UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ENSINAR/APRENDER A GOSTAR DE HISTÓRIA: SABERES DOCENTES E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO ESCOLAR COM PROFESSORES DE AREZ-RN DIEGO FIRMINO CHACON NATAL-RN 2013 DIEGO FIRMINO CHACON ENSINAR/APRENDER A GOSTAR DE HISTÓRIA: SABERES DOCENTES E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO ESCOLAR COM PROFESSORES DE AREZ-RN Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. João Maria Valença de Andrade NATAL-RN 2013 UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede. Catalogação da Publicação na Fonte. Chacon, Diego Firmino. Ensinar/aprender a gostar de história: saberes docentes e construção do conhecimento histórico escolar com professores de Arez-RN. / Diego Firmino Chacon. – Natal, RN, 2013. 211 f.; il. Orientador: Prof. Dr. João Maria Valença de Andrade. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. História - Ensino - Dissertação. 2. Professores interioranos - Dissertação. 3. Saberes docentes - Dissertação. 4. Conhecimento histórico – Prática – Dissertação. I. Andrade, João Maria Valença de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BCZM CDU 37:94 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ENSINAR/APRENDER A GOSTAR DE HISTÓRIA: SABERES DOCENTES E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO ESCOLAR COM PROFESSORES DE AREZ-RN DIEGO FIRMINO CHACON Dissertação aprovada em: ___/___/___ Banca Examinadora ______________________________________________________ Prof. Dr. João Maria Valença de Andrade (UFRN) ______________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Heimar Souto (UFS) ______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Salonilde Ferreira (UFRN) ______________________________________________________ Profa. Dra. Crislane Barbosa de Azevedo (UFRN) DEDICATÓRIA A minha mãe, Teresa Cristina, por me dedicar tanto carinho e tanta compreensão. Ao meu padrinho, Padre Valquimar, que me adotou como filho e me amou como pai. A Dinara Chacon, minha irmã e companheira de tantos sorrisos e tantas lágrimas. AGRADECIMENTOS Ao meu amado Jesus, por nunca ter me abandonado, À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro, durante a realização desta pesquisa. Ao Professor João Valença pelo exemplo de orientador e pela seriedade e comprometimento com que acompanhou a construção deste trabalho. À Professora Maria Salonilde, pelas sugestões valiosas para aprimoramento desta pesquisa, colocadas nos Seminários de Dissertação I, II, III e IV. Aos professores membros da Banca Examinadora, pela disponibilidade de participar conosco deste momento de diálogo e construção de conhecimento. Aos docentes do PPGED/UFRN pelos ensinamentos e colaborações transmitidos no decorrer desta formação acadêmica. Aos professores de História, definidos com os pseudônimos de Sérgio, Elza e Emília, pelo compromisso e engajamento em todos os momentos desta investigação. Esta pesquisa só foi possível graças à colaboração de vocês. À direção da Escola Estadual Jacumaúma (Arez-RN) pela permissão concedida para que os diversos momentos da investigação de campo fossem concretizada neste espaço. A Jacielle de Lima, por ter realizado as filmagens das sessões reflexivas e das observações colaborativas desta pesquisa e pela paciência e carinho dedicados a mim nos momentos de medo e de dificuldade. Ao Professor Danilo César de Menezes pelo trabalho de tradução do resumo para Língua Inglesa. A minha família, por todo amor e paciência. De modo bem significativo destaco: meu avô Raimundo e minha avó Teresa; minhas tias Ana, Aparecida e Zélia; minha sobrinha Maria Isabela e meu cunhado Francisco Neto e todos os meus Primos. Aos meus amigos-irmãos, pelo incentivo a ingressar e permanecer no Mestrado, Rafael Oliveira, Aliny Dayany e Aline Cristina. Muito Obrigado! RESUMO ENSINAR/APRENDER A GOSTAR DE HISTÓRIA: SABERES DOCENTES E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO ESCOLAR COM PROFESSORES DE AREZ-RN Esta dissertação tem o objetivo de analisar os saberes que se tornaram referenciais nas práticas docentes de professores interioranos de História no Ensino Médio e compreender a constituição do conhecimento escolar de História por estes professores, a partir da mobilização dos diferentes saberes que compõem a prática docente. Os colaboradores desta pesquisa foram três professores da Escola Estadual Jacumaúma e o pesquisador. Os fundamentos teórico-metodológicos desta investigação se baseiam nos pressupostos da pesquisa qualitativa de tipo colaborativa. A utilização de tal abordagem teve como intenção propiciar a construção de conhecimentos entre docentes e pesquisador a partir de relações menos opressivas de poder e, também, de contribuir para uma formação contínua dos sujeitos, possibilitando-lhes o entendimento da prática profissional como espaço para exercício da autonomia e da criticidade. A pesquisa empírica teve como procedimentos entrevistas orais individuais, sessões reflexivas e observações colaborativas. Os discursos dos sujeitos apresentaram, em alguns momentos, as inquietações dos docentes com um modelo escolar fragmentado em que existe pouco espaço para interações dialógicas entre os educadores e que dificulta a consolidação de interlocuções da escola com a realidade que os envolve. Suas colocações apontaram que os saberes entendidos como referenciais são aqueles que podem ser identificados no cotidiano do trabalho educacional e que encontram justificativas próprias a partir da finalidade que cada um exerce na construção da prática profissional. As relações em sala de aula sinalizam para uma interação mais intensa entre professores e alunos, mobilizando a afetividade como um saber para oportunizar relações menos autoritárias. Na compreensão dos professores interioranos, o conhecimento histórico escolar se produz no compartilhamento de interesses e sentidos atribuídos pelos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Os saberes da ciência de referência perpassam o ensino escolar de História, mas eles são ressignificados de acordo com as especificidades próprias do espaço escolar. A dinâmica intensa e complexa do contexto educacional faz com que o conhecimento histórico praticado vá ganhando características específicas e que estão em constante movimento. Nestes movimentos existem marcas de elaborações e reelaborações do novo e do tradicional. Palavras-chave: Ensino de História. Professores Interioranos. Saberes Docentes. Conhecimento histórico praticado. Ensino Médio. ABSTRACT TEACHING AND LEARNING TO ENJOY HISTORY: TEACHERS’ WISDOMS AND CONSTRUCTION OF HISTORICAL-SCHOOL KNOWLEDGE WITH TEACHERS FROM AREZ-RN This dissertation aims to analyze the relevant knowledge in countryside History teachers’ practice in high school and understand how these teachers themselves construct school knowledge in History, from the mobilization of different knowledge that make up teaching practice. Tree teachers from State Jacumauma High School and the researcher himself worked together in order to carry out this survey. The main theoretical-methodological elements of this research are based on assumptions of a qualitative research in cooperation. This approach was used to make possible to construct knowledge between teachers and researcher considering a less oppressive relationship as well as to help a continuous school upbringing of the individuals what can make them to understand the professional practice as an aspect in which one can exercise autonomy and criticism. The empirical research procedures were oral individual interviews, reflexive sessions and cooperative observations. Individuals’ speeches have presented, in some moments, teachers’ concerns about the educational fragmented system in which there are few opportunities to dialogic interactions among educationalists making still more difficult the dialog between school and reality surrounds it. Their assertions pointed out that relevant knowledge can be identified during the daily educational work and that they find proper reasons from the aim that each knowledge exerts in relation to the construction of professional practice. Classroom connections points out to more intense interactions between teachers and students, by recognizing affection as an important tool in order to make the interactions not so authoritarian at all. Regarding the countryside teachers understanding, the school knowledge in History is produced by sharing concerns and senses assigned by the individuals who are involved in the teaching-learning process. The referential science knowledge pervade History teaching, however they take another meaning according to specific features of the school environment. The intense and complex dynamic of the educational context makes that historical knowledge acquires specific characteristics that are constantly changing. As they change, there are some marks of elaborations and re- elaborations not only the new but also the traditional. Key-words: Teaching of History. Countryside teachers. Teachers’ knowledge. Historical knowledge in practice. High School. ÍNDICE DE TABELAS E FIGURAS Tabela 1 Observações e filmagens nas salas de aula 49 Tabela 2 Sessões Reflexivas 50 Figura 1 Ciclo de Saberes para a atividade docente 82 ÍNDICE DE FOTO Foto 1 Prédio do Grupo Escolar Jacumahuma, até ano de 1952 32 Foto 2 Prédio atual da Escola Estadual Jacumaúma, em Arez-RN 33 Foto 3 Aula da colaboradora Emília (13/08/2012) 142 Foto 4 Aula da colaboradora Elza (18/09/2012) 171 Foto 5 Aula do colaborador Sérgio (26/07/2012) 174 ÍNDICE DE ANEXOS Anexo A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 199 Anexo B Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada 200 Anexo C Roteiro Norteador da 1ª e 2ª Sessão Reflexiva 202 Anexo D Roteiro Norteador da 3ª e 4ª Sessão Reflexiva 204 Anexo E Roteiro Norteador da 5ª e 6ª Sessão Reflexiva (Videoformação) 206 Anexo F Roteiro Norteador da 5ª e 6ª Sessão Reflexiva (Videoformação) 208 Anexo G Roteiro para Observação Colaborativa (Intervenção em Sala de Aula) 209 LISTA DE SIGLAS ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio FACINTER/UNINTER: Centro Universitário Internacional FIES: Fundo de Financiamento Estudantil IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais PROBÁSICA: Programa de Qualificação de docentes da rede pública municipal de ensino PROJOVEM: Programa Nacional de Inclusão de Jovens PROUNI: Programa Universidade para Todos REUNI: Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SESI: Serviço Social da Indústria UFRN: Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNP: Universidade Potiguar UVA: Universidade Estadual Vale do Acaraú EJA: Educação de Jovens e Adultos IHGB: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro SUMÁRIO 1 PALAVRAS INICIAIS........................................................................................................13 1.1 Os Colaboradores da pesquisa.........................................................................................22 1.2 Os Espaços de construção desta pesquisa colaborativa.................................................29 2 UMA PRÁTICA COLABORATIVA DE PESQUISA COM PROFESSORES DE HISTÓRIA...............................................................................................................................35 2.1 A pesquisa colaborativa e a investigação no ensino de História...................................36 2.2 Os caminhos da colaboração............................................................................................43 2.3 Um percurso colaborativo dialógico: A construção da reflexão...................................54 2.3.1 Emília: A construção de uma reflexão crítica..................................................................55 2.3.2 Elza e Sérgio: A construção de uma reflexão prática......................................................60 3 SABERES E FAZERES DE PROFESSORES INTERIORANOS DE HISTÓRIA...............................................................................................................................72 3.1 A compreensão dos professores interioranos de História acerca dos saberes de sua profissão...................................................................................................................................73 3.1.1 A compreensão de Emília................................................................................................76 3.1.2 A compreensão de Sérgio................................................................................................83 3.1.3 A compreensão de Elza....................................................................................................88 3.2 O Saber-Fazer dos professores do interior.....................................................................95 3.2.1 O saber - fazer de Elza.....................................................................................................95 3.2.2 O saber - fazer de Sérgio................................................................................................105 3.2.3 O saber - fazer de Emília................................................................................................114 4 HISTÓRIA ESCOLAR: UM CONHECIMENTO CONSTRUÍDO NA INTERAÇÃO........................................................................................................................124 4.1 Professores interioranos de História: Reflexões sobre a História Escolar e a História Acadêmica..............................................................................................................................125 4.2 A narrativa: Entre o novo e o tradicional.....................................................................134 4.2.1 Emília e a ressignificação da narrativa..........................................................................138 4.2.2 Sérgio e a ressignificação da narrativa...........................................................................144 4.2.3 Elza e a ressiginificação da narrativa.............................................................................149 4.3 Um conhecimento com múltiplas finalidades...............................................................153 4.4 Experiências com o local e o cotidiano..........................................................................165 5 PALAVRAS FINAIS.........................................................................................................177 REFERÊNCIAS....................................................................................................................189 ANEXOS................................................................................................................................199 13 1. PALAVRAS INICIAIS (...) uma das maiores contribuições na minha prática do ensino de História, a forma como eu trabalhei, a forma como eu fui amadurecendo e fazendo isso, veio dessas discussões em grupo (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012). Com relação à metodologia (...) é importante saber como você vai aplicar determinados conteúdos (...). Eu gosto muito de dinamizar e uma das maneiras pra que faça com que o aluno aprenda é ser um professor dinâmico (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012). A História no colégio, ela forma mais o homem educativamente falando e a história da universidade, eu acho, que ela forma mais o homem cientificamente falando (...) (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012). Os fragmentos discursivos acima são significativos para composição, ou organização desse trabalho de investigação, uma vez que, representam os três eixos por onde se encaminharam as redes de sentidos e significados construídos durante a escrita desse texto. O primeiro deles está relacionado à própria composição metodológica da pesquisa, que ao optar pela modalidade de investigação colaborativa teve a preocupação, não só com a construção do conhecimento científico, mas garimpou pelo comprometimento com a formação dos professores-colaboradores, através das relações dialógicas em grupo, ocorridas nas sessões reflexivas, as quais buscavam interligar e sistematizar os saberes da teoria ao da prática dos professores interioranos de História. Nesse sentido, a pesquisa teve como um dos intuitos, elaborar conhecimentos que se tornassem mais significativos para os próprios partícipes da pesquisa, como também, para outros profissionais da educação. Conforme afirmam, Ibiapina e Ferreira (2007, p. 24): (...) o professor deixa de ser mero objeto, compartilhando com os pesquisadores a tarefa de transformar as práticas, a escola e a sociedade, portanto as pesquisas deixam de investigar sobre o professor e passam a investigar com o professor, trabalhando na direção que exige que os docentes se transformem em produtores de conhecimentos sobre a teoria e a prática de ensinar, transformando as compreensões e os contextos de trabalho. 14 A segunda epígrafe nos conduz a uma reflexão a respeito das concepções de saberes docentes. Esta compreensão interliga os saberes à realidade prática em sala de aula e ao processo de reflexão. Desse modo, compartilhando do pensamento de teóricos como Paulo Freire (1996) e Tardif (2011), podemos dizer que concebemos os saberes, como conhecimentos amplos, cuja consolidação, ou as modificações ocorrem no processo dinâmico de experiências e atuações do professor. Estas mudanças acontecem por meio da reflexão crítica, acerca de seu próprio fazer educativo, e de suas relações sociais. Somente assim, surge a possibilidade de uma construção complexa na relação entre os diversos sujeitos em sala de aula e dos conhecimentos escolares. Logo, a dinamicidade no processo de ensino-aprendizagem em História, não depende apenas do conhecimento específico dessa disciplina, mas sim dos múltiplos saberes que propiciam sua mediação (ou transposição) didática 1 em sala de aula, para que as múltiplas atividades desenvolvidas pelos docentes em sala de aula tornem os alunos participantes da construção do conhecimento histórico escolar. Além disso, a escola passa a ser percebida como espaço de produção de conhecimentos próprios, como expõe Lopes (1999, p. 218): O trabalho de didatização acaba por implicar, necessariamente, uma atividade de produção original. Por conseguinte, devemos recusar a imagem passiva da escola como receptáculo de subprodutos culturais da sociedade. Ao contrário, devemos resgatar e salientar o papel da escola como socializadora / produtora de conhecimentos. A terceira epígrafe representa o eixo de análise em que neste trabalho discutiremos as compreensões dos professores interioranos de História acerca da construção do conhecimento histórico escolar. Pois, a História Escolar é entendida por eles de modo diferenciado da História Acadêmica, na medida em que, no seu fazer cotidiano da sala de aula, esses docentes elaboram de uma forma híbrida e complexa, as maneiras de lidar com as fontes documentais; de trabalhar aspectos do contexto local e relacioná-los com os temas planejados em História; e de perceberem as finalidades de maneiras diversificadas para o estudo da História ensinada no Ensino Básico. 1 Entendemos esse conceito de mediação (ou transposição) didática semelhante ao desenvolvido por Lopes (1999, p. 208), que enfatiza sua formação dialógica, como se pode observar: “um processo de constituição de uma realidade a partir de mediações contraditórias, de relações complexas, não imediatas. Um profundo sentido de dialogia.” 15 É essa elaboração do Conhecimento histórico escolar que apenas se torna possível em decorrência do diálogo com os múltiplos saberes docentes, consolidados e modificados, durante as atividades educativas desses professores. Podemos afirmar, em diálogo com Monteiro (2007, p. 228) que as construções da História Escolar, (...) revelam criatividade e pertinência do ponto de vista pedagógico e disciplinar, confirmando que o saber escolar não é necessariamente deformado (no mau sentido), burocrático e equivocado, embora represente uma configuração epistemológica própria. Portanto, o tema desse trabalho investigativo discute a relação entre os diferentes saberes que compõem a prática docente de professores interioranos de História, e o conhecimento escolar de História, no Ensino Médio, por eles construídos. E tem como questões norteadoras da pesquisa: Quais os saberes que se tornaram de referência para construção da ação docente de professores interioranos de História no Ensino Médio? E, como se constituiu o seu conhecimento escolar de História a partir da mobilização de tais saberes? Para materializar essas indagações elaboramos os seguintes objetivos: Analisar nas práticas docentes de professores interioranos de História os saberes que se tornaram referenciais para construção de sua ação docente no Ensino Médio; e Compreender a constituição do conhecimento escolar de História de professores interioranos no Ensino Médio, a partir da mobilização dos diferentes saberes que compõem a prática docente. Dessa forma, os estudos envolvendo as temáticas com os saberes docentes começaram a ter relevância, principalmente, a partir das décadas de 1960 e 1970, quando pesquisadores da área de educação fizeram questionamentos mais assíduos, acerca do modelo de racionalidade técnica tão propagada no período. O paradigma tecnicista limitava a atuação do professor, e o via apenas como um técnico educacional, cuja função era analisar os acontecimentos para perceber quais os melhores recursos e conhecimentos a serem colocados em prática de acordo com os objetivos já pré-estabelecidos por outras instâncias, geralmente, os especialistas em educação. De acordo com essa perspectiva, o saber era hierarquizado em dois patamares bem definidos: o conhecimento científico, considerado de primeira ordem e produzidos pelos pesquisadores, encontrados, geralmente, nas instituições de ensino superior; e os conhecimentos mais próximos à prática, considerados inferiores e assistemáticos, “(...) que 16 necessitavam do auxílio da ciência para seus vícios, erros, desvios sejam corrigidos ou superados”. (MONTEIRO, 2007, p. 19) No campo do ensino de História no Brasil, essa realidade se agravou, pois unido aos Modelos Tecnicistas que prevaleceram no período da Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964- 1985), havia uma cultura construída, no âmbito dos conhecimentos históricos escolares, desde o século XIX, de que os paradigmas dessa disciplina eram construídos por historiadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que a impunham aos programas de ensino do Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Esses modelos curriculares tornavam-se referências para as outras instituições de ensino espalhadas nas províncias do país. Podemos perceber aí nítida influência “(...) da concepção que atribui exclusivamente à participação da ciência de referência no conhecimento histórico escolar.” (ABUD, 2007, p. 108). Além do mais, isso revela uma separação clara entre aqueles que produzem o conhecimento – os intelectuais, estabelecidos fora do espaço escolar – e aqueles responsáveis apenas por reproduzi-los – os professores, presentes nos ambientes de ensino. Duas linhas de pensamento e pesquisa se destacaram por questionar os pressupostos tecnicistas de ensino. A primeira delas estava relacionada ao movimento da “Nova Sociologia da Educação (NSE)”, nos idos das décadas de 1960 e 1970, na Inglaterra, que fazia crítica das teorias tradicionais cujos estudos originaram as pesquisas que buscavam compreender os contextos políticos e ideológicos em que estavam inseridos os projetos educacionais. Assim, Moreira e Silva (2009, p. 20) descrevem as contribuições da “NSE” para o campo da investigação na Educação: Suas formulações têm constituído referência indispensável para todos os que se vêm esforçando por compreender as relações entre os processos de seleção, distribuição, organização e ensino dos conteúdos curriculares e a estrutura de poder do contexto social inclusivo. No campo das práticas docentes e da didática, a Nova Sociologia da Educação contribuiu para desenvolver estruturas de compreensão das complexidades e das mediações inerentes aos processos de ensino-aprendizagem, buscando alternativas, que viessem a superar os aspectos de análise psicologizantes demasiado presentes nas ciências da educação até aquele momento. Com relação às concepções de currículo essa nova escola se distanciou da preocupação das correntes tradicionais, que tinham o currículo como dado e natural sem questionar os interesses envolvidos na seleção dos conhecimentos. Dessa maneira, propôs 17 analisar “(...) o conhecimento escolar e o currículo existentes como invenções sociais, como o resultado de um processo envolvendo conflitos e disputas em torno de quais conhecimentos deviam fazer parte do currículo”. (SILVA, 2011, p. 67). A segunda linha de pensamento teve como prioridade a teorização sobre a atividade docente. Surgiu a partir da década de 1980 tendo como baluarte, entre outros, estudiosos como Lee Shulman, Maurice Tardif, Bernard Charlot e, no Brasil, Elsa Garrido e Selma Pimenta. A ênfase desses teóricos se deu na investigação dos saberes envolvidos e mobilizados na ação docente, no intuito de compreendê-los como um campo de conhecimento disciplinar, ou seja, como uma epistemologia da prática profissional dos professores (TARDIF, 2011; TARDIF, GAUTHIER, 2001). Eles sugeriam, então, que os conhecimentos dessas características práticas colaboram para melhorar a qualificação dos professores, pois possibilita a formação da construção de uma identidade profissional consolidada. Segundo Monteiro (2007, p. 23): Os estudos sobre profissionalização, por exemplo, têm apresentado contribuições importantes para a melhor compreensão da especificidade do trabalho docente que, ao se realizar através de relações interpessoais, adquire um grau de complexidade que extrapola a questão técnica, criando um desafio que precisa ser enfrentado. Além disso, com o desenvolvimento dessas ideias ficou insustentável nas pesquisas pensar a prática docente apenas como uma receptora passiva dos conhecimentos das ciências ditas de referência. As investigações em educação começaram a enfatizar o caráter plural, heterogêneo, temporal e espacial dos saberes docentes, defendendo, assim, que o contexto escolar também é produtor de saberes e que estes são legitimados nas diferentes experiências objetivadas pelos professores no exercício de sua ação docente. Trabalhar os saberes docentes na prática dos professores interioranos de História ocorreu por conceber que ao se estudar os saberes e ter conhecimento deles os docentes tornam-se motivados a produzirem novos conhecimentos e habilidades, competências, que se adéquam melhor à multiplicidade de situações, à pluralidade da clientela estudantil e as especificidades da realidade econômica, cultural e social vivida dentro de um contexto distinto daquelas que constroem as teorias de ensino, os manuais didáticos e as diretrizes curriculares. 18 Além dos mais, os estudos que destacam a relação dos saberes com a prática no ensino de História, ainda estão muito focados em pesquisas que enfatizam as realidades das grandes cidades ou capitais. Sendo assim, desenvolver esse tema com os docentes interioranos de História significa distanciar-se um pouco das escolhas predominantes até este momento e, assim, buscar compreender em que medida esses espaços diferenciados de ensino- aprendizagem contribuem para evidenciar distintas relações dos docentes de História com os saberes da profissão docente. Para justificar a realização desse trabalho, baseamo-nos no pensamento de Tardif (2011, p. 18), segundo o qual o saber dos professores, não é homogêneo, mas sim “(...) é plural, compósito, heterogêneo, porque envolvem, no exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diverso, proveniente de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente”. Ligado a isso, pressupomos que as ações desenvolvidas por esses profissionais de História em sala de aula são marcadas pela construção de um conhecimento histórico escolar complexo e híbrido. Nossa experiência tem, até aqui, nos sugerido que tal conhecimento apresenta características teóricas, metodológicas e pedagógicas, que no movimento do processo de ensino-aprendizagem vão demonstrando permanências de modelos tradicionais e também mudanças, trazendo contribuições de abordagem históricas e pedagógicas mais recentes; e, em alguns momentos, fazendo a duração do conhecimento tradicional conviver com as transformações das novas abordagens numa espécie de hibridização, o que faz do espaço escolar um lugar em que temporalidades distintas da produção histórica escolar se encontram para formação de novos saberes. No entanto, os próprios docentes, mesmo atribuindo estas novas características à produção da História Escolar, não são orientados a perceber as implicações dessas modificações nas relações de ensino-aprendizagem na escola. Esse fazer dos docentes de História gera uma espécie de oscilação entre a produção de uma História Escolar que em alguns momentos se aproximam das orientações propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História (PCN) e, em outros momentos, se distância deles, tomando feições próprias e até com finalidades diferentes das propostas nos textos oficiais para o Ensino Médio. A partir dessa discussão, defendemos, nessa investigação, que os professores de História são responsáveis por mobilizar e produzir saberes distintos na sua prática docente, mas que não percebem esse poder e não são motivados a concretizar esses saberes de modo sistemático, pois não são impelidos a uma reflexão ordenada na e sobre a sua própria 19 atividade docente. Pressupomos que esta ação reflexiva poderia se tornar uma alternativa promissora, porque pode gerar uma convicção nos professores de História de sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Outro motivo para realização desse trabalho de investigação está relacionado ao fato de que as transformações macroestruturais no contexto educacional brasileiro, principalmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educacional de dezembro de 1996, propiciaram na realidade dos contextos educacionais das regiões interioranas modificações rápidas e intensas, que veremos a seguir. Temos visto crescer a preocupação e a efetivação de projetos para qualificação de pessoas no nível superior em quase todo território nacional. Em um primeiro momento, houve o desenvolvimento de atividades incentivadas pelo poder público para formar em nível superior, nas licenciaturas os docentes que só portavam diploma de nível médio (denominado Segundo Grau antes da atual LDB). Um dos projetos que se destacou no Rio Grande do Norte, no esforço de oportunizar a expansão da formação de professores, foi o PROBÁSICA (Programa de Qualificação de Docentes da Rede Pública Municipal de Ensino), criado pela UFRN a partir de 1997. Junto a esse esforço das instituições públicas de ensino Superior em responder à política brasileira de formação de professores proposta pela LDB nº 9.394/96 e a demanda dos professores que não possuíam graduação, as faculdades e universidades particulares viram nessa exigência de formação em nível superior dos professores a oportunidade de crescimento de sua clientela, abrindo cursos principalmente de Pedagogia, mas também de outras licenciaturas em vários municípios do interior do Brasil. O crescimento vertiginoso dessas instituições particulares de ensino superior também foi sentido no Rio Grande do Norte e, percebemos, que a maior parte dos docentes que estão no ensino, tanto das redes públicas, quanto privadas nos municípios do interior do Estado foram formados ou estão sendo, nesses ambientes privados de ensino. Em um primeiro momento até os anos de 2007, víamos que a maioria dos alunos matriculados nos cursos de pedagogia e Licenciaturas no interior do RN se concentravam, principalmente, na Universidade Potiguar (UnP) e na Universidade do Vale do Acaraú (UVA), ambas criaram mecanismos de mercado, como parcelamento e barateamento das mensalidades para alunos da área de ensino e instalaram pólos para cursos no final de semana, para um público, na maioria das vezes, que não provinha da capital do Estado (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE AREZ, 2012). 20 Depois das políticas propostas pelo Governo Federal para expansão do ensino superior no Brasil, com criação do Prouni (Programa Universidade para Todos), do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e do Reuni (Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), a realidade nos municípios interioranos do Brasil começa a se transformar, visto que perbecemos um crescimento no número de pessoas matriculadas em instituições de Ensino Superior, seguindo uma tendência nacional. Todavia, observamos também que a supremacia da formação em universidades e faculdades particulares continua, mas não com o predomínio de uma ou duas instituições e sim com diversificação maior. Isso ocorre em decorrência das oportunidades de bolsas integrais, parciais e das facilidades de pagamento motivadas, em sua maior parte, pelas políticas de incentivo do Governo Federal às instituições privadas, por meio do Prouni. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE AREZ, 2012). Além disso, com a motivação na formação de professores de nível superior, a partir da metade da década de 1990, predominou até o ano de 2007, que a maioria das pessoas que tinham cursado nível superior ou que estavam matriculadas cursando faziam cursos de pedagogia ou licenciatura pela facilidade de acesso oferecida. No entanto, analisamos que com as políticas de entrada no ensino superior esta representação da realidade se transforma rápida e significativamente, uma vez que a oportunidade e facilidade de acesso a cursos em outras áreas, como as de tecnologia, administração e marketing fazem com que os alunos se desloquem dos tradicionais cursos de licenciaturas e pedagogia para essas novas áreas citadas acima. Segundo dados da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Arez, órgão que disponibiliza os ônibus para deslocamento diário dos estudantes desse município para as diversas instituições de ensino superior em Natal, nos três turnos do dia – matutino, vespertino, e noturno – atualmente, existem mais de 300 alunos cadastrados como universitários, sendo que só 30% são nos cursos de licenciatura. (SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE AREZ, 2012). O leitor pode estar se perguntando: Qual a relação da discussão anterior com o tema e o objeto de estudo desta pesquisa. Primeiramente, torna importante verificamos que as transformações desencadeadas no contexto macrossocial acabam de alguma forma fazendo modificar, reestruturar ou ressignificar o contexto microssocial e vice-versa, pois não há separação total entre esses âmbitos da sociedade. Então, ao realizarmos as pesquisas na área de ciência sociais buscamos compreender essa relação complexa entre as partes e o todo. 21 No sentido de apreender essas relações e as conexões existentes entre um objeto particular e o contexto global, percebendo o movimento do real e sua dinamicidade (...) capaz de refletir a realidade na sua totalidade, revelando-a como processo e produto, percebendo-os como parte de uma totalidade; em um movimento que vai das partes ao todo e do todo as partes, permitindo a apreensão das relações e de suas contradições. (FERREIRA; IBIAPINA, 2005, p. 29) No sentido do colocado acima analisamos que a configuração do ambiente escolar em alguns municípios do interior do Rio Grande do Norte tem vivenciado transformações. Com o maior número de profissionais graduados nas licenciaturas específicas, a quantidade de docentes próprios daquelas localidades nos diversos segmentos do ensino básico – Fundamental I e II, Médio, e modalidade EJA – intensificaram-se, visto que devido à formação restrita ao ensino de 2º Grau, a maioria se limitava lecionar no Ensino Fundamental I e II. Souto (2008b, p. 234) conclui, no seu estudo realizado com professores do Estado de Sergipe, que “A obtenção do título acadêmico teve repercussões na posição ocupada no próprio espaço escolar. Para alguns professores, foi concretizada a saída das séries iniciais para o exercício da docência das disciplinas de História (...)”. Por exemplo, muitos dos docentes do Ensino Médio ou vinham da capital do Estado ou dos municípios maiores. Muitos desses profissionais eram alheios às representações da realidade local, o que fazia com que muitas de suas práticas em sala de aula se tornassem distante, abstrata e inoperante para o cotidiano dos seus alunos. Com o aumento da qualificação docente advinda das transformações provocadas pelas políticas direcionadas à educação pelo Governo Federal, desde a década de 1990, percebemos uma diminuição no número de professores que fazem esse deslocamento da capital e grandes cidades para os municípios menores do interior para lecionar. De acordo com dados da secretaria da Escola Estadual Jacumaúma (lócus desta pesquisa), atualmente, só há um docente que vem de Natal para lecionar no Ensino Médio. Enquanto, na década de 1980 e1990, a Secretária Municipal de Educação afirmou que mais de 90% dos professores vinham da capital do Estado. Isso leva a pensar que os professores interioranos estão atuando em maior quantidade nas escolas e salas de aula nos diversos segmentos do ensino básico. E deveriam assim aproximar suas práticas e os seus saberes dos contextos em que vivem e se identificam como indivíduos sociais, contribuindo assim para um ensino significativo nas diversas áreas do conhecimento que compõem o currículo escolar, entre elas a disciplina de História. Em 22 decorrência disso, buscamos, nessa pesquisa, compreender os saberes mobilizados na prática desses professores interioranos e como eles vão construindo o conhecimento histórico escolar na sua realidade local. 1.1 Os colaboradores da pesquisa Neste item, nosso intuito não se resumiu apenas a descrever o perfil desses partícipes, mas a compreender, por meio das falas de cada um deles, seus percursos de formação, os motivos de terem escolhido a docência e como foram se constituindo como professores de História. Os colaboradores dessa pesquisa são três professores de História da Escola Estadual Jacumaúma (Arez, RN) e o pesquisador. Para ter a adesão dos três docentes de Arez, conversamos de modo individual com cada um, explicamos de modo sucinto partes do projeto de pesquisa e os motivamos a participar argumentando que eles se enquadravam nos critérios pensados para os sujeitos desse trabalho. Os aspectos que levamos em consideração para escolha dos professores- colaboradores foram, basicamente, quatro. O primeiro era que esses docentes tivessem interesse e disponibilidade para colaborar, nos diversos momentos da investigação, pois a pesquisa colaborativa exige dos partícipes um engajamento nos procedimentos que levam a construção do conhecimento. Nesse sentido, “Investigar colaborativamente significa envolvimento entre pesquisadores e professores em projetos comuns que beneficiem a escola e o desenvolvimento profissional docente.” (IBIAPINA; FERREIRA, 2007, p. 28) O segundo que residissem em Arez e compartilhassem das representações da realidade interiorana nos seus diversos aspectos culturais, sociais e econômicos para assim percebemos até que ponto os saberes colocados em prática em sala de aula levam em consideração seu envolvimento nesta mesma realidade. O terceiro critério foi o tempo de exercício da docência. A nossa intenção é que tivéssemos entre os colaboradores pelo menos um professor de História nos anos iniciais de sua carreira profissional. Segundo Tardif (2011), o momento inicial da carreira na docência vai do terceiro ao quinto ano em sala de aula, e que o docente está construindo com mais efervescência concepções sobre suas práticas. Além do mais a experiência inicial que esses educadores vão vivenciando na escola, constrói certezas em relação ao seu trabalho que perpassam todo seu saber-fazer no ambiente escolar e da sala de aula. Todavia, as maneiras 23 como tais certezas são construídas se dão de modo complexo e desafiador para o docente, por isso, “(...) o início da carreira representa também um fase crítica em relação às experiências anteriores e aos reajustes a serem feitos em função das realidades do trabalho.” (TARDIF, 2011, p. 82) O quarto critério levou em consideração que os partícipes lecionassem História no Ensino Médio. Primeiro, por compreendemos que, a partir de 1990, o incentivo à qualificação dos docentes em nível superior proporcionou o aumento de educadores dos próprios municípios do interior neste segmento de ensino. Segundo, por julgarmos necessário perceber se a atuação desses professores interioranos no ensino médio possibilitou a movimentação de saberes, que fizessem com que os conteúdos do conhecimento histórico escolar se mostrassem mais significativos e próximos do cotidiano dos seus alunos. Além do pesquisador, os colaboradores deste estudo são duas professoras e um professor que lecionam na Escola Estadual Jacumaúma. Estes docentes são aqui denominados pelos pseudônimos de Elza, Emília e Sérgio. A escolha de tais identificações levou em consideração o primeiro nome de três reconhecidos pesquisadores nacionais na área da didática da História e da ciência historiográfica 2 . O professor-colaborador Sérgio, reside em Arez há vinte e três anos. Possui licenciatura na área de História pela Universidade Potiguar (UnP) e atua em sala de aula há três anos. No período da investigação cursava especialização em História do Brasil na mesma Instituição de Ensino Superior. O início de seu trabalho docente se deu quando estava ainda cursando os últimos anos da graduação, quando foi chamado para lecionar História e Filosofia para as turmas do Ensino Fundamental II, no Colégio Batista, no município de São José do Mipibú, RN. Desde que se formou, no ano de 2010, exerce a docência em História no Ensino Médio, na Escola Estadual Jacumaúma, onde tem carga semanal de 20 horas aulas. A opção pela licenciatura veio primeiramente pela escolha da graduação em Matemática. Depois, ao perceber que não se identificava com esse curso, escolheu História. Ao apresentar os motivos para seguir a docência, o colaborador Sérgio aponta que desde o Ensino Básico tinha vontade de ser professor e que se direcionou ao vestibular, tomando por referência as duas disciplinas com as quais mais se identificava na escola. 2 Elza Nadai, Emília Viotti da Costa e Sérgio Buarque de Holanda. 24 Os motivos que me levaram a fazer História é que desde o Ensino Médio tomei como objetivo querer ser professor. As disciplinas que eu mais gostava no Ensino Médio eram duas: Matemática e História. Uma não tem nada a ver com a outra, mas eram as duas que eu mais gostava. Então, eu tentei primeiro, Matemática e não me dei muito bem. Tentei depois história e então eu consegui. (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012) Durante as trajetórias de sua formação inicial na graduação esse partícipe identifica aspectos, que se tornam significativos para sua atuação posterior como professor, destacando a possibilidade de poder estagiar, acompanhando outros docentes e assumindo a regência em sala de aula. Esses estágios serviram para aproximá-lo da realidade cotidiana da sala de aula e da ação do professor de História. Todavia, ele não apresenta apenas características positivas desse momento e faz a crítica a algumas disciplinas da graduação, por não fazerem uma relação mais consistente entre teoria e prática, e só discutirem as teorias pedagógicas de modo isolado. O que mais contribuiu no curso de História para a minha formação foram as oportunidades de estágio. (...) Além claramente de contato com os professores de nível superior, mais a oportunidade de estagiar, porque eu comecei a acompanhar o professor profissionalmente nas aulas de estágio em julho de 2008 em fevereiro 2009, eu já comecei assumir turmas. (...) As aulas de Prática em História no currículo da disciplina não foram lá essa coisa tão interessante. (...) porque tratava muito de questões de teoria, teoria. Era mais próximo de pedagogia (...) (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012). No discurso do partícipe Sérgio a respeito do início de sua prática docente como professor de História, percebemos que foi um momento, para ele, de consolidação do entendimento de que a atividade em sala de aula era difícil. Como nos descreve a seguir: A experiência na escola serviu para desenvolver a prática pedagógica em si (...). Você imagina é isso que eu quero, quando você vai praticar, você vai ver se é realmente isso (...) se é o que você deseja. Teve confirmações! (...) foram confirmações de que todo mundo dizia que é trabalhoso, entendeu?! (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012) A colaboradora Elza exerce a docência há dezesseis anos. Durante sua vida profissional perpassou o Ensino Fundamental I e II, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sua atuação começou como professora polivalente quando possuía apenas o Segundo Grau (atual Ensino Médio). Só iniciou o curso de habilitação ao magistério depois de cinco anos como docente. A partir do ano de 2003, assumiu o desafio de trabalhar com a disciplina de História para alunos do Ensino Fundamental II, da Educação de Jovens e Adultos e do Ensino Médio. 25 Atualmente, trabalha na Escola Estadual Jacumaúma com carga Semanal de 30 horas aulas; no SESI (Serviço Social da Indústria), como professora das turmas de EJA; e coordena o Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens) do município de Arez. É licenciada em História, desde 2006, pela Universidade Potiguar (UnP) e reside no município de Arez, há vinte e nove anos. Em sua opinião, a docência é vista como uma vocação, porque mesmo, nos primeiros anos, sem formação específica para atuar em sala de aula conseguiu desenvolver os trabalhos necessários para continuar lecionando. A questão de como está ali na sala, como eu já disse a você, primeiro emprego sala de aula sem ter noção de nada, mas parece que já foi um dom, uma vocação e eu já fui levando, eu já fui vendo como era que se trabalhava. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) Mesmo, exercendo as atividades profissionais em sala de aula, não havia da sua parte o intuito e nem a vontade de ser professora de História. Sua motivação para cursar a licenciatura foi suscitada, quando uma colega lhe fez o convite para fazer o vestibular. Entre as opções de curso oferecidas nesta ocasião, a colaboradora preferiu o de História, mesmo sem ter noção de como esta graduação se organizava. “Minha formação, por incrível que pareça foi por acaso. Eu nem sonhava em exercer essa profissão. A profissão em si já, professora, né?! Mas a específica em História era completamente fora dos meus planos” (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012). No decorrer do curso de graduação, a colaboradora Elza, começa a se identificar com o estudo da História, pois percebe que o conhecimento histórico construído nesse espaço acadêmico mostra-se diferente da História Escolar aprendida por ela no Ensino Básico. Além disso, identifica três contribuições da Universidade para que tivesse no seu trabalho em sala de aula um maior conhecimento do que era essencial desenvolver com seus alunos: a familiaridade com o Conhecimento Histórico Acadêmico; o contato mais frequente com os colegas que já eram professores de História, contribuindo para ampliar seus saberes acerca do trabalho na escola; e a percepção de ser uma profissional que precisava estar sempre aberta às mudanças. (...) então fiz [a licenciatura em História] e comecei a cursar e fui gostando, fui percebendo que o que a gente aprendeu inicialmente no início dos nossos estudos no Fundamental eram completamente diferente do que a gente passa a conviver lá [na Universidade]. Na universidade o que mais contribuiu para o meu trabalho em sala de aula, primeiro foi à questão de conhecer o que realmente você iria trabalhar. (...) Outra coisa foi meus companheiros da área, que deram muito apoio. Emília foi uma das pessoas que colaborou, a professora L. P. foi uma das pessoas 26 que abriu meus horizontes também, e outros colegas. (...) o meu conhecimento que passei a buscar nesse curso ajudou muito e ajuda até hoje. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) A experiência inicial da partícipe Elza lecionando a disciplina de História aconteceu poucos meses depois de ingressar no curso de licenciatura. No seu entendimento, desde então houve transformações significativas em sua prática nessa disciplina. No início, sua ação docente se dava de modo mais intuitivo e de modo inseguro, limitada a uma prática tradicional, ao livro didático, ao quadro negro e a algumas atividades e textos. Quando começou a ter o conhecimento específico de como trabalhar certas metodologias relacionadas à História Escolar, passou a ter ações que utilizavam variados recursos didáticos com a finalidade de que o aluno mostrasse maior interesse e participação nos assuntos que estavam estudando. No momento atual, demonstra que suas estratégias em sala de aula se voltam à preocupação de que seus discentes estejam preparados para o Ensino Superior. Por isso, busca desenvolver atividades, que estejam em sintonia com o que os Exames de Vestibulares exigem dos alunos para a área de História. Quando comecei a dar aula de História, eu tinha alguns meses que tinha começado a cursar História, eu ainda não tinha muita ideia de como trabalhar. Então, eu trabalhava aquela coisa mais prática, eu era mais insegura. (...). Com o tempo, quando eu comecei a ter mais conhecimento, vamos dizer dessa forma, e mais metodologia de como trabalhar a disciplina, eu já passei a modificar, como por exemplo, trabalhando mais dinâmicas, abordando até peças teatrais dentro do conteúdo, sem fugir do conteúdo. (...) E hoje, eu já trabalho de forma mais diferente, de uma forma, vamos dizer, mais preparada para o aluno fazer um vestibular, por exemplo, não só no ensino médio, mas já começando no fundamental. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) A colaboradora Emília possui vinte dois anos no exercício da docência. Suas atividades em sala de aula também não se limitam ao ensino da disciplina História; compreendem atuação como professora no Ensino Infantil (na Escola Municipal da Divina Providência, em Arez, RN) e de Sociologia e Filosofia em uma Escola Privada, no município de Goianinha. Ela começou sua carreira em sala de aula quando tinha terminado o Segundo Grau com habilitação ao magistério. Só depois, quando concluiu a licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), assumiu turma como professora de História, no Ensino Fundamental II, em escolas públicas e particulares. No momento dessa pesquisa, essa partícipe estava lecionando a disciplina de História na Escola Estadual Jacumaúma com carga semanal de trinta horas aulas. 27 Diferentemente, dos outros partícipes que possuem apenas o nível de graduação, esta professora concluiu uma especialização na área de Sociologia pela FACINTER/UNINTER (Centro Universitário Internacional) no ano de 2007. A formação profissional de Emília para a docência se deu em dois momentos específicos. O primeiro ocorreu por meio da formação no curso técnico de Magistério, realizado no Instituto Kennedy em Natal, na década de 1980. Na sua percepção o fato de ter sido professora não foi uma escolha própria, mas sim de seus familiares, especificamente de sua mãe, que tinha exercido o magistério. Esta acreditava que a docência significaria para as suas filhas a certeza de estabilidade econômica e profissional. No entanto, no decorrer dessa formação técnica, Emília fala que foi se identificando com a profissão, pois antes mesmo de terminar magistério sentiu-se estimulada a tentar suas primeiras experiências em sala de aula com alunos do Nível Fundamental em uma Escola Rural, no Distrito de Mundo Novo, localizado a 30 quilômetros da sede do município de Arez. (...) eu sempre fui aluna de escola pública e a escolha pelo magistério, não foi nem bem uma escolha, foi uma imposição da minha mãe que já era professora e que já tinha V. professora e J. [irmãs mais velhas]. Aí, ela tinha uma concepção que professor, não faltava trabalho para ele, principalmente, em interior, não vislumbrava assim outra coisa. Então foi mais uma escolha da minha mãe, só que eu me identifiquei com o está sendo professora, mesmo. É, tanto, que meu magistério, antes de terminar eu já estava na sala de aula (...) (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012). O segundo momento de sua formação profissional foi se construindo quando, em 1991, ingressou na licenciatura em Ciências Sociais pela UFRN. Os motivos de ter escolhido esse curso se baseiam no argumento de que não tinha condições de passar no vestibular para uma graduação mais concorrida. E, aponta como causas que a levaram pensar dessa maneira: o fato de ter estudado no interior e o ensino aí apresentar limitações; e também o fato de ter passado um período, posterior ao curso de Magistério sem realizar estudos sistemáticos com o objetivo de fazer um processo seletivo para a Graduação. “(...) eu entrei no curso nessa de que era o mais fácil, entende?! (...) eu sempre estudei em Arez, aí fui fazer o magistério, passei um tempo sem estudar. Então eu sabia que não tinha muita chance. Aí, fui para as ciências sociais”. (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012) Mesmo alegando não possuir os conhecimentos significativos do que a graduação em Ciências Sociais vinha a ser, a partícipe Emília começou a cursá-la. Durante o desenvolvimento das atividades acadêmicas foi construindo uma identidade com essa 28 licenciatura, e o curso passou a ser visto como um espaço em que acontecia a formação de novos saberes. As relações com outros alunos e professores no ambiente universitário possibilitou a transformação na sua compreensão de diversos aspectos. Entre eles podemos destacar o entendimento com relação à docência encarada com maior comprometimento, uma vez que anteriormente via a ação docente apenas como uma atividade esporádica; houve a participação ativa nos movimentos universitários; e a ampliação de sua visão política e de sua criticidade. Então a faculdade pra mim, ela me possibilitou ampliar muito os conhecimentos (...). Mesmo eu tendo de ir dar aula, era mais uma brincadeira na minha vida, na verdade. E a faculdade trouxe para mim essa abertura. Uma forma diferente de ver o mundo, uma compreensão diferente. Eu me envolvi com o DCE, com o Centro Acadêmico, que eu já era curiosa com relação a isso. Mas agora na universidade, aí houve uma mudança muito grande de consciência mesmo, uma mudança de consciência. (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012) Desde que terminou o curso de Ciências Sociais, a partícipe Emília começou a lecionar a disciplina História. Isso se deu no momento em que teve de se mudar para Brasília, DF, aonde orientada por um amigo se inscreveu em uma das diretorias de ensino das cidades satélites da região, que selecionava professores para essa disciplina. A partir desse período, passou a trabalhar com a História Escolar no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio, tanto em escolas privadas, quanto públicas. Para Emília, o curso de licenciatura tornou-se significativo na ação como professora de História, porque construiu a concepção de conhecimento histórico que perpassa hoje os seus trabalhos em sala de aula e que, segundo ela, é crítico-histórica. No entanto, a mesma reconhece que a consciência de estar trabalhando nessa corrente de pensamento foi sendo construída a partir de outras leituras realizadas posteriormente. Sobre estes aspectos nos fala a colaboradora: E o curso ele me deu essa possibilidade (...), porque muita coisa com relação à História a construção da História do homem, como é que as coisas se deram a questão da dominação, da exploração, tudo aquilo eu tive no curso. Mesmo quando eu dava uma aula que não era muito com essa perspectiva, eu acabo levando isso para sala de aula. Às vezes, eu fazia isso inconscientemente, que eu estava trabalhando em uma perspectiva histórica crítica, né?! Eu não tinha muita noção disso, que era isso que eu fazia, mas depois que eu comecei a ler outras coisas que eu fui percebendo. Então foi fundamental. (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012) Ao apresentamos as falas dos partícipes percebemos diferenças temporais significativas com relação à atuação na docência. Além disso, observamos características 29 múltiplas nos percursos de formação, nos passos dados para escolha da profissão de professor e nos trajetos que os levaram à disciplina História. As colaboradoras Elza e Emília, que possuem maior tempo de docência evidenciaram em suas entrevistas que atuaram primeiramente, no Ensino Infantil e no Fundamental I e que o ingresso no nível superior lhes possibilitou mudar para segmentos correspondentes ao Ensino Fundamental II e ao Ensino Médio. Nesse sentido, a formação nas licenciaturas possibilitou o deslocamento dos segmentos de ensino ocupados no espaço da escola. Como afirma Souto (2008b, p. 234): “A obtenção do título acadêmico teve repercussões na posição ocupada no próprio espaço escolar. Para alguns professores, foi concretizada saída das séries iniciais para o ensino fundamental do 3º e 4º ciclos, bem como para o ensino médio (...)”. Além disso, os motivos para escolher a docência, como profissão, são diferentes entre os três colaboradores. Os partícipes Sérgio e Elza, ao afirmarem que já pensavam em serem professores se aproximam do grupo caracterizado por Souto (2008b, p. 232) como daqueles que apontam seu “(...) interesse pelo magistério desde a infância”. No entanto, Elza destaca também a vocação, como aspecto que contribuiu para continuar exercendo as atividades em sala de aula. De acordo com Souto (2008b, p. 238) “(...) uma parte das mulheres atribuiu a vocação como responsável pela escolha profissional, o que reforçou a concepção de ser o magistério um campo de trabalho preferencialmente feminino”. Isso pode sugerir a permanência, entre as docentes, de uma concepção do magistério como sacerdócio dedicado à educação. Essa compreensão, segundo Lüdke e Boing (2004, p.1160) dificulta o desenvolvimento de uma identidade profissão do educador que ainda se mostra presente no Brasil, e que pode ser lida como uma possível decorrência das influências recebidas, no período colonial, do modelo de educação da metrópole portuguesa. Diferentemente das afirmações anteriores a colaboradora Emília declara que o seu encaminhamento para a carreira do magistério não foi uma escolha própria e sim partiu de um direcionamento dado pelos familiares. A sua mãe via na docência, uma maneira de assegurar emprego para suas filhas e, consequentemente, era um modo de proporcionar uma estabilidade socioeconômica naquele contexto interiorano. 