uma disciplina de Literatura na formação docente” (IRACEMA, 2016). Trazemos também a UFES, que oferece a disciplina esporadicamente como optativa e apresenta uma grande procura por ela, mas reforça a indisponibilidade de professores para ministrá-la regularmente. A UFES, conforme explicitamos anteriormente, agrega um projeto de pesquisa integrado a mais duas universidades (PROCAD), na área de leitura, literatura e formação de leitores, com foco na formação docente de alunos dos cursos de Letras e Pedagogia. Por conseguinte, entendemos que a permanência ou não de uma disciplina no currículo de um curso não depende somente das aspirações docentes ou dos anseios de seus graduandos. A conservação ou mudança nos currículos refletem tensões constituídas entre a universidade e a sociedade, mostrando as correlações que as unem ou põem em conflito junto aos saberes institucionalizados. A produção desse currículo na universidade se dá em uma relação de disputa entre autores internos e externos à instituição. A sociedade muda constantemente e com ela as finalidades educativas, logo, os conteúdos considerados válidos para serem ensinados permanecerão, enquanto os conteúdos que não têm visibilidade, classificados como desnecessários ou pouco úteis, tendem a desaparecer, a perder espaço. Sabemos que as discussões acerca da importância da literatura na formação de pedagogos ganham notoriedade na maioria dos discursos dos sujeitos. Contudo, observamos que existe uma oscilação de concepções a respeito de quais conhecimentos devem ser trabalhados, que departamentos ou cursosdeverão oferecer determinados saberes em seu currículo; no caso da literatura, se é o curso de Pedagogia ou de Letras. Identificamos aqui uma crise de paradigmas, uma 200 mudança de valores, e entendemos que é difícil uma ideia se estabelecer (KUHN, 2007). Existe nitidamente uma necessidade de a literatura integrar os currículos de Pedagogia. Nesse sentido, observamos que se verificam improvisação, alternativas para oferecer essa disciplina em caráter optativo, pesquisadores que defendem essa inserção respaldados em ideias convincentes, em resultados de pesquisas que mostram essa lacuna e clamam por mudanças, mas há uma dificuldade enorme em validar esse saber no território das disputas dentro das universidades e externo a elas. A mudança é urgente e necessária, contudo os percalços que a impedem parecem retardar a chegada de um novo paradigma. As dificuldades são inúmeras, a começar pelas informações de como se dá o ensino de Literatura nas IES. Para traçarmos um panorama do quadro desse ensino nessas 27 universidades, buscamos conhecer os PPC dos cursos, os currículos, os ementários e os programas de ensino disponíveis em seus sites. Insatisfeitos com as falhas e omissões de dados nos documentos encontrados, enviamos e-mail para chefes de departamentos e secretarias dos cursos de Pedagogia, bem como para os possíveis professores da disciplina com o intuito de averiguarmos a veracidade dos dados. Não obtendo respostas de todas as instituições, traçamos uma busca de contato pelo Facebook e Whatsapp de alguns professores. Por fim, ligamos para todas as universidades pesquisadas, tentando manter contato com os chefes de departamentos, coordenadores de cursos, secretários e professores. Mesmo assim, não conseguimos esse contato com todas as IES, bem como esclarecer algumas situações que mereciam maior explicação. As dificuldades, contradições e omissões que encontramos durante o percurso servem para ratificar a resistência a mudanças de paradigmas em nossas instituições de ensino e sociedade. Por um lado, os sujeitos envolvidos deixam nítida a importância da literatura para a formação humana, a necessidade de sua inserção nos currículos de Pedagogia e a procura da disciplina pelos alunos, ou seja, é preciso mudar, repensar esse currículo, acrescentar algo novo e romper com parte do velho. Por outro lado, entendemos que não é fácil modificar paradigmas, pois eles geralmente mantêm um estado inalterável às condições estabelecidas, parecendo ser dotados de um sistema de sobrevivência e conforto que bloqueia alterações em suas medidas. Um paradigma estabelecido oculta muitas vezes problemas e ideologias que entravam mudanças progressivas. Enxergar os 201 acontecimentos e contextualizá-los e propor discussões sobre os problemas e as situações presentes é a primeira condição para construir novos paradigmas que atendam as novas exigências de universidades, escolas e sociedade. 5.2 Formação inicial dos professores que atuam na disciplina Literatura Após essas discussões sobre o ensino de literatura nas IES pesquisadas, observamos que há uma preocupação por parte dos docentes em introduzir a literatura no currículo da Pedagogia. Entretanto, compreendemos que é difícil romper paradigmas consolidados para criar um novo paradigma, nesse caso, que estabeleça o ensino de literatura como obrigatório no curso de Pedagogia, dada a necessidade de preparação dos futuros professores e mediadores de leitura de crianças, jovens e adultos. Propomos, de forma geral, um levantamento sobre a formação inicial dos professores que ministram/ministraram disciplinas relacionadas à literatura nessas universidades, conforme podemos observar no gráfico abaixo. Gráfico 22 – Demonstrativo da formação dos professores das IES pesquisadas Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Em concordância com os resultados, podemos observar que a maior parte dos educadores que ministram disciplinas relativasà literatura nos cursos de Pedagogia tem sua formação inicial em Letras. Em face desse resultado, fazemos Pedagogia Letras Psicologia Não existe Não informado 6 11 2 2 6 Formação inicial dos professores de Literatura 202 duas reflexões: a primeira concerne ao fato constante de relacionarmos o ensino de literatura ao curso de Letras, desconsiderando que esse curso prepara professores para atuar a partir do 6º ano do ensino fundamental e que dificilmente irão trabalhar com crianças em início da escolaridade, visto que educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental são de responsabilidade do pedagogo. Em segundo lugar, identificamos a pouca abertura que o curso de Letras demonstra pela literatura infantil e juvenil, pois “[...] raramente encontramos, nos currículos de Letras, uma disciplina voltada à literatura para crianças e jovens” (FARIA, 2010, p. 7), o que poderá conduzir o docente desse curso a buscar espaço para a inserção da pesquisa e do ensino da literatura nos cursos de Pedagogia, dada a importância da literatura para a formação de crianças e jovens leitores. Essas reflexões ganham consistência ao observarmos os departamentos responsáveis pelas disciplinas na Pedagogia. Gráfico 23 – Demonstrativo dos cursos responsáveis pela oferta de Literatura em Pedagogia Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. De acordo com os dados, o curso de Pedagogia é o responsável em disponibilizar disciplinas relacionadas ao ensino de literatura, com predominância da nomenclatura “Literatura Infantil”. Considerando as 25 universidades que oferecem a Pedagogia Letras Não informado Não existe 18 5 2 2 Cursos responsáveis pela oferta de Literatura 203 disciplina de forma obrigatória ou optativa, 18 são de responsabilidade desse curso, totalizando um percentual de 72%. Essa análise ratifica o posicionamento de Faria (2010), ao destacar que a matéria Literatura Infantil não é ofertada nos cursos de Letras, mas já se faz presente nos cursos de Pedagogia. Em conformidade com as discussões, ressaltamos que a formação de professores corresponde ao futuro da educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental e EJA, fortemente vinculadasao futuro e à formação de nossas crianças, jovens e adultos, ideia já defendida pela ANFOPE (2008). Nesse caso, percebemos que a inserção do ensino de literatura na formação do pedagogo incide diretamente na possível inclusão da literatura na educação das crianças, jovens e adultos que serão atendidos por esses profissionais. O encontro do graduando de Pedagogia com a literatura amplia os horizontes de compreensão sobre a essencialidade dessa disciplina para a preparação de mediadores e a construção do sujeito leitor. Por outro lado, a lacuna deixada por essa formação se prolifera e perpetua a não valorização da literatura e sua ausência nas salas de aula da educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental e EJA. Se o futuro pedagogo não vivenciou a experiência literária no seu percurso de vida pessoal, no seu percurso de estudante nesses níveis de ensino, o caminho que pode reverter esse quadro é durante sua formação inicial formal, possibilitando o acesso aos conhecimentos teórico-metodológicosacercado relevante papel da literatura para o homem e o acesso aos textos literários como forma de incentivo à leitura de literatura e à formação de mediadores de leitura. Esse entendimento foi exposto na pesquisa realizada por Saldanha (2013), nas palavras de Flor: 23 Flor: [...] como é que eu vou gostar de literatura infantil, se na minha escola eu não tenho acesso a isso?... na minha casa eu não tenho acesso.. então, o primeiro passo é o acesso... a grande mudança na formação, no meu ponto de vista, é o acesso ao gênero literário... (Trecho de enunciado de Flor – entrevista coletiva, grifo nosso). Nesse sentido, a formação inicial dos pedagogos deve envolver bases teoricamente sólidas sobre a relevância da literatura, a diversidade de saberes que contempla dentro de um contexto social, político, econômico e cultural, suas qualidades comunicativas, estéticas, afetivas, de encantamento, bem como o 204 entendimento do educador como principal mediador do texto literário que contribuirá para o desenvolvimento do gosto pela leitura e, consequentemente, para a formação de leitores. Trata-se de uma formação com vistas a mudanças educativas, de qualidade e relevância social, que lhes permita intermediar profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo, da universidade e da escola. 5.3 O que as IES pesquisadas consideram relevante no ensino de Literatura Após a discussão a respeitoda situação institucional e curricular do ensino de literatura nos cursos de Pedagogia das IES pesquisadas, analisamos as ementas dos programas de ensino da disciplina e selecionamos os principais assuntos que as integram, os quais apresentamos no quadro abaixo. Quadro 27 – Conteúdos predominantes nas ementas de Literatura LITERATURA ➢ Histórico da literatura infantil no mundo e no Brasil; ➢ Conceito de literatura; ➢ Estratégias de leitura; ➢ Leitura e análises de obras literárias; ➢ Experiência estética e fruição; ➢ Formação de leitores, contadores de histórias e produtores de textos para crianças; ➢ O professor mediador de leitura; ➢ Diversidades de gêneros literários: narrativas, contos, contos de fadas, fábulas, romances, poesia, cordel; ➢ Relação entre literatura infantil e processos de letramento; ➢ Livro e ilustração. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Os conteúdos elencados aparecem com maior frequência nos programas das disciplinas de ensino de literatura. Notamos também outros conteúdos que são relacionados à literatura, como letramento literário, biblioteca, quadrinhos, teatro, cinema, transdisciplinaridade e novas tecnologias, entretanto, aparecem de forma bastante limitada. Nossa curiosidade se debruçou em analisar se a poesia aparece 205 como conteúdo a ser trabalhado nas salas de aula. Esse interesse provém devido a considerarmos a poesia fundamental no ensino de literatura, visto que sua linguagem metafórica, lúdica e criativa convida o leitor a ler o texto, se envolver com ele, permitindo a fruição e o prazer estético. Mesmo assim, pudemos verificar que a poesia é pouco explorada em sala de aula e que sua inclusão ainda é precária. Por esse viés, propomos conhecer essa realidade nos currículos das universidades. 206 Quadro 28 – O lugar da poesia nas propostas da disciplina Literatura POESIA Nº IES Disciplina Ementa Plano de ensino 01 UFAL Literatura Infantil 40h – OP Não tem UNIDADE 4 [...] 4.2. Ler e ouvir poemas: a poesia infantil 02 UFES Literatura Infantil e Juvenil 60h – OP [...] Literatura para crianças, jovens e ideologia. Modalidade de literatura infantil e juvenil: a narrativa e a lírica para crianças e jovens. Não tem 03 UFMA Literatura Infantil e Juvenil 60h – OP Não tem UNIDADE III [...] - A poesia: apreciação e fruição 04 UFMS Literatura Infantojuvenil 68h – OP O texto nos contos, poesias e histórias em quadrinhos, numa relação intertextual [...]. Não tem 05 UFPB Língua e Literatura 60h – OB Não tem 3. A poesia em sala de aula 3.1 Sons e ritmos no verso e na cantiga 3.2 Poemas e poetas 06 UFPI Literatura Infantil 60h – OB Não tem UNIDADE 2 [...] 2.4 O texto poético para crianças 07 UFRGS Literatura e educação 30h – OB Literatura e escola. A formação do leitor. Narrativa. Poesia. [...] Não tem 08 UFRJ Literatura Infantil45h – OP Não tem [...] A Arca de Noé (Vinícius); versões musicais dos poemas. Textos críticos: “Poesia, frágil vítima da escola” (M. Lajolo) e “Jogo e iniciação literária” (L. Cademartori) 09 UFRN Teoria e prática da Literatura I Literatura e transdisciplinaridade. Conceito de literatura infantil. Contos. Fábulas. Livro e ilustração. Narrativa. 9º Seminário:“O lúdico na literatura: o caso da poesia” 207 60h – OB Poesia. Quadrinhos. Função do leitor. Andaimagem na aula de literatura. AMARILHA. “A poesia na sala de aula” TAVARES 10 UFRR Pedagogia e Literatura Infantil 60h – OB Não tem [...] modalidade de textos infantis (fábulas, contos de fadas, lendas, poesias [...] 11 UFSC Literatura e Infância 54h – OB [...] A poesia e o sublime. Leituras literárias: estratégias para formar uma coleção em aberto. O trabalho com textos na dinâmica escolar. Prática de ensino como componente curricular. Unidade 4: A palavra poética e as suas possibilidades de trabalho com as crianças • A palavra poética e a sua importância para a sensibilidade leitora das crianças • Diferença entre poema e poesia, a estrutura que compõe o poema: rima, verso e ritmo • Os principais escritores que se dedicaram a escrever poesia para crianças 12 UFT Literatura Infantojuvenil 60h – OB Ementa do PPC – [...] O lúdico, o poético e as minorias na literatura infantojuvenil. Literatura Infantil no processo de alfabetização [...] Ementa do PE – Não tem 1. Poesias destinadas às crianças 13 UNB Literatura e Educação OP [...] Os contos de fadas. A poesia para crianças. Poesia e escola. [...] UNIDADE II Os gêneros literários Narrativas Poesia [...] 14 UNIFAP Literatura Infantojuvenil 60h – OB Não tem Formas e características da literatura infantojuvenil Poesia [...] 15 UNIFESP Literatura, Infância e Escola 75h – OP [...] Conhecer gêneros literários (fábulas, contos, poemas, literatura de cordel, romances, etc.) e as possibilidades de um trabalho escolar coerente com a formação de um leitor crítico e autônomo. 4. Narrativas e poemas para crianças e jovens no Brasil Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 208 Nossa análise mostra que a poesia somente está inserida nas ementas de 08 instituições, fato que nos causou espanto. Prosseguimos nossa busca analisando os planos de ensino e o cronograma das disciplinas de literatura, felizmente esse número se elevou de 08 para 15 universidades que incluem a poesia em suas propostas de ensino da disciplina. Todavia, alguns pontos merecem destaque, posto que, das 08 IES que contemplam a disciplina na ementa, 03 delas não a incluem nos conteúdos a serem trabalhados. Apenas 05 IES apresentam a poesia em sua ementa e nos conteúdos programáticos, dentre as quais somente 03 ofertam a disciplina em caráter obrigatório. Esses dados nos preocupam porque se atualmente a poesia, com sua riqueza linguística, sua linguagem peculiar que permite a imaginação, a ludicidade, o jogo e o prazer, elementos básicos para agradar crianças, jovens e adultos, é trabalhada nas escolas de forma restrita, limitando-se a datas comemorativas e eventos, ou seja, não é valorizada, a tendência é permanecer sob a mesma concepção se os futuros professores não têm acesso a conhecimentos teóricos que os façam compreender a importância da poesia em sala de aula. Assim, se não vivenciarem experiências com o texto poético durante sua formação, dificilmente terão condições de mudar essa realidade. Propusemos trazer um diagnóstico de como ocorre o ensino de literatura nas IES, bem como conhecer a formação inicial dos docentes que ministram essa disciplina, os saberes que são eleitos como prioritários nesse componente curricular e o lugar da poesia nos programas de ensino. Após essa averiguação, outro aspecto retirado da fala dos sujeitos participantes se faz presente, a saber, o de que a literatura éintegrada a outras disciplinas, fato que discutiremos nos próximos tópicos. 