UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA DEPARTAMENTO DE FÍSICA BACHARELADO EM FÍSICA Shaydina Duarte Neves da Silva Uma Introdução ao Modelo da Hadrodinâmica Quântica para Estudo das Estrelas de Nêutrons Natal - RN Dezembro de 2020 Shaydina Duarte Neves da Silva Uma Introdução ao Modelo da Hadrodinâmica Quântica para o Estudo das Estrelas de Nêutrons Monografia de Graduação apresentada ao Departamento de F́ısica do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como re- quisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em F́ısica. Orientador: Prof. Dr. Ronai Machado Lisbôa Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Departamento de F́ısica - DF Natal - RN Dezembro de 2020 A meus pais. ii Agradecimentos Primeiramente, agradeço aos meus pais por todo o afeto, carinho e por terem investido nos meus estudos desde sempre. Ao meu orientador Dr. Ronai Lisbôa, por ter me orientado através dos meus anos de graduação. A todos os amigos que fiz durante o curso de bacharelado em f́ısica, em especial: Felipe, Wendel, Fernanda, Nathane, Mayara e Dênis. E também aos meus amigos e colegas fora do ambiente acadêmico. Aos professores do Departamento de F́ısica (DF) que fizeram parte da minha formação e ao Dr. Roosewelt Fonseca Soares do Departamento de Matemática da UFRN (DM/CCET) pelas aulas de álgebra linear e cálculo fundamental III. A UFRN que por meio do Programa de Bolsas de Iniciação Cient́ıfica PIBIC/UFRN e ECT/UFRN permitiu que eu desenvolvesse minhas atividades de pesquisa com apoio financeiro. iii “Not only is the Universe stranger than we think, it is stranger than we can think.” — Werner Heisenberg, Across the Frontiers iv Resumo As estrelas de nêutrons são objetos compactos que fascinam astrof́ısicos e f́ısicos nucle- ares. Elas são formadas quando estrelas massivas esgotam seu combust́ıvel e colapsam. O núcleo remanescente da estrela supermassiva dá origem a estrela de nêutrons. Devido a suas propriedades extremas como pressão e densidade, essas estrelas são utilizadas como laboratório para teste, por exemplo, da força nuclear forte. Nesta monografia vamos apre- sentar a estrela de nêutrons, sua formação, estrutura e propriedades, bem como abordar a f́ısica das estrelas de nêutrons utilizando o modelo da Hadrodinâmica Quântica I e a equação de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV). Palavras-chave: Astrof́ısica Nuclear, Estrelas de Nêutrons, Hadrodinâmica Quântica, Tolman-Oppenheimer-Volkoff. v Abstract Neutron stars are compact objects that fascinate astrophysicists and nuclear physicists. They are formed when massive stars run out of fuel and collapse. The remaining core of the supermassive star gives rise to the neutron star. Due to their extreme properties such as pressure and density, these stars are used as a laboratory for testing, for example, strong nuclear force. In this monograph we will present the neutron star, its formation, structure and properties, as well as address the physics of the neutron stars using the Quantum Hadrodynamics model and the Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) equation. Keywords: Nuclear Astrophysics, Neutron Stars, Quantum Hadrodynamics, Tolman- Oppenheimer-Volkoff. vi Sumário Agradecimentos ii Resumo iv Abstract v 1 Introdução 1 1.1 Considerações Iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 Estrelas de Nêutrons 6 2.1 Estrelas de Nêutrons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.1.1 Visão Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.1.2 Principais Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.1.3 Por que Estudar Estrelas de Nêutrons ? . . . . . . . . . . . . . . . 11 3 Equiĺıbrio Hidrostático em Estrelas 13 3.1 O Equiĺıbrio Hidrostático em Estrelas Esféricas . . . . . . . . . . . . . . . 13 3.1.1 Estrela Newtoniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 3.2 Estrela na Relatividade Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3.2.1 A Equação de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) . . . . . . . . . 15 4 F́ısica das Estrelas de Nêutrons: Hadrodinâmica Quântica 18 4.1 Modelos Nucleares e Estudo da Matéria Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . 18 4.1.1 Propriedades da Matéria Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 4.2 Hadrodinâmica Quântica I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 4.2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 4.2.2 Formalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 vii 4.2.3 A Aproximação Relativ́ıstica de Campo Médio . . . . . . . . . . . . 26 4.2.4 Cálculo dos Valores Esperados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 5 Solução numérica 40 5.1 O modelo σ − ω . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 6 Considerações finais 50 1 Caṕıtulo 1 Introdução 1.1 Considerações Iniciais No nosso Universo nos deparamos com galáxias, estrelas e buracos negros. Entre as estrelas temos as chamadas estrelas de nêutrons que são o que resulta da explosão em supernova de uma estrela massiva. As estrelas de nêutrons são as menores e mais densas estrelas conhecidas até então. Há fortes evidências que estrelas de nêutrons são formadas a partir do colapso das supernovas. Objetos compactos como estrelas de nêutrons e anãs brancas emergem no final da evolução estelar, como mostra a figura 1.1. A massa da estrela que está no fim de sua vida é o fator crucial com relação a uma anã branca, um buraco negro ou uma estrela de nêutrons surgir. A massa máxima para uma estrela de nêutrons, limite de Chandrasekhar [1], é, aproximadamente, 1,4M , embora dados recentes apontem que esse limite possa ser bem maior. Normalmente as massas para essas estrelas estavam distribúıdas numa faixa de M = (1 − 2)M . Modelos teóricos atuais apontam estrelas de nêutrons com até 3,0M . Essas margens estão sendo revistas e ampliadas a partir das novas observações das ondas gravitacionais provenientes da colisão de objetos astrof́ısicos compactos. Recentemente, resultados que são provenientes da colisão de uma estrela de nêutrons e um buraco negro mostram uma massa para a estrela de nêutrons de 2,5M [2]. Na astrof́ısica, e na f́ısica como um todo, as estrelas de nêutrons provêm um laboratório único para o estudo da estrutura e interação da matéria a altas temperaturas. Quando a matéria das estrelas compactas esfria ou torna-se densa as part́ıculas constituintes ficam 2 Figura 1.1: Esquema do ciclo de vida de estrelas massivas. sujeitas às leis da mecânica quântica e da mecânica estat́ıstica. Essas part́ıculas começam a se repelir, criando uma pressão de natureza quântica e independente da agitação térmica, isto é, da temperatura. Nesse regime, mesmo à temperatura nula, há uma pressão de degenerescência devido à compressão da matéria até densidades que estão fora das escalas dos laboratórios na Terra. Para essas estrelas a energia de repouso é muito maior que o conteúdo relativ́ıstico das part́ıculas e a temperatura de Fermi (com kf ∼ 0) é próxima de Tf = m 2c2/KB ∼ 1013 K, enquanto a temperatura de uma estrela de nêutrons é da ordem de 106 K. Portanto, podemos desprezar efeitos devido a temperatura no modelo que iremos utilizar para descrever a f́ısica da estrela de nêutrons. As estrelas compactas como as anãs brancas (pressão de degenerescência de elétrons) e de nêutrons (pressão de degenerescência de nêutrons) têm, portanto, uma relação entre pressão e energia que são não-térmicas; os efeitos térmicos devido a alguma temperatura finita (T 6= 0) podem ser tratados como uma perturbação. Isso significa que devido às altas densidades das estrelas compactas, os modelos à temperatura nula são uma boa aproximação. O resultado é que a equação de estado da matéria se reduz a estudar como a pressão varia desde uma densidade central, p(ρ0) até uma densidade p(ρ) na crosta da estrela que pode ser tomada como nula no contorno estrela-espaço. Em modelos onde se considera uma estrela de nêutrons homogênea e esférica, sua densidade média é algo como ρ = 7,0×1014 g/cm3m . Essa densidade é cerca de 700 trilhões de vezes maior do que a da água, e resulta maior 3 do que a densidade do núcleo atômico, pois ρn = (2 − 3)ρo, onde ρo = 2,8×1014 g.cm−3 representa a densidade nuclear. No centro a densidade é cada vez maior, chegando a 10ρo [3, 6]. Um estudo compreensivo de estrelas de nêutrons requer um entendimento de como as interações de curto (contato) e de longo alcance (ação à distância) se equilibram no inte- rior das estrelas desde as camadas mais externas até o caroço central. Com a finalidade de compreender melhor a f́ısica por trás das estrelas de nêutrons precisamos de conhecimen- tos variados de áreas espećıficas, como astrof́ısica de altas energias, f́ısica de neutrinos, hidrodinâmica de superfluidos, f́ısica dos plasmas, f́ısica nuclear e de hádrons. Estrelas de nêutrons são modeladas por equações de estado que relacionam a pressão e a densidade dentro da estrela. As soluções das equações de estado são essencialmente numéricas e os dados de sáıda como o raio e massa são comparados aos dados observacionais. Isso permite descartar modelos e aperfeiçoar outros levando em consideração diferentes aproximações como outros tipos de part́ıculas e das interações entre elas. Uma estrela é estabilizada contra o colapso gravitacional pela pressão térmica devido à energia liberada dos processos de fusão nuclear nas camadas mais internas da estrela. Uma vez que esses processos de fusão tenham alcançado a formação de 56Fe, a última fase de fusão exotérmica, a estrela irá “apagar” e o núcleo começará a resfriar e se contrair sob sua própria gravidade. Como o núcleo se contrai, densidades onde os elétrons se tornam relativ́ısticos são facilmente alcançadas. A energia do núcleo pode ser reduzida por captura de elétrons pelos prótons (decaimento beta inverso), de modo que o núcleo se torna mais rico em nêutrons. O efeito da contração do núcleo pela gravidade será parado pela repulsão de curto alcance da força nuclear forte. Como o núcleo da estrela massiva é comprimido e colapsa em uma estrela de nêutrons, ela conserva a maioria de seu momento angular. Entretanto, desde que a estrela remanescente tem somente uma pequena fração de seu raio original, ela adquire uma alta velocidade rotacional. Dois tipos conhecidos de estrelas de nêutrons são os pulsares e os magnetares. Pulsares são mais fáceis de identificar, em comparação com uma estrela de nêutrons comum, devido à sua caracteŕıstica de emitirem rajadas de radiação de rádio em intervalos regulares. Para um observador, um pulsar é visto como um sinal em um telescópio de rádio. O 4 sinal exibe a propriedade de curtas rajadas de energia de rádio que estão separadas por gaps de intervalos regulares. Magnetares são estrelas