30 1.2 Os espaços de construção desta pesquisa colaborativa A partir desse momento, faremos uma breve narrativa dos espaços em que foram construídas colaborativamente as atividades de investigação. Enfatizamos a apresentação do município de Arez/RN, a caracterização histórica e física da Escola Estadual Jacumaúma e os lugares em que se deram as entrevistas individuais, as sessões reflexivas e as observações colaborativas. O município de Arez está localizado no litoral leste do Rio Grande do Norte, na Mesorregião Leste Potiguar, distante 60 quilômetros ao sul da capital, Natal. Sua população é de aproximadamente 12 mil e 924 habitantes (RESULTADO DO CENSO 2010). A maioria deles reside na área Urbana, que possui cerca de 8 mil e 80 pessoas. Há sete escolas municipais e uma estadual que atendem ao Ensino Fundamental. Para o Ensino Médio só existe uma instituição de ensino, a Escola Estadual Jacumaúma. Nela se deram os nossos trabalhos de pesquisa. A área territorial de Arez é de 113 Km². De acordo com dados do IBGE (RESULTADO DO CENSO 2010) as principais atividades econômicas concentram-se no setor agroaçucareiro e na carcinicultura. O cultivo e beneficiamento da cana-de-açúcar acontecem em engenhos e na Usina Estivas. A criação de camarão ocorre em viveiros construídos nas margens do rio Jacú e da laguna de Guaraíras. Os engenhos estão localizados na zona rural do município e produzem, principalmente, mel e rapadura. A “Usina Estivas” pertence ao grupo “Biosev” e fica as margens da BR 101, na Vila Estivas. Ela é considerada a maior empresa no setor açucareiro do Rio Grande do Norte, contabilizando em torno de 60% do processamento da cana-de- açúcar do Estado. Durante as safras anuais, ela é responsável por empregar cerca de 3 mil pessoas de Arez e das circunvizinhanças. A criação de camarão ocorre de modo predominante em fazendas de pequeno e médio porte espalhadas em um espaço de oito quilômetros em torno da laguna de Guaraíras e do rio Jacú. É a segunda atividade econômica que mais emprega pessoas em Arez, cerca de 500 funcionários. O início da carcinicultura no município ocorreu em 1993, quando houve a instalação de uma empresa estrangeira denominada “Tecnarão” (Tecnologia de Camarão) que motivou a substituição da criação de peixes pela de camarão. (IDEMA, 2013) A História educacional do município de Arez se confunde com sua origem e formação no período colonial. No primeiro momento, no século XVII e meados do XVIII, 31 como aldeamento de Índios, sob orientação, dos padres Jesuítas. Nesta aldeia, denominada de São João Batista dos Guaraíras, os nativos eram catequizados e praticavam ofícios manuais. Uma das ocupações que os indígenas eram instruídos ocorria nas oficinas dos sacerdotes inacianos, onde aprendiam a esculpir imagens sacras para as Igrejas locais. Cascudo relata sobre os aspectos da situação educacional do aldeamento nos primeiros anos de 1700: “Estavam na escola 87 rapazes e 89 raparigas. Aprendiam a fiar, tecer e coser. Nove outros se exercitavam em vários ofícios” (CASCUDO, 2000, p. 60). Com a expulsão da Companhia de Jesus pelo governo da metrópole Lusitana dos territórios de domínio português, os missionários inacianos tiveram de deixar o território de Arez, que a partir do alvará régio de oito de maio de 1758 foi elevada à categoria de vila colonial. (BARBALHO, 2005) Na última década do século XIX, foram fundadas duas escolas primárias. Uma para meninas e outra para meninos. Estas instituições eram mantidas pelo governo do Estado do Rio Grande do Norte. No ano de 1914, padre Fortunato Leão inaugurou uma escola paroquial que tinha como intuito atender alunos no turno noturno. (BARBALHO, 2005) O espaço físico, no qual funcionavam as aulas era o antigo convento dos padres Jesuítas, localizado no centro da cidade. Este ato foi publicado na imprensa do período, da seguinte forma: “Sob os auspícios e direção do Padre Fortunato A. de Areia Leão, instalou-se ontem aqui em Arez num dos salões do antigo convento, uma aula paroquial noturna com matrícula de 21 alunos pobres” (JORNAL DE NATAL, Apud BARBALHO, 2005, p. 84). A Escola Estadual Jacumaúma foi fundada em 1910, sendo oficializada pelo decreto nº 243 de 4 de março de 1911, com o nome de Grupo Escolar Jacumaúma. O nome da instituição foi dado em homenagem a um índio, chefe de uma das tribos, que existiram nas margens do Rio Jacú. (ALFRÊDO, 2000) No momento de sua criação ela funcionava em um casarão colonial localizado na Praça Getúlio Vargas e que atualmente sedia a Câmara Municipal de Arez. Até a década de 1940, o espaço físico era composto por duas salas de aula e um banheiro e os recursos humanos se resumiam apenas a dois professores. A mudança para o prédio atual, localizada na Avenida Leônidas de Paula, no centro da cidade, aconteceu no ano de 1952, na gestão do governador Sílvio Pedroza (1951-1956). Nesse momento, também houve a ampliação do número de docentes, passando para oito professores, que recebiam alunos para o Ensino Primário. (ALFRÊDO, 2000) 32 ACERVO – Secretaria da Escola Estadual Jacumaúma – Arez, RN. FOTO 1 – Prédio do Grupo Escolar Jacumahuma, até ano de 1952. Atualmente, a câmara municipal de Arez-RN. A escolha dessa Escola ocorreu pelo fato de ela, desde o ano de 2009, estar passando por transformações no seu foco de atuação. Antes desse período, a clientela atendida era restrita ao Ensino fundamental I e II. Depois passou a receber alunos do Ensino Fundamental II, no turno Vespertino, e do Ensino Médio, no Matutino e no Noturno. A organização escolar ainda está passando por transformações para se adaptar a essa realidade, tanto no tocante aos espaços físicos, que estão para ser ampliados, quanto de recursos humanos, inclusive no deslocamento dos professores do segmento do Ensino Fundamental para o Ensino Médio. A pesquisa torna-se importante, nesse contexto de transformações, pois pode mostrar como os professores de História, nesse espaço de modificações curriculares, mobilizam os seus saberes para lidar no Ensino Médio. 33 ACERVO – Secretaria da Escola Estadual Jacumaúma, Arez-RN. FOTO 2 – Prédio atual da Escola Estadual Jacumaúma, 22 de outubro de 2007. No que concerne às características físicas, a Escola Jacumaúma possui seis salas de aula, uma da direção, uma de professores, uma de informática, uma biblioteca, uma cozinha, dois banheiros para os funcionários e dois para os alunos e um pátio para realização de eventos. Os alunos que aí estudam são oriundos tanto da sede do município de Arez, como das suas dez comunidades rurais. Segundo dados da secretaria da escola no ano de 2012, eram mais de um mil (1000) discentes matriculados em seis turmas de Ensino Fundamental e dezesseis de Ensino Médio. Devido à carência de espaço físico, neste mesmo ano, a instituição de ensino teve que utilizar quatro salas de aula da Escola Municipal João Guió. Ao todo são vinte e seis professores que trabalham na Escola Estadual Jacumaúma, sendo três na área de História. No desenvolvimento da pesquisa de campo alguns espaços dessa Escola foram assumindo significados para nós em decorrência das interações humanas existentes, que contribuíram para construção das fontes de investigação. O primeiro deles foi a Biblioteca Escolar Dr. Pedro Lins, lugar que nos foi cedido para a realização das entrevistas individuais com os colaboradores e para as sessões reflexivas. Nos momentos em que estivemos nesse ambiente em interações com os colaboradores pudemos perceber o quanto a vontade de conhecer está presente nos nossos alunos, uma vez que era frequente a presença dos discentes, fazendo leituras e também procurando ou devolvendo livros. Além disso, foi nesse local que compreendemos o quando as relações dialógicas com os docentes do Ensino Básico podem contribuir para formação de 34 conhecimentos sistematizados, que levem em consideração a relação entre prática-teoria e teoria-prática. Os outros espaços foram as salas de aula da 1ª série “A”, no turno matutino, em que observamos a prática da partícipe Elza. Podemos destacar que o cotidiano nela era bem intenso, uma vez que os alunos mostravam-se participativos nas aulas, interagindo entre si e com a professora de História, mas também, em outros momentos, mostravam-se bastante inquietos com o desenvolvimento das atividades na classe. Os discentes, em sua maioria, eram alunos na zona urbana do Município de Arez e foram alunos da própria instituição, quando faziam o Ensino Fundamental II. Na sala da 3ª Série “B”, no turno noturno, acompanhamos a colaboradora Emília. Nesse espaço, percebemos uma turma com alunos que vinham das comunidades rurais do município e que durante as aulas de História observadas demonstraram interesse pelos temas desenvolvidos, contribuindo assim com a docente para o bom desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem. Já na sala da 2ª Série “D”, ao observar as ações do partícipe Sérgio, vemos discentes que passaram algum tempo sem estudar e vieram da modalidade EJA e de Programa de incentivo à educação como o ProJovem Urbano. Enfatizamos a respeito desses alunos, a aspiração e o esforço de continuar estudando e de concluir mais essa etapa do processo formal de educação, o Ensino Médio, mesmo com as rotinas de trabalho e de obrigações familiares. Além dessa introdução, na qual discutimos a contextualização da temática, a apresentação dos colaboradores e os espaços em que se desenvolveram as investigações, esta dissertação é composta de mais três capítulos e das considerações finais. No primeiro capítulo, debruçaremos-nos nas características da abordagem metodológica escolhida e sua contribuição para o campo do conhecimento sobre o Ensino de História; os passos dados para construção da pesquisa de campo; e a compreensão dos tipos de reflexão e colaboração desenvolvidas durante a investigação colaborativa pelos partícipes. No segundo capítulo, propomos uma discussão sobre os saberes que os professores interioranos de História estão mobilizando para realização de suas atividades no cotidiano de suas práticas em sala de aula. No terceiro capítulo realizaremos uma representação das maneiras que o conhecimento histórico escolar é construído, no Ensino Médio, por esses professores interioranos. Nas considerações estarão pontuadas de modo sucinto as impressões sobre o processo de pesquisa, as dificuldades encontradas e os caminhos que levaram a sua superação. 35 2. UMA PRÁTICA COLABORATIVA DE PESQUISA COM PROFESSORES DE HISTÓRIA Nós Já começamos colaborando (...) a questão de a gente estar trocando ideias, da gente está adquirindo novos conhecimentos um com outros nessa troca, nós estamos também de certa forma colaborando. (Colaboradora Elza, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012) Eu também achei bem positivo as trocas de informação, as leituras, as discussões que puderem ser levantadas e para a produção histórica isso é mais que fundamental. (Colaborador Sérgio, 6ª Sessão Reflexiva em 07/11/2012) Isso foi valioso nesse ponto de vista de você poder sentar com outros professores da área de História e vê assim o trabalho do outro e como troca de experiência também é bom, você ganha experiência. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) Na introdução, fomos construindo o texto seguindo três pontos norteadores: a discussão em torno do tema, os sujeitos com quem realizamos as investigações de campo e os espaços que se tornaram significativos para e na concretização dos passos da formação das fontes documentais para elaboração dessa dissertação. Ao iniciamos este capítulo com as citações acima, encaminharemos-nos por traçar os aspectos metodológicos dessa investigação e suas possíveis contribuições para a produção de conhecimento no campo dos estudos sobre o Ensino de História. Princípios teórico- metodológicos estes que possibilitem a elaboração de trabalhos, que levem mais em consideração a construção de relações dialógicas e democráticas entre professores e entre professores e pesquisadores na tomada de decisões no processo da investigação acadêmica. Depois, descrevemos a metodologia dos trabalhos desenvolvidos na Escola Estadual Jacumaúma, priorizando os procedimentos, os instrumentos e também a justificativa dos partícipes para tomada de algumas decisões durante as estratégias desencadeadas. Compreendemos ser tais informações significativas, em decorrência da especificidade da metodologia da pesquisa colaborativa. Visto que suas táticas são pensadas não só no sentido de construir fontes para serem analisadas e contribuírem na elaboração do texto acadêmico escrito, mas, sobretudo, com a finalidade de contribuir na formação continua do professor, possibilitando-lhe maneiras de reconstrução de sua prática cotidiana, nesse caso, na disciplina de História. Portanto, essa parte não tem o poder e nem o intuito de congelar o processo da 36 investigação de campo a um item, mas o de familiarizar o leitor com a complexidade da metodologia que nos apoiamos. Por fim, buscamos entender quais tipos de reflexão e de colaboração predominaram no desenvolvimento da investigação entre os partícipes da pesquisa, professores interioranos de História. Este passo se mostra importante, pois emerge da própria natureza da investigação colaborativa, que, no processo de produção do conhecimento e da formação, por meio do dialogismo, ou seja, das falas dos professores-colaboradores, tenta perceber as etapas de formação dos conceitos científicos por eles elaborados. 2.1 A pesquisa colaborativa e a investigação no ensino de História Nesta parte do texto discutimos algumas características da abordagem metodológica que escolhemos para realização dessa pesquisa e suas possíveis contribuições para a construção do conhecimento em investigações que tenham como tema de pesquisa o Ensino de História. Se formos reconstruir a trajetória da pesquisa qualitativa, veremos que ela teve sua origem no século XIX nos Estados Unidos, quando se começou a fazer investigações sociais para analisar os problemas provocados no cotidiano pelas transformações advindas da industrialização, da urbanização e da imigração nesse país. Nesse período, como afirma Esteban (2010, p. 78) “Frenchman Frederick LePlay estudou as famílias de classe operária por intermédio da observação participante, observando em contextos como o trabalho, o jogo, a igreja e a escola (...)”. Porém, só a partir dos anos de 1960, envolvidos pelas mudanças sociais que essa década proporcionou, os pesquisadores da educação abriram-se mais aos métodos qualitativos de investigação. A adesão conseguida por essa abordagem, nesse período ocorreu “(...) devido ao reconhecimento que emprestavam às perspectivas dos mais desfavorecidos e excluídos socialmente – os que se encontravam “do outro lado.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 38) Mesmo com a diversidade de características e vertentes da pesquisa qualitativa, podemos aqui destacar alguns atributos comuns que perpassam a maior parte das investigações nesse tipo de abordagem. O trabalho de campo, compartilhando dos significados dos locais de pesquisa; a utilização de entrevistas, observações participantes; preocupação com a descrição minuciosa de atitudes, gestos, conversas e diálogos. Essa necessidade de registrar cada aspecto que acontece no ambiente de investigação ocorre, pois a 37 abordagem qualitativa “(...) exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49) Também, nos chama a atenção na abordagem qualitativa a sua preocupação com o processo de investigação. O pesquisador não se preocupa apenas em relatar os resultados finais de seu estudo, mas tem a inquietação de elucidar os leitores sobre o trajeto delineado até chegar às considerações finais. Por este motivo, os investigadores na escrita de seus trabalhos buscam mostrar as suas expectativas, dificuldades e procuram esclarecer que suas teorias foram sendo elaboradas a partir do momento em que foi construído suas fontes no campo de pesquisa na interação com os colaboradores. Sendo assim “Os investigadores qualitativos estabelecem estratégias e procedimentos que lhes permitam tomar em consideração as experiências do ponto de vista do informador.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 51) Especificamente, com relação à investigação colaborativa na área de Educação, esta considera os professores ou partícipes como produtores de saberes, tomando tais sujeitos como primordiais para a construção dos conhecimentos. Ao haver a interação entre docentes e pesquisadores produzem-se novas teorias e ideias sistemáticas acerca de suas práticas profissionais. Esse tipo de pesquisa solicita dos partícipes que se engajem no processo de reflexão sobre determinado aspecto de sua prática. Dessa maneira, percebemos que o processo colaborativo envolve uma relação dialética dos acontecimentos individuais com aqueles de caráter macrossocial. Segundo Ibiapina (2009, p. 22) a pesquisa colaborativa contribui “(...) assim, para concretização dos ideais de formação e desenvolvimento profissional e de produção de teorias mais próximas dos anseios sociais de mudança da sala de aula, da escola e da sociedade.” Além disso, a pesquisa colaborativa tem como um de seus intuitos construir nas escolas uma cultura de análise sistemática, possibilitando que os docentes, auxiliados por pares mais experientes ou por professores tornem-se capazes de ressignificar as suas práticas em sala de aula. Nesse sentido, observamos que esse tipo de investigação proporciona a interação entre todas as partes envolvidas na pesquisa. Professores-colaboradores e o colaborador-pesquisador compartilham, por meio do diálogo, seus anseios, suas expectativas, suas dúvidas no objetivo de colaborar na construção de ideias e teorias que sirvam para embasar suas práxis de modo mais significado e próximo das múltiplas realidades em que se insere o processo de ensino-aprendizagem. 38 Outro ponto importante da investigação colaborativa é que por meio dela encontramos a possibilidade de diminuir os muros que separam o espaço acadêmico do espaço das instituições escolares. Essas divisões construíram ideias distorcidas de que a função de produção de conhecimento era própria e até natural dos acadêmicos, enquanto a dos professores estava resumida em aplicar os resultados das pesquisas em sala de aula, por meio de técnicas pré-estabelecidas. Segundo Zeichner (1998, p. 213), (...) professores e acadêmicos trabalharam juntos como parceiros. Não há igualdade absoluta, uma vez que ambos trazem diferentes conhecimentos para a colaboração, mas há paridade no relacionamento e cada um reconhece e respeita a contribuição do outro. Em ambos os casos, professores e acadêmicos possibilitaram condições para o processo de reforma escolar. No entanto, de acordo com o próprio Zeichner (1998) não é qualquer tipo de pesquisa colaborativa que é capaz de proporcionar ao professor essa capacidade de se perceber como autor de sua própria prática e produtor de conhecimento, por meio da pesquisa no seu cotidiano escolar com a finalidade de ressignificar seus objetivos de ensino- aprendizagem na área em que exerce a docência. Para isso acontecer, o processo de construção da pesquisa tem de se comprometer com relações de poder menos opressivas e mais democráticas. Na prática, a afirmação anterior se materializa quando as decisões entre os diversos sujeitos da pesquisa são negociadas e tomadas coletivamente, fazendo assim com que as relações de poder fiquem diluídas ao máximo possível pelas negociações. Na expectativa de proporcionarmos, por meio da pesquisa, um diálogo que contribuísse para formação docente e para construção de conhecimento conjuntamente com os professores-colaboradores, apropriamos-nos das concepções que fundamentam a pesquisa colaborativa crítica. Esta possibilita, por meio de ações conjuntas e sistemáticas entre os sujeitos participantes da investigação, a reflexão constante dos docentes na e sobre a prática e sobre a reflexão da prática. Ferreira e Ibiapiana (2005, p. 32) ao discutirem a característica crítica da pesquisa colaborativa assim a definem: Trata-se, pois, de um processo sistemático de aprendizagem que utiliza a crítica orientada para a ação, de forma que esta se converta em práxis, na qual teoria e prática ampliam-se, complementam-se e transformam-se. A Reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo de sua experiência, supõe análise e uma proposta totalizadora que orienta a ação 39 para mudança. Não é conhecimento puro, nem individual, é a ação cultural que implica em mudança. Com relação ao processo de colaboração, durante a investigação colaborativa não existe a pretensão de que os professores-colaboradores tornem-se também pesquisadores, ou seja, que se engajem desde a construção dos referenciais teóricos para construção do objeto de pesquisa até construção dos trabalhos finais. Por conseguinte, no decorrer da realização dos trabalhos de investigação somos cientes que a colaboração dos pesquisadores está mais voltada para o papel de mediação por entender que devido a sua experiência, estes podem contribuir para construção de espaços e estratégias de reflexão sistemáticas sobre a prática docente. Sendo assim, esses espaços de reflexão planejados possibilitam aos colaboradores estabelecerem análises da prática, relacionando-as às teorias e ao, mesmo tempo, produzindo conhecimentos que se aproximam mais da realidade do cotidiano e da cultura escolar 3 de que fazem parte. Nesse sentido escreve Ibiapina (2009, p. 213), A habilidade do pesquisador consiste em propor aos professores atividades reflexivas que permitam, de um lado, satisfazer as necessidades de desenvolvimento profissional e, de outro lado, atender às necessidades de avanço do conhecimento no domínio da pesquisa no qual ele se inscreve. Já a colaboração dos professores-partícipes materializa-se quando estes se engajam nos processos de reflexão sistemática e, pensando sobre sua ação educativa, passam a compreender os motivos de agirem de uma determinada maneira e não de outra. Assim, podem perceber que os interesses por trás de suas rotinas em sala de aula, não envolvem apenas uma esfera de relação microssocial, mas se deslocam em um movimento entre as esferas micro e macrossocial de interesses. 3 Neste trabalho nos apropriamos do conceito de cultura escolar desenvolvido por Dominique Juliá (2001, 2002). Para este pesquisador cultura escolar define-se como um conjunto de normas que fixam conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de práticas que possibilitam a construção desses conhecimentos e a assimilação de tais comportamentos. As normas e as práticas devem ser percebidas na sua dimensão tempo- espacial. Para compreender significativamente a dinâmica escolar, as especificidades e multiplicidades das relações dos contextos educacionais devem ser levadas em consideração nas análises do espaço educacional, como também as finalidades e os conteúdos que formam as disciplinas escolares em cada momento histórico. Este pensamento foi propagado no Brasil, principalmente, por meio de dos seguintes textos: JULIÁ, Dominique. Disciplinas escolares: objetivos, ensino e apropriação. In: LOPES, Alice C.; MACEDO, Elizabeth (Org.). Disciplinas e integração curricular: história e políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 37 –71.; JULIÁ, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, SP, n. 1, p. 9-43, jan./jun. 2001. 40 A partir do momento em que os professores-colaboradores percebem as contribuições desses espaços conjuntos e coletivos de reflexão, colaboração e estudo em que lhes é dada a possibilidade de, por meio de ações dialógicas, concordar e discordar das opiniões e práticas vigentes abre-se para eles novos caminhos na profissão. Pois, sua vida profissional pode começar a ser marcada por rupturas com atitudes e hábitos, que tantas vezes eram praticados inconscientemente e que lhes tirava a autonomia e a capacidade de se perceberem como atores e artesãos que vão tecendo os caminhos complexos na construção de ações que poderiam mudar sua própria realidade educacional. Ao escreverem sobre como se dá a colaboração Ferreira e Ibiapina (2005, p. 33) enfatizam: (...) colaboração em qualquer contexto, seja de pesquisa, formação contínua, ou na sala de aula, significa agir no sentido de possibilitar aos participantes tornarem seus processos mentais mais claros, explicitando-os ao grupo e, dessa maneira, criando possibilidades de questionamentos, expansão e recolocação do que foi posto em negociação. Esse processo implica em conflitos propiciadores de oportunidades de compreensão crítica por parte dos envolvidos sobre o que está sendo discutido. Na pesquisa colaborativa a reflexão sistemática na e sobre a prática docente assume papel central, todavia este processo reflexivo não é concebido apenas de modo individual e particular. Os professores-colaboradores em espaços organizados e planejados são estimulados por meio do diálogo com outros pares a expressarem seus saberes, fazendo sobre eles exercícios constantes de descrição, interpretação, análise, confronto e reconstrução, que os levam a se perceberem como gerenciadores de suas atitudes profissionais. Sobre esse aspecto Alarcão (2011, p. 48-49) afirma: “Se a capacidade reflexiva é inata no ser humano, ela necessita de contextos que favoreçam o seu desenvolvimento, contextos de liberdade e responsabilidade.” A investigação colaborativa tem em sua natureza a preocupação de interligar a formação contínua dos docentes com a produção de conhecimentos científicos que aproximem, a cada momento, os saberes teóricos e aqueles da prática. Compartilhando das ideias de Pimenta (2009, p. 29) inferimos que é “(...) num processo de troca de experiências e práticas que os professores vão constituindo seus saberes como (...) aquele que constantemente reflete na e sobre a prática.” Nos dias atuais as pesquisas na área de Educação são envolvidas pelo compromisso de associarem a produção de conhecimentos e a formação contínua de 41 professores. Essa atitude se justifica pelo entendimento de que transformações profundas só podem acontecer no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula se for possibilitada aos envolvidos nesse contexto educacional – os docentes – a percepção de que eles são profissionais que estão constantemente cientes do inacabamento de seus saberes e práticas. Esta percepção faz com que os professores busquem, por meio de ações formativas, a construção de novos conhecimentos, baseados em posturas emancipatórias, que questionem atuações, ideais e posições que, até então, os encarceravam em práticas reprodutivistas e mecânicas, as quais foram adquiridas sem nenhum questionamento sobre os interesses ocultos por trás delas. Entendemos, então, que a pesquisa colaborativa tem esta dupla característica de pesquisar e formar, criando “(...) contextos para a colaboração com os participantes, negociação e compartilhamento de significados, envolve todos em possibilidades de questionamento ao relacionar práticas a teorias e interesses a que servem, propiciando transformações.” (MAGALHÃES, 2009, p. 237). No caso desse trabalho, a pesquisa colaborativa pode propiciar a compreensão de práticas e saberes envolvidos na construção do conhecimento histórico escolar por parte dos professores. Além disso, pode fazer com que os próprios docentes de História envolvidos na colaboração compreendam não só os aspectos externos de sua prática e de seus saberes, mas também os internos. As características externas são as que se relacionam à identificação das metodologias de aula e aos conteúdos desenvolvidos. As características internas, consideramos aquelas relacionadas à percepção de que os conhecimentos e as ações desencadeadas no exercício da docência em História servem à manutenção de interesses e poderes presentes nas relações complexas da sociedade. Tudo isso contribui para a formação de uma identidade profissional do professor de História, pois esta se constrói a partir das reinvenções, fundamentadas nas relações entre teoria e prática, que se manifestam em decorrência das necessidades educacionais e da sociedade, as quais vão emergindo nos diferentes contextos sociais. Para fundamentar essa afirmação nos apoiamos nas definições de Pimenta (2009, p. 19): Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. (...) Do confronto entre teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua História de 42 vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angustias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor. Só a partir desse exercício de reflexão interna e externa, propiciados nos espaços sistematizados pela pesquisa colaborativa é que os professores de História se sentirão com autonomia para construir mecanismos de questionamento e de transformação na sua ação cotidiana na educação escolar. Diversas pesquisas sobre o ensino de História no Brasil, ao enfatizarem as práticas dos professores, em sua maioria, apenas apontam a pouca autonomia destes em relação aos conteúdos ditos tradicionais e aos manuais didáticos 4 . Todavia, a preocupação em entender junto com os professores como foram formadas tais características de sua ação docente e, além do mais, de mediar propostas junto aos docentes de modificação de tal realidade na prática da História ensinada nas escolas se mostram incipientes em tais estudos. Sabemos que esta representação da realidade, em que os saberes produzidos na academia e os produzidos no espaço escolar são vistos em patamares distintos, foi uma construção aprofundada na área de História. Para iniciar transformações em tal concepção, a colaboração precisa efetivar-se usando procedimentos, que exercitem a reflexão crítica, sistemática e coletiva. Entre os recursos metodológicos, que podem ser usados nos processos colaborativos de investigação, destacamos as sessões reflexivas, as entrevistas individuais ou coletivas, a vídeo-formação, a observação colaborativa e as narrativas autobiográficas (IBIAPINA, 2008). Por meio desses procedimentos, os pesquisadores assumem, segundo Alarcão (2011), o compromisso de desenvolver estratégias que possibilitem aos professores expressarem, por meio da escrita ou do diálogo, suas impressões sobre a realidade educacional que os cerca, fazendo assim que haja na colaboração: As perguntas de descrição [que] situam-se ao nível do que os professores fazem ou sentem. As de interpretação vão mais longe e focalizam-se no significado das ações ou dos sentimentos. As perguntas de confronto trazem a novidade, e por vezes o incômodo, de outros olhares e podem vir a constituir-se como um rasgar de horizontes e início da mudança, da reconstrução e da inovação. (ALARCÃO, 2011, p. 62.) 4 Para termos uma visão mais aprofundada sobre o panorama e as características das pesquisas acerca do ensino de História no Brasil, indicamos as seguintes leituras: OLIVEIRA, Margarida Dias. Anotações acerca da constituição do ensino de história como objeto de pesquisa no Brasil. In: ANDRADE, João M. Valença; STAMATTO, Maria Inês S. (Org.) História ensinada e a escrita da história. Natal: Edufrn, 2009. p. 42-60. ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de história. Saeculum, João Pessoa, n. 6/7. Jan./dez. 2002. 43 No caso da nossa pesquisa, trabalhar os saberes e práticas docentes dos professores de História em uma perspectiva colaborativa nos faz pressupor que no momento em que os educadores exercem a docência, estudam sobre seus próprios saberes e ações. Assim, eles passam a serem mais motivados a produzirem novos conhecimentos, habilidades e competências, que se adéquam melhor à multiciplicidade de situações, à pluralidade da clientela estudantil e às especificidades da realidade econômica, cultural e social vivida dentro de um contexto distinto daquelas que constroem as teorias de ensino, os manuais didáticos e as diretrizes curriculares. 2.2 Os caminhos da colaboração Neste momento, discutiremos os passos dados para concretização das investigações de campo. O desenvolvimento da pesquisa na Escola Estadual Jacumaúma teve duração de sete meses, iniciando em abril e terminado em novembro de 2012. Durante esse período aconteceram as seguintes atividades: aplicação do questionário e da entrevista individual com os partícipes; as sessões reflexivas; e as observações colaborativas de aula. A pesquisa ocorreu mediante a realização de quatro procedimentos distintos, que se mostraram interligados para construção das fontes de informação. O primeiro momento da investigação aconteceu quando os professores-colaboradores responderam o questionário de perguntas (Anexo B). Esse procedimento teve como objetivo traçar um perfil dos sujeitos. O questionário foi organizado em quatro blocos de perguntas que relacionavam as respectivas informações: dados gerais dos colaboradores, como nome ou pseudônimo e lugar onde residia; suas formações escolares e universitárias; o tempo em que exercem a docência; e seus históricos de atuações como professores, enfatizando, aspectos relacionados aos lugares em que começam a atividade profissional e quanto tempo são professores de História. Uma vez mapeadas, tais informações tornaram-se importantes para conhecer aspectos gerais da carreira profissional dos colaboradores e para construção do roteiro semiestruturado para realização das entrevistas orais. Segundo Thompson (1992), para se preparar uma boa entrevista tem de se levar em consideração alguns pontos essenciais que precedem o momento em que o pesquisador fica de frente com seu entrevistado. O primeiro ponto é a preparação de informações básicas, por meio da leitura ou de outras maneiras. “(...) 44 A melhor maneira de dar início ao trabalho pode ser mediante entrevista exploratórias, mapeando o campo e colhendo ideias e informações.” (THOMPSON, 1992, p. 254). O segundo momento ocorreu por meio da entrevista individual com cada um dos partícipes. Para esse momento, foi utilizada da técnica da História Oral Temática, que consiste na construção de documentação referente à experiência social de pessoas e grupos, podendo ser usada juntamente com outros tipos de fontes para construção dos dados da pesquisa (MEIHY, 2000). Para Meihy (2000) em decorrência da expansão dos usos e discussões da História Oral em diferentes campos das ciências sociais houve um ressurgimento dos debates em torno do seu estatuto. A partir daí, esta abordagem passou a ser percebida de diversas maneiras nas discussões científicas, em alguns casos como método, em outros como técnica e até como uma disciplina. Sobre as características próprias que identificam cada um destes modos de conceber a História Oral nos escreve Meihy (2000, p. 31-32): Como método, a história oral se ergue segundo alternativas que a privilegiam como atenção central dos estudos. Trata-se de focalizar os depoimentos como ponto central das análises. Para ser valorizada metodologicamente, os oralistas centram sua atenção, desde o estabelecimento do projeto, nos critérios de recolha das entrevistas, no processamento delas, na passagem do oral para o escrito e nos resultados. Como técnica, contudo, deve-se supor que exista uma documentação paralela, escrita ou iconográfica, e que os depoimentos entrariam como mais um complemento. Por não aceitarem como um mero recurso “multidisciplinar”, muitos oralistas conferem à participação de meios eletrônicos e tecnológicos um estatuto de modernidade que em nível de opção disciplinar, formularia a história oral como um estudo com objeto definido e implicações filosóficas que teriam encaminhamento político. Nesse trabalho, nós a utilizamos como uma técnica qualitativa. Esta difere das quantitativas, pois não tem como característica trabalhar com dados de forma numérica, ou seja, não tem como preocupação construir informações que sejam quantificáveis e elencadas em números e tabelas. Mas sim, como afirma Aróstegui (2006, p. 515) sua função é verbalizar as informações. (...) podemos dizer que técnicas qualitativas seriam aquelas que não aspiram a medir na construção de dados. Sua aspiração é, portanto, a de classificar, tipologizar, reunir os dados em função de sua qualidade, de suas 45 características – o que exige primeiro do pesquisador uma tarefa de conceitualização -, classificando fenômenos de acordo com informações verbais ou verbalizando as informações numéricas. O intuito deste segundo momento baseou-se, principalmente, em compreender as necessidades de formação dos professores-partícipes e os seus conceitos prévios a respeito dos saberes que compõem sua ação docente. Visávamos definir um plano de ação que pudesse atender às expectativas profissionais dos docentes em torno de suas reconstruções profissionais e que, concomitantemente, oferecessem ao pesquisador as respostas necessárias para produção do conhecimento científico, posto que a pesquisa colaborativa, como afirma Ferreira (2007, p. 23): (...) propicia mesmo a convivência dialética entre os diferentes interesses do pesquisador e do professor participante. Enquanto para o pesquisador a busca do conhecimento co-construído, objeto de investigação será atividade de pesquisa, para os professores práticos a pesquisa é vista como uma ocasião de aperfeiçoamento, ou seja, uma atividade de formação. Além disso, a construção das narrativas por meio das entrevistas orais foram um dos elementos que auxiliaram no desencadeamento da reflexão por parte dos professores- colaboradores nas sessões reflexivas. Uma vez que dessas construções discursivas foram retiradas afirmações ou casos que demonstraram as maneiras como esses sujeitos foram e vão se constituído como professores de História no cotidiano de sua prática em sala de aula. Pensando, dessa maneira, compartilhamos das ideais de Alarcão (2011, p. 57), que ao escrever sobre as estratégias de pesquisa que propiciam o desenvolvimento de reflexões sistemáticas, diz que “(...) As narrativas revelam o modo como os seres humanos experienciam o mundo.” Para realização das entrevistas individuais, preparamos um roteiro semiestruturado de perguntas (Anexo C) contendo três eixos-temáticos. O primeiro versava sobre a formação docente dos professores-colaboradores; o segundo sobre os conhecimentos prévios destes acerca das concepções de História, ensino de História e de saberes docentes; o terceiro era dedicado a questões que envolviam as práticas docentes dos sujeitos partícipes da pesquisa na disciplina de História. A opção pelo roteiro de tipo semiestrurado, ou como alguns pesquisadores chamam roteiro semi-dirigido, não se deu de maneira natural. Levamos em consideração, que no transcorrer das entrevistas poderiam existir situações que nos fizessem refletir no sentido de 46 criar novas questões para o sujeito entrevistado, ou de retirar questões que já tinham sido contempladas em momentos anteriores da entrevista. Visando esta realidade complexa que ocorre nas situações de entrevista escolhemos esse tipo de roteiro, visto que seu caráter de flexibilidade não nos deixa demasiadamente fixos nas questões, como ocorre nos roteiros estruturados, e nem de sobremaneira soltos como nas entrevistas tidas como livres. Segundo Tourtier-Bonazzi (2006, p. 237) A entrevista semi-dirigida é com frequência um meio-termo entre um monólogo de uma testemunha e um interrogatório direto. (...) À medida que a entrevista prosseguir o roteiro terá às vezes que ser modificado; algumas questões se revelarão pertinentes, outras improcedentes. As entrevistas orais foram realizadas com os colaboradores, depois de conversas individuais com cada um deles. Nesse diálogo, buscamos conquistar a confiança e a proximidade desses sujeitos, mostrando-lhes o objetivo da entrevista, elucidando alguma dúvida e chegando um consenso de quais seriam as melhores datas e locais para a realização dessa etapa da pesquisa. O partícipe Sérgio foi o primeiro a ser entrevistado em um dia de quinta-feira, no turno noturno, na Biblioteca da Escola Estadual Jacumaúma. Esse ambiente foi propício para execução desse trabalho de pesquisa, visto que no momento em que está ocorrendo a aula esse lugar é pouco visado pelos alunos. A entrevista durou 44 minutos e 12 segundos. Depois, realizamos a entrevista com a partícipe Elza, em um dia de sexta-feira, em uma das salas da Secretaria de Assistência Social, no município de Arez, no turno vespertino. Esse lugar foi sugerido pela entrevistada, pois nele esta docente trabalha como coordenadora do Projovem. A gravação da entrevista foi de 50 minutos. A última entrevista foi feita com a professora Emília, em uma sexta-feira, na parte da noite, também na biblioteca da Escola Estadual Jacumaúma. A escolha desse horário ocorreu pelo fato da professora não ter dado aula depois do intervalo do turno noturno nesse dia. Esta entrevista durou 1 hora e 2 minutos. Para efetuar as entrevistas, utilizamos um gravador de MP5 da marca “Suzuki” e um telefone celular “Nokia X2”. A preocupação em levar mais de um aparelho ocorreu em decorrência da nossa necessidade em concretizar entrevistas que pudessem ser bem audíveis e ainda como alternativa viável para no caso de um dos aparelhos apresentar algum tipo de problema técnico. Após cada entrevista realizamos o processo de transcrição integral do discurso falado para o discurso escrito. Essa fase da pesquisa mostra-se relevante, como escreveu 47 Tourtier-Bonazzi (2006), uma vez que ela é tida como uma primeira parte da interpretação e recriação. Esse fato se justifica pelo argumento de que mesmo que a transcrição seja realizada da melhor maneira possível, esta não tem como reproduzir o discurso falado como ele era realmente. Terminadas as transcrições, entregamos para cada professor-colaborador uma cópia imprensa com sua entrevista para que eles pudessem fazer suas apreciações corrigindo, retirando e acrescentando as partes que considerassem necessárias. A concretização desse procedimento por parte dos sujeitos entrevistados se mostrou necessária, porque ela abriu espaço para os docentes exercerem certa autonomia e autoria sobre as informações por eles produzidas nos discursos orais. Além disso, com essa atitude as relações na pesquisa se construíram de modo mais democrático, pois não ocorreu a usurpação do discurso do outro e sim uma apropriação de sua produção discursiva com o seu devido conhecimento, análise e autorização. Essa prática já é realizada por pesquisadores que lidam com fontes orais. Como nos relata Tourtier-Bonazzi (2006, p. 240) [eles] “realizam uma transcrição literal. Numa segunda etapa, submetem-na à testemunha, que pode acrescentar, suprimir, corrigir, complementar, resultando daí uma transcrição mais rica.” Antes do término das investigações de campo, os professores-colaboradores foram entregando as transcrições das entrevistas. Em suas correções existiam, em sua maioria, modificações relacionadas a questões de uso de pontuação e retirada de alguns tipos de interjeições e cacofonias produzidas na formação das frases. Não houve, portanto, restrições ou acréscimos no conteúdo dos discursos, sendo autorizado integralmente o seu uso nesta dissertação. As observações colaborativas das aulas dos partícipes foram registradas no roteiro para observação (Anexo G) e por meio de uma filmadora da marca Sony DCR-SR21, e ocorreram de modo concomitante as sessões reflexivas. A finalidade da aplicação dessa técnica foi construirmos as fontes para refletirmos sobre aspectos da prática docente e da compreensão acerca da constituição do conhecimento histórico escolar a partir das aulas dos colaboradores. No entanto, observamos que essa parte não se limitou ao momento do exame dentro do espaço da sala de aula, posto que a observação, como afirma Ibiapina (2009), foi organizada em três fases: uma de pré-intervenção, na qual estavam presentes aspectos como os objetivos da observação, a seleção da turma e dos professores e o planejamento da metodologia do registro dos dados; a intervenção, no ambiente da sala de aula; e a pós- 48 intervenção, nas sessões reflexivas, discutindo juntos com os partícipes sobre aspectos evidenciados pelo pesquisador com base nas observações. Na observação colaborativa, a fase de pré-intervenção ocorreu na segunda sessão reflexiva, em que os colaboradores juntos, por meio dos diálogos, decidiram os dias da entrada em sala de aula, as turmas a serem observadas, os objetivos e os pontos a serem enfatizados. Então, depois das conversações decidimos que acompanharíamos as aulas na 1ª Série “A”, com a professora Elza; na 2ª Série “D” com o professor Sérgio; e na 3ª Série “B” com a professora Emília. O roteiro para observação em sala de aula ficou organizado em três partes: a dos dados gerais, em que continha aspectos como a identificação da turma e o número de protocolo da aula observada; a dos aspectos físicos destinada a descrever a organização da sala durante a aula e outros aspectos; e a das regularidades da prática, cujo intuito era delinear o tema da aula, as metodologias, os recursos didáticos utilizados, o desenvolvimento do conteúdo específico e as relações aluno-aluno e professor-aluno. Além disso, o período dessa intervenção ficou estabelecido em cinco semanas. Isso totalizou nas três séries do Ensino Médio um número de quinze aulas observadas. O registro dessas aulas ocorreu nos roteiros de observação e na filmagem, realizada por Jacielle de Lima com câmera de vídeo. Parte das informações contidas nesses instrumentos de investigação se transformaram em perguntas pedagógicas, que embasaram as indagações feitas para os colaboradores na quinta e sexta sessões reflexivas. Esses questionamentos buscaram, no momento da pós-intervenção, gerar não só uma descrição das práticas pelos sujeitos da pesquisa, mas uma reflexão na e sobre a sua própria ação, fazendo assim com que entendessem os significados, muitas vezes, pouco perceptíveis por eles próprios dos seus saberes e fazeres no cotidiano docente das aulas de História. Nesse sentido, apropriamo-nos das ideias de Ibiapina (2008, p. 94), “O procedimento da observação colaborativa auxilia o professor a rememorar sua prática por meio de diálogo volitivo com a realidade e ajuda-o a se apropriar do conhecimento e do saber-fazer inerentes ao processo de ensinar (...)”. A gravação dos vídeos das aulas dos professores-colaboradores aconteceu a partir das segundas aulas observadas em cada turma. Essa estratégia foi pensada e discutida entre os próprios colaboradores, que acharam mais adequado que nós entrássemos na primeira aula de cada turma sem a filmadora. Só depois que os alunos se adaptassem a nossa presença é que poderíamos gravar a dinâmica da prática docente em sala de aula. No processo de filmagem, 49 gravamos quatro aulas de cada um dos três colaboradores, totalizando doze aulas filmadas como pode ser visto na tabela1: Aula Observada Data Professor(a)-colaborador(a) Tempo de Gravação 1ª Observação 19/07/2012 Sérgio Não houve gravação 2ª Observação 26/07/2012 Sérgio 1h7m33s 3ª Observação 02/08/2012 Sérgio 1h12m55s 4ª Observação 09/08/2012 Sérgio 1h6m52s 5ª Observação 16/08/2012 Sérgio 1h16m16s 1ª Observação 16/07/2012 Emília Não houve gravação 2ª Observação 23/07/2012 Emília 1h8m17s 3ª Observação 13/08/2012 Emília 1h8m8s 4ª Observação 20/08/2012 Emília 1h11m3s 5ª Observação 03/09/2012 Emília 1h7m19s 1ª Observação 07/08/2012 Elza Não houve gravação 2ª Observação 14/08/2012 Elza 1h15m41s 3ª Observação 21/08/2012 Elza 1h15m34s 4ª Observação 28/08/2012 Elza 1h15m19s 5ª Observação 18/09/2012 Elza 1h15m55s Tabela 1 – Observações e filmagens nas salas de aula. O quarto momento que perpassou toda a pesquisa foram as sessões de estudo reflexivos, ou sessões reflexivas. Estes momentos são definidos por Aguiar e Ferreira (2007, p. 76) como espaços que, (...) constituem um procedimento complexo de construção, (re) construção de conhecimento e do próprio processo cognoscitivo, uma vez que as análises e discussões neles vivenciadas oportunizam, além da reconstrução de saberes, a reconsideração de valores, crenças e objetivos de ação, propiciando a opção por alternativas mais eficazes à solução dos problemas vivenciados no cotidiano de prática pedagógica. Essas sessões foram organizadas em seis encontros na biblioteca da Escola Estadual Jacumaúma. As sessões foram planejadas para que dela participassem todos os colaboradores. Entretanto, nem sempre isso se tornou possível (ver tabela 2). As sessões reflexivas iniciaram- se no dia 4 de julho e se estenderam até 7 de novembro de 2012. O propósito dessas sessões foi, por um lado, promover mediante a prática dialógica a compreensão dos saberes que os docentes de História consideram de referência para realização de suas atividades e, ligado a isso, perceber as relações construídas pelos partícipes no que concerne aos saberes experienciais ou práticos e aqueles, considerados por Tardif 50 (2011), como exteriores a sua ação, que são os ditos de natureza mais teóricos (saberes disciplinares, curriculares e pedagógicos). Por outro lado, buscamos também diminuir o distanciamento entre teoria e prática nas ações desenvolvidas pelos professores de História no Ensino Médio. Isso se deu, a partir dos estudos dos textos selecionados, em que se verificou a necessidade dos saberes teóricos para reconstrução da prática e também para construção de novas concepções teóricas e saberes mais próximos do cotidiano escolar 5 dos docentes de História. Sessões Data Colaboradores Tempo 1ª 04/07/2012 Emília, Elza e Chacon 1h20m53s 2ª 11/07/2012 Emília, Sérgio e Chacon 1h25m28s 3ª 08/08/2012 Elza, Sérgio e Chacon 1h9m 4ª 17/10/2012 Emília, Sérgio e Chacon 1h56m 5ª 24/10/2012 Emília, Elza, Sérgio e Chacon 2h20m 6ª 07/11/2012 Emília, Elza, Sérgio e Chacon 1h38m24s Tabela 2 – Sessões reflexivas. Na primeira e segunda sessão, tivemos como eixo-temático “Colaboração e Pesquisa Colaborativa”. Nosso intuito era construir os conceitos de colaboração e de pesquisa colaborativas e entender a contribuição dessa abordagem metodológica para produção de conhecimento e para emancipação profissional dos docentes. Para tentar nos aproximar dessa finalidade, estudamos as concepções principais que norteiam essa abordagem metodológica, tendo como referência um texto teórico, que foi compartilhado com antecedência para os partícipes. A leitura disponibilizada foi de um artigo de Ferreira e Ibiapina (2005), denominado “A pesquisa colaborativa na perspectiva sócio- histórica”. No primeiro encontro fizemos a leitura do escrito recomendado com os partícipes. Também orientados pelo roteiro das sessões (Anexo D), começamos a estabelecer o processo de reflexão, por meio das perguntas pedagógicas de caráter descritivo e de informação e interpretação. 5 Nesta dissertação, compreendemos “Cotidiano Escolar” como espaço onde são construídas e reconstruídas práticas e representações educacionais. Como nos coloca Macedo et al (2004) neste espaço/tempo é possível encontrar a esperança, a vontade de fazer; a criação de possibilidades, a busca de alternativas, a discussão, a memória de tantas propostas feitas e desfeitas, a crença na utopia. Sendo assim, as invenções cotidianas na escola representam as diferentes e diversas maneiras de os educadores e educandos responderem às políticas que chegaram ao ambiente escolar e a outras tentativas de instauração de poderes. Para aprofundar o tema: MACEDO et al. Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2004.; DURAN, Marília Claret Geraes. Maneiras de pensar o cotidiano com Michel de Certeau. Diálogo educacional. Curítiba, v. 7, n. 22, p. 115-128, set./dez. 2007. 51 No segundo encontro, demos continuidade a essas discussões, enfatizando indagações voltadas para confrontação e para reconstrução das ideias. Depois disso, aconteceu o momento de pré-intervenção da observação colaborativa em que conversamos sobre as características, datas, objetivos e pontos relevantes para intervenção em sala de aula, através da observação colaborativa. Os roteiros das sessões estiveram norteando todos os seis encontros reflexivos. Sua organização era fundamentada no princípio de perguntas pedagógicas. Estas se caracterizam por terem um objetivo formativo intencional e podem ser identificadas, segundo Alarcão (2011), em quatro vertentes, as quais nós nos apropriamos para esse trabalho, as descritivas, as interpretativas, as de confrontação e de reconstrução. Sendo assim, As perguntas de descrição situam-se ao nível do que os professores fazem ou sentem. As de interpretação vão mais longe e focalizam-se no significado das ações ou dos sentimentos. As perguntas de confronto trazem a novidade, e por vezes o incômodo, de outros olhares e podem vir a constituir-se como um rasgar de horizontes e início da mudança, da reconstrução e da inovação. (ALARCÃO, 2011, p. 62.) Sobre as perguntas de confrontação e reconstrução Liberali (2012) tece uma explicação mais significativa. Ela aponta como elemento principal da primeira a busca por fazer os partícipes compreenderem que suas ações profissionais não são apenas um ato isolado, mas sim uma expressão histórica. Já a segunda indagação tem como concepção central a necessidade de se estabelecer a emancipação dos professores por meio do entendimento de que as práticas acadêmicas e escolares não são dogmas imutáveis e que, reconhecendo isto, os docentes têm o poder de contestá-las para assim poder consolidar significativamente o processo de ensino-aprendizagem. Como podemos ler adiante: O confrontar estaria ligado ao fato de o praticante submeter as teorias formais que embasam suas ações, assim, com suas ações, a um questionamento que busca compreender os valores que servem de base para seu agir e pensar. Refere-se ao entendimento das ações e teorias em contexto histórico (...). É no confrontar que se percebem as visões e ações adotadas pelos professores, não necessariamente como preferências pessoais, mas como resultantes de normas culturais e históricas que foram sendo absorvidas. (LIBERALI, 2012, p.54.) No reconstruir, nos colocamos na história como agentes, passamos a assumir maior poder de decisão sobre como agirmos ou pensarmos as práticas 52 acadêmicas. Como praticantes emancipados, passamos a ter maior controle sobre nossa prática através de autogerenciamento, autorregulação e autoresponsabilidade. (LIBERALI, 2012, p. 66) O estudo e produção do conhecimento sobre o conceito de pesquisa colaborativa e colaboração, nesse momento da investigação de campo, justifica-se pelo fato de que é necessário que todos os membros da pesquisa estejam cientes do que estão participando e quais contribuições tais atividades de investigação podem trazer não só para eles próprios, mas para sua atuação profissional e para o espaço escolar em que estão inseridos. Consciente disso, podem até optar por continuar na pesquisa ou deixá-la. Ademais, Nesses contextos formativos com base na experiência, a expressão e o diálogo assumem um papel de enorme relevância. Um triplo diálogo poderei afirmar. Um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência e o dialogo com a própria situação, situação que nos fala (...) (ALARCÃO, 2011, p. 49). Já na terceira e quarta sessões reflexivas o eixo-temático foi “Saberes que compõem a prática docente”. Seguindo passos semelhantes ao do encontro anterior, compartilhamos um dos capítulos do livro de Pimenta (2009), intitulado “Formação de professores: identidade e saberes da docência”. Neste terceiro encontro buscamos compreender os saberes que se tornaram referências para atuação docente em sala de aula pelos colaboradores. Para isso, utilizamos também as perguntas pedagógicas descritivas e de informação e interpretação (Anexo E), buscando estabelecer relações com as falas advindas das entrevistas individuais feitas anteriormente. No quarto momento, prosseguimos com as discussões sobre os saberes docentes, com ênfase nos aspectos de confrontação e reconstrução. Para realizar os objetivos inerentes a essas indagações pedagógicas trouxemos para os partícipes uma das respostas, que cada um deles havia construído, nas entrevistas individuais a respeito dos saberes e fazeres do professor de História 6 . Pedimos, então, que a partir da leitura dessas respostas, os colaboradores pudessem ir refletindo sobre as relações entre sua entrevista, o texto estudado e as transformações ou reconstruções que eles realizariam em suas concepções de saberes docentes depois das discussões e das leituras no grupo. 6 A pergunta é do Roteiro de Entrevista Semiestruturada (Anexo C), que tem o seguinte enunciado: Em sua opinião, o que um professor (a) de História deve saber e fazer para ser um bom professor de História?. 53 Terminado esse momento, dialogamos com os partícipes sobre qual das aulas gravadas eles escolheriam para serem construídos os videoteipes, que compartilharíamos com os outros sujeitos nas duas próximas sessões. Essas representações da realidade em sala de aula, por meio das filmagens, foram trabalhadas nas sessões de videoformação com o intuito de colocar os professores-colaboradores frente à imagem do seu fazer, impulsionando-os a refletir intrapsicologicamente. “Essa estratégia faz com que os professores alterem o nível de percepção de suas práticas, ampliando a consciência profissional.” (IBIAPINA, 2008, p. 79). Após, o diálogo, a partícipe Emília escolheu para o momento da vídeoformação a aula de Protocolo nº 3(3); o colaborador Sérgio a aula de Protocolo nº 2(2); e a partícipe Elza a de Protocolo nº 5(1) 7 . Para realizar esta seleção os partícipes apoiaram-se nas seguintes justificativas: Eu quero dizer, que escolhi [aquela] que eu achei que foi a aula, que eu me dei mais mal se eu fosse me avaliar. Depois que terminei disse essa aula foi tão chata, poderia ter sido melhor. Teve outra que eu achei melhor, mas eu achei interessante a gente olhar o que não foi tão, na minha concepção legal, porque a gente vai observando mais sobre coisas que a gente comete no dia-a-dia e deveríamos melhorar. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) Eu achei que foi assim uma das aulas mais interessantes (...) Tinha a dos questionários e a dos seminários, entre as duas, eu achei que a dos seminários fosse uma que tivesse mais argumentação para se discutir aqui. (Colaboradora Sérgio, 6ª Sessão Reflexiva,em 07/11/2012) Porque no momento eu tinha trabalhado várias aulas, como foi [aula] uma diferente. Aí, eu disse não, eu acho que vou colocar essa, por uma questão mais do movimento, da participação, porque as outras, como você estava lá, não foi tão agradáveis. Eu já fui o contrário de Emília e escolhi a melhorzinha em relação as outras. (Colaboradora Elza, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) A quinta e sexta sessões reflexivas tiveram como eixo-temático “A Compreensão de Fragmentos de Práticas das Aulas de História e a Construção do Conhecimento Histórico Escolar” foram norteadas pela estratégia da videoformação. Nelas houve a apresentação das partes selecionadas das aulas dos três partícipes, para que, por meio dessa atividade pudéssemos discutir fragmentos das aulas observadas e os processos relacionados à construção e reconstrução do conhecimento histórico escolar pelos professores-colaboradores. Essa estratégia da videoformação torna-se viável para a pesquisa em Educação, pois ela possibilita um distanciamento dos professores de História de uma realidade tão familiar a 7 Esses Protocolos estão presentes em cada Roteiro de Observação colaborativa. O primeiro número se refere à ordem da aula observada e o segundo a Série. Exemplo: 5(1) Quinta aula observada na 1ª Série do Ensino Médio. 54 eles, cuja intimidade, tantas vezes, não os motiva a questionar as ações do seu cotidiano escolar. Além disso, tal recurso concede imagem muito aproximada do real, o que propicia aos docentes a oportunidade de atingir nível de análise mais aprofundado sobre suas práticas. Para Perrenoud (2001) a videoformação torna-se um mecanismo fecundo para tomada de consciência e para mudança dos habitus docentes. Como afirma este autor: “(...) as experiências de videoformação desenvolvidas na França (...) parece-me um procedimento promissor para facilitar a tomada de consciência mais do que para padronizar as condutas” (PERRENOUD, 2001, p. 179). Nesse encontro, os partícipes buscaram compreender sobre suas próprias práticas e a dos parceiros, por meio de um exercício que envolveu as reflexões intrapsicológica e interpsicológica 8 . “A imagem no vídeotipe permite que o professor realize análise mais objetiva da atividade docente” (IBIAPINA, 2008, p. 81). Além disso, fez com que cada partícipe se distanciasse de sua práxis e assim fosse capaz de teorizá-la e também de transformá-la no seu dia-a-dia na escola. As discussões desenvolvidas nessas duas últimas sessões reflexivas tiveram como texto referencial para o estudo, o capítulo denominado “A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula”, escrito por Maria Auxiliadora Schmidt (2010). 2.3 Um percurso colaborativo dialógico: a construção da reflexão Nesta parte, tentamos nos aproximar dos tipos de reflexão e colaboração desenvolvidas pelos colaboradores no decorrer das sessões reflexivas. Pretendemos mostrar os enunciados mais significativos dos sujeitos para podermos compreender como foi se construindo a predominância de certas categorias de reflexão e colaboração por cada um deles. 8 No entendimento de Ibiapina (2009) a reflexão é uma atividade mental que implica um olhar para dentro de nós mesmos, em que se questionam pensamentos, teoria formal e experiência concreta. Mas que possuem duas dimensões de movimento um interpsicológico que envolve olhar para fora, em que se refletem e retratam os conteúdos externos que contribuíram para construção de certas convicções, práticas e valores; e um intrapsicológico que se volta mais para refletir sobre os aspectos internos, individuais e subjetivos responsáveis pela construção dos sentidos e significados existentes no contexto sócio-histórico. 55 2.3.1 Emília: A construção de uma reflexão crítica A colaboradora Emília, nos primeiros encontros reflexivos, ao definir sua concepção prévia acerca de colaboração enfatiza aspectos relacionados com a troca, com o se doar e ajudar ao outro. Para ela, sua ideia com relação à colaboração provinha do dia-a-dia mesmo, de sua experiência de vida, pois não se lembrava de ter realizado leitura sobre esse tema. Nesse sentido, compreendemos que nesse conceito inicial desenvolvido pela partícipe podemos perceber forte influência de argumentos do senso comum, pois, como afirma Liberali (2012, p. 28), “Há a clara tentativa de compreender as ações a partir de sua experiência e conhecimento de mundo.” Partindo de uma visão essencialmente pragmática, como podemos observar adiante, A concepção de colaboração está muito dentro dessa fala aí de ajudar o outro, de chegar junto (...) colaborar eu acho que vem de troca mesmo, é você trocar com o outro, mas pode ser também mais dá, quando você colabora, você dar mesmo. (Colaboradora Emília, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012). Vem mais da experiência de vida mesmo, das coisas que a gente passou pelas campanhas de ajuda às pessoas, dentro da igreja, quando a gente foi construir o templo, todo mundo ajudava, o pastor faz a solicitação de uma campanha para o piso, para o teto, para cobertura (...). Então, todo mundo colabora. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012). Todavia, com o desenvolvimento das discussões em grupo e com a apropriação de certas concepções presentes no texto indicado para leitura, a argumentação da colabora Emília sobre a colaboração vai se modificando. E, consequentemente, percebemos uma ampliação de sua visão com relação a certas rotinas da escola, que poderiam sofrer transformações por meio de processos colaborativos de estudo e de reflexão. Eu acho que nessa fala de observar a realidade, de partir do contexto, de você eleger coisas que vão melhorar de você descobrir parceiros, ter as pessoas do seu lado para trabalhar juntos e refletir juntos. Isso aí dentro para mim não era uma ideia antiga, é uma ideia desse momento, porque antes havia uma compreensão de pesquisa (...) meio que distante. (...) mas só que ela [a pesquisa colaborativa] com essa cara de trabalho ativo, de trabalho consciente e que tem de ter esforço e vontade e que as condições precisam ser criadas para isso (...) tem de ter vontade, esforço pessoal e tem de ter assim a capacidade de ouvir o outro, de colocar o que você pensa e também ouvir a outra pessoa. Na pesquisa colaborativa, o objeto de pesquisa é o professor, mas, ao mesmo tempo, que ele é objeto de pesquisa, ele está crescendo, porque ele está ganhando com isso. Não em uma concepção de pesquisa anterior, mas de uma concepção de pesquisa de colaboração (...) você aproveita o momento de uma leitura, de uma discussão para apreender. (Colaboradora Emília, 56 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012). Na sua conceituação posterior sobre a colaboração verificamos uma desvinculação apenas das questões voltadas da ação concreta do cotidiano e o estabelecimento de possíveis contribuições dessa prática colaborativa para a atuação docente em seu trabalho na escola. Dessa maneira, a colaboradora Emília passa a entender “(...) que pesquisar colaborativamente exige o envolvimento de professores da escola e da universidade em projetos que enfrentem [...] o desafio de mudar as práticas escolares e de contribuir para o desenvolvimento de seus participantes”. (IBIAPINA, 2009, p. 211). Essa partícipe passa a perceber que colaboração requer uma observação a priori da realidade, para a partir disso, elencar pontos sobre os quais faz-se necessário agir de modo coletivo e sistematizado. Isso exige que sejam criadas oportunidades para realizar as discussões nos encontros de estudo sobre os temas priorizados. No entanto, essa colaboradora reconhece que para isso se concretizar torna-se necessário ter vontade para superar até a si próprio e as outras circunstâncias para assim assumir as responsabilidades próprias do processo de colaboração. Além disso, a partícipe Emília aponta também, que os momentos de estudo em grupo são interessantes e os percebem como uma necessidade para os participantes da escola. Mesmo, insistindo em suas afirmações de que os professores envolvidos na pesquisa colaborativa são objetos de estudo, ela identifica outras características que são próprias dos participantes nas práticas colaborativas, como a postura mais ativa dos sujeitos no desenvolvimento da investigação, por meio da participação nos diversos momentos da pesquisa, e a oportunidade de estarem em grupos fazendo leituras e interagindo com os parceiros. Para ela isso não era perceptível nos outros tipos de investigação. De fato, colaborar não significa que todos devam participar das mesmas tarefas e com a mesma intensidade, mas que, sobre a base de um projeto comum, cada partícipe preste sua contribuição específica, isto é, colabore para beneficiar o projeto. (IBIAPINA, 2009, p. 212). No desenvolvimento desse processo reflexivo, a colaboradora Emília estende sua compreensão com relação à contribuição das ações colaborativas, não só as atividades dos professores em sala de aula, mas sim como uma prática que pode contribuir para a compreensão e a busca de superação de problemas considerados tradicionais pela escola. 57 Logo, ao compreender a realidade, desse modo, a partícipe penetra no uso do raciocínio dialético, que destaca as possibilidades da modificação de problemas objetivos, por meio da interação subjetiva entre os membros do espaço escolar. Como escrevem Ibiapina, Loureiro Júnior e Brito (2007, p. 44): “(...) o processo dialógico, vivenciado com o outro, faz a mediação entre o mundo objetivo e o subjetivo, fazendo-o, ao mesmo tempo, apreender a realidade objetiva e transformá-la”. Na concepção da partícipe, as dificuldades enfrentadas pela escola, têm como origem a desconexão entre os vários sujeitos que a compõem, oriundas de uma tradição de trabalho individualizado dentro desse espaço. Essa afirmação vem ao encontro do pensamento de Alarcão (2011, p. 47), que defende que o professor não deve apenas refletir e trabalhar de maneira individual, mas que deve ser construído nas escolas espaços para reflexões coletivas. O professor não pode agir isoladamente na escola. É neste local, o de trabalho, que ele, com os outros seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Sobre este trabalho individualizado da escola Emília nos relata, Olhe eu faço o trabalho de uma maneira, Elza faz de outra [maneira]. É a mesma Escola com três posturas diferentes. A escola da manhã é uma, a escola da tarde é uma e a escola da noite é outra. (...) porque nós não temos um trabalho de colaboração. (...) E a escola tem os mesmos problemas de dez anos atrás. Problemas, principalmente, de questões humanas. Não estou nem falando de estrutura física, não. (...) Isso é explicado culturalmente, nós estamos acostumados a dar as ordens. Não é fácil trabalhar de maneira colaborativa, nós temos uma cultura de individualidade. A nossa própria forma de trabalhar o currículo, ela é compartimentada. O homem não é observado em suas várias dimensões. A sociedade não é observada nas várias dimensões. A dimensão política e a dimensão social. (Colaboradora Emília, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012). Há um reconhecimento por parte da colaboradora Emília da dificuldade de desenvolver na escola essa cultura de colaboração, pois há uma tradição de trabalho particularizado dos profissionais. Ela consegue perceber que isso se materializa na maneira como a escola se organiza, no caso dos currículos e disciplinas tão compartimentadas, que acabam dificultando os diálogos entre as diversas áreas do conhecimento escolar. Seu pensamento não se restringe apenas à ação imediata e às incertezas que esta gera na sala de aula, mas analisa e indaga as estruturas materiais dos trabalhos e os limites impostos a esses próprios fazeres. Dessa maneira verificamos que, “a reflexão amplia o alcance de nossas ações, pois contribui para que possamos compreender os efeitos que as estruturas materiais 58 exercem sobre a formação pela qual a própria prática é realizada” (IBIAPINA; LOUREIRO JÚNIOR; BRITO, 2007, p. 44) Você [professor] tem de ter a possibilidade se não deu certo ali, porque você depende das ações da Secretaria de Educação, mas a gente precisa ver como a gente vai fazer aqui, porque a gente não pode parar, porque quem dá a resposta imediata à comunidade é a escola. É a direção, é o professor, entende! (...) eu não conheço esse espaço da escola [a biblioteca]. Eu venho aqui, mas não conheço, eu nunca parei, eu nunca tive tempo pra vim aqui, pra pega os livros na área de História, de Literatura, por exemplo, pra fazer um trabalho coletivo com a professora de Literatura. (...) Existem algumas ações que precisam começar a acontecer pra criar no nosso aluno e criar na gente também essa postura de pesquisa. Não uma pesquisa a toa, mas uma pesquisa que vai colaborar com alguma coisa da aprendizagem do professor, do aluno, do crescimento da escola (...) (Colaboradora Emília, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012) Mesmo reconhecendo que tais dificuldades enfrentadas pela escola são oriundas da maneira como ela própria se organiza, essa colaboradora não acredita que a resolução desses problemas será resolvida de modo imediato. Segundo ela, a escola só possibilitará que o aluno tenha uma postura crítica e de produção de conhecimento no momento em que essa instituição motivar não só atividades em sala de aula, mas também momentos de formação de grupos de estudo entre alunos e professores e professores-professores com o intuito de aproximar as discussões do ambiente escolar da realidade social e econômica local, quebrando assim o distanciamento que foi construído entre o espaço escolar e o da sociedade da qual a escola é parte. Todavia, um dos empecilhos, em sua opinião, para que haja uma interação maior entre os diversos sujeitos da escola, para que se desenvolvam atividades sistemáticas de pesquisas e desenvolvimentos de projetos coletivos são as condições de trabalho recomendadas pelas esferas administrativas, como a Secretaria de Educação. Esta exige que o docente esteja sobrecarregado de disciplinas, ficando assim com o tempo comprometido para realização de outras atividades no espaço escolar. Ao se pensar, dessa maneira, levando em consideração aspectos não só da realidade mais próxima e sim indicando outros âmbitos da sociedade que acabam condicionando ações na Escola e, ligado a isso, construindo hipóteses que levariam a melhoria na organização do espaço escolar, essa colaboradora desenvolve uma postura crítica. Como nos mostra Liberali (2012, p. 32): Assumir uma postura crítica implica ver a identidade dos agentes como intelectuais dentro da instituição e da comunidade, com funções sociais concretas que representam formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são seleções exclusões particulares da cultura mais ampla. Portanto, ao refletir criticamente, os educadores passam a ser 59 entendidos e entenderem-se como intelectuais transformadores, responsáveis por firmar cidadãos ativos e críticos dentro da comunidade. Essa partícipe também desenvolve a consciência de que não deve existir uma separação entre os conhecimentos teóricos e os das práticas, visto que são as interrelações entre eles que podem construir alternativas de ação para compreender e tentar modificar problemas existentes na Escola. Assim, podemos inferir que o processo de reflexão volitivo, grupal e sistemático propiciou a Emília a superação da visão de que os saberes teóricos são os únicos a legitimar as ações educacionais. A interação entre teoria e a prática, mediante o uso da criatividade e da criticidade, torna-se necessária para iniciar mudanças nas atividades que, tantas vezes, já se tornaram naturalizadas e até cristalizadas no ambiente escolar. Assim, como afirma Liberali (2012, p. 35), “(...) refletir seria uma possibilidade de emancipação, uma vez que não haveria uma simples sujeição às teorias formais, mas um entrelaçamento entre teoria e prática (...)”. No entendimento de Emília, a participação dos sujeitos de modo sistemático no espaço escolar por meio de grupos de discussões e estudos, e não apenas se limitando a cobranças técnicas, como notas de alunos e números de repetentes, se torna essencial para que haja a troca de experiência e de saberes para o bom andamento das atividades profissionais dos docentes. Eu sinto falta de uma coordenação que estuda comigo, entende? Eu sinto falta de uma cultura dentro da escola que pára, que lê um texto e discute o texto e que traz isso para a minha prática, porque não é para ler o texto por ler. Por exemplo, eu quero discutir agora essa questão da disciplina. Então, eu vou trazer, eu vou pesquisar textos sobre disciplinas, trazer para uma discussão coletiva do grupo e vamos discutir a disciplina na escola fazendo a relação. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Portanto, ao termos contato com esses discursos da colaboradora Emília, podemos compreender que nos primeiros momentos dos seus enunciados, principalmente, com relação ao conceito de colaboração, existiu a predominância de uma ação reflexiva prática. Esse tipo de reflexão possui como características norteadoras, uma argumentação centrada na ação prática subjetiva e individual, exercida pelo sujeito. Mesmo tendo como fundamentos experiência cotidiana e sua relação com outrem, essa elaboração do raciocínio tende a desenvolver as justificativas do discurso sem fazer referências ao cenário mais amplo das relações sociais. Como afirma Ibiapina, Loureiro Júnior e Brito (2007, p. 41) “(...) os professores buscam respostas na sua própria prática, fundamentando-se no seu conhecimento 60 de mundo e no senso comum.”. Isso faz com que a complexidade das relações sociais, históricas e culturais não sejam levadas em consideração na elaboração discursiva. Dessa forma, podemos perceber este ponto no momento em que a partícipe relacionou a origem de sua ideia de colaboração apenas às ações vividas na Igreja e nas campanhas para ajudar outras pessoas. Para o exercício de uma reflexão crítica não basta apenas identificar as relações dialéticas existentes entre as partes e o todo. Neste sentido, é necessário, também, organizar o conhecimento com o objetivo de tentar alternativas conscientes de mudanças nas ações cotidianas no âmbito educacional, buscando assim o desenvolvimento de um trabalho mais autônomo. Como nos relata Liberali (2012, p. 32): “A reflexão crítica implica a transformação da ação, ou seja, transformação social. Não basta criticar a realidade, mas mudá-la, já que indivíduo e sociedade são realidades indissociáveis.” Na partícipe Emília, este esforço de planejar uma postura diferente com relação às atitudes da escola é materializado, quando ela expressa seu anseio de que os diversos sujeitos que compõem a escola atuem de modo integrado por meio de estudos teóricos e compartilhamento de experiências; e que o desenvolvimento de pesquisas entre alunos e professores sejam motivo para integrar escola e sociedade. Nesse sentido, podemos afirmar, que a superação da reflexão prática pela crítica por parte da colaboradora Emília ocorreu, quando ela foi se apropriando das leituras recomendadas e também no momento em que ela compreendeu que as sessões reflexivas eram espaços apropriados para que os docentes realizassem as interações dialógicas, tendo cada um deles, o poder de construir seus enunciados acerca dos temas propostos. Com isso, podemos concluir que a relação dialógica sistemática contribuiu para que essa docente “(...) se sintam sujeitos [as] de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas sugestões e nas de seus companheiros”. (FREIRE, 2005, p. 139) 2.3.2 Elza e Sérgio: A construção de uma reflexão prática Com relação à partícipe Elza observamos que ao elaborar sua definição acerca do que era colaboração seu discurso centraliza-se em três pontos, que são: a troca, a solidariedade e o conhecimento. Na sua fala, a colaboração restringe-se ao acontecimento próximo em que está sendo vivenciado naquele momento. No caso, o encontro de professores com o intuito de realizar intercâmbios de saberes. 61 E para materializar sua posição, ela associa de modo espontâneo o seu argumento a um dos episódios acontecidos no início das sessões reflexivas que foi a troca de lugares e de material entre os colaboradores. Ao analisarmos as propriedades desses enunciados percebemos que ele se restringe a um momento de descrição de experiência imediata, sem vinculação com outras experiências distantes e sem diálogos com conhecimentos teóricos. Nós já começamos colaborando (...) a questão da gente está trocando ideias, da gente está adquirindo novos conhecimentos um com outros nessa troca, nós estamos também de certa forma colaborando. Outro ponto que a gente colaborou para iniciar, só mudando o pensamento, foi a questão da troca de material e de lugar. Em outras palavras colaborar, no sentido que a gente está falando, é essa troca, solidariedade de conhecimento. (Colaboradora Elza, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012). No tocante, a discussão sobre as contribuições das atividades de colaboração para as transformações educacionais, a colaboradora Elza enfatiza em sua reflexão que o trabalho em grupo e de maneira colaborativa ajudaria a modificar posturas de alguns profissionais com relação à prática pedagógica, o que geraria uma diminuição das dificuldades existentes no espaço escolar. Nesse sentido, sua reflexão começa a demonstrar conexões com situações que advém de sua vivência como professora e são marcadas por impressões individuais acerca dos acontecimentos. Como afirma Liberali (2012, p. 28), “(...) a reflexão prática se realiza em contextos em que discussões sobre situações pedagógicas são marcadas pela narrativa de fatos ocorridos na aula”. Em alguns casos, é feito o relato dos fatos entremeados de avaliações pessoais. Como podemos observar adiante: Na escola, muitas vezes, (...) você tem uma ideia, você tem uma metodologia de trabalhar em sala de aula com seus alunos e de repente tem outros que a gente escuta muito isso: fulano quer ser mais do que o outro (...). Então, se houvesse mesmo essa colaboração, esse trabalho feito em grupo, a ação [dos professores] seria diferente e os objetivos [da escola] consequentemente seriam alcançados e no final do ano a gente não teria tantos problemas como a gente tem. (Colaboradora Elza, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012) Sendo assim, nos momentos dos encontros reflexivos em que dialogávamos sobre os saberes docentes, a partícipe Elza continua buscando em sua argumentação fazer analogias com fatos do cotidiano. Diferentemente, das outras falas, compreendemos que agora ao tentar expressar como foram elaboradas as suas concepções acerca dos conhecimentos necessários para sua atuação como professora, essa partícipe aponta contribuições construídas em diversas situações. Entre elas, podemos destacar explicações baseadas no conhecimento de mundo, 62 provenientes da aprendizagem concretizada na troca com outros profissionais da educação e, também, nos estudos da teoria. Para tanto, no primeiro ponto, Elza detalha sua argumentação mostrando que uma das consequências para sua formação foi ampliação de visão acerca do processo de ensino- aprendizado sistemático. Contudo, compreendemos que mesmo havendo referências à contribuição de conhecimentos teóricos, esta colaboradora não desenvolveu a explicação no sentido de apontar de quais maneiras estes saberes foram capazes de contribuir na sua atuação como professora. Pois, para ela as interações ocorridas na vivência educacional são tomadas como explicação norteadora para formação desses saberes. Assim, “(...) refletir significa extrair significados decorrentes das experiências advindas da ação concreta” (IBIAPINA; LOUREIRO JÚNIOR; BRITO, 2007, p. 42). Como podemos ler nas afirmações desta partícipe, Eu já busquei [saberes] na observação dos professores também e outros foi do meu magistério. A maioria desses [saberes] que a gente falou veio do magistério. A gente trabalha muito (...) as metodologias; também das capacitações pedagógicas. Isso aí ajudou muito no meu saber na minha prática, porque se você não tem prática e vai direto para uma universidade (...) quando você vai para a sala de aula você sente uma dificuldade. Ajuda muito a nossa prática: a nossa vivência do dia-a-dia, as nossas capacitações, as nossas formações contínuas. Isso faz com que os nossos saberes vão crescendo mais e temos outra visão do ensino. (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) Em outro momento das interações dialógicas a partícipe Elza expressa que os professores têm de estar continuamente realizando reflexões com relação a suas ações profissionais. Essa postura, em sua opinião, estimula o docente a se manter em constante busca de estratégias e procedimentos, que contribuam para a concretização do processo de ensino-aprendizagem. Como podemos ver, Você começa a refletir (...) fazendo uma autoavaliação sobre suas metodologias, principalmente, quando chega o período de prova e um aluno tirou nota perdida. Então, você se pergunta: Será que eu dei aula legal? Será que a culpa é minha? Será que a metodologia que eu utilizei foi viável para aquele aluno? A gente faz esse questionamento. (...) E faz com que cada dia mais, querendo mais, querendo levar o melhor para o aluno, querendo fazer o melhor, querendo buscar mais coisas pra trazer para ele [o aluno], querendo pesquisar, trazendo mais informações. (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) A colaboradora, na fala acima, entende ação reflexiva como um exercício para a construção de autonomia com relação ao trabalho elaborado em sala de aula, na relação entre professor-aluno e até aluno-aluno. A reflexão, portanto, como nos explica Pimenta (2009), 63 nesse sentido visa uma autoformação, que vai propiciando a construção e reconstrução de saberes para atuação em sala de aula. Tentando construir uma síntese ousamos a afirmar que por meio do primeiro fragmento discursivo da colaboradora Elza (ver página 61), compreendemos que seu esforço de reflexão, em um momento inicial, originou um discurso mecânico, sem a preocupação de traçar dialogo com outros referenciais, mas apenas com os acontecimentos que lhe eram mais perceptíveis naquele momento. Com desencadeamento das interações dialógicas, percebemos que os enunciados dessa partícipe vão passando por mudanças, uma vez que nas suas afirmações, a respeito dos saberes docentes, há um esforço mais significativo em associar a construção de sua compreensão acerca desse conceito a motivos distintos, como a experiência e a teoria. Todavia, essa partícipe não aprofunda na explicitação dos modos como se deram tais contribuições para seus fazeres como docente. Além disso, nos seus discursos, pouco percebemos o desenvolvimento de um raciocínio dialético. O exercício da reflexividade prioriza o entendimento das práticas educacionais de modo subjetivo, levando em consideração apenas a complexidade dos acontecimentos entre professores e alunos em sala de aula e na escola. Como nos aponta Smyth (1992, Apud IBIAPINA et al. 2007, p. 41) “(...) o modelo de reflexão prática está preocupado em examinar os objetivos e suposições, assim como o conhecimento que facilita o entendimento dos problemas da ação.” Nesse sentido, há o desencadeamento da reflexão prática pela partícipe Elza, no transcorrer das sessões reflexivas, visto que um dos aspectos que mais marca esse tipo de reflexão, e que perpassou os diálogos apresentados, foi a predominância em falar sobre assuntos da prática, limitando-os apenas ao espaço das questões pedagógicas. Ao expor sua concepção acerca da colaboração, o partícipe Sérgio constrói seu discurso, enfatizando também uma descrição superficial baseada nas noções de união e ajuda. No intuito de materializar seu pensamento fornece exemplos com expressões do senso comum, ou seja, existe nesse instante uma tentativa de reproduzir ideias exteriores já naturalizadas, sem questionamentos de seus sentidos ou de sua adequação ao contexto das discussões. Ligado a isso, quando tenta definir como foi se constituindo tal ideia sobre a colaboração sua afirmação se restringe apenas a uma causa, nesse caso sua experiência pessoal. Segundo suas palavras, 64 Colaboração é sempre aquela parceria, é uma espécie de parceria onde duas ou mais pessoas se unem ou pelo menos tem o objetivo de se unir para se chegar a uma espécie de fim comum. Uma espécie de colaboração: um braço ajudando o outro, um ombro ajudando o outro. (...) É uma espécie de parte mais original da coisa com duas pessoas ou mais. A princípio era bem da vida, bem inatas, bastante inatas, esse princípios que eu tinha da colaboração. (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012). No decorrer das práticas reflexivas, fomos verificando no colaborador Sérgio distanciamentos dessa postura mecanicista de raciocínio, visto que ele começa ampliar sua compreensão sobre colaboração a partir das falas dos outros partícipes e do dialogo com a leitura recomendada. Sendo essa evidência coerente com os objetivos dos processos de reflexão sistematizados, visto que os diálogos existentes em tais espaços não podem se limitar “(...) a um nível meramente descritivo, pois seria extremamente pobre. Tem de atingir um nível explicativo e crítico que permita aos profissionais do ensino agir e falar com o poder da razão.” (ALARCÃO, 2011, p. 49). Nas suas afirmações posteriores o partícipe identifica características do trabalho colaborativo que não estão restritas apenas a ações do dia-a-dia, mas que são próprias desse tipo de atividade no campo da pesquisa educacional, como a interação ativa entre os sujeitos na construção da pesquisa de campo e a preocupação em diminuir as barreiras existentes entre conhecimentos teóricos e o práticos. Na sua percepção, esses momentos de interação realizada nas sessões, também propiciam o desenvolvimento de todos os envolvidos, tanto na dimensão humana, quanto profissional. Essa apropriação de novos atributos no que se refere ao conhecimento que estava sendo discutido foi possível de acontecer, visto que no transcorrer das interações dialógicas a temática central começou a fazer significado para o partícipe Sérgio. Assim, compartilhamos das palavras de Freire (2005, p. 114): “Quanto mais assumam os homens uma postura ativa na instituição de sua temática, tanto mais aprofundam sua tomada de consciência em torno da realidade e, explicitando sua temática significativa, se apropriam dela.” Sérgio nos relata na citação abaixo atributos da atividade colaborativa, O assunto de colaboração aqui em pauta (...) é um assunto novo com uma visão nova sobre a colaboração que eu pude captar e diga de passagem muito interessante. (...) A parceria entre professores com o objetivo da colaboração foi uma visão bastante interessante não digo nova, porque eu já tinha um pensamento de cooperação, mas nesse sentido é bem inovador. (...) outro ponto também (...) é diminuir o abismo entre as coisas mais da teoria e a prática. (...) A colaboração representa ajuda para avançarmos, não só um, mas todos. Avançarmos nos processos de desenvolvimento pessoal da própria pessoa em si e do grupo, não é só pelo profissional, não é só para o mercado de trabalho. 65 Além dessa colaboração que Emília falou que também se assemelha assim rapidamente ao que o autor chama assim de transdisciplinaridade. (...) O que eu conhecia era [a ideia] de Edgar Morin, que basicamente não era nem uma pesquisa é mais um trabalho compartilhado, a transdisciplinaridade. Mas não é bem uma pesquisa são práticas de trabalho (...). Em que Português pode se unir com Matemática para um objetivo; História com Geografia e outra disciplina para um objetivo. (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012). Portanto, essa interação dialógica vai possibilitando que o colaborador Sérgio construa pensamentos associativos, relacionando princípios de ideias pedagógicas com as práticas colaborativas de pesquisa educacional. A partir disso, podemos perceber que seu raciocínio não apenas se concentra em apresentar as semelhanças existentes nos atributos, que compõem as ideias de transdiciplinaridade e da colaboração, mas também se esforça por perceber diferenças. Ressaltamos aqui a preocupação desse partícipe no desenvolvimento de seus discursos em estabelecer referências a teóricos que foram contribuindo na formação de seu pensamento a respeito dos temas discutidos. No entanto, nas falas, observamos que sua preocupação não se reduz a buscar nessas teorias acadêmicas as respostas verdadeiras para os problemas educacionais, como seria característico, de um modelo de reflexão técnica. Como nos elucida Liberali (2012, p. 26): Ao refletir, tecnicamente, o professor estaria preocupado em buscar nas descobertas científicas, em estudos, seminários, conferências, etc., respostas para seus problemas do dia-a-dia. (...), a atividade profissional é instrumental e são eficazes aqueles profissionais que enfrentam problemas concretos postos pela prática, aplicando rigorosamente teorias e técnicas científicas. Compreendemos, portanto, que o colaborador Sérgio foi formando a consciência de que as discussões da prática e da teoria não devem estar separadas ou apenas esta deve fundamentar aquela. Diferente disso, na sua concepção esses dois campos devem caminhar juntos e devem ser mobilizados, levando em consideração os contextos educacionais em que cada professor está trabalhando para que assim este possa mediar um processo de ensino- aprendizagem significativo para seus alunos. Na última citação de Sérgio (página 64) mesmo apontando, a necessidade de se apropriar da multiplicidade de conhecimentos, experiências e realidades objetivas da educação para exercer o trabalho docente, este partícipe não desenvolve sua argumentação no sentido de identificar estruturas do contexto social mais amplo que influenciam os espaços escolares. Nem mesmo mostra alternativas para melhoramento das dificuldades enfrentadas, 66 mas baseia sua afirmação apenas na necessidade de concretização dos objetivos da prática em sala de aula. Levando isso em consideração, percebemos que mesmo havendo a tentativa de materializar relações entre teoria e prática, existe a tendência de direcionar as argumentações ao nível da ação no espaço escolar sem vinculá-la a outros contextos. Assim, “O pensamento e a reflexão encontram-se entre a realidade objetiva e ação prática, tendo a função de dar uma nova direção ao fazer, esclarecendo como se deve agir” (DEWEY 1979, Apud IBIAPINA et al, 2007, p. 42). Para Sérgio o equilíbrio entre as concepções teóricas e as práticas de ensino mostra- se necessário para o desenvolvimento profissional significativo em sala de aula. Como ele mesmo nos apresenta adiante: Tem muitos, que acham que conhecimento é só o nosso, a nossa vivência que vale e desprezam, um pouquinho, o pensamento de outros autores, que podem e serão importantes para a pratica didática . E já tem uns que são o contrário, pensam demais na didática dos autores e não pensam em formar uma coisa sua. Quando na verdade deve haver um balanceamento entre um e outro. É tipo aquela coisa, todo mundo aqui pode pensar que queremos ser um Paulo Freire, e que vamos conseguir ensinar quarenta pessoas lá em Angicos. Sendo que o contexto de Paulo Freire foi um e o nosso agora é outro. Foi importante o que ele fez, nós podemos abstrair coisas importantes para nós, sim, podemos! Sabendo que tem de ser balanceado. Acho que uma coisa completa a outra. A gente não pode ficar no mundo da teoria, mas também a gente não pode chegar no mundo da prática como se caísse de paraquedas, tem de ter um certo apoio teórico. (...) (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Outro ponto, que se destacou também no transcorrer das discussões colaborativas, se relaciona ao fato de o partícipe compreender o momento da prática em sala de aula como uma possibilidade de autoformação. Esta característica formativa ocorre por meio das reflexões, que são suscitadas no momento das ações em aula. Nesse sentido, entendemos analogamente a Pimenta (2009) que os docentes apreendem, nesse tipo de processo reflexivo que se expressa na ação, uma estratégia possibilitadora de aperfeiçoamento de sua formação inicial de professor, visto que essa prática reflexiva pode levá-los a enfrentar a complexidade das situações da sua profissão. As complexas relações existentes, nas interações entre professor-aluno possibilitam com que haja questionamentos e inquietações a respeito de aspectos como a transposição didática e a maneira como os trabalhos entre os sujeitos em sala irão ocorrer. Esse fato propicia que o professor se direcione a buscar, pesquisar novos conhecimentos para diminuir as dificuldades na sua ação pedagógica. Por conseguinte, esse movimento de questionamento das atitudes de reflexão na prática e de busca de outros saberes 67 proporciona um movimento que vai do estranhamento com o trabalho educacional até a maior segurança e familiaridade no exercício cotidiano da docência. Nesse sentido expressou-se Sérgio: A primeira vez que entrei em sala de aula, eu disse o que é isso, meu Deus?! Foi uma coisa de se angustiar. (...) sabe aquela coisa que você sabe, mas não tinha ideia, eu estudava, lia. (...) Olhe eu senti mais dificuldade na experiência de dominar a sala, trabalhar os assuntos com eles. O domínio de sala foi até tranquilo, a questão da experiência mesmo de trabalhar os assuntos com eles, como trabalhar, essa da prática em si, aí estava muito verde estava muito imatura, muito ingênua. (...) Uma coisa que eu percebi que não tinha dado certo hoje, eu tentava não repetir. Uma coisa que tinha dado certo ontem, eu tentava novamente continuar (...). Foi uma dificuldade que na verdade tornou-se proveitosa, porque rapidamente eu pude ter uma noção mais exata do tipo de contato e tive de procurar vários meios para solucionar aqueles déficits, podemos dizer. (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Ao compreender os enunciados expressos pelo partícipe Sérgio em algumas das sessões reflexivas, apontamos que houve desenvolvimentos significativos no seu processo reflexivo. Nos primeiros momentos das discussões, quando falamos sobre a colaboração, Sérgio expressou no seu discurso, uma atitude quase de reprodução acrítica da realidade exterior. Contudo, no processo de trocas dialógicas, suas ideias foram ampliadas e se tornaram mais autônomas, no sentido de ousar fazer relações de aspectos da temática com suas próprias experiências pessoais, profissionais e com outras leituras teóricas. Aponta até que reelaborações ou ressignificações poderiam ser construídas pelos professores na sua atividade pedagógica a partir dos diversos saberes por eles adquiridos no decorrer de sua formação e de sua atuação na prática docente. Este desenvolvimento de ideias mais autônomas caracterizam uma reflexão prática, visto que os raciocínios de Sérgio fazem referências concretas e justificadas ao diálogo que deve existir entre teoria e prática para o desenvolvimento da atuação profissional dos educadores. No entanto, os argumentos deste colaborador limitam-se a análise da realidade do contexto escolar e não avança no sentido de mostrar as razões e interesses sociais, políticos, ideológicos mais profundos que permitem que exista essa manutenção do distanciamento entre os aspectos teóricos e práticos da educação. Como nos relata Ferreira (2009) para haver reflexão crítica tem de se tentar compreender de modo mais abrangente tanto o caráter das ações educativas que se concretizam na escola, quanto os múltiplos fatores que nesse espaço interferem. Além do mais, o colaborador aponta para uma postura de professor que reflete na prática. Essa atividade torna-se motivadora para buscar entender as diversas relações existentes em sala de aula; para pensar sobre as atividades que irão se consolidar e aquelas 68 que precisam ser reformuladas ou abandonadas; e, também, faz suscitar a busca de novos conhecimentos para realizar o trabalho docente com maior segurança e profissionalismo. Dessa maneira, há aqui uma aproximação do modelo “em que o professor aprende a refletir na ação e mesmo que, inicialmente não compreenda racionalmente o que faz, ao permanecer refletindo sobre a prática, (...) constrói ações e teorias no próprio processo de desenvolvimento da prática docente” (IBIAPINA, 2008, p.66). Sobre o processo reflexivo sistemático e coletivo, desencadeado durante os seis encontros na Escola Estadual Jacumaúma, podemos considerar que houve o desenvolvimento predominante entre os colaboradores Elza e Sérgio de reflexões do tipo prática e na partícipe Emília reflexões do tipo crítica. Outro ponto, também relevante a ser enfatizado, diz respeito ao fato de que nos dois primeiros partícipes ocorreu uma maior fluidez na descrição e informação sobre os temas desenvolvidos, tendo assim uma clara dificuldade nas etapas de confrontação e reconstrução. Isso se torna entendível, como evidencia Liberali (2012) uma vez que esses dois últimos momentos exigem dos sujeitos uma mobilização da reflexão em torno de princípios subjacentes, como teorias, interesses políticos e ideológicos, que envolvem as questões educacionais e também a exigência de alternativas de modificação da realidade objetiva, levando em consideração o raciocínio dialógico, que percebe como interligada as partes ao todo. Mesmo não tendo havido, entre todos os sujeitos, o desencadeamento das características próprias de ações reflexivas consideradas críticas, destacamos como significativo o esforço dos colaboradores em construir e expressar seus discursos e também em saber escutar a voz e a opinião do outro. A concretização dessas interações dialógicas trouxe transformações notórias para os partícipes envolvidos, visto que alguns deles saíram de argumentações apenas descritivas e até acríticas sobre os temas trabalhados, para definições mais complexas que levavam em consideração as múltiplas experiências individuais e sociais. Nesse sentido, ousamos afirmar que os espaços planejados, sistemáticos e coletivos das sessões reflexivas possibilitam o exercício concreto de práticas reflexivas pelos professores da escola pública. Isso ocorreu porque nesses espaços colaborativos foram concretizados uma espécie de diálogo contínuo com todos os envolvidos, permitindo que houvesse a formação contínua dos partícipes. A predominância dialógica é estabelecida, como diz Alarcão (2011), pelo triplo diálogo que consiste no buscar aprender com a própria fala dos outros partícipes, com as diversas experiências compartilhadas e com exposição dos sentidos que cada colaborador 69 estabelece para as leituras recomendadas. Assim, o diálogo se torna “(...) este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu.” (FREIRE, 2005, p.91). Se nos é permitido falar em resultados desse processo de investigação, formação e produção de conhecimentos nos contentariam em evidenciar que esses momentos fizeram com que esses sujeitos caminhassem para compreensão de si próprios como profissionais autônomos, que possuem liberdade para expor seus pensamentos, construindo assim representações discursivas autorizadas sobre a docência. A partir de agora, buscaremos refletir se esse processo de investigação se aproximou das práticas de pesquisa colaborativa. Para isso, recordamos que esse tipo de abordagem tem como preocupação norteadora interligar a formação e a construção do conhecimento sistematizado. Destacamos que a adesão dos três professores de História a esta pesquisa aconteceu de modo consciente e esclarecido, visto que no decorrer do processo de investigação foram construídos momentos para elucidar-lhes os objetivos e características deste trabalho acadêmico e que a participação de cada um deles não era obrigatória, mas teria de partir de sua própria percepção de que os momentos de produção de conhecimento e formação concretizados pela colaboração seriam significativos para sua atuação profissional. O primeiro aspecto que enfatizamos foi, no transcorrer da pesquisa de campo, buscar fazer com que os partícipes envolvidos pudessem se perceber como produtores de conhecimentos sobre aspectos da sua prática docente e que, assim, se apoderassem da convicção de que estão constantemente construindo e reconstruindo saberes na sua profissão. Nesse sentido, “(...) a pesquisa colaborativa não exige que os professores sejam copesquisadores, no sentido restrito do termo, mas participem como coprodutores da investigação” (IBAPINA, 2009, p. 213). Desse modo, compreendemos que os passos dados na investigação não foram delimitados apenas pelo partícipe-pesquisador; eles se desencadearam de acordo com as contribuições e os interesses dos diversos colaboradores. Levando em consideração os objetivos centrais de responder as indagações em torno do objeto e das necessidades de formação dos professores interioranos de História, o partícipe- pesquisador tentou colaborar com o desenvolvimento profissional dos docentes, quando planejou as sessões reflexivas com a finalidade de mediar as complexas situações ocorridas no contexto educacional dos sujeitos. Já os partícipes, colaboraram quando integraram efetivamente as diversas etapas da investigação, refletindo sobre suas práticas e saberes na disciplina de Historia e buscando entender as múltiplas situações que compõem as relações no espaço educacional. 70 Outro ponto a ser enfatizado relaciona-se ao fato de que a aproximação da necessidade acadêmica de realização da investigação, unido ao interesse dos professores interioranos de História de formação sobre sua prática, possibilitou a construção no espaço escolar de um ambiente coletivo e sistemático de reflexão, o das sessões reflexivas. A compreensão dos partícipes acerca da ampliação de seus entendimentos dos processos educacionais os fez expressar o quanto o predomínio do trabalho individualizado propicia a inércia na resolução de problemas dentro da escola. Ao contrário disso, o compartilhamento de visões por parte dos sujeitos da escola em grupos de estudos, como falou a colaboradora Emília, contribuiria para que a instituição se tornasse mais coesa e tivesse objetivos claros de trabalho. Assim, podemos dizer que a escola pode se tornar o cenário para formação continuada dos seus profissionais na medida em que ela for organizada no intuito de propiciar aos professores, coordenadores e gestores espaços não só para reflexão individual, mas sim para ações coletivas, compartilhando assim entre os seus sujeitos as múltiplas decisões, dificuldades e anseios que a perpassam no seu cotidiano. Logo, tanto os professores, quanto a escola devem se tornar reflexivos, pois “(...) a vida dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições de reflexividade individuais e coletivas. (...) Tem, também ela, de ser reflexiva.” (ALARCÃO, p. 47) Para terminar, enfatizamos, ainda, que o processo colaborativo buscou também desenvolver nos professores interioranos de História a percepção da relevância da consciência histórica 9 para desencadear os exercícios de reflexão crítica. Esse tipo de raciocínio exige dos partícipes uma postura dialética de pensamento, que leva em consideração a complexidade dos cenários problematizados e tendo em consideração suas facetas culturais, sociais, políticas e ideológicas. Portanto, a consciência histórica propicia no processo de reflexão essa capacidade de entender os sujeitos, os saberes e as práticas existentes na escola, como detentoras de temporalidades e, por isso, podem ser vistas como dinâmicas e pertencentes a contextos específicos. Dessa maneira, os indivíduos interpretam os acontecimentos como construídos e 9 Na compreensão de Rüsen (2010) a consciência história é inerente aos indivíduos. Essa noção busca articular as temporalidades do passado, do presente e do futuro. O ser humano parte do presente para entender questões e problemas que tendem a nos introduzir no passado. No momento em que identificamos as possíveis respostas, produzimos discursos para explicar as problemáticas do agora e lançamos as expectativas de transformação que foram elaborados para o futuro. Para aprofundar o conhecimento sobre a consciência história ler a Trilogia feita por este teórico: RUSEN, Jorn. Razão histórica: teoria da história – os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB, 2010.; RUSEN, Jorn. Reconstrução do passado: teoria da história II – os princípios da pesquisa histórica. Brasília: Ed. UnB, 2010.; RUSEN, Jorn. História viva: teoria da história III – formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Ed. UnB, 2010. 71 reconstruídos pelos próprios agentes do espaço escolar. Como nos adverte Aróstegui (2006, p. 291): Essa consciência é um elemento muito mais subjetivo, muito mais produto de uma construção intelectual individual, seja qual for à maneira como esse for entendido, mas ela própria reflete, por sua vez, as próprias condições históricas objetivas, as da historicidade, nas quais precisamente a consciência histórica se forja. Nesse sentido, podemos sugerir que a partícipe Emília ao concretizar uma reflexão crítica também desenvolveu no seu pensamento o uso da consciência histórica. Essa colaboradora se esforçou em ver os temas discutidos, relacionados à colaboração, aos saberes e ao conhecimento histórico escolar, não de modo atemporal, imutável ou desvinculado do espaço de atuação, mas tentando estabelecer vinculações com as limitações contextuais e mostrando possibilidades de reconstrução dos saberes e práticas, tendo como referência a realidade social objetiva. Já com relação aos partícipes Sérgio e Elza, observamos que ao predominar a reflexão prática houve a tentativa de consolidar a consciência histórica na construção dos enunciados. Logo, compreende-se que, em diversos momentos, a análise das temáticas efetivada por esses colaboradores não levou em consideração as diversas temporalidades que envolviam os acontecimentos profissionais e educacionais de cada um deles, mas se limitou a entender os fatos de modo isolado e sem relação com as transformações ocorridas no contexto mais amplo da sociedade do qual cada indivíduo faz parte. 72 3. SABERES E FAZERES DE PROFESSORES INTERIORANOS DE HISTÓRIA Os conteúdos gerais, sua própria História do Brasil, vamos dizer, e as atualizações desses temas, então isso aí, a gente tem de saber. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) Por exemplo, uma música, trabalhar com letras de música, que eu acho que é legal fazer isso, trabalhar com poemas da época, um trecho de um escrito da época que retrata o período histórico em que estava vivendo (...). Tenho a impressão que isso tem funcionado, pelo menos com essas turmas agora, não sei se vai funcionar com as próximas turmas. (colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). No primeiro capítulo, o foco da discussão estava nos elementos que compõem a natureza teórico-metodológica da investigação, destacando seu caráter de formação e de produção de conhecimento. A partir de agora tentaremos entender os saberes que se tornaram referenciais na prática dos professores interioranos de História. Para isso, escolhemos dois aspectos: a compreensão dos docentes interioranos de História a respeito dos saberes de sua profissão; e a contribuição de tais saberes na ação desses professores de História do interior. Nesta perspectiva, propomos tais categorias não de maneira aleatória, mas a partir dos pontos que se tornaram mais significativos nos discursos dos colaboradores, tanto nas entrevistas individuais, quanto nas sessões reflexivas. Em seguida, analisamos os saberes docentes dos professores interioranos de História, objeto de pesquisa e, a partir deles, a constituição do conhecimento escolar de História desses professores. Porém, não temos como pretensão produzir um estudo em que considera tudo como saber, desde produção simbólica até as práticas. As diversas limitações que existem na pesquisa acadêmica fazem com que realizemos recortes na temática e, por isso, optamos aqui por trabalhar com a concepção de saber como um discurso, mas neste, enfatizamos o caráter argumentativo, ou seja, a tentativa dos sujeitos de explicar, de dar sentido as suas afirmações. Essa tentativa, então, tornou-se interessante para nós, pois ela leva em consideração sempre uma dimensão social. Os saberes são construídos na interação discursiva entre os indivíduos e o mundo que o rodeia. Nesse sentido, como nos aponta Freire (1996; 2005), os saberes necessários à prática educativa são produzidos socialmente, levando em consideração as diversas experiências dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. 73 Ao compreendemos os saberes docentes dos professores interioranos de História desse modo, admitimos sua pluralidade, dinamicidade e intencionalidade (TARDIF, 2011; TARDIF, GAUTHIER, 2001) e, consequentemente, sua abrangência (FREIRE 1996; 2005). Ao reconhecermos essas características dos saberes, entendemos que os professores no exercício da docência possuem a capacidade de reinventar e ressignificar atitudes, conhecimentos e habilidades próprias de sua profissão. O objetivo dos educadores com estas reelaborações é realizar seu trabalho em sala de aula de maneira mais eficaz. Contudo, ao insistirem nesse caminho de construção e reconstrução os docentes acabam ganhando segurança na realização de sua prática e vão se tornando autores dos seus saberes e fazeres. Os profissionais da docência começam também por meio destas elaborações e reelaborações a construir um conhecimento escolar praticado com características próprias. Estes aspectos específicos são construídos no diálogo entre as finalidades de ensino- aprendizagem, as particularidades do contexto de vivência dos educandos e os usos que os educadores fazem dos conhecimentos pedagógicos, curriculares, histórico e da experiência. Ao escrevemos este capítulo, nosso intuito não é assumir extremos no processo de compreensão dos saberes docentes dos professores interioranos de História. Nesse sentido, não buscamos manipular os discursos dos colaboradores para confirmar teorias já consolidadas e nem exaltar as falas dos partícipes, tendo-as como verdades inquestionáveis (dogmas docentes). Ousaremos aqui em fazer uma interação entre as argumentações desses sujeitos e os discursos teóricos na finalidade de no processo produzir compreensões múltiplas, diferenciadas, complexas e passíveis de crítica acerca dos saberes que se tornaram referenciais na prática desses professores interioranos de História, gerando assim uma síntese de novos conhecimentos sistematizados. 3.1 A compreensão dos professores interioranos de História acerca dos saberes de sua profissão Nesta parte do texto nos propusemos a apresentar como os professores interioranos de História compreendem os saberes que se tornaram referenciais no seu percurso como docente. Para isso, enfatizamos aspectos como as definições atribuídas pelos colaboradores da pesquisa a cada um desses saberes, os tipos de relações estabelecidas entre eles e a finalidade destes saberes serem mobilizados. 74 Iniciamos explicando que os saberes, aos serem construídos pelos sujeitos, são marcados pela intersubjetividade, ou seja, eles não são constituídos apenas levando em consideração as aspirações e desejos do docente, mas sim se abrindo a compreender as dinâmicas e os sujeitos presentes em cada contexto em que se realiza o processo de ensino- aprendizagem. Isso leva tais profissionais a mobilizar conhecimentos, estratégias, habilidades diferenciadas para buscarem envolver os alunos nas atividades propostas em sala de aula. Como nos explicam os colaboradores: Eu fiquei assim pensando é tanto que eu fiz um esboço de planejamento para o segundo bimestre, procurando mudar em algumas coisas que eu fiz no primeiro agora. Eu mesma me vi como aluna, sabe?! Ai, eu disse, poxa, que aula chata. Porque no começo, quando eles [os alunos] me encontram, eles não me conhecem e tal. Eles se empolgam com a maneira da pessoa trabalhar. E eu falo muito assim parece que eu estou vivendo a coisa, aí, eu empolgo eles, mas só que depois vai cansando (...) (Entrevista da colaboradora Emília em 25/05/2012). Como eu planejo?! (...) Nem toda aula gosto de mudar de assunto, por quê? Porque como eu vou saber se meu aluno aprendeu. Por exemplo, eu vou trabalhar outro assunto, então, eu gosto de mastigar (...) mastigar o conteúdo pelo menos para ele aprender alguma coisa pra depois passar pra outra etapa. (...) Então, vou preparando, de acordo, levando em consideração o conhecimento deles [alunos]. Nem toda turma, vale salientar, a gente trabalha as mesmas metodologias, até trabalha, mas de forma mais maneira, vamos dizer assim. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) Um aluno muitas vezes não presta atenção a sua aula, certo?! Mas de repente, ele gosta de desenhar, você faz um trabalho com ele pra ele desenhar. (...) Você tem de encontrar fórmulas. Isso vai muito da questão de você com o aluno, de você com sua turma, com a sala. Esse tipo de coisa. Mas sempre observar muito no aluno. Vê algumas coisas que lhe chama a atenção. Até porque querendo ou não em alguma coisa ele vai se achar atraído em alguma área em algum ponto, em alguma coisa ele vai sentir atração e curiosidade (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012). Nos fragmentos textuais acima, percebemos que a preocupação dos colaboradores em movimentar os saberes, principalmente, metodológicos e do conhecimento específico em História, para o ato de ensinar está em intrínseca relação com o outro, nesse caso específico, os alunos. Para Emília, essa relação tem como intuito manter constantemente os alunos motivados no processo de ensino-aprendizagem da disciplina. Já Elza enfatiza três pontos que leva em conta na movimentação dos saberes: a apreensão pelos alunos dos conteúdos trabalhados; os conhecimentos prévios dos alunos; e as características de cada turma. Para ela, a interação entre esses elementos condicionam os modos de organizar os conhecimentos e estratégias a serem desenvolvidas nas práticas posteriores em sala de aula. 75 Com relação a Sérgio, compreendemos que há uma preocupação em construir estratégias de ensino, que integrem os alunos à dinâmica dos trabalhos realizados em sala de aula. No entanto, na visão desse colaborador, a participação dos discentes no processo de ensino-aprendizagem da disciplina de História só se torna possível por meio da capacidade de observação dos professores a seus alunos e a suas turmas. Essa verificação propicia a familiarização com as habilidades e os interesses dos alunos, as quais podem ser usadas como instrumentos para que os discentes interajam na construção do conhecimento histórico praticado em sala de aula. A interligação entre professores e alunos é compreendida como impulsionadora no desenvolvimento da tomada de decisões pedagógicas, pois o docente também aprende ao ensinar e torna, dessa maneira, suas tomadas de decisões em sala de aula mais significativas para os discentes. Então, podemos afirmar que “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que o conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro.” (FREIRE, 1996, p. 23). A necessidade de lidar constantemente com as complexas situações que são suscitadas na prática faz com que os docentes busquem construir e reconstruir saberes no decorrer de sua profissão, saberes que os auxiliem a conhecer a dinâmica da prática educacional. Contudo, esses profissionais não têm o intuito fundamental de se tornarem especialistas do ensino; seus objetivos direcionam-se a conhecer para melhor agir e praticar no cotidiano da sala de aula. Essa tentativa de entender as relações que acontecem durante a prática educativa, especificamente, no cenário das aulas de História vivenciadas no cotidiano escolar fazem com que os professores construam um conjunto de representações, que ao serem interpretadas e reinterpretadas, passam a orientar seus fazeres diários. Essas representações tornam-se tão familiares e compreensíveis para os docentes, que eles são capazes de expressá-las por meio dos seus discursos, tecendo argumentações que possuem lógicas próprias, que revelam os valores, experiências e prescrições permeadoras das suas ações. Como nos indicam Tardif e Gauthier (2001, p. 197): Na vida cotidiana, os nossos discursos e os nossos atos apoiam-se, consequentemente, em saberes que fornecem um quadro de inteligibilidade e de sentido as nossas empreitadas. Se interrogarmos outro sobre suas próprias ações a fim de que nos explique, de que nos apresente o porquê, então ele se fundamenta para agir como age. 76 Nesse sentido, nas entrevistas e nas interações discursivas materializadas nas sessões reflexivas, os partícipes diferenciaram e argumentaram reconhecendo nas suas atuações profissionais referências frequentes a quatro tipos de saberes: os do conhecimento específico; os da metodologia; os da afetividade; e os da reflexão. Veremos, nesse primeiro momento, como os sujeitos os definem e quais as relações existentes entre eles. 3.1.1 A compreensão de Emília Para a colaboradora Emília, os saberes advindos das metodologias de ensino fazem com que o professor tenha a capacidade de construir dinâmicas diferenciadas nas aulas de História. Nesse sentido, o conhecimento metodológico apropriado pelo docente de História e colocado em prática em sala de aula tem como intuito estabelecer uma espécie de ruptura nas percepções dos alunos de que a História Escolar é uma disciplina monótona e que, junto com outras matérias da área de humanidades no ensino básico, é tida como de segunda categoria. Como podemos ler: (...) Eu frisei a metodologia, Eu tava dizendo que a metodologia, ela faz o aluno gostar de uma determinada disciplina ou odiar. Aí, eu relembrei aqui as minhas professoras que não tinham nenhuma relação com o sócio-interacionismo, com o construtivismo e, no entanto, elas tinham metodologias de cantar e recitar poesias e tal e encantam e davam oportunidade a gente de gostar. E na História também como em outras disciplinas, a metodologia é importante. Eu falei do meu colega que era expert em botânica, mas que não conseguia transmitir isso porque a metodologia dele era fraca (...). Que tem a ver com o texto [PIMENTA, 2009], quando ele fala dos saberes práticos, coisa que você no dia-a-dia acaba fazendo, porque percebe que fez uma vez e deu certo, aí você vai fazer de novo. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) E como a História sempre foi vista, a História e a maioria das ciências humanas dentro das escolas, como segundo lugar. Ah, História, ah, Sociologia, entende?!(...) os alunos já vão com um preconceito, eles dão mais importância à matemática, à física, à química do que as outras. (...) Você já vai perdendo um espaço grande aí. Por isso, que eu tenho de ter uma habilidade maior com relação a minha metodologia (...). Aí essas coisas da pedagogia me ajudam na prática de ensino da História, porque eu poderia saber um monte de coisa da História, mas se eu não tivesse uma metodologia, se eu não conhecesse as coisas eu vou ficar só sabendo e não vou conseguir passar pra as pessoas. (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012) A partir desse discurso da partícipe Emília, podemos evidenciar que os saberes metodológicos construídos por ela possuem uma dimensão estratégica para efetivação de sua atividade profissional, visto que seu desenvolvimento tem um objetivo, o de dar dinamicidade à prática do ensino em História. Estes saberes são mobilizados de modo intencional e não de 77 modo espontâneo e não estão dissociados da interação com ação concreta em sala de aula. Assim, a partícipe atua em função de motivos, de finalidades, de ideias, de intenções e de razões, que são justificáveis. Em suma, podemos dizer que, de um modo geral, um professor sabe o que faz e por que o faz. (TARDIF, 2011, p. 208) Outro aspecto para destacamos está relacionado ao fato de que a colaboradora percebe que os saberes metodológicos ao serem mobilizados pelos professores são elementos essenciais para fazer com que os alunos tenham suscitado o interesse pelos temas e conteúdos desenvolvidos na História ensinada. Sobre este aspecto nos relata Emília, Eu fico preocupada, porque eu não tenho a preocupação do conteúdo e tenho, mas ele não é o mais importante, mas uma coisa que me preocupa é que eles não se interessam pela história, sabe?! (...) Então, eu acho que essa é uma preocupação que a gente tem de ter. Eu posso preparar uma aula que pra mim ficou excelente, mas quando eu chego lá não rola, não acontece. Essa é uma preocupação que tem de haver no ensino da História é você despertar no aluno o gosto, fazer apreciar. (...) Eu acho que essa maneira como a gente faz em sala de aula, como a gente conduz a aula, ela é fundamental. (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012) Segundo Emília, por meio dos saberes metodológico o professor de História realiza uma espécie de transposição da linguagem da disciplina para os alunos. Nesse sentido, mesmo havendo o conhecimento dos conteúdos, caso não exista também essa interação com os aspectos da metodologia a concretização do processo de ensino-aprendizagem fica prejudicada. Para esta colaboradora a dinamicidade e a interação em sala de aula impulsionam a produção de práticas de ensino que estimulam os discentes a terem posturas ativas e participativas na construção do conhecimento histórico praticado. A partir de tais ideias podemos inferir que no momento em que esta professora busca mobilizar os saberes para realização de sua atividade se preocupa em criar situações nas quais os educandos sejam sujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem. Como nos explica Freire (1996, p. 26): “(...) nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução de saberes ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. Entendemos, assim, que os saberes advindos da metodologia dão ao ensino uma dimensão criativa e, consequentemente, ao professor é dada a incumbência de desempenhar o papel de ator na construção de seu saber-fazer. Essa criatividade e autoria são percebidas na habilidade do docente de, a partir das realidades diversas, e, muitas vezes, instáveis de sua profissão, produzir situações significativas de ensino-aprendizagem para os seus alunos. Mesmo que tais procedimentos 78 sejam ressignificações de ideias consolidadas, junções de metodologias distintas. Estas se tornam criações dos docentes na e para sua ação profissional em classe e eles sabem explicar e justificar os motivos dos passos dados, visto que partiram de uma reflexão na e sobre suas práticas. O docente usa diversas teorias, concepções e técnicas, conforme lhe apraz, mesmo que tenham caráter contraditório para os acadêmicos. Se os saberes dos professores possuem unidade, esta pode ser percebida nas relações pragmáticas (MONTEIRO, 2007). Ao pensar, dessa maneira, o docente deixa de ser tido como um técnico da educação, responsável por aplicar teorias e procedimentos oriundos de outras instâncias do conhecimento de modo acrítico, e passa a ser um profissional criativo na construção de suas atividades e busca desenvolver condutas que sejam significativas para seus discentes e também procura motivá-los a encontrar sentidos em suas próprias atividades de aprendizado na escola (TARDIF; LESSARD, 2011) 10 . Na concepção de Emília, as finalidades do ensino motivam a mobilização de novos saberes metodológicos para realização da prática. Nesse caso, há o intuito de originar no aluno o interesse pela aula e, por isso, o professor ressignifica seus saberes para mobilizá-los em sua ação. No entanto, Emília aponta aspectos do cenário educativo que dificultam a construção dos saberes metodológicos e também dos outros saberes, (...) Eu acho que a gente tem de fazer boas escolhas. Por isso, que a gente tem de ter tempo para pesquisar, para preparar a aula. Não é só você chegar e dizer assim: Abra o livro na página tal. Eu posso até fazer isso, mas não vai render como eu gostaria. Quantas vezes, eu li o texto sobre a personalidade de Hitler para poder perceber coisas que eu não havia percebido e precisava perceber. No livro tem a resposta para o professor, mas eu não queria isso. Eu queria que eu desse a minha resposta. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Agora, eu culpo a minha falta de tempo pra pesquisar, porque eu acho que se eu tivesse mais tempo pra pesquisa, eu melhoraria tanto do ponto de vista do que eu sei para eu ampliar isso, quanto do ponto de vista da minha forma de trabalhar, que é a minha metodologia (...) (Entrevista da Colaboradora Emília em 25/05/2012) Estas dificuldades para mobilização dos saberes relacionam-se à limitação de tempo por parte dos professores, que advém da necessidade de cumprir cargas horárias excessivas em decorrência das necessidades de manter vários vínculos empregatícios, como com todos os colaboradores desta pesquisa. 10 Para aprofundar a discussão sobre os fundamentos interativos da docência, recomendamos ao leitor o capítulo 7 da obra: TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. p. 231-273. 79 Além disso, para Emília, a construção dos conhecimentos metodológicos por parte dos docentes está ligada à pesquisa, pois por meio desta o professor tem acesso a outros modos de fazer e de trabalhar em História. No entanto, seu trabalho não se resume a aplicar tais conhecimentos de modo indistinto, mas só após interpretações e julgamentos de sua viabilidade e adequação a cada contexto das turmas busca praticá-lo em sala de aula. Nesse sentido, observamos que para colaboradora Emília a pesquisa faz parte da natureza da ação docente, pois ela impulsiona a ampliação dos saberes necessários à atuação da prática profissional. Dessa maneira, podemos dizer que a profissão torna-se também espaço de formação contínua, através de atividades de pesquisa que se voltam para o agir no dia-a-dia escolar. Isto é coerente com o que nos propõe Freire (1996, p. 29): Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. A seguir a partícipe Emília tenta explicitar que sua percepção sobre didática não se resume apenas aos aspectos relacionados às técnicas empregadas no ensino. Por que o que é didática? Primeiro a gente tem de pensar isso. Na verdade, a maioria das pessoas acha que didática está relacionado à como fazer e didática é muito mais do que isso. Didática é igual a currículo. Antigamente, a gente tinha a concepção de que currículo era só aquela grade que estava lá as disciplinas, as horas, o tempo e tal. E nos novos estudos a gente vai percebendo que tanto o currículo, quanto didática, eles estão na escola inteira, não está só no momento aqui, ele está em todos os momentos. (...) Olha a didática entrando aí, olha o currículo entrando aí! Se a escola tivesse uma proposta didática para escola inteira e uma proposta curricular que envolvesse todo mundo, a minha dificuldade de propor uma dinâmica diferente diminuiria. Os alunos até dizem legal professor, eles até gostam da ideia, mas eles não querem se expor. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva em 17/10/2012) Ao tentar definir sua visão de didática, Emília busca fazer comparações com as concepções tradicionais de currículo, ainda dominantes no espaço escolar. Para ela tanto currículo quanto didática eram concebidos de modo muito restritos. O primeiro como as estratégias por si só; e o segundo como os documentos prescritos. Com as novas discussões, tanto didática quanto currículo recebem um caráter mais abrangente. Mesmo sem aprofundar a sua noção de didática por meio da argumentação sobre currículo, compreendemos que o entendimento de Emília se expande no sentido de levar em 80 consideração as várias relações que se estabelecem no cotidiano da escola, como processos de aprendizagem, condições de trabalhos dos professores e as diferentes situações enfrentadas pelos alunos. Aproxima-se, assim, de uma visão crítica tanto do campo do currículo, quanto da didática em que a centralidade são as discussões da prática e do cotidiano dos sujeitos escolares, tendo a preocupação de entendê-las a partir da multiplicidade de relações do contexto social e, buscando elaborar hipóteses de modificação de realidades já naturalizadas. (LOPES, MACEDO, 2011; SILVA, 2011) A colaboradora Emília destaca que o professor de História precisa saber sobre os conhecimentos específicos da área de História que também compõem o saber histórico praticado em sala de aula. Todavia este saber não pode ser percebido de modo isolado para e na prática educativa no ensino básico, visto que seu domínio e mobilização por parte dos professores por si só não garantem a concretização da mediação didática dos conteúdos para os alunos. Eu contínuo gostando da dialética. Sabe por quê? (...) Veja bem! A gente falou sobre metodologia. Aí, eu disse assim que o professor, às vezes, ele sabe muito, mas ele não consegue encontrar a maneira correta de atingir o aluno. Como ele não está muito preocupado com isso. Ele acaba não conseguindo fazer isso. Então, aí há conhecimento, conteúdo, mas ele não consegue transmitir isso, ou pelo menos se fazer compreender, ou despertar no aluno, o gosto para [aprender], ou o gosto por, que é mais importante do que transmitir é você despertar no aluno gosto de aprender. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). Para Emília, as relações existentes entre os saberes metodológicos e os saberes do conhecimento específico tem como intuito propiciar a inteligibilidade e o gosto do aluno pelos conteúdos e temáticas trabalhados na disciplina. Na sua percepção, tal relacionamento se mostra de modo dialético, ou seja, a mediação contraditória e de relações múltiplas entre o saber metodológico e o conhecimento específico constrói o saber escolar. Nisso, “há um verdadeiro sentido de dialogia” (LOPES, 1999, p. 209). Como veremos mais a frente, tais tramas de saberes acabam elaborando práticas, que levam em consideração, por exemplo, fazeres históricos e pedagógicos, que são reinterpretados em função dos objetivos da aula e da realidade de cada turma. Isso gera um conhecimento histórico híbrido e com as marca da mobilização dos saberes docentes e das interações existentes entre professores e alunos o qual denominamos aqui de “conhecimento histórico praticado”. Um conhecimento que, mesmo tendo elementos constitutivos da ciência de referência não tem como principal finalidade fazer com que os discentes se voltem prioritariamente ao processo de elaboração do conhecimento da disciplina acadêmica. 81 Em vez disso, mescla o interesse de múltiplas dimensões que envolvem o processo educativo e que não se limitam, muitas vezes, só a disciplina de História. Conforme assegura Lopes (1999, p. 218), “O trabalho de didatização acaba por implicar, necessariamente, uma atividade de produção original” da História ensinada. De acordo com a colaboradora Emília, os saberes afetivos são movimentados pelo professor com a finalidade de se estabelecer um melhor desenvolvimento do ensino em sala de aula. Eu lembro ontem, eu estava entrando na sala (...) e teve um aluno que chegou e falou comigo de uma maneira mais carinhosa, eu me virei, sim, lembrei foi V. lá do “3º D”. V. vai ser papai, pois C. está grávida, ela está com três meses. (...) Eu disse: “V., parabéns, vai ser papai! Agora vai ter de trabalhar para poder sustentar o bebê”. Aí ele disse: “Professora!” Aí, eu dei um abraço nele. (...) Aí, eu percebi que uma aluna, que chegou agora, olhando pra aquela intimidade entre eu e V. de uma maneira bem, tipo assim desconfiada, sabe! Talvez ela pensasse: “Essa professora quer ser boazinha, entendeu!” Mas não é, são coisas que vão acontecendo que a gente precisa de certa maneira está mais abertos para essas coisas. C., a coordenadora, diz muito isso assim, quando a gente trabalha com um aluno que é mais trabalhoso, ela fala: “Não adianta, você enfrentar, não enfrente, descubra o que ele mais gosta”. Porque é necessário para você poder trocar com eles. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Há na argumentação da partícipe uma atribuição de uma dimensão educativa à afetividade. As emoções não são vistas como uma maneira de o aluno ver o docente como bonzinho, ou como, um segundo pai. Ao contrário, ela evidencia o caráter do profissionalismo do educador, que está preocupado em concretizar o compromisso educativo com os discentes por meio da efetivação da prática educativa e, para isso, mobiliza os saberes afetivos. Além disso, as relações de afetividade fazem com que os docentes tenham interações significativas com as turmas, oriundas dos diálogos suscitados entre eles. Em consequência, o professor passa a conhecer as características individuais dos seus discentes, desenvolvendo assim habilidades para lidar com eles nas múltiplas situações da aula. Assim, podemos dizer que para a colaboradora Emília a compreensão das emoções dos alunos possui um duplo contributo: para o professor gera sentimentos de satisfação e segurança nas maneiras de agir com os alunos; e, na sala de aula, constrói relações mais amistosas entre docentes e discentes. Esta capacidade de tentar entender de modo integral o aluno é apontado por Casassus, como essencial na efetivação da aprendizagem: (...) a aprendizagem ocorre quando um professor tem a capacidade sensível de “interpretar os pensamentos internos, compreensões, emoções e desejos das crianças a partir de pistas indiretas tais como atitudes, gestos, expressões 82 e linguagem corporal”. Quando um professor desenvolve essa competência de escuta e de leitura de seus alunos, então ele ou ela sabe quando e como induzir neles o processo de aprendizagem. (CASASSUS, 2009, p.215) Segundo a partícipe Emília ocorre uma relação bastante complexa entre os diversos saberes e os fazeres, que compõem a profissão do professor. O saber e o fazer se mostram interligados. Isso faz com que cada saber isolado não seja suficiente para o trabalho docente. Então, eu acho isso que só o conhecimento, ele não é suficiente, só a metodologia também não é suficiente, só a afetividade também não é suficiente. (...) Então, eu penso que só uma coisa não vale. O processo faz esse giro aqui. Uma imagem que pudesse representar, eu faria um círculo mesmo com as palavras, seguindo setas, uma não terminaria com a outra. Eu colocaria afetividade, conhecimentos, metodologia e reflexão. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Nesse fragmento, observamos que a partícipe destaca que os saberes devem estar todos presentes para consolidação do processo de ensino-aprendizagem. No intuito de materializar sua ideia a colaboradora constrói um ciclo dos saberes para atividade docente, o qual foi complementado pelos outros sujeitos da pesquisa e é aqui reproduzido na figura 1. FIGURA 1 – Ciclo de saberes para a atividade docente. Como podemos perceber na figura acima, os saberes docentes estão ligados um ao outro, mas não são organizados em linearidade e sim em uma disposição cíclica em que as partes vão se retroalimentando. Cada saber é percebido em sua singularidade pela finalidade que exerce no ensino. Dessa forma, para tornar o processo de ensino aprendizagem significativo, eles são todos mobilizados, uma vez que se complementam para uma prática educativa integral. O 83 conhecimento específico ligado à metodologia dá dinamicidade ao ensino em decorrência da mediação didática dos conteúdos; a afetividade assume a função de criar espaços favoráveis entre professores e alunos para a prática educativa cotidiana na disciplina; e a reflexão sobre o desenvolvimento do conhecimento histórico praticado em sala de aula contribui para percepção de se as relações de ensino-aprendizagem aconteceram de modo significativo pelos alunos. As conclusões dos docentes, a respeito desse processo, fazem com que novas mediações didáticas sejam pensadas, ou que haja consolidação de certas representações fundamentadas pela experiência acerca de suas atuações profissionais em sala de aula. Nesse sentido, pensamos que as relações construídas na prática fazem com que os saberes dos docentes de História estejam em constante movimento. No entanto, não ousamos afirmar que entre os saberes exista uma hierarquia bem delimitada, ou que se possa dizer que alguns são mais importantes do que outros. Entendemos, portanto, que a função que os professores atribuem aos seus saberes docentes é distinta e se relaciona com a complexidade das situações enfrentadas em suas práticas. 3.1.2 A compreensão de Sérgio Na concepção do colaborador Sérgio, os saberes metodológicos são mobilizados por diversos fatores. Estes não estão relacionados apenas a realidade imediata da sala de aula, mas também à organização escolar mais ampla, os quais não estão no domínio do professor. Assim, ao construir suas decisões para e em sala de aula este colaborador busca levar em consideração os condicionantes do cenário escolar. Entretanto, estes não se tornam apenas limitadores de sua prática e sim oportunizam outras estratégias de ensino para serem desenvolvidas com seus alunos. “Em outras palavras, a ordem na classe certamente é condicionada pela organização física e social da escola e das salas de aula, mas é, ao mesmo tempo, uma ordem construída pela ação do professor em interação com os alunos.” (TARDIF; GAUTHIER, 2001, p. 206). Os fatores responsáveis pela mobilização de tais saberes são assim apresentados por Sérgio, Como eu disse, vai depender muito de turma para turma, de aluno para aluno, de tempo também. Por exemplo, esse primeiro bimestre (...), eu gostaria muito de ter feito um seminário com eles, mas não deu tempo, eu tive, como eu tinha de aplicar prova, que vai ser até amanhã, é, eu tive de passar apenas uma pesquisa, não deu pra eu fazer um seminário. 84 (...) Esse segundo bimestre, eu vou tentar o máximo possível para ao invés de ser pesquisa, fazer um seminário. O tema da pesquisa foi os armamentos e o modo de vida do homem na pré-história. (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012) Ademais, percebemos na fala de Sérgio três pontos interessantes para tomadas de decisões na sua profissão. Um aspecto diz respeito à relação entre os alunos e a disciplina desenvolvida; o outro á realidade de cada turma; o último à disponibilidade de tempo, tanto na dimensão individual do professor e sua sobrecarga de atividades, quanto à dimensão institucional, que são as exigências de compartimentação das ações escolares em calendários bem delimitados. Levando em consideração essa multiplicidade de situações em que está inserido o professor no espaço educacional, se sua preocupação se volta para os alunos, tendo como objetivo concretizar o processo de ensino-aprendizagem, esse profissional não se contenta em reproduzir ideias e práticas já consolidadas e passa a ousar na construção e reconstrução de procedimentos e atitudes, que o auxiliem a realizar sua prática educativa, em meio a esses acontecimentos tão complexos. O trabalho assim passa a ser uma elaboração do docente, orientada por diferentes motivos. Desse modo, o professor passa a se constituir como autor. As necessidades condicionadas pelas diversas situações que são experienciadas, das demandas da turma e, concomitantemente, a dinâmica da instituição faz com que isso se torne possível. (MONTEIRO, 2007) No caso de Sérgio, sua preocupação em trabalhar os conteúdos programados da disciplina de História de modo integral e seu reconhecimento das compartimentação do tempo institucional da escola, o levam a movimentar metodologias com o objetivo de fazer com que os alunos busquem sanar as lacunas dos conteúdos, por meio de trabalhos fora da sala de aula. Para ele, as práticas de pesquisa dos alunos nas aulas de História possuem esse intuito de reposição dos conteúdos da disciplina. Portanto, percebemos ainda uma permanência, mesmo não sendo a única, de ênfase do ensino pautada nos conteúdos próprios da disciplina, fazendo com que os outros elementos constituidores do processo de ensino girem em torno dele. Trata-se de um proceder que foi tão presente nos currículos de História, no início do século XX, no Brasil, e intensificado depois da obrigatoriedade dessa matéria no nível secundário, pois esse momento era preparatório para o ensino superior. Nesse sentido, “O objetivo do aluno era dominar os conteúdos para ser bem-sucedido no processo de seleção”. (BITTENCOURT, 2004, p. 89) 85 O trabalho de ressignificar os conhecimentos históricos e saber desenvolvê-los em sala de aula com os alunos, de acordo com o colaborador Sérgio, motiva o interesse dos alunos e faz com que estes procurem expandir seus conhecimentos sobre a temática em questão. A utilização dos múltiplos recursos didáticos e a capacidade de não apenas se restringir ao livro didático são oportunizadoras de dinâmicas diferenciadas em sala. Como podemos ler adiante na afirmação deste colaborador: O professor de História, principalmente, tá num lugar na minha opinião que o livro pode ser fraco, mas se o professor conseguir com sua argumentação (...) e com suas ideias das novas tecnologias, ele pode suprir o livro. (...) Então, depende muito do professor saber utilizar o livro. Minhas estratégias para suprir as lacunas do livro didático é fazer discussões na sala de aula (...) (Entrevista do colaborador Sérgio em 27/04/2012) O intuito, no uso desses elementos, está centrado em não limitar a atuação pedagógica às aulas expositivas, cuja argumentação do professor assume função predominante no desenvolvimento do processo, relegando o aluno a uma posição secundária. Isso nos conduz a afirmar que ao se construir a dinâmica em sala de aula o discente é levado em consideração. Sua motivação, participação e interesse pela aula se tornam elementos impulsionadores nas transformações das práticas dos docentes. “Desse modo, transformar os alunos em atores, em parceiros da interação pedagógica, parece ser a tarefa em torno da qual se articulam e ganham sentido todos os saberes do professor.” (TARDIF; GAUTHIER, 2001, p. 207). Outra dimensão destacada por este colaborador na tomada de decisões para construção da ação em sala de aula são os conhecimentos específicos elaborados no tempo da academia. Para ele, esses saberes perpassam o fazer cotidiano do professor, visto que as abordagens da produção histórica acadêmica elucidam e justificam as escolhas sobre os temas e conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas. Eu privilegio bastante a questão da História Cultural. A mudança de vida, o cotidiano de um tempo para o outro, eu observo muito isso. Claro que pelo contexto de ensino a gente tem de valorizar também a questão política dos períodos (...). É por isso que é importante a História. Para que o aluno entenda esse sentido, o camarada tem que observar o aluno. (...). O cara gosta de desenhar, muito importante, desenhe Mussolini, Pedro Álvares Cabral e explique quem foi ele, o que ele fez, ele estava seguindo instruções de quem, quando chegou ao Brasil. Esse tipo de coisa. Você observa muito nos grupos de aluno que você tem. Você pode fazer esse tipo de trabalho. (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012) 86 Nesse sentido, observamos, como defende Bittencourt (2004, p. 137-179) uma relação existente entre a seleção de conteúdos escolares de História e as concepções historiográficas dos docentes. No entanto, evidenciamos que tais abordagens são ressignificadas pelos próprios docentes no processo de construção do conhecimento histórico praticado. O objetivo destes não é serem teóricos ou dominarem as teorias historiográficas e sim se apropriarem de elementos destas que permanecerão, dando sentido às suas escolhas e ao seu agir na disciplina de História. Assim, mesmo que um docente se identifique mais com uma determinada abordagem acadêmica, para concretizar o processo de ensino-aprendizagem e tornar a História Escolar mais próxima do aluno ele se apropria de enfoques diversos, que fazem com que o saber histórico praticado tenha um conteúdo híbrido, o qual vai desde ênfases em personagens até na compreensão de estruturas econômicas de determinado período. Nesse sentido, a permanência de abordagens tradicionais passa a conviver com as transformações advindas das novas abordagens, sem estabelecer uma relação conflituosa, são apropriadas e utilizadas no intuito maior de construir o conhecimento histórico escolar praticado em sala de aula e fazer com que o aluno entenda suas lógicas. Uma das funções consideradas fundamentais que o colaborador Sérgio atribui ao professor é sua capacidade de possibilitar a formação de espaços no desenvolvimento de sua prática cotidiana para a transformação das informações elaboradas e veiculadas a todo o momento em revistas, livros e jornais em conhecimentos escolares de História. Como ele mesmo expõe, A informação, o cara chega na aula de História e começa a dizer que Colombo saiu da Espanha dia treze de agosto e chegou na América trinta e poucos dias depois. Ele passou um conhecimento para o aluno, ou informação? Um jornal de televisão que só faz dar a notícia e talvez não trabalhe a importância daquele acontecimento, talvez seja só uma informação. Quando o aluno consegue compreender o valor disso, a importância de tal coisa, a importância disso para o agora ou para o amanhã, talvez deixe de ser uma simples informação e passe a ser um conhecimento. (...) Não se pode ficar apenas na informação, ela tem de ser passada para o conhecimento (...) (Colaborador Sérgio, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) A partir da leitura acima, podemos considerar que a informação passa a ser conhecimento na dinâmica escolar, quando o docente se torna mediador de estratégias de ensino significativas. Dessa maneira, os alunos conseguem refletir, analisar e comparar sobre os conteúdos desenvolvidos, compreendendo assim as possíveis contribuições destes para suas próprias formações como sujeitos sociais criativos e críticos. 87 Assim, o discurso de Sérgio apropriou-se de um dos entendimentos de Pimenta acerca das finalidades educacionais nesse mundo de rápidas transformações “(...) então parece-nos que a escola (e os professores) tem um grande trabalho a realizar com as crianças e os jovens, que é proceder à mediação entre a sociedade da informação e os alunos, no sentido de possibilitar-lhes pelo desenvolvimento da reflexão adquirirem a sabedoria” (PIMENTA, 2009, p. 22). Outro ponto a ser destacado refere-se ao fato de que o colaborador Sérgio atribui ao aluno uma função ativa na prática pedagógica, uma vez que a transformação da informação em conhecimentos depende também dos sentidos e significados que os discentes vão atribuindo aos conteúdos estudados. A partir desse aspecto, podemos subtender que, nesse processo, os significados atribuídos pelos educandos tornam-se necessário para concretização da aprendizagem. A construção de conhecimentos por parte dos alunos é elaborada em atividades de ensino- aprendizagem que levem em consideração a interação do professor com os alunos e destes com os conteúdos desenvolvidos em sala. No tocante aos saberes da afetividade, o partícipe Sérgio destaca sua importância para o bom desenvolvimento das aulas. Isso se dá, justamente, pelas relações de respeito que são estabelecidas entre professores e alunos e alunos-alunos, quando acontece o equilíbrio emocional em sala de aula e não há relações agressivas e distanciadas entre as diversas partes que compõem a turma. Dessa maneira, segundo ele, os alunos sentem-se bem no ambiente escolar e passam a criar certa afinidade para compreender a disciplina. Eu gosto muito de mexer (...) com os alunos de São José. Hoje mesmo eu estava dando uma revisãozinha sobre a prova de História Antiga e mexia com eles. Diga aí por que os Fenícios são chamados de povos do mar? Só mexendo, só pra ver se pelos menos eles se interessam (...). Imagina! O estudo já tem uma característica um pouco chata. Se pega um professor que é mais mala ainda, destrói tudo. (...) Agora, também, interessante nesse ponto é porque uma característica minha é de não chegar tanto assim no aluno, depois que ele chega, aí pronto a gente interage, já tem professor que é o contrário chega demais. (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Eu acho que uma grande dádiva do professor, primeiramente, é antes de ser agente é ser paciente. É saber observar a turma. É saber conversar com a turma. É saber ganhar a turma. Essa prática me ajudou muito, nesse tipo de coisa. Paciência, tranquilidade, atitude e conquistar a turma. (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012) Também entendemos que a afetividade, nesse discurso, é vista como possibilitadora de espaços de aprendizagens para se concretizar interações amistosas entre os diferentes 88 sujeitos, que estão em sala de aula. Esta convivência aproxima não só o discente do docente, mas também da disciplina ensinada. Com isso, aproximamos-nos do que nos propõe Casassus (2009) ao trabalhar com o pensamento de que a sala de aula é um espaço que ganha sentido quando há nela práticas regidas por significados, voltados para os interesses educativos. Interesses estes que são construídos na relação com as emoções. “Podemos, então, olhar a sala de aula como um espaço de interação entre pessoas. Não qualquer interação, mas uma interação com o propósito de que as pessoas envolvidas aprendam e aprendam determinadas coisas.” (CASASSUS, 2009, p. 214). Ligado a isso, quando este partícipe reconhece que o estudo não é agradável para os alunos, podemos considerar que o sentido dessa afirmação aproxima-se da compreensão, para Sérgio, de que os discentes não escolhem estarem todos os dias no espaço escolar. Por causa disso, muitos deles, encontram formam diversificadas em reagir a essa falta de liberdade em decidir ir à escola, dificultando, também, em alguns momentos o bom andamento das aulas. Com o intuito de diminuir essa oposição entre professores-alunos em sala, o colaborador mobiliza saberes relacionado à afetividade, pensando assim em construir relações mais harmônicas e que contribuam para que o aluno se interesse pela escola e, consequentemente, pelas disciplinas, conteúdos e temas desenvolvidos (TARDIF, 2011). 3.1.3 A compreensão de Elza A partícipe Elza considera que a apropriação dos saberes metodológicos propiciaram mudanças na sua ação no desenvolvimento da disciplina de História. Tais modificações foram oriundas do caráter de diversificação e inovação que esse conhecimento possibilita às formas de lidar com o conteúdo de História em sala de aula. Dessa maneira, a diferenciação ocasionada pela mobilização desses saberes assume um caráter estratégico, cuja finalidade é motivar os alunos a se interessarem pelos conteúdos trabalhados em aula para que, assim, possa haver a concretização do processo de ensino-aprendizagem por esses sujeitos. Como nos propõe Tardif (2011, p. 178), na sala de aula percebe-se, por parte do professor, essa preocupação estratégica que busca alcançar os objetivos que foram pensados para o trabalho. Com isso, o docente “(...) deve ser capaz de gerir uma sala de aula de maneira estratégica a fim de atingir objetivos de aprendizagem, conservando sempre a possibilidade de negociar seu papel.” Sobre os saberes metodológicos Elza argumenta: 89 Quando eu comecei a dar aula de História, eu tinha alguns meses que tinha começado a cursar História, eu ainda não tinha muita ideia de como trabalhar. (...) Com o tempo, quando eu comecei a ter mais conhecimento, vamos dizer dessa forma, e mais metodologia de como trabalhar a disciplina, eu já passei a modificar, como por exemplo, trabalhando mais dinâmicas, abordando até peças teatrais dentro do conteúdo, sem fugir do conteúdo. (...) E sempre, sempre inovar para que a aula fique dinâmica, prazerosa e o aprendizado aconteça. (...) eu gosto muito do dinamismo, sabe, eu gosto muito de dinamizar e uma das maneiras pra que faça com que o aluno aprenda é você ser um professor dinâmico, mesmo você sendo em História, em Matemática, você tem que ter esse dinamismo, até porque a gente conhece os alunos de hoje é difícil prendê-los em sala de aula e a atenção deles. A metodologia muda em cada turma dependendo do andamento dos alunos, a participação, o interesse. (...) Suponhamos que a Turma A sempre tenha aquele interesse, aquele fogo de aprender, vamos dizer que a última turma, a D, por exemplo, mesma série, mas já são aqueles alunos repetentes, ou até mesmo não são, mas são mais assim acomodados não tem o mesmo interesse, não tem aquela empolgação, então, você já vê de que forma vai trabalhar pra puxar a atenção daqueles alunos, tá entendendo?! (Entrevista da Colaboradora Elza, em 05/05/2012) Compreendemos que ocorre uma relação entre a mobilização da metodologia e o conteúdo, no entanto, nessa interação a primeira torna-se um meio na realização da prática. A metodologia dá dinamicidade ao ensino da disciplina. Já o conteúdo é considerado o fim. Este, portanto, visto de modo isolado é estático, sem movimento e causa em sala de aula uma espécie de monotonia, que pode comprometer o processo de aprendizagem dos alunos. Porém, mesmo havendo essa separação entre meios e fins na natureza dos dois saberes, nós não entendemos de modo aligeirado e nem simplório, que essa professora possui uma percepção da prática como uma técnica. Na concepção de Skinner (1969) e Gagné (1976) Apud Tardif (2011, p. 175) para concretização deste tipo de prática de ensino “(...) basta combinar, de modo eficaz, os meios e os fins, sendo estes últimos considerados não problemáticos (evidentes, naturais, etc.)”. Afirmamos isso, uma vez que os saberes metodológicos mobilizados pela professora em sua ação não se tornam apenas adaptações acríticas e sem criatividade de conhecimentos elaborados em outras instâncias, mas são reconstruídos e ressignificados de acordo com as nuanças surgidas no processo educativo. Além disso, o conhecimento histórico escolar praticado não é apenas simplificação dos conhecimentos acadêmicos como veremos adiante, mas na ação cotidiana, no ensino ganha significados distintos oriundos das múltiplas interações ocorridas no espaço educativo. Assim, podemos dizer que compreendemos a dimensão de autoria do trabalho docente, quando nos esforçamos por entender as complexas relações e interações entre os diversos saberes que compõem sua ação diária em sala de aula. 90 É, bastante presente, nas afirmações de Elza sua preocupação com o dinamismo, com o movimento no agir em sala de aula. Por isso, domínio do conteúdo específico tem de vir acompanhado dos saberes metodológicos. Ao pensar, desse modo, a docente expande seu pensamento para outros aspectos da ação educativa, como a concretização da atividade docente em sala de aula, a qual está condicionada pelos significados que os alunos dão aos temas trabalhados para existir assim a aprendizagem de modo expressivo. A partir disso, podemos entender que a relação dinâmica e de modificação possibilitada pela movimentação dos saberes metodológicos contribuem para uma dimensão criativa do trabalho do professor. Essa noção de criatividade surge da constatação de que as mudanças na prática educativa são possíveis. E elas acontecem, pois tem interesses que a regem, nesse caso, a necessidade de efetivação de aprendizagem dos conhecimentos históricos por parte dos educandos. Esse pensamento se aproxima das afirmações de Freire (1996) que defende não existir estudo, pesquisa nem ensino descomprometidos com a realidade que os envolve, ou seja, cuja necessidade de mobilizar e construir saberes, sejam neutras ou exteriores ao contexto. Mesmo que o comprometimento, como nós viemos desenvolvendo, tenha um intuito voltado para o nível da atuação profissional em sala de aula. Na minha própria área tenho necessidade de atualização, eu tenho só a graduação, eu sinto e sei que preciso fazer a pós [graduação], não só para melhoria do meu currículo, mas também, de uma forma, para a gente estar vendo quais foram as mudanças que estão ocorrendo, né?! (...) Eu acho que a gente tem de se atualizar não só na área do conteúdo da História, porque o conteúdo da História nós sabemos lidar com os seus elementos, mas assim a parte da metodologia, da didática, de como ser aplicados esses conteúdos, eu acho que são os mais necessários, porque o professor tem de ser muito dinâmico, principalmente, para prender a atenção dos nossos adolescentes hoje. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) A gente tem de ter outras maneiras [de dar aula], não é fácil, nós sabemos disso, até porque, pela questão do nosso tempo. Nós não somos dedicados apenas a um expediente, não vou dizer que meus companheiros não tenham ideias de se trabalhar em sala de aula, para tornar a aula mais produtiva. Mas a questão do nosso tempo de preparar, aquela coisa de buscar, a gente não tem esse tempo adequado. Mas de vez enquanto a gente renova, inova e a gente está se atualizando. (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) No que diz respeito à percepção da colaboradora Elza acerca dos conhecimentos específicos adquiridos na academia, ela expressa que o professor de História, para desenvolver um trabalho significado, deve buscar constantemente se atualizar, pois na sua concepção os conhecimentos passam por transformações. 91 Todavia, essa busca não pode ser isolada aos saberes constitutivos da ciência histórica; devem também se direcionar aos aspectos constituidores do campo educacional. Isso se justifica pelo fato de que a colaboradora se sente mais segura em compreender o conteúdo histórico, uma vez que sua formação acadêmica já possibilitou os modos de proceder com os elementos próprios do conhecimento específico. Pensando assim, busca na formação continuada e no diálogo com seus colegas de profissão, saberes que possam auxiliar na formação de uma prática educativa mais significativa e dinâmica. Portanto, podemos observar aí que a necessidade de pesquisar novos saberes é inerente à profissão dos professores. Ligado a isso, as exigências imediatas em lidar com situações complexas em sala faz com que o docente questione-se e questione sua ação. Ao fazer estes questionamentos, como nos elucida Freire (1996), o educador se conscientiza de seu inacabamento e se lança na procura de dar novos sentidos para sua prática cotidiana em sala de aula no diálogo frequente com os aspectos do campo educacional, pois este pode ser capaz de lhe conceder, nesse momento de sua profissão, suportes para agir com maior segurança. “Os profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, podem encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem sua prática, confrontando-os. É aí que se produzem saberes pedagógicos, na ação”. (PIMENTA, 2009, p. 26) No entanto, a partícipe Elza destaca que a procura por produzir novos sentidos e modos de fazer é dificultada pelo preenchimento do tempo com o trabalho em diferentes instituições de ensino. Isso faz com que a ação do professor seja marcada pela consciência reconhecedora de que para construir momentos de aprendizagens significativos necessita estar movimentando saberes diferenciados. Para esta mobilização acontecer de modo sistemático exige-se a dedicação do profissional para além do espaço da sala de aula, por meio de reflexões e pesquisas na e para construção e reconstrução das atividades. Ademais, fica patente o reconhecimento cotidiano de condições de trabalhos exorbitantes, que dificultam não só o desenvolvimento dessa dimensão criativa da prática, mas atrapalham o conhecimento e integração dos profissionais da docência com os outros sujeitos dos ambientes de trabalhos em que se encontram. Seguem, assim, o caminho contrário das exigências atuais do ofício do professor, as quais prezam por desenvolvimentos de ações educativas que levem em consideração as características e os saberes heterogêneos dos alunos. Como escrevem Tardif e Lessard (2011, p. 258): “Diferentemente dos objetos de série da indústria, que são homogêneos, os alunos são [sujeitos] heterogêneos.” Nesse sentido, 92 indicam também Jaime Pinsky e Bassanesi Pinsky (2012) que, especificamente, o professor de História mesmo que possua conhecimentos sólidos e vastos sobre o patrimônio cultural da humanidade, sua ação em sala de aula fica comprometida se isso estiver dissociado do conhecimento específico dos seus discentes, do seu universo sociocultural, dos seus valores e de suas aspirações. Todavia, para se conhecer os distintos aspectos dos discentes necessita-se de uma dedicação maior dos educadores à realidade escolar, algo que estes não conseguirão fazer atuando em diferentes instituições de ensino com sujeitos e lógicas de funcionamentos diferenciadas. Aproximamo-nos assim do pensamento de Freire (1996), o qual associa que a dedicação integral do docente pelo discente também se liga às dimensões estruturais da educação, como o respeito que as instâncias administrativas dedicam às condições de trabalho dos professores. A colaboradora Elza descreve o papel dos saberes afetivos no trabalho dos docentes em sala de aula, como podemos observar na citação a seguir: (...) a questão da afetividade com os alunos é uma das experiências que faz com que os professores se sintam mais a vontade e possam desenvolver um bom trabalho em sala de aula. Porque se você não tiver a questão da afetividade, você não vai conseguir trabalhar. (...) Ou você trabalha a afetividade, que é a questão do respeito, tanto você vai ter respeito com o aluno, quanto como o aluno vai ter com você; ou você vai trabalhar aquela questão militarista, nem se mexe, ninguém olha pro lado (...) (Entrevista da Colaboradora Elza, em 05/05/2012) Então, tem certos momentos assim que você tem que entrar com um conselho sobre determinado assunto que você está vendo que está acontecendo em sala de aula. (...) Quando você começa a aconselhar, até um aluno disse: “Professor é bom a gente escutar isso!”, você não tem só de falar sobre o assunto que a gente preparou e assim cria esse vínculo de amizade, esse vínculo de confiança, essa parceria. Ontem mesmo na turma da EJA (...) teve um aluno que disse professora a Senhora está tão feliz e isso deixa a gente feliz. Quer dizer, então, as aulas se tornam mais aconchegantes, mais participativas. Isso é tanto bom pra gente, como para eles [alunos]. Não só, (...) o saber em si do conteúdo. A gente deve ter aquele jogo de cintura afetivo, puxando para o lado do aluno, porque se a gente não tiver essa ligação, nosso trabalho não caminha. A gente não tem bom resultado. (Colaborador Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) Para a partícipe, os saberes da afetividade mobilizados em sala de aula são capazes de construir o respeito entre professor e alunos. Isso ocorre já que as relações emocionais praticadas no espaço educacional propiciam uma diminuição na distância entre os sujeitos em classe, concretizando vínculos de confiança, de amizade e de parceria entre os discentes e os docentes. 93 Para a partícipe, isso contribui para que o educando se sinta inserido nas interações que acontecem na sala e participem e encontrem sentido no processo de ensino-aprendizagem desencadeado na disciplina de História. O intuito central da afetividade é a concretização da ação educativa. A função desse saber é elaborar relações de cooperação durante o trabalho em classe, beneficiando o professor, que concretizará as atividades planejadas, e os alunos, na medida em que eles se sintam motivados, no movimento da aula de História, em construir conhecimentos. Pois para os alunos aprenderem, como nos relata Tardif tem-se de levar em consideração que, (...) os estudantes, os alunos são seres humanos cujo assentimento e cooperação devem ser obtidos para que aprendam e para que o clima da sala de aula seja impregnada de tolerância e de respeito pelos outros. Embora seja possível manter os alunos fisicamente presos numa sala de aula, não se pode forçá-los a aprender. Para que aprendam, eles mesmos devem, de uma maneira ou de outra, aceitar entrar num processo de aprendizagem. Ora, essa situação põe os professores Diante de um problema que a literatura chama de motivação dos alunos: para que os alunos se envolvam numa tarefa, eles devem estar motivados. Motivar os alunos é uma atividade emocional e social que exige mediações complexas da interação humana (...) (TARDIF, 2011, p. 268) Além disso, essa relação de motivação é apontada pela partícipe, não como uma estrada de via única, que vai do professor para o aluno, mas como uma realidade marcada pela reciprocidade, pois, muitas vezes, a desmotivação ou a motivação da turma condicionam o desenvolvimento das atividades em sala de aula pelo docente. Isso se dá pelo fato de que as ações existentes no ambiente escolar não são marcadas pelo binômio professor-sujeito e alunos-objetos, em que o primeiro pode controlar o desenvolvimento do segundo apenas pelo uso da racionalidade. Há, realmente, interações múltiplas entre sujeitos as quais mobilizam não só a racionalidade, mas também os sentimentos de entusiasmo, hesitação, satisfação e frustrações. Estas emoções interferem constantemente na aula. No intuito de torná-las contribuidoras da consolidação do processo de ensino-aprendizagem Elza não vê a afetividade como contrária ao bom andamento das atividades docentes, mas percebe esses dois elementos como entrelaçados para se alcançar os objetivos propostos para a prática diária na disciplina de História. Dessa maneira, sua visão se aproxima do pensamento de Freire quando indica que é “(...) preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade. (...) A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade.” (FREIRE, 1996, p. 141). 94 Ligado a essa discussão, a colaboradora Elza entende que a mobilização dos saberes afetivos em sala de aula conduz a uma ruptura por parte dos alunos da ideia do professor conteudista, aquele que está interessado apenas que os alunos fiquem cheios dos conteúdos conceituais. Isso acontece uma vez que as relações dialógicas entre o professor e os alunos se tornam mais frequentes. Percebemos aí que a competência profissional do docente não se identifica apenas com os conhecimentos específicos da disciplina, mas elas são mais complexas e incluem a capacidade de lidar com os aspectos emocionais em sala de aula. Nessa linha de compreensão Casassus afirma que esses dois aspectos são inseparáveis para a formação de um bom professor e para o desenvolvimento de seu trabalho profissional “(...) a necessidade de ter conhecimentos sólidos das matérias a ensinar é inseparável da necessidade de ter à mão a possibilidade de se relacionar afetivamente e a capacidade de regular e normatizar as relações na sala de aula.” (CASASSUS, 2009, p. 216). Para sintetizar esta discussão, apontamos que na compreensão dos professores- colaboradores os saberes de sua profissão são mobilizados, levando em consideração a relação com os alunos. Os professores movimentam os saberes para melhor agir nas suas atividades profissionais e a efetivação desta prática ocorre no momento em que os alunos participam das aulas e se apropriam de uma aprendizagem significativa. Os colaboradores Sérgio e Elza apontaram como norteadores dos seus fazeres os saberes metodológicos, os afetivos e os do conhecimento específico e Emília além desses três já citados ainda destaca a reflexão. A função de cada um destes saberes na prática em sala de aula é justificada pelos docentes. Na concepção de Elza, os metodológicos concedem diversificação e inovação ao ensino de História; na de Emília os afetivos tem um dimensão educativa, pois possibilitam a efetivação da prática em sala de aula e a reflexão leva a reconstrução dos fazeres; e na de Sérgio os conhecimentos específicos justificam as escolhas dos conteúdos da História Escolar trabalhado pelos professores. 95 3.2 O saber-fazer de professores do interior No item que desenvolveremos agora, discutiremos as dimensões das práticas dos professores interioranos de História em sala de aula. Para isso, apresentaremos os discursos dos partícipes em que eles expõem os passos dados para o desenvolvimento de suas ações e as maneiras que vão trabalhando as fontes ou recursos didáticos e os objetivos que buscam atingir com a materialização de tal trabalho no cotidiano das aulas. 3.2.1 O saber-fazer de Elza Nas falas da partícipe Elza percebemos que ela tem a preocupação de que sua prática docente seja marcada pelo dinamismo, pelo movimento e pela interação entre professor e alunos. Na sua concepção, a preocupação do docente com esses pontos justifica-se pelas características atuais dos alunos que são bastante ativos e só se interessarão pelos conteúdos propostos na disciplina se as aulas aproveitarem sua capacidade de participação. Se fala muito nessa questão da didática é a questão do dinamismo é você ter essa dinamicidade, porque se você não tiver essa dinâmica aí as coisas ficam realmente complicadas para você, a aula fica monótona, a questão do aprendizado do aluno também porque ele é extremamente ativo. (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) Ao representar deste modo o fazer em sala de aula, Elza compreende que o movimento das atividades acontece quando o docente busca refletir e mudar suas metodologias, adequando-as às características dos sujeitos da turma para que, dessa maneira, se consolide o processo de ensino-aprendizagem. “Então, sempre tento estar modificando as minhas aulas, as minhas metodologias.” (Entrevista com Elza em 05/05/2012). Nesse sentido, não existe uma prática efetiva de ensino desvinculada do conhecimento das diferentes realidades dos educandos da escola nem da participação efetiva dos discentes na construção dos conhecimentos em História. “A gente tem de estar sempre mudando nossa metodologia, incentivando mesmo na conversa, na forma de trabalhar, incentivar a apresentação de trabalhos.” (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012). Ao conceber a prática educativa, tendo como princípio as ideias expostas acima, a partícipe Elza abre espaço para o exercício da autonomia dos discentes. Há o distanciamento da visão autoritária do docente, baseado no princípio de que para se ensinar só é necessário o 96 esforço do professor para organizar, conduzir e consolidar, de acordo com sua única vontade, as ações em sala de aula. E se percebe a abertura para um fazer que se abra a receber contribuições das inquietações advindas das múltiplas realidades dos alunos expressadas mediante curiosidades, insatisfações e opiniões em sala de aula (FREIRE, 1996). Sendo assim, para a colaboradora, a ação docente em História ao propiciar a participação ativa dos discentes, reveste-se de uma dimensão política, pois se torna o espaço primeiro para que os alunos aprendam a colocar sistematicamente e de modo planejado o seu ponto de vista, construindo conhecimentos críticos acerca da realidade. Como veremos na fala de Elza a seguir: O senso crítico é trabalhado em História, quando a gente colabora pra o aluno ter uma participação em sala de aula, porque nós sabemos que tem alunos que ele fica muito na dele e que não tem muito espaço de falar. Então, esse é um problema que a gente tem que trabalhar com o aluno. Ele tendo esse espaço de colocar suas ideais, de poder saber o que é certo, o que é errado. Nesse caminho a gente busca pra o aluno desenvolver seus próprios conhecimentos. (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012) Esse caráter participativo e dinâmico em sala de aula exige um comprometimento das partes envolvidas no processo: professor e alunos. O primeiro não pode entender o fazer como uma situação espontânea, mas deve ter uma visão ampla de seu trabalho esforçando-se por traçar os passos que podem ser percorridos para os alunos chegarem às finalidades pretendidas nas atividades desencadeadas. Para isso, os docentes devem refletir sobre as características próprias de cada turma, uma vez que as maneiras de desenvolver os trabalhos da disciplina em uma determinada sala pode não suscitar os interesses dos alunos em outra. Esse ato nos conduz a afirmações de que as generalizações das ações docentes no ambiente escolar sem reflexão dos seus limites, possibilidades e sem o ato de interagir com as particularidades e desejos dos alunos podem comprometer a participação dos discentes na apropriação dos conhecimentos (TARDIF, 2011). Os educandos têm de se sentir motivados a buscar o comprometimento e a ousadia na consolidação e na superação das etapas propostas pelo professor. Essa situação, quando é desenvolvida refletidamente aproxima-se do que Freire (1996) denomina de comprometimento metódico com o processo educativo. Este empenho faz com que os sujeitos envolvidos na prática vejam a sala de aula como espaço de construção e reconstrução de saberes. Quando há certa apatia de algum desses sujeitos envolvidos, as efetivações dos 97 objetivos de aprendizagem tornam-se imprecisos, como podemos inferir do discurso da partícipe Elza, O fato de trabalhar a paródia nessa aula até pela turma ser barulhenta aquela questão do celular, do ouvir música e tal. Eu disse a gente vai trabalhar música e trabalhando com o nosso assunto para uma criação lúdica. Até esse grupo mesmo de I. É um grupo não participativo, principalmente, nas atividades escritas. Nessa questão de pegar um texto ler e interpretar é difícil e nesse trabalho deu para perceber o envolvimento deles. Então, foi uma coisa bem interessante. (...) foi uma ideia rápida não foi aquela coisa tão planejada (...). Eu peguei um gancho na turma, um embalo e outra coisa também, Diego, é pela turma em si, porque a turma, olhe! São quatro primeiros anos que eu consegui fazer o trabalho, mas [essa foi] a única que realmente teve aquele envolvimento, aquela motivação. (...) não houve esse trabalho dinâmico, mas aquela parte escrita e descritiva, eles não foram para a parte do dinamismo, de cantar. (...) Eles produziram o texto, eu elaborei algumas questões e eles se saíram melhor do que as outras turmas. Eles se apropriaram, porque foram buscar, eles pesquisaram mais eles produziram mais. (Colaboradora Elza, 5ª Sessão Reflexiva, em 24102012) Neste trecho, observamos que Elza justifica os motivos de ter trabalhado a paródia com os alunos das primeiras séries do Ensino Médio. No seu relato evidenciamos que a proposta surgiu posteriormente à sensibilidade de diagnosticar de modo rápido em uma das turmas (1ª Série A) que a agitação dos discentes contribuiria para um trabalho mais lúdico em sala de aula. Ela tentou usar isso em favor do desenvolvimento das atividades de ensino- aprendizagem na disciplina de História e resolveu assim construir uma aula mais participativa com a produção de jornais escritos e de músicas pelos alunos, referentes ao tema que estava sendo estudado. Todavia, a própria colaboradora reconhece que ao expandir essa ideia para as outras séries ela não teve o desenvolvimento de modo semelhante nem alcançou as expectativas pretendidas. Possivelmente, isso ocorreu, visto que as características dos educandos nas outras salas eram dispares às da 1ª série A, onde surgiu a iniciativa da atividade. Para a colaboradora Elza, a prática docente é marcada por momentos planejados e outros que surgem das possibilidades imediatas que cada situação de ensino-aprendizagem oferece. Em um desses insights foi proposta a atividade da paródia em sala de aula, Depois que a gente fez as discussões e falamos alguns conceitos e depois de perguntar o que eles achavam que era a [a Revolução Industrial]. Então, foi uma ideia rápida não foi aquela coisa tão planejada, é tanto que faltou essas partes aí e puxei o momento de barulho, próprio deles mesmo, para a realização do trabalho. Então, não foi assim aquele plano que eu já tivesse, mas tinha apenas a ideia. Por exemplo, nessa questão da produção do jornal, nós poderíamos ter trabalho mais a questão do jornal em si, trazer informações (...) ter incentivado essa reflexão, pesquisado mais e daí 98 eles poderiam ter produzido o deles. Daí até a música em si eles teriam uma visão mais ampla com relação ao conteúdo. Acho que foi uma coisa que realmente faltou. (Colaboradora Elza, 5ª Sessão Reflexiva, em 24102012) No fragmento acima, vemos que na primeira parte da descrição existe uma clara influência dos princípios construtivistas 11 . Elza leva em consideração os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema da aula e, a partir disso, tenta mediar situações para construção de conceitos sistematizados sobre a “Revolução Industrial”. Na segunda parte da aula, as características da turma levaram a colaboradora a propor uma dinâmica de ensino diferente, que exigia dos alunos a criatividade, a pesquisa e a movimentação para construção de um jornal informativo e de uma música que informassem sobre as particularidades da “Revolução Industrial”. Esse momento que surgiu no calor do trabalho não pode ser considerado como prática espontânea, pois tinha bem claro finalidades de ensino. Entre elas estava a apropriação de modo mais dinâmico e participativo pelos alunos dos conhecimentos históricos e o desenvolvimento da autonomia do educando. No entanto, a própria professora afirma que o não amadurecimento e o não planejamento da ideia fizeram com que partes essenciais para a mediação didática e melhor consolidação do processo de ensino-aprendizagem não fossem levadas em conta na atividade. Isso nos leva a afirma que essa educadora, no decorrer de sua atividade não se apega a um modelo específico de ação, mas vai realizando exercícios de combinação, construção e reconstrução de modelos para utilização em sala de aula (TARDIF, 2011). Para oportunizar essa dinamicidade e participação dos sujeitos no processo de ensino, a colaboradora Elza explica que um dos procedimentos mobilizados em sala de aula é o seminário. Em sua opinião, essa estratégia tem pelo menos duas maneiras de serem encaradas pelos discentes. Uma como forma de pesquisar novos saberes para fazer uma atividade compensadora e, outra, como uma atitude de acomodação em que os alunos se limitarão a ler as informações do livro didático, 11 A abordagem construtivista na compreensão de Castanõn (2005) assumiu com o passar do tempo diferentes posições ontológicas e epistemológicas, mas tem como ponto norteador a ideia de que o sujeito produz suas representações de mundo e não recebe passivamente impressões causadas pelos objetos. O sujeito para o construtivismo é ativo e capaz de construir e reconstruir os saberes por meio das interações com a realidade que o cerca. Os pesquisadores dessa perspectiva mais conhecidos nos meios educacionais do Brasil são Piaget e Vygotsky. Para aprofundar o entendimento sobre as ideias piagetiana e histórico-cultural, ver os capítulos 4 e 5 do livro: FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.; e o artigo: CASTANÕN, Gustavo Arja. Construtivismo e ciências humanas. Ciência & cognição. Rio de Janeiro, v. 5, p. 36-49, jul. 2005. 99 (...) Porque na forma da gente utilizar o seminário, por exemplo, você vai dar o tema para eles [os alunos], nós sabemos que tem grupos que eles buscam informação daquele tema para apresentar um bom trabalho e tem outros que pegaram o livro lá leu e pronto e acabou. (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) No entanto, podemos subentender que de acordo com essa partícipe, para modificar essa visão estabelecida entre os alunos de que o seminário é um trabalho que se constrói de qualquer maneira, torna-se necessário, por parte do professor, a conscientização de que seu trabalho deve ser de orientador. Nessa estratégia de ensino, o docente tem que estar observando o andamento do início até o fim do processo. Podemos, então, escrever que para essa professora, o seminário torna-se um ato comunicativo em que se estabelece a interação entre professor-aluno e alunos- alunos. No primeiro tipo de interação, encontramos a elucidação dos conceitos e das formas como o seminário pode ser produzido; as considerações do docente para sistematizar os pontos que não ficaram muito compreensíveis nas falas dos alunos sobre o tema estudado; e a elaboração de alguma atividade avaliativa para observar a apropriação do conteúdo por parte dos alunos do grupo. No segundo tipo de interação, temos como etapas formadoras, as discussões dentro do próprio grupo para estabelecer a organização da atividade, a apresentação propriamente dita em que dado grupo partilhará das suas experiências com a turma; e os questionamentos dos alunos da turma ao grupo apresentador do seminário. No trecho a seguir observamos as explicações de Elza acerca de como realiza o trabalho com o seminário, A gente mostrar para o aluno a importância do seminário, como se elabora um seminário e como se apresenta, porque nós sabemos que existem pessoas, existem professores que trabalham o seminário, nós sabemos disso, e como é que funciona o aluno pesquisa divide em tiras, que eu digo até que é jogral, porque um lê um parágrafo e outro lê outro. Então eu digo muito a eles eu quero um seminário e não um jogral e daí tá feito o seminário, né?! (...) A questão de explicar o que foi que entendeu daquele conteúdo. (...) Dado o seminário, eu sempre faço uma avaliação no final. Eles explicam da forma deles. Se um grupo não atingir os objetivos e se está faltando alguma coisa importante. Então, eu vou coloco e completo o que ele deixou de falar e abro espaço também pra os colegas participarem também do trabalho, né?! (Entrevista da colaboradora Elza em 05/05/2012) A preocupação desta colaboradora em orientar e observar o processo de construção dos seminários aproxima-se das características do modelo de ensino socializador. Tal forma de ensino tem como um de seus atributos centrais a avaliação do processo de elaboração das 100 atividades (GONÇALVES; BERNARDES, 2010). Ao pensar assim, Elza distancia-se de uma avaliação centrada apenas nos resultados da apresentação. Para Veiga (2011b) a observação avaliativa dos educadores deve levar em consideração os diversos momentos de construção dos seminários: a interação proporcionada pelas escolhas de formação de grupos específicos em relação aos demais membros da turma e ao professor; a compreensão de que os educandos são sujeitos ativos e situados em um contexto próprio da produção sócio-histórica e cultural; e a percepção de que nas relações dialógicas entre os diversos envolvidos no processo de aprendizagem existem contribuições para construção sistemática e pensada de uma visão criativa e crítica da realidade. Outra estratégia desenvolvida na prática de Elza é o estudo dirigido. Ao propor esse procedimento, seu intuito está bem fixado. Um deles é aproximar o aluno do mundo da leitura e fazê-lo compreender e interpretar o discurso escrito; o outro é familiarizar o aluno com aspectos do conteúdo que será construído em sala de aula, como podemos ler, (...) a questão do estudo dirigido e a gente coloca texto, porque nós sabemos que os nossos alunos tem uma certa, não dificuldade, um comodismo, um comodismo em questão de leitura, né?! E quando a gente passa pra o aluno fazer esse estudo dirigido em ler o texto para responder as questões, é uma forma de incentivar a leitura, para que ele possa compreender o texto e o conteúdo antes da gente explicar, né?! Então, eu gosto muito de trabalhar assim: (...) porque ele já vai ter tido aquela intimidade, aquela amizade com o assunto que vai se trabalhado. (Entrevista da colaboradora Elza em 05/05/2012) A partir desta fala da colaboradora Elza podemos inferir que o uso do estudo dirigido não está ligado a uma compreensão tradicional de suas finalidades cujo fundamento era apenas a memorização de informações diretas e dissociadas do cenário mais abrangente de aprendizagem. De acordo com Veiga (2011a, p. 76) esta concepção tradicional acerca do uso do estudo dirigido “(...) levam o professor a empregar o Estudo Dirigido sob uma ótica bastante reduzida ao apresentarem ‘exercícios mecânicos’ em que o aluno é dispensado da capacidade de refletir criticamente.” Essa estratégia se mostra para docente como uma maneira de alcançar competências e habilidades que são necessárias no ensino de História, como a leitura e busca de significados para o que está sendo lido, mas que ao mesmo tempo não se reduzem a essa área do conhecimento escolar. Na concepção de Elza o estudo dirigido não tem um fim em si mesmo, mas está associado a uma série de ações desenvolvidas em sala de aula para buscar a consolidação do processo de ensino-aprendizagem. Entre elas está a preocupação de que o aluno tenha uma 101 visão abrangente do que está lendo, de que este sistematize as respostas escritas não de modo automático, mas de maneira compreensiva e interpretativa; e que o desenvolvimento da leitura e escrita contribuam para suscitar o debate na turma e, consequentemente, as contribuições do professor. Primeiro, eu faço, (...) ele ter uma certa, intimidade com o assunto, como: todos tem o livro. Vamos estudar Brasil Colônia, faço com que eles leiam, mas se eu pedir pra eles leem diretamente, eles não vão ler, eles vão fingir. Então, o que eu faço, coloco algumas questões básicas relacionadas àqueles conteúdos, de preferência que tenha mais dificuldade para não achar logo de imediato de uma forma que ele leia o capítulo, se for necessário, e daí eles vão lendo, e vão tentar responder, dentro dessas questões, a gente vai olhando vendo como estão as questões deles, de preferência que ele tente colocar o que ele compreendeu daquilo. E daí, o que é que eu faço? Depois que eles terminam de responder todinho, a gente, dependendo do tempo, a gente tenta debater, dali eu entro na questão da explicação do assunto. (Entrevista da colaboradora Elza em 05/05/2012) Ao assumir essa postura de trabalho a colaboradora Elza leva-nos a reconhecer a desenvoltura do estudo dirigido para contribuir no desenvolvimento dos diversos momentos da aula. Todavia, para que essa colaboração efetive-se de modo satisfatório, esta estratégia deve ser pensada e materializada não apenas com a preocupação na memorização e reprodução de conteúdo, mas como possibilidade de superação e reconstrução de ideias e ponto de vista pelos alunos. Sobre os usos que se pode fazer do estudo dirigido na prática escolar esclarece-nos Veiga (2011a, p. 77): “(...) pela sua versatilidade fazem-nos aplicável a mais de uma etapa do ciclo docente, - na apresentação da matéria, na direção das atividades discentes, na fixação e integração de conhecimentos e no controle e retificação da aprendizagem”. Com relação à mobilização dos recursos didáticos em sala de aula, enfatizamos a reflexão sobre aqueles que não são elaborados de modo intencional para o trabalho sistemático em sala de aula. Priorizamos a compreensão da ação dos docentes de História com as fontes ou documentos informativos. Estes foram elaborados com intenções distintas da utilização prática em sala de aula. Porém, cada vez mais, os professores apropriam-se dele como elementos necessários para o desenvolvimento de uma prática significativa na disciplina de História. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica da França (INRP), citado por Schmidt (2010, p. 62) o documento na prática pedagógica define-se como, “(...) todo conjunto de signos, visual, textual, produzido numa perspectiva diferente da comunicação de um saber disciplinar, mas utilizado com fins didáticos (...)”. 102 Nesse sentido, Elza descreve que sua atividade com a música partiu de sua própria sensibilidade em enxergar a apreciação dos alunos pelos gêneros musicais. Como podemos ler adiante: “(...) música, puxando do aluno, como eles gostam muito de música, puxa a música para trabalhar dentro da disciplina, né?! (...) Porque daí passava o aluno a ter mais interesse naquilo que ele estava estudando.” (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012). A partir disso, compreendemos que no momento em que o docente se abre a ressignificar os elementos da realidade dos discentes para serem mobilizados em sala de aula, os alunos começam a demonstrar um interesse maior pelos conteúdos estudados na disciplina de História. Ao agir dessa maneira Elza aproxima-se da exigência de respeito aos saberes dos educandos, uma vez que sua atitude possibilitou que as experiências sociais, por meio dos gostos dos alunos, tivessem um lugar na construção da aula e, consequentemente, se estabelecesse uma intimidade com os saberes e fazeres curriculares na disciplina de História. No trabalho com as canções, de acordo com as ideias de Elza, os alunos devem saber as finalidades do que estão fazendo, para que assim, possam participar ativamente na construção da aula. Por isso, cabe ao docente a preocupação em conscientizar o aluno das possibilidades que a atividade com a música possui para desenvolver o tema proposto para aula. “Outro ponto também é a questão de a gente trabalhar a música, por exemplo, é daquela música a gente mostrar que a partir dali se pode também trabalhar o assunto que a gente está trabalhando em sala de aula.” (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012). Esse aspecto destacado por Elza mostra-se fundamental no desenvolvimento de trabalhos com canções na disciplina de História, uma vez que serve para orientar os alunos que as atividades mobilizadas em sala de aula, não têm apenas o objetivo de ouvir a música e sim de compreendê-la com o intuito de superar os significados aparentes e levar a construção de outros significados (BITTENCOURT, 2004). Além disso, entendemos que ao trabalhar com a música, Elza empenha-se em relacionar as características de duas temporalidades distintas: o presente e o passado. Para ela, o importante é escutar a opinião do aluno sobre o conteúdo daquela canção, sobre aspectos da realidade atual e do período passado em que foi proposto o trabalho em sala de aula e orientar os alunos a relacionar a letra da música ao tema trabalhado. “Uma música, uma associação de música, de período. O que aquela música fala, o que ela tem a ver com a nossa época hoje, o que ela tem a ver com o outro período, né?!” (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012). 103 Ao trabalhar desse modo a partícipe Elza dá a oportunidade aos alunos de exercitarem suas reflexões acerca das temporalidades, enfatizando o caráter das experiências sociais no tempo, podendo estabelecer relações com situações que envolvem o dia-a-dia dos alunos e acontecimentos no processo contínuo e descontínuo da História. Isso contribui para que os alunos desenvolvam um aspecto presente na consciência histórica que é a compreensão do caráter fluído e diversificado da interpretação dos fatos históricos. (ARÓSTEGUI, 2006) Outros recursos didáticos mobilizados para a ação em sala de aula, pela colaboradora Elza, são os textos escritos. Em sua concepção esses documentos são obras complementares. O uso deles está ligado ao trabalho com o livro didático. Depois da leitura deste manual, os alunos são motivados a fazer a leitura orientada dos textos de revistas e jornais para perceber e identificar nas notícias e informações do cotidiano a presença de elementos do tema a ser trabalhado. Após a leitura e interpretação a professora orienta os alunos a construírem, a partir das informações dos documentos, seus próprios conceitos sobre o conteúdo estudado. Como podemos ver a seguir: Quando a gente trabalha com um texto complementar, com um texto informativo, um jornal, por exemplo, que o assunto nele tem a ver com o que a gente vai iniciar no livro didático. Porque a gente tem de incentivar ele [o aluno] a usar [o livro didático], já que está sendo dado em sala de aula, emprestado, a gente tem de certa forma incentivar a usá-lo até mesmo para incentivar a questão da leitura (Colaboradora Elza, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) A questão dos textos complementares para ele [o aluno] poder também relacionar o que ele leu no livro, com aquele texto que a gente traz, de repente de uma revista, de repente de um jornal. Como, por exemplo, esse ano agora, eu fiz o quê? A introdução do conceito de História, né?! (...) Então, eles foram associando e formando os conceitos deles com relação à História. (Entrevista da colaboradora Elza em 05/05/2012) Ao realizar a prática em sala de aula com diversos textos, tratados como recursos didáticos e como fontes escritas, enfatizando esse caráter de ligação aos conhecimentos do livro didático, a professora Elza busca que no desenvolvimento do raciocínio associativo, os alunos construam os seus próprios conceitos sistematizados sobre os conteúdos estudados. Há nesse trabalho duas fontes de informações diferentes: o manual didático e os textos escritos. O primeiro tem o objetivo de familiarizar o aluno com os conhecimentos sistemáticos sobre o tema da aula; o segundo serve para que o discente materialize o pensamento sobre os saberes elaborados anteriormente, tendo como base as situações distintas e diferenciadas que ocorrem no dia-a-dia, relatadas pelos documentos. Ao trabalhar, dessa maneira, a colaboradora subtende que para realizar interpretações sobre os textos torna-se necessário uma fundamentação sistematizada dos conhecimentos do 104 livro didático. Claro que ao observamos o relato da docente não podemos afirmar que, para ela, a fonte escrita é apenas um suporte para ilustração e exemplificação nas aulas, como era pensado pelas abordagens tradicionais de ensino. O documento torna-se um elemento fundamental para levar o aluno a pensar historicamente, por meio da associação do conteúdo com os acontecimentos diários. Todavia, ao subordinar tais interpretações dos discentes apenas ao conhecimento anterior do livro didático corre-se o risco de não se explorar as possibilidades, os sentidos múltiplos, que as fontes escritas oferecem. Como nos mostra Andrade (2007), Em contato com os documentos, professores e alunos constroem, no ato de ensinar e aprender, as relações e representações entre o passado e o presente, numa experiência possível de leitura do mundo. O ensino de História a partir do trabalho com as fontes documentais possibilita, ainda, a professores e alunos identificar, recuperarem, registrarem e (re)significarem no cotidiano vivido as marcas do passado. Quando realiza a ação na disciplina de História com as imagens, a partícipe Elza limita-se em desenvolver nos alunos a capacidade de descrição dos elementos visíveis do documento. Assim essa colaboradora relata-nos: “Se for uma imagem, vamos dizer, de uma guerra, um exemplo, o que você estão vendo aí? Eles vão fazer uma leitura daquela imagem e daí a gente entra pra o nosso objetivo que é trabalha aquele tema, não é?!” (Entrevista da Colaboradora Elza em 05/05/2012). Nesse sentido, o recurso didático imagético é mobilizado nas aulas de História como elemento para introdução dos alunos no tema a ser desenvolvido posteriormente. Ao centrar sua preocupação em que os alunos apenas relatem o que estão vendo nas imagens, a professora busca desenvolver a sua capacidade de observação do documento. No entanto, ao restringir o trabalho a esse momento corre o risco, como escreve Bittencourt (2004), de reduzir a aprendizagem ao fato de ver e identificar os aspectos visuais das imagens, deixando de lado outros elementos significativos para o aprofundamento da aprendizagem no conhecimento histórico. Esses aspectos são o de problematizar que o que o discente está observando nas fontes visuais não é a realidade, mas uma maneira encontrada por determinada sociedade ou indivíduo, no seu espaço e tempo, para observá-la, ou seja, uma representação do real. 105 3.2.2 O saber-fazer de Sérgio. Ao desenvolver sua prática no ensino de História, o colaborador Sérgio destaca a importância da ação expositiva nas suas aulas. Ao realizar o trabalho de argumentação, esse professor enfatiza a preocupação em explicar de modo detalhado para seus alunos os conteúdos da disciplina. “O meu principal modo, a característica que eu digo assim, é a argumentação, eu tento pegar o conteúdo e debulhar ele na argumentação, depois da argumentação eu tento dar umas ilustradas.” (Entrevista do colaborador Sérgio em 27/04/2012). Caso nos limitássemos ao fragmento acima, poderíamos inferir, de modo isolado, que o docente Sérgio, é um professor tradicional. No entanto, ao nos debruçarmos a uma análise mais complexa, observaremos que sua ação vai perpassando distintas abordagens de ensino-aprendizagem, de acordo com as necessidades surgidas na prática, levando em consideração as características de cada nível de ensino, das turmas e das finalidades que ele procura desenvolver nos alunos. Outro ponto relevante também a destacar é que para se estereotipar uma prática como tradicional, necessitamos mais do que a associação a uma aula expositiva. Devemos levar em consideração a relação entre o conteúdo e o método e a compreensão que o docente tem das potencialidades do aluno no desenvolvimento do processo educacional. Vejamos, então, como nos é apresentado o método tradicional: Fundamenta-se na ideia de que ensinar é transmitir conhecimento e aprender é repetir tais conhecimentos da maneira como foi transmitido, sustentando a visão de que o aluno não possui nenhum saber sobre o que está sendo apresentado como objeto de ensino (BITTENCOURT, 2004, p. 230). Na concepção do partícipe Sérgio o diálogo entre professor e aluno assume o ponto alto da prática pedagógica em História, visto que essa ação possibilita o movimento no processo de ensino-aprendizagem. “Eu acho que o ápice mesmo do ensino de História está na discussão, tanto na História, quanto na Filosofia, quando propicia uma boa discussão mesmo do tema, eu acho que o ensino flui” (Colaborador Sérgio, 6ª Sessão Reflexiva em 07/11/2012). De acordo com este colaborador, o diálogo entre os sujeitos deve girar em torno do tema proposto. Apropriando-nos da visão de Freire (2005) de diálogo, podemos afirmar que essa percepção de movimento advindo do ato de discutir provém da necessidade que os seres 106 humanos possuem de não ficarem estáticos perante as oportunidades construídas de buscar o conhecimento. E, portanto, a concretização dessa procura não se dá de modo isolado, mas se concretiza na comunicação entre os homens em torno do objeto que se pode conhecer. Ao justificar a mobilização do seminário para o trabalho com os alunos na disciplina de História, o colaborador Sérgio acaba expressando os critérios levado em consideração por ele para utilizar determinados procedimentos metodológicos em sala de aula, Eu só fiz esse trabalho [o seminário] porque já foi no meio de setembro, no final do 2º bimestre já tinha um conhecimento da turma, então, já tinha uma relação de afetividade. Eu não tinha passado um seminário ou outro tipo de trabalho que vai expor o aluno se eu não vir que a turma vai corresponder. Se eu vi que a turma corresponde, que a turma fala, que a turma ajuda na aula mesmo em si, aí dá certo. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Nesse trecho, evidenciamos a relação estabelecida pelo professor entre os procedimentos metodológicos e os atributos dos alunos. Sendo assim, as escolhas das estratégias ativas de ensino não podem estar desvinculadas da observação da realidade da turma. A separação desses dois eixos, na compreensão do colaborador, pode ocasionar prejuízo no desenvolvimento das atividades e, por consequência, na aprendizagem significativa dos alunos. Isso nos faz refletir também que a interação entre os docentes e os seus educandos, em um dado espaço escolar, impulsiona a reflexão desses docentes em direção à reconstrução de suas práticas, visando o sucesso de seu trabalho profissional. Podemos inferir que no momento em que Sérgio pensa desse modo, vai se aproximando do que expõe Tardif (2011) ao propor o trabalho docente como interativo em que os seres humanos orientam seu comportamento em função dos outros, não de modo a se caracterizar como uma submissão de um a outro, mas de modo a construir, a partir de relações mediadas, novas relações para se alcançar as finalidades de ensino-aprendizagem pretendidas. Na descrição de Sérgio dos passos dados para realizar o trabalho com o seminário percebemos que esse procedimento tem, pelo menos, três momentos distintos. O primeiro se refere à apresentação dos temas para os grupos de alunos e as orientações de como estes deveriam organizar o suporte informativo; o segundo é a exposição do tema pelos discentes; o terceiro está ligado às considerações do docente no intuito de complementar e aprofundar a discussão em torno de aspectos pouco enfatizados pelos grupos. Como podemos ler, E no dia da gravação foi o dia que coincidiu com apresentação dos temas desses seminários (...). Eu direcionei esses trabalhos no início de julho, duas semanas antes disso, quinze dias 107 antes disso. Então, direcionei os temas para eles fazerem a pesquisa, trazerem na cartolina material escrito sobre o tema que eles iriam apresentar e também trazerem imagens do tema para eles explicarem. (...) Aí, eles apresentavam e depois que eles apresentavam eu dava a enfatizada, eu dava a ampliação da discussão, que talvez tenha passado e não tenha sido feita. Eu sempre após a apresentação dos seminários, eu vou lá e comento alguma coisa, avanço e tento buscar uma coisa a mais de que a apresentação tenha sido realizada. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) A leitura desta fala de Sérgio indica que ele restringiu suas orientações para construção do seminário à parte de entrega dos temas e explicitações das maneiras de fazer o suporte informativo. Ao realizar o trabalho dessa maneira, o professor se distância do acompanhamento dos processos de estruturação interna do seminário que envolve a pesquisa e seleção pelos discentes das fontes de informação e da esquematização lógica para apresentação durante a aula. Com isso, compromete o diálogo entre educadores e educando, o qual poderia propiciar uma “(...) triagem das informações a serem apresentadas, tais como: a hierarquia e a organização das ideias (principais e secundárias), com o intuito de garantir a coerência global e a progressão temática” (GONÇALVES; BERNARDES, 2010, p. 8). Quando essa interação não acontece o professor avalia apenas um momento isolado do trabalho, nesse caso, a apresentação oral, não percebendo as dinâmicas da atividade grupal, desenvolvidas até se chegar ao resultado da exposição em sala de aula. Ao selecionar os temas para apresentação nos seminários, o professor Sérgio prioriza os conteúdos consagrados e abrangentes da disciplina de História. “Os temas foram colonização brasileira, Primeiras formas de economia na colonização brasileira, Expansão marítima, Reforma protestante e Questões do renascimento que não saiu aí.” (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). No momento em que esse colaborador faz essa opção, podemos inferir que, em sua concepção, o procedimento metodológico do seminário torna-se um meio de se trabalhar mais conteúdos da disciplina de História em um período menor de tempo. Essa característica é possibilitada pela separação de temas distintos para cada grupo com períodos limitados de trabalho pedagógico. O seminário acaba tendo como uma das prioridades principais a transmissão de conteúdos diversos em pequeno intervalo de tempo de aula. Esse proceder porta o risco de se ter uma visão superficial das temáticas e, além disso, pode haver apenas a reprodução acrítica, sem reflexão e aligeirada das informações trazidas pelo grupo para a turma. Nesse sentido, as relações de ensino-aprendizagem giram em torno da transmissão de informações e se afastam 108 do desenvolvimento de outras competências e habilidades, tanto no âmbito do ensino de História, quanto nas áreas afins. Outro procedimento, também, considerado frequente pelo colaborador Sérgio em suas aulas de História é o questionário. Para justificar a mobilização dessa estratégia, o partícipe afirma que constrói essa lista de exercícios no intuito de se desvincular de algumas atividades propostas pelo livro didático. Para ele, esse manual traz questões que exigem do aluno uma habilidade de interpretação e de domínio de conteúdo bastante profundas, levando em consideração a realidade dos alunos das turmas em que ele leciona. Sobre isso nos relatou Sérgio, Eu ministro duas, três aulas com o assunto e depois eu vou lá e passo o livro ou lista de questionário. Eu sempre gosto muito das questões de observação do contexto, né?! Às vezes, eu acho algumas questões que tem no livro muito carregadas e até desnecessárias. É o que eu penso. Pesada demais para interpretação e exigência de conteúdo por causa da turma, essa turma, a idade é um pouco acima. Também eu não vou exigir o que eles não podem corresponder. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva Sérgio, em 24/10/2012) Como podemos observar neste fragmento, a elaboração do questionário assume um significado diferenciado para o partícipe Sérgio. Esse procedimento não é visto, como no modelo tradicional de ensino de História, como um meio para codificar e decorar informações para serem escritas em provas escritas. A preocupação aqui não é escrever as respostas para memorizá-las mecanicamente, desvinculadas dos aspectos contextuais, prática frequente no ensino da História no Brasil a partir da segunda metade do Século XIX e que perpassa o imaginário sobre a disciplina de História até o presente (BITTENCOURT, 2004). No caso do professor Sérgio, o uso do questionário vincula-se à preocupação em não reproduzir de modo acrítico e desvinculado do contexto as atividades do livro didático para seus educandos. A elaboração da lista de exercícios estaria, assim, possibilitando um trabalho de síntese pelos alunos. Após o estudo de determinado assunto, durante duas ou três aulas, o docente visa verificar, por meio dessas estratégias, as ideias que os seus discentes se apropriaram. Além do mais, fica demonstrada em sua fala a preocupação em possibilitar, na elaboração das questões, as abordagens das relações contextuais na construção do conhecimento histórico pelos alunos. A partir disso, podemos compreender que antigas metodologias podem ser ressignificadas pelos docentes de acordo com o desenvolvimento de sua prática. 109 Assim, estes educadores não são apenas aplicadores de conhecimentos, métodos e técnicas produzidas por outras instâncias e nem estão determinados socialmente à reprodução de verdades referendadas por terceiros para elaboração de suas atividades. Nesse sentido, o docente torna-se um ator e pode dialogar com aspectos teóricos de sua prática e de sua experiência de vida, atribuindo outros significados para sua ação cotidiana em sala de aula. O professor, então, (...) é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade a partir dos quais ele a estrutura e orienta (...). (TARDIF, 2011a, p. 230) O colaborador Sérgio apontou como um das mudanças na escola, a chegada das chamadas Novas Tecnologias de Informação (TIC). Essa nova realidade fez com que os recursos utilizados em sala de aula, na disciplina de História, tornassem-se mais diversificados. Para materializar esse ponto, o partícipe compara duas temporalidades distintas: sua vida de estudante e seu trabalho como professor: Hoje nós temos, por exemplo, data-show, DVD e televisão. Há pouco mais de 10 anos (...) se o professor fosse trabalhar com um filme seria muito difícil, eu mesmo no meu Ensino Fundamental e Médio se assisti dois, três filmes foi muito. Por bimestre, eu acho que já trabalhei mais filmes do que no meu Ensino Médio todinho. Isso é uma transformação (...) (Colaborador Sérgio, 3ª Sessão Reflexiva, em 08/08/2012) Ao apresentar as TIC como parte integrante do fazer do docente contemporâneo e destacar a sua capacidade de proporcionar ao professor múltiplas maneiras de desenvolver sua ação em sala de aula, o partícipe Sérgio remete-nos às afirmações de Souto (2008). Este pesquisador apresenta como uma das fragilidades da escola interiorana a falta de investimentos em recursos didáticos para o melhor desenvolvimento da ação dos professores de História. Ao analisar experiências de professores sergipanos revela que os docentes tinham potencialidades e criatividade para construir em sala trabalhos significativos, mas estes eram limitados por aspectos estruturais. Como vemos, no momento em que estas inovações tecnológicas vão chegando, os professores vão refletindo sobre as maneiras de mobilizá-las em sua prática cotidiana. Todavia, observamos uma preocupação do professor Sérgio em não mobilizar as TIC de maneira a reproduzir as mesmas práticas já consolidadas pelos docentes: 110 Eu vi um vídeo (...) que a professora estava ensinando tabuada: dois mais dois: quatro; (...) dois vez dois: quatro; duas vezes três: seis; e por aí vai, né?! Ai, o coordenador chega para a professora e diz professora agora, temos novas tecnologias para trabalhar para poder ampliar seus trabalhos, nós vamos ter data-show, caixa de som, etc. Só que a professora não estava preparada para implantar essa didática com data-show. Dois, três dias depois o mesmo diretor vai passando lá e ela está na mesma prática: dois vez dois: quatro; dois vez três: seis; e pra lá vai. Aí! Ele vai lá e a professora está com o data-show em vez de ser quadro, de escrever no quadro, ela está lá no data-show (...). Há um novo tradicionalismo, é um neotradicionalismo. (Colaborador Sérgio, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Para Sérgio, o professor tem de se preparar para lidar com as novas tecnologias; sem isso, corre o risco de ser apenas um transferidor de informações para seus alunos. Na visão de Schmidt (2010), as TIC têm de ser usadas no intuito de articular as inúmeras informações dispersas que a sociedade nos oferece, contribuindo assim para que no cotidiano, possamos pensá-las e refleti-las e ligado a isso “(...) não basta ater-se às características e potencialidades próprias das novas tecnologias, mas também refletir e retomar a sua interação com os currículos e com a prática pedagógica em sua totalidade”. (SCHMIDT, 2010, p. 64) No tocante ao trabalho com o cinema em sala de aula, o partícipe Sérgio destaca o uso de filme de ficção histórica. No seu relato, entretanto, não deixa evidentes os passos para concretizar esta ação. No entanto, explica o que busca desenvolver nos alunos, no momento em que trabalha esse recurso: Eu passei um filme pra ter essa discussão também a “Operação Walkíria” e é muito interessante, porque apresenta outro ponto de vista. Muita gente pensa que todo exército Alemão Nazista era a favor de Hitler, mas a gente vê claramente que aquele filme demonstra, baseado em fatos reais que nem todo o exército era a favor das ideias, comungava das ideias. Outro filme que bem no finalzinho passa isso aí, é “O pianista” que no final do filme o cara ajuda o judeu. Ai! tem uma frase que diz. “Deus tenha piedade do que nós estamos fazendo” (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Ao ver essa narrativa, compreendemos que as atividades desencadeadas pelo professor Sérgio visam possibilitar que os alunos tenham contato com abordagens e interpretações diferenciadas acerca do conhecimento histórico, desconstruindo certos fatos como verdades absolutas no ensino da História Escolar. Segundo estudiosos do ensino de História, uma das vantagens de se utilizar os filmes em sala de aula reside no fato dos docentes terem alternativas de levar os alunos a perceberem as múltiplas vozes que ressoam na construção de uma mesma realidade histórica. Como nos mostram Abud; Silva; e Alves: É exatamente daí que vem a riqueza do uso dos filmes em sala de aula. Se as concepções sobre o passado são produtos do presente, as películas revelam 111 em seu interior interpretações que, contrapostas ao conhecimento histórico criado por meio de pesquisas, revelam diferentes visões sobre os mesmos fatos. (ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p. 167) Outro ponto a ser mostrado no discurso anterior do colaborador Sérgio é que, na sua ação mobilizando a fonte fílmica, sua ênfase dirige-se à análise dos elementos internos desse recurso didático, ou seja, no estudo dos conteúdos, acontecimentos e tempos em que ocorre a História narrada. Ao fazer isso, o docente, no seu trabalho em sala de aula, aproxima-se de um dos aspectos do método histórico para interpretação das fontes: a crítica interna do documento. Por outro lado, distancia-se da crítica externa cuja finalidade reside em perceber os cenários e o momento em que a obra foi elaborada. Ao levar em consideração esses dois aspectos, tanto alunos, quanto professores podem compreender as representações nos filmes como documentos da época em que foram produzidos e que refletem, dessa maneira, conflitos e contradições as quais estão perpassando as interpretações dos diversos seres humanos (ABUD; SILVA; ALVES, 2010) No momento em que o partícipe Sérgio mobiliza as imagens como recurso didático uma de suas preocupações volta-se em fazer os alunos observarem e descreverem os aspectos visuais presentes no documento. A intenção desse procedimento é levar o discente a desconstruir por meio da leitura iconográfica verdades já tidas como consolidados pelo conhecimento histórico escolar. No instante, em que há a possibilidade dessas desconstruções por parte dos alunos, existe, por meio da mediação do professor, a possibilidade de construir outras representações acerca dos temas e conteúdos estudados na disciplina de História. Como nos fala o colaborador, Nas imagens quero que eles observem alguma coisa sobre o espaço, por exemplo, tem uma imagem muito interessante de se trabalhar no Renascimento, a imagem do apóstolo João. Eu não lembro exatamente quem fez agora, que ele está pregando sentado no lugar que tem uma Igreja cristã e tem determinadas imagens de características muçulmanas. Há muito tempo, isso é só um exemplo, há muito tempo no Renascimento cultural lá na Itália, que era especificamente na Itália, dizia-se que não existia influencia do oriente no ocidente, nessa época. Então essa imagem demonstrava que existia sim, porque era uma Igreja Católica, cristã que tem traços dos muçulmanos, ou seja, tinha a influência de uma arquitetura no ocidente do oriente. Então existia sim uma espécie de contato. (...) Isso pra que o aluno veja e seja acima de tudo uma aula diferente daquela argumentação que eu tanto faço diariamente. (Entrevista do colaborador Sérgio em 27/04/2012) Ao realizar esse trabalho com as fontes visuais, o colaborador abre alternativas para que os discentes, por meio da exploração documental, construam sentidos e saberes na 112 História Escolar. Ao fazer isso, podemos afirmar que ocorre um distanciamento de uma atividade meramente ilustrativa com a imagem a qual só contribuiria para reforçar os argumentos prontos fornecimentos de modo exclusivo pelo professor. Assim, a prática de Sérgio assume características mais próximas das situações- problemas usadas frequentemente para introduzir os temas de estudo na disciplina de História. Como nos propõe Bittencourt, uma das maneiras de mobilizar as fontes imagéticas em sala de aula pode ser “(...) para introduzir o tema de estudo, assumindo neste caso a condição de situação-problema, para que o aluno identifique o objeto estudo ou o tema histórico a ser pesquisado”. (BITTENCOURT, 2004, p. 330) Além disso, na transcrição acima, o próprio Sérgio afirma que a ação desenvolvida com imagens só ocorre quando ele próprio percebe que suas próprias aulas expositivas se mostram rotineiras. Isso revela que o trabalho com esse tipo de recurso se mostra como uma alternativa para dinamizar as relações em sala de aula, tornando assim as aulas mais agradáveis e atrativas. Já as atividades com as canções somente são realizadas pelo professor Sérgio depois de um trabalho de apropriação por parte dos alunos dos conhecimentos do tema proposto. Os discentes têm de possuir um embasamento prévio para poderem analisar e interpretar esse tipo de recurso. O colaborador deixa explícitos os objetivos de mobilizar o uso das canções em sala de aula: um está ligado ao fato de perceber o imaginário dos alunos com relação à música trabalhada; outro almeja que os alunos percebam as relações de influência entre os períodos distintos da História na construção das representações sobre o presente, levando-os a entender que os acontecimentos de cada época do passado não ficaram restritos a ela mesma, (...) acabei de usar música “O homem primata”, do Titãs, no assunto de artes. (...) Busco compreender na música o imaginário dos alunos, (...) utilizo sempre depois de muita argumentação de trabalhar, de pensar com eles em sala de aula. Eu falei sobre a pré-história, período paleolítico, neolítico, a arte produzida, nesses dois períodos, a diferença de uma para outra e agora foi um trabalho. O que é que a música falava? Falava da crítica a sociedade atual, utilizando como base uma sociedade pré-histórica. Então eu utilizei, eu botei eles para fazer um trabalho, utilizando como exemplo a música, criticando a sociedade atual de certa forma, utilizando como base os princípios de uma sociedade de outro período, ou seja, para que eles possam perceber que as outras sociedades não morrem lá no passado. (Entrevista do Colaborador Sérgio em 27/04/2012) Ao levar em consideração, em um de seus objetivos, o imaginário dos educandos, o colaborador Sérgio reconhece a capacidade de os alunos dialogarem com as fontes musicais, mesmo que não tenham conhecimentos tão sistematizados sobre música. Ao fazer isso, 113 reconhece os saberes dos alunos, construídos nas suas vivências nos cenários sociais e culturais em que estão inseridos. Como nos expõem Abud, Silva e Alves (2010, p. 62): “Esses dispositivos, verdadeiras competências de caráter espontâneo ou científico, não são frutos apenas da subjetividade do ouvinte diante da experiência musical; eles sofrem influência de ambientes socioculturais, valores e expectativas político-ideológicas (...)”. Com o segundo objetivo, Sérgio busca levar os alunos a estabelecerem uma ponte entre aspectos da realidade atual (críticas ao capitalismo presentes na canção da banda musical) e acontecimentos históricos do passado (algumas características das sociedades primitivas). Esta finalidade contribui para que os discentes se apropriem de conhecimentos próprios da disciplina História. Contudo, estes saberes disciplinares não se resumem apenas à aprendizagem do conteúdo de Pré-história, mas se estendem à compreensão inicial de elementos constitutivos do próprio pensamento histórico. Estes elementos formadores do pensamento histórico presentes na fala de Sérgio dizem respeito ao aspecto de que os marcadores dos períodos históricos não são realidades precisas que encaixam características singulares cujo aparecimento e fim são encontrados apenas em determinado momento da História sem ligação com outros períodos. Desse modo em sala de aula: “O conhecimento histórico e a produção musical são formas de explicar o presente, inventar o passado e imaginar o futuro.” (ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p. 63). Outro ponto relevante diz respeito à tentativa de fazer atividades, que tenham como fonte o patrimônio histórico e os lugares de memória da cidade. O desenvolvimento de tal ação está ligado ao estudo de um tema amplo da disciplina de História (“Reforma Protestante ou Reforma Religiosa”). O fato de sair da sala de aula torna-se a parte final do estudo de um determinado conteúdo e serviria para os alunos materializarem e enriquecerem, por meio da observação as diferenças entre os espaços físicos de cada templo religioso (Edifícios das Igrejas Católica e Protestantes do município de Arez-RN). Para o partícipe Sérgio, os assuntos estudados em sala de aula, na etapa anterior, possibilitariam a mobilização do raciocínio histórico para estabelecer o porquê das diferenças na organização dos dois locais sagrados: Eu passei o bimestre quase todo planejando, mas na hora “H”, não foi possível. Foi no período que eu estava dando aula de “Reforma Protestante ou Reforma Religiosa”. Pegar os alunos e fazer uma visita à Igreja Católica e depois fazer uma visita a Igreja Evangélica, seja Assembleia de Deus, ou seja, qual for, para que eles pudessem enriquecer visualmente a aparência, o âmbito das duas Igrejas. Mesmo que já tenha ido as duas muitas vezes, mas naquele dia que ele fosse, ele vai com outro olhar, com o olhar diferente, porque ele iria embasado pelo assunto que a gente está vendo. (Colaborador Sérgio, 2ª Sessão Reflexiva, em 23/07/2012) 114 O estudo do meio, para o professor Sérgio, torna-se uma prática pedagógica que propicia o desenvolvimento de modo prioritário da observação e da comparação por parte do discente. Assim nos propõe Bittencourt (2004, p. 282): “Um objetivo central dessa prática é o desenvolvimento da capacidade de observação do educando”. Tal atitude tem a finalidade de aproximar os temas da disciplina das realidades locais dos alunos. Além disso, podemos inferir que, na visão do partícipe, o passado histórico possui essa capacidade de explicar a constituição de elementos do presente. Assim, nos procedimentos didáticos é necessário se estudar o conteúdo sistemático da disciplina de História, para que este auxilie na observação e compreensão dos monumentos históricos e espaços de memória. Portanto, e em conformidade com o colaborador, podemos afirmar que a junção do conteúdo “teórico” com a verificação do objeto material mobiliza mentalmente o aluno a buscar uma explicação temporal para as diferenças presentes nas organizações arquitetônicas dos espaços sociais. E assim, o ensino de História contribui para desencadear, por parte dos alunos, um pensamento mais amplo, da realidade que os envolve. 3.2.3 O saber-fazer de Emília As aulas de História da colaboradora Emília são marcadas, de modo prioritário, pela exposição dialogada e pela orientação do livro didático na organização dos temas desenvolvidos com seus alunos. Assim, ela nos relata aspectos de sua prática: Eu uso mais o livro didático, sabe?! Eu não uso paradidático. (...) Quando eu estou achando que está assim muita aula expositiva, aí, eu venho para cá [para escola], venho pra internet, passo a tarde aqui, aí deixo de planejar para outra coisa, porque demora essa pesquisa na internet, atrás de um vídeo, traz de um texto que encaixe melhor. (Entrevista da colaboradora Emília em 25/052012) Podemos observar que um dos motivos que levam a modificação na ação diária da colaboradora, é a percepção da rotina provocada pela mobilização constante de uma determinada metodologia, nesse caso, a aula expositiva. Semelhante, ao que nos propõe Tardif (2011), a professora Emília entende que os dilemas, angústias, questionamentos próprios ao ensino se situam e são suscitadas no interior das interações cotidianas da sala de aula. 115 Assim, podemos inferir que para ela a compreensão de mudança em sua prática está ligada à modificação dos procedimentos. Ou seja, ao fazer a transformação nas maneiras de organizar os passos da aula, pode-se criar um novo sentido na dinâmica de ensino- aprendizagem da disciplina. Há, portanto, uma tentativa de tornar as aulas de História mais interessantes e interativas. Para a colaboradora Emília as transformações estão ligadas aos aspectos metodológicos. Todavia, os temas do conhecimento histórico praticado nas escolas não são questionados. Não observamos uma relação entre a mudança dos temas abordados pelo conhecimento histórico escolar e a possibilidade de dinamização da aula para o Ensino Básico. Esse fato se afina com a visão construída não só por ela, mas pelos demais colaboradores nesta investigação. Todos naturalizam o livro didático como orientador ou norteador das temáticas a serem desenvolvidas em sala de aula. “Eu acho que vou começar pelos livros didáticos, porque eles têm os textos, então isso dá um suporte.” (Entrevista da colaboradora Emília em 25/05/2012). Mesmo que os conteúdos discutidos e elaborados, durante as aulas se distanciem das abordagens ou da organização proposta pelos manuais didáticos, estes continuam condicionando os temas presentes na disciplina de História do Ensino Básico. 12 Outro ponto evidenciado por Emília refere-se à relação entre a transposição didática e a formação docente. Na opinião dela, não se pode dissociar esses dois pontos na ação profissional, pois a formação propicia ao professor entrar em contato com os saberes necessários para romper as limitações dos fazeres já consolidados na sua atividade diária. Dessa maneira, o educador sente-se mais seguro em refletir sobre suas atuações e, por meio disso, passa a se conscientizar do seu poder e de sua autonomia na construção e reconstrução didática. Na fala a seguir a colaboradora Emília expressa a relação entre a transposição didática e a formação continuada do professor, (...) Não dá para você conseguir essa transposição didática se você não é um professor que se preocupe com a formação, porque você vai ser sempre limitado. (...) Quando você se possibilita estudar, aprender, mudar de postura, rever conceitos é a gente compreender as falhas, os erros que a gente cometeu. Muitas coisas, porque a gente não tinha noção, que poderia fazer diferente. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) 12 Debruçaremos-nos sobre esta discussão no terceiro capítulo. 116 Emília compartilha do pressuposto de que o trabalho de didatização não é apenas uma simplificação de conhecimentos produzidos na academia ou em outros centros de produção de saberes. Nesse sentido, vai ao encontro de autores como Lopes, para quem “O trabalho de didatização acaba por implicar, necessariamente, uma atividade de produção original”. (LOPES, 1999, p. 218). O processo de mediação didática exige do profissional docente um trabalho de reavaliação de suas crenças, de abertura para as novas aprendizagens e para uma visão mais entrelaçada entre teoria e prática na construção do seu fazer. Esses componentes podem ser encontrados nas relações construídas nos espaços de formação continuada. E vai se aproximando das propostas de Freire (2005), quando expõe que no ato educativo ao tecer o diálogo no/com o mundo e com as pessoas passa-se a construir saberes. “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.” (FREIRE, 2005, p. 67). Ao contrário, no momento em que o processo de didatização é visto apenas como uma simplificação de métodos ou conhecimentos produzidos em outras instâncias, a preocupação com a formação continuada se torna efêmera. Isso ocorre, quando não existe a preocupação com a relação entre teoria e prática no trabalho do professor. A compreensão de que o conhecimento escolar de História pode ser construído nas interações entre alunos-alunos e alunos-professores gera em Emília uma preocupação constante com a participação dos educandos no desenvolvimento das atividades da disciplina. Tal reflexão provoca na partícipe o reconhecimento de que, em algumas situações de ensino- aprendizagem, ela própria acaba se antecipando na transmissão dos saberes, impedindo que os educandos elaborem suas próprias concepções com relação aos conteúdos propostos. Eu falo, mas tem coisa que eu preciso deixar o aluno construir. Se eu não me policiar muito, eu daqui a pouco estou dizendo já aquilo que eu quero que ele descubra e eu não posso fazer isso, eu tenho de dar caminhos. Eu não posso dizer o caminho é esse aqui. Eu tenho de proporcionar um movimento pra que ele se perceba assim e eu me adianto muito. Isso é deficiência pra mim. Eu me avalio negativamente. (Entrevista da colaboradora Emília em 25/05/2012) Para Schmidt (2010), esse caráter ambíguo do fazer está presente na identidade dos professores de História do Brasil. Emília, mesmo reconhecendo que o ensino se fundamenta em uma construção artesanal de saberes que envolvem docentes e discentes, ainda se flagra em momentos de transmissão mecânica de conhecimentos para os alunos. Talvez possamos explicar esta oscilação em decorrência da forte influência que o modelo tradicional de ensino de História tem no Brasil. Embora tal tendência venha sendo 117 lenta e contraditoriamente revertida, desde fins da década de 1980, este foi o contexto de aprendizagem da colaboradora quando ainda era aluna no ensino de 1º e 2º graus (LDB nº 5.692/71, de 11 de agosto de 1971). Um outro aspecto refere-se à inexistência de capacitação para o uso dos recursos tecnológicos que auxiliem no desenvolvimento das atividades. Esse fato foi discutido por Souto (2008) ao mostrar que diversos professores de História relatam as dificuldades em desenvolver o seu fazer mobilizando os chamados novos recursos didáticos. Similarmente, para Emília, a questão central não se limita apenas à disponibilidade dos aparelhos tecnológicos no ambiente escolar. Ela ressalta que deve haver, também, o esforço e a reflexão por parte dos professores sobre as maneiras de usar estas inovações para que não se reproduzam modelos tradicionais de ensino apoiados nas novas tecnologias. O que eu sinto (...) e aí eu vou concordar com Elza em relação à questão didática é com relação a escola ter uma melhor estrutura, entendeu?! (...) o data-show demais eles enjoam, mas depende de como você usa. Se você for usar o data-show só com aquelas aulas que a gente faz os pontos abre e fica ali é melhor você escrever no quadro. Aí o data-show é uma técnica hoje e vai aparecer outras, né?! (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) A chegada de novos recursos tecnológicos no espaço escolar e a apropriação de modo refletida por parte do educador dessas inovações, são apresentadas pela colaboradora Emília como uma maneira de agilizar as diversas etapas do trabalho do docente, desde o planejamento com a seleção do material didático para aula até sua concretização em sala. “A escola agora vai ter um ponto de internet (...) já melhora para nós, enquanto eu fico um tempão salvando uma coisa, eu posso salvar na hora lá e depois mostrar.” (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). Para a professora Emília, a concretização de certos processos de ensino- aprendizagem e o uso da criatividade no desenvolvimento da disciplina não dependem apenas da ousadia do professor de História. A escola, em sua opinião, tem de promover e incentivar ações contínuas que ultrapassem o caráter disciplinar das atividades em sala de aula. Isso construiria nos alunos uma motivação para participarem de propostas metodológicas de ensino mais dinâmicas e abrangentes. Ela apresenta como exemplo a produção de uma peça de teatro dentro da própria disciplina de História. Como descreve a seguir: Quando a gente terminou de abordar de 1945 a 1964 no Brasil, tem uma sugestão de pesquisa que é sobre (...) um Núcleo de Cultura que existe em São Paulo que eram os estudantes que faziam essa parte de cultura. (...) E eu propus a eles [os alunos] até dezembro de a gente fazer uma sexta cultural. Toda sexta a turma apresenta um parte daquele trabalho para todo mundo 118 na escola. Só são dez minutos de intervalo (...) Nem todo mundo quis, né?! 3º D ninguém quis; 3ºC ninguém quis; 3º B alguns disseram que vão fazer. Às vezes, a gente apresenta uma boa metodologia, mas o aluno não foi trabalhado na área de cultura, o aluno não tem nada que é contínuo para isso. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Este trecho sugere a permanência de uma organização fragmentada da escola, que centra seus conhecimentos no modelo de disciplinas isoladas. A perpetuação deste modelo restringe o desenvolvimento de práticas pedagógicas que necessitam de projetos mais amplos, interdisciplinares e permanentes para se efetivarem. Além de inibir a ação ativa e contínua de professores e alunos. Tal modelo dificulta a execução das finalidades de aprendizagem proposta nos “PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio)” que prezam por um desenvolvimento integral dos alunos fundamentado na estética da sensibilidade, na política da igualdade e na ética da identidade, em busca de consolidar uma visão que tenta superar a fragmentação disciplinar e a ênfase conteudista, associada aos estudos da humanidade e “(...) apontam, por sua própria natureza, uma organização interdisciplinar.” (BRASIL, 2000, p. 9) Ao falar sobre as reconstruções que faria na sua prática, Emília exprime a preocupação em fazer com que os conhecimentos prévios dos alunos tenham lugar na construção da aula. Além disso, evidencia a mobilização de mais de um documento didático no desenvolvimento de uma aula. Essa utilização de fontes diferenciadas no trabalho com um tema faz com que a colaboradora, nos passos dados para formação do conhecimento histórico em sala de aula, defina finalidades específicas para o uso de cada um desses recursos. Eu mudaria nessa parte inicial, da música, eu escolheria letra e música que eles pudessem cantar. No primeiro, só cantar por cantar; no segundo momento, fazer a relação com a letra, sabe?! Assistir ao vídeo e depois retomar a música. Qual é o olhar que você tem agora? Qual o significado? Poderia até fazer isso aí: O que essa música diz? (...). E após o conteúdo o que ela diz? Qual o sentido que ela tem? (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) As duas fontes mobilizadas nessa aula foram a canção “Rosa de Hiroshima” e um documentário, intitulado: “A Bomba Atômica”13. Durante o trabalho com estes recursos, compreendemos que os primeiros momentos tiveram o intuito de familiarizar os educandos com o ritmo da canção e com seus versos. Assim, os discentes se sentiriam motivados a expor suas ideias a partir dos questionamentos da professora. O vídeo serve para fundamentar a análise, a interpretação e a reconstrução, que os alunos fazem da letra da canção. 13 Um poema de Vinícius de Moraes e musicado por Gerson Conrad e um documentário produzido pelo Discovery Channel. 119 Nessa ação fica evidente a preocupação de Emília em superar os conhecimentos assistemáticos dos alunos sobre a temática desenvolvida, levando-os a construir outras noções sobre o conhecimento histórico estudado. Na ótica de Freire (1996), poderíamos dizer que há uma tentativa, mediante procedimentos metódicos de superar conhecimentos ingênuos em detrimentos de críticos. No entanto, ao se apropriar do documentário como parâmetro para motivar o desenvolvimento do raciocínio entre os alunos, corre-se o risco de tomar, sem nenhum questionamento, as informações expostas por esse material como a versão oficial sobre a realidade. Isto pode levar a um distanciamento das discussões recentes no ensino de História as quais propõem aos professores que ao lidarem com este tipo de fontes em sala de aula atentem em trabalhar “(...) a contraposição da ideia amplamente aceita de que as imagens trazem a verdade absoluta dos fatos, quando na prática, são produtos da subjetividade (interpretação) humana.” (ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p. 166). Quer dizer, os materiais fílmicos são produções localizadas em espaços e tempos determinados, cujas interpretações para montagem do enredo são permeadas por visões políticas, sociais e culturais elaboradas nesses dados contextos. No trabalho específico com as canções, a partícipe Emília tem como uma de suas preocupações levar os discentes a uma reflexão em torno do saber histórico a ser construído na aula. Em sua opinião as maneiras de desenvolver as atividades com a música, junto aos alunos, também deve ser pensadas, caso contrário, corre-se o risco de não se alcançar os objetivos planejados. Como afirma a professora: (...) eu comecei com “Roda Viva” de Chico Buarque. Só que eu fui e não escolhi a música mais atualizada, eu coloquei a música original que foi gravada no festival, aí, não chamou a atenção deles, eles nem ligaram para a letra. Nesse momento aí é quando você percebe durante a aula que poderia ter feito diferente, entende?! A ideia foi boa, mas a forma não foi. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Mas depois eu retomei, aí a gente passou a fazer as pausas na música e discutir a letra na relação com o que a gente estava trabalhando. Por que ele [Chico Buarque] compara com a roda gigante? Por que ele compara uma Roda Viva? Aí, a gente já foi aproximando mais. (...) Eu não abandonei a música, eu gostei muito dela. Até o alunos trouxeram outras músicas, trouxe a música de Geraldo Vandré, teve um grupo que trouxe várias músicas (...) de Juca Chaves que teve uma postura política crítica da época. Já deu uma mudada naquela forma é uma reconstrução. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva em 07/11/2012) No trecho acima, fica evidente a preocupação de Emília em correlacionar os elementos desencadeadores de uma prática pedagógica planejada, os conteúdos, os procedimentos e os objetivos de ensino. 120 A música não serve apenas como elemento de ilustração ou de apreciação durante a aula de História; ela é apropriada para incitar e desenvolver nos alunos uma reflexão sobre o conhecimento histórico a ser estudado. Podemos, assim, inferir que a colaboradora parte “(...) do princípio de que a música, além de ser veículo para uma boa ideia, a canção (e a música popular brasileira como um todo) também ajuda a pensar a sociedade e a história”. (SOUTO, 2008, p. 165) Além do mais, observamos a importância que Emília atribui a relação entre o texto escrito e a musicalidade da canção. Ao levantar esse aspecto, a professora acaba reconhecendo que ao construir procedimentos metodológicos com fontes musicais, precisa perceber a canção como uma linguagem complexa e como um documento ao qual podem ser atribuídos múltiplos significados no decorrer do tempo. Tal riqueza de sentidos do documento musical leva ao desencadeamento de fazeres cujas finalidades não se restringem apenas à disciplina de História. Há no decorrer das aulas interpretações, analogias e contribuições dos alunos com características mais ligadas à construção do conhecimento histórico e, também, mais abrangentes, voltadas mais para o universo subjetivo dos alunos. Sobre isso nos escreve Fiúza (2007, p.77): A canção não pode ser tomada somente como um texto informativo, ela difere de um texto de jornal ou do livro didático. Antes, deve ser tomada como um texto poético, literário, passível de uma análise objetiva, mas, também, intuitiva e imaginativa, obviamente depois de esgotados o contexto e os limites históricos que lhe são inerentes. Ao utilizar os recursos imagéticos, Emília enfatiza um exercício de leitura da imagem orientada por problemáticas construídas pela professora. As questões levantadas pela docente, a partir da observação da iconografia, motivam os educandos a desenvolverem um raciocínio voltado para o pensamento da historicidade dos fatos, como podemos ler no fragmento discursivo abaixo, quando ela se refere às possibilidades de trabalho com uma imagem do Renascimento Cultural Europeu: Tem uma imagem dessa época que eu acho fantástica é um quadrado e no início do quadro lá tem duas mãos e só aparece o céu e as mãos tipo abençoando e o Papa, não, eu acho que o padre mais em cima, o rei um pouco mais embaixo, mas os dois quase na mesma altura e a plebe bem mais abaixo. (...) Uma imagem dessa, leva-nos a fazer a leitura da imagem: Qual o significado das mãos? Por que foi possível naquele momento na capela sistina o dedo de Deus encostar no dedo do homem e não em outro momento que não fosse aquele? (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, 24/10/2012) 121 No trecho acima, Emília elabora duas possíveis indagações a serem desenvolvidas com seus alunos. A primeira enfatiza mais do que uma descrição superficial dos elementos exteriores, mas busca, por meio da familiarização com o perceptível, a motivação para uma análise mais subjetiva e que não é inerente à fonte, mas surge por meio da construção do questionamento. Ao fazer isso, a professora se abre para a possibilidade de construção, por parte dos alunos, de saberes e significados que não existem em si mesmos, mas aparecem em decorrência de olhares e problemáticas que lhe são colocadas durante as ações didáticas (ANDRADE, 2007, p. 235). Já na segunda indagação ela tenta, mediante a problematização de um aspecto relevante da iconografia, levar a uma ampliação do raciocínio histórico do aluno. Ao elaborar este questionamento, a partícipe exige que os educandos reflitam sobre as características de pelo menos dois contextos distintos: o do Renascimento Cultural em que se insere a construção da fonte imagética, e o de outro período anterior que serviria de parâmetro para estabelecer as mudanças ocorridas para explicar os elementos questionados na imagem. Nesse sentido, ousamos afirmar que, em tal atividade com os documentos imagéticos, o desenvolvimento do pensamento histórico gira em torno de um passado mais próximo e de outro mais distante. Todavia, um dos méritos desse trabalho se dá em decorrência da centralidade de uma problemática por meio da qual, no ensino de História “(...) pode-se conseguir dos educandos uma atitude ativa na construção do saber e na resolução dos problemas de aprendizagem”. (SCHMIDT, 2010, p. 60). No entanto, o trabalho com as fontes nas aulas de História não se resume a ensinar os discentes a pensar historicamente apenas numa relação entre passado-passado. No trecho a seguir, compreendemos que a relação entre passado e presente também é explorada por Emília nas problemáticas didáticas feitas aos documentos escritos, Esse negócio de trabalho com fonte, com documentos. Aqui na escola tem um livro, um livro bem antigo, sabe! Que é tão interessante. A diretora da escola escreveu: “Hoje assumiu a presidência da República, o presidente Getúlio Vargas”, em uma letra bem desenhada. Tem umas informações! Bem se a pessoa for investigar isso, ela dá sugestão para se perguntar: Como era a educação na época da ditadura [de Vargas]? Será que era do mesmo jeito que é hoje? (...) Tem alguns livros que tem o professor é dado a ideias comunistas. Temos de observar isso. É um material rico que pode ser aproveitado. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, 07/11/2012) 122 Logo, as questões feitas às fontes e que envolvem as dimensões do presente e do passado são mobilizadas em sala de aula, como maneira de realizar uma atividade de análise comparativa. A partir das indagações propostas pela docente, abrem-se os caminhos para explorar aspectos da temporalidade histórica, como a construção, pelos alunos, de diferenças e semelhanças, permanências e transformações entre práticas educativas na chamada Era Vargas e na atualidade. Ao concretizar ações didáticas dessa maneira, a colaboradora aproxima-se de um modelo de ensino de História que percebe o conhecimento histórico escolar como uma construção, como um diálogo entre passado-passado e passado-presente cujas problematizações podem ser oriundas destas múltiplas dimensões temporais. Além disso, ao retomarmos as afirmações de Emília, subentendemos que sua visão sobre as fontes e suas potencialidades de uso nas aulas de História são amplas. Os documentos, na sua concepção, não são apenas os materiais trazidos pelos livros didáticos ou indicados em outros manuais. São elementos presentes nas realidades próximas e que podem ser trazidos para elaboração de atividade cotidiana com os alunos na disciplina de História. Esta ideia, além de se aproximar das novas tendências no campo da didática de História, acompanha as discussões no próprio campo da historiografia, desde a “Escola dos Annales” em que o conceito de documento transformou-se e adquiriu uma maior abrangência, criando novas possibilidades para historiadores e professores de História. Passam a ser legitimados como fontes: “(...) escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, etc. Uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme, (...) um pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto (...)” (LE GOFF, 2005, p. 36). Ligado a isso, a visão documental proposta pela “História Nova” faz com que as maneiras de mobilizar as fontes didáticas em sala de aula assumam características distintas de acordo com o tipo de documento e com os objetivos de ensino que se deseja alcançar, como vimos na prática de Emília. Nesse sentido, o documento passa de uma função homogênea e ilustrativa no ensino, para uma função como recurso para construção de representações e práticas no ato de ensinar e aprender, que levem a leituras múltiplas do conhecimento histórico entre os educandos. Para terminar, destacamos que a prática dos colaboradores é marcada por uma preocupação em construir situações de ensino que possibilitem o dinamismo e a interação entre os sujeitos envolvidos em sala de aula, professores e alunos. No intuito de que este 123 dinamismo e interação aconteçam, os professores buscam diversificar seus procedimentos metodológicos e também o uso dos recursos didáticos. A partícipe Elza busca desenvolver os seminários como uma estratégia socializadora entre os alunos e o estudo dirigido com o objetivo de direcionar a uma aprendizagem que leve a uma leitura de mundo mais ampla. Sérgio vê no questionário uma maneira de não reproduzir de modo acrítico e desvinculado do contexto as atividades do livro didático; Emília tem consciência de que os significados e saberes elaborados no trabalho com os documentos são resultado de indagações feitas pelos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. E os três colaboradores, com suas especificidades, destacam-se por mobilizar vários recursos didáticos (imagem, canção, textos escritos) na elaboração de suas aulas de História e por terem ciência das finalidades do uso de cada um destes documentos na prática pedagógica. No próximo capítulo, discutiremos como o conhecimento histórico escolar é construído, no Ensino Médio, por estes professores interioranos. A História Escolar será compreendida nesta parte como conhecimento que ganha contornos específicos nas interações próprias do cotidiano escolar. 