5.4 A travessia da literatura por outras áreas de conhecimento na formação do pedagogo: um ponto a ser discutido No decorrer de nossa pesquisa, vislumbramos em vários momentos a proposição de que, mesmo não sendo ofertada obrigatoriamente, a literatura está presente e pode ser trabalhada em várias disciplinas, dentre elas as mais citadas são: Língua Portuguesa, disciplinas na área da linguagem, alfabetização, letramento e educação infantil. Na tentativa de elucidarmos esse fato, propomos analisar, em um primeiro momento, os planos de ensino de Língua Portuguesa, em seguida, 209 acrescentamos a análise das ementas das disciplinas da área de linguagem, leitura, alfabetização, letramento e educação infantil do curso de Pedagogia das instituições pesquisadas. 5.4.1 A literatura e o Ensino de Língua Portuguesa Após a construção dos dados referentes ao ensino de literatura no curso de Pedagogia, analisamos as ementas de disciplinas relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa (LP), conforme Gráfico 24, por considerarmos a aproximação com a literatura, tendo em vista a possibilidade de a literatura ser contemplada nessa disciplina. Gráfico 24 – IES que contemplam Literatura na ementa de LP Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Das 27 universidades pesquisadas, apenas 05 contemplam a literatura nas ementas propostas para as disciplinas de LP. Nessas 05 instituições (UFAL, UFPE, UFS, UFT, UFG), estão inseridas as duas (UFS, UFG) que não oferecem a disciplina Literatura no currículo de Pedagogia, nem apresentam a literatura na disciplina LP, conforme quadro a seguir. 5 22 0 5 10 15 20 25 Existe não existe Literatura na ementa de LP 210 Quadro 29 – Disciplinas de Língua Portuguesa em que aparece Literatura Universidade Disciplina Ementa NT CH UFAL Saberes e Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa I Aprofundamento teórico-metodológico da leitura e da produção de gêneros textuais literários e nãoliterários, considerando a diversidade linguística, nos diversos usos da prática social, perpassando a análise de material didático produzido e documentos oficiais que orientam o trabalho com a Língua Portuguesa. OB 60 UFPE Fundamentos do ensino da Língua Portuguesa II Os gêneros textuais e as diferentes esferas sociais de interlocução; a constituição histórica dos gêneros textuais; a teoria dos gêneros textuais e a progressão escolar; concepções de gramática, variação linguística e preconceito social; letramento e formação de leitores; leitura literária e formação de leitores; aprendizagem e ensino da leitura; aprendizagem e ensino da produção de textos; aprendizagem e ensino de análise linguística; avaliação da aprendizagem da língua portuguesa. OB 45 UFS Ensino de Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental Literatura Infantil no processo da alfabetização. A questão do ensino- aprendizagem da gramática nos anos iniciais. Produção de texto. Análise linguística e reestruturação de textos. Múltiplas linguagens e o ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais. Os PCNs de Língua Portuguesa para os anos iniciais do ensino fundamental. OB 60 UFT Fundamentos e Metodologia do Ensino da Linguagem Concepção de língua e linguagem. Bases teóricas do ensino de Língua Portuguesa. Leitura e Escola. Produção de texto e análise linguística. A avaliação e o “erro” em língua materna. Língua portuguesa e o trabalho com a literatura. Pesquisa e formação do leitor e escritor. Diretrizes e projetos em Língua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino Fundamental. A biblioteca escolar. OB 60 UFG Fundamentos e Metodologia de Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental I e II (mesma ementa) Concepções de linguagem e linguística. Ensino de língua e fracasso escolar. Leitura, produção de texto e análise linguística. Pesquisa e formação do leitor e do escritor. Discurso, docência e pesquisa. Literatura. Diretrizes e projetos, em língua portuguesa para a escola OB 72 Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Legenda: NT – Natureza 211 CH – Carga Horária OB – Obrigatória Percebemos que as ementas das disciplinas da área de linguagem contemplam as discussões relacionadas aos conteúdos da língua materna, linguagem oral e escrita, sistema linguístico e gramatical, produção e recepção de textos. O conhecimento da língua é indispensável para a aprendizagem e o desenvolvimento do sujeito, visto que oportuniza ao aprendiz inserir-se no mundo da leitura e escrita, interpretar e produzir textos e interagir com o mundo letrado. Nesse sentido, fizemos um levantamento dos conteúdos que predominam nas ementas de Língua Portuguesa das 27 instituições. Quadro 30 – Conteúdos predominantes nas ementas de LP LÍNGUA PORTUGUESA ➢ Propostas Curriculares, Diretrizes e Normas para o Ensino de Língua Portuguesa LP (destaque para os PCNs); ➢ Fundamentos teórico-metodológicos para o Ensino de LP; ➢ Concepções de língua, linguagem, texto, leitura, produção de texto; ➢ Discurso; ➢ Conhecimentos linguísticos: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica; ➢ Diversidade e variação linguística; ➢ Gramática e ortografia; ➢ Linguagem oral e escrita; ➢ Uso e função da escrita; ➢ Conteúdos, objetivos, planejamento, metodologia e avaliação no Ensino de LP; ➢ Gêneros textuais; ➢ Leitura e Produção de textos; ➢ Alfabetização e Letramento. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Os conteúdos propostos pelas ementas condizem com as diretrizes e parâmetros que orientam o ensino de Língua Portuguesa na educação infantil e nos 212 anos iniciais do ensino fundamental. Os Referenciais Curriculares para a Educação Infantil (RCNE, 2001) destacam a aprendizagem oral e escrita como um dos elementos relevantes para as crianças alargarem suas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas sociais. Os Parâmetros Curriculares (PCNs) de Língua Portuguesa (1997) selecionam e organizam os conteúdos desse componente curricular em dois eixos básicos – Língua oral: usos e formas; e Língua escrita: usos e formas. O bloco de “conteúdos ‘Língua escrita: usos e formas’ subdivide-se em ‘Prática de leitura’ e ‘Prática de Produção de texto’, que, por sua vez, se desdobra em ‘Aspectos discursivos’ e ‘Aspectos notacionais11’” (BRASIL, 1997, p.44). Esses conteúdos estão em consonância com a proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) para a Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental. A BNCC atribui a esse componente a articulação com as demais áreas de conhecimento, a sistematização do processo de alfabetização e a ampliação de práticas de letramento, essenciais para que os discentes estejam cada vez mais aptos a entender o mundo em que vivem, e nele interagir, apropriando-se de conhecimentos e atitudes que facultem essa compreensão. Propõe conteúdos como leitura, práticas de leitura, oralidade, escrita, sistema de escrita alfabética, ortografia, pontuação, conhecimentos da língua materna padrão. Diante do exposto, concluímos que os conhecimentos que são apresentados nas ementas analisadas são considerados válidos e necessários, uma vez que os futuros professores precisam de sua apropriação para atuar na educação infantil , nos anos iniciais do ensino fundamental e na EJA. Visualizamos nessas propostas a necessidade de a literatura estar inserida no ensino da LP. Por esse motivo, diante da lacuna que se constituiu devido à ausência da literatura na maioria das ementas selecionadas, solicitamos às 27 instituições o programa da disciplina LP com o intuito de averiguarmos se a literatura se faz presente nos conteúdos por estas propostos. Das 27 IES, recebemos 22 planos de ensino da disciplina (PED) de Língua Portuguesa; desse total,identificamos 09 universidades que apresentam a literatura nos objetivos ou conteúdos dos programas, 13 não contemplam a literatura em nenhum momento e 05 instituições não nos repassaram a informação solicitada. Assim, contamos com o seguinte resultado: 11 Os aspectos notacionais referem-se às características da representação gráfica da linguagem e os aspectos discursivos referem-se as características da linguagem em uso. 213 Gráfico 25 – O ensino de literatura nos planos de ensino de LP Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Das 09 universidades que apresentam literatura em seus planos de ensino, 05 já foram citadas porque contemplam em sua ementa e 04 (UFRN, UFES, UNB, UFSC) incluem