UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA CARLOS EDUARDO VALLE ROSA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL NATAL, 2020 CARLOS EDUARDO VALLE ROSA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para a obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de Concentração: Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território. Orientador: Prof. Dr. Edu Silvestre de Albuquerque Natal, 2020 CARLOS EDUARDO VALLE ROSA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para a obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de Concentração: Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território. Orientador: Prof. Dr. Edu Silvestre de Albuquerque Data de Aprovação: 01/12/2020 Prof. Dr. Edu Silvestre de Albuquerque – UFRN – Orientador Prof. Dra. Eugenia Maria Dantas – UFRN – Membro Interno Prof. Dr. Julio Francisco Dantas De Rezende – UFRN – Membro Interno Prof. Dr. Augusto Wagner Menezes Teixeira Júnior – UFPB – Membro Externo Prof. Dr. Luciano Vaz Ferreira – FURG – Membro Externo Natal, 2020 DEDICATÓRIA À Aliette Valle, desde a tenra idade acometida de enfermidade que lhe restringiu a mobilidade e a acuidade auditiva, que de uma cadeira de balanço, na pequena varanda de uma apartamento, me ensinou a olhar o mundo geopoliticamente. À Ecila Valle Fernandes que, com o seu esposo piloto, viajou o Brasil de avião nas décadas de 60 e 70, adquirindo uma consciência geográfica mais ampla das questões nacionais. Aos Homens e Mulheres do Ar e do Espaço, que praticam no seu dia a dia, mesmo que inconscientemente, a geopolítica aeroespacial. AGRADECIMENTOS À Deus, que nos permite conduzir nossas atividades com saúde. Aos meus Pais, Luiz Eduardo e Maria Alice, e à minha Família, Hialy, minha esposa e meus filhos Maria Eduarda e Carlos Eduardo, que são o sustentáculo da nossa razão de ser. Ao Orientador, Professor Doutor Edu Silvestre de Albuquerque, um amigo que conquistei nessa longa jornada acadêmica, cujas posturas solidária e profissional ajudaram enormemente a pesquisa. Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela colaboração no desenvolvimento do projeto de pesquisa. A todos os colaboradores da pesquisa, sem os quais não seria possível obter uma parcela significativa das conclusões sobre a geopolítica aeroespacial. EPÍGRAFE “No princípio, Deus criou os céus e a terra [...]. E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez a separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi. E chamou Deus à expansão Céus, [...]. E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar, e apareça a porção seca; e assim foi. E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e viu Deus que era bom”. Bíblia Sagrada, Velho Testamento, Gênesis, vv. 1, 6-10. “Dez ou vinte bilhões de anos atrás, algo aconteceu no Big Bang, o evento que começou o nosso universo. Nessa explosão cósmica titânica, [...] as maiores estruturas reconhecíveis do universo haviam se formado. Nós mesmos habitamos algum canto perdido de uma delas – as galáxias. [...] O épico da evolução cósmica havia começado, condensando matéria do gás dos aglomerados de galáxias, estrelas, planetas e, eventualmente, vida e inteligência, capazes de entender um pouco sobre o elegante processo responsável por sua origem” (SAGAN, 1985, p. 145-146). RESUMO Definimos por ambiente aeroespacial o espaço geográfico formado pela conjugação entre espaço aéreo e espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas. A partir dessa hipótese, o objetivo da investigação foi analisar a relevância geopolítica desse ambiente aeroespacial, a ponto de formular o conceito de Geopolítica Aeroespacial. A partir da lógica hipotético-dedutiva, a pesquisa desenvolveu uma abordagem teórica acerca do objeto ambiente aeroespacial enriquecida por elementos empíricos. Na abordagem teórica, foi realizada uma pesquisa bibliográfica dentro e além do escopo geográfico e o levantamento de indícios factuais cujo esforço metodológico foi, inicialmente, caracterizar geograficamente o ambiente aeroespacial. Em seguida, a análise contextualizou geopoliticamente esse domínio, por meio da investigação de evidências nos campos da epistemologia da geografia, e de variáveis políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas. Na parte empírica, a partir da técnica de observação direta extensiva, a pesquisa coletou elementos para a elaboração de cenários prospectivos para a geopolítica aeroespacial no Brasil. Como resultado da investigação, foi constatado que a interdependência dos fenômenos políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos entre espaço aéreo e espaço exterior – em que pese suas geomorfologias distintas – permite compreendê-los de forma integrada, inclusive com o reforço da ideia de uma teoria de poder aeroespacial. Desde os primórdios da aviação até a era espacial, tais fenômenos nesse novo ambiente têm se tornado decisivos para a humanidade, configurando relações de poder, definição de territórios, criação de arcabouços jurídicos, reclamos de soberania e contenciosos que extrapolam as abordagens clássicas da geopolítica, voltadas à superfície. Quanto aos cenários considerados, a investigação gerou três situações distintas, sob os pontos de vista realista, idealista e uma conjunção de ambos, que indicam alternativas para políticas públicas do setor aeroespacial. A Tese chegou à conclusão de que os conflitos de natureza militar, mas também a exploração de recursos naturais, a crescente importância do transporte aéreo, o acesso às novas tecnologias da comunicação e da informação, o desenvolvimento econômico, a presença de ideologias e até mesmo a possibilidade de o homem melhor utilizar a atmosfera e explorar, ou habitar, novos corpos celestes revelam a demanda por uma Geopolítica Aeroespacial. Assim é que o ambiente aeroespacial consiste em novo campo investigativo da ciência geográfica, inclusive como palco de estratégias nacionais de defesa e de desenvolvimento, reforçando o papel relevante da Geografia para a sociedade. Palavras-chave: Geopolítica. Geopolítica Aeroespacial. Poder Aeroespacial. ABSTRACT The aerospace environment is defined as geographical space formed by the combination of air space and outer space, in which geopolitical relationships are established. Based on this hypothesis, the objective of the investigation was to analyze the geopolitical relevance of this aerospace environment, formulating the concept of Aerospace Geopolitics. From the hypothetical-deductive method, the research developed a theoretical approach supplemented by an empirical contextualization of the theme. In the theoretical approach, a bibliographic research and the survey of factual evidence was carried out whose methodological effort was, initially, to geographically characterize the aerospace environment. Then, the analysis contextualized geopolitics in this domain, by investigating evidence in the fields of geographical epistemology, and political, economic, technological, and ideological variables. In the empirical part, based on the direct extensive observation technique, the research collected elements for the elaboration of prospective scenarios for aerospace geopolitics in Brazil. As a result of the investigation, it was found that, despite having different geomorphologies, the interdependence of political, economic, technological and ideological phenomena between airspace and outer space allows us to understand them in a combined way, including reinforcing the idea of a theory of aerospace power. From the beginnings of aviation to the space age, such phenomena in this new environment have become decisive for humanity, configuring power relations, defining territories, creating legal frameworks, claims for sovereignty and disputes that go beyond classical surface approaches to geopolitics. As for the scenarios, the investigation generated three distinct situations, under the realistic, idealistic, and a blend of both points of view, which indicate alternatives for public policies in the aerospace sector. The Thesis concluded that conflicts of a military nature, but also the exploitation of natural resources, the growing importance of air transport, the access to new technologies of communication and information, economic development generated by the aerospace field, the presence of ideologies and even the possibility of man to better use the atmosphere and explore, or inhabit, new ones celestial bodies reveals the demand for Aerospace Geopolitics. Thus, the aerospace environment is a new domain for geographic science, including as a stage for national defense and development strategies, reinforcing the relevant role of Geography for society. Keywords: Geopolitics. Aerospace Geopolitics. Aerospace Power. RESUMÉN El ambiente aeroespacial pude ser definido como un espacio geográfico formado por la combinación del espacio aéreo y el espacio exterior, en el que se establecen relaciones geopolíticas. En base a esta hipótesis, el objetivo de la investigación fue analizar la relevancia geopolítica de este ambiente aeroespacial, hasta el punto de formular el concepto de geopolítica aeroespacial. A partir de la lógica hipotética-deductiva, la investigación desarrolló un enfoque teórico complementado por una contextualización empírica del tema. En el enfoque teórico, se realizó una investigación bibliográfica y la encuesta de evidencia objetiva cuyo esfuerzo metodológico fue, inicialmente, caracterizar geográficamente el ambiente aeroespacial. Luego, el análisis contextualizó la geopolítica en este dominio, al investigar la evidencia en los campos de la epistemología de la geografía y las variables políticas, económicas, tecnológicas e ideológicas. En la parte empírica, basada en la técnica de observación directa extensiva, la investigación recolectó elementos para la elaboración de escenarios prospectivos para la geopolítica aeroespacial en Brasil. Como resultado de la investigación, se descubrió que, a pesar de tener diferentes geomorfologías, la interdependencia de los fenómenos políticos, económicos, tecnológicos e ideológicos entre el espacio aéreo y el espacio exterior nos permite comprenderlos de manera combinada, incluido el refuerzo de la idea de una teoría de poder aeroespacial. Desde los inicios de la aviación hasta la era espacial, tales fenómenos en este nuevo ambiente se han vuelto decisivos para la humanidad, configurando relaciones de poder, definiendo territorios, creando marcos legales, reclamos de soberanía y disputas que van más allá de los enfoques clásicos de la geopolítica, frente a la superficie. En cuanto a los escenarios, la investigación generó tres realidades distintas, bajo los puntos de vista realista, idealista y una combinación de ambos, que indican alternativas para las políticas públicas en el sector aeroespacial. La Tesis concluyó que los conflictos de carácter militar, pero también la explotación de los recursos naturales, la creciente importancia del transporte aéreo, el acceso a las nuevas tecnologías de comunicación e información, el desarrollo económico, la presencia de ideologías e incluso la posibilidad de que el hombre utilice mejor la atmósfera y explore, o habite, nuevos cuerpos celestes revelan la demanda de Geopolítica Aeroespacial. Por lo tanto, el entorno aeroespacial es un nuevo dominio para la ciencia geográfica, incluso como tarima para la defensa nacional y las estrategias de desarrollo, lo que refuerza el papel relevante de la Geografía para la sociedad. Palabras-clave: Geopolítica. Geopolítica Aeroespacial. Poder Aeroespacial. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Geografia Política.................................................................................................... 36 Figura 2 – Geopolítica .............................................................................................................. 37 Figura 3 – Mare Tenebrosum ................................................................................................... 47 Figura 4 – Carta de Aeródromo – Aracajú/Santa Maria Internacional (SBAR), p. 1 .............. 65 Figura 5 – Carta de Área de Controle de Terminal – Fortaleza – CE. ..................................... 66 Figura 6 – Área de responsabilidade de controle de tráfego aéreo do Brasil ........................... 67 Figura 7 – Carta de Rota – H2 .................................................................................................. 68 Figura 8 – Área de lançamento de foguetes SBP 103 .............................................................. 69 Figura 9 – Da Terra para a Lua................................................................................................. 73 Figura 10 – Campo Gravitacional Terrestre ............................................................................. 79 Figura 11 – Tipos de Órbita ...................................................................................................... 83 Figura 12 – Pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra ............................................................ 86 Figura 13 – Pontos de Lagrange no Sistema Terra-Lua ........................................................... 87 Figura 14 – Cinturões de Van Allen ......................................................................................... 88 Figura 15 – Diferença de Energia Potencial Gravitacional ...................................................... 90 Figura 16 – Exploração em Asteroides .................................................................................... 92 Figura 17 – Virgin Galatic (White Knight Two e Space Ship Two) ...................................... 103 Figura 18 – Dimensão Empírica e Teórica do Ambiente Aeroespacial ................................. 108 Figura 19 – O Voo de Ícaro, por Jacob Peter Gowy............................................................... 111 Figura 20 – O “Padre Voador” e a ascensão de balões (1709) ............................................... 118 Figura 21 – Fotografia aérea de trincheira alemãs na 1ª GM – França, 1916 ........................ 123 Figura 22 – Mapa Azimutal Equidistante Centrado no Polo Norte ........................................ 145 Figura 23 – A Equação de Poder entre os continentes americano e eurasiano ...................... 147 Figura 24 – Bandeira dos EUA na superfície da Lua ............................................................. 167 Figura 25 – Movimento mundial de passageiros no transporte aéreo .................................... 171 Figura 26 – Transporte aéreo mundial de cargas (milhões de ton/Km) ................................. 172 Figura 27 – Criança Geopolítica e o nascimento do Novo Homem ....................................... 203 Figura 28 – Tripulação Multinacional da Expedição 60 ........................................................ 215 Figura 29 – Cenários prospectivos realizáveis ....................................................................... 226 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição percentual entre as categorias de participantes ............................... 245 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Classificação dos Tipos de Órbitas ........................................................................ 81 Quadro 2 – Classificação Físico-Funcional das Órbitas ........................................................... 82 Quadro 3 – Ambiente Aeroespacial – Objetos Geográficos Naturais e Artificiais .................. 94 Quadro 4 – Categorias analíticas e Ambiente Aeroespacial................................................... 104 Quadro 5 – Características do Realismo e do Idealismo ........................................................ 239 Quadro 6 – Elementos de cenários Realista e Idealista no ambiente aeroespacial................. 242 Quadro 7 – Categorias dos participantes ................................................................................ 244 Quadro 8 – Síntese dos Resultados dos Questionários ........................................................... 265 LISTA DE MAPAS Mapa 1 – As 15 maiores empresas de transporte aéreo do mundo (US$ por Km²) ............... 227 Mapa 2 – Os 7 aeroportos com o maior desenvolvimento no mundo .................................... 229 Mapa 3 – As 45 maiores empresas do setor aeroespacial do mundo ..................................... 230 Mapa 4 – Os 10 grandes centros de lançamento de veículos espaciais .................................. 232 Mapa 5 – Os 15 maiores orçamentos de defesa em 2018 (US$ bilhões) ............................... 233 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 1ª GM Primeira Guerra Mundial 2ª GM Segunda Guerra Mundial ACI Airports Council International ACT Área de Controle de Terminal AD Aeródromo AIA Aerospace Industries Association AIAB Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil AIP Aeronautical Information Publication ANAC Agência Nacional de Aviação Civil ASAT Anti-satellite Weapons AST Acordo de Salvaguardas Tecnológicas ATAG Air Tranportation Action Group AU Astronomical Unit BBC British Broadcastin Company CAN Correio Aéreo Nacional CCA Centro de Controle de Área CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos CIA Central Intelligence Agency CLA Centro de Lançamento de Alcântara CLBI Centro de Lançamento da Barreira do Inferno CNEOS Center for Near Earth Objects Studies COPUOS Committee on the Peaceful Uses of Outer Space CSLCA U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act CSLCA U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act CYGNSS Cyclone Global Navigation Satellite System DCTA Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial DECEA Departamento de Controle do Espaço Aéreo EEI Estação Espacial Internacional ESA European Space Agency ESG Escola Superior de Guerra EUA Estados Unidos da América FAB Força Aérea Brasileira FIR Flight Information Region FMI Fundo Monetário Internacional GEO Geoestationary Orbit GIFAS Groupement des Industries Françaises Aéronautiques et Spatiales GIS Geographical Information System GOES Geostationary Operational Environmental Satellite GPM Global Precipitation Measurement HE High Eliptical HEO High Earth Orbit IATA International Air Transport Association ICAO International Civil Aviation Organization ICBM Intercontinental Ballistic Missile ISO International Organization for Stantardzation ISS International Space Station ITU International Telecommunication Union JPL Jet Propulsion Laboratories KISS Keck Institute for Space Studies LEO Low Earth Orbit MAD Mutually Assured Destruction MEO Medium Earth Orbit MTCR Missile Technology Control Regime NACA National Advisory Committee for Aeronautics NASA National Aeronautics and Space Administration NEO Near-Earth Objects NOAA National Oceanic and Atmospheric Administration NORAD North American Aerospace Defense Command OECD Organization for Economic Co-operation and Development OMC Organização Mundial do Comércio ONG Organização Não-Governamental ONU Organização das Nações Unidas OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PEB Programa Espacial Brasileiro PESE Programa Estratégico de Sistemas Espaciais PHA Potentially Hazardous Asteroids PIB Produto Interno Bruto RAF Royal Air Force RIV Região de Informação de Voo SGDC Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações SIPRI Stockholm International Peace Research Institute SPS-91 Solar Power Satellite 91 TC Torre de Controle TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNCC United Nations Climate Change Conference UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNIDIR United Nations Institute for Disarmament Research UNO United Nations Organization UNWTO United Nations World Tourism Organization URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USAF United States Air Force USSF United States Space Force VHF Very High Frequency WMO World Meteorological Organization SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17 2 CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO AMBIENTE AEROESPACIAL .............. 46 2.1 O limite entre espaço aéreo e espaço exterior ................................................................. 50 2.2 Espaço aéreo: funcionalidade e localização .................................................................... 53 2.3 Espaço exterior: Terra, Lua e órbitas terrestres .............................................................. 70 2.4 Ambiente aeroespacial: um espaço geográfico ............................................................... 93 2.5 Ambiente aeroespacial: dimensão teórica e empírica ................................................... 104 3 GEOPOLITIZAÇÃO DO AMBIENTE AEROESPACIAL ......................................... 110 3.1 O ambiente aeroespacial como objeto da geopolítica ................................................... 116 3.2 A relevância do Ambiente Aeroespacial na Geopolítica .............................................. 156 3.3 Geopolítica Aeroespacial .............................................................................................. 216 4 CENÁRIOS DA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL ................................................. 220 4.1 Notas metodológicas sobre os cenários......................................................................... 224 4.2 As premissas teóricas das relações internacionais ........................................................ 237 4.3 Os cenários da Geopolítica Aeroespacial ...................................................................... 243 4.4 Síntese das apreciações dos experts .............................................................................. 264 5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 267 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 275 GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 314 ANEXO A – Termo de Comprometimento Livre e Esclarecido – TCLE.............................. 318 ANEXO B – Geopolítica Aeroespacial - Perguntas aos experts ............................................ 