Amélia de Farias Panet Barros
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS
NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL:
uma análise a partir da produção científica dos
Seminários UFRGS (1985) e Projetar (2003-2011)
Natal – RN
2013
Amélia de Farias Panet Barros
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS
NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL:
uma análise a partir da produção científica dos
Seminários UFRGS (1985) e Projetar (2003-2011)
Natal - RN
2013
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em
Arquitetura e Urbanismo. Área de
concentração: Projeto, Morfologia e
Conforto no Ambiente construído. Linha
de Pesquisa: Projeto de Arquitetura.
Orientadora: Profª. Drª. Maísa Veloso
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR
QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA,
DESDE QUE CITADA A FONTE.
FOTO DA CAPA: Cidade das Artes, 2008 – Rio de Janeiro.
PROJETO: Arquiteto Christian de Portzamparc e equipe.
FOTO: Amélia Panet (2012), intervenção na foto (PANET BARROS, 2013).
E-MAIL: map2001@terra.com.br
ameliapanetbarros@gmail.com
B277p Panet Barros, Amélia de Farias.
Permanências e perspectivas no ensino de projeto de
arquitetura no Brasil: uma análise a partir da produção
científica dos Seminários UFRGS (1985) e Projetar (2003-
2011) / Amélia de Farias Panet Barros.-- Natal, RN., 2013.
407f. : il.
Orientadora: Maísa Veloso
Tese (Doutorado) – UFRN/PPGAU
1. Arquitetura e urbanismo. 2. Projeto de arquitetura.
3. Projeto de arquitetura - ensino. 3. Projeto de arquitetura -
aprendizagem.
UFPB/BC CDU: 72+711(043)
À memória de Fernand Panet, meu amado pai, que me ensinou
a mais importante de todas as lições de vida: a ‘humildade’.
À minha amada mãe Carmen Panet, que me fez acreditar na ‘tolerância’
como um grande segredo para a convivência humana.
Aos ‘marcos’ da minha vida, Marco Antônio (pai) e Marco Antônio (filho)
e à minha linda-flor Camila, com todo o meu amor.
A G R A D E C I M E N T O S
À minha orientadora Maísa Veloso pela sua experiência e conhecimento no
tema do ensino de projeto, pela sua valiosa contribuição e disponibilidade ao
longo desta pesquisa, com a qual eu divido apenas as fortalezas.
À minha irmã Rose-France pelas sugestões tão preciosas, pela leitura amiga e
pelas conversas acolhedoras. À minha irmã Miriam pelas lições de vida.
À amiga Luciana Chianca pelas reflexões sociológicas e o apoio carinhoso
durante as pedaladas revigorantes.
À amiga Patrícia Alonso pelas contribuições pertinentes e pela leitura amiga. À
arquiteta Marcela Dimenstein pela preciosa ajuda nos gráficos da análise
quantitativa. Ao querido Eduardo Pinto pelas sugestões diagramáticas e
pesquisa de imagens. Aos arquitetos Pascal Machado, Germana Rocha e à
Natália Nery pela ajuda nas traduções. À arquitetura Mércia Parente pela
leitura moderna. Ao professor Francisco de Assis Dantas pela preciosa
contribuição na revisão ortográfica e, à querida professora Francisca Arruda
Ramalho pela revisão bibliográfica.
Aos arquitetos Carlos Eduardo Comas, Edson da Cunha Mahfuz, Rogério de
Castro Oliveira e Abílio Guerra pelas consultas solicitadas e contribuições
prestativas. Ao arquiteto Hugo Segawa pelas reflexões iniciais. Ao professor
Elvan Silva, tão generoso, que contribuiu com esse tema desde o nosso
primeiro encontro em 2000 na UFRGS, saudades.
Aos arquitetos, professores e doutores integrantes da banca examinadora do
Exame de Qualificação e da Defesa Final deste trabalho, Gleice Elali, Natália
Vieira, Paulo Afonso Rheingantz, Fernando Lara e Marcelo Tinoco, pelas
importantes contribuições.
Aos professores, colegas e funcionários do PPGAU/UFRN.
Aos alunos, professores, colegas e funcionários do Curso de Arquitetura e
Urbanismo da UFPB.
Aos professores e pesquisadores integrantes dos Anais do Seminário Projetar
pelos seus trabalhos preciosos, fonte seminal desta pesquisa. Por meio das
suas experiências e reflexões este trabalho se tornou possível.
A Marco Antônio Barros, meu companheiro de todas as horas, meu porto
seguro, meu ombro amigo, meu ouvidor permanente, meu grande amor.
Obrigada a todos.
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Fe
rr
ei
ra
G
u
lla
r
R E S U M O
O objeto de estudo desta tese é o ensino de projeto de arquitetura no contexto acadêmico
brasileiro. O trabalho procura analisar esse objeto nos aspectos relativos ao ‘ensinar a fazer’ e
ao ‘aprender a fazer’, por meio de uma perspectiva epistemológica e cognitiva, a partir da
produção científica dos Seminários UFRGS (1985) e Projetar (2003-2011) sob o olhar de três
estados constitutivos: conservação, permanência e transformação. A metodologia de
investigação é qualitativa e seus pressupostos são investigados por meio do método
hipotético-dedutivo em busca de um conhecimento aproximativo. Dentro do universo
pesquisado, as hipóteses conduzem: primeiro, à investigação e caracterização de estruturas
que se conservam; segundo, à investigação e levantamento de valores e conceitos que
permanecem adequados por sua capacidade de adaptação às mudanças e paradigmas; e,
terceiro, por procurarem destacar práticas pedagógicas que indicam novos caminhos na
maneira de agir e de se pensar o ensino de projeto de arquitetura. A pesquisa demonstrou
que, embora em menores proporções, ainda se conservam ações e posturas pedagógicas que:
valorizam os ideais funcionalistas e racionalistas da arquitetura; adotam posturas
deterministas, caminhos prescritivos ou intuitivos no ensino da concepção arquitetural; não
apresentam clareza metodológica na abordagem da problemática arquitetônica; os contextos
urbanos são pouco explorados na experimentação; utilizam um sistema de concepção baseado
em princípios estéticos canônicos e universais, sem problematizar as causas da transformação
da arquitetura contemporânea e qual o seu papel numa sociedade complexa e diversificada.
Com relação às novas perspectivas encontradas, a análise da produção científica demonstrou
que a prática pedagógica do ensino de projeto de arquitetura no Brasil passa por
transformações críticas valiosas. Essa constatação foi percebida, por meio, também, de
reflexões e de práticas pedagógicas que valorizam a integração de conteúdos; que possuem
um discurso crítico e conciliador com relação à necessidade de renovação de práticas,
paradigmas, meios e conteúdos; que estão abertas às posturas cooperativas e às estratégias
para a constituição de um corpo teórico-prático para o ensino do projeto que não se limite ao
campo da arquitetura; que reconhecem a importância das novas tecnologias computacionais
na concepção projetual e no ensino do projeto, assim como, as tecnologias e estratégias que
atualizam as soluções projetuais no uso adequado dos recursos ambientais; que consideram o
espaço acadêmico como um lugar propício para as experiências projetuais e pedagógicas; que
manifestam um esforço em considerar a participação do usuário, assim como em realizar um
processo de apreensão de contextos complexos como objeto de estudo, adotando uma
postura de valorização do processo projetual. O trabalho conclui que a educação do arquiteto
deve estar atenta aos aspectos relativos à inclusão da realidade sociocultural e ambiental
como referência para o ‘fazer arquitetural’ em detrimento da primazia dada à racionalidade
técnica, uma vez que essa realidade permite a mediação, entre ‘o ser e o mundo’, como uma
estratégia que supera qualquer antecipação programática e viabiliza a transformação e a
construção do próprio ‘ser’ e do ‘mundo’. Assim, se o ‘aprender fazendo’ é necessário para a
formação do arquiteto, que esse fazer seja refletido e retroalimente a prática.
Palavras-chave: Ensino de Projeto de Arquitetura; Aprendizagem de Projeto de Arquitetura;
Projeto de Arquitetura.
A B S T R A C T
The object of this thesis is to study the teaching of architectural design project in the Brazilian
academic context. This paper seeks to analyze this object in the aspects relating to 'teaching
how to do' and 'learning how to do', through an epistemological and cognitive perspective, as
from the scientific production of “Seminários UFRGS” (1985) and “Projetar” (2003-2011) under
the gaze of three constitutive states: conservation, permanence and transformation. The
research methodology is qualitative and their premises are investigated through the
hypothetic-deductive method in search of an approximate knowledge. Within the universe
investigated, chances lead: first, to the investigation and characterization of structures that are
preserved; secondly, to the research and survey of values and concepts that remain
appropriate due to their capability to adapt to changes and paradigms and; thirdly, seek to
highlight pedagogical practices that indicate new means in the way of acting and thinking on
the teaching of the architecture design project. The investigation demonstrated among other
things, although in smaller proportions, the permanence of some pedagogical postures and
actions that: value the functionalist and rationalist ideals in architecture; adopt determinist
postures, prescriptive or intuitive paths in the teaching of the architectural design project; they
do not present methodological transparency in approaching the architectural issues; the urban
contexts are underexploited in experimentation; they use a conception system based on
canonical and universal aesthetic principles, without discussing the causes for transformation
of contemporary architecture and its role in a complex and diverse society. With regard to the
new perspectives found, the examination of scientific literature showed that the pedagogical
practice of architectural design project teaching in Brazil goes through critical and valuable
transformations. This conclusion was perceived, among other facts, through reflections and
pedagogical practices which improve the integration of content; possess a critical and
conciliator discourse regarding the need for renewal of practices, paradigms, means and
contents; and are open to cooperative attitudes and to strategies for the establishment of a
theoretical-practical frame to design project teaching that is not limited to the field of
architecture; recognize the importance of new computational technologies at the design
project conception and in design project teaching, as well as the technologies and strategies
that update the design project solutions in the appropriate use of environmental resources;
they consider the academic space a suitable place for projectual and pedagogical experiences;
they demonstrate an effort to consider the participation of the user, as well as in performing a
process of seizure of complex contexts as study object, adopting a posture of valorization of
the design project process. The paper concludes that the education of the architect should be
attentive to the aspects related to the inclusion of cultural and social reality as a reference to
the architectural ‘doing’ to the detriment of the preeminence given to technical rationality,
since this reality allows the mediation between ‘the being and the world’, as a strategy that
overcomes any programmatic anticipation and enables the transformation and the
construction of the own ‘being’ and the ‘world’. Thus, if the ‘learning by doing’ is necessary for
the formation of the architect, that it may use reflection and provision of feedback into the
practice.
Keywords: Teaching in Architecture Design Project; Learning in Architectural Design Project;
Design Project.
S U M Á R I O
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Premissas e Construção da Problemática da Pesquisa 21
1.0 ABORDAGEM METODOLÓGICA 53
1.1 HIPÓTESES e OBJETIVOS 55
1.1.1 Natureza do Objeto de Estudo 55
1.1.2 Hipóteses 56
1.1.3 Objetivo geral 56
1.1.4 Objetivos Específicos 57
1.1.5 Estrutura da Pesquisa 58
1.2 RESULTADO DA ANÁLISE QUANTITATIVA DA AMOSTRA DOS ANAIS PROJETAR 59
1.3 ABORDAGEM QUALITATIVA DOS ARTIGOS – Sistematização das Informações 72
2.0 CONSERVAÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO ENSINO DE PROJETO
DE ARQUITETURA
Campo da arquitetura, habitus e capitais valiosos 75
2.1 CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA ARQUITETURA E CAPITAIS VALIOSOS 82
2.2 PRÁTICAS E PARADIGMAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA
De que maneira eles se reproduzem e podem se transformer 100
2.2.1 O conceito de habitus, sua relação com a arquitetura e
sua pertinência para avaliar a conservação de práticas pedagógica 102
2.2.2 A capacidade de transformação do habitus 113
2.2.3 A gênese do habitus moderno de base racionalista e suas
principais características 122
3.0 ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL 143
3.1 ENCONTRO SOBRE O ENSINO DE PROJETO ARQUITETÔNICO – UFRGS 156
3.1.1 Projeto Arquitetônico: disciplina em crise, disciplina em renovação 162
3.2 O ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA A PARTIR DA PERSPECTIVA DOS
AUTORES DOS SEMINÁRIOS PROJETAR 181
3.2.1 A ensinabilidade do projeto 183
3.2.2 Natureza da disciplina de projeto de arquitetura 197
4.0 SOBRE O ENSINO DA CONCEPÇÃO PROJETUAL
Conceitos que permanecem valiosos 203
4.1 IDEIA 207
4.1.1 O surgimento da IDEIA no processo projetual 216
4.1.2 - IDEIA e conceito 218
4.2 PERCEPÇÃO 240
4.2.1 - A analogia como auxílio à aprendizagem da PERCEPÇÃO 244
4.3 OS APORTES DO USO 260
4.3.1 O DIAGRAMA como procedimento de exploração dos USOS
e suas aplicações no contexto acadêmico 270
4.4 SISTEMA 276
4.5 DISCURSO 280
5.0 SOBRE O SABER APRENDER A PROJETAR
A perspectiva do aprender a projetar 289
5.1 A ÁRVORE DO SABER APRENDER 295
5.2 O PENSAMENTO COMPLEXO na abordagem da problemática projetual 312
CONSIDERAÇÕES FINAIS 325
REFERÊNCIAS 349
APÊNDICE A - ANÁLISE QUANTITATIVA DA AMOSTRA TRABALHADA 369
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 21
c o n s i d e r a ç õ e s p r e l i m i n a r e s
O objeto de estudo desta tese é o ensino de projeto de arquitetura no contexto
acadêmico brasileiro1. Seu ensino sempre foi fruto de grandes preocupações na
formação do arquiteto, principalmente, por se atribuir à competência do ‘fazer
projeto’ uma importância alinhada com a própria essência da profissão, tornando-se,
portanto, um capital2 valioso junto ao campo3 da arquitetura. ‘Fazer projetos’
representa, no universo da arquitetura, a garantia de continuidade do próprio objeto
de referência da profissão: a arquitetura.
Dessa maneira, ‘aprender a projetar’ e ‘saber projetar’ acabam por incorporar uma
dimensão responsável e equivalente à própria finalidade da formação do arquiteto.
No Brasil, o ensino de projeto praticamente se confunde com o ensino de arquitetura,
incorporando, assim, os benefícios e malefícios desse equívoco existencial.
1 Mais adiante detalharemos suas especificidades.
2 Capital na acepção da teoria bourdieusiana é uma forma de poder simbólico instituído pelos agentes do
campo para legitimar valores considerados importantes para o campo. A educação é um capital cultural
valioso, por exemplo. O capital cultural, de acordo com a classificação de Stevens (2003, p.76-77), pode
apresentar quatro formas básicas: institucionalizada, objetivada, social e corporificada. Veremos com
detalhes no Capítulo 2.
3 Tomamos aqui a palavra ‘campo’ relacionada ao conceito definido por Bourdieu, uma construção
intelectual que designa um espaço social relativamente autônomo, definido e regido por regras próprias,
com definições de valores e créditos partilhados pelos agentes envolvidos e construtores desse campo.
“Um campo é constituído por estruturas próprias desse campo que vivem num estado de relações de
forças entre os agentes ou instituições envolvidas e partes constituintes desse próprio campo. São lutas
pelo poder, pela distribuição de capitais específicos, que, acumulados no decorrer de lutas anteriores,
orientam as estratégias posteriores. Essa estrutura de forças faz parte dos princípios da transformação,
inerente ao devir de cada campo. São essas lutas de valores, ou as trocas simbólicas que promovem a
conservação ou transformação dos capitais valorosos para o campo.” (BOURDIEU, 1984, p.119)
Premissas e Construção da Problemática da Pesquisa
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 22
Do mesmo modo, o ‘ensinar a projetar’ ainda congrega uma série de equívocos. É
comum acreditar que um bom projetista será um bom professor de projeto. Embora
possua aspectos que se complementem, o ensino da arquitetura e, especificamente, o
ensino de projeto de arquitetura é um processo autônomo e distinto da prática
profissional. Fazer arquitetura, ou fazer projeto de arquitetura, não qualifica um
professor para o ensino dessa atividade. Apesar de o exercício profissional conferir-lhe
um grau de maturidade e conhecimento técnico, atributos necessários à sua
competência como docente de projeto, essa prática por si só, não é suficiente para o
desenvolvimento de habilidades próprias ao campo da educação relativas à
compreensão dos processos cognitivos, principalmente no que diz respeito à condução
desse processo que legitima a construção do conhecimento do aluno, em busca de sua
autonomia intelectual.
Para Corona Martínez (2000), o ensino de projeto precisa ser atualizado com
pertinências relativas ao contexto cultural e social do nosso tempo. “Estamos
atrasados porque nos falta incorporar ao ensino o que tentamos fazer na prática”.
CORONA MARTINEZ (2000, p.77)4.
Reforçando a necessidade de qualificação desse ensino, agora no âmbito da visão
desse processo como um ato criativo, ao final dos anos 90, Del Rio (1998)5 afirmava,
em seu artigo “Projeto de Arquitetura: entre criatividade e método”, que pouco se
havia avançado com relação à renovação dos procedimentos de ensino do projeto,
desde o encontro realizado na UFRGS em 1986. Deixou clara a sua posição com
relação à necessidade de atualização de procedimentos de ensino que pudessem
desenvolver o potencial criativo para a atividade projetual, pois, para o autor, ‘ser
criativo’ não significa ”reinventar a roda ou inspirar-se do vácuo, num momento em
que, depois de horas sem dormir, regado a muito cafezinho, baixa a inspiração para o
4 CORONA MARTÍNEZ, Alfonso. Ensaio sobre o projeto. Tradução de Ane Lise Spaltemberg; revisão
técnica de Silvia Fisher – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.
5 DEL RIO, Vicente. Projeto de Arquitetura: entre criatividade e método, in: RIO, Vicente Del, org.
Arquitetura: pesquisa & projeto. Prefácio: Liana de Ranieri da Silva Pereira – São Paulo: ProEditores; Rio
de Janeiro: FAU UFRJ, 1998.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 23
´partido` ou a ´solução`, como num passe de mágica[...]”. E completa afirmando que
essa prática é “um mito tolo que alguns colegas cismam em incentivar, escondidos
atrás da aura de suas genialidades criativas”. (DEL RIO, 1998, p. 206)
De fato, a aceitação dessa premissa na formação do arquiteto brasileiro estabeleceu,
durante várias décadas, uma situação de acomodação, por parte dos docentes, com
relação às investigações na área do ensino de projeto, principalmente com relação às
questões metodológicas. Reforçando esse pensamento, tem-se o fato notório de que a
arquitetura brasileira do século XX se destacou mundialmente, sobretudo, a partir da
obra de seu representante máximo, Oscar Niemeyer, considerado a incorporação
desse modelo de arquiteto como um “gênio criador”.
Para Arantes (2010)6, Niemeyer é uma figura paradoxal ao extremo. Por um lado, “um
defensor da causa socialista” e, por outro, ”autor de obras que representam o poder
estabelecido”. Para o autor, as curvas poéticas de Niemeyer possuem consequências
diversas que vão além da sua própria obra, pois impõem um sistema construtivo de
difícil execução e fora da realidade brasileira quanto aos seus custos exorbitantes.
No entanto, foi a imagem de um arquiteto genial como Niemeyer que o ensino de
arquitetura brasileiro adotou como perfil profissional. Um modelo de arquiteto artista,
paradoxal, autodidata, com discurso socialista, mas ansioso pelo sucesso profissional
baseado em formas inovadoras e em projetos faraônicos, onde, “de um gesto, nasce a
arquitetura”.
Assim, a ideia generalizada da genialidade, expressa em frases como a de que “a
arquitetura não pode ser ensinada realmente (é por isso que não há boas escolas de
arquitetura), mas a arquitetura pode ser aprendida (é por isso que existem bons
arquitetos)”7, criou, durante algum tempo, uma condição de desestímulo às novas
experiências metodológicas.
6 ARANTES, Pedro. Arquitetura contemporânea: entre favelas e modernismos. Entrevista com Pedro
Arantes (ADITAL) Agência de Informação Frei Tito para a América Latina www.adital.com.br, Brasil,
2010.n.p.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 24
Em 2003, por ocasião do primeiro Seminário Projetar, Celani (2003)8 escreveu em seu
artigo que ainda se percebe uma resistência vinda por meio de alguns membros da
academia, com relação a métodos de projeto ou de ensino de projeto. No Brasil,
segundo a autora, os arquitetos brasileiros veem os métodos de projeto com
ceticismo, julgando-os incompatíveis com a atividade criativa. E aponta três causas
possíveis para essa atitude “anti-método”: a primeira teria suas origens no próprio
ensino da arquitetura, baseado principalmente na vertente artística originária da École
des Beaux Arts; a segunda possui relação com o sistema de trabalho dos arquitetos
brasileiros, que se baseia, sobretudo, em pequenos escritórios e em talentos
individuais; e a terceira causa apontada pela autora diz respeito à ausência, no Brasil,
de uma discussão sobre sistemas de projeto auxiliados por computador para colaborar
com o exercício projetual e, consequentemente, com o seu ensino. Para Celani (2003,
p.5), no que se refere ao ensino de projeto no Brasil, tem-se observado nas últimas
décadas uma “certa falta de estruturação do processo projetivo, enquanto os modelos
indutivo e empiricista da tentativa-e-erro são incentivados”. Além da ausência de
métodos no ensino de projeto, inúmeros problemas foram relatados pelos autores
pesquisados.
Leite (2011) alerta para a massificação das escolas com mediocrização na educação
superior do país. Atualmente, são 293 cursos em 27 unidades da federação e em 147
cidades, de acordo com os dados da ABEA9 (agosto, 2013) cuja qualidade média é
baixa, na opinião do autor. Ainda aponta o excesso de burocratização dispersiva do
ensino de arquitetura que leva perigosamente à ignorância. Para Leite (2011), existe
um excesso de normas e regras que acarretam um número excessivo de disciplinas e
atividades, sem integração de conteúdos, prejudicando o aprendizado e a aplicação
7 Frase citada por Silva (1986), mas por ele atribuída à Mário Salvatori para a reforçar a tese vigente da
não “ensinabilidade” da arquitetura.
8 CELANI, Maria Gabriela C. Recuperando o tempo perdido: por que recusamos o método e como ele
ainda poderia nos ajudar. In: PROJETAR 2003 - I Seminário Nacional sobre Ensino e Pesquisa em Projeto
de Arquitetura, 2003, Natal. Projetar 2003 Projeto de Arquitetura. Os desafios do ensino e da pesquisa
para o novo século. Natal RN: PPGAU UFRN, 2003.
9 Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Disponível em: http://www.abea-
arq.org.br/
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 25
adequada dos conhecimentos. Teixeira (2011), em estudo sobre a integração de
conteúdos curriculares nas atividades discentes, também argumenta que uma das
características atuais do ensino de projeto de arquitetura é a insuficiente organização
pedagógica para a integração de conhecimentos teóricos e técnicos, deixando a cargo
dos alunos a tarefa da tão almejada síntese. Para Ruth Verde Zein (2003):
A causa principal dessa situação absurda segue sendo a contradição – já
apontada e debatida, desde há duas décadas – entre ideologia de projeto,
didática e ensino de arquitetura. Que nem por ser assunto já sabido, é de fato
suficientemente bem conhecido, a não ser aparentemente por poucos, sendo
plenamente ignorado por muitos. Ademais, nem por que algum problema já
foi alguma vez nomeado, pode-se afirmar que foi por isso superado. (ZEIN,
2003, p.81)
A homogeinização dos cursos também foi apontada por Leite (2011) como um grave
problema, pois, em se tratando de um país de dimensões continentais e rico em
diversidade, estaríamos na contramão da valorização das riquezas culturais como
matéria para o ensino e a própria concepção projetual. Leite (2011) ainda acredita que
precisamos experimentar mais nos nossos cursos. A investigação deve ser um caminho
estimulado como busca do conhecimento. Pisani et al. (2009) também concordam com
a necessidade de uma prática adequada e coletiva, que possa ser feita de acordo com
as características locais, regionais, históricas e, principalmente, alimentada pela
criatividade do corpo docente e discente de cada instituição. Ao mesmo tempo,
carecemos de postura ética pautada pelo rigor e seriedade no ensino, entre todos os
agentes envolvidos, gestores, professores e alunos. Leite (2011) argumenta que, no
Brasil, acontece o ‘preconceito às avessas’, pois não se valoriza o professor sério,
estudioso e dedicado. Com isso, o nível de inovação e atualização com relação aos
temas mais preementes da sociedade acaba por ficar de fora da formação do
arquiteto.
Os temas propostos para os exercícios projetuais também foram pontos bastante
questionados. Ribeiro (2011), após pesquisa com alguns cursos de arquitetura e
urbanismo, realça a relação anacrônica existente entre os temas propostos nas escolas
e sua relação com os problemas urbanos mais urgentes. O anacronismo no ensino
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 26
também está relacionado aos procedimentos que orientam o ensino de projeto ainda
vinculados aos princípios “funcionalistas e criacionistas” herdados das práticas
modernistas relacionadas às teses racionalistas. Veremos isso com profundidade ao
longo do trabalho por meio da literatura10 adotada, a exemplo de Arcipreste (2011).11
Em pesquisa de observação e entrevistas com professores e alunos, Isoldi e Cunha
(2005)12 enumeram os principais problemas percebidos pelos alunos com relação às
práticas pedagógicas de seus professores de projeto. Para os alunos, existe pouca
sistematização e preparação dos conteúdos e das atividades a serem desenvolvidas na
disciplina; as orientações ainda são, em sua maioria, individualizadas, dependentes
apenas do trabalho do aluno, e com uma visão muito negativa e pouco construtiva por
parte dos professores; ainda sobre as orientações, alguns alunos comentaram que a
maneira de orientação dos professores reflete a sua prática projetual, ou é herdeira da
sua formação, encontrando dificuldades em aproveitar o caminho adotado pelo aluno,
para a sua decisão projetual; os alunos ainda alegaram que existe pouca integração de
trabalhos (projetos) de urbano e arquitetônico; quanto às avaliações, eles lamentam
haver um excessivo destaque, aos aspectos negativos do trabalho, em relação às
qualidades.
Assim, apesar da perenidade de alguns problemas relacionados ao ensino de projeto, e
o surgimento de outros decorrentes da proliferação de cursos de arquitetura e
urbanismo a partir da década de 90, vários avanços foram registrados no decorrer
desta pesquisa. Acreditamos que o aumento crescente do número de congressos,
seminários, pós-graduações e pesquisas acadêmicas vem contribuindo para a
10 Citam-se, entre outros, Durand (1972); Caldana (2005); Lara (2003); Reinghantz (2003); Arcipreste
(2002), Mahfuz (1995); Oliveira (1992); Teixeira (2011); Miranda (2011).
11 A autora, em sua tese de doutorado (ARCIPRESTE, 2010), abordou o ensino a partir de estudo do
Trabalho Final de Graduação (TFG) desenvolvido em seis cursos de arquitetura e urbanismo das
cidades de São Paulo e Belo Horizonte. Embasou sua análise em “trinta e nove trabalhos finais de
graduação escolhidos entre aqueles que obtiveram os melhores resultados em seus cursos, mensurados
em notas ou de acordo com indicações feitas por professores e coordenadores dos processos nas
instituições”. (ARCIPRESTE, 2011)
12 Pesquisa realizada com professores e alunos do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade
Federal de Pelotas (UFPEL). (ISOLDI;CUNHA, 2005)
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 27
qualidade do ensino de arquitetura e, notadamente, do ensino de projeto de
arquitetura.
Esses eventos, pode-se dizer, são decorrentes da nova postura que coloca o projeto de
arquitetura como campo de investigação. Este trabalho faz um especial destaque aos
seminários “Projetar” que tiveram sua primeira versão ocorrida em 2003 na UFRN, em
Natal, seguida, dois anos mais tarde, da sua segunda versão, ocorrida na UFRJ em
2005, da terceira versão, em 2007, ocorrida na UFRGS em Porto Alegre, da sua quarta
versão, em outubro de 2009 no Mackenzie, em São Paulo, a quinta em 2011, Belo
Horizontes. E teve a sua sexta versão, este ano, em Salvador, no mês de novembro.
Este trabalho adota a produção dos anais desses seminários como fonte seminal de
pesquisa para analisar o ensino de projeto de arquitetura quanto a questões
relacionadas ao ‘ensinar a fazer’ e ao ‘aprender a fazer’ o projeto de arquitetura.
Tais seminários surgiram com o objetivo de melhor definir a teoria do projeto e se
propuseram a tornar-se um fórum regular de debates, intercâmbio e sistematização de
conhecimentos acerca do ensino e da investigação científica na área de projeto de
arquitetura. (LARA; MARQUES, 2003)13 .
Além do PROJETAR, outros eventos nacionais tratam do projeto em diversas
abordagens ou em associação com outros campos de conhecimento como: o
Seminário Internacional sobre o Ensino do Projeto ocorridos em 2001 e 2004, ambos
na FAUUSP, o Seminário Arquitetura e Conceito ocorridos em 2003 e 2005 na UFMG,
os seminários sobre qualidade, gestão e avaliação de projetos ocorridos na USP em
2005 e, entre outros, o SBQP - Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no
Ambiente Construído ocorrido na USP/São Carlos em 2009, na FAU/USP de São Paulo
em 2011 e, na UNICAMP em 2013, quando discutiu a qualidade do projeto na era
digital integrada.
13 MARQUES, S.; LARA, F. (Org.). Projetar: Desafios e Conquistas da Pesquisa e do Ensino. Rio de
Janeiro: EVC, 2003.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 28
Em paralelo aos eventos citados e ao mesmo tempo estimulados por eles, pesquisas
surgiram nos laboratórios e programas de pós-graduação das universidades brasileiras,
na área da criação, concepção e ensino de projeto. Destacam-se as contribuições das
pesquisas da Faculdade de Arquitetura da UFRGS com os estudos de Elvan Silva14,
Carlos Comas e Edson Mahfuz com variadas abordagens, além das pesquisas do
professor Rogério de Castro Oliveira que realiza investigações do projeto no âmbito
epistemológico; na UFRJ, os estudos do Grupo de Pesquisa Qualidade do Lugar e da
Paisagem da UFRJ, coordenado pelo professor Paulo Afonso Rheingantz, que procura
uma interface com o campo da educação, e no Departamento de Análise e
Representação da Forma através do arquiteto José Barki e equipe, que possuem
preocupações metodológicas; na USP, no NUTAU, NAPPLAC e nas iniciativas anteriores
de professores como Joaquim Guedes15; no Mackenzie, no laboratório de Arquitetura,
Projeto e Crítica e no grupo de Sintaxe Espacial; na UNICAMP, as pesquisa em
arquitetura e construção vinculadas ao Departamento de Arquitetura e Construção da
Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo que, entre outros
pesquisadores, contam com os professores Leandro Medrano e Gabriela Celani; e, em
Natal, no Laboratório de Projetos LAPIs, no qual também ocorrem as atividades do
Grupo Projetar de Pesquisa da UFRN, coordenadas por Maísa Veloso, ao qual esta
pesquisa está vinculada.
Ainda destacamos alguns trabalhos relacionados à hermenêutica da criação e da
concepção encontrados na UFMG, frutos da pesquisa “Hermenêutica e Arquitetura”
coordenada por Carlos Antônio Leite Brandão, além de outras tantas contribuições em
teses e dissertações que, atualmente, recebem espaço para divulgação nos seminários
que abordam o tema do projeto de arquitetura, em revistas e informativos eletrônicos,
em sites, blogs e em diversos meios de comunicação possibilitados pelas novas
tecnologias.
14 In memoriam
15 In memoriam
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 29
No plano internacional, recentes encontros reforçam o crescimento pelo interesse da
pesquisa em arquitetura com eixos de pesquisa em projeto. Destacamos o “Building
the Architecture: A short History of the PHD in Architecture” ocorrido em
Princeton/EUA(2004), o colóquio “European Symposium on Research in Architecture
and Urban Design - EURAU” também em 2004, em Marselha/França, com o tema “ La
question Doctorale – Considering the implementation of doctorat studies in
architecture”, reunindo pesquisadores e professores representantes de 29 países
europeus e tendo continuidade em Lille/2005, em Brussels-Liège-Mons/2006, em
Madrid/2008, em Nápoles, em junho de 2010 e na cidade do Porto, em 2012. Em
Dublin, destacamos a “Architectural Technology Educators' Conference, em 2004 e, em
2006, o “Irish Architectural Technology Educators' Forum” também no Dublin Institute
of Technology.
Ainda no plano internacional, destacamos algumas pesquisas dos laboratórios que
investigam o projeto em vários âmbitos, como o Laboratório MAP-MAACC16 que tem
suas origens vinculadas ao laboratório ARIAM-LAREA, criado em 2005. O ARIAM-LAREA
foi uma fusão do Laboratoire d’Architecturologie et de Recherches Epistémologiques
sur l’Architecture (LAREA), criado em 1975 por Philippe Boudon com propósitos
relacionados à sistematização de operações da concepção arquitetural numa
abordagem cognitiva; e do Atelier de Recherche en Informatique Architecture et
Modélisation (ARIAM), criado em 1998 por F. Guéna e L. P., para desenvolver novas
ferramentas de modelagem da arquitetura. O ARIAM tinha como objetivo identificar as
operações de interpretação gráfica do desenho à mão livre para conceber interfaces
digitais adaptados aos hábitos de trabalho dos arquitetos. Com o agrupamento dos
dois laboratórios, surgiu o MAP-MAACC cujo interesse é dar assistência informatizada
à concepção arquitetural.
Numa abordagem relacionada ao pensamento analógico, temos o L.E.A.P. Laboratoire
d'étude de l'architecture potentielle17, localizado na Universidade de Montreal no
16 Informações no site: http://www.maacc.archi.fr/-Edito-
17 Informações no site: http://www.leap.umontreal.ca/index.php?id=1&lang=fr
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 30
Canadá, fundado em 2001, com o objetivo de trabalhar as relações entre teorias e
práticas da arquitetura contemporânea. O L.E.A.P. considera a arquitetura pelo ponto
de vista do projeto, dos processos de concepção e das mediações culturais. O LEAP é
hoje dirigido por Georges Adamczyk e Jean-Pierre Chupin. Nesse laboratório,
destacamos o Ouvroir de Projets Potentiels - OUPROPO18, um atelier de projetos
potenciais coordenado por Jean-Pierre Chupin que procura, por meio de metodologia
própria, desenvolver a imaginação arquitetônica de alunos matriculados no mestrado
de arquitetura, explorando a concepção arquitetural por meio da Patafísica, a ciência
das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções.
Para Veloso e Marques (2007), esses eventos acompanham essa nova postura
profissional, que atribui ao projeto, até mais que à obra acabada, um novo valor como
expressão de satisfação do fazer profissional. Diante da voracidade do mercado
imobiliário, o projeto em “papel” (ou devidamente armazenado em meios digitais)
parece ser mais durável que o próprio ambiente construído. As concepções
preconizadas sobre o que é arquitetura, relacionando-a ao espaço construído, como
aquelas defendidas por Lúcio Costa, Bruno Zevi, Carlos Lemos e Evaldo Coutinho,
difundiram em toda uma geração de arquitetos o papel do projeto, apenas como
testemunho, como um registro da obra construída. Atualmente, devido às crescentes
demolições de edificações recentes, a importância do projeto como documento vem
aumentando. Essa mesma historiografia definiu a arquitetura como uma experiência
espacial, vivenciada, não demorando em perceber a importância do projeto como
materialização da ideia arquitetural, muitas vezes mais significativa que a própria obra
construída. (VELOSO; MARQUES, 2007)19
Essa nova atribuição dada ao projeto, como materialização da ideia arquitetural, faz
com que os seus registros gráficos finais e todos aqueles elaborados pelos mais
diversos meios de expressões artísticas que são realizados durante o processo
18 http://www.oupropo.umontreal.ca/
19 VELOSO, Maísa; MARQUES, Sônia. A pesquisa como elo entre prática e teoria do projeto: alguns
caminhos possíveis. Arquitextos Vitruvius 088. Texto Especial 438, setembro de 2007. Disponível em
www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp438.asp, acessado em 10/01/08.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 31
projetual, passem a ser objeto de estudo nas pesquisas relativas ao projeto. Os
registros gráficos, de toda a natureza, e o próprio discurso do arquiteto são hoje
considerados por vários estudiosos como peças fundamentais na compreensão do
espaço de concepção arquitetural, a exemplo das experiências das pesquisas iniciadas
por Philippe Boudon e Jean-Pierre Chupin. Essa postura procura destacar e valorizar a
dialética entre obra e processo que lhe deu origem e, para além da prática de projetar,
contribuir para o seu ensino, pois permite a transparência, mesmo que parcial, do
processo de concepção, tornando-se, assim, um instrumento didático.
Essa busca em desvendar a gênese da criação, as razões ou casualidades das escolhas,
por meio de elementos concretos como maquetes, registros gráficos e textuais, ou
pelo uso da intuição, por influência de uma teoria, método, ou por analogia com algum
elemento da natureza, nos revela o quanto são variáveis os caminhos da concepção20 e
o quanto podem ser criativos os métodos para o seu ensino.
Tanto quanto a prática da atividade de projetar, a atividade de ensinar a projetar é
permeada por múltiplas escolhas e relações e apresenta-se, igualmente, como fruto de
uma concepção, um plano de concepção do professor. Acreditamos que, uma
pedagogia que ofereça a possibilidade de realizar várias relações cognitivas21 durante o
processo de desenvolvimento de habilidades e conhecimentos, facilitará a
consolidação da aprendizagem.
As escolhas pedagógicas do professor implicam em seu domínio com relação às teorias
pedagógicas consensuadas entre seus pares. Que sejam coerentes com a didática –
seus métodos e técnicas, aplicados a partir de um planejamento. Para Gandin (2013, p.
20 Quando nos referimos ao ensino da concepção, estamos defendendo a posição que tomamos no item
“Natureza da disciplina de projeto de arquitetura” do Capítulo 03. Nesta tese, dividimos o ensino de
projeto de arquitetura em dois campos de investigação, o ensino-aprendizagem da concepção (nosso
campo de investigação) e o ensino-aprendizagem das linguagens de expressão e representação das
ideias. Assim, este trabalho direciona os seus esforços para questões relacionadas à etapa da concepção
projetual, para nós, a fase preliminar da projetação, aquela que inspira maiores desafios tanto para o
professor quanto para os alunos. Detalhamos mais adiante.
21 Nesse sentido, acreditamos que as atividades que trabalham diversas habilidades e conhecimentos
possuem a possibilidade de contribuírem, de maneira mais eficiente, com o processo de aprendizagem,
pois o envolvimento dos alunos e a mobilização necessária de suas capacidades facilitará o
desenvolvimento e consolidação de outras. Assim, atividades onde se trabalham com textos, imagens,
manufaturas, vivências, entre outras, colaboram de maneira mais eficaz para o processo de construção
do conhecimento, uma vez que, vários sentidos são mobilizados.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 32
21): “Modelos e metodologias dependem das concepções de homem e de sociedade
que tem cada grupo.” Para o autor, em todo planejamento devemos procurar
responder três perguntas básicas: “O que queremos alcançar? – A que distância
estamos daquilo que queremos alcançar? - O que faremos concretamente (num prazo
predeterminado) para diminuir essa distância?” (GANDIN, 2013, p. 21)
Para além das conhecidas vantagens de um planejamento, enquanto caminho que
possibilita a eficiência do trabalho, Gandin (2013) compreende o processo de
planejamento como um processo educativo em seus múltiplos aspectos, eficaz para
aquilo que precisa ser, quando o grupo possui clareza nos ideais desse planejamento.
Por isso, o autor defende a participação de todos os envolvidos no planejamento. Para
o autor, o conhecimento da finalidade desse planejamento (aonde queremos chegar)
deve ser partilhado entre alunos e professores. Da mesma forma, deve existir entre
todos, anuência quanto aos objetivos e quanto ao processo de avaliação, além da
coerência doutrinal entre as ações e a teoria educacional que se defende. “Planejar é
dar certeza e precisão à própria ação (de grupo, sobretudo)”. (GANDIN, 1999, p. 20)22
Portanto, mesmo que o docente defenda uma postura ativa e autônoma do aluno na
condução do seu trabalho, o planejamento deve ser um instrumento construindo
conjuntamente e deverá possibilitar a condução, por parte do docente, das
investigações que levarão ao aprendizado. O processo de construção do conhecimento
que defendemos pressupõe um ambiente democrático e colaborativo. O professor,
nesse caso, é visto como um provocador de desafios, capaz de estimular a investigação
e colaborar na construção do conhecimento rumo à autonomia do sujeito.
A própria elaboração da proposta projetual, tanto no âmbito acadêmico quanto no
profissional, instiga investigações e escolhas. O arranjo das variáveis inerentes à
atividade de projetar apresenta-se como um trabalho de natureza complexa que pode
gerar diversas soluções. Esse arranjo criativo e complexo do ato de projetar, assim
como da atividade de ensinar a projetar, tem sido uma das responsáveis pela escolha
22 Agradecemos ao professor Paulo Afonso Rheingantz a indicação dessa preciosa referência para o
planejamento do ensino.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 33
do projeto de arquitetura como objeto de estudo ou campo de investigação em várias
culturas, assim como no contexto brasileiro.
Esse grande interesse em transformar o projeto de arquitetura em objeto a ser
investigado, seja quanto à compreensão do seu processo de concepção, seja quanto
aos atributos pertinentes ao seu ensino, em todas as suas fases e âmbitos, cresceu
consideravelmente no Brasil, na última década. Nossa pesquisa constatou o esforço de
profissionais que, periodicamente, publicam suas reflexões e práticas em fóruns e
seminários nacionais e internacionais.
Essas contribuições brasileiras sobre o ensino de projeto são oriundas dos mais
variados recantos do Brasil, como poderão comprovar na análise quantitativa da
amostra de trabalhos selecionada para esta pesquisa, relativas aos Anais do Seminário
Projetar, cujo resultado se encontra no Apêndice A. Esses e outros trabalhos estão
relacionados a diversos temas. No entanto, por encontrarem-se dispersos entre os
programas de pós-graduação, ou espalhados em anais de eventos diversos, não
conseguem representar um quadro significativo da epistemologia do projeto, ou do
seu ensino. Oliveira (2009)23 defende a ideia de que a investigação epistemológica
constitui um campo emergente na Teoria do Projeto; todavia, as tentativas de
delimitação disciplinar, proposta para o caso da caracterização do projeto de
arquitetura como proposição, ocorrem isoladamente.
Essa foi a questão principal que nos motivou para a escolha das fontes seminais desta
pesquisa. Uma vez que desejávamos analisar a situação do ensino de projeto de
arquitetura no Brasil, deveríamos procurar esse estado junto à produção brasileira
para analisarmos os seus avanços e dificuldades. Dessa maneira, a produção publicada
pelos Anais dos Seminários Projetar somada ao livro organizado por Comas (1986), ao
livro organizado por Marques e Lara (2003b) e ao livro organizado por Cristiane Rose
Duarte, Paulo Afonso Rheingantz, Giselle Azevedo e Laís Bronstein, publicado em 2007
23 OLIVEIRA, Rogério de Castro. Construção, composição, proposição – o projeto como campo de
investigação epistemológica. IV PROJETAR 2009. Projeto como investigação: ensino, pesquisa e prática,
fau-upm, São Paulo , 2009.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 34
mas, fruto do projetar 200524, representam as fontes seminais desta pesquisa. Seus
respectivos autores possuem o papel de protagonistas neste trabalho.
Assim, partimos do pressuposto de que, atualmente, o ensino de projeto no contexto
brasileiro apresenta problemas de diversas naturezas, teórico-prática, quantitativa e
qualitativa, relacionados ao ‘feito’ - o projeto, e ao ‘fazer arquitetural’ - o seu processo
de concepção, estes considerados no contexto acadêmico e numa abordagem
cognitiva e epistemológica. Esse mesmo ensino também possui problemas
relacionados ao ‘ensinar a fazer’ e ao ‘aprender a fazer’ o projeto, quando percebemos
a ausência ou ineficiência de uma abordagem que deveria estar centrada numa
metodologia capaz de contribuir com os aspectos cognitivos do ato de conceber, e que
contribua com a tomada de consciência por parte do aluno, diante de todo o processo
de aprendizagem, para que este possa construir a sua autonomia projetual.
Acreditamos que o caminho para a construção dessa autonomia projetual está no
exercício permanente da práxis - na reflexão na ação, aplicada a dois campos do
aprendizado projetual, na concepção arquitetural e sua relação direta com a
arquitetura e nas suas formas de linguagem utilizadas para a investigação e a
expressão das ideias. Perscrutando esse caminho, este trabalho se concentra no
esforço por atender as relações que envolvem essa segunda abordagem relacionada
ao ‘ensinar a fazer’ e ao ‘aprender a fazer’ o projeto, e considera que esse aprender
projetual se divide no aprendizado da concepção e no aprendizado das linguagens de
expressão, o representacionismo propriamente dito. Esta tese se concentra, pois, na
investigação epistemológica do ensino e da aprendizagem desse primeiro aspecto, na
concepção projetual como um ato cognitivo que explora os processos de conhecer,
perceber, raciocinar, imaginar, sintetizar, investigar, sistematizar, expressar, julgar,
decidir, entre outros.
Para isso, reforçamos a nossa concordância em relação à ensinabilidade do projeto,
algo evidente, uma vez que o objeto de estudo deste trabalho é, justamente, o ensino
24 DUARTE, Cristiane Rose de Siqueira; RHEINGANTZ, Paulo Afonso; AZEVEDO, Giselle Arteiro Nielsen;
BRONSTEIN, Lais (Orgs.). O lugar do projeto . No ensino e na pesquisa em arquitetura e urbanismo. Rio
de Janeiro, Contra Capa, 2007.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 35
de projeto de arquitetura. Nesse sentido, a referência é Chupin (2003), quando afirma
que o conceito de ‘processo’ na concepção projetual faz do ‘projeto’ um instrumento
pedagógico, além de colaborar com a compreensão do seu ensino. A natureza dialética
e contínua desse processo é esclarecida, também, pelo autor quando coloca o
professor numa situação entre: “agir e não agir, entre a necessidade de construir
modelos para ensinar o que acreditamos compreender e a necessidade de desconfiar
dos modelos, para continuar a compreender que podemos não compreender.”
(CHUPIN, 2003, p.21)
Atualmente, as abordagens dos processos ensino-aprendizagem partem da visão
sistêmica tanto da educação quanto dos sujeitos envolvidos, e da certeza de que faz
parte da natureza de tais processos o caráter de ‘incompletude’. Procuram suavizar a
dicotomia existente entre o ensino e a aprendizagem e buscam o desafio da quebra de
hierarquia entre professor e aluno. Nesse contexto, a prática de pesquisa permanente
é inerente à prática docente. O professor é, antes de tudo, um pesquisador.
Para Freire (2001, p. 32) “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a
busca, a pesquisa”. A pesquisa é necessária para constatar, intervir, educar-se e
educar. “Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo
gnosiológico25: o ‘em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente’ e o em
que ‘se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente’.” (FREIRE, 2001,
p.33). Estamos nos referindo à concepção de um processo de ensino-aprendizagem
dialético, associado a conhecimentos existentes e de uma prática de pesquisa
permanente, para juntos promoverem os novos conhecimentos. Essa postura
pressupõe a ideia de existência de sujeitos ativos do processo, estimulados ao
aprendizado e munidos por uma curiosidade epistemológica.
25 Essa relação da docência- discência, nomeada pelo autor como ‘dodiscência, e sua relação com a
pesquisa são práticas inseparáveis e requeridas pelos momentos do ciclo gnosiológico, ou seja, o ciclo do
conhecimento. (FREIRE, 2001, p. 31) Esse ciclo do conhecimento em Paulo Freire não se resume ao
momento de produção de um conhecimento novo e a percepção desse novo conhecimento, mas,
também, no conhecimento daquele existente, pois, para Freire (2001, p. 33), é tão fundamental o
conhecimento existente quanto o conhecimento a ser adquirido.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 36
Assim, esta tese adota como objeto de estudo o ensino de projeto de arquitetura26 no
contexto acadêmico brasileiro, e tem, como objetivo geral, analisar o ensino de
projeto de arquitetura no Brasil, nos aspectos relativos ao ‘ensinar a fazer’ e ao
‘aprender a fazer’, por meio de uma perspectiva epistemológica e cognitiva27, a partir
da produção científica dos Seminários UFRGS (1985) e Projetar (2003-2011)28 sob o
olhar de três estados constitutivos: conservação, permanência e transformação. Dessa
maneira o ensino e aprendizagem da concepção torna-se campo de investigação
primordial. Neste trabalho, foi o objetivo geral e os três estados constitutivos de
análise do objeto de estudo que colaboraram com a formulação das três hipóteses da
investigação como veremos a seguir.
A investigação utiliza a produção intelectual dos professores e pesquisadores,
publicada nos anais das cinco versões do Seminário Projetar, versões (2003, 2005,
2007, 2009 e 2011) como fonte seminal.
Procuramos observar o nosso objeto de estudo em dois momentos temporais e sob
três estados constitutivos: o estado de conservação, de permanência e de
transformação. Quanto ao recorte temporal de análise do objeto, o primeiro está
representado pelos anos 80, quando ocorreram eventos que marcaram a abertura
política democrática brasileira e contribuíram para o desabrochar de uma inquietação
teórica na área da arquitetura e, especificamente, no ensino de projeto, tendo como
marco a produção do seminário de 1985, organizado pela UFRGS. Nesta tese, é
26 O recorte do objeto de estudo especifica o ensino do projeto de arquitetura, e não de arquitetura e
urbanismo, tampouco paisagismo, interiores ou patrimonial, para nos determos nas especificidades
desse ensino. No entanto, a natureza integradora da nossa concepção de ensino não exclui ou limita
esse ensino apenas ao edifício; pelo contrário, considera que todas as variáveis necessárias à
problematização das questões inerentes ao objeto sejam vistas de acordo com o pensamento complexo,
evitando, portanto, a mutilação do objeto em estudo, no processo ensino-aprendizagem e no ato da
concepção do aluno.
27 A psicologia cognitiva estuda a cognição, os processos mentais que estão por detrás do
comportamento. Esta área de investigação cobre diversos domínios, examinando questões sobre a
memória, atenção, percepção, juízo, imaginação, pensamento e linguagem, representação de
conhecimento, raciocínio, criatividade e resolução de problemas. Pode-se definir cognição como a
capacidade para armazenar, transformar e aplicar o conhecimento, sendo um amplo leque de processos
mentais. (LIRA, 2012) Nessa tese, adotamos o referencial cognitivo de Trocmé-Fabre(2004) e, para a
abordagem epistemológica, os conceitos desenvolvidos por Boudon(2000).
28 Detalharemos mais adiante, mas, representa o período que comporta os cinco eventos do Seminário
Projetar (2003, 2005, 2007, 2009 e 2011) nossa fonte seminal de pesquisa para analisar esse período.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 37
representada pelo livro mencionado e organizado por Comas (1986)29; o segundo
momento é representado pela produção dos Seminários Projetar, tendo como marco
fundamental o Seminário Projetar de 2003.
Assim, a questão-chave que deu origem às inquietações que levaram à estruturação
metodológica e investigativa deste trabalho partiu de uma afirmação feita por
Marques e Lara (2003a) por ocasião do primeiro Seminário Projetar (2003)30, que teve
como precursor o seminário ocorrido na UFRGS em 1985 e o livro organizado por
Comas (1986)31. Na opinião dos autores, nas duas últimas décadas no Brasil, havia
ocorrido um reforço na disciplina de projeto como campo do conhecimento da
arquitetura e do urbanismo decorrente de três fenômenos: a retomada de
publicações, a expansão da graduação e a proliferação de eventos na área. No entanto,
para os autores, os estudos sobre o ato de projetar não havia acompanhado essa
evolução e continuava sofrendo com a resistência dos profissionais em diversos
aspectos como: a sistematização e organização sobre o que ensinar, tanto quanto a
compreensão e a dimensão do que foi aprendido. Como consequência disso, os
autores lançaram a seguinte dedução: “ainda se projeta, se ensina e se discute o
projeto da mesma maneira que há 20 anos atrás”. (MARQUES; LARA, 2003a, p. 8)
Se tal afirmação fosse procedente, para a autora deste trabalho, que teve a sua
formação concluída no final da década de 80, isso significaria que pouco havia mudado
desde então, e que, até o início do século XX, o ensino de projeto de arquitetura
continuava com as mesmas referências vivenciadas durante a nossa formação. No
entanto, várias questões se seguiram à afirmação dos autores, e vários ‘porquês’
tomaram conta das nossas pesquisas: Por que, na visão dos autores, não havia
ocorrido mudanças significativas? O que conservava esse ensino ‘da mesma maneira
que há 20 anos’? Que estruturas de conservação mantinham esse ensino anacrônico?
O que levava os professores a reproduzirem esse ensino? Que importantes
29 COMAS, Carlos Eduardo (Org.). Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação.
São Paulo: Projeto, 1986. 84 p.
30 Registrado no livro “Desafios e Conquistas da Pesquisa e do Ensino de Projeto”, 2003.
31 Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 38
encaminhamentos o livro de Comas (1986) havia oferecido, para ser considerado por
Marques e Lara (2003a, p.8), “uma das poucas referências nacionais”, por 20 anos,
para o ensino de projeto de arquitetura?
Essas primeiras inquietações teóricas movidas pela intuição nos levaram a algumas
decisões que, aos poucos, foram contribuindo para a estruturação do trabalho e para
as escolhas dos referenciais teóricos. Percebemos que, para compreendermos os
possíveis avanços ocorridos no contexto das ‘ideias pedagógicas’32 incorporadas pelo
ensino de projeto, no período demarcado pelos Seminários Projetar (2003, 2005, 2007,
2009 e 2011), importava-nos compreender a natureza desse ensino na ocorrência do
seminário da UFRGS, década de 80, e quais seriam as possíveis causas e características
dos aspectos que se conservavam.
Assim, ao longo do caminho, resolvemos reafirmar como marco inicial da pesquisa o
livro organizado por Comas (1986), “Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise,
disciplina em renovação”, para analisarmos, profundamente, que importantes
encaminhamentos o livro havia oferecido para a área, a ponto de ser considerado por
Marques e Lara (2003a, p.8), “uma das poucas referências nacionais”, por 20 anos,
para o ensino de projeto de arquitetura. E ainda, quais os acontecimentos que
marcaram esse período e colaboraram para a conservação das bases desse ensino.
Esse caminho nos possibilitou o esboço da primeira hipótese para guiar o nosso olhar
sobre os documentos essenciais. Dessa maneira, a formulação provisória da hipótese,
que justificaria a conservação deste ensino, estaria enraizada no período de formação
dos professores, que, no início do século XX, estava representada pela geração que
havia tido sua formação nas décadas de 80 e 90, além de professores mais experientes
que também contribuíam para a possível reprodução desse ensino.
32 Aproveitamos a noção de ‘ideia pedagógica’ de Saviani (2011): “Por ideias pedagógicas entendo as
ideias educacionais, não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real da
educação, orientando e, mais do que isso, constituindo a própria substância da prática educativa. Com
efeito, a palavra ‘pedagogia’ e, mais particularmente, o adjetivo ‘pedagógico’ têm marcadamente
ressonância metodológica denotando o modo de operar, de realizar o ato educativo.” (SAVIANI, 2011, p.
6-7).
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 39
Uma vez delineada intuitivamente a suposição inicial, seguimos a procura de
referenciais teóricos que pudessem nos ajudar na estruturação dessa hipótese de
investigação e nos ângulos de análise dos documentos, a análise de conteúdo. Assim,
optamos por uma base teórico-metodológica que conjugasse certa diversidade de
referências, mas que mantivesse uma coerência de ordem conceitual depositada no
conceito de práxis, que na pedagogia se refere à reflexão-ação-reflexão, natureza
teleológica da condição humana. Nosso desejo era trabalhar com referenciais teóricos
que nos oferecesse um conjunto de conceitos de natureza híbrida, flexíveis, que
pudessem se transformar com o tempo, mas que mantivessem a sua essência
preservada. Percebemos que isso só seria possível se tais conceitos possuíssem a
capacidade de se renovarem com a prática. A práxis seria o elo entre todos.
Para não corrermos o risco de uma prática de base positivista, cujos resultados fossem
induzidos unicamente pelo universo da experiência empírica e apresentassem
resultados determinísticos, adotamos a abordagem popperiana de investigação
científica, onde o conhecimento é de natureza aproximativa, e não absoluto. Nesse
sentido, os trabalhos de Castañon (2006, 2007, 2010) foram de grande importância
para que compreendêssemos que lugar caberia a essa investigação dentro do universo
da teoria do conhecimento, principalmente, por ter aspectos relacionados à cognição
do arquiteto quanto às habilidades projetuais. Castañon (2006, 2010) nos ajudou a
compreender que, por ser esta pesquisa em parte relacionada a fenômenos cognitivos
(conscientes ou não), como veremos mais adiante, poderemos testar nossas hipóteses
por meio do método hipotético-dedutivo. No entanto, questões relacionadas à
criatividade, por exemplo, cujo sentido da experiência parece ser impenetrável ao
método científico, pode ser apreciado filosoficamente, como, por exemplo, questões
de percepção, de sentido e de significado.
Dessa maneira, os referenciais teóricos estruturantes do trabalho procuram contribuir
com o recorte do objeto de estudo e a problemática que o envolve, dando suas
contribuições sob o olhar da sociologia da educação, da teoria da concepção
projetual e da cognição, envolvendo, portanto, campos de saber diversos como: a
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sociologia, a arquitetura, a psicologia e a educação. As escolhas teóricas colaboraram
na construção do objeto de estudo, assim como na compreensão e representação das
várias dimensões que esse objeto investigado possui no campo em que está inserido.
Mesmo com o propósito de evitar uma análise reducionista e simplificada na
construção da problematização em torno do objeto de estudo, sabemos que as lentes
do conhecimento, por maior que seja o seu ângulo de visão, sempre resultará em uma
construção relativa, de uma realidade intangível. Ademais, há sempre algo que resiste
ao nosso olhar, uma lacuna existente entre a relação do planejado e a condição do
feito. Mas é essa natureza incompleta, própria do ‘pensamento complexo’, que
permite a sua continuidade. A palavra ‘complexo’ vem do latim complexus, que
justamente quer dizer ‘aquilo que é tecido em conjunto’. De acordo com o
pensamento de Morin (2000), o problema da complexidade não é o da completude,
mas justamente aquele da incompletude. Não esperemos ter uma visão completa
sobre as coisas, isso é utopia. O nosso maior desafio é tentar evitar o pensamento
mutilante, aquele reducionista e simplificador. Assim, este trabalho não tem a
pretensão de tratar de todos os problemas que envolvem o ensino de projeto de
arquitetura. Vários aspectos essenciais deixaram de ser abordados por considerarmos
que tais assuntos configuram teses específicas e cuidadosas, como a questão da
avaliação projetual e, mesmo, as expressões e representações, que hoje não podem
ser verificadas sem a profunda pesquisa com relação aos métodos e sistemas
computacionais e de informação.
Assim, para avançarmos com relação às nossas escolhas teóricas e metodológicas,
partiremos da base de análise que nos ajudou a estruturar a fase ‘conservação’ do
ensino de projeto de arquitetura. Para essa perspectiva, elegemos a obra do sociólogo
Pierre Bourdieu para nos guiar na descoberta das estruturas de conservação desse
ensino, especificamente, por meio dos conceitos de habitus, campo e capitais.
Os conceitos e reflexões de Bourdieu estão presentes ao longo do trabalho, ora como
suporte teórico prático dos conceitos e ideias antagônicas, ora contribuindo na
reflexão de algumas perspectivas sobre a prática do ensino-aprendizagem do projeto
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de arquitetura e, o seu papel no campo da educação do arquiteto. O pensamento do
sociólogo contribuiu, também, para que pudéssemos pensar de maneira relacional
aceitando o fato de que o envolvimento entre as estruturas sociais interfere na nossa
visão sobre os fatos.
Uma vez conhecida a sua obra e a aplicação de seus conceitos, realçando a
importância da práxis como procedimento de realimentação da sua teoria prática, foi
possível voltar à hipótese e reestruturá-la com propriedade, agora com a contribuição
da sociologia da educação de Bourdieu.
Dessa maneira, a hipótese que nos guiou para a investigação sobre as estruturas de
conservação que acabam por reproduzir aspectos do ensino de projeto, ficou assim
delineada: [ hipótese 01 ] - O habitus incorporado por professores, ao longo dos
diferentes processos de socialização pelos quais passaram e, principalmente, aqueles
decorrentes de sua formação profissional, que trouxeram a influência de princípios
modernistas de ordem racionalista, colabora para a reprodução de práticas
pedagógicas prescritivas, ao mesmo tempo em que dificulta a transformação do
ensino de projeto de arquitetura.
Cabe, nesse momento, esclarecer que esta tese não tem por objetivo realizar uma
crítica ao movimento moderno, ou à arquitetura moderna brasileira, tampouco,
discorrer sobre esse objeto que outros já o fizeram com grande competência. O fato
de investigarmos os princípios modernistas de ordem racionalista, ou relacionado às
correntes funcionalistas que estão, ainda hoje, presentes no contexto de práticas
pedagógicas do ensino de projeto, não significa que estamos generalizando as
expressões modernistas brasileiras a essas correntes de atuação e pensamento. Como
veremos no Capítulo 02, item 2.2.3, sobre a gênese do habitus moderno, a relação que
nos interessa está vinculada à epistemologia do pensamento de ordem racionalista33
33 Estamos nos referindo ao pensamento racionalista de ordem positivista, não cabendo nesse recorte o
racionalismo crítico de Popper, que supera, o racionalismo clássico. Trataremos dessas questões no
capítulo 02.
Ao mesmo tempo, adotamos a perspectiva de Durand (1972, p.12) que argumenta: “O funcionalismo
em arquitetura, produto do impacto da tecnologia sobre a antiga concepção da arquitetura enquanto
arte, derivou em teses racionalistas, que procuravam revestir a arquietura de um conteúdo científico
[...]” Citando Hillier (1970), “ Os arquitetos do século XIX procuraram analogias nas máquinas, nos
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e funcionalista, que de fato esteve presente na filosofia da arquitetura do século vinte
e cujas origens remontam o surgimento das Ciências Modernas e dos pensadores que
se seguiram como Descartes e Comte. Esses pensadores contribuíram para um sistema
de pensamento científico relacionado às ordens matemáticas e mecânicas que, em
certa medida, influenciou diversas expressões artísticas e culturais, entre elas, a
arquitetura. Assim, não é a arquitetura moderna que está em questão nesta
pesquisa, mas, a pertinência atual, no contexto da educação do arquiteto e,
especificamente, no ensino de projeto de arquitetura, do pensamento e das práticas
pedagógicas com influências do racionalismo e do funcionalismo.
Assim, essa primeira hipótese foi investigada em todos os documentos a que tivemos
acesso, na análise do livro de Comas (1986), no contexto que abrange esse período e
sua repercussão nos trabalhos selecionados dos cinco eventos do Seminário Projetar
(2003, 2005, 2007, 2009 e 2011). Dois objetivos específicos colaboraram com a sua
investigação. Primeiro, percebemos que seria necessário, [Objetivo Específico 01]
Caracterizar as estruturas de viés racionalista no discurso e nas práticas pedagógicas
dos pesquisadores e professores de projeto de arquitetura no contexto brasileiro e,
segundo, percebemos a necessidade de, [Objetivo Específico 02], averiguar sobre a
maneira como os professores de arquitetura compreendem o ensino de projeto de
arquitetura nos aspectos de sua ‘ensinabilidade’, na importância relativa à prática
projetual e na relação entre teoria e prática vinculadas à natureza da disciplina
projetual.
Para atender aos dois objetivos acima expostos [objetivo 01 e 02], algumas questões
foram investigadas e são respondidas ao longo do trabalho: 1 – Aspectos relacionados
à conservação desse habitus de viés racionalista que conduz à reprodução de práticas
pedagógicas prescritivas; 2 - O modernismo como ‘força formadora’ desse habitus; 3 -
Características do habitus de viés racionalista e funcionalista; 4 - Aspectos gerais de
organismos vivos e na linguagem. Os da metade do século XX exploraram a teoria dos sistemas, a
cibernética, a psicologia, a sociologia e a semiótica”. (HILLIER, 1970, apud DURAND, 1972, p.12)
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práticas de natureza conservadora; 5 - O ensino de projeto de arquitetura, sua
ensinabilidade, natureza e prática projetual;
Nossa primeira hipótese se justifica por dois motivos: primeiro por meio do próprio
conceito de habitus34, como um sistema de valores e ações, uma gênese social, como
se refere Bourdieu, que rege ao mesmo tempo em que é influenciado por esquemas
ou padrões de percepção, de pensamento e ações. O habitus é também uma herança
familiar e histórica, representado por estruturas de formação, de “crenças” e pela
posição sócio-histórica que ocupa o agente no espaço social, assim como pelas
relações simbólicas que trava com os indivíduos do mesmo campo ou, de outras
classes e campos, influenciando a maneira pela qual esse indivíduo contribui com a
reprodução dos valores no seu campo de atuação. (BOURDIEU, 1983 in: ORTIZ,1983)
(STEVENS, 2003) (BOURDIEU, 2007). Ainda, segundo Bourdieu:
[...] numa sociedade em que a transmissão da cultura é monopolizada por
uma escola, as afinidades profundas que unem as obras humanas (e,
evidentemente, as condutas e os pensamentos) têm seu princípio na
instituição escolar investida da função de transmitir conscientemente e em
certa medida inconscientemente ou, de modo mais preciso, de produzir
indivíduos dotados do sistema de esquemas inconscientes (ou profundamente
internalizados), o qual constitui sua cultura, ou melhor, seu habitus [...]
(BOURDIEU, 2007, p.346)35
O segundo aspecto que justifica a nossa hipótese está representado pelo grande
alcance e representação que teve o modernismo para a formação de gerações de
arquitetos no Brasil e que, ainda hoje, possui forte influência e poder simbólico no
espaço social da profissão e em diversas esferas do campo da arquitetura, em especial
34 Bourdieu (in: ORTIZ, 1983b, p. 60-81) e Bourdieu (2007, p. 337-361)
35 Tradução de Wilson Campos Vieira (BOURDIEU, 2007) do original BOURDIEU (1967), « Postface »,
in: PANOFSKY E., Architecture gothique et pensée scolastique, Paris, Éditions de Minuit, 1967. pp. 147-
148.
A referida tradução vem do original em francês: [...] dans une société où la transmission de la culture
est monopolisée par une école, les affinités profondes qui unissent les œuvres humaines (et, bien sûr,
les conduites et les pensées) trouvent leur principe dans l'institution scolaire investie de la fonction de
transmettre consciemment et, aussi, pour une part, inconsciemment de l'inconscient [...] (Bourdieu,
1967)
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no seu ensino. Nesse sentido, a investigação refere-se ao moderno de ideário funcional
e racionalista, conforme esclarecimento anterior.
Para nós, esse sistema de pensamento e de práticas adquiridos por meio dos
processos sociais vivenciados no modernismo arquitetônico brasileiro de ideário
funcional e racionalista constituiu um habitus individual e de grupos, que acondicionou
as práticas pedagógicas e profissionais, reproduzindo os valores, o capital cultural, os
pensamentos e as percepções para as gerações seguintes. Dessa forma, essa primeira
hipótese do trabalho foi representada pela busca às razões dessa conservação do
ensino, aludida inicialmente pela afirmação feita pelos professores Sônia Marques e
Fernando Lara, em (2003a).
Ao longo do texto, outras questões procuram ser respondidas: Como os professores de
projeto percebem o ensino de projeto de arquitetura? Quais os sinais existentes de
posturas e práticas pedagógicas conservadoras decorrentes de um habitus influenciado
por um sistema de pensamento vinculado às estruturas modernistas? Quais as
posturas e práticas pedagógicas mais significativas que indicam uma transformação
desse habitus? E quais os caminhos sugeridos para que o ensino de projeto de
arquitetura se desenvolva com mais qualidade? São questões que colaboraram para
direcionar o nosso olhar sobre os trabalhos analisados.
Inicialmente, ficamos surpresos com a riqueza e a variedade de assuntos tratados
pelos autores; no entanto, não daríamos conta de classificar todos eles e nos
aprofundarmos. Assim, as questões-chave que aparecem ao longo do trabalho
orientam o recorte da abordagem e foram essenciais para as considerações finais.
Outros autores estudiosos de Bourdieu e responsáveis pela aplicação de seus
conceitos no universo brasileiro e na contemporaneidade colaboraram conosco com
relação à compreensão adequada e à aplicação de seus conceitos ao longo do texto,
entre eles Durand (1972); Ortiz (1983); Setton (2002); Catani (2002); Stevens(2003);
Groppo (2011) e Arcipreste (2012).
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A segunda hipótese deste trabalho, relacionada ao estado de ‘permanências’ está
representada pela busca de capitais, representados por valores, ações, conceitos,
posturas, procedimentos e crenças que insistem em permanecer como valiosos para o
campo da arquitetura e para o ensino de projeto de arquitetura. Parte de um
pressuposto de que a natureza da profissão de arquiteto e, principalmente, os valores
instituídos na atribuição do projetar forjaram alguns conceitos que se mostram
importantes para a apreensão e a compreensão da concepção projetual e, portanto,
necessários ao ensino do projeto de arquitetura em qualquer momento. Essas
estruturas conceituais seriam representadas por valores capazes de ultrapassar o
tempo, pela natureza hibrida de sua constituição, transformando-se a cada geração e
adaptando-se ao modus operandi da concepção projetual.
A segunda hipótese, portanto, foi assim constituída: [ hipótese 02 ] O ensino de
projeto de arquitetura possui um corpo teórico prático, referente ao seu modus
operandi, incorporado, de maneira consciente ou inconsciente, ao longo da
constituição histórica e cultural da profissão e, por meio da formação profissional,
que sobrevive a gerações, adaptando-se às mudanças de paradigmas que a cada
tempo envolve a disciplina.
Para investigar a segunda hipótese, outros dois objetivos específicos colaboram:
[Objetivo Específico 03] - Registrar o significado e os desdobramentos atuais dos
capitais considerados valiosos para o campo da arquitetura e dos conceitos que
permanecem e colaboram para identificar e caracterizar a concepção projetual e o
seu ensino tais como: ideia, percepção, uso, sistema e discurso; e, [Objetivo
Específico 04] – Destacar indícios de permanências e transformações com relação às
práticas pedagógicas, na abordagem dos conceitos analisados: ideia, percepção, uso,
sistema e discurso. Ambos com repercussões, também, na primeira hipótese.
Assim, nossa segunda hipótese se justifica pela permanência de valores e conceitos,
que, de certa maneira, identificam e caracterizam a profissão, a prática projetual e o
seu ensino. Esses valores possuem a capacidade de adaptação aos diferentes
paradigmas que permeiam os sistemas de pensamento em várias épocas e conseguem
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se manter em razão da natureza abstrata que possuem. Assim, não definem forma,
mas possibilitam a existência delas, não regulam procedimentos, mas colaboram com
a reflexão sobre eles e, principalmente, adaptam-se aos diferentes contextos. As
questões investigadas para atingir os objetivos específicos 3 e 4 foram: 1 -
significados atuais dos capitais e conceitos considerados valiosos para o campo da
arquitetura; 2 - existência de um corpo teórico prático, diretamente relacionado ao
modus operandi da concepção arquitetural que perdura no universo do discurso
arquitetônico e na sua prática projetual.
Para pesquisar essas estruturas abstratas e híbridas, além dos autores já mencionados,
que, de acordo com a pertinência da questão, surgem para nos ajudar na sua reflexão,
somam-se outros, mais direcionados à concepção projetual como Philippe Boudon e
Jean-Pierre Chupin. Além dos capitais referenciados como valiosos no campo da
arquitetura, que permanecem ilesos apesar dos avanços tecnológicos, testamos a
validade contemporânea dos cinco conceitos-chave propostos por Boudon, para a
compreensão e aprendizado da concepção projetual. Os conceitos de ideia, percepção,
uso, sistema e discurso permeiam o universo arquitetônico em diversos momentos
históricos e se preservam assumindo diferentes conformações ao longo do tempo.
Para colaborar com essa investigação, outros autores foram essenciais como: Donald
Schön (2000), Jean-Pierre Boutinet (2002), Jean-Pierre Chupin (2003) e Richard Sennett
(2009).
A terceira e última contribuição desta pesquisa lança-se ao futuro, procura encontrar
práticas, posturas e valores que indicam um desejo de transformação do ensino de
projeto de arquitetura e de transformação do sujeito pela educação. Mostra-se aberta
às novas experiências e reflexões que sugerem mudanças no pensar, ensinar e
aprender o projeto. Possuem um desejo de abraçar a complexidade para compreender
a problemática arquitetural e dela lançar as raízes de suas contribuições.
Essa postura encontra apoio nas ações que possibilitam a integração dos saberes, nas
posturas inter, multi e transdisciplinares de conhecimento e de analise do contexto e
da problemática arquitetônica. Parte da seguinte hipótese: [ hipótese 3 ] - A
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transformação do ensino de projeto de arquitetura possui relação com a aceitação
de uma condição em construção, em devir, e com a compreensão de um contexto de
coexistências diversas que só poderá ser apreendido, no contexto acadêmico e
profissional, por meio de uma reflexão coletiva e de uma disposição para mudanças.
Para investigar essa hipótese, além da colaboração dos objetivos específicos
anteriores, procuramos: [Objetivo Específico 05] – Destacar posturas e práticas
pedagógicas, mais significativas no universo pesquisado, que indicam
transformações na maneira de pensar e agir no âmbito do ensino de projeto de
arquitetura.
Dessa forma, para a terceira hipóste e seu objetivo específico 5, nos interessou
investigar as seguintes questões: ações relacionadas ao ‘aprender a projetar’ e ao
‘saber projetar’; posturas e práticas pedagógicas mais significativas que indicam a
transformação do habitus vinculado às estruturas conservadoras; e, adotando o
conceito de complexidade na abordagem da problemática projetual, quais os prováveis
caminhos que possibilitam o aprendizado do projeto de arquitetura.
Voltamos ao início da reflexão para justificar a nossa terceira hipótese. Essa possui na
própria natureza do ‘habitus’ a sua justificativa. Segundo Bourdieu, na representação
de suas estruturas subjetivas (pensamentos, ações, percepções), o habitus está em
constante transformação, mas depende da capacidade do sujeito de refletir sobre suas
ações e pensamento. O habitus é um sistema de disposições aberto, que sofre
influências, também, das experiências novas, representa uma relação dialética entre o
indivíduo e a coletividade. Ele é durável, mas não imutável. “É produto de uma
aquisição histórica que permite apropriação do adquirido histórico.” (BOURDIEU, 1989,
p. 83)36
Assim, para refletirmos sobre essa transformação direcionada ao ensino do projeto de
arquitetura e, nesse momento, orientado para as questões relacionadas ao ‘aprender a
36 BOURDIEU, Pierre. Le mort saisit le vif. As relações entre a história reificada e a história incorporada.
In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Editora Bertrand Brasil S.A.: Rio de Janeiro, 1989.
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projetar’ e ao ‘saber projetar’, tomamos o referencial cognitivo de Héléne Trocmé-
Fabre, em “A árvore do Saber-Aprender”, para, a partir de uma perspectiva orientada
para a aprendizagem do ensino de projeto de arquitetura, reunir caminhos que
possam colaborar com a transformação desse ensino. Trocmé-Fabre nos guiará nas
reflexões que serão permeadas pela contribuição de diversos autores, alguns já
mencionados, outros específicos, como Edgar Morin que trabalha na perspectiva da
democracia cognitiva, essencial para a construção da autonomia do aluno, além de
Paulo Freire que permeia todo o trabalho com os seus preciosos ensinamentos.
Paulo Freire (1996) defende uma pedagogia fundamentada em valores como a ética, o
respeito à dignidade humana e, a defesa pela conquista de uma autonomia pelo
educando. Em seus próprios pensamentos quando fala da ética universal do ser
humano, está falando da ética enquanto algo indispensável à convivência humana,
reconhecendo a outra pessoa como a ‘si própria’. “E é no domínio da decisão, da
avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e
se impõe a responsabilidade.” (FREIRE, 1996, p.20). Por meio dos três eixos
problematizadores de questões que envolvem o processo ensino-aprendizagem, Freire
(1996) relaciona os saberes da educação a cada situação pertinente. Assim, “não há
docência sem discência”, “ensinar não é transferir conhecimento” e “ensinar é uma
especificidade humana” definem as bases para a “pedagogia da autonomia”. Seus
saberes colaboraram neste trabalho com o discernimento e a clareza que devemos ter,
com relação ao papel do docente frente às atividades do educar e, de contribuir com a
formação do profissional arquiteto.
Nesse momento, é importante destacar que todas as nossas reflexões encontraram
suporte ou foram procedentes das colocações dos autores dos trabalhos publicados
nos anais das cinco versões do Seminário Projetar. Os professores e pesquisadores
autores desses trabalhos merecem nosso maior respeito e se tornaram protagonistas
nesta contribuição. São colegas que vivenciam inquietudes semelhantes às nossas e
estão envolvidos no seu cotidiano acadêmico com todas as questões apontadas neste
trabalho. Sem eles, este trabalho não seria possível. Assim, será comum encontrar
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 49
algumas citações longas, outras permeadas de referências, que foram preservadas
para que pudéssemos transmitir com clareza o contexto e as influências que delas
fazem parte. Os discursos são valorizados nesta contribuição, pois foi por meio deles
que construímos nossas hipóteses e estruturamos o nosso caminho de pesquisa.
Igualmente, nosso interesse por essa produção está na coerência com o nosso objeto
de estudo, como já dissemos. Uma vez que estamos pesquisando sobre o ensino de
projeto de arquitetura no contexto brasileiro, tornava-se essencial que a nossa base de
discussão partisse de práticas e reflexões desse próprio universo. Ademais,
acreditamos que, para avançarmos no ensino de projeto, precisamos nos conhecer,
precisamos reunir maneiras de nos apropriarmos da energia e do esforço que fazemos
ao elaborarmos nossas pesquisas, reflexões e práticas. Os fóruns e seminários não
conseguem processar um corpo teórico organizado e progressivo que nos faça avançar
de maneira mais objetiva. As produções estão dispersas pelos anais e poucas são
reunidas em livros que ofereçam caminhos para as situações-problemas percebidos no
âmbito do ensino de projeto.
Quanto à organização do texto, esta não acontece de maneira linear, ou na sequência
apresentada nestas considerações. A natureza de sua organização reflete um pouco a
condição de uma pesquisadora em seu estado de descoberta. Mas todos os pontos
aqui mencionados são investigados e procuram sua pertinência no desenrolar do
texto, amarrados às questões que apresentamos e que são relembradas quando
necessárias.
Assim, no primeiro capítulo, renovamos as hipóteses, os objetivos e as questões-chave
que estruturam a pesquisa e apresentamos a metodologia de análise quantitativa e
qualitativa dos artigos para sua seleção inicial por evento. Na análise quantitativa,
elaboramos alguns ranking´s, dentro do universo da amostra, que procuram
relacionar: as publicações por universidades; as publicações por regiões; as
publicações por universidades e por regiões; as publicações por autores e; as palavras-
chave mais citadas. Ao final, fizemos os rankings totais da amostra dos cinco eventos
ocorridos. Os resultados, tabelas e gráficos encontram-se no Apêndice A, ao final do
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trabalho. A análise qualitativa esboça as questões que guiaram a pesquisa dos artigos
analisados.
O capítulo 02 - Conservação, reprodução e transformação do ensino de projeto de
arquitetura, dar início à investigação da hipótese 01, sobre o habitus incorporado pelos
professores e sua influência nas práticas pedagógicas. Para isso, a partir dos conceitos
de Bourdieu de campo, habitus e capitais, procuramos investigar a constituição do
campo da arquitetura e seus capitais valiosos; o conceito de habitus e sua relação com
a arquitetura; a transformação do habitus e; a gênese do habitus moderno de ideário
racionalista e funcionalista.
O capítulo 03 – Ensino de projeto de arquitetura no Brasil – esse capítulo tem seu
início com uma breve revisão sobre o ensino oficial de arquitetura no Brasil e sua
relação com as teorias pedagógicas. Em seguida, divide-se em duas partes: Encontro
sobre o Ensino de Projeto Arquitetônico FAU/UFRGS – 1985 e O Ensino de Projeto de
Arquitetura a partir da perspectiva dos autores analisados. Na sua primeira parte,
procuramos analisar o ensino de projeto sob a perspectiva dos anos 80,
especificamente por meio do livro organizado por Comas (1986), tomado neste
trabalho como paradigma inicial. Procuramos observar a representação do contexto
dos anos 80 aos olhos dos professores; as motivações que levaram à organização do
encontro; a avaliação dos professores sobre a situação do ensino – base das críticas
sobre a arquitetura e sobre o ensino de projeto, e principais sugestões para a
transformação do ensino do projeto arquitetônico.
Na sua segunda parte - O ensino de projeto de arquitetura a partir da perspectiva dos
autores analisados, procuramos traçar um panorama sobre o ensino de projeto visto
por meio dos autores analisados, Projetar e demais, começando pelas questões
relacionadas à ensinabilidade do projeto e, em seguida, sobre a natureza da disciplina
de projeto de arquitetura. As questões abordadas levam em consideração os seguintes
pontos: como os professores de projeto percebem o ensino de projeto de arquitetura;
quais os sinais existentes de posturas e práticas pedagógicas conservadoras
decorrentes de um habitus influenciado por um sistema de pensamento vinculado às
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estruturas modernistas; quais as posturas e práticas pedagógicas mais significativas
que indicam uma transformação desse habitus; e quais os caminhos sugeridos para
que o ensino de projeto de arquitetura se desenvolva com mais qualidade. Essas
questões permeiam todo o trabalho. Ainda nesse capitulo, dividimos em dois os
aspectos que conformam essas singularidades da disciplina de projeto: a questão do
conceber e a questão do representar, para nos determos no capítulo seguinte na
questão do conceber.
O capítulo 04 – Sobre o ensino da concepção projetual, o que pensam os professores
sobre a concepção projetual, trabalha as questões relacionadas a alguns conceitos que
permanecem como valiosos no processo de concepção projetual, hipótese 02, sendo
investigados por meio do conceito de ideia, percepção, usos, sistema e discurso. Cada
conceito é especificado e investigado junto aos artigos do Projetar para
compreendermos como estão sendo interpretados no contexto acadêmico brasileiro.
Ainda apresentamos algumas experiências que trabalham de maneira inovadora
alguns desses conceitos.
O capítulo 05 – Sobre o Saber Aprender a Projetar, trata da abordagem da
problemática projetual na ótica do pensamento complexo. Procuramos tratar o ensino
de projeto de arquitetura a partir de uma abordagem direcionada ao seu aprendizado,
ao saber aprender a projetar, numa perspectiva que procura dar ênfase ao
aprendizado do aluno, e como o docente pode colaborar com esse processo cognitivo.
Procura abrir para as ações de transformação desse ensino-aprendizagem. Analisa o
percurso educacional proposto por Trocmé-Fabre e apresenta uma translação reflexiva
desse percurso no contexto do ensino de projeto de arquitetura. Assim, nos interessa
refletir: como a complexidade é vista na abordagem da problemática projetual e quais
os caminhos utilizados pelos professores para possibilitar o aprendizado do projeto de
arquitetura sob a lente dessa teoria do conhecimento.
Nas considerações finais, apresentamos uma síntese das principais questões
abordadas no trabalho, reflexões e posicionamentos com relação à investigação das
hipóteses e aos resultados alcançados pelos objetivos. Procuramos relacionar as ações
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 52
e posturas pedagógicas que se conservam vinculadas ao ideário funcional e
racionalista, assim como, aquelas de viés transformador, abertas à renovação de
práticas, paradigmas, meios e conteúdos. O trabalho ainda apresenta um apêndice,
que trata da apresentação dos resultados da análise quantitativa da amostra
trabalhada dos artigos dos Seminários Projetar [Apêndice A].
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 53
A B O R D A G E M M E T O D O L Ó G I C A
Esta tese é de natureza teórica e filosófica e, portanto, tem como base de pesquisa a
bibliografia utilizada como fonte seminal [fontes primárias], de onde perscrutamos o
objeto de estudo, o ensino de projeto de arquitetura. Num segundo plano, não menos
importante, seguem os referenciais teóricos e seus respectivos conceitos [fontes
estruturantes] que foram valiosos na pontuação da reflexão e no recorte da
abordagem do objeto de estudo. Em terceiro plano, seguem os autores que
colaboraram no rebatimento de temas e experiências [fonte secundária] e que se
localizam em diversos campos do saber como da: sociologia, psicologia, educação e
arquitetura.
Portanto, a pesquisa para esta tese foi, sobretudo, fundamentada na pesquisa
bibliográfica. Procuramos através da produção científica dos Seminários Projetar
[fontes primárias] levantar o estado da arte sobre o ensino de projeto de arquitetura
no contexto brasileiro, por meio das questões esboçadas que colaboraram para a
investigação dos objetivos eleitos. Essas questões surgiram da análise primária dessa
bibliografia e contribuíram para a definição das hipóteses e objetivos, como
apresentamos nas ‘Considerações Preliminares’ e, a seguir, ilustramos por meio do
diagrama estrutural da pesquisa. [Figura 01]
1 *************************************************
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Figura 01 –Diagrama estrutural da pesquisa–abordagem sistêmica dos elementos da trama investigativa.
Fonte: Autora (2013)
O diagrama estrutural da pesquisa procura representar as relações entre os elementos
estruturantes da investigação. Apesar de sua representação linear, na prática a
pesquisa realizou movimentos circulares, retornando às etapas anteriores, avançando
e retrocedendo sempre que necessário. A principal questão a ser consolidada com essa
ilustração, a partir do seu objetivo geral, é a forte relação entre os grupos e eixos da
pesquisa, relativos aos estados constitutivos de análise do objeto de estudo
[conservação, permanência e transformação]. Assim, uma vez recortado o objeto de
estudo entre os anos 80 e o século XXI [Seminários Projetar], esse objeto pôde ser
analisado sobre os três estados constitutivos, por meio das suas respectivas hipóteses.
Essas hipóteses foram investigadas através das questões problematizadoras,
apresentadas nas ‘Considerações Preliminares’. Por meio do método hipotético-
dedutivo chegamos aos resultados e teses finais, construindo, assim, um
conhecimento aproximativo sobre as questões investigadas.
A seguir, consolidaremos os elementos estruturantes da pesquisa e a metodologia
quantitativa e qualitativa de abordagem das fontes de pesquisa.
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1.1 – HIPÓTESES e OBJETIVOS
1.1.1 – Natureza do Objeto de Estudo
Como já tratamos da problemática que envolve o objeto de estudo nas considerações
preliminares, trataremos de evidenciar as hipóteses, os objetivos baseados nas
questões norteadoras da pesquisa e os caminhos metodológicos percorridos.
Objeto de estudo - o ensino de projeto de arquitetura no contexto acadêmico
brasileiro.
Recorte temporal - dois momentos, representados pela [década de oitenta] e pelo
[século XXI - período de 2003 a 2011]
Década de 80 – Marco Inicial – analisado, principalmente, por meio do livro:
COMAS, Carlos Eduardo (Org.). Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina
em renovação. São Paulo: Projeto, 1986. 84 p.
Século XXI - Período de 2003 – 2011 – analisado por meio dos artigos publicados
nos Seminários Projetar (2003, 2005, 2007, 2009, 2011) e dos dois livros
resultantes dos seminários de 2003 e 2005: MARQUES; LARA (2003b) e DUARTE et
al. (2007).
Estados constitutivos de observação do objeto de estudo: o estado de
conservação, de permanência e de transformação.
