UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO LINDOCASTRO NOGUEIRA DE MORAIS PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL NATAL/RN 2013 LINDOCASTRO NOGUEIRA DE MORAIS PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Doutor Ivan Lira de Carvalho NATAL/RN 2013 LINDOCASTRO NOGUEIRA DE MORAIS PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Aprovado em: _____/_____/______. BANCA EXAMINADORA: ________________________________________________________ Orientador - Professor Doutor Ivan Lira de Carvalho UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN _______________________________________________________ Professor Doutor Erick Wilson Pereira UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN ______________________________________________________ Professor Pós-doutor Paulo Lopo Saraiva UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP DEDICATÓRIA Aos meus pais, Leôncio Nogueira de Morais e Ozenira de Morais Nogueira, meus referenciais. À minha esposa, Ana Luzia Gurgel Dantas, pelo companheirismo, e aos meus filhos Guilherme Gurgel Nogueira e Ana Clara Gurgel Nogueira. Com amor. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, por todas as oportunidades que Ele me concede, sendo este mais um importante passo na minha vida acadêmica, profissional e humana. À minha família, por todo o apoio e suporte que me oferta na caminhada da vida. Aos poucos, mas sinceros amigos que compartilham comigo momentos de alegria e tristeza. Aos colegas mestrandos, pelo auxílio e amizade conquistados desde a Universidade. Ao professor orientador deste trabalho, pela paciência, zelo, profissionalismo e confiança. Muito aprendi com o estágio docente e as orientações. Ao programa de pós-graduação, pelo competente trabalho que desenvolve em busca do conhecimento. Meus sinceros agradecimentos. “Sem justiça social, não há paz social, e sem seguridade social, não há justiça social”. (Association Internationale de la Securité Sociale, Genebra) RESUMO A seguridade social possui tutela constitucional e engloba as políticas de saúde, previdência e assistência social, que são expressamente reconhecidas como direito social fundamental. Os trabalhadores, quando acometidos de incapacidade laboral, ficam impedidos de auferir renda com a sua força laboral para o sustento próprio e de seus familiares. O Estado, por meio da previdência social pública, contributiva e compulsória, tem o dever de amparar os trabalhadores nos momentos de infortúnios, substituindo a renda destes através da concessão de benefícios previdenciários. Na incapacidade, o trabalhador apresenta maior grau de vulnerabilidade, sendo a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade um direito sensível, o qual não pode sofrer postergação, sob pena de causar insegurança jurídica e violar a dignidade da pessoa humana. Inexiste definição legal de incapacidade. A finalidade principal do trabalho é estudar a proteção constitucional do trabalhador portador de incapacidade laboral, buscando evidenciar os fatores que afetam a incapacidade laboral e propondo a utilização de critérios objetivos para a concessão de benefício previdenciário, pois os critérios atualmente utilizados são exclusivamente médicos, embasados na subjetividade e arbítrio do médico perito avaliador, o que dificulta o controle administrativo e judicial do Estado. No momento da elaboração do laudo pericial, o perito não deve levar em consideração apenas aspectos corpóreos, mas também sociais e ambientais, os quais contribuem para a incapacidade laboral e, consequentemente, devem ser considerados na concessão de benefício previdenciário. A concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral tem o intuito de prevenir ou diminuir os impactos dos riscos sociais e individuais em relação ao trabalhador incapacitado, garantindo que a proteção constitucional seja efetiva. A incapacidade presumida, o instituto da inversão do ônus da prova e o livre convencimento motivado são importantes instrumentos para a resolução de conflitos entre o segurado e a previdência social, encontrando fundamento na vulnerabilidade do segurado, sensibilidade do direito controvertido e hipossuficiência do trabalhador em relação à previdência social. Palavras-chave: Constituição do Brasil; Seguridade Social; Previdência Social; Incapacidade Laboral. ABSTRACT Social security has constitutional protection and encompasses health policies, social security and welfare, which are explicitly recognized as a fundamental social right. When workers suffering from work disability are unable to earn income with your work force to support themselves and their families. The State, through the public welfare, contributory and compulsory, has a duty to protect workers in times of misfortune, replacing these income through the provision of social security benefits. Disability the employee has a higher degree of vulnerability, and the granting of disability claims a right sensitive, which can‟t suffer postponements, lest cause legal uncertainty and violating the dignity of the human person. There isn‟t legal definition of disability. The main purpose of the study is the constitutional protection of the worker carrying work disability, seeking to highlight the factors affecting work disability and proposing the use of objective criteria for the grant of social security benefits, because the criteria used are purely medical, based the subjectivity and agency of medical assessor, which hinders the judicial and administrative control of the State. At the time of preparing the expert report, the expert should not consider only tangible aspects, but also social and environmental issues, which contribute to the inability to work and therefore should be considered in granting social security benefits. The granting of social security benefits for incapacity for work is intended to prevent or lessen the impact of individual and social risks in relation to the worker incapacitated, ensuring that the constitutional protection to be effective. The presumed inability, the institute reversing the burden of proof and free conviction motivated are important tools for resolving conflicts between the insured and welfare, finding basis in the insured's vulnerability, sensitivity and little reliance right at issue in relation to the employee social pension. Key-words: Constitution of Brazil; Social Security; Social Security; Disability Labor. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12 2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR ....................................... 17 2.1 A ORIGEM DA PROTEÇÃO SOCIAL ............................................................................ 22 2.1.1 Constitucionalização dos direitos sociais e seu enquadramento como direito fundamental ............................................................................................................................ 25 2.1.2 Dimensões dos direitos fundamentais .......................................................................... 29 2.2 PREVISÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR .. 31 2.3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL ................................................................................................ 35 2.3.1 Declaração dos direitos dos incapacitados (1975) ....................................................... 38 2.3.2 Princípios constitucionais em defesa do trabalhador portador de incapacidade laboral ...................................................................................................................................... 41 3 A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR ........................................ 53 3.1 O DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......................................................... 56 3.2 BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE ............................................................................. 61 3.2.1 Auxílio-doença ............................................................................................................... 62 3.2.2 Auxílio-acidente ............................................................................................................. 65 3.2.3 Aposentadoria por invalidez ......................................................................................... 67 3.3 A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL ................................................................................................ 69 3.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ............................... 73 4 A EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR AOS RISCOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS ... 83 4.1 TEORIA JURÍDICA DOS RISCOS .................................................................................. 87 4.1.1 Diferença entre risco, sinistro e contingências ............................................................ 91 4.1.2 Riscos sociais extra-laborais ......................................................................................... 94 4.1.3 Riscos inerentes ao ambiente de trabalho ................................................................... 96 4.2 INCAPACIDADE SOCIAL ............................................................................................... 99 5 INCAPACIDADE LABORAL ........................................................................................ 105 5.1 INCAPACIDADE, DISCAPACIDADE E INVALIDEZ ................................................ 108 5.2 A INCAPACIDADE COMO FATO GERADOR DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ............................................................................................................ 113 5.2.1 Tipos de incapacidade ................................................................................................. 115 5.2.2 Fatores causadores de incapacidade .......................................................................... 118 5.3 O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL NO PERÍODO DE INCAPACIDADE . 122 5.4 OS EFEITOS DA INCAPACIDADE LABORAL NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO .......................................................................................................................... 125 5.5 CRITÉRIOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA INCAPACIDADE LABORAL ....... 128 5.6 DADOS ESTATÍSTICOS DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE ....................... 131 6 A IDENTIFICAÇÃO DA INCAPACIDADE LABORAL NA PREVIDÊNCIA SOCIAL ................................................................................................................................. 137 6.1 A PERÍCIA MÉDICA COMO BASE NORTEADORA PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ......................................................................................... 142 6.1.1 Critérios utilizados pela perícia médica previdenciária para a constatação da incapacidade laboral ............................................................................................................ 146 6.1.2 Ausência de relação dos aspectos funcionais com a perícia médica realizada por profissional da Previdência Social....................................................................................... 149 6.2 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ E SUA RELAÇÃO COM A PERÍCIA MÉDICA REALIZADA PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA .................. 155 6.3 A NECESSIDADE DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA EMBASAR AS DECISÕES ADMINISTRATIVAS E JUDICIAIS EM MATÉRIA DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE LABORAL ................................................... 160 6.4 A INCAPACIDADE PRESUMIDA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL DO BRASIL ........ 166 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 181 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 185 12 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por finalidade principal estudar a proteção constitucional e previdenciária do trabalhador portador de incapacidade laboral e propor a utilização de critérios objetivos para a concessão de benefício previdenciário. No caso, o trabalho busca evidenciar os fatores que afetam a incapacidade laboral, fazendo uma relação destes com os direitos consagrados na Constituição do Brasil, visando a consolidar a tutela constitucional aos trabalhadores. Para tanto, estabelece, inicialmente, o significado de Constituição, questionando como ela pode garantir proteção aos cidadãos, em especial aos trabalhadores segurados da Previdência Social. Nesse objetivo, a dissertação faz um estudo quanto aos direitos sociais previstos na Constituição do Brasil e seu enquadramento como direito fundamental, elemento constitutivo da democracia. Dentre os direitos sociais encontra-se a previdência social, aqui considerada como proteção constitucional e previdenciária do segurado que se encontra incapacitado para o trabalho. A previdência tem a finalidade de garantir a sobrevivência do trabalhador quando necessitado, o que o faz através da concessão de benefícios, no caso, por incapacidade, tendo destaque o auxílio-doença, o auxílio-acidente e a aposentadoria por invalidez. Com o presente estudo, faz-se uma relação entre a necessidade de concessão de benefícios por incapacidade aos segurados que deles precisam para sobreviver e o direito à vida e à saúde como sendo dever do Estado para a garantia da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, este último não positivado na Constituição do Brasil, mas implícito em diversos dispositivos desta. Embora não seja objetivo do trabalho abordar a responsabilidade do Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), o trabalho tratará, de maneira sucinta, sobre o assunto, pois conhecer que a inobservância estatal das normas de proteção ao 13 trabalhador gera a responsabilização deste, é importante para reforçar a necessidade de proteção constitucional. Necessário conhecer a importância da proteção constitucional e previdenciária ao trabalhador portador de incapacidade laboral para ao final propor a utilização de critérios objetivos de avaliação para a concessão e manutenção de benefícios. O trabalho também visa a estudar os chamados riscos sociais e individuais, fatores que influenciam na perícia médica da autarquia previdenciária e que afetam o bem-estar no meio ambiente de trabalho. Nesse sentido, abordar-se-á a teoria jurídica dos riscos. O foco do trabalho inicia-se quando do estudo da incapacidade social, fator considerado relevante no momento da elaboração do laudo pericial, o qual não deve levar em consideração apenas aspectos fisiológicos, mas também sociais e ambientais. Assim, o trabalho trata da perícia médica previdenciária do INSS, com relação às decisões administrativas e judiciais em matéria de concessão ou denegação de benefícios. Traz, pois, o estudo do instituto da inversão do ônus da prova e livre convencimento motivado do juiz como necessários para a compreensão que o simples exame fisiológico é insuficiente e subjetivo para servir de base para a concessão ou denegação de benefício. A incapacidade laboral, que diverge da discapacidade e invalidez, tópicos que serão tratados ao longo do estudo, é fato gerador da concessão de benefícios previdenciários. Assim, o trabalho visa também a estudar quais seriam os fatores causadores de incapacidade laboral. Pretende, ainda, verificar se o exercício de atividade laboral no período de incapacidade é possível, estudando os casos em que o perito do INSS determina o retorno do segurado ao trabalho por entender pela ausência de incapacidade, o que pode vir a prejudicar o quadro clínico deste, e, por via de consequência, ferir direitos constitucionais e humanos. 14 O estudo busca compreender de que forma a Constituição do Brasil confere proteção ao trabalhador, bem como tem como meta principal conhecer os critérios para a caracterização da incapacidade laboral, no caso a avaliação pericial do INSS, no intuito de prevenir ou diminuir os impactos dos fatores que influenciam na incapacidade do trabalhador. O estudo desses fatores converge para a incapacidade presumida na previdência social do Brasil, objeto de defesa do presente estudo. Assim, o trabalho pretende oferecer subsídio ao legislador federal e aos dos Estados da Federação para oportunizar reflexão a respeito do atual sistema utilizado no Brasil para a análise da incapacidade laboral na previdência social. Cientificamente, a contribuição do trabalho reside na pesquisa realizada com a finalidade de identificar os fatores que causam incapacidade e os critérios utilizados pela autarquia previdenciária para embasar o laudo pericial, o qual vincula as decisões administrativas. Pretende, também, servir de contribuição para a seara acadêmica, jurídica e social, com a finalidade de trazer uma reflexão quanto ao atual sistema de avaliação do segurado e propor novas formas de condução de seu pedido administrativo, sempre em favor do trabalhador incapacitado, aqui entendido como a parte hipossuficiente da relação previdenciária. O trabalho faz uso da lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e pesquisas realizadas no INSS, traduzidas na forma de estatísticas. Dessa forma, o trabalho foi organizado em cinco capítulos para sistematização do assunto desenvolvido e melhor compreensão da temática em apreço. No primeiro capítulo, procurou-se analisar a proteção constitucional do trabalhador de um modo geral, estudando a origem da proteção social e seu enquadramento na Constituição 15 do Brasil. Nesse primeiro momento, o trabalho volta-se para a proteção constitucional do trabalhador portador de incapacidade laboral, fazendo um breve histórico com a Declaração dos Direitos dos Incapacitados, de 1975, bem como trata dos princípios constitucionais em defesa do trabalhador portador de incapacidade laboral, em especial o princípio da solidariedade e da igualdade. No capítulo segundo, analisar-se-á, especificamente, a proteção previdenciária do trabalhador, no caso, a previdência como instituto de preservação dos direitos fundamentais do trabalhador. Nesse capítulo, serão abordados os benefícios por incapacidade laboral, estudando a proteção previdenciária em relação ao trabalhador e a responsabilidade objetiva do INSS em casos de violação de direitos dos segurados. O capítulo terceiro, por sua vez, busca conhecer a exposição do trabalhador aos riscos sociais e à existência e influência da incapacidade social para a concessão de benefícios. Para tanto, o capítulo trará a temática da teoria jurídica dos riscos, diferenciando risco de sinistro e de contingência, bem como os riscos extra-laborais e inerentes ao ambiente de trabalho, sempre relacionando os fatores externos com os fatores fisiológicos do trabalhador, ressaltando que esses últimos não são os únicos que devem ser levados em consideração pela perícia médica do INSS. No capítulo quarto, trar-se-á o foco do trabalho, a incapacidade laboral do trabalhador, conceituando, além desta, a discapacidade e invalidez. A incapacidade é fato gerador dos benefícios previdenciários, assim, o trabalho estuda os tipos de incapacidade, fatores causadores e efeitos no contrato individual de trabalho. Cuida, também, do exercício de atividade laboral no período de incapacidade, como sendo prejudicial ao quadro clínico do segurado, violando seus direitos. Visa, ainda, a conhecer os critérios para a caracterização da incapacidade laboral, fazendo um estudo prático quanto aos benefícios já concedidos pelo 16 INSS, na forma de estatísticas, o que serve de suporte para, no capítulo quinto, propor novas ideias para proteger o segurado incapaz para o trabalho. Nessa linha, o quinto e último capítulo traz a forma de identificação da incapacidade laboral na previdência social, o que no presente trabalho é entendido como carente de eficácia, qual seja, a perícia médica previdenciária. Assim, o capítulo especifica com base no manual de perícia médica da previdência social e doutrina quais são os critérios utilizados pela perícia médica previdenciária para a constatação da incapacidade laboral, defendendo a ausência de relação dos aspectos funcionais com a perícia médica realizada por profissional da previdência social. Entende, ainda, que a decisão de concessão ou denegação de benefício previdenciário com base unicamente na perícia médica realizada pela autarquia previdenciária, viola o direito constitucional ao devido processo legal, o que enseja na discussão judicial da decisão administrativa. Nesse caminhar, o trabalho chega à sua proposta de utilização de critérios objetivos para embasar as decisões administrativas e judiciais em matéria de concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral, defendendo a incapacidade presumida na previdência social do Brasil e a implementação de fatores ambientais e sociais para a verificação da incapacidade laboral e sua viabilidade técnica. Dessa forma, o trabalho dissertativo, elaborado com base em pesquisas doutrinárias, legais e documentais, será estudado de forma organizada e sequencial, fazendo suas considerações em favor da preservação dos direitos constitucionais e humanos do trabalhador incapacitado para o trabalho. 17 2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR Constituição é um sistema de normas jurídicas que, segundo Bonavides 1 , ergue-se perante a sociedade e o Estado com valor supremo, sendo fundamento do Direito, considerado ainda como base da democracia, uma vez que de sua observância deriva o exercício permanente da autoridade legítima e consentida. Ao regular e organizar o funcionamento do Estado, a Constituição limita poderes e define direitos e deveres, sendo que as normas infraconstitucionais não podem conflitar com as normas nela positivadas. De acordo com Bonavides 2 , a palavra Constituição abrange uma geração de significados, que vai desde o mais amplo possível, desde o “sentido etimológico, ou seja, relativo ao modo de ser das coisas, sua essência e qualidades distintivas – até este outro em que a expressão se delimita pelo adjetivo que a qualifica, a saber, a Constituição política, isto é, a Constituição do Estado, objeto aqui de exame.” Assim, compreender o significado de uma Constituição e o modo como ela garantiria proteção são alguns questionamentos de relevante importância para o desenvolvimento e compreensão dos conceitos básicos que formam um Estado Democrático de Direito. O que seria uma Constituição já era preocupação de Lassalle 3 , em 1862, pergunta esta formulada diante de um agrupamento de cidadãos de Berlim que discutiam problemas constitucionais, mas desconheciam o que verdadeiramente significava Constituição. Para Lassalle 4 , a essência de uma Constituição seria a soma dos fatores reais do poder que regem um país. Defende que os fatos teriam mais peso que as normas, pois estas se apoiariam naqueles, enunciando-os e fazendo-os adquirir força de realidade. Segundo 1 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 269. 2 Id., Curso de Direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 80. 3 Ferdinand Lassalle (1825-1864) é considerado um precursor da social-democracia alemã. 4 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 40. 18 Lassalle, os problemas constitucionais não são problemas de Direito, mas sim, do poder. Para ele, a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder, ao que as Constituições escritas não teriam valor nem seriam duráveis, exceto se exprimissem de forma fiel os fatores do poder que imperam na realidade social. A Constituição pode ser entendida em dois conceitos: o conceito material e o conceito formal, conforme entendimento de José Afonso da Silva 5 e Paulo Bonavides 6 . O conceito material seria o conjunto de normas relevantes à estruturação e funcionamento da ordem política. Para Bonavides 7 , do ponto de vista material, a Constituição seria o conjunto de normas pertinentes “à organização do poder, à distribuição de competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. Enfim, para ele, seria tudo quanto fosse conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política. Nesse aspecto, pode-se dizer que não haveria Estado que não fosse constitucional, pois toda sociedade, por mais primitiva que seja, contém uma estrutura mínima de organização. O conceito formal, por sua vez, seriam as normas que estão no corpo da Constituição exclusivamente por terem sido lá inseridas pelos processos formais. Segundo Bonavides, o conceito formal de Constituição “se designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no seu corpo normativo, e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais da organização política”.8 Assim, para o conceito formal, importa que a matéria inserida na Constituição possua aparência constitucional. 5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 82 6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 80. 7 Id., Ibid., p. 81. 8 Id., Ibid., p. 81. 19 Esse conflito existente entre a constituição formal e a constituição material possui ligação com a ideia desenvolvida por Lassalle 9 . Constituição formal e Constituição material possuem relação com o que Lassalle chama de “Constituição - folha de papel” e “Constituição - fatores reais do poder”, respectivamente. Para Lassalle 10 , a Constituição seria muito mais que uma folha de papel, pois é criada pela sociedade. A sociedade, por sua vez, contém regras próprias e não escritas acerca de sua organização, que seriam os fatores reais de poder. Assim, a Constituição de um país seria a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação. Esses fatores estariam sempre acima da “folha de papel”. No entendimento de Hesse 11 , por sua vez, a Constituição pode impor tarefas, já que, por si só, não tem poder para realizar nada. Assim, a Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas. Para Kelsen 12 , a Constituição material assume um caráter eminentemente formal, pois ela seria condensada em um único documento escrito, diferenciando-se, assim da constituição não escrita. Entretanto, a Constituição material pode mesclar normas escritas e não escritas, ao passo que as normas não escritas da Constituição podem ser codificadas pelo órgão legislativo e passar a assumir um caráter vinculante. No sentido formal, por sua vez, a Constituição corresponderia a um documento escrito, com normas que regulam a produção de normas gerais, normas que se referem a outros assuntos politicamente importantes e preceitos que não podem ser revogados ou 9 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 40. 10 Id., Ibid., p. 40. 11 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 19. 12 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6. ed. Trad. de João Batista Machado. Coimbra: Armênio Armado Editor, 1984, pp. 310-311. 20 alterados pela mesma forma que as leis simples, mas somente através de processo especial solene. Segundo Schmitt 13 , haveria uma Constituição e uma constituição. Ou seja, a primeira contém cunho político e é materialmente existente, enquanto a segunda pressupõe e depende da primeira, sendo, portanto, formal, ou seja, mero sistema de normas, sem obrigatoriedade de consonância com a realidade do povo e sem obrigatoriedade de ser ideal. A Constituição do Brasil de 1824 expressamente reconheceu a existência de normas constitucionais materiais e formais: Art. 178. E' só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias. Dessa forma, vários estudiosos traçaram diferenças entre a Constituição Material e Formal de um Estado, visando a compreender o objeto do Direito Constitucional e sua proteção. O estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a transmissão e o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e das garantias individuais e sociais são o objeto do Direito Constitucional contemporâneo. A atual Constituição do Brasil tem como característica marcante o fato de colocar a pessoa humana como fundamento último de todo o ordenamento jurídico. Já no artigo 1º, a Constituição traz a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Conforme Kant 14, “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”. Na 13 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid: Alianza Editorial, 2003, p. 29. 14 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, s.d. p. 68. 21 qualidade de princípio fundamental da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana só poderá ser alcançada com a devida proteção ao homem. Se o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, conclui-se que o Estado existe em função das pessoas, e não o contrário. Desse modo, toda e qualquer ação estatal deve ser praticada em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, paradigma da ação do poder público. Ingo Wolfgang Sarlet 15 conceituou a dignidade da pessoa humana como sendo a qualidade que distingue o homem e o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, possuindo direitos e deveres que o protejam, lhe garantam condições mínimas de existência e participação ativa e corresponsável dentro da sociedade. Assim, a Constituição do Brasil traz direitos e garantias individuais, coletivos, sociais e políticos em favor do trabalhador, fortalecendo o Estado Constitucional Democrático de Direito. Dentre os fundamentos previstos no artigo 1º da Constituição do Brasil podem ser encontrados a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, revelando o claro papel do Estado: assegurar direitos mínimos aos trabalhadores e, consequentemente, garantir melhores condições de vida. A Constituição torna compulsória a obrigação do Estado em fornecer meios de proteção à saúde, à segurança e à dignidade no trabalho. O artigo 7º, inciso XXII, da Constituição do Brasil, prevê redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Essa proteção constitucional do trabalhador possui o objetivo de proteger a saúde, a segurança, a liberdade e a própria vida deste, ou seja, é responsabilidade do empregador assegurar o desenvolvimento das atividades 15 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 63. 22 laborativas em um ambiente com condições adequadas. Dessa forma, a proteção da dignidade humana na esfera trabalhista faz parte das necessidades fundamentais do ser humano. A eliminação dos agentes nocivos no ambiente de trabalho constitui o objeto principal da higiene laboral. Assim, na perspectiva dos direitos sociais, o trabalho se mostra como uma atividade que merece proteção especial do Estado, visando a impedir a predominância do capital e de padrões de maior rentabilidade das empresas sobre o ser humano, parte vulnerável da relação de trabalho. Dessa forma, a Constituição do Brasil prevê proteção ao trabalho e ao trabalhador. Nos termos do artigo 6º da Constituição do Brasil, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” No caso dos direitos sociais conferidos ao trabalhador pela Constituição do Brasil, as regras trazem proteção ao trabalhador, adequando o fato concreto à norma jurídica. Assim, o objetivo do presente trabalho é estudar sobre a proteção constitucional ao trabalhador portador de incapacidade laboral. Para tanto, necessário se faz, em um primeiro momento, estudar a origem da proteção social. 2.1 A ORIGEM DA PROTEÇÃO SOCIAL Para o adequado conhecimento da proteção social, é necessário conhecer a sua origem e evolução histórica, de modo a possibilitar uma análise de sua aplicação no tempo, visando a compreender a concretização dos ideais constitucionais na modernidade como garantia de direito a toda a sociedade. 23 As primeiras manifestações do ser humano em relação à proteção social remontam às civilizações antigas. A proteção social é uma preocupação que teve origem na família, cujo objetivo era prestar assistência aos seus membros. Em Roma, a obrigação de prestar assistência aos servos e clientes era uma atribuição conferida pelo pater familias. Antigamente, o homem, preocupado com o seu futuro e o de sua família, desejava guardar parte de seu salário para o caso de vir a ser atingido por algum infortúnio. Todavia, em muitos casos, essa medida não era alcançada, por circunstâncias adversas, como por exemplo, a baixa remuneração. Assim, era de grande importância estabelecer um sistema de proteção social 16 . Nessa perspectiva, os trabalhadores realizavam manifestações pleiteando melhores condições de trabalho e proteção contra os infortúnios que poderiam causar prejuízos, fossem financeiros ou físicos. A proteção social, portanto, tem origem na necessidade imperativa de anular ou minimizar o impacto de determinados riscos no indivíduo e na sociedade. Na Idade Média, algumas corporações criaram seguros sociais para seus membros. A Igreja também possuía cunho assistencialista. Conforme Ibrahim 17 , após o século XVII, o Estado assumiu uma ação mais concreta com a adoção da Lei dos Pobres, em 1601, na Inglaterra, marco da criação da assistência social, pois regulamentou a instituição de auxílios e socorros públicos aos necessitados. Foi com o surgimento da sociedade industrial que a proteção social ganhou força com maior participação estatal na busca de reduzir as desigualdades sociais, com a construção do Welfare State ou Estado do Bem-estar Social, visando a atender as demandas sociais. No que se refere à formação da proteção social no Brasil, segue divisão segundo o tratamento preconizado por cada Constituição em vigor à época. 16 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 19. 17 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 1. 24 No Brasil, a primeira manifestação legislativa que trouxe previsão quanto à assistência social se deu na Constituição Imperial de 1824, a qual, no artigo 179, inciso XXXI, possuía a seguinte redação: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) A Constituição também garante os soccorros públicos.” Falando da questão dos “socorros públicos”, a Constituição de 1824 queria demonstrar que o Estado, juntamente com a sociedade, possuía o dever de prestar apoio aos mais necessitados. De acordo com Vieira 18 , a Constituição do Brasil de 1891 trouxe em seu texto, pela primeira vez, a previsão expressa do benefício de aposentadoria, embora fosse limitada aos funcionários públicos, que não efetuavam nenhuma contribuição para adquirirem o benefício. A Constituição do Brasil de 1934, por sua vez, mencionou pela primeira vez os direitos previdenciários. Conforme Vieira 19 , a Previdência Social era custeada pela União, empregados e empregadores. Todavia, a expressão “previdência social” foi mencionada pela primeira vez na Constituição do Brasil de 1946 20 . Com a Constituição do Brasil de 1967, por sua vez, houve a inclusão de aposentadoria à mulher aos 30 anos de trabalho, com salário integral 21 . Definitivamente, a Seguridade Social foi estabelecida na Constituição do Brasil de 1988, assegurando direitos relativos à assistência social, assistência à saúde e previdência social. 18 VIEIRA, Marco André Ramos. Manual de direito previdenciário. 6. ed. Niteroi: Impetus, 2006, p. 5. 19 Id., Ibid., p. 6. 20 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 29. 21 VIEIRA, Marco André Ramos. Manual de direito previdenciário. 6. ed. Niterói: Impetus, 2006. p. 9. 25 Embora cada Constituição Brasileira tenha trazido avanços em matéria de direitos e proteção social, foi com a Constituição Federal de 1988 que um autêntico Sistema Nacional de Seguridade Social foi instituído, trazendo inúmeros preceitos normativos em favor do bem- estar e da justiça social. A Seguridade Social se propõe a garantir proteção integral, como modo de assegurar universalmente a proteção social dos brasileiros. Embora essa solidariedade seja marcada pelo aspecto financeiro, as medidas voltadas para a proteção social possuem um papel a desempenhar na redução da vulnerabilidade e na proteção do bem-estar das pessoas economicamente desfavorecidas, criando políticas que contribuam para a redução da pobreza. Essa proteção social reforça o crescimento econômico do país com a redução de níveis inaceitáveis de desigualdade, uma vez que as pessoas pobres são, geralmente, as que mais sofrem com os riscos sociais e ambientais, cabendo ao Estado igualar a sua situação. Como medidas de proteção social, podem ser identificadas aquelas destinadas a reduzir os riscos de desemprego, subemprego e renda inadequada; fortalecimento de estruturas para a promoção de ações comunitárias; políticas de apoio à inclusão de pessoas deficientes; programas de seguridade, dentre outras. Assim, verifica-se que a proteção social tem origem na preocupação humana em garantir melhores condições de vida e bem-estar social. No caso das ações estatais, o Brasil, por meio do Instituto da Seguridade Social, estabeleceu um sistema de proteção social, o qual está garantido na Constituição Federal atual. 2.1.1 Constitucionalização dos direitos sociais e seu enquadramento como direito fundamental 26 A constitucionalização dos direitos sociais surgiu a partir das transformações sociais e econômicas provocadas pela Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no fim do século XVIII, a qual se espalhou para os demais países europeus a partir do início do século XIX. A necessidade de uma segurança jurídica pautada na Constituição foi uma grande conquista dos povos civilizados, culminando com a constitucionalização dos direitos sociais e seu enquadramento como direito fundamental do homem. Nessa época, os operários começaram a perceber a disparidade existente entre os direitos e as liberdades individuais conferidos nas declarações de direitos do homem e a realidade do mundo do trabalho, que tinha a classe trabalhadora como marginalizada. Assim, surgiram diversos movimentos da classe dos operários em desfavor da concepção política e filosófica do Estado liberal. A positivação dos direitos individuais não se mostrava suficiente para resguardar os direitos da totalidade dos cidadãos. Dessa forma, a sociedade passou a reclamar a conquista de direitos que pudessem igualar os homens no caso concreto. Assim, teve início a luta pela constitucionalização dos direitos sociais. Os direitos sociais tiveram amparo, inicialmente, com os episódios revolucionários que culminaram com o manifesto do partido comunista de 1848, no qual discutiam ideais utópicos, socialismo e igualitarismo. 22 Posteriormente, os direitos sociais ascenderam com a doutrina formulada pela Igreja Católica que, através da encíclica Rerum Novarum, editada em 1891 pelo papa Leão XIII, determinou os direitos sociais como nova concepção de direitos humanos, rompendo com o constitucionalismo clássico. 23 22 BOYLE, David. O manifesto comunista de Marx e Engels. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 7. 23 LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, pp. 61-62. 27 Segundo Norberto Bobbio 24 , os direitos sociais teriam sido inseridos na história do constitucionalismo moderno com a Constituição de Weimar. A Carta Alemã de 1919 também trouxe influência às constituições posteriores acerca dos direitos sociais. Mas foi a Constituição mexicana de 1917 a primeira que proclamou os direitos sociais como merecedores de especial atenção do Estado. Assim, a partir dessas constituições, os direitos sociais passaram a figurar como elemento constitutivo da democracia. O reconhecimento da igualdade de todos os homens é o pressuposto básico da democracia. Dessa forma, os direitos sociais passaram a figurar de forma obrigatória nas constituições democráticas posteriores. Com esse entendimento, um Estado somente pode considerar-se democrático proclamando os direitos sociais na sua Constituição. De acordo com Bobbio, foram as necessidades humanas que impulsionaram a luta por direitos. Para ele, o rol dos direitos do homem se modifica de acordo com as mudanças sociais. Assim, os direitos seriam fruto das lutas individuais e de grupos de indivíduos. No caso das liberdades sociais, Bobbio entende que esses direitos são o resultado do movimento dos trabalhadores, dos camponeses, dos pobres, todos em busca de melhores condições sociais. As liberdades sociais surgem do movimento dos trabalhadores assalariados, dos pequenos camponeses, das pessoas pobres que fazem exigências aos poderes públicos pelo reconhecimento de liberdades de cunho pessoal e negativas, proteção do trabalho para evitar o desemprego, instrução contra o analfabetismo, assistência para a invalidez e a velhice, enfim, uma gama de direitos. 25 No caso do Brasil, foi a Constituição brasileira de 1934, influenciada pela Carta Alemã de 1919, que pôs fim ao coronelismo e ao modelo de Estado implantado pela primeira 24 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 260. 