a literatura nos objetivos ou conteúdos, conforme dados construídos. Quadro 31 – Instituições que incluem Literatura no programa de LP UFRN – ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA I Ementa Não aparece a literatura Objetivo específico 5 Refletir sobre a aula de língua portuguesa na abordagem dos gêneros, destacando o tratamento didático da oralidade, leitura, literatura; vocabulário; escrita e análise linguística Conteúdos Unidade III: O trabalho pedagógico nos eixos de ensino de LP: Leitura; Literatura; Oralidade; Vocabulário; Escrita e Análise Linguística UFES – PORTUGUÊS – CONTEÚDO E METODOLOGIA Ementa Não aparece a literatura Objetivo Não aparece a literatura Conteúdos Unidade 04: Literatura infantil: teoria e prática na formação de leitores; Leitura coletiva de várias obras de literatura infantil UNB – ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA MATERNA Ementa Não aparece a literatura Objetivo Não aparece a literatura Conteúdos Unidade II: Literatura, Criatividade e produção de texto por meio da Pedagogia de Projetos Unidade III:Literatura, Imaginação e produção de texto 9 13 5 0 2 4 6 8 10 12 14 Existe Não existe Não informado Literatura no PED de LP 214 UFSC –FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO ENSINO DE PORTUGUÊS E ALFABETIZAÇÃO Ementa Não aparece a literatura Objetivo 6 Proporcionar oportunidades para a leitura de textos de literatura infantil Conteúdos Não aparece a literatura Procedimentos Didáticos Leitura de livros de literatura infantil Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Essas 04 universidades não apresentam a literatura nas ementas das disciplinas LP, entretanto, nos planos de ensino desse componente curricular, aparece a literatura ou literatura infantil como proposta de trabalho dentro da LP. Nossa preocupação em dar ênfase à busca pela literatura nesse componente curricular decorre do fato de alguns sujeitos da pesquisa sinalizarem que, mesmo não existindo uma disciplina obrigatória de literatura no currículo do curso de Pedagogia, esta pode estar presente nas diversas áreas de conhecimento relacionadas à linguagem, principalmente na disciplina de LP. Entendemos que existem normas, diretrizes e orientações legais que destacam para o ensino de LP a necessidade da inserção do ensino de literatura nessa disciplina. Os PCNs de LP (1997) orientam que é importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, por se tratar de uma forma específica de conhecimento. A literatura é vista como indispensável para a formação de crianças leitoras. Na Base Nacional Comum Curricular (2017), dentro do componente Língua Portuguesa, o gênero/texto, as práticas de leitura, escrita e oralidade ganham centralidade e se vinculam a campos de atuação social, sendo um deles o campo literário, que “diz respeito à participação em situações de leitura, fruição e produção de textos literários e artísticos, representativos da diversidade cultural e linguística, que favoreçam experiências estéticas” (BNCC, 2017, p.94). Percebemos que,segundo as orientações propostas pelos PCNs de Língua Portuguesa e pela BNCC, o ensino de literatura é reconhecidamente relevante para a formação dos indivíduos e sua inserção é vista como imprescindível no ensino de LP. A nossa ideia não é discordar dessa possível proposta e do fato de a literatura ser trabalhada com maior ou menor foco no ensino de LP,mas destacar que a 215 Língua Portuguesa, seja na formação inicial dos pedagogos, seja na educação infantil ou nos anos iniciais do ensino fundamental, abarca uma gigantesca proposta de saberes a serem ministrados em sala de aula, ao quais são essenciais para a aquisição e domínio da língua, a alfabetização, o letramento e a participação social do sujeito nos diversos contextos sociais. Nesse caso, obviamente, a literatura seria um dentre vários outros conteúdos a serem trabalhados em sala de aula, com maior ou menor foco, dependendo da concepção do professor, conforme já foi apontado por um sujeito de pesquisa. De acordo com as ementas e planos de ensino de LP dos cursos de Pedagogia das IES pesquisadas, a literatura está sendo trabalhada superficialmente ou com menor foco nesse componente curricular. Esse fato é um dos motivos que nos levam a defender que a literatura seja efetivada como disciplina obrigatória para que os futuros professores de crianças, jovens e adultos disponham de uma formação que os faça compreender a importância da literatura, possibilite o contato com a diversidade de textos literários, a vivência de experiências estéticas com a leitura de literatura e de mediação de leitura do texto literário, necessárias à formação de mediadores de leitura. Além do ensino de LP, percorremos outras áreas de conhecimento em busca da literatura. 5.4.2 A Literatura, a Linguagem, a Leitura e a Produção de texto Selecionamos as disciplinas relativasà linguagem eà leitura e produção de texto de todas as IES pesquisadas com o intuito de examinar se a literatura está presente nesses componentes curriculares. Das 27 instituições, 13 não ofertam disciplinas com essas terminações. Contamos com 14 unidades que oferecem esse componente curricular; desse número, apenas 02 apresentam a literatura em suas ementas. Quadro 32 – Disciplinas relacionadas a Linguagem, Leitura e Produção do texto que incluem Literatura Universidade Disciplina Ementa UFAM Metodologia da Leitura Optativa – 60horas Leitura: Metodologia da Leitura, Literatura Infantil e Literatura Juvenil UFT Leitura e Produção de Texto Estudo de diferentes linguagens disponíveis no universo de significação e história do modo de 216 Obrigatória – 60 horas viver contemporâneo. Discussão sobre a leitura, literatura infantil, televisão, história em quadrinhos, desenho animado, pintura, fotografia e cinema enquanto diferentes gêneros e formas discursivas, instâncias singulares de produção de conhecimento. Estratégias de leitura: operações metacognitivas regulares de abordagem do texto. Estudo da intertextualidade, polifonia, dialogia presentes na produção e leitura de textos. Coesão e coerência textual. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Entendemos que as disciplinas relacionadas à linguagem e à leitura e produção de textos estão imbricadas ao ensino de LP, podendo aprofundar temas e conteúdos que não são suficientemente contemplados nos programas de LP. Nesse caso, à literatura também caberia um espaço para suprir uma possível lacuna anterior, o que não ocorre nessas instituições, considerando que, de um total geral de 27 IES, apenas 02 (7%) que oferecem a disciplina contemplam a literatura em suas ementas. Outro fator relevante é que, dessas 02, uma oferta a disciplina de forma optativa, permanecendo a estimativa de que sua oferta pode ser efetivada ou não. Analisamos as ementas de disciplinas concernentes à linguagem e à leitura e produção de textos das 13 universidades que oferecem a disciplina com vistas a conhecermosos principais conteúdos propostos. Quadro 33 – Conteúdos predominantes nas disciplinas relacionadas à linguagem e à leitura e produção de textos Linguagem, Leitura e Produção de textos ➢ Modelos e práticas de leitura e escrita; ➢ Aspectos relativos ao sistema linguístico: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica; ➢ Tipologia textual; ➢ Leitura e produção de textos; ➢ Linguagem verbal; ➢ Linguagem oral e escrita; ➢ Fundamentos pedagógicos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita; ➢ Organização curricular: planejamento, organização de material didático, propostas 217 pedagógicas, avaliação; ➢ Escolarização da leitura e da escrita; ➢ Gêneros discursivos; ➢ Coesão e coerência; ➢ Intertextualidade, polifonia, dialogia; ➢ Práticas sociais da leitura; ➢ O professor como formador de leitor. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. Percebemos que os conteúdos predominantes nas ementas das disciplinas contemplam as propostas curriculares do ensino de LP, com ênfase nos aspectos relativosa práticas de leitura e escrita, produção de textos e formação de leitores. Dessa forma, concluímos que o ensino de literatura, oficialmente, não está entre os conteúdos considerados prioritários nessas disciplinas. 5.4.3 A Literatura, a Alfabetização e o Letramento Percorrendo os caminhos indicados pelos nossos sujeitos de pesquisa, os quais apontaram componentes curriculares que podem trazer a literatura como conteúdo a ser trabalhado, selecionamos as ementas das disciplinas relacionadas a alfabetização e letramento. De todas as universidades corpus de pesquisa, somente uma (UFPA) não oferece nenhuma disciplina dessa natureza. Contamos com 26 IES que ofertam um componente curricular voltado para a alfabetização e o letramento e, desse total, apenas 02 apresentam a literatura em suas ementas, segundo o quadro abaixo. Quadro 34 – Disciplinas relacionadas a alfabetização e letramento que apresentam literatura na ementa Universidade Disciplina Ementa NT CH UFG Alfabetização e Letramento Concepções de linguagem nas teorias de aquisição de linguagem e alfabetização: behaviorismo, construtivismo, sociointeracionismo. Abordagens linguísticas. Letramento. Literatura e Literatura Infantil. OB 80 UFMT Fundamentos e Metodologia do Concepções de Linguagem e Alfabetização. Alfabetização e OB 75 218 Ensino da Linguagem II Letramento: conceituação. História da Escrita. Aquisição da Língua Escrita: Métodos do Ensino da Leitura e da Escrita; Psicogênese da Língua Escrita; Alfabetização de Jovens e Adultos – o método Paulo Freire. Gêneros Textuais na alfabetização. Análise do Livro Didático na Alfabetização. Textos literários na Alfabetização. Materiais Didáticos para Alfabetização. Metodologia de Ensino da oralidade, leitura, escrita e análise linguística na fase de alfabetização. Avaliação. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. As 02 instituições contemplam a literatura juntamente com alfabetização e letramento em suas ementas. Observamos que os conteúdos selecionados também são indicados no componente curricular de LP. Veremos a seguir os conteúdos que predominam nas disciplinas relacionadas a Alfabetização e Letramento de todas as IES pesquisadas. Quadro 35 – Conteúdos predominantes nas disciplinas relacionadas a Alfabetização e Letramento ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ➢ Concepção de Alfabetização e Letramento; ➢ Função social e política da alfabetização; ➢ Práticas discursivas em contextos familiares, escolares e sociais; ➢ Contribuições da Linguística, Psicolinguística e Sociolinguística; ➢ O processo de aquisição da leitura e escrita; ➢ Sistematização de uso da leitura e da escrita; ➢ O papel do professor alfabetizador; ➢ Aspectos didáticos do processo de ensino-aprendizagem da escrita e da leitura: conteúdos, procedimentos de ensino e avaliação; ➢ As múltiplas linguagens no mundo contemporâneo e midiático; ➢ Letramento: vozes, gêneros e identidades. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 219 De modo geral, os conteúdos propostos estão entrelaçados com as propostas para a disciplina LP. A alfabetização e o letramento ganham destaque relevante no ensino da língua. Os PCNs de LP (1997) destacam os processos de alfabetização e o processo de letramento e suas relações com a linguagem oral e escrita. O RCNEI (2001) destaca o processo de letramento, sua associação com a construção do discurso oral e escrito. As vivências sociais da criança com a linguagem escrita, por meio de diferentes portadores de texto, geram aprendizados significativos da linguagem oral e escrita. Da mesma forma, esses documentos indicam a literatura como conteúdo essencial para o desenvolvimento do sujeito, pois, simultaneamente ao processo de alfabetização, a literatura, as artes e as práticas corporais compõem o conjunto de linguagens imprescindíveis para a formação estética, sensível, ética e afetiva(BNCC, 2017). Contudo, observamos que a literatura é contemplada minimamente no ensino de LP e nos demais componentes curriculares analisados, até o momento, prevalecendo assim a lacuna quanto ao ensino de literatura nos cursos de Pedagogia das IES pesquisadas. 5.4.4 A Literatura e a educação infantil Propusemos aqui realizar mais uma análise das ementas do componente curricular Educação Infantil do curso de Pedagogia de todas as universidades corpus de pesquisa,considerando que a educação infantil, primeira etapa da educação básica que oportuniza à criança o contato com a cultura letrada, com a palavra escrita, é uma fase propícia para incentivar o gosto pela leitura e a inserção de histórias, contos e poesias na rotina da criança. Nessa fase, a literatura é imprescindível para o desenvolvimento da imaginação, da sensibilidade, do encantamento e da relação da criança com o outro e o mundo por meio da linguagem verbal. Partindo dessa ideia, temos como proposta conhecer os saberes propostos nas ementas das disciplinas relacionadas à educação infantil, bem como se a literatura está inserida nesses currículos. Todas as instituições oferecem a disciplina educação infantil. De um total de 27 IES, apenas uma oferta em caráter optativo,enquanto as demais a apresentam obrigatoriamente em suas estruturas 220 curriculares. Encontramos a literatura incluída como conteúdo nas ementas das 03 instituições abaixo: 221 Quadro 36 – Ementas das disciplinas relacionadas à educação infantil que apresentam Literatura Universidade Disciplina Ementa UFMA Metodologia em Educação Infantil Obrigatória 60 horas Planejamento e organização das ações e espaços educativos de crianças de 0 a 06 anos. O lúdico na Educação Infantil: o brincar, as brincadeiras e jogos como expressão cultural e sua importância no processo de desenvolvimento da aprendizagem da criança. Processos interativos, a imaginação, a literatura, as artes plásticas, cênicas e a música na constituição do sujeito solidário, autônomo e criativo. O papel e prática pedagógica dos profissionais de educação infantil. A organização do trabalho pedagógico. Processos de construção da autonomia infantil. Atividades lúdico-pedagógicas. Desejos e necessidades infantis. Planejamento, rotina e modalidades organizativas dos eixos de conteúdo. UNIR Fundamentos e Prática da Educação Infantil II Obrigatória 80 horas Observação, registro, documentação, planejamento (rotinas, sequências didáticas) e avaliação na Educação Infantil: questões para a prática pedagógica. A especificidade de creches e pré-escolas no que diz respeito a: organização e gestão do espaço; organização e gestão do tempo (tempo individual, tempo de relações em pequenos grupos e no coletivo - equilíbrio entre atividades mais calmas e mais movimentadas); agrupamentos das crianças e as possibilidades de convivência com diferentes faixas etárias; rotinas de atividades; inter-relações entre educar e cuidar, mente-corpo/racionalidade-desejo; valorização e construção da autonomia, da cooperação e da solidariedade; valorização das produções infantis; o brincar como forma própria de a criança significar e apreender o mundo. Brincadeira e construção de conhecimento; Brincadeira como experiência de cultura. Brincadeira e culturas infantis. Jogo, brinquedo e brincadeira: definições e questões. A ludicidade como mediadora da ação da criança. Concepções de linguagem, relação entre pensamento e linguagem e entre linguagem e interações. A comunicação com e entre os bebês, e com e entre as crianças pequenas. Os adultos e as interações verbais com as crianças: falas e escutas. As crianças pequenas e a linguagem: ações e simbolizações. Corpo, gesto, a construção do sentido e a aquisição da linguagem oral da criança. Relação entre oralidade e cultura escrita. Letramento e cultura escrita. O letramento no cotidiano das crianças pequenas: gêneros discursivos e suas apropriações. A brincadeira com as palavras e o texto poético. Narrativas e leitura de histórias. Literatura na Educação Infantil. UNIFESP Fundamentos Teóricos e Práticos da Educação Infantil II Obrigatória 75 horas Estudo teórico das culturas da infância: culturas produzidas para e pelas crianças; metodologias de trabalho, rotinas e instrumentos na Educação Infantil; planejamento de atividades; acompanhamento e avaliação dos processos pedagógicos; papel da educadora para mediar processos de adaptação e inserimento das crianças; brinquedos, brincadeiras e literatura como formas de interação da criança com o mundo e com os outros. Educação Infantil, corpo e saúde. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 222 As ementas relacionadas à Educação Infantil da UFMA, UNIR, UNIFESP sinalizam o trabalho com a literatura incluso nesse componente curricular. Trata-se de um resultado pouco satisfatório, considerando que contabiliza somente 11% das IES pesquisadas. Nessa perspectiva, analisamos todas as ementas das disciplinas ofertadas com o intuito de examinarmos os conteúdos que preponderam. Quadro 37 – Conteúdos predominantes na disciplina Educação Infantil EDUCAÇÃO INFANTIL ➢ Fundamentos legais e normativos da EI; ➢ Concepções, teorias e políticas da EI; ➢ Concepções de criança, infância, brincar, cuidar e educar; ➢ Contexto histórico e evolução da EI; ➢ Organização do currículo; ➢ Organização pedagógica: planejamento, rotina, ambiente, avaliação; ➢ A prática do professor; ➢ Desenvolvimento e aprendizagem da criança em suas dimensões física, cognitiva, linguística, socioafetiva, lúdica e implicações pedagógicas; ➢ Ludicidade: brincadeiras, brinquedo, jogos, desenho. Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. As propostas de conteúdos descritas nas ementas enquadram as discussões históricas, teóricas, legais e políticas que embasam o ensino na educação infantil, propõem conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento e a formação integral da criança, atendendo o que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI), Resolução CNE/CEB n. 05/09 e os RCNEI. Nessa perspectiva, chama-nosa atenção o fato de a literatura estar ausente na significativa maioria das ementas dessa disciplina, tendo em vista a orientação de um dos princípios que devem ser considerados nas propostas pedagógicas da educação infantil indicado pelas DCNEI: “III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais”. Sendo assim, a literatura, como criação artística, desenvolve a sensibilidade, a emoção, a criatividade. A leitura de literatura propicia ao sujeito a 223 experiência estética, o reconhecimento do eu e do outro, o processo de identificação e a liberdade e abertura de novos horizontes na construção do conhecimento. As DCNEI, no seu artigo 9º, também propõem que as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da educação infantil possam garantir experiências que VII – possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade; VIII – incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o reconhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza; IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura; (DCNEI, 2013, p.99, grifos nossos). Conforme observamos, a literatura precisa ter seu espaço garantido entre os conhecimentos trabalhados em sala de aula na educação infantil. O texto literário envolve um vasto reservatório de saberes que propiciam experiências éticas e estéticas, o encantamento, a imaginação, a construção da identidade, a alteridade, a formação crítica. Após as análises das ementas dos componentes curriculares Língua Portuguesa; Alfabetização e Letramento; Linguagem; Leitura e Produção de Textos e Educação Infantil, com o objetivo de visualizarmos se a literatura integra os conteúdos propostos por essas disciplinas dos cursos de Pedagogia das IES pesquisadas, obtivemos o seguinte resultado: Gráfico 26 – Demonstrativo da Literatura integrada a outros componentes curriculares Fonte: Saldanha, 2016. Dados elaborados pela pesquisadora conforme documentos da pesquisa. 9 2 3 2 27 0 5 10 15 20 25 30 Lìngua Portuguesa Linguagem, leitura e Prod. de Textos Educação Infantil Alfabetização e Letramento Instituições Literatura integrada aos conteúdos 224 Segundo os dados apresentados, percebemos que esses resultados não condizem com as afirmações dos sujeitos de pesquisa quando mencionam que a literatura está presente em vários outros componentes curriculares, especialmente nas disciplinas analisadas. De fato, efetivamente, a literatura poderá ser trabalhada ou não, com maior ou menor foco dentro dessas disciplinas, apesar de não aparecer em suas ementas. Entretanto, a ementa se constitui um registro escrito, um apontamento dos conteúdos essenciais que deverão ser trabalhados em cada disciplina específica. Logo, se a literatura não aparece como conhecimento essencial, sua efetivação em sala de aula também não será fundamental, podendo ser ignorada ou considerada necessária dependendo de uma série de circunstâncias, como, por exemplo, a carga horária disponível, se existe espaço/tempo para inserir esse conhecimento, a concepção de literatura do professor que ministra a disciplina e sua disponibilidade para incluí-la nas aulas. Concordamos com a ideia de que a literatura deve estar presente como conhecimento integrante de uma determinada disciplina, pois a travessia da literatura pelas mais diversas áreas de conhecimento é fato imensurável, consumado, tendo em vista a riqueza do texto literário e o manancial de saberes que este comporta. Contudo, conclamamos que a literatura se efetive como disciplina obrigatória, que propõe seus conhecimentos específicos, que propicie uma formação teórico-metodológica fundamentada na história, evolução e principais conceitos que envolvem a literatura, uma formação que possibilite a experiência do graduando com o texto literário, formando leitores e mediadores de leitura. 225 6 CONCLUSÃO: ALGUNS SABERES E A CERTEZA DA INCOMPLETUDE Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. (Guimarães Rosa) A curiosidade epistemológica que desencadeou esta tese foi orientada por duas perguntas: Quais as contribuições da literatura para o desenvolvimento humano? Existem disciplinas voltadas para o ensino de literatura nos cursos de Pedagogia das universidades federais? Com base nesses questionamentos, o escopo principal desta tese foi a investigação acerca do ensino de literatura no curso de licenciatura em Pedagogia, indagando se existiam disciplinas que contemplassem formação sobre a literatura e fossem direcionadas aos graduandos desse curso, que serão os futuros professores de crianças, adolescentes, jovens e adultos, da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e da primeira etapa da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essa curiosidade nasceu no decorrer de nossa atuação como docente do ensino superior no curso de licenciatura de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e como membro do Programa de extensão Biblioteca Ambulante nas Escolas, dessa mesma instituição. Nesses contextos, diagnosticamos que a maioria dos graduandos do curso de Pedagogia chegava à universidade com escassas experiências de leitura de literatura, as quais estavam, geralmente, relacionadas à leitura de obras para preenchimento de fichas avaliativas ou estudo da língua materna. Do mesmo modo, esses discentes apontavam, em seus relatos de estágio supervisionado na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que a literatura é pouco trabalhada nesses níveis de ensino, prevalecendo outros conhecimentos disciplinares considerados mais importantes. Ora, se o graduando em Pedagogia não tem acesso a disciplinas voltadas para o ensino de literatura, ele apresenta uma lacuna formativa que, provavelmente, acarretará prejuízos para a sua atuação como professor. Desse modo, entendemos que o pedagogo precisa de embasamento teórico-metodológico em literatura na sua formação formal inicial. Nesta tese, assumimos o pressuposto de que a literatura é indispensável para a formação humana, dada a sua abrangência em reunir características 226 especificamente humanas e saberes diversificados, ou seja, é uma fonte inesgotável de conhecimento de mundo e da trajetória do ser humano. A literatura é um bem cultural que excede os limites temporais, que transporta a vida vivida por nossos ancestrais, registra e preserva a memória histórica, possibilitando entender nosso presente e criar o futuro. A leitura de literatura oportuniza nos sentirmos parte de um grupo social maior, fecunda o sentimento de pertencimento, de que estamos vinculados a outras histórias semelhantes às nossas, a outros seres que vivenciaram o que estamos vivenciando, compartilharam dos mesmos sentimentos e desejos que sentimos porque continuamente existem personagens com os quais nos identificamos. A leitura de literatura permite ao leitor o contato com várias sensações, provoca reações e experiências múltiplas. Essa leitura oportuniza trazer à memória as lembranças e as vivências de acontecimentos diários, é um diálogo sobre a vida por meio da linguagem, da ficção, tornando-se momento importante para o leitor, uma vez que proporciona viver a fantasia, a liberdade, a espontaneidade e a inventividade, que são inerentes ao ser humano. Ao interagir com o texto literário, o leitor atribui sentido ao que está escrito e não percebe somente o que é exposto pelo texto, o que está previamente definido. O leitor infere novas significações, novos sentidos, que podem ser acrescentados a seu repertório de vida e de leitura. Para leitores iniciantes, a literatura organiza o pensamento e a experiência de vida, permite a comunicação intergeracional. As qualidades comunicativas da literatura abrangem as questões sociais, estimulam o questionamento, a indagação e a criticidade. A literatura estabelece uma leitura convidativa e envolvente, que provoca o leitor a atribuir sentido ao que lê a partir de seu contexto, de suas vivências, por meio de sua imaginação, sendo imprescindível para a formação humana. Em sua natureza multidimensional, enciclopédica, a literatura aborda temas diversos e complexos como separação, morte, preconceitos, entre tantos que são fundantes do estar no mundo e que permeiam as relações humanas, que encontram na tessitura do literário espaço pleno para a expressão da sua complexidade cultural, social, política, estética, emocional. A literatura é imprescindível porque articula conhecimento interdisciplinar, transdisciplinar, interligando e atravessando diversas disciplinas, saberes de diferentes áreas que integram os currículos escolares e acadêmicos. Nesse percurso, o texto literário, como construção que atravessa fronteiras, toca a alma 227 humana, mostrando situações relacionadas ao comportamento, aos desejos, aos sonhos, aos conflitos vivenciados pelo ser humano, e modifica o nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social. Sob essa ótica, reconhecemos que a literatura é essencial para a formação do sujeito, razão pela qual entendemos que ela precisa ter espaço no currículo do curso de formação de professores. Com esse entendimento e convicção, julgamos que ela deva integrar a formação inicial formal dos pedagogos, que são os responsáveis por receber e apresentar às crianças, aos jovens e adultos da EJA os sabores/saberes da literatura, incentivar e fomentar o gosto por sua leitura e mediá-la com vistas à sua formação como leitor e como ser humano. Compreendemos que, para a inserção da literatura nos currículos escolares, faz-se necessário repensarmos a formação de professores. Somente um docente que goste de ler, que seja leitor de literatura e tenha respaldo teórico-metodológico sobre o assunto terá condição de apreciar o valor do texto literário para seus aprendizes e, assim, desenvolver uma prática embasada em concepção de ensino que atenda às demandas humanas de seus alunos por meio da ficção. É nesse sentido que nos referimos ao caráter fundante da literatura na formação inicial formal do pedagogo, considerando que são esses os profissionais responsáveis pela introdução dos aprendizes da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e da primeira etapa da EJA no universo essencial da linguagem. Para respondermos às questões da pesquisa e aos objetivos propostos, escolhemos a abordagem qualitativa descritiva, utilizamos a análise documental, a análise de conteúdos e entrevistas não padronizadas via e-mail, com professores das universidades pesquisadas. Delimitamos o corpus de pesquisa ao currículo e aos documentos institucionais de 27 universidades federais, os quais serviram como referências que visam atender as demandas institucionais, acadêmicas e formativas do licenciado que advém de seus quadros. Entendemos, entretanto, que esse corpus é apenas o início de uma cartografia epistêmica de um objeto, cujo horizonte hermenêutico é muito maior e mais complexo do que esta tese pôde realizar. Este é, portanto, um campo aberto para outras pesquisas. Utilizando como referência os objetivos a que se propôs este trabalho e pautando-nos nas questões de pesquisa mencionadas no início desta tese, apresentamos as análises realizadas a partir do referencial teórico-metodológico e dos resultados dos dados construídos. 228 Um dos objetivos desta tese, analisado no terceiro e no quarto capítulos, propunha-se a compreender a concepção de currículo e os saberes necessários à formação do pedagogo. Para atingirmos esse objetivo, desenvolvemos discussões a respeito do currículo, do curso de Pedagogia e dos documentos e das diretrizes que norteiam essa licenciatura, acompanhadas da análise de dados da pesquisa. O currículo é uma práxis e por isso se constitui expressão da função socializadora e cultural da educação. Ele expressa as aspirações sociais, políticas, culturais e econômicas da sociedade que se manifestam por meio dos conteúdos selecionados, da forma como são organizados e das práticas que geram sobre si. São saberes eleitos como prioritários, indispensáveis à formação escolar e universitária, formam espaço de poder, de tensão, território de disputas, estando a serviço de um determinado grupo para atender seus interesses. Essa compreensão possibilitou algumas reflexões acerca da questão principal de nossa pesquisa, uma vez que defendemos que é preciso inserir o ensino de literatura nos cursos de licenciatura em Pedagogia. A propósito, as Diretrizes Curriculares de Pedagogia (2006) não apresentam explicitamente termos como “conhecimentos literários” ou “literatura” para compor os currículos do curso, mas as expressões que orientam sobre essa formação demonstram, nitidamente, a relação da literatura com a diversidade de saberes propostos. Dessas expressões apontadas, destacamos a sensibilidade afetiva e estética inerente à literatura, a outra é a integração de áreas de conhecimento por meio da interdisciplinaridade. Conforme discutimos, a literatura ultrapassa as fronteiras das disciplinas, sendo interdisciplinar e transdisciplinar. Assim sendo, pode bem ser o eixo estrutural de estudo de diferentes assuntos ou mesmo de um currículo. Ao analisarmos os Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura (2010), observamos que o perfil do egresso do licenciado em Pedagogia está em conformidade com o exposto pelas DCNs (2006), com uma diferença singular, que é citar, explicitamente, a Literatura Infantojuvenil como conhecimento que deverá integrar essa formação. Os dados construídos e sistematizados e as reflexões desenvolvidas indicam que existe orientação legal para a inserção do ensino de literatura nos cursos de Pedagogia. Do mesmo modo, indicam que há sensibilidade e movimento por parte dos docentes e discentes das universidades pesquisadas de que existe a 229 necessidade de inserção da literatura no curso de Pedagogia. Entretanto, a legitimidade da literatura no currículo de Pedagogia ainda é incipiente, vulnerável e não é assegurada pela maioria das IES pesquisadas. A maioria das universidades federais não oferece a disciplina Literatura em seu currículo obrigatório dos cursos de Pedagogia. Um discurso tradicional predominante, que prevalece nos enunciados dos colaboradores da pesquisa, é o de que a literatura é área específica do curso de Letras, inclusive a maioria dos professores que ministram disciplinas relacionadas ao ensino de literatura nos cursos de Pedagogia tem sua formação inicial em Letras. Na construção do estado da arte, conforme descrevemos no início desta tese, encontramos poucas pesquisas que analisam o ensino de literatura em Pedagogia. Existe vasta investigação sobre o ensino de literatura no curso de Letras, referente aos anos finais do ensino fundamental e ao ensino médio, entretanto, esse não é nosso foco. A premissa de que a literatura é exclusividade do curso de Letras precisa ser reavaliada, pois sabemos que os pedagogos são os docentes que atuarão na educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental e primeira etapa da EJA, portanto, são os responsáveis pela iniciação às letras de todos os aprendizes. Os licenciados em Letras atuarão nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Não pretendemos com essa afirmação retirara literatura do curso de Letras, mas é preciso legitimar sua presença no curso de Pedagogia para atender às necessidades específicas dessa licenciatura que prepara professores de crianças, jovens e adultos em seus primeiros anos de escolarização. Como sabemos, o curso de Letras não se ocupa desse público. A partir dos dados construídos, traçamos um primeiro mapeamento da oferta da disciplina Literatura dos cursos de Pedagogia nas universidades federais do país. Os dados indicam que a maioria das universidades não oferta a literatura nos cursos de Pedagogia em caráter obrigatório, e sim como componente optativo.Desse resultado, surgiram algumas especificidades quanto à oferta da disciplina