124 4. HISTÓRIA ESCOLAR: UM CONHECIMENTO CONSTRUÍDO NA INTERAÇÃO (...) meu pai ele é louco por História, mas assim ele é fanático por História, mas a História que ele sabia contar é que Dom Pedro proclamou o Império dia 7 de setembro. Pode perguntar quem foi D. Pedro que ele vai dizer e Pedro Álvares Cabral e pra lá vai, mas só que ele vai contar de uma forma como se fosse um filme e vai embora, é linear, como se fosse um guia turístico. (Colaborador Sérgio, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) Eu estou querendo assistir com eles “O Leitor” (...) esse filme ele discute a História de uma mulher que ela era da “SS” só que ela recebia o salário para fazer aquilo. Então, ela era uma trabalhadora aí ela diz (...) eu fiz porque estava trabalhando e dá essa possibilidade de você discutir que nem sempre todo trabalho eu tenho o ponto de vista de avaliar de uma maneira positiva (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11 de julho de 2012) No capítulo precedente, tentamos entender os saberes que os professores interioranos de História consideravam significativos para sua ação em sala de aula. Partimos da concepção de que esses saberes vão permeando o trabalho profissional e são explicados e justificados pelos próprios docentes nos seus discursos. Tais sentidos atribuídos pelos educadores aos saberes mobilizados nos seus fazeres são marcados por racionalidades próprias. Estas são susceptíveis de compreensão e encontram coerência e legitimidade no contexto escolar da prática profissional. Neste terceiro capítulo buscaremos compreender a constituição do conhecimento escolar de História de professores interioranos no Ensino Médio, a partir da mobilização dos diferentes saberes que compõem a prática docente. Para isso organizamos o texto em quatro momentos: o primeiro em que os professores-colaboradores apresentam suas reflexões sobre História Escolar e História Acadêmica; o segundo, em que são apresentadas as características da narrativa Histórica Escolar e suas aproximações e distanciamentos com as concepções sobre o Ensino de História; o terceiro em que se discute as finalidades do Ensino de História no Ensino Médio; e, o quarto, em que o olhar se direciona para entender como estes professores do interior veem a possibilidade de trabalhar o local e o cotidiano nas suas aulas. Assumimos, nessa investigação, a posição de que o conhecimento histórico escolar tem suas especificidades. Estas são oriundas das próprias interações surgidas pelos interesses do espaço ou da cultura escolar. Ao pensar desse modo, afirmamos que a constituição da História Escolar é perpassada e permeada por saberes advindos da academia, das experiências dos professores e dos alunos e que são mobilizados de acordo com os interesses provenientes das dinâmicas de ensino-aprendizagem. Com isso, afastamos-nos das concepções que 125 compreendem a História e as demais disciplinas escolares como uma mera simplificação de um saber científico considerado mais abrangente, complexo e sistematizado do que os vinculados pela escola (BITTENCOURT, 2004; MONTEIRO, 2007; GARRIDO, MOURA, PIMENTA, 2001). Isso não quer dizer que atribuímos um papel inferior ao conhecimento histórico acadêmico na construção da História Escolar. Afirmamos que o saber científico acaba ganhando novos contornos e sendo ressignificado de acordo com as necessidades identificadas e as alternativas propostas pelos diversos atores que compõem o dia-a-dia do espaço escolar. É nisso que reside um entendimento possível da cultura escolar, um espaço em que o cotidiano das práticas e representações escolares são compreendidas como complexas, construtoras de realidades; um espaço que tem a capacidade de reconstruir e ressignificar tudo isso de acordo com os interesses de seus sujeitos, e não realidades isoladas dos valores e acontecimentos culturais que a cercam (BITTENCOURT, 2004; MONTEIRO, 2007; GARRIDO, MOURA, PIMENTA, 2001; JULIÁ, 2001, 2002). Especificamente, com relação à História Escolar, o entendimento acima faz com que o saber histórico seja compreendido como uma construção que segue trajetória diferente daquela vista na produção do conhecimento acadêmico. Isso ocorre pelo fato de que os professores de História acabam se apropriando de discussões e produções da ciência histórica que lhe interessam para melhor realizar os trabalhos com seus alunos no espaço escolar. Uma consequência disso é que no ensino de História acabam convivendo e sendo mobilizadas novas e tradicionais perspectivas da produção acadêmica, de acordo com os objetivos a serem desenvolvidos na disciplina escolar. 4.1 Professores interioranos de História: reflexões sobre História Escolar e História Acadêmica A compreensão dos partícipes acerca das relações entre a História Escolar e a História Acadêmica mostrou-se mais explícita na entrevista individual e na 4ª Sessão Reflexiva. Nesta sessão participaram dois professores-colaboradores Sérgio e Emília, sendo assim as falas de Elza aqui expressas limitam-se ao momento da entrevista. As pesquisas em torno das relações entre o conhecimento escolar e o acadêmico mostram-se significativas no campo educacional. Entre os investigadores que mais se destacam nesta temática apresentamos Lopes (1999) e Goodson (2012). A primeira, seguindo 126 as concepções bachelardianas 14 , defende que a formação do saber escolar necessita de um processo de transposição ou mediação didática, fundamentados em uma noção dialética cuja dinâmica se dá por meio do diálogo. Sendo assim, a formação da disciplina escolar não se torna uma derivação da ciência de referência, mas na sua constituição no espaço educacional, ela adquire configurações cognitivas próprias cuja função é estabelecer a concretização do processo de ensino-aprendizagem e a apropriação significativa dos conceitos trabalhados pelos educandos. Já o segundo também rompe como a concepção de uma transposição identificada apenas como uma simplificação de uma ciência, considerada mãe para a formação da matéria escolar. Para justificar sua crítica defende que há disciplinas nas escolas, que apresentam estruturas diferenciadas daqueles identificadas como sua correspondente na academia. No âmbito da História Escolar, as discussões em torno das aproximações e distanciamento entre o conhecimento histórico escolar e o acadêmico intensificaram-se de modo mais perceptível a partir da década de 1980, com o início das reformulações curriculares da disciplina de História. Nesses anos ocorreu o processo de abertura política no Brasil, depois de vinte e um anos de Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Esse período autoritário abalou os fundamentos dos estudos históricos, uma vez que houve a descaracterização das matérias de Humanidades. Especificamente, com relação à História e à Geografia, elas foram substituídas pelos Estudos Sociais que foram estendidos para as oito séries do ensino de primeiro grau, por meio da Lei 5692/1971. (ANDRADE, 1998; FENELON, 1984; NADAI, 1988). Em meio à redemocratização e ao longo da década de 1990, intensifica-se o esforço de compreensão das especificidades e afirmação dos saberes históricos escolares. Surgem alguns trabalhos, uns em nível mais teórico e outros mais voltados para o entendimento da prática, no campo do ensino de História (BITTENCOURT, 2004, 2010; FONSECA, 1993, 2003; MONTEIRO, 2007). No entendimento do colaborador Sérgio, uma das distinções entre a História Escolar e a Acadêmica pode ser observada na própria especificidade dos espaços em que estas são 14 Para Gaston Bachelard existe uma descontinuidade entre conhecimento científico e outros tipos de conhecimento, incluindo o cotidiano. No seu entendimento não se encontra lugar para pensar os conhecimentos como piores ou melhores, já que esta descontinuidade possibilita pensar que cada tipo de saber possui um tipo de raciocínio próprio que serve para explicar e atuar em diferentes aspectos da realidade. A concepção de descontinuidade da teoria bachelardiana se fundamenta principalmente nas noções de recorrência histórica, de racionalismos setoriais e a ideia de ruptura. Para entender melhor: BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2008. 127 construídas. Para ele, o conhecimento histórico científico é próprio do contexto universitário, enquanto a História Escolar é inerente à realidade do cenário da escola: A História científica mesmo a gente só aprende mesmo na Universidade. A História mesmo que a gente trabalha no colégio é uma História mais próxima de uma formação para a cidadania. O conhecimento histórico mesmo é muito complexo o que se aprende em História com 16 e 17 anos no Ensino Médio é (...) o básico aquilo que vai servir para vida dele como cidadão, o conhecimento básico, meio que uma orientação (...). (Colaborador Sérgio, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) O partícipe justifica a afirmação acima, destacando a função educativa da escola, ou seja, o conhecimento histórico escolar não se prende apenas aos interesses da ciência de referência. Esse saber escolar tem uma função mais abrangente e se liga ou se preocupa com a preparação de indivíduos que saibam lidar com as diversas situações surgidas no cotidiano. Segundo o pensamento de Monteiro (2007, p. 229) a dimensão educativa perpassa a visão dos professores de História na elaboração de sua disciplina. Sendo assim “(...) essa dimensão exige dos professores uma postura autocrítica e atenta, porque nela estarão sempre trabalhando.” A vantagem disso está no fato de que o docente passa a se preocupar com sua postura ética e política no exercício das atividades de ensino. Mesmo sem afirmar de modo direto, podemos inferir que ao mencionar a complexidade do conhecimento histórico acadêmico, o partícipe Sérgio refere-se à natureza específica da formação no ambiente universitário, que propicia um contato com questões mais direcionadas aos conhecimentos teóricos e técnicos para construção da ciência histórica. Esses assuntos não são priorizados no cenário escolar na disciplina de História de modo formal e direto, uma vez que, entre os próprios docentes, existe certa compreensão de que seu trabalho não visa, em primeira instância, a formação de historiadores. Então, a atenção se direciona, como nos propõe Costa (1957), para a priorização de uma formação da personalidade integral do educando e ligado a isso se vincula a apropriação dos conhecimentos específicos básicos. O colaborador Sérgio também associa a diferença entre a História Escolar e a História Acadêmica às distinções entre os sujeitos que fazem parte desses dois espaços educacionais. Em sua opinião, na Universidade as finalidades dos discentes tornam-se mais claras, uma vez que o indivíduo já tem consciência que está fazendo o curso de História como um propósito particular e, muitas vezes, voltado para a formação profissional. Já na escola básica, o cenário de uma formação generalista em construção leva os alunos a certa falta de compromisso com o desenvolvimento do conhecimento histórico. 128 A relevância da disciplina de História para formação cidadã é pouco perceptível pelos próprios educandos, Existe muita (...) diferença entre a História que a gente estuda na universidade e a História da escola. Existe um grande abismo entre esses dois mundos. Primeiramente, porque o objetivo do aluno na universidade, não é nem de todos, mas da grande maioria, é diferente do objetivo do aluno que está no colégio, entendeu.?! (...) No colégio a gente chega e tem muitos alunos que querem brincar não tem noção da importância ou não dão valor à importância, são muito mais interessados a outras disciplinas e não dá valor a essa de História. (Entrevista do colaborador Sérgio em 27/04/2012) Esse trecho nos leva a refletir que as ações dos professores universitários e daqueles da escola acabam tomando conotações e preocupações diversas em decorrência do tipo de clientela nesses espaços educacionais. Para tornar os saberes trabalhados da matéria escolar mais significativos, aproximando-os da realidade e dos anseios dos alunos, o professor do ensino básico acaba direcionando sua atenção para aspectos que deem dinamicidade, criatividade e adaptabilidade aos conteúdos escolares. Diferentemente, os docentes do ensino superior centram a eficácia da construção dos saberes em suas disciplinas acadêmicas na capacidade de comunicação. (GOODSON, 2012). Logo, não se trata de afirmar que não haja uma dimensão metodológica na construção dos conhecimentos de uma disciplina universitária. E sim que na constituição destas não costuma haver uma preocupação, digamos adaptativa dos conteúdos a serem trabalhados para o público de nível superior. Bittencourt (2004, p. 47) nos explica melhor essa relação com o método nas disciplinas acadêmicas: “A relação pesquisa-ensino é, em princípio, obedecida, podendo-se organizar estratégias de ensino nessa perspectiva, seguindo os passos e métodos sem maiores cuidados adaptativos”. A natureza dos conhecimentos também é colocada por Sérgio como elemento diferenciador entre a História Acadêmica e a História Escolar. Para ele a primeira se relaciona a uma dimensão científica; e a segunda aproxima-se mais de uma dimensão moral. A esse respeito relata: “A História universitária tem o caráter muito mais científico muito mais próximo da ciência pura, certo?! A História no colégio, ela está muito mais próxima do campo da ética que a filosofia trabalha e da cidadania.” (Entrevista do colaborador Sérgio em 27/04/2012). Podemos inferir que o professor Sérgio tem consciência de que o conhecimento histórico acadêmico possui suas especificidades teóricas e metodológicas que o constitui como disciplina autônoma no campo científico. E uma dessas características encontra-se bem 129 explicita no fragmento textual acima. “O conhecimento da ciência é fático, é um conhecimento de fatos não de valores, que não julga do ponto de vista ético ou de qualquer outro a realidade que explica.” (ARÓSTEGUI, 2006, p. 56). Sendo assim, o enfoque das discussões e da produção dos saberes científicos direcionam-se, na maior parte dos casos, por tendências desvinculadas dos interesses da cultura escolar e pode ficar restrito aos interesses e divagações do espaço universitário. Já o conhecimento histórico escolar reveste-se, segundo o partícipe, de uma preocupação mais com a formação ética, justamente, para que os alunos sejam capazes de lidar com as situações da vida de modo coerente. Aproximando-nos, assim, da ideia de Costa (1957) diríamos que para o professor Sérgio o interesse pelos acontecimentos humanos no passado contribui para um bom desenvolvimento moral dos indivíduos nas vicissitudes atuais da vida. Outro fator, que se liga a esta discussão se refere às finalidades de formação. Na História Escolar a responsabilidade se volta para uma capacidade de julgamento da realidade que envolve os próprios educandos, levando em consideração o raciocínio histórico. Como já foi destacado, existe uma atribuição ética aos estudos históricos no contexto escolar. A História Acadêmica, por sua vez, reveste-se da responsabilidade de formação do cientista, ou seja, de um profissional imbuído de produzir outros conhecimentos sistematizados naquele campo científico. Afirma o partícipe Sérgio: Acho que a História no colégio, ela forma mais o homem educativamente falando e a História da universidade, eu acho, que ela forma mais o homem cientificamente falando e claro que esse homem científico não pode estar longe do ético que é o do colégio. Mas é isso. (Entrevista do colaborador Sérgio em 27/04/2012) Aqui, o colaborador se aproxima do entendimento de Bittencourt (2004), quando discute que mesmo havendo entrelaçamentos entre a História Acadêmica e a Escolar, as especificidades que caracterizam cada uma delas podem ser observadas e compreendidas de modo concreto nos objetivos de formação. Nesse sentido, “A disciplina acadêmica visa formar um profissional (...) a matéria escolar visa formar o cidadão comum que necessita de ferramentas intelectuais variadas para situar-se na sociedade e compreende o mundo físico e social em que vive” (BITTENCOURT, 2004. p. 47). O professor Sérgio também mostra aproximações entre a História Escolar e Acadêmica. Seu discurso inicia diferenciando duas abordagens presentes na produção do 130 conhecimento científico de História: uma considerada herdeira do pensamento positivista, denominada de Tradicional; e outra oriunda da nova visão de História, considerada crítica, Agora o que você falou aí [Emília] é um ponto importante e até aparece numa produção nova da História que é a visão crítica que foge daquilo que a gente discute lá no início sobre o positivismo (...). O positivismo que é a produção histórica tradicional, taxada como tradicional (...). Ele vê não a coisa mais crítica, mas sim a pessoa, a data. A produção histórica atual (...) visa mais um conhecimento crítico sobre o assunto. (Colaborador Sérgio, 4ª Sessão Reflexiva, 17/10/2012) Vemos que mesmo não havendo um desenvolvimento detalhado dos conceitos que caracterizam essas duas abordagens, Sérgio esforça-se em identificar elementos que são significativos para a constituição desses enfoques. Para a História tradicional sua argumentação reside em elementos chaves da narrativa do positivismo histórico, que segundo Andrade (1998) centra-se na velha tríade fato-nome-data que entende os acontecimentos passados como verdades inquestionáveis. Já para a História crítica, o partícipe enfatiza seu caráter interpretativo, sujeito a questionamentos e críticas, não sendo os fatos tidos como verdades absolutas. Essa compreensão, no entendimento de Fonseca (2003), propiciou o aparecimento de novos modos de investigação histórica e também outras maneiras de ver os acontecimentos passados. Para Sérgio, as aproximações contemporâneas entre a História Escolar e a Acadêmica residem na questão das abordagens científicas da História. Na sua percepção houve uma penetração na disciplina escolar de História de alguns paradigmas da nova produção historiográfica: “Se tem uma coisa que a produção histórica atual no colégio avançou e tornou-se mais próxima do conhecimento da universidade pra o acadêmico de História mesmo, eu imagino que seja na visão crítica da História com relação a tempos atrás”. (Colaborador Sérgio, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). Podemos interpretar esse olhar crítico do estudo da História como a atenção em não só fazer uma narrativa “factualista e personalista” (ANDRADE, 1998) já estabelecida para os educandos como pronta e acabada, mas em orientar os discentes no sentido de se perceberem como construtores de Histórias, de compreenderem que os fatos históricos são abrangentes e que, na sala de aula, são elementos para exercício da interpretação da realidade. No intuito de estabelecer diferenciações entre a História Acadêmica e a Escolar, a colaboradora Emília mobiliza como critério dois momentos de sua formação: “A maneira como eu aprendi História no meu Ensino Fundamental e no Médio e a maneira como eu aprendi História na Universidade, já foi uma abordagem totalmente diferenciada...” 131 (Colaboradora Emília. 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2013). Nesse discurso os tipos de abordagens mobilizadas e apropriadas para formação do conhecimento histórico, tanto no contexto escolar, quanto no universitário tornam-se critério para distinção de características próprias para cada uma dessas disciplinas. Apesar de não ser licenciada em História, e sim em Ciências Sociais, a partícipe percebe, no contato com as disciplinas próprias da ciência histórica presentes no currículo da sua graduação, algumas distinções entre a História Acadêmica e a História Escolar. Para Emília, os conhecimentos históricos trabalhados na academia tinham maior preocupação com a reflexão e com o desenvolvimento de uma mentalidade crítica do que aqueles da escola básica. A colaboradora associa isso ao objetivo específico do curso, ancorado em uma formação mais científica: “(...) aí [na Universidade] desperta mais essa visão mais crítica- reflexiva até pela proposta do curso (...) é uma coisa mais científica mesmo”. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). No decorrer da sua fala, a colaboradora Emília explicita características da História Acadêmica. Uma delas seria possibilitar ao educando uma compreensão mais diversificada da produção sistematizada de História, devido aos alunos terem acesso e serem orientados ao uso de múltiplas bibliografias. Ao mesmo tempo fica evidente a relação estreita entre ensino e pesquisa, pois cada docente procura explicitar para seus alunos qual a corrente teórica que segue na construção e divulgação do saber. Para ela, a tomada de decisão em uma determinada perspectiva na elaboração das disciplinas e do conhecimento na academia, possibilita certa especificidade no desenvolvimento do ensino na Universidade: Você tem oportunidade de ler outros textos, de ler autores diferenciados com visões diferenciadas. Um mesmo acontecimento tem abordagens completamente diferentes. A escravidão há quem faça uma abordagem puramente econômica, outros fazem uma abordagem puramente cultural, dependendo do que o pesquisador quer e da escola histórica que [o] influenciou. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) No entendimento de Barros (2004) a compartimentação da História Acadêmica em diversas especialidades e abordagens é um fenômeno que vem se intensificando desde as renovações teóricas e metodológicas, a partir da década de 1930. Os professores e historiadores nas Universidades são, assim, marcados por expressarem no exercício das suas atividades os tipos de escolhas tomadas com relação às perspectivas teóricas e metodológicas às quais se filiam. 132 Já no ensino escolar de História, essa preocupação em afirmar e mostrar a opção por certas perspectivas, em detrimento de outras, não costuma ser levada em consideração. Isso não quer necessariamente dizer que esta docente esteja alheia aos conhecimentos específicos da produção histórica. Porém, a sua atenção mais significativa residi em fazer com que os conteúdos da matéria de História tornem-se expressivos para os alunos. Se eu pegasse para ministrar uma aula sobre História do Brasil Colônia, eu vou sempre começar pela questão econômica e a partir daí vou desenrolando outros pontos que vão surgindo na conversa que, às vezes, você planeja, você põe lá, mas que você nem sempre está seguindo isso ainda. Vai saindo daquilo que você propôs, ou vai colocando muito mais coisas que você nem imaginou. (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012) As características da História ensinada são compreensíveis no entrelaçamento entre as opções feitas pela professora e a dinâmica de sala de aula. Nesse espaço, são ressignificados e redirecionados os saberes históricos programados. Há afirmações de certos assuntos, abandono de outros e surgimento de outras discussões e interpretações sobre determinados acontecimentos que não foram planejados. Assim, estabelece-se uma relação complexa em que conhecimentos são construídos no compartilhamento de interesses de alunos e professores. O conhecimento histórico escolar tem uma característica de saber compartilhado cujos interesses não são apenas pré- estabelecidos por uma parte, mas vão ganhando contornos levando em consideração a adequação de seus atributos aos anseios dos sujeitos envolvidos (MONTEIRO, 2007). Para a partícipe Emília, o conhecimento histórico escolar apresenta distanciamentos da ciência histórica. Além disso, os saberes atualmente veiculados pelos estudos da História Escolar não podem ser associados àqueles que eram veiculados pela educação básica no seu tempo de estudante. “E eu acho que tem a ver com a preocupação inicial e a gente sempre está voltando a essa fala que não quer reproduzir a maneira como a gente aprendeu, a gente quer fazer diferente.” (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). Para a partícipe, as características marcantes do modelo tradicional do ensino de História residem na relação dos saberes metodológicos com os conhecimentos específicos da disciplina. Isto é, os professores tinham o intuito de levar os alunos a decorarem (métodos mnemônicos) certos conteúdos que eram tidos como próprios da matéria de História, como as datas de acontecimentos e os nomes de personagens políticos. As inquietações desta professora em romper com o modelo tradicional do ensino de História surgiram, primeiramente, como uma necessidade subjetiva de ruptura com as dificuldades de aprender História daquele modo. Só depois, com sua entrada no espaço 133 universitário, estas inquietações ganharam um respaldo mais teórico. “Eu pensei que fazia isso, pra você ver como são as coisas (...) mas pela minha dificuldade de datas e nomes, até porque eu não gostava de aprender assim” (Colaboradora Emília, 4ª Sessão Reflexiva, em 17/10/2012). Para Tardif (2011) a História de vida escolar dos professores pode falar de modo significativo sobre o profissional que este busca ser e também sobre as visões de ensino que este busca consolidar ou tenta rejeitar em sua carreira docente. A partícipe Elza expressa que na constituição do conhecimento histórico escolar leva-se em consideração os ritmos de aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo de ensino. “(...) na sala de aula os conteúdos, a forma da gente trabalhar História se torna limitada por causa do aprendizado do aluno” (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012). Assim, podemos inferir que a formação do conhecimento escolar de História passa por um movimento de interação entre os interesses dos docentes e as especificidades advindas das dinâmicas do espaço da escola e de sua clientela. No entendimento de Elza outro aspecto que diferencia o conhecimento acadêmico do escolar é o tempo de estudo dos conteúdos. Para esta colaboradora, na universidade existe uma dedicação específica e por um período maior nos estudos dos conhecimentos históricos; enquanto na escola não há esta atenção particular na disciplina de História e seus conteúdos são desenvolvidos em períodos mais limitados de tempo. Diferente da universidade, onde a gente trabalha a disciplina por mais tempo, quatro anos. Vamos dizer, a gente vai trabalhar a pré-história, a gente vai trabalhar só a História das civilizações e a gente passa um bom tempo estudando isso aí. E na escola regular não é assim, ele estuda isso no período de pouco tempo. (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Nesta fala da colaboradora, podemos associar a diferença no tempo de estudo dos conteúdos às características específicas de formação dos espaços educacionais da escola e da universidade. No primeiro o intuito direciona-se em uma formação mais generalista em que os conhecimentos históricos entrelaçam-se com o estudo de outras disciplinas para desenvolver no educando a capacidade de ele exercer autonomamente suas decisões nas diversas situações da sociedade (BRASIL, 2000). Já no segundo o objetivo direciona-se a uma formação em um campo específico do conhecimento, visando uma atuação independente nas áreas de pesquisa, ensino ou no mercado de trabalho (MOREIRA, 2005). Elza compreende que o conhecimento histórico acadêmico caracteriza-se também pela sua dimensão metodológica. “Além do conteúdo em si, que a gente aprende na universidade, a gente vai (...) aprender os métodos, as práticas a serem desenvolvidas nessa 134 disciplina [História].” (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012). Na concepção de Aróstegui (2006) o método historiográfico busca reconstruir processos históricos, compreendendo as interações existentes entre as estruturas e os sujeitos. Ao reconhecer este aspecto do método na formação da ciência histórica, podemos inferir que a colaboradora percebe que o conhecimento historiográfico e o escolar possuem procedimentos próprios nas suas constituições. Para sintetizar, compreendemos que todos os colaboradores apresentaram em suas reflexões elementos que diferenciavam o conhecimento histórico escolar do acadêmico. Com relação às distinções, enfatizamos que Sérgio discute as especificidades da natureza de cada um destes conhecimentos, associando o acadêmico a uma dimensão científica e o escolar a uma dimensão moral. De Emília podemos acentuar sua visão em apontar a estreita relação existente entre pesquisa e ensino no conhecimento acadêmico; enquanto o escolar destaca-se por ser um saber compartilhado entre interesses de professores e alunos cuja preocupação direciona-se em fazer com que os conteúdos da matéria tornem-se expressivos para os discentes. E de Elza resaltamos seu entendimento de que o método para a formação do conhecimento acadêmico diferencia-se daquele empregado na produção o conhecimento escolar. Apenas o partícipe Sérgio destaca aspectos que mostram aproximações entre o conhecimento escolar e o acadêmico. Para ele, este diálogo entre os dois conhecimentos acontece em decorrência da penetração nos estudos escolares da História de uma visão mais crítica, que preza por uma dimensão questionadora e interpretativa dos processos históricos. 4.2 A narrativa: entre o novo e o tradicional A partir de agora buscaremos entender como vão sendo construídas as narrativas na História Escolar. Esse ponto se mostra significativo, visto que o conhecimento histórico para se materializar no presente necessita ser incluído em uma narrativa. Além do mais, ela concede dinamicidade e sentido a esse saber. No campo da ciência histórica a questão da narrativa assumiu dimensões diferenciadas. No predomínio do paradigma positivista houve sua naturalização e aceitação como elemento homogeneizador da produção histórica. No materialismo histórico a dialética e o modo de produção se tornaram elementos centrais para se compreender a dinâmica da História. Nas transformações defendidas pela Escola dos “Annales” ela adquiriu um status secundário e até foi negada por certos historiadores. Já nas discussões mais recentes, ocorridas 135 a partir da década de 1970, a narrativa volta à cena dos debates e, muitos teóricos da História, buscam ressignificá-la e legitimar-lhe um lugar cativo na constituição do conhecimento histórico sistematizado. Para que o leitor possa se situar com maior segurança no movimento dessas discussões em torno da narrativa na construção da produção histórica, apresentaremos um recorte possível de como ela foi pensada nas discussões acerca da ciência historiográfica. Em meio, às consolidações dos Estados Nacionais europeus, no século XIX, a História tornava-se uma disciplina autônoma nas universidades. Para manter e justificar sua cientificidade os historiadores tinham de dedicar-se em estabelecer métodos e ideias próprias para caracterizar a investigação historiográfica. As concepções positivistas, nesse momento, tornaram-se predominantes nas formulações metodológicas da ciência Histórica por meio de princípios chaves, como o da objetividade e o da neutralidade no fazer do historiador. A narrativa no “Historicismo”, como ficou conhecida a tendência predominante na formação do conhecimento histórico acadêmico desse período, segue os fundamentos rankianos 15 . Estes pressupõem que os acontecimentos históricos são singulares e não se repetem. Os fatos são considerados verdades únicas e devem ser reconstituídos de maneira a serem revividos de modo como ocorreram, sem imperfeições. Por isso, a preocupação de o historiador ser imparcial e neutro, pois suas críticas e interpretações podem levar a uma deturpação do real, do acontecido. Os sujeitos, presentes na narrativa, são personagens que se destacaram pelos seus feitos e que fazem parte de realidades políticas do passado. Já o tempo histórico era sinônimo de cronologia e organizado de modo linear, fundamentado na ideia eurocêntrica de progresso em que as nações europeias encontram-se disposta nessa temporalidade sempre em um patamar mais evoluído do que as nações dos outros continentes. Bittencourt (2004) assim resume as características dessa tendência: A História poder ser concebida como uma narrativa de fatos passados. Conhecer o passado dos homens é, por princípio, uma definição de história [grifo da autora] e aos historiadores cabe recolher, por intermédio de uma variedade de documentos, os fatos mais importantes, ordená-los cronologicamente e narrá-los. (p. 140) 15 Leopold Von Ranke (1795-1886) destacou-se com a publicação da obra “História dos Povos Românicos e Germânicos”. No prólogo e nos apêndices deste livro se encontravam as doutrinas do que foi concebido como conhecimento histórico científico. Os dois eixos principais deste pensamento residia no comprometimento do historiador em apresentar os fatos como realmente aconteceram e sua preocupação em usar fontes primarias da história. Para aprofundar o entendimento sobre o desenvolvimento da ciência histórica, ver: ARÓSTEGUI, Julio. O nascimento e o desenvolvimento da historiografia: os grandes paradigmas. In:__. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. 136 Mesmo em meio à hegemonia dessa visão da narrativa histórica, existem sempre tentativas de rupturas. Estas se mostram consolidadas, a partir da década de 1930, principalmente com o “Materialismo Histórico” e a “Escola dos Annales”. Os historiadores que se apropriaram das contribuições de Marx e Engels defendiam que a narrativa histórica tinha como ponto de partida as maneiras como os seres humanos produziam sua própria existência material e social. No momento em que a historiografia analisasse estas condições objetivas da realidade iria entender que o movimento da História acontece de modo dialético em um conflito constante entre duas dimensões distintas, mas interligas. Para o materialismo histórico, as lutas de classe e a sucessão dos modos de produção são dois aspectos centrais para construção do enredo historiográfico. De acordo com Barros (2011a) uma das contribuições mais significativas ao conhecimento histórico sistematizado inaugurado pelas contribuições do pensamento de Marx e Engels foi o deslocamento de uma História da Política para uma perspectiva de análise voltada para as dimensões sociais e econômicas do processo histórico. Como podemos ler adiante: (...) os fundadores do Materialismo Histórico, ao proporem que “a História é a História da Luta de Classes”, o que estavam fazendo senão propor um deslocamento do olhar do historiador para uma dimensão impensada até então – a História Social? E, ao mesmo tempo, ao sustentarem que a História é a “História dos modos de Produção”, o que estavam propondo senão deslocar o olhar historiográfico para as bases econômico-sociais e suas consequências sobre a sociedade e a História? Não seria isso especialmente, uma inédita abertura para a História Econômica? Guardemos estas duas grandes contribuições: Marx e Engels introduzem um novo e duplo olhar na História: uma atenção para dimensão econômico-social (BARROS, 2011a, p. 45-46). Já a “Escola dos Annales” fundamenta os seus modelos inovadores principalmente nos princípios do estruturalismo Straussiano 16 que buscava a compreensão profunda dos fenômenos sociais. Para os historiadores dos “Annales” a História positivista centrada na superficialidade dos fatos e no tempo de curta duração era combatida por uma História que partisse de problemáticas surgidas no tempo presente. 16 Este diálogo entre as ideias de Fernand Braudel e as teorias de Lévi-Strauss é observado em maior profundidade no tópico “Comunicação e Matemáticas Sociais do livro”: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre história. São Paulo: Perspectiva, 2011. Nesta parte mostra-se o contraste entre as análises empreendidas pelas ciências sociais cuja ênfase busca compreender as estruturas profundas e subjacentes da sociedade e a preocupação da ciência histórica do período que residia na superficialidade dos acontecimentos de curta duração. 137 Desse modo, os elos entre presente e passado na produção histórica se encontram e não se admite apenas conceber a ciência histórica como ciência do passado. Braudel (2011) exprime seu temor com a narrativa historicista com a seguinte afirmação: “A História tradicional, atenta ao tempo breve, ao indivíduo, ao evento, habitou-nos há muito tempo à sua narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto.” Na visão Braudeliana o historiador, na construção do seu saber, deveria estar atento a perceber as multiplicidades de acontecimentos no tempo. Estes se passam em um espaço, que podemos associar a uma espécie de contextualização estruturalista, no qual estão presentes movimentos mais lentos (longas durações); movimentos mais frequentes e que tem certa estabilidade, marcadas em períodos cronológicos de décadas (médias durações); e movimentos de velocidades muito rápidas, que em decorrência de sua brevidade podem ser obsevados de modo isolado de outros fatos (curtas durações). O surgimento de novas inquietações na sociedade, a partir da década de 1960, propiciaram no campo das ciências sociais uma mobilização de temáticas até então relegadas pelos estudos acadêmicos, como o interesse pelas minorias, pelo cotidiano das pessoas comuns e pelas suas representações acerca da realidade social. Especificamente, com relação à produção historiográfica começa a se ver uma crise dos grandes paradigmas e o surgimento de propostas renovadoras, como explica Aróstegui (2006). Os novos modelos ganham força na década posterior e entre suas discussões está a atenção em sistematizar a função da narrativa na constituição do conhecimento histórico. Para os defensores do paradigma narrativista não se pode conceber o conhecimento histórico sem a presença de algum tipo de narrativa. No caso francês, essa perspectiva encontra um esforço teórico de sistematização bem significativo nas obras de Paul Ricoeur 17 . Para esse autor, os historiadores têm inquietações quanto às características das narrativas a serem escritas. E é essa dúvida que leva ao desenvolvimento de tantos debates em torno desse ponto. Além disso, em sua teorização existe uma ligação entre as finalidades da construção historiográfica e as formas de narrar. Segundo Barros (2011b) Ricoeur esforçou-se em explicitar que uma das singularidades da narrativa histórica é mostrar a intencionalidade deste tipo de discurso, cujo referencial é real e existiu no passado. Partindo desta compreensão sobre a narrativa, o pensamento ricoeuriano distancia o conhecimento histórico de uma mera ficção. 17 PAUL, Ricoeur. Tempo e narrativa. Campinas, SP: Ed. Papirus, 1997. (Tomo I, II e III). Para iniciar uma leitura sobre as obras de Ricoeur em decorrência de sua densidade teórica, recomendamos a apreciação de alguns livros introdutórios ao seu pensamento. Entre eles destacamos: JERVOLINO, Domenico. Introdução a Ricoeur. São Paulo: Paulus, 2011.; PELLAUER, David. Compreender Ricoeur. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. 138 Já no caso alemão, ganharam destaque as discussões de Jörn Rusen. Nas suas ideias o ato de narrar é uma prática antropológica universal em que os indivíduos vão interpretando o tempo. Para ele, a especificidade da narrativa histórica reside no sentido que ela concede a vida prática por meio do movimento temporal. “Para a narrativa histórica é decisivo (...) que sua constituição de sentido se vincule à experiência do tempo de maneira que o passado possa torna-se presente no quadro cultural de orientação da vida prática contemporânea”. (RUSEN, 2010, p. 155). Assim, uma das contribuições significativas desse teórico às ciências históricas é que ele atribui um tipo de racionalidade argumentativa própria ao conhecimento histórico que reside na narrativa dos fatos. Como os saberes dos professores vão constituindo as narrativas na prática da História Escolar? A emergência desta questão ocorre por compreendermos que as narrativas dos docentes de História, em sala de aula, vão assumindo uma racionalidade argumentativa própria que não reflete apenas as discussões da ciência de referência, mas se molda de acordo com os interesses da cultura escolar. Por fim, os educadores, assim, tornam-se autores na mobilização dos saberes e no desenvolvimento de sua prática, tendo o conhecimento histórico acadêmico como parte integrante do seu trabalho, mas não única. Sendo assim, os próprios professores travam com este saber relações de reconstruções, dialogam com as novas e tradicionais concepções da História Acadêmica, fornecendo à narrativa no ensino de História uma roupagem escolar específica. 4.2.1 Emília e a ressignificação da narrativa Um dos aspectos que se tornaram significativos na construção das narrativas no desenvolvimento das aulas de História de Emília foi a preocupação em desenvolver o conhecimento da disciplina a partir de problematizações. As questões colocadas pela docente têm como uma das suas finalidades aproximar os alunos das temáticas desenvolvidas pela matéria escolar e, assim, estimular-lhes a curiosidade para que se voltem a pesquisar outros saberes sobre os conteúdos históricos. E fico pensando que perguntas eu vou fazer para a sala para instigar eles de alguma maneira. Eu fico pensando o que é que tem naquele conteúdo que eu posso trazer o aluno para ele dar um estalo, ele dizer esse tema é legal, eu queria conhecer mais. Eu não me preocupo muito com essa questão (...) dos nomes da batalha, dos nomes dos governantes, entendeu?! Eu me preocupo mais em despertar ele para que ele possa ir atrás de outra coisa, é você agora, é com 139 você. Aí! É por isso que eu começo sempre a aula com todos os conteúdos fazendo a pergunta: o que vocês sabem. Porque quando eu planejo, eu não sei o que eles sabem. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) No trecho acima, podemos inferir aproximações entre a compreensão da partícipe e orientações advindas das reformas historiográficas iniciadas com as Escolas dos “Annales”, que enfatizam o caráter de uma História-problema, que se lança ao passado, buscando respostas para inquietações dos tempos presentes. Entretanto, as perguntas assumem, no contexto escolar, outros sentidos mais direcionados com a dimensão de ensino-aprendizagem. O primeiro deles se refere à necessidade que, por meio das indagações, os alunos encontrem certo significado no conteúdo de História para sua vida prática e, com isso, possam se engajar na construção do saber escolar de modo ativo. A segunda se direciona a uma atitude mais voltada à sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema a ser desenvolvido. Essa interação entre as dimensões do conhecimento específico e os interesses do espaço escolar na formulação de questões no ensino de História foi apontada por Schmidt (2010, p. 60): “(...) a problemática acerca de um objeto de estudo pode ser construída a partir das questões colocadas pelos historiadores ou das que fazem parte das representações dos alunos, de forma tal que eles encontrem significado no conteúdo que aprendem”. Outro ponto enfatizado por Emília diz respeito à tentativa de ruptura, em sua prática, com os elementos caracterizadores das narrativas do ensino de História Tradicional. Ela afirma haver tomado conhecimento dos novos modos de perceber e entender a produção do conhecimento histórico no espaço universitário. Isto lhe trouxe as inquietações de transpor essas novas características do saber histórico acadêmico para a sala de aula e de levar os discentes a terem outra compreensão sobre os fatos históricos, É tanto que eu não dou uma aula de História, nunca dei aula de História, com essa preocupação de datas, de nomes de cidades, de personagem. (...) E eu levar isso pra outras pessoas, não a História que eu aprendi, mas uma História diferente com outro olhar. A História que eu aprendi foi dar ênfase a Pedro Álvares Cabral, a ver o índio como coitadinho ou então como o selvagem, como o mal, a não avaliar o contexto, mas se preocupar apena com as datas, com os nomes. Essa foi a História que eu aprendi, que a universidade abriu mais de conhecer uma nova perspectiva histórica, sabe?! E a preocupação de tratar isso com os alunos. (Entrevista da Colaboradora Emília, em 25/05/2012) Os dois excertos precedentes descrevem a compreensão da professora Emília acerca das noções fundamentais formadoras das narrativas historicistas que tem perpassado o ensino da História no Brasil. De acordo com o entendimento da colaboradora, o chamado ensino tradicional é centrado no aprendizado de fatos com características estritamente políticas (as 140 batalhas); os sujeitos, ligados à política institucional ou personagens socialmente privilegiados (Cabral); há uma atenção demasiada na cronologia (as datas); e os acontecimentos são vistos de modo estereotipados ou dicotômico, (o índio coitadinho ou selvagem, como bom ou como mal); a organização dos fatos gira em torno de uma causalidade única, com início, meio e fim e - sem considerar os cenários históricos (não avaliar os contextos). Nas críticas feitas a essa abordagem historiográfica apresentada acima, e que podem ser trazidas para o ensino de História, a ênfase recai sobre a superficialidade das análises dos fenômenos. Como nos coloca Braudel: “A história tradicional, atenta ao tempo breve, ao indivíduo, ao evento, habituou-nos há muito tempo à sua narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto”. (BRAUDEL, 2011, p. 44). Esta abordagem foi construída desde princípios do século XIX, em um contexto europeu no qual se precisava elaborar um passado coerente para as nações com o intuito de consolidar espíritos patrióticos para o fortalecimento dos Estados nacionais. Portanto, a formação de uma narrativa com essas características correspondia às necessidades daquele momento histórico. No entanto, com as mudanças histórico-sociais, tal abordagem passou a não responder mais aos anseios dos sujeitos sociais, entre eles os alunos contemporâneos. Nesse sentido, a professora busca romper com o chamado modelo tradicional e tenta mobilizar, junto aos alunos, saberes que possibilitem o contato com uma perspectiva diferente daquela do conhecimento histórico escolar produzido nos moldes do século XIX. Emília tenta construir uma narrativa da História Escolar que leve em consideração elementos presente nas novas abordagens historiográficas. Analogamente ao pensamento de Rusen (2010), ao buscar novos sentidos para aproximar os saberes históricos dos alunos, a colaboradora vai reestruturando as narrativas com a finalidade de que elas possam dar uma orientação à realidade temporal dos sujeitos envolvidos no presente. Como afirma a professora Emília, “O que está em jogo não é entender os personagens, as datas o que está em jogo é você compreender o processo, o contexto, como foi que aconteceu, o porquê foi?” (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012). Aqui a contextualização se torna uma estratégia para evitar que os acontecimentos sejam estudados de modo isolado ou definitivo. Para tanto, faz-se indispensável localizar fatos específicos em dimensões de tempo e espaço mais abrangentes e mostrar as relações existentes entre estes fatos singulares e os contextos mais gerais. Essa maneira de trabalhar mostra-se relevante na História Escolar, por possibilitar aos educandos compreenderem as 141 numerosas relações, de pesos e características diferentes que interferem nas realizações de determinados episódios. (SCHMIDT, 2010) Existe, assim, a atenção em tentar conhecer a multiplicidade de causas para estabelecer a explicação histórica dos assuntos estudados. As problematizações são pensadas, para as situações de ensino, em busca de que sejam quebradas as características rígidas e mecânicas com que a História Escolar tradicional organizava a narrativa do conhecimento. A partir de um tema determinado para as aulas de História, a colaboradora seleciona determinado aspecto significativo para elaborar questões que levem os alunos a refletirem e mobilizarem saberes para construção das discussões em sala de aula. As indagações vão direcionando a construção da narrativa do conhecimento histórico e, nesse movimento, as múltiplas causas dos episódios históricos vão ganhando sentido: Com esse tema, porque eu acho o fato do uso da bomba atômica, ela chama a atenção, é uma coisa que comove, desperta um sentimento de solidariedade (...). Por isso, que eu fiz a pergunta: Qual o sentido da Guerra? Talvez, eu não tenha colocado essa, mas a ideia era essa: Quem lucra com a Guerra? Quem paga a conta? Eu pago a conta, mas eu não lucro com ela, muita gente morreu, né?! A ideia realmente é essa: despertar para eles buscarem outras informações e não ficar só naquilo ali. A dinâmica da aula, quando eu pensei na dinâmica da aula de música, de um filme que mostra sofrimento, dor é uma consequência brutal do uso da bomba atômica é despertar que existem, muitas coisas, em volta disso. Aí, uma das coisas que eu queria trabalhar é que a maioria das pessoas quando fala da Segunda Guerra, elas só colocam que como si só, na primeira Guerra essencialmente, como se só a Alemanha fizesse, só os Estados Unidos fizessem, mas os outros fizeram. Não foi só aquilo. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva em 07112012) Um aspecto que merece destaque no fragmento textual acima refere-se ao fato de que os saberes metodológicos perpassam a construção das narrativas históricas escolares. Para se chegar aos interesses de aprendizagem propostos pela partícipe Emília não é necessário apenas o conhecimento específico do campo da História. Este tem de vir acompanhado de toda uma reflexão do como serão organizadas as partes da aula e quais os recursos mais adequados para suscitar nos alunos a compreensão da pluralidade causal dos acontecimentos. Entedemos, assim, que a professora busca criar “(...) situações de aprendizagem em que os alunos, a partir dos subsídios por elas apresentados, elaboram narrativas nas quais articulam os vários elementos em jogo (...) recontextualizando-os a partir das finalidades educativas”. (MONTEIRO, 2007, p. 222) 142 AUTORA – Jacielle de Lima Ferreira, 13 de agosto de 2012. FOTO 3 – Aula da colaboradora Emília, objeto da 5ª Sessão Reflexiva. A professora lê os versos da canção “Rosa de Hiroshima” para a turma. A sala é organizada em quatro filas de carteiras, duas a cada lado da docente. Essa estratégia possibilita o uso do data-show que é projetado na parede oposta ao quadro branco. As narrativas históricas trabalhadas por Emília, também tem o intuito de desconstruir certas noções já consolidadas e, assim, levar os alunos a elaborarem outras visões sobre fatos que eram tidos como verdades inquestionáveis e absolutas no conhecimento histórico escolar, Quando eu trabalho a Expansão Marítima e Comercial, sempre eu faço uma abordagem com relação à Conquista do Brasil. Por que, qual era a ideia dos europeus? O que eles viam atrás? O que eles estavam buscando? Por que eles foram procurar novas Terras? Tanto do ponto de vista religioso (...) quanto do ponto de vista econômico. (...) Aí vem a relação de que não foi um descobrimento, foi uma conquista. (...) Outra coisa que eu levantaria: Por que a Igreja em uma dada época não permitiu que essas verdades fossem estabelecidas como verdade? E por que naquele momento isso importava à Igreja deixar que isso fosse verdade? (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) Podemos inicialmente observar que os temas já consolidados da História Geral e do Brasil permanecem predominando nos estudos históricos escolares. No entanto, as maneiras de abordá-lo vêm sofrendo mudanças. A fala da partícipe indica que não existe apenas a centralidade na descrição dos fatos, mas se busca discuti-los no intuito de conceder-lhes novas interpretações. Tais modificações encontram suas referências nas renovações das pesquisas historiográficas que acabaram ressignificando, a partir de renovados aportes teórico- metodológicos, antigos saberes acadêmicos, como o “Descobrimento do Brasil”. Para Borges (2007) a busca em atribuir outros significados a temas da História do Brasil, tidos como oficiais, cresce a partir da década de 1970, em decorrência do aumento dos 143 cursos de pós-graduação nas universidades e, consequentemente, da produção acadêmica nessa área. E, também, devido às próprias mudanças político-sociais geradas no período da Ditadura Civil-Militar que impulsionaram o questionamento do Estado vigente, de seus projetos e dos princípios que fundamentavam suas ideologias, inclusive, no campo do saber acadêmico. Com relação aos aspectos temporais na construção da narrativa escolar, a colaboradora Emília expressa que um dos aprendizados mais significativos, como professora de História, foi a capacidade de realizar mobilidades, como se fosse um passeio de idas e vindas entre um passado distante e outro mais próximo ou entre o passado e o presente. Como podemos observar: (...) quando eu fui falar do Nazismo e do fascismo, que é o tema das terceiras séries agora, aí, eu não fiquei pensando isso, quando eu estava preparando a aula, mas quando eu fui ministrando a aula, aí eu fui percebendo algumas relações, com coisas que aconteceram recentemente na História do Brasil. Eu levei um vídeo, eu acho de quatro minutos e pouco do “Grande Ditador” com Chaplin, é o último discurso dele, e aí quando ele estava falando, na hora que eu estava preparando a aula, eu percebi isso, ele falando e eu me lembrando assim, poxa, parece com o discurso de Collor, sabe?! Então, antes eu também não fazia essa relação, eu não tinha essa preocupação de fazer uma ponte do passado com o presente, eu acho que isso aí foi um amadurecimento ao longo desses anos trabalhando com História. (Entrevista da colaboradora Emília em 25/05/2012) Nesse caso acima, as relações entre temporalidades são estabelecidas no intuito de observar as semelhanças existentes em dois momentos distintos. Na concepção de Monteiro (2007), esse tipo de trabalho com o tempo, nas aulas de História, tem se mostrado frequente entre os docentes do Ensino Básico. Isso pode contribuir para o progressivo distanciamento da compreensão que trata tempo histórico como sinônimo de tempo cronológico e linear, além de abrir expectativas para compreensão das continuidades e descontinuidades da realidade histórica. Para a colaboradora Emília, a função das problematizações na construção das narrativas históricas não se limita ao papel de propiciar a apropriação dos conhecimentos históricos. As problematizações assumem dimensões educativas bem específicas, as quais são delimitadas de modo consciente pela partícipe, Trabalhar problematizações em sala de aula é excelente, porque você dá oportunidade ao aluno, mas como a gente não faz isso muito, porque é mais cômodo para o professor não fazer isso, porque se ninguém perguntar ótimo. (...) Pensar a gente pensa, o difícil é a gente organizar isso para externar. Eu acho que uma das grandes questões das contribuições da problematização é você trabalhar com o aluno essa questão do raciocínio, eu penso, mas eu não posso dizer tudo que eu penso, eu preciso estruturar isso, organizar isso para me fazer entender. (Colaboradora 144 Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) A citação mostra que as questões, ao serem colocadas para os alunos, faculta-lhes a possibilidade de ter uma postura participativa na produção do conhecimento histórico escolar. Assim procedendo, a docente vai ao encontro das afirmações de Schmidt (2010), para quem ao trabalhar com as problematizações “(...) pode-se conseguir dos educandos uma atitude ativa na construção do saber e na resolução dos problemas de aprendizagem” (SCHMIDT, 2010. p. 60). Além disso, a colaboradora tece críticas aos seus colegas, por não propiciarem o desenvolvimento de problematizações devido ao receio de interagir com os discentes no desenvolvimento das aulas. 4.2.2 Sérgio e a ressignificação da narrativa Com relação ao partícipe Sérgio, podemos destacar sua atenção em evidenciar as transformações das narrativas históricas no contexto escolar. Então mais do que nomes, datas e acontecimentos ele [o aluno] tem que saber as mudanças de um período para outro, né?! O que o homem fazia de um tempo e não faz mais, o imaginário das coisas. Isso, eu acho é o caminho da História mais atual são os passos da produção histórica atual segue muito esses passos. Você tem de ter uma noção muito importante do imaginário do homem de um tempo para o outro. (Entrevista do colaborador Sérgio, em 27/04/2012) No trecho acima, o colaborador busca mostrar que o foco da narrativa no conhecimento histórico escolar tem de se deslocar da centralidade em enfatizar aspectos típicos de um ensino tradicional, como nomes e datas e se voltar para noções e discussões mais recentes do saber acadêmico e que podem ser transpostas para serem trabalhadas pelos docentes em sala de aula. O partícipe enfatiza que as narrativas da História Escolar devem ser organizadas no sentido de evidenciar as mudanças dos períodos. Nos enunciados de Sérgio, observamos que a produção de suas narrativas na matéria de História destaca não apenas as mudanças, mas também a tentativa de que os alunos compreendam marcas de uma temporalidade em outras temporalidades. Isto é, existe para ele a necessidade de que os alunos entendam que mesmo havendo mudanças, existem características que permanecem de um período para outro, Eu quero que eles percebam que a História está sempre ligada uma coisa a outra, não existe aquela coisa de recortes. Acabou a Idade Média chegou a Idade Moderna. Então pronto, as influências da Idade Média ficou para lá. Acabou a Ditadura, voltou o movimento da 145 Democracia aqui no Brasil, as influências da Ditadura já não passam mais para a gente. Para que eles percebam que isso é mentira... (Entrevista do Colaborador Sérgio, em 27/04/2012) A produção da narrativa em sala de aula tem como elemento positivo o fato de propiciar aos discentes a possibilidade de desconstruir certas noções tidas como inquestionáveis nos estudos históricos na escola. Para Schmidt (2010), o trabalho com as concepções de mudança e permanência são fundamentais na constituição do conhecimento da História Escolar e cabe ao docente, no decorrer de sua ação, orientar os educandos no sentido de se apropriarem dos diferentes ritmos e das complexas relações que constroem o processo histórico. A partir das falas anteriores podemos inferir que essa atenção direcionada a trazer para a narrativa histórica escolar o trabalho com as mudanças e permanências são frutos da apropriação de debates da produção historiográfica acadêmica. Desde os historiadores da Escola dos “Annales” existe uma discussão de que a produção em História não se volte apenas a um relato superficial dos acontecimentos, mas que busque estabelecer a compreensão da multiplicidade de relações que envolvem os diferentes ritmos presentes nos eventos, nas conjunturas e nas estruturas. Durante sua fala, o colaborador Sérgio também expressa que na elaboração das aulas de História privilegia uma análise mais contextual. O intuito de organizar desse modo o saber a ser estudado é evitar a reprodução de um relato biográfico de certos personagens, tão frequente, em sua opinião, entre os professores da disciplina: Ele [o aluno] imagina mais o contexto, não vê aquela coisa direta. (...) Eu acho que é muito importante, porque tem muito cara que privilegia, a aula de História dele é Hitler nasceu em tal ano, fez isso, fez aquilo e morreu em tal ano, né?! Mas não diz pra que ele fez determinada coisa, quais as mudanças provocadas por ele. (Entrevista do colaborador Sérgio, em 27/04/2012) Percebemos que o professor tenta se distanciar de narrativas que privilegiam uma organização linear dos eventos e que se centram apenas em episódio de temporalidades de curta duração. Na concepção de Monteiro (2007), os professores de História, ao privilegiarem uma elaboração discursiva em torno de aspectos contextuais em suas aulas, acabam articulando fatos mais específicos a outros de ordem mais estrutural, fazendo com que muito dos conteúdos estudados se tornem expressivos para os educandos. Mesmo evidenciando essa atenção com uma construção mais voltada para os elementos contextuais, no decorrer de suas interações dialógicas com o grupo de 146 colaboradores, o professor Sérgio deixou perceptível que em seu ponto de vista não se deve abandonar o conhecimento de certos personagens já consolidados nos estudos da História Escolar. Para o partícipe, o velho e o novo, nesse caso, devem conviver, pois no imaginário dos alunos alguns desses sujeitos históricos já são familiares e o desenvolvimento de alguns temas a partir deles faz com que a atenção dos discentes seja despertada para o conteúdo em destaque. Na 5ª sessão reflexiva ao rever uma de suas aulas, o docente expõe um dos motivos de ter feito atividades em sala de aula, direcionadas ao conhecimento dos reformadores protestantes, Porque no livro (...) fala muito pouco sobre Pedro Valdo e Jan Huss e Wicliffe, porque a gente está acostumado a falar. Isso aí fui eu que fiz, porque, é o seguinte: o livro começa a falar muito mais de Lutero, João Calvino e Henrique VIII, só que o protestantismo basicamente começou não com eles, começou com Pedro Valdo, começou com Jan Huss. (...) Esse é um assunto extra-livro que eu trouxe para eles. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) Caso o trecho anterior fosse visto de modo isolado dos acontecimentos da sala de aula, poder-se-ia afirmar que a finalidade da narrativa é apenas traçar a trajetória de um determinado indivíduo e levar os alunos a conhecê-la. Contudo, ao se relacionar este discurso às práticas mobilizadas pelo docente, vemos que seu modo de trabalhar em sala propicia a ressignificação da função dos personagens históricos na elaboração da narrativa. Os sujeitos tradicionais tornam-se um meio para se enxergar mais longe, ou seja, para expandir a compreensão do processo histórico e torná-lo mais detalhado e denso, de modo que, no decorrer da interação em sala de aula, a figura desses indivíduos vai desaparecendo. Por isso, relacionamos a postura de trabalho mobilizada pelo professor Sérgio a elementos da perspectiva da micro-história. Esta abordagem assume como pontos básicos de sua análise a atenção com o que o pesquisador observa e como ele observa a realidade histórica. Dessa maneira, o historiador parte de um objeto de escala limitada, que pode ser um indivíduo ou uma situação específica e a partir daí vai tecendo análises de dimensões mais abrangentes “(...) o historiador já parte desta especificidade e a partir dela é que vai estendendo o seu olhar para fora.” (BARROS, 2004, p. 163) A produção das narrativas da História Escolar do professor Sérgio, não são organizadas de modo espontâneo, seguem princípios norteadores. Como podemos observar na sua próxima fala, Para mim se um aluno meu de História, ele não compreender as influências de um movimento 147 iluminista lá da França aqui no Brasil, depois de uma aula, ele não aprendeu muita coisa. Ele pode não lembrar talvez quem é Tiradentes, que ele tem de lembrar também, quem foi Tiradentes, mas se ele não entender o que foi o iluminismo, pelo menos que seja de modo mais raso, mesmo que seja da maneira mais rasa, mas se ele compreender os princípios do iluminismo e que ele influenciou fortemente, por exemplo, a inconfidência mineira, a conjuração baiana, que foram fortemente influenciada pelo contexto europeu da época, então ele não aprendeu muita coisa. Mesmo que ele saiba a data de cor do início ao fim do conflito, mas não sabe os objetivos e a mudanças de antes e depois do movimento pra mim não satisfez. (Entrevista do colaborador Sérgio, em 27/10/2012) O partícipe tem clareza sobre quais são os elementos que ele faz questão que precisam estar presentes para que o discente possa se apropriar desses saberes. O primeiro destes elementos envolve a capacidade de relacionar fatos históricos, acontecidos em distintos espaços, buscando compreender as influências de uns sobre outros. Geralmente, em uma associação de acontecimentos, os que são considerados como mais gerais serviriam para o entendimento dos mais específicos. Este tipo de raciocínio associa sempre as explicações da História do Brasil aos da História Geral, e se fundamentam em uma lógica que busca contextualizar os episódios, partindo do princípio de situar o texto específico em um texto maior. O segundo se refere à aprendizagem dos conceitos. Ainda que Sérgio não explicite como faz para orientar a apropriação de conceitos históricos em sala de aula, deixa claro que uma de suas preocupações está em apresentá-los aos educandos, como no caso dos princípios do iluminismo. Para Schmidt (2007, p. 61) atividades de formação de conceitos, fazem parte dos métodos da História Escolar. “Portanto, a construção dos conceitos, como Renascimento, humanismo, totalitarismo, faz parte dos procedimentos no ensino de História.”. Cabe ao docente, no decorrer de sua ação, acentuar para os alunos que todas as noções e definições históricas são construções que possuem seu próprio tempo e espaço. O terceiro elemento diz respeito à dimensão temporal. Podemos observar que o colaborador tenta desenvolver na narrativa a compreensão de como os acontecimentos se mostram em, pelo menos, duas temporalidades distintas. Esse trabalho se dá por meio da noção didática do antes e do depois. Como vemos, a concepção de tempo histórico não se limita ao aspecto cronológico. Este passa a ser um dos elementos constituidores da narrativa, e tem como função localizar os momentos em que se desenvolvem os processos históricos. A ênfase recai em perceber as transformações no percurso histórico e prevalece um trabalho voltado aos aspectos da sucessão histórica. 148 Mas esta não é vista, como no ensino tradicional, de modo cumulativo e no sentido de uma sequência crescente de percurso único. A cronologia está bastante presente no ensino de História, mas os professores estão se aproximando do entendimento de que ela é “(...) o primeiro instrumento comparativo e hierarquizador do sucedido, mas é evidente que a data de uma situação histórica só a define em conexão com outras muitas determinações, nunca por si só.” (ARÓSTEGUI, 2006, p. 342). Durante a videoformação, os outros partícipes perceberam que as narrativas construídas por Sérgio eram perpassadas, também, por problematizações. Ao observarmos o desenvolvimento de uma aula do partícipe, vimos que os questionamentos vão sendo elaborados e expostos para a turma, no transcorrer da ação docente. Quando os demais partícipes presentes na 5ª Sessão Reflexiva pediram que Sérgio descrevesse os motivos de realizar tais indagações, ele esclareceu: O questionamento, a reflexão quando eu perguntava alguma coisa a eles, eles diziam, eu perguntava o porquê. A questão da reflexão, do questionamento de colocá-los para falarem um pouco sobre o tema, mas são práticas que você tem de conhecer a turma e ver se dá certo. Só fiz isso aí, porque eu vi que dava certo fazer nessa turma. Agora se tentar em outras turmas não fluía. Várias das discussões que fluíram aí não seria realizado em algumas outras turmas que tenho (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) A justificativa de Sérgio para as problematizações nas aulas de História levam em consideração apenas a dimensão educativa. A lógica apresentada pelo partícipe para utilizar questionamentos nas narrativas escolares diferencia-se da função das problematizações no conhecimento histórico acadêmico. Aqui o papel primordial é a indagação em torno de um objeto, visando respostas que levam a produção de novos saberes no campo disciplinar. Nesse sentido, a construção de novos conhecimentos assume o patamar principal. Já o colaborador Sérgio, atribui ao questionamento uma função mais didática, ligada à possibilidade de interação entre os sujeitos no espaço da sala de aula com o intuito de concretizar a aprendizagem histórica. O colaborador Sérgio apresenta ressalvas sobre o uso eficaz dos questionamentos no processo de ensino-aprendizagem. Para ele, existem turmas que são resistentes ao trabalho com as indagações. Por isso, o docente deve estar pronto para reestruturar suas ações e, consequentemente, as maneiras de organizar o conhecimento. Portanto, esta capacidade de ressignificar ou reestruturar os percursos didáticos para alcançar os objetivos educativos é característica marcante e frequente dos saberes escolares e faz parte também da realidade da História Escolar. (MONTEIRO, 2007; GARRIDO, MOURA, PIMENTA, 2001) 149 Outro ponto destacado na fala do colaborador se refere às problematizações como recursos que propiciam aos alunos a aprendizagem não só dos conteúdos históricos, mas também a aquisição da capacidade de sistematizar o pensamento por meio de práticas reflexivas: “A reflexão, mais do que qualquer coisa, é refletir é colocá-los para pensar, organizar o pensamento, disciplinar essa coisa” (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012). Na concepção de Fonseca (2003), cabe ao docente de História fazer do seu ensino um espaço para desenvolvimento do pensamento reflexivo e crítico que contribua para construção da cidadania e a consolidação da democracia. 4.2.3 Elza e a ressignificação da narrativa A partícipe Elza expos, de modo mais expressivo, questões relacionadas às narrativas na História Escolar nos momentos das entrevistas individuais. Na sua concepção, a elaboração do discurso histórico escolar tem de superar o entendimento de que os saberes produzidos por esta disciplina são apenas fatos do passado, sem nenhuma relação com outras dimensões temporais: Pelo menos na época que eu estudava, vamos dizer que a 5ª série, a gente ia mais para aquele contexto assim bem direto, do conceito do que é a História. Só, que eu não esqueço até hoje desse conceito e dou muitos exemplos para meus alunos, que a História é a ciência que estuda o passado, dali parou né?! (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Nesta concepção, o passado por si só bastava. As narrativas nas aulas de História não eram produzidas com o intuito de levar o aluno a questionar fatos já ocorridos para, assim, poderem criticar aspectos da sociedade que os rodeiam. A finalidade era apresentar o passado como pronto, segundo uma versão considerada oficial em que qualquer distorção era vista como uma deturpação da produção histórica. No entendimento de Carretero (2011) este tipo de concepção do conhecimento histórico escolar ainda permanece influenciando o ensino da disciplina na maioria dos países. A principal característica nele implícita é a secundarização e até desprezo pelas diferenças, em decorrência de sua capacidade de respaldar a formação de uma identidade homogênea no presente, geralmente, ligada à constituição do Estado-Nação. Elza não só associa a História Escolar tradicional à chamada História oficial, mas, também, aos saberes metodológicos mobilizados para construção dos conhecimentos em sala de aula. Como ela mesma afirma: “E vinha muito só aquela questão de se trabalhar texto, 150 fazer aquela leitura e dali fazer aquelas perguntas diretas que a gente tiraria do texto” (Colaboradora Elza, 5ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012). Ao trabalhar dessa maneira, os alunos não tinham autonomia no processo de aprendizagem. Eram apenas reprodutores acríticos de uma versão do passado considerada inquestionável. Só lhes cabia memorizá-lo por meio das atividades escolares propostas. Como nos explicam Azevedo e Stamatto: (...) tais pressupostos marcam um processo de ensino-aprendizagem onde o conteúdo histórico é veiculado principalmente pelo texto-base ou pelo discurso do professor, tornando-se o objetivo principal do ensino a recuperação de informações e a memorização. O exercício “Responda”, com variantes como: citar, preencher lacunas, escrever nomes, copiar informações do texto, entre outras, torna-se o eixo central das atividades (AZEVEDO; STAMATTO, 2010, p. 706). Na concepção da colaboradora Elza, para se romper com a compreensão da narrativa histórica apenas restrita ao passado, o docente necessita considerar não apenas a dimensão dos conteúdos, mas também a dos métodos de ensino: Hoje eu já não vejo assim e nem trabalho com meus alunos dessa forma. Eu tento mostrar o que: que ela [a História] não é só a ciência que estuda o passado, mas que ela busca também nossos conhecimentos, ou seja, a nossa compreensão do presente, nossa concepção pra o futuro, né?! E daí também, mostrando que é uma disciplina que a gente não pode limitar apenas a perguntas e respostas e tem vários, outros caminhos também para se chegar a essa concepção. [de que a História não é só ciência que estuda o passado]. (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Para a partícipe, o aluno tem de sentir-se integrante na construção da narrativa histórica escolar. A elaboração do conhecimento histórico escolar necessita das interpretações, questionamentos e visões de mundo dos alunos, os quais, concebidos como sujeitos históricos, têm sua colaboração na produção discursiva do saber ensinado. Além disso, a dimensão temporal da História é expandida, não se limita ao passado, mas perpassa a vida dos indivíduos, passa a fazer sentido na vida dos discentes. Podemos associar este esforço de Elza à proposição ruseniana de aproximar as narrativas dos sujeitos que as constroem. “A reconstituição mental da mudança temporal atribui a esta significado (...) para a interpretação dos processos de evolução no tempo, no qual vivem os sujeitos da narrativa (...) no qual o próprio processo comunicativo da narrativa se dá.” (RÜSEN, 2010, p. 155) Portanto, a intenção da partícipe Elza em atribuir uma nova roupagem à narrativa do conhecimento histórico escolar está ligada a uma finalidade educativa mais abrangente, que 151 extrapola o espaço escolar e se entende à vida prática dos educandos. Para ela, ao despertar o aluno para a consciência da relação possível entre passado e presente nos estudos históricos, pode-se orientá-los a construção de posturas críticas como cidadãos. Mas a História em si ela não só é uma ciência do passado. Ela tem vários eixos, além dos conhecimentos dos fatos passados e dos seus fatores, ela estuda a nossa sociedade. Ela estuda tudo isso. E a gente tem de ter esse conhecimento do passado, presente e futuro, né?! Para que nós possamos juntos com essas diversas ideais formar nossos cidadãos críticos. (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Ao expandir a preocupação da História Escolar para aspectos da experiência dos homens no passado e no presente, a professora busca direcionar o olhar dos discentes para atividades comparativas entre modos de vida e organizações sociais nos diversos espaços e tempos. Isso contribui para que os alunos construam saberes que levam em consideração o caráter plural e diferenciado das sociedades. Trabalhar a História dessa maneira, segundo Fonseca (2003) ensina os cidadãos a serem críticos, possuidores de respeito pela diferença colabora para a compreensão do mundo em que vivem e, também, lhes possibilita refletir sobre o mundo em que desejariam viver. No decorrer de sua fala, a colaboradora Elza reconhece que a História não é só o conhecimento sistematizado pela ciência, mas, também as experiências cotidianas dos homens. Estas vivências podem ser mobilizadas pelo professor para serem desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem da História Escolar: “Então, a História não é só ciência, ela é acontecimentos, fatos que estão relacionados ao nosso dia-a-dia. Na sala de aula com os nossos alunos nós temos certos pontos do dia-a-dia para se trabalhar até de acordo com o aprendizado deles (...)” (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012). Neste fragmento, torna-se relevante destacar a compreensão da professora de que há distinções entre a história- conhecimento e história-realidade. Este é um passo significativo que pode ter suas vantagens na didática da História. Esses benefícios residem no fato de poder levar os próprios discentes a produzirem saberes sistematizados na disciplina, tendo como ponto de partida suas próprias vivências como sujeitos históricos. Tais dimensões, a realidade e o conhecimento, não se excluem, mas se interligaram. Só existe o conhecimento sistematizado, tanto na ciência, quanto no saber escolar se existir o real como primazia, como defendem pesquisadores como Andrade (1992); e Fonseca (2003). Para estes autores toda especulação estruturada parte de um questionamento anterior sobre aspectos presente na realidade. 152 Como podemos observar existe uma forte dimensão educativa na construção da narrativa da História Escolar. Este caráter educativo visa fazer com que os alunos encontrem sentido no conhecimento histórico trabalhado em sala de aula para assim mobilizá-lo em suas vidas cotidianas. Na narrativa de Emília ressaltamos o desenvolvimento das problematizações durante as aulas de História. Estes questionamentos têm entre suas finalidades proporcionar por parte da docente a sondagem dos conhecimentos prévios dos educandos. Além disso, a colaboradora entende que as indagações constroem no decorrer das práticas de ensino um espaço em que os alunos podem participar ativamente do processo de ensino-aprendizagem. Para esta partícipe ao se construir questões norteadoras na narrativa da História Escolar, o docente aproxima o conteúdo estudo dos anseios dos discentes, possibilitando que estes elaborem sentidos e significados múltiplos e diferenciados em torno do conhecimento trabalhado em sala de aula. Na narrativa de Sérgio salientamos a ênfase em torno da análise contextual, cujo intuito reside em evitar apenas o relato biográfico nas aulas de História. Também ressaltamos em sua fala a dimensão educativa atribuída às problematizações nas aulas de História. Na concepção deste partícipe observamos dois atributos principais para o desenvolvimento dos questionamentos: O primeiro reside na capacidade de fazer a interação entre professores, alunos e o conteúdo estudado; e o segundo na potencialidade de levar a uma reflexão e sistematização dos pensamentos dos educandos. Enfim, na narrativa de Elza apontamos a ligação estabelecida entre a reconstrução da narrativa e a formação da cidadania. No seu entendimento, a necessidade de fazer com que os discentes se apropriem de uma postura crítica leva o docente a tentar ressignificar as narrativas históricas em sala de aula. Nesse sentido, o conhecimento histórico escolar deve ser compreendido como diálogo frequente entre o passado e o presente cuja construção ocorre por meio de interpretações realizadas pelos sujeitos envolvidos no processo de ensino- aprendizagem. 153 4.3 Um conhecimento com múltiplas finalidades Nessa parte, tentaremos apresentar outro aspecto significativo suscitados nas interações dialógicas: as finalidades do ensino de História no Ensino Médio. Os professores- colaboradores, dentre outros aspectos, demonstram uma preocupação expressiva com o desenvolvimento da cidadania. O entendimento desta não se dá de modo padronizado ou único e nem é um discurso de reprodução acrítica das mais recentes orientações curriculares para o campo da História Escolar. De acordo com o desenvolvimento dos discursos de cada partícipe, o tema cidadania vai tomando contornos diferenciados. No momento em que os colaboradores atribuem finalidades ao ensino de História, também justificam a legitimidade da disciplina no campo da educação básica e sua relevância na formação do indivíduo. Como discute Costa (1957) para uma matéria se manter no sistema educacional atual, movido pela lógica do imediatismo e do utilitarismo, necessita encontrar justificativas não apenas de um domínio intimista e abstrato, mas, prioritariamente, de domínios que possam favorecer à construção social. Ou seja, “Não basta mais que um estudo responda apenas a uma necessidade íntima da nossa mente, para estar justificado. Para que serve? Qual a utilidade? Sua finalidade imediata? São perguntas que sempre ocorrem” (COSTA, 1957, p. 118) Na fala a seguir, a colaboradora Emília externa a preocupação em levar o aluno a refletir sobre os conteúdos estudados, levando-o a construir uma visão mais crítica sobre a realidade que o envolve. Ao fazer isso, a partícipe atribui uma característica bem abrangente ao conhecimento histórico em sala de aula. Sua função passa também a ser a de auxiliar o raciocínio, visando a busca de explicações para os fenômenos sociais. (...) a menina disse: “Professora a senhora está me ensinando a ser comunista”. Eu disse que bom que eu estou fazendo isso. Por que o que é o comunismo? Aí, vamos pegar aqui o que foi a Revolução de 1917, na Rússia. Qual era a proposta, é bom ou não, você dividir as terras com as pessoas, é bom ou não as pessoas terem acesso à educação, saúde, habitação, porque todo mundo tem direito, todo mundo é ser humano, todo mundo tem condições de ter direito a isso. Isso é bom. Então, que bom que eu estou levando você a refletir (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) No fragmento acima, a partícipe demonstra uma sensibilidade em propiciar aos alunos uma compreensão sobre os direitos que devem fazer parte da vida dos cidadãos. O compromisso com o desenvolvimento da criticidade, na disciplina de História, pode levar o aluno a uma concepção de cidadania mais ampla que leva em consideração, entre outros 154 aspectos, o reconhecimento da igualdade de direitos. Ou seja, uma cidadania social vista por Magalhães (2009) como forma de sociabilidade que engloba os direitos sociais e humanos. A partir da interação entre aluna e professora em sala de aula, tendo como princípio norteador uma temática de dimensão política gerou-se reflexões que ultrapassaram esse campo. Isso propiciou a relação entre os aspectos políticos e sociais necessários para constituição da cidadania. Mesmo que as maneiras como ocorrem essa convivência, no transcorrer da História não tenham sido explicitadas na fala, já percebemos na ação da docente o esforço em não restringir a cidadania apenas a sua dimensão política. Na concepção de Bittencourt (2010), pouco aparece nas Propostas Curriculares, até a década de 1990, na área de História, a ideia de cidadania política ligada a de cidadania social. Segundo essa pesquisadora, este fato se dá uma vez que para articular as duas dimensões, deve-se compreender a cidadania não como presente ou como concessão de determinados grupos que estão no poder, mas como conquistas historicamente construídas nas relações entre anseios individuais e sociais. Outro aspecto apontado pela partícipe Emília está relacionado à dificuldade dos alunos em entender e conviver com as diferentes opiniões. Para essa colaboradora, o ensino de História deve orientar os alunos a lidarem com essas diversidades de ponto de vistas. Em sua opinião, a dificuldade dos discentes em compreenderem a opinião do outro é tão gritante, que isso influência no próprio desenvolvimento das atividades em sala de aula: É uma coisa que a escola discute pouco, a questão do respeito mesmo pelo outro, pela opinião do outro, mesmo que você não concorde, mas você tem que respeitar, ele tem a opinião dele. (...) Você pode ter uma opinião totalmente discordante da minha, mas se você usa argumentos coerentes, se você usa palavras que realmente estão de acordo, você demonstra um raciocínio lógico é isso que vai está em jogo na correção. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) A colaboradora usou este discurso para explicar uma inquietação surgida na aula de História, quando alguns alunos começaram a falar sobre o medo em criar tanto discursos orais, quanto textos escritos para responderem questões colocadas em sala de aula, ou em concurso, como o ENEM. O medo dos discentes, segundo a docente, residia em que os professores não comungassem de suas opiniões e, por isso, eles fossem prejudicados ou não fossem levados em consideração. O fato de os alunos verem as opiniões diferentes como elemento negativo, provavelmente se deve à permanência na mentalidade escolar da intenção de homogeneizar e unificar as explicações sobre a realidade, resquícios de uma concepção pedagógica tradicional 155 de conhecimento escolar. Além disso, este ensino tradicional construiu uma representação entre os educandos de que as disciplinas escolares são espaços de verdade pertencentes apenas aos educadores que as ministram, dificultando, na dinâmica de sala de aula, o trabalho de construção criativa de saberes por parte da colaboração dos alunos. Especificamente, no Brasil, a visão apresentada acima influenciou durante certo tempo a constituição da disciplina de História, priorizando a habilidade do discente em copiar, reproduzir e assimilar os acontecimentos, nomes e datas narradas pelos professores e pelos livros didáticos, sem espaço para uma criação autônoma, heterogênea e crítica. Nesse sentido, indicam Azevedo e Stamatto (2010, p. 713) que este modelo tradicional “Por não contemplar espaço à reflexão de professores e alunos, desconsiderar os interesses dos diversos grupos sociais bem como os princípios de uma aprendizagem significativa está sendo, atualmente, bastante criticado.” Na perspectiva da colaboradora Emília, o conhecimento histórico escolar deve contribuir para que os discentes sintam-se como sujeitos históricos. Essa colaboração da História Escolar ocorreria numa relação estreita entre a prática de ensino na disciplina e as vivências cotidianas dos educandos. O professor de História, assim, ao invés de resumir seu fazer em repassar fatos, pode se preocupar em construir situações de aprendizagem que contribuam com a percepção dos alunos de que eles participam ativamente dos processos sociais. O ensinar não é só passar informações. O ensinar História passa a ser dar condições para que o aluno possa participar do fazer e do construir a História. É aquela preocupação, que eu acho que é bem presente pelo menos conosco aqui, eu percebi isso, de fazer o aluno se perceber como construtor da História mesmo, que ele não esteja diretamente ligado a um acontecimento dentro do município dele, mesmo que ele não esteja sendo uma liderança política, uma liderança sindical ou ele não tenha uma certa influência econômicas e tal no município, ele também constrói. (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) O professor deve fazer com que o aluno se perceba como construtor da História, que ele participa, mesmo quando ele não é o personagem principal, mas ele é o coadjuvante, entende?! As coisas não ocorrem do acaso. Ele tem de estar fazendo essa relação aí. (Entrevista da colaboradora Emília em 25/05/2012) Ao conceber os próprios educandos como sujeitos da História, a colaboradora Emília colabora em romper com uma visão predominante na sociedade de que a História verdadeira e digna de crédito só é aquela construída pelo poder oficial e que tem como principais agentes personalidades que se destacam nas esferas políticas e econômicas. 156 As principais consequências dessa visão que associa os sujeitos da História a indivíduos e estruturas exteriores às suas realidades é a internalização nos alunos de um distanciamento, tanto com relação à disciplina escolar de História, quanto à participação em lutas pelos direitos sociais. Isso se torna perceptível, uma vez que para os alunos: “A história é feita por alguns e para alguns, que não somos nós, são os outros e são poucos” (FONSECA, 2003, p. 90). A ruptura com esta visão dominante pode acontecer no momento em que se valorizam as interpretações dos alunos na formação do conhecimento histórico escolar. Dessa maneira, a professora os leva a entenderem que na construção dos fatos existe espaço para compreensões distintas daqueles que foram tidas como as verdadeiras e únicas. Compreensões que podem incluir sujeitos e acontecimentos até então excluídos das versões oficiais. Há um cuidado, por parte de Emília, em levar os alunos a compreenderem a historicidade dos acontecimentos do presente. Por isso, sua preocupação no sentido de desconstruir a ideia de acaso dos fatos. Nesse sentido, o ensino de História assume a função de desprender a reflexão dos educandos apenas de uma análise presentista e imobilista dos episódios da realidade, dando-lhe uma dimensão histórica, frutos de interesses, de conflitos e de lutas de grupos, que foram praticadas em determinados tempos e espaços. E o fazer pra mim também, está muito no despertar essa consciência, não é conscientizar, mas despertar pra essa relação com a História passada e o que acontece atualmente. Possibilitar essa reflexão de saber que as coisas acontecem, porque nós seres humanos, nós vamos fazendo isso, não é algo que vem, porque Deus quis, porque é assim e pronto, não?! (Entrevista da colaboradora, em 25/05/2012) No fragmento textual acima, Emília coloca como propósito a necessidade de desenvolver nos alunos a consciência de que eles são construtores do processo histórico. Esta partícipe tenta romper com as concepções deterministas sobre o fluxo dos acontecimentos, ou seja, busca uma ruptura com o entendimento teleológico da organização dos fatos históricos em sala de aula. Podemos assim inferir que a colaboradora compreende que os acontecimentos não são colocados na vida dos seres humanos por forças sobrenaturais, as quais limitam e direcionam os atos dos indivíduos, mas sim, que a dinâmica e a construção dos fatos se concretiza em decorrência das relações existentes entre os homens. Uma outra finalidade do Ensino de História é possibilitar o contato do aluno com o próprio conteúdo da disciplina. No entanto, no entendimento de Emília, o relacionamento com esse conteúdo, não pode levar o aluno a uma postura estéril de acomodação; deve contribui 157 para que o educando seja impulsionado a uma postura investigativa, cujo intuito é o próprio aprofundamento da aprendizagem. Um dos objetivos que sempre estão permeando a aula é você possibilitar ao aluno o conhecimento do conteúdo que você está propondo. É um objetivo que em todas as aulas vai aparecer. Uma proposta é que você tenha contato com esse conhecimento, com esse conteúdo e que a partir daí, você desperte para o interesse sobre esse assunto e você procure fazer outras leituras que vão dá a você a possibilidade de aprender mais. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) Para a partícipe, o conteúdo conceitual não assume um fim em si mesmo, ou seja, apenas encher a cabeça dos alunos de informações. Sua função expande-se e tem como anseio propiciar aos alunos um estímulo para uma postura de inquietação e de procura de novos conhecimentos. A partir disso, afirmamos que os objetivos da História no Ensino Básico, para essa colaboradora, não se limitam ao campo específico dos saberes da disciplina, mas se tornam mais gerais. Estes se identificam com finalidades mais amplas presentes no PCN, que enfatizam a preocupação com o desenvolvimento de competências, ligadas a investigação e compreensão do real por meio dos estudos de cada área das humanidades no Ensino Médio (BRASIL, 2000). Emília explicita toda uma ligação entre o estudo da História Escolar e a prática cotidiana. Para ela, o docente tem de mobilizar seus saberes, tendo como propósito o de fazer o discente apreciar o conhecimento histórico escolar. Esse trabalho pode ser demorado, mas o importante é que o educando compreenda os saberes históricos de modo significativo, ou seja, como elementos necessários na sua vida. (...) eu tenho essa preocupação de fazer ele gostar de História, mesmo que depois que passe, eu só dou aula na terceira série do ensino médio, então mesmo depois que passe a minha preocupação é que eles continuem gostando. Independente, de ele estar estudando História ou não, quando ele pegar na faculdade uma disciplina que requer uma visão histórica, uma percepção mais reflexiva, ele tenha a oportunidade de fazê-lo. (...) Eu acho que a gente tem de influenciar mais o gosto e a apreciação pela História. (Entrevista da colaboradora Emília, em 25/05/2012) Podemos assim entender também que Emília possui ciência de que tipo de aluno busca formar. Seu interesse não é tornar o discente um historiador em potencial ou em miniatura. Seu propósito é de orientar os alunos a serem indivíduos que refletem sobre as dinâmicas da sociedade, levando em consideração a multiplicidade de fatores e de interesses, para que assim possam ter maior segurança na tomada de decisões e não se sentirem alheios ou indiferentes diante das mudanças experienciadas nos cenários em que vivem. 158 Para Bittencourt (2010) o professor do Ensino Básico deve possuir a consciência das diferenças da formação no Ensino Superior e no Ensino Básico. Na sua concepção essa distinção se materializa nos objetivos de ensino. No primeiro, a pretensão é uma formação mais específica, visando a constituição de um profissional que irá atuar de modo intencional na área, sendo professor ou pesquisador. No segundo, é uma formação geral cujo propósito é levá-lo a uma consciência e postura crítica sobre os acontecimentos, sabendo alocá-los em tempos e espaços específicos. Sobre isso, faz sentido mencionar outra vez os PCN: “A ação autônoma e refletida sobre a realidade requer clareza quanto aos processos sociais e históricos, evitando o imobilismo cético ou inseguro diante de novas situações” (BRASIL, 2010, p. 15). Para o colaborador Sérgio, a finalidade do ensino da História no Ensino Médio assume, primeiramente, uma dimensão de conhecimento do próprio indivíduo. O conhecimento histórico serve como espelho, é lugar em que os homens se voltam para se constituir como pessoa no presente. Então, a aprendizagem da História faz com que os alunos percebam a constituição de sua existência não de um modo isolado, e sim como fruto de relações sociais construídas em outras temporalidades. Como podemos ver: Essa semana um aluno perguntou para mim, segunda-feira: “Professor qual a importância de estudar História?” O filho de um aluno que é historiador disse: “Pra gente conhecer, rapaz! Se a gente não conhecer a História, a gente não sabe quem é”. Olha, rapaz, não precisou nem eu responder. É a importância mesmo em si. É para gente saber que a História não é algo que está separado de nós, nós somos um ser histórico. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) Na concepção de Sérgio, o ensino da História é imbuído de uma função exemplar. O conhecimento histórico constrói, entre os alunos, identidades em relação com os acontecimentos do passado. Ele se aproxima da ideia que predominou na escrita da História Romana na Antiguidade; um conhecimento produzido para que os romanos, ao olharem para os fatos passados, pudessem entender sua própria realidade. Como resume Borges (2007, p. 21): “A história é vista como a mestra da vida, levando os homens a compreenderem o seu destino.” Sérgio afirma que busca aproximar os assuntos estudados na aula de História à realidade atual dos seus alunos para assim tornar os conteúdos da disciplina significativos. Esse movimento de aproximação ocorre através do mecanismo de mostrar marcas do passado no presente, ou melhor, em levar os discentes a compreenderem as influências de determinados fatos históricos na constituição do presente: 159 Todas essas correlações que tentei fazer na sala de aula, que o conteúdo que está vendo não é algo distante da gente, mas que trouxe influências para nós. Perceba que cada aluno desses que passar em frente à Igreja católica ou Protestante em Arez, depois dessa aula aí, capaz de lembrar. (...) Inconscientemente, um dia eles irão lembrar, eles irão fazer o link com a aula. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) No entendimento do colaborador Sérgio, a vantagem de realizar esse movimento de aproximação entre passado e presente reside no fato de propiciar ao aluno o desenvolvimento de um raciocínio temporal. Este está relacionado na capacidade dos educandos, em meio a suas vivências sociais e pessoais, de perceberem na realidade que os envolve – monumentos históricos, prédios, Igrejas, danças e festas – marcas de tempos e períodos históricos distintos do atual. A partir disso, podemos inferir que esse tipo de finalidade atribuída por Sérgio ao ensino da História, tenta enfatizar a dimensão do tempo como duração. Segundo Bittencourt (2004, p. 215)), a noção de duração oferece aos docentes de História possibilidades diferenciadas de levar o aluno a pensar historicamente. “Pela duração, podem-se compreender as mudanças, as transformações e as permanências” e sua apreensão pode se efetivar “(...) por uma série de atividades que devem ser distribuídas ao longo das diversas séries escolares.” Sérgio também deixa claro que na sua visão o conhecimento escolar assume uma perspectiva moral. O partícipe reconhece a impossibilidade de resgatar o passado tal qual ele era, mas acredita que através das reconstruções dos historiadores é possível aos indivíduos olharem os acontecimentos anteriores para tirar lições morais deles e, assim, poderem se aperfeiçoar na atualidade. (...) porque é importante conhecer a História na minha opinião, porque não se pode deixar o passado para trás, apesar de que ele já passou e a gente não traz de volta, mas a gente tem de observar o passado pra errar menos no presente. Acho que essa é a maior importância que a História e o historiador têm para sociedade atual e futura, né?! (Entrevista do colaborador Sérgio, em 27/04/2012) Aqui, Sérgio aproxima a História Escolar de ramos da Filosofia, uma vez que se apoia na concepção de que existe no decorrer do desenvolvimento humano uma essência, ou um modelo essencial humano imutável. Assim, cabe ao indivíduo compreender e tentar viver essas virtudes e abandonar os defeitos para se constituir na sua vida como uma pessoa melhor. 160 Os fatos históricos são concebidos aí como espaço em que o homem do presente pode observar aquilo que deu certo em momentos anteriores e tentar conservá-lo na sua vida presente; enquanto as atitudes negativas devem ser evitadas e não devem ser propagadas. Para Bittencourt (2004) essa característica moral, associada ao ensino de História, foi predominante no Brasil, durante o século XIX e início do XX. Esta pesquisadora esclarece que o fortalecimento do atributo moral tinha o intuito de levar uma submissão aos deveres da pátria e de seus governantes. Para desenvolver o patriotismo entre os alunos na recente nação brasileira, no século XIX, a História vinculava a moral cívica à moral religiosa por meio do estudo de personagens políticos e religiosos tidos como exemplos de virtude, de heroísmo e de fé. Claro que a busca de um senso moral para História, exposta pelo professor Sérgio não tem esse intuito patriótico, mas se associa à visão de que a familiaridade com o conhecimento da História ajudará os homens a viverem melhor. Ainda conforme Sérgio, a função da História Escolar não se limita a trazer contribuições para o presente, seu papel tem uma perspectiva voltada para as ações humanas no futuro: “É sempre importante a gente trazer a tona coisas do passado, erros ou acertos, pra que se observe no presente, para que no futuro se erre menos ou se acerte mais.” (Entrevista do Colaborador Sérgio, em 27/04/2012). Esse tipo de compreensão da contribuição do conhecimento histórico para vida prática se aproxima de um dos aspectos enfatizados por Rüsen (2010), quando trata da consciência histórica. Para este teórico, o passado ajuda os indivíduos a planejar estratégias em direção ao futuro. O passado é, então, como uma floresta para dentro da qual os homens, pela narrativa histórica, lançam seu clamor, a fim de compreenderem, mediante o que dela ecoa, o que lhes é presente sob forma de experiência do tempo (mais precisamente: o que mexe com eles) e poderem esperar e projetar um futuro com sentido. (RÜSEN, 2010, p. 62) É evidente no pensamento ruseniano, que a consciência histórica não se limita apenas a este aspecto da experiência temporal destacada anteriormente, no entanto, ela possibilita uma visão abrangente com relação à experiência do homem com o tempo, distanciando seu raciocínio de uma perspectiva apenas presentista, desorientada e imediatista dos processos sociais. Na concepção de Sérgio, o conhecimento histórico escolar possui o intuito de desenvolver nos alunos a percepção temporal. Essa apreensão está ligada à relação entre as 161 três dimensões temporais gerais: o passado, o presente e o futuro. Além disso, a construção do raciocínio temporal conecta-se à elaboração dos valores morais para a vida dos indivíduos. A relação entre as dimensões gerais do tempo ocorrem de maneira que os alunos possam, a partir do passado, entender e viver bem no presente, construindo direcionamentos para o futuro. A percepção do tempo. Como eu disse anteriormente, o homem que não conhece o passado não tem um presente sólido e o conhecimento do passado ele é importante pra se errar menos no presente. O cara que fez determinada coisa tenha uma noção moral daquilo praticamente produzida por determinadas pessoas, criando valores morais pra ele no presente para que ele possa ser uma pessoa melhor no futuro. Eu acho que essa é a questão indispensável para o aluno saber. (Entrevista do colaborador Sérgio, em 27/04/2012) Ao pensar, desse modo, Sérgio enfatiza em suas aulas a dimensão de continuidade do processo histórico. As rupturas não foram enfatizadas nas colocações desse partícipe. Sobre este tipo de ênfase no estudo da História, comenta Rusen (2010, p. 65): “A narrativa histórica constitui a consciência histórica como relação entre interpretação do passado, entendimento do presente e expectativa do futuro mediada por uma representação abrangente da continuidade”. Ao se destacar o processo contínuo no ensino de História, as finalidades do professor se distanciam das concepções enfatizadas no PCN para o tempo histórico, nas quais se propõe o trabalho de relações entre as continuidades e descontinuidades dos processos sociais, acontecidas no decorrer do tempo. (BRASIL, 2010. Grifo nosso.) Por fim, Sérgio também demonstra sua ideia de que o ensino de História deve colaborar para a formação da cidadania dos alunos. No entanto, no decorrer do seu discurso, não fica explícito qual o tipo de cidadão e cidadania o professor procura formar por meio do conhecimento histórico escolar. Essa questão da História tem a haver com a questão da cidadania no colégio. Se o professor de História juntamente com o aluno queiram discutir política, religião dentro da sala de aula, direcionado com o tema ou não, que possa ser importante, eu acho que é mais que viável para o enriquecimento tanto do professor, quanto do aluno. (Colaborador Sérgio, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/05/2012) Podemos subtender que para Sérgio, estabelece-se uma ligação entre os conteúdos significativos e a questão da cidadania. Quando o professor se abre aos anseios dos educandos e possibilita a aproximação dos temas discutidos nas aulas de História aos seus interesses, o trabalho na disciplina se materializa de modo a levar os discentes a se aproximarem dos 162 conteúdos desenvolvidos na aula. A sala de aula passa a ser espaço de motivar uma atitude ativa através da participação nas discussões das temáticas, nas trocas de experiência e na construção dos conhecimentos; e onde a autonomia dos discentes é respeitada para motivá-los a uma posição em que ao voltar seu olhar diante de inquietações de sua própria realidade, possam buscar explicações para elas nos acontecimentos do passado com o intuito de não reproduzir os erros já cometidos e de perpetuar as experiências que deram certo. No tocante às finalidades do Ensino de História no ensino Médio, a professora Elza destaca a aprendizagem dos conceitos históricos em sala de aula. Na sua compreensão, a apreensão de tais conceitos não deve aparecer isolada da realidade dos educandos: Eu quero que eles aprendam os conceitos. A compreensão do que estava sendo estudado, não só do assunto, mas que eles pudessem relacionar o que era aquela disciplina e qual a sua importância para seu dia-a-dia, pra você cidadão. Esse era e é meu objetivo. (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Observamos a perspectiva da partícipe voltada para utilidade dos conceitos específicos trabalhados na disciplina de História. Assim o conhecimento histórico não assume um fim em si mesmo, mas se volta para trazer aos alunos uma contribuição que ultrapasse a apropriação de conteúdos e que, podemos dizer, revista-se da consciência do pensar historicamente nas situações do cotidiano. Nesse sentido, para Bittencourt (2010), as vantagens dos trabalhos em História que levem em consideração a construção de noções e conceitos residem no fato de que podem ser desenvolvidas atividades, pelos docentes, que ajudem os alunos a se familiarizarem com concepções fundamentais para suas próprias vivências como a de tempo e de espaço. Para Elza, no momento em que o professor consegue estabelecer a ligação entre matéria escolar e realidade vivenciada pelos alunos, este profissional contribui para valorização e legitimação da disciplina entre os discentes. Este reconhecimento ocorre porque os discentes são estimulados a superar uma visão quantitativa da disciplina, associada apenas a notas, e passam a ter uma compreensão mais abrangente da utilidade dos conhecimentos para suas experiências fora do espaço escolar. Porque nós sabemos que tem aluno ainda hoje em dia que não tem essa compreensão, ele acha que é só uma disciplina que pronto e acabou, não tem essa importância, esse conhecimento ou a valorização é só a questão de nota e pronto. E você professor ou você que é formado em determinada área, você tem de mostrar a importância de sua disciplina, né?! Para que o aluno possa valorizar a disciplina, os conteúdos que são trabalhados e dos assuntos que ele vai precisar no futuro. (Entrevista da Colaboradora Elza, em 05/05/2012) 163 Outro ponto a ser destacado é que, de acordo com o pensamento de Bezerra (2012), quando o professor de História reconhece que os conceitos não são um fim em si mesmo, mas elementos que fundamentam novas representações sobre os processos sociais, a função dos conteúdos no ensino ganha outro sentido. Há, então, uma ruptura com a finalidade conteudista, baseada na preocupação de cumprir quantitativamente os programas. E passa-se a priorizar a preocupação com os modos de se trabalhar os conteúdos, para que assim os alunos se apropriem dos conceitos e possam construir uma relação significativa com suas próprias experiências. A partir disso, os objetivos não são mais só da disciplina de História, mas da própria escola, (...) não se restringem à assimilação maior ou menor de conteúdos prefixados, mas se comprometem a articular conhecimento, competências e valores, com a finalidade de capacitar os alunos a utilizarem-se das informações para a transformação de sua própria personalidade, assim como para atuar de maneira efetiva na transformação da sociedade (BEZERRA, 2012, p. 37). Na compreensão de Elza, a História Escolar possibilita ao aluno o desenvolvimento de uma postura crítica, pois o campo de estudo do conhecimento histórico escolar é amplo. Isso faculta dentro da disciplina, a discussão de diversos temas que fazem parte do cenário social. Encontramos aí uma relação entre presente e passado, e os temas atuais são geradores de temáticas para serem trabalhadas em sala de aula numa perspectiva temporal. Os PCN destacam que ao priorizar essa ação dialética, os alunos desenvolvem o raciocínio temporal necessário ao entendimento das problemáticas contemporâneas (BRASIL, 2010). Para o aluno ser um cidadão crítico, ele tem de ter conhecimento político, social, cultural, né?! Não só na sociologia, que ele vai ver isso aí. Ele vai ter que perceber que a História abraça tudo isso. A História em si é uma das disciplinas mais importantes, eu acredito, na nossa área, nesse contexto aqui, porque questão social, questão religiosa, questão político tudo trabalha na História. (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Na visão de Elza, o conhecimento histórico propicia a formação de cidadãos críticos, autônomos e conscientes. Para ela, as maneiras como os professores desenvolvem suas ações em sala de aula são fundamentais na constituição desta atitude cidadã pelos educandos. Podemos, a partir disso, inferir que uma prática de ensino de História em que se valoriza a ressonância das múltiplas vozes dos alunos em sala de aula, auxilia para que os discentes percebam-se como sujeitos ativos que podem intervir não só no espaço escolar, mas também em outros espaços da sociedade. 164 Ele vai ter conhecimento crítico, ele vai ter uma visão diferenciada, ele vai ter um aprendizado do estudo que foi trabalhado. Eu acredito assim. Vamos puxar para política, se ele for um bom cidadão crítico, a História ajudou para isso aí. Ele ter sua própria visão política. Vamos dizer agora que estamos em período político, várias propostas vão surgir. Se o jovem tiver aquela visão do que realmente é política, o que realmente são essas propostas. Ele vai saber escolher bem seu candidato, independente, do voto de cabresto e de troca de favores. Então, nisso a História contribui para formação do cidadão. A História pode desenvolver isso, dependendo do que o professor possa trabalhar e de que forma ele vai ser trabalhado, né?! (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Essa capacidade de refletir e de tomar suas próprias decisões é exemplificada pela docente, ao falar sobre a questão eleitoral. E aí compreendemos em que consiste, para ela, uma das funções do pensamento histórico: possibilitar aos alunos construir novos sentidos para realidade que o rodeia, não sendo apenas reféns de práticas e representações já naturalizadas, mas sendo capaz, de vendo-as em uma perspectiva diferente, poderem tomar decisões livres que ajudem a modificá-las. Como nos propõe Fonseca (2003, p. 92): “O ‘novo’ ensino de história que se esboça assume a responsabilidade de formar o novo cidadão, capaz de intervir e transformar a realidade brasileira.” Para sintetizar esta discussão, podemos afirmar que as finalidades de aprendizagem do conhecimento histórico expostas pelos colaboradores são abrangentes e não se limitam apenas a apropriação dos conteúdos de modo isolado. Percebemos que estes são meios para se formar cidadãos mais autônomos e críticos na sociedade por meio do raciocínio histórico. Para Emília o propósito da História é levar os discentes a uma reflexão sobre as dinâmicas da vida social e fazê-los reconhecer a igualdade de direitos dos indivíduos em meio a uma sociedade de tantas diferenças. Para concretizar esta finalidade, observamos que a partícipe busca expandir seu fazer não o limitando apenas a transmissão de conteúdo, mas também tendo a preocupação de criar momentos em sala de aula nos quais os educandos participem ativamente do processo de ensino-aprendizagem. No entendimento de Sérgio a História possui uma função moral e serve de exemplo para o aperfeiçoamento dos homens no presente e no futuro. Este colaborador também defende que o conhecimento histórico escolar contribui para o desenvolvimento do raciocínio temporal. Com o estudo histórico, os discentes acabam interligando passado, presente e futuro para formar seu pensamento acerca das situações da realidade. Já na compreensão de Elza os conceitos em História são estudados com o intuito de contribuir com a mobilização do raciocínio histórico nas situações do cotidiano. Nesse sentido, a partícipe acredita que os docentes têm um papel central na conscientização dos 165 discentes e também na construção de estratégias que possibilitem o aluno perceber que a função dos conteúdos em História ultrapassam os limites do espaço escolar. 4.4 Experiências com o local e o cotidiano No decorrer da investigação, durante as sessões reflexivas e entrevistas individuais, os professores-colaboradores apontaram aspectos relacionados ao trabalho com temas do cotidiano e da História Local na disciplina de História. Refletir sobre estes aspectos pode auxiliar a melhor compreender como os docentes interioranos de História lidam com eles em sala de aula. O aparecimento, nesse tópico, da relação entre a História Local e do cotidiano acontece em decorrência das aproximações das nossas ideias com as de Bittencourt (2004). Esta autora afirma que esses dois eixos estão constantemente se entrelaçando e se ligando nos estudos da História Escolar. Isso ocorre, pois estas abordagens fazem os indivíduos participarem de uma História para muitos sem relevância, cruzando grupos sociais de trajetórias distintas, tanto no presente, quanto no passado. Ademais, desde a década de 1990, com a publicação dos PCN e as reformulações curriculares estaduais, os professores vêm se apropriando desta temática de História no Ensino Básico. Por isso, julgamos importante compreender como os colaboradores lidam com esta temática em sala de aula. A colaboradora Emília exemplifica como os assuntos locais surgem nas suas aulas de História. Estes são pensados a partir de uma relação estreita com os temas de maior abrangência. O estudo do conteúdo de “Intentona Comunista” levou ao conhecimento e a reflexão das possibilidades de se inserir nas aulas representações dos acontecimentos da realidade do lugar: Esta semana, nós estamos na 3ª Série trabalhando sobre a “Era Vargas” de 1930 até 1945 e falamos sobre a “Intentona Comunista”. E o livro do Claúdio Vicentino, ele traz um texto, uma espécie de depoimento (...) e entre os municípios do RN [Rio Grande do Norte] que aconteceu assim de ter um grupo pra uma espécie de controle, Goianinha está lá. Aqui em Arez, André 18 publicou recentemente (...) um livro que fala sobre uma figura de Arez (...) que teve 18 André Valério Sales é um escritor dedicado aos estudos do folclore regional e a História de Arez. Reside em uma comunidade rural deste município (Nascença) e publicou diversos Livros. Entre eles, destacamos: SALES, André Valério. Lugares e Personalidades históricas de Arez/RN. João Pessoa: Ed. UFPB, 2012.; Guerra de Canudos: Os sertões (de Euclides da Cunha) e a História de um Herói Potiguar. João Pessoa: Ed. UFPB, 2010.; Câmara Cascudo: o que é folclore, lenda, mito e a presença lendária dos holandeses no Brasil. João Pessoa: Ed. UFPB, 2007; Câmara Cascudo: sua teoria folclórica, o método de pesquisa e sua relação política com as classes populares. João Pessoa: Ed. UFPB, 2007. 166 participação na Intentona Comunista e eu não sabia disso. Quer dizer se eu tivesse esse conhecimento alguma coisa mais, eu tinha feito a ponte (...) entre a História local, a nacional e a mundial, porque nós não estamos isentos disso. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012) Para Emília, o conhecimento de fatos da História Local, relacionados à chamada “Intentona Comunista”, possibilitaria um trabalho em que o professor poderia estabelecer relações entre os diversos níveis dos episódios históricos, desde o mais específico até o mais geral. Nesse sentido, o local não é trazido para a sala de aula como uma maneira de construir um sentimento de exaltação dos episódios do lugar e nem com o fim de se prender em uma visão “bairrista”. Pelo contrário, esta abordagem de glorificação do lugar, segundo Fonseca (2003, p. 155), dificulta uma formação problematizadora no ensino de História. Os princípios dessa concepção reducionista se caracterizam por ser “(...) uma entidade distinta e separada, fenômeno único, como um conjunto cultural com periodização própria.” Este não parece ser o caso da compreensão de Emília, da qual podemos inferir um intuito relacional, ou seja, os eventos da História Local são percebidos como ligados a outros do Brasil e até do mundo. Cabe ao docente orientar seus alunos tendo essa preocupação de estabelecer pontes entre esses assuntos. Sobre este aspecto nos alertam Nogueira e Silva: Não se pode nem supervalorizar o regional nem apresentá-lo apenas como um complemento do nacional. A História Local ultrapassa os limites do município e se integra à história geral, não apenas como um dado disperso, mas como parte de um todo mais complexo. (NOGUEIRA; SILVA, 2010, p. 4) Podemos, também, observar na fala anterior da partícipe que o estudo da História Local, nesse momento, ficou entendido apenas como conhecimento de acontecimentos do passado. Era necessário conhecer sobre a participação de indivíduos dos municípios na “Intentona Comunista” para se concretizar o trabalho com a temática do lugar nas aulas de História. Ao pensar dessa maneira, estabelece-se um distanciamento entre a História Local e o cotidiano dos alunos, uma vez que não se parte da realidade do presente, mas se limita apenas a dimensão do tempo passado, do passado local para o geral. Compreendemos que isso se dá em decorrência de que, mesmo com as discussões surgindo a partir do lugar em que acontecem as aulas de História, estas ainda são orientadas pelos temas mais gerais dominantes 167 na historiografia escolar. Assim, o local, no conhecimento histórico escolar, permanece preservando os mesmos princípios norteadores da História nacional. Mesmo havendo, uma ênfase limitada nos acontecimentos pretéritos, a compreensão de Emília acerca da mobilização dos fatos locais não pode ser reduzida à mera ilustração da aula de História. O estudo do lugar, para ela, serve para apresentar como em espaços diferentes, em um mesmo período, os homens tinham modos distintos de viver. A partícipe tenta expor sua ideia, com um exemplo do conteúdo sobre a Segunda Guerra Mundial (1939- 1945), Porque estabelece assim essa relação que nós estamos aqui em Arez, mas a coisa aconteceu em torno de nós. [mostrar] A maneira das outras pessoas também viverem. Como eu caminho aqui, como foi que o Brasil participou? Por que aquele povo foi para a Guerra? Foi para a Guerra porque foi? (...) Foi o governo brasileiro que faz também essa opção, não vai ficar sozinho todo mundo está mudando, porque eu vou ficar. E em Guerra e política as pessoas tomam decisões. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012) A preocupação em demonstrar as diferenças dos acontecimentos e processos sociais nos espaços locais e nos mais gerais contribui para distanciamento de um conhecimento histórico homogêneo que tem como referência única os acontecimentos, principalmente, aqueles ligados ao sul e ao sudeste do Brasil. Com isso, começamos a perceber uma abertura para visões mais heterogêneas sobre os processos históricos, concomitante a uma abertura para o conhecimento sobre como foram sendo constituídas as realidades mais próximas dos alunos. Na concepção de Bittencourt (2004), esse contraste entre Histórias nacionais e gerais, nas quais reside uma compreensão mais homogênea e voltada para apontar as semelhanças dos fatos; e as Histórias regionais e locais, com suas potencialidades de discutir as heterogeneidades e as diferenças dos episódios, fazem com que esta última abordagem seja a cada dia mais apropriada pelos professores da disciplina nas suas salas de aula. Um outro aspecto destacado por Emília expressa a sua atenção para com a preservação da memória do município. Esta não se resume ao tradicional recolhimento de narrativas de líderes políticos ou de pessoas consideradas ilustres. Seu foco se volta para os acontecimentos construídos por indivíduos comuns cujas memórias individuais podem oferecer contribuições para o confronto com as memórias sociais já instituídas, 168 Na segunda Guerra Mundial o pai de Marechal 19 (...) contava a História de um rádio, que eles tinham uma sintonia com um piloto americano que veio para cá pra Arez que fugiu. Ele contava essa História, mas só que não havia nenhuma preocupação de registrar isso, do registro dessa memória, que é interessante a gente conhecer até para ajudar os alunos da gente a fazer uma relação. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva em 11/07/2012) O trecho acima nos conduz a inferir que a docente pontua a distinção, nem sempre comum, entre o conhecimento histórico e a memória. As memórias são vistas por ela como fontes, capazes de trazer contribuições para o ensino de História por meio de sua utilização na construção de relações entre os conteúdos trabalhados e a História do lugar. Sobre essa relação entre História e memória, Bittencourt (2004, p. 170) escreve: “A memória (...) não pode ser confundida com a história, como advertem vários historiadores. As memórias precisam ser evocadas e recuperadas e merecem ser confrontadas. (...) Mas nenhuma memória, individual ou coletiva, constitui a história.” A abertura em reconhecer nos discursos orais dos homens simples da localidade, por meio do registro da memória, documentos capazes de colaborar no desenvolvimento da História Escolar propiciam uma ação didática que preza pela diversificação das fontes de estudo. Isso faz com que não sejam levados em consideração, nas discussões sobre a História Local, apenas os documentos oficiais de cunho político-administrativo, os quais são responsáveis em muitos casos por perpetuar uma única visão, aquela dos grupos que se encontram no poder. No entendimento de Fonseca (2003) as vantagens de se ampliar os tipos de fontes nos estudos em História Local na Escola Básica e, principalmente, a da fonte oral reside no fato de ela ser “(...) capaz de ampliar a compreensão do contexto, de revelar os silêncios e as omissões da documentação escrita de produzir outras evidências, captar, registrar e preservar a memória viva.” (FONSECA, 2003, p. 155) A professora Emília também expõe outras maneiras de desenvolver os temas da História local na disciplina de História. Os projetos de ensino são destacados como meio para se estudar, em maior profundidade, temas da realidade local: (...) Desenvolver um projeto na área de Trabalho e Consumo ou Trabalho e Sociedade, que aí você vai ter como trabalhar essa questão do seu ambiente com relação às questões ambientais mesmo, degradação do ambiente, fazer uma ponte com a História da devastação da mata atlântica e relacionar isso, porque (...) nós estamos rodeados pela questão da cana-de-açúcar é necessário estabelecer essa ponte. (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) 19 O senhor Sebastião (in memoriam) residia em Arez. Participou e motivou diversas manifestações folclóricas no município, como as apresentações carnavalescas de Lampião e os desfiles cívicos das escolas públicas. 