25 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 260. 28 ditadura do Governo de Getúlio Vargas, marcando o início do processo de democratização do país. Com a constitucionalização dos direitos sociais, estes adquirem eficácia, possibilitando a seus titulares invocá-los via judicial, pretendendo a sua efetivação. A constitucionalização dos direitos sociais, portanto, realizou o enquadramento dos direitos sociais como direitos fundamentais do homem, os quais Alexy define como direitos fundamentais sociais. Para Robert Alexy 26 , tanto os argumentos contrários como os favoráveis aos direitos fundamentais sociais dispõem de peso. Para ele, a solução é criar um modelo que considere ambos os argumentos. Para tanto, Alexy se utiliza da Constituição alemã, na qual os direitos fundamentais são posições que, sob a visão do direito constitucional, são tão importantes que a decisão de garanti-las ou não deve ser uma questão de sopesamento de princípios, não podendo ser simplesmente deixada nas mãos da simples regra de maioria parlamentar. Nesse sopesamento, de um lado estaria o princípio da liberdade fática, e do outro, o que ele chama de os princípios formais da competência decisória do legislador democraticamente legitimado e o princípio da separação de poderes. A estes se somam, ainda, os princípios materiais e outros direitos fundamentais sociais e interesses coletivos. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco 27 dizem que “em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão”, ou seja, embora se trate de direito coletivo, é necessário avaliar a necessidade de cada indivíduo para que lhe seja conferida a prestação devida que possa atender às suas expectativas. 26 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 511-512. 27 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 668. 29 Os direitos sociais são, portanto, considerados autênticos direitos fundamentais, o que lhes imprime a noção de cidadania. De acordo com Paulo Lopo Saraiva 28 , os direitos fundamentais, que são ínsitos à pessoa humana, exigem uma proteção legal que os possa manter sempre disponíveis. Para Artur Cortez Bonifácio 29 , os direitos fundamentais são designados por meio de diversas expressões, as quais devem ser vistas em conjunto, e não isoladamente, de modo a convergir para o princípio da dignidade da pessoa humana. Todavia, é preciso reconhecer que a simples previsão de direitos na Constituição, por si só, não é suficiente para assegurar a todos os brasileiros uma vida com condições dignas, razão pela qual os direitos sociais como direitos fundamentais têm sido pauta permanente de reivindicações na esfera das políticas públicas. Embora esses direitos possuam previsão constitucional com enorme alcance social, é necessário destacar que esses direitos sociais fundamentais não foram conquistados do dia para a noite, tampouco sempre possuíram a visão e a abrangência dos dias atuais, passando por diversas conquistas paulatinamente, conhecidas como dimensões de direitos. 2.1.2 Dimensões dos direitos fundamentais As gerações dos direitos fundamentais, aqui chamadas de dimensões dos direitos fundamentais, são classificadas como direitos de primeira, segunda e terceira dimensão de 28 SARAIVA, Paulo Lopo. Direito, política e justiça na contemporaneidade. Campinas: Edicamp, 2002, p. 135. 29 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito constitucional internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008, p. 73. 30 direitos 30 . Alguns doutrinadores, como Oliveira Júnior 31 , entendem que existem uma quarta e uma quinta dimensão, aquela seria a engenharia genética e esta seria o direito à democracia e à informática. Para Oliveira Júnior 32 , os direitos de quarta e quinta gerações, apesar de serem novos, levando-se em consideração o momento em que foram reconhecidos, “em princípio representam novas possibilidades de ameaças à privacidade, liberdade, enfim, novas exigências da proteção à dignidade da pessoa, especialmente no que diz com os direitos de quarta geração.” Essas dimensões de direitos fundamentais são baseadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade consagrados na Revolução Francesa, em 1789, onde os direitos de primeira dimensão seriam aqueles correspondentes aos direitos individuais de liberdade; os de segunda dimensão, os relativos aos direitos sociais, e os de terceira dimensão, seriam equivalentes aos direitos difusos e coletivos, seguindo adiante os de quarta e de quinta dimensão. Ocorre que, para Ingo Wolfgang Sarlet 33, “a correlação entre os ideais da Revolução Francesa e as dimensões dos direitos fundamentais não é de todo adequada, por não fazer referência ao direito à vida nem ao princípio da dignidade da pessoa humana”. De toda forma, esses direitos convergem para o direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que não haja expressa menção, pois dizem respeito a liberdades e garantias em favor do homem enquanto parte da sociedade. 30 A teoria das “Gerações de Direitos” foi desenvolvida pelo jurista francês Karel Vasak em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos, no ano de 1979. 31 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades. Teoria jurídica de novos direitos. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2000, p. 97. 32 Id. Ibid. p. 97. 33 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 60. 31 Esses direitos sociais contidos na Constituição do Brasil são efetivados mediante prestações positivas do Estado, como por exemplo, a seguridade social. Quanto à seguridade social, Ibrahim 34 afirma que “já podemos concluir que a seguridade social, aliada às ações de natureza voluntária da sociedade, compõe o mecanismo mais completo na realização da proteção social, no Brasil e no mundo”. A seguridade social é classificada como um direito social pela Constituição do Brasil, sendo enquadrada como um direito fundamental de segunda dimensão, em razão de sua natureza coletiva. Embora, atualmente, haja uma previsão constitucional em favor das pessoas em situação de vulnerabilidade social, é importante destacar que todo esse processo evolutivo por que passou e ainda passa a previdência social é decorrente de muita luta das classes sociais menos favorecidas, que sempre estiveram expostas aos riscos sociais. 2.2 PREVISÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR A atual Constituição do Brasil traz, já no Título II, Capítulo II, previsão quanto aos direitos sociais, que vão do artigo 6º ao artigo 11º. O artigo 6º diz o seguinte: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Conforme se verifica, a seguridade social se perfectibiliza no texto constitucional como um direito social. No Título VIII, Capítulo I, a partir do artigo 193, a Constituição retoma a temática da Ordem Social e diz: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” Assim, resta evidenciada a intenção do legislador em criar um Estado de Bem-estar Social que tem como fundamento primeiro o trabalho. 34 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 4. 32 Os direitos sociais, consagrados na Constituição do Brasil, são, na verdade, direitos fundamentais de segunda dimensão, como por exemplo, o direito ao bem-estar social, direito ao trabalho, à saúde e à educação, possibilitando melhores condições de vida aos mais fracos, através da previsão do direito à igualdade. 35 O direito social atinge várias esferas da vida em sociedade, dentre elas, o trabalho. Ao elencar direitos e garantias ao trabalhador, busca-se a efetivação de um Estado moderno, que vise ao desenvolvimento social com uma distribuição mais igualitária. Essa busca do bem- estar social não é privilégio apenas do Brasil, mas a regulamentação constitucional brasileira segue a tradição dos países desenvolvidos, inclusive utilizando-se de uma maior intervenção estatal para alcançar esse objetivo. Os direitos sociais insculpidos na Constituição do Brasil, por fazerem parte dos direitos fundamentais, são considerados como cláusulas pétreas, não podendo ser modificadas. De acordo com Paulo Lopo Saraiva 36, “Caso o Estado Brasileiro não possa garantir, de imediato, todos os direitos sociais preconizados pelo Texto Maior, priorize o atendimento do Jus Habitandi e do Jus Laborandi”. Desse modo, constata-se que a Constituição do Brasil elevou os direitos fundamentais trabalhistas e previdenciários à condição de verdadeiros limites materiais à atuação normativa tendente à sua abolição. Sendo direitos fundamentais, ou seja, que constituem valores eternos e universais, possuem as seguintes características, as quais podem ser acrescidas de outras: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade. Quanto à historicidade, cumpre dizer que os direitos são criados em um determinado contexto histórico, e quando colocados na Constituição se tornam direitos fundamentais. Em 35 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. São Paulo: Ed. Malheiros. 2002, p. 289. 36 SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 105 33 relação à inalienabilidade, significa dizer que são direitos intransferíveis, inegociáveis, indisponíveis. No que diz respeito à imprescritibilidade, pode-se dizer que os direitos fundamentais não prescrevem, ou seja, não se perdem com o decurso do tempo. Por fim, quanto à irrenunciabilidade, importa dizer que os direitos fundamentais não podem ser renunciados, embora alguns deles possam não ser exercidos. Os direitos sociais contidos na Constituição do Brasil relacionam-se com as liberdades e prestações positivas do Estado, objetivando a melhoria das condições de vida das pessoas vulneráveis, no caso, os hipossuficientes econômicos. Desse modo, necessário reconhecer os direitos sociais trabalhistas e previdenciários como direitos fundamentais protegidos contra qualquer forma de anulação. Os direitos sociais são conceituados por Silva como sendo “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.”37 O artigo 7º da Constituição do Brasil prevê os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, elencando um rol de direitos do trabalhador. Para garantir que esses direitos fundamentais não sejam enfraquecidos pelos governantes é que existe o princípio do não- retrocesso social, o qual foi expressamente acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Pacto de São José da Costa Rica. Segundo Barroso, embora o princípio do não- retrocesso social não esteja explícito, detém plena aplicabilidade. 38 Esse princípio caracteriza- se pela impossibilidade de reduzir os direitos sociais amparados na Constituição. 37 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 289. 38 BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 158. 34 De acordo com Canotilho 39 , a proibição de retrocesso social faz com que os direitos sociais estejam garantidos como núcleo efetivo do ordenamento jurídico. Dessa forma, o legislador fica proibido de legislar com o fim de reduzir ou abolir direitos. Conforme entendimento de Sarlet 40 , A garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos “casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares”. No mesmo sentido, Bonavides 41 ensina que a harmonia da hermenêutica constitucional dos direitos fundamentais com os postulados do Estado social e democrático de direito é que pode iluminar e servir de guia aos juristas, que têm como base os princípios gravados na Constituição do Brasil, nos artigos 1º, 3º e 170. Para esse doutrinador, é inconstitucional toda inteligência que venha a restringir os direitos e garantias individuais, o que não pode servir de suporte para afastar os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Essa proibição do retrocesso social consiste em uma importante conquista, favorecendo e fortalecendo as estruturas da assistência social do Estado e garantindo sustentação aos direitos fundamentais. No entendimento de Jorge Miranda 42 , a proibição de retrocesso consiste em impugnar judicialmente qualquer medida que conflite com o conteúdo da Constituição do Brasil, devendo ser rechaçadas as medidas legislativas que tenham como objetivo subtrair 39 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: [s.n.], 1998, p. 340. 40 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Livraria do Advogado, 2003, p. 354. 41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Ed. Malheiros. 2010, p. 641. 42 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito constitucional. v. IV. Coimbra: Coimbra editora, 2000, pp. 397-399 35 supervenientemente a uma norma constitucional o grau de concretização anterior que lhe foi outorgado pelo legislador. No que diz respeito à normatividade e aplicabilidade dos direitos sociais, Bonavides 43 afirma que esses direitos “[...] passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram sua eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de recursos.” Na Constituição do Brasil, a Seguridade Social engloba as políticas da Previdência Social, Assistência Social e Saúde. A partir dela, leis e decretos foram criados em benefício da sociedade. Dentre os direitos sociais do trabalhador, podem ser encontradas as ações da seguridade social, as quais são financiadas por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das contribuições sociais, conforme preceitua o artigo 195 da Constituição do Brasil 44 . 2.3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL Na sociedade atual, a Constituição de um país consagra inúmeros direitos fundamentais. Esses direitos fundamentais são o resultado do choque de ideias entre classes 43 Id., Ibid., p. 564 44 Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) 36 em determinado período histórico em busca de um mínimo existencial. Esses direitos pleiteados pelos cidadãos vão além dos direitos de liberdade. No caso, o Estado deve atuar com o objetivo de proporcionar condições de vida mais dignas, respeitando os comandos constitucionais, no caso os direitos sociais. Assim, os direitos sociais são a demonstração do dever do Estado de oferecer ao indivíduo melhores condições de vida, através de políticas públicas. Lado importante dos direitos sociais é a previdência social, a qual tem por finalidade minorar os transtornos na vida do trabalhador causados, por exemplo, pela doença, acidente, idade avançada e desemprego. Oportuno o comentário de Bonavides 45 , o qual entende que o Estado social seria um Estado intervencionista, por sua própria natureza, “que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas.” O risco social doença ou acidente que gera a incapacidade para o exercício laboral, acomete segurados do sistema previdenciário, impossibilitando-os de auferir renda para seu próprio sustento e da família. Desse modo, é necessário que a Constituição do Brasil garanta proteção a esse trabalhador portador de incapacidade laboral. Para tanto, existe o direito da seguridade social, conceituado por Martins 46 como o conjunto de princípios, regras e instituições destinado a criar um sistema de proteção social em favor dos indivíduos face às contingências que os impeçam de prover seu sustento próprio e de sua família. Desse modo, os poderes públicos e a sociedade deveriam criar ações positivas para assegurar aos indivíduos direitos básicos relacionados à seguridade social. 45 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 200. 46 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social: Custeio da Seguridade Social. Benefícios – acidente do trabalho – assistência social – saúde. 33. Ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 21. 37 Fábio Zambitte Ibrahim 47 , por sua vez, ao conceituar seguridade social, diz que esta pode ser considerada como uma rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, mediante contribuições com o objetivo de estabelecer ações positivas para o sustento de pessoas necessitadas, trabalhadores e seus dependentes, garantindo um mínimo existencial. O direito à seguridade social, que compreende a saúde, previdência e assistência social, está tutelado na Constituição do Brasil a partir do artigo 194. O direito à saúde, previsto a partir do artigo 196 da Constituição, diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O trabalhador portador de incapacidade laboral recebe a proteção da saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), com políticas de prevenção e tratamento. Por sua vez, a previdência social está prevista no artigo 201 da Constituição do Brasil. O referido artigo organiza o sistema de previdência social na forma de regime geral, público, contributivo e compulsório, trazendo o rol dos riscos sociais que garantem o direito à percepção de benefícios previdenciários. Assim, a proteção constitucional do trabalhador portador de incapacidade laboral é garantida através da Previdência Social, a qual possui caráter contributivo, ou seja, a partir do momento em que os trabalhadores e demais contribuintes obrigatórios exercem suas atividades, a contribuição ao sistema previdenciário é devida e, consequentemente, ampara os trabalhadores, exceto os contribuintes individuais, contra os riscos sociais. Dessa forma, o regime geral de previdência social necessita das contribuições de todos os segurados para o seu regular funcionamento, garantindo o equilíbrio financeiro e atuarial. 47 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 5. 38 A assistência social, por sua vez, é prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, possuindo objetivos específicos, os quais estão previstos no artigo 203 da Constituição do Brasil. Dentre esses objetivos, encontra-se a proteção à família e a promoção da integração ao mercado de trabalho. Dessa forma, mesmo que o trabalhador seja excluído da Previdência Social devido ao caráter contributivo, terá garantida a proteção constitucional por meio da assistência social, que independe de contribuição. A proteção constitucional ao trabalhador portador de incapacidade laboral fez surgir uma legislação infraconstitucional específica quanto aos benefícios da Previdência Social, qual seja, a Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991. O que se verifica é que a proteção constitucional do trabalhador portador de incapacidade laboral encontra guarida no artigo 201, inciso I, com a denominação de doença e invalidez. Essa proteção atende o comando da ordem econômica que, ao lado da supremacia do trabalho como fonte de renda, permite a substituição desta, garantindo bem-estar e justiça social. Assim, a Constituição do Brasil traz dispositivos legais aptos a eliminar ou minimizar os problemas sociais. Alguns de seus dispositivos foram criados em observância à declaração dos direitos dos incapacitados, nominada “Declaração dos direitos das pessoas deficientes”, uma resolução elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975, com o objetivo de efetivar o princípio da igualdade. 2.3.1 Declaração dos direitos dos incapacitados (1975) 39 A proteção constitucional do trabalhador portador de incapacidade laboral é proveniente de muitas reivindicações de movimentos sociais em diversos países, especialmente aqueles ligados aos portadores de deficiência. Essas lutas fizeram surgir em 9 de dezembro de 1975 a “Declaração dos direitos das pessoas deficientes”, resolução elaborada pela Organização das Nações Unidas, aprovada por sua Assembléia Geral. Essa declaração foi elaborada “reafirmando sua fé nos direitos humanos, nas liberdades fundamentais e nos princípios de paz, de dignidade e valor da pessoa humana e de justiça social proclamada na Carta”, conforme descrito nas considerações iniciais nela contidas. Essa declaração tem por base a Declaração sobre o desenvolvimento e progresso social, que proclamou a necessidade de proteger as pessoas em desvantagem física ou mental. A Declaração dos direitos das pessoas deficientes foi elaborada em razão da necessidade de prevenir deficiências e prestar assistência às pessoas deficientes, garantindo seus direitos, assegurando seu bem-estar e promovendo sua integração social à medida que busca desenvolver suas habilidades. Dessa forma, a Declaração dos direitos das pessoas deficientes visou a garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao pleno exercício de seus direitos básicos, sem qualquer distinção ou discriminação de cor, sexo, entre outras características. O ponto 3 da referida declaração estipula que as pessoas deficientes gozarão de todos os direitos nela contidos, sem exceção de pessoas, sem distinção ou discriminação por qualquer motivo. Essa declaração foi mundialmente enfatizada no ano de 1981, declarado o Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD), com o tema “Participação e plena igualdade”. Foi a partir dessa ampla divulgação que o Brasil passou a preocupar-se com a questão da 40 acessibilidade das pessoas com deficiência, buscando garantir as mesmas oportunidades e direitos dos cidadãos não portadores de nenhum tipo de incapacidade. Nessa linha, Leite 48 diz que a questão da acessibilidade não é tema tão recente. De acordo com ela, no Brasil, a questão da acessibilidade teve início no ano de 1981, assim como em outros países, quando foi declarado o Ano Internacional dos Portadores de Deficiência pelas Nações Unidas. Essa mesma organização, no ano de 1982, aprovou o Programa de ação mundial para pessoas com deficiência, destacando o direito dessas pessoas a terem as mesmas oportunidades das pessoas sem deficiência, para que possam desfrutar melhorias sociais decorrentes do desenvolvimento econômico e social em condições de igualdade. No Brasil, as pessoas portadoras de incapacidade são amparadas pela seguridade social em suas três dimensões, saúde, previdência e assistência social. Essa proteção abrange as pessoas com limitações para o trabalho e para a vida independente. Essa declaração dos direitos das pessoas deficientes é questão de direitos humanos, a qual tem respaldo constitucional. A Constituição do Brasil, no artigo 5º, parágrafo 3º, diz que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” O que se constata é que, como o Brasil é signatário da Declaração dos direitos das pessoas deficientes, essa norma se incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional, visando a proteger o trabalhador com deficiência. Ao Estado cabe o papel de “socializador” do resultado do trabalho, buscando implementar o bem-estar do trabalhador por meio da seguridade social, em busca da 48 LEITE, Flávia Piva Almeida. A promoção da acessibilidade para as pessoas com deficiência: a observância das normas e do desenho universal. Disponível em: . Acesso em: 6 de abr. 2013. 41 realização de igualdade material. Dessa forma, o Estado se vale dos princípios constitucionais, verdadeiras normas de proteção 49 . 2.3.2 Princípios constitucionais em defesa do trabalhador portador de incapacidade laboral Os princípios são a base das normas jurídicas e designam as regras e condutas de procedimento da organização constitucional. De acordo com José Afonso da Silva 50, “os princípios são ordenação que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são núcleos de condensações, nos quais confluem valores e bens constitucionais.” Os princípios, por sua vez, diferenciam-se das normas. Para Silva 51 , normas são preceitos que, de um lado, reconhecem a pessoas ou a entidades a possibilidade ou exigência de realizar certos atos, e, de outro lado, vinculam pessoas ou entidades a exigências de dar, fazer ou não fazer em favor de outrem.” Em um Estado democrático de direito, os objetivos da República Federativa do Brasil, contidos no artigo 3º da Constituição do Brasil, dão destaque para os direitos sociais, buscando-se a justiça social. Esses objetivos fundamentais possuem a função de concretizar a democracia, sempre em busca de garantir a dignidade da pessoa humana. Ana Cristina Costa Meireles 52 disciplina que a garantia dos direitos sociais, atualmente, representa “condição necessária para que se possibilite o efetivo gozo dos direitos de liberdade civis e políticos clássicos. Sem aqueles, 49 Segundo Paulo Bonavides “As regras vigem; os princípios valem”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 288. 50 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 96. 51 Id., Ibid., p. 95. 52 MEIRELES, Ana Cristina Costa. A eficácia dos direitos sociais. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 93. 42 estes restam esvaziados de conteúdo e não passam de meras promessas inscritas em um papel ao qual, inclusive, nem todos têm acesso.” Ainda conforme Meireles 53 , esta afirma que os direitos sociais são “autênticos e verdadeiros fundamentais, acionáveis, exigíveis e demanda séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade”, ou seja, os direitos sociais são verdadeiras prestações do Estado garantidas aos cidadãos. De acordo com Fábio Zambitte Ibrahim 54 , o Direito Previdenciário possui princípios próprios, os quais regem a aplicação e a interpretação das regras constitucionais e legais referentes ao sistema protetivo. Esse sistema protetivo refere-se ao trabalho. O trabalho, por sua vez, constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso IV da Constituição do Brasil), sendo ainda considerado um direito social (artigo 6º da Constituição do Brasil), bem como base da ordem econômica – através da valorização do trabalho humano (artigo 170 da Constitucional), e base da ordem social (artigo 193 da Constituição do Brasil). Para Marisa Ferreira dos Santos 55 , o primado do trabalho é o principio que fundamenta a Ordem Social, sendo o trabalho um dos fundamentos do Estado democrático de direito, previsto no artigo 1º, inciso IV, da Constituição do Brasil. Assim, seria impossível existir dignidade da pessoa humana onde não há a valorização do trabalho, tema central da questão social. O trabalho deve ser, pois, o referencial para a interpretação das normas da Ordem Social, garantindo dignidade ao homem. Nessa perspectiva, dentre os princípios constitucionais mais importantes da seguridade social, podem ser citados o princípio da solidariedade, previsto no artigo 3º, e os demais 53 MEIRELES, Ana Cristina Costa. A eficácia dos direitos sociais. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 93. 54 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 62. 55 SANTOS, Marisa Ferreira dos. O princípio da seletividade das prestações de seguridade social. São Paulo: Ltr, 2003, p. 208 43 princípios elencados ao longo do artigo 194, parágrafo único, da Constituição do Brasil, quais sejam, a universalidade da cobertura e do atendimento, a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, a irredutibilidade do valor dos benefícios, a equidade na forma de participação no custeio, a diversidade da base de financiamento e o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. Vários são os princípios constitucionais em defesa do trabalhador portador de incapacidade laboral, sendo os acima elencados os de maior relevância na seara da seguridade social. Além desses, é possível destacar, ainda, o princípio da igualdade, com o objetivo de que todos os segurados sejam tratados igualmente com as mesmas prerrogativas e garantias em casos semelhantes. 2.3.2.1 Princípio da solidariedade Genericamente, o princípio da solidariedade está previsto na Constituição do Brasil, no artigo 3º, que disciplina que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos. Em que pese a expressão “solidária” estar contida apenas no inciso I do artigo transcrito, o princípio da solidariedade está presente ao longo de todos os incisos, uma vez que visam ao bem-estar social com a preservação de direitos básicos. 44 Especificamente em relação aos direitos e garantias sociais conferidos às pessoas em situação de vulnerabilidade, por princípio da solidariedade se entende a formação de uma sociedade responsável pelo bem comum, ou seja, todos contribuindo para o orçamento da seguridade social, contribuição da maioria em favor da minoria. Em relação à seguridade social, a solidariedade significa a contribuição de certos segurados, de acordo com a capacidade contributiva, em favor das pessoas necessitadas e deles próprios, em caso de necessidade. Em termos científicos, a solidariedade é técnica imposta pelo custeio e exigência do cálculo atuarial. A solidariedade não é uma instituição originária da Previdência Social, embora nela tenha encontrado o abrigo necessário para seu desenvolvimento. Essa solidariedade significa a união de pessoas em grupos que contribuem para o sustento econômico de alguns indivíduos em sociedade, os quais em determinado momento de sua vida, a depender das condições supervenientes, podem sair da condição de beneficiários e transformar-se em mantenedores do sistema. Essa solidariedade provém da assistência social, que tem no mutualismo a chave da garantia dos direitos sociais e humanos. A solidariedade social surge da compreensão de que o ser humano, sozinho ou em família, não tem condições econômico-financeiras suficientes para suportar o ônus dos riscos sociais. De acordo com Martinez 56 , solidariedade social é sinônimo de extensão de amor. A solidariedade social é projeção de amor individual, exercitado entre parentes e estendido ao grupo social. O instinto animal de preservação da espécie, sofisticado e desenvolvido no seio da família, encontra, na organização social, ampla possibilidade de manifestação. Pequeno o grupo social, a solidariedade é quase instintiva. Vencendo o natural egoísmo, quem ajuda o próximo um dia poderá ser ajudado. Suplantado o individualismo, a pessoa integra-se na sociedade. Essa ajuda, 56 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios do Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 76. 45 sem perspectiva de reciprocidade, é moral; com certeza de reciprocidade, é seguro social. A solidariedade é a socialização dos riscos para diminuir os seus impactos no indivíduo. A solidariedade como noção de proteção social é definida por Russomano no sentido de que o mundo atual abandonou, há muito tempo, os antigos conceitos da Justiça Comutativa. Segundo ele, não basta dar a cada pessoa o que é seu para que haja justiça, mas sim, é necessário dar o que não é seu para o engrandecimento da condição humana. 57 O princípio da solidariedade se faz presente, também, no caput do artigo 194 da Constituição do Brasil 58 , que determina que a seguridade social compreenderá um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, com vistas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social da população brasileira, demonstrando o ânimo de atuação solidária do Estado e da sociedade. O princípio em questão é, sem dúvida, o de maior importância, uma vez que traduz a essência da previdência social, no caso, a proteção coletiva, em que as contribuições individuais formam recursos com valor suficiente para criar proteção a todos os segurados em caso de eventos que prejudiquem a capacidade laborativa destes. Para Ibrahim 59 , a solidariedade justifica a compulsoriedade do sistema previdenciário. Para ele, “os trabalhadores são coagidos a contribuir em razão de a cotização individual ser necessária para a manutenção de toda a rede protetiva e não para a tutela do indivíduo, isoladamente considerado.” No caso, se a proteção fosse individual, é provável que não houvesse tempo para atingir uma quantidade razoável de fundo financeiro capaz de garantir por tempo suficiente o 57 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à consolidação das leis da previdência social. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 18. 58 Art. 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 59 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 63. 46 sustento do segurado debilitado, no momento em que este viesse a necessitar, inviabilizando a finalidade da previdência social. O princípio da solidariedade apresenta importância maior devido a servir de fundamento basilar para a cobertura do risco social incapacidade laboral, já que a incapacidade é evento futuro e incerto devido à álea, o que inviabiliza o sistema de capitalização individual. Trata-se de benefícios não programados, no qual, independentemente do número de contribuições, haverá a cobertura do risco. Assim, o princípio da solidariedade visa a concretizar seus objetivos de implementação de políticas públicas, destinadas à melhoria da qualidade de vida da sociedade brasileira. O princípio da igualdade, por sua vez, complementa o sentido da solidariedade. 2.3.2.2 Princípio da igualdade A igualdade, insculpida atualmente na Constituição do Brasil, foi objeto de intensos questionamentos por parte da filosofia e de seus estudiosos, até chegar à compreensão atual. Jean Jacques Rousseau 60 , em sua noção de homem natural, compreendia que a natureza se encarregava de oferecer ao homem os elementos necessários a sua plena realização, ao que a este competia desejar apenas o que lhe fosse indispensável. Entendia, entretanto, que na vida em sociedade a situação seria diferente, em razão da pluralidade de interesses, o que gerava uma desigualdade entre os homens. Assim, haveria o homem natural e o homem social. No caso do homem social, este seria compelido a tornar-se um ser ativo, cheio de ambições e desejos materiais, buscando a prosperidade em detrimento de outros. Dessa forma, o homem buscaria estar acima dos outros, ocasionando a implantação da desigualdade social. 60 ROUSSEAU, J.J (1997). Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. IN: Coleção os Pensadores, Nova Cultural, p. 111. 47 Segundo Rousseau 61 , o amor próprio não é um sentimento natural, mas vem de fora do homem, despertando orgulho, ciúme, desavenças e, consequentemente, desigualdade. Para ele, é a vida em sociedade (trabalho em comum e divisão social das atividades) que ocasiona o amor próprio, um sentimento externo, forçando os homens a comparar-se entre si. Esse seria o motivo da infelicidade humana, mas não seria uma opção do homem viver dessa maneira, a vida civil o impulsionaria a agir conforme os novos ditames sociais, ainda que insuportável. Segue entendimento de Rousseau 62 nesse sentido: Se aqui coubesse entrar em pormenores, explicaria facilmente como, sem se quer imiscuir-se o Governo, torna-se inevitável entre os particulares a desigualdade de consideração e de autoridade, desde que, reunidos numa mesma sociedade, são forçados a comparar-se entre si e a tomar conhecimento das diferenças reveladas no uso contínuo que têm de fazer uns dos outros. Para Rousseau 63 , a liberdade não existe sem igualdade. Dessa forma, ele reafirma a igualdade e a liberdade como valores fundamentais. Assim, se um indivíduo estiver em posição de superioridade em relação ao outro, terá mais poder, subordinando o que estiver em situação inferior. Rousseau, quando confere à sociedade a culpa pelos problemas sociais existentes, denuncia um modelo de Estado que não cumpre com suas atribuições. Ainda assim, o Estado, criado com o pacto social, seria a única garantia de liberdade humana. Logo, a liberdade individual somente existiria com a liberdade coletiva, pois sem a existência de um pacto, o qual ele chama de contrato social, que fosse construído pelos indivíduos para fixar os seus direitos, estes não existiriam e algumas pessoas poderiam se apoderar das outras, gerando desigualdade. 61 ROUSSEAU, J.J (1997). Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. IN: Coleção os Pensadores, Nova Cultural, p. 111. 62 Id., Ibid., p. 111. 63 Id., Ibid., p. 111. 48 Dessa forma, o Estado seria o garantidor da igualdade entre os homens, pois é voltado para a manutenção da igualdade material ou igualdade de fato, além da igualdade formal ou igualdade perante a lei. Sendo assim, no caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 atualmente em vigor adotou o princípio da igualdade de direitos, na qual todos os cidadãos têm o direito a tratamento idêntico pela lei. Assim, o caput do artigo 5º da Constituição do Brasil diz que, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Com essa previsão legal, a Constituição do Brasil veda as discriminações absurdas e o tratamento desigual. Na verdade, a Constituição exige que o conceito de Justiça seja efetivado, vedando qualquer elemento discriminatório. Desse modo, o poder Legislativo, ao cumprir seu papel de elaborar leis, deve inserir no ordenamento jurídico brasileiro, legislação que efetivamente corrija distorções sociais históricas, as quais são efetivadas pelo poder Executivo mediante políticas públicas que objetivem materializar a igualdade social. No caso do trabalho, é de se destacar que o Estado foi projetado para que o trabalho seja um dever social, além de ser um direito. Trabalhar é aplicar a atividade humana para uma destinação útil à sociedade. O homem no exercício desse mister, direta ou indiretamente, modifica a natureza para colocá-la a seu serviço. Entretanto, o trabalho deve ser realizado de acordo com a capacidade laboral do trabalhador. No caso do trabalhador portador de incapacidade laboral, é fundamental que o princípio da igualdade seja observado, pois uma vez incapacitado para o labor, não pode ser equiparado ao trabalhador apto ao exercício laboral, pois este possui condições para prover o 49 seu sustento, enquanto aquele não mais o possui, ainda que temporariamente. Sendo assim, o Estado brasileiro cria a Seguridade Social como forma de garantir aos usuários uma prestação de serviço de modo a igualar situações de incapacidade, por exemplo. A incapacidade é conceituada como a inaptidão do ser humano em exercer suas atividades habituais que lhe garantem a subsistência e dignidade, em virtude de doença ou lesão. No caso do Brasil, a incapacidade pode ser classificada com relação ao grau, que pode ser parcial e total; à duração, que pode ser temporária ou permanente; e à atividade desenvolvida pelo segurado, a qual pode ser uniprofissional, multiprofissional e omniprofissional. 64 Os trabalhadores são iguais, e a todos são conferidos os mesmos direitos constitucionais. Entretanto, a partir do momento em que determinado trabalhador adquire incapacidade para o trabalho, sua situação é de desigualdade em relação àquele que está em pleno gozo de suas aptidões. Contudo, essa pessoa incapacitada possui as mesmas características de outra que perdeu sua capacidade nas mesmas condições. Sendo assim, não poderia o Estado tratar esses seres humanos de forma desigual, mas o benefício que garantir a um, tem de ser o mesmo a ser ofertado a outrem, sem empecilhos, para que a máxima do princípio da igualdade seja efetivada. Assim, a inclusão social das pessoas portadoras de incapacidade se faz com a observância do princípio da igualdade, direito contido no caput do artigo 5º da Constituição Federal e que permeia todos os demais direitos. Portanto, o princípio da igualdade nasce no afã de equilibrar os direitos das minorias, tornando igual os iguais e desigual os desiguais na 64 Incapacidade uniprofissional é a incapacidade que alcança uma atividade específica; multiprofissional é a incapacidade que alcança diversas atividades, e omniprofissional é a incapacidade que abrange toda e qualquer atividade. 50 medida de suas desigualdades, ideia de justiça social trabalhada pelo neocontratualista John Rawls 65 . É com essa premissa que surgem as ações afirmativas. Em uma sistemática diferente da apregoada por Rousseau, a preocupação de Rawls é com a justiça e não com a existência de um vínculo político na sociedade. Para esse filósofo, imprescindível é construir um equilíbrio entre a igualdade e a liberdade. Para tanto, ele utiliza duas ideias as quais considera fundamentais. São elas: a liberdade e a diferença. No seu entender, a desigualdade deveria ser aceita à medida que maximizasse a situação das pessoas menos favorecidas. Ainda segundo o filósofo, dois princípios se destacam: o da reparação e o da diferença. O princípio da reparação consiste em reparar os prejuízos causados pela desigualdade. Já o princípio da diferença consiste em utilizar um tratamento diferente para aquelas pessoas que estão em situações diferentes. Esse último princípio é o que maior relevância possui para o princípio da igualdade. Desse modo, necessário compreender o princípio da igualdade como uma máxima de proteção especial às pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo Rawls 66 , as desigualdades deveriam ser distribuídas de modo a beneficiar os membros da sociedade. Primeiro. Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras. Segundo. As desigualdades econômicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: (a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos; (b) decorram de posições e funções às quais todos têm acesso. A isonomia conferida pela Constituição do Brasil não admite privilégios de uns em detrimento de outros, é o que se chama de igualdade formal. Melhor dizendo, a Constituição do Brasil, em seu artigo 5º, realça valores, direitos individuais e coletivos das pessoas que 65 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Carlos P. Correia. Lisboa: Presença, 1993, p. 65. 66 Id., Ibid., p. 68. 51 necessitam de proteção especial. De acordo com o constituinte, há uma autorização constitucional para desigualar as pessoas em situação de desigualdade. É o que se conhece por igualdade material ou legal. Comparato 67 lembra que foi somente com a Constituição de 1934 que incorporou-se no Brasil, ao conceito de igualdade jurídica, o significado de não-discriminação. O artigo 113, inciso I, da Constituição de 1934, dizia o seguinte: “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas.” Essa igualdade de tratamento, entretanto, deve ser rompida quando diante de situações que autorizem. Esse é o entendimento de Melo 68 , que diz que “a lei não pode ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”. Melo alerta sobre a regra constitucional que proíbe a discriminação, mas entende que ela seria viável em determinadas ocasiões de modo a garantir a efetiva igualdade entre os desiguais. No caso da pessoa portadora de incapacidade, esse rompimento da igualdade se faz necessário visando ao equilíbrio. Dessa forma, a preservação do direito à igualdade é o ponto- chave que se encontra implícito nas medidas e normas em favor das pessoas vulneráveis. A igualdade formal atribui a todas as pessoas o mesmo valor perante a lei. Assim, a igualdade formal refere-se ao Estado visto sob sua natureza formal, ao que o princípio da igualdade é equiparado ao princípio da não discriminação. 67 COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. In: Revista Trimestral de Direito Público. n. 01. São Paulo: Malheiros editores, 1993, p. 75. 68 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 14 tir. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 10. 52 Segundo Reis 69 , a igualdade relativa é a única que possibilita o tratamento igualitário, porque considera, para tanto, as diferenças existentes entre os homens. Do contrário, o princípio da igualdade tomado por seu conceito absoluto quase sempre produz extremadas desigualdades, as quais acirram o abismo entre os não iguais ao invés de equipará-los a partir das diferenças a eles inerentes. No direito constitucional, as pessoas são iguais, possuindo os mesmos direitos e tratamento. No direito constitucional previdenciário, por sua vez, é necessário verificar a situação de cada ser enquanto indivíduo, sua capacidade e situação, para que a ele seja conferido determinado direito. Assim, uma vez estudada a proteção constitucional do trabalhador portador de incapacidade laboral, inclusive os princípios que regem os direitos do segurado, imprescindível conhecer a proteção previdenciária, que é a materialização dos direitos conferidos pela Constituição do Brasil. 69 REIS, Carlos David Aarão. Família e igualdade: a chefia da sociedade conjugal em face a nova constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 25. 53 3 A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR A proteção previdenciária do trabalhador decorre da proteção social. Celso Barroso Leite 70 define proteção social como sendo “o conjunto de medidas de caráter social destinadas a atender certas necessidades individuais; mais especificamente, as necessidades individuais que, não atendidas, repercutem sobre os demais indivíduos e, em última análise, sobre a sociedade”. No caso, a proteção social é uma providência estatal em favor dos indivíduos. A previdência social, embora aparente ser um direito de todos, trata-se de um regime de proteção restrito aos trabalhadores contribuintes, devido ao seu caráter contributivo. Desse modo, para ter direitos aos benefícios por ela concedidos, o trabalhador necessita estar inscrito nos quadros da previdência e manter em dia o pagamento das contribuições. Obedecendo a essas exigências, a pessoa é considerada segurada da Previdência Social. Possui direito à proteção previdenciária todo cidadão, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, que contribui mensalmente com a previdência social. Esses segurados se inscrevem de forma obrigatória ou facultativa. Erick Wilson Pereira 71 assevera que algumas profissões, mesmo reconhecidas pelo Estado, como é o caso da prostituta, até hoje convivem com a discriminação que impede a inclusão previdenciária, imprescindível para diminuição dos riscos da atividade e consolidação dos direitos sociais dos trabalhadores. A previdência social é uma forma de proteção aos direitos do trabalhador, pois garante o amparo necessário nos momentos de necessidade em decorrência da impossibilidade ao trabalho em determinados casos. 70 LEITE, Celso Barroso. A proteção social no Brasil. 2. ed. São Paulo: LTr, 1978, p. 16. 71 PEREIRA, Erick Wilson. É proibido ser feliz. Disponível em: < http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/106015/>. Acesso em: 25 jun 2013. 54 Os benefícios previdenciários correspondem a prestações pecuniárias aos segurados e a quaisquer outras pessoas que contribuam para a previdência social. Assim, essas pessoas terão direito, em caso de necessidade, à percepção de determinados benefícios. Os benefícios do regime geral da previdência social são os seguintes: - Auxílios por doença, maternidade, reclusão, conforme artigo 201, incisos I a III da Constituição do Brasil. “Art. 201 – (...) I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário”. - Seguro-desemprego, de acordo com a Constituição do Brasil, no artigo 7º, inciso II, “Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário”, e artigo 201, inciso III, que garante “proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário”. O artigo 239 também disciplina que a arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público passa, a partir da promulgação da Constituição, a financiar o programa do seguro-desemprego. - Salário-família, o qual é devido aos segurados de baixa renda e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados com baixa renda. - Pensão por morte do segurado ao cônjuge ou companheiro e dependentes, conforme previsto no artigo 201, inciso V, que estabelece “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º”. - Sistema especial de inclusão previdenciária para atender trabalhadores de baixa renda e aqueles sem renda própria que trabalham em seu lar, conforme disciplinado no artigo 201, §12 da Constituição do Brasil. 55 - Aposentadoria, que pode ser por invalidez, por tempo de contribuição e por idade. 72 A Constituição do Brasil, por meio da Previdência Social, confere segurança social, a qual está prevista no caput do artigo 5º. Esse artigo trata da segurança como sendo um direito fundamental. Essa segurança deve ser repassada do Estado para a sociedade, de forma que esta possa sentir confiança, na certeza de que seus direitos serão garantidos. De acordo com Araújo 73 , “o vocábulo Estado, em sentido moderno, pressupõe a manutenção de um catálogo mínimo de direitos conferidos aos seus cidadãos, e somente pela manutenção e pelo exercício de direitos é que se pode confiar no Estado.” Assim, para ele, um Estado desprovido da confiança do seu povo não seria considerado verdadeiramente um Estado, mas um regime autoritário que se impõe pela força. Essa proteção previdenciária decorre da Constituição do Brasil, bem como da legislação infraconstitucional, através dos instrumentos normativos criados no Brasil após a constitucionalização dos direitos sociais 74 . Os direitos sociais constituem condições indispensáveis para o efetivo exercício de qualquer outro direito fundamental, sendo a base do Estado democrático de direito. Esses direitos representam pressupostos que possibilitam a criação de condições materiais para a obtenção da igualdade real (material). Um Estado democrático de direito se faz com a observância dos direitos fundamentais do homem, resguardados pelos princípios jurídicos e pela Constituição do Brasil, a qual, para Melo 75 , não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo de normas. Segundo ele, a 72 Sobre os tipos de benefícios vide SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 832 73 ARAÚJO, Valter Shuenquener. O princípio da proteção da confiança, em busca da tutela de expectativas legítimas. Monografia de conclusão de doutorado na UERJ, 2008, p. 81. 74 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. Custeio da Seguridade Social, benefícios – acidente do trabalho, assistência social – saúde. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 17-18. 75 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social. In: Revista de Direito Público. 57/58. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan/jun. 1981, p. 237. 56 Constituição do Brasil é um corpo de normas qualificado, com posição suprema no conjunto normativo, a Lei Máxima do Estado, à qual todas as normas infraconstitucionais se subordinam e a têm como fundamento básico. Os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, bem como todos os membros da sociedade, a ela devem respeito e obediência. Com maestria, Sarlet 76 disciplina que os direitos fundamentais devem ser observados quando do ato administrativo. A concessão de benefício pela Previdência Social é um ato administrativo. Para esse doutrinador, o que realmente tem importância é a constatação do vínculo entre os direitos fundamentais e as atitudes deflagradas por meio dos atos administrativos. Ele entende que em uma relação entre órgãos públicos administrativos e direitos fundamentais, a vinculação destes significaria a aplicação das leis, ao que os atos administrativos seriam transformados em implementação das normas constitucionais. Desse modo, a Constituição do Brasil prevê a seguridade social com a finalidade de preservar os direitos fundamentais das pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente dos riscos sociais. 3.1 O DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O sistema de proteção social brasileiro é composto de políticas gerais e programas específicos, cujo desenvolvimento ou procedimento se encontra realizado por completo através de medidas administrativas e particulares de destacado alcance e complexidade. A seguridade social é uma técnica de proteção social embasada na teoria de proteção integral, ou 76 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 393. 57 seja, trata-se de propósito governamental de larga abrangência, muitas vezes confundida com o próprio bem-estar social. Assim, definir o direito à seguridade social na Constituição Federal com vistas à preservação dos direitos fundamentais não é tarefa simples. A Constituição Federal de 1988, pioneira na sistematização da seguridade social, estabeleceu um sistema de proteção social, conforme artigo 194, que diz que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Nesse entendimento, Salvador77 disciplina que “a seguridade social é uma das principais conquistas sociais da constituição Federal (CF) de 1988, designando um conjunto integrado de ações do Estado e da sociedade voltadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” Como se verifica, esse sistema é composto por três direitos sociais fundamentais, quais sejam, a saúde, a assistência e a previdência social. A seguridade social visa a proteger o trabalhador em caso de infortúnios. O Estado é ciente de que depender da caridade alheia não se mostra razoável, uma vez que quando se vive em um Estado democrático de direito é este quem deve tomar a iniciativa quanto à proteção social. Assim, proteção significa prevenção, cuidado, ou seja, é a soma conjugada de ações sistematizadas em favor da sociedade. Segundo Evilásio Salvador 78 , a seguridade social é uma conquista social. Um dos princípios constitucionais estabelecidos pela seguridade social é a diversidade das bases sociais exclusivas, em que as contribuições adicionadas às receitas arrecadadas na folha de pagamentos mais impostos, os quais são transferidos pelo orçamento fiscal, seriam conduzidos para um fundo público redistributivo da seguridade social. 77 SALVADOR, Evilásio. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 27-28. 78 Id., Ibid., pp. 27-28. 58 A seguridade social tem como base o primado do trabalho, e como objetivos o bem- estar e a justiça sociais, conforme preceitua o artigo 193 da Constituição do Brasil 79 . Desse modo, a Constituição incluiu a Seguridade Social no título VIII, “Da Ordem Social”, a partir do artigo 194. Os princípios contidos no parágrafo único do artigo 194 da Constituição do Brasil devem ser acrescidos dos enunciados contidos no caput do artigo 195 e § 5º do mesmo diploma legal, que prevê o modo de financiamento quando disciplina que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, em que “§5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.” O seguro social, imposto por normas jurídicas provenientes do poder do Estado, caracteriza intervenção estatal na economia e na relação entre os particulares. No caso, ao Poder Público cabe assegurar o bem comum aos membros da sociedade. Essa ação é justificada pela constatação de que as relações de trabalho devem ser regidas e regulamentadas pelo Estado. No caso da seguridade social, se caracteriza como uma prestação de serviço para garantir a isonomia de tratamento a todos os trabalhadores, corrigindo as falhas de mercado e permitindo o acesso de todos aos benefícios previdenciários. Dentre os princípios que regem a seguridade social, está o da universalidade da cobertura e do atendimento, conforme artigo 1º, parágrafo único, alínea “a”, da Lei nº 8.212/1991, que diz: “a Seguridade Social obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: a) universalidade da cobertura e do atendimento [...].” 79 Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 59 A previdência social, por sua vez, sistema de proteção social integrante da seguridade social, também obedece ao princípio da universalidade, quando diz na alínea “a”, parágrafo único, artigo 3º da Lei nº 8.212/1991: “a organização da Previdência Social obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: a) universalidade de participação nos planos previdenciários, mediante contribuição [...]”. Todavia, a previdência social é restrita apenas aos contribuintes. Marcus Orione Gonçalves Correia 80 comenta o princípio da universalidade, afirmando que a seguridade social abrange a todos que dela precisem, seja quando os riscos sociais e/ou individuais causem lesão de ordem física ou mental. Para ele, o princípio da universalidade possui o objetivo de eliminar a miséria, agasalhando todas as pessoas que dela necessitam, o que ele chama de universalidade subjetiva, ou todos que possam vir a dela necessitar, nas situações socialmente danosas, o que ele chama de universalidade objetiva. Referido princípio trata-se de proteção social que visa à garantia dos direitos fundamentais. Para Wladimir Novaes Martinez 81, “os princípios são enunciados juridicamente válidos, conforme a sua proposição, aproveitando-se a sua razão de ser. Condensação de idéias experimentadas no decurso do tempo, eles devem comunicar rapidamente o seu conteúdo”. Conforme se verifica, os princípios garantem a preservação de direitos. Assim, os direitos fundamentais, à medida que são considerados como conjunto de direitos e garantias com a finalidade de promover o respeito à dignidade da pessoa humana, são direitos inerentes a todos os indivíduos. Dessa forma, cabe ao Estado a garantia de sua efetividade. Com isso, a proteção social se perfectibiliza e alcança sua finalidade, qual seja proteger o indivíduo e garantir condições mínimas de vida e desenvolvimento da pessoa humana. 80 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Curso de direito da seguridade social. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 76 81 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios do Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 76. 60 O direito à seguridade social na Constituição do Brasil, portanto, preserva os direitos fundamentais do homem, pois reconhecer os direitos sociais como direitos fundamentais significa também admitir como verdadeira a atribuição de que estes alcançam o patamar de cláusula constitucional pétrea 82 , adquirindo a característica da imutabilidade. Essa afirmação de que a seguridade social, enquanto direito social disposto na Constituição do Brasil, é direito fundamental e, portanto, cláusula pétrea, surge da leitura e interpretação do próprio texto constitucional que, já no seu preâmbulo, declara que os representantes do povo brasileiro, quando reunidos para elaborar a Lei Maior da Nação, instituíram um Estado democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, que, dentre outros, foram elevados ao nível de valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Todavia, mesmo sendo usual o entendimento de que os direitos sociais, dentre eles a seguridade social, fazem parte dos direitos fundamentais, alguns doutrinadores apresentam dificuldades em assim concebê-los 83 . Ingo Wolfgang Sarlet, entretanto, indo de encontro ao entendimento destes, acredita que os direitos sociais podem ser integrados ao instituto da cláusula pétrea. Assim, Sarlet 84 refuta os argumentados contrários, dizendo que essa concepção, bem como todas que lhe podem ser equiparadas esbarram nos argumentos de que a Constituição do Brasil não traça qualquer diferença entre os direitos e garantias de liberdade e os direitos sociais. Diz também que resta demonstrado que boa parte dos direitos sociais é equiparável 82 Art. 60. (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. 83 MORO, Sergio Fernando. O Judiciário e os direitos sociais fundamentais. In: ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio. Curso de especialização em Direito previdenciário. Curitiba: Juruá, 2005. cap. 7, p. 269-293. 84 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2004, pp. 393-394. 61 aos direitos de defesa. Afirma, ainda, que uma interpretação que limite o alcance das “cláusulas pétreas” (artigo 60, §4º, inciso IV) aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição do Brasil acaba por excluir também outros direitos que não estejam expressamente previstos nesta, como os direitos de nacionalidade e os direitos políticos. Desse modo, é possível considerar a Constituição do Brasil vigente como instrumento que consolidou no país a inserção dos direitos sociais à categoria de direitos fundamentais. Diante disso, identifica-se a necessidade de que o Estado promova programas para segurança social que contemplem ações de proteção aos indivíduos convergente às diferentes necessidades humanas, assegurando-lhes condições dignas de subsistência nos momentos de adversidade. Especificamente com relação à Previdência Social, é necessário destacar que ela substitui a renda do trabalhador quando diante da perda da capacidade laboral, seja ela permanente ou temporária. A previdência tem, pois, a finalidade de garantir que o trabalhador não fique a depender da caridade alheia, impedindo que ele se ache em situação excessivamente crítica, sem amparo. Assim, a Previdência Social, ramo da seguridade social, por meio dos benefícios sociais que concede, no caso, aos trabalhadores portadores de incapacidade laboral, se torna técnica de proteção imprescindível à sociedade. 3.2 BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE Os fatos sociais relevantes têm repercussão direta no Direito, o qual tem o dever de afastar a insegurança e a instabilidade social ocasionada pelas consequências negativas de determinados acontecimentos. No caso dos benefícios por incapacidade, os eventos doença e 62 acidente, por exemplo, são causas para a concessão de direitos àqueles devidamente amparados pelo sistema previdenciário. Dessa forma, os benefícios são os instrumentos pelos quais a seguridade social, por meio da previdência, efetiva a proteção social dos trabalhadores e seus dependentes, garantindo a ordem social e os valores da justiça, bem-estar e igualdade. Assim, os benefícios protegem os segurados quando em situação de necessidade, sendo verdadeiras prestações positivas do Estado. Todavia, cada benefício possui características devidamente estabelecidas pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional. No caso dos benefícios por incapacidade, três ganham destaque: o auxílio-doença, o auxílio-acidente e a aposentadoria por invalidez. O próximo tópico passa a tratar de cada benefício para compreensão da temática. 3.2.1 Auxílio-doença O auxílio-doença possui natureza acidentária e previdenciária. São considerados acidentários os auxílios-doença decorrentes de incapacidades provocadas por acidentes do trabalho. Por sua vez, são considerados previdenciários os auxílios-doença decorrentes de incapacidades provocadas por acidentes de qualquer natureza, exceto acidentes de trabalho, bem como provenientes das doenças naturais. O benefício de auxílio-doença é de relevante import ncia para a manutenção do equilíbrio social. Esse benefício possui previsão constitucional no artigo 201, inciso I, que trata da cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada. 63 O inciso I do citado artigo elenca os quatro principais riscos a serem cobertos pelo Regime Geral de Previdência Social brasileiro, dentre eles verifica-se o evento doença, o qual é causa para a concessão do benefício de auxílio-doença. O benefício de auxílio-doença tem caráter temporário, conforme leciona Ibrahim, que entende que esse benefício perdura enquanto a perícia médica do INSS tiver convicção da possibilidade de recuperação ou reabilitação do segurado, com o seu consequente retorno à atividade laboral. Segundo Ibrahim 85 , a natureza temporária da incapacidade protegida pelo auxílio-doença seria a grande diferença entre este benefício e a aposentadoria por invalidez.” Com relação à legislação infraconstitucional, o auxílio-doença foi tratado pela Lei de Benefícios da Previdência Social, qual seja, Lei nº 8213 de 24 de julho de 1991, nos artigos 59 a 63. Conforme o artigo 59 da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, “o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.” O parágrafo único do citado artigo diz que não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já sendo portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. O que se verifica é que no caso do benefício de auxílio-doença, a contingência social protegida é a doença incapacitante. Todavia, entender que somente a enfermidade preenche este critério não seria a melhor alternativa, pois a interpretação das normas devem ser feitas de forma extensiva. 85 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 627. 64 O professor Ibrahim 86 leciona no sentido de que o risco coberto é a incapacidade para o trabalho, a qual é proveniente de doenças ou acidentes. Segundo esse autor, “como o evento é imprevisível, tem-se aí a sua natureza não programada. A doença, por si só, não garante o benefício – o evento deflagrador é a incapacidade.” Assim, no caso do benefício de auxílio- doença, a contingência social protegida é a incapacidade laboral para a atividade habitual, conforme leitura e interpretação do artigo 59. Sob esse entendimento, verifica-se que para preencher o critério material da norma jurídica previdenciária com relação ao beneficio de auxílio-doença, é fundamental que haja incapacidade laboral temporária para sua atividade habitual. Segundo Fortes e Paulsen 87 , “o auxílio-doença é benefício devido em caso de ocorrência de incapacidade laborativa total, pertinente às atividades do segurado, porém com projeção de recuperação.” O artigo 60 da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, por sua vez, explica o momento e as condições de requerimento e concessão do benefício de auxílio- doença, dizendo que o auxílio-doença será devido ao segurado empregado a partir do décimo sexto dia de seu afastamento da atividade laboral, e para os demais segurados, a contar da data do início da incapacidade, perdurando enquanto permanecer incapaz. O benefício de auxílio-doença tem como regra a carência de 12 (doze) contribuições mensais 88 . Sob esse aspecto, o artigo 61 trata do valor da renda mensal, dizendo que “o 86 Id., Ibid., p. 626. 87 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 128. 88 Apesar de a Lei nº 8.213/1991 estabelecer como regra carência de 12 (doze) contribuições para o auxílio- doença, na realidade, constitui-se de exceção, já que a maior quantidade de benefícios de auxílio-doença independe de carência, como os benefícios de auxílio-doença decorrentes de acidente de qualquer natureza e das doenças conhecidas como “grande mal”, estas previstas na Portaria interministerial MPAS/MS nº 2.998, de 23 de agosto de 2001, que elenca o rol de doenças no artigo 1º, conforme segue: Art. 1º As doenças ou afecções abaixo indicadas excluem a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez aos segurados do Regime Geral de Previdência Social - RGPS: I - tuberculose ativa; II - hanseníase; III- alienação mental; IV- neoplasia maligna; V – cegueira; VI - paralisia irreversível e incapacitante; VII- cardiopatia grave; VIII - doença de Parkinson; IX - espondiloartrose anquilosante; X - nefropatia grave; XI - estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); XII - síndrome da deficiência imunológica adquirida - 65 auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei.” O artigo 62, por sua vez, garante o direito à reabilitação profissional para o exercício de atividade diversa, quando possível, dizendo que o segurado em gozo de auxílio-doença, quando inviável sua recuperação para a atividade habitual que exercia, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de atividade diversa. Quando não for possível sua reabilitação, o artigo garante a aposentadoria por invalidez. Por fim, o artigo 63 traz previsão com a finalidade de considerar licenciado o empregado que esteja percebendo auxílio-doença, dizendo no parágrafo único que “a empresa que garantir ao segurado licença remunerada ficará obrigada a pagar-lhe durante o período de auxílio-doença a eventual diferença entre o valor deste e a importância garantida pela licença.” Os mencionados artigos tratam dos efeitos do benefício de auxílio-doença no contrato de trabalho. Além das normas constitucionais e infraconstitucionais de previsão do benefício de auxílio-doença, há ainda Instruções Normativas, por meio das quais o órgão gestor do Regime Geral de Previdência Social no Brasil, no caso o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, orienta seus funcionários e servidores quanto aos procedimentos para concessão do benefício, além de outras providências. 3.2.2 Auxílio-acidente Aids; XIII - contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada; e XIV - hepatopatia grave. 66 Brandimiller 89 define acidente da seguinte forma: “No sentido genérico, acidente é o evento em si, a ocorrência de determinado fato em virtude da conjugação aleatória de circunst ncias causais. No sentido estrito, caracteriza-se também pela instantaneidade: a ocorrência é súbita e a lesão imediata.” O acidente e suas sequelas, causadoras da diminuição da capacidade laboral, geram o direito à percepção do benefício de auxílio-acidente àquele filiado à previdência social. O auxílio-acidente é um benefício previdenciário criado com a finalidade de proteger o trabalhador que sofreu acidente capaz de lhe reduzir a capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. Objetiva, pois, proteger o segurado das consequências causadas pelo acidente. O benefício de auxílio-acidente está previsto no artigo 86 da Lei nº 8.213/9190. A redação atual do artigo em questão traz a expressão “redução da capacidade para o trabalho”, acrescentando o critério da habitualidade. Implica dizer que o auxílio-acidente será concedido ao trabalhador que experimentou um acidente de qualquer natureza com sequelas tais que reduzem a capacidade deste para o exercício da atividade que anteriormente exercia com habitualidade. Seria um benefício reparador, e não preventivo. 89 BRANDIMILLER, Primo Alfredo. Perícia judicial em acidentes e doenças do trabalho. São Paulo: Senac, 1996, p. 45. 90 Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. § 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinquenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. § 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. § 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. § 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. 67 Essa redução para a capacidade de trabalho pode não ter como causa o trabalho, mas se suas sequelas forem suficientes para limitar a aptidão para a atividade laborativa, terá a proteção previdenciária do auxílio-acidente. O Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, que aprovou o Regulamento da Previdência Social, trata no artigo 104 do benefício de auxílio-acidente, que, no caput, diz: “o auxílio- acidente será concedido, como indenização, ao segurado empregado, exceto o doméstico, ao trabalhador avulso e ao segurado especial quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequela definitiva”. Da leitura do caput do artigo 104, havia uma interpretação equivocada por parte dos peritos do INSS que acreditavam que o benefício seria concedido apenas ao “segurado empregado”, entendimento que foi desconstituído pela Instrução Normativa INSS/PRES Nº 11, de 20 de setembro de 2006, alterada pelas Instruções Normativas, nº 15 e 17, de março e abril do ano de 2007. Essas instruções orientaram para a interpretação de que o benefício auxílio-acidente pode ser concedido a trabalhador desempregado, desde que o acidente ocorra dentro do período de graça. Portanto, o empregado segurado, mesmo estando desempregado, tem direito ao benefício acidentário, caso o acidente tenha ocorrido na época em que se encontrava empregado ou no período de graça. 3.2.3 Aposentadoria por invalidez A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário concedido aos trabalhadores que, por motivo de doença ou acidente, forem considerados incapacitados para exercer toda e qualquer atividade de valor econômico que lhe garanta o sustento. 68 Quem verifica a incapacidade laboral e a declara é a perícia médica da Previdência Social, a qual garante o benefício àquele filiado à Previdência Social. Igualmente aos benefícios já citados, não possui direito ao referido benefício quem, no momento da filiação à Previdência, já for portador da doença ou lesão incapacitante, exceto quando a incapacidade resultar no agravamento da doença. Esse benefício deixa de ser pago quando o segurado recupera a capacidade e retorna ao trabalho, sendo que quem recebe aposentadoria por invalidez tem, obrigatoriamente, que passar por perícia médica em um período de dois em dois anos, sob pena de ter o benefício suspenso. A aposentadoria por invalidez está prevista no artigo 42 da Lei nº 8.213/1991, que diz que a aposentadoria por invalidez será devida ao segurado que, “estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição”. O benefício de aposentadoria por invalidez é devido enquanto o segurado permanecer na condição de inválido, ou seja, impossibilitado de desenvolver algum tipo de trabalho de forma permanente e substancial. No caso, duas são as proteções jurídicas em relação à pessoa portadora de incapacidade laboral. A primeira é o benefício previdenciário enquanto perdurar a situação, e a segunda é o direito de retornar ao trabalho ou ser indenizado caso o empregador não o permita retornar ao trabalho. É o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por meio da súmula 217, diz que o aposentado que recupera a capacidade de trabalho tem direito de retornar ao 69 emprego ou ser indenizado em caso de recusa do empregador, desde que dentro do prazo de cinco anos, a contar da aposentadoria, a qual se torna definitiva após esse prazo. Para o STF, o benefício de aposentadoria por invalidez tem caráter de definitividade enquanto perdurar a situação de incapacidade, indo de encontro à legislação previdenciária. É uma espécie de suspensão do contrato de trabalho. Assim, a aposentadoria por invalidez objetiva substituir a remuneração do segurado incapacitado para o exercício de atividade laborativa, garantindo proteção previdenciária ao trabalhador. 3.3 A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR PORTADOR DE INCAPACIDADE LABORAL O trabalhador portador de incapacidade laboral merece especial atenção por parte do Estado. Essa proteção trata-se, no caso, da previdência social, de sistema pelo qual o Estado e a sociedade protegem o indivíduo contra riscos que podem prejudicar a sua saúde, impedir seu desenvolvimento ou até mesmo diminuir sua capacidade para o trabalho. Assim, a seguridade social, na modalidade previdência social, é o modelo de proteção previdenciária definido pela Constituição e garantido pelas leis infraconstitucionais. Dentre os benefícios assegurados pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), destacam-se três que possuem como fato gerador a incapacidade: o auxílio-doença, o auxílio-acidente e a aposentadoria por invalidez. Essa proteção previdenciária do trabalhador portador de incapacidade laboral visa a substituir a renda do trabalhador quando este se encontra impedido de auferir renda com sua própria força laboral, protegendo os seus direitos básicos. 70 Sarlet 91 trata do direito à saúde. Para ele, não há dúvida de que a saúde é um direito humano fundamental. Ele diz que é um direito “fundamentalíssimo, tão fundamental que mesmo em países nos quais não está previsto expressamente na Constituição, chegou a haver um reconhecimento de saúde como um direito fundamental não escrito (implícito), tal como ocorreu na Alemanha e em outros países.” É a saúde que garante a sadia qualidade de vida, promovendo dignidade humana. Segundo Tavares, “a discussão e a compreensão da saúde passa pela afirmação da cidadania e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal.”92 A doença, ao limitar o ser humano, gera a necessidade do socorro previdenciário. Nos casos de acidente de trabalho, ao trazer limitação ao ser humano em sua liberdade de trabalho, fere também o direito à saúde e consequentemente desrespeita a dignidade da pessoa humana e a integridade física-mental do indivíduo. Assim, é difícil valorar o trabalho do homem, pois até mesmo o seu direito à saúde está violado, bem indispensável à vida do ser humano. Sem o direito à saúde não há como se falar em existência digna e liberdade. Desse modo, a proteção previdenciária do trabalhador portador de incapacidade laboral, objetiva, primordialmente, os direitos fundamentais do homem, englobando o direito à saúde, direito de todos e dever do Estado. Essa proteção garante segurança jurídica. A segurança jurídica está ligada diretamente ao Estado democrático de direito, no caso aquele submetido à norma jurídica, sem a qual não haveria a devida sustentação desse princípio. No caso, é a organização da sociedade através do poder político que faz surgir o Estado, criando uma ordem jurídica, ao fixar regras e garantias. Nesse sentido, é o 91 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Artigos. Livraria do Advogado: 2001, p. 91/107. 92 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 744. 71 pensamento de Kelsen 93 , que diz que “todo Estado tem de ser um Estado de direito no sentido de que todo Estado é uma ordem jurídica”. No caso do Brasil, a Previdência Social traz proteção ao trabalhador quando estabelece regras e garante direitos. De acordo com Canotilho 94 , os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica devem ser formulados de modo que o cidadão possa “confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas normas”. Diz ainda que o homem precisa de “segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito.”95 Dessa forma, o que se verifica é que a contribuição previdenciária somente existe em razão da necessidade de que sejam custeados serviços e benefícios específicos para os contribuintes. Assim, sendo a contribuição previdenciária um tributo vinculado, somente poderá ser direcionado aos custeios dos benefícios previdenciários. A previdência é regida pelo regime contributivo, sendo uma instituição duradoura e organizada, o que garante segurança jurídica. Essa afirmação extrai-se da interpretação do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) quando do julgamento da ADI 2010-2 - Relator Ministro Celso de Mello, em que este declarou que a contribuição para a seguridade social é tributo vinculado, “destinado ao custeio e ao financiamento do regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargos efetivos”. Dessa forma, sendo tributo vinculado, 93 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 353. 94 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. (reimpressão). Coimbra: Almedina, 1999, p. 377/378. 95 Id.,. Ibid., p. 252. 72 garante proteção aos segurados, os quais em casos de necessidade de um benefício previdenciário terão a devida proteção. O valor segurança, pois, é visualizado quando o Estado cria condições necessárias para a estabilidade do direito. A Previdência Social ampara o trabalhador no momento de dificuldade, quando preenchidos determinados requisitos. O artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão diz que “a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.” Assim, consagra a segurança jurídica como um direito natural e imprescritível. O princípio da segurança jurídica não foi positivado na Constituição Federal de 1988, mas está implícito em diversos dispositivos devido a sua importância social. A previdência social do Brasil ainda está em processo de formação, o que acarreta mutações constantes na legislação e insegurança jurídica. Todavia, o princípio constitucional do não retrocesso social consolida os direitos previdenciários com o passar do tempo. A mutação previdenciária deve ser direcionada apenas para manter o equilíbrio financeiro e atuarial sem causar insegurança jurídica e desconfiança com o sistema, já que a relação previdenciária é de longo prazo, não tendo sustentação no ambiente de receio dos segurados. O que se verifica é que o trabalhador portador de incapacidade laboral, ao ser contribuinte da Previdência Social, tem proteção previdenciária garantida no momento de infortúnio. Em caso de acidente no ambiente de trabalho ou doença ocupacional, esse segurado perceberá o benefício respectivo com vistas à sua manutenção. O referido benefício será concedido após ter constatada a sua incapacidade. 73 Em determinados casos, o pedido do segurado não é concedido administrativamente, o que o faz pleitear o benefício por via judicial. De acordo com Savaris 96, “a pessoa que busca judicialmente um benefício previdenciário está supostamente destituída de valores necessários à sua manutenção, presumindo-se sua hipossuficiencia, o que implica dificuldades para a efetiva participação processual”. De toda forma, seja na seara administrativa ou judicial, a busca pelo benefício previdenciário adequado e competente para amparar o segurado no momento de dificuldade é sempre angustiante para o requerente, o qual se acha em estado de necessidade. Todavia, o direito do segurado está assegurado constitucional e infraconstitucionalmente, se preenchidos os requisitos para a sua concessão, sendo responsabilidade da previdência social garantir o direito de todos os filiados. Entretanto, havendo erro no momento da análise e concessão do benefício, questiona-se a possibilidade de responsabilização civil objetiva da autarquia previdenciária como meio de garantir proteção ao trabalhador. 3.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL No Brasil, o instituto da responsabilidade civil surgiu com o Código Civil de 1916, ganhando maior destaque com a Constituição do Brasil de 1988, base para a elaboração do Código Civil de 2002, atualmente em vigor. 96 SAVARIS, José Antonio (Coord.) Curso de perícia judicial previdenciária. Noções elementares para a comunidade médico-jurídica. São Paulo: Conceito editorial, 2011, p. 24. 