de nêutrons com campos magnéticos extremamente intensos. Estrelas de nêutrons comuns têm campos magnéticos de cerca de trilhões de vezes maiores do que o campo magnético da Terra. O campo magnético de um magnetar é 1000 vezes maior do que o campo magnético de uma estrela de nêutrons comum. Os magnetares são formados de uma mesma maneira do que estrelas de nêutrons comuns mas não se sabe as condições as quais causam a criação de um magnetar ao invés de uma estrela de nêutrons ordinária [7]. O interior de uma estrela de nêutrons é ainda desconhecido, todavia existem muitas ideias e suposições. Dado que as densidades médias de estrelas de nêutrons são com- paráveis àquelas do núcleo do átomo, é assumido que estrelas de nêutrons consistem de matéria bariônica (prótons, nêutrons) e, portanto, podem ser estudadas como um núcleo gigante. A principal diferença entre uma estrela de nêutrons e um núcleo é que a pri- meira é mantida unida pela gravidade, enquanto que a outra é mantida unida por forças nucleares. Levando em conta a suposição de matéria bariônica no interior da estrela de nêutrons, modelos nucleares podem ser incorporados para prover a sua equação de es- tado. Esses vários modelos nucleares para o interior de uma estrela de nêutrons podem ser testados comparando as propriedades calculadas, tais como a relação massa-raio, aos valores obtidos por observações. Em geral, modelos nucleares são complexos e, assim, dif́ıceis para resolver. Logo, aproximações têm que ser feitas. Na nossa abordagem de cálculo de sistemas de muitos nucleons, utilizaremos um modelo cuja formulação tem como base a teoria quântica de campos. Esse modelo é conhecido como Hadrodinâmica Quântica (HDQ) e ele representa a interação entre os nucleons por meio da troca de mésons. O f́ısico John Walecka, em 1974, foi quem primeiramente fez a proposta de um modelo nuclear baseado na HDQ [8]. Aqui tem-se que a atração via distâncias intermediárias entre os constituintes do núcleo é devida à troca de um méson escalar (méson σ), e a repulsão à curto alcance é devida a troca de um méson vetorial (méson ω). Os parâmetros livres desse modelo são fixados de uma forma tal a reproduzir a energia de ligação por part́ıcula e a densidade de saturação da matéria nuclear. As equações de movimento que obtemos desse modelo são complicadas para resolver de forma anaĺıtica e para resolvê-las faremos a aproximação relativ́ıstica de campo 5 médio que consiste, basicamente, em trocar os operadores de campo dos mésons por seus valores esperados. 6 Caṕıtulo 2 Estrelas de Nêutrons 2.1 Estrelas de Nêutrons 2.1.1 Visão Geral Em decorrência da morte de uma estrela massiva, que expele a maior parte de sua matéria através do Universo em uma explosão de supernova, seu núcleo de ferro é colap- sado, criando assim a forma mais densa da matéria já observada até então no Universo: a estrela de nêutrons. Essas estrelas possuem propriedades estelares extremas, que são con- troladas pelas interações de longo alcance gravitacional e eletromagnética, como campo gravitacional, frequência rotacional, temperatura superficial e campo magnético. Exceto a interação gravitaiconal, essas propriedades estelares extremas são bem combinadas às propriedades nucleares extremas, que são controladas pelas interações de curto alcance nuclear fraca e nuclear forte, como densidade nuclear, superfluidez e supercondutividade. A existência das estrelas de nêutrons no universo foi inicialmente proposta por Landau no ano de 1932 [9], algum tempo após a descoberta do nêutron. Nossa concepção moderna no que se refere ao estudo das estrelas de nêutrons como um objeto que resulta da explosão da supernova durante o colapso gravitacional, com a liberação da energia gravitacional, é baseada no que foi proposto por Baade e Zwicky em 1934 [10, 11]. Apesar da existência de suposições teóricas, um tipo de estrela de nêutrons foi primeiramente observada por cientistas em 1967 [12], quase que acidentalmente, quando Jocelyn Bell, uma estudante do astronômo Antony Hewish, notou repetidos pulsos de rádio chegando de um pulsar fora do nosso sistema solar. Os pulsares são estrelas de nêutrons que estão rotacionando. Para 7 os observadores terrestres, elas parecem estar pulsando, mas a pulsação é aparentemente devida a um jato que está girando, como um holofote, que é observado cada vez que passa pela Terra. Os pulsares têm peŕıodos que se aproximam de 1 ms, mas normalmente ficam na faixa de algumas centenas de ms. Concluiu-se que a única coisa que poderia estar girando tão rápido sem se desintegrar seria um objeto extremamente compacto: uma estrela de nêutrons. Os pulsares são os “relógios” mais precisos conhecidos na natureza. Suas frequências são constantes a um ńıvel de aproximadamente uma parte em 1015. As mudanças de frequência, quando ocorrem, parecem ser o resultado de algum evento catacĺısmico na superf́ıcie da estrela de nêutrons, possivelmente um “terremoto” que muda o momento de inércia da estrela e, portanto, sua frequência de rotação [12]. Para os astrof́ısicos, a estrela de nêutrons é um objeto incrivelmente compacto, e para os f́ısicos nucleares a estrela de nêutrons é tida como um núcleo incrivelmente extenso. Tal visão do f́ısico nuclear advém do fato de que dentro das estrelas de nêutrons os átomos estão todos colapsados, onde temos a chamada matéria degenerada, ou, ainda, gás degenerado. A gravidade comprime fortemente os nucleons, de modo que eles estão muito mais próximos do que o habitual sob ação somente das forças nucleares. Eles são comprimidos e ocupam os estados de menor energia dispońıveis de acordo com a distribuição de Fermi-Dirac. A maioria das estrelas se sustentam contra sua gravidade através da pressão normal do gás. No caso das estrelas de nêutrons, elas se mantêm pela pressão de degenerescência do gás de nêutrons que se encontra em seu interior [13]. As estrelas de nêutrons são estruturadas, geralmente, em cinco camadas distintas repre- sentadas na figura 2.1. Superficialmente, encontramos a atmosfera em uma fina camada composta em sua maior parte pelos elementos hidrogênio e hélio. Abaixo dessa fina ca- mada, temos os restos da estrela que estão unidos e formam uma crosta externa que contém núcleos atômicos e elétrons livres. Indo mais profundamente na estrutura da es- trela de nêutrons, uma crosta interna é encontrada. O que os pesquisadores acreditam é que essa crosta interna é composta por nêutrons, elétrons livres e elementos ionizados, que são compactados e criam uma rede. Na quarta camada, temos uma pressão tão intensa que todos os prótons se combinam com os elétrons e se tornam nêutrons. A constituição da matéria ultra densa do centro da estrela, ou seja, do núcleo interno, ainda permanece um mistério. Apesar de atualmente sabermos bem como estrelas de nêutrons nascem 8 e evoluem com o tempo, não sabemos exatamente o que ocorre depois, dentro de seus núcleos ultra-densos. Algumas teorias dizem que os nêutrons são abundantes em todo o caminho até o centro. Outras teorias dizem que a enorme pressão compacta tal material em part́ıculas mais exóticas [14, 15]. Figura 2.1: Estrutura de uma estrela de nêutrons. Existem algumas possibilidades a respeito do que é feita a matéria do núcleo interior e as mais conhecidas são: quarks, condensado de Bose-Einstein e h́ıperons. Essas pos- sibilidades podem ser estudadas através de experimentos nos aceleradores de part́ıculas. Numa matéria composta por quarks up e quarks down, os constituintes dos prótons e nêutrons, os quarks e os glúons circulariam livremente. Outra hipótese para a matéria do núcleo interior é que as extremas energias dariam origem a part́ıculas chamadas h́ıperons. Prótons e nêutrons contém os quarks mais básicos e de menor energia, já os h́ıperons têm o último de seus quarks trocado por um quark estranho. A terceira possibilidade mais conhecida é que o centro da estrela de nêutrons é um condensado de Bose-Einstein, que seria um estado de matéria onde as part́ıculas chamadas ṕıons, contendo um quark up e um anti-quark down, se combinariam para formar uma única entidade quântica [14, 15]. 9 Dadas as possibilidades para o que podemos encontrar no centro das estrelas de nêutrons, temos a questão de que cada uma delas exibiria uma caracteŕıstica contra a gravidade da estrela. As diferentes matérias ultra densas gerarão diferentes pressões internas, sendo assim um raio maior ou menor para a dada massa. Por exemplo, se pegarmos uma estrela de nêutrons com um condensado de Bose-Einstein no núcleo interno, essa estrela teria um raio menor do que se tivesse um núcleo interno composto por uma matéria tal como nêutrons. Um núcleo feito de h́ıperons pode ter um raio ainda menor. Levando em conta as part́ıculas e as forças existentes entre elas teremos raios diferentes e outras propriedades também serão diferentes [14, 15]. As diversas possibilidades que temos para a matéria ultra-densa que iremos encontrar no centro da estrela podem ser diferenciadas através da realização de medidas precisas do tamanho e massa das estrelas de nêutrons. Atualmente, os pesquisadores têm tentado realizar tais medidas precisas, mas ainda há muitas incertezas, de modo que a precisão não é suficiente para distinguir entre qual modelo é o mais provável. A massa é estimada habitualmente através da observação de estrelas de nêutrons em pares binários. Devido a apresentarem altas densidades, as estrelas de nêutrons nos dão o teste perfeito para a força forte, de modo que podemos usar essa propriedade para provar a maneira como os quarks e glúons interagem sob essas condições. As teorias existentes supõem que o núcleo da estrela de nêutrons comprime fortemente os nêutrons e os prótons, o que provoca a liberação dos quarks dos quais essas part́ıculas são formadas [16]. As equações Newtonianas não descrevem corretamente objetos compactos e massivos. Especificamente falando, para estrelas de nêutrons existe um limite superior de massa, que tem suporte devido a evidências observacionais, que não é previsto pelas equações Newtonianas. Sendo assim, correções relativ́ısticas devem ser empregadas utilizando a relatividade geral. As aplicações da teoria da relatividade geral são usualmente mais complicadas do que a teoria da gravidade newtoniana, porém as equações obtidas para estrelas com simetria esférica, conhecidas como equações de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV), não são excessivas em termos de complexidade [17, 18] , dp −G[ρ(r) + p(r)/c 2][m(r) + 4πr3p(r)/c2] = , dr r2[1− 2Gm(r)/rc2] 10 dm = 4πρr2. dr A introdução das equações de TOV no tratamento relativ́ıstico têm fundamental im- portância para identificar corretamente modelos estáveis e instáveis para estrelas de nêutrons. 