320 17 1 INTRODUÇÃO Eratóstenes de Cirene, cerca do ano 200 a.C., combinando os vocábulos geo (Terra) e graphia (escrever), cunhou a palavra grega γεωγραφία (geografia). Dela, surgiria a definição originária de Geografia como descrição da superfície da Terra. Naquele momento, o que se compreendia como ciência geográfica era, na verdade, uma corografia, ou o registro de características morfológicas de determinada superfície terrestre. Essa realidade foi demonstrada por William Smith (1870), no Dictionary of Greek and Roman Geography (Dicionário de Geografia Greco-Romana), quando compilou a compreensão fisiográfica que os geógrafos gregos e romanos, à época clássica, tinham sobre as terras por eles contatadas. Há, contudo, dentre os precursores da geografia da antiguidade helênica, tais como Heródoto, Hecateu de Mileto e Estrabão, uma preocupação para além do registro de percepções fisiográficas sobre determinadas regiões do planeta1. Havia, outrossim, a intenção de associar, de alguma forma, as questões de cunho histórico, político, religioso e cultural das terras e povos sobre os quais tinham conhecimento. Mas não somente a superfície terrestre nos locais visitados era objeto desses geógrafos precursores; senão a atmosfera e o espaço exterior passaram também a receber sua atenção. Aristóteles, na obra intitulada Meteorologica, descreve zonas climáticas e “desenvolve um modelo primitivo do fluxo de ventos em todo o mundo conhecido” (BONNETT, 2008, p. 48)2. E Ptolomeu empreendeu um estudo astronômico em Almagesto, no qual trata da esfericidade da Terra e observa o movimento aparente das estrelas, cuja contribuição extrapolou a geografia da superfície terrestre, transformando-se naquilo que, por muito tempo, seria a compreensão científica do Cosmos, baseada num modelo geocêntrico do Universo. Cerca de mil e quinhentos anos mais tarde, mais exatamente no intervalo dos séculos XVIII e XIX importantes nomes fundadores da Geografia Moderna viveram questões 1 Heródoto tinha a preocupação do registro dos eventos históricos, considerado o “Pai da História e da Geografia” (SMITH, 1870, p. 235). Hecateu de Mileto, cuja obra somente se preservam fragmentos, também era um historiador que, além da corografia, registrava a língua e os costumes dos povos aos quais tinha acesso em suas viagens pelo Mediterrâneo, sendo reconhecido como um “logógrafo” (título dos historiadores, prosistas e cronistas gregos) (SHOTWELL, 1922, p. 141). Estrabão, segundo Derek et al. (2009, p. 82), “não estava interessado em corografia, [pois] à produção de conhecimento geográfico era indispensável complementar com filosofia política e moral, [para] fundamentar as atividades humanas”. Cavalcanti e Viadana (2010, p. 29) apontam as contribuições de Tales de Mileto, Pitágoras de Samos, Aristóteles e o próprio Erastóstenes de Cirene, este último responsável por “calcular a distância da Terra ao Sol, catalogar 675 estrelas, medir o raio da Terra e o seu perímetro de circunferência máxima”. Claval (2011, p. 223) aponta que “Aristóteles estava mais preocupado com o topos, a posição, o cartesianismo, enquanto Platão voltava-se ao chora, as formas de vida, ao lugar próprio”. 2 Segundo Kristof (1960, p. 17), “Aristóteles já discutia muitas questões que poderiam ser classificadas como de natureza geopolítica, [tais como] a natureza do meio ambiente [e] seu impacto no caráter humano e nas implicações com a economia e necessidades militares do Estado”. 18 semelhantes no curso de sua produção acadêmica. Holt-Jensen (2009, p. 67) descreve as aulas de geografia física de Immanuel Kant, em Königsberg (atual Kaliningrado), como aulas que não eram essencialmente de geografia física, mas que discutiam “grupos raciais humanos, suas atividades físicas sobre a Terra e condições naturais em um sentido amplo”. O fundador Alexander von Humboldt, segundo Hugget e Robinson (1996, p. 2), tinha “uma visão holística da natureza, e sua última grande obra, Cosmos, descreve sua grande visão sobre o Universo”. Carl Ritter não se limitava à “descrição ou inventário dos objetos na superfície terrestre, [mas] tentava entender as interdependências entre esses objetos e, até mesmo, formular poucas leis que promovessem raciocínio dedutivo” (KITCHIN e THRIFT, 2009, p. 413). Mais recentemente, autores adentraram nessa discussão sobre a amplitude do objeto da Geografia. Richard Hartshorne (1959, p. 25) conjecturou sobre a expansão da definição de superfície terrestre, e a admissibilidade da extrapolação do termo para além do planeta Terra, afora não excluir a possibilidade de “utilizar ferramentas e métodos da geografia no melhor conhecimento do espaço exterior”. Denis Cosgrove (1994, p. 289) analisou na geografia o impacto das fotografias da Terra tiradas da espaçonave Apollo, em 1972, sob o ponto de vista cultural, em especial àquilo que denomina “concepção geopolítica de mundo-único, que equivale ao sentido europeu e cristão de imperium”. Estudos como os de Peter Adey (2008; 2010), que trazem questões como a “vida aérea” e a aerorrealidade, e de Stuart Elden (2013b), que revela a importância de se perceber o volume na geografia, ou ainda de David Pascoe (2001), que trata entre outros temas da cultura do terminal de passageiros de um aeroporto, ampliam o escopo de análise do objeto geográfico. Fraser MacDonald (2007) aponta para a demanda de se estender o domínio da geografia para o espaço exterior. Mesmo Milton Santos, célebre por suas teorizações na vertente da Geografia Humana, quando fala de “zona pioneira” e discute o conceito-método de “totalidade” (2014, p. 102 e 113), ou ainda quando percebe que a Terra pode chegar a uma “situação-limite” (1997, p. 44), pressupõe que a Geografia é demandada a ir além dos limites epistemológicos atuais. É emblemático que esse autor, ao explicitar o “meio técnico-científico-informacional” (2014, p. 238), cujo efeito original era colocar o meio natural (primeira natureza ou natureza natural) em segundo plano, cria o conceito de tecnocosmo, um mundo de coisas artificiais. Tal raciocínio parece ser adequado ao ambiente aeroespacial, que por meio das coisas artificiais (por exemplo, o avião e o satélite) cientificiza ou tecniciza a paisagem. Como demonstrado, com o passar do tempo, considerações sobre o objeto de estudo da Geografia lançaram novos questionamentos epistemológicos, testemunhas de uma expansão de temas e abordagens, e mesmo de ambientes ou domínios, nos estudos geográficos. A questão 19 epistemológica na Geografia não afetaria apenas ao mundo grego ou à geração setecentista, reverberando na atualidade. Na questão epistemológica dos ambientes ou domínios3, as citações da epígrafe nos ajudam a compreender a preocupação do homem, seja do ponto de vista religioso ou sob a égide da ciência, em buscar explicações geográficas no intuito de melhor compreender o ambiente que o cerca, extrapolando a mera percepção sensorial quase que restrita ao solo que o abrigava. Essa tendência amplia o foco da geografia para outras dimensões espaciais (os domínios), predisposição que, como se observou, já estava presente desde o povo hebreu, passando pelos gregos antigos, até a geração de Kant. Assim, no Antigo Testamento (o Torá dos judeus), a Terra não é somente formada pela superfície terrestre, mas engloba as águas e os céus. A ciência, de forma similar, inclui estas dimensões espaciais como objeto de estudo, seja geográfico ou de outras ciências. Na citação do renomado cientista Carl Sagan, percebemos que a Terra integra um Universo, composto de galáxias, estrelas e planetas, cujo referencial teórico de base também foi proposto pelos gregos antigos, e que depois Alexander von Humboldt, dentre outros, estudou em Cosmos (1875) e Samuel Sark (1887) chamou de Geografia Astronômica. A emergência de novas abordagens ressalta uma evolução na direção de caminhos múltiplos, ao ponto de se considerar a Geografia como “a mãe de todas as ciências” (KELTIE e HOWARTH, 1913, p. 1), ou como uma ciência de síntese4. Síntese esta nem sempre alcançada, como demonstra a permanência de sua mais famosa discussão epistemológica expressa na clássica divisão entre Geografia Física e Geografia Humana5. Nesse processo de 3 Caberia uma discussão conceitual em torno das expressões “ambiente”, “domínio” e “dimensão”, utilizadas nesta Tese com o mesmo significado teórico. Buscou-se nessa definição conceitual aproximar-se teoricamente da ciência geográfica, mesmo compreendendo que tais conceitos tenham aplicabilidade em outros campos do conhecimento, como é o caso de ambiente, na biologia, domínio, nos estudos estratégicos, ou dimensão, na ciências exatas. Em função dessa demanda, as palavras ambiente, domínio ou dimensão podem ser definidas, neste estudo, como um espaço geográfico caracterizado pelos seus “arredores, pela matéria constitutiva, pelos elementos químicos e propriedades físicas, além dos organismos” (MAYHEW, 2003, p. 171). Trata-se de uma “esfera ou área de atividade (Wirkungsraum ou Bereich)” ou um “Milieu (meio)” (HERRMANN e BUCKSCH, 2014, p. 401 e 475). De acordo com Kotlyakov e Komarova (2007, p. 228), ambiente refere-se à “gama completa de condições externas (físicas e biológicas) com as quais as pessoas interagem nas suas vidas e com as atividades econômicas”. Nessa última definição agregaríamos a ideia de que não se trata apenas de um ambiente para pessoas, mas também para estados e organizações não-estatais, além de ampliar o escopo para atividades de natureza política (segurança, jurídica, relações de poder etc.), tecnológica e ideológica (ou cultural). 4 A proposição de que a geografia seria uma ciência-síntese não deixa de ser criticada, como por exemplo a contribuição de Antonio Carlos Robert de Moraes (2005). 5 Paulo Cesar da Costa Gomes discute essa dicotomia que cerca a Geografia na modernidade, mas que tem origens na Antiguidade com os filósofos gregos. Para o autor, há uma oposição entre abordagem física e abordagem humana. “A primeira, mais próxima das ciências naturais [...] enquanto a geografia humana concerne à cultura” (GOMES, 2016, p. 131). Há também o debate em torno da geografia geral e da geografia regional, algo que foge ao propósito da Tese clarificar. 20 consolidação epistemológica, a Geografia recebera contribuições significativas de outras ciências catalisadoras de abordagens especializadas; dentre elas a Economia, que trouxe informações sobre produção, emprego, recursos etc. (consolidando a disciplina Geografia Econômica); a Geologia, que aprofundou o conhecimento sob características geológicas da litosfera (Geografia Morfológica ou Fisiográfica); a Meteorologia, que melhorou a compreensão das questões climáticas nas diversas regiões e no planeta (Geografia Climática); a Antropologia, ao atinar para a peculiaridades das diversas culturas (Geografia Cultural); a História, que forneceu a perspectiva temporal dos fenômenos geográficos (Geografia Histórica); e a Ciência Política, que iluminou questões acerca de fenômenos populacionais e migratórios ou sobre a natureza do poder e do estado (Geografia Política/Geopolítica). Em face dessa realidade que permeia a ciência geográfica ao longo do tempo, esta pesquisa de doutorado busca contribuir com o debate epistemológico na Geografia a partir dos dois prismas mencionados: o domínio e a abordagem. Parte-se, por conseguinte, de dois pressupostos. Em primeiro lugar, a expansão espacial do objeto de estudo reflete uma natural evolução de temas na ciência geográfica. Essa tendência de ampliação das temáticas geográficas se observa na aludida questão dos campos de estudo, uma vez que a Geografia redundou em um grande número de espacializações temáticas. Mais exatamente, traz-se para a Geografia a discussão, sob enfoque geopolítico, de um domínio espacio-geográfico, o Ambiente Aeroespacial, o que per si evidencia uma aproximação teórica diferenciada, ou seja uma nova abordagem epistemológica para a ciência geográfica. Em outras palavras, o presente estudo se debruça sobre a dimensão geográfica modernamente denominada Ambiente Aeroespacial. Trata-se de abordá-lo como raciocínio espacial da sociedade e do Estado. Esse ambiente deve ser compreendido como a conjunção entre o espaço aéreo (a atmosfera terrestre) e uma parcela do espaço exterior (convencionado no recorte da pesquisa como o espaço sideral além de 100km da superfície terrestre e que cobre as órbitas terrestres, a Lua, o vácuo entre a Lua e a Terra e os corpos celestes que transitam nesse espaço)6. Nesse recorte epistemológico (recorte espacial do tema), o ambiente aeroespacial consiste na conjugação de elementos da superfície terrestre (naquilo em que se 6 O Dictionary Geotechnical Engineering (Dicionário de Engenharia Geotécnica) define Aerospace (aeroespaço ou aeroespacial) como “um termo mnemônico derivado de aeronáutica + espaço e que denota a atmosfera da Terra e o espaço além como um unidade única” (HERRMANN e BUCKSCH, 2014, p. 25). O Cambridge Aerospace Dictionary (Dicionário Aeroespacial de Cambridge) define aeroespaço como: “1- Continuum essencialmente sem limite que se estende para fora e através da superfície da Terra em direção às partes mais distantes do universo observável, em especial aquelas que abrangem porções atingíveis do sistema solar; 2- Aquilo que pertence às aeronaves e às espaçonaves, como em tecnologias aeroespaciais” (GUNSTON, 2009, p. 22). 21 relaciona aos objetos geográficos pertinentes ao estudo), a atmosfera (ao abrigar os voos com as aeronaves convencionais), e uma porção do espaço exterior (compreendida entre o ponto mais próximo sobre a superfície no qual um satélite pode orbitar e as órbitas entre a Lua e o Sol). Apesar de possuírem características físicas distintas, espaço aéreo e espaço exterior formam um contínuo conceitual na perspectiva geopolítica, representado por eventos semelhantes, correlatos e, na maioria das vezes, interdependentes. É a partir do recorte analítico geopolítico que situaremos a questão epistemológica da abordagem proposta. O objeto de pesquisa, o ambiente aeroespacial, será geopolitizado, a partir de elementos que configuram práticas de poder (inclusive marcadas por conflitos interestatais), relações econômicas, desenvolvimento tecnológico e leituras ideológicas. Na construção do arcabouço teórico dessa Geopolítica Aeroespacial, resgatamos postulados da geopolítica clássica, onde o espaço geográfico, analogamente a um organismo vivo em crescimento, é expandido dilatando as fronteiras de determinado território (espaço vital), conforme as formulações nem sempre corretamente entendidas de Friedrich Ratzel, fundador da Antropogeografia. De forma semelhante, serão debatidos os paradigmas geopolíticos clássicos do poder terrestre e do poder marítimo, respectivamente, por meio das contribuições do geógrafo e diplomata Halford J. Mackinder (que viu na vastidão das terras do centro da Eurásia um pivô geográfico para o domínio mundial) e do almirante Alfred T. Mahan (onde a prevalência do domínio dos oceanos seria pré-condição ao desenvolvimento e segurança do Estado), à luz da teoria do poder aéreo e do poder aeroespacial. Com isso pretende-se observar se efetivamente há modificação importante nas vantagens geoestratégicas baseadas na dimensão aeroespacial relativamente aos espaços marítimo e terrestre. Essa concentração do foco geopolítico nas superfícies terrestre e marítima seria contestada, particularmente durante as guerras mundiais de 1914 e 1939, quando se inicia o debate sobre a importância da terceira dimensão geográfica em razão do desenvolvimento tecnológico da aviação e sua incorporação às estratégias militares. Em grande parte, essa contestação surge de teóricos do poder aéreo7, como Giulio Douhet e, posteriormente, Alexander Seversky, ao inaugurarem uma tradição que redundaria na evolução do poder aéreo 7 O Poder Aéreo é uma elaboração teórica do início do século XX, principalmente decorrente das contribuições de Giulio Douhet, William Mitchell e Hugh Trenchard, pensadores que delinearam os fundamentos de uma definição influenciada pela Guerra de 1914-1918, e cuja demanda de independência da força aérea, organizacionalmente separando-se do exército e da marinha, em seus respectivos países, esteve no centro do debate. De forma sintética, para esses teóricos, o poder aéreo seria a capacidade de projetar poder a partir da dimensão aérea. 22 na direção do poder aeroespacial8, mas também de relevantes geopolíticos como Nicholas Spykman. Analiticamente, o Poder Aeroespacial expressa a conjugação de capacidades nacionais oriundas de setores como a aviação militar, a infraestrutura aeroespacial, a indústria aeroespacial civil e de segurança & defesa, a operação de sistemas espaciais, os recursos humanos qualificados nesse setor e o potencial de desenvolvimento tecnológico em centros de pesquisa. Sua presença conceitual nas estratégias nacionais, incipiente na Guerra de 1939-1945, é claramente percebida e, de fato, caracteriza todo o período representado pela Guerra Fria, cujo evento marcante é a chegada do homem ao espaço exterior, em 1961. A partir da inserção dessa dimensão geográfica, na qual o espaço exterior se conjuga ao espaço aéreo, há um repensar do debate geopolítico marcado por novas temáticas e paradigmas interpretativos. São acrescidos à Geopolítica novos campos como a geopolítica do transporte aéreo, a geopolítica do poder aéreo, a sideropolítica ou a astropolítica, apenas para apontar alguns. Todos esses campos, por conseguinte, surgem da inserção do espaço aéreo ou do espaço exterior, como domínios geopolíticos9. Contudo, em geral neles reside ainda uma carência da percepção conjugada que o ambiente aeroespacial representa para o debate geopolítico, no qual o espaço aéreo se agrega ao espaço exterior. Percepção essa que será observada quando se demonstrar a visão integrada de sua estrutura (uma dimensão espacial da realidade), o sentido de continuidade histórica do debate sobre poder aéreo/aeroespacial, as analogias sobre a visão de território no segmento aéreo e no espacial, além da correlação entre a economia, tecnologia e ideologia no ambiente aeroespacial. A inquietação de se perceber que existe uma lacuna nos estudos geopolíticos sobre o ambiente aeroespacial como espaço geopolítico, que tem privilegiado a superfície terrestre e a extensão marítima, ademais do necessário entendimento sobre a contiguidade aeroespacial, evidenciadas nas questões epistemológicas de tema e de abordagem, permitiu delinear o problema de pesquisa. Em grande parte, a falta de uma perspectiva geopolítica tridimensional sobre a geopolítica abre caminho para se questionar o viés essencialmente de superfície da geopolítica clássica limitada, limitada às dimensões marítima e terrestre. A evidência de que o ambiente aeroespacial havia se tornado também um fator determinante demanda uma 8 Perceba-se que em Giulio Douhet, a visão da integralidade da atmosfera já estava presente, como destaca Siqueira (2010, p. 29), ao afirmar que “para Douhet, a superfície da Terra representaria, em relação ao oceano atmosférico, o papel que o litoral desempenha em relação ao mar”. 9 Há, inclusive, visões mais ousados, vistas por alguns como próximas da ficção científica, como a hipótese que Ben Bova (1973, p. 74) levanta quanto à demanda de uma “Geopolítica Galáctica” quando da expansão da capacidade dos voos espaciais trouxer a possibilidade de contato com inteligências extraterrestres. 23 integração entre as disciplinas e áreas de relações internacionais, ciência política, história do poder aéreo/aeroespacial (ou da atividade aeroespacial) e geografia, gerando uma interseção que melhor seria denominada Geopolítica Aeroespacial, ideia adiante esquematizada. Assim, a problemática da Tese propõe apreciar em que medida o ambiente aeroespacial, representado pela conjugação do espaço aéreo com o espaço exterior, têm relevância no debate geopolítico da atualidade. Ao mesmo tempo, visa repensar o espaço geográfico não apenas como substrato, mas também em uma perspectiva relacional. Em outras palavras, trata-se de uma proposta de atualização, sem distanciamento, da Geopolítica Clássica, em decorrência de uma necessária leitura multidimensional do espaço geográfico. Trata-se de perceber a necessidade da abordagem dessa nova dimensão geográfica sob uma perspectiva (geo)política, ressaltando questões que envolvem relações de poder estatais e privadas, tais como a definição de territórios, demandas de soberania, exercício de autoridade sobre o ambiente aeroespacial, interesses econômicos, prevalência no desenvolvimento de tecnologias e disputas ideológicas. Para que essa percepção fosse amiúde investigada, a hipótese levantada identifica a influência que o ambiente aeroespacial exerce nas discussões geopolíticas, a partir de dois passos principais. O primeiro remete à dimensão geográfica do objeto de pesquisa, o ambiente aeroespacial, caracterizado por suficientes elementos fisiográficos e políticos, e que estaria em condições de ser geograficamente concebido ou geografizado. O segundo passo da hipótese é a existência de uma demanda acadêmica e governamental pela evolução da geopolítica, tradicionalmente voltada às discussões que envolvem as superfícies terrestre e marítima, de modo a englobar a terceira dimensão aeroespacial. Nesse momento, ocorre o processo de geopolitização do ambiente aeroespacial, onde fatores políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos consolidam uma Geopolítica Aeroespacial. A hipótese de pesquisa, em síntese, estrutura-se sob conjecturas que percebem, em primeiro lugar, o ambiente aeroespacial contendo elementos fisiográficos e políticos suficientes para uma caracterização geográfica. Em seguida, que a evolução do poder aéreo para poder aeroespacial, transforma, via discussão do conceito de território e da crescente relevância da economia, da tecnologia aeroespacial e da ideologia, o ambiente aeroespacial em espaço geopolítico. Dessa forma, fica estabelecida uma relação causal entre as variáveis que compõem essas conjecturas, onde a caracterização e a contextualização do objeto implicariam na pretendida relevância geopolítica do objeto de estudo. Com base na organização de uma hipótese, no formato metodológico indicado por Van Evera (1997), podemos esquematizar nossa hipótese da seguinte forma: 24 A → q → r → s → t → u → B Onde, “A” representa a insuficiência da geopolítica clássica voltada para a análise da superfície, enquanto “B” reflete a demanda de atualização dessa realidade, a partir do pressuposto de uma nova geopolítica, a Geopolítica Aeroespacial. As letras “q, r, s, t e u” representam os elementos de teste da hipótese, ou as variáveis, respectivamente associados às condicionantes geográficas (q), políticas (r), econômicas (s), tecnológicas (t) e ideológicas (u). Assim, no contexto da investigação a hipótese de pesquisa é elaborada em torno da proposição de que o ambiente aeroespacial é um espaço geográfico formado pela conjugação entre espaço aéreo e espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas. A composição dessas variáveis tem outra finalidade metodológica. Ela estabelece tematicamente um recorte no objeto de estudo, definindo os campos de análise do problema. Ao se excluírem variáveis como a demografia (estudos populacionais ou migratórios decorrentes da evolução da técnica), a diplomacia (análise de acordos internacionais ou de atas de reuniões bilaterais, por exemplo), a militar (que analisaria estrutura de força, capacidades dos equipamentos etc.), a social/antropológica (pelo estudo do impacto social do objeto de estudo e a percepção das comunidades sobre o assunto) ou a biológica/ambiental (análise sobre organismos aéreos ou na perspectiva climática), dentre outras, o que se obtém é um foco mais direcionado de análise da Tese. Em face dessa proposição, a pesquisa tem como objetivo geral analisar a relevância geopolítica do ambiente aeroespacial. Busca compreender se a geografia é uma interlocutora do Estado ou uma forma de explicação espacial de uma dinâmica social contemporânea, mas que invariavelmente procura contribuir com uma geopolítica que se apresenta a uma nova dimensão espacial. Dispõe-se a construir uma visão de totalidade do ambiente aeroespacial sob o olhar morfológico, político, econômico, tecnológico e ideológico, logo, eminentemente geográfico e, antes de tudo, geopolítico. Os objetivos específicos permitem uma melhor compreensão do raciocínio lógico que orientou a pesquisa, e se ramificam em seis ações: a) Caracterizar o ambiente aeroespacial, por meio da identificação de uma geografia do espaço aéreo e uma geografia do espaço exterior; b) Elaborar uma síntese teórica e empírica que represente o ambiente aeroespacial quanto à fixos, fenômenos naturais, fluxos, escala, forma, função, processo e, finalmente, uma estrutura; c) Analisar a perspectiva dimensional do ambiente aeroespacial sob o ponto de vista geopolítico, considerando a evolução do poder aéreo para o poder aeroespacial; 25 d) Revisar o conceito de território no contexto do objeto de pesquisa; e) Identificar fatores econômicos, tecnológicos e ideológicos como elementos de influência no contexto geopolítico do ambiente aeroespacial; e f) Elaborar elementos estruturantes de cenários para a Geopolítica Aeroespacial no Brasil a partir de tendências realistas e idealistas. Tendo como ponto de partida os objetivos específicos, a Tese emprega um quadro teórico relacionado ao objeto de estudo no qual estão implícitas questões centrais da pesquisa. A caracterização geográfica do ambiente aeroespacial encaminha a análise para o exame morfológico dos segmentos definidos no construto ambiente aeroespacial. Pontos como a delimitação entre atmosfera terrestre e espaço exterior (DOLMAN, 2002), as questões jurídicas do direito internacional aeronáutico (ICAO, 2006) e do direito espacial (UNO, 2017), aspectos cartográficos próprios e os elementos geográficos que compõem tanto o espaço aéreo como o espaço exterior (SELLERS, et al., 2003), permitem compor uma geografia do ambiente aeroespacial. Dentre os conceitos e categorias geográficas empregadas destacam-se os fixos (objetos geográficos) e fluxos (SANTOS, 1997), os fenômenos naturais (VAREJÃO-SILVA, 2006), a questão da escala (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007), forma, função, processo e estrutura (SANTOS, 2014). Valendo-se dos elementos de caracterização geográfica, e apoiando-se teoricamente nos aspectos adrede citados, abre-se uma oportunidade teórica de elaboração de uma figura-síntese representativa do ambiente aeroespacial, formulada como um esquema demonstrativo do objeto caracterizado. Subjacente a essas questões iniciais situamos a própria discussão conceitual sobre espaço geográfico no contexto do ambiente aeroespacial. Para Gomes (2002, p. 172), o espaço geográfico pode ser definido a partir de três características: “é sempre uma extensão fisicamente constituída, concreta, material, substantiva; compõe-se pela dialética entre a disposição das coisas e as ações ou práticas sociais; e a disposição das coisas materiais tem uma lógica ou coerência”. Dessa forma, cabe à investigação apontar elementos que consubstanciam no objeto de pesquisa essas propriedades de concretude, relações e logicidade propostas na citação. Por meio da caracterização geográfica do objeto de estudo e de sua contextualização como espaço geopolítico, agrupadas nas variáveis da hipótese de pesquisa, inclina-se o esforço de análise da Tese na direção de examinar esse espaço geográfico de forma a incluir o domínio aeroespacial. No que tange à geopolitização do objeto de estudo, a Tese recorre à discussão histórica em torno da evolução da aviação, inicialmente apontando a importância de uma nova dimensão espacial na perspectiva geográfica, algo que Nicholas Spykman (1944) haveria de 26 ressaltar na projeção cartográfica azimutal polar. Desde os aeróstatos até os foguetes espaciais, utiliza, para tanto, a teoria do poder aéreo (DOUHET, 1988), a incorporação desta teoria ao cenário geopolítico pós Segunda Guerra Mundial (2ª GM) (SEVERSKY, 1950), e a passagem do poder aéreo para o poder aeroespacial, ponto-chave da Tese, a fim de destacar que a tecnologia representada pela aviação, e a consequente expansão ao espaço exterior, alterou a compreensão de poder advinda dos teóricos da geopolítica clássica (MAHAN, 1890) (MACKINDER, 1904), assim como as estratégias militares. A tese vale-se da categoria de análise território para iniciar a discussão sobre a geopolitização do ambiente aeroespacial. O território é analisado sob o ponto de vista do poder (CLAVAL, 1979; RAFFESTIN, 1993), e da soberania nacional. A partir da perspectiva de rede (HAESBAERT, 2007), a discussão também ganha relevo, assim como ao se observarem as leis do crescimento espacial dos estados de Friedrich Ratzel (1892)10, e o conceito de territorialidade (SACK, 1986). De fato, a questão em torno da aplicação do conceito de território ao ambiente aeroespacial desperta indagações que exigem transitarmos na Tese por bibliografias e conceitos variados. Mas até que ponto o espaço aéreo e o espaço exterior seriam territórios na acepção clássica da palavra? De certo que a detida análise de pontos como o aspecto relacional do poder e a propriedade do termo fronteiras tornam o debate enriquecedor. Na sequência da discussão em torno da geopolitização do ambiente aeroespacial, a Tese persegue a ideia de que economia, tecnologia e ideologia são fatores relevantes na construção da geopolítica aeroespacial. Para tal, apresentam-se alguns dados básicos do mercado de transporte aéreo global (ICAO, 2002; ATAG, 2018; IATA, 2018, 2019a) e da economia espacial (DEUDNEY, 1982; AL-RODHAN, 2011; DOLMAN, 2012). De forma análoga, a tecnologia aeroespacial, do ponto de vista de integralidade advinda da ideia de poder aeroespacial, é apreciada com dados e informações que remetem ao papel da indústria aeroespacial (SHEEHAN, 2007; AL-RODHAN, 2011; SADEH, 2011). Nesse ponto, volta-se a recorrer a Friedrich Ratzel, em seu conceito de cultura no contexto do espaço vital, destacando-se a analogia entre sua lei tendencial de nível de desenvolvimento tecnológico dos Estados e a questão da soberania do espaço aéreo decorrente da exploração científica, comercial e militar do espaço exterior. Além disso, a investigação em torno das estruturas de ideias (ou de ideologias) permite adentrar na discussão sobre geografia cultural (CLAVAL, 2007), e no papel do discurso na formação de códigos geopolíticos (FLINT, 2006). Aqui se discute o papel 10 Nas citações a Ratzel obtidas na obra de Antonio Carlos Robert Moraes (1990), que são traduções dos originais do autor alemão, preferimos considerá-las como seções de livro e indicar a data do original da publicação. 27 da geopolítica crítica (HAVERLUK, BEAUCHEMIN e MUELLER, 2014), na percepção que segurança se relaciona diretamente com a demanda ideológica dos estados em justificar a atividade aeroespacial, além de promover sentimentos de prestígio (MORGENTHAU, 1985) que caracterizariam um soft power (NYE, 2004) aeroespacial. De todo esse debate teórico, surge a demanda, caracterizada no objetivo específico final, de ampliação do quadro teórico utilizado na tese, a fim de melhor subsidiar a formulação de cenários para a Geopolítica Aeroespacial no Brasil. Assim é que as perspectivas Realista e Idealista das relações internacionais (REUS-SMIT e SNIDAL, 2008; GRIFFITHS, O'CALLAGHAN e ROACH, 2008; PECEQUILO, 2017) representam o embasamento para a investigação e constituição de um panorama preditivo desse tema para nosso país, o que dá suporte empírico à Tese. Cabe, finalmente, nesse quadro teórico, destacar um assunto que percorre a Geopolítica desde a sua gênese, qual seja, compreender sua dimensão epistemológica. Isto será procedido por uma breve definição de geopolítica, pela observação de algumas abordagens desse conceito e pela distinção entre geopolítica e geografia política. Existe um consenso entre os autores geopolíticos sobre o fato de ter sido o cientista político sueco Rudolf Kjellén, no início do século XX, o primeiro teórico a citar o termo geopolítica. Kjellén dividiu a ciência política em categorias, em cada uma relacionando os fenômenos políticos à um tema: Demopolítica (ou Etnopolítica), cujo objeto de relação é o povo; Ecopolítica (ou Econopolítica), concernente ao tema fatores econômicos; Sociopolítica, cuja relação é a sociedade; Cratopolítica, relativa ao governo e ao poder; e Geopolítica, cujo tema é o solo – recursos naturais, morfologia e posição (BACKHEUSER, 1952; O’LOUGHLIN, 1994; HLIHOR, 2014). Segundo Everaldo Backheuser, Kjellén definiu geopolítica em Der Staat als Lebensform (O Estado como Forma de Vida), como “o estudo do estado como organismo geográfico, isto é, como fenômeno localizado em certo espaço da Terra, logo do Estado como país, como território, como região, ou, mais caracteristicamente, como Reich” (BACKHEUSER, 1952, p. 56). A partir dessa proposição inicial, diversos teóricos da ciência política, das relações internacionais e da geografia, têm desenvolvido o conceito de Geopolítica de formas variadas. O viés de formação do pesquisador implica em abordagens específicas, nem sempre congruentes. Por outro lado, há autores que colocam a geopolítica em uma perspectiva científica interdisciplinar e multidimensional, o que favorece interpretações mais abrangentes desse conceito. 28 Basicamente, existem duas vertentes de análise geopolítica. A abordagem clássica e a abordagem crítica11. A geopolítica clássica é aquela que tem seus fundamentos na obra Politische Geographie (Geografia Política) de Friedrich Ratzel, onde, segundo Bassin (2003, p. 16), se “desenvolveu uma teoria política expansionista [do Estado] cuja necessidade de crescimento era explicada ‘cientificamente’ pela analogia [desse Estado a um organismo vivo]”. Dessa forma, Ratzel “reorganiza a geografia em torno do Estado” (AGNEW, 2002, p. 64)12. Emergem, em consequência, dois elementos básicos do conceito de geopolítica clássica: a geografia e a política. Isto permite que geoestrategistas como Alfred Mahan, Halford Mackinder, Karl Haushofer13 e Nicholas Spykman emprestem à geopolítica um pragmatismo que, desde o período do entreguerras de 1918-1939, a condenaria como prática nefasta associada ao imperialismo e ao nazismo14. Nas palavras de Ó Tuathail (2003, p. 4), “É no contexto do discurso imperialista que a geopolítica primeiro emerge como um conceito e uma prática”. No período da Guerra Fria o contexto conflituoso agrega à abordagem clássica a ideia de contenção, porém, sem modificar a essência do conceito de geopolítica. O conceito de contenção per si expunha a tensão entre os modelos ideológicos competitivos da União das 11 Há autores como Ó Tuathail, Dalby e Routledge (2003) que sugerem classificações em períodos, enfatizando o discurso ideológico predominante na geopolítica, tais como a geopolítica imperialista; a geopolítica da Guerra Fria; a geopolítica da Nova Ordem Mundial; a geopolítica ambiental; e a antigeopolítica. Agnew (2003), apresenta um modelo por fases históricas, subdividindo-as em: geopolítica civilizacional (1815-1875); geopolítica naturalizada (1875-1945); e o período da geopolítica ideológica (1945-1990). Cohen (2015, p. 16), divide a geopolítica moderna em estágios: “a corrida pela hegemonia imperial; a Geopolitik alemã; a geopolítica norte- americana; o da Guerra Fria – baseado na dicotomia entre a visão centrada no estado e a visão universal da geografia; e o período pós-Guerra Fria”. 12 Importante ressaltar que a perspectiva centrada no Estado é também uma característica do Realismo Político, e não apenas da Geopolítica. Ocorre também que a visão geopolítica estadocentrista (e também do Realismo) é fato na história das nações socialistas. 13 Haushofer viveu um momento atribulado da história, inclusive com consequências fatais. Seu filho, Albrecht Haushofer, também um geopolítico, foi assassinado pela polícia secreta nazista (a Schutzstaffel – SS, ou “Esquadrão de Proteção") em abril de 1945. O próprio Haushofer (pai) cometeu suicídio, junto com sua esposa, em março de 1946 (O’LOUGHLIN, 1994). Seu papel no desenvolvimento de ideias que fomentaram o nazismo ainda é objeto de revisão (NATTER, 2003). Haushofer retoma o conceito ratzeliano de Lebensraum (espaço vital) e as ideias darwinistas, aplicando-os ao contexto alemão pós 1ª GM. O Zeitschrift für Geopolitik (Jornal de Geopolítica), por ele editado, colaborou com a difusão de seu conceito de geopolítica: “Geopolítica é a ciência do condicionamento do processo político pela terra. É baseada na ampla fundação da geografia, especialmente a geografia política, como a ciência dos organismos políticos espaciais e suas estruturas” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 112). O jornal publicou artigos entre 1924 e 1944. No período inicial, de 1924 a 1931, foi caracterizado por uma crítica alemã veemente ao Tratado de Versalhes, que teria espoliado o território germânico em decorrência da derrota na 1ª GM. Essa crítica foi a base para o pensamento expansionista de Haushofer, inclusive “a propensão em apoiar Hitler no objetivo de colocar a Alemanha em uma ordem internacional mais justa e menos humilhante, um mundo justo” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 112). 14 O imperialismo que aqui se remete é aquele inaugurado no final do século XIX, ao qual Kearns (2009, p. 130) se refere como um “novo imperialismo”, onde “os contemporâneos de Mackinder detectaram uma grande intensidade de competição internacional”, caracterizada pela “corrida europeia para a África, adoção de tarifas protecionista a partir de 1880 e pelo envolvimento militar dos EUA no exterior”. 29 Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e dos Estados Unidos da América (EUA), representado na forma de esferas de influência, enfrentamentos indiretos na periferia (o terceiro mundo), a formação de estados-satélites e de pactos militares. Então, essa era uma geopolítica que se alinhava à perspectiva realista e o principal teórico desse período foi o diplomata estadunidense Henry Kissinger. Pelo lado soviético, ressaltava a Doutrina Brezhnev, cujo principal resultado foi a chamada détente (relaxamento, distensão, acomodação)15. Para O’Louglhin (1994, p. 63), a détente foi uma “acomodação por parte das superpotências para evitar um conflito”. Com a desintegração da URSS, dois anos após da queda do Muro de Berlim (1989), catalisada pelos movimentos da perestroika (reestruturação) e da glasnost (abertura), durante o governo de Mikhail Gorbachev (1988-1991), encerra-se a Guerra Fria. A geopolítica pós Guerra Fria testemunha a adesão de dois novos temas à agenda de segurança internacional, porém ainda sem modificar sua característica clássica: a hegemonia dos EUA (também denominada Nova Ordem Mundial) e as questões relativas ao meio ambiente. O realismo e a geopolítica passam a conviver com a situação de hegemonia dos EUA, a superpotência absoluta16. Essa situação, contudo, trouxe rancores latentes, dos estados falidos do terceiro mundo. Subjugados economicamente, os fatores culturais e religiosos 15 Henry Kissinger é considerado o responsável pela retomada da geopolítica como um tema de interesse no debate político à partir dos anos 1960 (AGNEW, MITCHELL e Ó TUATHAIL, 2003) (BLACKSELL, 2006) (COX, LOW e ROBINSON, 2008). Diretamente ligado às administrações dos presidentes norte-americanos Richard Nixon e Gerald Ford, a percepção geopolítica de Kissinger sobre a expansão soviética, em especial na Ásia, balizou o seu discurso em torno de um equilíbrio de poder. Kissinger exerceu, ainda, grande influência no relacionamento dos EUA com a China. Na obra Sobre a China (Editora Objetiva, 2011), Kissinger relata uma série de iniciativas das quais participou durante o período dos principais governantes chineses, dentre eles Mao Zedong (com o ministro Zhou Enlai), Deng Xiaoping e Jiang Zemin. Grande parte do período ativo de Kissinger na política internacional coincide com o governo de Leonid Brezhnev na URSS. A Doutrina Brezhnev revelava a mesma preocupação, por parte dos soviéticos, em relação aos desdobramentos da Guerra Fria, porém sobre outro ponto de vista. Cohen (2015, p. 30) descreve a Doutrina Brezhnev como a ideia que “sustenta a existência de forças militares para a manutenção de estados socialistas na Europa central e Oeste dentro da esfera de influência soviética”. Segundo Ó Thuatail (2003), a invasão da Tchecoslováquia, em agosto de 1968, seria a primeira demonstração concreta dessa Doutrina. A publicação da Doutrina no jornal soviético Pravda, nesse mesmo ano, deixava bem claro que “A soberania individual de nações socialistas não pode se opor aos interesses do mundo socialista e ao movimento revolucionário mundial” (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003, p. 74). No entendimento de Erickson (1999), essa doutrina via na estabilidade interna e na garantia de um espaço periférico seguro como substância da força geopolítica soviética. Na prática, ambas as superpotências viam a questão da expansão da influência nas periferias, por parte do adversário, como algo preocupante. 16 Francis Fukuyama chegou a cogitar o fim da história, quando questionou a existência de alternativas à democracia liberal em face da falência do comunismo, indagando se no “processo histórico haveria alternativa às contradições [do atual sistema] que pudessem produzir um novo sistema de elevada ordem” (FUKUYAMA, 1992, p. 136). 30 ganham relevância como alternativa de resistência17. No que tange ao meio ambiente, a geopolítica recebe novos temas, porém ainda sem se distanciar de seus pressupostos básicos. Questões como poluição, urbanização, aquecimento global, deterioração da camada de ozônio, derretimento das calotas polares e alterações climáticas são incorporadas à essa abordagem. Personagens da política e acadêmicos influentes, muitas vezes com agendas políticas de suas nações de origem, contribuem para a difusão desse tema ambiental18. Tanto a hegemonia norte-americana como o meio ambiente, na esteira do fenômeno da globalização, despertam a atenção dos teóricos para a questão das redes19. A geopolítica, da escala estatal, passa a conviver com escalas continentais, globais, ou mesmo alhures à escala planetária20. 17 Possivelmente, a maior expressão dessa afirmação seja o Consenso de Washington. Segundo Sandroni (1999, p. 123) o consenso consistiu de “recomendações dos países desenvolvidos para que os demais, especialmente aqueles em desenvolvimento, adotassem políticas de abertura de seus mercados e o Estado Mínimo”, que porém, “no plano social [tiveram] consequências desalentadoras: um misto de desemprego, recessão e baixos salários, conjugado com um crescimento econômico insuficiente”. Samuel Huntington (1996, p. 28) propôs que valores político-culturais passassem a ter proeminência na geopolítica, afirmando que a “rivalidade entre as superpotências será substituída pelo choque das civilizações”. A ideia é a de que os valores civilizacionais passam a ser mais importantes que os fatores econômicos e ideológicos, sem desconsiderar a dimensão centrada no Estado. Ó Tuathail e Dalby (1998, p. 99), veem incorporar-se à geopolítica o fator geocultural. 18 Um desses personagens foi Albert Arnold "Al" Gore Jr., jornalista, ecologista e político norte-americano, vice- presidente durante a administração de Bill Clinton, entre 1993 e 2001. A iniciativa estratégica de Al Gore sobre o meio ambiente vem ao encontro das ideias de Robert D. Kaplan. Scholvin (2016, p. 16) entende que Kaplan “estaria mais associado à geopolítica clássica”, e que seu livro A Vingança da Geografia dá um grande valor à realidade física, inclusive citando o autor: Pensar geopoliticamente significa reconhecer “a flagrante, desconfortável, e determinística verdade – aquela da geografia”. Problemas como aquele que Kaplan apontou (escassez de alimentos, doenças como o HIV/AIDS), surgem também em Thomas Homer-Dixon (escassez ambiental) e Michael Renner (segurança ambiental) (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003). 19 Ratzel já falava do caráter estratégico de uma geografia de redes unindo a capital até as fronteiras. Mário Travassos (1942) e Golbery do Couto e Silva (1967), no âmbito nacional, de igual forma. Há que se recordar que em 1914 o mundo já estava interligado por uma rede global de cabos submarinos que partiam de Londres. No contexto da discussão sobre redes, está a contribuição mais recente de Paul Virilio, que apesar de arquiteto e urbanista ligado às questões da cidade, entende que a geografia assume uma nova realidade. Deixa de ser uma realidade de mensuração do espaço para um relação espaço-tempo, transformada que foi pela velocidade: é a “geografia do tempo” (VIRILIO, 1984, p. 17). Para o autor, a geopolítica passa a ser uma “cronopolítica”. Outro autor que contribui no tema redes é Manuel Castells (2004). 20 Raymond Aron (2002) aponta que a agenda internacional se forma a partir das relações político-diplomáticas das grandes potências entre si e destas com os demais países: defesa dos Direitos Humanos, combate ao narcotráfico, combate ao terrorismo internacional e questão ambiental (mudanças climáticas e preservação das florestas). Iniciativas internacionais de desenvolvimento sustentável buscam equalizar os problemas do meio ambiente, incentivando os estados a perseguir políticas que estabeleçam um equilíbrio entre o crescimento econômico, a proteção ambiental e a redução das desigualdades sociais. Um exemplo de organismo internacional que defende as ideias de uma geopolítica ambiental é a Assembleia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente. A United Nations Environmental Assembly é o órgão deliberativo internacional, de mais alto nível, sobre assuntos ligados ao meio ambiente. Sua origem pode ser traçada às conferências sobre clima, em Estocolmo – 1972 e no Rio de Janeiro – 1992 (conhecida como Rio + 20). Para maiores informações consultar o sítio da internet (https://web.unep.org/environmentassembly/un-environment-assembly-and-governing-council). Essas iniciativas têm se valido de estudos científicos que apontam para os problemas ambientais, cujas origens, dimensão e impactos são globais. O Protocolo de Kyoto, um tratado internacional sobre a redução de emissão de gases poluentes que estariam afetando o clima mundial, talvez seja o instrumento mais contundente de divulgação e de debate em torno desses estudos. 31 A abordagem clássica da geopolítica, desse modo, a par das agregações temáticas que vem sofrendo ao longo do tempo, ainda mantém caracteres da sua concepção original. Dentre eles destacam-se o caráter estatal (interestatal ou supraestatal) que se expressa no exercício de poder. No espaço vital ratzeliano (estado, planeta ou além), onde se exerce influência ou se conquista mercados (recursos naturais), está a essência da política aplicada à geografia. Enfim, compreender até que ponto localização, situação, posição, dimensão e tantos outros identificadores geográficos determinam o sucesso/insucesso dos Estados continua como função principal da geopolítica clássica21. Entre as décadas de 1980 e 90, surge em paralelo um movimento de oposição à geopolítica clássica que seria conhecido como geopolítica crítica22. Esta entende a geopolítica como um discurso declarativo, que impõe uma realidade e, por conseguinte, transforma-se em política. O discurso geopolítico geralmente estaria associado a visões pretensamente isentas ou neutras (denominadas “visão de deus” ou “visão de lugar algum”), cujas aparentes objetividade e neutralidade seriam, na verdade, posições construídas a partir de determinados interesses (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003). A partir desse ponto de vista, a geopolítica se identificaria a uma ferramenta – estatal ou corporativa – de transformação de informação em conhecimento, cujo viés de realidade seria construído de uma forma intencional. Em contraposição, a geopolítica crítica teria por propósito o questionamento dessa construção político-ideológica que organiza o mundo, desconstruindo seu discurso pretensamente natural23. Em suma, também conhecida como Antigeopolítica, a geopolítica crítica se caracteriza por leituras críticas ao discurso geopolítico tradicional, uma forma de resistência ao enunciado original. Da forma como entende Routledge (2003, p. 236), como o “conhecimento 21 A questão quanto à geografia física determinar a condição política merece um comentário. O determinismo é uma questão complexa. O’Loughlin (1994, p. ix), aponta que a origem desse determinismo ambiental estaria nos gregos que entendiam que o “lugar determinava as características e atitudes das pessoas que lá residiam”. Costa (2016, p. 21), prefere entender o conceito como “determinismo territorial”, cujo “pressuposto não [seria] apenas o quadro natural e a dimensão absoluta do território, mas principalmente a relação entre potencialidades, isto é, espaço, posição, virtualidade e coesão organizada”. A visão de que Ratzel teria sido o pioneiro na difusão da ideia do determinismo parece, hoje, ser superada. Moraes (2005, p. 20), por exemplo, considera que o determinismo, ou a “escola determinista, empobreceu as formulações de Ratzel [sobre a influência do meio sobre o homem], levando a afirmações como ‘as condições naturais determinam a História’ ou ‘o homem é um produto do meio’. Por outro lado, Semple (1911), que foi uma intérprete de Ratzel, via uma crescente dependência do homem em relação à natureza. 22 Haverluk, Beauchemin e Mueller (2014) consideram como subcampos da geopolítica crítica: a antigeopolítica, a geopolítica popular, a geopolítica formal e a geopolítica feminista. 23 Para Moisio (2015, p. 223), a geopolítica crítica emergiu “como parte da guinada das ciências sociais e da geografia humana na direção cultural, linguística e construtivista [que] destacou o papel de agências e da constituição da linguagem na prática geopolítica, e conceitua a geopolítica como práticas espaciais culturalmente incorporadas - tanto representacionais quanto materiais - das leis e da atuação do estado”. 32 geopolítico tende a ser construído a partir de posições e localizações de poder e privilégio político, econômico e cultural”, daí poder ser contestado. A Antigeopolítica é em realidade originária da geopolítica crítica, e até certo ponto com ela se confunde24. De fato, é na obra de Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE (2003) que o termo é, pela primeira vez, conceituado na literatura geopolítica. Tanto a antigeopolítica como a geopolítica crítica incorporam o movimento da New Geopolitics (Nova Geopolítica)25. A New Geopolitics tem na figura de Yves Lacoste seu mais conhecido precursor26. Ó Tuathail (1996, p. 128) considera que o trabalho do geopolítico francês tem por diferencial uma “apreciação da geografia como uma linguagem e forma de poder e conhecimento”27. Concluindo o quadro teórico utilizado na pesquisa, por meio da distinção entre geopolítica de geografia política, espera-se conduzir o leitor para a dimensão epistemológica que será utilizada na Tese, além de uma definição de geopolítica que possa ser operacional no escopo desta pesquisa. Everardo Backheuser (1942, p. 32) discutiu questões epistemológicas em torno dos conceitos de geografia política e de geopolítica, analisando os postulados de Kjellén, Haushofer (geopolítica) e Ratzel (geografia política), chegando à conclusão que “a diferenciação é de fato filosófica”. Mais recentemente, Eduardo Karol, propõe a existência de uma unidade entre Geografia Política e Geopolítica. Karol (2014, p. 217) destaca que a dicotomia Geografia Política/Geopolítica “está superada”, em consequência, acredita que seria melhor “retornar à expressão Geografia Política-Geopolítica” por se tratar de uma coisa só28. 24 Convém apontar que a Geografia Política Crítica tem por meta a desconstrução das relações de poder, mas parte de uma perspectiva utópica que seria a perspectiva de construção de uma sociedade organizada sem relações de poder. 25 A New Geopolitics (Nova Geopolítica), segundo O’Loughlin (1994, p. 174), pode ser entendida a partir de duas versões: a primeira, associada à antigeopolítica, também conhecida como geopolítica crítica; a segunda, representada pelo geógrafo Yves Lacoste, cujo foco seria “não relegar a geopolítica a estrategistas e outros, que clamam serem os detentores desse saber”. O’Loughlin ainda vislumbra a emergência de uma terceira versão: a mudança do foco político-militar para o econômico. O foco da New Geopolitics (da geopolítica crítica ou da antigeopolítica) está na superação do discurso de suporte às geopolíticas estatais para uma crítica a esse discurso. 26 O’ Loughlin (1994) aponta para pesquisas da Nova Geopolítica ainda em autores como John Agnew, Stuart Corbridge, R. Grant, Sven Holdar e Gearóid Ó Tuathail. Do ponto de vista do autor da Tese também se incorporam a esse grupo o próprio John O’Loughlin, Klaus Dodds, Simon Dalby e Paul Routledge. 27 Um cuidado especial é o de não se confundir a crítica que se faz a uma pretensa Geopolítica Imperialista com a geopolítica pura. Veja-se, por exemplo, que Mackinder é utilizado hoje pelos russos na teoria do Eurasianismo, enquanto Mahan influenciou a organização do poder naval por diversas nações do mundo. A confusão desses autores críticos está em tratar as teorias geopolíticas como sinônimo de práticas geoestratégicas dos Estados. Assim procedendo, esvaziam de qualquer conteúdo científico os estudos geopolíticos que não lhes agradam. Sempre é necessário buscar as verdadeiras intenções do discurso da geopolítica crítica. Por exemplo, Lacoste condenou o colonialismo francês ou os testes nucleares franceses com a mesma veemência que criticou a presença americana no Vietnã? 28 Karol critica as visões de Raja Gabaglia e de Miyamoto (que imputam à geografia política um caráter estático enquanto à geopolítica, um dinamismo), buscando considerar ambas “um campo único da geografia” (KAROL, 2014, p. 40). 33 De fato, há uma grande confluência entre a geografia política e a geopolítica. A Politische Geographie, de Friedrich Ratzel, é uma obra ora compreendida como precursora da geografia política, ora da geopolítica (COSTA, 2016). Na leitura de autores como Moodie (1965), Muir (1997), Agnew (2002), Agnew, Mitchell e Ó Tuathail (2003), Jones, Jones e Woods (2004), Flint (2006), Karol (2014) e Costa (2016), apenas para citar alguns, encontramos repetidamente confluências e distinções entre geopolítica e geografia política29. Hartshorne (1960, p. 53), por exemplo, entende a geopolítica como “campo de estudo associado à geografia política e que pode ser considerado uma geografia política aplicada”. Carvalho e Castro (1956, p. 390) discutiram essa problemática e concordaram com a conclusão de Richard Henning30: “A geografia política é um instantâneo fotográfico do momento temporal em circunstância especial determinada, enquanto a geopolítica, é a fita cinematográfica do mesmo processo geral”. Miyamoto (1995) é um autor que concorda com essa visão de dinamismo associado à geopolítica (representada em movimentos ou em perspectiva temporal sucessiva) e da visão estática, característica da geografia política (aposição de fatos ou descrição de fatores). Em nosso entendimento, geopolítica e geografia política são campos científicos que se entrecruzam, por vezes, bastante próximos e, por vezes, muito distantes, em função de características que Bordieu (2004, p. 23) identificou nos campos científicos como “locais de publicação, escolhas sobre objetos, pontos de vista, e o que comanda as intervenções científicas”. Esses fatores permitem caracterizar o que é próprio do trabalho de geografia 29 Mesmo Iná de Castro, que percebe como clara a separação entre a geografia política e a geopolítica, ainda concorda com algumas semelhanças, tais como a questão da escala. Apesar da escala estar fortemente associada à geopolítica, em especial na questão estatal, Castro (2005, p. 40) compreende que na geografia política a questão da escala também é relevante pois “os fenômenos globais, regionais e locais definem recortes significativos para a análise em geografia política”. Observe-se que não se trata da consideração do Estado em seu território, mas dos fenômenos, em suas amplas escalas e a medida pela qual interferem na sociedade. Tanto é que a autora define muito bem o foco desses estudos quando diz que “na relação entre a política – expressão e modo de controle dos conflitos sociais – e o território – base material e simbólica da sociedade – que se encontram os temas e questões do campo da geografia política” (CASTRO, 2005, p. 41). Interessante notar que apesar de discorrer sobre território, política, poder, estado e conflitos globais, a autora apenas referencia a palavra geopolítica no glossário da obra, tratando desse campo como algo voltado à política de estado e ao poder militar. 30 Segundo Dodds e Atkinson (2000, p. 160), “Richard Henning e Leo Korholz, no final dos anos 1930, publicaram a obra Einführung in die Geopolitik, que teria sido traduzida no espanhol com o título Introduction a la Geopolitica (Introdução à Geopolítica), cuja influência foi notada em escolas militares da Argentina”. Apesar da ausência de referências na obra de Delgado de Carvalho e Terezinha de Castro, supõe-se que esses autores tiveram acesso à obra em espanhol, publicada em 1941. 34 política e aquilo que se trata de geopolítica31. Possivelmente, seria mais apropriado observar a confluência entre geografia e ciência política, no caso da geografia política, e uma confluência ampliada a outros campos científicos no caso da geopolítica. Costa (2016, p. 18) reforça essa percepção de similitudes e distinções entre ambas. Bases conceituais comuns e aumento do interesse pelos temas que são tratados no âmbito dessas ciências estariam entre as principais semelhanças, ao passo que o “nível de engajamento com os objetivos estratégicos nacionais-estatais”, seria a principal diferença entre ambas. Talvez fosse apropriado posicionar que a visão do Estado, enquanto responsável por políticas públicas de corte territorial (por mais extenso e multidimensional que seja) e pelo desenvolvimento de estratégias afetas ao poder, é mais próxima da geopolítica. Como reforço a esse argumento, costumeiramente se percebe a relação entre geopolítica e geoestratégia no âmbito das discussões em torno das ações estatais32. No Dictionary of Geopolitics (Dicionário de Geopolítica), O’Loughlin (1994), no verbete geografia política, destaca o esforço anglófono na distinção desta com a geopolítica. Sugere que há esforços em definir a geografia política como um campo mais objetivo, como ciência, enquanto a geopolítica estaria associada a um subjetivismo ou mesmo ideologia. Apesar disso, há aqueles que tentam inserir a geopolítica como um subcampo da geografia política, e aqueles que duvidam que mesmo esta última seja totalmente isenta de subjetividade33. Sánchez (1992) defende a ideia de que a geopolítica é mais abrangente que a geografia política, o que justificaria a ideia da confluência ampliada a outros campos científicos. Segundo Costa (2016), a diferença entre geografia política e geopolítica pode ser observado naquilo que denomina nível de engajamento do estudo. No caso da geografia política, o engajamento é de escala menor do que no caso da geopolítica, cujo nível de engajamento geralmente tem impacto estatal ou supraestatal (internacional, global ou além). Uma outra 31 Referimo-nos à distinção observada em publicações científicas, nomes de associações acadêmicas e seus respectivos encontros, a seleção de objetos, no caso da geopolítica, geralmente associados a formulações de políticas públicas no âmbito estatal ou à questão de contenciosos entre Estados-nação, ou a projetos acadêmicos que tratam de assuntos eminentemente estatais. Para uma observação mais aprofundada desse assunto, sugere-se Karol (2014) é um autor que analisa as questões em torno dos círculos científicos, donde se pode obter uma visão mais detalhada sobre os espaços de atuação acadêmica da geografia política e da geopolítica. 32 Correia (2012, p. 238) entende que a geopolítica “projeta o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na atividade política”, ao passo que a geoestratégia “projeta o conhecimento geográfico na atividade estratégica”. O’Loughlin (1994, p. 98) conceitua geoestratégia como o “estudo da distribuição espacial dos poderes terrestre, marítimo e aéreo e a relação desses com o fenômeno geográfico”. Essa última definição está coerente com o que propõe Teixeira Jr. (2017). 33 Há que se considerar que o Estado (e o sistema internacional) é concreto, assim como as questões a ele relacionadas. 35 diferença pode ser observada na obra Geografia Política (1992), na qual Sánchez empresta à geografia política um caráter de ciência dos fundamentos, dos conceitos e das teorias, ao passo que para a geopolítica visualiza um caráter de aplicação ou de prática34. Nesse ponto, vale destacar que a categoria de análise território, a ser utilizada no decorrer da Tese, adquire renovada importância. A “geografia política trata das relações entre os grupos humanos organizados e o espaço ou território que eles ocupam” (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 382), o que reforça a visão de um estado estéril. Exatamente o oposto pode ser identificado na proposição de Mattos (1977, p. 67), que entende o estado como “uma realidade palpável, viva e exigente. Esta realidade são as servidões emanantes do seu território, de seu povo e de suas instituições políticas e jurídicas”. Ou seja, o território de um Estado é que se transforma em objeto primordial da geopolítica, algo que Kjellén pioneiramente já havia apontado quando definiu esse campo como “o estudo dos fenômenos políticos influenciados pelo solo. É portanto a geografia aliada à política” (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 387), ou ainda, como objeto não no sentido meramente geográfico, mas como “organização política” (BACKHEUSER, 1952, p. 34). Na análise da variável ideologia isso será amplamente discutido. Apesar da constatação que há posições diversas entre geografia política e geopolítica, poderíamos concluir que a geografia política trata de relações humanas em determinado território, e a geopolítica trata do discurso do Estado em função das características geográficas do território35. Isso não impede que os métodos, os fundamentos teóricos e as categorias de aproximação do objeto sejam utilizados de forma semelhante em ambos os campos. Além dessa síntese, o que realmente se necessita é estabelecer conceitos que sejam operacionais no contexto da Tese. Assim é que por meio da Figura 1, busca-se situar o conceito de geografia política na interseção ou confluência entre a geografia e a ciência política. 34 Interessante notar que no caso do ambiente aeroespacial foi identificada a seguinte realidade, que será apontada ao longo do trabalho. No espaço aéreo, existem estudos que podem ser considerados como estudos de geografia política, tais como aqueles que tratam da questão mercadológica do transporte aéreo, da importância local ou regional dos aeroportos. Entretanto, parece predominar nesse campo estudos geopolíticos, tais como aqueles relacionados à geopolítica do transporte aéreo como uma questão de interesse nacional, ou aqueles associadas ao poder aéreo no âmbito de conflitos interestatais. No caso do espaço exterior, há predominância absoluta de estudos geopolíticos. 35 Ratzel já falava da relação solo – povo – Estado. Sob outro ponto de vista, portanto, poderia ser mais adequado falar em uma Geopolítica dos Estados e uma Geopolítica dos Movimentos Sociais (ativismo de Organizações Não Governamentais – ONG, sindicatos etc.). 36 Figura 1 – Geografia Política Fonte: o Autor, 2019. Contudo, como se propõe um estudo de geopolítica aeroespacial, exige-se uma definição mais abrangente, algo que Costa (2016) alertou em sua obra. Em nosso entendimento, a geopolítica precisa extrapolar a mera interseção da geografia com a ciência política36. Ela demanda o suporte de outros campos de estudo, dentre eles a História, as Relações Internacionais e o Poder Aeroespacial (onde se incluem elementos das Ciências Aeronáuticas e da Astronomia). A Figura 2 busca representar a dimensão epistemológica da Tese, cujo enfoque principal é permitir aos estudos ou análises geopolíticas, particularmente à geopolítica aeroespacial, a confluência de conhecimentos oriundos de outros campos científicos, seja na apropriação de conceitos e teorias, seja nos métodos37. 36 Senhoras (2015, p. 56) propõe uma Geografia das relações Internacionais, como um novo campo epistemológico da geografia, suficiente para considerar “novas práticas espaciais no âmbito internacional e novos atores na transformação do capitalismo mundial, [em] um estudo geográfico aberto e plural [que] adquire lugar estratégico para repensar uma teoria espacial nas relações internacionais por meio de novas categorias analíticas”. 37 Gomes da Costa (2018) propõe uma figura que identificaria o tema geopolítico, na qual a expressão geográfica seria um círculo de maior raio, e abrangendo três círculos secantes, o da política, o econômico e o militar, cuja interseção apontaria o assunto geopolítico por natureza. 37 Figura 2 – Geopolítica Fonte: o Autor, 2019. O modelo contemplado na Figura 2 não é fechado, pois a confluência de outras ciências demandará agregar às esferas representadas na figura outras áreas do conhecimento (economia, tecnologia, cultura etc.), em função do objeto analisado. Nesse modelo, diversas definições de geopolítica poderiam ser adequadas: como uma análise da distribuição do poder no mundo; como análise das formas de governo em seus condicionantes da geografia física; como aplicação de teorias e métodos de análises geográficas na política em nível global; e até mesmo, como análise de discursos imanentes de Estados ou grandes corporações. A se concluir, então, o quadro teórico que fundamenta a Tese, nada melhor que recorrermos à uma definição de geopolítica de um pensador nacional, à qual agregaremos dimensões que não comprometem o âmago da definição. Carlos de Meira Mattos (2002, p. 29) definiu Geopolítica como a “aplicação da política aos espaços geográficos, sob a inspiração da História”, e que estendemos ao caso da geopolítica aeroespacial ou da influência do poder aeroespacial no contexto das relações internacionais. A partir dessas inferências, é possível se chegar a um entendimento inicial sobre um conceito de geopolítica. Esse conceito tem uma finalidade operacional, ou seja, tornar-se ferramenta metodológica para a construção das análises que são empreendidas na pesquisa. A geopolítica que aqui se elabora é um instrumento multidisciplinar que busca apontar a melhor forma do Estado desenvolver políticas públicas, a partir da análise da relação entre elementos de natureza geográfica com fatores históricos, políticos, econômicos, tecnológicos e/ou 38 ideológicos. Essa proposta de instrumento analítico encerra o quadro teórico e permite esclarecer a metodologia utilizada na pesquisa. A pesquisa se desenvolve em três etapas metodológicas: a) a caracterização geográfica do ambiente aeroespacial; b) a contextualização geopolítica do objeto de estudo; e c) a elaboração de cenários preditivos sobre a Geopolítica Aeroespacial no Brasil. A primeira etapa, aquela que trata da geografização do objeto de pesquisa, se conduz a partir de um extenso levantamento bibliográfico e coleta de evidências sobre a morfologia, geometria, cartografia e legislação nacional e internacional, no âmbito das ciências aeronáuticas e da astronomia, que tratam da configuração espacial tanto do espaço aéreo como do espaço exterior. Nessa etapa metodológica busca-se apontar que espaço aéreo e espaço exterior podem ser compreendidos como um emaranhado sistêmico, configurando uma rede. Optou-se por segmentar essa porção do objeto, a fim de se obter uma melhor compreensão geográfica e como forma de definir o recorte temático proposto na pesquisa. A investigação da substância geográfica contida na cartografia aeronáutica ou nos diferentes tipos de órbitas, por exemplo, destaca-se como um recurso metodológico adotado na pesquisa. Assim, a caracterização de uma geografia do ambiente aeroespacial se obtém com o suporte de conceitos e categorias geográficas, cujo produto foi um construto teórico-empírico representado por um esquema-síntese. Por meio deste, propõem-se conjugar os elementos analisados em uma estrutura conjugada representativa do ambiente aeroespacial. Da caracterização geográfica, a tese prossegue com uma abordagem geopolítica sistêmica (DUSSOUY, 2010) do objeto de pesquisa. Nessa segunda etapa a pesquisa dirige-se para a contextualização do ambiente aeroespacial como um espaço geopolítico. Isso ocorre por meio da coleta e análise de evidências, fruto da pesquisa bibliográfica, que inclui referências clássicas, documentos, estatísticas e relatórios sobre a História do Poder Aéreo, a partir da qual se levantam pontos como a perspectiva geográfica e a influência da aviação no fenômeno da guerra. A partir da categoria de análise geográfica território, levantam-se apreciações sobre poder, soberania e fronteiras. Ainda nesta etapa, recorre-se à eventos históricos e dados estatísticos para caracterizar as tendências econômicas, tecnológicas e ideológicas no campo aeroespacial. Essas apreciações servirão de fundamento para a formulação do conceito de Geopolítica Aeroespacial. A etapa final da pesquisa, que consolida o aspecto empírico-analítico presente em uma geopolítica, formula cenários de cunho realista e idealista (e também uma versão híbrida) sobre a geopolítica aeroespacial do/no Brasil. Com base no Art. 1º, inciso VII, da Resolução Nº 510, de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, da República Federativa do Brasil, 39 a presente pesquisa foi enquadrada como um aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, não revelando dados que identificam os sujeitos da pesquisa. Por meio da consulta a pesquisadores e gestores brasileiros, reconhecidos como experts na área aeroespacial, oriundos da Academia, de empresas privadas ou de órgãos públicos, intenta-se analisar a forma como, mormente, agentes de políticas públicas podem, a partir das conclusões obtidas no panorama elaborado, conduzir ações no âmbito da geopolítica aeroespacial nacional. Tal etapa é conduzida mediante uma observação direta extensiva (MARCONI e LAKATOS, 2010), com a utilização de questionário (Anexo B) enviado ao participante da pesquisa. O uso dessa técnica de pesquisa adequou-se aos critérios estabelecidos pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e, apesar de se enquadrar no escopo de pesquisas elencadas na Resolução acima citada, contemplou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Anexo A) que foi remetido e tomado ciência por cada um dos respondentes, que aderiram às regras estipuladas no respectivo TCLE. A distribuição do questionário aos experts foi precedida de pré-testagem do instrumento de pesquisa, realizada com três voluntários que passaram por todo o processo previsto para a etapa, inclusive favorecendo ajustes ao instrumento de pesquisa conforme os conceitos de “fidedignidade, validade e operatividade” (MARCONI e LAKATOS, 2010, p. 211). Nessa terceira etapa, que permitiu a elaboração de cenários, a expectativa foi de conexão dos esforços de geografização e geopolitização, empreendidos nos dois primeiros capítulos, com as percepções oriundas dos experts sobre a presença das variáveis de estudo na geopolítica aeroespacial brasileira. Nesse sentido, o capítulo é um reforço das evidências coletadas, aplicadas ao âmbito nacional, viabilizador da interligação das questões epistemológicas com o viés empírico. Metodologicamente, a pesquisa adota a abordagem hipotético-dedutivo (POPPER, 2008). Para tanto, conjectura-se uma hipótese de pesquisa que responde ao problema proposto, conforme esquematizada anteriormente. Como existe a demanda de “falseabilidade da hipótese”, o rigor que Popper (2008, p. 90-91) confere a esse procedimento, redunda no estabelecimento de uma hipótese singular, que também pode ser expressa na forma de um enunciado básico: O ambiente aeroespacial é um espaço geográfico formado pela conjugação entre espaço aéreo e espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas (vide esquema anterior). No enunciado está implícita a demanda de uma evolução da geopolítica clássica (identificada anteriormente pela letra “A”) para a geopolítica aeroespacial (letra “B”), e no trecho final consideram-se no bojo das relações as variáveis (q, r, s, t e u). 40 A organização dessa metodologia exige algumas considerações importantes. Inicialmente, existem conhecimentos prévios (MARCONI e LAKATOS, 2010) ou condições antecedentes (VAN EVERA, 1997) que são demandadas pela investigação (elementos básicos da ciência geográfica, da política etc.), que se constituem em catalisadores do problema de pesquisa. No caso do ambiente aeroespacial, o pressuposto de uma insuficiência temática da geopolítica clássica e a demanda de expansão da geografia humana e física para essa dimensão são condições iniciais que suscitam a elaboração do problema de pesquisa e, por conseguinte a formulação da hipótese. No método hipotético-dedutivo a hipótese é, antes de tudo, uma conjectura. Sendo assim, propor a existência de uma geopolítica aeroespacial, onde o palco é um espaço geográfico conjugado, demanda procedimentos de falseabilidade ou de testagem da hipótese, a fim de se averiguar sua realidade. O teste da hipótese foi concebido na forma de observação de evidências nos campos geográfico (q), político (r), econômico (s), tecnológico (t) e ideológico (u), identificados como variáveis independentes no esquema de hipótese anteriormente descrito. Assim, procedimentos de testagem por observação e coleta de evidências são centrais para a comprovação de ilações lógicas que corroborem a hipótese como “se há uma geografia aeroespacial, então é possível uma geopolítica aeroespacial” ou “se há fatos políticos no ambiente aeroespacial, então é possível uma geopolítica aeroespacial” e assim sucessivamente com as demais variáveis de estudo38. Ainda sobre o método é importante se ressaltar uma outra componente. Aqui destaca-se que a testagem é um procedimento de evidências, a partir de abordagem dedutiva (VAN EVERA, 1997). Assim, a escolha seletiva de evidências busca representar, o mais acuradamente possível, pela observação, predições inequivocamente dedutivas. Para tanto, os passos de testagem procuraram, a partir da colocação da hipótese, rever expectativas sobre o que se observar para a sua comprovação (ou o que se observa em sua negação), com a exploração das evidências buscando apontar congruências (ou incongruências) em relação às expectativas da hipótese. Nesse ponto, optou-se pelo que Van Evera (1997) descreve como método da concordância, no qual variáveis com características gerais diferentes (geografia, política, economia, tecnologia e ideologia) suscitam valores similares (as evidências) para a testagem da hipótese. Nesse processo de testagem, as evidências das diferentes variáveis 38 As indagações de testagem poderiam ser apresentadas como raciocínios dedutivos dentro do método hipotético- dedutivo: “Se há evidências de fatos econômicos no ambiente aeroespacial, há uma geopolítica aeroespacial”; “Se há como se observar a influência da tecnologia no ambiente aeroespacial, há uma geopolítica aeroespacial”; e “Se há um processo de ideologização do ambiente aeroespacial, há uma geopolítica aeroespacial”. 41 traduzem-se em resultados (dedução geral), causam determinadas respostas (testagem) e demonstram a conexão com a hipótese (relação hipotético-dedutiva). Por fim, faz-se necessário esclarecer que é possível se evidenciar alguns caracteres de estudo de caso na investigação, mais especificamente quando consideremos que os testes de falseabilidade, ou de predição das evidências, estejam alinhados com a ideia de tentativa de explanação da hipótese de investigação. Entretanto, no sentido mais amplo do método, a pesquisa não se detém na análise de uma situação, ou caso específico, o que melhor enquadraria metodologicamente o trabalho em um investigação geohistórica, adiante discutida. Como método de procedimento, a pesquisa, por envolver a epistemologia da geografia/geopolítica, ao tratar do conceito de geopolítica aeroespacial, aproxima a história à geografia39. Assim, pode-se falar em uma abordagem geohistórica, que já foi anteriormente apontada por autores como Halford Mackinder, Therezinha de Castro e Meira Mattos, como característica da geopolítica, e onde se apreciam as “condicionantes geográficas presentes na gênese da formação sócio territorial analisada”40, assim como “formas de inserção [...] nas estruturas internacionais de poder” (ALBUQUERQUE, 2011, p. 27), no caso o ambiente aeroespacial. A pesquisa, no que tange ao levantamento bibliográfico e coleta de evidências, conduz-se sobre referências que podem ser agrupadas nos seguintes campos: a) Geografia: obras de cunho teórico e epistemológico, inclusive no que tange à categoria território, e temas como poder; b) Geopolítica: dicionários, obras clássicas e atuais, além de artigos científicos; c) Geografia Política: essencialmente obras de cunho teórico que tratam de definições e conceitos; d) História: aquelas obras relacionadas principalmente ao Poder Aéreo e à conquista do Espaço Exterior; e) Ciências Aeronáuticas: publicações oficiais e legislação aeronáutica, dados estatísticos; f) Astronomia e Astronáutica: dicionários e obras de iniciação aos estudos; e g) Relações Internacionais: obras que destacam a questão jurídica e as escolas de pensamento. A investigação recorre à documentação indireta, à pesquisa documental (arquivos públicos, fontes estatísticas) e à pesquisa bibliográfica (bibliotecas, portais acadêmicos, imprensa, meios audiovisuais, material cartográfico, publicações oficiais, dados de anuários). 39 Conforme interpreta Semple (1911, p. 43-44), Ratzel pensou na relação entre geografia e história na Antropogeografia, o que levou a autora a concluir que “todo problema histórico deve ser estudado geograficamente e todos os problemas geográficos devem ser estudados historicamente”. 40 Como condicionantes geográficas, nossa relação se dá nas variáveis de estudo apontadas (além do geográfico, o político, o econômico, o tecnológico e o ideológico). Confirmando essa proposição, percebe-se que essas variáveis, de alguma forma, são abrangidas em estudos da geografia política, geografia econômica, geografia dos transportes e geografia cultural). 42 Privilegiam-se textos na Língua Portuguesa e Língua Inglesa, além da Língua Espanhola, principalmente livros, artigos científicos e dados de relatórios. Em função do dinamismo temático da área espacial, nesse caso também se recorre ao sítios da rede mundial de computadores como fonte primária de informações, inclusive naqueles voltados às coberturas jornalísticas41. Apontam-se algumas limitações na investigação que podem ser agrupadas da seguinte forma: a) acesso às informações; b) recorte temático; e c) procedimentos metodológicos. Quanto ao acesso às informações, considera-se que há limite na obtenção de dados e indícios que em geral estão resguardados como sigilosos, sobretudo quanto se referem à tecnologia aeroespacial, ou questões econômicas governamentais. Também nesse quadro, a quantidade de experts consultados resulta num panorama que se restringe à compilação de informações desses especialistas, em particular. Isso reduz o leque de possibilidades da análise. Quanto ao recorte temático a primeira limitação que se observa é na caracterização geográfica do espaço aéreo. Na pesquisa, trata-se apenas a geografia da aeronáutica brasileira. Mesmo considerando que nos demais Estados essa caracterização pudesse ser semelhante, ainda assim trata-se de limitação. Ela também pode ser percebida na segmentação do espaço exterior. Não há possibilidade de a pesquisa estender o recorte para a completude do Cosmos, como por exemplo a Marte (o que já seria um esforço adicional, apesar das consequentes conclusões que poderiam ser obtidas)42. Assim, limita-se o espaço de análise ao recorte definido. Por fim, as limitações relativas à metodologia merecem menção pois impõem condicionantes ao escopo da investigação. Em primeiro lugar, o recurso à pesquisa bibliográfica restringe as conclusões ao universo literário acessado. Depois, a restrição de recursos financeiros, haja vista a não disponibilidade de bolsa de estudos, que impediu o deslocamento do pesquisador para complexos aeroespaciais fora do país, por conseguinte impondo um viés eminentemente nacional na parte que trata dos cenários. 41 A Norma ABNT NBR 10520 Informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação não especifica citações de sítios ou páginas da rede mundial de computadores, em especial na questão de indicação de página. Por esse motivo, nesta Tese convencionou-se nas citações desse gênero não citar página, mesmo nas citações diretas. 42 Existe debate internacional em torno de um esforço geopolítico entre as nações em desenvolver projeto comum na colonização de Marte, inclusive suscitando a ideia de um acordo do tipo Bretton Woods para a exploração espacial (DENISTON, 2018). 43 Consideradas as questões metodológicas, o estudo que se empreende visa auxiliar na reflexão epistemológica da Geografia, por meio da inserção na discussão teórica de um novo espaço geográfico que possa abranger essa original dimensão espacial, mas principalmente no conceito de geopolítica aeroespacial. Nas pesquisas iniciais de exploração do tema, percebeu- se uma lacuna na literatura acadêmica geográfica, sobretudo nacional, sobre a caracterização do ambiente aeroespacial como elemento de debate acadêmico na Geopolítica. Isso permitirá a ampliação do referencial epistemológico desse campo na direção do conceito de geopolítica aeroespacial. Em consequência, vislumbra-se no escopo das justificativas do trabalho, fruto de uma visão pragmática do produto da pesquisa, que ele aponte para o seguinte: a) Gere impacto epistemológico nos estudos geográficos; b) Revele a dimensão teórica do conceito de ambiente aeroespacial; c) Componha panorama sobre Geopolítica Aeroespacial suficiente para servir de subsídio para a atualização das políticas públicas existentes no país; d) Contribua na reflexão sobre o setor aeroespacial, em vieses doutrinários, legais e como oportunidade geopolítica, no âmbito da Academia, das instituições públicas (em especial àquelas ligadas à segurança e defesa) e em empresas privadas; e e) Amplie o relacionamento entre a ciência geográfica, em especial a Geopolítica, e os estudos estratégicos em áreas como Relações Internacionais e Defesa. A partir dessas justificativas, pode-se perceber que a pesquisa trata de uma contribuição efetiva ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da UFRN, pois encerra questões sobre a geopolítica aeroespacial ligadas: à globalização de mercados; à compreensão do espaço geográfico e de nosso tempo social; à ampliação do conhecimento teórico sobre território em uma nova dimensão espacial, visto como território usado, território como recurso, território de estados e de empresas; à aceleração do tempo, inerente às atividades aeronáuticas e espaciais, onde o funcionamento dos sistemas tecnológicos é representativo de uma geopolítica diferenciada; e onde se observa que o fenômeno político se materializa territorialmente na forma de estruturas físicas e do campo normativo. A Tese se estrutura em cinco elementos textuais. Na Introdução, na qual foi apresentada a problemática, momento em que se contextualizou a oportunidade epistemológica da Tese na forma de abordagens e temas (ou domínios), e ainda se formulou o problema de pesquisa, delimitando-se o assunto tratado. Na sequência, elaborou-se a hipótese de pesquisa e definiu-se sua formação a partir de conjecturas. Posteriormente, foram elencados o objetivo geral e os seis objetivos específicos da investigação. O quadro teórico foi o elemento seguinte 44 desse capítulo, onde se introduziram questões conceituais que são pormenorizadas nos capítulos seguintes e se lançou um conceito de Geopolítica Aeroespacial. Ainda na Introdução se apresentou a metodologia de pesquisa, apontando suas etapas, os métodos de abordagem e de procedimento, as técnicas utilizadas e as limitações da investigação. Por fim, foram apresentadas as justificativas para o estudo. Na segunda parte, trata-se da caracterização geográfica do ambiente aeroespacial. Nela é levantada a questão do limite entre o espaço aéreo e o espaço exterior. Na continuidade, aborda-se do espaço aéreo em termos de funcionalidade e localização, onde se identifica uma geografia do espaço aéreo, que se configurou a partir da ideia de volume. Nesse segmento discorrem-se temáticas que vêm se incorporando à essa geografia. O Capítulo versa sobre a legislação, a geometria e a cartografia do espaço aéreo, apresentando exemplos que melhor caracterizam a geografia do espaço aéreo. Passa-se, então, a analisar o espaço exterior, em especial os segmentos da Terra, da Lua e das órbitas terrestres, onde há uma discussão sobre a amplitude desse espaço geográfico. Por fim, o Capítulo sugere elementos da teoria geográfica, tais como os sistemas ou redes de fixos e fluxos, que ajudam na elaboração de um esquema- síntese do ambiente aeroespacial enquanto espaço geográfico conjugado. O Capítulo seguinte discorre sobre a questão da geopolitização do ambiente aeroespacial. Inicia-se com a constatação de uma nova perspectiva geográfica proporcionada pelo acesso à terceira dimensão. Em uma retrospectiva histórica, elenca fatos sobre a importância da aviação em conflitos interestatais, dando margem ao surgimento da ideia de guerra total. Essa nova forma de guerra é avaliada pelo prisma do poder aéreo, uma teoria que se desenvolve após a Primeira Guerra Mundial (1ª GM) e se desdobra no que se chama de Poder Aeroespacial. Na sequência, o Capítulo volta a atenção para os elementos, além daqueles considerados históricos, que dão margem à geopolitização do ambiente aeroespacial. Assim, aborda-se o conceito de território e a forma pela qual ele é compreendido na geopolítica aeroespacial. Depois, o texto apresenta fatos e dados estatísticos que apontam para a influência da economia e da tecnologia no contexto dessa geopolítica. Posteriormente, analisa-se a influência da ideologia, do prestígio nacional e a relação do ambiente aeroespacial na segurança dos Estados, a partir de uma perspectiva cultural. Finalizando esse capítulo, a Tese elabora o conceito de Geopolítica Aeroespacial. No quarto segmento dos elementos textuais, revelam-se as conclusões sobre os panoramas realista e idealista (além de uma opção híbrida) da Geopolítica Aeroespacial no Brasil. Para tanto, desenvolve amiúde o conceito de Poder Aeroespacial relacionando-o com essa Geopolítica. Como se trata de Capítulo eminentemente empírico, que traz um viés de 45 aplicação da geopolítica a um determinado propósito, o texto esclarece os pormenores da metodologia que foi utilizada nos questionários utilizados. Esse esforço se dá na definição do entendimento de cenários prospectivos realizáveis, apontando o problema da geopolítica aeroespacial, por meio de mapas que elucidam questões centrais, e apresentando o instrumento de pesquisa empregado. Além disso, o Capítulo busca esclarecer as premissas de elaboração dos cenários que tomaram por base as perspectivas realista e idealista da Teoria das Relações Internacionais. Finalmente, o Capítulo aponta aqueles elementos, consoante com as opções ou posturas realista e idealista (e híbrida), que despontaram na análise das respostas, sintetizando as mesmas em um quadro conclusivo, propositivo de fatores a serem considerados em políticas públicas para o setor aeroespacial brasileiro. Considerando que a necessidade de conhecimento geográfico permeia a história, iniciaremos revelando que essa demanda por conhecimento passou por uma grande expansão a partir do século XV e, hoje, se projeta para além da superfície terrestre, naquilo que convencionou-se denominar ambiente aeroespacial. 46 2 CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO AMBIENTE AEROESPACIAL As armas e os barões assinalados Que, da Ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram. (CAMÕES, 2012, p. 17) Na estrofe da epígrafe, a primeira da importante obra da literatura portuguesa e universal “Os Lusíadas”, Luís Vaz de Camões relata a viagem de Vasco da Gama, navegador lusitano, além do limite do mundo conhecido. Os versos de Camões foram publicados em 1572, quando o Renascimento consolidava os avanços do período medieval e preparava a revolução científica. Os estudos de Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e Johannes Kepler (1571-1630), precursores de uma nova astronomia – e de uma “geografia” – cujo objeto seria o Sistema Solar, desenvolveram a hipótese do Heliocentrismo, na qual o centro do universo estaria próximo ao Sol e não da Terra. Copérnico, em seu livro De Revolutionibus Orbium Coelestium (A Revolução dos Corpos Celestes), publicado em 1543, afirmava que a “Terra era esférica” (COPERNICUS, 2008, p. 78)43. Em 1596, Kepler divulga o livro Cosmic Mystery (O Mistério do Cosmos), no qual explica o seu modo de ver o Sistema Solar e, em 1610, Galileu elabora o Sidereus Nuncius (Mensageiro das Estrelas), relatando suas observações telescópicas (SELLERS et al., 2003)44. O fruto dessas proposições inovadoras foi a superação das crendices populares de que o planeta seria uma superfície plana, com limites geográficos nesse planisfério, o que de alguma forma influenciou e inspirou o caminho para as grandes explorações pelo mar. A Figura 3 demonstra o quão significativo eram essas crendices45. A imagem do Mare Tenebrosum ou 43 São Tomás de Aquino, na Summa Theologica, escrita no Século XIII, apontava conclusões de astrônomos e físicos, porém sem referenciar quem seriam, sobre a esfericidade da Terra, como pode ser observado no Prima Pars, livro “Sobre a Doutrina Sagrada”, Questão 1, Art. 1 e no Pars Prima Secundae (Ia IIae pars), livro “Tratado dos Hábitos”, Questão 54, Art. 2 (AQUINO, 1273?). 44 Em verdade, a astronomia já era um conhecimento desenvolvido em civilizações da Antiguidade como os Maias que, segundo Gendrop (1987, p. 20) “deveriam revelar-se como um dos povos mais bem dotados [nessa ciência]”. 45 As ilustrações (fotografias ou imagens) foram obtidas em sítios da rede mundial de computadores, e são utilizadas nesta Tese, com indicação da fonte, com base no inciso VIII, do Art. 46, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (exclusivamente com propósito científico e acadêmico), e com base no princípio do fair use (uso justo), que rege a utilização de imagens em trabalhos exclusivamente com propósitos de scolarship (desenvolvimento do conhecimento acadêmico) e research (pesquisa), conforme a Lei do Copyright dos EUA (https://www.copyright.gov/fair-use/more-info.html). 47 Mare Tenebrarum (Mar Tenebroso ou Mar da Escuridão)46, cujo leito abrigava monstros e, além do alcance da visão, o destino era um abismo, ressalta o quanto que a dimensão social dessa empreitada, uma verdadeira mudança de paradigma de representação, significou para a civilização do Ocidente. Nas palavras de Paine (2013, p. 34), provavelmente inspirado em Mackinder, caso tal movimento intelectual não houvesse ocorrido, provavelmente a Europa Ocidental seria relegada a uma posição “marginalizada em sua esquina Eurasiana”. Figura 3 – Mare Tenebrosum Fonte: IMGUR, 2014. Parece claro que essa mudança das representações sociais da época não teria ocorrido não fosse o desenvolvimento das técnicas associadas à navegação oceânica, tais como as caravelas, que permitiram o distanciamento das naus do litoral. Assim, tanto espanhóis quanto portugueses, da época de Camões, atentos à essa evolução do conhecimento científico e, certamente, voltados para desígnios políticos, econômicos, militares e ideológicos, empreenderam viagens marítimas exploratórias que alteraram a compreensão da cartografia, da topografia e da fisiografia do planeta e, enfim, do próprio conhecimento a respeito da geografia física. As grandes navegações dos séculos XV e XVI demonstraram, empiricamente, dois relevantes aspectos: as proposições dos estudiosos que se opunham à ideia da terra plana (ou terraplanismo); e a possibilidade de navegações marítimas para além daquelas realizadas ao 46A imagem é uma pintura do artista contemporâneo Antar Dayal, uma representação simbólica do Mare Tenebrosum. 48 longo das linhas costeiras. Não se pode minimizar os impactos sociais que essas viagens tiveram ao expandir os horizontes geográficos, com a descoberta de novos recursos naturais, a fundação de novos núcleos de colonização, o estímulo ao comércio e, especialmente no universo das possibilidades geopolíticas que se abriram para os Estados europeus que se lançaram no descobrimento de novas terras. Para justificar essa afirmação seria suficiente lembrar fatos históricos como o Tratado de Tordesilhas, que o geopolítico brasileiro Tosta (1984, p. 4) descreveu como “a obra geopolítica prática de caráter mais global já realizada até a época presente”. A divisão do “mundo” entre portugueses e espanhóis impulsionou a colonização da África e da América, expandido o núcleo da civilização europeia e cristã como no trabalho desenvolvido pela Companhia de Jesus (a Ordem dos Jesuítas), e em empreendimentos econômicos metropolitanos, fundando uma verdadeira política de Estado em relação às colônias47. Outro exemplo que sustenta o argumento de uma nova ordem geopolítica, como reflexo das navegações, foi a escravidão dos negros africanos, cujos reflexos culturais, antropológicos, sociais e econômicos impuseram uma dinâmica de relacionamento entre os continentes. Não é por menos recordar que foi a Inglaterra a interferir no tráfico de escravos entre a África e o Brasil, chegando mesmo a “reservar o direito de inspecionar, em alto-mar, navios [brasileiros] suspeitos de comércio ilegal [de escravos]” (FAUSTO, 1995, p. 192). Por fim, há que se registrar a opinião de autores sobre os efeitos das navegações ao situarem no mercantilismo a gênese de um processo de globalização (STEARNS, 2010) e como um fator que alterou a “carta do mundo” (TOYNBEE, 1961, p. 53), não somente no aspecto físico, mas também, e principalmente, no aspecto humano. Enfim, as novas perspectivas cartográficas associadas a uma nova visão de mundo configuram, juntas, uma mudança significativa na geografia planetária. Desde a primeira metade do século XX, impulsionada sobretudo pelas duas guerras mundiais, a sociedade contemporânea vive uma dinâmica de exploração geográfica semelhante, cujo foco de interesse desloca-se da dimensão do plano ou da superfície – terrestre ou marítima – para a chamada terceira dimensão. A terceira dimensão, que usualmente é subdividida em “espaço aéreo” e “espaço exterior”, passa a constituir-se também em espaço geopolítico integrado48. Ainda de forma mais audaciosa, afirmamos que trata-se da formação de novos 47 Carlos de Meira Matos (2002) é outro autor ligado à Geopolítica que destaca a relevância do Tratado de Tordesilhas para a geopolítica brasileira. 48 A ideia de que o espaço na análise geopolítica pode ser percebido de forma integral é defendida por Doboš (2019, p. 2), ao propor “a terra, o mar, o ar, o espaço exterior e o ciberespaço como espaço estratégicos interconectados”. 49 “espaços vitais”, na concepção do célebre geopolítico alemão Friedrich Ratzel, cuja noção de “necessidade territorial de uma sociedade [decorreria de sua capacidade ou] equipamento tecnológico, [da necessidade de novas áreas em função da expansão do] seu efetivo demográfico e [da demanda por mais] recursos naturais” (MORAES, 1990, p. 23)49. Tal necessidade de expansão de "espaços vitais" inspirou as navegações marítimas europeias e, de igual forma, vem estimulando as navegações aeroespaciais. Este capítulo da tese propõe discutir, do ponto de vista da ciência geográfica, o conceito de ambiente aeroespacial – um termo que aglutina as palavras aéreo e espacial –, como uma nova dimensão para esse campo de estudos científicos. A fim de melhor subsidiar essa discussão, estruturou-se o capítulo em cinco segmentos. Inicialmente, será apresentada a questão sobre os limites entre espaço aéreo, atmosfera terrestre e espaço exterior. Na sequência, coube caracterizar geograficamente o espaço aéreo, estabelecendo um conceito baseado em sua localização e funcionalidade. Posteriormente, tarefa semelhante de caracterização foi implementada para o espaço exterior, porém com o foco no espaço terrestre e no espaço lunar, a partir da identificação de elementos de configuração espacial e de estruturação. No quarto segmento, com base nos aspectos levantados nas seções anteriores, a pesquisa direcionou-se para uma abordagem teórica do objeto, dando ênfase às categorias analíticas que permitissem compreendê-lo à luz da ciência geográfica. Nesse trecho, buscou-se o entendimento de Louis Althusser em se evitar o empirismo, partindo da premissa que “somente se pode atingir o conhecimento dos objetos reais-concretos ao mesmo tempo que se trabalha com objetos formais-abstratos” (ALTHUSSER, 1978, p. 34). Essa simultaneidade proposta foi realizada pela constante conexão das categorias com os elementos empíricos observados. Por fim, a discussão buscou sintetizar as abordagens teóricas, destacando a conexão entre elas e atingindo o objetivo de configurar o ambiente aeroespacial como um conjunto integrado (ou sistema), no qual estariam presentes objetos e relações (SANTOS, 1997). 49 Apesar da obra de Moraes ser uma referência em Língua Portuguesa sobre o pensamento de Ratzel, a primeira intérprete, em Língua Inglesa, do trabalho do geógrafo alemão foi a geógrafa norte-americana Ellen Churchill Semple (1863-1932). Na obra Influences of Geographic Environment: On the Basis of Ratzel's System of Anthropo- Geography (Influências do Ambiente Geográfico: Com base no Sistema Antropográfico de Ratzel), Semple, com o aval do próprio Ratzel, conclui que a Antropogeografia é uma obra de difícil tradução e compreensão no idioma original, o alemão. Por esse motivo, Semple propõe uma tradução que sirva para entendimento da mente anglo- saxã, exemplificando as proposições de Ratzel com referências à realidade norte-americana. Além disso, com a utilização desses exemplos, a geógrafa estadunidense, que inclusive foi a primeira mulher presidente da Associação dos Geógrafos Americanos, aponta a necessidade de testar algumas das proposições de Ratzel, a fim de clarificar as afirmações originais do autor alemão, pois nem todas as assertivas contidas na Antropogeografia constituem “um sistema completo e bem proporcionado” (SEMPLE, 1911, p. 6). Na verdade, a tradução de Semple extrapola o seu objetivo original e passa ser considerada uma obra de referência para a Geografia Humana, em especial nos temas de antropogeografia e do determinismo ambiental. 50 Nos estudos geopolíticos, a caracterização geográfica de um determinado espaço é um relevante fator de análise. Somente pelo conhecimento dos aspectos de configuração, de morfologia, e de constituição de um domínio é que se obtém uma perspectiva correta sobre a influência desse domínio nas ações de um Estado. No caso do ambiente aeroespacial, face sua ausência nas reflexões epistemológicas dos estudos da ciência geográfica, tal empreendimento é de natureza essencial. 2.1 O limite entre espaço aéreo e espaço exterior Antes de adentrarmos na caracterização geográfica do ambiente aeroespacial é necessário considerar a questão do limite entre espaço aéreo e espaço exterior, que aglutinados formam o objeto dessa pesquisa. O arcabouço jurídico internacional é incompleto quando se trata da delimitação entre espaço aéreo e espaço exterior, inexistindo, até hoje, um dispositivo legal que contemple esse assunto. No âmbito da regulamentação relativa ao espaço aéreo, cujo organismo responsável é a Organização da Aviação Civil Internacional (International Civil Aviation Organization – ICAO), não há, em convenções e regras de tráfego aéreo, um limite superior definido para o espaço aéreo, como é o caso do principal documento regulatório, a Convention on International Civil Aviation (Convenção de Aviação Civil Internacional), de 1944 (ICAO, 2006), também conhecida como Convenção de Chicago. Quanto ao espaço exterior, o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Committee on the Peaceful Uses of Outer Space – COPUOS), colegiado da Organização das Nações Unidas (ONU) para o trato da regulamentação do uso do Espaço, também não traz uma definição do ponto de transição entre atmosfera e espaço exterior. Tal demanda já foi identificada em relatório de 2001, que apontou uma premente necessidade de delimitação do espaço exterior, como forma de dar base legal às ações dos Estados (COPUOS, 2001). Na verdade, como aponta Gangale (2018, p. 4), a necessidade de definição de limites “deriva de uma lógica oriunda da teoria política que vê o território estatal como ente demarcado por bordas (linhas limítrofes) onde se exerce o controle e se provê a defesa”. Em função dessa indefinição legal, abriu-se no âmbito acadêmico uma discussão conceitual sobre essa delimitação do espaço exterior, especialmente nos trabalhos de autores como Jerry Sellers et al. (2003), Gregory Vogt (2007) e Gangale (2018), cujas indagações sobre “onde o espaço exterior começa” apontam diferentes opções de resposta. Sellers et al. (2003, p. 73-74) consideram que a altura ideal seria de 130km como a distância limítrofe, pois ela representa “a altitude onde um objeto em órbita permanecerá orbitando brevemente (somente 51 um ou dois dias em alguns casos) antes que as finas moléculas de ar na atmosfera superior o arrastem de volta à Terra”. Vogt (2007) considera que as propostas de delimitação variam conforme a área do conhecimento dos cientistas que tratam do assunto, sejam astrônomos, físicos ou meteorologistas. Na concepção desse autor, o critério meteorológico é o ideal para delimitar os domínios, e localizar a camada superior da mesosfera a cerca de 80km da superfície seria o padrão ideal. Gangale (2018) propõe estruturar o espaço em três regiões: o espaço exterior; o espaço aéreo; e o mesoespaço. O espaço aéreo seria região de soberania estatal, enquanto o espaço exterior seria destinado ao bem comum. A novidade estaria no mesoespaço, uma região situada entre 30 e 81Km acima da superfície, na qual se exerceria soberania apenas na projeção do território nacional, restringindo o trânsito de objetos nesse espaço. Possivelmente, essa zona de transição atuaria mais como uma região de fronteira no sentido de área ou faixa e não de linha demarcatória. Existem, portanto, variados critérios para se estabelecer a demarcação do limite entre o espaço aéreo e o espaço exterior. Malagar e Magdoza-Malagar (1999) apresentam os critérios de “controle efetivo do espaço aéreo”, “balanço gravitacional”, “exosfera”, “altitude máxima do voo de aeronaves” ou “máxima altitude do perigeu de um satélite”. Bittencourt Neto (2011) acrescenta a perspectiva jurídica à questão da delimitação, apresentando critérios de “limites atmosféricos e capacidade de voo”, “menor perigeu de objetos espaciais”, “limite gravitacional”, “mesoespaço”, “controle efetivo” ou “delimitação arbitrária”. Apesar dessas nuances de abordagens, a maioria dos critérios plausíveis para se estabelecer o limite entre espaço aéreo e espaço exterior recai em duas proposições: a espacial e a funcional. As conclusões sobre delimitação entre espaço aéreo e espaço exterior de Everett Dolman (2002) passam a fundamentar a presente tese justamente porque o autor discute a questão sob esses dois prismas. Para o autor, a abordagem espacial sobre espaço exterior define como seu início o ponto logo abaixo do ponto mais baixo no qual um objeto pode ser mantido em órbita. Na perspectiva funcional, o limite estaria além da máxima altitude na qual o voo aerodinâmico é possível (DOLMAN, 2002). Objetivamente, um padrão de referência de limite 52 aceitável é a Linha Kármán50, situada a 100Km da superfície, e reconhecida como um referencial de delimitação dessas duas faixas. Os dicionários especializados tratam da questão dos limites de forma semelhante. No Elsevier’s Dictionary of Geography (Dicionário Elsevier de Geografia) (2007) existem definições de espaço e de espaço aéreo. No primeiro caso, trata-se de uma “região que está além do limite da atmosfera terrestre” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 679), que atingiria a altitude de 100km. O outro verbete associa a definição a limites jurisdicionais territoriais. O Diccionario Latinoamericano de Seguridad y Geopolítica (Dicionário Latino- Americano de Segurança e Geopolítica) (2009) contempla definições para espaço aéreo e espaço exterior, porém não estabelece o limite entre eles51. Mesmo a divisão clássica da atmosfera terrestre em camadas comporta certa ambiguidade à discussão. Da superfície terrestre até cerca de 6 a 20km temos a faixa denominada troposfera. Acima dela, até cerca de 50km, está situada a estratosfera. A camada seguinte, que se estende até cerca de 85km, é a mesosfera. Continuando a ascensão até 690km a camada é denominada termosfera. Finalmente, atingindo os 10.000km de altura, estaria a exosfera (BRÜNNER e SOUCEK, 2011, p. 100). Consequentemente, as camadas, utilizadas em estudos geográficos, astronômicos ou meteorológicos, também não definem claramente o ponto de transição entre os espaços aéreo e exterior. A discussão sobre essa delimitação apresenta-se necessária em função de três aspectos. O primeiro deles trata das distintas características físicas dos dois espaços considerados. O outro, de cunho conceitual e visando à constituição do ambiente aeroespacial como um conjunto integrado, abordado no capítulo seguinte, trata de questões de cunho geopolítico, tais como a definição de território, fronteira e poder, essenciais ao contexto da Tese. Há, ainda, a questão da soberania, pois definir uma linha de altitude de transição entre espaço aéreo e espaço exterior automaticamente estenderia a questão da soberania territorial até 50 Atribuída em homenagem a “Theodore von Kármán (1881–1963), um engenheiro e matemático de origem húngara e naturalizado norte-americano” (ANGELO JR., 2006, p. 239). Existe uma discussão em torno da distância real da Linha Kármán. Hobe e Chen (2017, p. 28) postulam que de acordo com a abordagem espacial (no sentido geográfico do termo), que diferencia-se da abordagem funcional, “a demarcação física da linha de Kármán é de 100Km acima do nível médio do mares, e foi aceita pela Federação Aeronáutica Internacional como a linha limítrofe entre o espaço aéreo e o espaço exterior”. Entretanto, se reconhece que a verdadeira posição da linha estaria a cerca de 53 milhas (ou 85,3Km) (ODUNTAN, 2012). Acreditamos que parte do problema na definição em Km da Linha Kármán decorre da possibilidade de conversão das originais 53 milhas, ora considerando-se milhas náuticas (98,16Km), ora milhas terrestres (83,5Km). Para efeitos desta Tese, a Linha Kármán será considerada a 100Km acima do nível médio dos mares. 51 O verbete âmbito aéreo, cujo significado associa à meio de atuação de forças armadas, compreende que esse âmbito compreende o “espaço aéreo, a superfície terrestre onde são executadas operações [militares] e o espaço ultraterrestre” (BARRIOS, 2009, p. 72-73). 53 esse limite, haja vista ser o espaço aéreo um espaço soberano dos estados. Tão relevante é essa questão que Appleson (1982), em artigo para o periódico da American Bar Association (organização semelhante à Ordem dos Advogados no Brasil), expõe opiniões de estudiosos norte-americanos contrários ao estabelecimento desse limite. Na próxima seção, o ambiente aeroespacial será caracterizado a partir de uma descrição geográfica, na qual serão identificados elementos como funcionalidade, localização, geometria, cartografia e legislação, a fim de se estabelecer a discussão sobre a apropriação do objeto de estudo (ambiente aeroespacial) na ciência geográfica. 2.2 Espaço aéreo: funcionalidade e localização Demanda importante na caracterização do espaço aéreo é definir sua funcionalidade e localização. Para tanto, faz-se necessário situá-lo na perspectiva geográfica e compreendê-lo a partir das suas particularidades geométricas, associadas à forma, dimensão, volume e limites, o que permitiria a constituição de uma geografia e uma cartografia próprias, mas também a partir da questão jurídica que estabelece bases legais para essa caracterização. 2.2.1 A Geografia do Espaço Aéreo Conceituar o espaço aéreo como um espaço geográfico obrigou-nos, inicialmente, a uma breve explicitação do que seria Geografia. Uma definição finalística sobre o que é Geografia ainda é objeto de discussão entre os geógrafos52. Antonio C. Robert Moraes, para referenciar um dos autores brasileiros mais citados entre os que se debruçam sobre essa questão, discute o conceito a partir de uma perspectiva histórica e, em sua obra “Geografia: Pequena História Crítica”, afirma que a Geografia é “um campo do conhecimento científico, onde reina enorme polêmica” (MORAES, 2005, p. 4). Alguns dicionários de geografia também apontam essa dificuldade, tais como o Modern Dictionary of Geography (Moderno Dicionário de Geografia) (2001) e o The Dictionary of Human Geography (Dicionário de Geografia Humana) (2009)53. O Diccionario De Geografía Aplicada y Profesional (Dicionário de Geografia Aplica e Profissional) qualifica 52 O Oxford Dictionary of Geography adota uma perspectiva de evolução histórica do conceito mas conclui que é “temerário achar uma definição unitária” (MAYHEW, 2003, p. 210). Whiters (2011) entende que a definição literal da palavra geografia é simples: “do grego geos, a Terra, e graphos ou graphein, escrever, geografia significaria ‘descrição da Terra’ ou ‘escrever sobre a Terra’”, o que, entretanto, não pode ser reconhecido como uma definição e utilidade da Geografia. 53 Mayhew (2003, p. 210), considera que seria uma “temeridade encontrar uma definição unificadora ao longo das voltas e mais voltas que a disciplina [geografia] tomou”. 54 o vocábulo geografia (a ele acrescentando adjetivos como aplicada, urbana, política etc.), mas não apresenta uma definição exclusiva para o mesmo (TRIGAL, 2015). Uma grande parte das definições sobre Geografia se refere ao relacionamento entre sociedade e natureza. Ruy Moreira (2012, p. 32), outro renomado autor brasileiro que trabalha com essa questão, conclui que a Geografia é “um saber relacionado à clarividência do papel estrutural da organização espacial das sociedades na história”. Whiterick, Ross e Small (2001, p. 108) entedem que a “maioria [das definições] concordam que [a geografia] compreende o estudo da superfície terrestre como lar da raça humana” nas perspectivas de distribuição espacial ou de relacionamento com o meio ambiente. Derek et al. (2009, p. 288) apresentam como "possível definição" para o vocábulo a ideia de que a Geografia seria “o estudo sobre os caminhos pelos quais o espaço está envolvido na operação e no resultado de processos sociais e biofísicos”. As dificuldades em torno do conceito de Geografia refletem-se no objeto da tese e justificam o esforço pela caracterização desse objeto como um espaço geográfico. Na verdade, essa preocupação já se evidenciava entre os pioneiros da Geografia Moderna, como Alexander von Humboldt que, em sua obra Cosmos (1875), buscava relacionar a influência dos fenômenos atmosféricos, tais como a composição do ar, radiação solar, os ventos e temperatura, na distribuição vegetal, no magnetismo terrestre ou na condição do solo (HUMBOLDT, 1875). O fato é que a terceira dimensão, que aqui, por hora, fixamos no segmento espaço aéreo, a partir do momento em que se insere na realidade dos fatos históricos, modificou a perspectiva geográfica. Saint-Exupéry54 (1975, p. 41) vislumbrou essa realidade quando exclamou que o avião “[é ] um instrumento [que] nos permitiu descobrir a verdadeira fisionomia da Terra”. Dardel (2011, p. 26) entendeu que “O espaço aéreo é também uma matéria que nos dá a sensação imediata de sua presença”, daí aceitar que ele (o espaço aéreo) seria, também, um espaço geográfico. Além de ampliar a perspectiva daquilo a ser considerado como espaço geográfico, o espaço aéreo passou a ter um papel significativo em diversas esferas da sociedade, como apontou Timothy Luke, ao sugerir que, [...] as divisões do espaço aéreo na qual persistem as questões de soberania estão em colisão com o multiverso transnacional das tecnorregiões, gerado pelas transações monetárias globais, troca de commodities, comércio técnico, links de telecomunicações e os mercados de mídia (LUKE, 2003, p. 142). 54Antoine de Saint-Exupéry foi um autor francês, piloto de aviões na Segunda Guerra Mundial que desapareceu em combate sobre o Mar Mediterrâneo em 1944. Sua obra mais famosa, “O Pequeno Príncipe”, tem merecido análises do ponto de vista geográfico, tais como em “O Pequeno Príncipe – Uma Visão Transdisciplinar das Categorias e Conceitos Geográficos", de João Domingos de Oliveira Figueiredo e Carla Catiara Vale Silva. 55 Entre as tendências de geografização do espaço aéreo pudemos identificar três movimentos: a descoberta da importância da era da aviação para a geografia; a ideia de volume; e a geografia das rotas aéreas. Os trabalhos de Lawrence (1942), Renner (1942), Engelhardt Jr. (1943), Hankins (1944), Packard, Overton e Wood (1945) e Rodrigues (1947), apenas para citar os precursores da geografização do espaço aéreo55, exploram a forma pela qual a era da aviação, na qual os aeroplanos imprimiram aos fatores tempo e distância uma compressão, por meio da velocidade e do alcance, relacionar-se-ia com a geografia. Fica claro na percepção desses autores a emergência de uma nova dinâmica nessa ciência, despertada pelas características intrínsecas do desenvolvimento aeronáutico. A ideia de volume aplicada à geografia aérea extrapola o sentido físico da noção geométrica. Evidente que na superfície que se sobreponha uma determinada altura forma-se um espaço volumétrico, que no caso específico discutido ocorre a partir de três magnitudes espaciais (comprimento, distância e altura). Essa particularidade do volume do espaço aéreo, sua morfologia, será caracterizada adiante neste Capítulo. Neste momento, o interesse da pesquisa voltou-se para a compreensão de como a ciência geográfica pode ampliar o debate em torno do conceito de volume na perspectiva aérea. Um primeiro movimento que se identificou foram as questões de “aeromobilidade” (ADEY, 2008) e de “vida aérea” (ADEY, 2010). O esforço de Peter Adey extrapola as questões econômicas, estruturais e técnicas do transporte aéreo e vê na vida aérea um viés cultural e social (ADEY e LIN, 2014), no qual a aviação interfere criticamente na qualidade da vida humana56. Lin (2014), inclusive, oferece a perspectiva de que essa qualidade, e também a mobilidade propiciada pelo transporte aéreo, não se distribui equitativamente entre diferentes grupos sociais. Por meio de um sistema interconectado de geografias aéreas, espacialidades diferenciadas criam o que o autor chamou de aereality (na Língua Portuguesa a tradução mais adequada seria realidade aérea, ou a contração aerorrealidade). Nessa realidade aérea, o que se 55 Pollog (1939, p. 211), em coluna da Revista Nature, afirma que a “primeira vez na qual a relação entre geografia e aviação foi oficialmente reconhecida ocorreu no Primeiro Congresso de Geografia Aeronáutica, ocorrido em Paris, na semana de 28 de novembro a 3 de dezembro” de 1938. 56 Dois exemplos podem melhor ilustrar essa percepção. Tomás Saraceno (2017), um artista plástico, chega a propor que a humanidade deve adentrar no período denominado “Aeroceno”, era de “consciência situacional ecológica, na qual aprenderemos a flutuar juntos, viver juntos no ar, e adquirir um compromisso ético com a atmosfera e com o planeta Terra”. O designer francês Jean-Marie Massaud apresentou, em 2007, um projeto de hotel aéreo, denominado “Nuvem Tripulada”, cujo formato se assemelha a um dirigível, capaz de atender 40 hóspedes, viajando cerca de 5.000Km, à velocidade de 130Km/h, com todas as facilidades de um hotel tradicional (restaurante, lounge, biblioteca, espaço fitness, bar, terraço etc.), com um total de 1.100m² de área disponível (ETHERINGTON, 2008). 56 pretende é “começar a definir a forma e os volumes do domínio aéreo”, haja vista que “a vida de sentimentos, emoções, sensações e percepções foi fundamentalmente alterada pelos espaços e geometrias do movimento do avião” (ADEY, 2010, p. 21 e 206)57. Consoante com o pensamento de Peter Adey, alguns autores buscaram interpretar a questão do volume na geografia pelo prisma da soberania territorial58, das práticas de poder e dos conflitos. Nesse sentido, o estudo se aproxima muito das questões geopolíticas. Eyal Weizman (2002), estudando a questão conflituosa entre Israel e seus vizinhos, critica o discurso tradicional da geopolítica que tem sido bidimensional e plano, “tendendo ao olhar através da paisagem, em vez do corte vertical” (WEIZMAN, 2002, p. 2). O autor defende a proposição da “verticalidade da política”, ideia que dá sentido ao volume identificado no ambiente aeroespacial. Essa verticalidade é definida como uma “representação do espaço semelhante ao que faz Escher59, um holograma territorial no qual atos políticos de manipulação e multiplicação do território transformam uma superfície bidimensional em um volume tridimensional” (WEIZMAN, 2002, p. 2). Stuart Elden (2013b) utiliza a mesma lógica, reforçando a importância de se perceber o volume na geografia. Desperta atenção para a ideia de geopolítica vertical, afirmando que “Em termos de questão de segurança [e geopolítica], volume importa por causa das preocupações de poder e circulação. A circulação não acontece simplesmente, nem precisa ser contida, controlada e regulada, [apenas] em um plano [geométrico]” (ELDEN, 2013b, p. 49). A preocupação de Stuart Elden quanto ao volume é levada adiante por Gavin Bridge (2013). Na verdade, esse autor identifica uma limitação no conceito de volume proposto por Elden. Para Bridge (2013, p. 57), o volume é uma “problemática organizacional”, que incorpora não somente questões geopolíticas em essência, mas deve ser encarado como “política do volume”, estendido “à circulação de comodities e materiais, além de práticas tecno-políticas pelas quais os fluxos desses elementos são assegurados”. No Capítulo seguinte, observaremos 57 A rede britânica de notícias BBC (British Broadcasting Company), em 2018, lançou uma série de reportagens intitulada City in the Sky (A Cidade nos Céus). Considerando que diariamente cruzam os céus do planeta cerca de 100.000 voos, os quais transportam milhões de pessoas, a série oferece uma perspectiva de “vida aérea” muito semelhante àquela que aqui é abordada. Além de desvendar a questão da infraestrutura que faz esse aparato funcionar, a reportagem destaca que “nos maiores, mais movimentados, mais frios e remotos aeroportos do mundiais, encontram-se pessoas que mantém esse universo funcionando, descortinando um fascinante mundo que tem transformado o modo de vida no século XXI” (BBC, 2018). 58 Apesar de interpretações recentes do conceito de soberania questionarem o modelo westfaliano, como é o caso de Joshua Barkan (2015), que identifica novos espaço de soberania em decorrência de novas paisagens políticas oriundas de fenômenos como 11 de setembro de 2001 ou dos movimentos migratórios, a Tese adota a ideia de soberania estatal, no escopo do território legal e geograficamente definido, onde o alcance do poder do Estado se faz exclusivo ou absoluto. 59 Maurits C. Escher é um artista plástico cuja característica é a representação geométrica tridimensional. 57 como nessa feição do volume representado pelas variáveis da tecnologia e da economia são componentes essenciais da geopolítica aeroespacial. A geopolítica do volume, na sua acepção conflituosa, é tratada por Stephen Graham (2004), que discute a verticalização da geopolítica, ou a geopolítica da verticalidade, inserindo a questão do combate urbano, na qual o sensoriamento remoto e o uso de drones passou a ser uma prática regular. Contudo, é Alison Williams quem possui uma produção acadêmica consistente sobre o tema. Inicialmente, Williams (2007) discute a verticalidade da geopolítica e o uso do poder aéreo nas incursões contra a soberania de Estados. Alerta o autor para o fato de que “Os geógrafos ainda precisam se engajar completamente em como o espaço aéreo é diferente dos espaços terrestre e marítimo” (WILLIAMS, 2007, p. 507). Posteriormente, analisa as violações de soberania pelo espaço aéreo, e conclui que o território também deve ser considerado na perspectiva de volume (WILLIAMS, 2010). Os estudos geopolíticos de Alison Williams reforçam a necessidade do olhar vertical da geopolítica. Isso seria verdade tanto para situações de conflito (WILLIAMS, 2013), como no caso de estruturas de comando e controle do tráfego aéreo, na qual há a demanda de soberania sobre o território estatal (WILLIAMS, 2011). Em ambas as situações, o autor transforma o espaço aéreo em uma “entidade geopolítica”, um espaço de múltiplas pluralidades, no sentido que abriga compartimentações estruturais e funcionais (algo que será observado adiante neste Capítulo). Interessante perceber que “essas pluralidades são transformadas em concretude pelas telas dos radares [de controle do tráfego aéreo], que produzem o espaço [geográfico]” (WILLIAMS, 2011, p. 262)60. Os estudos em torno de geografia das rotas de transporte são associados à ideia de uma “geografia do tráfego” (KETCHUM, WARD e FITZGERALD, 1916), cuja ênfase seria o significado dos transportes no comércio, por meio da distribuição espacial dos produtos comercializados e condições geográficas que afetam essa dinâmica. Nessa tendência, avaliam- se os fluxos que determinam as características das rotas aéreas comerciais. Observaremos no Capítulo seguinte, que essa temática ligada à compreensão econômica das rotas aéreas (comércio, nós urbanos, turismo, empresas aéreas) têm sido quase o único foco de estudos no Brasil. 60 Alison Williams estuda o espaço aéreo militar no Reino Unido, onde percebe que esse espaço aéreo é um volume geométrico onde se exerce a soberania estatal. Como parte de suas conclusões, critica o fato de a Geografia, em especial a geopolítica clássica, ter se preocupado com o olhar por cima (o God’s view eyes – a visão dos olhos de Deus), indicando que há a necessidade de olhar para cima (WILLIAMS, 2013). 58 O tráfego aéreo, no âmbito dos estudos sobre a geografia do tráfego (ou dos transportes), insere na questão geográfica o tema das rotas aéreas ou do transporte aéreo. Um primeiro indicativo dessa realidade é o que se chamou de “geografia mundial do transporte aéreo” (ZANDT, 1944). Nessa análise, o autor sugere, a partir de perspectiva geográfica61 baseada nas rotas aéreas, uma “nova distribuição das principais rotas de comércio mundial na Era Aeronáutica”, cujo continente europeu estaria no nó (hub) daquilo que chamou de “Principal Hemisfério” (ZANDT, 1944, p. 5). Kenneth Sealy (1968) discorre sobre as potencialidades comerciais do transporte aéreo em face do “relacionamento das grandes massas terrestres com rotas [aéreas] diretas e de menor distância”, no que se antevê o princípio da economia e da eficiência. A geografia aérea não tratou apenas da questão econômica, apesar da evidente relevância dessa abordagem. Possony e Rosenzweig (1955, p. 1) consideravam que o “estudo da geografia aérea tornava-se um importante passo nas relações internacionais”, e por meio da análise das características do meio aéreo (e de assuntos relacionados como propulsão e navegação aérea) buscam relacionar o meio com questões como o exercício da soberania no espaço aéreo e além. Mais recentemente, a perspectiva da geografia do transporte aéreo renova sua atenção no campo dos estudos geográficos. Uma obra que foi pioneira nesse tema e cujo impacto na literatura anglófona destaca-se, foi o American Geography Inventory & Prospect (Prospecção e Inventário da Geografia Americana), editado por Preston E. James e Clarence F. Jones. No capítulo que trata da geografia do transporte, o autor (Edward Ullman) destaca que “O especialista em geografia de transportes equipado com uma experiência adequada [nos campos da tecnologia e da economia], está em posição de dar uma contribuição única à interpretação dos fatores e a natureza do intercâmbio espacial” (ULLMAN, 1954, p. 313). Timothy Vowles (2006, p. 12), analisando as principais contribuições ao tema, aponta que esse campo de estudos tem servido para “descrever conceitos como conectividade, articulação [de sistemas], desenvolvimento de padrões em várias escalas da economia global”. Na conclusão do artigo, o autor indica que aspectos como as disparidades regionais de movimento aéreo e o papel dos aeroportos nas comunidades, transformam-se em assuntos de interesse da geografia aérea. Na obra de Goetz e Budd (2014), que reúne ensaios sobre a geografia aérea, com 61 A perspectiva geográfica, em especial a questão cartográfica de crítica à projeção Mercator, guarda certa semelhança com as ideias de Alexander Seversky, que serão discutidas no Capítulo seguinte. 59 uma ampla visão sobre o tema, são discutidos temas como economia, geopolítica, questão sociocultural, problemas ambientais, papel das cidades, sustentabilidade e análises regionais. Um dos temas promissores apontados pelos autores é a “aeromobilidade”, que “examina como estudos das geografias sociais e culturais do transporte aéreo se relacionam com emoções não desejadas, afetos, sentidos, impulsos e nuances da vida no ar” (GOETZ e BUDD, 2014, p. 103)62. A observação do transporte aéreo enquanto sistema é área de estudo da geografia aérea. Tanto Hirst (2008) como Schmitt e Gollnick (2016), elaboram reflexões sobre os componentes desse sistema, voltando a atenção para o desenvolvimento histórico, os aspectos comerciais e competição por ou segmentação de mercados, a questão regulatória, o ambiente operacional, as características das aeronaves comerciais, dos construtores de aeronaves, das empresas aéreas, dos aeroportos e das infraestruturas relacionadas, dos serviços de navegação aérea, do ambiente natural e dos aspectos ambientais63. Abeyrante (2012), apesar de não enfocar a questão sistêmica do transporte aéreo, acrescenta outros elementos relevantes ao debate, tais como as questões de segurança de voo e segurança dos voos64, e os aspectos legais, econômicos e técnicos do transporte aéreo. Por fim, seria interessante recorrer à obra de George Renner (1942) que foi um pouco além das visões pontuais sobre a relevância do espaço aéreo na geografia, visualizando uma verdadeira geografia humana na era aeronáutica. No entendimento do autor, o aeroplano, e a aviação como um todo, criaria na sociedade uma nova geografia econômica, uma nova geografia social e uma nova geografia política (RENNER, 1942). Apesar dessa mudança de perspectiva, os estudos geográficos que transpassam o espaço aéreo estão, em sua maioria, associados à climatologia ou ao sensoriamento remoto, envolvendo reflexões no campo da geografia física. Em que pese os esforços da comunidade geográfica (e geopolítica) anglófona, há uma lacuna, especialmente na geografia lusófona 62 A aeromobilidade, segundo os autores, reflete estudos sobre o tema “mobilidade, focado em seus aspectos sociais, incluindo os movimentos em larga escala de pessoas, objetos, capital e informações em todo o mundo, bem como os processos mais locais de transporte, movimentação no espaço público e viagens de coisas materiais dentro da vida cotidiana” (GOETZ e BUDD, 2014, p. 376). Há, também, a possibilidade de influência dos estudos de Gilles Deleuze e Felix Guattari (1987), quando “retrabalham uma explícita cartografia geofilosófica que enfatiza a criatividade e a afetividade dos movimentos da vida como processo que opera sob e transversalmente na escala de distintos organismos organizados e territórios” (MCCORMACK, 2009, p. 279). 63 Essas contribuições serão consideradas na estruturação do construto apresentado ao final deste capítulo, especialmente para iluminar aspectos componentes do esquema apresentado. 64 No original em Língua Inglesa, safety e security. O termo safety (segurança de voo) está relacionado aos aspectos da operação segura das aeronaves. Trata-se de campo de atuação cujo principal foco é a prevenção de acidentes aeronáuticos, em função de problemas como meteorologia, falha humana ou falha material, por exemplo. Já o termo security (segurança do voo) refere-se a aspectos relacionados com a incolumidade da operação na perspectiva policial, jurídica ou aduaneira. 60 (inclusive a brasileira), quanto à inclusão do espaço aéreo (e como veremos adiante também quanto ao espaço exterior) como objeto de estudo geográfico na sua vertente humana, política ou geopolítica, esse último aspecto o foco da tese. Assim, buscou-se cobrir essa lacuna apresentando-se questões eminentemente geográficas sobre o espaço aéreo, tarefa que a sequência do texto busca perseguir. Tal perspectiva, nos levará, no final deste Capítulo, a organizar um esquema, que incluirá o outro segmento do objeto de pesquisa, o espaço exterior, em um arranjo que sintetizará a complexidade do ambiente aeroespacial como um construto geográfico. 2.2.2 Espaço aéreo: legislação, geometria e cartografia Moreira (2012, p. 33) compreende que a prática espacial se materializa pela relação que o homem estabelece como o meio, e que essa “prática espacial é movida inicialmente pelas necessidades de vida”. Santos (1997, p. 52) apontou que “a geografia tende a ser cada vez mais a ciência dos lugares criados ou reformados para atender a determinadas funções”. O espaço aéreo, hoje, também representa essa necessidade de vida, com manifesta função social, o que influencia nossa investigação na direção de definir o espaço geográfico a partir da percepção de sua localização e funcionalidade. Inicialmente, para se atingir o propósito da conceituação, foram utilizadas fontes do arcabouço jurídico internacional. Conforme citado, a ICAO é o organismo regulador das atividades aeronáuticas no âmbito mundial. A necessidade de um organismo internacional como a ICAO deriva da demanda de regras comuns e consensuais para a utilização do espaço aéreo pelas aeronaves. Fundada em 1944 como uma agência especializada da ONU, seu propósito básico é a regulamentação das atividades aeronáuticas, com grande ênfase nas regras e padrões estabelecidos para o tráfego aéreo seguro (ICAO, 2019). Os países signatários das convenções e acordos sobre o uso do espaço aéreo aplicam essas regras, o que facilita a comunalidade de procedimentos de conduta para todos os usuários65. O documento originário é a Convenção de Chicago, cidade-sede da primeira reunião deliberativa sobre o assunto, ocorrida em 1944. Nesse documento são estabelecidos os “princípios e arranjos de forma que a aviação civil internacional possa ser conduzida de forma organizada e segura” (ICAO, 2006, p. 1), não incorporando, porém, uma definição clara sobre o que é espaço aéreo. Termos como soberania, território, áreas proibidas, nacionalidade, 65 Procedimento semelhante é viabilizado pela International Air Transport Association – IATA (Associação Internacional do Transporte Aéreo) no que tange à indústria das linhas aéreas, envolvendo procedimentos de apoio de solo, procedimentos comerciais padronizados, processos de vendas de passagens etc. 61 sobrevoo permitido, rotas e aeroportos sobressaem no texto da convenção como regras gerais, mas nem sempre são referenciados numa discussão conceitual mais ampla. A Convenção de Chicago também é composta por anexos que detalham assuntos de maior interesse e fixam procedimentos mais específicos e, na pesquisa, dois deles foram considerados: o Annex 2 – Rules of the Air (Anexo 2 – Regras do Ar) e o Annex 11 – Air Traffic Services (Anexo 11 – Serviços de Tráfego Aéreo). O Anexo 2 – Regras do Ar é uma padronização internacional66 que tem por objetivo estabelecer procedimentos de navegação e de gerenciamento de tráfego aéreo. O espaço aéreo, nesse documento, é definido com qualificativos. O “espaço aéreo de serviços de tráfego aéreo” é “o espaço aéreo de dimensões definidas [...], dentro do qual tipos específicos de voos podem operar e para os quais serviços de tráfego aéreo e regras de operação são especificadas” (ICAO, 2005, p. 1-2, grifo nosso). Além dessa definição, existe também a definição de “espaço aéreo controlado” como o “espaço aéreo de dimensões definidas dentro do qual serviço de controle de tráfego aéreo é provido de acordo com a classificação do respectivo espaço aéreo” (ICAO, 2005, p. 1-3, grifo nosso). Ambas as definições são muito próximas e remetem tanto às demandas funcionais (controle e serviços de tráfego aéreo) como às especificações geográficas, neste último caso, como será observado adiante, em função da categorização e dos limites verticais e horizontais. As “Regras do Ar” citam limites mínimos de altura para os voos, mas omitem os limites máximos, o que dialoga com a discussão anterior sobre a delimitação entre espaço aéreo e espaço exterior. Há uma tabela de “níveis de cruzeiro”, alturas nas quais as aeronaves podem voar nas rotas estabelecidas, cujo maior valor é de 15.550m acima da superfície (ICAO, 2005, p. App 3-3). Para balões atmosféricos, essa altura é de 18.000m (ICAO, 2005, p. App 4-1)67. O anexo “Serviços de Tráfego Aéreo” trata de padrões, práticas e procedimentos para o controle do tráfego aéreo. Esse controle é um serviço prestado às aeronaves em determinadas áreas geográficas, compreendidas como volumes, de acordo com regras específicas relativas ao tipo de voo que se realiza. O serviço tem por objetivos “prevenir 66 Padronizações Internacionais (International Standards) são uniformizações de conceitos, critérios, regras ou procedimentos cuja finalidade precípua é a compreensão mútua entre as partes. Esse é o caso das normas da International Organization for Standardization – ISO (Organização Internacional para Estandardização), cujo foco são produtos, serviços e sistemas das áreas industriais e do setor terciário da economia, são exemplos dessas padronizações. 67 Isso traz um problema prático. A start up Space Perspective planeja levar turistas ao espaço em um balão de hidrogênio por volta de 2024, a uma altura suficiente para que seja possível observar a curvatura da Terra (GNIPPER, 2020). Tal altura provavelmente ultrapassará o limite estabelecido pela ICAO, o que coloca em discussão, novamente, a questão do limite do espaço aéreo, além de ser uma fator que corrobora a ideia de que o ambiente aeroespacial é um só espaço geográfico. 62 colisões entre aeronaves e destas com obstruções” naturais ou artificiais, e “dar despacho e manter o fluxo do tráfego aéreo” (ICAO, 2018, p. 1-3). Esse anexo apresenta uma classificação funcional do espaço aéreo, dividindo-o em categorias, que seguem a ordem alfabética das letras “A” até “G”. Em cada uma das categorias, identificadas pelas letras, define-se como o usuário pode voar e que tipo de serviço é prestado. Por exemplo, no espaço de categoria “A” as aeronaves somente podem voar sob regras de voo por instrumento68 e trafegam com separações entre outras aeronaves e obstáculos assegurados pelo órgão de controle de tráfego aéreo. Já no espaço de categoria “G” são permitidos voos sob regras de voo por instrumento e regras de voo visual69 e apenas é prestado serviço de informação de voo70, quando requisitado (ICAO, 2018)71. No corpo de legislações internacionais apreciadas, percebeu-se que a caracterização do espaço aéreo sob o viés geográfico dá-se apenas por meio da distribuição de funções para espaços designados. Nesse sentido, é importante recordar o pensamento de Paul Claval (2011), quando ressalta que o espaço é também aquele que o homem transforma, transformação essa que se dá com um propósito ou, como o próprio autor entende, por uma questão de conveniência. O espaço aéreo, portanto, nesse primeiro esforço de conceituação, adquire um aspecto de funcionalidade, corroborando a ideia de que “O espaço explorado pelos geógrafos não é mais um dado natural. É um espaço transformado pela ação dos homens, [são] ambientes que lhes convêm, e como dão sentido às geografias que os cercam” (CLAVAL, 2011, p. 248). Importante, também, lembrar a contribuição de Alison Williams (2011), que dá ao espaço aéreo sob tutela de órgãos de controle uma concretude que pode ser observada nas telas de radares, anteriormente referenciada. Essa primeira abordagem, apesar de importante para a formulação do conceito de 68 Regras de voo por instrumento são regras que demandam a adesão dos pilotos a padrões de conduta específicos, nos quais eles seguem prioritariamente a indicação dos instrumentos do painel de comando da aeronave, assim como parâmetros de segurança pré-estabelecidos em cartas aeronáuticas de navegação. 69 Regras de voo visual são as regras nas quais os pilotos são os responsáveis imediatos pela separação com outros tráfegos e com relação a evitar obstáculos na superfície. O voo sob esse tipo de regra demanda ao piloto o contato visual externo (com outras aeronaves e com os obstáculos no solo). 70 No “serviço de informação de voo” o órgão de controle não detém responsabilidade pela navegação da aeronave usuária do serviço, apenas fornecendo informações que disponha e julgue ser de interesse do piloto, sendo este o responsável final pela operação da aeronave. 71 Em nossa compreensão, regras e serviços semelhantes serão necessários, em breve (ou já seriam), para a transição entre a atmosfera e as órbitas terrestres. Questões como a do lixo espacial (debris), comentada adiante na Tese, das trajetórias de mísseis balísticos e dos voos de veículos aeroespaciais em camadas elevadas da atmosfera surgem como demandas de um serviço de controle de voos na interseção da atmosfera e do espaço exterior. Um exemplo dessa demanda, que usa ambos os segmentos físicos do ambiente aeroespacial, é o foguete Falcon 9, da empresa SpaceX, que possui a capacidade de retornar controladamente para pouso, à semelhança de um pairado. 