74 O antigo Código Civil previa o instituto da responsabilidade civil, todavia o fazia através de um número reduzido de dispositivos. Já o atual Código Civil traz uma série de dispositivos do instituto da responsabilidade civil. Para desenvolver um estudo da responsabilidade objetiva da Previdência Social, é necessário partir do conceito de responsabilidade civil de acordo com os doutrinadores da seara, conhecendo as formas de responsabilidade e seus requisitos caracterizadores. De acordo com Maria Helena Diniz 97 , poder-se-á definir a responsabilidade civil como sendo o emprego de medidas aptas a obrigar alguém a reparar o dano praticado contra terceiros em razão de sua própria conduta, de pessoa por quem responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, o que se chama de responsabilidade subjetiva. Esse dano a ser reparado pode ser moral ou patrimonial, podendo decorrer, ainda, de imposição de lei, a chamada responsabilidade objetiva. Ainda conceituando o instituto da responsabilidade civil, Gonçalves 98 diz que a “responsabilidade civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.” Dessa forma, a responsabilidade civil surgiria quando a atitude de determinada pessoa viesse a ocasionar dano a outrem, nascendo após a violação do dever jurídico contratual ou extracontratual existente entre as partes. No Brasil a responsabilidade civil é classificada em duas espécies, quais sejam: subjetiva e objetiva. Foi o atual Código Civil que inovou com a chamada teoria do risco ou responsabilidade sem culpa (objetiva). 97 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 97. 98 GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil. Vol. XI. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 7. 75 Antigamente, só existia a responsabilidade civil subjetiva, aquela que necessita de quatro requisitos para que haja o dever de indenizar, são eles: ação ou omissão, dolo ou culpa, nexo de causalidade e dano. De acordo com Pereira 99, “para a doutrina subjetiva, o ressarcimento do dano, seja material seja moral, estará associado à apreciação da conduta do seu causador.” Embora após a vigência do atual Código Civil haja a previsão da responsabilidade objetiva, a responsabilidade subjetiva é a regra no Direito brasileiro. Nos termos da legislação civil pátria: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Essa responsabilidade objetiva também está prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que diz que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, independentemente de culpa, seja nos casos especificados em lei, seja quando a atividade desenvolvida implicar, por sua própria natureza, risco para os direitos de outrem. Com relação à responsabilidade objetiva, Rodrigues 100 estabelece que havendo o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele, ou seja, havendo dano a alguém por meio de atitude dolosa ou culposa de outrem, a obrigação de reparar é a medida adequada a ser aplicada. No caso, pouca relevância há se a atitude do agente causador do dano é culposa ou dolosa, pois o que importa é que exista relação de causalidade entre o dano e o ato do agente. No caso dos benefícios previdenciários, sua concessão e consequências decorrem da responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, aquela que independe de dolo ou culpa para ser caracterizada. 99 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 38. 100 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. v. 4. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 10. 76 Havendo o dano, naturalmente surge a ideia de reparação. De acordo com Ibrahim 101 , “responsabilizar o causador de prejuízo tornou-se elaborada disposição inerente ao espírito humano, sensação quase instintiva correspondente à vontade de as coisas não se modificarem.” Para ele, a presença normatizante do Estado seria elemento decisivo na teoria jurídica do risco. Dessa forma, a responsabilidade objetiva da Previdência Social faz parte da responsabilidade objetiva do Estado, não sendo fácil definir, com precisão, o seu conceito. Em relação ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é preciso destacar que muitos são os aspectos inerentes a esse instituto. Com relação à responsabilidade objetiva da Previdência Social, é importante destacar que o órgão que gerencia o Regime Geral de Previdência Social é o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). As obrigações do INSS são originárias do Estado, possuindo personalidade jurídica, capacidade administrativa e patrimônio próprio. Esse órgão responde, inclusive, perante terceiros, com prerrogativas e obrigações da própria administração pública. É o que diz o artigo 37, inciso XIX, parágrafo 6º, da Constituição do Brasil. Quando o INSS atua com prerrogativas e obrigações da própria administração pública, sua responsabilidade é objetiva em havendo equívoco administrativo. No caso, o INSS, pessoa jurídica de direito público interno, responde de forma objetiva perante os segurados, não se cogitando a presença de dolo ou culpa na conduta praticada. Ao negar ou cancelar um benefício previdenciário por erro administrativo, os princípios jurídicos básicos de igualdade, justiça social, dignidade da pessoa humana são diretamente atingidos. Nesse caso ocorre um dano material e moral, pois a esfera jurídica do segurado foi violada. 101 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 235. 77 Obviamente que, quando o benefício é indevido e o INSS nega a sua concessão, não há direito a ser reparado, uma vez que a autarquia previdenciária agiu no exercício regular de um direito reconhecido. O artigo 188, inciso I do Código Civil diz que “não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. A Previdência Social, a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, estabelece no artigo 3º: A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. Dessa forma, os riscos sociais e individuais pelos quais passam os trabalhadores merecem especial proteção do Estado em defesa da classe dos vulneráveis pela preservação de seus direitos mínimos. A responsabilidade objetiva da Previdência Social, no estudo em questão, não se limita apenas a apurar o erro da autarquia previdenciária e puni-la, mas trata-se também de pôr em evidência os princípios constitucionais basilares de igualdade, promoção da justiça social e dignidade da pessoa humana. Melhor dizendo, no caso dos benefícios previdenciários, estuda-se a possibilidade de concessão desses benefícios levando em consideração o caso concreto, a realidade social na atualidade. Em se tratando de justiça social, Silva Neto 102 diz que não há justiça social onde se espalha a pobreza e a marginalização social, privando as pessoas do trabalho, educação e saúde. Diz ainda que há presunção de ausência de desenvolvimento nacional onde se presencia acentuado desnível socioeconômico entre os indivíduos. 102 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 232. 78 Muitos são os pedidos administrativos no INSS para a concessão de benefícios. O que se verifica cotidianamente é que muitos desses benefícios demandam uma burocracia desnecessária e um ônus elevado para o segurado. Ou seja, pleiteia-se administrativamente determinado benefício por preencher os requisitos legais necessários para tanto, mas a perícia médica do INSS, muitas vezes, nega benefícios que judicialmente são facilmente deferidos. Assim, o Judiciário fica assoberbado com uma demanda elevada de processos que poderiam ser resolvidos na seara administrativa. O entendimento, no presente, é que não seria necessário apurar a origem da incapacidade do segurado, bastando apenas a verificação do preenchimento dos requisitos necessários com base na documentação requerida e procedimentos comuns. Todavia, a presunção de necessidade deveria ser absoluta, e não relativa. A Constituição do Brasil traz a presunção de inocência, no artigo 5º, inciso LVII, que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Fazendo uma analogia desse dispositivo, é possível afirmar que há presunção de veracidade na documentação apresentada pelo segurado ao INSS. Dessa forma, a concessão do benefício não deveria ser ônus para o segurado, mas para a autarquia previdenciária, por ser aquele que está em situação de vulnerabilidade, eis que presumivelmente afetado pelos riscos sociais e/ou individuais do dia a dia. Nos termos da legislação processual pátria (Código de Processo Civil), no artigo 333, o ônus da prova incumbe a quem alega. Não é que o INSS teria de conceder todos os pedidos a si apresentados. Ao segurado caberia o compromisso de apresentar a documentação correta exigida, fazendo prova de sua situação apta a preencher os requisitos exigidos por determinado benefício. Porém, não se vislumbra igualdade, justiça social e dignidade da 79 pessoa humana nos casos de concessão de benefícios para uns e não para outros na mesma situação jurídico-social. O artigo 334 do Código de Processo Civil, por sua vez, trata dos casos que independem de prova, quais sejam, os notórios; os afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; os admitidos, no processo, como incontroversos e aqueles em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. Nesse caso, a autarquia previdenciária é quem deveria ficar com o ônus de provar o motivo da não concessão. Trata-se de situação fática que independe de prova, além da documentação apresentada. O porquê da concessão é cristalino, é o preenchimento dos requisitos legais, é a situação concreta demonstrando a necessidade do “auxílio”, todavia o motivo da não concessão é que gera um prejuízo imensurável para o segurado. Terá o segurado condições de esperar o resultado do recurso administrativo, quando da negativa do benefício requerido? Terá ele condições de suportar as dificuldades que se lhes apresentam enquanto o processo judicial tramita à espera da sentença favorável? E esperar o resultado do recurso inominado interposto pelo INSS da sentença favorável para ver seu benefício implantado? A resposta para essas perguntas consiste em uma negativa. Frisa-se, pois, a necessidade da preservação dos direitos constitucionais conseguidos ao longo dos séculos através de muita luta. Uma reparação posterior não apaga os momentos de dificuldades. Sendo assim, a responsabilidade civil objetiva atribuída à autarquia previdenciária não pode ficar limitada à reparação do prejuízo, mas deve ser competente para garantir os direitos fundamentais dos segurados da previdência social. Não se pode falar em observância do princípio da igualdade quando, por exemplo, um segurado da Previdência Social comparece ao INSS e requer um benefício de auxílio-doença 80 por ter adquirido uma hérnia de disco no ambiente de trabalho e recebe o benefício, enquanto outro segurado comparece com o mesmo problema – problema este, diga-se de passagem, comum, cotidiano, com incontáveis concessões – e tem de provar o motivo de sua necessidade, quando os documentos, a doença, a incapacidade são cristalinos. O artigo 201 da Constituição do Brasil, no parágrafo 1º, diz que é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, salvo algumas exceções para pessoas em condição especial. Na verdade, o método utilizado pelo INSS para a concessão de benefícios não tem sido o mais eficaz e coerente com os avanços sociais e com o que a modernidade exige, rapidez e respeito ao hipossuficiente. Desse modo, é necessário conhecer se o INSS seria responsabilizado por seus erros quando da concessão ou não de benefício previdenciário. Implicitamente, o estudo da responsabilidade da autarquia previdenciária objetiva promover o respeito aos segurados que se veem, muitas vezes, impotentes diante da negativa da autarquia previdenciária no momento de maior necessidade de auxílio. Para o Supremo Tribunal Federal 103 , preenchidos os requisitos da responsabilização civil, surge o dever de indenizar. O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o “eventus damni”, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido. (STF, RE-AgR 481110, Rel. Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 09/03/2007 - Votação unânime, ausente justificadamente o Senhor Ministro Joaquim Barbosa) 103 GÓIS, Ewerton Marcus de Oliveira. A responsabilidade civil do estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em 20 de abr. de 2013. 81 O INSS, pessoa jurídica de direto público interno, tem capacidade processual para figurar no polo passivo de uma demanda judicial movida contra si por um segurado, devendo responder de forma objetiva perante estes por força da Constituição do Brasil. A responsabilidade civil da autarquia previdenciária é constatada pela presença dos requisitos: conduta, nexo de causalidade e dano. Assim, o posicionamento dominante é que o INSS deve ser responsabilizado por falha na prestação do serviço, erro administrativo capaz de ocasionar um dano. A aplicação do instituto da responsabilidade civil objetiva perante a autarquia previdenciária, nos casos de erro administrativo perante os segurados, garante que os direitos consagrados na Constituição do Brasil, princípios jurídicos norteadores e legislação infraconstitucional pertinente, sejam respeitados, promovendo igualdade e justiça social. Desejar uma sociedade desvinculada de falhas é uma utopia, entretanto, não é possível um contexto histórico-social constantemente maculado por erros administrativos no momento da concessão do benefício previdenciário, sem que haja a devida responsabilização pelos danos decorrentes. A ausência ou mora de concessão de um benefício traz prejuízos de ordem emocional e financeira sem precedentes para o segurado, o qual contribui mensalmente para ser amparado no momento de invalidez ou doença. Assim, é preciso que à autarquia previdenciária seja atribuída responsabilidade civil objetiva quando do erro administrativo. A constante exposição do trabalhador a riscos sociais e individuais faz com que ele, em algum momento de sua vida, necessite recorrer ao auxílio da Previdência Social, seja para auferir um benefício de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez ou outro. 82 Diante disso, a responsabilidade civil objetiva da autarquia previdenciária é um assunto que deve ser amplamente discutido, para que a legislação e os princípios de proteção ao trabalhador sejam respeitados. 83 4 A EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR AOS RISCOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS A preocupação do Estado com a incidência de acidentes e problemas de saúde, provenientes do exercício de atividade laboral, não é uma questão atual, embora nas últimas décadas o legislador tenha criado mecanismos legais de proteção ao trabalhador nesse sentido. A doença e o acidente do trabalho trazem consequências negativas para o trabalhador. Além dessa preocupação com os direitos sociais e individuais do trabalhador, há o custo social que também causa impactos na economia. É comum que o trabalhador, em seu ambiente de trabalho, esteja sujeito a riscos de ordem social e individual, aos quais afetam o seu bem-estar, direito garantido já no preâmbulo constitucional. Não é possível descrever todos os riscos existentes em determinado ambiente de trabalho, pois eles apresentam oscilações que dependem também do próprio indivíduo, possuindo uma pluralidade de conceitos. Os riscos se classificam em sociais e individuais. De acordo com Martinez 104 , como riscos individuais para o empregado, podem ser citados o acidente, a doença, a invalidez e a morte; já para o trabalhador autônomo, são aqueles ligados à profissão. Os riscos sociais, por sua vez, são a greve, o desemprego, a inflação, a guerra e os problemas econômicos, ou seja, os problemas sociais geram os riscos sociais, enquanto os riscos individuais afetam somente a esfera do indivíduo em particular. Relativamente aos riscos sociais, o autor de maior destaque é teórico social Ulrich Beck, que publicou a obra “Risk Society”, tanto na versão alemã, em 1986, quanto na inglesa, em 1992. Nessa obra, o autor fala dos riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos, bem 104 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 233. 84 como os riscos de ordem econômica, conjunto este que geraria uma nova forma de organização, na qual o conceito de sociedade de risco possui ligação com o de globalização. Essas transformações sociais coexistiriam com uma acentuação da pobreza, crises econômicas, concentração de riqueza, dentre outros problemas. Beck 105 , em sua obra, fala de uma “nova modernidade”, imbuída por riscos a ela relativos. Esse autor afirma que quanto mais riquezas são produzidas, mais riscos sociais se avolumam, entendendo que, na modernidade avançada, a produção social de “riqueza” é sistematicamente acompanhada pela produção social de “riscos”. Portanto, os problemas e conflitos partilhados pela sociedade são substituídos pelos problemas e conflitos que surgem da produção, definição e distribuição dos riscos produzidos de maneira científico- técnica. (tradução nossa) Para esse autor, que criou o conceito “sociedade de risco”, não haveria nada além de incertezas. A noção de risco está relacionada às ações de caráter preventivo, pois ao estar diante da iminência de uma adversidade, não basta tentar resolver o problema ocasionado minorando seus efeitos, mas é preciso e possível criar medidas preventivas para a redução do risco, evitando, inclusive, que ele venha a existir. De início, o risco social compromete a capacidade dos trabalhadores de assegurar por si próprios sua independência social. Após isso, o risco individual afeta diretamente o trabalhador, impedindo-o de garantir seu sustento e o de sua família. Risco é o ajuste da probabilidade de acontecer um evento perigoso com a gravidade dos prejuízos que poderão ocorrer. 105 BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borras. Buenos Aires: Paidós, 2002, p. 25. “En la modernidad avanzada, la producción social de „riqueza‟ va acompañada sistemáticamente por la producción social de „riesgos‟. Por tanto, los problemas y conflictos de reparto de la sociedad de la carencia son sustituidos por los problemas y conflictos que surgen de la producción, definición y reparto de los riesgos producidos de manera científico – técnica.” 85 É forçoso reconhecer que, atualmente, a sociedade passa por um período de conformação no que se refere aos riscos existentes para o desenvolvimento de determinadas atividades, os quais são considerados fundamentais para o funcionamento destas. Para a redução dos riscos, pelo menos no âmbito trabalhista, seria necessário que alguns confortos e benefícios conferidos pela tecnologia fossem reduzidos. Em síntese, para a diminuição dos riscos, seria necessária, consequentemente, a redução de certas tecnologias ou mesmo a criação de novas técnicas. Trabalhar em um ambiente repleto de riscos não é questão de escolha individual, pois a atividade humana, por si, insere-se nesse tipo de contexto social, sendo discussão profunda a chamada sociedade de riscos. O artigo 225 da Constituição do Brasil estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Um meio ambiente do trabalho equilibrado evita que riscos proliferem. O artigo 170 da Constituição do Brasil, por sua vez, prevê que a ordem econômica, a qual é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos os membros da sociedade uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando-se os princípios constitucionais. De acordo com o parágrafo único do mencionado artigo, “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” Dessa forma, uma vez que o trabalhador é livre para exercer qualquer ocupação lícita, deve o poder público preocupar-se com as condições de trabalho, evitando que os riscos causem danos aos trabalhadores, e caso venham a ocasionar, possuir medida de proteção para este. 86 A medida de proteção encontrada pelo Estado, nos casos em que o risco já abateu o trabalhador, é a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade laboral. Ocorrendo um acidente do trabalho ou advindo doenças ocupacionais, o acidentado tem direito às prestações e serviços previstos na legislação previdenciária, uma vez que é contribuinte. Esse tipo de seguro, instituído por lei, visa a proteger o trabalhador dos riscos que podem vir a acometê-lo. Para fazer a avaliação desses riscos, um médico perito do INSS é designado a criar um processo de estimativa do risco, fazendo a identificação dos critérios que influem para a incapacidade do trabalhador. No momento em que o Estado passa a se preocupar com as questões sociais e individuais do trabalhador, primando pelos direitos trabalhistas, previdenciários e constitucionais, passa a ser reconhecido como Estado social. Nesse entendimento, Bonavides 106 diz que recebe a denominação de Estado social aquele que confirma os direitos do trabalho, da previdência, da educação, passa a intervir na economia como distribuidor, passa a ditar o salário, a manipular a moeda, a regular os preços, a combater o desemprego, a proteger os enfermos, a dar ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, a controlar as profissões, a comprar a produção, a financiar as exportações, a conceder crédito, a instituir comissões de abastecimento, a prover necessidades individuais, a enfrentar crises econômicas, a colocar as classes sociais na dependência de seu poderio, ou seja, quando estende sua influência a quase todos os domínios que antes pertenciam à iniciativa individual. Esse Estado social foi o criador do seguro social, o qual nasceu da necessidade de proteção coletiva dos indivíduos em sociedade. Essa proteção é necessária em razão dos riscos sociais e individuais existentes que afetam o homem, inclusive no meio ambiente de 106 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 186. 87 trabalho. Dessa forma, o seguro social, além de satisfazer as necessidades emergentes, busca garantir proteção ao trabalhador contra os riscos cotidianos existentes. Importante mencionar que a exposição do trabalhador aos riscos sociais e individuais, portanto, é um problema de ordem constitucional que merece especial atenção, pois a presença normatizante do Estado constitui-se elemento imprescindível para a teoria jurídica dos riscos. 4.1 TEORIA JURÍDICA DOS RISCOS A Constituição Federal de 1988, quando de sua promulgação, foi festejada em razão das inovações trazidas, as quais consolidaram o Estado democrático de direito atual. Dentre as inovações previstas na atual Constituição do Brasil, está a proteção do trabalhador em relação aos riscos. Os riscos podem ser de ordem social ou individual, ambos protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Objetivando perfectibilizar os direitos do trabalhador é que foi instituída a seguridade social, especialmente na modalidade previdência social, tendo como pressuposto o trabalho. É a remuneração do trabalho uma das modalidades diretas de financiamento da previdência social. Esse tratamento diferenciado e privilegiado de proteção ao trabalhador visa a resguardá-lo dos riscos sociais e individuais. Os riscos sociais se caracterizam em um contexto marcado por incertezas. No caso, a modernidade, aliada às novas técnicas de produção, tem tornado a vida instável diante dos problemas atuais que surgem e afetam a qualidade de vida das pessoas, aqui entendidas na condição de trabalhadores. Assim o risco social se refere à probabilidade de um determinado 88 número de pessoas estarem expostas à situação de perigo, no caso, no meio ambiente de trabalho. Segundo Coimbra 107 , a legislação social é voltada para a proteção de determinadas espécies de riscos, as quais, ocorrendo, trariam prejuízo material para o trabalhador e sua família, como por exemplo, a perda da renda do segurado por motivo de incapacidade para o trabalho, decorrente de doença, acidente ou idade avançada. O rol de atividades de proteção do Estado passou a ser mais amplo que o seguro privado, são os chamados riscos sociais. Os riscos individuais, por sua vez, são aqueles que permeiam o ser humano em caráter individual, ou seja, é a probabilidade de um indivíduo vir a sofrer consequências negativas, no caso do meio ambiente do trabalho, por exemplo, vir a sofrer um acidente ou adquirir uma doença ou lesão. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está relacionado à ideia de risco, sendo a possibilidade de que aconteça um fato futuro, incerto e imprevisível capaz de ocasionar dano ao segurado. A Previdência Social, desde sua origem, criou íntima relação entre o risco e a noção de seguro. O que se busca é o pagamento de quantia mensal, cálculo elaborado através de uma técnica contábil e atuarial com o intuito de proteger o trabalhador, caso ocorra um evento prejudicial à saúde e à capacidade laborativa do trabalhador. Como exemplos, podem ser citados o acidente de trabalho e doença do segurado. Quanto à teoria jurídica do risco, Júnior 108 afirma que a atividade desempenhada pelo Estado pode ocasionar aos administrados algum tipo de dano, o qual deve ser devidamente reparado. 107 COIMBRA, José dos Reis Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: edições trabalhistas, 2001, p. 17. 108 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito administrativo. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 325. 89 A teoria do risco serve de fundamento para a ideia de responsabilidade objetiva do Estado. Essa teoria tem por base o risco da atividade administrativa e a necessidade de repartir os benefícios e os encargos decorrentes da atuação do Estado. Dessa forma, essa teoria leva em consideração o risco que a atividade do Estado gera para os administrados e a possibilidade de ocasionar prejuízos a alguns membros da sociedade. Assim, para compensar essa desigualdade de uns suportarem o ônus dos riscos em favor de outros, todos devem contribuir para a reparação dos danos, o que o fazem mediante os recursos públicos. A situação de risco é amparada constitucionalmente pelo artigo 201. 109 Além da Constituição do Brasil, os princípios desempenham papel fundamental nas relações de seguridade social, a exemplo do princípio da universalidade da cobertura e do atendimento e do princípio da solidariedade. Assim, são objetos da seguridade social as situações de risco. O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento somente se considera exaurido quando atende todas as situações de risco. Já o princípio da solidariedade, por ter um caráter universal, proporciona proteção a todos que se encontram em estado de risco. É o Estado Social, através da conjugação das garantias das liberdades individuais com o reconhecimento dos direitos sociais, que efetiva o direito dos trabalhadores. Para tanto, o Estado atua como interventor das relações laborais e sociais que, alicerçado na concepção de seguridade social, objetiva traçar oportunidades a todos. O risco passa a adquirir dimensão de problema público quando colocado como assunto de interesse geral em que a sociedade debate e cobra medidas efetivas por parte do Estado. 109 Art. 201 - A Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário- família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (...) 90 Segundo Bonavides 110 , um Estado Social é aquele fruto de lutas sociais, o qual se preocupa com o bem-estar de seus cidadãos, exercendo influência nas diversas áreas e setores antes pertencentes apenas à iniciativa particular. O Estado social somente passa a receber essa denominação quando, pressionado pelas reinvindicações sociais, passa a intervir na sociedade, reconhecendo direitos trabalhistas, previdenciários, de educação, quando passa a agir na economia como distribuidor, a estabelecer o salário, a manipular a moeda regulando os preços, a combater o desemprego, a proteger os doentes, a conceder casa própria, a controlar as profissões, a comprar a produção, a cuidar do domínio econômico financiando exportações, concedendo crédito, instituindo comissões de abastecimento, provendo as necessidades individuais, enfrentando crises na economia, enfim, colocando as classes sociais na sua dependência. Para a teoria do risco social, a sociedade deve assegurar ao indivíduo vitimado por uma incapacidade laborativa, o seu sustento. Entende que é dever de toda a coletividade prestar auxílio aos desafortunados, responsabilidade esta de caráter objetivo, ou seja, sem questionar dolo ou culpa. De acordo com Castro e Lazzari 111, “se a proteção dos infortúnios decorrentes de acidente do trabalho, por exemplo, vier a ser feita somente por intermédio de seguros privados, desaparece o conceito de risco social”. Assim, os riscos sociais sofrem a intervenção do Estado para que os direitos sociais sejam resguardados e tenham eficácia. Os riscos sociais afligem o homem, razão pela qual o Estado criou a previdência social, o que a fez devido à preocupação do Direito com o bem-estar do ser humano, sendo o 110 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 186. 111 PEREIRA DE CASTRO, Carlos Alberto; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 55. 91 instrumento mais comum de proteção dos riscos sociais, os quais reduzem a capacidade do trabalhador de prover seu sustento e o de sua família. Dessa forma, o Estado atua com vistas a equilibrar o risco social, igualando os indivíduos à medida que assume a responsabilidade de cuidar do bem-estar social, relacionando direitos sociais, poder estatal e democracia. 4.1.1 Diferença entre risco, sinistro e contingências Embora os conceitos risco, sinistro e contingências sejam, em um primeiro olhar, semelhantes, não se confundem, pois cada um possui características próprias que os identificam. Risco é uma concepção abstrata que possui ligação com a probabilidade. Segundo Mussi 112, “risco representa evento futuro e incerto, que pode ocasionar, quando da sua ocorrência, situação de necessidade. Está ligado à ideia de perigo”. Assim, o risco trata-se de simples chance de o fato acontecer. Para o risco, não importa que o fato ocorra ou deixe de ser efetivado, basta o perigo da ocorrência possível de acontecer. O risco alerta para a emergência de futuros eventos passíveis de causarem danos ao homem. De acordo com Pereira 113 , que retrata a teoria do risco, “[...] se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta”. Nesse sentido, ele configura a chamada “teoria do risco criado”. Esses prejuízos podem ser frutos de ação individual ou 112 MUSSI, Cristiane Miziara. Os efeitos jurídicos do recebimento dos benefícios previdenciários no contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 65. 113 PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 270. 92 coletiva, podendo ser resultado de atitudes não intencionadas ou de fenômenos naturais que atingem a sociedade. O risco não se confunde com o sinistro, pois é antecedente deste. Nas palavras de Martinez 114 , risco é a possibilidade de ocorrer um determinado fato, que pode ser previsível ou não, relativo a acontecimento incerto, futuro, traumático e independente da vontade do agente. Sinistro, por sua vez, é o acontecimento que sai da esfera do provável para o real, é o evento iniciado, em curso ou finalizado, que altera a realidade, seja provocando algum dano para o ser humano ou mesmo sem acarretar-lhe algum prejuízo econômico. Quando não sujeito à avaliação jurídica, o sinistro reduz-se a simples fato, já quando sujeito a essa avaliação, extingue o risco. Sinistro não é risco consumado, mas sim, o possível acontecimento, dado como objeto de algum interesse. Com o sinistro, o risco sai de cena, desaparece. Quem o desencadeia são as causas. De acordo com Martinez 115, “do ponto de vista jurídico, só convém examinar o sinistro coberto (constante do contrato e expresso na apólice), pois, p. ex., quem ingressa incapaz para o trabalho (não há risco, mas sinistro) não tem direito a benefício previdenciário por incapacidade”. O risco e o sinistro, por sua vez, diferem da contingência. Os benefícios que distinguem bem essas noções de risco e sinistro são a aposentadoria especial, que trata do risco, e a aposentadoria por invalidez, que repara o sinistro. A Constituição prevê no artigo 40, § 4º, inciso II, a concessão de aposentadoria especial para servidores que exercem atividade de risco. A lei federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, estabelece a aposentadoria especial no artigo 57 quando diz que esta será devida, cumprida a carência 114 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário. 4. Ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 230. 115 Id., Ibid., p. 231. 93 exigida pela lei, àquele segurado que tiver trabalhador sujeito a condições especiais que prejudiquem sua saúde ou integridade física. Por sua vez, a aposentadoria por invalidez, prevista também no artigo 40 da Constituição, traz no artigo 42 da Lei nº 8.213/1991, que será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade laboral, benefício que será pago enquanto o segurado permanecer nessa condição. O que se verifica é que, enquanto o risco possui ligação com a probabilidade, podendo ou não acontecer, como no caso do trabalhador que exposto a atividades insalubres pode vir a ter ou não alguma doença, o sinistro é um acontecimento que sai do possível ou provável para o real, pois é o evento que já iniciou, ou que está em curso ou finalizado, como no caso da incapacidade laboral por invalidez, independentemente de ser temporária ou definitiva. A contingência, por sua vez, “é fato previsível, realizável ou realizado, isto é, acontecimento individual ou social concebido antecipadamente.”116 A contingência seria o acaso que tem alcance social quando ocorre. Como exemplo, o autor cita a idade avançada e o tempo de serviço, os quais antecipam benefícios previstos pela lei. Relativamente às contingências, Assis 117 diz que o que atinge a sociedade também atinge o indivíduo, e o que causa prejuízo ao individuo reflete na sociedade. Sendo assim, esta fica ressentida e abalada em sua integridade quando algum de seus membros sofre alguma contingência. 116 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário. 4. Ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 232. 117 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de “risco social”. In: Revista dos Industriários, 18 de dezembro de 1950, p. 28. 94 A contingência tem como metáfora o plástico, ou seja, por ser transparente e moldável configura a realização de uma possibilidade. Assim, a contingência abarca os conceitos de risco, possibilidade, aleatoriedade e faz deles realidade “plástica”. O artigo 1º da Lei nº 8.213/1991 tem como finalidade da Previdência Social assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis para a sua manutenção em casos de: incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares, prisão ou morte. Algumas dessas situações são riscos; outras contingências sociais. De toda forma, os riscos, sinistros e contingências sociais são eventos que impossibilitam, seja de forma real ou presumida, o segurado e seus dependentes de exercerem normalmente suas atividades, as quais lhes garantiam o sustento próprio e de sua família. Por fim, os riscos possuem vários enquadramentos científicos, havendo os riscos profissionais e aqueles não decorrentes do ambiente de trabalho, os chamados riscos extra- laborais. 4.1.2 Riscos sociais extra-laborais O risco, construção social, pode ser classificado em cinco grandes domínios, como explica Wladimir Novaes Martinez 118 . São eles: natural, político, familiar, profissional e pessoal. Os riscos naturais são aqueles provenientes da própria natureza, havendo pouca ou nenhuma participação do homem, como por exemplo, um terremoto, incêndio, naufrágio, entre outros eventos de força maior. Os riscos políticos, entretanto, são aqueles relativos à atividade política, tais como a prisão, a perda de bens, a greve, entre outros acontecimentos 118 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário. 4. Ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 233. 95 relacionados. Os riscos familiares, por sua vez, são aqueles que envolvem os membros de uma entidade familiar, a exemplo do divórcio, abandono, entre outras dificuldades. Já os riscos profissionais são aqueles ligados à atividade laboral, como a possibilidade de desemprego e redução de salário, por exemplo. Por fim, os riscos pessoais são aqueles que possuem relação com o organismo do ser humano, a exemplo da gravidez, doença, invalidez, entre outros infortúnios. Muitas são as classificações quanto aos riscos sociais, razão pela qual não pode ser traçada com rigor geométrico. Segundo Cristiane Miziara Mussi 119 , a doutrina nacional classifica os riscos sociais como: “a) Riscos que aumentam a necessidade, como os encargos familiares; b) Riscos que atingem a saúde do trabalhador, como a doença, invalidez, idade avançada; c) Riscos que atingem diretamente os dependentes do segurado, como a morte e a reclusão do segurado.” Assim, o que se verifica é que existem riscos os quais podem ser sistematizados como previsíveis e imprevisíveis. Os riscos sociais extra-laborais são aqueles que estão fora da esfera dos riscos profissionais. Aquele que sofre um risco social certamente se encontra em estado de necessidade, sendo esta condição uma preocupação da Constituição do Brasil, a qual diz que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”, previsão contida no artigo 6º. Os riscos advindos da relação de trabalho obrigam as empresas e órgãos a assegurar aos seus funcionários condições de segurança e saúde, trata-se da qualidade de vida no trabalho. Os riscos sociais extra-laborais, por sua vez, possuem íntima relação com a vulnerabilidade social, o que não deixa de se aplicar aos riscos laborais. 119 MUSSI, Cristiane Miziara. Os efeitos jurídicos do recebimento dos benefícios previdenciários no contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 70. 96 Para Yunes e Szymanski 120, “a vulnerabilidade opera apenas quando o risco está presente; sem risco, vulnerabilidade não tem efeito”. Uma vez que qualquer pessoa está suscetível a infortúnios que reduzam sua capacidade física ou intelectual, é necessário garantir seu futuro, em caso de necessidade, sendo filiado à Previdência Social ou mesmo recorrendo a assistência social ou saúde pública, direito à proteção por parte do Estado. Além dos riscos extra-laborais, que limitam o desempenho de atividade laboral, existem aqueles inerentes ao ambiente de trabalho, os quais também necessitam da atuação protecionista por parte do poder público para resguardar os direitos dos trabalhadores. 4.1.3 Riscos inerentes ao ambiente de trabalho O trabalho é um justo instrumento de concretização dos direitos fundamentais do homem, especialmente no que se refere à sua dignidade, direito insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição do Brasil. O trabalho, além de ser um direito fundamental, é um direito social, previsto no artigo 6º da Constituição do Brasil, que diz serem direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Dessa forma, em busca da unidade do texto constitucional, interpreta-se que a todo cidadão deve ser assegurado o direito ao trabalho, o qual deve ser assegurado com condições dignas 121 de higiene, saúde, segurança, enfim, condições mínimas de respeito. 120 YUNES, M.A,M & SZYMANSKI, H. Resiliência: a noção, conceitos afins e considerações críticas. In: TAVARES. J (Org). Resiliência e educação. Cortez, São Paulo, 2001a. p. 28. 121 Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...) 