169 Como observamos, o projeto busca propiciar aos alunos o entendimento de aspectos da dinâmica do lugar. No entanto, não parece pretender limitar as respostas das reflexões apenas a elementos inseridos no presente. O conhecimento histórico surge como elemento central, a partir das inquietações surgidas no estudo da temática. Assim os discentes podem procurar respostas em outras temporalidades do passado para compreender como aconteceu a constituição do seu entorno. Ou seja, os porquês de ser desse modo, e não de outros, as realidades com que eles convivem todos os dias. Nesta perspectiva, em primeiro lugar, o conhecimento histórico escolar passa a se relacionar com o cotidiano por meio do movimento entre presente-passado-presente. Esta ligação ocorre pelo fato de que os temas propostos no projeto têm como princípio e finalidades temas da realidade atual, que são inseridos em uma dimensão de explicação temporal. O trabalho com a História do lugar se mostra, como afirma Schmidt (2007), como uma estratégia interessante para os educandos reconhecerem sua própria historicidade e a de outros indivíduos. Isso colabora para a construção de um sentimento de pertença consciente, capaz de contribuir para a superação de visões e atitudes preconceituosas. Conforme arremata Schmidt (2007): (...) a inserção do aluno na comunidade da qual ele faz parte [objetiva] criar a sua própria historicidade e produzir a identificação de si mesmo e também do seu redor, dentro da História, levando-o a compreender como se constitui e se desenvolve a sua historicidade em relação aos demais, entendendo quanto há de história em sua vida que é construída por ele mesmo e quanto tem a ver com os elementos externos a ele – próximo/ distante; pessoais/estruturais; temporais/espaciais. (SCHMIDT, 2007, p. 190). Podemos, agora, perceber porque as ações concretizadas, através da elaboração de projetos, mobilizam explicações históricas mais complexas as quais exigem, tantas vezes, conteúdos mais abrangentes para entender a constituição da realidade mais próxima. Para Barbosa (2006) este tipo de estratégia no estudo da História local, em que se compreendem os fatos do presente como possibilidade de resgatar representações sobre o passado, torna o conhecimento histórico escolar significativo. Isso ocorre por serem os alunos motivados a um exercício constante de sistematização do raciocínio histórico por meio da observação dos processos sociais da coletividade em que vivem ou do seu entorno. A colaboradora Emília também destaca que para o estudo da História Local é necessário a utilização de outros espaços além da sala de aula. 170 Há uma ausência disso, desse trabalho. Uma visita a Usina Estivas, é uma coisa de você tentar fazer, agora com um projeto realmente bem elaborado para você fazer aulas junto com outras pessoas para você aproveitar essa oportunidade discutir a nossa formação social. A questão da miscigenação, a questão da exploração mesmo, porque tem pessoas hoje dentro do sistema que a gente vive socialmente que elas são donas de tanta terra e a grande parcela da população não tem um chão para morar (Colaboradora Emília. 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) Emília expressa clareza de que uma visita aos lugares significativos do município, nesse caso a “Usina Estivas”, não pode ser feita de qualquer modo. Trata-se de uma situação de ensino-aprendizagem que deve ser planejada e sistematizada com a finalidade de mobilizar discussões sobre os temas propostos para estudo. Nesse sentido, podemos inferir que a docente compreende a História Local, não só como conteúdo, mas também em uma perspectiva metodológica. Esta se aproxima da concepção do estudo do meio, que de acordo com Schmidt (2007) é visto como um recurso pedagógico diferenciado que propicia aos educandos obter, progressivamente, o olhar questionador sobre o mundo de que fazem parte. Ao enfatizar sua preocupação no planejamento das visitas de estudo, Emília mostra-se ciente das possibilidades pedagógicas desse procedimento e o compreende como uma oportunidade de aprendizagem mais significativa e dinâmica. No entendimento de Proença (1990) o estudo do meio possibilita um ensino ativo e atraente da História Escolar, colaborando assim para concretização de um processo de ensino- aprendizagem no qual os alunos realizam práticas integradoras com a realidade que os circunda. Nas atividades da disciplina esta metodologia pode ter diferentes finalidades, como a motivação para a apropriação de novos conhecimentos históricos, a busca por consolidar saberes já estudados em sala de aula e como alternativa para sintetizar e avaliar a aprendizagem de temas desenvolvidos nos bimestres ou unidades de ensino. Para efetivar estes objetivos, a autora sugere que os professores tenham a preocupação com um planejamento e organização antecipada sobre os passos a serem dados nas visitas de estudo. Na concepção de Proença (1990, p. 142-143) a relação entre o estudo do meio e a História Local propicia: (...) a inserção do aluno na realidade do passado da comunidade contribuem para lhe possibilitar uma melhor compreensão da sociedade em que vive e na qual virá a intervir. O recurso às fontes locais permite familiarizar o aluno com o método de pesquisa histórico e contribui para o desenvolvimento de capacidades e 171 competências específicas como o rigor de análise, o pensamento reflexivo, o senso crítico. Para a colaboradora Elza a intenção de mobilizar elementos do cotidiano, nas aulas de História, aparece em uma das sessões reflexivas, no momento da videoformação. A aula escolhida pela partícipe (observada em 18092012) tinha como tema: “A Revolução Industrial”. Durante o desenvolvimento das atividades, os alunos participaram apresentando suas produções de jornais e de letras de músicas norteados pela temática. AUTORA – Jacielle de Lima Ferreira, 18 de setembro de 2012. FOTO 4 – Aula da colaboradora Elza. Na fotografia, a professora orienta a turma sobre apresentações das produções musicais e jornalísticas dos alunos. No decorrer da sessão, os demais colaboradores indagaram Elza sobre os objetivos desta aula. Segue a sua explicação: A relação com o dia-a-dia, com o sistema em si (capitalismo), a importância do estudo, incentivar a busca maior no estudo para que ele pudesse refletir. Puxei também para o nosso dia-a-dia com relação ao trabalho em si, a única indústria que nós temos em Arez é a Usina Estivas: O que ela está exigindo do trabalhador? Quem realmente está trabalhando lá? Quais os cursos que eles precisam? Os técnicos que precisam? Para que ele tivesse uma visão de que a importância da Revolução Industrial não foi só aquele momento em que teve a quebra de máquinas. (Colaboradora Elza, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) Na fala acima, Elza afirma trabalhar com aspectos do cotidiano no intuito de construir nos alunos uma capacidade de reflexão capaz de elaborar ligações entre duas dimensões da realidade no presente. Uma, no espaço mais próximo, no entorno do discente; e outra, em uma esfera bem mais abrangente, o próprio sistema capitalista atual. 172 Há também uma busca de relacionar os acontecimentos do passado aos atuais, ao mostrar para os educandos que temas desenvolvidos na História Escolar fazem sentido para a vida deles. Esse vínculo entre fatos de temporalidades distintas é feito por meio das estratégias que levem os discentes a perceber influências de episódios do passado no presente. Ao trabalhar desse modo centraliza-se a ênfase do ensino de História nos aspectos relacionados à persistência dos eventos no tempo. Além disso, observamos nesse caso que os temas já consolidados na historiografia escolar também podem fazer surgir a discussão sobre o cotidiano e o local. Podemos inferir que, na perspectiva da docente, os acontecimentos atuais do lugar, o específico, são explicados como consequências de relações mais gerais, ligadas aos episódios abrangentes do Brasil e do cenário mundial. Assim, continua-se priorizando uma explicação homogênea e uniforme sobre os processos históricos e não se enfatiza aquilo que, na compreensão de Nogueira e Silva (2010), seria o principal mérito do estudo da História Local: levar os alunos a se apropriarem das singularidades e diversidades. Como essas autoras mesmas dizem: “Na história local não há tempo único, mas tempos sociais.” (NOGUEIRA; SILVA, 2010. p. 233). Em outro momento, Elza aponta que o conhecimento histórico escolar a ser prioritariamente desenvolvido com os alunos é aquele orientado pelos manuais didáticos de História Geral e do Brasil. Os temas do cotidiano são concebidos como exemplificações que surgem no decorrer das aulas. E seu principal objetivo é o de familiarizar os alunos com os conteúdos: A questão da História Política, eu dei mais exemplo, mas eu gosto de trabalhar no plano os conteúdos, né?! E deles ir puxando para nosso dia-a-dia pode ser política, dependendo do assunto, depende dele, não fujo do conteúdo de forma alguma, se for trabalhar Grécia a gente trabalha Grécia, se for trabalhar Brasil a gente trabalha Brasil, mas dando exemplos, né?! De nosso dia-a-dia, puxando pra essas questões de hoje. Quando a gente trabalha a tal sociedade, sociedade tal, a gente vai associando, né?! Para que eles possam ter essa compreensão de que os assuntos são próximos de nossa realidade. (Entrevista da colaboradora Elza, em 05/05/2012) Na concepção de Monteiro (2007) as exemplificações fazem parte das aulas de História no Ensino Médio e possuem, como característica marcante, o estabelecimento do diálogo entre o campo disciplinar e a realidade dos educandos. Esta realidade é marcada por “(...) saberes referentes ao tempo presente e oriundos do senso comum.” (MONTEIRO, 2007, p. 170). Ao mobilizar os conhecimentos sobre a realidade local em uma perspectiva direcionada para o uso de exemplos, Elza aparenta não contemplar a preocupação de desenvolver nos discentes uma postura problematizadora sobre o entorno em que vivem, com 173 o intuito assim de motivar a busca dos educandos por outros saberes. Seu interesse parece residir no fato de que os alunos tenham um aprendizado mais agradável por meio de elementos que os aproximem de suas experiências cotidianas. O colaborador Sérgio reconhece que seu trabalho com a História Local de modo sistematizado, mostra-se pouco expressivo. Na sua concepção, este é um ponto a ser reavaliado na sua prática: Sinceramente, o que eu trabalho pouco é a História Local é a História da região aqui, quase nada. Apenas quando estava dando História do RN [Rio Grande do Norte], dentro da História do RN [Rio Grande do Norte], eu puxava um pouco para o local, mas História do Brasil e Geral, eu relaciono pouco, eu acho que é até um defeito meu, considero isso, como um defeito meu. É uma coisa assim que está afastada das raízes locais é até uma coisa que eu tenho, tenho de melhorar. Eu acho que é uma falha minha isso. (Entrevista do colaborador Sérgio, em 27/04/2012) O colaborador admite que a organização do conhecimento histórico escolar, nas suas aulas, fundamenta-se na tradição disciplinar e didática da área. Esta leva em consideração os chamados grandes períodos da História Geral, do Brasil e do Estado. Podemos inferir que no momento em que prioriza tal modelo, o professor sente dificuldades, tanto para se desvincular dos conteúdos que exigem esta macrocompreensão do processo histórico, quanto em se aproximar dos temas e assuntos da História Local e do Cotidiano. Como evidencia Barbosa (2006), o docente tem de ousar em romper com a representação já naturalizada de que esta organização é a única possível para o ensino de História na educação básica: A apreensão da própria dinâmica da sociedade suscitada pelo movimento da história acaba trazendo às claras práticas sociais que, para o seu estudo e entendimento, demonstram a necessidade da superação do enclausuramento a que o quadripartismo condenou a história, buscando livrar da sua compreensão e, portanto, do seu ensino, o peso da rígida estrutura eurocêntrica (BARBOSA, 2006, p. 59). O próprio partícipe Sérgio afirma haver, nas aulas de História este distanciamento em relação à História do lugar, uma espécie de separação da realidade local. A inquietação deste colaborador não é uma constatação isolada e parece decorrer, dentre outros motivos, da compreensão ainda existe entre os docentes, de que o livro didático é o guardião de alguns conteúdos prontos a serem desenvolvidos nas aulas. Sobre esta primazia do livro didático na organização dos conteúdos de História nos relata Barbosa (2006, p.60. Colchetes nosso): “(...) constatamos a tendência [dos professores] em ministrar o conteúdo do livro didático como 174 saber concreto, pronto (...) O que acontece, então, é que recorrem ao livro didático como salvador da pátria, na definição do seu trabalho em sala de aula”. Se o afastamento de trabalhos com assuntos do lugar e do cotidiano constrói esse sentimento de não pertencimento no docente Sérgio, Barbosa (2006, p. 62) aponta que as decorrências para os alunos mostram-se ainda mais preocupantes. Para ela, o ensino de História desvinculado das experiências cotidianas dos educandos gera a perda do sentido e da utilidade do conhecimento histórico escolar por parte dos próprios alunos. Por conseguinte, a postura destes alunos “(...) se apresenta na forma de aversão ou de apatia frente ao que é ensinado, quando afirmam que não sabem para que estudam isso ou que a história não tem função ou sentido (...)”. Tudo isso não apenas para a História Escolar e frente ao conhecimento histórico, mas nas próprias atitudes do indivíduo como cidadão. Na 5ª Sessão Reflexiva, os demais colaboradores notaram que Sérgio apresentou várias colocações sobre aspectos da realidade do município, na aula escolhida para a videoformação (observada em 26/07/2012). Fez referências aos prédios, às ruas e às atividades econômicas do lugar. No decorrer dessa aula foram trabalhados o resumo de alguns temas da História do Brasil e Geral por meio de apresentação de seminário pelos discentes. As apresentações eram intercaladas pelas sistematizações do professor. AUTORA – Jacielle de Lima Ferreira, 26 de julho de 2012. FOTO 5 – Aula do colaborador Sérgio em 26/072012. O professor está realizando um das sistematizações do conteúdo, depois da apresentação do seminário por um dos grupos de alunos. Embora a aula não tenha sido sobre um tema específico do cotidiano ou da História Local, pudemos observar uma tendência significativa de Sérgio em fazer relações entre temas tradicionais da História do Brasil e Geral com aspectos vivenciados na realidade dos alunos. 175 Indagado sobre qual era o intuito em fazer esse trabalho na disciplina de História, sua resposta foi: Para que o aluno possa perceber que nós não estamos em uma ilha isolados e que muitas coisas que existem aqui vieram lá da Europa. Até na Reforma Protestante mesmo, uma coisa que bati muito é que a gente tem de parar de pensar na Reforma Protestante como algo que aconteceu na Europa no século XV e XVI, mas que aqui em Arez tem uma influência muito forte do próprio acontecimento, não só aqui em Arez, mas no Brasil com as Igrejas de caráter Protestante e existem Igreja de Caráter Católico. Foi um fato que chegou até nós. Na questão da Colonização da cana-de-açúcar também, eu falei um pouco sobre aqui [Arez], porque aqui tem vários plantios de cana-de-açúcar. (Colaborador Sérgio, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012) O colaborador expressa um claro objetivo de levar os educandos, por meio da associação entre o geral e o local, à construção de um raciocínio temporal que os ajude a explicar aspectos da sua realidade imediata. Na concepção de Sérgio, a referência aos acontecimentos históricos mais abrangentes é capaz de romper com uma percepção isolacionista do cotidiano. Estas associações baseiam-se em uma relação de dependência, que já foi discutida aqui, em que os acontecimentos locais são compreendidos como consequência das relações gerais. Assim não há, nesse tipo de atividade, uma preocupação voltada em apontar elementos da especificidade do lugar que mostre as descontinuidades e diferenças com relação aos fatos estudados nos temas da História do Brasil e Geral. A prioridade aqui reside em apontar as marcas de processos históricos mais gerais, no cenário local. O professor Sérgio tenta realizar certa aproximação entre os alunos e a História Escolar, trazendo aspectos da realidade do município para sala de aula. Esse trabalho tem como uma de suas características o esforço em traçar associações em torno de elementos visuais significativos do município como igrejas, museus, cabarés, usinas, culturas agrícolas específicas e outros. Ao direcionar a atividade nesse sentido, o professor busca dar ciência aos alunos de que no presente de sua localidade existem traços dos processos históricos estudados nos conteúdos da disciplina de História. Ressaltamos, também, que os monumentos materiais mobilizados pelo professor não estavam restritos apenas aqueles associados à memória e ao poder oficial, o que indica sua ampla compreensão sobre o que se pode trabalhar como lugar de memória nas aulas de História. Assim, aproxima-se da ideia de Bittencourt (2004) que concebe todo meio como histórico, pois os elementos que o constitui encontra suas referências em uma determinada 176 temporalidade. “(...) Todo meio, rural ou urbano, está situado no tempo. Possui uma história e esta história deixou suas marcas.” (LUC 1981, Apud BITTENCOURT, p. 279). Entendemos que há um esforço por parte dos colaboradores em trazer experiências com o local e o cotidiano para sala de aula, no entanto, observamos que estas tentativas ainda estão bastante ligadas aos temas tradicionais da História Geral e do Brasil. No fazer de Emília destacamos seu intuito relacional, isto é, os eventos locais são entendidos como conectados a outros do Brasil e do mundo. Seu objetivo com esta prática é apresentar como em espaços distintos em um mesmo período, os indivíduos tinham diferentes maneiras de viver. No de Elza os acontecimentos locais atuais são explicados como consequências de relações mais gerais e as exemplificações de situações do cotidiano tem o propósito de tornar os conteúdos mais agradáveis para os educandos. No de Sérgio a preocupação recai em apontar para os discentes as marcas de processos históricos mais gerais na constituição do cenário da realidade local. Por fim, durante a escrita desta dissertação apresentamos os processos de pesquisa que foram desenvolvidos com a finalidade de buscar respostas para as questões realizadas em torno do objeto de investigação: “os saberes e o conhecimento histórico de professores interioranos de História”. Nas considerações deste trabalho mostraremos alguns resultados possíveis das discussões realizadas até este momento, as dificuldades encontradas no decorrer da investigação e os caminhos que levaram a sua superação. 177 5. PALAVRAS FINAIS Esta dissertação teve o intuito de analisar os saberes que se tornaram referenciais nas práticas docentes de professores interioranos de História no Ensino Médio, e compreender a constituição do conhecimento escolar de História por estes professores, a partir da mobilização dos diferentes saberes que compõem a prática docente. A pesquisa foi desenvolvida com a participação de quatro colaboradores: três professores de História na Escola Estadual Jacumaúma (Arez, RN), aqui identificados com os pseudônimos de Elza, Emília e Sérgio, e o pesquisador. As fontes que nortearam este trabalho foram construídas nas entrevistas individuais e nas relações dialógicas, ocorridas nas sessões reflexivas. A dimensão metodológica desta investigação tinha a finalidade de pesquisar com os sujeitos envolvidos, aproximando e entrelaçando os interesses de produção de um conhecimento sistematizado com as necessidades de formação contínua de docentes de História. A intenção não era apenas a construção de informações sobre os saberes dos educadores e sobre os conhecimentos históricos escolares produzidos por eles em sala de aula, mas sim colaborar para uma autonomia maior destes colaboradores na reflexão, organização e elaboração de suas práticas nas aulas de História. Para abarcar a dimensão investigativa e de formação, organizamos seis sessões reflexivas. Nelas buscamos propiciar um espaço de reflexões sistemáticas dos colaboradores acerca de aspectos relacionados à sua prática. No que diz respeito a esta pesquisa três eixos foram discutidos: a dimensão da colaboração; os saberes docentes e o conhecimento histórico escolar. Estes momentos mostraram-se significativos, pois possibilitaram, por meio das interações dialógicas entre os pares envolvidos, troca de experiências e quebra dos medos de expor seus pensamentos e suas opiniões acerca dos trabalhos realizados no cotidiano educacional. Porém, uma das dificuldades para concretização das sessões reflexivas residiu em encontrar dias e horários em que todos os professores-colaboradores pudessem participar. O vínculo dos partícipes em mais de uma instituição de ensino e a intensidade de atividades nas escolas em alguns períodos do ano letivo faziam com que as datas dos encontros de pesquisa e formação fossem negociadas e renegociadas constantemente pelos sujeitos para que assim todos tivessem disponibilidade de participar. No entanto, compreendemos que estas adversidades foram superadas pelo compromisso dos próprios professores-colaboradores que 178 encararam as sessões reflexivas como um momento oportuno para produção de novos saberes acerca de suas práticas na docência em História. A materialização disso é que todos os três professores-colaboradores fizeram questão de permanecer nos diversos momentos da pesquisa do início ao fim. Outra dificuldade que encontramos para realização da investigação diz repeito às lutas de poder existentes no espaço escolar. Mesmo as sessões reflexivas sendo em horários organizados de acordo com a disponibilidade dos quatro partícipes e com o conhecimento e autorização dos gestores e dos coordenadores da escola, em certos momentos dos encontros, os colaboradores foram requisitados para adiantar e repor aulas ou para resolver problemas diversos no ambiente escolar. Para lidar com estas situações houve um esforço de nossa parte em elucidar os gestores da necessidade de se ter estes momentos de formação contínua não só para o benefício individual dos professores de História, mas também para contribuir com o desenvolvimento das atividades da escola como um todo. Também notamos, nos primeiros momentos, o receio dos gestores da escola quando começamos a realização das filmagens em sala de aula. Essa inquietação ocorreu visto que em uma ocasião próxima a da pesquisa, alguns discentes acabaram postando vídeos na internet de acontecimentos da Escola, gerando assim repercussões negativas entre os membros da comunidade escolar. Conseguimos superar essa preocupação por meio da elucidação de que os materiais gravados serviriam para o fim único da investigação científica e que os DVDs seriam compartilhados apenas com os professores-colaboradores. Durante as primeiras sessões reflexivas, observamos ainda que havia entre os colaboradores uma tendência em realizar afirmações que buscassem apenas complementar ou concordar com as ideias compartilhadas pelos outros pares. Essas atitudes mostravam-se como uma maneira de os partícipes evitarem o surgimento de conflitos nas interações dialógicas. A superação desta postura predominantemente conciliatória aconteceu em alguns momentos nas quartas, quintas e sextas sessões. Os fragmentos das entrevistas individuais e os vídeos das aulas, mobilizados como recursos nestes encontros, oportunizaram entre os partícipes discursos mais heterogêneos acerca dos temas trabalhados. A partir da reflexão em torno das imagens e das falas dos sujeitos, verificamos que existiu por parte dos professores- colaboradores um esforço na realização de comparações entre os fazeres, apontando assim semelhanças e diferenças e chegando a apontar maneiras de reconstruir certas representações da realidade e certas atitudes em sala de aula. As sessões reflexivas levaram em consideração os anseios e as vozes dos envolvidos no espaço educacional. Mostraram-se assim como um procedimento que contribuiu no 179 contexto escolar para uma formação contínua mais significativa dos professores. A reflexão planejada, orientada e coletiva possibilitou a ampliação por parte dos partícipes envolvidos da compreensão acerca de diversos temas discutidos. Os colaboradores, ao terem contato com as experiências e as opiniões de outros colegas e com as leituras recomendadas, sentiram-se com maior autonomia para expor também seus pensamentos. Emília, no decorrer do processo, chega a desenvolver características de uma reflexão crítica e busca por meio de um raciocínio dialético identificar e mostrar maneiras para superação de uma postura individual de trabalho predominante na escola. Elza elabora uma reflexão do tipo prática cujo aspecto marcante reside na dimensão autoformativa propiciada pela reflexão dos acontecimentos da sala de aula. Em Sérgio predomina uma reflexão prática. Evidenciamos seu esforço em realçar a importância de se construir uma relação equilibrada entre as contribuições dos elementos teóricos e práticos nas ações em sala de aula. Reconhecemos que o desenvolvimento de reflexão crítica por parte de todos os colaboradores exigiria mais do que seis sessões. Em decorrência das limitações do tempo para organização de uma pesquisa acadêmica restringimos-nos a este número de encontros. No entanto, podemos afirmar que os espaços sistematizados e coletivos propiciaram nos sujeitos práticas reflexivas concretas, as quais contribuíram para construir discursos com certa autonomia acerca das ações realizadas na docência. Além disso, destacamos que a ênfase dada nas relações dialógicas neste ambiente possibilitaram rupturas com certos medos por parte dos sujeitos de ir além em suas ações profissionais. Este receio impossibilitava a produção de práticas mais criativas e críticas nas aulas de História. Nesta perspectiva, durante as sessões observamos que existia uma relação entre o nível de dificuldade dos colaboradores na elaboração das respostas das perguntas pedagógicas e o tipo de reflexão. Os partícipes que desenvolveram as reflexões práticas tiveram maior facilidade em construir as etapas de descrições e de informações, sendo perceptíveis maiores dificuldades nos momentos da confrontação e reconstrução. Este fato se torna compreensível, uma vez que estes dois últimos níveis de respostas exigiam uma mobilização reflexiva, por parte dos sujeitos, que levassem em consideração a relação complexa e dialética entre os aspectos singulares e próximos com outros de características mais genéricas e estruturais, próprios do pensamento crítico. Outro aspecto a ser destacado refere-se ao uso da videoformação. No decorrer das sessões reflexivas este procedimento oportunizou aos colaboradores um distanciamento significativo com relação as suas práticas no ensino de História. Ousamos inferir que este 180 afastamento é causado pela materialização de ver a representação do próprio fazer em uma temporalidade distinta daquela em que o ato foi praticado, causando assim estranhamento e questionamento dos passos dados durante a aula. Ao observar as cenas de sala de aula, os partícipes sentiram-se mais livres para descrever, estabelecer os sentidos e apontar as partes que poderiam ser modificadas, arriscando diálogos com discussões já realizadas em sessões anteriores e com os textos recomendados para leitura. Entendemos que as exigências para que houvesse um processo colaborativo de pesquisa foram contempladas. O colaborador-pesquisador buscou no decorrer da investigação tornar os temas discutidos significativos para a vida profissional dos docentes interioranos de História, tentando fazer o diálogo constante entre as inquietações da prática educativa e os conhecimentos teóricos dos campos da educação e do ensino de História. E os colaboradores- professores participaram ativamente dos diversos momentos da pesquisa e se esforçaram em realizar os exercícios volitivos de reflexão. Além disso, procuramos criar relações mais democráticas de poder entre os sujeitos envolvidos na pesquisa por meio da negociação e renegociação de procedimentos e encaminhamentos a serem adotados para melhor concretização dos trabalhos. Logo, os saberes docentes foram compreendidos pelos sujeitos em uma dimensão de intersubjetividade. Existiu um entendimento de que a mobilização de tais saberes no e para o ato de ensinar tem uma relação com os outros sujeitos, neste caso específico, com os alunos. Os desejos e aspirações dos professores na movimentação de conhecimentos, habilidades e estratégias interligam-se à preocupação de perceber as dinâmicas de cada contexto de sala de aula e as características dos educandos envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem. Os colaboradores destacaram os saberes metodológicos, os do conhecimento específico da disciplina, os da afetividade e os da reflexão como fundamentais na concretização do exercício da docência no ensino de História. Dessa maneira, tais saberes mostram-se heterogêneos. Observamos que cada um deles encontrou nos discursos dos partícipes justificativas específicas sobre suas funções na concretização das ações em sala de aula. A compreensão e a definição destes saberes ligam-se as finalidades que cada um deles assume no exercício diário da profissão dos professores. Nos discursos de cada sujeito observamos singularidades e aspectos que se entrelaçam nos quais encontramos semelhanças. Para estes colaboradores, um tipo de saber isolado dos demais se torna insuficiente para que o processo de mediação didática aconteça. Deve haver assim uma interligação entre os diversos saberes para efetivação do processo de ensino-aprendizagem na disciplina de História. 181 A compreensão acerca desta interligação entre os saberes docentes expressa-se de modo mais significativo nas falas de Emília. Para ela, os saberes para atividade dos professores se organiza em ciclos em que os conhecimentos específicos se ligam à metodologia no intuito de dar dinamicidade ao ensino. A afetividade tem a função de construir espaços favoráveis de sociabilidade entre os sujeitos presentes em sala de aula, para que assim o exercício docente na disciplina possa ser concretizado de maneira satisfatória. A reflexão contribui para entender se as relações de ensino-aprendizagem foram efetivadas significativamente entre os discentes. Por fim, as conclusões dos educadores sobre este processo faz com que novas mediações sejam pensadas ou que aconteça a consolidação de certas representações acerca do ensino. Já no entendimento de Sérgio, os saberes metodológicos são mobilizados com a finalidade de construir estratégias de ensino que possibilitem ao professor superar as complexas dinâmicas existentes no cenário escolar. Para esse colaborador a pequena carga horária da disciplina, as suspensões dos dias letivos por motivos diversos e as divisões em bimestre são situações que acabam dificultando um estudo mais completo dos conteúdos de História. Os saberes do conhecimento específico são destacados como aqueles que possibilitam certa clareza na tomada de decisões e escolhas dos conteúdos e temas a serem trabalhos com os alunos na disciplina de História. Já os da afetividade tem o objetivo de materializar interações amistosas entre professores e alunos. Na concepção do partícipe, a convivência menos conflituosa entre educador e educando faz também com que os discentes se aproximem da História ensinada. Para Elza os saberes metodológicos concedem dinamicidade e inovação às formas de lidar com os conteúdos de História e o intuito disso é provocar um interesse pelos temas desenvolvidos na disciplina. Nesta compreensão, os conteúdos mobilizados de modo isolado tornam-se estáticos e monótonos na realização do processo de ensino. A respeito da afetividade, a colaboradora fala que a finalidade central deste saber é construir relação de cooperação entre alunos e professores em sala de aula. Os docentes beneficiam-se do uso da afetividade, pois conseguem efetivar as atividades programadas. E os alunos são favorecidos porque se sentem mais motivados em participar da construção dos conhecimentos nas aulas de História. Também se torna interessante destacar que estes colaboradores ao longo de seus discursos foram concedendo uma dimensão educativa bastante significativa aos saberes da afetividade. Ao evidenciar este aspecto afetivo no desenvolvimento de seus ofícios, os professores interioranos de História vão se direcionando para uma ruptura com um ensino 182 baseado em práticas disciplinadoras e moralistas que não permitiam o trabalho com as emoções e que construíram no espaço de sala de aula separações visíveis e desiguais entre alunos e professores. Compreendemos assim que perspectivas de trabalho cujo uso das emoções são percebidos como integrantes do desenvolvimento de ações educativas menos opressivas entre os sujeitos ganham forças no espaço da escola. Esta visão diferenciada possibilita que trabalhos mais participativos no processo de ensino-aprendizagem sejam pensados e colocados em prática na disciplina de História. Nesse sentido, compreendemos que os colaboradores, no seu fazer cotidiano na disciplina de História, buscam na mobilização de seus procedimentos didáticos elaborarem situações em que os discentes se sintam motivados a participarem da construção dos conhecimentos escolares. Estas estratégias de ensino, mesmo já sendo conhecidas e consagradas no âmbito das discussões educacionais, encontram nas falas dos docentes sentidos e racionalidades próprias as quais se fundamentam nas necessidades de dar direcionamentos às atividades da prática em sala de aula. O uso de cada um destes procedimentos possui significados argumentativos nas finalidades que os sujeitos lhe atribuem. Para Elza, o seminário oportuniza o desenvolvimento de relações de socialização entre os alunos e proporciona por parte do docente uma dimensão avaliativa mais abrangente que leve em consideração o processo e não apenas a análise dos resultados das atividades desencadeadas em sala de aula. O estudo dirigido objetiva uma aproximação com o mundo da leitura e escrita formal e se entrelaça também aí a familiarização com os conteúdos escolares de História. Na concepção de Sérgio, o seminário tem como uma de suas atribuições centrais a transmissão de conhecimentos diversos em pequeno intervalo de aula e o questionário visa desenvolver nos educandos a capacidade de síntese e de sistematizar as relações contextuais na produção do conhecimento histórico escolar. No entendimento de Emília, existe uma relação mais complexa entre a formação docente e a transposição didática. A primeira possibilita uma autonomia maior para o educador na construção de práticas mais criativas e críticas no ensino de História. Logo, fica evidente nas atividades dos educadores a contribuição que eles atribuem à dimensão metodológica. Este aspecto se torna responsável pelas modificações possíveis no trabalho diário e tem eficácia na aproximação entre os alunos e os conteúdos estudados. A diversificação dos procedimentos metodológicos e dos usos dos recursos didáticos é visto 183 como aspectos necessários para que aconteçam o dinamismo e a interação nas aulas de História. Na construção de suas aulas, os colaboradores mostram que com o passar do tempo vão se apropriando de recursos didáticos diversificados. Os materiais mais usados são filmes com enredos históricos, documentários, iconografias, textos escritos de revistas e jornais e letras de músicas. Nas falas de cada partícipe, os objetivos a serem alcançados no trabalho com estes recursos possuem características distintas, mas se aproximam em um ponto: no entendimento de que a mobilização destes materiais nas aulas de História oportuniza uma participação maior dos alunos no desenvolvimento das atividades. Por isso, esta integração dos discentes no processo de ensino-aprendizagem é por eles mesmos percebidas como momento significativo para se construir saberes históricos escolares com sentidos compartilhados, frutos de um agir em sala de aula em que a interação entre os diversos sujeitos é permitida e motivada. Nestes sentidos compartilhados sobre a História Escolar existem permanências e até afirmações de visões da História já consolidadas, mas também há desconstrução e reconstrução de outras interpretações de acordo com as dinâmicas e os objetivos das atividades experienciadas em sala de aula. Dessa forma, com os recursos didáticos identificamos também o poder de autonomia e de autoria dos professores. Estes profissionais sabem os motivos de mobilizarem os materiais didáticos, esforçam-se em descrever os passos dados no uso de cada um deles e expõem o que buscam desenvolver nos alunos a partir de suas utilizações. Na compreensão de Elza, a atividade com canções tem o intuito de levar o discente a participar ativamente da aula e de construir significados relacionados aos temas desenvolvidos em História. No entendimento de Sérgio os filmes de ficção histórica são usados para produzir entre os alunos interpretações diferenciadas e desconstruir assim verdades históricas consideradas absolutas. Para Emília, as problemáticas elaboradas pelo professor direcionam o olhar e a leitura que os alunos farão das iconografias. Também podemos inferir que a prática destes professores interioranos é marcada pela consciência de que o exercício da docência é um ofício que exige dos envolvidos no processo, professores e alunos, um engajamento contínuo. Os partícipes demonstraram entender que o trabalho educacional deve ser sistemático, participativo, refletido, criativo e crítico e que as ações espontâneas, homogêneas, irrefletidas e estéreis, ainda presentes no espaço escolar, devem a cada momento ter menos forças entre os próprios professores. Sendo assim, fica notório que a compreensão da especificidade da dimensão profissional de seu trabalho reside na intencionalidade do ato educativo, ou seja, as falas dos 184 professores residem principalmente em demonstrar os objetivos e finalidades dos seus saberes e fazeres. As reflexões dos colaboradores acerca da relação entre a História Escolar e a Acadêmica direcionaram-se no sentido de enfatizar os distanciamentos entre estes dois campos de saberes. Estes afastamentos foram expostos por argumentos diversificados nos quais pontuavam desde as especificidades dos espaços em que os conhecimentos históricos eram produzidos até as distinções nas naturezas teórico-metodológicas. Sérgio é o único que salienta também aspectos relacionados às aproximações. Na sua concepção este diálogo ocorreu pela penetração nos estudos escolares de uma compreensão mais crítica dos processos históricos. Destacamos ainda que um dos aspectos perceptíveis nos discursos dos partícipes acerca da História Escolar reside no entendimento de que as características do conhecimento histórico praticado só são compreendidas no entrelaçamento e no diálogo entre as opções realizadas pelos docentes e a dinâmica dos acontecimentos desencadeados em sala de aula. Existe nisso uma relação complexa em que os conhecimentos passam a ser elaborados, digamos nas fronteiras de interesses, ou seja, no compartilhamento de interesses e necessidades dos sujeitos envolvidos, professores e alunos. Ao final, percebemos que as narrativas escolares dos colaboradores são marcadas por uma forte perspectiva educacional. Os professores buscam ressignificar estas narrativas tendo como intuito norteador fazer com que os discentes reencontrem os sentidos que o conhecimento histórico escolar tem a oferecer para uma atuação emancipatória nas relações cotidianas. Por isso, observamos que o conhecimento histórico praticado em sala de aula busca construir discursos que tentam estabelecer rupturas com elementos presentes nas narrativas tradicionais e também tentam fazer com que novos e velhos aspectos convivam na elaboração da narrativa, mas com interpretações e funções distintas. Para os educadores, estas mudanças se tornam necessárias para concretizar uma aprendizagem significativa, pois as narrativas tradicionais com sua preocupação centrada nas personalidades, na cronologia e na política institucional deixaram de ter significado entre os educandos da escola atual. Entendemos que existe uma ligação entre a produção das narrativas na História ensinada, a mobilização dos saberes metodológicos e o conhecimento específico da disciplina de referência. Assim, a preocupação de formar um discurso histórico diferenciado em sala de aula vem acompanhada da inquietação de mobilizar estratégias que oportunizem os alunos a se apropriem das noções centrais presentes na própria narrativa histórica escolar. 185 Entre as características que podemos destacar nas argumentações dos colaboradores, enfatizamos as problematizações, a contextualização, a multiplicidade causal, os sujeitos e o tempo histórico. As questões elaboradas pelos professores durante a narrativa escolar possuem funções diversificadas. Estas vão desde a sondagem dos conhecimentos prévios dos discentes até a preocupação de articular o conhecimento histórico de tal maneira que os alunos encontrem nos estudos da disciplina significados para suas vidas. As contextualizações são entendidas como elemento que possibilita evitar um estudo isolado dos acontecimentos. Esta preocupação de apresentar o contexto faz com que o estudo da História Escolar não se torne apenas um relato biográfico. A multiplicidade causal faz parte da análise contextual e propicia uma compreensão mais abrangente e relacional dos acontecimentos históricos, distanciando-se de uma organização linear e que se volta em perceber apenas os episódios de curta duração. A visão em torno dos sujeitos históricos se torna mais ampla, acompanhando as tendências das discussões historiográficas. Finalmente observamos que alguns personagens já consagrados na História Escolar continuam a fazer parte do repertório das aulas, mas a sua presença foi justificada em um sentido diferente, como marco inicial para uma discussão mais profunda e densa sobre o tema proposto na disciplina. A dimensão temporal nas narrativas não se resume ao aspecto cronológico. Existe uma atenção voltada à sucessão histórica, buscando construir um raciocínio baseado no entendimento das permanências e mudanças existentes no decorrer do processo histórico. A cronologia passa a ter uma função de recurso comparativo e hierarquizador do sucedido, mas que só encontra significado na relação com outros elementos do discurso histórico. Com relação às finalidades do conhecimento histórico escolar podemos afirmar que existe entre os colaboradores um entendimento de formar um cidadão preparado para lidar com autonomia e criticidade nas complexas situações do cotidiano. No entanto, as maneiras como estes partícipes compreendem a cidadania são distintas e vai desde uma ênfase dada ao caráter dos direitos sociais historicamente conquistados até um entendimento direcionado a formação de uma consciência e participação política. Constatamos que os partícipes atribuem ao conhecimento escolar de História múltiplas funções na formação dos educandos, sendo estas de caráter bem amplos. Entre elas, evidenciamos o esforço de fazer os discentes perceberem-se como sujeitos históricos e que seus atos e os da sociedade possuem historicidade e que não são apenas frutos de um constante presentismo. O entendimento de que por meio de uma perspectiva moral acerca do estudo do passado pode-se construir uma reflexão que pode contribuir para um 186 direcionamento e aperfeiçoamento dos atos dos indivíduos no presente e no futuro. E a capacidade de desnaturalizar práticas e representações já existentes sobre a realidade, dando- lhe mecanismos de construir novos sentidos sobre o mundo que os rodeiam. No trabalho dos professores interioranos de História, colaboradores nesta pesquisa, observamos esforços em inserir nas discussões das aulas aspectos ligados ao local e ao cotidiano. Porém, mesmo com o entendimento de uma das colaboradoras de que a formação de um projeto para se desenvolver o estudo destes temas se torna uma maneira mais eficaz de se aprofundar as discussões, o que verificamos de modo mais frequente foi à convivência entre as temáticas consagradas de História Geral e do Brasil e itens do local e do cotidiano. Essa convivência ocorreu de maneiras diversificadas. Em alguns momentos os eventos do lugar são compreendidos como relacionados aos do Brasil e do mundo e são compreendidos como acontecimentos restritos apenas ao passado. Logo, o objetivo do estudo do lugar, neste caso, reside em apresentar os diferentes modos de viver nos distintos espaços em uma mesma época. Em outros, as temáticas do cotidiano são vistas como exemplificações cujo intuito se direciona em familiarizar os alunos com os conteúdos da disciplina. Além disso, existem ocasiões em que ocorre um trabalho associativo entre o geral e o local, tendo como finalidade construir um raciocínio temporal que ajude os alunos tanto a encontrar sentido nas situações imediatas de sua realidade, quanto em realizar rupturas com uma compreensão isolacionista do cotidiano. Já que o intuito desta investigação não foi esgotar os debates em torno dos saberes docentes e do conhecimento histórico escolar de professores interioranos de História, mas contribuir na construção de sentidos diferenciados acerca deste objeto de pesquisa, entendemos que esta investigação torna-se significativa, primeiramente, porque foi capaz de evidenciar que práticas colaborativas de pesquisa com professores interioranos de História são viáveis, mesmo em meio a um espaço tão desafiador como é a escola pública no Brasil. A viabilidade desta modalidade de investigação fundamenta-se na motivação que ela ofereceu aos colaboradores, uma vez que eles viam os diversos momentos da pesquisa como etapas de formação e conscientização. Esta capacidade da colaboração, de levar os partícipes a ser mais, fez com que eles fossem encorajados a romper com seus medos e colocar suas opiniões sobre como pensavam a escola e o trabalho docente. Visões estas que compreendem uma escola menos fragmentada e mais sintonizada e um trabalho docente em que o professor tenha mais autonomia e seja valorizado por sua coragem em ser mais criativo e crítico. 187 Assim, outra contribuição desse tipo de pesquisa para a formação contínua dos três professores interioranos de História refere-se à superação do entendimento de que os saberes necessários à docência são resultados apenas do subjetivismo ou da espontaneidade individual do educador. Havendo, desse modo, entre os colaboradores a compreensão de que estes saberes são construídos por meio de uma relação constante e intencional entre os interesses e impressões individuais e as contribuições do contexto social. Além disso, podemos afirmar que os saberes docentes dos professores interioranos de História assumem significado na sua relação com a prática. Todos os saberes expostos por eles são aqueles que encontram materialidade ou visibilidade nas atividades diárias em sala de aula. Nesse sentido, os educadores buscam conhecer para atuar melhor no seu ofício profissional. Existe um entendimento entre os colaboradores de que uma prática de ensino perpassada pelo dinamismo e o movimento possibilita uma interação maior entre professores e alunos o que contribui para relações de aprendizagem menos opressivas e mais significativas. No tocante ao conhecimento histórico escolar, destacamos que uma das contribuições significativas do processo colaborativo foi o amadurecimento e fortalecimento da ideia entre os partícipes de que a História Escolar, ao longo do tempo, passa por transformações e que este processo de mudança é produzido na interação entre os interesses da cultura escolar, das discussões da ciência de referência e das realidades externas à escola. Nesse sentido, os colaboradores, no decorrer do processo dialógico, foram tomando consciência do seu poder na construção e reconstrução do saber histórico praticado em sala de aula e também de suas capacidades de fazer com que os alunos encontrem sentidos e significados múltiplos nos conteúdos da disciplina de História. Para formação do pesquisador, a investigação colaborativa aqui desenvolvida contribuiu para consolidar a convicção de que a escola pública, mesmo com todas as limitações estruturais e organizativas, apresenta-se como um espaço potencializador de aprendizagens significativas. Estas aprendizagens acontecem por meio do esforço conjunto de professores conscientes de que entre seus esforços mais imediatos está o compromisso de levar os discentes a tornarem-se cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres na sociedade. Além disso, o investigador passou a entender que para se compreender as complexas dinâmicas existentes no espaço escolar não se pode conceber a escola apenas como lugar, onde são impostos e reproduzidos costumes, hábitos e interesses de esferas exteriores. O ambiente escolar deve ser estudado como local em que uma cultura própria ganha forma a 188 partir dos diálogos, das interações e até das resistências às vontades e desejos de outros contextos da sociedade. Um estudo como este que acabamos de realizar abre as portas para novos questionamentos e, consequentemente, para formação de outros objetos de pesquisa. Assim, consideramos oportuno aprofundar em outros momentos de investigação as discussões em torno das construções da narrativa escolar de História. Agora, voltando o olhar para compreender a sua constituição dentro do cenário das próprias aulas de História e buscando entender também a relação entre a produção destas narrativas e a formação das possíveis identidades dos alunos no Ensino Básico. Para concretizar estas pretensões teríamos inicialmente como possíveis fontes doze filmagens de aula obtidas no decorrer das observações colaborativas e que por motivos de opção metodológica só foram utilizadas como recursos para os momentos de videoformação desta pesquisa. Para nos despedirmos, compreendemos que o conhecimento histórico praticado em sala de aula define-se como aquele que dialoga com o conhecimento de referência e com outros saberes docentes e que suas características principais só são possíveis de serem percebidas e só encontram sentido na própria dinâmica do espaço escolar. Enfim, a interação entre professores e alunos faz com que os interesses destes sujeitos acabem contribuindo para formação de um saber histórico escolar com atributos compartilhados. Atributos estes que justificam a produção de um conhecimento que está em constante mudança e que não tem como ser estereotipado, mas que na sua elaboração e reelaboração encontra marcas do novo e do tradicional. Tais traços vão encontrando nas falas dos professores novas interpretações e significados para sua permanência na História ensinada no Ensino Médio. 189 REFERÊNCIAS ABUD, Katia Maria. A história nossa de cada dia: saber escolar e saber acadêmico na sala de aula. 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Saeculum, João Pessoa, n. 6/7. Jan./dez. 2002. ZEICHNER, Kennetth. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, Corinta M.; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M. (Org). Cartografia do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998. p. 207-236. 199 ANEXO A UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Pesquisa sobre os Saberes Docentes dos Professores de História do Ensino Médio no município de Arez-RN. PESQUISADOR: Diego Firmino Chacon TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Você está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa. Ao aceitar nosso convite permite, para os fins restritos a esta pesquisa, a utilização dos dados fornecidos no questionário, na entrevista, na observação e vídeo-gravação das aulas no Ensino Médio e nos ciclos reflexivos. Você tem liberdade de se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo pessoal. Todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais, você não precisará se identificar. Somente o (a) pesquisador (a) terá acesso às suas informações e após o registro destas o documento será destruído. CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Tendo em vista o esclarecimento acima apresentado manifesto livremente meu consentimento em participar desta pesquisa. _______________________________ __________________________________ Nome do participante Assinatura do Participante 200 ANEXO B UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Mestrando: Diego Firmino Chacon Orientador: João Maria Valença De Andrade ROTEIRO DE QUESTÕES (NÚMERO 1) OBJETIVO DAS QUESTÕES: traçar perfil dos professores colaboradores da pesquisa 1. DADOS GERAIS Nome ou Pseudônimo: Sexo: Naturalidade: Onde Reside? Quanto Tempo? 2. FORMAÇÃO Ensino Médio sem Magistério ( ) sim ( ) não Qual ano Concluiu? Ensino Médio com Magistério ( ) sim ( ) não Qual ano Concluiu? Ensino Superior Incompleto ( ) sim ( ) não Qual curso? Qual Instituição? Qual a previsão de conclusão? 201 Ensino Superior Completo ( ) sim ( ) não Qual Curso? Qual Instituição concluiu e em que ano? Outros Cursos. Quais? 3. TEMPO DE DOCÊNCIA Entre 1 e 5 anos ( ) Entre 6 e 10 anos ( ) Entre 11 e 15 anos ( ) Entre 16 e 20 anos Entre 21 e 25 anos ( ) Mais de 25 anos ( ) Especifique o tempo? 4. HISTÓRICO DE ATUAÇÃO DOCENTE Iniciou a docência com o Ensino Superior Completo? ( ) Sim ( ) Não. Se você marcou não qual era sua formação? Começou em que tipo de Instituição? ( ) Particular ( ) Pública ( ) Nos Dois ( ) Outro Tipo. Qual? Qual o Nível de Ensino que começou a docência? ( ) Fundamental I ( ) Fundamental II ( ) EJA ( ) Médio ( ) Superior ( ) Outro Qual? Qual a disciplina que começou a exercer a docência? Quando e onde começou a lecionar História? Quanto tempo leciona na Escola Pública? Quanto tempo atua no Ensino Médio, lecionando História? Quais as razões de está atuando atualmente no Ensino Médio? Quantas horas de trabalhos exerce a docência atualmente? 202 ANEXO C UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Mestrando: Diego Firmino Chacon Orientador: João Maria Valença de Andrade OBJETIVO DA ENTREVISTA: Compreender as necessidades de formação dos professores- colaboradores e os conceitos prévios desses sujeitos a respeito dos saberes que se tornaram referenciais para a sua ação docente na disciplina de História para o Ensino Médio. ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 1. FORMAÇÃO DOCENTE 1.1 Conte como se deu sua formação. 1.2 A sua experiência de formação (escolar, universitária) é ou (foi) importante para seu trabalho como professor (a) de História no Ensino Médio? 1.3 Atualmente, você perceber a necessidade de atualização no seu trabalho de professor (a)? [SE SIM] Por quê? Descreva as “áreas” em que esta(s) necessidade (s) é mais forte. 2. CONHECIMENTOS PRÉVIOS 2.1 Em sua opinião, o que é história? 2.2 Como na sua vida de professor (a), você foi pensando o ensino de História. 2.3 Em sua opinião, o que um professor (a) de História deve saber e fazer para ser um bom professor de História? 2.4 E para você, como professor (a) de História, quais seriam as contribuições mais importantes do estudo da História no Ensino Médio para os alunos? 203 3. PRÁTICA DOCENTE 3.1 Descreva, em sua opinião, qual a importância das suas experiências na docência para a sua atuação como professor (a) de História hoje. 3.2 Conte como você planeja e organiza suas aulas de História para o Ensino Médio. 3.3 Quais os recursos didáticos (livros didáticos, textos complementares, imagens e outros) que você acha importante para o planejamento e para dar aula na disciplina de História? Por quê? 204 ANEXO D UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Mestrando: Diego Firmino Chacon Orientador: João Maria Valença de Andrade ROTEIRO NORTEADOR DA 1ª e 2ª SESSÃO REFLEXIVA DIA: 4 e 11 de julho de 2012 Hora: 14h Local: Biblioteca da Escola Jacumaúma. EIXO TEMÁTICO: Colaboração e Pesquisa Colaborativa OBJETIVOS DA 1ª e 2ª SESSÃO: Construir os conceitos de colaboração e de pesquisa colaborativas e entender a contribuição dessa abordagem metodológica para produção de conhecimento e para emancipação profissional dos docentes. PERGUNTAS PEDAGÓGICAS Descrição:  O que vocês entendiam por colaboração?  Este entendimento se modificou após o estudo?  Apresentem exemplos de colaboração?  O que para vocês era uma pesquisa?  Este entendimento se modificou após o estudo?  Conversemos um pouco sobre pesquisas que vocês participaram?  Vocês já tinham conhecimento da pesquisa colaborativa? Informação e Interpretação:  De onde vêm essas ideais sobre colaboração?  Como vocês acham que foi se constituindo essas ideias sobre pesquisa? 205  Quais as ideias de colaboração que o texto propõe?  Quais as ideias de pesquisa que o texto propõe? Confronto:  Como a colaboração proposta no texto pode contribuir para transformação de minha ação como professor?  Como o tipo de pesquisa proposto no texto pode contribuir para estabelecer relações mais próximas entre as teorias e as práticas?  Na opinião de vocês, os primeiros passos de nossa pesquisa tiveram características da pesquisa proposta no texto lido? Referência para Estudo FERREIRA, Maria Salonilde.; IBIAPINA, Ivana Maria. A pesquisa colaborativa na perspectiva sócio-histórica. Revista linguagens, educação e sociedade, Teresina, PI, n.12, p. 26-38, jan./jun. 2005. MOMENTO DE PRÉ-INTERVENÇÃO DA OBSERVAÇÃO COLABORATIVA Selecionar as turmas, dias das observações e pontos a serem observados (Regularidades, fatos relevantes e não relevantes nas práticas: Quem fez? O que fez? Quando fez?). OBJETIVOS DA OBSERVAÇÃO: analisar a prática docente, percebendo subjacente a elas, os saberes docentes que são mobilizados para compor o conhecimento histórico escolar dos professores interioranos de História. 206 ANEXO E UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Mestrando: Diego Firmino Chacon Orientador: João Maria Valença de Andrade ROTEIRO NORTEADOR DA 3ª e 4ª SESSÃO REFLEXIVA DIA: 8 de agosto e 17 de outubro de 2012 Hora: 14h Local: Biblioteca da Escola Jacumaúma. EIXO TEMÁTICO: Saberes que compõem a prática docente OBJETIVOS DA 3ª e 4ª SESSÃO: Compreender os saberes que se tornaram referências para atuação docente em sala de aula na disciplina de história pelos professores- colaboradores. PERGUNTAS PEDAGÓGICAS Descrição:  O que vocês entendiam por saberes docente (ou saberes dos professores)?  Este entendimento foi se modificando após o estudo?  Apresentem exemplos de saberes que vocês mobilizam para realização de sua prática e na sua prática? Informação e Interpretação:  De onde vêm essas ideais sobre saberes docente?  Como vocês acham que foi se constituindo essas ideias sobre saberes docente?  Quais as ideias de saberes que o texto propõe? Confronto: 207  Nas entrevistas individuais quando perguntados quais os saberes que vocês acham importante o professor de história ter, a ênfase maior das respostas foi na questão de conhecer o conteúdo específico da história, das metodologias em sala de aula e de está atualizado nas novas abordagens do conteúdo da história e da afetividade. Conhecendo agora as ideias do texto de Pimenta a ênfase nesses saberes acima citado sofreria transformações ou continuaria a mesma? Por quê?  Como os saberes docentes vão contribuindo para realização de minha ação como professor?  Vocês percebem estes saberes discutidos no texto aparecendo em sala de aula? E como? Reconstrução  Nesse momento, após o nosso diálogo e a leitura do texto, se fossemos responder o que um professor deve saber para ser um bom professor de História, o que responderíamos. Referência para Estudo PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In:___. Saberes pedagógicos e atividades docentes. São Paulo: Ed. Cortez, 2009. p. 15-32. 208 ANEXO F UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Mestrando: Diego Firmino Chacon Orientador: João Maria Valença de Andrade ROTEIRO NORTEADOR DA 5ª e 6ª SESSÃO REFLEXIVA (VIDEOFORMAÇÃO) DIA: 24 e 31 de outubro de 2012 Hora: 14h Local: Biblioteca da Escola Jacumaúma. EIXO TEMÁTICO: A Compreensão de Fragmentos de Práticas das Aulas de História e a Construção do Conhecimento Histórico Escolar OBJETIVOS DA 5ª SESSÃO: Discutir fragmentos das aulas observadas e os processos relacionados à construção e reconstrução do conhecimento histórico escolar pelos professores-colaboradores. PERGUNTAS PEDAGÓGICAS Descrição:  Você poderia descrever os passos que foram dados para concretização dessa aula? Ou seja, as suas ações nessa aula? Informação e Interpretação:  Quais os sentidos de você ter desenvolvido a aula desse modo e não de outro? Confronto:  O que você queria que os alunos desenvolvessem nessa aula? Quais os objetivos que você queria propor para essa aula? Eles foram alcançados? Se sim, Por quê? Se não, Por quê? Reconstrução:  Hoje se você fosse refazer essa aula com o intuito de melhor alcançar os objetivos propostos para a turma, como você a reformularia? Referência para Estudo SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Ed. Contexto, 2010. p. 54-66. 209 ANEXO G UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Mestrando: Diego Firmino Chacon Orientador: João Maria Valença de Andrade ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO COLABORATIVA (INTERVENÇÃO EM SALA DE AULA) OBJETIVOS DA OBSERVAÇÃO: analisar a prática docente, percebendo subjacente a elas, os saberes docentes que são mobilizados para compor o conhecimento histórico escolar dos professores interioranos de História. DADOS GERAIS Nome da Instituição:_____________________________Data da Observação:____/____/_____ Série:_________Turma:_________Turno:_________Horário:_________Protocolonº:_______ Professor-Colaborador:__________________________ ASPECTOS FÍSICOS DA SALA DE AULA Descrever a Organização da Sala Durante a Aula e outros aspectos: REGULARIDADE DA PRÁTICA Descrever Tema da Aula, Metodologias Utilizadas, Recursos Didáticos Utilizados, Desenvolvimento do Conteúdo Específico, Relação Professor-Aluno: