UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE LUCIA HELENA COSTA DE GÓIS DA CASA GRANDE AO CONDOMÍNIO FECHADO: O QUE MUDOU NAS FORMAS E MODOS DE MORAR DA FAMÍLIA INTERGERACIONAL NO NORDESTE E SUDESTE DO BRASIL? NATAL - 2015 LUCIA HELENA COSTA DE GÓIS DA CASA GRANDE AO CONDOMÍNIO FECHADO: O QUE MUDOU NAS FORMAS E MODOS DE MORAR DA FAMÍLIA INTERGERACIONAL NO NORDESTE E SUDESTE DO BRASIL? Tese para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Área de Concentração: Urbanização, Projetos e Políticas Físico-Territoriais Orientadora: Drª Françoise Dominique Valéry NATAL-RN 2015 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte / Biblioteca Setorial de Arquitetura. Góis, Lucia Helena Costa de. Da casa grande ao condomínio fechado: o que mudou nas formas e modos de morar da família intergeracional no Nordeste e Sudeste do Brasil? / Lucia Helena Costa de Góis. – Natal, RN, 2015. 409f. : il. Orientadora: Françoise Dominique Valéry. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura. 1. Habitação – Arquitetura – Tese. 2. Formas de morar – Tese. 3. Casa brasileira – Tese. 4. Família intergeracional – Tese. 5. Co-habitação intergeracional – Tese. I. Valéry, Françoise Dominique. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSE15 CDU 728.1 LUCIA HELENA COSTA DE GÓIS DA CASA GRANDE AO CONDOMÍNIO FECHADO: O QUE MUDOU NAS FORMAS E MODOS DE MORAR DA FAMÍLIA INTERGERACIONAL NO NORDESTE E SUDESTE DO BRASIL? Tese de doutorado, para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na área de concentração Urbanização, Projetos e Políticas Físico-Territoriais. Aprovada em 17/04/2015. Drª Françoise Dominique Valéry – PPGAU/UFRN Presidente-Orientadora Drª Gleice Virgínia Medeiros Azambuja Elali – PPGAU/UFRN Membro Interno ao Programa Dr. Edmilson Lopes Júnior - PPGCS/UFRN Membro Interno à Instituição Drª Maria de Lourdes Soares – PPGSS/UFPB Membro Externo Drª Rosa Ester Rossini – PPGH/USP Membro Externo Aos meus pais Enilza Costa de Góis (In Memoriam) Rudson Lima de Góis (In Memoriam) DEDICO Casa Nova e Casa Velha Que casa linda Pronta para morar Tem tudo que eu preciso Nem acredito Já posso mudar. Tem pouca conservação Dá para consertar Que alívio tremendo Posso deixar de procurar. Mas que casa é essa? Mal conhecemos Não paramos de brigar Por qual motivo? Nem dá para imaginar Vontade minha? Vontade dela? Deixa para lá Não pode mos, não dá. . . E o casamento? Por tão pouco, Será que vai acabar? Preciso voltar a Velha Casa Lá consigo pensar Os filhos desfocam Temos que replanejar Coloca um para cá e Dois para lá Ficou bom? Fingimos que dá para ficar. Ah! Bendita seja a Velha Casa Que com todos os defeitos Faz me sentir num LAR. RICARDO SÁ AGRADECIMENTOS Inicio os agradecimentos por meus pais Rudson e Enilza que, infelizmente, não se encontram mais entre nós. Com certeza estariam muito felizes, pois sempre primaram pela minha educação: ensinaram-me a ousar, a percorrer o mundo das artes (cinema, teatro e literatura) com questionamentos e curiosidades inteligentes. Nunca mediram esforços, estavam sempre presentes e a cada sucesso meu ficavam mais envaidecidos do que a própria interessada. No caso, Eu. Na verdade não entendia tanta tietagem. Obrigada por tudo mesmo. À minha orientadora Drª Françoise Dominique Valéry, inteligente, objetiva, prática, exigente e acima de tudo minha amiga, que não só me honrou com sua orientação, mas por ter sido fonte de inspiração e incentivo ao longo de 16 anos. Meus agradecimentos por me convencer a dar continuidade as minhas pesquisas e por ser a principal incentivadora e condutora impecável desta tese. Aos membros da banca examinadora professor Dr. Edmilson Lopes Júnior (UFRN), professoras Drª Gleice Azambuja Elali (UFRN), Drª Maria de Lourdes Soares (UFPB), Drª Rosa Ester Rossini (USP) pela disponibilidade, sugestões e contribuições ao presente trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo não só pela qualificação do seu corpo docente, mas, pela forma como este vem conduzindo e instigando os alunos a produzirem não só com eficiência no tempo, mas na qualidade dos trabalhos. Em particular aos professores Dr. Aldomar Pedrini, Dr. Marcelo Tinoco e professora Drª. Dulce Bentes cujas sugestões nos Seminários de Tese foram relevantes; e Drª. Amadja Henrique Borges, cujas contribuições no exame de qualificação foram fundamentais para aprimorar o meu trabalho. Aqui em especial meus agradecimentos à professora Dr.ª Gleice Azambuja Elali, que ao longo do doutoramento tem me acompanhado como professora da disciplina Psicologia Ambiental, coordenadora do curso de Pós-graduação, nos Seminários e Qualificação de Tese. Ao arquiteto Dr. Ronald Góes pelas sugestões. À minha família maravilhosa (irmãos, sobrinhos e tias) que sem entender porque estudava tanto, e sempre a exigir minha presença no seu cotidiano suspirou de alívio pelo término deste trabalho. Foi apoio incondicional e logístico, em especial dos meus irmãos Heloisa, Silvana, Sandra e Reuben; das minhas tias Ivoneide, Ivonilde e Ivanosca (eternas amigas de infância) e meu sobrinho-afilhado Raglan. Agradeço de forma muito especial à Professora Joana D‟Arc Fernandes Coelho cujas mãos me adentraram na vida acadêmica e sem as quais provavelmente não estaria exercendo o que mais gosto: a arte de ensinar. Minha gratidão e reconhecimento sempre. Às colegas da Faculdade de Serviço Social em especial: professora Wálbia Maria Carlos de Araújo Leite (In Memoriam) incentivadora para que desse prosseguimento as minhas pesquisas e como utilizar a sala de aula para que as mesmas fossem efetivadas. Drª Ivonete Soares Coelho, sempre presente, mesmo à distância, com suas sugestões, apoio e incentivo. Drª. Gilcélia Batista de Góis, Drª Gláucia Araújo Russo, Drª Suzaneide Ferreira da Silva. Às demais colegas do Curso de Serviço Social pelo apoio ao me concederem liberação por um ano e meio e mensagens de incentivo. Foram fundamentais para o processo. Aos meus ex- alunos e ex-alunas da FASSO (1999-2010) “Arquitetos e Arquitetas” nos planos pilotos dos muitos projetos que deram início a presente tese, especialmente sobre a questão da família, muito obrigada. À Verônica Braga Duda, ex-secretária do Departamento de Serviço Social, que foi por muito tempo minha fiel companheira e escudeira nos eventos de pesquisa por mim promovidos, obrigada. Sara Maria Silva, Telma Maia e Wescley Silva, muito obrigada pelo carinho e presteza em atenderem as minhas reivindicações administrativas. Às meninas do DRH, em especial Miriam Tavares, Marileide Couto, Socorro Medeiros e Roberta Benevides pela eficiência nos serviços prestados quando deles necessitava. Ao professor Almir Castro do Departamento de Capacitação, obrigada. André Valéry, muito obrigada pela tradução do resumo em inglês e pelo apoio logístico quando o computador também entrava em crise. Lucas Medeiros, bolsista PROEX/UFRN, meu agradecimento pelos desenhos dos croquis das casas intergeracionais. Aqui um parêntese bastante especial, carinhoso e de gratidão, para com as minhas primeiras professoras da minha infância: Raimunda Bezerra (In Memoriam), Maria do Socorro (Montessori), Maria José Barbosa e Rosário Cabral. Elas, com certeza foram modelos na minha formação de professora-pesquisadora. AGRADECIMENTO MAIS QUE ESPECIAL aos membros das famílias intergeracionais, sujeitos-atores da pesquisa. Sem a colaboração, paciência, prontidão e confiança em abrir, não só as portas de suas residências, mas também as portas de suas intimidades, o filão da pesquisa, ou partes que contém as suas vivências, falas e imagens do cotidiano, o trabalho não seria possível. Vocês, além de prestimosos revelaram mais do que foi solicitado por esta pesquisadora. Meus sinceros e profundos agradecimentos. De acordo com as Normas da ABNT os agradecimentos devem ser dirigidos àqueles que contribuíram de maneira relevante à elaboração do trabalho. Mas, apesar de tentar incutir na cabeça dos meus alunos a absorção plena desta Norma, não poderia deixar de incluir um agradecimento especial ao Divino Espírito Santo que tem me guiado, não só na vida acadêmica, mas na “quase” vida pessoal e social. Simplesmente esqueci que as tenho. RESUMO O estudo tem como foco de atenção as formas e modos de morar da família intergeracional, aquela constituída por pessoas de diferentes gerações, que co-habitam e tem o idoso/idosa como referência. Quanto às formas de morar, deste tipo de família, é interessante notar que as pesquisas, produções, tradicionalmente realizadas por arquitetos e designers de interiores, não a conceituam nem a definem porque não incluíram essa configuração familiar nos seus estudos e não se preocuparam em atrelar esse tipo de família com alguma forma de morar. Encontra-se, portanto, até o presente momento, um vácuo teórico conceitual, propositivo e interventivo que não corresponde à realidade empírica. Face às constatações, a investigação passou pelo desafio teórico de desconstruir o modelo único de habitação contemporânea, hoje destinada a todos os formatos de famílias sem considerar o que está se gestando: o da família intergeracional de idoso e com idoso. O estudo constitui, portanto, um meio privilegiado para se ter um olhar diferenciado sobre diferentes modelos de espaços domésticos a partir dos novos formatos de famílias, suas necessidades básicas e especiais bem como as identidades das moradias das camadas sociais média-alta e alta indicando um diferencial em relação às condições de moradia e estilo de vida das camadas médias e pobres. Para descrever as formas e modos de morar do arranjo familiar intergeracional foi selecionado o método interdisciplinar, que melhor articula não só o método de procedimento, como o método de abordagem indutivo-reflexivo mediante pesquisa de natureza qualitativa. Para tal, selecionou-se como espaço geográfico aquele em que se concentravam pessoas de grande proximidade socioantropológica e os que faziam parte do círculo de amizades e parentes da pesquisadora, entre estes, os residentes nos bairros de Capim Macio, Candelária, Tirol e Petrópolis, localizados nas zonas sul e leste, respectivamente, da cidade de Natal. Os moradores foram entrevistados e os ambientes fotografados. Constatou-se que, enquanto o espaço intergeracional não se firma enquanto tal, rearranjos extremamente criativos se dão no espaço doméstico em função dos hábitos, necessidades, relações entre gênero e gerações. Conclui-se que a família intergeracional continua na invisibilidade apesar de se firmar como novo arranjo domiciliar; que os estudos sobre cotidiano e moradia devem ser retomados na perspectiva histórica e epistemológica integrando substancialmente a dimensão pessoa- ambiente; que foram validadas as categorias analíticas de gênero e geração, bem como as formas de co-habitação permanente, temporária e em conexão que contribuem para uma releitura das formas e modos de morar na contemporaneidade. Palavras-Chave: Formas de morar/Modos de morar. Casa brasileira. Família Intergeracional. Co-Habitação Intergeracional. ABSTRACT The focus of this study is to draw attention to the intergenerational family’s lifestyles and their various ways of cohabitation, in special to those families which are made by individuals of different generations, these families being constituted of, two or more individuals, or, two or more smaller families, which live under the same roof and have the elderly person as referential in their cohabitation. In those types of families, as for their ways of organization, it is interesting to note that the researches and productions done by inner architects and inner designers do not include this type of family arrangement because their studies do not cover this kind of structuralization nor was this type of organization put together with any of the ways of cohabitation. Therefore there is a theoretical concept void which is propositional, interventional and does not relate to the empirical reality. In observation to these remarks, the research starts a theoretic challenge of deconstruct or reconstruct our modern only habitational template, which is used today in all families configurations which out any regards to where this template will be used, unfitting to the intergenerational families who have elders. This study is then meant to give an differential analysis of the various domestic space’s templates in regards to the new families formats, their basic and special necessities, the home identities of those families which indicates the differential gap in housing and lifestyle from the higher social classes in comparison to the lower social classes. The interdisciplinary method was chosen in order to describe arrangements found in the lifestyles and the ways of cohabitation of the intergenerational families, this method is used for its knowledge base that better articulates the procedure method and the inductive reflexive approach made possible after an qualitative research. In order to accomplish that, an geographical space which tow real possibilities was selected, that is, the space where the people of great social and anthropological proximity are concentrated and the people which are the researcher kinships and friends, in between those are the habitants of Capim Macio’s, Candelária’s, Tirol’s and Petrópolis’s, neighborhoods, located in the south west zone of her home city Natal. It has been noticed that, meanwhile these intergenerational spaces do not claim their said spaces, because of their habits, necessities and relations in between generations and gender, their arrangements of said space are extremely creative. That means that alterations in the concepts of planning, construction and utilization of built spaces are imperative. Key Words: Lifestyle. Ways of cohabitation. Intergenerational families. Which elders. families formats. Domestic space’s templates. RÉSUMÉ La thèse aborde les formes et modes d´habiter des familles intergenérationelles constituées par des personnes de différentes génerations qui cohabitent et ont comme référence des personnes agées. En ce qui concerne les formes d´habiter de ces familles, les recherches et productions traditionnellement réalisées para des architectes et dessinateurs d´intérieur n´abordent ni leur concept ni leur définition car Ils ne se sont pas interressés a faire le lien entre ce type de famille et son habitat. Il y a donc aujourd´hui um vide conceptuel, propositif et operationnel, qui ne correspond pas a la realité du terrain. Voila pourquoi la recherche a du répondre au defi théorique de défaire Le modèle unique d´habitation contemporain, destine á n´importe quel type de famille sans prendre em compte la realite naissante de la famille intergenerationelle de personnes agées et avec des personnes agées. Cette thèse est devenue le moyen privilegié de porter um regard sur les différents modeles d´espaces domestiques a partir des nouvelles formes de familles, de leurs besoins principaux et spéciaux, dans ee cadre de familles des couches moyennes et aisées, c´est a dire bien différent des conditions d´habitation et styles de vie des classes moyennes et pauvres. Afin de décrire les formes et modes d´habiter des familles intergenerationelles, on a utilisé la méthode interdisciplinaire, plus à même d´articuler procedes et abordagem qualitative. Comme terrain de recherche, on a élu l´espace de proximité socio anthropologique dans le cercle d´amis et parents de l´auteur de la recherche, résidents dans les quartiers chics da La ville de Natal, ou on a realisé les entrevues et fotografie les interieurs. La recherche montre que, même si l´espace intergenerationnel n´existe pas en tant que tel, Il se devine sous les arrangements creatifs qui se font en fonction des habitudes, besoins, relations entre personnes de genre et generations différentes. On en conclut dont que la famille intergenerationnelle continue dans l´invisibilité même si elle s´affirme dans la realité du domicile; que les etudes sur le quotiddien et l´habitat doivent être revus dans leur dimension historique et epistemologique en integrant de façon substancielle les relations entre les personnes et leur environnement; que les catégories analytiques de genre et age et lês formes de cohabitation permenente, temporaire et en connexion contribuent à La relecture dês formes et modes d´habiter dans le monde contemporain. Mots-clés: Formes d´habitat. Modes d´habiter. Maison brésilienne. Famille intergenerationnelle. Cohabitation intergénerationnelle. LISTA DE ILUSTRAÇÕES A - IMAGENS ICONOGRÁFICAS CAPÍTULO II Figura 01 - Casa-Grande do final do século XVI .................................................................................. 61 Figura 02 - Planta da Casa Grande do Engenho Noruega do século XVII ........................................... 62 Figura 03 - Exemplar de casas do Período Colonial em Recife-PE ...................................................... 64 Figura 04 - Antiga residência dos governadores, atualmente Casa dos Contos .................................... 66 Figura 05 - Casario de porta e janela. Porto Seguro,Bahia (ilustração superior). Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (ilustração inferior) .................................................................................... 66 Figura 06 - Construções em Recife/PE. Mistura de influências Ibéricas e Holandesas ........................ 66 Figura 07 - Casas de Taipa-de-Pilão coberta de palha .......................................................................... 68 Figura 08 – Casas de Taipa-de-Pilão coberta de Telhas ....................................................................... 68 Figura 09 – Paredes de taipa-de-pilão e pau-a-pique ............................................................................ 68 Figura 10 – Casa Bandeirista no Butantã. Construção original em taipa-de-pilão ............................... 68 Figura 11- Casa Bandeirista em taipa-de-pilão e pau-a-pique. Alpendre reentrante. Construção primeiras décadas do século XVII .................................................................................... 69 Figura 12 – Casario e sobrado. Tipologia das edificações no Brasil setecentista ................................. 71 Figura 13 – Largo do Paço (1738-1746) ............................................................................................... 72 Figura 14 – Paço Imperial. Modelo original (1808) .............................................................................. 73 Figura 15 – Paço Imperial na contemporaneidade ................................................................................ 73 Figura 16 – Antigo Palácio de São Cristovão ....................................................................................... 74 Figura 17 – Atual Palácio de São Cristovão ......................................................................................... 75 Figura 18 – Sobrados ou falsos sobrados do Rio de Janeiro (1808) ..................................................... 77 Figura 19 – Casa isolada. São Luís – Caminho da Gávea para a Tijuca ............................................... 79 Figura 20 – Rua do Ouvidor – Rio de Janeiro finais do século XIX .................................................... 81 Figura 21 – Casarão do século XIX – Bahia ......................................................................................... 82 Figura 22 – Casa de Fazenda da Bahia ................................................................................................. 82 Figura 23 – Casa na cidade. Propriedade do Barão de Cabo Verde. Minas Gerais (1835) ................... 82 Figura 24 – Fazenda São Luís da Boa Sorte (1835) .............................................................................. 83 Figura 25 – Palácio de Verão da família imperial de D. Pedro II ......................................................... 84 Figura 26 – Palacete de João Batista Scurachio. Av. Paulista- SP (1920) ............................................ 86 Figura 27 – Sala de jantar do palacete de Joaquim Policarpo. Barão de Itapura .................................. 87 Figura 28 – Mapa do Brasil com localização de Natal-RN ................................................................... 90 Figura 29 – Mapa com localização geográfica do Rio Grande do Norte e a capital Natal ................... 90 Figura 30 – Natal, Ribeira. Primeiras décadas do século XX ............................................................... 91 Figura 31 – Rua Nova, Cidade Alta. Final do século XIX .................................................................... 91 Figura 32 – Solar Bela Vista. Morada fixa do Coronel Aureliano de Medeiros. Natal-RN ................. 92 Figura 33 – Palacete provisório do Coronel Aureliano Medeiros (1908) Natal – RN .......................... 92 Figura 34 – Praça do Lido no Posto 2. Copacabana-RJ ........................................................................ 95 Figura 35 – Fachada do Edifício Morro de Santo Antonio. Apartamento Duplex - RJ (1930) ............. 96 Figura 36 – Planta baixa de uma casa térrea com varanda. RJ (1942) .................................................. 97 Figura 37 – Fachada da casa térrea com varanda – RJ (1942) .............................................................. 97 Figura 38 – Planta baixa de um sobrado com terraços e varandas –RJ (1942) ..................................... 98 Figura 39 – Sobrado com terraços e varandas – RJ (1942) ................................................................... 98 Figura 40 – Edifício São Luís – São Paulo (década de 1940) ............................................................... 99 Figura 41 – Edifício Residencial e comercial. Bairro Leblon – RJ ..................................................... 100 Figura 42 – Primeiro condomínio de apartamentos. São Paulo .......................................................... 101 Figura 43 – Paredão de edifícios. Copacabana – RJ (1960) ................................................................ 102 Figura 44 – Loteamento Green Park. Natal – RN (1995) ................................................................... 104 Figura 45 – Condomínio West Park Boulevard. Natal – RN .............................................................. 104 Figura 46 – Via principal do Condomínio West Park Boullevard. Natal-RN (2011) ......................... 105 Figura 47 – Residência do Condomínio West Park Boullevard. Natal-RN (2011) ............................ 105 Figura 48 – Exemplar da planta baixa de um apartamento. Residencial Manhattan. Natal-RN ......... 109 Figura 49 – Mapa: limites da Barra da Tijuca e bairros vizinhos. Rio de Janeiro .............................. 112 Figura 50 – Região administrativa da Barra da Tijuca vista da Pedra da Gávea – RJ ........................ 112 Figura 51 – Condomínio Península. Barra da Tijuca – RJ .................................................................. 113 Figura 52 – Planta do Condomínio Península – RJ ............................................................................. 114 Figura 53 – Equipamentos e infra-estrutura no entorno do Condomínio Península- RJ ..................... 114 Figura 54 – Pórtico de entrada do Condomínio Península. Barra da Tijuca-RJ ................................. 115 Figura 55 – Entrada principal do Condomínio Península – RJ ........................................................... 115 Figura 56 - Segunda entrada. Guaritas dos condomínios. Península. Barra da Tijuca–RJ ................. 116 Figura 57 – Condomínio Península. Parte da área verde. Barra da Tijuca –RJ .................................. 116 Figura 58 – Varanda de um apartamento situado no Condomínio Península. Barra da Tijuca-RJ ..... 117 CAPÍTULO III Figura 59 – Índia de cócoras fazendo comida no tucuruva ................................................................. 136 Figura 60 – Ambiente superposto. França. Final do século XIX ........................................................ 137 Figura 61 – Fogão a lenha de tijolos. Brasil. Final do século XIX ..................................................... 138 Figura 62 – Residência de três andares com chaminé no sótão. Rio de Janeiro (1837-1838) ............ 141 Figura 63 – Faiança Holitsch. Sopeiras de 1746 a 1800 ..................................................................... 149 Figura 64 – Ângelus de Jean François Millet (1837-1859) ................................................................. 150 Figura 65 – Demonstrativo: produto da tupperware em forno ............................................................ 157 Figura 66 – Potes de mantimentos da tupperware para armazenar. Séculos XX-XXI........................ 158 Figura 67 – Demonstrativo da tupperware de como organizar mantimentos com eficiência ............. 158 Figura 68 – Porta tudo ......................................................................................................................... 159 Figura 69 – Fogão moderno de seis bocas .......................................................................................... 160 Figura 70 – Fogão de oito bocas. Marca Viking ................................................................................. 161 Figura 71 – Linha retro da Brastemp .................................................................................................. 162 Figura 72 – Fogão a lenha no espaço gourmet .................................................................................... 163 Figura 73 – Bandeja/esteira de madeira para braço de sofá ................................................................ 166 Figura 74 – Cozinha-sala de estar-jantar integrada ............................................................................. 167 Figura 75 – Jantar de uma residência americana. Mesa redonda ........................................................ 174 Figura 76 – Família moderna reunida à mesa ..................................................................................... 174 Figura 77 – Família contemporânea à mesa ........................................................................................ 174 Figura 78 – Famílias contemporâneas reunidas à mesa ...................................................................... 175 Figura 79 – Famílias contemporâneas reunidas à mesa ...................................................................... 175 Figura 80 – Refeição em família. Família intergeracional .................................................................. 175 Figura 81 – Cena de um jantar em família no século XXI .................................................................. 176 Figura 82 – Maneiras à mesa. Jantar em família ................................................................................. 180 Figura 83 – Um jantar brasileiro (1827). Jean-Baptiste Debret .......................................................... 182 Figura 84 – Jantar em família. Final do século XIX ........................................................................... 184 Figura 85 – Família burguesa de início do século XX ........................................................................ 184 Figura 86 – Cena de refeição em família. François Boucher (1739) .................................................. 185 Figura 87 – Quarto do Rei Luis I de Portugal ..................................................................................... 199 Figura 88 – Quarto da Rainha Maria Pia de Portugal ......................................................................... 199 CAPÍTULO IV Figura 89 – Localização dos bairros de Natal-RN selecionados para estudo ..................................... 211 Figura 90 – Esquema da planta baixa sem escala da Casa Andarilha ................................................. 221 Figura 91 – Esquema da planta baixa da Casa Moema ....................................................................... 256 Figura 92 – Esquema da planta baixa da Casa Trevo ......................................................................... 286 Figura 93 – Relógio de parede ansônia com caixa de madeira ........................................................... 339 Figura 94 – Máquina Singer ................................................................................................................ 339 B - IMAGENS FOTOGRÁFICAS CAPÍTULO III Fotografia 1 – Salas integradas jantar-estar e home-teather. Condomínio Península ......................... 117 Fotografia 2 – Área de lazer de um dos condomínios do Condomínio Península .............................. 118 Fotografia 3 – Área verde de um dos condomínios do Condomínio Península .................................. 118 Fotografia 4 – Casa Cor com três opções de entrada .......................................................................... 192 Fotografia 5 – Casa Cor com três opções de entrada .......................................................................... 192 Fotografia 6 – Casa Vale com duas opções de entradas ..................................................................... 192 Fotografia 7 - Casa Vale com duas opções de entradas ...................................................................... 192 CAPÍTULO IV Fotografia 8 – Cozinha com copa integrada. Casa Andarilha ............................................................. 222 Fotografia 9 – Cristaleira na copa. Casa Andarilha ............................................................................ 222 Fotografia 10 – Louceiro com adega embutida na copa. Casa Andarilha .......................................... 222 Fotografia 11 – Área externa de serviço. Casa Andarilha .................................................................. 223 Fotografia 12 – Área interna de serviço. Casa Andarilha ................................................................... 223 Fotografia 13 – Despensa para material de limpeza. Casa Andarilha ................................................. 224 Fotografia 14 – Despensa para mantimentos. Casa Andarilha ........................................................... 224 Fotografia 15 – Terraço da área de serviço. Casa Andarilha .............................................................. 225 Fotografia 16 – Suíte da trabalhadora doméstica. Casa Andarilha ..................................................... 226 Fotografia 17 – Suíte da trabalhadora doméstica. Casa Andarilha ..................................................... 226 Fotografia 18 – Banheiro da suíte da trabalhadora doméstica. Casa Andarilha ................................. 227 Fotografia 19 – Sala de jantar. Casa Andarilha .................................................................................. 228 Fotografia 20 – Bufê e utilitários para as refeições. Casa Andarilha .................................................. 228 Fotografia 21 – Aparador na sala de jantar ......................................................................................... 229 Fotografia 22 – Sala de estar com sofá de três lugares. Casa Andarilha ............................................ 229 Fotografia 23 – Sala de estar com sofá de dois lugares. Casa Andarilha ............................................ 229 Fotografia 24 – Quarto do neto em conexão. Casa Cor ...................................................................... 237 Fotografia 25 – Bercinho para a nenê e sofá cama para a babá no gabinete do vovô. Casa Cor ........ 237 Fotografia 26 – Cadeirinha feminina no gabinete do vovô ................................................................. 238 Fotografia 27 – Ursinho de pelúcia no armário do quarto do papo da vovó ...................................... 238 Fotografia 28 – Quarto do papo da vovó. Casa Cor ........................................................................... 239 Fotografia 29 – Mini home-theater no quarto do papo ...................................................................... 239 Fotografia 30 – Copa integrada a cozinha .......................................................................................... 241 Fotografia 31 – Cozinha. Casa Cor ..................................................................................................... 241 Fotografia 32 – Sala de jantar. Mesa com oito cadeiras. Casa Cor ..................................................... 242 Fotografia 33 – Mesa-suporte para mesas pequenas ........................................................................... 243 Fotografia 34 – Gabinete utilizado pelas crianças e o vovô ............................................................... 244 Fotografia 35 – Gabinete utilizado pelas crianças e o vovô ............................................................... 244 Fotografia 36 – Hall da Casa Cor ....................................................................................................... 244 Fotografia 37 – Saída para o jardim interno ....................................................................................... 244 Fotografia 38 – Sala de estar e jardim de inverno ............................................................................... 245 Fotografia 39 – Sala de estar – vista parcial ....................................................................................... 245 Fotografia 40 – Salão no subsolo. Poltrona de couro para três lugares .............................................. 246 Fotografia 41 – Home theater e mesa para refeições no subsolo. Casa Cor ....................................... 246 Fotografia 42 – Visão em dois ângulos do salão do subsolo .............................................................. 247 Fotografia 43 – Visão em dois ângulos do salão do subsolo .............................................................. 247 Fotografia 44 – Sala de estar. Casa Moema ........................................................................................ 258 Fotografia 45 – Bufê e utilitários para as refeições. Casa Moema ...................................................... 259 Fotografia 46 – Espaço reservado ao culto religioso. Sala de jantar .................................................. 259 Fotografia 47 – Espaço reservado ao culto religioso. Sala de estar .................................................... 260 Fotografia 48 – Área de serviço. Casa Moema ................................................................................... 261 Fotografia 49 – Área de serviço. Casa Moema ................................................................................... 261 Fotografia 50 – Área de serviço. Casa Moema ................................................................................... 261 Fotografia 51 – Área de serviço. Casa Moema ................................................................................... 261 Fotografia 52 – Terraço e garagem. Casa Moema .............................................................................. 262 Fotografia 53 – Espaço para garagem. Casa Moema .......................................................................... 262 Fotografia 54 – Terraço multifuncional ou sem função específica ..................................................... 262 Fotografia 55 – Terraço multifuncional ou sem função específica ..................................................... 262 Fotografia 56 – Terraço multifuncional visto de outro ângulo ........................................................... 263 Fotografia 57 – Espaço reservado às crianças para estudo e lazer no terraço multifuncional ............ 263 Fotografia 58 – Quarto de despejo em dois ângulos. Casa Moema .................................................... 265 Fotografia 59 – Quarto de despejo em dois ângulos. Casa Moema .................................................... 265 Fotografia 60 – Sala de estar-jantar com múltiplas funções ............................................................... 268 Fotografia 61 – Suíte da neta Sanya. Casa Shangri-lá ........................................................................ 272 Fotografia 62 – Suíte da neta Sanya. Outro ângulo. Casa Shangri-lá ................................................. 272 Fotografia 63 – Suíte da neta Sanya. Três ângulos diferentes ............................................................ 273 Fotografia 64 – Suíte da neta Sanya. Três ângulos diferentes ............................................................ 273 Fotografia 65 – Suíte da neta Sanya. Três ângulos diferentes ............................................................ 273 Fotografia 66 – Área de serviço com armário embutido .................................................................... 274 Fotografia 67 – Área de lazer. Casa Shangri-lá .................................................................................. 275 Fotografia 68 – Área de lazer/espaço piscina. Casa Shangri-lá .......................................................... 275 Fotografia 69 – Gabinete de Nair/ estante. Casa Shangri-lá ............................................................... 277 Fotografia 70 – Gabinete de Nair/ visão parcial ................................................................................. 277 Fotografia 71 – Gabinete de Nair/Mesa de trabalho e apoio .............................................................. 277 Fotografia 72 – Gabinete de Nair/ Mesa de trabalho .......................................................................... 277 Fotografia 73 – Terraço do primeiro andar defronte a sala de estar e jantar....................................... 278 Fotografia 74 – Cobertura em forma de L. Casa Shangri-lá ............................................................... 278 Fotografia 75 – Sala de estar. Casa Shangri-lá ................................................................................... 279 Fotografia 76 – Sala de estar. Outro ângulo. Casa Shangri-lá ............................................................ 279 Fotografia 77 – Sala de jantar. Hall onde se concentra móvel com coleções de Nair ........................ 280 Fotografia 78 – Bufê herdado da avó paterna de Nair ........................................................................ 281 Fotografia 79 – Home theater. Casa Shangri-lá .................................................................................. 282 Fotografia 80 – Home theater. Poltronas com brinquedos da neta. Casa Shangri-lá .......................... 282 Fotografia 81 – Sala de estar com visão da porta de entrada. Casa Trevo .......................................... 286 Fotografia 82 – Sala de estar .Visão parcial. Casa Trevo ................................................................... 287 Fotografia 83 – Sala de estar .Visão parcial. Casa Trevo ................................................................... 287 Fotografia 84 – Sala de jantar. Casa Trevo ......................................................................................... 287 Fotografia 85 – Hall. Limite sala de estar ........................................................................................... 287 Fotografia 86 – Sala de jantar. Visão em dois ângulos. Casa Trevo ................................................... 288 Fotografia 87 – Sala de jantar. Visão em dois ângulos. Casa Trevo ................................................... 288 Fotografia 88 – Cozinha e área de serviço. Casa Trevo ...................................................................... 289 Fotografia 89 – Cozinha e área de serviço. Casa Trevo ...................................................................... 289 Fotografia 90 – Cozinha e área de serviço. Casa Trevo ...................................................................... 289 Fotografia 91 – Dependência com banheiro da trabalhadora doméstica. Casa Trevo ........................ 289 Fotografia 92 – Dependência com banheiro da trabalhadora doméstica. Casa Trevo ........................ 289 Fotografia 93 – Suíte de Violeta. Casa Trevo ..................................................................................... 290 Fotografia 94 – – Suíte de Violeta. Casa Trevo .................................................................................. 290 Fotografia 95 – Banheiro de Violeta. Casa Trevo .............................................................................. 290 Fotografia 96 – Quarto de Rosa. Casa Trevo ...................................................................................... 291 Fotografia 97 – Banheiro Social. Casa Trevo ..................................................................................... 291 Fotografia 98 – Quarto do jovem Allysum. Casa Trevo ..................................................................... 292 Fotografia 99 – Quarto do jovem Allysum. Casa Trevo ..................................................................... 292 Fotografia 100 – Apartamento destinado às tias da idosa Zelita. Casa Vale ...................................... 297 Fotografia 101 – Pia auxiliar e independente da cozinha principal. Casa Vale .................................. 298 Fotografia 102 – Lavanderia separada da área de serviço por um portão de ferro ............................. 298 Fotografia 103 – Cozinha principal. Casa Vale .................................................................................. 299 Fotografia 104 – Sala de estar. Casa Vale .......................................................................................... 300 Fotografia 105 – Suíte da idosa Zelita. Casa Vale .............................................................................. 300 Fotografia 106 – Suíte da idosa Zelita. Casa Vale .............................................................................. 300 Fotografia 107 – Suíte idosa com cadeira de Gerdau e TV de 42 polegadas ...................................... 301 Fotografia 108 – Suíte da idosa Zelita com cadeira de Gerdau e TV com 42 polegadas ................... 301 Fotografia 109 – Banheiro da idosa Zelita. Casa Vale ....................................................................... 301 Fotografia 110 – Cozinha Casa Moema .............................................................................................. 306 Fotografia 111 – Cozinha Casa Moema .............................................................................................. 306 Fotografia 112 – Copa/cozinha. Casa Cor .......................................................................................... 308 Fotografia 113 – Sala de jantar. Uso esporádico ................................................................................ 308 Fotografia 114 – Cozinha e copa. Casa Vale ...................................................................................... 309 Fotografia 115 – Cozinha e copa. Casa Vale ...................................................................................... 309 Fotografia 116 – Sala de jantar e estar conjugadas. Casa Vale ........................................................... 310 Fotografia 117 – Sala de jantar. Casa Trevo ....................................................................................... 311 Fotografia 118 – Cozinha. Casa Trevo ............................................................................................... 311 Fotografia 119 - Sala de jantar de uso contínuo. Casa Shangri-lá ...................................................... 312 Fotografia 120 – Integração dos espaços: copa - despensa. Casa Shangri-lá ..................................... 312 Fotografia 121 – Integração dos espaços: copa - cozinha. Casa Shangri-lá ....................................... 312 Fotografia 122 – Cozinha. Visão parcial. Casa Shangri-lá ................................................................. 313 Fotografia 123 – Suíte das crianças. Casa Moema ............................................................................. 314 Fotografia 124 – Suíte das crianças em ângulos e dias diferentes. Casa Moema ............................... 314 Fotografia 125 – Room-office. Visão de um ângulo. Casa Moema.................................................... 316 Fotografia 126 – Room-office em ângulos diferentes.Casa Moema................................................... 316 Fotografia 127 – Room-office em ângulos diferentes. Casa Moema.................................................. 316 Fotografia 128 – Suíte do casal Casa Cor. Rede de dormir e cama .................................................... 318 Fotografia 129 – Suíte do casal. Casa Andarilha. Espaço da idosa .................................................... 319 Fotografia 130 – Suíte do casal. Casa Andarilha. Espaço da idosa .................................................... 319 Fotografia 131 – Suíte do casal. Casa Andarilha. Espaço do idoso .................................................... 320 Fotografia 132 – Suíte do casal. Casa Andarilha. Espaço do idoso .................................................... 320 Fotografia 133 – Suíte do casal idoso no térreo. Casa Shangri-lá ...................................................... 321 Fotografia 134 – Suíte da cobertura. Casa Shangri-lá ........................................................................ 321 Fotografia 135 – Suíte da neta Sanya na Casa Shangri-lá .................................................................. 325 Fotografia 136 – Quarto da neta na residência dos avós. Intercâmbio Casa Moema ......................... 326 Fotografia 137 – Quarto da neta na residência dos avós. Intercâmbio Casa Moema ......................... 326 Fotografia 138 – Quarto da neta. Visão em outro ângulo. Intercâmbio Casa Moema ........................ 326 Fotografia 139 – Suíte do neto. Casa Cor ........................................................................................... 329 Fotografia 140 – Suíte das netas. Casa Cor ........................................................................................ 329 Fotografia 141 – Sala de jantar. Herança da avó paterna de Nair. Casa Shangri-lá ........................... 338 Fotografia 142 – Oratório que pertenceu à mãe da idosa Zelita. Casa Vale ....................................... 340 Fotografia 143 – Santos e DVDs que pertenceram a mãe de Regina. Casa Cor ................................. 340 Fotografia 144 – Cristaleira com souvenires e objetos de viagens. Casa Andarilha .......................... 343 Fotografia 145 – Coleção de palhaços de Nair. Casa Shangri-lá ........................................................ 343 SUMÁRIO 1 DA CASA GRANDE AO CONDOMÍNIO FECHADO: UMA INTRODUÇÃO METODOLÓGICA E AFETIVA ............................................................................... 26-53 2 OS PADRÕES DE MORADIAS DO BRASIL COLÔNIA AO BRASIL CONTEMPORÂNEO ............................................................................................. 54-119 2.1 Padrões de Moradias no século XIX: casas-grandes, bangalôs, sobrados, chalés e palacetes .................................................................................................................... 57-88 2.2 Padrões de Moradias nos Séculos XX e XXI: residências unifamiliares e multifamiliares da Art Decó ao Condomínio Península ................................... 88-119 3 COTIDIANO E VIDA PRIVADA NO BRASIL DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XXI ............................................................................................................................ 120-200 3.1 Práticas e regras de convivência: cozinhar, comer e maneiras à mesa ........... 134-189 3.2 Portas adentram para a intimidade: dormir, sonhar, rezar, amar ................... 190-200 4 UM CONDOMÍNIO CHAMADO FAMÍLIA: COTIDIANO E USO OBJETIVO E SUBJETIVO DA CASA INTERGERACIONAL ............................................... 201-369 4.1 O Condomínio Intergeracional: perfil familiar e domiciliar da casa intergeracional ..................................................................................................... 216-302 4.1.1 Casa Andarilha..................................................................................................... 218-235 4.1.2 Casa Cor ................................................................................................................ 235-248 4.1.3 Casa Moema ......................................................................................................... 249-269 4.1.4 Casa Shangri-lá .................................................................................................... 270-283 4.1.5 Casa Trevo ............................................................................................................ 284-294 4.1.6 Casa Vale ............................................................................................................... 295-302 4.2 Tendências de Morar na Contemporaneidade: formas e modos de morar das famílias intergeracionais ...................................................................................... 302-351 4.2.1 Formas e modos de morar das famílias intergeracionais: cotidiano e sua relação com a configuração espacial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303-322 4.2.2 Co-habitação intergeracional: estreitamento dos laços intergeracionais ou estratégias de sobrevivência? .......................................................................... 322-351 4.3 Conversando com quem gosta de produzir, desenhar, decorar e morar ...... 351-369 5 REFLEXÕES SOBRE PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES DOS PADRÕES DE MORADIA E MODOS DE MORAR DAS FAMÍLIAS INTERGERACIONAIS ........................................................................................ 370-385 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 386-409 26 1 DA CASA GRANDE AO CONDOMÍNIO FECHADO: UMA INTRODUÇÃO METODOLÓGICA E AFETIVA A história da casa e a história da civilização freqüentemente se confundem. Do hall de entrada, aos quartos de dormir, da cozinha à sala de estar, as partes da casa moderna resultam de uma longa e atribulada evolução, simultânea às inovações tecnológicas e culturais dos últimos milênios. (Bill Bryson) Da Casa Grande ao condomínio fechado.. . é o tema deste trabalho que ao parodiar o título da obra, fruto do doutoramento de Luiz Ces ar de Queiroz Ribeiro, intitulada: Dos cortiços aos condomínios fechados, não teve a pretensão de discutir o processo de formação do mercado imobiliário residencial, ainda que se trate da questão da moradia e que em alguns momentos, da presente tese, discu te-se de forma sucinta, a questão da “hegemonização da incorporação imobiliária [. . .] quando esta ‟vende um novo estilo de vida‟”. (MARICATO In: RIBEIRO, 1997, p.16, „grifo do autor‟). O presente estudo, todavia, tem como foco de atenção as formas de morar e os modos1 de apropriação 2 do espaço da casa/residência da família intergeracional da Casa Grande 3 - do início do século XIX 1 Modos e formas de morar são expressões que serão utilizadas por considerá-las complementares ainda que aparentem pequenas diferenças. A diferença está na forma de utilizá-las. Quanto às formas, no sentido de aparência, arquitetura, aspecto, funções e estéticas das habitações; já modos de morar se referem aos modelos que acomodam as coisas nas formas. É arquitetura também, mas é muito mais o jeito. Corresponde às normas e cultura de uma sociedade. 2 A expressão “apropriação do espaço”, correntemente utilizada por antropólogos, psicólogos, sociólogos e urbanistas, designa as condutas que asseguram aos humanos o manejo afetivo e simbólico de seu espaço (MERLIN; CHOAY, 1988). Apropriar-se de um espaço significa reconhecê-lo como próprio, no sentido de apropriado, apto ou adequado para algo, ou mesmo tomar posse de algo físico ou mental (MERLIN; CHOAY, 1988). 3 Casa Grande foi casa de morada, vivenda ou residência do senhorio nas propriedades rurais do Brasil Colônia a partir do século XVI. Tudo no engenho girava em torno da casa-grande, sendo ela uma espécie de centro de organização social, política e econômica local. (ANDRADE, 2011). 27 quando houve mudanças nas condições gerais da casa - ao Condomínio Fechado do século XXI, com a criação de mega condomínios como o Condomínio Península 4 localizado na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. De início cabe esclarecer o que se entende por Casa/residência ; e Família intergeracional. Casa é aqui entendida como uma estrutura que se define como construção cultural; e objeto d e moradia. Segundo Lemos “é o palco permanente das atividades condicionadas à cultura de seus usuários.” (1996, p.9). Em relação à residência esta corresponde ao ato de morar e suas várias possibilidades e configurações. Acrescento às definições acima expostas, o significado de lar , como sinônimo de casa, mas com uma conotação mais afetiva e pessoal; o lugar, portanto, em que o indivíduo tem a sua privacidade e onde parte de sua vida pessoal se desenrola. Em relação ao significado de família intergeracional que também precisa ser explicitado, uma vez que esta não tem se constituído, com profundidade, tema de estudos nas produções arquitetônicas, convêm recorrer aos resultados de pesquisas da Organização Pan-americana de Saúde/Ministério da Saúde/Instituto da Saúde/Escola Paulista de Medicina (OPS/MS/IS/EPM), que caracterizam a família intergeracional sob o enfoque das gerações. P.ex.: arranjos de uma geração (idoso com/sem cônjuge ), duas gerações (idoso com filhos); e três gerações (idoso com filhos e netos) . Embora este recorte seja muito pertinente e amplamente aceito na literatura especializada, ainda não é suficiente para abranger a gama das situações onde se encontra a família intergeracional nesta pesquisa. Portanto, subsidiada por este recorte e em virtude dos resultados das pesquisas acima referenciadas acrescento mais dois t ipos de arranjos por geração : quatro gerações (idoso, filhos, netos e bisnetos); idoso com agregados de diferentes gerações (irmãos/irmãs, genros/noras, sobrinhos/sobrinhas, primos /primas, 4 A Península é um condomínio planejado da Barra da Tijuca, onde apenas 8% do terreno de 780.000m² (espaço territorial aproximado do bairro Leblon) é edificado. 28 netos/netas [sem os pais], demais parentes e empregados). Deste modo, no quadro da presente tese, entende-se por família intergeracional aquela constituída por pessoas de diferentes gerações, em que pessoas, ou famílias , co-habitam o mesmo teto e tem o idoso/idosa 5 como referência. Quanto aos modos de morar deste tipo de família, é interessante notar que as pesquisas, produções, tradicionalmente realizadas por arquitetos (por exemplo, TRAMONTANO e sua equipe, 2004; 1998 a,b;1995) e designers de interiores, não a conceituam nem a definem porque não incluíram essa configuração familiar nos seus estudos e não se preocuparam em atrelar esse tipo de família com alguma forma de morar. Encontra-se, portanto, até o presente momento um vácuo teórico conceitual , propositivo e interventivo que não corresponde à realidade empírica. Invisível no tocante a informação tradicionalmente veiculada acerca das formas ou modos de morar, a família intergeracional revela sua presença não somente nas pesquisas empíricas, mas também nos dados mais recentes do IBGE (2010), 61% dos idosos são chefes de família; somente no Nordeste chegam a 63,5%. Embora o IBGE (2010) aponte os dados que confirmem esta preocupação, quando fala em famílias conviventes 6 não atentou, também, para casos de famílias em que 5 A Organização das Nações Unidas (ONU) divide os idosos em três categorias: os pré-idosos (entre 55 e 64 anos); os idosos jovens (entre 65 e 79 anos – ou entre 60 e 69 para quem vive na Ásia e na região do pacífico); e os idosos de idade avançada (com mais de 75 ou 80 anos). Idoso ou idosa, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é aquele indivíduo que se encontra na faixa etária de 60 anos acima. Para o presente estudo foram consideradas as propostas das duas organizações, juntamente com a proposta de Camarano (2004) de utilizar alguns recortes etários por considerar que somente o critério da idade cronológica não resolve, por não ser apropriado, vez que idoso é uma categoria socialmente construída e também por se estar trabalhando com um intervalo etário de 30 anos o que resulta numa grande heterogeneidade do segmento estudado. O estudo ao considerar as três propostas dividiu os idosos também em três categorias, mas com pequenas alterações condizentes não só com a realidade empírica local, mas considerando a elevação da expectativa de vida em muitos países, onde se convive com idosos de diversas gerações, portanto com necessidades também variadas: os pré-idosos (entre 55 e 59 anos); os idosos jovens obedecendo-se a nossa legislação ao utilizar a definição de idoso, no que concerne a idade inicial, citada na Lei nº. 8842/94, Art. 2º, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso que “considera-se idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos” (BRASIL, 1994, p.12); ou seja, aqueles que estão numa faixa entre 60 e 75 anos; e os idosos de idade avançada (com mais de 75/80 anos) alterando a composição etária dentro do próprio grupo, o que significa dizer que a população idosa também está envelhecendo, de acordo com Camarano (2004). 6 Famílias constituídas, segundo o IBGE, Censo de 2010, de, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residem na mesma unidade domiciliar, e são denominadas de acordo com a responsabilidade doméstica. Por exemplo, famílias principais as famílias dos responsáveis domésticos; e os demais núcleos, famílias secundárias. (ALVES, 2005) 29 os filhos e netos vivem em conexão , isto é, passam o dia na casa dos avós ou tios-avós, enquanto seus pais trabalham, transformando a casa do idoso e pré-idoso em seu lar. Em se tratando, mais especificamente de Natal 7, capital do Estado do Rio Grande do Norte, constata -se em dados mais recentes do IBGE (2010), bem como nas pesquisas realizadas nas últimas décadas, com chefes de família 8, claros sinais de que o tema, além de não ter se esgotado, se ampliou com novos desafios (os n úmeros oficiais confirmam esta realidade) 9 especialmente quando se trata da relação envelhecimento, família e urbanização como tendências demográficas importantes no século XXI. O Brasil é um modelo adequado para se observar essa realidade já que sua população de mais de 60 anos passou de 8% para 12% nos últimos 30 anos, enquanto na França, por exemplo, foram necessários 115 anos para que a proporção de idosos passasse de 7% para 14%. (KALACHE citado por CASTRO, 2011). 7 Analisando as características da população, de acordo com o IBGE (2010), verifico que a população de Natal, especialmente aquela que se encontra na faixa etária de 55-59 (pré-idoso) até idosos de idades avançadas (mais de 100 anos), um total de 116.851 numa população de 803.739 habitantes. Fora isso, chama também atenção, ainda em análise, os responsáveis pelos lares que não são constituídos de forma tradicional [pai, mãe e filho(s)]; os “não-tradicionais” são em maioria: 418.973 face aos 281.533 do formato tradicional. Ou o equivalente a 52,13%. Os lares “não tradicionais” têm as seguintes características em ordem decrescente: filho (a) e o cônjuge, somente com o responsável, neto; outro parente, irmão/irmã, genro/nora, enteado, pai/mãe, madrasta/padrasto, agregado, conviventes, empregados domésticos, sogro (a), individual em domicílio coletivo, avô/avó, parente de empregado. 8 Ver Pesquisas realizadas pela autora e outros pesquisadores: Pobreza e co-habitação intergeracional: um estudo sobre as condições de vida de famílias com idosos e de idosos em Mossoró (2003); Chefia/arranjos familiares, mercado informal e empregabilidade: um estudo sobre as relações de gênero na família e no mundo do trabalho (2000); Dissertação de mestrado intitulada: Afinal, quem é o chefe?: (re) discutindo o conceito de chefia familiar/domiciliar sob a perspectiva dos arranjos domésticos da cidade de Mossoró (2003); Gênero e mercado informal em tempos de globalização: uma reflexão sobre os papéis sociais de mulheres em Mossoró (2000); Mulheres chefes de família em Mossoró: uma reflexão sobre as relações de trabalho e arranjos familiares (1999). A família brasileira em debate: o avesso do avesso (2000). De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais-2008 (SIS) a contribuição dos idosos, em 53% dos domicílios com idosos, representa mais da metade do total da renda domiciliar, sendo esta situação ainda mais expressiva no Nordeste (63,5% dos domicílios). Em 2007, 84,4% dos 13,8 milhões de idosos com 65 anos ou mais recebiam aposentadoria e/ou pensão, proporção esta já alcançada, em 1997. Eram 61,2% aposentados, 14,8% pensionistas e 8,4% aposentados e pensionistas no total do país. 9 Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) 2010, recentemente divulgada pelo IBGE, o Brasil está deixando de ser um “país jovem”, está envelhecendo numa velocidade maior que a das sociedades mais desenvolvidas, o que produzirá grande impacto nos sistemas de saúde, com elevação dos custos e do uso de serviços.O ritmo de crescimento da população idosa tem sido sistemático e consistente. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (2009), o País contava com uma população de cerca de 21 milhões de pessoas de 60 anos ou mais de idade. O peso relativo dos idosos (60 anos ou mais de idade) no conjunto da população passou de 9,1% para 11,3%. Hoje, a população de idosos com mais de 60 anos passará dos atuais 22,9 milhões (11,34%) para 88,6 milhões (39,2%) nos próximos 20 anos. E a média de vida do brasileiro deverá aumentar dos atuais 75 anos para 81 anos. 30 O aumento da longevidade é um fato que necessita repensar o lugar dos idosos nas cidades e implantar uma nova cultura do envelhecimento de acordo com propostas de especialistas, inclusive Kalache (2011), que participou, em São Paulo, da mesa-redonda "Aspectos urbanos e habitacionais em uma sociedade que envelhece". 10 Por sua vez, Góis (2012, p.29) centrou sua tese 11 sobre “o estabelecimento de parâmetros para a infra-estrutura urbana que leva a inserção de contingentes de idosos cada vez mais numerosos [. . .] num espaço urbano caótico e agressivo.” Isto é, o Brasil entrou precocemente na rota do envelhecimento populacional (MINAYO, 2002), o que torna imprescindível tomada de decisões visando à saúde e o bem-estar dos idosos os quais se acentuaram na segunda metade do século XX, influenciando as políticas públicas, as relações de gênero e gerações na família e na sociedade constituindo-se novas formas ou composição de „rearranjos‟ extremamente criativos. A fluidez, entretanto, dos papéis na família, gerada por estas transformações, contribui para confundir e tornar invisível a dinamicidade deste tipo de família, como seus hábitos, necessidades, bem como sua adaptação aos novos modos de morar . Este é um ponto. O segundo ponto é que na sociedade contemporânea, a família, em especial a família intergeracional, vem pressionando para que se reconstrua uma nova unidade de tempo e espaço em função das transformações dos modos de vida. Por questões econômicas e sociais todos trabalham, inclusive a mulher, em que a sociedade exige a sua participação no trabalho não doméstico 12, quando parte delas, hoje, gostaria de permanecer no lar, cuidando da família, mudança recente de atitude ou comportamento certamente “[.. .] na contramão de suas 10 O evento realizado no dia 29 de março de 2011 integrou a programação do ciclo "Idosos no Brasil: Estado da Arte e Desafios", promovido pelo Institutos de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), pelo Grupo Mais- Hospital Premier e pela Oboré Projetos Especiais de Comunicação e Artes. 11 Ver a tese de doutorado do arquiteto Ronald Lima de Góis com sugestões adequadas a mobilidade das pessoas idosas num espaço urbano tanto público como privado. Trata-se de contribuição fundamental aos trabalhos de pesquisa desenvolvidos no quadro da base de pesquisa coordenada pela professora Drª. Françoise Dominique Valéry - CNPq. 12 Características das sociedades dos anos 60,70 e 80 que pressionaram o ingresso das mulheres no mercado de trabalho. 31 antecessoras que lutaram por décadas para fincar espaço num universo eminentemente masculino.” (ROGAR, 2010, p.99). 13 O que acontece? Além da exigência das mulheres permanecerem14 no mercado de trabalho, existem outros fatores que provocam de forma complexa a recomposição dos modelos familiares em vigência, e conseqüentemente sobre os modos de morar. Por exemplo, a mudança dos estilos de vida , a mobilidade geográfica das famílias e dos indivíduos, em virtude não só do envelhecimento populacional, mas da longevidade, provocados, em parte, por casais sem filhos, os dinks 15, que favorecem o crescimento e envelhecimento da população, que já chega a 22,9milhões (11,34%). Entre outros fatores cito a postergação da maternidade para idades mais avançadas; o aumento do número de separações e divórcios; e a emancipação de todos ou grande parte dos membros das famílias. Além disso, os jovens costumam fazer das relações afetivas, do ficar, um test drive em substituição ao casamento formal, alguns inclusive morando com seus parceiros, na casa dos pais, avós ou tios - avós. Por sua vez há número elevado (68,3%) de idosos que vivem por conta própria e morando sozinhos (IBGE, 2010); bem como os meios de comunicação de massa responsáveis pela distribuição social do conhecimento; a especulação imobiliária; ou a própria fragmentação do espaço, na concepção de Lefèbvre (1961). Esta fragmentação dos papéis e dos espaços de convivência, especialmente nas grandes cidades, aliada a especulação imobiliária, mudanças socioeconômicas e interpessoais, faz com que casas ou 13 Matéria veiculada pela Revista Veja (2010) intitulada Elas estão de volta ao lar, a qual ilustra um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em que revelou um crescimento, na última década, em nada menos que 26% o número dessas mulheres que com bom currículo e trajetória profissional ascendente, estão abdicando de seus trabalhos; este grupo é composto pelas mais escolarizadas, mas também das de renda familiar mais alta, que às voltas com a maternidade, decidiram abandonar o emprego. 14 Apesar da nova tendência o IBGE mostra que 60% do total das mulheres, com filhos, ainda está trabalhando. 15 Sigla em inglês para dupla renda, nenhum filho. Antes, a realização era casar e ter filhos. Hoje os dinks são quatro milhões de pessoas, de renda alta, moram em apartamento e em grandes metrópoles. (O GLOBO, 25/08/2012). 32 apartamentos, fiquem cada vez mais caros e menores, em tamanho, provocando o declínio da co-habitação entre gerações. O que constitui um grande desafio para famílias que conservam ou (re) constituem a sua unicidade intergeracional (BRITTO DA MOTTA, 2002) e precisam de um espaço construído convidativo para esta convivência. Enquanto o espaço intergeracional não se firma enquanto tal, rearranjos dinâmico - complexos se dão no espaço doméstico em função dos hábitos, necessidades, relações entre gênero e gerações e adaptação ao espaço construído. Este é o terceiro ponto: a (re) construção do espaço intergeracional, como citado acima, o que requer alterações no tocante ao planejamento, construção e utilização do espaço construído. O presente estudo, entretanto, não tem como objeto definir, conceituar e nem discutir as várias teorias sobre família, nem sobre velhice , por achar que neste nível já têm uma literatura bastante densa, seja em relação ao material disponível, a partir de pesquisas, seja pela diversificação de análises e do próprio objeto entre hist oriadores, antropólogos, sociólogos e psicólogos (ALCÂNTARA, 1996; ALMEIDA, 1982;ATTIAS-DONFUT, 2004;BEAUVOIR, 1980; 1990;BERQUÓ, 1989, 1998; CAMARANO e EL GHAOURI,2003; CANEVACCI, 1985; CORREA,1994; DEBERT,1999; ENGELS, 1984; FREYRE, 1987;FUKUI, 1980; ROUDINESCO, 2003). Mas, embora a literatura histórico -socioantropológica seja vasta e bem diversificada, em seus aspectos teóricos e metodológicos, contata-se que se produziu um conglomerado de conceitos e teorias, tornando-se polêmica, especialmente, a própria noção de família. 33 A temática do idoso também tem provocado uma preocupação generalizada, em diversos segmentos profissionais, 16 a tal ponto que estimulou uma proliferação, em especial no Brasil, de programas e associações destinados aos idosos. Mesmo diante de tanta visibilidade do ponto de vista teórico o enfoque dado ao idoso, no geral, está centrado nos seguintes temas: idoso institucionalizado; aposentados e aposentadoria; mulheres e pesquisadores; idoso hospitalizado; mulheres e identidade femin ina; memórias e reminiscências; corpo e imagem; relacionamentos familiares e sociais (GOLDSTEIN, 2011). Acrescento, ainda, que quando o enfoque faz a relação idoso e espaço construído se refere à acessibilidade e não a relação idoso e espaço de moradia; ou seja, pesquisas não se detiveram em questões mais específicas, como os modos de morar das famílias intergeracionais com idosos e de idosos e suas relações com o espaço construído. Por outro lado, deve-se levar em conta quando a família tem pessoas de diversas gerações, e entre estas adolescentes/crianças/idosos, a sua tarefa é de preparar esta família para mudanças qualitativas não só nos relacionamentos entre gerações, mas mudanças qualitativas nas formas de morar. Registra -se também que há freqüentemente um retorno ao antigo núcleo familiar, pois os filhos se casam, mas se separam, ficam viúvos, tem filhos solteiros que por circunstâncias diversas necessitam principalmente de apoio financeiro o que muitas vezes só é possível com o retorno ao ninho vazio17. Acrescente-se a isto o número de idosos que estão assumindo 16 Segundo dados de 1999 sobre velhice e envelhecimento, através de um levantamento das teses e dissertações realizado por Lucila Goldstein (2011), os estudos têm florescido, coincidindo com a grande expansão das universidades da terceira idade e formação de grupos de pesquisas. Os primeiros estudos a partir da década de quarenta têm um registro total de 232 trabalhos em áreas diversas do conhecimento como Psicologia, Sociologia, Serviço Social e Enfermagem sem incluir os trabalhos da área médica com enfoque geriátrico. Dez anos depois começam a surgir trabalhos nas áreas de Educação e Educação Física. Em 1989 aparecem trabalhos nas áreas de Fonoaudiologia, Comunicações e Direito e, em 1994, na área de Administração. Nesses últimos anos o leque se abre ainda mais e encontram-se trabalhos nas áreas de Farmácia, Engenharia de Produção, Lingüística Aplicada, História e Turismo. 17 No Brasil a expressão é utilizada por Camarano (2003) em seu texto intitulado Famílias com idosos: ninhos vazios? e na América Latina por Arriagada (1997). Significa que a casa fica vazia quando os filhos saem de casa para viverem sozinhos ou quando se casam. 34 papéis não esperados como os de suporte às famílias dos filhos, netos e sobrinhos. Não só sustentam os filhos e netos como dão apoio à formação educacional e moral. Fato crescente no Brasil e, portanto, o da família intergeracional, revelando as fronteiras familiares e os padrões multigeracionais que predizem quão facilmente a família se ajusta, ou não, às novas relações sociais em novas formas de morar (BRITTO DA MOTA, 2010, 2007, 2005; CAMARANO e EL GHAOURI, 2003; GOLDANI, 2009; 2005; 1994). Face esta preocupação de ordem prática e acadêmica a presente tese tem como cenário o foco relacional e etário entre gerações heterogêneas em função do espaço construído 18 da família intergeracional de idosos e com idosos, composta também por adultos, jovens e/ou crianças. O recorte do presente estudo, no aspecto empírico, reporta -se aos modos de morar da camada social média alta e camada social alta, constituídos, em sua maioria, por unidades residenciais h orizontais ou verticais, produzidas também em condomínios fechados, indicando um diferencial em relação às condições de moradia e estilo de vida das camadas médias e pobres. Vale salientar que o estudo é contemporâneo, devido tanto ao seu recorte empírico, quanto ao seu resgate histórico haja vista a importância de articulá-los em função do processo histórico e social de apropriação do espaço da casa, no ambiente urbano, entre os séculos XIX e XXI, particularmente no Nordeste e Sudeste do Brasil. 18 Aqui designados como a integração particular entre a pessoa e o espaço privado, entre o ser humano e a casa. Compreende a vida privada, seu conforto e intimidade, o cotidiano da vida doméstica dos seus habitantes, significados e valores desenvolvidos num espaço físico e que se transformam de acordo com as mudanças da família e da sociedade. É detectar as características espaciais e funcionais da habitação e as transformações decorrentes das alterações de comportamento e perfil do grupo doméstico. 35 A pert inência do estudo por este viés se justifica, em primeiro lugar, o interesse pessoal de duas ordens : de um lado, as jornadas incessantes19 pelos bairros de Natal a procura de casa ou apartamento com o mínimo de estrutura - que comporte uma família intergera cional - que necessita de espaço assim como cada membro da família com suas necessidades e dinâmica social. Realidade que se configura inadequada tendo em vista slogans de imobiliárias do tipo A felicidade não tem preço, tem endereço . . . como forma de atrair possíveis compradores de casas ou apartamentos em enclaves ou condomínios fechados, tendo como suporte de comercialização a melhoria da qualidade de vida dos condôminos, bem como a questão da segurança; por outro lado, o meu interesse pelas formas e modos de morar, especialmente os detalhes das fachadas das residências, das janelas com varandas , cuja origem se encontra na minha infância quando observava os casarões (hoje demolidos) da cidade onde nasci, Areia Branca 20. Considero, portanto, o critério pessoal, como a busca por apartamentos , assim como os critérios de ordem profissional-acadêmica, critérios importantes para iniciar uma pesquisa, uma vez que trabalhar sobre algo que faz parte de sua vivência pessoal, além de gerar entusiasmo, favorece a pers everança que garantirá o processo de busca. Em segundo lugar, pela minha trajetória, enquanto pesquisadora, visto que boa parte dos meus estudos situa como objeto de interesse ou de investigação a família21. 19 Jornada que teve início em 2007 e até o momento não encontrou aquela moradia, não só idealizada, mas também do ponto de vista prático quando se deve considerar o número de habitantes; pois, ainda existem famílias extensas que por tradição não abrem mão de ter em torno de si os parentes mais queridos. 20 Cidade portuária, localizada na Região da Costa Branca, no interior do Estado do Rio Grande do Norte, distando 330 km da capital, Natal. 21 A minha monografia de graduação intitulada Promoção do menor-família: uma experiência em Serviço Social (1978); as pesquisas por mim coordenadas, executadas ou orientadas, tratam em seu conjunto, do objeto família (trabalhos citados). 36 E em terceiro lugar o interesse profissional de ordem acadêmica , uma vez que constatei escassez e lacunas não só nos estudos histórico - socioantropológicos, citados acima, cuja área a pesquisadora está inserida, bem como os estudos na área de arquitetura e urbanismo, à exceção, especialmente, os estudo s de Tramontano (1998; 2004); Kapp (2006); Amorim (2001); França e Holanda (2011) no Brasil, no que se referem, por exemplo, às relações entre tipologias de moradias e formatos de famílias. Nestes trabalhos, encontrei certa preocupação com as características da habitação e o tipo de família; com as relações no espaço doméstico a partir de informações de uso, ocupação e organização espacial de residências; os de Tramontano, por exemplo, estão mais centrados na família nuclear e na unidade doméstica unipessoa l em oposição à família extensa com preocupações que vão dos limites desejáveis do espaço privado da habitação, que assegurem condições para o desenvolvimento de novas relações sociais e com as relações já existentes, aos novos desenhos que poderiam corresponder a cada espaço da casa. Os estudos de Kapp (2006) ao relacionar moradia e tipologia de família têm como preocupação um tipo de camada social mais popular. O que o diferencia deste estudo uma vez que este contempla a família intergeracional da camada social média-alta e a camada social alta. Em se tratando dos estudos de habitações multifamiliares de Amorim (2001) 22 e os de França e Holanda (2011), estes já se aproximam do foco central do estudo quando estabelecem diretrizes para comparar as diferentes formas de organização familiar e tentar encontrar soluções arquitetônicas para as famílias que habitam condom ínios verticais, por exemplo. (AMORIM, 2001); e como a relação entre habitantes, visitantes, 22 Os estudos de Amorim fazem parte de uma pesquisa desenvolvida, por professores e alunos do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco, em 2001, onde estão catalogadas e analisadas as moradias multifamiliares, no Recife, perfazendo um período de 1930 aos dias atuais. 37 nas práticas cotidianas, estão relacionadas com a configuração espacial das casas . (FRANÇA E HOLANDA, 2011). Excetuando-se alguns aspectos, porque os estudos apresentados dão pistas sobre as formas de apropriação do espaço , das relações que se estabelecem neste espaço , mas têm se omitido no que se referem, especialmente, as características das residências intergeracionais , bem como de seus moradores; como gerações tão heterogêneas dividiam e dividem o mesmo espaço e como se inter -relacionavam e se inter- relacionam neste espaço; a questão da identidade dos moradores intergeracionais e a importância que estes dão ao seu espaço intergeracional de morar. Foi somente no quadro de mais ampla reflexão sobre a diversidade e complexidade das formas de morar na contemporaneidade que foi possível visualizar e discuti r estes aspectos. (VALÉRY, 2014). As dificuldades acima constatadas não são exclusivas da área arquitetônica, pois, ao realizar estudos preliminares especialmente na área histórico-socioantropológica, houve o reconhecimento do seguinte : a ausência de registros históricos sobre formas e modos de morar da família intergeraciona l, em especial a família que tem o idoso e/ou idosa como pessoa de referência. 23 Não ficaram claras as causas dessa falta de registro, pois as dúvidas ainda permanecem e devem ser inves tigadas com maior profundidade para que se determine: se as dificuldades são provenientes do fato de que a moradia com várias gerações não existia, principalmente nos séculos anteriores; se houve desvios do olhar viciado 23 No presente trabalho levou-se em consideração a expectativa de vida dos brasileiros, a partir do século XIX, quando do ingresso da família real portuguesa no Brasil até os dias atuais. Compilando dados de inúmeras fontes, Schwartz citado por Cardoso (2008), mostrou que no Brasil do último quarto do século XIX a expectativa de vida dos escravos, ao nascer, variava em torno de 19 anos. E a esperança de vida de um brasileiro não-escravo era de apenas 27 anos em 1879 quando na Europa, por volta de 1850, era de 38 anos para os homens e de 41 anos para a mulher (PERROT, 1991). A documentação não é muito rica em informação sobre a presença de idosos como conceituamos hoje. Daí talvez a dificuldade de identificar a convivência de várias gerações de uma família, ou famílias, num determinado espaço doméstico. Mas, segundo Nizza da Silva (2004) o próprio conceito de velhice é histórico, e no Brasil, final do século XVIII, de acordo com a classificação etária nos mapas de população, as mulheres eram consideradas velhas aos 50 anos e os homens aos 60. Mesmo que a documentação não seja suficiente, a velhice torna-se digna da atenção de romancistas que corroboram esta afirmativa ao retratarem esta temática nos seus romances [ver registros nos romances de literatura, por exemplo, Machado de Assis, cujas obras estão inseridas no último quartel do século XIX e meados do século XX. (GÓIS, 2009)]. 38 dos investigadores para determinado tipo de família que não outros tipos. Ou, se devido à intensa miscigenação familiar, sob o mesmo nome patriarcal de família, nos séculos XVIII e XIX, em que a convivência entre irmãos somente por parte de pai determinou a mistura de raças e com esta miscigenação dificultou: a apreensão ou inexistência de avós 24, ou outros parentes idosos; famílias dispersas que não criaram raízes e raramente usufruíram de uma vida em comum por muito tempo (NIZZA DA SILVA, 2004) para que dessem prosseguimento a uma família intergeracional. Entretanto, constato, que relações intergeracionais e de co- habitação não são prerrogativas da sociedade contemporânea. Já co - existiam na época colonial e o período subseqüente, relações diferenciadas entre os membros das famílias tanto de forma vertical (centrada na figura paterna do chefe de família) como na estrutura horizontal (filhos fora do casamento, filhos adotivos, família composta por sobrinhos, irmãs, afilhados e demais agregados) delineando formatos similares aos dos modelos atua is embora com dinâmicas diferenciadas. Uma variedade de relações até então, insuspeitadas, na sociedade brasileira, fruto de uma sociedade “multifacetada, móvel, flexível e dispersa [. . .]” como destaca Corrêa (1994, p.24). O modelo de família patriarcal, embora tenha tido um papel importante, apenas não existiu sozinho, “nem comandou do alto da varanda da casa grande o processo total de formação da sociedade brasileira” . (CORRÊA, p.27). Em outras palavras, os estudos histórico -socioantropológicos e da área de arquitetura têm se detido mais nos padrões de moradia, alimentação e hábitos domésticos, excluindo nestes o foco relacional entre gerações heterogêneas em função do espaço construído. 24 Segundo Kornhaber (1996), as relações entre avós e netos existem desde há muito tempo, todavia só se tornaram alvo da atenção dos investigadores por volta dos anos 40 do séc. XX data de surgimento dos primeiros estudos sobre relações intergeracionais. 39 Resta, então, independente das configurações e do modo de organização familiar, saber: qual o papel, perfil e o lugar do idoso, ou idosa, seja em forma de avós, seja em forma de tios, parentes ou empregados domésticos, num determinado espaço de morar. Resta saber como gerações tão heterogêneas dividiam ou dividem o mesmo espaço e como se inter-relacionavam e se inter -relacionam. Hoje, conforme destacado acima, a família outrora organizada em torno do poder patriarcal vem se tornando cada vez mais horizontalizada, cedendo lugar a uma família onde as relações de poder estão [.. .] mais simétricas, menos hierarquizadas [.. .]. (FALCÃO; BATISTA, 2010 p.13). O que não significa que a família patriarcal também não fosse horizontalizada, pois a sua horizontalidade estava nos agregados como sobrinhos, irmãos, afilhados que coresidiam 25 na qualidade de “vivendo de favores” e não tinham o privilégio/poder de opinar ou de decisão. Hoje, a sua horizontalidade está concentrada nas relações de poder que estão mais pulverizadas. A co-habitação intergeracional , uma das categorias de que trata este estudo refere-se à situação na qual o idoso vive com seus familiares ou vice e versa; mas, sobretudo o idoso/idosa como aquela pessoa de referência; todos, diferentemente das casas grandes e senzalas, estão na qualidade de contribuinte não só do ponto de vista financeiro, mas também contribuintes com a educação das crianças e adolescentes; acrescento também o privilégio de poder de decisão outrora negado aos demais membros da família intergeracional. É uma forma de cuidado mútuo, no qual há interação , troca de experiência , ajuda e apoio entre as gerações. 25 Coresidência ou co-habitação intergeracional é uma categoria utilizada neste estudo como meio para identificar/apreender e analisar os modos e as formas de morar ao longo de três séculos e identificar até que ponto e de que forma os determinantes socioeconômicos, as condições afetivas e as condições vigentes no mercado imobiliário estão interconectados. 40 De acordo com Camarano (2004), em seu estudo sobre modalidades de coresidência, existem dois tipos de famílias dentro desta categoria: famílias de idosos: onde o idoso é chefe ou cônjuge; e famílias com idosos: onde os idosos moram na condição de parentes do chefe ou do cônjuge. Considera -se que na primeira residam idosos com autonomia, e na segunda, idosos com vários graus de vulnerabilidades e dependência que necessitam da ajuda dos familiares: filhos/noras/genros/netos e sobrinhos. Ao longo das disciplinas de doutorado e eventos científicos 26 minha hipótese, já evidenciada, adquiriu consistência e corroborou a tese aqui apresentada. A produção bibliográfica me deu pistas sobre formas de morar no passado (História da Vida Privada no Brasil e no Mundo); enquanto a produção de teses e dissertações me deu subsídios sobre estas transformações mais recentes das formas de morar. Deparei - me com o grande problema desta produção recente: está muito esparsa no tempo e bastante descontínua no local de produção, além do que se assiste, também, ausência de produção científica significativa sobre modos ou formas de morar da família intergeracional, no tempo e no espaço, contrapondo-se à elaboração de modos de morar, e specífica à família intergeracional, na contemporaneidade, com possíveis variantes culturais . Considerando as lacunas, as ausências de estudos que retratam os modos de morar da família intergeracional, a minha paixão pela família, pela casa, enfim, pelo morar, dividi a presente tese em dois grandes recortes: histórico e teórico empírico. O primeiro corresponde ao recorte temporal dos séculos XIX, XX e primeira década do século XXI ; o segundo se detém no presente. 26 Trabalhos intitulados: Da Casa Grande aos condomínios fechados: o que mudou nas formas de morar da família intergeracional?(2010); Modos de Vida, Modos de Morar: contribuições de Lefebvre para o cotidiano da família (2012). 41 O recorte histórico que não participei, evidentemente, sempre me deixou curiosa, até porque a historiografia não é muito rica em detalhes, mas articulando as suas informações às outras fontes, com certa dificuldade foram resgatadas cenas do cotidiano , ou talvez como sugere Lemos (1996, p.31) insuspeitados hábitos estão para sempre ignorados [. . .] e ali está a casa vazia desafiando nossa imaginação ; assim como o passado recente (Século XX) em especial aquele da metade do século, período em que nasci e vivenciei por quarenta e cinco anos, com uma riqueza de histórias de transformações e mudanças, infelizmente por mim não registradas, mas que tenho curiosidade em resgatar; e por último o presente (Século XXI) de 2001 até 2014. Instigada, portanto, pela originalidade das configurações e possibilidades de discussões sobre os modos e as formas de morar da família intergeracional questiono: Como o espaço cotidiano da casa foi apropriado pela família intergeracional ao longo de três séculos? quem foi a família intergeracional do passado, como ela vivia e como vive a família intergeracional das camadas sociais média -alta e alta na contemporaneidade? Até que ponto a co-habitação intergeracional altera as relações entre gerações? A convivência entre gerações, num determinado espaço, está trazendo novos modelos, ou renovando os antigos, não só em relação aos habitantes, mas especialmente em relação ao espaço construído? De que forma e em quais momentos a co -habitação fortalece a convivência ou provoca o isolamento ; a co-habitação existe como forma de estreitamento dos laços intergeracionais ou apenas como estratégia de sobrevivência para resolver problemas entre os membros da família, como por exemplo, a utilização do espaço/residência do idoso como 42 uma espécie de conexão27 enquanto os jovens adultos/pais saem para trabalhar e não têm com quem deixar a criança? Face aos questionamentos acima evidenciados o estudo passa pelo desafio teórico de desconstruir ou reconstruir o modelo único de habitação contemporânea , ou habitação-para-todos,28 hoje destinado a todos os formatos de famílias sem considerar um dos novos modelos 29 que estão se gestando: o da família intergeracional de idoso e com idoso,com outros adultos, crianças, adolescentes e suas relações num determinado espaço construído, a casa. O estudo constitui, portanto, um meio privilegiado para se ter um olhar diferenciado sobre diferentes modelos de espaços domésticos a partir dos velhos e novos formatos de famílias , suas necessidades básicas e especiais bem como as identidades das moradias. Vale reforçar que o recorte é histórico-contemporâneo haja vista a importância de obras que retratam não só o atual, mas grande parte do processo histórico e social da vida privada, no espaço doméstico e no ambiente urbano, em seu cotidiano. Trabalhar através dos séculos, não significa retratar e analisar as suas respectivas décadas, uma por uma, mas dar um enfoque nas décadas que provocaram maiores transformações nos estilos de vida, mormente dos brasileiros, e evidentemente nos seus modos de morar. Parafraseando Minayo e Coimbra Jr . (2002, p.11) existe na antropologia uma praxe em que o pesquisador deve explicitar as razões , as condições e o processo de suas investigações. O que significa dizer que cabe ao leitor se posicionar quando o pesquisador se justificar. Os 27 O fato relacionado por mim denominado conexão encontra-se aprofundado no capítulo 4. 28 Termo utilizado por Tramontano (1998) para explicar o arquétipo moderno de habitação, cuja caracterização é conhecida pela uniformidade de soluções, em nome de uma suposta democratização, bem como por seus elementos e conceituações economicamente rentáveis. 29Desconstruída, recomposta, monoparental, homoparental, clonada, reinventada são modelos encontrados na família brasileira a qual se multiplicou mostrando que o modelo de casal com filhos deixou de ser dominante no Brasil cedendo lugar para outros tipos de arranjos familiares, nos lares, que estão em torno de 50,1% à frente, segundo dados do censo de 2010(IBGE). Hoje, os casais sem filhos, as pessoas morando sozinhas, três gerações sob o mesmo teto, casais gays, mães sozinhas com filhos, pais sozinhos com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, famílias “mosaico” (a do “meu, seu e nossos filhos”) ganharam a maioria. O último censo, de 2010, listou 19 laços de parentesco para dar conta das mudanças, contra 11 em 2000. Os novos lares somam 28,647 milhões, 28.737 a mais que a formação clássica. Fonte: Pai, mãe e filhos já não reinam mais nos lares. Jornal O Globo, de agosto de 2012. 43 motivos já foram apresentados no início deste capítulo na tentativa de cruzar os olhares dos estudos histórico-socioantropológicos com estudos da área tecnológica. Quem pesquisa o estilo de vida30 e os modos de morar no cotidiano da família intergeracional [.. .] “ vai se dando conta que lida com caça arisca, segundo Zaccur (2003), o que sugere aguçar sensibilidade e estar permanentemente à espreita [.. .] seguir o faro, explorar intuições.” (p.197). A autora ainda enfatiza que “tal refinamento conjuga emoção e razão, um sentir que sabe, um saber que sente e também pressente.”(ZACCUR, 2003a, p. 177). Em outras palavras, precisa-se estar munida de todos os instrumentos que servirão tanto de defesa, como de ataque, caso a presa , de modo inesperado, ou não, resolva sair d a mira do caçador/pesquisador. Estar munida, não significou necessariamente que estava com o domínio da situação, porque todo plano, se tem uma base instável, tem uma falha crucial, com possibilidades infinitas de fracasso (ZACCUR, 2003a); portanto, teria que estar pelo menos precavida. Precaução não é garantia de êxito, mas também considerei que falhas também podem ser revertidas ou impedidas de tal forma quando se “aciona” o feel ing , os instrumentos e métodos adequados. Estes, uma quase garantia das quali ficações de quem investiga. As condições couberam ao próprio processo da pesquisa que teve a tarefa de evidenciá-las (estratégias do pesquisador) através do seu design teórico- metodológico diluídos em todos os capítulos. Nos capítulos estão explicitados como se construiu metodologicamente o percurso para apreender as formas e os modos de morar da família intergeracional constituída por idosos, adultos, jovens, crianças e adolescentes. É também um mergulho nos diferentes métodos 30 Estilo de vida é a forma pela qual a família intergeracional, vivencia o mundo e, em conseqüência, se comporta; aponta, entre outras, as formas de padrões de consumo, rotinas, hábitos no seu cotidiano. 44 utilizados em todo o percurso da pesquisa, aliado a este método, também são apresentados, ainda, os procedimentos desenvolvidos ao longo da investigação. Considerando que a melhor pesquisa é aquela que é possível ser realizada (LEFEVRE, 2010) selecionei como universo espacial aquele espaço em que se concentram pessoas de grande proximidade socioantropológica (VELHO, 2003); ou seja, utilizando critérios de familiaridade com pessoas, cenários e situações sociais do meu cotidiano. Corroborando com Velho (1999, p.127) por conhecer os atores que compôs a pesquisa, não significou que conhecia “o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em uma situação social .”(grifos meus). Dentre estes, os de camada social média -alta e de alto poder aquisitivo, de diferentes espaços geográfi cos do Brasil, mais precisamente aqueles por onde tenho acesso. Embora conhecendo o objeto de investigação, não significou que tinha o domínio do que o privilegia, pois foi o “campo indubitavelmente, o local onde a capacidade de lidar com a surpresa e de entendê-la [determinou ] o êxito de seu investimento”. (BENEVIDES, 2008, p. 06 [grifo meu]). O campo aqui referido foi aquele em que se articularam as investigações empíricas e as de cunho bibliográfico e documental; estas se referem aos modos de apropriaçã o do espaço da casa em séculos anteriores. O método interdisciplinar (CANEVACCI, 1985) , como base de conhecimento , passou a ser a resposta indispensável e geral, por unificar diferentes abordagens para explicar, para conhecer através da história privada e do cotidiano, o significado que têm para a família intergeracional as suas relações, entre gerações, no espaço construído. Pelo fato de ser interdisciplinar requer também “abordagens particulares [. . .] porque os métodos clássicos da história econômica e social são insuficientes” (PERROT, 1991, p.11), daí a tentativa de evitar 45 cair no monismo metodológico, ao realizar uma leitura do fenômeno a partir de uma ótica interdisciplinar nos cruzamentos de disciplinas de viés antropológico, sociológico, histórico, psicológico e tecnológico, utilizando-se de uma pluralidade de métodos de abordagens , ao agregar métodos observacionais diretos e indiretos como fontes bibliográficas e documentais; bem como entrevistas. Como o objeto de estudo partiu, em princípio, do em pírico para resolver as minhas inquietações, o método de abordagem escolhido passou a ser o indutivo-reflexivo uma vez que os dados constatados partem da observação em campo como fonte de novas questões, como procedimento indispensável para atingir o conhecimento aproximado de fatos concretos, confirmadores da realidade. (GIL, 1999). A análise está alicerçada na Teoria do Intercâmbio Social que tem como base o estudo de Saad (1997) sobre os elementos presentes na teoria do intercâmbio social , por considerar, que na realidade empírica em estudo, o intercâmbio de ajuda se faz presente ao longo de todo percurso familiar numa espécie de contrato intergeracional quando estipula o papel dos diferentes membros da família em cada estágio do referido percurso reforçando o fluxo intergeracional especialmente quando este parte da necessidade dos seus filhos/genros/noras nos cuidados com os netos. Quanto aos atores sujeitos, identificados no presente estudo com o nome de fantasia, estes são compostos por idosos e idosas (na figura de pais, avós, t ios e tias, irmãs e irmãos); de crianças que estão na faixa de sete meses a oito anos. Adolescentes na faixa de 15, 17 anos. Jovens adultos nas faixas de 19 e vinte anos. Adultos na faixa de 21 anos até 54 anos. Pré-idosos na faixa de 55 anos até 59. Jovens idosos nas faixas de sessenta a 75 anos e idosos de 76 até 85 anos ou mais. 46 A investigação foi além da família que mantém vínculos de parentesco resultantes da consangüinidade ou de adoção (mesmo que a unidade tenha duas ou mais famílias co-habitando). Utilizei também o critério da unidade doméstica intergeracional/espaço construído (planejado e não planejado pelos donos) por destacar as possibilidades e reconstrução de diferentes universos que agregam os diferentes contornos da família e/ou moradia contemporânea, como por exemplo, o caso de uma residência que não é co -habitada por laços de parentesco ou consangüinidade, mas co -habitam a idosa e a família de sua empregada; do mesmo modo destacar essa diferenciação ou junção, permite que o estudo trabalhe com os diferentes modelos de unidades multifamiliares como apartamentos em condomínios fechados, ou não; e unidades unifamiliares em conjunto habitacional e àquelas unidades familiares que não são de conjunto habitacional. Preciso esclarecer que esta divisão não foi intencional, mas ao selecionar, conforme os critérios acima, coincidentemente as unidades domésticas penderam mais por um tipo de moradia do que outro. Considerei, além do padrão de moradia, o número de gerações que nela habita; contanto que a referência seja o idoso ou pré -idoso. Portanto, assim estão distribuídas as unidades domésticas identificadas ao longo do trabalho com nome de fantasia Casa X: 1. CASA MOEMA. Unidade doméstica unifamiliar , planejada e projetada sem a participação da família; co- habitada por três gerações na faixa etária entre sete meses e 60 anos; a pessoa de referência é uma mulher, pré-idosa, 59 anos, solteira. 2. CASA VALE. Unidade doméstica unifamiliar , planejada e projetada sem a participação da família; co-habitada por 47 três gerações na faixa etária entre 18 e 81 anos; a pessoa de referência é a mulher, idosa, 81 anos, viúva. 3. CASA COR. Unidade doméstica unifamiliar, planejada e projetada com a participação da família; considerada ninho vazio , mas com predominância de conexão dos netos e netas; ou seja, a unidade não é um ninho vazio constante , pois há presença dos netos, filhos e genros no cotidiano. A faixa etária entre os co-habitantes fixos e os de conexão, varia entre quatro anos e 66 anos. A pessoa de referência é o homem de 66 anos, casado. 4. CASA ANDARILHA. Unidade doméstica unifamiliar , planejada e projetada sem a participação da família; co- habitada por duas gerações, na faixa etária 25 e 63 anos; a pessoa de referência é o homem, idoso, 6 3 anos, casado. 5. CASA SHANGRI-LÁ. Unidade doméstica multifamiliar, planejada e projetada com a participação da família; também considerada ninho vazio , mas com predominância de conexão da neta; ou seja, a unidade também não é um ninho vazio constante , pois há presença da neta no cotidiano. A faixa etária entre os co -habitantes fixos e os de conexão, varia entre dois anos e 70 anos. A pessoa de referência é o homem de 70 anos, casado. 6. CASA TREVO. Unidade doméstica multifamiliar , planejada e projetada sem a participação da família. Família com duas gerações. A faixa etária entre os co - habitantes varia entre 22 anos e 61 anos. A pessoa de referência é a mulher de 61 anos, solteira. 48 Além do critério de proximidade socioantropológica, o status social e o nível de renda também contaram. As características das moradias no que concerne, especialmente, ao planejamento de sua construção, aos tamanhos das residências, sejam as situadas em conjuntos habitacionais, apartamentos em condomínios fechados e unidades unifamiliares conforme justificado acima. Os atores sujeitos têm as seguintes características: sujeitos de gerações diferenciadas, formação profissional/educacional e sexos também diferenciados que co-habitam no mesmo espaço. São de camadas sociais: média-alta e alta, 31 incluindo-se nestes grupos, os grupos sociais da camada social mais abastada como: a) os que dirigem diretamente a maquinaria capitalista do país/Estado, composto por industriais, empresários e fazendeiros; (uma família participa deste grupo); b) os que gravitam em torno deste núcleo principal composto de assessores e gerentes; (duas famílias participam deste grupo); c) os altos funcionários do Estado composto por juízes, desembargadores, funcionários bem situados dentro dos três poderes , promotores, políticos, professores universitários bem graduados; (três famílias participam deste grupo); 31 Há alguns requisitos para esta definição acima em função de que o estudo apenas descreve o tipo de sociedade com a qual se está trabalhando, que seria o mesmo que estratificação social; para o caso, a estratificação econômica e estratificação profissional. Essa distribuição se dá pela posição social dos indivíduos, das atividades que eles exercem e dos papéis que desempenham na estrutura social. Se a discussão tendesse para analisar historicamente os conflitos entre os diversos grupos que a compõem, aí recorreríamos ao conceito de classes sociais. O estudo se detém, além da renda familiar/individual (famílias ou indivíduos com uma renda acima de 15 salários) leva também em consideração as pessoas que, mesmo que não tenham um ganho altíssimo, mas têm status social elevado uma vez que participam das associações elitistas dos grupos de camadas sociais mais abastadas; a profissão (já caracterizada); os bens disponíveis; bem como os serviços, como planos de saúde, ter qualificações profissionais, incluindo acadêmicas (advogados, engenheiros, professores, professores universitários, médicos) independentes de quanto ganham ou qual a forma de lazer. Emprego com estabilidade social e seguro (tanto no ambiente, quanto financeiro;), por exemplo, estão sendo considerados. Considerar os que têm consumo razoável e não consumos exagerados como os de camadas sociais altas mais elevadas. 49 d) os que sobrevivem dos gastos dos quatro grupos , ou seja, aqueles que prestam serviços indiretamente ou atendem diretamente a classe mais abastada, e pelo seu ganho, pertencem a ela. Tendo suas variações, como profissionais liberais bem-qualificados composto por médicos, proprietários de colégios particulares, de cursos de línguas conceituados, advogados bem-qualificados, engenheiros conceituados ou bem-qualificados, arquitetos bem conceituados, donos de construtoras famosas e tradicionais, ou que ocupam funções políticas e/ou de direção (uma família pertence a este grupo). 32 Vale salientar que selecionei famílias que pertencem aos diferentes grupo s que tem como referência o idoso e pré -idoso. E onde há alguns parentes que co - habitam no mesmo espaço e gravitam em torno das categorias b,c,d. 33 Como se trata de pesquisa eminentemente de natureza qualitativa, do tipo etnográfico, foram utilizados dados que se apresentam como resistentes à conformação estatística , pois são dados obtidos da experiência, das representações, das definições de situações, das opiniões, das palavras, o sentido da ação e dos fenômenos (POUPART et al.,2008,p.147) em que o signif icado e as percepções, por exemplo, são fundamentais para o resultado final; e também por envolver certo grau de familiaridade com as rotinas das famílias investigadas. O método da saturação teórica não só nas categorias selecionadas, a priori, como àquelas que surgiram no decorrer do estudo se fez necessário. Daí não se trabalhar com amostra, por representar termos numéricos; e sim com seleção de atores que representam a realidade investigada. Por isso o empenho em incluir os sujeitos-atores conhecidos e próximos para não comprometer a 32 Classificação extraída de < http://www. pt.wikipedia.org>. Acesso: 20 de janeiro de 2010. Ao utilizar esta classificação teve-se o cuidado de averiguar a sua pertinência em relação aos grupos sociais objeto desta pesquisa e as classificações IBGE e Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). 33 Em relação ao número dos atores sujeitos esclareço que a quantidade não foi relevante. Relevante é a qualidade imanente dos discursos e depoimentos. De preferência todos os envolvidos no processo de convivência. Na proposta original - e assim permanece - as crianças manifestaram suas opiniões. 50 qualidade dos resultados e análises; embora inseridos em meio urbano, os membros da camada social média-alta e camada social alta têm características sociodemográficas bastante heterogêneas; Por outro lado, ao me deparar nas entrevistas e observações cotidianas com as freqüências das informações repetidas nos discursos dos sujeitos -atores, tem me sugerido um que de saturação teórica , ou invariância do fenômeno. Uma categoria é considerada saturada quando não surgem nos dados novas propriedades e dimensões, e que a análise responde por grande parte da possível variabilidade, não necessitando de novos componentes. Saturação é encontrar o ponto na pesquisa, portanto, mais importante do que simplesmente coletar dados quantitativos adicionais, levando-se em consideração uma combinação dos seguintes critérios: os limites empíricos dos dados, a integração de tais dados com a teoria e a sensibilidade teórica de quem analisa os dados. (STRAUSS, A.; CORBIN, J., 2008). Na combinação de considerável material teórico, somado aos depoimentos sobre as formas e modos de morar da família intergeracional, identifiquei categorias e subcategorias . São três as grandes categorias que a tese se apóia: Família intergeracional ; gerações na forma etária (crianças, jovens, adultos, jovens idosos e idosos) e gerações na forma relacional (pais, avós, filhos, netos, bisnetos, sobrinhos e sobrinhos -netos); e terceiro Espaço intergeracional construído . Das subcategorias surgiram: privacidade, individualidade, intimidade, conforto, afetividade, interação (focada e desfocada) , maternidade transferida e habitar, decorrentes das inter-relações entre a família intergeracional e o ambiente construído . Estas categorias,subcategorias e suas devidas contribuições interd isciplinares estão devidamente apresentadas no quarto capítulo. Necessário acrescentar que em cada capítulo são apresentadas a metodologia e contribuições teóricas. 51 O tema transita, portanto, entre várias linhas de pesquisa do Programa de Pós–Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A tese está vinculada às linhas de pesquisa por enfocar, em especial, as configurações do espaço físico-territorial associadas às condições de vida e moradia, bem como as perce pções dos moradores em relação ao seu habitat. Além disso, integra -se à pesquisa interdisciplinar “Modos de morar na contemporaneidade” (UFRN - Pró-Reitoria de Pesquisa [2009-2013] e CNPq) coordenada pela professora Dra. Françoise Dominique Valéry. A presente tese, portanto, se estrutura em cinco capítulos: O primeiro consta desta própria introdução em que versa sobre a origem da temática e o panorama nacional e mundial sobre a família e o idoso, bem como pistas do status quaestionis do problema. A problematização do tema consta de questionamentos, em nível teórico - empírico. Neste capítulo surgem diversos questionamentos, como por exemplo, se a família intergeracional precisa de uma habitação planejada exclusivamente para ela; Ou até que ponto precisa -se (re) definir formas de morar para a família intergeracional? O segundo capítulo é uma análise do processo histórico dos padrões de moradias do Brasil em três séculos: XIX, XX e XXI. O capítulo está subdividido em duas seções: uma seção apresenta os padrões de moradias do século XIX, que de forma sucinta são apresentados os diversos padrões de moradias do período de engenho como as casas-grandes, bangalôs, sobrados, chalés, culminado com os palacetes de finais do século XIX, de modelos bastante ecléticos devi do a influência estrangeira não só nos projetos, como nas construções dos mesmos em São Paulo e Rio de Janeiro. A segunda seção trata dos padrões de moradias nos séculos XX e XXI, onde constam os surgimentos dos primeiros edifícios de apartamentos (Rio de Janeiro e 52 São Paulo) e condomínios e padrões de moradias na cidade de Natal. Esta seção conclui com a mais nova tendência de morar a saber o mega condomínio Península, localizado no bairro da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. O terceiro capítulo trata especificamente do cotidiano e vida privada no Brasil , também nos três séculos. Aqui se discute não mais os padrões de moradias, mas compreende a domesticidade vivenciada nos cômodos da casa; o comportamento pessoal e íntimo, enfim, a dimensão de quem nele habita. O cotidiano, as formas e como a família intergeracional utiliza o espaço construído. Este também é subdividido em duas seções. A primeira seção se refere às atividades como ao ato de cozinhar, o que comiam, comem e que utensílios foram e são utilizad os e como os membros destas famílias se comportavam e se comportam a mesa. A segunda seção trata do ato de dormir, rezar e as formas como os membros das famílias se interagem no cotidiano, no ato de cada atividade que são desenvolvidas na domesticidade. O quarto capítulo discute o cotidiano e os usos objetivos e subjetivos da casa intergeracional na contemporaneidade. Nesta parte estão incluídas falas dos sujeitos selecionados para a pesquisa, assim como observações de sujeitos secundários que de forma indi reta, ou direta, interagem com os membros das famílias intergeracionais. O capítulo está subdividido em três seções. Na primeira seção há uma caracterização, um perfil familiar e domiciliar das famílias intergeracionais selecionadas para o estudo; a segunda seção apresenta as tendências de morar na contemporaneidade. As tendências aqui analisadas são de duas ordens: a questão do espaço e sua relação com os laços intergeracionais; e as estratégias de sobrevivência na co - habitação intergeracional. A terceira seção apresenta os discursos de quem gosta de produzir, decorar, desenhar (arquitetos, designers de interiores) e que são confrontados com os discursos de quem mora para apreender se a 53 família intergeracional está em sintonia ou não com o ambiente construído. Para concluir, o quinto capítulo apresenta reflexões sobre permanências e transformações dos padrões de moradias e modos de morar das famílias intergeracionais . Uma síntese de tudo o que foi observado, analisado e discutido ao longo da tese. Vale o esclarecimento de que entrevistas e observações, dados primários, dados secundários e suas análises, não tiveram um destaque específico, na tese, uma vez que estão voluntariamente diluídos em todo o documento. Até porque, tanto os resultados, quanto suas anál ises não são etapas, na minha compreensão, que se realizam a posteriori do trabalho de campo, ou de forma estanque, pois são etapas que são vivenciadas, embora em determinado momento você faça aquela parada obrigatória para formalizar os contatos com os atores-sujeitos envolvidos. Mas, considero que, além das entrevistas e observações, as demais fontes e os contatos informais, que foram estabelecidos no dia -a-dia, ou seja, no cotidiano, às suas análises são processuais, portanto, estão diluídas em todo o processo. 54 2 OS PADRÕES DE MORADIAS DO BRASIL COLÔNIA AO BRASIL CONTEMPORÂNEO Eu tive que reproduzir a casa em que nasci. O chão de madeira, pé direito alto, as telhas. Tudo é afeto. Eu tive uma infância fabulosa e tenho uma necessidade afetiva de casa. (Daniela Mercury) Este capítulo trata do resgate histórico dos padrões de moradia34 das famílias intergeracionais, em especial as moradias do Nordeste e Sudeste do Brasil, em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Recife e Natal. Cidades representativas da história do país. O Rio de Janeiro tem um foco maior por ser uma “ver dadeira síntese da evolução sociopolítica nacional, inclusive por manter -se como capital de 1763 a 1960”. (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999, p.13). As demais serão referenciadas em seu processo histórico; Natal e Rio de Janeiro além do processo histórico servirão de modelo quando se trata de dados empíricos, vez que se constituem campos de referência, justificados na introdução desta tese. O capítulo conta com recursos áudios -visuais incluindo fotografias, cinema e televisão, bem como farta pesquisa documental , principalmente iconográfica, com base no conjunto das imagens fixas que integram diversas obras editoriais como livros, revistas e coleções (disponíveis on-line ou não) especializadas em habitação e construção. 34 Importante esclarecer que não se trata de refazer o trabalho realizado por arquitetos e historiadores sobre habitação no Brasil até porque os trabalhos realizados servirão de fonte para mostrar os modos de morar da família intergeracional, incluindo como os membros destas famílias se relacionam no espaço doméstico. 55 Nesta jornada constatei uma imensa produção não só na área histórico-sociantropológica, mas, evidentemente, na área da arquitetura e urbanismo, sob os mais diversos enfoques, mapeando, segundo Atique (2005) as políticas e os espaços ligados ao que chamamos de casa. O autor cita alguns títulos conhecidos como Casa, pequena história de uma idéia , de Witold Rybczynski (2002); Dos cortiços aos condomínios fechados , de Luiz César de Queiroz Ribeiro (1997); 500 anos da casa no Brasil de Francisco Veríssimo e Willian Bittar (1999); e Lemos (2008; 1989; 1979 ; 1978). Sobre os padrões de moradias nos séculos XIX e XX utilizei às contribuições de Algranti (1997), Andrade (2011), Cascudo (1999), Cavalcanti (2004), Freyre (2006; 1987), Kidder e Fletcher (1941); Lemos (1978; 1996; 1999) Nizza da Silva (2004),Reis Filho (1997), Tramontano (1995 e 1993), Veríssimo; Bittar (1999) e Villaça (2009). Cavalcanti, na sua obra O Rio de Janeiro Setecentista (2004) , por exemplo, une os instrumentos do historiador aos procedimentos do arquiteto ao reconstruir o espaço urbano do Rio de Janeiro e seus aspectos sociais e culturais, ao apresentar as grandes transformações vividas pela cidade ao longo do século anterior à chegada da Corte portuguesa ao Brasil. O autor revela uma proposta original, ao contrário do que habitualmente se afirma, de que já se encontravam firmadas no Rio de Janeiro, uma estrutura social complexa e uma tradição cultural própria e significativa, expressas pela ocupação arquitetônica da cidade. O estudo de Cavalcanti (2004) torna-se de grande valia, especialmente quando mostra as tipologias das edificações, os números de unidades domésticas superior ao número de imóveis registrados e como as “superposições” de famílias sob o mesmo teto, e a omissão dos proprietários sobre estes dados, confundiram e induziram os lançadores 56 da Décima Urbana 35, ao erro de considerarem domicílios superpostos com um único domicílio; números significativos de imóveis de usos exclusivos para cocheiras, já denotam segundo o autor, “um expressivo indicador de alto índice de urbanização [.. .] , da valorização dos terrenos e de seus imóveis localizados sobretudo na área correspondente ao miolo do Rio de Janeiro”.(CAVALCANTI, 2004, p268). Seguindo esta lógica estão inseridos trabalhos historiográficos de Evaldo Cabral de Mello (2008); Nestor Goulart Reis Filho (1997); Luis Felipe de Alencastro (2008); e a pesquisa histórico -social e econômica de Delso Renault (1976) que retrata a sociedade fluminense do século XIX, através dos anúncios dos jornais que circularam na época. Para construir este capítulo não tive a pretensão de reavaliar toda produção sobre habitação, e padrões de moradias, mas tentar, através das produções existentes, resgatar como ao longo dos séculos a família intergeracional se apropriou, e se apropria, do espaço construído. Evidentemente que a leitura só foi possível através da iconografia e dos registros dos investigadores e viajantes, romance, ou discursos dos que vivenciaram os períodos anteriores ao século XXI. Por sua vez à percepção e representação dos espaços e dos modos de morar só foram possíveis de apreender no capítulo quatro através das entrevistas e observações. 35 Décima Urbana era uma prática conhecida em Portugal e foi estabelecida pela primeira vez com a Lei de 5 de setembro de 1641, durante o reinado de D.João IV (1640-1656) com o propósito de cobrir as despesas de organização das forças militares do país e cada cidadão deveria contribuir com 10% de todos os seus rendimentos e bens de raiz. Tal cobrança deveria incidir sobre a propriedade predial como também sobre qualquer tipo de rendimento, sem isentar rei ou clero. No Brasil foi estabelecida por meio de alvará de 27 de junho de 1808, três meses após a instalação da Família Real no Rio de Janeiro, e restrita aos imóveis situados no perímetro urbano das “cidades, vilas e lugares notáveis situados à beira-mar.” Por essa razão passou a ser chamada de Décima Urbana, mantendo as mesmas isenções concedidas em Portugal, ou seja, Santa Casa de Misericórdia, prédios públicos e religiosos e os pobres. (CAVALCANTI, 2004). 57 Para caracterizar os padrões de moradias, preocupação deste capítulo, questiono em princípio, quais os padrões de moradias no Brasil no percurso de três séculos? O capítulo se subdivide em duas subseções para melhor compreensão dos padrões relativos a cada período histórico em diferentes séculos. A subseção 2.1 Padrões de Moradias no Século XIX trata especificamente dos padrões de moradias deste século, mas resgatando, ainda que de forma objetiva os séculos anteriores para melhor entendimento sobre os diferentes modelos de habitações rurais e urbanos. Já a subseção 2.2 Padrões de Moradias nos séculos XX e XXI se discute as transformações arquitetônicas nos dois séculos que vão dos palacetes milionários, transitando pelos edifícios de Art Déco para chegar aos condomínios fechados, ou mega condomínios, como um novo estilo de moradia coletivo do século XXI. 2.1 Padrões de Moradias no Século XIX: casas -grandes, sobrados, chalés e palacetes. Como aqui se trata do resgate histórico dos padrões de moradias, ou da arquitetura residencial das famílias intergeracionais, há que se considerar o seu recorte histórico, século XIX, não sem antes voltar no tempo, século XVII, mais precisamente, embora que de forma sucinta, já que os três primeiros séculos de colonização (XVI, XVII e XVIII) não constituem cenários principais desta tese; apenas uma referência aos padrões de moradias antes da chegada de D. João VI, e sua corte, ao Rio de Janeiro (início do século XIX). 58 Os períodos que antecederam à vinda da família real são considerados respectivamente: período cabralino , sistema de capitanias - determinante para o povoamento do país - e efetivamente a colônia , quando a c idade do Rio de Janeiro já afirmada em sua importância política, em função da exploração de minas (já há um século), passara a ganhar impulso, num curto espaço de tempo, à medida que o movimento do seu porto e conseqüentemente a ampliação do seu comércio, cresciam de forma extraordinária, gerando forte demanda habitacional que se agravou com a chegada de quinhentas36 pessoas oriundas de Portugal. (CAVALCANTI, 2004, p.94 -96). Entretanto, o estilo de moradia colonial, ou toda a atividade arquitetônica no Brasil, símbolo de poder econômico, foi marcado pelo rigor métrico e teve seu início com o povoamento em 1530 (século XVI) com a chegada de Martin Afonso de Souza, ao Brasil, quando a colonização ganha impulso com a criação das Capitanias Hereditárias (1534) e a fundação das primeiras vilas, como Igaraçu e Olinda (Pernambuco), fundadas por Duarte Coelho Pereira (1535), São Vicente, em São Paulo (1532) e São Tomé, Rio de Janeiro (1565) e vai até 1822 com a Independência do país. (CAVALCANTI, 2004). Mas foi somente no final do século XVII, em plena atividade agrícola monocultora da cana-de-açúcar; em torno não só de vários núcleos urbanos, como em toda extensão da costa leste do litoral do Brasil , que a casa brasileira começou a tomar forma. (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999). Ainda, segundo os mesmos autores, os fatores que concorreram para a forma definitiva da casa brasileira foram, sem dúvida 36 O número de 15.000 pessoas (apontado por diversos historiadores) que desembarcaram oriundas de Portugal; ou seja, o príncipe Regente e sua Corte, são dados bastante controversos para o historiador Nireu Cavalcanti (2004). O historiador enfatiza que não mais de 500 pessoas (60 são membros da família real e da alta nobreza portuguesa) aportaram no porto do Rio de Janeiro, entre os anos de 1808-1809, pois seriam necessárias frotas gigantescas de 1875 embarcações para carregar as 15.000 pessoas, número, segundo ele, não aconteceu, pois, menos de 30 embarcações aportaram no Rio de Janeiro. Mesmo assim, os 450 ou 500 acompanhantes deslocados com a família real, são números que não atenuam em nada o impacto que sobre o Rio de Janeiro representou a transferência da Corte Portuguesa: forte demanda habitacional. 59 “o clima tropical e úmido, a flora, o gentio da terra, em princípio fácil e dócil, quando se submeteu à nova ordem européia e o próprio colonizador português” uma espécie de coordenador, orientador e homogeneizador desta moradia. (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999. Grifo meu ). E, assim, os autores descrevem como surgiu a Casa Grande: Com o índio, aprende que cozinhar nos trópicos é uma tarefa a ser feita do lado de fora; numa varanda ou num puxado ao lado da casa. A solução para o escoamento das grandes chuvas ele copia da experiência aprendida no Oriente, trazendo dessas regiões as inflexões dos telhados e dos beirais alongados com desenhos graciosos. De Portugal traz as paredes caiadas e os portais coloridos, tão comuns nas paisagens do Minho, do Alentejo e do Algarve. Transforma a pequena casa portuguesa, por força do modelo econômico, numa „casa-grande‟, à qual agrega os escravos africanos num puxado ao lado da cozinha, que se denominou senzala. (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999, p. 19, „grifo do autor‟). Deste somatório, segundo os autores, teria nascido a casa brasileira, cuja forma dependia de quem ocu pava, da sua origem, seu nível de conhecimento e seu status e conforme as regiões. Os formatos iam desde as construções em pedra aparente, vindas de Portugal, as chaminés do Algarve ou as paredes caiadas de branco, cujas esquadrias coloridas vinham do sul do mediterrâneo, mas no geral eram abrasileiradas ou tropicalizadas. Todavia, para a pesquisadora Maria do Carmo Andrade (2012), o colonizador não reproduziu, no Brasil, o estilo das casas portuguesas em virtude do ambiente físico brasileiro. Este (coloniz ador) preferiu criar uma residência que além de corresponder ao tipo de ambientação local, atendesse as necessidades de trabalho, pessoais e de segurança dos residentes temendo ataques não só de índios, como dos próprios escravos africanos. 60 Criaram-se, assim, nos primeiros engenhos 37, ainda pequenos, as casas grandes com ar de fortalezas, com grandes espaços sem divisão interna, semelhantes às ocas coletivas típicas das habitações indígenas. O que, acredito, favoreceu a multifuncionalidade dos espaços quando estas (casas-grandes) tornaram-se ao mesmo tempo hospedaria, harém, escola, santa casa de misericórdia de velhos, viúvas e órfãos, banco (dentro das paredes, ou chão, guardavam -se dinheiro, jóias e ouro). Além desta particularidade, os moradores tin ham o costume de enterrar seus mortos nas capelas 38 das casas. Por esse motivo, ainda segundo Andrade (2012), eram construídas (as casas) com alicerces profundos utilizando óleo de baleia e grossas paredes de taipa, pedra e cal, teto de palha, sapê; ou telhas com o máximo de inclinação para servir de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais. O piso era de terra batida ou assoalho, poucas portas e janelas além de alpendres na frente e dos lados. (FREYRE, 1987; ANDRADE, 2012). Nas casas das famílias de extrato social mais abastado, o tempo se encarregava de trazer abundância de recursos econômicos assim como aos artesãos mais qualificados para que estes executassem obras mais rebuscadas, segundo Algranti (1997); em geral, entre o século XVI e fins do século XVII, mesmo as casas-grandes de senhores de engenho tinham mobiliário escasso e quadros na parede somente em uma ou outra casa. 37 Engenho é a designação do local de fabricação do açúcar que se estendia ao conjunto da grande propriedade açucareira. Era composto, também, da moenda para moer; casa de purgar, onde era purificado e recolhido o açúcar em formas; destilaria para fabricar a aguardente; a casa-grande, residência do proprietário; senzala, alojamento dos escravos e a capela onde se realizavam as cerimônias religiosas. A documentação iconográfica sobre os engenhos de açúcar pernambucanos referentes aos três séculos de colonização resume-se às três décadas do século XVII (período holandês de 1630-1654) e por todo o século XVIII. Os períodos anteriores, antes da invasão holandesa, sobre o que restara dos engenhos fora destruído pelos holandeses. O que se atribui dificuldades em tipificar ou alguma excepcionalidade aos exemplares de arquitetura, supostamente antigos, até os nossos dias. (engenhosdepernambuco.blogspot.com.br). 38 Somente a partir do século XVIII, em especial na Bahia e em Pernambuco, as capelas passaram a ser construídas como uma espécie de anexo da casa-grande. 61 Foi somente nas primeiras décadas do século XIX, com a riqueza e poder dos senhores de engenho (sobreviventes do uso da máquina a vapor) da Bahia (1815) e Pernambuco (1817) surgiram construções de novas casas-grandes, assim como reformas de outras. (ANDRADE, 2012). Nesse período surgiram três tipos de casas de engenho: o bangalô, o sobrado neoclássico e o chalé. Até então, segundo a pesquisadora, as casas-grandes, embora pertencessem aos senhorios, símbolos de poder econômico, político e social, no Brasil colônia, eram simples porque as riquezas dos donos de engenhos eram demonstradas através de vestimentas luxuosas e nos n úmeros de escravos que possuíam. A preocupação dos senhores era voltada mais para a sua aparência do que com a moradia ou a alimentação. Pouco parecia importar aos senhores colonizadores o aspecto estético das moradias. (ANDRADE, 2012). A seguir dois dos mais antigos exemplares: a Casa Grande do final do século XVI em Pernambuco, região nordeste (FIGURA 1); e a Casa de Engenho Noruega do século XVII, também em Pernambuco (FIGURA 2). FIGURA 1 - CASA-GRANDE DO FINAL DO SÉCULO XVI FONTE: disciplina-de-historia.blogspot.com.br 62 FIGURA 2: PLANTA DA CASA GRANDE DO ENGENHO NORUEGA, ANTIGO ENGENHO DOS BOIS EM PERNAMBUCO, SÉCULO XVII FONTE: Ronaldo Vainfas. (FREYRE, 1987). A imagem acima ilustra o tipo de Casa-grande do século XVII, constante na capa do livro do sociólogo Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala (1987) que faz parte do engenho Noruega em Pernambuco. Como ela, as casas-grandes eram cheia de salas, quartos, corredores, duas cozinhas, despensa, capelas que perduraram nos sucessivos ciclos econômicos agrícolas (açúcar, café) até os finais do século XIX. Embora as cidades, no século XIX, já possuíssem alguma estrutura urbana, era na área rural que se destacavam as construções de grande importância, devidos as fontes de riquezas provenientes dos engenhos e outras agriculturas das regiões Sudeste (Rio de Janeiro) e Nordeste (Pernambuco). Para que os senhores de engenho fizessem melhor acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos pelos seus comandados, era necessário que fixassem residências, junto com suas famílias e criadagem, nestas propriedades rurais. (CHAGAS, 2010). 63 Assim, as casas grandes de fazendas do sé culo XIX se dividiam em três partes. Após a varanda ficavam os escritórios, onde eram recebidos comerciantes que não passavam deste ambiente. Salas de música e salas das senhoras eram comuns. Mais para os fundos surgiram os aposentos íntimos como os quartos de dormir, geralmente decorados de forma mais simples. Aqueles que tinham residências na cidade e na fazenda reservavam o luxo para a casa localizada na cidade, enquanto o conforto e utilidade eram típicos da casa da fazenda. Até meados do século XIX, a casa-grande era o modelo perfeito do fechado mundo patriarcal. Com alpendres reentrantes que contornavam toda a casa, diferente do modelo bandeirista cuja reentrancia era no centro da fachada principal, embora em algumas, “havia, também o alpendre dos fundos, que era o alpendre íntimo, da família” (LEMOS,1978, p.58 -59) . A reduzida elite das grandes cidades - comerciantes, profissionais liberais e altos funcionários públicos - transportaram esse modelo para os austeros sobrados urbanos onde passaram a residir. Na zona urbana, a uniformidade do terreno correspondia à uniformidade dos partidos arquitetônicos. As casas eram construídas de forma uniforme (cf. figura 3) cujas plantas mantinham sempre o mesmo desenho, possuíam praticamente os mesmos critérios de construção diferenciando-se na forma, nos materiais empregados, na disposição e no tamanho das moradias. (ALGRANTI, 1997). 64 FIGURA 3 – EXEMPLAR DE CASAS DO PERÍODO COLONIAL EM RECIFE-PE Sem recuos e sem jardins FONTE: arqnobrasil.wordpress.com Em certos casos, essa padronização era fixada em Cartas Régias ou em posturas municipais, desde o século XVIII. Essas exigências estavam relacionadas mais aos aspectos externos, como as dimensões e números de aberturas, altura dos pavimentos e alinhamentos com as edificações vizinhas, revelando uma preocupação formal, cuja finalidade era manter o aspecto português nas vilas brasileiras. (TEIXEIRA, 2012). As regras fixadas para a padronização, durante todo o tempo de sujeição a Portugal e Império, eram designadas apenas para a parte externa, e para o espaço urbano; a legislação destinada ao controle das edificações urbanas, jamais teve a intenção de intervir nas condições internas das residências. “Cada um morasse como quisesse ou pudesse em respeito às decisões p essoais ou ao direito de propriedade”. (LEMOS, 1999, p.13). O importante para as Câmaras, e até mesmo o governo central, eram os aspectos estéticos das cidades. Entretanto, há contestações sobre a similitude das construções. Vauthier (1975) sugere que essa similitude não é resultante 65 exclusivamente de uma normativa pública, mas de uma prática social e cultural. A partir do final do século XIX a legislação republicana brasileira “interferiu drasticamente no planejamento de novas residências e no uso, ou habi tabilidade, das velhas construções do Império” (LEMOS, 1999, p. 11), quando houve a reformulação dos critérios do ato de morar surgindo na cidade um processo civilizador proporcionado principalmente pelo dinheiro do café. A arquitetura brasileira passou por um processo de ecletismo (LEMOS, 1999) que caracterizou grande parte dos padrões das moradias em finais do século XIX e todo o século XX. As casas, no geral, eram “construídas sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos”. (REIS FILHO, 1997, p.22). Os lotes eram com testada de 10m e com grande profundidade, verdadeiras réplicas de casas lusitanas, principalmente em certas cidades do norte ou em Minas Gerais. (LEMOS, 1996) . Não havia meio termo, as casas eram urbanas ou rurais. Símbolos do poder econômico de seus donos. Foi somente nos últimos anos do século XIX e início do século XX, antes de 1914, que a arquitetura se encontra liberta dos limites dos lotes. Fundiam-se, desse modo, duas tradições: a das chácaras e a dos sobrados. Quanto ao chalé se tornou um tipo de “residência burguesa muito comum nos centros urbanos de maior importância, correspondendo a primeira casa urbana isolada das divisas dos lotes”. (ARAGÃO, 2010, p.3). Em seguida modelos de casas construíd as de modo uniforme entre os séculos XVII e XIX. 66 FIGURA 4 - ANTIGA RESIDÊNCIA DOS GOVERNADORES. ATUALMENTE CASA DOS CONTOS FONTE: CAVALCANTI, 2004 FIGURA 5 - CASARIO DE PORTA E JANELA EM PORTO SEGURO, BAHIA (ILUSTRAÇÃO SUPERIOR) E EM PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL (ILUSTRAÇÃO INFERIOR) FONTE: www.joaodiniz.com.br FIGURA 6 - CONSTRUÇÕES EM RECIFE/PE MISTURA DE INFLUÊNCIAS IBÉRICAS E HOLANDESAS FONTE: www.joaodiniz.com.br 67 Segundo Diniz (2013), o modelo da figura 5 é típico de construção de casa térrea luso-berberes.39 Este modelo de urbanização e tipo de casa foram adaptados em Portugal com o nome casa de pescadores e chegaram ao Brasil através da colonizaç ão portuguesa como casas de porta e janela, encontradas de norte a sul do país consistindo a forma mais importante de habitação. As casas da figura 6, na cidade de Recife, refletem forte influência mourisca e holandesa, que influenciou o panorama da cidad e brasileira, continuando com a tradição e proporção lusitana, mas com frontão escalonado holandês. As casas de tradição mourisca construídas no século XVII foram encontradas, ainda, no século XIX. (CAVALCANTI, 2004). Os colonizadores e primeiros moradores , inicialmente utilizaram as técnicas da taipa-de-pilão e pau-a-pique ,40 de rápida construção graças aos materiais abundantes como barro e madeira; até mesmo os primeiros palácios do governo imperial foram construídos em taipa, com cobertura de palha. Posteriormente, com o progresso da colonização e o estabelecimento de uma estrutura urbana básica, adotaram a cantaria de pedra , quando existente, que se limitava as casas de esquinas (cunhais)41; ou adobe42 para levantar paredes, o que proporcionou a construção de estruturas maiores e a inclusão de madeiramento para pisos e cobertura de tetos. Em seguida, ilustrações de residências construídas com o método de taipa -de-pilão, padrão de 39 As casas berberes ou casas de pescadores - conhecidas pela economia de abertura - são construídas lado a lado formando filas, seja por questão de economia, seja para proteger o espaço público de vento quente e seco. (DINIZ, 2013). 40 Taipa-de-pilão consiste em levantar paredes de barro comprimidas com golpe de pilão entre placas de madeira. É uma técnica de origem árabe muito utilizada ainda hoje em países com clima seco. Caracterizou todas as construções paulistas do século XVI, XVII, XVIII e primeira metade do século XIX numa persistência cultural decorrente, sobretudo, do isolamento causado pela dificuldade de transposição da Serra do Mar. Pau-a-pique também conhecida como taipa de mão, taipa de sopapo. É uma técnica construtiva antiga que consistia no entrelaçamento de madeiras verticais fixadas no solo, com vigas horizontais, geralmente de bambu amarradas entre si por cipós, dando origem a um grande painel perfurado que, após ter os vãos preenchidos com barro, transformava-se em parede. http://www.museudacidade.sp.gov.br/taipadepilao.php 41 Cunhais, ângulo saliente formado por duas paredes de um edifício 42 Cantaria de pedras, pedra lavrada para construções. Adobe: tijolo cru e secado ao sol 68 construção utilizado principalmente entre o século XVI e o século XIX. Hoje ainda se utiliza especialmente no sertão nordestino. FIGURAS 7, 8 e 9 - CASAS DE TAIPA-DE-PILÃO COBERTA DE PALHA, DE TELHAS PAREDES DE TAIPA-DE-PILÃO E PAU-A-PIQUE FONTE: pt.wikipédia.org FIGURA 10 - CASA BANDEIRISTA NO BUTANTÃ. CONSTRUÇÃO ORIGINAL EM TAIPA DE PILÃO É um típico exemplar da organização residencial da região Sudeste dos séculos XVII e XVIII FONTE: pastilhascoloridas.com 69 FIGURA 11 - CASA BANDEIRISTA EM TAIPA DE PILÃO E PAU-A-PIQUE. ALPENDRE REENTRANTE CONSTRUCÃO PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XVII Fonte: www.cultura.sp.gov.br As construções estilos bandeiristas dos séculos XVII e XVIII eram simples e com poucos cômodos; não havia corredores internos e a passagem de um aposento ao outro se dava diretamente. Algumas residências tinham alpendres reentrantes somente na parte frontal da casa, algumas com cobertura em quatro águas e outras com coberturas em duas águas. Quanto mais abastada a família era comum ter nas residências uma capela, alcova (geralmente sem porta de comu nicação com o corpo principal da casa) destinada a abrigar viajantes que pernoitavam. (ABRAHÃO, 2010, p. 78). As residências paulistas, por exemplo, em finais do século XVIII e início do século XIX, tiveram mudanças na arquitetura interna, tornando-se mais amplas, com maior número de cômodos que possuíam funções específicas às atividades cotidianas. (ABRAHÃO, 2010, p.79). 70 Nas casas mais importantes, sobretudo as localizadas no litoral, utilizavam materiais como a pedra e a cal, que forçosamente não eram materiais locais. A cobertura era feita com telha de barro em duas águas: uma água caía para a rua e a outra caía para o quintal. Em Minas Gerais as telhas eram feitas de barro e moldadas nas coxas dos escravos. O certo é que até a chegada da Família Real P ortuguesa, todos moravam de forma austera, sem conforto, “nas casas vazias de paredes desnudas” (LEMOS, 1979, p. 104), marcada pela rusticidade e pela falta de elementos, independente de suas posses. Evidente que o padrão de moradia variava de acordo com o status ou estrato social do morador. Na visão de Kidder e Fletcher (1941) a casa da cidade: Não é um lugar atraente: as cocheiras e as cavalariças ficam no primeiro andar, enquanto a sala de visitas, as alcovas e a cozinha ficam no segundo. Não é raro existir uma pequena área ou pátio ocupando o espaço entre a cocheira e a cavalariça, e esse espaço se separa, no segundo andar, a cozinha da sala de espera. (p.30). As tipologias das edificações que foram encontr adas, quando a família real portuguesa se instalou no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, foi o modelo setecentista , conforme ilustrado por Cavalcanti (2004). (fig.12). Um só cômodo tinha superposição de funções onde se realizavam todas as atividades domésticas. Estes mudaram lentamente: ficaram maiores com a ampliação do número de aposentos. A ampliação dos cômodos, entretanto, não significava comodidade. Cito as janelas como exempo: os vidros se tornaram mais acessíveis, mais em compensação as janelas que se abriam ainda eram raras. 71 FIGURA 12 - CASARIO E SOBRADO. TIPOLOGIA DAS EDIFICAÇÕES NO BRASIL SETECENTISTA FONTE: Cavalcanti (2004) No mais, as residências eram simples, com volumetria horizontal, algumas com varandas, janelas guilhotinas, core s claras como o branco ou tons pastel. Estas sofreram mudanças a partir da instalação da Corte Portuguesa. Os sobrados, na cidade, por exemplo, ocupados pela elite, surgiram mais tarde como conseqüência do crescimento urbano e diversificação da economia. No início do século XIX a cidade do Rio de Janeiro já se apresentava com uma economia forte, diversificada e em expansão, além de um rico patrimônio imobiliário constituído de 7.047 prédios situados em seu perímetro urbano e mais 221 em construção, o que tornava a cidade excelente campo para o mercado imobiliário. A 72 instalação da Corte na cidade, ao torná-la sede da monarquia portuguesa, além de fomentar mudanças políticas, culturais e econômicas, refletiu naquele tipo de mercado. (CAVALCANTI, 2004). A família Real portuguesa ao chegar ao Brasil fixou residência na antiga sede do Vice-Reino, no centro da cidade, que segundo críticos, como habitação real, de apenas 63,98m x 23,76 de área, era desprezível e sem nenhum mérito arquitetônico. O Paço foi a primeira sede da administração central do Brasil , no século XVIII, para servir de residência aos governadores da Capitania do Rio de Janeiro, posteriormente passou a ser a casa de despachos dos Vice-Reis do Brasil. Ao abrigar a Família Real em 1808, o Paço torna-se sede administrativa do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, e recebe a denominação de Paço Real . Requer, em função da nova ocupação do prédio, reformas e modificações no uso dos espaços. Em 1817 foi construído um segundo pavimento na fachada vol tada para o mar para dar um ar mais palaciano cujas imagens se encontram nos dias atuais (FIGURAS 13, 14 e 15). FIGURA 13 - LARGO DO PAÇO (1738-1746) FONTE: Cavalcanti (2004) 73 FIGURA 14 - PAÇO IMPERIAL. MODELO ORIGINAL (1808) Telhado com quatro águas. Fonte: www.panoramario.com FIGURA 15 - PAÇO IMPERIAL NA CONTEMPORANEIDADE FONTE: www.panoramario.com Mas como o paço era considerado desconfortável para a Família Real, foi colocada a sua disposição, uma residência na Quinta da Boa Vista e o Paço Imperial ficou reservado para as grandes cerimônias e sede administrativa do governo. 74 A Quinta da Boa Vista 43 (São Cristovão), portanto, foi a segunda residência da Família Imperial no Brasil de 1808 a 1821, fruto de doação do comerciante português Elias Antonio Lopes. O casarão, embora considerado a melhor casa da Quinta àquela época, não tinha a imponência ou estilo desejado pelos Reis (www.riodejaneiroaqui.com, 2012), portanto, não convencia, segundo observações de John Luccock 44, como residência real, que a considerava acanhada , pretensiosa , mal construída e pessimamente mobiliada. Abaixo, o Paço de São Cristovão, em dois momentos: no século XIX, com reformas em 1817, e nos dias atuais. FIGURA 16 – ANTIGO PALÁCIO DE SÃO CRISTOVÃO FONTE: Aquarela de Thomas Ender (1817-1818). Montagem e edição www.riodejaneiroaqui.com O casarão data de 1816-1817 e já havia passado por reformas iniciais. O pórtico monumental não existia originalmente; foi doado e instalado em 1816, como presente de casamento a Dom Pedro I e à futura Imperatriz Maria Leopoldina de Áustria, por um Lord i nglês, o Duque de Northuberland. 43 No início do século XIX, a área chamada Quinta da Boa Vista, distante do centro da cidade, foi erguida por volta de 1803, pelo comerciante Elias Antônio Lopes. Antes se chamava a “Chácara do Elias”. Dava uma bela vista para a Baía da Guanabara, por isso o nome da propriedade. O termo Quinta não é muito usual no Brasil, em Portugal significa propriedade rural. (www.riodejaneiro.com). 44 Comerciante inglês que desembarcou no Brasil em junho de 1808, três meses depois da Família Real e permaneceu no país na cidade do Rio de Janeiro até 1818. Durante sua estadia, ele viajou por Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Percorreu becos e ruas cariocas, visitou o comércio e as casas de família na colônia portuguesa que fez um relato antropológico sobre a cidade que visitava. 75 FIGURA 17 – ATUAL PALÁCIO IMPERIAL DE SÃO CRISTOVÃO Hoje, Museu Nacional de História Natural FONTE: Foto de JR. Maio-2009. www.riodejaneiroaqui.com Para os que acompanharam 45 a Família Real da metrópole até o Brasil , a situação foi bem mais complicada ainda, pois a cidade com uma população, embora relativamente pequena, com apenas 60. 000 46 habitantes, mas com moradias insuficientes, tornaram mais difíceis à questão da habitação, pois os que chegavam de Portugal tiveram dificuldades de encontrar não só habitação , mas habitação com o mínimo de conforto. Os que não conseguiam encontrar por bem, se apossavam sem pagar aluguel, enquanto o proprietário se alojava com toda a família, que em sua maioria era bastante numerosa, nu ma pequena moradia, muitas vezes erguida ao lado da mansão ocupada. (GOMES, 2007). Do conjunto de medidas tomadas e leis publicadas com o propósito de adaptar a Corte ou adequar a cidade para a sede da Monarquia portuguesa, destaco uma medida que provocou maior impacto sobre a população, além de reconfigurar o contorno do perímetro urbano da cidade: o alvará de 7 de junho de 1808, que 45 A transferência da corte portuguesa trouxe para o Brasil, além da família real e o governo da Metrópole, boa parte do aparato administrativo português, personalidades, funcionários régios, 276 fidalgos e dignitários régios (em torno de 2 mil o número de funcionários régios e de indivíduos exercendo funções relacionadas a Coroa. (ALENCASTRO, 2008). Além desta comitiva, segundo Luccock, padres (700) , advogados ( 500) e os “praticantes” de medicina (200). Dados contestados por Cavalcanti (2004). 46 Este número aumentou para 100.000 em 1820. Mas há controvérsias em relação a população: Villaça (50.000 hab.); Fleiuss, citado por Villaça acusa uma população de 43 376 habitantes; Cavalcanti, 2004). 76 instituiu o tributo da Décima Urbana sobre todos os prédios da cidade do Rio de Janeiro. (CAVALCANTI, 2004). Até então, não existiam dados demográficos, segundo Arno Wehling, citado por Cavalcanti (2004), com referência mais especificamente à ausência de mapas geográficos, estatísticas populacionais e de produção econômica e uma série de outras informações necessárias à administração pública. Os dados da Décima Urbana permitem distinguir, entre outras informações: a cidade do Rio de Janeiro entre 1808 e 1809 apresentava uma grande variedade de tipologias de edificações; eram casas térreas, sobradinhos, sobrados de um, dois ou três andares, além do térreo também chamado de “lógea”. Estes poderiam ter, além dos pavimentos, outros complementos como sótão ou pequenas trapeiras (FIGURA 18); a existência de um ou mais fogos47, um total de 8.708, superior à quantidade de imóveis registrados, cerca de 7.548. A discrepância entre os números de fogos existentes frente aos números de imóveis cadastrados se justifica vez que um prédio poderia ter tantos fogos quantas fossem as famílias diferentes que nele co -habitavam. Destes, somente 7.047 foram considerados prédios em condições de uso e mais da metade, cerca de 4.878, correspondia a edificações de um único pavimento, incluindo-se nestas as trapeiras ou sótãos. 47 Termo utilizado à época, o que corresponde, hoje, o que chamamos família. Estava implícito, portanto, que o uso do imóvel era residencial. Mas havia casos em que se poderia caracterizá-lo de uso misto, quando além da moradia da família, o prédio também servia para abrigar um comércio ou a sede de uma firma. (CAVALCANTI, 2004). 77 FIGURA 18 - SOBRADOS OU FALSOS SOBRADOS DO RIO DE JANEIRO (1808) À época do lançamento da Décima Urbana FONTE: http://linux.an.gov.br Expressar a quantidade de fogos nem sempre foi fácil , alerta Cavalcanti (2004), pois, havia casos de chácaras serem lançadas como um único imóvel , quando na verdade se tratava de uso multidomiciliar . Além de conterem a residência principal, ainda reuniam os quartos das senzalas e outros prédios utilizados pela família do administrador, pelos arrendatários, pelos parentes ou protegidos/afilhados do proprietário. Há indícios, segundo o autor, de prédios do tipo sobrado, registrados como único fogo/unidade familiar , quando de fato residiam duas ou mais unidades domésticas autônomas , em espaços sublocados pelo mesmo inquilino, induzindo, como afirmado anteriorment e, os lançadores da Décima Urbana ao erro de o considerarem um único domicílio. O que se apreende, portanto, é que entre 1800 -1850, impõe-se um novo tipo de residência: a casa de porão alto , uma espécie de transição entre as casas térreas e os velhos sobra dos. (ZORRAQUINO, 2006). Eram chamadas de sobrados, como em Salvador, Recife, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo. Cada cidade com suas diferenças. O sobrado recifense era de construção estreita e magra. Fachada com largura de 4,5 m e 5,5 m tinham até seis pavimentos (VAUTHIER, 1975, p.39). O que se parecia modelo único de sobrados, estes apresentavam: 78 [...] a existência de dois modelos representativos: o rigidamente hierarquizado, imune à inclusão de acessos alternativos – mais freqüente entre sobrados urbanos, enquanto o outro, onde o exterior funciona como veículo integrador, capaz de reduzir e modificar a hierarquia espacial, mais freqüente entre moradias localizadas fora dos núcleos centrais do Recife, em localidades dos arredores, engenhos e sítios. (TRIGUEIRO, 2012, p. 210, grifo meu.). No Rio de Janeiro coexistiam casas térreas e sobrados de dois pavimentos; alguns chegando a três andares, no máximo quatro. Porém, segundo Kidder e Fletcher (1941), uma construção de qua tro andares no Rio de Janeiro, iguala em altura uma de cinco andares em Nova York e antes que os sobrados fossem mistos (residência, comércio) eram quase todos ocupados como residências. Salvador , marcada por uma falha tectônica dividia a cidade em duas: c idade baixa e cidade alta, com características urbanas peculiares. A cidade baixa próximo ao porto possuía sobrados mais altos, que chegavam a quatro, cinco, pavimentos que correspondiam à área comercial de Salvador. Na cidade alta, as construções eram mais horizontais, isoladas no lote e cercadas por jardins, onde habitavam os comerciantes mais ricos, principalmente europeus. Já em São Paulo os sobrados e casas térreas eram erguidos no alinhamento de lotes estreitos e compridos, onde se destacavam apenas as torres das igrejas. Os sobrados, de dois pavimentos, assim como as casas térreas, foram construídos com a técnica da taipa de pilão, característica das construções paulistanas nos três primeiros séculos. Por isso o predomínio dos sobrados de dois andares nos primeiros séculos de colonização, com largos beirais de duas águas. (FLETCHER; KIDDER [1941]; FREYRE [2006, 1987]; GRAHAM [1956]; VAUTHIER [1975]). Nas vilas e cidades maiores, boa parte das residências era de um só pavimento, enquanto as de famílias mais abastadas podiam ter de um a quatro pavimentos e decoradas com azulejos nas paredes, em geral nos tons azuis e amarelos. Mas Lemos (1996) chama atenção para a questão do status social e para o aspecto arquitetônico dos sobrados. 79 Segundo ele, nem sempre os sobrados eram inacessíveis aos pobres e remediados e quanto ao aspecto arquitetônico deve -se ter “cuidado na leitura de documentos antigos porque nem sempre os sobrados mencionados, nas descrições destes documentos, são os que realmente identificamos como tal”. (LEMOS, 1996, p.33). FIGURA 19 - CASA ISOLADA. SÃO LUIS - CAMINHO DA GÁVEA PARA A TIJUCA FONTE: Desenho a lápis de Maria Graham, datado de 16 de maio de 1825. Coleção do Museu Britânico. (GRAHAM, 1956). Mas no geral, sobrados correspondiam as residências dos ricos; cujas diferenças no tipo de piso (assoalhado no sobrado e de chão batido na casa térrea) definia o status social, pois habitar um sobrado significava opulência, ao passo que a casa térrea caracterizava a pobreza. O pavimento térreo, do sobrado, evidentemente não era habitado pelo proprietário mas era utilizado comumente para atividades comerciais, depósito, aposento de escravos e cocheiras. Neste, existiam um corredor que levava ao quintal nos fundos e uma escada que levava seus moradores ao piso superior. O andar superior era dedicado à habitação. O segundo pavimento se organizava com um grande salão que dava para a rua, do qual saía um corredor que tinha de cada lado, pequenos quartos sem aberturas ao exterior. (REIS FILHO, 1997). 80 Apoiada em Villaça (2009) questiono: onde moravam a aristocracia carioca e as famílias mais abastadas na maior metrópole da America Latina (Rio de Janeiro), no início e metade do século XIX antes de se concentrar na orla oceânica? Conforme Villaça (2001), quando a família real portuguesa aqui se estabeleceu e o Rio passou a ser a capital do reino, depois Império, teve início uma estratificação social de significativas dimensões de uma sociedade urbana capitalista, cujas práticas sociais foram suficientes para dar início a alguma segregação espacial de seus bairros residenciais. (VILLAÇA, 2009, p. 157). Ainda segundo Villaça (2009), a aristocracia era constituída por diplomatas estrangeiros; refugiados políticos abastados; duques e até príncipes; bem como a burguesia comercial integrada por portugueses e brasileiros. Na primeira metade do século XIX, a aristocracia morava fora da cidade num estilo de casa e de vida bem diferentes, no tempo e no espaço, das chácaras brasileiras no final do século XIX, de Porto Alegre e Salvador. As moradias localizavam -se muito longe do centro da cidade. Gávea e Alto da Boa Vista eram os locais preferidos da Aristocracia. A maior parte das famílias de mais alta renda se concentrava mais para o centro da cidade e no seu entor no imediato, mais especificamente na direção do interior, hoje Zona Norte. Entre o Largo do Paço (Praça Quinze) e o Rocio Grande (hoje Praça Tiradentes) morava significativa parcela da aristocracia e da alta e média burguesia constituída por políticos, pr ofissionais liberais, intelectuais, os grandes comerciantes e alguns nobres. Era comum, ainda segundo Villaça (2009), dentre comerciantes e nobres, a residência localizar-se no segundo pavimento dos sobrados (conforme indicado anteriormente) cujos térreos eram ocupados por estabelecimentos comerciais varejistas ou atacadistas, armazéns ou casas de importação. Na época esta região era a parte nobre da cidade, 81 não só do ponto de vista residencial, como também do ponto de vista da localização dos teatros, passeios e dos principais edifícios públicos. Como a Rua do Ouvidor que concentrava este tipo de residência. FIGURA 20 - RUA DO OUVIDOR –RIO DE JANEIRO FINAIS DO SÉCULO XIX FONTE: www.eliomar.com.br. Outra característica fundamental das formas e modos de morar das famílias abastadas era a existência da dupla moradia : a rural e a urbana. A família mais abastada tinha uma casa de campo onde habitualmente morava, e uma casa na vila ou cidade onde só residia durante as festas religiosas, ou quando os homens o cupavam cargos municipais ou precisavam cuidar dos seus negócios. E é exatamente a existência da dupla moradia que facilitava a prática do concubinato: mulher e filhos no sítio ou fazenda; concubina na vila ou cidade. (NIZZA DA SILVA,2004, p.210). Portanto , desfaz-se, aqui, o mito de um único tipo de família: a patriarcal, mais eventualmente a nuclear . A inclusão de outro tipo de família que não a nuclear, revela o conjunto extremamente complexo de relações instituídas pela grande maioria da população masculina, abastada, nos grupos domésticos urbanos, denotando novas formas de organização familiar. (FIGUEIREDO, 1993). 82 Esta característica se estendeu e perdurou no Período Republicano cujos fazendeiros beneficiados pelas exportações de café mantinham o mesmo padrão nas formas de morar, ou seja, duas casas, uma na fazenda e outra na cidade. A casa localizada na cidade “[. ..] era feita de pedras ou alvenaria de ti jolos, muitas janelas amplas e de vidros, com cortinas de seda e salões espaçosos que abrigavam ba iles e serões musicais” (DONATO, 2005, p.290); enquanto as casas das fazendas tiveram poucas modificações. Estas se apresentavam com numerosos quartos, preservação da capela, além de alpendres e varandas contornando a casa. Algumas eram estreitas e comprid as cujas janelas da sala ficavam sobre o alinhamento da rua. (LEMOS, 1979). As figuras a seguir revelam as diferenças de moradias do campo e cidade, bem como diferenças entre regiões. No caso região Nordeste e Sudeste. FIGURA 21- CASARÃO DO SÉCULO XIX-BAHIA FIGURA 22- CASA DE FAZENDA DA BAHIA FONTE: skyscrapercity.com FONTE: skyscrapercity.com FIGURA 23 - CASA NA CIDADE. PROPRIEDADE DO BARÃO DE CABO VERDE. MINAS GERAIS (1835) FONTE: turismovaledocafe.com 83 FIGURA 24 - FAZENDA SÃO LUIS DA BOA SORTE (1835) Fase áurea do café em São Paulo FONTE: radardecoracao.com.br Residências altas e burguesas, de arquitetura importada da Suíça, surgiram como o chalé, que de urbano transportou-se a espaços rurais, conseguindo substituir o modelo tradicional de casa -grande patriarcal. O estilo adaptado com material brasileiro surgiu em Recife em 1839, em que Freyre (1985) mostra que não de todo raras as casas - grandes rurais, foram substituídas por chalés de dois vistosos andares verticais, em vez de predominantemente horizontais. Em finais do século XVIII ao início do século XIX aconteceram mudanças na arquitetura interna das casas; estas ficaram mais amplas, com número maior de cômodos com funções específicas às atividades cotidianas. (ABRAHÃO, 2010, p.79). A europeização cultural deixada como herança por D. João VI, na antiga colônia, se expressou no espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na segun da metade do século XIX, quando se disseminaram os palacetes neoclássicos e de estilo francês, como mostra a imagem abaixo de um palacete famoso, neoclássico, construído entre 1845 e 1862, do século XIX, em Petrópolis, Rio de Janeiro. 48 (FIGURA 25). 48 Dom Pedro II ao herdar a fazenda de seu pai Dom Pedro I levou adiante a idéia paterna, construindo um palacete neoclássico entre 1845 e 1862, obra que estava embutida em um grande projeto urbanístico que envolvia a construção de toda uma cidade em seu entorno, Petrópolis, e que previa, ainda, a colonização de toda a área, então quase desabitada. O projeto foi de Júlio Frederico Koeler (francês), superintendente da Fazenda Imperial, e, após sua morte, foi continuado pelos arquitetos Joaquim Cândido Guilhobel (português) e José Maria Jacinto Rebelo (arquiteto militar brasileiro). (www.museuimperial.gov.br). 84 FIGURA 25 - PALÁCIO DE VERÃO DA FAMÍLIA IMPERIAL DE D. PEDRO II Hoje Museu Imperial (29/03/1940) FONTE: www.museuimperial.gov.br Assim, a casa brasileira , com exceção dos palacetes, seja do pobre, seja do rico; grande ou pequena, com menos ou maiores superposições de funções, falava a mesma linguagem, segundo Lemos (1979, p.104), mas “no que se referia ao quesito aparência e não na sua funcionalidade” (LEMOS 1996, p.13); ele ainda enfatiza que a diferença se encontrava no número e na dimensão ampla dos compartimentos que tinham por finalidade refletir o poder do dono da casa. Entretanto, seja na cidade, seja no campo, mais abastada ou pobre, a moradia colonial e imperial não se restringiu à construção principal, pois as áreas circundantes do espaço doméstico como quintal49, varanda, jardim, pomar e anexo delimitavam o espaço doméstico. Freyre, em Sobrados e Mucambos (2006) cita mais cinco tipos de moradias, comuns à paisagem brasileira do século XIX, além do sobrado e mucambo, tais como a casa térrea, o sobrado de esquina, o chalé, o cortiço, a casa de sítio, ou a casa de chácara, esta última tipo de 49 Quintal, segundo o dicionário Aurélio, tem como significado pequeno terreno, muitos com jardim, ou horta, atrás da casa. Elemento presente em todas as residências, independente da classe social. 85 habitação bastante utilizada pelas camadas sociais mais abastadas também em outras regiões do Brasil, especialmen te São Paulo que enriqueceu com a expansão da lavoura cafeeira, com a construção da estrada de ferro, com a imigração estrangeira em larga escala e a autonomia dos estados proporcionada pelo federalismo que se instalou após a extinção da Monarquia. (SAMPAIO, 1978). Estes fatores fizeram muitas fortunas surgirem na cidade e o palacete paulistano , que data do período de finais do século XIX até as primeiras décadas do século XX, passou a ser considerado o modelo adotado pela recém elite. Todavia, com a aboliç ão da escravatura em 1888 e com a crescente urbanização entre 1822 e 1888, houve uma conseqüente diminuição das casas grandes em substituição aos sobrados e chalés. Os cômodos das residências foram reestruturados: os espaços foram mais reduzidos e mais com pactos, mas com o cuidado de separar diversas atividades. A mudança na estrutura das residências se deve ao fato de que antes da Abolição, as tarefas domésticas eram realizadas pelos escravos; após a Abolição, as tarefas passaram para a responsabilidade direta ou indireta da mulher. (VERÍSSIMO e BITTAR, 1999). Porém, a elite continuou a ocupar seus palacetes imitando formas européias cujas plantas baixas eram um reflexo do ecletismo, com uma grande variedade de salas (característica da casa burguesa de fins do século XIX), cada qual com uma linguagem estilística e para uma finalidade específica, segundo os autores Veríssimo e Bittar (1999) e Nizza da Silva (2004). Além do que, especialmente a elite paulista passou a empregar extensa criadagem estrangeira co mo governantas alemãs e francesas, pajens, mordomos, criados para diferentes e específicas funções. (PIRES, 2006). Estas novas tendências de moradias assim, como os estilos de vida tiveram influência dos ingleses, portugueses, franceses, italianos e 86 alemães. Estes últimos (franceses, italianos e alemães), principalmente os alemães, tiveram uma grande contribuição no processo de europeização da elite paulista “principalmente se for levado em conta o fato de ter sido essa colônia a maior e a mais bem organi zada nas décadas de 1860 e 1870”. (PIRES, 2006, p.112). Os palacetes paulistanos, segundo Pires (2006) assim como outras residências, foram edificados com base nos mais variados estilos. O mais comum era uma obra adotar ingredientes de diferentes estilos, em virtude de profissionais das mais variadas origens e diversificados aprendizados trabalharem lado a lado: a obra era muitas vezes projetada por um arquiteto de uma nacionalidade, mas construída por outro de nacionalidade diferente. Não se pode dizer [...] que tenha havido uma tendência predominante e duradoura por um estilo específico de uma dada nacionalidade. São Paulo tornou-se cosmopolita não apenas porque nela vivia grande quantidade de imigrantes de várias nacionalidades, mas porque a aparência da cidade, também se tornou eclética, dada a variedade arquitetônica que ocorreu principalmente, no fim do período do café. (PIRES, 2006, p. 122). FIGURA 26 - PALACETE DE JOÃO BAPTISTA SCURACHIO. AV. PAULISTA. SP (1920) FONTE: mansoesecasas.blogspot.com 87 Em virtude do desenvolvimento de diversas classes, não só de fazendeiros, mas de uma classe urbana de comerciantes, empresários de diferentes categorias, assim como profissionais liberais, não se pode afirmar que as residências da elite paulista fossem exclusivamente de fazendeiros. Quanto a sua europeização, segundo Pires (2006), a elite do café atingiu o clímax com os descendentes dos primeiros fazendeiros, que passaram a usufruir de circunstâncias históricas que eram mais favoráveis as gerações da belle-époque paulista, há muito adotando a Europa como padrão de referência. FIGURA 27- SALA DE JANTAR DO PALACETE DE JOAQUIM POLICARPO DE S. ARANHA/BARÃO DE ITAPURA FONTE: Carvalho (2008) Em estilo clássico, o palacete50 (FIGURA 27) contava com 227 cômodos distribuídos em três andares com dependências externas, com um mirante, um grande jardim lateral, um jardim interno e um vasto pomar, constando entre as novidades do projeto, a presença de um rico saguão de distribuição e a instalação dos cômodos de utilidade no 50 De propriedade de Joaquim Policarpo Aranha, Barão de Itapura, político destacado e um dos cafeicultores mais abastados do final do Império, o luxuoso palacete urbano, outrora conhecido como “sobrado do Nenê Aranha” foi erguido nos primeiros anos da década de 1880 e inaugurado em 1883, pelo arquiteto italiano Luigi Pucci. O palacete serviu de residência do Barão e Baronesa de Itapura até o final de suas vidas (1902, falecimento de Policarpo; 1921, falecimento de Libânia de Souza Aranha). O casal teve cinco filhos, quatro homens e uma mulher, única solteira na família que herdou o palacete urbano.Da sala de jantar tinha-se acesso a um terraço interno com escadarias, seguindo-se por uma galeria coberta e gradeada até uma nova sala, com acesso a quartos e cômodos. No segundo andar, subindo a escadaria de mármore no saguão, surgia uma terceira grande sala, além de novos cômodos e quartos em conexão com o terraço interno. E num terceiro lance, voltado para o jardim lateral, ficavam os cômodos de serviço que também podiam ser acessados por um portão monumental com figuras de leões. Vendida por um valor simbólico pela herdeira Isolethe Augusta Aranha, para que a Arquidiocese instalasse a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS). Permanece ainda em uso pela PUC (Fonte: www.cultura.sp.gov.br). 88 terceiro piso do edifício. Adornado por uma fachada imponente (com dois corpos superpostos e colunas jônicas), o edifício empregava mármore de carrara nas escadarias de entrada, no vestíbulo e no saguão de acesso aos demais andares, situando-se no primeiro lance uma sala de visitas ricamente adornada (com colunas coríntias, espelhos “biseautés”) e a sala de jantar, ambas decoradas com assoalho em mosaico, iluminação a gás acetileno e, à semelhança dos de mais cômodos, com pinturas do artista Salinari nas paredes e forro. A arquitetura se transformou com o passar do tempo, os espaços foram reequacionados no interior das residências, como as cozinhas, por exemplo, que antes eram situadas na parte de fora da casa, passou a integrar o corpo desta. De forma vagarosa foram realizadas outras mudanças como casas que continham, e ainda contém em casas mais antigas, duas cozinhas: cozinha limpa ou a que fica dentro da casa e cozinha suja 51ou auxiliar ainda do lado de fora para os procedimentos de tarefas mais pesadas e menos higiênicas. Em seguida os padrões de moradia dos séculos XX e XXI, onde constam os surgimentos dos primeiros edifícios, em especial os de Art Decó, período modernista, até os tipos de moradia do mega condomínio Península localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. 2.2 Padrões de Moradias nos Séculos XX e XXI: residências unifamiliares e multifamiliares da Art Decó ao Condomínio Península. Nos primeiros anos do século XX, a burguesia ligada à extração e comercialização do café, passou a trocar seus pequenos palácios rurais, construídos em fazendas do interior do estado, pela visibilidade e refinamento dos palacetes urbanos, conforme 51 Cozinha limpa e cozinha suja são expressões utilizadas por Gilberto Freyre para designar a função das mesmas de acordo com os serviços utilizados fora ou dentro da residência. 89 demonstrado na seção anterior. O que de alguma forma se refle tiu nas transformações urbanas e habitacionais de todo o país. Por sua vez, Natal 52 (FIGURAS 28 e 29) capital do estado do Rio Grande do Norte, na primeira década do século XX contava com apenas cerca de 16.000 habitantes (natal.rn.gov.br) após intervenções de diferentes países (França, Holanda e Portugal) entre 1535 e 1654 se efetivando dois séculos e meio depois com a colonização portuguesa. Até então, pouco tinha se desenvolvido. No final do século XIX e ao longo do século XX, “Natal cresceu rapidamente e m todas as direções geográficas e em todos os setores da vida urbana”. (SOUZA, 2008). Ganhou ritmo acelerado 53 com o aparecimento das primeiras atividades urbanas consolidadas em duas áreas: Ribeira (anteriormente zonas de sítios para plantações) (FIGURA 30) e Cidade Alta (bairro residencial e comercial) (FIGURA 31), estes independentes entre si em virtude das dificuldades de acesso decorrentes da presença de áreas alagadiças e falta de infra-estrutura. Outras áreas da cidade também eram ocupadas, como as Rocas e o Paço da Pátria, sendo habitadas por pescadores e pequenas comunidades que se isolavam nas periferias dos dois bairros. (FERREIRA et al, 2008). 52 Entre 1535, com a primeira expedição portuguesa com o objetivo de colonizar as terras (tentativa impedida por franceses e índios potiguares); mas sucesso em 1597 com a expulsão dos franceses e reconquista da capitania; construção da Fortaleza dos Reis Magos (iniciado no dia dos Santos Reis, projetado pelo Padre/arquiteto Gaspar de Samperes); formação do povoado, chamado inicialmente por Cidade dos Reis, depois Natal, cujo nome tem duas versões: no dia que a esquadra entrou na barra do Rio Potengi, ou a data da demarcação do sítio realizada por Jerônimo Albuquerque no dia 25 de dezembro de 1599. Invasão Holandesa, em 1633, quando a rotina do povoado, que começara a evoluir, foi totalmente modificada. O forte passou a se chamar Castelo de Keulen, em homenagem ao diretor da Companhia das Índias Ocidentais e Natal, Nova Amsterdã. Com a saída dos holandeses, a cidade volta à normalidade após 21 anos de massacres religiosos, exploração e destruição. (SOUZA, 2008), (natal.rn.gov.br). 53 Devido a Guerra de Secessão (1860-1865) nos Estados Unidos, (produtora de algodão) a Inglaterra desviou sua atenção para o Brasil e Egito, na compra do algodão, o que favoreceu a expansão da cotonicultura potiguar, aumentando as rendas do Estado o que possibilitou a realização de investimentos tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada. Assim como da boa produção do açúcar. (SOUZA, 2008, p.62). 90 FIGURA 28 – MAPA DO BRASIL COM LOCALIZAÇÃO DE NATAL-RN FONTE: ARAÚJO; CARAN (2006) FIGURA 29 - MAPA COM LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO RIO GRANDE DO NORTE E A CAPITAL NATAL FONTE: IDEMA (2008) 91 FIGURA 30 – NATAL, RIBEIRA. PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX FONTE: tokdehistoria.com.br FIGURA 31 - RUA NOVA, CIDADE ALTA. FINAL DO SÉCULO XIX NATAL-RN Hoje Avenida Rio Branco FONTE: nataldeontem.blogspot.com.br Era uma cidade com poucas casas. O luxo e o bom gosto da arquitetura e do mobiliário estavam nos prédios públicos e não nas 92 residências, até a construção do palacete 54, hoje denominado Solar Bela Vista55 (FIGURA 32) localizado na Cidade Alta. FIGURA 32 - SOLAR BELA VISTA. MORADA FIXA DO CEL. AURELIANO DE MEDEIROS. NATAL-RN FONTE: http: monumentosecontrastesrn.blogspot.com.br FIGURAS 33 - PALACETE PROVISÓRIO DO CEL. AURELIANO DE MEDEIROS (1908).NATAL-RN Hoje, Casarão Junqueira Aires, tombado pelo patrimônio estadual e restaurado pela Fundação José Augusto. FONTE: http: monumentosecontrastesrn.blogspot.com.br 54 Palacete aqui entendido como sobrado de alto luxo. 55 Este casarão construído no início do século XX, por João Alfredo, foi adquirido pelo Coronel Aureliano de Medeiros, abastado comerciante paraibano que se estabelecera em Natal-Rn, e ali fixou moradia por dois anos, até concluir o casarão ao lado, hoje conhecido como Solar Bela Vista que serviria de morada definitiva da família. 93 Proprietário do casarão, Cel. Aureliano Medeiros, não economizou na construção. Arquitetura moderna, para a época, d esde sua construção recuada - no centro do terreno com capelas e jardins - aos acabamentos com metais, vidros, cristais importados da Europa. Tapetes, mobiliário, lustres e porcelanas decoravam seu interior. O casarão precisava expressar o status social e político do proprietário, comerciante de algodão e de lojas de produtos importados de Paris, que também exercia forte influência política. (www.rn.sesi.org.br).Viveu grandes festas da chamada alta sociedade natalense, do começo do século, com recepções aos governadores da época e para a elite e ao mundo político local. Entre 1910 e 1920 a elite potiguar usufruiu, concomitantemente, deste bairro e dos eventos elit istas na Cidade Alta com uma nova área denominada Cidade Nova (1920) que hoje compreende os bairros Petrópolis e Tirol. Cidade Nova era o terceiro bairro da cidade projetado, em 1901, por Jeremias Pinheiro da Câmara, ampliado e executado posteriormente, em 1904, pelo arquiteto italiano Antônio Polidre lli (FERREIRA, 2008). Surgem, então, áreas centrais elit izadas sob forte influência de outros projetos de modernização realizados no Rio de Janeiro e São Paulo, cujo foco se centra no saneamento e no embelezamento das áreas elit izadas. A Cidade Nova passa a atrair a elite que deixara seus casarões localizados na Cidade Alta e passara a ocupar novos casarões no novo bairro, que entre 1908-1914, no segundo mandato do governo de Alberto Maranhão (1947) 56 passou a se chamar Petrópolis e Tirol . Os novos bairros não perderam de vista suas características elitistas, e seus padrões de luxo, apesar de descaracterizar as antigas construções 56 Oficializados como bairros pela Lei n. 251 de 30 de setembro de 1947, na Administração de Sylvio Pedroza, cujos limites, com outras áreas da cidade, foram redefinidos na Lei n.º 4.330, de 05 de abril de 1993. Publicada no Diário Oficial, em 07 de setembro de 1994. 94 deixando para trás as precárias condições ambientais e higiênicas existentes nas partes antigas da cidade, (BORGES et al, 2010; TAVARES, 2009). Este tipo de urbanismo onde coexistiam diferentes padrões de moradia Art Déco 57 era comum nas cidades brasileiras na primeira metade do século XX. Esta tipologia durou até a transição entre dois momentos distintos: o ecletismo e o modernismo .58 No entanto, no mesmo período, grandes transformações principalmente políticas e econômicas influenciaram sobremaneira nas formas e nos modos de morar . Estas mudanças estimuladas por um novo dinamismo no contexto da economia internacional causaram impact os na ordem e nas hierarquias sociais, nas noções de espaço e tempo dos indivíduos e nos modos de percepção do cotidiano. Surgiram, então, nas décadas de 1920-1930, em Natal, edifícios residenciais, até então de uso misto (comércio, escritório e moradia) modificando o conceito de habitação coletiva que deixou de ser associada à camada social pobre. Enquanto em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo 59 eram construídos estes tipos de edifícios, a cidade de Natal, ainda insistia com seus casarões. Nas décadas seguintes surgiram nas metrópoles edifícios residenciais com características modernas (pilotis, fachadas livres, etc.) destinados à camada social média. Os bairros residenciais começavam a ficar afastados do centro, e tais prédios constituíam uma opção d e moradia para quem queria permanecer na região central. Este novo tipo 57 Movimento surgido na última década do século XIX (1890-1900) que durou até as primeiras décadas do século XX. A arquitetura Art Déco está espalhada por todo país, mas o principal acervo brasileiro concentra-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia. Este movimento é precursor da arquitetura moderna. 58A partir do último quartel do século XIX até as duas primeiras décadas do século XX, o ecletismo arquitetônico foi introduziu na paisagem urbana carioca. O período foi caracterizado também pela repulsa ao estilo tradicional brasileiro, ou “estilo luso brasileiro do tempo da colônia”, excluído das possibilidades estilísticas, caracterizando um processo crescente de aproximação de parâmetros culturais europeus (SANTOS, 1981, p. 82-83). 59 Rio de Janeiro e São Paulo constituíam, na época, centros culturais e socioeconômicos do país onde estavam localizadas, conseqüentemente, as primeiras escolas de arquitetura do Brasil. Os exemplares modernos estão implantados na sua maioria nessas duas cidades, em meio de quadra. Existem ainda, exemplares nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, além de exemplares internacionais, como o edifício de Oscar Niemeyer para o Hansaviertel, em Berlim. (DREBES, 2003). 95 de edificação foi possibilitado também pela popularização do uso do concreto armado. Em São Paulo o fenômeno ocorreu na mesma época. (CARVALHO DA SILVA, 2007). Até as primeiras décadas do século XX, conforme assinalado, os sobrados, casarões e mansões figuravam, ainda, como modelos ideais de residência para as camadas sociais elitizadas urbanas. A partir da década de 1920, principalmente no sudeste do Brasil , a opção pelo apartamento, ou modo de morar compartilhado, ou em condomínio, passou a ser visto como solução ideal de moradia, demonstrando sinal evidente das transformações nos modos de morar. No Rio de Janeiro, as primeiras construções luxuosas, a beira -mar, datam de 1922 na Praia de Copacabana. FIGURA 34 - PRAÇA DO LIDO NO POSTO 2. COPACABANA-RJ Primeiras construções de edifício multifamiliar FONTE: ama2345decopacabana.wordpress.com As transformações nos modos de morar, ou seja, de habitações unifamiliares para multifamiliares encontraram resistências. Parte pelo costume de morar em casa, parte pela natureza coletiva deste tipo de habitação que em princípio serviam às parcelas mais pobres da sociedade. (www.coletivo.org). 96 Enquanto o apartamento representava a modernidade, de um lado; do outro carregava o estigma da habitação coletiva. Porque a privacidade da unidade familiar sempre foi e ainda é considerada fator de distinção social . Mesmo com a transição entre os modelos ideais de habitação, de casa para apartamento, não alterou o requisito distinção social associado à privacidade , pois sempre tiveram o cuidado de desvincular o edifício da imagem de habitação coletiva com o sutil deslocamento de foco para os benefícios privativos do emp reendimento. (MONTEIRO, 2014). FIGURA 35 - FACHADA DO EDIFÍCIO “MORRO DE SANTO ANTÔNIO”. APARTAMENTOS DUPLEX-RJ (1930) FONTE: Foto de Ana Branco. Oglobo.globo.com/economia/imóveis. Primeiro edifício com apartamentos duplex. O Edifício Morro de Santo Antônio , (FIGURA 35) conhecido como o Edifício da Rua do Lavradio , foi construído na década de 1930 com a assinatura de Marcelo Roberto. O prédio tem influência da Bauhaus (escola de arquitetura e design de vanguarda alemã). Mas, até por volta da década de 1940, momento que corresponde ao processo de modernização da sociedade brasileira, ainda existiam projetos de residências unifamiliares, assobradadas, ou não, com padrões conforme figuras a seguir. 97 FIGURA 36 – PLANTA BAIXA DE UMA CASA TÉRREA COM VARANDA – RJ (1942) FONTE: PASSARINHO (1942) – Biblioteca Nacional Rio de Janeiro FIGURA 37 – FACHADA DA CASA TÉRREA COM VARANDA DE 1942/RIO DE JANEIRO FONTE: PASSARINHO (1942) – Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 98 FIGURA 38 – PLANTA BAIXA DE UM SOBRADO COM TERRAÇOS E VARANDA DE 1942/ RIO DE JANEIRO FONTE: PASSARINHO (1942) – Biblioteca Nacional Rio de Janeiro FIGURA 39 – SOBRADO COM TERRAÇO E VARANDAS- RJ (1942) FONTE: PASSARINHO (1942) – Biblioteca Nacional Rio de Janeiro Em seguida edifícios projetados com características entre o moderno e o clássico, que inauguram no Brasil arquiteturas diferenciadas em prédios comerciais e residenciais. Divergindo dos 99 princípios básicos do modernismo que era o de, além de renovar a arquitetura, era o de rejeitar toda arquitetura anterior ao movimento que se expressava no ecletismo. Como exemplo, o Edifício São Luiz construído na década de 40, São Paulo. FIGURA 40 - EDIFÍCIO SÃO LUIZ - SÃO PAULO (DÉCADA DE 1940) FONTE: casa.abril.com.br São Luiz é um edifício residencial de luxo construído em São Paulo e destinado a uma clientela abastada (banqueiros e fazendeiros) que optou por um modelo classicizante afrancesado que combinasse com móveis e objetos europeus, em flagrante oposição à arquitetura comercial modernista, vigente na cidade naquela época. Projetado pelo arquiteto francês Jacques Pilon, um dos pioneiros da arquitetura moderna, o estilo clássico do edifício São Luiz é diferente do estilo adotado pelos arquitetos modernistas que buscavam rac ionalismo e funcionalismo em seus projetos com formas geométricas definidas, sem 100 ornamento, com uso de pilotis, uso do vidro e integração da obra com a paisagem, comumente utilizados nos edifícios comerciais que se construíam no centro de São Paulo. O edif ício São Luís inaugurou, portanto, a onda de edifícios residenciais neoclássicos, com gosto conservador e requintado. (PINHEIRO, 2008). Os edifícios residenciais, pioneiros, diferentemente dos construídos hoje, não possuíam jardins e muito menos garagens, conforme (figura 36) no Bairro Leblon, Rio de Janeiro; em São Paulo (figuras 37 e 38). Os automóveis tinham um mercado restrito mesmo para a classe média de então. Atualmente, em bairros do Rio de Janeiro como Leblon, Ipanema e Copacabana ainda existem ap artamentos residenciais sem garagens. A solução é alugar garagens de outros edifícios comerciais, por exemplo, para o carro pernoitar. FIGURA 41 - EDIFÍCIO RESIDENCIAL E COMERCIAL. BAIRRO LEBLON – RJ FONTE: vejario.abril.com.br 101 FIGURA 42 - PRIMEIRO CONDOMÍNIO DE APARTAMENTOS - SÃO PAULO FONTE: Pinheiro (2008) - Fotografia de Paulo César Garcez Marins Entre os anos quarenta e sessenta do século XX, tipologias arquitetônicas, reinterpretadas, mais urbanas, mais coletivas, continuam, portanto, sendo os prédios de apartamentos os mais oferecidos e demandados pelo mercado. Os conjuntos habitacionais começam a surgir também nesta época como resposta das administrações públicas, aos graves problemas habitacionais das camadas populares 60. (ZORRAQUINO, 2006). Os apartamentos, em seu interior, também se transformam. Os espaços são mais específicos destinados para escritórios, sala para TV, como uma característica da sociedade brasileira. 60 No período da ditadura militar cria-se o BNH (Banco Nacional de Habitação), que durante 22 anos (1964-1986), aplicara uma política publica habitacional excludente, dirigida fundamentalmente à camada social media. Os novos conjuntos habitacionais em prédios de apartamentos ou em casas constituem as novas tipologias habitacionais, localizadas fundamentalmente nas periferias das cidades. Como conseqüência da falta de investimento nas classes populares ocorre o contínuo aumento das favelas, cortiços e loteamentos populares das principais cidades, apoiado no seu crescimento descontrolado em base a fortíssima emigração campo-cidade. (ZORRAQUINO, 2006). 102 FIGURA 43 - PAREDÃO DE EDIFÍCIOS. COPACABANA-RJ (1960) FONTE: ama2345decopacabana.wordpress.com Em Natal, esta opção de moradia tem seu início som ente na segunda metade da década de sessenta, do século XX, alterando os padrões de habitação estabelecidos anteriormente e modificando a ocupação do solo urbano. As residências unifamiliares ou prédios de apartamentos, dos mais abastados, localizavam -se em bairros próximos ao centro da cidade como Tirol e Petrópolis ou áreas consideradas mais distantes do centro como Lagoa Nova. Nas décadas de setenta e oitenta, deste mesmo século, coexistiram o condomínio vertical 61 e construções de vários conjuntos habitacionais para a população da camada social média que impulsionaram a expansão urbana do bairro Lagoa Nova e outras áreas. 62 (BORGES et al, 2010; SOUZA,2008). Dentre as construções de condomínios residenciais verticais fechados, construídos e expandidos em Natal, na s décadas de sessenta e setenta, surge, após trinta anos, da década de oitenta para noventa do século XX nova forma de moradia em condomínio fechado horizontal: o Condomínio Vila Rica, situado no bairro Lagoa Nova, foi o primeiro, de muitos condomínios, residencial horizontal da cidade de Natal. 61 Novo padrão de status social, conforto e segurança para habitação na cidade que se estendeu até a década de noventa (BORGES, 2010) quando são construídos os condomínios horizontais fechados. 62 Segundo o mesmo autor a justificativa da criação de conjuntos para a camada social média se deve ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH) que deu prioridade para os investidores voltados para a camada social média brasileira. A mesma política excludente foi direcionada para todo Brasil durante 22 anos. 103 Construído em 1989 com apenas doze unidades habitacionais e só uma rua de acesso e sem área de lazer, diferente dos que foram construídos posteriormente. (SILVA, 2004). Novos condomínios destinados às camadas sociais de maior poder aquisitivo foram construídos a partir da década de 1990: diferentemente do primeiro, apresentam áreas de la zer e uma malha viária mais complexa, cuja localização, se dá, inicialmente, segundo Carmo Júnior (2010) em bairros elitizados, embora limite -se com bairros populares; como é o caso do primeiro grande condomínio horizontal Green Village , lançado em 1995, no bairro da Candelária, na zona da capital. O condomínio, construído em uma área de 146.416 m² dividida em 95 lotes, proporcionou uma revolução no mercado imobiliário local, considerando-se que a partir daí amplia-se este tipo de moradia entre a camada social média-alta e a camada social alta. (BORGES et al, 2010; CARMO JÚNIOR,2010; SILVA, 2004; TAVARES e COSTA, 2009). Conforme os citados autores após a produção deste primeiro empreendimento, uma série de outros condomínios horizontais começa a ser produzida na cidade, especialmente em glebas de terra ao lado do Green Village , como o Green Woods (1997), o Green Fields (1997/1998) (FIGURA 46); e o super condomínio West Park Boulevard (1999) (FIGURAS 47, 48 ) todos situados no bairro da Candelária ou próximo dele. A produção também se expandiu para os limites do bairro Ponta Negra (zona sul) com o município limítrofe de Parnamirim, com os condomínios Ponta Negra Boulevard (2002) e Flora Boulevard (2008). Condomínios do mesmo tipo também surgiram em bairros mais populares como nos conjuntos Cidade Satélite e Pirangi, modificando a lógica da distribuição espacial de bairros ou de residências dos mais abastados da sociedade natalense. (TAVARES e COSTA, 2010). 104 FIGURA 44 – LOTEAMENTO GREEN PARK. NATAL (1995) FONTE: Silva ( 2004) trabalhado por Joseana de Paula O Condomínio West Park Boulevard localizado no Bairro Candelária conta em seu entorno com supermercados, hospitais, faculdades. Tem um projeto de arborização, campo de futebol, quadra de vôlei, de basquete, playground e amplo salão de festas. Lote a partir de 450m². As residências são distribuídas por ruas com nomes de plantas e flores. (FIGURA 46). FIGURA 45 – CONDOMÍNIO WEST PARK BOULEVARD. NATAL-RN. (atualidade) FONTE: alexbotelho.com 105 FIGURA 46 – VIA PRINCIPAL DO CONDOMÍNIO WEST PARK BOULEVARD. NATAL-RN (2011) FONTE: alexbotelho.com FIGURA 47 - RESIDÊNCIA DO CONDOMÍNIO WEST PARK BOULEVARD. NATAL-RN (2011) FONTE: procalengenharia.com.br Ainda segundo Tavares e Costa (2010) na medida em que vão expandindo as construções de condomínios horizontais e verticais, também vão crescendo os estabelecimentos de prestação de serviços 106 como forma de suprir a demanda gerada pela população dos condomínios. Mais especificamente os que se encontram nos limites de Candelária com os bairros Cidade Nova e Cidade da Esperança, pontos de maior concentração do maior número de condomínios bastante próximos uns dos outros. Portanto para atender esta demanda foram criados postos de gasolinas, lavanderias, lojas de conveniênci a, Shopping Centers, dentre outros. Assim, em torno dos condomínios e não dentro deles surgiu uma área comercial de pequenos consumos inaugurando nova tendência no morar. No decorrer da investigação outras tendências se manifestaram . Era uma casa muito engraçada [.. .] ninguém podia dormir na rede porque na casa não tinha parede . As estrofes pertencem A casa , música de autoria do cantor e compositor Toquinho, retrata novas tendências do morar contemporâneo no espaço mais flexível. As décadas de 1997 (século XX) até 2007 (século XXI) cujo slogan/ideologia compartilhar versus isolar representou a transformação por que passou o design da moradia no Brasil, especialmente da camada social brasileira urbana. A individualização do uso dos espaços se tornou mais urge nte e necessária; e pensar em soluções para integrar estes ambientes tornou - se um desafio para os profissionais de arquitetura. ( NOMADS. USP. 97_07, 2007). Uma proposta do Grupo Nomads, foi encorajar a substituição das paredes fixas por paredes móveis para que se permita a reorganização do apartamento de acordo com as funções ou atividades que estejam sendo desenvolvidas. Para o arquiteto Marcelo Tramontano, esta seria uma forma de aumentar os cômodos, tão apertados, cujas metragens já tinham sido bastante reduzidas em décadas anteriores. 63 63 Dados dos Relatórios (citado por VILLA [s.d.] )sobre a evolução das áreas úteis médias de apartamentos com 4 quartos a queda foi em torno de 6,82m². Em contrapartida apartamentos com 01 quarto ganhou 11,67 m² entre 1985 e 2004 (40,77 e passou para 52,44). Vinha em queda entre 1987 até 2002. Apresentou uma queda maior em 1997 quando chegou a 30,87 m² com perda de 9,9m². Em relação ao metro quadrado dos apartamentos de 3 quartos - que é a média de apartamentos ofertados- este caiu em torno de 26,74m²; ou seja em 1985 era de 114,03 m², em 2004 estava em torno de 87,29 m². 107 Por sua vez, tendo em vista da impossibilidade de aumentar a área construída dos novos projetos de acordo com o mercado imobiliário, outra solução foi a transformação interna dos espaços projetados o morador solicitando o aumento de um cômodo em detrimento de outro como mostra a entrevista a seguir: Quando compramos este apartamento ele tinha quatro quartos. Como na nossa suíte não tinha closet, porque não tinha espaço para o mesmo, a solução foi abrir mão do quarto vizinho ao nosso e transformá-lo em closet. A nossa suíte ficou espaçosa, como queríamos. (Moradora do Condomínio Península, Rio de Janeiro, 2013). Outra solução foi 0a proliferação das suítes em empreendimentos em todas as faixas de renda e o aumento de lançamentos de apartamentos do tipo loft e duplex para a classe média alta. De todas as soluções propostas não se vislumbra como estas resolveram ou resolveriam a questão da necessidade de ampliação e o desejo de individualização do espaço. O que se constata analisando folhetos de propagandas das construtoras e até nas entrevistas com arquitetos e designers de interiores é que foram priorizadas as áreas comuns e aumentados os equipamentos de uso coletivo, como salões de festas, jogos, piscinas, saunas, quadras esportivas e salas de musculação, dentre outros. (VALÉRY, 2011). Hoje, estão incluídos nos projetos e edifícios, condomínios clubes (assim chamados pelas empresas construtoras dos imóveis) ou penínsulas : pistas de caminhada e evidentemente enorme área verde, lan houses, espaços-gourmet, quiosques e garage-bands (para a banda de música), academias, capelas, alguns com shoppings (Rio e São Paulo), ônibus que servem de traslado para quem trabalha nas residências dos condomínios; e para quem trabalha em outros bairros ou pretende sair para resolver algum problema, o mesmo ônibus faz determinado 108 percurso, saindo da península, situada na Barra da Tijuca até o Barra Shopping, no Rio de Janeiro. Aumentaram os espaços coletivos com seus equipamentos e serviços para compensar a falta de espaço nas unidades residenciais. Observa-se também em Natal esta nova tipologia residencial que já se tornou tendência que é a dos Condomínios Clubes, tendência que se disseminou da Zona Sul em direção ao município de Parnamirim. O que poderia ser interpretado, na lógica de Villaça (2009), como a pretensão dos incorporadores de tornar obsoletos antigos bairros residenciais para criar mercado para seus lançamentos, conforme aconteceu em São Paulo e Rio de Ja neiro; em Natal, se a lógica dos investidores locais era similar, parece que não tem sortido o mesmo efeito, pois, as construções expandiram -se para as periferias. O que presumidamente seria “massificação de demanda na qual se inclui a produção ideológica de novos estilos de vida e de novas formas de morar” (VILLAÇA, 2009, p.184) morar afastado do centro como o ideal para o consumidor não surtiu muito efeito; muitos consumidores desta nova ideologia reclamam da distância, no caso dos condomínios nos limites Natal e Parnamirim. À distância para o centro ou áreas próximas do centro, e com ela o engarrafamento do trânsito, impede o usuário, deste tipo de empreendimento, de chegar mais cedo em casa quando retorna do trabalho entre dezoito horas e dezenove horas, ou de outra atividade; e quando antecipa sair de casa mais cedo para o trabalho, deixar as crianças em colégios, quando se precisa ir ao médico, cinema, Shopping Center; ou até mesmo em busca de uma vida social mais dinâmica. Portanto, nos últimos cinco anos multiplicaram-se os condomínios verticais voltados para as camadas sociais abastadas nos antigos bairros residenciais como Tirol, Petrópolis e Barro Vermelho, especialmente condomínios próximos ao Shopping Midway Mall. A 109 justificativa dos agentes imobi liários para vender os novos empreendimentos é a valorização da localização , ou do ponto, transformado em mercadoria. Com o discurso da ampla acessibilidade constroem-se edifícios de apartamentos com preocupação mais no porte do empreendimento, do que com a forma da casa. (VILLAÇA, 2009, p. 185). Não importa se o tamanho do apartamento “tem tendência a diminuir”, se satisfaz ou não, em sua totalidade, as necessidades do morador; se 98m² realmente acomodam famílias com gerações heterogêneas; se uma família com cinco pessoas, por exemplo, está acomodada de forma confortável. Para o investidor e o agente imobiliário que o representa, a localização (de preferência bairros como Tirol e Petrópolis em Natal; Barra da Tijuca, RJ) e os itens de lazer, como piscina com raia semi-olímpica, com SPA integrado, sauna, academia, quadra de squash, salão de festa e jogos, kids room, quadra poliesportiva (a exemplo do Residencial Manhattan, Natal; Condomínio Península, Barra da Tijuca/RJ) é que prevalecem. Assim constroem -se apartamentos com menos cômodos, e custos elevados, somados aos custos da futura decoração que é funcional (FIGURA 48). FIGURA 48 – EXEMPLAR DA PLANTA BAIXA DE UM APARTAMENTO. RESIDENCIAL MANHATTAN. NATAL-RN FONTE: Empreendimento Constel 110 O que foi observado, especialmente em outras construtoras de Natal, é que além da expectativa do usuário não ser totalmente satisfeita, no que se refere ao conforto e aos espaços da área construída; as necessidades básicas como serviços e materiais do imóvel, não condizem com o que realmente foi entregue. Reclamações de clientes de uma determinada construtora 64 têm os seguintes pontos comuns: Naquele momento, fui convencido de que estava realizando um negócio com uma excelente construtora, não só pelo alto nível do seu padrão de qualidade (serviços e materiais) como também pelo seu bom funcionamento entre o setor de pós-venda e setor de personalização com os clientes [...] muito do que foi ofertado não foi efetivamente cumprido, pois o Edifício “X”, em Natal/RN, é dotado de inúmeras falhas, sejam de projeto, de execução ou qualidade dos materiais empregados, conforme relatório de vistoria elaborado pela comissão de recebimento das partes comuns do edifício [...] disponibilizando aos clientes uma edificação com a qualidade inferior à correspondente ao valor do imóvel e incoerente com a sua localização, bem como, com equipamentos, proporcionando sensação de insegurança aos seus moradores e/ou usuários. Inclusive, neste momento, o condomínio encontra-se constantemente com falta de água. [...] Fizemos a primeira vistoria em meados de abril de 2012, após uma segunda remarcação pela empresa [...] Naquela ocasião, ficamos decepcionados com o acabamento e a falta de controle de qualidade da empresa. Entre várias outras coisas listadas no relatório de vistoria, havia piso quebrado, peitoril da varanda curto e preenchido o espaço com silicone, várias porta com problemas, são de péssima qualidade e até mesmo as cubas da cozinha estavam trocada e o pior é que era uma brilhosa e outra acetinada. (C. Câmara, morador do Edifício X). Acompanhando Tavares e Costa (2009), a construção de condomínios horizontais e verticais está transformando a produção do espaço das áreas periféricas e centrais de Natal, anteriormente destinadas aos grupos sociais de menor poder aquisitivo. Em bairros centrais de Natal, os condomínios destinados aos grupos soci ais de maior poder aquisitivo têm o mesmo efeito de forma mais elit ista, 64 Por questão de ética, embora a insatisfação tenha sido publicada em páginas da internet, a pesquisadora preferiu não citar o nome de uma das construtoras mais requisitadas de Natal. 111 embora não se constate a emergência de outra forma de morar como a Península. O que observei no Rio de Janeiro no bairro da Barra da Tijuca (FIGURAS 49 e 50) 65 é o nascimento e consol idação da Península (FIGURAS 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58; FOTOGRAFIAS 1,2 e 3). Falar da Península requer que a situemos na área nobre do Rio de Janeiro, Barra da Tijuca, na Zona Oeste. A região abrange além do bairro citado, outros bairros. O grande marco do início de seu desenvolvimento foi na administração do governador Negrão de Lima, que governava na época o Estado da Guanabara. O projeto urbanístico foi solicitado pelo urbanista Lúcio Costa. O Plano Piloto da Barra da Tijuca de 1969 é similar ao Plano de Brasília, de inspiração racionalista, com grandes avenidas e grandes espaços abertos. Este modelo marcou o início do estilo de vida peculiar da Barra que “está dividido em condomínios fechados (horizontais, verticais e mistos), shoppings e avenidas ”. (SOUSA, 2010). Nos anos oitenta 66 do século XX, a Barra da Tijuca estava praticamente com todos os terrenos, ao longo de suas avenidas, ocupados por grandes condomínios residenciais, parques, supermercados, shopping centers, escolas e hospitais. Conforme Sousa (2010) no Plano Estratégico já estavam definidas as diretrizes voltadas para os potenciais da região, como lazer, turismo, negócio, plano urbanístico moderno e preservação ambiental. Ou seja, surgiu com a 65 A palavra barra tem o significado de foz de um rio ou riacho, entrada de um porto ou baía e isto tem a ver com a própria geografia do lugar. Enquanto a palavra Tijuca é de origem indígena, e tem o significado de caminho em direção ao mar, vereda. Barra da Tijuca significa, então, Foz da Tijuca. (www.riodejaneiroaqui.com). 66 Em 3 de julho de 1988 ocorreu, com o apoio da Assembleia Legislativa e da Justiça Eleitoral, o plebiscito que pretendia tornar a Barra da Tijuca em um local emancipado do Rio de Janeiro. De acordo com os números de votação divulgados em reportagem do Jornal do Brasil de 4 de julho daquele ano, 5.785 pessoas votaram pelo sim, 354 pelo não e 78 corresponderam a votos nulos e brancos. O quorum mínimo não fora atingido; eram necessários pelo menos 23 978 votos para que a votação fosse validada, e o total de votantes foi de apenas 6217. (BASTOS, 2014.). 112 proposta de transformar-se ao mesmo tempo, e no mesmo espaço, num lugar dos sonhos e catedral do consumo. (SOUSA, 2010; BASTOS, 2014). Hoje, a Barra da Tijuca, é o centro econômico, cultural, político e o maior distrito da região, tanto em área quanto em população. Mas, ao mesmo tempo “[. ..] que cria sua própria subjetividade no contato com o semelhante [.. .] pelas ferramentas de comunicação. Ao mesmo tempo, facilita a formação de tribos [.. .]”. (SOUSA, 2010, p. 129). FIGURA 49 – MAPA: LIMITES DA BARRA DA TIJUCA E BAIRROS VIZINHOS. RIO DE JANEIRO FONTE: www.riodejaneiroaqui.com/Fonte do original: Mapa do Instituto Pereira Passos FIGURA 50 – REGIÃO ADMINISTRATIVA DA BARRA DA TIJUCA VISTA DA PEDRA DA GÁVEA - RJ FONTE: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/ NOTA: Em um ponto próximo a Pedra da Gávea está localizada a residência intergeracional principal. Em outro ponto, ao fundo, na Lagoa da Tijuca, está localizado o Condomínio Península. 113 É na formação dessas tribos que se inclui a Península espécie de condomínio-bairro pela indefinição em que se situa a mesma: ora sub - bairro, ora mega condomínio, ocupando uma área de 780.000 mil metros quadrados (apenas 8% da área edificada) que avançam para a Lagoa da Tijuca , um espelho d‟água com 500.000m², com uma paisagem contornada pela vegetação nativa preservada. O projeto paisagístico de Fernando Chacel privilegiou o contato com o verde através dos dois imensos parques Lagoon Park e Green Park, mais cinco jardins temáticos, além de 3,5 km de trilha ecológica (FIGURAS 43,44 e 45). O acesso se dá tanto por terra, como por água (píer). Apesar de duas entradas e duas saídas, não se constitui área de livre circulação. Existem duas guaritas onde todos, moradores e visitantes, obrigatoriamente devem passar. Em seu entorno constam os shoppings Barra Shopping,Via Parque e Village Mall, entre outros. FIGURA 51 – CONDOMÍNIO PENÍNSULA. BARRA DA TIJUCA - RJ FONTE: http://dominconsultoriaimobiliria.blogspot.com.br 114 FIGURA 52 - PLANTA DO CONDOMÍNIO PENÍNSULA - RJ FONTE: http://dominconsultoriaimobiliria.blogspot.com.br/ FIGURA 53 - EQUIPAMENTOS E INFRA-ESTRUTURA NO ENTORNO DO CONDOMÍNIO PENÍNSULA FONTE: http://dominconsultoriaimobiliria.blogspot.com.br/ 115 A Península, além dos parques e jar dins temáticos, tem prédios de escritórios e mais dez condomínios de prédios residenciais. Os apartamentos da Península são em média de quatro quartos com área de 152m² e de 465 m². FIGURA 54 – PÓRTICO DE ENTRADA DO CONDOMÍNIO PENÍNSULA. BARRA DA TIJUCA-RJ FONTE: Osmar Carioca. 2010. http://www.skyscrapercity.com FIGURA 55- ENTRADA PRINCIPAL DO CONDOMÍNIO PENÍNSULA. BARRA DA TIJUCA - RJ FONTE: Osmar Carioca, 2010. http://www.skyscrapercity.com 116 FIGURA 56 – SEGUNDA ENTRADA. GUARITAS DOS CONDOMÍNIOS. PENÍNSULA. BARRA DA TIJUCA-RJ FONTE: Osmar Carioca. http://www.skyscrapercity.com FIGURA 57 - CONDOMÍNIO PENÍNSULA. PARTE DA ÁREA VERDE. BARRA DA TIJUCA/RJ FONTE: Osmar Carioca. 2010. http://www.skyscrapercity.com 117 FIGURA 58 - VARANDA DE UM APARTAMENTO SITUADO NA PENÍNSULA FONTE: http://www.imovelrj.com/atmosfera-península FOTOGRAFIA 1 – SALAS INTEGRADAS JANTAR/ESTAR E HOME- TEATHER CONDOMÍNIO PENÍNSULA FONTE: Lucia Helena Costa de Góis (20/07/2013) 118 FOTOGRAFIA 2 - ÁREA DE LAZER DE UM DOS CONDOMÍNIOS DO CONDOMÍNIO PENÍNSULA FONTE: Lucia Helena Costa de Góis (20 /07/2013) FOTOGRAFIA 3 - ÁREA VERDE DE UM DOS CONDOMÍNIOS DO CONDOMÍNIO PENÍNSULA. FONTE: Lucia Helena Costa de Góis (20/07/2013) Com estas ilustrações, concluem-se as anotações referentes às novas tendências do morar no século XXI. Elas também demonstram como a elite carioca e natalense, hoje, tal como a aristocracia brasileira, 119 ao longo do século XIX e XX, utilizaram -se e fomentam instrumentos os mais diversificados possíveis, diga -se bastante eficientes, no que se refere a forma como se manter à distância de camadas da sociedade brasileira desejosas de elevar -se à mesma categoria. A burguesia copiava e continua copiando não só os padrões aristocráticos das moradias, como os seus modos de morar. Neste contexto, as mulheres tiveram um papel organizativo, criativo e estratégico fundamental nas transformações não só do espaço doméstico, como nas decorações e nos modos de receber, o que as colocaram em evidência na manutenção do status social. Da mesma forma, com características um pouco diferenciadas, as mulheres dos séculos XX e XXI, ao mesmo tempo em que reforçaram os antigos modelos, criaram outros novos em virtude das transformações econômicas, sociais e tecnológicas do país. No entanto, qualquer que seja a camada social, ou o gênero, a experimentação destes projetos de moradia termina com uma grande frustração em relação ao produto oferecido pelo mercado imobiliário para acomodar tamanhos reduzidos, especialmente os quartos de dormir, custos elevados e inadequação dos espaços internos às novas formas de morar, o que não deixa de reflet ir no cotidiano vivido pelos moradores e nos seus discursos. 120 3 COTIDIANO E VIDA PRIVADA NO BRASIL: DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XXI Qual é o lugar mais importante da sua casa?Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma. (Rubem Alves) Este capítulo compreende o estudo da domesticidade vivenciada nos cômodos da casa; no seu interior; mas, especificamente o comportamento pessoal e íntimo, a vida familiar que se dá em algum lugar; enfim, o lar; não só a estrutura física com paredes, piso, teto; mas a dimensão da vida de quem nela habita; a sua essência, com suas histórias, memórias, simbologias, repletas de significados. Onde os indivíduos realizam seus hábitos. O cotidiano, as formas, e como a família intergeracional utiliza o espaço vivido/construído considerando que [...] todo espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa [...] o nosso canto do mundo [...] que transcende a geometria. A casa é onde o indivíduo passa a existir. Onde pode abrigar-se e realizar diferentes ações: A casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz. (BACHELARD, 2008, p.24-26). Ao refletir sobre os modos de morar das famílias intergeracionais das camadas sociais, média alta e alta, do século XIX ao século XX, embora seja quase impossível demarcar de forma radical, áreas e suas funções, conforme registros de estud iosos (LEMOS, 1978; VERÍSSIMO e BITTAR, 1999; MÁXIMO DA SILVA, 2008) procurou -se demonstrar e analisar as atividades cotidianas e o modo de se 121 comportar/interagir da família intergeracional nos principais cômodos da casa. Privilegiou-se as seguintes atividades e cômodos onde a família se faz presente: comer (substituindo as áreas como copa, sala de jantar e cozinha); dormir (quarto de dormir, sala de estar, terraço); reunir-se em torno de distração (home theater, sala de estar, terraço, alpendre); rezar (sala de estar, quarto de dormir, capela); momentos em família. Concordando com Lemos (1978), estas “parecem ser as funções principais exercidas dentro de um espaço arquitetônico abrigado, agrupadas sem muita lógica em três tradicionais zonas ou áreas”. (p.16). Considerei aqui a impossibilidade de setorizar estas zonas ou áreas com rigorosa gramática de espaços , como diria DaMatta (1987), porque se perderiam as nuanças da forma e o modo como cada família interage entre si; que rituais são mais utilizados em d eterminados cômodos e se realmente aquele cômodo planejado para dormir não é utilizado como espaço de alimentação, por exemplo. Então, por que especificamente determinar estes espaços? Determinar, não; sugere-se, aqui, o espaço antropológico e não somente o geométrico/físico; pois, existem também os espaços de significação, que compreendem espaços afetivos, estéticos, sociais, históricos. Em conformidade com Lévy (2003) os espaços antropológicos são produzidos pelos processos e interações que neles acontec em. São vivos, autônomos, irreversíveis e constituídos de uma multiplicidade de espaços interdependentes. Ainda, segundo o filósofo da informação,67 passamos nosso tempo a modificar e a administrar os espaços em que vivemos, a conectá -los, a separá-los, a articulá-los, a endurecê-los, a neles introduzir novos objetos, a deslocar as intensidades que os estruturam, a saltar de um espaço a outro. 67 Pierre Lévy, considerado o Filósofo da Informação por estudar as interações entre a Internet e a sociedade. 122 Fica difícil , a partir desta compreensão sobre espaço antropológico, separar os espaços da casa de forma rígida e m ais ainda setorizá-los, pois existe uma relação dinâmica entre àquela atividade e o uso em diferentes espaços. Entre o lugar e o espaço. Na contemporaneidade, em especial, há espaços em que são destinados para determinados tipos de atividades e a família a s utilizam em outros espaços. Há os que são planejados para determinadas funções e realmente são utilizados pela maioria; mas, algumas famílias simplesmente não utilizam a cozinha, por exemplo, por diferentes razões que serão apresentadas ao longo da tese. Aqui, há uma preocupação com espaços, digamos, mais sociáveis e de interface, onde as famílias se interagem seja de forma humana, seja de forma virtual, não importando se o referido espaço foi destinado ou não para aquela função. Espaços onde se descobrem mudanças excepcionais no modo de apropriação que vão desde o cozinhar, comer e interagir ou não interagir; rezar, ou simplesmente conversar. É exatamente nestes espaços que se observa o quanto o modo de interagir se modificou ao longo dos séculos indepen dente do espaço arquitetônico construído. Para isso uma viagem se faz necessária, no tempo, para identificar e assimilar como se desenvolviam diferentes atividades, no cotidiano, quem comandava, quem obedecia e quem participava, em séculos anteriores, assi m como neste século. Especialmente apreender até que ponto estes espaços – aqui já se configura o geométrico - foram bem aproveitados, distribuídos conforme as gerações, necessidades e expectativas da família intergeracional. Ou se simplesmente estas famíl ias suportavam/aturavam determinados espaços já que não tinham ou não têm outra opção. Ou seja, apreender através das atividades cotidianas das famílias intergeracionais, se estes setores que foram construídos para atender o uso cotidiano dos moradores ate ndiam ou atendem realmente as expectativas e conforto de quem os utilizava e os utiliza; 123 mas ciente de que a percepção sobre o morar e habitar muda conforme as gerações, status social, região e contextos econômicos e sociais. Significa trazer à discussão reflexões sobre O habitar doméstico-privado 68, não somente do ponto de vista material e quantitativo; mas, sobretudo “[. ..] a experiência cotidiana de se estar em um lugar específico, [ou não], onde buscamos estar protegidos, resguardados, em paz; livres, e ssencialmente, de qualquer ameaça contra essa paz.” (CAMARGO, 2010, p. 22 -23,). Ameaças provenientes do mundo lá fora, de uma sociedade que quanto mais cresce e se expande, mais busca um território próprio para se proteger a si , a própria família e também seus bens materiais carregados de simbologias em que cada um pode reivindicar como propriedade sua ou individual. O direito de ter uma vida privada autônoma que transcende o coletivo, pois surge uma vida privada individual, característica de habitação unifamiliar contemporânea. (PROST; VINCENT, 2009,). Para ampliar a visão sobre os modos de morar nos três séculos são utilizadas contribuições sobre os costumes observados por escritores e viajantes e das ações que ocorriam no âmbito doméstico, enriquecidos com estudos na área histórico -socioantropológica e na área de arquitetura: Alencastro (2008); Algranti (1997); Bittar e Veríssimo (1999); Bruno (2001); Collomp (2009); Debret (1965); Del Priore (2008); Donato (2005); Freyre (1987; 1985); Graham (1956); Kidde r e Fletcher (1941); Lemos (1989); Nizza da Silva (2004) nas questões do cotidiano e da vida privada na América portuguesa; Perrot (1991), especialista na história cotidiana e da vida privada do século XIX da Europa, por retratar as práticas, rituais, intr igas, intimidades e conflitos da família no espaço doméstico, que também servirão para fundamentar o quarto capítulo. Prost (2009); Renault (1976); Rybczynski (1999); Tramontano (2004, 2002, 1998). 68 Norberg-Schulz (1984) seleciona quatro modos de habitar inter-relacionados em seus aspectos essenciais: o habitar natural; o habitar coletivo; o habitar público e o habitar privado. 124 Em se tratando das áreas mais específicas ou atividades cotidianas das famílias intergeracionais como comer, dormir, rezar, distrair-se interagir foram selecionados estudos de Cascudo (2003); Elias (1994); Lemos (1978); Lévy(2003); Máximo da Silva (2008); Marins (1998);Perrot (2011); Thébert (2009). Acrescento a atualíssima produção Casa Doce Lar: o habitar doméstico percebido e vivenciado, de Érica Camargo (2010), que dentre outras considerações valeu-se de valiosos subsídios teóricos para definir e explicar as dimensões daquilo que aborda como o habitar doméstico. A autora expressa que a casa, além de sugerir algo concreto, está longe de esgotar a amplitude do conceito naquilo de abstrato, de subjetivo, e até mesmo de concreto que ele envolve. O que consiste, realmente, a idéia de casa? seria, segundo a autora, a idéia expressada por uma criança que, num ambiente estranho, pede para ir para casa quando se sente insegura? O alívio de tirar os sapatos, vestir uma roupa confortável, depois de um dia de trabalho? O prazer de reunir objetos que identificam nossa visão de mundo? O objeto da saudade daqueles que tiveram que deixá-la por circunstâncias diversas? Nesta linha de pensamento, adoto também o trabalho de Vânia Carneiro de Carvalho (2008) intitulado Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material, embora a presente tese não trabalhe diretamente na perspectiva de gênero. Mas o estudo de Carvalho (2008) contribui com a leitura sobre a organização do espaço e do sistema domésticos no meio do século XIX, na cidade de São Paulo sugerindo pistas para outras regiões, o Rio de Janeiro, em especial. A autora aborda, principalmente, como se dão as relações domésticas a partir dos padrões de organização material da moradia; os arranjos de mobiliários, objetos da casa, o modo como são mobilizados e organizados em torno dos espaços como salas de estar e jantar, cozinhas e quartos de dormir e as diferenças funcionais e decorativas dos mesmos, bem como a especialização dos cômodos. 125 Marize Malta (2011) em seu trabalho O olhar decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX no Rio de Janeiro segue linha similar ao abordar as formas como os espaços interiores se organizam a partir dos modos de ver e das práticas de olhar que definiram os usos de móveis e objetos residenciais nas casas do Rio de Janeiro da virada do século XIX para o século XX, quando a idéia de domesticidade tomou corpo no Brasil configurando outros sentidos a casa e o momento que encerra peculiaridades no modo de preencher as casas e de olhar para elas. França e Holanda (2011) também deram subsídios do que seria a produção sobre residências, campo maior da produção arquitetônica. Para os autores as produções arquitetônicas têm sido analisadas muito mais por suas características estéticas, semânticas e funcionais do que pelo sistema de configuração espacial relacionada com as interações pessoais. Ao citarem Julienne Hanson 69 sugerem: “toda casa configura um modo de vida, por meio da construção interfaces sociais entre homens e mulheres, mais jovens e mais velhos, anfitriões e convidados, proprietários e empregados”. (p. 142). Em outras palavras, a casa é o lugar que não deve ser confundido simplesmente como espaço geométrico, mas o espaço construído através da percepção dos sujeitos, ou o espaço cotidiano. (LEFEBVRE, 1961). Sobre os modos e formas de apropriação do espaço da casa, espaço em que se inter-relacionam gerações heterogêneas, preocupação deste capítulo, questiono: como viviam e como têm vivido as famílias intergeracionais das camadas sociais de maior poder aquisitivo no interior de suas casas e em seu entorno? Como se davam e se dão as relações intergeracionais no espaço cotidiano das residências? Nesta tese não houve a pretensão de reavaliar toda produção acadêmica sobre modos de morar e estilos de vida, mas uma tentativa 69 Julienne Hanson, professora da Barlett School of Architecture e co-autora com Bill Hillier do método de análise do espaço chamado sintaxe espacial. 126 de resgatar, numa seleção de produções existentes, como ao longo dos séculos, a família intergeracional co -habitou num espaço construído e co-habita; que estratégias utilizou ou utiliza; qual o lugar de cada membro da família (em especial o idoso) em determinado espaço, seja antropológico ou geométrico. Enfim, como se davam e se dão as relações intergeracionais no espaço cotidiano da casa e como estas interferiam ou eram interferidas por este espaço. Evidentemente que a leitura só se tornou possível recorrendo à iconografia e dos registros dos investigadores e viajantes, dos romances, ou ainda discursos dos que viveram no passado. Retomar, também, a característica que a família brasileira assumiu não faz parte do presente objeto de estudo, mas nos encaminhou para recuperarmos os espaços da casa e do cotidiano da família intergeracional, em virtude das configurações que ela exibia em séculos anteriores e exibe na contemporaneidade, provenientes das mudanças sociais, econômicas ou políticas. Tampouco o estudo teve a pretensão de determinar apenas o número de pessoas que compõem o grupo doméstico/familiar que costuma sofrer variações em função de nascimentos, mortes, separações. Apreendeu como a família intergeracional, ao longo dos séculos XIX e XX, esteve e está em sintonia, ou não, com os diferentes tipos de moradias e como este processo se constituiu historicamente. Todavia, fundamentada em Collomp (2009, p.487), identificar como os diferentes membros de um determinado grupo familiar dividiam ou compartilhavam o espaço da casa, seja para dormir, comer, conversar ou trabalhar, não é suficiente para compreender as estruturas interna das construções e o funcionamento dos sistemas familiares, haja vista as especificidades de um país a outro, de uma região a outra, bem como a questão de tempo e espaço. Mas, 127 Os estudos sobre a história da vida privada, dos fatos aparentemente miúdos e irrelevantes do cotidiano, visam compreender os aspectos mais imediatos da sobrevivência humana: a habitação, o vestuário e a alimentação. (ABRAHÃO, 2010, p.13-14). Assim, metodologicamente, a investigação voltou -se para diferentes recursos áudios-visuais incluindo fotografias, cenas mostradas no cinema e na televisão; iconografia disponível em diversas obras editoriais como livros, revistas e coleções (disponíveis on -line ou não) especializadas em interiores, design e decorações, com a finalidade de apreender imagens e discursos sobre o espaço construído onde se deram e dão os modos de morar nas sociedades do sécu lo XIX à sociedade contemporânea. As fontes filmográficas são constituídas por filmes nacionais e estrangeiros, documentários, séries e novelas para TV. Onde não constam registros sobre o cotidiano, das descrições físicas do ambiente interno construído, especialmente aqueles dos séculos XIX e XX, recorri ao uso “das memórias afetivas - gestos, comportamentos, hábitos, práticas – construtoras dos espaços” presentes na literatura ficcional (romances), e nos discursos dos sujeitos atores, que visam capturar as memórias tecidas em experiências que são comuns a todos, conforme sugere Anne Cauquelin (citada por Oliveira, 2010, p.180) que assim complementa: [...] Para tal percepção, opta-se por uma leitura dos documentos considerados “ordinários” [BRESCIANI, 1995], como a literatura, os relatos memorialísticos e de viagem, os diários, os artigos de jornais e outros, visando capturar as memórias tecidas em experiências que são comuns a todos. Nessa leitura, verifica-se que todos os discursos, indistintamente, experimentam as mesmas circunstâncias, mesmo que utilizem formas diversas de manifestação e expressão. As obras de literatura ficcional, como os romances machadianos70, por exemplo, constituem referências quando se pr etende 70 Expressão utilizada para referenciar a coleção de obras de e sobre o escritor Machado de Assis, inserida no último quartel do século XIX e primeira década do século XX, até a morte do escritor. 128 caracterizar cenas da vida privada e o cotidiano doméstico do século XIX, início do século XX, em especial a sociedade carioca burguesa do Segundo Reinado e início da República 71, mormente quando Machado escreveu seus romances de cunho realista. 72 Retomar, portanto, o cotidiano da sociedade carioca através dos romances machadianos significou: identificar o lugar do idoso e suas relações familiares; evidenciar que estética e valores sociais estão permanentemente envolvidos nas produções literárias; com preender o romance não como um reflexo mecânico da sociedade, mas perceber certa complexidade e singularidade em relação ao ambiente social e cultural em que foi discursivamente configurado. (CÂNDIDO, 2004). Em seu ensaio Personagem de romance (2007, p.53 -55), Cândido afirma que a personagem se baseia num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício; e que esta relação se manifesta através da personagem e do enredo que se tornam praticamente indissolúveis; para ele a personagem, então, é o que há de mais vivo no romance, que é a concretização deste [.. .] ; ou seja, para Candido (2007, p.55) [. . . ] a criação literária repousa sobre o paradoxo entre a verossimilhança no romance e a possibilidade de um ser fictício; isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial. Assim entendido, o romance, revive, dialeticamente graças ao autor, uma recriação do passado. Com isto, o imaginário se enriquece e se aprofunda ao mergulhar no cotidiano reescrito dialeticamente. Portanto, considero inegável a contribuição da literatura e a sua permeabilidade a outros métodos de investigação de base histórico - socioantropológica e tecnológica, que fornecem informações riquíssimas sobre os processos sociais – com todos os riscos também de infringir a 71 O Rio de Janeiro, cenário escolhido por ter sido responsável por mudanças significativas em início do século XIX, é bem retratado na obra machadiana. 72 O romance realista (social) analisa a sociedade por cima. Em outras palavras: suas personagens são capitalistas, pertencem à classe dominante. 129 orientação documentária ao modificar a ordem do mundo justamente para torná-la mais expressiva – (CÂNDIDO, 2007) ao restabelecer o vínculo entre esta e a sociedade. Esta contribuição revitaliza os estudos socioantropológicos e tecnológicos ligados a área de arquitetura, sugerindo maior necessidade de pesquisas o que garante o aperfeiçoamento constante não só do conhecimento, mas também das formas de intervir. Conseqüentemente, parte da obra 73 de Machado de Assis como (Quincas Borba (s.d; [1891]); Esaú e Jacó (s.d.; [1904]), Memorial de Aires (s.d; [1908]), Dom Casmurro (1971; [1899]); Iaiá Garcia (s.d. [1878]) e Brás Cubas (1971; [1881]) foi selecionada por dois motivos: a) pelo caráter realista - com exceção de Iaiá Garcia - por ser retrato social de uma época; b) e por sua relevância nas questões de co -habitação entre parentes. Não se trata de uma releitura das obras de Machado de Assis; mas uma releitura das cenas de intimidades e privacidade domésticas de seus romances. Os romances foram selecionados para que situemos o contexto e a característica do espaço doméstico intergeracional e buscar, nestes, reflexos na contemporaneidade. Devo esclarecer que os romances de Machado de Assis utilizados, além de análises feitas por mim (GÓIS, 2009 a; b; GÓIS e SOARES, 2009) conta com a contribuição valiosa dos trabalhos de Valdeci Rezende Borges (2000; 2007) que com bastante propriedade retratam, utilizando -se das representações machadianas, não só as imagens da cidade, mas a vida privada e o cotidiano familiar carioca oitocentista, da segunda metade do século XIX e primeira década do século XX. Ainda, em se tratando do Brasil do século XIX e início de XX, acrescento o romance de Joaquim Manoel de Macedo, A Moreninha (s.d 73 As produções de Machado selecionadas para este estudo estão com duas datas: em parênteses estão os romances consultados; em colchetes o ano em que foi publicado ou escrito. 130 [1844])74. Apesar de ser uma obra que centra na juventude de quatro estudantes de Medicina que passam o feriado numa ilha, na casa da avó de um deles; e um dos colegas do anfitrião se apaixona por Carolina, a moreninha que dá título ao livro; o romance chama atenção sobre as representações sobre o velho e a velhice através do olhar do jovem. José de Alencar e os romances, Til (s.d. [1872]) e Encarnação (s.d; [1877]), com seus dramas da família burguesa e a montagem do ambiente familiar do século XIX coloca em movimento a hist ória de suas personagens com a sociedade vigente, especialmente no que se referem aos costumes e as situações de estranheza nas atividades cotidianas. Acrescento, ainda, No caminho de Swann (1913), volume I, do romance de Proust (1913) Em busca do tempo perdido. A obra é composta por sete livros originais e dezenas de personagens que se cruzam em histórias de amor, ciúmes e inveja, na França da Belle Époque. A obra é um retrato da sociedade de uma época, um mergulho no universo da burguesia francesa e retrata as relações cotidianas intergeracionais. Para retratar o século XX, apesar de vivenciá -lo por quase meio século, foi indispensável recorrer alguns estudiosos que subsidiassem a caracterização dos modos de apropriação da família desse século. As contribuições de Prost e Vincent (2009) foram relevantes nas questões do espaço privado europeu. Para Prost e Vincent (2009) o século XX é o século da conquista do espaço doméstico tão necessário para a plena realização da vida privada. Em se tratando do Brasil a mesma diferenciação espacial entre as ruas e os lotes das residências abastadas tinham o mesmo prosseguimento nos ambientes internos; ou seja, uma intensa especialização dos cômodos, estabelecendo, uma gramática rígida para as atitudes privadas das 74 Essa obra marca o início da ficção do romantismo no Brasil. É considerado o primeiro romance tipicamente brasileiro, pois retratou hábitos da juventude burguesa carioca, contemporânea à época de sua publicação. 131 famílias – que dificilmente ocorria nos cômodos superlotados das habitações populares. (MARINS, 1998, p. 131). Para leitura sobre os estilos e modos de vida da família intergeracional na contemporaneidade, em meados e finais do século XX e nos primeiros dez anos do século XXI, utilizei, em especial, os estudos de Tramontano et al (1998;2002) sobre os modos de vida dos habitantes de metrópoles ocidentalizadas e desenhos de seus espaços domésticos bem como sobre o leque de possibilidades que as novas mídias abrem e suas influências e redimensionamentos em distintos nacos da vida cotidiana. (TRAMONTANO, 2002, p.01). Segundo este mesmo autor no início do século XX, a máquina de escrever revelava sinais de um novo maquinário auxiliando as tarefas cotidianas. Surgem os computadores (primeiros herdeiros, como ele diz, da máquina de escrever) nos espaços de trabalho, em meados desse século, e inicialmente impensáveis no espaço doméstico (em função das dimensões e preços elevados). Quando a sociedade, por volta da metade da década de 1980, incorporou, aos seus modos de habitar as novas e ainda incipientes mídias no espaço doméstico, incentivada pela publicidade e cinema, este (o espaço doméstico) foi se redesenhando e se redefinindo nas suas funções. Decorre, dessa mudança o superequipamento nos lares, quando a idéia de otimização do trabalho profissional acaba sendo trazida para as necessidades domésticas e os computadores começam a fazer parte do equipamento da habitação, inicialmente de maneira tímida, elitizada, para banalizarem-se na habitação das classes mais abastadas na década seguinte, já chamados de personal computers. Possibilitavam, num primeiro momento, a realização das atividades de trabalho profissional em casa, minimizando a necessidade de se estar presente na empresa. (TRAMONTANO, 2002, f .02). 132 Um dos maiores impactos proveniente da otimização do trabalho profissional é o crescente tempo de permanência da família metropolitana no espaço doméstico, em função do uso de equipamentos móveis, como laptops 75, notebooks e telefones celulares, para trabalhar, comprar, se divertir, o que outrora só era possível com o deslocamento físico. Conforme, sugere Tramontano, 2002, a introdução e multiplicação destes equipamentos alteraram o uso do espaço doméstico, propiciando uma sobreposição de funções não prevista no modelo habitacional convencional. (TRAMONTANO, 2002, f . 3). Portanto, refletir sobre o modo como a família intergeracional se apropriou e vem se apropriando do espaço da casa; e como este tipo de família está em sintonia, ou não, com o espaço construído, constituem objetivos do presente capítulo. Outro esclarecimento necessário é com relação à ausência de registros históricos sobre os modos de morar da família intergeracional, em especial a família que tem o idoso e/ ou idosa como pessoa de referência, conforme destacado na introdução. Portanto, aprofundar os estudos que retratam períodos do passado, procurou -se descobrir se as falhas estão ligadas às questões de métodos de investigação ou de apreensão da realidade. Ou simplesmente pelo simples fato que a intergeracionalidade não seria comum nas realidades pesquisadas; ou se existiam, eram invisíveis aos olhos da sociedade e conseqüentemente de quem fazia a leitura. As dificuldades, sugeridas aqui, não inviabilizaram o estudo, muito ao contrário, enriqueceram as discussões e serviram como bússola para as investigações na contemporaneidade. 75 Laptop, também denominado no Brasil de notebook é um computador portátil, leve, projetado para ser transportado e utilizado em diferentes lugares com facilidade. Como não existe uma convenção oficial sobre a nomenclatura e, na linguagem popular, o uso dos dois nomes se faz de forma aleatória, os computadores portáteis pequenos com menos recursos são ocasionalmente chamados de laptops, e os computadores portáteis grandes e com maiores recursos são ocasionalmente chamados de notebooks. 133 Importante esclarecer que este capítulo, por questões de ordem temporal e espacial 76 tem como referência os espaços sociais brasileiro s, ocidentais europeus (França e Inglaterra) 77 e norte-americano, estes de forma resumida, ou apenas inclusão de comentários e ilustrações por se constituírem, durante séculos, referências para a sociedade brasileira; e também por interessar para o presente estudo, apenas os reflexos das moradias e as relações nos espaços privados e os momentos em que ocorreram mudanças no cotidiano. O período de que trata este capítulo é o estudo do cotidiano e da vida privada dos séculos XIX e XX e de forma mais generaliz ada, os modos de morar das famílias intergeracionais das primeiras décadas do século XXI; são os modos e formas de apropriação da família intergeracional nos espaços interiores; como a utilização e disposição dos móveis e artefatos se organizavam no espaço construído; e como as relações sociais intergeracionais se situavam. Resgatando, embora de forma sucinta, especialmente os séculos XVI, XVII e XVIII, os dois últimos, períodos determinantes para o povoamento do Brasil , através do sistema de capitanias em Pernambuco, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e São Vicente (São Paulo), cujos modelos de moradia e costumes são considerados norteadores ou estimuladores das formas de morar dos séculos seguintes. Apenas uma síntese das contribuições do estrangeiro que influenciou, de maneira mais efetiva, os modos de morar e os estilos de vida no Brasil, mais precisamente início do século XIX. 76 Impossível tratar todas as camadas sociais, neste estudo, primeiro porque apenas as camadas dominantes estão munidas de documentações tão necessárias para a realização de uma cartografia da subjetividade; segundo, por se constituir (as camadas sociais de maior poder aquisitivo) objeto de investigação do doutorado. 77 Fundamentada por Buzzar (2010) necessário esclarecer que o estudo dos espaços privados europeus e brasileiros representa evidentemente uma dificuldade haja vista que o desenvolvimento das colônias e desses Estados não se explicam de forma sincrônica e simétrica, ainda que combinada. 134 Importante se faz salientar que foi a partir da segunda metade do século XIX, com a presença da Corte, que a idéia de domesticida de, coabitação e convivência, ou seja, novos modos de morar tomaram forma no Brasil , configurando outros sentidos ao mundo doméstico, a casa, valorizando o resguardo do indivíduo e da família, propiciando construção de identidades e uma cultura visual próp ria. (MALTA, 2011). Os novos modos de morar na medida em que incorporavam soluções arquitetônicas, com utilização de higiene, conforto e intimidade doméstica introduzidos pela burguesia européia, na sua edição brasileira foram propagados por filhos de faz endeiros que estudavam na Europa. Além de reproduzirem um novo padrão de habitação, passaram a incorporar novos modos de morar ao preservarem a privacidade e intimidade domésticas. (CAMARGO, 2010). As mudanças ocorridas, ao longo de dois séculos, mostram como a família (intergeracional) se apropriou do espaço da casa estabelecendo, na sua forma tradicional, três domínios diferentes de atividades ao considerar as funções e formas que estes espaços, da casa, adquiriram ou vêm adquirindo: os espaços sociais, o s espaços íntimos e os espaços de serviços. 3.1 Práticas e regras de convivência: cozinhar, comer e maneiras à mesa. Inicio, então, pelo comer/alimentar -se. Não sem antes identificar onde e como preparavam a alimentação. O onde e como a serviam; assim como os hábitos à mesa, e quem participava ou socializava os momentos das refeições serão apresentados em seguida. E para ilustrar onde e o que cozinhavam são utilizadas as contribuições 135 de Donato (2005); Kidder e Fletcher (1941); Debret (1965); Elias (1994) ; Cascudo (1983); Freyre (1987). 78 A alimentação e o seu ritual, bem como as diferentes formas de comportamento durante as refeições, assim como os artefatos para sua efetivação, nos modos de fazer ou nos modos de utilizá -los, passaram por constantes mudanças em toda história da humanidade. A necessidade de se alimentar é inerente ao ser humano assim como aos animais. A diferença é que o ser humano possui o hábito de realizar suas refeições em conjunto, de forma ritualizada, de acordo com suas origens, crenças, cultura, tradições. Além da função nutricional, a “ação de comer é um instrumento de interação social e produção de significados e valores”. (CARVALHO, 2008, p. 189), e tem a função social no sentido de que educa, agrega e “serve para assegurar a coesão da família, no âmbito mais amplo do pessoal da casa.” (THÉBERT, 2009, p.353). (Grifo do autor). Pois é o momento de socializar experiências, para refletir, para celebrar, se aproximar. Assim como alimentar-se é um ato nutricional e comer é um ato social , o cozinhar não representa apenas o alimento, representa também uma forma de organização social, segundo o historiador Felipe Fernadez-Armesto que assim se coloca: O ato de cozinhar merece seu lugar como uma das grandes novidades revolucionárias da história não pela maneira como transforma a comida – há muitas maneiras de fazê-lo –, mas sim pelo modo como transformou a sociedade. [...] O ato de cozinhar não é apenas uma forma de preparar o alimento, mas também uma maneira de organizar a sociedade. [...] É mais criativo e constrói laços sociais do que o mero comer junto. (FERNANDEZ- ARMESTO,2004, p.54). 78 Os autores estão selecionados pela ordem de contribuição na seção em epígrafe e não pela ordem alfabética. 136 Assim como a l iturgia da vida civil - respeito, referência e honra - explicações diversas também foram dadas nas questões de estrutura. Notadamente o estabelecimento de cozinhas externas ou internas, e dentre estas seus utensílios. Nos primeiros decênios da colonização e até os finais do século XVIII, o local de cozinhar os alimentos era ao ar livre (aqui algumas controvérsias);79 ou dentro da palhoça do índio, onde sempre tinha um fogo acesso; ou embaixo de uma palhoça, externa a parte central da casa. Assim, por muito tempo a cozinha continuou separada do corpo da casa. Inicialmente não poderia ser diferente, pois as primeiras cozinheiras foram índias acostumadas a manter -se de cócoras enquanto preparavam a comida. Devido inexistência de um fogão, os indígenas improvisaram no meio do cupinzeiro, daí o nome tucuruva (FIGURA 61) o local de fazer comida, feito de três pedras dis postas em triângulo no chão. FIGURA 59 - ÍNDIA DE CÓCORAS FAZENDO COMIDA NO TUCURUVA FONTE: Donato (2005). Imagem retirada do livro do autor através de foto. 79 Sobre o local de cozinhar ou local onde o fogo era sempre aceso na aldeia indígena, varia entre os viajantes do Brasil Colônia e estudiosos mais recentes (DONATO, 2005); (VILAR, 2010); (SPIX e MARTIUS, 1938); (HANS STADEN, 2006 [1557]). 137 Este tipo de fogão segundo Lemos (1978), mas com trempe de ferro, foi aquele que espalhou pelo Brasil dentro de casa, nos alpendres e nos ranchos obrigando as cozinheiras a ficar de cócoras, complementa o arquiteto. Cozinhar de pé era um verdadeiro luxo e só foi possível quando a mulher branca, por volta de 1772, fez levantar o fogão e quando começaram a surgir chapas de ferro nas diversas bocas. Foi um prolongamento do forno de torrar farinha. (Donato, 2005, p.201). Com o passar dos tempos ganhou formato no que hoje se denomina fogão a lenha .80 Segundo Baggio (1997, p. 70) “fogão a lenha, dá alma p ara a cozinha e para a casa. Tem seus momentos altos ao longo do inverno e semi-aposentadoria no verão.” No entanto, no Brasil sua presença era indesejável no interior das casas. A sua localização ou até mesmo a cozinha, estava diretamente ligada segundo M áximo da Silva (2008, p.101) ao tipo de habitação, variando seu tamanho e importância. FIGURA 60 - AMBIENTE SUPERPOSTO. FRANÇA. FINAL DO SÉCULO XIX Cozinha tradicional com fogão a lenha, cama e mesa para refeições FONTE: http://www.pyromasse.ca 80 A inserção do fogão econômico, fogão de lenha, a lenha ou fogão caipira, por exemplo, feito de chapas de ferro, com perfeito isolamento térmico nas laterais, foi introduzido no país pelos imigrantes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. (LEMOS, 1978, p.68-69). 138 A inserção do fogão econômico , fogão de lenha, a lenha ou fogão caipira , por exemplo, feito de chapas de ferro, com perfeito isolamento térmico nas laterais, foi introduzido no país pelos imigrantes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. (LEMOS, 1998, p.68 -69). FIGURA 61 - FOGÃO A LENHA DE TIJOLOS. BRASIL. FINAL DO SÉCULO XIX Construído por imigrantes italianos no Brasil FONTE: familiazilotti.webnode.com.br No início do século XIX, em São Paulo já se utilizava fogão com ti jolos. O fogão de alvenaria com forno ou sem forno lateral foi adotado por todas as famílias e existem até hoje, especialmente nos espaços gourmets das residências unifamiliares, assim como em condomínios. O fogão da figura 53, é um fogão do início do século XX, foi construído pelos irmãos Antônio e Ângelo, imigrantes italianos, e era revestido de cimento importado da Europa que tinha na parte superior, uma chapa com três bocas de diâmetros diferentes e, sob esta, o fogo. No corpo do fogo era assentado o forno industrializado, feito de 139 ferro com tampa e gaveta para as brasas. A fumaça era tirada por chaminés munidas de registros. Desde cedo a América (Estados Unidos) e, por conseguinte os seus consumidores, assim como os brasileiros de maior poder aquisitivo, ficaram obcecados pela p raticidade e pelos aparelhos que podiam aumentar o trabalho, quase tanto quanto economizá -lo. E assim se sucedeu com o fogão a carvão que exigia cinqüenta e quatro minutos diários de manutenção pesada, antes que a atarefada dona de casa, ou trabalhadora doméstica, conseguisse simplesmente esquentar uma panela de água. De qualquer forma a maioria dos novos aparelhos práticos, provenientes das melhorias tecnológicas e as mudanças de estilos de vida que foram introduzidos nos lares, eliminou principalmente o trabalho feito pelos homens, como rachar lenha, por exemplo, mas em compensação não favorecia as mulheres. Muito pelo contrário, pois trouxeram mais trabalho para as mulheres em função de que as casas ficavam mais amplas, as refeições se tornavam cada vez mais complicadas em função de jantares e festas que as donas de casas brasileiras passaram a oferecer; e conseqüentemente necessidades de lavar mais roupas e com maior freqüência. Na contramão do que sugere Bryson (2011) que se espelha na Inglaterra, Renault (1976) coloca que no Brasil a cozinha não era domínio exclusivo da mulher. A freqüência do homem na tarefa da cozinha era mais comum do que se possa supor. Verificando os anúncios de jornais que circularam no Rio de Janeiro do século XIX, o autor enfatiza que muitos são os cozinheiros oferecendo -se para o trabalho nas residências, assim como muitas são as famílias nacionais e estrangeiras que procuravam os profissionais do fogão. 140 Ao tentar identificar nas imagens e histórias sobre o cotidiano das famílias século XIX, a figura do cozinheiro, esta não se apresenta. O que se supõe que este era apenas contratado como maître para ressaltar o status social do dono e da dona da casa e devia ter ao seu dispor uma assecla de pretas para ajudá-lo na cozinha. Os serviços pesados e sujos ficavam com as mulheres. O estabelecimento de cozinhas externas ou internas, e o cotidiano dos brasileiros em diferentes regiões, no início do século XIX, surpreenderam os visitantes e pesquisadores estrangeiros como Kidder; Fletcher (1941) e Louis Lèger Vauthier (1975), em especial a localização da cozinha no sótão dos sobrados altos (em destaque os sobrados da cidade do Recife conforme registros dos viajantes). Nesse, sótão, localizava-se, além da cozinha, o dormitório das escra vas e a varanda onde eram feitas as refeições (VAUTHIER, 1975, p.37 -43). Salvo a necessidade de transportar várias coisas pesadas carregadas na cabeça dos escravos, subindo tantas escadas (até seis andares); os viajantes reconheciam uma vantagem especial n o fato de estar a cozinha localizada no ponto mais alto da casa “[.. .] pela tendência que têm para subir a fumaça e as diversas emanações produzidas pelas operações culinárias”. (FLETCHER; KIDDER, 1941, p. 247). Os cheiros, a fumaça e a gordura não incomod avam os moradores nos cômodos situados nos demais pavimentos. Entretanto, este tipo de construção, com a cozinha no sótão, só foi possível realizar-se, segundo Aragão (2010, p.19), em uma “sociedade patriarcal e escravocrata, pois era o escravo que além d e levar a água e mantimentos, retirava as águas usadas da residência, em uma época que não havia água encanada, nem sistema de esgoto.” (ARAGÃO, 2010, p.19). 141 FIGURA 62 – RESIDÊNCIA DE TRÊS ANDARES COM CHAMINÉ NO SÓTÃO. RIO DE JANEIRO (1837-1838) Imagem da capa do livro O Brasil e os brasileiros de autoria dos estrangeiros que estiveram aqui no Brasil. Kidder (1836 a 1842) Fletcher a partir de 1855. FONTE: www.brasiliana.com.br/obras/obrasil-e-os-brasileiros Mas, o modo de preparar comida, de sentar à mesa, bem como os horários de cada refeição e o que comer, mostram, conforme Elias (1994) as mudanças de padrões de comportamentos dos indivíduos e nas relações sociais das sociedades. No caso, trata -se de uma sociedade ocidental, brasileira, com sua cultura miscigenada (influência do índio, negro e do branco europeu) nos seus modos de morar (comer, dormir, rezar e se relacionar). Com o processo civilizador (ELIAS, 1994) os hábitos alimentares e os costumes à mesa foram se sofisticando alguns “[.. .] desenvolvidos a partir de práticas e relações sociais, que se desenvolvem conforme tradições e crenças de um povo”. (BARBOSA, 2014, p.03). Em o Processo Civilizador, Elias (1994) , obra datada da década de 1930, dedica um capítulo inteiro ao ato de comer, assim como os costumes à mesa e a escolha dos alimentos dos que representam a classe alta. Compilou vários guias de comportamento à mesa e na corte com a “intenção de dá uma idéia de como eram semelhantes em tom e substância essas regras em diferentes tradições e diferentes países da 142 Idade Média”. (p.99) Destaca que a classe alta francesa adotou o padrão à mesa que aos poucos seria considerado natural por toda sociedade civilizada. Kidder; Fletcher na obra O Brasil e os brasileiros (1941) informam sobre riquezas e belezas naturais do Brasil e o cotidiano de cidades como Rio de Janeiro, Recife, Salvador e São Paulo. Debret, em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1965) retrata os costumes de escravos e cenas do cotidiano do brasileiro das famílias abastadas. Donato, em História dos usos e costumes do Brasil (2005) descreve a vida cotidiana dos brasileiros – como eram as suas casas, como dormiam, comiam e trabalhavam - ao longo de cinco séculos. Toda descrição sobre horários, tipos de alimentos são contribuições de Donato, há algumas exceções que são pontuadas com outras contribuições. De acordo com este mesmo autor, o cardápio e as maneiras à mesa separaram, por volta do século XIX, o Brasil civilizado, europeizado, do litoral e o Brasil interiorano e selvagem. Os portugueses que vieram para o Brasil tiveram que alterar seus hábitos alimentares. O trigo, por exemplo, foi substituído pela farinha de mandioca, o mais importante alimento indígena, cuja culinária perdurou por muito tempo na colônia até o século XVII. 81 Os colonizadores comiam pouco e sem muita variedade, devido “à resistência em se entregar de corpo e alma à dieta alimentar da colônia” (MACIEL, 2004, p.11) vez que o m i lho e a mandioca eram considerados menos nobres. A incorporação dos hábitos alimentares europeus no Brasil foi muito mais rápida do que a doção de alimentos 81 A alimentação no Brasil é fruto da miscigenação de três raças; porém, o papel dos indígenas no processo de formação da culinária brasileira foi fundamental nos primeiros períodos de colonização. E por muito tempo a nossa culinária foi indígena. A índia entrou com o milho, a mandioca e o amendoim na cozinha brasileira e as africanas e portuguesas contribuíram com as receitas. (MACIEL, 2004). 143 originários daqui pelos portugueses, segundo a historiadora Algranti (2009).Para continuar com os antigos hábitos alimentares da corte e sentindo o seu monopólio ameaçado por holandeses e ingleses, o colonizador português não teve outra saída e passaram a trocar produtos e sabores. No entanto, a base da alimentação era mandioca, milho e arroz. Mas com suas variantes e, dependendo do lugar, o fei jão era bastante apreciado. E a combinação arroz com feijão só se consolidou efetivamente, segundo a antropóloga Maria Eunice de Souza Maciel, no século XVIII, quando o fei jão já era basicamente consumido com far inha de milho ou mandioca. Quanto ao arroz, este só chega às nossas mesas quando já se encontra produzido em grande escala e na segunda metade do período colonial. Caso a residência tivesse quintal com pomar, havia frutas, verduras, legumes e ovos. Depende ndo da condição social, a manteiga e o queijo. Pelo interior das matas destacavam -se produtos como palmitos, mel, raízes e carne de caça. Enquanto no litoral e em cidades da zona costeira, aumentava com o passar dos anos, o consumo da carne-seca, geralmente consumida com a farinha, e rapadura (no engenho), arroz, feijão e condimentos como pimenta e azeite de dendê 82. No Sul e Oeste a carne estava sempre à disposição. Mas a mandioca sempre presente e consumida de muitas formas. O doce não faltava e era consumido em grande quantidade. Quanto às bebidas alcoólicas mais consumidas eram em especial a bagaceira e os vinhos trazidos de Portugal. Enquanto nos engenhos de açúcar83 foi descoberto o vinho de cana, ou seja, o caldo de cana fermentado, muito apreciado pelos escravos. 82 Durante a invasão holandesa em Pernambuco (entre 1630/1654) a alimentação da população pernambucana (Recife e Olinda) era diferente. Esta experimentara uma variedade proveniente da Holanda como o toucinho, manteiga, azeite, vinho, aguardente, peixe seco, bacalhau, trigo, carne salgada, fava, ervilha, cevada e feijão. 83 Na primeira metade do século XVII descobriu-se que os subprodutos da produção do açúcar, o melaço e as espumas, misturados com água, fermentavam e podiam ser destilados obtendo-se a cachaça, que por seu preço acessível e produção, 144 Sintetizando, a questão alimentar pré século XIX e corroborando com Mercatelli (2014, p.6): quando cita que “[...] em uma coisa os nossos pesquisadores da história da alimentação são unânimes: foi no contraste entre a fome e a criatividade no aproveitamento de alimento e nas adaptações dos distintos modos de preparo que se estabeleceu e se diversificou nosso cardápio”. Mas no geral, o que comiam no desjejum (a partir do século XIX), segundo Donato (2005): um mata-bicho, espécie de calicezinho de aguardente especial em terras de engenhos; para o sul, bebia -se o chá de congonha ou mate, quente, adoçado. As famílias abastadas reforçavam o líquido com pão-de-ló e doces de forno. Nas regiões fluminenses e vicentinas servia -se pão de trigo. O almoço, servido bem cedo, por volta das oito horas, ou às nove horas, conforme observado por Debret, não podia faltar farinha de mandioca, o pão da terra. De vez em quando doce ou salgado, o bolo assado, de farinha de mandioca e quando o monjolo 84 se popularizou e se espalhou pelo interior do Brasil, surgiram pratos de milho e de arroz, farinha e canjica. No litoral, arroz, mariscos, milho, peixes. Bananas e laranjas, na mistura. Para quem morava no sertão, peixe se tivesse rio próximo. E como sobremesa leite adoça do, com farinha ou fubá torrado; no litoral, banana verde temperada ou madura cozida com canela. Mas sempre a mandioca e suas variantes com feijão e carne de porco conforme destaca Fletcher; Kidder (1941): Exceto no jantar de cerimônia, um excelente prato, muito apreciado pelo estrangeiro, encontra sempre lugar na mesa brasileira. Compõe-se de feijão, (feijão preto do país) misturado com carne-seca e toucinho. Farinha é espalhada por cima ou, preparada como uma pasta espessa. Essa farinha é o pão para milhões de pessoas, e é o principal alimento dos pretos em todo o país, que a consideram como prejudicada em seu paladar quando comida sem ser com os dedos. (p.191). caiu não só no gosto dos escravos e população menos abastada, mas foi paulatinamente adotada pela população mais abastada. 84 Manjolo: Engenho rústico, movido por água, usado para pilar milho e descascar café. 145 Saint-Hilaire (2000), por exemplo, que viajou pelo Brasil , início do século XIX, ressalta que os habitantes do país, que geralmente faziam três refeições por dia, tinham o costume de almoçar ao meio -dia. Analisando a literatura ficcional, no caso os romances escritos e publicados nas décadas de 1884, 1866, em finais do século XIX, como os de Machado de Assis (Iaiá Garcia, s.d.), José de Alencar (Til, s.d.; Encarnação, s.d.) e Aluísio de Azevedo (Casa de Pensão, 1960; Filomena Borges, s.d.) nota-se diferenças de horários do almoço. Quando se referem à casa de um advogado, ou simples almoço de uma casa abastada em Casa de Pensão (s.d) o almoço se dava às nove horas da manhã; quando se tratava de um funcionário público remediado “[.. .] Luís Garcia [.. .] ia trabalhar antes do almoço, que era às oito horas [. . .]”. (Iaiá Garcia, s.d.). Mas, existem algumas teorias ao assinalar que a administração pública contribuiu para alterar o modo de vida do brasileiro, quando instala horário de funcionamento das repartições e influencia nos novos horários da refeição, nos transportes, na seleção das zonas residenciais. (RENAULT, 1976). Outra suposição pode ser atribuída ao Sino de Aragão85, como o responsável pelo horário de refeição em especial o horário de jantar. O horário de recolher provoca questionamentos no que se refere ao horário de 22 horas, já que neste horário as repartições estariam fechadas, as famílias já tinham se recolhido ao sono para 85 É como ficou conhecido, a partir de 1825, o sino da torre esquerda da Igreja de São Francisco de Paula. O apelido foi atribuído pelo povo em conseqüência do toque de recolher instituído, para defesa dos bons costumes, por edital de 3 de janeiro de 1825, pelo Desembargador Francisco Teixeira de Aragão, Intendente-Geral de Polícia. Segundo o determinado, às 22 horas no verão e às 21 no inverno, o sino da Igreja do Largo de São Francisco de Paula, escolhida para fazer o anúncio, devia soar por trinta minutos, ininterruptamente, para avisar aos cariocas que deviam se recolher, sob pena de prisão por vagabundagem. Quando se ouvia a badalada, ninguém poderia permanecer nas ruas, e as casas comerciais deveriam cerrar suas portas e encerrar suas atividades. A medida visava reduzir a quantidade de assaltos e, também, das arruaças provocadas pelos «capoeiras». Essa determinação perdurou válida por 58 anos até 1878. Portanto, como se vivia pelo sino na Idade Média cujas badaladas das matinas e das nonas (meio da tarde) não regulavam somente o horário das orações dentro dos mosteiros, mas também regulavam o trabalho e o comércio da cidade a um nível considerado intolerável. (RENAULT, 1976) e (RYBCZYNSKI, 2002). 146 enfrentarem a labuta do dia seguinte. Acredito que o toque de recolher deveria ter um destino: bares e casas noturnas. No geral, o jantar era servido seis horas após o almoço, aproximadamente treze e catorze horas “ - pelo menos onde ainda não foi adotada a hora dos estrangeiros” – (FLETCHER; KIDDER, 1941, p.191). À mesa retornavam os pratos da refeição anterior, acrescidos de mais um assado e verduras, de acordo com a época. Em tempos de milho, a mesa ostentava o mingau, a pamonha. Aos domingos, abundância de carnes. Sobremesas, as do almoço. A sopa fazia parte dessa refeição, assim como carne, peixe, juntamente com massas. (DONATO, 2005; FLETCHER; KIDDER, 1941). Após o jantar o café, o mate, este mais generalizado, considerado mais saudável do que o chá da China, no sudeste; e menos nas províncias do Norte e do Centro do Brasil . Entre o almoço, o jantar e a ceia eram servidos du as merendas. Doces e bolinhos fritos, canjica, leite com farinhas, frutas e as bebidas do amanhecer. Nas cidades surgia o requinte do chocolate e do chá da Índia. (DONATO, 2005, p.203). Debret na sua obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1965) dedica quatro páginas ao jantar. Enfatiza que devido às exigências da vida, a hora do jantar variava, no Rio de Janeiro, de acordo com a condição social e função do dono da casa. Havia um diferencial entre ser empregado no comércio e ou ser negociante, propriet ário. O empregado jantava às duas horas, depois que saía do escritório; já o negociante inglês deixava a sua loja - que normalmente ficava na cidade – por volta das cinco horas da tarde, para não mais voltar. Retornava à sua residência num dos arrabaldes mais arejados da cidade, jantava às seis horas da tarde. Na própria residência havia diferença entre o senhor e os escravos. Enquanto os empregados e escravos jantavam por volta das catorze horas, os proprietários e grandes comerciantes faziam a refeição apenas às 18 horas. A sesta após a janta era comum, mas também variava entre as classes. Diferente do brasileiro de outrora que 147 jantava ao meio dia e o negociante por volta de uma hora da tarde. Já em sua mesa, o senhor abastado não permitia interrupções. De acordo com Debret: Era muito importante, principalmente para o estrangeiro que desejasse comprar alguma coisa numa loja, evitar perturbar o jantar do negociante, pois este, à mesa, sempre mandava responder que não tinha o que o cliente queria. Em geral não era costume apresentar-se numa casa brasileira na hora do jantar, mesmo porque não se era recebido durante o jantar dos donos. Muitas razões se opunham: em primeiro lugar o hábito de ficar tranquilamente à vontade sob uma temperatura que leva, naturalmente, ao abandono de toda etiqueta; em seguida a negligência do traje, tolerada durante a refeição; e, finalmente, uma disposição para o sossego que para alguns precede e para todos segue imediatamente o jantar. Esse repouso necessário ao brasileiro termina por um sono prolongado, de duas ou três horas, a que se dá o nome de sesta. (1965, p. 137). (grifo do autor). Reafirmando o que Debret descreve, segundo Renault (1976) a família de D. João VI, almoçava às nove horas, jantava às quatro horas da tarde e a ceia era servida às seis horas. Esta rotina permaneceu até D. Pedro I. Mas, com as repetidas visitas de estrangeiros ao Paço Imperial ou o Palácio de São Cristovão, a Corte passou a jantar por volta das cinco horas. Em dias de recepções, ou festas, se estendia até as vinte e três horas. Para a ceia, algumas famílias, serviam peixe freqüentemente; mas em outras, nada de substancial se toma depois do jantar, retirando-se as pessoas muito cedo para dormir. Ao retratar em sua aquarela O jantar, Debret descreve em detalhes a refeição típica das famílias ricas, como a exposta na imagem: [...] compõe-se de uma sopa de pão e caldo gordo, chamado caldo de substância, porque é feita com um enorme pedaço de carne de vaca, salsichas, tomates, toucinho, couves, imensos rabanetes brancos com suas folhas, chamados impropriamente nabos etc., tudo bem cozido. No momento de pôr a sopa à mesa, acrescentam-se algumas folhas de hortelã e mais comumente outras, de uma erva cujo cheiro muito forte dá-lhe um gosto marcado bastante desagradável para quem não está acostumado.[...] Ao lado do escaldado, e no centro da mesa, vê-se a insossa galinha com arroz, escoltada porém por um prato de verduras cozidas extremamente apimentado. Perto dela brilha uma resplendente pirâmide de laranjas perfumadas, logo cortadas em quartos e distribuídas a todos os convivas para acalmar a irritação da boca já cauterizada pela pimenta. Felizmente esse suco balsâmico, acrescido a cada novo alimento, refresca a mucosa, provoca 148 a salivação e permite apreciar-se em seu devido valor a natural suculência do assado. Os paladares estragados, para os quais um quarto de laranja não passa de um luxo habitual, acrescentam sem escrúpulo ao assado o molho, preparação feita a frio com a malagueta esmagada simplesmente no vinagre, prato permanente e de rigor para o brasileiro de todas as classes. Finalmente, o jantar se completa com uma salada inteiramente recoberta de enormes fatias de cebola crua e de azeitonas escuras e rançosas (tão apreciadas em Portugal, de onde vêm, assim como o azeite de tempero que tem o mesmo gosto detestável). A esses pratos, sucedem, como sobremesa, o doce-de-arroz frio, excessivamente salpicado de canela, o queijo de Minas, e mais recentemente, diversas espécies de queijos holandeses e ingleses; as laranjas tornam a aparecer com as outras frutas do país: ananases, maracujás, pitangas, melancias, jambos, jabuticabas, mangas, ca jás, f rutas do conde, e tc. Os ricos urbanos da Corte, assim como os ricos das fazendas, e de outras cidades, na metade do século XIX, podiam ter à mesa pão de trigo amassado com grãos colhidos no Rio Grande do Sul ou importados dos países do Prata, Estados Unidos, da África do Sul. Os queijos finos, os presuntos e manteigas fabricados em Minas Gerais e na região da serra fluminense onde foram introduzidos por colonos suíços. Estas iguarias eram totalmente desconhecidas durante quase todo período colonial. O café puro ou com leite, por volta de 1870, passou a ser exigido na mesa do brasileiro. A refeição terminava com o café, depois de degustarem os vinhos de Madeira e do Porto servidos em cálices. Cada vez que bebem saúdam uns aos outros, quando o jantar tem convidados. Copos enormes são sempre mantidos cheios com água fresca, sob os cuidados dos criados. Aliás, os novos artigos de uso doméstico foram sendo introduzidos aos poucos, principalmente nas casas dos senhores mais abastados. E quando haviam convidados para jantar, a mes a era servida com faiança fina86 (FIGURA 65) cristais ingleses, porcelana da China ou 86 No Brasil, a indústria de louça de faiança fina teve seu maior desenvolvimento no início do século XX, sendo que seu declínio se inicia na década de 1940, quando a produção de porcelana se acelera e dissemina pelo país. Com a maior oferta de louça de porcelana, mais resistente e durável, e de acabamento mais fino e mais branco, a louça de faiança foi gradualmente sendo preterido, o que levou ao fim de várias das fábricas pioneiras de louça 149 Índia, que por sinal já eram bastante utilizadas no país antes da abertura dos portos. Em dias comuns, os talheres usados, mesmo nas casas ricas, consistiam de duas facas colocadas no centro da mesa, usadas por todos para espetar e cortar a carne, os outros alimentos eram levados à boca com as próprias mãos (KOUTSOUKOS, 1994). FIGURA 63 - FAIANÇA HOLITSCH. SOPEIRAS DE 1746 A 1800 FONTE: Vancouver-Museum of Antropology/Galeria Européia de Cerâmica Peitolake.blogspot.com.br Por volta das 18h, ao escurecer, e este parece ser o horário que realmente era cumprido, serviam uma ceia com tudo que fora oferecido no almoço e jantar e como sobremesa melado com mandioca. Mas só após À Hora da Ave-Maria ou à Hora do Ângelus 87, nas famílias católicas. A oração que paulatinamente incorporou-se ao culto católico consiste em três textos que descreve o mistério da Anunciação. Como eixo mediativo do início (6h), meio (12 h) e final que corresponde 18h15, de um dia, regula a disciplina dos corpos e das mentes através de preces e orações. Suspendiam-se as atividades para fazer a prece e antes no Brasil. Atualmente, há dificuldade em efetuar pesquisas por meios eletrônicos para obter informações sobre coleções de faiança brasileira em museus do Brasil. 87 À hora do ângelus alude à passagem bíblica da Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria da concepção de Jesus Cristo, acreditada como livre do pecado original. 150 das refeições era costume as famílias rezarem à mesa, ou em local apropriado como a capela, ou oratório exposto em algum ambiente da casa. Quando se trabalhava no arado os agricultores também suspendiam o trabalho para fazer a prece conforme figura 64. FIGURA 64 - ÂNGELUS DE JEAN-FRANÇOIS MILLET (1857-1859) FONTE: Museu D’Orsay A tela acima ilustrada é intitulada O Ângelus (1858 - 1859/Museu D‟Orsay) de François Millet, com a imagem de um casal na lavoura, com mãos cruzadas e a cabeça baixa, em sinal de reverência, registra a dimensão religiosa da imagem. A cena naturalista e po ética conquistou o público oitocentista e foi amplamente difundida em cartões postais e almanaques. (GOLIN; SALVATTI, 2004.) Em Portugal, costumava-se rezar ao meio dia; aqui no Brasil às 18 horas, antes do jantar. Quanto ao número de preces, este variava conforme as famílias que podiam optar pelos três horários, ou escolher um horário apenas. Mas a Hora do Ângelus era bastante sagrada para as famílias ditas cristãs. Hábito preservado na contemporaneidade em pelo menos quatro famílias selecionadas para o es tudo conforme se verá em seguida. 151 Como estou tratando de um determinado tipo de comportamento na hora das refeições, essencial relatar, que em pleno século XXI, ainda existem famílias que mantém este hábito; e que a atividade religiosa não era necessariamente, como não é costume de algumas residências, em algum ambiente da casa em que tivesse ou tenha um oratório, ou uma capela. Curiosamente identifiquei quatro famílias selecionadas para o estudo, com comportamento similar aos dos séculos anteriores no que se refere ao Ângelus. A seguir dois depoimentos a respeito desse hábito: Desde pequena fomos acostumados, eu, meus irmãos e irmãs, meu pai e minha mãe, até os empregados da casa, antes do jantar, que era às seis horas da noite, rezar o Ângelus e depois um terço. Quanto ao Ângelus, rezávamos e ainda rezamos - pois transmiti o costume aos meus filhos - durante nove meses, que é o tempo de gestação de Maria, Mãe de Jesus. No dia 25 de dezembro nós paramos e retomamos somente em 25 de março do ano seguinte. Aí começa tudo de novo. Achei estranho quando você me disse que antigamente rezavam o ângelus em horários diferentes e que era constante. [a entrevistada estava se referindo a mim quando relatei este fato no meu estudo e porque sei que ela reza o ângelus faz algum tempo]. O local? em frente ao oratório que tenho no meu quarto. Depois vamos para a cozinha jantar. Tanto faz os meus filhos e netos estarem aqui, como não. Só moram comigo dois, um filho e um neto. A filha vem duas vezes por semana. Se coincidir ser a hora do jantar, então ela tem que fazer parte do Ângelus. (Dona Zelita, 80 anos, Casa Vale). Outra família, com chefes mais jovens também tem o hábito de rezar o Ângelus, mas não nos horários determinados p ela religião católica, apesar da família ser católica praticante. Aqui em casa rezamos o Ângelus antes de dormir; não nos apegamos aos horários que você me falou, mas uma coisa é certa: tem que ser antes da meia-noite, porque senão quebra. E todas as noites rezamos não só o Ângelus, mas várias novenas e orações. O Ângelus é sagrado. Não podemos dormir sem rezá-lo, porque senão quebra. [espécie de promessa ou visando uma graça que a família quer alcançar]. Nem que as outras orações, dependendo do cansaço, têm que se rezar em dobro. O ângelus é rezado durante nove meses. Que é quando completa o mês de gestação de Maria. Inicia em 25 de março e termina em 25 de dezembro, dia do nascimento de Jesus. (Dona Jaci, 59 anos, Casa Moema). [grifos meus]. 152 Retornando ao século XIX, antes de dormir, quem “[...] ainda agüentasse fazer uma boquinha, as escravas serviriam pipoca, paçoca de amendoim e amendoim torrado”. (DONATO, 2005, p.203). Uma corrente de prata com uma caneca pendia do po te, para matar a sede que surgia de tanto comer. Para quem não tinha recursos, um pote de barro ficava na sombra do alpendre ou na sala, junto da porta. Ao todo eram quatro refeições fortes (fora as merendas) que eram servidas à mesa. Para as famílias abastadas, as refeições eram um ritual doméstico que ajudava a demarcar o tempo da intimidade. Supõe -se com a família toda reunida. Resumindo, em meados do século XIX, início do século XX, todo movimento da casa começava ao amanhecer e terminava antes das nove; depois disto as damas iam para as janelas, durante algumas horas para se refestelarem, conversar com suas vizinhas, e esperar o leiteiro, as quitandeiras e o mascate. A descrição a seguir foi de Kidder (1941): O primeiro traz o leite num veículo de novo aspecto, para o estrangeiro – ou pelo menos ele nunca viu usado para esse fim antes de conhecer o Brasil. A vaca é o carro de leite! Antes que o sol se levante, a vaca, acompanhada de seu bezerro, é levada de porta em porta por um camponês português. Pequenina campainha pendurada no pescoço da vaca anuncia a sua presença. Uma escrava desce com uma garrafa e recebe certa porção do líquido alimentício, pela qual paga cerca de seis pence ingleses [...] o leite pode ser obtido puro, diretamente da vaca, se a gente fica fiscalizando da janela a operação; de outro modo a nossa garrafa é cheia de uma vasilha de estanho, trazida pelo portuense que, muitas vezes, introduz a devida proporção de água, que brotando do alto do corcovado, veio rolando através do Aqueduto até a fonte da esquina da rua. As quitandeiras são as vendedoras de verduras. Laranjas, goiabas, maracujás, ou frutas da „flor-da- paixão‟, mangas, doces, canas-de-açúcar. Brinquedos. Elas vendem a sua mercadoria com voz vigorosa [...] as crianças ficam encantadas quando avistam na rua as pretas com o favorito tabuleiro cheio de doces e brinquedos. „Lá vem ela‟, a quitandeira, com seu filhinho africano amarrado nas costas, o tabuleiro na cabeça, gritando: „chora menina, chora menino. Papai tem dinheiro bastante. Compra menina, compra menino!‟[...] Finalmente, faz sua aparição no fundo da rua o vendedor de sedas, e gazes, que é o encanto do dia de uma senhora brasileira. Anuncia a sua chegada com o bater do seu côvado (pau de medir), seguido de um ou mais pretos conduzindo caixas na cabeça. O vendedor sobe as escadas, certo de ser bem recebido; pois se as damas não têm necessidade alguma de seus artigos, têm necessidade de divertir-se, examinando-os. Os negros depositam as caixas no chão e retiram-se; então, o hábil italiano ou português vai tirando da 153 caixa uma coisa após outra; e julga-se agindo com rara inabilidade (sic!) se não consegue dominar a dama econômica de modo a torná-la possuidora pelo menos de um artigo barato. Quanto ao pagamento, não há necessidade de pressa – ele voltará na próxima semana ou, venderá a prestação. (p. 185- 187). (Grifo meu). Concluindo sobre as refeições, e particularmente os horários de refeições das famílias brasileiras, especialmente no século XIX, que supostamente parecem desencontrados, não são mais do que mudanças ao longo dos séculos ou diferenças nos hábitos tanto entre as camadas sociais, quanto ao tipo de atividades ou função que exercia o chefe de família, conforme relatado por Debret (1965). O século XX, por sua vez, tem como marca a segurança alimentar e hábitos de consumo. Em Natal, por exemplo, ainda um pequeno arraial, “com conotações portuguesas, resquícios escravocratas e elite provinciana” (CAVALCANTI, 2014, p.35), na primeira d écada do século XX, em 1914, foi criada por Henrique Castriciano 88 a Escola Doméstica de Natal (ED), com base em algumas instituições de ensino da Suíça, voltadas para as mulheres e com a finalidade de fortalecer o núcleo familiar por meio do ensino domésti co para meninas e moças. Estes tipos de instituições de ensino eram conhecidos como Écoles Ménagéres. Uma ex-aluna Eulália Duarte Barros, no seu livro Uma Escola Suíça nos Trópicos , declara que A Escola Doméstica mudou a vida da mulher do Rio Grande do Norte em sua identidade civil. Ao formar moças das décadas primeiras deste século, com uma educação esclarecida do seu papel como personagem transformadora da sociedade, a Escola inovou. Inovou, incomodou e persistiu. (BARROS, 2000, p.30). Realmente a Escola Doméstica causou enorme impacto na sociedade local em relação aos hábitos e costumes, na alimentação, nas 88 Advogado, poeta e escritor, irmão da poetisa Auta de Souza. Em suas viagens pela Europa, conheceu algumas instituições voltadas para mulheres e quando voltou à capital, Natal, pede a colaboração do então Governador Albuquerque Maranhão, cuja família era a representação máxima do poder, conseguiu fundar a Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, em 23 de julho de 1911 que após três anos, no dia 1º de setembro de 1914, surge a Escola Doméstica de Natal. 154 tarefas educacionais, e principalmente na vida familiar, sob retudo as nas ações ligadas a domesticidade. Acima de tudo preocupações “com modos à mesa, higiene, gestos e a maneira como deveriam portar -se publicamente”. (ABRAHÃO, 2010, p. 139). Hábitos, costumes e tendências aristocráticas já difundidas na França do século XVIII como forma de manter uma figuração social que assegurasse posições privilegiadas em uma sociedade ao mesmo tempo aristocrática e burguesa. (ABRAHÃO, 2010). Funcionava, a época de sua criação, no bairro nobre da Ribeira, onde se concentravam o comércio chique e residências de famílias aristocratas. A política da instituição tinha como finalidade “o trabalho voltado somente para as mulheres, onde a atividade doméstica deveria ser respeitada”. (CAVALCANTI, 2014, p.37). O referencial teórico, assoc iado ao prático, fazia parte da metodologia da escola, cujos conhecimentos eram baseados nos afazeres corriqueiros de uma dona de casa, com as vivências e realidades das alunas: gerenciamento prudente do lar, balanço mensal de seus gastos, além da atividade doméstica e do desempenho no lar. “A preocupação era formar mulheres com fortes valores morais da época, em um ambiente de cooperativismo e respeito às regras de etiqueta”. (CAVALCANTI, 2014, p.37). A urbanização acelerada e suas consequências, na metade do século XX, em muitos países, provocaram mudanças nos hábitos alimentares. A entrada da mulher no mercado de trabalho; assim como a distância entre o local de trabalho e a moradia provocaram necessidades e condições de deslocamento espaciais humanos (VILLAÇA, 2005, p.180); necessidades não só de alimentar -se fora de casa, em especial para alguns membros, ou até mesmo famílias inteiras, que adquiriram o hábito de comer fora. O que não significa que em séculos anteriores não se comia fora; a diferença do s éculo XIX em 155 relação aos séculos XX e XXI é que não se tinha o hábito de fazer da rua o seu modo de vida, como cotidianamente comer em fast food, por exemplo. Ou fazer dos produtos pré-preparados ou prontos para o consumo - encontrados nos supermercados - o hábito alimentar de boa parte das famílias. Para quem mora só e quase nunca tem tempo de cozinhar, o mercado single criou estratégias de marketing a investir neste nicho solitário de consumidores do século XXI como idosos e jovens com mais de 35 anos. Encontram-se, hoje, em supermercados, prateleiras inteiras com produtos pré-preparados e embalagens pequenas para os solteiros que já são 77 milhões de brasileiros. 89 Tudo tem que ser bem prático. Legumes e frutas são descascados e picados; bolos, sanduíches , doces em embalagens para levar pra casa ou comer na rua mesmo. Tem refeições prontas em pratos individuais. Além de produtos, este mercado oferece serviços que buscam atingir e satisfazer as necessidades não só de uma família inteira, mas dos moradores solitários, com produtos em porções menores, de qualidade; e serviços voltados para o perfil de consumo e hábito deles. A agilidade no atendimento é uma das preocupações dos supermercados para atender este tipo de consumidor, especialmente nos grandes centr os. É uma espécie de substituição dos congelados feitos nas próprias residências, que levavam nos anos oitenta e noventa do século XX, em média, dois dias para serem preparados e consumidos entre quinze dias ou um mês nos lares brasileiros. Dependendo do n úmero de moradores. Esse movimento foi facilitado em função do maior acesso aos eletrodomésticos que, por sua vez, faziam e fazem parte do estilo urbano, dos séculos XX e XXI. 89 Dados do IBGE apontam que dos 77 milhões de brasileiros solteiros, cerca de 49%, quase metade da população acima de 15 anos são solteiros. Proporcionalmente a região Norte tem mais solteiros com 60,5%; Região Nordeste 56,7%; Região Centro-Oeste 48,6%; Sudeste 44,3% e Sul 44,2%. 156 Então, a forma de preparar a alimentação da família sofreu alterações significat ivas nos três últimos séculos XIX, XX e XXI. Mas, mudanças significativas mesmo, se deram na segunda metade do século XX e início do século XXI. Entre os anos oitenta e noventa, do século XX, aqui no Brasil, a alimentação da família brasileira passou por u m novo processo que foi o congelamento dos alimentos, conforme citado acima. A atividade de congelamento, além de demorada e de certa dificuldade em realizar, necessitava contratação de profissionais do ramo para prepará-la entre dois dias, ou o dia todo, como revela uma entrevistada: Nos anos oitenta utilizamos muito a marmita. Tínhamos empregada, mas como éramos três, mais a babá do meu sobrinho - filho da minha irmã que mora comigo desde que se separou - fizemos opção pela marmita. Era cômodo, mas tinha o inconveniente de ser repetitiva. O menino cresce, a babá se casa, continuamos com a faxineira uma vez por semana. Empregada sempre foi um luxo e hoje mais ainda. Então, fizemos uma experiência pelo congelamento, que em termos de praticidade e tão em moda nos anos 90, tinha duas conveniências: preparávamos pratos de nossa preferência e passávamos um mês sem preocupações; pois a comida estava lá no freezer, íamos lá e levávamos para o micro-ondas. As inconveniências eram muitas: além da parafernália de eletrodomésticos, que deveríamos possuir, para viabilizar a sua preparação; tinham os utensílios domésticos em grandes quantidades para armazenar os alimentos de acordo com as categorias, como peixe, carne vermelha, aves, etc. Além da profissional que preparava o alimento; esta trazia uma espécie de acompanhante para ajudá-la nas embalagens e lavar as louças. O processo era desgastante e levava em média o dia inteiro. Iniciava às 7h30 da manhã e concluía por volta de uma hora da madrugada. Ainda tínhamos que levar as duas em casa que moravam um pouco distante de nós. Hoje, variamos: marmita, novamente; ou então vou ao supermercado e compro feito. É só chegar e colocar no freezer e depois micro-ondas. Se pudesse comeria feito por mim. Mas, é muito cansativo. (Violeta, 61 anos, Casa Trevo). A cozinha dos anos oitenta e noventa, do século XX, era realmente toda equipada para tal atividade. Além do básico fogão, geralmente de seis bocas, necessitava-se de freezer, geladeiras, batedeiras, panelas de todos os tipos e tamanhos, formas refratárias 90 liquidificador, micro-ondas, um número considerável de depósitos de vidro, papel filme, papel alumínio, plásticos apropriados, de 90 O termo refratário é atribuído a um grupo de materiais capaz de suportar altas temperaturas. 157 preferência tupperware 91, que lança conceitos saudáveis de produção; ou seja, os produtos são fabricados sem prejudicar o meio ambiente; a companhia recicla todo material que sobra e se compromete com o conceito de conservação quando ajuda a dona de casa a adquirir ou desenvolver hábitos de armazenamento e não desperdiçar alimentos. Criou potes plásticos, usados em casa, para guardar comida e protegê - la do ar e de possíveis contaminações. FIGURA 65- DEMONSTRATIVO: PRODUTO DA TUPPERWARE EM FORNO DE MICRO-ONDA FONTE: http://www.tupperware-br.com.br Para quem não utiliza o congelamento de forma sistemática, os produtos são armazenados em módulos de plásticos. São potes para armazenar grãos, massas, sementes, cereais, doces, por certo período e 91 É o nome de uma empresa estadunidense da indústria dos plásticos e, simultaneamente, o nome do produto plástico produzido e vendido pela empresa, especialmente recipientes para utilização na conservação e preparação de alimentos. A empresa está na origem de uma estratégia de marketing e forma de venda original: a demonstração e venda ao domicílio. Tupperware foi desenvolvida em 1948 em Leominster, Massachussets. Com o início o "baby boom" no pós-guerra, as mulheres se dedicavam às suas famílias, que se tornavam maiores. Nascia a cozinha "Tupperizada" uma cozinha que era bem organizada e limpa, e apresentava uma variedade de recipientes que substituíram sacos pouco apresentáveis e que mantinham os alimentos frescos por mais tempo. Em 1946, Tupper lançou suas lendárias tampas hermeticamente fechadas criadas no molde da borda de uma lata de tinta de cabeça para baixo. Elas evitavam que os alimentos ficassem ressecados, murchos ou perdessem seu sabor na geladeira, que se tornava popular na época. Apesar de sua natureza inovadora, os produtos de Tupper não eram vendidos em lojas de varejo, principalmente porque os consumidores precisavam de demonstrações para entender como eles funcionavam. Em resposta a isso, a primeira Festa em Casa da Tupperware foi realizada em 1948, introduzindo uma forma totalmente nova de os consumidores terem acesso aos produtos Tupperware. As demonstrações provaram ser uma forma muito eficaz de divulgar as vantagens das revolucionárias tampas. 158 com garantia de que não pereçam antes do tempo. Além do que for am projetados para que os espaços dos armários para mantimentos sejam organizados com eficiência, conforme ilustrações a seguir. FIGURA 66- POTES DE MANTIMENTOS TUPPERWARE PARA ARMAZENAR. SÉCULOS XX-XXI. Fonte: http://www.tupperware-br.com.br FIGURA 67- DEMONSTRATIVO DA TUPPERWARE DE COMO ORGANIZAR MANTIMENTOS COM EFICIÊNCIA Fonte: http://www.tupperware-br.com.br 159 O produto tem sido utilizado pela camada social média alta e pela camada social alta; especialmente nos congelamentos e com a praticidade de, após o descongelamento este ir direto para o micro - ondas. A alimentação congelada/armazenada, que normalmente era consumida em quinze dias, ou um mês, dependendo do número de pessoas na família, tinha um custo bastante elevado. Além do mater ial gasto, pagamento de um profissional ou dois, a dona de casa se deslocava para fazer o supermercado, uso de todo o tipo de eletrodoméstico e utensílios de última geração. Hoje, estão contratando nutricionistas para elaborar o cardápio diet da família e fazer o congelado para 15 dias. Há na contemporaneidade os modelos de vidro que se denomina Porta-Tudo e onipresentes nas despensas ou na bancada da cozinha. São diversos os tipos de materiais e tamanho que ajudam a conservar os alimentos, deixando-os sempre fresquinhos e à mão organizando o recinto. FIGURA 68- PORTA-TUDO FONTE: Revista Cyrela (2010) 160 Entre os anos 40 e finais de noventa do século XX, os fogões mudaram conforme os espaços das cozinhas. FIGURA 69 - FOGÃO MODERNO DE SEIS BOCAS Fonte: http://www.cutedrop.com.br/Foto de destaque: Roy Varga Assim, como no século XX, a cozinha do século XXI é toda aparelhada, com tecnologia de ponta, pois, tem geladeira com bebedouro integrado, fogão e micro-ondas programáveis e conectados ao celular; mas, a maior parte do tempo ociosa em algumas residências. O que há de mais moderno se encontra há, pelo menos, três anos no Brasil . O fogão (figura 62), líder do mercado de luxo em eletrodomésticos nos Estados Unidos tem oito bocas, sendo duas com dupla chama, trempes em ferro gusa e dois fornos elétricos. Gaveta aquecida, t imer digital, acendimento super automático e acabamento de inox escovado. Eletrodomésticos robustos, duráveis e com aparência de profissional nas residências americanas. Além do fogão de oito bocas, da marca Viking, existem, ainda, dois t ipos de fornos, fora os microondas na cozinha da figura abaixo. 161 FIGURA 70 - FOGÃO DE OITO BOCAS. MARCA VIKING FONTE: Blog Ô de Casa. Mas, como no mundo das roupas e acessórios, o design de interiores, a cozinha, ou mais precisamente os eletrodomésticos aqui ilustrados, também têm suas tendências. Na contemporaneidade há nas residências uma tendência a decoração de interio r no estilo retro 92, tanto em móveis de salas e quartos como no imobiliário da cozinha. Este já passou pela geladeira em aço escovado que era sinônimo de modernidade e elegância; pela época dos cem por cento clean , com cozinhas brancas hospitalares, e hoje vivemos a era do fashion-vintage93, 92 A palavra "retro" deriva do prefixo latino retro, que significa "para trás" ou "em tempos passados" - particularmente como visto na forma de palavras retrógradas, o que implica num movimento em direção ao passado, em vez de um progresso em direção ao futuro e, a posteriori, referindo-se um olho crítico ou nostálgico do passado. É um estilo cultural desatualizado ou velho, uma tendência, hábito, ou moda do passado pós- moderno global, mas que com o tempo se torna funcionalmente ou superficialmente a norma mais uma vez. (oficinadeestilo.com.br). 93 Vintage é uma palavra anglo-francesa usada pelos enólogos para designar um ano de boa colheita de uvas, em que as condições climáticas e outros fatores favoreceram a produção de um vinho com qualidade diferenciada. Também devido à grande capacidade de envelhecimento, o seu preço é bem mais elevado. No mundo fashion significa algo clássico, antigo e de excelente qualidade. Trata-se de um estilo de vida que recupera os estilos dos anos vinte aos anos sessenta e os aplica em vestuários, calçados, mobiliário e peças decorativas. O objeto tem que ter pelo menos vinte anos de idade. (oficinadeestilo.com.br). 162 um mix entre nostalgia e inovação. Marcas famosas de eletrodomésticos estão trazendo de volta produtos clássicos dos anos quarenta e cinqüenta com design de seus produtos antigos, mas com novas tecnologias e recursos conforme figuras a seguir. FIGURAS 71 - LINHA RETRO DA BRASTEMP FONTE: http://www.cutedrop.com.br/Foto destaque: Roy Varga A cozinha da casa se deslocou para o espaço coletivo, como por exemplo, o espaço gourmet, especialmente para quem mora em condomínios fechados, tornando-se, no entanto, mais um espaço de convivência e marca de status social do que local de cozinhar. Pois, os donos dos apartamentos ostentam espaço gourmet para reuniões com amigos, degustando produtos comprados em lojas de conveniência por causa de maior praticidade sem nem abrir a torneira da cozinha, como mostrou o artigo de Françoise Dominique Valéry (2011). 163 FIGURA 72 - FOGÃO A LENHA NO ESPAÇO GOURMET FONTE: Universo Country, 2011 Apesar do declínio no uso dos fogões nas áreas urbanas, esses equipamentos ganharam destaque, sobretudo nas habitações construídas para o lazer como chácaras e ranchos, ou espaços gourmet em condomínios fechados. Isso, porque a publicidade, segundo Lefebvre (1991) [...] não fornece apenas ideologia do consumo; uma representação do “eu” consumidor, que se satisfaz como consumidor, que se realiza em ato e coincide com sua imagem (ou seu ideal). Ela se baseia também na existência imaginária das coisas, da qual ela é a instância. (p. 100). Esse vai e volta, fruto dos modismos, demonstram o caráter decepcionante do consumo. (LEFEBVRE, 1991). Assim como a classe operária que Lefebvre cita, a camada social média -alta e a camada social alta vivem: [...] no meio dos signos de consumo e [consomem] uma massa enorme de signos. Sua cotidianidade se compõe, sobretudo, de pressões e comporta um mínimo de apropriações. A consciência, nessa situação, se realiza no nível imaginário, mas logo sente aí uma decepção fundamental. É que as modalidades de sujeição e de exploração dissimulam às [classes consumidoras] sua verdadeira condição. Ela não percebe que é facilmente explorada e subjugada no plano da continuidade e de consumo, assim como no plano da produção. (LEFEBVRE, 1991, p. 101 [grifos meus]). 164 Até o momento, abordou-se os hábitos alimentares e de como e onde estes alimentos eram preparados desde o século XIX até a contemporaneidade. A cozinha, assim como sua evolução, foi detectada como espaço que garantiu o consumo dos alimentos do brasileiro. Mas, onde consumiam e consomem as suas refeições? por que sala de jantar e não sala de almoço? Como se serviam e se servem?; quais foram e quais são os hábitos e maneiras à mesa do brasileiro entre os séculos XIX e XXI? Segundo Bryson (2011) se referindo à Inglaterra, todos esses alimentos, assim como todas as descobertas acima descritas, acabaram aterrissando nas mesas de jantar, em um novo tipo de aposento: a sala de jantar. Pois este cômodo adquiriu seu significado moderno apenas no fim do século XVII e só mais tarde se generalizou nas resid ências.94 Mas, o que possibilitou a existência da sala de jantar, conforme ainda, sugere Bryson (2011) foi a atitude tomada pela dona de casa para salvar os móveis novos de serem profanados por dedos gordurosos. Com o advento da sala de jantar, mudanças oco rreram não só em relação ao local onde a comida era servida, mas também nos horários e na maneira de servi-la, nas camadas sociais de alto padrão. A sala de jantar desempenha um papel decisivo na recepção aos convidados. Mas, esta observação está longe de esgotar a questão, pois há outro espaço/lugar privilegiado onde o dono da casa presidia ou preside as reuniões após as refeições, mais comumente o jantar. São aqueles aposentos, como sugere Thébert (2009) de ostentação, com dimensões geralmente inferiores às das salas de refeições, mas não menos importantes, porque lá, além da relativa amplidão, o referido cômodo se distingue dos demais pelo fato de poder de se comunicar 94 Segundo Bryson (2011) quando Thomas Jefferson (3º Presidente dos Estados Unidos 1801-1809) colocou uma sala de jantar em sua mansão em Monticello, foi considerado algo muito arrojado. Antes disso as refeições eram servidas em mesinhas, em qualquer aposento conveniente. (p.207). 165 com o exterior, seja em forma de varanda, seja em forma de terraço, ou de primar pelo cuidado com a decoração. 95 Para exemplificar como a burguesia carioca utilizava este espaço no século XIX, tomo de empréstimo uma descrição de Borges (2007) não só sobre o ambiente oitocentista carioca, mas a forma como o dono da casa utilizava determinado espaço para dar continuidade às conversas iniciadas na sala de jantar. Borges se utilizou de cenas do romance Quincas Borbas ([1957]) de Machado de Assis: A mobília e os ornatos expostos, aos olhos dos convivas, eram sinais de distinção, de adequação e inserção de seus proprietários em dados círculos da sociedade. Desta forma, os convidados de Rubião, que foram certa feita, a seu gabinete, fizeram-no precedidos por um criado, que acendeu o gás e assim, „admiraram os móveis bem feitos e bem dispostos. A secretária captou as admirações gerais; era de ébano, um primor de talha, obra severa e forte.‟ Mas, além disso, „uma novidade os esperava: dois bustos de mármore, postos sobre ela, os dois Napoleões, o primeiro e o terceiro‟, governantes burgueses, símbolos de ascensão e poder dessa classe. (BORGES, 2007, p. 51). („Grifos do autor‟). O mesmo autor (2007) ao analisar a cena de um lar carioca oitocentista, machadiana, coloca que o mito napoleônico irradiou -se de tal forma na sociedade que se uma casa de classe média não tivesse aquela época o busto de Napoleão, esta não estaria completa. E finaliza, citando Hobsbawn (1994), que os homens de negócios tinham um nome para suas ambições “ser _ os próprios clichês o denunciam _ um Napoleão das finanças ou da indústria.” (Hobsbawn citado por Borges, 2007, p. 51). 95 A preocupação com a decoração, com o interior da casa e até mesmo com a imagem pública dos moradores burgueses tornou-se imprescindível a partir do século XIX no Brasil, em especial a sociedade carioca oitocentista. 166 No entanto, entre finais do século XX, e primeiras décadas do século XXI o ambiente de refeição deixou de ser a sala de jantar/estar (embora ainda continue com o espa ço destinado ao mesmo) para algumas famílias e passou a ser o espaço da copa/cozinha, costume ou hábito bastante utilizado até metade do século XIX no horário de almoço. Hoje, as refeições são realizadas em quartos, salas de estar, utilizando bandejas/esteiras de madeiras para braço de sofá (figura 65) em substituição a mesa de refeições, home office, ou na copa/cozinha, geralmente com mesas pequenas ou projetadas para fins específicos quais sejam o de cozinhar, o mínimo de tempo e com menos gente possível. Ou sem nunca utilizar. FIGURA 73 - BANDEJA/ESTEIRA DE MADEIRA PARA BRAÇO DE SOFÁ FONTE: clickmoda.com Além disso, tornou-se corriqueiro o fato da cozinha ser integrada a sala de estar e jantar. A figura 66 mostra um ambiente integrado cozinha-sala-estar-jantar, tendência de morar de forma mais prática típica do século XXI. Trata -se de uma casa clássica, com móveis sérios e pesados, mas com harmonia de conjunto. Pelos adereços, 167 móveis e estilo de decoração do ambiente percebe -se que nesta casa mora um casal de idoso. FIGURA 74 - COZINHA-SALA DE ESTAR-JANTAR INTEGRADA FONTE: emcasa.com. Durante as entrevistas, encontramos uma família que se encaixa no modelo fast food , pelo simples fato de que a sua cozinha (super aparelhada) nunca é utilizada conforme destaca uma das entrevistadas cujo marido é dono de uma loja no maior Shopping Center de Natal. Não tem a mínima condição de comer e muito menos preparar a nossa alimentação em casa. Todos nós trabalhamos: eu, meu marido e meus dois filhos; passamos o dia fora e como temos à nossa disposição um número considerável de restaurantes e lanchonetes lá no Midway [fez uma pausa, pensou e respondeu], não tem sentido. A única refeição é o café da manhã. Mas utilizamos a cozinha auxiliar para preparar o desjejum. Cada um faz o seu desjejum, a seu gosto. Assim como eles trabalham, eu também trabalho e dou um duro danado. E quanto aos filhos, estes não são mais crianças e eu há muito que deixei de ser àquela dona de casa [fez trejeitos com as mãos no ar e aspeando os dedos]. A cozinha está lá, intacta. Um dia talvez a utilize, quem sabe? [riu alto]. (Dona F, casada, 65 anos, entrevistada secundária). [grifos meus]. 168 Este quadro nos faz lembrar que a vida cotidiana, ainda segundo Lefebvre (1991), é planejada em nossos tempos para ser o espaço da realização do consumo de bens materiais e culturais, em que os indivíduos tendem a homogeneizar as relações, os costumes e os valores. É a produção capitalista, na vida cotidiana, que manipula e controla a sociedade de consumo, por ser, esta, fonte de rentabilidade econômica, ou superconsumo irresponsável (gastos com suntuosidade e prestígio) compulsivo, possibilitando a falsa sensação de poder. Isto supõe que as atividades cotidianas, que compõem nosso dia-a-dia, como trabalhar, estudar, conversar, consumir, são muito mais automatizadas do que conscientes. Daí produzir insatisfações porque o indivíduo ao se sentir excluído da sociedade passa a adquirir equipamentos de última geração, mas não cotidianamente utilizados. Além da atividade do cozinhar, bem como os instrumentos utilizados e o tipo de alimentação que era consumido, existe outro hábito que sofreu transformação ao longo dos séculos: modos à mesa ou maneiras à mesa . Os modos à mesa , a etiqueta, o nosso hábito de dar primazia aos convidados, perguntar se querem repetir, começou na Idade Média. Conforme Rybczynski (2002) estes hábitos eram bast ante complexos neste período. Assim como lavar as mãos antes, durante e depois das refeições, era outra regra de polidez medieval necessária em virtude de que as pessoas comiam bastante com as mãos, apesar de usarem colheres para sopa, mas não usavam garfo s. Os modos à mesa medievais perduram até hoje, apesar dos talheres serem utilizados com mais requintes, acrescenta o autor. Ser colocado em canto privilegiado à mesa era muito mais honroso para o visitante do que se sentar em um banco duro sem conforto, porque até então não se tinha a mesma dimensão de conforto do que hoje. O visitante sabia que esta honra era destinada a poucas 169 pessoas seletas e sentar no lugar errado, bem como se sentar ao lado da pessoa errada era considerado gafe séria. Assim como ta mbém o que se podia comer. Os rituais de etiqueta e civilidade, como a ordem, regras, regulavam a vida medieval. Difundidos (rituais) posteriormente em manuais que regulamentavam o modo de vestir, de falar e de portar -se tinham a mesma função e “[. ..] cada pormenor era uma arma na luta pelo prestígio. A regulamentação não visava apenas a representação exterior [.. .] , marcava mentalmente as distâncias que separavam uns dos outros.” (ELIAS, 1987, p. 86). Durante séculos estes ritos perduraram e hoje, com men os rigor, são utilizados no cotidiano. As regras de etiquetas se tornaram, diria, mais flexíveis. Seu uso, com mais sofisticação, somente em banquetes e jantares organizados. Mas, segundo Claudia Matarazzo 96 a Etiqueta Moderna adaptada ao século XXI, não tem nada de parecido com a antiga etiqueta, de regras rígidas entre as pessoas. A produtora editorial atribui este novo comportamento à tecnologia que está ao alcance de todos, o que facilita, de forma eficiente, a comunicação com povos de diferentes culturas, profissões, idades e interesses. Por outro lado, ela estabelece que esta facilidade de comunicação, sem sair da sala, causou um efeito contrário na comunicação pessoal. As pessoas, conforme a mesma, perderam a arte do convívio, de como interagir; arte, outrora dominada pela geração dos nossos ancestrais que, pela falta destes instrumentos tecnológicos, tinha o hábito de visitar as pessoas com mais freqüência. Hoje, esse tipo de comportamento não é tão fácil para os mais jovens, pelo simples fato de que a s relações intergeracionais familiares, ou não, mudaram. 96 Produtora Editorial da Coluna s/Frescura da UOL. 170 Para facilitar a dificuldade que as gerações mais novas encontram existe, conforme Claudia Matarazzo, a Etiqueta Moderna: ela funciona como uma linguagem comum a todos os povos. É um conjunto de gestos e atitudes, identificável mesmo entre pessoas de países e interesses diferentes que facilitam e permitem uma comunicação mais fácil, segura e eficiente. Seja pessoalmente ou via Internet. “Netiqueta” já é uma realidade [...] ao contrário do que imagina, não é um conjunto de normas rígidas e sem sentido. Ela facilita a Cida, na medida em que é sempre baseada em princípios como bom senso, naturalidade e afetividade. (http://www2.uol.com.br/claudiamatarazzo/sfrescura19.shtml) Em relação aos utensílios que as famílias utilizavam para as refeições, constata-se que no Brasil , por volta de século XVIII, entre os mais abastados, surgem louças refinadas da Índia, da Holanda, de Portugal, saleiros e galheteiros de pr ata. Enquanto na mesa da população menos abastada e pobre predominava a louça de barro: potes, cuias, t igelas, moringas, peruleiras. Necessário acrescentar que nas casas-grandes dos primeiros engenhos, estas eram modestamente mobiliadas. Usavam-se tamboretes e bancos para sentar. Na cozinha, os utensílios eram cerâmicas indígenas, objetos de estanho, prata e vidro. Em meados do século XIX, em uma casa -grande de fazenda e em casas da cidade, receber os convidados, para jantar ou almoçar, especialmente aos domingos, era um hábito bastante difundido. As refeições passaram a ser uma espécie de diversão, em que convidados e anfitriões se distraiam, conversavam, comiam. O cenário de penúria e escassez, próprios das antigas casas-grandes, já não se fazia presente. O requinte predominava, mesmo em dias comuns dos anfitriões: Ali, estava posta para o almoço a larga mesa de jacarandá, coberta com alva toalha de linho adamascado; e rodeada naquele momento, como de ordinário, por cinco pessoas. (ALENCAR, TIL, p.39-41). 171 Conforme Thébert: “A arte da refeição, graças ao jogo das proibições e autorizações excepcionais, marca distâncias sociais, mas também contribui para coesão de grupos heterogêneos”. (THÉBERT, 2009, p. 353). Isso significa que os empregados faziam refeições após os donos, mas, dependendo da boa vontade dos patrões, podiam até comer o mesmo que eles, ou sentar-se à mesa junto. Para as famílias abastadas, as refeições eram um ritual doméstico que ajudavam a demarcar o tempo da intimidade, vez que era o “lugar onde se exprimem mais abertamente as relações que tecem a esfera do privado” (THÉBERT, 2009, p.353) englobando o casal, a família no sentido estrito, o pessoal que trabalhava para os patrões, ou até mesmo os convidados. Thébert (2009) ainda enfatiza que a leitura de tais relações é imediata no nível das práticas e a dona da casa ainda utilizava de forma consciente essa cena para expor suas convicções, conforme depoimento de uma entrevistada: Lembro que era uma exigência dos meus pais, que já foi transmitida pelos pais destes, a presença de todos à mesa, especialmente na hora do almoço. O café da manhã era mais difícil porque as atividades eram diferenciadas e não tinha como agregar todos à mesa naquele horário. No jantar também era mais difícil porque as atividades de todos - à exceção da minha mãe - eram notívagas. Então o almoço era “aquele”[ fez aspas com os dedos polegares e indicadores quando mencionou a palavra] momento. À noite, a família, os agregados e empregados se reuniam para rezar o terço, novenas e comentários sobre a mensagem do dia, antes do meu pai sair para o restaurante. E este ritual prolongou-se até a nossa idade adulta que tentamos levar para os nossos descendentes. Quando crianças se não estávamos com vontade de almoçar, porque queríamos brincar mais um pouco, ou com fastio, isso não tinha a menor importância para eles. Venham para a mesa mesmo sem vontade. Só temos este momento para nos reunirmos [reproduzindo a fala dos pais] costumava dizer o meu pai. E na hora do almoço surgia todo o tipo de conversa como o nosso dia na escola, as nossas tardes do dia anterior. Até piadas quando já estávamos na fase adulta. Meu pai gostava muito. A forma como deveríamos nos portar à mesa era um dos assuntos na hora da refeição, quando ele via um dos meus irmãos levando a cabeça ao prato. (Dona Jaci, 59 anos, Casa Moema). (grifo da entrevistada). 172 A propósito, o lugar à mesa era e ainda é codificado indicando tanto o nível social, quando se tem convidados, como a hierarquia familiar. Geralmente o chefe de família se sentava à cabeceira e a esposa - conforme a moda inglesa, também bastante utilizada pelos ocidentais – nas pontas, em vis-à-vis.97 Nas famílias entrevistadas constatou-se que tal costume permaneceu, por exemplo,na família de Dona Jaci: Eu e meus irmãos desde pequeninos sentávamos à mesa com nossos pais, tenha visita ou não; Com um tempo, eu e meus irmãos já adultos, o nosso pai não se sentava mais à cabeceira. Sentava-se do lado esquerdo da sua antiga cabeceira e a nossa mãe ao lado dele. As pontas da mesa, ou a própria cabeceira, ficaram como que ociosas, e só eram ocupadas quando tínhamos visitas, ou se todos estavam em casa, como feriados, por exemplo. Em casa só ficamos, eu, minha irmã caçula, meus pais, um sobrinho rapaz, filho do meu irmão mais velho, e os empregados que eram três, um jardineiro, uma copeira e uma cozinheira, esta dormia na nossa casa e que há mais de vinte anos trabalhava para nós. E a cabeceira ficava comumente com a nossa cozinheira que sempre almoçava conosco. Antes, no dia–a-dia o meu pai se sentava à cabeceira, a minha mãe à sua esquerda, e na outra ponta da mesa a nossa irmã mais velha, enquanto ainda morava conosco. Quando o meu pai mudou de posição, isto é, não ficou mais à cabeceira, a nossa irmã mais velha passou para o lado direito de quem senta à cabeceira, sentando-se em frente aos nossos pais. E quando tínhamos convidado este, de acordo com a intimidade ou importância social, tinha um lugar específico. Mais íntimo, sentava um pouco afastado, e caso não fosse íntimo, este se sentava à sua direita; assim como a minha mãe que se sentava à outra cabeceira e algum convidado importante se sentava à sua direita na outra cabeceira. (Jaci, 59 anos, Casa Moema). Selecionei um manual datado de 1966, intitulado Guia de Boas Maneiras para ilustrar a década em que se passou a cena acima. Crianças até dez, ou doze anos, não devem comer à mesa, se há convidados. A melhor hora para conversar é a das refeições e uma criança – por mais bem educada que seja – desfaz a calma necessária dessa hora do dia. A presença da criança também poderia tirar a espontaneidade dos assuntos [...] quando filhos menores tomam refeições com os pais, convém ter muita atenção nas expressões usadas, que poderão ser repetidas, mesmo inocentemente, e as quais, mal interpretadas, poderão causar sérios aborrecimentos. (CARVALHO, 1966, p.162). 97 Vis-à-vis é uma expressão francesa que significa frente a frente, em face, defronte. 173 Ainda em relação ao uso da cabeceira da mesa, que por tradição era sempre ocupada pelo dono da casa, no romance Til (s.d, p.39-41)98de José de Alencar, o narrador referindo -se ao almoço de casa- grande de fazenda demonstra seu espanto sobre o uso da cabeceira: [...] a cabeceira, contra os costumes da terra, ocupava a dona da casa, senhora de 38 anos [...]. À direita de D. Ermelinda estava o dono da casa, Luís Galvão, cujo aspecto franco e jovial granjeava a simpatia ao primeiro acesso. [...] à esquerda da mãe ficava o filho, como à direita do pai a filha, ambos na flor da juventude [...]. Finalmente, no segundo lugar da esquerda defronte da moça, via-se um menino de 15 anos de idade [...] curvado como um arco sobre a mesa, com as vestes em desalinho e os cabelos revoltos, abraçava uma xícara de almoço, que lhe ficava abaixo do queixo; e escancarando a boca enorme para sorver de um bocado a grande broa de milho, ensopada no café, mastigava a tenra massa a fortes dentadas e sofregamente como se estivesse rilhando um couro. Percebia-se logo que a influência de D. Ermelinda não penetrara nesse membro enfezado da família, refratária a todo preceito de ordem e arranjo. Por isso a dona da casa, quando presidia a mesa de seu lugar de honra, observando o serviço e ocupando-se de todos, não transpunha aquele ângulo, onde se sentava o pequeno. (grifos meus). O sentar à cabeceira, tipo de comportamento de sociedades patriarcais, conforme relatos e imagens de séculos pas sados, fez com que questionasse as pessoas de referência das famílias intergeracionais na contemporaneidade: Quem se senta à cabeceira? “A nossa mesa é redonda” respondem alguns. “Não tem cabeceira” respondem outros. Na figura 67a mesa é redonda. Mas não foi difícil identificar que o casal de idosos está face a face. Ao lado de ambos uma jovem e outra mulher madura. Estas são personagens de um filme americano, intitulado Alguém tem que ceder protagonizado por Diana Keaton e Jack Nicholson. Interpretando um casal de namorados idosos. Ao final, não importa se 98 A ação do romance Til acontece na Fazenda das Palmas, localizada na região de Campinas, interior do Estado de São Paulo, por volta de 1826. Romance regionalista de José de Alencar, retrata o Brasil rural do século XIX. Apesar de a tese se centrar no Brasil urbano, não se deve esquecer que os senhores mais abastados intercalavam suas residências entre fazendas, ou chácaras (muito comum entre a aristocracia carioca e paulista do século em epígrafe). 174 redonda ou retangular, a questão de gênero em determinados comportamentos, através dos séculos, é muito forte, garantindo ao homem o lugar privilegiado. FIGURA 75 - JANTAR DE UMA RESIDÊNCIA AMERICANA. MESA REDONDA FONTE: Filme Alguém tem que ceder FIGURA 76 e 77 - FAMÍLIA MODERNA REUNIDA À MESA. FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA À MESA FONTES: paiscriativos.blogspot.com /boaforma.uol.com.br Nas figuras 68 e 69 dois diferentes tipos de família: a primeira uma família moderna, da segunda metade do século XX, tipicamente americana, fazendo as refeições em uma mesa redonda. Nota -se que homem está encostado à parede, e a mulher e os filhos sentados em volta dele, numa clara visão demonstrativa de quem manda no p edaço. 175 A segunda imagem, diz respeito a uma família brasileira da contemporaneidade. As demais imagens (figuras 70 e 71) demonstram a presença de crianças nas refeições na atualidade 99. FIGURAS 78 e 79 - FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS REUNIDAS À MESA FONTE: boaforma.uol.com.br Na imagem a seguir (FIGURA 80) a refeição em família, já inclui a presença de um casal de idosos. Diferente de séculos anteriores, o século XXI vem extraindo os idosos da invisibilidade . O que não muda é a posição do homem na família, seja pobre, seja mais abastado, seja jovem, seja idoso reforçando os estereótipos de gênero. FIGURA 80 – REFEIÇÃO EM FAMÍLIA. FAMÍLIA INTERGERACIONAL FONTE: boaforma.uol.com.br 99 O blog boa forma ao divulgar pesquisas realizadas por centro de investigação de abuso de substâncias norte-americano; e instituições britânicas pretendem demonstrar que refeições em família podem trazer impacto favorável na saúde dos jovens adolescentes e crianças. O sentar à mesa em família é crucial para assegurar uma educação mais equilibrada de crianças e jovens, pois foi comprovado que crianças que jantam, por exemplo, em família, demonstram níveis elevados de felicidade além de criar uma ambiente familiar saudável. 176 FIGURA 81 - CENA DE UM JANTAR EM FAMÍLIA NO SÉCULO XXI FONTE: Novela amor à vida (2014) / www.globo.com/amoravida A figura 83 retrata cena de um jantar de uma família abastada do século XXI: O chefe da família na cabeceira, à sua direita a esposa, à esquerda o filho mais velho; sentada ao lado da mãe a segunda filha do casal; os demais são esposa e sogra do filho mais velho. Esta cena faz parte da telenovela Amor à vida , produzida pela Rede Globo de Televisão entre maio de 2013 a final de janeiro de 2014. O au tor, Walcyr Carrasco, construiu uma história que tinha como foco retratar relações familiares atuais. Em primeiro plano está a rica e bem sucedida família Khoury, formada pelo médico César, interpretado pelo ator Antonio Fagundes, sua mulher Pilar (Suzana Vieira) e o casal de filhos Félix (Mateus Solano) e Paloma (Paolla Oliveira). A trama, entre outras situações, tem como modelo uma família feliz, mas que sob as aparências, esconde segredos alimentados por mágoas, ciúmes, ambições e falta de afeto. 177 Esta cena de jantar em família reproduz o ritual típico de uma família abastada, burguesa com os mesmos valores (embora de forma aparente) de uma família abastada do século XIX. Fazem da refeição um ato carregado de significados cujo epicentro é o dono da casa. O lugar de cada um à mesa, na contemporaneidade, reproduz o que foi o lugar de cada um no passado. O dono da casa à cabeceira, à sua direita a esposa, a filha predileta do dono da casa, e a sogra (não aparece por completo na imagem), assim como uma secr etária. Há um único neto já rapaz, que não aparece em cena. Mas sempre se fazia presente nas cenas de refeições. À esquerda está sentado o filho mais velho, que ele abomina e tem relações conflituosas; a esquerda do filho, a sua nora e a sogra do filho. 100 Em pé, entre os donos da casa, um mordomo para servi-los. Ou como assinala Thébert (2009) os convivas continuam tomando seus lugares sob a vigilância de um servo especializado, todo o festim se desenrolando graças ao zelo de serviçais também encarregados de tarefas precisas como cozinheira, auxiliar de cozinha e motorista. O ritual das refeições era tão sagrado, que o pai não admitia nenhum dos filhos na casa dos colegas em horário de refeições, conforme depoimento a seguir: E se oferecerem a vocês alguma comida, ou lanche, não aceitem. Venham para casa imediatamente. Dizia o meu pai. Aliás, deveríamos esperar por eles limpinhos e arrumadinhos. Se não fosse cumprido era castigo na certa. (Violeta, 61 anos, Casa Trevo). 100 Na outra cabeceira não tem ninguém pelo simples motivo que cenas de refeições em novelas, ou seriados da rede globo, é de praxe não se sentar ninguém, pois as câmaras precisam de um campo visual melhor. 178 Comportamento que permanece, conforme depoimento da entrevistada, somente em algumas famílias; para outras, ficaram apenas as lembranças; em outras, permanecem com muito esforço. De acordo com Fragelli (2011) todos os atos da vida social eram organizados segundo regras que se constituíam uma verdadeira liturgia da vida civil do tipo: em que medida fazer elogios; que crítica não se devia fazer em determinado ambiente; como se servir dos talheres, do guardanapo, dos vinhos. Estes ritos tinham como finalidade dar ao próximo o respeito , reverência e honra . Esta liturgia era resquício da antiga caridade cristã , ensinada pela Igreja, que se revelava um dos mais importantes órgãos de difusão de estilos e comportamentos também utilizados pelos estratos mais baixos, cujos modelos tinham como interlocutores os monges nos mosteiros e nas abadias. As boas maneiras e a cortesia, portanto, eram obras de santificação , pois, ensinavam “a dominar as inclinações e controlar a vontade própria em favor do próximo. Primav a a caridade”. (p.39). Mas, o que tornava a Belle Époque realmente bela, segundo o autor, era a elegância e a amenidade da vida social. Em relação à postura das visitas, para estas também tinham regras. Quando era de simples cortesia e não de afeição, deve ria ser curta, de dez a quinze minutos de duração. Assim como hoje, há aqueles que por alguma razão quebravam as regras. A diferença é que no século XIX a etiqueta era tratada com rigor, diferente da contemporaneidade. Dos romances machadianos, registro uma situação de desrespeito as regras de visitação no capítulo de Dom Casmurro (1971) em que Bentinho, personagem principal, vai à missa aos domingos, às 8 horas da manhã, e quando chega à sua casa encontra seu amigo Escobar que lá o esperava para visitá -lo “[.. .] e saber da saúde de minha mãe. 179 Nunca me visitara até ali, nem as nossas relações estavam já tão estreitas, como vieram a ser depois” . Escobar saiu após o jantar o que significa dizer que passou o dia na casa de Bentinho. Comportamento impróprio para a época, uma vez que Escobar além de não ter sido convidado, não avisou da visita com antecedência. E sim quando já se encontrava na residência de Bentinho. Bentinho assim narra a situação: [...] Tio Cosme quis que jantasse conosco. Escobar refletiu um instante e acabou dizendo que o correspondente do pai esperava por ele. Eu lembrando-me das palavras do Gurgel, repetia-as: - „Manda-se lá um preto, dizer que o senhor janta aqui, e irá depois. ‟ – „Tanto incômodo!‟ -„Incômodo nenhum, interveio Tio Cosme. ‟ Escobar aceitou, e jantou. [...] despediu-se logo depois do jantar: fui levá-lo à porta, onde esperamos a passagem de um ônibus. (MACHADO DE ASSIS, 1971[1899] p. 214-215). Para ilustrar os ritos daquela época, Fragelli (2011) comenta um episódio que aconteceu nos primeiros anos do século XX, em plena Belle Époque. Joaquim Nabuco que chefiava a Missão Diplomática do Brasil, em Londres, conhecido por suas distrações, recebera um convite, impresso, para jantar em casa de outro embaixador; esforçou-se por chegar à hora, apesar de que a pontualidade não fosse um dos seus hábitos. Foi recebido pelo mordomo, mas esperou um tempo mais longo do que o habitual até que o anfitrião o recebesse acompanhado de sua sen hora. Os anfitriões, mestres na arte de receber, incitaram Joaquim Nabuco falar sobre florestas exóticas e movimentos sociais do Brasil . Ao terminar o jantar o casal o acompanhou até a saída não sem reconfirmar o convite para o jantar no dia seguinte. Nabuco tinha se enganado de data e comparecido um dia antes. O que se apreende é que os rituais nas refeições, seja a copa - cozinha, seja a sala de jantar, desempenham um papel fundamental no tipo de sociabilidade própria da moradia. As suas práticas abrangem todos os níveis da vida privada, das relações entre os casais, entre os filhos, ou outros membros da família, e com as pessoas de fora. Thébert 180 (2009) ressalta que o lugar das refeições é carregado de significados porque é um teatro, vez que possui uma gama de convenções que permitem ao dono da casa e aos convidados expor sua maneira de viver, situar-se em relação à sociedade e a seus hábitos. A refeição em si, o ritual, é a ocasião de professar e impor uma ética cuja mola última é a história do dono da casa. (THÉBERT, 2009, p.358). E quando a casa tem vários donos, ou não existe mais o dono da casa? Quando as relações são intergeracionais, de forma horizontalizada, onde todos contribuem no processo? Quando a tecnologia se sobrepõe? FIGURA 82 - MANEIRAS À MESA. JANTAR EM FAMÍLIA Filha discute com a mãe e se retira da mesa FONTE : Cena da telenovela Amor à Vida. www.globo.com/amoravida Cenas como a da figura acima, até a terceira metade do século XX, não era muito comum. Um filho se retirar da mesa na hora da refeição era uma atitude impensável. Da mesa só se retirava por ordem do pai, e ao sair se pedia licença. Alguns hábitos têm provocado conflitos entre as gerações no que se trata de maneiras à mesa , principalmente hábitos adquiridos em função do uso de novas tecnologias que segundo Tramontano (2002) provocaram impactos no cotidiano das famílias contemporâneas. Dentre estes, assistir televisão, usar computadores, smartphones, comportamentos habituais tanto para os pequeninos como para os jovens na pré e pós-adolescência. Assim, quando a televisão está 181 exibindo algum filme ou um programa infantil que eles gostam , as crianças preferem fazer as refeições após o programa (o que pode levar horas, pois sempre é um atrás do outro); ou pedem para comer no quarto, ou sala, para não ter que perder seus programas. Nas famílias entrevistadas, quando têm netos e sobrinhos-netos em casa, tentam-se vários acordos com os pequeninos. Quando questionei: [alguém da família tem o costume de comer em sala?]: Aqui é um movimento. O que faço? Negocio com eles. Deixo gravando os programas que eles querem e depois do almoço ou jantar eles podem voltar para assisti-los. Refeição tem que ser sagrada. Foi assim que fui criada. (Laulena, 60 anos, Casa Moema. Entrevistada se referindo aos sobrinhos- netos de quatro e oito anos que moram em sua residência). Não. As crianças comiam aqui no quarto para assistir televisão. Esta mesinha que você está eu colocava aqui. Mas só podia comer aqui. Depois, devagarzinho, para não ter conflito, coloquei as mesinhas lá na cozinha para elas comerem lá. Meus filhos nunca comeram em quarto. Elas começaram a sujar o quarto então resolvi negociar com elas. Às vezes o desenho está passando na hora, e como na cozinha tem outro ponto [TV por assinatura] elas se conformaram mais. (Regina, 66 anos, Casa Cor. Entrevistada se referindo as netas quando passam o dia em sua residência). Quanto aos jovens, na faixa etária de 17 e 23 anos aproximadamente, os conflitos são parecidos, mas há diferenças quanto aos instrumentos tecnológicos: além da televisão, os celulares e smartphones são os mais utilizados para acessar diferentes redes sociais, por exemplo, pelo o whatsapp. O costume de se sentar à mesa com a família era uma tradição: comer com a família era quase uma imposição, pois era neste momento que todos se reuniam e trocavam informações sobre o seu dia; hoje, mudou. Há residências em que a cozinha serve apenas de “adereço” e não mais para uso ou encontro familiar. O que inevitavelmente “quebra” as relações entre seus membros. Porém, ao procurar imagens de famílias à mesa em estudos que retratam o Brasil Colônia e Império, selecionei três cenas; uma do século XVIII reproduzida por Donato (2005) similar a outra do século 182 XIX de autoria de Jean-Baptiste Debret101 intitulada O Jantar (figura 75) - e uma terceira uma (figura 76) imagem datada de finais do século XIX. Nas três imagens não consta a presença de outros familiares. A imagem O jantar, de Debret, mostra somente o casal, cercado por escravos a servi-los, e algumas crianças (provavelmente filhos dos escravos) sendo alimentadas pelas próprias mãos da senhora. Na cena em destaque não vejo filhos ou outro parente sentados à m esa. Outras obras do pintor e desenhista retratam a família abastada em passeio, famílias de indígenas, de negros escravos, todos com seus filhos. O que dá impressão de que crianças abastadas não participavam das refeições em família, ou o casal retratado não tinha filhos, nem outro parente. Mas, segundo Debret (1965), no Rio de Janeiro, como em outras cidades do Brasil, era costume, durante o jantar conjugal , enquanto o marido se ocupava silenciosamente com seus negócios, a mulher se distraia com as crianças cativas descritas acima. Porém, não revela se estas tinham crianças ou outro parente, idoso por exemplo. FIGURA 83 - UM JANTAR BRASILEIRO (1827). JEAN-BAPTISTE DEBRET FONTE: historiaporimagem.blogspot.com 101 Jean-Baptiste Debret, pintor de história e integrante da Missão Artística Francesa de 1816, em seu álbum iconográfico Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, realizou ilustrações referentes aos usos e costumes brasileiros. Proporcionou, então, aos brasileiros, um valiosíssimo acervo de imagens que servem de referência para estudiosos da nossa história e cultura sobre a primeira metade do século XIX. 183 A farta mesa em que o casal está se refestelando sintetiza o cenário de um jantar em família (ou conjugal) que era sempre servido no horário - dependendo da profissão do dono da casa – conforme citado anteriormente. Na cena, observa-se o uso de taças, talheres 102, toalha sobre a mesa e cadeiras com apoio para as costas, itens acessíveis apenas aos mais ricos naquela época. No ambiente retratado na figura acima se pode perceber negros livres e cativos (negros da casa) à disposição dos senhores, de diferentes formas: uns servem o jantar, uma negra abana o casal, e outros em posição para atender solicitações ou situações que possam surgir durante a refeição. Servidas pela sinhá, duas crianças - provavelmente filhos dos cativos - que ainda não foram utilizadas nos serviços mais pesados. Para Debret não passava de distração, uma forma de substituir “os doguezinhos (cachorros), hoje quase completamente desaparecidos na Eu ropa.” (DEBRET, 1954). (grifo do autor). 102 Talher, conjunto das três peças (garfo, colher e faca) de que as pessoas se servem quando comem. Na tentativa de apreender os utensílios da mesa de jantar, e considerando informações desencontradas, seja através de imagens, seja nos estudos sobre os utensílios, me utilizo de outras informações para confirmar que no Rio de Janeiro do século XIX, retratado por Debret, já existiam colheres. Segundo Cascudo (2004) o talher chegou ao Brasil em meados do século XVII e eram somente “utilizados” pelas camadas sociais nobres. Aqui uma divergência com Donato (2005): na versão deste, principalmente as colheres, eram poucas de prata, comuns de chifre, usualmente de pau. Substitutas dos garfos de cinco pontas para o consumo de cozido e sopa. Note-se que Donato (2005) não utiliza o termo talher, que seria o conjunto das três peças. Ele cita em separado as funções de cada uma, o que se supõe foram peças introduzidas nos lares brasileiros em separado. Resta saber em qual camada social estas peças, em separado, ou o conjunto, foram introduzidas nos lares domésticos brasileiros. Para Cascudo (2004) o talher chegou ao Brasil em meados do século XVII nas casas mais nobres que possuíam “muitos” e de prata, mas eram pouco usados, uma vez que o mais comum era comer com as mãos (documentado por Graham [1956] quando preceptora de Dona Maria da Glória, filha de D. Pedro I, entre 1822 a 1825) e apenas os homens usavam as facas. Somente no final do século XIX, passou-se a usar o garfo para levar a comida à boca sem ajuda da faca. E acrescenta que ao final da refeição cruzavam-se os talheres dando sinal ao criado para retirar o prato. (CASCUDO 2004). Em dias comuns, os talheres usados, mesmo nas casas mais ricas, consistiam de duas facas colocadas no centro da mesa, usadas por todos para espetar e cortar a carne, os outros alimentos eram levados à boca com as próprias mãos (KOUTSOUKOS, 1994). A imagem de Debret retrata um pouco essa lógica, mas com ênfase na faca, tanto para cortar quanto para ir à boca. (Cf. Sinhá servindo a carne ao crioulo com a ponta da faca). E a faca, pontiaguda e personalizada era bastante utilizada (antes de surgirem os garfos e colheres) principalmente por homens, o dono da casa, e geralmente carregada. Quando era convidado para jantar em outras residências levavam consigo o garfo. (cf. Donato, 2005; Algranti, 1997). 184 FIGURA 84 - JANTAR EM FAMÍLIA. FINAL DO SÉCULO XIX Somente o casal à mesa na sala de jantar sendo servido por duas Empregadas FONTE: oquevipelomundo.blogspot.com.br A imagem acima retrata o jantar de uma família abastada em finais do século XIX. Percebem-se os mesmos padrões da cena reproduzida por Debret (1954): o jantar conjugal, sem a presença de filhos ou outro parente idoso. Ao redor serviçais servindo -os à mesa. FIGURA 85 - FAMÍLIA BURGUESA DE INÍCIO DO SÉCULO XX Fonte: oquevipelomundo.blogspot.com.br 185 Nesta imagem o casal com a presença (supõe -se) das filhas à mesa. Detalhe: os pais não se encontram na cabeceira, honra destinada ao provedor da família, evidente que do sex o masculino, mas duas das supostas filhas em cabeceiras diferentes. Ressente -se, novamente, da ausência de figuras idosas e infantis nas mesas de refeições do brasileiro. Imagens da família à mesa com filhos são mais encontradas em países europeus como a retratada na tela de François Boucher (Fig. 78 ) e no caso da figura 68 que retrata uma família americana provavelmente nos anos cinqüenta do século XX. FIGURA 86 - CENA DE REFEIÇÃO EM FAMÍLIA. FRANÇOIS BOUCHER (1739) França (Século XVIII) FONTE: Rybczynski (2002). Projeto Gráfico de Dounê. Segundo Perrot (2009) na França do século XIX, o filho herdeiro ocupava o centro da família já que representava o futuro desta. Mas o investimento (econômico, educativo, existencial) que se fazia em torno do filho não visava necessariamente à criança em sua 186 singularidade, pois que o grupo era quem prevalecia sobre o indivíduo. “[. ..] e a noção de „interesse da criança‟ só vem a se desenvolver na França tardiamente. Por enquanto, de modo geral, essa noção abrang e apenas os interesses mais altos da coletividade: a criança como „ser social‟.” (PERROT, 2009, p.134). („grifos do autor‟). Da mesma forma a presença dos avós em casa urbana não era comum e se dava mais em caráter temporário. A presença dos idosos era clássica no mundo rural e quando estes não podiam trabalhar devido ao peso da idade e saúde, começavam a surgir os problemas e conflitos familiares. No meio urbano as estratégias utilizadas pelos filhos era o sistema de rodízio para receber e hospedar os pai s idosos. Todavia, informa Perrot (2009) esta solidariedade entre as gerações tendia a se dissolver quando o fantasma dos asilos perseguia os velhos desamparados. O fato da velhice se transformar em risco em função de doenças e acidentes e ao mesmo tempo uma alteração nas percepções do tempo de vida, acentuavam a distorção das solidariedades familiares e limitavam os papéis e funções dos avós em relação aos netos. Aqueles intervinham de maneira mais ou menos pontual, revela Perrot (2009), conforme as distâncias. Como geralmente não cabia nenhuma função educativa aos avós, apenas lhes permitiam o luxo da ternura para com as crianças; e nos casos extremos quando estes ocupavam “[. ..]o lugar dos pais, mortos, ausentes ou incapacitados[.. .]”. Então, exerciam so bre os netos influência decisivas. Estas lembranças são documentadas em autobiografias em que os avós são figuras quase míticas e primeira experiência do desaparecimento e da morte e o papel efetivo dos avós na transmissão dos saberes e tradições. (PERROT, 2009, p. 157). Aliás, a relação da mãe ou pai com o filho, da avó ou avô – estes últimos pouco citados nos romances e ausentes em estudos que tratam do espaço da moradia com viés histórico-socioantropológico , são 187 apreendidos da seguinte forma na passagem do volume I No caminho de Swann (1913) do romance À la recherche du temps perdu (PROUST,1913/2013 p.12): Infelizmente, depois do jantar eu era logo obrigado a deixar mamãe, que ficava conversando com os outros, no jardim, se fazia bom tempo, ou na saleta onde todos se abrigavam se chovia. Todos, menos minha avó que achava que é uma pena ficar a gente encerrada, no campo e que tinha discussões intermináveis com meu pai, nos dias em que chovia forte, porque ele me mandava ler no quarto ao invés de ficar fora. Não é assim que você vai fazê-lo robusto e enérgico, dizia ela tristemente, principalmente este menino que precisa tanto de forças e de vontade. Meu pai dava de ombros e examinava o barômetro, pois gostava de meteorologia, enquanto minha mãe, evitando fazer barulhos para não perturbá-lo, olhava-o com respeito carinhoso, mas não fixamente para não dar a entender que buscava devassar o mistério da sua superioridade. Quanto à minha avó, em qualquer tempo, mesmo quando a chuva caía com força e Françoise entrava com precipitação recolhendo as poltronas preciosas de vime para que não se molhassem, era vista no jardim vazio e fustigado pelo aguaceiro, levantando as mechas grisalhas e desordenadas para que sua testa melhor se embebesse da salubridade do vento e da chuva. Costumava dizer: Enfim, respira-se! No Brasil, com o fim das casas -grandes, na família tanto restrita como ampliada, que se encontrava sob permanente ameaça de desagregação e das variações das fortunas, o chefe desta tinha como dever velar pela sua união; ou se caso fosse desfeita cabia ao mesmo refazê-la. Esta função era sempre destinada ao filho homem. Caso fosse filho único, por exemplo, de uma família de muitas filhas, este herdava também as responsabilidades do pai, inclusive de gerir os be ns da mãe e das irmãs e de ajudar aos cunhados, caso estas fossem casadas. Para os ritos religiosos, enquanto chefe de família, o pai também tinha o costume, especialmente na Sexta -feira da Paixão, reunir filhos, noras, genros e netos. No decurso desta re união, assinavam um termo de compromisso e exigia que todos os presentes também assinassem em que se previa que para comemorar este dia, seu primogênito ou o descendente mais velho que estivesse vivo, que se comprometesse daí a cinqüenta anos, assumir a ob rigação de realizar, onde quer que o livro de família esteja ele faria idêntica assembléia com todos os descendentes, cuja confraternização entre eles, tinha a 188 finalidade expressa de fortalecer os laços de harmonia e amizade no seio da família. (MELLO, 2008). Em apenas ocasiões como os ritos religiosos, era permitida a presença de crianças no recinto, apenas para rezarem, não para brincarem. “Na pirâmide da hierarquia, acomodavam -se homens ditadores, mulheres submissas, crianças esquecidas [.. .].” (QUINTAS, 2008, p. 59). Com exceção da família moderna da metade do século XX, conforme ilustração e passagens que registram a presença de crianças, adolescentes e idosos nos romances, não se identificou a presença de crianças, nem tampouco a presença de idosos, q ue não os donos da casa, nas horas das refeições. Por outro lado, nas imagens do século XXI já se percebe a presença de idosos e crianças com mais freqüência. O movimento de crianças pela casa, diferentemente de hoje, em que elas são o centro das atenções, não se via no Brasil do século XIX. A mãe brasileira, segundo a ótica de Kidder (1941), tinha o costume de entregar o filho a uma preta para esta criá -lo. Eram despachadas para a escola, colégio ou estabelecimento religioso assim que começavam a incomodar o conforto da senhora. Utilizando Ariés (1981) para tentar explicar a ausência , ou a pouca representatividade de crianças e idosos no cotidiano, seja retratada em imagens, ou incluída em estudos histórico -socioantropológicos; o fato é que as lacunas presentes nos estudos e/ou imagens, marcam uma tendência a separar o mundo dos adultos “saudáveis”, do mundo adulto dos velhos e decrépitos ; assim como o de separar o mundo dos adultos do mundo das crianças . No romance A moreninha , de Macedo (s.d.), o narrador descreve a impressão que a personagem Augusto, jovem estudante, tem em relação ao ambiente da sala de visita ornada com boa dúzia de jovens interessantes (p.16): 189 Pareceu ao estudante um jardim cheio de flores ou o céu semeado de estrelas. Verdade seja que, entre esses „orgulhos‟ da idade presente, havia também algumas rugosas representantes do tempo passado; porém isso ainda mais lhe sanciona a propriedade da comparação, porque há muitas rosas murchas nos jardins e estrelas quase obscuras no firmamento [...] A Sra. D. Ana, este é o nome da avó de Felipe, é uma senhora de espírito e alguma instrução. Em consideração a seus sessenta anos, ela dispensa tudo quanto se poderia dizer sobre o seu físico [...]. (p.17). („grifo do autor„). (grifos meus). Da mesma forma Machado de Assis (1971; s.d.), também ao buscar uma representação estética para expressar suas impressões sobre a velhice e relações familiares intergeracionais, acrescenta melancolia, amargura e ceticismo . Conclui-se que a presença de crianças e/ou idosos à mesa era pouco freqüente no século XIX. No século XX as crianças emergem nas cenas das refeições familiares. No século XXI, os idosos. No entanto, já se vislumbrava a presença dos avós no início do sécul o XX, em famílias populares. Estes assumiam papéis destinados aos pais biológicos quando participavam (assim como na contemporaneidade) dos cuidados cotidianos das crianças da família por ser corrente um casal morar com os pais, O diferencial entre os a vós dos séculos XX e os avós do século XXI e dentre estes os de camadas sociais populares e camadas sociais mais abastadas é que aqueles recebiam “ benefícios especiais ao cuidarem dos netos”. (FONSECA, 2002, grifos meus). Ao receber ajuda dos filhos consolidavam sua posição na rede de parentesco, inclusive tendo o direito de recusar esse papel, sem correr o risco de ser preso. Hoje, já foi notificado e amplamente divulgado o fato de idosos terem sidos detidos judicialmente, ao se recusarem a pagar pensão ao n eto, na impossibilidade dos pais assumirem. 190 3.2 Portas adentram para a intimidade: dormir, sonhar, rezar, amar... . Falar da intimidade das residências é trazer à tona questões como espaço íntimo/privacidade e que não estão necessariamente condicionados aos espaços convencionais, ou compartimentalizados, como o quarto de dormir, por exemplo, ou a entrada principal de uma residência. Porque o dormir não tem um cantinho definido, pois pode ser tanto na cozinha, quanto na alcova, ou belles chambres (quarto de dormir). O acesso a uma residência não tem que ser forçosamente pela porta principal, mesmo que isto signifique quebra de convenções, de privacidade ou infringir as regras do bem receber. O que seria privacidade, então? Sabe -se que todos os espaços interiores de uma casa fazem parte da esfera privada; mas em que momentos esta esfera privada é acessível, independente do isolamento individual ou de atividades sociais, pelo grande número de convidados com os quais o dono da casa não tem qualquer rel ação íntima? A entrada de uma casa, por exemplo, é um espaço ambíguo e carregado de múltiplos significados na compreensão de Thébert (2009); na minha percepção depende não só do estilo de moradia, mas da forma como o morador se vê ou percebe sua casa em re lação ao mundo lá fora. Tradicionalmente, uma grande casa, ou apartamento, tem vários acessos. Mas, sabemos que existe uma entrada principal e que é exatamente nesta que se efetua “[...] de modo simbólico e concreto a comunicação entre o interior e exterio r.” (THÉBERT, 2009, p. 331). Contrariando a convencional compartimentalização da entrada de uma casa, incluo minhas observações acerca de três residências intergeracionais da contemporaneidade, selecionadas para a 191 pesquisa. Duas foram planejadas com a par ticipação dos moradores; uma não foi planejada com a participação dos donos, mas foi reformada por estes. As três residências fogem às regras do receber; mas, uma foge do modelo que tradicionalmente vem sendo utilizado no que se refere à arquitetura. Necessário acrescentar que todas têm a entrada de serviços, assim como entrada social. Mas a forma com estas residências fazem a ligação entre o público e o privado é o que as diferenciam das demais residências selecionadas para estudo. Para o primeiro exemplo, a Casa Shangri-lá , multifamiliar, apartamento duplex com cobertura, os visitantes não têm acesso de imediato à sala de estar, embora dela façam uso. Através do hall que tem uma entrada de serviço e outra social, as visitas, donos da casa e demais moradores, comumente acessam a entrada do apartamento pela sala de jantar com visão para a cozinha sem que esta seja integrada às demais salas. Aqui se trata de arquitetura planejada nos mínimos detalhes pelos donos. O segundo exemplo é da Casa Cor , residência unifamiliar que apesar de ter três opções de entrada: hall da sala de estar, porta da garagem e área de serviço/cozinha (FOTOGRAFIAS 1 e 2) comumente, os moradores entram pela área de serviço cuja visão, em princípio, é a lavanderia, a dependência de empregada e para ter acesso livre a casa, os visitantes, assim como os donos, passam pela cozinha e copa. 192 FOTOGRAFIAS 4 e 5 - CASA COR COM TRÊS OPÇÕES DE ENTRADA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis, Natal-RN (2014) Nesta residência, os visitantes têm mais acesso à sala de jantar, ao “quarto do papo” como eles denominam um dos quartos da casa, do que a própria sala de estar que fica no terceiro piso, e próxima a entrada principal. Na terceira residência, Casa Vale (FOTOGRAFIAS 6 e 7) a entrada social há muitos anos está fechada para visitantes; estes, assim como os donos da casa, parentes e amigos entram pela porta que dá acesso pelo espaço da sala de jantar, mas que com um simples movimento do corpo para a esquerda você já se encontra na cozinha, local onde os convidados são recepcionados pela dona da casa, viúva com 81 anos. FOTOGRAFIAS 6 e 7 - CASA VALE COM DUAS OPÇÕES DE ENTRADA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis, Natal-RN (2012) 193 A explicação para o primeiro caso é dimensão de arquite tura mesmo. No segundo caso a casa foi construída sobre três planos. A sala de estar, cujo espaço é o mais próximo ao hall de entrada, nunca é utilizada para receber visitas. O salão que fica no subsolo e o “quarto do papo” (para os mais íntimos), como chamam os moradores, são os espaços mais utilizados para receber os que vêm de fora. A terceira residência não foi planejada com a participação dos moradores, mas foi reformada com a participação destes. Assim, a sala de estar que é integrada à sala de jant ar, há muito virou “a sala das almas” conforme depoimento de Dona Zelita, 81 anos. Trata-se, portanto, da compartimentalização das entradas que revelam praticas diferentes, que demonstram acessibilidade aos espaços mais íntimos, sem necessariamente se deslocar até o quarto de dormir. Da mesma forma é o espaço de dormir, ou simplesmente dormir, e com ele os acessórios mais utilizados durante séculos que são objetos de análise neste capítulo. Collomp na sua obra Famílias. Habitações e coabitações (2008) dá bastante ênfase a cama. Esta, segundo o autor, era mais valorizada do que o próprio cômodo de dormir sendo objeto sempre citado em inventários. O que reforça a minha observação sobre a compartimentalização dos espaços da casa, de que as atividades íntimas e privadas no cotidiano das famílias intergeracionais do século XIX ao século XXI não estão condicionadas a um determinado espaço setorizado como o espaço de dormir , o espaço de rezar , mas se desenvolviam e se desenvolvem em toda extensão da casa. Com o 194 dormir não pode ser diferente. Não importa em que espaço, mas como e em que se dorme. Para dormir, em conformidade com as atividades do cotidiano, comumente se utiliza a cama. Esta evoluiu entre o século XVI e o século XVIII, ao assumir, progressivamente, aspectos mais elaborados e caros, em especial no final do século XVIII. Tanto na área urbana como rural, havia camas nas belles chambres e na cozinha. Em algumas regiões, onde a única lareira se situava na sala, as pessoas dormiam nesse único aposento aquecido em época de inverno. Nas casas de um só cômodo, a cama, ou as camas ficavam nesse cômodo único, onde todos os membros da família dormiam, comiam e viviam. Entre os pobres, o único leito disponível servia para abrigar o sono da família inteira. Mesmo na s casas que tinham vários cômodos, tanto de agricultores quanto de burgueses, no meio rural ou urbano, a cama ou as camas sempre se localizavam no aposento onde as pessoas viviam e acendiam fogo, preparavam e consumiam os alimentos a exemplo das regiões francesas da alta Provença ou Borgonha, ou nos vales pirenaicos no século XIX. Em uma hierarquia da ocupação dos diferentes cômodos da casa, dormir na sala junto ao fogão era privilégio do chefe de família e sua mulher. Fato comum tanto nas residências dos mais abastados quanto de camponeses na Alsácia. (COLLOMP, 2008). A quantidade de camas no cômodo, ou cômodos das habitações, dependia do número de pessoas que moravam na casa. Até o final do século XVIII ainda não se tinha registros do individualismo ou iso lamento noturno, a não ser em residências burguesas. Qualquer espaço destinado ao repouso, o que não significava que fosse destinado ao sono, pois foi preciso muito tempo para que ele fosse destinado realmente a esta finalidade, sobretudo na sua individualidade, segundo Perrot (2011). O desejo de ter um quarto para si , para sonhar, amar, escrever ou simplesmente dormir é uma invenção 195 relativamente recente cuja prática, tão imprescindível como marca da individualização, é menos universal do que parece. (PER ROT, 2011, p.47). As necessidades e as razões para que este (o quarto) tenha se tornado o centro da intimidade, foram em princípio, o pudor, o desejo de esconder o exercício da sexualidade, ou como finalidade de procriar, segundo as prescrições do código matrimonial. Embora lícita e honesta essa prática necessitava de um quarto fechado a qualquer espectador, porque “o pecado perverteu a natureza e a vergonha manda dissimular o ato sexual aos espectadores e sobretudo às crianças” conforme as prescrições da Igreja primitiva. (AGACINSKI, citada por PERROT, 2011, p.55). De acordo com Perrot (2011) essa percepção cristã do sexo, concorria para que os casais dormissem separados. Entretanto, o desejo de intimidade surgia do próprio casal. À medida que o casamento moderno integrava amor, livre escolha dos indivíduos e desejo de uma sexualidade mais bem compartilhada, surgia à necessidade de um quarto para dois . (REBREYEND, citada por PERROT, 2011, p. 55). O quarto conjugal foi consagrado, de certo modo, por Vitória e Alberto (casal real britânico do século XIX) que davam ao mesmo grande importância. Só se tornou comum depois de 1840 junto à classe média, com proporções modestas, perto dos quartos das crianças, já que fazia parte da mesma unidade orgânica familiar. Não só o sono, sexo, amor, doença, necessidades do corpo impeliam ao isolamento; mas também os desejos da alma, como rezar, meditar, ler e escrever. O isolamento e a privacidade adquiriram formas diversas, tanto quanto engenhosas como uma cabana, compartimen to de trem, cabine de navio, sendo o quarto apenas uma das formas do direito ao segredo. 196 Ao longo dos três séculos, aqui analisados, o quarto sofreu várias transformações. Em princípio, mais precisamente no início do Brasil colônia, o espaço da moradia p or não ser setorizado, portanto, de apenas um vão, atendia diferentes necessidades de seus moradores. O espaço que seria destinado só para dormir era usado não só para dormir, mas também para fazer refeições privadas e entreter os visitantes mais considerados. O quarto de dormir acabou se tornando um lugar para onde todos se retiravam, de modo que foi necessário criar outros espaços mais privados. (BRYSON, 2011, p. 77). As alcovas de estilo árabe, ou camarinhas, no Brasil , por exemplo, ficavam no interior das casas das famílias mais abastadas e eram destinadas as moças, meninotas e donzelas. A ausência de janelas era substituída por muxarabis 103, que foram bastante utilizados em países tropicais para preservar a ventilação dentro dos ambientes. Mas tinham outra função: preservar as mulheres da casa de olhares masculinos da rua. Assim, elas podiam olhar a rua sem serem vistas do lado de fora. “Uma arquitetura conventual a recomendar requintes de reclusão [...] o que se almejava era exatamente o caráter de encarceramento no sentido metafórico da palavra.” (QUINTAS, 2008, p.51). Manter a família isolada e defendida, preservada de olhares de estranhos, era prerrogativa do chefe da família. O viajante não passava do quarto de hóspedes que tinha a porta voltada para o exterior, sem acesso ao interior da casa. (DONATO, 2005; VERÍSSIMO e BITTAR, 1999). 103 O muxarabi é um recurso criado pelos árabes (muito parecido com o combogó, para fechar parcialmente os ambientes de maneira que quem está dentro possa ter visão total do lado externo, porém de forma a preservar sua intimidade (a principal função do muxarabi no mundo árabe era proteger as mulheres de olhares masculinos). 197 Há outro tipo de arranjo residencial, talvez realmente novo, em se tratando do tipo de relações que não seja caso de amantes em busca de espaço para encontros casuais ; ou casais separados por divórcios. É o caso de cônjuges, casados oficialmente, que moram em apartamentos/casas diferentes e só se reencontram em finais de semana independente de terem filhos ou não. 104 Este tipo de arranjo domiciliar vem acontecendo no Br asil, especialmente em Minas Gerais e Rio de Janeiro; em Natal, conforme observado em uma das residências selecionadas para a presente tese. Nos Estados Unidos já tem um nome para este tipo de arranjo: living apart together (vivendo em casas separadas); co ntam com 1,7 milhões de adeptos105 que alegam, entre outras justificativas, privacidade e independência; e acreditam que este novo arranjo reacende a chama da relação. Exemplifico o caso, de um casal de Minas Gerais, que após seis meses de namoro, decidiu morar junto, mas em camas separadas dentro do mesmo quarto. Por volta dos seis anos de relacionamento quando se mudaram para Brasília havia o quarto do marido e o quarto da mulher. O casal radicalizou quando a esposa retornou de uma temporada no Canadá, dec idindo “viver juntos, mas em casas separadas”. (KIEFER, 2013). Os modos de morar desta família não convencional, mesmo para os padrões de início do século XXI, têm suas estratégias: o casal tem uma filha de dez anos que tem um quarto em cada casa, embora passe a maior parte do tempo com a mãe; compartilham a mesma secretária do lar 106 que consideram peça-chave no relacionamento e elo entre os dois apartamentos. Pois, trabalha pela manhã na casa da esposa 104 Matéria veiculada pelo Programa Fantástico: Show da Vida da Rede Globo. 105 Casais mantêm casamentos em casas separadas. Sandra Kiefer. Matéria publicada em 07.07 de 2013 pelo site www.em.com.br/app/noticia/gerais 106 Termo que substitui o de empregada doméstica. 198 e duas vezes por semana faz faxina na casa do marido. Q ualquer comida ou novidade que a secretária faz na cozinha da patroa; ou falta algum item no material de limpeza da casa dele, a secretária vai até a despensa da patroa e leva para a casa do patrão. O que motiva os casais contemporâneos, a manter este tipo de arranjo, são aquelas diferenças que se dão no cotidiano: ambos trabalham em áreas de comunicação, mas com atividades diferentes; ele cineasta e ela relações-públicas/gestora cultural atualmente no setor privado; ela é sol, ele é lua. Enquanto ela acord a cedo, às 6h30, ele está se preparando para dormir, pois passa a madrugada vendo filme, trabalhando ou fazendo montagem das cenas. Ele trabalha a maior parte do tempo no estúdio que montou dentro de casa, fazendo do seu apartamento uma oficina. Enquanto e la não admite levar trabalho para casa. No entanto, ele acha que morar em duas casas é bobagem, porque gasta-se em dobro. Os motivos citados são razões diferentes por casais do século XIX. Na França de 1852, por exemplo, ainda se considerava como ideal o emprego de quartos separados para cada membro do casal, alongando-se, segundo Malta (2011) a tradição aristocrática de apartamentos107 separados, embora fosse admitido um salão de comunicação entre o casal; aos poucos o casal foi adicionando (talvez por orientação de manuais de decoração, ou de familiares) um quarto de reserva que teria as funções de gabinete, abrigo quando um dos cônjuges estivesse doente, ou para quando o marido demonstrasse o interesse de dividir o quarto com a esposa. Já incluso nos appartements uma variedade de cômodos como gabinetes de trabalho, biblioteca, boudoir, quarto de banho, gabinete de toilette e quarto de dormir só franqueados apenas aos amigos íntimos, aos empregados e médicos da 107 Apartamento ou appartement (termo de tradição francesa; mas a prática de agrupar pequenos cômodos com funções diferenciadas se originou na Itália no período renascentista), diferente do nosso entendimento na atualidade, era considerado um conjunto de cômodos, normalmente organizados de forma sucessiva, pertencentes a uma pessoa. (MALTA, 2011, p.94). 199 família. Nas figuras 80 e 85 modelos de apartements conforme o descrito por Malta (2011). FIGURAS 87 e 88 – QUARTO DO REI LUIS I DE PORTUGAL. QUARTO DA RAINHA MARIA PIA PORTUGAL Fonte: www.palacioajuda.pt Na verdade dormir junto só se tornou possível a partir do século XVII, como resultado da moral social e religiosa, típica das sociedades ocidentais com a expectativa de que dormir não fosse a única atividade realizada pelo casal. As pessoas mais abastadas tinham quartos separados para o homem e a mulher da casa. (PERROT, 2011, p. 55). O que acontece até hoje. Só que por razões diferentes. São tipos de arranjos que se repetem ao longo do tempo. Antes, tabus eram os quartos, como se pode observar na pesquisa, hoje não existe mais esta resistência. Na contemporaneidade, são os banheiros que parecem ter assumido esse papel. Finalizando a análise de diferentes cômodos e de seu uso, torna-se evidente que houve permanências e mudanças no tocante ao habitar nos últimos três séculos. As inovações no morar estiveram e estão ligadas ao uso de equipamentos tecnológicos, muito mais do que na própria estrutura do domicílio. Cada época tinha seus valores expressados na riqueza de seu ambiente doméstico de seus modos de vida. Surpreendente é a permanência de estereótipos de classe e gênero 200 na sociedade brasileira contemporânea onde relações cada vez mais horizontais se dão entre as pessoas. Neste capítulo tirar os idosos da visibilidade foi certamente o maior desafio, mas recorrendo a grande variedade de fontes, imagens e literatura ficcional (Machado de Assis, 197 1; Joaquim Manoel de Macedo, s.d). Esta em especial, proporcionalmente, menciona mais o idoso do que as fontes historiográficas. No entanto, buscam uma representação estética para expressarem suas mórbidas inquietações quando se trata de pessoas idosas. 201 4 UM CONDOMÍNIO CHAMADO FAMÍLIA: COTIDIANO E USO OBJETIVO E SUBJETIVO DA CASA INTERGERACIONAL. O título pode parecer irreverente, pois não estamos acostumados a nos relacionar, no nível consciente como seres coletivos. (COSTARDI) Um condomínio chamado família título emprestado do, também homônimo, trabalho literário de autoria de Costardi (2001). 108Com enfoque um pouco diferente do que propõe o autor 109 (2001), condomínio para este trabalho, significa, pelo ângulo arquitetônico/físico e geométrico, discutir o aspecto estético e funcional do ambiente construído (interno); ou seja, as percepções sobre o projeto de cada residência, as formas encontradas para organização do espaço; a “disposição dos seus aposentos, do mobiliário e dos ornamentos das decorações” (ABRAHÃO, 2010, p.74) e as estratégias que as famílias intergeracionais se utilizam quando event os como morte, nascimento e introdução de um novo morador, modificam a dinâmica do espaço doméstico e como este é percebido, não só do ponto de vista estético, mas do ponto de vista funcional e emocional. Simultaneamente a discussão envereda pelo espaço antropológico e virtual da casa intergeracional sugeridos respectivamente por Lévy (2003) e Tramontano et al (2002) e a dimensão de quem nele habita; e dentro deste condomínio a casa , que também pode ser 108 Dr. Antonio Carlos Costardi é médico neurocirurgião, terapeuta, conferencista e autor de três livros: Quebrando o espelho; Cartas a uma amiga; Um condomínio chamado família. Este último inspiração para o título do capítulo. 109 Um condomínio chamado família é um ensaio reflexivo sobre as questões que envolvem a família no seu cotidiano com abordagem terapêutica, psicológica e filosófica. 202 apartamento, conquanto que seja o lugar onde fica o coração , na percepção de Gifford (1997). Ainda que se trate também da estrutura física (interna); se discute o ato de morar , o cotidiano destas famílias e as várias possibilidades e configurações da casa e da dinâmica das famílias intergeracionais e não tomado exclusivamente por seus caracteres objetivos, como diz Brandão 110 “mas considerando toda a dimensão subjetiva, produzida por fluxos imateriais que constituem igualmente esse espaço”. Uma espécie de simbiose entre o cotidiano e os usos objetivos e subjet ivos da casa intergeracional 111. É preciso ir além. Porque somente identificar como os co - habitantes - da casa intergeracional - dividem ou compartilham o espaço da casa, seja para comer, dormir, conversar ou trabalhar, não é suficiente para compreender a dinâmica, o cotidiano da família intergeracional. É preciso corroborando com Algranti (1997) entrar nas residências e buscar junto aos seus co -habitantes fragmentos de suas intimidades e seus costumes domésticos. Os “fatos aparentemente miúdos e irrelevantes do cotidiano, [pois são estes, que nos leva a] compreender os aspectos mais imediatos da sobrevivência humana [.. .] (ABRAHÃO, 2010, p.13-14[grifos meus]). A metodologia, conforme designada na introdução do trabalho se configura qualitativa, porque neste condomínio não se teve pretensão a representatividade estatística. Ao dar uma olhada achei este perfil de família intergeracional que não seguiu dados numéricos, mas apenas dados subjetivos obtidos das entrevistas semi -estruturadas e dos registros do caderno de campo. A entrevista semi -estruturada cujo roteiro foi uma ficha de anamnese sociodemográfica e espacial como se fosse um guia. 110 Entrevista concedida por Ludmila Brandão ao Expoidea, Recife-PE em 19/10/2013. In: Ludmila Brandão fala sobre a subjetividade dos espaços. Pesquisadora, autora de "A casa subjetiva", é convidada da Expoidea neste sábado (19/10). 111 Casa intergeracional é um termo construído e adicionado, por este trabalho, em decorrência do acúmulo de teorias e percepção da realidade empírica. 203 Em pelo menos quatro residências, as questões não seguiram a ordem prevista no guia porque a informalidade, provocada pel o conhecimento que tinha daquela família, e daquela por mim, surgiram questões do nosso cotidiano , ou seja; não era só o pesquisador que estava interessado naquela família, mas aquela família também estava interessada pelo cotidiano do pesquisador. O proce dimento informal realmente possibilitou o acesso às informações, além do que se listou. Em síntese, na entrevista semi-estruturada a lista de questões e/ou tópicos permaneceu, mas a entrevista em si permitiu uma relativa flexibilidade. A metodologia qualitativa utilizada teve como suporte empírico observar os espaços domésticos e recuperar as atividades cotidianas ao “penetrar em um dos domínios mais elucidativos da cultura, pois nos permite conhecer aspectos muito reveladores da estrutura de uma sociedade” . (ABRAHÃO, 2010, p.173). As entrevistas com as pessoas de referências das famílias intergeracionais foram realizadas com base nas reflexões centrais desta pesquisa, assim sintetizadas: quem é e como vive a família intergeracional na contemporaneidade? Como gerações tão heterogêneas dividem o mesmo espaço e como se inter -relacionam? como o espaço cotidiano, da casa, se manifesta e influencia no tipo de convivência ou co-habitação entre gerações? fortalece a convivência ou provoca o isolamento? existe como forma de estreitamento dos laços intergeracionais, ou apenas como estratégia de sobrevivência, para resolver problemas, entre os membros da família, como por exemplo, a utilização do espaço/residência do idoso como uma espécie de conexão enquanto os jovens adultos/pais saem para trabalhar e não têm com quem deixar a criança? 204 Assim, o presente capítulo propõe compreender como diferentes gerações percebem e representam o espaço construído, na sua forma objetiva e subjetiva; como estas percebem e representa m os aspectos que envolvem além da estrutura física, as ações e interações coletivas e individuais; e de que forma e em quais momentos o espaço da casa representa os desejos, os sonhos e o perfil de cada morador ao ponto em que este perceba que a sua casa tem o seu jeito . Para tal, contrariando o rigor metodológico de orientações científicas utilizei como critérios, além das minhas experiências: pessoal e profissional 112, a minha percepção e circunstâncias com duas possibilidades reais: os laços afetivos familiares e de amizades que me garantiriam (e me garantiram) passe livre nas residências; inclusive possibilidades infinitas de aprofundar questões que não seriam possíveis realizar em pesquisas formais; e aquele espaço em que se concentram pessoas de grande proximidade socioantropológica (VELHO 2003); ou seja, foram utilizados os mesmos critérios de familiaridade com pessoas, cenários e situações. Aqui, tive de utilizar o meu conhecimento de significados , conseguidos através do conhecimento das famílias que estava estudando, o que facilitou a comunicação pelo simples fato de que a minha linguagem era a mesma dos sujeitos entrevistados e observados. (SALES, 1999). Corroborando com Velho (1999, p.127) advirto que embora os laços afetivos e o fato de conhecer os atores que compôs a pesquisa, tenham sido condições essenciais, não significou que conhecia o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em uma situação social. (VELHO, 1999, p. 127, grifos meus). Pois conforme assinala Benevides (2008, p. 28) é “o campo indubitavelmente, o local onde a capacidade de 112 A experiência profissional adquirida como pesquisadora desde 1998. Coloco aqui a necessidade que o pesquisador tem de driblar os rigores metodológicos das pesquisas tradicionais respaldadas, ora no positivismo, ora no materialismo dialético enviesado, demonstrando que rigidez e regras muitas vezes mais atrapalham do que ajudam, principalmente no trato humano. 205 lidar com a surpresa e de entendê-la determinará o êxito de seu investimento” . O campo aqui referido é aquele em que se articulam as investigações empíricas e as de cunho bibliográfico e documental ; estas se referem aos modos de apropriação do espaço da casa na contemporaneidade. Os critérios utilizados para selecionar as famílias intergeracionais já foram devidamente justificados no primeiro capítulo intitulado Da Casa Grande ao Condomínio Fechado : uma introdução metodológica e afetiva . Mas, necessário se faz uma rápida informação sobre alguns detalhes técnicos em relação à família intergeracional ou casa intergeracional. Portanto, foram seis as famílias intergeracionais de idosos (as) e com idosos (as), observadas e entrevistadas nas cidades de Natal e Rio de Janeiro 113 (cidades justificadas na introdução do trabalho), no período de dois anos, entre julho de 2012 e outubro de 2014. Considerou-se aqui, o tipo de família, ou tipos de famílias intergeracionais, cujos perfis diferem cada vez mais do tipo convencional; co-habitam de forma provisória, permanente, ou em conexão, nos diferentes espaços construídos, cujos modos de vida também apresentam diversidades que fogem ao modelo clássico dos modos de viver de séculos anteriores. As entrevistas 114 foram realizadas, de preferência, com as pessoas de referências de cada família, idoso, ou idosa, ou pré -idoso ou pré-idosa, conforme notificado na introdução desta tese; mas, conforme as circunstâncias e as necessidades, alguns contatos com outros 113 Por solicitação do entrevistado que mora na cidade do Rio de Janeiro, temendo que o seu perfil fosse de cara identificado - já que da cidade do RJ só existe uma residência selecionada- a solução foi misturar o perfil residencial/familiar carioca às residências/famílias, de Natal; esta manobra não inviabilizaria, assim como não inviabilizou, os resultados do estudo uma vez que os critérios, já justificados, tanto para as entrevistados (pessoas próximas como os parentes, amigos e amigos de parentes); quanto para os locais selecionados. 114 Estas foram realizadas com base em um roteiro elaborado para esta finalidade e que constavam questões que abordavam desde o simples histórico de cada família, de onde se origina, quem mora e como mora, assim como as relações que se estabelecem entre seus membros e o espaço construído da casa intergeracional. 206 membros das famílias que se encontravam mais disponíveis também se fizeram pertinentes. Foram selecionados, também, para as entrevistas outros atores que indiretamente, ou diretamente, participaram do processo como arquitetos e designers de interiores que produzem, projetam e decoram. O estudo também fez uso de observações indiretas (estudo documental), na primeira fase da pesquisa, com produções não acadêmicas, mas com arquitetos representados por revistas especializadas no ramo 115, cujo público-alvo, em geral, é aquele de alto poder aquisitivo e médio poder aquisitivo (consumidores dos seus produtos). Constatou-se que os projetos publicados em revistas pela ordem são, em sua maioria, destinadas aos adultos jovens e/ou crianças. Adolescentes vêm depois, seguidos dos idosos e de idosas que praticamente inexistem enquanto público a ser considerado. Arquitetos, designer de interiores e moradores famosos da sociedade brasileira (consumidores dos serviços destes profissionais), também foram ouvidos através de depoimentos gravados para séries de televisão, como por exemplo, o seriado Casa Brasileira divulgado pela GNT, hoje na sua quinta temporada. Cabe ressaltar que as produções arquitetônicas divulgadas por séries de televisão, o público alvo se encontra na faixa etária dos quarenta aos setenta anos ou mais. Esta constatação nos instigou outras indagações acerca destes profissionais: como eles pensam a casa e sua relação com os moradores? A residência é planejada/desenhada e/ou decorada para servir a quem? Ao mercado imobiliário? Ao futuro morador? Quando pensam nos clientes, planejam considerando: o tamanho da família que vai habitar o imóvel; as necessidades e expectativas de seus clientes? Considerando a camada social específica - no caso a camada social de alto poder aquisitivo e a camada social média alta - que tipo de público ou futuros 115 Casa Claudia, Casa e Decoração, Minha Casa, Revista Habitare, Casa e Arquitetura. 207 moradores vem à mente de quem projeta e decora? Bebês, crianças, adolescentes, jovens adultos ou idosos? Para os arquitetos questionou - se, ainda, se estes pensam em si e se transferem para seus projetos os anseios, sonhos e percepções sobre o significado de casa. As análises das entrevistas e observações se sustentam à luz das idéias e categorias utilizadas por Lefebvre (1991; 1961) como o espaço cotidiano e o habitar; em Tuan (1983) espaço/lugar; e em Rybczynski (2002) conforto, e suas variáveis como intimidade, privacidade, conveniência, bem-estar físico e domesticidade . A relação do espaço construído das famílias intergeracionais com o status-renda-consumo familiar, mais especificamente a compra e a forma de utilização dos objetos, o estudo se apoiou em Roche (1999 2007) 116. Estas (idéias e reflexões) aparecem diluídas ao longo do texto especialmente quando focalizo o lugar dos objetos e dos artefatos na contemporaneidade (BOSI, 1994) e a forma da família intergeracional do século XXI se relacionar com eles, assim como a relação com o espaço da memória. Aqui incluo a contribuição de Bosi (1994). Então, como pretendia uma espécie de simbiose entre o objeto físico/geométrico e o espaço antropológico/habitado; entre cotidiano e os usos objetivos e subjetivos da casa intergeracional, foi necessário buscar na Teoria da Psicossociologia , que tem na Psicologia Ambiental (GIFFORD, 1997) uma subárea, em que busca a inter-relação pessoa- ambiente, numa perspectiva de mútua influência. Esta carrega conceitos/categorias como privacidade, apinhamento, espaço pessoal , para citar alguns, identificados nas falas dos entrevistados desta pesquisa. Acrescentaria a interatividade virtual (TRAMONTANO et al, 2002) que com o aumento da tecnologia, no cotidiano das pessoas, são introduzidas novas dimensões ambientais no espaço construído da casa 116 Estas categorias de Roche (1999, 2007) são essenciais quando este realizou um percurso ao longo da história das civilizações sobre o consumismo entre os séculos XVII e XIX. Embora insuficiente, tendo em vista que este não conseguiu demonstrar a mudança dos padrões do consumo do moderno para o contemporâneo, que é a realidade que nos cerca, as idéias e reflexões de Roche (2007) foram absorvidas, porém ampliadas e transportadas para a contemporaneidade ao espelhar o funcionamento destes mecanismos. 208 que afetam as relações familiares. A interatividade virtual , nos lares, iniciada no final dos anos de 1990, do século XX e de suas infinitas possibilidades de existências virtuais, como sugere Tramontano et al (2002) é uma categoria de apreensão para identificar e refletir sobre os modos de morar e estilos de vida da família intergeracional contemporânea, [...] vez que as existências virtuais são algumas das primeiras manifestações do surgimento das chamadas „novas mídias‟, exponenciadas, por exemplo, pela banalização dos sistemas televisivos a cabo e via satélite do sistema de telefonia celular e da internet. (TRAMONTANO et al,fl.1,2002). Estas, ainda segundo Tramontano (2002) “influenciam e redimensionam distintos nacos da vida cotidiana” (p.2). Diria que rearranjam o espaço doméstico e alteram a experiência do tempo nos lares. A comunicação ficou mais instantânea através do smartfhone, internet, WhatsApp, TV via satélite, com o mundo lá fora; porém, torna - se obsoleta/quase inexistente a comunicação no cotidiano da família e como reforça Tramontano ao se referir aos habitantes que vivem na metrópole do século XXI: [...] parece ser um indivíduo que vive, principalmente, sozinho, que se agrupa eventualmente em formatos familiares diversos, que se comunica à distância com as redes às quais ele pertence que trabalha em casa, mas exige equipamentos públicos para o encontro com o outro, que busca sua identidade através do contacto com a informação (TRAMONTANO, 2002, p.2, grifo meu). Seguindo esta lógica, os trabalhos de Lévy (2003) sobre o espaço antropológico já justificado no terceiro capítulo, desta tese, intitulado Cotidiano e vida privada no Brasil . A Teoria do Intercâmbio Social também se fez necessária por enfatizar a reciprocidade nas relações de ajuda envolvendo os idosos e 209 seus familiares (LEE, 1985; ANTONUCCI, 1990). A teoria sustenta que faz parte do processo de interação social, o indivíduo, ao longo de sua existência, assumir o papel tanto de provedor quanto de receptor. Introduzo, tomando por base o estudo de Saad (1997) sobre os elementos presentes na teoria do intercâmbio social , por considerar, que na realidade empírica em estudo, o intercâmbio de ajuda se faz presente ao longo de todo percurso familiar numa espécie de contrato intergeracional quando estipula o papel dos diferentes membros da família em cada estágio do referido percurso reforçando o fluxo intergeracional especialmente quando este parte da necessidade dos seus filhos/genros/noras nos cuidados com os netos. Ressalto que são do somatório das referidas teorias e da realidade empírica da família intergeracional contemporânea; das inter- relações entre a família intergeracional e seu ambiente; e entre membros da casa intergeracional, que surgiram categorias como privacidade, individualidade, intimidade, conforto, afetiv idade, interação (focada e desfocada) , apego, apoio, apinhamento, maternidade transferida, e habitar; categorias diluídas nas discussões em todo o texto. Este capítulo é composto de três seções. No primeiro, intitulado O condomínio Intergeracional traço um perfil geral familiar e domiciliar de seis famílias intergeracionais. O perfil descreve e analisa os níveis de conforto ou não, das residências a partir do acesso a bens e equipamentos de uso doméstico, como as características e condições internas e estrutura das unidades domiciliares; de forma mais individualizada procurei selecionar as residências (FIGURA 86 localização dos bairros das residências selecionadas) com base em dois critérios: a) casas e apartamentos planejados e projetados com a participação das famílias. Neste perfil se concentram um apartamento de cobertura no Rio de Janeiro, no bairro Barra da Tijuca que não se 210 encontra devidamente identificado como sendo do Rio de Janeiro, mas diluído nas residências de Natal conforme justificado na intr odução deste capítulo; e uma residência unifamiliar em Natal localizada no bairro de Capim Macio; b) casas e apartamentos que foram planejados e projetados sem a participação das famílias. Aqui estão incluídos: um apartamento no bairro Tirol; e três residências unifamiliares localizadas nos bairros da Candelária (duas residências unifamiliares do conjunto habitacional de Candelária que não foram planejadas pelos donos, mas foram reformadas em seu interior para acomodar os moradores); e no bairro de Lagoa Nova que não foi planejada pelos donos, mas também reformada para atender as necessidades dos moradores. 211 FIGURA 89 - LOCALIZAÇÃO DOS BAIRROS DE NATAL-RN SELECIONADOS PARA ESTUDO FONTE: economia-do-rn-blogspot.com 212 Vale acrescentar que apesar de se obs ervar residências com histórico padronizado, em especial a do Conjunto Habitacional da Candelária117, selecionei aquelas que são consideradas dentro dos padrões socioeconômicos de porte médio -alto a elevados, refletidos nas casas reprojetadas por arquitetos, cujos cômodos foram idealizados para “desconfigurar” o padrão original em todos os aspectos, seja para ampliar e utilizar todo metro quadrado, construído e não construído; e para responder, na medida do possível às necessidades da família e para que a mesma tivesse o mínimo de conforto no cotidiano. Acontece que todas que foram reprojetadas tinham em seu espaço, em média, cinco pessoas (a maioria dos casos o casal, três filhos); o que significa dizer que se a casa tivesse três quartos (o padrão), evidentemente que um quarto seria dividido com duas pessoas, no caso se fossem do mesmo sexo, outra para somente um, e outro para o casal. Em torno de 36 anos, boa parte das casas do Conjunto Candelária, por exemplo, passou por reformas e muitas estão hoje totalmente descaracterizadas. Ao rever o perfil de cada residência intergeracional, percebi que todos, com exceção de duas famílias, são de cidades do interior do estado do Rio Grande do Norte; as famílias referenciadas como não nascidas no Rio Grande do Norte, são de Garanhuns/Pernambuco e outra de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A maioria mora na mesma residência em torno de trinta e trinta e seis anos; somente duas famílias moram há menos de quinze e oito anos. A escolha dos moradores pelo local foi unânime, em pelo menos quatro das residências nos quesitos: localização e acessibil idade; e as demais, que foram projetadas com a participação das famílias, o que 117 As residências do Conjunto Habitacional da Candelária foram projetadas conforme empreendimento realizado pelo Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP/RN) no ano de 1975. (SEMURB, 2010). O bairro da Candelária nasceu conjunto habitacional e só foi considerado bairro em 05 de abril de 1993. 213 pesou foram os fatores conforto, privacidade e qualidade de vida . Das seis residências, duas famílias moram no conjunto de um bairro da zona sul da capital, Candelária; além dos serviços e infra -estrutura do bairro, existe na escolha um que de saudosismo, uma vez que conjuntos habitacionais, apesar deste não parecer conjunto - pois as residências há muito que perderam a sua característica original - Lembra uma cidade de interior. E é tudo muito perto: padaria, farmácias, açougue, ficam „em cima de casa‟[significa que ficam próximos à sua residência]. Cabeleireiro tem demais. Acho que em cada rua tem um. E como gosto de fazer refeições de vez em quando fora, tem restaurantes, pizzaria e o Buffett da padaria Bonfim. (Dona Zelita, 81 anos, [grifos meus]). Segundo depoimento de outra moradora: [...] O bairro da Candelária é quase uma cidade de interior, só que com semáforo, como costuma dizer a minha sobrinha em relação à Natal. Onde moramos é perto de tudo: igrejas, padarias, açougue, shopping, escola, apesar de que as escolas dos meninos se situam em Lagoa Nova, mas morar em Candelária tem um mérito: é o caminho tanto para o centro, praias, quanto para Ponta Negra, e praias do município de Parnamirim. O bairro era bastante tranqüilo, pelo menos há quatro anos. A maioria dos seus moradores tinha o costume de se sentar na calçada, hoje nem pensar. Uma amiga da minha sobrinha foi assaltada na minha calçada. Levaram seu carro e fica por isso mesmo. (Dona Jaci , 59 anos) . Mas, há um caso em que a moradora apesar de ter nascido e se criado no interior do estado, escolheu, além de outro tipo de moradia que não pertencente a conjunto habitacional, morar em apartamento e o bairro escolhido foi Tirol, assim relatado pela entrevistada: Desde que cheguei aqui, há 36 anos, moro no bairro Tirol por ser muito bem localizado, de fácil acesso e atende as necessidades de locomoção sem ter que utilizar carro porque tudo é muito próximo. A faculdade de Alyssum, o Shopping Midway, clínicas médicas, hospital, supermercados, padarias, cabeleireiros. Sempre morei em apartamento por questão de segurança e sempre morei neste bairro. O primeiro foi nas imediações do Supermercado Nordestão. A rua não era calçada, o apartamento só tinha três andares, portanto, não tinha elevador. Mas ele era bonzinho, com dois quartos, salas de estar-jantar integradas, cozinha. Pequeno, mas gostava dele. No início morei sozinha. Um ano depois veio morar comigo a minha irmã caçula Rosa. Casou-se, teve a sua própria casa. Mas quando se divorciou voltou a morar 214 comigo, já neste apartamento, trazendo o seu filhinho e a babá. Moram comigo há 17 anos ela e o filho. E o filhinho já é um rapaz de 23 anos. Eu moro neste apartamento há 29 anos. O apartamento atual é próprio. De excelente localização como disse. E em relação à estrutura arquitetônica tem três quartos, um com suíte, sala de estar e sala de jantar, não integradas, área de serviço, uma dependência em que colocamos objetos que não utilizamos muito. O único problema são as garagens. Que nota daria a minha moradia? Nota nove. (Violeta, 61 anos). Quanto aos moradores dos Bairros Capim Macio e Petrópolis, assim se expressam as entrevistadas: Eu quem quis morar aqui. Foi sempre o meu sonho. Tínhamos uma casa em Morro Branco. Não gostava onde morava. Até hoje é a mesma coisa. A mesma porcaria. Já tinha visto este lado aqui. Só tinha mato. E disse a Júlio que era aqui que gostaria de morar. Procuramos o dono deste terreno que nos vendeu de imediato porque o terreno era de frente para o sol e era bastante acidentado. No nosso projeto colocamos a área de serviço para frente, os quarto para trás que são os cômodos mais ventilados da casa. Quanto ao terreno ser todo acidentado não teve problema, nós construímos a casa em três planos. É essa a história. Adoro isso aqui. Hoje está totalmente diferente, só existe um ou outro terreno e o bairro cresceu muito. (Regina, 66 anos). Moro aqui há dez anos. É perto da praia, um dos melhores bairros daqui, talvez com a melhor qualidade de vida. (Nair, 65 anos). A seção seguinte Tendências de morar na contemporaneidade : formas e modos de morar das famílias intergeracionais reporta-se a questão do espaço co-habitado em suas formas de apropriação e intensidade de ocupação do espaço da moradia; e a relação destas com os moradores. Dentro desta modalidade de co -habitação são identificados dois tipos de famílias dentro desta categoria: família de idosos, onde o idoso é chefe ou cônjuge, com autonomia; e famílias com idosos, com vários graus de vulnerabilidade e dependência que necessitam da ajuda de familiares e moram na condição de parentes do chefe ou cônjuge. Inicialmente se pensou em trabalhar com esta categoria, mas constatou-se que residências com idosos, sem autonomia, não constitui um perfil de camada social média alta e de camada social alta. Este tipo 215 de perfil, ou seja, com idoso encontra-se mais em camadas sociais de menor poder aquisitivo. Quando se encontra nas camadas sociais de maior poder aquisitivo, geralmente os idosos têm a sua própria casa, mas, por se encontrarem em alto grau de vulnerabilidade, precisam do apoio da família, que se desloca, diariamente, para prestar solidariedade ou de ajuda especializada (VALÉRY, 2013). Este seção se refere, portanto, ao ato de morar , o cotidiano destas famílias e as várias possibil idades e configurações da casa e da dinâmica das famílias intergeracionais, especialmente as estratégias de sobrevivência em suas diferentes formas de co-habitação (permanente, temporária e conexão). Uma espécie de simbiose entre o cotidiano e os usos objetivos e subjetivos do espaço antropológico da casa intergeracional conforme destacado no início do capítulo. Na seção conversando com quem gosta de produzir, decorar e morar os dados foram obtidos de duas formas: observação indireta (documental) ao analisar revistas especializadas em construção e decoração; assim como séries de programas televisivos destinados à moradia; e empírica com arquitetos e decoradores de Natal. Em seguida são apresentados os perfis das famílias intergeracionais da contemporaneidade, sujeitos atores do presente estudo com seus respectivos nomes residenciais fictícios, assim como os nomes fictícios dos membros par ticipantes das famílias. Para salvaguardar a confidencialidade das residências intergeracionais, e respectivos moradores, optei por utilizar nomes fictícios originados de grupos étnicos e religiosos, como por exemplo, nomes indígenas, bíblico, árabe, hebraico. A escolha dos nomes não se deu de forma aleatória, mas intencional por caracterizar o perfil da moradia, de acordo com o retrato que nos apresenta, assim como os seus integrantes. Nomes fictícios ou trocados não invalidam o estudo, pois o que importa são os conteúdos e a proteção da individualidade e 216 intimidade de cada família omitindo alguns detalhes que poderiam identificar os sujeitos atores do presente estudo, mantendo, porém, a substância dos fatos revelados. 4.1 O condomínio intergeracional: perfil familiar e domiciliar da Casa Intergeracional Imagine-se chegando a um condomínio, não no sentido arquitetônico/físico; mas no sentido antropológico. Você não conhece ninguém que possa lhe indicar o caminho, ou caminhos, e prestar -lhes informações das quais necessita para mover-se sem correr riscos desnecessários. Imagine-se chegando ao mesmo condomínio, com características físicas e antropológicas próprias, conhecendo todos que nele habitam . Você sabe muito bem onde procurar e o que procurar porque naquele momento não lhe interessava amostra aleatória, e sim, intencional, ao selecionar entre as moradias/residências do condomínio intergeracional , àquelas que se encaixassem num determinado tipo de perfil que se procurava há três séculos, mas não enco ntrava. Porque, o que estava posto para a comunidade acadêmica, era um tipo de perfil de condomínio onde não se encaixavam famílias intergeracionais; estas eram desconhecidas, irrelevantes. E quando muito, lhes era permitido de forma desfocada, ou pontuando aqui e ali o mínimo de resquício do que veria a ser uma família intergeracional. Do portão identifiquei, de cara, seis casas (tinha muito mais, mas no momento as seis me bastariam como fontes primárias, embora tenha feito uso de fontes secundárias, devido o envolvimento dos que efetivamente não moram nestes condomínios intergeracionais, mas que 217 são ligadas por laços consangüíneos, de parentesco, e acima de tudo ligadas em função do intercâmbio existente entre eles). O fundamental é que se encaixassem no perfil que procurava em uma casa antropológica de famílias intergeracionais. Para identificar as diversidades dos perfis não me limitei as diferentes dimensões da conjugalidade; mas também em relação ao próprio idoso ou pré-idoso que não tivesse vínculo co njugal, seja por viuvez, divórcio ou celibato. Levei também em conta a influência etária (os mais velhos e representativos em primeiro lugar), posição social e trajetória de vida, o tipo de coesão e coerção (orientação para a autonomia, para a fusão, ou para o cerceamento). As variáveis desta dinâmica são apreendidas através da dimensão simbólica dos valores e representações , a trajetória doméstica , incluindo nesta a organização familiar e domiciliar. Das seis famílias entrevistadas e observadas, cinco são representadas por mulheres no ato da entrevista e uma família a representação ficou por conta do homem escolhido para participar da entrevista. As demais entrevistadas têm as seguintes características: a) são casadas, 64 e 65 anos respectivamente, e vivem com os maridos. A justificativa das esposas de porque elas, e não os maridos terem sido selecionados para as entrevistas, além da minha proximidade com as mesmas; é que os maridos passam o dia trabalhando, um passa o dia na indústria dele; e o outro no seu escritório de engenharia. Ambos são considerados, pelas esposas, a pessoa de referência da família. Das outras três representantes, uma é viúva (81 anos) e duas são solteiras (61 e 59 anos). Respeitando esta ordem, são famílias, que em média, têm entre três e quatro gerações nascidas no século XX, incluindo nestas gerações os que nasceram entre as décadas 1934 -1954, 1955-1965 e os intermediários que nasceram nas décadas de 1980, 1999 e 2009; e outra 218 geração nascida na primeira década do século XXI, frutos das gerações intermediárias. A seguir, as características sociodemográfica e espacial das famílias-casas intergeracionais. 4.1.1 A CASA ANDARILHA 118 Padrão de moradia unifamiliar. 120m² área coberta. Nº de cômodos: treze. Planejada e projetada sem a participação da família. Reformada com a participação da família. Bairro Lagoa Nova, Natal. Renda: acima de vinte salários. Automóveis: dois. Co-habitada por duas gerações. Três co-habitantes: ele, esposa e sobrinha. Faixa etária: 25 e 60 anos. A pessoa de referência é César, idoso, 60 anos. Economista. Emprego Federal. Um cachorro que atende pelo nome de Beethoven da raça labrador, 10 anos. A entrevista foi a mais informal possível. O grau de amizade - apesar de muito tempo sem contato - e os espaços entre um contato e outro (seis meses) facilitaram a abertura porque os assuntos, os mais variados possíveis, entraram na conversa. Assuntos como futebol, premiação dos melhores jogadores, até as viagens ao exterior (duas no ano: setembro e novembro) que César, pessoa de referência, realizou com sua esposa Célia, para a Europa (Viena/Áustria, Praga/Checoslováquia e Budapeste/Hungria) e Buenos Aires/Argentina. 118 Casa Andarilha porque os moradores têm como hobby viajar pelo mundo. Para países estrangeiros viajam em média duas vezes por ano. E a maioria dos finais de semana e feriados eles viajam para cidades mais próximas do estado ou do próprio estado. 219 Entre uma viagem e outra, assuntos domésticos foram se apresentando sem a formalidade exigida nas investigações científicas. Mas, do ponto de vista prático, essa foi a melhor forma de se obter intimidades e costumes domésticos de uma casa intergeracional. Boa parte das gravações não foi aproveitada para ser incluída no perfil , mas devo acrescentar que os adereços ajudaram a traçar o perfil família. Fica difícil dizer (foi necessário repassar a gravação e rever mentalmente o bate-papo, podemos chamar assim) quando se tem um roteiro para ser cumprido e determinado item que não se encontra no início do roteiro, foi o primeiro a ser discutido na entrevista com César, de 60 anos. Ou seja, o roteiro, cuidadosamente elaborado para iniciar a entrevista, não teve o menor sentido, na quele momento. Começaria, seguindo o planejado, pelos itens identificação, dados gerais da habitação , mas foi o terceiro item, o que inclui os eletrodomésticos , por onde a entrevista teve seu início. Estes itens surgiram quando falei (de onde estava sentada logo depois do entrevistado, ou seja, mais para o fundo do terraço): “aqui faz um ventinho bom.” Foi quando César confirmou que realmente aquele local era o mais ventilado da casa, e que se eu fosse para a sala veria “o forno que esta casa está” e por i sso dorme com ar condicionado e um ventilador ao mesmo tempo. Aproveitei o que estávamos discutindo e a partir daí entrei de forma indireta nos itens de eletro -eletrônicos, multimídia. Bem dizer a verdade, este item é o penúltimo no roteiro, vem logo após uso e ocupação dos espaços e antes do item relacionamento entre gerações. Inclusive este item que seria o último, tanto no roteiro, quanto para fazer entrevistas sobre o mesmo, entrou de forma a mais natural possível. Repito: entre uma conversa e outra, entre uma foto e outra. E 220 assim será demonstrado ao longo da característica domiciliar e familiar da Casa Andarilha. Retornando a conversa sobre uso de equipamentos eletro - eletrônicos e de ventilador e ar condicionado ao mesmo tempo, a conversa se ampliou para outros eletrodomésticos, e consumo de energia, pois além dos mencionados, a casa possui duas geladeiras e um freezer. Então, a pergunta óbvia e com admiração surgiu: [“prá que tudo isso César? uma casa somente com três pessoas, se tivesse ao menos criança, porque casa com criança a geladeira praticamente não fica fechada”]. Ele riu e a sua esposa, Célia (60 anos) que no momento estava ao nosso lado comentou: “e ele ainda quer comprar um freezer horizontal”. Ele explicou que tinham somente um freezer e uma geladeira sem ser duplex. Achava que era o suficiente. Mas como a geladeira não era fost free ele acrescenta : lá vamos reclamações (da mãe [tinha falecido há seis meses] e da esposa, as duas estavam envolvidas nas reclamações). E continua: [...] „que a geladeira dá muito trabalho, cria gelo demais e de repente não fica fechando‟. [imitando a mãe e a esposa]. Fui à loja, pesquisei, quero uma geladeira fost free, comprei. [intervenho: porque não vende? Ele respondeu]: Não vou vender, porque não vou ficar mais rico, não vou me desfazer, então [...] a geladeira começou a ficar pequena só com quatro pessoas. A geladeira mais antiga ficou lá atrás [área de serviço] e quando as coisas não cabem no freezer e na geladeira da cozinha [a mais nova], mandamos para a outra. („grifo do entrevistado, [grifos meus]). Entra a sobrinha Camila, 25 anos (que acabara de chegar) quando cobrei - já que a mesma é Arquiteta - a planta baixa mobiliada da casa. Ela solicitou ao tio se tinha a planta original, ele disse que nunca viu e quando compraram a casa foi sem a planta. A mesma comentou que encontrou, no shopping, duas irmãs, amigas e conterrâneas do tio. Camila olhou pra mim e disse que não me preocupasse que faria a planta baixa com layout. Retirou -se. 221 Quando Camila se ret irou continuamos a conversa informalmente. Ficou combinado que haveria outros encontros todas as sextas-feiras à noite. Foi um total de quatro entrevistas. Aqui justifico que, por mais que você tenha intimidade ou amizade de longas datas com o entrevistado, quando o assunto trata de fatos aparentemente miúdos como renda, problemas familiares, relações afetivas, enfim, as intimidades do lar, o pesquisador tem que se aproximar com muita cautela. Continuamos o assunto de economia, na visita seguinte e o assunto foi alimentação. Desde o uso da marmita, alimentação feita em casa e a diversidade de alimentos. Uma pausa para tomar água, tomar um licorzinho e tirar as fotos dos ambientes. Abaixo esquema (croquis) da Casa Andarilha (FIGURA 90). FIGURA 90 – ESQUEMA DA PLANTA BAIXA SEM ESCALA DA CASA ANDARILHA FONTE: DESENHO DE LUCAS MEDEIROS. BOLSISTA PROEX/UFRN 222 Ao passear pela casa quando vi a cozinha muito bem aparelhada e extremamente limpa e impecável, não me contive e questionei [a cozinha é utilizada ou serv e apenas como decoração? César deu uma gargalhada gostosa e respondeu com firmeza]: “Não! A cozinha daqui é pra uso mesmo. Sei que tem casas que só a usam pra decoração, mas aqui não tem isso não. ” (César, 60). FOTOGRAFIA 8- COZINHA COM COPA INTEGRADA. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) Da área livre, oitão, que dava do portão de entrada até a área de serviço, César transformou em cozinha. A copa que fica ao lado, separada por um balcão com prateleiras, era a cozinha da casa antes de reformada (FOTOGRAFIA 8). FOTOGRAFIAS 9 e 10 - CRISTALEIRA NA COPA. LOUCEIRO COM ADEGA EMBUTIDA NA COPA. CASA ANDARILHA CRÉDITO : Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) 223 Como se pode perceber, tanto a copa como a cozinha são revestidas de porcelanato do piso ao teto. A cozinha é toda equipada e sua marcenaria, junto com a copa, foi feita sob encomenda. Na copa, local habitual onde a família costuma se reunir para fazer as refeições, quando o horário de trabalho de César permite, h á uma mesa com seis cadeiras, armários que comportam louça e talheres. Uma espécie de adega é adaptada ao móvel que foi feito sob medida para a Casa Andarilha. O espaço da adega/louceiro não se restringe apenas a um local para guardar vinhos de forma adequada, mas transformou-se em um espaço aconchegante onde estão acomodados utensílios de chá e café, assim como um pequeno som bastante utilizado. Fomos à área de serviço. Confesso a minha admiração pela área de serviço de César, por ser muito bem organizada. Das vinte e oito fotos tiradas no dia, treze foram da área de serviço que tem sete cômodos e o setor onde ficam as dependências de empregada, despensas, lavanderias, que é todo revestido de cerâmica de ti jolos aparentes. FOTOGRAFIA 11 - ÁREA EXTERNA DE SERVIÇO FIGURA 12 – ÁREA INTERNA DE SERVIÇO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis. (18/01/2013) 224 Uma área externa de serviço para estender roupas quando lavadas (FOTOGRAFIA 11); outra área interna de serviços com espaço para lavar e engomar roupas (FOTOGRAFIA 12). Entre uma área e outra existem duas despensas (FOTOGRAFIAS 13 e 14) revestidas de cerâmica de cor branca: uma para material de limpeza com três prateleiras de mármore, em formato em L, que são todas utilizadas, inclusive o espa ço que fica entre o chão e a primeira prateleira, é preenchido com cestos grandes de plástico e material em atacado. FOTOGRAFIA 13 - DESPENSA PARA MATERIAL DE LIMPEZA. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis. (18/01/2013) FOTOGRAFIA 14 - DESPENSA PARA MANTIMENTOS. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis. (18/01/2013) 225 A outra despensa, também do mesmo formato da despensa de material de limpeza é destinada aos mantimentos. O espaço entre o chão e a primeira prateleira é preenchido por refrigerantes e sucos também em atacado. FOTOGRAFIA 15 – TERRAÇO DA ÁREA DE SERVIÇO. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis, Natal-RN (18/01/2013) Há, na frente das duas despensas, um terraço onde estão o gelágua, cadeiras, carros de frutas, taboa de passar roupa, máquina de lavar roupa; neste terraço há uma parede em que se destacam as fotos dos pais e avós de César. Um console com imagens de gesso de figura s de negros. Jarros de plantas. Do lado esquerdo de quem está de frente há outro reservado onde consta outro console de mármore com uma televisão em cima (FOTOGRAFIA 15); aliás, são sete televisores (cinco com imagem de TV por assinatura) espalhados por to da a casa, inclusive na cozinha. Uma geladeira. E quadros pequenos com imagens de lugares de campo, natureza. A suíte da trabalhadora doméstica (FOTOGRAFIAS 16 e 17) tem uma cama de solteiro e um armário de cor escura (cor preferida de César para os móveis) em madeira mdf, para guardar roupas. Uma 226 estante de aço de cor vinho, com oito prateleiras contendo livros, DVDs e tela LED de computador. Há outro móvel de cor mais clara, espécie de prateleira que fica entre a prateleira escura e o banheiro. Do outro lado do quarto próximo à janela há uma cômoda de cerejeira com três gavetões e duas gavetas pequenas. FOTOGRAFIA 16 – SUÍTE DA TRABALHADORA DOMÉSTICA. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) FOTOGRAFIA 17 - SUÍTE DA TRABALHADORA DOMÉSTICA VISTA POR ÂNGULO DIFERENTE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) Em cima há uma televisão e um receptor da TV a cabo. Na lateral entre a cômoda e a porta de entrada, abaixo da janela tem dois banquinhos, um com ventilador em ci ma; um móvel de cor preta, tipo aparador, muito bonito, sem nada em cima. 227 O banheiro (FOTOGRAFIA 18) todo de cerâmica de cor branca é pequeno, mas super arrumado. Contém apenas o sanitário todo revestido de cerâmica também de cor branca e o chuveiro. FOTOGRAFIA 18 - BANHEIRO DA SUÍTE DA TRABALHADORA DOMÉSTICA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) Saímos da área de serviço e entramos na casa para tirar as fotos das salas de estar e jantar (FOTOGRAFIAS 19, 20, 21,22 e 23). Em geral, as fotos dos ambientes sociais se iniciam - especialmente para quem é estranha a casa - com as salas de estar e jantar. Mas, como justifiquei no início da apresentação da Casa Andarilha, nesta casa nada foi discutido de forma métrica e que tivesse que obedecer aos s etores da casa, já tão compartimentalizados, com exceção do setor social que não obedece ao padrão de origem 119. Com César foi diferente desde a abordagem, ao conteúdo da entrevista e às fotos para a tese. A ordem dos assuntos era determinada: 119 Quando César comprou a casa, as salas de estar e jantar eram setorizadas e bastante pequenas. O casal resolveu quebrar a parede que as dividiam. Estas ficaram maiores e são interligadas pela mesa de jantar. 228 pela conversa que se iniciava de modo informal e o feeling da pesquisadora para se abordar o tempo e o lugar em que deveriam ser discutidos fragmentos das intimidades e costumes domésticos dos moradores. FOTOGRAFIA 19 - SALA DE JANTAR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) FOTOGRAFIA 20 - BUFÊ E UTILITÁRIOS PARA AS REFEIÇÕES CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) 229 FIGURA 21 - APARADOR NA SALA DE JANTAR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) FOTOGRAFIA 22 - SALAS DE ESTAR COM SOFÁ DE TRÊS LUGARES. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) FOTOGRAFIA 23 - SALAS DE ESTAR COM SOFÁ DE DOIS LUGARES. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) 230 Na Casa Andarilha, tanto o mobiliário quanto os papéis de parede (comprados nos Estados Unidos) recebem tons neutros e sóbrios. Belos arranjos de objetos se espalham pelo espaço, talento que o casal aprimorou com as viagens tanto ao exterior, como as viagens domésticas pelo interior do estado ou por outras partes do país. Aos souvenirs de viagem do casal, somam-se seus álbuns com fotografias de vários locais da Europa, da América do Sul e América do Norte e até mesmo do interior do estado do Rio Grande do Norte. Retornamos ao terraço para continuarmos a conversa que teve outro assunto: TV por assinatura. Falou que reduziu a quantidade de programas, que realmente não são muito vistos e teve uma economia de R$ 220,00 (duzentos e vinte reais sobre o que pagava: R$ 389,00 (trezentos e oitenta e nove reais) 120. O terraço em que estávamos é onde César e Célia reúnem alguns amigos, aos sábados, para saborear os vinhos e queijos importados. O terraço tem uma televisão de 42 polegadas, note book. Cadeiras de balanço Gerdau com braços e outras de vime sem braços. Após descrever a sua viagem à Europa e Argentina, entrou o assunto da saída da sobrinha para o novo apartamento. Contou que a mesma está se arrumando e que eu deveria “correr” para registrar a passagem dela na casa. Em seguida o assunto foi quem mandava, ou manda no que e em quem de quando a mãe de César estava viva; ou quem realmente seria a pessoa de referência, ou o chefe da casa. Chegamos, então, a conclusão de que quem realmente é o chefe é quem administra, mas quando tem duas pessoas, como a mãe dele, por exemplo, que sempre morou com César e vice-versa e apesar da casa ser de César, esta foi sempre 120 Valor de referência na época: U$ (dólar americano) = 2,80 reais. 231 conhecida como a casa de Dona Celeste. Ele enfatizou que até o dinheiro dela era administrado por ele. Todos compartilhavam com as despesas da casa por igual; mas, as contas da mãe era ele quem pagava, evidentemente com o dinheiro dela. Muitos assuntos de família vieram à tona. Mas tive que fazer uma triagem sobre quais deveriam ser guardados a sete chaves e quais deveriam constar no perfil da Casa Andarilha. O assunto prolongou-se até que ele enfatizou, como uma espécie de reclamação em relação às outras irmãs, ele próprio, sua mulher e sua falecida mãe. A conversa sobre os conflitos familiares foi incluída na seção seguinte. Mas comentamos sobre o relacionamento nora e sogra. Como ele tinha citado e como havia observado o episódio do freezer na primeira entrevista e observando que as duas passavam os dias praticamente juntas, ele assim se pronunciou: Na casa sim. Mas, na doença da minha mãe, no hospital, quando elas estavam no auge das intrigas não havia muita aproximação não. E Célia estava muito magoada e chegou a me dizer: eu perdôo sua mãe. Porque mamãe dizia o que não devia, mas também escutava o que não queria. E mamãe tinha um temperamento muito difícil. E eu não sei por que vocês mulheres [...] não dão certo nora e sogra. Genro com sogro não tem muita confusão, não. Agora, nora e sogra [...] oh negócio prá dar confusão! As tarefas, quem manda em que, os ciúmes; é filho, e a outra diz: é o meu marido. Uma quer fazer uma coisa e a outra diz, mas eu já morava aqui [...] aí começam os conflitos de muitos que aconteceram. (César, 60, Casa Andarilha). Quando questionei [sua mãe foi a responsável pela saída de Celestina121?] ele respondeu: Celestina tem um gênio muito ruim. Mamãe quando queria dizer as coisas não media palavras e Celestina muito da mal agradecida, porque mamãe ajudava-a muito e ela não estava nem aí, como se diz „estou me lixando prá o que você gastou comigo‟. Era de dar patada mesmo. Foi quando começou a colocar Carlos (sobrinho) como escudo. Chantagem emocional porque sabia que eu gostava do menino. Mas eu não me rendi. E eu dizia „quer ir 121 Irmã caçula que há muitos anos saiu de casa carregando o filho, que era a paixão do tio César. 232 embora, então vá‟. Até hoje ela é intrigada com a família do pai de Carlos e com a gente. Faz muitos anos. O menino tinha uns 13 anos na época, hoje está com 23 anos totalmente alienado, não estuda e não trabalha, dentro de casa, passa todo tempo agarrado na barra da saia dela; e ela alucinada por ele, moram no interior do estado. („grifos do entrevistado‟). Relatou fatos que ocorreram entre ele e sua irmã caçula em relação à educação do sobrinho, demonstrando as relações conflituosas entre eles. A conversa mudou de rumo, pois voltamos ao ponto que começamos: as viagens que César fez pela Europa. Marcamos a próxima entrevista. Na entrevista seguinte, o assunto foi a história de César e de sua família; como eles resolveram morar em Natal e como foi a convivência dele com os pais e as irmãs. Baseada no que César me relatou, não foi difícil , pois sempre simpático e conversador, César, descreveu a origem da Casa Andarilha. Esta família é compartilhada por duas gerações tanto em termo relacional (tio, sobrinha) quanto etário (25 anos e 60), com sua parceira e uma sobrinha; Mas, a Casa Andarilha não conviveu só com duas gerações, pelo menos até agosto de 2012 quando a pessoa de referência era a mãe de César, Dona Celeste (a época 80 anos). Após sua morte a referência passou a ser o seu filho, César, no que se refere às decisõ es, e a maior parte da manutenção da casa compete a ele. Todos contribuem com orçamento do lar, inclusive a sobrinha que por não trabalhar, apenas estuda, recebe ajuda dos pais. Mas César é quem entra com a maior parte. Este núcleo familiar originalmente formado a partir da década de 1954 até 1984 tinha a seguinte configuração: quatro filhos (três mulheres e um homem). Os pais casaram já maduros, embora já existisse uma diferença de idade muito grande entre o pai e a mãe (19 anos). Eram de famílias bastante conhecidas em suas respectivas cidades do interior, o pai era médico e a mãe dona de casa. O pai era de 233 outra cidade, Currais Novos e a mãe de Caicó, outra cidade do interior do Rio Grande do Norte. Quando César completou 16 anos, passou a morar em Natal , na casa de tias por parte de pai. Confessou que achou estranho porque estava mais acostumado com a família da mãe. Não me adaptei. Como um rapaz, jovem como eu, não tinha companhia? Elas eram tão austeras que às nove horas todo mundo tinha que se deitar. Foi quando servi o exército e quando conclui não voltei. Fui morar em uma pensão, depois em outra. As minhas irmãs se mudaram para Natal, mas não ficamos juntos. Cada um ficou em casa de familiares. Foi quando aos 62 anos, o meu pai começou a dar sinais de problemas de saúde e como a única fonte de renda era a dele [pai de César] a minha mãe passou a se preocupar porque não tínhamos como adquirir renda. Por orientação de um amigo da família, a minha mãe providenciou a aposentadoria do meu pai e a dela mesmo. Então, a fonte de renda da família era aposentadoria dos nossos pais e os nossos empregos mixurucas. Com a venda da casa da minha avó, da casa dos meus pais e um terreno que tínhamos no interior compramos uma casa em Natal, no Conjunto da Candelária. Foi a nossa primeira residência. Não tinha nada. Após três anos, que o meu pai passou a ter problemas de saúde, e já com 65 anos, foi que conseguimos reunir toda família em Natal. E esse foi o motivo dos meus pais saírem do interior: não queriam ficar longe da gente. O fato ocorreu por volta de 1978. E desde que ele passou a morar aqui foi morrendo aos poucos, ficando cada vez mais neném. (César, 60, Casa Andarilha). Com economia, dinheiro das vendas de imóveis do interior e financiamento a família comprou uma casa no Conjunto da Candelária, quando ainda o bairro não tinha infra -estrutura. Moraram durante vinte e cinco anos na Candelária. Início do ano 2000, ele com sua mãe, a sobrinha e sua esposa passaram a morar em Lagoa Nova. Venderam a casa do conjunto e César comprou as partes que eram destinadas às irmãs; hoje a casa pertence ao mesmo. As mulheres casaram primeiro. E César sempre morou com a mãe desde que esta, juntamente com seu pai, veio morar em Natal. E mesmo casado continuou a morar com a sua mãe e vice -versa. Não teve filhos. O filho da irmã caçula era considerado por ele como filho. Mas, desde que esta saiu de casa (também morava com a mãe e o irmão) não teve mais contato com o sobrinho. 234 As duas irmãs mais velhas moram em cidades diferentes. Uma, de 61 anos, casada com um médico, é formada em economia, mas nunca exerceu a profissão. É comerciante e mora em Mossoró; tem três filhos (uma mulher e dois homens); a filha mora com César, pois está cursando Arquitetura; o filho mais velho já é casado e tem um menino. O outro é solteiro, é médico, solteiro e mora no exterior. A segunda irmã, casada há uns trinta anos, com um alto funcionário público, é comerciante, não tem filhos; formada em Arquitetura também mora em Natal. Mas tem bastante afinidade com os irmãos, com exceção da caçula. Quando esta se casou seu pai ainda estava vivo. Entrou na igreja com ela, “mas seus pés não estavam muito firmes”. (César, 60). Surgiram assuntos, cujos acontecimentos afetaram a estrutura da Casa Andarilha como a morte do pai, o casamento das irmãs, saída da irmã caçula com o filho, sobrinho criado por César. E alguns fatos corriqueiros que abalaram um pouco a ordem da casa. Entre os assuntos miúdos César revelou um fato que ac onteceu entre ele e a irmã mais velha que se não tivesse tido o equilíbrio e não usasse a razão teria acontecido um problema maior: Quando moramos em Candelária aconteceu um fato bastante singular: a sala de estar, e sala de jantar, eram divididas por uma parede. Realmente tornava o ambiente muito apertado. Um dia, quando chego do trabalho, a minha irmã mais velha, já casada, morando em outra cidade, simplesmente mandou quebrar a parede que dividia as salas. [olhou para mim e afirmou com ar de pergunta: ela não é sempre metida? riu]. Mas deu sorte. Porque achei bom, pois a sala pareceu enorme. Só que não tinha dinheiro para fazer acabamento como o do chão. Ficou a marca do piso antigo de cerâmica vermelha. Depois que fui melhorando de situação financeira, fui fazendo as coisas devagar até que mudamos para esta casa em Lagoa Nova que também sofreu reformas. Ela não é original. Conta que a Casa Andarilha já foi bastante movimentada. Todos os sobrinhos, filhos da ir mã mais velha e o sobrinho que ajudava a criar com a irmã caçula, já moraram na casa. Com o primogênito da 235 irmã mais velha ele dividia o seu quarto, quando cursava faculdade em Natal. “Mas, com todos tinha aconchego.” Revela César. A casa pesquisada revelou-se muito confortável, embora tivesse perdido muito da movimentação original. A ordem aparente dissimula os conflitos havidos entre pessoas de gerações. O espaço é resultante da vontade dele. Reflete a hegemonia do masculino sobre o espaço familiar. Ando por aí andarilha Vendo desertos e florestas Sentada em pisos de concreto, e chão de Palha, procurando meu lugar, Meu lugar é minha casa [...]. (Postado por Alexandre Monteiro). 4.1.2 CASA COR 122 Padrão de moradia unifamiliar. 300m². Nº de cômodos: 18. Planejada e projetada com a participação da família. Bairro: Capim Macio, Natal. Renda: Acima de 40 salários mínimos. Automóveis: dois. Considerada ninho vazio, mas com predominância de conexão dos netos e netas. Co-habitação permanente: três pessoas. Em conexão: nove pessoas. Crianças, adultos e idosos. Faixa etária: quatro anos e 67 anos. A pessoa de referência é Júlio, idoso, 67 anos, casado. Engenheiro de Produção. Uma cadela que atende pelo nome de Malu da raça Cocker Spaniel, 13 anos. 122 Casa Cor devido ao neto e netas. Segundo Regina a casa se torna mais colorida com a presença deles. 236 O casal tem um histórico de mobilidade geográfica muito grande. Ele. Filho caçula de um total de seis filhos (homens). Júlio, pseudônimo escolhido por ele, nasceu em Grava tá, interior de Pernambuco. Fez o primário (Ensino Básico) no interior mesmo; o ginásio e científico (Ensino Fundamental e Médio respectivamente) concluiu na capital Recife. Concluiu o curso de engenharia na Universidade de São Paulo/SP (USP). Casou-se e passou a morar em Natal. Ela. Regina, segunda filha de um total de quatro irmãos (dois casais). Nasceu em Campina Grande, interior da Paraíba. Com dois anos a família retornou à Maceió cidade de origem dos pais; doze anos depois a família foi morar em São Paulo, devido à profissão do pai que era engenheiro de uma indústria. Foi através do pai de Regina que ela conheceu Júlio, quando este morou em São Paulo. Com quarenta e três anos de casados, o casal tem três filhos, quatro netos (três meninas e um menino) , genros, nora e uma trabalhadora doméstica que mora há trinta e três anos com o casal. Assim, se compõe a família da Casa Cor. Os filhos, entre dois e nove anos de casados, moram cada um na sua casa. Todos têm seus respectivos sogros e sogras, as família s de seus respectivos cônjuges para se apoiarem. Mas, eles têm como referência de apoio intergeracional a Casa Cor. Todos os dias a filha caçula, que está grávida de dois meses, fica na casa dos pais. No dia da entrevista ela não estava presente porque est ava com enjôos. As crianças, especialmente as duas netas, filhas da segunda filha do casal, freqüentam quase que diariamente a Casa Cor. O neto já tem o seu cantinho no quarto do pai quando solteiro e sua trave de futebol no jardim da Casa Cor. Sua irmãzinha de seis meses, o mais novo membro da família, tem o seu cantinho no gabinete do avô. 237 Quando você circula na Casa Cor você percebe a presença das crianças em cada canto da casa, especialmente gabinete, quartos dos respectivos pais, quando solteiros, á rea de serviço. E jardim. Abaixo Figura 88 (Esquema/Croquis) da Casa Cor. FOTOGRAFIA 24 - QUARTO DO NETO EM CONEXÃO. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) FOTOGRAFIA 25 - BERCINHO PARA A NENÊ E SOFÁ CAMA PARA A BABÁ NO GABINETE DO VOVÔ CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) 238 FOTOGRAFIA 26 - CADEIRINHA FEMININA NO GABINETE DO VOVÔ CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) FOTOGRAFIA 27 – URSINHOS DE PELÚCIA NO ARMÁRIO DO QUARTO DO PAPO DA VOVÓ CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) O armário do quarto do papo tem objetos que pertenceram aos pais de Regina. Ela guarda os DVDs, imagens de santos que pertenciam aos mesmos, enquanto vivos. Os brinquedos das crianças assim como algumas roupas que pertenciam à mãe de Regina fazem parte do cenário. A cadeira do papai que na verdade é da vovó Regina é parte essencial do cotidiano da mesma. É desta cadeira que ela assiste exclusivamente os campeonatos de Vôlei Ball (esporte praticado pela mesma em São Paulo, enquanto jovem). “Não suporto os filmes que Júlio assiste, então, corro para cá.” (enfatiza Regina). 239 Na entrevista ela ficou sentada nesta cadeira enquanto estávamos conversando. Colocou uma mesinha (as que as crianças utilizam quando fazem as refeições) para que eu me apoiasse melhor. E sempre se preocupando se eu estava bem, se estava confortável. FOTOGRAFIA 28 - QUARTO DO PAPO DA VOVÓ Originalmente quarto de solteira da segunda filha e onde ficam as netas e a idosa quando esta fica só em casa CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) FOTOGRAFIA 29 - MINI HOME-THEATER NO QUARTO DO PAPO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) 240 Este quarto a família chama “o quarto do papo”. Por que: Quem chega termina aqui neste quarto. Meus genros e nora. Minhas filhas e filho. É tanto, que trouxe você pra aqui. É mais ventilado, é mais claro. Quando são pessoas de fora nós vamos lá para o salão que fica no subsolo. Abrimos as portas e fica tudo ventilado por lá. (Regina, 66, Casa Cor). Com a questão dos filhos: os dois primeiros quando nasceram (casal) o casal ainda estava se organizando financeira e profissionalmente. Então, a nossa preocupação era que não faltassem comer e estudos de qualidade pra eles. Sempre estudaram em colégios particulares. Os dois primeiros se formaram em universidades privadas. A caçula se formou em uma universidade federal. Não me deu despesas. A caçula quando veio, sete anos depois, já estávamos bem, aí foi mais fácil dar cobertura. Como compenso hoje os meus filhos mais velhos? Dando coisas aos filhos deles. No jardim interno, por exemplo, mandei fazer um campo de futebol pra eles jogarem. (Júlio, 67, Casa Cor). A minha casa se transformou em uma creche. Os netos chegam com berço. Lá vem berço, lá vem banheira, lá vem babás, lá vem roupinha, lá vem armário, lá vêm brinquedos. É uma creche. (Júlio, 67, Casa Cor). Mas é neste casarão, que a gente não usa todo, que serve de espaço para os netos. [E Regina completa]: menos na sala por conta das escadarias, para eles não se machucarem. (Regina, 66, Casa Cor). A família sempre morou em casa. Durante treze anos, desde que Júlio e Regina se casaram, moraram em uma casa localizada no Tirol com quatro quartos. A casa era alugada. E conviviam com o casal, além da trabalhadora doméstica, uma sobrinha de Júlio que fazia arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), os três filhos e a trabalhadora doméstica que ingressou na família quando o casal tinha sete anos de casados. A sobrinha depois que terminou o curso casou-se e foi morar no Recife. A casa atual tem três planos e foi construída em subsolo. O terreno era íngreme e o casal aproveitou do jeito que estava sem aterrar. No primeiro plano ficam: a área de serviço (por onde a família 241 e os mais íntimos costumam entrar); a dependência de empregada, a cozinha, copa, a sala de jantar, os quartos e o gabinete. FOTOGRAFIA 30 - COPA INTEGRADA À COZINHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) FOTOGRAFIA 31 – COZINHA. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) NOTA: Ao fundo uma porta que dá acesso para a área de serviço 242 FOTOGRAFIAS 32 - SALA DE JANTAR. MESA COM OITO CADEIRAS. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) NOTA: Ao fundo a porta da garagem A sala de jantar é a sala biográfica da dona da casa, despida de caráter de mercadoria. É uma sala biográfica porque nela estão incluídos objetos não apenas funcionais, mas relíquias de família que trazem lembranças. Segundo Regina, tudo que tem nesta sala pertenceu aos seus pais. Ela faz questão de deixar da mesma forma quando recebeu deles. Se tiver que reparar alguma peça, não o faz, a não ser que interfira na sua funcionalidade. Como os pais de Regina tinham apartamento na cidade (São Paulo) e uma casa em uma chácara no interior, estes (imóveis) foram partilhados entre ela e os irmãos. Quanto ao mobiliário, da mesma forma, só que Regin a ficou com quase todo mobiliário que pertencia à chácara. Um das muitas peças do mobiliário que me chamou atenção, na Casa Cor, foi uma mesinha localizada no corredor do terceiro piso que dá acesso ao salão que a família utiliza aos domingos ou em dias d e festas. Aparentemente uma mesa que pensei que tivesse um revisteiro em baixo da mesma. Perguntei à Regina se era revisteiro, ela disse que 243 embaixo existem outras mesinhas que quando necessário vão sendo retiradas para serem utilizadas. FOTOGRAFIA 33 – MESA-SUPORTE PARA MESAS PEQUENAS CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (16/06/2014) NOTA: Decora o corredor que dá acesso ao salão O mobiliário herdado dos pais se espalha por quase toda casa: sala de jantar, conjunto de sofá que fica no salão do subsolo, algumas bancadas distribuídas entre corredores que dão para o subsolo, assim como nos armários dos quartos de dormir, nas paredes. São lembranças que têm refúgios cada vez mais bem caracterizados e “[. ..] a eles regressamos durante toda a vida, em nossos devaneios [.. .] porque as lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem especializadas” . (BACHELARD, 2008, p. 28-29, grifo meu ). O gabinete que hoje é do vovô (figuras 114 e 115) de fato quando foi planejado e construído, tinha um público: os pais dos atuais moradores em conexão (neto e netas do casal da Casa Cor). Como diz Regina: 244 Nunca usaram este gabinete. Foi feito só para eles estudarem, mas preferiam ir para a mesa da cozinha. Alegavam que a bancada ficava de costas para a porta de entrada e eles tinham a sensação de que alguém se aproximava. Então Júlio, trocou para a outra parede. Mas mesmo assim eles não usavam. Colocamos o sofá cama e ninguém usa. Servem para as babás. E pra as crianças brincarem. (Regina, 66, Casa Cor). FOTOGRAFIAS 34 e 35 - GABINETE UTILIZADO PELAS CRIANÇAS E O VOVÔ CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) Entre a sala de jantar (primeiro plano) e a sala de estar (terceiro plano) ficam: o hall de entrada, a garagem e uma espécie de corredor que dá acesso ao jardim (imagem da porta de madeira e vidro) e à direita uma escada que dá para o subsolo onde fica o salão. FOTOGRAFIAS 36- HALL DA CASA COR. FOTOGRAFIA 37 - SAÍDA PARA O JARDIM INTERNO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) NOTA: Ao lado da porta principal uma porta que dá para a garagem e porta que dá para o jardim interno e subsolo 245 A sala de estar fica quase que no mesmo alinhamento da sala de jantar que se localiza em uma espécie de mezanino, no primeiro plano. Há um pergolado e uma janela vertical que dão acesso para o jardim. FOTOGRAFIA 38 - SALA DE ESTAR E JARDIM DE INVERNO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) FOTOGRAFIA 39 - SALA DE ESTAR - VISTA PARCIAL CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) 246 No terceiro plano ficam: a sala de lazer, ou salão como a família chama, com três ambientes. Um espaço é destinado ao home theater, poltronas de couro para três lugares (F OTOGRAFIAS 41 e 42) e outro espaço destinado à reunião de família (FOTOGRAFIAS 43 e 44) para uso individualizado. FOTOGRAFIAS 40 - SALÃO NO SUBSOLO. POLTRONA DE COURO PARA TRÊS LUGARES. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) FOTOGRAFIA 41 - HOME THEATER E MESA PARA REFEIÇÕES NO SUBSOLO. CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) 247 FOTOGRAFIAS 42 e 43 - VISÃO EM DOIS ÂNGULOS DO SALÃO DO SUBSOLO. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (17/06/2014) Duas cadeiras de balanço de madeira e palha, com um console de ferro e tampo de vidro. Uma televisão plasma de sessenta polegadas, bicicleta ergonômica. Mesa com tampo de vidro com quatro cadeiras. Conjunto de cadeiras de cana da índia, uma para dois lugares e duas para uso individual e uma mesa de centro de tampo de vidro que compõe este ambiente. Decorado com tapetes e cortinas de cor branca, jarros quadros. Ao lado fica o jardim onde as crianças brincam e tem uma trave de futebol para o neto e o filho do casal jogar futebol. Esporte de preferência do neto. “Ele só quer ser goleiro. O negócio dele é cobrar pênaltis.” (Júlio, 67, Casa Cor). Entre o segundo e o terceiro plano há um corredor, decorado com objetos biográficos da dona da casa. Em cada canto da casa existe um adorno, ou um móvel que pertenciam aos pais já falecidos de Regina. [Quando questionei qual o espaço, ou espaços da casa de maior permanência e o de menor permanência, em nível coletivo e em nível individual?]: Eu tenho um baita terraço social na minha casa, mas não utilizo muito ele. Prefiro sair. Não ficamos em casa. Tenho três ambientes. Sala de jantar, sala de estar e o terraço. Quem usa mais são as visitas. A gente não fica 248 conversando em casa. A tendência da casa é diminuir. (Julio, 67 anos Casa Cor). O espaço em nível coletivo que mais utilizamos é o salão lá em baixo, quando tem festas ou algum evento informal. Mas normalmente é o quarto do papo [quarto onde as netas ficam]. E o que menos utilizamos é a sala de estar. Individualmente eu e Júlio ficamos no nosso quarto mesmo. Assim que terminamos de fazer as refeições vamos diretamente pra lá. A Casa Cor tem gestão compartilhada pelo casal de idosos. Apesar de não ter sido planejada para os netos, hoje ela integra várias gerações no espaço familiar. O casal de idosos, ainda jovens, não apresenta problemas de dependência física ou financeira. Como demonstra ser um grupo coeso, as conexões são funcionais e emocionais, diariamente. Pode -se fazer uma releitura das transformações do espaço doméstico, em função das gerações mais novas. 249 4.1.3 A CASA MOEMA 123 Padrão de moradia unifamiliar. 120 m². Nº de cômodos: doze. Planejada e projetada sem a participação da família. Bairro Candelária, Natal. Renda: Acima de trinta e seis salários mínimos. Automóveis: três. Co-habitação permanente: família com quatro gerações na sua forma relacional (Tias/sobrinho, mãe/filho e sobrinhos- netos sete pessoas).Na forma etária cinco gerações (Crianças, jovem, adulta, pré-idosa e uma idosa.) Em conexão: cinco. Criança de colo e adultos. Faixa etária: oito meses e 45 anos. A pessoa de referência é Jaci, 59, pré-idosa, solteira. Pedagoga. Um cachorro que atende pelo nome de Small da raça yorkshire, dois anos. A casa da família Moema é administrada, de forma compartilhada, por quatro irmãs, 124 entre cinqüenta e sessenta anos. Mas a pessoa de referência, reconhecida pelos moradores, é Dona Jaci (em Tupi, nossa mãe), 59 anos, segunda filha, de uma ascendência familiar constituída por seis filhos. Dona Jaci, desde os 14 anos, quando os pais se ausentavam, é quem ficava e fica com a responsabilidade da casa. Esta família de três gerações 125 - no sentido relacional e não etário, é compartilhada com os sobrinhos-netos, Guayi (em Tupi, Semente Boa, oito anos) e Teçá (em Tupi, Olhos Atentos, quatro anos), filhos do sobrinho mais velho Caramuru (em Tupi, Homem do fogo), 32 anos, de um dos irmãos; e com a família da irmã caçula, Dona Aneci (em 123 Moema significa em Tupi moeemo: aquela que está adoçando. Aconchego é o que a casa Moema representa. Além do que o comportamento da família é típico de uma comunidade indígena: crenças religiosas e superstições têm um papel fundamental; gostam muito de crianças, hábito de morar em quantidade (hábito adquirido na infância); enorme capacidade de adaptação; a família não tem um horário rígido de alimentação, basta ter fome; e uma característica de grande mobilidade geográfica. Além das atividades similares, em alguns aspectos, a família socializa tudo e com todos, inclusive com quem não mora de forma permanente na Casa Moema. 124 Fazem parte da família (mas não do núcleo ora analisado) dois irmãos, sexo masculino, casados, com netos. Embora a mais velha das irmãs, já idosa, não venha a se constituir pessoa de referência, não significa que seja uma residência com idoso, porque há compartilhamento nas decisões, nas finanças, além do que a idosa da família não se encontra em vulnerabilidade. Pode-se até nomeá-la de família de e com idosos. 125 Antes de morrer a matriarca, Aci (nome indígena para matriarca) conviveu com os bisnetos. Portanto, conviveram nesta residência quatro gerações. No sentido etário a família convive com cinco gerações (idoso jovem, pré-idoso, adultos, jovem, crianças (entre oito meses e sessenta e oito anos). 250 Tupi, Graciosa) composta por um filho solteiro de 22 anos, Bariri (Água Inquietante) e uma filha Abati (cabelos dourados em Tupi). Esta é casada e mora em sua própria casa, com o marido Araquém (Tupi, Pássaro que Dorme) e o filho de oito meses, Bretãs (Ligeiro como Peixe); as necessidades partem de todos, ou seja, há certa interdependência, comportamento adquirido com os genitores das quatro irmãs. É uma unidade doméstica/familiar intergeracional estendida. A co-habitação da família apresenta simultaneamente traços de todos os modelos: permanente (quatro irmãs e o sobrinho de 23 anos de Dona Jaci, filho da irmã Aneci, 50 anos); provisória (os sobrinhos-netos de quatro e oito anos, filhos do sobrinho mais velho); Conexão (o bebê de oito meses, a mãe deste, sobrinha de D ona Jaci e o pai) a criança passa o dia na Casa Moema enquanto os pais saem para trabalhar; volátil (os pais dos sobrinhos-netos de quatro e oito anos, que moram em outra cidade), mas todo mês vêm e pelo menos um deles permanece entre três e cinco dias. Este núcleo familiar, originalmente formado por Aci (matriarca) e Poti (em Tupi, Camarão) desde 1954, t inha a seguinte configuração até 2005: casal adolescente (ambos com 15 anos) que formou família com seis filhos (quatro mulheres e dois homens). Esta é a origem da família Moema . A mobilidade geográfica é bastante intensa: de 1954 até 1967 a família residia na cidade do interior, alto -oeste, do Rio Grande do Norte, até se mudar para a capital, Natal, por causa do estudo e tratamento da coluna vertebral 126 da filha mais velha, Dona Laulena (em havaiano a que sempre vence ), que estava em fase de crescimento, 12 anos, e na fase de menarca. Com a vinda de parte da família para a capital, o núcleo ficou, por pelo menos um ano, da seguinte maneira: na capital, a mãe, a filha 126 Problema que afeta a maior parte da família do patriarca. 251 mais velha Laulena e a caçula Aneci , de cinco anos, os filhos homens (Poti, oito anos), o mais velho entre os homens e (Peri, seis anos), caçula dos homens. Além da família nuclear, compartilhavam a co - residência três trabalhadores domésticos: uma arrumadeira, uma cozinheira e um motorista; de agregados uma prima da matriarca Aci e uma amiga da família. Estas últimas estavam cursando o ensino médio, antigo ginasial em colégio de freiras. No interior - com o pai e os avôs maternos - a segunda filha Jaci (responsável pelas informações aqui contidas) e a quarta filha Alena (em Tupi, amável, graciosa, sete anos) do casal. Alena era criada pela avó materna e a segunda filha, Dona Jaci, bastante apegada ao avô materno, motivos pelos quais não acompanhara m a mãe e os outros irmãos. O pai, junto com o avô materno, mantinha dois tipos de comércio (um ligado a cultura e o outro ramo do café) motivo pelo qual o patriarca não pode se desligar para a capital. Este se deslocava para a capital todo o final de semana, trilhando por uma estrada de barro, 391 km, à época não era asfaltada. Após um ano, parte da família que morava em Natal se deslocou para Mossoró, cidade do oeste potiguar (por ser um pouco mais próxima da cidade da família); e segunda maior do estado do Rio Grande do Norte. Em Mossoró, entre os anos de 1968 e 1975, o núcleo familiar ficou recomposto. A prima, a amiga e o motorista tomaram rumos diferentes. As trabalhadoras domésticas permaneceram. A partir de 1976, por motivos de saúde e do falecimento da mãe da matriarca Aci, a família retornou à cidade de origem. Foi então que a primogênita Laulena não a acompanhou, pois estava cursando o segundo ano de faculdade. A primogênita, em princípio, ficou na casa do avô e avó paternos até concluir o curso superior em Educação. Desde então o percurso de vida da primogênita foi diferente do resto da família. Por vinte e cinco anos, ela morou nas cidades de Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro, só retornando para junto da família em 2004. 252 Nos anos seguintes 2005 e 2006 a família perdeu o patriarca e a matriarca, respectivamente. A primogênita permaneceu, até hoje, com a família Moema, agora com novas configurações. Mas antes, três dos seis filhos se casaram, a caçula e os dois filhos homens. Destes, somente o mais velho permaneceu casado e por volta do ano 2001 se deslocou para Natal, trazendo consigo os dois filhos (Caramuru , Homem do Fogo e Inaiê , Águia Solitária) inclusive o mais velho, Caramuru, que era criado pelos pais deste. Tinha comercio ligado ao ramo de alimentação. Em 2003, Caramuru voltou para a cidade de origem e para os avôs paternos. Casou -se em 2005 constituindo família (dois filhos homens, Guayi, em Tupi, Semente Boa; e Teçá, olhos atentos) que moram atualmente com as tias na casa Moema; a enteada, fruto do casamento anterior, mora na cidade do interior com o avô materno. Em 2006, após 39 anos, a família retornou à capital Natal devido acontecimentos como o falecimento do patriarca da família, Poti , e por motivo de saúde da matriarca, que veio a fa lecer um ano depois da morte do patriarca. A família Moema cujo ninho ficou vazio em função do falecimento dos pais passou a ter uma nova configuração caracterizada em seguida. Hoje, há uma fusão de tudo e os motivos são diversos: inicialmente doença da mãe; depois uma das irmãs, a primogênita, que por uma série de fatores passou a morar com as irmãs; o sobrinho -neto, Guayi, hoje com oito anos, mora com as tias após a morte dos pais destas. Quando este tinha quatro anos nasceu o seu irmão Teçá que aos quatro anos de idade também passou a morar na Casa Moema. Estes moram com as tias sem a presença dos pais que ficaram no interior. Como o casal passa o dia trabalhando as famílias entraram em um acordo sobre as crianças. Dona Laulena , irmã de Dona Jaci tem a guarda judicial do mais velho, guarda esta também de comum acordo. 253 A irmã caçula, Aneci, casou-se cedo e teve uma filha aos 20 anos; nove anos depois nasceu um menino, hoje com 22 anos. Esta morou em quatro cidades diferentes da sua de origem entre 2001 e 20 10: São Paulo, Macaé, Recife e Natal. Em Recife, com seu filho Bariri , 22 anos enquanto a filha permaneceu em Natal na Casa Moema . Recife foi a última cidade que Aneci morou antes de retornar à Natal se instalando, em princípio em uma residência de três quartos na mesma rua da Casa Moema, com seu filho Bariri (22); após um ano passou a residir na Casa Moema. Os moradores da Casa Moema , sob o aspecto socioeconômico, têm a seguinte característica: embora a renda não determine de imediato o estilo de vida, permite certo grau de acesso a certos bens e um nível de status social elevado, ou pelo menos um consumo razoável próprios das camadas sociais de porte médio alto; ao considerar os rendimentos da família, com base nas quatro irmãs, provedoras da família, esta se inclui no que se pode chamar de camada social média alta, pois, juntas somam, em torno de 47,5 salários mínimos provenientes de salários, pensões e rendimentos de patrimônios e mobiliário, que se transformam em aluguéis que são distribuídos pelos seis herdeiros. Mesmo com idosa na família, e as demais com tempo de se aposentarem, não há nenhuma aposentada. O que acontece? as rendas das quatro irmãs são distribuídas entre sete pessoas que moram de forma permanente; e mais duas em outra cidade; e outras três pertencentes a outro núcleo familiar, em outra residência, mas que fazem as refeições na Casa Moema: um total de 12 pessoas, sobrando para cada um em torno de quatro salários mínimos. As irmãs, juntas, só percebem dezesseis salários mínimos, conseqüentemente a renda de cada uma fica comprometida no que se refere ao lazer, geralmente direcionado para viagens das irmãs e ao conforto de uma residência 254 [...] adequada ao nosso rendimento, pois poderíamos viver com mais conforto. Em todo caso é gratificante podermos ajudar os nossos sobrinhos, pois nos preocupamos com todos e não queremos que nada lhes faltem, mas está ficando bastante oneroso e não está sobrando para o nosso lazer como viajar e almoçar em restaurantes como todo domingo a família fazia. Hoje, somente uma vez, ou duas vezes, por mês. Os lanches nos fast food ainda permanecem e saem bastante caros. Preferimos os planos de saúde, carros com seguros, educação de qualidade, e alguns confortos cotidiano como ar condicionado em todos os quartos, TV por assinatura em todos os quartos e sala [...] é o que ainda sobra. (Dona Jaci, 59 anos). Em função desta redistribuição da renda familiar, as atividades de lazer e de estética ficaram comprometidas nos últimos anos quando a família foi -se ampliando até atual configuração. As quatro irmãs abriram mão de certos hábitos sociais relacionados com suas condições econômicas, como por exemplo: jantar ou almoçar fora, viajar duas vezes por ano para outros estados; ou para o ext erior; ou mesmo viagens em finais de semana, feriados para cidades mais próximas, ou parque aquático, ou fazendinha, com as crianças; freqüência ao cabeleireiro, esteticistas, comprar pelos menos duas vezes ao ano roupas para as mesmas, são hábitos que des apareceram nos últimos anos. Em compensação, não abriram mão dos medicamentos que são caros, vez que existem doentes de diabetes, hipertensão, glaucoma; uma portadora de câncer; sobrinhos-netos com problemas alérgicos e respiratórios e uma das irmãs com problemas de hérnia de disco. Também não abriram mão de alimentação de qualidade, planos de saúde AMIL (com plano odontológico) e UNIMED (sem plano odontológico), mas outro plano odontológico (UNIODONTO) para toda a família; colégios de qualidade para as c rianças, acompanhados de atividades esportivas (saem mais caros uma vez que as crianças freqüentam duas escolas diferentes. A família ainda preserva como foi citado, o uso de aparelhos de ar condicionado nos aposentos de dormir que são três; assim como 255 TVs por assinatura com todos os canais [a cabo e Sky] distribuídos nos três quartos e sala de estar. Questionei porque duas TVs por assinatura. Dona Jaci comentou que a Sky não transmite alguns canais religiosos e alguns canais abertos do interesse da famíli a, apesar de pagar mais, em torno de R$19,90 à Sky para tê -los. Principalmente para ela e as outras três irmãs, são muito importantes como meio de lazer e fontes de informações. A forma como as rendas das irmãs são redistribuídas com os parentes em situação de conexão e voláteis, se caracteriza da seguinte forma: uns recebem ajuda fixa como Caramuru e Inaiê, pais dos dois meninos Guayi e Teçá, que moram com as tias; o casal mora no interior, têm três fontes de renda provenientes dos salários de ambos, mas recebem ajuda para o aluguel, TV por assinatura, completa; telefone fixo, plano de saúde para o pai dos meninos. A outra família que tem o bebê, em conexão , recebe, indiretamente, ajuda na alimentação vez que faz as refeições na Casa Moema ; plano de saúde para a sobrinha, mãe do bebê; e para o bebê de oito meses, além de plano de saúde, ajudam em roupas, acessórios de limpeza, alimentação e medicamentos. Os que moram permanentemente recebem ajuda constante e se ajudam mutuamente. No “aperreio” de uma, cheg a a outra e atendem. Inclusive o irmão mais velho que mora a duas quadras de distância presta apoio logístico quando solicitado. É uma socialização total, comportamento herdado dos pais destes. Socializam tudo: dinheiro (em forma de empréstimo de um lado, mas concessão do outro), problemas, alegrias, se revezam na assistência às crianças, tanto da Casa Moema, quanto a outra neta do irmão que mora perto, como por exemplo, deixar ou buscar as crianças em escolas, psicólogos, natação. Ou acompanhar, de forma regular, aos médicos, a irmã Alena (em havaiano, Graciosa, amável), já que esta além de ser portadora de deficiência intelectual e de câncer. A figura 89 mostra o esquema/croquis da Casa Moema. 256 FIGURA 91 – ESQUEMA DA PLANTA BAIXA DA CASA MOEMA FONTE: Lucas Medeiros, Bolsista PROEX/UFRN Em relação à estrutura física e antropológica da Casa Moema, ela se configura como uma residência unifamiliar, localizada no Conjunto Habitacional da Candelária, casa tipo A reformada, alugada (embora a família tenha residências e imóveis comerciais no interior). O fato de a família morar ainda de aluguel, não significa que as moradoras não têm procurado comprar uma casa ou apartamento; a possibilidade de morar em apartamento é o último dos apelos, pois consideram que “pagar condomínio significa viver de aluguel. Uma coisa que não tem fim como dizia meu pai”. (Jaci, 59 anos). Querem casa e não apartamento porque estes foram feitos para dormir em pé , como costuma alegar dona Laulena (60 anos); morar em casa tem sido uma busca constante, mas o fator segurança tem sido em primeiro lugar motivo do adiamento: 257 Aqui, pelo menos, apesar de tantas tentativas de arrombamento, ainda é uma casa com certa segurança, porque tem vizinhos por todos os lados. Um pequeno comércio e escola que ficam por perto e ambos têm vigilantes, além de pagarmos, compartilhado com nossa vizinha de frente, um vigilante motorizado e colocamos câmaras de segurança. (Jaci, 59). Outro motivo pela não aquisição de casa ou apartamento é o deslocamento, não aquele deslocamento casa-trabalho-casa ; mas casa- hospital-colégio-faculdade-supermercados-trabalho-casa . O hospital-pronto socorro é a segunda observação na questão deslocamento. Motivos: as irmãs e os sobrinhos-netos com os problemas já referidos anteriormente. Outro fator é a localização. Todas têm preferências por bairros como Tirol, Candelária e Capim Macio para residir. Alegam que não encontram àquela casa. Àquela casa significa uma casa grande (já que estão acostumadas com casas enormes desde a infância) com pelo menos quatro a cinco quartos amplos e em número de quatro a cinco, salas de estar e jantar, cozinha grande (não suportam cozinha pequena) uma vez que a utilizam bastante. É um hábito da família que vem de diversas gerações: materna e paterna. Alegam, também, que no entorno das residências contatadas estas não ofereciam o mínimo de segurança; ou não gostaram da vizinhança e depois, o principal: a forma e o tipo de residência que desejam, pode até ser apartamento, mas que Este deve ter espaço suficiente para caber, pelo menos as sete pessoas de forma razoável e humana. Difícil de encontrar quando comparamos o que queremos com os preços oferecidos fora da realidade. (Dona Laulena, 60 anos) . 258 A Casa Moema 120m² de área construída foi totalmente reformada, com início de construção do andar de cima, mas inacabado por problemas com a vizinha, segundo o proprietário da residência. A residência tem treze cômodos: três quartos (sendo uma suíte com closet e banheiro compartilhado por Dona Jaci, os sobrinhos -netos e a irmã Alena; uma suíte que tem um banheiro reversível que serve para as visitas e para o quarto do sobrinho de 22 anos - antes destinado a irmã Alena-; e outro que serve de room-office, antes utilizado pelos proprietários, um casal de idosos, como sala de estar; hoje é o escritório-dormitório da irmã mais velha, Laulena. Além dos quartos, uma sala de estar e jantar, integradas com multifunção: para as refeições, para as crianças brincarem, pa ra jogos de vídeo game, para uso dos note books e como espaço para o culto religioso como se percebe pelas fotografias 45,46, 47 e 48. FOTOGRAFIA 44 – SALA DE ESTAR. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2012) 259 FOTOGRAFIA 45 – BUFÊ E UTILITÁRIOS PARA AS REFEIÇÕES. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2012) FOTOGRAFIAS 46 - ESPAÇO RESERVADO AO CULTO RELIGIOSO. SALA DE JANTAR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2012) 260 FOTOGRAFIAS 47 - ESPAÇO RESERVADO AO CULTO RELIGIOSO. SALA DE ESTAR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2012) Fora os cômodos tradicionais da casa, existem cômodos de transição (ou externos) como área de serviço (FOTOGRAFIAS 49,50, 51 e 52) que fica ao lado da cozinha de 12 m² e com saída para o terraço que dá para a rua. Uma espécie de corredor da folia (como as moradoras chamam) onde se encontram prateleiras com os equipamentos de limpeza, um tanque pequeno para lavar panos de chão e tênis, máquina de lavar, taboa de passar roupas, ferro de engomar, vários depósitos com tampas, uns com roupas sujas e outros com roupas limpas, varais portáteis fixos à parede. 261 FOTOGRAFIAS 48 e 49 - ÁREA DE SERVIÇO. CASA MOEMA Visualização de dois ângulos: a máquina de lavar e o tanque/pia em primeiro plano. Ao fundo prateleira e apetrechos CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/01/2014) FOTOGRAFIAS 50 e 51 - ÁREA DE SERVIÇO. CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/01/2014) NOTA: Visualização de dois ângulos: prateleira “multifuncional” com material de limpeza e caixas de leite e bandejas de ovos. Ao lado taboa de passar. A foto n.51 registra o prolongamento da área de serviço com rede estendida e depósitos com roupas limpas. Em frente à entrada da área de serviço (FOTOGRAFIAS 53 e 54), há uma garagem com espaço para um carro; à direita de quem entra pela garagem fica um terraço aberto (FOTOGRAFIA 54) que serve de transição entre a entrada da casa e a garagem, assim como para as crianças brincarem e para acomodar mai s dois automóveis. Este fica em 262 frente ao room-office e o terraço de multifunção ou sem função específica (FOTOGRAFIAS 54,55, 56 e 57). FOTOGRAFIAS 52 e 53 - TERRAÇO E GARAGEM. ESPAÇO PARA GARAGEM. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/01/2014) FOTOGRAFIAS 54 e 55 - TERRAÇO MULTIFUNCIONAL OU SEM FUNÇÃO ESPECÍFICA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/01/2014) 263 FOTOGRAFIA 56 - TERRAÇO MULTIFUNCIONAL VISTO DE OUTRO ÂNGULO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/01/2014) NOTA: Duas portas dão acesso ao interior da casa. A porta grande de vidro dá acesso ao room-office; e a outra porta, ao fundo, dá acesso à sala de estar e jantar FOTOGRAFIA 57 - ESPAÇO RESERVADO ÀS CRIANÇAS PARA ESTUDO E LAZER NO TERRAÇO MULTIFUNCIONAL CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2012) Há um local no terraço reservado às crianças para estudo (FOTOGRAFIA 58), para lazer, para se deitar na rede de tucum127. A rede de tucum para descansar durante o dia é um hábito adquirido dos avós maternos quando estes residiram no norte do Brasil . Quanto ao local ser reservado para estudo, não significa que seja sempre o mesmo, porque depende do movimento da casa. Casa movimentada as crianças estudam no room-office de Laulena ou na sala de jantar. A família p rocura evitar ao máximo as crianças utilizarem este espaço do terraço apesar de ser o 127 Rede de dormir ou descanso. Tucum, tucunzeiro em Tupi tu’ kum é uma pequena palmeira espinhosa (Bactris setosa), de cujas folhas se obtém uma fibra comprida e forte, semelhante à lã, empregada para fazer tecido grosseiro para sacos, redes, linha de pesca etc. 264 melhor porque não incomoda ninguém, e vice-versa, quando estas brincam de vídeo-game. O motivo segundo elas é que as crianças ficam muito expostas (visualmente) aos estra nhos que circulam pela rua. Como pode perceber, o terraço interno pode ser considerado multifuncional ou espaço de transição e recepção de quem vem de fora. Neste espaço há uma mistura de móveis (cadeiras e poltrona) e objetos como cadeirinha de automóvel para bebê, patinete das crianças maiores e uma esteira para os adultos utilizarem ou “muitas vezes servem para as crianças se pendurarem ao ponto de danificar como aconteceu e enviamos para o concerto. (Jaci, 59).” Internamente há uma área de sol utilizada para estender as roupas de cama, redes de dormir e toalhas pesadas. Esta se situa entre as áreas de serviço, social e íntima e uma dependência externa de 12m² x 6m² que funciona como depósito (anteriormente era destinada a guarda de apetrechos do dono da casa), que é dividido em duas partes por uma porta de ferro gradeada. Entre o espaço gradeado e não gradeado, mas coberto, fica o banheiro completo e algumas prateleiras de aço e um móvel antigo de madeira. Na parte gradeada, uma espécie de depósito ou quarto de despejo , como as moradoras preferem chamar, ficam guardados os xurumbambos 128 das donas da casa. Além dos objetos pessoais de alguns membros da família, há armários de aço, uma estante de madeira com uma coleção completa Delta Larousse, livros de li teratura que vão de Machado de Assis, José de Alencar, Dostoievsky, Alexandre Dumas, Shakespeare e três coleções completas de Júlio Verne que pertenciam aos pais falecidos. 128 Xurumbambos: cacaréu, bagulho, bundá, traste, agrupamento de utensílios velhos. 265 FOTOGRAFIAS 58 e 59 - QUARTO DE DESPEJO EM DOIS ÂNGULOS. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/01/2014) Este agrupamento de cacaréus tem sido fonte de discussão sobre o destino dos mesmos. Afinal, são utensílios e mobiliários provenientes de três residências de longas datas (dos pais falecidos; da irmã Laulena e da irmã caçula Aneci). Parte da família, maioria, acha que alguns, em desusos, devem ser jogados fora ou doados. Outra parte acha que devem ser reaproveitados por considerar que não estão em uso por falta de espaço, mas que gostariam de levar consigo caso fossem para uma residência maior. Os objetos são: tela com paisagem, pintura a óleo de autoria de uma tia -avó paterna; cadeiras de Gerdau sem braços, com mais de cem anos, pertenceram aos tataravôs paternos; outra cadeira com mais de cinqüenta anos pertenceu a avó materna; máquina de costura Singer que pertencia a mãe das donas da casa. A máquina industrial foi doada para uma instituição de caridade 129. Estes, assim como armários de aço estão guardados no devido depósito. 129 Por motivo de falta de espaço e por questão de caridade quase todo o mobiliário e os eletrodomésticos foram doados. Por sua religiosidade a família segue os princípios de que “aquilo que você não usa faça doação” Dona Jaci. A maior parte pertencia a irmã Laulena que por 25 anos morou sozinha. Geladeira e fogão (instituição de caridade) cama de casal (para uma família). Uma cama de solteiro, seis cadeiras de sala de jantar (instituição de caridade); as louças (esta, em maior parte, as de maior valor, foram doadas à sobrinha que foi morar em Parnamirim) esta ficou com os móveis da mãe. Uma máquina de costura industrial e um gerador foram doados a uma instituição de caridade do médico da família. 266 A resistência em se desfazer parte da ir mã Laulena que valoriza muito os objetos não só por alguns serem antigos, mas, principalmente pelo valor afetivo e por achar “que os de hoje não valem nada”. Considera, ao tentar negociar com as irmãs, que estes podem ser repaginados “não sem sentir um ape rto no coração”, comenta Laulena. Ela mesma recebeu de sua avó materna uma cômoda que tem mais de cem anos com três gavetões e três gavetas pequenas instalada em seu room-office. Em frente ao banheiro há um baú, herança da avó materna, onde estão guardados enfeites de decoração natalina. O destino dos móveis e utensílios domésticos da irmã Aneci foi, em sua maior parte, para o apartamento da filha situado em Parnamirim. Na casa das irmãs: uma geladeira na área de serviço (vendeu por uma bagatela, contanto que não tomasse espaço), um frigobar no quarto de Bariri , guarda roupa na suíte de Aneci, Alena e dos sobrinhos -netos. A questão do espaço ou a sua má distribuição tem sido uma fonte de problemas na Casa Moema. Há uma linha tênue e bastante complexa entre o room-office da irmã Laulena e o depósito. Na verdade este espaço de despejo por si só merece uma tese pela complexidade que gravita em torno do mesmo que vão desde os objetos contidos nele, até a reforma do mesmo para que sirva de escritório para a irmã Laulena. Tem causado bastante preocupação e aborrecimentos e alegam: Como a casa é alugada, não se pode fazer muito, porque simplesmente o dono não permite, não facilita para que a reforma aconteça; ou se permite não quer que desconte do aluguel. Tem causado stress em todos os que habitam a residência. Falamos em comprar o imóvel, mas não tem acordo. (Aneci, 52). Já que estamos falando da relação de espaço e pertences, interessante a situação de Dona Jaci, que é moradora permanente, é a pessoa de referência da Casa Moema, mas os seus pertences estão 267 espalhados nos seguintes espaços: as roupas (ela tem o seu próprio guarda-roupa) no guarda-roupa de Dona Aneci; os documentos de maior valor e os DVDs e CDs nos armários do room-office de Laulena; os documentos e livros religiosos são guardados em seu bureau e no armário de madeira situado no closet de sua suíte. E a guarda dos sapatos ela divide com a irmã Laulena e os sobrinhos -netos no armário embutido do banheiro. A irmã Alena que se mudou para a suíte de Dona Jaci, os seus pertences ficaram no guarda -roupa de Dona Jaci, no seu antigo guarda-roupa e cômoda que estão localizados no quarto em que dorme o jovem Bariri. Tanto as janelas, como as portas da sala de estar /jantar estão sempre abertas porque o vento sopra do leste e por esse motivo, o lado oeste da casa, onde ficam a suíte e a cozinha, são os preferidos da família. A sala estar/jantar como fica no centro, dividindo o espaço de serviço e íntimo, também é a pr eferida das crianças. Portanto, são os espaços sociais e os espaços de serviços mais utilizados pela família, enquanto espaços coletivos. É na sala estar/jantar, entre quinze horas e dezessete horas, onde alguns adultos assistem remakes de novelas pelo ca nal aberto da rede Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Antes assistem, entre treze e quatorze horas na suíte, pela Sky (TV por assinatura) remakes das novelas da TV do Canal Vivo. Preferem utilizar o note book na sala em lugar da suíte, onde fica a mesa de vidro com impressora, cadeira giratória e telefone. A televisão da sala, por não ser LED é ideal para jogar vídeo game e após as novelas da SBT, fica a disposição das crianças, para que estas joguem game. 268 FOTOFRAFIA 60 - SALA DE ESTAR-JANTAR COM MÚLTIPLAS FUNÇÕES. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/12/2013) Do ponto de vista doméstico, porém, este espaço de convívio, tornou-se e continua a ser o aposento coletivo desta família intergeracional, o aposento de repouso de uns, o aposen to de lazer de outros e o aposento de receber com calorosa exclamação: “Fique à vontade!” Apesar de não ser confortável e de ser apinhada de móveis e de gente a sala de estar é o microcosmo que representa a volta ao ninho que todos os membros da família fazem. Espaço de conflito, de barulho, espaço do aconchego e do desconforto. A configuração espacial não ajuda a resolver este problema conflituoso. A família está sob o julgo do espaço físico. Tem o caráter muito rígido. Tem um transito de pessoas muito al ém da família contemporânea do Brasil . A família tem uma forte mobilidade regional com cidades pequenas e médias do interior do estado e com capitais de outros estados. Esta forte mobilidade gerou uma forte necessidade da família permanecer unida. A Síndrome do Ninho Pleno é uma transmissão das tradições familiares que é repassada pelas diferentes gerações o que 269 reforça os laços familiares e fortalece os seus laços afetivos e funcionais. O espaço religioso ou a presença religiosa em vários ambientes da Casa Moema é também resquício da forma de morar tradicional contrapondo-se aos modos de morar na contemporaneidade. Hoje não existem nos novos espaços, espaços destinados à religiosidade. As famílias usam diferentes espaços da casa para usufruírem de suas atividades religiosas. Assim como a sala de estar, o terraço que faz a interface com o home-theater e a sala de estar está aberto a estranhos, demonstrado pelo número de cadeiras e sofá existentes no mesmo. A Casa Moema contém número de moradores em co -habitação permanente (sete) e em conexão (cinco) formando um total de doze em pessoas que tem uma carga maior de deveres e obrigações com a otimização do espaço. Este espaço não é pequeno se considerarmos que a sua idealização foi destinada para apenas cinco pes soas no máximo. Constata-se que pelo número de pessoas que moram e transitam na Casa Moema, há certo apinhamento, obrigando -as a seguir regras de convivência, ao mesmo tempo rígidas e flexíveis A família não desaparece, mas ela muda de sentido. Em lugar de se impor aos seus membros, a família se torna de alguma maneira um “serviço” que pode ser colocado à disposição dos indivíduos, preocupados em viver juntos. (BALZAC, 1842). 270 4.1.4 CASA SHANGRI-LÁ Padrão de moradia multifamiliar. 600m². Nº de cômodos: vinte e três. Planejada e projetada com a participação da família. Bairro Petrópolis, Natal. Renda: dirige a maquinaria capitalista do país/estado. Nº de automóveis: dois. Ninho vazio com predominância de conexão da neta, filhos, genro e nora. Co-habitação permanente: quatro pessoas. Dois idosos e duas adultas. Em conexão: cinco. Criança e adultos. Faixa etária: dois anos e 70 anos. A pessoa de referência é Omã, idoso, 70 anos. Administrador de empresa. Um cachorro que atende pelo nome de Alif da raça Pinscher. Quatro anos. Em conexão, um cachorro que atende pelo nome de Pingo da raça West Highland White Terrier. Shangri-lá , paraíso terrestre oculto, é como a família vê e sente a sua casa. O nome da residência foi sugerido por Nair (65anos) responsável pelas informações aqui contidas. Nair é casada com Omã (70 anos) a pessoa de referência da casa. O casal tem dois filhos. A filha que é a primogênita se chama Najla (32 anos) e o filho Sharif (31 anos). Najla é casada com Naam (33 anos) e tem uma filhinha que se chama Sanya (dois anos). Sharif é casado com Mayara (29anos), sem filho s e mora em um condomínio fechado próximo ao condomínio dos pais. Além do casal de idosos, moram na Casa Shangri-lá as duas trabalhadoras domésticas Pepita (45) e Sarita (40). Estas convivem com a família de Nair há pelo menos trinta anos. Com quarenta ano s de casados (1975), o casal tem um casal de filhos, uma neta de dois anos de idade, um genro, uma nora, e duas trabalhadoras domésticas que formam o seu núcleo familiar de forma permanente e de conexão. A primeira filha, Najla, nasceu oito anos depois de casados em 1983; e no ano seguinte nasce o segundo filho Sharif. A Casa 271 Shangri-lá permaneceu com seu formato nuclear (casal com dois filhos de ambos os sexos) até 2010 quando a filha se casou, um ano após o segundo filho. A Casa Shangri-lá ficou, aparentemente, com o ninho vazio com o casamento dos filhos. Quatro anos depois, nasce a primeira filha de Najla. E com a presença da criança que faz conexão quase que diariamente e a presença constante da filha e do genro, assim como a presença de Sharif e Mayara aos sábados, o ninho ficou pleno. Omã nasceu em Porto Alegre, RS, e de lá saiu para cursar Administração em uma universidade particular de São Paulo. Depois de formado retornou a Porto Alegre quando conheceu Nair em uma festa social. Um ano depois estavam casados. Dez anos depois se mudou com a mulher e os dois filhos pequenos para Natal, RN. Desde o ano de 1985 a família mora em Natal e viajam sempre para o Rio Grande do Sul para rever seus familiares quando tem feriados grandes e nas férias, caso não viagem para a Europa e Estados Unidos. Para tratar de negócios a família viaja para o sul e sudeste do país todo mês, mas alternando as viagens entre os filhos, a nora e o genro que trabalham na indústria da família. Nair nasceu em Nova Friburgo, RS, assim como toda sua família. Tem quatro irmãos (três do sexo feminino e um do sexo masculino). Assim como Omã, Nair é a caçula dos quatro irmãos. Najla mora em outro condomínio em Capim Macio e durante três dias, à vezes dias alternados, às vezes dias consecutiv os, faz conexão na casa dos pais quando deixa Sanya com a avó Nair . Aos sábados é tradição um almoço em família na Casa Shangri -lá e aos domingos na casa da sua sogra em que também acompanham a sua cunhada e o marido. A netinha de ambas as famílias, Sanya, pelo menos duas vezes por semana, fica com os avôs paternos. Então, a conexão-transitória gira em torno das duas famílias, sendo que Sanya fica a maior parte do 272 tempo na casa dos avôs, pais de sua mãe Najla , onde Sanya tem seu próprio quarto na casa destes, todo decorado, conforme figuras abaixo: FOTOGRAFIA 61 - SUÍTE DA NETA SÂNYA. CASA SHAGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) FOTOGRAFIA 62 – SUÍTE DA NETA SÂNYA. OUTRO ÂNGULO. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) 273 FOTOGRAFIAS 63,64 e 65 - SUÍTE DA NETA SANYA. TRÊS ÂNGULOS DIFERENTES CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) E a rotina é a mesma de casais em permanente conexão: os pais saem para trabalhar e deixam a filha com uma das avós, conforme os dias. Há exceção quando os pais de Sanya têm que viajar, e viajam muito, a criança não sai do seu lar. Ela permanece, na sua residência e as avós fazem rodízio para se deslocarem para a casa da neta. Praticamente se mudam. Mesmo com babá, as avós e os pais de Sanya não a deixam em hipótese alguma nas mãos de quem não faz parte da família. O apartamento de cobertura duplex 130 da Casa Shangri -lá tem uma estrutura assim composta: em princípio, ele (o apartamento) tem a cara dos donos, pois cada pedaço foi milimetricamente pensado e construído conforme o gosto de cada um da família. Os filhos participaram do planejamento. As suítes com closet e banheiros, estes principalmente projetados e decorados com a participaçã o individual de cada membro da família. Esquema/Croquis (FIGURA 90) da Casa Shangri-lá. 130 Condomínio residencial de cinco famílias que se reuniram e o construíram. De comum somente a fachada, porém o seu interior é de acordo com os desejos e necessidades de cada família. 274 No primeiro andar ficam: um hall com espelhos e cabides com chapéus, guarda-chuvas e casacos; sala de estar, jantar, home -theater, suíte do casal, área de serviço (FOTO GRAFIA 67), suíte das trabalhadoras domésticas, suíte neta Sanya e área de lazer (FOTOGRAFIA 68). FOTOGRAFIA 66 – ÁREA DE SERVIÇO COM ARMÁRIOS EMBUTIDOS CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) Cada andar tem suas varandas que dão para a rua; e dois terraços: em um se situa a área de lazer com piscina, churrasqueira, espaço para a neta brincar (FOTOGRAFIAS 68 e 69), espaço este bastante utilizado pela família a cada evento social que promove como aniversários e encontros casuais. O outro terraço se localiza no segundo andar onde fica a cobertura. 275 FOTOGRAFIA 67 - ÁREA DE LAZER. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) NOTA: Ao fundo churrasqueira, piscina e espaço de brincar da neta Sanya FOTOGRAFIA 68 - ÁREA DE LAZER/ESPAÇO PISCINA. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) NOTA: Visão do gabinete da entrevistada Nair. Ao fundo churrasqueira, piscina. 276 O terraço da área de lazer faz conexão com o home -theater. Ainda no primeiro andar do lado extremo da área de lazer há uma varanda que faz transição entre a parte externa do apartamento e a parte interna onde se localizam salas de estar, sala de jantar, a cozinha, suíte do casal, suíte da neta, lavabos e com unicação com o home theater também. O casal usufrui de um espaço privativo no primeiro andar, onde não se misturam os closets (cada um tem o seu), um de frente para o outro, varanda própria, único banheiro, com banheira de hidromassagem e bastante espaçoso. Aliás, a residência tem um total de seis banheiros, contando com o das secretárias e da área de lazer; fora estes têm os lavabos, um total de três: um próximo do hall, um que dá para a sala de jantar e outro que se situa no home -theater. Não se percebe problemas relacionados ao espaço ambiental, no que tange a mobilidade e acessibilidade, bem como em relação a problemas psicológicos de adaptação tanto de seus moradores, quanto dos hóspedes e secretárias. A Casa Shangri -lá como foi planejada, nos mínimos detalhes pelos donos, tem estrutura e estética que a diferencia das demais residências especialmente quando se compara com a Casa Moema no que se refere o quesito gabinete. O gabinete (FOTOGRAFIAS 70, 71,72 e 73) da Casa Shangri-lá tem função de gabinete e é exclusivo da dona da Casa. Este se localiza no andar superior e faz comunicação com os quartos dos filhos quando estes passam o dia na Casa Shangri -lá, especialmente aos sábados; ou servem para os hóspedes. 277 FOTOGRAFIA 69 – GABINETE DE NAIR. ESTANTE. CASA SHNGRI-LÁ CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (23/07/2013) FOTOGRAFIA 70– GABINETE DE NAIR/VISÃO PARCIAL. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (23/07/2013) FOTOGRAFIAS 71 e 72 - GABINETE DE NAIR/MESA DE TRABALHO E APOIO. MESA DE TRABALHO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (23/07/2013) Em relação ao ambiente de trabalho da dona da casa, que procura garantir um clima zen no ambiente que você percebe antes de subir a escada que dá para o mesmo. Este se situa no segun do andar da casa e funciona, além de escritório, espaço para meditação, já que a 278 dona é adepta do esoterismo. O sofá que existe neste espaço tem a função tão somente de receber visitas. As duas portas (FOTOGRAFIA 72) dão para os quartos dos filhos quando e stes passam os sábados na Casa Shangri-lá. Quando tem hóspede, e sempre tem, este fica em um dos quartos dos filhos, já que o quarto que era de hóspedes foi destinado à neta Sanya. FOTOGRAFIA 73 - TERRAÇO DO PRIMEIRO ANDAR DEFRONTE A SALA DE ESTAR E JANTAR. CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) FOTOGRAFIA 74 - COBERTURA EM FORMA DE L. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) 279 FOTOGRAFIA 75 - SALA DE ESTAR. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) A sala de estar tem uma parede decorada com quadro, pintado a óleo, com imagens de Olinda-PE, cidade que visita sempre por ser histórica e acredita que tem muito a ver com ela, assim como Roma - Itália, cidade que viaja diversas vezes, por ser o destino de Omã quando vai tratar de negócios. Ao fundo espaço com sofá de três lugares e imagens de santos de sua devoção. Do outro lado fica uma porta de vidro que abre para o terraço externo. FOTOGRAFIA 76 - SALA DE ESTAR DE OUTRO ÂNGULO. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) 280 Os aposentos da Casa Shangri -lá se distinguem pela amplidão, pela arquitetura e pela decoração. A sala de jantar prossegue em direção ao terraço que dá para a rua, assim como a sala de estar. São separadas e semi-integradas, em formato de L. Ambas dão para o terraço que dá para a rua. Perpendicular ao relógio carri lhão herdado dos pais há um móvel projetado exclusivamente para a sua coleção de palhaços. Ao fundo sala de jantar herdada da avó paterna. (FOTOGRAFIA 78). FOTOGRAFIA 77 - SALA DE JANTAR. HALL ONDE SE CONCENTRA MÓVEL COM COLEÇÕES DE NAIR CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) Os espaços sociais como a sala de estar, a área de lazer cujo acesso se dá pelo home-theater, espaço também muito freqüentado, desempenham um papel muito importante na vida da Casa Shangri -lá, onde se reconhece que os donos costumam receber com freqüência e luxo. Aliás, é uma característica da Casa Sha ngri-lá, como dos irmãos de Omã, ou da família de Nair receber para um jantar algum parente, mesmo que o hóspede não tenha vindo para a própria casa das famílias 281 numa clara demonstração de boas -vindas. A sociabilidade se faz presente entre as famílias que envolvem também as famílias do genro ou nora. Ao fundo existem três portas: a esquerda fica o lavabo; à direita a porta de entrada e em frente um corredor que dá para cinco pontos diferentes. Á esquerda da porta fica a cozinha; dobrando à direita você segue para a escada que dá para a cobertura onde ficam o gabinete e os quartos dos filhos e um grande terraço defronte ao gabinete onde Nair cultiva orquídeas. Este, terraço, assim como o do primeiro andar também dá para a rua. Próximo a base da escada, no corredor, a suíte da neta. Seguindo você tem duas opções: o quarto do casal que fica à direita, e a esquerda o home -theater. No corredor que dá para os cômodos citados há um armário que reveste toda parede onde são guardados roupas de mesa, cama e banho. FOTOGRAFIA 78 - BUFÊ HERDADO DA AVÓ PATERNA DE NAIR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (23/07/2013) 282 FOTOGRAFIA 79 - HOME THEATER. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) FOTOGRAFIA 80 - HOME THEATER. POLTRONAS COM BRINQUEDOS DA NETA.CASA SHANGRI-LÁ Ao fundo bola, cadeirinha CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) A Casa Shangri-lá é uma casa típica tradicional no que se refere ao acolhimento e do receber a família toda. Nesta casa, a cria nça é a personagem central sem que os donos percam sua individualidade. Aliás, há um maior respeito à individualidade que se reflete na sua construção. 283 Os espaços entre o social e o íntimo são grandes. Há muito verde. Percebe-se a presença religiosa em cada cantinho da casa, assim como mimos e objetos biográficos e autobiográficos. Os tons quentes utilizados pela dona da casa revelam abertura ao receber. Intercambio intergeracional, sociabilidade e afetos são perceptíveis no cotidiano e na decoração. Talvez seja, então, surpreendente refletir que não há nada nessa casa, que seja inevitável. Tudo teve de ser pensado – portas, janelas, [...] escadas – e boa parte disso, como veremos agora, exigiu muito mais tempo e experimentação do que poderia imaginar. (BRYSON, 2011) 284 4.1.5 CASA TREVO 131 Padrão de moradia multifamiliar. 98m². Nº de cômodos: onze. Planejada e projetada sem a participação da família. Bairro: Tirol, Natal. Renda: Acima de 25 salários mínimos. Automóveis: dois. Co-habitação permanente: família com três gerações na forma relacional (Pessoa de referência, irmã e sobrinho). Faixa etária: 61 anos, 57 anos e 21 anos. Em conexão três gerações: Irmã idosa, sobrinha adulta e sobrinha-neta adolescente. Faixa etária: 60 anos, 40 anos e 16 anos. A pessoa de referência é Violeta, idosa de 61 anos, solteira. Socióloga. Família estendida132 formada por uma jovem idosa de 61 anos, conhecida por Violeta, entrevistada. Considerada por todos e por ela própria, pessoa de referência da família. Co-habitam há dezoito anos na Casa Trevo de forma permanente, uma irmã divorciada, Rosa (57anos) e o sobrinho, Alyssum (21 anos), filho de Rosa. Violeta mora em Natal desde 1978, há 36 anos, e sua primeira residência foi um apartamento alugado situado nas imediações do Supermercado Nordestão, no bairro Tirol. A rua não tinha calçamento. O edifício tinha apenas três andares, sem elevador, ela relembra. Após um ano que morava em Natal, quando já estava estabelecida, sua irmã caçula Rosa, então solteira, passou a morar com ela. Depois morou em outro apartamento na Av. Hermes da Fonseca, no mesmo bairro, e quatro anos depois comprou o atual apartamento, também no bairro Tirol. Dessa vez a sua irmã Rosa que havia se casado, não acompanhou Violeta, mais morava em um edifício muito próximo. 131 Casa Trevo, assim se chama por co-habitar três gerações na sua forma etária e relacional. O “trifolium”, trevo de três folhas, o Shamrock (antiga língua gaélica) significa planta jovem que simboliza o presente, passado e futuro. Simboliza a sorte, a prosperidade, o sucesso, a esperança e a fé. Representa o percurso de vida das três gerações num processo de idas e vindas e superação. 132 Família estendida é aquela família formada ao menos por uma pessoa e outro parente que não filho ou pais. 285 Depois de algum tempo, Rosa se divorciou e com o filho Alyssum e a babá, voltou a morar com Violeta, quando esta morava, há pelo menos sete anos, no atual apartamento que se localiza nas imediações do Midway Mall. Violeta sempre morou no Bairro Tirol por ser bem localizado e de fácil acesso as necessidades de locomoção. Tem um razoável histórico de mobilidade, já que se ausentou, além do histórico de moça do interior do Rio Grande do Norte, se ausentou de Natal por duas vezes, para cursar Pós-graduação em Recife (mestrado) e no Rio de Janeiro (Doutorado) respectivamente. No Rio de Janeiro viveu consensualmente, por quatro anos, com um colega do Curso. Durante os períodos de pós-graduação sua irmã Rosa permaneceu no seu apartamento com o filho e a babá. Diz que sempre morou em apartamento por questão de segurança. Reside no atual apartamento há 29 anos. Apesar da boa localização, boa acomodação, o único problema é a garagem que é muito apertada. Como disse anteriormente que o problema da garagem é sério. Primeiro que não dá para dois carros. A garagem do edifício que além de permitir somente um carro é tão estreita que se o nosso vizinho tiver um carro maior e mais largo do que o nosso, e tem, e dependendo como ele estaciona o dele se mais para o lado do outro vizinho, tudo bem; mas se estaciona mais para o nosso, temos que sair pelo outro lado do carro. (Violeta, 61 anos). O apartamento (FIGURA 91) tem onze cômodos. Sala para três ambientes: uma espécie de hall de entrada decorado por um baú, herdado da mãe, e duas cadeiras de madeira na cor marrom, forradas por tecidos na cor bege. (FOTOGRAFIAS 82,83 e 84). Uma sala de estar e outra sala de jantar (FOTOGRAFIAS 85, 86, 87 e 88), semi-integradas em forma de L, mas que são separadas pela reentrância da sala de jantar que faz ligação com os quartos e a cozinha. 286 FIGURA 92 – ESQUEMA DA PLANTA BAIXA DA CASA TREVO FONTE: Lucas MEDEIROS, bolsista PROEX/UFRN FOTOGRAFIA 81- SALA DE ESTAR COM VISÃO DA PORTA DE ENTRADA. CASA TREVO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (20/11/2014) 287 FOTOGRAFIAS 82 e 83 – SALA DE ESTAR. VISÃO PARCIAL. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) FOTOGRAFIA 84 – SALA DE JANTAR. FOTOGRAFIA 85 – HALL. LIMITE SALA DE ESTAR CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) NOTA: Ao fundo a esquerda entrada social do apartamento. Console demarcando os espaços 288 FOTOGRAFIAS 86 e 87 - SALA DE JANTAR. VISÃO EM DOIS ÂNGULOS. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) NOTA: Ao fundo um painel sustentado por trilhos faz às vezes de porta corrediça que separa os espaços sociais dos espaços íntimos e de serviços Nas figuras 86 e 87 se percebe uma nítida separação entre os espaços sociais e espaços íntimos como suíte, dormitórios e banheiro social (banheiro compartilhado por Rosa e Alyssum) através de um grande painel de madeira sustentado pelo trilho fixado no alto da parede que faz às vezes de porta corrediça. Quando o painel é aberto por completo as portas dos quartos ficam evidentes. Ao lado do painel há outra porta que dá para a cozinha e área de serviço. (FOTOGRAFIAS 89, 90 e 91). Originalmente uma dependência de empregada com banheiro e armários embutidos (FOTOGRAFIAS 92 e 93) que hoje serve como depósito para guardar malas, l ivros, louças. Estes são dispostos de forma bastante organizada. 289 FOTOGRAFIAS 88, 89 e 90 - COZINHA E ÁREA DE SERVIÇO. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) FOTOGRAFIAS 91 e 92 – DEPENDÊNCIA COM BANHEIRO TRABALHADORA DOMÉSTICA. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) A ala íntima se divide em três dormitórios. Uma suíte que pertence à Violeta (FOTOGRAFIAS 93 e 94). Embora suíte, esta é o mais sóbrio dos quartos. Um guarda roupa embutido, uma bicama de solteiro (que se transforma em duas com a presença de hóspedes) e uma bancada na cor branca, sob medida, para computador e TV. 290 FOTOGRAFIAS 93 e 94 - SUÍTE DE VIOLETA. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) FOTOGRAFIA 95 - BANHEIRO DE VIOLETA. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) O banheiro da suíte de apenas 3m² é revestido de azulejos brancos e lisos, e ainda se encontra no mesmo padrão da construtora. Foi repaginado por Violeta quando esta comprou o apartamento. Note - se a bancada de cerejeira com tampo de mármore, Box de correr de 291 acrílico e alumínio, modelo da década de oitenta do século XX. (FOTOGRAFIA 96). O quarto de Rosa, 57 anos (FOTOGRAFIA 96), apesar de menos sóbrio que o de Violeta exibe o mesmo padrão, ou seja, uma bicama de solteiro (quando têm visitas a cama que fica em baixo é retirada para servir ao hóspede), um armário embutido, uma bancada com portas, sob medida, para computador, impressora. A TV é fixada na parede que também contém prateleiras de cerejeira com objetos de decoração e imagens religiosas. FOTOGRAFIA 96 - QUARTO DE ROSA.CASA TREVO FOTOGRAFIA 97 - BANHEIRO SOCIAL .CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) O banheiro social (FOTOGRAFIA 97) é compartilhado com Rosa, 57, e seu filho Alyssum, 21. Este foi totalmente reformado. Antes era revestido de azulejos comuns, idênticos aos do banheiro de Violeta. Os azulejos foram trocados por porcelanato. A bancada sob medida, na cor branca, com tampo de granito é um misto de moderna e tradicional: prática, bonita e funcional. A bacia da bancada é embutida, 292 convencional. As plantas dão um toque charmoso ao ambiente. O banheiro conjuga beleza e funcionalidade onde o menos é mais . O terceiro quarto pertence ao jovem Alyssum, 21. Cama elevatória na cor preta que contrasta com a bancada, sob medida, que é de cor branca. Esta em forma de “L” é posicionada na parede oposta onde fica a cama em cuja parede foi fixada uma madeira de cor escura, de um metro de altura (FIGURA 99), cujo comprimento parte da janela (que faz às vezes de cabeceira/espelho da cama) até o guarda -roupa, também sob medida na cor preta. As cores dos móveis do quarto são neutras: branca, marrom e preta. Na parede oposta à bancada tem uma prateleira na cor preta com objetos decorativos. FOTOGRAFIAS 98 e 99 - QUARTO DO JOVEM ALLYSUM. CASA TREVO CRÉDITO: Violeta, proprietária da Casa Trevo (14/12/2014) A bancada (FOTOGRAFIA 98) é de cor branca onde ficam: computador, impressora e aparelho de som. Nesta bancada há uma espécie de cubo de madeira na cor marrom, 30x50x12 onde fica uma TV. E logo abaixo da bancada um nicho na cor marrom onde o jovem guarda seus pertences. 293 Violeta e Rosa vêm de um núcleo familiar de cinco irmãs. Os pais nasceram no interior de cidades e estados diferentes. A mãe nasceu em Aracati, Ceará e o pai em Macau, RN. Casaram -se e moraram em Macau durante dez anos. No início da década de sessenta a família se mudou para Mossoró. Parte das filhas nasceu em Macau e as duas mais novas nasceram em Mossoró. A responsável por esta informação, Dona Violeta, 61 anos, nasceu em Macau e concluiu o Ensino Fundamental, Ensino Médio (antigo ginasial e científico respectivamente) e o Curso Superior em Mossoró quando se formou em Sociologia. No ano seguinte, 1978, passou a residir s ozinha em Natal para assumir um emprego federal. No entanto, mantinha contato com os pais e as irmãs geralmente por telefone, embora sua vida e comportamento tivessem mudado radicalmente. O sobrinho Alyssum, 21 anos e a irmã Rosa, são hoje sua verdadeira f amília. A Casa Trevo tem o perfil de uma co -habitação permanente. Mas também tem picos de conexão quando uma vez por semana uma de suas sobrinhas Carla, 40 anos, e a filha desta, Lorena de 16 anos, sobrinha-neta de Violeta e Rosa, almoçam na Casa Trevo. A lém disso, Lorena estuda num dos colégios particulares mais conceituados de Natal e quem financia os estudos da sobrinha -neta é Violeta. Constataram-se formas de apoio e intercâmbio constante entre a Casa Trevo e outra irmã, Ana, 60 anos, que mora em Parn amirim com seus dois filhos adultos. Entre as duas famílias, criaram -se laços de dependência financeira e de serviços mútuos, por exemplo, em caso de problemas de saúde. Antes dos pais das falecerem, estes também mantinham conexão com a Casa Trevo constantemente. Deste modo, a Casa Trevo tornou-se referência e ponto de apoio para os demais membros da família. Principalmente os que moram em outro estado, costumam 294 depender da casa, não somente como hóspedes, mais por motivos os mais variados (saúde, educação , lazer). O exemplo disso no último verão cinco parentes de outro estado se hospedaram na Casa Trevo configurando -se fontes de despesas extras e transtornos diários, especialmente na hora de dormir e tomar banho Violeta e Rosa sempre atenciosas com as visi tas cederam os próprios quartos e abdicaram de seu conforto e saúde dormindo em colchões na sala de visita. Revelando o lado perverso das conexões quando Violeta relata: E quando temos visita o problema se agrava, porque em vez de dois, o número aumenta para três, quatro. E não só em relação ao banheiro. Eu e Rosa, as velhas, [chamou bem atenção para a expressão] saímos dos nossos quartos, Alyssum permaneceu no dele. Simplesmente nos mudamos para a sala de estar com colchonete e tudo. Amanheço com a coluna em pedaços. Não temos mais idade para este tipo de coisa. E resolvemos que não daremos mais os nossos quartos para visita nenhuma, elas que vão para a sala. (Violeta, 61, Casa Trevo. Grifos da entrevistada, [grifo meu]). Uma casa de idosa com o agravante de ser mulher e solteira. As fotos revelam o padrão de casa de revista. Mas o dia a dia, conforme entrevistas, mostra o acúmulo de despesas geradas pelo peso das conexões. Obrigações e despesas restringem as p ossibilidades de lazer e cuidados com a aparência. O padrão de vida anterior que costumava ter foi decaindo penalizando a pessoa idosa que deveria ter um padrão de viver bem e morar bem. Formas de exploração, preconceito e discriminação em relação a idosa solteira foram naturalizadas, e a obrigação não parte dos mais jovens. A própria idosa interiorizou esta forma de opressão, que ser materializa no espaço da vida cotidiana. A vida se compõe não somente em encontrar um trevo de quatro folhas onde possuem somente três. (Leandro Menzen) 295 4.1.5 CASA VALE Padrão de moradia unifamiliar. 120m² de área coberta. Nº de cômodos: doze. Planejada e projetada sem a participação da família. Reformada com a participação da família. Bairro Candelária, Natal. Renda: acima quarenta salários. Salário, pensão e Lei de Guerra. Automóveis: dois. Co- habitada por três gerações. A idosa, filho e neto. Faixa etária: 18 55 e 81 anos. Em conexão a nora de 43 anos sem filhos e uma irmã que mora em Parnamirim. A pessoa de referência é Zelita, idosa, 81 anos. Dona de Casa. Família ampliada 133 compartilhada com três gerações. A idosa, Dona Zelita134, 81 anos, pessoa de referência e dona da Casa Vale, mora na mesma residência há 36 anos desde que saiu do interior, Macau. A residência está localizada no bairro Candelária. Co-habitam a Casa Vale o neto Zeus, 18 anos, filho do segundo casamento de Zenon, 55 anos, segundo filho de Dona Zelita. Zenon é divorciado, mas vive há dez anos, consensualmente, com Zenaide, 43 anos, que passa o dia na Casa Vale, mas à noite se dirige ao apartamento de sua mãe localizado no bairro Lagoa Nova. Zenon permanece na Casa Vale, porque é a sua residência “extra -oficial” , mas de forma entre temporária e permanente, desde que se separou de sua segunda esposa. Temporária e permanente porque, embora tenha uma residência na mesma rua em que mora a mãe, é a casa desta que se configura o seu lar. A residência de Zenon, de sobra do com varanda, tem cinco quartos, três suítes, mas [...] serve para as moscas, para as almas. Toda mobiliada. Ele está sempre fazendo reformas. Não sei pra que. Falei que ele deveria alugar ou vender. 133 Família formada por mais de um núcleo familiar ou inclusão de outros membros como avós, tios, primos, netos. No caso, a inclusão foi de um neto e filho originados de lar desfeito. 134 Zelita foi o nome escolhido pela idosa para não ser identificada no perfil. 296 Casa vazia tem tendência de estragar muito rápido. Mas ele não aluga, não vende, não empresta, não dá. Nem quando a minha casa está com visitas ele cede a casa, que fica vizinha a minha. Zeus se muda para o meu quarto ou o quarto do pai para ceder o quarto dele aos hóspedes. Ou no apartamentozinho aqui atrás quando as minhas secretárias não dormem por aqui. É uma coisa incrível. (Dona Zelita, 81 anos). Zenia, 57 anos, é a primeira filha de Dona Zelita depois que faleceu, aos dez meses de idade, o filho mais velho . Foi o primeiro de muitos acontecimentos traumáticos que afetaram a estrutura familiar. Zenia, hoje, casada, tem um casal de filhos e dois netos da filha caçula. Freqüenta sempre a Casa Vale. Zenon, 55 anos, se encontra no terceiro casamento. Tem um filho homem do primeiro casamento que mora em São Paulo com a mãe; do segundo casamento tem apenas um filho, também homem, que vive com ele e sua mãe idosa. A família de Dona Zelita, 81 anos, é do interior. Terceira, dos seis filhos (quatro mulheres e dois homens) de um conceituado padeiro da cidade. A sua atual família foi constituída em 1954. Assim ela se expressa: Desde que nasci sempre tive uma vida boa. Com fartura. Casei também muito bem em todos os aspectos. O meu falecido marido Zito, também pertencia a uma família de comerciantes. Tanto o financeiro, quanto a nossa relação, eram muito satisfatórias. Moramos um tempo na minha cidade, em uma das casas que pertenciam ao pai do meu marido. Tivemos três filhos, mas o primogênito faleceu quando ainda não tinha completado um ano. Foi o segundo baque depois que perdi o meu irmão caçula, já rapaz, quando ainda estava grávida do meu primeiro filho. Foram acontecimentos muito próximos e não sei como consegui me recuperar. Meu falecido marido ajudou muito. Dois anos depois tive a minha filha Zenia e mais dois anos depois tive Zenon. Quando meu marido resolveu morar em Natal, por volta de 1978, quando estávamos com 24 anos de casados, minha filha mais velha se casou e mora até hoje aqui em Natal. Zenon casou-se, dois anos depois, mas com menos de um ano se separou. A minha ex nora levou a criança com ela para São Paulo. Zenon retornou a morar comigo durante dezesseis anos. Zenon se casou novamente quando sua segunda esposa ficou grávida de Zeus que hoje tem dezoito anos. Passaram a morar perto de mim até que cinco anos depois eles se separaram. Zenon e o meu neto moram desde então comigo. Isso já tem uns treze anos. Neste intervalo, há dez anos ele conheceu a minha atual nora, Zenaide 43, que passa o dia aqui e à noite vai para a casa da mãe dela que mora sozinha. Não têm filhos e acredito que não terão mais. (Dona Zelita, 81). 297 Os rendimentos da família são provenientes de proventos (Zenon), pensão de Lei de Guerra (dividida entre a idosa e o casal de filhos), previdência, aluguéis de imóveis como um prédio comercial e duas casas no interior que foram compradas depois que a família se estabeleceu em Natal. Uma das residências, segundo Dona Zelita, foi comprada para duas tias solteironas de Zito, seu esposo. Mas, depois de dez anos, quando a família morava em Natal, o esposo de Dona Zelita construiu, na área externa da casa, um apartamento (fig.179) com dois quartos, cozinha, sala de jantar para que as tias fossem morar com ele s. Elas foram morar na Casa Vale. Segundo depoimento da filha Zenia, 57, que no momento da entrevista se encontrava na Casa Vale: Elas deram um trabalho danado aos meus pais. Brigavam entre elas por tudo. Tinha dias que amanheciam mal de mamãe. Você imagine como ficava o clima. Então, o que fazia meu pai? pedia que tivéssemos paciência com as tias dele, porque não era fácil elas saírem do interior para viver na capital e ainda por cima convivendo com mamãe que elas pensam que roubou o meu pai delas. Era uma comédia. Elas faleceram, uma depois da outra, antes de papai falecer. O apartamento está inteiro até hoje e serve para a cozinheira e copeira quando não querem ir pra casa. Ou quando tem muito hóspede servem para Zeus e Zenon que saem dos seus quartos para ceder aos visitantes. (Zenia, 57, filha de Dona Zelita). FOTOGRAFIA 100 - APARTAMENTO DESTINADO ÀS TIAS DA IDOSA ZELITA. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) NOTA: Entrada principal é pela porta de madeira 298 O apartamento destinado às tias do marido de Dona Zelita tem duas entradas ou saída como qualquer casa comum. A porta de madeira é a entrada principal onde se situam sala de estar - jantar (integradas) e uma cozinha. O setor onde fi ca o portão de ferro é destinado às suítes das tias. A área onde se situa o apartamento das tias fica logo após a cozinha-copa. Em frente ao apartamento há uma pia (Fig. ) auxiliar para lavar a louça. FOTOGRAFIA 101 - PIA AUXILIAR E INDEPENDENTE DA PIA PRINCIPAL. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) Há um portão de ferro que divide esta área com a lavanderia e a despensa. FOTOGRAFIA 102 - LAVANDERIA SEPARADA DA ÁREA DE SERVIÇO POR UM PORTÃO DE FERRO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) É em sua cozinha que Dona Zelita se sente verdadeiramente uma rainha, dona de sua casa, de suas coisas, enfim, do seu mundo. É o 299 primeiro cômodo da casa, para onde ela conduz os seus convidados mais queridos; os não tão queridos ela os mantém no terraço próximo a garagem e à entrada principal que tem um pequeno jardim bem cuidado, pois Dona Zelita gosta de suas plantas. Na arte de receber é extremamente afetuosa e ao mesmo tempo constrangedora: ninguém sai de sua casa, ou de sua cozinha sem comer. Literalmente somos forçados, não só a comer (variedade além da conta), mas temos que levar pra casa aquilo que não foi consumido, do contrário passa a ser uma desfeita. Na cozinha ela faz suas orações, assiste a seus programas preferidos pela televisão e também pelo rádio, especialmente pela manhã escuta diariamente, às dez horas, um programa religioso. A comunicação é constante com a sua secretária e as diaristas (são duas que se revezam durante a semana, o que dá três vezes para cada uma, “para não correr o risco de a casa ficar suja e desarrumada”). O tema das conversas necessariamente não faz parte das instruções do que se deve fazer (a comida quem determina é o filho, ela apenas reforça), mas varia: histórias de vida das mesmas, sobre a inf lação, sobre o filho e seu neto, sobre os amigos. FOTOGRAFIA 103 – COZINHA PRINCIPAL. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) 300 Da sua sala de estar, ela não falou. Esta é eternamente fechada para os de fora e para os de casa. A única presença são portas retratos com fotos da família (filhos, netos e bisneto). FOTOGRAFIA 104 - SALA DE ESTAR. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) FOTOGRAFIAS 105 e 106 - SUÍTE DA IDOSA ZELILTA. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) O lugar de memória está no quarto, além de ser local de pratica religiosa constante. A presença de oratório, imagens de santos preferidos se misturam com lembranças de parentes e amigos. No entanto, Dona Zelita, apesar do conforto e sossego do quarto gosta de ficar em local sempre animado da cozinha, onde todos transitam empregados, parentes e amigos. O 301 quarto de Dona Zelita é aconchegante. Com cadeira de balanço, ar condicionado. FOTOGRAFIAS 107 e 108 – SUÍTE DA IDOSA ZELITA COM CADEIRA DE GERDAU E TV 42 POLEGADAS CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) FOTOGRAFIA 109 – BANHEIRO DA IDOSA. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) Pela sua configuração a casa transpira um ambien te tipicamente feminino e bastante sossegado apesar das idas e vindas dos filhos e netos. Segundo seus familiares Dona Zelita vive bem e cultua os valores da solidariedade cristã e da amizade. Só não se senta na calçada por conta da insegurança que reina no bairro, mas conhece todos vizinhos com quem mantém suas boas relações de vizinhança. 302 Na garagem há o carro do filho com o qual ela também utiliza para as sua saída. Há também, em perfeito estado o carro que foi do marido falecido há vinte anos que ela não deixa vender. No dia a dia de Dona Zelita, filhos e netos e demais parentes são uma preocupação constante: ela faz questão de ajudar a cada um. Do mesmo modo tem contatos permanentes com os netos que moram em São Paulo e no Rio de Janeiro sem se preocupa r com o custo dessas ligações, apesar das reclamações dos demais familiares. Ela demonstra ser uma idosa com grande autonomia de decisão e alto padrão de vida. O seu mundo não se limita a casa: freqüenta cabeleireiro, shopping Center, Igreja Católica, rest aurantes todos os finais de semana com a família. Para os seus 80 anos comemorou em grande estilo num dos clubes da cidade. Ela cultiva o sentido de família, não em sentido estrito, mas no sentido amplo, de família extensa. No entanto, o espaço doméstico revela a identidade da casa apesar de todas as conexões. 4.2 Tendências de Morar na Contemporaneidade: formas e modos de morar das famílias intergeracionais Mediante os perfis apresentados das famílias intergeracionais da contemporaneidade uma pergunta se faz pertinente, vez que a preocupação, ou preocupações deste capítulo, assinaladas no início deste é saber como moram estas famílias e como gerações tão heterogêneas dividem o mesmo espaço e como se inter -relacionam . Seguindo a trajetória dos perfis, dev o esclarecer que o presente estudo não se limitou a contemplar os indivíduos que de fato dormem sob o mesmo teto, mas incluiu também as pessoas temporariamente ausentes , ou presentes, as voláteis e as que se encontram 303 em permanente conexão, isto é, as que continuam ligadas a uma determinada casa, identificando-a como a sua casa. Também se incluíram os filhos, os sobrinhos casados em situação idêntica, embora eles próprios já constituam um grupo doméstico autônomo e o seu contato com a casa de origem (dos pa is, ou tios-avós) seja meramente circunstancial (AFONSO, 1997), evidenciando, segundo Camarano et al (2011) que apoios intergeracionais, via arranjos familiares, têm sido bastante utilizados como estratégias de sobrevivência . Uma das estratégias mais relevantes tem sido a co-habitação, aqui denominada estratégias de co-habitação intergeracional. Esta tese trabalha com três tendências de co -habitação intergeracional demonstrando e discutindo as conexões das famílias no decorrer do texto. As tendências: temporária, permanente (CAMARANO, 2003) e conexão que pode ser transitória ou permanente , esta última (conexão), um novo conceito inserido por mim, já que a realidade empírica nos levou a identificar outra forma além da temporária ou permanente . 4.2.1 Formas e modos de morar das famílias intergeracionais: cotidiano e sua relação com a configuração espacial Nesta parte descreve e analisa o cotidiano, o uso e as formas de apropriação dos cômodos, intensidade, conexões e suas relações com a configuração espacial da moradia intergeracional. Assim como realizado na abordagem histórica do cotidiano dos séculos XIX, XX e início do século XXI destaco como as famílias intergeracionais contemporâneas vivem o seu cotidiano, como mantém ou não, a tradição de se reunir e de se inter-relacionar. Lembrando, ainda, que não se trata de percorrer o espaço físico de cada atividade acima descriminada. Mas saber como as famílias desenvolvem suas atividades 304 cotidianas em determinados espaços – não obrigatoriamente setorizados e com suas devidas funções - mas, conhecer seus hábitos domésticos, suas queixas quanto ao espaço arquitetônico, que estratégias se utilizam quando organizam os espaços em função de determinada atividade, como por exemplo, comer, dormir, rezar ou conversar, e como os seus membros se relacionam entre si em função das atividades nos diferentes espaços da casa. Na contemporaneidade, assim como em séculos passados, a cozinha , é lugar onde logo ao amanhecer se iniciam as atividades que vão do desjejum até, como diz Dona Jac i (entrevistada): o “fechamento do escritório, lá pelas 23 horas ou meia -noite”. [Continua descrevendo quando questionei: que espaços comumente a família se utiliza quando se trata de atividades como cozinhar e realizar as refeições? ]: [. . .] as atividades da cozinha daqui de casa não param. O café da manhã já começa bem divertido: ovos, frutas, cuscuz, queijo, presunto, carne moída, bolo. Alguns gostam de vitaminas no liquidificador e se dão por satisfeitos. Outros não. O que tiver traçam. Uns utilizam comida diet, mas a maioria não. Quanto ao horário varia muito. Mas é totalmente louco e fora da realidade. O café da manhã inicia às 6h, porque as crianças vão para a escola. Mas termina entre 10h e 11h. O almoço, quando as crianças chegam ainda está sendo feito, 11h30. Mas para as crianças já servimos um suco, ou caldo de feijão com ovo cozido, uma fruta, suco, enquanto termina de preparar, ou então apressamos porque a prioridade são elas. Lá pelas 14 horas é servido. Com sorte às 13 horas quando feito com oito mãos. Vem todas para a cozinha ajudar. Uma faz o suco. A outra descasca alguma coisa. Outra faz uma farofa (não pode faltar). Às vezes estamos fazendo um tipo de prato enquanto outros estão sendo servidos. E a brincadeira do almoço termina às 15 horas. O lanche da tarde é entre 17 e 18 horas. A janta às 21 horas. Canjica, pamonha, carne moída, pizza. E o café com leite e pão que não pode faltar. E a ceia antes de dormir é em torno de 23h à meia-noite com consumo de pipocas, saladas de frutas, iogurtes, bolo. Fora o entra e sai para beliscar aqui e ali. As crianças, e o rapaz, então nem se fala. É um entra e sai à cata de baganas o dia todo. A geladeira é quem sofre, e a energia também, de tanto abre e fecha. A cozinha realmente não para, não tem sossego. Sempre estamos criando pratos diferentes. O básico, parte do frango e da carne. A partir deles variamos. O peixe é alimento preferido, mas só gostamos de peixe fresco o que dificulta comê-lo todos os dias, porque o deslocamento é complicado, fica lá nas Rocas e moramos aqui em Candelária. E como eu digo que peixe alimenta, mas não satisfaz, há uma sensação de que nunca estamos satisfeitos. Então, é uma vez por semana e já vem tratado. (Dona Jaci, 59, Casa Moema). 305 Quando questionei ainda: [Qual a relação entre as atividades e os diferentes espaços da casa? Como são utilizados os diferentes espaços de sua casa/apartamento, correspondendo às atividades diárias que se desenvolvem em cada cômodo? Por exemplo, (Cozinha r, na cozinha mesmo); refeições (cozinha, sala de jantar); alguém da residência tem o hábito de comer em outro ambiente? Qual? E por quê?]. Enquanto estamos cozinhando, estamos fazendo as nossas orações pelo rádio. E toda quinta-feira acompanhamos a benção do santíssimo pela televisão. Um olho na cozinha, o outro na TV. Cuidando da máquina de lavar roupa que fica na área de serviço ao lado. Para não perder tempo colocamos até a banheira do bebê na mesa, ou em outra mesa que fica montada na área aberta aqui do lado, para dar banho no mesmo. (Aneci, 53, Casa Moema). A mesa é pequena para tanta gente. Quando está todo mundo servimos as refeições duas vezes, ou então se espalham entre a cozinha e a sala de jantar. O normal aqui em casa são quatro adultos, duas crianças e um jovem. Mas todos os dias a minha sobrinha, filha de uma das irmãs, vem pra cá com o filhinho de oito meses. O marido às vezes almoça na casa da mãe dele, mas na janta vem sempre. O sobrinho jovem trás a namorada que fica a semana inteira. Há outro sobrinho casado que mora também no interior, e vem sempre, passa de cinco, dez, quinze dias vai embora e no outro mês volta. A esposa dele geralmente vem e fica somente dois dias, final de semana e vai embora. As duas crianças que moram aqui são filhos deles. Num total, quase que diariamente são dez pessoas com o bebê que já está comendo frutas, sopinha. Ou doze pessoas quando estão todos. E o pior que é um atrás do outro. Isto pode ser no café da manhã, almoço, lanche da tarde, janta e antes de dormir. (Dona Jaci, 59 anos, Casa Moema). O depoimento acima ajuda a desvendar como, em determinados grupos domésticos ou para determinadas famílias, alguns hábitos não mudaram em relação ao passado no tocante às atividades de cozinhar, comer e os hábitos à mesa , mas apenas os horários. Há também famílias que fazem da cozinha o “[...] espaço de longa permanência coletiva familiar” (FRANÇA; HOLANDA, 2011, p.153) como as famílias da Casa Moema, Casa Vale, Casa Trevo e Casa 306 Shangri-lá. (esta tem uma tendência a fazer uso deste espaço, apesar da residência ter atributos configuracionais de usos exclusivos para visitantes como espaço do home theater, varandas, terraços, sala de estar e área de lazer com piscina); Assim como há família que não faz uso coletivo da mesma: uma entrevistada, indiretamente ligada a Casa Moema, relatou que a família faz todas as suas refeições fora de casa e o momento em que utiliza o espaço da cozinha é praticamente de forma individualizada quando cada um prepara o seu desjejum. As famílias da Casa Cor e Casa Trevo utilizam o espaço da cozinha para fazer as refeições como desjejum e jantar; o almoço da Casa Trevo é proveniente de marmita. Mas a família da Casa Trevo, por exemplo, quando as visitas são íntimas, tem o hábito de levá -las para a cozinha onde prepara e faz a refeição junto com a visita, se for até duas pessoas, devido a configuração espacial de 10 m², bastante pequena. A família da Casa Andarilha, apesar de cozinhar e comer em casa, não faz da cozinha seu espaço permanente e social ao ponto de receber suas visitas neste espaço. A família utiliza outros espaços como o terraço e a sala de estar como espaço social. FOTOGRAFIA 110 – COZINHA. CASA MOEMA FOTOGRAFIA 111 – COZINHA. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (10/09/2014) 307 Na entrevista com César, da Casa Andarilha, quando foi abordado o uso do eletro-doméstico e eletro-eletrônicos o assunto da alimentação foi a pauta da vez. [Quando questionei sobre: quem faz a alimentação da casa, já que no momento só estão você, sua esposa Celia, e a sua sobrinha?] respondeu de imediato: Marmita, ninguém merece. É bastante enjoativa, só agüento uma semana. O certo é fazer um prato único. O que encarece são os adereços como vinho, queijos, ou especiarias para dar sabor ao mesmo. O problema está exatamente em vocês mulheres que gostam de ter trabalho, pois ficam inventando mais de um prato, podendo ser mais práticas, como europeu, por exemplo, e fazer um prato único. A minha sobrinha, por exemplo, já é um tipo de alimentação diferente da minha e de Célia, ela mesma compra. São pratos semiprontos, diet e light. Estou me referindo ao almoço. Quanto ao café da manhã não é o meu preferido. Apenas iogurte, pão, frutas e o cafezinho. Elas, cada uma ao seu gosto. O café das duas é mais variado e reforçado, também à maneira de cada uma. Para o jantar não dispenso uma sopinha, o meu pãozinho torrado. E depois o meu cafezinho. (César, 60, Casa Andarilha). O uso permanente ou quase perman ente da marmita ou de comidas semiprontas foi identificado em duas residências: a Casa Trevo e a Casa Cor, apesar de ter cozinheira. Dona Violeta da Casa Trevo justifica o seu uso: Realmente retornamos ao uso da marmita, tão utilizada nos anos oitenta. E teve uma pausa nos anos noventa quando passamos a utilizar comida congelada. Acontece que a marmita atual é mais light, realmente sem gordura. É aquela comida tipicamente caseira. Quando acontece de enjoarmos, que é o previsto, almoçamos em fast food, restaurantes, ou fazemos alguma coisa rápida aqui em casa. (Violeta, 61 anos, Casa Trevo). Desde que os filhos se casaram suspendi o uso da marmita. Estamos com cozinheira. Ás vezes eu mesma cozinho até porque sou rápida e prática. Quando tenho outras obrigações que não as domésticas compramos comidas pré-preparadas quando a empregada está de folga. Ou mesmo se vou cozinhar, a opção é por comida prática e de fácil manuseio. (Regina, 66 anos, Casa Cor). 308 FOTOGRAFIA 112 – COPA/COZINHA CASA COR FOTOGRAFIA 113 - SALA DE JANTAR.USO ESPORÁDICO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (16/06/2014) Há os casos em que a família tem o hábito de fazer suas refeições fora, aos domingos, como a família da Casa Vale. Quando questionei [a família costuma rezar o Ângelu s, e a que horas?] Dona Zelita respondeu e acrescentou: Assim que terminamos o Ângelus, após as 18 horas, a nossa família se reúne à mesa na copa-cozinha e não na sala de jantar. Acredito que têm mais de seis anos que não utilizamos a sala-de-jantar [integrada à sala de estar cf. figura ]. Eu gosto de chamar a sala das almas. Não a utilizamos mesmo, então, as almas tomam de conta. [deu uma risada]. Preferimos jantar na copa- cozinha [figura ]. Principalmente eu. O jantar é bastante variado [e com muitas opções]. A sopa não pode faltar e vem sempre acompanhada de torradas. Depois a carne assada [preferência do seu filho Zenon], arroz, legumes; café com leite, bolo, biscoito e evidente que o pão também não falta. Não é à toa que sou filha de dono de padaria [deu uma risada]. O suco é sagrado para Zeus [neto]. E aos domingos religiosamente almoçamos fora. É um hábito sagrado. Eu, meus filhos e netos. Durante a semana, como tem uma padaria logo na esquina, sempre que posso, principalmente quando a empregada está de folga, ou sai mais cedo, em razão da nova Lei da empregada doméstica, faço refeições por lá. É uma tranqüilidade, bastante prático, não tem que sujar louça, apesar de ter máquina de lavar louça. O almoço é mais carregado, pois tem o feijão que não pode faltar, seja verde, preto, mas tem que ter; carne, peixe que Zenon compra fresco, frango, camarão, salada, arroz e macarrão. Variamos porque cada um quer uma coisa diferente, um não gosta de frango, o outro não gosta de peixe, é um dilema. (Dona Zelita, 80 anos, grifos da entrevistada. [grifos meus]). 309 Aliás, Dona Zelita tem um comportamento bastante singular: não se senta à mesa enquanto não ver, principalmente seus convidados, comendo de tudo o que foi oferecid o. Se o convidado não consegue comer de tudo ela acha que é uma desfeita, ou então oferece para que a visita leve consigo. Pode ser o que for: do bolo, a um iogurte. A cozinha, segundo ela, é o seu mundo, é o seu espaço preferido e local onde costuma receber seus convidados, apesar de ter salas de jantar e estar em perfeito estado conforme fotografias 111 e 112; e uma TV de “42” na sua suíte, prefere assistir os programas, de canal aberto, na televisão de 14”da cozinha que fica afixada na parede. FOTOGRAFIAS 114 e 115 - COZINHA E COPA. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) 310 FOTOGRAFIA 116 - SALA DE JANTAR E ESTAR CONJUGADAS.CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/01/2012) Ao fundo tem a porta principal (nunca é abert a) que dá para a sala de estar. A visão principal é da mesa da sala de jantar, com oito cadeiras, e faz muito tempo que não utiliza a sala de jantar e estar, ou sala das almas como ela prefere chamar. A mesa divide as duas salas jantar e estar que no modelo original tinha uma parede dividindo -as. Uma característica das casas do Conjunto Candelária. Típico da década de 1980. Na Casa Moema, ainda permanece o hábito da família se reunir na hora das refeições. Mas tem estratégias também nestas atividades. Quando a casa está cheia, isto é, com pelos menos dez dos doze integrantes (permanentes e eventuais) as crianças e os mais jovens são distribuídos entre as salas de jantar e cozinha. Os mais velhos permanecem na cozinha que tem uma mesa de seis lugares, ou cin co, dependendo se a mesa se encontra encostada a parede ou não; se encosta, então, a família só conta com cinco lugares, apesar da mesa não ser grande. Na Casa Andarilha, na maioria das vezes, César almoça sozinho, não por vontade própria, mas devido aos h orários desencontrados. Este trabalha seis horas (horário corrido) e como chega 311 a casa depois das 13 horas resta Célia, sua esposa, lhe fazer companhia como ele mesmo afirma: Peço para Célia me esperar, mas ela diz que às vezes não dá, principalmente quando faz o desjejum muito cedo E como não gosta de lanchar no horário matutino a fome chega mais cedo. Então, ela me faz companhia. Mas sou do tempo em que o horário da refeição é sagrado. É o momento que a família tem para se reunir. (César, 61, Casa Andarilha). Na Casa Trevo, as refeições são realizadas sempre na cozinha e habitualmente os três moradores almoçam e jantam juntos. A exceção quando tem mais de dois visitantes, ou hóspedes; as refeições são realizadas na sala de jantar. (FOTOGRAFIA 118). FOTOGRAFIA 117 - SALA DE JANTAR. CASA TREVO FOTOGRAFIA 118 - COZINHA. CASA TREVO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (14/12/2014) Na Casa Shangri-lá , as refeições são realizadas na sala de jantar (Figura 197) quer tenha visita, ou não, ou os filhos aos sábados, ou simplesmente Nair sozinha, religiosamente a sala de jantar é ocupada. Mas quando o casal fica em casa, aos domingos, apenas Nair e Omã, a refeição é realizada na copa-cozinha (figuras 198 e 199) sob protestos de Omã que não foi acostumado comer em cozinha. Hábito herdado de sua família 312 FOTOGRAFIA 119 - SALA DE JANTAR DE USO CONTÍNUO. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) FOTOGRAFIAS 120 e 121 - INTEGRAÇÃO DOS ESPAÇOS: COPA-DESPENSA E COPA-COZINHA RESPECTIVAMENTE . CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) 313 FOTOGRAFIA 122 – COZINHA. VISÃO PARCIAL. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) A cozinha, para Olivier Anquier, famoso chef de cozinha francês radicado no Brasil : Tem que ser uma cozinha de casa. Verdadeiramente de casa. Tipo definitivo, pra vida. Tudo acontece na cozinha, felicidade acontece na cozinha, tristeza acontece na cozinha. Cozinha é a representação moral da família, os valores de uma família são a cozinha e a sala de jantar que normalmente é o conjunto. (Entrevista cedida à série de televisão CASA BRASILEIRA). Em relação ao dormir, esta atividade é bastante diferenciada para cada família. Há os que dormem amontoados, os que dormem em camas separadas e os que dormem em quartos separados. Não há registro, nas famílias entrevistadas, do hábito de casais dormirem em casas diferentes possibilidade freqüente na contemporaneidade. O dormir é bastante complicado na concepção de Dona Jaci, da Casa Moema. No quarto maior (aquele que tem a suíte com closet) dormem a entrevistada, os dois meninos, a irmã Alena (55 anos). Na verdade, o quarto é arrumado em dois setores: o lado infantil e o lado adulto. O setor das crianças, do lado esquerdo de quem entra, se situa próximo a área do closet e o banheiro. Neste setor do quarto ficam os pertences destas, como guarda-roupa de duas portas, na cor azul e 314 branca, um gaveteiro de material polietileno onde ficam as roupas de casa dos meninos; ao lado deste há uma parede com prateleiras onde ficam guardados os brinquedos; um raki contendo DVDs, parte dos brinquedos, álbuns de fotografias das crianças; equipamento das TVs à cabo e Sky. Uma televisão de 42 polegadas cobre parte da parede. Dividindo este espaço fica a cama Box de casal. Em frente a esta o ar condicionado. FOTOGRAFIAS 123 e 124 - SUÍTE DAS CRIANÇAS EM ÂNGULOS E DIAS DIFERENTES. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2013 e 24/11/2014) NOTA: Espaço reservado às crianças sob dois ângulos e dias diferentes No espaço adulto há uma mesa de vidro para computador, com impressora, cadeira giratória; uma cômoda de cor branca com quatro gavetas e um guarda-roupa de cor branca de Dona Aneci. Entre o espaço onde ficam a mesa do computador e o guarda -roupa de dona Aneci, há uma rede de dormir de Dona Alena (55 anos). Esta tem o seu próprio quarto, mas quando o sobrinho Bariri de 22 anos voltou a morar na Casa Moema, Alena passou a dormir no quarto maior. No closet deste quarto de 9m² ficam dois guarda-roupas. Um guarda roupa de 315 seis portas e três gavetas, de mogno, que pertence a Dona Laulena; e o outro de mdf de duas portas corrediças, com espelho, na cor branca que pertence a Dona Jaci. Ao lado deste um gaveteiro de polietileno ficam guardados roupas de casa das duas senhoras. O banheiro tem um balcão de mármore de 1 m e meio com duas portas corrediças onde ficam os sapatos das duas senhoras e das crianças. Em cima material de higiene e cosméticos. Na sala de jantar e estar, durante a noite, dona Aneci dorme de rede, ao som de um rádio que fica ligado na hora que vai dormir, por volta das 23 horas, até ao amanhecer. Quanto ao seu filho Bariri , tem um quarto só para si com cômoda (com pertences de Alena, que dorme no quarto grande), guarda-roupa de cinco portas, cama de so lteiro Box, criado mudo e frigobar. No terceiro quarto, exemplo de sobreposição funções no mesmo de espaço, fica o ambiente de Dona Laulena de dormir e trabalhar de Dona Laulena: quarto de dormir com três funções (quarto ou room-office, home-office e home-theater). Em cima da cômoda, porta-relógio, porta-bijouteria, uma televisão de 32 polegadas, o equipamento da Sky, e um gravador/DVD; é o home -theater improvisado ou simplesmente pulverização de funções, ou objetos instalados em móveis com outras funções. Simples: se colocasse a televisão onde realmente deveria ficar, ou seja, na estante de home - theater, Dona Laulena não teria como assistir direito os seus programas, pois a posição em que se encontra a rede, em que a mesma dorme, e a preferida das crianças , especialmente na parte da tarde, fica mais bem posicionada em frente à cômoda. Ao questionar como Laulena se adapta ao ambiente, ela relata: Na verdade gosto. Lógico que se estivesse em uma casa com mais cômodos, onde todos tivessem a sua privacidade, e cada um no seu espaço, seria excelente. Durante o tempo que fiquei longe da família as residências em que morava, em torno de dezenove mudanças, em 25 anos de profissão, não tinham menos de dois quartos, geralmente três quartos. Não dispensava o 316 meu escritório. Talvez a grande dificuldade de encontrarmos uma residência em que todos ficam mais bem instalados. Então, o espaço era todo para mim. E sempre tinha o quarto de hóspede, pois gostava de receber minha família e amigos. Hoje, olhando para este amontoado de coisas e de gente, ainda considero que o melhor ambiente da casa ainda é o meu. É o mais tranqüilo, o menos transitado, o preferido das crianças e do cachorrinho yorkshire. Sinto remorsos pelos outros e espero que um dia a situação mude. No momento todo mundo está fazendo sacrifícios para que todos fiquem acomodados. O meu sacrifício é está dormindo em um ambiente coberto de livros que acumulam pó. Sou alérgica. Mas o ambiente é sempre tratado para evitar o pior. FOTOGRAFIA 125 - ROOM-OFFICE VISÃO DE UM ÂNGULO. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (24/11/2012) FOTOGRAFIAS 126 e 127 - ROOM-OFFICE EM ÂNGULOS DIFERENTES. CASA MOEMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (21/11/2012) 317 As fotografias 126, 127 e 128 mostram algo incomum em se tratando de quarto de dormir. Ao invés de uma cama, percebe -se claramente uma rede de dormir 135. As camas existentes na casa contemporânea têm a mesma função da cama da família abastada do Brasil Colônia: apenas um objeto decorativo. A rede, objeto utilitário imprescindível na vida cotidiana colonial brasileira, desde a varanda até o interior da casa, substituiu a cama que tinha apenas a função protocolar de possuí-la, assim como a sala de estar ou visita; ou seja, ambas inúteis à vida habitual da família abastada. (CASCUDO, 2003). 136 Em algumas residências, identifiquei o uso “quase” obrigatório da rede de dormir. A Casa Moema é uma delas. Inclusive de todos os moradores, apenas o rapaz dorme em cama de solte iro; a criança de quatro anos dorme com Dona Jaci, 59, em cama de casal. Mesmo assim, segundo Dona Jaci, pela madrugada procura trocar a cama pela rede, e esta pode ser armada na sala onde dorme a sua irmã Aneci, ou no quarto do sobrinho rapaz, ou até mesm o no terraço, especialmente quando chegam visitas, ou o sobrinho e sua esposa que moram no interior. E ela acrescenta: 135 Hamaca sul-americana, INI, rede de dormir ou rede de descanso é um utensílio doméstico de origem indígena, que originalmente era feita com cipó e lianas. E foram as mulheres dos colonos portugueses que adaptaram a técnica indígena. Substituíram o tucum pelo algodão para render em um tecido mais compacto e com a vinda dos teares aperfeiçoou a rede, ampliando-a, enfeitando-a, dando-lhe as franjas, varandas, tornando-a macia, confortável, ornamental. (Cascudo, 2003, p. 23/25). Durante o Brasil Colônia era muito utilizada para dormir, enterrar os mortos no meio rural e como meio de transporte, onde os escravos carregavam os colonos em passeios pela cidade e até em viagens. 136 Cascudo (2003) ressalta que no Brasil Contemporâneo a rede de dormir começa seu reinado na Bahia, Norte e Centro e foi rareando até desaparecer para a fronteira do Sul. No Rio de Janeiro as redes aparecem como recordações nordestinas. Mas, em viagem recente à cidade, percebi o seu uso em algumas residências, mesmo aquelas em que seus moradores têm origem sulista. A rede, em casa de nordestinos que moram no Rio de Janeiro, não tem somente função de recordação, mas tem dupla função: decorar e dormir, mesmo que seja a sesta da tarde. Uma rede com varandas compridas e trabalhadas orgulha os donos da casa com distinção notória parafraseando Cascudo (2003). Quanto mais trabalhadas as varandas das redes, mais chique ou fashion é a residência. 318 Quando saio da cama e vou para a rede, no quarto mesmo, na madrugada as crianças correm e se deitam comigo. Quando fico na cama, os dois, embora a rede fique para o menino mais velho, este prefere dormir junto a mim e o outro com a tia Laulena, mas esta há muito que o dispensou, pois a criança passa a noite se mexendo, e ela diz que só agüenta na parte da tarde. Então, eles dormem comigo da seguinte forma: o mais velho se posiciona ao meu lado coberto de edredom, e o menor se encosta ao espelho da cama, deitado de forma horizontal, também todo protegido com travesseiros e edredom. Mas não tem jeito se vou para a rede eles me acompanham. Pensamos em trocar a cama de casal para beliche ou bi-cama, mas só para gastar. Eles quando vão de férias para o interior, mesmo tendo um quarto só pra eles, dormem com os pais. E a rede é a preferida da família, desde o meu avô até o bebê de oito meses. (Jaci, 59, Casa Moema). FOTOGRAFIA 128 - SUÍTE DO CASAL DA CASA COR. REDE DE DORMIR E CAMA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/06/2014) O casal da Casa Cor dorme no mesmo quarto, mas separados. Ele dorme de rede. Ela dorme na cama. Aliás, é o espaço preferido do casal quando estão a sós. Cada um na sua rotina: ele vendo televisão e ela com suas leituras, ou no note book interagindo através das redes sociais com conhecidos. 319 Outro modelo aparentemente incomum de dormir foi identificado na Casa Andarilha : camas separadas. São vários os casos em que os casais dormem em camas separadas. Há os que dormem em quartos separados sem que esta atitude signifique que estão com problemas no relacionamento. Das residências ob servadas encontrei duas que se enquadram nos modelos apontados acima; ou seja, casal com camas separadas e casal em quartos separados. Os motivos são vários: no caso das camas separadas (figuras 207, 208, 209 e 210), o homem é quem não consegue dormir com outra pessoa na cama. É o caso de César que casou tarde e evidentemente se acostumou com a situação. FOTOGRAFIAS 129 e 130 - SUÍTE DO CASAL. CASA ANDARILHA. ESPAÇO DA IDOSA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (29/07/2013) NOTA: Cama da mulher vista de dois ângulos. Um ângulo a cama está próxima da escrivaninha, frente ao home-theater e junto à parede que dá para a área externa da casa. 320 FOTOGRAFIAS 131 e 132 - SUÍTE DO CASAL. CASA ANDARILHA. ESPAÇO DO IDOSO CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (29/07/2013) NOTA: Posicionada ao lado do home theater do lado extremo da cama da esposa. Esta se localiza em frente à porta de entrada da suíte Em se tratando de espaço, a suíte do casal se apresenta com nítida sobreposição de funções espaço, além do que as camas, separadas, ficam de lados opostos do quarto. Sobre a questão uma reportagem no Programa Mais Você, apresentado por Ana Maria Braga, que foi ao ar no dia 26/12/2012, informa que 25% das residências nos Estados Unidos já têm um quarto para mulher e outro para o homem. Uma pesquisa da Associação dos Construtores dos Estados Unidos citada no mesmo programa prevê que 60% das casas construídas até 2015 terão o mesmo padrão: quartos separados. Em outro caso, a Casa Shangri-lá, ela, Nair, conta, por exemplo, que dormir junto nunca foi fácil, mas as vezes driblam as inconveniências: Ele se deita cedo, eu me levanto tarde; ele dorme com televisão ligada, eu não gosto. Embora durma tarde, não gosto muito televisão no quarto. Prefiro ler. Mas dormimos separados quando a minha neta dorme aqui em casa. Ela tem o quarto dela, mas não tenho coragem de deixá-la só. A babá também tira sua folga quando Sanya dorme aqui. Então, a antiga suíte da mãe, que ainda é dela quando passa os sábados aqui, ou quando o marido viaja, simplesmente adaptamos para que a minha neta também durma na suíte. Além do berço móvel, colocamos uma grade de tela na cama de casal. Esse tipo de arrumação não combina com Omã porque ele acorda cedo para trabalhar. Quando ele ronca demais eu corro para a suíte. (Nair, 65 anos, Casa Shangri-lá). 321 FOTOGRAFIA 133 - SUÍTE DO CASAL IDOSO NO TÉRREO. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) FOTOGRAFIA 134 - SUÍTE DA COBERTURA. CASA SHANGRI-LÁ Berço da neta Sanya ao fundo CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) A suíte pertencia à filha do casal quando solteira. Atualmente a avó ocupa este espaço especialmente quando a net a Sanya (apesar de ter um quarto só para si) pernoita na Casa Shangri -lá. Percebe-se na fotografia 135 o berço móvel da neta Sanya e a cama de casal com grade de proteção. O casal compensa a lacuna de não proximidade na hora de dormir, quando a neta necessita dormir na Casa Shangri-lá, com outras atividades, pois tomam o desjejum juntos. O jantar também é sagrado. O hábito não foi perdido. O almoço é impossível já que ele o faz no 322 próprio ambiente de trabalho vez que tem cozinha e copa que servem também aos demais funcionários. O lazer e visitas aos parentes e filhos fazem tudo junto. Aqui foram registradas as atividades do dormir de quatro famílias. Cada uma, ao seu jeito, ou dependendo das circunstâncias, encontra estratégias para solucionar problemas na h ora do dormir. Mas somente numa residência intergeracional, foi comprovado o problema de apinhamento e desordem espacial. Outra residência o casal dorme em casas separadas. Nas demais residências intergeracionais cada morador dorme de cama em seu próprio q uarto e sem a sensação de apinhamento. 4.2.2 Co-habitação intergeracional: estreitamento dos laços intergeracionais ou estratégias de sobrevivência? Hoje, existe, pode-se dizer, corroborando com Britto da Motta (2007) que em função da alteração do calendári o existencial tradicional nas trajetórias de vidas sociais 137 há quase que um excesso de co- habitação intergeracional. Devido ao patente aumento da longevidade da população, a questão da família ampliou -se na dimensão do envelhecimento e nela no papel dos mais velhos. No passado, se constatou, na revisão histórica em capítulos anteriores, que a presença dos idosos somente nos romances literários tinha certa visibilidade, mas sempre evidenciando as marcas negativas da velhice (MACHADO DE ASSIS, 1971[1899], s. d[1908]) MACEDO (1844). Hoje, os idosos, nas figuras de pais, avós, tios, t ios -avós são as grandes figuras familiares, cujos papéis ganham relevo em relação aos seus familiares nas questões afetivas, na socialização das crianças, nas contribuições financeiras. (VITALE, 2005). 137 Segundo a autora as alternativas nas trajetórias de vida, hoje, são numerosas e até polares; ou seja, ou se estuda tardiamente, ou toda a vida. Têm-se filhos antes do casamento; ou com mais idade, até o limiar da velhice. Sai-se de casa “depois da hora”; se sai cedo pode retornar, por conta do desemprego ou pelo descasamento; ou então não se sai nunca. 323 Mas, mesmo assim, com toda a relevância destes, perante a sociedade, não ocupam um espaço privilegiado de discussão e “não têm emergido como protagonistas nas cenas das relações familiares.” (VITALE, 2005, p.96). Que papéis e funções, então, os idosos desempenham nas famílias intergeracionais contemporâneas? Como se dá o intercâmbio entre as gerações contemporâneas no espaço da casa intergeracional? de forma permanente, temporária ou uma simples conexão, enquanto os pais saem para trabalhar, e os idosos exercem o papel de guardião temporário? e de que forma esta guarda se materializa? estreita os laços intergeracionais ou serve apenas de estratégias de sobrevivência? Os resultados qualitativos deste trabalho deixam em evidência que a guarda temporária (de fato, mas não legal) , ou crianças em circulação (netos e sobrinhos-netos) se materializa nas diferentes formas de co-habitações intergeracionais (permanente, temporária e conexão) que foram aqui caracterizadas em sua generalidade, par a em seguida destacarmos através das diferentes formas, aquela ou aquelas que fazem parte do perfil das famílias intergeracionais selecionadas. O significado de co-habitação intergeracional na sua forma permanente é quando existe a co-habitação até a morte do pai-idoso ou mãe-idosa, ou de ambos. Temporária é aquela em que os filhos, netos, sobrinhos e sobrinhos-netos por questão de sobrevivência econômica e/ou afetiva, devido ao divórcio/morte de um dos cônjuges, genro/nora, se mudam para a casa dos pais -idosos ou tios também idosos, até se refazerem de uma ou outra situação. Ou um sobrinho ou sobrinha, que se encontra na devida residência por motivo de estudo. Mas existem residências que se utilizam a conexão, com duas subdivisões. A conexão que pode ser conexão-transitória/provisória ou conexão-permanente se caracteriza em função das diferentes motivações dos seus moradores. 324 Para uns, a co-habitação em conexão se torna permanente e para outros, esta se torna transitória/provisória até que se resolva a situação que provocou esta tendência. E acrescentaria, motivada pelas observações empíricas, que existem os voláteis , que de tempos em tempos, ou por volta de quinze dias, por exemplo, passam dias nas casas dos pais-idosos, ou tios-idosos, e depois retornam às suas casas ou suas cidades de origens. As motivações são várias, desde acompanhar os filhos que moram nas casas dos avôs (nas figuras de pais ou sogros) ou tios avós, para tratamento médico, ou algum evento cultural ou esportivo que desperte o interesse. Poderiam ser considerados apenas hóspedes permanentes? sim, desde que não dependessem financeiramente dos genitores ou tios -avós. A conexão-transitória é quando os pais -filhos ou pais- sobrinhos deixam seus filhos na casa dos pais -avós ou tios-avós - fato muito comum na contemporaneidade - e saem para trabalhar só retornando, por volta do meio dia para o almoço (quando retornam para almoço); retornam ao trabalho na parte da tarde e após o expediente se dirigem a casa dos seus pais -idosos ou tios-idosos para buscarem seus filhos, retornando em seguida para as suas casas que durante a semana são simples casas -dormitórios e se constituem um lar somente nos finais de semana; e mesmo assim se os pais não têm outra programação em casa de amigos, viagens para as p raias ou chácaras. Este tipo de arranjo, conexão -transitória, em muitos casos se torna um tipo de conexão-permanente devido a longevidade da situação; situação que perdura por toda existência ou quase, até os seus filhos/netos se casarem ou se mudarem de r esidência ou para outra cidade. As diferentes formas de conexão, seja conexão -transitória, seja conexão-permanente, vem estimulando ou obrigando os idosos a criarem ou adaptarem alguns ambientes para os seus netos ou sobrinhos-netos. (FOTOGRAFIAS 135, 136 , 137 e 138). 325 FOTOGRAFIA 135 - SUÍTE DA NETA SANYA NA CASA SHANGRI-LÁ Co-habitação em conexão-temporária CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) Das famílias intergeracionais secundárias entrevistadas e observadas, há um caso típico de conexão-permanente . A família é composta de um casal pré-idoso (ligada a Casa Moema por laços de sangue e intercâmbio) que, além dos netos que moram na Casa Moema, tem uma neta, filha de pai solteiro. A menina de oito anos passa o dia na casa dos avôs paternos, tem na casa destes o seu ambiente/espaço individual; vive o cotidiano, mas à noite, por volta da 19horas se desloca só para dormir com a mãe, também solteira. É bastante parecido com o modelo conexão-transitória ou provisória, mas com um diferencial de que o ambiente cotidiano da criança é a residência dos avôs. 326 FOTOGRAFIAS 136 e 137 - QUARTO DA NETA NA RESIDÊNCIA DOS AVÓS. INTERCÂMBIO CASA MOEMA CRÉDITO: Inaiê, pai da criança (20/09/2014) FOTOGRAFIA 138 - QUARTO DA NETA. VISÃO EM OUTRO ÂNGULO. INTERCÂMBIO CASA MOEMA CRÉDITO: Inaiê, pai da criança (20/09/2014) Ao conversar sobre este tipo de co -habitação, com o pai da menina, que mora com os pais pré-idosos, este comentou: Na verdade, a casa dos meus pais é um lar e a casa da mãe da minha filha é apenas um dormitório. Além de não ter a estrutura necessária, pois se trata de uma quitinete, a mãe passa o dia trabalhando, só retornando à noite, além do que o seu trabalho exige, na maioria das vezes, viajar para fora de Natal. Já tem havido muitos problemas, pois a mãe além de intransigente usa a menina para me atingir, como por exemplo, não entrega a minha filha pela manhã, conforme combinado; a minha filha estuda à tarde, e precisa que alguém a auxilie nas atividades determinadas diariamente pela escola. E por várias vezes a mãe a tem deixado com pessoas estranhas. Isto sem avisar. Ou coisa do tipo: mudar para um colégio mais distante, que precisa se deslocar 327 de carro, sem combinar. Sobra para o meu pai que vai ter que se deslocar e muitas vezes quando chega pra apanhar a menina, ela já tem se adiantado. Prefere levar a menina de ônibus a esperar pelo avô de carro. Aconteceu de minha filha passar uma semana sem andar por aqui ou ela viajar para outra cidade e levar a menina sem nos avisar. Hoje, a situação se encontra mais normalizada, a minha filha continua como sempre foi, passa o dia aqui em casa e à noite se dirige a casa da mãe. Mas esta normalidade não foi por obra da „boa vontade‟ dela não, o caso foi parar na justiça. (Inaiê, 31, intercâmbio Casa Moema). Dos casos observados, sejam os casos primários 138 (seis famílias), sejam os secundários (o ilustrado acima), mas com fortes ligações intergeracionais, este foi o único com problemas do ti po. Para os demais, a co-habitação de conexão-provisória tem sido de muita harmonia, fonte de prazer não só para os avós ou tios -avós, mas também motivo de prazer e também conveniência para os pais das crianças. Da Casa Cor Júlio fala com prazer sobre a conexão: A minha casa se transformou em uma creche. Os netos chegam com berço. Lá vem berço, lá vem banheira, lá vem babás, lá vem roupinha, lá vem armário, lá vêm brinquedos. É uma creche. (Júlio, 67, Casa Cor). Mas é neste casarão, que a gente não usa todo, que serve de espaço para os netos. [E Regina completa]: com exceção as salas de estar e jantar por conta das escadarias, para eles não se machucarem. (Regina, 66, Casa Cor). Das famílias entrevistadas e observadas, existem duas residências intergeracionais com o perfil de conexão -transitória: Casa Shangri-lá e Casa Cor. Residências consideradas ninhos vazios se olharmos de forma objetiva; subjetivamente elas não expressam esta característica de ninho vazio, embora os filhos tenham saído para casar e cada um mora nas suas próprias residências, pois há nestas casas um ninho pleno, em conexão, com filhos adultos, netos e netas; ou até 138 Casos primários, ou secundários, significam que o presente estudo além de trabalhar com as famílias selecionadas para dar um perfil e entrevistar ou observar; também manteve contatos com outros membros da família que não moram na mesma residência, mas tem um elo muito forte entre si, um intercâmbio bastante dinâmico, que são os casos secundários, espécie de co-adjuvantes. 328 mesmo com outras pessoas mais idosas que compõem o cotidiano destas famílias. A conexão transitória na Casa Shangri-lá se dá toda vez que o casal de jovens adultos precisa (a maioria dos dias da semana), que a criança Sanya (dois anos) fique na residência dos avós, pelo lado materno, pelo menos umas três vezes por semana, sem a presença dos pais; e mais aos sábados, com os pais, que mantém a tradição de almoçar na Casa Shangri -lá . Aos domingos, a criança, juntamente com os pais, passa o dia na casa dos avôs pelo lado paterno, que também mantém a tradição de unir toda família. Durante a semana pelo menos duas vezes por semana, fica com os avôs paternos. Então, a conexão- transitória gira em torno das duas casas intergeracionais , sendo que Sanya fica a maior parte do tempo na casa dos avôs, pais de sua mãe Najla , onde Sanya tem seu próprio quarto na casa todo decorado. A rotina é a mesma de casais em permanente conexão: os pais saem para trabalhar e deixam a filha com uma das avós, conforme os dias. Há exceção quando os pais de Sanya têm que viajar, e viajam muito, a criança não sai do seu lar. Ela permanece, na sua residência e as avós fazem rodízio para se deslocarem para a casa da neta. Praticamente se mudam. Mesmo com babá, as avós e os pais de Sanya não a deixam em hipótese alguma nas mãos de quem não faz parte da família. A conexão transitória da Casa Cor se apresenta da seguinte forma: O casal tem três filhos casados. E dois deles têm dois filhos cada. As duas meninas da filha são as que mais freqüentam a Casa Cor, conforme declarações da avó e das imagens registradas no perfil da casa. A avó vai buscá-las na escola, as leva para natação, mas acompanhadas das babás. Estão tão acostumadas com a Casa Cor que no mês de dezembro quando o casal recebeu hóspedes, elas não ficaram de forma permanente porque os quartos estavam cedidos para cinco hóspedes. A menina mais nova Raquel, quatro anos, reclamou: 329 Mamãe, quando esse povo vai embora? eu quero o meu quarto para assistir Sorriso Maroto. O menino João, cinco anos, demora um pouco, mas quando passa o dia na Casa Cor ele tem o seu espaço que é o antigo quarto do pai. (FOTOGRAFIA 140). Regina comentou que os pais moram do outro lado da cidade, no bairro de Areia Preta, mas quando precisa ela acompanha o neto no Jiu-Jítsu e natação. As atividades eram compartilhadas com a avó materna até esta falecer. Ele abandonou todas as atividades e agora se dedica ao futebol e ela continua levando - o para a prática desportiva. FOTOGRAFIA 139 - SUÍTE DO NETO. CASA COR FOTOGRAFIA 140 - SUÍTE DAS NETAS. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (19/067/2014) A Casa Trevo e a Casa Vale são consideradas exemplos de Co - habitação permanente. No caso das duas residências não se vislumbra, ainda em vida, qualquer indício de que não dê continuidade a sua co - habitação permanente. Para a Casa Trevo, há u ma perspectiva de não permanente por parte do jovem quando se casar. Mas, em relação à mãe e tia do jovem a tendência é que esta co -habitação perdure. 330 De forma diferente na Casa Vale há uma tendência não só em permanecer como ampliar a co -habitação, devido possível casamento do jovem morador, neto da moradora idosa, que pretende permanecer na residência. Nas demais, como a Casa Moema e a Casa Andarilha, acredita-se, em especial a Casa Moema, tem uma mistura de co - habitação permanente-provisória e conexão-transitória com tendência de permanecer da mesma forma por algum tempo. A Casa Andarilha que já teve um perfil de co -habitação permanente, temporária, fora as conexões, hoje, ao término da presente pesquisa se configura um ninho vazio. E eu sei que no final vai ser eu e Célia e esse cachorro se não morrer antes da gente [...]. (César, 60 anos [grifos meus]). Há também um caso atípico de co-habitação provisória, selecionada das residências secundárias, que se encontra em sua fase intermediária. Os membros encontrados na residência de Ana 139, 76 anos, não pertencem a sua família, mas são membros da família da trabalhadora doméstica que trabalha há pelo menos trinta anos. Co - habitam nesta residência os filhos (casa l) e netos da empregada; mas pode-se tentar chamá-la de co-habitação temporária com picos também de conexão transitória. Como a mãe dos pequeninos, netos da trabalhadora (um menino de cinco anos que estuda e uma menina de apenas dois meses) trabalha há pouco tempo na casa, enquanto o marido fica fora por 15 dias, esta permanece na casa de Ana; nos outros 15 dias passa o dia trabalhando e à noite vai dormir em sua residência. Detalhe importante: a dona da casa Ana, é quem fica tomando conta do bebê, enquanto a mãe faz as suas atividades, ou quando vai buscar a 139 A família de origem de Ana, marido (falecido), filhos (total de 3) todos casados e netos (12) vivem em suas respectivas moradias e dois em cidades diferentes. As visitas à matriarca são realizadas em feriados, aniversários e festejos de final de ano. 331 criança na escola; outro detalhe: a criança estuda em escola particular paga pela dona da casa. Na conexão-transitória encontra-se também a rotina de filhos/netos, sobrinhos-netos deixarem os pais/avós/tios pela manhã, em instituições de permanência diurna, recolhendo -os a noite para estes dormirem em casa, como se essa semi -institucionalização fosse uma espécie de creche para idoso, que funciona também nos finais de semana e em época de férias, se necessário. Atrelado às condições de sobrevida do idoso, esse tipo de arranjo tem uma temporalidade menor do que as citadas anteriormente. Mas foi citado este tipo de conexão, apenas para ilustrar que este hábito, em especial das camadas sociais de alto poder aquisitivo, tem outra direção que não seja somente em função das crianças, mas também em relação aos idosos, principalmente os que moram com as famílias. E mais comum em metrópoles e menos comum em cidades como Natal. (VALÉRY, 2014). Mas foram identificados dois casos em que não se pode chamar totalmente de conexão; mas visitas, cujas presenças da filha (Casa Vale) ou irmãs (Casa Andarilha) geram conflitos para os idosos. Ao comparar a casa do idoso/idosa e a casa com idoso percebe- se maior autonomia na casa do idoso. Mas, em algumas famílias constatou-se cerceamento da autonomia de pessoas idosas, pela própria família intergeracional de idoso ; Os tipos de cerceamentos diferem de uma família para outra. (FALCÃO E BAPTISTA, 2010, p.23). Há famílias em que o cerceamento ocorre em função de certa vulnerabilidade do idoso. A falta de mobilidade, por exemplo, é uma das razões, embora a idosa se encontre com todas as faculdades em perfeita forma, a exceção do problema na coluna cervical, não foi possível evitar o cerceamento. Inclusive mudanças na estrutura dos espaços e decoração. 332 Há o cerceamento que se dá mais pelo fator cultural, estigma e preconceito em torno da imagem da velhice e do processo de envelhecimento apesar da idosa, 81 anos, se encontrar com tod as as faculdades físicas, cognitivas em pleno funcionamento. Esta não evitou que a sua autonomia fosse cerceada pelos filhos, quando estes se desfizeram de objetos, mobiliários e imagens religiosas contra a vontade da idosa, sob a alegação de que estavam o bsoletos e inúteis. Além do aspecto cultural houve certa inversão na questão hierárquica uma vez que é o filho que co -habita a residência da idosa e a filha nem mesmo co-habita já que tem sua própria residência. Um dia minha filha que não mora comigo, mas de vez em quando vem aqui, se desfez de várias coisas minhas. O que foi de móveis antigos, santos, ela distribuiu com as minhas irmãs. O meu filho participou disso também. Mas a maioria dos meus santos ficou comigo. Não deixei mesmo. Foi um movimento aqui em casa. Eu não saio daqui para interferir na casa de filho meu nenhum. Ele tem uma casa vizinha a minha, mas não mora lá, mora comigo. Não vende, não aluga, não empresta, serve só de enfeite. E eu não tenho direito de dizer nada. (Dona Zelita, 81 anos, Casa Vale). Tem outro problema. Não sei se isto vai servir para a sua tese. Casa, da casa aqui, dessa família que está nesta casa [fez uma pausa e apontando o dedo para o chão] as outras [irmãs] quando chegam das suas respectivas casas e se acham com o direito de dar pitaco aqui em casa. De fazer isso e aquilo. E isso gera problemas também. Teve atrito entre minhas irmãs e minha mulher, antes de mamãe morrer. Aí era quando eu começava a botar a minha parte bruta prá fora. E dona Celeste [irmã do meio casada] que é „mansa‟, mas não hora que queria fazer, ou dizer [...] mas também escutava o que não queria. Eu dizia mesmo. Quase que íamos às tapas. Foi o ano passado isso. Teve um dia que cheguei morto de cansado do trabalho e na hora do meu almoço ela veio soltar piada. É hora de estar discutindo isso na hora do almoço? [se dirigiu a mim ao fazer a pergunta] quase que tive um infarto. Você já chega cansado, estafado do dia de trabalho de repartição, fico na linha de frente, e tem dia que você tem vontade de dar tapa até no vento. Aí nesse dia perdi todo meu controle emocional. Disse umas coisas, ficou toda trombuda, mas depois está voltando. (César, 60 anos [grifos meus]). De qualquer forma, sejam quais forem as sua s estratégias, estas são configurações instáveis, segundo Wall (2004), que têm contornos diversos, que se faz e desfaz, em função dos acontecimentos 333 tanto de ordem pessoal/individual/familiar, quanto de ordem econômica. Exemplifico o caso da sobrinha-arquiteta da Casa Andarilha que morava com o tio, a avó e a esposa do tio, durante todo o seu processo escolar, ou seja, do ensino-médio até a efetivação da sua carreira profissional, que de um dia para outro se mudou para seu próprio apartamento. Tanto a co -habitação, quanto o desfazer os laços, são no geral, motivados por questões econômicas e quando há o desenlace, este é bastante traumático para o idoso que fica com mágoas e se considera desrespeitado como lamenta César: Eu preciso, logo, recorro [...] não preciso, vou embora. Uma desconsideração, só me falou quando foi para se mudar. Já estava tudo planejado. (César, 60 anos, Casa Andarilha). Quais são, efetivamente, as trocas cotidianas destas famílias? Embora existam casos que a geração mais nova, casada, com filhos, trabalhe, ou seja, tem o seu próprio sustento, não necessita financeiramente dos pais, avós ou tios, de uma forma ou de outra recebem este tipo de apoio. O simples fato de não colocar os filhos nas creches já se configura como tal. Um remédio aqui, um nebulizador ali, um umidificador de ar acolá; alimentação; são ajudas que foram identificadas em todas as residências que têm crianças e jovens. A simples conexão além de induzir este tipo de ajuda , modifica a dinâmica da casa dos idosos em todos os aspectos. A presença de crianças em conexão, para citar o exemplo da Casa Moema, que tem uma criança de oito meses em conexão, muda totalmente a dinâmica do lar, especialmente em relação às crianças maio res que são moradoras permanentes. Muda tudo. Além de a casa ficar um pandemônio, as outras crianças ficam atadas, num bom sentido, pois não podem brincar após o almoço, para não fazer barulho para o pequenino. O cachorro não escapa. Fica preso em um dos quartos, já que entre as 14 e 15 horas ele tem o hábito de latir para outros 334 cachorros que passam na rua. Na verdade, a casa toda tem que ficar em silêncio profundo. Como dorme na sala de estar, porque não quer ficar em nenhum quarto, todo movimento que se faz na cozinha – que não para – ele acorda. Ao mesmo tempo em que é prazeroso, porque gostamos muito de crianças, é desgastante. (Laulena, 60, Casa Moema) Quando se questionou que papel e funções os idosos desempenham nas famílias intergeracionais contemporâneas seja na relação afetiva, seja como auxiliares na socialização das crianças e jovens, nos setores de educação formal, valores e religião; seja nas contribuições financeiras, afirmo que os idosos e pré -idosos das casas intergeracionais pesquisadas detém estas funções e papéis. Mais funções do que papéis. Sempre que há discussões de como este jovem ou aquela criança devem ser educados, os idosos até têm certa permissão para discutir, mas não para decidir. Mesmo nas cas as intergeracionais em que os pais-jovens dependem financeiramente dos pais -idosos, avós e tios-idosos, a “certa permissão”, muitas das vezes são as razões dos conflitos, já que o que estes resolveram, em muitos casos são desrespeitados nas suas decisões. Aqui residem os maiores conflitos. O que apareceu como o mais problemático é que não só desfazem das decisões, mas como as decisões dos mais jovens vão totalmente de encontro às decisões dos mais velhos. Em alguns casos os confrontos são menos agressivos. Mas geralmente os mais jovens dificilmente acatam as orientações dos mais velhos. A maioria dos jovens expressa suas opiniões de forma não verbal: “mata no silêncio” (Laulena, 60 anos, Casa Moema). Há casos em que buscam orientações de amigos e não acatam as orientações dos pais, avós, t ios porque são de outras gerações. Quando a convivência entre idosos e crianças é mais sistemática, mais intensa, ou seja, resultado da co-habitação permanente, até pode haver parceria na educação dos netos ou sobrinhos-netos. 335 Mas a conclusão a qual chega nossa análise é que por temer ou evitar conflitos, alguns idosos desenvolvem relações mais de caráter lúdico do que mesmo interferir na educação dos netos e sobrinhos - netos. Os idosos cuidam, são responsáveis, mas a educaç ão tem a palavra final dos pais. A gente só serve pra ser idiota. Já perdi as contas de quantas ordens nossas foram desacatadas pelos pais. As crianças quando vão passar férias na casa dos pais vêm totalmente diferentes. Mudam até o estilo de se comportar a mesa. Respondem por brincadeira. Ficamos preocupadas com a alimentação deles. Quanto mais natural melhor. Mas chegando lá viram a casaca. Comem de toda porcaria que se possa imaginar. Fico impressionada. Já falei para as minhas irmãs que deveríamos lavar as mãos. Mas Laulena não desiste é dura na queda. (Aneci, 52 anos, Casa Moema). Não me conformo com este namoro, amigação de Zeus [neto] aqui em casa. Quem já se viu disso? São umas crianças, ambos de menor, mas vivem como marido e mulher. E o pior é que passam o dia no quarto. Ela é mais esperta, mais danada. Rezo muito para esse namoro acabar. (Dona Zelita, 81 anos, Casa Vale [grifo meu]). Já disse a minha mãe que é melhor eles namorarem em casa do que na rua. O pior é a gente não saber por onde andam, se estão correndo perigo. Mas ela não entende. Já implicou com a namorada de Zeus e não tem quem mude. (Zenon, 55 anos, Casa Vale). Não tenho esse problema. Eu interfiro na parte de educar quando eu vejo uma falha na educação. Não quero pecar por omissão. E se não tiver autoridade para educar meus netos por malcriação, seja o que for, então eu não fico com eles. Quanto a dar banho, vestir, alimentar, só o faço porque elas me pedem. Na verdade sempre vêm com babás, mas só me querem para fazer tudo. Nem a mãe elas querem. (Regina, 66 anos, Casa Cor). Inventou [neto Zeus] de montar uma banda com os colegas. Pensei que o pai fosse contra, foi pior. Financiou os instrumentos. Ele [neto] tem que se dedicar aos estudos primeiro. Nunca ouvi dizer que quem se metesse em banda gostasse de estudar. Não adianta, eu reclamo, mostro o que está errado, mas parece que a errada sou eu. (Dona Zelita, 81 anos, Casa Vale, [grifos meus]). Dou a minha opinião se perguntam. Quando interfiro não imponho. A responsabilidade não é minha. Me colo como apoio. (Nair, 65, Casa Shangri- lá). 336 Pensar que idosos cuidando dos netos ou sobrinhos netos fosse prerrogativa das classes menos privilegiadas, ou de famílias populares, foi o resultado inusitado deste trabalho ao se deparar com as famílias intergeracionais das camadas sociais médio -altas e de alto poder aquisitivo formando um par educacional ou provedor mediado, ao compartilhar com seus filhos, netos e sobrinhos a convivência, a educação das crianças, adolescentes e jovens. Cuidar dos netos e/ou sobrinhos netos, faz do idoso um pólo de estabilidade familiar como sugere Vitale (2005), tornando-se legítima a relação deste com os pais das crianças como forma de garantir a instituição familiar (ATTIAS-DONFUT e SEGALEN, 1998; VITALE, 1999), cujos efeitos penalizam, não só a renda pessoal e familiar como a sua qualidade de vida. Olhar para o interior doméstico das casas intergeracionais pesquisadas tem revelado, também, que há uma relação de reciprocidade entre ambiente e objeto (MALTA, 2011) e entre estes (em meio às decorações de seus ambientes) se percebe um diálogo constante entre aquele espaço de colecionador que a moda valoriza (CAMARGO, 2010) e aquele que vai “[.. .] estabelecendo novas relações com as imagens do interior [.. .] quando se transforma em mediador entre o mundo de fora e o de dentro” (MALTA, 2011, p.26); mas, ao mesmo tempo em que a ordem desse espaço (decorativo) o une com a sociedade, o separa desta mesma sociedade, porque aqui se trata do elo familiar com a sociedade do passado, que pode inclusive nos defender da atual revivendo-nos outra. (BOSI, 1994). São ambientes diferentes: há os ambientes cujos objetos decorativos são arrumados para evidenciar o status do dono, aqueles que não se enraízam nos interiores; e aqueles que envelhecem com o dono, são os objetos afetivos . E quanto mais os objetos decorativos se voltam ao uso do cotidiano, mais expressivos eles se tornam. (BOSI, 1994, p.441). 337 Sobre esta questão, Ecléa Bosi em sua obra Memória e Sociedade (1994) dedica duas páginas sobre objetos interrelacionando-os com a velhice. A psicóloga evidencia que se existe algo que queremos que permaneça imóvel, ao menos na velhice, esse algo é o conjunto de objetos que nos rodeiam. O que realmente amamos neste c onjunto é a quietude, a disposição tácita mais expressiva. “Mais que um sentimento estético, ou de utilidade, os objetos nos dão um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade.” (BOSI, 1994, p.441). Revendo alguns trechos das entrevistas rea lizadas com os sujeitos da pesquisa que têm objetos afetivos em casa, percebi que estes têm com os objetos, ou àquele objeto , que os rodeia, uma comunicação silenciosa que marca as suas relações mais profundas. Porque, conforme Bosi (1994), cada uma dessas coisas preciosas tem sua individualidade, seu nome, suas qualidades, seu poder. Disseram que o guarda-roupa e cama, que herdei da minha avó, tinham dado o bicho. Como a minha cômoda, que faz parte do mobiliário do quarto, “que deu o bicho” [enfatizou bem, com expressão de raiva] data do começo de século XX, sempre foi a menina dos meus olhos e por isso ninguém teve coragem de mexer com a mesma. Tinha quatorze anos quando pedi à minha avó materna. Ela estava deitada na rede no terraço da casa dela eu me aproximei e pedi o quarto todo para mim. Ela me prometeu que seria meu quando morresse. E assim, a família toda sabia disso. Minha mãe antes de falecer mandou dar um trato na mesma. Ficou linda. Fez em respeito a mim, pois a mesma não gostava de cacaréu. Gostava de coisas modernas. Um belo dia quando vou à minha cidade para ver o progresso da reforma da nossa casa dei de cara com a minha cômoda no meio do gabinete do meu pai toda empoeirada. E o trabalhador ainda teve a petulância de me perguntar pra que eu queria aquilo. Pode? Até que com muita persistência consegui que trouxessem para cá. Hoje, se encontra no meu room-office e é útil que é uma beleza. E sempre que olho para ela vem a lembrança de minha avó e o dia em que pedi a mesma. (Laulena, 60, Casa Moema). (grifos da entrevistada). 338 FOTOGRAFIA 141 - SALA DE JANTAR. HERANÇA DA AVÓ PATERNA DE NAIR. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da Casa Shangri-lá (09/11/2014) A sala de jantar da minha casa pertenceu a minha avó paterna. Ela é composta de uma mesa de três metros, com oito cadeiras, um móvel, tipo aparador com duas portas e duas gavetas onde guardamos parte da louça que não é utilizada no cotidiano. Acompanha a sala uma cristaleira de madeira jacarandá e em cristal, onde guardo os cristais e porcelanas. Era destinada ao meu irmão mais velho, como ele não quis perguntaram se eu queria. Lógico que eu queria. É o tipo de móvel que gosto, além do que é um valor afetivo para mim. Traz lembranças maravilhosas da minha infância. (Nair, 65, Casa Shangri-lá). Eu ganhei da minha avó materna um relógio de parede do início do século XX. Aí vem a sua nora, pede à minha avó. Ela, para agradar a única nora que tinha, dá o relógio. Só que o relógio não era para ela, porque simplesmente ela deu à sua irmã que mora no Rio de Janeiro. Resultado: o relógio saiu da família o que não acho justo. O relógio além de ser grande, bem trabalhado, avisava as horas com as badaladas. E o afetivo? (Dona Jaci, 59, Casa Moema). ( FIGURA 93 ). 339 FIGURA 93 - RELÓGIO DE PAREDE ANSÔNIA COM CAIXA DE MADEIRA Relógio similar ao referenciado por Dona Jaci. Casa Moema Fonte: http://wwwwilsonpontual33.blogspot.com.br. Eu tenho uma máquina de costura da marca Singer que se encontra na casa do meu irmão. Era de minha avó. Como aqui não tem espaço fica por lá. Mas só falto me acabar de ciúmes quando vejo que a minha cunhada colocou um tampo de mármore em cima dela. E em cima deste mármore uma TV portátil e ventilador. O local onde fica? Na copa da casa. Já pensei em pedir, mas a minha irmã pede para não fazer isso para evitar problemas já que não utilizo a máquina. Só que o problema não passa pela questão funcional, passa pela questão afetiva. (Violeta, 61 anos, Casa Trevo). (Fig. ) FIGURA 94 - MÁQUINA SINGER Máquina similar ao que referenciou Dona Violeta. Casa Trevo Fonte: http://www.singer.com.br. 340 O oratório que pertenceu a minha mãe. Não abro mão dele por nada neste mundo. E ainda queriam [filhos] que eu me desfizesse dele, como fizeram com coisas minhas antigas. Só o que me faltava. (Dona Zelita, 81, Casa Vale, [grifo meu]). FOTOGRAFIA 142: ORATÓRIO QUE PERTENCEU A MÃE DA IDOSA ZELITA. CASA VALE CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (22/01/2013) A minha sala de jantar com todos os móveis que estão nela pertenceram aos meus pais que me deram. A sala de jantar foi adquirida por meus pais nas Bodas de Ouro deles. Os lustres. Não mexo em nada. E cada detalhe: imagens de santos e DVDs que pertenceram a minha mãe. A mesinha do corredor que dá acesso ao subsolo. Eu gosto de coisas que me lembram alguma coisa e que se identificam comigo. Eu me desfazer das coisas que foram de papai e mamãe me afetaria muito, muito. Eu tenho até papéis com as letras deles. Eu guardo todos. (Regina, 66, Casa Cor). FOTOGRAFIA 143 - SANTOS E DVDS QUE PERTENCERAM A MÃE DE REGINA. CASA COR CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis 19/06/2014 341 São objetos assim que Viollete Morin , citada por Bosi (1994), chama de objetos biográficos , pois envelhecem com o seu possuidor e se incorporam à sua vida: é uma sala de jantar, uma cômoda, um relógio, é um oratório ou “papéis com letras” que foram herdados dos ancestrais. Cada um representa a experiência vivida. Faz parte das aventuras afetivas de cada morador, ou usuário de determinado objeto biográfico. São comportamentos mais afetivos do que valorativos no que se refere a bens de mercadoria. São comportamentos que apontam para os valores que esta família tem vivenciado e pretende reviver com as próximas gerações avivando as lembranças daquela família e que às vezes não encontram ressonância no presente. Não tenho filhos. Tenho sobrinhos e sobrinhos-afilhados. De vez em quando me pego pensando e avaliando o perfil de cada um sobre que valores afetivos eles têm dos objetos. Além do móvel tenho joias antigas e conjuntos de brilhantes que foram presentes de minha avó e minha mãe. E mais modernas compradas por mim. Aí eu me pergunto: com exceção das joias (que acredito que todos vão querer) quem vai querer um móvel velho que tem mais de um século? Quem vai ficar tem que ficar com todo o kit e com a condição que continue pertencendo à família. Porque se o problema fosse dinheiro já teria vendido tudo. Não, é uma forma de ter a minha mãe e minha avó comigo. É o respeito que tenho pelo carinho como elas adquiriram estas joias para mim. Eu presenciei quase todas as compras. Infelizmente não percebo este valor afetivo nesta geração mais jovem. Por mais que eu tente. Talvez um ou outro se sensibilize. (Laulena, 60 anos, Casa Moema). Os velhos álbuns de fotografias, ou até mesmo os novos álbuns de viagens, conforme cita Carvalho (2008) : [...] são exemplos típicos das categorias de objetos usualmente associado à mulher, já que neles estão bem claras as funções de reprodução social. Enquanto o repertório masculino se caracteriza por objetos de cunho autobiográfico, podemos dizer que a mulher constrói a biografia familiar, narrada em álbuns de família ou em conjuntos de objetos e roupas de entes que já morreram ou dos filhos que já cresceram. A natureza biográfica do repertório feminino estaria determinada por sua atividade biológica, mas também social e cultural, de reprodutora. (p. 92). 342 Um pouco de verdade conforme identificado nas casas pesquisadas cuja função de manter objetos biográficos da família cabe às mulheres. Mas, há um caso, das famílias intergeracionais pesquisadas, em que o homem, a pessoa de referência da casa tem esta preocupação que não passa necessariamente pela questão de gênero. Ele coleciona tanto os objetos biográficos quanto os autobiográficos. É o caso da Casa Andarilha, cuja organização é impecável e soma -se aos planejamentos das viagens, os souvenires e os álbuns de fotografias, não só das viagens, como os álbuns da família que são organizados por César, pessoa de referência da família. Questionei [porque cabe a você a responsabilidade por esta tarefa?]. Ele assim respondeu: Diferentemente de muita gente eu fiz o caminho totalmente inverso da pessoa de referência da minha família que era o meu pai. Era um excelente médico, uma figura humana maravilhosa, mas tinha um problema: não só tinha o vício do jogo, como bebia. E evidente que o dinheiro chegava curto à nossa casa que servia só para o básico. Mas, outras coisas, fora do básico, que nos desse auto-estima, como uma casa bonita, isso não tínhamos. Fiz questão (assim como as minhas irmãs) de ser diferente. E minhas irmãs embarcaram nessa comigo. Uma é arquiteta, e a outra tem um comércio ligado à decoração de interiores. Não abro mão disso. Gosto de tudo organizado e em seus devidos lugares. E sou admirador da estética por natureza, apesar de ser economista de formação. Eu gosto de colecionar souvenires das viagens que faço. Organizar álbuns de minha família e álbuns das nossas viagens e do meu tempo de juventude. Gosto também de registrar todas as minhas atividades de lazer que são curtidas fora de casa. Além dos álbuns, guardo as fotos no HD externo. Teve um dia que deu um problema e parecia que tinha perdido tudo, aí bateu aquele mal estar porque tinha fotos de mamãe mais recentes. Fotos tiradas perto de ela morrer. Mas foi recuperado. (César, 60 anos, Casa Andarilha). 343 FOTOGRAFIA 144 - CRISTALEIRA COM SUVENIRES E OBJETOS DE VIAGENS. CASA ANDARILHA CRÉDITO: Lucia Helena Costa de Góis (18/01/2013) FOTOGRAFIA 145 - COLEÇÃO DE PALHAÇOS DE NAIR. CASA SHANGRI-LÁ CRÉDITO: Nair, proprietária da casa shangri-lá (09/11/2014) 344 Nair tem um móvel, sob medida, no hall que fica entre a sala de jantar e varanda do apartamento duplex. O móvel guarda uma coleção de palhaços de todos os tamanhos, material e países d iferentes por onde Nair visitou. A coleção tem mais de vinte e cinco anos juntamente com outra coleção de anjos. São mimos que Nair se dá de presente e são considerados objetos autobiográficos, pelo convívio visual (e não tátil) diário que estes impõem ass im como pela estética que estes se destacam. E por ser adquirido pela entrevistada. Sendo assim, diferente da sala de jantar (objeto biográfico) que pertenceu à sua avó paterna, e pela impressão de continuidade que este representa. O apego de uns, e o desapego de outros, pelos objetos, nos faz ilustrar o depoimento de Renata Pinheiro 140 quando esta precisou se mudar para outro quarto menor: Nos últimos meses, tenho pensado muito em desapego. Começou como uma necessidade: mudar de um quarto enorme pra outro bem menor e com muito menos espaço pra guardar coisas fez com que eu precisasse descobrir o que não era tão importante. Mesmo assim, ainda guardei muita coisa – o quarto entulhado e caixas espalhadas em outras partes do apartamento são provas [...] muitas vezes, o motivo alegado pra guardar vários objetos é a lembrança que ele traz. [...] E a lembrança está na memória da pessoa, não no objeto. (renatapinheiro.com). Bachelard assim explica que “é graças à casa que um grande número de nossas lembranças estão guardados.” (2008, p.78). E quanto mais recantos, mais refúgios com nossas lembranças, mais chegamos ao fundo poético do espaço da casa. Porque, ainda segundo ele: “nunca somos verdadeiros historiadores; somos sempre um pouco poetas, e nossa emoção talvez não expresse mais que a poesia perdida.” (BACHELARD, 2008, p.26). 140 Blogueira, fisioterapeuta do esquecimento. 345 Ao questionar sobre [o que jamais pode faltar na residência?] As respostas foram quase que unânimes: fotos, objetos dos parentes queridos, como por exemplo, uma arca, cômoda, imagens de santos. Inclusive, boa parte das residências tem o espaço para orações; mas há duas residências em que cada ambiente da casa você se depara com o cantinho de DEUS. É neste sentido que King, citado por Camargo (2010), afirma que muito do que temos em casa como querido não são apenas posses, mas relações afetivas. A autora corrobora ao afirmar que o processo de reunir objetos na casa habitada não é de simplesmente o de acumular coisas, por que o mais importante de tudo isto é o partilhamento. Da mesma forma os animais domésticos de estimação: Beethoven, 8 anos,Malu, 13 anos, Small, 2 anos, Alif, 8 anos e Pingo (em conexão) respectivamente das Casas Andarilha, Casa Cor, Casa Moema e Casa Shangri -lá. Estes considerados da família e tratados como pessoa. Nas casas intergeracionais os animais são chamados pelos moradores por nomes de personalidades do mundo da música, nomes estrangeiros e quando invocam o animal usam as seguintes expressões: “vem prá vovó”, “meu príncipe”, “dá um cheiro na titia”, fora o carinho, mimos e despesas estratosféricas que estes representam: Manteiga sem sal e shampoo mais caro do que o meu, não é brinquedo não. Cada vez que Small vai ao Pet shop eles inventam uma porção de coisas, aí acertam direitinho a nossa jugular. (Aneci, 53, Casa Moema). Passei um mês inteiro dando comida na boca de Alif e ficava abraçada com ele até adormecer. Se não fosse assim ele teria morrido. Tem a cama dele, mas todas as noites ele pula para a cama de Omã. (Nair, 65, Casa Shangri- lá). Malu será a última. Não enxerga, não escuta. Pela raça dela o veterinário disse que está com 85 anos. É um apego, um sofrimento. Parte o coração. (Regina, 66 Casa Cor). 346 É a nossa companhia. É amigo fiel, mas está cansado. Não sei se vou querer outro. Quando viajamos ficamos preocupados se está bem e como deixar e com quem, se deixamos em hotel pra cachorro nunca sabemos se tratam bem. (César, 60, Casa Andarilha). Aqui não entra mais nem cachorro de pelúcia. A gente se apega, sofre quando adoece ou morre. É horrível. E quando viajamos é aquela coisa. A outra que nós tínhamos era da raça Fox Terrier. Quando viajávamos deixávamos a nossa cadela em um hotel para cachorro e uma das vezes voltou cheia de carrapato. Small ninguém deixa sozinho. Sempre que sai todo mundo tem que ficar um para não deixá-lo só ou então nós deixamos Small na casa da namorada dele. (Jaci, 59, Casa Moema). Os relatos acima revelam como os animais domésticos ascendem no imaginário dos seus donos e fazem parte do contexto familiar. Dormem na cama dos “seus donos” e sofre m das mesmas doenças que acometem aqueles como diabetes, colesterol, problemas renais, sofrem de depressão e ciúmes. São tratados como bebês e vestem á caráter conforme o evento nacional ou desportivo. Se for carnaval, festa de natal, ou campeonatos de futebol, eles usam e abusam das camisas do time preferido do dono, ou dona da casa. Passeiam em shoppings de carrinho ou no braço do dono. São tão sensíveis que os mais próximos ao animal quando precisam se ausentar tem que explicar que vai sair e voltará logo, com a promessa que dará uma volta de carro se o animal se comportar. Explicam que quando retornam da rua o cachorrinho já está esperando e pronto para passear de carro. Da mesma forma que a família receptora quer o mesmo tratamento dispensado às crianças da casa, espera, dos que estão em conexão, o respeito e atenção para com o cachorro. As famílias utilizam regras e normas de convivência entre os seus membros. As regras e normas geralmente dizem respeito ao espaço, aos ritmos da casa, ao tempo, como horários de refeições, ou horários para as lições de casa. As regras são destinadas à todos os membros das famílias, como crianças em relação as inter -relações crianças, adultos e vive-versa, 347 como também exige em relação aos seus bichos de estimação e destes para a casa de uma maneira geral (fazer xixi em lugares pré - determinados, não morder as crianças quando se aproximam de suas refeições e não latir para os transeuntes). A presença destes, nas famílias pesquisadas, vem reconfigurando as relações familiares . Aqueles que “adotam” o bichinho de estimação como seu filho, sobrinho ou neto defendem os animais quando o visitante, ou outro membro da família ameaça qualquer tipo de reação em relação ao animal em favor do filho/neto pequeno. Solicitam ao visitante, ou aquele membro da família, que tenha mais cuidado com o bebê já que o animal também tem o direito de marcar seu território e defender o que é seu como alimento e brinquedos. As mesmas preocupações que têm sobre alimentação, saúde, lazer e o tipo de escola dos filhos, sobrinhos e netos, as famílias intergeracionais pesquisadas têm preocupação com o bem -estar dos seus cachorros. A interatividade virtual se tornou, também, fato cotidiano nos lares pesquisados e a comunicação ficou mais instantânea através dos smartfone, internet, WhatsApp e TV satélite com o mundo lá fora; porém o que se tornou obsoleto ou quase inexistente no cotidiano da família foi a comunicação entre pessoas. A interação desfocada de que fala Giddens (2005) é uma das formas de interações e xistentes entre idosos e jovens em algumas casas intergeracionais. Cito um fato ocorrido na Casa Moema entre a idosa Laulena e a namorada do jovem Bariri, 21. Assim relatado pela idosa: Um dia sentamos à mesa eu e a namorada do meu sobrinho. Era almoço. Entre 15 e 20 minutos – é o meu tempo de refeição - passamos eu e ela sem conversarmos e sem que a cabrita me olhasse uma única vez. Motivo: whatsapp. A criatura desde que se sentou à mesa „para almoçar„ [aspeou com os dedos indicadores significando ironia] não largou um minuto sequer o celular. A comunicação do outro lado do aplicativo com certeza era mais interessante. Não precisa adivinhar que fiquei chocada com aquele comportamento, aquela falta de delicadeza, de educação e de sensibilidade. 348 Gosto de minha família reunida à mesa (aprendi com meus pais) porque é o momento que a família tem para interagir, de se conhecer e conviver melhor. Fiquei tão chocada que no dia seguinte, já com a pá virada, quando o outro sobrinho, pai das crianças, chegou com o telefone na hora do almoço para fazer a mesma coisa, dei um basta e ordenei a todos que a partir daquele dia não queria ver um celular, smartphone na hora das refeições. Daí em diante o episódio não mais se repetiu na minha casa, pelo menos nas horas das refeições. Mas durante o dia, tarde, noite ou altas horas você vê muita assombração de whatsapp pela casa. (Laulena, 60, Casa Moema). Interpretando o que seria interação desfocada, esta é um exemplo. As duas, idosa e jovem, tinham consciência mútua de que estavam presentes e participando de uma mesma atividade que era o almoço, mas não se comunicavam entre si. É a banalização da interatividade virtual nos lares que influencia e redimensiona distintos nacos da vida cotidiana como se refere Tramontano et al (2002); rearranjam o espaço doméstico e alteram a experiência do tempo nos lares conforme ressalta Giddens (2005). Este ao afirmar que toda interação social situa-se no tempo e no espaço, as nossas vidas são zoneadas também no tempo e no espaço. Cita a internet como exemplo de zoneamento e íntima ligação entre as formas da vida social e o nosso controle de espaço e tempo. Esta nos possibilita, segundo o sociólogo, interagir em qualquer canto do mundo, com desconhecidos sem sair da cadeira o que altera a experiência do tempo porque a comunicação ficou mais instantânea e se tornou básica para o nosso mundo social ao ponto que seria inimaginável sem esta comunicação. Assim, as interações indiretas estão se tornando cada vez mais importantes do que as comunicações diretas “à medida que os recursos da tecnologia crescem ainda mais”. (GIDDENS, 2005, p. 98). Por esse motivo, em virtude dos rearranjos do espaço em função do tempo e diria das necessidades básicas dos moradores de uma casa intergeracional, apresento duas grandes observações: a primeira é a dificuldade que os arquitetos têm em questionar o modelo tradicional de tripartição dos espaços. Em função das superposições de 349 espaços é quase impossível setorizá -los com rigorosa gramática (DAMATTA, 1987) quando aquele espaço antes destinado somente para uso social é também utilizado como espaço íntimo a exemplo do quarto de dormir e sala de estar. Nas observações dos cotidianos d as famílias intergeracionais, esta tripartição é um modelo funcional tradicional de visualizar o cotidiano. No entanto, não existe porque se dilui nas práticas cotidianas quando, por exemplo, eu encomendo, via internet, o delivery141 porque não quero ir para a cozinha e quando a comida chega, não me importo se como na sala, ou se como no quarto, porque este é um fato na contemporaneidade já que a internet tornou possível e banal este tipo de comportamento. Supõe -se a decadência de determinados espaços? ou a funcionalidade de determinados espaços precisa ser redimensionada em função do suporte tecnológico, considerando que onde quer que o indivíduo se encontre estão às funções? Hoje, cada um tem seu laptop, celular, computador para ver as notícias, por exemplo. A expansão da televisão foi em outro momento. Estamos vivendo outro momento em que o suporte tecnológico permite que se leve consigo laptop, telefone o que significa que não preciso ir para um home-theater, ou determinado espaço especializado para ver um filme, se no meu celular ou notebook posso vê -lo. Em contrapartida, faço uma segunda observação relativa ao uso excessivo e obsessivo do whatsapp que torna cada vez mais utópicas as relações entre os moradores das casas intergeracionais, no que tange a fronteira entre público e privado. O público invade as casas contemporâneas, por meio das comunicações, via aplicativos, utilizados pela internet gerando novos conflitos num redemoinho de desintegração e renovação, ambigüidade, contradição. “Quem não tem 141 Delivery, ou entrega em domicílio, é o serviço de entrega de materiais, bens, serviços ou produtos a um determinado local (residência, comércio, indústria) solicitado por algum meio de comunicação como telefone, internet pelo cliente ou consumidor. (Lambert et al., 1998, p. 20-21). 350 ou não usa whatsapp está excluído socialmente” disse uma das entrevistadas; ou é “um analfabeto virtual” disse outra. É a geração do whatsapp invadindo os lares, febre entre gerações de jovens adultos, adolescentes e até crianças de oito anos e, já em fase de iniciação, os bebês de um ano de idade. Observei que o Whatsapp (bate papo do Facebook, Twitter, Skype e os ultrapassados SMS, e -mails) é acessado de forma indiscriminada e em qualquer lugar, independente da atividade que se esteja desenvolvendo: nos momentos dos diálogos, refeições, encontros entre amigos e familiares, celebrações religiosas (o pároco da Igreja da Candelária interrompeu uma reunião porque ninguém se comunicava com ele) e dizem que até durante o sexo. É um fenômeno recente obssessivo-compulsivo e uma extensão (para a maioria, especialmente a geração mais jovem, ou até uma família inteira) das mãos, boca, ouvidos, olhos e cérebro e considerado por gerações, não tão antigas, como falta de educação. O eterno conflito entre gerações ou desape go familiar? E a co-habitação intergeracional no meio disso tudo realmente a quem serve e pare o que serve? Estreita os laços intergeracionais ou são simples estratégias de sobrevivência? Espaços insuficientes tanto em número, quanto em tamanho, geram aquilo que Camarano et al (2011) chamam de conflito cooperativo , onde cruzam diferenças não só intergeracionais, mas por gênero. Porque no âmbito daquelas famílias houve um acordo implícito ou explícito de que, especialmente aqueles que padecem da falta de autonomia financeira, mental e outro tipo de vulnerabilidade, a solução seria a co-habitação como estratégia familiar utilizada para beneficiar tantos as gerações mais novas como as mais velhas. O que fica evidente nos casos aqui ilustrados é que a co - habitação existe quando se identificou as conexões nas famílias intergeracionais contemporâneas. Porém, os benefícios estão centrados 351 mais nas crianças (apesar de alguns contratempos) e nos jovens (o quarto só para eles). As idosas, assim como as não tão mais novas, é quem abrem mão de seu conforto, de sua qualidade de vida em detrimento de si próprias. Já com os idosos homens não tem se observado comportamento tão generoso. Dificilmente o homem cede seu espaço no caso das visitas, só se for alguém a quem este de ve muito favor ou tem consideração. Entre pais e filhos, o mesmo acontece. Há casos em que o pai, ao invés de ceder ao filho pequeno, conforme revelado nos discursos de uma das famílias entrevistadas, se apossa do espaço em detrimento da criança. Concluindo esta seção, diria que, a co -habitação intergeracional resulta de uma realidade que impõe uma ordem através da organização do cotidiano. No que se refere ao fluxo intergeracional, este, ao invés de mão dupla, como assinala Camarano et el (2003), acontece via única que se dá dos idosos para os mais novos, especialmente no habitat do idoso, quando ele quem manda ou deveria impor suas regras de convivências. É mais uma estratégia descendente vertical do que uma troca horizontal entre iguais. 4.3 Conversando com quem gosta de produzir, desenhar, decorar e morar Esta parte trata de examinar a casa da forma como ela é percebida , especialmente por seus habitantes. Os que produzem, desenham e decoram as residências também foram ouvidos para que se articulem os discursos dos que fazem, com os discursos dos que moram. Bem como foram utilizados transcrições de depoimentos gravados em programas de mídias, analisados com a finalidade de identificar nos discursos de arquitetos e moradores famosos, suas percepções sob re 352 funcionalidade, conforto e qualidade das casas que projetaram e onde moram. Trata-se, portanto, de identificar e analisar através dos discursos/falas dos entrevistados seus desejos, sonhos, necessidades e expectativas, de que forma ou em que aspectos e ste foram alcançados ou frustrados, e se a família intergeracional contemporânea está em sintonia ou não com o espaço construído. Os resultados desta pesquisa favoreceram uma análise do espaço-lugar intergeracional em sua dimensão objetiva e subjetiva. A forma como a casa é percebida pela família intergeracional, tanto nos aspectos objetivos que vão, desde o projeto arquitetônico, suas relações de espaço/lugar e uso, padrões de construção; quanto nos aspectos subjetivos, tais como as atividades que desempen ham e como estas envolvem as considerações emocionais que permitem as experiências objetivas de cada moradia é o que nos interessa. (CAMARGO, 2010). Ao inserir os sujeitos da pesquisa no espaço-lugar142 concordo com Tuan (1983, p. 6-9) que ambas as idéias não podem ser definidas uma sem a outra, pois, [ . . . ] o significado de „espaço‟ é mais abstrato do que „lugar‟. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor [...] A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço e vice-versa. Além disso, se pensamos o espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; a cada pausa no movimento torna possível que localização se transforme em lugar [...] As vidas humanas são um movimento dialético entre refúgio e aventura, dependência e liberdade [...] o espaço é uma condição para a sobrevivência biológica. Mas a questão de quanto um homem necessita para viver confortavelmente não tem uma resposta simples [é] só quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar. (Tuan, 1983, p. 8-10. „Grifos do autor‟; Grifos meus). 142 Lugar como centro de valor. 353 Foi, em conformidade com as percepções de espaço-lugar, aos quais também associei o fator tempo às ações realizadas no cotidiano, que elaborei questões sobre a relação entre as atividades cotidianas e o uso e ocupação do espaço, assim como o tempo que consome estas atividades, chamada por Tuan (1983) de rotina-tempo-espaço; a relação entre a percepção do lugar e os relacionamentos que se estabelecem em determinados espaços/lugares, foram também considerados nas entrevistas dos moradores, no que concerne ao ato de morar. Porque, “o homem como resultado de sua experiência íntima com seu c orpo e com outras pessoas, organiza o espaço a fim de conformá -lo a suas necessidades biológicas e relações sociais.” (TUAN, 1983, p.5). Todas as pessoas, jovens ou velhas, sentem necessidade de um lugar para chamar de seu . E sentir um lugar como seu não se dá de forma imediata, mas é conseqüência de um processo que se constrói ao longo do tempo devido um conjunto de experiências que são repetidas cotidianamente ao longo dos anos. (CAMARGO, 2010). Estas experiências são traduzidas pelas pequenas coisas do cotidiano no que se refere ao espaço objetivo da casa e sua relação com os moradores: um chuveiro elétrico que não funciona; espaço insuficiente para guardar seus mimos; a impossibilidade de dormir de forma confortável quando a família é numerosa; e os ambi entes que além de insuficientes, são pequenos para comportar gerações diferentes em um mesmo espaço construído. Ou, uma cômoda antiga que provoca sentimentos ambíguos entre os moradores. É [...] quando a performance da casa e toda a estrutura física que ela encerra deixa de cumprir com seu papel de propiciador físico da obtenção de nossos objetivos em relação ao habitar doméstico, que retomamos a consciência do complexo funcionamento dessa estrutura em favor do nosso bem-estar. (CAMARGO, 2010, p.61. Grifo da autora). Segundo a mesma autora, este é o ponto em que é possível ao morador conceber em sua imaginação questões que vão muito além do 354 nível cotidiano prático e concreto da própria casa física; são aspectos não palpáveis, que vão além do materialmente evidente, como os sonhos, memória e emoções dos indivíduos. (CAMARGO, 2010, 62). Funcionalidade, estética e conforto , foram três categorias que extraí das entrevistas que realizei com os sujeitos da pesquisa. Estas categorias não surgiram do nada, elas são o acúmulo do conhecimento que adquiri nos anos do curso de doutorado e nos discursos não só dos sujeitos selecionados para a pesquisa, mas com quem iniciava qualquer assunto que se relacionasse com casa ou apartamento. Foi conforto , palavra-chave, que mais identifiquei nos comentários dos sujeitos desta pesquisa e que expressa toda concepção sobre casa e lar . Esta reflexão vai além dos estudos de Arquitetura e Engenharia quando o assunto se refere à habitabilidade dos espaços. Os resultados empíricos me dizem que definir ou descrever o conforto de uma residência intergeracional seguindo os parâmetros fisiológicos como condições do conforto luminoso, higro -térmico e acústico são fundamentais quando se pretende analisar a satisfa ção do homem, cuja “qualidade do espaço é medida pela sua temperatura, sua iluminação, seu ambiente, e o modo pelo qual o espaço é servido de luz, ar e som [.. .]” (KHAN, citado por VIANA, 2014). “[...] pois está baseada no princípio de que quanto maior for o esforço de adaptação do indivíduo, maior será sua sensação de desconforto.” Estes parâmetros evidentemente devem ser incorporados ao conceito de espaço em si segundo Viana (2008, f. 1). Entretanto, o conforto ambiental , conforme Viana (2014) não pode ser definido somente por parâmetros fisiológicos porque “as respostas humanas aos estímulos ambientais passam necessariamente por um nível subjetivo de avaliação e que em alguns casos será definidor das condições de desempenho.” (VIANA, 2014, f.1). 355 Por sua vez Rybczynski (2002) revelou a sua “ignorância” sobre conforto, considerando, ainda, que a sua omissão, em arquitetura, era no mínimo curiosa num currículo tão rigoroso em outros aspectos. O mesmo autor identifica na domesticidade, privacidade e intimidade seus elementos importantes para melhor significar o conforto . Privacidade seria uma das primeiras exigências, no conceito convencional dos seus clientes, no que se refere ao conceito de lar , e que não deve ser confundido com decoração e com comportamento (como estes cômodos são usados), mas com “comportamento social, que é função de hábitos e costumes” (RYBCZYNSKI, 2002, p.223), portanto, mais duradouro. Para o autor “é muito mais fácil medir o desconforto do que o conforto” (RYBCZYNSKI, 2002, p.230). Em qualquer caso que seja “[. ..] o alcance do conforto é descoberto ao se medir os limites onde as pessoas começam a sentir desconforto” (RYBCZYNSKI, 2002, p.231). Portanto, não se pretende definir conforto, mas apenas descrevê-lo a partir das falas dos sujeitos da pesquisa considerando-se, as seguintes características: conveniência, eficiência, domesticidade, bem-estar-físico, privacidade e intimidade. Que juntas contribuem, segundo Rybczynski (2002), para a atmosfera de tranqüilidade interior que é parte do conforto. Quando questionei uma moradora da Casa Moema [ o que significa conforto para você? ] de imediato respondeu: Privacidade e intimidade! A casa pode ter o que tiver, mas se não tem um espaço para que isto se concretize, não tem conforto. Não entendo como pessoas de muitas posses constroem uma mansão com apenas quatro quartos, quando tem quatro filhos, uma sogra morando com ele e a esposa. Alguém saiu sobrando. Ou acabou dividindo o espaço/quarto com outra pessoa. [estava se referindo um amigo seu que é médico.] Aqui em casa já se tornou comum todos dormirem amontoados. Quanto a mim durmo na sala de estar e já pode imaginar o passa, passa para a cozinha durante a madrugada. A porta dar de frente para a minha rede. Quando abrem a porta e ligam a luz, esta bate bem na minha cara. Por outro lado, é preferível a dormir em um quarto que passa a noite com o ar condicionado ligado e a televisão que só desliga quase pela manhã. Não tenho a mínima condição de me acostumar com muita gente no ambiente de dormir. Gosto de privacidade nesta hora, que por sinal durmo pouco. Estou uma pilha. E já 356 cansei de procurar casa que desse o mínimo de conforto para todos nós. Mas se olharmos para as pequenas coisas podemos nos dar por satisfeitos: um radinho sintonizado nas FMs, durante a madrugada, enquanto fico deitada na minha rede, que não troco pela cama mais cara deste mundo. É estar bem protegida da chuva enquanto muitos por aí não têm sequer para onde ir. Mas se você se refere ao que acho de conforto nesta casa [parou um pouco e balançou a cabeça] não tem nenhum. E que nota eu dou para a mesma? Dou cinco e achando muito. (Aneci, 50 anos, Casa Moema. [grifo meu]). Das seis características selecionadas para descrever conforto , a moradora da Casa Moema citou domesticidade (ouvir música com radinho ligado na FM), bem-estar físico (rede de dormir), privacidade (dormir sozinha mesmo que seja numa sala de estar) e conveniência (estar protegida da chuva enquanto muitos não têm este privilégio). Mas estava implícito no seu discurso eficiência (uma casa com maior número de cômodos para acomodar todos) e intimidade/privacidade (apesar de que dormir por algumas horas, em uma sala, a expõe, não a deixa com liberdade). Sintetizando, para a entrevistada o quesito conforto é um dos maiores problemas vez que este quase inexiste. Assim como para o seu filho Bariri, que tem seu próprio quarto, mas não tem banheiro próprio: Conforto para mim é uma casa boa com espaço suficiente para que todos fiquem bem. Um quarto para cada um, com TV., computador, som. E se possível com banheiro privado. (Bariri, 22 anos, Casa Moema). Da mesma forma o jovem morador da Casa Trevo que tem todo um quarto só pra si, se ressente da falta de banheiro próprio; do sobrinho que faz intercâmbio com a Casa Moema; dos moradores da Casa Moema, Shangri-lá, assim como os moradores da Casa Vale, Casa Cor e dos moradores da Casa Andarilha: Conforto é onde eu possa ter um PC próprio, cama boa, uma TV e privacidade em um quarto com banheiro só meu. (Alyssum, 23 anos, Casa Trevo). 357 Bem-estar, minha cama muito gostosa, meu ar condicionado. Tudo que dá prazer. Disso não abro mão. São pequenas coisas mesmo. (Célia, 60 anos, Casa Andarilha). Para dormir um colchão bom e lençol macio. Na cozinha, utensílios modernos e práticos. Pra mim isto é conforto. (César, 60 anos, Casa Andarilha). Conforto é me deitar na minha rede, assistir um bom programa de televisão, como documentários, filmes românticos e de guerra também. Ler um bom livro e viajar nele. (Laulena, 60 anos, Casa Moema). É me sentir bem, ou seja, integrada em qualquer lugar que eu esteja, pode ser um templo, um parque. Mas se conforto se refere a uma casa, que seja aconchegante. Para mim conforto é me sentir bem onde estou e independe de luxo. (Nair, 65, Casa Shangri-lá). Conforto pra mim é tudo que está funcionando. Visualmente pra mim é isso: cada coisa em seu lugar. Organização. (Regina, 66, Casa Cor) E o que dizem os decoradores, arquitetos e moradores famosos sobre conforto? Conforto é a coisa mais importante. É você se sentir bem no que você mora. Quando viajo um pouco mais eu fico louca pra voltar pro Rio. De vir pro meu ninho. (Lourdes Catão, 85 anos, decoradora, socialite carioca e moradora do Biarritz. [Entrevista concedida à Casa Brasileira, Temporada 2014.]). Quando você tem interação com o ambiente onde você vive de forma equilibrada e bem estar seja do ponto de vista visual, térmico, acústico. (Ronald Góes, Arquiteto, Natal). Luxo é você se sentir bem em algum lugar e em alguma situação. O conforto vem do luxo. Então, a gente tem que está preocupado com essa situação de que a pessoa está se sentindo bem. (Ricardo Rossi, Arquiteto [Em entrevista à Jóia Bergamo, 5/12/2013. Programa Amaury Júnior]). Ao propor aos entrevistados: [de que forma o uso do espaço construído influencia no tipo de convivência, ou co -habitação, entre as gerações desta família no cotidiano?] 358 A moradora da Casa Trevo assim descreve: São três banheiros com o da dependência de empregada. Mas, o banheiro social que é compartilhado no dia-a-dia com Rosa e Alyssum, em alguns momentos é dividido comigo, embora tenha o meu próprio banheiro; mas o utilizo apenas para me maquiar e escovar o cabelo, porque o social é mais arejado, por isso faço uso dele. É o somatório de coisas, homem, mulher, pó para maquiar, creme de barbear. Ele é espaço de conflito. Principalmente com mãe e filho quando acordam, e ambos têm que sair para o trabalho e faculdade e necessitam utilizar o banheiro ao mesmo tempo. É o único lugar da casa que gera conflitos entre nós.(Violeta, 61, Casa Trevo. Grifos da entrevistada, [grifo meu]). Para responder [Qual o recanto preferido de cada membro da família? E qual o lugar da casa/apartamento que você mais gosta? Utilizo como ilustração o depoimento do menino Guayi morador da Casa Moema (oito anos, mas na época da primeira entrevista e le tinha seis anos): A parte que eu gosto mais da casa é o quarto. Porque você pode fazer o que quiser. [Perguntei: por exemplo?]: brincar, jogar vídeo-game assistir televisão, jogar no computador, ver vídeo. [Eu disse: muito bem!] Ele respondeu: ...é, por isso que eu gosto. [Perguntei se prefere dormir de rede ou de cama: respondeu automaticamente]: cama. [Fiquei surpresa, pois tem uma rede dele armada permanentemente no seu quarto]. [Ah, é?!] Ele retrucou: É, mas é assim, ó: eu gosto dos dois. Eu gosto de dormir de cama e de rede também. (Guayi, oito anos. Entrevista realizada no dia 24/11/2012, 16 h. Grifos meus). Assim, para a criança, o quarto , há dois anos, era o seu lugar preferido. Hoje, a mesma criança dorme numa suíte compartilhada com seu irmão de quatro anos e duas tias. Quando o reencontrei a resposta que me deu foi diferente: O meu lugar preferido é a sala. [Por quê? questionei]. Porque tem televisão, tem o computador, tem uma mesinha pra gente almoçar e tem o sofá. [Fez menção de sair quando questionei o quarto]. Ele respondeu: ele está [colocou a mãozinha no queixo, parou, pensou] como é mesmo? Está sendo surpreendido. [surpreendido para ele é porque o quarto foi rebaixado. Expressão da criança]. Não está sendo mais a estrela famosa. É porque a sala tem mais coisas, mais divertida pra gente brincar, essas coisas e o quarto só têm uma televisão, só tem a cama, não tem muitas coisas não. [Insisti com ele que o quarto tinha tudo que ele diz ter na sala, mas, este respondeu]: mas a sala tem uma 359 visão melhor. E um ventinho bom. (Guayi, oito anos, Casa Moema. Grifos meus. Entrevista realizada dezembro de 2014). O fato é que as respostas conflitantes da criança me deixaram curiosa, porque uma mudança repentina de preferência de quarto para sala, considerando a individualidade de cada ser humano e porque dois anos antes o quarto era o mundo da criança é no mínimo estranho. O que apreendi da Lorena é que: Antes, o lugar em que ele fica no quarto para assistir televisão, brincar, era meu. Como tenho um room-office, cedi ao mesmo desde que passou a morar conosco. O que vem acontecendo é que toda vez que um adulto (homem) da casa chega como foi o caso do meu sobrinho rapaz, que também precisa de seu espaço, quando retornou de Recife, passou a compartilhar a suíte com a criança e minha irmã Jaci. Mas, todas as vezes que a criança estava vendo um programa, solicitavam à criança que fosse para o meu quarto, ou o quarto de Alena. A solução foi uma troca entre Alena e Bariri. Bariri ficou em um quarto só para si. Mas quando o pai do menino chega do interior e vem passar uns dias aqui se apossa do lugar, com tudo que pensa [reforçou bem a palavra com certo ar de ironia] que tem direito. Muitas vezes ele está ao mesmo tempo no whatsapp e segurando para si a televisão [„em pausa‟], e a criança querendo assistir os desenhos. Aí a confusão se instala envolvendo todos da casa. A única explicação para Guayi modificar a sua opinião sobre o seu cantinho preferido, hoje, ser a sala, são estes transtornos. (Laulena, 60. [„grifo da entrevistada‟]). À medida que a criança cresce, segundo Tuan (1983), o horizonte geográfico expande, ela vai se apegando a objetos, a localidades, mais do que se apega a pessoas importantes. Lugar, para criança - ainda conforme Tuan (1983) - é um tipo de objeto grande e um tanto imóvel. Esta, a localidade, só terá significado para ela quan do vai se tornando mais precisa. Sua atenção, que antes era focada em coisas pequenas, passa a ter menos significado, porque vai se ampliando para um ambiente espacial cada vez mais amplo. Mas, se considerarmos enquanto indivíduo que sonha em ter para si um cantinho de seu , a mudança de opinião só pode ser explicada pelo espaço confuso em que se tornou sua casa. 360 Ao entrevistar outra moradora da Casa Moema que dorme na sala de estar-jantar, ela assim se posicionou quando questionei [sobre a influência do ambiente nas gerações e relações familiares]: Como disse antes, durmo na sala. Foi uma troca: meu filho ficou com um quarto só pra ele, afinal é rapaz e necessita de seu espaço, de um lugar para ele. É jovem e precisa de privacidade. Não quer dizer que eu não tenha direito, na verdade, todo mundo desta casa deveria ter o seu próprio cantinho, porque aqui moram pessoas de todas as faixas etárias. Temos crianças de diferentes idades, idosa, jovens e adultas de um modo geral. Mas como a casa tem poucos quartos, esta foi uma solução, até porque acordo com os galos como se dizia antigamente. Mas tem horas que tenho vontade de sumir. Esta sala-quarto durante o dia é o lugar mais requisitado da casa fora a cozinha. O meu neto de oito meses vem todos os dias e só quer dormir na sala. Colocamos o bebe em diferentes quartos, mas não tem acordo. As outras crianças chegam da escola, o bebe acorda, é natural, até porque não podemos impedir as crianças de brincarem. Mas acontece. Assim como o stress e irritação em todo mundo. Após o almoço, deles, os espalhamos pelos quartos: o mais velho fica na suíte, quando o pai não vem do interior, e o mais novo fica no quarto-escritório da minha irmã Laulena. Mas esta sala- quarto é bem festiva durante o dia. Deveria ser a melhor coisa, porque é o momento em que todo mundo se reúne e a família fica mais próxima. Mas, há dias que simplesmente não dá, porque cada um tem a sua rotina. E se você olhar direito o quadro é mais ou menos assim: a sala com crianças, adultos, mas cada um na sua. E é porque as melhores TVs estão nos quartos. Mas vira e mexe fica todo mundo aqui. E a maioria das vezes cada um com sua atividade. (Aneci, 52). As famílias de três a quatro gerações, especialmente, têm se utilizado de estratégias para acomodar os seus moradores em espaços reduzidos o que favorece a sobreposição de funções , ou multifuncionalidade de determinados ambientes se não for até promiscuidade. A percepção de cada morador é que os formatos de casa (em es pecial de conjunto habitacional) e apartamentos com espaços reduzidos, não têm o jeito de cada um , em se tratando das necessidades básicas de cada geração, o que não favorece a co-habitação intergeracional, vez que “todos os aposentos têm valores oníricos consoantes [.. .] A velha locução: „Levamos para a casa nova nossos deuses domésticos‟ tem mil variantes” (BACHELARD, 2008, p. 25. „Grifos do autor‟). 361 Embora as famílias, sujeitos da pesquisa, estejam inseridas em faixas de renda equivalentes, estas, em sua boa parte, não estão satisfeitas com as suas moradias. Sempre há uma reclamação aqui e ali, mesmo se tratando de espaço residencial com poucos moradores. As reclamações se voltam especialmente quanto ao tamanho dos cômodos ou números insuficientes; seja da parte interna, seja da parte externa, como o caso das garagens ou pilotis de edifícios de apartamentos. O que tem se constatado com certas reclamações dos moradores é que os espaços construídos não atendem as suas necessidades, em especial no aspecto tamanho e número suficiente de espaço, como o quarto de dormir, por exemplo, obrigando os moradores viverem em permanentes estratégias, ou soluções mágicas, para que se acomodam melhor ou com dignidade. O que explica fora a renda equivalente entre os sujei tos da pesquisa é a origem interiorana das famílias e mesmo as que se originam de capitais têm algo em comum: todos moraram em casas grandes o que torna natural que anseiam por espaços que lhes dêem sensação de bem-estar e os verdadeiros bem-estares têm um passado. Todo um passado vem viver, pelo sonho, numa casa nova. Como coloca Bachelard p.25 Infelizmente os projetos e construções dos apartamentos, das residências de um modo geral, não estão afinados com os nossos desejos, nossos sonhos e nossas necessidades de conforto. Acho que não sabem nem o que isso significa. Morar em apartamento, ou casa de quatro ou cinco quartos, por um preço acessível, é um sonho impossível e vem se tornando pesadelo. Não ligam a mínima para as nossas necessidades. O negócio é vender e mesmo quem tem família pequena, os quartos são horrorosos e tão pequenos que acho que dormem em pé. (Jaci , 59). Em relação ao apartamento como um todo darei nota entre oito e nove, dependendo do ambiente, porque em se tratando de ruídos é um horror. É o lado negativo de morar em apartamento. Os vizinhos de cima arrastam cadeiras, sapatos e os ruídos incomodam muito, principalmente Alyssum que tem que se concentrar para estudar. De todo jeito é horrível. Quando estamos tirando um cochilo na parte da tarde aí é que é. (Violeta, 61). 362 [O que seria necessário para melhorar suas condições de moradia? E se você pudesse realizar um ideal, o que seria?] Faz dois anos fiquei surpreso com uma história: quando foi indagado o que gostaria de dar a seu filho pelo seu aniversário, o ator Lázaro Ramos disse sem pestanejar: “um quintal”. Achei o máximo, tudo muito simples e talvez fosse tudo o que tenha presenciado de valor na sua infância feliz. Um quintal para brincar e um alpendre para olhar a vida passar, quiçá. (Anttônio Oliveira, Crônica, 2010. Grifo do autor). Para o ator Lázaro Ramos um ideal bastante simples: um quintal, provavelmente em troca dos jogos de vídeo game e internet. Para os moradores das casas intergeracionais : Estamos envelhecendo e será necessário um local para a acompanhante. Um quarto pra ela. Mesmo que fique de plantão tem uma hora que precisa descansar, para ter um espaço dela, para guardar suas coisas. Este apartamento não favorece. (Violeta, 61, Casa Trevo). Quando fiz a minha casa a preocupação foi com o futuro, especialmente de ter problemas com as escadas. [quando intervenho: mas sua casa foi construída em três planos e tem escadas que dão para a sala de jantar, sala de estar e o terraço que fica no subsolo, acho que não é casa para idoso. Ele retruca]: Eu não utilizo a entrada principal que tem escadas para as duas salas. Entro pela entrada de serviço que dá para a cozinha. O quarto da empregada sai na sala de jantar. Depois posso transformá-lo em um Hall de acesso a entrada. É tanto que tem parte plana e temos várias opções. O problema será o que vou fazer lá embaixo. Estamos pensando em transformar a sala de estar em um bar, para não ficar subindo e descendo com bebidas e salgadinhos. (Júlio, 67, Casa Cor). Urgentemente me mudar desta casa. (Aneci, 50, Casa Moema). Readaptar os espaços da área de serviço. Com certeza iria melhorar muito o desconforto de viver amontoado. Ou, a outra opção é se mudar com urgência. O meu sonho é ter cada cantinho da casa, cada ambiente com uma temática diferente, ou de acordo com o meu espírito. Gosto de cores, luz, muita luz. A primeira coisa que vejo no colégio das crianças é a iluminação do ambiente, se é boa, se tem muito colorido. Cores. Não gosto de ambiente de cor neutra. O meu room-office é de cor neutra. Vou mudar a cor dele. Adoro ambientes com muito colorido, muita luz. Tanto arquitetonicamente falando, quanto espiritualmente falando. (Laulena, 60, Casa Moema). 363 Comprar urgentemente uma casa, mas enquanto isso não ocorre, eu gostaria que o senhorio permitisse reformas no espaço, na área externa, nos fundos da casa. Aí sim, melhoraria muito essa sensação de sufocamento. (Jaci, 59, Casa Moema). A minha casa não tem o que mudar. A única adaptação ou readaptação que foi realizada foi o quarto de hóspedes ser transformado em quarto para a minha neta Sanya. Mas pretendo, sim, morar mais próximo da minha filha Najla em um apartamento menor. Este é muito grande para mim, Omã e as duas trabalhadoras. (Nair, 65, Casa Shangri-lá). O quarto do meu neto que é muito pequeno. O resto está bom. (Zelita, 80 anos, Casa Vale). Adoro esta parte de quebrar, destruir e transformar o espaço mais a ver com a pessoa. Quase uma matemática. O que você quebra e o que você abre. O que você integra e o que você protege. Que busca você trás. Então, a parte que mais gosto é transformar o espaço. Eu amo esse lugar aqui. (Bel Lobo, arquiteta, Rio de Janeiro, se referindo ao seu apartamento no Leblon. Entrevista a Casa Brasileira, Temporada). Estou muito feliz. Agora é a minha casa. [está se referindo a uma casa que comprou com área verde em seu entorno] Luz para mim é muito importante. Na hora de fazer os meus espaços de casa eles vão sendo construídos aos poucos. Vou descobrindo os lugares das coisas. Eu sou aquela que empurra os móveis. Tenho uma hérnia de disco em virtude de tanto mudar os móveis, desde pequenininha. (Bel Lobo, arquiteta, Rio de Janeiro, Casa Be. Bo. [Entrevista a Casa Brasileira, Temporada 2014). Gosto do meu apartamento, mas se pudesse, gostaria de ter vários ambientes montados por mim que eu pudesse usufruir dele. Hoje estou a fim de curtir este ambiente clássico. Então vou curtir esta minha sala. Queria ter condições de montar vários apartamentos para passar um tempo num, um tempo noutro. Gosto disso. (Carlos Nery [pseudônimo], Designer de interiores, Natal. Cursou arquitetura até o 5º período e pensa em retornar ao curso. [Entrevista cedida à pesquisadora em 2014]). A sala de estar que fica num nível mais baixo do que a sala de jantar. Só quem usa são os não muito íntimos. A nossa intenção é de colocá-la perpendicular a sala de jantar. Os janelões dela são extremamente trabalhosos. Tenho que subir no sofá para alcançar. Outra alteração é o salão que fica no subsolo. Ali vamos colocar uma área para espaço gourmet para não ter que subir e descer com louças. Estas á mesmo serão usadas, lá mesmo ficarão. (Regina, 66, Casa Cor) 364 Retomando os comentários sobre desejos, expectativas e necessidades para os arquitetos e designer de interiores 143 não só quando projetam para clientes das camadas sociais abastadas, mas para os seus projetos particulares: “Conforto, praticidade e funcionalidade” seriam os guias para a arquiteta Jóia Bergamo quando projetou o seu apartamento em São Paulo. Ela começou do zero, sem móveis, eletrodomésticos, objetos ou mesmo roupas de cama, antigos. O apartamento em estilo contemporâneo minimalista, onde o menos é mais, ela priorizou o conforto, pois “queria um espaço perfeito para receber os amigos e dar festas. A idéia era fazer uma mudança radical.” Depoimento à revista/blog/site Delas.ig.com.br. Já para o arquiteto/designer de interiores Oskar Mikail: Coloquei, literalmente, uma casa colonial brasileira abaixo. Aproveitei poucas paredes. E a transformei em uma casa neoclássica na parte da arquitetura exterior e remodelei na parte interna [...] A marca do meu trabalho é a mistura de estilos. Misturo o contemporâneo com as várias épocas de estilo clássico: objetos e mobiliários com estilos francês, belga, do século XVI, com estilos da década de 1920. [O que nunca faltaria em sua residência: um lustre de bronze do século XIX. Para onde se muda o leva e a primeira coisa que faz é medir o pé direito para ver se o lustre cabe]. (Oskar Mikail, entrevista concedida a Jóia Bergamo, 03/10/2003. [grifos meus]. Pé direito alto, que tenha certa tradição. Quando soube que o apartamento do Biarritz estava à venda, assim é que o adquiri. Já conhecia, porque vinha a muitas festas aqui. (Lourdes Catão, socialite e decoradora e moradora do Edifício Biarritz, RJ. [Entrevista cedida à Casa Brasileira, Temporada 2014]). A casa tem que abraçar. A casa tem que te acolher gostoso prá você não ter vontade de sair. A gente sai tanto, anda tanto, trabalha tanto, que quando chega em casa diz: vou ficar. (Sig Bergamin, arquiteto [Entrevista cedida á GNT]). 143 Arquitetos e designer de interiores que possuem sites e produções em nível nacional e internacional. 365 Para arquitetos e designers de interiores. [Como você pensa a casa e sua relação com os moradores? O projeto tem muito de si ou você trabalha com a essência do que o morador quer?]: [...] A casa tem que retratar o estilo de vida da família e hoje, com toda a correria, temos que potencializar o tempo escasso de bom convívio com a família e os amigos. A cor é outro elemento fundamental. No Brasil, as cores são realmente uma questão de identidade. Temos um repertório enorme e colorido, que vem da própria natureza e da diversidade cultural [...] Além disso, o improviso também é algo que me fascina. O pensamento simples e autêntico permite reinventar-se todo dia [...] A casa deve retratar a multiplicidade que transita pelas emoções e desejos do morador. Isso deve se sobrepor às tendências meramente decorativas. Sem essa característica, tudo fica pasteurizado. A idéia é que alguém entre em sua casa e sinta que ela tem a ver com você, não importa se é moderna, clássica, feia ou bonita. (Marcelo Rosenbaum, Designer de interiores, São Paulo, em entrevista a Casa e Jardim Online). No mundo vc tem: Sujeito interfere no objeto. (Weber=Corbusier); Sujeito sofre interferência do objeto (Durkheim=Lloyd Wright). O objeto interfere no sujeito (Marx). São três posições. Marx que diz que é em função da classe dominante. Você faz uma casa dada pelas condições históricas. Quando faço um projeto eu pego um programa. Porque o fundamental é o programa. O que é o programa: o que é que vc quer na sua casa? Como Jaime Lerner diz: qual é o seu sonho? Então, o cara me dá um programa. Em cima do programa vou projetar. É quando começo com minhas interferências. O cliente me diz: quero construir a casa com todos 400 m², por exemplo, aí eu digo ao cliente que não faço e explico as razões. Isso é Marxismo. Eu não vou dizer como o cliente vai morar. Você vai morar assim! (isso é Corbusier); já Lloyd Wright diz o contrário, para ele o que é muito importante é a visão do morador, este é quem vai dizer como quer a sua moradia, como quer morar. Na minha visão marxista eu tenho que organizar como o morador quer. O morador vai dizer como quer. Mas o morador não sabe o que é arquitetura, esse é o meu papel. Chegam os moradores e cada um diz o que quer, cada um dá pitaco. Só que, por exemplo, eles não sabem que lá embaixo tem um problema estrutural, eu estou colocando a parede assim para ser mais barato, tem um problema de ventilação natural, uma série de coisas. Aí é que eu entro com o meu conhecimento específico e atendendo aos pedidos dele. Ou você faz obedecendo Corbusier, ou isso aqui ou você não sabe coisa nenhuma. Isso é como a política. Não adianta você fazer um projeto com um prefeito do PSDB se você pensa como o PT. Ou vice-versa. Não vai dar certo. Você tem que ter uma sensibilidade muito grande de lidar com essa diferença pra fazer o seu projeto. (Ronald Góes, Arquiteto, Natal [Entrevista cedida à pesquisadora, 2014). Se eu for fazer um número de perguntas, de cara, que eu tenho que fazer a uma pessoa sobre uma boa casa a pessoa vai embora. O cliente vai dizer esse cara é um chato. Ver a pessoa feliz dentro de uma casa é muito bom. Uma das coisas mais gratificantes é isso: como o proprietário assumiu a casa, 366 como gosta da casa, como a casa dá prazer pra ele. (Índio da Costa, Arquiteto. [Entrevista cedida a série Casa Brasileira, Temporada 2012). Procuro valorizar a qualidade do espaço e a qualidade do conforto. (David Bastos, arquiteto). Aprendi muito nesta casa [se referindo ao escritório que compartilha com o marido, também arquiteto Fernando Nery]. Você aprende usando o espaço, a experiência arquitetônica, vivência arquitetônica, faz você aproveitar e aprender com ela. Em termos de vão, iluminação, espelho. Eu tinha uma coisa com espelho. Hoje em dia adoro espelho. Porque espelho vira mágica. (Bel Lobo, arquiteta, Rio de Janeiro. [Entrevista cedida à Casa Brasileira, Temporada 2014). Quando sou contratado para fazer o serviço, o primeiro passo é conversar com o cliente para saber as idéias dele, o que ele imagina, o que ele gosta, as cores, o estilo, tudo isto tem que ser em comum acordo para que seja feito um projeto. Mas, de antemão, o que eu vejo nos projetos que fiz sempre tem algo de mim. Saio com o meu cliente, ou minha cliente, para escolher o estofado. Eu sei o estofado ideal para aquele local e sei a idéia mais ou menos do cliente. Mas se eu colocar a vista no estofado que acho que é bonito e sei que é o ideal para o ambiente que está sendo decorado, eu dou a minha opinião. Tenho certeza que a minha opinião induz o cliente a tomar a decisão e fazê-lo comprar a minha idéia porque sei que é o melhor para o ambiente. O que acho que seria melhor para compor mais. Procuro ouvir os próprios vendedores. Pergunto ao vendedor do momento se o que estou levando, ele gostaria de levar para a sua casa. [Intervenho. Quer dizer que quando você pensa no cliente, você pensa em você também?]. Não é que eu pense diretamente, mas é como se fosse para mim. Da mesma forma que vou querer está satisfeito, eu vou querer ver o meu cliente satisfeito da mesma forma. Para o meu cliente está satisfeito eu tenho que está satisfeito também. É uma iluminação que está focada para aquele vaso que tenha um significado para mim. É um sangue de Boi, que tenho e tem que ter uma luz direcionada pra ele. É uma porcelana chinesa, em cima de um móvel chinês. Mas antes eu rabiscava, idealizava para ver como ficaria. Da mesma forma eu faço com o cliente. Eu penso que por mais experiência que tenha o arquiteto, ou Designer de Interiores, ele tem que ter o bom gosto dele para influenciar. [Intervenho novamente: tem arquiteto que não se preocupa muito com estética, ele se preocupa mais com conforto]. Também tem isso, mas temos que juntar os dois, tanto o conforto, quanto estética. [Tem cliente teimoso? Intervenho novamente]. Tem. Eu tive uma cliente que tem muito dinheiro, me contratou para decorar o seu apartamento, que eu não queria. Eu dizia: não combina. Ela teimava. No final eu fazia o que ela queria, porque o dinheiro era dela. Por exemplo, queria que eu colocasse um chachim com plantas artificiais penduradas no chachim. Eu trabalho com plantas naturais. Eu dizia: não combina, mas se a senhora que colocar este chachim com plantas que sejam plantas naturais, vai entrar na sua casa a natureza vai criar um novo ambiente. Mas resumindo: depois que terminei o trabalho, quando fui a um churrasco lá estavam, não só um chachim, mas vários. Olhei e disse: meu Deus, não fui eu que fiz isso não. Coisa do tipo. (Carlos Nery [pseudônimo], Designer de interiores/Natal. Cursou arquitetura até o 5º período e pensa em retornar ao curso. [Entrevista concedida à pesquisadora em 2014. Grifos meus]). 367 Quando o cliente sabe o que quer, são pessoas antenadas, bem resolvidas e conseguem transmitir pra você exatamente os pontos, os detalhes, o conceito do projeto fica mais fácil de trabalhar. Tem canto que fica mais a minha cara. [Ana Lucia assim se refere aos seus projetos]: nosso trabalho tem um diferencial. Nós priorizamos o design. Toda marcenaria tem uma razão de ser e um ar particular que dá um toque especial. É diferente comprado em uma loja. (Gérson Dutra e Ana Lucia Salama, Arquitetos. [Entrevista concedida a arkiedias TV]). Para o designer Marcelo Rosenbaum estilo de vida , cor e improviso são elementos levados em conta quando projeta decoração de interiores. [O que não deve faltar em uma casa? O que é sagrado pra você na sua casa?]: Da família sobrou o que tem mais memória. Eu gosto desta tradição, são pedaços de mim. Eu viajo para voltar para casa. (Costanza Pascolato, Consultora de moda). Flores. Para mim uma casa sem flores, é uma casa sem vida. (Violeta, 61, Casa Trevo). Amor, claridade, cores e alegria. (Nair, 64, Casa Shangri-lá). Objetos. Você tem uma história com os objetos. Você descobriu. Você trouxe. Eles fazem parte da sua vida, de lugares que você conheceu, são mimos que você ganha. Uma espécie de museu do universo ou afetivo. Eu gosto de ter objetos perto de mim, pode ser lápis ou canetas coloridos, a cabine telefônica de Londres com seu vermelho vivo, o casal de cangaceiros Lampião e Maria Bonita que ganhei do meu sobrinho. Conquanto seja colorido, tenha o lado afetivo e memória. Infelizmente devido às inúmeras mudanças e por falta de espaço tenho perdido muitos e apinhados em caixas tenho um bocado. (Laulena, 60, Casa Moema). Eu e o Marcos desenhamos um paisagismo super básico. Tem um espaço que vai ficando sagrado com tanto tempo que estou aqui. A minha vida está toda aqui. (Marlene Milan Acayaba, arquiteta, São Paulo, entrevista à Casa Brasileira, Temporada 2014, episódio se referindo ao paisagismo no entorno de sua casa). Amor, compreensão. Limpeza. A única coisa que eu me preocupo na minha casa não é luxo. Tudo o que eu visualizar deve está no lugar. [intervenho: O que você não abre mão? A sala de jantar, os lustres que foram dos meus pais que eles adquiriram nos cinqüenta anos de casado deles. Cada detalhe lembra eles. Eu gosto de ter aquela coisa que se identifica comigo. (Regina, 66, Casa Cor). 368 A minha coleção de livros. Tenho quatro mil livros. Eu viajo nos livros. (Marco Roiter, pesquisador, Rio de Janeiro). Comida franca! É muito importante. Além de franca tem que ser de qualidade. (César, 60 anos, Casa Andarilha). Finalmente [O que significa casa para você? o que você procura em uma casa?]: Aconchego... amor...refúgio. Onde a alma descansa quando o físico está cansado e vice-versa. (Nair, 65, Casa Shangri-lá). A casa conversa muito com a criança que está dentro de você. Eu vivi sempre perto de mato. Sou de Juiz de Fora. E acho que essa minha vontade afetiva de está perto do verde foi correspondida com esta casa. A casa tem que ser naturalmente bela, mas também tem que ser prática. E a minha casa é o que os arquitetos normalmente não fazem: ARTE. A minha casa é super moderna. É feita de estrutura metálica, pouca alvenaria. Foi feita pelo arquiteto Índio da Costa de uma maneira muito objetiva e inteligente. (Ana Carolina, cantora, [Entrevista concedida à Série Casa Brasileira, Temporada 2012]). Tudo! Pra mim casa é família. E família representa tudo. E casa é tudo pra mim. (Regina, 66, Casa Cor). Para mim é principalmente se reconhecer no espaço que se vive. Ter ao redor a memória afetiva da sua história, aconchego e bem-estar. O "morar bem" deve ser interpretado como a possibilidade de inclusão da própria história no ambiente. A casa deve ser o elemento capaz de destacar as raízes culturais, a memória pessoal e elevar a autoestima. (Marcelo Rosenbaum, Designer de interiores, São Paulo, em entrevista a Casa e Jardim Online). Eu vim de uma casa onde a família era acolhedora. A casa tem que dar a sensação que eu goste de encontrar as pessoas. Adoro flores. A casa tem que esta sempre florida. Adoro comida baiana. O café da manhã é tapioca. (Lenny Niemeyer, ) Casa é aonde você quer chegar e desligar. Tirar os sapatos, se encontrar com as pessoas. Tem que ter esta pegada de te acolher. (Dado Castello Branco, arquiteto, SP, entrevista a Casa Brasileira, Série Casa e Jardim. Temporada 2014). Eu tive que reproduzir a casa em que nasci. O chão de madeira, pé direito alto, as telhas. Tudo é afeto. Eu preciso de uma cozinha de vó. Andar 369 descalça e não quebrar nada. Eu tive uma infância fabulosa e tenho uma necessidade afetiva de casa. A mesa colonial portuguesa, original. Como tenho senso estético, trabalho com a arte, assim como faço com a música: unir tudo que amo. Eu sou a Bahia e trago ela comigo. (Daniela Mercury, cantora baiana [em entrevista à Casa Brasileira, 3ª temporada, episódio Bahia]). Casa é a transmissão de uma simplicidade. É a manutenção de uma intimidade. Comporta coisa que envelhece com dignidade. Arquitetura é uma coisa fundamentalmente humana. (Jorge Hue, arquiteto, [Entrevista cedida à Casa Brasileira, Terceira Temporada]). Concluindo, os depoimentos aqui citados refletem a diversidade de apreensão dos modos de morar dos brasileiros na contemporaneidade. Com certeza, opiniões das mais diversas sobre o que significa morar para famílias intergeracionais, tanto de dentro da casa para fora, como de fora para dentro da casa. A hipótese de trabalho encontra -se comprovada, mas não de maneira uniforme. Há, portanto, um vasto campo de reflexão que se abre, sugerindo maiores investigações junto a essas famílias. Principalmente quando os idosos, aqui autônomos, e donos de suas trajetórias de vida, encontram-se na fase mais difícil da velhice, tornando-se dependentes daqueles que contribuíram a ajudar. Neste caso, vislumbra-se uma séria alteração das relações de poder dentro das famílias, hoje em equilíbrio precário entre desejos dos mais novos e necessidades dos mais velhos, entre sonhos acalentados na velhice e ambição de autonomia da juventude. 370 5 REFLEXÕES SOBRE PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES DOS PADRÕES DE MORADIA E MODOS DE MORAR DAS FAMÍLIAS INTERGERACIONAIS Uma ideia é um ponto de partida e nada mais. Logo que se começa a elaborá-la, é transformada pelo pensamento. (Picasso) Um marchand em visita a Picasso, no momento em que este estava pintando um quadro, disse: “quando você concluir este quadro gostaria que você me vendesse”. Picasso se virou lentamente, daquela forma que lhe é peculiar e retrucou: “no dia que eu concluir uma obra, eu morro”. (Filme: os Amores de Picasso). Concluir esta tese tem, para mim, o mesmo significado que um quadro tem para Picasso, porque, ao mesmo tempo em que os quadros, do falecido pintor são inconclusos, são atemporais. Não pretendo chegar tanto no que se refere à atemporalidade ; mas a impossibilidade de concluir significa que estou fugindo das abordagens definitivas. Abro apenas um parêntese, pelo simples fato de que estou com a sensação de que algo ficou para trás. Apenas isso. Apenas reflexões sobre as permanências e transformações dos padrões de moradias e modos de morar das famílias nos três últimos séculos. Quiçá estas reflexões despertarão mais questionamentos do que respostas. Apenas uma contribuição a mim mesma, ao Programa de Pós - graduação em Arquitetura e Urbanismo e aos estudos da área histórico - sociantropológica. 371 Para ambas as áreas uma releitura histórica do morar no Brasil é bastante pertinente por considerar que o campo da história antropológica, sociológica e arquitetônica da casa brasileira é um campo que necessita ser aprofundado. Inicio pelos padrões de moradia . Apesar de ricos em dados e detalhes, os estudos da leitura histórico -arquitetônica da habitação no Brasil , em especial as das camadas sociais mais abastadas, têm se mostrado, além de contraditórios, bastante dispersos no tempo e espaço. O pesquisador precisa ter leitura do conjunto das obras, par a identificar que há significativas diferenças entre os padrões de moradias, nas regiões do Brasil , assim como da área rural e urbana. Complementam o diferencial os fatores culturais, econômicos, ambientais e outros, como o status social, por exemplo. A fa lta destes pesa muito, dificultando identificar as diferenças não só dos padrões como dos modos de morar. Incluo aqui, pelo menos três observações, entre tantas, que me causaram tanta inquietação: Primeiro. A percepção inicial que tinha de que o modelo d e Casa-Grande era único e universal, quando na verdade existiram variações. As primeiras casas -grandes tinham um ar mais de fortalezas, espaços grandes e sem divisórias, semelhantes às ocas coletivas, típicas das habitações indígenas e não do modelo europe u lusitano. (ANDRADE, 2012). O modelo que se tem da região de Pernambuco, em particular os engenhos, onde as casas-grandes comumente se situavam se resume nas três décadas do século XVII (período holandês de 1630 - 1654) e por todo o século XVIII. Os período s anteriores, antes da invasão holandesa, sobre o que restara dos engenhos fora destruído pelos invasores o que tem dificultado em tipificar a arquitetura até nossos dias. 372 Ao longo dos três últimos séculos, o ecletismo tanto nas formas, como nos modos de morar, foi uma característica muito presente nas moradias brasileiras. Uma mistura de padrão europeu (português, francês, inglês, italiano e alemão), oriental e certa brasilidade, também com seu ecletismo regional; demonstração de resquício da colonização. Avanço e recuo. Segundo. O hábito de comer fora não mudou muito nos três últimos séculos. A diferença do século XIX em relação aos séculos XX e XXI é que não se tinha o hábito de fazer da rua o seu modo de vida , como comer em fast food, por exemplo; ou fazer dos produtos pré-preparados ou prontos para o consumo – encontrados nos supermercados – o hábito alimentar de boa parte das famílias. O mesmo se dá com os horários de refeições. Neste item observou-se que há desencontros de informações entre os viajantes que por aqui estiveram no século XIX; fica a suposição que estes (horários) dependiam do status social, profissão e horário de trabalho do chefe de família. E fica claro, mediante estas constatações que os horários variavam não se constituindo um padrã o. Acreditava-se que seriam os relógios das repartições e o toque dos quartéis que marcavam o tempo de cada um e não o sino de Aragão . A opção que mais se encaixa, e ao mesmo tempo não invalidando nenhuma, é que a administração pública contribuiu para alterar o modo de vida do brasileiro, sim, quando instala horário de funcionamento das repartições e influencia nos novos horários das refeições, nos transportes, na seleção das zonas residenciais. Mas, que fique claro, de acordo com observações, parece que não afetou parte da classe abastada brasileira. 373 Terceiro. Em virtude dos rearranjos do espaço em função do tempo e das necessidades básicas dos moradores de uma casa intergeracional, reitero a dificuldade que os arquitetos têm em questionar o modelo tradicional de tripartição dos espaços. Nas observações acerca do morar das famílias intergeracionais esta tripartição só funciona como modo de visualizar e compreender o cotidiano. Seu potencial explicativo é limitado porque se dilui nas práticas históricas cotidianas e na decadência/emergência de determinados espaços. Será que a funcionalidade de determinados espaços não precisaria ser redimensionada em função do suporte tecnológico ou ambiental, considerando onde quer que o indivíduo se encontre está o habitat e suas funções? Observações à parte, no sentido histórico -socioantropológico e arquitetônico, as permanências e transformações dos padrões de moradia e modos de morar das famílias intergeracionais assim se resumem: Na contemporaneidade, em função das at ividades que são desenvolvidas nos lares intergeracionais, em espaços considerados não tradicionais, ou não destinados para uma determinada atividade, torna - se impossível setorizá-los com rigorosa gramática. (DA MATTA, 1987). O que se denomina, por exemplo , como espaço íntimo e espaço social , tanto nos séculos anteriores quanto na contemporaneidade, não tem mais sentido porque muitas das vezes aquele espaço que era destinado somente para uso social é também utilizado como espaço íntimo , a exemplo dos gabinetes , sala de estar e quarto de dormir . Responsáveis pela superposição de funções do espaço doméstico, na contemporaneidade, além dos novos hábitos e costumes diferentes entre gerações, estão incluídos o uso intensivo do espaço urbano e a valorização descontrolada do metro quadrado. (CAMARGO, 2010). Monitorados pela especulação imobiliária, em particular apartamentos 374 das camadas sociais média-alta, tiveram suas áreas externas ampliadas em detrimento das suas áreas úteis. A setorização secular da habitação burguesa, até então adaptada a realidade brasileira, foi adotada nos apartamentos contemporâneos. Onde os espaços se encontram cada vez mais reduzidos em função da estanqueidade funcional que entra em conflito com a crescente demanda por privacidade dos mora dores. Além do que o quarto de dormir, que deveria ser aquele espaço íntimo, privado e individual, se tornou arena de disputas não só entre os próprios moradores de gerações diferentes, como disputa com equipamentos e itens de mobiliário, além do necessári o num quarto de dormir, como por exemplo: estantes, mesas de trabalho, aparelhos de som, computadores, outrora com espaços exclusivamente destinados para tal. (TRAMONTANO, 2007). Confirma-se absurda e intensa sobreposição de funções no espaço doméstico con temporâneo. Não importa se o tamanho do apartamento “tem tendência a diminuir”, se satisfaz ou não, em sua totalidade, as necessidades do morador: se 98m² realmente acomodam famílias com gerações heterogêneas; se uma família com cinco pessoas, por exemplo, está acomodada de forma confortável. Para o investidor e o agente imobiliário que o representa, a localização (de preferência bairros como Tirol e Petrópolis em Natal; Barra da Tijuca, Rio de Janeiro) e os itens de lazer, como piscina com raia semi-olímpica, com SPA integrado, sauna, academia, quadra de squash, salão de festa e jogos, kids room, quadra poliesportiva (a exemplo do Residencial Manhattan em Natal; Condomínio Península na Barra da Tijuca -RJ) é que prevalecem. Assim constroem-se apartamentos com menos cômodos, e custos elevados, somados aos custos da futura decoração que é funcional. Adaptação ao apinhamento não só de objetos, mas de pessoas é o que está ocorrendo nos espaços intergeracionais, independente de tempo e lugar. Pois as famílias não têm outra opção porque os responsáveis pela construção de espaços residenciais, especialmente em 375 finais do século XX e início do século XXI, não têm se preocupado com os desejos e necessidades e bem-estar dos moradores. São espaços edificados porque economicamente rentáveis. Superposição de funções nos espaços residenciais sugere falta de espaço. Estamos em uma sociedade que cultua a individualidade/privacidade e conforto , então, não tem sentido que áreas sociais e circundantes (de condomínios fechados ou condomínios clubes) sejam em número e dimensões maiores do que a área reservada ao espaço de moradia, espaço íntimo (quarto de dormir), por exemplo, campeão de reclamação de todos os sujeitos e não sujeitos da pesquisa. Para todos os entrevistados e co-habitantes intergeracionais, quartos individualizados e com tamanhos/padrões que atendam as suas necessidades é a expectativa e sonho de cada um. Associam inclusive privacidade com conforto. A percepção de cada morador entrevistado é que as atuais formas de co-habitação, com espaços reduzidos, não têm o jeito de cada um , em virtude das necessidades básicas e especiais de cada geração. Somente os que têm as residências projetadas, ou reformadas, por arquitetos, e cada cômodo idealizado para responder as neces sidades da família, não tem este tipo de reclamação. O quarto de hóspede, por exemplo, ou do filho, ou da filha, que não mora mais com os pais é um cômodo presente em algumas residências devido ao hábito de receber visitas, amigos e parentes. As demais res idências, mesmo sem espaço, têm o mesmo hábito, porém, distribuem os familiares da casa em sala de estar, no quarto de outro morador, contanto que deixe o hóspede bem acomodado. Este tipo de comportamento reflete a hospitalidade brasileira presente em todas as residências intergeracionais selecionadas para estudo. Os efeitos das mudanças de ordem demográfica e socioeconômica, os eventos de trajetórias de vida (fecundidade, 376 mortalidade, casamentos, relacionamentos e separações conjugais com divórcio, ou não, guardas alternadas dos filhos, desemprego/ emprego na mesma cidade, ou fora, longevidade dos idosos, cuidados com os idosos que estão com grau de vulnerabilidade) no campo da habitação e na organização do grupo doméstico e conseqüentemente no agenciamento de seus espaços de habitar são os mais diversos: A co-habitação intergeracional pode ser interpretada como fruto da persistência de um déficit habitacional (48,5% em Natal e Rio de Janeiro 39,1%), do ônus excessivo com o aluguel (40,3 %, Natal e Rio de Janeiro 46,2%). (IBGE, 2010); ou dificuldade de compra de uma unidade residencial, que penaliza, sobretudo, os mais jovens, entre 21 e 30 anos (alguns deles já chefes de famílias secundárias, que co-habitam com pais ou avós). Embora pretendam ter seu própri o domicílio, apontam a falta de recursos financeiros como principal empecilho para sair da casa dos pais, avós ou tios-avós. Portanto, em se tratando do chefe de família secundária torna-se mais difícil para ele desprender-se radicalmente da co-habitação intergeracional, seja por falta de alternativa, seja por necessidade de assistência aos pais idosos. Há os que, para não ficarem de forma permanente em situação de co-habitação, apelam para a conexão tanto permanente como temporária: são as gerações mais novas que passam os dias nas casas dos pais, avós, tios-avós, enquanto os pais saem para trabalhar. Em relação aos idosos, a co-habitação sentida como penalidade fica por conta da falta de conforto e sossego e dos gastos financeiros decorrentes das necessidades de todos. Os idosos acabam se envolvendo nos problemas das famílias secundárias ou terciárias; os espaços ficam desplanejadamente ocupados, e muitas das vezes estes (os idosos) cedem os seus próprios cômodos de dormir quando têm que optar entre ele próprio, sozinho, e a família do filho, neto ou sobrinho, com sua família de duas ou três crianças. Além de perniciosa, esta 377 situação gera conflitos resultantes das condições de apropriação do espaço do idoso por gerações mais novas e conflito no âmbito fam iliar. Quando se multiplicam os grupos domésticos em reduzidos espaços, a convivência com gerações cria um ambiente propício a solidariedade intergeracional. Apoio intergeracional/intercâmbio social via arranjos familiares, tem sido bastante utilizados tam bém como estratégia de sobrevivência em que a família intergeracional se utiliza de uma rede de trocas onde tudo se faz em função da necessidade do outro. Esta rede costuma surgir em momentos em que os conflitos entre gerações se manifestam com maior intensidade. Os eventos são muitos: quando os filhos/sobrinhos deixam a casa para trabalhar fora; quando perdem emprego; no momento do casamento; no momento do divórcio, ou separação quando estes retornam ao ninho vazio ; quando estes não retornam ao ninho vazio, mas apelam para a co-habitação em conexão. Este fato é típico quando netos e/ou sobrinhos-netos permanecem na casa dos avôs, ou tios -avós, durante o dia, mas à noite retornam às suas residências com seus pais. Outro evento importante é quando os filhos devem assumir os cuidados com os pais na velhice, o que se traduz em conflitos do tipo quem vai morar com quem. Neste caso, costuma-se estabelecer uma estratégia de rodízio entre filhas e parentes, sendo ainda raros os casos em que homens assumem os cuidados permanentes com os pais idosos. Nas famílias intergeracionais estudadas, os idosos, em se tratando de renda, estão em melhores condições de vida do que os demais membros das famílias. Principalmente em relação aos mais jovens que experimentam dificuldades em relação ao mercado de trabalho e ao acesso à moradia própria. Mesmo aqueles jovens que não dependem integralmente dos idosos (no aspecto financeiro), ainda assim, estes (os idosos) apresentam um rendimento maior do que 378 àqueles ( jovens) e contribuem significativamente na renda das famílias ou de parentes com menor poder aquisitivo (tios, irmãs, sobrinhos, afilhados). Quando não dependem financeiramente, dependem dos “serviços” que os familiares, especialmente os idosos, que ficam com os filhos daqueles que saem para trabalhar. Resultado: todas as famílias selecionadas têm rendimentos bastante elevados, mas as que co-habitam de forma permanente/conexão apresentam um padrão de vida e moradia abaixo dos seus rendimentos. Resultam moradias com o mínimo de conforto, ou nenhum, dependendo da percepção de alguns entrevistados. Vivem ou co -habitam em permanentes estratégias de sobrevivência , ou de arranjos domésticos para que todos fiquem em harmonia embora de forma não planejada. Na verdade, tanto os jovens, como os idosos e crianças experimentam situações geradoras de permanentes stress que alternam com momentos de pura gratificação especialmente para os idosos e crianças. Recorrer à co-habitação seja permanente, provisória ou em conexão para superar as dificuldades financeiras, o que é uma característica tipicamente de família pobre, ou de camada social mediana (SARTI, 2005; FONSECA, 2002) está ocorrendo com famílias de camada social média-alta e alta. A conexão nestas famílias intergeracionais da camada social alta se dá por questão de acomodar melhor as crianças e não por necessidade financeira, vislumbrando uma forma de rede de apoio diferente da usada pelas camadas pobres. A co-habitação em conexão apresentou-se como fenômeno tipicamente contemporâneo dando suporte a uma rede de apoio intergeracional. Este tipo de rede não se vislumbrava no século XIX já que a mãe tinha o costume de entregar a criança a uma escrava para cuidar e quando esta começava a incomodar o conforto da senhora era despachada para um internato/escola (KIDDER, 1941). Somente no início do século XX, os avós de famílias populares assumiram com 379 maior frequência os papéis dos pais nos cuidados cotidianos às crianças (FONSECA, 2002). O diferencial entre os avós dos séculos XX e XXI, dentre os de camadas sociais populares e camadas sociais mais abastadas, é que aqueles recebiam “benefícios especiais ao cuidarem dos netos” (FONSECA, 2002, grifos meus ) e assim consolidavam sua posição na rede de parentesco. Enquanto hoje, os idosos contemporâneos e de camadas sociais mais abastadas geram benefícios por conta dos serviços e apoio financeiro, possibilitados pela conexão cotidiana. Assim, o ciclo co - habitacional intergeracional tende a se fortalecer e ampliar uma vez que noções como obrigação, apoios intergeracionais e afeto se sobrepõem no âmbito da casa através de uma rede familiar que extrapola o limite da casa e faz do idoso (avó/avô, t io/tia) um polo de estabilidade familiar como forma de garantir a continuidade da instituição familiar e a perpetuação das relações afetivas ( ATTIAS-DONFUT e SEGALEN, 1998; VITALE, 1999). Pensar que idosos cuidando dos netos ou sobrinhos netos fosse prerrogativa das classes menos privilegiadas, ou de famílias populares, foi o resultado inusitado deste trabalho ao se deparar com famílias intergeracionais de camadas sociais média -alta e de alto poder aquisitivo formando um par educacional ou provedor mediado, ao compartilhar com seus filhos, netos e sobrinhos a convivência e educação das crianças, adolescentes e jovens. Se os avós idosos têm sido considerados à margem das redes de relações familiares por séculos, o que dizer do tio, mais precisamente da tia, outra vítima nesta rede intergeracional? Na pior situação possível, como se coloca Quintas (2008) , largadas no porão do esquecimento, como tralha inútil . A ideia de que tios solteiros (contemporaneidade) e tias solteiras (desde sempre) são desocupados , portanto, podem fazer, têm 380 que exercer suas funções e não papéis sociais de relevância parecem ser resquícios dos modos de morar na Casa-Grande. Ligadas a casa, numa proporção excessiva, como sugere Perrot (2009), tias se fazem presentes no universo infantil da Europa do século XIX. Invisíveis no Brasil da Colônia até o presente, mas com menor proporção, a grande ma ioria, hoje, trabalha e tem renda própria, mas permanece dependente das e nas redes familiares. Foi observando as residências que constatei, também, algo que de início tinha escapado na investigação: não seria a família intergeracional que deveria ser investigada em cada residência; mas, as famílias intergeracionais em cada residência, haja vista que praticamente todas as residências observadas têm em seu espaço construído, entre duas a cinco famílias se inter -relacionando de forma permanente ou em conexão . O diferencial aí é que na camada social alta o fluxo intergeracional é do idoso para os filhos; e na camada social média -alta o fluxo intergeracional parte dos filhos para o idoso. Observa -se então, o favorecimento de duas categorias de co -residentes: famílias de idosos e famílias com idosos. Na realidade empírica prevalecem totalmente famílias de idosos. A conexão , por menor período de tempo que seja, transforma a rotina/dinâmica e o ambiente da casa receptora. Em relação à ótica relacional e espaço do i doso, identifiquei quatro formas de apropriações: Apropriação solidária quando todos os membros da família concordam com as perdas e ganhos do arranjo dos cômodos em favor do idoso, da criança ou dos jovens. Apropriação perniciosa ou silenciosa (quando o i doso aceita as mudanças que vão acontecendo; ou a apropriação “vai acontecendo” sem que o idoso perceba; ou se percebe silencia). 381 Apropriação dialogada/mediada quando se discutem as modalidades de apropriação do espaço chegando -se ao consenso. Apropriação autoritária quando as mudanças são impostas tanto em favor do idoso, como em seu prejuízo, ou bem estar. Das formas de apropriações identificadas as mais em evidências foram: a apropriação perniciosa ou silenciosa ; e a apropriação autoritária. A apropriação perniciosa ou si lenciosa acontece quando o idoso quer ou a apropriação vai acontecendo . Os casos em que esta forma acontece estão relacionados às distribuições dos quartos às vezes da casa toda. Quando a residência é do idoso a apropriação acontece de forma mais silenciosa e repetitiva, em pelo menos três lares observados. O filho ou a filha passa a morar com a mãe e aquele ambiente, antes preparado por ela e para ela , sofre transformações que não condizem mais com a realidade do idoso. Ambientes antes de corados com lembranças dos idosos são substituídos por decoração com imagens da nova família; ao idoso ou idosa resta apenas a suíte -de-dormir/espaço de dormir e as lembranças de imagens transferidas. A apropriação autoritária ocorre da seguinte forma: Quando esta é a favor do idoso ou da criança, por exemplo, a pessoa de referência, ou seja, aquela que responde por eles, trata de escolher o melhor para o idoso; mas há formas em que o espaço menor da casa, mesmo cercado de todo conforto, acaba destinado principalmente ao idoso, ou idosa. Os móveis, os santos, entre outros objetos afetivos, são relegados ao quarto de despejo, quando não, distribuídos entre parentes e familiares, à revelia da vontade da pessoa idosa. Constatou-se a perda do espaço religioso dentro da casa: outrora espaço sacralizado, hoje, praticamente inexiste especialmente nas residências recém-construídas ou quando apropriadas por gerações mais novas. 382 Necessário finalizar que quando se trata de pesquisar o cotidiano da família intergeracional alguns comentários dirigem-se à academia, principalmente no tocante as dificuldades ou facilidades de se trabalhar com o cotidiano de sujeitos tão conhecidos, especialmente os mais idosos: A primeira dif iculdade e/ou facilidade serve para todas as categorias de idade dos entrevistados: é a sensação de invasão de privacidade . Sensação que o pesquisador, não tão conhecido, não sente, pois este, por não ter qualquer vínculo, seja de amizade, por laços de família, ou seja, pelo simples fato de não ter qualqu er envolvimento com os entrevistados, talvez sejam indiferentes para o pesquisador o que impediria qualquer sensação de constrangimento. Por outro lado, esta sensação para o tão conhecido pode ser superada, em virtude da proximidade pesquisador e entrevis tado. Fácil, para não dizer excelente, no sentido de que a minha proximidade me deu o “livre olhar”, tipo olhar de bisbilhotice que sai observando tudo sem que a família perceba que está sendo investigada, conseqüência, evidentemente do cotidiano e do livre acesso do pesquisador, nas conversas do dia a dia. Isto é o lado fácil que nenhum desconhecido conseguiria. O lado dif ícil : o momento de tirar as fotos, especialmente dos ambientes íntimos (momento mais constrangedor para alguns enquanto outros abrem espontaneamente suas casas); fazer as entrevistas na etapa das questões de ordem pessoal, em especial as que tratam de renda e de problemas familiares que envolvem relações afetivas e de espaço. É como se diz... em um linguajar vulgar, pisar , l iteralmente, em ovos. Saia justa mesmo. Nesta etapa o pesquisador teve que sair de sua personagem científ ica , tirar a máscara de investigador, esquecer por um momento que está trabalhando em uma tese e deixar que a investigação corra livremente . Não sem antes considerar vários fatores, além do 383 entrevistado não querer responder determinadas perguntas ao pesquisador. O que poderia ser dificuldade para os não tão conhecidos nesta etapa foi bem mais fácil para mim, pois não tive àquela sensação de que vai atrapalhar quando o pesquisador questionar, por exemplo, a renda do entrevistado. Bastou chegar com jeito. Aqui valeu mais para o tipo de abordagem do que qualquer conhecimento a priori, já que com os tão conhecidos não foi preciso, evidentemente, de abordagem mais elaborada, tipo formal. Para os tão conhecidos a sensação foi bastante dúbia: difícil e ao mesmo tempo fácil , porque não precisava perguntar, já que tinha uma idéia, aproximada, de quanto ganhavam; mesmo que os entrevistados omitissem ou negassem sobre suas rendas , não me senti constrangida por não questionar porque sabia através de conversas informais, no cotidiano, que alguns, por exemplo, t inham outras rendas e o valor aproximado destas. De maneira geral, as rendas das famílias conhecidas são provenientes de trabalho, pensões, aposentadorias ou todas juntas. O pesquisador sabia disso e às vezes poderia ter forçado a barra e instigar a verdade por outras vias. Mas corria o risco de ficar com a sensação de que algo ficou para trás . Em todo caso valeu o feeling , experiência e uma carga de psicologia que o pesquisador experiente e conhecedor das famílias têm. A segunda dif iculdade foi de ordem temporal144, isto é, a pesquisadora teve que correr constantemente contra o tempo dos idosos . Em alguns casos meus sujeitos -atores morreram. Aqui registro três casos no momento da pesquisa de campo. 145 144 Segundo os manuais, quando escolhemos o período ou recorte do tempo, este não deve ser tão atual que evolua à medida que a tese avança (BEAUD, 1997). Para o caso desta pesquisa esta orientação talvez não proceda pelo simples fato de que estamos tratando com sujeitos que cronologicamente tem suas limitações,mas, se seguirmos as instruções ao pé da letra, então temos aqui um problema de ordem metodológica que vai depender da agilidade e tempo exclusivos dedicados aos idosos. 145 Uma família com a idosa-viúva que morava com uma das filhas, apesar de ter seu próprio apartamento. A outra, a matriarca da família, também viúva-idosa, morava com o filho, a nora e uma neta da segunda filha (Natal). E outra idosa que 384 Embora a pesquisa tenha dado prosseguimento, apesar do falecimento do membro mais idoso das três famílias, cada família continuou intergeracional pelo simples fato de que cada uma t em em seu formato, gerações de faixas etárias diferenciadas: idosos, jovens adultos, até mesmo bebês ocupando o mesmo espaço. No entanto, as minhas observações ratificaram um diferencial: quando a família intergeracional é de idoso, a sua relação com o espaço construído muda em relação à família intergeracional com idoso. Gostaria de acrescentar, ainda, apoiada em Camargo (2010), que o mais valioso da pesquisa nem sempre é revelado por aqueles que disponibilizam sua intimidade, por mais boa vontade e curio sidades que tenham. Pois “[.. .] o verdadeiro ato de habitar um espaço doméstico só pode ser conhecido, e bem conhecido, por aqueles que o fazem – e em privacidade, longe de olhares estranhos”. (CAMARGO, 2010, p.12). No entanto, há casos em que fui recebida , de camisola, pela dona da casa, em horário vespertino. Ou simplesmente convidada a entrar em seus recantos íntimos. Foi o aspecto positivo de se trabalhar com os tão conhecidos . Como forma de dar continuidade aos estudos sobre formas e modos de morar da família intergeracional, sugiro uma (re) visão dos estudos sobre a casa-grande brasileira relacionando-os aos diferentes modelos de casarão europeu e sua adaptação aos trópicos. A mesma consideração vale para os estudos sobre os condomínios residenciais de alta renda, hoje instalados em novos formatos (penínsulas). No intuito de viabilizar projetos de residências intergeracionais, concordo com o fato de que o envelhecimento da população não pode ser suportado sem tecnologia: a proposta de casa ideal para idosos que moram sozinhos é uma realidade (Veja, set. 2014), morava com uma das filhas ou em permanente conexão nas residências das outras filhas em (Natal e Fortaleza). Portanto, duas faziam parte de uma família com idosos e a outra fazia parte de uma família de idosos. 385 mas a reconstrução do espaço intergeracional requer alterações no tocante ao planejamento, construção e utilização do espaço construído e compartilhado com várias gerações, integran do o social com o tecnológico. Do mesmo modo é preciso questionar a história da família do idoso e com idoso enfatizando suas relações intergeracionais sob a ótica de gênero, pois as relações de gênero interpelam cada membro da família em relação às suas perdas e ganhos em termo de espaço e poder. Como o espaço cotidiano da casa foi apropriado pela família intergeracional ao longo de três séculos foi a maior contribuição da presente tese. Destaco a riqueza da convivência entre gerações, num determinado espaço, trazendo novos modelos de co -habitação, ao mesmo momento em que renovam antigas práticas sociais como mostrou a dimensão da hospitalidade e o fenômeno da conexão . Assim, o velho e o novo se entrelaçam não só em relação aos habitantes, ma s especialmente em relação ao espaço construído. O quadro, portanto, permanece inacabado. Abrindo -se o olhar desta pesquisadora para novas pinceladas sobre o universo da península ou do condomínio fechado, que ao longo dos séculos substituíram a casa grande. 386 REFERÊNCIAS A ABRAHÃO, Eliane Morelli . Morar e viver na cidade – Campinas (1850- 1900): mobiliário e utensílios domésticos. São Paulo: Alameda, 2010. AFONSO, A. I. Terra, Casa e Família: Valores em Mudança numa Aldeia de Terras de Miranda (Sendim, 1944/1994) . 204f. 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