97 A redução dos riscos inerentes ao trabalho configura direito social constitucionalmente assegurado aos trabalhadores, no artigo 7º, inciso XXII: “Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Para garantir esse direito, foi criada a chamada segurança do trabalho. A segurança do trabalho é composta por um conjunto de medidas de ordem técnica, educacional, médica e psicológica, visando a prevenir acidentes pela eliminação dos atos e condições inseguras no ambiente de trabalho. Assim, a tutela constitucional do Estado é direcionada à manutenção da higidez do meio ambiente do trabalho, implementando medidas de prevenção para reduzir os riscos à saúde e à segurança do trabalhador, seja eliminando ou mesmo neutralizando a ação de agentes nocivos. Entretanto, não é suficiente que o empregador cumpra as normas de saúde e segurança do trabalho, mas deve fazê-las cumprir, conforme estabelece o artigo 157, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho, que diz que “Cabe às empresas: I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”. Essa previsão normativa foi criada com o objetivo de dar efetividade a esses mandamentos de ordem pública. A preservação do meio ambiente do trabalho não é matéria inerente apenas ao Direito do trabalho, embora seja este que traga inúmeras normas específicas de saúde e de segurança. Mais que tema de cunho trabalhista, a construção e a preservação de um ambiente laboral em condições de dignidade é matéria constitucional, quando cria, protege e garante direitos fundamentais em favor do homem e do Estado democrático de direito. As normas de segurança do trabalho são mecanismos que integram a política pública de prestação dos serviços de saúde, conforme prevê o artigo 196 da Constituição do Brasil, que diz ser a saúde um direito de todos e dever do Estado, o qual é “garantido mediante 98 políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Não seria correto que o processo produtivo inerente à atividade econômica desenvolvida tivesse valor superior aos direitos fundamentais do homem. Assim, em respeito aos direitos constitucionais, as empresas têm cumprido seus deveres de proteção ao trabalhador. Embora seja um avanço, é necessário destacar que essa defesa em favor dos trabalhadores não parte de uma consciência natural das empresas, mas da pressão por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pois a inobservância das medidas de segurança do trabalho, causa para o INSS um prejuízo de enormes vultos, além de prejudicar a empresa e, principalmente o trabalhador, que carrega consigo o dano físico e o trauma emocional. Em se tratando dos riscos sociais inerentes ao ambiente de trabalho, cumpre dizer que são aqueles que decorrem das condições precárias ligadas intimamente ao processo de operação das atividades profissionais. São, portanto, as condições ambientais de insegurança do trabalho capazes de afetar a saúde, a segurança e o bem-estar do trabalhador. O meio ambiente do trabalho não é isento de riscos, pois alguns lhes são inerentes. Os riscos profissionais dividem-se, pois, em riscos de acidente, riscos ambientais e riscos ergonômicos. Os riscos de acidente são fatores que colocam ou expõem o trabalhador a uma situação que possa vir a afetar sua integridade, bem-estar físico e psicológico. Os riscos ambientais são aqueles que poderão, em condições especiais, ocasionar as doenças profissionais ou do trabalho, ou ocupacionais. Os riscos ergonômicos, por sua vez, são formados por fatores que possam, de alguma maneira, produzir interferências nas características psíquicas e fisiológicas do trabalhador, afetando a sua saúde ou causando-lhe algum desconforto. 99 De acordo com Martinez 122 , a preocupação da Previdência Social é com o risco, especificamente. Todavia, ele diz que posteriormente a previdência incluiu nos seus planos de prestações as necessidades, as carências assistenciárias e promoveu os serviços de saúde no âmbito do Direito constitucional, embora estes sejam objeto da seguridade social. Conforme se verifica, a previdência social, ao proteger o trabalhador dos riscos sociais e individuais, ampliou suas atribuições, embora para os segurados mediante contribuições. De acordo com Assis, “o homem deve ser protegido não por que seja um trabalhador, um produtor de riquezas: mas pelo simples fato de ser um cidadão, de conviver em sociedade”.123 As atividades cotidianas e sem relevância jurídica não são levadas em consideração pelo Direito, todavia, os acontecimentos que influenciam o mundo jurídico, modificando situações fáticas em detrimento dos direitos individuais e sociais, devem ser observados. 4.2 INCAPACIDADE SOCIAL O trabalho, per si, expõe o ser humano aos riscos de ordem social e individual, todavia não é somente a incapacidade física ou psicológica que ensejam a concessão de benefício previdenciário, embora assim tenham sido as decisões do INSS. Para tanto, se faz necessário que outras eventualidades se agreguem, no caso, a chamada incapacidade social, pouco explorada na seara jurídica, porém de relevante importância. O conceito de incapacidade é amplo. Não é apenas a incapacidade física ou psicológica que coloca obstáculos ao exercício de uma atividade laboral, mas a incapacidade social também causa dificuldades ao exercício de um ofício em determinadas circunstâncias, 122 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 230. 123 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de “risco social”. In: Revista dos Industriários. São Paulo: 1950, p. 28. 100 até mesmo com força semelhante ou maior que aquela. No caso, a incapacidade social é aquela que engloba fatores além da doença ou lesão, como por exemplo, a idade do trabalhador, local de moradia e escolaridade. A questão da idade é um fato social que não pode ficar ao encargo exclusivo do legislador, mas é uma realidade patente no Brasil, que uma pessoa com mais de 45 (quarenta e cinco) anos possui dificuldades para encontrar emprego, às vezes até menos que isso, a depender da profissão e do esforço a ser empregado em determinada atividade. Assim, o fator idade causa uma situação limitadora à “capacidade laboral”, o que não pode ser olvidado. O local de moradia também tem influência, a depender da distância, modo de locomoção, meio de transporte utilizado, disponibilidade de companhia ao trabalho, além de outros problemas que, somados à doença ou lesão, dificultam o exercício de atividade laboral. Também a escolaridade é um fator relevante para dificultar o acesso ao mercado de trabalho. Assim, uma pessoa de pouca instrução escolar, quando acometida por alguma doença incapacitante, ainda que de caráter temporário, poucas chances terá de retornar ao mercado de trabalho após sua recuperação. Se somada essa pouca escolaridade com o fator idade, as chances de conseguir novo emprego diminuem consideravelmente. Fatores como aparência, preconceito, mercado de trabalho, condição social e econômica, entre outros, também prejudicam o trabalhador a conseguir um novo emprego ou manter-se no atual. O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, diz no artigo 1º que, pessoas com deficiência seriam “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas 101 barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Fazendo uma interpretação extensiva do dispositivo legal, percebe-se que a incapacidade de ordem física, mental, intelectual ou sensorial do trabalhador, quando em contato com problemas sociais, segregam-no do mercado de trabalho, é a chamada incapacidade social, a qual deve ser levada em consideração pelo médico perito da autarquia previdenciária para fins de concessão de benefício. É comum a perícia médica do INSS negar a concessão de benefício sob a alegação de que o segurado perdeu sua capacidade laboral para o trabalho físico, mas possui plenas condições de exercer atividade diversa, dessa vez de cunho intelectual. Ora, uma pessoa que sempre lidou com a enxada, por exemplo, dificilmente conseguirá, após anos naquela profissão, aperfeiçoar-se em atividade diversa, de caráter intelectual. Antigamente, quem dominava a técnica da datilografia ou possuía magistério era considerado grande profissional com emprego garantido. Hoje, entretanto, as exigências do mercado de trabalho são outras, muito mais específicas, que demandam conhecimento profundo e apurado de determinados serviços, não apenas exigindo curso superior, mas também conhecimento prático e técnico do assunto. Seria difícil inserir no mercado um analfabeto digital, quanto mais um analfabeto funcional, que, na maioria dos casos, se vale de benefícios previdenciários após situações incapacitantes. Dessa forma, deixar de levar em consideração a incapacidade social fere os direitos basilares do ser humano, como se mostra uma medida desarrazoada, desproporcional. O Brasil atual cria, cada dia mais, exigências específicas para a ocupação de determinada vaga. Assim, pode-se dizer que emprego tem, mas não mão de obra suficientemente qualificada que se encaixe no perfil desejado. Elevadas são as taxas de 102 desemprego, mas é a qualificação para determinados trabalhos que dificulta, ainda mais, o acesso. A autarquia previdenciária, ao negar benefício sob o argumento de que é possível o exercício de função diversa, ou mesmo quando concedido, mas cessado em razão do retorno da capacidade laboral, é preciso bom senso para analisar se o reingresso desse segurado no mercado de trabalho será, de fato, possível. Sendo negativa a resposta, está-se diante da chamada “incapacidade social”, passível de justificar a continuidade do recebimento do benefício respectivo. Trata-se de “enfermidade social” aquela que não permite adequar o segurado à competição que o mundo globalizado exige. O sentimento de ser uma pessoa “incapaz” é mais doloroso do que sentir dores físicas causadas por uma enfermidade, que a depender de qual seja passa e/ou permite o exercício da vida cotidiana normalmente. Nesse entendimento, o que se coloca é que a Autarquia Previdenciária, órgão que concede e denega benefícios, deve, utilizando-se do instituto da proteção previsto na Constituição do Brasil e na legislação previdenciária, reconhecer a existência da incapacidade social, garantindo meios de suprir as necessidades vitais do segurado, impedindo que fique à margem da sociedade e à mercê da caridade alheia, hoje tão desprezada. No caso em questão, tem-se que é necessária a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual não pode ser banalizado, mas sim, ter seu papel devidamente reconhecido. Deixar de prover o sustento daquele que recebeu benefício, e agora, recuperado da incapacidade física ou psicológica, encontra-se em situação de incapacidade social, é esquecer os fundamentos e princípios elementares que regem a República Federativa do Brasil e formam o Estado democrático de direito. 103 A incapacidade social equipara-se à “invalidez social”, pois o segurado nessa condição não possui meios de prover o próprio sustento e o de sua família, em razão de não poder “caminhar com seus próprios pés”. Isso se deve ao fato de que o segurado, ao sair de uma situação de incapacidade de ordem física ou psicológica, muitas vezes não consegue, em razão do fator idade e/ou escolaridade, adquirir dignamente um novo emprego e retornar ao mercado de trabalho. No caso, essa pessoa, ainda “nova” por não se achar sequer na terceira idade, acaba por não ser inserida no mercado de trabalho, como se não tivesse condições de se adequar, e, de fato, no mundo atual globalizado, não o tem. Os únicos benefícios por incapacidade que asseguram estabilidade são os de natureza acidentária. Não há previsão normativa de que modalidades diversas, como por exemplo, o benefício de auxílio-doença, também possuam tal prerrogativa. No caso, ao se recuperar da doença, cessado o benefício, nada garante que o empregador aceite esse trabalhador novamente, não sendo necessário motivar a demissão, pois seria uma “demissão sem justa causa”, perfeitamente admitida no Direito do Trabalho, o que geralmente ocorre. Em vista disso, é necessária a utilização do chamado “ativismo judicial”, para que tome alguma providência com o objetivo de amparar esse trabalhador. Segundo os julgados pátrios, os magistrados têm considerado a incapacidade social no momento de proferir a decisão, alegando que não há como se deixar de reconhecer a inviabilidade do retorno desse segurado incapaz ao trabalho, devendo, portanto, ser-lhe concedido o benefício requerido. 124 124 Ementa: PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - REQUISITOS - PREENCHIMENTO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - Tendo em vista a patologia apresentada pela autora, em cotejo com suas atividades habitualmente exercidas (trabalho rural), as quais exigem esforço físico, sua idade (51 anos à época da elaboração do laudo) e grau de instrução (2ª série do 1º grau), não há como se deixar de reconhecer a inviabilidade de seu retorno ao trabalho, ou, tampouco, possibilidade de reabilitação para o exercício de outra atividade que lhe garanta a subsistência, devendo, portanto, ser lhe concedido o benefício de 104 De acordo com Ribeiro 125 , os juízes, quando vão proferir a sentença de concessão do benefício de auxílio-doença, e, principalmente de aposentadoria por invalidez, devem considerar os fatores idade, grau de escolaridade e acesso ao mercado de trabalho. Somente considerando esses fatores sociais, além dos corpóreos, a decisão caminhará rumo ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, a perícia administrativa ou judicial exclusivamente médica possui limitação na constatação da incapacidade laboral, já que foge ao conhecimento da medicina os fatores sociais e ambientais. Por essa razão, é chegado o momento de implementar na Previdência Social uma perícia médica multidisciplinar para avaliar a incapacidade do trabalhador. aposentadoria por invalidez, nos termos do art.42 da Lei nº 8.213/91. II - Existência de início de prova material corroborada por depoimentos testemunhais a comprovar a atividade rurícola exercida pela autora. III - A jurisprudência é pacífica no sentido de que não perde o direito ao benefício o segurado que deixa de contribuir para a previdência por estar incapacitado para o trabalho. Veja-se a respeito: STJ, RESP 84152, DJ 19/12/02, p. 453, Rel. Min. Hamilton Carvalhido. IV - Cumprimento dos requisitos no tocante à carência necessária para a concessão do benefício, demonstrada, ainda, a manutenção da qualidade de segurada da autora. V - O termo inicial do benefício deve ser considerado a partir da data da realização do laudo médico judicial VI - Nas ações que versem sobre benefícios previdenciários, os honorários advocatícios devem ser fixados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a data da r. sentença recorrida. (Súmula 111 do STJ). VII - O benefício deve ser implantado de imediato, tendo em vista a nova redação dada ao "caput" do artigo 461 do CPC, pela Lei nº10.444/02. VIII - Apelação do réu improvida. SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal 3ª Região. Apelação Cível nº 16375/SP. Relator(a): Desembargador Federal Sergio Nascimento. São Paulo, de 23 de agosto de 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 jun 2013. PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - REQUISITOS - PREENCHIMENTO - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CUSTAS PROCESSUAIS - IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. I - Tendo em vista a patologia apresentada pelo autor, revelando sua incapacidade parcial e permanente para o labor, ou seja, apresentando impedimento para realizar atividades que exijam esforço físico, em cotejo com sua profissão (pedreiro), bem como sua idade (68 anos), não há como se deixar de reconhecer a inviabilidade de seu retorno ao trabalho, ou, tampouco, a impossibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, razão pela qual deve ser lhe concedido o benefício de aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42 da Lei 8.213/91. (...) VII - Apelação do autor provida. SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal 3ª Região. Apelação Cível nº 1.283.075/SP, da 10ª Turma. Relator: Desembargador Federal Sergio Nascimento. São Paulo, 27 de maio de 2008. Disponível em: . Acesso em: 20 jun 2013. 125 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Atualidades sobre o auxílio-doença. In: FOLMANN, Melissa (coord). Previdência nos 60 anos da declaração de direitos humanos e nos 20 da Constituição Brasileira. Curitiba: Juruá, 2008, pp. 189-190. 105 5 INCAPACIDADE LABORAL A força de trabalho humano é um bem juridicamente tutelado com mensuração econômica. A incapacidade, por sua vez, é uma limitação à força de trabalho humano, sendo um problema que preocupa o Estado e aflige milhões de brasileiros. Inexiste um conceito legal de incapacidade. Cabe à doutrina e a jurisprudência definir e delimitar o campo de abrangência da incapacidade, a qual possui repercussão nos campos previdenciário, assistencial, administrativo, civil, criminal e trabalhista. Alguns conceitos jurídicos possuem conteúdo inequívoco, ou seja, de maneira precisa, outros, por sua vez, possuem um vasto campo de significação, necessitando de atividade interpretativa por parte dos doutrinadores e dos juristas. Dentre os conceitos jurídicos indeterminados, encontra-se a incapacidade laboral. Segundo Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro 126, “incapacidade é a impossibilidade temporária ou definitiva do desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações provocadas por doença ou acidente, para o qual o examinado estava previamente habilitado”. Conforme se pode observar, o trabalhador fica impossibilitado de trabalhar em razão de doença ou lesão, bem como pelo agravamento desta. Todavia, não é a doença ou lesão por si o fato gerador do benefício previdenciário, mas a própria incapacidade que esta acarreta. A incapacidade para o trabalho é constatada pelo médico da empresa/órgão onde o trabalhador exerce sua atividade laboral, entretanto, para fins de percepção de benefício previdenciário, é preciso que o segurado seja submetido a exame pericial no INSS. De acordo 126 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Atualidades sobre o auxílio-doença. In: FOLMANN, Melissa (coord). Previdência nos 60 anos da declaração de direitos humanos e nos 20 da Constituição Brasileira. Curitiba: Juruá, 2008, p. 182 106 com Ribeiro, há falhas na perícia médica do INSS, o que às vezes também se dá por culpa do examinado, que comparece sem a documentação necessária para auxiliar o médico perito. No cotidiano das perícias técnicas do INSS, falhas são encontradas, como por exemplo, o pequeno espaço de tempo em que as perícias médicas são realizadas ou a falta de especialização dos médicos e, principalmente, a falta de critérios específicos. Além do mais, o que ocorre com frequência é os segurados que comparecem à perícia sem portar a documentação necessária para a verificação de sua doença ou lesão, dificultando, assim, o exame dos peritos. É por essa razão que muitos pedidos de benefícios são negados na via administrativa, fazendo com que os segurados se socorram da via judicial. 127 Todavia, caso o examinado discorde do laudo pericial, é possível o ajuizamento de ação judicial, no qual será realizada nova perícia médica, dessa vez, por profissional auxiliar da Justiça, ao que o magistrado proferirá sentença com base nas provas coletadas. Nem sempre houve a preocupação do Estado com o trabalhador portador de incapacidade laboral. Apenas com a Constituição Federal de 1988 128 é que medidas de caráter punitivo e educativo surgiram para resguardar aqueles que em seu ambiente de trabalho sofreram algum tipo de lesão. Essa incapacidade ocorre quando um trabalhador fica impossibilitado de exercer atividade remunerada para o seu sustento e o de sua família, não obrigatoriamente sendo causada por algum tipo de acidente. A incapacidade laboral pode ser tanto de caráter provisório, a exemplo daquele que está acometido por doença e recebe benefício de auxílio- doença, como pode ser de caráter definitivo, a exemplo da pessoa com sua capacidade física ou mental comprometida que recebe benefício de aposentadoria por invalidez. 127 Id., Ibid., p. 194. 128 Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; 107 No Brasil, é comum o afastamento de trabalhadores de seus empregos em razão de acidente ou doença. Oliveira 129 diz que, no Brasil, diariamente, por volta de 900 (novecentas) pessoas entram em gozo de benefício de auxílio-doença acidentário. Diz ainda que mais de 40 (quarenta) brasileiros por dia deixam definitivamente o mundo do trabalho, seja por morte ou por incapacidade laborativa permanente, sendo que a maioria desses acidentes se dá por culpa do empregador. Como se verifica, são números alarmantes que acarretam a concessão de benefícios previdenciários em favor dos segurados e de seus dependentes. Ainda de acordo com o citado doutrinador 130 , nas últimas décadas, a Previdência Social absorveu a infortunística para fins de concessão de benefícios, sendo que os direitos acidentários passaram a ser confundidos com os benefícios previdenciários. Nos casos de redução da capacidade laborativa, a depender de qual seja, terá tratamento diferenciado pela Previdência Social, que concede benefício previdenciário específico para cada tipo de incapacidade. No caso concreto, a existência de capacidade civil não guarda relação com a incapacidade laborativa, não representando óbice ao recebimento de benefício previdenciário. Destaque-se que a expressão “trabalhador com incapacidade” abrange os indivíduos cujas perspectivas de trabalhar estão comprometidas, em razão de doença ou incapacidade por deficiência adquirida. Esse trabalhador tem reduzida sua capacidade de ganho, o que compromete a sua subsistência. De acordo com o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde 131 , a incapacidade laborativa foi definida pelo INSS como a impossibilidade de o trabalhador 129 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 29. 130 Id., Ibid., p. 29. 131 DIAS, Elizabete Costa (Org.). Ministério da Saúde do Brasil. Organização Pan-Americana da Saúde/Brasil. Doenças relacionadas ao Trabalho. Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. série A. n. 114. 108 desempenhar as funções específicas de uma atividade ou ocupação, em razão das alterações morfopsicofisiológicas que a doença ou acidente provocam. Ainda de acordo com o manual, a Previdência Social entende impossibilidade como incapacidade para o trabalho. Na avaliação do examinado que alega ser portador de incapacidade laborativa, o ponto de referência a ser observado é a própria condição do segurado, diferenciando sua fonte de renda enquanto trabalhava e sua atual impossibilidade de auferir renda. Nem sempre a existência de doença ou lesão significa incapacidade. O que se observa na vida prática é que muitas pessoas portadoras de doenças definidas, como por exemplo, diabetes, hipertensão arterial ou lesões do tipo sequelas de paralisia infantil, amputações de parte do corpo, entendem que possuem direito a algum benefício previdenciário por essa razão. Todavia, essas pessoas tanto podem quanto devem trabalhar. Já nos casos de haver agravamento da doença ou lesão, o qual deve ser de natureza anatômica, funcional ou psíquica, que impeça o desenvolvimento da atividade laboral, o trabalhador passará a ser portador de incapacidade laboral e, consequentemente, terá direito à percepção de benefício previdenciário. 5.1 INCAPACIDADE, DISCAPACIDADE E INVALIDEZ A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece no artigo I que todos os seres humanos são livres e iguais em dignidade e direitos desde o nascimento, sendo dotados de razão e consciência, devendo agir com espírito de fraternidade nas relações entre si. Brasília: Editora MS, 2001. p. 56. Disponível em: < http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/02_0388_M1.pdf>. Acesso em: 25 de abr. 2013. 109 O artigo XXV, por sua vez, trata dos padrões necessários para assegurar o bem-estar do ser humano, inclusive as garantias para assegurá-lo nos momentos de necessidade em razão da ocorrência dos riscos sociais e individuais. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos 132 , todo ser humano tem direito a possuir um padrão de vida que lhe garanta dignidade, como saúde, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, serviços sociais indispensáveis e segurança em casos de riscos que acarretem a perda de sua fonte de renda para sustento próprio e da família. No caso, para os direitos humanos, é imprescindível que o homem tenha condições mínimas para viver com dignidade, não podendo ser desamparado em casos de infortúnio, como por exemplo, na perda da capacidade laboral por doença ou deficiência. Capacidade laborativa seria, pois, a condição física e mental para o exercício de atividade produtiva. Para Ferreira 133 , capacidade laborativa é a expressão utilizada para verificar se o segurado está apto ou não para o trabalho, havendo constantes divergências entre empregados e empregadores, Estado, médicos peritos e advogados quanto ao assunto. De toda forma, o médico perito forma sua convicção através de sua experiência, fazendo comparações entre os segurados portadores de patologias semelhantes. A existência de um critério objetivo para a constatação da incapacidade auxiliaria o perito em sua avaliação. A capacidade laborativa é uma expressão utilizada para reconhecer a habilidade do trabalhador no desempenho de suas atividades profissionais. Assim, o trabalhador é considerado capaz para exercer uma determinada atividade quando reúne as condições físicas e psicológicas necessárias. 132 UNIC. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 27 de abr. 2013. 133 FERREIRA, Hélbio Bonifácio. A capacidade laborativa vista pelo médico perito. Artigo publicado no Informativo n. 64 do Sindicado dos Médicos do D.F. em 2007. Disponível em: . Acesso em: 27 de abr. 2013. 110 Geralmente, o trabalhador perde a capacidade laborativa em razão de doença ou deficiência adquirida no meio ambiente do trabalho. Todavia, importante destacar que possuir capacidade laborativa não significa, necessariamente, que o trabalhador não possua doença ou lesão. No caso, deve-se observar se essa doença ou lesão prejudica o desempenho das atividades laborais. A Lei nº 8.213/1991 trata do acidente do trabalho, dizendo que é aquele que provoca lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, acidente que ocorre pelo exercício do trabalho. Com relação à doença ocupacional, seria aquela desencadeada durante o exercício do trabalho, ligada à determinada atividade laboral. Essa doença, para ser considerada ocupacional, deve constar da relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, bem como da Previdência Social. De acordo com Hertz Jacinto Costa 134 , “doenças ocupacionais são as moléstias de evolução lenta e progressiva, originárias de causa igualmente gradativa e durável, vinculadas às condições de trabalho”. As doenças ocupacionais acontecem em razão do meio ambiente inadequado do trabalho, exposição constante do trabalhador a agentes nocivos presentes no âmbito do trabalho. As doenças ocupacionais subdividem-se em doença profissional e doença do trabalho, nos termos do artigo 20, incisos I e II da Lei nº 8.213/1991 135 . Ao possuir algum tipo de doença ocupacional superior a quinze dias, o trabalhador deve ser afastado de seu emprego para fins de repouso e percepção de benefício 134 COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2009, pp. 74-75. 135 Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. 111 previdenciário, pois a continuidade do exercício da atividade pode ocasionar o agravamento da doença ou fazer surgir novas. Antigamente, a cultura brasileira era de responsabilizar o trabalhador pelo acidente cometido no ambiente do trabalho, alegando negligência, falta de cuidado, entre outros motivos. Com a evolução social, o culpado não se torna o ponto central do acidente do trabalho, mas importa questionar quais as causas do evento. Assim, buscando livrar-se de qualquer tipo de responsabilidade, o conceito de ato inseguro foi criado e muito usado pelos empregadores. O ato inseguro seria toda forma equivocada de trabalhar, ou seja, seria exercer o labor desrespeitando as normas de segurança do trabalho, como por exemplo, deixar de usar equipamento de proteção individual (EPI) e entrar em áreas proibidas, o que acaba ocasionando o acidente de trabalho e, por consequência, a incapacidade laboral. Para Oswaldo Michel 136, ato inseguro seria “a maneira pela qual o trabalhador se expõe, consciente ou inconscientemente a risco de acidentes. Em outras palavras, é um certo tipo de comportamento que leva ao acidente”. O ato inseguro acontece através de atitudes conscientes ou não do trabalhador, as quais podem causar acidentes ou ferimentos no meio ambiente de trabalho. Destaque-se que, o ato inseguro não impede a responsabilização do empregador, como este deseja. Há ainda a chamada condição insegura, que se trata daquela existente no meio ambiente de trabalho capaz de causar acidente ou contribuir para sua ocorrência. Para Michel 137 , a ausência de segurança no trabalho seria o fator que mais provoca acidentes de trabalho. No caso, seriam as condições físicas do ambiente de trabalho, como por exemplo, 136 MICHEL, Oswaldo. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. 2. ed. rev., ampl. São Paulo: Ltr, 2001, p. 55. 137 Id., Ibid., p. 53. 112 um piso escorregadio e armazenamentos errados. Cabe, pois, ao empregador, tratar da devida prevenção de acidentes no ambiente de trabalho. Além desses fatores que provocam acidentes de trabalho e, consequentemente, incapacidade laboral, tem-se o fator pessoal de insegurança, o qual os trabalhadores são a causa que propicia a ocorrência de acidentes, através de sua conduta, como por exemplo, desconhecimento do risco. Todos esses conceitos convergem para a caracterização da incapacidade laboral, mas há ainda que se falar na discapacidade e invalidez. A descapacidade 138 é uma nomenclatura nova, pouco conhecida, a qual foi conceituada por Jorge Paulete Vanrell 139 . Para ele, a descapacidade “é a limitação de uma ou várias funções orgânicas, intelectuais ou psíquicas que acarretam a diminuição, parcial ou total, das aptidões da pessoa, no terreno físico, intelectual e/ou mental, para determinada atividade.” No caso, a discapacidade faz diminuir, em parte ou totalmente, as aptidões do trabalhador em alguma esfera de sua estrutura corporal e humana. A invalidez, por sua vez, segundo o mesmo autor 140, seria “a possibilidade de trabalhar – seja por causa de idade, doença física ou mental, mutilação ou paralisia –, tornando a pessoa imprestável, inutilizando-a para o desempenho de alguma função produtiva ou rentável”. Seriam as deficiências incapacitantes para o exercício de atividade laboral. A Constituição do Brasil elenca dispositivos que tratam dos interesses específicos dos deficientes, tais como os artigos 7º, inciso XXXI; 23, inciso II; 24, inciso XIV; 37, inciso VIII; 203, inciso V; e 227, § 2º, dentre outros que não fazem referência expressa. Da leitura dos artigos conclui-se que é ônus do poder público a promoção da proteção ao deficiente. 138 A palavra “descapacidade” não existe no idioma brasileiro. Existe uma, importada e adaptada do espanhol, que é “discapacidade”, todavia a expressão é utilizada por Jorge Paulete Vanrell. 139 VANRELL, Jorge Paulete. Perícias médicas judiciais. Leme: J. H. Mizuno, 2013, p. 32. 140 Id., Ibid., p. 32. 113 Em se tratando da invalidez como incapacidade para o trabalho, essa proteção constitucional determina que sejam concedidos benefícios previdenciários em favor dos segurados que se encontram nessa situação. 5.2 A INCAPACIDADE COMO FATO GERADOR DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS A incapacidade no contexto do Direito previdenciário é instituto jurídico ou fato gerador norteador da concessão de benefícios. Embora, aparentemente, o instituto da incapacidade seja objeto de disposição pelo gestor da Previdência Social, não se trata de simples questão administrativa, pois ela permeia a esfera de direitos do segurado, o qual tem proteção constitucional e previdenciária. O benefício previdenciário destina-se a amparar o segurado que se encontra impossibilitado de, às próprias expensas, manter o próprio sustento e o de sua família através do trabalho. Assim, o trabalhador segurado da Previdência Social que, por algum motivo, ficar impossibilitado de exercer sua atividade laboral, deve receber a devida proteção previdenciária, ou seja, o benefício por incapacidade correspondente, independentemente da carência quando não exigível. Nesse sentido, o artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/1991 141 mostra isso. O instituto jurídico incapacidade está relacionado à condição infortunística aplicável a qualquer dos segurados da Previdência Social e seus dependentes. Essa incapacidade gera 141 Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: (...) II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado. 114 para o Estado a obrigação de fornecer proteção como contraprestação às contribuições recebidas. A incapacidade possui relação com a condição física ou mental na qual o trabalhador se encontra. A Lei nº 8.213/1991, em obediência à Constituição do Brasil, elenca em seu corpo normativo situações nas quais o instituto da incapacidade é caracterizado como fato gerador que dá direito ao segurado de pleitear perante a Previdência Social a proteção respectiva. Embora os benefícios previdenciários sejam extensíveis aos dependentes do segurado, o trabalho em questão é voltado para o trabalhador portador de incapacidade. A incapacidade não é apenas a ausência de condição física ou psicológica em que se encontra o segurado, mas também o fato de que esta pode ocasionar para o Estado o dever de prestar assistência material. Assim, verificada a incapacidade do segurado, nasce o direito de proteção pela Previdência Social. Desse modo, a incapacidade sairia do conceito médico para adquirir caráter normativo gerador de direitos e obrigações. É inegável o aumento do número de concessão de benefícios tendo a incapacidade como fundamento. Assim, a incapacidade é um fato gerador para a concessão/recebimento de benefício previdenciário, todavia, para a sua percepção, é preciso ser segurado, preenchendo determinados requisitos. O artigo 9º do Decreto nº 3.048/1999 lista quinze situações em que empregados são considerados segurados pelo Regime Geral da Previdência Social. Referido decreto define, ainda, as condições para que outras categorias, entre elas, a dos empregados domésticos, a dos trabalhadores avulsos, a dos contribuintes individuais e a dos segurados especiais, sejam consideradas seguradas pela Previdência Social. 115 O sistema previdenciário segue determinação constitucional prevista no artigo 201, o qual fala da necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social. O artigo 40 da Constituição do Brasil, no mesmo sentido, também fala desse equilíbrio. O equilíbrio financeiro e atuarial significa que as receitas previdenciárias devem pagar as despesas previdenciárias, devendo, inclusive, serem suficientes para o pagamento de benefícios futuros. Para Rocha 142, “[...] a ideia reitora desse princípio é que as prestações previdenciárias contempladas pelo sistema de previdência possam ser efetivamente honradas, no presente e no futuro, em razão do sistema de financiamento e suas fontes [...].” Assim, compete ao Estado zelar pelo equilíbrio da Previdência Social, não só ele, como também toda a sociedade. Dessa forma, uma vez que a incapacidade é fato gerador de muitos benefícios previdenciários, os quais são mantidos pelas contribuições que, por meio de cálculos atuariais, preveem a possibilidade de manutenção desse sistema, é preciso o senso de responsabilidade por parte de todos os membros da sociedade quando do requerimento de um benefício, evitando que sejam banalizadas incapacidades em detrimento de verdadeiras necessidades humanas. 5.2.1 Tipos de incapacidade A incapacidade está prevista no artigo 1º do Código Civil quando diz que todo ser humano é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Assim, ele estipula quais as condições 142 ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à previdência social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 157. 116 em que uma pessoa possui incapacidade absoluta 143 e incapacidade relativa 144 . Embora a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil seja assunto de relevante importância para o direito civil, o foco do presente trabalho se volta à seara constitucional previdenciária. A incapacidade compreende, para melhor análise, os seguintes parâmetros: o grau, a duração e a abrangência da tarefa desempenhada. Quanto ao grau, a incapacidade laborativa pode ser parcial ou total. Quanto à duração, divide-se em temporária ou permanente. Com relação à abrangência da tarefa desempenhada, pode ser classificada como uniprofissional, multiprofissional e omniprofissional. De acordo com o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde 145 , a legislação previdenciária atual não contempla todas essas divisões, razão pela qual fica ao encargo do médico-perito do INSS se pronunciar em relação às seguintes questões: • a existência (ou não) de incapacidade laborativa em curto prazo e sobre a concessão do benefício previdenciário correspondente, auxílio-doença, como regulamentado pelos arts. 71 a 80 do Decreto n.º 3.048/1999; • a concessão (ou não) de auxílio-acidente, “concedido, como indenização, ao segurado empregado, exceto o doméstico, ao trabalhador avulso, ao segurado especial e ao médico-residente quando, após a consolidação das lesões decorrentes do acidente de qualquer natureza, resultar seqüela definitiva” que se enquadre nas condições estabelecidas pelo art. 104 do Decreto n.º 3.048/1999; • a concessão (ou não) de aposentadoria por invalidez devida ao segurado que, “estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”, nas condições estabelecidas pelos arts. 43 a 50 do Decreto n.º 3.048/1999. 143 Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. 144 Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. 145 DIAS, Elizabete Costa (Org.). Ministério da Saúde do Brasil. Organização pan-americana da saúde/Brasil. doenças relacionadas ao trabalho. Manual de procedimentos para os serviços de saúde. série A. n. 114. Brasília: Editora MS, 2001. p. 56. Disponível em: < http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/02_0388_M1.pdf>. Acesso em: 25 de abr. 2013. 117 Para a verificação do tipo de incapacidade e concessão do benefício respectivo, o médico-perito do INSS deverá, ainda, identificar a existência de nexo de causalidade entre o trabalho e a situação ensejadora do benefício, nos termos do artigo 337 do Decreto n.º 3.048/1999, que diz: “o acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. I - o acidente e a lesão; II - a doença e o trabalho; e III - a causa mortis e o acidente”. Com relação aos tipos de incapacidade quanto ao grau, considera-se parcial o nível de incapacidade laborativa que permite o desempenho das atribuições do cargo, desde que sem risco de vida ou agravamento da situação, ou seja, a perícia médica constata que há uma redução da capacidade para o exercício daquele labor, mas não há um impedimento físico total para a sua execução. No caso, o trabalhador poderá continuar exercendo sua atividade profissional, mas não com o mesmo esforço. Esse tipo de incapacidade remete à estudada incapacidade social, pois no mundo globalizado atual não há espaço para trabalhadores que não desenvolvem sua atividade com a sua máxima capacidade. É necessário cumprir prazos e metas com a maior eficiência, sob pena de ser substituído por outrem. Necessário destacar que, em muitos casos, esse trabalhador, durante sua vida laborativa, sempre exerceu aquela determinada função ou atribuição semelhante, sem qualificação suficiente para ser admitido em trabalho diferente. Ainda quanto ao grau, considera-se como incapacidade total aquela que ocasiona impossibilidade de desempenhar as atribuições do cargo, não permitindo atingir a média de rendimento alcançada em condições normais pelos servidores detentores de cargo, função ou emprego. Com relação aos tipos de incapacidade quanto à duração, considera-se temporária a incapacidade laborativa para a qual se pode esperar recuperação dentro de prazo previsível. 118 Na incapacidade temporária, tem-se o exemplo do benefício de auxílio-doença previsto no artigo 59 da Lei nº 8.213/1991. Embora não se saiba o prazo de duração de determinada doença, a concessão do benefício é para aqueles que ficarem incapacitados para o trabalho ou atividade habitual por mais de quinze dias, devendo ser estipulado de acordo com a duração da doença, razão pela qual o INSS determina que se realizem novas perícias para verificar se a situação de incapacidade do segurado permanece, pois assim seria devido um benefício permanente ao invés de temporário. Considera-se permanente a incapacidade insuscetível de recuperação com os recursos da medicina disponíveis. Quanto à abrangência profissional, por sua vez, cumpre salientar que a incapacidade laborativa uniprofissional é aquela em que o trabalhador fica impedido de trabalhar em apenas uma atividade específica do cargo, função ou emprego, ou seja, ele continua capaz de exercer seu labor, todavia fica impossibilitado em determinada tarefa. A incapacidade laborativa multiprofissional, pois, é aquela em que o trabalhador fica impedido de exercer seu labor com relação a diversas atividades do cargo, função ou emprego que ocupa. Por fim, a incapacidade laborativa omniprofissional implica a impossibilidade de trabalhar em toda e qualquer atividade de valor econômico. Nesse caso, o trabalhador fica impossibilitado de ganhar o próprio sustento e o de sua família, necessitando de proteção face à sua incapacidade. 