UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MARIA DA CONCEIÇÃO DANTAS MOURA BEZERRA DESENVOLVIMENTO E AUTONOMIA DAS MULHERES: UMA AVALIAÇÃO DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR- 2008/2012 NATAL, RN 2013 MARIA DA CONCEIÇÃO DANTAS MOURA BEZERRA DESENVOLVIMENTO E AUTONOMIA DAS MULHERES: UMA AVALIAÇÃO DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR - 2008/2012 Dissertaç ão apresentada ao Programa de Pós- graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, com concentração na área Política, Desenvolvimento e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa. NATAL, RN 2013 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Bezerra, Maria da Conceição Dantas Moura. Desenvolvimento e autonomia das mulheres: uma avaliação do POPMR na região oeste potiguar – 2008/2012 / Maria da Conceição Dantas Moura Bezerra. – 2013. 192 f. - Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, 2013. Orientador: Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa. 1. Política pública - Avaliação. 2. Mulheres – Aspectos sociológicos. 3. Autonomia. 4. Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais – Oeste, região (RN). I. Costa, João Bosco Araújo da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BSE-CCHLA CDU 316.334.55(813.2) MARIA DA CONCEIÇÃO DANTAS MOURA BEZERRA DESENVOLVIMENTO E AUTONOMIA DAS MULHERES: UMA AVALIAÇÃO DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR - 2008/2012 Dissertação apresentada ao Programa de Pós- g raduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, com concentração na área P olítica, Desenvolvimento e Sociedade. APROVADA EM ____/_____/_______ BANCA EXAMINADORA: _________________________________________________ Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa Orientador _________________________________________________ Profª Drª Cimone Rozendo de Souza Examinadora Interna _________________________________________________ Profª Drª Marisa Schincariol de Mello Examinadora Externa Aos meus amores: Nilton Júnior, Zélia Letícia e Maria Cecília, dedico. AGRADECIMENTOS Ao Centro Feminista 08 de Março, por me proporcionar essa oportunidade de aprofundar meus conhecimentos na questão do feminismo. Ao meu querido orientador Prof. Dr. Bosco Araújo, que com sua competência e intelectualidade me ensinou com leveza o fazer ciência, quando percebi já estava me tornando uma cientista. Muito obrigada pelo respeito e confiança dedicados à orientação. Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pelo conhecimento construído, em especial aos professores José Willington Germano, Lincoln Moraes de Souza, Cimone Rozendo de Souza, com estes tive a oportunidade de compartilhar e aprofundar conhecimentos. Aos técnicos administrativos Otânio Revorêdo da Costa e Jefferson Gustavo Lopes. A competência, dedicação e gentileza de ambos nos faz acreditar que a burocracia não é tão chata. Aos membros do grupo de Pesquisa Poder Local, Desenvolvimento e Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Federal do Rio Grande do Norte pela construção do conhecimento e diálogo, em especial, às participantes do projeto Mulheres, Desenvolvimento e Políticas Públicas, pelo aprendizado compartilhado. Ao meu companheiro Nilton Júnior que não discute a divisão do trabalho doméstico, pratica a socialização. Durante dois anos vivenciou uma sobrecarga de responsabilidade doméstica e, consequentemente, uma redução da sua vida pública. Obrigada pelo apoio. Às minhas queridas filhas Maria Cecília e Zélia Letícia que se tornaram parceiras deste trabalho, hora cobrando, hora colocando a mão na massa. Foi gratificante ver Zélia transcrevendo as gravações de áudio e Cecília escolhendo os textos sobre as mulheres rurais para eu ler e também, fotografando para ilustrar a minha dissertação. Obrigada meus amores, por existirem na minha vida. A todas as minhas companheiras de trabalho, em especial Rejane, Cláudia e Elis, que tiveram que aumentar sua carga horária por solidariedade para que eu pudesse dedicar mais tempo à dissertação; a Sandra, Andréa e Zânia que resolveram vários dos meus problemas pessoais e organizaram minha vida, algo que tenho muita deficiência. Obrigada queridas. Às minhas amigas Rejane, Elis, Sandra, Evanice, Terezinha, Cleonilma, Sueli e ao meu amigo Ananias que, em momentos variados, contribuíram com a socialização do trabalho do cuidado, algo tão discutido entre nós e que neste período foi muito praticado. Neste pequeno espaço de tempo tivemos mais provas de que a solidariedade existe em nosso meio. A minha referência política, amiga e irmã Nalu Faria, que no momento mais difícil deste período, esteve ao meu lado com toda sua sabedoria e bem querer. Muito obrigada amiga. Ao meu pai querido, sempre achando suas filhas as mais inteligentes de todas, com seu jeito carente, soube entender minha ausência. Agora mais do que nunca me considera a cabeça pensante da família. Às minhas irmãs: Ester por dividir, neste período, a maternidade e muitas outras tarefas; Isolda, que mesmo distante e com seu ar de censura me ajudou muito e Fausta pela confiança na vida e por sua fé invejável, que me transmitia confiança em todas as nossas conversas. Ao meu irmão Feu, que com sua simplicidade, cuidou muito de nosso pai para que ele não se sentisse só neste período. Às minhas colegas de mestrado, Renata Lima, por nossas conversas e cumplicidade durante todo o curso, e a Vitória, por sua alegria e pelas palavras certas na hora certa. Sou agradecida. RESUMO A dissertação avaliou a efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na região Oeste do estado do Rio Grande do Norte (2008/2012). Especificamente, objetivou: 1) Descrever as características do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar; 2) Investigar quais mudanças socioeconômicas o programa ocasionou na vida das mulheres rurais da região Oeste Potiguar; 3) Avaliar se a participação das mulheres no movimento social feminista contribuiu para facilitar o acesso ao programa; 4) Investigar se a participação das mulheres rurais da região Oeste Potiguar no POPMR provocou um questionamento à divisão sexual do trabalho no cotidiano das usuárias da política e se ampliou suas capacidades para conquista da autonomia econômica. A avaliação teve como referência o conceito de desenvolvimento como liberdade de Amartya Sen (2000) e da divisão sexual do trabalho, sustentada pela separação e a hierarquização das atividades realizadas por homens e mulheres de Kergoat, (2009). A investigação é de caráter qualitativo, composta por pesquisa bibliográfica e documental, entrevistas semiestruturadas e grupo focal. As entrevistas com agentes mediadores e gestoras públicas demonstram os caminhos da elaboração e execução do programa, explicitando as dificuldades e possibilidades. A pesquisa foi concluída com a realização do grupo Focal feita com os grupos que acessaram o POPMR na região Oeste Potiguar. Com os instrumentos metodológicos utilizados foi possível chegar aos seguintes resultados: Os dados apontam que o POPMR contribuiu para o desenvolvimento da região especificamente na expansão das capacidades das mulheres rurais. No entanto, ainda persistem dificuldades que podem ser superadas com a atuação estatal, como políticas para socialização do trabalho doméstico e do cuidado. Neste sentido, a construção de infraestrutura para a produção e reprodução, incidir sobre a legislação para a pequena produção são elementos imprescindíveis para maior efetividade da política para as mulheres no meio rural. Palavras-chave: Mulheres. Autonomia. Desenvolvimento. Avaliação. Políticas Públicas. ABSTRACT The dissertation evaluates about Rural Women’s Productive Organization Program effectiveness of Western Rio Grande do Norte(2008-2012). Specifically, it has aimed to: 1) Describe about Rural Women’s Productive Organization Program characteristics in Western Potiguar Region; 2) Investigate which social economic changes the program has caused in Rural Women’s lives from Western Potiguar Region; 3) Evaluate whether women’s participation in the feminist social movement has contributed in order to facilitate access to the program; 4) evaluate whether rural women’s participation from western Potiguar region in POPMR has provoked some questions in relation to labor sexual division in policy all female users or whether it has amplified their capacities for their economical autonomy conquest. The evaluation has been as reference the development concept as freedom according to Amartya Sen (2000) and labor sex division sustained by separation and hierarchy activities performed by men and women according to Kergoat (2009). The qualitative character investigation was made up by a bibliographical and documental research, semi-structured interviews and focal group. The interviews with female mediator agents and female public managers have demonstrated the paths how to create the program by explaining the difficulties and possibilities. The research was concluded with focal groups that had accessed POPMR in western region. With the methodological instruments used, it was possible to achieve the results: The research data show that POPMR has contributed for the region development specifically by expanding rural women’s capacities. However, there are still some difficulties which could be overcome with a state actualization, as policies for home labor and home labor care socialization. In this way, the infrastructure construction for production and reproduction must be based on a kind of legislation for a small production which are indispensable elements for a bigger effective policy for women in a rural environment. Keywords: Women. Autonomy. Development. Evaluation. Public Policies. LISTA DE SIGLAS AEGRE – Assessoria Especial de Gênero Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário AF – Agricultoras Familiares AR – Assentada da Reforma Agrária ASA – Articulação do Semiárido ATOS – Assessoria, Consultoria e Capacitação Técnica Orientada Sustentável CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CF8 – Centro Feminista 08 de Março CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura COOPERVIDA – Cooperativa de Assessoria e Serviços Múltipla ao Desenvolvimento Rural DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos DPMR – Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais FETRAF – Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MDS – Ministério do Desenvolvimento Social MIQCB – Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu MJV – Mulheres Jovens MMM – Marcha Mundial das Mulheres MMTR/NE – Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura MTE – Ministério do Trabalho e Emprego MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PA – Pescadora PIB – Produto Interno Bruto PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural PNDTR – Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural PNPM – Plano Nacional de Políticas para as Mulheres PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento POPMR – Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais PPIGRE – Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar REF – Rede de Economia Feminista REMTE – Rede de Mulheres transformando a Economia SIES – Sistema Nacional de Informações da Economia Solidária SIF – Sistema de Inspeção Federal SOF – Sempreviva Organização Feminista SPM - Secretaria de Políticas para Mulheres STTR – Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais TC – Território da Cidadania TE – Técnica USA – Estados Unidos da América LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 – População do campo, segundo a categoria de trabalho..................................69 Gráfico 02 – Comportamento do rendimento médio rural .................................................70 Gráfico 03 – Documentos emitidos.....................................................................................98 Gráfico 04 – PRONAF- Mulher nos TC Açu-Mossoró e Sertão do Apodi......................100 LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Projetos apoiados pelo POPMR pesquisados...............................................116 Quadro 02 – Grupos entrevistados....................................................................................119 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Bem-estar das mulheres....................................................................................46 Figura 02 – Fluxo circular de renda.....................................................................................57 Figura 03 – Fluxo circular de renda ampliada......................................................................58 Figura 04 – Esquema norteador das perguntas dos grupos focais......................................120 Figura 05 – Elementos para Avaliação dos Resultados de uma Política............................134 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16 2 DESENVOLVIMENTO, GÊNERO E AUTONOMIA ECONÔMICA DAS MULHERES NO RURAL ......................................................................................................... 27 2.1 DESENVOLVIMENTO: do crescimento econômico à expansão das liberdades ................. 28 2.2 DESENVOLVIMENTO, LIBERDADE E A CONDIÇÃO DE AGENTE: uma leitura a partir da experiência das mulheres .......................................................................................... ....40 2.3 GÊNERO, DESENVOLVIMENTO E O CONCEITO DE DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: uma discussão da economia feminista .................................................................. 50 2.4 DESENVOLVIMENTO RURAL E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: uma leitura da realidade das mulheres no campo ................................................................................. 60 2.5 DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NO CAMPO: o lado pesado do “trabalho leve”. .... 64 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E AS MULHERES RURAIS: uma agenda em construção ..... 71 3.1 O ESTADO BRASILEIRO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PARA AS MULHERES .......................................................................................................................... .72 3.2 A AGENDA DAS MULHERES RURAIS PARA O ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS ................................................................................................................................... .81 3.3 O ACESSO DAS MULHERES ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO OESTE POTIGUAR .................................................................................................................................. .90 3.3.1 O processo organizativo das mulheres no Oeste Potiguar ................................................... .90 3.4 OS NÚMEROS DE ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO OESTE POTIGUAR: dados oficiais, mudanças reais ............................................................................... ..97 3.5 O CESSO AO POPMR: Os números nacionais ........................................................................ 101 4 UMA AVALIAÇÃO DA EFETIVIDADE DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR ................................................................................................................................. 108 4.1 CONSTRUINDO UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA AVALIAÇÃO DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR ............................................................................... 109 4.1.1 A Efetividade do POPMR no Oeste Potiguar ................................................................. 122 4.1.2.Na Ótica das Gestoras Públicas ........................................................................................ 122 4.1.3. Na Ótica das Agentes Mediadores .................................................................................. 135 4.1.4 .1 Trabalho Produtivo e Geração de Renda ......................................................................... 139 4.1.5 .2 Ampliação das capacidades de intervenção das lideranças ............................................. 141 4.1.6 .3 Percepção sobre o Trabalho Doméstico .......................................................................... 143 4.1.7 Na Ótica das Mulheres Beneficiárias da Política ............................................................ 147 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 166 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 171 APENDICES ............................................................................................................................... 180 16 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 INTRODUÇÃO O significado de desenvolvimento tem sido objeto de debate teórico-político desde o século XIX, no Ocidente. Naquela época, se consolidou a noção de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico e industrial e do uso intensivo de tecnologia. No início deste século XX, ocorreram, pelo menos, dois importantes deslocamentos teórico-políticos em relação ao tema. O primeiro ocorreu a partir da década de 1970, quando emergiu a noção, ainda em construção, de desenvolvimento sustentável. Apesar de estar fundamentado em diversas concepções teóricas, como Sachs (2008); Almeida (2002); e Amazonas (2002), de forma geral, a noção de desenvolvimento sustentável tem em comum a ideia de responsabilidade ambiental, a preocupação com as gerações futuras e a proposição de sustentabilidade social. Destaca-se, nesse contexto, que o principal problema, ou a principal tarefa dos pesquisadores científicos comprometidos com esse paradigma, é buscar uma solução em um termo controverso. Esse motivo se deve ao grau de incerteza a respeito das relações de causa e efeito entre crescimento econômico, avanços tecnológicos e preservação ambiental. O segundo deslocamento, que não anula a noção de desenvolvimento sustentável em construção, ao contrário, amplia, é a noção de desenvolvimento como liberdade, uma perspectiva elaborada por Sen (2000), no qual o autor afirma que o desenvolvimento só é alcançado quando os benefícios do crescimento econômico atuam para expandir as liberdades dos indivíduos. Dito de outra maneira, quando serve para ampliar a qualidade de vida das pessoas. Nesse ponto de vista, depende da remoção das privações de liberdade, tais como: pobreza e tirania, carência de oportunidade econômica, negligência com os serviços públicos e intolerância de um Estado repressivo (SEN, 2000). Dessa forma, o desenvolvimento é construído na inter-relação entre o crescimento econômico, as capacidades e as liberdades dos indivíduos. Depende, portanto, das disposições socioeconômicas, vinculadas aos serviços de educação e saúde e aos direitos civis, como participação e controle social. O crescimento econômico, nesta perspectiva, deixa de ser visto como única via dos países alcançarem o desenvolvimento. O Produto Interno Bruto, antes um indicador decisivo, passa a ser considerado como meio de expansão das liberdades, que também depende de determinantes como as disposições sociais e econômicas. 17 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 O debate acerca do conceito de desenvolvimento, ponto de referência neste trabalho, ganha uma particularidade: considera a superação da divisão sexual do trabalho e a autonomia das mulheres, como condicionantes para a construção de um desenvolvimento, enquanto expansão das capacidades das pessoas, conforme propõe Sen (2000). O conceito de divisão sexual do trabalho é considerado estruturante nas relações sociais de sexo e, por sua vez, condicionante das relações de poder entre homens e mulheres. Segundo Kergoat (2009), a separação e a hierarquização são os dois princípios que constituem a divisão sexual do trabalho. A socialização dos homens e das mulheres é determinada por uma divisão estabelecida em função dos sexos, definindo responsabilidades distintas a serem desempenhadas por homens e mulheres na esfera da produção e na esfera da reprodução. Kergoart (2009) afirma, ainda, que o trabalho da reprodução, o doméstico e os cuidados são essenciais nos processos de produção e reprodução da vida. Porém, o valor social é atribuído, primordialmente, às tarefas do mundo produtivo, ou seja, às tarefas consideradas masculinas. Desta forma, o atual estágio da sociedade segue dividindo e hierarquizando as atividades de homens e mulheres. De um lado, atividades relacionadas ao atual modelo de desenvolvimento, voltado para o crescimento econômico. Essas atividades possuem forte valor social. De outro lado, há atividades com menor valor social, por serem consideradas como um não trabalho, tais como: as tarefas domésticas, o cuidado com as pessoas e as atividades de reprodução da vida humana. Essa mesma lógica de desenvolvimento, segundo Sen (2000), tem adicionalmente, convivido com a desigualdade entre mulheres e homens. Trata-se de uma ocorrência que compromete e, às vezes, encerra, prematuramente, a vida das mulheres e reduz, em altíssimo grau, as liberdades substantivas para o sexo feminino. Ao relacionar esse conceito com as várias realidades das mulheres rurais, toma- se como referência a mesma linha de raciocínio de Jules Falquet (2006), quando afirma que no atual modelo de desenvolvimento observa-se uma especialização e internacionalização da divisão sexual do trabalho. Para as mulheres, é direcionado o trabalho no setor de serviços, seja em nível local ou grandes redes de serviços internacionais que englobam as categorias de serviços domésticos – para indivíduos, empresas ou para coletividades –, ou ainda, a rede da indústria do sexo e de entretenimento. Para os homens, as atividades são quase sempre relacionadas ao setor 18 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 produtivo. Na área de serviços, fala-se de atividades ligadas à segurança ou ao exército, por exemplo. Nesse direcionamento, é possível perceber a proliferação de empresas de segurança privadas nas últimas décadas, inclusive, em cidades de médio porte. No meio rural, a divisão manifesta-se com a adesão dos homens aos grandes projetos da monocultura e do agronegócio. Segundo Woortman (2007), com o avanço do agronegócio e da monocultura da cana sobre as terras das comunidades pesqueiras, as mulheres ficaram, cada vez mais, privadas de seu espaço de produção agrícola, ficando apenas com o espaço do quintal que é subaproveitado. O papel produtivo e social da mulher é desvalorizado, tornando-a dependente do marido e mais vulnerável à violência doméstica. Diante desse contexto, percebe-se que as jovens do meio rural têm migrado para o eixo urbano – fenômeno observado nos estudos de Abromovay (1998) – e seu destino é, majoritariamente, para o trabalho doméstico. Esta mobilidade se dá em função de um falso ideal da vida na cidade ou para estudar em uma realidade distante da vivenciada no meio rural. Esse cenário de transição ocasiona a criação de um ambiente propício para a reprodução das relações desiguais existentes na sociedade, já que, aos homens são dadas tarefas relacionadas, em grande medida, ao mercado, à produção e à segurança pública. Já para a maioria das mulheres, as tarefas continuam setorizadas no espaço doméstico, sejam relacionadas ao cuidado ou aos serviços que exigem um perfil profissional com baixa autonomia, ou sem perspectiva de uma carreira ascendente. Portanto, a hierarquia de poder entre homens e mulheres é parte do atual modelo de desenvolvimento dominante na sociedade. Tem base material na divisão sexual do trabalho e se sustenta em uma cultura patriarcal e misógina que desqualifica as mulheres e as tarefas que desenvolvem (FARIA, 2005). A economia feminista questiona o paradigma dominante de desenvolvimento por sua abordagem androcêntrica, estruturada na hierarquia e na separação das tarefas de homens e de mulheres. Esse questionamento contribui para dar visibilidade ao aporte da agenda de luta das mulheres. As teorias econômicas clássicas não só desconsideram e invisibilizam a contribuição econômica das mulheres, como ocultam e desconhecem suas agendas. Nesse âmbito, destacam-se, tanto as voltadas para as transformações gerais da sociedade, como aquelas nas quais as mulheres encontram poucos aliados – como as lutas pelo fim da violência doméstica e sexual e pela legalização do aborto. 19 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Para que a sociedade vivencie um desenvolvimento com expansão das capacidades das pessoas, é necessário construir a autonomia econômica das mulheres, ampliar o acesso aos serviços públicos e aos bens comuns. Isso só será possível em uma realidade na qual as mulheres conquistem suas liberdades, inclusive, sua autonomia econômica. Autonomia econômica significa: independência financeira, acesso às políticas públicas e aos recursos necessários para produzir. As mulheres precisariam ter controle sobre o tempo, sobre o seu corpo e a própria vida, com liberdade de decisão. Assim, o reconhecimento do trabalho das mulheres e o questionamento a divisão sexual do trabalho são fundamentais para debater a autonomia econômica. Por essa razão, é discutido no decorrer desse trabalho a articulação de dois conceitos: desenvolvimento como liberdade e divisão sexual do trabalho. Promover essa autonomia passa por recodificar o conceito de desenvolvimento e discuti-lo a partir da redefinição da divisão sexual do trabalho. O Estado, através das políticas públicas, assume um papel na remoção das privações das mulheres que são confinadas ao trabalho doméstico e do cuidado. Segundo Sen, “as políticas públicas visam ao aumento das capacidades humanas e das liberdades substantivas em geral e podem funcionar por meio da promoção dessas liberdades” (2000, p. 23). A redefinição do modelo de desenvolvimento com igualdade entre homens e mulheres, a desconstrução da divisão sexual do trabalho e a construção da autonomia econômica das mulheres devem ser parte da agenda dos governos e uma tomada de decisão do poder estatal. Nos últimos dez anos, o governo brasileiro vem respondendo às agendas dos movimentos sociais das mulheres com a construção de uma estratégia de institucionalização das políticas de igualdade de gênero. Em 2003, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão responsável por promover a transversalidade deste tema, no interior do governo, visando uma interface com os demais ministérios. De acordo com documentos do governo, e com as entrevistas das gestoras, neste período, as políticas para as mulheres ganham peso institucional. Isso se caracteriza pela participação social, qualificação dos programas existentes e criação de novas políticas públicas para a efetivação da cidadania e promoção da autonomia econômica das mulheres. Sobre esse assunto o documento governamental diz o seguinte: 20 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 [...] mudanças institucionais implementadas a partir de 2003. Novas estruturas institucionais governamentais, novas políticas públicas e um novo padrão de gestão foram criadas num ambiente de diálogo com os movimentos de mulheres (RELATÓRIO DE GESTÃO AEGRE 2003-2006). Nesse mesmo período, o Ministério do Desenvolvimento Agrário criou a Assessoria Especial de Promoção à Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (AEGRE), com o objetivo de efetivar políticas públicas que promovessem os direitos econômicos das trabalhadoras rurais. O apoio à produção e o acesso a terra e a cidadania são ações promovidas por essa assessoria. Em consonância com seus objetivos de estimular a autonomia econômica das mulheres, em 2008, o Ministério, através da AEGRE, implementou uma ação interministerial, o Programa Nacional de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (POPMR). O Programa Nacional de Organização Produtiva de Mulheres Rurais é composto pelos seguintes órgãos: Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Caracterizado como um programa interministerial tem como objetivo fortalecer as organizações produtivas das trabalhadoras rurais e promover a autonomia econômica das mulheres. Para desenvolver suas ações, o referido programa utiliza os princípios da economia feminista e solidária. São princípios baseados na ideia que a economia tem de valorizar o bem-estar das pessoas e não, unicamente, o crescimento econômico e o lucro (BUTTO, 2011). É no contexto dessa discussão que a pesquisa titulada: Desenvolvimento e autonomia das mulheres: uma avaliação da efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na Região Oeste Potiguar-2008/2012, se inseriu. Esta pesquisa teve como objetivo geral avaliar a efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar. Quanto às análises específicas a referida pesquisa objetivou: 1) descrever as características do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar; 2) investigar quais mudanças 21 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 socioeconômicas o programa ocasionou na vida das mulheres rurais da região Oeste Potiguar; 3) avaliar se a participação das mulheres, no movimento social feminista, contribuiu para facilitar o acesso ao programa e 4) investigar se a participação das mulheres rurais da região Oeste Potiguar no POPMR provocou um questionamento à divisão sexual do trabalho no cotidiano das usuárias da política e se ampliou suas capacidades para conquista da autonomia econômica. Para avaliar o POPMR e, mais especificamente, sua efetividade na região 1 Oeste Potiguar, foi necessário, antes de tudo, situar a dinâmica dessa região no que se refere ao movimento de mulheres rurais para o acesso às políticas públicas. A região Oeste do Rio Grande do Norte é reconhecida pela forte organização das mulheres. O que é resultado de um processo que envolve diversas autoras, organizações e movimentos sociais da região. Isso inclui organizações de base aos grupos de mulheres nos assentamentos e comunidades rurais, associações rurais, comissões de 2 mulheres dos sindicatos e a Coordenação Oeste de Trabalhadoras Rurais . Esta coordenação possui uma agenda política em parceria com outras organizações que atuam na região (ALVES, 2007). Segundo Mourão (2011), ao mapear os grupos produtivos de mulheres presentes no diagnóstico da economia solidária situado nos territórios da cidadania, nota-se a concentração de grupos de mulheres na região Nordeste, com destaque para os estados do Rio Grande do Norte (16,2%), Bahia (14,9%), Pernambuco (14%) e Ceará (9,2%). Os dados indicam que existe uma real relação entre os movimentos de mulheres e os números apresentados, já que a região com maior número de grupos produtivos de mulheres coincide com a de maior organização social de mulheres. Os temas que movem a organização das trabalhadoras rurais da região são, principalmente, a economia feminista e solidária, entrelaçada a conquistas reais na vida das mulheres, como, por exemplo, o acesso às políticas locais e sua inserção na produção, apoio à produção e reprodução, crédito e agroecologia (ALVES, 2007). 1 Mesorregião do estado do Rio Grande do Norte caracterizada como região semiárida com um processo de organização das mulheres rurais nos vários municípios do Oeste. 2 É uma articulação das trabalhadoras rurais da região que tem o papel de construir lutas das trabalhadoras rurais em consonância com o feminismo, na luta por igualdade de gênero na sociedade e no interior dos movimentos sociais (folder institucional da Coordenação das Trabalhadoras Rurais da Região Oeste) 22 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Na última década, a Coordenação Oeste das Trabalhadoras Rurais, articulada 3 na Marcha Mundial das Mulheres , tem protagonizado diversas lutas na região e tem dado uma contribuição decisiva na construção e fortalecimento do feminismo. Além disso, a referida Coordenação é uma das organizações articuladoras da Rede Xique-Xique de 4 Comercialização Solidária . Os grupos produtivos da região Oeste têm uma compreensão ampliada acerca das atividades que envolvem o plantio e a colheita. Percebem a importância de socializar sua experiência e são pautados pela necessidade de construir movimentos sociais, fazendo das necessidades individuais das mulheres desafios coletivos de lutas. A experiência de organização das mulheres da região Oeste se fundamenta nas articulações políticas importantes. Dentre essas organizações, destaca-se como exemplo, a Sempre Viva Organização Feminista (SOF), que tem assumido o papel de subsidiar a construção de um feminismo militante, desde a articulação política às questões 5 metodológicas; e a Rede Feminismo e Economia (REF), que tem contribuído com as discussões sobre a construção de uma nova economia baseada no cuidado das pessoas e não no lucro. Este princípio da REF influencia a articulação da Rede Xique-Xique, desde a sua construção ao modo como as mulheres comercializam seus produtos. Além disso, a 3 Movimento social feminista internacional, presente em mais de 67 países. A principal bandeira do movimento é a luta contra a pobreza e a violência sexista. A Marcha Mundial das Mulheres no Brasil se fortalece no 1º Fórum Social Mundial e cria-se uma carta: "Carta das Mulheres Brasileiras" que exige terra, trabalho, direitos sociais, autodeterminação das mulheres e soberania do país. A presença da MMM no Brasil se dá, também, em apoio à Marcha das Margaridas, voltada à luta da mulher no campo. 4 A Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária tem sede na cidade de Mossoró (RN), situada na região Oeste do estado do Rio Grande do Norte. É fruto de um amplo processo de construção coletiva dos grupos produtivos, com a contribuição de um conjunto de organizações da sociedade civil que, atuando em diferentes áreas, lutam pela autonomia e melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. A Rede comercializa e produz dentro dos princípios da agroecologia e da economia solidária. 5 A REF-Rede Economia e Feminismo (REF) foi criada em novembro de 2001. Articula ativistas de movimentos sociais, técnicas de organizações não-governamentais e governamentais e pesquisadoras que desejem atuar com prioridade no tema economia e feminismo. Realiza, seminários, atividades de formação e produção de conhecimento. Estes processos desdobram-se em campanhas e ações públicas próprias e em diálogo com campanhas organizadas pelos movimentos sociais. As ações da REF estão em diálogo com as ações da Rede Latino-Americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE) e se propõe a fortalecer as ações da Marcha Mundial das Mulheres no âmbito do combate à pobreza. http://www.sof.org.br/rede_econ_femin.htm); A SOF é uma organização não-governamental feminista fundada em 1963, com sede na cidade de São Paulo e atuação em âmbito nacional. Tem como objetivo: contribuir na construção de uma política feminista articulada ao projeto democrático-popular, que esteja presente na formulação de propostas e nos processos organizativos e de luta dos movimentos sociais. Esta política deve transformar as relações de gênero e favorecer a autodeterminação das mulheres. As mulheres organizadas no movimento autônomo de mulheres, movimento popular e sindical, rural e urbano são seu público prioritário. (http://www.sof.org.br/) 23 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 6 Rede Xique-Xique conta com a assessoria do Centro Feminista 8 de Março nas lutas cotidianas e na busca de transformar as discussões teóricas e valores em práticas feministas na região Oeste. A experiência de organização dessa região conta ainda, com diversos outros apoios, sobretudo da rede de assistência técnica que atua na região. O processo de organização das mulheres rurais da região intensificou-se nos últimos dez anos, com a mobilização de mulheres para acessar políticas públicas. O 7 surgimento do PRONAF-Mulher (ALVES, 2007) e de outros programas, como o Programa Nacional de Organização Produtiva das Mulheres Rurais (POPMR), despertou o interesse das mulheres do RN, em especial o das mulheres da região Oeste Potiguar. Passados alguns anos, as mulheres fortaleceram os processos de acesso às políticas ofertadas pelo governo, através do MDA/DPMR. Por ser uma referência – numérica, de acordo com os dados do governo, e simbólica pela representação da organização das mulheres rurais, tanto no RN, quanto no país – a região Oeste foi escolhida para a realização dessa pesquisa. Para alcançar os objetivos, faz-se necessário retomar as perguntas iniciais, como ponto de partida: a implementação do POPMR na Região Oeste contribuiu na construção de autonomia das mulheres usuárias? Com o acesso ao POPMR ocorreu ampliação das capacidades individuais, em particular na alteração da situação socioeconômica dessas mulheres e nas suas condições de agentes do desenvolvimento? O fato de a região ser reconhecida pela organização social das mulheres relaciona-se com o acesso das mulheres ao POPMR? Como possível resposta a essas inquietações, foi formulado o seguinte pressuposto: o acesso às políticas públicas, especificamente ao POPMR, é parte de um conjunto de mudanças socioeconômicas que vêm ocorrendo na vida das mulheres rurais da região Oeste nos últimos dez anos. Esse fato tem propiciado uma alteração nas relações sociais dos assentamentos e comunidades rurais. Fala-se das relações entre homens e mulheres, da relação entre as mulheres e sua comunidade, e, ainda, a relação destas com o 6 O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma Organização Não-Governamental que surgiu em março de 1993 a partir de ações voltadas à reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM), em Mossoró/RN. Atualmente, a entidade desenvolve ações alicerçadas em três elementos: feminismo, organização e formação. Suas atividades têm como finalidade proporcionar o fortalecimento das organizações de mulheres nos espaços sociais, em especial as trabalhadoras rurais, oferecendo apoio, assessoria e formação em gênero aos grupos de mulheres, comissões de mulheres dos sindicatos rurais, entidades de assessoria técnica, gerencial e organizativa que atuam no meio rural e urbano de Mossoró e região. Ver em < http://www.cf8.org.br/historico.php >Acesso em 30.04.2012. 7 Linha de crédito do PRONAF específica para as mulheres rurais. 24 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 meio ambiente. Tais mudanças têm uma estreita relação com a dinâmica social ocorrida na região Oeste Potiguar, especialmente com o movimento social feminista. A pesquisa, denominada qualitativa, buscou dialogar com um conjunto de conceitos e construir um esquema metodológico, sem necessariamente, filiar-se a uma corrente teórica e à prática do ritualismo metodológico, através da utilização religiosa de instrumentos e técnicas (BOURDIEU, 2004). Neste sentido, para não incorrer na confusão conceitual existente entre método e metodologia buscou-se em Richardson (2008), a definição e distinção desses termos. Assim sendo, com base na visão do referido autor, método é o caminho para se chegar ao objetivo almejado e a metodologia satisfaz aos procedimentos usados no caminho percorrido para a concretização da pesquisa. Ainda como parte da metodologia, a pesquisa busca realizar uma avaliação de políticas públicas, compreendendo que essas são constituídas por teorias e técnicas científicas. Foram utilizadas ferramentas de investigação que tornam mais precisos o processo de julgamento. Para alcançar os objetivos foi necessário estabelecer critérios claros e específicos de acordo com o campo de pesquisa encontrado (WEISS, 1975). As políticas são avaliadas ao se comparar o que é e o que deveria ser e, ao verificar se o programa está alcançando, ou não, os objetivos e metas propostas (WEISS, 1975). Para tanto, utiliza-se o conceito de efetividade, como sendo uma dimensão que constrói uma relação sistemática, entre a execução da política e seus resultados na vida das usuárias, seja em forma de sucesso ou fracasso. É o conceito que institui a relação entre a implementação da política e seus resultados negativos ou positivos, comparados com seus propósitos de alteração da realidade social (ARRETCHE, 2009). Neste sentido, avaliar se houve efetividade do POPMR na região do Oeste Potiguar é perceber se as mulheres conseguiram ampliar suas capacidades e sua autonomia econômica, seja na aferição de renda, seja nas relações sociais de gênero e na relação com a comunidade e a natureza. O percurso de leitura dessa realidade social foi alcançado a partir de uma coerência acadêmica. Sedimentada em um quadro teórico, em dados documentais e empíricos. O quadro teórico é composto por conceitos fundamentais para a interpretação, a saber: ressignificação do conceito de desenvolvimento; divisão sexual do trabalho e autonomia econômica das mulheres; além da discussão sobre gênero, políticas públicas e avaliação de políticas públicas para mulheres no Brasil. 25 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 A pesquisa documental foi realizada junto aos dados disponibilizados pelo MDA/AEGRE.Em âmbito local, da região Oeste, os documentos foram disponibilizados pelas organizações executoras do POPMR, escolhidas para realização da pesquisa: CF8, Coopervida e Rede Xique-Xique. Além dos projetos aprovados pelas entidades, foram documentos de análise os relatórios de atividades, artigos e demais documentos de avaliação do referido programa. Ainda serviu como subsídio, os dados dos institutos de informações socioeconômicas, tais como: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Índice de Desenvolvimento Humano Nacional, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Departamento Intersindical de Estatística e Estudos. Os conteúdos empíricos necessários para avaliação do POPMR, na região Oeste, foram construídos com os seguintes procedimentos metodológicos: entrevistas semiestruturadas e grupos focais. O grupo focal é um método interrogatório que estimula debates e utiliza a dinâmica nele desenvolvida como fonte central do conhecimento. Seu forte é a interatividade da coleta de dados e o uso explícito da interação do grupo para produção de dados (FLICK, 2009, p.182 -188). As entrevistas foram realizadas com gestoras e agentes intermediários, sendo duas gestoras responsáveis pela elaboração, coordenação e fiscalização da execução do programa; uma técnica de cada ONG executora pesquisada, totalizando três agentes intermediários. Os grupos focais foram utilizados para pesquisa com os três grupos produtivos das usuárias do programa. Os grupos foram definidos obedecendo aos seguintes critérios: ser de municípios dentro da caracterização da região Oeste Potiguar; ter acessado o POPMR no período de 2008 a 2012; ter mais de cinco membros e produzir ou comercializar coletivamente. Como resultado da pesquisa, a dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo que trata sobre o Desenvolvimento, gênero e autonomia econômica das mulheres no rural parte de uma revisão da literatura sobre os principais conceitos que norteiam esse trabalho. Fundamenta-se em um referencial teórico sobre o conceito de desenvolvimento aqui analisado, em função de seu potencial de expandir as capacidades das pessoas. Compreende que, para isto, se faz necessária a remoção das privações substantivas de homens e mulheres. Discute como esse conceito de desenvolvimento é 26 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 gestado no meio rural, um espaço que tem vivenciado mudanças significativas no último período. Também utiliza o conceito de divisão sexual do trabalho e a autonomia econômica das mulheres, estruturante das relações sociais, ao separar e hierarquizar as tarefas de homens e mulheres. Parte da ideia de que, para construir a autonomia econômica das mulheres é necessário redefinir o atual modelo de desenvolvimento centrado no crescimento econômico e alterar a divisão sexual do trabalho. Finaliza-se o capítulo com uma leitura do desenvolvimento rural buscando ler a realidade das mulheres rurais a partir dos conceitos construídos nos tópicos anteriores. O segundo capítulo desenvolve o tema sobre Políticas públicas e as mulheres rurais: uma agenda em construção. Discute como a política de gênero se institucionalizou no Brasil e fala do percurso dessa trajetória desde a abertura política até a formulação de programas para as mulheres rurais. Analisa a transformação da pauta das mulheres rurais em uma agenda política de governo. Apresenta como a organização das mulheres rurais conseguiu influenciar o governo e impulsionar a construção de programas direcionados às mulheres rurais brasileiras. Discorre sobre os programas e políticas para as mulheres rurais – elaborados e executados – e como as mulheres da região Oeste se mobilizaram nos últimos dez anos para acessar as políticas e programas ofertados pelo Governo Federal. O terceiro capítulo discorre sobre A avaliação do POPMR na região Oeste Potiguar. Discute a construção metodológica da pesquisa e traz os passos teóricos e empíricos cursados para chegar aos resultados assinalados. Faz a análise dos dados empíricos a partir dos pressupostos teóricos, incluindo a literatura de avaliação de políticas públicas de gênero no Brasil. Investiga sobre o caminho percorrido pelas mulheres para o acesso às políticas públicas e as mudanças ocasionadas por esse acesso. Para isso, faz referência ao POPMR e como se deu sua execução na região Oeste. A efetividade do POPMR na região Oeste é avaliada a partir da ampliação das capacidades das mulheres e sua autonomia econômica. Finalmente, a conclusão traça algumas reflexões sobre os elementos centrais que se revelaram durante o processo de construção deste trabalho e aponta resultados encontrados na avaliação da efetividade do POPMR da região Oeste Potiguar 27 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 2 DESENVOLVIMENTO, GÊNERO E AUTONOMIA ECONÔMICA DAS MULHERES NO ESPAÇO RURAL A noção de desenvolvimento deslocou-se da ideia de crescimento econômico, consolidada no século XIX, para construção de um novo paradigma denominado 8 desenvolvimento sustentável , compreendendo a responsabilidade com as gerações presentes e futuras. Inicia-se, nesse período, a necessidade de buscar um equilíbrio entre o crescimento econômico, preservação ambiental e a responsabilidade social, respeitando os aspectos culturais, as singularidades e os valores potenciais locais. No final dos anos 1980, surge um segundo deslocamento com as chamadas teorias emergentes. Dentre essas teorias, colocam-se em destaque as teorias das capacidades. Segundo elas, o crescimento econômico e a noção de índices – como o Produto Interno Bruto (PIB) – deixam de ser a única referência para atestar o desenvolvimento de um país e passam a ser considerados apenas como um dos aspectos importantes nesse quadro. Entra em cena a noção das capacidades das pessoas como meio e fim do desenvolvimento. Esta é a noção de desenvolvimento defendida por Amartya Sen (2000) e, neste trabalho, é aprofundada pelas teses dedicadas a pensar a economia feminista (CARRASCO, 2003; PICCHIO, 2001; ENRÍQUEZ, 2010). De acordo com esta perspectiva, um país é desenvolvido quando as pessoas têm a capacidade de decidir sobre suas vidas. E essa capacidade é potencializada tanto pelo Estado, por meio da fomentação de políticas públicas e acesso a serviços públicos, quanto pela inserção na relação entre indivíduo e sociedade – que deve considerar os contextos locais, o acesso a bens e a capacidade de sobrevivência de cada um/a em seu território. Neste capitulo discute o conceito de desenvolvimento fazendo uma retomada de sua construção. Buscou-se identificar seus significados construídos historicamente. Esse debate é ampliado com os conceitos de divisão sexual do trabalho e autonomia econômica das mulheres. Neste sentido, o tema em pauta foi discutido a partir do conceito de Sen (1990). Ao debater os indicadores adequados para medir o desenvolvimento de um país, o autor afirma que um setor no qual as desigualdades são especificamente complexas de mensurar, são as desigualdades entre homens e mulheres. 8 Esse conceito ainda encontra-se em construção, visto que se mantém o debate em torno do tema nos espaços acadêmicos e políticos. 28 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 O final deste capítulo discute sobre gênero, divisão sexual do trabalho e autonomia econômica. A discussão desses conceitos tem como referência a realidade das mulheres rurais. Esse debate percorre o desenvolvimento rural no Brasil, associado à 9 questão da sobrevivência pela agricultura familiar e da socialização das mulheres no campo, nesse tipo de produção. 2.1 DESENVOLVIMENTO: do crescimento econômico à expansão das liberdades A discussão sobre o conceito de desenvolvimento tem estado no centro das questões acadêmicas, dos espaços políticos e dos organismos internacionais. O debate se pauta em pelo menos três visões teórico-políticas. A primeira predominou em todo o século XIX e a primeira metade do século XX, com a noção de desenvolvimento como sinônimo de progresso, crescimento econômico, industrial e tecnológico. A segunda visão, surgida em meados do século XX, e ainda em construção, erigiu a ideia de sustentabilidade. Ideia essa, presente na noção de desenvolvimento sustentável. A ideia de um desenvolvimento sustentável trouxe à tona a discussão sobre a preservação ambiental, problematizando os impactos negativos do crescimento econômico, como a produção de detritos não recicláveis, o consumo excessivo, o desrespeito a marcos territoriais, reservas e bens comuns. Isso levou os teóricos a repensarem o conceito de desenvolvimento. Neste novo paradigma, ocorre a tentativa de constituir um diálogo entre o crescimento econômico e a preservação ambiental. O terceiro e atual debate acerca do desenvolvimento diz respeito às chamadas teorias emergentes, nas quais a noção de desenvolvimento como liberdade se sobressai. O desenvolvimento passa a ser caracterizado como meio e fim da expansão das capacidades das pessoas. Ou seja, deixa-se de partilhar a ideia da produção de capital como índice e passa-se a refletir sobre os modos de sustentação e preservação das vidas, a partir da atuação do Estado e da relação entre o indivíduo e sociedade. Pensando o desenvolvimento econômico como um processo histórico, Bressar (2006), observa que a humanidade chegou ao final do século XX, com avanços em suas capacidades científicas, tecnológicas e produtivas. Esses avanços tiveram dimensões de 9 A agricultura familiar é o termo utilizado pra definir aa produção camponesa na qual utiliza a m mão-de- obra essencialmente do núcleo familiar. É uma forma de demonstrar o contraste com a agricultura patronal - que utiliza trabalhadores contratados. Sentido semelhante é utilizada pra definir a agricultura camponesa. 29 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 mudanças em todos os campos, não só na economia, mas na ideologia, na política e na construção de novas ciências. De acordo com Heidemann (2009), no final do século XIX e início do século XX, a promoção do chamado progresso estaria sob a responsabilidade da economia de mercado. Neste sentido, o Estado não tinha interferência nas relações econômicas. Sem a presença ou iniciativa do Estado na regulação da economia e, consequentemente, sem políticas públicas capazes de contornar as ações econômicas, a sociedade dependia, quase que exclusivamente, do mercado autorregulável. No entanto, mesmo que essa ideia tenha sido propagada pela teoria clássica e neoclássica, essa realidade de mercado autorregulável nunca existiu na história da humanidade. O mercado, ou a esfera econômica mercantil, sempre foi dependente. Essa dependência se deve ao Estado, através de sua regulação e da construção de estruturas necessárias para seu funcionamento (tais como Poder Judiciário, Legislativo e Executivo), e à esfera da reprodução, que realiza o trabalho do cuidado (não remunerado), para manter a esfera mercantil funcionando, isto é, mantendo a mão-de-obra em todos os sentidos da reprodução (serviços domésticos e afetividade). Sobre este entendimento, Polanyi (2000), analisando aquilo que ele chama de “grande transformação” ocorrida no século XVIII, afirma que a atividade econômica sempre esteve enraizada nas relações sociais. No entanto, em certo momento, o mercado autorregulável, que é visto como uma instituição autônoma e sem controle externo, separa a economia da sociedade, colocando em risco a última, neste processo de separação. A respeito desse tema, Polanyi afirma que: A descoberta mais importante nas recentes pesquisas históricas e antropológicas é que a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações sociais. (...) cada passo desse processo está atrelado a um certo número de interesse social (POLANYI, 2000, p.65). A economia deve, segundo o autor, seguir em consonância com as relações sociais estabelecidas na sociedade e que a separação desta, para uma espécie de instituição autorregulável, coloca em risco a sociedade como um todo, já que esta pode revoltar-se contra o próprio mercado. Segundo Polanyi (2000, p. 51): “No coração da Revolução Industrial do século XVIII ocorreu um progresso miraculoso nos instrumentos de 30 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 produção, no qual se fez acompanhar de uma catástrofe desarticulação nas vidas das pessoas comuns”. O mesmo autor afirma, ainda, que mesmo fantásticas, essas transformações, obviamente, causaram a desorganização das relações humanas e ameaçavam a estabilidade do hábitat naquele espaço geográfico e período histórico. 10 A economia deixa de ser construída em uma relação solidária com a sociedade e passa a se desenvolver com um fim de acumulação autônoma. Os indivíduos passam a vivenciar novas relações sociais, baseadas no que Durkheim (2004), chamou de solidariedade orgânica, ou mesmo no que Marx (1996) considerou relação de exploração entre capital e trabalho. Dentre as transformações das quais o século XIX foi palco, destaca-se a 11 consolidação da Revolução Industrial capitalista, acrescida da revolução nacional e da 12 revolução ideológica do Século das Luzes . Essas constituíram, simultaneamente, os marcos históricos relacionados ao mundo moderno e ao desenvolvimento econômico. Esse período coincide também com a ampliação dos meios de difusão da informação, com o surgimento dos tipos móveis, da imprensa, e do enciclopedismo. Segundo Vinteuil (1989), nessa época, começaram a circular, abertamente, as primeiras teses que questionavam a naturalização da dominação dos homens sobre as mulheres, bastante difundida pelas teorias medievais. Desde o Século das Luzes, até meados do século XX, o desenvolvimento baseado no crescimento econômico e no progresso, subsidiou, hegemonicamente, o planejamento estatal e sua intervenção. O período pós-guerra configurou-se como um contexto político adequado à supremacia desse modelo. A reconstrução da Europa e a 13 implantação do plano Marshall tornaram-se demandas promissoras para a realização das inovações tecnológicas e da ideia de produtividade, fruto da sociedade moderna. 10 Esse termo é utilizado baseado no conceito de solidariedade mecânica definida por Durkheim, sob a qual os indivíduos compartilham das mesmas noções e valores sociais, como a relação dos interesses materiais necessários à subsistência do grupo, assegurando a coesão social. 11 De acordo com Bressar (2006), existe três acontecimentos históricos que estão intimamente ligados ao mundo moderno e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico: revolução comercial; revolução industrial e revolução nacional, ou a formação dos estados nacionais. 12 A Revolução ideológica do Século das Luzes caracteriza-se como “Época das Luzes”. A partir da contribuição dos filósofos e escritores desse período, originou a revolução cultural e intelectual na história do pensamento moderno. Denominado o movimento do Iluminismo que visava estimular a luta da razão. Como pensadores da época destaca-se: Locke, pensador inglês, e os franceses Montesquieu, Voltaire e, principalmente, Jean-Jacques Rousseau. O Século das Luzes representava a luz do conhecimento. 13 Plano implementado pelo USA com o objetivo de reconstruir os países europeus atingidos pela guerra e, ao mesmo tempo, afastava a possibilidade desses países construírem relações com a União Soviética. 31 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Na visão de Campos (2009), o desenvolvimento, tal qual apreendido no século XIX, representa a visão ocidental de uma sociedade voltada para uma trajetória inflexível de evolução, cujos resultados seriam o crescimento econômico gradualmente alcançado pelos Estados-Nações. Tem como referência os ditos países desenvolvidos do ocidente. Desenvolvidas no âmbito destas. Sejam os paradigmas liberais ou marxistas, de um modo geral, até meados do século XX, o desenvolvimento é reduzido à ideia de industrialização adquirida nos países ocidentais. Neste sentido, os países do terceiro mundo são avaliados em analogia aos países considerados modernos do Ocidente. O que atesta a sustentação desta visão é a tese de que o desenvolvimento técnico-científico resulta no desenvolvimento socioeconômico e este, por sua vez, promove o progresso e o crescimento (ALMEIDA, 2002), e como consequência produziria a redução das desigualdades sociais e da pobreza. No entanto, em meados do século XX, essa visão se tornou alvo de críticas teórico-políticas. Nos anos 1960, fortalece-se, no meio acadêmico e social, o debate sobre o significado do desenvolvimento. Na concepção de Veiga (2004), até esse período, não se presenciava a necessidade de questionar a noção do desenvolvimento como crescimento econômico. A partir dos anos 70, com o fortalecimento dos movimentos sociais, o surgimento do ambientalismo, a realização de importantes eventos internacionais e a elaboração de documentos avaliativos das contradições geradas pela atual noção de desenvolvimento, ocorre mudanças na forma de tratar tal conceito. Os organismos internacionais propõem uma avaliação que promova o diálogo entre as questões do crescimento econômico e as demandas da preservação ambiental. Entre os eventos, destacam-se: as conferências e documentos produzidos pela Organização das Nações Unidas, como a Conferência de Estocolmo em 1972, e, posteriormente, a Rio 92. Dos documentos, citam-se os elaborados pelo clube de Roma e pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente Desenvolvimento (ONU): “Os limites do crescimento” e “Nosso Futuro Comum” ou o relatório “Limits to Growth”. O ano de 1972 foi decisivo para a problemática ambiental, não só pela publicação do relatório “Limits to Growth”, mas também pela primeira grande conferência da ONU sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, organizado pelo então recém- criado Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP). A conferência foi uma das 32 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 primeiras iniciativas internacionais pela reestruturação das relações entre indivíduo, sociedade e meio ambiente. O relatório “Limits to Growth” conhecido no Brasil como “Nosso Futuro Comum” demonstrou a existência de um limite entre o esgotamento dos recursos naturais em face da atividade econômica. Assim, tornou-se necessário encontrar meios de compatibilizar a conservação ambiental e o crescimento econômico. No debate sobre o conceito de desenvolvimento, a necessidade de afirmação de uma política de sustentabilidade, ao tratar dos bens da natureza ou recursos naturais e da sustentabilidade social passou a ser consenso. É comum, nestas discussões, sobressair a ideia de que é preciso um modelo de desenvolvimento socialmente justo, economicamente viável, ecologicamente sustentável e culturalmente diverso. Segundo Sachs (2008), essas dimensões do desenvolvimento sustentável podem ser definidas da seguinte forma: uma sociedade justa significa com maior igualdade social e oportunidades equitativas; economicamente viável, diz respeito a um sistema econômico no qual o ponto de partida seja o bem-estar das pessoas e do meio ambiente; ecologicamente viável, coloca em cheque o atual modelo econômico quando denuncia que a natureza é um bem não renovável e que é necessário construir um desenvolvimento para as gerações presentes e futuras; por último a dimensão cultural, na qual o autor defende um modelo que respeite a diversidade cultural e as potencialidades locais. A partir dessas dimensões, gerou-se um modismo em torno do conceito de desenvolvimento sustentável, que passou a ser usado para designar propostas que, poucas vezes, condizem com sua fundamentação teórica. No entanto, com base na análise de Sachs (2008), a partir das dimensões previamente elaboradas, a noção de sustentabilidade traz elementos importantes para o debate e constrói os princípios norteadores deste conceito. Eles englobam o atendimento das necessidades básicas; preocupações e solidariedade com as futuras gerações; a participação ativa dos agentes sociais envolvidos; a preservação ambiental; a construção de um sistema social de emprego e seguridade social com respeito à diversidade cultural e, por fim, a uma educação universal. Os debates gerados por estas discussões são elaborados de formas distintas pelas correntes teóricas que norteiam o debate sobre desenvolvimento sustentável: neoclássica, institucional e ecológica. A teoria neoclássica, segundo Almeida (2002), analisa a questão ambiental com a mesma racionalidade e os mesmos critérios de eficiência 33 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 presentes na economia capitalista sem, necessariamente, propor uma alteração no modo de produção e sua relação com a natureza. Hoje, com a Rio + 20, essa vertente volta com força política, reeditando a chamada economia verde surgida na década de 1970. Essa teoria propõe a continuidade do atual modelo de desenvolvimento, sem questionar o crescimento ilimitado e o modo de produção e de consumo que impôs. Nessa visão, a sustentabilidade ambiental é ancorada na racionalização e no controle da economia capitalista e impõe a externalidade presente na economia, compreendida por Nunes (2009), como um conceito em que efeitos sobre o exterior são ações que impõem involuntariamente custos ou benefícios. São efeitos positivos ou negativos, sobre terceiros, sem que estes tenham oportunidade de impedi-lo e sem que tenham a obrigação de pagá-los, ou o direito de ser indenizados. Dialogando com a realidade rural, empresas transformam a natureza ou os bens naturais em insumos rentáveis, sem necessariamente preocupar-se com o território e as pessoas. Um exemplo de como funciona a economia verde é que a exploração da natureza seria legitimada pela recompensa a alguns danos ambientais, sobretudo, através do já conhecido mercado de 14 carbono, acordado pelo protocolo de Quioto . A segunda teoria de referência é a teoria institucional, defendida por Swaney (1987) e Sorderbaum (1990). Esta retira do centro analítico as ações dos indivíduos e do mercado e volta-se para as instituições como as responsáveis por promover um crescimento econômico articulado à sustentabilidade. Nessa teoria, ganha força as normativas e as políticas estatais para promover a sustentabilidade. Daí vem à importância dos discursos e propostas lançadas pelos organismos internacionais, como a ONU que no relatório “Nosso Futuro Comum” de 1991, faz recomendações específicas para mudanças institucionais e legais, resumidas em seis áreas prioritárias: 1) formulações de políticas, programas e orçamento que promovam o desenvolvimento econômico e sustentável; 2) reforço aos organismos de proteção ao meio ambiente; 3) avaliação e divulgação dos riscos e ameaças ao sistema natural e a sobrevivência humana; 4) ampliação de direitos, participação e controle social nas tomadas de decisão de projetos desenvolvimentistas; 5) elaboração, a partir dos princípios da ONU 14 Em 1997, no Japão, foi decidido que os países signatários do acordo firmado em Quioto deveriam assumir compromissos para a redução das emissões de gases que agravam o efeito estufa. Esse acordo é conhecido como Protocolo de Quioto. O objetivo central do Protocolo de Quioto passa a ser que os países limitem ou reduzam suas emissões de gases de efeito estufa. Por isso, a redução das emissões passa a ter valor econômico. 34 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 de uma declaração universal sobre a proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável e 6) redefinição dos objetivos das instituições financeiras multilaterais, visando o desenvolvimento sustentável. Essas recomendações demonstram que as normas institucionais visariam a regulamentação do modelo de desenvolvimento e isso bastaria para resolver a coalizão entre crescimento econômico e preservação ambiental. A terceira e última é a teoria ecológica clássica que se propõe a fazer uma interação entre economia e ecologia e, assim, promover um desenvolvimento sustentável. Na vertente ecológica a economia passa a ser vista “(...) como um subsistema dentro de um ecossistema maior, o que implica o entendimento de que o crescimento econômico precisa, obrigatoriamente, estar em harmonia com outras dimensões do desenvolvimento” (ANDRIOLI, 2007, p. 01). Nesta compreensão, a economia é percebida em uma dinâmica com importância igual as demais dimensões do desenvolvimento. O essencial seria definir, do ponto de vista ecológico, qual o tamanho ideal da economia em relação ao ecossistema total ou questionar o modelo de produção e consumo vigente como base em um desenvolvimento sustentável. Mesmo considerando as teorias desenvolvidas no âmbito do desenvolvimento sustentável, constata-se que por um longo período, o desenvolvimento foi hegemonicamente sinônimo do crescimento. A teoria era que bastava aumentar o Produto Interno Bruto per capita para avançar rumo ao desenvolvimento. Assim, todos os esforços deveriam ser concentrados para fazer esse índice subir. Para reorientar essa noção de desenvolvimento, a ONU criou parâmetros conceituais amplamente difundidos em âmbito internacional. O modelo conceitual, denominado desenvolvimento humano, afirmava que o crescimento, embora indispensável, por si só, é insuficiente para definir se um país é, ou não, desenvolvido. Sobre esse paradigma do desenvolvimento humano postulado pela ONU, Kliksberg (2001) afirma: A ONU apresentou um índice de desenvolvimento humano que veio sendo aperfeiçoado ano após ano, o qual inclui indicadores que refletem a situação de todos os países do mundo em áreas tais como: expectativa de vida, população com acesso a serviços de saúde, população com acesso a água potável, população com acesso a serviços de coleta de esgoto e detritos, escolaridade, mortalidade infantil, produto bruto per capita ponderado pela distribuição de renda (KLIKSBERG, 2001, p.24). 35 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 As análises, resultantes dos novos paradigmas da ONU, realçam que o crescimento e os recursos existentes nas nações aumentam as possibilidades de um país se desenvolver. No entanto, faz-se necessário aguçar os olhares sobre as condições de vida das pessoas, que é a finalidade última do desenvolvimento. Diante disso, Kliksberg (2001) propõe os índices que devem refletir nas condições básicas da vida cotidiana, tais como: escolaridade, moradia, direito aos territórios, mobilidade e relações igualitárias entre homens e mulheres. O mesmo autor defende, ainda, que é falacioso o argumento do crescimento econômico como um fim último. Em vez disso, deve ser encarado como um meio fundamental para a concretização do desenvolvimento, desde que amparado por fatores que resultem em novos indicadores de desenvolvimento humano. É necessário desmitificá-lo e reconstruir o debate em profundidade sobre o que está ocorrendo com o cumprimento desses fins. Ainda nos anos 70, em um contexto de participação das mulheres no mercado de trabalho e com resistência do status quo acadêmico, a abordagem da economia feminista foi formulada, convivendo com debates em torno de contradições e dualismos metodológicos, herdados da práxis do movimento feminista internacional. Essa abordagem surge com críticas à economia neoclássica e marxista, questionando o modelo econômico androcêntrico, tanto nos conceitos e categorias, como nos indicadores analíticos. As teóricas feministas mostram que o desenvolvimento econômico não considerava o trabalho nem as forma de vida e socialização das mulheres. Mesmo os países considerados desenvolvidos, não incluíam a igualdade entre homens e mulheres como parte do processo de desenvolvimento. Com isso, feministas construíram novos paradigmas econômicos. Elaboraram uma ampliação do conceito de trabalho, na qual, além do trabalho produtivo, consideravam também o reprodutivo como fundamental para o desenvolvimento econômico. A crítica feminista ao atual modelo econômico contribui para a construção de novos paradigmas do desenvolvimento. Discutir o desenvolvimento a partir das pessoas tem um fundamento na economia feminista forjada no seio da academia e, tendo como referência a realidade das mulheres. É neste contexto de críticas que se passa a revisar o paradigma do desenvolvimento. Segundo Garza (1994), no final dos anos 80, baseada nas críticas elaboradas pela CEPAL e nas circunstâncias dos períodos históricos: 36 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Los desarrolistas, por su parte, se ven forzados a revisar los fundamentos teóricos que sustentaban sus políticas [...] y a construir um nuevo paradigma teórico, capaz de diseñar políticas econômica que superen las contradicciones 15 estructurales vigentes [...] (GARZA, 1994, p.119). Em um ambiente de debate nos organismos internacionais e de um deslocamento teórico do conceito de desenvolvimento, os signatários da política desenvolvimentista necessitavam reconstruir suas bases teóricas. Pretendiam, com isso, forjar novas políticas que reduzissem as desigualdades geradas pelos contextos anteriores. Assim sucedeu as críticas da CEPAL nos anos oitenta. Nesse período, surgem as chamadas teorias emergentes sobre desenvolvimento. Entre estas, destaca-se a teoria das capacitações (SEN, 2011; 2000; 1990; 1993; 1985), que tem como foco dotação de ativos (entitlements), a liberdade passa a ter centralidade nos debates sobre o conceito de desenvolvimento. O novo paradigma do desenvolvimento construído pela contribuição de Sen (2000) está alicerçado, primordialmente, em cincos conceitos: remoção das privações; liberdades; capacidades; agentes e efetivações. Para Sen (2000), remover as privações vai além das questões econômicas de aferir renda. O desenvolvimento deve expandir as capacidades individuais das pessoas que precisam ascender a direitos. As privações são as necessidades de liberdade, a pobreza e a tirania, a carência de oportunidade econômica, a negligência dos serviços públicos e a intolerância de um estado repressivo. Essas privações de capacidades podem se materializar em: morte prematura, subnutrição, morbidez, analfabetismo. No entanto, é importante considerar que a pobreza, também é ausência de renda e uma das primordiais privações de capacidades. Portanto, o aumento das capacidades humanas também caminha junto à expansão das produtividades e do poder de auferir renda (CRESPO e GUROVITZ, 2002). Outras impotências como doenças, idades e tempo reduzido aumentam a desvantagem para auferir renda e ampliar capacidades. Sen (2000), considera que a capacidade é a liberdade de levar uma vida que deseja. As escolhas efetivamente feitas pelas pessoas organizam-se em condutores de funcionamentos da sua vida. Enquanto que o conjunto de todas as opções possíveis de funcionamentos para aquela pessoa, constitui seu conjunto capacitório, ou ampliação das 15 Os desenvolvimentistas, por sua vez, se vêem forçados a revisar os fundamentos teóricos que sustentavam suas políticas[...] e a construir um novo paradigma teórico, capaz de desenhar políticas econômicas que superem as contradições estruturais vigentes [...]. (Tradução nossa). 37 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 capacidades. São as mais importantes e necessárias para evitar a pobreza e a incapacidade humana. “As capacidades não são, portanto, apenas o que uma pessoa realmente acaba fazendo, mas também o que ela é de fato capaz de fazer, quer escolha aproveitar quer não” (SEN, 2011, p.269). A expansão das capacidades humanas seria o meio e o fim do desenvolvimento. Neste trabalho, adotou-se as perspectivas das liberdades substantivas, compreendendo-as como mecanismos que contribuem para a autonomia econômica, já que com a remoção das privações e a expansão das capacidades, os indivíduos podem concretizar o próprio destino e contribuir com a efetivação das mudanças sociais dos membros e de seu meio. Nessa abordagem, a liberdade substantiva deve ser o fim do desenvolvimento e o seu principal meio. Assim, a liberdade substantiva relaciona-se com o constitutivo na valoração da vida humana. Sen (2011) aponta cinco liberdades substantivas: liberdades de participação política; oportunidades sociais como acesso a educação e saúde; oportunidade econômica; direito a transparência e segurança protetora. A liberdade política significa as pessoas serem livres para escolher seus governantes, opinar sobre as forma de condução de seus governos e formular críticas quando julgar necessário. É a liberdade de opinar sobre os destinos de seu país ou suas localidades. É o direito de serem cidadãs e cidadãos dotados de participação social, seja em partidos políticos, seja nos sistemas associativos. É o direito de organizar e participar de manifestações públicas e buscar alterar a realidade. A liberdade política está, portanto, conexa à democracia moderna no seu significado amplo do sufrágio universal, no diálogo político e na crítica transformadora. As facilidades econômicas referem-se às condições ou oportunidades que as pessoas têm de aferir rendas e utilizar os recursos em forma de consumo para o bem-estar. São as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos. Um conjunto de bens que podem ser adquiridos mediante o uso de vários canais legais de aquisição/dotações como políticas públicas, saúde, educação, acesso aos mercados. As facilidades econômicas de uma pessoa dependem das condições que ela dispõe e dos mecanismos disponíveis na economia. Mesmo não sendo o único elemento, o crescimento econômico do país é importante na ampliação das capacidades financeiras das pessoas. À medida que ocorre o processo de desenvolvimento econômico e aumenta a renda e a riqueza de um país, facilita as oportunidades econômicas da população. 38 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 As garantias de transparência referem-se às necessidades de seriedade e clareza que as pessoas podem esperar, sobretudo nas instituições públicas e relações sociais. Essas garantias têm um objetivo importante de combater as corrupções, irresponsabilidades financeiras e transações ilícitas. Por último, segurança protetora é a garantia que o estado e a sociedade devem construir através de uma rede de seguridade capaz de proteger os indivíduos de possíveis ameaças à vida. Essa rede se materializa em assegurar benefícios aos desempregados, alimentação as pessoas em extrema pobreza, cuidado com pessoas enfermas. No Brasil, é possível identificar o programa Bolsa Família como elemento de composição desta rede de proteção social. Essas liberdades ampliam as capacidades mais básicas para o desenvolvimento humano, como ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um padrão decente de vida e ser capaz de participar da vida da comunidade. A partir desse conjunto de liberdades substantivas, o desenvolvimento passa a ser medido pela expansão das capacidades dos indivíduos. Neste sentido, as liberdades substantivas não podem ser consideradas uma soma e sobreposições, mas a inter-relação do seu conjunto. Isso significa que as diferentes formas de liberdade relacionam-se entre si, fortalecendo umas às outras. Liberdades políticas ajudam a promover a segurança 16 econômica . Oportunidades sociais como o acesso a educação e saúde promovem a participação econômica. Liberdades econômicas proporcionam oportunidades de acesso ao comércio e à produção e, por sua vez, podem ajudar a aferir renda individual e pode construir capacidades para participação política. Fica claro que as liberdades dos indivíduos são os elementos constitutivos básicos do desenvolvimento e, por sua vez, é, em grande medida, uma visão orientada para a condição de agente desempenhada pelos indivíduos. A condição de agente é concebida por Sen (2000), como central na sua concepção de desenvolvimento. Agente significa um indivíduo ativo na sociedade, que age transformando seu meio e a si mesmo. Desta forma, o “desenvolvimento é a eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer, 16 Essa afirmação seria impossível em outra concepção de desenvolvimento como a predominante na ditadura militar na América Latina em que acreditava que a ordem estabelecida pelo regime era condição para o desenvolvimento dos países da região. 39 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 ponderadamente, sua condição de agente” (SEN, 2000, p. 10). Agente é, portanto, um pilar fundamental do desenvolvimento. A elaboração do conceito de agente para as mulheres transforma-se em uma grande vantagem social. Proporcionar às mulheres educação e emprego e, consequentemente, ampliar sua autonomia econômica contribui para incorporar a temática de gênero em uma perspectiva valorativa de suas experiências. Com isto, passam a evidenciar questões estruturantes das desigualdades sociais. Sen (2000), exemplifica que em vários países em desenvolvimento a preferência por filhos homens leva à negligência com a alimentação e a saúde das meninas, além do aborto intencional por sexo de fetos femininos, quando não o infanticídio. Colocar a mulher como um agente na sociedade, de fato, reduz este tipo de problema social. Além disso, o autor faz uma interface entre educação e a taxa de natalidade, demonstrando que pode haver evidências de que a educação das mulheres reduz as taxas de mortalidade infantil e a de natalidade. A noção de agente, neste sentido, coincide com a noção de indivíduo, membro participante do espaço público, de ações econômicas, sociais e políticas. Dito de outra maneira é, para o autor, uma pessoa que age e ocasiona mudança. Lima (2008) reforça o pensamento de Sen (2000), afirmando que o processo de desenvolvimento requer a conexão de várias instituições. Fala-se de instituições provedoras de expansão de liberdades substantivas para além do mercado, como a existência e participação em partidos políticos, instituições cívicas, sistema educacional e oportunidades para o diálogo e debates, ressaltando o papel do indivíduo enquanto agente do desenvolvimento. O desenvolvimento, como já dito, amplia as suas perspectivas conceituais quando passa a ser visto como um processo que deve remover as principais fontes de privação da população, para que estas pessoas possam se tornar, também, agentes de sua concretização (SEN, 2000). Assim, argumenta Almeida (2002), quando esclarece que esse modelo pode ser visto como um novo projeto de sociedade capaz de garantir a sobrevivência de grupos sociais e da natureza, tanto no presente, como no futuro. Essa situação se consolida, quando as pessoas ampliam suas liberdades e passam a ser o elemento constituinte da ação do poder público. No caso específico das mulheres rurais, sua incorporação como usuárias e destinatárias da política pública é historicamente recente, datada no início do século XXI (BUTTO, 2011). Nesse contexto, com a incorporação das mulheres como destinatárias da política pública suas capacidades são ampliadas. 40 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Visto, neste sentido, o desenvolvimento é o conjunto de liberdades reais que as pessoas desfrutam e a expansão das suas capacidades de levar o tipo de vida que valorizam. Essas capacidades podem ser aumentadas pela política pública (promoção de igualdade), tentando alterar as desigualdades ocasionadas por uma sociedade de economia de mercado e de uma visão de desenvolvimento androcêntrico. Na abordagem das capacidades, como já citado, a vantagem individual é julgada pela capacidade de uma pessoa para fazer coisas que ela valoriza. Ou seja, o valor das coisas está nas condições que cada indivíduo possui para atribuir aquele valor, de acordo com suas prioridades sociais de sobrevivência. O importante é perceber que a liberdade seria central para o processo de desenvolvimento, por duas razões: 1) razão avaliatória - a avaliação de progresso tem de ser feita verificando-se se houve aumento das liberdades das pessoas e 2) a razão da eficácia - a realização do desenvolvimento depende inteiramente da condição de agentes das pessoas. É considerando esses conceitos que o próximo item discute a condição de agente a partir da realidade das mulheres. Entender que o desenvolvimento só se consolida quando considera a condição das mulheres é parte constitutiva do debate. 2.2 DESENVOLVIMENTO, LIBERDADE E A CONDIÇÃO DE AGENTE: Uma leitura a partir da experiência das mulheres Nos debates sobre desenvolvimento econômico existe uma dificuldade de incorporar a posição das mulheres como parte integrante de sua avaliação. As argumentações dizem respeito a não haver necessidades de se discutir separadamente, já que todas as questões na qual as mulheres estão submetidas são privações vivenciadas por homens e mulheres. A contribuição de Amartya Sen desmitifica essa relutância e aborda a questão como um tema definidor do desenvolvimento. A partir dos escritos de Sen (1987; 2000), passa a ser discutida essa temática, buscando fazer a interface com a chamada economia feminista. É importante ressaltar, nesse contexto, que apesar da grande contribuição que o autor oferece a discussão de gênero e desenvolvimento, na visão dos teóricos que tratam desse mesmo assunto, as citações de trabalhos deste autor, 41 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 frequentemente, omitem suas reflexões sobre as questões de gênero e a condição das mulheres, atendo-se apenas às suas considerações gerais sobre desenvolvimento. Durante um longo período, desde 1792, o movimento feminista já construía sua agenda voltada para o bem-estar das mulheres. Nessa perspectiva, as reivindicações direcionavam a construção de um programa geral de defesa das mulheres do ponto de vista individual. Utilizando as denominações de Sen (2000), fica claro que seu foco principal era os intitulamentos para a promoção do bem-estar feminino. No entanto, ao longo do processo histórico, o movimento feminista voltou-se para reivindicar as condições necessárias para as mulheres ocuparem o mundo público como espaços econômicos e políticos. Em uma leitura senniana, o movimento passou, também, a construir a condição de agente ativo das mulheres. Passados os anos, essas duas agendas pautam o movimento feminista: o bem-estar e a condição de agente da mulher. A tarefa de buscar o bem-estar foi perseguida por um longo período no movimento e diz respeito à condição das mulheres como indivíduo. O empenho era obter um tratamento adequado para as mulheres, de forma justa, que alterasse a sua condição como pessoa humana. Nesse período, as mulheres não tinham direito à educação, casavam ainda crianças, sem direito de opinar sobre seu destino, resultado de transações financeiras (dote). As mudanças reivindicadas pelo movimento tornam-se muito necessárias em todas as sociedades. A segunda tarefa do movimento, utilizando o conceito Senniano, é a busca do papel ativo da condição de agente da mulher. Desta forma, as mulheres deixam de ser receptoras passivas das ações destinadas ao seu bem-estar e passam a ser consideradas como indivíduos capazes de mudar suas vidas e a sociedade, e assim, serão consideradas como agentes ativos da mudança. Tornando-se “promotoras dinâmicas de transformações sociais que podem alterar a vida das mulheres e dos homens” (Sen 2000, p. 221). Esses dois enfoques têm se alternado na concentração de ações do movimento, sendo o enfoque do bem-estar o de maior relevância. No entanto, essa centralidade, muitas vezes, é pouco percebida, já que existe sempre a sobreposição das duas abordagens. A condição de agente da mulher deve, em parte, ser dirigida para promover o bem-estar. Quando ocorre a articulação e a inter-relação dessas duas abordagens (condição de agente e da busca por bem-estar) não se pode deixar de perceber uma diferença crucial nas abordagens. As mulheres, como já referido, passam de uma condição de passivas na 42 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 obtenção de melhorias, para uma condição de agentes, na qual elas próprias reivindicam e opinam sobre quais melhorias são mais adequadas para o seu bem-estar. O fato é que as demandas apresentadas pelo movimento feminista afetam, diretamente, a condição de agente e o bem-estar de cada mulher. Quando uma mulher rural reivindica maior participação na esfera mercantil, através do acesso ao crédito, os seus ganhos podem modificar o bem-estar das mulheres da cidade, já que essas podem gozar do convencimento da sociedade e das agências operadoras do crédito, da importância das mulheres participarem da vida econômica. Com isso, as capacidades econômicas das mulheres podem ser ampliadas e seu bem-estar alterado positivamente. Deste modo, compreender a necessidade de promover o bem-estar e ao mesmo tempo construir a condição de agende das mulheres, é uma tarefa necessária para se atingir o desenvolvimento como liberdade. Para isso, necessita-se ultrapassar barreiras conceituais no interior do próprio conceito de desenvolvimento. Sen (1985), ao argumentar sobre a necessidade de se adotar a análise de gênero para discutir o desenvolvimento, afirma que existem desigualdades reais que afetam a vida das mulheres. O fato de que a privação relativa de mulheres e homens não é uniforme em todas as partes do mundo, não reduz a importância do conceito de gênero, como um parâmetro de análise. Na verdade, essa variabilidade é, em si, importante razão para dar atenção séria aos antecedentes causais das contrastantes privações. De acordo com os escritos de Sen, fica evidente que, apesar das vantagens que as mulheres parecem ter sobre os homens na sobrevivência e longevidade, no que diz respeito à saúde e cuidados médicos, há, no entanto, uma preponderância notável dos homens sobre as mulheres, ao comparar os dados de países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Para exemplificar, Sen (1985) apresenta dados comparativos, entre países que merecem ser citados: […] population of less developed countries (the LDCs) taken as a whole, in sharp contrast with the position of the more developed countries. While there are about 106 women per 100 men in Europe and North America, there are only 97 women per 100 men in the LDCs as a whole. Since mortality and survival are not independent of care and neglect, and are influenced by social action and public policy, even this extremely crude perspective cannot fail to isolate gender as an 17 important parameter in development studies (SEN, 1985, p.03) . 17 ´[...] entre a população dos países subdesenvolvidos (os PMD), tomadas em conjunto, existe um nítido contraste com a dos países desenvolvidos. Enquanto há cerca de 106 mulheres para cada 100 homens na Europa e América do Norte, há, apenas, 97 mulheres para cada 100 homens nos países menos 43 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Com esses dados, Sen chama a atenção e revela que as desigualdades de gênero ou relações desiguais de sexo é um fator preponderante para afetar a vida das mulheres. Mostra, ainda, que a mortalidade, além da dependência de políticas públicas e ação social, também podem estar vinculadas com as relações hierárquicas de poder entre homens e mulheres. Sen analisou, minuciosamente, os dados da Ásia setentrional, Ásia ocidental, Bangladesh, China, Índia e Paquistão e construiu uma argumentação no qual as mulheres que sofrem de privações podem ter uma morte prematura. Segundo o autor, existem “mulheres faltantes” nas estatísticas desses países, ocasionadas pelas desigualdades entre homens e mulheres. “Faltantes” no sentido de estarem mortas por negligência no acesso à saúde e a alimentação naqueles países, em consequência de pertencerem ao sexo feminino. Por esse motivo, existem razões amplas para explicitar tais privações e colocá-las na ordem do dia. Fica evidente que o debate do bem-estar, predominante no movimento feminista desde 1792, ainda é atual para compreensão do tratamento desigual que é dado as mulheres na temática do desenvolvimento. Mais do que isso, compreender que o papel de agente ativo das mulheres é fundamental para suas vidas, para a preservação da vida das 18 pessoas, da família e para a reprodução social . Visto pelo ângulo da experiência das mulheres e de acordo com a teoria senniana, só é possível construir o desenvolvimento, como sinônimo de liberdade, caso seja adotada uma abordagem voltada para a condição de agente na pauta das mulheres e na agenda dos poderes públicos. Sobre isso, Sen afirma: Talvez o argumento mais imediato para que haja um enfoque sobre a condição de agente das mulheres possa ser precisamente que essa condição pode ter na remoção das iniquidades que restringem o bem-estar feminino. Trabalhos empíricos recentes evidenciaram o modo como o respeito e a consideração pelo bem-estar das mulheres são acentuadamente influenciados por variáveis como o potencial das mulheres para auferir uma renda independente, encontrar emprego fora de casa, ter direitos de propriedade, ser alfabetizadas e participar como pessoas instruídas nas decisões fora e dentro de casa (SEN, 2000, p. 222). desenvolvidos, como um todo. É notório que a mortalidade e sobrevivência, não são independentes de cuidado e negligência, e são influenciados por ação social e política pública. No entanto, essa perspectiva não pode deixar de considerar a categoria de gênero como um parâmetro importante no desenvolvimento dos estudos. (Tradução nossa). 18 No tópico seguinte, será abordada a questão do trabalho doméstico e do cuidado, e a contribuição das mulheres para a esfera produtiva e reprodutiva. 44 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Assim, como nas liberdades substantivas, os enfoques do bem-estar e de condição de agentes das mulheres, inter-relacionam, um potencializa o outro. Isso é demonstrado pelos estudos analisados por Sen e nas estatísticas dos países em desenvolvimento. Constata-se que esses países mesmo com a persistência das desigualdades entre homens e mulheres, a questão da sobrevivência como direito a alimentação e saúde tende a diminuir drasticamente quando há ampliação da condição de agente das mulheres. Nas variáveis apresentadas por Sen, tais como: auferir renda, emprego fora de casa, direito de propriedade, ser alfabetizadas e participar nas decisões fora e dentro de casa. Segundo o referido autor, nesses casos, mesmo essas variáveis sendo consideradas independentes, desconexas e intensamente variadas, todas elas têm em comum o fato de contribuírem, decisivamente, para a condição de agentes das mulheres. As mulheres rurais da região Oeste do Rio Grande do Norte, quando iniciaram sua participação na esfera mercantil, logo perceberam que as suas contribuições financeiras para a família as tornavam mais visíveis e respeitadas no espaço doméstico. Diante disso, conseguiram ganhar mais voz ativa, pois já não dependiam, totalmente, de outras pessoas. Vale a pena tecer algumas observações a mais sobre a importância do trabalho fora de casa e da condição de agente. A participação das mulheres na força de trabalho tende a reduzir seu tempo de trabalho na esfera familiar e ampliar suas capacidades para a condição de agente ativo de mudança. De acordo com Sen (2000), as análises sociais e econômicas direcionam para observar fatores que atuam em sentidos divergentes a essa afirmação. Ter empregos remunerados produz efeitos positivos na condição de agentes e impacta com maior ênfase sobre o cuidado com os filhos, no que se refere às decisões conjuntas da família sobre a execução da tarefa. Embora os estudos viessem a demonstrar que as crianças perdem o convívio com a mãe, existe um segundo efeito, revelado através de estudos analisados por Sen; que não houve nenhuma redução de qualidade no cuidado dos filhos, mas persiste a relutância dos homens em exercer tal tarefa. Um terceiro efeito positivo do trabalho remunerado das mulheres é que ocorre ampliação da alfabetização das mulheres que consegue penetrar na esfera mercantil. Da mesma forma, a educação provoca uma ampliação das capacidades das lideranças comunitárias, reforçando sua condição como agente e podendo torná-las melhor informada dos acontecimentos em sua volta. A propriedade, como bem diz Sen (2000), 45 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 pode contribuir para ampliar o poder da mulher nas deliberações familiares. Esses exemplos demonstram o já explicitado anteriormente, isto é, existe uma inter-relação, entre esses diversos aspectos. A demanda do bem-estar e a condição de agentes interagem mutuamente. Portanto, as diversas variáveis identificadas, exercem a função integrada de promover a igualdade entre homens e mulheres e construir as condições para se ter um desenvolvimento como liberdade. Como forma de ilustrar o enfoque do bem-estar e da sua inter-relação com a condição de agente das mulheres, será utilizado nessa pesquisa, o esquema elaborado por Picchio (2012), adaptado para uma leitura a partir da experiência das mulheres: Neste esquema está incluído, em grande medida, as categorias de Sen, no que se refere às 19 liberdades substantivas , condicionantes para o bem-estar feminino e, ao mesmo tempo, necessárias para o alcance da condição de agente das mulheres. FIGURA 1 - Bem-Estar das Mulheres Ter acesso a recursos Ser escolarizada Adultos/as Cuidado com os outros 19 Sobre as categorias do conceito de Sen, ver o primeiro tópico deste capítulo: Desenvolvimento: do crescimento econômico à expansão das liberdades. Uso do Crianças Tempo Idosos Cuidado com si mesmo 46 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Ser saudáveis Ter tempo livre Mover-se nos territórios Fonte: PICCHIO (2012). (Tradução e adaptação nossa). A independência econômica e o reconhecimento social, ser saudável, ter tempo livre e poder mover-se nos territórios podem influenciar, decisivamente, nas relações familiares. O esquema figurativo visualiza que a esfera familiar representada no círculo, recebe influência das relações consideradas públicas e da esfera econômica. O tempo gasto com o trabalho da reprodução (cuidado com as pessoas) influencia na construção das condições de agentes das mulheres, já que existe uma cooperação entre a esfera produtiva e a reprodutiva. Assim, os fatores que agem no compartilhamento das famílias são dados, em parte, por contratos estabelecidos socialmente. No entanto, sofrem influências de outros fatores como o papel econômico e o ganho de poder das mulheres e a alteração de valores comunitários. Como assinala Sen: Na evolução dos sistemas de valores e das convenções da divisão intrafamiliar, a educação, o emprego e os direitos de propriedade das mulheres podem exercer um papel importante, e essas características “sociais” podem ser cruciais para os destinos econômicos (bem como para o bem-estar e a liberdade dos diversos membros da família (SEN, 2000, p.225). Trata-se de uma questão que poderá ser analisada a partir da experiência das mulheres, utilizando o conceito de Sen, denominado conflito cooperação. Este conceito de Sen (1985) é fundamental para se discutir a situação das mulheres inerente a uma condição no espaço familiar. O autor afirma que relação familiar é permeada por conflitos e balizada por acordos cooperativos. Outras autoras feministas como Faria (2010); Hirata (2007); Nobre (1998); Picchio (2001); Kergoat (2003) e Carrasco (2003) também afirmam que as 47 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 relações familiares são relações conflituosas e estão pautadas por relações hierárquicas de poder entre homens mulheres. Uma análise baseada no conceito de conflitos cooperativos demonstra características comuns de relações sociais de grupo. A utilização desse conceito pode prover modelos úteis para entender as influências que atuam sobre as partes do grupo. No caso específico do grupo familiar, busca-se entender como se encontra as mulheres nas divisões familiares. Na família existem dois lados (homens e mulheres) que podem ganhar quando se negocia um acordo nas decisões familiares. No entanto, o autor citado alerta que é possível existir muitos arranjos que podem não ser igualitários e beneficiar um lado em detrimento do outro. Essas negociações são, muitas vezes, resolvidas tomando como base elementos externos à relação familiar. A esse respeito Sen, pontua: Os conflitos entre os interesses parcialmente díspares no meio familiar são muitas vezes resolvidos por meio de padrão de comportamento sobre os quais existe um acordo implícito, padrões que podem ser ou não particularmente igualitários. A própria natureza da vida familiar - compartilhar um lar e viver conjuntamente - requer que os elementos de conflito não sejam enfatizados de uma forma explícita [...]. (SEN, 2000, p.224). Essa observação de Sen permite indicar que as relações familiares têm influência do contexto social ao qual estão inseridas. O relacionamento entre homem e mulher no interior da família é diferente quando se compara aos países ocidentais e os orientais. Isso leva a refletir que estas relações são permeadas por conflitos e quanto maior a expansão das capacidades das mulheres, maior sua capacidade de negociação no interior da família. Seja na região sul ou na região norte do planeta, as relações se estruturam a partir do contexto ao qual estão inseridas, que, por sua vez, dependem do modelo de desenvolvimento em curso. Segundo Kegoart (2009), as relações entre homens e mulheres são estruturadas sobre o prisma da divisão sexual do trabalho que divide e hierarquiza as tarefas entre ambos. A abordagem de Sen é sugestiva para complementar esse conceito de Kegoart, quando afirma que as relações familiares são permeadas de conflito e as decisões, nem sempre são balizadas pela igualdade. Sobre essa compreensão, Enríquez (2010) afirma que o conceito de Sen, de conflitos cooperativos, contribui para explicitar que os membros da família lidam de 48 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 formas diferenciadas com as decisões familiares, a partir da posição que ocupam na sociedade e na família. A respeito disso, mostra Enríquez: Sen (1990) expone esta crítica cuando elabora el concepto de conflictos cooperativos, explicando que los miembros del hogar enfrentan dos problemas diferentes de manera simultánea, uno relativo a la cooperación (suma de disponibilidades totales) y otro relativo al conflicto (la división de las disponibilidades totales entre los miembros del hogar). En este marco, la toma de decisiones y el reparto de recursos, tiempo y trabajo entre los miembros del hogar, se ve afectados por racionalidades económicas, pero también por pautas culturales, relaciones de poder y concepciones subjetivas sobre lo que se necesita 20 y lo que se contribuye (ENRÍQUEZ, 2010, p.5). Conceber o convívio familiar com outras bases, diferente da tradicional relação harmoniosa propagada pelos princípios medievais e por parte das teorias funcionalistas, é uma significativa contribuição para a igualdade entre homens e mulheres, na medida em que possibilita o diálogo das posições divergentes. No entanto, as alterações reais dessas relações na família, são propiciadas pela expansão das capacidades que tem como condicionantes as questões estruturais. Essa discussão indica que os parâmetros observados no desenvolvimento são, em última instância, multidimensionais e estão posicionados em contextos territoriais, históricos, sociais e morais e, principalmente, centrados nas vidas como experiências individuais. A experiência das mulheres deve ser tomada como ponto de análise para avaliação do desenvolvimento. O enfoque do bem-estar relacionado com a condição de agente tem alcance para além do resultado específico com a expansão das capacidades das mulheres. Esse fato 20 Sen (1990) Expõe esta crítica quando elabora o conceito de conflitos cooperativos, explicando que os membros da família enfrentam dois problemas diferentes de maneiras simultânea, um relativo a cooperação (soma de disponibilidades totais) e outro relativo aos conflitos (a divisão das disponibilidades totais entre os membros da casa). Neste marco, a tomada de decisões e a divisão dos recursos, tempo, e trabalho, entre os membros da casa, ver afetados por racionalidades econômicas, mas também por questões culturais, relacionadas a poder e concepções subjetivas sobre o que é necessário e o que se contribuem. (Tradução nossa). 49 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 tem contribuído para alterar a vida das crianças, dos homens e dos idosos, visto que o bem- estar feminino tem relação direta com as melhorias cruciais nas realizações gerais. Nas palavras de Sen: Pode-se dizer que nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres. Essa é, de fato, um aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade (SEN, 2000, p.235). Esse debate, também se aplica a outras áreas do desenvolvimento, especificamente na ação econômica, política e social. A partir do crédito agrícola e atividades econômicas à discussão político e social, o alcance da condição de agente das mulheres é uma área crucial para o desenvolvimento que, paradoxalmente, ainda é pouco considerada. Para discutir o desenvolvimento e as questões que envolvem as mulheres é necessário ampliar os diversos entendimentos que o conjunto de atores envolvidos tem sobre essa discussão. Aponta-se nessa conjunção, algumas questões que dificultam uma discussão sobre o assunto considerando a divisão sexual do trabalho na perspectiva de sua superação. Siliprand (1999) afirma que predomina na discussão sobre desenvolvimento no meio rural a mesma ótica que predominou por muito tempo no debate do desenvolvimento: “uma ótica produtivista mais ligada ao mundo do trabalho e, especificamente, da produção agrícola” (SILIPRAND, 1999, p.11). Em uma realidade de divisão sexual, onde a socialização de homens e mulheres define que o trabalho da agricultura, especificamente o do roçado, que produz mercadoria, é identificado com o masculino, é fácil perceber porque as mulheres rurais não se sentem incluídas na discussão de desenvolvimento. São essas questões que nortearão o item seguinte deste capítulo, tentando compreender, a partir do conceito de divisão sexual do trabalho e da autonomia econômica das mulheres, como o desenvolvimento se relaciona com as questões das mulheres do meio rural, para tanto se discute, primeiramente, o conceito de divisão sexual do trabalho a partir da economia feminista. 2.3 GENÊRO, DESENVOLVIMENTO E O CONCEITO DE DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: Uma Discussão da Economia Feminista 50 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Discutir o modelo de desenvolvimento vigente na maioria das nações, tendo como suporte teórico a literatura da economia feminista de Carrasco (2003), Picchio (2001, 2005, 2011) e Rodrígez (2010) permite observar, pelo menos, quatro problemáticas a serem debatidas: a primeira é quando o desenvolvimento é avaliado com os atuais mecanismos envolvendo índices e indicadores econômicos, existe uma tendência ao obscuramento dos reais resultados. Não se pode compreender os processos de sucessos e falhas do desenvolvimento e suas implicações na vida real das pessoas, sem considerar as relações de gêneros que estão inseridas no meio social, relações definidoras na construção das capacidades dos indivíduos. A segunda problemática fala da globalização e da feminização da força de trabalho. Na visão de Rodríguez (2010) há, nesse processo, uma ampliação da desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho e, consequentemente, se busca reduzir os custos do trabalho. Para o meio rural esse fator agrava-se ainda mais, devido à antiga precarização do trabalho no campo. A terceira problemática da discussão apresenta que a maioria das oportunidades oferecidas às mulheres pelo mercado, no atual estágio da sociedade ou no modelo de desenvolvimento em curso, são oportunidades que apresentam complexidade na ampliação das capacidades e frequentemente são contraditórias. Segundo depoimento das mulheres que trabalharam em empresas do agronegócio no Vale do Açú (RN) a relação de trabalho é indigna: “em época de colheita saíamos de 5h da manhã e voltávamos de 21h da 21 noite, não tínhamos onde trocar um absorvente e tomávamos água quente do sol (...)” . Esse depoimento ilustra que os postos de trabalho para as mulheres, criados com a modernização no campo, são precarizados e em definitivo, esses tipos de trabalho não constrói expansão das capacidades para edificar o desenvolvimento. Falando na linguagem da economia feminista não gera a autonomia econômica das mulheres. Outro exemplo que ilustra a realidade da mão de obra das mulheres absorvida no contexto da globalização é apresentado por Araújo (2003). Segundo o estudo, quando as mulheres são incorporadas nas atividades de fruticultura irrigada da região Oeste Potiguar são consideradas mão de obra de menor valor, é uma ajuda para a família, sem valor social. As desigualdades são manifestes no pagamento das horas trabalhadas. As mulheres que trabalham com lavagem e secagem do melão, no município de Braúna, no território Açú- 21 Depoimento citado no relatório do CF8- Oficina realizada em 2006, como evento preparatório ao Fórum Mundial pela Soberania Alimentar - Nyéléni 2007. 51 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Mossoró (RN) ganham quatro vezes menos que o valor pago aos homens. A autora assinala: Nesse contexto, a desvalorização do trabalho feminino se revela ainda mais fortemente pela diferença dos valores recebidos entre homens e mulheres. Segundo consta no diagnóstico situacional das áreas de produção de melão nos municípios de Baraúna e Apodi, elaborado pela AACC no ano 2001, a cada final de safra os homens recebem uma diária de trabalho em torno de R$ 25,00 a R$ 30,00, enquanto as mulheres, com a mesma jornada de trabalho, lavando ou embalando melão, recebem em média R$ 6,00 a R$ 7,00. (Associação de Apoio às Comunidades do Campo, 2002a, p.26). Esses dados evidenciam a grande depreciação do trabalho da mulher no campo [...]. (ARAÚJO, 2003 p.43). Deste modo, explicitar-se distinção de valor social de trabalho de homens e trabalho de mulheres. Mesmo estas estando no espaço considerado produtivo. Suas atividades são consideradas de menor valor social pelo atual modelo de desenvolvimento. Ancorado a essa desvalorização a pesquisa ainda acrescenta: que os valores devidos às mulheres, muitas vezes as empresas pagam aos seus maridos. Algo que demonstra claramente a ausência de autonomia e consciência de contribuir com a condição de agente das mulheres. É revelador o depoimento de um agrônomo responsável pelas áreas produtivas, conforme aponta ainda, Araújo (2003). Há casos em que a mulher não pega no dinheiro que ganhou. No acerto de contas, geralmente, é o homem que está lá presente e o dinheiro é repassado para ele, não para ela. Isso ocorre, normalmente, quando o projeto está na área de produção individual da família. Por isso, muitas mulheres preferem trabalhar em outro assentamento, cujo projeto não seja da sua família. (Sujeito: ♂ Engenheiro Agrônomo da Visão Mundial em entrevista concedida dia 11 de março de 2003). (ARAÚJO, 2003 p.43) Essa realidade é fruto de uma persistente divisão sexual do trabalho que relega as mulheres a uma condição de desigualdade em que vive. Especialmente quando se trata da valorização e visibilidade de seu trabalho e, inter-relacionada com o modelo produtivista de desenvolvimento reforça os lugares desvalorizados aos quais as mulheres foram socializadas. A quarta e última problemática faz referência à organização da reprodução social, na qual segue impondo uma divisão sexual do trabalho e reduzindo a participação 52 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 política das mulheres e a sua autonomia econômica. É nesta quarta problemática que este trabalho concentrará sua análise, tendo em vista que essa questão norteia o objeto de investigação. A divisão sexual do trabalho é responsável pelas bases da opressão e da desigualdade na vida das mulheres. Fundamenta as relações sociais construídas entre homens e mulheres. De acordo com o contexto social, essa divisão vai se readequando e assim mantendo-se ativa, muitas vezes, equivocadamente compreendida como algo natural. Hirata e Kergoat (2007) descrevem a divisão sexual do trabalho em dois princípios básicos que explicam, perfeitamente, a situação desse tipo de relação em qualquer época histórica. Primeiramente, existe a separação, onde é compreendido o que seria julgado como trabalho do homem e trabalho da mulher. Logo em seguida a hierarquia, que valoriza o trabalho do homem em detrimento ao da mulher. Sobre esse assunto Hirata e Kergoat define que: Divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é adaptada historicamente e a cada sociedade. Ela tem por característica a distinção prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apreensão pelos homens das funções de forte valor social. (HIRATA E KERGOAT, 2007, p.56). Os dois princípios da divisão sexual do trabalho, em especial o da hierarquia, afeta diretamente a autonomia das mulheres, tanto na cidade, quanto, especialmente, no 22 campo, onde a falta de atuação do estado é ainda maior . Segundo Léon (2003), a economia feminista contribui com a construção do conceito de divisão sexual do trabalho, quando surgiu argumentando que no mundo da economia não existe só o âmbito da produção, mas também o da reprodução. Ressurge, então, o debate sobre o reconhecimento do trabalho reprodutivo, dando visibilidade ao grande volume de trabalho doméstico realizado pelas mulheres urbanas e rurais. O debate também denuncia o quanto os homens se beneficiam deste trabalho feito pelas mulheres, tendo mais tempo de dedicação ao seu próprio trabalho, lazer, crescimento pessoal e formação. 22 No Brasil, é recente a incorporação das mulheres rurais como usuárias das políticas públicas. Datada no ano 2000. (BUTTO, 2009). 53 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Ainda segundo León (2003), uma das principais justificativas ideológicas para a divisão sexual do trabalho é a naturalização da desigualdade, que atribui ao biológico a construção social (mulheres são mais fracas que os homens) e as práticas de homens e mulheres (essa tarefa é de homem e essa outra é de mulher). Ou seja, considera a desigualdade como uma essência biológica, como parte da natureza. A construção do masculino e do feminino não seria, segundo essa lógica, uma construção social, mas processos naturais. O estudo da divisão sexual do trabalho demonstra ser preciso articular a ideologia e a reprodução simbólica com a existência de uma base material – hierarquização e separação das tarefas de homens e mulheres – para construir e perpetuar as desigualdades entre homens e mulheres. Ao analisar a forma como o termo divisão sexual do trabalho é discutido na França, Hirata e Kergoat (2007) afirma que se aplica a duas acepções de conteúdos distintos: Trata-se, de um lado, de uma acepção sociográfica: estuda-se a distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões, e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; e se analisa como ela se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos. ( HIRATA e KERGOAT, 2007, p.596). O termo é hoje conhecido na sociologia e tem sentidos distintos. Muitas vezes é utilizado com uma conotação descritiva, de demonstrar que existe uma diferenciação das atividades realizadas entre homens e mulheres. No entanto, segundo Hirata e Kergoat, falar em termos da divisão sexual do trabalho “é articular essa descrição do real com uma reflexão sobre os processos pelos quais a sociedade utiliza esta diferenciação para hierarquizar as atividades” (HIRATA e KERGOAT, 2007, p. 297). O conceito de divisão sexual contribui para entender como se transforma em desigualdade o trabalho feito por homens e mulheres. Nesse caso, não se trata de um julgamento para, simplesmente, mensurar as estatísticas sobre as diferenças de inserção no mercado de trabalho de homens e mulheres (FARIA, 2011). “Esse conceito se propõe a problematizar a realidade e a socialização de homens e mulheres a partir das tarefas atribuídas socialmente a homens e mulheres, seja no campo ou na cidade” (FARIA, 2011, p.05). 54 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Neste sentido, o conceito da divisão sexual do trabalho teve um papel importante no debate critico da definição clássica e neoclássica da opinião sobre trabalho. Esse debate enfatiza que a definição de trabalho definida pelo marxismo não respondia ao conjunto da realidade do trabalho, especificamente ao trabalho das mulheres, já que o debate girava em torno do trabalho remunerado. A contra-argumentação apresentava que as mulheres estavam e estão simultaneamente nas duas esferas: no trabalho produtivo, portanto, remunerado e no trabalho reprodutivo, não remunerado. Na definição clássica de trabalho, a atividade realizada em casa não é considerada. Segundo Carrasco (2003) essa definição oculta à dimensão econômica e a relação com a exploração do atual modelo de desenvolvimento. Acompanhando esse raciocínio Faria (2010) afirma que no capitalismo, houve uma redução do conceito de trabalho, apenas para aquelas atividades vinculadas ao mercado. Antes do atual modelo de desenvolvimento capitalista, era considerado trabalho o conjunto das atividades humanas necessárias para nossa existência. Acrescenta Faria: Essa redução do conceito de trabalho veio vinculada a uma forte separação, que o capitalismo instaurou entre o que é uma esfera produtiva e uma esfera reprodutiva, correspondente a uma outra divisão entre esfera pública e privada. No atual modelo de desenvolvimento capitalista, é considerado produtivo só aquilo que gera troca no mercado, ou seja, aquilo que pode se “mercantilizar”. E aí o trabalho reprodutivo deixa de ser trabalho porque não se troca no mercado (FARIA, 2010, p. 6). Isso significa que no atual estágio da sociedade existe uma separação entre o que é produtivo e o que não é produtivo. Desconsidera que o trabalho da reprodução seja uma atividade fundamental para a continuidade do sistema capitalista. Tanto o marxismo como as teorias clássicas e neoclássicas desconsideram a produção e a reprodução como uma unidade. As tratam de forma separada e hierarquizada. A economia feminista, na ótica de Léon (2003), faz uma releitura das teorias econômicas e afirma que na esfera econômica não existe somente o domínio da produção, mas também o da reprodução. Com isso, constrói o reconhecimento de que existe uma interdependência nestes dois campos – produção e reprodução – apresentados como dicotômico. O trabalho da reprodução passa a ser percebido, nesta visão como parte integrante da economia. Neste sentido, a economia feminista, deslocou o debate 55 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 23 econômico, apresentando como campo necessário e propício para discutir o bien vivir das pessoas, quando apresenta a reprodução como mais um objeto dessa ciência. É a partir da economia feminista que se visibiliza o volume de trabalhos domésticos e de cuidados realizados pelas mulheres na esfera familiar, tanto em espaços urbanos como nos rurais. Esta releitura possibilitou que os dados estatísticos fornecessem elementos para um novo olhar que recupera a experiência das mulheres. Busca, com isso, situá-las na análise teórica não centrada na experiência masculina, mas a partir de indicadores de gêneros capazes de mensurar tais realidades (CARRASCO, 2012). Reconhecer que o trabalho da reprodução é parte da esfera econômica, não significa transformá-lo em uma mercadoria. A esfera da reprodução tem dinâmica específica que não pode ser medida pelos indicadores do mercado. Não se pode, por exemplo, mercantilizar o afeto do cuidado realizado por uma mãe, que neste caso, o trabalho e o amor se co-determinam. No entanto, não se pode naturalizar e invisibilizar esse trabalho. Como afirma Kegoart (2003), uma enorme massa de trabalho era realizada gratuitamente pelas mulheres. Este trabalho era invisível, feito não para si, mas para os outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal. Segundo Faria (2011), o objetivo do cuidado e do afeto está distante da ideia de mercado, de ganhar benefícios. Nesse caso, o objetivo é proporcionar o bien vivir das pessoas da família ou comunidade. O trabalho do cuidado, como já dito, possui características particulares, que não se encaixariam, se transferidos para um trabalho mercantil. No entanto, é importante observar que trabalho doméstico remunerado é utilizado por mulheres – grande maioria nas cidades da América Latina – para diminuir a carga de trabalho. Quando isso acontece, esse trabalho é transferido para outras mulheres, que por sua vez, maximizam sua jornada de trabalho para entrar no mercado, ficando, responsável pelo trabalho do cuidado de sua própria família, ou seja, o trabalho do afeto. Em outras palavras, o trabalho doméstico do mercado não muda a obrigatoriedade da responsabilidade do cuidado e do afeto presente na esfera da reprodução. Para as mulheres 23 Leon, (2008) baseia-se nos escritos de Carrasco (2003) para definir o significado do Bem viver ou bien vivir: “o paradigma do ‘bem viver' é convergente e se retroalimenta de análise e propostas da economia feminista e a ecologista, que questionaram as noções de economia e riqueza nas suas formas predominantemente clássicas e neoclássicas, e que postulam a sustentabilidade ambiental e humana como centrais e indissociáveis”. O ‘bem viver' na sua formulação básica dá centralidade à relação harmônica e integral entre os seres humanos e a natureza. (...): O ‘bem viver' nasce dos povos e nacionalidades indígenas. Procura a relação harmoniosa entre os seres humanos e destes com a Natureza (…). É um elemento fundamental para pensar uma sociedade diferente, uma sociedade que resgate os saberes e as tecnologias populares, sua forma solidária de organizar-se, de dar resposta própria” (LEON,2008, p.3). . 56 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 da zona rural a busca dessa “solução” não é aplicável, ou ainda tem pouca percepção nas estatísticas oficiais. No meio rural é comum se considerar a unidade familiar como um espaço harmônico e de unidade entre seus membros (NOBRE,1998). No entanto, o debate do desenvolvimento como liberdade e da economia feminista faz críticas a esse entendimento. Sen (1990), conforme já referido, quando elabora o conceito de conflitos cooperativos, caracteriza o lar – unidade familiar – como um espaço de conflito e negociações. Explica que seus membros reagem aos problemas de maneiras diferenciadas, permeando a cooperação e o conflito. Desta forma, as decisões sobre os recursos familiares, o tempo e o trabalho são definidos pela racionalidade econômica. Trata-se das questões culturais e relação de poder que envolve, segundo Enríquez (2010, p. 50), “concepciones subjetivas 24 sobre lo que se necesita y lo que se contribuye” . Esta crítica, legislada a partir da contribuição de Sen (1990) e da economia feminista, teve como resultado a percepção e a 25 formulação sobre as contribuições . Baseado no princípio da cooperação, percebe-se quem se torna legitimado para reivindicar os benefícios da cooperação. São, também, questões subjetivas que definem a posição dos membros nos processos de negociação no seu interior (SEN, 1990). No entanto, Enríquez argumenta que: [...] la contribución monetaria al hogar es ponderada socialmente como más importante que las contribuciones no pagas del trabajo doméstico, las mujeres (y todas las personas económicamente dependientes) se encuentran en una situación de desventaja que se refleja en la distribución y control sobre los recursos en el 26 hogar. (ENRÍQUEZ, 2010, p.6) . Picchio (1999) tem o mesmo ponto de vista de Sen (1990, 2000) quando argumenta que o trabalho doméstico influencia na quantidade e qualidade do trabalho remunerado e este está relacionado com as capacidades adquiridas de cada membro das famílias, pela educação. Por outro lado, segundo Enríquez (2010), o trabalho do cuidado também influencia na quantidade de horas disponíveis para o trabalho remunerado. Sabe-se que para parte das mulheres, este só é possível com as horas restantes do tempo gasto na 24 Concepções subjetivas sobre o que se necessita e o que se contribui.(tradução nossa). 25 Contribuições é parte das formulações de Sen (1990) que é a soma das disponibilidades de contribuições totais dos membros da família. Seja contribuição financeira ou não. 26 “a contribuição material da casa é ponderada socialmente como mais importante do que as contribuições não pagas do trabalho doméstico, as mulheres, (e todas as pessoas economicamente dependentes) se encontram em situação de desvantagem que se reflete na distribuição e no controle dos recursos da casa” (Enríquez, 2010, p.6). (tradução da própria autora). 57 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 responsabilidade com a reprodução. Dito de outra maneira, o trabalho da reprodução está, intrinsecamente, incorporado no espaço da economia, uma vez que, o trabalho produtivo depende da reprodução para se manter em funcionamento. Para facilitar a compreensão, Picchio (2001) explica, com o recurso de um gráfico, que aqui foi adaptado para figura, a ampliação do “Esquema Tradicional do Fluxo 27 Circular da Renda” . Esta ampliação faz a proposta de uma incorporação nos espaços econômicos à esfera reprodutiva que se distingue em três funções econômicas que se desenvolvem no campo privado da casa. De acordo com Rodríguez, tais funções podem ser visualizadas nas figuras a seguir. FIGURA 2 - Fluxo circular de renda Fonte: (PICCHIO, 2001). FIGURA 3 – Fluxo circular de renda ampliada 27 Neste trabalho o gráfico desenvolvido por Picchio, foi traduzido e adaptado para figura. 58 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Fonte: (PICCHIO, 2001). Primeiramente, a função amplia a possibilidade da renda monetária – Salário Real – para o denominado “Nível de Vida Ampliada” ou consumo real. Isto quer dizer: incluir as mercadorias adquiridas com os salários reais, mas também os bens e serviços em consumo real, ou seja, adicionar o trabalho da reprodução social não remunerada à possibilidade de renda familiar. A segunda função se refere à expansão do nível de vida efetivo, que só é possível pelo trabalho do cuidado – reproduzido pelo trabalho não remunerado, afeto. É imprescindível apontar que o conceito de bem-estar construído por Picchio se baseia no enfoque de Sen, quando se refere a um conjunto de capacidades humanas de funcionamentos efetivos na esfera social. Por último, a terceira função da esfera reprodutiva como parte do espaço econômico, direciona-se à redução e a seleção dos seguimentos da população e suas capacidades de produção mercantil. Nessa função se observa suas capacidades individuais para serem usadas nos processos de produção de mercadorias. Sendo assim, o trabalho desempenhado sem o objetivo de remuneração, realizado na esfera da reprodução, serve de apoio para o trabalho remunerado ou trabalho mercantil. Como demonstrado na figura, o espaço produtivo é composto, apenas, pelo trabalho remunerado e responsável pela produção mercantil. Esta é uma demonstração da maioria das análises econômicas clássicas e neoclássicas. Na parte inferior da figura é demonstrada, a ampliação da análise proposta por Picchio e Enríquez, baseada na economia feminista, na qual incorpora, em espaço econômico, a esfera reprodutiva. Nesta perspectiva, as atividades realizadas no âmbito doméstico, que garantem a reprodução de todos os membros, estão incluídas no trabalho do cuidado e, conforme Rodriguez, deveriam ser incluídas no espaço econômico. Dessa forma, garantindo a produção do viver. As atividades desempenhadas no meio reprodutivo são consideradas importantes para o fluxo circulante de renda, uma vez que, segundo a teoria das autoras citadas – Carrasco, Picchio e Rodriguez – a reprodução e a produção são interligadas e dependentes. Como já foi dito, a separação é fruto da capacidade ideológica do atual modelo de desenvolvimento, que por sua vez, valoriza o produtivo em detrimento da ocultação do trabalho da reprodução. Esta concepção que existe uma separação e independência entre a produção e reprodução, trata-se de uma dicotomia que constrói um imaginário social no qual as pessoas nascem prontas para o mercado e são independentes. Essa dicotomia é desfeita com a apresentação da Figura 3. Como afirma Nobre (2002), no imaginário produzido pela 59 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 economia clássica e neoclássica é como se os indivíduos não tivessem sido crianças e não ficassem idosos, portanto, não precisariam de cuidados. Ou seja, como se as pessoas chegassem à idade adulta sem a necessidade dos trabalhos da “produção do viver”. Esta falsa autonomia invisibiliza a reprodução, necessária para sustentar o trabalho mercantil. Pode-se considerar pertinente a afirmação de Carrasco (2003) quando diz que o mercado prevê quando a pessoa tem ou deve ter o seu tempo disponibilizado para a produção. Paradoxalmente, a reprodução constrói a lógica do cuidado que exige acompanhamento dos ciclos da vida, desde a infância até a velhice. Contrariamente ao que foi mostrado na Figura 2, a tensão entre estes dois mundos encontra-se presente no modelo de desenvolvimento vigente em qualquer realidade social. No entanto, segundo Carrasco “para a economia oficial, a sustentabilidade da vida não tem sido uma preocupação analítica central; ao contrário, usualmente é considerada uma ‘externalidade’ do sistema econômico” (CARRASCO, 2003, p.12). Na economia oficial, os estudos de análises socioeconômicas têm utilizado as 28 distintas correntes de pensamentos para entender os sistemas econômicos de produção, os graus de desenvolvimento econômico à industrialização de determinada sociedade. No entanto, a reprodução humana, ainda não foi utilizada como categoria analítica central, tão necessária para entender o desenvolvimento de uma sociedade. Neste sentido, a maioria dos indicadores de avaliação de desenvolvimento, não consegue mensurar, na sua totalidade, a implicação que existe entre a reprodução e o espaço considerado econômico. Só com estudos específicos, desenvolvimento de novas categorias de análise, como a economia feminista e a construção de gráficos com base nesta teoria, é que se consegue visualizar a real relação, entre a esfera produtiva e reprodutiva. À luz da literatura existente sobre gênero, desenvolvimento rural, e considerando os conceitos de desenvolvimento, liberdade, divisão sexual do trabalho e a teoria da economia feminista, busca-se no tópico seguinte analisar a situação das mulheres rurais. O objetivo é perceber como esses conceitos se expressam na realidade rural e em que medida será possível diagnosticar a existência de ampliação das capacidades das mulheres rurais. 28 Considera-se como principais correntes as mesmas citadas nos escritos de Carrasco (2003): Clássicas, Neoclássicas e marxista. 60 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 2.4 DESENVOLVIMENTO RURAL E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: uma leitura da realidade das mulheres no campo O desenvolvimento rural no Brasil acompanhou o processo percorrido pela construção da noção de desenvolvimento da sociedade. Constrói um caminho a partir dos avanços tecnológicos e aumento da produtividade e, ao mesmo tempo, se desloca para uma discussão baseada na sustentabilidade e na agroecologia. A predominância de uma discussão economicista para debater o desenvolvimento rural, dificultou uma ação governamental voltada para um desenvolvimento no meio rural, considerando as esferas da produção e da reprodução, ou do conceito do bien vivir. Na presente pesquisa o conceito de desenvolvimento já foi debatido no primeiro item deste capítulo, à luz da divisão sexual do trabalho, com base na teorização construída pela economia feminista. Nesse segundo momento, toma-se como referência esse conceito de desenvolvimento, para discorrer sobre o desenvolvimento rural e as relações sociais de gênero, buscando construir uma leitura da realidade das mulheres no meio rural brasileiro e como o desenvolvimento rural em curso impactou suas vidas. A partir da década de 50, o desenvolvimento rural tem estado no centro do debate. Seja nos espaços acadêmicos, políticos e governamentais o debate acompanhou e foi influenciado pela discussão do significado do conceito de desenvolvimento. Ao tratar desse assunto, Navarro considera “o desenvolvimento rural, (...) um dos grandes motores das políticas governamentais e dos interesses sociais, igualmente inspirando um crescente conjunto de debates teóricos” (NAVARRO, 2001. p.84). Analisando como essa discussão tem se pautado no processo histórico, pode-se afirmar que dos anos 50 até o momento atual, o debate concentra-se em quatro abordagens: na modernização da agricultura impulsionada pelo estado brasileiro com a formação do complexo agroindustrial; aumento de produtividade e eficiência das pequenas propriedades; valorização dos processos da participação e estratégias sustentáveis de vivência no campo. A maioria das abordagens busca teorizar como tornar o rural mais eficiente e com maior capacidade de inserir ou construir resistência aos mercados. Entender como tem sido definindo o tema do desenvolvimento rural, torna-se necessário para analisar a realidade das mulheres em um contexto de desenvolvimento rural. 61 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Segundo Siliprandi, como já citado anteriormente, “O assunto ‘desenvolvimento’ é, muitas vezes, apresentado a partir de uma ótica produtivista mais ligada ao mundo do trabalho, e especificamente, da produção agrícola” (SILIPRANDI, 1999, p.11). Tem-se, nesse caso, uma realidade de divisão sexual do trabalho, em que todas as tarefas feitas pelas mulheres são consideradas domésticas. Assim sendo, o tema do desenvolvimento tem, historicamente, excluído as atividades desenvolvidas pelas mulheres rurais. Acompanhando o que foi a discussão da noção do desenvolvimento no meio rural, percebe-se que foi alicerçada pela chamada "revolução verde". Essa revolução impôs um padrão tecnológico, o qual rompeu com o passado, por agregar as famílias rurais a novas formas de produtividade, mercantilizando, pouco a pouco, a vida social. Esse fato, quebra a relativa autonomia do setor rural. A partir dessa realidade, fala-se do processo de modernização agrícola iniciado na década de 1950. Teve como propósito aumentar a produtividade no meio rural através do desenvolvimento de pesquisas, fertilização do solo, utilizando fertilizantes quimicamente fabricados com o uso de máquinas no campo que aumentassem a produtividade. Esse modelo ampliou a produtividade, sem a necessidade de alterar a estrutura agrária. O processo assemelha-se ao conceito de modernização conservadora. Veja-se Observe o que diz Rodrigues a esse respeito: Por modernização conservadora entendemos o processo pelo qual se deu a modernização da economia e sociedade brasileira, nomeadamente a modernização da agricultura. Trata-se de um processo através do qual se moderniza a base da economia sem alterar a estrutura social, uma vez que não são feitas reformas sociais necessárias (RODRIGUES, 2010, p. 56). Essa modernização teve como resultado a permanência da questão fundiária no país e ampliou a concentração de terra no campo brasileiro, intensificando a concentração de renda. Ainda sobre esse período de modernização no meio rural, convém observar a citação de Navarro: Esse período, que coincide com a impressionante expansão capitalista dos "anos dourados" (1950-1975), é assim um divisor de águas também para as atividades agrícolas, e o mundo rural (re)nasceria fortemente transformado, tão logo os 62 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 efeitos desta época de transformações tornaram-se completos (NAVARRO, 2001, p. 84). Pode-se considerar a modernização inaugurada na agricultura brasileira, quando refere-se à parte constitutiva do modelo de desenvolvimento em curso no País que previa um conjunto de transformações na esfera econômica, nas relações de trabalho, nos campos tecnológicos e nas estruturas sociais. Neste sentido, o período de 1950 a 1980, foi marcado por uma profunda transformação nas bases técnicas na agricultura brasileira. Segundo Kageyama (1996), essa modernização pode ser vista em três dimensões: primeiro é a utilização de fertilizantes e defensivos quimicamente desenvolvidos e modificação da relação de trabalho; a segunda é a mecanização da agricultura desde o plantio à colheita; a terceira é a internacionalização da agricultura, tanto com compras de máquinas e fertilizantes como a especulação financeira em nível internacional, quando há a compra e venda da produção que passa a ser realizada pelos mercados financeiros, bolsas de valores. A modernização no campo tem reduzido o papel social das mulheres nas comunidades. Woortmann (1991), em seus estudos, afirma que nos anos 60, concluem-se as mudanças que impactaram negativamente nas comunidades. As mulheres, em particular, tiveram suas vidas transformadas, já que são elas as responsáveis pela agricultura (espaço terra). Sobre essas, a autora diz que: Começa a se configurar uma alteração na relação de gênero, coincidente com a modificação das relações de subsistência do grupo doméstico. A mulher se torna cada vez mais dependente do marido, seja do peixe que ele traz para casa, como alimento, seja do dinheiro auferido pela comercialização do pescado. Agora, é com esse dinheiro que serão comprados o feijão, a farinha, o milho, e outros alimentos antes produzidos pela mulher (WOORTMANN, 1991, p.12). As relações sociais de sexo alteram-se com as transformações estruturais. No caso das comunidades rurais e pesqueiras, as mudanças no modelo de desenvolvimento, saindo de relações familiares e comunitárias da agricultura para uma modernização agrícola, pautada na incursão de tecnologias e produtividade, tem um efeito danoso na autonomia das mulheres. A lavoura e o quintal, que antes tinham um papel fundamental na soberania e segurança alimentar da família, deixam de existir com a especulação das terras. 63 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 E quanto mais reduz o papel social da mulher, maior as possibilidades dessas reduzirem sua autonomia no interior da família e fora dela. Rodrigues (2010), afirma que mesmo com a modernidade, o rural mantém as suas características no que se refere ao uso do solo para a agricultura. No entanto, torna-se promissor como espaço de segunda moradia e outros benefícios para os habitantes urbanos. Sobre as atividades econômicas, o autor define como um espaço de pluriatividades, já que além das atividades agrícolas, existem também as que não são agrícolas, sobretudo as ligadas à agroindústria e ao turismo rural. O que se observa são processos diferenciados ocorrendo na mesma temporalidade, podendo o rural ser classificado em tipos distintos. Considerando os distintos espaços rurais e seus desempenhos econômicos e sociais pode-se constatar, segundo Veiga (2004), que o rural tem sido respostas locais à globalização. “O sucesso ou insucesso sempre se volta à interdependência entre diversos fatores-chaves do processo de desenvolvimento que estão inextricavelmente ligados às oportunidades e ameaças colocadas pela globalização” (VEIGA, 2004, p.10). A dimensão 29 econômica do meio rural , no processo de globalização, torna esses espaços periféricos ou marginais, que o autor denomina de “Geografias da Centralidade”. Age, fundamentalmente, para se tornar cada vez mais periférico. Neste sentido, o Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento, visando à dimensão ambiental, que age no sentido de tornar a biodiversidade cada vez mais valiosa à qualidade de vida e ao bem- estar, conforme aponta Veiga (2004). Já Abromovay (1998), quando discutindo o desenvolvimento rural, afirma que este conceito não se reduz ao crescimento agrícola, e tão pouco, se restringe às possibilidades de sua expansão. O interesse pelas razões que explicam o dinamismo de certas regiões rurais e o declínio de outras é recente nos estudos rurais, segundo Abromovay (1998). É com base nessa discussão, que surge o conceito de desenvolvimento territorial e, segundo o autor, convergem duas correntes contemporâneas de pensamento: a dimensão territorial do desenvolvimento. Essa dimensão vem enfatizando que desenvolvimento rural tem relação com a região. Isso não significa apontar vantagens ou obstáculos geográficos do lugar, 30 mais que isso, significa analisar a construção das redes , das combinações e acordos dos 29 Segundo Veiga (2004) a dimensão econômica no meio rural envolve “as cadeias produtivas, comercio e fluxos financeiros”(VEIGA, 2004 p.10) 30 O termo rede é utilizado neste trabalho como rede social, que significa uma estrutura social composta por pessoas e ou organizações, por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Sobre esse conceito ver Castell (2000). 64 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 atores sociais envolvidos e de todas as instituições implicadas na ação cooperativa, capaz de fortalecer o tecido social do território ou localidade. A segunda vertente tem uma influência internacional e pode definir-se como uma vertente do pensamento social contemporâneo. O autor utiliza-se do conceito de capital social, construído por Robert Putnam (1996), quando define como características da organização social que aumenta a eficiência da sociedade, facilitando as ações ordenadas (ABROMOVAY, 1998). O conceito de capital social se insere na discussão de desenvolvimento territorial como uma leitura da ação da sociedade civil, no que a organização social, segundo o autor, pode ser decisiva para o desenvolvimento rural dos territórios. Mesmo reconhecendo a contribuição dos autores para entender o espaço rural, poucos se detêm em se ater sobre as pessoas que vivem e trabalham nos espaços rurais, como se constitui a esfera reprodutiva deste setor e como se estabelece a divisão sexual do trabalho. Quais seus impactos na vida das mulheres? Principal responsável pela reprodução social ou pela produção do viver. É buscando preencher essa lacuna que será discutida, no tópico a seguir, a realidade do rural a partir das mulheres. 2.5 DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NO CAMPO: o lado pesado do “trabalho leve” Discutir a divisão sexual do trabalho no âmbito rural é desafiador. Como já foi citado, ainda persiste a relutância nos meios acadêmicos, políticos e governamentais de debater a realidade das mulheres como uma categoria que tem especificidades na temática do desenvolvimento. Essa relutância está presente na discussão do desenvolvimento rural, com roupagens mais rígidas. Por isso, busca-se compreender essas relações, a partir da divisão sexual do trabalho no cenário da agricultura familiar. Para tanto, será feita uma 31 reflexão ancorada na pesquisa empírica e nos escritos de Rua e Abramovay (2000); Nobre (1998); Pacheco (1997); Siliprandi (2009); Faria (2011); Butto (2011); Brumer (2011) e Woortmann (1991). Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, as mulheres trabalham mais do que os homens, mas seu trabalho não é reconhecido como tal, já que a maioria destas não está na esfera mercantil. A ausência de reconhecimento é parte 31 Os dados empírico dessa pesquisa serão analisados a partir da discussão teórica feito neste item no capitulo 3. 65 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 constitutiva da divisão sexual do trabalho. De acordo com Rua e Abramovay (2000), essa invisibilidade e ausência de reconhecimento é uma generalidade no meio rural: A generalizada ausência de reconhecimento dos diversos tipos de trabalho desenvolvidos pelas mulheres é parte constituinte da dinâmica das relações de gênero. No meio rural, um indicador desse invisibidade é os elevados números de mulheres caracterizadas como trabalho sem remuneração. (...), a invisibilidade do trabalhado feminino no campo pode ser observada, inicialmente, pela proporção de mulheres ocupadas sem remuneração, que é significativamente mais elevada em comparação com os demais setores da economia. Pode-se constatar que embora a proporção do trabalho feminino não-remunerado seja superior ao trabalho masculino em quase todos os setores economicos, é na agropecuária que esse fenomeno se manifesta de forma mais eloquente (RUA; ABRAMOVAY, 2000, p.152-153). Essa constatação leva a suspeitar que no meio rural existe uma rígida divisão sexual do trabalho que direciona para uma realidade aonde os homens são responsáveis pelo trabalho considerado produtivo, seja na agricultura ou na pecuária, especificamente em todas as tarefas associada à esfera mercantil. As mulheres são as responsáveis pelo trabalho considerado reprodutivo, especificamente, o trabalho doméstico, o cuidado dos quintais e dos pequenos animais, além da reprodução da própria família, como nascimento e cuidado de seus membros. Como se vê, nessa realidade, as mulheres são responsáveis por todo o trabalho não remunerado, desenvolvido, tanto na esfera produtiva, como na reprodutiva, já que no meio rural essas esferas são coextensivas. Esta realidade leva a uma distribuição e a acepção do que é trabalho pesado e o que é trabalho leve, de acordo com o sexo que realiza a tarefa. A presença das mulheres no meio rural é ainda marcada por uma realidade de relações patriarcais, na qual os homens determinam os rumos da família. As famílias se organizam a partir do poder hierárquico masculino centrado na figura do pai que representa seus interesses considerados hegemônicos, uma família em que não existem conflitos de desejos e sonhos. Sobre a organização familiar, vale voltar ao conceito de conflitos cooperativos de Amartya Sen, quando afirma que a organização de grupos sociais, neste caso o grupo familiar, está ancorada em conflitos e acordos de cumplicidade, nos quais, nem sempre 66 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 existe igualdade nas decisões. Estas são tomadas de acordo com as relações de poder, e por sua vez, são permeadas de fatores externos da realidade social. As relações patriarcais sustentadas pela divisão sexual do trabalho permitem que ainda perpetue estudos nos quais as mulheres rurais sejam vistas apenas como donas de casa, ressaltando o seu papel de mãe. No campo, a divisão sexual do trabalho se estrutura entre a separação da tarefa de casa e do roçado. Ou seja, no rural existe uma oposição entre a casa e o roçado. Wootemann (1991) estudando os espaços da casa e do roçado distingue esses espaços como definidores dos trabalhos pesados e de trabalhos leves, ou ainda de trabalho e não-trabalho. O roçado é o local de produção em grande quantidade, produz mandioca, feijão, milho, cereais considerados essenciais para a sobrevivência da família. Desta forma, é considerado local de trabalho pesado, neste caso, é considerado local de trabalho pesado, usam-se ferramentas mecânicas de grande porte, como a broca, o arado e a limpa . Os homens da família, em especial o pai, são os responsáveis por essas tarefas e no imaginário social, do meio rural, é uma obrigação masculina. Quando as mulheres realizam atividades neste local, o seu trabalho é considerado como uma “ajuda”. Por outro lado, a casa é o local da mulher, as atividades realizadas são consideradas o não-trabalho. A criação de pequenos animais, a plantação de fruteiras, a reprodução social da família, tem valor social menor, comparado às tarefas masculinas. Mesmo sendo atividades essenciais para o autoconsumo familiar e para o abastecimento do comércio local, são entendidas como trabalho leve ou como um não-trabalho. No entanto, considerada as análises de estudo a partir da realidade das mulheres, existe outra compreensão do que sejam as tarefas desenvolvidas na casa, ou ao redor da casa. De acordo com Wootemann: A casa, domínio feminino, especificamente da esposa-mãe, era um centro polarizador das atividades e dos recursos. Da roça saíam os produtos agrícolas destinados ao consumo humano ou animal. A elasticidade de terras, possibilitando o rodízio no uso das mesmas, deixava áreas em pouso que, assim como a mata fechada, eram também espaços produtivos, de onde era extraída a madeira e lenha, e frutas nativas. [...] A casa era também o espaço onde a mulher selecionava sementes para o plantio e estocava a produção colhida para transformá-la em comida (WOOTEMANN, 1991, p.07 e 16). 67 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Essa afirmação mostra que existe um processo de mudança no sentido da casa e do roçado, no entanto, ainda persiste a predominância de uma oposição e de uma definição entre os espaços do homem e da mulher. Sendo o roçado, o local da produção e, a casa da reprodução e autoconsumo. Ainda sobre a importância das tarefas desempenhadas pelas mulheres, Dantas (2010) faz uma leitura da sua importância na realidade rural do Semiárido nordestino. As mulheres, segundo a autora, com seu conhecimento têm realizado tarefas fundamentais para o autoconsumo familiar e para a permanência das famílias no campo. A autora aponta três dimensões dessa importância: a água; a saúde e a alimentação. O cultivo, seleção e preservação das sementes e das plantas nos quintais conservam espécies frutíferas resistentes ao clima, como cajaraneira, imbuzeiro, goiabeira, cajueiro e muitos outros. A criação de pequenos animais, como galinha, bode e ovelhas, ampliam a capacidade de alimentação familiar e permite uma alimentação enriquecida de proteínas. Cita-se o caso da experiência de mulheres na comunidade de Coqueiros, no Ceará, e das mulheres do sítio S. Miguel do Egito, em Pernambuco, que além de construir sua produção coletiva para fortalecer a auto-organização das mulheres e o princípio agroecológico, trabalham na perspectiva de preservação de seus quintais e seu aprendizado secular no enriquecimento da alimentação da família. As mulheres do Semiárido também acumulam saber na manutenção de plantas nativas para preservação da saúde. Os conhecimentos transmitidos e socializados pelos saberes populares, constroem o que se chama de medicina alternativa: casca de romã é antibiótico para curar inflamação das diversas ordens; vargem de juá, casca da aroeira, do cajueiro e da quixabeira curam doenças uterinas; muçambê é regulador intestinal. Na experiência coletiva da organização e produção das mulheres no Oeste do Rio Grande do Norte, é comum, nas atividades de agroecologia, as mulheres trocarem saberes medicinais. Seja na garantia de alimentos saudáveis para a família através de seus quintais, seja na preservação da saúde, através das plantas nativas e medicinais, ou até mesmo da captação de água de chuva, as mulheres têm demonstrado que é possível conviver com o Semiárido. É possível ser soberana e soberano e construir autonomia, preservando a cultura alimentar. O jeito de plantar e a forma de viver em sociedade, sem coronelismo, sem machismo e sem imposição do mercado na alimentação. Considerando os estudos mencionados, a ideia de hierarquia entre os produtos determina os conceitos de trabalho pesado e leve, de trabalho e não-trabalho, ou ainda, de 68 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 trabalho e ajuda. As mulheres rurais, quando descrevem as tarefas domésticas e o não reconhecimento do seu trabalho, falam de muito trabalho no preparo dos alimentos, explicam a necessidade de mais pessoas nesse preparo. E citam como exemplo, a preparação da pamonha e da canjica, comidas típicas, principalmente nos festejos juninos, que necessitam de muitas horas de trabalho, pois não há divisão das tarefas. Dito isso, é possível reforçar a ideia de que o roçado e a casa podem ser vistos como espaços de realização de tarefa de homens e mulheres que vivem no campo. Percebe- se que as mulheres estão nos dois espaços e que realizam, ou podem realizar ambas as tarefas. Isto significa aceitar, que existe uma rígida divisão sexual do trabalho que divide e hierarquiza as tarefas realizadas por homens e mulheres e transformam em oposição os espaços de sua realização (casa vs. roçado). Outros aspectos que podem ser considerados são os dados oficiais que também demonstram a realidade das mulheres no campo. De acordo com o PNAD-IBGE, 2006, 47,84% da população rural são mulheres. Mesmo considerando que os homens estão em maior proporção, existe uma diminuição da migração feminina na ocasião em que as mulheres acesso às políticas públicas. Sobre a migração feminina, Zorzi (2008), ao analisar os impactos do acesso ao PRONAF Mulher, apresenta a possibilidade do acesso a essa política ter evitado o êxodo rural feminino em municípios do Rio Grande do Sul. No entanto, ainda persiste uma masculinização do campo no pondo de vista da economia rural. Como já dito, as mulheres concentram-se nas atividades do autoconsumo, atividade que não é considerada trabalho e pelos órgãos oficiais, não aufere renda. Os dados de 2006, PNAD IBGE, apresentam que as mulheres rurais correspondem a 64% do total de mulheres sem rendimento no país. Esse dado nos faz voltar na análise de Picchio, quando em um esquema ampliado do fluxo econômico demonstra que a esfera reprodutiva é parte integrante dos recursos familiar e que deve ser incorporado como contribuição na base dos dados. Isso demonstra que as estatísticas oficiais têm dificuldades de incorporar indicadores de gêneros nos levantamentos de dados e nas suas análises. Ainda sobre os parâmetros de obtenção dos dados, Carrasco (2012), em seu livro Estatística sobre suspeita faz uma crítica aos indicadores que não incorporam as questões de gêneros como necessários para auferir dados da realidade social. A autora apresenta indicadores de gêneros necessários para elaboração da pesquisa de dados, alertando para a necessidade de incorporar as atividades ditas reprodutivas nas estatísticas oficiais. 69 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 No entanto, mesmo com lacunas, os dados revelam a desigualdade existente na divisão das tarefas na realidade das mulheres rurais, sobretudo no que se refere ao tempo dedicado, segundo a categoria do trabalho. Veja-se o gráfico: GRÁFICO 1 – População do Campo Segundo Categoria de Trabalho Total da população do campo, segundo a categoria de trabalho (2009) 100 90 80 75 %mulheres 70 % homens 60 47 50 40 31 30 23 20 11 14 10 0 remunerado não remunerado autoconsumo Fonte: DIEESE/2009 Os dados do gráfico revelam que grande parte do tempo das mulheres está reservado ao trabalho não remunerado e de autoconsumo. Tais números deixam claro que a divisão sexual do trabalho está presente no meio rural com seus princípios de separação e hierarquização. Uma vez que mulheres e homens dividem-se em tarefas remuneradas e não remuneradas. No entanto, a grande parte das tarefas realizadas pelas mulheres está na categoria de não remunerada, portanto, de menor valor social. De acordo com os dados analisados por Butto (2011), os números apresentam um leve aumento das mulheres em atividades com rendimentos. Em 1993, as mulheres tinham um rendimento de que equivalia 29,9% do rendimento masculino. Em 2006, subiu para 68%. Isso demonstra que ouve uma flexão considerável dos rendimentos das mulheres. Da mesma forma que caiu a percentagem de mulheres ocupando tarefas não remuneradas. Em 1993, era uma proporção de 39,9% de mulheres trabalhando em ocupação não remunerada. Em 2006, esses números baixaram para 33,7%. No entanto, com os homens, a queda foi em proporção bem maior, passou de 22,3% em 1993, para 14,2% em 2006. % 70 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Observem o percurso do comportamento da renda no meio rural, nos últimos oito anos, no gráfico: GRÁFICO 2 – Comportamento do Rendimento Médio Rural Comportamento do rendimento médio rural - 2001-2009 R$ 700 R$ 600 595,29626,02 552,14 R$ 500 481,18 479,69 45 0,19 455,03 R$ 400 375,69 355,72 362,32 306,06 R$ 300 292,81275,35 258,67 R$ 200 R$ 100 61 61 57 64 57 66 63 R$ - 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Renda mulheres Renda homens Variação percentual do rendimento feminino, comparado ao masculino Fonte: IPEA/2011 Os dados mostram que ainda persiste uma elevada variação entre os rendimentos das mulheres e dos homens. As mulheres chegam em 2009, com rendimentos na ordem de 63% dos rendimentos dos homens. Conforme observado por Butto (2011), o gráfico apresenta uma leve ascensão dos rendimentos das mulheres nos últimos anos. No entanto, é visível pelo gráfico que os homens tiveram uma elevação da renda superior a das mulheres. Isso induz, mais uma vez, a supor que a divisão sexual do trabalho no campo, na qual divide mulheres e homens entre o trabalho reprodutivo e produtivo, respectivamente, dificulta a ascensão social política e econômica das mulheres no meio rural. É considerando a realidade vivenciada pelas mulheres rurais e percebendo a divisão sexual do trabalho no meio rural que se propõe, no próximo capítulo, a debater como o estado responde a demanda das mulheres com a institucionalização das políticas promotoras da igualdade e como se constitui a agenda das mulheres no último período, especificamente as mulheres rurais para o acesso às políticas públicas; e por último, 71 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 apresenta-se os dados que indicam o acesso às políticas públicas mulheres rurais da região Oeste Potiguar. 32 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E AS MULHERES RURAIS: uma agenda em construção As mulheres têm se construído como importantes atores sociais no processo de reivindicação, pressão e elaboração de políticas públicas. A partir do período da abertura política, e mesmo antes dela, as mulheres, como sujeito político, têm pressionado o Estado e o sistema político brasileiro pela implantação de políticas de gênero que incidam nas desigualdades entre homens e mulheres. Este capítulo tratará sobre a construção da pauta das mulheres perante o Estado e da transformação destas reivindicações em agenda governamental. Propõe discutir as políticas para as mulheres, existentes no Estado brasileiro, contextualizando sua institucionalização. Para efeito de período histórico o início da presente análise será pautado no momento da abertura política pós-regime militar. Para concluir esse segundo capítulo, será feito um resgate da agenda atual do movimento de mulheres do campo e sua pauta para os governos do país. Propõe-se apresentar como as mulheres rurais da região Oeste acessam políticas públicas e em que contexto esse acesso se desenvolve na região. Ademais, será realizada uma análise do estabelecimento do Programa de Organização Produtiva a partir da literatura de avaliação de políticas públicas. 3.1 O ESTADO BRASILEIRO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POÍTICAS PARA AS MULHERES A política do Estado para responder às demandas do movimento feminista no Brasil intensificou-se no período denominado de abertura política. Em nível internacional, verificou-se em particular, que o papel do Estado na garantia de direitos intensificou-se após a segunda guerra mundial, com a noção de direitos sociais e a instituição do Estado de bem-estar social (DELGADO, 2007). Neste sentido, o Estado passa a ter um papel 32 Entende-se aqui por agenda das mulheres a síntese dos temas e propostas construída pelo feminismo. A agenda é aqui considerada como um dos conjuntos de demandas e bandeiras de lutas dos movimentos atuantes no Brasil. 72 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 definidor na regulamentação das relações sociais, através das políticas públicas. Sobre isso, Maria do Carmo Delgado afirma: Conflitos e contradições sociais ocupavam espaço na esfera pública e o Estado passou a influenciar e regular, cada vez mais, não apenas os processos de acumulação do capital, mas a intervir na mediação das relações entre as classes e os interesses dos diversos grupos e setores em disputa na sociedade. Esta dinâmica deu origem ao corpo de políticas sociais ainda hoje existentes e, em grande parte dos países capitalistas centrais, às instituições do Estado de Bem- Estar Social. Embora estas instituições e os direitos articulados pelo Estado do Bem-Estar social estejam hoje sob forte questionamento, continua sendo esta a referência fundamental, o paradigma das políticas sociais no Estado moderno (DELGADO, 2007, p.12). Resguardadas as polêmicas e contradições inerentes ao papel do Estado, fica claro que sua estrutura contemporânea tem um papel mediador e regulador dos interesses sociais. Seja nas experiências dos chamados países do capitalismo central, seja nos países considerados em desenvolvimento, o papel do Estado aponta para a promoção de políticas com referência no paradigma do Estado de bem-estar social. No caso específico das mulheres, a incidência sobre as relações hierárquicas de poder entre homens e mulheres é condicionada por fatores de ordem interna e externa, próprio das estruturas estatais. Pode-se afirmar que o Estado elabora e executa as políticas públicas considerando as relações estabelecidas entre o Estado, o mercado e a família, sem perceber que existe estágio de conflito no interior dessas instâncias. Elaboras e executas sobre determinados valores e poder de grupos sociais específicos e sobre hegemonia de determinados valores. A presença dos movimentos feministas, como sujeitos políticos tem conseguido formular questões inovadoras como demanda para o Estado. No entanto, não tem força suficiente para impor alteração significativa na lógica da ação estatal. Do ponto de vista interno da estrutura estatal, Delgado afirma: A ação de governo só se altera se, em seu interior, se organiza um núcleo com capacidade e condições de articular uma nova visão de ação pública, orientada a superar as desigualdades que estruturam as relações sociais de sexo. Capacidade e condições são dadas por vários fatores, como visto, com destaque para o grau 73 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 de integração da proposta de uma política feminista no interior do projeto político na direção do governo (DELGADO, 2007, p. 7). Já do ponto de vista externo, conforme mencionado, as políticas públicas para as mulheres estão relacionadas a fatores vinculados à conjuntura do período. Desses fatores destacam-se: a força da organização das mulheres; os ideários de grupos organizados atuando enquanto sujeitos políticos na desconstrução da agenda governamental em relação às mulheres, como os grupos religiosos e setores conservadores da sociedade. Estes, ainda determinam que as políticas estatais consideram, apenas, a família e não devem intervir nas dimensões dos conflitos existentes no seu interior. A ação do Estado sobre as relações sociais de sexo tem acompanhado o processo histórico do país. Sua intensidade e ao mesmo tempo sua intencionalidade, depende de fatores conjunturais e de como a ação governamental estrutura-se para responder às demandas. De acordo com Delgado (2007), é recente o período em que a ação do Estado incide sobre as relações sociais de sexo. Esse fato se deu em resposta às reivindicações das mulheres como sujeito político e social e coincide com uma conjuntura de mobilização questionadora do status quo. O trabalho de Sonia Alvarez (1988), ao analisar as respostas do Estado diante da emergência das mulheres como sujeito político, sinaliza que desde o final da década de 1970, até o regime democrático da atualidade, tais respostas são condicionadas à participação organizada das mulheres. Observou-se uma real reciprocidade, entre a atuação política das mulheres para reivindicar suas necessidades e a incorporação de suas demandas na agenda política nacional e na construção de políticas públicas. No Brasil, pode-se considerar que o final da ditadura, a primeira metade da década de 1980, e o período que antecede a aprovação da Constituição de 1988, foram momentos de mobilização social. Como consequência, foi possível incluir ou construir, na pauta governamental, a reorganização institucional capaz de debater as políticas públicas para mulheres (DELGADO, 2007). No que se refere a essas políticas, sua institucionalização e a participação do movimento no governo, também têm história recente. Na transição democrática, nos anos 1980, houve debates calorosos no movimento feminista. Fala-se de um momento no qual prevalecia o debate que questionava se as feministas deveriam entrar e executar as políticas para as mulheres, independente da conjuntura política do governo. As adeptas a essa posição afirmavam que era a forma mais eficaz de transformar a vida das mulheres. 74 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Nesse período, especificamente nos governos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), constituíram-se os conselhos da condição feminina. As críticas a esses conselhos logo surgiram de forma contundente: os conselhos tinham caráter híbrido, constituído por Estado e movimento. Essa composição gerava conflitos em relação a seu papel, já que se consolidou como um organismo de governo e, consequentemente, não exercia o papel de pressão e controle social. As críticas embasavam-se na ilegitimidade da representação; no fato dos conselhos não se constituírem como poder deliberativo e nos entraves e dificuldades de recursos humanos e financeiros. Todas essas críticas foram protagonizadas pelas chamadas feministas de esquerda, em sua maioria filiada ao Partido dos Trabalhadores – PT (ALVAREZ, 2004, p. 104). Em resposta a essa política e como resultado do acúmulo de debate, entre as feministas de setores da esquerda, inaugurou-se, no final dos anos 1980, novas institucionalidades. O propósito era criar organismos definitivamente estatais. Trata-se de organismos com poder deliberativo e executivo, eliminando a ambiguidade, entre movimento e Estado, gerada pelas instâncias dos governos anteriores e que, supostamente, dificultavam a autonomia dos movimentos feministas e de mulheres. De maneira a historicizar essas duas propostas, é possível especificar que antes dos debates sobre a nova constituição, no período pós-ditadura, já estavam em curso as duas propostas para a institucionalização das políticas para as mulheres. Após as eleições de 1982, o PMDB protagonizou o debate da agenda de institucionalização de gênero na ação pública. Através da prefeitura de São Paulo, tal proposta priorizava a criação de conselho da mulher, envolvendo representantes do governo e da sociedade civil. No período que sucedeu as eleições de 1982, ocorreram processos similares em outros estados, como Minas Gerais, estado também governado pelo PMDB. Sobre esse modelo de mecanismo institucional desenvolvido no Brasil concorda-se com Delgado, quando avalia tal mecanismo: A despeito da afirmativa de várias de suas proponentes, de que a proposta não se fundava na perspectiva de um organismo de representação do movimento no interior do Estado, o fato é que a ambigüidade estabelecida, na relação entre Estado e sociedade, foi marca de sua formação e do modelo que se multiplicou no país. A necessidade de criação de novas institucionalidades, capazes de incidir sobre a intervenção do Estado em relação às desigualdades entre mulheres e homens, entretanto, mobilizava opiniões em campos divergentes (DELGADO, 2007, p.3). 75 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Fica evidente que o modelo de conselhos, experimentado pela gestão do PMDB no Brasil, dificultou uma institucionalização da política baseada na elaboração e execução de políticas públicas. Mais que isso, inaugurou uma ambiguidade em relação ao papel da sociedade civil no interior do governo. Neste modelo, considerando o processo histórico desde sua implementação, o conselho da mulher é menos de pressão e controle social, e mais de legitimação de propostas governamentais. Em contraponto a esse modelo, na segunda metade dos anos 1980, foi formulada uma nova configuração de institucionalidade de políticas para as mulheres, no interior do Estado. Protagonizada pelas mulheres feministas organizadas no Partido dos Trabalhadores, a proposta consistia nos seguintes pressupostos: a) Primeiro, que a existência de um organismo ordenador, articulador e centralizador de tais políticas é elemento essencial para a construção de uma coerência do programa e da ação governamental, orientando-se às mulheres como cidadãs e à alteração no padrão de desigualdade das relações sociais de sexo; b) Em segundo lugar, de que sua alocação necessita ser em lugar estratégico para a articulação e definição das políticas dentro da estrutura do governo; c) Em terceiro lugar, que sua eficácia dependeria, também, dos instrumentos para atuação a seu alcance; d) Finalmente, as possibilidades de sucesso vinculam-se à vontade política expressa pelo núcleo dirigente do governo (DELGADO, 2007, p. 5). Esses pressupostos evidenciam a natureza da política defendida pelo chamado feminismo petista: a priorização teria o objetivo de institucionalizar as políticas para as mulheres com instância governamental com condições orçamentárias e de pessoal, em local estratégia no poder político dos governos. Considerando os dois mecanismos, fica manifesto suas diferenças: o primeiro protagonizado pelos governos do PMDB, insistia em um suposto diálogo com a sociedade, promotor do debate. No entanto, dificultava a autonomia dos movimentos e ao mesmo tempo não deixava claro as instâncias de elaboração e execução da política para as mulheres. Já a proposta construída pelo feminismo petista evidencia a necessidade de organismo, estrutura e orçamento para elaboração e execução da política, mais ainda, sobre críticas pela pouca clareza da relação com os movimentos sociais organizados ou sociedade civil. 76 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Segundo Alvarez (2004), essas novas institucionalidades propostas deveriam estar no poder executivo em diálogo constante com os movimentos sociais, sem atrelá-los ao Estado; o orçamento próprio dentro da máquina estatal seria um requisito fundamental para fortalecer seu caráter de execução; além disso, exerceriam um papel de assessoria, avaliação e coordenação de todas as políticas relacionadas às mulheres. No entanto, a maioria dos organismos responsáveis pelas políticas para as mulheres estão distante do poder central dos governos, ou são marginalizados ou subordinados e, em muitos casos, não conseguem status de ministério. É nessa conjuntura que se inicia a criação da institucionalização das políticas para as mulheres no Brasil, com o propósito de incidir sobre as desigualdades, entre homens e mulheres. Estes mecanismos foram denominados por Guzmán (2001) de instâncias de gênero no Estado. Segundo a autora, foram criados numa conjuntura específica onde ocorreram mudanças significativas. Fala-se da troca de governo ou do clima político nacional como um todo, capaz de transformar as reivindicações do movimento feminista em agenda governamental. A década de 90, registra o fortalecimento das ideologias questionadoras das políticas e direitos universais. Ao mesmo tempo, refere-se a um período em que os organismos internacionais, como a ONU, criam mecanismos e institucionalizam algumas políticas, através das conferências internacionais convocadas. A criação e redefinição dos organismos estatais, ditados pelos organismos internacionais, têm influência mais forte em países de institucionalidades frágeis (DELGADO, 2007). Em suma, os países com menor institucionalidade absorvem as políticas da ONU, muitas vezes, pouco discutidas com as mulheres. Tal ação, não tem promovido mudanças reais na autonomia dessas mulheres. Esse tipo de política propicia a imposição do Estado sobre o direito de decidir, das pessoas e da nação. Um exemplo em que o Estado pode intervir contrário à autonomia das mulheres foi o que aconteceu com a política de controle de natalidade no Peru. Com o argumento de acabar com a pobreza no País, o governo de Alberto Fujimori esterilizou, por cirurgia de ligadura de trompas 314.605 mulheres, com idade entre 15 e 49 anos, na maioria, pobres e analfabetas, como muitas indígenas residentes em áreas remotas da selva amazônica. Neste mesmo período histórico, a ênfase passou a ser a redução de gastos sociais, a privatização de serviços públicos, a redução das atividades do Estado e o 77 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 fortalecimento da transferência da responsabilidade sobre o bem-estar dos indivíduos, cada vez mais, para o âmbito do mercado e das famílias. E as políticas para as mulheres definidas nas Organizações das Nações Unidas se materializavam em políticas focais, incapazes de atender, de forma universal, as mulheres. O contexto neoliberal dos anos 1990 ocasionou o desmonte do Estado e um desencanto com a possibilidade de existirem políticas de caráter universal e redistributivas. A elaboração de políticas que objetivassem a igualdade com distribuição de renda e poder de protagonismo, neste caso das mulheres, tiveram um rebaixamento ao status de políticas compensatórias (SILVEIRA, 2004, p. 65). Uma perspectiva de política universal de igualdade sinaliza a construção de cidadania realmente democrática do ponto de vista da redistribuição, e isso se confrontava com o projeto neoliberal em curso. Por um longo período no Brasil, a inclusão das mulheres é colocada como a principal política de gênero. Este tema encontra-se nos discursos e na política do Estado em diferentes esferas. Mesmo considerando que uma política de inclusão é importante em um contexto excludente, isso não pode significar a restauração das políticas neoliberais de caráter compensatório sem uma articulação com a universalidade e que possibilite uma prática cidadã que fortaleça sujeitos sociais (SILVEIRA, 2004, p. 68). Considera-se, nesse caso, que a política de inclusão social das mulheres não pode substituir as políticas sociais universalizantes, conforme propagado pelo modelo neoliberal. Nesse contexto, muitas vezes, essas políticas podem tornar-se armadilhas para a construção de uma efetiva cidadania para as mulheres. Isso significa afirmar que o arcabouço da inclusão é insuficiente. Nem sempre essas políticas visam alterar a lógica das desigualdades ao colocarem as mulheres diante da sociedade, com um papel de subordinação (SILVEIRA, 2004, p.67). A questão aqui colocada é o questionamento das políticas focais, necessárias, apenas, em determinadas situações emergenciais como fome coletiva ou falta de água. A estruturação de políticas públicas para incidir sobre as relações desiguais de homens e mulheres deve se pautar na transformação da realidade de opressão a que estão submetidas as mulheres, tendo como referência a universalidade de acesso. A formulação de políticas públicas de gênero, bem como sua avaliação, deve recuperar o protagonismo das mulheres e buscar um diálogo cotidiano com suas demandas. Neste sentido, recolocar as mulheres como sujeito das políticas, significa estabelecer espaços de debates para definir estratégias de transformação dos organismos de políticas para as mulheres nos governos democráticos. Essas interlocuções devem ter legitimidade 78 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 para elaborar e negociar as pautas políticas e articular as políticas públicas prioritárias (SILVEIRA, 2004, p. 68-9) Com isso, afirma-se que as políticas não são neutras e que o Estado, mesmo quando não executa políticas para promover a igualdade de gênero, interfere nas relações sociais de gênero. Por um longo período, e ainda hoje, o Estado brasileiro trata a elaboração da política pública tendo a família como interlocutora principal. No entanto, não conseguiu, neste percurso, diagnosticar que no interior da família existe a cooperação, mas existem, notadamente, conflitos de interesse e poder, distribuídos de forma desigual entre os membros, como bem argumenta Sen (2000). Assim sendo, as políticas públicas impactam diferentemente homens e mulheres, já que a socialização e a relação de poder no interior da familiar são desiguais. Portanto, construir canais de interlocução com as partes interessadas, neste caso, as mulheres, em busca de atender a pauta política do setor, é um elemento definidor para uma política transformadora. Existe uma notória comprovação de que as feministas têm conseguido incorporar as resoluções das políticas de gêneros nos tratados internacionais. Porém, ainda existe um baixo grau de aplicação pelos governos das plataformas internacionalmente acordadas nas instâncias de discussão e nos organismos internacionais, especificamente nos fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas diversas avaliações das 33 Conferências, como Pequim +5 e +10 , conclui-se a real dificuldade dos tratados tornarem-se políticas públicas e mais ainda, de serem acessadas pelas mulheres nos diversos países. Como decorrência desta dificuldade, as políticas de gênero apresentam como um de seus grandes desafios, buscar apoio político nas diversas esferas de governo para a concretude das ações (SILVEIRA, 2004). Principalmente porque se percebe que os organismos institucionais responsáveis pela política de gênero têm se institucionalizado com dificuldades financeiras e de recursos humanos. De acordo com estudos comparativos dos organismos institucionais nacionais na América Latina, pode-se perceber que essas instâncias possuem características semelhantes e se confrontam com as mesmas limitações. Tendem a ter recursos humanos e financeiros limitados e inadequados para elaboração, execução e avaliação de políticas públicas; o espaço que ocupam, em geral, lhes fornece 33 Nomenclaturas dadas ao processo de avaliação da conferencia de Pequim após cinco anos e após dez anos. Também conhecida como conferencia das mulheres realizada em 1995. 79 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 pouco poder no governo; seus canais de interlocução com a sociedade civil, e com o movimento de mulheres, são insuficientes (ALVAREZ, 2004). Na experiência brasileira, precisamente nas esferas estaduais e municipais, a maioria dos organismos responsáveis por promover a política para as mulheres está vinculada à secretaria de assistência social, em conjunto com as políticas para as minorias, consideradas excepcionais. Segundo Soares (2004), não é por acaso que as coordenadorias estão neste espaço. O que é transmitido como mensagem para a sociedade é; que ser mulher com direitos é excepcional. Uma ideia que a hierarquização de poder que existe entre homens e mulheres não se configura como algo estruturante na sociedade. A partir de 2003, inaugura-se no Brasil uma nova institucionalidade para as políticas de gênero com a chegada do PT no Governo Federal. Como o PT conseguiu elaborar um programa de políticas para as mulheres, resultante dos debates internos e do feminismo petista, o governo brasileiro, pela primeira vez, experimenta uma institucionalidade na qual o organismo de política para as mulheres se estabelece com status de Ministério. Considerando a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres em 2003, com status de Ministério, é possível avaliar que existe uma intencionalidade na construção de políticas estruturantes. Políticas essas, capazes de incidir sobre as relações desiguais de poder existentes na sociedade e onde as mulheres são consideradas como sujeitos de direito. A construção do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, elaborado em 2004, é resultado da mobilização de 120 mil mulheres, em todo o País, das Conferências Municipais e Estaduais, e elegeram 1.787 delegadas para a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004. O I PNPM expressa às reivindicações das mulheres, transformadas em orientação para a ação do Estado. É fruto de um largo diálogo com os movimentos sociais de mulheres, no qual se ampliou a legitimidade dessa política, perante os espaços de poder no interior do governo. Sonia Alvarez (2004), ao pautar os desafios para essa política e para os organismos estatais, afirma que há uma diferença crucial na intencionalidade política expressada nos governos ditos de esquerda, em fortalecer a cidadania e promover o direito das mulheres. No entanto, segundo a autora a presença ou ausência de vontade política em si, não supera o problema da institucionalização das desigualdades de gênero e dos 80 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 34 privilégios masculinistas na esfera pública. Em certa medida, isso explica a profunda resistência que as gestoras feministas enfrentam ao tentarem negociar recursos e políticas que promovam a igualdade. Para além das leis de negociação de recursos no primeiro escalão, essas gestoras duelam com as funcionárias e funcionários do quinto escalão do governo que dificultam procedimentos simples do cotidiano. Essa profunda institucionalização das desigualdades de gênero explica várias das dificuldades e impedimentos de se instituírem políticas estruturantes (ALVAREZ, 2004, p.109). Neste universo, constata-se que o êxito da política de gênero, mesmo em governos com intencionalidade política depende, em certa medida, da capacidade das gestoras feministas em negociar do primeiro ao quinto escalão, tentando driblar a burocracia gigantesca, fortalecida pela institucionalidade do masculinismo na gestão pública. Considerando os desafios de elaboração e execução das políticas de promoção da igualdade entre homens e mulheres, faz-se fundamental a ação dos movimentos de mulheres como sujeitos políticos. Fortalecer a pressão sobre o Estado, para ampliar a cidadania das mulheres, é tarefa primeira para a institucionalização de uma política capaz de transformar a vida das mulheres e deve ser a agenda do movimento de mulheres organizado. Durante os diversos contextos históricos, as pautas das mulheres como sujeito político coletivo – o movimento de mulheres – constituíram-se como um ponto de tensão com o Estado. As reivindicações põem em cheque a estrutura masculinista desenhada no interior do Estado, em consonância com a sociedade e seus valores. É com base nesta leitura que o tópico seguinte, será iniciado com uma análise da relação entre Estado e pauta do movimento feminista e finalizado com a demanda específica das mulheres rurais como sujeitos da ação do movimento. 3.2 A AGENDA DAS MULHERES RURAIS PARA O ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS Sobre a atuação das mulheres como sujeitos políticos, Farah (2004) afirma que a partir dos anos 1970, podem ser identificados dois períodos importantes: o primeiro denominado momento de democratização, no qual predominava a reivindicação por 34 Masculinismo é um termo utilizado por Alvarez (2004), para expressar a institucionalização do poder masculino na esfera estatal. 81 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 ampliação da participação nos espaços decisórios e, num segundo, a ampliação das políticas para entrada de novos seguimentos como usuários da política pública. A proposta dos movimentos sociais urbanos defendia uma descentralização e a participação da sociedade civil na formulação e implantação das políticas públicas. Na construção da agenda dos movimentos, pode-se identificar duas preocupações recorrentes, “implementar mudanças não apenas no regime político, mas também no nível da ação do Estado” (FARAH, 2004, p. 50). No segundo momento, como parte da reivindicação de novos seguimentos como usuários da política pública, a participação das mulheres deu-se a partir dos movimentos sociais, com pautas que diziam respeito à classe de trabalhadores e trabalhadoras urbanos, cujas reivindicações eram por melhores salários, elevação do nível de vida e questões relativas à infraestrutura. As mulheres organizadas aliaram ao tema da desigualdade, pautas específicas. Nas palavras de Farah: Os movimentos sociais urbanos organizavam-se em torno de questões como falta de água e de saneamento nas periferias urbanas e de reivindicações por equipamentos coletivos como escolas, creches e postos de saúde. Ao mesmo tempo que denunciavam as desigualdades de classe, os movimentos de mulheres – ou as mulheres nos movimentos – passaram a levantar temas específicos à condição da mulher como direito a creche, saúde da mulher, sexualidade e contracepção e violência contra a mulher (FARAH, 2004, p. 51). De acordo com os escritos da autora, as mulheres foram parte de toda a agenda dos movimentos sociais durante a abertura política. Sua atuação com pauta própria foi forjada durante a militância nos movimentos sociais. A pauta deste período, ainda atual nos dias de hoje, reflete a necessidade do Estado ser reestruturado para tornar-se capaz de elaborar e promover políticas públicas que incidam nas relações sociais de sexo. Reivindicações por creches públicas e as propostas relativas ao planejamento familiar estão presentes nas bandeiras daquele período e ainda permanecem na atualidade. Além disso, é importante reafirmar o que a autora analisa nos seus estudos, sobre “a maneira como as reivindicações políticas específicas de gênero serão incorporadas às novas instituições políticas e planos públicos do novo regime” (FARAH, 2004, p. 317). Muitas vezes, a pauta é transformada em política que instrumentaliza as mulheres e reforça seu papel tradicional de mãe. Hoje, percebe-se que essa preocupação é pertinente, na medida em que o Estado institucionaliza programas que reforçam a funcionabilidade das 82 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 relações de poder entre homens e mulheres. Como exemplo, cita-se os programas Mães 35 pela Paz e Mães Cuidadoras . Para evitar que as reivindicações das mulheres sejam absorvidas pelo Estado sem considerar as relações de poder entre homens e mulheres, é necessário uma disputa cotidiana dentro e fora do Estado. Segundo Alvarez (2004), as mulheres, até o presente momento histórico, não participaram de forma hegemônica nos espaços de decisão estatal. Esta afirmação pode ser reforçada com o que diz Delgado (2007), quando afirma que as relações sociais de sexo compõem a estrutura de poder ideológico existente na sociedade e são coexistentes com as demais estruturas como relações de classe e raça-etnia. Essas estruturas, em última instância, orientam as instituições estatais e fundamentam seu poder. “No entanto, tal articulação não é estática e responde ao embates sociais e políticos em jogo na sociedade” (DELGADO, 2007, p.52). Se as relações sociais determinam a grade estrutural e ideológica que direcionam as ações estatais, logo podemos deduzir que as ações estatais são determinadas pelas correlações de força que existem na sociedade. No caso das mulheres, as relações sociais de sexo. Como a própria autora afirma, tais relações não são estáticas e dependem das lutas sociais coexistentes na sociedade em determinado contexto histórico. No início dos anos 1990, no começo do neoliberalismo na América Latina, a pauta apresentada ao poder público exigia uma resposta considerando as novas demandas e os novos temas, fruto da crítica da relação de poder, estabelecida, entre homens e mulheres, ou do questionamento da desigualdade, entre mulheres e homens. Essa pauta inicial e ao mesmo tempo inovadora provocaria o repensar institucional do Estado. Sua suposta “neutralidade”, como propositor, articulador e responsável pelos interesses públicos, vai sendo desvelada e substituída por um olhar crítico sobre esta desigualdade específica, neste caso, vivenciada pelas mulheres. A cobrança em forma de exigência organizada pelas mulheres, como sujeito político, para que o poder público atue buscando incidir sobre as relações sociais de sexo, 35 Mães cuidadoras é uma categoria implementada dentro do programa de Atendimento Domiciliar realizados em alguns hospitais universitários como é o caso do Hospital das Clínicas da UFMG. O Programa foi implantado no setor da Pediatria no ano de 2001, inicialmente sob a forma de terceiro ano de residência em pediatria, estando, desde então, ligado ao setor. A literatura médica enfatiza o Home Care, modalidade de atendimento na qual os recursos do hospital são levados pra casa, para que o paciente possa receber o tratamento junto de sua família e na totalidade dos casos os cuidados são destinados às mães; Mulheres pela paz é um programa desenvolvido pelo Ministério da Justiça. Mesmo tendo o objetivo de promover as mulheres como agentes, no entanto, as colocam como responsáveis por promover a paz nas comunidades consideradas conflituosa nas grandes cidades. Ou seja, instrumentaliza as mulheres para resolver um problema que é de responsabilidade do Estado. 83 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 passa a basear-se na demanda concreta pela alteração das relações de poder e pelo acesso a direitos em suas dimensões, social e política (DELGADO, 2007). No interior do movimento feminista, no início dos anos 1990, ampliava-se a hegemonia do discurso de ação nos espaços institucionais. Neste discurso, predominava a ideia de fazer o possível, sem pretender realizar mudanças estruturais. A partir desse posicionamento, a maioria do movimento priorizou como agenda, a participação no ciclo de conferências da Organização das Nações Unidas, iniciada com a ECO 92, no Rio de Janeiro. Em 1995, com a realização da IV Conferência da Mulher, em Pequim, ocorreu um envolvimento intenso de grande parte do movimento feminista. Como resultado, o evento teve impacto em amplos setores da sociedade, seja no movimento feminista, ou em outros setores não feministas. O evento tornou-se uma referência para a academia, movimentos sociais e governos. De acordo com Faria: A IV Conferência da Mulher impactou o movimento feminista em dois aspectos importantes: na dinâmica política e nos processos organizativos: [...] do ponto de vista da dinâmica do movimento, na segunda metade dos anos 1990, as ações foram direcionadas para consolidar os chamados avanços das conferências por meio dos processos de lobby, monitoramento e consultorias, em particular das ONGs. [...] Do ponto de vista organizativo, nesse período acirrou-se um problema anterior do movimento de mulheres, cuja fragmentação e a inexistência de espaços consolidados de democracia interna permitiram a uma ONG ou a uma “feminista histórica” assumir a legitimidade para falar em nome do movimento ou até das mulheres em geral, colocando-se, portanto como intermediária do movimento em relação ao Estado e às organizações multilaterais (FARIA, 2005, p.19-20). A dinâmica pós-conferências foi marcada por um discurso triunfalista do setor do feminismo que considerava um grande êxito os temas das mulheres estarem inscritos nessas plataformas. A agenda, para este setor, giraria em torno do monitoramento das recomendações da Conferência, a partir da implementação de políticas públicas. No entanto, tratavam-se apenas de políticas focais, sem questionar o caráter do Estado nos marcos do neoliberalismo. Já do ponto de vista organizativo, ampliou o poder das ONG e das chamadas feministas históricas. Cada vez mais, o movimento distanciava-se de uma política democrática e ampliava a legitimidade destes setores nas relações institucionais com a 84 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 ONU, com os poderes legislativos e executivos dos países integrantes da Organização das Nações Unidas. Ainda neste contexto dos anos 1990, o movimento latino-americano foi hegemonizado por um setor do feminismo que, inicialmente, não conseguia fazer uma crítica incisiva ao processo de globalização neoliberal. O processo de globalização era avaliado como irreversível e percebido a partir de suas implicações benéficas e maléficas para a vida das mulheres. A argumentação baseava-se na ideia de que Estados nacionais haviam perdido seu poder de definir políticas. Diante disso, analisava a globalização a partir dos impactos causados e não do questionamento de sua lógica neoliberal e agudização da desigualdade ou da busca de sua superação. Isso fazia com que os olhares para o processo fossem direcionados a partir dos aspectos positivos e negativos, e não a partir da construção das estratégias para transformações gerais. Houve o “deslocamento de um debate mais geral sobre as mudanças, até mesmo no plano ideológico, para um debate no campo apenas da normatização dos direitos e das propostas de políticas públicas” (FARIA, 2005, p.17). No entanto, segundo a autora, com a ofensiva neoliberal, quem passou a definir a vida das mulheres foi o mercado. Neste período, existia um consenso político de parte da sociedade civil organizada de que a ordem social exigia a construção de parcerias e não mais transformações gerais ou contestações de rua. No Brasil, durante toda a década de 1990, houve um esvaziamento das manifestações públicas. Um exemplo são as manifestações ocorridas no dia 8 de março. Sua realização tornou-se um fardo para parte do setor do movimento feminista, que vivenciava a dificuldade de articular ações de rua, pelo fato de se voltarem a uma agenda de monitoramento de políticas e diálogo com as instituições. Neste período, o movimento feminista, hegemonicamente, acompanhava a tendência do movimento em nível internacional. Transformou-se em especialista em monitoramento de políticas públicas, sem questionar se tais políticas eram universalizantes, ou se constituíam apenas políticas focais. Promoveram um debate cujo epicentro era a implementação de políticas compensatórias, sem a preocupação em discutir estratégia de como construir transformações do atual modelo de desenvolvimento, capaz de transformar a esfera produtiva e reprodutiva. 85 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Em 2000, inicia-se uma nova agenda do movimento feminista frente ao Estado. 36 A construção da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), coloca-se na contramão da agenda de Conferências da ONU e rompe com a dinâmica do movimento feminista imposta por essas conferências. A construção da MMM Brasil, em 2000, foi o marco da retomada das ações de rua do movimento feminista, com crítica ao atual modelo capitalista e androcêntrico. Em adesão à Marcha Mundial das Mulheres, aconteceu a primeira edição da Marcha das Margaridas, realizada pelas mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), com mais de 20 mil mulheres nas ruas de Brasília, questionando o modelo de desenvolvimento em curso no país. Essa é a maior manifestação nacional de rua, organizada pelas mulheres, registrada pela história do Brasil, até então. Notadamente, com as lutas das mulheres rurais, as bases do movimento feminista foram fortalecidas. No meio rural o feminismo é construído por diversas frentes: igrejas progressistas, como a teologia da libertação, sindicatos, especialmente o setor rural da CUT, além de outros movimentos mistos. Desde meados dos anos 1980, a luta das trabalhadoras rurais ganha roupagem de movimento e amplia os espaços políticos. Dito de outra maneira, as mulheres rurais iniciam suas reivindicações com pauta concreta: sindicalização e participação política, documentação e direitos previdenciários. Segundo Deere (2004), nos anos 1980, os sindicatos filiados a CONTAG, defendiam em seus documentos, que somente uma pessoa por família poderia ser membro de sindicato, como no atual modelo de agricultura. O homem é considerado chefe de família e seu legítimo representante. Tornou-se “natural” sua filiação e por exclusão, a negação da sindicalização das mulheres. Além disso, as mulheres não eram consideradas como trabalhadoras da agricultura, seu trabalho era tratado como ‘invisível’, tanto na esfera produtiva – roçado –, como no trabalho do cuidado ou reprodutivo – casa. Conforme a autora, em algumas realidades como no Nordeste, líderes sindicais argumentavam contrários a sindicalização, afirmando que as mulheres não eram trabalhadoras rurais. Uma vez que elas eram dependentes de seus maridos não necessitariam juntar-se aos sindicatos (DEERE, 2004). Sobre esse assunto, vejam o que diz a autora quando explicita a perda de direitos ocasionada pela não sindicalização das mulheres rurais: 36 É importante mencionar a referencia da construção da MMM já que é o movimento citado por todas as entrevistadas e considerado o movimento responsável pela mobilização social das mulheres na região Oeste. 86 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Uma vez que os sindicatos eram a principal fonte de assistência à saúde em áreas rurais, a exclusão de mulheres dos sindicatos significava que as mulheres chefes de família estavam em forte desvantagem. As mulheres também estavam em desvantagem em termos de benefícios de aposentadoria, já que somente uma pessoa por família era qualificada para tais benefícios, o chefe de família. Além disso, considerando que os trabalhadores recebiam 50% do salário mínimo na aposentadoria, suas viúvas recebiam uma pensão de sobrevivente, o equivalente a 30% (DEERE, 2004, p.180). A sindicalização, neste sentido, seria a porta de entrada para que as mulheres rurais pautassem a conquista de novos direitos, sobretudo os previdenciários, a participação política, a busca de cidadania e a constituição como agentes do desenvolvimento. Só em 1985, no IV Congresso da CONTAG, as questões das mulheres rurais foram seriamente tratadas. Em um fórum nacional do movimento dos trabalhadores foi debatido e, posteriormente, conquistado o direito a sindicalização. Era o início de uma luta para trilhar o caminho da participação política. Outra reivindicação da época era a documentação e o direito previdenciário. Com a constituição de 1988, ampliou-se a cidadania das mulheres rurais, notadamente no artigo 226, §5°, onde foi reconhecida a igualdade, entre homens e mulheres na família. No artigo 189, parágrafo único, foi estabelecida a igualdade de direitos entre homens e mulheres na obtenção de título de domínio ou de concessão de uso de terras para fins de reforma agrária. Para o meio rural, essa ocorrência significou a conquista do direito a terra e o início de outros direitos conquistados na década seguinte. Contudo, a conquista formal não aumentou o índice de beneficiárias na reforma agrária, nem tão pouco o acesso aos direitos previdenciários, como licença maternidade e aposentadoria. Foi necessário, ainda, uma sequência de lutas para tais direitos se efetivarem no cotidiano das mulheres. Segundo Deere (2002), a conquista do direito das mulheres a terra não era a principal prioridade de nenhum dos movimentos sociais rurais e, [...] embora a participação das mulheres nos movimentos rurais continuasse a crescer nesse período, o tema, na maioria dos encontros e congressos nacionais, era apenas um entre vários outros. Também as prioridades do movimento autônomo das trabalhadoras rurais eram tão difusas e variadas quanto às apresentadas pelos sindicatos (DEERE, 2002, p.112). 87 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 A afirmação da autora justifica-se quando percebe-se que nos documentos dos movimentos rurais da época, essa temática não é registrada como prioritária. A CONTAG, a CUT, MMTR, buscavam responder demandas mais urgentes consideradas na ordem do dia, no que se refere às questões das mulheres. Isso significava lutar pelo reconhecimento da profissão da trabalhadora rural com o propósito de acessar os benefícios da previdência social, conquistados na constituição de 1988. Dialogando sobre as prioridades do movimento pós-constituição, Deere (2002) afirma compreender a decisão do movimento de buscar o reconhecimento da profissão da trabalhadora rural. No entanto, o mesmo autor afirma que durante um longo período a luta pela terra para as mulheres acabou sendo silenciada pelos diversos movimentos. Como já mencionado, a partir do reconhecimento profissional na Constituição Federal de 1988, as mulheres rurais passaram a ter os direitos previdenciários. Sua implementação, materializada pela aposentadoria, foi o que mais impactou positivamente a sociedade brasileira. Antes, somente o homem se aposentava, mesmo que com meio salário mínimo. Assim sendo, com o reconhecimento da profissão, as mulheres passam a ter direito à aposentadoria e à vinculação da aposentadoria ao salário mínimo. Além disso, conquistam o auxílio e o salário maternidade. Refere-se aqui, a conquistas notadamente específicas, que impactaram de forma universal a sociedade e contribuíram para dinamizar a economia em cidades de pequeno porte, alterando positivamente a vida no campo. Essas demandas, presentes na agenda das mulheres rurais transformaram-se em conquistas importantes do ponto de vista de políticas públicas para as mulheres. Ademais, o direito à documentação pessoal e profissional às mulheres trabalhadoras rurais, bandeira de seus movimentos autônomos, vem sendo viabilizado através do Programa de Documentação da Trabalhadora Rural. Na conjuntura atual, o movimento das mulheres no campo tem protagonizado a luta pela autonomia econômica. Disso decorrem reivindicações como acesso à propriedade da terra, a luta por reforma agrária, crédito, organização produtiva, comercialização, assistência técnica. No Brasil, a Marcha das Margaridas, desde sua primeira edição, pautou o governo por mudanças no atual modelo de desenvolvimento, com temas estruturantes para a vida das mulheres. Na edição de 2011, as reivindicações estiveram ancoradas nos seguintes eixos: desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e 88 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 liberdade; biodiversidade e democratização dos recursos ambientais; terra, água e agroecologia; soberania e segurança alimentar e nutricional; autonomia econômica, trabalho e renda; educação não sexista, sexualidade e violência; saúde e direitos 37 reprodutivos . Nessa luta das trabalhadoras rurais, notam-se avanços em aspectos fundamentais, como o acesso à terra. Por outro lado, houve também, uma inflexão do Estado brasileiro, através do reconhecimento das reivindicações dos movimentos sociais de mulheres. A divulgação dos dados do PNAD 2008, demonstra que em 2002, a média de titulação do lote em nome da mulher era de 13%. Com o fortalecimento da Marcha das Margaridas e com o compromisso firmado nas audiências por parte do poder público, houve um aumento em 2006, quando esse índice media 25,6%. Em 2007, atingiu 55% de titularidade em nome da mulher. Sabe-se que só a titulação não basta. A autonomia das mulheres rurais se relaciona com outras questões como assistência técnica, reforma agrária, crédito, documentação, organização produtiva. Fazer com que essas políticas cheguem a todas as mulheres é um desafio que a Marcha das Margaridas quer alcançar. O reconhecimento das atividades e organização produtiva das mulheres, a participação e o poder de decisão em todas as etapas do processo produtivo e na comercialização e políticas de apoio à produção e comercialização, passaram a integrar à plataforma política e à pauta de reivindicações. Em 2007/2008, o governo respondeu a reivindicação com a criação do programa de organização produtiva, antecedido do programa de documentação da trabalhadora rural, pauta de todas as edições da Marcha das Margaridas. Outro campo de articulação são as mulheres da Via Campesina, que constroem pautas estruturantes de contestação ao modelo e com manifestações importantes internacionalmente como foi a manifestação unificada proposta pela Via Campesina em 8 de Março de 2006. Essa manifestação, organizada pelas mulheres do MMC e MST, contou com a participação de aproximadamente duas mil mulheres. A realização da ocupação do horto florestal da empresa Aracruz Celulose, em Guaíba/RS, teve o objetivo de denunciar as consequências sociais e ambientais do avanço do “deserto verde” criado pelo monocultivo de eucaliptos. Em 2007, as mulheres da Via, notadamente do MST, pautaram 37 2011 foi a terceira edição da Marcha das Margarida. A primeira foi em 2000 com a adesão das mulheres rurais da CONTAG a Marcha Mundial das Mulheres; A segunda foi em 2007, com a participação de cinquenta mil mulheres e com pauta especifica para as mulheres rurais. O governo, em todas as Marchas mobiliza-se para responder as demandas das mulheres com ações e fortalecimento de programas direcionados as mulheres rurais. Das três edições, a de 2011 teve uma maior pressão sobre a autonomia econômica das mulheres. 89 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 o questionamento ao “agronegócio e em defesa de um projeto de agricultura camponesa, que respeite a natureza, produza alimentos para o autosustento, conserve a biodiversidade e promova a soberania alimentar” (SILIPRANDI, 2009, p.04). Sobre demanda de políticas públicas, as mulheres da Via Campesina têm pautado o governo, reivindicando questões estruturantes e também protagonizam a luta das mulheres rurais do Brasil, levantando temas como o crédito, reforma agrária e soberania alimentar. Na agenda das mulheres do campo, é importante ressaltar que nos diversos setores políticos, há a construção de uma plataforma capaz de contemplar a pauta específica e, ao mesmo tempo, as mudanças estruturantes. O tema da reforma agrária e a crítica ao latifúndio, à questão ambiental e da água, a ampliação da infraestrutura no campo e a garantia de políticas públicas, tais como saúde e educação, são parte de sua agenda. Um aspecto muito positivo é que não invisibilizam a questão da violência sexista, nem as reivindicações por igualdade, entre homens e mulheres (FARIA, 2009, p. 25). Em resposta às demandas apresentadas pelas mulheres rurais nas suas diversas articulações, o governo brasileiro, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário cria, em 2003, a Assessoria Especial para Promoção à Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (AEGRE). O objetivo da AEGRE é efetivar o desenvolvimento de políticas públicas que promovam os direitos econômicos das trabalhadoras rurais. O apoio à produção, o acesso a terra e a cidadania são ações promovidas por essa assessoria. Em consonância com seus objetivos de estimular a autonomia econômica das mulheres, em 2003, a AEGRE, criou a linha de crédito para as mulheres rurais, o PRONAF Mulher (MDA, 2003). De acordo com documentos do governo, em 2003, dá-se início a uma nova institucionalidade no que se refere às políticas para as mulheres rurais, caracterizada pela participação social, qualificação dos programas existentes e da criação de novas políticas públicas para a efetivação da cidadania e promoção da autonomia econômica das mulheres trabalhadoras. As ações desenvolvidas pela AEGRE/MDA, contemplam os direitos a terra, documentação civil, crédito, assistência técnica, apoio à organização produtiva e enfrentamento da violência contra a mulher do campo. Nesse contexto, compreender como ocorre o acesso dessas políticas conquistadas, é uma tarefa tão importante como analisar sua reivindicação e elaboração. É considerando esse pressuposto que no tópico seguinte, serão analisados os artifícios necessários para a busca do acesso às políticas públicas na região Oeste. Para tanto, serão 90 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 narrados os aspectos do processo organizativo que contribuíram para essa ação na região oeste Potiguar. 3.3 O ACESSO DAS MULHERES ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO OESTE POTIGUAR Para analisar o acesso das mulheres às políticas públicas na região Oeste é necessário apresentar os processos que precederam e condicionaram a região, a ser considerada por movimentos feministas, órgãos governamentais e setores da academia, como uma das que teve grande número de acessos em comparação as demais microrregiões do estado e do país. Mesmo correndo o risco de deixar lacunas políticas e históricas na análise, objetiva-se elencar os principais fatores que contribuíram para o acesso das mulheres às políticas públicas, especificamente as ofertadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. 3.3.1 O processo organizativo das mulheres no Oeste Potiguar No caminho de acesso às políticas públicas existe uma longa estrada de organização das mulheres rurais da Região Oeste Potiguar. Segundo Alves (2007), essa região destaca-se pelo movimento de mulheres rurais, que se desdobram em organizações locais, territoriais, estaduais, nacionais, com articulações internacionais. Trata-se de um cenário marcado por uma organização feminista de base popular que se nutre da articulação nacional e internacional pela sua integração à Marcha Mundial das Mulheres. Pode-se afirmar que a Região Oeste Potiguar tem se constituído como referência na organização das mulheres. Seja na mobilização social, onde registra mobilizações de repercussão nacional e internacional, seja no acesso às políticas públicas. O Rio Grande do Norte é um dos estados com os maiores índices de acesso ao crédito, e os números da região oeste foram o principal responsável para que o estado ocupasse em 2005, o 2º lugar, perdendo apenas para o Rio Grande do Sul. A coordenação oeste de trabalhadoras rurais, a Rede Xique-Xique, as comissões de mulheres do STTR, os grupos de bases e ONGs são exemplos de organizações das trabalhadoras rurais que contribuíram para a efervescência política e organizativa da região. Essas organizações formam redes, fóruns, núcleos que mantém uma 91 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 dinâmica organizativa na região. Todas essas instâncias de organização das mulheres rurais são articuladas na Marcha Mundial das Mulheres. O pertencimento desses grupos à Marcha Mundial constituiu uma nova estratégia de organização e de luta por políticas públicas. Sobre isso, concorda-se com os escritos de Medeiros (2008), quando afirma: (...) a construção da Marcha Mundial das Mulheres possibilitou a Mossoró e Região Oeste a ampliação do feminismo, a construção de um feminismo popular, militante e articulado com as lutas anti-globalização, pois até 2000 já existiam alguns grupos de mulheres organizados debatendo organização, direitos, associativismo, saúde da mulher, sexualidade, violência contra a mulher, dentre outras temáticas. No entanto esse trabalho realizado era muito localizado, não fazendo muita conexão com as lutas globais. A idéia era que os grupos de mulheres se organizassem, conhecessem seus direitos, participassem da associação, sindicato e cobrassem o funcionamento das políticas públicas (MEDEIROS, 2008, p.17). A autora confirma o que foi verificado na pesquisa de campo: as mulheres da região oeste, após a articulação na Marcha Mundial das Mulheres estabeleceram uma nova forma de fazer movimento na região, articulando o local com o global e transformando a luta individual em um desafio coletivo. Isso significa que a falta de água, violência contra as mulheres, ausência de crédito, falta de terra, de renda, deixou de ser um problema de uma ou duas mulheres da comunidade. Transformou-se em pauta coletiva, de um movimento social que teve força organizativa e mobilizadora, para alterar a realidade das mulheres rurais da região. A partir das experiências de auto-organização das mulheres trabalhadoras rurais, podem ser observadas conquistas políticas e de direitos, tais como: a participação das mulheres nos sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais e nas associações locais (antes não era permitido às mulheres se associarem), a realização de projetos produtivos coletivos como o cultivo de hortaliças agroecológicas, criação de abelhas, caprinos e ovinos, dentre outras potencialidades descobertas nas vivências coletivas. Elas também representam o maior número de coletivos de militantes da Marcha na região. Sobre a importância da organização das trabalhadoras rurais na Região Oeste, Medeiros (2008) afirma: 92 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 As trabalhadoras rurais na região Oeste são símbolos de luta e resistência. Estas estão presentes nas lutas dos municípios e região por políticas públicas voltadas para o campo e para superação das desigualdades entre homens e mulheres, como a reforma agrária, soberania alimentar, titularidade conjunta da terra, documentação da trabalhadora rural, crédito e assistência técnica voltada para as mulheres (MEDEIROS, 2008, p. 20). Tanto Medeiros (2008), como Alves (2007) afirmam que as mulheres rurais da Região do Oeste têm aglutinado força e marcado presença nas mobilizações, sejam locais ou nacionais. A Marcha das Margaridas e a Marcha Mundial das Mulheres são exemplos de movimentos que têm na região oeste uma grande representatividade em suas ações nacionais. O retorno dessa articulação é, sem dúvida, recíproco. Nos termos marxistas, essa dinâmica pode ser considerada dialética: as que fazem parte dos grupos locais, ao se deslocarem para eventos e capacitações têm o compromisso de serem multiplicadoras das informações adquiridas e retroalimentam a luta local. Ao mesmo tempo, os movimentos nacionais nutrem-se e reelaboram sua ação considerando a experiência das mulheres rurais do Oeste Potiguar. Sobre essa dinâmica, Alves (2007) afirma: [...] tratar-se de uma região na qual há um nível de organização e participação significativo, é grande o fluxo de mulheres para esses encontros, o que tem uma repercussão bastante positiva nas localidades, estimulando o crescimento e amadurecimento dessa forma de organização (ALVES, 2007, p.41). Com essa afirmação, fica evidente a importância que a organização das mulheres rurais da Região Oeste tem para os movimentos nacionais, já que as mulheres da região são constantemente convocadas para eventos e mobilizações nacionais. Por isso contribuem com esses movimentos em nível nacional. Percebendo a dinâmica construída pelas mulheres na região Oeste, é fácil concordar com Sen (2000), quando afirma que fatores aparentemente diversos criam as condições para as mulheres se tornarem agentes do desenvolvimento. A organização das mulheres transforma a situação onde eram receptoras passivas de auxílio, para um papel de agentes ativas do desenvolvimento, capazes de transformar suas vidas, a dos homens e da comunidade. Essa condição de agentes passa a alterar diversos aspectos do bem-estar das mulheres, como: conquistar as competências de conseguir renda no mercado; estudar e ter direito a propriedade. Esses aspectos, 93 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 aparentemente diversos, constroem a capacidade das mulheres de ampliar seu poder na comunidade e no interior da família. E tem uma contribuição decisiva para fortalecer a condição de agentes das mulheres, através do bem-estar e da conquista de poder. Nessa transformação das mulheres de receptoras passivas para agentes ativas do desenvolvimento, o Centro Feminista 08 de Março tem cumprido um papel importante, desde sua fundação e de maneira especial a partir do ano 2000. O CF8 assumiu como ação prioritária institucional a articulação e a construção da MMM, aglutinando as demandas cotidianas em lutas coletivas e contribuindo para o processo de organização e conquista das reivindicações. Para retratar tal importância, vale citar Beaulieu (2007, p.6), quando afirma a importância do CF8 na consolidação da MMM em nível local, nacional e transnacional: La MMM en la región Oeste de Rio Grande do Norte: Voy a abordar esta cuestión mediante el estudio de caso de la intervención del Centro Feminista 8 de Março (CF8), una organización situada en la pequeña ciudad de Mossoró, en la región Oeste del estado del nordeste brasileño, Rio Grande do Norte (RN). Gracias al trabajo de concienciación, de organización y de movilización del CF8, la MMM está bien implantada y muy activa en la región de RN. Esta región es, de hecho, una de las más activas de la MMM en Brasil y el CF8 es una de las pocas organizaciones que comenzaron un proceso de modificación de su radio geográfico de acción para apoyar a la organización nacional en la medida que se comprometen con los procesos transnacionales. Así pues, este caso, no es representativo de la organización local de la MMM en el conjunto de un país, donde el grado de movilización varía considerablemente en el tiempo y en el espacio. CF8 se trata de un ejemplo de bastante éxito en la movilización y concienciación local y regional en relación con las escalas nacionales y transnacionales, que permiten ver como estas relaciones se pueden construir y como puede ser su impacto (BEAULIEU, 2007, p. 6). Fica evidente a importância dada ao CF8 na construção da Marcha no Brasil e na construção de mudanças concretas na vida das mulheres a partir de sua intervenção, através do trabalho de conscientização e construção do movimento feminista. A autora de Quebec afirma, a partir de sua pesquisa, que o CF8 é um exemplo, pois conseguiu articular a luta real da região, com as mudanças estruturais da sociedade, algo que não é comum nos estados brasileiros. 94 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Neste caso, é imperativo fazer um breve histórico de sua influência na construção do feminismo na Região Oeste, sem, necessariamente, deslocar esse tópico para uma reconstrução histórica. Nos anos 1990, período em que o movimento feminista estava no processo de institucionalização, seja no interior do estado e ou na sociedade civil, através das ONGs. No dia 11 de março de 1993, foi fundado o Centro da Mulher 08 de Março, hoje Centro Feminista 08 de Março. Seu processo de consolidação como ONG feminista responsável de impulsionar o feminismo na Região Oeste Potiguar se deu, inicialmente, com a temática da saúde e violência. Por um longo período, esses foram os temas mobilizadores do feminismo na região. Só em 2000, com uma maior atuação junto às mulheres rurais e com a articulação do feminismo da região com a Marcha Mundial das Mulheres, se iniciou uma nova agenda na região capaz de dialogar com temas recorrentes das mulheres rurais como terra, geração de renda, assistência técnica, entre outros. O CF8 fortaleceu seu diálogo com as necessidades imediatas das mulheres advindas das comunidades e grupos ao qual pertencem. As mulheres rurais tornaram-se construtoras de um novo movimento social. Sobre isso, retoma-se o que diz Sen (2000), quando afirma sobre a necessidade das mulheres se constituírem como agentes para que haja desenvolvimento em uma determinada região. O lema que aglutinou as diversas mulheres da região foi a defesa da autonomia econômica e da soberania alimentar, como parte da luta por outro modelo de (re) produção e consumo, para o bem estar de todas e todos em harmonia com a natureza. As duas agendas de luta, saúde e violência, trabalhadas pelo feminismo desde a sua construção não desapareceram. Longe disso, transformaram-se em uma agenda interligada com as temáticas mobilizadoras das mulheres em seu cotidiano. Basta observar que na carta de princípio da Rede de comercialização solidária, reafirmada em 2010, está expressa que para um produto ser considerado agroecológico é necessário incluir critérios das relações sociais de gênero, conforme pode ser observado no seguinte trecho: “para estabelecermos relações sociais adequadas é fundamental romper com qualquer tipo de violência contra a mulher, sendo considerado um ato inadmissível” (Carta de princípios da RCSXX, 2010). Antes desta carta, em maio de 2006, o Encontro Potiguar de Agroecologia já anunciava, pela ação das mulheres, que o combate à violência contra as mulheres era integrado à luta da agroecologia, quando em sua carta anunciava que uma planta não pode 95 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 ser considerada agroecológica, se estiver livre do veneno, mas suja com o sangue das mulheres vítimas de violência no campo. Também em 2006, as mulheres reunidas em oficina preparatória ao Fórum Internacional pela Soberania Alimentar, que aconteceu em Mali, em 2007, afirmavam que queriam resgatar o modo de produção camponês. No entanto, queria deixar no passado, muitas coisas, como o autoritarismo e o patriarcado, que marcaram o modo de viver do camponês. Esse três exemplos servem para demonstrar que a luta de combate à violência contra as mulheres foi fortalecida e ganhou uma dimensão cotidiana. Já não era apenas nas 38 datas comemorativas do feminismo, como o 25 de novembro e o 8 de março. O tema transformou-se em ações diretas e transversais no feminismo da região oeste. A luta pela saúde transformou-se em luta contra os agrotóxicos e a medicalização da vida. Para além das lutas por políticas públicas de saúde, as mulheres buscaram compreender como funciona sua alimentação, sua vida e seu corpo na busca por saúde. Isso ocasionou uma maior valorização das plantas medicinais, e a discussão sobre as decisões do que plantar, como plantar e o que comer. Vários quintais das mulheres são fontes de alimentação e medicalização como forma alternativas à indústria farmacêutica e alimentar. O cuidado cotidiano, como caminhadas e alteração nos hábitos alimentares são exemplos dessa forma de pensar o processo de saúde como ausência da doença. Essa transformação, na forma de encarar a saúde, tornou-se cada vez mais visível com a ação de 2010, quando as mulheres tiveram que se cuidar, para conseguirem enfrentar a tarefa de 39 marchar durante dez dias, dez quilômetros por dia . Foi a partir do reposicionamento do movimento feminista na Região Oeste, que se inicia com maior força a luta por políticas públicas estruturantes, tendo como foco a autonomia econômica das mulheres. 38 25 de Novembro: -data considerada pelo movimento feminista como dia internacional de luta no combate a violência contra as mulheres; 08 de Março: - dia internacional da mulher,- data de comemorar as conquistas e lutar por novas conquistas. 39 A mobilização reuniu mulheres vindas de todos os estados brasileiros, de diferentes raças, idades e origens. Além de reforçar a diversidade existente em nossa sociedade, a realização da marcha foi um exemplo de auto-organização das mulheres e, com certeza, fortaleceu e seguirá fortalecendo nossa luta. Participaram da Marcha cerca de 3 mil mulheres vindas de todos os estados do país. A Ação contou também com mulheres de diversos movimentos sociais como CUT, Contag, MST, UNE, MAB e MMC. A Ação foi construída integralmente pelas mulheres, que se dividiram em equipes de cozinha, limpeza, infraestrutura, segurança, comunicação, formação e cultura, saúde, água e creche. Foram abordadas questões como trabalho doméstico; saúde da mulher e práticas populares de cuidado; sexualidade, autonomia e liberdade; educação não sexista e não racista; economia solidária e feminista; soberania alimentar, reforma agrária e trabalho das mulheres; agroecologia; biodiversidade, energia e mudanças climáticas; políticas de erradicação da violência doméstica e sexual; tráfico de mulheres e direito ao aborto .(http://www.tatianabarros.com.br/mmm2010). 96 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Hoje, as mulheres rurais, como já dito, ainda se apresentam como um dos principais pilares da MMM na região (MEDEIROS, 2008; ALVES, 2007; DANTAS, 2010; BEAULIEU, 2007). No entanto, é importante destacar que a luta das trabalhadoras rurais por políticas públicas inicia-se nos anos 1990. Segundo Silva (1997), no ano de 1994, registra-se o primeiro encontro das trabalhadoras rurais da Região Oeste, com a participação de 170 mulheres com representação de oito municípios. O ponto principal da pauta foi à construção das estratégias para a organização das mulheres rurais. Assim como em nível nacional, a principal pauta das mulheres rurais foi pelo direito de serem sócias na associação do assentamento e o direito à sindicalização. Neste mesmo período, em nível nacional, estava em evidência à luta pelo reconhecimento da profissão da trabalhadora rural e consequentemente a conquista pelos direitos previdenciários. O CF8, na época CM8, contribuiu para o diálogo das mulheres do Oeste com a Articulação Nacional das Mulheres Rurais, que na época lançava a campanha de documentação das trabalhadoras rurais (SILVA, 1997), com o propósito de garantir os documentos pessoais e profissionais das trabalhadoras rurais. Um segundo momento que deve ser pontuado na história de luta das trabalhadoras rurais da Região Oeste, para o acesso às políticas públicas foi o ano de 1997, quando as mulheres ocuparam a Prefeitura Municipal de Mossoró (SILVA,1997). De acordo com documentos do CF8, no período CM8, a pauta constava as seguintes reivindicações: melhorias no atendimento à saúde, no acesso das comunidades, com melhorias das estradas, iluminação pública nos assentamentos, regularidade de transporte escolar, abastecimento de água, entre outras reivindicações. Mesmo de forma paliativa, o poder público respondeu a demanda das mulheres com a instituição de uma comissão para viabilizar as reivindicações. Pouco a pouco, as mulheres rurais foram construindo caminhos, até conseguir elaborar uma pauta que alterasse suas vidas, na busca por autonomia econômica. Em 2002, a Região Oeste já se considerava parte dos movimentos nacionais. Esses movimentos buscavam pautar o governo recém-eleito, com a agenda das trabalhadoras rurais que previa uma mudança na institucionalidade do estado. Com isso, o governo teria que elaborar e executar políticas públicas para as mulheres rurais, ainda não consideradas reais usuárias das políticas para o campo no país. Esse processo de luta por políticas públicas foi coexistente com a possibilidade construída pela conjuntura política a partir de 2002, na qual tomava posse o presidente 97 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Luís Inácio da Silva - Lula, filiado ao Partido dos Trabalhadores, considerado, pela maioria dos movimentos sociais, como democrático e popular. As mulheres rurais da Região Oeste vivenciaram, a partir de então, o acesso às políticas públicas ofertadas pelo MDA, ainda não registradas na região, anteriormente. O item seguinte, do presente trabalho, concentra-se na análise do Programa de Organização Produtiva considerando seus números de acesso e em nível nacional, sua relação com os dados da região estudada. Primeiramente, serão apresentados os números do acesso das mulheres às políticas na região, como: PNDTR, Ater-mulheres e crédito para as mulheres. No entanto, ressalta-se que os dados apresentados não podem ser analisados isoladamente, sem considerar o contexto brasileiro, nem tampouco o contexto de articulação vivenciado pelas mulheres rurais da Região Oeste. 3.4 OS NÚMEROS DE ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NA REGIÃO OESTE POTIGUAR: dados oficiais, mudanças reais A maioria das políticas públicas ofertadas às mulheres pelo MDA foi acessada na Região Oeste Potiguar, como: Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), crédito - PRONAF-Mulher, ATER- Mulheres e Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rural (POPMR). Segundo documentos do CF8 e conforme as autoras já citadas, existe na Região Oeste Potiguar, uma dinâmica de acesso as políticas públicas que está acima da média nacional, se comparada com as demais micro-regiões do país, ou com os demais Territórios da Cidadania, já que os números disponíveis pelo governo são relacionados aos Territórios da Cidadania. Serão apresentados, neste tópico os números das principais políticas acessadas pelas mulheres na Região Oeste Potiguar, finalizando o capítulo com uma análise do Programa de Organização Produtiva, apresentando dados de seu acesso na Região Oeste Potiguar. Como nos dados do governo e nos documentos do CF8, essa região foi dividida em dois territórios: Açu-Mossoró e Sertão do Apodi, os dados aqui considerados como Região Oeste Potiguar, serão a soma dos dados dos referidos territórios. De acordo com documentos do governo, Programa nacional de documentação da trabalhadora rural- POMR foi criado em 2004, tendo como objetivo garantir o acesso 98 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 gratuito à documentação civil e trabalhista para as mulheres rurais, acampadas e assentadas da reforma agrária, ribeirinhas, extrativistas, indígenas e quilombolas, dentre outras. O programa, desta sua criação tem um reconhecimento social e política. É considerada a porta de entrada para o acesso as demais políticas sociais. Isso significa que o programa cria as condições necessárias para as mulheres ingressarem nas demais políticas promotoras da autonomia econômica. Mutirões foi o nome dado às ações desenvolvidas pelo programa, onde são emitidos documentos como: registro e certidão de nascimento, cadastro de pessoa física (CPF), carteira de identidade (CI/RG), carteira de trabalho e previdência social (CTPS), registro junto ao Instituto Nacional do Seguro Social e o Registro Geral da Pesca (RGP). Os mutirões são itinerantes, com um calendário previamente estabelecido. Os números demonstram uma quantidade significativa de acesso na Região Oeste. De acordo com os dados do programa, a Região Oeste teve os seguintes números de acesso: GRÁFICO 3 – Documentos Emitidos Fonte: Relatórios de execução dos Mutirões DFDA/RN Entre 2006 e 2010, entre as mulheres dos Territórios da Cidadania Açu- Mossoró e Sertão do Apodi foram emitidos 11.911 documentos. Esses números são significativos quando se imagina que essas mulheres não tinham documentos e, após serem atendidas, passaram a ser contabilizadas para o estado, como cidadãs passíveis de acessar políticas sociais. Assistência técnica e extensão rural para as mulheres é uma política recente e pouco acessada no Brasil. A Lei nº 12.188 de 11 de janeiro de 2010, foi 99 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 sancionada para instituir a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). O objetivo da política, segundo a Lei, é fortalecer a organização produtiva, promover a agroecologia, a economia feminista e solidária e a produção de base ecológica, ampliando o acesso às políticas públicas, especialmente aquelas voltadas para a produção, comercialização e fortalecimento dos empreendimentos econômicos. Além do apoio à articulação dos atores e atrizes envolvidas nessa política em rede. Após a regulamentação da Lei de ATER, na região oeste potiguar foram executados dois contratos exclusivos para mulheres, um no território da cidadania Açu- Mossoró e outro no Sertão do Apodi, através da Diretoria de Políticas para Mulheres – DPMR/MDA, e Centro Feminista 8 de Março foram beneficiadas um total de 320 mulheres. Os contratos previam uma assistência técnica voltada a fortalecer a organização produtiva das mulheres com ênfase na Agroecologia e na produção coletiva. Já a política crédito para as mulheres rurais, observa-se que O PRONAF Mulher representa uma das principais políticas governamentais de crédito para as mulheres. É uma política de fomento que objetiva a visibilidade e reconhecimento do trabalho realizado pelas mulheres rurais, uma vez que historicamente, as mulheres sempre estiveram presentes em todos os momentos das atividades produtivas. O crédito específico para as mulheres pode gerar autonomia econômica para as mulheres, portanto, deve ser reconhecido enquanto política pública que tem contribuído para a promoção a igualdade. Vejam-se os dados de acesso do PRONAF-Mulher na Região oeste Potiguar, divididos nas regiões de Açu-Mossoró e Sertão do Apodi: 100 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 GRÁFICO 4 – PRONAF Mulher nos TC Açu-Mossoró e Sertão do Apodi PRONAF MULHER NOS TC AÇU-MOSSORO E SERTÃO DO APODI 1200000 R$ 1.134.120,03 R$ 1.027.205,60 1000000 800000 R$ 746.573,16 Ano 600000 Açu-Mossoró R$ 554.574,83 Sertão do Apodi 400000 R$ 378.110,32 R$ 240.937,31 R$ 247.725,25 200000 R$ 86.789,36 R$ 111.406,44 R$ 48.180,08 R$ 83.111,84 R$ 16.560,21 0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Fonte: dados fornecidos pelo BNB Segundo dados do BNB, houve uma redução do acesso ao PRONAF Mulher. Em 2005, o acesso no Território Açu-Mossoró somou o montante de R$ 747.000 e no Sertão do Apodi o valor do acesso em reais foi superior a 1 milhão. Em 2010, os valores foram R$ 16.560,21 e R$ 48.180,08, respectivamente. É importante ressaltar que o PRONAF Mulher se constituiu como uma porta e estímulo para as mulheres buscarem outros tipos de créditos. Hoje existem outras linhas de crédito, com maior facilidade de acesso e com uma considerável desburocratização, principalmente em relação ao risco 40 financeiro para a União . 41 O Agroamigo e PRONAF B são considerados microcréditos, e podem ser citados como exemplos de crédito de fácil acesso e desburocratizado. Pode-se afirmar que as mulheres migraram do PRONAF-Mulher, para essas outras linhas de crédito. Existem 40 Risco da União tem como finalidade garantir, direta ou indiretamente, o risco em operações de crédito para microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno e médio porte e autônomos, na aquisição de bens de capital. O PRONAF B enquadra-se nessa categoria conforme a lei nº 12.087, de 11 de novembro de 2009. Sobre o Pronaf B e risco da União vejamos o que diz Abromovay: Um bom exemplo da dificuldade em operar esta linha de crédito são os Fundos Constitucionais. Apesar de a legislação permitir o financiamento com recursos destes fundos para o Pronaf B, nenhuma operação de crédito era realizada enquanto o risco era integral ou parcial (50%) dos agentes financeiros. Foi preciso alterar a lei garantindo a assunção integral do risco pelos Fundos Constitucionais para que os agentes financeiros operassem esta linha de crédito. Este mesmo raciocínio é válido para as linhas de crédito do Pronaf Florestal e Semiárido, todos com assunção integral do risco pela União. Ou seja, a operadora de crédito não corre nenhum risco, caso o credor não pague o credito, pois seu avalista é a própria Nação. 41 O Agroamigo é o Programa de Microcrédito Produtivo Orientado do Banco do Nordeste que facilita o acesso ao crédito a milhares de empreendedores pertencentes aos setores informal ou formal da economia (microempresas, enquadradas como Microempreendedor Individual, Empresário Individual, Autônomo ou Sociedade Empresária). O Crediamigo faz parte do Crescer - Programa Nacional de Microcrédito do Governo Federal - uma das estratégias do Plano Brasil Sem Miséria para estimular a inclusão produtiva da população extremamente pobre. 101 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 dados do próprio BNB que comprovam: na medida em que as mulheres deixavam de acessar o PRONAF Mulher os números do Agroamigo e PRONAF B foram aumentando de forma inversamente proporcional. Isso leva a supor que houve uma busca por crédito desburocratizado e com risco financeiro para a União. O Agroamigo/PRONAF B é, portanto, considerado de risco financeiro para a União. Além disso, muitos são os entraves para o acesso ao PRONAF Mulher: falta de informação, falta de assistência técnica para elaboração dos projetos, e o maior deles, a falta de reconhecimento do potencial de produção e da capacidade de gerenciar os recursos. O processo desencadeado para o acesso ao crédito na Região Oeste foi protagonizado pelo GT gênero e crédito. O Grupo de Trabalho – criado para viabilizar o acesso ao crédito reuniu representantes de bancos e diversas mulheres, a partir de suas organizações. Esse GT foi elaborado e executado pelo CF8, em parceria com as demais 42 instituições e órgãos atuantes da Região Oeste Potiguar . Desta ação foi concretizado o acesso aos primeiros projetos PRONAF Mulher no Brasil. Esta ação repercutiu de forma tão favorável em âmbito nacional, que potencializou o evento de lançamento nacional do PRONAF Mulher. O ato político, realizado no dia 08 de março do ano 2005, no Projeto de Assentamento Milagres, município de Apodi, contou com a presença do então Presidente da República: Luis Inácio Lula da Silva (PTDRS, 2010). 3.5 O CESSO AO POPMR: Os números nacionais O Programa de Organização Produtiva é o objeto de estudo dessa pesquisa e por isso, na sequência, realizar-se-á uma análise deste programa, percebendo o número de acessos nacionais na Região Oeste Potiguar, dialogando com a literatura de avaliação de políticas públicas, sem pretender realizar conclusões definitivas sobre este processo, que encontra-se em andamento. O programa é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com a participação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Destina-se a todas as mulheres da agricultura familiar e beneficiárias da reforma agrária, bem como às 42 Por solicitação da DPMR, em 2007 foi realizada uma sistematização da experiência do GT gênero e credito com o titulo: Gênero e crédito no Oeste Potiguar: uma experiência de inclusão e articulação. / Maria de Fátima Paz Alves 102 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 organizações e grupos produtivos de mulheres localizadas, especialmente, nos Territórios da Cidadania. As diretrizes do Programa de Organização Produtiva são: a promoção da igualdade de gênero; a economia feminista e solidária; a sustentabilidade e segurança alimentar; a geração de renda e agregação de valor; a valorização étnica e racial; a gestão econômica; o fortalecimento de redes de grupos de produção; a participação e controle social. As principais ações desse programa são: identificação e mapeamento de organizações produtivas de mulheres; formação de políticas públicas (Crédito, ATER/ATES, PAA e outras), para fortalecimento das organizações de mulheres; capacitação sobre elaboração de projetos; estudos sobre o acesso às políticas de apoio à produção e à comercialização; apoio à comercialização e à realização de feiras; financiamento de ações voltadas ao apoio à gestão, à agregação de valor e à comercialização (SOF/CF8, 2010). O programa conta com um Comitê Gestor Nacional e duas instâncias de caráter distintos: uma deliberativa, constituída pelos órgãos governamentais integrantes do programa e outra de caráter consultivo, constituída por representantes da sociedade civil. A sociedade civil é representada pelas seguintes organizações: a Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste; a Rede Xique-Xique; a Rede de Produtoras da Bahia; a Rede de Empreendedoras da Amazônia; o Grupo de Trabalho Mulheres, da Associação Nacional de Agroecologia; o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco de Babaçu (MIQCB); o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE); o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC); a Comissão de Mulheres da Confederação Nacional da Agricultura (CONTAG); a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF); e a Rede Economia e Feminismo. A instância governamental é assim composta: Ministérios do Trabalho e Emprego (MTE); da Pesca e Aqüicultura (MPA); as Secretarias Especiais de Políticas para Mulheres (SPM); o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); e a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), (MOURÃO, 2011). Como já mencionado, o objetivo do programa é fomentar políticas públicas que fortaleçam as organizações produtivas de trabalhadoras rurais de forma integrada, no contexto do desenvolvimento rural sustentável, garantindo o acesso das mulheres às políticas públicas de apoio à produção e comercialização, a fim de promover sua autonomia econômica. Busca incentivar a troca de informações, conhecimentos técnicos, 103 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 culturais, organizacionais, de gestão e de comercialização, valorizando os princípios da economia solidária e feminista. Objetiva articular, promover e apoiar as iniciativas da sociedade civil e dos poderes públicos locais, em benefício do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais com igualdade, entre homens e mulheres. Este programa, segundo Butto (2011), promove a necessária integração das políticas destinadas à comercialização da produção. Para isso, foram implementadas ações importantes para a sua execução: a) Identificação de organizações produtivas de mulheres rurais. Promove o mapeamento de grupos produtivos de mulheres rurais a fim de facilitar a articulação institucional, conhecimento das demandas de projetos, em parceria com o Sistema Nacional de Informações da Economia Solidária (SIES). A partir do diagnóstico realizado pelo Centro Feminista 8 de março (CF8 e a Sempre Viva Organização Feminista - SOF), foram identificados os grupos de mulheres rurais nos Territórios da Cidadania. Para dar visibilidade à produção dos grupos identificados foram realizadas ações de comercialização. Na região Nordeste, por ter uma concentração de grupos produtivos de mulheres, o programa objetiva, como afirma Butto (2011): [...] propiciar espaços de formação e intercâmbio e apoio à divulgação e à comercialização, por meio do Programa de Organização Produtiva, foram promovidas Feiras Estaduais da Economia Feminista e Solidária, especialmente na região nordeste, área onde há maior concentração de grupos produtivos (BUTTO, 2011, p.98). b) Formação e capacitação em políticas públicas para fortalecimento das organizações de mulheres, incluindo a elaboração de projetos e planos de trabalho para a celebração de convênios. O propósito é qualificar a demanda e ampliar o acesso às políticas públicas. As mulheres dos Territórios foram beneficiadas com as ações do Convênio Mulheres e Autonomia, firmado entre o Centro Feminista 8 de Março e o MDA. Foram capacitadas em desigualdade de gênero, reforma agrária, elaboração de projetos, organização produtiva, assistência técnica, crédito, entre outras políticas públicas. c) Comercialização. Essa ação tem um papel importante para a autonomia econômica das mulheres, através da realização de feiras estaduais de economia feminista e solidária, e apoio à participação em feiras promovidas e compras governamentais 104 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 promovias pelo Governo Federal. Ao logo da execução do programa foram realizadas feiras beneficiando mais de 480 expositoras, de 230 grupos produtivos, representado por mais de 100 municípios localizados em 15 Territórios da Cidadania (BUTTO, 2011). O acesso das mulheres ao POPMR, ainda é considerado reduzido em relação à população rural que está dentro dos critérios de acesso. Segundo Mourão, o número de beneficiárias do POPMR tem aumentado no período de 2008 a 2010. Em 2008, o número de usuárias foi de, aproximadamente, 10.870 mulheres. Em 2009, este número subiu para 15.425 mulheres, e em 2010, passou para 22.444 mulheres. Totalizando um número de 48.739 (MOURÃO, 2011). Para avaliar a efetividade desse programa é necessário compreender como mudanças quantitativas nas condições materiais podem acarretar transformações na percepção da população sobre o seu bem-estar e mudanças qualitativas nas condições de vida (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986). De acordo com os dados de Mourão (2011), é possível supor que o programa tem promovido uma efetividade objetiva, na medida, que apoiou as iniciativas produtivas de 48.739 mulheres rurais. O Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais se insere na definição de políticas de promoção à igualdade entre homens e mulheres. Sua avaliação deve ser realizada sob a luz da literatura de avaliação de políticas públicas e das discussões das teorias feministas sobre a institucionalização das políticas de promoção da igualdade. Um fato que sobressai quando são confrontados os dados gerais de acesso, é que as regiões que conseguiram maior número de acessos ao POPMR são, exatamente, as que registram um histórico mais largo de experiências voltadas para a organização produtiva das mulheres. Veja-se o que diz os dados, segundo Mourão (2011): em relação à localização dos grupos de mulheres, as análises Da autora indicam haver uma concentração nas regiões Nordeste (22%), Norte (4,5%) e Centro Oeste (4,1%) do país. O diagnóstico elaborado pela SOF e CF8 (2008), corrobora com estes números: os grupos estão concentrados nas regiões Nordeste (54,4%), Norte (18,1%) e Sudeste (19,3%). Outra pesquisa realizada pela DPMRQ (2005), com 228 grupos de mulheres, mencionada por Mourão (2011), também indica a concentração de grupos de mulheres na região Nordeste, com destaque para os estados do Rio Grande do Norte (16,2%), Bahia (14,9%), Pernambuco (14%) e Ceará (9,2%). Os dados indicam que existe uma real relação entre os movimentos de mulheres e os números apresentados. Nos termos de Mourão: 105 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Há de se considerar que historicamente, os movimentos e organizações de mulheres nessas regiões tiveram maior expressão política e, que certamente, contribuíram para a constituição de grupos produtivos com objetivos de promover a geração de trabalho e renda para as mulheres (MOURÃO, 2011 p. 9). As regiões com pouco ou nenhum acesso ao programa apresentam uma desarticulação entre os movimentos de mulheres, organizações governamentais e não governamentais e a assistência técnica. Estas são as maiores justificativas para a não efetivação das políticas nestes locais. De acordo com o diagnóstico das políticas públicas feito pela SOF/CF8, apesar do baixo nível de conhecimento do POPMR, os/as técnicos/as e gestores/as afirmam que há iniciativas de apoio à organização produtiva de mulheres nos territórios, muitas das quais desenvolvidas pelas instituições entrevistadas. Segundo os dados do diagnóstico, 60,9% das ATES, 77,8% das ATER e 54,0% dos/as gestores/as afirmam que existe ações do programa nos 86 territórios pesquisados. No entanto, do total de mulheres rurais entrevistadas pelo citado diagnóstico nos 86 territórios, apenas 14,2% afirmam saber em detalhes sobre o POPMR e 5,2% dizem que já ouviram falar e conhecem os principais objetivos do programa. Deste fator, decorrem outros subsequentes. Os dados apontam a demanda de maiores investimentos, por parte de todos os setores envolvidos, em formação, divulgação, capacitação e organização. Indica, ainda, a necessidade dos órgãos do Ministério executor do programa, como as delegacias do MDA, construírem ações direcionadas à divulgação das políticas. A falta de apoio local aos programas básicos, como aos de documentação, as ações isoladas e a falta de um trabalho estruturado na perspectiva de gênero no local são considerados elementos limitadores do acesso. As dificuldades nos processos de implementação do POPMR acontecem, não apenas por falta de informação, mas porque, em muitos casos, além da necessidade de superar todos esses entraves como a burocratização estatal, as mulheres precisam lidar com a falta de reconhecimento. Destaca-se, ainda, o desdém da assistência técnica responsável e dos representantes governamentais locais, que continuam a percebê-las dentro de uma lógica patriarcal. Há entraves parecidos no acesso em diversos estados. A maioria deles refere-se a dificuldades em trabalhar as temáticas específicas das mulheres e as precárias relações de 106 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 articulação, entre os diversos atores e atrizes envolvidos nos diferentes processos que culminam com a execução dos programas. O fato do POPMR não estruturar uma proposta de avaliação de políticas públicas no processo de sua elaboração e implementação, dificulta a sua eficácia. Em função disso, sabe-se que alguns dos objetivos de uma pesquisa de avaliação é detectar as dificuldades e obstáculos e produzir recomendação, que possibilitem corrigir os rumos do programa ou disseminar lições e aprendizagem (DRAIBE, 2001), O MDA instituiu iniciativas para superar as dificuldades de articulação entre sociedade civil e governo. A iniciativa de um conselho gestor com representação das principais organizações representantes das mulheres rurais é vista como uma iniciativa importante para o controle social e para a articulação entre sociedade civil e governo. Mais 43 recentemente, o programa Territórios da Cidadania se constituiu como um espaço importante de articulação para impulsionar as políticas públicas. É necessário perceber a importância das estratégias de implementação das políticas públicas, para a avaliação do processo. Esse processo deve envolver desde a avaliação das estratégias que orientaram a implementação, aferindo em que medida tiveram ou não êxito, garantiram ou dificultaram o sucesso dos Programas (DRAIBE, 2001). A implementação dos Programas deve levar em consideração os atores estratégicos a serem mobilizados, nos diferentes estágios, para apoiar a implementação dos mesmos, bem como os processos e estágios da região onde a política será implementada. O conselho gestor, as articulações governo e sociedade civil nos Territórios da Cidadania podem ser considerados como exemplos da construção de uma estratégia que minimizou a dificuldade de acesso diagnosticada pelas mulheres. Se, de um lado, observa-se que em alguns territórios há maiores dificuldades de acesso ao programa, observa-se, também, as afirmações de gestores e assistência técnica que o POPMR deve ter discutido com toda a família, “numa perspectiva de unidade familiar”. Num outro âmbito, ressalta-se a assistência técnica desvalorizando as atividades pensadas e realizadas pelas mulheres. Sobre esse entrave é importante relembrar o que diz Draibe (2001, 25), quando afirma que as políticas públicas são decididas e elaboradas para 43 Os Territórios Territórios da Cidadania têm como objetivo promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia. acessado em 02/10/2010. 107 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 pessoas, são dirigidas às pessoas, são gerenciadas e implementadas por pessoas. Os valores dos indivíduos que animam as políticas também podem influenciar essas ações, já que muitas vezes se movem segundo seus valores, seus interesses, suas opções, suas perspectivas, que não são consensuais, nem muito menos unânimes, como se sabe. Passando a observar os dados e ações desenvolvidas pelo programa na região Oeste, destacam-se alguns números, ainda que a análise seja feita no próximo capitulo. A DPMR/MDA, em 2008, em parceria com entidades locais, realizou a I Feira Estadual da Economia Feminista e Solidária do Rio Grande do Norte, com participação de 90 grupos, 180 mulheres, representação de 30 municípios e comercialização de 14 áreas de produção das mulheres rurais dos Territórios da Cidadania. Em 2010, além da II Feira Estadual da Economia Feminista e Solidária do RN, as mulheres rurais dos Territórios Açu-Mossoró e Sertão do Apodi participaram em Mossoró da I Feira Territorial da Economia Feminista e Solidária. Além de apresentarem as potencialidades das comunidades, as mulheres comercializaram os produtos da agricultura familiar e agroecologia, agregando valores da economia solidária. Toda a execução das feiras realizadas em 2010 foi através de convênio entre DPMR/MDA e Grupo Mulheres em Ação. O Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (DPMR/MDA), através das chamadas públicas, celebrou convênios com as prefeituras e entidades da sociedade civil organizada. De acordo com os dados do cadastro de contratos e convênios da DPMR, o número de mulheres da região Oeste potiguar usuárias do programa, contabilizam 4822 mulheres usuárias. Comparando os dados gerais com esses números, a Região Oeste chega a, aproximadamente, 10% do total de acesso em todo o Brasil. O que leva a perceber, ao confrontar os dados da região com os nacionais, é que antes de buscar possíveis ações facilitadoras dos processos operacionais de acesso ao programa, é preciso que se esteja atento aos problemas sócio-estruturais anteriores a estes. No caso das políticas de promoção à igualdade de gênero, destaca-se o sexismo que contamina todos os setores de nossa sociedade, inclusive na elaboração e execução das políticas públicas. Existem entraves que impedem a efetivação do POPMR. Salienta-se como problema principal a socialização de homens e mulheres. A distinção entre homens e mulheres é construída socialmente, priorizando o primeiro na esfera produtiva e a mulher 108 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 na esfera da reprodução. As atividades realizadas pelos homens têm um valor social de superioridade em relação à das mulheres. Desta forma, a socialização dos homens e das mulheres é determinada pela divisão sexual, que, por sua vez, define as responsabilidades na esfera pública e na esfera privada (KERGOAT, 2009). Em alguns casos, mesmo quando a assistência técnica declara-se ciente das desigualdades de gênero, o trabalho das mulheres é tido como algo separado das questões “mais importantes”, reiterando-se as dicotomias produção/homens X reprodução/mulheres. Isso repercute, também, na elaboração e gestão dos projetos por parte da assistência técnica e das associações rurais. Quanto às dificuldades operacionais, enxergamos nelas o reflexo dos dilemas ocasionados pelas desigualdades sociais, na rigidez da burocracia e no descompromisso de gestores e assistência técnica. Muitos gestores(as) alegam que “não têm a função de informar” nem “são pautados pela especificidade”. Como exemplo disto, temos o Sistema de Elaboração e Análise de Projetos (SEAP), utilizado pelo BNB, cuja planilha serve à elaboração de todos os PRONAF, inclusive o PRONAF Mulher. Trata-se de um sistema muitas vezes não condizente com a realidade produtiva das mulheres. Associado diretamente a essa questão, está o desconhecimento e descrédito da política por parte dos(as) técnicos(as) que a operam. Essa análise conduz a outra leitura que será desenvolvida juntamente com a análise dos dados desta pesquisa, na qual se pretende perceber a efetividade do Programa de Organização Produtiva na Região Oeste Potiguar. O capítulo seguinte está centrado na análise dos dados coletados por esta pesquisa, a partir de depoimentos dos atores e atrizes envolvidos, tanto no acesso, quanto na execução do Programa na Região Oeste Potiguar. 4 UMA AVALIAÇÃO DA EFETIVIDADE DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR Para realizar a avaliação da efetividade do POPMR na Região Oeste Potiguar, confrontam-se, neste capítulo, os dados da pesquisa empírica com as reflexões teóricas debatidas. A construção do quadro de referência teórica centralizou-se na interlocução das teorias de Amartya Sen (2000), com as teorias feministas de Kergoat (2009) e Carrasco (2003). Os conceitos trabalhados como conflito cooperação, liberdade, condições de 109 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 agentes, expansão das capacidades e liberdades, são conceitos densos, e não seria arriscado afirmar que na realidade pesquisada estes se inter-relacionam com outros, como a divisão sexual do trabalho e autonomia econômica e economia feminista. Em um cenário de ampliação das capacidades das mulheres rurais como é o caso da região estudada, a relação conflito cooperação se altera. Em função disso, cresce a possibilidade de acontecer autonomia econômica. A divisão sexual do trabalho, antes naturalizada, se reposiciona, e consequentemente, ocasiona as diversas possibilidades de ocorrer o que Sen (2000) denomina, desenvolvimento como liberdade. É baseado nestas afirmações que se desenvolverá o terceiro capítulo, dividido em dois itens. No primeiro, apresentar-se-á os elementos constitutivos da metodologia para avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar. Nesse momento, serão enfatizados os instrumentos metodológicos, utilizando-se entrevistas semiestruturadas e os grupos focais, além da descrição de como a coleta de dados documentais, foi desenvolvida. Antes, apresentam-se os elementos teóricos metodológicos de avaliação de políticas públicas, necessárias para avaliar o programa POPMR. Em seguida, serão descritos os processos da entrevista e as impressões percebidas na investigação. A segunda etapa da pesquisa foi composta pela avaliação do POPMR, na Região Oeste Potiguar. Serão analisados os dados empíricos resultados das entrevistas, tendo como referência a hipótese levantada, os conceitos discutidos, os dados documentais coletados e principalmente os indicadores elaborados. Para tanto, discuti-se sobre a efetividade do POPMR no Oeste Potiguar na ótica dos gestores público; na ótica dos agentes intermediários; e na ótica das mulheres usuárias da política. 4.1 CONSTRUINDO UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA AVALIAÇÃO DO POPMR NA REGIÃO OESTE POTIGUAR Como a presente pesquisa é de avaliação de políticas públicas, metodologicamente se faz necessário seguir alguns requisitos demandados na literatura de avaliação, tendo como referência a tradição brasileira de avaliação de políticas e a influência de países como os Estados Unidos. Notadamente, esse procedimento, é o que se denomina de avaliação sistemática de políticas públicas ou de projetos sociais. A avaliação de programas sociais definidos por Aguilar e Ander-Egg (1994), inclui cinco etapas e procedimentos: 1) processo sistemático – que consiste na utilização de 110 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 métodos científicos; 2) validade e confiabilidade – para uma maior precisão e confiabilidade dos dados é necessária a utilização de determinados requisitos em conformidade com o método científico utilizado, isso significa uma preocupação com escolhas e esboço da metodologia e das técnicas de coleta de dados; 3) informações suficientes e pertinentes – entendendo a avaliação como um julgamento. Nesse caso, é fundamental que se tenha informações importantes e satisfatórias, para que não se tenha um julgamento de valor pré-concebido e sim uma avaliação baseada em dados adequados para essa tomada de decisão científica; 4) Fase do processo avaliativo – as fases do programa de avaliação podem ser definidas da seguinte forma: diagnóstico, programação, execução e conclusão; 5) por último, e não menos importante, a tomada de decisão é uma etapa considerada, pelos autores, como o sentido principal da avaliação que consiste no fato da avaliação tornar-se útil para alterar a execução do programa social e ou melhorar os programas futuros. Baseado nestas considerações de Aguilar e Ander-Egg (1994), é possível definir avaliação de políticas públicas ou de projetos sociais como uma maneira de avaliar, semelhante à pesquisa social aplicada de forma sistemática, planejada e coordenada. Esse tipo de avaliação tem como objetivo, identificar e fornecer dados satisfatórios e pertinentes para subsidiar o juízo de mérito e de valor inerente a uma avaliação de políticas públicas ou de programas sociais. Seja na fase de diagnóstico, processo de elaboração ou execução, seja para solucionar problemas e promover o conhecimento e a compreensão dos fatores associados ao êxito ou fracasso de seus resultados. Como pressuposto de uma avaliação precisa-se considerar que as políticas públicas e os programas sociais devem ter como meta melhorar a vida das pessoas (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986). Já para Sen (2000), as Políticas Públicas tem como finalidade a expansão das capacidades das pessoas. É a partir dessa premissa que serão feitas considerações avaliativas do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (POPMR). Busca-se, com isso, planejar um rigor metodológico de avaliação de políticas públicas, utilizando as ferramentas de investigação de forma precisa e objetiva. As avaliações são constituídas por teorias e técnicas científicas utilizando ferramentas de investigação que tornam mais precisos os processos de julgamento. Para alcançar os objetivos é necessário estabelecer critérios claros e específicos de acordo com o campo de pesquisa encontrado (WEISS, 1975, p.14). A avaliação de políticas, segundo a autora, é a comparação entre o que é e o que deveria ser, se o programa está alcançando, ou 111 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 não, os objetivos e as metas propostas. O critério de perda comparativa e de investigação da ação prática é o que distingue das demais investigações. Há muitos tipos de programas e disto dependerá o tipo de avaliação que será feita: alcance, dimensão, duração, clareza e especificidades do programa, complexidade e duração do período abrangido pelas metas e grau de inovação. Para compor um marco conceitual das considerações avaliativas sobre o POPMR, é fundamental tecer considerações sobre a avaliação política do programa. Neste sentido, se faz necessário fundamentar-se nos escritos dos Figueiredos (1986), que darão subsídio para compreender em que medida esse programa tem uma noção estruturante de transformações, neste caso específico das relações sociais de gêneros, no sentido de transformação. Segundo os Figueiredos (1986), tradicionalmente, a análise de políticas públicas tem como principal preocupação o estudo das tomadas de decisões: especificamente que fatores influenciam no processo de tomada de decisão. Desta forma, as várias experiências de estudos nessa área sofrem do chamado neutralismo. Isso quer dizer, que estuda a eficácia das políticas subestimando ou rejeitando seu conteúdo (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986, p. 107). Pensando nessa perspectiva neutralista e cartesiana, os processos de avaliação são definidos com o objetivo de perceber, principalmente, se as metas foram atingidas. Objetiva-se, também, perceber quais os custos, quais os efeitos positivos ou negativos, previstos ou não previstos, para que assim, possa subsidiar as tomadas de decisões de novos rumos da política, ou mesmo de seguir com o atual estabelecimento. No entanto, avaliar é imputar importância ou atribuir valor: (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986, p.107) é definir se os fatos são benéficos ou maléficos. Diante disso, a avaliação política conduz a aferir valor às políticas, às suas decorrências, às instâncias institucionais em que elas são elaboradas e se desenvolveram e aos atos que pretendem modificar o conteúdo dessas políticas. Neste sentido, se faz necessário estabelecer critérios avaliativos capazes de aferir porque as políticas são aquelas definidas e não outras. Já que a definição de uma política envolve princípios e concepções, é necessário considerar que avaliação de política “terá sempre um caráter complexo e controverso” (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986, p.108). Avaliar uma política requer munir-se das teorias e construir métodos e técnicas consistentes capazes de desvendar os resultados, fazendo uma comparação entre o 112 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 planejado, o executado e os frutos obtidos. Porém, também é fundamental analisar em que medida essa política foi elaborada. Por que esta e não outra. Em que ideologia se insere tal política. Só assim, poderá ser possível ter uma visão de avaliação ampla, capaz de perceber as diversas dimensões de uma avaliação de políticas públicas. Segundo Draibe (2001), as políticas públicas ou os programas sociais têm vida. Nascem, crescem, transformam-se, reformam-se. Algumas vezes estancam/estagnam, às vezes acabam. Transita com os elementos de um ciclo vital, um processo de desenvolvimento, de maturação. Este ciclo é o objeto das avaliações de processos. Em contrapartida, as políticas e os programas, também têm corpo e alma (DRAIBE, 2001, p.25). O campo onde se debate e elabora as políticas e programas devem ser analisados como um campo de interesses e conflitos de ideias (DRAIBE, 2001, p. 27). A fomentação de uma política pública ou de um programa precede uma elaboração e segue direções e prioridades. Os agentes que a conduzem e a direcionam, assim como os que se beneficiam, constroem estratégias, escolhas e decisões que influenciam na política. Assim, é possível identificar as estratégias de implementações, em cada política ou programas (DRAIBE, 2001, p. 26). A avaliação dos efeitos de uma ação deve considerar a ação desenvolvida, neste caso o POPMR e o contexto de execução, como e em que os fatores externos ao programa influenciam direta ou indiretamente na execução. Nesta situação específica, por exemplo, a influência das relações de poder entre homens e mulheres dificulta ou não, o acesso das mulheres ao crédito e a experiências na esfera produtiva. A inter-relação entre a ação e o contexto que está sendo implementada é que vai dimensionar a densidade da mudança (ROCHE, 2002, p.37). No caso de avaliação de políticas públicas direcionadas a promover a igualdade entre homens e mulheres é importante considerar os elementos já analisados das políticas para as mulheres, executadas até então, no Brasil. Especificamente, nesta pesquisa será utilizado o conceito de Efetividade elaborado por Arretche (2009), considerado uma incubação condensada do que foi analisado pelos autores citados. Tal fato consiste na comparação entre o objetivo do programa e os resultados alcançados na vida das pessoas usuárias. Com essa definição do que seja a avaliação de políticas públicas, dar-se-á início a presente pesquisa sobre, Desenvolvimento e autonomia das mulheres: uma avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar- 2008/2012. 113 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 A pesquisa em foco teve início com a construção do quadro teórico que subsidiou a análise dos dados empíricos, que por sua vez serviu para desvendar a efetividade do Programa de Organização Produtiva Para as Mulheres rurais na Região Oeste Potiguar. Percebeu-se a realidade socioeconômica e as relações sociais que permeiam a execução de políticas públicas, em especial as políticas públicas para mulheres rurais. Particularmente, a Região Oeste Potiguar, que foi campo empírico desta pesquisa. Na elaboração da Dissertação definiu-se por bases teóricas referenciais, capazes de aportar as relações sociais de sexo ou relações de gênero como parte integrante da leitura de desenvolvimento e como âncora para a percepção da efetividade do programa estudado. A avaliação da efetividade do programa baseou-se, como já dito, no conceito de Aretche (2009), que reconhece como a forma de perceber se a vida das pessoas que acessaram a política mudou, ou não. Coelho, ao “[...] considerar a Avaliação de Efetividade pela Expansão das Capacidades e Liberdades” (COELHO, 2011.p. 252), confirma ter sido o guia conceitual que norteou os caminhos teóricos para se analisar os dados coletados. Não é demais lembrar que a efetivação na vida das mulheres diz respeito, ou está relacionada às questões já debatidas no quadro teórico dessa pesquisa. Fala-se de divisão sexual do trabalho, condição de agente e autonomia econômica. E, devem emergir para a contribuição na expansão das capacidades e liberdade das mulheres usuárias do programa. As mudanças ocorridas na vida das mulheres ou as efetivações podem ser medidas, ou apresentadas, nesta pesquisa, pelos seguintes indicadores: a) números de acesso detalhado nos números de projetos e no entendimento das gestoras e das executoras dos projetos sobre as políticas para as mulheres; b) nível de renda e serviços antes e depois do acesso ao POPMR envolvendo consumo alimentar; consumo e hábitos novos, acesso aos territórios; c) ampliação das capacidades de intervenção das lideranças envolvendo número de reuniões e participação das atividades antes e depois do projeto; participação em atividades fora da comunidade; número de grupos catalogados na região que acesse o POPMR, participando do movimento social feminista; visibilidade das mulheres; organicidade dos grupos e sua relação com o movimento feminista; número de lideranças e mulheres que ampliaram a escolaridades; d) percepção das mulheres sobre a responsabilidade do trabalho doméstico e do cuidado, incluindo o total de horas dedicadas às atividades domésticas; as atividades produtivas a partir do acesso ao POPMR são continuidade ou ruptura das atribuições do doméstico. 114 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Todos esses indicadores estão relacionados com o conceito de desenvolvimento como liberdade apresentado por Sen (2000), quando reafirma a necessidade das demandas das mulheres estarem presentes nas discussões de desenvolvimento. Tais indicadores foram fundamentais para a avaliação do POPMR. De acordo co Coelho (2011): Esses indicadores de efetivações e efetividade balizaram a coleta e análise dos dados empíricos, orientando a pesquisa documental e a revisão da literatura realizada e sustentaram o atendimento aos objetivos propostos e a verificação da hipótese definida [...] (COELHO, 2011, p.253). Os indicadores contribuem não só para visualizar as efetivações, mas também para perceber se houve efetividade da política. Sua elaboração permite medir os resultados e o alcance da expansão de capacidades para promover o desenvolvimento. O caminho percorrido para elaboração dessa Dissertação, como já dito resumidamente na introdução, foram os seguintes: revisão teórica, pesquisa documental e empírica. A Literatura sobre a temática do Desenvolvimento envolveu o conceito de agente, conflito, cooperação, divisão sexual do trabalho, economia, feminismo, autonomia econômica e avaliação de políticas. A releitura desses conceitos tendo como âncora o objeto de estudo dessa pesquisa, possibilitou um maior rigor científico na análise dos dados obtidos na pesquisa empírica e na comprovação dos pressupostos elaborados, inicialmente, como ponto guia na realização da pesquisa. Durante a revisão bibliográfica foram construídas interfaces de conceitos que montaram um tripé necessário para interpretação dos dados. Discutir desenvolvendo com base nos escrito de Sen (2000), possibilitou relacionar com a leitura feminista no que se refere à divisão sexual do trabalho e a economia feminista. Foram utilizados esses conceitos para uma leitura da realidade das mulheres rurais. Isso fez perceber que existe uma realidade das mulheres rurais próprias do espaço geográfico, cultural e político onde estão inseridas. No entanto, existe uma estrutura social que determina as relações sócias estabelecidas naquele espaço. A Pesquisa Documental privilegiou a consulta a órgãos governamentais e as instituições não governamentais. Além de institutos de pesquisas e entidades representativas da sociedade civil. O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi o órgão 115 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 governamental onde se realizou a coleta de dados, de forma especial, na Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais. Na esfera da sociedade civil, foi pesquisada duas ONGs, 44 Centro Feminista 8 de Março e COOPERVIDA ; três entidades representativas: Rede Xique-Xique, Marcha Mundial das Mulheres e STTR Apodi. Nos institutos de pesquisas como IPEA, DIEESE, PNUD, foram consultados dados sobre a situação socioeconômica das mulheres rurais. A escolha das instituições executoras dos projetos, no caso a rede Xique- Xique, Centro Feminista e COOPERVIDA definiu-se a partir da leitura dos objetivos do projeto, nos quais se propôs a contribuir na autonomia econômica das mulheres, nos aspecto da organização, produção, comercialização. Essas foram dimensões fundamentais para ampliação das capacidades das mulheres. Durante o processo de levantamento de dados foram consultados documentos relevantes para interpretação das informações empíricas. Nos órgãos governamentais foram selecionados para consulta os documentos relativos à criação do Programa de Organização Produtiva para as Trabalhadoras Rurais, a catalogação dos projetos aprovados em todo Brasil no âmbito do programa e relatórios de cumprimento de metas. Nas organizações da sociedade civil foram consultados os seguintes documentos: projetos elaborados pelas ONG no âmbito do POPMR e fora dele, documentos sobre os grupos beneficiados, relatórios, cartazes e folder de atividades; nas entidades representativas foram consultados relatórios de assembleia, de reuniões e planejamentos de ações. Nos casos específicos da Rede Xique-Xique e Marcha Mundial das Mulheres foi examinada a catalogação de grupos sócios e no caso do STTR foi consultado o quadro de sócios. Dos institutos de pesquisa como IPEA, DIEESE, PNUD, os dados consultados referem-se à situação socioeconômica das mulheres rurais. Tais levantamentos foram suficientes para edificar as informações sobre o objeto estudado. Essas fontes deram conta de reconstruir a trajetória da política que teve início no processo de elaboração da política, passando pela execução com a elaboração dos projetos das organizações intermediárias e a construção de informação, até chegar às usuárias do programa. Os projetos executados pelas ONG e Rede Xique-Xique, foram os documentos que possibilitaram a escolha das usuárias para a participação da pesquisa de campo proporcionando a avaliação da efetividade do Programa de Organização Produtiva das 44 Cooperativa de Assessoria de Serviços Múltiplos do Desenvolvimento Rural. Objetivo– Promover o desenvolvimento sustentável, a equidade de Gênero e geração aportados na cultura local. Através desses nortes acreditamos que é possível construir um modelo de sociedade mais justas e solidário. 116 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 mulheres Rurais na região Oeste Potiguar. Para uma melhor compreensão desses projetos e dos resultados da pesquisa considerou-se importante apresentar um estrato do documento, conforme o quadro a seguir: Quadro 1 – Projetos Apoiados pelo POPMR Pesquisados Projetos Apoiados pelo POPMR Pesquisados Nº Beneficiárias Exercício Entidade Objeto A A M P T Orçamentário R F JV A E Capacitar às trabalhadoras rurais para que ampliem sua compreensão sobre as relações de gênero na esfera da produção e gestão das unidades familiares Cooperativa de Serviços para que ocupem com qualidade os espaços 6 Múltiplos ao 2007 de decisão, dentro e fora da associação, 0 0 0 0 Desenvolvimento 500 mediante a construção de novos valores Rural que possibilitem a igualdade de gênero, sensibilização às questões da agroecologia, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania. Potencializar a capacidade produtiva e de comercialização dos grupos de mulheres trabalhadoras rurais, fortalecendo a organização e a participação Centro Feminista efetiva destas nos espaços de decisão 6 2007 0 0 0 0 8 de Março coletiva através da construção de 700 alternativas à socialização do trabalho doméstico, articulando com políticas públicas, produção agroecológica e comercialização solidária. Asso ciação de Fortalecimento da Rede 7 1 1 1 6 Comercialização 2009 Xiquexique no Rio Grande do Norte. 22 089 35 12 0 Solidária Xique- Xique Fortalecer a Organização Centr Produtiva de grupos de mulheres rurais, 2 1 o Feminista 8 de 2010 através do melhoramento e escalonamento 0 0 0 13 05 Março da produção para o acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, 117 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 nos Territórios da Cidadania Açu-Mossoró e Sertão do Apodi. 1 1 1 1 6 Total de Beneficiárias 535 794 35 12 0 Fonte: Cf8/COOPERVIDA/ Rede Xique-Xique. A Pesquisa de Campo foi composta por duas técnicas de pesquisa: grupo focal e entrevista semiestruturada em três momentos distintos. Primeiro foram realizadas as entrevistas com as agentes intermediárias responsáveis pela execução dos projetos. Em seguida constituíram-se três grupos focais com mulheres usuárias de grupos distintos. Por último, realizou-se a entrevista com duas gestoras responsáveis pela elaboração e monitoramento da execução do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais. A entrevista foi uma das técnicas de pesquisa escolhida para essa investigação por entender que contribui para a realização de sondagens e permite colher informações básicas sobre o problema estudado. Além disso, é adequada para aprofundamento da coleta de dados e para orientar as estratégias desenvolvidas. No entanto, o pesquisador pode ir além das perguntas dirigidas e aprofundar, de acordo com as resposta da entrevistada. No caso específico da presente pesquisa, considera-se a técnica adequada, já que, em alguns aspectos não se dispõe de informações suficientes acerca da execução dos projetos no âmbito do POPMR. As entrevistas semiestruturadas realizadas com as agentes intermediárias e as gestoras tinham como propósito, investigar sobre as políticas públicas para mulheres, presentes no estágio de execução do programa e como estas avaliavam os resultados alcançados. No caso dessa pesquisa, objetiva-se saber qual a percepção sobre a efetividade do programa na vida das usuárias. Nos momentos das entrevistas, percebeu-se que existia um compromisso com o objetivo do programa e dos projetos executados. Ao mesmo tempo, foram se revelando as dificuldades institucionais enfrentadas para tal fim. Seja no que diz respeito às questões operacionais como continuidade das ações, prestações de contas e questões relacionadas a infraestrutura, seja no caso das gestoras, ao tratar dos dilemas institucionais que se estabelecem no interior do estado com uma correlação de força estabelecida na sua estrutura, ou com o masculinismo estatal analisado por Alvarez (2004). 118 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 As entrevistas com as agentes foram realizadas no período de novembro e dezembro de 2012, em um ambiente que proporcionou o debate e o aprofundamento das questões sobre a efetividade dos projetos executados no âmbito do POPMR. Foram entrevistadas três técnicas responsáveis pela execução dos projetos na região Oeste Potiguar, sendo uma da Rede Xique-Xique, uma do CF8 e uma da COOPERVIDA. Com as gestoras foram entrevistadas duas gestoras responsáveis pela gestão do programa de Organização Produtiva no período de 2010 a 2012, lotada na Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais/MDA. Fala-se da coordenadora do programa e da responsável pelo monitoramento dos projetos executados. As entrevistas foram reveladoras no que se refere à institucionalização das políticas públicas para as mulheres rurais e seu processo de execução. Em ambas as entrevistas foram adotadas um roteiro de perguntas que propiciou um material consistente para análise sobre a efetivação das políticas para as mulheres em especial as mulheres rurais, tendo como âncora o Programa de Organização Produtiva. No que diz respeito às gestoras, se priorizou a abordagem da efetividade, além da discussão em torno da institucionalização das políticas para as mulheres. Sobre as agentes intermediárias, a abordagem foi em torno da efetividade, entendida como ampliação das capacidades das mulheres, além das necessidades da organização na intenção de contribuir com essa efetivação. A coleta de dados com as usuárias foi feita através do grupo focal. A escolha desta técnica se deu por considerar que ela propicia discutir um tema específico e o diálogo com as falas, impressões, concepções e conceitos dos participantes. Segundo Flick (2009), a referida técnica vai além dos limites das respostas de uma única entrevistada. Quanto ao grupo focal trata-se de uma técnica de coleta de dados qualitativa, considerada eficaz por ter controle sobre a qualidade dos dados. São os participantes, em um processo de diálogo que não permitem exageros ou a omissão de informações e ocasionalmente ocorre o controle da veracidade dos dados debatidos. Constata-se, com essa referência, que Grupos de Foco ou entrevista tipo focal é uma entrevista com um grupo pequeno de pessoas, escolhido para aquele fim, com tema especifico. São formados de, no mínimo 6 e no máximo 12 participantes, na entrevista. Tal pesquisa tem duração entre 30 minutos e 2 horas (FLICK, 2009). No caso específico da presente pesquisa foram realizados três grupos focais, com duração média de uma hora cada. A entrevista grupal foi realizada em grupos 119 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 beneficiários de projetos, sendo cada grupo de cada entidade executora estudada, conforme explicitado no quadro a seguir: Quadro 2 – Grupos Entrevistados Grupos entrevistados Entidade Produção dos Nome do Nº de N° de Local da Sede executora do grupos 45 grupo Membros entrevistadas POPMR Grupo de Mel, polpa de Mulungunzinho- Rede Xique- frutas, Mulheres Decididas a 20 7 Mossoró/RN Xique hortaliças. Vencer Grupo de Produção de Sitio do Góes sequeiro, Mulheres Unidas para 34 Coorpervida 6 Apodi/RN pequenos Vencer animais. Grupo de Mansidão Artesanato, polpa de fruta, Mulheres Lutando por Melancias 15 Cf8 10 pomar/quintais Igualdade Apodi/RN . Fonte: documentos do Cf8/ COOPERVIDA/Rede Xique-Xique Os grupos focais foram realizados no período de novembro e dezembro de 2012. A escolha dos grupos a serem pesquisados obedeceu aos critérios já mencionados, tais como: ser de municípios dentro da caracterização da região Oeste Potiguar; ter acessado o POPMR no período de 2008 a 2012; ter mais de cinco membros e produzir ou comercializar coletivamente. Além desses critérios, considerou-se a análise das agentes intermediárias entrevistadas, quanto aos grupos que tiveram o maior número de atividades a partir do projeto desenvolvido. A mobilização foi feita pela ONG responsável de acompanhamento ao grupo e pelas lideranças dos grupos que mobilizaram as mulheres da coordenação do grupo e as que tiveram a maior frequência nas atividades desenvolvidas pelos projetos. O que chamou atenção no processo de mobilização refere-se à eficiência dos bilhetes enviados pela coordenação as demais mulheres. Essa prática esteve presente em dois dos grupos pesquisados. Percebeu-se que mesmo todas tendo telefone celular, a prática do bilhete ainda é uma forma de comunicação coloquial no meio rural. 45 Para efeito da análise das entrevistas: Grupo de Mulheres Lutando por Igualdade é considerado grupo focal 1; Grupo de Mulheres Unidas para Vencer é o grupo focal 2 e Grupo de Mulheres Decididas a Vencer é grupo focal 3 120 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 O processo de realização dos grupos focais foi orientado por duas perguntas subdivididas em dois motes, de acordo com o organograma: Figura 4 – Esquema Norteador das Perguntas dos Grupos Focais Fonte: Elaboração da autora (2012). Considerando os procedimentos da técnica de pesquisa, deu-se início a entrevista em um ambiente de informalidade descontração, com isso foi possível reconstruir a história do grupo e das mulheres. Esse processo foi importante para a pesquisa por permitir desnudar a realidade social na qual as mulheres estão envolvidas. Em diversas ocasiões, interrompeu-se a entrevista, em decorrência de muita emoção nos momentos dedicados aos relatos de histórias de vidas, principalmente pelas alterações que esses projetos provocaram na vida dessas mulheres. Expor o processo da entrevista é descrever a emoção e o entusiasmo dessas mulheres ao narrarem fatos considerados simples e sem importâncias para muitos teóricos, mas com bastante significado para elas. Esses relatos são significativos, por descreverem a forma como elas expressam com alegria a conquista do direito de ir e vir. Um direito garantido há bastante tempo no país, mas conquistado há tão pouco tempo para algumas das mulheres entrevistadas. Nesse contexto, também foi revelador desvendar as divergências de opinião sobre a responsabilidade do trabalho doméstico e o consenso coletivo da sua existência e da necessidade de ser feito, seja por homens ou mulheres. No decorrer da pesquisa, a realidade de mudança, ia aos poucos, sendo desvendada no que se refere à importância do trabalho produtivo na vida das mulheres, e como a escolaridade contribui para a ampliação da legitimidade social das lideranças. Esses processos foram ocasionados por fatores que através da técnica de grupo focal foram 121 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 possíveis serem nominados e dialogados. As dificuldades apareceram sempre como desafios. Ficou explícita, durante a pesquisa, a forma convincente que as mulheres falavam das suas conquistas e a força com que apresentavam o desejo de superar os desafios. No entanto, também se percebeu as dificuldades de superação desses desafios. Nos relatos mais detalhados era percebida, em vários momentos, a possibilidade da desistência de lutar pelo motivo dos desafios tão difíceis de serem superados. Como é o caso da infraestrutura, burocracia e adversidade climática. Com base na pesquisa em foco, afirma-se que a coleta de dados realizada através do grupo focal foi consideravelmente rica, do ponto de vista científico; e, permeada de emoção e sentimentos, por parte das entrevistadas. No item que segue serão apresentados os resultados da pesquisa, especificamente a Avaliação de Efetividade do POPMR na região Oeste entendida como a Expansão das Capacidades e Liberdades das usuárias. Para efeito de compreensão, as informantes das entrevistas semi-estruturadas foram, como já dito, duas gestoras e três agentes moderadoras. Na análise dos dados representou-se de forma numérica de acordo com a data da entrevista. A primeira gestora entrevistada, está representada na análise dos dados como gestora 1, da mesma formo foi a representação das agentes moderadora. A primeira é a agente moderadora 1 e a última entrevistada é a agente moderadora 3. 4.1.1 A efetividade do POPMR no Oeste Potiguar Avaliar a efetividade do POPMR na Região Oeste Potiguar tendo como referência a expansão das capacidades é avaliar as transformações sociais ocorridas na vida das mulheres rurais. Para isso, busca-se articular a relação causal entre a execução do programa e a real ampliação das capacidades das mulheres para fazerem escolhas sobre como viver e como querem viver. Ou nas palavras do próprio de Sen “(...) Uma efetivação é uma conquista de uma pessoa: é o que ela consegue fazer ou ser (...)” (1993, p. 317). Nesta avaliação é parte do conceito de Efetivação a temática das relações sociais de sexo, nomeadamente a divisão sexual, economia feminista e autonomia 122 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 econômica. Isso significa que a Expansão das Capacidades das mulheres é a de ampliar as capacidades no mundo produtivo e reprodutivo entendendo-o como uma unidade. Para que a política pública promova a efetividade, tem que alterar positivamente a esfera produtiva e reprodutiva. É baseado nesta discussão que se determinará a análise das entrevistas realizadas durante a pesquisa. O item a seguir está subdividido nas seguintes análises: a efetividade do POPMR na ótica das gestoras públicas, das agentes intermediárias e das mulheres usuárias do programa na Região Oeste Potiguar. 4.1.2 Na ótica das gestoras públicas Na análise das entrevistas com as gestoras públicas foram priorizadas duas questões. A prática de elaborar e executar política para as mulheres rurais no estado brasileiro; o processo de avaliação do POPMR nos temas da eficácia, eficiência e notadamente a efetividade do programa. Durante as entrevistas foi apresentada a estruturação da ação estatal para as mulheres, executadas pelo MDA. Aos poucos vieram à tona as dificuldades enfrentadas pelas gestoras feministas no processo de elaboração e execução das políticas públicas e por fim, os êxitos das políticas colocados em números e novamente às dificuldades de avaliação dos resultados. De acordo com as entrevistas e a partir de documentos do governo, em 2003, no Estado Brasileiro, ocorreu uma mudança de direção política e gestão das políticas públicas. O MDA fez parte dessa mudança. Inicialmente, o governo procurou entender a demanda das mulheres, através da escuta aos movimentos sociais, posteriormente o processo de decisão e elaboração das políticas. No MDA já existia uma política para as mulheres com institucionalidade interna. A primeira tarefa foi qualificar tais políticas criando uma assessoria especial com designação de recursos. Antes de 2003, havia a elaboração de programas de créditos para as mulheres, no entanto, não houve execução de nenhuma operação, já que não se tinham os instrumentos adequados para as mulheres acessarem. Nesse mesmo ano, o MDA constituiu a assessoria para elaborar e buscar mecanismos, potencializador, de acesso das mulheres rurais as políticas públicas. A elaboração de políticas para as mulheres rurais teve um longo percurso e consideráveis avanços. No entanto, é importante mencionar que hoje, o que venha a ser a 123 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 diretoria especificamente para as mulheres rurais, teve dois aspectos impulsionadores que contribuíram para as mudanças de 2003 a 2012. A primeira dela é em função de uma pressão do movimento social, em especial da realização da I Macha das Margaridas, e em função de compromissos internacionais que o Brasil havia assumido especialmente com a convenção internacional dos direitos das mulheres. Naquele período (anos noventa até 2001) o governo brasileiro, reage timidamente no que era necessário, para constituir uma agenda política para as mulheres rurais. De acordo com dados da entrevista: Naquele período foi formado algo que se chamou de uma assessoria de questões afirmativas, não era bem uma assessoria, era um programa, mas na verdade não tinha uma característica de programa, já que não tinha ação orçamentária destinada a ações finalista. Essa espécie de programa foi qualificada e ampliada no decorrer dos dois mandatos do governo Lula, 2003 a 2010 (Gestora 2, entrevista concedida em 05/02/13 ). Ao longo dos anos, transformou-se em uma assessoria de forma mais ampliada, com equipe, com recurso dentro do orçamento do MDA. Posteriormente, essa assessoria modificou-se para um programa com ampliação de orçamento e ações finalísticas, uma demonstração do crescimento da demanda e de números de acesso. Em 2010, transformou- se mais uma vez, agora em uma diretoria, como parte do organograma do Ministério. Além da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, organismo responsável para articular a transversalidade de gênero no governo federal. Essa transformação acompanhou um dialogo com os movimentos sociais que deu uma sua contribuição nesse processo. No entanto, em alguns momentos, poderia ter sido mais propositiva no que se refere a elaboração das politicas publicas pra as mulheres. Considero que essa relação poderia ter sido de maior proposição e menos passividade. Durante o processo de construção da DPMR, houve um aumento dos canais de dialogo com os movimentos sociais. De acordo com os documento do MDA, teve grupo de trabalho para debater a formulação do pronaf Mulher, existe conselho gestor do POPMR e do PNDTR. No entanto de acordo com a gestora O MDA, atualmente é o único ministério que tem um órgão com finalidade de execução de política para as mulheres, finalística e transversal. Algo importante e revelador é o local que ocupa no organograma ministerial. Na hierarquia desenhada, a diretoria está ligada à Secretaria Executiva do Ministério. Por ser parte da Secretária Executiva que juntamente com gabinete do ministro 124 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 coordena todo o trabalho do ministério, pode-se conjeturar que a diretoria está no centro das decisões deste ministério. Confrontando os escritos de Alvarez (2004), e os dados empíricos desta pesquisa, é possível suspeitar que exista uma elevação dos status da política para as mulheres, especificamente no ministério hora estudado. De acordo com a autora, em estudos comparativos feitos na America Latina, dos organismos institucionais nacionais de políticas para as mulheres, todos têm características semelhantes: tem sua institucionalidade distante do poder central, com pouco ou quase nenhum orçamento, sem uma interferência nas decisões de governo e enfrentam as mesmas limitações para elaborar e executar as políticas públicas para as mulheres. Isso significa que existe algo particular no caso específico do MDA, já que tem uma decisão política, de fazer do órgão o responsável pela política para as mulheres, uma instância de elaboração e execução de política com considerável poder de decisão nas políticas executadas por aquele ministério. No entanto, quando confronta-se a institucionalização existente com a necessidade para estruturar uma política universalizante, capaz de atender a todas as mulheres rurais, depara-se com limites diagnosticados pelo mesmo estudo feito na America Latina e citado por Alvarez (2004). O estudo afirma que os espaços de políticas para as mulheres tendem a ter recursos humanos e financeiros limitados e inadequados para elaboração, execução e avaliação de políticas públicas. Esse fato, é também diagnosticado nas entrevistas feitas com as gestoras: A Diretoria tem um volume de trabalho imenso e dispõe de uma equipe insuficiente. Sobre recursos, um exemplo é o montante de recursos do Programa de Organização Produtiva para as Mulheres Rurais. Todo ano o programa seleciona muitos projetos. No passar dos anos percebe-se uma evolução dos projetos, nos número e na qualidade da elaboração, porém, não houve essa mesma evolução proporcional de recursos para ampliar o número de projetos apoiados. Hoje tem projetos qualificados, com possibilidades de resultados, porém os recursos são insuficientes para aprová-lo na sua totalidade (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). Se por um lado, percebe-se uma Diretoria de Política para as Mulheres Rurais do MDA localizada próximo ao centro das decisões políticas do ministério com poder de inserir sobre tais decisões, por outro, percebe-se que ainda há um longo caminho a ser percorrido. Segundo a entrevistada, persistem deficiências cruciais para transformar a 125 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 diretoria promotora de políticas públicas universais. Como é o exemplo das deficiências de recursos e de pessoal. Tais dificuldades assemelham-se as vivenciadas nas experiências de outros órgãos executores de políticas para as mulheres na América Latina. De acordo com as entrevistadas, a DPMR tem um quadro de pessoal composto por 22 profissionais com um orçamento em torno de 57 milhões por ano fiscal. Sua equipe é essencialmente concentrada em Brasília. As equipes que existem nos estados têm a única finalidade de fiscalização do projeto, não de execução de políticas. Na execução das políticas para as mulheres rurais, existem além das dificuldades estruturais, os entraves enfrentados nas instâncias de decisão e tramitação. Nesse contexto, vivencia-se uma verdadeira batalha, ou correlação de força para se conseguir instituir uma política para as mulheres nas estruturas estatais. Consideradas por Goetz (2003) e Alvarez (2004), como masculinismo na gestão pública. A respeito desse assunto veja-se a fala da entrevistada: Muitas vezes para conseguirmos aprovar uma determinada questão que envolve as mulheres, temos que recorrer as instâncias superiores, refiro-me a secretária executiva do ministério e ao ministro em casos mais estruturantes. A diretoria é muito bem posicionada, por ser parte de uma decisão política no ministério de elaborar e executar política para igualdade. Os resultados demonstrados na execução de política pela Diretoria só reforça que trata- se de uma decisão acertada e coerente para se construir igualdade no campo... Porém, isso não nos exime de sermos, a todo tempo, questionadas sobre a necessidade da implantação da política. Muitas vezes somos desconsideradas em determinados espaços. O debate ocorre, decide-se incorporar questões, por nós sopesadas importantes, porém na sistematização do resultado, o tema de gênero é ocultado. É assim... Temos que acompanhar tudo, desde o debate até redação final. Ou seja, elaborar, fazer o debate, acompanhar a sistematização e a publicação (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). Além da hierarquia e das leis negociadas no interior das estruturas estatal e, de buscar relações com o primeiro escalão do governo, essas gestoras duelam com as funcionárias e funcionários do quinto escalão. Devido à institucionalização das desigualdades nas gestões públicas, no exercício das funções das gestoras feministas, os procedimentos simples do cotidiano são dificultados. Essa profunda institucionalização das desigualdades de gênero, explica as dificuldades e impedimento de se instituírem políticas 126 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 estruturantes (ALVAREZ, 2004). Provocar mudanças por dentro da estrutura estatal é um dos precedentes para conquistar a política para as mulheres. Sobre isso cita-se Delgado (2007), quando diz que para uma ação de governo se alterar faz-se necessário organizar um núcleo com capacidade e condições de articular uma nova visão de ação pública. Isso significa enfrentar relações de poder que estruturam o Estado e promovem as desigualdades sociais de sexo no seu interior. Como diz a autora, as capacidades e condições são dadas, em última instância, a partir do grau de integração da proposta de uma política feminista no interior do projeto político na direção do governo (DELGADO, 2007). Neste caso estudado, as capacidades e condições foram construídas. Já que a DPMR pode ser considerado o núcleo com capacidade de pensar e elaborar uma nova visão de ação pública descrito pela autora e, ao mesmo tempo, existem as condições para articular essa nova ação. Visto que, segundo a entrevistada: A diretoria está em um lugar estrategicamente importante , está ligada a secretaria executiva, próxima ao gabinete do ministro, somos convidadas a sermos parte das decisões (Gestora 2, entrevista concedida em 05/02/13). Construir capacidades e condições políticas para articular políticas para as mulheres no interior do governo é uma busca cotidiana das gestoras feministas. Desarticular as relações de poder no seu interior não é tarefa fácil. Em especial, quando esta vem revestida da falta de compreensão ou aparece como tentativa de isolar a proposta de uma política feminista nos espaços cabíveis para as diversas minorias consideradas excepcionais, ou nas reparações sociais. Isso fica claro na fala a seguir: (...) uma dificuldade que enfrentamos na hora da decisão da política refere-se a atribuir as políticas para as mulheres no mesmo patamar das diferentes desigualdades. Quando falamos do grau de desigualdades vivenciadas pelas mulheres, vêm todas as outras desigualdades, jovens, velhos necessidades especiais. Os demais gestores tem dificuldades de entender que as desigualdades entre homens e mulheres não são transitórias, não compreendem que essa desigualdade não é igual às outras. Ela é estrutural”. E tudo que se propõe para as mulheres é colocado na esfera social. Não é claro para os demais gestores que as desigualdades entre homens e mulheres não é uma questão de assistência social e sim de relação de poder (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). 127 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Essa afirmação é reveladora ao se dialogar com a experiência brasileira da institucionalização das políticas para as mulheres. Existe uma tendência dos governos em colocar o organismo de políticas para as mulheres nas instâncias da assistência social, em conjunto com as demais demandas sociais, com as políticas para as minorias, consideradas excepcionais. Segundo Soares (2004), o que o estado, através de seus governantes estaduais e municipais quer passar para a sociedade é que não tem necessidade de mudanças estruturais. Já que essa desigualdade é transitória e ter direitos a igualdade deve ser considerado casos excepcionais. Não é por acaso que a maioria das coordenadorias estaduais e municipais está nos espaços da assistência social em conjunto com as demais minorias. O que se transmite como mensagem para a sociedade é que, ser mulher, com direitos, é excepcional, e é apenas algo transitório. Com essa ideia a hierarquização de poder que existe entre homens e mulheres não se configura como algo estruturante na sociedade. Entender políticas para mulheres exclusivas da assistência social ou colocá-las em conjunto com as minorias consideradas excepcionais, tem uma clara opção de trabalhar as políticas para as mulheres sem a dimensão da economia feminista, da divisão sexual do trabalho e da autonomia das mulheres. É, neste debate, que reside o maior duelo entre as feministas e demais gestores. Se contrapondo a visão assistencialista da política para as mulheres Cintrão e Siliprand (2011), anunciam que as políticas públicas necessitam incidir sobre as desigualdades vivenciadas pelas mulheres: As mulheres em geral e as pobres em especial vivenciam, na sociedade, um sistemático processo cultural e político de expropriação das suas capacidades de agir publicamente e de exercício de seus direitos. O acesso a políticas públicas pode melhorar concretamente a vida das mulheres e permitir que haja uma valorização das suas contribuições para a sociedade, ajudando a superar valores e preconceitos ainda existentes, que impedem a sua plena realização como cidadãs. O desenho de políticas públicas precisa levar em conta essas questões se quiser fazer realmente políticas de cidadania como um passo importante da luta pela emancipação humana [...] (CINTRÃO; SILIPRAND, 2011, p.225). 128 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 As autoras reforçam os debates realizados no interior do governo pelas gestoras feministas. Afirmando que as políticas públicas devem incidir sobre o sistemático processo cultural e político de desapropriação através do qual as mulheres foram submetidas. Neste cotidiano de debates disputas, convencimentos e aportando conhecimento das escritoras feministas, foi operacionalizado o Programa de Organização Produtiva para as Mulheres Rurais. Um programa que, segundo o Relatório de Gestão da Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário/2008, foi criado para fortalecer a organização produtiva das mulheres trabalhadoras rurais, estimulando a troca de conhecimentos técnicos, culturais, organizacionais e de gestão. Além de contribuir com a comercialização, valorizando os princípios da economia solidária e feminista estimulando a viabilização do acesso das mulheres às políticas públicas de apoio à produção. Esse programa tem uma nítida opção de trabalhar as políticas para as mulheres com as dimensões da economia feminista, da divisão sexual do trabalho e da autonomia das mulheres. Aqui é possível supor que as gestoras feministas venceram o duelo travado com os demais gestores para instituir o POPMR. Trata-se de um programa com características de promoção a igualdade. A execução desse programa é um desafio que vem sendo enfrentado a partir do seu lançamento. Seja na esfera do governo, seja do ponto de vista do movimento social organizado. Assim sendo, ainda tem uma trajetória a ser seguida: para as mulheres, organizando-se para acessar; para o governo, construindo os mecanismos de avaliação e tomada de decisão para qualificar e ampliar sua execução. Um dos primeiros desafios encontrado foi relatado pela entrevista, em forma de resultado: Uma coisa importante da agenda coletiva, até o inicio da década 2000 agente tinha muita pouca existência de ONG feministas no meio rural e elas não trabalhavam na agenda econômica, elas trabalham com agenda econômica de forma muito indireta fazendo apenas algumas formações. Nós não tínhamos uma rede de uma organização não governamental, que priorizasse o assessoramento e apoio a organizações econômica das mulheres. E agora a agenda já é outra, agora elas estão buscando a infraestrutura, uma coisa que vai avançando [...] (Gestora 2, entrevista concedida em 05/02/13 ). Já no início da implantação do programa ou mesmo antes dela, existe uma deficiência das condições sociais para seu êxito. Neste sentido durante as entrevistas foi 129 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 percebido que a elaboração de políticas para as mulheres vai além da decisão política, de ganhar a disputa interna com os demais gestores. É necessário construir as condições para que a política seja executada. Considerando que inexistem experiências anteriores. Aqui, pode-se supor que além das condições e decisões políticas construídas no interior da gestão estatal, é necessário estabelecer um constante diálogo com os movimentos sociais feminista, com o propósito de construir as condições adequadas as realidades das mulheres rurais para elaboração e execução da política. Para efeito desta pesquisa será desenvolvida, levando-se em consideração apenas, o aspecto da avaliação da política ou do programa social, notadamente com a avaliação da efetividade. A estratégia de avaliação de políticas públicas ainda é pouco utilizada nos organismos estatais. No entanto, considerando as teorias de avaliação de políticas públicas pode-se afirmar que as avaliações ou as investigações avaliativas são formas de ampliar a racionalidade das decisões, já que essas podem proporcionar informações objetivas referentes aos resultados dos programas e, consequentemente, qualificarem as tomadas de decisões sobre planejamento para as novas ações, elaboração e reelaboração de novos programas (WEISS, 1975, p.13). Nas entrevistas com as gestoras ficou evidente que uma das dificuldades do POPMR, é a ausência de uma política de avaliação de políticas públicas, com o propósito de mensurar seus resultados. Isso, segundo a entrevistada, contribuiria para ampliar o poder de argumentação no interior do governo sobre os efeitos que esse programa ocasiona na vida das usuárias. A fala a seguir deixa clara a necessidade de uma política de avaliação para o POPMR: Os relatórios disponibilizados apresentam que o programa tem significativo êxito. Existem limites para a realização de uma avaliação em todos os projetos desenvolvidos pelo POMR. O comitê gestor do Programa de Organização Produtiva tem buscando fazer uma avaliação. Isso foi iniciado tendo como referências os números de acesso; recursos; projeto; áreas acompanhadas. Necessitamos avançar em uma avaliação mais qualitativa. Atualmente utilizamos como único instrumento de avaliação os relatórios, e visitas de campo que os servidores e as servidoras realizam. Aponto as visitas com algum muito importante que pode contribuir para uma avaliação qualitativa em escala maior. Mas, temos limites na sistematização de como o programa alterou positivamente na vida das mulheres (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). 130 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Considerando a literatura de avaliação de políticas públicas, existem no POPMR iniciativas de avaliação do programa, tais como: a experiência com o comitê gestor do programa que demonstra a preocupação de ter um espaço constituído para consulta e tomada de decisão; os relatórios de execução dos projetos e as visitas, in loco, podem ser considerados mecanismos de levantamentos de dados e que ocasionaria uma avaliação do programa. No entanto, é escassa no programa, uma visão de avaliação de políticas públicas considerada pela literatura de “avaliação sistemática”. De acordo com Aguilar e Ander-Egg (1994), existe uma diferença entre a “avaliação informal” e “avaliação sistemática”. Tal diferença, não está nas suas finalidades, estas podem ter semelhantes intenções. A diferença está no método utilizado. A avaliação conceituada pelos autores como “sistemática”, refere-se a uma pesquisa avaliativa, que se baseia no uso de métodos científicos. Voltando-se para a avaliação do programa de organização produtiva, o relato das entrevistadas são reveladores, quanto aos temas da eficácia e eficiência. Sobre a avaliação da eficácia será utilizado o conceito apresentado por Arretche (2001), quando afirma que entende-se por eficácia a avaliação entre os objetivos e os instrumentos explícitos de um programa e seus resultados efetivos (exemplo: entre as metas propostas e as metas alcançadas). Neste sentido, o POPMR apresenta como instrumento de avaliação o Plano de trabalho (PT), dos projetos que são monitorados pelos funcionários e funcionarias e pela visita in loco. Sobre os parâmetros avaliativos da eficácia utilizados pelo programa, as entrevistadas argumentaram em suas falas que foi um processo de aprendizagem com a equipe da diretoria. Hoje, impetra avaliar os projetos percebendo que o contexto de sua execução envolve os conceitos das relações sociais de sexo, nomeadamente a divisão sexual, economia feminista e autonomia econômica. Veja-se o relato: A equipe atualmente tem muito mais facilidade pra fazer uma avaliação considerando que o POPMR é um programa de promoção a igualdade. Anteriormente, muitas vezes não compreendiam que o fato de não ter executado aquela atividade tratava-se de um limite por ser uma política para mulheres. Hoje interpretam as dificuldades que as entidades enfrentam, pelo fato de executar políticas para as mulheres. A equipe incorporou os desafios de um trabalho com mulheres. Isso contribuir para melhorar a execução, por que nossa equipe, desde o lugar onde esta, pôde ajudar na execução... A visita a campo ajuda a evoluir na avaliação da eficácia, considerando os princípios do programa (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). 131 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Como se percebe, mesmo em um conceito tão objetivo como o de eficácia, em avaliação de políticas públicas para as mulheres, deve ser considerado os conceitos que sustentam tal política. No caso do POPMR, segundo as gestoras, a avaliação deve ser permeada pelo conceito de promoção a igualdade das relações sociais de sexo, divisão sexual, economia feminista e autonomia econômica. Isso, segundo elas, é considerado na avaliação da eficácia. Quanto à eficiência do POPMR, destacou-se, através das entrevistas, alguns pontos a serem analisados. De acordo com Arretche (2001), entende-se por eficiência, a avaliação da relação entre o esforço empregado na implementação de uma dada política e os resultados alcançados. Nesta avaliação, está contido o esforço humano, metodológico e de recursos. A trajetória do Brasil tem se pautado para uma avaliação de eficiência considerada, primordialmente, a avaliação de recursos financeiros e o resultado obtido. No entanto, a autora citada alerta que, mesmo considerando a escassez de recursos públicos daquele período dos anos noventa, isso não significa que o critério de eficiência no setor público, seja o mesmo da eficiência do setor privado. Fala-se de uma mera equação entre custos mais reduzidos e resultados melhores possíveis. Constatou-se através da entrevista, que o conceito de eficiência das gestoras encontra referência no conceito da autora, quando afirma: As nossas avaliações de eficiência, elas se dão pelos relatórios, através deles é possível você perceber um processo. Confirmar-se as atividades foram bem executadas, que de fato aconteceram considerando os resultados; tem-se registro que as mulheres participaram; percebe-se na fala das mulheres... Existe um esforço por parte de algumas entidades, especialmente da sociedade civil, tanto do ponto de vista metodológico, de profissionais que se tenham resultados satisfatórios (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). Nesse sentido, a avaliação da eficiência do POPMR está pautada, novamente, a partir dos princípios norteadores do programa. Diante disso, deve-se considerar que as organizações executoras são parte do processo da execução da política. É um novo modelo de gestão que prioriza o diálogo com a sociedade civil. Além disso, é perceptível que a visão de eficiência relatada na entrevista, não dialoga com o tipo de avaliação presente no setor privado, no qual tem uma relação causal, entre recursos financeiros e resultados. Além disso, a visão demonstrada na entrevista prevê uma eficiência relacionada ao esforço 132 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 desprendido durante toda a execução, em busca do resultado esperado. Seja nos recursos humanos, metodológico ou financeiro. Sobre a avaliação da efetividade as entrevistas das gestoras foram analisadas considerando os indicadores elencados nesta pesquisa, no que diz respeito ao: nível de renda e serviços; ampliação das capacidades de intervenção das lideranças; percepção das mulheres sobre a responsabilidade do trabalho doméstico e do cuidado. Segundo as entrevistadas avaliar o programa com esse nível de aprofundamento, ainda é um desafio, já que o POPMR não dispõe de mecanismo para uma avaliação sistemática, conforme exigências do processo de avaliação de políticas públicas. Com efeito, foi utilizado o conceito de Arretche (2001), para subsidiar a presente análise. A partir da visão da referida autora, busca-se entender o exame da relação entre a implementação de um determinado programa e seus impactos e/ou resultados. Da mesma forma, busca-se compreender, também, se essa ocorrência é um sucesso ou um fracasso em termos de uma efetiva mudança nas condições sociais prévias da vida das populações atingidas pelo programa sob avaliação. Durante as entrevistas ficou evidente a dificuldade de perceber, na realidade social, as mudanças ocasionadas unicamente pelo programa. Posto que, não se constituiu metodologia capaz de isolar uma realidade social de execução de uma política, em detrimento das demais que se inter-relacionam. Neste aspecto, constatou-se, com as entrevistas, a evidência das mesmas dificuldades apontadas pela autora, quando afirma que nas avaliações de efetividade, a maior dificuldade metodológica consiste em distinguir produtos de resultados. De fato, a principal dificuldade metodológica consiste, precisamente, em demonstrar que os resultados encontrados (seja do sucesso ou do fracasso) estão, casualmente, relacionados aos produtos oferecidos por uma dada política sob análise. Quando perguntadas sobre a efetividade compreendida pelos quadros indicadores proposto na pesquisa, as gestoras claramente expuseram: Não podemos atribuir as mudanças ocorridas na vida das mulheres beneficiarias unicamente ao POPMR, por que existe outras políticas que se relacionam com ele, como o PNDTR, ATER, PRONAF-mulher” (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). Essa afirmação é uma demonstração de que nas avaliações de políticas públicas se faz necessária uma rigorosa definição de instrumentos de investigação com caminhos 133 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 teóricos claros a serem seguidos. Isso porque, como diz a literatura, toda avaliação é atribuir valor. Assim sendo, uma política deve ser julgada com critérios, instrumentos e marcos teóricos, previamente definidos. Além de um rigoroso levantamento de dados. Aplicado esses critérios, defini-se que nas falas das gestoras encontram-se dados, que analisados, podem chegar ao entendimento de que houve efetividade na execução do POPMR. Esse fato fica mais nítido, quando, segundo uma das entrevistadas, a execução dos projetos é realizada por organização da sociedade civil comprometida com as transformações da vida das mulheres, como pode ser observado em sua fala: O que podemos falar de resultado na vida das mulheres é aferido a partir dos relatórios, das visitas em loco e da participação das beneficiarias em algum evento nacional do programa. E segundo essas fontes e considerando os indicadores mencionados na pergunta posso dizer que o POPMR tem sim efetividade, pois vejo que as mulheres ampliam seus conhecimentos pra falar em público, dão depoimentos, seja nos relatórios, visitas ou em eventos que suas vidas mudaram pra melhor, tanto dentro e fora de casa e hoje consegue decidir se vão ou não a algum lugar. Maioria dos casos, afirmam que ampliaram sua renda. Mas ao mesmo tempo os relatórios apontam as dificuldades de quantificar, já que a produção das mulheres é muito vinculadas ao consumo familiar (Gestora 2, entrevista concedida em 05/02/13). O que fica claro no argumento da gestora é que, segundo sua avaliação, existe efetividade no POPMR e esse programa conseguiu ampliar as capacidades das mulheres de acordo com os indicadores mencionados. Confrontando a fala da gestora e os elementos elencados por Sen (2000), como necessários para conquistar a expansão das capacidades, é possível supor que existe uma efetivação na vida das mulheres, ou em parte delas, enquanto usuárias do programa. Fala-se dessa forma, por entender que a expansão das capacidades dependentes das cinco liberdades substantivas: participação política; oportunidades sócias; econômicas; direito a transparência e segurança protetora. E ainda, por entender que, nesta pesquisa, essas liberdades fazem intercessão com a autonomia econômica das mulheres, questionamento a divisão sexual do trabalho e a economia feminista. Diante disso, pode-se afirmar que o POPMR alterou, positivamente, a vida dessas mulheres. Nessa realidade, de acordo com os conceitos de Sen (2000), essa ocorrência promoveu o bem estar em suas vidas. É notório, tanto na fala das gestoras, como na realidade pesquisada, que essas mudanças são limitadas e dependem, em parte, de 134 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 outros fatores, como o contexto em que foram executadas e os atores envolvidos. Sobre limitação ou potencialidade da mudança promovida pelo projeto, as entrevistas apontam que isso depende do contexto da execução. Buscou-se, também, subsídios em Roche (2002, p.23), quando esse afirma que avaliação das transformações ocorridas, a partir da execução de uma política, “é a análise sistematizada das mudanças duradouras ou significativas – positivas ou negativas, planejadas ou não - nas vidas das pessoas e ocasionadas por determinada ação ou uma serie de ações”. Segundo o autor, o grau das mudanças depende do contexto da execução. Essa posição se confronta com outros autores quando afirmam que a avaliação da política é uma relação causal, entre o objetivo da política e os resultados obtidos. É, portanto, um julgamento feito considerando a ação – o contexto – a mudança, ou conforme demonstra a figura: Figura 5 – Elementos para Avaliação dos Resultados de uma Política Fonte: Elaboração da autora a partir da definição de Roche (2002). A leitura desta figura coincide com as avaliações feitas pelas gestoras e, em grande medida, confirma os pressupostos apresentados como horizonte inicial desta pesquisa. Vejam-se, primeiramente, o que diz a fala das entrevistadas: Existe uma diferença de resultados quando o programa é executado em um ambiente que existe uma organização das mulheres ou quando é executado por uma organização que tem em sua missão trabalhar com mulheres. Nestes casos percebemos nitidamente um resultado maior. Não só com relação às mulheres, mas quando são executados em realidades de organização social, cito como exemplo, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, além de outros. São estados que a execução de projetos de organização produtiva tem muita relação com o 135 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 movimento, o resultado é mais visível e alcança dimensões para além da geração de renda (Gestora 1, entrevista concedida em 13/01/13). Considerar o contexto na avaliação é perceber que existe uma realidade social através do qual a política é elaborada e executada e que seus resultados são balizados por uma realidade de contradições, participação, poder e desigualdade nas relações sociais de sexo. E é isso que confirma a fala da entrevistada: Em um contexto de mobilização social existem maior possibilidades de resultados positivos (Gestora 2, entrevista concedida em 13/01/13). Essa afirmativa, também confirma um dos pressupostos colocados no presente trabalho. Retomando a fase inicial da pesquisa, quando afirma-se que as mudanças provocadas pelo acesso das mulheres ao POPMR, têm uma estreita relação com a dinâmica social ocorrida na Região Oeste Potiguar, especialmente com o movimento social feminista. Assim, pela fala das gestoras e considerando, tanto os instrumentos, como os marcos conceituais previamente escolhidos e utilizados nesta pesquisa, constata-se que ocorreu efetivação na vida das usuárias. No entanto, o grau da mudança ainda é limitado e dependente do contexto social, onde o POPMR é executado. 46 4.1.3 Na ótica das agentes mediadoras As entrevistas com as agentes mediadores foram divididas em três partes: caracterização da instituição executora do POPMR, compreensão sobre a execução das políticas públicas para as mulheres e avaliação da efetividade do Programa de Organização Produtiva para as Mulheres Rurais. Na intenção de seguir a lógica das entrevistas a análise foi desenvolvida com base nas três partes contidas no questionário. Todas as instituições executoras do POPMR, da região, têm sua área de atuação prioritária na Região Oeste Potiguar. Em diversos municípios essas organizações 47 executam programas Governamentais, entre estes, a ATER, P1MC , PDHC. O POPMR é 46 Consideram-se agentes mediadoras as organizações da sociedade civil executoras do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais. 47 P1MC-Programa 1 milhão de cisterna - consiste na construção de cisternas de placa para as regiões semiáridas do Sertão Nordestino. As cisternas são utilizadas para armazenar águas de chuva. Sua capacidade 136 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 o único projeto que é executado por todas. Essas instituições têm, em sua missão, o compromisso com a igualdade de gênero, desenvolvimento sustentável, agroecologia e uma sociedade de igualdade. No entanto, existem diferenças entre elas. Segundo sua página na Web, A Rede Xique-xique de Comercialização Solidária é uma articulação de trabalhadoras e trabalhadores urbanos e rurais que buscam manter os princípios afirmados na organização da luta pela transformação do mundo, através da agroecologia, do feminismo e da economia solidária. O Centro Feminista 8 de Março é considerado uma ONG Feminista e de acordo com seu trienal tem como missão: Contribuir para construção do feminismo, a partir do fortalecimento dos grupos de mulheres e de sua auto-organização, inclusive no interior dos movimentos sociais, como forma de impulsionar as transformações necessárias para a construção de uma sociedade mais igualitária para homens e mulheres (Documento do trienal 2009-2011 do cf8). Com base na sua missão, desenvolve um trabalho de assessoria a grupos de mulheres dos meios rurais e urbanos, jovens, Comissões de Mulheres dos Sindicatos de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Região Oeste e a entidades de assistência técnica. A COOPERVIDA desenvolve suas ações direcionando-as ao crescimento rural, numa perspectiva agroecológica pautada na equidade de gênero e geração. Tem como objetivo geral, promover o desenvolvimento sustentável, a equidade de Gênero e geração, aportados na cultura local. Através dessa visão, acredita-se ser possível construir um modelo de sociedade mais justa e solidária. Entre suas atuações, coloca-se em destaque: Assessoria em agricultura orgânica; Assessoria em agroecologia e tecnologias apropriadas; Elaboração e execução do PRONAF; Incentivo e contribuição no desenvolvimento sócio cultural – Organização e assessoria a grupos de gênero e geração; Políticas públicas; Projetos de assentamento (COOPERVIDA , 2002). É possível observar que nas três instituições as questões de igualdade estão pautadas na missão, seja em forma da abordagem de gênero, seja em sua versão do feminismo. Todas demonstram um compromisso com a luta por igualdade, entre mulheres e homens. é de 16 mil livros, água suficiente para cozinhar e escovar os dentes de uma família de 5 pessoas durante 8 meses. 137 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Em todas as entrevistas foram diagnosticadas a preocupação com a capacitação da equipe técnica sobre gênero e feminismo. Na fala de uma das agentes é demonstrado que o processo de formação era contínuo com momentos específicos de estudos: Na realidade os processos de formação que a equipe participou, eram constantes porque como a gente trabalha diretamente com a categoria de gênero, então eram cotidianamente capacitações e até porque as oficinas que eram feitas com os grupos, nós necessitávamos nos preparar. Porque tinham momentos de intervenção das mulheres da equipe como também dos homens na parte de produção e também na parte de economia solidária, porque nós procurávamos fazer uma equipe com um trabalho que realmente transpassasse a questão da multidisciplinaridade. Era cotidiano esse processo (Agente mediadora 2, entrevista concedida em 21/12/12). Nas demais falas das entrevistadas, foram encontradas afirmações semelhantes. As instituições preocupavam-se com a área da formação da equipe. Nesse sentido é que, em parte, reside à avaliação positiva das gestoras do programa, com relação à execução do POPMR na Região Oeste Potiguar. As equipes executoras dos projetos, na Região Oeste, foram compostas pela maioria de mulheres, com capacidade técnica nas áreas de ciências humanas e agrárias. A exceção esteve na rede Xique-Xique, aonde a equipe incluiu mulheres e homens. Outro fator percebido durante as entrevistas foi o número de instituição da sociedade civil que trabalha com mulheres na Região Oeste. Em todas as entrevistas, as agentes intermediárias listaram várias ONGs que assessoram grupos de mulheres nas áreas de produção, comercialização e organização. Percebeu-se, também, que existe uma dinâmica de feiras, trocas de experiências e articulações políticas, em torno do tema da produção das mulheres. Algo que as entrevistadas denominaram de “dinâmica própria da região”. Esse contexto de mobilização social, presente na região, favorece a execução de programas sociais. Da mesma forma, também favoreceu a execução do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais. As ações desenvolvidas pelas entidades com as mulheres rurais, vão além das previstas nos projetos. Nas entrevistas foram listadas várias ações. Segundo as entrevistas, a instituição desenvolve diversas ações que podem ser destacadas: Vejam-se a fala de uma das entrevistadas sobre esse assunto: 138 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Como trabalhamos com as mulheres nos diversos espaços que elas se encontram, vou listar alguns espaços que atuamos. Não como parte somente desse projeto, mas da instituição como toda: Comissão de mulheres do STTR; grupos produtivos movimentos sociais da região; a Coordenação Oeste das trabalhadoras; as mulheres do colegiado territorial; movimentos feministas (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). Essa informação faz compreender que existe uma dinâmica em funcionamento nesta região, pois não acontece a execução de um único programa. Existe um funcionamento de várias ações que interagem na realidade social. Dessa percepção, decorrem duas observações: a primeira é a reafirmação de que o resultado de uma política ou um programa depende do contexto. Conforme considera Rocha (2002), neste sentido, pode-se reafirmar que o contexto propicia resultados positivos. A segunda é de que, com tantas ações ocorrendo em um mesmo espaço geográfico, algumas vezes com as mesmas mulheres, torna-se difícil isolar a realidade social para construir uma relação de causa e efeito, entre a política executada e os resultados obtidos, como alerta Arretche (2001). Quando indagadas sobre quais as estratégias utilizadas pelas organizações para garantir a participação das mulheres, as entrevistadas foram unânimes em afirmar que existe uma estratégia e devido a essa estratégia, as atividades desenvolvidas têm tanto êxito. Apontaram, ainda, quais as principais estratégias e, entre elas pode-se destacar: convite específico para as mulheres; definição de data e horário, considerando a rotina das usuárias; identificação de temas que mobilizam as mulheres; e, em casos específicos, organização de espaço recreativo para as crianças. Perceber que existe uma necessidade de estratégia para o envolvimento das mulheres na dinâmica regional, faz voltar aos conceitos de Faria (2010); Hirata (2007); Kergoat (2003); Carrasco (2003), quando afirmam que as mulheres estão nos dois espaços, produtivo e reprodutivo. Em função da hierarquia e da socialização, o espaço reprodutivo é legitimado como exclusivo das mulheres e a esfera pública é um espaço legitimado como masculino devido sua autenticidade no mundo do trabalho. Buscar envolvê-las na dinâmica do mundo público é uma ação que passa pela esfera da decisão política, do planejamento e da construção de estratégias. Vejam-se a fala da entrevistada: Conseguir fazer com que as mulheres assumam tarefas públicas, não é tarefa 139 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 fácil, em muitos casos, depende de vários fatores, mais se agente focar nisso consegue. É só observar a vida das mulheres e perceber como elas trabalham todas as horas do dia e organizar a ação. Quero dizer montar meios pra essa ação. Se é o horário que impede a participação das mulheres na reunião? Mudemos o horário. Se é o tema? Mudemos os temas. Se são as crianças? Tragam pra reunião [...]. (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). Essa fala confirma que as instituições, ou pelo menos esta, específica, tem uma compreensão feminista da vida das mulheres. Tal compreensão permite a execução do projeto, de acordo com os objetivos do programa. E ao mesmo tempo, contribui para promoção do bem estar das mulheres, entendido como defesa das mulheres do ponto de vista individual, e na promoção da condição de agente. Entendido como alguém que muda sua vida e contribui para a mudança em seu meio (SEN, 2000). O bem-estar e a condição de agente das mulheres são condicionantes para se tenha a liberdade de levar a vida que deseja. Já que as escolhas efetivamente feitas pelas pessoas organizam-se em condutores de funcionamentos da sua própria vida. Como diz a teoria de Sen (2000), o conjunto de todas as opções possíveis de funcionamentos para que aquela pessoa possa constituir seu conjunto capacitório ou ampliação das capacidades. É a partir dessa visão que as organizações buscaram contemplar as mulheres na execução do POPMR na Região Oeste. Quando perguntadas como as mulheres foram consideradas, as entrevistadas também foram unânimes em suas respostas: as mulheres participaram de todo o processo do projeto, desde a elaboração até a execução. Seus conhecimentos, na esfera produtiva e reprodutiva, foram incluídos como parte metodológica da construção coletiva do conhecimento. Como beneficiárias, as mulheres eram consideradas multiplicadoras do conhecimento e promotoras de mudança para si e pra o seu meio. 4.1.4 Trabalho produtivo e geração de renda Considerando os indicadores definidos nesta pesquisa para avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar e de acordo com as entrevistas de todas as agentes intermediárias, o programa teve efetividade na sua execução na região. Com base nesta afirmação, apresenta-se a análise das entrevistas. Para isso, tomou-se como referência de análise os indicadores que se seguem: sobre o nível de renda das usuárias constatou-se que ocorreu um aumento em suas rendas; a dificuldade reside na tarefa de mensurar o tamanho da elevação; das entrevistadas nesta 140 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 categoria, apenas uma conseguiu colocar uma média de aumento, considerando que esta trabalhava diretamente com os registros de venda dos produtos das mulheres na rede Xique-Xique. Segundo ela houve um aumento, em media de 10 a 15%, na renda das mulheres usuárias do programa. Na Região Oeste há uma dinâmica de feiras agroecológicas, nas quais a agricultura familiar comercializa seus produtos. Diagnosticou-se mais de sete municípios com feiras nesta categoria. As mulheres, antes da execução do programa, não eram consideradas produtoras potenciais para comercializarem nas feiras. Sem conseguir mensurar a quantidade de aumento na renda, percebeu-se, que através das feiras locais, houve ampliação da renda das mulheres. Observem o que diz uma das falas das entrevistadas: A renda das mulheres não tem como mensurar percentual de aumento, mais podemos atestar que as mulheres não comercializavam nas feiras. Hoje elas comercializam, seja através da rede Xique-Xique ou de outros espaços. Na feira de Apodi tem uma participação equilibrada de mulheres e homens. Em Upanema é praticamente as mulheres que comercializam na feira da agricultura familiar. E elas não participavam em espaços de comercialização antes. O retrato é o seguinte: antes elas não comercializavam e hoje comercializam. Então teve aumento da renda (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). O fato das mulheres participarem do espaço de comercialização, tem um significado para além de ampliação da renda. As mulheres conseguem ampliar suas capacidades no que se refere ao acesso aos territórios, sua legitimidade social e contribui no aumento da escolaridade, já que se torna algo necessário para organização contábil do empreendimento. Aspectos já diagnosticados nos estudos de Sen (2000), quando afirma que ocorre ampliação da alfabetização das mulheres que consegue penetrar na esfera mercantil. Neste sentido, o autor aprofunda, afirmando que auferir renda pode ocasionar um impacto decisivo no reconhecimento social das mulheres. Ser remunerada produz efeitos positivos na condição de agentes e impacta com maior ênfase sobre o cuidado com os filhos, no que se refere às decisões conjuntas da família sobre a execução da tarefa (SEN, 2000). Mais que isso, amplia seu poder nas tomadas de decisão no interior da família. O processo produtivo conduzido pelas mulheres, também afeta o consumo e os hábitos alimentares e familiares. A produção das mulheres é, em grande medida, para o 141 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 autoconsumo. No caso das mulheres usuárias do POPMR na Região Oeste Potiguar, a base da sua produção é Horta, Fruta e Granjeiro. A sua comercialização dar-se do excedente do consumo doméstico. Isso significa, que a partir da pequena produção feita pelas mulheres, com base nos princípios agroecológicos, os hábitos alimentares da família são alterados. Nos depoimentos das usuárias, por repetidas vezes, foram relatada experiências de mudanças alimentares. Algumas afirmaram que depois da horta, os filhos passaram a comer comida de rico, como mamão com mel. Outras aprenderam a comer verduras, como alface, rúcula, berinjela, depois que elas passaram a plantar. Portanto, para além da ampliação da renda, o projeto aumentou o consumo da família e ao mesmo tempo, alterou o consumo familiar para uma alimentação saudável. 4.1.5 Ampliação das capacidades de intervenção das lideranças O outro indicador que foi construído para avaliação do POPMR na Região Potiguar, foi se houve ampliação das capacidades de intervenção das lideranças. Para medir essa ocorrência, as entrevistadas foram indagadas sobre a participação das mulheres nas diversas atividades do projeto. Indagou-se se possuem registros de legitimação de lideranças dentro e fora das comunidades e se algumas das lideranças tornaram-se reconhecidas como liderança feminista, ou ainda, se os grupos são participantes do movimento feminista protagonista da região. O resultado dessas indagações resultou na apresentação de um quadro de ampliação, não só das capacidades das lideranças, mas também do aumento das lideranças e do seu raio de legitimidade nos movimentos sociais e geograficamente fora da comunidade que atuavam. Segundo as entrevistadas a participação das mulheres usuárias do programa ocorre mais fortemente no movimento feminista. Isso é importante por ser um processo de autoafirmação, no movimento. Ainda, segundo as entrevistadas, “elas se reencontram. Pensando na história do sujeito, se reencontram com o sujeito, o sujeito mulher” (Informação verbal). Na região, as mulheres se constituíram como sujeito coletivo através da Marcha Mundial das Mulheres. É neste espaço que as mulheres percebem que suas dificuldades não são individuais e as transformam em demandas coletivas (DANTAS, 2010). A forma horizontalizada em que está formada a MMM na Região Oeste constrói um respeito às diversas formas organizativas dos grupos. Podem ser vistos 142 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 pertencentes à MMM/RN, núcleos em universidades, grupos de assentamentos e comunidades, comissões de mulheres de sindicatos. Estas diversas formas presentes na organização da Região Oeste, fazem com que as lideranças se constituam a partir do fortalecimento das ações. Ou seja, quando tem uma maior frequência de ações, existe uma ampliação das novas lideranças. Após a execução do POPMR, teve relato de algumas instituições sobre a continuidade de ações nos municípios e, sobretudo, de atuação de lideranças que foram formadas no processo de execução do programa. Isso demonstra que não se pode afirmar que foi, unicamente, o POPMR responsável pela ampliação das capacidades das lideranças. Pode-se, sem duvidas, afirmar que o programa teve uma contribuição no processo. Sobre isso, vejam a fala: Na execução nós descobrimos várias mulheres lideranças, e no processo aumentou sim... Foi uma grata surpresa, porque às vezes as pessoas só precisam de oportunidade: Até hoje, dois anos depois, as mulheres ainda se identificam como articuladoras, foi uma coisa legal nas reuniões da rede, foi uma coisa que marcou. Elas já eram articuladoras, o projeto só veio comprovar pra elas que elas eram articuladoras, ou seja, legitimá-las. Porque elas tinham aquela potencialidade e não se percebiam pra aquilo. Elas se descobriram que podiam fazer relatórios, que podiam articular suas falas, então tudo isso é significativo. Não é pelo fato de ter um projeto, sua função vai ser agora como articuladora. Não, elas já eram então a gente só teve como potencializar aquilo. Hoje elas ainda continuam se identificando como isso (Agente mediadora 2, entrevista concedida em 21/12/12). Todas as entrevistadas afirmam que o projeto contribuiu para ampliar a legitimidade das lideranças, seja nas comunidades e para além delas. Segundo as entrevistadas, as mulheres estão mais nas associações: [...] quando olhamos parece ser natural, mais isso foi parte de um processo de luta, nos anos noventa, as mulheres não podiam ser sócias, lutaram e conseguiram. Hoje, é muito comum mulheres presidentes nas associações na região (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). Essa fala coincide com o que foi dito por Deere (2004), quando analisando o processo de organização das mulheres rurais no Brasil, evidencia que todos os movimentos 143 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 sociais do campo tiveram uma inclinação para outros temas mobilizadores, nas décadas de oitenta e noventa. Só em meados de noventa, que se concretizou o direito a sindicalização das mulheres rurais. Um ponto que apareceu durante a avaliação que pode ser considerado uma questão relevante, mais que extrapolam os indicadores elencados, foi à ocorrência, em alguns grupos, da disputa interna pela liderança. Segundo as entrevistas houve um aumento no número de lideranças com diversos perfis e responsabilidades. Fala-se das mulheres com capacidades de mobilizações, de realizar tarefas e organizar atividades. Fala-se, também, das que fazem boas intervenções. No entanto, isso não foi o suficiente para prevenir a disputa interna, destaca-se, nesse caso, o medo das lideranças já constituídas, das demais mulheres ocuparem seu espaço e de entrar novas integrantes no grupo. 4.1.6 Percepção sobre o trabalho doméstico A Percepção das mulheres sobre a responsabilidade do trabalho doméstico e do cuidado foi um dos últimos indicadores analisados. Através desse indicador, foi possível conseguir dados reveladores da vida das mulheres e das mudanças ocorridas no último período. A realidade encontrada revela o grande número de horas dedicado ao trabalho reprodutivo. O total de horas dedicadas à esfera reprodutiva condiciona a ampliação das atividades produtivas desenvolvidas pelas mulheres. Uma das entrevistadas, atenta ao debate sobre divisão sexual do trabalho, apresenta questões relevantes para o debate. Observem sua fala: Pensando no debate do trabalho doméstico e do cuidado que fizemos durante as atividades do projeto, a maioria das lideranças disse que o trabalho doméstico tem que está em debate constante. Os grupos que produzem coletivamente têm dificuldades de se manter por que tem muito acumulo de tarefas. Ao mesmo tempo esses grupos são os que mais pensam alternativas de socialização do trabalho doméstico coletivamente. Além disso, a produção coletiva força a construção de alternativas pelo fato das mulheres não estarem em casa. As outras pessoas vão assumindo tarefas. E quando discutimos isso percebemos que, tem que ser um tema pra atuar e mudar (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). 144 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Sobre o trabalho produtivo e a sua relação com reprodução, retoma-se o que afirma Picchio (1999), quando argumenta que existe uma relação inversamente proporcional às horas dedicadas ao trabalho doméstico. Quanto mais alguém se dedica as tarefas domésticas e ao cuidado, menor sua capacidade de assumir as atividades mercantis. Este mesmo raciocínio, encontra-se em Sen (1990, 2000), quando afirma que o trabalho remunerado é influenciado pelo trabalho doméstico, seja na sua quantidade ou qualidade, e está relacionado com as capacidades adquiridas pela educação no interior da família. Seguindo esse raciocínio, as entrevistadas, quando narraram essa relação entre trabalho produtivo e reprodutivo, afirmaram que no momento da quantificação das horas dedicadas ao trabalho doméstico, perceberam como isso interfere e atrapalha. Impede às mulheres ampliarem sua produção e organizarem novas tarefas na produção. Impedem, também, que tenham mais tempo pra si e para as atividades do movimento: Geralmente quando é dia de atividade da produção ou de organização política, elas tem que acordar mais cedo ainda, sacrificam o horário de descanso pra poder ir pro espaço público (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). De acordo com a pesquisa houve uma reorganização da responsabilidade com o trabalho doméstico e do cuidado. Nas entrevistas ocorreu uma descoberta que pode representar a realidade de grande parte das mulheres, que assumem tarefas no mundo público, tanto nas tarefas produtivas como nos espaços políticos. Segundo relato das entrevistadas, não existe uma certeza se houve redução das horas trabalhadas no mundo doméstico. Sabe-se que existe um diagnóstico de que as mulheres reduziram o tempo de horas por cada tarefa feita. Elas ainda fazem todas as tarefas do doméstico, no entanto, foi reorganizado o tempo e o horário da realização. No caso dessa pesquisa, o que atesta-se é a existência de uma reorganização. Já que não muda a obrigatoriedade da responsabilidade do cuidado e do afeto presentes na esfera reprodutiva. A fala da entrevistada é afirmativa sobre essa reorganização: Não sei se houve mudança na estrutura, quero dizer se as mulheres conseguiram fazer com quer os membros da família dividisse a tarefa. No entanto posso afirmar que elas, as mulheres, encaram de outra forma e montam novas estratégias. Por exemplo: elas passavam o dia todo pra arrumar a casa, com as reuniões do projeto ou outra tarefa, elas arrumam a casa mais rápida ou organiza 145 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 outro horário pra fazer. É isso que chamo de reorganização com cara de redução (Agente mediadora 1, entrevista concedida em 19/12/12). A fala desta agente intermediária foi repetida, em certa medida, pelas demais. Quando as mulheres assumem mais tarefas no mundo público, existem as condições propícias para ocorrer uma alteração nas tarefas domésticas. Ainda, sobre esta reorganização do trabalho do doméstico, considerado mudança pelas entrevistadas, atentem para a fala de uma agente, munida da discussão sobre o tema: É difícil da gente quantificar as mudanças ocorridas na redução do trabalho doméstico. Mais existem. Vez por outra as mulheres relatam: ah! Meu marido fez isso... Quando eu chego em casa o almoço tá feito. Temos dificuldades de ver as mudanças por que é tanto tempo que elas gastão com o trabalho doméstico é tão grande o tempo que tem que ser dividido que, muitas vezes, as mudanças parecem pequenas e insignificantes para quem olha de fora. Mais mudou. Isso eu posso afirmar com toda certeza. (Agente mediadora 3, entrevista concedida em 23/12/12). A redução do tempo das tarefas domésticas e do cuidado, ainda é muito lenta de acordo com a pesquisa feita por Hirata (2009). Em estudo comparativo realizado com os países Brasil, França e Japão, nos últimos dez anos, os homens ampliaram seu tempo dedicado ao trabalho doméstico, em dez minutos. Isso significa dizer que as mulheres reduziram, em apenas poucos minutos, sua responsabilidade. No entanto, pode-se constatar que existe uma reorganização, e nas percepções estão sendo gestadas entre as mulheres da Região Oeste, algumas alternativas com relação ao trabalho doméstico e do cuidado. Além das questões relacionadas à efetividade da política na vida das mulheres, as entrevistadas acrescentaram temáticas relacionadas à avaliação do programa. Dessas temáticas, considerou-se importante relatar sobre o que diz respeito à divisão sexual do trabalho, e quando as entrevistadas afirmaram que as atividades do POPMR tem o propósito de romper com a separação e hierarquização do trabalho desenvolvido por homens e mulheres. Segundo Kergoat (2009), são estes princípios que constituem a divisão sexual do trabalho. Esse fato se constata na fala a seguir: As atividades do POPMR são de rupturas com a divisão do trabalho doméstico por que se olharmos as linhas e a proposta do programa são muito fortes as questões da autonomia das mulheres e tem como base as contribuições do 146 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 movimento feminista. E considerando a execução, as entidades executoras, em grande maioria, têm uma perspectiva de mudança da divisão sexual do trabalho. No entanto o programa não prever políticas para socialização de trabalho doméstico. (Agente mediadora 1, entrevista concedida em 19/12/12). De acordo com Butto (2011), o programa tem o objetivo de fortalecer as organizações produtivas das mulheres rurais de forma integrada. Busca garantir o acesso das mulheres às políticas públicas de apoio à produção e comercialização e promover autonomia econômica das mulheres. Confronta-se essa definição com a fala das entrevistadas, quando afirmam que esses elementos estão presentes na execução de todas as instituições executoras na Região Oeste Potiguar. Diante disso, pode-se assegurar que existe uma relação causal, entre objeto do programa, com as ações desenvolvidas e, consequentemente, com os resultados alcançados. A temática da responsabilidade do estado sobre a socialização do trabalho doméstico é avaliada como uma lacuna do programa. Não podendo ser avaliada como relação causal, já que não existem objetivo, nem ação proposta para esse fim. O que se constata é uma total ausência de infraestrutura estatal para resolver tal problemática. A segunda questão apresentada foi o que as executoras consideraram como dificuldades. Foi geral, entre as entrevistadas, que existem três grandes dificuldades para ampliar os resultados do programa: primeiro, a legislação e documentação que impede a comercialização dos produtos das mulheres. Neste caso, as entrevistadas estavam falando do Sistema de Inspeção Federal (SIF), documento fundamental para as mulheres conseguirem comercializar nacionalmente e em especial, comercializar através das compras governamentais. Para se obter esse selo, existe uma série de regras e adequações, que muitas vezes, é impraticável para agricultura familiar. Ainda nesta indagação, registra- se a ausência do Estado na atenção aos programas e políticas para a socialização do trabalho doméstico. Uma segunda dificuldade é a burocracia de acesso, seja para crédito ou até mesmo para o POPMR, existe uma burocracia inerente ao estado brasileiro que impede sua ampliação. No caso deste programa, as mulheres só podem acessar, através de uma ONG. Essa ONG necessita que preencha todos os critérios burocráticos presentes nas chamadas de elaboração de projeto com vista na aprovação e execução. A última dificuldade relatada, diz respeito à descontinuidade das ações. A execução de um projeto do POPMR tem duração de um ano. Muitas vezes, para renovar, 147 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 existe um logo caminho, tão dificultoso quanto à primeira aprovação. Isso acarreta na descontinuidade da ação que pode levar a perda de resultados valiosos, conquistados naquele primeiro ano de trabalho. Isso faz com que o comitê gestor do programa solicite do MDA ações mais duradouras e projetos com maior tempo de execução, Sem negligenciar as dificuldades, pelo contrário, levando-as em consideração, assegura-se que, segundo os dados analisados com os depoimentos das agentes intermediárias, existe efetividade na execução do programa na Região Oeste Potiguar. Essa efetividade só foi possível pelo fato de se juntarem e se interagirem elementos fundamenteis para a execução de políticas para as mulheres. É de conhecimento que: todas as missões das instituições executoras tem o compromisso com a mudança nas relações desiguais, entre homens e mulheres; existiu em todas as instituições uma decisão política de capacitar as equipes nas questões de gênero com o propósito da equipe entender a realidade de desigualdade a qual estão submetidas às mulheres; existiu durante a execução do programa uma estratégia de realização das ações para que ocorressem com o maior número de mulheres possível. E por último, as mulheres foram consideradas promotoras das mudanças e construtoras do conhecimento. Ou como diz Sen (2000), as mulheres são consideradas, neste programa, como agentes do desenvolvimento, da sua elaboração até a execução. 4.1.7 Na ótica das mulheres beneficiárias da política Inicia-se esta parte com pequenos relatos das histórias de vida de algumas mulheres que participaram da entrevista grupal. Definiu-se narrar as histórias que melhor representam a vida das mulheres beneficiárias do programa. Citam-se os seguintes relatos: Joilma: participante do grupo de mulheres Caprichosa de Melancia e do grupo de Polpas de Mansidão. Segundo ela faz muito tempo que está “no meio das mulheres”, desde 2006: Aqui muitas mulheres não podem ir para a reunião, a mulher não poder ir até para uma igreja porque o canto da mulher é em casa. Minha vida era assim. Era só dentro de casa, lutando, cuidando dos filhos,do marido, dos animais. Não tinha direito de ter uma palavra, nossa opinião não valia de nada. A gente pedia, fulano deixe eu ir prá ali?[...] Só ia para os cantos se ele deixar. Isso tudo porque 148 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 eu não tinha renda, não era de nada. Mas não vou negar não ele não deixava faltar nada dentro de casa, agente passava necessidade mais ele é um dono de casa. (Joilma- entrevista concedida em 27/12/12 - Grupo Focal 1). Neste depoimento, fica clara a hierarquia de poder existente entre homens e mulheres. A naturalização da divisão sexual do trabalho coloca as mulheres como responsável pelo trabalho doméstico e do cuidado, atividade com um valor social reduzido na realidade dessas mulheres. Esses fatores condicionam as tomadas de decisão no interior da família. É o mesmo que confirmar o que Sen (2000) diz quando afirma que existem condicionantes externo para as tomadas de decisões realizadas em um contexto que ele chama de conflito cooperação. Outro depoimento que retrata essa realidade é o da Neneide: participante do grupo de mulheres decididas a vencer. Agricultora, entrou no movimento de mulheres, em 1998, depois que foi morar no assentamento: Eu casei com 14 anos. Morava com minha mãe. Não tinha onde morar. Tive meu primeiro filho com 15 anos e o segundo com 16 anos. Quando fui pra Mulungunzinho eu não participava de nenhuma assembleia. Só quem participava era meu marido. Eu comecei a participar quando teve reunião pras mulheres que avisaram que podia levar as crianças. Eu lembro como se fosse hoje. Eu levava os dois maiores e a pequenininha que ainda mamava. Eu lembro que eu fazia tudo, igual a ele, brocava, limpava, fazia tudo. Ai quando saiu o dinheiro nós butamos uma mercearia na agrovila. Ai tudo era dele. Eu não tinha o direito de tirar dinheiro, de decidir a quem vendia fiado. Ai quando a mercearia foi dando lucro ele foi comprando os bichos e tudo era dele. Quando eu fui pra horta, as pessoas não entendiam, diziam que eu já tinha as coisas, pra que ir pra horta? Elas, as pessoas, não entendiam que eu não tinha nada, só os meninos (Neneide, entrevista concedida em 29/12./12 - Grupo Focal 3). As mulheres antes de participar do processo organizativo e de acessar políticas públicas, tinham privações de várias ordens. Não tinham terra, escolaridade, planejamento familiar e em função dessa condição casavam-se muito cedo. Isso dificultava sua participação social e uma vida com dignidade. Sua condição de mulher com menor poder social na sociedade e na família não permitia que as decisões familiares fossem tomadas de forma igualitária. 149 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Um exemplo também presente durante as entrevistas é o de Irene, mesmo com adversidade consegue se posicionar com um maior poder no interior da família. Irene é do Assentamento Sítio do Góes, liderança da comunidade. Sua família é reconhecida na criação de caprino, inclusive já ganhou vários prêmios nos torneios de cabras leiteiras do assentamento. Faço parte do assentamento, trabalho no grupo de mulheres, sou agricultora, sou apicultora, sou cabrinocultora, de tudo faço um pouco. Eu não tinha terra pra trabalhar e através assentamento passamos a participar do movimento do qual a gente só veio a crescer. Nunca deixei nada me abater. Quando eu não tinha terra, trabalhava nas terras dos outros, era pouco, mais era melhor do que ficar parada. Só a seca que me deixa triste. Hoje eu bato no peito e digo: sou agricultora, caprinocultora, apicultora e gosto muito de trabalhar na roça. Criei meus filhos tudinho aqui. Hoje são rapazes e moças (Irena, entrevista concedida em 27/12/ 2012 - Grupo Focal 2). Esses relatos iniciais permitem que se tenha uma dimensão sobre a realidade onde se insere a política pública na vida das mulheres. No caso da presente pesquisa, tem- se um ponto inicial, não da execução dos projetos, mas do ponto de partida motivador da organização para o acesso ao POPMR e tantas distintas políticas que contribuíram na mudança da vida de muitas mulheres no percurso histórico. As entrevistas grupais com as usuárias do POPMR foram estruturadas em duas perguntas: como era sua vida e como é hoje depois da execução do programa. Para especificar tais perguntas foram utilizados os três principais indicadores: nível de renda e serviços antes e depois da execução do POPMR; ampliação das capacidades de intervenção das lideranças; percepções das mulheres sobre a responsabilidade do trabalho doméstico e do cuidado incluindo o total de horas dedicadas às atividades domésticas. Participaram da entrevista um total de 13 mulheres, todas se identificavam como agricultoras e moram nas comunidades e ou Assentamentos da Reforma Agrária. A idade das participantes varia entre 27 (vinte sete) a 58 (cinquenta e oito) anos. Do total, cinco não participam do programa de bolsa família, duas em função da aposentadoria e três por ter renda superior à permitida pelo programa. Com relação à renda familiar dessas pessoas, elemento de análise com maior aprofundamento nesta pesquisa, registra-se que as mulheres participantes, em grande maioria, ganham mais que seus maridos. Isso se deve ao fato de somarem as rendas dos 150 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 programas de transferências de rendas com as aferidas com os projetos produtivos. No entanto, ainda persiste um número considerável de mulheres com dificuldades para acessar renda e, por conseguinte, fora das condições de acessos a bens e consumo. Quanto à escolaridade, todas as mulheres são alfabetizadas. Muitas delas conseguiram concluir o Ensino Fundamental I, depois de entender a condição em que se encontravam pelo fato de ser mulher. Algumas conquistaram o Segundo Grau e uma faz Faculdade. Iniciou, após a execução do programa. As perguntas realizadas nos grupos focais, foram genéricas na forma e específicas nos conteúdos. As respostas da maioria das mulheres vieram através de falas de mudanças, envolvendo todos os indicadores sugeridos. Para efeito de análise, definiu-se por separar a fala das participantes de acordo com os indicadores, mesmo correndo o risco de ocultar algumas expressões significativas. Durante a realização dos três grupos focais foi possível reconstruir umas amostragem do que ocorre na Região Oeste Potiguar e assim, confirmar os pressupostos elaborados como pontos norteadores dessa pesquisa. O acesso ao POPMR é parte de um conjunto de mudanças socioeconômicas que vêm ocorrendo na vida das mulheres rurais da Região Oeste nos últimos dez anos e que têm propiciado uma alteração nas relações sociais dos assentamentos e comunidades rurais. Seja nas relações entre homens e mulheres, na relação entre as mulheres e sua comunidade, e, ainda, a relação destas com o meio ambiente. Essas mudanças têm uma estreita relação com a dinâmica social ocorrida na Região Oeste Potiguar, especialmente com o movimento social feminista. Todas as mulheres participantes da entrevista grupal enfatizaram que a história não inicia com o acesso ao POMR. Sabe-se que tanto a luta pelo acesso como a execução do programa, é parte de uma história que inicia muito antes. O marco inicial de organização é datado em meados dos anos 90. No entanto, a dinâmica que inclui demandas dos grupos de mulheres com estratégia política que visa alterações nas suas vidas, na comunidade e na sociedade, veio com a vinculação a Marcha Mundial das Mulheres. Em uma entrevista concedida ao trabalho de Beaulieu (2007), uma técnica do CF8 esclarece o que ocorreu após a entrada dos grupos na MMM: La Marcha nos ha mostrado un camino, nos ha dado el norte. Mirando hacia atrás vemos que antes dábamos vueltas en círculo […] Nosotras queríamos organizar a las mujeres, que ganasen una mayor autonomía, que tuviesen más libertad, pero no sabíamos dónde ir para construir esa realidad. […] Nosotras hablábamos 151 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 solamente de temas, entre comillas “de mujeres”. Como por ejemplo, de la violencia contra las mujeres, la salud, la libertad, los derechos. No percibíamos que las otras cosas tenían que ver también con la vida de las mujeres. Lo que es importante de ver en el mundo, nos decíamos […] la producción [agrícola] tiene que ver con la vida de las mujeres, la asociación local tiene que ver, los créditos, los herbicidas y pesticidas, los transgénicos, todo esto. Nosotras no teníamos, mismo, una intervención con las asociaciones locales […] como si el solo hecho de tener un grupo organizado fuera suficiente para que las mujeres se sintieran fuertes, que ellas tienen poder sus vidas y que ellas participan en la asociación. Hoy, estamos consultando con las personas de la asistencia técnica y con los otros lugareños . Nosotras vimos que era necesario hacer más. Y de hacer que las mujeres viésemos el mundo como un todo (Entrevista concedida ao trabalho de 48 BEAULIEU, 2007) . Com esse depoimento supõe-se que só a junção do CF8, a articulação com a MMM, a dinâmica imputada nos grupos e as articulações políticas a partir disto, foi capaz de conduzir a Região Oeste a um novo patamar de mobilização social e acesso as políticas sociais. Essas instâncias separadas ou sobrepostas, não teriam a capacidade política de alterar a realidade social e tão pouco contribuir para alteração positiva da vida das mulheres. A formação de grupos autônomos, é levantada pelas mulheres entrevistadas como uma das principais estratégias de fortalecimento da demanda das mulheres na região. Algo muito comum nas comunidades e assentamentos. De acordo com um diagnóstico feito pelo cf8 na Região Oeste, envolvendo onze municípios, existe uma considerável organização social das mulheres na região. Das 715 mulheres entrevistadas, 63% participam de alguma organização social no assentamento ou comunidade. 48 A marcha nos mostrou um caminho, nos deu um norte. Olhando para trás, vemos que dávamos volta em circulo (...). Nós queríamos organizar as mulheres, que elas ganhasse mais autonomia, que tivesse mais liberdade, mas não sabíamos onde ir para construir essa realidade(...) Falávamos , apenas, de temas “de mulheres”. Por exemplo, violência contra as mulheres, saúde (...) não percebíamos que as outras coisas também tinham a ver com a vida das mulheres. Que era importante olhar para o mundo delas. Elas nos diziam: a produção tem haver com a vida das mulheres, a associação local, os créditos, os agrotóxicos, os transgênicos tudo isso tem haver com a vida das mulheres. Nós não tínhamos intervenção no local (...) como se só o grupo organizado bastasse para as mulheres se sentissem fortes para decidir suas vidas e participassem das decisões da associação. Hoje temos formação e articulação com a assistência técnica e com os outros locais. Vimos à necessidade de fazer mais. E fazer com que as mulheres vejam o mundo como um todo (Tradução nossa). 152 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 O surgimento de uma articulação em nível nacional e internacional fez com que os grupos se fortalecessem em sua estratégia. A Marcha Mundial das Mulheres é o movimento feminista apontado por todas as participantes como um sujeito político que conseguiu estabelecer um caminho para as organizações de mulheres da Região Oeste. [...] a marcha nos fez perceber que nosso horizonte é maior que um projeto produtivo, nós precisamos de uma sociedade de igualdade onde homens e mulheres sejam consideradas iguais (Ivone, Entrevista concedida em 27/12/12- Grupo Focal 2). O que ocorreu na Região Oeste foi a vinculação de um conjunto de atores sociais entre si, em articulação com a MMM e com os movimentos sociais mais amplos como o Fórum Social Mundial, Redes de economia solidária, Articulação Semiárida (ASA). Essa dinâmica de vinculação, entre os grupos com uma articulação nacional e internacional, ajudou a criar um contexto regional em que os grupos construíam motivações externas, além das necessidades imediatas para manter-se organizado e buscar o acesso às políticas públicas e a experimentar construção de alternativas. Por outro lado, o que ocorre na Região Oeste, potencializa as lutas nacionais das mulheres, seja por sua constituição como sujeito, seja pela luta por políticas públicas. E muitas vezes têm um papel decisivo nas conquistas. Um exemplo é a conquista do crédito Pronaf - Mulher. Conquistou-se a política em nível de Governo Federal. No entanto, sem a organização dos grupos locais e a mobilização local, essa política de credito não teria o mesmo impacto, com relação ao acesso e a sua utilização, em vista da 49 autonomia das mulheres . De acordo com Beaulieu (2007), essa dinâmica dos grupos de mulheres é impulsionada pelo CF8, que assumiu em 2000, a construção da Marcha Mundial das Mulheres na Região Oeste Potiguar e em nível de Nordeste. “La intervención regional del CF8 hace que los grupos de mujeres y un conjunto de actores estén vinculados entre sí, 49 Sobre a mobilização para o acesso ao Pronaf- Mulher na Região Oeste Potiguar. O Governo Federal contratou uma consultoria para sistematizar a experiência do GT gênero e credito da região. Segundo a sistematização, a ideia inicial do GT era juntar, num mesmo espaço representantes de várias entidades envolvidas com acesso ao crédito(órgãos governamentais, assistência técnicas, operadoras de créditos, organizações de mulheres). O propósito era discutir em conjunto com as organizações das mulheres suas demandas, procurando esclarecer pontos obscuros e entraves que se apresentavam naquela ocasião. Na perspectiva de fazer com que uma política pública, no caso, o Pronaf-Mulher, objetivando-se entender suas possibilidades e limites, visualizar entraves e obstáculos relacionados ao seu acesso pelas mulheres e procurar resolvê-los com a participação ativa de todos os envolvidos no GT. 153 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 50 bajo la bandera de la MMM” (BEAULIEU, 2007). O enraizamento da organização de mulheres parece manter-se quando existe uma organização comprometida com a luta das mulheres e se propõe a ser uma das articuladoras do processo. Ou ainda, quando essa organização consegue ampliar sua atuação, sua influência e suas relações políticas como sugere ser o caso do CF8, sua articulação com a MMM e impulsionadora da dinâmica dos grupos locais da Região Oeste. Nesse contexto, toma-se como foco essa realidade a partir do conceito de redes elaborados por Castel (2000), conforme utilizado neste trabalho. Trata-se de uma estrutura social composta por pessoas e ou organizações, por um, ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Com essa concepção, pode-se considerar que, na realidade social da região, existe uma rede de organização social que ancora a experiência de organização das mulheres do Oeste Potiguar. Sendo assim, é possível perceber que as transformações nas quais as mulheres estão submersas, faz parte de tudo que está mudando em volta dessa experiência, inclusive delas mesmas. Além disso, segundo o autor citado, estamos vivendo em uma era de informações, onde a busca de novos referenciais deve ser compatível com os rumos e valores de uma nova sociedade, ou de uma nova realidade local. E pode ser isso que se configura na Região Oeste Potiguar. Ao se fundamentar na fala das usuárias do POPMR, percebe-se que as mudanças as quais elas se referem, também estão contaminadas pelo contexto de mudanças na qual a execução do programa está inserida. Muitas vezes as mulheres relatavam acontecimentos anteriores à execução. Mesmo considerando que as mudanças na vida das mulheres são acumulativas e processuais, tentou-se isolar a política considerando, apenas, os acontecimentos de 2008 até 2012. Isso não garante que uma mudança ocorrida nestes anos, não seja resultado de ações anteriores ou de uma articulação de ações ocorridas em espaços e tempos semelhantes. No entanto, foi a partir da fala das mulheres usuárias que vieram os relatos, com argumentações conexas das mudanças ocorridas em suas vidas. Quando se observa o indicador: nível de renda e acesso a serviços, uma mulher relata: Melhorou muito porque antes agente não tinha a venda dos produtos e hoje tem. Hoje vendo um artesanatosinho ali, uma poupinhas de lá (...) isso foi muito bom. 50 “A intervenção regional do cf8 faz com que os grupos de mulheres e um conjunto de atores estejam vinculados entre si” (Tradução nossa). 154 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Prá mim foi bom de mais. Como é que eu estava dando estudo a minha filha que estuda no IFRN? Se eu tenho que pagar 150,00 por mês prá ela ir até Apodi? Se não fosse o que ganho da fruta e do artesanato ela já tinha saído porque o pai tem mês que não ganha nem isso e só o bolsa família não dá, são 100 reais (...) (Joilma, entrevista concedida em 27/12/12 - Grupo Focal 1). O fato do POPMR propiciar a ampliação da produção e o espaço de comercialização de seus produtos foi a principal conquista relatada por todas as mulheres entrevistadas. Dimensionar o significado do acesso à renda dessa mulher, perpassa por elementos que vai além de dizer que antes ela não tinha o dinheiro de pagar o carro da filha ir para a escola e hoje tem. Alterou seu bem-estar, aqui entendido como mudanças que interfere positivamente nas condições individuais da pessoa (SEN, 2000). Reposicionou seu poder de negociação no interior da família apresentado por Sen (2000), através do conceito conflito cooperação. Nessa perspectiva, o autor afirma que as decisões familiares são balizadas por fatores externos, neste caso específico, foi reposicionada a partir da conquista da renda. Ou como afirmam Hirata (2007) e Faria (2010), quando dizem, que as relações familiares são permeadas de conflitos provenientes da divisão sexual do trabalho que separa e hierarquiza o que é tarefa de homem e o que é tarefa de mulher. Se olharmos a realidade daquelas mulheres houve um reposicionamento nas relações a partir do acesso a renda. Nessa direção, encontra-se também o seguinte depoimento: Se contar de 2008 pra cá agente melhorou muito. A renda ajudou aos maridos entender por que a gente sai de casa pra ir para as reuniões. Aí a agente negocia 51 tudo” (Osana, entrevista concedida em 27/12/12, Grupo Focal 1). A renda é a centralidade apresentada pelas mulheres para convencer os maridos e os vizinhos da importância de participar do grupo produtivo. Esse “tudo” está contido a sua vida, desde ir para as atividades produtivas até o direito de visitar os familiares nos finais de semana, ter direito a circulação livre. A renda é a porta de entrada para as mulheres buscarem sua autonomia. Observem o que diz a entrevistada: 51 Neste momento teve alguns risos e descontração no grupo, possivelmente indicando que as negociações são além do que os próprios maridos podem imaginar. Esses risos, aparentemente, estão relacionados ao laser que ocorre nos encontros e reuniões de mulheres e as conversas entre mulheres que também se apresentam como importantes momentos de conhecimentos e vivências de liberdades. 155 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Quando alguém dizia você gosta muito de andar, eu respondia: eu vou a busca de coisa prá mim, quer dizer prá mim não, prá nós” (Joseane-, Entrevista concedida em 27/12/12- Grupo Focal 1). Mulheres que antes eram privadas de liberdade, nas decisões da vida, reconquistam esse direito, compondo seus elementos capacitatórios ou ampliando suas capacidades. Essa ocorrência revela que a renda é importante, no entanto, não é o único elemento que define o bem-estar das mulheres do grupo. No momento que as mulheres percebem que a renda é o caminho para o convencimento dos maridos, elas utilizam como pretexto ampliar suas reivindicações. Se a renda fosse suficiente, a busca por acessos encerrava-se na conquista da venda dos produtos. Em nenhum grupo foram detectadas experiências em que a luta por conquistas encerraram-se com a aquisição da renda. Entre os três grupos investigados, existe um que iniciou a geração de renda em forma coletiva, e hoje estão produzindo individualmente, apenas a comercialização continuou coletiva. Os depoimentos de todas as mulheres participantes da pesquisa grupal, constatou que a forma coletiva promove maior autonomia entre as mulheres. No momento do debate apareceu argumentação de diversas ordens. Vale citar alguns, como forma de entender as argumentações das mulheres e considerar sua experiência: as mulheres ajudam umas as outras, o trabalho com os meninos era compartilhado por todas, se discutia sobre tudo, dificuldades com os maridos, o perigo dos agrotóxicos, sobre a associação do assentamento, sobre a escola dos meninos, dentre outros. Tais fatos se confirmam no relato a seguir: [...] a gente, trabalhava, se ajudava e se divertia ao mesmo tempo. [...] antes era melhor, eu achava muito importante a participação no grupo produtivo porque a gente tinha os diálogos, as conversas, o grupo produtivo foi a raiz de tudo que hoje a gente é. Tudo o que a gente conquistou foi através do grupo (Joana, entrevista concedida em 29/12/12- Grupo Focal 3). Evidencia-se, neste depoimento, que não é somente a renda que promove o bem-estar e transforma as mulheres como agente. Sen (2000), já percebeu isso quando formulou seu conceito de desenvolvimento. Segundo os escritos do autor, aferir renda é apenas um dos elementos necessários para o desenvolvimento. Neneide Lima em seu depoimento relata: 156 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Nós buscava o econômico. O valor podia ser pouco, mais era constante. Mais além do valor certo, lá nós tínhamos diversidade na alimentação, fruta para as crianças, agente comprava pouca coisa e melhor, comia sem veneno. Quando alguém tinha um problema, tinha todas por perto, existia muita solidariedade entre nós. E o povo de casa tinha que se virar sem agente pra fazer tudo a tempo e a horas (...) naquele tempo nós éramos importante, todo mundo vinha nos visitar. O dinheiro que agente ganha não substitui a nossa horta (Bibia, entrevista concedida em 29/12/12 - Grupo Focal 3). O desenvolvimento deve expandir as capacidades individuais das pessoas que precisam ascender a direitos. No caso desse grupo específico, ficou evidente o que Sen(2000) quer dizer com isso. A maioria das mulheres daquele grupo conseguiu manter a renda com outras produções individuais, após o término. Seja na produção dos quintais, no artesanato ou no beneficiamento da fruta. Algumas, inclusive, aumentaram a renda familiar. Das sete presentes, três têm renda superior ao período do funcionamento da horta. No entanto, todas afirmaram que voltava, se a horta voltasse a funcionar. A horta de Mulunguzinho, conhecida como horta do grupo de mulheres decididas a vencer, funcionou por um longo período e era composta por mulheres do assentamento. Segundo Silliprand,( 2011) é um grupo relativamente pequeno (cerca de vinte integrantes), mas, ao longo do tempo, foram aumentando em tamanho e em abrangência territorial. Foram criados com o objetivo de buscar alternativas de produção de alimentos para as famílias e também para gerar renda para as suas participantes. A preocupação das mulheres com a qualidade da alimentação e com a sustentabilidade da produção ao longo do tempo fez com optassem por produzir ecologicamente, cultivando uma maior variedade de produtos na mesma área, sem a utilização de agrotóxicos. Foram pioneiras na produção ecológica em sua região. Frequentemente a horta era alvo de visitas acadêmicas com o objetivo de construção do conhecimento, tanto na academia como nas organizações sociais. Funcionou de 1999 a 2010, e foi apoiada pelo POPMR, através do CF8 no ano de 2008. Nos relatos, elas afirmam que buscavam com a horta uma renda e conseguiram muito mais que isso. Conseguiram suprir necessidades que nem elas sabiam que tinham, como: a liberdade; apoio na realização das obrigações do trabalho doméstico; acesso as políticas públicas e a alfabetização, solidariedade, bem-estar. Olhando para a teoria de Sen (2011), pode-se afirmar que a horta contribuiu para superar algumas das denominadas privações que impedem a expansão das capacidades. 157 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 No depoimento a seguir, esse fato fica constatado: Na feira eu levo chapéus e o pessoal da várzea traz manga, melancia, cheiro vede, ai eu troco com o chapéu. Eu dei um chapéu a ela e ela me deu 3 reais de cheiro verde. Nem ela ficou com meu dinheiro nem eu fiquei com o dinheiro dela. Eu precisava das verduras e ela do chapéu. A gente vai levando assim (Joilma, entrevista concedida em 27/12/12- Grupo focal 1). Percebe-se que o programa, através da produção e das feiras, propiciou o desenvolvimento para além de aferir renda. Na expressão “Eu precisava das verduras e ela do chapéu”. Demonstra que as privações podem ser evitadas, mesmo, sem ocorrer à aferição renda monetária. A promoção a acesso a bens de consumo, é uma das formas de efetivação e neste caso, a troca de utensílios por verduras saudáveis é uma troca solidária que instiga a promoção de um desenvolvimento como liberdade (SEN, 2000). Segundo Sen (2011), para que haja desenvolvimento é necessário evitar as privações, como as necessidades de liberdade, como pobreza e tirania, carência de oportunidade econômica, negligência dos serviços públicos e a intolerância de um estado repressivo. Essas privações de capacidades podem se materializar em: morte prematura, subnutrição, morbidez, analfabetismo. De acordo com os relatos das mulheres, a experiência de Mulungunzinho promoveu o desenvolvimento e consequentemente contribuiu para o bem-estar e a condição de agente das mulheres. Ainda sobre o tema da renda monetária, as mulheres apontaram lacunas do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais que vão ao mesmo raciocínio das agentes. A falta de infraestrutura, de acordo com elas, acarreta dificuldades de comercialização para compras governamentais como o PAA e o PNAE, já que a infraestrutura dos grupos não está adequada para o beneficiamento da produção; a ausência de documento jurídico como a DAP, ou a burocracia para ter acesso, dificultam a ascensão ao crédito e a outros programas de governos; a legislação e a burocracia brasileira dificultam a ampliação do mercado, já que as leis são feitas baseadas na produção agrícola em grande escala, inadequada para a pequena produção. Por último e não menos importante, as mulheres apresentaram como lacuna a descontinuidade do programa. Em função disso, alegam que um ano de execução não corresponde a necessidade dos grupos de mulheres no que se refere à produção organização e comercialização. 158 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Quanto ao indicador: ampliação das capacidades de intervenção das lideranças, retoma-se a preocupação já apresentada. O processo de construção de lideranças é contínuo e depende de contextos de lutas que estejam interligadas com a ação coletiva. A legitimidade de lideranças de grupo pode estar relacionada a três dimensões: formação política, condução de lutas e processos e as capacidades individuais adquiridas no cotidiano. No entanto, estas dimensões são condicionadas por fatores estruturantes. De acordo com Cintrão e Siliprand (2011), a dominação econômica e cultural à qual estão submetidas às mulheres rurais dentro da família, faz terem, também, dificuldades para exercerem lideranças no mundo público, perpetuando um círculo vicioso de “não-direitos”, de “não-cidadania” e de participação desigual no desenvolvimento. No entanto, a organização social, protagonizada pelos grupos de mulheres e sua vinculação entre si e com as demais organizações atuantes na Região Oeste, propicia um ambiente de construção de lideranças e fortalecimento das capacidades das mulheres, como agentes capazes de mudar o ambiente e a si mesmas. Fala-se isso, sem perder de vista que existe uma realidade estruturante de hierarquia de poder, já debatida neste trabalho. Sobre o processo de ampliação das capacidades de lideranças das mulheres na região, existem vários processos em andamento. A ampliação de atuação das lideranças, seja em espaços geográficos, ou em nível de legitimidade política, possibilita o surgimento de novas lideranças com capacidade de articulação e condução de processo. Ao mesmo tempo desenvolve, em algumas realidades da região uma disputa de espaço no interior dos grupos de mulheres. Fator considerado normal em organizações sociais. No entanto, esse fator não paralisa os processos de conquistas nos diversos grupos da região. Em 2008, com o fortalecimento da rede Xique-Xique, várias lideranças de mulheres ampliaram suas capacidades e assumiram novas tarefas no interior dos grupos produtivos. Com a execução do POPMR, a rede Xique-Xique, potencializou as lideranças das mulheres da rede. Como afirma a técnica responsável pela execução, “nós não criamos lideranças, apenas contribuímos que elas acreditassem em seus potenciais de articuladoras”. A experiência da rede nos dá pista que houve no período de 2008-2012, o fortalecimento de novas lideranças e a ampliação das capacidades das lideranças da Região Oeste Potiguar. 159 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Durante os grupos focais, no momento da apresentação, a grande maioria das mulheres presentes, faz parte da coordenação do grupo de mulheres e diversas outras organizações. Como forma de demonstração, será apresentada uma relação das organizações mais comuns, entre as mulheres: associações do assentamento ou comunidade; sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais (STTR); coordenação oeste das trabalhadoras rurais; rede xique-xique; marcha mundial das mulheres. Além das mais comuns, foram citadas outras, em nível estadual e nacional: fórum estadual e nacional de economia solidária; conselho nacional de economia solidária; e comitê gestor do POPMR. Destaca-se aqui uma das falas que pode representar a amplitude da representação das mulheres da Região Oeste Potiguar: Eu tenho uma vida muito corrida. Vivo aqui no assentamento, mas como hoje represento também a rede xiquexique e outras representações, eu também saio muito daqui do assentamento. Por isso eu me ausento muito daqui do assentamento. Quando chego em Mossoró corro pra cá (Neneide, entrevista concedida em 29/12/12- Grupo Focal 3). A rede Xique-Xique é uma das principais redes de economia solidária do Nordeste, com legitimidade nacional. Sua diretoria é constituída de 90% de mulheres. Essa afirmativa permite a existência de um potencial para legitimar as lideranças dirigentes, desde a fundação, e fortalecer as novas. Um exemplo ocorreu, recentemente, com a nova diretoria. Houve uma renovação com readequação de representação das lideranças da gestão passada. Esse fato possibilitou que a coordenadora atual fortalecesse seu potencial de liderança e a da gestão passada continuasse com a sua legitimada, com representação da rede em alguns espaços estabelecidos pela atual gestão. Ainda, durante as apresentações, um fato recorrente foi o poder que as mulheres exerceram nas associações do assentamento/ou comunidade. Duas participantes se apresentaram como presidente e uma terceira como tesoureira. Isso demonstra o que já foi diagnosticado pelas agentes, quando afirmam que existe, na comunidade, uma legitimidade dos grupos de mulheres e em alguma medida, sua organização serve de exemplo para a comunidade. Algo que também se fez presente durante o processo investigativo, nos grupos focais e também nas entrevistas com as agentes, foi à percepção da existência de disputa de 160 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 espaço em algumas situações. Muitas vezes, segundo relato das próprias mulheres este fato é pouco discutida e faz estagnar procedimentos e evitar avanços na multiplicação de lideranças. As mulheres rurais da Região Oeste que participam de grupos produtivos percebem que, historicamente, o cuidado da casa e da família foi destinado às mulheres e que antes não existia conflito sobre essa atribuição. Para a família e para as próprias mulheres, o trabalho do cuidado sempre foi destinado a elas. Sobre as tarefas domésticas Silliprandi (2011) afirma que as difíceis condições de infraestrutura da zona rural, trazem impactos importantes no rendimento do trabalho e nas jornadas das mulheres rurais. As desigualdades entre os meios urbano e rural e entre as regiões do país é coextensiva às desigualdades de gênero, entre homens e mulheres rurais. As mulheres consideraram que a aquisição de bens como uma plantação, criação de animais e participação em grupo produtivo, ampliam sua capacidade de negociação no trabalho doméstico. No conjunto dos depoimentos das mulheres, a visão sobre a responsabilidade com o trabalho doméstico sofreu alterações significativas. Essa mudança se deu, a partir da participação dos grupos produtivos, especificamente depois de 52 2008, quando se iniciou os debates sobre o trabalho doméstico com esses grupos. Nesse momento, se registra as análises da percepção das mulheres sobre o trabalho doméstico: Eu vim enxergar que as tarefas deveriam ser divididas, quando passei a participar do grupo. Quando a gente tem nossas coisas, aí a coisa muda. Eles parecem ficar mais bonzinhos” (Informação verbal). Essa questão pode ser apoiada na afirmação de Deere (2010), quando citando as teorias feministas, afirma que o poder de negociação das mulheres dentro de casa (na relação conjugal), também está relacionado com a posição que ocupa no interior da família e com os bens que possui, e que estão sobre seu controle. Essa fala expressa, também, as dimensões de desenvolvimento defendida por Sen (2000), quando diz que o conceito de agente está relacionado com as expansões das capacidades adquiridas. Seja no sentido 52 Consideramos 2008, data de inicio do debate, devido à memória das mulheres do grupo focal alcançar essa data, mesmo depois de repetidos questionamentos meus, durante a condição do grupo. No entanto, existem registros no CF8 de seminário específico para debater o tema com lideranças e técnicas datado em 2006. Isso não significa que não tenha ocorrido outros antes de 2006, ou que essas lideranças tenham participado do referido seminário. 161 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 econômico dimensionado pela expressão ”nossas coisas,” ou na expansão não econômica adquirida através da participação no grupo. Quando se analisa as falas das mulheres percebe-se que houve pequenas alterações. Podem não ser consideradas mudanças no sentido estrutural ou duradouro, mas indica uma mudança no bem estar das mulheres: Eu saia muito pra ir para as reuniões e chegava às 3 horas da tarde (...) quando eu chegava em casa o cachorro estava amarrado com os olhos triste, sem comida e sem água. Eu era que tinha que botar. As garrafas de água seca em cima da mesa. Eu era quem enchia. Hoje ele é quem enche as garrafas. E quando chego meu cachorro é feliz e de barriga cheia (Joilma, entrevista concedida em 27/12/12- Grupo Focal 1). Na fala das mulheres é possível perceber, não apenas, alterações na forma como elas olham para o trabalho doméstico, mas também na construção e no fortalecimento da sua autonomia, quando afirmam que o trabalho doméstico não é mais uma tarefa que as aprisionam no mundo de reprodução. Aqui relembra-se o que já foi percebido pelas agentes, quando afirmam que existe um redimensionamento no decorrer do tempo, dedicado ao trabalho doméstico na Região Oeste. Percebe-se a confirmação de uma mudança sobre a posição das mulheres em relação ao trabalho doméstico. Nesse sentido, há o reconhecimento do significado das mulheres trabalharem nos dois espaços, mesmo que ainda permaneçam na sociedade. Neste caso, percebe-se na comunidade, a mesma compreensão analisada por Woortemann (1991), em outros espaços. Segundo a autora, o espaço da casa e do roçado, distingue-se como definidores dos trabalhos pesados e de trabalhos leves, ou ainda, de trabalhos e não- trabalho, conforme esse depoimento: [...] achava que eu tinha a obrigação de acordar cedo, cuidar da casa, botar os meninos pra escola e depois ir trabalhar no roçado, voltar e começar a batalhar novamente (Informação verbal). O sentido dimensionado da expressão “cuidar da casa, botar os meninos pra escola” leva-se a compreender que ainda permanece a visão de que essas tarefas não são consideradas trabalho, quando comparada com a expressão “trabalhar no roçado”. Tal afirmativa revela uma conscientização das mulheres de seu trabalho na roça, e ao mesmo 162 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 tempo, a confirmação do trabalho na roça como um trabalho pesado com valor social definido. Considerando outro aspecto relacionado com a infraestrutura necessária para a redução das horas de trabalho doméstico, Silliprandi (2011), afirma que entre 2003 e 2009, manteve-se a tendência do período anterior de melhorias no acesso dos domicílios rurais à infraestrutura básica. Mas, ao mesmo tempo, sabe-se da permanência de desigualdades e de grandes carências, em especial nas regiões Norte e Nordeste. Segundo a autora, a falta de estrutura dificulta a redução da jornada de trabalho das mulheres rurais. Nos três grupos produtivos estudados não existe nenhuma infraestrutura voltada para a socialização do trabalho doméstico. Teve um relato do grupo de Mulunguzinho, sobre um projeto elaborado pela UFRN, para a construção de uma creche e 53 escola integral no assentamento .Nesses assentamentos e comunidades, há uma total omissão do estado com relação à socialização do trabalho doméstico. A questão que se coloca é a mesma indagada nos escritos de Faria (2009): porque mesmo em situações em que ocorrem algumas mudanças, como, por exemplo, conquista da autonomia econômica, as mulheres continuam realizando o trabalho doméstico e ainda considerando uma atribuição sua? O trabalho doméstico deve ser divido entre os membros da família, não é só da responsabilidade das mulheres, mas da sociedade e do estado. Este último, com seu papel protetor, adquirido a partir dos pressupostos do estado de bem-estar social, tem a obrigação de proteger dos cidadãos e cidadãs. Na realidade rural, sobre a socialização do trabalho doméstico, essa proteção ainda não é vivenciada. Ai pode residir à causa da existência de tão pouca mudança na socialização das tarefas domésticas, mesmo que tenham ocorrido mudanças em direção à autonomia econômica das mulheres como é o caso da Região Oeste Potiguar. De fato, essa dimensão não acompanhou a velocidade da mudança nos demais aspecto analisados na pesquisa. Um aspecto importante desse processo é que as mulheres, através da construção cotidiana da Marcha Mundial das Mulheres, compreendem a condição de desigualdade em que vivem e percebem a ausência do estado nessa agenda política. Entretanto, não se sentem paralisadas diante das descobertas, ao contrário, transforma-se 53 Esse projeto é uma iniciativa do grupo pesquisa poder local desenvolvimento e políticas pública/UFRN. No qual discutiu com as mulheres uma proposta de equipamento social para socialização do trabalho doméstico. O resultado do projeto de intervenção foi a elaboração de um projeto contendo as reivindicações das mulheres para apresentar ao poder público municipal. 163 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 em desafios. A socialização do trabalho doméstico mantém-se na pauta de luta por equipamentos sociais, através das políticas públicas com creches e escola em tempo integral. As alternativas realizadas pelos grupos produtivos de mulheres e a negociação no interior da família, são amostras da sua constante busca pela socialização. Foram citados como exemplos, durante os grupos focais as alternativas construídas, nesse contexto, como, o berçário coletivo, quando as mulheres levam os bebês para a horta e todas cuidam, ou o diálogo que as mulheres têm com os maridos e filhos para “ajudar” nas tarefas de casa. Essas constatações servem de exemplos para demonstrar o quanto às mulheres estão atentas a essa temática. Por outro lado, confirma-se que para ocorrer uma ampla socialização do trabalho doméstico é necessário visibilizar essa tarefa invisível aos olhos de pesquisadores, gestores e sociedade e ao mesmo tempo valorizá-la socialmente. Só assim, as mulheres conseguirão sua socialização com o estado, a sociedade e os demais membros da família e ampliarão o nível de mudança que vem ocorrendo em suas vidas. Como uma forma de visualizar as mudanças ocorridas na vida dessas mulheres nos últimos dez anos, retomam-se os depoimentos iniciais deste tópico. Agora não mais falando do passado. Conforme o posicionamento de Irene, ela diz que: Hoje nós somos reconhecidas, todo mundo conhece o grupo de mulheres de sitio do Goes. As pessoas, antes tinham vergonha de ser agricultora. Eu nunca tive. Tenho minha casa, minha terra, meus bichos, posso dizer que vivo bem. E, ainda que conhecessem muitas coisas e aprendemos muitas coisas através dos movimentos. Aqui as mulheres já fizeram de um tudo: Viajamos, reivindicamos, vimos Dilma, pegamos estrada daqui para São Paulo, conhecemos lugares pessoas, tudo isso é conhecimento e se não fosse esses projetos, essas entidades, nada disso tinha acontecido na nossa vida. Até Lula já veio a Apodi (Irene, entrevista concedida em 27/12/12- Grupo Focal 2). O depoimento demonstra que ouve efetivações na vida dessas mulheres. Suas capacidades foram ampliadas nas diversas dimensões. As condições materiais foram alteradas, quando afirma que hoje tem casa e terra. Se olhar o depoimento que representa o passado, essa mesma entrevistada, diz que “trabalhava em terra dos outros”. Ter acesso as condições materiais faz com que amplie as capacidades das mulheres de decidir suas próprias vidas. O reconhecimento social é considerado não só com os ganhos materiais, 164 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 mas com o respeito simbólico adquirido através dos movimentos sociais feminista. Isso demonstra que se transformar em agentes do desenvolvimento é para as mulheres um elemento fundamental para seu reconhecimento social. Além disso, o fato da participação social ampliar seus conhecimentos através das viagens realizadas e das conquistas adquiridas faz com que essas mulheres sejam referência comunitária. Algo que não se percebeu como alteração foi à responsabilidade do trabalho doméstico. Isso indica que mesmo com as mudanças ocorridas na vida das mulheres, a divisão sexual do trabalho, em alguns casos, segue tendo uma dinâmica própria, sem alteração perceptiva. O segundo depoimento de também revela efetivações, Neneide Afirma: Eu tenho uma vida muito ocupada. Vivo aqui no assentamento, mas como hoje represento também a rede xique-xique e outras representações [...] por isso eu viajo muito. Por isso eu me ausento muito daqui do assentamento. [...] Hoje a gente trabalha com apicultura. E com horta nos quintais. Eu adoro aqui, gosto do que faço. Eu sou outra pessoa. Procuro conhecer as coisas [...]. Eu sei que o que nós fazemos aqui é muito importante para as mulheres. E aonde nós vamos, seja em Brasília, São Paulo, onde for às pessoas dizem que nós temos uma história muito bonita. Não eu Neneide, individual, que vou representando a rede Xique- Xique, mas a nossa história, construída por todas nós (Neneide, entrevista concedida em 29/12/2012- Grupo Focal 3). A representante, exemplificada anteriormente, que casou com 14 anos e teve o primeiro filho com 15 e o último com 18, em 11 anos tornou-se uma liderança reconhecida nacionalmente. Essa realidade é parte do contexto dinâmico que ocorre na região Oeste e para muitas dessas mulheres o POPMR é parte integrante desse processo. Este exemplo não pode ser considerado isolado, nem tal pouco algo passageiro. Depois de conquistar suas condições materiais, essas mulheres ampliaram suas capacidades, para além do indicador econômico. Elas são pessoas que mudaram suas vidas e o meio em que vivem. Já que utiliza seus aprendizados para ampliar o movimento que participa. No caso da entrevistada, esta contribui em diversos espaços do país no tema do Feminismo, agroecologia e economia solidária. O posicionamento de Joilma também confirma as mudanças: Eu tenho 24 de casada, de cuidar de uma casa e varrer terreiro, e posso dizer que 19 foi perdido. Quando eu me lembro que achava que quintal não prestava pra 165 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 nada e hoje eu tenho de um tudo no meu quintal. Por que temos nós agora cuidamos ele. No meu quintal têm hortaliças naturais, plantas medicinais têm limão, acerola, cheiro verde. Até televisão velha cheia de coentro plantado, eu tenho. Em 2008, foi quando tudo começou. Foi exatamente quando começou o grupo da polpa. Foi em 2008. A primeira vez que elas vieram aqui, fizeram oficinas, visitas aos quintais, reuniões. A partir daí nós não somos mais as mesmas (...) fortalecemos nossa participação na feira da agricultura familiar (...) fazemos nossa própria feira em Mansidão e fazemos parte da Marcha Mundial das Mulheres, só isso dá pra você imaginar o quanto nossa vida mudou (Joilma, entrevista concedida em 27/12/2012- Grupo Focal 1). Este depoimento indica que as atividades domésticas também foram alteradas. E fica nítido que o acesso ao POMR teve uma contribuição definidora. Foi no ano 2008 que iniciou a execução neste grupo e segundo a entrevistada, foi a partir desta data que sua vida começou a mudar. Mais uma vez o depoimento demonstra que o acesso às políticas contribuiu para ampliar as capacidades das mulheres, seja nos aspecto econômico através da venda das polpas; no consumo saudável através do consumo das frutas plantadas de forma agroecológica no quintal; na reorganização das responsabilidades do trabalho doméstico e por fim contribuiu com a expansão das capacidades de lideranças através da participação na Marcha Mundial das Mulheres. As análises comparativas entre o depoimento das mulheres, quando relatam, inicialmente, suas vidas antes de se constituíram como agentes do desenvolvimento e os relatados acima, após o acesso ao POPMR, permitem afirmar que houve efetivação da política na vida das mulheres. Avaliadas por elas, como imensuráveis. No entanto, considerando as escolhas teóricas e metodológicas feitas nesta pesquisa pode-se afirmar que o POPMR teve efetividade para as mulheres da região Oeste Potiguar. Segundo os indicadores constituídos ocorreu aumento da renda financeira; houve a ampliação das capacidades nas lideranças e adveio a desnaturalização do trabalho doméstico como uma tarefa de responsabilidade feminina. 166 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa dissertação os conceitos de Desenvolvimento e Políticas Públicas estão interligados com a autonomia econômica das mulheres rurais. A articulação dessas temáticas possibilitou a avaliação da efetividade do POPMR na Região Oeste Potiguar. A Avaliação de Efetividade realizada nesta pesquisa pode ser considerada uma contribuição científica em diversos ramos da ciência, entre eles: a economia feminista; a avaliação de políticas pública e a temática do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento apreendido por Amartya Sen, serviu de aporte para perceber a expansão das capacidades das mulheres rurais. Não seria ousado afirmar que só apenas com base na articulação do conceito de desenvolvimento de Sen (2000), com outros conceitos, como a divisão sexual do trabalho, autonomia econômica e economia feminista, foi possível desvendar as tessituras, entre a luta feminista na Região Oeste, o acesso às políticas e suas efetivações. Nesta avaliação debate-se a noção de desenvolvimento considerando a trajetória da construção do conceito e seus deslocamentos teórico-políticos. O estudo de Sen (2000), sobre desenvolvimento se apresenta neste trabalho como uma ampliação do conceito de desenvolvimento sustentável e o chamado desenvolvimento humano. Nesse contexto, esse conceito é concebido como uma expressão da ampliação das capacidades das pessoas. Os indicadores econômicos, antes único indicador para medir o desenvolvimento de um país, passam a categoria de um, entre vários indicadores, com a mesma importância dos indicadores da igualdade de gênero. A análise realizada nessa pesquisa possibilitou afirmar que construir desenvolvimento à luz dos escritos de Sen, significa promover a autonomia econômica das mulheres, baseada no conceito de agente do desenvolvimento, inter-relacionado com o de bem-estar. Isso significa, que o estado deve ser promotor de políticas para as mulheres com o propósito de incidir sobre as relações hierárquicas de poder, entre homens e mulheres e assim promover o desenvolvimento da nação. Os estudos da economia feminista entendem o sistema de produção e reprodução como uma unidade. Fato esse que contribuiu para perceber a importância do trabalho doméstico e do cuidado. Esses estudos trazem, ainda, dois aportes importantes para este trabalho: a divisão sexual do trabalho, entendida pela separação e hierarquização 167 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 das atividades de homens e mulheres; e a autonomia econômica, entendida, mais que autonomia financeira, como a capacidade das mulheres de serem provedoras de seu bem- estar e da comunidade. Através dos estudos da economia feminista teve-se a constatação de que as políticas públicas podem contribuir com a autonomia das mulheres, tanto no campo financeiro, como na transformação de sujeito capaz de mudar suas vidas e da sociedade que vive. Demonstra que a política para as mulheres deve estar preocupada com a esfera produtiva e reprodutiva, incidindo sobre a valoração do trabalho doméstico e do cuidado. No caso da Região Oeste, constata-se a contribuição do Estado na autonomia das mulheres, ainda com deficiências na promoção de políticas para resolver a questão da socialização do trabalho doméstico. Quanto à temática da avaliação de políticas públicas, a pesquisa constatou que só com uma rigorosa definição teórico-metodológica é capaz se construir uma avaliação sistemática dos programas sociais. O conceito de efetividade teve como base os estudos de Arretche (2001), quando compreendida como as mudanças ocorridas na vida das pessoas, sejam positivas ou negativas. No caso deste trabalho, efetividade significa as efetivações ocorridas a partir da ampliação das capacidades (SEN, 2000). O acesso às políticas públicas é parte do conjunto das capacidades no sentido de ter uma vida com liberdade de escolher como viver. O percurso da avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar constitui-se como um duplo desafio, seja porque a elaboração e implementação de políticas públicas para as mulheres é embrionário em suas instâncias municipais, estaduais e federais. Seja porque se considera que as conquistas, os resultados das políticas públicas na região são parte de um processo que envolve organização, mobilização, construção de movimento feminista e acesso às políticas públicas. Neste contexto, os resultados que se apresentam têm uma estreita relação com a dinâmica organizativa das mulheres e sua vinculação entre si. Pode ser compreendido como o processo que Castell (2000), denominou de redes de organizações capaz de potencializar o tecido social de uma região. Se por um lado, essa realidade indica que ocorre, na região, uma mudança de contextos, nas quais as mulheres são partes, ao mesmo tempo dificulta afirmarmos que os resultados mencionados pelas mulheres possam ser atribuídos, somente, ao acesso a uma política. Aqui, prefere-se afirmar que existe um 168 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 conjunto de transformações em curso e o acesso à política é parte importante neste contexto político. A análise das entrevistas com as gestoras possibilitou demonstrar que assim, como em outros países, existem dificuldades estruturais no processo de elaboração e implementação da política para as mulheres. No caso específico das mulheres rurais, ocorreram condicionantes semelhantes às demais instâncias de governo nas experiências da América Latina. No entanto, as possibilidades construídas a partir das decisões políticas do MDA ocasionaram ganhos, ainda não diagnosticados em nenhum outro Ministério durante a Gestão Federal dos últimos dez anos. Não é demais afirmar que essa experiência também é singular, considerando as demais experiências da América Latina. Neste caso, a DPMR tem dois diferenciais das experiências latinas. A diretoria está na instância decisória de poder do MDA. Algo que não ocorre nas demais experiências. Essa ocorrência permite uma maior autoridade diante das demais áreas do Ministério que possibilita condições de disputar a elaboração da política. Um segundo diferencial é o fato do diálogo com os movimentos sociais. Na hora que o Estado está constituindo uma agenda específica para as mulheres em conjunto com o movimento, o tipo de diálogo muda, porque não se está discutindo, apenas o atendimento a uma demanda genérica, está se dialogando qual a melhor política e qual a melhor forma de executá-la. Nisto, reside o diferencial da experiência. No discurso das agentes intermediárias, se fez presente as mudanças ocorridas na vida das mulheres e a confirmação de que existe uma reacomodação da divisão sexual do trabalho na realidade rural da Região Oeste Potiguar. Também se confirmou que as mulheres passaram a atuar como agentes do desenvolvimento, fato que transformou suas vidas e seu meio. As mulheres passaram a dedicar um maior tempo às tarefas do mundo público e forçou uma readequação do trabalho doméstico, seja na ampliação do número de pessoas responsáveis pela tarefa, em virtude da ausência da figura “dona de casa”, seja pela readequação de horários e tempo gasto em cada atividade, considerando que parte do tempo das mulheres foram ocupados com o mundo público. As mulheres rurais da Região Oeste, usuárias do POPMR, tiveram mudanças positivas nas suas vidas: na renda, na sua condição de agente ou liderança, no seu poder de negociação no interior da família e, consequentemente, na readequação do trabalho doméstico. 169 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 A conquista da renda, ou a ampliação desta, foi um dos fatores presentes no discurso de todas as mulheres entrevistadas. Antes não existiam espaços de comercialização dos seus produtos e tão pouco incentivo à produção. Com o contexto de mudanças ocorridas na Região Oeste, as mulheres, atualmente, conseguem negociar parte dos seus produtos e ampliar a renda familiar. No entanto, essa não é a principal conquista, ou a única mencionada pelas mulheres. O reconhecimento social, a conquista do bem estar na família, pelo fato de “ser considerada gente”, aparece com mais ênfase na fala das mulheres. A dinâmica das articulações políticas, a formação, a construção de movimentos feministas e os acessos às políticas públicas, permite afirmar que ocorreu a ampliação das capacidades de lideranças das mulheres, na região analisada. Ser apontadas como um referencial positivo em suas comunidades é parte de uma conquista que amplia o poder das mulheres na sociedade e, nas negociações de âmbito familiar, o que, ainda permite uma renegociação das atividades e responsabilidade doméstica. Se por um lado percebemos mudanças na vida das mulheres, por outro, ainda existem desafios do ponto de vista estrutural a serem enfrentados para ampliar as transformações. O trabalho doméstico, relacionado à atenção com os filhos e com os parentes que compartilham o mesmo lar, além das atividades diárias de gestão doméstica é, ainda, um condicionante para o avanço das conquistas das mulheres rurais. Na Região Nordeste, a ausência de infraestrutura, seja para produção, ou para a reprodução, é uma realidade limitadora. Inexiste no Oeste Potiguar, estrutura ou qualquer iniciativa do Estado para socialização do trabalho doméstico no campo. Enquanto as políticas estatais vêm contribuindo para a esfera produtiva, no trabalho da reprodução, existe uma total ausência do poder estatal. Do ponto de vista da avaliação da política e de seu acesso, o POPMR, ainda precisa avançar em dois aspectos: no burocrático, principalmente em termos de acessibilidade dos direitos, já que a única forma das mulheres acessarem as políticas que as beneficiam, é através das ONGs, limitando as mulheres de localidades que não tenham ou que estejam distantes desse tipo de organização; outro aspecto refere-se à adequação da legislação para comercialização dos produtos das mulheres. Tais legislações exigem intraestrutura que as mulheres não dispõem em suas realidades de pequena produção. Diante desses resultados, percebe-se que as políticas de promoção à autonomia econômica das mulheres, ainda necessitam ser complementadas com as demais políticas 170 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 estatais, como: educação infantil; creches; políticas de infraestrutura; e, a alteração da legislação para a agricultura familiar. Como se vê essas políticas, nessa investigação, são fatores essenciais para que o POPMR continue ampliando as capacidades das mulheres rurais. 171 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Fortaleza: MEPF / Governo do Ceará, 1998. (Seminário sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável). AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. 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Objetivo geral da Pesquisa: Avaliar a efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar Objetivos específicos Indicadores Me da pesquisa ios de verificação 1) Descrever as características do -Números de acesso; Pesquisa Programa de organização produtiva -Número de projetos; empírica e das mulheres rurais na região Oeste -Entendimento das técnicas bibliográfica. potiguar. executoras do projeto sobre o projeto. 2) Investigar quais as mudanças -Nível de renda Antes e depois. IBGE, IDH, socioeconômicas o programa -Consumo alimentar; consumo e pesquisa ocasionou na vida das mulheres hábitos culturais, escolaridades. empírica. rurais da região Oeste Potiguar. -Acesso a territorialidade e deslocamento. 3) Analisar se a participação das - Número de reuniões e participação Pesquisa mulheres nas organizações sociais das atividades antes e depois do empírica. de mulheres contribuiu para projeto. facilitar o acesso ao programa e - Participação em atividades fora da dialeticamente se o acesso ao comunidade. programa fortaleceu a organização - Número de grupos catalogados na das mulheres. região que acesso o POPMR participando do movimento social feminista. 181 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 -Visibilidade das mulheres. -Organicidade dos grupos e sua relação com o movimento feminista. -Ampliação das capacidades de intervenção das lideranças. -Número de lideranças. 4) Investigar se a participação das -Total de horas dedicadas às Pesquisa mulheres rurais da região Oeste atividades domesticas. empírica. Potiguar no POPMR provocou um -Percepção das mulheres sobre a questionamento a divisão sexual do responsabilidade do trabalho trabalho no cotidiano das usuárias doméstico e do cuidado. da política e se ampliou suas -As atividades produtivas a partir do capacidades para conquista da acesso ao POPMR são continuidade autonomia econômica. ou ruptura das atribuições do doméstico. 182 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 APÊNDICE B - Questionário 1: Gestor público Para uso da Pesquisadora Município (da entrevista):_____________________________________________ Local (da entrevista): ________________________________________________ Data da entrevista: ________________________________________ (dia/mês/ano) Tempo de duração da entrevista: _________________________ (em horas/minutos) Entrevista: 1 ( ) Coletiva 2 ( ) Individual Observações:______________________________________________________ ________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Breve apresentação da pesquisa, Objetivo geral: avaliar a efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar. Objetivos específicos: 1) descrever as características do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar; 2) investigar quais mudanças socioeconômicas o programa ocasionou na vida das mulheres rurais da região Oeste Potiguar; 3) avaliar se a participação das mulheres no movimento social feminista contribuiu para facilitar o acesso ao programa; 4) investigar se a participação das mulheres rurais da região Oeste Potiguar no POPMR provocou um questionamento à divisão sexual do trabalho no cotidiano das usuárias da política e se ampliou suas capacidades para conquista da autonomia econômica. IDENTIFICAÇÃO (ENTREVISTADA OU ENTREVISTADO) 1. Nome: __________________________________________________________ 2. Sexo: 1 ( x ) Feminino 2 ( ) Masculino 3. Idade: _______________________(em anos completos) 4. Instituição/órgão: _________________________________________________ 5. Cargo/função: ____________________________________________________ 6. Quais estados acompanham:__________________________________ 7. É servidor efetivo ou cargo comissiona?__________________________ 183 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 8. Quando tempo está no cargo? _______________________________ (mês/ano) CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO 1. Existe na instituição uma equipe que pensa as políticas para as mulheres rurais? 1.( ) Não 2 ( ) Sim. Comente o tamanho e a composição: ___________________________ 2. Como você dialoga sobre as ações para as mulheres rurais em todo o governo? Existe fórum para isso? 3. Em quais instâncias da instituição são apresentadas, discutidas e reafirmadas ou contestadas às ações para as mulheres rurais? 1( ) Presidência 2 ( ) Ministérios 3 ( ) Secretarias 4 ( ) Coordenadoria 5 ( ) Equipes locais 6 ( ) Outras. Quais? _________________________________ 4. Com que público a sua instituição trabalha? 1( ) Agricultora familiar 2 ( ) Assentada da reforma agrária 3 ( ) Atingida por barragem 4 ( ) Quilombola 5 ( ) Pescadora artesanal 6 ( ) Quebradeira de coco 7 ( ) Seringueira 8 ( ) Ribeirinha 9 ( ) Indígena. Qual a etnia? _________________________________ 10 ( ) Extrativista 11( ) Trabalhadora rural 12 ( ) Liderança de movimento social ou sindical 13 ( ) Outro/s: Quais:________________________ (especificar) 14 ( ) Não sabe dizer 6. Qual é a composição do quadro de funcionários da instituição/departamento entre homens e mulheres? N° Homens------------N° de Mulheres----------------Total 184 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 DIFICULDADES DE ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES 1. Fale das dificuldades enfrentadas na execução das políticas públicas para as mulheres: 1 pessoal _________________________________________________________ 2 recursos ________________________________________________________ 3 Infraestrutura _____________________________________________________ 4 político _________________________________________________________ 5 Relação de pode __________________________________________________ 6 Relações de gênero no interior das estruturas estatais ____________________ SOBRE O PROGRAMA DE ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA- POPMR 1. Quais os princípios que norteiam o programa de organização produtiva e qual seus objetivos______________________________________________________ 2. Considerando todos os projetos desenvolvidos pela instituição, qual o numero de recurso destinado ao POPMR entre 2008-2012 especificamente para as mulheres rurais?Valor em reais: _______________________________________ 3. Qual o total de projetos aprovados e o número de beneficiarias nestes quase cinco anos? _______________________________________________________ 4.Em sua opinião o programa tem efetividade? 1( ) Sim. 2( ) Não Comente __________________________________________________________ 5. Existem outros programas que se complementar ou que se relacionam com POPMR? 1( ) Sim. 2( ) Não Se sim Especificar __________________________________________________ 185 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 APÊNDICE C - Questionário 2: técnica da ONG - agentes intermediários responsáveis pela execução e/ou ações do POPMR Município (da entrevista): _____________________________________________ Local (da entrevista): ________________________________________________ Data da entrevista: _______________________________________ (dia/mês/ano) Tempo de duração da entrevista: ______________________ (em horas/minutos) Entrevista: Individual Observações.______________________________________________________ Objetivos da pesquisa: Geral: Avaliar a efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar. Objetivos específicos: 1) descrever as características do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar; 2) investigar quais mudanças socioeconômicas o programa ocasionou na vida das mulheres rurais da região Oeste Potiguar; 3) avaliar se a participação das mulheres no movimento social feminista contribuiu para facilitar o acesso ao programa; 4) investigar se a participação das mulheres rurais da região Oeste Potiguar no POPMR provocou um questionamento à divisão sexual do trabalho no cotidiano das usuárias da política e se ampliou suas capacidades para conquista da autonomia econômica. IDENTIFICAÇÃO (ENTREVISTADA) 1. Nome: _________________________________________________________ 1. Idade: _______________________ (em anos completos) 2. Instituição/órgão: ________________________________________________ 3. Cargo/função: ___________________________________________________ 4. Município de atuação: ____________________________________________ CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO 1. Qual o público de atuação da ONG? 186 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 1( ) Agricultora familiar 2 ( ) Assentada da reforma agrária 3 ( ) Atingida por barragem 4 ( ) Quilombola 5 ( ) Pescadora artesanal 6 ( ) Quebradeira de coco 7 ( ) Seringueira 8 ( ) Ribeirinha 9 ( ) Indígena. Qual a etnia? __________________________________________ 10 ( ) Extrativista 11( ) Trabalhadora rural 12 ( ) Liderança de movimento social ou sindical 13 ( ) Outro/s: Quais: (especificar) ______________________________________ 14 ( ) Não respondeu/não sabe dizer 2. Qual é a composição do quadro de funcionários da ONG entre homens e mulheres? N° Homens -------- N° de Mulheres ---------- Total --------- 3. O corpo técnico da ONG já participou de algum processo de formação e capacitação sobre gênero? 1 ( ) Sim 2 ( ) Não PARTICIPAÇÃO DA ONG NA REGIÃO DE ATUAÇÃO 1. Além da execução do projeto, existe outras ações com mulheres no território? 1 ( ) Sim 2 ( ) Não (Se não vá para a questão 3) 2. A ONG na qual você atua, prioriza atuar diretamente em organização de mulheres? 0( )Não 1 ( ) Sim, prioriza atuar junto à Comissão de mulheres do STTR 2 ( ) Sim, prioriza atuar junto aos grupos produtivos 3. ( ) Sim, prioriza atuar junto aos movimentos sociais da região: 4. ( ) Sim, prioriza atuar junto a Coordenação Oeste das trabalhadoras rurais 5. ( ) Sim, prioriza atuar junto as mulheres do colegiado territorial 6. ( ) Sim, prioriza atuar junto aos movimentos feministas 187 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 7. ( ) Sim, prioriza atuar junto as mulheres da rede Xique- Xique 8 ( ) Em outros espaços. Especificar: __________________________________ 3. Há outras instituições que desenvolvem ações específicas para as mulheres? 1 ( ) Sim. 2( )Não Se sim. Especificar __________________________________________________ 3 ( ) Não sabe dizer AÇÕES DESENVOLVIDAS PARA O ACESSO AS MULHERES AS POLÍTICA PÚBLICAS. 1. De todos os projetos executados pela ONG no âmbito do MDA, quais as linhas temáticas mais trabalhadas pela ONG : 0 ( ) Ações para apoio à Organização e Mobilização. Temas:___________________________________________________________ 1 ( ) Ações de Formação Política e Capacitação em Gestão Econômica, Economia Feminista e Solidária. Temas:___________________________________________________________ 2 ( ) Ações de Formação e Capacitação para beneficiamento da produção e agregação de valor (panificação, produção de doces, compotas, conservas, artesanato etc). Temas:___________________________________________________________ 3 ( ) Ações de Formação e Capacitação para a promoção da Igualdade de Gênero, Geração, Raça e Etnia. Temas:_________________________________________________________ 4 ( ) Ações de Apoio à Organização Produtiva, à Comercialização e Geração de Renda. Temas:_________________________________________________________ 5 ( ) Promoção da Transição Agroecológica e da Segurança Alimentar. 6 ( ) Outras ações:_____________________________________________________ 188 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 2.Como as mulheres são contempladas no projeto executados mais recentemente? 0 ( ) Não são Contempladas 1 ( ) Beneficiárias 2 ( ) Participaram do processo de elaboração da proposta 3 ( ) São responsáveis pela gestão (planejamento, avaliação e monitoramento) do projeto 4 ( ) As mulheres são consideradas agentes de ATER e são remuneradas pelo projeto 5 ( ) Beneficiárias como multiplicadoras de conhecimentos 6 ( ) Valorização do conhecimento das mulheres 7 ( ) Identificação de grupos produtivos 8 ( ) Organização de grupos produtivos 9( )outra forma. Qual ________________________________________________ 3.Há estratégias específicas da ONG para garantir a participação das mulheres rurais nas atividades desenvolvidas pelo projeto? 1( )Sim 2( )Não (Vá para a questão 5) 3 ( ) Não sabe dizer 4.Quais as estratégias desenvolvidas pela ONG para garantir a participação das mulheres rurais nas ações desenvolvidas pelo projeto? 1 ( ) Convite nas comunidades específicos para as mulheres 2 ( ) Cotas de participação das mulheres em cada atividade. Quantos %________ 3 ( ) Cirandas ou atividades educativas para as crianças 4 ( ) Definição de datas e horários que possibilitem a participação das mulheres 5 ( ) Identificação de temas que mobilizam as mulheres 6 ( ) Não sabe dizer 7( ) Outras. Especificar:______________________________________________ 4. Em sua opinião, as mulheres rurais enfrentam dificuldades para acessarem as políticas públicas direciona à elas? Se sim, quais são essas dificuldades? 0 ( ) Não, não há dificuldades 1 ( ) Sim, elas enfrentam as seguintes dificuldades (ASSINALE QUAIS): 189 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 1.1 ( ) Falta de informação de como proceder ou onde ir 1.2 ( ) Não possuir todos os documentos para o acesso 1.3 ( ) A discordância do marido 1.4 ( ) Dificuldade de transporte/locomoção para ir ao local de atendimento 1.5 ( ) Acham as informações do atendimento confusas e desistem de acessar 1.6 ( ) Falta de tempo por que trabalha fora de casa 1.7 ( ) Falta de tempo por que trabalha nas tarefas de casa 1.8 ( ) Falta de tempo por trabalhar na casa, no roçado, no quintal quem elabore o projeto 1.9 ( ) Falta de quem apoie em elaboração de projeto 2.1 ( ) A burocracia para o acesso 2.2 ( ) Outras. Quais: _____________________________________________ ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA E COMERCIALIZAÇÃO 1. Você considera que se justifica uma política específica para as mulheres, ela é necessária? 1. ( ) sim ( ) 1( )não. Por quê? ------------------------------------------------------------------- ----2. Há iniciativas de apoio à organização produtiva das mulheres rurais na região além das desenvolvidas pela ONG? 1 ( ) Sim. Quais são as iniciativas e quais grupos _________________________ 2( )Não 3 ( ) Não sabe dizer 3. Que tipo de assistência/ ações foram oferecidas às mulheres no período da execução do POPMR? ___________________________________________ 4. Como pode ser classificada a participação das mulheres nas atividades? 1 ( ) ruim, 2( ) regular 3( )boa 4( )muito boa 5. Em sua opinião o projeto contribuiu para a autonomia das mulheres?________________________________________________________ 6. Como as comunidades têm encarado esse processo? A família e a própria mulher?____________________________________________________ 7. Em sua opinião, houve alteração nas relações no interior da família? 1( ) sim 2( ) não porque?_____________________________________________ 190 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 8. Quais as principais dificuldades das mulheres participarem das ações desenvolvidas pelo projeto? 1 ( ) trabalho domestico; 2 ( ) atividades domésticas; 3 ( ) criança; 4( ) estudo; 5 ( ) trabalho; 6 ( ) o marido não permite; 7( ) não gosta; 8( ) Outros: Especificar ________________________________________________________ 9. As mulheres que acessaram o projeto participam de algum tipo de associativismos (movimento sindical, feminista, grupo de mulheres, associação)? 1( ) sim 2( ) não Se sim quais_____________________________________________________ 10. Houve ampliação na renda, no consumo familiar, na escolaridade e no acesso aos territórios? 1 () sim 2 () Não 3.Se sim, média renda --------% Se sim; do aumento do consumo -------%; da escolaridade; do acesso aos territórios? 11. Houve alteração no número de mulheres participando das atividades? Se sim: justifique____________________________________________________ 12 .Houve aumento da participação das mulheres fora das comunidades? 1( ) sim 2( ) não Se sim, media em --------% 13 .O grupo catalogado que acessou o POPMR participa do movimento feminista? 1( ) sim 2( ) não Comente__________________________________________________________ 14. Em sua opinião ampliou a representação social das mulheres nas comunidades e ou assentamentos?----------------------------------------------------------- 15. Aumentou o número de lideranças? 1( ) Sim 2 ( ) não Comente:__________________________________________________________ 16. As lideranças já existentes ainda atuam?_______ se sim, o projeto conseguiu alterar suas capacidades como lideranças?__________________ 17. Total de horas dedicadas ao trabalho doméstico antes e depois do projeto? 191 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 Média:____________________________________________________________ 18. Em sua opinião, ocorreu alteração da percepção das mulheres sobre a responsabilidade do trabalho doméstico e do cuidado? _________________________________________________________________ 19. Em sua opinião as atividades produtivas a partir do acesso ao POPMR são de continuidade ou de ruptura com as atribuições do trabalho doméstico? _________________________________________________________________ 20. .Há participação dos grupos produtivos de mulheres apoiados pela ONG em feiras da agricultura familiar, de agroecologia, de economia solidária, e de economia feminista e solidária dedicadas à comercialização direta nos municípios do território? (inclusive feiras estaduais). ______________________ 0 ( ) Não há participação 1 ( ) Sim, há participação. Identifique ___________________________________ 192 Desenvolvimento e Autonomia das Mulheres: Uma Avaliação do POPMR na Região Oeste Potiguar – 2008/2012 APÊNDICE D - Roteiro do grupo focal- mulheres beneficiárias Objetivo da Pesquisa: objetivo geral avaliar a efetividade do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar. Objetivos específicos: 1) descrever as características do Programa de Organização Produtiva das Mulheres Rurais na região Oeste Potiguar; 2) investigar quais mudanças socioeconômicas o programa ocasionou na vida das mulheres rurais da região Oeste Potiguar; 3) avaliar se a participação das mulheres no movimento social feminista contribuiu para facilitar o acesso ao programa; 4) investigar se a participação das mulheres rurais da região Oeste Potiguar no POPMR provocou um questionamento à divisão sexual do trabalho no cotidiano das usuárias da política e se ampliou suas capacidades para conquista da autonomia econômica. QUESTÕES NORTEADORAS DO GRUPO FOCAL: Introdução: Falar da vida na comunidade/ assentamento, o cotidiano, da casa, do roçada, do quintal, da comunidade; como chegou? Porque veio? Em que alterou a vida morando naquela comunidade/assentamento? 1) Como é o trabalho doméstico? (quem faz quem ajuda) 2) Como é o trabalho do roçado? (quem faz quem ajuda) 3) Quais as melhorias que ocorreram no último período, ou nada mudou? 4) Como foi a execução do POPMR no grupo? (atividades, projetos elaborados, atividades produtivas, feiras, reuniões de organização). 5) Houve mudanças? Quais (renda, escolaridades, agende de desenvolvimento, consumo saudável). 6) A participação das mulheres dentro e fora da comunidade? Aumentou? Diminuiu? As lideranças estão desempenhando melhor seu papel? 7) As mulheres da comunidade estão mais fortalecidas? 8) Como é feito as tarefas doméstica, já que vocês têm uma ocupação a mais com o projeto produtivo?