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1.1.2 – Hipóteses
Hipótese 01 [conservação] - O habitus incorporado por professores, ao longo dos
diferentes processos de socialização pelos quais passaram e, principalmente, aqueles
decorrentes de sua formação profissional, que trouxeram a influência de princípios
modernistas de ordem racionalista, colabora para a reprodução de práticas
pedagógicas prescritivas, ao mesmo tempo em que dificulta a transformação do ensino
de projeto de arquitetura.
Hipótese 02 [permanência] - O ensino de projeto de arquitetura possui um corpo
teórico prático, referente ao seu modus operandi, incorporado, de maneira consciente
ou inconsciente, ao longo da constituição histórica e cultural da profissão e, por meio
da formação profissional, que sobrevive a gerações, adaptando-se às mudanças de
paradigmas que a cada tempo envolve a disciplina.
Hipótese 3 - [transformação] A transformação do ensino de projeto de arquitetura
possui relação com a aceitação de uma condição em construção, em devir, e com a
compreensão de um contexto de coexistências diversas que só poderá ser apreendido,
no contexto acadêmico e profissional, por meio de uma reflexão coletiva e de uma
disposição para mudanças.
1.1.3 - Objetivo geral
Analisar o ensino de projeto de arquitetura no Brasil, nos aspectos relativos ao
‘ensinar a fazer’ e ao ‘aprender a fazer’, por meio de uma perspectiva
epistemológica e cognitiva, a partir da produção científica dos Seminários UFRGS
(1985) e Projetar (2003-2011) sob o olhar de três estados constitutivos:
conservação, permanência e transformação.
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1.1.4 - Objetivos Específicos
Objetivo Específico 01 – Caracterizar as estruturas de viés racionalista no discurso
e nas práticas pedagógicas dos pesquisadores e professores de projeto de
arquitetura no contexto brasileiro.
Objetivo Específico 02 – Averiguar sobre a maneira como os professores de
arquitetura compreendem o ensino de projeto de arquitetura nos aspectos de sua
‘ensinabilidade’, na importância relativa à prática projetual e na relação entre
teoria e prática vinculadas à natureza da disciplina projetual.
Objetivo Específico 03 - Registrar o significado e os desdobramentos atuais dos
capitais considerados valiosos para o campo da arquitetura e dos conceitos que
permanecem e colaboram para identificar e caracterizar a concepção projetual e o
seu ensino tais como: ideia, percepção, uso, sistema e discurso.
Objetivo Específico 04 – Destacar indícios de permanências e transformações com
relação às práticas pedagógicas, na abordagem dos conceitos analisados: ideia,
percepção, uso, sistema e discurso.
Objetivo Específico 05 – Destacar posturas e práticas pedagógicas, mais
significativas no universo pesquisado, que indicam transformações na maneira de
pensar e agir no âmbito do ensino de projeto de arquitetura.
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1.1.5 – Estrutura da Pesquisa
Hipótese 01 - O habitus incor-
porado por professores, ao longo
dos diferentes processos de socia-
lização pelos quais passaram e,
principalmente, aqueles decorren-
tes de sua formação profissional,
que trouxeram a influência de
princípios modernistas de ordem
racionalista, colabora para a re-
produção de práticas pedagógicas
prescritivas, ao mesmo tempo em
que dificulta a transformação do
ensino de projeto de arquitetura.
Objetivo Específico 01 – Caracterizar as
estruturas de viés racionalista no
discurso e nas práticas pedagógicas dos
pesquisadores e professores de projeto
de arquitetura no contexto brasileiro.
Hipótese 02 - O ensino de projeto
de arquitetura possui um corpo
teórico prático, referente ao seu
modus operandi, incorporado, de
maneira consciente ou incons-
ciente, ao longo da constituição
histórica e cultural da profissão e,
por meio da formação
profissional, que sobrevive a
gerações, adap-tando-se às
mudanças de paradig-mas que a
cada tempo envolve a disciplina.
Objetivo Específico 04 – Destacar
indícios de permanências e
transformações com relação às práticas
pedagógicas, na abordagem dos
conceitos analisados: ideia, percepção,
uso, sistema e discurso.
Objetivo Específico 03 - Registrar o
significado e os desdobramentos atuais
dos capitais considerados valiosos para
o campo da arquitetura e dos conceitos
que permanecem e colaboram para
identificar e caracterizar a concepção
projetual e o seu ensino tais como:
ideia, percepção, uso, sistema e
discurso.
Hipótese 3 - A transformação do
ensino de projeto de arquitetura
possui relação com a aceitação de
uma condição em construção, em
devir, e com a compreensão de
um contexto de coexistências di-
versas que só poderá ser apreen-
dido, no contexto acadêmico e
profissional, por meio de uma re-
flexão coletiva e de uma dispo-
sição para mudanças.
Objetivo Específico 05 – Destacar
posturas e práticas pedagógicas, mais
significativas no universo pesquisado,
que indicam transformações na
maneira de pensar e agir no âmbito do
ensino de projeto de arquitetura.
Objetivo Específico 02 – Averiguar
sobre a maneira como os professores
de arquitetura compreendem o ensino
de projeto de arquitetura nos aspectos
de sua ‘ensinabilidade’, na importância
relativa à prática projetual e na relação
entre teoria e prática vinculadas à
natureza da disciplina projetual.
Objetivo Geral
Analisar o ensino de projeto de arquitetura no Brasil, nos aspectos relativos ao ‘ensinar a
fazer’ e ao ‘aprender a fazer’, por meio de uma perspectiva epistemológica e cognitiva, a
partir da produção científica dos Seminários UFRGS (1985) e Projetar (2003-2011) sob o
olhar de três estados constitutivos: conservação, permanência e transformação.
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1.2 – RESULTADO DA ANÁLISE QUANTITATIVA DA AMOSTRA DOS ANAIS PROJETAR
Para a seleção da amostra a ser trabalhada, analisamos os 744 artigos constantes dos
Anais dos cinco eventos ocorridos a cada dois anos – SEMINÁRIO PROJETAR 1, 2003
[Projeto de Arquitetura – Os desafios do Ensino e da Pesquisa para o Novo Século,
Natal/RN, de 07 a 10 de outubro de 2003]; SEMINÁRIO PROJETAR 2, 2005 [II Seminário
sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura: rebatimentos, práticas e
interfaces, Rio de Janeiro, de 08 a 11 de novembro de 2005]; SEMINÁRIO PROJETAR 3,
2007 [III Projetar: o moderno já passado - o passado no moderno: reciclagem,
requalificação, rearquitetura, Porto Alegre, de 22 a 24 de outubro de 2007];
SEMINÁRIO PROJETAR 4, 2009 [Projeto como Investigação: Antologia, São Paulo, de 13
a 16 de outubro de 2009] e; SEMINÁRIO PROJETAR 5, 2011 [Processos de Projeto:
Teorias e Práticas, Belo Horizonte, de 25 a 28 de outubro de 2011].
A análise inicial foi feita por meio dos títulos, resumos, palavras-chave, além de leitura
em todo o texto para garantir a natureza do trabalho. Do total de 744 artigos,
selecionamos 270 [36, 29% do total] que nos interessaram especialmente por tratar de
questões relacionadas ao ensino de projeto de arquitetura. Torna-se importante
enfatizar que, todos os trabalhos classificados pelos eventos na temática do ensino de
projeto foram selecionados, além de outros, que nos interessaram pelas reflexões
pertinentes ao ensino da arquitetura e à formação do arquiteto.
Abaixo, apresentamos uma tabela com o número de trabalhos analisados por evento e
aqueles selecionados para a amostra com suas respectivas percentagens. Essa primeira
amostra foi analisada quantitativamente, conforme apresentamos seus resultados a
seguir e, de acordo com os gráficos apresentados no ‘Apêndice A’ deste trabalho. Na
elaboração do texto da tese e de acordo com as questões selecionadas pelas hipóteses
e objetivos deste trabalho, acabamos por nos reportar a 98 artigos [36,30%] daqueles
270[100%] selecionados para a amostra, conforme última coluna do [Quadro 01], logo
abaixo.
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Durante a seleção e análise dos artigos, observamos que o III Seminário Projetar
ocorrido em 2007, sediado pela UFRGS, possui uma representação insignificante de
artigos relacionados ao ensino de projeto de arquitetura, em relação aos demais.
Inicialmente, ficamos surpresos por se tratar de uma universidade que havia dado,
justamente, uma nova importância ao tema por ocasião do seminário de 1985. O fato
da ocorrência do evento em paralelo com o 7º Seminário Docomomo Brasil, unificando
suas temáticas para “o moderno já passado | o passado no moderno, reciclagem,
requalificação, rearquitetura”, acabou por direcionar os artigos para práticas de ensino
relacionadas à reciclagem, requalificação e rearquitetura. Evidentemente, não deixam
de ser ensino de projeto de arquitetura, mas, como possui conhecimentos e práticas
bastante específicos da área patrimonial, acreditamos que merece especial atenção e
especificidades próprias da natureza dessa temática. Assim, em sua maioria, não foram
selecionados para a amostra.
Quadro 01 – Quantitativo dos trabalhos analisados e selecionados para a amostra
EVENTO N
o Artigos Pré -
analisados
No Artigos Analisados
AMOSTRA por evento
% em
744
No Art. Referenciados e %
em relação à amostra
PROJETAR 2003 93 (100%) 48 (51,61%) 6,45 % 16 artigos (33,33%)
PROJETAR 2005 146 (100%) 61 (41,78%) 8,20 % 22 artigos (36,06%)
PROJETAR 2007 95 (100%) 04 (4,21%) 0,54 % 02 artigos (50,00%)
PROJETAR 2009 243 (100%) 80 (32,9%) 10,75 % 26 artigos (32, 50%)
PROJETAR 2011 167 (100%) 77 (46,1%) 10,35 % 32 artigos (41,56%)
TOTAL 744 (100%) 270 (36,29) 36,29 % 98 artigos (36,30%)
Fonte: Autora (2013)
Os artigos selecionados abordam questões de: metodologia, projeto, processo,
composição formal, linguagem, conhecimento, teoria e desenho. Considerando o total
dos artigos publicados em todos os eventos [744 artigos], em quatro deles, separamos
uma amostragem que representa mais de 30 % do total de artigos aprovados
[conforme segunda coluna de dados do Quadro 01], com exceção do Projetar 2007,
como justificado, onde selecionamos apenas 4,21%, e, mesmo assim, foram todos os
artigos que trabalham com o ensino de projeto de arquitetura. Os demais estão
relacionados a patrimônio, intervenções em sítios históricos, técnicas de restauração,
entre outros.
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Assim, nossa amostra final para a análise quantitativa representada por cada evento
foi: SEMINÁRIO PROJETAR 1, 2003 [48 artigos - 51,61% dos 93 artigos aprovados];
SEMINÁRIO PROJETAR 2, 2005 [61 artigos - 41,78% dos 146 artigos aprovados];
SEMINÁRIO PROJETAR 3, 2007 [04 artigos - 4,21% dos 95 artigos aprovados];
SEMINÁRIO PROJETAR 4, 2009 [80 artigos - 32,9% dos 243 artigos aprovados] ; e,
SEMINÁRIO PROJETAR 5, 2011 [77 artigos - 46,1% dos 167 artigos aprovados]. Na
última coluna da tabela, apresentamos o que representa essa amostragem com
relação ao total de artigos enviados para todos os eventos, até agora, 744 artigos
desde o primeiro evento em 2003. Esses 270 artigos selecionados constituíram a
nossa amostra de trabalho, e todos eles foram analisados individualmente. Desses 270
artigos [amostra], 98 deles [36,30%] estão referenciados no texto da tese, de acordo
com a pertinência dos temas trabalhados.
A sistematização dos dados, inicialmente, preocupou-se em reunir em planilhas
eletrônicas para computador [Excel] informações básicas dos artigos analisados, como:
Título do trabalho, Nome dos autores, Instituição, Formato do artigo e Palavras-chave.
As informações coletadas foram dispostas em planilhas individuais, uma para cada
edição do PROJETAR [ver Apêndice A].
Posteriormente, os resultados obtidos foram agrupados em gráficos que possibilitaram
identificar uma série de características de cada ano de evento, assim como realizar
uma comparação entre os eventos, proporcionando, por exemplo, a criação de um
perfil dos maiores publicadores [autores] de cada evento ou mesmo das Instituições
que tiveram mais publicações, entre outros.
Logo, os gráficos produzidos possibilitaram ordenar as informações coletadas em
diversos rankings. A amostragem de cada ano de evento aparece com cinco rankings
que foram elaborados da seguinte forma:
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a. Ranking da amostra – publicações por universidades no projetar [anos
individuais]
Nestes gráficos, aparecem todas as Universidades que publicaram no evento do ano
analisado, com seus respectivos números de publicações. [ver análise completa no
Apêndice A]
b. Ranking 01 - publicações por regiões da amostra [anos individuais]
Nesses gráficos, aparecem as regiões do Brasil com seus respectivos números de
publicações no evento do ano analisado. Aqui, foram somadas as publicações de
diferentes Universidades de uma mesma região. Em uma coluna especial, foram
contabilizadas as publicações feitas por Universidades Internacionais. Devemos
ressaltar que neste ranking também entram as publicações que não foram feitas por
pessoas vinculadas às Universidades, e, sim, a outras Instituições como SENAC. [ver
análise completa no Apêndice A]
c. Ranking 02 - publicações por universidades por regiões da amostra [anos
individuais]
Nesse ranking, foi contabilizado o número de Universidades que publicaram em cada
região. Observando-se essas informações no mapa do Brasil, ganham destaque as
regiões que tiveram a maior quantidade de Universidades e outras Instituições, com
publicações no evento do ano analisado. [ver análise completa no Apêndice A]
d. Ranking 03 - publicação dos autores da amostra [anos individuais]
Nesse item, foram contabilizados os autores da amostra que tiveram maior número de
publicações sobre ensino de projeto no evento do ano analisado. Só foram
contabilizados os autores que tiveram duas ou mais publicações. [ver análise completa
no Apêndice A]
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e. Ranking 04 - das palavras-chave da amostra [anos individuais]
Esse gráfico indica os rankings das palavras-chave, da amostra analisada, que foram
mais citadas como: 1ª Palavra-chave, 2ª Palavra-chave, 3ª Palavra-chave. [ver análise
completa no Apêndice A] Para a realização da contagem, primeiramente, foi feito um
agrupamento de palavras que apresentavam significado semelhante ou aproximado.
Foram elas:
Metodologia – Metodologia, Metodologia de projeto, metodologia de ensino,
método de ensino, método de projeto.
Ensino – Ensino, Ensino de arquitetura, Ensino de projeto, Ensino de projeto e
arquitetura, Ensino de projeto arquitetônico, Ensino-Aprendizagem, Estratégias de
aprendizagem de ensino e projeto.
Processo – Processo, Processo de projeto, Processo de projeto arquitetônico,
Processo de concepção, Processo dialético, Processo criativo.
Forma – Forma, Forma arquitetônica, Gramática da forma, Forma como relação,
Identidade formal, Forma urbana.
Projeto – Projeto, Projeto de arquitetura, Projeto arquitetônico, Atividade
projetual, Projetação, Projeto urbano.
Linguagem – Linguagem, Linguística.
Conhecimento – Conhecimento, Conhecimento técnico construtivo, Conhecimento
perceptivo, Construção do conhecimento, Construção social do conhecimento,
Síntese de conhecimento, Comunicação do conhecimento, Conhecimentos prévios,
Saber, Saber docente, articulação do saber.
Teoria –Teoria, Teoria da arquitetura, Teoria arquitetônica, Teoria e história, Teoria
e crítica, Teoria e prática, Teoria, crítica e prática, Teoria da complexidade, Teoria
de projeto, Teoria ator-rede.
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Desenho – Desenho, Maquete, Modelo tridimensional físico, croqui.
Depois do agrupamento, foram selecionadas as palavras-chave que apareciam três ou
mais vezes. As palavras que apareceram uma ou duas vezes foram contabilizadas como
Outros, uma vez que sua relevância no gráfico era mínima no conjunto.
No ano de 2007, como o número de artigos pré-selecionados foi limitado, foram
contabilizadas as palavras-chaves que apareciam duas ou mais vezes. As palavras que
apareciam uma vez foram contabilizadas como Outros, uma vez que sua relevância no
gráfico era mínima.
Para finalizar, foram feitos os rankings TOTAIS, que somam os rankings dos cinco anos
de evento correspondendo, sempre, à amostra dos 270 artigos selecionados.
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O primeiro ranking: Publicação por universidades em cada um dos cinco anos de
evento. O gráfico aparece dividido em cinco partes que caracterizam os cinco anos
de evento, e foram selecionadas as universidades que mais publicaram quatro ou
mais artigos em cada um dos anos individuais. No ranking geral que inclui os cinco
eventos analisados, a UFRJ foi a universidade que mais publicou artigos na área do
ensino de projeto. [ver análise completa no Apêndice A]
Gráfico 01 – Ranking de Publicações por Universidades por Ano
Fonte: Autora (2013)
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O segundo ranking: Publicações das regiões em cada um dos cinco anos de
evento. O gráfico também aparece dividido em cinco partes que caracterizam os
cinco anos de evento e as regiões do Brasil. As Universidades Internacionais estão
separadas por cores. O gráfico mostra a evolução dos números de publicações de
cada região do Brasil e das Instituições Internacionais em cada ano de evento.
Também entram as publicações que não foram feitas por pessoas vinculadas às
Universidades ou que foram feitas por outras Instituições. A região sudeste, que
possui o maior número de escolas de arquitetura, se destaca como aquela que
concentra um maior número de publicações por evento, em todos os anos.[ver
análise completa no Apêndice A]
Gráfico 02 – Ranking de publicações por região e por ano
Fonte: Autora (2013)
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O terceiro ranking: Publicações de universidades por regiões. Nesse ranking,
foram somadas todas as universidades que publicaram nos cinco anos de evento e
agrupadas segundo suas devidas regiões. Em um mapa do Brasil, ganham destaque
as regiões que tiveram a maior quantidade de Universidades publicando durante
os cinco anos. Deve-se ressaltar que na tabela do somatório das universidades
brasileiras, também entram as publicações internacionais e publicações que não
foram feitas por pessoas vinculadas às Universidades, e, sim, a outras Instituições.
[ver análise no Apêndice A]
Gráfico 03 – Ranking de universidades por região
Fonte: Autora (2013)
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O quarto ranking: Regiões que tiveram mais universidades participativas por cada
ano de evento. Nesse gráfico de linhas, é possível ver claramente a evolução da
participação das universidades de cada região do Brasil durante as cinco edições do
PROJETAR. Da mesma maneira, foi levada em consideração a participação das
universidades internacionais. [ver Apêndice A]
Gráfico 04 – Ranking de regiões que tiveram mais universidades participativas por ano
Fonte: Autora (2013)
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O quinto ranking: Regiões que mais publicaram por cada ano de evento. Diz
respeito às mesmas informações do 2º ranking. Nesse gráfico de linhas, porém, é
possível ver claramente a evolução do número de publicações durante as cinco
edições do PROJETAR. Também foram computadas as universidades internacionais
que contribuíram com publicações. [ver Apêndice A]
Gráfico 05 – Ranking de regiões que mais publicaram por ano
Fonte: Autora (2013)
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O sexto ranking: Autores que mais publicaram nos cinco anos de evento. Nesse
gráfico, por motivos de síntese, só foram contabilizados os autores que tiveram
cinco ou mais publicações no total dos cinco anos de evento. [ver Apêndice A]
Gráfico 06 – Ranking total de publicação de autores
Fonte: Autora (2013)
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E, finalmente, o sétimo ranking: Palavras-chave que mais apareceram nos cinco
anos. Segue-se a mesma lógica do agrupamento de palavras utilizado nos rankings
individuais. Porém, por motivos de síntese, só foram selecionadas as palavras-
chave que apareciam dez ou mais vezes. As palavras que apareceram em número
menor que dez foram contabilizadas como Outros, uma vez que sua relevância no
gráfico era mínima. [ver análise completa no Apêndice A]
Gráfico 07 – Ranking total de palavras chave
Fonte: Autora (2013)
Essa metodologia de análise, confrontando resumos, palavras-chave e autores, nos
permitiu perceber quais os artigos nos interessariam pela temática relacionada aos
objetivos do trabalho. Sabíamos que não daríamos conta de trabalhar com todas as
questões levantadas pelos autores e, por isso, a busca de conteúdo se deu em cima de
pontos que foram previamente elaborados de acordo com os objetivos do trabalho e a
abordagem epistemológica e cognitiva que pretendíamos conferir às questões do
ensino-aprendizagem do projeto de arquitetura.
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1.3 ABORDAGEM QUALITATIVA DOS ARTIGOS – Sistematização das Informações
A abordagem qualitativa dos artigos foi direcionada pelos nossos interesses,
relacionados ao processo ensino-aprendizagem do projeto de arquitetura e tendo
como filtro as hipóteses trabalhadas e os objetivos delineados. Assim, definimos
algumas questões que abarcam o universo da pesquisa para que pudéssemos
sistematizar informações, citações, impressões e práticas pedagógicas encontradas nos
artigos da amostra.
Bardin (1979) foi uma referência importante para que pudéssemos compreender os
elementos explícitos, a sistematização e as expressões encontrada nas reflexões dos
autores analisados, considerando o conjunto dos objetivos propostos por cada autor, o
contexto em que se inserem e os nossos objetivos. Aproveitando as possibilidades que
os procedimentos da análise de conteúdo oferecem partimos para a primeira leitura
da amostragem, que segundo Bardin (1979) possui objetivos heurísticos. Essa leitura
colaborou para enriquecer nossa percepção sobre o objeto pesquisado e nos
possibilitou o delineamento das hipóteses e objetivos.
Em seguida, a segunda leitura possibilitou o direcionamento das questões, agora
guiadas pelas hipóteses e objetivos. Durante o desenvolvimento das questões ainda
recorremos várias vezes aos documentos originais, como sugere Bardin (1979) com a
finalidade de averiguar nossas deduções, a relação entre nossas questões e a
pertinência das reflexões dos autores. Dessa maneira, mesmo não seguindo um
percurso completamente linear, pois recorremos várias vezes a etapas anteriores,
acabamos por percorrer as etapas demarcadas por Bardin (1979): pré-análise do
material para seleção; exploração do material selecionado, delineamento das
hipóteses e objetivos e; tratamento do material recolhido e interpretação.
Durante o desenvolvimento das questões ainda recorremos várias vezes aos
documentos originais, como sugere Bardin (1979), com a finalidade de averiguar
nossas deduções, a relação entre nossas questões e a pertinência das reflexões dos
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 73
autores. Dessa maneira, mesmo não seguindo um percurso completamente linear,
pois recorremos várias vezes às etapas anteriores, acabamos por percorrer os
caminhos segeridos pela autora: a - pré-análise do material para seleção; b -
exploração do material selecionado, delineamento das hipóteses e objetivos e; c -
tratamento do material recolhido e interpretação.
Assim, na análise do documento adotado como marco inicial da pesquisa, o livro
organizado por Comas (1986) - “Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina
em renovação” procuramos recolher informações para responder as seguintes
questões: 1 - contexto dos anos 80 aos olhos dos professores; 2 - motivações que
levaram à organização do encontro; 3 - avaliação dos professores sobre a situação do
ensino; 4 - base das críticas sobre a arquitetura e sobre o ensino de projeto; 5 -
principais sugestões para a transformação do ensino do projeto arquitetônico. Essas
questões ainda nos permitiram constituir elementos para refletir sobre: a - o habitus
constituinte; b - os capitais valiosos no contexto do campo da arquitetura; c - os
valores considerados imprescindíveis para a formação do arquiteto; d - natureza e
ensinabilidade do projeto de arquitetura.
Na análise dos artigos selecionados do Projetar, e referentes à amostra trabalhada
[270 artigos], assim como, dos artigos dos dois livros resultantes do Projetar 200337 e
do Projetar 200538, procuramos direcionar nossa investigação para os aspectos do
ensino-aprendizagem do projeto de arquitetura, dentro do universo constituinte da
epistemologia e da cognição, partindo das seguintes questões: 1 - como os professores
de projeto percebem o ensino de projeto de arquitetura, 2 - sua natureza e
ensinabilidade; 3 - quais os sinais existentes de posturas e práticas pedagógicas
37 MARQUES, S.; LARA, F. (Org.). Projetar: Desafios e Conquistas da Pesquisa e do Ensino. Rio de
Janeiro: EVC, 2003b.
38 DUARTE, Cristiane Rose; RHEINGANTZ, Paulo Afonso; AZEVEDO, Giselle; BRONSTEIN, Laís. (Orgs). O
lugar do Projeto no ensino e na pesquisa em arquitetura e urbanismo. Contra Capa, Rio de
Janeiro; 1ª edição, 2007.
É importante que se esclareça que o conteúdo dos dois livros acima citados é composto por artigos que
foram enviados para o evento, os respectivos Seminários Projetar. Dessa maneira, já fazem parte da
amostra dos 270 artigos selecionados para a análise.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|ABORDAGEM METODOLÓGICA|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 74
conservadoras decorrentes de um habitus influenciado por um sistema de
pensamento vinculado às estruturas modernistas de ideário racionalista e
funcionalista; 4 – como os autores definem e trabalham os conceitos de: ideia,
percepção, uso, sistema e discurso; 5 - quais as posturas e práticas pedagógicas mais
significativas que indicam uma transformação desse habitus; 6 - quais os caminhos
sugeridos para que o ensino de projeto de arquitetura se desenvolva com mais
qualidade, nos aspectos didáticos, nos métodos e técnicas de ensino-aprendizagem,
nas estratégias de ensino e na relação teoria x prática; 7 - como a complexidade é
abordada na problemática projetual e quais os caminhos utilizados pelos professores
para possibilitar o aprendizado do projeto de arquitetura sob a lente dessa teoria do
conhecimento. Assim, essas questões acabam por permear todo o trabalho.
A seguir, iniciaremos o desenvolvimento das questões trabalhadas tratando das
discussões sobre a constituição do campo da arquitetura, seus capitais valiosos e os
mecanismos de conservação, reprodução e transformação desses valores.
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 75
CONSERVAÇ ÃO, REPRODUÇ ÃO E TRANSFORMAÇ ÃO
A definição das lentes de observação deste trabalho, abordada neste capítulo, é feita
por meio de três conceitos relacionados à teoria prática de Pierre Bourdieu: o conceito
de habitus, de campo e de capital. O propósito dessa escolha recai sobre a
possibilidade de se analisar, por meio da sociologia da educação, o ensino de projeto
de arquitetura, destacando-se os principais elementos que contribuíram para a
formação de estruturas - paradigmas e posturas pedagógicas - que perduram e se
reproduzem no âmbito acadêmico e no espaço social da profissão.
Os autores39 analisados e citados neste capítulo abordam de maneira direta tais
questões, ora utilizando-se da sociologia da educação como referencial teórico, ora
utilizando-se de outros pensadores que partilham sua opinião sobre o tema. Bourdieu
é um referencial teórico bastante utilizado na arquitetura. Por sua vez, o sociólogo
também já trabalhou no campo da arquitetura desde a sua contribuição ao livro de
Panofsky, quando se apropria do conceito de habitus, a partir do postface da versão
francesa de Arquitetura Gótica e Pensamento Escolástico, Panofsky (1967)40, iniciando
a sua contribuição com a seguinte frase: “Arquitetura gótica e pensamento escolástico
é, com certeza, um dos mais belos desafios que já se fez ao positivismo41.” 42 Bourdieu
39 Estamos nos referindo à amostra de trabalhos analisada da produção dos Seminários Projetar, no livro
organizado por Comas(1989) e aqueles que colaboram com as reflexões.
40 BOURDIEU, Pierre. Estrutura, habitus e prática. In:BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas
simbólicas. Tradução de Wilson Campos Vieira. 6ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. cap. 8, p. 337-361.
Título original: Postface, à Architecture gothique et pensée scolastique, de Erwin Panofsky. Publicado
originalmente em 1967.
41 Para Vianna Neto (2008, p.812-821), Panofsky formou-se no contexto da segunda geração de críticos
alemães de formação histórico-positivista, onde a visão da Ciência da Cultura, ora abrangente,
preocupava-se mais com a compreensão de dados e menos com a sua acumulação, assemelhando-se à
História da Cultura de Buckhardt*. Nesse período, Panofsky aproxima-se da ideia basal para o conceito
2 do ensino de projeto da arquitetura.
Campo da arquitetura, habitus e capitais valiosos
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSERVAÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 76
surpreende-se com a pretensão de Panofsky em comparar a Suma Escolástica com a
Catedral Gótica, encontrando nas duas expressões uma identidade de métodos, um
parentesco estrutural expresso na disposição e ordenação de elementos, e uma
conciliação harmoniosa dos contrários. Para Bourdieu (2007), Panofsky valeu-se de
seus estudos iconológicos, expandindo suas fronteiras, para estabelecer de que
maneira o hábito mental produzido pela filosofia escolástica pode ter influenciado a
arquitetura gótica, estabelecendo uma relação de causa e efeito.
No caminho da utilização da preciosa ‘caixa de ferramentas’ do sociólogo e dentro de
uma visão aplicada à arquitetura, temos o livro ‘O círculo Privilegiado’ de Garry Stevens
(1998, 2003) que utiliza o aparato analítico do sociólogo para desvendar a base social
para o desenvolvimento intelectual, afirmando que, além do talento para a profissão,
existe uma “gênese social” para a ocorrência da concepção arquitetônica. Essa gênese
relaciona-se às estruturas sociais nas quais os indivíduos estão inseridos.
Outro exemplo é o livro/dissertação de José Carlos Garcia Durand43(1972): “A profissão
de arquiteto”. É estudo aplicado em que o autor faz uma exploração sociológica da
ocupação do arquiteto no setor terciário do sistema produtivo, traçada por condições
sociais que favoreceram a diversificação da atuação desse profissional no setor. Ainda
de habitus, que desenvolveria mais tarde; no entanto, nesse momento, ainda sob o efeito do
Formalismo Russo e do “New Criticism” especula que as produções artísticas são resultados de
formulações da matéria e não de afirmações feitas pelo sujeito. Analisando suas obras posteriores, como
a referida “Arquitetura Gótica e Pensamento Escolástico” e seus estudos sobre iconologia, percebe-se a
ocorrência de uma superação da sua historiografia de formação, representada pelo seu distanciamento
das influências dos paradigmas formalistas, e pela definição de uma metodologia própria, consolidando
um novo paradigma historiográfico.
* Para situar o leitor, em sua principal obra, “A cultura do renascimento na Itália”, Burckhardt procura
analisar a cultura sob diversos aspectos: o efeito da cultura sobre a política na intenção de criar uma
nova concepção de Estado, “o Estado como obra de arte”; o efeito da cultura sobre a religião, o
despertar da Antiguidade, a sociabilidade e as festividades, finalizando com questões relacionadas ao
desenvolvimento do indivíduo e do descobrimento do mundo e do homem. (BURKE, 2003, In:
BURCKHARDT, 2003) - BURCKHARDT, J. A cultura do Renascimento na Itália : um ensaio. Trad. Sérgio
Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
42 Bourdieu (2007,p.337)
43 DURAND, José Carlos Garcia. A profissão de arquiteto. Estudo Sociológico. Tese de Mestrado
apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, novembro de 1972.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSERVAÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 77
desse mesmo autor, “Le Corbusier no Brasil. Negociação Política e Renovação
Arquitetônica. Contribuição à história social da arquitetura brasileira44”.
No contexto acadêmico mais recente, encontramos a dissertação e a tese de Cláudia
Arcipreste que, se utilizando de conceitos do sociólogo, aborda, respectivamente: “A
prática pedagógica do projeto de arquitetura: reflexões a partir dos processos de
avaliação da aprendizagem” (2002), em que a autora analisou essas práticas
pedagógicas por meio dos TFG´s – Trabalho Final de Graduação; e “Entre o discurso e o
fazer arquitetônico: reflexões sobre o ensino de arquitetura e urbanismo e seus
referenciais a partir do trabalho final de graduação” (2012). Igualmente, vários autores
analisados nas cinco versões do Seminário Projetar utilizam o sociólogo como
referência para as suas reflexões como apresentamos ao longo do texto, em
momentos relacionados às questões abordadas.
Assim, no espaço deste capítulo, pretendemos responder as seguintes questões: Que
capitais são valiosos para o campo da arquitetura? De que maneira as práticas e
paradigmas se reproduzem e se transformam no âmbito do ensino de projeto? Qual a
gênese do habitus moderno de ideário racionalista e funcionalista e, que
características podem defini-lo? Essa última questão nos conduz para a possível
relação que pode existir entre os sistemas de pensamentos forjados desde o advento
da Ciência Moderna e sua concepção de mundo, baseada nos avanços científicos e na
experimentação como caminho para o verdadeiro conhecimento, e a concepção e o
ensino do projeto de arquitetura modernista. Essas questões estão na base da nossa
primeira hipótese: O habitus incorporado por professores, ao longo dos diferentes
processos de socialização pelos quais passaram e, principalmente, aqueles
decorrentes de sua formação profissional, que trouxeram a influência de princípios
modernistas de ordem racionalista, colabora para a reprodução de práticas
pedagógicas prescritivas, ao mesmo tempo em que dificulta a transformação do
ensino de projeto de arquitetura. Para isso, nos interessa compreender a gênese
44 DURAND, José Carlos Garcia. Le Corbusier no Brasil. Negociação Política e Renovação Arquitetônica.
Contribuição à história social da arquitetura brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, RBCS, No.
16, Ano 6, julho de 1991.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSERVAÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 78
desse habitus moderno que ainda influencia a concepção e o ensino do projeto
atualmente, conforme colocação de alguns autores analisados.
Apesar dos estudos e experiências que buscam uma nova leitura da cidade, da
arquitetura e dos seus signos, o currículo oculto da disciplina de projeto de
arquitetura segue fiel às suas raízes acadêmico-modernistas. No atelier, ainda,
predominam práticas baseadas nos modelos intuitivos (‘caixa-preta’) do
determinismo expressivo e racional (‘caixa de vidro’) do determinismo
operacional do partido. (RHEINGANTZ, 2003, p.111)
O ato de projetar em si não muda, mudam-se os valores dados a este ou
aquele elemento, esta ou aquela solução formal. A maneira de se chegar a
uma solução formal a partir da análise do programa, passando por diagramas
simples que vão gradualmente se tornando desenhos mais precisos e
elaborados, é a mesma desde a Bauhaus. Estes croquis iniciais são geralmente
uma planta, algumas vezes uma volumetria e muito raramente uma seção [...]
Mesmo quando se trata de uma inserção num contexto consolidado e de valor
histórico onde a fachada é fundamental, parte-se rapidamente para a
articulação dos espaços internos e os croquis de planta. Esta valorização da
planta como geradora da forma é herança do processo funcionalista/
racionalista depurado pela Bauhaus, ainda que o discurso formal e as
características espaciais sejam absolutamente distantes das vanguardas do
início do século XX. (LARA, 2003, p. 60)
O pensamento hegemônico cria regras, padrões. Esses dizem respeito a
processos de produção atrelados às noções de racionalidade (filiada ao espaço
hegemônico), feitos de maneira ordenada e repetitiva, estabelecidos por
diretrizes que (por sua vez) seguem normas e regras previamente definidas por
saberes já reconhecidos – a racionalidade da padronização vislumbra e
justifica-se por criar a civilidade e o direito a termos os mesmos direitos
(apesar das diferenças), estabelece a norma para o trabalho, permite a
industrialização como meio de produção gerenciada e planejada, almeja a
eficiência nos processos, o que permite uma contínua aceleração da repetição
desses mesmos processos. (MARQUES, 2011)
Assim, aplicando os conceitos de Bourdieu, o habitus é o princípio que rege a lógica
das práticas sociais. No caso do campo da arquitetura, orienta os percursos dos
arquitetos nas instâncias consagradoras e reprodutoras desse habitus – vistas aqui,
como os cursos de arquitetura e urbanismo. Mais adiante, veremos com profundidade
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSERVAÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 79
a natureza do habitus adotado neste trabalho e as possibilidades de sua
transformação.
Para Bourdieu (2007, p. 206), os indivíduos dotados de estruturas de percepção, de
pensamento e de ação semelhantes são constituintes de um sistema de ensino,
“partilham certo ’espírito’, literário ou científico [...] Tendo sido moldados segundo o
mesmo ‘modelo’ (pattern), os espíritos assim modelados (patterned) encontram-se
predispostos a manter com seus pares uma relação de cumplicidade e comunicação
imediatas.” Somam-se a esse fato, as questões relacionadas à época de formação e aos
principais temas pautados em seu tempo. Nesse aspecto, sujeitos que vivenciaram
determinado sistema de pensamento, em épocas aproximadas, compartilham
paradigmas, anseios, gostos, sistemas de modelos, representações, regras, linguagens
e questões, produtos da incorporação dos esquemas de pensamento que
predominaram na sua formação e no espaço social ao qual pertence. Como diz o autor:
Muito provavelmente, poder-se-ia definir para cada época, além de um lote
de temas comuns, uma constelação particular de esquemas dominantes e um
número de ‘perfis epistemológicos’ [...] correspondente às escolas de
pensamento. (BOURDIEU, 2007, p.209-210 – grifo nosso)
Em Bourdieu (2007), o sujeito herda da aprendizagem escolar um conjunto de
esquemas fundamentais que são naturalmente interiorizados por meio das práticas,
ações e valores por ele vivenciados, no contexto escolar.
Assim, o discurso de uma pessoa, os valores por ela defendidos possuem fortes
relações com a posição e a localização desse indivíduo no campo social ao qual
pertence. O habitus45 constituinte de sua herança familiar, de sua formação, de suas
“crenças” e da posição sócio-histórica que ocupa, assim como das relações simbólicas
que trava com os indivíduos de outras classes e campos, influenciará na maneira pela
qual esse indivíduo contribui com a reprodução desses valores no seu campo de
atuação. (BOURDIEU, 1983 in: ORTIZ, 1983b; STEVENS, 2003; BOURDIEU, 2007)
45 Bourdieu (2007, p. 337-361)(in: ORTIZ, 1983b, p. 60-81)
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 80
Nossa hipótese se justifica pela grande representação e importância que foi o
modernismo para a formação de gerações de arquitetos que ainda hoje possuem forte
influência e poder simbólico no espaço social da profissão, e em diversas esferas do
campo da arquitetura, em especial no seu ensino. Esse sistema de pensamento e de
práticas adquiridos por meio dos processos sociais vivenciados no modernismo
arquitetônico brasileiro constituiu um habitus individual e de grupos, que acondiciona
as práticas pedagógicas e profissionais, reproduzindo os valores, o capital cultural, os
pensamentos e as percepções. A arquitetura moderna e seus preceitos projetuais
ainda representa um terreno seguro tanto no ensino, quanto na prática projetual,
como afirma o professor Edson Mahfuz.
Em busca de reorientação do pensamento projetual num momento de
dúvidas, é para a arquitetura moderna que nos voltamos, por mais paradoxal
que isso possa parecer, pois ela tem sido considerada morta e ultrapassada há
pelo menos trinta anos. O conceito de construção formal, fundamental para a
concepção moderna, continua sendo de extrema utilidade para a prática e o
ensino de arquitetura. (MAHFUZ, 2003, p.9 – grifo nosso)
Stevens (2003), referindo-se ao pensamento do sociólogo francês, reforça que não
existe uma neutralidade em processos de socialização, principalmente aqueles
relacionados às instituições de ensino.
Ninguém desenvolve teorias em um vácuo social – há sempre alguma
motivação pessoal subjacente e devemos estar sempre alerta para esse fato.
Qualquer tentativa por parte de um teórico de reivindicar uma objetividade
divina é muito pior do que ingênua, é perigosamente enganosa, uma vez que
disfarça o que bem pode ser fortes preconceitos pessoais com uma fachada de
´ciência objetiva` [...] o pesquisador não é um observador e analista neutro.
Não se pode discutir a teoria sem que se discuta o homem que teoriza.
(STEVENS, 2003, p. 48 – grifo nosso)
Não obstante, essa constatação do aspecto duradouro do habitus, esse aspecto não
institui um estado permanente e imutável. A própria natureza do ‘habitus’, segundo
Bourdieu, na representação de suas estruturas subjetivas (pensamentos, ações,
percepções), está em constante transformação, mas depende da capacidade do sujeito
de refletir sobre suas ações e pensamento. “Um pensador participa de sua sociedade e
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSERVAÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 81
de sua época, primeiro através do inconsciente cultural captado por intermédio de
suas aprendizagens intelectuais e, em especial, por sua formação escolar.”
Posteriormente, pela sua capacidade de reflexão crítica e abertura para novas
configurações estruturais, o habitus pode ser superado. (BOURDIEU, 2007, p.210)
[...] habitus - entendido como um sistema de disposições duráveis e
transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada
momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações - e
torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às
transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983, p.65 – grifo
nosso)
Nessa mesma linha de pensamento, Behrens (2007) 46, em investigações com docentes
da educação superior, afirma que o professor é influenciado pelo paradigma da sua
própria formação, mas que, mesmo sob essa influência, a concepção ou tendência
pedagógica que caracteriza a ação docente pode ser modificada ao longo de sua
trajetória profissional. Segundo a autora, paradigmas sempre influenciaram diversas
áreas de conhecimento e se manifestaram com diferentes denominações como:
“tendências, abordagens e concepções, entre outros termos.” (BEHRENS, 2007, p. 440)
A seguir, para que possamos apresentar o recorte contextual sobre o qual
trabalhamos, discorremos sobre a nossa visão com relação à constituição do campo da
arquitetura, balizados pelas colocações de professores de arquitetura, para que
possamos adentrar os aspectos que envolvem a primeira questão: Que capitais são
valiosos para o campo da arquitetura?
46 BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma da complexidade na formação e no desenvolvimento
profissional de professores universitários. Revista Educação. Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p.
439-455, set./dez. 2007. Acessado em 07/03/2013: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs
/index.php/faced/article/viewFile/2742/2089
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 82
2.1 CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA ARQUITETURA E CAPITAIS VALIOSOS
Um campo é constituído por estruturas próprias desse campo que vivem num
estado de relações de forças entre os agentes ou instituições envolvidas e
partes constituintes desse próprio campo. São lutas pelo poder, pela
distribuição de capitais específicos, que, acumulados no decorrer de lutas
anteriores, orientam as estratégias posteriores. Essa estrutura de forças faz
parte dos princípios da transformação, inerente ao devir de cada campo. São
essas lutas de valores, ou as trocas simbólicas que promovem a conservação
ou transformação dos capitais valorosos para o campo. (BOURDIEU, 1984,
p.119)47
A primeira elaboração do conceito de campo, por Bourdieu (1989, p. 59-73), decorreu
de uma leitura do capítulo de Wirtschaft und Gesellschaft consagrado à sociologia
religiosa e dominada pela referência permanente ao campo intelectual. Após colocar o
conceito elaborado sob a aplicação de domínios diferentes como – alta costura,
literatura, filosofia, política, entre outros, - e de percebê-lo em ação, com suas
variantes e invariantes, a teoria geral dos campos foi, em cada tempo, aprimorando-
se48. Um ponto importante nesse aperfeiçoamento foi perceber que o modo de
pensamento da economia e os seus conceitos, como concorrência, monopólio, oferta,
procura etc., se aplicavam a outros domínios fora da economia, nas relações entre os
capitais envolvidos no campo – cultural, social, simbólico e econômico. Assim, a teoria
geral da economia dos campos permitiu a Bourdieu:
47 BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Tradução Miguel Serras Pereira. Lisboa: Le Éditions de
Minuit, 1984.
48 Um dos grandes diferenciais da sociologia de Bourdieu é o seu caráter prático, baseado na praxiologia,
uma translação teórica entre a fenomenologia e o objetivismo, criada pelo sociólogo como uma terceira
forma de conhecimento. Assim, todos os conceitos elaborados são constantemente aplicados em
contextos sociais diversos e sofrem transformações que os aprimoram e os mantêm atualizados. Como o
próprio teórico denomina, a sua teoria é uma teoria prática e não teoria teórica, reforçando seu ideal de
romper com as bases estruturalistas.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 83
[...] descrever e definir a forma específica de que se revestem, em cada campo,
os mecanismos e os conceitos mais gerais (capital, investimento, ganho) [...]
Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a
necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que
nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é
explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-
motivado os atos dos produtores e as obras por eles produzidas, e não como
geralmente se julga, reduzir ou destruir.” (BOURDIEU, 1989, p.69)
Para Bourdieu (1984, 1989, 2007), um campo se constitui quando adquire autonomia
em relação a outros campos, ditando suas próprias regras, padrões e juízos de valores.
O campo da arquitetura diferenciou-se em relação ao campo das artes plásticas, em
relação à engenharia, em relação ao campo da sociologia, por exemplo. Apesar de
possuir envolvimento e relações de parcerias com todos eles, consolidou propriedades
herdadas pela sua produção histórica e por predecessores que perpetuaram um
modus operandi resultante de um modus essendi, uma razão de ser. Bourdieu se
refere a essa lógica como processo de autonomização.49
Esse processo de autonomização é, portanto, necessário à constituição de um campo,
mas isso não significa que não possam existir influências de outros campos, nas suas
esferas intelectuais, científicas, de mercado, econômicas e de conhecimento. Por outro
lado, seria descaracterizar a natureza disciplinar da arquitetura se o seu objeto de
referência, a própria arquitetura, fosse completamente independente das
necessidades sociais, ainda que, considerando os devaneios estéticos protegidos pelos
defensores da ‘arquitetura pela arquitetura’, ou da ‘arte pela arte’.
Stevens (2003) considera que o campo da arquitetura, assim como outros campos
culturais, é um campo semiautônomo. Os clientes interferem, a economia limita, as
autoridades colocam vários tipos de requerimentos, e quase sempre os custos definem
as tomadas de decisão. Na arquitetura, não existe indulgência sem concessões, até
49 Destarte, o processo de autonomização da produção intelectual e artística é correlato à constituição de
uma categoria socialmente distinta de artistas ou de intelectuais profissionais, cada vez mais inclinados
a levar em conta exclusivamente as regras firmadas pela tradição propriamente intelectual ou artística
herdada de seus predecessores, e que lhes fornece um ponto de partida ou um ponto de ruptura, e cada
vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda e qualquer dependência social [...]
(BOURDIEU, 2007, p.101)
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 84
mesmo para aqueles arquitetos “estrelas”, de maior reputação, com grande
quantidade de capital simbólico.
Nenhuma área do campo cultural restrito (tais como a escultura, a poesia, a
pintura, a música) está tão amarrada a outros campos sociais e é, portanto,
menos autônoma. A tremenda tensão que isso cria no interior da arquitetura
manifesta-se em uma variada sintomatologia: a teoria arquitetônica nunca se
recuperou da perda das certezas do modernismo; os arquitetos preocupam-se
com a sua perda de influência na indústria da construção; o sistema
educacional parece inadequado; as associações profissionais estão destroçadas
e sem rumo. (STEVENS, 2003, p.113 – grifo nosso)
Nesse sentido, o campo da arquitetura possui as características estruturais de um
campo cultural50 e se sustenta por meio de jogos de valores, entre seus capitais
estimados, como a própria arquitetura, os sistemas de pensamento e suas práticas.
Para Stevens (2003, p. 10), o campo da arquitetura é uma entidade social, que
“estrutura todo o universo social do arquiteto e do qual os arquitetos são apenas uma
parte”.
Do campo da arquitetura, portanto, fazem parte os arquitetos, em suas diversas
especialidades, que são responsáveis pela teoria, pela crítica e pelo corpo de saberes
que alimentam a produção da arquitetura e sua regulamentação, como, também, pela
educação de seus pares, outros arquitetos, formados sob a égide do que é considerado
pelo campo como capital cultural representativo urdido ao longo da história da
disciplina. Além dos arquitetos, fazem parte desse campo um corpo de profissionais,
agentes e instituições envolvidas, de alguma maneira, com o universo da arquitetura e
suas estruturas de funcionamento. Assim, podemos considerar que o campo da
arquitetura envolve desde as entidades formadoras e associações de classe até
empresas relacionadas à arquitetura, ou áreas vinculadas às suas atribuições.
No Brasil, apesar de as discussões pela autonomia da profissão do arquiteto
remontarem às últimas décadas do século XIX, segundo Oliveira (2011, p. 64), só a
partir da década de 1930, com “a criação de leis regulamentadoras para o exercício da
50 Ver Stevens, 2003, p. 83-142
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 85
arquitetura e de outras profissões liberais”, é que tivemos o fim de um período
representado por mais de três séculos, durante o qual, o exercício profissional foi
formalmente livre, e a formação do arquiteto permeada de saberes relacionados às
belas artes ou às politécnicas, não tendo um corpo doutrinário próprio que pudesse
definir com clareza suas diretrizes pedagógicas. Esse período foi, portanto, de grandes
conquistas para a arquitetura, tanto no seu exercício, com as obras modernas que
despontavam, como para o seu sistema de ensino-aprendizagem, como a oficialização
do seu ensino.
Assim, mesmo considerando que a profissão de arquiteto remonta ao renascimento e,
no Brasil, profissionais que produziram arquitetura estiveram presentes desde a sua
colonização, oriundos de outros países e representados por diversas categorias
profissionais, neste trabalho, adotaremos a constituição da autonomia legal da
arquitetura no Brasil a partir do seu marco regulatório de 1933, por meio do Decreto
No. 23.569/33 que regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de
agrimensor.
Para exercer o controle e a fiscalização dessas profissões, o referido decreto constituiu
um único órgão, o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea), ao qual se
integraram os Conselhos Regionais (Crea), criando um conselho múltiplo, segundo
Oliveira (2011, p.198)51, “caso único nas experiências de regulamentação profissional
havidas na época de sua edição, tanto no Brasil como no exterior”.
Recentemente, por meio da Lei Nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010, finalmente os
arquitetos constituíram o seu conselho próprio, Conselho de Arquitetura e Urbanismo
do Brasil - CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do
Distrito Federal – CAUs, podendo ter sua atuação regulamentada de forma
51 Excelente trabalho que analisa em profundidade o sistema instituído pelo governo federal em 1933
para controlar a prática profissional da arquitetura no Brasil – o Confea/Crea – bem como fatores
históricos que levaram à sua criação. VER: OLIVEIRA, Francisco Antônio. A regulamentação do
exercício profissional da arquitetura no Brasil. Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 2011.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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independente dos engenheiros e demais profissionais integrantes do sistema
CONFEA/CREA.
Pode parecer que a palavra ‘campo’ seja vaga52 para definir a abrangência de uma
determinada área, mas trata-se de um universo social com propriedades definidas, um
campo de batalha e de forças travadas ao longo da história por seus agentes, em busca
do controle dos recursos e capitais valiosos para esse campo. No campo da
arquitetura, “os arquitetos competem pela posição de grandes criadores, uma forma
de capital simbólico”, que, para outros campos, como o religioso, por exemplo, não
possui valor algum. “O capital de um campo somente tem significado naquele campo;
portanto, seu valor depende do estado do todo e está sujeito às desvalorizações ou
reavaliações à medida que muda o estado do campo.” (STEVENS, 2003, p.91)
Por meio de Bourdieu, Arcipreste (2012, p.28) interpreta que “os campos desenvolvem
um conjunto de valores, normas, práticas e modos de percepção adquiridos e
compartilhados por seus agentes por meio do habitus - estruturas cognitivas e
avaliadoras internalizadas que orientam os percursos dos agentes no espaço social”.
Esse conjunto de valores, do qual comenta a autora, são os capitais definidos por
Bourdieu como estruturas objetivas que, de certa forma, definem os campos.
A estrutura de um campo é um estado da relação de forças entre os
agentes ou as instituições envolvidas na luta ou, se se preferir, da
distribuição do capital específico que, acumulado no decorrer das lutas
anteriores, orienta as estratégias posteriores [...]Falar de capital
específico é dizer que o capital vale em relação com um certo campo,
portanto, nos limites desse campo, e que não é convertível numa outra
espécie de capital a não ser em certas condições. (BOURDIEU,1984, p.
120-121)
Para o campo da arquitetura, a tarefa de projetar sempre foi, historicamente, a mais
valiosa no contexto das atribuições profissionais. Ser um bom arquiteto sempre foi
sinônimo de ser um bom projetista. Quando se comenta que alguém é um bom
arquiteto, não se imagina que ele possa ser um bom teórico, ou um bom professor, o
52 STEVENS (2003)
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imaginário conduz à imagem em torno daquele profissional que é capaz de realizar
bons projetos. De maneira que o ‘saber fazer projetos’ sempre constituiu um dos
capitais mais valiosos do campo da arquitetura. Confunde-se com a própria essência da
profissão, embora todos saibam que nem só de projetos vive um arquiteto. A
importância do ‘fazer projetos’ e do ‘ensinar projeto’ sempre foi destaque nas
estruturas acadêmicas oficiais de formação de arquitetos, por meio das disciplinas que
envolvem essa habilidade, mantendo em alta essa forma de capital.
Stevens (2003), em seu esforço por transferir parte da teoria sociológica de Bourdieu
para o campo da arquitetura, reforça que os campos são compostos por indivíduos que
tentam, ao máximo, valorizar suas formas de capital, uma vez que são estruturas
objetivas que representam valores em cada campo. (STEVENS, 2003; BOURDIEU,
1989)53
Por meio da teoria de Bourdieu, Stevens (2003, p.74-77) esclarece que um campo
cultural, como o da arquitetura, é aquele no qual o poder simbólico atua para “criar,
legitimar e reproduzir a estrutura de classes, um sistema de desigualdades” entre os
agentes pertencentes do mesmo campo. Esse poder simbólico é utilizado pelas classes
dominantes para perpetuar os valores hegemônicos por elas defendidos. A aquisição
desse poder simbólico se faz por meio da posse de capital cultural. O capital cultural,
de acordo com a classificação de Stevens (2003), pode apresentar quatro formas
básicas: institucionalizada, objetivada, social e corporificada.
O capital cultural institucionalizado é constituído por “qualificações acadêmicas e
realizações educacionais, saber coisas e ser certificado como alguém que as conhece”.
(STEVENS, 2003, p.76)
O capital objetivado é constituído por “objetos simbólicos produzidos na sociedade”.
(STEVENS, 2003, p.76)
53 BOURDIEU, Pierre. A gênese dos conceitos de habitus e campo. In: BOURDIEU, Pierre. O poder
simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro: 1989.
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O capital social “consiste de redes duráveis de pessoas com as quais se pode contar
para apoio e auxílio ao longo da vida[...] Naturalmente, quanto maior o capital
concentrado nos membros individuais de uma rede social, mais alto será o valor
daquela rede [...]”(STEVENS, 2003, p.76)
A quarta forma de capital cultural é muito mais sutil. “A posse de bens ou qualificações
é um modo de possuir capital cultural, mas há uma outra maneira de possuí-lo,
simplesmente pelo fato de se ser culto. Isto é o capital cultural corporificado”, cujo
significado para Bourdieu é o de que ele “existe no íntimo dos indivíduos, sob a forma
de atitudes, gostos, preferências e comportamentos.” STEVENS (2003, p.76-77)
No campo da arquitetura, podemos considerar como capital institucionalizado aqueles
valores adquiridos no domínio da academia, como os títulos profissionais e
acadêmicos de mestres, doutores, pós-doutores, menções honrosas e toda espécie de
legitimação de graus de conhecimento que distinguem seus agentes na esfera social
do campo. Além disso, constitui um capital institucionalizado o savoir faire próprio da
arte de projetar, já abordado anteriormente, que diferencia e valoriza os agentes que
com ele se destacam. Saber projetar, fazer arquitetura, ensinar a projetar, saber
desenhar e representar são capitais valiosos dentro do campo da arquitetura. Hoje,
alguns outros capitais começam a se destacar e serem valorizados, como, por exemplo,
o domínio das habilidades computacionais e os conhecimentos relacionados ao
projetar sustentável. Quanto ao domínio das ferramentas computacionais, a maioria
dos autores pesquisados argumenta que, apesar das suas benesses inquestionáveis,
essas não substituem os modos tradicionais, mas somam-se a elas como meios de
interlocução com o pensamento durante o processo de concepção.
Na era da informática, o desenho a mão livre e a maquete de papel correm o
risco de desaparecer das faculdades de arquitetura. Entretanto, mesmo diante
da enorme resistência dos estudantes, acredita-se que esses artefatos –
“artefato (no sentido geral de arte factu, feito com arte, pertencente ao
domínio do artificial” (CASTRO OLIVEIRA, R. 2000, p. 7) -- cumprem um papel
fundamental durante o processo de projeto e seguem sendo métodos
eficientes no âmbito do ensino. (MACHADO, 2011, n.p.)
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Os meios digitais não substituem a maquete. Essa constitui uma forte aliada
dos desenhos e não representa um retrocesso, mas um acelerador do processo
de projetar. A linguagem da maquete, como a do desenho, é universal,
atuando como um anexo de memória, um instrumento de diálogo, do
arquiteto consigo próprio e com o mundo pedagógico, ou do
escritório.(MACHADO, 2011, n.p.)
No entanto, pesquisadores54 apontam os avanços científicos na área da computação e
dos sistemas de informação como grandes responsáveis pela Revolução Cognitiva que
tem contribuído para as novas formas de aprendizado. Na arquitetura, por exemplo,
ainda não exploramos, suficientemente, as inúmeras possibilidades que esse
desenvolvimento pode trazer para as novas modalidades de concepções coletivas.
Ainda, como capital objetivado, constituído por objetos simbólicos, temos as próprias
obras arquitetônicas de valor reconhecido, relativo a cada grupo, que expressam a
cultura e o modus operandi das estruturas de pensamento e das práticas dominantes.
Ainda podemos considerar parte desse capital o ‘discurso’ do arquiteto, a maneira pela
qual os arquitetos se expressam, conceituam e justificam suas criações. Veremos no
capítulo 05 como o discurso contribui com o processo de concepção.
[...] a maneira como os arquitetos desenvolvem o seu trabalho é
orientada, pelo conjunto de ideias – a matriz conceitual na qual se insere
que exprime sua concepção sobre o significado do trabalho e está
contido em seu discurso. Ainda que não se refira necessariamente ao
modo como realiza o trabalho, o discurso orienta suas práticas e o
conjunto de relações sociais que articulam os processos de trabalho. (KATO;
RIGHI, 2011, n.p.)
O recurso discursivo também é analisado por Marques e Loureiro (2003, p. 51) como
um capital favorável às difíceis disputas de oportunidades do arquiteto no mercado de
projeto. A escrita e a atividade acadêmica “podem constituir importantes recursos a
serem mobilizados junto aos novos intermediários culturais, que ajudam a transmitir
os bens culturais e o estilo de vida dos intelectuais a um público mais amplo [...]
escrever e falar pode findar por atrair uma clientela potencial.” Assim, acompanhando
54 Ver Castañon (2006, 2007, 2010); Chupin (2003, 2013); Rocha (2009); Celani (2003).
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as reflexões das autoras, o discurso também pode ser considerado um capital
institucionalizado, uma vez que se torna moeda valiosa e vem sendo aprimorado por
meio da expansão da própria pesquisa acadêmica.
Em contrapartida, apesar da valorização do ‘discurso’ como um capital cultural no
contexto do campo da arquitetura, o discurso do arquiteto e todos os conceitos
utilizados para justificar os projetos podem também acabar por criar um processo de
‘estranhamento do público’, afastando o profissional de objetivos mais populares
junto à sociedade, como argumentam as autoras abaixo, em pesquisa com o propósito
de compreender essa contradição histórica e social que teve o seu prelúdio no século
XIX:
Dizer que “arquiteto sempre tem conceito” e que isso seria um “problema”
expressa, sem nenhum pudor, o estranhamento do público em relação às
aspirações dos arquitetos. Enquanto esse público espera alternativas para
solucionar questões espaciais e construtivas relativamente simples, os
arquitetos oferecem projetos fundados em noções abstratas, que vão de
doutrinas estilísticas a metáforas do universo literário ou filosófico. (KAPP;
NOGUEIRA; BALTAZAR, 2009, p.05)
Assim, o que para o campo é um capital valioso, para alguns grupos da sociedade
parece ser um elemento de empecilho ao convívio profissional mais democrático e
conciliador. O arquiteto deve ter a capacidade de direcionar o seu discurso de acordo
com o perfil do público receptor para tornar-se um profissional acessível e mais útil à
sociedade.
O capital social é constituído ao longo de toda a vida e nas diversas esferas de
participação dos sujeitos. São relações de pessoas que possuem interesses comuns,
lutam por causas semelhantes ou se aproximam para poder ascender às posições
superiores almejadas dentro do campo. São as instituições, os institutos profissionais,
as redes de pesquisadores, as redes de avaliadores e grupos de profissionais que
defendem seus habitus e interesses.
O capital corporificado pode ser adquirido por meio das oportunidades oferecidas ou
conquistadas pelos sujeitos e que, de alguma forma, lhes atribui conhecimento, cultura
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e gostos. Viagens, objetos de design, livros, acesso a teatros, cinemas, bons
restaurantes, entre outros. E, ainda, profissionais que não possuem uma formação
oficializada, mas que, por meio de suas práticas profissionais ou artísticas
reconhecidamente talentosas, conseguiram respeito e admiração entre os seus pares,
acabando por adquirir um capital importante dentro do campo. É o caso de José
Zanine Caldas, que, em sua prática, atuou na área do paisagismo, no design de móveis
e na arquitetura de forma autodidata. Pelo domínio da técnica e dos materiais, Zanine
ficou conhecido como o ‘mestre da madeira’ e foi reconhecido como arquiteto honoris
causa tendo o título entregue por Lúcio Costa, em 1991, por meio do IAB – Instituto de
Arquitetos do Brasil.
A definição do que é considerado valioso dentro de um campo é um exercício
dinâmico e aberto, sujeito a recortes ou destaques de acordo com o perfil de cada
grupo. Como campo, a arquitetura brasileira possui um legado histórico
representativo, que prefigura no imaginário da cultura arquitetônica brasileira por suas
propriedades e especificidades. Esse legado histórico também é responsável pela
constituição do campo, na medida em que se faz reconhecida por um ‘corpus
disciplinar’ específico, constituído ao longo da história por meio dos Tratados do
Renascimento, como reconhecem Amaral e Oliveira (2011). Nesse período, passamos a
ter uma organização específica sobre um saber teórico e prático que passou a definir a
essência da arquitetura. No momento em que a arquitetura passou a ter uma
dimensão científica e intelectual, a teoria como crítica e história, passou a ser a
maneira encontrada pela disciplina para colaborar e dar sentido à prática empírica.
Assim como o seu inverso, a prática contribuiu para a reflexão teórica.
Por um lado, esse procedimento distanciou a disciplina dos procedimentos
oficiais e técnicos das corporações da Idade Média, libertando o pensamento
de antigos sistemas disciplinares. Por outro lado, nos aproximou da realidade
das cortes dos príncipes (do período de Maquiavel), o que moldou outros
sistemas de regulação e hierarquização, que, ao longo dos anos, deu base à
razão unidimensional (MARCUSE, 1967)55, à razão instrumental (ADORNO e
55 MARCUSE, H. A ideologia da Sociedade Industrial (tradução de "One dimensional man"). Rio de
Janeiro: Ed Zahar, 1967.
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HORKHEIMER, 1996)56, à razão abissal (SANTOS, 2007)57 e, até mesmo, à
razão terrorista (LEFEBVRE, 1991)58, tão presentes em nosso dias.59
(AMARAL;OLIVEIRA, 2011)
Ainda na colaboração do que seria a essência da arquitetura e, por meio das lições do
passado, para que essas possam renovar a teoria e a prática da arquitetura
contemporânea, Ströher (2006, p.47),60 em sua tese de doutoramento sobre as ‘Lições
Albertianas’, comenta que o arquiteto italiano, na introdução do seu Livro I – De re
aedificatoria, caracteriza a arquitetura como “aquela que, além de totalmente
indispensável, mostra-se capaz de unir a utilidade com o prazer e com a honra.” Mais
adiante, registra a sua primeira definição de arquitetura:
[...] observamos inicialmente que o edifício é um tipo de corpo, que, como
qualquer outro, consiste de lineamentos e de matéria, um o produto do
pensamento, o outro da Natureza; um requerendo a mente e o poder da
razão, o outro dependendo do preparo e da seleção; mas damo-nos conta de
que nenhum deles será suficiente sem a mão do trabalhador hábil para moldar
a matéria de acordo com os lineamentos. (ALBERTI, 1999, p.5 apud STRÖHER,
2006, p.48)61
Nessa definição, já se percebe a separação do que seria o produto do pensamento, do
preparo e da seleção, ambos dependendo da qualidade da execução da mão hábil do
trabalhador. Alberti (1450) apresenta os indícios da separação do trabalho mental
daquele manual, embora argumente que o arquiteto deve dominar as duas esferas de
conhecimento, como demonstra a definição por ele historiada sobre o que considera
arquiteto.
56 ADORNO, T., HORKHEIMER, Conceito de Iluminismo. in Adorno - Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 1996. p. 17-62
57 SANTOS, B.S. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.
58 LEFEBVRE , H. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. São Paulo: Ed. Ática, 1991.
59 Além disso, daquele momento até o presente, a disciplina da Arquitetura desmembrou-se em vários
conteúdos que objetivam abarcar a sua complexidade, secionando o aprendizado. No geral, para a
completude do aprendizado e ensinamento da disciplina, os conhecimentos agrupam-se em campos
disciplinares de projeto, de história e de tecnologia. (AMARAL;OLIVEIRA, 2011)
60 STRÖHER, Ronaldo de Azambuja. Lições Albertianas. Para a teoria e a prática da arquitetura
contemporânea. Tese de Doutorado. PROPAR – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRGS,
Porto Alegre, 2006.
61 É aconselhável que numa pesquisa doutoral não nos apoiemos em documentos citados por outros
autores. No entanto, nesse caso específico não tivemos acesso direto ao documento original dada a sua
raridade. Optamos assim, por manter a citação, pois consideramos importante essa contribuição na
referida reflexão.
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Antes de seguir adiante, entretanto, eu devo explicar exatamente quem eu
considero um arquiteto. Não será, pois, um carpinteiro a quem comparo com
os maiores expoentes das demais disciplinas: o carpinteiro é um instrumento
nas mãos do arquiteto. Aquele que eu considero arquiteto, que, por raciocínio
e método magnífico e seguro, sabe tanto planejar com sua própria mente e
energia quanto realizar pela construção tudo o que for mais adequado às
nobres necessidades humanas por meio do movimento dos pesos e da junção
e congregação dos corpos. Para tanto, ele deverá ter conhecimento e
entendimento de todas as mais nobres e elevadas disciplinas. Esse é então o
arquiteto. (ALBERTI, 1999, p.3 apud STRÖHER, 2006, p.47)62
Alberti valoriza intelectualmente o ofício do arquiteto. No entanto, a arquitetura nem
sempre foi produzida por aqueles reconhecidos como arquitetos. Ao analisar o modo
de produção da arquitetura pelas culturas primitivas63, Christopher Alexander (1964),
em ‘Notes on the synthesis of form’ registra que não existia divisão do trabalho no
interior da produção. Aquele que concebia o edifício era o seu construtor e usuário. De
acordo com o autor, nas culturas primitivas a arquitetura era produzida pelos próprios
usuários e grupos de pessoas que cooperavam mutuamente para erguer as suas
edificações. As regras do ‘jogo’ se davam pelo respeito às tradições antigas e as
necessidades dos seus usuários e do sítio.
This example shows how the pattern of the building operation , the
pattern of the building 's maintenance, the constraints of the surrounding
conditions, and also the pattern of daily life , are fused in the form. The
form has a dual coherence . It is coherently related to its context . And it
is physically coherent. This kind of dual coherence is common in simple
cultures. (ALEXANDER, 1973, p.31)
62 Texto original de Alberti (1541) in: http://archive.org/details/dereaedificatori00albe e ALBERTI,
Leon Batista. Los diez libros de architectura, de Leon Baptista Alberti. Tradução de Francisco Loçano.
Madrid: Casa de Alonso Gomez, 1582. 378 p. Publicado originalmente em 1485. Título original: De re
aedificatoria. Acervo da Bayerische Staatsbibliothek, Munique. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=bBU8AAAAcAAJ&pg=PP2&hl=ptBR&source=gbs_selected_pages&c
ad=3#v=onepage&q&f=false
63 A exemplo das cabanas erguidas pelos índios africanos Mousgoum. (ALEXANDER, 1964)
The Mousgoum cannot afford, as we do, to regard maintenance as a nuisance which is best
forgotten until it is time to call the local plumber. It is in the same hands as the building
operation itself , and its exigencies are as likely to shape the form as those of the initial
construction. (ALEXANDER, 1973, p.31)
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Esse modo de produção conduzia o aprendizado dos ofícios a uma forma direta de
apreensão dos conhecimentos. O aprendiz construía o seu aprendizado na medida em
que executava a ação de construir e acompanhava toda a problemática contextual.
(ALEXANDER, 1973)
No Renascimento, reconhecemos que o marco de Brunelleschi foi muito
representativo na história da constituição do campo da arquitetura e nessa questão de
divisão do trabalho. O arquiteto italiano, além de todo o seu conhecimento e
experiência técnica no uso dos materiais, na arte da escultura, fica conhecido pela sua
proposta para a cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença. Para o
projeto de Arnolfo di Camilio, ele apresenta uma proposta baseada nos princípios
clássicos com solução estrutural arrojada, onde a construção da dupla cúpula absorve
as suas próprias tensões. Além do projeto, Brunelleschi desenvolve os andaimes e
maquinário específico para a sua execução. [Figuras 02, 03, 04 e 05]
Brunelleschi domina todas as fases do processo, legitimando-se como orientador dos
operários e coordenador das atividades construtivas. O arquiteto mostra o completo
domínio da técnica e do savoir-faire. “Com o domínio da técnica, o saber fazer
resolvido, abre-se a imensa porta que o saber pensar possibilita”. Brunelleschi: “Ensina
porque tem em mente todas as fases do processo construtivo. Ensina porque tem o
domínio do fazer.” (MIGUEL, 2003)64 Nessa reflexão, percebemos a importância da
prática como uma necessidade para o ensino.
64 MIGUEL, Jorge Marão Carnielo. Brunelleschi: o caçador de tesouros. Arquitextos Vitruvius. São Paulo,
set.2003. Disponível em: www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq040 /arq040_02.asp Acesso em:
17/09/2012
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Boutinet (2002) também acredita que o Quattrocento italiano provocou uma
verdadeira revolução na prática arquitetônica. Pela tradição herdada da Idade Média,
até então, o arquiteto era visto como o chefe do canteiro de obras comandando um
conjunto de profissionais especializados em diferentes serviços. Sua função de
projetista e executor dava-se num mesmo espaço e tempo. Com a experiência de
Figura 05 – Imagem da Igreja de Santa Maria del Fiori, Florença, Itália.
Disponível em: http://www.oquevisitarem.com Acesso em: 24/02/2012
Figuras 02, 03, 04 – Desenhos de Maquinário e Maquetes de madeira da cúpula
e lanternin da Igreja de Santa Maria dei Fiori. Proposta de Brunelleschi, 1434.
Fonte: Miguel (2003)
Disponível em: www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq040 /arq040_02.asp
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Brunelleschi na cúpula de Florença separando a concepção arquitetônica de sua
execução, o arquiteto torna-se o único responsável intelectual pelas duas atividades, a
concepção do projeto e a técnica para a sua execução. No entanto, esse fato será o
prelúdio da separação entre o pensar intelectual e o construir manual. Com essa
dissociação, Brunelleschi organiza uma divisão técnica e social do trabalho, declarando
o projeto arquitetônico como o primeiro ato pertinente a toda criação arquitetônica.
A obra arquitetônica é para o campo da arquitetura a sua essência, a sua razão de ser e
o objeto partilhado no contexto profissional e no contexto da formação profissional. A
obra de criação, além de capital valioso, é o objeto de referência do campo.
Compartilhando dessa questão, Kato e Righi (2011) reforçam a obra arquitetônica
como a síntese do trabalho do arquiteto.
[...] na arquitetura, o trabalho se condensa no objeto criado – a obra
arquitetônica. O artefato material contém em si um modo de fazer – um
processo de criação específico que põe em movimento conhecimentos e
habilidades, que permanece como um pressuposto, mas que não se revela
imediatamente[...] Essa perspectiva analítica colocada objetivamente
pelas características próprias do fazer arquitetônico, como algo
materializado no objeto arquitetônico – na obra criada - e que só pode
ser desvendado a partir dele, torna pertinente a definição de trabalho
desenvolvida por Hannah Arendt (2000): - a noção de trabalho se exprime
na atividade artesanal criativa do homo faber, que por esta natureza se
distingue das atividades voltadas para um consumo necessário de
sobrevivência dos indivíduos, típicas do homo laborans. Com essa
distinção, estabelece um ponto de partida analítico que pode ser
utilizado na qualificação das especificidades do fazer arquitetônico.
(KATO; RIGHI, 2011, n.p.)
Sennett (2008) não concorda com essa distinção elaborada por Arendt. No Prólogo do
seu livro ‘o Artífice’, o autor faz um relato precioso sobre a sua convivência produtiva
com Hannah Arendt, descrevendo-a como uma mestra inquieta e provocadora. Nessa
introdução, ele apresenta a distinção por ela estabelecida, e acima exposta por Kato e
Righi (2011), entre Animal laborens e Homo faber. Com toda a riqueza que a sua
habilidade intelectual era capaz de elaborar, Arendt diferencia “o trabalhador braçal
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condenado à rotina”, aquele ser humano envolvido em suas atividades de maneira
alienada, absorto, em que “o ato de fazer a coisa funcionar” representa um “trabalho
como um fim em si mesmo”; daqueles indivíduos questionadores, juízes do labor e da
prática materiais, superiores em relação ao Animal laborens. Sennett (2008) questiona
essa distinção estabelecida por Arendt por acreditar que ela desvaloriza o indivíduo
prático, o trabalhador. Para Sennett:
O animal humano que é Animal laborens é capaz de pensar; as discussões
sustentadas pelo produtor podem ocorrer mentalmente com materiais, e não
com outras pessoas; as pessoas que trabalham juntas certamente conversam a
respeito do que estão fazendo. Para Arendt, a mente se ativa uma vez
realizado o trabalho. Uma outra visão, mais equilibrada, é a de que o
pensamento e o sentimento estão contidos no processo de fazer. (SENNETT,
2008, p.17 – grifo nosso)
O interesse para Sennett (2008) nessa observação possui relação com a maneira como
se aplica a caixa de Pandora, considerada nessa introdução do autor como a
representação das coisas produzidas pelos homens, que os expõem a constantes riscos
e danos a si mesmos, em alusão ao mito grego de Pandora. Criar objetos, obras, armas
ou máquinas e deixar que o público resolva o problema criado torna-se uma questão
irreversível. Aproveitando a reflexão de Sennett (2008), no campo da arquitetura
conceber projetos sem a participação do usuário final, principalmente quando se trata
de habitações de interesse social, também parece ser uma questão inapropriada.
Conceber projetos sem compreender as reais necessidades dos usuários, justificados
por um formalismo estético, também não contribui para que a atividade projetual
possa ser assimilada pela sociedade como um bem de necessidade pública.
Assim, para Sennett (2008, p. 17-22), o “envolvimento deve ter início antes,
requerendo uma compreensão melhor e mais plena do processo através do qual as
pessoas produzem coisas, um envolvimento mais materialista65 que o encontrado em
pensadores como Arendt.” Essa posição de Sennett, diante da valorização do fazer
65 Nesse caso, o termo materialismo está relacionado ao materialismo cultural, aquele que se preocupa
com o processo de feitura de coisas concretas, o que eles podem revelar de nós mesmos, onde está o
prazer de fazer as coisas e como ele se organiza. Dessa maneira, para Sennett (2008, p. 18), o “Animal
laborens pode afinal servir de guia para o Homo faber”.
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laboral, vem da sua importância dada à técnica como uma questão cultural e não
como um procedimento maquinal, algo relacionado à habilidade artesanal que vai
além das habilidades manuais. Nesse caminho Sennett (2008) aproxima-se de Semper
(1994)66 quando coloca a origem da arte e da arquitetura como resultantes do
desenvolvimento das artes práticas. Essas últimas desenvolvidas em suas técnicas bem
antes das construções dos monumentos. Para Sennett (2008), o ‘artífice’ será o seu
maior representante, explorando habilidades diversas com empenho e autoavaliação,
por meio de um processo de relacionamento permanente entre a mão e a cabeça,
‘praticas concretas e ideias’ desenvolvidas ‘pelo prazer da coisa benfeita’. O arquiteto
em seu fazer seria um ‘artífice’ no conceito de Sennett (2008, p. 164-165). Um
indivíduo que transita entre o fazer e o pensar. Como reforça Kato e Righi (2011):
Os arquitetos, quando se referem ao seu trabalho, tecem ideias e reflexões
pessoais sobre o que fazem, o objeto do seu trabalho – o artefato, a
obra de arquitetura – ou a arquitetura enquanto um campo de atuação que
transita entre ciência, arte e técnica, exprimindo ideias que qualificam e
orientam o seu fazer. Revelam assim consciência da materialidade
específica e o universo complexo de conhecimentos necessários e que a
ele se interpõe. Ainda que os argumentos desenvolvidos priorizem um ou
mais aspectos desses elementos apontados, existe uma ideia consensual
que perpassa por todos eles: o trabalho se define como criação de algo
novo, um objeto tangível e específico, imaginado.” (KATO; RIGHI, 2011, n.p.)
Como vimos, o saber fazer arquitetura e tecer ideias e reflexões sobre o objeto criado
é um capital valioso no campo da arquitetura, constituído ao longo da história e
fazendo parte da própria natureza da profissão. Quem dele é proprietário se destaca
na estrutura de classes do campo e tem em suas mãos a representação de um poder
simbólico capaz de legitimar e perpetuar valores na esfera do campo.
Assim, dentro de um contexto que envolve o campo disciplinar da arquitetura, este
trabalho direciona-se para os aspectos que envolvem o processo de ensino desta
disciplina, especificamente, o ensino do projeto de arquitetura. Apresentamos duas
estruturas presentes no campo da arquitetura: o sistema de produção da arquitetura
66 SEMPER, Gottfried. Style in the Technical and Tectonic Arts; or Practical Aes-thetics. 2 vol. Trad. Harry
Francis Malgrave and Michael Robinson. Los Angeles: Getty Research Institute, 2004.
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(representado pelas instâncias do mercado de trabalho que produzem a arquitetura) e
o sistema de ensino-aprendizagem dessa arquitetura (representado pelas escolas e
seus agentes, professores e alunos que trabalham na formação do arquiteto). Esse
último configura-se como a principal estrutura envolvida nas investigações deste
trabalho. As relações entre esses sistemas são de diversas naturezas, legítimas,
possuem duplo sentido de influência, possibilitam uma transformação mútua e
contribuem para o status dos agentes envolvidos no campo.
Assim, dentro do campo da arquitetura e considerando o recorte representado pelos
dois sistemas acima expostos, compreendemos que a teoria e a metodologia do
projeto, assim como a teoria pedagógica que envolve o processo de ensino-
aprendizagem do projeto de arquitetura não são espaços acessórios dentro do campo
da arquitetura. Pelo contrário, revelam as bases da história da arquitetura, enquanto
campo cultural e prática social. É no espaço de reprodução dos valores culturais da
formação do arquiteto que se renovam, também, os capitais valiosos para o campo. Da
mesma forma, é no sistema de produção da arquitetura, representado pelo mercado
de trabalho, que se forjam e se reproduzem esses capitais.
Por meio dos autores trabalhados, traçamos uma representação do campo da
arquitetura, elegemos o sistema do qual este trabalho faz parte – o sistema de ensino-
aprendizagem, e esboçamos os capitais valiosos para o campo disciplinar da
arquitetura. Em seguida, apresentaremos pontos que respondem a segunda questão:
De que maneira as práticas e paradigmas se reproduzem e se transformam no âmbito
do ensino de projeto? Para isso, foi definido o recorte adotado como contexto do
ensino da arquitetura e especificamente do projeto de arquitetura e, tendo como
referência teórica o conceito de habitus de Bourdieu, trabalhamos as estratégias de
reprodução dessas práticas e paradigmas no contexto do ensino de projeto de
arquitetura.
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2.2 PRÁTICAS E PARADIGMAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA
De que maneira eles se reproduzem e podem se transformar
De que maneira as práticas e paradigmas se reproduzem ou se transformam no âmbito
do ensino de projeto? Para respondermos essa questão compreendemos que um
caminho possível pode ser apresentado por meio da nossa interpretação do conceito
de habitus de Pierre Bourdieu e a sua aplicação ao campo da arquitetura, por meio do
pensamento dos autores analisados quanto às questões relativas às práticas de ensino
do projeto de arquitetura.
Para melhor compreender o conceito criado por Bourdieu, como acredita Setton
(2002), seria necessário nos aprofundarmos em suas aplicações na tentativa de reaver
a problemática teórica e as premissas epistemológicas da obra do sociólogo, o que,
sem dúvida, repercutiria em outra tese. No entanto, os estudos diretos sobre a sua
obra, a leitura de autores que trabalham com o sociólogo e as aplicações que
analisamos no contexto da arquitetura nos ajudaram a compreender que a questão
principal da sociologia de Bourdieu é analisar, por meio de uma relação dialética, o
sujeito e o seu meio social.
Dessa maneira, neste capítulo, propomos uma analise do ensino de projeto de
arquitetura por meio da compreensão dos habitus sociais e individuais que geram as
práticas e os sistemas de pensamento no contexto acadêmico e vistos por meio dos
autores abordados. A compreensão de como se processa a reprodução de paradigmas
e práticas pedagógicas, as impressões que os professores possuem sobre o atual
contexto do ensino de projeto de arquitetura e as possibilidades de sua transformação
são questões de grande importância para que possamos traçar possíveis caminhos
para a atualização do ensino dessa atribuição essencial para a arquitetura, saber fazer
projeto.
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Mais uma vez reforçamos a questão da nossa concordância com o critério de
‘ensinabilidade’ desse saber tão intensamente defendido por Chupin (2003, p. 21)
como contrapartida de toda “organização pedagógica”. Trabalhamos com o axioma de
que, para aprender a fazer projeto, o estudante de arquitetura deve ter professores
capacitados ao ensino dessa competência e conhecedores dos saberes da educação,
tão necessários à adequada organização do trabalho pedagógico e à relação mestre –
alunos, ao ponto de compreenderem a necessária contribuição de todos nesse
processo.
Saber ensinar projeto e contribuir ativamente para que o aluno possa aprender a fazer
projeto é, portanto, condição indispensável para que possamos contribuir na formação
de bons projetistas. Nesse sentido, o talento inato de alguns alunos entra como uma
contribuição extra ao seu desenvolvimento, mas não como conditio sine qua non para
tornar-se arquiteto.
Para compreendermos as questões apresentadas acima, relacionando os sujeitos
envolvidos no processo ensino-aprendizagem e o contexto do ensino de projeto de
arquitetura, trabalhamos inicialmente sobre a compreensão do conceito de habitus e a
sua atualização à contemporaneidade. Veremos que o prelúdio do conceito de habitus
está fortemente relacionado à maneira como iremos abordar, mais adiante, a questão
da crise de paradigmas que envolve o ensino de projeto de arquitetura na atualidade.
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2.2.1 O conceito de habitus, sua relação com a arquitetura e sua pertinência para
avaliar a conservação de práticas pedagógicas
O conceito de habitus não é recente. De acordo com os estudos de Setton (2002) 67,
várias gerações de estudiosos se apropriaram do termo empregando-o ao contexto de
suas pesquisas. Palavra de origem latina, sua essência vem da noção grega hexis, e foi
utilizada por Aristóteles para designar o ‘modo de ser’, a disposição prática,
permanente e costumeira, características do corpo e da alma adquiridas ao longo do
tempo, com a ocorrência de um processo de aprendizagem.
Como já adiantamos na reflexão da questão anterior, Bourdieu apropria-se do conceito
a partir do postface da versão francesa de ‘Arquitetura Gótica e Pensamento
Escolástico’, de Panofsky (1967)68 (ver introdução do Capítulo 02 deste trabalho).
Naquele contexto trabalhado por Bourdieu, o conceito de habitus mostrou-se bastante
adequado às reflexões de Panofsky sobre as analogias entre a Suma Escolástica e a
Arquitetura Gótica, chegando à conclusão de que o modus operandi da escolástica
havia forjado um habitus que, por sua vez, regia as duas expressões artísticas, a
concepção da Suma e da Arquitetura Gótica. Para aprofundarmos um pouco mais essa
questão, que nos parece preciosa na compreensão da aplicação do conceito, uma vez
que temos o seu nascimento no contexto da arquitetura, iremos discorrer sobre as
associações estruturais que tornaram possível essa relação de parentesco entre duas
formas de expressão tão distintas.
Em seu postface, cuja tradução brasileira intitulou-se “Estrutura, Habitus e Prática69”,
Bourdieu (1967) não se resume a comentá-la; pelo contrário, envolvido por
Panofsky(1951), ele cria uma obra adjacente, original, de propósitos sociais, com
reflexões que lhe darão suporte para o desenvolvimento de sua teoria sociológica.
67 SETTON, Maria da Graça Jacintho Setton. A Teoria do Habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura
contemporânea. Revista Brasileira de Educação, nº 20, maio/jun/Jul/ago, 2002.
68 BOURDIEU, Pierre. Estrutura, habitus e prática. In:BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas
simbólicas. Tradução de Wilson Campos Vieira. 6ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. cap. 8, p. 337-361.
Título original: Postface, à Architecture gothique et pensée scolastique, de Erwin Panofsky. Publicado
originalmente em 1967.
69 Bourdieu (1983 in : ORTIZ, 1983b p.60-81) e Bourdieu (2007, p.338-361)
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Questiona a análise fenomenológica da “catedral ideal” de Hans Sedlmayr, baseada em
“significações” supostas, associadas à liturgia tradicional e argumenta que as análises
baseadas em decifrações de “significações” atribuídas pelo autor “são suscetíveis de
cair num círculo vicioso”. Assim argumenta que, ao se postular a comparabilidade das
diferentes ordens de uma realidade social, é necessário definir as condições que
tornam a comparação possível para não cairmos nas armadilhas da intuição.
[...] é preciso renunciar a procurar nos dados da intuição o princípio capaz de
unificá-los realmente, e submeter as realidades comparadas a um tratamento
que as torne identicamente disponíveis para a comparação: os objetos a serem
comparados não são obtidos por uma simples apreensão empírica e intuitiva
da realidade, mas devem ser conquistados contra as aparências imediatas e
construídos por uma análise metódica e um trabalho de abstração. Apenas
evitando deixar-se levar pelas analogias superficiais, puramente formais e às
vezes acidentais, poder-se-á extrair das realidades concretas as estruturas que
nelas se exprimem e se ocultam, entre as quais se pode estabelecer a
comparação destinada a descobrir as propriedades comuns. (BOURDIEU, 2007,
p.338-339)
Assim, para aprofundar-se nas questões de análise da obra de arte, Bourdieu (2007,
p.341-342) refere-se a outros estudos de Panofsky concordando com a diferenciação
de níveis de significação investigados pelo autor. Níveis que vão do superficial,
baseados nas experiências existenciais, nas impressões e percepções, a níveis mais
aprofundados, secundários, conseguidos com o aporte da iconologia e dos
conhecimentos transmitidos de maneira literária, condição necessária para que ocorra
uma interpretação da obra mais completa e complexa, onde as significações
iconográficas e os métodos de composição são tratados como “símbolos culturais”.
A intenção da obra concebida não como símbolo, mas como simples alegoria,
como tradução sensível de um conceito ou de um ‘programa iconográfico’,
reduzir-se-ia à intenção consciente do criador: só diria aquilo que o autor disse
e queria que ela dissesse. Portanto, a significação seria completamente
esgotada com a descoberta da influência inspiradora [...]” (BOURDIEU, 2007,
p.341-342)
Bourdieu percebeu que Panofsky não se restringiu a analisar a correspondência entre
imagem e ideias de um período, mas esforçou-se para descobrir a “conexão concreta”
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que pudesse explicar a lógica e a existência dessas homologias, que não poderiam ser
explicadas por “uma visão unitária do mundo”, ou por “um espírito do tempo”
(Zeitgeist). Para Bourdieu (2007, p. 346), o historiador propõe a explicação
aparentemente mais ingênua, mas que daria conta de eliminar uma parte do mistério
das correspondências:
[...] numa sociedade em que a transmissão da cultura é monopolizada por uma
escola, as afinidades profundas que unem as obras humanas (e,
evidentemente, as condutas e os pensamentos) têm seu princípio na
instituição escolar investida da função de transmitir conscientemente e em
certa medida inconscientemente ou, de modo mais preciso, de produzir
indivíduos dotados do sistema de esquemas inconscientes (ou profundamente
internalizados), o qual constitui sua cultura, ou melhor, seu habitus, ou seja,
em suma, de transportar a herança coletiva em inconsciente individual e
comum: relacionar as obras de uma época com as práticas da escola é um dos
meios de explicar, não só o que elas proclamam, mas também o que elas
traem, pelo fato de participarem da simbólica de uma época e de uma
sociedade. (BOURDIEU, 2007, p.346 – grifos nossos)
Assim, o habitus como noção subjetiva do sistema de pensamento será uma das bases
da teoria sociológica de Bourdieu, que ampliará sua significação contextualizando-o
em suas pesquisas empíricas. No mesmo ano, 1967, utilizará esse conceito em
“Sistemas de Ensino e Sistemas de Pensamento70”, resgatando o trabalho de Panofsky
para lançar a hipótese de que “um pensador participa de sua sociedade e de sua
época, primeiro através do inconsciente cultural captado por intermédio de suas
aprendizagens intelectuais e, em especial, por sua formação escolar.”(BOURDIEU,
2007, p.210)
Através de Panofsky, o sociólogo complementa que aquilo que os arquitetos das
catedrais góticas tomaram de empréstimo à escolástica, mesmo sem saber, foi um
“principium importans ordinem ad actum”, ou, um “modus operandi”. A escolástica foi
a “força formadora de hábitos” a qual, por volta de 1130-1140 e até aproximadamente
70 BOURDIEU, Pierre. Sistema de Ensino e Sistema de Pensamento. In:BOURDIEU, Pierre. A economia
das trocas simbólicas. Tradução de Wilson Campos Vieira. 6ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. cap. 5, p.
203-229. Título original: Postface, à Architecture gothique et pensée scolastique, de Erwin Panofsky.
Publicado originalmente em 1967.
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1270, possuiu um verdadeiro monopólio da educação num raio de influência de 150
quilômetros em torno de Paris. Panofsky atesta essa relação quando lembra que:
[...] a hora e o local de nascimento dos primórdios da arquitetura gótica, na
forma que lhe deu o abade Suger, em seu projeto para a igreja de Saint-Denis.
Tanto a nova forma de pensar como o novo modo de construir (opus
Francigenum) disseminaram-se a partir de uma região geográfica circunscrita
num raio de aproximadamente cento e cinquenta quilômetros em torno de
Paris [...] (PANOFSKY, 2001, p.3)
Embasado pela experiência de Panofsky que justifica a apropriação, pelos arquitetos,
de um modus operandi escolástico, capaz de forjar um habitus posteriormente
utilizado na concepção da arquitetura gótica do período acima referenciado, Bourdieu
adota o habitus, na sua teoria sociológica, como uma estrutura subjetiva, parte velada,
mas que contém o rastro das trajetórias passadas, e está presente no princípio de
tomadas de posição e na disposição do sujeito no espaço social ao qual pertence:
As estruturas constitutivas de um tipo particular de meio (as condições
materiais de existência características de uma condição de classe), que podem
ser apreendidas empiricamente sob a forma de regularidades associadas a um
meio socialmente estruturado, produzem habitus, sistemas de disposições
duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas
estruturantes, isto é, como principio gerador e estruturador das práticas e
das representações que podem ser objetivamente "reguladas" e "regulares"
sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim
sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações
necessárias para atingi-Ios e coletivamente orquestradas, sem ser o produto
da ação organizadora de um regente. (BOURDIEU, 1983a, p. 60-61– grifos
nossos)71
É por meio do habitus engendrado pelos processos de socialização vivenciados pelos
professores de arquitetura, especialmente forjados nos sistemas de ensino presentes
na sua formação que, de maneira consciente ou inconsciente, se vinculam os sistemas
de pensamento e as práticas pedagógicas do ensino de projeto de arquitetura.
71 BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato. (Org) Pierre Bourdieu:
socioiogia I. São Paulo : Atica, 1983b. . Cap.2,p.46-81
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Stevens (2003, p.72) apresenta uma ilustração bastante esclarecedora mostrando a
relação do habitus com as estruturas e as práticas, segundo Bourdieu. Recuperamos de
maneira esquemática a ideia de Stevens por meio de uma nova ilustração. [Figura 06]
Assim, dentro do contexto da nossa pesquisa, a hipótese nessa questão é que o
modernismo [no que cabe ao nosso interesse, o modernismo de ideário racionalista e
funcionalista] foi a ‘força formadora’ do habitus dos docentes e, por ser uma condição
tão estruturadora e estruturante de práticas, agindo de maneira consciente e
inconsciente, essa força ainda está presente no contexto acadêmico atual do ensino de
projeto de arquitetura e se reproduz.
Sua transformação, no sentido da aceitação de uma condição em construção e da
percepção da existência de um contexto de coexistências diversas depende, na nossa
concepção, de uma compreensão dessa condição, de um desejo de reflexão coletiva
junto ao campo da arquitetura com relação aos rumos do nosso ensino e de uma
disposição para mudanças.
Figura 06 – Relação cíclica entre as estruturas sociais internalizadas pelo habitus,
que regula as práticas, que criam as estruturas sociais e, assim, sucessivamente.
Fonte: Autora - Intervenção sobre Stevens (2003, p.72)
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A escola72 seleciona e legitima um sistema de hábitos, práticas sociais, impostos por
uma determinada classe como se foram universais e contribui para reproduzir a
estrutura social. Por isso, foi necessário compreender a base de surgimento desse
conceito para que ele possa ser apropriado ao contexto brasileiro do ensino de projeto
de arquitetura. Compreender que esse processo nos leva ao passo seguinte, que são as
possibilidades de sua transformação. O habitus é um sistema de disposições aberto,
que sofre influências, também, das experiências novas. Ele é durável, mas não
imutável. “É produto de uma aquisição histórica que permite apropriação do adquirido
histórico.” (BOURDIEU, 1989, p. 83)73
Teixeira (2011), adotando o conceito de habitus de Bourdieu, interpreta-o como um
conjunto relativamente estável de percepções e disposições que estruturam
internamente a subjetividade dos sujeitos. Mesmo tendo caráter duradouro, não é
inflexível.
Esse conjunto mais ou menos estável de disposições incorporadas é,
naturalmente, diferenciado de acordo com a posição social de origem do
indivíduo, refletindo as características da realidade social na qual foi
anteriormente socializado. Sem ser inflexível, o habitus constitui um “princípio
gerador duravelmente armado de improvisações regradas” (BOURDIEU,1983,
p. 65), uma matriz que sempre pode ser acionada, orientando e ajustando as
ações do indivíduo ao longo do tempo, nas mais diversas situações sociais,
mesmo quando tais situações diferem daquelas em que o habitus foi forjado.
(TEIXEIRA, 2011, n.p.)
Bourdieu (1983), sobre a questão da origem do indivíduo e a formação do habitus,
destaca duas etapas fundamentais: a etapa de socialização primária, vivenciada no
seio da educação familiar, e, posteriormente, a educação oficializada sob a influência
da escola. Para Teixeira (2011, n.p.), a socialização primária de que fala o sociólogo
“possui mais força estruturante, sobre a maioria dos indivíduos, que as experiências
posteriores”, pois são cultivadas de forma despreocupada no seio familiar,
72 A utilização do termo ‘escola’ vai além da instituição de ensino e pressupõe um sistema de
pensamento e prática de uma instituição, ou de uma época, como nesse trabalho a escola modernista,
de acordo com os conceitos de Bourdieu.
73 BOURDIEU, Pierre. Le mort saisit le vif. As relações entre a história reificada e a história incorporada.
In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Editora Bertrand Brasil S.A.: Rio de Janeiro, 1989.
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“incorporando-se naturalmente ao indivíduo e nele permanecendo de modo
duradouro, integrantes do habitus”.
Essa condição de influência constituinte da visão de mundo de cada agente foi
refletida por alguns professores e pesquisadores nos artigos analisados demonstrando
a consciência desse mecanismo revelador. Segundo alguns autores, o habitus
transparece em seu discurso e nas suas práticas de trabalho mesmo que de maneira
inconsciente, pelo estado de incorporação. Vejamos algumas abordagens.
[...] os discursos dos arquitetos constituem um dos instrumentos de luta
simbólica na medida em que possibilitam expressar simultaneamente sua visão
de mundo e o habitus legitimado no campo de sua produção profissional. Os
discursos que circundam as produções arquitetônicas particulares – as obras
criadas - contêm posições avaliativas sobre a importância e o significado
daquilo que fazem e demarcam, num balanço relacional com a
produção arquitetônica de outros, identidades e divergências. Revelam, no
interior desta esfera pública singular, as posições de distinção que ocupam ou
que almejam ocupar. (KATO; RIGHI, 2011, n.p.)
Cabe ainda destacar que as práticas de trabalho não constituem, nesses
discursos, objeto de reflexão e designação, justamente porque, ao conter
conhecimentos específicos adquiridos e experiências incorporadas, são
tidas como evidentes e senso comum na sua esfera pública de
interlocução. As práticas de trabalho, ou como o trabalho é feito,
exprimem o habitus, enquanto ações valorizadas e prestigiadas neste
campo. (KATO; RIGHI, 2011, n.p.)
Nos campos profissionais, o habitus resulta da história individual e coletiva do
sujeito, muito especialmente de sua formação escolarizada. Neste sentido, o
ensino-aprendizagem de arquitetura e urbanismo é um dos espaços mais
importantes da formação do habitus de classe do arquiteto. Além de educar
para as demandas técnicas, as ações didático-pedagógicas também
desenvolvem esse habitus profissional que vai sendo configurado nos
discursos, nas posturas, nas ações de professores e de estudantes.
(ARCIPRESTE, 2011, n.p.)
Acompanhando o pensamento de Schön (1987) e sua ‘reflexão-na-ação’, Miranda
(2011) também constata as interferências, conscientes ou não, que se fazem presentes
na maneira como “os projetistas interpretam, problematizam situações e vislumbram
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soluções” no contexto profissional e acadêmico, na transferência desses valores para
as gerações mais novas por meio das práticas pedagógicas. As críticas feitas pelos
professores, nas avaliações dos projetos dos alunos, são carregadas de valores e
padrões que se representam através das referências arquitetônicas utilizadas pelos
docentes.
Os esquemas que organizam o pensamento dos professores de projeto apresentam-se
como hábitos que refletem os valores comuns defendidos em suas práticas. Como
elucida Bourdieu (2007, p. 208-209), a cultura constitui um “conjunto comum de
esquemas fundamentais previamente assimilados, e a partir dos quais se articula,
segundo uma ‘arte da invenção’ análoga à da escrita musical, uma infinidade de
esquemas particulares diretamente aplicados a situações particulares”.
[...] os esquemas que organizam o pensamento de uma época somente se
tornam inteiramente compreensíveis se forem referidos ao sistema escolar, o
único capaz de consagrá-los e constituí-los, pelo exercício, como hábitos de
pensamento comuns a toda uma geração. (BOURDIEU, 2007, p. 208)
A escola, portanto, apresenta-se para Bourdieu como “campo das instâncias e
consagração” de valores e posturas, procedimentos e “esquemas fundamentais” que
são considerados como adequados à formação do arquiteto e à produção da
arquitetura brasileira. A escola é a instância de consagração e de reprodução desses
valores. A escola legitima os valores consagrando-os como os mais adequados à
reprodução. (BOURDIEU, 2007, p. 116-135)
Utilizando o pensamento de Bourdieu, Marques e Loureiro (2009), ao analisarem a
reprodução do que denominaram de ‘sindrome da caverna’ nos TFG74´s, constatam
mais um aspecto da permanência de comportamentos padrão no fenômeno
conceituado por Bourdieu de hysteresis75 do habitus, uma espécie de permanência
motivada por um efeito de inércia e pelo estabelecimento de cumplicidade entre os
74 Trabalho Final de Graduação. Na mais nova resolução do MEC, Resolução CNE/CES Nº2, de 17 de
junho de 2010 e desde a Resolução CNE/CES Nº6 de fevereiro de 2006, que a nomenclatura do TFG
passou a ser TC – Trabalho de Curso, contudo, sem sofrer qualquer mudança em sua formatação.
75 O conceito pode ser visto em BOURDIEU (1984, p.135)
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professores de projeto e os das demais áreas apesar da dinâmica do campo e mesmo
percebendo a inadequação da prática.
A aquisição de um padrão de comportamento, como se sabe, o habitus, como
diria Bourdieu, leva um tempo para estabelecer suas disposições constitutivas
e tem como propriedades principais a durabilidade, a sobrevivência ao
momento de sua incorporação. Bourdieu utilizou o conceito de hysteresis do
habitus para explicar um fenômeno através do qual um agente, socializado
num certo mundo, conserva, em larga medida, todas as disposições deste
mundo ainda quando elas se tornaram inadequadas diante de uma evolução
histórica brutal, como uma revolução. O exemplo que Bourdieu tomou
emprestado à Marx foi o de Dom Quixote, cavaleiro num mundo sem
cavalaria, o que torna a questão inclusive mais interessante quando sabemos
que os próprios arquitetos já utilizaram em cartazes do IAB, a imagem desse
cavaleiro armado de uma régua T. Ora, justamente as bases dos TFGs e da
portaria da ABEA, os recortes de áreas e visão do curso correspondem aos
tempos dos arquitetos empunhando régua T e não se dão conta das
consequências do novo mundo pós-industrial (globalização, deslocalização,
revolução digital etc.) e de suas [Sic] para a teoria e prática da arquitetura
como um todo.” (MARQUES; LOUREIRO, 2009, p.8)
Essa relação traçada pelas professoras destaca, além da durabilidade própria da
natureza do habitus, a questão da acomodação conveniente e da dificuldade de
aceitação do que deveria ser um estado permanente de transformação, pelos quais a
academia deveria se valer para estar à frente do seu tempo, ou mesmo, em paralelo.
Mesmo referindo-se à formatação do TFG, as autoras denunciam esse estado de ‘faz
de conta’ em que se encontram alguns aspectos do ensino da arquitetura. Para
Marques e Loureiro (2009, p. 8-9), utilizando-se do conceito de campo de Bourdieu,
mesmo sendo considerado ultrapassado e antiquado, o modelo dos TFG´s ainda
vigorantes, possui serventia “na medida em que os sistemas de avaliação dos cursos
acompanham a mesma lógica e são controlados pelos mesmos agentes que
reproduzem o padrão mental e a socialização nos quadros mais jovens que recrutam”.
Para as autoras, a quebra desse padrão, se houver, “só virá, provavelmente, como
resultado de uma disputa no interior do campo profissional”.
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No campo profissional do arquiteto e, sobretudo, nos sub-campos ou
instâncias que controlam a formação e o acesso à profissão, após muitas
disputas, mudanças curriculares, os participantes parecem haver estabelecido
um acordo para que tudo perdure, o que implica a manutenção do padrão
TFG. Embora o rei esteja nu, como todos ainda encontram sua posição no
campo, ninguém quer reconhecer. Ou quase ninguém, além dos outsiders, ou
os teóricos, que se confundem, por vezes. (MARQUES; LOUREIRO, 2009, p.8-9 )
Arcipreste (2012), em sua pesquisa de doutorado em torno dos princípios e valores
que embasam os processos do TFG, concluiu, entre outras, que essa antiga prática que
arremata os cursos de arquitetura e urbanismo permanece atrelada às práticas e
sistemas de pensamentos associados à arquitetura moderna. A autora desvelou, nos
projetos de alunos de TFG e em depoimentos de alunos e professores de seis
instituições, localizadas em São Paulo e Belo Horizonte, princípios relacionados aos
ideais racionalistas e funcionalistas, além daqueles vinculados à concepção da
arquitetura como resultado da intuição de um gênio criador ou vinculados à ideia
arquitetura-arte, às visões universalizantes e deterministas.
Arcipreste (2011) e (2012, p.28) também relaciona a perpetuação desses valores ao
processo ensino-aprendizagem da arquitetura reforçando a importância que os
processos formativos possuem para a constituição do habitus de classe do arquiteto.
Para a autora, à luz do pensamento de Bourdieu, as escolas além de se encarregarem
dos “processos de produção e circulação de conteúdos eleitos como suporte
conceitual e operacional das práticas profissionais”, também são “responsáveis por
processos de perpetuação e revisão das estruturas de pensamento e dos arbitrários
culturais do campo”.
[...] o habitus constitui-se por estruturas cognitivas e avaliadoras internalizadas
que orientam os percursos dos agentes no espaço social e, de acordo com a
lógica do campo, funcionam como mecanismos de interiorização da
exterioridade. Os campos desenvolvem um conjunto de valores, normas,
modos de operação, de percepção e de hierarquização das produções e
produtores adquiridos e compartilhados por seus agentes, fundamentando,
nos campos de produção simbólica, sistemas de juízo estético como essenciais
para sustentação das práticas e dos pensamentos. (ARCIPRESTE, 2011, n.p.)
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Seguindo esse viés de pensamento, os projetos pedagógicos, as práticas projetuais
desenvolvidas nas escolas e os exemplos apresentados aos alunos como uma boa
arquitetura não se apresentam isentos de juízos de valores e de intenções político-
pedagógicas. Esses emergem da própria estrutura de poder do campo ao qual está
inserida a escola e os professores que dela pertencem. Para nós, essa questão ficou
bastante evidente ao analisarmos trabalhos de autorias diversas, oriundos de
diferentes escolas espalhadas por todas as regiões do Brasil.
De acordo com Arcipreste (2012, p. 29), no contexto dos “[...] campos de produção
simbólica, o habitus fundamenta sistemas de juízo como essenciais para sustentação
de práticas e pensamentos”. Para a autora, “[...] tais sistemas estão na base das
estratégias de qualificação, consagração e hierarquização das obras e dos seus
produtores, de construção de legitimidade, de conceitos de qualidade, de circulação e
de imposição de arbitrários culturais”.
Assim, por meio do conceito de habitus concebido pela sociologia bourdieusiana, foi
possível compreender as estruturas de poder e os esquemas fundamentais
previamente assimilados, que se fazem presentes e que regem, ainda de maneira
hegemônica, as políticas pedagógicas relacionadas ao ensino de projeto de arquitetura
no Brasil, ainda fortemente fundamentadas pela estrutura modernista76 de cunho
funcionalista. Isso ocorre, mesmo quando aceitamos o fato de que parte de seus
atores não possui a consciência plena da condição de reprodutores desse modelo, pois
parte dessa reprodução se faz por meio do ‘senso comum’, como colocam os autores
acima referenciados, mas, nem por isso, deixam de revelar as posições que ocupam,
ou que desejam ocupar no universo do campo da arquitetura.
76 “Apesar dos estudos e experiências que buscam uma nova leitura da arquitetura e dos seus signos, o
currículo oculto da disciplina projeto de arquitetura segue fiel às suas raízes acadêmico- modernistas: no
atelier, predominam práticas baseadas nos modelos intuitivos (“caixa preta”) do determinismo
expressivo e racional (“caixa de vidro”) do determinismo operacional do partido. A grande diferença é
que à persistência de algumas das crenças que alimentaram as práticas academicista e modernista foi
agregado o pragmatismo da “ética de mercado” que acompanha o discurso da globalização da
economia.” (RHEINGANTZ, 2005, p.45)
Reforçando essa postura, Marques (2011) ressalta que em sua maioria as grades curriculares dos cursos
de arquitetura e urbanismo existentes no Brasil ainda são baseadas na matriz modernista. Para a
autora, esse projeto moderno eternizado na Bauhaus segue aguardando atualizações e adaptações. As
fraturas existentes explicitam, nos dias atuais, a crônica incapacidade dos arquitetos urbanistas de se
confrontarem com o mundo contemporâneo de realidades múltiplas, híbrido e mutável. (MARQUES,
2011, p. 1-21).
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Dando continuidade à natureza do conceito de habitus que adotaremos neste
trabalho, e tendo como referência Ortiz (1983) e Setton (2002), dois estudiosos de
Bourdieu na contemporaneidade brasileira, tomaremos alguns questionamentos sobre
o processo de transformação do habitus na atualidade. Para este trabalho, o suporte
contemporâneo desses dois autores foi de extrema importância para que se tornasse
possível a compreensão da renovação e do caráter dinâmico do habitus. Neste
trabalho, além de compreender como acontece a conservação dos sistemas de
pensamento, interessa-nos, sobremaneira, vislumbrar as possibilidades de suas
transformações.
2.2.2 A capacidade de transformação do habitus
Esse item tem como objetivo, demonstrar que a noção de habitus, adotada neste
trabalho, como um mecanismo que justificaria a conservação de práticas pedagógica
na formação do arquiteto, não é uma condição permanente e determinística. Embora
duradouro, o habitus está em constante transformação. E, principalmente,
defendemos neste trabalho a condição transformadora da educação.
Já tratamos da questão da autonomia dos campos, essa relativa independência que
eles possuem em relação às transformações da sociedade. Para Bourdieu (1983), o
princípio da autonomia está fortemente relacionado à questão da reprodução de
valores dentro do campo e, para que isso ocorra, é necessário o estatuto do consenso
no locus do campo. Assim, se existe consenso para se constituir um campo, como se dá
a mudança, a transformação? A história do campo acaba por se fazer pela luta entre os
concorrentes do próprio campo, luta interna travada pelos agentes, pela ascendência
dos capitais. (ORTIZ, 1983c, p.27)
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Na arquitetura, um exemplo foi a luta dos arquitetos modernistas com os seus pares
‘acadêmicos’ para impor a sua causa, os preceitos da arquitetura moderna. Se
analisarmos a obra de alguns arquitetos que vivenciaram esse período de transição,
veremos, em sua obra, a transformação de uma linguagem a outra. Exemplos como
Lúcio Costa [ver figura 07, 08 e 09] 77, Frank Lloyd White, Le Corbusier, entre outros.
77 Essas imagens mostram o esforço do arquiteto em imprimir uma nova linguagem ainda não aceita
pela sociedade da época, tendo sua proposta modernista recusada, forçando-o a recuar com uma
proposta de viés colonial.
Disponível em :http://www.jobim.org e
Fotografia da Casa Ernesto Pontes. Dsiponível em:
http://vitruvius.com.br/media/images/magazines
/grid_9/403f_022-01-02.jpg Acessos: 22/04/2013
Figuras 07, 08 – Croquis e Projeto de Lúcio Costa
para a Casa Ernesto Pontes, 1930 – Rio de Janeiro.
07 08
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Figura 09 – Croquis de Lúcio Costa da versão
modernista para a Casa Ernesto Pontes, 1930 –
Projeto Recusado.
No entanto, como veremos mais adiante, essa modificação de linguagem não
constituiu propriamente um novo modus operandi, uma nova maneira de conceber.
Veremos, por meio dos autores analisados, inclusive aqueles presentes no livro
adotado como paradigma inicial78 para o nosso estudo, que seus autores concordam
que a arquitetura moderna não conseguiu constituir um corpus teórico capaz de lhe
dar suporte na prática projetual.
Ao analisarmos a história do ensino oficial da arquitetura no Brasil, vejamos Oliveira
(2011)79, Barreto (1996)80, Comas (1986); Durand (1991)81, Durand (1972)82 e
78 COMAS (1986) - “Projeto arquitetônico disciplina em crise, disciplina em renovação”
79 OLIVEIRA, Francisco Antônio. A regulamentação do exercício profissional da arquitetura no Brasil. Tese
de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2011.
80 BARRETO, Sônia Marques da Cunha. Maestro sem Orquestra (um estudo de ideologia do arquiteto no
Brasil – 1820-1950). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1996. Acessado em janeiro de 2013:
http://issuu.com/sonia_marques/docs/mestrado
Disponível em:
http://www.jobim.org/lucio/bitstream/handle/20
10.3/990/III%20A%2011-00705%20L.
jpg?sequence=3 Acesso em: 22/04/2013
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Schlee(2010)83 para citar alguns, percebemos que o ensino da arquitetura e,
consequentemente, o ensino de projeto de arquitetura sempre estiveram à margem
da sua prática. Durand (1991), ao falar de um período que representou uma ruptura
estética, de 1930 a 1960, tendo Brasília como grande marco, destaca que:
Antes dessa fase, registra-se um longo período caracterizado pelo ensino
acadêmico, pelo neoclassicismo e pelo ecletismo arquitetônico, abrangendo
grosso modo do início do século XIX até a década de 1930. Posteriormente, de
1960 até os dias correntes, vem a etapa que os arquitetos chamam de ‘pós-
Brasília’. Ela se caracteriza pela consolidação da profissão em todo o país, pela
inflação de diplomados e pelo surgimento de projetos mais diversificados.
(DURAND, 1991, n.p.)
Na tentativa de renovação do ensino da arquitetura, frente às práticas profissionais
dos tempos modernos, é reconhecido o esforço de Lúcio Costa84 em atualizar o ensino
da arquitetura, ao dirigir a ENBA, de janeiro a setembro de 1931. No desejo de
decompor a orientação acadêmica vigente, criou cursos paralelos à estrutura curricular
na tentativa de imprimir uma ideologia modernista e “desmoralizar os professores
titulares”. Um exemplo disso foi o seu convite ao arquiteto Warchavchik para ensinar
composição de arquitetura. (DURAND, 1991, n.p.)
81 DURAND, José Carlos Garcia. Le Corbusier no Brasil. Negociação Política e Renovação Arquitetônica.
Contribuição à história social da arquitetura brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, RBCS, No.
16, Ano 6, julho de 1991.
82 DURAND, José Carlos Garcia. A profissão de arquiteto. Estudo Sociológico. Tese de Mestrado
apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, novembro de 1972.
83 SCHLEE , Andrey Rosenthal. Trajetória e estado da arte da formação em Engenharia, Arquitetura e
Agronomia – volume X: Arquitetura e Urbanismo / Organizador: Andrey Rosenthal Schlee. – Brasília :
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia, 2010.
84 Tinem (2002) apresenta um Lúcio Costa que se esforça por alinhar-se às mudanças geradas pela
influência da nova arquitetura. Segundo a autora, apesar da sua formação acadêmica na Beaux-Art
carioca e, tendo sido defensor da arquitetura neocolonial até 1929, Lúcio Costa passa a defender a nova
arquitetura, que despontava no Brasil sob a contribuição de Le Corbusier, a partir de 1930. No entanto,
por meio de textos e posicionamentos Lúcio Costa tenta paralelamente, diminuir o caráter internacional
dessa arquitetura brasileira pioneira. Para isso, procura relacionar as suas origens com a pureza das
construções rurais brasileiras, a simplicidade das construções dos nossos mestres de obras e, a nossa
tradição construtiva portuguesa.
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No mesmo caminho, Sônia Marques (1996) também registra o atraso com que o ideal
moderno adentrou a esfera de formação dos arquitetos pela dificuldade de
incorporação dos novos paradigmas modernistas no contexto acadêmico:
[...] apesar da aceitação crescente das ideias modernistas, a formação dos
arquitetos conserva-se imune até 1930 a tais ideias [...] Aos poucos, os
estudantes iam sendo informados por alguns colegas do que se fazia no
exterior, através de poucas revistas de arquitetura, da obra de Le Corbusier
(sobretudo, através das conferências feitas por esse arquiteto, em São Paulo e
no Rio de Janeiro, em 1929), da existência da Bauhaus e Gregori Warchavchik e
de seu manifesto [...] A pressão estudantil renovadora, que desemboca na
greve de 1930 na ENBA, resulta em grande parte da mudança na composição
social dos estudantes do ensino superior na década de 30 [...] Nesse momento
crítico de exigências de reformulação, assume importância fundamental a
figura de Lúcio Costa. (BARRETO, 1996, p.60)
Para Stevens (2003, p.91), apropriando-se do pensamento de Bourdieu, “um campo é
um local no qual as forças atuam sobre seus membros e no qual cada membro exerce
uma força proporcional à composição e a natureza do capital específico que controla
naquele campo”. As vanguardas modernistas lutaram para impor o capital moderno
como valor preponderante no campo da arquitetura, e uma das estratégias foi
desvalorizar o capital beaux-arts como reforça Stevens:
A história do Movimento Moderno é precisamente a história das tentativas
afinal vitoriosas da vanguarda de desvalorizar completamente o capital beaux-
arts em favor do seu próprio capital. Assim, a localização de um indivíduo
altera-se à medida que sua posição é afetada pela totalidade das linhas de
força que operam no campo. (STEVENS, 2003, p.91)
O que aconteceu nesse período citado por Barreto (1996) e Stevens (2003) foi uma
luta de forças entre grupos de um mesmo campo pelo predomínio do capital moderno
em detrimento do ecletismo vigente. Comas (1986, p.40-41) também coloca o fato de
que a competência do arquiteto vinha sendo questionada por historiadores e
engenheiros, tendo esses últimos disputado as oportunidades no mercado, projetando
as estruturas mais originais das novas demandas da sociedade industrial, que, desde o
fim do século XIX, faziam parte dos cenários urbanos como: indústrias, fábricas,
estações ferroviárias, pontes, entre outras.
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A história mostra que a transformação do habitus não é algo simples e apenas
individual. Pressupõe uma aceitação coletiva dessa transformação para que possa ser
legitimada junto ao campo, mesmo considerando a questão colocada por Setton
(2002, p. 65) de que não existe uma total reprodução das estruturas contempladas
pelo habitus, pois as relações entre os sujeitos e as estruturas do seu meio são
dialéticas, ou seja, as mudanças, embora lentas, sempre ocorrem. O habitus é um
“conceito que, embora seja visto como um sistema engendrado no passado e
orientado para uma ação no presente, ainda é um sistema em constante reformulação.
Habitus não é destino.” (SETTON, 2002, p. 61).
Bourdieu atribui à escola o grande papel de estrutura reprodutora do habitus de
indivíduos e grupos. Sem dúvida, durante muito tempo, o caráter doutrinário das
escolas definiu comportamentos, normas, posturas, linguagens etc. Era possível
identificar o perfil do sujeito por meio da escola de sua formação. Ainda hoje isso é
visível em algumas instituições que preservam seu ‘modus operandi’, de certa forma,
sua tradição. Mesmo essas não estão imunes às influências contemporâneas.
É preciso abandonar todas as teorias que tomam explicita ou implicitamente a
pratica como uma reação mecânica, diretamente determinada pelas condições
antecedentes e inteiramente redutível ao funcionamento mecânico de
esquemas preestabelecidos, "modelos", "normas" ou "papéis", que
deveríamos, alias, supor que são em numero infinito, como o são as
configurações fortuitas dos estímulos capazes de desencadeá-Ios.
(BOURDIEU, 1983, p.64)
O que ocorre na atualidade, de acordo com a interpretação de Setton (2002, p. 67), é a
“coexistência de distintas instâncias de socialização, com projetos múltiplos e uma
maior circularidade de valores e referências identitárias, que configura um campo da
socialização híbrido e diversificado.” Nessa condição, a escola e a família, como
estruturas tradicionais de formação, passam a ter seus domínios e influências, sobre a
construção dos habitus dos indivíduos, de maneira fragmentada e dispersa. Num
mundo conectado por redes sociais virtuais, as estruturas sociais tradicionais precisam
adotar um caráter dinâmico e transformador para acompanhar as novas gerações.
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Nesse sentido, Setton (2002, p. 67) trabalha com o conceito de um habitus alinhado às
provocações contemporâneas e predisposto a interagir com um novo contexto, onde
“[...]o indivíduo contemporâneo é a expressão e produto de um novo habitus social
[...]um habitus como trajetória, mediação do passado e do presente; habitus como
história sendo feita; habitus como expressão de uma identidade social em
construção.”
Nessa condição, o conceito de reflexividade de Anthony Giddens (1994)85 adotado por
Setton (2002) colabora, sobremaneira, para a compreensão da natureza dinâmica que
devem ter as práticas sociais, e nesse contexto incluímos as práticas pedagógicas.
A reflexividade moderna consiste no fato de que as práticas sociais são
frequentemente examinadas à luz de informações renovadas sobre essas
práticas, podendo alterar sempre o seu caráter. O que é característico da
modernidade não é uma adoção do novo por si só, mas a suposição da
reflexividade no cotidiano. Ela é introduzida na base da reprodução do
sistema. (SETTON, 2002, p. 68)86
Assim, a capacidade de reflexividade que uma instituição e suas práticas pedagógicas
possuem parece estar ligada ao grau de importância e influência na formação dos
profissionais. Como poderemos acreditar na importância de uma escola e na
construção do conhecimento para a formação de novas gerações se ela não estiver
alinhada com a condição de um universo contemporâneo caracterizado pela
diversidade cultural?
Miranda (2009) registra essas influências, de outros campos disciplinares, nos
discursos arquitetônicos, numa busca por ferramentas teóricas que possam colaborar
na realização da autocrítica. Enquanto isso não acontece, percebe-se uma apropriação
85 GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade pessoal. Oeiras: Celta, 1994.
86 Nesse momento, torna-se importante esclarecer que o uso da palavra ‘modernidade’ pela autora não
possui relação com o nosso ‘modernismo arquitetônico’, este vinculado ao movimento moderno
representado por expressões artísticas realizadas num período de 1930-60, no contexto brasileiro.
Tampouco possui relação com um ideário relacionado ao projeto empreendido a partir da transição
teórica operada por Descartes na tentativa de ruptura com a escolástica para a constituição da
racionalidade . Trata-se, aqui, de um termo relacionado à atualidade, no sentido de ser atual, ser
moderno.
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do universo teórico em geral. A arquitetura precisa compreender a sua posição, o seu
papel e os caminhos para a sua renovação frente às transformações atuais.
A noção de crise da modernidade terá fortes repercussões na arquitetura a
partir de meados do século passado, quando proliferam explícitas tentativas
de superação e revisão de muitos dos paradigmas da arquitetura moderna.
Alimentados por um fenômeno cultural geral – o da proliferação de discursos
teóricos e valorização das ciências humanas -, os discursos arquitetônicos
passam, cada vez mais, a recorrer e apoiar-se em escolas de pensamento,
transladando seus conceitos e reformulando-os dentro de seu próprio
universo. À medida que se reconhece que somente a partir de operadores de
outros campos do saber a arquitetura possa encontrar ferramentas teóricas
para realizar sua autocrítica, o discurso arquitetônico tende a confundir-se
com o universo teórico em geral. (MIRANDA, 2009, p.9)
Em 2005, Rheingantz escreveu um ‘artigo-manifesto’ intitulado ‘Por uma arquitetura
da autonomia87: bases para renovar a pedagogia do ateliê de projeto de arquitetura’.
Com o título inspirado em Paulo Freire (2001), ‘Pedagogia da Autonomia’, o arquiteto
e professor de projeto da UFRJ, hoje com mais de 30 anos de experiência, declara em
seu manifesto que não esperemos encontrar as respostas para a crise do ensino de
projeto de arquitetura na própria disciplina, e lamenta “o pouco interesse de
professores de arquitetura em desenvolver teoria e a prática da educação, em favor da
teoria e da prática da arquitetura”. (RHEINGANTZ, 2005)88.
Em meio ao furacão da revolução informacional e sua geografia de redes,
nossas escolas seguem considerando projeto de arquitetura uma simples
atividade de resolução de problemas com práticas e argumentos obsoletos,
mas fiéis às suas crenças e ilusões. Como os arquitetos e os professores de
projeto de arquitetura não têm sido capazes de interpretar corretamente o
processo de transformação da sociedade de responder adequadamente às
novas demandas dela resultantes, parece pouco sensato afirmar certas
87 Cabe esclarecer que o termo autonomia utilizado por Rheingantz e Paulo Freire não possui relação
com a autonomia do campo da arquitetura que acabamos de tratar. Essa autonomia refere-se,
respectivamente, às bases para renovar a pedagogia do ensino de projeto e ao respeito à autonomia e à
identidade do educando.
88 Sua contribuição está presente neste trabalho, somada a outras de cunho colaborativo, num esforço
em defesa dessa postura ética e valiosa, que demonstra sabedoria e, ao mesmo tempo, humildade, ao
reconhecer que outros campos de saber podem contribuir com problemas que tanto incomodam e
perduram. Ademais, trabalhos dessa natureza apresentam um esforço e uma abertura para a
transformação.
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“verdades” e crenças revestidas de caráter messiânico e de um vanguardismo
obsoleto. (RHEINGANTZ, 2005, p.45)
Diante da constatação de que existe uma relação direta da crise do ensino de projeto
de arquitetura com a crise de paradigmas da sociedade e da universidade na pós-
modernidade89, Rheingantz (2005, p.45) propõe como saída para o ensino do projeto
de arquitetura uma pedagogia baseada na “autonomia e na construção social do
conhecimento90.” Nessa vertente sociointeracionista, a construção do conhecimento
acontece pela participação individual e coletiva de todos os atores envolvidos no
processo educativo. A hierarquia entre professor x aluno é quebrada pela valorização
do diálogo permanente e acolhedor, e a ênfase no trabalho pedagógico é deslocada do
produto para o processo. (RHEINGANTZ, 2005, p.60-61)
Assim, percebemos que a autonomia do campo da arquitetura é bastante relativa,
tanto na produção da arquitetura, onde o mercado possui regras e imposições
práticas, quanto no sistema de ensino da profissão, que, para renovar-se com
qualidade, deve adentrar campos que possam dar suporte ao ofício da docência como
sugere Rheingantz (2005).
Para desenvolvermos a segunda questão formulada no início deste capítulo, “De que
maneira as práticas e paradigmas se reproduzem e se transformam no âmbito do
ensino de projeto?”, enveredamos pelo conhecimento do conceito de habitus de
Bourdieu, como uma noção de força urdida pelas relações sociais vivenciadas pelos
professores ao longo de suas vidas, e capaz de regular as práticas pedagógicas
exercidas por eles no âmbito do ensino de projeto. Contextualizamos a hipótese de
89 Boaventura Santos (1995: 47-48) observa que, diferentemente do reducionismo disciplinar do
paradigma dominante, a fragmentação pós-moderna é temática e “seus temas são galerias por onde os
conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros. Ao contrário do que sucede no paradigma atual, o
conhecimento avança à medida que o seu objeto se amplia, ampliação que, cocoexistência de distintas
instâncias de socialização, com projetos múltiplos e uma maior circularidade de valores e referências
identitárias, que configura um campo da socialização híbrido e diversificado como a da árvore, procede
pela diferenciação e pelo alastramento das raízes em busca de novas e mais variadas interfaces” (
SANTOS, 1995 apud RHEINGANTZ, 2005) - SANTOS, Boaventura. Pela Mão de Alice. 4.ed. São Paulo:
Cortez Editora, 1995b.
90 A construção social do conhecimento surge com o desenvolvimento da tendência sociointeracionista,
que trabalha o ensino a partir das condições de vida dos estudantes e de suas relações com seu entorno.
Essa tendência acredita que a educação se dá através do senso comum, das necessidades e motivações
pessoais e, principalmente, da influência das relações interpessoais no momento da construção do
conhecimento. (RHEINGANTZ, 2005, p.54-55)
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que o modernismo foi a ‘força formadora’ do habitus dos docentes, e isso se revela na
permanência de uma estrutura pedagógica ainda vinculada aos princípios de teses
modernista, contribuindo para um choque de paradigmas frente às novas
possibilidades de ensino, de projeto e de concepção de mundo. Adotamos a noção de
um habitus híbrido91, atualizado com a “coexistência de distintas instâncias de
socialização, com projetos múltiplos e uma maior circularidade de valores e referências
identitárias, que configura um campo da socialização diversificado e em construção”.
A seguir, daremos continuidade às reflexões para a terceira questão colocada no início
desse capítulo: Qual a gênese desse habitus moderno e que características podem
defini-lo? Para que possamos investigar a conservação desse sistema de pensamento
dito ‘moderno’, presente em práticas e posturas pedagógicas, sentimos a necessidade
de indagar a gênese desse habitus e suas características. Não desejamos ser
deterministas. As características apontadas não determinam todas as práticas
pedagógicas, mas nos ajudam a compreender se determinadas práticas pedagógicas,
posturas e discursos possuem bases de referência no sistema de pensamento moderno
de base racionalista92.
2.2.3 A gênese do habitus moderno de base racionalista e suas principais
características
Cada período da história formula seus próprios sistemas de pensamento que regulam
suas práticas, influenciam novos pensamentos, outras descobertas e novas teorias que
não se esgotam, tampouco, podem ser recortadas de maneira abrupta por anos ou
décadas. Os juízos de valor e as interpretações de sistemas de pensamento,
documentos e expressões humanas devem ser avaliados conforme os critérios que
predominam em cada época.
91 SETTON, 2002.
92 Como já esclarecemos, estamos considerando o sistema de pensamento moderno tendo como
referência os avanços da Ciência Moderna e todos os pensadores que contribuíram, desde então, para a
teoria do conhecimento, nesse trabalho, especialmente aqueles vinculados ao pensamento racionalista-
funcionalista. Veremos com mais detalhes no próximo item.
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No entanto, seguindo a coerência da nossa abordagem, alguns sistemas de valores e
ações perduram por gerações e para compreender suas repercussões nos tempos
seguintes, necessitamos percorrer a sua origem, para apreendermos como surgiram,
que contexto gerou a sua gênese e qual a pertinência de sua conservação. Isso explica
a nossa necessidade de entender o universo de surgimento dos princípios que tanto
influenciam a arquitetura ainda hoje, como a racionalidade e a funcionalidade.
Na década de 60, Pevsner (1994) afirmava que a origem da arquitetura e do design
modernos estava no conceito de ‘funcionalidade’. Por sua vez, esse conceito
apresentava-se como a extensão do princípio do racionalismo francês dos séculos XVII
e XVIII. Na arquitetura, o racionalismo possibilitou uma maneira de operar por meio da
razão.
Para Durand (1972, p. 12), à luz do pensamento de Hillier (1970), o funcionalismo em
arquitetura foi o produto do impacto da tecnologia sobre a “antiga concepção da
arquitetura enquanto arte” e derivou em teses racionalistas, cujos arquitetos
procuraram revestir a arquitetura de um conteúdo pretensamente científico: no século
XIX, por meio da analogia com as máquinas, organismos vivos e linguagem e; na
metade do século XX, através da relação com a teoria dos sistemas, a cibernética, a
psicologia, a sociologia e a semiótica.
Nesse caminho, Montaner (2001, p. 65), argumenta que a arquitetura do século XX
possui relação bastante ajustada com a razão analítica93, “[...] aquela que se baseia na
distinção e classificação, utilizando processos lógicos e matemáticos que tendem à
abstração”.
O “Discurso do Método” (1637) de René Descartes foi uma das referências iniciais do
racionalismo na arquitetura. Os quatro postulados de Descartes contribuíram para
sistematizar o pensamento racionalista natural do ser humano. O primeiro postulado
pregava a não aceitação de coisa alguma como verdadeira, sem investigá-la em seus
mínimos detalhes. Esse postulado estimula a investigação científica como caminho
93 Para além dos outros modos de expressão da racionalidade como: concreta, histórica ou dialética.
(MONTANER, 1997)
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para o conhecimento. O segundo postulado orientava a divisão do problema em
parcelas, quantas fossem necessárias, para melhor compreendê-lo, dando origem à
fragmentação de conteúdos. O terceiro instiga o pensamento sistemático ao orientar a
ordenação das questões, começando pelos problemas mais simples seguidos dos
complexos. O quarto e último postulado orienta que todas as questões sejam
numeradas, revisadas e completas, para termos a certeza de nada omitir. (DESCARTES,
2001)
Em “A formação do homem moderno vista através da arquitetura”, Brandão (1999,
p.201) argumenta que a teoria de Descartes acompanha o “espírito renovador das
primeiras décadas do seicento” em questões relacionadas à “sistematização de novos
valores seguros e universais sobre os quais constituir-se-ia a modernidade”. Assim,
segundo o autor, essa nova construção filosófica acabou por influenciar a constituição
de novos sistemas na arquitetura, na ciência e na política. Descartes, ao formular sua
teoria do conhecimento, tinha consciência da crise vivida pelo homem no século XVI,
quanto ao fato de sentir-se deslocado do centro do universo com as descobertas
científicas do sistema solar e da infinitude do universo. Dessa maneira, irá basear sua
teoria na nova física mecânica e na matemática fundando assim, a moderna
racionalidade. (BRANDÃO, 1999)
Descartes acreditava que a experiência sensorial era passível de muitos erros.
Portanto, o conhecimento verdadeiro só seria atingido por meio da razão humana
trabalhada através de princípios lógicos. A metafísica é abandonada em nome da
razão. Não obstante, toda essa revolução epistemológica teve início com o advento da
Revolução Científica cujo principal produto foi o surgimento da Ciência Moderna.
Castanõn (2006) atribui o início da Revolução Científica à data de publicação do De
Revolutionibus de Copérnico em 1543, estendendo-se até 1687- quando foi publicado
‘Princípios Matemáticos de Filosofia Natural’ de Isaac Newton. Nesse período, a
‘ciência’ passa de resultado da intuição privilegiada de um ‘gênio’ para o ‘saber’ obtido
por meio de experimentos e demonstrações. A filosofia escolástica aristotélica é
superada pelas ideias neo-platônicas e neo-pitagóricas. A necessidade de se definir a
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essência das coisas e dos fenômenos, por meio da resposta sobre ‘o que’ elas são, é
suplantada pela necessidade de se entender o ‘como’ se processam tais fenômenos e
quais as funções matemáticas que os regem. (CASTAÑON, 2006, p.8-9)
A Ciência Moderna traz o conceito do experimento como caminho para o
conhecimento. De acordo com Castañon (2006, p. 11), a definição de Ciência Moderna
mais aceita até hoje foi elaborada por “Ernest Nagel em “The Structure of Science”, de
1961”, que a resume em seis características básicas. A primeira característica é a
natureza sistêmica desenvolvida para organizar os elementos teóricos e as leis; a
segunda diz respeito à definição de métodos a serem utilizados para a investigação
contemplando a definição do objeto de estudo e os fatos relevantes a ele
relacionados; a terceira característica é a necessidade de redução dos fenômenos ao
seu nível mais fundamental; a quarta é o caráter objetivo, a objetividade que o
experimento deve ter com relação ao seu controle, reprodução e intersubjetividade
observável; a quinta característica é a transparência das leis e teorias científicas, de
maneira que sejam claras, precisas e unívocas; a sexta seria a natureza de
incompletude e falibilidade, passível de revisões. (CASTAÑON, 2006)
Ao analisarmos as características apresentadas por Castañon (2006) e definidas por
Nagel (1961), observamos que, embora o estatuto da Ciência Moderna tenha sido há
muito superado pelo Racionalismo Crítico de Popper, alguns dos seus princípios ainda
sobrevivem às investigações como, por exemplo, a prática de redução dos fenômenos
e da realidade, tornando-se uma das principais críticas ao racionalismo por dificultar a
aceitação da complexidade, como veremos mais adiante.
É importante destacar que o Racionalismo Crítico de Popper (1934) representará uma
superação do Racionalismo de base positivista que teve Auguste Comte (1798-1857)
como o seu maior representante, assim como do Positivismo Lógico representado pelo
Círculo de Viena. Esse último com influências no racionalismo arquitetônico,
principalmente, por meio de Ludwig Wittgenstein, filósofo-arquiteto, que projetou a
casa da sua irmã Margaret Stonborough, em Viena, “[...] seguindo uma proposta de
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Paul Engelmann (discípulo de Adolf Loos) e propondo espaços radicalmente vazios de
ornamentação [...]”. (MONTANER, 2001, p. 66) [Figura 10]
Figura 10 – Casa de Margaret Stonborough,
projeto original de Paul Engelmann, com reforma
e finalização de Ludwig Wittgenstein.
Disponível em: http://www.flickr.com/photos/41863920 @N00/1258857621. Acesso em: 15/08/2013
Em síntese, o Positivismo clássico insere-se em duas tradições culturais diferentes,
tendo seus representantes mais importantes: Auguste Comte (1798-1857) e Claude
Bernard (1813-1878) na França, e John Stuart Mill (1806-1873) na Inglaterra. Assim,
temos o positivismo “[...] de tradição francesa, racionalista, que vai de Descartes ao
Iluminismo, e a inglesa, empirista, que vai de Bacon ao Utilitarismo.” Segundo
Castañon (2006), o positivismo acabou por ter “[...] enorme influência na vida cultural
de outros países, como a Alemanha, onde assumiu a forma de cientificismo
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materialista, mas principalmente na Itália e no Brasil, onde foi hegemônico na vida
política e cultural”. (CASTAÑON, 2006, p. 17)
Para Castañon (2006, p. 18-19), os Positivistas, principalmente Comte e Bernard,
influenciados pelo Racionalismo, compreendiam que o empirismo puro não atenderia
aos objetivos científicos por estar baseado apenas em ‘acumulação de fatos’. O que
importava para a ciência era a busca pela formulação de leis, por meio da razão, de
maneira que pudessem prever o funcionamento dos fenômenos de acordo com o
“dogma geral da invariabilidade das leis naturais”. O Positivismo Francês parte, assim,
de hipóteses prévias para analisar os fenômenos.
Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade
de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do
universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se
unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da
observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e
de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se
resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos
fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da
ciência tende cada vez mais a diminuir. (COMTE, 1978, p.03)
O objetivo da observação positivista é encontrar relações invariáveis entre os
fenômenos e, assim, poder induzir o funcionamento de outros fenômenos
semelhantes àquele pesquisado. Como podemos perceber nesta passagem de Comte.
[...] o caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos
como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução
ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços,
considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a
investigação das chamadas causas, sejam primeiras, sejam finais. [...] Cada um
sabe que, em nossas explicações positivas, até mesmo as mais perfeitas, não
temos de modo algum a pretensão de expor as causas geradoras dos
fenômenos, posto que [Sic] nada mais faríamos, então, além de recuar a
dificuldade. Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias de
sua produção e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais de
sucessão e de similitude. (COMTE, 1978, p. 06)
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A ‘lógica moderna’ defendida pelo positivismo lógico era sustentada pelo ‘princípio da
verificação’. Esse princípio separava elementos do campo da ciência daqueles da não-
ciência. Era o verdadeiro “[...] critério de significância, que distinguiria proposições
insensatas de proposições sensatas. E as proposições sensatas, as proposições
plenamente dotadas de sentido, seriam aquelas passíveis de verificação empírica ou
factual, vale dizer, as afirmações das ciências empíricas.” (CASTAÑON, 2006, p. 21)
Na arquitetura, de acordo com Montaner, o positivismo encontrará sua “máxima
expressão teórica” nos escritos de Gottfried Semper (1803-1879). O arquiteto vienense
dará seguimento à tradição “rigorista e tecnicista fundada por Carlo Lodoli, e que, com
seu ‘princípio do revestimento’, antecipa as ideias e as realizações de Adolf Loos e
Mies van der Rohe.” (MONTANER, 2007, p.33)
Ainda segundo Montaner (2007, p.34), em ‘Arquitetura e crítica’ “a interpretação
positivista irá mostrar-se em toda sua eficácia e esplendor nos livros, desenhos e
projetos de Eugène-Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879), e culminará nas
investigações de August Choisy, especialmente em sua Histoire de l’architecture
(1899), na qual a história da arquitetura é considerada uma história da construção,
ligeiramente deformada por interpretações nacionalistas”. De acordo com Montaner
(2001, p.63-64) “seguindo o positivismo de August Comte, Hyppolyte Taine e Gottfried
Semper, Choisy interpreta a história da arquitetura exclusivamente como resultado
das conquistas da evolução das tecnologias e das disponibilidades dos materiais.”
“A história da arquitetura é a história da construção. Não foi por casualidade
que Reyner Banham em Teoria e desenho na primeira era da máquina (1960)
considerasse Choisy como o autor fundacional da nova era do racionalismo e
da técnica no século XX.” (MONTANER, 2001, p. 64)
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Essa relação entre a técnica e a arquitetura também é vista em Viana (2012)94 por
meio da obra95 complexa de Semper (1860). Para a autora, Semper “[...] argumentava
pela atenção à superfície da arquitetura como um meio de salvá-la da degenerescência
estilística imperiosa naquela época. Semper buscou critérios e princípios concretos de
produção da arquitetura que guiassem a prática daquele momento.” (VIANA, 2012, p.
35)
De acordo com Viana(2012) a obra de Semper fundamenta-se, também, em
pressupostos evolucionistas. Para o arquiteto, assim como na natureza, a arte também
teria uma história evolutiva baseada em um número restrito de padrões que se
modificariam de acordo com o estágio de sua evolução, mas que são recorrentes no
universo arquitetônico. Em seus estudos, Viana (2012) observou que, em Semper :
[...] a investigação das origens da arquitetura não deveria se orientar em
termos da busca de modelos formais a seguir - conforme propuseram seus
antecessores adeptos da doutrina neoclássica -, mas sim em termos da busca
de seus princípios criativos, potências criadoras de ideias arquiteturais, ideias
estas que para ele derivariam das condições pré-arquiteturais das habitações
primitivas e que também estariam presentes na produção arquitetônica em
seu desenvolvimento posterior. (VIANA, 2012, p.36)
Um exemplo disso, citado por Viana (2012), seria a cabana caribenha adotada por
Semper como o abrigo primitivo do homem, organizada ao redor da lareira, para
protegê-lo das intempéries e dos animais, e fechada por painéis de fibras vegetais
trançadas por padrões têxteis variados. Semper não estava preocupado com a forma
final da arte, mas com a maneira como ela era tramada, sua técnica e sua evolução na
história. [Figuras 11 e 12]
94 VIANA, Alice de Oliveira. O princípio do revestimento em Gottfried Semper e a questão da policromia
na arquitetura. Dossiê História e Imagens. MNEME – Revista de Humanidades, 13 (31), 2012. P.34-47
95 Em português O Estilo nas artes técnicas e tectônicas, ou estética prática: um manual para técni-cos,
artistas e amigos da arte. O primeiro volume foi publicado no ano de 1860 e o segundo em 1863. Foi
traduzido para o inglês em 2004 como Style in the Technical and Tectonic Arts; or Practical Aesthetics.
2 vol. Trad. Harry Francis Malgrave and Michael Robinson. Los Angeles: Getty Research Institute, 2004.
(VIANA, 2012, p.46)
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Em Montaner (2007), Semper estava à procura por leis fixas e imutáveis para a arte,
alinhando-se ao pensamento positivista da época. “Segundo a teoria determinista do
positivismo, essas leis seriam provenientes dos condicionantes materiais, técnicos,
climatológicos, políticos, culturais e religiosos. Semper trata a noção de tectônica
como uma ligação orgânica, inter-relacionada e articulada entre as diversas decisões
que conformam um edifício.” (MONTANER, 2007, p.34).
O movimento moderno expressou-se pelo racionalismo nos “[...] manifestos e obras de
Adolf Loos, Le Corbusier ou Mies van der Rohe, se converteram em peças chaves para
interpretar o funcionalismo e o racionalismo na evolução geral das ideias e da estética
do princípio do século XX”. (MONTANER, 2001, p.60)
A pureza das formas, a abstração na arte, a arquitetura concebida por formas
elementares, prismáticas e cúbicas, assim como a cidade zonificada, serão expressões
do racionalismo na arquitetura. O pensamento lógico cartesiano personificado em arte
favoreceu os experimentos das vanguardas artísticas nos princípios do século XX.
Fonte: (SEMPER, 2004, p. 666 e p. 223 In: VIANA, 2012, p. 37 e
38)
Figuras 11 e 12 – Cabana Caribenha e Padrões Têxteis.
11 12
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Segundo Montaner (2001, p. 65), o método de divisão e subdivisão do mundo em
“entidades elementares” está relacionado à decomposição das figuras da arte e da
arquitetura como encontramos em Kandinsky, Mondrian, em trabalhos de autores do
grupo De Stijl, ou da vanguarda russa. Tais expressões baseavam-se em composições
de elementos geométricos primários, linhas, planos, pontos. Esse mesmo conceito, de
acordo com o autor, esteve presente nas bases do zoneamento urbano, numa
tentativa de organizar a complexidade urbana por meio da setorização de funções.
Além do racionalismo, funcionalismo e todas as interpretações desses conceitos, na
arte e na arquitetura, o positivismo ainda deu origem à ideia do progresso por meio da
ordenação. Um dos pensamentos de Comte, para realizar a ‘reforma da sociedade’
que, na sua concepção, deveria iniciar-se pela educação, pelo desenvolvimento
intelectual e seguida pela moral e política. Esses princípios estão registrados na sua
obra ‘Catecismo Positivista,’ considerada a mais importante obra representante do
positivismo francês.
O Amor por princípio, a Ordem por base, e o Progresso por fim. Sempre
fundada sobre um livre concurso de vontades independentes, a sua existência
composta, que toda discórdia tende a dissolver, consagra logo a
preponderância contínua do coração sobre o espírito, como a única base de
nossa verdadeira unidade. É assim que a ordem universal se resume daqui por
diante no ente que a estuda e aperfeiçoa sem cessar. (COMTE in GIANNOTTI,
1978, p.145)
Na arquitetura moderna, a ideia de progresso esteve relacionada à modernização das
instituições, à industrialização como motor do desenvolvimento, à construção de uma
identidade brasileira que refletisse um ideário progressista, à economia de meios e
modos representada por um design que pudesse refletir sua utilidade numa estética
racionalizada. Assim, lemas como: ‘Menos é mais’ (frase delegada ao arquiteto Mies
Van der Rohe) e ‘a forma segue a função’ ("form follows function", delegada ao
arquiteto Louis Sullivan, também pronunciada como forma é função) são geralmente
vinculados à síntese do ideário moderno.
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Em muitos casos, lemas como esses acabam por passar uma ideologia distorcida, ou
incompleta com relação ao contexto em que foram criados. No caso da frase que
sintetiza a funcionalidade da forma arquitetônica, Barreto (1996, p. 107) coloca que
“no funcionalismo, [...], a forma deveria seguir a função que, por sua vez, decorria de
um programa de necessidades”. Da mesma maneira, Comas (1986) indica como um
dos caminhos da concepção moderna, aquele resultante das decisões programáticas e
tecnológicas. Piñon (2006, p. 50) define a ideia da forma moderna como resultante de
um conjunto de relações internas ao objeto mas, diferentemente da lógica clássica, “a
concepção moderna encontra sua legalidade formal ao concluir o processo de
concepção: a ordem é específica de cada objeto e aparece só ao final do projeto.”
Dessa maneira, o lema proferido por Sullivan, não pressupõe uma relação de causa e
efeito, como frenquentemente é postulado em diversos contextos, mas pretende
indicar uma diferença na lógica da concepção moderna que, a princípio, não seguiria
nenhum sistema de regras como a concepção clássica, pois, criaria sua lógica a partir
das condições específicas de cada contexto.
No Brasil, esse ideário moderno é interpretado por Del Rio e Gallo (2000) como lastro
político do Estado Novo de base positivista com intenções de transformação e
progresso:
O ideário modernista internacional foi sumária e explicitamente expresso
também no Brasil, pela vontade de construção de uma sociedade mais
igualitária, de substituição da exaurida estética classicizante e historicista por
uma "estética nova" da máquina, de industrialização nas cidades e promoção
de uma nova classe operária – lastro político do Estado Novo- e de
transformação de um país de caráter majoritariamente rural para
majoritariamente urbano. Em síntese, este ideário de transformação e
progresso, nosso espírito nacional e Zeitgeist da época – coincidente com
nossa base positivista de ordem e progresso expressa na bandeira nacional –
iria inevitavelmente apoiar-se nas expressões urbanísticas, concretizadas
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tardiamente se comparadas às expressões arquitetônicas. (DEL RIO; GALLO,
2000, n.p. grifo nosso)96
Del Rio e Gallo (2000) ainda relacionam a influência positivista na arquitetura e no
urbanismo com os dispositivos restritivos e classificatórios vinculados às leis de
zoneamento que ainda permeiam e regulam o cotidiano de nossas cidades. Para os
autores, o “zoning é derivado da quebra da visão da cidade como continuum (físico-
espacial, social e histórico) e tende a promover uma abordagem fracionada que não
reconhece a riqueza da complexidade urbana e trata a cidade por partes estanques,
mais facilmente manipuláveis”, resquícios segundo os autores do pensamento
positivista e racionalista, cujas “[...] origens remotas do renascimento e de Descartes,
para quem o enfrentamento de problemas dava-se pela sua subdivisão e a
conseqüente abordagem do simples para o complexo, atuando assim por partes.”
É esta também a origem do princípio de "tábula rasa", tão caro ao pensamento
corbusiano com o qual se alinharam estreitamente a arquitetura e o
urbanismo modernista brasileiros. Nega-se a autoridade do passado,
substituído pela experiência própria, à luz da razão, desprezando o legado
histórico, sobre o qual o modernismo se afirma por negação, numa cidade
zonificada e físicamente sadia para o seu perfeito funcionamento: habitar,
trabalhar, circular e cultivar o corpo e o espírito. (DEL RIO; GALLO, 2000)
O conceito de ‘tabula rasa’ surge com o empirismo positivista. Giusta (2013) esclarece
que na psicologia, os adeptos dessa teoria partiam do pressuposto de que a mente era
originalmente uma ‘tabula rasa’ e que todo conhecimento decorria unicamente da
experiência, especificamente, de uma experiência sensorial.
Na arquitetura, a questão positivista da ‘tábula rasa’ será interpretada, por alguns
autores, como uma negação aos estilos históricos e sua relação com o ornamento.
‘Ornamento e Crime’ (1908)97 de Adolf Loos reflete essa preocupação com o supérfluo
e o superficial.
96 DEL RIO, Vicente; GALLO; Haroldo. O legado do urbanismo moderno no Brasil Paradigma realizado ou
projeto inacabado? Arquitexto 006.05, Ano 01, nov 2000. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/
revistas/read/arquitextos/01.006/958 Acesso em: 12/07/2013
97 LOOS, Adolf. Ornamento e Delito. Tradução Anja Pratschke. Revisão: Fernando Atique, 2002. Sem
paginação. Disponível em: http://www.eesc.usp.br/babel/loos.pdf Acesso em: 25/02/2013.
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Ainda seguindo Del Rio e Gallo (2000), no Brasil, esse mesmo modelo racionalista
conveio “[...] para estabelecer entre nós um grande sentido do social e uma unidade
de propósitos, por meio da qual foi possível estabelecer, paradoxalmente com o
princípio de negação do repertório histórico e da criação de formas novas, uma
expressão de identidade”. Para os autores essa questão nós devemos a Lúcio Costa,
por duas razões bastantes claras: “Em primeiro lugar, o trânsito fácil de Lúcio Costa
entre a escala do edifício e da cidade [...] Em segundo lugar, a sua vinculação com a
preservação histórica através de sua obra escrita e sua atuação no IPHAN.” (DEL RIO;
GALLO, 2000)
De tal modo, no Brasil, segundo os autores, as interpretações desse racionalismo não
ignoram por completo a história e seus precedentes, assim como, souberam
desenvolver uma relação peculiar com o nosso meio e modo de vida, o que conferiu
uma expressão própria e nacional. Os arquitetos brasileiros souberam “[...] incorporar
essas lições a seu repertório tipológico, formal e técnico” fortalecendo os elementos
de identidade locais. Dessa maneira, os autores concluem que não é oportuno
ignorarmos as lições do modernismo brasileiro e que provavelmente são nelas onde
possamos encontrar caminhos para atenuar os efeitos perversos dessa cultura
contemporânea globalizada. (DEL RIO; GALLO, 2000)
Nesse caminho, Lauro Cavalcanti (2006)98 desenvolve seus argumentos em “Moderno
e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930–60)” investigando
a tese de que o Estado Novo, dos anos 30, adotou a linguagem modernista como
expressão para a nova identidade brasileira que deveria representar o progresso: “uma
das principais preocupações do Estado Novo diz respeito à construção do novo homem
brasileiro”. (CAVALCANTI, 2006, p. 33) A arquitetura moderna brasileira como uma
reinterpretação das ideias de Le Corbusier e Gropius, “[...] traduzia um momento de
ruptura com a sociedade anterior. O espírito novo, no dizer de Le Corbusier, estaria
situado na indústria e na máquina, em oposição ao trabalho artesanal.” (CAVALCANTI,
98 CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930–
60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
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2006, p. 43) Não é a toa, portanto, que o então Ministro Capanema veta a escultura de
Celso Antônio, “O homem brasileiro” que seria colocada defronte ao Ministério da
Educação, pelas suas “feições sertanejas, barrigudo e de compleição pouco atlética.” O
homem moderno, além de sua característica altiva deveria estar representado ereto,
em posição de “marcha”. (CAVALCANTI, 2006, p. 51)
Além do aspecto relacionado à identidade brasileira no período do Estado Novo,
destacamos algumas posturas mais adiante, que representaram o ideário de viés social
da arquitetura moderna e que contribuíram para uma contraposição crítica ao
racionalismo e funcionalismo hegemônico da época. Assim, temos a produção
cuidadosa e sensível de Lina Bo Bardi, a contribuição dos arquitetos do grupo
Arquitetura Nova, Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império, que se esforçaram
pelo desenvolvimento de uma produção criativa e popular, além das pesquisas de
Carlos Nelson Ferreira dos Santos com intervenções urbanas em comunidades
carentes da periferia.
Quanto ao ideário social na formação do arquiteto, Barreto (1996, p. 108) ao realisar
um estudo de ideologia do arquiteto no Brasil, abrangendo o período de 1820 – 1950
comenta que: “[...] as mudanças que, em geral, ocorrem no ensino da Teoria e Projeto
nos cursos de arquitetura no Brasil, acompanhando a adoção da arquitetura moderna,
limitam-se a um ideário funcional e racionalista, atrelado a uma visão idealista das
necessidades sociais.” O que justifica esse fato, de acordo com a autora, são os
critérios utilizados pelos arquitetos, aos quais são atribuídos tais princípios, para o
cumprimento de necessidades gerais e coletivas, como:
[...] o estabelecimento de dimensões mínimas de locais ou de equipamento, ou
da hierarquização das zonas de uma edificação, como os lugares considerados
serviço, privado ou social, obedecem, antes, às formas de apropriação e
utilização dos espaços pelas classes sociais, do que mesmo, a critérios
estritamente técnicos e pretensamente neutros. (BARRETO, 1996, p. 108)
No entanto, para Barreto (1996, p. 108) se essa ideologia participa do contexto
profissional, na situação acadêmica tende a tornar-se problemática, uma vez que, por
se basear em situações hipotéticas, a ‘liberdade’ existente na prática das simulações
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projetuais, podem conduzir os estudantes na direção de um “[...] processo mais
alienante frente ao jogo histórico travado pelas classes sociais.”
Ainda no âmbito acadêmico, Merlin (2005) acredita que a ideia de fragmentação
disciplinar que permanece no ensino da arquitetura e no ensino superior de maneira
geral é uma herança do positivismo científico, impossibitando, assim, uma integração
de conteúdos para o conhecimento mais alinhado com a prática profissional.
[...] parece haver uma distância insuperável entre a aprendizagem acadêmica e
a prática profissional, fruto de um ensino universitário herdado no inicio do
século XX, ligado ao positivismo científico que isolou e estigmatizou outras
formas de conhecimento. (MERLIN, 2005, p.3)
Nesse mesmo caminho, Mano e Lassance comentam essa fragmentação no universo
das disciplinas de projeto.
Com raízes no pensamento positivista, o cenário de fragmentação disciplinar
atual, que põe o ensino de projeto isolado das demais disciplinas99, sob o
comando comumente de um ou dois professores no atelier100, também afeta
as disciplinas, que restritas a si mesmas, veem seus conteúdos cada vez
maiores e menos fixados pelos estudantes. As simulações projetivas dos
estudantes, de um modo geral, demonstram-se, a cada tempo, mais afastados
das contingências inexoráveis da tectônica por um lado e, simultaneamente
por outro, da investigação, exploração e argumentação que os conhecimentos
em teoria, baseados na história, podem prover.” ( MANO; LASSANCE, 2009,
p.05)
No entanto, segundo Merlin (2005), existem reações no âmbito dos cursos de
Arquitetura. A necessidade de generalização e de busca pela síntese tem levado os
professores dos cursos de arquitetura a entrarem em conflito com a política
educacional universitária que ainda idealiza esse conhecimento de maneira
fragmentada, por disciplinas, créditos, departamentos.
99 (Ishida, A; Peres, L, 2003); (Benetti, 2003); (Malard, 2005)
100 Aos quais recai toda a responsabilidade de requisitar os diversos conteúdos e habilidades fornecidos
pelas demais disciplinas na resposta projetiva, tarefa para a qual nem sempre se demonstramaptos ou
que estão dispostos a cumprir. (MANO; LASSANDE, 2009, p. 05)
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Enquanto o saber científico fragmenta a realidade para delimitar um campo
específico e aprofundar sua análise, o ensino da arquitetura tende à
generalização e busca a síntese através de conhecimentos transfundidos. Essas
características específicas geram conflitos insolúveis na relação entre os cursos
de arquitetura e as universidades, especialmente naquelas que tratam
primordialmente de pesquisas científicas, gerando celeumas de todas as
ordens, por aparentar um “caos” comprometedor da “seriedade” científica
positivista. A arquitetura contraria este modelo ao buscar a
transdisciplinaridade e a síntese, que supera a análise por ser propositiva e
almejar um devir. (MERLIN, 2005, p.3)
Nessa busca atualizada pela compreensão da complexidade, os cursos de arquitetura
iniciam a constituição de uma nova postura, a construção de um novo habitus de
natureza híbrida e aberto às transformações.
Nesse item, vimos que o sistema de pensamento moderno teve a origem de seus
princípios tecida desde o advento da Ciência Moderna. O conhecimento adquirido por
meio da lógica da razão mudou a visão de mundo que colaborou com a constituição de
um novo habitus. O pensamento racionalista foi consolidando-se apoiado na ideia
sistemática do conhecimento por meio da ciência experimental de natureza positivista.
Talvez por isso, por expressar o pensamento de uma era, o racionalismo foi um dos
principais conceitos que entrou em crise a partir da Segunda Guerra Mundial.
Juntamente com o funcionalismo, representavam mecanismos “empobrecedores das
complexidades e qualidades da realidade” nas palavras de Theodor W. Adorno.
Seguindo o pensamento de Walter Benjamin, a razão e o progresso têm um caráter
ambivalente: por um lado, acolhem a melhoria da vida humana através do
desenvolvimento tecnológico e da socialização; por outro, acabam por possibilitar a
‘dominação do indivíduo’ e a ‘exploração da natureza’. (MONTANER, 2001, p. 71)
Assim, no campo da arquitetura, Montaner (2001, p.73) assinala que as correntes
hegemônicas que surgiram a partir da década de 40 nasceram de uma “crítica parcial
ou total ao racionalismo”. O contextualismo, o retorno à percepção fenomenológica, a
valoração do passado histórico, a complexidade e a contradição foram contrapontos
ao racionalismo e ao funcionalismo na arquitetura. Figuras como Jane Jacobs e a
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complexidade da vida urbana, Alvar Aalto e o organicismo, Louis Kahn e o legado
histórico como referência, Aldo Rossi e a cidade como fenômeno complexo, Robert
Venturi e Denise Scott Brown em ‘Complexidade e contradição na arquitetura’,
Theodor W. Adorno e sua crítica ao puritanismo estético de Loos, Peter Eisenman e o
pós-funcionalismo, Rem Koolhaas e Elia Zenghelis e as críticas ao zoneamento do
urbanismo racionalista, além do expressionismo de brasileiros como Lina Bo Bardi e
Oscar Niemeyer, todos contribuíram, à sua maneira, para a crítica ao racionalismo.
Para Montaner (2001, p. 79): “À medida que a racionalidade instrumental está na
própria base da modernidade, crítica ao racionalismo e crítica à modernidade
coincidem nos escritos de Walter Benjamin, Theodor W. Adorno, Maurice Merleau-
Ponty ou María Zambrano”. Como já fomos de um extremo a outro, na história da
humanidade, Montaner (2001, p. 79) argumenta que esses autores deixam claro que
“[...] tanto um pensamento estritamente cartesiano e racional quanto uma doutrina
oposta baseada na intuição essencial, são falsos. Todo pensamento deve incluir a razão
e a intuição como processos básicos e complementários.”
Nesse período de revisões, no campo da teoria do conhecimento, Castañon (2007)
registra o surgimento do Racionalismo Crítico com a publicação, em 1934, de ‘A Lógica
da Investigação Científica’ de Karl Popper. O Racionalismo Crítico de Popper, segundo
Castañon (2006, 2007), será a mais completa crítica ao Positivismo Lógico e ao método
indutivo da Ciência Moderna, mudando a maneira como compreendemos o
empreendimento científico até hoje.
Popper contradisse e refutou todas as principais posições assumidas pelo
Positivismo Lógico, colocando obstáculos intransponíveis ao seu ulterior
desenvolvimento. Criticou o princípio da verificação como critério de
demarcação e o substituiu por um conceito quase oposto, o de
falsificabilidade; enterrou o método da indução e provou sua invalidade,
substituindo-o por seu oposto, o método hipotético-dedutivo; desabsolutizou
os fundamentos e as pretensões da ciência moderna, os tomando como meras
conjecturas e defendendo uma ciência perfectível; rejeitou plenamente a
antimetafísica positivista, reabilitando a metafísica como celeiro de ideias
científicas. (CASTAÑON, 2006, p.26)
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Ao atacar o princípio da indução, Popper argumenta que não existe observação sem
hipótese prévia e que não podemos inferir enunciados universais a partir de
singulares: “[...] não importa quantas instâncias de cisnes brancos podemos ter
observado, isto não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos.”
(POPPER, 1975, p.263)101
Ao criticar os enunciados universais, Popper demonstra a ineficácia das generalizações
e das inferências por indução. Com isso, Popper derruba o princípio de verificação por
meio do seu oposto, o princípio de falsificabilidade. O critério de demarcação da
ciência passa de sua verificabilidade, para a sua falseabilidade.
[...] certamente admitirei um sistema como empírico ou científico somente se
ele for suscetível de ser testado pela experiência. Estas considerações sugerem
que se deve considerar como um critério de demarcação, não a
verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não
exigirei de um sistema científico que ele seja suscetível de ser relacionado, de
uma vez por todas, em um sentido positivo; mas requererei que sua forma
lógica seja tal que ele possa ser relacionado, por meio de testes empíricos, em
um sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema
científico empírico. ( POPPER, 1975, p. 275).
Para Popper (1975), a prática da experimentação apenas ocorre quando sabemos
previamente o que devemos observar durante o processo. Isso só pode ocorrer com
qualidade por meio de teorias prévias, as hipóteses. A experimentação é, justamente,
a prova das hipóteses que serão confirmadas ou falseadas. Com isso, Popper supera a
prática da ‘observação pura’ e a ideia de ‘tábula rasa’ que se sustentava na
representação isenta da observação, ou, como observa Castañon (2006, p.29), “[...] na
ideia de que seríamos capazes de nos livrar de expectativas, pressupostos e hipóteses
e contemplar o mundo de maneira neutra, para adquirir verdadeiro conhecimento.”
Popper irá provar que, consciente ou inconsciente, toda observação deve ser guiada
por expectativas, isso orientará nossa percepção. A “[...] percepção de um problema é
o início de todo e qualquer processo de conhecimento.” (CASTAÑON, 2006, p.30)
101 POPPER, K. A Lógica da Investigação Científica.São Paulo: Abril Cultural, 1975.
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Na arquitetura, isso irá contribuir com a importância das contextualizações, com as
problemáticas a partir de situações reais, com a aceitação da complexidade e da
incompletude das soluções e com posturas que questionem as visões reducionistas,
verdadeiras e fragmentadas dos problemas. Da mesma maneira, o fato de
compreendermos que, para que ocorra a experimentação, é necessário que,
minimamente, saibamos o que devemos observar nessa experimentação, destaca o
trabalho a priori que deve ser apropriado. Isso pressupõe, no âmbito do trabalho
pedagógico no ensino de projeto, por exemplo, que existe a necessidade de uma
preparação anterior à experimentação do aluno. Esse sujeito precisa compreender o
que deve buscar na sua investigação, para além dos acasos que podem surgir e
contribuir com o processo.
Assim, para o Racionalismo Crítico, a pesquisa científica terá o seguinte
encaminhamento:
Primeiro, constatamos um problema (uma teoria que tínhamos não deu conta
da realidade e nos frustrou); segundo, elaboramos hipóteses como tentativas
de solução do problema; terceiro, temos que colocar em teste empírico estas
hipóteses (aqui está a questão do falsificacionismo: se ela não puder ser, em
tese, falsificada por nenhuma observação possível, não pode ser científica);
quarto, verificamos se a hipótese foi corroborada (ou seja, a previsão se
concretizou) ou falsificada (a previsão não se confirmou na observação).
Quando corroborada, temos uma teoria científica, que no entanto, tem
validade provisória, até ser refutada por alguma observação. Quando refutada
(falsificada), também temos conhecimento, pois eliminamos uma teoria que
agora sabemos ser falsa. (CASTAÑON, 2006, p.31)
Castañon (2006, 2007) também defende o instituto do Racionalismo Crítico, a partir de
Popper, como um dos avanços que possibilitou a aplicação do método científico ao
estudo da mente, permitindo o desenvolvimento das ciências cognitivas e,
principalmente, levando à compreensão de que mesmo sendo possível a investigação
nos domínios da vida psicológica, por meio do método científico, o avanço das ciências
cognitivas também deixou claro, segundo Castañon (2010, p. 238), que a vida
psicológica tem domínios impenetráveis e que, portanto, “só podem ser investigados
filosoficamente”. Mas isso não diminui a importância das investigações cognitivas; pelo
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contrário, o que devemos ter em mente, segundo o autor, é a distinção entre
conhecimento e certeza; e não é pelo fato de não termos certeza absoluta sobre algo
que o processo, para a compreensão desse ‘algo’, não tenha produzido um
conhecimento. Mas, sim, pode possibilitar um conhecimento aproximativo.
Nesse espaço, amparados pelos autores adotados, apresentamos a nossa
interpretação da gênese do habitus moderno, vinculando-o ao pensamento de
natureza positivista, destacando as principais características alinhadas aos princípios
do racionalismo e do funcionalismo que influenciaram a arquitetura. Como vimos por
meio dos autores, o funcionalismo, como uma das principais expressões do
racionalismo, está presente nos princípios da utilidade, da economia de meios e de
recursos, da universalidade, da sistematicidade, da tecnologia e da autonomia. A ideia
de que a forma é decorrente da função por ela abrigada levou aos estudos
programáticos como etapa de fundamentação da concepção, aos sistemas
construtivos eficientes, concebidos com poucos componentes, aos arranjos com
formas básicas decorrentes da geometria euclidiana, aos sistemas ordenadores, às
modulações e sequências espaciais repetitivas que pudessem otimizar a construção. A
ideia da ‘tábula rasa’ contribuiu para a recusa aos precedentes históricos e à
complexidade inerente aos fenômenos de ordem espacial e urbana, levando ao
fragmento expresso em zoneamentos funcionalistas e às posturas alimentadas pelo
‘olhar de pássaro’ coerente com a visão demiúrgica de um arquiteto em defesa de uma
arquitetura como expressão da arte. Nos próximos capítulos trabalhamos o ensino de
projeto de arquitetura no Brasil e investigamos possíveis indícios desse habitus de
natureza moderna nas posturas dos autores analisados e nos conceitos-chave
elencados para o estudo da concepção arquitetural.
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ensino de projeto de arquitetura no brasil
Com o intuito de reforçar os subsídios da análise do objeto de estudo, apresentamos
na sequência, uma breve contextualização histórica do ensino de arquitetura no Brasil
e sua relação com a disciplina projetual para, em seguida, nos determos no ensino
específico de projeto de arquitetura. Esse breve relato está condicionado à
compreensão de que nem todos os eventos se iniciam ou se finalizam em datas
precisas, muitos acontecimentos históricos são produtos de anos de maturação e
seguem com repercussões por gerações adiante. Veremos, ao longo do trabalho, o
quanto esse breve relato nos revela sobre as posturas pedagógicas ainda vigorantes no
ensino de projeto de arquitetura no contexto das escolas brasileiras.
Posto essas condições, o prelúdio do ensino de arquitetura no Brasil remonta aos
tempos dos liceus de artes e ofícios, das academias reais de belas artes e das escolas
politécnicas, fundadas no século XIX. Como exemplo do ensino de viés artístico, se tem
a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, fundada, em 1816, como uma das primeiras
iniciativas da Missão Artística Francesa, no Rio de Janeiro, tornando-se, em 1824,
Imperial Academia de Belas Artes102. O ensino das Belas Artes no Brasil nasceu voltado
para a reprodução dos ensinamentos clássicos com base nos tratados gregos e
romanos.
Saviani (2011) apresenta, nessa época, um contexto educacional delineado no
pensamento liberal influenciado por várias vertentes como o positivismo, o
102 Sobre isso ver: SCHLEE, Andrey Rosenthal .Trajetória e estado da arte da formação em Engenharia,
Arquitetura e Agronomia – volume X: Arquitetura e Urbanismo / Organizador: Andrey Rosenthal Schlee.
– Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Conselho Federal de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia, 2010.
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evolucionismo social e as diversas versões do liberalismo político: moderada, radical e
republicana. Ao longo da Primeira República, uma tensão demarcou o papel do Estado
no pensamento pedagógico e na política educacional do Brasil. Essa tensão direcionava
o pensamento da época para dois caminhos contraditórios: a questão da percepção do
Estado como centralizador da educação e, ao mesmo tempo, a notória dificuldade da
sociedade em aceitá-lo como protagonista do seu desenvolvimento.
Logo após a Proclamação da República, Saviani (2011, p. 169) apresenta a obra de José
Veríssimo (1890), ‘A educação nacional’, como referência importante para a reforma
educativa brasileira. Em sua obra, Veríssimo deixa clara a necessidade de se
reconstruir o caráter e o sentimento nacional do povo brasileiro. A reforma educativa
deveria ser a base para a reforma política e essa, por sua vez, ser indutora da reforma
educativa. Assim, as primeiras décadas do século XX serão marcadas pelo debate das
ideias liberais (liberalismo e positivismo) que teve como base a educação como
caminho para a participação política da sociedade. Esse “entusiasmo pela educação”,
segundo Saviani (2011, p. 177) atingiu sua culminância na efervescente década de 20,
quando o modelo tradicional da pedagogia liberal é, aos poucos, suplantada pela
educação moderna de concepção humanista.
Esse período é marcado pela crescente urbanização e industrialização do país
impulsionadas pelo acumulo de capital gerado pelo cultivo do café. A classe média
alcança sua maior representação econômica na sociedade por meio das famílias de
industriais e dos ‘barões do café’. A Revolução de 30 seria marcada, portanto, pela
variedade de forças econômicas sustentadas pelo domínio do Exército. Para Saviani
(2011, p. 193), o “Estado de compromisso” firmado com a Revolução de 30
considerava o “Estado como agente, no plano governamental, da hegemonia da
burguesia industrial”.
A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública foi uma das primeiras medidas do
governo provisório pós Revolução de 30, tendo Francisco Campos como o primeiro
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ministro da pasta. Francisco Campos era integrante do movimento da Escola Nova103 e,
logo no primeiro semestre de sua atuação, baixou um conjunto de sete decretos que
ficou conhecido como Reforma Francisco Campos. Entre esses, estava o que criou o
Conselho Nacional de Educação; outro que dispunha sobre a organização do ensino
superior no Brasil, adotando o regime universitário e dispondo sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro. Essas medidas evidenciaram a educação como matéria
a ser tratada pelo governo. (SAVIANI, 2011)
É nesse contexto que a autonomia do ensino da arquitetura, em relação às demais
artes, acontece em 1931. A fundação da ENBA, Escola Nacional de Belas-Artes da
Universidade do Rio de Janeiro, tem relação temporal com a Reforma de Lúcio Costa,
por ocasião da sua curta passagem como diretor da ENBA, de dezembro de 1930 até
setembro de 1931. Nesse período, Lúcio Costa, a convite de Rodrigo Mello Franco de
Andrade, na época, chefe de gabinete do Ministro da Educação e Saúde Francisco
Campos, foi nomeado para dirigir a Escola Nacional de Belas Artes a fim de renovar o
ensino de arquitetura. Para Barreto (1996, p.65), Lúcio Costa adquiriu tamanha
importância por ter-se figurado como “ mentor intelectual e sistematizador do ideário
de toda uma geração da categoria [...] a partir dos anos 30. ”
Por sua vez, o viés técnico da formação do arquiteto seria dado pelo profissional
‘engenheiro-arquiteto’, formado pelas escolas politécnicas, no caso específico, a Escola
Politécnica de São Paulo, fundada em 1894, tendo a formação desse profissional
aprovada a partir de 1896, com os saberes da arquitetura ministrados como uma
especialidade da engenharia104. Barreto (1996, p. 94) destaca, a contribuição do ensino
paulista a partir de 1945, com a adoção de novos métodos didáticos no currículo
103 A Escola Nova, ou escolanovismo, tinha como base para a educação o tripé científico cuja proposta se
assentava nos estudos de biologia, de psicologia e de sociologia. Adequava-se à filosofia pragmática
sobre base de pensadores como John Dewey e Walter Lippmann para a teoria democrática. Em 1932, o
grupo que representava o movimento de renovação da educação brasileira lança o “Manifesto” com
todas as bases da Escola Nova para o Brasil. Isso provocou uma forte reação católica frente ao combate
à laicização do ensino. (SAVIANI, 2011)
104 Ver SCHLEE (2010, p.50) op cit.
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baseados na FNA105 e, a partir de 1948, com a contribuição de Vilanova Artigas
tornando-se referência para várias gerações de arquitetos.
Dessa maneira, a origem do ensino de projeto conteve duas vertentes que
caracterizaram seus enfoques pedagógicos e profissionais, uma originária dos
institutos de origens artísticas e outra procedente do ensino técnico e das engenharias.
Com a instituição da arquitetura moderna no Brasil, da autonomia dos cursos em
relação às antigas academias, das primeiras conquistas profissionais com a
constituição da autonomia legal da arquitetura, a partir do seu marco regulatório de
1933, e, com a reforma do ensino empreendida por Lúcio Costa na ENBA, o ensino de
projeto adquire maior importância na formação do arquiteto, passando a ter suas
disciplinas delineadas como a ‘espinha dorsal’ dos cursos de arquitetura no Brasil106.
Esse período, compreendido pela década de 30 a 50, representou uma luta pela
autonomia dos cursos em algumas cidades brasileiras, ao mesmo tempo em que se
afirmava a posição do arquiteto junto à sociedade, tendo o seu ápice com a construção
de Brasília.
No entanto, diante da desenvoltura e reconhecimento que a nossa arquitetura
moderna conquistava no âmbito nacional e internacional, encontrava-se um ensino de
projeto de arquitetura à margem das expressões nacionais de vanguarda e aprisionado
aos modos de ensino acadêmico, apesar do esforço empreendido por Lúcio Costa na
ENBA. Esse aspecto se sustentava, segundo Barreto (1996), pelo predomínio dos
arquitetos tradicionais na equipe do corpo docente, ainda vinculados ao ensino de viés
historicista. Para os professores “modernizantes” a prática projetual ainda estava em
construção. Nesse caso, como argumenta Barreto (1996) se contava com o talento
inato do aluno, pois o ensino era baseado no estímulo das habilidades existentes. “O
105 Em 1944, o curso de arquitetura da ENBA, Rio de Janeiro, tornou-se FNA, Faculdade Nacional de
Arquitetura.
106 Sônia Marques (1996), em sua dissertação, faz uma periodização relacionada ao ensino de
arquitetura no Brasil, alinhada às modificações ocorridas no ensino superior. De acordo com a autora,
essa periodização pode ser assim classificada: “1826-1930 – Da academia às Escolas Politécnicas, até a
reforma da ENBA; 1930-1950 – Luta pela autonomia dos cursos e pela afirmação profissional; 1950-
1968 – Modernização. Novos modelos até a reforma universitária; 1968-1981 – Proliferação das
escolas.” (BARRETO, 1996, p.24)
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processo pedagógico se basearia no domínio da intuição, do irracional, não havendo
propriamente transmissão-aquisição de conhecimento mas, simplesmente, um
refinamento de qualidades já ocorrentes” (BARRETO, 1996, p.106)
No período subsequente, com a consolidação da arquitetura moderna, Barreto (1996,
p.108) destaca um esforço empreendido pelos cursos de arquitetura no Brasil, na
atualização do ensino da Teoria e do Projeto, procurando alinhar-se aos preceitos
modernistas por meio da adoção de um “ideário funcional e racionalista, atrelado a
uma visão idealista das necessidades sociais” vinculados, também, às soluções
projetuais resultantes de um programa de necessidades e das técnicas possíveis.107
Apesar dos lentos avanços, os anos 60 marcariam um período de inquietações com
relação ao anacronismo desse ensino, representado pela ocorrência de alguns debates
em diversas escolas, realçando-se, assim, os descompassos e as insatisfações. Essas
manifestações acabariam por resultar em algumas reformulações curriculares, mas
ainda distantes do delineamento de um corpus teórico que pudesse orientar a
doutrina projetual.
Desse período, destacamos a experiência pioneira de fundação do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da UnB, em 1962, que teve o seu currículo construído por
Edgar Albuquerque Graeff, Ítalo Campofiorito e João Filgueiras Lima (Lelé), cujo
conteúdo foi estruturado em três ‘eixos’: teoria, composição e tecnologia, tendo Oscar
Niemeyer como o seu primeiro coordenador. De acordo com Schlee (2010), a
integração entre teoria e prática, tão defendida pelos professores, tornou-se possível
na UnB devido às próprias demandas do campus com as atividades de projetar e a
construção das edificações para a Cidade Universitária ou para os órgãos do governo.
No mesmo ano, 1962, ocorria também a reforma do ensino da FAU/USP, tendo Artigas
como o seu coordenador. Essa reforma procurou alinha-se aos ensinamentos da
107 Pereira (2005, p.86) faz uma observação ao relatar esse ideário modernista de inspiração corbusiana
que acabou por criar uma linguagem oficial da arquitetura no Brasil. Uma linguagem que, segundo o
autor, não poderia ser desrespeitada. “Os arquitetos que tentaram sair dessa cartilha foram ‘pichados’,
por assim dizer, em função de um discurso extremamente reduzido, à base do ‘carimbo’ sem maiores
discussões. Quem não fazia, quem não adotava a linguagem ‘corbusiana’ estava desgraçado.”
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Bauhaus108, com a introdução do Desenho Industrial e das oficinas no novo currículo,
abrindo assim, o leque de habilidades para a atuação do arquiteto. A reforma
consolidou as cinco etapas da formação do arquiteto no contexto da escola paulista:
Edificação, Planejamento Urbano, Paisagismo, Comunicação Visual e Desenho
Industrial.
Abrindo um parêntese sobre a Bauhaus, de acordo com Wick (1989, p. 63), o propósito
inicial de Gropius era formar uma pequena comunidade que pudesse disseminar uma
nova ordem social, mais humana e mais justa socialmente. Essa síntese social estava
vinculada à “orientação da produção estética segundo as necessidades de uma faixa
mais ampla da população e não exclusivamente segundo a demanda de uns poucos,
privilegiados social e economicamente”. Para o autor, no entanto, tal desejo, ao não
ser atingido, acabou por representar a maior incoerência da escola. Apesar das
variadas modificações ao longo de sua existência, a Bauhaus concentrou-se em
incentivar soluções originais vinculadas ao ineditismo, desencorajando o uso de
precedentes como fonte de pesquisa e afastando-se das carências mais prementes da
sociedade da época.
Para além do esforço em tornar a Bauhaus uma escola fundamentada em princípios
modernos de educação, Gropius (2004) declarava ser o professor, enquanto um
profissional criativo, o responsável pelo êxito dos resultados acadêmicos. Em
“Bauhaus: Novarquitetura”, o arquiteto afirma que o êxito de qualquer ideia depende
da personalidade dos responsáveis por sua execução. “As características humanas são
até mais decisivas do que o conhecimento técnico e o talento, pois do caráter do
mestre depende o sucesso fecundo do trabalho em conjunto com a juventude.”
(GROPIUS, 2004, p.43).
Nesse sentido, as grandes experiências do ponto de vista metodológico e didático, e
que podemos considerar como responsáveis pela imagem vanguardista da escola,
108 A Bauhaus iniciou seu alcance na formação do arquiteto por meio da adoção de uma nova estética
projetual baseada nas influências das vanguardas artísticas do início do século XX como: cubismo,
neoplasticismo, construtivismo russo, futurismo, entre outras e, pelo uso de materiais industrializados
como o ferro, as estruturas metálicas, o concreto e o vidro. (ver Barreto, 1996, p.79-80)
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possuem seu mérito no seio das práticas pedagógicas realizadas nos ateliês dos artistas
e arquitetos que faziam parte do seu corpo docente, entre eles: Johannes Itten (1888-
1967), Moholy-Nagy (1895-1946), Josef Albers (1888-1976), Oskar Schlemmer (1888-
1943), Joost Schmidt (1893-1948).
Apesar das controvérsias com relação à pedagogia da escola, a Bauhaus legitimou-se
como uma escola que primava pela experiência prática por meio do exercício do
‘aprender-a-aprender’109 e no ‘aprender-fazendo’, tendo a experiência como o
caminho para o aprendizado. No caso da Bauhaus, essa experiência era orientada,
desde o início da formação, para o viés artístico e construtivo. A escola estimulava uma
criatividade que pudesse atender aos pressupostos estabelecidos para uma linguagem
formal que não representasse uma autonomia individual em cada estudante, mas que
representasse os ideais coletivos da escola. Essa teoria do conhecimento que tem na
experiência a única fonte do conhecimento provém da doutrina da ‘tabula rasa’ que
deu origem ao conceito de aprendizagem:
O conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em
Psicologia, ou seja, de investigações levadas a termo com base no pressuposto
de que todo conhecimento provém da experiência. Isso significa afirmar o
primado absoluto do objeto e considerar o sujeito como uma tabula rasa, uma
cera mole, cujas impressões do mundo, fornecidas pelos órgãos dos sentidos,
são associadas umas às outras, dando lugar ao conhecimento. O conhecimento
é, portanto, uma cadeia de ideias atomisticamente formada a partir do registro
dos fatos e se reduz a uma simples cópia do real. (GIUSTA, 2013, p.22 – grifo
da autora)
Em Wick (1989, p.87), isso fica claro na apresentação do regulamento de 1921, ao
determinar que a admissão definitiva do aluno somente seja viabilizada após o seu
sucesso no ‘curso preliminar’ de seis meses, cujo objeto era “o conhecimento e a
avaliação precisa dos meios de expressão individuais”. O propósito desse curso
preliminar era “libertar no aluno suas forças criativas” e evitar “toda e qualquer
109 Veremos no capítulo 05, por meio de Trocmé-Fabre (2004), que a questão crucial da aprendizagem
não está vinculada apenas ao método do saber-aprender, ou ao aprender-a-aprender vinculados à
experiência prática, mas em ‘como’ essa experiência é conduzida e quais os valores e bases a ela
vinculados. A formação do arquiteto não pode prescindir da prática projetual, mas não deve ser apenas
essa prática a responsável pelo desenvolvimento de suas habilidades.
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atitude vinculada a um dado movimento estilístico”. A Bauhaus desejava que todo o
conhecimento anterior do aluno não prejudicasse o doutrinamento a partir do seu
ingresso.
Analisando a estrutura curricular proposta pela Bauhaus, percebemos os três ciclos da
formação. O primeiro (seis meses) se ocupa do ensino preliminar das formas e dos
materiais, o segundo ciclo (três anos) é preenchido pelas atividades práticas e teóricas
ocorridas nas oficinas de pedra, madeira, metal, tecido, cor, vidro e argila; e o último
ciclo (duração indeterminada a depender do rendimento e das circunstâncias) trata do
estudo da construção com atividades em canteiros da Bauhaus ou em obras locais.
(WICK, 1989, p.88-89)
Para Arcipreste (2012, p.77), mesmo com avanços quanto a sua filosofia pedagógica, a
Bauhaus não representou um “rompimento com o ensino tradicional de arte praticado
então”. No Brasil, a escola paulista da USP teve a Bauhaus como modelo a partir da
reforma de 1962, procurando, no entanto, vincular sua experiência ao contexto social
e econômico brasileiro. Por meio da representativa participação de Artigas, essa
reforma esforçou-se por eliminar a influência que a Beaux-Arts ainda exercia na
formação do arquiteto devido à vinculação curricular da ENBA nos currículos iniciais da
escola paulista. (ARCIPRESTE, 2012)
A reforma brasileira de 1962, além das contribuições específicas possibilitadas aos
cursos brasileiros, instituiu o currículo mínimo obrigatório por meio da Portaria
Ministerial nº 159 que acabou por ser publicada apenas em 1965. Para os cursos de
arquitetura, essa portaria fixou a carga horária mínima em 4.050 horas-aulas a serem
cumpridas em cinco anos. O ensino de projeto de arquitetura estaria representado
pelas disciplinas de ‘Composição Arquitetônica’. A referida portaria também conferiria
ao arquiteto e urbanista um perfil generalista e reforçava a sua imagem como um
profissional do projeto. (BRASIL, 1965)110
110 Portaria Ministerial nº 159 de 14 de junho de 1965 fixou a carga horária mínima de 4.050 horas-aulas
e a duração mínima dos cursos em cinco anos (BRASIL, 1965).
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Infelizmente, até o final dessa década, devido ao golpe militar de 64 e a situação
econômica e social do país, os avanços sociais e tecnológicos ficariam comprometidos,
limitando a atuação do profissional arquiteto e urbanista no mercado de trabalho. O
‘toque de recolher’ seria sentido em vários domínios da sociedade, reprimindo suas
ações e adiando os avanços.
Em 1966, teríamos uma frustração na área da arquitetura, com a perda de espaço no
seu conselho profissional devido à ampliação das profissões vinculadas ao sistema
Confea/Crea111. A Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, viria reafirmar o sistema
como multiprofissional, decepcionando os arquitetos e urbanistas quanto ao almejado
desejo de criação de um conselho próprio112, demanda da categoria desde 1933.
(OLIVEIRA, 2011, p. 275)
A reforma nacional do ensino universitário, de 1968, traria uma nova mudança
curricular no ensino da arquitetura, promulgada pela instituição do novo currículo
mínimo de 1969113, infelizmente, com algumas distorções em relação às demandas da
categoria, que desejava direcionar a formação do arquiteto para a sua função social,
contribuindo para a solução de problemas urbanos que se pronunciavam nas maiores
capitais do país. No entanto, embora tenham ocorrido alguns avanços com relação à
definição de cargas horárias para os grupos de disciplinas e a necessidade da prática
projetual como uma exigência acadêmica, a natureza do ensino de projeto pouco
avançou com relação aos métodos de ensino acadêmico114 ou daqueles inspirados no
ensino da Bauhaus115. O desgosto com o ensino de projeto na formação do arquiteto
111 CONFEA – Antigo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. CREA – Antigo Conselho
Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
112 Os arquitetos teriam o seu conselho próprio apenas em 2010 (Conselho de Arquitetura e Urbanismo
do Brasil - CAU/BR ) regulamentado pela Lei No. 12.378.
113 Resolução CFE nº 3 de 23 de junho de 1969 (BRASIL, 1969)
114 Chama-se aqui por ensino acadêmico aquele baseado na composição do projeto a partir de elementos
formais para a constituição do partido, feita de maneira intuitiva e, nessa época vinculada às questões
técnicas ou programáticas, como veremos mais adiante no Capítulo 03. Embora a linguagem estética
não esteja mais vinculada ao neoclássico ou ecletismo o modo de fazer e de ensinar continuava
semelhante, ainda perdurando a ideia do arquiteto como ‘gênio criador’ e a folha em branco como o
grande desafio do aluno.
115 “O método de projeto propugnado por Gropius e seus seguidores incentivava a busca de soluções
originais – no sentido de inéditas – baseadas em fatos objetivos, desencorajando e até impedindo o uso
de precedentes análogos. Nesse método, os espaços eram concebidos como se fossem desempenhar
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era evidente entre os professores da área, e se confundia com sensação de crise que
envolvia a arquitetura moderna brasileira.
Nesse período destacamos a experiência da FAUSJC – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo Elmano Ferreira Veloso de São José dos Campos – SP, conhecida como a
Faujoca116. De acordo com Moreira (1989) o ensino da FAUSJC teve como viés
inovador a construção coletiva de sua proposta pedagógica pelos principais atores,
professores e alunos, apesar da influência de sua mantenedora a FVE (Fundação
Valeparaibana de Ensino) e do próprio MEC. Segundo a autora, a FAUSJC teve seu
funcionamento aprovado em novembro de 1969, iniciando sua primeira turma em
1970, caracterizando-se como a primeira escola particular de Arquitetura e Urbanismo
do Estado de São Paulo no período pós-reforma de 1968.
Na época, sua proposta pedagógica procurou se diferenciar tornando o ensino de
arquitetura como uma plataforma sobre a qual se implantaria o IPC – Instituto de
Projeto e Comunicação, uma proposta didático-pedagógica interdisciplinar a exemplo
do ICA da UnB – Instituto Central de Artes. Desde o início, o ensino de Arquitetura e
Urbanismo predominou, dividindo o instituto em três departamentos: de Tecnologia e
História, de Edificações, Objeto e Urbanismo e, de Som e Imagem. Apesar das
inúmeras dificuldades de ordem econômica, administrativa e estruturais, sua equipe
procurou conferir à formação do arquiteto um caráter humanista. Suas atividades
acadêmicas procuraram valorizar a ‘leitura da cidade’ que comumente sustentou as
propostas de ‘intervenção física,’ tendo como objeto de estudo a própria cidade de
São José dos Campos. A prática do atelier integrado, a exemplo da FAUUSP teve sua
versão expressa pelo atelier interdepartamental incorporando disciplinas de outros
departamentos. Essa experiência evoluiu para as UID – Unidades Interdepartamentais
que funcionaram até 1976, quando teve suas atividades interrompidas com a
suspensão do curso pela própria Fundação Valeparaibana de Ensino. (MOREIRA, 1989)
apenas a sua função nominal, eram despidos de toda subjetividade e sua aparência tridimensional
derivava diretamente do organograma funcional.” (MAHFUZ, 2011, p.02)
116 Sobre a FAUSJC ver: MOREIRA, Suzane Maria. O ensino de Arquitetura e Urbanismo nos anos 70. A
experiência da FAUSJC. Dissertação de Mestrado em Educação Unicamp, 1989.
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A despeito da interrupção de seu funcionamento, a experiência da FAUSJC em seus
últimos semestres procurou consolidar o modelo das Unidades Interdepartamentais
com o propósito de valorizar o processo de formação do indivíduo e, não apenas, da
sua aprendizagem. A ideia estava vinculada à inexistência de um único modelo de
profissional mas, possibilitava a construção de um profissional que pudesse ser agente
da sua própria formação por meio de um processo crítico de escolhas onde o ‘pensar
para propor’ procurava superar o treinamento técnico específico e limitado. Em
Moreira (1989), a proposta da FAUSJC foi um grande avanço para os padrões de ensino
de arquitetura da época, valorizando o lado humanístico da formação do arquiteto e
urbanista e procurando uma gestão democrática e crítica de sua proposta pedagógica.
Em meio às manifestações políticas por que passaram vários países nos anos 60 e 70, o
Brasil teve em pauta inúmeras reformulações ideológicas. Nessa conjuntura, a “
FAUSJC, congrega estas reformulações, ao já estabelecido, e delas tira a dinâmica do
seu funcionamento, introduzindo e aceitando novas questões durante sua breve
existência.” (MOREIRA, 1986, p. 106)
Nesse contexto de reflexão e luta por democracia, a criação da Associação Brasileira de
Escolas de Arquitetura – ABEA117, em 22 de novembro de 1973, por ocasião do I
Encontro de Diretores de Escolas de Arquitetura realizado em Brasília viria contribuir
com as discussões na área do ensino da arquitetura e urbanismo. Segundo Pereira
(2005, p.78) a ABEA constituiu “o coroamento de uma longa campanha do Instituto de
Arquitetos do Brasil – IAB”, que há muito vinha absorvendo as preocupações com a
qualidade da formação do profissional arquiteto. Como consequência, Pereira (2005)
registra que em dezembro desse mesmo ano, foi criada a Comissão de Ensino de
Arquitetura e Urbanismo – CEAU, passando a abordar assuntos específicos sobre a
formação do arquiteto. Essa foi a maneira encontrada pelos próprios arquitetos para
contribuir, por meio de recomendações, com o ensino da arquitetura e urbanismo
junto ao Ministério da Educação e Cultura.
117 Em seguida a ABEA passou a ser ‘Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo’,
nomenclatura em vigor atualmente.
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Na década de 70, Pereira (2005) ainda destaca o IX Congresso Brasileiro de
Arquitetura, realizado em São Paulo, em 1976, como o mais profícuo para a área da
formação profissional quando teve a apresentação de 13 trabalhos na área, entre eles,
o trabalho da professora Marlene Fernandes comparando o currículo das escolas de
arquitetura existentes no Brasil.
No campo da produção da arquitetura dos anos 70, Spadoni (2003, p. 61-62) nos
apresenta uma dicotomia. Para o autor essa produção estaria representada ora pela
“sedimentação das posições revisionistas em arquitetura”, ora por posturas que
representam a “aceitação de um destino”. Essa segunda abordagem acolhe a ideia do
movimento moderno como uma construção nacional ao ponto de confundir a
arquitetura brasileira com o próprio movimento moderno.
Assim, para Spadoni (2003, p. 62) a década de 70 no Brasil “tem sido tratada pelos
poucos estudos ainda disponíveis como a do apego acrítico ao passado imediato que a
gerou”. E, em contestação ao período político de ditadura vivenciado, para o autor
“nunca na história do país os arquitetos, em seu conjunto, tiveram acesso a tantas
encomendas, sobretudo do Estado”. Assim, para o autor, esse período foi de transição,
representado pelos dicótomos “dependência e resistência” vivenciado entre a
produção resignada de um passado moderno, repetitiva e, a existência de um contexto
externo de revisões e influenciado por novos paradigmas.
Também no intuito de elaborar uma reflexão para esse período, Czajkowski (1986),
argumenta que a arquitetura moderna havia atingido um inquestionável patamar de
qualidade e identidade própria nas décadas de 40 e 50, vindo a reboque de um
movimento intelectual sobre ‘Brasil’ e ‘brasilidade’ que foi estimulado desde a Semana
de Arte Moderna de 22. Sua sequência ocorreu alinhada a uma ideologia em prol de
uma causa pela modernidade e pela identidade brasileira, em que Lúcio Costa foi o
elemento catalizador de uma expressão própria e brasileira, a partir dos anos 30. No
entanto, uma vez esgotado o impulso gerador dessa causa, a arquitetura acabou por
ficar reduzida a referências formais sem grandes significados.
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Nessa mesma linha de pensamento, Silva (1986), em sua avaliação, se aprofunda sobre
a questão do desgaste da arquitetura moderna. Para o autor, esse esgotamento
decorria do fato de o modernismo na arquitetura não haver se ocupado da renovação
dos procedimentos projetuais, talvez por acreditar que a força da composição
modernista fosse permanente, inquestionável e suficiente para dar sequência à prática
arquitetônica.
Dessa maneira, reforça Oliveira (1986, p. 77), conhecendo pouco sobre a natureza do
fazer arquitetônico, se tornava difícil descobrir a sua lógica interna. E avaliava que essa
ausência essencial dificultava a “[...] compreensão e delimitação da Arquitetura
enquanto ramo do saber humano”.
Veremos mais adiante que, por falta de conhecimento sobre o fazer projetual, o
ensino de projeto acabou por seguir, segundo Comas (1986), dois caminhos
contraditórios: o primeiro delegava a concepção projetual aos resultados da intuição
relacionada à ideia de uma arquitetura como expressão material de uma intenção
plástica118; e o segundo, como resultado de uma síntese formal das variáveis
programáticas e tecnológicas.
A reação específica sobre o caráter desse ensino viria ocorrer em 1985, por ocasião do
primeiro Seminário Sobre Ensino de Projeto, organizado pela UFRGS, evidenciando os
problemas relacionados ao ‘ensinar a fazer’ e ao ‘aprender a fazer’ o projeto numa
perspectiva histórica. Esse seminário contribuiu com reflexões importantes,
repercutindo nacionalmente por meio da publicação do livro organizado por Comas
(1986)119: “Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação”. Esse
livro serviu de base para vários professores, pesquisadores e escolas que adotaram
alguns dos encaminhamentos sugeridos pelos autores dos artigos, entre eles, a prática
fundamentada no fazer projetual, o atelier teórico-prático, o uso de tipologias básicas
para a projetação, o contexto como definidor de variáveis projetuais e, principalmente,
118 Sobre isso, ver BARRETO, 1996, p. 106.
119 COMAS, Carlos Eduardo (Org.). Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação.
São Paulo: Projeto, 1986. 84 p.
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a necessidade de uma doutrina projetual para o seu ensino, na intenção de
transformar o professor de projeto num sujeito ativo no processo ensino-
aprendizagem e não reativo, como geralmente ocorria, tendo a sua primeira
participação apenas após a primeira proposta apresentada pelo aluno.
A seguir, apresentaremos as reflexões sobre o livro de 1986, fruto do encontro da
UFRGS em 1985, “Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação”
e, em seguida, algumas colocações sobre os autores que destacamos nos anais do
seminário Projetar em suas cinco versões.
3.1 ENCONTRO SOBRE O ENSINO DE PROJETO ARQUITETÔNICO - UFRGS
O 1º. Encontro sobre Ensino de Projeto ocorrido em Porto Alegre, em 1985, marcou a
retomada brasileira das reflexões sobre ensino de projeto após a abertura política
brasileira.
Comas (2013) 120 nos revelou que, na época do encontro, havia um grande interesse
do seu grupo de pesquisa em revisitar as obras modernas para “nos alfabetizar” com
relação ao modernismo brasileiro. Para o arquiteto, o modernismo brasileiro ainda não
havia sido suficientemente conhecido, registrado e analisado pelos pesquisadores
brasileiros. Essa revisão possibilitou uma renovação de valores sobre a arquitetura
moderna brasileira, principalmente, sobre a arquitetura do grupo carioca. Segundo
Comas (2013), nesse percurso de pesquisa e reflexão e “apesar de equívocos teóricos e
práticos importantes”, a arquitetura moderna apresentou-se “muito mais rica e
consistente do que nos haviam ensinado”.
120 COMAS, Carlos Eduardo. Resposta ao e-mail sobre ‘Pesquisa sobre ensino de projeto’. 16-06-2013.
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Esse depoimento de Comas (2013) reflete bem o período em que se encontrava o
campo da arquitetura na década de 80, com iniciativas nas áreas de pesquisa,
comunicação e difusão da sua produção. Foi um período de descobertas e de
conscientização sobre o patrimônio moderno e da busca pela construção de uma
historiografia própria sobre a arquitetura moderna.
A propósito da construção de um campo historiográfico sobre a arquitetura moderna
brasileira, Guerra (2010)121 coloca que, durante décadas, a visão comumente difundida
sobre a arquitetura brasileira estava relacionada aos livros Brazil Builds (Philip
Goodwin, 1943) e Modern Architecture in Brasil (Henrique Mindlin, prefácio de Sigfried
Giedion, 1956). Ambos transmitiam suas impressões “a partir de uma perspectiva
informada pelos pressupostos teóricos e históricos de Lúcio Costa” que, segundo
Guerra, era o resultado de dois fatores distintos: “a fusão dos princípios europeus e
dos elementos culturais nacionais; e a criatividade do gênio nativo, em especial do
arquiteto Oscar Niemeyer”. Essa produção, escassa até o início dos anos 80, era
decorrente “da falta de consistência teórica e metodológica da pesquisa histórica
realizada na universidade”, uma vez que a pós-graduação brasileira ainda não havia se
consolidado, e ”do ambiente endógeno na área de produção” onde os diversos
profissionais envolvidos na área compartilhavam dos mesmos princípios e valores com
relação à ideia do que seria uma “boa arquitetura”. (GUERRA, 2010, p. 11-12)122
Para Rabelo (2005)123, os anos 80 foram pródigos, também, para a crítica de
arquitetura nacional, comumente registrada nos periódicos de circulação nacional,
entre outros fatores, motivada pela abertura política que já se vislumbrava. Alguns
nomes do “jornalismo de arquitetura” fizeram carreira nesse período como Hugo
Segawa, José Wolf, Sérgio Teperman, Anna Regina di Marco e Ruth Verde Zein. A
temática básica no discurso da crítica nacional da época, principalmente o jornalismo
121 GUERRA, Abílio. A construção de um campo historiográfico. In: GUERRA, Abílio. Textos fundamentais
sobre história da arquitetura moderna brasileira: v.1 /organização Abilio Guerra – São Paulo: Romano
Guerra, 2010.
122 Sobre a questão do Brasil na historiografia da arquitetura moderna ver Tinem (2002).
123 RABELO, Clévio. Sobre revistas e revisões. O que aconteceu com as revistas brasileiras de
arquitetura? Vitru-vius Drops 010.03 ano05, jan2005. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/05.010/1640 Acesso em: 23/01/ 2010
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registrado nas revistas Projeto Design124 e AU, era “uma procura por um sentimento
de latinidade na produção nacional e a valorização de trabalhos examinados como
regionais”. [Figuras 13 14 e 15]
A crítica da época procurava encontrar nessa produção, em substituição dos dogmas
da arquitetura moderna, elementos que pudessem refletir de modo mais profundo a
cultura das diferentes localidades brasileiras. O regionalismo seria, portanto, “uma
saída digna da pós-modernidade que aportava tardiamente no Brasil”. (REBELO, 2005)
Figuras 13,14 e 15 – Capas, Revistas AU e Projeto.
Disponível em: http://www.revistaau.com.br/ e http://www.arcoweb.com.br/ Acesso em: 20/01/2013
Além das duas revistas mencionadas acima, a revista Pampulha, ao contrário das
outras, dedicou-se com mais objetividade ao registro da produção considerada pós-
moderna. A revista publicou 12 números entre 1979 e 1984 e lançou nomes como
Álvaro Hardy, Ana Maria Scmidt, Éolo Maia, Francisco Moreira Andrade Filho, Herbert
Teixeira, Hilda Pellico, José Eduardo Ferrola, José Carlos Laender de Castro, Maurício
124 Como mostra a figura 14, antes da década de 1990 a Revista Projeto Design chamava-se apenas
Projeto.
13
14 15
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Andrés Ribeiro, Miguel Vorcaro, Nathan Rosembaun, Otávio Ramos, Paulo Laender,
Reinaldo Guedes Machado, Régis Gonçalves, Ronaldo Masotti Gontijo, Sylvio Emrich
de Podestá, Uziel K. Rozenwajn e Victor de Almeida. Colaboraram para um novo olhar
sobre a arquitetura brasileira.
Editada em Minas Gerais, mas distribuída em várias regiões do país, a Pampulha foi
pioneira no debate da arquitetura pós-moderna, usando uma linguagem que tornou a
discussão e a crítica da arquitetura acessíveis a todos. Essa revista, aliada a uma
produção arquitetônica contestadora e entusiasta, sobretudo mineira, registrou as
primeiras manifestações pós-modernas brasileiras. [Figura 16]
Figura 16 - Conjunto de Capas da Revista Pampulha
Nesse período, existia uma sensação de crise na arquitetura que, segundo Barreto
(1996), teve o seu início nos anos 70, uma vez passados os tempos de prestígio dos
pioneiros. A comentada crise parecia ter afetado tanto a produção, quanto a profissão.
“As novas formas de desempenho profissional, diversas daquelas dos anos 50, eram
então vistas, por muitos, como uma ameaça ao prestígio profissional ou, no discurso
mais extremista, como sintomas de falência da profissão.” (BARRETO, 1996, p.5)
Disponível em: http://www.podesta.arq.br/index.php/pampulha. Acesso em: 20/01/2013
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Dentro de uma perspectiva sociológica, Durand (1972, p.3) explora a existência do que
ele nomeou “certo drama de ajustamento” decorrente do conflito entre “o sistema de
crenças que norteia e legitima a atuação profissional do arquiteto e a prática cotidiana
de trabalho, determinada pelas condições de mercado”. Na percepção de Durand
(1972), o ideal da arquitetura, frequentemente não era atingido pelos arquitetos,
contribuindo para a constituição do:
[...] perfil de um profissional comumente inconformista em relação aos meios
disponíveis de atuação profissional, e, portanto, inovador, dotado de
percepção sociológica e política sensivelmente superior à média dos
profissionais de nível superior e cultivador da sensibilidade artística – traços
que o distinguem no mundo das ocupações terciárias especializadas.
(DURAND, 1972, p.3)125
A situação se agrava nos fins dos anos 70, com os movimentos de luta pelas conquistas
democráticas e as exigências da sociedade por uma posição mais ativa dos arquitetos
com relação às questões de planejamento urbano, uso do solo, moradia, ocupações
irregulares, entre outras. Com posições políticas conflitantes, veladas por interesses
imediatistas, a categoria dividiu-se em posições ‘ambivalentes’. Boa parte dos
arquitetos ainda mantinha o ideal do profissional liberal, ‘criador solitário’, enquanto a
‘realidade moderna de divisão do trabalho’ indicava o crescimento do profissional
assalariado. (BARRETO, 1996, p.8)
Nesse contexto de incertezas políticas, econômicas e sociais, o ensino da arquitetura e
do projeto de arquitetura divergia entre posições antagônicas com relação à
aceitabilidade da arquitetura moderna. Geralmente, as posições contrárias estavam
relacionadas às questões sociais e ao papel social dessa arquitetura e, não,
propriamente, aos seus valores estéticos. O golpe militar de 64 abalou todo o país,
tendo arquitetos de renome exilados pela ditadura militar, como Artigas e Niemeyer.
125 É importante esclarecer que a pesquisa de Durand se concentra no grupo de arquitetos que atuam no
setor terciário do sistema produtivo e, por viver de sua produção, geralmente não possuindo renda fixa,
o inconformismo reage por meio da inovação para haver o destaque na sua atuação profissional.
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Miguel Pereira126 afirmou que a década de 70 havia sido de profundo silêncio, mas de
grandes modificações em toda a estrutura do ensino superior brasileiro sem, contudo,
ter a participação efetiva da comunidade acadêmica. O autor refere-se às repercussões
ocorridas pela aprovação da Reforma Universitária de 1968, instituída pela Lei n°
5.540, de 28/11/68, que estabeleceu normas de organização e funcionamento do
ensino superior brasileiro. Essa reforma de tendência ‘liberal tecnicista’ contribuiu
para a fragmentação de conteúdos com objetivos relacionados ao aprimoramento
técnico, à aprendizagem por desempenho e à produção de produtos. Esses
encaminhamentos favoreceram a criação da pós-graduação (mestrado e doutorado), a
implantação do sistema departamental, o regime de créditos das disciplinas
semestrais, a eliminação das cátedras vitalícias e a avaliação por notas, no lugar das
antigas menções.
Assim, os anos 80 representavam uma retomada democrática de temas, o momento
de redescoberta da arquitetura moderna, no contexto do grupo de pesquisa da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A arquitetura moderna brasileira
vivenciava um período de crise, por falta de renovação do status quo127 da própria
disciplina e pela ameaça aos seus preceitos por meio das expressões pós-modernas
que emergiam refletidas nos projetos, principalmente, do grupo mineiro de Éolo Maia,
Jô Vasconcelos e Sylvio de Podestá, que havia adquirido repercussão nacional. Nesse
mesmo ano, teríamos ainda o XII Congresso Brasileiro de Arquitetos, sediado em Belo
Horizonte, palco das manifestações mais efervescentes da pós-modernidade brasileira
ou, como prefere se referir Segawa (2007), pós-mineiridade. 128
Num período permeado por manifestações que ameaçavam a arquitetura moderna
brasileira, a Faculdade de Arquitetura da UFRGS resolve, em 1985, discutir essa crise e
a renovação do ensino de projeto, organizando, para isso, o primeiro encontro sobre o
126 PEREIRA, Miguel. Arquitetura e os caminhos de sua explicação. São Paulo. Projeto Editores
Associados, 1984.
127 Segundo Passaro (2004, p. 46), o problema foi a falência da causa modernista fazendo surgir as
receitas e as fórmulas, virando um estilo. As obras modernas brasileiras dos anos 70 e 80 mostram essa
cansativa repetição de elementos da herança moderna.
128 SEGAWA, Hugo. Pós-mineiridade revisitada: Éolo Maia. Revista MDC – Mínimo Denominador Comum.
Seção Complexidade e Contradição na Arquitetura Contemporânea. Ano II . N.4 . nov.2007.
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ensino de projeto de arquitetura. De âmbito regional, mas com participações nacionais
e convidados de países da América do Sul, esse evento resultou na publicação do livro
“Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação”, de 1986, tendo o
professor Comas como o organizador da publicação. A seguir, faremos uma síntese dos
assuntos publicados no livro, sobre o ensino de projeto de arquitetura no contexto
brasileiro. Tomamos essa publicação como o paradigma inicial da nossa pesquisa, por
meio da qual iremos avaliar os avanços ocorridos na disciplina projetual.
3.1.1 Projeto Arquitetônico: disciplina em crise, disciplina em renovação
A publicação, organizada pelo professor Carlos Eduardo Comas, reúne o trabalho de
mais cinco autores: Arquitetura brasileira: produção e crítica, de Jorge Czajkowski
(arquiteto e professor da UFRJ), Sobre a renovação do conceito de projeto
arquitetônico e sua didática, de Elvan Silva (arquiteto e professor da UFRGS); Ideologia
modernista e ensino de projeto arquitetônico: duas proposições em conflito, de Carlos
Eduardo Comas (Arquiteto e professor da UFRGS); Os conceitos de polifuncionalidade,
autonomia e contextualismo e suas consequências para o ensino de projeto
arquitetônico, de Edson da Cunha Mahfuz (arquiteto e professor da UFRGS); A
formação de repertório para o projeto arquitetônico: algumas implicações didáticas,
de Rogério de Castro Oliveira (arquiteto e professor da UFRGS); e, Crise e renovação no
ensino do projeto em arquitetura, de Alfonso Corona Martinez (arquiteto e professor
da Universidade de Belgrano, Argentina). [Figuras 17, 18 e 19]
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A análise dessa produção foi feita com base nas questões já elencadas anteriormente e
serviram de guia para o recorte do objeto. O texto a seguir procura atender aos
seguintes pontos: representação do contexto da arquitetura aos olhos dos autores;
motivações para o encontro; avaliação dos professores sobre a situação do ensino –
base das críticas sobre a arquitetura e sobre o ensino de projeto; e principais
sugestões para a transformação do ensino do projeto arquitetônico.
A abordagem da análise é coletiva, ou seja, por percebermos uma coerência muito
forte entre os trabalhos, uma complementaridade entre os conteúdos abordados,
optamos por não comentar, isoladamente, cada trabalho. Dessa maneira, procuramos
reforçar a ideia do documento como um registro essencial de um sentimento coletivo,
e uma intenção efetiva em dar uma nova direção ao ensino de projeto arquitetônico
no Brasil, considerando a arquitetura moderna como inspiração.
Os títulos dos artigos já indicam uma complementação de abordagem, todos
interessados em discutir pontos considerados importantes para a renovação da
disciplina projetual. A coerência conceitual está presente em todos os trabalhos. A
seleção foi precisa no sentido de indicar caminhos que pudessem, de maneira
Figuras 17,18, e 19 – Livro organizado por Comas (1986) à
esquerda e seus autores em sentido horário (Jorge Czajkowski,
Elvan Silva, Alfonso Corona Martínez e Edson Mahfuz.
Disponível em: www.design.upenn.edu, www.vitruvius.com.br, www.confea.org.br ,
www.piniweb.com.br e www.arq.clarin.com. Acesso em: 22/01/ 2013
17 18 19
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conjunta, qualificar o ensino do projeto de arquitetura, preenchendo uma lacuna com
relação à doutrina projetual do período modernista.
A maioria parte de uma crítica à Arquitetura Moderna quanto ao fato da
incompetência de seus pioneiros em processar um corpo teórico de fundamentos,
procedimentos e estratégias projetuais capazes de superar os mecanismos de
composição da arquitetura da Beaux-Arts para alimentar os procedimentos projetuais
da formação das futuras gerações. Tendo sido tão fundamental para a identidade
nacional, para a valorização do profissional arquiteto e como representante de uma
tecnologia de vanguarda, a arquitetura moderna129, no quesito ensino, pouco havia
deixado como herança do fazer processual. As suas obras, a própria arquitetura, eram
os mais valiosos registros. No entanto, naquela ocasião, estavam ameaçadas pela
manifestação de novas expressões nomeadas como ‘arquitetura pós-moderna’. Esse
esvaziamento teórico colocava em risco a continuidade do ensino da arquitetura
moderna no contexto da formação do arquiteto brasileiro.
Muito erro que vicia os juízos que se fazem sobre as obras humanas é causado
por um esquecimento singular da forma como elas foram geradas [...] E,
conquanto pouquíssimos autores tenham a coragem de dizer como formaram
a sua obra, creio que já não existem muitos que se tenham arriscado a sabê-lo.
Uma pesquisa desse tipo começa pelo abandono penoso das noções de glória
e dos epítetos laudatórios; não suporta nenhuma ideia de superioridade,
nenhuma mania de grandeza. Leva a descobrir a relatividade sob a aparente
perfeição. É necessária para não fazer crer que os espíritos são tão
profundamente diferentes quanto seus produtos os fazem parecer.”(VALÉRY,
2006, p.17)130
129 Com a construção do Ministério da Educação e Saúde, em 1936, a arquitetura brasileira e os
arquitetos passaram a ter um prestígio nacional, tento seu ápice com a inauguração de Brasília no fim
da década de 50. Em 1942, com a publicação do livro Brazil Builds, autoria de Philip Goodwin, os
arquitetos brasileiros passaram a ser conhecidos internacionalmente.
Tinem (2002) também delega a afirmação da arquitetura moderna brasileira à construção do Pavilhão
Brasileiro da Exposição Internacional de 1939, em Nova York, projeto de Niemeyer e Lúcio Costa. No
entanto, para a autora, a sua consagração definitiva se deu com a exposição da nova arquitetura
brasileira no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1943. Além desses eventos, vários arquitetos de
renome internacional contribuíram para a divulgação da nossa arquitetura por ocasião de suas
participações nas duas primeiras Bienais de Artes Plásticas realizadas em São Paulo, em 1951 e 1954.
130 VALÉRY, Paul. Introdução ao método de Leonardo da Vinci. Tradução de Geraldo Gérson de Souza –
Ed. Bilíngüe – São Paulo: Ed. 34, 1998 (1ª. Reimpressão, 2006)
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Acompanhando o pensamento de Valéry (2006), Oliveira (1986) acreditava que esse
esvaziamento teórico se devia, em parte, “à sua pretensa a-historicidade”. Czajkowski
(1986) argumentava que, sem as questões teóricas e a consciência crítica formada, se
tornava impossível a “avaliação correta da produção arquitetônica”, fazendo com que
a experiência realizada perdesse sua relevância. A crise do conhecimento
arquitetônico confundia-se, assim, com a crise de identidade do arquiteto ameaçando
os valores do campo da arquitetura. Ou seria o contrário: a crise da arquitetura
colocava em risco o seu ensino? Ou ainda: a arquitetura estava em crise pela
ineficiência do seu ensino? São processos inter-relacionados que comprometem tanto
a autonomia do campo, quanto a autoridade daqueles que produzem a arquitetura, e
daqueles que contribuem com a formação daqueles que a produzirão.
Bourdieu (1984), referindo-se à analogia entre a crise do ensino francês e a crise da
liturgia religiosa, ritualizada e codificada, acredita que:
A questão colocada pela crise da liturgia, desta linguagem que não funciona
mais, que não se compreende mais, na qual não se acredita mais, é a questão
da relação entre a linguagem e a instituição. Quando uma linguagem está em
crise e surge a questão de saber que linguagem falar, é porque a instituição
está em crise e coloca em evidência a questão da autoridade delegante − da
autoridade que diz como falar e dá autoridade e autorização para falar.
(BOURDIEU, 1984, p. 107-108)
Um dos efeitos da crise é veicular interrogações sobre as condições tácitas,
sobre os pressupostos do funcionamento do sistema. (BOURDIEU, 1984, pg.
108).
Essa ausência de crítica interna à arquitetura moderna brasileira também é relatada
por Tinem (2002). Para a autora:
O prestígio da arquitetura moderna brasileira de projeção internacional,
afiliada à vertente lecorbusieriana do Movimento Moderno, dificultou a
discussão de outras tendências e retardou a aparição do debate crítico.
Fortemente marcados por essa produção moderna de valor inquestionável, os
arquitetos brasileiros resistiram à avaliação crítica da produção. Com uma
postura que privilegiava o puro fazer, defendiam uma prática autosuficiente
em condições de realimentar-se, negando a avaliação e a reflexão sobre a
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arquitetura [...] Nesse contexto de ausência de crítica interna e de ausência de
divulgação das críticas externas se construiu a história da arquitetura
brasileira, a história da hegemonia absoluta dessa arquitetura moderna de
êxito e fama internacional, essa história que, como outras, está construída por
adjetivos e omissões. (TINEM, 2002, p.17)
Nesse sentido, os artigos demonstram que o objetivo dessa crítica à arquitetura
moderna não era abandoná-la, de forma alguma, mas interrogar as condições tácitas
de sua constituição brasileira, para rever os pressupostos do seu surgimento,
revisitando-a, para renová-la por meio da compreensão dos seus valores, por meio do
conhecimento do seu modus operandi e de um reforço às suas bases por meio da
história e da teoria crítica.
Com efeito, a origem da propalada crise no ensino do projeto arquitetônico
está na insistência no emprego de uma didática ultrapassada que, em muitos
casos, se converte numa autêntica antididática. (SILVA, 1986, p.18)
O modernismo na arquitetura não se ocupou da renovação dos procedimentos
projetuais talvez por considerar a ideia da composição como algo permanente
e inquestionável. (SILVA, 1986, p.21-22)
Sem uma consciência crítica formada não existe avaliação correta da produção
arquitetônica. Consequentemente, a experiência realizada perde sua
relevância específica como Saber. Sem um embasamento teórico, fazer
arquitetura é como conduzir um carro sem destino: a proficiência técnica
torna-se mais importante que o objetivo da viagem.” (CZAJKOWSKI, 1986,
p.12)
Trinta anos depois, o entusiasmo pelos paradigmas e princípios de projeto
modernistas começa a se dissipar [...] o movimento modernista não conseguiu
elaborar um projeto de ensino em cuja coerência interna fosse comparável ao
projeto de ensino da Beaux-Arts. No caso brasileiro em especial, já Mindlin
apontava em 56 que o ‘estudante de arquitetura de hoje permanece
exatamente como seus colegas que criticam a arquitetura moderna no Brasil –
autodidata.’ (COMAS, 1986, p.42)
A crise do conhecimento arquitetônico confunde-se assim com a crise de
identidade do arquiteto. A ausência de especificidade ao tratar de problemas
de arquitetura, mesmo quando involuntária, mascara lacunas e inconsistências
na afirmação e caracterização profissional. (OLIVEIRA, 1986, p.77)
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O esvaziamento da Teoria pela ideologia modernista se deve, em grande parte,
à sua pretensa a-historicidade. Desprezou-se, com efeito, a dimensão histórica,
substituindo-a por um vago zeitgeist [...] Dessa forma, a teoria deixa de lado a
concepção evolutiva do conhecimento e enfatiza o estudo de procedimentos
pretensamente neutros que, travestidos em metodologias cientificistas e
aliados a um culto puramente emocional do novo, procuram descrever e, o
que é pior, fazer as coisas como se fosse possível partir do zero. A doutrina da
‘tábula rasa’ fundamentou as versões didáticas do modernismo. (OLIVEIRA,
1986, p.78)
Nossa suposição na avaliação dos artigos publicados em livro, tendo, portanto,
possibilidade de divulgação nacional, é a de que foram selecionados cuidadosamente
com o propósito de dar um encaminhamento, de base epistemológica, ao ensino de
projeto arquitetônico, como reação à repercussão que ocorria sobre a arquitetura pós-
moderna, especialmente, mineira. Embora reagindo tardiamente, o grupo de Comas
procurou preencher a lacuna teórica deixada pelos representantes da arquitetura
moderna com a intenção de proteger o legado moderno brasileiro e possibilitar as
condições para a sua continuidade, agora revisada, consolidando, nessa revisão, temas
da pós-modernidade, como contextualismo, participação do usuário, inteligibilidade,
identidade urbana, valorização da teoria e da historia no contexto da concepção, entre
outros. A condução sábia desse processo repercutiu no ensino da arquitetura e do
projeto de arquitetura como veremos mais adiante, nos artigos dos Seminários
Projetar.
Assim, não apenas a disciplina de projeto de arquitetura estava em crise naquele
momento, mas a própria arquitetura moderna. O grupo de Comas reagiu à provocação
procurando proteger as características mais valiosas dessa arquitetura para o campo. A
estratégia de proteção desse legado deveria partir, portanto, do locus de formação das
futuras gerações, assim como o foco de sua repercussão deveria ser também as
escolas de arquitetura, especialmente no âmbito das disciplinas de projeto, forjando a
constituição de um habitus moderno, possibilitando, assim, a reprodução renovada
dessa arquitetura que, afinal, representava o progresso e a vanguarda brasileira, tanto
nacionalmente, quanto internacionalmente, e que, naquele momento, se via
ameaçada por uma ideia de pós-modernidade.
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Essa atitude de proteção dos capitais mais valiosos para o campo é analisada por Lara
(2009) por meio de Lakatos (1978)131 como demonstra a passagem abaixo.
Lakatos tenta demonstrar que na verdade os proponentes ou defensores de
uma teoria qualquer estabelecem com o passar do tempo um cinturão
protetor (protective belt) de paradigmas secundários em torno do cerne da
teoria e seus paradigmas principais. Dessa maneira, cada vez que um fato novo
põe em cheque tal teoria, os paradigmas secundários seriam atingidos,
podendo ser descartados ou modificados, mas protegendo a razão de ser
principal da formulação teórica em questão.” (LARA, 2009, n.p.)
E, realizando uma translação para o campo da arquitetura, argumenta:
Toda vez que a arquitetura é atacada ou se mostra em crise, trocamos de
discurso (de funcionalista para estruturalista para metabolista para
contextualista para deconstrutivista) e tentamos assim preservar os
procedimentos de um fazer arquitetônico que na verdade já chega perto dos
85 anos, tendo sido reformulado pela última vez na Bauhaus em 1919. Ainda
assim, parte deste núcleo duro de instrumentação e valores se esconde dentro
da chamada caixa-preta de criatividade a qual apenas alguns talentosos
criadores dominariam [...](LARA, 2003b, p.59)
Mas, ao invés de um investimento na transparência do processo, o que
percebo é uma prática (no ensino e na profissão) cujo núcleo duro se mostra
esvaziado, esfarrapado mesmo. A última troca de paradigma de proteção se
deu entre 1919-1925 quando o programa da Bauhaus se sedimenta e se coloca
como alternativa ao método compositivo das Beaux-Arts. Desde então, as
mudanças são muito mais no corpo periférico das premissas, no discurso e
principalmente na forma de se relacionar com as demais disciplinas. (LARA,
2003b, p.60)
No caso desse episódio, o que teria sido descartado seriam exatamente as
inexistências, ou pontos negativos da arquitetura moderna como, por exemplo: falta
de clareza na concepção projetual, desatenção com os usuários, processo de
concepção autoral; desconsideração da história e do contexto, entre outros, esses dois
últimos, não relativos à arquitetura moderna brasileira.
131 LAKATOS, Imre, The methodology of scientificresearch programmes, New York: Press sindicate: U.of
cambridge, 1978.
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No entanto, essa arquitetura pós-moderna que despontava também não se
apresentava com bases conceituais sólidas; tampouco possuía uma metodologia que
lhes desse suporte à concepção projetual. No entanto, repercutia imageticamente
junto aos alunos dos cursos de arquitetura, como uma arquitetura legitimamente
brasileira, apoiada em discursos relacionados ao ‘regionalismo crítico’ ou à
‘complexidade e contradição’.
Segawa (2007, p.22)132 registra, em matéria publicada pela revista MDC, que, em 1985,
um grupo de estudantes133 de arquitetura da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, representantes da inquietude juvenil da época, lançava a revista Óculum,
inaugurando seu primeiro número com uma entrevista com os três arquitetos, Éolo
Maia, Sylvio de Podestá e Jô Vasconcellos, como matéria principal.
Assim, como resposta à contextualização que a revista134 apresentava aos arquitetos,
propondo fazer uma ‘discussão teórica e de projetos’, e alegando não existir no Brasil
uma arquitetura ‘marcante que seja nossa’, Éolo Maia afirmava:
Em termos de discussão, vai ser legal, porque a arquitetura está passando uma
fase muito controvertida, de transição, e, no Brasil, o pessoal está meio com
medo de discutir o que está acontecendo, principalmente em São Paulo, pois
lá se tem uma linha muito definida. Artigas, Ruy Ohtake, etc., que tem um
trabalho muito bom, mas as coisas estão se modificando um pouco e estão
meio confusas, e eles não gostam muito de modificações ou brincadeiras, mas
isso é muito saudável, pois nós estamos muito atrasados com relação a outras
atividades culturais. [...] A coisa está acontecendo agora e está ficando boa. É a
divulgação...porque a gente não tem crítica, é difícil fazer crítica no Brasil se
não se conhece a produção, é uma coisa trágica. Por exemplo, eu não sei o que
132 SEGAWA, Hugo. Pós-mineiridade revisitada: Éolo Maia. Revista MDC – Mínimo Denominador Comum.
Seção Complexidade e Contradição na Arquitetura Contemporânea. Ano II . N.4 . nov.2007
133 Os estudantes fundadores da Óculum foram: Abílio Guerra, Álvaro Cunha, Francisco Spadoni, Paulo
Roberto Gaia, Renato Anelli, Tácito Carvalho, entre outros. (SEGAWA,2007) Ainda compunha o Conselho
Editorial da Óculum o arquiteto Luiz Fernando de Almeira. (GUERRA, Abílio. Entrevista. Arqtexto. Revista
Eletrônica Vitruvius, no. 025.04 ano 07, jan 2006. Acessado em 14.07.2014:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.025/3305?page=2
134 MAIA, Éolo, VASCONCELLOS, Maria Josefina de, PODESTÁ, Sylvio E. Entrevista com Éolo Maia, Sylvio
Posestá e Maria Josefina de Vasconcelos. Entrevista da Revista Óculum realizada por João Paulo
Pinheiro, Paulo Roberto Gaia, Francisco Spadoni, Luiz Fernando de Almeida e Renato Anelli como os
Arquitetos Éolo Maia, Sylvio Posestá e Maria J. de Vasconcelos, em Belo Horizonte.Revista Óculum,
Campinas, n. 1, p. 4-9, ago. 1985.
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um cara faz em Salvador ou no Nordeste, mesmo aqui, em Minas Gerais, que é
um estado grande [...] (MAIA; VASCONCELLOS ; PODESTÁ, 1985, p. 4)
Quando foram indagados pela revista, com relação a certa mudança na produção do
grupo, Maia responde:
Eu acho que começou com a revista135 [...] Nós trabalhamos muito, mas ao
mesmo tempo tínhamos um questionamento para com a arquitetura do
Niemeyer... não que a gente seja contra o trabalho dele, mas é um trabalho
muito individualista, muito próprio do gênio, com as características próprias, e
nós estávamos sem saber o que fazer, pois havia dois lados, ou aquela
arquitetura fantástica de malabarismo escultural, ou aquele negócio de Libelu,
oba, oba. Vamos fazer casa para o povo e ninguém fazia nada. Nessa época se
produzia muito sem se questionar nada. É uma época própria, histórica no
país. Foi quando nós começamos a trabalhar com a PAMPULHA [...] Foi na
época que começou a democracia no Brasil, você já podia falar, não tinha mais
censura, foi um oba, oba incrível, e começamos a ter contato com certas
modificações de Arquitetura que estavam ocorrendo e não se sabe por quê,
pensava-se que a questão era formal e não o próprio questionamento da
arquitetura moderna. (MAIA; VASCONCELLOS ; PODESTÁ, 1985, p. 4)
A propósito do pós-moderno, Jô Vasconcellos respondia que:
Essa arquitetura é um movimento de negação, de transformação. E nessa
transformação, você fica mesmo confuso, realmente dá penduricalho, tem
muita coisa que limpar, não é! Mas esse é o processo até você chegar numa
linguagem aprimorada. ((MAIA; VASCONCELLOS ; PODESTÁ, 1985, p. 6)
Naquela época, as expressões de negação e de transformação da arquitetura,
sugeridas pelos mineiros, não possuíam consistência teórica nas abordagens
metodológicas; tampouco clareza enquanto linguagem, mas procurava uma maneira
menos rígida de conceber, “sem a ortodoxia da arquitetura moderna”. Ao mesmo
tempo, quando questionados quanto ao papel da escola nessa transformação, Éolo
Maia responde:
135 Revista Pampulha, editada pelos arquitetos, no período de 1979-1984. Equipe editorial da Revista:
Álvaro Hardy, Ana Maria Scmidt, Éolo Maia, Francisco Moreira Andrade Filho, Herbert Teixeira, Hilda
Pellico, José Eduardo Ferrola, José Carlos Laender de Castro, Maurício Andrés Ribeiro, Miguel Vorcaro,
Nathan Rosembaun, Otávio Ramos, Paulo Laender, Reinaldo Guedes Machado, Régis Gonçalves, Ronaldo
Masotti Gontijo, Sylvio Emrich de Podestá, Uziel K. Rozenwajn e Victor de Almeida. Ver:
WWW.podesta.arq.br
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Eu considero a escola o que eu aprendi com os colegas. A minha geração está
dando aula hoje, mas acho que é a mesma coisa de quando eu era estudante.
Não existia uma discussão crítica, há um medo incrível de desenho, muito
papo de pesquisa, muito blá, blá, blá. Agora, a postura do arquiteto de
projetar, de resolver problema não é muito questionada [...] Acho que está
todo mundo sem saber o que fazer, os professores, os alunos, no Brasil inteiro,
a maior confusão. (MAIA; VASCONCELLOS ; PODESTÁ, 1985, p. 4)
Apesar de negar a influência da escola em sua aprendizagem, ao ponto de dizer que
aquilo que aprendeu foi através dos colegas, Maia em outro trecho demonstra sua
dificuldade em transformar a linguagem da sua arquitetura, devido a sua formação
moderna, como poderemos comprovar neste fragmento quando relata sua experiência
na concepção das escolas da CARPE, um órgão estadual encarregado da construção de
escolas públicas: “Fizemos uma platibanda [... ]Falei [...] Nossa, matei Oscar Niemeyer.
Não tínhamos coragem de fazer uma platibanda porque nossa formação era
moderna”. (MAIA; VASCONCELLOS ; PODESTÁ, 1985, p. 4)
Apesar da falta de consistência epistemológica, a fase ‘pós-moderna´da arquitetura
brasileira, representada especialmente pelos mineiros, foi muito importante para a
reafirmação da arquitetura moderna, para outra geração. Uma vez colocada em
questão, os seus valores foram revistos e revigorados. Segundo Abílio Guerra136,
[...] O pós-moderno era um interesse natural, mesmo que para alguns de nós já
fosse clara a insuficiência do discurso na arquitetura quando comparado com
outras áreas, como filosofia e teoria literária. Mas também tínhamos clareza
do quanto a arquitetura paulista estava se repetindo ad nauseam (as pessoas
hoje subestimam o papel fundamental que a arquitetura pós-moderna teve na
renovação da arquitetura moderna brasileira, seja no papel de inimiga, seja
como força insidiosa que penetrou no discurso moderno). (GUERRA, 2013,
n.p.)
[...] o pós-moderno tinha uma dificuldade estrutural em se enraizar no Brasil,
pois seu discurso operativo esbarrava em meio século de tradição moderna
onde suas questões mais peculiares já estavam devidamente deglutidas e
operacionalizadas (e, no meu entendimento, com muito maior vigor).
(GUERRA, 2013, n.p.)
136 GUERRA, Abílio. Resposta a questões colocadas pela autora, relacionadas à revista Óculum (1985) e
sua entrevista com os arquitetos mineiros, na primeira edição da revista.
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Assim, a crítica elaborada no livro de Comas estava vinculada a um funcionalismo e
pragmatismo próprios da ideologia modernista articulada na década de 20 e 30 e,
difundida por um pequeno grupo de arquitetos europeus, não se aplicava, portanto, à
arquitetura moderna brasileira da escola carioca, que, como vimos, possuía seu valor
reconhecido no campo da arquitetura brasileira. (COMAS, 1985)
Além desse alvo crítico, argumenta-se, ainda, o estado ‘deplorável’ no qual se
encontrava a própria arquitetura enquanto corpus disciplinar, como reconhece o
depoimento de Oliveira (1986):
O estado atual da disciplina, isto é, do conhecimento arquitetônico, é
deplorável. Conhecemos pouco sobre a natureza do fazer arquitetônico, sendo
difícil discernir sua lógica interna. A teoria reduz-se a um conjunto de opiniões,
preconceitos e fragmentos de uma perdida filosofia da arquitetura que,
mesmo admitindo-se méritos em tais ideias quando tomadas isoladamente,
falham em atribuir-lhe um caráter unificador. Podemos ter acesso a muitas
informações úteis e proveitosas, mas não chegamos à compreensão e
delimitação da Arquitetura enquanto ramo do saber humano. (OLIVEIRA, 1986,
p.77)
As consequências da inexistência de um conhecimento mais aprofundado sobre os
valores da nossa arquitetura moderna considerada ‘exemplar’ pelo grupo e de uma
sistematização ou compreensão do seu fazer, além da dissociação entre arte e técnica
e seu aspecto a-histórico, resultou num ensino de projeto sem as bases de uma
doutrina projetual sólida capaz de renovar-se com qualidade. Para Elvan Silva,
“assimilada com atraso, a doutrina modernista viu-se prejudicada, na esfera do ensino,
pelo fato de ter negligenciado um ponto capital, que é a questão do processo
projetual.” Sem um corpo doutrinário, não existe uma didática para o seu ensino
(SILVA, 1986, p. 19)
Com a ausência dessa doutrina projetual, duas vertentes contraditórias de concepção
da arquitetura e, consequentemente, do ensino de projeto se propagaram nas escolas
de arquitetura, contribuindo para a formação de um habitus no modo de fazer
arquitetural inconsistente: uma de cunho determinístico, baseado no resultado formal
de demandas programáticas, recursos tecnológicos e contexto; outra, guiada pela
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intuição, decorrente da inspiração de um gênio criador, o aluno, por meio do seu gesto
criativo137. Nesse último caso, um ensino onde o professor exercia apenas uma função
reativa138, contribuindo com o trabalho do aluno apenas após a sua primeira proposta.
A primeira teoria postula o partido como consequência inevitável da
correlação lógica entre a análise dos recursos técnicos disponíveis. A segunda
visualiza o partido como resultado de intuição do gênio criador do arquiteto,
manifestando-se espontaneamente. Ambas surgem contrapostas à teoria
tradicional que entendia ser a concepção de partido baseada na imitação de
precedentes formais conhecidos.” (COMAS, 1986, p. 34)
Herdeiras da doutrina modernista europeia, tanto a “teoria do determinismo
operacional e tecnológico de partido” quanto a “teoria do partido como produto da
intuição do arquiteto” deram suporte a três objetivos inter-relacionados: “o descrédito
do ecletismo e do historicismo, a afirmação de uma competência profissional e a
promoção de novos paradigmas e princípios de projeto.” (COMAS, 1986, p. 40)
Para Oliveira (1986, In: COMAS, 1986, p.75), essas duas posturas - a adesão ao princípio
de indução e aquela que tem a arquitetura como fruto do gênio - que demarcavam a
metodologia de ensino do projeto na época, não possuíam paralelo na história do
pensamento arquitetônico. Mesmo Guadet, citado pelo autor, conhecido pelo
pensamento de que “la composition ne s´enseigne pas [...] ” o fazia, segundo Oliveira,
por considerar a composição um conhecimento pertencente a um corpus doutrinário
partilhado por toda a comunidade acadêmica. A maneira de compor era como um
habitus engendrado pelos arquitetos de maneira conciliadora. Mesmo assim, alerta
Oliveira, Guadet complementava seu pensamento com: ”[...] elle ne s´apprend que par
les essais multiples, les exemples et les conseils, l´expérience prope se superposant à
l´expérience d´autrui. ”139 (GUADET apud OLIVEIRA, 1986, p.75)
137 COMAS (1986)
138 SILVA (1986)
139 “A composição não se ensina, ela se aprende por tentativas múltiplas, exemplos e conselhos, a
experiência pessoal superpondo-se à de outros.” (tradução de Oliveira, 1986, p.84)
Ver livro http://openlibrary.org/books/OL14020790M/Éléments_et_théorie_de_l'architecture
http://archive.org/stream/lmentsetth02guaduoft#page/n1/mode/2up
“La composition, c´est la mise en oeuvre, c´est la réunion dans un même tout de différentes parties qui,
elles aussi, doivent êtres connues dans leurs ressources et dans leurs moyens avant d´avoir la
prétention de les composer, c´est à dire, d´en faire un tout. (...) Il faut que, lorsque vous composerez,
vous soyer assez riches de connaissences pour pouvoir évoquer l´analogie des plus beaux modèles... »
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Se ela se aprende por tentativas múltiplas, significa pela prática do projetar, por meio
de atividades, tentativas e erros140, e se ela se aprende por exemplos e conselhos,
onde a experiência pessoal se superpõe à de outros, podemos acreditar que, em se
tratando de um ambiente acadêmico, esses exemplos e conselhos sejam transmitidos
pelo professor, que apresenta os precedentes para que seus alunos adquiram
repertório e conhecimentos. Nessa passagem de Guadet, mesmo que não esteja claro
que método de ensino é desenvolvido, pela sua experiência e suas publicações,
Guadet sem dúvida procurou contribuir com a formação do arquiteto de maneira
ativa.
Quanto ao problema da dissociação entre arte e técnica na concepção projetual,
Czajkowski (1986) argumenta que os modernistas quiseram solucionar esse problema
“através da proposição de modelos tipológicos funcionalmente referidos aos diversos
programas. A questão da forma estaria automaticamente resolvida ao ser estabelecido
o modelo definitivo de cada programa, considerada a técnica construtiva a ser
empregada.” (CZAJKOWSKI, 1986, p. 10)
Nesse caminho, Comas (1986, In: COMAS, 1986, p.38) reforça o fato de que
“originalidade formal absoluta é quimera”, e Mahfuz (1986) esclarece que a
competência do arquiteto não deve se basear em genialidade ou originalidade.
(MAHFUZ, 1986, p.62)
Nas colocações acima, se percebe um encaminhamento para o reforço da história e da
teoria como conhecimentos necessários ao projetar e, portanto, importantes no
contexto dos ateliês de projetos. Seria uma maneira de incluir a tradição no ensino de
projeto, “[...] como a coexistência do passado e do presente em um só tempo”. Para
Czajkowski, dessa maneira, a teoria e a história passariam a ser úteis no contexto da
concepção. “A tradição assim definida é um conhecimento que se organiza
topologicamente. Trabalhar com ela deixa de ser o reverenciamento reacionário e
GUADET, Julien. Élements et theórie de l´architecture. Paris, Librairie de la Construction Moderne, s.d.,
vol. I, p.88.
140 Pelo depoimento do arquiteto percebe-se a forte influência da prática empirista pura, conforme
apresentada no Capítulo 02, sem pressupostos que confiram objetividade ao experimento e guiado pela
prática das tentativas múltiplas, dos erros e acertos.
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formalista de relíquias para transformar-se na busca atual de um sentido.” Quanto a
essa nova perspectiva de ver a história, trata-se de uma “defesa da indissolúvel ligação
da teoria e da prática no fazer arquitetônico. É a defesa do enriquecimento da prática
pela readmissão do pensamento teórico como instrumento prático de trabalho.”
(CZAJKOWSKI, 1986, p.12-13)
Essa base conceitual construída pela história da arquitetura dará suporte à doutrina
projetual defendida por Elvan Silva. Para o autor, é
[...] um equívoco forçar uma distinção rígida entre a teoria e a prática no
âmbito do ateliê. Existe, não ignoramos, uma diferença entre aprender
arquitetura – história, teoria, análise, interpretação – e aprender fazer
arquitetura: aprender arquitetura é uma questão da esfera cognitiva, aprender
a fazer arquitetura é uma questão das esferas cognitivas e operativas. (SILVA,
1986, p. 25)
Assim, a apresentação de exemplos do que se considera uma boa arquitetura e a
prática projetual, na linha do ‘aprender fazendo’, acabam por constituir-se no
procedimento metodológico mais difundido nas escolas de arquitetura nas décadas
seguintes, numa tendência pedagógica conhecida no Brasil como “Liberal Renovada”,
que acompanha as reflexões problematizadoras na linha de Maria Montessori, Ovide
Decroly, John Dewey, Jean Piaget e Lauro de Oliveira Lima141.
Para Silva (1986, p.26), no entanto, ter a base do ensino de projeto dependente
apenas do exercício projetual elaborado pelo aluno não é garantia para a sua
compreensão com relação à complexidade projetual, pois essa prática não é concreta,
apenas hipotética. Mesmo tendo esse inconveniente atenuado pela orientação
docente, com a crítica e a sugestão de alternativas de concepção, ainda assim, o
professor de projeto se exime de sua responsabilidade quanto ao seu papel ativo no
processo ensino-aprendizagem, e, nessa modalidade, reage apenas à proposta do
141 “A tendência liberal renovada manifesta-se por várias versões: a renovada progressista ou
pragmática, que tem em Jonh Deweye Anísio Teixeira seu representantes mais significativos; a renovada
não-diretiva, fortemente inspirada em Carl Rogers, o qual enfatiza também a igualdade e o sentimento
de cultura como desenvolvimento de aptidões individuais; a culturalistas; a piagetiana; a
montessoriana; todos relacionadas com os fundamentos da Escola Nova ou Escola Ativa.” (QUEIROZ;
MOITA, 2007, p.06)
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aluno. Para Silva (1986, p.26), cabe um papel ativo para o professor com a transmissão
de uma doutrina de abordagem teórica capaz de envolver técnicas e rotinas
instrumentais codificáveis, pois nem tudo na projetação arquitetônica é criatividade.
Nessa linha, como resultado de uma experiência de mais de uma década, iniciada nos
anos 70, Donald Schön aprimora a pedagogia problematizadora pesquisada em sua
tese de doutorado, sobre a teoria de investigação de John Dewey e propõe uma
aplicação no contexto da arquitetura, “tomando como ponto de partida a competência
e o talento já inerentes à prática habilidosa – especialmente a reflexão-na-ação (o
“pensar o que fazem, enquanto o fazem”) que os profissionais desenvolvem em
situações de incerteza, singularidade e conflito”. A ideia de Schön é combinar a ciência
aplicada com a instrução, por meio da reflexão durante o fazer. (SCHÖN, 2000, p.VII)
O fazer projetual torna-se importante no ensino do projeto de arquitetura,
principalmente, pela dificuldade encontrada pelos professores de sistematizar o
processo de concepção arquitetural. No entanto, isso não justifica a ausência de um
trabalho pedagógico ativo, por parte do docente, elaborado de maneira a possibilitar o
desenvolvimento de habilidades necessárias ao conhecimento cognitivo e operativo e
imprescindível à projetação.
Nessa linha, Mahfuz (1986, p. 64) defende a utilização do método tipológico no ensino
de projeto por meio de duas maneiras. A diferença está na escolha inicial do tipo a ser
trabalhado como referência, que pode ser histórico ou a-histórico. Mais adiante, o
autor aprofundará sua classificação de métodos de geração formal em quatro
modalidades: método inovativo, método tipológico, método mimético e método
normativo142.
A ideia de que a forma se deriva de outra forma, ou de si mesma, configura-se para
Comas (1986) como um método adequado para ocupar o lugar da doutrina projetual.
Por analogia, a forma se deriva de si mesma, tanto quanto de programa, sítio
ou técnica. Ignorar tal fato significa aumentar o risco de analogias inadequadas
142 MAHFUZ, Edson C. Ensaio sobre a razão compositiva. Belo Horizonte: AP Cultural, 1995.
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na concepção de partido, aumentar o risco de imitação irrefletida que
consagra soluções por motivos simbólicos, esquecendo as peculiaridades do
contexto inicial que as substanciava. [...] Endossar a ideia da imitação como
base de concepção de partido não implica advogar a reprodução ou adaptação
acrítica de soluções arquitetônicas passadas. Significa apenas aceitar que
originalidade formal – mesmo limitada – não é requisito prioritário na
resolução da maioria dos problemas arquitetônicos usuais. (COMAS, 1986, p.
38-39)
No entanto, um detalhe muito importante deve ser esclarecido: as tipologias e
exemplares clássicos ou modernos que são inicialmente usados como referências
devem partir de um repertório formal simples e de reconhecida excelência. Essa
orientação doutrinária será reforçada até os dias de hoje, por Mahfuz (1986, In:
COMAS, 1986), em suas publicações seguintes, ricamente ilustradas por exemplares
modernos, alguns clássicos e, principalmente, pelos projetos de sua própria autoria.
Para justificar o uso de exemplares históricos, Mahfuz argumenta:
A manipulação de tipos inferidos ou evocados da história da cidade assinala
um resgate da forma clássica e das regras que constituem a disciplina.
Contudo, uma tipologia que é liberada e reativada, abrindo a possibilidade de
transformação, modificação e de criação de novos tipos é um fenômeno
distintamente moderno. (MAHFUZ, 1986, p. 57)
Oliveira (1986) detalha o uso de referências no início do processo projetual como
possibilidade para o lançamento de hipóteses de partido que podem ser
posteriormente transformadas.
Toda atividade projetual se dá tomando-se como referência um repertório de
imagens, modelos e tipos arquitetônicos que fornecem as hipóteses que
fundamentam a geração do partido e às quais serão contrapostos os
elementos de programa e sítio, conduzindo a um projeto específico que
contém e qualifica o conhecimento prévio do projetista [...] Por analogia ao
repertório, formulam-se hipóteses de partido que direcionam seletivamente a
identificação, interpretação e qualificação dos elementos de programa e sítio
que serão ordenados no projeto de arquitetura. O partido adotado é
contraposto criticamente às hipóteses iniciais, refutando-as, reforçando-as, ou
transformando-as. (OLIVEIRA, 1986, p.76-78)
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Mahfuz apoia um tipo de ensino que dê destaque à “transmissão e o uso de um
repertório básico, assim como a vinculação entre arquitetura, cultura e sítio.” Para o
autor, a “recuperação do repertório da arquitetura como instrumento de ensino e
prática de projetos nos é possibilitada pela aplicação do conceito de tipo ao estudo da
arquitetura.” (MAHFUZ, 1986, p. 63)
Oliveira (1986) reforça o uso de precedentes, ou de um ‘sistema de referência’ como
uma estratégia capaz de atribuir ao ensino de projeto uma dimensão teórico-crítica e
de contribuir para a formação de um corpo doutrinário.
A atividade docente contribui para a formação de um corpo doutrinário que
explicite um sistema de referência para a ação projetual, atribuindo ao ensino
de projeto uma dimensão teórico-crítica. Defender o pensamento doutrinário
não significa, bem entendido, propugnar por uma organização rígida e
dogmática do conhecimento, confinando-o a uma aplicação de cânones
encastelados em uma distante respeitabilidade acadêmica. Pelo contrário,
toda disciplina do conhecimento capaz de ser traduzida em teorias sustenta-se
sobre uma base nitidamente conjectural, sujeita a constante revisão crítica.
(OLIVEIRA, 1986, p. 79)
Somam-se ao registro desse ensinar e fazer arquitetural outros requisitos que acabam
por dar seguimento ao objetivo de renovação da disciplina de ensino de projeto, como,
por exemplo: a reflexão sobre a natureza do atelier e da orientação docente, que não
deveria ser sempre individual. Assim, questiona-se a função do atelier, sua natureza
conceitual, os conteúdos a serem ministrados e a relação mestre-discípulo. A proposta
de Oliveira (1986, p.80) está baseada no ateliê como um espaço de atividades teórico-
prático capaz de “promover a sistematização dos conhecimentos relativos à
composição arquitetônica, sendo o próprio projeto um instrumento didático de
investigação e não apenas um meio de aplicação e verificação de informações e
habilidades prévias.”
Para Oliveira (1986), a produção gráfica e do fazer no atelier deve ser valorizado com o
estímulo para exposições de trabalho:
Dessa forma, o contato professor-aluno – tendo como mediador o material
gráfico trazido por este último – dá-se preferentemente sob o formato de
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painel aberto à discussão crítica coletiva. É indispensável a explicitação de
categorias descritivas comuns a todos os participantes, viabilizando a troca de
informações e a formulação de juízos críticos através de enunciados racionais.”
(OLIVEIRA, 1986, p.81)
Corona Martinez (1986), relatando a situação em que se encontrava o ensino de
projeto na Universidade de Belgrano, Argentina, comentava que, com as influências
externas e as apropriações das obras de Rossi ou Botta, a divisão dos ateliês da sua
escola acabou por realizar uma dicotomia de conceitos entre os vanguardistas e
retrógrados.
Não há uma renovação da técnica de ensino em si, salvo pelo fato de que a
ênfase sobre a forma permite que a imitação reapareça como procedimento
legítimo de aprendizagem. Lamentavelmente, não se trata de uma imitação
refletida, mas, sim, de outra, quase tão dissimulada como à do período
anterior [...] Também se adota o termo ‘tipologia’, embora empregado para
justificar o uso de partidos ready made, dentro de esquemas formais que
devem algo – senão tudo – à maneira particular com que Louis Kahn
enfrentava o problema dos arquétipos. (CORONA MARTINEZ, 1986, p.90)
Outro importante aspecto adotado no processo projetual, sugerido pelo grupo de
Comas, foi a noção de contextualismo, que tem sua essência atribuída ao sítio, tendo
importância fundamental no processo de concepção da arquitetura. Essa noção vai de
encontro às questões que relacionam a arquitetura como objeto de consumo, contra o
estilo internacional que homogeneíza as soluções e contra o culto ao prédio isolado,
“causando a dissolução do contexto, e fazendo com que o espaço exterior perdesse
suas propriedades de figura e se transformasse em fundo.” (MAHFUZ, 1986, p. 58)
Pelo caráter de ‘simulação’ do ensino de projeto tornando essa experiência
incompleta, Corona Martinez acredita que o atelier conceituado como um laboratório,
no lugar de ateliê-oficina, será mais útil para a formação projetual. Para isso, reforça a
necessidade de contextualizar as atividades, ligando-as às situações urbanas reais e
grupos de usuários específicos. A ideia é aproveitar o contexto para construir
coletivamente os conhecimentos, enriquecendo a atividade projetual com história,
ambiente e técnicas locais. Corona Martinez deseja despertar no aluno o seu interesse
pela arquitetura como um ‘serviço social’. (CORONA MARTINEZ, 1986, p.91)
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Quero provocar no estudante interesse pela arquitetura corrente [...] como um
verdadeiro requisito profissional: existe muito saber arquitetônico contido nos
edifícios comuns e em uma cidade espontânea; e nossa formação anterior nos
levou a desdenhá-los. Agora, corremos o perigo de voltar a mascará-lo,
substituindo-o pelo saber de outras casas e de outras cidades. O estímulo é
para buscar isso bem perto, ali onde está. E refazê-lo, repensá-lo e redesenhá-
lo, valendo-nos dos instrumentos da Arquitetura (CORONA MARTINEZ, 1986,
p.93)
A definição das funções de uma escola de arquitetura é outro aspecto registrado na
publicação. Para Mahfuz (1986, p. 62), ela deve criar condições para que os futuros
arquitetos desenvolvam atitudes crítico-filosóficas sobre o seu próprio trabalho, sobre
a arquitetura e a cidade, no sentido de colaborar com a transformação da sociedade e
com a qualidade de vida de sua população. Essa competência está ligada, para Mahfuz,
ao “domínio de um repertório arquitetônico/urbanístico que se vem desenvolvendo
desde a antiguidade, assim como na capacidade de escolha dos referenciais
apropriados a cada caso e de sua transformação/adaptação à luz de circunstâncias
contemporâneas”.
A seguir, faremos um rebatimento de questões relacionadas à ensinabilidade do
projeto e sobre a natureza da disciplina de projeto de arquitetura, a partir da
perspectiva dos autores analisados incluindo aqueles publicados nos Anais dos
Seminários ‘Projetar’.
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3.2 O ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA A PARTIR DA PERSPECTIVA DOS
AUTORES DOS SEMINÁRIOS PROJETAR
A disciplina de projeto de arquitetura143 sempre foi designada por várias
denominações no âmbito dos cursos de arquitetura do Brasil. Expressões como
Composição Arquitetônica, Grandes Composições, Planejamento Arquitetônico,
Projeto do Ambiente Construído, Projeto de Edificações, entre outras. Apesar da
variação de terminologias, possui um ‘corpus de proposições’ relacionado à atribuição
profissional do saber projetar, embora ainda não claramente definido.
Nos saberes de Foucault (2007), uma disciplina se constitui por certo princípio de
limitação, relativo e dinâmico, que pode construir-se ao tempo, conforme algumas
restrições. Esse ‘corpus de proposições’ é necessário para definir os saberes, práticos e
teóricos, que conformarão os domínios disciplinares: “tudo isso constitui uma espécie
de sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele, sem que seu
sentido ou validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor.” (FOUCAULT,
2007, p. 30)144
Por conformar-se numa espécie de ‘sistema anônimo’, a definição do que deve
pertencer ao domínio da disciplina, em que momento, de que maneira, e como devem
ser abordados todos os aspectos metodológicos e conceituais acaba por ficar a critério
dos ‘projetos pedagógicos’ dos cursos de arquitetura e urbanismo, com a influência da
equipe de docentes da área, quando não definida pelo professor que irá ministrá-la,
que comumente se acha no direito de ministrar a disciplina como bem entender.
Apesar da liberdade de concepção disciplinar, as disciplinas de projeto de arquitetura,
numa perspectiva histórica, procuraram refletir o conhecimento da área do projetar
específico da profissão, embora, em muitos momentos históricos, à margem desse
143 Essa designação refere-se àquela utilizada pela Resolução Nº2, de 17 de junho de 2010, que institui
as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo no
Brasil, CNE/MEC.
144 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. Edição de Texto: Marcos José Marcionilo. 15 ed. São Paulo: Loyola, 2007. Título
original: L’odre du discours.Publicado originalmente em 1971.
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conhecimento, e conduzir o aluno ao aprendizado das habilidades necessárias para o
projetar.
O domínio das relações entre os saberes teóricos e práticos no que concerne aos seus
limites, ou mesmo, dentro de uma perspectiva pedagógica de concepção integrada,
nunca foi uma definição fácil e consensual. No contexto acadêmico brasileiro, até
meados dos anos 80, o projeto final do aluno era o único produto da disciplina, não
importando como o mesmo havia chegado ao resultado. Chupin comenta que,
dependendo da escola e dos professores, o projeto do aluno era considerado, ora
como um resultado, ora como a representação de um resultado, mas, raramente,
“como um processo de pensamento conduzido por uma intenção”. (CHUPIN, 2003,
p.11)
Para Moneo (2008, p. 141 e 142), nos últimos anos, o conceito de processo exerceu
uma importante influência no estabelecimento de uma teoria do projeto. O processo
passou a ser visto, por muitos, como “responsável” pelo projeto; ele faz da arquitetura
uma substância didática. Para ele, o fazer arquitetônico do passado era um momento
de prazer ou de resposta a uma necessidade, tratando-se de uma fruição estética
operada mentalmente ou de uma atividade de proteção e de refúgio na adversidade,
quando demonstrava sua condição instrumental. Atualmente, com a valorização do
processo projetual, a experiência arquitetônica se transforma em material didático, o
processo mostra o “como fazer”. Essa valorização do processo é ainda mais
evidenciada na fase inicial da concepção, na qual são eleitos e testados os conceitos
que regem as primeiras estratégias projetuais. Para alunos e professores de projeto,
essa é a fase mais difícil do trabalho pedagógico pela própria natureza complexa do ato
de conceber e por necessitar de várias outras habilidades facilitadoras da concepção.
O conceito de processo na concepção projetual, fazendo do projeto um instrumento
pedagógico, colaborou para a compreensão de sua ‘ensinabilidade’, e, reforçando
Chupin, “a contrapartida de toda organização pedagógica”. Dessa maneira, o professor
foi colocado numa situação entre: “agir e não agir, entre a necessidade de construir
modelos para ensinar o que acreditamos compreender e a necessidade de desconfiar
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dos modelos, para continuar a compreender que podemos não compreender.”
(CHUPIN, 2003, p.21)
No entanto, ainda encontramos questionamentos quanto à “ensinabilidade” do
projeto. Há alguns anos, o pretenso talento inato do aprendiz era uma condição para o
próprio desejo de ser arquiteto. Também estão relacionadas à credibilidade do ensino
de projeto as seguintes questões: a ideia de que deve partir do aluno toda a tarefa de
realizar a síntese dos conhecimentos e expressá-la na sua ideia arquitetural, a ideia de
que aprender a fazer projeto se resume à prática do fazer, e que existe ‘algo’ essencial
no aprendizado do projeto, cujo professor teria pouca função nessa descoberta. Sobre
isso, nos reportamos a Philippe Boudon145, quando diz que não é necessário tudo
procurar ou descobrir na essência das coisas, mas fazer surgir, uma a uma, todas as
questões subjacentes ao problema.
Veremos a seguir que esses questionamentos ainda persistem no âmbito de alguns
cursos de arquitetura do país.
3.2.1 A ensinabilidade do projeto
Apresentamos no início desse capítulo o comentário de Guadet anunciando que a
composição não se ensina. No entanto, logo em seguida, o autor complementa sua
reflexão com sugestões do que pode ser exatamente um procedimento didático
resultante de uma postura pedagógica do professor. A figura do professor está
presente, como mediador desse aprendizado, na medida em que acompanha os
‘ensaios múltiplos’, possibilita o conhecimento de bons ‘exemplos’, orienta o caminho,
no que ele chama de ‘conselhos’, e valoriza a prática por meio da ‘experiência própria’.
Essa descrição de procedimentos caracteriza o que foi o ensino de projeto, em várias
145 BOUDON, Philippe. Conceptions da la conception. Une réflexion épistémologique. Les cahiers de la
recherche architecturale, Marseille: nº. 34, p. 71-82, 4 º trimestre de 1993.
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escolas de arquitetura brasileira, durante todo o século XX. Elvan Silva (1986) discute
essa questão no trecho abaixo, à luz do pensamento de Guadet e Salvatori:
Na concepção acadêmica, a resposta era explicitamente negativa. Era Guadet
quem dizia:’A composição não se ensina, ela não se aprende a não ser através
dos ensaios múltiplos, dos exemplos e dos conselhos, e da experiência própria
se superpondo à experiência alheia.’ Essa noção já era antiga, mas alcançou
nossa época. Mário Salvatori, ao prefaciar o livro Architecture and People,
escrito por Eugene Raskin, em 1974, afirmava: ’A arquitetura não pode ser
ensinada, realmente (é por isso que não há boas escolas de arquitetura). Mas a
arquitetura pode ser aprendida (é por isso que existem bons arquitetos)’.
(SILVA, 1986, p.23)
O comentário seguinte de Elvan Silva deixa claro a sua discordância com o fato.
Ora, essa noção, por mais difundida que seja, não passa de um contrassenso e
de um subterfúgio, pois, além de confundir o estudante, desculpa o
anacronismo de certas estruturas e procedimentos didáticos. Como é possível
que num mesmo recinto convivam estudantes que querem aprender e
docentes que não precisam ensinar, já que sua área de conhecimento não é
ensinável? (SILVA, 1986, p.23)
Observamos, ao longo da revisão bibliográfica sobre o ensino de projeto no Brasil, que
a postura docente com relação à ensinabilidade do projeto possui uma aceitação
progressiva na medida em que nos aproximamos do final do século XX. Percebe-se um
esforço em refletir sobre os procedimentos metodológicos, principalmente a partir da
segunda metade da década de 80. O surgimento de revistas brasileiras, congressos de
arquitetura, o próprio encontro sobre ensino de projeto ocorrido na UFRGS,
professores que retornam de suas pós-graduações no exterior, implantação das pós-
graduações brasileiras, disposição e estímulos para a pesquisa, entre outros,
contribuíram para colocar o projeto de arquitetura em evidência nas discussões
acadêmicas.
No entanto, e apesar de pensarmos que a discussão sobre a ensinabilidade do projeto
já havia sido superada, quanto à dúvida da possibilidade de seu ensino, alguns autores
pesquisados ainda defendem essa ideia.
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Sou de opinião que projeto não se ensina, mas projeto se aprende. Como pode
ser isso? Contrariamente a disciplinas de algumas áreas, um professor de
projeto não detém nenhum conhecimento incontroverso que possa ser
transmitido como fórmulas para resolver problemas. A essência do ensino de
projeto é a criação e proposição de exercícios cuja realização permitirá ao
estudante desenvolver a habilidade de projetar. Ao longo desses exercícios, o
professor apresentará aos estudantes modos possíveis de solução dos
problemas projetuais a eles propostos, geralmente apoiado em casos
exemplares. Isso vale tanto para os aspectos formais/organizacionais do
projeto quanto para os técnico-construtivos. O aprendizado de projeto se dá
por repetição, reiteração de um processo que envolve muitas idas e vindas,
tentativa e erro, precisando se repetir muitas vezes ao longo do curso de
arquitetura para ser efetivo. (MAHFUZ, 2009, p.4)
De maneira geral, a colocação de Mahfuz é muito similar à posição de Guadet, citada
anteriormente, na contribuição de Silva (1986), e já comentada neste trabalho por
meio da sua referência original. Ela nos revela algumas questões numa primeira
análise. Primeiro, reforça o contrassenso comentado por Silva (1986) de que, se
projeto não se ensina, o que fazemos nós, professores de projeto; segundo, se projeto
não se ensina, podemos decretar nossa incompetência enquanto docentes dessa
disciplina; terceiro, uma vez estabelecida essa condição, podemos acreditar na
ocorrência de um estado de acomodação junto ao corpo docente; ora, se projeto não
se ensina, os professores de projeto não precisam preparar suas aulas; quarto,
enquanto docentes, estaríamos criando falsas expectativas junto aos alunos, pois o
que fazem eles num atelier de projeto, diante de um professor que não irá ensiná-los,
mas irá cobrá-los pelo aprendizado e; quinto, volta-se a acreditar na concepção
projetual como uma atividade intuitiva, obra de um ‘gênio criador’, pois, se ela não é
ensinável e, mesmo assim, o aluno aprende, haverá algo sobrenatural, ou divino, que
constituirá esse aprendizado. Nesse mesmo artigo, o autor argumenta que:
Embora o currículo das escolas de arquitetura seja formado por muitas
matérias, parece inquestionável que a disciplina de prática de projetos é a mais
importante, pois é nela que se realiza a síntese de todos os conhecimentos
necessários ao projeto de edificações, espaços abertos e de urbanismo. Ou
seja, é nela que se pratica algo aproximado ao que o futuro arquiteto fará após
graduar-se. (MAHFUZ, 2009, p.4)
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Nesse contexto, por que seria a disciplina de projeto a mais importante, como diz o
autor, se, na sua opinião, ela não é ensinável? Que importância tem uma disciplina que
não pode ser ensinada? E, ainda assim, ela é responsável por toda a síntese dos
conhecimentos e pela essência do ‘tornar-se arquiteto’?
Se voltarmos à colocação anterior do autor, veremos que, apesar do forte efeito da sua
opinião, em dizer que ‘projeto não se ensina’, ele apresenta o que para ele é a
natureza desse ensino. Quando coloca que a “essência do ensino de projeto é a criação
e proposição de exercícios”. Isso significa que existe a figura do professor, aquele que
irá criar e propor tais exercícios e que será por meio deles que o aluno desenvolverá a
habilidade de projetar. Em seguida, esse mesmo professor apresentará “modos
possíveis de solução dos problemas projetuais [...] apoiado em casos exemplares”.
(MAHFUZ, 2009, p.4)
Então, projeto se ensina, pois aquilo que faz o professor, ao elaborar exercícios, aplicá-
los, acompanhar os alunos e apresentar bons exemplos configura-se como um
trabalho pedagógico imbuído de uma intenção, de um propósito, que é colaborar com
o aprendizado do aluno. Ao mesmo tempo, tais posturas estão impregnadas de uma
ideologia, que está internalizada na construção dos exercícios, na escolha dos
exemplares, nas observações do professor. O professor exercita o seu habitus no
planejamento da sua disciplina. Como nos lembra Bourdieu, todo ensinamento está
relacionado a uma intenção, a uma ideologia, e, em nosso caso, a uma ideia de
arquitetura e de arquiteto.
Mais adiante, Mahfuz (2009) reforça a natureza desse ensino: “O que a escola pode
proporcionar aos estudantes é uma base sólida de conhecimento, construída passo a
passo, cuja aplicação prática pode ser verificada por meio de exercícios
especificamente elaborados para esse fim.” (MAHFUZ, 2009, p.4)
Ao longo dos anos, opiniões como a de Mahfuz, Guadet e Salvatori alimentaram a falsa
ideia de que ensinar projeto não era possível. A própria experiência desses autores
comprova que todos eles contribuíram ou contribuem para o ensino dessa habilidade.
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Parece-nos, então, que é a natureza desse ensino que está em questão, e não a sua
ensinabilidade, como, a princípio, os autores deixam acreditar.
Nesse mesmo caminho de raciocínio, encontramos a colocação de Brandão (2011),
quando esclarece a diferença dos conhecimentos entre as disciplinas ditas discursivas
e aquelas de projeto. Para o autor, existe um ‘algo’, além das disciplinas discursivas,
que não é transmissível pelo modo convencional, e que é isso que precisa ser
dominado para que se aprenda a projetar.
Algo além do que é ensinado em disciplinas discursivas precisa ser dominado
por aquele que se dispõe a projetar. E esse algo não é um conteúdo
transmissível de acordo com o modo convencional de se ver o tema: um
professor que transmite um conteúdo tido como verdadeiro a um grupo de
alunos. Ainda que ignoremos a crítica construtivista a esse último assunto, a
habilidade necessária para se elaborar um projeto não tem como ser
formatada em um pacote, e também não tem como ser ensinada, o que não
significa que não tem como ser aprendida. Daí eu defender a noção de que
projeto se aprende, mas não se ensina.Tal como aprender a andar de bicicleta
ou a nadar, para se fazer projeto não é suficiente (ainda que seja necessária,
pelo menos em parte) a leitura de toda a bibliografia a respeito. Esse
raciocínio sobre a didática do projeto, de cunho conteudista, tem levado a um
inchamento esquizofrênico em nossos currículos de cursos de arquitetura.
(BRANDÃO, 2011, n.p.)
Como Brandão (2011), concordamos que não existe um tal ‘pacote’, o ensino de
projeto não possui um manual prescrito, ou uma receita pronta, mas podemos
assegurar bons ingredientes para boas experiências. Ingredientes capazes de serem
usados em diversos momentos e em diversos arranjos. É bem verdade o que fala o
autor na última frase. Os cursos de arquitetura estão lotados de conteúdo,
fragmentados, que não conseguem demonstrar a sua aplicabilidade. A carga horária
para o exercício projetual está cada vez menor, além do excesso de atividades diversas
e fragmentadas, sem elementos estruturadores e conciliadores. Isso sem dúvida
prejudica a qualidade da formação do aluno, quando a questão se torna quantitativa e
não qualitativa. Como reflete Porto Carneiro (2005), logo abaixo, existe uma
‘apreensão substantiva’ baseada no conhecimento intuitivo/sociocultural que precisa
participar do processo projetual da arquitetura.
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[...] o ato projetual é uma aventura criadora que envolve não só o
conhecimento racional/técnico do uso de métodos, de técnicas, de
materiais, mas também o conhecimento intuitivo/sociocultural da
“apreensão substantiva” do objeto a ser criado ou recriado nas suas
qualidades formais e estéticas. E não é por ser um processo inacabado,
no sentido de fechado/hermético, que implica a impossibilidade de sua
ensinabilidade/educabilidade.” (PORTO CARNEIRO, 2005,p.5)
A contribuição acima reforça a questão elaborada por Brandão (2011) de que não
existe um pacote formatado sobre o ensino de projeto, pela natureza desse ensino,
aberto, contínuo e absorvente, no sentido de que várias experiências e contribuições
corroboram com o desenvolvimento da habilidade de projetar; mesmo assim, isso não
implica a impossibilidade do seu ensino. E, sem dúvida, todo processo educativo possui
um caráter inacabado. Como nos ensina Paulo Freire (2001, p.55-59), “ensinar exige
consciência do inacabamento”, pois essa construção possui relação com o ser humano
e a sua própria condição de inconclusão. Enquanto estivermos vivos, estaremos
sempre em construção. A história da qual nós seres humanos fazemos parte e para
cuja feitura contribuímos, junto com os outros, “é um tempo de possibilidades e não
de determinismo”.
Outra questão muito importante é colocada logo abaixo, com relação à negligência do
ensino do conteúdo cognitivo do projeto, deixando esse aprendizado a cargo da
experiência e do aprendizado intuitivo.
O ensino explícito do conteúdo cognitivo do projeto tem sido ignorado146 no
atelier de projeto e deixado para ser adquirido implicitamente através da
experiência. Ou seja, o método de ensino utilizado no atelier para orientar a
produção do projeto arquitetônico baseia-se no aprendizado intuitivo de algo
que não é conceitualmente definido, mas apenas aprendido através da
experiência. Tornar explícito o processo poderia significar, talvez, a remoção
da parte do caráter pertencente ao gênio artístico para reduzi-lo a um
procedimento standard ou, simplesmente, a um método. De certa forma, o
146 Segundo Rapoport *, a arquitetura não cumpriu a tarefa de uma disciplina**, ou seja, a busca pelo
desenvolvimento de um conhecimento bem fundamentado. * In Stevens [op.cit.] texto encomendado a
Amos Rapoport para a edição comemorativa do jubileu do Journal of Architectural education – ACSA 75
°**2 é responsabilidade da disciplina da arquitetura o modo como o campo gera o discurso intelectual.
[Stevens, op.cit.] (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.4)
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atelier reproduz o modo como, durante séculos,147 a atividade de projeto foi
transmitida e aprendida implicitamente, através da experiência de trabalho
com um mestre. (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.4)
De fato, o ensino de projeto no Brasil está muito vinculado à experiência do fazer, do
projetar. Inúmeros trabalhos demonstram e defendem a importância do aprender
fazendo: Corona Martínez (2000), ‘projeto como um aprender fazendo’; Chupin (2003),
‘projeto como objeto didático’; Sennett (2009), ‘arquiteto como artífice, capaz de
pensar e fazer’; Oliveira (1986),(2004), atelier teórico-prático; Silva (1986) ‘pela prática
concreta’; Mahfuz (2003),(2009), ‘por mimese, por repetição de exercícios’; Góes
(2011) ‘pela reflexão-na-ação’; Manenti (2011)’pela projetação’; Lopes; Morado
Nascimento (2011) ‘aprender a ser arquiteto por meio da elaboração do projeto’;
Machado (2011) ‘ projetar se aprende projetando’, entre muitos outros. No entanto,
para iniciar esse fazer, o aluno necessita de uma série de habilidades, como aprender a
ver, aprender a analisar projetos, aprender a representar, aprender a selecionar, entre
outras, e que, sem elas, o paradoxo de Mênon148 não será superado. Nesse sentido do
aprender fazendo, a colocação abaixo vem contribuir com o pensamento de que o
ensino de projeto não se resume ao exercício do projeto, mas deve contemplar
exercícios de habilidades que colaboram com a compreensão do que deve ser
buscado, com a sistematização das informações e do uso da criatividade durante o
processo, como: perceber, apreender, analisar, selecionar, relacionar, sintetizar,
descrever, sistematizar, entre outras.
[...] a complexidade da sociedade e da cidade requer a consideração e atenção
a múltiplas variáveis: programáticas, fisiológicas, psicológicas, culturais, sociais,
econômicas, etc. No ensino, essas variáveis devem estar presentes não apenas
147 Segundo Stevens[2003] As oportunidades únicas que o sistema de ateliês proporciona ao estudante
para adquirir um habitus (segundo a noção de Bourdieu) devem explicar sua longevidade no ensino de
arquitetura. Ele continua sendo mais ou menos o mesmo que era duzentos anos atrás quando a Ècole
des Beaux-Arts foi fundada. (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.4)
148 Para Schön (2000), a experiência de aprender a projetar é bem descrita por Platão através do
paradoxo lógico de Mênon. Assim como Mênon, os estudantes iniciantes de arquitetura ainda não sabem
o que buscam: “Mas como procurarás por algo que nem ao menos sabes o que é? Como determinarás
que algo que não conheces é o objeto de tua busca? Colocando de outra forma, mesmo que esbarres
nisso, como saberás que o que encontrastes é aquilo que não conhecias?” (PLATÃO, 1956, p.128 apud
SCHÖN, 2000, p.73)
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como conhecimento teórico ou técnico em disciplinas estanques, mas devem
formar a base da discussão do projeto de arquitetura.” (PINA et al, 2005, p.2)
O que os autores argumentam está na base das formulações que devem anteceder as
experiências empíricas, como propôs Popper apresentado no Capítulo 02 desta tese.
As investigações projetuais também devem partir de algo semelhante às hipóteses.
Para nós, são as hipóteses iniciais que guiam a experiência empírica que podem
contribuir para a superação do paradoxo de Mênon. Caminhos como as metodologias
associativas, analogias e metáforas são exemplos de como poderemos abordar esse
primeiro momento ainda tão desconhecido por alunos iniciantes. O método analógico
será um caminho refletido no Capítulo 04 deste trabalho.
As referências utilizadas neste capítulo nos levam a colocar as seguintes questões: os
procedimentos metodológicos do ensino de projeto diferem dos procedimentos de
disciplinas discursivas; alguns professores ainda acreditam que projeto não se ensina,
pois comparam esse ensinamento ao ensino de conteúdos transmissíveis de maneira
tradicional, onde o professor é o centro das atenções, embora suas práticas
demonstrem um trabalho pedagógico em elaboração; existe algo além de conteúdos
discursivos no ensino de projeto; podemos nos apropriar do que diz Elvan Silva (1986)
quanto à natureza do aprender a fazer arquitetura, sendo essa uma questão que não
se limita à esfera cognitiva, mas também à esfera operativa, de maneira que “a
aquisição de competência para a aplicação do domínio operativo não seja apenas uma
questão de exercício”; ademais, como também afirma Silva (1986, p.26-27), o ensino
de projeto não deve ser reativo – “quando o professor se limita a responder as
propostas elaboradas pelo aluno, a quem cabe a frequentemente difícil incumbência
de produzir elementos capazes de suscitar a crítica e as posteriores recomendações do
professor“, mas deve ser conduzido por uma postura ativa – “quando compete ao
professor transmitir ao aluno conteúdos doutrinários prévios, antes mesmo que o
aluno trace a primeira linha sobre o papel”.
Como afirma Veloso e Elali (2003), durante muito tempo no Brasil, o projeto
arquitetônico foi ensinado “a partir da simulação do exercício profissional (ou seja, da
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atividade tradicional em escritório), via a repetição de modelos normativos e a
reconstituição pelos alunos da(s) experiência(s) do professor, o qual, em várias
ocasiões, se posicionava como o "cliente a ser atendido". Esse fato ocorreu, como
reconstituem as autoras, devido à existência, nos ateliês, de projeto, de ‘bons
arquitetos’, professores, formados pela prática modernista. Além de contribuírem com
a sua prática projetual, colaboravam para a reprodução do ideal modernista junto às
novas gerações. No entanto, essa situação mostrou-se ‘didaticamente inadequada’ por
diversos motivos:
[...] a sala de aula não é um escritório, o professor não é um cliente e,
sobretudo, o estudante ainda não está vivenciando uma atividade real, ao
contrário, encontra-se em uma fase preparatória tanto no que se refere aos
conhecimentos necessários quanto em termos de maturidade para enfrentar
os problemas que lhe são apresentados. (VELOSO; ELALI, 2003, n.p.)
Acompanhando a retrospectiva apresentada pelas autoras, essa situação modifica-se a
partir dos anos 80, por diversos motivos já abordados anteriormente, mas,
principalmente, pelo ingresso na academia de uma nova geração de professores pós-
graduados, em programas nacionais ou internacionais, geralmente vinculados ao
campo das ciências sociais, uma vez que a pós-graduação em arquitetura ainda não
havia se consolidado. Isso levou o ensino de projeto, antes “simulação do escritório”, a
uma situação conceituada pelas autoras como “síndrome do realismo social”,
colocando o atendimento às necessidades sociais em primeiro plano no contexto dos
ateliês de projeto. Esse novo direcionamento dos projetos ampliou as etapas de
diagnóstico, de registros, de observação, fazendo com que o planejamento da situação
se sobrepusesse ao projeto como solução dos problemas e necessidades observados.
Dessa maneira, o tempo se faz escasso para as soluções projetuais diante de um
processo longo de conhecimento da situação. As autoras ainda argumentam que tal
procedimento “desconsidera o exercício projetual como uma simulação do real, uma
hipótese”. Apesar de esse modelo demonstrar positivamente um engajamento com a
realidade, como colocam as autoras, colaborando com o processo de conhecimento do
aluno com relação às necessidades dos usuários, e com condicionantes como
ambientais, tecnológicos e legais, ao dar ênfase a uma série de questões relacionadas
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“à dura realidade socioeconômica”, limita às soluções projetuais, pois essas devem ter
certa coerência com a situação, “onde qualquer excesso de imaginação” seria pouco
recomendado. (VELOSO; ELALI, 2003, n.p.)
Carsalade (1997, p. 158) não concorda com essa limitação dada ao projeto, por
aspectos contextuais ou relativos a uma realidade social. Para o autor, a inserção dos
conteúdos em uma realidade cultural e social teria uma dupla função: “facilitar a
aprendizagem”, na medida em que essa realidade permitisse a “mediação entre o ser e
o mundo, de forma a torná-la mais eficaz”; e a “função do ensino”, pois, além de
possibilitar “o conhecimento do mundo”, possibilitaria a sua “transformação” pelo
empenho de soluções criativas frente aos problemas complexos e concretos.
Rheingantz (2003), na defesa por uma abordagem sociointeracionista que valoriza o
trabalho coletivo e o seu processo, como já visto, defende que os conteúdos a serem
trabalhados devem “possibilitar a apreensão dos valores culturais expressos a partir
dos objetivos programáticos e do contexto definidor do problema”. Assim, em “lugar
dos temas e programas pré-estabelecidos e desconectados de uma discussão sobre as
questões éticas que os demandam, devem ser analisadas e discutidas situações reais
inseridas em um determinado contexto cultural.” (RHEINGANTZ, 2003, p.126)
Arcipreste (2011) também defende o exercício com a realidade, afinal é para ela que se
formam os arquitetos e urbanistas, para responder com qualidade às questões
espaciais em cidades cada vez mais complexas.
O foco na realidade do aluno e na realidade em si, como base para
enfrentamento dos desafios educacionais, vem se tornando objetivo da
pedagogia do projeto em arquitetura e urbanismo. O contexto atual vem
indicando a necessidade de revisões das ações para aproximá-las mais da
realidade concreta das cidades, dos seus emergentes problemas e do cotidiano
das pessoas, tanto para a elaboração de diagnósticos mais consistentes quanto
para intervenções que melhor respondam às demandas identificadas.
(ARCIPRESTE, 2011, n.p.)
A contextualização, ou o saber-descobrir, é uma das etapas propostas por Hélène
Trocmé-Fabre (2004) na exposição da sua estrutura aprendente, como veremos no
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capítulo 05. Nessa etapa, a autora alerta para o cuidado com duas armadilhas que
devem ser evitadas num processo de contextualização: “o fechamento numa
observação reduzida, uniforme e, portanto, redutora, correspondendo a uma
contextualização pobre e, de maneira oposta, uma contextualização excessiva, a
incapacidade de fazer o recuo ou de tomar distância em relação ao contexto
imediato.” (TROCMÉ-FABRE, 2004, p.34-35)
Ademais, acredita Pinto (2011, p.5-6) o projeto deve ser sempre uma oportunidade
para compreendermos um determinado “fenômeno social, econômico, ou territorial”.
Por essa razão, o autor acredita que deve existir sempre um compromisso, “por parte
da docência em arquitetura, de levar os alunos a compreenderem que os desejos de
projeto são também oportunidades de interação e entendimento do estado das
coisas.”
Nessa postura pedagógica, acredita-se que, ao mesmo tempo em que se compreende
o fenômeno, em seus diversos aspectos, ocorre a transformação do próprio sujeito
dessa prática, como coloca Corazza (1991, p. 82-99) 149. “Se a prática é ponto de
partida e ponto de chegada no campo da criação do conhecimento, a práxis (ação-
reflexão-ação) daí advinda, além de transformar a realidade social, forma e transforma
o próprio sujeito fazedor-pensador desta práxis."
Assim, observamos que não é uma questão de apropriar-se ou não da realidade como
fonte, ou contexto para os exercícios projetuais, mas de sabermos administrar o
tempo das atividades, o momento e a dosagem, enquanto dimensão adequada, das
variáveis contextuais, com relação à maturidade do aluno na conjuntura de sua
formação, para que essa realidade possa contribuir positivamente no processo
projetual e no crescimento pessoal do aluno, a partir da vivência social, como sugere
Veloso e Elali (2003), e não como um elemento limitador da sua criatividade. A
criatividade deve ser o elemento aglutinador de toda essa complexidade.
149 CORAZZA, Sandra M. Manifesto por uma "dida-lética", in Contexto e Educação. Ijuí-RS:UNIJUÍ, 1991,
p.82-99. No universo da pesquisa em arquitetura e no ensino de projeto com finalidades pedagógicas,
citamos o pioneiro uso de Corazza (1991) através das pesquisas do professor Paulo Afonso Rheingantz
(2005). Além de Rheingantz e mesmo por meio dele, encontramos sua referência em trabalhos como:
(ALCANTARA, 2005); (ISIDORO, 2011); (FONSECA; RHEINGANTZ, 2011).
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Paulo Freire (2001,p.76) nos lembra que a capacidade de aprender que nós seres
humanos temos convém “não apenas para nos adaptar, mas, sobretudo, para
transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a”. A arquitetura parece ter
esquecido o seu papel nessa tarefa. Em referência à crítica argentina, Marina
Waisman, que denominou a década de 80 como “década cor-de-rosa”, Lara (2009)
esclarece que esse título decorreu do abandono, pelos arquitetos, de toda e qualquer
ambição de transformar a realidade por meio da arquitetura. Nessa visão, onde estaria
o papel social da arquitetura?
São essas e outras questões que colocam o projeto como campo específico de
investigação de arquitetos, pesquisadores e educadores, configurando-se, nas
pesquisas de Veloso e Elali (2003), como uma terceira postura.
O lugar da práxis projetual destes novos profissionais de ensino (ainda em
formação) não são necessariamente os escritórios particulares, mas os
laboratórios, grupos de pesquisa e escritórios-modelo das universidades,
ocorrendo a partir de projetos de pesquisa, extensão e mesmo de prestação de
serviços (remunerada ou não). Nessa nova ambiência, buscam-se conceitos e
métodos que embasem e, sobretudo, legitimem a prática e o ensino do
projeto, de modo que a tradicional postura autossuficiente, comum à parte do
professorado, tenda a diminuir. (VELOSO; ELALI, 2003, n.p.)
Essa terceira postura comentada pelas autoras procura contribuir com a construção de
um corpus teórico-epistemológico que possa dar sustentação ao projeto como
instrumento didático de construção do sujeito arquiteto. Chupin adota em suas
pesquisas o viés da antropologia do projeto de Boutinet, no sentido de procurar “dar
novamente um campo epistemológico a uma disciplina em perigo de solipsismo”. Para
o autor, isso “constitui um pré-requisito para a sua ancoragem em bases históricas e
teóricas sólidas.” (CHUPIN, 2003, p. 18)
Nesse momento, torna-se importante destacarmos a diferença entre a Teoria do
Projeto, a qual essa terceira postura procura construir, e a Teoria da Arquitetura, de
contornos mais amplos. Segundo o professor Rogério de Castro Oliveira (2004), essa
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teoria específica do projeto daria sustentação aos metaprincípios de sustentação do
pensamento projetual, um estatuto epistemológico do projeto.
A especificidade da teoria do projeto reside particularmente no fato de ser
indissociável da prática do projeto: a sua construção se dá no projeto e pelo
projeto, ainda que, para articular uma argumentação sobre o projeto, precise
aventurar-se no campo discursivo da crítica, mas sem romper os vínculos
operativos com o campo icônico do fazer projetual. Isto significa que no
atelier a própria relação professor-aluno exige uma mediação: a do projeto,
tanto em seu sentido procedimental como documental. Sem projeto, cuja
condição de existência é a articulação entre produção e produto, não há
atelier, o que quer dizer: não há ensino ou aprendizagem possível. (OLIVEIRA,
2004, p.149)
Nesse sentido, a pós-graduação brasileira, apesar de não ter a pesquisa relacionada ao
projeto de arquitetura bem consolidada, no sentido de compreendermos aonde
queremos chegar, e como essas pesquisas poderão contribuir, está colaborando para a
evidência da área, para o avanço e compartilhamento das experiências e para a
construção de reflexões que, juntas, poderão constituir-se, mais adiante, no tão
almejado corpo teórico da disciplina.
Veloso e Elali (2003), após pesquisa por 14 cursos de pós-graduação na área de
arquitetura existentes no Brasil, procuraram destacar o quantitativo de programas que
possuem o ‘projeto arquitetônico’ como área de concentração, ou linha de pesquisa.
Em apenas dois deles (14%), o projeto arquitetônico apresenta-se como área de
concentração. Quando as pesquisadoras procuraram pelo termo ‘projeto de
arquitetura’ ou ‘projeto de arquitetura e urbanismo’, sete programas (50%)
apresentaram o termo em suas propostas, tendo seis deles com os termos como área
de concentração. Quando a palavra procurada na área de concentração ou na linha de
pesquisa foi ‘projeto’, cinco deles apresentam o termo nas suas propostas. As autoras
observaram que, apesar da reconhecida importância do projeto de arquitetura, ele
ainda é pouco contemplado nos perfis da pós-graduação no Brasil e sugerem que os
programas de pós-graduação se esforcem para absorver outros perfis de arquitetos e
pesquisadores, especialmente aqueles que possuem a prática projetual como a sua
principal atividade e estão interessados em refletir e aperfeiçoar a área do projeto.
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Mas, alertam as pesquisadoras, “para formar os novos professores e pesquisadores em
projeto, é preciso primeiro procurar entender o significado e as especificidades da
atuação docente nesta área”. (VELOSO; ELALI, 2003, n.p.)
Nessa reflexão, vimos que uma disciplina se constitui por um corpo de proposições
limitado, relativo e dinâmico, que conforma uma espécie de sistema anônimo
partilhável, assim:
as disciplinas de projeto arquitetônico, no contexto brasileiro, ainda não
possuem esse corpo de proposições claramente definido; no entanto, são
regidas e partilham procedimentos acordados historicamente, relacionados ao
processo de ensino-aprendizagem do projeto de arquitetura;
diante das reflexões registradas quanto ao ensino de projeto, percebemos que
a aceitabilidade do seu ensino cresce progressivamente, colocando como
questão primordial, não mais a dúvida com relação a sua ensinabilidade, mas
como esta pode ser praticada, e qual a natureza desse ensino;
pesquisas demonstraram que esse ensino de projeto não deve basear-se na
simulação do escritório de arquitetura, tampouco resumir-se à prática do
aprender fazendo, pois uma série de habilidades cognitivas e operativas150
precisa ser desenvolvida para que a concepção aconteça e,
uma vez isso posto, torna-se necessário definirmos as especificidades da
atuação do docente de projeto, considerando essa atuação dentro de uma
postura ativa;
outrossim, a complexa realidade urbana se torna, na educação do arquiteto
contemporâneo, um elemento essencial do aprendizado projetual, sendo
necessário o seu adequado dimensionamento junto às atividades acadêmicas
para que a criatividade do aluno possa trabalhar como um elemento
aglutinador dos diversos condicionantes.
150 (SILVA,1986,In: COMAS, 1986)
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Assim, seria interessante que os eventos, pesquisas e pós-graduações
direcionassem seus esforços para uma construção coletiva, que pudesse
contribuir de maneira mais eficiente com a definição de caminhos e
posicionamentos na construção de um corpo teórico-epistemológico que possa
dar suporte à área do ensino de projeto. A seguir, trataremos da natureza da
disciplina projeto de arquitetura.
3.2.2 Natureza da disciplina de projeto de arquitetura
A disciplina de projeto de arquitetura não possui um corpo de proposições oficializado.
No entanto, algumas singularidades são partilhadas pela maioria dos docentes
envolvidos em sua área. Neste trabalho, dividimos em dois os aspectos que
conformam essas singularidades: a questão do conceber e a questão do
representar151. São duas habilidades necessárias ao arquiteto e que devem caminhar
juntas. O espaço adequado para o seu desenvolvimento encontra-se nos abordes das
disciplinas de projeto.
No domínio da metodologia de ensino de projeto de arquitetura, consideramos a fase
de concepção a primeira fase do ensino projetual. Com essa delimitação, não se afirma
que a concepção arquitetural se encerra na primeira fase do processo projetual, mas
apenas que ela se inicia, pois conceber, no sentido de encontrar soluções e ideias para
determinada necessidade, permeia todo o processo projetual e, muitas vezes,
continua durante a execução do projeto, em escalas, intensidades e complexidades
variadas. É nessa fase em que se dão as descobertas iniciais do processo projetual,
aquelas que geram as primeiras soluções espaciais, aquelas que originam o fato
151 Nesta tese, usamos a palavra representação e representar de maneira bastante ampla e em respeito
à área já consolidada na maioria das escolas de arquitetura, incluindo todas as formas de expressão da
ideia, desde os croquis à mão, os desenhos técnicos, as maquetes, as modelagens analógicas e virtuais
e, principalmente, os desenhos, diagramas, colagens, montagens que são utilizados durante o processo
de concepção, abarcando todas as ferramentas disponíveis.
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arquitetural. É, pois, dos aspectos que conformam essa primeira etapa do ensino
projetual, a concepção, que este trabalho se ocupa no capítulo seguinte.
Entendemos que, na fase de concepção, são estabelecidas as relações, as ligações e as
conexões entre os componentes do problema arquitetural e são estudadas as
constatações iniciais quanto à definição do problema. É nessa fase que são feitas as
primeiras escolhas e possibilidades de resolução com o aporte de precedentes,
analogias, ou diversos outros meios e conceitos. É na fase da concepção que se
conectam as ideias, que se relacionam os conhecimentos, que se utilizam as mais
diversas formas de representação, que se desenvolve a percepção e que se propiciam
as situações para a ocorrência dos acasos e o surgimento de ideias inovadoras.
A habilidade de conceber e a atividade de concepção se expressam por meios do
campo visual, de signos e simbologias que anunciam o pensamento, a ideia e, ao
mesmo tempo, ativam novas imagens no imaginário, levando à construção de mais
outras tantas imagens, num processo não linear, de avanços e retrocessos, sujeito aos
estímulos internos e externos. No contexto do atelier, as diversas modalidades de
expressão da ideia têm o propósito de contribuir com a sua concepção e com a
comunicação desse objeto em concepção. A concepção pode iniciar-se mentalmente,
por meio dos estímulos externos; no entanto, para que evolua e possa ser partilhada
com os demais atores envolvidos no processo, ela necessita de exposição, que se faz
por meio das expressões visuais, do discurso e dos textos em suas diversas formas.
Essa dualidade caracteriza as disciplinas de projeto.
Como afirma Trocmé-Fabre (2004), para construirmos o ‘ato de aprender’, torna-se
necessário reconhecer a sua natureza, a sua função e estatuto. O que seria aprender a
fazer projeto? Como o aluno perceberá que sabe fazer projetos? O que cabe ao
professor e ao aluno nesse aprendizado? Para a autora:
Responder a essas questões significa que o objetivo a ser atingido exige ser
clarificado junto aos diferentes atores da situação educativa, antes que haja o
engajamento. Um projeto educativo, enfatizamos sempre, só pode ser viável
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se todos os parceiros contribuírem com ele e se beneficiarem dele. (TROCMÉ-
FABRE, 2004, p. 27)
As pesquisas sobre metodologias e processo de concepção em arquitetura já anunciam
essas respostas. Em sua grande maioria, estão voltadas para os processos cognitivos
do arquiteto ou aprendiz, ou seja, para as questões que envolvem o seu conhecimento
e o seu aprendizado (ex.: como desenvolver a percepção, a intuição, a lógica, o juízo, o
raciocínio e a linguagem). São habilidades que estão relacionadas ao aprendizado da
concepção e, consequentemente, à projetação arquitetônica. Na prática, essas
pesquisas pretendem colaborar com os caminhos utilizados para resolver e conduzir as
problemáticas de projeto (sejam eles heurísticos ou algorítmicos) e como se apropriar
das várias ferramentas de apresentação e representação para conceber e representar
esses projetos, além de suas influências nesse processo. Uma vez compreendido isso,
torna-se mais claro quais atividades devemos desenvolver, enquanto docentes, para
que essas habilidades possam ser desenvolvidas, adequadas a cada etapa da formação
do aluno.
Em exposição sobre a relação professor x aluno, Trocmé-Fabre (2004) ainda nos coloca
que o papel do professor no processo de ensino-aprendizagem deve ser coerente com
a realidade cognitiva do aluno. O docente deve compreender a ‘capacidade de troca’
que o aluno possui naquele momento, em determinada fase da sua formação, e
explorá-la em seu percurso, para que esse possa construir, em cada momento, a sua
autonomia. A autonomia é uma conquista. Não adianta, pois, elaborarmos exercícios
com objetivos que não poderão ser atingidos, naquele momento em que se encontra
o aluno, por falta de condições operativas e cognitivas. Se isso não for bem planejado,
pode gerar frustrações tanto para o aluno quanto para o professor. Por isso, para a
autora, “por detrás de todo objetivo a ser atingido [...] existem dois fatores
fundamentais: nossa representação do objetivo e o momento de decisão operacional”.
(TROCMÉ-FABRE, 2004, p. 29-30) Além disso:
Trata-se de compreender também que acima de todo objetivo há uma
finalidade, um ponto de apoio, um grande ‘por quê’, que pertence ao nosso
sistema de valores e que constitui uma referência durável, à qual, apesar de
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suas diferenças, é possível aos diferentes atores aderir e, então, comunicar –
no sentido etimológico da palavra: construir junto. (TROCMÉ-FABRE, 2004, p.
30)
Na formação do arquiteto, o desenvolvimento das habilidades necessárias ao exercício
profissional é fundamental para que ele conquiste sua autonomia profissional, já que
se trata de uma profissão que envolve a criatividade. Dessa forma, além dos
conhecimentos e técnicas necessárias e inerentes ao seu campo disciplinar, o arquiteto
precisa exercitar sua intuição e lógica por meio de atividades onde a percepção seja o
principal caminho para o conhecimento da problemática a ser analisada, proposta ou
solucionada. Nesse contexto de descobertas, as linguagens de registro, expressão,
representação e apresentação são de grande importância, sejam elas orais, gráficas,
físicas ou virtuais. Elas permitem o desenvolvimento do processo projetual, a
construção (conceitual) do objeto a ser concebido, e o seu entendimento com os
demais atores envolvidos no processo. Esse processo, em seus vários âmbitos
(acadêmicos, formativos ou profissionais), é também um aprendizado. Como diz
Pinto(2007)152:
No processo do projeto, a aprendizagem de ver, pensar e fazer arquitetura
abarca o pensamento lógico e analógico, a razão e a emoção, a ordem e o
sentimento, a racionalização e a expressão. A comprovação racional e digital e
a intuição poética expressiva, a conceitualização intelectual integrada no
concreto da execução prática e no contato com a matéria acabam
reformulando o próprio pensamento, gerando um processo dialético na
produção de pensar-fazer. (PINTO, 2007, p.31)
Assim, deixar claro para o aluno quais os objetivos das atividades, o que se pretende
desenvolver com tais atividades e quais as referências teóricas e metodológicas
embasam essas atividades projetuais é respeitar o tempo e a autonomia do aluno,
como, também, é demonstrar a seriedade do nosso planejamento. Para Rheingantz
(2005, p.43), uma das chaves para compreender a sensação de crise que permeia o
ensino da arquitetura e especificamente o ensino do projeto é o questionamento
frequente, enquanto docentes, sobre a adequabilidade das nossas doutrinas e
152 PINTO, Jorge Cruz. Processos e Metodologias de Projeto. Coleção Didáctica. Lisboa: Centro Editorial
da FAUTL, 2007.
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pedagogia. Para nós, essas são questões que não devem ser discutidas apenas nos
limites de uma disciplina, mas na conjunção de toda a estrutura curricular. O professor
precisa assumir a sua condição de responsável pela formação de um profissional e não
apenas como ministrante de uma disciplina.
Desse modo, uma vez colocada a dualidade do ensino de projeto, entre o universo da
concepção e aquele da expressão, ou representação, podemos dizer que o professor
de projeto é professor de concepção – e todas as especificidades teóricas e práticas
que envolvem esse saber, e professor de representação – relacionado à aprendizagem
e ao ensino dos diversos processos, meios e técnicas de comunicação da ideia
arquitetural. Essa constatação nos parece um tanto quanto polêmica, pois grande
parte dos professores de projeto não se sente na obrigação de envolver-se com o
ensino da representação. O fato é que ensinar a arte da representação realmente não
é tarefa fácil, compara-se ao ensino da escrita, ou da leitura, tarefa que exige
conhecimento da matéria e dos aspectos metodológicos, além de muita paciência e
persistência.
No entanto, dentro do âmbito das disciplinas de projeto, quando nos referirmos ao
ensino da representação, não estamos delegando apenas ao professor de projeto a
tarefa de ensinar o aluno a desenhar ou a fazer maquetes. Mas, existe a necessidade
de trabalhar esse conhecimento, e mesmo reforçá-lo quando existem deficiências.
Além disso, cabe ao professor de projeto orientar e acompanhar o seu aluno na
escolha e no uso desses conhecimentos e recursos disponíveis de representação, no
sentido de melhor explorá-los com relação à materialidade da proposta, com as
variadas técnicas existentes, para que possa auxiliá-lo no processo de concepção e na
comunicação da sua intenção. É sem dúvida nas disciplinas de projeto que os saberes
da representação se farão presentes, serão aplicados, em diversos momentos, tanto
como facilitadores da concepção, quanto como meio de representação da ideia, em
suas diversas etapas. É no atelier de projetos que a prática da representação se aplica
diretamente ao exercício da concepção.
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Assim, para que possamos avançar nesses aspectos singulares das disciplinas de
projeto de arquitetura, trataremos de reunir o que os docentes pesquisados exploram
com relação à concepção projetual e sua representação. Abordaremos a concepção
projetual numa perspectiva de conceitos que permanecem valiosos para o seu ensino
e a sua compreensão, na perspectiva da arquiteturologia de Boudon et al.(2000).
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sobre o ensino da concepção projetual
Neste capítulo, tomaremos o pensamento dos autores analisados como fonte de
reflexão para o entendimento do que seja o processo de concepção na arquitetura e
como se trabalha o seu ensino nos cursos de arquitetura no âmbito do recorte
trabalhado. Esse capítulo colabora na investigação da segunda hipótese: O ensino de
projeto de arquitetura possui um corpo teórico prático, referente ao seu modus
operandi, incorporado, de maneira consciente ou inconsciente, ao longo da
constituição histórica e cultural da profissão e, por meio da formação profissional,
que sobrevive a gerações, adaptando-se às mudanças de paradigmas que a cada
tempo envolve a disciplina.
Nessa investigação dois objetivos específicos colaboram: Objetivo Específico 03 -
Registrar o significado e os desdobramentos atuais dos capitais considerados
valiosos para o campo da arquitetura e dos conceitos que permanecem e colaboram
para identificar e caracterizar a concepção projetual e o seu ensino tais como: ideia,
percepção, uso, sistema e discurso; e, Objetivo Específico 04 – Destacar indícios de
permanências e transformações com relação às práticas pedagógicas, na abordagem
dos conceitos analisados: ideia, percepção, uso, sistema e discurso. Ambos com
repercussões, também, na primeira hipótese, como dissemos. Os capitais considerados
valiosos para o campo foram trabalhados no Capítulo 02 deste documento. Neste
capítulo trabalharemos a permanência de alguns conceitos, que identificam e
caracterizam a profissão, a concepção projetual e o seu ensino. Esses conceitos
possuem a capacidade de adaptação aos diferentes paradigmas que permeiam os
sistemas de pensamento em várias épocas e conseguem se manter em razão da
4 Conceitos que permanecem valiosos
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natureza abstrata que possuem, reforçando sua importância na epistemologia da
disciplina projetual.
Para isso, adotamos alguns conceitos-chave de Philippe Boudon et al (2000), como
referencial epistemológico, definidos em “Enseigner la conception architecturale –
Cours d´architecturologie”. Boudon é um dos principais referenciais teóricos sobre a
concepção projetual. Já nos referimos à importância do trabalho desse pesquisador e
seus colaboradores no trato das questões relacionadas à epistemologia da concepção
e, mesmo, com relação às questões cognitivas, no ato da aprendizagem da concepção.
Iremos, pois, adotar como fio condutor deste capítulo os cinco conceitos-chave
utilizados pelo pesquisador para o conhecimento e aprendizado da concepção
arquitetural: ideia, percepção, uso, sistema e discurso. Esses cinco conceitos serão
alimentados pelas reflexões dos autores analisados, na intenção de compreendermos
como essas questões estão sendo vistas e tratadas nos seus discursos e nas práticas
pedagógicas com relação à questão da concepção projetual.
A princípio, mostra-se necessário apresentarmos os três pontos de vista que servem
para recortar a abordagem da concepção vista por Boudon. O primeiro deles diz
respeito à distinção entre criação e concepção. Sobre a criação, Boudon et al (2000)
esclarecem que não é o objeto de pesquisa das suas investigações, ao contrário da
concepção, que mostra a ambição do conhecimento, pois diz respeito à natureza das
operações que são próprias de quem concebe, próprias da organização do seu
trabalho. Isso posto, a teoria da concepção de Boudon, conhecida como
arquiteturologia, afasta a criação como objeto de conhecimento, pois não procura dar
conta das ideias iniciais da concepção, mas descrever a complexidade do trabalho
seguinte. Para Boudon (2004)153, o processo de criação é singular, já as operações de
concepção podem ser compartilhadas. Em sintonia com o pensamento de Christopher
Alexander quanto às operações compartilháveis do processo de concepção, o autor
propõe: “En tant que création, chaque oeuvre est singulière et l´auteur a procede
153 BOUDON, Philippe. Conception. Paris: Éditions de la Villette, 2004.
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différemment, mais pour la faire il a pu passer, ici ou là, par des opérations identiques,
de conception.” (BOUDON, 2004 p. 37)154
O segundo ponto de vista da arquiteturologia diz respeito aos aspectos cognitivos da
concepção, e não àqueles relacionados aos aspectos sociais. No entanto, esclarece
Boudon et al (2000), isso não significa que a arquiteturologia renuncie aos aspectos
sociais da concepção, de maneira alguma, pois isso é levado em consideração por meio
das escalas arquiteturológicas utilizadas na análise das concepções abordadas.
O terceiro ponto de vista que não será trabalhado nesta tese diz respeito à
modelização arquiteturológica, um aporte experimental, que trata de modelizar uma
fase anterior ao projeto, a sua concepção, por meio das escalas arquiteturológicas
definidas pelo pesquisador, quando este está em andamento, distinguindo-se assim
das pesquisas que partem de casos concretos, da obra arquitetônica construída, ou
mesmo do projeto finalizado. O que interessa nesse caso é sistematizar as decisões
projetuais, conscientes ou inconscientes, a partir dos referenciais obtidos durante o
processo, como discurso, desenhos, esboços, textos, entre outros.
Na contemporaneidade, se poderia citar o exemplo da arquiteturologia de
Philippe Boudon155 e suas “escalas elementares” que descrevem os
intervenientes pelas esferas técnica, funcional, simbólica dimensional,
simbólica formal, de vizinhança, parcelar, geográfica, de visibilidade (visadas),
ótica (da visualidade), sócio-cultural, de modelo, semântica, de extensão,
econômica, geométrica, cartográfica, de representação e humana.” ( MANO;
LASSANCE, 2009, p.08)
Nesse sentido, Boudon et al (2000, p.7) deixam claro que o objeto de conhecimento da
arquiteturologia não é a arquitetura enquanto obra construída, mas o conhecimento
sobre o seu surgimento, o conhecimento da arquitetura em processo. Notadamente, o
produto da arquiteturologia é um objeto que difere do objeto natural, ou seja, da
arquitetura proposta, pois se trata de uma modelização do espaço de concepção do
154 “Tanto que na criação, cada obra é singular e o autor tem procedimentos diferentes, mas para fazê-la
ele pode passar, aqui ou ali, por operações idênticas de concepção.” BOUDON, Philippe. Conception.
Paris: Éditions de la Villette, 2004. Tradução livre da autora.
155 BOUDON, Philippe (et atri). Enseigner la Conception Architecturale – Cours d’Architecturologie Paris:
Éditions de la Villette, 1994.
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arquiteto, construído por meio de todos os seus passos e as suposições que o levaram
de um passo a outro. Assim, a arquiteturologia propõe um deslocamento
epistemológico da obra construída para a arena das ideias, se interessa pelos objetos
em concepção (virtuais), mais do que o edifício realizado; explora os processos (a
passagem de um esboço a outro), e o que orienta essa passagem; considera o processo
sob o aspecto cognitivo; procura revelar a concepção no domínio do universo da
intuição por meio de operações comuns; e aborda esse processo cognitivo numa
perspectiva ‘poietique’ (Aristóteles, Paul Valery). Como esclarece Veloso e Damasceno
(2009):
A expressão “poiética” é um neologismo cunhado por Paul Valéry [...] como
derivação da “poética” de Aristóteles [...] abordar processos numa perspectiva
“poiética” é aceitar que existem ações humanas finalizadas agindo sobre
determinados modelos substratos (adotados a priori). Ou seja, essa
perspectiva considera que o processo criativo sempre se baseia em algo já
existente a partir do qual transformações são operadas para a construção de
algo “novo”. (VELOSO, DAMASCENO, 2009)
Posto Isso, trabalharemos com a contribuição dos cinco conceitos-chave definidos pela
arquiteturologia necessários para o conhecimento e apreensão da concepção
arquitetural e faremos o rebatimento com as reflexões dos artigos analisados. São as
noções de: ideia, percepção, uso, sistema e discurso. É importante esclarecer que, para
a arquiteturologia, o espaço de concepção é um campo vasto, aberto, impreciso e
subjetivo e apenas uma pequena parte dele pode ser inteligível.
A seguir, apresentamos cada conceito e como são vistos pelos autores analisados, em
suas próprias interpretações sob o viés do seu ensino e com relação à importância
desses conceitos para o aprendizado da concepção arquitetural. Esse apanhado nos
deu embasamento para compreender, sob os pontos analisados, o que pensam os
professores sobre esses conceitos no ensino de projeto de arquitetura.
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4.1 - IDEIA
Para Bondon et al (2000), as ideias dos arquitetos são, geralmente, compreendidas
como convicções gerais, crenças e opiniões próprias resultantes de influências
diversas, de lembranças culturais, ou mesmo de inspirações advindas de suas
pesquisas quando estão em situações de investigação, de concepção, e receptivos ao
despertar de informações que possam alimentar seus projetos. Essas ideias fazem
parte do que Boudon denomina de “discurso doutrinal”.
A ‘ideia’ – no singular, trabalhada por Boudon et al (2000), é compreendida de forma
diferente. Para o autor, ela permite a relação entre o intelecto e a produção material,
a ideia se realiza durante o trabalho do arquiteto, elucida a concepção. É a força
motora que faz com que o arquiteto, ou aprendiz, passe de um momento a outro, de
um esboço a outro, de uma solução a outra, ou que mobilize a evolução de uma ideia.
No entanto, para o autor, o importante não é trabalharmos uma definição fechada de
ideia, mas compreendermos que, para se conceber algo, um edifício que seja, é
necessário um trabalho intelectual. E cita Karl Marx para que, por meio dessa analogia,
possamos compreender o seu conceito de ideia, enquanto trabalho intelectual: “O que
separa o arquiteto mais incompetente, da abelha mais perfeita é que, o arquiteto
primeiro edifica uma célula na sua cabeça antes de construí-la na cera156.” (MARX apud
BOUDON, 2000, p.18)
Embora o estudo desse trabalho intelectual interesse, sem dúvida, a compreensão e
apreensão da concepção, no apanhado sobre as reflexões dos autores pesquisados,
nos interessa como o conceito de ‘ideia’ vem sendo tratado no ensino do projeto de
arquitetura e no seu espaço de concepção. Assim, veremos, sem distinção de
abordagem, o que os professores pesquisados entendem por ‘ideia’ e ‘ideias’ no
momento da concepção, como elemento indutor da concepção ou do seu ensino. A
156 Tradução nossa de : “Ce qui separe l´architecte le plus incompétent de l´abeille la plus parfaite,
c´est que l´architecte a d´abord édifié une cellule dans sa tête, avant de la construire dans la cire. »
(MARX apud BOUDON, 2000, p.18)
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noção de ideia está no cerne da reflexão-na-ação tão preciosa para Schön, assim como
sobre o que entendemos por criação. Ideia é a essência e quase sempre, em
arquitetura, definida como o conceito gerador do sistema arquitetônico, capaz de
conferir sentido aos arranjos formais, ou mesmo ideia como dimensão intelectual que
sustenta toda a concepção.
Assim, para Boudon et al (2000), a ideia pode emanar de uma escolha, de uma
intenção a priori, do trabalho intelectual em curso, no trato do objeto em concepção
provocando novos estímulos e gerando novas ideias, ou mesmo de uma intenção
revelada a posteriori. A ideia não dá conta do trabalho de elaboração da obra
arquitetural, mas revela de maneira sintética o objeto desejado. A linguagem e os
meios utilizados pelos arquitetos e alunos para representar a sua ideia estão, por
ordem, imbuídos de uma intenção e do próprio trabalho intelectual.
Quando Ben Van Berkel apresentou a fita de Moebius [Figura 20 e 21] para dar conta
do conceito da sua Moebius House, em 1993, ele tinha a intenção de trabalhar uma
residência com relações fluidas de conexão entre os espaços, com continuidade
espacial, com integração entre os espaços internos e externos. Apenas com a imagem
da fita de Moebius, seria impossível construir o seu projeto, mas ela foi a essência do
projeto, de onde o projeto pôde ser concebido.
Disponível em:
http://pt.wikiarquitectura.com/index.php/Casa_Moebius
Acesso em: 24/02/2013
Figura 20 e 21 – Moebius House (1993), UNStudio
Arq. Ben van Berkel e Fita de Moebius
20 21
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Essa mesma fita que representa um espaço topológico já foi ideia para vários outros
projetos, com diferentes soluções. Peter Eisenman partiu da mesma ideia para
conceber o Max Reinhardt Haus, em Berlim, nesse mesmo período, 92-93. [Figura 22 e
23]
O grupo BIG de Bjarke Ingle a utilizou no National Library em Astana, Cazaquistão. Os
projetos não são exemplos de uma transposição literal do espaço abstrato da fita de
Moebius, mas procuram relações espaciais relacionais, topológicas entre os
ambientes, por meio da continuidade e conexão espacial. [Figura 24,25]
Disponível em: http://www.architectural-
review.com/view/interviews/interviewpeter-
eisenman/8646893.article Acesso em:
16/04/2013
Figura 22 e 23 – Corte e Maquete do Max
Reinhardt Haus, Arq. Peter Eisenman.
22 23
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Figura 24 – Maquete da Nacional Library, BIG, Arq. Bjarke Ingle.
Disponível em: http://nova100.typepad.com/.a/6a00d8341c684553ef0120a58ebc71970c-popup
Acesso em: 16/04/2013
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Figura 25 – Processo de Concepção do Projeto da Nacional Library, BIG, Arq. Bjarke Ingle.
Disponível em: http://nova100.typepad.com/.a/6a00d8341c684553ef0120a537e0ef970b-popup
Acesso em: 16/04/2013
Assim, para Boudon et al (2000), a ideia arquitetural pode surgir de diferentes
maneiras e, numa perspectiva histórica da arquitetura, ser representada de diferentes
formas como tipo, esquema, partido, diagrama, conceito, entre outros. Todos os
termos, signos e símbolos para representar a ideia remetem à evolução do discurso
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sobre a arquitetura, o sistema de pensamento da época, os possíveis meios de
representação e os valores pertencentes a cada cultura e a cada arquiteto, em sua
época. Como tal, a ideia também reflete as contradições inerentes a todo trabalho de
projeto.
Muitas vezes, as ideias estão ‘fora do lugar, e o lugar fora das ideias’, como sugeriu o
professor Francisco de Oliveira, para representar o conteúdo da aula da professora
Ermínia Maricato (2009, p. 121-122)157, por ocasião do concurso para professora titular
da USP. Na ocasião, a professora versava sobre o “descolamento entre as matrizes que
fundamentaram o planejamento e a legislação urbanos no Brasil, e a realidade
socioambiental de nossas cidades, em especial o crescimento da ocupação ilegal e das
favelas”. Nesse caso, a ideia de ordem e racionalidade burguesa, utilizada no
planejamento de natureza modernista, não se encaixava em todos os espaços urbanos
e, em especial, na cidade informal, revelando as desigualdades e reproduzindo os
privilégios.
Uma ideia forte e coerente tem a função de orientar as escolhas do arquiteto, ou
aprendiz, durante o processo de concepção. Isso não quer dizer que um projeto seja
feito por apenas uma ideia. Para Boudon et al (2000, p. 22), durante o trabalho de
concepção, os arquitetos podem seguir ou abandonar várias ideias.
O estímulo docente na reflexão e mesmo na exposição de suas ideias colabora,
sobremaneira, com a compreensão do aluno sobre o processo projetual. Veremos
abaixo reflexões de professores que exploram o registro da ideia durante o processo
projetual, por meio de diferentes recursos, como elementos de memorial do trabalho
intelectual nas diversas fases da concepção e como meio de estabelecer relações entre
as possibilidades.
157 ARANTES, O; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade de pensamento único: desmanchando consensos.
5. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
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Se o professor de projeto orientar os seus estudantes a produzir os artefatos –
desenhos, modelos e maquetes – e os mantiver em uma pasta organizada,
por ordem de realização, será capaz de reconstituir posteriormente as
diversas situações de projeto e os debates realizados. Além disso, essa
organização (não burocrática) facilita a “análise do processo”, passo a passo, e
não apenas avaliar pontualmente os resultados obtidos. (FLORIO, 2009, n.p.
grifo nosso)
[...] verificou-se que, para os alunos, suas notações, além de esparsas, não
eram consideradas significativas e muito menos o eram sistematizadas. Por
considerar-se que tais notas poderiam conter a chave do pensamento do
aluno, facilitando o entendimento do seu processo projetual, propôs-se que
cada aluno criasse um “caderno de anotações” no qual registrasse seus
pensamentos, ideias, conceitos, croquis, etc. (PINA et al.,2005, p.3, grifo
nosso)
“A disciplina158 utiliza-se de vários modelos de representação como
instrumento da percepção e abstração espacial. O aluno vai refinando a sua
representação espacial gradativamente de forma encadeada com o
aprofundamento teórico e o domínio das técnicas de representação,
facilitando a apresentação e o entendimento da “ideia de projeto”. A
integração de várias formas de representação bidimensional e tridimensional,
com a utilização de modelos icônicos e simbólicos possibilita uma visão mais
ampla do projeto, servindo de suporte durante o processo projetual.”
(CONSTANTINOU; STUMPFS, 2005, n.p. grifo nosso)
É sabida a relação dialógica entre o pensar e o representar. A cada novo risco
executado, a ideia se esclarece e evolui, numa dependência entre o pensar e o
desenhar. Este processo é cada vez mais natural à medida que não mais se
titubeia ante o “como” representar, mas sim sobre o “o que” representar. Esse
desenvolvimento (ou evolução) é percebido em pessoas com maior
experiência prática nesse procedimento, ainda que tal fato tenha outros
rebatimentos sobre o processo de projeto.159 (OLIVEIRA; ZANDONAIDE,
2011,n.p. grifo nosso)
Na análise dos artigos, percebemos que a fotografia é uma ferramenta cada vez mais
utilizada para registrar o processo de concepção dos alunos. Ela colabora com a
158 Introdução Ao Projeto Arquitetônico I
159 O professor e arquiteto argentino Alfonso Corona Martinez (2000) comenta sobre esse fato,
afirmando que é notável a perda de criatividade - ou melhor, a diminuição do esforço criativo – em
alunos de séries avançadas (à medida que aprimoram sua capacidade de representação), fato inverso
aos alunos iniciantes, que, pela inexperiência em representar, não se fixam a modelos pré determinados.
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sistematização das etapas e ajuda na compreensão do processo e na percepção da
evolução da proposta.
O uso da fotografia em aulas de ateliês de projetos foi utilizado com o intuito
de desenvolver, de outra forma, nos alunos a percepção visual[...]Os alunos do
3° semestre diurno tiveram o primeiro contato com projetos arquitetônicos na
disciplina de ateliê de projeto I (PAI). Isso implicou propostas pedagógicas que
induziam caminhos alternativos para o ato de projetar. Um delas foi o uso da
fotografia para registrar a evolução da forma do projeto proposto de cada
acadêmico. (ABREU; ADRIÃO; DEMARTINI, 2011, n.p. grifo nosso)
A foto conseguiu ser o instrumento de apoio que orientou o aluno desde a
decisão da forma do edifício até a demonstração do projeto final para
avaliação. Foi possível descrever exatamente através das fotografias o
raciocínio projetual de cada acadêmico. (ABREU; ADRIÃO; DEMARTINI, 2011,
n.p. grifo nosso)
A utilização da linguagem fotográfica como suporte no processo ensino-
aprendizagem de projetos de arquitetura, de formas distintas: como registro
do olhar, colaborando com o ensino da percepção; e como forma de registrar
o processo projetual do projeto para colaborar na consciência de suas etapas,
uma forma de sistematizar o fazer projetual. (ABREU; ADRIÃO; DEMARTINI,
2011, n.p. grifo nosso)
A fotografia digital é um recurso auxiliar importante nesse processo: muitas
vezes, uma maquete é montada, fotografada e, em seguida, alterada, por
várias vezes. O registro fotográfico das várias etapas, em vários ângulos,
permite comparar os resultados dos vários estudos; às vezes os alunos
preferem montar várias maquetes com as variações do mesmo esboço e
compará-las. Nesse momento, já se estudam os materiais de acabamento
externo; o posicionamento, forma e dimensionamento das aberturas, assim
como os arremates coberta/paredes; paredes/pisos; edifício/ terreno. (DIEB;
DA COSTA, 2009,p.09, grifo nosso)
Os croquis são como que registros abreviados e imediatos das tomadas de decisão, na
passagem de uma ideia a outra, e as maquetes como que ferramentas do processo, e
vivência antecipada do espaço tridimensional. Ambos são instrumentos utilizados no
auxílio à concepção e na expressão da ideia.
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É especialmente estimulado o uso de croquis e maquetes esquemáticas. Os
croquis são fundamentais para a fase de concepção do projeto. São registros
abreviados e imediatos que expressam síntese e liberdade, e que contam
com a agilidade e espontaneidade com que a mão trabalha o lápis. Com eles, é
possível representar com a mesma rapidez com que se pensa. Já as maquetes
manuais - que são exigidas como ferramentas do processo, e não como
produtos de representação final, dão tangibilidade às propostas e têm grande
caráter instrumental para a projetação. (ALONSO, 2011, grifo nosso)
A história não verbal que o cérebro engendra na concepção do projeto
arquitetônico pede o registro em uma simbologia convencionada como
linguagem universal da arquitetura (gráfica ou em modelos tridimensionais).
No momento desse registro, o cérebro forma novas imagens e, portanto,
novas interações e manipulações imagéticas a partir delas. Há como um
retorno da imagem gráfica ou do modelo ao centro do processo de
imaginação. E novas imagens surgem para alimentar o processo criativo.
Assim, não somente é importante o registro progressivo das etapas do
projeto, no sentido de sua maior definição, como a representação constitui um
instrumento auxiliar da criação, principalmente nas fases iniciais, quando a
sua incompletude e sua expressão mais livre, ou a própria estrutura
construtiva dos modelos tridimensionais, se abrem a múltiplas interpretações.
Desenho e modelo não são apenas uma representação, são elementos
geradores de novas imagens. (ANDRADE, 2005, p.3, grifo nosso)
Nessa passagem, registramos a preocupação dos professores em constituir maneiras
de registrar o processo projetual dos seus alunos, tanto para a contribuição do
desenvolvimento projetual quanto para a compreensão do seu fazer por parte dos
alunos. O registro facilita o entendimento sistemático das etapas do processo. Para
Moneo (2008, p. 141-142), “documentar o processo permite torná-lo visível: o registro
das suas distintas etapas possibilita entender o desenvolvimento das operações
formais ditadas pela mente no tempo”. A seguir, veremos como os professores
pesquisados compreendem a ‘ideia’ e sua importância no processo projetual.
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4.1.1 O surgimento da IDEIA no processo projetual
Percebemos a importância de compreender quando surge, na arquitetura, a
importância da ideia como geratriz de sua concepção. Duarte e Trigueiros (2001)
abordam essa questão quando argumentam que, com o fim dos estilos no século XVIII,
houve uma mudança de paradigma, no dizer de Boullée, em que se fazia necessária a
existência de uma ideia que pudesse anteceder a construção.
Essa valorização da ideia constituiu um contraponto à tectônica que enunciava
a continuidade vitruviana, referenciava a construção como um fator
fundamental. É um discurso que está para além da linguagem, tem códigos
próprios, a sua expressão possui uma ciência que advém da prática. Assim, o
que poderia parecer uma oposição representava apenas uma abertura
conceptual. São duas faces da mesma realidade, que se vieram
progressivamente a dissociar no percurso de intelectualização do ensino
artístico. (DUARTE;TRIGUEIROS, 2011, n.p. grifo nosso)
A ideia aparece como uma preleção que está para além da linguagem, e reflete a
superação do que poderia ser a composição de elementos pré-determinados pelos
estilos, para um trabalho intelectual do arquiteto, onde, de maneira alguma, a questão
tectônica seria desfavorecida. Mais adiante, os autores complementam.
O arquiteto deixou de ser o mestre construtor, aprendeu a fazer composição
arquitetônica nas Belas-Artes e a conjugar as três artes; teorizava, fazia
sínteses interdisciplinares e, posteriormente, com os computadores, entrava
no mundo da simulação. Entretanto, perspectivava-se uma vertente científica
sobre a arquitetura por imposição cultural de não arquitetos, representando
uma estratégia da teoria arquitetônica dos anos 60 com a teoria dos grafos.
Com Geofrey Broadbent e Christopher Alexander, Leonel March. Leslie Martin
entre outros, há um saber derivado do Círculo de Viena que transitou para o
Reino Unido através da Escola de Cambridge.” (DUARTE;TRIGUEIROS, 2011,
n.p. grifo nosso)
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Uma vez configurado o trabalho do arquiteto como um trabalho intelectual, a ambição
científica no trato do seu exercício seria a busca seguinte. Kato e Righi (2011) abordam
a indefinição perene quanto à natureza do trabalho do arquiteto. Entre o trabalho
intelectual de cunho científico, ao artístico mais intuitivo, o arquiteto acaba
colaborando para a mistificação do seu próprio fazer, quando não consegue relatar o
seu próprio processo de trabalho, a matriz conceitual que dá significado à arquitetura.
[...] as atividades artísticas e nesse rol se inclui a atividade do arquiteto,
são mistificadas como decorrentes de atributos pessoais de criatividade,
contemplação e idealização, sendo, portanto, consideradas como não
trabalho. Os próprios arquitetos têm dificuldades de identificar como se
inicia e como se desenvolvem as ideias criativas e, assim, ao ocultarem
nos seus discursos e reflexões o que são os atos criativos, contribuem
para reforçar o imaginário social e, portanto, para mistificar o próprio
trabalho. (KATO; RIGHI, 2011, n.p. grifo nosso)
Aqui, a ideia aparece como matriz conceitual dando significado ao trabalho intelectual
do arquiteto e ao espaço arquitetural. A ideia também como elemento de
diferenciação entre soluções projetuais, como uma escolha do arquiteto, uma forma
de ver e analisar o problema.
Entretanto, a maneira como os arquitetos desenvolvem o seu trabalho é
orientada pelo conjunto de ideias – a matriz conceitual na qual se insere
que exprime sua concepção sobre o significado do trabalho e está
contido em seu discurso. Ainda que não se refira necessariamente ao
modo como realiza o trabalho, o discurso orienta suas práticas e o
conjunto de relações sociais que articulam os processos de trabalho. (KATO;
RIGHI, 2011, n.p. grifo nosso)
Sabe-se que o espaço não depende só da sua forma, tecnicamente expressa
em funcionamento e materialidade. Outrossim, o espaço é construído e
constrói-se pelos sujeitos e suas realidades, imbuídos de impressões,
experiências, valores, percepções, conceitos, ideias e interpretações. (
MORADO NASCIMENTO,2011, n.p. grifo nosso)
Ao analisarmos os projetos de um concurso, percebemos como os arquitetos
chegam a soluções diferentes tendo o mesmo programa, o mesmo local, as
mesmas informações preliminares, porém a diferença entre eles está na opção
do raciocínio, na diretriz de desenvolvimento da ideia, no olhar crítico do
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arquiteto em captar novas informações e gerar novo programa, na maneira em
que olha o lugar, a história, as pessoas, as ações possíveis, na forma de
abordar as tecnologias e técnicas construtivas [...] (RIBEIRO, 2011, n.p. grifo
nosso)
Existem alguns processos mentais durante o exercício do projeto que
apresentam padrões inerentes a todo ser humano. Dentre tais tópicos,
destacam-se o raciocínio; a memória, a evolução de idéias, a criatividade e a
experiência. A forma com que o projetista recebe as informações sobre o
projeto, as organiza e sintetiza de modo a ressaltar as relações e implicações
que os diversos tipos de informação têm entre si e as devolve na forma de
projeto é um processo contínuo de conhecimento e síntese, semelhante a uma
espiral sem fim. A informação é a chave-mestra de todo o processo de
projeto e, sendo assim, devem ser buscados os meios que possibilitem o
tratamento tanto das informações subjetivas como da sua organização, de
acordo com as diversas etapas do projeto. (PINA et al. 2005, p.2, grifo nosso)
Nessas referências, vemos a ideia arquitetural expressa por meio do discurso do
arquiteto, por processos mentais, mas também impregnada de antigas experiências,
de valores, informações e percepções. É isso que torna cada proposta diferente em
relação a outra, mesmo num contexto de concurso, onde o programa inicial é o
mesmo. No entanto, as diretrizes de desenvolvimento das ideias são diversas, sujeitas
ao olhar crítico do arquiteto. A translação de uma ideia a outra na concepção sofre
influências de múltiplos fatores, internos e externos, e permanentes, como vimos com
a natureza do habitus. A seguir, veremos como a ideia é utilizada como conceito,
apreendida em saberes de diversos campos disciplinares.
4.1.2 IDEIA e conceito
A ideia utilizada como conceito, capaz de unir forma, função e dar um significado
‘intelectual’ à obra é, segundo Passaro (2004, p.46), derivada dos mecanismos da arte
conceitual, tendo sido um dos elementos de ruptura e de passagem da arquitetura
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funcionalista e fenomenológica moderna para a arquitetura que absorveu o discurso
de ordem estruturalista. O estruturalismo se opõe à postura fenomenológica e procura
eliminar possíveis sensações com o objetivo de realizar o objeto intelectual conceitual.
Não é suficiente apenas saber ver para entender o objeto; é necessário pensar e saber
ler a arquitetura enquanto ideia, mensagem, conceito, linguagem. Do moderno
fenomenológico para o crítico estrutural. Do determinismo sensorial para o
determinismo conceitual. Para o autor, o grande idealizador dessa postura foi Marcel
Duchamp, quando, em 1917, pegou um mictório, inverteu a sua posição funcional e o
elevou à categoria de obra de arte, colocando-o numa exposição artística com o título
de “Fonte”, provocando os expectadores com relação ao seu significado como arte.
Não se trata mais de “saber ver” e, sim, de “saber ler”. A questão artística
passa assim a depender de um mecanismo intelectual [...]Em arquitetura, essa
passagem se dá num primeiro momento a partir da arquitetura conceitual ou
da chamada nova abstração formal, onde esse tipo de mecanismo de ordem
dos objetos passa a ter mais importância que o próprio objeto. Dentro dessa
ideologia, e num segundo momento, sucede uma passagem para a arquitetura
chamada deconstrutivista. (PASSARO, 2003, n.p. grifo nosso)
Merlin (2005, p.2) relaciona esse ‘sentir a arte’ em condição de “estranhamento” com
o objetivo de ampliar a percepção do sujeito que observa e vivencia, “sem objetivo de
agradar, mas colocar questões a serem pensadas e debatidas”.
Com relação às influências externas ao campo na ideia arquitetônica, Montaner
(2002)160 reconhece a existência de uma cultura interdisciplinar que passou a tornar-se
essencial na concepção arquitetônica do século XX, no que diz respeito aos
mecanismos criativos e aos mundos formais. Foi no século XX e, especialmente, na sua
segunda metade, que as fronteiras entre as disciplinas começaram a ser diluídas,
favorecendo o surgimento dessas relações interdisciplinares. (MONTANER, 2002, p. 10
- 11).
160 MONTANER, Josep Maria. As formas do século XX. Editorial Gustavo Gili. Barcelona, 2002.
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A ideia passa a ser representada por conceitos que estabelecem relações com a
problemática arquitetônica no sentido de colaborar com a construção de um discurso
conceptual, justificativo, na intenção de tomar o lugar da própria teoria projetual.
A palavra CONCEITO tem sido usualmente empregada para se referir ao ponto
de contato entre ideia e FORMA. Na segunda metade do século XX,
avolumaram-se movimentos que ressaltaram essa relação e expandiram os
limites das teorias que deveriam se fazer confluir na invenção da forma. A
supervalorização da teoria se via tanto na consolidação de uma prática teórica,
bem como na atenção dada a uma produção arquitetônica de vanguarda que
explicitava seus operadores teóricos e metodológicos, da qual se destacaram
Peter Eisenman e Daniel Libeskind. Da dedicação à teoria, esses arquitetos
estabelecem “problemas arquitetônicos” que são então investigados no meio
do próprio objeto, na invenção de poéticas a partir principalmente de uma
explícita manipulação e reflexão sobre o PROCESSO de geração formal.
(MIRANDA, 2009, n.p. grifo nosso)
No contexto profissional, para Miranda (2009) e Porto Filho (2005), a postura
conceitual da gênese arquitetônica consolidou a superioridade do discurso sobre a
prática, um procedimento apropriado acriticamente de conceitos oriundos de outros
campos disciplinares, principalmente da linguística, sem que, contudo, seus resultados
pudessem atender às necessidades da complexidade urbana. A reação viria nos anos
90, a partir dos Países Baixos, principalmente Holanda, que exibiu uma arquitetura
notadamente crítica ao pós-modernismo de influência estrutural.161
O “pragmatismo experimentalista” holandês indicava que a fabricação dos
significados arquitetônicos depende muito mais dos modos de interação do
objeto com um vasto contexto físico-cultural do que da relação
convencionada entre “forma” arquitetônica e “conteúdo” preestabelecido.
Uma postura que, em vez de fundamentar-se na “técnica representacional”,
segundo a qual o arquiteto estabelece primeiramente um “conceito” para, a
partir daí, procurar um resultado figurativo capaz de fixar a relação entre
“ideia” e “matéria”, valoriza a complexidade multifuncional do fenômeno
arquitetônico e a ampla investigação de cada situação projetual.(PORTO
FILHO, 2005, n.p. grifo nosso)
161 PORTO FILHO (2004) e PORTO FILHO (2005)
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[...] presenciamos uma reação contra esse conceitualismo na arquitetura,
numa tendência que condena a teoria adotada como discurso retórico e
legitimador de arbitrários jogos formais. Embora essa crítica pragmatista não
represente o desaparecimento da teoria, mas, sim, a introdução de outras
formas de pensamento alternativas ao dominante paradigma linguístico,
levanta o risco de essa defesa pelo puramente pragmático acabar por
legitimar uma prática de projetos avessa a qualquer debate intelectual, que
evite a explicitação crítica e revisão dos pressupostos e ideias sobre
arquitetura subentendidos em suas produções. Acredita-se que devem ser
resgatadas algumas lições que se pode apreender de uma revisão crítica da
abordagem conceitualista, sobre suas experiências de translação de conceitos
aos procedimentos de geração formal. Advoga-se que essa produção
contribui para o desenvolvimento de estratégias projetivas diagramáticas
não lineares e para a distensão das possibilidades formais da arquitetura.
(MIRANDA, 2009, p.2, grifo nosso)
Miranda (2009), após estudo das obras e concepção de arquitetos adeptos ao
conceitualismo na arquitetura, como Peter Eisenman e Daniel Libeskind, defende um
debate intelectual crítico que possibilite a compreensão e a revisão dos pressupostos e
ideias sobre a produção arquitetônica. Apesar de, em alguns casos, o uso de conceitos
na arquitetura apresentarem-se de maneira inconsequente para alguns críticos, a
autora acredita que lições podem ser aprendidas a partir de uma revisão crítica da
abordagem conceitualista, sobre suas “[...] experiências de translação de conceitos aos
procedimentos de geração formal”. (MIRANDA, 2009, p.5-6). A autora acredita que,
mesmo ocorrendo certo reducionismo na gênese arquitetural, condicionada pelo uso
de conceitos externos à arquitetura, como o caso da Dobra de Deleuze em Eisenman,
ainda assim, a análise por ela empreendida aponta para três lições que podem ser
destacadas a partir da obra dos dois arquitetos estudados.
Primeiro, que a imersão no debate teórico contribui para a construção da
postura do arquiteto, para a conformação de paradigmas e visões acerca da
arquitetura, da profissão e da cultura que estão por trás das suas abordagens
projetivas;
Segundo, que, mesmo havendo um momento mais autônomo da reflexão
teórica, ela só se completa na experimentação, no enfrentamento prático do
projeto, apontando a indissociabilidade entre pensar e fazer;
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Terceiro, que a tradução ou internalização de um discurso cultural amplo para
o universo arquitetônico se dá mais por meio da reflexão sobre o processo de
projeto do que sobre os atributos finais da forma arquitetônica. (MIRANDA,
2009, p. 26, grifo nosso)
Para Miranda (2009), como Eisenman e Libeskind ainda veem o ‘significado’ como o
problema essencial da arquitetura, acabam por limitar as possibilidades de uma visão
mais ampla do problema arquitetônico, embora, em ambos os casos, os processos de
geração formal se apresentem renovados pela grande capacidade de manipulação da
forma e pela intensa busca pelo aprimoramento dos métodos projetuais,
principalmente em Eisenman.
Mahfuz (2011), em seu artigo “BANALIDADE OU CORREÇÃO: Dois modos de ensinar
arquitetura e suas consequências”, faz uma crítica à arquitetura que sucedeu ao
sistema BauHarvard e ao chamado pós-modernismo, definindo-as em duas tendências
que ele batiza de conceitualismo e digitalismo. A primeira tendência, o conceitualismo,
cujos exemplos podem ser tomados pelos arquitetos acima mencionados, Eisenman e
Libeskind, adota conceitos e analogias oriundos de outros campos disciplinares como
estímulo às estratégias formais, segundo o autor, para preencher o vácuo de critérios
deixado pelo abandono da arquitetura moderna. A segunda tendência, o digitalismo, a
vertente mais contemporânea, troca a prancheta pelo computador e suas
possibilidades aliadas aos novos materiais e sistemas construtivos e cria edifícios de
formas complexas, ondulantes e fluidas. Para o autor, as duas tendências estariam em
‘perfeita sintonia’ com a ‘sociedade do espetáculo’.
Corona Martínez (2000) já havia refletido sobre essas duas características comentadas
por Mahfuz. Para ele, a súbita inversão de valores ocorrida na última década colocava
o significado como o valor máximo da Arquitetura, implicando um interesse renovado
pela forma arquitetônica. Ele apresenta duas razões para a perplexidade dos docentes
de projeto: o ‘funcionalismo gráfico’, fomentando a autonomia do objeto projetado, e
os “problemas colocados quando se considera a forma dos edifícios como algo que
pode ser estudado em si mesmo”. (CORONA MARTÍNEZ, 2000, p. 68)
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No caso da tendência levantada por Mahfuz(2011), o digitalismo teria no computador
um ‘sócio’ de trabalho, uma ferramenta que pode ser capaz de gerar, por si mesma, a
forma. Capaz de processar ‘entradas’ que possibilitam a geração formal, quase a sua
própria maneira. Nesse caso, a ferramenta representa o meio pelo qual se podem
estabelecer relações espaciais inusitadas, podendo testar e experimentar várias
soluções ao mesmo tempo, e descobrir relações novas. É um auxílio ativo ao
pensamento.
Essa caracterização foi apresentada por Sperling (2008) em sua tese de doutoramento
intitulada: “Espaço e Evento: considerações críticas sobre a arquitetura
contemporânea”. Sperling (2008, p. 114) denomina duas tendências para a arquitetura
contemporânea, ligadas às “arquiteturas de performance”. Seriam elas: ‘arquiteturas
contentoras de grande escala’ e ‘arquiteturas híbridas e digitais’. Essas manifestações
seriam “zonas de vanguarda tanto da investigação da fusão das linguagens digitais com
o espaço, quanto de construção de uma área fronteiriça entre a arquitetura e a arte
digital”, assim como ocorreu com a arquitetura conceitualista cuja origem se deu pela
arte conceitual na década de 60. Nesse contexto, Mahfuz(2011) coloca algumas
questões que merecem reflexão.
O objetivo dessa arquitetura é raramente melhorar a cidade e,
consequentemente, a qualidade de vida dos seus habitantes. Contribuir para a
consolidação de uma determinada cultura tampouco faz parte dos seus
objetivos. Muito pelo contrário, o que se percebe é uma obsessão pela
novidade, pelo ineditismo, pelo impacto imediato, a tal ponto que o arquiteto
brasileiro mais conhecido já declarou que o objetivo da sua arquitetura é
“causar espanto”. Não é à toa que nossas cidades estão se tornando um
amontoado caótico de edifícios “interessantes” e “criativos”. (MAHFUZ, 2011,
p.5, grifo nosso)
A pergunta que se impõe é: o fato de que podemos fazer algo significa que
devemos fazê-lo necessariamente? A pergunta fica mais fácil de responder
quando nos damos conta de que os edifícios ondulantes atuais não são
projetados por causa de alguma nova necessidade – a única justificativa para o
desenvolvimento da arquitetura – ou de novas técnicas de projeto, mas
porque os arquitetos desejam aquelas configurações. (MAHFUZ, 2011, p.4,
grifo nosso)
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Além da questão da própria linguagem, determinada por formas quase sempre
complexas, que utilizam um repertório geométrico da geometria não euclidiana,
adentrando o universo da geometria dos espaços curvos, a questão construtiva dessas
formas deve ser discutida.
Muitas vezes, a modelagem da proposta não revela para o aluno a complexidade de
sua execução. Num contexto acadêmico, a relação entre arte x técnica deve ser bem
acompanhada e equilibrada. A modelagem digital possibilitou, com o desenvolvimento
de novos software´s, a experimentação de um novo universo formal. Não obstante,
por mais complexa que seja a forma, a sua exequibilidade e tectônica devem ser
avaliadas. É comum que o aluno comece a desenvolver o seu projeto antes mesmo de
tê-lo compreendido em todos os detalhes. Se trabalham com formas complexas, é
necessário que compreendam a sua tectônica, a sua materialidade. A proposta
arquitetônica, dependendo do objetivo da disciplina e do grau de maturidade do aluno
nas etapas do curso, não pode ficar apenas na intenção formal, apenas no universo
imagético, ela precisa demonstrar a sua exequibilidade.
Sobre essa questão, algumas reflexões são muito pertinentes. Vários autores162
analisados defendem o uso da maquete física com diferentes propósitos: como forma
de intermediação com as relações externas; como expressão da proposta; como
instrumento de concepção; como esboço da ideia; como elementos geradores de
novas imagens; como um instrumento de diálogo, a maioria relacionada à
materialização da ideia. Poucos são os trabalhos que abordam o processo projetual
com ênfase na tectônica163, e/ou defendem a maquete como instrumento de
compreensão estrutural da proposta, principalmente quando a tectônica é vista como
entrada de projeto e a elaboração de maquetes físicas como forma de antecipar
materialmente uma vivência dessa compreensão, ou mesmo como forma de
experimentação das noções de tectônica durante a própria confecção da maquete.
162 (OLIVEIRA; ZANDONAIDE, 2011); (ARAÚJO; MARTINS; ANDRADE; 2011); (GOUVEIA; BERNARDI;
CASTRO, 2011); (ALONSO, 2011); (DIEB; DA COSTA, 2009); (FLORIO, 2009); (KATO; RIGHI, 2011);
(MACHADO, 2011) (FROTA; CAIXETA, 2011); (TIBÚRCIO; ALBRECHT, 2011)
163 (COSTA LIMA, 2003; COSTA LIMA, 2011); (ROCHA; COSTA LIMA, 2005) (BARKI et al. 2009); (VILLÀ;
AMODEO, 2009); (DAMASCENO; ELALI, 2009)
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Nesses casos, a atividade de execução dos modelos com materiais adequados e a
precisão necessária podem se configurar como um bom exercício para a compreensão
e avaliação da tectônica e exequibilidade da proposta.
[...] recuperar o papel da arquitetura como ferramenta de transformação da
realidade, em busca de uma relação equilibrada com a natureza, exige que se
resgate o “saber construtivo”, sem o qual o arquiteto é apenas um decorador.
Isso é o mesmo que dizer: que se rejeite o Estilismo e se adote a Tectônica
como princípio condutor do processo projetual. (COSTA LIMA, 2011, n.p. grifo
nosso)
[...] O mais importante é ressituar a razão construtiva dentro do percurso
projetual como condicionante do projeto, como fonte primordial de força
expressiva da arte edilícia, sem prejuízo das questões funcionais e
programáticas da arquitetura. (COSTA LIMA, 2011, n.p. grifo nosso)
As reflexões advindas da observação direta do ensino-aprendizagem
demonstram contundentes dificuldades de o discente compreender o
significado dos aspectos técnicos e construtivos como expressão
arquitetônica única, técnicas que são intrínsecas ao processo e não
simplesmente um meio ou modo de execução da arquitetura pretendida[...]
Outro fato sintomático do mesmo quadro é a ausência de bibliografia, no
idioma português, que conjuguem harmoniosamente a complexidade das
soluções arquitetônicas com as soluções técnicas construtivas. (VILLÀ;
AMODEO, 2009, p.6, grifo nosso)
Essa inquietante falta de percepção da realidade evidencia-se nos projetos
acadêmicos de edificação em que as opções construtivas, com raras exceções,
estão a reboque da solução geral, algo acessório a ser aposto no futuro.
Quando muito, resolvidas simploriamente em seus aspectos mais básicos e
funcionais de estrutura, vedação e revestimentos, com parcas representações
capazes de confundir escalas adequadas para um detalhamento com
simplesmente um desenho ampliado. Ou seja, o nível de reflexão e de
informação não consegue aprofundar propostas genéricas, formais e
volumétricas, quase sutis, para o nível do concreto, da materialidade, da
realidade. As imagens iniciais de composição formal, como normalmente os
estudantes iniciam suas propostas, continuam no campo da generalidade, das
imagens sem resolução suficiente para assentar-se na realidade concreta da
construção. (VILLÀ; AMODEO, 2009, p.6-7, grifo nosso)
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O que abordam Costa Lima (2011) e Villà e Amodeo (2009) procura recolocar o projeto
no contexto de sua materialidade, no espaço da coerência entre a ideia e a obra, e no
equilíbrio entre a ‘arte e a técnica’. Mais importante que a forma complexa ou
elementar é o caráter tectônico de sua natureza, a possibilidade de sua execução
dentro de um contexto cultural, econômico e social. Quase ‘tudo’ pode ser construído
hoje; no entanto, essa não é a questão, tampouco a questão envolve apenas a
identidade formal. Trata-se, antes de tudo, de recolocarmos nossa disciplina e nossas
propostas compatíveis com uma situação social, política, econômica e ambiental. A
ética é o elemento que norteia essas decisões.
A vertente abordada por Mahfuz(2011) e Sperling(2008), digitalismo, levanta ainda
outra questão a se refletir num contexto acadêmico e diz respeito aos software’s
utilizados no desenvolvimento dos projetos. Em recente entrevista feita por Pedro
Pablo Arroyo Alba164, para 30-60 cuaderno latinoamericano de arquitectura, com o
arquiteto do grupo FOA, Alejandro Zaera Polo, após questão sobre a influência dos
computadores e software´s em seu processo projetual, o arquiteto respondeu com a
seguinte reflexão:
Precisamente durante o desenvolvimento do projeto de Yokohama foi quando
observamos esse fato. Em determinados momentos, estávamos usando
Microstation para modelar certas coisas que são complicadas de modelagem
no Autocad ou não podem ser modeladas no Autocad. No final das contas,
você percebe que tudo o que não se pode modelar no Autocad não pode ser
construído. Mesmo se o computador desenhá-lo para a tela e imprimi-lo,
observa-se que as medidas não são exatas, que, para construir certas
superfícies, outros programas fazem operações que não são, exatamente, o
que tu queres, que não te servem para produzir uma geometria construtiva.
(ZAERA POLO, 2013 in: ALBA, 2013, grifo nosso)
164 A questão abordada foi: “Cuando la herramienta es tan decisiva en el proceso de generación del
proyecto, los detalles sobre la misma son importantes. Existe un amplio espectro de mecanismos
diversos, en el que una variación mínima de cualquiera de los factores puede hacer cambiar el producto
por completo. ¿ Sigue siendo Autocad vuestra herramienta de trabajo?” (ALBA, 2013)
Parte da resposta original: “Precisamente durante el desarrollo del proyecto de Yokohama fue cuando
observamos este hecho. En determinados momentos usábamos Microstation para modelar ciertas cosas
que son complicadas de modelar en Autocad o no se pueden modelar en Autocad. Al final te das cuenta
de que todo lo que no se puede modelar en Autocad no se puede construir. Incluso si el ordenador lo
dibuja en la pantalla y lo imprime, notas que las medidas no son exactas, que para construir
determinadas superficies otros programas hacen operaciones que no son exactamente lo que tú quieres,
que no te sirven para producir una geometría constructiva.” (ZAERA POLO, 2013)
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Essa questão é muito importante para um curso de arquitetura, pois diz respeito às
ferramentas que os nossos laboratórios devem estimular de acordo com os objetivos
definidos pelos exercícios. Na nossa experiência acreditamos que, de maneira
progressiva e relativa, ao longo da formação do aluno, os projetos devem ser avaliados
sempre pela sua exequibilidade, em conformação com os objetivos validados nas
disciplinas e nos exercícios. Os alunos estão espertos e encantados com as novas
possibilidades que os software´s e as impressoras 3D conferem à concepção, mas tudo
isso deve vir acompanhado desse ‘saber construtivo’ que tanto defende Costa Lima
(2003, 2011). Não é o caso de limitar essa ou aquela ferramenta, todas podem ser
incorporadas na formação, desde que tenhamos ciência de como utilizá-las e explorá-
las, em cada momento, para cada objetivo e em favor de uma formação atualizada e
consciente do papel do arquiteto na sociedade.
Para Mahfuz (2011, p.5), as consequências dessas abordagens projetuais indicam uma
crise, tanto no ensino da arquitetura e do urbanismo quanto na sua prática. “O
aspecto mais saliente e preocupante da crise atual é a ausência de critérios para
projetar e avaliar a arquitetura que se produz. Os estudantes e arquitetos adeptos do
conceitualismo e do digitalismo trabalham sem referências e partem do zero cada vez
que projetam [...]” Para o autor, a arquitetura deve nascer da própria arquitetura e
não de conceitos externos a ela, oriundos da filosofia, sociologia ou qualquer outro
campo do conhecimento humano, ou dos instrumentos técnicos. O projeto deve ser
uma síntese formal das necessidades do programa, das implicações do lugar e das
técnicas construtivas.
Além disso, o senso comum indica que o ensino de graduação não é lugar para
experimentação, pelo menos nos moldes em que está estruturado
atualmente. A obrigação de uma escola de arquitetura é transmitir o
conhecimento que define o ofício e que possibilita ao futuro profissional servir
a sociedade de modo correto e adequado. (MAHFUZ, 2011, p.5-6, grifo nosso)
A experimentação não pode ser debelada pela ideia de inovação. Experimentar não
significa uma constante procura pelo ‘novo’ ou pela ‘inovação’ como um ato leviano.
Podemos acreditar que a explanação ‘pragmática’ de Mahfuz, ao dizer que a
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“graduação não é lugar para experimentação”, possa estar vinculada ao termo
‘pragmatisch’, introduzido na filosofia por Kant e interpretado por Foucault como uma
oposição ao ‘prático e instrumental’, portanto, mais relacionada ao ‘empírico e
transcendental’, propriedades inerentes à experiência. Como sugere John Rajchman
(1998, 2013)165, em ‘Um novo pragmatismo?’, “o ‘pragmatisch’ é, antes,
“experimental”, no sentido em que a palavra se encontra nos textos dos pragmatistas
e em Nietzsche, quando Zaratustra declara:’ A sociedade é uma experiência
[tentativa], meus irmãos! E não um contrato!’”166 (RAJCHMAN, 2013, p.75-76)
Como poderemos aceitar a ideia de que não se possa experimentar na graduação, se
justo as ideias surgem a partir dela, das tentativas, das pesquisas, das elucubrações?
Talvez não estejamos experimentando o suficiente, ou, no caso de Mahfuz, da maneira
como ele acha adequado num contexto acadêmico. E qual seria o tipo de
experimentação adequada para o autor? Mahfuz (2011) acredita que é essencial dotar
os projetos de ‘identidade formal’, que para o autor foi um aspecto fundamental nos
“dois únicos sistemas formais completos que já existiram: o classicismo e a arquitetura
moderna [...]”(MAHFUZ, 2011, p.12) Presumimos que, na opinião do autor, a resposta
estaria contida em experimentações que contemplassem aspectos relevantes desses
dois sistemas, sem dúvida de grande valor.
No caminho contrário, Leite (2011) exalta a experimentação como fonte de construção
do saber arquitetônico, por meio da especulação de ideias, mas lamenta que em
nossas escolas essa experimentação não seja valorizada.
“Design thinking” ainda é incipiente em nossas escolas. Diferentemente dos
maiores centros internacionais, onde sempre há “a” escola onde investigar é a
pauta essencial. Citando a ‘excelência do ensino em Londres’[...] Para cada
escola mais tradicional, completa, pautada pelo rigor da técnica, há uma escola
165 RAJCHMAN, John. Um novo pragmatismo? In:SYKES, A. KRISTA. O campo ampliado da arquitetura.
Antologia Teórica 1993-2009. Tradução Denise Bottmann, com a colaboração de Robert Grey. São
Paulo: CosacNaify, 2013.
166 “A sociedade humana é uma tentativa: eis o que eu ensino: uma longa investigação; mas procura o
que mando. Uma tentativa, meus irmãos, e não um ‘contrato´. Rompei com tais palavras dos corações
covardes e dos amigos de composições!” (NIETZSCHE, Frederico. Assim Falava Zaratustra. Tradução
base José Mendes de Souza. Versão para eBook. eBooksBrasil.com. Fonte Digital, 2002, Terceira Parte,
Tomo XXV, p. 337.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 229
especulativa, experimental. Aqui se criou um falso dilema entre ambas e
quase se eliminou o segundo enfoque, mais investigativo. (LEITE, 2011, p.2-3,
grifo nosso)
Mahfuz (2011) segue, em seu artigo, identificando os cinco atributos que delegariam
essa qualidade considerada essencial. Assim, para uma arquitetura possuir identidade
formal, sua concepção deve buscar: ”universalidade, sistematicidade, economia de
meios, precisão e rigor”. Para o autor, universalidade é definida por um componente
visual e outro espacial. O primeiro refere-se ao uso de formas elementares como
quadrados/cubos, retângulos/paralelepípedos, círculos/cilindros, etc.; o segundo
refere-se à organização espacial e sua capacidade de adaptabilidade para acomodar
mudanças de programa. A sistematicidade refere-se à existência de um “sistema
ordenador abrangente e flexível”, que facilite a concepção e a compreensão da obra
pelos usuários. A economia de meios seria o “uso do menor número de elementos
possível, deixando de fora tudo o que não for rigorosamente necessário.” Precisão é a
“busca pelo ideal de perfeição humana”, uma obra bem concebida e executada com
exatidão. O rigor está na concepção que prioriza os “aspectos relevantes e
transcendentes” do problema arquitetônico, deixando de fora o “meramente
acessório”.
Percebemos que, tais atributos sugeridos por Mahfuz (2011), possuem fortes
influências do racionalismo e do funcionalismo, conforme características apresentadas
no item 2.2.3 desta tese, no trato da gênese do habitus moderno. O uso das formas
geométricas básicas, a sistematicidade vinculada aos sistemas ordenadores, a
economia de meios e o rigor, em busca por aspectos transcendentes eliminando o que
pode ser considerado, pelo autor, o meramente acessório.
O discurso de Mahfuz é um exemplo, segundo Boudon et al.(2000), de um discurso de
natureza doutrinária, com traços prescritivos. Mahfuz não se limita a explanar a ideia
arquitetônica, mas atributos de uma ideia de arquitetura baseada na estrutura formal
da arquitetura moderna. Seu discurso e seus conceitos estão vinculados a um modelo
de procedimento e a exemplos de um universo estético concebido por ‘formas
geométricas puras’ e ‘sistema ordenador’. Os atributos que defende como essenciais
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 230
para a identidade formal da arquitetura são ilustrados por projetos selecionados
dentro desses preceitos e legitimados pela sua própria produção, que está sempre
presente entre os projetos de Helio Piñón, Mendes da Rocha, Mies van der Rohe,
Durand, Le Corbusier e outros. Gostaríamos de diferenciar o ensino da história e do
projeto de arquitetura baseado em arquiteturas pregressas e seus valores temporais, e
o ensino baseado em ideias que podem ser apropriadas em qualquer tempo, pois não
estão relacionadas a uma específica estética formal nem presas a um universo
geométrico. [Figura 26]
Caminho semelhante, encontramos nas propostas de trabalho de Afonso, Alcília A.
(2009, 2011). A autora propõe a retomada do processo projetual moderno na
contemporaneidade por acreditar que tal conduta, adotada no ensino de projeto,
possa “[...] contribuir para melhoria da qualidade dos projetos realizados.”
[...] para o “processo”, a metodologia de desenvolvimento projetual, que parte
da trama arquitetônica, da adoção da modulação, do uso de sistemas
construtivos; para a “forma”, no caso, a forma moderna, abstrata, universal,
pura, racional, limpa, transparente; e para o “detalhe”, que vem a ser um dos
elementos fundamentais da forma de projetar moderna.” (AFONSO, A.
A.,2009)
As propostas trabalhadas pelos alunos devem buscar a ‘forma moderna’ nos aspectos
definido pela autora: ”[...] abstrata, universal, pura, racional, limpa, transparente”.
(AFONSO, A. 2009)
Fonte: Mahfuz (2011, p.15)
Figura 26 – Projeto de autoria de
Edson Mahfuz (2011) Casa PV_!,
2011.
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Como vimos no capítulo 02 desta tese e retomamos, aqui, nas palavras de Montaner
(2002, p. 82), a arquitetura moderna vinculada aos mecanismos racionalistas “[...]
interpreta que a lógica técnica, mecânica e construtiva é a essencia da forma
construída, e a estrutura do edifício deseja ser como a de uma máquina.” Assim, de
acordo com Montaner (2002), é por este motivo que o projeto moderno de base
racionalista está apoiado nos seguintes critérios:
[...] a primazia das medidas, o elementarismo e a ênfase no detalhe técnico, a
criação a partir de protótipos, o projeto à base da repetição modular, a
subdivisão do global em volumes eficazes e a imaginação de megaestruturas
complexas. (MONTANER, 2002, p.82)
Para Afonso, Alcília. A. (2009, 2011) a retomada do exercício projetual com base
modernista mostra-se, também, um recurso adequado a ser utilizado no ensino de
projeto contra a diversidade estilística por que passa a arquitetura pós-moderna. Nas
palavras da autora:
Certamente, não cabe aqui, discutir esta questão da diversidade “estilística”
produzida na pós-modernidade, mas, foi devido a este fator que se pensou em
se propor a retomada de critérios projetuais modernos, que estejam
comprometidos com a verdade arquitetônica, a simplicidade das soluções, a
racionalidade projetual e construtiva, a sustentabilidade dos edifícios, entre
outros. (AFONSO, ALCILIA A.,2011)
Ademais ao fazê-lo, desconhece, ou mascara uma escolha ideológica de permanência e
reprodução de um capital cultural167, ainda considerado hegemônico168, no ensino de
projeto, como esclarece a seguinte passagem:
Alguns veem nesta retomada metodológica, um retrocesso, após os diversos
caminhos criados nas mais distintas “escolas” da pós-modernidade. Há quem
167 “[...] numa sociedade em que a transmissão da cultura é monopolizada por uma escola, as afinidades
profundas que unem as obras humanas (e, evidentemente, as condutas e os pensamentos) têm seu
princípio na instituição escolar investida da função de transmitir conscientemente e em certa medida
inconscientemente ou, de modo mais preciso, de produzir indivíduos dotados do sistema de esquemas
inconscientes (ou profundamente internalizados), o qual constitui sua cultura, ou melhor, seu habitus,
ou seja, em suma, de transportar a herança coletiva em inconsciente individual e comum: relacionar as
obras de uma época com as práticas da escola é um dos meios de explicar, não só o que elas
proclamam, mas também o que elas traem, pelo fato de participarem da simbólica de uma época e de
uma sociedade.” (BOURDIEU, 2007, p.346)
168 Ver Arcipreste (2011, 2012); Marques (2011); Magnavita (2009); Teixeira (2005, 2011)
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diga que os critérios propostos limitem o processo criativo. E aqui, cabe
esclarecer que, nesta proposta de retomada dos valores da modernidade, não
há imposições projetuais, mas apenas, o direcionamento em sentido a um
caminho que colabore na formação do discente, futuro profissional. (AFONSO,
ALCILIA A.,2001)
A autora, ainda justifica a retomada do ensino de projeto pelo caminho de base
modernista, como uma opção metodológica adequada, quando comparada aos
despropósitos existentes em grande parte da formação do arquiteto, conforme
destaque a seguir:
Tem-se observado que grande parte de professores da área de projetos
arquitetônicos não vêm adotando nenhuma metodologia em suas práticas
acadêmicas, propondo apenas desenvolvimento de projetos sem a utilização
de critérios, exercícios práticos, desvinculados de uma base teórica que os
respaldem. Tal fato, não seria, por acaso, uma realidade bem pior que uma, na
qual se procure trabalhar com critérios, buscando a identidade projetual no
trabalho desenvolvido?” (AFONSO, ALCILIA A.,2001)
Como decorrências de conduções tão precisas, encontram-se soluções projetuais que
refletem os critérios formais e espaciais sugeridos pela autora, como o exemplo abaixo
apresentado por Afonso, Alcília A. (2011). [Figuras 27 e 28]
Figuras 27 e 28 – Biblioteca, projeto da aluna Nelcia Beatriz.
Fonte: Afonso, Alcília A. (2011)
27 28
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Como vimos em Bourdieu, ao trabalhar o conceito de habitus, as ideias não são isentas
de valores e intenções. Em ambiente acadêmico, a maneira como as ideias e o trabalho
pedagógico são conduzidos pode induzir comportamentos e soluções.
Vejamos um exemplo de ensino com enfoque na ideia, que não está relacionada à
questão de atributos para uma identidade formal, mas que investiga a ideia, por meio
de sete abordagens, todas relacionadas à caracterização da ideia como um
instrumento teórico para a concepção arquitetural em ambiente acadêmico.
(QUIROGA, 2009)
Para Quiroga (2009), ao longo da história da arquitetura, os mecanismos de
composição e de comunicação do conhecimento se apoiaram em quatro sistemas
teórico-práticos fundamentais: os tratados clássicos; os elementos construtivos com
implicações formais; os padrões tipológicos e a metodologia moderna de células
repetitivas. Esses grandes sistemas não se excluíam, necessariamente, mas se
combinavam entre si. Para o autor, esses sistemas representaram três ferramentas
essenciais: linguagem, tipo e arquétipo. A fragmentação e a complexidade da
experiência arquitetônica pós-moderna, segundo o autor, deixaram clara a
incapacidade do tipo como instrumento teórico adequado, pois sua vigência estava
relacionada a certo controle formal que a arquitetura contemporânea não estava
disposta a seguir. De tal modo, Quiroga (2009) apresenta a ideia arquitetônica como o
nexo imprescindível para a análise e para o ensino da arquitetura contemporânea,
caracterizando-a por meio de sete abordagens: 1ª: ideia como sistema de relações; 2ª:
a capacidade geradora da ideia; 3ª: ideia e ordem hierárquica; 4ª: ideia, construção e
função; 5ª: ideia e forma; 6ª: a maleabilidade da ideia; e, 7ª: liberdade e
atemporalidade da ideia. Vejamos como se dão essas abordagens e suas aplicações no
ensino de projeto.
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1ª: ideia como sistema de relações [Figura 29] – nessa primeira abordagem, Quiroga
(2009) trabalha a relação convencional entre - piso x apoio x coberta, estimulando
relações de dependência entre cada um desses elementos e o seu conjunto. Todos os
elementos relacionados às dimensões, à sua geometria e a uma determinada área
possível de ser vencida de acordo com o material proposto.
Nessa abordagem tectônica, o autor não confere ênfase à forma, mas às possíveis
soluções que a relação entre esses três componentes de um projeto pode suscitar. Os
exemplos vêm demonstrar a flexibilidade da ideia, podendo ser utilizada de diversas
maneiras e tornando-se elementos autossuficientes, como assim o fizeram: Frank
Lloyd Wright na Johnson Wax, José Antonio Corrales e Ramón Vázquez Molezún no
Pavilhão da Espanha na Exposição Universal de Bruxelas, e José María García de
Paredes na Igreja em Almendrales.
Figura 29 – Sistema de relações compositivas. Johnson Wax; Pavilhão da Espanha; Igreja em
Almendrales.
2ª: a capacidade geradora da ideia [Figura 30] – nessa segunda abordagem, Quiroga
(2009) apresenta a capacidade geradora da ideia, capaz de conduzir todo o projeto,
integrando em seu sistema de relações outras ideias e elementos secundários, não
contemplados inicialmente, mas que podem surgir durante o processo, sem, contudo,
comprometer a identidade da ideia geradora. Como exemplos: a garagem projetada,
nos anos 20, por Konstantin Melnikov em París e a recente Embaixada Holandesa de
Rem Koolhaas, OMA em Berlín. Nos projetos, a ideia de fluxo conduz todas as relações
espaciais.
Fonte: Quiroga (2009)
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3ª: ideia e ordem hierárquica [Figura 31] – na terceira abordagem, Quiroga (2009)
coloca o caráter dominante de algumas ideias, enquanto as outras contribuem em
cooperação com a ideia principal, sem superá-la hierarquicamente. Os exemplos
apresentados mostram projetos onde a ideia matriz é composta por torres periféricas
que concentram os sistemas de circulação verticais, escadas, elevadores, ao mesmo
tempo em que funcionam como elementos portantes de função estrutural. Vejamos o
edifício Larkin de Wright; os laboratórios Richards de Kahn; o edificio de Arte e
Arquitetura da Universidade de Yale de Paul Rudoph; e o Centro de Imprensa e Radio
Yamanashi de Kenzo Tange.
Figura 31 – Edifício Larkin, Wright; Laboratórios Richards, Kahn;
Edifício de Arte e Arquitetura da Universidade de Yale, Paul Rudoph;
e o Centro de Imprensa e Radio Yamanashi, Kenzo Tange.
Fonte: Quiroga (2009)
Fonte: Quiroga (2009)
Figura 30 – Garagem de Konstantin Melnikov,
Paris, e Embaixada Holandesa de OMA, Berlin.
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4ª: ideia, construção e função [Figura 32] – na quarta abordagem da ideia, Quiroga
(2009) destaca as relações funcionais como geradoras de ideias. Os exemplos
apresentados sugerem as relações entre os ambientes como a ideia matriz. Na casa
projetada por Ludwig Wittgenstein para sua irmã em Viena, assim como o projeto da
Casa Mora de Iñaki Ábalos e Juan Herreros, algumas paredes estruturais liberam a
planta para um uso mais flexível. Não existe circulação independente fora dos
ambientes, esses são conectados uns aos outros de acordo com as suas funções. As
portas funcionam como elementos de contado ou isolamento. Nesse caso, a ideia foi
formulada a partir das relações funcionais.
5ª: ideia e forma [Figura 33] – Nessa abordagem, Quiroga (2009) destaca a
possibilidade de uma ideia dominante se expressar por meio de padrões formais
comuns. Nesse caso, os exemplos apresentados por Quiroga fazem parte da vertente
contemporânea definida por Sperling (2008, p. 104 e 114) como ‘arquiteturas
contentoras de grande escala’, cujo maior representante é Rem Koolhaas. O arquiteto
trabalha uma série de ambientes internos organizados de acordo com relações de
pertinência e os envolve com um invólucro, estruturalmente independente.
Figura 32 – Casa de
Ludwig Wittgenstein, e
Casa Mora de Iñaki
Ábalos e Juan Herreros
Fonte: Quiroga (2009)
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Figura 33 - Casa Y2K, e Casa da Música do Porto, OMA. Fonte: Quiroga (2009)
6ª: a maleabilidade da ideia [Figura 34] – Na sexta abordagem, Quiroga (2009)
trabalha a necessidade de flexibilidade no trato com os espaços contemporâneos. Nos
casos apresentados, os arquitetos respeitaram e aproveitaram a relação com as
circulações e a tipologia histórica do contexto. No edifício da escola de arquitetura e
engenharia da Universidade de Bath, de Alison e Peter Smithson, e na ampliação da
Câmara Municipal de Utrecht, de Enric Miralles e Benedetta Tagliabue, a solução
aproveitou as diferentes medidas das ruas medievais, seu traçado não linear e suas
seções variáveis como fonte de ideias para as relações da proposta, criando surpresas
nas circulações com a existência de largos que se formam pelos diferentes traçados e
são usadas para conectar os espaços fechados.
Fonte: Quiroga (2009)
Figura 34 - Universidade de
Bath, de Alison e Peter
Smithson, e na ampliação da
Câmara Municipal de Utrecht,
de Enric Miralles e Benedetta
Tagliabue.
Fonte: Quiroga (2009)
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7ª: liberdade e atemporalidade da ideia [Figura 35] – Nessa sétima abordagem da
ideia arquitetônica, Quiroga (2009) enfatiza o caráter duradouro da ideia. As ideias
ultrapassam as gerações e podem ser apresentadas por diferentes formas permitindo
grande liberdade de sua utilização. O exemplo do sistema de circulação em espiral já
foi utilizado por vários arquitetos em diferentes momentos da história: Wright no
Museo Guggenheim de Nova York, Le Corbusier no projeto do Museu do Crescimento
Infinito, e Adalberto Libera no projeto de “um sistema de saída de emergência para
planos sobrepostos”.
Fonte: Quiroga (2009)
A ideia arquitetônica é o elemento mediador entre a análise e a concepção do
projeto. A ideia tem um valor seminal para aludir diferentes arquiteturas, para
o mesmo autor ou vários outros, mesmo em tempos diferentes. A ideia é
adaptável, tem capacidade para concretizar a forma e, acima de tudo, para
encaminhar decisões estruturais, construtivas, funcionais, linguísticas e
ambientais. A escolha e a formulação da ideia é uma decisão de natureza
dupla: consciente e intuitiva. Sua adequação se revela ao verificar sua
capacidade de integrar as necessidades e soluções. O valor estético da ideia é
diretamente proporcional ao poder e clareza com a qual ela se revela na obra.
(QUIROGA, 2009, p.13)169
169 Tradução livre da autora a partir do texto: “La IDEA arquitectónica es el elemento mediador entre el
análisis y la formalización del proyecto. La IDEA posee un valor seminal para alumbrar diversas
arquitecturas, de un mismo autor, o de varios, incluso en tiempos diversos. La idea es adaptable, posee
Figura 35 - Wright no Museo Guggenheim de Nova York, Le Corbusier no projeto do Museu do
Crescimento Infinito, e Adalberto Libera no projeto de “um sistema de saída de emergência para
planos sobrepostos”.
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Como vimos nos exemplos apresentados, a ideia é a matriz da solução projetual, no
entanto, não está presa a uma forma, dando liberdade ao aluno para trabalhar o seu
projeto sem determinações formais predominantes. Bem diferente de procedimentos
didáticos que procuram propiciar a descoberta de ‘valores formais’ ‘permanentes’.
Um método de ensino de projeto embasado em uma visão da arquitetura
como disciplina polifuncional, autônoma e contextual consiste exatamente em
um processo que visa propiciar ao estudante a descoberta dos valores formais
e compositivos permanentes em arquitetura, assim como os meios para a sua
utilização em outras circunstâncias. (MAHFUZ, 1986, p. 62)
As ideias são baseadas em relações lógicas e analógicas. Associando os diferentes
elementos constituintes do projeto, ela não define a morfologia, mas contribui para a
compreensão espacial e para a investigação das relações. Os próprios desenhos
elaborados por Quiroga (2009) demonstram a ênfase na ideia arquitetural e não na
solução formal do edifício. São cuidados de um docente que deseja colaborar com o
aprendizado projetual sem, contudo, impor-lhe um estilo.
Como vimos em Quiroga (2009), a ideia arquitetônica inspira, não estabelece uma
linguagem, é ferramenta para o conhecimento e o autoconhecimento. O
desenvolvimento de ideias arquitetônicas permite a compreensão e a análise,
tornando-se fonte de referências para as novas concepções projetuais. Por sua
natureza relacional e abstrata, sem fixar-se em soluções formais, mas possibilitando-
as, a ideia mostra-se um mecanismo muito adequado ao ensino de projeto. A ideia
mostra-se capaz de administrar relações complexas entre elementos divergentes de
um mesmo universo, respeitando as variáveis inerentes ou específicas de cada
situação projetual. No contexto acadêmico, a ideia pode ser um elemento de ligação
para a análise de obras de diferentes autores, que partiram de uma mesma ideia,
associando-as às ideias secundárias que diferenciam uma proposta da outra e, no
entanto, preservam o que Quiroga (2009, p.13) nomeou como ‘vínculo genético’. O
capacidad para concretar la forma y, sobre todo, para hacer converger decisiones estructurales,
constructivas, funcionales, lingüísticas y ambientales. La elección y formulación de la IDEA es una
decisión de doble naturaleza: consciente e intuitiva. Su idoneidad se revela al verificar su capacidad para
integrar necesidades y soluciones. El valor estético de la idea es directamente proporcional a la potencia
y claridad con la que esta se revela en la obra.” (QUIROGA, 2009, p.13)
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trabalho pedagógico da ideia no contexto acadêmico deve ser relacional para
possibilitar a compreensão da sua natureza adaptável.
Tanto para Quiroga (2009) quanto para Boudon et al. (2000), a ideia é uma poderosa
ferramenta teórica para o ensino de projeto, pois desponta como um caminho para a
concepção arquitetônica numa época em que a imagem e sua propagação é uma
"referência inspiradora perigosa". A metodologia para abordar a ideia no ensino de
projeto deve contemplar o estudo de conteúdos possibilitando a compreensão do
aluno com relação às diferenças entre ideia e tipo, ideia e forma. As atividades de
análise de projetos devem priorizar a ênfase nas ideias de mesmo cunho genético,
eleitas pelos autores, em contextos diferentes. Trata-se de uma atividade de esforço
analítico e relacional. Por sua natureza adaptável e flexível, a ideia se mostra adequada
à abordagem do ensino de projeto de arquitetura contemporâneo.
4.2 PERCEPÇÃO
O período compreendido pelas primeiras décadas do século XX, especialmente depois
da Segunda Guerra Mundial, foi fecundo em pesquisas desenvolvidas no campo das
estruturas da percepção e da associação e combinação de imagens. Verificaram-se as
proposições da psicologia da forma, como aquelas empreendidas por Moholy-Nagy
(2005), com objetivos educativos, para uma sociedade alvo de imagens contínuas
emitidas pelos novos sistemas de informação de massas, como a televisão e o cinema,
onde a pop-art e as culturas de fragmento e colagens encontraram seus meios de
divulgação. Estudar a forma em seus vários eixos de análise foi, e ainda parece ser, um
caminho utilizado para se entender os caminhos da concepção e do seu ensino.
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A percepção também foi amplamente desenvolvida por Merleau-Ponty (1999) através
da fenomenologia. Para ele, foi a possibilidade de estudar as essências e de descrever
a nossa experiência “tal como ela é”, sem a necessidade de explicá-la ou analisá-la. A
essência da percepção estaria no ‘algo’ a ser percebido, encontrado sempre no meio
de outra coisa, fazendo parte de um ‘campo’.
A fenomenologia, no século XX, vem numa tentativa conciliatória: defende que
o conhecimento deriva tanto da razão (sujeito) quanto da experiência (objeto)
- ele se dá a partir da relação entre sujeito-objeto. O próprio nome
fenomenologia – estudo dos fenômenos – já deixa claro que o objeto de
estudo é o que “aparece” e assim a intencionalidade do sujeito se mostra. Para
o campo da arquitetura, duas vertentes da fenomenologia são fundamentais:
existencialismo heideggeniano e a filosofia da percepção de Merleau Ponty.
Aqui, a ênfase é dada nas relações, nexos, jogos etc., e, fundamentalmente,
nas “coisas mesmas” – os mecanismos de comportamento e a percepção são
seus fundamentos. Em vez da universalidade, a busca do comum entre as
particularidades e o reconhecimento da passagem do tempo como instancias
das obras e das coisas no mundo. (IVO, 2009, n.p.)
Perceber não é a mesma coisa que compreender. Para compreender, precisamos
entender o significado do que foi percebido. Isso pressupõe relacionar o que
percebemos com aquilo que conhecemos e encontra-se na memória, em busca de
novas relações e novos conhecimentos. Quando compreendemos algo, elaboramos o
nosso conceito sobre o apreendido, sobre o apercebido, resultado das relações que
fazemos entre as nossas ideias. No contexto acadêmico, vários exercícios podem
desenvolver a percepção, como o ato de desenhar:
Em um primeiro nível, o ato físico de desenhar desencadeia um processo de
percepção (segundo nível) daquilo que foi desenhado. Após sucessivas
interações entre desenhar-perceber-redesenhar, inicia-se um terceiro nível de
ação cognitiva, que é a atribuição de funções aos espaços desenhados. Nesse
momento, os registros gráficos ambíguos, particularmente os croquis de
concepção, incitam a imaginação, provocando a combinação de diferentes
ideias a partir daquilo que foi realizado. Posteriormente, em uma ação
cognitiva mais profunda, atinge-se o nível conceitual, onde se pode
estabelecer uma rede de significações, mais consistente e coerente, para as
ações já realizadas e que serão ainda realizadas durante o processo de
projeto. (FLORIO, 2009, n.p., grifo nosso)
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De acordo com o autor, para que, o arquiteto ou estudante, possa ir além do desenho
produzido e atribuir-lhe funções e conceitos, os autores dos desenhos devem ser
capazes de relacioná-los às soluções prévias, registradas como repertórios em suas
memórias.
[...] o processo de projeto está fortemente apoiado nas ações cognitivas
físicas, perceptivas, funcionais e conceituais, decorrentes da classificação e
adaptação de conhecimentos e soluções projetuais mantidas na memória.
(FLORIO, 2009, n.p., grifo nosso)
Para Veloso (2011, n.p.) a habilidade de desenhar contribui na concepção projetual e,
não apenas, na sua representação. Quanto mais instrumentos de suporte o projetista
dominar, maiores e mais criativas serão as possibilidades de soluções de projeto, pois
para o autor, são “tênues e flexíveis as fronteiras entre os processos de representação
e o pensamento criativo”. O manuseio dos diversos instrumentos é importante para a
investigação e experiência projetual, pois possibilita novos arranjos e descobertas
espaciais. Veloso (2011) coloca a representação como possível conciliação entre ação,
percepção e reflexão, articulando e selecionando os elementos que compõem
processos intelectuais.
Para Boudon et al (2000), as recentes teorias da percepção demonstram que perceber
uma forma, um ‘algo’, ou uma ideia, depende menos da observação objetiva e mais da
competência do sujeito que observa. Dessa maneira, a percepção pode ser
desenvolvida, é uma habilidade que pode ser trabalhada, sendo essencial para um
arquiteto. Um arquiteto não se limita a ver um edifício como ele se apresenta em seu
exterior, mas sua observação está acompanhada de hipóteses com relação às ideias
que geraram aquela solução, com relação a sua organização espacial interna e a sua
estrutura. Podemos perceber o espaço por meio de vários sentidos, a vista, o tato, a
audição, o olfato, o movimento aerodinâmico; no entanto, é o sentido da visão o mais
solicitado e privilegiado. (BOUDON et al., 2000)
A percepção está relacionada à cultura, à experiência e às origens de quem percebe. A
apreensão sensível, na arquiteturologia, acontece de maneira subjetiva e cultural,
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mesmo que a visão do sujeito tenha passado por um processo de racionalização.
Assim, perceber e conceber são fenômenos que possuem ritmos e processos
diferenciados. Para Boudon et al (2000), perceber denota um processo de percurso
linear feito em etapas sucessivas. Conceber, no entanto, retarda a ideia de sincronismo
e procura integrar uma visão globalizante constituída pelas diferentes percepções de
ideias possíveis levantadas pelo arquiteto e organizadas de maneira simultânea,
relacional.
No ato da percepção, a visão, ou a coisa vista, é alimentada por uma hipótese, que é
uma ideia. Para a arquiteturologia, quando o arquiteto antecipa a percepção do seu
projeto, ele o faz a partir das hipóteses trabalhadas. Da mesma forma, quando o
arquiteto concebe um espaço, ele se projeta nesse espaço, vivenciando-o, antecipando
o que seria, portanto, a experiência perceptiva. Nesse sentido, o domínio das
ferramentas de representação e expressão colabora, sobremaneira, para o processo
de concepção. Quanto mais variadas e apreendidas forem essas ferramentas, mais
ricas e amplas serão as investigações e as possibilidades projetuais.
A visão concebida como uma atividade cognitiva permite dar conta da grande
diversidade de percepções. Boudon et al (2000) defendem a importância de treinar o
olhar, educar o olhar, o que, no ensino da arquitetura, está ligado ao objetivo de
desenvolver uma competência, que pode assegurar um conhecimento especializado,
aquele necessário para o sujeito que deseja conceber espaços. Sem a habilidade de
percepção desenvolvida, não poderemos trabalhar adequadamente as ideias.
Ademais, o saber ver relacionado com a observação refletida e crítica, ou mesmo por
meio da abstração, possibilita o desenvolvimento do pensamento lateral, tão
importante para que possamos descobrir novas perspectivas de enxergar um
problema, ou novas maneiras de encaminharmos um processo. Rubem Alves (2004)170,
em ‘A complicada arte de ver’, delineia que:
170 ALVES, Rubem. A complicada arte de ver. Folha de São Paulo, 26 de outubro de 2004. Acessível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u947.shtml
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Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos
dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica
à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece
refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física
[...] Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem. "Não é bastante não
ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os
campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O
ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e
afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. (ALVES, 2004,
n.p.)
Os arquitetos, durante o processo de concepção, expressam suas ideias por meio das
linguagens gráficas e visuais, desenhos, maquetes, montagens, colagens, diagramas,
entre outros. Meios ligados ao universo da representação e expressão. A interpretação
dessas expressões pode revelar propriedades não intencionais, abrindo novas
perspectivas de abordagem. O exercício da concepção e da percepção feito de maneira
conjunta pode estabelecer as condições necessárias para o surgimento do ‘acaso’, de
descobertas não previstas que podem ser incorporadas à concepção num movimento
seguinte. Faz parte do processo de concepção essa oscilação alternada de análise e
produção, de percepção e incorporação ou descarte, esse último quando o percebido
não está de acordo com o esperado.
4.2.1 A analogia como auxílio à aprendizagem da PERCEPÇÃO
A maioria dos alunos de arquitetura, na fase inicial de sua formação, ainda não
compreende com plenitude a complexidade de um processo projetual. Esse fato é
decorrente, entre outros, da sua falta de conhecimentos e habilidades necessários à
competência de projetar e de analisar projeto, além de sua limitação de repertório, de
vocabulário e de meios de expressão e representação das ideias arquitetônicas.
Tal dificuldade de compreensão acerca do processo de projeto também advém do fato
de que ele - o discente - ainda não vivenciou essa experiência. Mesmo que o professor
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tente teorizar sobre um modelo de concepção, o aluno provavelmente ainda o
enxergará como algo abstrato, incerto, obscuro. (PANET; ALONSO, 2013)
Schön (2000, p.73), em decorrência de sua experiência na Escola de Arquitetura e
Planejamento do M.I.T., afirma a existência de um paradoxo próprio do ensino-
aprendizagem de qualquer competência ou ideia nova, “[...] porque o estudante busca
aprender coisas cujo significado e importância ele não pode entender de antemão.”
Para o autor, a experiência de aprender a projetar assemelha-se ao paradoxo descrito
por Platão no diálogo Mênon. Assim como Mênon171, que busca a virtude por ele
desconhecida, o estudante iniciante de arquitetura procura algo que ainda não sabe
definir.
O paradoxo de Mênon parece colocar o ensino de projeto arquitetônico – em especial
para estudantes em fases iniciais - em uma espécie de impasse que professores e
pesquisadores da área (ou interessados nela) vêm tentando resolver, através de suas
experiências e reflexões. Além desse problema inicial, relacionado ao entendimento do
que se deve buscar no processo projetual, o aluno iniciante de projeto, ainda enfrenta
outro desafio, agora relativo à sua própria incompreensão do problema projetual
apresentado pelo professor. Para Casakin (2004) compreender a problemática
arquitetônica é parte imprescindível para a resolução dos problemas em arquitetura.
Se o aluno não compreende o problema colocado como poderá sugerir soluções para
ele?
Esse fato coloca em evidência outra questão decisiva ao ensino de projeto: aquela
relacionada à importância de, o próprio aluno, construir a problemática arquitetônica
frente aos desafios colocados. Contudo, para a maioria dos projetos, é necessário um
conhecimento prévio e específico para formular e compreender o próprio problema a
ser resolvido. Dessa maneira, é comum em ateliês iniciantes de projeto, depararmos
171 Mas como procurarás por algo que nem ao menos sabes o que é? Como determinarás que algo que
não conheces é o objeto de tua busca? Colocando de outra forma, mesmo que esbarres nisso, como
saberás que o que encontrastes é aquilo que não conhecias? (PLATÃO, 1956, p.128 apud SCHÖN, 2000,
p.73)
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com situações que evidenciam a dificuldade, por parte dos alunos, relativas ao fato de
desconhecerem o que buscar para aprender a projetar, tampouco, como começar a
fazer – o processo projetual, além de não entenderem o que lhe é colocado, dada sua
inexperiência em relação ao ato de projetar.
Elali (2005) relata suas reflexões sobre essas dificuldades encontradas pelos alunos,
como destaca a seguinte passagem:
Em grande parte das situações de atelier em AU, o momento no qual os
estudantes de graduação são solicitados a elaborar suas propostas projetuais
costuma tornar evidentes várias de suas dificuldades, entre as quais destacam-
se: (i) repertório reduzido a partir do qual enfrentam o problema em questão,
(ii) conhecimento relativamente restrito a respeito das necessidades
programáticas e das principais relações entre seus elementos, (iii) insegurança
propositiva, ou seja, insegurança em lidar com o processo de tomada de
decisões (fazer opções, assumir as consequências de suas escolhas e trabalhar
para resolver as possíveis pendências). (ELALI, 2005, p.8)
Para colaborar com saídas frente às dificuldades relatadas, o pensamento analógico
pode ser visto como um caminho, sem a pretensão de ser o único, capaz de facilitar o
enfrentamento desses desafios. A analogia é um caminho defendido por vários
autores, como veremos, para colaborar com o processo projetual e consiste,
principalmente, no exercício da correspondência, na busca por relações de
semelhanças entre coisas ou fenômenos distintos. Utilizá-la como base para exercícios
de criatividade vinculados ao projeto arquitetônico, para alunos iniciantes, é uma
estratégia para tentar resolver os desafios apresentados anteriormente, pois parte de
domínios mais familiares ao aluno (um elemento da natureza, por exemplo), para
relacionar outros domínios desconhecidos, no caso, o projeto e a projetação. Além
disso, o pensamento analógico contribui, sobremaneira, para o exercício do aprender a
ver no desenvolvimento da habilidade da percepção.
No exercício do aprender a ver, Boudon et al. (2000, p.33) refere-se ‘às imagens
estimulantes’. Durante a experiência da percepção de um ambiente construído, de sua
lógica de concepção, o arquiteto pode perceber outras imagens e signos que poderão
ser fonte de referência para suas produções futuras. Nesse caminho, importa ao
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ensino da percepção como ferramenta para a concepção: a análise de projetos, de
obras construídas, os exercícios de associações de ideias, o exercício do raciocínio
analógico, o desenvolvimento de diagramas como ferramenta para o estudo de
relações topológicas, o desenvolvimento de maquetes e esboços. A percepção de
imagens e signos apresenta-se como um exercício estimulante para a concepção.
As ‘imagens estimulantes’ sugeridas pela arquiteturologia estão no mesmo universo de
‘les objets à réaction poétique’ de Le Corbusier, aqui explorados por meio de Chupin
(2000)172. Chupin inicia a analise da gênese de Notre Dame du Haut à Ronchamp, de Le
Corbusier (1955), pela analogia feita pelo arquiteto, com a carapaça de um caranguejo,
uma relíquia por ele encontrada numa praia de Long Island, próximo à Nova York, em
1946. Essa carapaça havia participado diretamente do processo de concepção da
coberta da capela. Mas, segundo Chupin (2000,p.69), quando se interroga sobre o
sentido de tal referência, se confronta com um silêncio perturbador da maior parte das
interpretações.173
Ça commence par une réponse au site. Les murs épais, une coque de crabe à
faire courbe au plan si statique. J´apporte la coque de crabe ; on posera la
coque sur les murs bêtement épais mais, utilement ; au sud, on fera entrer la
lumière, il n´y aura pas de fenêtre, la lumière entrera partout comme un
ruissellement ! (LE CORBUSIER, 1955)
Ao trabalhar o estudo analógico de Ronchamp e explorar as questões possíveis dentro
de uma perspectiva complexa relacionada às imbricações dos fenômenos em jogo na
concepção do projeto, Chupin (2000, p. 88-89) levanta as seguintes possibilidades
analógicas: Le Corbusier não se restringe a tomar a carapaça do caranguejo como
172 CHUPIN, Jean-Pierre. L´analogie ou les écarts de genèse du projet d´architecture. Genesis, no. 14,
número especial (Édité par Pierre-Marc de Biasi et Réjean Legault). Paris, set. 2000 p. 67-91.
173 Sobre isso, ver também Goldschmidt (2001): « Um exemplo no contexto da arquitetura é o projeto
de Le Corbusier para a coberta da capela de Ronchamp. Segundo o testemunho do próprio arquiteto
(BROADBENT, 1973), a forma do telhado foi inicialmente concebida a partir de uma carapaça de
caranguejo que ficava em cima de sua mesa. Le Corbusier, que fez uso frequente de raciocínio
analógico, transferiu o princípio estrutural da carapaça de dupla membrana para o telhado. A partir daí,
foram feitos ajustes para que a casca de concreto funcionasse como coberta, levando em conta
isolamento, drenagem etc., bem como as propriedades estéticas e estruturais dos balanços, que
conferem ao edifício sua forma peculiar. » (GOLDSCHMIDT, 2001, p.215)
GOLDSCHMIDT, G. Visual Analogy: A strategy for design reasoning and learning. In: EASTMAN, Charles;
MACCRACKEN, Mike; NEWSTETTER, Wendy (Org.). Design Knowing and Learning: Cognition in design
education. Oxford: Elsevier Science Ltd, 2001. cap. 9, p. 199-219.
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coberta, mas o toma emprestado como habitáculo, como uma maneira de conter a
vida; o casco encontra sentido para além das referências formais ou estruturais, pois
apenas essas não seriam suficientes para lhe conferir uma força simbólica; o casco,
assim, seria, simultaneamente, uma insígnia, uma relação entre uma forma de vida e
seu invólucro, ao mesmo tempo representando um esquema da passagem do tempo,
o casco como uma relíquia é elevado como uma oferenda pelos grossos muros
côncavos da capela. [Figura 36 e 37]
Figuras 36 e 37 - Chapelle Notre Dame du Haut, Ronchamp. Photo : Paul Koslowski 1997 © ADAGP.
Chupin (2000), além das qualidades do raciocínio analógico no processo de
aprendizagem do fazer projetual, destaca o pensamento de Jean-François Lyotard
sobre a inseparabilidade entre imagem e texto nos estudos da gênese da arquitetura;
ambos formam um par constitutivo, tornando-se impróprio separá-los.
Chupin (2003, p.28-29) trabalha com três níveis de conhecimento na prática do
raciocínio analógico: o nível da percepção, o nível da concepção e o nível da edificação.
O termo “edificação” é utilizado pelo autor, referindo-se às duas motivações distintas
existentes no projeto de arquitetura no contexto acadêmico, a “ambição de construir”
e a “ambição de instruir”, correspondendo a um profundo desejo de edificação. Essas
Disponível em : http://www.fondationlecorbusier.fr e
http://arch3611f09puwana.blogspot.com.br/2011_01_01_archive.html
Acesso em: 23/03/2013
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motivações geram, para o autor, a hipótese do termo “traduzir”, o projeto como
tradução do desejo de edificar, de educar, de levar à virtude.
Assim, a compreensão do termo “edificação” para Chupin (2003) estaria representada
a partir do triplo movimento “de construção, de instrução e de tradução”, tríade
representada de forma profunda pelo pensamento de Philibert de L´Orme: “E onde eu
aprendi a edificar castelos e casas, aprenderei a edificar os homens”. Para Chupin, é,
talvez, pela dupla capacidade de “traduzir” e “transferir” (o desejo de edificar o ser – o
aluno, e o desejo de edificar o projeto) que o pensamento analógico demonstra ser
bastante adequado ao ensino de projeto. (CHUPIN, 2003, p. 28 e 29)
Para Chupin (2013) a analogia seria uma das grandes matrizes da arquitetura. Essa
forma de pensamento, proativo em seus projetos, ou retroativo, por vezes, nas teorias,
pode nos levar a compreender a relação entre entidades que, a principio, parecem ser
independentes, mas que podem revelar as bases para a compreensão, por exemplo, da
ideia que liga o esquema de uma semente de um vegetal às linhas de um arranha-céu
de Louis Sullivan, ou algo que aproxima as proezas das ginastas catalãs às torres da
catedral concebida por Gaudí em Barcelona, ou ainda, o que congrega os conceitos
biológicos ou genéticos dos projetos teóricos de Peter Eisenman ou de Greg Lynn.
De acordo com os estudos de Chupin (2013), o pensamento analógico não se resume a
uma teoria das similitudes. A analogia pode acontecer de diversas formas e
intensidades, acompanhar o amadurecimento de um projeto ou se apresentar de
maneira muito visível. Outras, no entanto, estão veladas e sobressaem apenas, após
explicações mais apuradas.
Sobretudo para Chupin (2013), em arquitetura, o pensamento analógico constitui-se
um campo fértil de pesquisa. A própria definição de analogia se configura como uma
problemática em si, de maneira que, para sua compreensão geral, não devemos limitá-
la a um processo de similitude, pois corremos o risco de mascarar a profundidade
pontencial dessa forma de pensamento. A relação que se propõe entre duas
entidades, não se resume às relações de semelhança, mas sim, à dimensão de relações
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de significantes. À luz do pensamento de Philibert Secretan, Chupin (2013) acredita
que a analogia não é um combinado híbrido de imagens e de raciocínios, mas uma
estrutura de ser e de pensar.
Segundo Chupin (2013) as pesquisas sobre analogia, antes reservadas aos domínios da
filosofia, da teologia e da retórica, passaram a partir dos anos 80, a representar um
eixo de investigação nos domínios vastos das ciências cognitivas, como especialização
do campo da inteligência artificial, ou ainda, no campo da neurociência. No entanto, o
autor lamenta que as pesquisas relacionadas à concepção arquitetural ou, mesmo,
sobre a história das formas, nem sempre reconheçam a importância do raciocínio
analógico como mecanismo de concepção.
Tomamos objeto e métodos emprestados às várias disciplinas científicas,
enquanto deixamos de contribuir com o debate epistemológico e pedagógico
sobre o papel da analogia, do modelo, e até da metáfora, na construção do
conhecimento em arquitetura. (CHUPIN, 2003, In: LARA ; MARQUES, 2013, p.
25-26)
Para vencer essas rupturas, Chupin (2013) acredita que é preciso reconhecer uma
diferença de usos e aplicações da analogia. Para o autor, é necessário que
compreendamos as diferenças inscritas no coração dessa máquina de semelhanças
chamada ‘analogia’. Torna-se necessário compreendermos que, mesmo partindo de
uma mesma fonte de referência, o raciocínio analógico não levará à mesma solução,
mas possibilitará a existência de vários níveis de raciocínio e de elaboração de projetos
de arquitetura.
Assim, no conjunto das práticas contemporâneas em dívidas com um imaginário
biológico, por exemplo, nós poderemos distinguir, pelo menos, três tipos de aplicações
analógicas: morfológica, estrutural e conceitual (ou de princípio). Essas experiências
vão do nível visível das formas, ao nível invisível dos princípios. Num primeiro nível,
considerado como analogia formal, Chupin (2013) cita o exemplo do Kunsthaus, em
Grauz, concebido pelos arquitetos Peter Cook e Collin Fournier. [Figura 38 e 39]
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No entanto, para Chupin (2013) é necessário que, não nos limitemos às analogias de
domínio das formas visíveis, ou analogias morfológicas, para que seja possível
compreendermos uma segunda categoria associadas às analogias estruturais.
De acordo com as pesquisas de Gentner (1983), no caso das analogias estruturais,
podemos relacionar as características do objeto fonte, pela teoria do mapeamento
estrutural. Nesse caso, a analogia se dá através do estabelecimento de relações
estruturais entre a fonte e o alvo: empregam-se correspondências entre as leis que
regem um e outro, para inferir a analogias entre os fatos. Essa teoria compara
predicados relacionais em detrimento dos atributos, elementos ou conteúdos
particulares e isolados. (GENTNER, 1983)
Um exemplo da utilização da analogia estrutural, citado por Chupin (2013), foi o
projeto Water Cube, de PTW Architectes e ARUP para Pequin (2008). Os arquitetos
trabalharam uma estrutura metálica tendo como base uma estrutura molecular feita
por células de 12 lados (todos pentágonos) e 14 lados (dois hexágonos e 12
Figuras 38 e 39 – ideia analógica e projeto do Kunsthaus, Grauz – (Peter Cook et Collin Fournier).
Para Chupin (2013) um exemplo de analogia formal.
Un caméléon - Abraham Bosse d'après Sébastien Leclerc (1637-1714).
Disponível em: http://expositions.bnf.fr/bosse/grand/319.htm e
http://de.wikipedia.org/wiki/ Kunsthaus_Graz
Acesso em: 23/03/2013
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pentágonos), semelhante à espuma de Kelvin. Os tubos de aço foram soldados em nós
num ângulo de 120˚, para criar uma "estrutura orgânica“.[Figura 40, 41 e 42]
Figuras 40, 41 e 42 – Water Cube, exemplo de analogia estrutural de acordo com Chupin (2013).
A terceira família das analogias refere-se às analogias de conceitos ou princípios. Nesse
terceiro caso, as tensões existentes entre o visível e o invisível provem, no entanto, de
um paroxismo quando se trata de expressar os conceitos tais como: o evolucionismo, a
anatomia comparada, as mutações morfológicas ou os princípios genéticos. Um
exemplo disso, citado por Chupin (2013) é o projeto experimental de Greg Lynn,
Disponível em: http://architecturalvdos.blogspot.com.br/2010/09/megastructures-china-by-
national.html
Acesso em: 23/03/2013
40 41
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 253
concebido em colaboração com Jeffrey Kipnis, Embryological House, 1998, cuja
primeira versão consiste em um dispositivo generativo produzindo diferentes
mutações em função dos cálculos da informática. [Figura 43] Nesse exemplo, a casa
está em constante mutação, pois a analogia foi elaborada a partir do princípio da
evolução permanente, tendo a sua forma em constante transformação. (CHUPIN,
2013)
Figura 43 – Projeto generativo da Embryological House, de
Greg Lynn e Jeffrey Kipnis (1998). Exemplo de Chupin (2013)
de analogia de princípios.
Disponível em:
http://youngandbrilliant.net/image/106481277
Acesso em: 22/03/2013
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Outro exemplo dessa terceira família de analogias, citado por Chupin (2013), trata-se
do projeto de Peter Eisenman para o Bio-Centrum, em Frankfurt. Einseman comenta
que sua equipe descobriu a existência de similaridades entre os processos da
geometria fractal e a geometria do processo de DNA. Esta similaridade permitiu a
concepção do projeto baseada numa analogia situada entre os processos arquiteturais
e os processos biológicos. Assim, a proposta foi concebida sustentada entre os dois
campos de conhecimento, a arquitetura e a biologia. (CHUPIN, 2013)
Figuras 44, 45 e 46 – Esquela do DNA, diagrama elaborado por Peter Eisenman com a analogia do DNA,
e a maquete do projeto para o Bio-Centrum.
Em experiência com alunos de arquitetura do primeiro período do curso, Panet e
Alonso (2013), acreditam que no âmbito do ensino, a aprovação prévia da fonte, ou a
sugestão de um rol de possíveis fontes pelo docente pode ser uma boa estratégia para
nortear a escolha de analogias mais propensas a resultados qualitativos. As
professoras perceberam que, dependendo da fonte analógica escolhida pelo aluno, o
raciocínio analógico primário pode levá-los a efetuar associações mais relacionadas à
morfologia da fonte original, limitando às explorações de ordem estrutural e
conceitual.
Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S1678-53202009000100004&script=sci_arttext e
http://www.world-architects. com/en/pages/deconstructivist-architecture-25 Acesso em: 04/04/2013
46 45 44
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 255
Da mesma forma, o mapeamento cuidadoso sugerido por Gentner (1983), impulsiona
o êxito da transferência. Para que se elejam as correspondências mais pertinentes
entre fonte e alvo, cabe fazer um inventário dos predicados, elementos e relações da
fonte, para facilitar a análise e escolha daqueles que melhor se adéquem à situação
que se quer resolver (o alvo). Panet e Alonso (2013) apresentam projetos de alunos
que tiveram seu raciocínio analógico bem sucedido [Figuras 47 e 48] e outros que
incidiram em soluções literais relacionadas às formas dos elementos de origem.
[Figuras 49 e 50]
Figuras 47, 48, 49 e 50 - Acima, fonte: diamante – resultado satisfatório.
Abaixo, fonte: água viva – resultado limitado e preso à forma.
Fonte: acervo fotos da autora. (PANET;ALONSO, 2013)
47 48
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Após algumas repetições da experiência da aplicação do raciocínio analógico com
estudantes iniciantes de projeto, Panet e Alonso (2013) afirmaram que o uso da
analogia em exercícios de criatividade para projetação arquitetônica, mostra-se uma
estratégia eficiente para facilitar o aprendizado. O raciocínio analógico é um caminho
para solucionar o paradoxo de Mênon, na medida em que instrumentaliza o
estudante, a partir de seus conhecimentos e experiências prévias sobre domínios que
lhe são mais familiares, para que ele possa melhor compreender o domínio que lhe é
desconhecido – no caso, o do processo projetual.
Nesse contexto, as experiências pedagógicas procuram tirar proveito das
possibilidades que o pensamento analógico possibilita no trato com a concepção
projetual. A ideia arquitetônica teria uma origem possível de ser trabalhada e
sistematizada, mesmo que de ordem abstrata. Por meio da analogia, percebemos que
caminhos férteis podem ser percorrido para o ensino da concepção projetual.
Os autores Duarte e Trigueiros (2011) citam duas linhas fundamentais na aproximação
à concepção arquitetônica: uma vem da lógica e corresponde a metodologias que
aprofundam uma determinada visão do mundo através de processos sistemáticos de
desconstrução e de variáveis, como o faz Peter Eisenman, com o uso de sistemas
computacionais, o uso de algoritmos e sistemas generativos. A questão colocada pelos
autores revela-se no confronto entre a lógica aristotélica, baseada em inferências e
silogismos, que presidiu o pensamento até o fim do século XIX, com outras lógicas,
abrindo-se assim, o campo de um novo imaginário e formas de pensar. Outra, partindo
da vertente analógica, que vai desde a mimesis às metáforas, explora um imaginário
que nos remete para um pensamento tipológico, uma vez que cria variações sobre um
princípio secularmente sedimentado. De algum modo, há uma analogia com os
“objects trouvés” ou os “objets de réaction poetique” de Le Corbusier. São referências
a serem usadas no raciocínio analógico, como vimos acima, com Chupin (2013) e Panet
e Alonso (2013).
O trabalho pedagógico com esses ‘objetos de reação poética’ possibilita o
desenvolvimento de habilidades necessárias ao fazer projetual, pois colabora com a
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aprendizagem da percepção, da análise, do mapeamento, dos sistemas relacionais, da
abstração, da síntese, além de explorar o pensamento lateral tão necessário para a
exploração de novas perspectivas de ver e de solucionar os problemas. As
metodologias de associação ainda são pouco exploradas no contexto acadêmico.
A analogia também pode ser utilizada como estratégia para colaborar na compreensão
de conceitos relativos ao aprendizado do projeto tais como, espaço, contexto,
estrutura portante, ergonomia, princípios geométricos, forma, proporção, simetria,
entre outros. É o que sugerem Turkienicz e Mayer (2005) ao recomendarem a vivência
desses conceitos por meio de experiências estruturais feitas, por exemplo, com a
manipulação de frutas e legumes. [Figura 51] Para além da compreensão de tais
conceitos, os autores ainda percebem um desdobramento importante nessa
investigação podendo explorar, também, questões relativas à linguagem arquitetônica
e às discussões sobre biomorfismo.
Figura 51 – Construção e contextualização de estruturas realizadas com legumes.
Fonte: (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.2)
Num esforço por contribuir com o desenvolvimento cognitivo da criatividade,
Turkienicz e Mayer (2005) também procuram explorar a forma em contextos diversos.
Nesses casos, percebemos que os autores exploram, também, o desenvolvimento do
pensamento lateral, na medida em que estimulam a exploração de novos usos a
objetos existentes, abstraindo o seu conteúdo semântico e adaptando-os a outros
contextos, como ilustram as imagens abaixo. [Figura 52]
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Figura 52 – Exploração da forma em novos contextos.
Fonte: (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.5)
Outros exemplos procuram trabalhar as “funções emergentes a partir da escolha de
uma amostra de friso ou papel de parede [...].” Nesse caso, os alunos fazem exercícios
de espacialização de desenhos e transformam as figuras em planos e volumes verticais
e horizontais. “Através da estratégia de composição desses elementos, novas funções
emergem das formas encontradas, vinculando os modelos a espaços vivenciáveis, ou
seja, inserindo-os em novos contextos.” (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.5) [Figura 53]
Figura 53 – Exploração das funções emergentes.
Fonte: (TURKIENICZ; MAYER, 2005, p.5)
Pela exposição dos autores, percebe-se que a ideia trabalhada por meio do
pensamento analógico possibilita a sistematização de procedimentos que levam à
compreensão da gênese arquitetural, além do desenvolvimento de habilidades
necessárias para o aprendizado da concepção projetual. O pensamento analógico
busca, sobretudo, possibilitar a reflexão, o raciocínio. De maneira genérica, Chupin
(2003) define o pensamento analógico como uma atividade do espírito que perfilha e
maneja semelhanças entre dois objetos, dois domínios, ou mesmo dois fenômenos,
geralmente muito diferentes.
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Trata-se de um processo familiar [...] funciona extraindo analogias: quer dizer,
comparando relações de semelhança sobre um vasto fundo de diferenças.
Quando solicitado por uma intenção questionadora (um problema ou a
necessidade de compreender), o pensamento analógico reconhece, fabrica e
formula correspondências, onde, em um outro contexto intencional, só se
perceberá disparidade, discordância ou incompatibilidade. Figuras do discurso,
pensamento visual, pensamento tectônico, hipóteses ou raciocínios, as
analogias atuam no projeto de arquitetura e também pelo projeto. Elas
contribuem para as etapas fundamentais da concepção e da realização e
agem, pelo menos, em três níveis diferentes: o nível heurístico, o nível
retórico e o nível teórico. CHUPIN (2003,p. 24-25)
Ferreira e Carignani (2009) reforçam a importância da analogia no processo de
aprendizagem. “Como afirma a ciência da cognição e nos fazem entender Mariotti
(2000)174 e Hertzberger (1996)175, o aprendizado é alcançado através de dois
mecanismos, a analogia e o antagonismo, ou aprendemos seguindo o que conhecemos
ou negando o que é conhecido.”
Se considerarmos que o estudo da arquitetura se exerce experimentando, não
podemos excluir que qualquer indagação em arquitetura se estabelece por
analogias, aproximações, ou metáforas. São esses os instrumentos que os
docentes de Projeto têm ao seu dispor para estimular e ampliar os campos de
pesquisa que surjam no decurso da elaboração dos trabalhos. Se, por um lado,
é possível estabilizar determinadas intenções de orientação dos programas
letivos, por outro existe sempre uma dimensão que não é possível controlar
em pleno, a qual depende do rumo que naturalmente vai tomando a produção
dos alunos. (PINTO, 2011, p.5)
A analogia é a determinação de uma coisa pelo conhecimento de outra, por
semelhança, podendo ser compreendida como a própria identidade dessa
relação. Como diz Myrna Nascimento em sua tese176 “Arquiteturas do
pensamento”,os elementos associados por analogia se relacionam de forma
singular com sua sintaxe, com seu próprio modo de se constituir, através do
pensamento. (LACOMBE, 2005, p.4)
174 MARIOTTI, H. As Paixões do Ego. São Paulo: Palas Athena, 2000.
175 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
176 NASCIMENTO, Myrna de Arruda, Arquiteturas do pensamento, Tese de Doutorado apresentada à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2002, pp. 12-14.
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Embora, segundo Chupin (2003, 2013) o pensamento analógico necessite de
reconhecimento no campo da investigação arquitetural, encontramos vários trabalhos
que reconhecem o seu potencial como estratégia de concepção, como caminho para
compreensão de conceitos, como possibilidade de desenvolvimento do pensamento
lateral, como mecanismo de aprendizado e como campo de pesquisa.
Com os exemplos citados, percebemos que no contexto acadêmico, a analogia tem
sido utilizada e citada por autores que a defendem como ‘uma estrutura de ser e de
pensar’ a ideia arquitetural ou os conceitos necessários para compreendê-la. Para
além dos seus resultados, ela possibilita a reflexão e o desenvolvimento de uma ideia,
e a execução dessa ideia no plano material.
4.3 OS APORTES DO USO
No contexto contemporâneo, poderemos afirmar que o uso da arquitetura está
diretamente relacionado à função para a qual ela foi concebida? Não obstante, essa
primeira abordagem não implica uma limitação; pelo contrário, se isso fosse um
adágio, não haveria reformas, re-usos, adaptações, crescimentos e outras tantas
transformações relacionadas à própria dinâmica da vida. Essa primeira abordagem
refere-se tão somente, à primeira intenção de ocupação de um espaço em processo de
concepção, sabendo-se que, por vezes, antes mesmo de seu término, tudo já se
transformou.
De todo modo, devemos iniciar com a ideia de que seja a arquitetura um suporte para
as práticas sociais, mesmo que essas práticas reconstruam esse espaço, deem um novo
sentido, ou mesmo, os abandone. Boudon et al (2000) distinguem os espaços de
acordo com uma escala de usos e significados, explorando-os como espaço cotidiano,
aquele utilizado para moradia, trabalho, lazer; espaço construído, referente à cidade,
ao ambiente urbano; espaço sensível, aquele composto por relações mais íntimas e
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profundas. Assim como ocorre com a percepção, existe uma diferença entre a
realidade de uso – as práticas sociais que ocorrem de fato no espaço, e a
representação que os habitantes fazem desse espaço, não correspondendo às práticas
reais. Outra incoerência estaria presente desde o processo projetual, quando o
arquiteto não foi capaz, ele mesmo, de conceber o espaço que desejava. O uso
também está relacionado com os fenômenos sociais de apropriação do espaço,
podendo haver uma assimilação e ocupação coerente com a concepção do espaço ou a
ocorrência de deformações, transformações e transgressões, fenômenos estudados
pela sociologia de usos, pós-ocupação e sintaxe espacial.
Esses estudos de pós-ocupação colocam em evidência casos de desqualificação do
espaço com relação ao objetivo proposto. Seria, pois, o uso desses espaços pelos
usuários o acontecimento que atribui sentido ao lugar, estruturando-o pela
apropriação. Quando isso não ocorre, podemos supor que algo no processo de
concepção desse lugar foi equivocado como: diagnóstico limitado, percepção
inadequada, exclusão da participação dos usuários no processo de concepção,
dinâmica e complexidade não avaliada corretamente, desconhecimento do perfil dos
usuários, materiais inadequados, conceito da proposta imprópria, ideias fora do lugar,
entre outros.
Posto isso, refletimos sobre uma segunda abordagem colocada por Boudon et al.
(2000) com relação à concepção do espaço. Se ocorrem tantos problemas com relação
à sintonia entre a apropriação do espaço pelos usuários e o uso propriamente desse
espaço, estabelecido no ato da concepção, a afirmação inicial, com relação à
arquitetura como suporte para as práticas sociais resulta sem sentido. Assim, Boudon
questiona: não seria justo o contrário, o uso como suporte para a concepção
arquitetural? Em todo caso, o autor recua na sua suposição, uma vez que, assim como
a percepção, a representação do uso seria fundamentalmente ilusória e, quase
sempre, uma utopia. Apesar disso, para Boudon, o arquiteto não deve se esquivar da
questão e definir seu posicionamento na construção espacial, levando em
consideração todos os elementos possíveis.
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O uso é de ordem cultural, local e variável ao longo do tempo e da história. Nos artigos
pesquisados, encontramos menções com relação à inexistência de flexibilidade
suficiente dos espaços contemporâneos para responderem à dinâmica e complexidade
da cidade. Para alguns autores, nas complexas cidades contemporâneas, a apreensão
dos usos espaciais não se registra apenas por meio da fenomenologia, pela percepção,
memória, sensações e sentimentos, mas se efetua pelos estudos de sintaxe, pelo
acompanhamento das dinâmicas, das relações e fluxos entre os sistemas e
contingências. São resultados da concepção dos movimentos humanos e suas
trajetórias, como veremos nos fragmentos abaixo:
A partida para o projeto não ignora o contexto – não é uma tabula rasa –, mas
também não se dá através de uma interpretação subjetiva, amarrada a
memórias, sensações, sentimentos, mas a partir de dinâmicas, fluxos, relações
de uso, percursos traduzidos em estudos de sintaxe – relações entre sistemas
e contingências. Esses novos elementos arquitetônicos se encontram entre as
coisas que já existem, são espaços “entre”, que não apresentam origem ou
direção, mas se mostram como uma ação – que é inerente a uma realidade
que se apresenta – não há retorno, mas o estabelecimento de novas
realidades. Esses lugares se evidenciam através do conflito gerado por sua
própria existência em um meio tão diverso e se comportam como híbridos na
medida em que geram novas relações, reorganizam as redes de interação
existentes. (VIANA; RHEINGANTZ, 2011, n.p.)
Apesar das constrições estruturais ou sintáticas, a riqueza do espaço
arquitetônico consiste em atingir a complexidade da articulação sintática e
semântica. A atribuição de qualidades ou a criação de conceitos espaciais
demandam conceber não apenas conexões genéricas, mas fluxos e percepções
específicas. Constitui-se assim um terceiro eixo de interpretação, de natureza
pragmática, expressando usos e fluxos. As qualidades do espaço arquitetônico
são fruto de como se concebem movimentos humanos e percursos, e da
capacidade de o arquiteto se colocar no lugar de, ao imaginar o movimento
específico do usuário. (ABASCAL; BILBAO, 2009, n.p.)
Não se apresentam mais espaços com percursos direcionados, setores rígidos
associados a funções, mas conexões entre espaços pensados a partir de
relações desejáveis para atividades, circulação e usos. Mostram-se diversas
possibilidades de circulação e acessos. A natureza do espaço não é fixa, se
mostra variável de acordo com a necessidade ou interesse de cada um que
percorre o lugar. Desse modo, o espaço abriga a espontaneidade da
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experiência do indivíduo, sempre única. A cada evento, o espaço se
transforma em um novo lugar diferente para cada um que o experimenta, seja
pelos percursos, possibilidades de uso ou pelas novas formas de perceber a
forma. (VIANA; RHEINGANTZ, 2011, n.p.)
Os autores indicam que o espaço contemporâneo não deve possuir um uso rígido, mas
possibilitar as transformações inerentes às atividades humanas, absorver a dinâmica e
a democracia de seus usos. O tempo é diligente dos movimentos, os espaços são
híbridos e efêmeros.
A noção de tempo é substituída pela noção de situação ou ocasião, como algo
que se apresenta a partir de determinada circunstância, um híbrido. Para a
arquitetura, se coloca um impasse: como propor um edifício – por sua
natureza material e estática – frente à noção de tempo instantâneo e
efemeridade do lugar? [...] Essa nova concepção de espaço e tempo vem
trazendo transformações na concepção da arquitetura e nas relações que seus
ambientes estabelecem entre si e entre elementos exteriores na medida em
que buscam trazer a ideia de movimento para a concepção do espaço físico
da arquitetura.” (VIANA; RHEINGANTZ, 2011, n.p.)
O abandono dos espaços urbanos é outro fenômeno contemporâneo e tem resultado
em cenários desoladores e em resíduos destruidores. Rem Koolhaas (2000) compara o
entulho descartado produzido pelo homem em suas cidades, espaços abandonados,
eletrônicos, móveis jogados às ruas e toda espécie de resíduo provocado pela
sociedade consumista, com o lixo espacial [space-junk] que “emporcalha o universo”.
O junkspace [espaço-lixo] é o “resíduo que a humanidade deixa sobre o planeta. O
produto construído da modernização [...], mais precisamente, o que se coagula
enquanto a modernização ocorre, seu efeito colateral.” (KOOLHAAS, 2000, in: SYKES,
2013, p.105)
Nossa preocupação com as pessoas tornou invisível a arquitetura das
pessoas. Foi um erro inventar a arquitetura moderna para o século XX; a
arquitetura desapareceu no século XX; estivemos lendo uma nota de rodapé
com um microscópio, esperando que ela se convertesse num romance. O
junkspace parece uma aberração, mas é a essência, a coisa principal [...]
Quando pensamos o espaço, olhamos apenas o que o contém. Todas as
teorias sobre a produção do espaço se baseiam numa preocupação obsessiva
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com seu contrário: a substância, isto é, a arquitetura. (KOOLHAAS, 2000, in:
SYKES, 2013, p. 106)
O junkspace troca de arquitetura como o réptil troca de pele, e renasce todas
as segundas-feiras pela manhã... Toda materialização é provisória: cortar,
dobrar, rasgar revestir [...] Onde antes o detalhe indicava a união, talvez
definitiva, de materiais díspares, agora temos um acoplamento fugaz, que
espera por ser desfeito, desenroscado, um abraço temporário ao qual talvez
nenhuma das partes sobreviva; não mais o encontro orquestrado da diferença,
mas um impasse, o fim abrupto de um sistema. (KOOLHAAS, 2000, in: SYKES,
2013, p.108)
Além de avaliar negativamente o passado recente da nossa arquitetura, comparando-a
apenas a uma mínima nota de rodapé no grande livro da história da humanidade,
Koolhaas (2000, in: SYKES, 2013) levanta a reflexão em torno da valorização da ética na
arquitetura, e todos os aspectos inerentes à sua prática na concepção projetual. O uso
da arquitetura ou pela arquitetura estaria relacionado a uma concepção ética dessa
arquitetura, e o surgimento, portanto, de uma arquitetura autêntica.
Ética, no trato do ‘bem comum’, como se refere Pérez-Gómez (1994), não deve ser um
adendo na arquitetura, mas a sua própria razão de ser. Na abertura do livro
“Architecture, éthique et tecnologie”, Pérez-Gómez faz uma explanação lúcida e
conciliadora dos atributos inerentes à arquitetura, vistos sabiamente pelo autor, por
meio de um olhar capaz de distanciar-se do objeto pesquisado e analisá-lo numa
perspectiva histórica, sincrônica e diacrônica, ao mesmo tempo e, sobretudo,
animadora. Para o autor:
Se a dimensão ética não se percebe facilmente, é porque ela é inerente a essa
práxis e não um acréscimo exterior – a qualquer atividade puramente técnica
ou formal. Por sua vontade incansável de revelar uma ordem simbólica, os
arquitetos se esforçaram desde sempre na procura por uma existência
individual, um ambiente construído que reflita a finalidade das instituições
sociais e da vida em geral. (PÉREZ-GÓMEZ, 1994, in: PELLETIER; PÉREZ-
GÓMEZ, 1994, p.15, grifo nosso)
Para Pérez-Gómez (1994), o pensamento e a ação humana, em suas diversas
representações ao longo do tempo e em diversos lugares, são movidos por questões
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que são ‘essencialmente as mesmas’. Para o autor, a arquitetura sempre se esforçou
para situar a ação humana num quadro apropriado, representando um papel
conciliador, apesar da propensão humana pelo controle e dominação dos seus
semelhantes e do ambiente. Ele acredita que a ética na arquitetura foi incorporada aos
valores tecnológicos paradigmáticos de eficiência e de economia. Por isso, se o
arquiteto contemporâneo pretende representar um papel nesse mundo complexo,
consciente das imposições ambientais e das diferenças culturais, um mundo onde a
tecnologia continuará avançando na escala do planeta, esse profissional deve refletir
sobre as estratégias próprias para que possa revelar a capacidade que a disciplina
‘arquitetura’ tem para concretizar uma intencionalidade ética. Pérez-Gómez estimula
os arquitetos a encerrarem suas lástimas existenciais e celebrar os ‘trunfos’ da
ambiguidade inerente à arquitetura concebida como um universo poético, permeada
por discursos endereçados diretamente à concepção perceptiva e imaginativa da
humanidade, como se isso fosse o limite. Para o autor, os arquitetos podem
ultrapassar esse relativismo puramente formal, estilístico e o profissionalismo
pragmático, tirando proveito dos elementos positivos de cada momento para redefinir
o seu papel na sociedade, hoje representada por interesses culturais mais vastos e pela
universalização tecnológica e espacial. (PÉREZ-GÓMEZ, 1994)
Essa ideia de movimento no espaço arquitetônico, de natureza hibrida refletida por
Viana e Rheingantz (2011), foi uma abordagem que teve suas origens nos anos 90.
Veremos essas transposições de pensamentos, por meio do trabalho de Porto Filho
(2005), que faz uma retrospectiva dos paradigmas que influenciaram a arquitetura
desde os anos 60, retomando uma questão essencial no trato do espaço arquitetônico,
desde a sua concepção: a ascendência da ‘discursividade’ e do ‘simbolismo’ da
arquitetura dos anos 80, acabando por acelerar uma contraposição que privilegiou a
pura experiência sensorial do objeto nos anos seguintes. Para o autor:
O que ficou conhecido na década de noventa como Arquitetura Minimalista
sugeria não apenas a revalorização do esteticismo, em detrimento das
arbitrariedades semânticas, como também a abolição definitiva de qualquer
conteúdo alheio à fenomenologia da percepção. Uma posição que permanecia
curiosamente devedora dos modelos linguísticos por ela criticados, uma vez
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que acabava por legitimar os seus pressupostos e almejar, por outro lado,
‘expressar’ arquitetonicamente um ‘conceito’ previamente estipulado: o ’grau-
zero’ semântico. (PORTO FILHO, 2005, n.p. grifo nosso)
Nos anos noventa, de acordo com as pesquisas de Porto-Filho (2005), caberia aos
arquitetos dos Paises Baixos exibir uma arquitetura crítica ao ‘linguisticismo pós-
moderno’. O conhecido ‘pragmatismo experimentalista’ holandês viria demonstrar que
o verdadeiro significado da arquitetura estaria na maneira como o objeto interagia
com o vasto contexto físico-cultural de que falava Pérez-Gómez, que, propriamente, de
uma relação preestabelecida entre ‘forma’ arquitetônica e ‘conteúdo’. Isso posto, a
postura representacional da concepção arquitetônica originária de uma prática que
iniciava sua concepção por um ‘conceito’ que pudesse relacionar as questões entre a
‘ideia’ e a ‘matéria’, da qual falamos no item anterior, teria um outro caminho, com a
consignação de uma nova postura, que valorizava a “complexidade multifuncional do
fenômeno arquitetônico e a ampla investigação de cada situação projetual” para nessa
prática encontrar os elementos necessários para a concepção177.
Arquitetos holandeses, como Van Berkel, MVRDV, NL Arquitects e Rem
Koolhaas, têm também insistido em que não só os objetivos “comunicacionais”
do “paradigma linguístico” pós-moderno devem ser definitivamente
superados, mas também as próprias premissas estéticas que sempre
fundamentaram a disciplina arquitetônica [...] O que deve ser especialmente
assinalado nessa produção holandesa é, portanto, o privilégio dado à análise
dos condicionantes programáticos e contextuais e às próprias questões
metodológicas em detrimento da “elaboração objetual”. (PORTO FILHO,
2005, n.p. grifo nosso)
E foi precisamente através de estudos de métodos e estratégias projetuais,
desenvolvidos na teoria e na prática, que a figura de Koolhaas despontou a
partir dos anos oitenta como o principal marco de referência de toda uma
geração de arquitetos holandeses [...] Em vez de tentar transmitir
“mensagens” ou mesmo recuperar a homogeneidade do espaço urbano
através de preceitos racionalistas, Koolhaas pretendia encontrar na própria
instabilidade e vulgaridade da cidade a “chave” para uma nova organização.
(PORTO FILHO, 2005, n.p. grifo nosso)
177 PORTO FILHO (2005); PÉREZ-GÓMEZ (1994)
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Uma questão muito importante foi abordada no trabalho de Porto Filho (2005), em
sintonia com a opinião de Pérez-Gómez (1994) e de Viana e Rheingantz (2011). A
atitude holandesa de alimentar a sua arquitetura com a própria contradição e
dinâmica da cidade representou uma ‘reconquista’ da capacidade do arquiteto em
atuar sobre a cidade governada pelo capitalismo avançado. Para Porto Filho (2005),
essa nova postura da arquitetura holandesa “abriu os ‘olhos que não querem ver’ de
um campo disciplinar que se mostrava, se não equivocado, ao menos ingênuo em suas
tentativas de embelezar a cidade ou de exercitar analogias formais”.
[...] esta postura está antes de tudo comprometida em utilizar todo o
instrumental disponível no intuito de fazer a cidade atual inteligível, nem que
para isso se tenha que recuperar certas “continuidades” históricas não
plenamente desenvolvidas178. Essa modéstia perante o acervo cultural e os
dados do presente é parte da mesma atitude de tentar “seguir” a realidade ao
invés de “antecipá-la” com modelos idealistas, tal como pretenderam alguns
dos visionários modernistas. (PORTO FILHO, 2005, n.p. grifo nosso)
Tanto em Porto Filho (2005) quanto em Viana e Rheingantz (2011) e Pérez-Gómez
(1994), essa nova postura seria alimentada pela própria dinâmica espacial da cidade.
Para isso, a sugestão de soluções possíveis recaem naquelas abordadas por Sperling
(2008, p. 104 e 114), Quiroga (2009) e também apresentada em Viana e Rheingantz
(2011), entre elas a “arquitetura contentora de grande escala”. Essa, explorada por
Koolhaas, tem em sua gênese a referência com a ‘planta-livre’ de Le Corbusier, mas,
sobretudo, com a apreensão sensível e comprometida da cidade e sua complexidade
urbana.
[...] em vez de tentar em vão definir todas as “necessidades humanas” (tal
como pretenderam os funcionalistas) ou confiar na capacidade narrativa de
certos “signos” arquitetônicos, Koolhaas aposta numa resposta global,
susceptível de fáceis alterações, mas controlada simultaneamente pelo
envoltório externo. Isso significa que a arquitetura deve, sobretudo em
programas de grande escala, justapor dois projetos distintos: um que seja
capaz de organizar de modo flexível o interior, e outro que determine para a
178 LUCAN, Jacques (Ed.). OMA-Rem Koolhaas: architecture 1970-1990. New York: Princeton
Architectural Press, 1991.
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cidade uma imagem coesa do conjunto179. Malhas estruturais, vazios espaciais
e volumes flutuantes, quando envelopados por uma membrana exterior,
devem justamente permitir que o edifício possa, a partir do seu próprio
interior, se alterar e expandir no decorrer do tempo com grande margem de
liberdade. (PORTO FILHO, 2005, n.p.grifo nosso)
Koolhaas procura liberar os usos da arquitetura separando a arquitetura em duas
dimensões, os espaços internos que teriam uma estrutura própria, flexível e passível
de mudanças temporais, e o invólucro desse espaço, que teria uma maior relação com
a escala da cidade. Nesse caso, o ‘novo’ não estaria vinculado a uma forma ‘original’,
mas resultante de uma renúncia aos ‘esteriótipos e da superficialidade estilística’, que
tem no ‘elementarismo material’ um dos seus pontos de partida.
No entanto, nem toda arquitetura pode ser tratada como um grande contêiner,
abrigando uma diversidade de usos e atividades efêmeras. Essa parece ser uma
solução para algumas problemáticas que necessitam da concentração pontual de suas
atividades como algumas projetadas por Koolhaas nos últimos tempos, a exemplo do
Kunsthal em Roterdã; do Educatorium, em Uthercht; Seattle Public Library e dos mais
recentes Parque de Exposição, em Toulouse, e Museu Nacional de Belas Artes de
Quebec. Mas, para o próprio Koolhaas, essa solução contentora não virou estilo, pois a
consistência de sua atuação está na busca pela compreensão da problemática do
contexto e das necessidades dos usuários em cada situação. [Figuras 54,55 e 56]
179 Bigness or the problem of large. In: KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S, M, L, XL. New York: Monacelli
Press, 1995. p. 501
Figura 54 - Kunsthal –Rem Koolhaas,
OMA, 1992. Fonte: Direitos reservados
a JanvanHelleman.
Disponível em: http://www.flickr.
com/ photos/janvanhelleman/
8254911649/
Acesso em: 04/04/2013
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No contexto acadêmico, essa postura do ‘pragmatismo experimentalista’ tem
priorizado algumas ferramentas que são bastante adequadas para a abordagem
contextualista complexa. A concepção diagramática, ou aquela com o uso de
diagramas, vem surgindo como um caminho amplo, para a exploração de relações que
não são dependentes ou não encontram os seus ‘limites’ nas relações formais, como
abordou Quiroga(2009) no trato da ideia arquitetônica. São, antes de tudo, relações
topológicas, que procuram associações, conexões, fluxos, pertinências, continuidades
e devem ser compreendidas antes mesmo de tomarem alguma ‘forma’, no sentido
material da arquitetura. De acordo com os trabalhos analisados, o diagrama parece ser
uma ferramenta bastante adequada para a compreensão e concepção do espaço
contemporâneo. Assim, veremos a seguir como essa postura renovada de abordagem
Figura 55 - Educatorium, Utrecht, Holanda -
Rem Koolhaas / OMA. 1997.
Disponível em:
http://www.pedrokok.com.br/2011/04/educat
orium-utrecht-holanda/ Acesso em: 04/04/2013
Figura 56 - Seattle Public Library (2004),
Koolhaas.
Disponível em: Archdaily.com
http://blogs.providencejournal.com
Acesso em: 04/04/2013
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espacial encontra sintonia entre os pesquisadores analisados e como elas podem ser
trabalhadas no contexto acadêmico.
4.3.1 O DIAGRAMA como procedimento de exploração dos USOS e suas aplicações
no contexto acadêmico
O uso do diagrama como procedimento de ensino de projeto e como ferramenta de
investigação das relações possíveis entre as informações relativas à determinada
concepção projetual, ainda é recente no contexto brasileiro, embora o seu uso como
ferramenta de análise de projeto tenha sua utilização difundida desde o ensino
moderno. A terminologia da palavra diagrama corresponde ao termo bastante amplo
“através da linguagem”, de origem grega, surge da junção do prefixo dia (através de) e
de gramma (medida de linguagem). (GAMBARATO 2005, p.55)180.
No ensino da arquitetura moderna, o diagrama sempre esteve presente na
organização de informações relativas ao programa, organograma espacial, fluxograma,
e mesmo na análise de projetos, no estudo do zoneamento, nos esquemas de
ventilação natural e em vários outros aspectos. No entanto, tais procedimentos eram
estáticos e, por vezes conduziam às soluções tipológicas determinísticas não
contribuindo para a manipulação e transformação dessas relações.
Para Somol181, o diagrama tem sido a técnica fundamental do conhecimento
arquitetônico dos anos 1950s para cá. E, de fato, é a estratégia de análise de
projetos, tipológica ou estruturalista. No entanto, observa que nem todo
processo de projeto é diagramático. O diagrama tipológico é estático na
medida em que busca reduzir uma obra aos seus aspectos essenciais formais.”
(MIRANDA,2011, n.p., grifo nosso)
180 GAMBARATO, Renira R. (2005). O desenho do processo: diagrama tridimencional da lógica recursiva
da filosofia de Pierce. Revista eletrônica de filosofia. PUC-SP. Vol.2 Nº2 p.55-63. São Paulo.
181 SOMOL, R. E. Dummy Text, or the diagramatic basis of contemporary architecture. In: EISENMAN,
Peter. Diagram Diaries. New York: Universe Publishing, 1999.
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Com a consciência da dinâmica espacial, da complexidade urbana, da diversidade e
efemeridade dos usos, da fragmentação e do caos, e apoiados pela evolução dos
sistemas computacionais, os diagramas tornaram-se dinâmicos, possíveis de serem
manipulados e sugestivos de relações inusitadas, sendo considerados, por muitos
autores, como um meio adequado para o ensino e a reflexão projetual
contemporânea.
A possibilidade de uma arquitetura de diagramas, que estabeleça tramas para
administrar matéria e energia, pertence à nossa época de incertezas, marcada
pela dissolução das experiências tipomorfológicas, pela crise dos recursos
linguísticos e semânticos e pela progressiva escassez de recursos.
(MONTANER, 2008, p.190, grifo nosso)
O diagrama é uma linguagem que conecta informações e suas relações bem
como as interações entre tempo e espaço, comunicando potencialidades e
aceitando modificações. São as transformações per se, explicitadas por Soriano
na arquitetura como procedimento. A arquitetura gerada revela-se como um
médium que carrega informação ou um médium informacional, ao contrário da
forma pré-concebida como objeto plástico. ( MORADO NASCIMENTO,2011,
n.p., grifo nosso)
As ferramentas projetuais acompanham o seu tempo e as mudanças de paradigmas.
Dentre as teses defendidas por Vygotsky (1999)182, ao longo de sua breve e produtiva
vida, destacamos o postulado que defende que são os instrumentos técnicos e os
sistemas de signos as ferramentas capazes de estabelecer uma relação de mediação
entre o homem e o mundo. São os instrumentos e os signos, portanto, as linguagens e
as ferramentas, que, constituídos historicamente em seu meio sócio-cultural, que
mediam a relação desse homem com o mundo. Adquirindo a capacidade de criar essas
“ferramentas”, os seres humanos, ao mesmo tempo em que as concebem,
restabelecem a sua relação com os seus pares e com o seu meio, transformam o seu
meio e transformam-se a si mesmo. O renovado uso dos diagramas na atualidade seria
o reflexo dessa adaptação e transformação tanto do homem, da sua ferramenta,
quanto do meio em que vive.
182 VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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Os diagramas colocam em evidência relações entre distintos elementos e
fatores do projeto; são capazes de ir traduzindo a fluidez e a imaterialidade da
informação e dos fluxos em estabilidade material do projeto que se realiza.
Constitui-se, assim, uma obra aberta, que se quer capaz de ir integrando dados
heterogêneos e de ir-se retificando constantemente. O recurso dos diagramas
é a garantia para não se retornar às imagens retroativas da estética clássica.
(MONTANER, 2008, p.196 -197, grifo nosso)
O principal desafio, então, ao qual se propõe essa tendência é o de projetar
para uma realidade complexa em constante mudança, para a qual são
ineficientes os processos tradicionais determinísticos e lineares de
projetação que se baseiam na subjetividade artística e em decisões centradas
no autor. O recurso do diagrama torna-se, para a geração atual, a estratégia
projetual capaz de operar conjuntos complexos e variantes de forças, sem
qualquer intenção figurativa prévia. Diagramas conceituais, aliados a
sofisticados softwares de modelagem eletrônica, tornam-se importantes
ferramentas projetuais, substituindo o desenho tradicional.” (MIRANDA, 2009,
p.13, grifo nosso)
As ferramentas estão sendo usadas e estão se transformando porque o nosso modo de
relação com o mundo, com os recursos e com a atividade projetual, está em
transformação. Essa questão está bastante relacionada com a permanência ou a
transformação do habitus em Bourdieu. Aceitamos o habitus híbrido e sua natureza
dinâmica, ou estaremos fadados às reproduções e às concepções de projetos cada vez
menos adequados.
O limite do método tradicional não está apenas nos recursos utilizados e na
sua proposição hierarquizada e determinista, mas, sim, no modo de pensar a
criação do projeto de arquitetura. (LACOMBE, 2005, p.2, grifo nosso)
Nesse contexto de transformações, Miranda(2011) delega à informação, apreendida
na problemática projetual, a responsabilidade do conceito-chave do processo,
substituindo a ideia de significados diversos e oriundas de diversas fontes. As ideias
surgem no ato de informar-se, de compreender as especificidades da problemática em
questão.
“Informação” torna-se conceito-chave em substituição à ideia de significado.
Os métodos inovadores de projetação que se pretendem antiformalistas,
capazes de sintetizar os complexos dados do projeto sem qualquer intenção
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figurativa prévia, encontram no uso do diagrama a estratégia para essa
metodologia. O diagrama, portanto, surge para muitos dos arquitetos dessa
geração como uma eficaz ferramenta que, na medida em que compreende,
processa e manipula os múltiplos requisitos de projeto, aciona um processo
de geração formal livre de intenções prévias de desenho. (MIRANDA,2011,
n.p., grifo nosso)
No ensino, o diagrama possui uma grande vantagem que é aquela de não induzir o
aluno ao uso de determinada linguagem ou espectro de formas pré-determinadas. O
diagrama explora a ideia, as ideias e a relação entre elas como vimos em Quiroga
(2009). Os diagramas possibilitam o questionamento, a especulação, a
experimentação, antes mesmo do surgimento de uma proposta formal.
Quando tratamos de ensino, o diagrama (e não forma) surge a partir de e em
razão da capacidade de o estudante questionar e responder: qual o conjunto
de informações sobre o lugar (muito além do lote)? O que significam essas
informações? Como lidar com as condições próprias e únicas desse lugar,
constituído pela ação das pessoas? Como interpretar, compartilhar e
manipular esse conjunto de informações?” ( MORADO NASCIMENTO,2011,
n.p., grifo nosso)
Diagramar o espaço, portanto, é pensar sobre suas possibilidades como no
raciocínio dedutivo, estabelecendo relações, similaridades e analogias,
operando por hipóteses, experimentando, e voltando sempre sobre os
resultados e até mesmo sobre o próprio processo. Entre diagramar o espaço e
expressar o espaço, portanto, a transformação significativa está na passagem
do pensamento lógico para o analógico. (LACOMBE, 2005, p.3, grifo nosso)
O que se pode supor é que o diagrama, o raciocínio diagramático, afinado com
a analogia, o pensamento analógico, permite evoluir o processo associativo
de maneira sempre aberta. (LACOMBE, 2005, p.6, grifo nosso)
Arcipreste (2011) acredita que a ótica da complexidade vem se incorporando ao ensino
de arquitetura, por meio de saberes oriundos de outros campos, mas que estão
colaborando com a formação de dimensões críticas e operativas nos alunos. Algumas
novas ferramentas estão contribuindo para reduzir o determinismo das ações
pedagógicas e, entre elas, está o uso cada vez mais vasto dos diagramas processuais,
colaborando, inclusive, com a diminuição do valor ainda dado ao gesto criador do
arquiteto. Assim, no uso do diagrama no contexto acadêmico do ensino de projeto, a
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organização e posicionamento dos espaços são pensados topologicamente e não mais
a partir de tipologias ou funções, como ilustra Viana e Rheingantz (2011), apoiados por
outros autores:
Topologicamente o que conta é a condição relacional, a articulação ou
inflexão, a proximidade ou distanciamento, enfim, o modo como os espaços de
uma edificação se relacionam ou se articulam [...] Os espaços “entre” espaços
de uso não são programados, estimulando a circulação e interação
espontâneas – eventos [...] “O movimento, longe de ser mero cinetismo ou
ação mecânica, diz respeito ao contato dinâmico entre os corpos e entre eles e
o espaço” [...] A obra arquitetônica é pensada em termos de elementos
interligados, relações, conexões, acontecimentos, usos. (VIANA;
RHEINGANTZ, 2011, n.p., grifo nosso)
Morado Nascimento (2011) testou em sua própria disciplina o uso de diagramas no
processo projetual. Analisou esse uso na problematização da questão de projeto (onde
os alunos registraram que o uso do diagrama ajudou na compreensão das variáveis
que envolvem o projeto, no seu significado, na sistematização dessas variáveis, no grau
de importância de cada uma delas e na relação entre elas, assim como no pensar o
projeto); na elaboração da estratégia de projeto (o uso de diagramas contribuiu para a
investigação das estratégias de projeto e para as escolhas, decisões, sem, contudo,
ainda serem projeto ou espaço; relacionar hipóteses antes de “fazer o projeto”;
facilidade para justificar as escolhas do projeto a partir de uma análise bem
fundamentada.); e na apresentação do projeto (os diagramas justificam os dados
analisados e as decisões tomadas, servindo como representantes de cada etapa e
escolha). Com essa experiência, o diagrama mostrou-se um instrumento metodológico
coerente com a complexidade do projetar contemporâneo. [Figuras 57, 58 e 59]
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Figura 57 – Diagrama de análise de usos e usuários do lugar.
Fonte: Morado Nascimento (2011)
Figura 58 e 59 – Diagramas de estratégia projetual.
Fonte: Morado Nascimento (2011)
[...] o diagrama auxilia no retrato da estratégia de projeto elaborada pelo
estudante, aberta à interpretação, interação e leitura e capaz de gerar ou
produzir novas significações, sentidos ou materializações que podem mudar
com o tempo (não se congela como a planta, o corte e a fachada). Os
diagramas calcados em conhecimento geram instruções ou formas
explicitadas espacialmente em três dimensões, rompendo com o raciocínio
do “plantismo” e da extrusão de volumes, tão presente na formação dos
estudantes. Conhecimento esse que é informação apropriada pelo estudante
ou que faz sentido ao estudante, provinda das dimensões próprias da
arquitetura contemporânea[...] o diagrama torna-se instrumento
59 58
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metodológico coerente com as dimensões da arquitetura contemporânea.
( MORADO NASCIMENTO,2011, n.p., grifo nosso)
O uso do diagrama no ensino de projeto mostra-se promissor e amplo. O
procedimento valoriza as informações específicas de cada questão projetual, colabora
com a investigação das ideias, com o desencadear da percepção na análise da
problemática e com a percepção de novos usos e espaços. Facilita o pensamento
analógico por meio das relações topológicas entre os espaços e seus predicados, adia o
estabelecimento formal da arquitetura, estendendo as etapas de investigação,
possibilita a experimentação relacional do espaço, baseada nas relações espaciais e
espaço-temporais e nas ocorrências dos acasos que podem ser incorporados ao
processo. A seguir, veremos como o conceito de sistema pode contribuir no ensino de
projeto de arquitetura.
4.4 SISTEMA
Segundo Montaner (2008, p.10), em Crítica de la razón pura, Immanuel Kant definia
arquitetura como ‘a arte de construir sistemas’. O conceito também aparece em
Étienne Bonnot Condillac no seu Tratado de los sistemas (1749) e em G. W. F. Hegel
quando definiu a sistemática de articular cada parte ao todo. Como método, a Teoria
Geral dos Sistemas se consolidou na década de 60, tendo vários pesquisadores como
autores, entre eles, o sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-1998) e o biólogo
alemão Ludwig von Bertalanffy (1901-1972).
Para Boudon et al (2000, p. 42), a ideia de edifício está duplamente relacionada àquela
de sistema. O edifício articula inúmeros elementos cuja união vale mais que a soma de
suas partes, fato que levou vários arquitetos a pesquisarem sobre a relação ‘do todo
com as partes’ e ‘das partes com o todo’. Por outro lado, o edifício é parte de
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conjuntos mais amplos, como a rua, o bairro, a cidade, o campo, e com os quais ele
mantém relações sistêmicas.
Compreender a noção de sistema é entender a condição relacional que existe entre as
‘coisas’ nesse universo. É compreender que aquilo que ocorre em determinado lugar e
tempo tem repercussões em vários outros lugares e por muito tempo. Pensar de
maneira sistemática é problematizar a relação que existe entre os ‘elementos’, suas
‘regras’ ou ‘sentido’ que sustentam as relações. Faz parte da natureza dos sistemas a
sua dinâmica, sistemas não são estáticos, mesmo que estejam fixos como os edifícios,
mas forças atuam, a todo o momento e colocam a prova o seu equilíbrio.
Para Boudon et al. (2000), a noção de sistema é determinada por um arranjo de
elementos governados por regras explícitas que determinam a dinâmica, as relações
desses elementos entre eles, assim como suas relações com a totalidade do sistema.
Na concepção de um edifício, pensar o projeto em termos de sistemas pressupõe
aceitar a evolução conjunta dos elementos e do próprio sistema. Os exemplos citados
por Boudon et al. (2000) mostram a diversidade de sistemas possíveis e as relações e
implicações entre eles. O sistema construtivo, o sistema urbano, o sistema social, o
sistema econômico e tantos outros são sistemas que possuem, cada um a sua maneira,
regras e relações próprias, que provocam e, ao mesmo tempo, sofrem interferências
entre eles, suscitando suas transformações.
Da mesma maneira, um mesmo elemento pode, ao mesmo tempo, fazer parte de
vários sistemas; isso transforma a apreensão dos sistemas numa tarefa bastante
complexa. Isso é muito comum nos sistemas sociais, onde pessoas participam de
diferentes grupos de interesse, ou de valores. Enquanto arquitetos e professores,
fazemos parte dos sistemas relacionados à arquitetura, ao mesmo tempo em que
participamos do sistema educacional.
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Como vimos em Bourdieu, nossas práticas pedagógicas são regidas por um sistema de
valores que fazem parte do nosso habitus183 constituído e internalizado por meio das
relações sociais que vivenciamos ao longo da nossa vida e, em especial, nos processos
de formação. O sistema de valores é um sistema abstrato que rege vários sistemas
materiais dos quais fazemos parte.
Em Boudon et al. (2000), a noção de sistema é, ao mesmo tempo, abstrata e material.
Durante a concepção arquitetural, o aluno ou o arquiteto procuram criar um sistema
entre os elementos do seu projeto, um sistema que para ele será materializado em
forma construída. No entanto, durante a concepção, a representação desse projeto
enquanto sistema, ou enquanto elemento de um sistema, ainda não pode ser
considerado concreto, ainda faz parte do universo de um sistema de representação,
portanto ainda abstrato.
Para compreender melhor a natureza dual dos sistemas, Boudon et al. (2000) a
esclarece com a descrição de um sistema de cobertura sustentada por abóbadas e
nervuras. As abóbadas podem ser apreendidas como um sistema construtivo, um
sistema de cobertura ou um sistema de composição. Mas cada um desses sistemas se
aplica a um objeto arquitetural concreto, uma catedral gótica, por exemplo. Assim, a
maneira como pensamos e como se organizam os sistemas é abstrata, eles existem por
suas relações, ou por relações pensadas por seus criadores.
A permanência de um sistema possui relação com a capacidade que esse sistema
possui de se transformar. Para ser dinâmico, um sistema deve permitir modificações
em seus elementos e nas relações que eles possuem entre si, e com o conjunto. Essa
capacidade de transformação sem prejudicar a integridade do sistema é uma busca
constante na concepção arquitetural.
Nos trabalhos analisados, a palavra sistema foi utilizada diversas vezes, na
identificação dos sistemas que envolvem o ensino e a concepção projetual da
183 Habitus em Bourdieu - "sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas
estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e das
ideologias características de um grupo de agentes." (BOURDIEU, 1999, p. 191).
BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectuale habitusde classe. In: BOURDIEU, Pierre. A
economia das trocas simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli. 5ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
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arquitetura: sistema simbólico, sistema de pensamento, sistema de significações,
sistema de relações arquitetônicas, sistema construtivo, sistemas formais, sistemas de
representação, sistema cognitivo, sistema de signos. Todas as abordagens possuem
uma compreensão, mesmo que não explícita, de que um sistema é composto por
elementos ou valores que estão ligados por relações organizadas por princípios ou
conveniências.
No ensino da concepção projetual, a noção de sistema, ou visão sistêmica é valiosa e
pode ser apreendida. Em “Introdução ao método de Leonardo da Vinci”, obra escrita
por Paul Valéry em 1919, encontramos o registro do espírito criativo e sistêmico de
Leonardo da Vinci e sua principal característica, aquela de conseguir relacionar e fazer
analogias entre elementos de mundos diferentes, em busca de uma lei de
continuidade que quase sempre nos escapa. Essa visão sistêmica da criação, tão
precocemente anunciada, onde o processo de concepção é mais valorizado que a
própria obra, é a essência da arquiteturologia na visão da poietique Valeryana.
Ao analisar a produção selecionada percebemos que o conceito de sistema foi pouco
utilizado. Como vimos, foram reduzidas às menções dos autores, pois referencias ao
termo se deram de maneira teórica, generalista e não aplicada, alusiva aos sistemas
estruturais, sistemas de ensino, sistemas ambientais, sistemas simbólicos, entre
outros. De maneira que, não foi possível explorar os seus desdobramentos no contexto
analisado. Isso nos leva a questionar, que tal fato, pode estar vinculado à
fragmentação do próprio ensino de arquitetura que impossibilita a visão integradora
que esse conceito possui por sua natureza.
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4.5 DISCURSO
Os arquitetos desenham, representam a arquitetura, suas ideias, mas também falam e
escrevem produzindo o discurso que justifica as razões de suas reflexões e das suas
escolhas. O discurso em Boudon et al.(2000) é um importante meio para a
compreensão da concepção projetual, embora ela tenha um aspecto adaptável, pois é
um enunciado proferido numa situação específica e endereçada a um interlocutor ou
grupos de interlocutores. Em certas ocasiões, o discurso modifica-se para se adaptar
aos interesses de quem ouve sem, contudo, perder sua essência. Isso se deve ao fato
de que um discurso possui uma finalidade, não são palavras sem sentido, são
intenções. O discurso de interesse da arquiteturologia é aquele que corrobora para a
compreensão da concepção arquitetural.
Interessa à arquiteturologia (Boudon et al., 2000, p.48) qual a finalidade discursiva dos
arquitetos? Qual o significado das palavras usadas no discurso? Qual o sentido de
frases como “menos é mais” (Mies) e “eu amo a complexidade” (Venturi)? Os discursos
arquiteturais modificaram-se ao longo da história: de tratados, aos manifestos e às
formas livres. Todos carregados de um pensamento que revelam os sistemas de
pensamento de suas épocas.
Os discursos são impregnados de valores, que são transmitidos na intenção de cooptar
os ouvintes para propósitos daquele que se pronuncia. Bourdieu (1983a) 184 caracteriza
o discurso como um bem simbólico que pode estar permeado de valores diversos de
acordo com o lugar em que ele é proferido. A eficácia de um discurso, seu poder de
convicção, possui relação direta com a autoridade de quem o pronuncia. A
competência de quem discursa não está apenas associada à capacidade oratória do
184 BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas linguísticas. In: ORTIZ, Renato (Org) Pierre Bourdieu :
socioiogia I. São Paulo : Ática, 1983a. Cap.5,p. 156-183
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sujeito, mas aos valores que ele representa ou defende no contexto do campo cultural
ao qual pertence.
Para Bourdieu (1983a, p.163), um discurso legítimo deve preencher características e
pressupostos tácitos para atingir sua eficácia: ele deve ser pronunciado por um
locutor legitimo, isto é, a pessoa certa, com predicados que legitimem o seu conteúdo;
da mesma forma, ele deve ser proferido numa situação legítima, num local que
valorizará sua mensagem, e dirigida a destinatários verdadeiros, dispostos a receber o
discurso, além de ser pronunciado nas ‘formas fonológicas e sintáticas’ adequadas
para que tenha aceitabilidade.
Por isso, Bourdieu (1983a, p.162) acredita que, para que a mensagem do discurso seja
recebida com eficiência, é necessário que as condições para a sua aceitabilidade
estejam reunidas, e isso não se faz apenas por meio do discurso, como veremos:
A verdade da relação de comunicação nunca está inteiramente no discurso,
nem mesmo nas relações de comunicação; uma verdadeira ciência do discurso
deve buscá-la no discurso, mas também fora dele, nas condições sociais de
produção e de reprodução dos produtores e receptores e da relação entre eles
(por exemplo, para que a linguagem de importância do filósofo seja recebida, é
preciso que estejam reunidas as condições para que ela seja capaz de obter a
importância que a elas se concede). (BOURDIEU, 1983a, p. 162)
No ensino de projeto de arquitetura, é comum que o discurso proferido por
professores que possuem uma produção prática respeitada, seja bastante aceito entre
os alunos. No campo da arquitetura, como vimos, a prática profissional é um valor
reconhecido entre os agentes do campo, de maneira que suas obras acabam por
legitimar sua competência para o discurso doutrinal. Alguns professores acreditam ser
imprescindível ao professor de projeto essa prática projetual, cada vez mais rara.
São completamente outras as condições de mercado de trabalho hoje, bem
mais diversificado em termos de opções e de clientela para arquitetura, e
muito mais competitivo, face ao período dos nossos grandes mestres; são
outras as condições de acesso ao ensino superior, cuja oferta de vagas foi
espantosamente ampliada, estendendo-se a outros extratos sócio-culturais, no
desdobramento do processo de sua universalização; no país, vai rareando a
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presença, na docência, dos chamados grandes arquitetos, principalmente na
graduação; acompanha a abertura dos novos cursos de arquitetura e
urbanismo a demanda por professores - vários deles, sem experiência
profissional mais consolidada e sem experiência docente, vão repetindo as
práticas usuais herdadas [...](TEIXEIRA, 2011, n.p. grifo nosso)
Um discurso doutrinal é utilizado para dar sentido e legitimar os fundamentos e
pontos de vista do arquiteto sobre a arquitetura que defende. Na arquitetura, ele está
a serviço do objeto, a própria arquitetura, mas, também, é feito para proteger o autor
do discurso, para fornecer certezas e para guiá-lo em seu caminho criativo. É um
discurso sedutor, pois seus argumentos são legitimados por conceitos e exemplos. Os
conceitos ou predicados daquilo que se julga ser essencial determinam objetivos,
definem restrições gerais e possuem uma aparência de consistência para que possa
servir de caminho para o processo criativo. Um conjunto de preceitos pode ter valor
como programa operatório para um artista. (BOUDON et al. 2000, p. 49) Em muitos
casos, o discurso possui seus verdadeiros interesses velados por uma oratória
construída por conceitos técnicos ou pseudocientíficos, para que, por meio deles e de
forma indireta, se possa assegurar a consolidação de valores próprios.
Tanto a pratica do projeto arquitetônico como as ações do seu ensino
precisam ser percebidos como atos volitivos e políticos. Os processos de
contínuas tomadas de decisão do desenvolvimento projetual ocorrem no jogo
entre as intencionalidades individuais, que carregam vivências, histórias,
visões de mundo e valores próprios do sujeito projetista e os saberes,
conteúdos disciplinares e valores do campo arquitetônico, definidos por
discursos próprios, manifestos e perpetuados nas tradições da linguagem, das
convenções gráficas. (ARCIPRESTE, 2011, n.p. grifo nosso)
A Teoria, na forma de discursos prescritivos, cumpre o papel de elaborar os
princípios dessa fonte de autoridade, derivada da tradição e da história,
ligando-os aos sistemas de pensamento e ideologias de um contexto cultural
amplo, fornecendo, assim, guias para a Prática, sejam em forma de modelos,
preceitos, doutrinas ou padrões de excelência e competência arquitetônicas. O
modelo clássico, por exemplo, trazia em si uma autoridade conferida à
tradição pela sua representação de valores e verdades, sejam da ciência,
filosofia ou religião. Perante as crises dessas autoridades e da tradição, como
da própria linguagem arquitetônica, a busca por novas bases fundantes
impulsiona a diversificação do escopo e dos tipos do discurso teórico. Nesse
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processo, a natureza da teoria da arquitetura, partindo de um caráter
essencialmente prescritivo, presente nos tratados, transforma-se em um saber
reflexivo, analítico e crítico. (MIRANDA, 2009, p.9, grifo nosso)
Com base em Bourdieu e Saint-Martin (1999), Arcipreste (2011) reafirma a importância
do ensino-aprendizagem de arquitetura e urbanismo como um espaço importante na
formação do habitus de classe do arquiteto, pois, além da educação técnica própria da
profissão, as ações pedagógicas colaboram para o desenvolvimento do habitus
profissional que vai sendo moldado por meio dos discursos, das posturas e nas ações
de professores e alunos. “Através de esquemas linguísticos e intelectuais em que o
pensamento segue redes de caminhos no discurso disciplinar, delimita-se o que é
legítimo e o que não é, na escola e na profissão.” (ARCIPRESTE, 2011) Nesse mesmo
caminho, Kato e Righi(2011) expressam a importância do discurso sobre a validação do
que fazem os arquitetos.
[...] os discursos dos arquitetos constituem um dos instrumentos de luta
simbólica na medida em que possibilitam expressar simultaneamente
sua visão de mundo e o habitus legitimado no campo de sua
produção profissional. Os discursos que circundam as produções
arquitetônicas particulares – as obras criadas - contêm posições
avaliativas sobre a importância e o significado daquilo que fazem e
demarcam, num balanço relacional com a produção arquitetônica de
outros, identidades e divergências. Revelam, no interior dessa esfera
pública singular, as posições de distinção que ocupam ou que almejam
ocupar.” (KATO; RIGHI, 2011, n.p. grifo nosso)
Em muitos casos, o discurso é repetido por professores e alunos, sem a devida reflexão
de seu sentido e, principalmente, sem o atestado de sua validade frente às mudanças
contextuais do tempo, deixando de ter um papel protagonista na prática projetual.
Continuamos não só repetindo o discurso, mas, em muitos casos, as práticas
pedagógicas que alimentaram esse discurso.
Em seu trabalho, Miranda (2005) investiga o ensino de projeto a partir da
problematização da relação entre a prática e a teoria da arquitetura. Parte de uma
constatação com relação à incoerência de teorias normativas e metodológicas para
prescrição da prática atual. Os “discursos tendem a um distanciamento da realidade,
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 284
enquanto que a prática, carente de fundamentos que lhe confiram legitimidade,
incorre no risco de uma produção irrefletida”. A autora concluiu que o papel da teoria
hoje deve ser aquele de exercer a crítica e a reflexão dos fundamentos ideológicos e
amarras tradicionais da produção arquitetônica; só assim poderemos renovar a práxis
por meio da experimentação consciente e criativa de procedimentos e ferramentas.
No contexto acadêmico, devemos rever a dicotomia estanque entre as disciplinas
teóricas e práticas.
Na arquitetura, os paradigmas são mantidos através do discurso, por
repetição, muito mais do que pela argumentação. A arquitetura utiliza-se dos
chavões (ditos), aforismos (definição de princípios), axiomas (premissa aceita
sem necessidade de demonstração), como forma de disseminar princípios.
Teoria como história da arquitetura, que guia a prática, é um dos grandes
mitos: O design–talking (discurso) seria a explicação científica por mediar a
passagem dos conceitos integrados mentalmente com o fazer. Daí, os slogans,
aforismos, axiomas e ditados serem as formas mais simples de mitos
estabelecidos, facilmente assimilados, tornando-se os meios mais fáceis de
disseminar ideias de arquitetura como: Form Follows Function (Frank Lloyd
Wright); Less is More (Ludwing Mies Van der Rohe); Less is Bore (Robert
Venturi); Form Folows Fiasco (Peter Blake).” (VARGAS, 2005, p.2, grifo nosso)
Cabe ainda destacar que as práticas de trabalho não constituem nesses
discursos objeto de reflexão e designação, justamente porque, ao conter
conhecimentos específicos adquiridos e experiências incorporadas, são
tidas como evidentes e senso comum na sua esfera pública de
interlocução. As práticas de trabalho ou, como o trabalho é feito, exprime
o habitus, enquanto ações valorizadas e prestigiadas neste campo.” (KATO;
RIGHI, 2011, n.p. )
Além da função de legitimação com relação aos seus pares, o discurso dos arquitetos
também possui um valor representacional, é nele que o arquiteto descreve e justifica a
sua proposta. O discurso, para Boudon et al. (2000, p. 50), pode ir além da proposta
arquitetural, ou do que enxergamos nela, pois ele pode conter uma dimensão
narrativa e simbólica que as imagens não consigam expressar. Essa dimensão narrativa
permite ligar elementos do projeto, dar continuidade a proposta e significado antes
não percebidos. Permite contextualizar a proposta numa dimensão temporal,
geográfica, cultural e social, uma vez que justifica as escolhas do arquiteto,
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|SOBRE O ENSINO DA CONCEPÇÃO PROJETUAL|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 285
relacionado-as aos paradigmas vigentes. As palavras, durante um processo de
concepção, são tão importantes quanto os desenhos. Os arquitetos imaginam seus
projetos também por meio das palavras.
Para Boudon et al. (2000), a linguagem pode contribuir na concepção, em forma de
narrativa, ao lado do programa. Para que o discurso seja uma habilidade a ser
desenvolvida na educação do arquiteto, o autor propõe uma série de exercícios que
ora partem da imagem de um projeto, para que os alunos proponham um texto que o
transforme em programa e, em seguida, em um novo projeto; ora o exercício parte de
um texto descritivo narrando detalhes de um espaço para que o aluno produza um
ambiente a partir da descrição, registrando as percepções que se pode ter do espaço e
associando uma série de desenhos que possam ilustrar o espaço descrito. Nesse
caminho, alguns autores pesquisados trabalham com exercícios que utilizam textos,
ideias, imagens e projetos.
Gouveia et al. (2011) utilizam textos de Ítalo Calvino combinados com peças de
Shakespeare como instrumentos mediadores para ativar a imaginação visual na
concepção projetual. As “Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino são utilizadas como base
para reflexões e pesquisas do fenômeno urbano e como ponto de partida didático para
a apreensão e reflexão sobre a cidade. Segundo os autores, essa escolha se deu,
também, em função do método empregado no exercício de projeto: a combinação. Os
alunos deveriam combinar uma das obras de Shakespeare com uma das Cidades de
Calvino, resultando não em um novo texto, mas em um cenário para uma encenação
de rua. Os autores esclarecem que, “apesar de a técnica da combinação propiciar a
mistura dos dois elementos, um deles tem preponderância valorativa sobre o outro.
Nesse caso, Calvino deveria dar a base da configuração do cenário para a trama
narrada por Shakespeare.” (GOUVEIA et al., 2011, n.p. )
Esse conjunto de etapas despertou no aluno a necessidade de entender novos
métodos e possibilidades, gerando o conhecimento de outros repertórios.
Assim, o exercício estabeleceu a tradução das obras literárias em imagens
mentais (paisagens) e destas para imagens gráficas e estereográficas
(desenhos e maquetes). Possibilitou também estabelecer relações espaciais
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 286
entre os atributos das cidades e o trabalho do ator, resultando em cenários
originais, adequados à execução das cenas. (GOUVEIA et al., 2011 n.p.)
De acordo com as considerações finais dos autores (GOUVEIA et al., 2011 n.p.), os
resultados mostraram que a combinação de linguagens diversas, utilizada de maneira
não usual e relacionada de maneira própria ao repertório do aluno, pode contribuir
para fomentar o imaginário e com isso colaborar para o despertar criativo tão
necessário ao exercício do projeto de arquitetura.
O trabalho de Elali (2011 n.p.) procurou estimular o trabalho com múltiplas
inteligências para a definição do partido arquitetônico com o objetivo de contribuir
para o desenvolvimento de outras linguagens úteis e auxiliadoras da concepção
projetual. O exercício proposto associou dois tipos de inteligência: a
espacial/propositiva e a linguística/descritiva. Os alunos foram estimulados a escrever
um texto detalhado que antecipava as ideias pretendidas para o projeto a ser
elaborado e, a partir dele, materializar a arquitetura. A autora concluiu que tal
procedimento antecipatório de reflexão contribuiu para facilitar “o enfrentamento do
papel em branco e a definição de conceito e partido.”
Fonseca e Rheingantz (2011) apresentam um trabalho baseado nas traduções da
abordagem sócio-histórica do desenvolvimento humano, elaborada por
Vygotsky(1984, 1993). A experiência apoia-se ainda nos fundamentos de Paulo Freire
(2001), George Snyders (1993) e Sandra Corazza (1991), empregando uma
metodologia coerente com a concepção dialética do processo educativo, segundo a
qual, o conhecimento é um processo de transformação da realidade que parte da
prática (sincretização), teoriza a partir dessa prática (teorização ou análise) e volta à
prática para transformá-la (síntese). (CORAZZA, 1991; JARA, 1985 apud FONSECA;
RHEINGANTZ, 2011).
O foco do trabalho dos autores está na apresentação detalhada do primeiro módulo da
disciplina (sincretização) no qual é desenvolvido um exercício nomeado como Projeto
dos Desejos. Nesse módulo, valorizam-se os conhecimentos prévios do aluno e as
interações entre os diversos atores (humanos e não humanos) envolvidos na disciplina.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 287
A primeira etapa incentiva os alunos a definirem os elementos que nortearão o seu
projeto. Para isso, cada aluno deve redigir uma frase-conceito que represente a sua
ideia inicial e, em seguida, dez frases complementares que possam conter os principais
predicados da sua futura proposta. O momento seguinte busca investigar e associar
fatos/situações da realidade social relativas ao problema proposto e, na etapa final, o
aluno deve buscar a reunificação dos elementos que foram construídos
separadamente na tentativa de realizar um rebatimento entre os desejos anunciados
textualmente, o programa e o projeto. O exercício é elaborado em várias etapas com
construções individuais e coletivas, acompanhado pelos professores, cuja principal
função é fomentar questionamentos para que os próprios alunos tomem suas
decisões. Os autores avaliaram a experiência como bem sucedida, principalmente no
quesito de valorização dos conhecimentos prévios dos alunos e na sua capacidade.
Percebeu-se com facilidade a relação entre a frase, os desejos [diretrizes projetuais] e
o projeto final.
Seguindo as mesmas bases teóricas e metodológicas, encontramos similaridade nos
trabalhos de Rheingantz et al.(2009 n.p.), “Escola na escola: reflexões sobre um
método de ensino de projeto de espaços para o ensino fundamental” e, Rheingantz et
al.(2003), “A construção social do conhecimento no atelier de projeto de arquitetura”.
Nos trabalhos acima analisados, destacamos o esforço empreendido pela busca de
bases teóricas que possam dar sustentação às práticas pedagógicas, uma aproximação
coerente e bem apropriada de teóricos do campo da educação e uma postura
educacional que tem por base a valorização dos saberes aportados pelos alunos para,
a partir deles, iniciar as novas descobertas. Além disso, essa abordagem centrada na
figura ativa do discente busca estimular seus valores e capacidades para que possa
aflorar a criatividade como motor de todo o processo. O uso das ‘múltiplas
inteligências’ estimula o exercício dos vários sentidos, fazendo com que os
conhecimento possam ser consolidados.
Posto isso, reconhecemos a importância que Boudon et al.(2000) confere ao exercício
do discurso e ao valor das palavras como facilitadores do processo de concepção
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 288
projetual. Além de esclarecer as decisões tomadas por arquitetos em suas produções,
é fonte de inspiração para a concepção. As palavras possuem significados valiosos na
arquitetura, antes de ser uma coisa construída, a arquitetura é o resultado de um
trabalho intelectual complexo que envolve diversos atributos e sentidos.
Para Boudon et al.(2000) ideia, percepção, uso, sistema e discurso são conceitos-chave
para a concepção projetual. Nosso desejo foi trabalhar com referenciais teóricos que
nos oferecesse um conjunto de conceitos de natureza híbrida, flexíveis, que pudessem
se transformar com o tempo, mas que mantivessem a sua essência preservada.
Percebemos que isso só seria possível se tais conceitos possuíssem a capacidade de se
renovarem com a prática, o que foi demonstrado com os conceitos sugeridos pela
arquiteturologia. A práxis foi o elo entre todos.
Aproveitamos esses conceitos para analisar a posição dos autores pesquisados no
campo do ensino da concepção projetual e da educação do arquiteto. Tais conceitos,
ao adquirem diversos significados e abrangências, denotam a sua característica
abstrata e, portanto, passíveis de adaptações temporais e teóricas, permanendo no
universo do glossário arquitetônico. A seguir, analisaremos o ensino de projeto de
arquitetura a partir da perspectiva do aprender a projetar, considerando o
pensamento complexo como um modo de conhecimento adequado para a abordagem
projetual em arquitetura.
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 289
sobre o saber aprender a projetar
Neste capítulo, trataremos do ensino de projeto de arquitetura a partir da abordagem
direcionada ao seu aprendizado, ao saber aprender a projetar, numa perspectiva que
procura dar ênfase ao aprendizado do aluno, e como o docente pode colaborar com
esse processo cognitivo. Com isso, não estamos querendo separar o processo ensino-
aprendizagem em duas ações independentes; pelo contrário, toda a construção desse
trabalho caminha no sentido de conferir significado ao processo conjunto, pois
acreditamos que o ensino não tem sentido sem o aprendizado de quem está disposto
a aprender. No entanto, existem particularidades na questão do aprender a aprender,
de maneira que saber aprender a projetar pressupõe um recorte epistemológico
centrado no aluno, no sujeito que precisa dominar algo que facilitará o seu
aprendizado e nos procedimentos docentes que colaboram com a apreensão desse
aprendizado para o aprender específico, em nosso caso, o aprendizado projetual.
Nessa perspectiva, adotamos o suporte teórico de Trocmé-Fabre (2004) em “A árvore
do saber-aprender: rumo a um referencial cognitivo” pela sua abordagem
transdisciplinar em busca de uma unidade do conhecimento. Essa perspectiva, no
contexto pedagógico do ensino de projeto, nos coloca em sintonia com as visões
pedagógicas que estimulam atividades que tenham como princípio a integração de
conteúdos disciplinares, para que possam contribuir para uma compreensão da
natureza complexa da realidade. A visão transdisciplinar procura articular elementos
que nos remetem ao entre, ao através e ao além das disciplinas, mostrando-se uma
alternativa epistemológica à compartimentalização do conhecimento no ensino de
5 A perspectiva do aprender a projetar
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 290
projeto de arquitetura. Assim, nos interessa refletir neste capítulo: como a
complexidade é vista na abordagem da problemática projetual e quais os caminhos
utilizados pelos professores para possibilitar o aprendizado do projeto de arquitetura
sob a lente dessa teoria do conhecimento?. Aproveitaremos o conteúdo abordado nas
etapas propostas por Trocmé-Fabre (2004) para avaliarmos essas questões junto aos
trabalhos analisados. Como foi feito em vários capítulos desta tese, as questões são
permeadas de referências dos autores, para que possamos compreender
adequadamente as suas colocações.
Antes de iniciarmos com a fundamentação teórica de Trocmé-Fabre (2004), torna-se
importante que compreendamos a diferença entre multidisciplinaridade,
pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, ações que possuem
sutis diferenças. Para isso, adotaremos a definição de Rocha Filho (2009)185.
A multidisciplinaridade, de acordo com Rocha Filho (2009, p.36), está representada
pela atenção de várias “disciplinas sobre um objeto de uma única disciplina,
simultaneamente.” No caso do ensino de projeto, a problemática projetual estaria
sendo analisada por disciplinas de conhecimentos diversos como: a sociologia, a
engenharia ou o direito ambiental, entre outras. [Figura 60]
Figura 60 – Esquema da abordagem multidisciplinar
elaborado a partir de Rocha Filho (2009).
185 ROCHA FILHO, João Bernardes da. Transdisciplinaridade: a natureza íntima da Educação Científica/
João Bernardes da Rocha Filho, Nara Regina de Souza Basso, Regina Maria Rabello Borges – 2. Ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2009.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 291
A abordagem interdisciplinar consiste na transferência de métodos de uma disciplina
para outra disciplina. No caso da problemática projetual, por exemplo, poderemos
imaginar a análise de uma comunidade, onde se pretende intervir, por meio de uma
abordagem sociológica. [Figura 61]
Figura 61 – Esquema da abordagem interdisciplinar
elaborado a partir de Rocha Filho (2009).
A transdisciplinaridade, segundo Rocha Filho (2009, p.36) “envolve os elos de ligação
entre as disciplinas, os espaços de conhecimento que consubstanciam esses elos,
ultrapassando-as com o objetivo de construir um conhecimento integral, unificado e
significativo[...]” Nessa abordagem, mais importante que o recorte feito por cada
disciplina sobre a problemática é o conhecimento integrado dessa problemática vista
com toda a sua complexidade e não por ‘lentes’ isoladas. Evita-se a fragmentação do
objeto de estudo. [Figura 62]
Figura 62 – Esquema da abordagem transdisciplinar
elaborado a partir de Rocha Filho (2009).
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 292
Enquanto a disciplinaridade pode inscrever-se num único nível da realidade,
restringindo sobremaneira o campo de possibilidades de ação, a
transdisciplinaridade envolve uma atitude vinculada à complexidade, ou seja, à
disposição e à capacidade de posicionar-se ativamente perante os diversos
níveis da realidade.(ROCHA FILHO, 2009, p.36)
Os diagramas abaixo ilustra, a abordagem pluridisciplinar que trata da obserservação
da problemática realizada por várias disciplinas do conhecimento, havendo troca de
saberes entre elas, mas preservando seus campos de conhecimento. Geralmente é a
aborgagem mais utilizada nos cursos de arquitetura que experimenta uma integração
de conteúdos. Nesses casos a problemática projetual é partilhada por várias
disciplinas, geralmente do mesmo período, na intenção de construção de um
conhecimento único ou partilhado. [Figura 63]
Figura 63 – Esquema da abordagem pluridisciplinar
elaborado a partir de Rocha Filho (2009).
Retomando a questão da integração de conteúdos, nos trabalhos186 analisados, existe
uma adesão bastante grande pela aceitação e procura da integração de conteúdos no
ensino de projeto. É bastante difundido o discurso de aproximação entre a teoria e a
prática projetual, assim como, experiências de ateliês verticais. A busca por uma visão
mais completa do problema arquitetônico já é um fato no ensino de projeto; no
entanto, as atividades ainda não conseguem refletir essa intenção.
186 Trabalhos que abordam a transdisciplinaridade: (PORTO CARNEIRO, 2005); (LAMB; AFONSO, 2005) e
(GRIGOLETTI ET AL., 2009). Trabalhos que abordam a interdisciplinaridade: (PANET; PEIXOTO, 2003);
(SEGUEL BRIONES, 2005); (PORTO CARNEIRO, 2005); (SILVA, V., 2005); (CUNHA et al., 2005);
(MANO; LASSANCE, 2009); (ANELLI, 2009); (VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2009); (ALCANTARA;
RHEINGANTZ, 2011); (PELLEGRINI et al., 2011)
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 293
O conhecimento na própria ação em projeto é tácito-processual e incorpora
conhecimentos declarativos-explícitos que ocorrem simultaneamente quando
se consegue transdisciplinarizar os conteúdos e obter a síntese. Esse saber é
práxico, não separa teoria e prática, junta-as no gesto do desenho e
predomina, organiza e comanda todos os outros saberes precedentes que
interferem no projetar. O conhecimento na ação implica saberes de todas as
ordens: históricos, científicos, técnicos, empíricos, artísticos e também
ligados a incompletudes, aleatoriedades que são inseridos em movimentos
pendulares espiralados que permeiam todos os recantos, até que se chegue a
uma imagem que o autor considera como final, havendo a preponderância de
um saber especial e difícil de definir que comanda e condiciona todos os
outros . (MERLIN, 2005, p.1)
Diversas teorias arquitetônicas fazem analogias à forma tecnológica de operar
de seu momento histórico, como: a metáfora da máquina na arquitetura
moderna, as interpretações da cidade como um organismo, a lógica mecânica
presente nas arquiteturas panópticas, a transposição da lógica da cibernética
para os sistemas cognitivos, entre outras. Desse modo, compreende-se que o
conhecimento deve ser sempre transdisciplinar187 rompendo as barreiras dos
campos do conhecimento, já que o objeto de análise não é autônomo ou
independente, mas se configura a partir de relações com diversos campos do
saber, não pode ser reduzido, mas abordado em sua complexidade.” (VIANA;
RHEINGANTZ, 2011)
A proposta transdisciplinar de Trocmé-Fabre (2004) é apresentada por meio de uma
modelização aberta que possibilita a criação de conhecimento e de saberes em
diferentes níveis de realidade e percepção. Quando falamos em modelização para
pesquisadores arquitetos, encontramos uma reação negativa, pois é comum
relacionarmos a palavra a modelos, procedimentos ideais, tipo, entre outras acepções
que possam limitar nosso exercício de liberdade diante do trabalho da docência e,
principalmente, da criação. Não é o caso da proposta de Trocmé-Fabre (2004). Pelo
contrário, a maneira como a proposta é conduzida nos remete a uma prática bastante
aberta às contribuições dos atores integrantes e colaboradora de uma visão sistêmica
dos processos. Não se configura, pois, como um modelo estanque. São etapas que
187 Cabe ressaltar aqui a diferença entre os conceitos de transdisciplinaridade e interdisciplinaridade. O
primeiro, como o seu prefixo já diz, transcende as disciplinas e desfaz seus limites, voltando sua atenção
para o conteúdo do conhecimento; o segundo se dá entre as disciplinas, ou seja: utiliza diferentes
disciplinas estabelecendo relações entre elas, mas ainda reconhece seus limites e os identifica (MORIN,
1984: 311)
MORIN, Edgar. Ciencia con Consciencia. Barcelona: Anthropos, Editorial del hombre, 1984.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 294
orientam o trabalho pedagógico reflexivo do professor e do aluno, frente ao
aprendizado de ambos e, principalmente, do último. Não existe a pretensão de definir
métodos ou procedimentos, mas de apresentar questionamentos para a reflexão de
acordo com o percurso educativo.
A contribuição da abordagem sistêmica e a importância de uma tomada de
consciência da complexidade do real me convidaram a explorar uma
metodologia de abertura, condutora por natureza, que ousa operar as
‘brechas’ nos fechamentos e hábitos restritivos de pensamento, a fim de
trabalhar, segundo os termos de Edgar Morin, ‘por uma democracia
cognitiva’. (TROCMÉ-FABRE, 2004, p.24)
Trocmé-Fabre (2004, p.9-11) relata a evolução da sua proposta, que vem sendo
elaborada desde 1992, com a publicação de “Le savoir-apprendre, logique, étapes et
structuration”. Um texto que colocou o ato de aprender no centro de suas
preocupações e de numerosos pesquisadores. Seus estudos seguintes frutificaram em
sete vídeos relacionados à mesma temática do aprender: “Né pour apprendre”. A
autora comenta que esse trabalho foi elaborado por meio de um processo cíclico entre
a pesquisa, a escrita, o questionamento e a escuta de diversos atores pertencentes ao
universo educativo. O trabalho continuou evoluindo de maneira colaborativa,
resultando na “ A Árvore do Saber-Aprender” proposta que foi publicada no final dos
anos 90 e revisada nas edições seguintes. De acordo com a autora:
A confusão conceitual na qual se encontram os mundos do trabalho e da
educação faz com que surja a urgência de propor, acima dos referenciais das
diferentes profissões, os elementos de um referencial cognitivo que
completem, de modo proveitoso, a busca de coerência, de pertinência e de
eficácia, daqueles ou daquelas que buscam construir um percurso profissional.
Eles sabem que seu percurso profissional não pode ser vivido fora de seu
percurso pessoal. (TROCMÉ-FABRE, 2004, p.10)
Essa abordagem integrada entre o âmbito pessoal e o profissional é muito importante
na docência. O docente precisa saber dosar essas questões no trabalho pedagógico
para que ele possa acontecer de maneira produtiva e cúmplice, entre alunos e
professores. Isso posto, encontramos nesse referencial cognitivo um caminho para as
nossas próprias descobertas, para a estruturação da problemática educativa no âmbito
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de cada situação pedagógica e como uma maneira de condução às reflexões sobre os
procedimentos facilitadores da aprendizagem projetual do aluno. A seguir,
apresentaremos os pressupostos e a proposta cognitiva de Trocmé-Fabre, para em
seguida analisarmos as contribuições dos artigos com relação ao processo de
aprendizado do projeto de arquitetura.
5.1 A ÁRVORE DO SABER APRENDER
Trocmé-Fabre (2004) justifica nas suas primeiras páginas que o termo adotado “saber-
aprender”, em detrimento do “aprender a aprender”, deve-se ao fato de que todo ser
humano é dotado, ao nascer, de um “potencial de aprendizagem”, de “adaptação e de
organização”. Dessa maneira, para a autora, nossa missão como educadores não seria
aquela de ensinar, na acepção tradicional da palavra ‘transmitir conhecimento’, mas
teríamos a tarefa de revelar ao “aprendente o seu próprio potencial de aprendizagem,
as potencialidades de atualização, e de estabelecer relações que nós possuímos
enquanto seres vivos”. (TROCMÉ-FABRE, 2004, P. 13)
Assim, para compreender o aluno, nós professores temos a necessidade de interrogar
a vida em sua multiplicidade. Isso pressupõe compreender a ‘lógica do vivente’ sob as
várias lógicas das quais ela é composta. Essa lógica introduz dois conceitos: de
evolução e de estruturação. O que permite a evolução do ser humano é a sua
organização das diversas esferas do meio ambiente, consigo mesmo, com os outros e
em relação à sua percepção e às suas ações. Quanto à estruturação do aprender, ele
“interpela o indivíduo em sua totalidade e em relação a sua história”, pois o “aprender
é um processo de transformação”. O ato de aprender assegura “a continuidade, a
historicidade do aprendente”. As etapas do saber-aprender “são os polos estratégicos
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 296
da evolução e referências no caminho rumo à autonomia e à ontonomia188, no qual o
aprendente no ato de aprender se engaja e se investe.” (TROCMÉ-FABRE, 2004, p.16)
O aprender, para Trocmé-Fabre (2004, p.27), está imbuído de algumas questões, entre
elas: O por que aprender? O que aprender? Para quê? De que maneira? Essa pequena
problematização do aprender pretende assegurar que a finalidade, os objetivos, as
aplicações e a metodologia do ensino-aprendizagem devem estar claros para todos os
atores envolvidos. “Um projeto educativo, enfatizamos sempre, só pode ser viável se
todos os parceiros contribuírem com ele e se beneficiarem dele.”
Antes de apresentarmos as etapas do percurso educativo proposto por Trocmé-Fabre
(2004), torna-se necessário apresentar quatro conceitos que norteiam as etapas do
seu percurso, chamados pela autora de ‘operadores dinâmicos’. São eles:
1. a pesquisa do ponto de equilíbrio a ser encontrado entre o dar e o receber, e entre
potencialização e atualização, tal como foi estabelecida por Stéphane Lupasco189;
2. a emergência do sentido, a autopoiese190 e a auto-organização, segundo os termos de
Francisco Varela;
3. a mediação e o acompanhamento na relação de ajuda;
4. o questionamento ou a capacidade de abrir um espaço interior, de se autoquestionar,
de se autoposicionar e de se autoavaliar. (TROCMÉ-FABRE, 2004, p. 24-25)
Esses operadores dinâmicos, propostos pela autora, são como temáticas transversais.
Conduzem a postura docente diante do processo educativo e, ao mesmo tempo,
188 Para a autora os dois termos se completam e traduzem corretamente a característica do vivente de
se auto-organizar: autonomia (gestão de si); ontonomia (gestão do ser-gestão da existência, daquilo
que acontece). TROCMÉ-FABRE, 2004. P.18
189 Stéphane Lupasco foi um filósofo romeno e um dos fundadores do Centro Internacional de Pesquisa e
Estudos Transdisciplinares fundado em Paris, em 1987, por Basarab Nicolescu, o mesmo centro, de que
Trocmé-Fabre é membro. De acordo com a apresentação de Basarab Nicolescu e Horia Badescu,
organizadores do livro “O homem e a obra” de Lupasco, o filósofo é muito celebrado entre os cientistas
por ter formulado uma nova lógica ternária que não elimina, mas apenas restringe a ação da lógica
clássica (binária, ou do terceiro excluído). A lógica de Lupasco admite a coexistência de três termos no
tempo, (A, não-A e T). Ao estabelecer Lupasco como parâmetro entre o dar e o receber na relação
professor x aluno, Trocmé-Fabre admite encontrar um equilíbrio que necessariamente não é o ponto
intermediário entre os dois extremos, mas que, em seu tempo, satisfaça a relação. “A relação entre o
professor e o aprendente deve ser estabelecida numa progressão em direção à troca, onde cada um
emite e recebe, para que se realize a obra comum.” (TROCMÉ-FABRE, 2004, p.29)
190 Capacidade dos seres vivos de produzirem, educarem e construírem a si próprios. F. Varela.
Connaître les Sciences Cognitives, Seuil, 1989.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 297
funcionam como pontos de acordo entre todos os envolvidos no processo, entre
docentes e discentes.
O percurso educativo proposto por Trocmé-Fabre (2004) é composto por dez etapas.
Em sete delas, o professor acompanha o aluno e, nas três últimas, o percurso do
aprendente é autônomo. [Figura 60] “Nossos erros como educadores vêm, sem dúvida,
de nosso desejo de estar presentes ao longo de todo o percurso.” (TROCMÉ-FABRE,
2004, p.33-34) A organização da proposta tem por finalidade facilitar os meios de
aprender e conduzir o aprendente na direção da sua autonomia. O ‘pensamento
complexo’ está presente em todas as etapas, refletido na forma de abordagem com o
objeto de estudo, na relação do ‘dar x receber’ entre professores e alunos, e na
própria organização do percurso. Após uma apresentação sumária do percurso
educativo, nos deteremos na reflexão em torno das questões propostas no início do
capítulo, tendo como reflexo a proposta de Trocmé-Fabre (2004).
Vejamos como a autora estrutura o percurso educativo representado por uma árvore
que ascende em busca da autonomia do aluno. A seiva da árvore representa o
exercício do questionamento, força motriz para a construção da autonomia.[Figura 64]
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Figura 64 – A Árvore do Saber-Aprender
Fonte: Trocmé-Fabre (2004, p.31)
Os dez atos fundamentais definidos a cada etapa são representados por verbos,
portanto ações: contextualizar, decodificar, selecionar, se autoestruturar, decidir,
adaptar, trocar, compreender, integrar e comunicar. Vejamos cada ação e suas
especificidades refletidas para o ensino de projeto de arquitetura.
Primeira etapa • Contextualizar – ‘saber-descobrir’, utilização dos órgãos
sensoriais para descobrir, perceber o contexto das propostas em sua
complexidade. Perceber o que é importante ser registrado, ser contextualizado.
Trocmé-Fabre (2004,p.35) chama a atenção para duas armadilhas que devem ser
evitadas: “o fechamento numa observação reduzida, uniforme e, portanto,
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redutora, correspondendo a uma contextualização pobre e, de maneira oposta,
uma contextualização excessiva, a incapacidade de fazer o recuo ou de tomar
distância em relação ao contexto imediato.”
Segunda etapa • Decodificar – ‘saber reconhecer’ as leis da vida é a base do saber
aprender. Significa reconhecer as leis que fazem parte do contexto da proposta. No
caso do ensino de projeto de arquitetura, trata-se de apropriar-se de todas as
normativas, legislações, restrições que envolvem o contexto trabalhado: saber ler a
complexidade da situação, a nossa, a dos outros envolvidos na proposta; saber que
existem diferentes escalas a serem percebidas e incorporadas na problematização;
saber evitar aplicar a mesma norma, o mesmo instrumento, o mesmo código a
situações e contextos diferentes; saber reconhecer a diversidade; saber
compreender as diferentes necessidades dos grupos de usuários; saber perceber
os campos de saberes que envolvem os problemas, questões sociais, econômicas,
ambientais. Nessa etapa, Trocmé-Fabre (2004,p.36) alerta para erros que são
frequentemente cometidos: recusa ou ignorância da heterogeneidade, da
complexidade, da constante busca de equilíbrio da situação e de nós mesmos.
Terceira etapa • Selecionar – ‘saber organizar’ é uma etapa de organização das
informações em categorias. Nessa etapa, ocorre o desenvolvimento de atividades
relacionadas ao saber comparar, classificar, selecionar, generalizar, codificar,
abstrair. Nessa etapa, Trocmé-Fabre (2004, p.36) questiona a insuficiência do saber
organizar a complexidade, o que pode trazer como consequência uma concepção
linear da realidade, causalista ou dualista da questão. “O indivíduo encerra-se
numa constante oposição dos contrários, ao invés de concebê-los em sua
complexidade.” No sentido oposto, pode ocorrer uma hipertrofia do saber
organizar, resultando num generalização redutora, negando a diversidade da
situação e dos sujeitos envolvidos. Transportando essa etapa para o exercício
projetual, seria nesse momento que os alunos classificariam as suas prioridades, o
seu foco, para, na etapa seguinte, dar sentido à sua proposta.
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Quarta etapa • Auto-estruturar - ‘saber criar sentido’, a partir do que somos, do
que fomos e do que desejamos ser. Nessa etapa, o aprendente procura ancorar os
conhecimentos e informações apreendidos, até então, em sua própria experiência.
Cabe a ele criar sentido, conferir um sentido ao seu trabalho, para que possa dar
um passo a diante, se auto-estruturar. Sem essa etapa, “o saber será ‘flutuante’,
não ancorado, rapidamente esquecido”. Para Trocmé-Fabre (2004, p.37-38), nessa
etapa, o docente deve ter um papel ativo para que o aluno não espere que o
sentido da sua proposta venha do exterior, apenas das informações. O aluno
precisa compreender que as coisas não estão pré-definidas e determinadas. No
caso do ensino de projeto de arquitetura, dar sentido seria, por exemplo,
problematizar a proposta por meio de todas as informações recolhidas para
encontrar um sentido entre elas. Relacionar o conhecido com precedentes, com
experiências vividas, ancorar as descobertas em sua base de conhecimento. Nessa
etapa, Trocmé-Fabre (2004, p.57) orienta que o acompanhamento do professor
deve ser baseado num ‘estar com’ e não no ‘agir por’. Ainda nessa etapa, a autora
chama atenção para as ‘decisões cognitivas pré-amadurecidas’ ou mesmo
internalizadas inconscientemente que impedem o ‘saber inovar’ que fica encoberto
por axiomas e preconceitos.
Numa passagem de Schön (2000, p.62), o autor chama atenção para o fato de que,
mesmo considerando a situação como única, temos a tendência de compará-la a algo
reconhecível em nosso repertório, mas isso não significa que estaremos a impor-lhe
uma categoria ou regra. É, de outra forma, “ver a situação não-familiar tanto como
semelhante quanto como diferente da familiar, sem ser capaz, em princípio, de dizer
familiar ou diferente a respeito disso ou daquilo. A situação familiar funciona como um
precedente ou uma metáfora [..]” Para o Schön(2000), é justamente essa capacidade
que temos de comparar situações novas àquelas por nós já vivenciadas, que nos
“habilita a associar uma experiência passada ao caso único. É nossa capacidade de ver
como e fazer como que nos permite dar um sentido a problemas que não se encaixam
em regras existentes.” (SCHÖN, 2000, p.63)
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Quinta etapa • Decidir - ‘saber escolher’ significa relacionar todas as informações
trabalhadas com o seu próprio sistema de referência. Diante de todo material
trabalhado, que caminhos seguir? Que ideias poderemos lançar a partir dos
sentidos criados? Quais ideias escolher para nortear o projeto? Nessa etapa, em se
tratando do ensino de projeto, as diretrizes projetuais podem ser lançadas a partir
das ideias eleitas como norteadoras do projeto.
Pesam também nessas decisões nossas experiências pregressas. Para Schön (2000,
p.63), a “reflexão-na-ação em um caso único pode ser generalizada para outros casos,
não trazendo à tona princípios gerais, mas contribuindo para o repertório de temas
exemplares do profissional, a partir dos quais, em casos posteriores de sua prática, ele
poderá compor novas variações.”
Sexta etapa • Inovar - ‘saber inovar’, saber diferenciar, saber acolher o
inesperado, enriquecer o material que se dispõe. Nesse caso, o criar abordado pela
autora é um criar na perspectiva de troca, é uma possibilidade, deixando lugar para
a interpretação do outro, para o seu próprio sentido. Nessa etapa, Trocmé-Fabre
(2004, p.40) chama atenção para as seguintes armadilhas a serem evitadas: criar
por criar, criar para dominar, criar para agir, criar para possuir.
Schön (2000, p.123-126) reflete sobre as particularidades dos profissionais que
trabalham com projeto e que lidam, frequentemente, com situações de incerteza, com
singularidades e conflitos. Mesmo em situações inesperadas e fora da rotina, esses
profissionais precisam conferir certa coerência à situação proposta. Para o autor, o
conhecimento-na-ação só acontece pela reflexão-na-ação. É na reflexão sobre as
singularidades e a complexidade das situações que encontraremos as soluções
criativas.
Sétima etapa • Trocar - ‘saber trocar’, expressar-se, trocar conhecimentos,
opiniões, exercer a criticidade para com o seu trabalho e ou de outro, no sentido
construtivo, tomar posições, arriscar-se, estar aberto para a reciprocidade, ‘para a
obra comum’. Para Trocmé-Fabre (2004, p.41), a troca ocorre quando existe
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maturidade e estruturação, é preciso compreender, organizar o material, dar
sentido à proposta, enriquecê-la para que a troca aconteça. Só podemos trocar se
tivermos alguma coisa a dar e a receber. Nessa etapa, a autora chama atenção para
as numerosas manifestações do desequilíbrio entre o dar-receber. “Esse
desequilíbrio é flagrante em certas práticas pedagógicas que fornecem uma grande
quantidade de informação e não propõem ao aprendente o tempo de integração,
de reação, de expressão.” Essa etapa é a última acompanhada de perto pelo
professor. A partir dela, o aluno deve ir à busca de sua autonomia, que se constrói
por um trabalho interior e exterior.
Oitava etapa • Compreender - ‘saber compreender’, capacidade de entrar em
relação, de construir a troca, de refletir sobre o objeto criado após às críticas
recebidas na etapa anterior. É uma etapa que exige maturidade para recompor-se.
Nessa etapa, o perigo é a desistência do aluno, o abandono de suas atividades, pois
deve haver a disposição para reorganizar a proposta com base nas trocas
realizadas.
Nona etapa • Integrar - ‘saber integrar’, acolher, compreender o sentido profundo
do conjunto, da globalidade é colocar a sua proposta numa perspectiva integrada
com a realidade, integrá-la ao contexto antes pesquisado. Seria uma fase de
realimentação da proposta, agora reorganizada com o contexto inicial pesquisado.
Décima etapa • Comunicar - ‘saber-Ser’, expressar o seu conhecimento aos
outros, comunicar sua proposta, relatar o seu processo, divulgar o aprendido.
Assumir as suas decisões diante de outros.
Refletir sobre o percurso educativo proposto por Trocmé-Fabre (2004) é entrar em
relação com o processo de aprendizado do aluno e como poderemos contribuir para
que ele faça as suas descobertas. Apesar de apresentar-se em etapas lineares, a
autora nos conduz à reflexão sobre o tempo do aprender, “pois o tempo a ser
organizado não tem muito a ver com o tempo do relógio, com o Cronos, o deus
devorador de seus próprios filhos ... Trata-se de um outro tempo. O tempo do qual se
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trata aqui é o tempo justo, o momento favorável, aquele que os gregos chamavam
‘Kairos’.” (TROCMÉ-FABRE, 2004, p. 49)
“Dois eixos são indispensáveis para construir a mediação: a organização do tempo de
aprender e a organização do acompanhamento.” (TROCMÉ-FABRE, 2004, p. 48) A
autora nos remete às diferentes durações a serem previstas no ‘percurso’. As durações
adequadas são “necessárias para tornar a aprendizagem e a formação possíveis e
passíveis de serem vividas”. Outra duração referida por Trocmé-Fabre (2004, p. 51) é a
‘duração da gestação’, ou maturação. “Duração indispensável para olhar, escutar,
compreender, receber, integrar, acolher a diferença, a evolução, a mudança”. Cada
etapa do percurso estabelecida pela autora, em suas dez fases, possui durações
específicas e próprias da maturidade intelectual de cada aluno. É o tempo necessário
para a reflexão na ação, como nos coloca Schön. Suas diferentes durações dependem
da realidade do Outro.
Como observa Merlin (2005, p.3), esse tempo para o aluno requer paciência e
aceitação de tempos próprios que a burocracia escolar geralmente não incorpora em
seu planejamento. “Essas características nos levaram a uma revisão semântica do
termo “relação professor-aluno” para “sujeitos aprendentes” por ser mais adequado e
compatível à pratica do ensino projetivo.”
Trata-se da abordagem do tempo como duração, temporalidade, possuindo uma
relação mais direta com a maturidade do sujeito, com o tempo necessário para a
aprendizagem. Dessa forma, esse percurso linear pode ser restabelecido por meio de
retornos às etapas anteriores, não consolidadas, recomeços, retomadas, próprio de
um processo de concepção e da prática da reflexão na ação de Schön.
Nesse sentido, o planejamento das atividades elaborado pelo docente deve contar
com o ‘tempo do sujeito’. É comum ouvirmos clamores dos alunos para adiar as
entregas dos trabalhos, diminuir a quantidade de material a ser entregue, esticar ao
máximo o processo. É bem verdade que reivindicar é próprio da natureza humana e da
juventude, mas é comum professores acharem que são lamentações impróprias, de
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quem não quer trabalhar. Devemos aproveitar para refletir se a dosagem ‘proposta-
duração’ está adequada. Essa questão deve ser analisada no conjunto das disciplinas
do curso. Como a prática da integração de conteúdos191 ainda não é uma realidade nos
cursos de arquitetura e urbanismo brasileiros, essa fragmentação se traduz em
disciplinas e atividades isoladas. O aluno, geralmente, possui trabalhos de todas as
disciplinas, dificultando a reflexão adequada e a consolidação do aprendizado. Cada
professor exige o que acha correto, sem se dar conta da situação enfrentada pelo
aluno. Esse excesso de atividades acaba por resultar no ‘não aprendizado’. Quantas
vezes ouvimos os colegas comentarem sobre a capacidade de esquecimento dos
alunos, de uma disciplina a outra, como se tudo fosse ‘deletado’?
Além do excesso de atividades, Castro Oliveira (2009) nos apresenta outra questão, já
aplicada ao universo do ensino de projeto de arquitetura. Por meio de Piaget e García
(1982), Castro Oliveira (2009, p. 10-11) oferece uma outra justificativa às constantes
reclamações dos professores quando comentam que os alunos esquecem o que
aprenderam em proposições projetuais anteriores e, a cada nova propositura,
parecem recomeçar tudo do início. Para o autor, uma das principais questões é,
justamente, o fato da não participação dos alunos na construção do problema
arquitetônico, a ausência, portanto, de uma reflexão sobre determinada situação que
possa gerar questões e definir caminhos/metodologias para sua resolução. “A reflexão
projetual, de fato, começa na própria proposição do problema.” (OLIVEIRA, 2009, p.
10)
Ciente desse fato, lembramos o argumento de Trocmé-Fabre (2004, p. 27), já citado
anteriormente, sobre a construção coletiva dos propósitos da aprendizagem. “Um
projeto educativo, enfatizamos sempre, só pode ser viável se todos os parceiros
contribuírem com ele e se beneficiarem dele.” (TROCMÉ-FABRE, 2004, p. 27),
191 Sobre essa questão ver: TEIXEIRA, Kátia Azevedo. Projeto: O lugar pedagógico de vínculos. In: V
Projetar 2011 - Processos de Projeto: Teorias e Práticas. Belo Horizonte: PRJ/EA/UFMG, 2011. TEIXEIRA,
Kátia Azevedo. Ensino de Projeto: integração de conteúdos. Tese de Doutorado, FAU/USP, São Paulo,
2005
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Preocupado com a questão da reprodução de soluções anacrônicas no nosso espaço
urbano, Ribeiro (2011) levanta a discussão em torno da construção coletiva da
problemática arquitetônica no âmbito do seu ensino. Após pesquisa realizada com
alunos de algumas escolas de arquitetura, o pesquisador percebeu que eles não
participam da construção dessas temáticas, e que essas vêm se repetindo sem uma
reflexão de suas pertinências junto às transformações urbanas. Essa prática contribui
para a reprodução de um ensino de cunho fragmentado e funcionalista que não
consegue abarcar ou se realimentar com as problemáticas que envolvem os problemas
urbanos atuais. O resultado desse contexto acadêmico é a formação de profissionais
que não conseguem contribuir com soluções adequadas aos problemas enfrentados
hoje pela sociedade.
A partir de conversas que realizei com alguns alunos, principalmente com os da
UFRJ, mas não apenas com eles, apareceu-me uma questão: em quais
momentos do curso vocês sugerem temas de trabalho? Ora, tendo os nossos
alunos uma diversidade infinita de trajetórias de vida e vivência de cidade,
seria facilmente renovado o tema de projeto na medida em que se colocasse
para os alunos a possibilidade de criação de temas de projeto. Essa prática,
no entanto, é reservada a projetos mais “avançados” (em alguns casos,
felizmente, nos projetos integrados que algumas faculdades adotam) e, de
maneira geral, no Trabalho Final de Graduação. Sim, na hora de realizar a
última avaliação do curso, cobra-se um saber que, muitas vezes, não é
estimulado durante todo o curso: a autonomia em relação à identificação e
definição de problemas projetuais urbanos[...] (RIBEIRO, 2011, n.p. grifo nosso)
A construção de problemas alinhados com a complexidade urbana coloca de volta a
arquitetura como um ‘serviço social’, ou, como sugere Paulo Afonso Rheingantz192, um
serviço ‘sociotécnico’. A cada tempo, os campos culturais devem ter a capacidade de
perceber qual o seu papel na sociedade. No caso da arquitetura, é imprescindível
nesse momento de manifestações por melhorias urbanas que nos posicionemos com
contribuições pertinentes, para que nos mostremos necessários e o nosso trabalho se
apresente como indispensável à construção da sociedade. Precisamos ser
indispensáveis, e não será apenas olhando a cidade e a arquitetura como uma ‘obra de
arte’ que conseguiremos tal desafio. A arte nos é intrínseca e faz parte da natureza do
192 Sugestão feita à autora por ocasião da Banca de Defesa dessa Tese (31/10/2013)
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nosso ofício, mas seu exercício deve ser condicionado às necessidades materiais
humanas.
Para arrematar a proposta de Trocmé-Fabre com o pensamento arquitetônico,
faremos um esforço em traduzir suas reflexões para o campo da arquitetura. Assim,
baseados nas etapas sugeridas pela autora, faremos um pequeno esquema de
transferência desse percurso para um suposto exercício projetual. Não como exemplo
de uma modelização, mas como uma sugestão de reflexão-na-ação docente rumo à
autonomia do aprendente. Vejamos a seguir.
DIAGNÓSTICO – contextualizar e decodificar
Alunos - Consideramos que a fase de diagnóstico no âmbito de um exercício projetual
comportaria as duas primeiras etapas propostas por Trocmé-Fabre. O contextualizar
(saber-descobrir) e o decodificar (saber-reconhecer). Seria o primeiro contato do aluno
com o contexto a ser trabalhado e implicaria seu reconhecimento e investigação de
todas as questões implicadas nesse contexto.
Professores – Nessa fase, é muito importante a participação ativa do professor, no
acompanhamento dessas descobertas, para equilibrar o nível da contextualização de
acordo com a proposta projetual e a maturidade dos alunos, orientando os aspectos
prioritários da observação e da investigação. O olhar experiente do professor contribui
com a aprendizagem da percepção. O que perceber, como mensurar, o que pode ser
abstraído, o que é genérico, o que é específico, o que pode mudar, o que deve
permanecer, o que pode melhorar, o que pode ser eliminado. São questões essenciais.
Meios - Todos os tipos de meios de registros são interessantes nessa fase: fotografias,
entrevistas, esboços, descrições, levantamentos métricos, entre outros.
ORGANIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES
Alunos - Nessa etapa, o aluno deverá selecionar, classificar por categorias, comparar
problemas relacionando-os, codificar de acordo com o roteiro de análise vivenciado na
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etapa anterior. É uma etapa de processamento dos dados. Etapa essencial para dar
coerência às informações colhidas.
Professores – o professor deverá estar atento às objetividades da organização para
que a complexidade seja alinhada com a maturidade dos alunos e que sua organização
não reflita uma visão redutora do diagnóstico. A organização já deve pressupor um
‘para quê’. Colocamos duas setas em sentidos opostos, pois é muito comum que, na
fase de organização das informações colhidas, os alunos ou o professor percebam a
ausência de algum dado importante, levando a equipe de volta ao contexto.
Meios – Nessa fase, os diagramas são essenciais para materializar as relações
percebidas durante a organização da experiência.
ESTRUTURAÇÃO DA PROPOSTA
Alunos - Nessa etapa, o aluno deverá dar sentido ao material recolhido, problematizar
o objeto, relacioná-lo ao estudo de precedentes projetuais, a situações vividas,
ancorando as descobertas em suas bases de conhecimento. Dar um sentido próprio à
problemática.
Professores – o professor deverá ser um fomentador de questionamentos, chamando
a atenção para os diversos pontos percebidos e os não percebidos; procurar
compreender o sentido conferido pelo aluno e contribuir para o seu aprofundamento.
Nessa fase, é muito importante que o professor estimule a estruturação da
problemática pelo aluno e perceba algumas distorções de percurso.
Meios – Nessa fase, os diagramas são essenciais para materializar as relações
percebidas durante a organização da experiência, assim como avanços diagramáticos
que possibilitem uma estruturação do problema e suas possíveis soluções.
DECIDIR E INOVAR
Alunos – Reunimos duas etapas de Trocmé-Fabre numa única com duas funções:
decidir e inovar. Acreditamos que as escolhas projetuais são acompanhadas de
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possíveis soluções estimuladas na etapa anterior de estruturação da problemática.
Assim, essa etapa é de decisão com criatividade. Nesse momento, os alunos deverão
elencar as ideias norteadoras da proposta, os eixos de abordagem que serão
priorizados, relacionar as ideias matrizes à problemática construída, configurar
relações inovadoras entre as ideias e os problemas, lançar as diretrizes projetuais e
desenvolver os desenhos preliminares.
Professores – O professor deverá apoiar as escolhas e motivá-los em seu
desenvolvimento, deverá rever as etapas necessárias para esse desenvolvimento e
examinar o conjunto do percurso para que alguma falha possa ser averiguada.
Meios – Diagramas, esboços, textos explicativos, desenvolvimento de conceitos,
apresentação esquemática das diretrizes projetuais.
TROCAR
Alunos – O momento de exposição do conjunto de trabalhos realizados para submeter-
se às críticas dos demais. Esse momento não é de avaliação, mas de troca. Qual o
sentido empregado pelas pessoas nas propostas apresentadas. Nessa etapa, o aluno
deverá exercitar sua criticidade para com os demais trabalhos dos colegas e se
autocriticar. Saber se colocar perante as criticas e se colocar no lugar do outro ao
criticar.
Professores – O professor deverá apoiar as reflexões construtivas e contribuir com
outras não percebidas. Administrar o processo de troca entre o dar e o receber.
Meios – Todos os meios possíveis de representação e expressão para a exposição das
propostas.
COMPREENDER REFLETIR E REESTRUTURAR
Alunos – Reunimos duas etapas: compreender e integrar. Nessa etapa, os alunos
deverão refletir sobre as críticas e contribuições levantadas sobre o seu trabalho,
recompor-se, reorganizá-lo aproveitando as contribuições aceitas como necessárias.
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Deverá haver uma re-integração da proposta ao contexto para não perder o foco
inicial. Observar a proposta em seu contexto por diversos ângulos, escalas, possíveis
usuários, entre outros.
Professores – De acordo com Trocmé-Fabre (2004), a partir dessa etapa, o professor
não deverá interferir nas decisões seguintes, para que o aluno possa construir sua
autonomia. Toda a contribuição docente vai até o momento de troca: o aluno precisa,
a partir dessa etapa, demonstrar sua capacidade de decisão e resolubilidade.
Meios – Todos os meios possíveis de representação e expressão para a exposição das
propostas.
COMUNICAR
Alunos – Etapa de conclusão da atividade em que o aluno deverá expor suas soluções
finais, assumir suas escolhas, seus caminhos, apresentar sua proposta, relatando todo
o processo vivenciado.
Professores – O professor não deverá interferir na apresentação do aluno, apenas
garantir as condições para que ela aconteça. Poderá ao final abrir um debate entre
todos os envolvidos para que todos possam contribuir com mais um momento de
troca. O professor terá um papel de mediador, não devendo emitir opiniões
avaliativas, mas estimular a crítica e a defesa dos grupos de alunos.
Meios – Todos os meios possíveis de representação e expressão para a exposição das
propostas.
Nossa aplicação do percurso educativo proposto por Trocmé-Fabre, para o universo de
ensino do projeto de arquitetura, não se configura como um modelo a ser seguido.
Apenas é apresentado como um caminho de reflexão da nossa atuação como docentes
no permanente desafio em contribuir com o aprendizado do aluno e com a construção
de sua autonomia. Como ingredientes básicos do pensamento complexo, temos a
incerteza e a incompletude, mas, também, o exercício permanente da tentativa e do
desafio.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 310
Inicialmente, nos pareceu algo estranho delegar aos alunos as últimas etapas do
percurso, mas, após a compreensão de todo o processo, a dosagem adequada entre o
dar e o receber, e o interesse em colaborar com a construção da autonomia do aluno,
percebemos que as contribuições primordiais dos docentes são exploradas com
profundidade em 70 % do percurso, deixando os outros 30 % para o exercício dos
desempenhos livres. Essa seria a maior contribuição do docente: deixá-los caminhar na
sua independência. Reforçamos que, nesse percurso, o processo é extremamente
valorizado quando o professor delega independência ao estudante. As principais
decisões já foram amadurecidas e acordadas por todos, mas será nas últimas decisões
que veremos o desempenho final dos aprendentes, a consolidação da aprendizagem, a
autonomia em exercício.
Essa perspectiva sugerida por Trocmé-Fabre (2004) e por nós adaptada para a reflexão
projetual inverte, indubitavelmente, a lógica da atuação docente perpetuada até hoje.
O professor contribui muito pouco no início do processo, esperando a primeira
proposta do aluno para lhe oferecer subsídios em seguida, como vimos em Silva
(1986), que nomeou essa atuação docente de ‘reativa’, pois acontece como uma
reação à proposta inicial do aluno. Essa modificação de postura configura-se como
uma parceria entre alunos e professores, em que a principal conquista é a construção
da autonomia projetual. Isso exige do professor um reposicionamento frente a si
mesmo, frente ao conhecimento que ele construiu, frente à relação com os seus
alunos e à busca por democracia cognitiva.
Para Eizirlk (2002), a lógica da complexidade nos incita a enfrentar os seguintes
desafios: “a - tratar do ruído e do erro; b - trabalhar com objetos imprecisos e que não
estejam já previamente delineados; c - lidar com conceitos elásticos e polissêmicos,
buscando alternativas que não se definam pelo seu ‘binarismo’, ou isto ou aquilo,
porém isto e aquilo; d - trabalhar com uma dialógica entre ordem e desordem,
interação e organização, entre objeto e sujeito, ‘cada um chamando o outro, cada um
precisando do outro para se constituir, cada um inseparável e complementar ao outro,
todos sendo antagonistas um ao outro’; e - compreender uma lógica sinfônica, uma
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 311
lógica do inesperado, uma lógica criativa que, de certa forma, coloca-se fora do âmbito
do esperado, do previsto.” (EIZIRLK, 2002, p.25-26). Para a autora, com a ruptura das
certezas, das verdades prontas e acabadas, das narrativas definitivamente históricas,
da igualdade e da semelhança, do limite fechado racional, que acontecia numa
sequência linear, vivemos hoje a diferença e a complexidade. O que muda no campo
do conhecimento?
O campo real do conhecimento não é o objeto puro, mas o objeto visto,
percebido e co-produzido por nós. O objeto do conhecimento não é o mundo,
mas a comunidade nós-mundo, porque nosso mundo faz parte de nossa visão
de mundo, a qual faz parte de nosso mundo. (EIZIRLZ, 2002, p.26)
Somos, portanto, parte/produto e construtores/artífices do mundo em que
vivemos, onde a desordem permite a impredição, a indeterminação, desvios e
flutuação, abrindo o espaço para a transformação, para a criação de um campo
intelectual aberto, onde se debatem teorias e visões de mundo. (EIZIRLZ, 2002,
p.26)193
Somos artífices do mundo, cabendo a nós descobrir as melhores maneiras de
contribuir com a formação dos nossos arquitetos e, não será pela visão de mundo
reducionista, pela quantidade de exercícios que conseguiremos passar, mas pela
vivência profunda em cada um deles.
A seguir, trataremos dessas questões por meio do olhar dos pesquisadores do Projetar.
Como a complexidade é vista na abordagem da problemática projetual e quais os
caminhos utilizados pelos professores para possibilitar o aprendizado do projeto de
arquitetura sob essa lente da teoria do conhecimento?
193 EIZIRLZ, Marisa Faermann. Novos Paradigmas em Educação: implicações pedagógicas. In: Cadernos
da ABEA, n. 23. Projeto Político Pedagógico. Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo,
Belo Horizonte, 2002.
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5.2 O PENSAMENTO COMPLEXO na abordagem da problemática projetual
A consciência do pensamento complexo está presente nos artigos analisados. As
críticas à fragmentação dos saberes e à visão reducionista na problemática
arquitetônica vêm evoluindo para algumas experiências louváveis, que buscam novas
maneiras de abordagem do projeto nesse contexto complexo. Mas ainda são pontuais.
A própria estrutura curricular dos cursos, em sua maioria, segue fiel à organização
disciplinar instituída no século XIX com a formação das universidades modernas. A
reforma universitária de 68 não contribuiu para mudanças no modo de ensinar projeto
de arquitetura. Como vimos anteriormente, a década de 80 trouxe alguns
questionamentos que contribuíram para uma modesta renovação dos ateliês,
introduzindo a importância da abordagem teórica, da história e do contexto no
exercício projetual. Contudo, a doutrina projetual pouco evoluiu, permanecendo com
sua base de conhecimento influenciada pela visão funcionalista, de saberes
fragmentados, do racionalismo modernista. As mudanças mais acintosas começariam a
surgir na década de 90 com o fortalecimento da abordagem sistêmica e o
desenvolvimento do pensamento complexo como um novo paradigma de aproximação
das problemáticas. No contexto brasileiro, isso aconteceu lentamente, mas a virada do
século renovou os ânimos, retomando a reflexão voltada à área de projeto com a
intensificação dos fóruns específicos da área, a exemplo dos Seminários Projetar, que
tiveram a sua primeira versão em 2003.
Com relação ao pensamento complexo na abordagem projetual, ela se reflete de
várias maneiras. Corona Martínez (2000) coloca a questão da complexidade no ensino
de projeto dependente de dois modos de abordagem, a ‘complexidade do objeto a
projetar’ e a ‘complexidade do processo a ser seguido’. A primeira, relativa à
‘complexidade do objeto a projetar’, pode estar vinculada a: maior complexidade
devido ao maior número de componentes e de relações entre eles; ou maior
complexidade devido ao número de condicionantes explícitas do contexto projetual. A
segunda alternativa relativa à complexidade do processo a ser seguido pode estar
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associada à passagem de um “tema familiar para um tema desconhecido”; ou
“exercícios em que o aumento da complexidade significa ir de um número maior de
restrições do objeto até um número menor”. (CORONA MARTÍNEZ, 2000, p.75)
Complementando as reflexões do autor, ainda devemos colocar a natureza relativa
dessa complexidade com relação à posição do aluno na sua formação, pois o que pode
ser complexo para alunos iniciantes, não o será para alunos mais maduros. No
entanto, como vimos, o pensamento complexo não está apenas relacionado ao objeto
isolado e sua complexidade, mas à maneira como construímos as relações entre os
saberes disciplinares e suas interrelações com o fenômeno analisado. Interessa ao
pensamento complexo, na visão transdisciplinar, o esforço em não mutilar o objeto em
estudo, procurando vê-lo no seu contexto com todas as relações existentes.
Tampouco devemos confundir o tamanho do objeto, ou da proposta com sua
complexidade. Podemos ter um simples elemento, mas a maneira de abordá-lo não
deve ser reducionista. É muito comum professores escolherem habitações sociais, ou
casas mínimas para serem trabalhadas nas primeiras disciplinas de projeto. Para que
essa temática evolua, não poderemos continuar reproduzindo as ‘casinhas de
conjunto’ que se encontram em quase todas as cidades, com deficiências
generalizadas. A casa mínima para ser uma boa proposta deve incorporar variantes
que vão desde os sistemas construtivos, conforto ambiental, ergonomia adequada,
eficiência energética, flexibilidade estrutural, entre outros, além de uma consciência
social e urbana amadurecida. Vejamos dois juízos contrários sobre o desenvolvimento
da casa mínima nas primeiras disciplinas de projeto. Isso demonstra o quanto
precisamos refletir sobre a formação do arquiteto.
[...] um dos temas recorrentes, adequados a alunos iniciantes, é a casa mínima
- a casa mínima encontrada nos complexos turísticos, nos condomínios
residenciais, nas vilas de funcionários ou de outras classes profissionais; a
casa mínima como moradia temporária de acadêmicos em regime de
intercâmbio ou a casa mínima como moradia de interesse social, inserida em
condomínios horizontais, que é o assunto do presente estudo. (ANDRADE;
ANDRADE, 2011, n.p.)
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Um dos maiores equívocos didáticos, do qual muitos de nós fomos vítimas e
que se perpetua por décadas a fio, é começar o aprendizado de projeto
arquitetônico pela problemática da ‘casa mínima’. Tratar como se fora de
‘complexidade menor’ o tema da habitação e, em particular, o da habitação
econômica, é fazer tábua rasa de um dos problemas de arquitetura mais
complexos com que se pode deparar um arquiteto. Por isso, no aprendizado,
esse tema me parece mais próprio a abordagens mais tardias – quando uma
visão antropológica do urbano e, no urbano, a do espaço privado, começa a se
formar. (COSTA LIMA, 2003, p. 90)
[...] estabelecer uma ordem de introdução de variáveis de situação em doses
controladas é um dos nossas desafios na gestão curricular. As variáveis de
situação – o sítio, a cultura, a economia, a ecologia, a tecnologia, etc. – são o
celeiro das hipóteses de projeto ou, o que dá no mesmo, dos partidos
arquitetônicos. Mas, por essa mesma razão, são os ‘complicadores’ do projeto;
a fonte da sua complexidade. Portanto, em aprendizado de projeto, a gestão
da complexidade dos saberes, seu fluxo, seu incremento ao longo do curso
passam pela ‘dosagem’ das variáveis de situação.” (COSTA LIMA, 2003, p. 91)
Essa visão também decorre de uma abordagem do ensino de projeto, de natureza
genérica, como se o ensino de projeto de arquitetura pudesse ter os mesmos
propósitos e as mesmas conduções do início ao fim da formação do aluno. São poucos
os trabalhos que contextualizam a reflexão de acordo com o estágio de formação em
que se encontra o aluno, nos aspectos cognitivos. Assim, as experiências apresentadas
ou as reflexões elaboradas, mesmo que estejam situadas em relação à estrutura
curricular, não são claras quanto às habilidades a serem desenvolvidas em relação às
habilidades que já foram consolidadas pelos alunos. É comum encontrarmos
professores que não conseguem situar a sua disciplina dentro do percurso educativo
do aluno. Fazemos uma ressalva quanto aos trabalhos direcionados ao ensino
introdutório de projeto. A maioria possui consciência da imaturidade cognitiva para o
processo projetual e, por isso, geralmente, são mais investigativos e ousados com
relação aos caminhos pedagógicos desenvolvidos.
Quanto à consciência coletiva dos professores sobre a formação do arquiteto em
relação à totalidade do curso, apresentamos o trabalho de Alonso et al. (2005). Para
que todos os docentes pudessem situar suas práticas dentro do universo da formação
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do aluno, a coordenação do curso, da experiência relatada, propôs a instituição do
Seminário de Práticas Pedagógicas, com duração de três dias, ao final de cada
semestre. Cada seminário tinha o propósito de discutir um aspecto do trabalho
pedagógico, tendo, como o primeiro, a contextualização de cada disciplina dentro da
estrutura curricular e em relação às demais do semestre para que todos os professores
tivessem ciência sobre a situação das suas disciplinas. Dentre as contribuições trazidas
pelos seminários, destacamos a seguinte, que possui relação direta com o ensino de
projeto. Trata-se da elaboração de uma tabela de conhecimentos e habilidades
desenvolvidos a cada período do curso. De acordo com Alonso et al. (2005, p. 4),
“facilitou a visualização do estágio de formação do aluno, e, consequentemente,
permitiu definir, com maior precisão e segurança, os objetivos/habilidades, as
atividades adequadas para atingi-los/desenvolvê-las, e os critérios de avaliação de
cada disciplina de projeto”. Esse conhecimento geral por parte de todo o corpo
docente estimulou os trabalhos integrados entre as disciplinas, possibilitando a
interdisciplinaridade entre algumas disciplinas do mesmo período. Além disso,
permitiu ajustes de conteúdos, objetivos e mudanças de posição de disciplinas que
foram operacionalizadas na revisão do projeto pedagógico.
Trocmé-Fabre (2004, p.45) afirma que, questionar sobre os propósitos das etapas do
‘saber-aprender’, deve ser uma tarefa permanente, para que possamos acompanhar a
constituição progressiva do conhecimento. A autora comenta que vários projetos
educativos fracassam, mesmo tendo mobilizado muita energia, meios e tempo, pois
não estão claros quanto às finalidades dos seus propósitos. Essas finalidades devem
ser construídas coletivamente, pois não somos ‘senhores’ do saber. Não devemos
transformar ‘nossas’ disciplinas em mundos isolados, alimentadas por uma ideologia
que é ‘nossa’, e não coletiva.
O estabelecimento das etapas do ‘saber-aprender’ necessita que os diferentes
parceiros se interroguem sobre sua própria finalidade e que eles renovem, ou
que ‘desentulhem’ os conceitos subjacentes: aprender, compreender, avaliar,
regular, adaptar, estruturar, ajudar. Isso nos leva a nos interrogarmos a
respeito de nosso próprio sistema de representação e de nosso próprio
sistema de valores. Quer sejamos conscientes ou não, quer aceitemos a ideia
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ou não, nós nos apoiamos constantemente sobre nossa própria visão de
mundo e do homem. (TROCMÉ-FABRE, 2004, p. 46-47)
O posicionamento do aluno com relação à sua fase de aprendizagem colabora,
também, para o desempenho do professor com relação aos critérios de avaliação das
propostas. Trocmé-Fabre (2004, p. 47) nos alerta para a natureza ‘em construção’ do
aluno, assim como aquela do docente, ‘um ser em devir’. “Muitas vezes, nós o
congelamos numa imagem e numa avaliação definitiva”. Aceitando uma visão
sistêmica do processo educativo, devemos aceitar a sua natureza adaptável, flexível,
evolutiva e passível de ajustes constantes. É preciso estabelecer as condições
favoráveis para o aprendizado, um ambiente acolhedor, afetivo e produtivo, onde os
atores compreendam que as experiências devem ser partilhadas e onde todos tenham
a liberdade para questionar, pois, como reforça a autora, o questionamento é a
verdadeira seiva da árvore do saber-aprender.
Na perspectiva de uma problemática arquitetônica, essa dosagem da complexidade
dependerá da maturidade projetual do aluno diante da etapa de formação em que se
encontra. Portanto, a construção desse objeto de estudo deverá levar em conta esse
aspecto, assim como os seus objetivos, habilidades a serem desenvolvidas no alcance
dos objetivos, duração do processo e resultados esperados. O olhar sob o viés da
complexidade pode ser buscado pela participação de outros agentes de campos
disciplinares distintos da arquitetura, usuários locais, entre outros, que possam
contribuir para a problematização do objeto. Morin (2000) diz que o problema da
complexidade não é o da completude, mas justamente o da incompletude. Não
conseguiremos ter uma visão completa sobre as coisas, isso é utopia, mas um dos
objetivos do pensamento complexo, segundo Morin, é tentar evitar, como dito, o
pensamento mutilante, reducionista e simplificador, que tomou conta da organização
disciplinar instituída no século XIX. As raízes da fragmentação têm no Método de
Descartes a sua representação. Os seus quatro postulados influenciam, até hoje, a
teoria do conhecimento. Assim, o pensamento complexo não trabalha contra a
incompletude, mas contra a mutilação, a fragmentação. A complexidade é antes de
tudo um desafio, “uma motivação para pensar”.
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O ateliê de projetos é, por natureza, espaço de investigação e
interdisciplinaridade. Cada tema de projeto pode ser desdobrado em
múltiplos níveis de questionamentos que definem campos de complexidades
diversas de problematização da realidade[...] Acreditamos que a ação
construtiva melhor acompanha a ação projetual quando a formulação do
trabalho é planejada na forma de um problema cuja complexidade e
abrangência devem acompanhar o nível do curso em que os alunos se
encontram. Assim, não existem temas ou escalas adequados a cada ciclo do
curso. Existem problemas bem ou mal formulados.” (FARINA; KARPOUZAS;
PIZZATO, 2009, p.7, grifo nosso)
Em Psicogénesis e historia de la ciencia, Jean Piaget e Rolando García
apresentam um quadro explicativo do desenvolvimento cognitivo que ocorre
na construção dos possíveis. Sua relevância para o ensino do projeto
arquitetônico torna-se manifesta se considerarmos que o problema da
invenção de novas possibilidades de organização e configuração do espaço
centraliza e direciona a prática do projeto. Além disso, o reconhecimento de
que a abertura para os possíveis segue um percurso vertical, entre patamares
de complexidade que devem ser conquistados na aprendizagem, permite dar
maior precisão ao que se quer dizer quando se fala em "prática reflexiva"
(Schön). Nela, o que se pretende é a formação continuada em uma prática que
se supera constantemente, não o treinamento do aluno em procedimentos
que, uma vez aprendidos, sejam considerados acabados e "adquiridos". Uma
prática transformadora não se adquire como coisa pronta, apenas à espera do
estímulo certo e oportuno.” (OLIVEIRA, 2009, p.7-8, grifo nosso)
Em “Os sete saberes necessários à educação do futuro194”, Morin (2000, p.14)
apresenta três “princípios para o conhecimento pertinente”: 1 - a “necessidade de
promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais para
neles inserir os conhecimentos parciais e locais”; 2 – a visão fragmentada disciplinar
impede que ocorra “o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por
um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua
complexidade, seu conjunto”; e 3 - .torna-se necessário situar as informações em um
contexto; por isso, precisamos trabalhar com “os métodos que permitam estabelecer
as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo
complexo”. A certeza da incompletude não impede o exercício do pensamento
194 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F.
da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de Edgard de AssisCarvalho. –2. ed. –São Paulo : Cortez ;
Brasília, DF : UNESCO, 2000.
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complexo. Essa compreensão faz parte de algumas reflexões dos autores analisados, a
necessidade de compreender essa mudança para melhor atender por meio das nossas
atribuições.
Projetar para a cidade contemporânea é um exercício complexo: se, em outros
tempos, teorias e paradigmas balizavam critérios, organizavam meios,
sistematizavam o juízo, hoje não podemos indicar com eficácia ou
responsabilidade uma vertente dominante, segura, correta, verdadeira. Com o
declínio das grandes narrativas, os rumos de nossa sociedade não se
estabelecem frente a uma ordem hierárquica organizável ou legível – são
formas inconclusas e cambiantes que se moldam a cada novo momento por
impulsos também de difícil identificação. A ideia de modelo (ou verdade) se
desvanece frente a uma situação cujos limites e alicerces se tornaram
imprecisos. Em arquitetura, temos como questão primordial o dever de
corresponder ao tempo presente – entendê-lo, decifrá-lo, discuti-lo, contestá-
lo -, compartilhar de uma vontade social maior e superar os obstáculos
recorrentes à nossa arte. (MEDRANO, 2005, p.1-2, grifo nosso)
Mais do que a condição urbana, importa trazer para o enfoque da área
disciplinar de Projeto a dimensão mais ampla do território. Num momento
em que existe um questionamento que envolve a opinião pública sobre
temáticas como a sustentabilidade, ou as energias renováveis, é o território
que na sua complexidade emerge como conceito aglutinador. É através de
uma dimensão territorial, de grande escala, que se pode criar uma consciência
sobre os recursos naturais e sobre o modo como poderão lançar-se bases
estratégicas para retirar os proveitos desses mesmos recursos. (PINTO, 2011,
p.16, grifo nosso)
Para Ribeiro (2011), duas condições distintas e complementares devem orientar a
atuação do arquiteto e urbanista contemporâneo devido ao contexto complexo de
nossas cidades:
[...] primeiro, esse profissional não age isolado, não é o único a pensar e agir
sobre o espaço, mas exerce um papel fundamental no momento de sua
concretização; em segundo lugar, assim como as ações de todos os outros
profissionais, as ações do arquiteto e urbanista estão ligadas a um sistema
complexo no qual há, inegavelmente, um viés político que se concretiza a
partir da técnica de seus projetos. (RIBEIRO, 2011, n.p. grifo nosso)
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Essa consciência da qual trata Ribeiro (2011) é essencial na formação do arquiteto.
Não podemos continuar acreditando que podemos conceber cidades sozinhos. Ainda é
surpreendente como, em pleno século XXI, com cidades complexas e heterogêneas,
realidades diversas e dinâmicas, ainda encontramos projetos com conceitos
anacrônicos impregnados de um ideal de transformação da sociedade apenas pela
arquitetura. São “reordenamentos fisicoespaciais” do tipo arrasa quarteirão, daqueles
que destroem o existente de parte de nossa cidade informal e incrusta nesse “vazio
urbano” um retalho da cidade formal, com sua “arquitetura salvadora”.
[...] há de se considerar a necessidade de um profissional crítico, consciente,
para que possa construir arquiteturas e urbanidades numa visão complexa e
realística da qual o mundo nos apresenta. “(MARQUES, 2011, n.p.)
O mais assustador é perceber que alguns colegas acreditam que essa é a solução certa
para as mazelas que assolam a parte informal das nossas cidades. Intervenções no
existente, em comunidades que já existem há décadas, e que possuem seus próprios
arranjos espaciais, complexos, com pouca estrutura, mas próprios do seu modo de
vida e feitos ao longo dos anos, com muito esforço e com a anuência cega dos poderes
públicos, são ‘desmanteladas’ em nome de uma racionalidade pragmática.
Pessoas privadas do direito à moradia digna, que, por falta de planejamento e controle
urbano, ocupam áreas impróprias para a habitação. As diferenças estão gritando por
seus direitos. Não podemos negar a grande importância que a arquitetura tem na
construção da cidade, afinal a ideia é construir cidades, com toda a sua complexidade,
e não apenas casas ou prédios. Mas precisamos saber qual é o nosso papel em cada
situação e devemos começar na formação dos nossos alunos. Muitas vezes, a solução
está lá, diante dos nossos olhos, quase pronta, esperando apenas uma contribuição
singela de profissionais sensíveis e capacitados que possam perceber o potencial da
situação e melhorá-la, e de políticos comprometidos.
O espaço só pode ser entendido a partir de um sentido subjetivo que o sujeito
lhe imprime. Do mesmo modo, acontece com a construção do sentido na
arquitetura. Ela não é a priori, mas depende de uma inter-relação entre o
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sujeito e o mundo fenomênico, sendo, portanto, advinda da experiência, do
viver no mundo. (SILVEIRA, 2009, n.p. grifo nosso)
O novo paradigma ético/estético passa a ser uma exigência para aqueles que
consideram importante que a produção de arquiteturas seja entendida como
“prática da liberdade” voltada para a desejável emancipação social.”
(MAGNAVITA, 2009, n.p. grifo nosso)
Precisamos aprender a projetar no existente, a construir no construído, com toda a sua
complexidade. Não precisamos sempre do nada, do vazio, para fazer o princípio de
algo, pois esse princípio já existe e não pode ser ignorado. Não há como negar que boa
parte da população ignora, despreza e sente um enorme preconceito por esses
fragmentos urbanos, “desordenados”, que chamamos de comunidade, e que se
misturam com a cidade dita formal, regularizada, “ordenada”. A maioria gostaria de
ver seus moradores distantes de nossas belas casas, que tudo fosse abaixo, pois, de
forma equivocada, acreditam que tais fenômenos urbanos representam a gênese da
violência, das drogas, das mazelas urbanas.
Assim são as nossas cidades: uma trama complexa de texturas, de contrastes, de
escalas e valores diversos. Resultado das diferenças sociais, de conceitos distorcidos,
da exclusão e da cegueira humana. Nesse contexto, o projeto é um complexo arranjo
de possibilidades. Não podemos deixar que nossos alunos percebam esses fragmentos
urbanos por meio de uma perspectiva demiúrgica, como se aquele espaço fosse um
território vazio a ser ocupado, uma tabula rasa, terreno para as nossas experiências
estéticas descontextualizadas.
Nas instituições de ensino e pesquisa, apenas os saberes arquitetônicos do
universo macro, sob a égide de uma suposta neutralidade, são efetivamente
considerados, enquanto as relações de micropoderes e os processos de
subjetivação, de um modo geral, ficam arquivados no inconsciente coletivo de
docentes e discentes. E isto, tanto em decorrência da sujeição e aceitação dos
pressupostos de uma cultura dominante sob a égide da atual fase do
capitalismo informacional, quanto em função das contradições e conflitos que
esse próprio sistema econômico, social, político e cultural comporta.
(MAGNAVITA, 2009, n.p. grifo nosso)
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 321
[...] é necessário que os arquitetos urbanistas estejam atentos e sensíveis não
somente aos poderes e interesses hegemônicos, mas também a outros fluxos
de subjetividades emergentes, moleculares, micropolíticas, microfísicas - que
estão a todo o momento a atravessar a subjetividade dominante e perceber
nelas outros enunciados, outros agenciamentos, linhas de fuga, processos de
desterritorializações, devires e também outras maneiras e oportunidades para
construírem seus saberes. (MARQUES, 2011, n.p. grifo nosso)
No atelier de projeto, o professor-orientador deve estimular o pensamento
produtivo, e não apenas o reprodutivo. Enquanto o primeiro se volta ao
enfrentamento de problemas, exigindo do(a) aluno(a) uma nova maneira de
organizar os meios de que dispõe, o segundo volta-se aos exercícios
repetitivos, onde o sujeito já conhece os procedimentos práticos, e já
automatizou as técnicas para a obtenção dos resultados.É evidente que o
ensino de certos procedimentos práticos, baseados em técnicas conhecidas,
são importantes na vida profissional; mas, na formação acadêmica, deve-se
incentivar a revisão e a crítica sobre tais procedimentos, de modo a formar
um profissional consciente de suas ações. (FLORIO, 2009,n.p. grifo nosso)
Essa consciência da complexidade de atuação do arquiteto vem estabelecendo para
alguns professores a inadequabilidade da concepção projetual individual, não só
autoral, como, também, feita por equipes exclusivas de arquitetos. Alguns escritórios,
dependendo da natureza do projeto, estão adquirindo a prática de associarem-se a
sociólogos, filósofos, geógrafos, engenheiros, profissionais de áreas afins que
colaboram na concepção da problemática arquitetônica.
O gesto gráfico e o projeto de autor são registros do passado e, como tal,
estarão sempre presentes, nas disciplinas de história. Esses registros devem
guiar os jovens docentes e acadêmicos no caminho da transição para o novo
paradigma que desponta: a criação coletiva. Esse não é um caminho de
contestação, como o foi o modernismo. As contestações têm, sempre, um
caráter corporativo, isto é, atuam em prol de algumas ideias ou ideais. A
criação coletiva não é um ideal. É, tão somente, um novo modo de produção
que se impõe na contemporaneidade. Seja porque as pessoas não mais ficam
passivas diante das decisões que afetam suas vidas - e a arquitetura afeta –
seja porque as complexidades do ambiente construído contemporâneo
exigem discussões transdisciplinares, que ultrapassam os saberes
tradicionais do campo da arquitetura e urbanismo. O novo ensino de
projeto não mais será sobre temas, mas sobre problemas. E, como diz
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Popper195, problemas que transcendem os limites de matérias e disciplinas.
(MALARD, 2009, n.p.grifo nosso)
Nesse caminho, algumas experiências, como os workshop, vêm demonstrando grande
eficiência como instrumento pedagógico, embora ainda não tenham sido adotadas
oficialmente nas práticas educativas no contexto dos cursos de arquitetura. Encaixam-
se como experiências isoladas da estrutura curricular ou como atividades de extensão,
mas seus benefícios são evidentes e estão sendo estudadas por alguns autores, a
exemplo de Ineichen (2011). Apesar dos “Workshop se mostrarem na paisagem
educativa”, o autor destaca que ele “ainda não foi usado pelos meios acadêmicos
como um instrumento pedagógico formal”. Os exemplos mostram que “não estamos
diante de uma prática efêmera, mas frente a um fenômeno em processo de
estruturação e crescente expansão”. A pesquisa identifica que o “Workshop tem
permitido a experimentação de métodos de ensino inovadores, tem sido ponto de
encontro entre pesquisas acadêmicas e necessidades sociais, e tem fornecido bases
para uma cooperação intercultural”. (INEICHEN, 2011)
A partir dessa experiência, o autor identificou três eixos de reflexão que caracterizam a
originalidade e a relevância desta atividade. O eixo “pedagógico” com os elementos
(concepção colaborativa, natureza do problema embasada em situações reais e
visibilidade pública das propostas); o eixo "mundo acadêmico x mundo profissional"
(equipes de alunos, arquitetos, profissionais; natureza das propostas; relevância das
propostas frente às decisões políticas e workshop como promotor do encontro entre
universidade e sociedade); eixo "caráter intercultural"(troca de experiências entre
atores de língua e cultura diferentes). (INEICHEN, 2011)
Ao longo de toda a pesquisa, percebemos que, na maioria dos trabalhos analisados,
seus autores possuem plena consciência da condição em que se encontra o ensino de
arquitetura e, especificamente, o ensino de projeto de arquitetura, com relação às
posturas e práticas pedagógicas que conservam o ensino do projeto de arquitetura ao
ponto de torná-lo inadequado frente à dinâmica urbana contemporânea.
195 POPPER, K.R. Conjectures and refutations. Londres: Routledge&Kegan Paul. 1963
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No entanto, no âmbito dos cursos, as ações para renová-las são isoladas e dependem
da disposição de professores, ou grupos de professores, com repercussões, quase
sempre, circunscritas no campo de atuação das suas respectivas disciplinas ou
pesquisas. Os exemplos que conseguem uma maior repercussão, perenidade e
progresso são fruto de pesquisas e trabalhos de equipes, em laboratórios, com a
colaboração de alunos e pós-graduandos e utilizam as experiências de sala de aula
também como objeto de estudo.
Como vimos, a incorporação da condição complexa do contexto contemporâneo no
ensino de projeto é necessária para o aprendizado e como fonte de referências
projetuais. Como diz Montaner (2008) na conclusão do seu livro “Sistemas
Arquitetônicos Contemporâneos” as escolas de arquitetura precisam realizar uma
arquitetura para o meio ambiente e a chave para isso é:
[...] deixar de entender a arquitetura como criadora de objetos únicos e
singulares, edifícios autônomos e isolados, produtos definitivos e acabados,
grandes máquinas para o consumo, e passar a entendê-la e praticá-la como
estratégia e processo, como sistema de relações, como processo no qual
intervêm o tempo e o usuário, como forma cuja matéria essencial é a energia,
como ambiente para os sentidos e a percepção, como obra que atua em
simbiose com a natureza. (MONTANER, 2008, p. 212)196
Assim como os exemplos dados pelo autor em seu livro, os exemplos de práticas
inovadoras que apresentamos nessa pesquisa dão indícios de que, aquilo que parecia
ser uma utopia ou uma condição de difícil mudança, já demonstra ser uma realidade,
principalmente, quando percebemos a disposição de professores e alunos nesse
empreendimento. A energia parece ser, portanto, a matéria dos nossos ideais.
196 Tradução a partir do original: “[...] dejar de entender la arquitectura como creadora de objetos
únicos y singulares, edificios autônomos y aislados, productos definitivos y acabados, grandes máquinas
para el consumo, y pasar a entenderla y a practicarla como estrategia y proceso, como sistema de
relaciones, como proceso en el que interviene el tiempo y el usuario, como forma cuya materia esencial
es la energía, como ambiente para los sentidos y la percepción, como obra que actúa em simbiosis con
la naturaleza.” (MONTANER, 2008, p. 212)
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 325
c o n s i d e r a ç õ e s f i n a i s
Um trabalho relacionado à educação nunca termina, é essa natureza incompleta que
garante a sua continuidade. No entanto, enquanto produto de formalização
acadêmica, necessita assentar um ponto final, mesmo que temporário.
Nossa pesquisa procurou analisar o ensino de projeto de arquitetura, no contexto
acadêmico brasileiro, por meio da produção intelectual de professores e
pesquisadores, vinculados à área de projeto, utilizando como fonte seminal de
pesquisa a produção do Seminário da UFRGS (1985) e a produção científica dos anais
das cinco versões do Seminário Projetar que ocorre, a cada dois anos, desde 2003. A
estrutura da pesquisa foi organizada a partir da questão-chave representada nesta
tese pela afirmação feita por Marques e Lara (2003), por ocasião do primeiro
Seminário Projetar, quando, tomando como base o livro organizado por Comas (1986),
os professores afirmavam que “ainda se projeta, se ensina e se discute o projeto da
mesma maneira que há 20 anos”.
A partir dessa questão, adotamos o referido livro organizado por Comas (1986)
“Projeto Arquitetônico: Disciplina em crise, disciplina em renovação” como marco
inicial da pesquisa e definimos a análise do nosso objeto de estudo em dois espaços
temporais [anos 80 e o recente período compreendido pela ocorrência dos Seminários
Projetar, de 2003 a 2011]. Além desse viés de análise, percebemos a necessidade de
compreender os sistemas de ‘conservação/reprodução’ desse ensino, as características
das estruturas e conceitos que possuem caráter duradouro - as ‘permanências’ e as
posturas e procedimentos ‘transformadores’, que ora se sobressaem frente às práticas
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|CONSIDERAÇÕES FINAIS|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 326
e pensamentos racionalistas e funcionalistas próprios do ensino vinculado às
estruturas modernistas.
Quanto à indagação inicial, fruto das reflexões de Marques e Lara (2003) sobre o
livro de Comas (1986): Que importantes encaminhamentos o livro de Comas (1986)
havia oferecido, para ser considerado por Marques e Lara (2003a, p.8), “uma das
poucas referências nacionais”, por 20 anos, para o ensino de projeto de arquitetura?
Nossa pesquisa indicou que a iniciativa tomada pelo grupo de Comas, em 1985, para
organizar o primeiro encontro sobre ensino de projeto arquitetônico na UFRGS, não foi
uma iniciativa isolada nem com objetivos apenas acadêmicos, mas representou,
também, uma reação de ‘proteção à arquitetura moderna’ que vinha sendo ameaçada
pela falta de rumo no ensino do projeto e nos destinos da arquitetura brasileira. O
contexto vivenciado pela arquitetura na década de 80, entre os vários pontos
apresentados no trabalho, demonstrou que a fase heroica dos pioneiros modernistas
havia passado, e a arquitetura brasileira dos anos 70 e 80 apresentava certo desgaste
com a repetição de elementos formais de herança moderna, sem a consistência de
‘causa’ da fase precursora. Ademais, emergia certa curiosidade, principalmente por
parte da geração mais jovem, sobre o que, pretensamente, poderia ser uma
arquitetura ‘genuinamente brasileira’, representada pelas expressões da arquitetura
pós-moderna de viés regionalista, elaborada, entre outros, pelo citado grupo de
arquitetos mineiros197, e que vinha sendo divulgada por revistas como a Pampulha e a
Óculum.
Nesse caminho, o encontro sobre o ensino de projeto sediado pela UFRGS e,
posteriormente, divulgado por meio do livro organizado por Comas (1986), procurou
proteger o legado modernista. A estratégia de proteção partiu e foi direcionada,
portanto, ‘do’ e ‘para’ o locus de formação das futuras gerações, as escolas de
arquitetura. Para que a arquitetura moderna fosse renovada, deveria ser conhecida,
197 Éolo Maia, Jô Vasconcelos e Sylvio de Podestá
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 327
estudada, valorizada e revisada para que pudesse ser aceita pela nova geração como
uma expressão nacional legítima198.
Assim, ao analisarmos os artigos contidos no livro de Comas (1986), percebemos que
os autores partem de uma crítica à arquitetura moderna, não para desqualificá-la ou
abandoná-la, tampouco referente à arquitetura moderna brasileira elaborada pelos
pioneiros e reconhecidamente valiosa, mas uma crítica alusiva, especificamente, ao
funcionalismo e racionalismo da ideologia modernista articulada na década de 20 e 30
e difundida por um pequeno grupo de arquitetos europeus. A crítica era alimentada
por uma ideia de ensino de herança modernista europeia, vinculada à natureza de uma
criação como produto da ‘intuição do arquiteto’, ou fruto de uma ‘teoria do
determinismo operacional e tecnológico’, como vimos em Comas (1986), no capítulo
03 desta tese.
Nessa reflexão de Comas (1986), se reconhece que os pioneiros da arquitetura
moderna brasileira não conseguiram constituir uma doutrina projetual consistente que
pudesse superar o ensino da Beaux-Arts e, ao mesmo tempo, oferecer as bases
teóricas para o ensino de projeto das gerações seguintes, esvaziando, assim, a sua
prática. Uma vez examinado isso, e com o propósito de dar um encaminhamento de
base epistemológica ao ensino de projeto arquitetônico, os artigos procuraram
apresentar caminhos que pudessem reforçar as bases de conhecimento desse modus
operandi modernista, adotando, para esse propósito, o caminho da história e da
teoria crítica. Assim, as sugestões encaminhadas pelos professores, para qualificar
esse ensino, de maneira que permitisse a conservação do legado moderno e a
reprodução do modus operandi modernista, mas, ao mesmo tempo, se mostrasse
renovado, adentrou questões relacionadas à própria revisão europeia do moderno, a
partir da década de 60, com a valorização da teoria e da história, com o
198 Esse movimento protecionista do legado moderno vinha sendo refletido na esfera internacional, em
diversos países, que tiveram expressões nesse período da história da arquitetura. Esse fato culminou
com a fundação do ‘do.co.mo.mo’ em 1988, na cidade de Eindhoven na Holanda, tendo o seu núcleo
brasileiro criado em 1992. O do.co.mo.mo - documentation and conservation modern movement – tem
como objetivo registrar, divulgar e proteger o patrimônio arquitetônico do movimento moderno.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 328
contextualismo199 contra a ideia do objeto isolado, com a preocupação com os usuários
na concepção projetual, com a busca pela inteligibilidade e identidade urbana e,
principalmente, pela busca docente por uma doutrina ativa e não reativa200 no
processo ensino-aprendizagem.
No atelier de projeto, a maior repercussão foi a tentativa de torná-lo um atelier
teórico-prático, com o estudo de precedentes escolhidos pelos professores, com a
concepção baseada em estudos tipológicos, históricos, de origens clássicas ou
modernas, ou a-históricos, com as concepções ‘a la manière de,’ na tentativa de incluir
a ‘tradição’ no ensino do projeto e, principalmente, com a compreensão do ‘aprender
fazendo’ como base para o aprendizado projetual. A ideia de que a forma se deriva de
outra forma, ou da manipulação de si mesma, e que esta decorre de questões
programáticas e tecnológicas, tornou-se o método projetual inexistente na doutrina
modernista de outrora, ou, pelo menos, não assumida anteriormente no contexto
acadêmico do ensino de projeto. Czajkowski (1986), ainda reforça que, com a teoria e
a história adentrando os ateliês de projeto, seus conhecimentos passariam a ter
importante papel no ensino e na concepção projetual, e a experiência passa a ser
valorizada por meio da simulação da prática projetual no contexto acadêmico e no
contexto dos escritórios profissionais por meio dos estágios.
Ainda como orientação proposta pelo seminário de 1985, Oliveira (1986) apresenta o
projeto não apenas como o resultado da aplicação dos conhecimentos e verificação
das habilidades dos alunos, mas como um instrumento didático de investigação capaz
de promover a sistematização dos conhecimentos relativos à própria concepção
arquitetônica. O projeto como ‘meio’ e não como ‘fim’, o projeto como ‘caminho’ para
o aprendizado, antecipando as colocações que seriam mais adiante desenvolvidas por
Chupin (2003) quando relaciona a construção do conhecimento projetual à própria
construção do ‘ser’, o aluno, o arquiteto em construção; de Moneo (2008) que ver o
199 Ainda como reforça Corona Martinez (1986, p.91), já abordado no Capítulo 03, surge a necessidade
de se contextualizar as atividades projetuais com situações urbanas reais e grupos de usuários
específicos, isso seria adotado tardiamente pelas escolas brasileiras e, ainda hoje, com muita
resistência.
200 Silva (1986, p.27) como apresentado no Capítulo 03.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 329
processo projetual como uma substância didática; com as investigações
sociointeracionistas aplicadas ao ensino de projeto e desenvolvidas pelo grupo de
Rheingantz (UFRJ) e pelos estudos da arquiteturologia de Pierre Boudon. Esses
encaminhamentos acabam por constituir-se nos procedimentos mais difundidos nas
escolas de arquitetura nas décadas seguintes, embora com graus variados de aceitação
e desenvolvimento.
Apesar dos avanços pedagógicos sugeridos para o ensino de projeto, representados
pelas reflexões expostas no livro organizado por Comas (1986), o ensino de projeto de
arquitetura no domínio dos ateliês de projeto, espalhados pelas diversas escolas
brasileiras, que se multiplicaram com mais intensidade a partir da década de 90, ainda
se mostrava inconsistente quanto às questões relacionadas à sua ensinabilidade
como: a inexistência de um corpo de proposições pertinente e de natureza híbrida que
pudesse dar suporte à disciplina projetual; um ensino ainda restrito à prática do
‘aprender fazendo’, sem o desenvolvimento de habilidades cognitivas e operativas que
pudessem colaborar com a construção da autonomia crítica e projetual do aluno; esse
aluno ainda não protagonizava a construção da problemática projetual; a diversidade
contextual urbana ainda não era fonte dessa problematização; a relação professor x
aluno ainda se mostrava desnivelada no processo ensino aprendizagem; o talento
inato do aluno e a autoria individual ainda eram aspectos exaltados como qualidades
inerentes ao profissional arquiteto em prejuízo do aluno aplicado; a síntese dos
conhecimentos era delegada ao aluno; a fragmentação de conteúdos ainda reinava
nos ateliês e nas estruturas curriculares; e, principalmente, as orientações docentes
ainda caminhavam, predominantemente, vinculadas às práticas e sistema de
pensamentos atrelados às estruturas modernistas com ideais de racionalidade e
funcionalidade, com a ideia de partido como o resultado formal do programa, com a
preponderância da função sobre a forma.
Esses aspectos conservadores do exercício da docência projetual nos levaram a
questionar quais seriam as estruturas que colaboravam com a conservação desse
ensino. Após adotarmos como referencial teórico a obra de Bourdieu e alguns dos seus
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 330
conceitos, lançamos nossa primeira hipótese relacionada à [conservação] desse
ensino. Hipótese 01: “O habitus incorporado por professores, ao longo dos diferentes
processos de socialização pelos quais passaram e, principalmente, aqueles
decorrentes de sua formação profissional, que trouxeram a influência de princípios
modernistas de ordem racionalista, colabora para a reprodução de práticas
pedagógicas prescritivas, ao mesmo tempo em que dificulta a transformação do
ensino de projeto de arquitetura.”
Para investigarmos essa hipótese, definimos no [objetivo específico 01], que seria
necessário: Caracterizar as estruturas de viés racionalista no discurso e nas práticas
pedagógicas dos pesquisadores e professores de projeto de arquitetura no contexto
brasileiro. E no [objetivo específico 02], que seria importante: Averiguar sobre a
maneira como os professores de arquitetura compreendem o ensino de projeto de
arquitetura nos aspectos de sua ‘ensinabilidade’, na importância relativa à prática
projetual e na relação entre teoria e prática vinculadas à natureza da disciplina
projetual.
Como vimos, os conceitos de habitus, campos e capitais desenvolvidos pela sociologia
de Pierre Bourdieu nos ajudaram a compreender que esse modo de ensino, suas ações
e sistema de pensamentos vinham sendo reproduzidos pela força do habitus
modernista de viés racionalista, inculcado pelos professores no período de sua
formação, e, naturalmente, reproduzido junto às gerações mais novas por meio da
formação profissional. O modernismo foi a ‘força formadora’ do habitus dos docentes
e, por ser uma condição estruturadora e estruturante de práticas, por vezes, o
pensamento racionalista prevaleceu e, agindo de maneira consciente e inconsciente,
essa força ainda permanece no contexto acadêmico atual do ensino de projeto de
arquitetura responsável por práticas prescritivas, embora com menos ascendência,
como comprovamos por meio das reflexões e práticas que encontramos nos artigos
dos Seminários Projetar a partir de 2003.
Essa natureza ‘conservadora’ do ensino de projeto de arquitetura foi percebida em
ações e posturas docentes que: valorizam os ideais funcionalistas e racionalistas da
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 331
arquitetura; adotam caminhos deterministas, posturas prescritivas ou intuitivas na
concepção e no ensino do projeto de arquitetura; não apresentam clareza
metodológica na abordagem da problemática arquitetônica; predomina a
insignificante participação dos alunos na construção da problemática projetual; os
contextos urbanos diversos são pouco explorados na experimentação; adotam temas
tradicionais para o exercício projetual sem rebatimentos sobre a sua interação com as
dinâmicas urbanas; utilizam um sistema de concepção formal baseado em princípios
estéticos canônicos e universais, sem problematizar o que gera a transformação da
arquitetura contemporânea e qual o seu papel numa sociedade tão complexa e diversa
em cada situação; a arquitetura possui o seu fim em si mesma; a disciplina de projeto é
vista como um universo à parte, onde o docente pode explorá-la como bem lhe
convier. Ainda, as questões relacionadas à sustentabilidade urbana e da arquitetura
são ignoradas ou pouco exploradas e, as novas tecnologias computacionais ainda não
fazem parte do processo de concepção dos exercícios projetuais e, mesmo, do seu
ensino. Esses e outros aspectos foram percebidos em alguns trabalhos analisados, sem
que, contudo, os seus autores tivessem ciência da propagação desse habitus de
natureza conservadora.
Na investigação relacionada às características de estruturas de viés racionalista
[objetivo específico 01], a pesquisa nos levou à investigar a origem desse habitus, pois
percebemos que alguns sistemas de valores e ações perduram por gerações. Foi
necessário, assim, compreender o universo de surgimento dos princípios que ora
influenciam a arquitetura, continuam valorizados no universo da educação do
arquiteto, e possuem repercussão no ensino de projeto. Encaminhamos nossa
investigação para desvendar as características desse sistema de pensamento a partir
da revolução epistemológica, que teve início com o advento da Revolução Científica
cujo principal produto foi o surgimento da Ciência Moderna201. A Ciência Moderna
passa a valorizar o experimento como caminho para o conhecimento. Sobre isso,
vimos como a definição de Ernest Nagel sobre a Ciência Moderna, apresentada por
201 Ver ‘Capítulo 02, item 2.2.3’
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 332
Castañon (2006) ainda é tão usual no meio acadêmico, apesar de sua superação pelo
Racionalismo Crítico de Popper. Mais uma vez destacamos que o Racionalismo Crítico
de Popper (1934) acabou por superar o Racionalismo de base positivista que teve
Auguste Comte (1798-1857) como o seu maior representante, assim como do
Positivismo Lógico representado pelo Círculo de Viena.
Na arquitetura, nossas pesquisas indicaram que, no universo de pensamento do
racionalismo de base positivista a arquitetura é vista como resultado das conquistas da
evolução das tecnologias e das disponibilidades dos materiais. O movimento moderno
expressou-se através do racionalismo nos manifestos e obras, por exemplo, de Adolf
Loos, Le Corbusier e Mies van der Rohe. São expressões do racionalismo na
arquitetura, a pureza das formas, a abstração na arte, a arquitetura concebida por
formas elementares, prismáticas e cúbicas, a cidade zonificada. O positivismo ainda
deu origem à ideia do progresso por meio da ordenação. 202 No Brasil, a ideia de
progresso esteve relacionada à modernização das instituições, à industrialização como
motor do desenvolvimento, à construção de uma identidade brasileira que refletisse
um ideário progressista. Ainda, o conceito de ‘tabula rasa’ surge com o empirismo
positivista e será interpretado na arquitetura, por alguns autores, como uma negação
aos estilos históricos e sua relação com o ornamento203.
No Brasil, as interpretações desse racionalismo esforçou-se por respeitar o contexto, a
história e seus precedentes, conferindo uma expressão própria e nacional. Ao mesmo
tempo, a arquitetura moderna brasileira procurou desenvolveu um ideário de viés
social que contribuíu para uma contraposição crítica ao racionalismo e funcionalismo
hegemônico da época.204 No entanto, na formação do arquiteto, esse ideário social
teve pouca repercussão no contexto do ensino de projeto. As mudanças que
ocorreram, limitaram-se a um “ideário funcional e racionalista, atrelado a uma visão
idealista das necessidades sociais”.205
202 Montaner (2001) (2007)
203 Adolf Loos (1908) (Ornamento e crime);
204 Del Rio; Gallo (2000); Cavalcanti (2006)
205 Barreto (1996, p.108)
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 333
Nesse aspecto, a pesquisa rematou que o conhecimento adquirido por meio da lógica
da razão, forjada desde o advento da Ciência Moderna, mudou a visão de mundo que
colaborou com a constituição de um novo habitus de natureza racionalista. Esse
habitus foi se consolidando por gerações apoiado na ideia sistemática do
conhecimento por meio da ciência experimental de natureza positivista.
Com isso, comprovamos nossa primeira hipótese. Investigamos como ocorre a
conservação e reprodução de um sistema de pensamento; demonstramos que essa
conservação e reprodução se dá pela força do habitus [um sistema de valores e ações,
uma gênese social, que rege ao mesmo tempo em que é influenciado por esquemas ou
padrões de percepção, de pensamento e ações]206; demonstramos que esse habitus é
incorporado por professores ao longo dos diferentes processos de socialização pelos
quais passam; comprovamos que, no Brasil, a constituição desse habitus incorporado
pelos professores de arquitetura teve grande influência modernista; investigamos a
gênese e as características desse habitus que ainda vigora no ensino de projeto e que
acaba por ser responsável por práticas pedagógicas prescritivas; sugerimos que essas
práticas são reguladas por um habitus alinhado aos princípios do racionalismo de base
positivista e do funcionalismo, como uma das principais expressões do racionalismo.
Ainda sobre o estado constitutivo de ‘conservação’ da primeira hipótese, nossa
pesquisa observou, também, tendo como base os artigos analisados integrantes dos
anais do Projetar, que os aspectos conservadores existem em menores proporções. A
maioria dos trabalhos analisados possui um caráter conciliador, demonstrando a
evidência do esforço e do desejo docente pelo acerto, pela conciliação de aspectos
promissores que possuem sua importância como permanência e pela procura por
outros ingredientes que possam promover uma transformação de postura e de
práticas projetuais mais alinhadas com a complexidade e a diversidade
contemporânea.
206 Pierre Bourdieu
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 334
De maneira geral, foram diversos os temas apontados pelos professores e
pesquisadores, vistos por meio dos mais variados ângulos, com caminhos e soluções
que vão desde o espaço da sala de aula, no interior das atividades de cada disciplina,
até o enfrentamento de questões que envolvem o sistema político educacional
brasileiro. Um fato foi recorrente em todos os seminários analisados, aquele de que o
ensino da arquitetura e do projeto, assim como o papel do arquiteto frente aos novos
desafios impostos pela vida urbana contemporânea, precisa ser revisitado, renovado e
reposicionado, seja retomando antigos caminhos vistos como valiosos, seja
enveredando por novos.
A pesquisa indicou que esse desejo por mudanças envolve tanto a produção da
arquitetura, seus meios, técnicas e apropriação de contextos, quanto à reprodução do
profissional arquiteto, ou seja, sua profissionalização no âmbito dos sistemas de
ensino. Embora esses dois aspectos sejam recorrentes na produção dos pesquisadores
dos Seminários Projetar, não encontramos consenso quanto aos caminhos que
devemos seguir para que ocorra essa tão desejada renovação da profissão e do seu
ensino no contexto atual ou, mesmo, um reconhecimento do que seja o papel social
do arquiteto frente às tantas mudanças de paradigmas.
As abordagens são diversas e divergentes, o que nos levou a considerar que a tão
propagada “crise” no ensino da arquitetura e do projeto de arquitetura vai além dos
aspectos que outrora definiriam a profissão, como as questões relacionadas à técnica,
à estética ou ao papel social da arquitetura, e representa uma crise de paradigmas207,
entre as visões e posturas mais conservadoras desse ensino; que promulgam a
constituição renovada dos preceitos antepassados, frente às visões de cunho mais
transformador, que desejam inovação, inter-relação com outros campos disciplinares,
alinhamento ético com as questões socioambientais e, realmente, um papel
indispensável para o arquiteto no desenvolvimento social e urbano, o que pressupõe
uma mudança de hábitos, de valores e de percepção de mundo incorporada à prática
sistemática de pesquisa.
207 Ver Rheingantz (2005, p.48) citado no Capítulo 02
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 335
No desenrolar do texto, por vezes confrontamos ideias antagônicas para que
pudéssemos refletir sobre os aspectos que envolviam as posições divergentes, e não
com o interesse de qualificar ou desqualificar uma ou outra. Por vezes, o confronto de
ideias nos permitiu balizar os principais fatores que interferiam no processo da
aprendizagem projetual e, assim, contribuir para a revisão do ato de aprender e de
acompanhar o aluno, em seu caminho e em direção à sua autonomia projetual.
Esse rebatimento nos possibilitou o amadurecimento e o posicionamento do que antes
se apresentava como intuição, ou como fruto de experiências empíricas como
docente. Nesse confronto de ideias, percebemos aquelas de semblante ‘conservador’
e ideias abertas à ‘transformação’, que, conquanto não analisadas sob a imposição de
um juízo de valor definitivo, fossem capazes de indicar o melhor caminho para o
ensino e a aprendizagem do projeto. Mas o que procuramos destacar e foi alvo de
reflexão foram as ideias, as relações entre as ideias, os sistemas de pensamento e as
práticas educativas, e não a característica pessoal desse ou daquele autor.
Todos os trabalhos analisados, mesmo aqueles não citados, mas que fizeram parte da
amostra de pesquisa conferiram embasamento para a elaboração do nosso
posicionamento quanto ao assunto, incorporando questões observadas e fazendo às
vezes de protagonistas nas reflexões. Para além do conteúdo das ideias que foram
confrontadas, existe um interesse subliminar nessa prática que condiz com a postura
sociológica de Bourdieu (1983b) 208. Como vimos, principalmente no Capítulo 02, uma
das ideias centrais na prática de investigação do sociólogo francês é acreditar que as
ações e as práticas humanas acontecem, em sua maioria, em um meio ambiente
dóxico, doutrinário. Para Stevens (2003, p.70): “isso significa a aceitação incontestável
da vida diária, a adesão a um conjunto de relações sociais que aceitamos como
autoevidentes.”
208 BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato. (Org) Pierre Bourdieu :
socioiogia I. São Paulo : Atica, 1983b. . Cap.2,p.46-81
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 336
Assim, por meio da investigação sugerida pela hipótese 01, nossa pesquisa procurou
demonstrar que, num ambiente de ensino-aprendizagem, existe uma reprodução de
valores e posturas, práticas e estratégias, que são aceitas como verdades, mas que não
são desprovidas de intenções políticas pedagógicas. Nosso interesse em confrontar
ideias diversas, oriundas de reflexões, experiências e posturas por vezes avessas foi,
dentre outras, procurar desafiar a ‘ordem natural das coisas’, buscando desenvolver
uma atitude aberta às críticas como um caminho pedagógico natural para o
crescimento, para a aprendizagem da incerteza e para o desenvolvimento de uma
democracia cognitiva209 dos sujeitos envolvidos. A finalidade desse rebatimento de
ideias foi encontrar um espaço pertinente que pudesse balizar diversas visões sobre o
mesmo objeto de estudo, destacando-se as visões inovadoras e os valores léxicos que
permanecem como algo intrínseco à natureza da arquitetura, da concepção
arquitetural e da formação dos arquitetos.
Assim, o termo utilizado como ‘conservador’ não representa a defesa de ideias ou de
ideais anacrônicos, embora possa conter posturas dessa natureza, descontextualizadas
e/ou desatualizadas. Ainda como resultado da investigação em torno do universo da
hipótese 01, nossa pesquisa observou que, geralmente, as colocações com
características conservadoras objetavam com veemência, ou mostravam-se
temerárias, quanto aos rumos da arquitetura contemporânea conceitual, por exemplo,
ou dos processos projetuais que se apropriam de paradigmas de outros campos
disciplinares, ou mesmo, de novas tecnologias computacionais como caminho para o
processo projetual. As ideias vistas como conservadoras valorizam o estudo de
precedentes destacando a solução projetual em detrimento da valorização da ideia
como instrumento pedagógico e, geralmente, indicam como melhores exemplos os
projetos modernistas canônicos de valor reconhecido pela historiografia, descartando
novas abordagens formais que enveredam pelo caminho dos repertórios da geometria
não euclidiana. Com frequência, aproveitam esses bons exemplos de arquitetura para
defenderem princípios e valores considerados como atemporais e que são
209 (MORIN, 2003, p. 104) no Capítulo 05.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 337
apresentados, com frequência, por meio de um discurso de cunho doutrinário. É
comum que aqueles que apresentam ideias dessa natureza acreditem que a solução
para o ensino de projeto esteja apoiada tão somente em questões relativas ao próprio
campo da arquitetura, restringindo, assim, as inúmeras contribuições assentadas em
outros campos do saber como, por exemplo, a educação, a sociologia, a antropologia
ou, em se tratando dos processos de concepção, os caminhos possibilitados pelas
analogias estruturais diversas.
Com relação às investigações relacionadas às ‘permanências’ que identificam a
profissão, nessa tese, estão representada pelo universo da hipótese 02: O ensino de
projeto de arquitetura possui um corpo teórico prático, referente ao seu modus
operandi, incorporado, de maneira consciente ou inconsciente, ao longo da
constituição histórica e cultural da profissão e, por meio da formação profissional,
que sobrevive a gerações, adaptando-se às mudanças de paradigmas que a cada
tempo envolve a disciplina. Para investigá-la dois objetivos foram importantes: O
objetivo específico 03 - Registrar o significado e os desdobramentos atuais dos capitais
considerados valiosos para o campo da arquitetura e dos conceitos que permanecem e
colaboram para identificar e caracterizar a concepção projetual e o seu ensino tais
como: ideia, percepção, uso, sistema e discurso; e, o objetivo específico 04 – Destacar
indícios de permanências e transformações com relação às práticas pedagógicas, na
abordagem dos conceitos analisados: ideia, percepção, uso, sistema e discurso. As
questões investigadas para atingir os objetivos específicos 3 e 4 foram: 1 -
significados atuais dos capitais e conceitos considerados valiosos para o campo da
arquitetura; 2 - existência de um corpo teórico prático, diretamente relacionado ao
modus operandi da concepção arquitetural que perdura no universo do discurso
arquitetônico e na sua prática projetual.
Assim, para que pudéssemos compreender a natureza desses valores, posturas e
práticas que permeiam o universo acadêmico do ensino de projeto de arquitetura no
Brasil, procuramos relacionar os capitais210 considerados, pelos autores analisados,
210 Ver Capítulo 02.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 338
como valiosos para o campo da arquitetura. No contexto acadêmico, por exemplo, os
títulos e toda espécie de grau que enaltecem e legitimam a capacidade de quem os
apreende, possuem valor ascendente no espaço social dos arquitetos, especialmente
aqueles vinculados às atividades acadêmicas. Da mesma maneira, o discurso do
arquiteto, seja para justificar a sua obra, seja para defender as suas posições teóricas e
políticas, continua como um capital valioso, aliado à cultura intelectual de quem os
profere.
E, acima de tudo, a obra arquitetônica demonstrou ser, além de capital valioso, a
própria essência da profissão e o objeto a ser partilhado tanto no contexto
profissional, quanto no espaço de formação. No entanto, no meio acadêmico
analisado, os autores argumentam que, infelizmente, ainda prevalece a ideia de que a
arquitetura valiosa é aquela erudita, incrustada no tecido formal da cidade, aquela que
valoriza o gesto criador do arquiteto, deixando em segundo plano a arquitetura de
cunho social, que emerge da necessidade dos menos favorecidos, localizada nos
interstícios urbanos ignorados pela população e pelos poderes públicos. Essa
constatação foi baseada em autores que perceberam que tais fenômenos sociais são
pouco contemplados como objeto de estudo no universo temático das disciplinas
projetuais, por sua complexidade, por seu caráter multidisciplinar, por demandar a
participação ativa dos usuários, por necessitar de um suporte acadêmico mais efetivo
e uma integração de conteúdos e, sobretudo, por exigir maior empenho e
disponibilidade dos atores envolvidos.
Com tudo isso, nossa pesquisa registrou que a tarefa de projetar, de ‘saber fazer
projetos’, assim como a atribuição de ‘ensinar projeto’ e todas as habilidades inerentes
ao labor, se mantêm como capital valioso no campo da arquitetura. Ensinar projeto,
em detrimento de outras disciplinas curriculares, parece conferir um status velado ao
professor, frente ao corpo acadêmico da área e junto aos alunos, embora atualmente
não se possa garantir que aquele que ensina projeto possua a excelência da prática
projetual. A própria política educacional brasileira privilegia os títulos acadêmicos em
detrimento da prática profissional.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 339
Assim, embora as disciplinas de projeto não contenham um corpo de proposições
oficializado, algumas ‘singularidades’ são acordadas pelos docentes envolvidos em sua
área, como as questões relativas ao ‘conceber’ e ao ‘representar’, que juntas devem
reunir as habilidades cognitivas e operativas necessárias ao ‘saber projetar’211. O
conceber representa, portanto, uma das etapas mais importantes da projetação
arquitetônica, entendida essa última como todo o processo que envolve desde a
construção da problemática ao desenvolvimento final do projeto executivo. É, pois, na
fase de concepção que são estabelecidas as primeiras relações intuitivas, as ligações e
as conexões entre os componentes do problema arquitetural para serem testadas e
averiguadas. É nessa fase que as primeiras escolhas e possibilidades são rebatidas por
meio do universo de conhecimento existente no aluno, precedentes, analogias e
caminhos diversos, para, em seguida, emergir as ideias estruturantes.
Nesse caminho, constatamos ser imprescindível a idealização de atividades que
possam contribuir com o desenvolvimento de habilidades que colaboram com a
concepção projetual, sem necessariamente constituir-se numa atividade que tenha um
projeto como produto final, mas que possibilite o desenvolvimento de habilidades
como a percepção, a intuição, a lógica, o juízo, o raciocínio, as modalidades de
linguagem e expressões, a síntese, a classificação, entre outras212. Os exercícios
propostos pelos docentes, principalmente aqueles relacionados às experiências
introdutórias de projeto, devem ter clareza metodológica e objetivos adequados com
relação às habilidades que se pretende desenvolver, os requisitos necessários para a
elaboração das atividades, a maturidade intelectual do aluno, o tempo adequado para
a sua elaboração e uma avaliação compartilhada e coerente com os objetivos
propostos.
Como vimos, o ensino introdutório de projeto representa um desafio específico no
planejamento pedagógico relativo à formação do arquiteto. O aluno de arquitetura,
nessa fase, ainda não compreende a complexidade relacionada a um processo
211 Ver Capítulo 03, item 3.2.2
212 Ver Boudon et al. (2000) op. cit.
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projetual, exatamente por não tê-lo vivenciado em sua plenitude. Ainda que o
professor se esforce por teorizar um modelo de concepção, o aluno ainda o
considerará nebuloso e de difícil compreensão. Para Schön (2000)213, esse é um
paradoxo geral que acompanha os processos de ensino-aprendizagem de qualquer
competência que, a priori, não se conheça o seu significado e a sua importância. Por
isso, o autor defende o processo de ensino e aprendizagem como um processo de
reflexão recíproca, entre professor e aluno, realizado por meio da ação, no nosso caso,
a própria atividade de conceber. Ou, como nos sugere Corona Martínez (1986)214, o
aprender a partir da construção do próprio conhecimento. Nessa intenção de
colaborar com a fase primária da compreensão projetual, alguns autores analisados215
sugerem o raciocínio analógico como um caminho capaz de estimular e auxiliar o
processo de concepção arquitetural.
Assim, a figura do docente, nas fases iniciais da formação, deve ser aquela de perfil
acolhedor, complacente, capaz de aproveitar as experiências pregressas dos alunos
para que essas possam colaborar na compreensão desse novo universo que se
avizinha, ainda desconhecido, mas aberto às inúmeras possibilidades e à
autodescoberta do aluno. As proposituras para o ensino de projeto não devem,
portanto, ser generalizadas, mas depender e alinhar-se à fase em que se encontra o
aluno na sua formação, exatamente relacionada à ‘capacidade de troca’ da qual nos
fala Trocmé-Fabre (2004).
Nossas pesquisas sugerem que os exercícios devem especificar com clareza a
metodologia adotada para o seu desenvolvimento, e o docente deve estar
familiarizado com os possíveis caminhos que poderão conduzir aos objetivos
propostos. Mostra-se, portanto, necessário dar-se importância aos obstáculos e
dejetos como caminho ao aprendizado, pois percebemos que o aprendizado não
ocorre apenas por meio dos acertos, mas os acasos e equívocos são bem vindos
quando refletidos e justificados.
213 Schön (2000) op cit. Capítulo 04
214 Corona Martínez in Comas (1986) op cit.
215 Chupin (2003); Bianchi (2008); Duarte;Trigueiros (2011); Turkienicz; Mayer (2005); Gouveia;
Bernandi(2005); Ferreira; Carignani (2009); Pinto (2011); Lacombe (2005)
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Assim, na fase inicial da formação, o processo de construção desse aprendizado é
extremamente importante e, para tanto, deve ser adequadamente valorizado quando
se percebe que houve o envolvimento e a investigação por parte do aluno. O interesse
pela busca é a mais importante chave para a construção do conhecimento. O objetivo
nessa fase não é aquele de executar o melhor trabalho, mas aquele de demonstrar
com clareza o domínio sobre o processo de construção do conhecimento vivenciado.
Igualmente, na medida em que o aluno avança na sua formação, sua ‘capacidade de
troca’ aumenta, e os exercícios podem, cada vez mais, abarcar uma maior diversidade
de variáveis e tornar-se mais complexos. A análise dos artigos possibilitou nossa
compreensão com relação ao tipo de complexidade que deve ser almejada em cada
tempo do ‘saber aprender’216, e essa não possui relação permanente com o tamanho
ou a abrangência da proposta, mas, com a problematização do objeto e o nível de
relações possíveis entre as diversas variáveis e os variados campos do saber. Para
tanto, o esforço docente e institucional de realizar a integração de conteúdos mostra-
se bastante promissor à construção do conhecimento sobre a concepção projetual, em
detrimento do trabalho pedagógico fragmentado, onde a síntese é delegada,
exclusivamente, ao sujeito aprendiz.
Notadamente, nosso trabalho enveredou por alguns caminhos que percebemos como
propícios e facilitadores da compreensão projetual no que diz respeito ao ‘ensinar a
fazer’ e ao ‘aprender a fazer’, relativos ao objetivo geral. Presumimos, por meio da
hipótese 02, a existência de um corpo teórico prático, diretamente relacionado ao
modus operandi da concepção arquitetural, que, representado por meio de conceitos
valiosos perdura no universo do discurso arquitetônico e na sua prática projetual. O
caráter durável que tais conceitos possuem se sustenta pela sua natureza híbrida,
desenvolvendo a capacidade de incorporar as transformações de paradigmas ao longo
do tempo, sem perder a sua essência e validade. Especialmente, trabalhamos cinco
deles [ideia, percepção, uso, sistema e discurso], embasados pelo trabalho de Philippe
216 Trocmé-Fabre (2004) – ver capítulo 05
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Boudon217 e seu grupo de estudos sobre a arquiteturologia. Procuramos destacar as
potencialidades dos conceitos vistos pelos autores e como tais conceitos estão
rebatidos no universo dos artigos analisados.
Assim, mostramos que os conceitos de ideia, percepção, uso, sistema e discurso
possuem diversas possibilidades frente ao trabalho pedagógico da concepção projetual
e junto ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e operativas necessárias para a
formação do arquiteto. Vimos, por exemplo, que a noção de ‘ideia’ está incorporada à
práxis, tão preciosa para Schön218, assim como sobre aquilo que apreendemos por
criação. ‘Ideia’ acaba por tornar-se a essência da arquitetura, o elemento definidor do
sistema arquitetônico. Nesse caminho, procuramos destacar os mecanismos utilizados
pelos professores para trabalhar o desenvolvimento e o registro da ideia arquitetural,
seja por meio de expressões artísticas, seja pelo discurso doutrinário e, sobretudo, de
que maneira ela se apresenta como conceito teórico ou matriz conceitual, como signo
e como significado. Com o auxílio dos trabalhos analisados, concluímos que o trabalho
pedagógico da ideia, no contexto acadêmico, deve ser analítico e relacional para que o
aluno possa compreender a sua natureza adaptável. Quando abordamos o trabalho
relacional da ‘ideia’ estamos sugerindo que uma mesma ‘ideia’ possa ser trabalhada,
ou demonstrada, de várias maneiras, por várias soluções projetuais, por vários
referenciais projetuais, como desenvolveu Quiroga (2009). Dessa maneira, a ideia não
estaria vinculada à forma, mas seria um caminho para a sua definição, um instrumento
teórico de investigação projetual e não uma solução formal.
A ‘percepção’ foi investigada enquanto habilidade a ser trabalhada por meio da sua
relação com a construção do conhecimento, pois, de acordo com Boudon et al
(2000)219, perceber ‘algo’ depende menos da observação objetiva e mais da
competência do sujeito que observa. Assim, o ato de perceber não é inato, precisa ser
trabalhado, sendo uma importante habilidade a ser desenvolvida na educação do
arquiteto. Autores já citados defendem o exercício do raciocínio analógico como
217 Boudon et al.(2000) no Capítulo 04
218 Schön (2000) op cit.
219 Op cit Capítulo 04
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adequado para se desenvolver a habilidade da percepção. Vimos que as ‘imagens
estimulantes’ sugeridas pela arquiteturologia estão no mesmo universo de ‘les objets à
réaction poétique’ de Le Corbusier, explorados nesta tese por meio dos trabalhos de
Chupin (2000) (2003). E, sobretudo, concluímos que o raciocínio analógico possibilita o
desenvolvimento do pensamento lateral, necessário para a exploração de novas
perspectivas de ver e de solucionar os problemas.
Em nossa pesquisa, o conceito de ‘uso’ demonstrou ser um dos mais flexíveis, talvez
por ser a essência funcional da arquitetura, um objeto a ser usado, ocupado e
vivenciado, sejam esses lugares ou não lugares220. Entre o surgimento de novos lugares
para novos usos e o fenômeno do abandono dos espaços urbanos, os autores
analisados demonstraram que o espaço contemporâneo não deve possuir uma
estrutura rígida, mas possibilitar a flexibilidade e a transformação dos seus usos, pois a
“noção de tempo é substituída pela noção de situação ou ocasião221”. Assim, para
alinhar-se a dinâmica urbana e o desenfreado consumismo mercadológico, apenas o
crítico aprendizado da ética será capaz de fazer a diferença entre o sensato e o
insensato. Especialmente, o exercício responsável da arquitetura deve revelar a sua
intenção ética222.
Por meio dos trabalhos analisados, percebemos uma adesão ainda experimental, mas
promissora ao uso dos recursos diagramáticos para a análise e investigação de usos e
relações espaciais. Sobretudo pelas possibilidades oferecidas no trato das relações
topológicas entre usos, funções ou espaços, os diagramas223 têm-se mostrado um
procedimento adequado para a exploração de associações, conexões, fluxos,
pertinências e continuidades que devem ser apreendidas antes de tomarem ‘forma’,
enquanto sentido material da arquitetura.
Quanto à noção de ‘sistema’, vimos por meio de Boudon et al (2000) que ela é tanto
abstrata quanto material, pois encontra-se entre o universo das relações e suas regras
220 Augé (1994)
221 Viana, Rheingantz (2011) op cit
222 Pérez-Gómez (1994) op cit
223 Miranda (2011); Gambarato (2005); Montaner (2008); Morado Nascimento (2011); Lacombe (2005);
Sperling (2008)
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de convivência, e entre o plano pictórico de representação, até os abordes da
materialidade de um sistema estrutural ou construtivo e suas relações com as
tecnologias possíveis de cada época. Na exploração desse conceito, poderemos
estendê-lo ao nível do pensamento sistêmico, explorando os fatos e relações entre os
diversos campos do saber na observação de uma problemática arquitetônica. O
conceito de sistema foi pouco utilizado no universo dos artigos analisados. Referencias
ao termo se deram de maneira teórica, generalista e não aplicada, referente aos
sistemas estruturais, sistemas de ensino, sistemas ambientais, sistemas simbólicos,
entre outros. De maneira que, não foi possível explorar os seus desdobramentos no
contexto analisado. Isso nos leva a questionar, que tal fato, pode estar vinculado à
fragmentação do próprio ensino de arquitetura que impossibilita a visão integradora
que esse conceito por natureza possui.
O último conceito trabalhado está representado pelo ‘discurso’. Esse último conceito
faz referência, também, à investigação da primeira hipótese, quando trabalhamos os
mecanismos de conservação do habitus. O discurso aliado às ações e posturas é uma
das estratégias utilizadas para a sua reprodução, por serem expressões impregnadas
de valores. Para investigar o discurso como uma expressão textual, no ensino do
projeto de arquitetura, reunimos alguns trabalhos224 que exploram as múltiplas
inteligência, congregando a utilização de textos, palavras, imagens e formas no
desenvolvimento projetual da arquitetura com o propósito de estimular os vários
sentidos, fazendo com que os conhecimento possam ser consolidados.
De maneira geral, nossas pesquisas perceberam um grande avanço na qualidade das
reflexões e na diversidade de experiências que se avizinham na temática do ensino de
projeto decorrentes da consolidação das pós-graduações e dos eventos periódicos que
conduzem a um permanente estado de pesquisa e investigação. A área de projeto vem
crescendo bastante como objeto de estudo, como podemos confirmar por meio da
análise quantitativa feita com a amostragem dos 270 artigos analisados225, embora
224 Golveia et al(2011); Elali(2011); Rheingantz et al(2009)(2003); Fonseca; Rheingantz (2011); Boudon
et al. (2000)
225 Ver Apêndice A
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algumas regiões do país, como a Norte e a Centro-Oeste, apresentem pouca
representatividade de publicações da temática referente ao projeto de arquitetura.
O Seminário Projetar vem demonstrando ser um fórum legítimo para as discussões na
área do projeto. Apesar disso, percebemos a necessidade de uma sistematização que
possa reunir os avanços sobre o ensino de projeto por temas, ou aspectos, como, por
exemplo, o que temos de avanço nas questões relativas: à problematização do projeto;
à metodologia do ensino-aprendizagem; às estratégias para a concepção; às
metodologias de avaliação, ao ensino introdutório de projeto, à integração de
conteúdos, ao perfil do docente de projeto, entre outros. A finalidade dessa
sistematização seria avançarmos na constituição de um corpo de proposições flexíveis
para as disciplinas de projeto.
Nosso trabalho se conclui, portanto, com a possibilidade de explorar um caminho para
a transformação do ensino de projeto por meio da aceitabilidade de uma condição em
permanente construção, em devir. Esse aspecto da condição disciplinar do projeto foi
envestigada por meio da hipótese 03: A transformação do ensino de projeto de
arquitetura possui relação com a aceitação de uma condição em construção, em
devir, e com a compreensão de um contexto de coexistências diversas que só poderá
ser apreendido, no contexto acadêmico e profissional, por meio de uma reflexão
coletiva e de uma disposição para mudanças. Para essa investigação o [Objetivo
Específico 5] foi essencial: Destacar posturas e práticas pedagógicas, mais
significativas no universo pesquisado, que indicam transformações na maneira de
pensar e agir no âmbito do ensino de projeto de arquitetura.
Nessa investigação e, tendo como referência os artigos analisados, percebemos que as
ideias apreciadas com través ‘transformador’ possuem uma postura aberta à visão
inter e multidisciplinar, e expressam a disposição para realizar a transdisciplinaridade
do ensino da arquitetura e do projeto. O discurso dos seus autores demonstra
segurança com relação à necessidade de renovação de práticas, paradigmas, meios e
conteúdos. Defendem posturas cooperativas e estratégias apontadas para a busca por
novos caminhos que possam colaborar na constituição de um corpo teórico-prático
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para o ensino do projeto. Esse, necessariamente, não precisa limitar-se ao campo da
arquitetura, principalmente quando se refere às questões relativas ao campo da
educação do arquiteto. Tais ideias reconhecem e dão ênfase à importância das novas
tecnologias computacionais na concepção projetual e no ensino do projeto, assim
como às tecnologias e estratégias que atualizam as soluções projetuais com relação ao
uso adequado dos recursos ambientais. Mostram-se abertas à exploração de novas
ideias e ideais e consideram que o espaço acadêmico é um lugar propício para as
experiências projetuais, pedagógicas e conceituais. Com frequência, os artigos
apresentam experiências pedagógicas que buscam novos olhares, novos processos,
novas relações entre campos diversos que demonstram enriquecer e renovar o campo
da arquitetura. Essas experiências manifestam um esforço em considerar a
participação do usuário, assim como em realizar um processo de percepção e
apreensão do contexto ao qual a experiência está inserida, de maneira mais próxima
da realidade e considerando a natureza complexa do objeto de estudo. Nessas
abordagens, o processo projetual é geralmente mais valorizado que o produto final.
Assim, a possibilidade de transformação [hipótese 03] do ensino de projeto de
arquitetura no contexto brasileiro, avaliada por meio dos artigos dos Seminários
Projetar, mostrou estar aliada à compreensão da ocorrência de um contexto de
coexistências diversas que, em nossa opinião, só poderá ser apreendido, na esfera
acadêmica e profissional, através da reflexão coletiva, enquanto colegiado de
professores, enquanto instituição, enquanto campo de saber e onde cada integrante
demonstre a disposição para as mudanças necessárias, para a problematização de
questões relativas ao campo da educação e para a experimentação e pesquisa
sistemática. Esse caminho vai na direção das propostas apresentadas por Trocmé-
Fabre(2004) e Morin(2003), como apresentado no Capítulo 05 deste documento. O
esforço segue para uma práxis docente que propicie a integração de conteúdos, que
favoreça o exercício inter, multi e/ou transdisciplinar na construção da problemática
arquitetônica, que concilie a teoria à prática projetual e que estimule o exercício do
questionamento como força motriz para a construção crítica da autonomia do aluno.
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Precisamos superar a prática linear e uno disciplinar do processo de reflexão projetual.
Assim como, ao modo de condução individual de um processo de orientação entre
mestre e discípulo, tão difundido em nossas escolas e referenciado em vários trabalhos
por meio de Schön (2000)226, um dos autores mais citados entre os trabalhos
analisados e que tem em seu relato experimental entre Quist (o professor) e Petra (a
aluna) uma menção de bom exemplo. A reflexão-na-ação conjunta é imprescindível;
no entanto, precisamos estar atentos à dependência que essa relação entre mestre e
discípulo pode conferir. Por isso, o equilíbrio sugerido por Trocmé-Fabre(2004)227,
entre o ‘dar e o receber’, e a adequada compreensão do docente com relação à
‘capacidade de troca’ do aluno e o tempo/duração necessário para o ‘saber aprender’
pode fazer a justa medida no processo de ensino-aprendizagem. Ademais, precisamos
encarar a realidade brasileira de vários ateliês lotados de alunos e poucos professores,
superando a proporção sugerida pela ABEA para as boas condições de orientação,
quando o maior número de alunos indicado para um professor limita-se a quinze.
Quanto aos quantitativos exagerados de alunos, não há estratégia pedagógica que
possa imprimir qualidade.
No início da nossa pesquisa, demonstramos que o habitus228 regula as práticas que
constituem as estruturas sociais que, por sua vez, são internalizadas pelo habitus e
assim por diante. No entanto, e apesar do caráter duradouro da natureza do habitus,
esse pode transformar-se. Mesmo sendo aceito como um sistema engendrado no
passado, sofre influências das ações do presente229. O habitus é, portanto, um sistema
de disposições aberto e sujeito às experiências novas.230 Nesse sentido, nossa pesquisa
adotou a noção de um habitus híbrido231, que tem a possibilidade de ser atualizado e
transformar-se com a cooperação de instâncias, valores e referências diversificadas na
intenção de se manter alinhado à complexidade contemporânea.
226 A partir da abordagem de John Dewey (1938)(1949)(1974)
227 Capítulo 05, op cit.
228 Ver Capítulo 02, p. 66, esquema elaborado a partir de Stevens (2003, p. 72)
229 Setton (2002, p.61) op cit. p.75.
230 (BOURDIEU, 1989, p. 83) op. cit. p. 27 desta tese.
231 (SETTON, 2002) op. cit. p.79 desta tese.
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A aceitação da condição de inacabado e de incerteza permite ao sujeito a sistemática
procura por desafios. Como aborda Morin (2003), preparar-se para um mundo incerto
não significa se resignar a um ‘ceticismo generalizado’, mas aprender a pensar bem,
com esforço, para desvendar o que está por trás de verdades hegemônicas. E, como
vimos em Trocmé-Fabre (2004)232, o ‘aprender a aprender’ ou ‘saber aprender’ para
educar-se a si mesmo é a grande finalidade da educação, qual seja, colaborar com a
construção da autonomia do sujeito para que ele seja capaz de conduzir, de forma
crítica, o seu próprio aprendizado, o seu próprio destino profissional.
Cientes desse propósito, a educação do arquiteto deve estar atenta aos aspectos
relativos à inclusão da realidade sociocultural e ambiental como referência para o
‘fazer arquitetural’ em detrimento da primazia dada à racionalidade técnica, pois,
como vimos, por meio dos autores analisados233, essa realidade permite a mediação
entre ‘o ser e o mundo’, como uma estratégia que supera qualquer antecipação
programática e viabiliza a transformação e a construção do próprio ‘ser’ e do ‘mundo’.
Assim, se o ‘aprender fazendo’ é tão necessário para a formação do arquiteto, que
esse fazer seja refletido e retroalimente a prática. A praxis é, portanto, o caminho para
o conhecimento da realidade e do autoconhecimento.
232 Ver Capítulo 05
233 Ver no Capítulo 03, Pinto (2011); Carsalade (1997); Rheingantz (2003); Arcipreste (2012); Teixeira
(2011); Trocmé-Fabre (2004); Corazza (1991), Schön(2000) op. cit.
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 349
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 369
A P Ê N D I C E A
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|APÊNDICE A|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 370
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|APÊNDICE A|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 371
APÊNDICE A – ANÁLISE QUANTITATIVA DA AMOSTRA TRABALHADA
A primeira edição do SEMINÁRIO PROJETAR ocorreu em 2003 por meio do I Seminário
Nacional sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura. Como propósito tratou
de refletir sobre uma possível crise do projeto de arquitetura como disciplina. Na
abertura do seminário a organização enfatizou que essa reflexão sobre a disciplina
projetual havia iniciado em 1985, por ocasião do seminário sediado pela UFRGS, que
acabou por ser nacionalmente conhecido pelo livro organizado por Comas (1986) e
adotado neste trabalho: “Projeto Arquitetônico: disciplina em crise, disciplina em
renovação”.
Os temas propostos nas chamadas de trabalhos foram agrupados, pela organização do
evento, em publicações referentes ao: Ensino, Pesquisa e Elementos para Análise e
Crítica de Projeto. Esses temas foram subdivididos em mesas redondas e sessões de
comunicações orais abrangendo assuntos como experiências didáticas, contribuições
psico-pedagógicas, métodos e técnicas para projetação, teoria e crítica do projeto,
elementos para análise, conceito/tipo, cognição/percepção ambiental, habitação,
informática, entre outros.
A diversidade dos resumos enviados abarcou desde experiências ocorridas em sala de
aula, até as abordagens teóricas e reflexões envolvendo a integração de conteúdos
contra a fragmentação disciplinar. De maneira geral, percebemos uma grande
necessidade dos autores em clarificar o processo de ensino do projeto de arquitetura,
assim como, o processo projetual. A crítica à ‘caixa preta’ como modelo de concepção
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|APÊNDICE A|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 372
é recorrente em vários artigos. O uso das ferramentas computacionais ainda aparece
timidamente como ferramenta para o ensino de projeto e, o seu uso não está atrelado
ao abandono dos métodos tradicionais, mas soma-se a eles no que diz respeito às
ferramentas utilizadas no processo de concepção como: esboços, croquis e maquetes
físicas. Percebemos, nesse evento, uma grande disposição e entusiasmo em vários
autores, com relação à retomada das reflexões em torno da disciplina projetual.
Assim, neste trabalho, no âmbito do evento de 2003, foram analisados 93 artigos.
Desse total, foram pré-selecionados para análise mais profunda 48 artigos, incluindo
artigos de palestras, mesas redondas e comunicações orais, ou seja, 51,6% do total
examinado. Desses 48 artigos analisados, 15 artigos (16, 12%) foram efetivamente
referidos no trabalho, conforme as referências bibliográficas.
A seguir, explanamos a análise quantitativa da amostra.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|APÊNDICE A|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 373
1) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR UNIVERSIDADES
Neste primeiro gráfico pode-se ver que a Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) teve o maior número de publicações, totalizando 09 artigos. Logo após, vem a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com 07 artigos; depois a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com 05 artigos e empatadas com 04 artigos a
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade de São Paulo.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|APÊNDICE A|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 374
2) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR REGIÕES
Neste gráfico foram contabilizadas quantas publicações houve por regiões do Brasil,
incluindo as publicações de autores não vinculados às Universidades.
O que podemos perceber é que apesar do maior número de publicações no evento ter
sido de uma Universidade da região Sul do país - UFSC (ver gráfico anterior), ao se
totalizar o número de publicações de todas as Universidades que participaram do
evento, a região Sudeste apresenta quase o dobro de publicações da região Sul e
quase o triplo de publicações da região Nordeste. A região Norte e Centro-Oeste não
contribuíram este ano.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
|APÊNDICE A|
TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 375
3) RANKING DE UNIVERSIDADES POR REGIÕES
Com o mapa do Brasil, podemos visualizar o número de Universidades que
participaram do evento em cada região do país. Este mapa vem complementar as
informações dos outros dois gráficos expostos anteriormente.
Como vimos, o Sudeste apresentou o maior número de publicações no evento, e
também apresentou o maior número de Universidades participativas nas publicações.
O Nordeste aparece em segundo lugar e o Sul em terceiro. O interessante aqui é
perceber que enquanto na região Sul as publicações se concentraram em poucas
Universidades (UFSC, UFRSG e Unichapecó), nas demais regiões houve uma
descentralização da produção, fazendo com que as outras regiões ganhem maior
destaque no mapa, mesmo estando a Universidade de maior número de publicações
na região Sul.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 376
4) RANKING DE PUBLICAÇÃO DOS AUTORES
Nesta tabela podemos ver os autores que mais publicaram no evento. Sonia Afonso da
UFSC está em 1º lugar com 04 publicações. Empatados logo após estão Paulo Afonso
Rheingantz da UFRJ, Miguel Angel Pousadela da UFSC, Alice T. Cybis Pereira da UFSC,
Anna Paula Silva Gouveia da Unicamp e José Roberto Merlin da PUC Campinas. Pode-
se notar que 03 dos autores de maior publicação são da UFSC, que no gráfico anterior
se mostra como número 01 de publicações no evento. Os demais são de Universidades
da Região Sudeste.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 377
5) RANKING DAS PALAVRAS-CHAVE
As palavras chave são aqui contabilizadas pela ordem de organização dada pelos
autores, preservando a hierarquização dada por eles a estas palavras. Na primeira
edição do PROJETAR, duas palavras-chave se destacam. Ensino e Projeto, estas
palavras-chave são as mais usadas em qualquer uma das posições hierárquicas dadas
pelos autores. Outras palavras-chave de destaque são Metodologia, Processo,
Linguagem, Crítica e Arquitetura.
Essas palavras que se destacam estão em completo acordo com os temas propostos
nas chamadas de trabalho do evento: Ensino, Pesquisa e Elementos para análise e
crítica de projeto.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 378
A segunda edição do PROJETAR em 2005 como II Seminário Nacional Sobre Ensino e
Pesquisa em Projeto de Arquitetura tratou da incorporação das questões mais atuais
relacionadas com a construção do conhecimento e com o ensino do projeto de
arquitetura e seus rebatimentos, suas práticas, suas interfaces e diálogos. Os temas
propostos nas chamadas de trabalhos agruparam as publicações em: Ensino de
projeto, Projeto como campo de pesquisa, Rebatimentos, práticas e interfaces.
No ano de 2005 foram analisados 146 artigos. Desse total, foram pré-selecionados
para uma análise mais profunda 60 artigos, incluindo artigos de sessões temáticas 01 e
02, mesas redondas e conferências, ou seja, 41% do total examinado.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 379
1) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR UNIVERSIDADES
A tabela do PROJETAR 2005 apresenta-se mais dinâmica que aquela da edição anterior.
Aqui podemos ver a participação de um número maior de Universidades. A
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi a que mais produziu neste
ano com 09 artigos, considerando a amostragem da pesquisa que relaciona artigos
com temas sobre o ensino de projeto. Em seguida, com a mesma pontuação, a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de São Paulo (USP)
com 06 artigos cada. Depois está a Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS) com 05
artigos e as Universidades Federais da Bahia (UFBA) e Minas Gerais (UFMG) com 04
artigos cada. Vale ressaltar que nesta tabela foi contabilizada a produção de uma
Instituição educacional que não é Universidade – SENAI/CETIQT.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 380
2) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR REGIÕES
Como mostramos a região Sudeste, assim como na edição anterior do evento, se
mantem em primeiro lugar na contagem de publicações por região. Porém, este ano, a
região Nordeste apresentou uma maior participação ficando em segundo lugar na
colocação. A região Sul ficou em terceiro lugar e as regiões Norte e Centro Oeste que
não haviam publicado em 2003, aqui aparecem com 01 publicação cada. Observa-se
também a contribuição de 04 Universidade estrangeiras somando 04 artigos.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 381
3) RANKING DE UNIVERSIDADES POR REGIÕES
Em uma comparação utilizando o mapa da edição anterior, pode-se ver que houve
uma participação de um maior número de Universidades e, consequentemente, uma
maior descentralização da produção. É o caso da Região Sul que em 2003 teve a
participação de apenas 03 Universidades e que nesta edição aumentou para 07,
empatando com a região Nordeste em segundo lugar. A região Sudeste permanece
como maior contribuinte e, as regiões Norte e Centro Oeste aparecem pela primeira
vez, além das Universidades Internacionais.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 382
4) RANKING DE PUBLICAÇÃO DOS AUTORES
Nesta tabela se contabilizam os autores que mais publicaram no evento. Benamy
Turkienicz da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) está em 1º lugar com
03 publicações. Empatados logo após estão Maísa Veloso da UFRN, Sônia Marques da
UFRN, Patrícia Porto Carneiro da UFRN, Vânia Hemb Magalhes da UFBA e José Roberto
Merlin da PUC Campinas. Observa-se que este último também aparece no ranking de
autores com maiores publicações no ano de 2003. Pode-se notar que 04 desses
autores são da região Nordeste e os outros 02 são das regiões Sul e Sudeste.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 383
5) RANKING DAS PALAVRAS-CHAVE
A utilização da palavra-chave Ensino é a mais presente entre as publicações desta
edição do PROJETAR; é utilizada pelos autores nas três posições hierárquicas, mas
principalmente, na primeira. Metodologia, Avaliação e Conhecimento são outras
palavras-chave utilizadas, mas mesmo somadas, não atingem o patamar de repetição
da palavra Ensino.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 384
A terceira edição do PROJETAR foi em 2007 como III Seminário Nacional Sobre Ensino e
Pesquisa em Projeto de Arquitetura. A edição 2007 apresentou um viés que se
distanciou das outras edições do evento. Aqui o interesse estava em refletir sobre a
situação cultural e econômica da conservação de testemunhos do passado, mesmo
quando de um passado recente, como é o caso da arquitetura que se firmou
proclamando-se moderna em 1928, entrou em crise de identidade por volta dos 1970
e pode considerar-se agora patrimônio.
Neste ano de 2007 foram analisados 95 artigos. Desse total, foram pré-selecionados
para uma análise mais profunda 04 artigos, ou seja, 4,21% do total examinado. Neste
evento, os rankings ficaram prejudicados pois o número de artigos selecionados foi
muito pequeno, devido ao nosso interesse em selecionar artigos relacionados ao
ensino de projeto de arquitetura sem direcionamento para a área patrimonial, como
foi o caso da maioria dos artigos enviados nesta edição do Projetar.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 385
1) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR UNIVERSIDADES
Nesta edição do evento, apenas 04 Universidades foram contabilizadas, cada uma
delas contribuindo com apenas 01 artigo. Seguindo esta lógica, não pode ser feito um
ranking de autores por publicação neste ano.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 386
2) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR REGIÕES
O número limitado de publicações também é refletido nesta tabela, onde podemos
observar 02 publicações da região Nordeste, 01 no Sul e 01 no Sudeste, sem a
participação das demais regiões ou de Universidade Internacionais.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 387
3) RANKING DE UNIVERSIDADES POR REGIÕES
Este mapa é proporcional à tabela anterior, contabilizando 02 Universidades na região
Nordeste e 01 da região Sudeste e Sul.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 388
5) RANKING DAS PALAVRAS-CHAVE
Embora poucos artigos tenham sido contabilizados nesta edição do PROJETAR, ainda
se percebe a predominância da utilização da palavra-chave Ensino, repetida 03 vezes
entre os 04 artigos. Além desta, apenas a palavra Projeto se destaca.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 389
A quarta edição do PROJETAR foi em 2009 com o IV Seminário Nacional Sobre Ensino e
Pesquisa em Projeto de Arquitetura. Tratou de retomar o objetivo da edição de 2003 e
2005: a consolidação do ensino e pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, dentro do
foco do projeto, e na relação de Ensino, Pesquisa e Prática.
No ano de 2009 foram analisados 243 artigos. Desse total, foram pré-selecionados
para uma análise mais profunda 80 artigos, incluindo artigos de conferências,
comunicações, e posters, ou seja, 32,9% do total examinado.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 390
1) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR UNIVERSIDADES
O PROJETAR 2009 recebeu contribuições de diversas Universidades, retomando a
dinâmica das edições anteriores a 2007. No ranking de publicações por Universidades,
a maior contribuinte, com 10 publicações, foi a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
É interessante observar que esta é a primeira vez na história do evento em que uma
instituição particular ocupa o primeiro lugar neste ranking. No entanto, como o evento
foi sediado pela própria universidade, coordenado pela professora Ruth Verde Zein,
este fato deve ter estimulado a participação de seus professores e alunos.
Em segundo lugar, com 09 publicações, está a Universidade Federal de Minas Gerais.
Empatados em terceiro, com 06 publicações cada, estão a Universidade Federal do Rio
de Janeiro e a Universidade de São Paulo. Outra peculiaridade desta edição do
PROJETAR, é que pela primeira vez se torna relevante neste ranking a participação de
uma Instituição Internacional. A Universidad Politécnica de Madrid que contribuiu com
05 publicações, aparece em quarto lugar. As Universidades Federais do Rio Grande do
Sul e do Norte, juntamente com a Unicamp, ocupam o quinto lugar no ranking, com 04
publicações cada.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 391
2) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR REGIÕES
Como pode ser observada no gráfico a seguir, a região Sudeste retoma o primeiro
lugar no ranking de publicações por região. Confirmando a tendência que se vê nos
gráficos anteriores. Não podemos ignorar o fato de ser esta região aquela que possui o
maior número de cursos de arquitetura, totalizando, em 2013, 135 cursos, onde São
Paulo concentra o maior número com 78 cursos.
A participação de instituições internacionais é muito alta nesta edição do evento, que
ocupam o segundo lugar neste ranking.
Em terceiro lugar fica a região Nordeste e em quarto a região Sul. A contribuição das
regiões Centro-oeste e Norte, apesar de maior, continua baixa, cada uma delas tem
apenas 02 artigos contabilizados.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 392
3) RANKING DE UNIVERSIDADES POR REGIÕES
Em 2009, a maioria das Universidades que contribuíram com artigos no PROJETAR foi
estrangeira, sendo que 15 das 42 instituições contabilizadas são internacionais. Entre
as Universidades brasileiras, o Sudeste, assim como nas edições de 2003 e 2005, é a
mais participante, seguida pela região Nordeste, depois a região Sul e empatados em
último o Norte e Centro-Oeste. Neste momento, já se pode apontar que dentro do
Brasil há uma predominância da participação de Universidades do Sudeste, apesar do
episódio atípico da edição de 2007.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 393
4) RANKING DE PUBLICAÇÃO DOS AUTORES
Nesta tabela são contabilizados os autores que mais publicaram no evento. Otavio
Curtiss Silvano Brandão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) está em 1º
lugar com 05 publicações. Jefferson Arruda Damasceno da Universidade Federal do Rio
grande do Norte (UFRN) em segundo, com 03 publicações. Empatados logo após estão
Gleice Azambuja Elali, também da UFRN, e Fernando Agrasar Quiroga da Universidad
de La Coruña, com 02 publicações cada.
Observa-se que nenhum dos autores mais recorrentes desta edição aparecem no
ranking de autores com maiores publicações dos anos passados. Pode-se notar que 02
desses autores são da região Nordeste e os outros 02 são da Sudeste ou estrangeiros.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 394
5) RANKING DAS PALAVRAS-CHAVE
Nesta edição do PROJETAR, a palavra-chave Ensino, que vinha se repetindo como
protagonista foi a menos citada. A palavra mais utilizada pelos autores foi Processo,
utilizada principalmente na segunda posição hierárquica entre as palavras-chave.
Outra palavra recorrente é Conceito, que apesar de ser a mais repetida na primeira
posição, aparece apenas 01 vez nas outras. Projeto também é uma das palavras
bastante empregadas nos artigos, mas todas estas estão mais presentes neste evento,
que a palavra Ensino.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 395
A quinta edição do PROJETAR ocorreu em 2011 com o V Seminário Nacional Sobre
Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura. Mantém o mesmo perfil dos anteriores,
procurando contribuir com a consolidação do evento, garantir sua perenidade, avançar
na internacionalização e expandir e renovar a produção de conhecimento na área,
para que se alcance uma prática e um ensino de projeto de arquitetura e urbanismo
mais rigorosos, inovadores e plurais. O tema trabalhado no seminário foi: Processos de
projeto: teoria e práticas.
No ano de 2011 foram analisados 167 artigos. Desse total, foram pré-selecionados
para uma análise mais profunda 77 artigos, ou seja, 46,1% do total examinado.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 396
1) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR UNIVERSIDADES
Na contabilização das publicações no PROJETAR 2011, a instituição com maior número
de publicações é, em disparada a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que
têm 11 publicações, mais do que o dobro da segunda colocada, a Universidade
Presbiteriana Mackenzie, que diminui pela metade a sua contribuição em relação à
edição anterior, em 2009, publicando 05 artigos.
Em terceiro lugar, estão empatadas as Universidades Federais do Rio Grande do Sul
(UFRGS), de Uberlândia (UFU), de Santa Catarina (UFSC), da Paraíba (UFPB) e do Rio
Grande do Norte (UFRN), cada uma contribuindo com 03 artigos.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 397
2) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR REGIÕES
Em 2011, os resultados do ranking de publicações por região se alteram em relação à
edição anterior, em 2009, em dois aspectos principais: a participação estrangeira
diminui consideravelmente, e a região Centro-Oeste aumentou sua contribuição,
destacando-se em relação à região Norte, com quem se manteve empatada em todas
as outras edições.
Em primeiro lugar está a região Sudeste, confirmando sua forte contribuição no
evento, em segundo o Nordeste e em terceiro o Sul. A região Centro-Oeste fica em
quarto lugar, com 05 publicações. As Universidades estrangeiras em quinto lugar, com
04 artigos, e apenas a região Norte mantém o número de publicações de 2009.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 398
3) RANKING DE UNIVERSIDADES POR REGIÕES
O mapa abaixo se mantém relativamente proporcional ao gráfico acima, a região
Sudeste mais uma vez se mostra a mais participativa no evento, 16 Universidades da
região têm publicações contabilizadas.
Em segundo lugar, as regiões Nordeste e Sul, têm 08 Universidades cada uma,
representando-as no evento.
O aumento no número de publicações da região Centro-oeste também é observado no
número de Universidades da região (04) e fica em terceiro lugar empatando com a
participação de Universidades internacionais.
Em último, a região Norte tem 02 Universidades com publicações, empatada com o
número de instituições educacionais que não são Universidades.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 399
4) RANKING DE PUBLICAÇÃO DOS AUTORES
Os autores com mais artigos contabilizados no PROJETAR 2011 são, em primeiro lugar,
Paulo Afonso Rheingantz, da UFRJ, com 04 publicações; em segundo lugar, Guilherme
Lassance, da PUC Rio, com 03 artigos; e empatados em terceiro estão Sônia Afonso, da
UFSC, Leandro Manenti, da Feevale, Patrícia Alonso, da UNIPÊ, e Gleice Elali, da UFRN,
com 02 publicações cada. Entre estes autores, três já são recorrentes neste ranking nas
outras edições do evento: Paulo Afonso Rheingantz, Sônia Afonso e Gleice Elali.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 400
5) RANKING DAS PALAVRAS-CHAVE
Nesta última edição do PROJETAR, a palavra-chave Ensino, que foi a protagonista em
todos os eventos exceto no anterior, de 2009, retoma sua posição de mais utilizada
pelos autores. Ela é seguida de perto pela palavra Projeto; outra palavra de uso
significativo é Processo.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 401
RANKING GERAL (CINCO EVENTOS DO PROJETAR)
1) RANKING DE PUBLICAÇÃO DA AMOSTRA POR UNIVERSIDADES NOS CINCO
EVENTOS
Neste ranking foram selecionadas as universidades que mais publicaram 04 ou mais
artigos em cada um dos anos individuais. Os resultados finais da contabilidade das
publicações por Universidades nas cinco edições do PROJETAR desde 2003 até 2011
mostram que a instituição mais participativa no evento é a Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) que tem artigos contabilizados em todos os eventos exceto pela
atípica edição de 2007, isso sempre relacionado ao ensino de projeto de arquitetura,
nosso objeto de estudo. Os artigos publicados pela UFRJ somam em 30. Em segundo
lugar a Universidade Federal do Rio Grande do Norte contribuiu com 21 artigos ao
longo da história do evento, apenas não se destacando nos quesitos estabelecidos pela
última edição, em 2011. Em terceiro lugar, a Universidade de São Paulo tem 18
publicações contabilizadas, não se destacando nos quesitos estabelecidos em 2011. A
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) contribuiu com 18 artigos e a
Presbiteriana Mackenzie (UPM) contribuiu com 17 artigos para as cinco edições do
PROJETAR, sendo que a UFRGS contribuiu nos cinco eventos e a Mackenzie apenas em
três (2005, 2009 e 2011) no tema ensino de projeto de arquitetura, se caracterizando
como quarto e quinto lugar. Em sexto lugar, a Universidade Federal de Minas Gerais
publicou 16 artigos nos anais do evento, em 2003, 2005 e em 2009. É relevante
também a participação das Universidades Federais de Santa Catarina com 14 artigos e
a Universidade Federal da Bahia, que têm 10 artigos.
PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS NO ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA NO BRASIL
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 402
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 403
2) RANKING DE PUBLICAÇÃO POR REGIÕES NOS CINCO EVENTOS
O ranking de publicações das regiões por ano confirma a hegemonia da região Sudeste
na participação do PROJETAR em praticamente todas as edições, exceto em 2007. A
participação das demais regiões é mais variável do que a Sudeste. Reforçamos o fato
de que é esta região, aquela que possui o maior número de cursos de arquitetura e
urbanismo, totalizando 135 cursos atualizados em 2013, pelos dados da ABEA.
A região Nordeste na primeira edição está em terceiro lugar no ranking, mas passa
para segundo lugar em 2005, primeiro lugar em 2007 e volta ao segundo lugar em
2009, mantendo-se em 2011.
A região Sul em 2003 aparece em segundo lugar, mas desce na edição seguinte para
terceiro lugar, mantendo nessa posição nas demais edições.
As regiões Norte e Centro-Oeste têm o mesmo comportamento nas quatro primeiras
edições do evento, não participando nem em 2003, nem em 2007, contribuindo com
01 artigo em 2005 e com 02 artigos em 2007. Na última edição, de 2011, a região
Centro-Oeste aumentou a sua participação para 05 artigos, enquanto a região Centro-
Oeste se manteve com apenas 02 artigos.
As instituições internacionais têm a participação flutuante no evento, chegando a não
participar em 2003 e 2007 e estando em segundo lugar em 2009, empatando com a
região Nordeste.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 404
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 405
3) RANKING DE UNIVERSIDADES POR REGIÕES EM TODOS OS EVENTOS
O ranking de universidades por região é um reflexo de publicações por região. Em
números absolutos, a região Sudeste teve 29 Universidades representando-a nos anais
do PROJETAR, 20 das Universidades eram estrangeiras, 12 nordestinas, 11 sulistas, 05
do Centro-oeste e 02 do Norte. Estes formam o quadro de participação das instituições
ao longo das cinco edições do evento.
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TESE DE DOUTORADO | UFRN | 2013 | AMÉLIA PANET 406
4) RANKING DE PUBLICAÇÃO DOS AUTORES EM TODOS OS EVENTOS DO PROJETAR
Os autores que mais têm artigos publicados na área do ensino de projeto de
arquitetura, registrados nos anais do PROJETAR são: Paulo Afonso Rheingantz, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com 08 artigos no total, Sônia Afonso
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com 07, Otavio Curtiss Silvano
Brandão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também com 07 e Gleice
Azambuja Elali, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com 06.
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5) RANKING DAS PALAVRAS-CHAVE DA AMOSTRA DE 270 ARTIGOS
Confirmando a tendência observada ao longo das cinco edições do PROJETAR, a
palavra-chave de maior utilização, mesmo tendo sido pouco utilizada em um dos anos
(2009), é Ensino. É interessante observar que a maior ocorrência desta palavra é na
primeira posição entre as três palavras, repetida 60 vezes ao total como 1a palavra-
chave, 36 como 2a, e 19 como 3a.
As palavras Processo e Projeto são também muito utilizadas pelos autores; porém, a
palavra Processo é mais utilizada na 2a posição, enquanto Projeto segue o padrão de
Ensino e é mais utilizada como 1a palavra chave.
Outras duas palavras que ao somar sua utilização em todas as edições do evento
ganha importância, muito embora tenham sido pouco usadas nos eventos
individualmente são Metodologia e Forma.