5.2.2 Fatores causadores de incapacidade 119 Vários são os agentes que causam incapacidade. Essa incapacidade pode advir de diversas causas, no caso riscos causados por agentes físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes, os quais atuam no organismo humano, trazendo prejuízos à saúde, que, segundo a Constituição do Brasil, no artigo 196, “é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Os agentes de riscos físicos são aqueles em que o trabalhador, durante a realização de suas tarefas, fica exposto a agentes prejudiciais à saúde, como por exemplo, ruídos, vibrações, radiações, frio, calor, umidade, entre outros. Os ruídos seriam provenientes das máquinas e equipamentos utilizados para o labor, as quais em muitos casos produzem sons a níveis excessivos, podendo causar prejuízos à saúde, como a surdez total ou parcial. As vibrações também seriam provenientes do uso de equipamentos mecânicos, principalmente na indústria. As radiações, por sua vez, podem ser ionizantes ou não ionizantes. As radiações ionizantes geralmente atingem aqueles que operam aparelhos de Raios-X, já as radiações não ionizantes são aquelas chamadas infravermelhas, raios laser e ultravioleta, as quais podem agravar problemas de visão, provocar queimaduras, câncer de pele, entre outras doenças. A Norma Regulamentadora (NR) nº 9, que estabelece o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, trata das medidas de controle dos riscos causadores de incapacidade, ao que, nos termos do item 9.3.5.2, o estudo, desenvolvimento e implantação de medidas de proteção coletiva devem obedecer a uma hierarquia, no caso: “a) medidas que eliminam ou reduzam a utilização ou a formação de agentes prejudiciais à saúde; b) medidas que previnam a liberação ou disseminação desses agentes no ambiente de trabalho; c) medidas que reduzam 120 os níveis ou a concentração desses agentes no ambiente de trabalho”. Além dos agentes físicos, os agentes químicos também podem causar incapacidade. Os agentes de riscos químicos são definidos como as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo do trabalhador. É o que diz a NR nº 9. Esses agentes, ao entrarem em contato com o ser humano, podem provocar danos à saúde, seja imediatamente ou em médio ou longo prazo. Conforme a citada NR, essa penetração dos agentes químicos no organismo pode ocorrer pela via respiratória, afetando a garganta e/ou os pulmões ou pela circulação sanguínea. Também pode penetrar pela via cutânea, através da pele, como por exemplo, os ácidos, álcalis e solventes. Além dessas formas, a penetração dos agentes químicos no organismo pode acontecer pela via digestiva, ingestão acidental de substância prejudicial presente, muitas vezes, em alimentos contaminados ou pela falta de higiene no meio ambiente de trabalho. Os agentes de riscos biológicos, todavia, são aqueles que aparecem quando o ser humano entra em contato com micróbios e animais no ambiente laboral. Segundo a NR nº 9, “9.1.5.3 Consideram-se agentes biológicos as bactérias, fungos, bacilos, parasitas, protozoários, vírus, entre outros”. Esse tipo de risco ambiental, fator que pode ocasionar incapacidade, geralmente está presente nos ambientes de trabalho como hospitais, coleta de lixo, laboratórios, entre outros tipos de atividades. Os agentes físicos, químicos e biológicos são considerados riscos ambientais, segundo a NR nº 9, item 9.1.5, que diz que são considerados riscos ambientais os agentes físicos, químicos e biológicos que existem nos ambientes de trabalho e são capazes de causar danos à saúde do trabalhador. 121 Além desses, outros fatores são os ergonômicos e de acidentes. Os riscos ergonômicos têm previsão na Norma Regulamentadora nº 17. Segundo esta, no item 17.5.1, “as condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado”. Segundo essa norma, no item 17.1.1, “as condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do trabalho”, ou seja, os riscos ergonômicos estão ligados às condições de trabalho, as quais devem ser favoráveis aos trabalhadores de modo a evitar distúrbios psicológicos e fisiológicos. Como exemplos, podem ser citados a fadiga, as dores musculares, a hipertensão arterial, acidentes, problemas de coluna, infarto, entre outros males. Assim, para evitar situações desse tipo que comprometam a atividade laborativa, é preciso que o empregador faça a devida adequação das condições de trabalho, conforme item 17.1.2 da NR nº 17, que diz: “[...] cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma Regulamentadora”. No caso, é preciso que o empregador adote uma postura adequada de prevenção de riscos e, consequentemente, de incapacidade. Quanto aos agentes causadores de acidentes, conhecidos também como riscos mecânicos, importa dizer que são aqueles relacionados às condições físicas e tecnológicas impróprias do meio ambiente de trabalho, as quais podem pôr em risco a integridade física do trabalhador. Esse tipo de risco tem previsão na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – Norma Regulamentadora nº 5, que tem como objetivo no item 5.1 “[...] a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o 122 trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador”. Como exemplo, é possível citar o incêndio ou explosão do ambiente de trabalho. Desse modo, para evitar que os fatores causadores de incapacidade deixem de ser teoria e passem a ser realidade, é preciso a adoção de programas voltados para a prevenção de riscos. Embora a sociedade capitalista atual seja voltada à produção e lucro desenfreado, é preciso consciência para, esquecendo a ganância, cercar a atividade laborativa de cuidados especiais que protejam, efetivamente, o trabalhador no seu local de trabalho. 5.3 O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL NO PERÍODO DE INCAPACIDADE Quando portador de incapacidade laboral, o trabalhador fica impossibilitado de exercer atividade remunerada para o seu sustento e o de sua família, o que lhe confere o direito à percepção de benefício previdenciário, quando preenchidos os requisitos necessários para a sua concessão. Durante esse período de incapacidade, o trabalhador não pode exercer qualquer tipo de atividade laborativa, sob pena de ter seu benefício cancelado. Muitas vezes, quando da realização de audiência de instrução judicial que pleiteia determinado benefício por incapacidade ou mesmo quando o segurado passa por perícia médica e é questionado quanto ao exercício de atividade laborativa, em sendo positiva a resposta, é causa de cancelamento, não concessão, improcedência do pedido. Não se admite que alguém que recorre ao INSS para fins de perceber benefício por incapacidade, labore em atividade diversa ou semelhante. Se assim o fosse, não se poderia falar em incapacidade. 123 É o que se verifica do conceito de incapacidade, que pressupõe a temporária ou definitiva situação que impossibilita o segurado da Previdência Social de exercer atividade laborativa. No caso da incapacidade temporária, o segurado recebe benefício de auxílio-doença, em sendo uma incapacidade definitiva, recebe benefício de aposentadoria por invalidez. Assim, o segurado passa a não possuir condições de garantir a sua manutenção por meio do trabalho. É o que se depreende da leitura da Lei nº 8.213/91. Conforme o texto legal, o benefício de aposentadoria por invalidez é pago ao segurado enquanto permanecer na situação de incapacidade. O benefício de auxílio-doença, no mesmo sentido, será devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, ou seja, a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade. Caso o trabalhador retorne, voluntariamente, ao trabalho, o benefício previdenciário cessará imediatamente, pois se presume que o segurado readquiriu sua capacidade laboral. A Lei nº 8.213/1991 estabelece que “o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno”, nos termos do artigo 46. Os benefícios de auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez são concedidos àqueles que deles necessitam, em razão de não ter condições físicas ou psicológicas para o exercício de atividade remunerada. Não raro, a jurisprudência pátria 146 146 Ementa: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RETORNO À ATIVIDADE REMUNERADA. CANCELAMENTO. VERBA HONORÁRIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. 1. O benefício de aposentadoria por invalidez pressupõe a incapacidade laborativa total e permanente; por isso o retorno ao exercício de qualquer atividade remunerada descaracteriza tal pressuposto e implica seu cancelamento (Lei 8.213/91, art. 46). 2. A compensação da verba honorária a ser paga pelas partes em razão de sucumbência recíproca (CPC, art. 21), não colide com os preceitos dos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) e tampouco é obstado pelo benefício da Justiça Gratuita. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal 4ª região. Apelação Cível nº 7108/RS, da 6ª Turma. Relator(a): João Batista Pinto Silveira. Rio Grande do Sul, 06 de abril de 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 jun 2013. 124 tem determinado o cancelamento de benefícios previdenciários nos casos em que o segurado, recebendo benefício por incapacidade, retorna ao trabalho, descaracterizando assim a necessidade de seu recebimento. Há também a situação em que o trabalhador retorna ao trabalho por ordem do perito da autarquia previdenciária que, ao examinar o segurado, verifica ou pressupõe que ele está apto a voltar a sua atividade laborativa. Existem também casos em que o perito do INSS determina o retorno do segurado ao campo de trabalho, mas este volta a recorrer à autarquia previdenciária, pois ao fazer o esforço necessário para o exercício de sua atividade, verifica que se encontra impossibilitado. Mesmo assim, é imprescindível que o segurado se submeta à perícia do INSS antes de retornar ao trabalho, pois é este quem possui conhecimentos técnicos para definir a situação do segurado, embora ocorram algumas falhas. Obviamente que, uma vez recuperada a capacidade laborativa, o segurado deve retornar ao seu trabalho. O artigo 47 da Lei nº 8.213/1991 estabelece que, quando o segurado que recebia benefício de aposentadoria por invalidez recupera a sua capacidade de trabalho, deve retornar ao seu emprego, tendo seu benefício previdenciário cessado, seja de forma imediata ou regressiva. A forma imediata de cessação do benefício se dá quando a recuperação do segurado é total dentro de cinco anos; já a cessação regressiva é aquela que vai sendo cessada gradativamente até a sua completa extinção. Esta ocorre quando a recuperação, mesmo total, ocorre após cinco anos. Conforme o citado artigo, no caso de cessação regressiva, o trabalhador receberá duas remunerações, a do empregador e a do benefício de aposentadoria por invalidez, que, após dezoito meses, será interrompido. Já com relação à cessação do benefício de auxílio-doença, 125 não há nenhum dispositivo legal que traga previsão de cessação paulatina, ao que o segurado deve retornar à sua atividade laboral normalmente. Seja por retorno voluntário ou por determinação legal da autarquia previdenciária, ambos os casos referem-se à recuperação da capacidade laborativa pelo segurado. Todavia, há situações anômalas que se verificam no dia a dia, como por exemplo, o segurado que obtém benefício por incapacidade de forma indevida; a cessação indevida de benefício previdenciário por incapacidade laborativa por parte da Previdência Social e o benefício por incapacidade que não é concedido pelo INSS, mesmo sendo devido. De toda forma, o que se constata é que o exercício de atividade laboral no período de incapacidade não é possível, exceto nos casos em que o perito do INSS determina o retorno do segurado beneficiário de aposentadoria por invalidez ao trabalho, cessando seu benefício de forma regressiva. Assim, exercer atividade laborativa quando portador de incapacidade laboral gera efeitos em termos constitucionais, previdenciários e trabalhistas, repercutindo, assim, no contrato individual de trabalho. 5.4 OS EFEITOS DA INCAPACIDADE LABORAL NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO O acidente ocorrido no emprego, ao ocasionar incapacidade laborativa no empregado, traz consequências em relação ao contrato individual de trabalho, pois é necessário o afastamento do trabalhador de sua atividade. Os primeiros quinze dias de afastamento do trabalhador de suas atividades são remunerados pelo empregador, bem como contabilizados como período de serviço efetivo. 126 Em caso de o trabalhador, em razão da doença ou lesão, necessitar de período superior a quinze dias, passará a receber benefício do INSS. Haveria, pois, uma paralisação temporária da prestação do trabalho, passando o segurado a receber proventos da instituição de Previdência Social. Melhor dizendo, quando a incapacidade laborativa perdura por tempo igual ou inferior a quinze dias, o evento acidentário gera como efeito a interrupção do contrato de trabalho do empregado. De acordo com Sergio Pinto Martins 147, “haverá interrupção quando o empregado for remunerado normalmente, embora não preste serviços, contando-se também seu tempo de serviço, mostrando a existência de uma cessação provisória e parcial dos efeitos do contrato de trabalho”, ou seja, havendo a cessação de forma provisória e parcial do contrato de trabalho, o efeito que ocorre é que o trabalhador continua a contar o tempo de serviço, bem como a perceber sua remuneração como se estivesse trabalhando. No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros 148 conceitua a interrupção como sendo a paralisação temporária do trabalho por parte do empregado, sendo esse período de afastamento computado para todos os efeitos legais, ou seja, permanece a obrigação do empregador de pagar as vantagens decorrentes do pacto laboral, uma vez que a ausência do empregado não afeta seu tempo de serviço na empresa. Para que haja a interrupção do contrato de trabalho por ausência de capacidade laborativa, é preciso que esta seja constatada por profissional competente, um médico. Todavia, mesmo havendo atestado emitido por médico particular ou público escolhido pelo trabalhador, atestando a sua incapacidade, o empregador não é obrigado a aceitar. Esse é o entendimento do § 4º, do artigo 60, da Lei nº 8.213/91. 147 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 317. 148 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 868. 127 No caso, é obrigação da empresa proceder ao exame médico para a constatação da incapacidade do trabalhador. O § 1º, do artigo 75, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999, é também nesse sentido, dispondo que cabe à empresa o abono das faltas correspondentes aos primeiros quinze dias de afastamento, o que é constatado por meio de exame médico. O Enunciado 282 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) diz: “Ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros quinze dias de ausência ao trabalho”. Assim, a incapacidade laborativa por mais de quinze dias, obrigatoriamente, deve encaminhar o trabalhador à perícia médica do INSS. Em sendo constatada a lesão, com possibilidade de retorno ao trabalho, ser-lhe-á concedido um auxílio- doença acidentário, a partir do décimo sexto dia do afastamento da atividade. Esse caso trata de suspensão do contrato de trabalho, ou seja, o trabalhador fica afastado de suas funções, deixando, consequentemente, de receber salário. Passa, todavia, a receber do INSS valor mensal, nos termos da legislação previdenciária. No que diz respeito à suspensão do contrato de trabalho, Barros 149 afirma que “embora ocorra a cessação temporária da prestação de serviço, não há pagamento de salário e tampouco o período de afastamento é considerado para os efeitos legais”. O tempo de duração do benefício não será contado para nenhum efeito em relação à legislação obreira, salvo referente a férias, conforme combinação do artigo 131, inciso III, da CLT, com o artigo 133, inciso IV, da mesma legislação. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe, no artigo 475, que “o empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo 149 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 869. 128 fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício”. Dessa forma, o que se verifica é que a aposentadoria por invalidez suspende o contrato de trabalho. Outro efeito da incapacidade laboral é a impossibilidade de dissolver o contrato de trabalho suspenso. Em caso de acidente de trabalho, não é permitida a dissolução do contrato de trabalho do acidentado no período em que estiver em gozo do auxílio-doença acidentário, embora seja possível a despedida por justa causa no caso de o empregado acidentado cometer alguma falta grave, modalidades descritas no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, a prática de alguma conduta descrita nos incisos do artigo 482 da CLT permite a despedida por justa causa, mesmo no caso do empregado acidentado, todavia, não se admite a dissolução do contrato suspenso de forma imotivada ou por acordo firmado entre as partes. No caso, cometendo alguma das faltas do artigo 482 da CLT, é dever do empregador aplicar a penalidade da dispensa por justa causa de forma imediata, observando o princípio da imediatidade 150 , pois caso deixe para demitir o empregado por esse motivo, após a cessação do benefício, poderá ser considerado nulo pela Justiça obreira em razão de presumido perdão. Importa considerar, pois, que a dissolução contratual não acarreta prejuízo ao gozo do benefício acidentário, pois o segurado continua recebendo-o até quando for declarado apto para o exercício de atividade laboral. 5.5 CRITÉRIOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA INCAPACIDADE LABORAL 150 Sobre o princípio da imediatidade, Vólia defende que “a aplicação da punição deve ser seguida à falta, ou seja, entre a falta e a punição não deve haver período longo, sob pena de incorrer o empregador no perdão tácito.” IN: CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2011, p. 1110. 129 A incapacidade laboral é multifatorial, sendo diretamente afetada por fatores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais. 151 A capacidade afetada pelos fatores biológicos, psicológicos e sociais são o que a CIF chama de incapacidade biopsicossocial. A melhor forma de determinação da incapacidade é autodeclaração de incapacidade – que somente encontra viabilidade no mundo eticamente ideal. Na sociedade brasileira atual, constitui uma utopia aceitar a autodeclaração de incapacidade de presunção de veracidade para fins previdenciários. Cada tipo de incapacidade tem seus critérios de enquadramento correspondentes. Para a constatação da incapacidade laboral, é necessário que o segurado se submeta à avaliação pericial do INSS. Essa avaliação pericial é destinada à verificação do preenchimento de certos requisitos para a concessão do benefício. Assim sendo, é necessário constatar a presença de incapacidade laboral no segurado que busca a autarquia previdenciária visando ao benefício previdenciário. Para tanto, o segurado deve responder a quesitos previamente estabelecidos e de acordo com os critérios legais. Para ajudar nessa caracterização, existe a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que descreve situações relacionadas às funções exercidas pelo trabalhador, bem como por meio de uma linguagem acessível traz informações quanto à saúde do ser humano e suas restrições. Dentre os objetivos específicos da CIF, segundo o Manual da Organização Mundial de Saúde 152 , encontram-se: 151 Classificação Internacional de Funcionalidades – CIF. Comunicado de imprensa da Organização Mundial da Saúde (OMS) - 15 de Novembro de 2001. Disponível em: . Acesso em: 18 mai 2013 152 LEITÃO, Amélia (Tradução e Revisão). Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. Organização mundial da saúde. Lisboa: 2004, p. 9. Disponível em: < http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf>. Acesso em: 4 de abr. 2013. 130  proporcionar uma base científica para a compreensão e o estudo dos determinantes da saúde, dos resultados e das condições relacionadas com a saúde;  estabelecer uma linguagem comum para a descrição da saúde e dos estados relacionados com a saúde, para melhorar a comunicação entre diferentes utilizadores, tais como, profissionais de saúde, investigadores, políticos e decisores e o público, incluindo pessoas com incapacidades;  permitir a comparação de dados entre países, entre disciplinas relacionadas com os cuidados de saúde, entre serviços, e em diferentes momentos ao longo do tempo;  proporcionar um esquema de codificação para sistemas de informação de saúde. Para caracterizar a incapacidade laboral, no caso dos servidores federais, por exemplo, o critério de avaliação da capacidade laborativa deve levar em consideração alguns elementos, como sugere o manual para os serviços de saúde dos servidores públicos civis federais, criado através da Portaria MOG nº 1.675, de 6 de outubro de 2006 - DOU de 10/10/2006, a qual estabelece orientação para os procedimentos operacionais a serem implementados quando da concessão de benefícios de que trata a Lei nº 8.112/1990 e a Lei nº 8.527/1997. Segundo o referido manual 153 , a simples existência da doença no segurado não significa dizer que necessariamente há incapacidade laborativa, pois o que importa é a consequência desta para o desempenho das atividades do trabalhador. O manual 154 estabelece que é necessário examinar as alterações mórbidas, fazer exame físico, exames laboratoriais e, se necessário, obter pareceres de outros profissionais de saúde; além de histórico ocupacional, avaliação psicossocial e verificação do nexo causal da doença ou lesão com a ocupação do trabalhador, além de outras situações a serem analisadas, sempre observando os dispositivos legais. Desse modo, quando da avaliação da capacidade laborativa deste e suas consequências, o médico perito deve fazer verificar a presença da doença ou lesão e fazer uma 153 DOMINGUES JUNIOR, Luiz Roberto Pires (Coord.). Manual para os serviços de saúde dos servidores públicos civis federais. Disponível em: . Acesso em: 4 de abr. 2013. 154 Idem. 131 relação entre esta e a suposta incapacidade para o trabalho, observando ainda as condições e fatores externos ao trabalho. Assim, para a caracterização da incapacidade para o trabalho, devem ser consideradas todas as circunstâncias que contribuem para essa incapacidade, sem se prender apenas à doença ou lesão, mas avaliando, por meio de questionários, as condições socioeconômicas desse trabalhador, como por exemplo, qual o meio de transporte que utiliza para trabalhar e a possibilidade de este ser acompanhado por alguém, bem como o modo como se movimenta para o desenvolvimento de seu labor. Todo esse trabalho é realizado pelo médico perito do INSS. Em razão de muitas perícias e levantamentos realizados, bem como através das inúmeras concessões e negativas de benefícios relacionados a determinadas patologias e situações, é possível identificar por meio de estatísticas a possibilidade da concessão de benefícios por equiparação. 5.6 DADOS ESTATÍSTICOS DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 155 , a Previdência Social possui cerca de 30 (trinta) milhões de benefícios ativos, atingindo aproximadamente 15% (quinze por cento) dos 194 (cento e noventa e quatro) milhões de pessoas no Brasil, o que totaliza um gasto mensal de R$ 35 (trinta e cinco) bilhões. Dos benefícios concedidos, pouco mais da metade é aposentadoria; 16,7 milhões, das quais 8,7 milhões são por idade; 4,8 milhões por tempo de serviço e 3,2 milhões por 155 SARRES, Carolina. Aos 90 anos, Previdência brasileira concede 30 milhões de benefícios. Disponível em: . Acesso em: 11 de jul. 2013. 132 invalidez. Os demais benefícios pagos pela Previdência são a aposentadoria especial, os auxílios-doença, acidente e reclusão, os salários-maternidade e família e as pensões por morte. A Previdência Social possui bancos de dados, denominado Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE) para acompanhar, avaliar e controlar o comportamento dos benefícios previdenciários e assistenciais, bem como o desempenho das Unidades de Atendimento e o impacto das ações que interfiram no reconhecimento inicial do direito e no recebimento de benefícios. O SUIBE trata de um sistema que subsidia a gestão da área de benefícios da Previdência Social. Esse sistema traz os requerimentos, as concessões e a manutenção de todos os benefícios previdenciários com atualização diária. Em pesquisa de campo realizada no INSS, agência de Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, foram coletadas informações, através do sistema SUIBE, quanto aos tipos de patologias que têm culminado com a concessão de benefício previdenciário e o respectivo número de concessões e manutenções de benefícios. Com base nas informações extraídas do SUIBE, constatou-se que, no dia 4 de julho de 2013, estavam ativos 4.819.856 (quatro milhões, oitocentos e dezenove mil, oitocentos e cinquenta e seis) benefícios previdenciários por incapacidade, os quais são concedidos com base nas doenças e lesões definidas pela CID, classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde, também conhecida como classificação internacional de doenças. Dentro dessa totalidade dos benefícios concedidos e mantidos pela autarquia previdenciária, estão patologias devidamente classificadas na CID-10 e outras sem classificação. 133 Dos benefícios por incapacidade, a aposentadoria por invalidez previdenciária é o benefício com o maior número de concessões e manutenção pelo INSS, sendo representada por 67% dos benefícios, enquanto o auxílio-doença previdenciário representa 16% e os demais benefícios somados totalizam os 17% restantes. Dentre os 4.819.856 (quatro milhões, oitocentos e dezenove mil, oitocentos e cinquenta e seis) benefícios previdenciários concedidos e mantidos até o dia 4 de julho de 2013, somente 2.849.604 (dois milhões, oitocentos e quarenta e nove mil, seiscentos e quatro) estão devidamente classificados pela lista de patologias da CID-10, o que representa um percentual de 59%. Esse percentual é pequeno, tendo em vista que uma correta classificação das doenças com base na CID-10 facilitaria ao perito do INSS, caso fizesse uma busca pelo SUIBE, constatar que determinada patologia, no Estado e no Brasil, possui determinada quantidade de concessões e manutenções, podendo fazer um estudo comparativo. Importante destacar que toda patologia tem classificação no CID-10, a não classificação trata-se de simples falta de preenchimento adequado do campo CID-10 por parte do médico perito. Ainda dentro do número de benefícios concedidos e mantidos pelo INSS, 1.003.251 (um milhão, três mil, duzentos e cinquenta e um) de benefícios não possuem as patologias incapacitantes devidamente classificadas no CID-10. Há também 873.267 (oitocentos e setenta e três mil, duzentos e sessenta e sete) benefícios com a nomenclatura da patologia zerada, bem como 93.734 (noventa e três mil, setecentos e trinta e quatro) benefícios com a nomenclatura da patologia em branco. 134 Tabela – Total de patologias classificadas ou não com base na CID-10 e seu respectivo número de benefícios previdenciários PATOLOGIAS Nº DE BENEFÍCIOS % CID – 10 2.849.604 59,12 CID = {ñ class} 1.003.251 20,81 CID = Zerados 873.267 18,11 CID = Em Branco 93.734 1,94 TOTAL 4.819.856 100,00 Fonte: SUIBE, 4 de jul. 2013 Verifica-se que de um total de quase 5 (cinco) milhões de benefícios concedidos e mantidos pelo RGPS, considerável parcela não está devidamente classificada, dificultando assim o trabalho da própria autarquia previdenciária. Consulta realizada no sistema SUIBE, no dia 9 de abril de 2013, constatou que existia um quantitativo de 3.659.879 (três milhões, seiscentos e cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove) de benefícios ativos por incapacidade na autarquia previdenciária. Já a consulta realizada no dia 4 de julho de 2013 mostrou a existência de um quantitativo de 4.819.856 (quatro milhões, oitocentos e dezenove mil, oitocentos e cinquenta e seis) de benefícios ativos por incapacidade, o que comprova a dinâmica do SUIBE e a constante mutação do quantitativo das concessões e manutenções dos benefícios por incapacidade. O benefício de aposentadoria por invalidez representa um percentual de 67% do quantitativo e 61% do valor gasto pelo RGPS com os benefícios por incapacidade em favor dos segurados. Já o benefício de auxílio-doença representa um percentual de 22% do quantitativo e 24% do valor gasto. A Previdencia Social possui um quantitativo de 103.877 (cento e três mil, oitocentos e setenta e sete) benefícios ativos por transtornos de discos intervertebrais (CID=M51); 79.099 (setenta e nove mil e noventa e nove) por hipertensão (CID=I10); 50.712 (cinquenta mil, setecentos e doze) por dorsalgia (CID=M54); 50.533 (cinquenta mil, quinhentos e trinta e 135 três) por lumbago com ciatica (M54.4); 45.523 (quarenta e cinco mil, quinhentos e vinte e três) por gonartrose (CID=M17); 45.254 (quarenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e quatro) por doença cardíaca hipertensiva (CID=I11); 44.557 (quarenta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e sete) por sequelas de doenças cerebrovasculares (CID=I69); 41.830 (quarenta e um mil, oitocentos e trinta) por dor lombar baixa (CID=M54.5); 38.919 (trinta e oito mil, novecentos e dezenove) por doença isquemica crônica do coração (CID=I25); 34.483 (trinta e quatro mil, quatrocentos e oitenta e três) por acidente vascular cerebral (CID=I64); 34.070 (trinta e quatro mil e setenta) por esquizofrenia (CID=F20). As patologias citadas são as maiores fontes de concessão de benefícios por incapacidade. Portanto, são patologias reconhecidamente incapacitantes pele Previdência Social. Nesse caso, quando o trabalhador for acometido de uma dessas patologias, é razoável reconhecer a incapacidade presumida relativa e inverter o ônus da prova em favor do segurado. Não é razoável a Previdência Social possuir 34.070 (trinta e quatro mil e setenta) benefícios ativos por esquizofrenia (CID=F20) no Brasil e venha a indeferir benefício de um trabalhor portador de esquizofrenia, com base em critérios exclusivamente subjetivos e arbitrários da perícia médica. Nesse caso, deve ser reconhecida a incapacidade presumida relativa e inversão do ônus da prova em favor do segurado. O benefício somente deve ser indeferido com base em critério objetivo, passível de controle administrativo e judicial. Porém, o SUIBE apresenta limitação passível de correção, para fins de aplicação da incapacidade presumida relativa e inversão do ônus da prova em favor do segurado, nas vias administrativa e judicial, que é a falta de dados sobre a atividade principal do trabalhador incapacitado. Essa limitação é facilmente superada com a vinculação da CID-10 ao CBO – Código Brasileiro de Ocupação. 136 Assim, deve a Previdência Social, obrigatoriamente, vincular toda concessão de benefício por incapacidade ao CID-10 e ao CBO, como forma de alimentar o sistema SUIBE. Reconhecida a incapacidade para um CID-10 e CBO específico pela Previdência Social, devem ser adotadas a incapacidade presumida e a inversão do ônus da prova em favor do segurado que procura a Previdência Social com o mesmo CID-10 e CBO, sob pena de afrontar o princípio constitucional da isonomia. Os dados mostram a riqueza da fonte de pesquisa SUIBE em termos de dados que podem servir de auxílio ao INSS e aos segurados para a identificação da incapacidade laboral. Ao mesmo tempo, a deficiência na classificação das patologias por parte do INSS diminui a credibilidade dos dados estatísticos, todavia, serve de auxílio para a tomada de decisões corroboradas com outros meios de provas diante da quantidade de benefícios vinculados à CID-10 que, conforme demonstrado, atinge o montante de 2.849.604 (dois milhões, oitocentos e quarenta e nove mil, seiscentos e quatro) benefícios ou 59% de um universo de quase 5 (cinco) milhões de benefícios ativos. 137 6 A IDENTIFICAÇÃO DA INCAPACIDADE LABORAL NA PREVIDÊNCIA SOCIAL A identificação da incapacidade laboral exige prova técnica a qual deve ser compreendida à luz da realidade do segurado. Atualmente, é crescente o número de distribuição de pedidos administrativos e judiciais de benefícios por incapacidade laboral. Para tanto, é necessário que uma perícia médica seja realizada em busca da verdade real. Segundo Paulo Gonzaga 156, “a verdade de uma parte pode esbarrar na verdade da outra”. Assim, se faz necessária uma defesa técnica bem fundamentada que deixe cristalino o posicionamento do perito para que as partes envolvidas possam fazer as considerações que entendam pertinentes. Essa verdade real é um princípio constitucional inerente ao direito probatório. Esse princípio possui íntima relação com o princípio do devido processo legal que, para Nelson Nery Júnior 157, “é o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais são espécie”. Dessa forma, para que a perícia médica tenha idoneidade, é preciso que tenha conteúdo especializado e fundamentado, no afã de esclarecer eventual controvérsia, garantindo o direito de manifestação a quem interessar. Obviamente que o perito médico designado para a realização do exame no segurado não detém o conhecimento absoluto, o qual não possa ser contestado. Tanto é assim que, elaborado o laudo, é possível que o segurado apresente recurso quanto ao resultado de seu pedido, garantindo que o direito ao devido processo legal seja preservado também na seara administrativa, como diz o artigo 5º, inciso LV da Constituição do Brasil: “aos 156 GONZAGA, Paulo. Perícia médica da previdência social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 280. 157 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 32. 138 litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Dessa forma, se verifica que grande é a responsabilidade do perito. Para identificar a incapacidade para o trabalho, é preciso observar se o requisito específico para a concessão de determinado benefício foi preenchido. No caso do benefício de auxílio-doença, amparado pelo artigo 59 da Lei nº 8.213/1991, o requisito em questão é a incapacidade do segurado por mais de quinze dias para o exercício do seu trabalho ou atividade habitual. Já para fins de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, o requisito específico seria a incapacidade do segurado para o exercício de qualquer atividade que possa lhe garantir a subsistência, sendo ele considerado irrecuperável e insuscetível de reabilitação profissional (artigo 42 da Lei nº 8.213/1991). Quanto ao benefício de auxílio-acidente, previsto no artigo 86 da Lei nº 8.213/1991, o requisito específico seria a diminuição da capacidade para o trabalho habitual em razão de sequelas decorrentes de acidente de qualquer natureza 158 . Objetivando a identificação da incapacidade laboral, o perito deve realizar sua atividade em observância aos princípios constitucionais, administrativos e processuais, fundamentando sua decisão de forma satisfatória. O artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no mbito da Administração Pública Federal, diz que “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” A perícia médica administrativa, pois, deve obediência a esse comando legal. 158 SAVARIS, José Antonio (Coord.) Curso de perícia judicial previdenciária. Noções elementares para a comunidade médico-jurídica. São Paulo: Conceito editorial, 2011, p. 27. 139 Quando a perícia médica advém de determinação judicial, visa a fornecer amparo técnico para embasar a decisão do magistrado. É o que diz o artigo 145 do Código de Processo Civil: “quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no Art. 421”. Por sua vez, o artigo 421 diz que “o juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo”. Como se vê, para identificar possível incapacidade laboral, é necessário profissional capacitado com conhecimento técnico suficiente para a realização do exame, já que o magistrado detém conhecimento jurídico. Assim, de acordo com Savaris 159 , o laudo técnico do perito deve conter, no mínimo, elementos como as queixas do periciando; a história ocupacional do trabalhador; a história clínica e exame clínico; os principais resultados e provas diagnósticas; o provável diagnóstico; o significado dos exames complementares em que apoiou suas convicções e as consequências do desempenho de atividade profissional à saúde do periciando. No caso de perícia médica judicial, o perito elaborará uma série de quesitos a serem respondidos. Conforme o artigo 425 do Código de Processo Civil, “poderão as partes apresentar, durante a diligência, quesitos suplementares. Da juntada dos quesitos aos autos dará o escrivão ciência à parte contrária”, podendo o juiz indeferir quesitos impertinentes ou formular os que entender necessários ao esclarecimento da questão (artigo 426 do Código de Processo Civil). Além da prova pericial, demais provas podem e devem ser produzidas, tais como a documental, testemunhal, entre outras. O próprio perito utiliza-se de fontes diversas para embasar o seu laudo, como por exemplo, receitas médicas, atestados, ficha de paciente, exames realizados em hospitais públicos e particulares. 159 SAVARIS, José Antonio (Coord.). Curso de perícia judicial previdenciária. Noções elementares para a comunidade médico-jurídica. São Paulo: Conceito editorial, 2011, p. 29. 140 Na Previdência Social, o laudo pericial é definidor para a concessão ou negativa de benefício, todavia, no poder Judiciário o magistrado não está adstrito a ele, podendo basear-se em outras provas no momento de decidir, conforme o artigo 436 do Código de Processo Civil. Nesse sentido, é o entendimento da jurisprudência pátria. 160 Ademais, é possível que o magistrado julgue, até mesmo sem a realização de perícia, se o conjunto probatório for suficiente. Segundo Ivan Lira de Carvalho 161 , o teor do artigo 427 do Código de Processo Civil diz que, ao juiz é facultada a dispensa da prova pericial, desde que as partes, nas suas peças processuais, apresentem pareceres técnicos ou documentos suficientes ao esclarecimento dos fatos. Identificar a incapacidade laboral não se constitui tarefa simples. É possível que determinada doença ou lesão abranja mais de uma área do conhecimento especializado, oportunidade em que o magistrado pode nomear mais de um perito para realizar a avaliação no segurado. 160 Processo: AC 21000 SP 0021000-27.2011.4.03.9999 Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA Julgamento: 12/03/2013 Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. AGRAVO. INCAPACIDADE LABORAL. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A análise levada a efeito pelo juiz deve atender ao princípio do livre convencimento motivado, pelo qual, a partir do caso concreto que lhe foi posto, e após a apresentação de provas e argumentos dispostos pelas partes, tem ele liberdade para decidir acerca de seu conteúdo de forma que considerar mais adequada, conforme seu entendimento e convicção, mas dentro dos limites impostos pela lei e pela Constituição, e dando motivação à sua decisão. A síntese deste princípio encontra-se no artigo 131 do CPC. 2. Em que pese o laudo pericial não afirme a incapacidade laboral, é livre o convencimento do juiz, se outros meios de prova bastaram à sua convicção, nos termos dos Arts. 131 e332 do CPC e Art. 5º, LVI, da CF/88. 3. Considerando-se as patologias descritas no laudo pericial e as condições pessoais da recorrente (ofício exercido, idade, grau de escolaridade e formação profissional), cabível o restabelecimento do auxílio-doença, enquanto não habilitada à prática de sua profissão ou a outra, ou considerada não-recuperável, a teor do Art. 59 da Lei 8.213/91. 4. No que tange à correção monetária, devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a partir da vigência da Lei 11.960/09. 5. Agravo parcialmente provido. TRF3. APELAÇÃO CÍVEL: AC 21000 SP 0021000-27.2011.4.03.9999. Disponível em: . Acesso em: 10 mai 2013. 161 CARVALHO, Ivan Lira de. A prova pericial e a nova redação do CPC. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/18657-18658-1-PB.pdf>. Acesso em: 28 de jun. 2013. 141 O artigo 431-B do Código de Processo Civil diz que, “tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico”. Assim, através do auxílio de diversos profissionais é possível alcançar a comprovação da incapacidade para o trabalho, caso haja. Dessa forma, para identificar a incapacidade laboral com vistas à percepção de benefício previdenciário, é preciso ter a perícia médica da autarquia previdenciária como guia, pois, embora algumas vezes haja equívocos no laudo pericial, é o método mais eficaz para a detecção da doença ou lesão e constatação de sua relação com uma possível incapacidade para o trabalho. É de se afirmar, todavia, que a avaliação corporal, sozinha, não é capaz de constatar fatores externos à incapacidade. De acordo com o Manual de Perícia Médica da Previdência Social 162, “1.3.1 – No que se relaciona à parte técnica, somente as conclusões médico-periciais poderão prevalecer para efeito de concessão e manutenção dos benefícios por incapacidade”, ou seja, a constatação da incapacidade laboral na Previdência Social fica ao encargo desta, por meio de estudo técnico. Essa identificação da incapacidade laboral guarda relação com o direito constitucional, uma vez que é através dessa análise que o segurado será amparado pelo Estado para a garantia da manutenção do direito à vida e à saúde, obedecendo ao dever de prestar assistência e promover o bem de todos. Para a identificação da incapacidade para o trabalho, o segurado deve se submeter a exame médico pericial a ser realizado por profissional especializado do INSS, o qual emitirá laudo pericial que servirá de base para nortear a concessão ou denegação do benefício previdenciário pleiteado. 162 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai de 2013, p. 6. 142 6.1 A PERÍCIA MÉDICA COMO BASE NORTEADORA PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade, é preciso que o segurado se submeta a uma perícia médica realizada por profissional competente do setor de perícia médica da autarquia previdenciária, conforme indica o Manual de Perícia Médica da Previdência Social 163 : “1.3.2 – A realização de exames médico-periciais, bem como a revisão da conclusão médica, são de competência exclusiva dos setores de perícias médicas”. Dessa forma, o perito constitui-se de profissional com conhecimento especializado em determinada área técnica ou científica. De acordo com o manual 164 , a perícia se classifica em judicial, extrajudicial, obrigatória, facultativa, oficial, requerida, contemporânea ao processo, cautelar, direta e indireta. A perícia judicial é a realizada através de determinação do juiz ou a pedido das partes no processo; a perícia extrajudicial é aquela realizada a pedido das partes interessadas, de forma particular; a perícia obrigatória é aquela que ocorre mediante imposição de lei, quando o fato se comprova mediante essa prova; a perícia facultativa é aquela que pode ser realizada para confirmar os fatos narrados no processo e complementar outras provas, sem obrigatoriedade. A oficial, por sua vez, é aquela determinada por ordem judicial; já a requerida, como o próprio nome diz, é aquela solicitada pelas partes envolvidas na demanda; a perícia contemporânea ao processo é a realizada no curso dos autos; a perícia cautelar é aquela feita antes do ajuizamento do processo, na fase de preparação; a perícia direta é aquela 163 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2013. p. 6. 164 Id., Ibid. p. 06. 143 que se faz no objeto da perícia, no caso da incapacidade laboral, é a realizada no periciando; a perícia indireta, por fim, é aquela que se faz nos indícios ou sequelas do que seria o objeto da perícia. No caso da incapacidade laboral, a perícia pode ser realizada em qualquer dessas modalidades de classificação. Inicialmente, o segurado, ao se dirigir à autarquia previdenciária do INSS para fins de requerer benefício previdenciário, submete-se à perícia médica in loco, na qual será constatada a doença ou lesão e sua relação com eventual incapacidade. Se o examinado se encontrar hospitalizado ou impedido de se locomover, é possível que a avaliação do médico perito seja realizada no hospital ou onde o segurado residir. O item 1.14.4 do Manual de Perícia Médica da Previdência Social 165 diz que “nos casos de segurados que se encontram hospitalizados ou impedidos de se locomover, a avaliação médico-pericial será realizada no hospital ou residência”, com o objetivo de viabilizar o direito dos hipossuficientes, garantindo equilíbrio constitucional de tratar os desiguais na medida de suas desigualdades. Em sendo constatada a doença ou lesão incapacitante para o trabalho, será concedido o respectivo benefício, sendo que o INSS deve conceder o benefício mais vantajoso para o segurado, nos termos do parágrafo 4º do artigo 458 da Instrução Normativa nº 20 INSS/PRES, de 10 de outubro de 2007, alterada pela Instrução Normativa INSS/PRES nº 29, de 4 de junho de 2008, que diz: “a Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.” Caso assim não o faça, adentra-se em outra seara, a da responsabilidade civil. 165 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2013, p. 6. 144 Somente nos casos em que o benefício não seja concedido administrativamente é que o segurado, valendo-se da via judicial, recorre ao poder Judiciário, oportunidade em que será realizada nova perícia médica, para, juntamente com outras provas, levar o magistrado a decidir pela concessão ou indeferimento do benefício pleiteado. Nesses casos, o que se verifica é que o perito é um auxiliar da Justiça, pois com seu conhecimento técnico ou científico deve informar ao magistrado a natureza do fato e sua constatação, ou seja, se há no caso incapacidade laboral e se esta é permanente ou provisória. Assim, a perícia médica se faz importante instrumento de auxílio ao juízo. De acordo com Barros Júnior 166, “perícia médica é o exame médico de caráter técnico executado, de regra, por médico perito do quadro do INSS (eventualmente por credenciado)”. Segundo ele 167, “todos os benefícios por incapacidade laborativa, temporária ou permanente, dependem da conclusão da perícia, que por sua vez sempre devem atender os critérios exigidos em lei”. Reconhecidos pela perícia médica do INSS a incapacidade para o trabalho e o nexo de causalidade entre este e o agravo da doença ou lesão, serão devidas as prestações necessárias. Nessa linha, a Instrução Normativa INSS/PRES Nº 31, de 10 de setembro de 2008, retificada no Diário Oficial da União em 18 de setembro de 2008, no artigo 10 estabelece que a existência de nexo entre o trabalho e o agravo não implica, necessariamente, o reconhecimento automático da incapacidade para o trabalho, a qual deve ser definida pela perícia médica, acarretando assim as prestações acidentárias devidas. 166 BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Direito previdenciário médico: benefícios por incapacidade laborativa e aposentadoria especial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 66. 167 Id., Ibid., p. 66. 145 Dessa forma, a finalidade da perícia é, através do conhecimento técnico, verificar a existência de doença ou lesão e seu liame com a incapacidade laboral, produzindo prova capaz de servir de base para a concessão ou cessação de benefício previdenciário. A perícia médica é uma espécie de atividade profissional que tem características próprias. Para a realização da perícia médica, a autarquia previdenciária escolhe o médico perito competente de seu quadro funcional para a devida avaliação do segurado, ou seja, não pode haver relação entre perito e periciado, sendo um estudo imparcial. O Código de Processo Civil estabelece no artigo 423 que “o perito pode escusar-se (Art. 146), ou ser recusado por impedimento ou suspeição (Art. 138, III); ao aceitar a escusa ou julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito”. Nos casos em que se busca a constatação de incapacidade laboral, o médico perito é o profissional preparado em matéria previdenciária. Importante mencionar que no caso concreto, o médico perito do INSS que faz a avaliação no segurado muitas vezes é um clínico geral que não tem formação especializada para aquela doença ou lesão específica que está sob análise, mas, mesmo assim, tem de determinar, através de estudo, a existência de incapacidade laboral do segurado. Segundo o Manual de Perícia Médica da Previdência Social 168 , item 5.3.16, o perito deve “registrar o diagnóstico da patologia que motivou o afastamento do trabalho, procurando usar termos precisos”. Nessa conjuntura, questiona-se se esse profissional possui condições de avaliar aquela determinada incapacidade laborativa, o que pode levá-lo a erro. A elaboração de um laudo técnico bem fundamentado e que seja confiável pressupõe o conhecimento do contexto legal em que o perito médico está inserido, sendo necessário que 168 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2013, p. 30. 146 ele possua o domínio das noções básicas em matéria de legislação previdenciária. Em sendo uma perícia realizada por determinação judicial, além desses pressupostos, é preciso que a linguagem utilizada pelo perito seja acessível para o magistrado e advogados, para que possam tecer suas considerações em relação ao laudo. Segundo o Decreto nº 3.048/1999 (artigo 104, inciso III), a concessão de auxílio liga- se à “impossibilidade de desempenho da atividade que exerciam à época do acidente, porém permita o desempenho de outra, após processo de reabilitação profissional, nos casos indicados pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social”. O que se verifica é que o encaminhamento do segurado à perícia médica é imprescindível para a concessão de benefício previdenciário. O artigo 75 desse mesmo decreto diz que, “quando a incapacidade ultrapassar quinze dias consecutivos, o segurado será encaminhado à perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social”. Assim, é a perícia médica do INSS a responsável pela realização dos exames periciais para a constatação da incapacidade. Para a realização dos exames médico periciais, o perito se utiliza de critérios previamente determinados pela Previdência Social, no caso, toma por base o Manual de Perícia Médica da Previdência Social. 6.1.1 Critérios utilizados pela perícia médica previdenciária para a constatação da incapacidade laboral De acordo com o Manual de Perícia Médica da Previdência Social 169, item 4.4, “a avaliação da capacidade laborativa dos segurados é feita pela perícia médica e destina-se a 169 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2013, p. 26. 147 permitir resposta aos quesitos estabelecidos, atendidos os conceitos e os critérios legais e regulamentares”. Dentre os critérios constantes no referido manual, encontra-se no item 5.3.1, o Laudo de Perícia Médica (LPM), documento elaborado pelo médico perito após a avaliação do segurado, o qual servirá de base para a constatação da doença ou lesão e sua relação com eventual incapacidade laboral. Na realização dos exames médico periciais, o critério básico é a identificação do examinado, o que deve ser feito de duas formas. Conforme explica o item 5.3.2 do citado manual, exige-se a identificação do segurado por meio de documento com foto, geralmente a Carteira de Trabalho de Previdência Social (CTPS), e a assinatura ou impressão digital no laudo, neste último caso para aqueles não alfabetizados. O item 5.3.3 traz como critério o correto preenchimento do dia, mês e ano de nascimento do segurado examinado. Por sua vez, o item 5.3.4 trata da correta assinalação da Data do Afastamento do Trabalho (DAT). Como critério, tem-se, ainda, no item 5.3.5, a anotação da profissão ou ocupação do examinado, visando à caracterização específica da atividade por ele desenvolvida. Deve ser levado em conta também o tempo de profissão (item 5.3.6), anotando-se a causa real de afastamento do trabalho, se por doença ou acidente (item 5.3.7). Ainda segundo o manual, é preciso assinalar a situação funcional do examinado, marcando, também, o local em que foi realizado o exame, bem como registrando se o examinado antes recebia algum benefício do INSS, conforme os itens 5.3.8, 5.3.9 e 5.3.10. Além desses critérios, o INSS traz os sintomas ou doenças informados pelo examinado como informações necessárias para o auxílio da perícia, os quais devem ser minuciosamente caracterizados juntamente com as informações documentais, as quais servirão de antecedentes médico-periciais, nos termos do item 5.3.11 do citado manual. 148 O item 5.3.12 do manual sugere o registro dos antecedentes mórbidos do examinado e que possam influir na concessão ou indeferimento do pedido administrativo. Também é de serem registradas as informações básicas da pessoa do examinado, bem como sua situação de saúde as quais tenham relação com a atividade laborativa exercida (itens 5.3.13 e 5.3.14). Nos termos do item 5.3.15, observado o estado de saúde do examinado, submetendo-o a teste clínico, ao perito compete diagnosticar a doença ou lesão do segurado e sua relação com sua capacidade laborativa. De acordo com o manual 170, no mesmo item, “quando o resultado do exame clínico não for convincente e as dúvidas puderem ser aclaradas por exames subsidiários, poderão estes ser requisitados, mas restritos ao mínimo indispensável à avaliação da capacidade laborativa”. Em sendo indispensável para a conclusão do laudo pericial, é possível a realização de novos exames para esclarecer a situação funcional do examinado, dispensando-se os exames desnecessários a essa constatação. Ainda quanto aos critérios, é preciso fazer o registro do diagnóstico da doença ou lesão que foi a causa do afastamento do trabalhador de sua atividade laboral, ou que com ele guarde alguma relação, segundo os itens 5.3.16 e 5.3.17 do referido manual do INSS. É através de toda essa análise criteriosa no examinado que será definida, em termos precisos, a capacidade do segurado para continuar exercendo seu labor ou passar a receber benefício previdenciário. O referido manual ainda fala da necessidade de fixação da Data do Início da Doença (DID) e Data do Início da Incapacidade (DII), levando em consideração os dados clínicos da história, os exames realizados e a atividade. O que se verifica é que os critérios para a realização de exames médico-periciais são de cunho subjetivo, questionando a identificação do examinado, a atividade exercida, 170 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2013, p. 26. 149 sintomas da doença ou lesão, benefícios anteriores, observância da data do afastamento do trabalho, provável data do início da doença ou incapacidade, entre outros questionamentos realizados para servir de fundamento para o laudo pericial. Embora haja uma série de requisitos a serem cumpridos, conforme traz o manual do INSS, o que se verifica é que esses configuram mera obediência à forma para fins de motivação da decisão quanto ao benefício pleiteado. No caso, trata-se de observância aos elementos do ato administrativo. Assim, os critérios utilizados pela perícia médica previdenciária para fins de constatação da incapacidade laboral, nos dias atuais, merecem uma reformulação para que outros aspectos sejam levados em consideração pelo profissional da perícia. Fato interessante, além da ausência de critérios objetivos para concessão do benefício por incapacidade, é a ausência de relação dos aspectos funcionais com a perícia médica realizada por profissional da autarquia previdenciária, tendo em vista que seria preciso especificar a função do trabalhador e relacioná-la com o tipo de enfermidade ou lesão para saber se a incapacidade laboral, naquele caso, resta configurada. 6.1.2 Ausência de relação dos aspectos funcionais com a perícia médica realizada por profissional da Previdência Social Nos termos do Manual de Perícia Médica da Previdência Social 171, item 1.1, “a atividade médico-pericial do INSS tem por finalidade precípua a emissão de parecer técnico 171 BRASIL. Previdência Social. Manual de perícia médica da previdência social. Disponível em: < http://www.ieprev.com.br/userfiles/file/tabela%20de%20teto%20inss/manualdepericiasmedicasdoINSS.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2013, p. 26. 150 conclusivo na avaliação da incapacidade laborativa, em face de situações previstas em lei, bem como a análise do requerimento dos benefícios”. A perícia médica do INSS faz uma análise formal na pessoa do segurado, levando em consideração critérios subjetivos no momento da elaboração do laudo pericial. Todavia, a utilização de critérios objetivos para a concessão de benefícios traria maior celeridade ao processo administrativo dos segurados perante a autarquia previdenciária. Oportunamente, é importante destacar que a relação médico perito e periciado não é amigável pela ausência de confiança e cooperação mútua. Geralmente, o examinado tem no profissional do INSS um inimigo, capaz de negar-lhe um benefício ou perceber uma eventual ou aparente simulação. Em razão desse receio do examinado, é possível que ele venha a omitir ou confundir informações quando questionado pelo médico perito. Desse modo, a análise do examinado não deve ser superficial ou puramente corpórea, mas tem de envolver outros fatores. Quando se fala em ausência da relação dos aspectos funcionais do trabalhador com a perícia médica realizada pelo profissional da autarquia previdenciária, não significa dizer que a função do examinado é irrelevante, mas que ela não é devidamente apreciada e considerada para fins de elaboração do laudo pericial. A perícia médica, nos casos de verificação de incapacidade laboral, destina-se a constatar se há uma relação de equilíbrio entre as exigências de uma determinada atividade laborativa e a capacidade do trabalhador em realizá-la. Para tanto, o médico perito do INSS, atendendo ao que dispõe o Manual de Perícia Médica da Previdência Social, faz a avaliação do examinado conforme os critérios ali estabelecidos. Nesse sentido, o examinado reúne toda a documentação pertinente, fazendo jus ao seu direito constitucional de produzir provas, bem como ao direito material à Previdência Social. 151 A simples prova documental ou exame corporal, muitas vezes, deixa o segurado da Previdência ao desamparo, razão do elevado número de ações judiciais pleiteando a concessão de benefícios por incapacidade. O que se observa é que o médico perito do INSS faz a análise do segurado apenas pela via documental, examinando-o somente no âmbito corporal, o que o faz com base nos critérios do citado Manual de Perícia Médica da Previdência Social. No caso, o perito não leva em consideração outros fatores que também influenciam na incapacidade, no caso, os aspectos funcionais daquele trabalhador. Melhor dizendo, a perícia do INSS deixa de analisar a relação dos aspectos funcionais do trabalhador, ponto importante que auxiliaria na avaliação e elaboração do laudo pericial. Quando se fala em relação dos aspectos funcionais do trabalhador, está se falando da influência da profissão ou atividade laborativa na existência da incapacidade e na possibilidade de reabilitação do segurado. Determinada doença ou lesão pode não ser considerada incapacitante para diversas funções, mas para determinada atividade, no caso a exercida por aquele segurado, pode-se considerar uma incapacidade, inclusive de cunho permanente. Para verificar se o examinado é realmente incapaz, é preciso que uma série de fatos sejam examinados. Segundo Savaris 172, “a atribuição de um direito previdenciário pressupõe laboriosa tarefa de exame de fatos, bastando referir que a imensa maioria das ações em que se pretende a concessão de uma prestação previdenciária veicula discussão de natureza fática”. Assim, seria preciso verificar a incapacidade, a existência prévia da incapacidade, o agravamento da lesão incapacitante, o tempo do início da incapacidade, a persistência desta e sua cessação, tudo aliado à questão da influência dos critérios extracorporais. 172 SAVARIS, José Antonio (Coord.) Curso de perícia judicial previdenciária: noções elementares para a comunidade médico-jurídica. São Paulo: Conceito editorial, 2011, p. 53. 152 A profissão daquele trabalhador que pleiteia benefício por incapacidade, embora seja critério para preenchimento do formulário de pesquisa elaborado pelo perito médico, não é levada em consideração para fins de relacioná-la com doença ou lesão incapacitante. Melhor dizendo, se determinado trabalhador adquire no meio ambiente de trabalho uma hérnia de disco na região lombar, não significa dizer que esteja incapacitado para o trabalho, mas para aquela específica atividade, podendo ser reconduzido para outra função na mesma empresa, quando possível. Quando não for possível e a depender da situação concreta daquele trabalhador, considera-se uma incapacidade permanente. Esse tipo de fator deve, portanto, ser considerado pelo perito no momento da avaliação. No caso do segurado portador do vírus do HIV (Human Immunodeficiency Vírus), a Lei nº 7.670, de 8 de setembro de 1988 173 , estende a ele alguns benefícios previdenciários, para o qual basta o simples fato de ser soropositivo para fazer jus a ele. Embora a lei seja clara quanto à concessão do benefício para os soropositivos, o INSS, assim como alguns juízos, entendem que a pessoa com a AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome) não significa dizer que possua incapacidade presumida para o trabalho, devendo por isso receber benefício previdenciário. Para eles, o segurado nessas condições pode exercer ou continuar na profissão que livremente escolheu ou que lhe foi atribuída pela vida. A incapacidade laboral, portanto, deve ser estudada levando em conta as condições pessoais e sociais dos portadores do vírus. É de conhecimento que a pessoa portadora do vírus HIV sofre preconceito, segregando-se, muitas vezes, da sociedade e afastando-se do mercado de trabalho. Todavia, essas questões não são suficientes para a concessão de benefício previdenciário, razão pela 173 Art. 1º A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica: I - a concessão de: (...) e) auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente do período de carência, para o segurado que, após filiação à Previdência Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por morte aos seus dependentes; 153 qual muitos pedidos têm sido negados na esfera administrativa e judicial, sob o entendimento de que a concessão do benefício aumentaria o isolamento dessa pessoa. Em vista desses argumentos, médicos peritos do INSS continuam na sua missão de conceder e denegar benefícios com base em critérios puramente formais, o que é um vício. Obviamente que o simples fato de possuir moléstia não significa ausência de capacidade para o trabalho, entretanto, essa doença não pode ser desconsiderada, principalmente quando se deve fazer a relação com os aspectos funcionais daquele trabalhador. Por exemplo, se o segurado portador do vírus HIV trabalha como operador de caixa de um supermercado, o simples fato de estar com AIDS não lhe dá direito a benefício por incapacidade. Todavia, se essa mesma pessoa trabalha no supermercado como açougueiro, sua função já possui peso para sua análise médico pericial por incapacidade. Para o exemplo citado, desconsidera-se a possibilidade de readaptação do segurado, pois se esta for possível, não há que se falar em concessão de benefício. O que se quer demonstrar é que o médico perito busca estabelecer o diagnóstico da doença com base na documentação apresentada pelo examinado, visando a constatar se há incapacidade para o trabalho, se o quadro clínico do segurado é irreversível ou não e se a incapacidade é definitiva ou temporária. Porém, é preciso fazer uma relação entre a perícia do INSS e o tipo de atividade do segurado. Dessa forma, o atual sistema previdenciário, quando da avaliação do examinado, deixa de considerar os aspectos funcionais do segurado, negando-lhe benefício, o que o faz buscar a tutela jurisdicional do Estado. Uma lista demonstrando o número de benefícios por incapacidade laboral concedidos a cada segurado, relacionando com a profissão de cada um, seria uma forma objetiva de analisar pedidos administrativos no INSS. 154 A subjetividade que atualmente permeia as perícias médico-previdenciárias, sem critérios palpáveis de análise do examinado, faz com que o processo seja moroso, envolvendo além da doença ou lesão em si, dores, sofrimentos, sentimentos, uma vez que se trata de pedido de natureza alimentar, visando a garantir o mínimo existencial. Savaris 174 ensina que, independentemente do benefício previdenciário pleiteado, não há como separar os sentimentos do processo previdenciário, posto que se trata de pedido com índole alimentar em busca do mínimo existencial, da dignidade da pessoa humana, da proteção ao idoso, em determinados casos, da proteção ao portador de deficiência, trabalhadores rurais, viúvas e menores desprotegidos, mulheres e homens marginalizados, enfim, um grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade. Por essa razão, o processo previdenciário reclama celeridade e efetividade para que os direitos constitucionais fundamentais sejam respeitados. Em se tratando da incapacidade laboral, os anseios do trabalhador portador de enfermidade ou lesão são os mesmos, pois o benefício pleiteado destina-se a suprir as necessidades vitais do indivíduo naquele momento de incapacidade. Dessa forma, a perícia médica realizada pelo profissional do INSS deve analisar todas as condições e fatores no momento da avaliação do examinado, em especial a relação funcional existente entre a atividade ou ocupação do segurado com o benefício por incapacidade laboral pleiteado. O perito sempre analisa o paciente visando à preservação do indivíduo como um ser produtivo, o que acaba por ocasionar uma porção de indeferimentos de pedidos de benefícios, considerando o examinado capaz para o exercício de sua atividade. Por essa razão, muitos pedidos administrativos transformam-se em judiciais, na busca pelo contraditório, ampla 174 SAVARIS, José Antonio (Coord.) Curso de perícia judicial previdenciária: noções elementares para a comunidade médico-jurídica. São Paulo: Conceito editorial, 2011, p. 54. 155 defesa e inversão do ônus da prova em favor do segurado e, consequentemente, em desfavor da autarquia previdenciária. Embora requeira a realização de nova perícia, esta será realizada por profissional de confiança da Justiça e não será a única prova considerada, pois o juiz, para tomar uma decisão, tem a prerrogativa de analisar livremente os fatos e provas constantes nos autos em razão do princípio do livre convencimento motivado. 6.2 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ E SUA RELAÇÃO COM A PERÍCIA MÉDICA REALIZADA PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA Dentre os sistemas de valoração da prova está o do livre convencimento motivado, também conhecido como persuasão racional. Nesse sistema, o magistrado é livre para formar sua convicção quanto aos fatos da ação. Para tanto, além de se basear nas provas documentais, testemunhais, periciais, entre outras, para proferir a sentença, também leva em consideração suas impressões pessoais relacionadas à matéria no caso concreto. O Código de Processo Civil traz a previsão do livre convencimento motivado do juiz quando diz no artigo 131 que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. Assim, o magistrado observa o comportamento das partes e extrai, de modo particular, situações que sirvam de norte para o julgamento da demanda. Embora o dispositivo citado consagre o princípio processual do livre convencimento motivado do juiz, não se admite que o magistrado se utilize deste para decidir de forma desvinculada da lei e das provas processuais. Assim, o magistrado deve atribuir às provas 156 produzidas ao longo do processo o valor mais lógico e correto no seu entender, mas que corresponda à realidade dos autos. Sua decisão deve ser devidamente fundamentada. O artigo 5º da Constituição do Brasil, no inciso LV, consagra que, aos litigantes, seja em processo judicial ou administrativo, bem como aos acusados, é assegurado o devido processo legal. O Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece no artigo 155 que o juiz forma sua convicção por meio da livre apreciação da prova, a qual é produzida em contraditório judicial, ao que o juiz não pode fundamentar sua decisão apenas com as informações colhidas na fase de investigação. Tudo isso para demonstrar que o magistrado deve fundamentar sua decisão, explicando o motivo da escolha daquela solução aplicada no caso concreto, sob pena de nulidade, por falta de fundamentação. Com relação ao ato de fundamentar as decisões, Nery Júnior 175 diz que o fundamento são as razões de fato e de direito que levaram o juiz a decidir daquela forma. A fundamentação não seria apenas a forma da decisão, mas teria conteúdo substancial, no qual o magistrado exterioriza a convicção que formou, o juízo de valor de determinada matéria. A ausência de fundamentação acarreta a nulidade da decisão, razão pela qual esta não deve apenas citar que se baseou em determinados documentos ou provas, mas deve especificar os motivos que levaram àquela conclusão de procedência ou improcedência, deferimento ou indeferimento do pedido. O Código de Processo Civil traz no artigo 458, inciso II, a fundamentação como um dos requisitos essenciais da sentença, “Art. 458 - São requisitos essenciais da sentença: (...) II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito”. Essa exigência legal pela fundamentação das decisões se dá pelo fato de que se a decisão for carecedora de 175 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2004, pp. 215-220. 157 motivação, poderá ser obstáculo ao exercício do direito ao contraditório e ampla defesa, pois a parte que se sentir prejudicada terá dificuldades para apresentar as suas razões recursais. Ainda em relação ao dever de fundamentar, Cintra, Grinover e Dinamarco 176 dizem que “o Brasil também adota o princípio da persuasão racional: o juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori”. A fundamentação das decisões judiciais é um preceito de cunho constitucional, previsto no artigo 93, inciso IX. Essa fundamentação é necessária à manutenção da segurança jurídica e do Estado democrático de direito, a fim de evitar eventuais abusos de poder. De acordo com Mendes e Branco 177, “a garantia da proteção judicial efetiva impõe que tais decisões possam ser submetidas a um processo de controle, permitindo, inclusive, a eventual impugnação. Daí a necessidade de que as decisões judiciais sejam devidamente motivadas (CF, art. 93, IX)”. Para os autores178, “motivar significa dar as razões pelas quais determinada decisão há de ser adotada, expor as suas justificações e motivos fático-jurídicos determinantes”. O dever de motivar está presente tanto nas decisões judiciais quanto nos atos administrativos. O artigo 50 da Lei nº 9784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, traz um capítulo especial em seu texto, “Capítulo XII, Da Motivação”, revelando que os atos administrativos devem obedecer ao princípio da motivação, devendo ser devidamente fundamentado, indicando os fatos e fundamentos jurídicos. 176 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER. Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 74. 177 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 460. 178 Id., Ibid., p. 460. 158 O parágrafo 1º do citado artigo diz que “a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”. O princípio da motivação se explica pelo fato de que decisão sem motivação ou com motivação insuficiente gera arbítrio e abuso de poder. Quanto à relação do livre convencimento motivado do juiz com a perícia médica realizada pela autarquia previdenciária, impende dizer que o magistrado não está vinculado ao laudo médico pericial, podendo formar seu convencimento por meio de outras provas presentes no processo. Pode o magistrado acatar a perícia in totum ou reconhecer apenas trechos, embasando sua decisão no todo, em parte ou mesmo sem levar em consideração a perícia. O juiz não possui conhecimento médico para definir se tal examinado é ou não portador de doença ou lesão e se esta compromete sua atividade laboral, razão pela qual nomeia perito judicial para proceder ao exame. Todavia, não é obrigado a decidir de acordo com o laudo, como é feito no âmbito da Previdência Social, podendo através de outras fontes, como testemunhas, depoimento, entre outras provas, formar seu convencimento. O magistrado não possui conhecimento técnico, mas é possível que o médico pericial, para a área em que foi especializado, detenha certo conhecimento jurídico, nada o impedindo de na elaboração de seu laudo manifestar sua opinião também com argumentos jurídicos. O código de Processo Civil trata da prova pericial a partir do artigo 420, afirmando que esta consiste em exame, vistoria ou avaliação. No artigo 429 179 , está expresso que o perito, para realizar a avaliação do examinado, pode utilizar-se de todos os meios necessários 179 Art. 429. Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças. 159 para essa finalidade, o que não significa, que em vista disso, o magistrado tenha de julgar conforme a perícia realizada. O artigo 436 do Código de Processo Civil diz que “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”. Com base nesse dispositivo de lei, têm sido proferidos os julgados. 180 Conforme julgado transcrito, o fato de o segurado ter sido atendido em algumas oportunidades por um médico e ter juntado atestados aos autos constatando a doença, não significa dizer que tem direito ao benefício previdenciário desejado. No caso, esses fatos apenas provam que o trabalhador é portador de tal enfermidade, não significando que, necessariamente, essa doença guarde relação causal com o acidente ou a com atividade deste na empresa que desenvolve suas atividades. No Brasil existem incontáveis casos semelhantes, nos quais o trabalhador comprova perante a autarquia previdenciária que sofre de doença ou lesão, mas o médico perito lhe nega pedido e este recorre à via judicial. Em sendo verificado o equívoco ou o acerto da perícia, o magistrado irá dar procedência ou não à sua demanda. É possível, entretanto, que o magistrado decida de forma contrária ao laudo pericial, pois como diz o artigo 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo. É por essa razão que nos processos judiciais que pleiteiam 180 Processo: RR 3941420115090594 394-14.2011.5.09.0594 Relator(a): Guilherme Augusto Caputo Bastos Julgamento: 24/04/2013 Órgão Julgador: 5ª Turma Publicação: DEJT 26/04/2013 Ementa: RECURSO DE REVISTA. 1. ESTABILIDADE. DOENÇA OCUPACIONAL. ACIDENTE DO TRABALHO. De acordo com o entendimento contido no artigo 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos constantes nos autos. Essa faculdade dada ao magistrado que decide em sentido diverso ao da conclusão da prova técnica, contudo, lhe impõe o dever de trazer aos autos elementos sólidos e consistentes que possam infirmar a apuração do expert. No caso em comento, restou incontroversa a ocorrência do acidente no qual o reclamante, ao transportar uma bomba de água, escorregou e bateu as costas no corrimão de madeira de uma ponte. O laudo do expert, porém, foi claro ao concluir pela inexistência de nexo de causalidade entre o acidente e a doença que acometeu o reclamante. Neste contexto, tem-se que a fundamentação adotada pelo acórdão regional não se mostrou suficientemente sólida e consistente para infirmar o laudo pericial já que o fato do reclamante ter sido atendido em algumas oportunidades por um médico e ter juntado atestados aos autos constando a doença dorsalgia somente demonstra que o trabalhador é portador de tal doença e não que esta enfermidade possua nexo de causalidade com o acidente ou com a atividade do reclamante na empresa. Recurso de revista conhecido e provido. 160 benefícios se faz necessária a realização de audiência para que, além das provas documentais, o magistrado perceba a realidade socioeconômica da parte autora e decida conforme o seu livre convencimento motivado. Em virtude de a perícia médica previdenciária, bem como a judicial, obedecer a critérios subjetivos no momento da avaliação é que a população se sente, muitas vezes, em certa insegurança jurídica, temendo, até mesmo, ser avaliado pelo perito. Assim, a utilização de critérios objetivos para servir de base às decisões administrativas e judicias no que diz respeito à concessão de benefício previdenciário, especialmente por incapacidade laboral, se faz necessária para garantia da segurança jurídica. 6.3 A NECESSIDADE DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA EMBASAR AS DECISÕES ADMINISTRATIVAS E JUDICIAIS EM MATÉRIA DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE LABORAL A proteção aos hipossuficientes decorre de previsão constitucional, uma vez que, em termos gerais, a Constituição do Brasil, no artigo 5º, inciso LVII, não permite que qualquer pessoa seja considerada culpada antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Ademais, os direitos sociais previstos ao longo do artigo 6º e seguintes da Constituição do Brasil foram elaborados com vistas à proteção do trabalhador. Dentre esses direitos encontra- se a Previdência Social, que na Constituição tem seção específica, a III do capítulo II, título VIII, “Da ordem social”. A previsão normativa dos benefícios previdenciários deve ser respeitada, uma vez que estes se destinam a amparar a pessoa em situação de vulnerabilidade social que, no caso, refere-se ao segurado portador de incapacidade laboral. Como visto, a incapacidade laboral é 161 constatada mediante perícia médica elaborada pela autarquia previdenciária, que elege perito competente para proceder a avaliação do segurado. Mesmo possuindo especialidade para aquele determinado caso, não se exige do perito avaliador que faça um prognóstico da evolução clínica do segurado, acompanhando-o, embora seja questão assistencial. Esse mesmo entendimento é o posicionamento de Savaris 181 . Para ele, o perito não tem obrigação de realizar diagnóstico para prescrição do tratamento, o que fica ao encargo do médico que acompanha o examinado. Ao perito do INSS cabe apenas determinar, devidamente fundamentado, a aptidão laboral do trabalhador para fins de concessão de benefício previdenciário. Para a elaboração do laudo pericial são levados em consideração critérios previstos no Manual de Perícia Médica da Previdência Social, em consonância com a legislação específica. Todavia, os critérios utilizados pela autarquia previdenciária são subjetivos, ou seja, utilizados de acordo com o entendimento do perito avaliador, o qual tem no manual uma orientação de caráter puramente formal. Assim, um segurado pode requerer determinado benefício por incapacidade laboral adquirida em determinada empresa, por exemplo, e responder a determinados questionamentos e/ou submeter-se a certos tipos de exames, enquanto outro, com mesma doença ou lesão na mesma empresa ou de semelhante modo adquirida, pode vir a submeter-se a outros tipos de critérios avaliativos. Com isso, verifica-se a subjetividade com a qual são realizadas as perícias médicas do INSS, que fere o princípio da isonomia, insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição do Brasil, no qual as pessoas em mesma situação possuam tratamento desigual. 181 SAVARIS, José Antonio (Coord.) Curso de perícia judicial previdenciária: noções elementares para a comunidade médico-jurídica. São Paulo: Conceito editorial, 2011, p. 28. 162 Para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral, o INSS utiliza- se dos critérios previstos no Manual de Perícia Médica da Previdência Social para servir de fundamento. Entretanto, não há uma definição explícita e cristalina de como seria realizada essa perícia, quais os questionamentos a serem formulados ou como os exames do segurado seriam considerados, tudo fica ao encargo do médico perito, o qual, exercendo seu mister, tem o dever de melhor atender o examinado. O que ocorre, frequentemente, é que muitos trabalhadores que procuram o INSS em busca de afastamento do trabalho em razão de incapacidade enfrentam situações de dificuldade causadas pela má conduta de alguns peritos médicos da autarquia previdenciária. Dentre essas dificuldades, podem ser citadas, por exemplo, a suspensão dos benefícios antes da recuperação do trabalhador; o não reconhecimento do nexo de causalidade de certas doenças com a atividade laboral; o lapso temporal excessivo entre a cessação do benefício e a nova perícia médica de avaliação do pedido de prorrogação ou reconsideração, entre outros problemas que privam o segurado da manutenção da própria vida e saúde, uma vez que deixam de auferir renda até a decisão concessiva do pedido. Caso a perícia fosse realizada com base em critérios objetivos, evitaria a morosidade na concessão ou denegação dos pedidos, evitando o sofrimento do segurado, que espera, sem receber qualquer fonte de renda, o deferimento de seu pedido. Os benefícios previdenciários têm caráter alimentar. A demora na realização da perícia, bem como na espera do resultado, causa prejuízos ao segurado que se vê privado de alimentação, remédios, entre outros itens fundamentais à sobrevivência e à dignidade. 163 O Código de Ética Médica 182 , no artigo 1º, diz que é vedado ao médico “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.” Dessa forma, o médico perito do INSS deve atuar com responsabilidade, para que não sejam violados os direitos fundamentais do segurado. O que ocorre no INSS é que a ausência de critérios objetivos para embasar suas decisões em matéria de concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral limita a autarquia previdenciária, a qual tem de proferir decisão vinculada ao laudo médico pericial. Necessário se faz, pois, a criação de critérios objetivos para embasar as decisões em matéria de concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral. Como critério objetivo, sugere-se a criação de uma lista de benefícios concedidos para cada doença ou lesão, para fins de servir de parâmetro ao perito e ao julgador no momento de elaborar o laudo pericial e a sentença, respectivamente. O artigo 151 da Lei nº 8.213/1991, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social, fala na criação de uma lista de doenças para a concessão de benefícios independentemente de carência, o que já existe. Visando à celeridade processual, a Previdência Social, recentemente, criou um sistema de atendimento eletrônico para a perícia médica do INSS. Esse sistema, o qual está disponível em alguns locais no Brasil, é um avanço em matéria de celeridade para o atendimento do segurado e concessão de benefícios. Através desse sistema, a perícia médica é realizada eletronicamente, facilitando o atendimento aos segurados do INSS. Além dessa novidade, está em tramitação na Câmara dos Deputados uma proposta que garante auxílio-doença sem perícia médica durante o período de internação. Trata-se do recente Projeto de Lei nº 5.054/2013, de autoria da deputada Erika Kokay (PT-DF). Esse projeto permite a concessão ou renovação do benefício de auxílio-doença sem a necessidade 182 Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra_4.asp>. Acesso em: 20 de mai. 2013. 164 de perícia médica ao trabalhador segurado que comprove sua internação ou a impossibilidade de locomoção, o que o faz por meio de documentação médica, como atestados, diagnósticos, entre outros. Esse projeto tem o objetivo de acrescentar ao §5º do artigo 60 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, disposição quanto ao direito ao benefício de auxílio-doença ao segurado do Regime Geral de Previdência Social, nos casos de impossibilidade de realização de perícia médica. Atualmente, o artigo 60 da Lei nº 8.213/1991 possui quatro incisos. Em sendo aprovado o projeto, será acrescido um quinto inciso. 183 Nos termos da justificação do projeto 184 , este tem como objetivo assegurar o direito do trabalhador a receber o auxílio-doença, quando afastado do trabalho, mesmo sem ter sido submetido à perícia médica, pois existem casos em que os trabalhadores, por não ter condições de se locomover para realizar a perícia, por motivo de saúde, ficam privados de auferir renda. Não é que o segurado irá receber o benefício de auxílio-doença por período indefinido sem se submeter a um exame pericial, mas sim, o projeto assegura que o trabalhador incapacitado que comprove sua internação ou a impossibilidade de locomoção tenha seu pedido automaticamente deferido, até que seja realizada a perícia médica no local em que ele se encontra, seja no hospital ou em sua residência. Esse direito de proceder à perícia no local em que o segurado incapaz esteja já está consagrado no artigo 430 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45, de 6 de agosto de 2010, todavia, o deferimento do pedido de concessão de auxílio-doença, evitando que o segurado 183 §5º O segurado que, por motivo de saúde, mediante a apresentação de documentação médica que comprove a internação ou a impossibilidade de locomoção, não for submetido à perícia médica, tem garantido a concessão e manutenção do benefício auxílio-doença, independentemente da realização de perícia médica, até a data do comparecimento do perito à sua residência ou ao local de sua internação. 184 BRASIL. Projeto de Lei nº 5.054/2013. Disponível em: . Acesso em: 25 de mai. 2013. 165 passe por privações até a realização da perícia, é uma novidade que, em sendo aprovada, beneficiará milhares de brasileiros, sendo um critério objetivo de concessão de benefícios. Esse procedimento se coaduna com o período atual pelo qual o Brasil passa, quando inúmeros segurados, em razão dos problemas sociais e ambientais no meio ambiente do trabalho, vêm a necessitar do auxílio da Previdência Social. Desde o dia 3 de abril de 2013, a proposta foi recebida pela Comissão de Seguridade Social e Família 185 . Também passará pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Trata-se de avanço legislativo em matéria de critérios objetivos para a concessão de benefícios previdenciários, facilitando a vida do segurado que, em razão de incapacidade para o trabalho, fica desamparado, sem qualquer fonte de renda para sua manutenção. É certo que apenas os filiados ao regime da Previdência Social têm direito aos benefícios previdenciários em razão de sua natureza contributiva. Possuindo o trabalhador Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada, a filiação à Previdência Social é automática. O que se verifica é que a utilização de critérios objetivos para embasar as decisões administrativas e judiciais em matéria de concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral é um avanço social, preservando valores individuais do trabalhador e fazendo com que os direitos previstos na Constituição do Brasil sejam respeitados, garantindo ao segurado dignidade. 185 BRASIL. Tramitação do Projeto de Lei nº 5.054/2013. Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em: 25 de mai. 2013. 166 6.4 A INCAPACIDADE PRESUMIDA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL DO BRASIL Antigamente, o segurado, ao requerer benefício previdenciário frente à autarquia previdenciária, recebia, no momento da concessão, uma data provável de cessação. No caso, o benefício tinha data certa para seu fim, uma espécie de alta previamente agendada. Essa data de cessação se baseava em presunção de que em determinado tempo o segurado estaria recuperado de sua condição de incapacidade e passaria a estar apto para o exercício de atividade laboral. Tratava-se de norma interna, no caso, a Orientação Interna 1 Dirben/PFE, de 13.09.2005, sem amparo legal. Hoje em dia, essa situação inexiste, pois o benefício concedido somente é cessado quando se verifica, mediante perícia médica, que a incapacidade do trabalhador não mais existe. Entretanto, em outra época, ao segurado competia fazer prova da permanência de sua incapacidade. Assim, os direitos assegurados na Constituição do Brasil e regulados por lei federal, eram limitados por norma administrativa, violando o direito ao devido processo legal, com realização de nova perícia, invertendo o ônus da prova em favor da parte não vulnerável da situação. Em vista dessa situação, o poder Judiciário passou a entender pela arbitrariedade do ato da autarquia previdenciária em previamente determinar uma data para cessação do benefício por incapacidade laboral, definindo, sem oportunizar ao segurado o direito de defesa, que sua doença ou lesão estaria cessada e, portanto, apto a voltar a suas funções habituais. Esse entendimento que surgiu através de julgados baseados em doutrina e pesquisas, concluiu que não seria lógico o segurado provar que estava incapacitado se já o teria feito no momento da concessão do benefício. No caso em questão, cabia ao segurado fazer prova da manutenção de sua incapacidade quando, na verdade, esse papel compete ao INSS. Trata-se do instituto da 167 inversão do ônus da prova. A inversão do ônus da prova é garantia constitucional. Segundo o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição do Brasil, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, sendo este um princípio da ordem econômica e financeira (artigo 170, inciso V, da Constituição do Brasil). Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi elaborado a partir de determinação constitucional, a qual diz que “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. É no CDC que consta, explicitamente, a inversão do ônus da prova em favor da parte vulnerável, no caso em apreço, o segurado do INSS que pleiteia benefício. O Código de Defesa do Consumidor diz, no artigo 6º, inciso VIII, que são direitos básicos do consumidor: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Na relação INSS e segurado, este último é a parte vulnerável que necessita de proteção estatal. Em vista disso, a incapacidade presumida do segurado do INSS deve ser uma realidade para a concretização dos direitos fundamentais. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), no artigo 12, diz que “a garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública”. Essa força pública para amparar os trabalhadores segurados, quando portadores de incapacidade laboral, é a autarquia previdenciária do INSS. O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que discute a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa, além de trazer outras providências, conceitua autarquia, no artigo 5º, como sendo um serviço autônomo, criado mediante lei, para executar atividades típicas da Administração Pública. 168 A Previdência Social é um seguro garantido àquele que possui a qualidade de contribuinte ou previdente, pessoas que se preocupam com eventuais situações adversas ou que contribuem compulsoriamente, em razão de exercer atividade laboral. Assim, objetivando proteger o trabalhador e sua família em caso de doença, velhice, entre outras situações, a Previdência social foi criada. Ocorre que, provar a incapacidade laboral, embora pareça ser uma tarefa simples, não é. Para que o segurado do INSS receba dele algum benefício previdenciário, é preciso preencher alguns critérios e comprovar a doença ou lesão e sua relação com a incapacidade, que, como já mencionado, se faz por meio da perícia médica realizada por profissional da própria autarquia. Na verdade, o examinado deve ter em mãos diagnóstico médico e exames comprobatórios de sua doença ou lesão para que o perito do INSS confira e faça a relação destes com uma possível incapacidade para o trabalho. O problema é que muitos dos benefícios requeridos pelos segurados são negados pelo INSS, o que causa transtorno para o trabalhador, que inicia uma batalha até mesmo pela sobrevivência. São comuns casos em que o segurado do INSS está incapacitado para o trabalho, mas é considerado plenamente capaz para o exercício de atividade laborativa pela perícia médica do INSS. Em vista disso, o segurado é obrigado a retornar ao trabalho, mesmo sem condições físicas ou psicológicas para isto, o que agrava o seu problema de saúde. Interessante é que esse mesmo segurado considerado incapaz pela perícia médica do INSS foi declarado incapaz através de exames realizados por diversos médicos, gerando uma contradição de diagnósticos. Nessa circunstância, o único prejudicado é o segurado, que não vê aplicado o instituto do ônus da prova em seu favor, nem tem seus direitos respeitados enquanto cidadão e contribuinte. 169 Para piorar ainda mais a situação, novo problema surge, qual seja, o médico do trabalho da empresa em que o segurado trabalha discorda da decisão da autarquia previdenciária de retorno ao trabalho e impede o trabalhador de voltar a exercer sua atividade, temendo um agravamento de seu quadro de saúde. O segurado, pois, fica sem qualquer fonte de renda. O que acontece é que o segurado não recebe salário de seu empregador, pois está impedido de exercer suas atividades em razão de sua incapacidade constatada pelo médico da empresa e também não aufere quantia do INSS, que o considera capaz para o labor. A partir dessa situação, discutir a inversão do ônus da prova e a necessidade de implantação da incapacidade presumida na Previdência Social é relevante. De um lado, há um trabalhador doente que, muitas vezes, não possui condições econômico-financeiras de esperar o resultado de um recurso administrativo da decisão que indefere seu pedido de benefício e, de outro lado, tem-se a Previdência Social, uma autarquia federal de grande porte com material humano e recursos financeiros vultosos. Muitos são os pedidos administrativos de reconsideração da decisão, bem como elevado é o numero de ações judiciais previdenciárias ajuizadas na Justiça Federal contra o INSS. Com essas ações judiciais, objetiva-se fazer com que o segurado seja avaliado por perito médico sem qualquer vínculo com ambas as partes, restabelecendo ou concedendo o benefício por incapacidade. Nessas ações judiciais, quando de restabelecimento do benefício, é comum que o magistrado conceda o pedido liminar para que o auxílio da autarquia previdenciária seja restabelecido em favor do segurado, reconhecendo o prejuízo deste, parte vulnerável da relação que, sem condições de trabalhar, sofre com a necessidade de dinheiro para comprar remédios, fazer fisioterapia e, principalmente, se alimentar. Dos pedidos administrativos para concessão de benefício previdenciário, é de se observar que o entendimento que prevalece no INSS é o do perito avaliador, uma vez que este 170 é que examina o segurado e analisa se há incapacidade laboral. O que se verifica com isso é que a área médica prevalece sobre o direito, muitas vezes ultrapassando os limites de sua seara. Assim, o direito ao contraditório e ampla defesa se encontra violado, bem como a dignidade da pessoa humana do trabalhador incapaz, embora assim não reconhecido, mesmo possuindo em mãos laudos e atestados médicos que atestam sua incapacidade. Desse modo, as ações judiciais, em muitos casos, desconstituem a decisão administrativa, tornando nulo o ato e determinando a concessão do respectivo benefício, pois enquanto o ato administrativo que negou o pedido está em vigor, o segurado padece sem a esperada proteção previdenciária, garantia constitucional. A realidade brasileira atual, pois, tem necessitado de um posicionamento diferenciado por parte do Estado, que deve primar pela garantia dos direitos fundamentais dos segurados. Dessa forma, a perícia médica realizada por profissional do INSS carece de maior fiscalização por parte do Estado, evitando que direitos não sejam violados e permitindo uma maior abertura para que o examinado possa participar de forma mais efetiva, criando verdadeira relação processual com direito ao devido processo legal. Mais que isso, é preciso que o instituto da incapacidade presumida seja uma realidade na Previdência Social. A incapacidade presumida na Previdência Social do Brasil seria uma forma de minimizar o sofrimento dos segurados brasileiros que pleiteiam benefícios por incapacidade e lhes são negados imotivadamente. Ora, se o segurado é portador de determinada enfermidade ou sofreu algum tipo de lesão devidamente constatados por meio de exames, diagnósticos, laudos médicos, atestados e demais documentos, não se mostra razoável que seu pedido lhe seja negado, quando há, para aquela mesma situação ou semelhante, um deferimento de igual benefício. 171 No caso, a incapacidade presumida na Previdência Social iria permitir que o segurado, ao se dirigir à autarquia previdenciária portando toda a sua documentação que prova sua doença ou lesão incapacitante, fosse beneficiado, automaticamente, com o benefício requerido, ficando ao encargo do INSS provar o motivo da não concessão, ao invés de esse ônus ser do examinado. Essa situação em estudo se dá com base em lista do INSS que traz os números e nomes dos benefícios já concedidos por sua instituição. Com esse entendimento, aquele segurado com doença ou lesão devidamente comprovada por provas documentais e que requeresse determinado benefício por incapacidade laboral semelhante à de um outro beneficiário qualquer, constante dos dados do INSS, que trabalhava na mesma condição ou situação semelhante, não deveria ser submetido a longa espera de seu pedido. Para essa circunstância, o ônus seria invertido em favor do segurado e, por via de consequência, em desfavor do INSS. Esse órgão seria o responsável por provar o porquê da situação daquele segurado ser diferente dos demais casos em que já foi concedido o benefício. Não se mostra razoável, nem prático, em termos de celeridade e eficácia da prestação estatal, que o segurado seja submetido a critérios e trâmites burocráticos para a concessão de benefício que, em igual situação, já fora concedido a outrem. A celeridade processual, mesmo em âmbito administrativo, é uma garantia constitucional quando diz: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, previsão do artigo 5º, inciso LXXVIII. O direito fundamental ao processo administrativo em tempo razoável se insere dentro do princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme Sarlet 186 , os direitos e garantias 186 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 60. 172 fundamentais podem ser reconduzidos à ideia de dignidade da pessoa humana, já que têm na proteção e desenvolvimento das pessoas seu pressuposto básico. Ao ter seu benefício negado pela autarquia previdenciária ou ao passar por uma série de critérios quando a documentação trazida é suficiente para comprovar a necessidade e urgência do pedido, o segurado vê a Constituição do Brasil ser desrespeitada. Segundo Canotilho 187, “o processo de fundamentalização, constitucionalização e positivação dos direitos fundamentais colocou o indivíduo, a pessoa, o homem como centro da titularidade de direitos”. Dentre esses direitos, encontra-se o direito à saúde, que segundo o artigo 196 da Constituição do Brasil, é direito de todos e dever do Estado. O benefício por incapacidade visa à preservação do direito à vida e à saúde. Saúde não significa, necessariamente, a ausência de doença, mas o acesso universal a ações de promoção, proteção e recuperação daquela. É garantir ao indivíduo condições para seu bem- estar físico e mental, bem como a manutenção da qualidade de vida. Assim, a saúde é um direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 196 da Constituição do Brasil. Silva 188 diz que no urbanismo “entra no campo de seus objetivos oferecer à população serviços de educação, saúde e saneamento básico, habitação, bem-estar social, lazer, recreação, cultura e esporte”. Por ser de caráter urgente, o direito à saúde não pode esperar. Por essa razão, a incapacidade presumida na Previdência Social do Brasil traria benefícios aos segurados que, ao invés de sofrer com a morosidade na concessão de benefício previdenciário, seriam contemplados de forma automática, se verificado o preenchimento dos critérios legais com base na documentação apresentada e na lista de benefícios concedidos no INSS em casos semelhantes. Se assim o fosse, o instituto da inversão do ônus da prova teria, de fato, 187 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra, Portugal: Livraria Almedin, 1998, p. 78. 188 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 280. 173 validade, minimizando o sofrimento dos segurados em favor dos princípios e direitos constitucionais conquistados após anos de lutas. Esses critérios objetivos devem levar em consideração fatores sociais, ambientais, pessoais e econômicos, com vistas à verificação da incapacidade laboral, uma vez que a simples avaliação médica se mostra, em muitos casos, insuficiente para constatar a incapacidade do trabalhador. 6.4.1 A implementação de fatores ambientais e sociais para a verificação da incapacidade na Previdência Social do Brasil e sua viabilidade técnica Não se contesta a realidade atual de que a incapacidade laboral é constatada mediante perícia exclusivamente médica realizada por profissional da autarquia previdenciária, como diz o §1º do artigo 42 da Lei nº 8.213/1991: “A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança”. Todavia, o perito avaliador faz, apenas, uma análise superficial e subjetiva da pessoa do examinado. No caso, o segurado que procura o INSS para fins de percepção de benefício, após passar por uma série de questionamentos e procedimentos conforme disciplina o Manual de Perícia Médica da Previdência Social, apresenta toda a sua documentação médica e aguarda o resultado do laudo pericial e, consequentemente, a decisão da concessão ou denegação de seu benefício. O que se verifica é que o direito do segurado fica à mercê de profissional técnico, especializado na área da medicina, ou seja, fica restrito à seara médica, desconsiderando 174 aspectos ambientais, sociais, econômicos e pessoais, os quais somente podem ser constatados por equipe multidisciplinar, como assistentes sociais, consultor jurídico, entre outros. Esses aspectos também têm influência na incapacidade do trabalhador. É preciso questionar a real possibilidade de o examinado reingressar no mercado de trabalho. Esse posicionamento se extrai da interpretação das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), juntamente com a proteção constitucional do trabalhador e o princípio da dignidade da pessoa humana. Caso a avaliação médico-pericial fique restrita ao estado físico de saúde do examinado, é possível que a incapacidade laboral não seja constatada, violando o direito do segurado que, caso fosse realizada uma análise do conjunto de fatores que influenciam a incapacidade, teria seu benefício concedido. Dessa forma, avaliar somente aspectos corpóreos ignora um contexto mais amplo, no qual questões sociais, econômicas, pessoais, de idade, fatores ambientais, reinserção no mercado, também devem se consideradas, pois todas exercem influência. Se a perícia indefere pedido administrativo de concessão de benefício por incapacidade quando o segurado está, de fato, incapaz, o prejuízo para este é de enormes proporções, violando seus direitos fundamentais à vida, à saúde e à dignidade. É certo que administrativamente cabe pedido de reconsideração dessa decisão, a qual é dirigida à Junta de Recursos, todavia, ao examinado foi negado o direito de defesa, pois a decisão do INSS se deu vinculada, exclusivamente, no laudo médico pericial. Importante dizer que nem sempre é possível constatar a incapacidade com base em exames médicos. Uma pessoa que sofre acidente de trabalho e perde os membros inferiores, por exemplo, pode ser readaptada a outra função que utilize outras partes do corpo. Poderia, a exemplo, ser digitador. O que resta saber é se essa pessoa possui qualificação necessária para 175 isso ou possui idade e condições físicas e psicológicas para um novo aprendizado. Também importa saber se a empresa ou o mercado de trabalho vai esperar esse aprendizado. Há que se cogitar ainda, com quem essa pessoa reside, se possui apoio familiar com pessoas dispostas a conduzi-lo e o modo de como realizar essa condução. Esses e outros fatores devem ser levados em consideração no momento de definir se há possibilidade de readaptação e se há incapacidade laboral. Possuir incapacidade para o trabalho não significa, necessariamente, a simples ausência de forças para realizar a atividade laboral, mas a carência de condições ambientais, sociais, pessoais, físicas, psicológicas, enfim, um conjunto de fatores e situações que contribuem negativamente para o exercício do labor. Há de considerar, pois, que fatores seriam esses, capazes de definir a ausência de condições para o trabalho. Os fatores ambientais são compostos pelo meio ambiente em que o segurado está inserido. Engloba, pois, o ambiente físico, social e de atitudes existentes no meio ambiente em que o segurado e as pessoas que convivem ao seu redor vivem. Os fatores ambientais, juntamente com os fatores pessoais, fazem parte, segundo a Classificação Internacional das Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF) 189 , dos fatores contextuais. Os critérios listados na CIF variam desde fatores físicos como clima ou terreno, até atitudes sociais, bem como toma por base instituições e leis. Para que a avaliação realizada no examinado produza efeitos no caso concreto, é preciso que haja interação com os fatores ambientais para que se possa verificar a existência de liame entre as expressões “funcionalidade” e “incapacidade”. No caso, a perícia deve levar em consideração fatores como “atitudes sociais, características arquitetônicas, estruturas legais e sociais, bem como clima, terreno, (...) gênero, 189 A CIF é uma classificação internacional desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que traz novas ideias sobre saúde e deficiência. 176 idade, estilo de vida, condição social, educação, profissão, experiências passadas e presentes, padrão de comportamento geral, caráter e outros fatores”.190 Assim, o que se verifica é que a simples análise médica, às vezes, é insuficiente para a constatação da incapacidade laboral. O que acontece cotidianamente é a emissão de laudos médicos periciais com base em quesitos subjetivos, conferindo ao médico perito poder supremo diante da vida e da saúde do segurado. Dessa forma, o trabalho defende que é necessário agregar a esses critérios subjetivos a análise de fatores diversos, estipulados pela CIF e que contribuem para melhor constatação da incapacidade. Segundo o comunicado de imprensa da Organização Mundial da Saúde, a CIF não focaliza nas taxas de mortalidade, mas sim, no conceito “vida”, levando em consideração o modo como as pessoas vivem os seus problemas referentes à saúde. Assim, a CIF transforma a visão da deficiência, antes vista como problema de um grupo minoritário, ampliando esse conceito para além da incapacidade física, apresentando perspectivas para direcionar medidas aptas a possibilitar a integração dessa pessoa com algum tipo de incapacidade na vida em sociedade. 191 Conforme se verifica, é possível que uma pessoa possua incapacidade para o trabalho por outros fatores que não necessariamente uma doença incapacitante. Em vista dessa ausência de critérios objetivos para a análise do examinado, resta que a decisão administrativa de indeferimento do pedido seja reexaminada na esfera judicial, oportunidade em que o segurado será submetido a novo exame, dessa vez realizado por profissional de confiança da Justiça. Poder-se-ia pensar que se trata de simples novo exame médico, porém esse entendimento não é correto. 190 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Rumo a uma linguagem comum para funcionalidade, incapacidade e saúde CIF. Genebra: Organização Mundial de Saúde, 2002. p. 10. Disponível em: < http://www.fsp.usp.br/cbcd/Material/Guia_para_principiantes_CIF_cbcd.pdf>. Acesso em: 18 de mai. 2013. 191 Classificação Internacional de Funcionalidades – CIF. Op. cit. Acesso em: 18 de mai. 2013. 177 A análise judicial permite que o magistrado, através da oitiva do segurado e testemunhas, bem como da análise de documentos médicos, conduza sua decisão pelo seu livre convencimento motivado, permitindo ao requerente sua participação com direito à ampla defesa e contraditório, divergindo, pois, da esfera administrativa. No poder Judiciário, o magistrado, ao contrário do que ocorre na autarquia previdenciária, tem autonomia para decidir com base no conjunto probatório. Assim, além da questão médica, o Judiciário aprecia outros fatores, internos e externos. Na seara dos Juizados Especiais Federais (JEFs), esses aspectos têm ganhado relevância para a motivação das decisões judiciais. Segundo a Turma Nacional de Unificação dos JEFs, o examinado não pode ser analisado apenas no aspecto médico, mas também por fatores externos a sua situação. Em decisão proferida pela juíza federal Maria Divina Vitória, da Turma Nacional de Unificação dos JEFs 192 , em análise quanto aos aspectos sociais na avaliação da incapacidade laborativa, ela fundamentou sua decisão alegando que a incapacidade para o trabalho é um fenômeno multidimensional que não pode ser avaliado apenas no aspecto médico, mas também deve analisar os aspectos sociais, ambientais e pessoais, bem como a possibilidade de reingresso do trabalhador no mercado de trabalho. Afirma ainda que esse entendimento decorre da interpretação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho com o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme o julgado transcrito, a incapacidade laboral é um fenômeno que não pode ser analisando apenas por uma dimensão, no caso, o ponto de vista médico, mas deve examinar aspectos sociais, ambientais e pessoais, questionando a possibilidade de reinserção 192 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista Decisão da IUJEF n. 2005.83.00506090-2/PE, julgado em 17.12.2007. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 11. ed. São José: Conceito Editorial, 2009, p. 580. 178 do segurado no mercado de trabalho, seja na forma de readaptação ou pelo fato de readquirir a capacidade laboral. Não existe um conceito legal de incapacidade. A Constituição e a lei previdenciária apenas mencionam que a incapacidade é fato gerador de benefícios previdenciários. Cabe, então, a doutrina e a jurisprudência, dentro do processo de cognição, delimitar o alcance do termo incapacidade, já que possui característica de conceito jurídico indeterminado. O artigo 42 da Lei nº 8.213/1991, quando condiciona a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez ao prévio exame da perícia médica do INSS, não limita o alcance do termo incapacidade a critérios estritamente médicos. Apenas menciona o meio de prova da incapacidade. O Superior Tribunal de Justiça entende que além dos aspectos contidos no artigo 42 da Lei nº 8.213/1991, outros devem ser considerados, como por exemplo, condição socioeconômica, profissional e cultural do segurado, 193 que seriam os critérios biopsicossocial e ambiental. 193 PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA INCAPACIDADE PARCIAL DO SEGURADO. NÃO VINCULAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA SÓCIO-ECONÔMICA, PROFISSIONAL E CULTURAL FAVORÁVEL À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DO INSS DESPROVIDO. 1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador Segurado da Previdência Social, devendo ser, portanto, julgados sob tal orientação exegética. 2. Para a concessão de aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos relevantes, além dos elencados no art. 42 da Lei 8.213/91, tais como, a condição sócioeconômica, profissional e cultural do segurado. 3. Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado não fica vinculado à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos outros elementos que assim o convençam, como no presente caso. 4. Em face das limitações impostas pela moléstia incapacitante, avançada idade e baixo grau de escolaridade, seria utopia defender a inserção do segurado no concorrido mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo qual faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez. 5. Agravo Regimental do INSS desprovido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 2012/0012557-1, da 1ª Turma. Relator: Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília, 05 de junho de 2012. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=201200125571&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 21 jun 2013. 179 Os critérios biopsicossocial e ambiental têm sido vistos pelo INSS como sendo causas supralegais e, portanto, meios de ampliação dos benefícios previdenciários, sem prévia fonte de custeio, o que encontra óbice no artigo 195, §5º da Constituição do Brasil 194 . Segundo a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no mbito da Administração Pública Federal, no artigo 29, “as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias”. Desse modo, o perito da autarquia previdenciária pode tomar as decisões que entenda pertinente para melhor instruir o processo, inclusive utilizando dos critérios biopsicossocial e ambiental. Foi a Lei nº 10.876, de 2 de junho de 2004, que criou a carreira de perícia médica da Previdência Social. De acordo com essa lei, o médico perito é o profissional responsável por analisar a condição do segurado, concedendo ou negando benefício, bem como sua renovação. O artigo 2º, caput, da citada lei, diz que “Compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico da Previdência Social (...), no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (...), o exercício das atividades médico-periciais inerentes ao Regime Geral da Previdência Social (...)”. Dentre a competência do perito do INSS, pode ser encontrada a emissão de parecer que traga a conclusão quanto à capacidade laboral do segurado para fins previdenciários. O médico perito também tem como competência a inspeção do meio ambiente de trabalho para fins previdenciários, bem como compete ao perito a caracterização da invalidez para a percepção de benefícios, além da execução de outras atividades definidas em 194 Art. 195. (...) § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. 180 regulamento. 195 No entanto, para que os direitos constitucionais sejam garantidos em favor dos segurados, necessário se faz a implementação dos fatores ambientais e sociais, além dos corporais, no momento da verificação da incapacidade laboral do examinado. A importância da análise do examinado nos aspectos de cunho ambiental, social e pessoal visa a perquirir a situação do segurado, verificando a causalidade de sua doença ou lesão com a incapacidade para o trabalho. O que acontece com frequência é a análise corporal do examinado, critério carente de eficácia plena, razão pela qual se propõe a utilização de critérios objetivos para embasar as decisões administrativas e judiciais em matéria de concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral. No caso, somente acrescentando critérios ao existente método de avaliação do examinado é que se construirá um processo mais transparente e eficaz em favor do trabalhador incapacitado. É incontroverso que fatores ambientais e sociais afetam diretamente a mensuração do grau de incapacidade, mas até o presente momento não foram implementados na Previdência Social do Brasil. 195 BRASIL. Lei nº 10.876, de 2 de junho de 2004. Art. 2º. Disponível em: < http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/2004/10876.htm>. Acesso em: 25 de mai. 2013. 181 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A vigente Constituição do Brasil possui conteúdo eminentemente protecionista, visando a resguardar direitos individuais, coletivos, sociais, políticos, entre outros, uma vez que, atualmente, vive-se a Era Neoconstitucionalista. Superado o jusnaturalismo e o positivismo, o pós-positivismo entra em cena para ir além da letra da lei, incorporando em seu sistema normativo uma base ética e principiológica, colocando, ainda, os direitos humanos em uma posição relevante, mantendo a rigidez constitucional e implementando os direitos sociais. Mostra-se relevante, assim, o estudo da proteção constitucional e previdenciária do trabalhador portador de incapacidade laboral, uma vez que trata de assunto com cunho social, que permeia direitos fundamentais e deveres do Estado em prol da sociedade. O sistema brasileiro carece de novos conceitos com entendimentos mais maleáveis que visem a resguardar os direitos fundamentais do homem. No caso do trabalhador portador de incapacidade laboral, é preciso enxergar as suas limitações, para que a proteção garantida pela Constituição e legislação infraconstitucional o alcance, concedendo-lhe um meio de sobrevivência, posto que sua inserção no mercado de trabalho se mostra inviável nesse momento. A incapacidade priva o trabalhador do livre exercício do trabalho, comprometendo a livre iniciativa e a livre concorrência, formas de acesso à ordem econômica, razão pela qual a tutela constitucional e a previdenciária se mostram imprescindíveis para resguardar os direitos sociais do trabalhador. O segurado, ao se dirigir à autarquia previdenciária em busca de benefício, passa por um processo lento e burocrático, mais doloroso ainda para quem se encontra em situação de 182 doença ou invalidez e padece com o sofrimento físico e/ou psicológico e financeiro, tendo em vista que se encontra impossibilitado para o trabalho e, portanto, sem auferir renda para o sustento próprio e o de sua família. A proteção constitucional e previdenciária do Estado em favor do trabalhador se dá por meio da seguridade social, na dimensão previdência, em que, através de um sistema contributivo compulsório, o trabalhador terá a sua renda assegurada no momento em que se encontrar incapaz. Todavia, a eficiência, em termos de celeridade, deve ser cogente, uma vez que se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade que necessitam de amparo em caráter urgente devido à natureza alimentar dos benefícios previdenciários. Na Previdência Social, a perícia médica é imprescindível para a concessão dos benefícios por incapacidade. Para o trabalhador conseguir o benefício por incapacidade almejado, é necessário se submeter à perícia médica previdenciária que, através de critérios subjetivos e do arbítrio do perito avaliador, emitirá laudo pericial que vincula a decisão do INSS. O laudo pericial elaborado pelo perito médico do INSS leva em consideração apenas as limitações corpóreas do trabalhador examinado, deixando de analisar aspectos ambientais e sociais que também influenciam para a incapacidade laboral. Em vista disso, o trabalhador portador de incapacidade laboral recorre à via judicial para solucionar seu conflito e ter seu direito ao benefício concedido. O magistrado, por meio de perícia médica e outras provas, decidirá conforme o seu livre convencimento motivado pelo deferimento ou indeferimento do benefício pleiteado. O modelo adotado pela Previdência Social para a concessão e manutenção dos benefícios por incapacidades não tem sido suficiente para a resolução dos conflitos entre os 183 segurados e o INSS, o que tem levado os trabalhadores a sobrecarregar o Judiciário com demandas previdenciárias. A prova pericial nas demandas judiciais decorrentes de benefícios previdenciários por incapacidade é imprescindível e onera o poder Judiciário, pois os segurados, em regra, litigam sob o manto da gratuidade judiciária, o que compromete o orçamento do Judiciário. Para conferir maior proteção ao trabalhador incapacitado para o labor, deveria ficar ao encargo do INSS o motivo da não concessão do benefício, pois a regra seria a sua concessão através de critérios objetivos, levando em consideração o número dos benefícios já concedidos pela autarquia previdenciária, com base nas patologias descritas na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), o que se verifica através do Sistema Único de Informações de Benefícios (SUIBE) e tomando por base a atividade desempenhada pelo trabalhador. Desse modo, a inversão do ônus da prova é uma garantia que deve ser aplicada em favor do trabalhador, parte vulnerável que necessita, urgentemente, da concessão de seu benefício por incapacidade laboral, seja auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez. O direito à vida e à saúde estaria comprometidos em caso de mora na concessão do benefício previdenciário, razão pela qual se propõe a utilização de critérios objetivos de avaliação e concessão de benefícios, visando a proteger o trabalhador dos chamados riscos sociais e individuais. Os fatores ambientais e sociais influenciam a incapacidade do trabalhador, todavia o médico perito do INSS faz uma análise puramente corpórea e mental do examinado, o que mitiga a constatação da incapacidade deste para o trabalho, ocasionando na determinação de retorno do segurado ao trabalho, o que pode vir a prejudicar o quadro clínico deste e, consequentemente, ferir direitos fundamentais sociais. 184 Nesse contexto, a perícia administrativa ou judicial exclusivamente médica possui limitação na constatação da incapacidade laboral, já que foge ao conhecimento da medicina os fatores sociais e ambientais. Por essa razão, é chegado o momento de implementar na Previdência Social uma perícia médica multidisciplinar para avaliar a incapacidade do trabalhador. A Previdência Social não deve ser vista como a salvação de todos os problemas dos segurados, mas é uma das formas criadas e mantidas pelo Poder Público em conjunto com a sociedade para a consolidação dos direitos fundamentais, sendo o mecanismo mais completo na realização da proteção social. 185 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Valter Shuenquener. O princípio da proteção da confiança, em busca da tutela de expectativas legítimas. Monografia de conclusão de doutorado na UERJ, 2008. ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de “risco social”. In: Revista dos Industriários. São Paulo: 1950. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Direito previdenciário médico: benefícios por incapacidade laborativa e aposentadoria especial. 2. ed. 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