2.1.2 Principais Propriedades Estrelas de nêutrons são formadas a partir do núcleo colapsado de uma estrela massiva. Essa estrela que dá origem a uma estrela de nêutrons tem massas que variam entre 10M a 29M , o que resulta numa estrela de nêutrons com massas que variam entre 1M a 2M . Atualmente, existem evidências que apontam maiores massas para estrelas de nêutrons, cerca de 2,6M . Essas novas evidências vêm do estudo das ondas gravitacionais detectadas pela fusão de duas estrelas de nêutrons no ano de 2017 [2]. A medida da massa de estrelas de nêutrons, assim como para todas as demais estrelas, pode ser feita quando elas pertencem a sistemas binários por meio da 3a lei de Kepler e utilizando outros dados orbitais. Estritamente falando, as estrelas de nêutrons que fazem parte de sistemas binários apresentam efeitos adicionais relativ́ısticos observáveis (os chamados parâmetros pós-Keplerianos), devido aos intensos campos gravitacionais. O raio médio dessas estrelas fica em torno de 12 km, geralmente variando entre 10 e 16 km, porém existem incertezas. Por exemplo, para uma estrela de nêutrons com 1,4M , o raio varia entre 10 e 14 km. Ter valores mais precisos para o raio é importante para compreender o comportamento da matéria a densidades tão altas como as encontradas numa estrela de nêutrons. Existem algumas técnicas atuais para obter estimativas mais precisas para o raio utilizando dados observacionais das ondas gravitacionais geradas pela fusão de duas estrelas de nêutrons [19, 20]. Considerando uma estrela esférica com um raio médio R = 10 km, a densidade média pode ser estimada por ( )( )−3 M ρ = = 4, 8× 1014 M Rg.cm−3 (2.1) (4/3πR3) M 10 km que é maior que a densidade da matéria nuclear ρ0 = 2, 8 × 1014 g.cm−3 (núcleo do chumbo). 11 A luminosidade térmica a partir da superf́ıcie de uma estrela de nêutrons, como um corpo negro é, ( )2( )4 L = 4πR2σT 4 R T = 7× 1032 erg.s−1 (2.2) 10 km 106 K onde σ é a constante de Stefan-Boltzmann. A temperatura de uma estrela de nêutrons é normalizada a T ∼ 106 K o que é inferior à temperatura de Fermi, Tf = Ef/Kb ≈ 1013 K. Isto decorre do limite de baixa energia onde o momento de Fermi é nulo e a energia relativ́ıstica E2 = (m4c2 + k2fc 2) ≈ mc2. 2.1.3 Por que Estudar Estrelas de Nêutrons ? A astrof́ısica nuclear é um moderno e vibrante campo abordando questões fundamentais da ciência em uma intersecção da f́ısica nuclear e da astrof́ısica. Essas questões relacionam a origem dos elementos, os mecanismos nucleares que levam à vida e à morte das estrelas, e as propriedades da matéria a altas densidades e temperaturas. Uma ampla gama de aceleradores nucleares, observatórios astronômicos, capacidades computacionais e recursos humanos são necessários para propor e testar modelos f́ısicos-matemáticos que levem a uma teoria final. Algumas respostas a questões chave de longa data estão bem ao alcance da próxima década. Em especial, nos últimos anos os aceleradores, detectores e observatórios têm apresentado à humanidade algumas respostas as questões fundamentais: Do que o mundo é feito? E o que mantém tudo unido? O Grande Acelerador de Altas Energias (CERN) revelou o bóson de Higgs [21], em 2012; o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO) revelou as ondas gravitacionais [22], em 2017; o projeto Telescópio Horizon, uma rede global de telescópios apresentou a captura da primeira imagem de um buraco negro [23]. Esse trabalho se alinha às direções cient́ıficas, prioridades da comunidade da astrof́ısica nuclear e das agências de fomento ao iniciar estudos computacionais e teóricos a respeito de um dos três temas do campo da astrof́ısica nuclear e f́ısica nuclear de baixas energias [24]: • A composição e estado da matéria na crosta e no núcleo das estrelas de nêutrons. Este tema investiga o destino da matéria em condições extremas de densidade e a f́ısica subjacente da matéria nuclear. 12 Devido a apresentar propriedades únicas e extremas, as estrelas de nêutrons nos for- necem um laboratório único para testar as leis da f́ısica. Podemos citar como exemplo um caso envolvendo um teste da relatividade geral: correções realizadas das massas das estrelas de nêutrons por efeitos relativ́ısticos chegam a 50 %. Temos a oportunidade também de estudar a matéria em campos magnéticos intensos, que podem alcançar 1012 T, já que os campos gerados por eletróımãs que temos aqui não são maiores do que 10 T. Como último exemplo temos a contribuição do estudo das estrelas de nêutrons para a f́ısica nuclear, que é a possibilidade de analisar o comportamento da matéria a alt́ıssimas densidades, que pode ser até 5 vezes maior do que a densidade do núcleo de chumbo. O estudo de tais estrelas tão únicas também pode nos ajudar a saber a origem dos elementos qúımicos pesados no nosso Universo, tais como a platina e o ouro, devido a esses elementos serem formados por estrelas de massas elevadas [25]. 13 Caṕıtulo 3 Equiĺıbrio Hidrostático em Estrelas 3.1 O Equiĺıbrio Hidrostático em Estrelas Esféricas 3.1.1 Estrela Newtoniana As únicas forças atuando em um elemento de massa de uma estrela gasosa, estática, não-girante e sem campos magnéticos intensos, vêm da pressão e da gravidade. Tendo uma configuração simétrica, as funções serão constantes em esferas concêntricas e necessitare- mos apenas de uma coordenada espacial para descrever tais funções. Por simplicidade, adotaremos como coordenada espacial a distância r do centro da estrela, que varia de r = 0, no centro, até o raio total na superf́ıcie da estrela, r = R [13]. Com a finalidade de darmos uma conveniente descrição da distribuição de massa dentro de uma estrela, mais especificamente de seu efeito no campo gravitacional, definimos aqui a função m(r) como sendo a massa contida numa esfera de raio r. dm = 4πr2ρdr. (3.1) Na equação acima temos que o termo no lado direito é a massa contida na casca esférica de espessura dr, o que nos dá a variação de m(r) devido a variação de r dm = 4πr2ρ. (3.2) dr 14 Uma vez que preferimos, por uma questão de simplicidade, descrever a distribuição de massa na estrela por m(r), tomaremos a equação (3.2) como a primeira equação básica na forma Euleriana. A equação que acabamos de obter é a bem conhecida equação da continuidade de massa para o caso de simetria esférica e estática. A maior parte das estrelas que temos no Universo estão em extensos processos de sua evolução de modo que, no geral, mudanças não podem ser observadas. Logo, a matéria das estrelas não pode ser notavelmente acelerada, ou seja, todas as forças atuando em um dado elemento de massa da estrela compensam umas as outras. Denominamos de equiĺıbrio hidrostático esse equiĺıbrio de forças que encontramos em uma estrela. Tendo em mente tais suposições, as únicas forças que teremos são devidas à gravidade e ao gradiente de pressão [13]. Em um dado instante de tempo vamos considerar uma fina casca esférica massiva (infinitesimal) de espessura dr em um dado raio r dentro da estrela. A massa por unidade de área da casca é dm/dA ≡ ρdr e a densidade de força gravitacional atuando em direção ao centro da casca é −ρgdr. Como dissemos anteriormente, a matéria contida nas estrelas não pode ser notavelmente acelerada. Logo, para impedir que os elementos de massa da casca esférica sejam acele- rados em direção ao centro, tais elementos de massa devem sentir uma força de mesmo módulo devida à pressão, porém em sentido contrário. Isto nos leva a conclusão de que a pressão na casca deve ser maior no seu contorno interior pi do que no seu contorno exterior pe. A força total por unidade de área atuando na casca devida a esta diferença de pressão é dada por: dp pi − pe = − dr. dr A densidade de força resultante devido a pressão e a gravidade têm de ser zero, dp + gρ = 0, (3.3) dr o que nos fornece a condição de equiĺıbrio como dp = −gρ. (3.4) dr 15 Sabemos, da teoria elementar do potencial, que dentro de um corpo simetricamente esférico o valor absoluto da aceleração da gravidade g em uma dada distância r do centro não depende do elemento de massa fora de r. O valor de g depende somente de r e da massa contida na esfera, que até então chamamos de m. Da literatura, g é definida como Gm g = . (3.5) r2 A equação (3.5) nos dá o valor de g, de modo que, substituindo esse resultado na equação (3.4), obtemos que dp −Gm= ρ. (3.6) dr r2 Essa igualdade nos mostra o equiĺıbrio de densidades de forças advindas da pressão e da gravidade, ambas por unidade de volume da casca fina. Esta equação que acabamos de obter é a segunda equação básica da hidrostática que descreve o problema da estrutura estelar na forma Euleriana, onde r é a variável tida como independente. 3.2 Estrela na Relatividade Geral 3.2.1 A Equação de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) A solução para uma estrela de nêutrons esférica, homogênea e estática vem da Relati- vidade Geral e reduz-se na equação Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) que representa o equiĺıbrio hidrostático na relatividade geral, dp ( )( 3 )( )−1 = −Gm(r) p(r) 4πr p(r) 2Gm(r)ρ(r) 1 + 1 + 1− . (3.7) dr r2 ε(r) m(r)c2 rc2 Esta equação foi obtida primeiramente em 1939 pelos f́ısicos Julius Robert Oppenheimer e George Michael Volkoff [17], e posteriormente por Richard C. Tolman [18]. O modelo newtoniano, conforme se observa a partir da equação (3.6), não contém os termos de correção da relatividade geral que são aqueles entre parênteses na equação (3.7). Todas essas correções são positivas e maiores que a unidade, ou seja, incrementam a contribuição newtoniana a cada valor r da estrela. Além disso, o próprio gradiente de pressão é uma fonte adicional de gravitação, pois é uma forma de energia. Uma segunda 16 equação vem da continuidade de massa, dm = 4πr2ρ(r) , dr que integrada, pode fornecer a massa própria da estrela (massa gravitacional) que não é o mesmo que dizer a massa bariônica, ou seja, a massa devida a nêutrons e prótons no interior da estrela. Nesse caso, devemos resolver as equações de estado provenientes da f́ısica nuclear para obter a massa bariônica. Nessas equações G e c são a constante gravitacional e a velocidade da luz no vácuo. A solução desse par de equações diferenciais acopladas requer que as densidades de energia ε(r) = ρ(r)c2, pressão p(r) e a massa m(r) sejam conhecidas ponto a ponto, ou seja, a condição de estabilidade hidrostática deve ser garantida para cada raio da estrela. De modo a resolver essas duas equações e obter ambas pressão p(r) e massa m(r) como uma função do raio, tem-se que integrar tais equações do centro da estrela até uma distância r. As condições iniciais e de contorno para a integração numérica das equações são p(0) = p0, no centro da estrela, e na sua crosta m(R) = M , com p(R) = 0 [13]. Para resolver estas equações precisamos de uma equação de estado, isto é, uma relação entre as densidades de pressão e energia, p = p(ε), cujos valores das densidades de energias e pressão serão dados de entrada para a equação de TOV. Recordando-se da relação massa versus energia, ε = ρc2. Notavelmente, a única entrada para a qual as estrelas de nêutrons são senśıveis é a equação do estado da matéria rica em nêutrons, ou seja, uma relação entre a pressão e a densidade de energia p = p(ε). Inversamente e igualmente notável, cada equação de estado gera uma única relação massa-vs-raio. Para um determinado elemento de fluido na estrela, o equiĺıbrio hidrostático é atingido ajustando-se o gradiente de pressão para equilibrar exatamente a força gravitacional. Para uma estrela de nêutrons sem a correção da relatividade geral, isto é, uma aproximação Newtoniana, leva a uma estrela de nêutrons suportada exclusivamente pela pressão de degenerescência de nêutrons, com uma massa M = 5,6M , muito acima dos dados observacionais de (1 − 2)M [3]. Mas, adicionando apropriadamente as correções da relatividade geral, que existe na equação de TOV, a massa máxima de estrela de nêutrons reduz-se para apenas M = 0,7M , um limite inferior quando se considera uma estrela formada e suportada exclusivamente 17 por uma matéria de nêutrons completamente degenerados [4]. Ao incluir ao modelo frações de outras part́ıculas via decaimento beta, isto é, supondo mecanismos onde possa existir na estrela de nêutrons, além dos nêutrons, uma fração de prótons, elétrons e neutrinos e mantendo o equiĺıbrio qúımico mais a neutralidade de carga, percebe-se efeitos na mudança dos valores do raio e da massa das estrelas, mas mesmo assim não satisfatórios [5]. Embora, não haja nada de errado com o cálculo da equação de TOV, ela tem uma omissão cŕıtica: o importante papel das interações nucleares na modificação da equação de estado (EOS) de um gás Fermi livre de nêutrons (ou mesmo prótons e elétrons). De fato, nas enormes densidades encontradas em estrelas de nêutrons, a forte repulsão de curto alcance para a força nucleo-nucleon não pode ser ignorada. Resultados mais satisfatórios surgem quando as energias e pressões da estrela são obti- dos a partir de equações emṕıricas provenientes do estudo da f́ısica nuclear e que ajustam uma série de parâmetros livres dessas equações aos dados observacionais. Em modelos semi-emṕıricos e não relativ́ısticos, ou seja, modelos onde desprezamos efeitos devidos a relatividade geral, obtém-se M = 2,79M e R = 12,46 km que são razoáveis frente aqueles sem considerar a interação de curto alcance nucleon-nucleon [13]. Nesse trabalho refizemos os estudos já bem conhecidos do modelo denominado σ − ω (sigma-omega) que foi introduzido por J. D. Walecka em 1974, que mencionou as prin- cipais caracteŕısticas da interação nucleon-nucleon. Esse modelo ficou conhecido como Hadrodinâmica Quântica-I (QHD-I) [8] e contém os ingredientes básicos para quaisquer outros modelos relativ́ısticos de campo médio para descrever a matéria nuclear densa. 18 Caṕıtulo 4 F́ısica das Estrelas de Nêutrons: Hadrodinâmica Quântica 4.1 Modelos Nucleares e Estudo da Matéria Nuclear Em nossos estudos de f́ısica nos deparamos com as 4 forças fundamentais da natu- reza: gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte. Em nosso estudo da interação entre nucleons o nosso interesse reside na força nuclear, porém, de maneira diferente do caso coulombiano, não sabemos de fato como os nucleons interagem. Isso significa que não existe um potencial bem definido que possa descrever a força entre os prótons e os nêutrons. O que sabemos é que se trata de uma interação de curto alcance. Sistemas nucleares são descritos, de maneira usual, através da proposta de uma interação e, a partir disso, ajustes dos parâmetros livres são realizados de modo a reproduzir os observáveis conhecidos da f́ısica de dois nucleons. Com isso em mãos, estamos aptos a calcular os observáveis relacionados à matéria nuclear, núcleos leves, núcleos pesados e estrelas de nêutrons utilizando a interação que foi inicialmente proposta. Essas interações são fundamentadas na possibilidade que os núcleons trocam mésons entre si. No ano de 1935, Hideki Yukawa propôs o modelo nuclear no qual mésons são trocados entre os componentes do núcleo [8]. A troca dessa part́ıcula, que conhecemos como ṕıon ou méson π, ocasionaria em uma atração de curto alcance entre os prótons e nêutrons, o que poderia ser uma explicação para a estabilidade do núcleo. Tal proposta foi elaborada de maneira análoga à interação eletromagnética, a qual é feita através da troca de fótons. 19 Em 1949, Yukawa ganhou o prêmio Nobel de f́ısica por propor a existência da part́ıcula hoje conhecida como méson-π [29]. Representar a interação da matéria nuclear requer do modelo em questão a descrição precisa da matéria nuclear a alta densidade, caso da matéria encontrada nas estrelas de nêutrons, bem como a matéria observada em densidade normal. Sistemas altamente den- sos apresentam part́ıculas que alcançam energias semelhantes à suas massas de repouso. Sendo assim, ao estudar tais sistemas temos que incorporar os conceitos de mecânica quântica, covariância de Lorentz, invariância eletromagnética de gauge e causalidade mi- croscópica no sistema de muitos corpos. Portanto, a teoria que devemos utilizar deve ser compat́ıvel com a teoria de campos relativ́ıstica. Uma teoria bem estabelecida entre os f́ısicos e que descreve a interação forte é a Cromo- dinâmica Quântica (CDQ). Ela representa a interação entre quarks via troca de glúons. Essa é uma teoria bem fundamentada e poderia ser nossa melhor escolha para descrever a matéria das estrelas de nêutrons, porém, na escala de energia hadrônica, a CDQ apresenta um comportamento altamente não-linear, o que impossibilita que cálculos teóricos sejam feitos. Um outro motivo que nos impede de utilizar essa teoria é que, em experimentos nucleares, quarks e glúons são subdivididos em duas categorias: bárions e mésons. Os bárions são férmions constitúıdos por 3 quarks, caso dos prótons e nêutrons. Os mésons são bósons que contém um par quark-antiquark. Nosso objetivo é o estudo da interação entre os constituintes do núcleo impondo graus hadrônicos de liberdade. Para isto, utili- zaremos a teoria relativ́ıstica de hádrons, mais conhecida como Hadrodinâmica Quântica. 4.1.1 Propriedades da Matéria Nuclear Para podermos descrever uma estrela de nêutrons precisamos de equações de estado das estrelas de nêutrons que observamos no Universo. Com isso, as equações de estado que utilizaremos precisam conter em sua formulação os efeitos devidos à interação nuclear existente entre os constituintes estelares. Ao introduzir as interações nucleares de modo a descrever as estrelas de nêutrons reais, a teoria que utilizaremos tem que representar as caracteŕısticas das interações nucleares que são experimentalmente observadas. Existem 4 caracteŕısticas essenciais que são [8]: 20 1 O alcance da força nuclear forte é curto; 2 A força nuclear forte é essencialmente atrativa; 3 Dependente do spin; 4 Independente da carga. 4.2 Hadrodinâmica Quântica I 4.2.1 Introdução A hadrodinâmica quântica é uma teoria quântica de campos totalmente relativ́ıstica que descreve a interação entre bárions (prótons e nêutrons, por exemplo) mediada por mésons escalares e vetoriais. No modelo HDQ-I, os mediadores responsáveis pela interação entre os nucleons são o mésons escalar σ e vetorial ω que medeiam tais interações repulsiva e atrativa, respectivamente, dentro do núcleo e mantendo-o ligado pela força nuclear. Infe- lizmente, essa teoria é não renormalizável, o que leva a algumas dificuldades devido aos efeitos de integrais de laço que incorporam a dinâmica do vácuo quântico. Felizmente, existe uma alternativa, pois é posśıvel escrever uma teoria efetiva onde podemos ignorar as dificuldades básicas do formalismo, ao substituir os campos mesônicos por seus valores médios. Isso se chama aproximação de campo médio, onde considera-se que a densidade bariônica (matéria) seja grande o suficiente para que as interações bárion-bárion sejam desconsideradas. Como consequência, o único efeito f́ısico relevante é a interação dos bárions com um campo médio comum a todos. Com isso o problema de muitos corpos se reduz ao problema de uma part́ıcula sujeita a um potencial efetivo. Formalmente, isso significa que os campos mesônicos que são variáveis da lagrangiana do modelo podem agora ser substitúıdos pelos seus valores esperados. Além do mais, pela simetria esférica do sistema temos que as componentes espaciais do campo vetorial devem ser nulas, res- tando apenas a componente espacial [30]. A lagrangiana é então escrita em termos dos campos efetivos dos nucleons e dos mésons, e as interações são ajustadas via constantes de acoplamento que são funções da densidade de bárions, ajustadas as propriedades da matéria nuclear que se tem conhecimento dos experimentos realizados nos laboratórios de f́ısica nuclear/part́ıculas. O modelo σ − ω, além das massa dos bárions, possui apenas 21 duas constantes de acoplamento: gσ e gω, e diferentes valores dessas constantes fornecem diferentes equações de estado; que por sua vez fornecem diferentes massas e raios para as estrelas de nêutrons. A grosso modo, pode-se dizer que ao variar os valores dessas cons- tantes de acoplamento, obtém-se diferentes equações de estado para a matéria nuclear densa [8]. A Hadrodinâmica Quântica (HDQ) é uma teoria relativ́ıstica de campos efetiva que melhor se adequa ao nosso objetivo de descrever a matéria nuclear. Apresentada por J. D. Walecka no ano de 1974, essa teoria descreve a interação entre bárions (prótons e nêutrons) mediada por mésons escalares e vetoriais [8]. O méson escalar σ e o méson vetorial ω desempenham o papel fundamental de mediar o acoplamento entre os constituintes do núcleo. Essa interação entre os bárions quando há invariância rotacional e translacional (aproximação estática) tem a forma do potencial de Yukawa: g e−mvr −msrv Veff = − gs e , 4π r 4π r onde mv é a massa do méson vetorial, ms é a massa do méson escalar, gv e gs são as constantes de acoplamento entre os mésons e os constituintes do núcleo. No potencial de Yukawa temos a representação das duas interações básicas que se compensam no interior do núcleo: uma repulsiva a pequenas distâncias, caracterizada pelo primeiro termo do potencial, e uma atrativa a grandes distâncias representada pelo segundo termo. Esse comportamento é representado pela figura 4.1 [31]. A estrutura mais simples da HDQ é a HDQ-I, também conhecida como modelo σ−ω, e é a que utilizaremos para descrever a matéria nuclear. Os núcleos e a matéria nuclear são melhores estudados usando o méson-σ e o méson-ω. Enquanto que os mésons σ aumentam a forte força central atrativa e a força spin-órbita na interação entre os constituintes do núcleo, os mésons ω são a causa da força central fortemente repulsiva e da força spin-órbita, essa tendo mesmo sinal que a força de spin-órbita do méson σ. Na HDQ-I, consideramos as massas do próton e do nêutron sendo idênticas, omitimos as propriedades eletromagnéticas existentes na matéria nuclear e a interação entre os nucleons é efetuada com o aux́ılio de três campos: bárion (próton, nêutron), méson escalar σ e méson vetorial ω [14]. 22 Figura 4.1: Energia potencial em função da distância internucleon, R. As constantes de acoplamento dos mésons ω e σ, gv e gs, utilizadas para gerar esse gráfico são iguais a 12,6139 e 10,0289, respectivamente. Sendo um modelo feito para descrever a matéria nuclear, a HDQ necessita de dados experimentais de entrada de modo a restringir sua validade. As constantes de acoplamento entre os mésons e campos do nucleon são parâmetros desconhecidos e o método mais utilizado para obter tais parâmetros é ajustar as propriedades da matéria nuclear que foram calculadas aos valores obtidos experimentalmente. Devido ao formalismo variar de autor para autor, os parâmetros definidos diferem uns dos outros [14]. De modo similar à teoria da Cromodinâmica Quântica, a Hadrodinâmica Quântica apresenta algumas dificuldades, logo temos que realizar aproximações. Todavia, na HDQ as constantes de acoplamento são grandes, o que significa que não podemos fazer uso da expansão perturbativa em termos das constantes de acoplamento. Sendo assim, iremos introduzir a aproximação relativ́ıstica de campo médio à nossa teoria [14]. 4.2.2 Formalismo Sendo a HDQ uma teoria de campos relativ́ıstica, todo o formalismo que iremos uti- lizar tem que apresentar invariância sob transformações de Lorentz. Começaremos com a construção da densidade lagrangiana, relativ́ıstica, cujas variáveis serão os próprios campos mesônicos. Se retirarmos os mésons da densidade lagrangiana, devemos obter a 23 lagrangiana para part́ıculas livres. Antes de dar continuidade à construção da densidade lagrangiana, apresentamos a notação que será utilizada daqui por diante [14]: • ψ configura o campo do bárion; • ψ† configura o campo conjugado do bárion; • φ corresponde ao campo do méson escalar σ; • V corresponde ao campo do méson vetorial ω; • ms representa a massa do méson escalar; • mω representa a massa do méson vetorial; • M é a massa do nucleon; • gs denota a constante de acoplamento escalar; • gv denota a constante de acoplamento vetorial; • Vµν = ∂µVν − ∂νVµ é um tensor de campo antissimétrico, ou seja, é um objeto matemático que descreve a força do campo no espaço-tempo. Densidade Lagrangiana Na descrição de bárions de spin-1/2, utilizaremos a densidade lagrangiana de campo de Dirac, e os campos do méson-σ e do méson-ω são descritos pelos termos adicionais de Klein-Gordon e campos dos bósons massivos vetoriais (Proca) [26]. Como dissemos anteriormente, a densidade lagrangiana deve ser invariante sob trans- formações de Lorentz. Sendo assim, o campo escalar precisa se acoplar à densidade escalar do campo bariônico, ψ̄ψ, e o campo vetorial tem que se acoplar à corrente bariônica con- servada, ψ̄γµψ. Também devemos ter na densidade lagrangiana os termos para a força atrativa causada pelo campo escalar σ e para a força repulsiva causada pelo campo vetorial ω [6, 27]. 24 Feitas as nossas considerações sobre a densidade lagrangiana, ela tem a seguinte forma geral: L = T − V L µ − − 1 µ − 2 2 1= ψ̄(x)(iγ ∂µ M)ψ(x) (∂µφ(x)∂ φ(x) msφ (x))− V V µνµν +2 4 1 m2ωVµ(x)V µ(x) + gsφ(x)ψ̄(x)ψ(x)− g µvV (x)ψ̄(x)γµψ(x), 2 onde o termo iψ̄(x)γµ∂µψ(x)− ψ̄(x)Mψ(x) configura a lagrangiana para part́ıculas livres de spin 1/2 (bárions, isto é, prótons e nêutrons), o termo 1(∂µφ(x)∂ µφ(x) − m2 2sφ (x))2 configura a lagrangiana para part́ıculas livres de spin 0 (méson-σ), o termo −1VµνV µν +4 1m2 µωVµ(x)V (x) configura a lagrangiana para part́ıculas livres de spin 1 (méson-ω) e os2 dois últimos termos da densidade lagrangiana representam, respectivamente, a interação entre os bárions mediada pelo méson escalar-σ (força atrativa) e a interação entre os bárions mediada pelo méson vetorial-ω (força repulsiva). Agora, de uma forma mais compacta: L 1= ψ̄(x)[γµ(i∂µ)− g V µv (x))− (M − g µsφ(x))]ψ(x) + (∂ φ(x)∂µφ(x)− 2 1 1 m2 2sφ (x))− V µν 2 µµνV + mvVµ(x)V (x).4 2 onde o termo M − gsφ(x) representa uma massa efetiva dos bárions. A densidade lagran- giana resultante é chamada de lagrangiana de Walecka, ou lagrangiana do modelo σ−ω, e ela é obtida somando-se os termos de cada lagrangiana correspondente aos campos e por dois termos de interação inseridos à mão de modo a satisfazer as propriedades nucleares devidas à interação dos mésons com os componentes do núcleo atômico. Equações de Movimento Dada a densidade lagrangiana de nosso sistema, podemos aplicar as equações de Euler- Lagrange para cada um dos campos mesônicos de modo a obter as equações de movimento. Para facilitar nossos cálculos posteriores, vamos começar calculando algumas derivadas 25 parciais que serão úteis: ∂L 0 † = γ iγµ∂ µψ(x)− γ0Mψ(x) + gsφ(x)γ0ψ(x)− g µ 0vV (x)γ γµψ(x) ∂ψ ∂L = γ0(iγ ∂µ† µ ψ(x)−Mψ(x) + gsφ(x)ψ(x)− gvV µ(x)γµψ(x)), (4.1) ∂ψ e ∂L † = 0. (4.2)∂(∂µψ ) Para o campo escalar φ: ∂L = −m2φ(x) + gsψ̄(x)ψ(x), (4.3) ∂φ s e ∂L = ∂µφ(x). (4.4) ∂(∂µφ) Para o campo vetorial V µ: ∂L 1 ∂ ∂ = m2 αω (V (x)Vα(x))− g (V αv (x)ψ̄(x)γαψ(x))∂Vµ 2 ∂Vµ ∂Vµ ∂L = m2ωV µ(x)− gvψ̄(x)γµψ(x), (4.5) ∂Vµ e ∂L 1 ∂ = − (V αβαβV ) ∂(∂νVµ) 4 ∂(∂ν∂µ) ∂L 1 = − [V αβ ∂ (x) (V (x)) + V (x)gακgβλ ∂ αβ αβ (Vκλ(x))] ∂(∂νVµ) 4 ∂(∂νVµ) ∂(∂νVµ) ∂L 1 ∂ ∂ = − [V αβ(x) (∂ V − ∂ V ) + V κλα β β α (x) (∂κVµ λ − ∂λVκ)]∂(∂νVµ) 4 ∂(∂νV ) ∂(∂νVµ) ∂L 1 = − [(δν µ ν µ αβ κλ ν µ ν µ ∂(∂ V ) 4 α δβ − δβδα)V (x) + V (δκδλ − δλδκ)] ν µ ∂L 1 = − (V νµ − V µν + V νµ − V µν) = V µν . (4.6) ∂(∂νVµ) 4 Agora podemos obter as equações de movimento do sistema substituindo os resultados das derivadas para cada um dos campos na equação de Euler-Lagrange. Como resultado, 26 obtemos as seguintes equações diferenciais acopladas não-lineares: ∂ ∂µµ φ(x) +m 2 sφ(x) = gsψ̄(x)ψ(x), (4.7) ∂ V µνµ +m 2 ωφ(x) = gvψ̄(x)γ νψ(x), (4.8) [γµ(i∂ µ − gvV µ(x))− (M − gsφ(x))]ψ(x) = 0. (4.9) A primeira de nossas equações diferenciais é a equação de Klein-Gordon para o campo escalar com um termo de fonte advindo da densidade escalar bariônica, ψ̄(x)ψ(x). A segunda equação se trata da equação de Proca, que configura o campo vetorial e tem um termo de fonte proveniente do acoplamento do campo vetorial com a densidade bariônica conservada, ψ̄(x)γνψ(x). A terceira e última equação representa a equação de Dirac para o campo do bárion com um termo adicional para a massa deslocada devido ao campo escalar, (M − gsψ(x)), e outro termo adicional para a interação do campo vetorial com o bárion. Devido ao fato de essas equações serem não-lineares e estarem acopladas, a resolução delas é deveras complicada. Sendo assim, vamos recorrer ao método aproximativo da teoria relativ́ıstica de campo médio de modo a obter as soluções para nossas equações. 4.2.3 A Aproximação Relativ́ıstica de Campo Médio Na seção anterior obtivemos equações diferenciais acopladas não-lineares de dif́ıcil re- solução. Com o objetivo de resolver tais equações, utilizaremos a aproximação de campo médio. Nessa aproximação, supomos que a densidade bariônica é tão grande de modo que as interações entre os bárions podem ser desconsideradas e a única interação relevante será a dos bárions com um campo médio. Em resumo, essa aproximação consiste em trocar os campos desconhecidos por seus valores médios [8, 14]. Logo, substitúımos os operadores dos campos dos mésons pelos seus valores médios e os tratamos como campos clássicos, mais especificamente com seus valores esperados no estado fundamental |Φ〉 da seguinte forma: φ̂ −→ 〈Φ|φ̂|Φ〉 = 〈φ〉 = φ0, 27 V̂µ −→ 〈Φ|V̂µ|Φ〉 = 〈Vµ〉 = δµ0V0. Desta maneira o problema original de muitos corpos é reduzido ao problema de uma part́ıcula que está submetida a um potencial efetivo. Na aproximação de campo médio supomos que o sistema se encontra em repouso, a uma temperatura T = 0 K, isto é, os bárions ocupam ńıveis de energia até um certo ńıvel máximo de energia, que é a energia de Fermi. Como supomos que o sistema se encontra em repouso, o fluxo de energia bariônico, ψ̄(x)γiψ(x), é zero, ou seja, não há corrente bariônica. Nas equações diferenciais obtidas anteriormente aparecem termos de fonte que agora vamos trocar pelos valores esperados dos operadores de campo dos bárions. De modo a desprezar a contribuição dos estados de energia negativa, temos que realizar o processo de ordenação normal dos valores esperados: 〈 〉 ψ̄(x)ψ(x) −→ 〈Φ| : ψˆ̄(x)ψ̂ : |Φ〉 = ψ̄ψ , 〈 〉 〈 〉 ψ̄(x)γµψ −→ 〈Φ| : ψˆ̄(x)γµψ̂(x) : |Φ〉 = ψ̄γ0ψ = ψ†ψ . Agora podemos substituir os campos V µ e ψ0, que não dependem mais de x, nas equações de movimento, de modo a simplificar sua resolução, e obtemos: 〈 〉 m2sφ0 = gs ψ̄ψ , (4.10) 〈 〉 m2ωV 0 = g †v ψ ψ , (4.11) [iγ µ 0µ∂ − gvγ0V − (M − gsφ0)]ψ = 0, (4.12) lembrando que, devido a suposição que fizemos anteriormente, as componentes espaciais do campo V i se anulam e temos que 〈 〉 m2 iωV = gv ψ̄γ iψ = 0. 28 Deste modo, obtemos uma expressão mais simples para a densidade lagrangiana da HDQ-I utilizando a aproximação de campo médio: L = ψ̄[iγ ∂µ − g γ V 0µ v 0 − (M − gsφ0)]ψ − 1 m2 2 1 2 sφ0 + mωV0 . (4.13)2 2 Da densidade lagrangiana, obtemos o tensor energia-momento T µν 1 1 = iψ̄γµ∂ν − gµν(− m2φ2 + m2 2 2 s 0 2 ω V0 ) e, a partir disso, calculamos a densidade de energia, , 〈 〉  = T〈 00 〉  = i〈 ψ̄γ0∂〉0 − g00 1 (− m2 1sφ20 + m2ωV 20 )2 2  = ψ† 1 iψ̇ + m2φ2 − 1m2V 2 . (4.14) 2 s 0 2 ω 0 e a pressão, p: 1 〈 〉 p = 〈T ii 3 1 〉 1 p = i ψ̄γi∂iψ − gii −1( m2 1φ2 + m2 2〈 〉 s 0 ωV0 )3 3 3 2 −1p = i ψ†αi − 1∂ ψ m2φ2 1i s 0 + m2V 2. (4.15)3 2 2 ω 0 4.2.4 Cálculo dos Valores Esperados Após realizarmos a aproximação de campo médio, obtivemos as equações de movimento, bem como a densidade de energia e a pressão. Agora o nosso próximo passo é calcular os valores esperados dos operadores que apareceram nas equações (4.14) e (4.15). Para dar continuidade ao cálculo dos valores esperados dos operadores, precisamos construir uma representação mais clara do operador de campo bariônico, ψ̂, que será expandido em uma decomposição de Fourier. Antes, mas com o objetivo de obter o operador ψ̂, teremos que resolver a equação de Dirac que fornece a dinâmica do nucleon dentro do núcleo. 29 Começamos por fazer algumas operações na equação de Dirac com aproximação de campo médio a partir da equação (4.12) (iγ0∂0 + iγ i∂i − g γ0v V0 −m∗)ψ = 0 γ0(iγ0∂0 + iγ 0αi∂i − g γ0V −m∗v 0 )ψ = 0 iψ̇ = (iα~ ·∇~ + gvV0 +m∗β)ψ iψ̇ = (α~ · ~̂p+ gvV0 +m∗β)ψ iψ̇ = ĤDψ, (4.16) com ĤD = α~ · ~̂p + g ∗vV0 + m β caracterizando o operador hamiltoniano de Dirac, onde o operador momento é p̂ = −i∇, e m∗ = M − gsφ0 é a massa efetiva devida ao campo escalar φ0. Aqui vemos o papel do campo médio escalar do méson-σ que altera o valor da massa do núcleon. A componente temporal do campo médio vetorial acopla com a energia, o que ficará evidente mais adiante. O operador hamiltoniano de Dirac comuta com o operador momento, de modo que a solução de ondas planas devem ser autofunções do hamiltoniano. Logo, utilizaremos soluções do tipo: ψ(x, t) = ω(~k)ei( ~k·~x−t) (4.17) onde utilizamos a notação de comprimento de onda, ~k, juntamente com a relação entre o vetor de onda e o momento: ~p = ~~k. De modo análogo ao caso de part́ıcula livre, ω(~k) é um spinor de 4 componentes que representamoscomo φ ω(~k) =   , χ onde φ e χ são spinores com 2 componentes. Aplicando a solução de onda plana a equação de Dirac (4.16), obtemos o seguinte resultado: ω = (α~ · ~k + gvV +m∗0 β)ω 30 que também podemos representar na forma de matriz,  φ gvV0 +m∗ ~σ · ~k φ=  . χ ~σ · ~k g ∗vV0 −m χ Após realizar as multiplicações e arranjos necessários, obtemos as seguintes equações acopladas: φ = (gvV0 +m ∗)φ+ ~σ · ~k χ, (4.18) χ = (gvV0 −m∗)χ+ ~σ · ~k φ. (4.19) Podemos resolver essas equações em termos do spinor φ ou do spinor χ utilizando ~σ · ~k χ = φ, ̃+m∗ ou, ~σ · ~k φ = ̃−m∗ χ, com ̃ = −gvV0 denotando a energia modificada que acopla com a componente temporal do méson vetorial. Ainda em analogia ao problema de única part́ıcula de Dirac, vamos injetar uma das soluções na outra. Depois de algum cálculo, temos a seguinte relação: k2 (̃+m∗)χ = ̃−m∗ χ (̃+m∗)(̃−m∗)χ = k2χ ̃2 = m∗2 + k2. (4.20) Logo, encontramos que a equação de Dirac para o bárion permite soluções tanto de energia negativa quanto de energia positiva, como já era esperado tendo em vista que estamos nos baseando no problema de part́ıcula única de Dirac. As soluções são simétricas em torno de gvV0: √ ± = g V ± m∗2v 0 + k2. Ainda utilizando o problema de part́ıcula única de Dirac, vamos obter a forma dos spi- nores ω. Sendo assim, sabemos que os dois primeiros spinores, ω1 e ω2, estão relacionados 31 às soluções de energia positiva,  φr  ωr(~k) =  ~σ · ~k  , r = 1, 2 (4.21) φr ̃+m∗ onde φr é dado por     1 0 φ1 =   , φ =  2 . 0 1 Os dois últimos spinores estão relacionados à energia negativa, de modo que temos que fazer a troca k por −k, e eles são representados da seguinte forma:   −~σ · ~k~ ̃−m∗χrωr(k) = φr, r = 1, 2 (4.22) χr onde χr é dado por  1χ =    0 1 , χ2 =   . 0 1 Dados os spinores, vamos dar continuidade aos cálculos fazendo a quantização do campo bariônico. Apresentamos uma nova notação para os spinores [28, 30]: ω1(~k) = u(~k,+s), ω2(~k) = u(~k,−s), ω (~k) = v(~3 k,−s), ω (~4 k) = v(~k,+s). A condição de normalização que determinamos para esses spinores é dada por u(~ ′ ′ k, s)†u(~k, s ) = v(~k, s)†v(~k, s ) = δss′ . Logo, temos que √  ̃+m∗  φs u(~k, s) =  ~σ · ~k  , s = 1, 2, (4.23)2̃ ∗φs̃+m 32 √ ∗ ~ ̃−m     −~σ · ~kv(k, s) = ̃− ∗χsm  , s = 2, 1. (4.24) 2̃ χs Utilizando as equações anteriores, obtemos a relação entre os spinores: ∗ ū(~k, s)u(~ ′ ′ m k, s ) = v̄(~k, s)v(~k, s ) = δ ω ss ′ ~k √ com ω~k = k 2 +m∗2. Após o desenvolvimento dos resultados necessários, finalmente poderemos obter o ope- rador de campo bariônico ψ̂. Como mencionamos no começo, vamos expandir o operador em uma decomposição de Fourier em termos das soluções em relação à equação de Dirac da HDQ-I. Sendo assim, ∑∫ d3k ~ + ~ − ψ̂(~x, t) = ( (b̂(~k, s)u(~k, s)ei(k·~x− t) −i(k·~x+ t)~k + d̂†(~k, s)v(~k, s)e ~k ). (4.25) 2π)3/2 s E o operador adjunto de campo bariônico é dado por ∑∫ d3† kψ̂ (~x, t) = ( (b̂†(~k, s)u†(~ ~k, s)e−i(k·~x−+t) ~ −~k + d̂(~k, s)v†(~k, s)e+i(k·~x+ t)~k ). (4.26) 2π)3/2 s Relembrando as suposições que fizemos com relação ao nosso sistema ser estático, uni- forme e a temperatura zero, chegamos à conclusão de que o estado fundamental não pode ser o vácuo. Vamos presumir que o estado fundamental, |Φ〉, contém uma quantidade espećıfica de part́ıculas e nenhuma anti-part́ıcula. A energia de Fermi é a energia máxima do sistema e ela equivale ao vetor de onda de Fermi kf . Os demais estados de energia positiva inferiores a kf também se encontram preenchidos. Logo, |Φ〉 possui as úteis propriedades: nˆ̃(~k, s) |Φ〉 = 0 −→ d̂(~k, s) |Φ〉 = 0 ∀|~k|, n̂(~k, s) |Φ〉 = 0 −→ b̂(~k, s) |Φ〉 = 0 ∀|~k| > kf , b̂†(~k, s) |Φ〉 = 0 ∀|~k| < kf . Vamos fazer a ordenação normal de ψ̂†ψ̂ levando em consideração a expressão para o operador de campo bariônico ψ̂, as propriedades do estado fundamental |Φ〉 e as regras de 33 ordenação normal. A ordenação normal é uma maneira de descartar a energia negativa total. Antes de prosseguirmos, segue uma pequena discussão sobre ordenação normal de operadores. Aqui o operador de campo é dividido em duas partes, uma parte envolvendo os operadores de aniquilação e outra parte envolvendo os operadores de criação: ψ̂ = ψ̂+ + ψ̂−. Sendo assim, a expansão do campo ψ em ondas planas atuando no estado de vácuo |0〉 leva às seguintes propriedades: ψ̂+ |0〉 = 0, ψ̂− † |0〉 = 0. No processo de ordenação normal, todas as contribuições positivas vão para a direita e todas as negativas para a esquerda. Como os operadores de campo de Dirac têm propriedades de anti-comutação, adicionamos um sinal de menos para cada passo de ordenação que fizermos. Por exemplo, a ordenação normal de dois operadores ω̂ e ρ̂ fica : ω̂ρ̂ := ω̂+ρ̂+ + ω̂−ρ̂− + ω̂−ρ̂+ − ρ̂−ω̂+. Terminada a discussão, seguimos: ∑( ∫ ∫† 1: ψ̂ ψ̂ := d~k d~ ′k (b̂† † ~ ′b̂ u u ei(k −~k)· + +~x i( − )t~ ′ ′ ~ ′ ′ e ~k ~ ′k + ′ 2π) 3 ~k,s k ,s ~k,s k ,s ss † † † − ′ + −b̂ d̂ u v e i( ~k +~k)·~x i( − )t~ ~ ′ ~k,s ~k′ ,s′ ~ ~k ′ k k,s′ e +k,s ~ ′ ~ i(−−+ )t d̂ † i(k +k)·~x ~ ~ ′~ k kk,sb̂~k′ ,s′v~ u~ ′k,s k ,s′e e − d̂† d̂ v† ~ ′ ~ i(−−− )t v ′ ′e−i(k −k)·~xe ~k ~ ′~ ′ ′ ~ kk,s ~ ~k ,s ). (4.27)k ,s k,s Agora, podemos calcular o valor esperado: 〈 † 〉ψ ψ = 〈Φ| : ψ̂†ψ̂ : |Φ〉 ∑ ∫ ∫1 ′ ~ ′ ~ i(+−+ )t = ( d~k d~k (〈Φ| b̂† b̂~ ′ ′ |Φ〉u† u i(k −k)·~x ′~ ′ ~k ~k 2π)3 ~k,s k ,s ~k,s k ,s ′e e + ss′ 34 〈Φ| b̂† d̂† |Φ〉u† v e− ~ ′ + − i(k +~k)·~x i( − )t~ ′ ′ ~ ′ ′ e k ~ ′ k ~ +k,s ~k ,s ~k,s k ,s ′ − + 〈 | ~ ~ i( − )tΦ d̂~k,sb̂ † i(k +k)·~x ′ ~ ′ ′ ′ ′ ~k ~k k ,s |Φ〉 v~ u~k,s k ,s e e − ′ 〈 | † | 〉 † −i(~k −~k)·~x i( −−− )t Φ d̂ d̂ Φ v v ′ ′e e ~′ ′ ~ ~ k ~ ′ k ~ k,s ~ ). (4.28)k ,s k,s k ,s Na equação anterior temos os seguintes produtos: 〈Φ| b̂†~ b̂~k,s k′ ,s′ |Φ〉 , 〈Φ| b̂† d̂†~ ~ ′ ′ |Φ〉 ,k,s k ,s 〈Φ| d̂~ ′ ′k,sb̂~k ,s |Φ〉 , 〈Φ| d̂†~k′ d̂~,s′ k,s |Φ〉 . Devido as propriedades do estado fundamental |Φ〉, o último dos produtos, que envolve o operador aniquilação da antipart́ıcula, se anula. Mas ainda restam 3 produtos que não sabemos o resultado. Com o objetivo de calcular esses três produtos, temos que considerar que os estados bariônicos são vetores no espaço de Fock [32, 33]. Tais vetores satisfazem relações de ortogonalidade semelhantes às que encontramos no formalismo de Dirac. No espaço de Fock, os vetores são normalizados à unidade e o produto escalar fica 〈 ∣ 〉 ′ ′ ∣ np~ ,s, ñp~ ,s ...∣np~1,s, ñp~1,s ... = δ ′ ′n ,n δ ...1 1 p~ ,s p~ ,s ñ ,ñ1 1 p~1,s p~1,s Começaremos com o primeiro produto interno, 〈Φ| b̂†~ b̂~ ′k,s k ,s′ |Φ〉. Como dissemos, no estado fundamental todos os estados abaixo de f estão preenchidos e b̂~k′ ,s′ |Φ〉 denota um estado que é igual a |Φ〉, exceto para o caso em que há ausência de part́ıcula com vetor ′ ′ de onda k e projeção de spin s , o qual representamos por ∣∣∣ 〉Φ− 1~k′ ,s′ = b̂~k′ ,s′ |Φ〉 . Uma vez que o operador b̂~k,s cria uma part́ıcula com vetor de onda k e projeção de spin s, temos dois casos. No primeiro caso, |~k| < kf e existe a criação de uma part́ıcula onde ′ todos os estados de energia estão preenchidos, exceto estados com vetor de onda k e ′ projeção de spin s , de modo que, devido às propriedades do estado fundamental, cada 35 ′ ′ um dos estados b̂†~ b̂~k′ ,s′ |Φ〉 têm que se anular, exceto para o caso onde k = k e s = s sãok,s satisfeitos simultaneamente. No segundo caso, |~k| > kf e os estados de energia não estão preenchidos, portanto o operador de criação leva a um novo estado que representamos como ∣∣ 〉 ∣∣ 〉 b̂~k,sb̂~k′ ,s′ |Φ〉 = b̂ † ~ ∣Φ− 1~k,s = ∣Φ− 1~k,s + 1~k,s .k,s O produto se anula devido a ortogonalidade, portanto 〈 ∣ 〉 〈 | ∣Φ b̂~k,sb̂~k′ ,s′ |Φ〉 = Φ∣Φ− 1~k,s + 1~k,s = 0. Utilizando a notação do delta de Dirac, podemos reescrever esse produto como: 〈Φ| b̂ 3 ~~k,sb̂~k′ ,s′ |Φ〉 = δ (k− ~ ′ k )δss′ ∀|~k|, |~ ′ k | < kf . Os demais produtos internos se anulam de modo semelhante: 〈Φ| b̂†~ d̂ † ~ ′ ′ |Φ〉 = 0,k,s k ,s 〈Φ| d̂† †~ b̂k,s ~ ′ ′ |Φ〉 = 0.k ,s Utiliz〈ando〉os resultados anteriores, podemos agora calcular a forma final do valor es- perado ψ†ψ : 〈 † 〉 ∫ ∫ ψ ψ = 〈Φ| : ψ †ψ : |Φ〉 ∑( 1 ~ ~′ 3 ~ − ~ ′ † i(~ ′ ~ i(+−+ )t= dk dk δ (k k )δ u u e k −k)·~x′ ′ ′ e ~k ~ ′~ k ′ 2π) 3 ss ~k,s k ,s ss ∑( ∫1= dk u†~ u~k′ ,s′ · 1 · 12π)3 k,s s∫ ∑ ∫1 γ kf = ( dk ( ) = ( 4π dk k2 2π)3 2π)3 s 0 γ = k3f = n, (4.29)∑ 6π2 onde = γ caracteriza a degenerescência de spin do bárion e ρ denota a densidade de s número bariônico quando |~k| máximo é igual a kf . Sendo assim, vamos prosseguir com o 〈 〉 36 cálculo do valor esperado ψ̄ψ : 〈 〉 ψ̄ψ = 〈Φ| : ψ̄ψ : |Φ〉 ∑ = ( ∫ ∫1 ′~ ~′ 〈 | † | 〉 i(~k −~k)·~x i(+−+ )tdk dk ( Φ b̂ b̂~ ′ ′ Φ ū~ u~ ′ ′e e ~k ~ ′k 2π)3 ~k,s k ,s k,s k ,s + ss′ † † − ~ ′〈 | | 〉 i(k +~k)·~x i( +−−′ )tΦ b̂ ~ ~~ d̂k,s ~k′ ,s′ Φ ū~k,sv~ ′ k k k ,s′e e + ~ ′ ~ i(− +〈Φ| − )td̂ i(k +k)·~x ~ ~ ′~k,sb̂~k′ ,s′ |Φ〉 v̄~ u~ ′ ′e e k kk,s k ,s − ′ − − 〈Φ| ~ ~ i( − )td̂~k,sd̂ −i(k −k) ~ ~ ′ ~k′ ,s′ |Φ〉 v̄∑ ~ k k k,sv~k∫′ ,s′e e ) = ( 1 d~k ū~k,su~2π)3 k,s s ∫ γ kf k2m∗ = dk √ , (4.30) 2π2 k20 +m∗2 onde ū~k,su ∗ ~k,s = m /ωk. 〈 〉 O próximo valor esperado que temos que calcular é ψ†iψ̇ , mas antes precisamos obter ˙̂ a forma do operador iψ: ∑ ∫ ( d3˙̂ k i(~k·~x−+iψ = (b̂ 2 + t)~ 3/2 ~ k 2π) k,s u~k,s(−i ~ )e +k s d̂† v (−i2−)e−i(~k·~x+ −t) ~ ∫ k~ ~k,s ~ )∑ k,s k( d3k ~ += (b̂~k,su + ei(k·~x− t)~k2π)3/2 ~k,s ~ + s { k } d̂† v −~ ~k,s~ exp −i(~k · ~x +  −t) ). (4.31) k,s k ~k Desse modo temos que o valor esperado normal ordenado é dado por 〈 〉 ψ†iψ̇ = 〈 | † ˙̂Φ : ψ̂ iψ : |Φ〉 ∑ ∫ ∫1 ′ ~ ′ ~ i(+−+ )t = ( d~k d~k 〈Φ| b̂† b̂ |Φ〉u† u + ei(k −k)·~x′ ′ ′ ′ e ~k ~ ′~ ~ ′ k ′ 2π) 3 ~k,s k ,s ~k,s k ,s ~k ss + termos que se anulam 37 ∑ = ( ∫1 d~k + 2π)3 ~k ( ∫ s γ kf √ = dk k2(gvV0 + k2 +m∗2) 2π2) 0 ∫ γ kf √ = g V n+ ( dk k2(g V + k2 +m∗2v 0 v 0 ), (4.32) 2π2) 0 ′ onde usamos o resultado 〈Φ| b̂†~ b̂~k′ ,s′ |Φ〉 = δ3(~k− ~k )δss′ na segunda linha do cálculo.k,s 〈 〉 O último valor esperado que temos que calcular é ψ†(−iα~ ·∇~ )ψ , porém é necessário obtermos algumas expressões associadas ao spinor do bárion u~k,s. Pela equação (4.23), os spinores u~k,1 e u~k,2 tem a forma     √ ∗  1   √  1  ̃+m  0  ̃+m∗  0 u~ = k3 , u ~ = kk,1 1 − ik2 .2̃  k,2  ̃+m∗  2̃  ̃+m∗ k 1 + ik2 −k3 ̃+m∗ ̃+m∗ Dando continuidade aos cálculos, precisamos do resultado da seguinte expressão: √      ̃+m∗~   √ k20 ~σ · ~k φ1  ̃+m∗  ∗φ1α~ · k u ̃+m~k,1 = ~ = 2̃ ~σ · k~σ · ~k 0 ∗φ 2̃1̃+m ~σ · ~k φ1 e, assim,   k 2 ̃+m∗  ∗ † ~ ̃+m k3 k1 − ik  · 2 u~ (α~ k u~k,1) = (1 0k,1 2̃ ̃+m∗ ̃+m∗ )  0 k3    k1 + ik2 ̃+m∗ k2 k2 = ( ∗ +2̃ ̃+m ̃+m∗ ) k2 = . (4.33) ̃ 38 O processo para obter o spinor u~k,2 é o mesmo que utilizamos para o spinor u~k,1. Temos, então, o seguinte resultado: 2 u† (α~ · ~ k ~ k u~k,2) = . (4.34)k,2 ̃ Dos resultados acima, podemos representar os spinores de uma forma mais geral como k2 u† (α~ · ~k u~ ) = δss′~ .k,s k,s ̃ Tendo as expres〈sões para os sp〉inores u~k,1 e u~k,2, vamos dar continuidade ao cálculo do valor esperado de ψ†(−iα~ ·∇~ )ψ calculando como o termo (−iα~ ·∇~ ) atua no operador de campo ψ̂: ∑∫ ~ ( d3k ~ + ~ −(−iα~ ·∇)ψ̂ = (b̂ (α~ · ~~k,s k)u ei(k·~x− t) † −i(k·~x+ t)~~ k − d̂ ~ ~k2π)3/2 k,s ~ (α~ · k)v~k,se ).k,s s De modo que o valor esperado é dado por 〈 〉 ψ̂(−iα~ ·∇~ )ψ̂ = 〈Φ| : ψ̂(−iα~ ·∇~ )ψ̂ : |Φ〉 ∑( ∫ ∫1 ~ ′ ~ ′ ~ i(+−− t)= dk d~k 〈Φ| b̂† b̂ † i(k −k)·~x ′~ ~k′ ,s′ |Φ〉u (α~ · ~k u~ )e e ~k ~k ′ 2π) 3 k,s ~k,s k,s ss ∑+ termos ∫que se anulam( 21 ~ k= dk √ 2π)3 k2 +m∗2 s ∫ 4 γ kf k = dk √ . (4.35) 2π2 2 ∗20 k +m onde usamos 〈Φ| b̂† ′~ b̂ 3 ~ ~~k′ ,s′ |Φ〉 = δ (k − k )δss′ e (α~ · ~k u 2~k,s) = δss′k /̃. Agora que temosk,s a forma do último valor esperado, podemos calcular o restante das quantidades que en- volvem φ0, V0,  e p. Apesar disso, ainda temos o problema de em obter o resultado das integrais envolvidas nas expressões dos valores esperados. Para finalizar, vamos substituir os resultados que obtivemos anteriormente nas equações de Euler-Lagrange com a aproximação de campo médio. As equações para os campos φ0 e V0 ficam ∫ g γ k2m∗s φ0 = dk √ , (4.36) m2 2π2 k2s +m∗2 39 gv V0 = n . (4.37) m2ω A densidade de energia e a pressão, conforme equações (4.14) e (4.15) ficam ∫ 1 kf √  = m2φ2 1 γ s 0 − m2ωV 20 + dk k2 k2 +m∗2 , (4.38)2 2 2π2 0 ∫ k 41 f p = − m2φ2 1 + m2 2 γ k s 0 ωV0 + dk √ . (4.39)2 2 6π2 0 k2 +m∗2 Vamos destacar que essas equações satisfazem o tensor momento-energia para um fluido perfeito. Os integrandos de ambas equações podem ser reescritos em função da energia √ do nucleon E = k2 +m2, ∫ 1 kf  = m2 1 φ2 − m2 2 γ ∂E(k) s 0 ωV0 + k 3 dk (4.40) 2 2 2π2 0 ∂k ∫ 1 1 γ kf p = − m2φ2 + m2V 2 + k2E(k)dk . (4.41) 2 s 0 2 ω 0 6π2 0 Multiplicando as equações (4.40) e (4.41) por um fator 3, somando ambas as expressões e realizando uma integração por partes obtemos ∫ γ kf ∂ 3(p+ ε) = (k3E(k))dk (4.42) 2π2 0 ∂k ou γk3f (p+ ε) = E(kf ) . (4.43) 6π2 Utilizando a equação para o número bariônico (4.29), temos (p+ ε) = nE(kf ) , (4.44) √ onde E(kf ) é o potencial qúımico definido por E(kf ) = µ = k2f +m 2. A equação (4.44) satisfaz a relação termodinâmica p = nµ− ε. 40 Caṕıtulo 5 Solução numérica 5.1 O modelo σ − ω Para evoluir uma estrela de nêutrons vamos resolver numericamente um conjunto de equações acopladas que foram obtidas na seção anterior. A equação de Tolman- Oppenheimer-Volkof (TOV) descreve a estrutura ou o equiĺıbrio hidrostático da estrela ( )( )( )−1 dp −Gm(r)ρ(r) p(r) 4πr 3p(r) − 2Gm(r)= 1 + 1 + 1 , (5.1) dr r2 ρ(r)c2 m(r)c2 rc2 e a equação de continuidade de massa dm = 4πr2ρ(r) . (5.2) dr O lado esquerdo da igualdade na equação (5.1) expressa uma variação da pressão do interior para o exterior da estrela e que sustenta a contribuição da força da gravidade newtoniana, no lado direito, no sentido contrário. A estrela mantém sua estrutura desde que exista o equiĺıbrio hidrostático sobre cada casca de matéria entre r e r+dr. Os termos entre parênteses são as correções trazidas pela relatividade geral e são quantidades positi- vas de modo que a derivada da pressão é sempre negativa e decresce monotonicamente do centro para a superf́ıcie da estrela. A equação (5.2) é sempre positiva e fornece a relação massa-energia em uma casca de espessura dr, pois é posśıvel reconhecer a relação ε = ρc2 em analogia à energia de repouso E = mc2. A TOV deve ser integrada a partir da origem em r = 0 com as condições iniciais M(0) = 0 e um valor arbitrário para a densidade de energia central ε(0) = ρ(0)c2 = ε0. As equações são integradas até a superf́ıcie da estrela 41 quando p(R) = 0 porque a pressão deve se cancelar no contorno da estrela com o vácuo. Ao satisfazer essa condição obtêm-se o raio da estrela e também sua massa gravitacional M = m(R). A equação de estado p(ε) é maneira pela qual as propriedades dessa matéria a altas densidades entra nas equações da estrutura da estrela. A fim de obter a massa e o raio da estrela é necessário informar a equação de estado que relaciona as densidades de energia e pressão. Para a teoria da Hadrodinâmica Quântica temos um par de equações que devem ser resolvidas numericamente a fim de se obter uma equação de estado. A primeira equação é a densidade de energia ∫ 1 kf √2 1 1ε = k k2 + (m2 − gσσ)2dk + m2σ2 + m2ω2σ ω , (5.3)π2 0 2 2 e a segunda, a densidade de pressão ∫ 1 kf p = √ k4 dk − 1 1m2σ2σ + m2ω2ω . (5.4)3π2 k20 + (m− gσσ)2 2 2 Percebemos que ambas são funções do momento de fermi (kf ), das massas do nucleon e dos mésons (m,mσ,mω), dos campos mesônicos (σ e ω) e das constantes de acoplamento (gσ e gω), isto é, ε(kf ,m,mσ,mω) e p(kf ,m,mσ,mω). Os valores das massas e dos campos mesônicos são bem estabelecidos na literatura sendo o valores do momento de Fermi responsáveis pela evolução da estrela, como veremos a seguir. O campo médio do méson-σ é uma equação transcendental e também é função do momento de Fermi, das massas e das constantes de acoplamento, ∫ g2 kf 2 g σ = σ 2 k (m− gσσ) σ √ dk . (5.5) m2σ π k20 + (m− gσσ)2 Portanto, para um dado momento de Fermi (kf ), a solução requer um valor inicial para o campo mesônico em um cálculo para determinação de ráızes. O campo médio do méson-ω é g2 k3f gωω = ω . (5.6) m2ω 3π 2 42 Para resolver o sistema de equações para evolução de uma estrela de nêutrons vamos utilizar os parâmetros apresentados na Tabela 5.1 [8]. Tabela 5.1: As massas do núcleon, dos mésons e as constantes de acoplamento m (MeV) mσ (MeV) mω (MeV) gσ gω 939 550 784 8,69919 11,6652 Nesse momento, cabe uma discussão sobre as ordens de grandeza e unidades que serão utilizadas para a solução numérica das equações apresentadas no ińıcio dessa seção [14]. Na f́ısica nuclear e na f́ısica de part́ıculas uma unidade conveniente de energia (ou massa, E = mc2) é o mega-eletronvolt (MeV). Algumas vezes a unidade do giga-eletronvolt (GeV) é usada porque ela se aproxima da massa do nucleon (939 MeV ∼ 1 GeV). O comprimento é expresso na unidade de fermi (fm = 10−15 m) porque ela é da ordem da dimensão de um nucleon. É também conveniente fazer ~ = c = 1. Assim, a unidade de ~ é ~c = 197,33 MeV·fm (= 1). O número de onda (que também é usualmente referido como momento) é k = p/~ e tem a unidade do inverso do comprimento (fm−1). Isso é consistente com a relação entre a densidade número (n = 1/V ) e momento (p = ~k) para um gás degenerado, ∫ ∫ dp~ kf d~k k3f n = γ = γ = γ (5.7) (2π~)3 0 (2π)3 6π2 de modo que a densidade número tem dimensão fm−3 e o fator γ é a degenerescência do número de estados. Com tais escolhas de unidades para k e porque a energia relativ́ıstica de uma part́ıcula √ livre é dada por E = k2 +m2, nós devemos usar o inverso do comprimento como a unidade de massa e energia também. Por exemplo, é posśıvel converter massa para o inverso do comprimento pela divisão por ~c, m ≈ 939939 MeV = fm−1 = 4,77 fm−1 . (5.8) 197 ou alternativamente, multiplicando k por ~c e usando MeV como a unidade. Como fm−1 = 197,33 MeV, ao dividir ambos os lados por fm3 fm−4 = 197,33 MeV/fm3 . (5.9) 43 Tudo isso significa que a densidade de energia (ε = E/V ) tem a unidade natural de fm−4, e a pressão (p = P/V ) tem a mesma unidade. Para recuperar as unidades do Sistema Internacional usa-se que fm−4 = 3,5178×1017 kg/m3 para a energia e para a pressão fm−4 = 3,1616×1034 N/m2. A densidade de massa de uma estrela é a razão entre a massa e volume, onde a massa é numericamente igual ao número de part́ıculas vezes a massa da part́ıcula, M Nm ρ = = = nm . (5.10) V V Essa equação é interessante porque uma vez calculada a densidade número (n) obtemos a densidade de massa (ρ). Ao substituir a equação (5.7) na equação (5.10) temos uma equação que permite obter um valor limite para o momento de Fermi ( )1/3 ( )1/3 6π2ρ 3π2n kf = = . (5.11) γm γ Supondo que a gravidade envelopa os núcleons até uma aproximação de repulsão em torno de r0 = 0,50 fm, o valor de equiĺıbrio para a densidade número é relacionado a r0 por 1 n = = 1,91 fm−3 . (5.12) (4/3πr30) Substituindo esse resultado na equação (5.11), obtemos uma estimativa para o momento de Fermi para a matéria nuclear contendo somente nêutrons (γ = 2), como kf = 3,84 fm−1. A matéria na periferia da estrela é menos compactada que no centro. Nesse caso, atribui-se o valor r0 = 1,44 fm e o momento de Fermi é k −1 f = 1,33 fm . Esses valores emṕıricos do parâmetro r0 possibilitam obter uma relação massa-raio no limite de colapso gravitacional analisando o numerador do último termo da TOV, vemos que é R = 2GM/c2. Isso permite estimar a máxima massa e raio posśıveis para um estrela de nêutrons. Na f́ısica nuclear sabe-se que o raio nuclear médio varia com o número de massa por R ≈ r A1/30 e que a massa total é M ≈ Am. Temos que 2GM ⇒ 1/3 2GAm 2 R = r A = ⇒ A2/3 r0c0 = . (5.13) c2 c2 2Gm 44 Para r0 = 0,50 fm, m = 1,67×10−27 kg, encontramos que A = 2,85 ×1057, R = 7,09 km e M = 2,40M . Para r = 1,16 fm, m = 1,67×10−27 0 kg, encontramos que A = 1,01×1058, R = 34,65 km e M = 11,7M . Esses resultados apontam um intervalo de valores para o momento de Fermi que devemos utilizar para o estudo da evolução de uma estrela de nêutrons. De acordo com a equação (5.11) para baixas densidades, onde kf é pequeno, as equações para a densidade de energia e pressão são aproximadas para aquelas de um gás de Fermi ∫ 1 kf √2 3 [ ]ε = k k2 0+m2dk = (2x3 + x)(1 + x2)1/2 − senh−1(x) (5.14) π2 ∫0 8 1 kf k4 0 [ ] p = √ dk = (2x3 − 3x)(1 + x2)1/2 + 3senh−1(x) (5.15) 3π2 k20 +m2 8 onde  = m40 /(3π 2) = 2,63×1010 MeV4 é uma constante com dimensão de densidade de energia e que vamos utilizar como um fator de normalização nos resultados que serão apresentados. O parâmetro adimensional x = kf/m é uma boa estimativa para avaliar o momento de Fermi. Conforme a equação (5.8), se kf >> m (x >> 1), temos o regime ultra-relativ́ıstico para a estrela e se kf << m (x << 1) temos o regime não relativ́ıstico. 5 kf=3,84 fm -1 4 3 ϵ ϵ0 2 1 0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 P ϵ0 Figura 5.1: A equação de estado de um gás de nêutrons degenerados. 45 A integração numérica das equações (5.14) e (5.15) no intervalo de kf = 0 até kf = 3,84 fm−1 permite construir o gráfico da densidade de energia e pressão normalizadas pelo parâmetro 0, após uma interpolação. A pressão máxima é pmax = 51,140 e a energia máxima é εmax = 173,160. Na figura (5.1), a curva representa a equação de estado e cada ponto sobre ela representa uma determinada estrela, isto é, cada par (ε, p) define uma estrela, mas nem todos os pontos são um ponto de estabilidade hidrodinâmica. A integração das equações (5.1) e (5.2) utilizando a equação de estado de um gás degenerado de nêutrons fornece o raio e a massa das estrelas. A figura (5.2) mostra o gráfico da massa, em massas solares, versus o raio, em km, para várias estrelas de nêutrons. A pressão central aumenta ao longo da curva da direita para a esquerda. A curva começa a altos valores de raio e pequena massa e continua para valores menores de raio e maiores de massa. No ponto de máximo a massa máxima é Mmax = 0,710M e o raio máximo é Rmax = 8,86 km. Para altas pressões centrais a curva espiraliza em um comportamento que é t́ıpico mesmo para outras equações de estado. 0,8 0,7 0,6 M 0,5 M☉ 0,4 0,3 0,2 5 10 15 20 r [km] Figura 5.2: A relação massa raio-raio para uma estrela de nêutrons segundo o modelo de gás de nêutrons degenerados. A figura 5.3 mostra os gráficos (a) da massa em função do raio e (b) da pressão em função do raio correspondente à estrela representada pelo ponto de máximo na figura 5.2. A pressão é pc = 0,070 no centro da estrela e diminui até seu valor nulo em R = 8,86 km. Portanto, cada ponto na figura 5.2 corresponde a uma estrela cuja estrutura evolui a partir de uma pressão central (ou densidade central) providas pela equação de estado. 46 0,7 0,07 0,6 0,06 0,5 0,05 M (r) 0,4 P (r) 0,04 M☉ 0,3 e0 0,03 0,2 0,02 0,1 0,01 0,0 0,00 0 2 4 6 8 0 2 4 6 8 r [km] r [km] Figura 5.3: (a) O aumento da massa em função do raio e (b) a diminuição da pressão em função do raio para uma estrela com pressão central pc = 0,070. A estrela representada pela figura 5.3 não está compreendida no intervalo de estrelas de nêutrons catalogadas até o momento atual, pois M < 0,710M . O modelo de gás de nêutrons degenerados não é adequado para evoluir uma estrela de nêutrons. Em outras palavras é improvável que uma estrela de nêutrons seja constitúıda somente por nêutrons. Isso decorre do modelo de gás de nêutrons degenerados não incorporar os efeitos da f́ısica nuclear que podem elevar a massa e o raio das estrelas devido as interações de curto e longo alcance entre os núcleons que são mediadas pelos mésons σ e ω. À medida que o momento de Fermi aumenta, as contribuições dos campos médios dos mésons σ e ω tornam-se relevantes e devem ser inclúıdos no cálculo numérico da equação de estado por meio das equações (5.5) e (5.6), respectivamente. Como já dissemos a equação (5.5) é uma equação transcendental e procede-se o cálculo numérico a partir de um valor inicial para o campo mesônico e busca-se a raiz em um processo iterativo no intervalo 0 ≤ kf ≤ kf,max. As ráızes (os campos médios σ) são, então, utilizadas para o cálculo das equações (5.3) e (5.4). O campo médio do méson ω é função do momento de Fermi e seu cálculo é imediato. Na figura (5.4), o resultado do cálculo da equação de estado é apresentado segundo o modelo σ − ω. Para momentos de fermi no intervalo 0,15 fm−1 < kf < 0,23 fm−1 as pressões tornam-se negativas. Para remover essa contribuição espúria é posśıvel recorrer aos resultados obtidos para a aproximação de gás de Fermi para baixos valores do momento de Fermi. A equação de estado resultante é uma intersecção desses dois conjuntos de 47 20 =3,84 fm 1k f 15 ϵ 10-3 ϵ0 10 5 0 -10 -5 0 5 10 P 10-6 ϵ0 Figura 5.4: A equação de estado para a estrela de nêutrons no modelo σ − ω apresenta pressões com valores negativos para o intervalo do momento de fermi entre 0,15 fm−1 < k < 0,23 fm−1f . dados. A figura (5.5), mostra o comportamento da equação de estado considerando os resul- tados para baixas densidades provenientes dos cálculos do gás de nêutrons degenerados e para altas densidades decorrentes do modelo σ − ω. A pressão comum a esses dois mo- delos é p = 0,00073110. Comparando as figuras (5.2) e (5.5) vemos que para um mesmo intervalo de pressões a densidade de energia do modelo σ − ω é menor cerca de 25% em comparação ao modelo de gás de Fermi. 1,2 1,0 k =3,84 fm-1 f 0,8 ϵ 0,6 ϵ0 0,4 0,2 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 P ϵ0 Figura 5.5: A equação de estado para a estrela de nêutrons combinando os resultados do gás de Fermi para baixas densidades e do modelo σ − ω para altas densidades. 48 Uma vez conhecida a equação de estado é posśıvel integrar novamente a equação TOV. A figura (5.6) representa as estrelas obtidas a partir da equação de estado do modelo σ−ω em um gráfico da massa em função do raio. Novamente, a pressão central aumenta ao longo da curva da direita para a esquerda. A curva começa a altos valores de raio e pequena massa e continua para valores menores de raio e maiores de massa. Contudo, diferente do gás de nêutrosn degenerados, no ponto de máximo a massa máxima é Mmax = 2,80M e o raio máximo é Rmax = 13,5 km. A inclusão dos campos mesônicos permite evoluir uma estrela para raios maiores e próximos de valores observados que variam de 1,0 a 2,0 massas solares [34]. Modelos teóricos mais elaborados apontam estrelas de nêutrons com massas de até 3,2 massas solares [35]. 2,5 2,0 M 1,5 M☉ 1,0 0,5 0,0 11 12 13 14 15 16 r [km] Figura 5.6: A relação massa-raio para uma estrela de nêutrons segundo o modelo σ − ω. Na figura (5.7) mostramos os gráficos (a) da massa, em massas solares, contra o raio, em km, e (b) da pressão, em unidades de 0, contra o raio, em km. Esses resultados são obtidos a partir da TOV com uma pressão central de pc = 0,120. Vemos a partir desse gráfico que para uma massa de M = 2,80M um raio de R = 13,5 km. 49 0,12 2,5 0,10 2,0 0,08 M (r) 1,5 P (r) 0,06 M☉ e0 1,0 0,04 0,5 0,02 0,0 0,00 0 2 4 6 8 10 12 0 2 4 6 8 10 12 r [km] r [km] Figura 5.7: (a) O aumento da massa em função do raio e (b) a diminuição da pressão em função do raio para uma estrela com pressão central pc = 0,120. 50 Caṕıtulo 6 Considerações finais Nessa monografia apresentamos uma introdução do modelo da Hadrodinâmica Quântica I, comumente chamado por modelo σ − ω, para estudar a f́ısica das estrelas de nêutrons. Utilizando a aproximação de campo médio obtivemos as equações para densidade de energia e pressão, a equação de estado, bem como as equações para os campos dos mésons σ e ω. Comparamos esse modelo ao do modelo de um gás de nêutrons degenerados, pois quando temos baixas densidades, onde o momento de Fermi (kf ) é pequeno, podemos aproximar essas equações para aquelas de um gás de Fermi. Por meio da equação de TOV (3.7) e das equações de estados obtemos a massa e o raio das estrela de nêutrons para um gás de nêutrons degenerados e para o modelo σ − ω. Os resultados obtidos numericamente, como os valores de massa máxima, Mmax = 0,710M , e de raio máximo, Rmax = 8,86 km, nos mostram que o modelo de gás de nêutrons degenerados não é adequado, tendo em vista que a massa para estrelas de nêutrons se encontram, geralmente, no intervalo de (1 − 2)M , e, segundo a figura (5.3) M < 0,710M , o que não representa uma estrela de nêutrons dentro do intervalo esperado. Isso decorre do modelo de gás de nêutrons degenerados não incorporar os efeitos da f́ısica nuclear que podem elevar a massa e o raio das estrelas devido as interações de curto e longo alcance entre os núcleons que são mediadas pelos méson σ e ω. Outros efeitos como estabilidade do decaimento β, as contribuições do méson ρ podem efetivamente melhorar o modelo. Nossos resultados para o modelo σ−ω foram melhores e resultando nos valores de massa máxima, Mmax = 2,80M , e de raio máximo, Rmax = 13,5 km, realmente maiores que o 51 esperado, mas não significando que estejam incorretos. Afinal, é posśıvel incorporar nas equações de estado outros campos mesônicos, como o campo médio do méson ρ que corrige a assimetria entre nêutrons e prótons (carga), o decaimento β que corrige os mecanismos de produção de prótons, elétrons e neutrinos à medida que a interação gravitacional aumenta, o equiĺıbrio qúımico, pois à para cada nêutron que decai um próton, um elétron e um neutrino são produzidos. Além disso, o modelo σ−ω é dependente das constantes de acoplamento gσ e gω. Isto significa que é posśıvel ajustar essas constantes para corrigir a ausência de outros campos mesônicos e mesmo dos equiĺıbrio β e qúımico, mas obviamente há limites para essas correções. Modelos teóricos preveem estrelas teóricos com massas até 3,0 massas solares. Os recentes resultados do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO) e o detector de Virgo na Europa, registraram um objeto compacto − uma estrela de nêutrons ou um buraco negro − 2,6 vezes a massa do nosso Sol se fundindo com um buraco negro de 23 vezes a massa do Sol. Em uma proporção de 9:1, é a maior diferença em massas já observada durante uma colisão por astrônomos de ondas gravitacionais. O objeto menos massivo é o buraco negro mais leve ou a estrela de nêutrons mais pesada já descoberta em um sistema binário de objetos compactos [2, 20]. Esperamos que essa monografia seja uma fonte para futuros projetos na área de as- trof́ısica diante das observações recentes das colisões de ondas gravitacionais. A introdução de novos campos mesônicos, dos equiĺıbrios β e qúımico podem melhorar os resultados apresentados nesse trabalho. Outra linha é introduzir os efeitos da temperatura que vão aparecer nas distribuições de fermi. Estudos mais complexos podem ser realizados intro- duzindo as rotações e os campos magnéticos. Assim, as observações do LIGO-VIRGO trazem novos limites, ideias e perspectivas para futuros trabalhos da estrutura e vida e morte das estrelas de nêutrons. 52 Referências Bibliográficas [1] HORVATH, J.E. A Massa Máxima das Estrelas de Nêutrons: uma abordagem didática. Rev. Bras. Ensino F́ıs. vol. 42, São Paulo, 2020. [2] ABBOTT, R. et al. 2020. GW190814: Gravitational Waves from the Coalescence of a 23 Solar Mass Black Hole with a 2.6 Solar Mass Compact Object. ApJL 896, L44, 2020. [3] HERMES, S. V.; LISBÔA, R. Métodos Numéricos para Solução de Equações Re- lativ́ısticas de Estrelas Compactas, XXVI Congresso de Iniciação Cient́ıfica e Tec- nológica, 2015. [4] NEIVA, R.; LISBÔA, R. Métodos Numéricos para Solução de Equações Relativ́ısticas de uma Estrela de Nêutrons. Parte II. XXVII Congresso de Iniciação Cient́ıfica e Tecnológica, 2016. [5] NEIVA, R.; LISBÔA, R. 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