como optativa, divergências de informações que nos chamaram a atenção. Propusemos a análise agrupando as IES por regiões, a fim de dar maior visibilidade às diferentes abordagens curriculares das instituições. A região Nordeste, que agrupa o maior número de universidades e de alunos, apresenta a disciplina como optativa em mais da metade das IES. Essa indicação 230 ganha maior proporção e notoriedade quando constatamos que algumas dessas instituições, que dispõem da disciplina em seu currículo como optativa, não a ofertam efetivamente para seus alunos. Existe uma inquietação e proposta para que esse componente integre os conhecimentos que deverão ser aprofundados pelo graduando de Pedagogia, no entanto não se verifica sua efetivação em sala de aula. Esse fato também ocorre em universidades de outras regiões. Observamos frequente divergência de informações com relação às disciplinas optativas, na maioria das vezes, não foi possível saber com que frequência são oferecidas. Conforme já mencionamos, as disciplinas optativas aparecem como conhecimentos de aprofundamento e sua oferta depende de uma série de fatores institucionais, perdendo-se de vista sua relevância formativa. Destacamos o estranhamento causado pelos dados das universidades da região Sudeste, onde se localizam as instituições universitárias de maior prestígio do país, com pesquisadores de produção longeva e regular na área. Todas as universidades dessa região apresentam a literatura como componente curricular optativo. Entretanto, nessa região estão sediados o maior evento de leitura do Brasil, o Congresso de Leitura do Brasil (COLE) e a Associação de Leitura do Brasil (ALB), que reúnem pesquisadores e professores de todo o país com discussões acerca da leitura. Nessa região também se localiza o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), que apresenta uma ampla discussão e produção na área de leitura, alfabetização, literatura infantil e juvenil, letramento e escrita. Ressaltamos que a universidade onde se localiza o CEALE, a Universidade Federal de Minas Gerais, compõe o corpus deste estudo e que a professora, colaboradora da pesquisa, enfatizou o esforço do curso de Pedagogia em ofertar a disciplina relacionada ao ensino de literatura, como optativa, semestralmente, em dois turnos, atendendo à demanda da instituição (ainda que não como obrigatória) e dos discentes. As análises e as reflexões desenvolvidas no desenrolar de nosso percurso, tomando por referência essa cartografia inicial, indicam que a literatura está presente nos cursos de Pedagogia das universidades pesquisadas por meio de vários caminhos e atalhos: 1) proposta como disciplina obrigatória (41%); 2) proposta como disciplina optativa (52%); 3) inserida, mesmo que de forma acanhada, nas disciplinas relativas a Língua Portuguesa, Alfabetização e Letramento, Educação Infantil, Linguagem, Leitura e Produção de textos. Na 231 ausência da disciplina no currículo, a literatura encontra atalhos para se fazer presente por meio de centros de estudos e programas de extensão. Em consonância com essa sistematização, os enunciados dos colaboradores da pesquisa acrescentam alguns pontos convergentes: 1) a literatura é vista como saber necessário ao curso de Pedagogia porque aparece nos documentos norteadores do curso; 2) existe demanda pela disciplina por parte dos discentes; 3) alguns docentes insistem em ministrar a disciplina, semestralmente, mesmo que em caráter optativo, por considerarem a literatura indispensável ao currículo de Pedagogia e para atender a demanda dos alunos; 4) a lacuna deixada na formação dos graduandos, pela ausência da literatura, é minimizada por programas e projetos que discutem e trabalham a literatura fora do currículo do curso. Em síntese, os dados apontam que algumas universidades compartilham da mesma ideia de que a literatura é necessária na formação do pedagogo, mas, por causa do rigor curricular que deve ser seguido, não inserem a disciplina como componente obrigatório do currículo, ignorando uma reivindicação dos discentes, que são os maiores interessados. Essa constatação comprova a afirmativa de que o conhecimento universitário é homogêneo e hierárquico, atende a interesses de um grupo que determina quais conhecimentos devem ser ensinados, quais são mais importantes e devem integrar o currículo, prevalecendo a visão institucional, independentemente dos interesses dos discentes. Retornando à epígrafe desta conclusão, estamos convictos de que aprendemos, descobrimos e construímos muitos conhecimentos. Em faceda abrangência e da complexidade da investigação, tivemos um percurso de percalços e contradições que se constituiu em experiência ímpar, de inúmeras aprendizagens, de resiliência, tolerância à mudança e ao novo; uma trajetória de grande enriquecimento pessoal e profissional. Compartilhamos essas descobertas, ao mesmo tempo que reconhecemos a necessidade de mudança, de correr riscos, de legitimar um saber – a literatura –, que estápresente sob várias formas, caminhos e atalhos possíveis no curso de Pedagogia. A certeza que temos é de que os resultados desta pesquisa não são definitivos, mas passíveis de outras reflexões, análises e revisão. Nesse momento, constatamos que existem mais perguntas do que respostas. O percurso que fizemos não dá conta de responder às intenções, aos anseios e aos vazios nos currículos, 232 nas grades curriculares, nos Projetos Pedagógicos dos Cursos, nas ementas e planos de ensino das disciplinas, nos discursos e no fazer de nossos colaboradores. Algumas perguntas surgiram do mapa que desenhamos: O que falta para a literatura ser legitimada na formação inicial formal do pedagogo? Por que é que centros de pesquisa consolidados não lograram efetivar a literatura no currículo de Pedagogia de suas instituições? O que significam as diferenças perceptíveis na distribuição de carga horária para a disciplina? Todas as universidades que apresentam literatura como optativa ministram essa disciplina? Com que frequência? Como o fazem? As referências propostas nos planos de ensino sugerem trabalhar a literatura em sua completude, com suas qualidades estéticas, formativas? A realização desta tese trouxe igualmente algumas contribuições, aqui retomaremos algumas, o que nos propiciou reafirmar a relevância da literatura para a formação humana porque possibilita ao leitor a humanização, a liberdade, o desenvolvimento crítico e a transformação como sujeito social, histórico e imaginativo. Evidenciamos que a literatura começa a estar presente nos cursos de licenciatura em Pedagogia das universidades pesquisadas e que existe um clamor acadêmico para a inserção desse saber, contudo sua presença institucional ainda é incipiente, vulnerável. Constatamos que a ausência da literatura na formação inicial formal do pedagogo deixa uma lacuna que precisa ser preenchida. Compreendemos que toda mudança proposta, nesse caso ao curso de licenciatura em Pedagogia, não implica somente modificações nos projetos pedagógicos e em suas estruturas curriculares, mas também mudanças de valores, rupturacom paradigmas preestabelecidos para dar lugar à chegada de novos axiomas. Essa ruptura não se dá de forma aleatória, nem desinteressada, pois enfrenta os enquadramentos do currículo como instância institucional, acadêmica de poder, nem sempre fundamentada em necessidades formativas. Fazer face a esses enquadramentos significa adentrar em um território de tensões, de constantes disputas, de poder, de interesses diversos. Nessa lógica, entendemos que essas mudanças se relacionam a um novo projeto de vida, de humanidade que desejamos para nós e para as novas gerações. 233 REFERÊNCIAS ALENCAR, José de. Iracema. 24. ed. São Paulo: Ática, 1991. (Bom Livro). ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, 2009. ALVES, José HélderPinheiro. Caminhos da abordagem do poema em sala da aula. Graphos, Revista de Pós-Graduação em Letras, João Pessoa, v. 10, n. 1, 2008. Disponível em: . Acesso em: 6 jul. 2017. AMARILHA, Marly (Org.). Educação e leitura.Natal: EDUFRN, 1999. AMARILHA, Marly (Org.). Educação e leitura:trajetórias de sentidos.João Pessoa: Editora da UFPB/Natal: PPGED/UFRN, 2003. AMARILHA, Marly (Org.). Repertório de leitura: autoridade para transgredir na formação do leitor. In: ______. Educação e leitura:redes de sentidos.Brasília: Liber Livro, 2010, p. 85-99. 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