63 espaço aéreo, não é suficiente sem a geometrização do espaço, ou seja, o estabelecimento de características locacionais próprias, definidas a partir de comprimentos, distâncias, alturas, áreas e volumes. Gomes (2016, p. 73) refere-se à essa “natureza geométrica”, que transforma o espaço de abstrato para concreto, como uma herança do “sistema mecanicista de Descartes [que] reside na essência da matéria definida enquanto extensão”, viabilizadora de uma prática espacial da geografia. Essa geometria (ou mesmo a influência cartesiana), ainda segundo Gomes (2016), estaria presente também na obra do fundador Carl Ritter, preocupado em dar um sentido lógico à desordem que pairava na geografia72. A obtenção de tais parâmetros geométricos obrigou a pesquisa a recorrer a um corpo de legislações mais específicas, disponíveis em documentos de âmbito nacional. Em função das peculiaridades territoriais de cada país, a geometrização apresenta-se de forma peculiar às características geográficas locais. Tanto os Estados de diminuta extensão territorial como aqueles de área continental, configuram seu respectivo espaço aéreo em função da disponibilidade do espaço sobrejacente a seu território. Isso demanda publicações próprias, que cartografam as diferentes áreas onde são prestados os serviços de controle de tráfego aéreo, conforme as diferentes categorias apresentadas acima. Na investigação desse conjunto de publicações observou-se que o conceito de espaço aéreo poderia ser expandido, e a inclusão de vários segmentos desse espaço geográfico melhor representaria a caracterização que se buscou. Portanto, também foram observados três segmentos utilizados na navegação aérea, parametrizando sua configuração em termos geográficos, consequentemente, alcançando um conceito de espaço aéreo mais adequado. Os países signatários da Convenção de Chicago obrigam-se a dispor de publicações próprias que contenham essas informações. Em geral, as publicações seguem os mesmos padrões internacionais no que tange às escalas e às simbologias adotadas. Há também empresas privadas que fornecem esse tipo de serviço de cartografia, pois nem todos os governos possuem vontade ou capacidade de gerar seus próprios produtos. O Brasil é um dos países que possui essa capacidade técnica, produzindo documentos que particularizam as regras e os serviços de tráfego aéreo de acordo com as características geográficas do nosso território. A análise do caso específico brasileiro 72 Para Moreira (2015), Ritter parte de uma visão corográfica cujo sentido é classificar e organizar uma descrição geográfica. Porém, não somente o geógrafo alemão teve essa preocupação. Distintas abordagens geográficas foram influenciadas por essa demanda de geometrizar o espaço. Ratzel apontou o valor político do território a partir da “posição, da amplitude, da configuração...” (MORAES, 1990, p. 84). Raffestin (1993) desenvolveu o conceito de “tessitura”, que incorpora limites e fronteiras. Santos (1997) discutiu redes e circuitos definindo o espaço como um “sistema de objetos e de ações”. Castells (2004) organizou sua rede em nós interconectados. 64 demonstrou-se suficiente para o propósito da Tese, haja vista que os documentos de outros países, sejam de produção própria ou oriundos de empresas comerciais, apresentam características semelhantes quanto à sua configuração e apresentação73. O documento básico nacional que estabelece essa demarcação de áreas é a “Publicação de Informação Aeronáutica”, conhecida como AIP – Brasil (sigla oriunda da designação do documento na Língua Inglesa – Aeronautical Information Publication), de responsabilidade do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA). Como apontado acima, no contexto da pesquisa foram selecionados três segmentos para a conceituação de espaço aéreo, considerando que, desde a superfície até a transição com o espaço exterior, os elementos que compõe esse sistema fundamentam a conceituação almejada. Assim, a caracterização geográfica buscou os seguintes elementos: aeródromos (AD), áreas de controle terminal (ACT) e regiões de informação de voo (RIV). Em cada um desses elementos serão apresentados caracteres de uma geografização específica74, cujo propósito final foi constituir um conceito maior de espaço aéreo. A aposição de cartas aeronáuticas, além do fator explicativo que se julgou necessário para a compreensão do objeto, trouxe à pesquisa a relevância da cartografia como um dos fatores empíricos observados. O primeiro elemento de investigação foi a categoria aeródromos. Um AD é um conjunto de instalações que permite o trânsito de aeronaves, passageiros ou cargas. A cartografia de um AD representa as partes integrantes que tenham influência direta na operação das aeronaves. Dessa forma, em uma carta de AD estão contidas as representações das pistas de pouso e decolagem, dos pátios onde as aeronaves ficam estacionadas, das pistas de táxi e dos trechos que são utilizados como conectores no trânsito dos aviões entre as diversas áreas de um AD75. As cartas possuem orientação magnética e geográfica, escalas, símbolos, códigos e diversas outras informações que orientam os pilotos das aeronaves em suas demandas de consciência situacional. A Figura 4 é a carta de aeródromo referente ao Aeroporto Internacional de Santa Maria, localizado em Aracajú – SE. Com clareza, pode-se observar o desenho da pista de pouso e decolagem (comprimento, largura, orientação magnética), o terminal de passageiros 73 Relevante destacar que está em curso a digitalização das cartas aeronáuticas em papel, cuja tendência será a extinção do formato em papel em definitivo. 74 No caso do espaço aéreo, Possony e Rosenzweig (1955, p. 1) entendem que poderia ser apropriado denominar “atmogeografia, pneumografia ou mesmo aerografia”, para o campo do estudo da atmosfera como perspectiva da Geografia. 75 O Anexo SIM-1 do AIP – Brasil contém a descrição dos símbolos utilizados em todas as cartas publicadas no Brasil, inclusive aquelas apresentadas neste Capítulo da Tese. 65 e o pátio de estacionamento à sua frente, bem como a pista de táxi que dá acesso ao mesmo, denominada de pista de táxi “A”. Figura 4 – Carta de Aeródromo – Aracajú/Santa Maria Internacional (SBAR), p. 1 Fonte: DECEA, 2019. Outro exemplo analisado é a carta de uma área de controle terminal. A ACT é uma área de transição na prestação do serviço de controle de tráfego aéreo. A transição ocorre, na decolagem, entre o serviço prestado pelo órgão de controle no AD, geralmente uma Torre de Controle (TC) de tráfego aéreo, e o voo em rota, cujo órgão de controle é um Centro de Controle de Área (CCA). No pouso, o processo se inverte, e a ACT provê a transição entre o CCA e a TC. Na ACT existem vários tipos de cartas que fornecem padrões de operação para as aeronaves e provêm consciência situacional geográfica. A Figura 5 representa a carta da ACT de Fortaleza – CE, que é um dos tipos de carta utilizados nesse segmento de controle de tráfego aéreo. A área de responsabilidade da ACT é identificada pelo círculo maior sombreado, cujo centro é o hexágono preto. Os raios que têm por origem esse hexágono são rotas aéreas, identificadas por códigos alfanuméricos e por proas magnéticas, que as aeronaves devem seguir ao sair ou chegar ao aeroporto de Fortaleza. Da mesma forma que as cartas de AD, a carta de 66 ACT possui orientação magnética e geográfica, escala, rumos, pontos no espaço definidos por coordenadas geográficas, além de outras informações para a orientação do voo das aeronaves. Figura 5 – Carta de Área de Controle de Terminal – Fortaleza – CE. Fonte: DECEA, 2019. O exemplo final de caracterização do espaço aéreo como um espaço geográfico, a partir das cartas de navegação aérea, é o da região de informação de voo. A RIV é um espaço definido por convenções internacionais, quando essas regiões ultrapassam a projeção vertical do território dos Estados, ou de acordo com a conveniência nacional76. A Figura 6 representa as RIV77 sob responsabilidade brasileira, tanto aquelas sobrejacentes ao território nacional como aquelas que ultrapassam essas linhas limítrofes. Nesse último caso, a delimitação dessas regiões é determinada por vértices com coordenadas geográficas que se unem por meio de 76 No caso do Brasil, a divisão das RIV segue o critério de abrangência de centros integrados de controle do espaço aéreo, situados em Brasília (abrangendo a região central do país), em Curitiba (região Sul, partes das regiões Sudeste e Centro-Oeste e a porção Sul do Oceano Atlântico), em Recife (principalmente a região Nordeste e a porção Norte do Atlântico) e em Manaus (responsável pela região Amazônica). Em função da dinâmica dos voos ou do movimento aéreo anual, a configuração das RIV pode ser modificada de tempos em tempos. 77 A Região de Informação de Voo é denominada nos documentos internacionais de Flight Information Region (FIR). 67 linhas. As RIV (ou FIR) Amazônica, Recife, Curitiba e Atlântico ultrapassam a projeção do espaço territorial nacional. Figura 6 – Área de responsabilidade de controle de tráfego aéreo do Brasil Fonte: AIP – Brasil, 2018, p. GEN 3.5-4. A carta pela qual se observa o espaço geográfico da RIV é a carta de rota. A Figura 7 representa a carta de rota H-2, que abrange os estados da Região Sudeste, a Bahia, o Distrito Federal, Goiás e Paraná. A orientação magnética e geográfica também é uma característica desse mapa. Predominam na visualização desta carta as rotas aéreas e os pontos que referenciam essas rotas. As rotas das cartas de rotas aéreas coincidem com as das cartas ACT. Os pontos de referência são de extrema importância, pois em muitos deles ocorre o cruzamento de rotas e a transição entre diferentes CCA. Esses pontos são definidos em relação aos fixos geográficos no solo, à posição relativa de auxílios de rádio navegação ou simplesmente em função de 68 coordenadas geográficas. A carta de rota é, portanto, um relevante instrumento de consciência situacional geográfica. Figura 7 – Carta de Rota – H2 Fonte: DECEA, 2019. Antecipando o tema da subseção seguinte, importa, ainda, chamar a atenção para uma realidade que já se observa na cartografia aeronáutica. Esse entendimento, que será amiúde analisado adiante, trata da conjugação entre espaço aéreo e espaço exterior78. No escopo do serviço de controle de tráfego aéreo, eminentemente conduzido no âmbito do espaço aéreo, já existe uma direta relação com a atividade de lançamento de foguetes, claramente pertencente ao domínio do espaço exterior. O fragmento de carta aeronáutica apresentado na Figura 8 revela essa interseção. A área do polígono situado ao Norte do Aeroporto de São Luís, identificada pelo traço azul claro e designada SBP 103 (apontada pela seta tracejada em vermelho), refere- 78 Há tendências de se apreciar espaços geográficos de naturezas distintas, tais como os oceanos, o espaço exterior, o espaço cibernético, a partir de uma visão integrada mais ampla. À geopolítica, no futuro, seria imputada a responsabilidade de integrar as análises políticas e geográficas a partir da perspectiva de espaços múltiplos. Aliás, a visão integradora proporcionada pelo ambiente aeroespacial já é um passo nessa direção. 69 se à área reservada para lançamento de foguetes oriundos do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), e estende-se do nível do solo até uma altura ilimitada (DECEA, 2017). A delimitação de áreas como essa, que ocorre em todos os equipamentos de lançamentos de foguetes e veículos espaciais, revela uma realidade que tende a crescer, na medida em que a atividade espacial se expanda, e um maior número de movimentos em direção ao espaço sejam necessários. Figura 8 – Área de lançamento de foguetes SBP 103 (Fragmento da Carta de Rota H-7) Fonte: DECEA, 2019. Uma síntese da discussão que foi apresentada nessa seção torna-se necessária. A partir da apreciação dos documentos internacionais que regulam o assunto espaço aéreo foi possível observar a vertente funcional do espaço aéreo. Da observação da legislação brasileira, mormente por meio dos exemplos acima expostos, conseguiu-se geometrizar esse espaço. Viu-se, portanto, que esse espaço possui aspectos funcionais e locacionais bem definidos, o que nos leva a concordar com o que propôs Moreira (2007, p. 64) ao afirmar que “o espaço [geográfico] não é suporte, substrato ou receptáculo das ações humanas, [mas] um espaço produzido”. No caso do espaço aéreo é possível se identificar uma geografia própria na qual os usuários necessitam de uma compreensão espacial aguçada, e que a definição de cartografias, no sentido de limites com dimensões verticais e horizontais, que formam um 70 mosaico bem específico de áreas, rotas, volumes, pontos e referências, transforma esse espaço aéreo em um espaço geográfico de fato, um espaço produzido e um espaço de relações. Na próxima seção do Capítulo, que identificará elementos empíricos do espaço exterior, serão evidenciadas diferenças nas características deste com o espaço aéreo, principalmente quando associadas às questões de natureza física. 2.3 Espaço exterior: Terra, Lua e órbitas terrestres A contribuição dos precursores da astronomia moderna abriu a possibilidade concreta de ampliação do conhecimento geográfico da superfície terrestre a partir da base científica dos séculos XV e XVI. Copérnico, Galileu e Kepler, como visto anteriormente, transformaram o entendimento sobre a posição da Terra em relação ao Universo. Conceitos como o Heliocentrismo, as leis de movimento dos corpos, a lei de gravitação universal e a teoria da relatividade, por exemplo, alteraram a percepção dos fenômenos naturais que ocorrem no planeta como um todo, o que, por si só, gerou um impacto na ciência geográfica. Mas a preocupação em relacionar o objeto espaço exterior com a geografia conduziu a investigação neste segmento do Capítulo, de forma a particularizar o objeto à essa ciência e não à astronomia. Um primeiro argumento é tentar observar o espaço exterior a partir de uma comparação geográfica com a superfície terrestre. Doboš (2019) destaca que essa diferenciação de características entre a Terra e o espaço exterior pode ser observada da seguinte forma: trata-se de espaço geográfico em constante movimento, pois os objetos celestes apresentam uma dinâmica orbital permanente, contrariamente à realidade da superfície terrestre, que não possui esse mesmo dinamismo; a existência de grandes distâncias a se percorrer, cuja melhor representação é a Astronomical Unit – AU (Unidade Astronáutica) cujo valor unitário equivale à distância média entre a Terra e o Sol – cerca de 149.597.870Km; a existência de grandes riscos, desproporcionais às atividades terrestres; e a própria natureza das condições atmosféricas distintas (gravidade, vácuo, radiação etc.). Na própria geografia física alguns autores já extrapolam o objeto clássico da geografia, como Richard Huggett (2017, p. 3) que entende que há espaço para o estudo da "Geomorfologia [nas] formas de relevo de outros planetas do tipo terrestre e satélites no Sistema Solar, tais como Marte, a Lua, Vênus e assim por diante”79. 79 Mesmo no Brasil, o interesse da Geografia pelos corpos celestes despertou a atenção de alguns periódicos precursores. O Boletim Geográfico, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, nº 188, edição de setembro- outubro de 1965, publicou artigo (sem autor) sobre o estágio de conhecimento geográfico à época em relação aos planetas do Sistema Solar, intitulado “Quais os segredos que Marte esconde?” 71 Assim é que nosso esforço inicial, à semelhança do que foi realizado acima para o espaço aéreo, é de conceituação. Por esse motivo, uma questão metodológica essencial que se apresentou foi a seguinte: como diferenciar o objeto de pesquisa sob o ponto de vista da geografia? Em 1887, Samuel Sark, na obra Astronomical Geography (Geografia Astronômica), considerava a astronomia como uma das “esferas da geografia” responsável por “lidar com as mudanças perpetradas pelo homem ou pela natureza, não apenas na Terra mas em todas as coisas relacionadas à Terra” (SARK, 1887, p. 5), inclusive sugerindo a existência de uma “geografia astronômica”, título da sua obra, responsável por uma descrição dos elementos conhecidos e de suas características físicas80. Outro marco foi a criação da National Aeronautics and Space Administration – NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço), a agência espacial governamental norte-americana referência mundial nos assuntos ligados ao espaço exterior, que definiu “astronomia” como o “estudo das estrelas, dos planetas e do espaço” (NASA, 2015). O Dicionário de Astronomia The Facts On File Dictionary of Astronomy (Dicionário de Fatos em Arquivos da Astronomia) (2006) considera a astronomia como uma das mais antigas ciências, que tem por objetivo a “observação e o estudo teórico dos corpos celestes, das regiões que sucedem no espaço e do Universo como um todo” (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 35). Nagel (2005, p. xxv), no Space Exploration Almanac (Almanaque da Exploração Espacial), define astronomia como “o estudo científico do universo além da atmosfera da Terra”. Finalmente, a Encyclopedia of Space and Astronomy (Enciclopédia do Espaço e da Astronomia) (2006) considera a astronomia o “ramo da ciência que lida com os corpos celestes e o estudo de seu tamanho, composição, posição, origem e comportamento dinâmico” (ANGELO JR., 2006, p. 62), definição que vai ao encontro daquela proposição descritiva inicialmente apresentada. Essas definições direcionam bem o campo de estudos da astronomia que se volta para uma abordagem fisiográfica ou topográfica, isto é, descritiva de características observadas quando se trata do espaço além da atmosfera terrestre. Quando recordamos a discussão sobre o conceito de geografia apresentado anteriormente, é possível complementar alguns pontos que iluminaram nossa indagação. 80 Segundo Carvalho e Castro (1956, p. 382), “Em 1796, o americano Jedidiah Morse escreveu uma Geografia que dividiu em três partes: Geografia Astronômica, Geografia Física ou Natural e Geografia Política”. 72 Milton Santos, nas obras “Metamorfose do Espaço Habitado” e “A Natureza do Espaço”, auxilia-nos a responder à questão central de “como diferenciar o objeto de pesquisa sob o ponto de vista geográfico”. A geografia, para esse autor, não é apenas a ciência da descrição da configuração territorial, a exemplo do que se propôs para a astronomia81. Santos considera que o objeto da geografia é um “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações que formam o espaço” (SANTOS, 2014, p. 62). Ao elaborar esse conjunto, entende que à existência de objetos, caracterizados pela descrição ou configuração, se agregam às ações que, em última instância, representam também relações ou dinâmicas sociais (SANTOS, 1997)82. No caso do espaço aéreo esse entendimento ficou claro quando da exploração da localização (no contexto da descrição) e da funcionalidade (quando se direciona a ações ou relações)83. A inclusão da instância social na conceituação do objeto geográfico que propõe Santos, é um fator significativo na diferenciação entre a geografia e a astronomia. Nesta última, usualmente está ausente a componente social, tão cara à ciência geográfica. O autor é enfático ao afirmar que: [...] o espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável, de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento (SANTOS, 1997, p. 26). Dessa forma, se a intenção da tese foi se apropriar do objeto pelo foco geopolítico, não seria suficiente uma caracterização meramente astronômica do espaço exterior. Há que se compreender o espaço geográfico em estudo como um conjunto de elementos naturais (por exemplo, os corpos celestes), de elementos artificiais (tais como aqueles que o homem cria para analisar o meio ambiente a partir da atmosfera e do espaço exterior) e das próprias relações (científicas, econômicas, sociais ou políticas) que a demanda por conhecimento determina. Assim é que o próximo segmento se ocupará dessa tarefa. 81 Apesar de, como afirmou Lebon (1976, p. 28), “É esta percepção da ordem geográfica que proporciona coerência” à ciência geográfica, tendência observada nos autores modernos. 82 Neste ponto é prudente se recordar do texto de Gomes (2016), como forma de evitar abordagens unilaterais, que aponta para os problemas da dualidade física x humana na Geografia da modernidade, ora se privilegiando uma ora se negligenciando a outra. 83 Para Santiago (2013, p. 197), Ratzel percebe essa conexão entre o descritivo e o relacional quando agrega ao conceito de espaço geográfico a ideia de “rede geográfica, sua circulação e funcionalidade, e o valor da situação territorial”. 73 2.3.1 A Amplitude Geográfica do Espaço Exterior Ficcionistas do século XIX, como Júlio Verne e Herbert G. Wells, ou mais recentes como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke, escreveram sobre a exploração do espaço exterior levantando hipóteses que já se tornaram realidade ou são estudadas com seriedade pela comunidade científica. Verne, no livro From the Earth to the Moon (Da Terra para a Lua), de 1865 (Figura 9), introduz a ideia de uma viagem do homem à Lua (SAARI, 2005). Wells, em The War of the Worlds (A Guerra dos Mundos), de 1897, levanta a possibilidade de vida extraterrestre. Asimov, em “Eu, Robô”, de 1950, discute a interação entre seres humanos e robôs. Clarke, em 2001: A Space Odissey (2001: Uma Odisseia no Espaço), roteiro do filme de 1968, antecipou elementos da exploração espacial, como as órbitas geoestacionárias (ANGELO JR., 2006), o que lhe rendeu o título de “profeta da era espacial”. Figura 9 – Da Terra para a Lua Fonte: NASA, 2000. Em grande parte, esses ficcionistas atuaram como aqueles geógrafos precursores, em especial do século XIX e início do século XX, como Alexander von Humboldt, Immanuel Kant ou Carl Ritter, apenas para citar alguns, incentivando o descobrimento de um novo ambiente geográfico. Essa demanda de conhecimentos relativos ao espaço exterior guarda semelhança ao início da era dos navegadores ibéricos na conquista das novas regiões do planeta. A relevância desse novo espaço para a geografia tem sido apontada na obra de alguns autores. Santiago (2013, p. 99) considera como questões atuais a “expansão do horizonte 74 geográfico para a conquista do espaço extraterrestre, conquista da Lua e perspectiva de colonização de Marte”. Sanchéz (1992, p. 182) destaca que “O termo espaço geográfico permite estender-se mais além do próprio Planeta”84. Milton Santos, em “Espaço e Método”, apontou que “o espaço exterior demandaria atuação do Estado”, área que chamou de “zona pioneira” (SANTOS, 2014, p. 102, grifo nosso). E em “Metamorfoses do Espaço Habitado”, mesmo considerando a Terra como o habitat do homem, admite que “A presença do homem é um fato em toda a face da Terra, e a ocupação que não se materializa é, todavia, politicamente existente” (SANTOS, 1997, p. 91). Quando esse autor se refere ao “politicamente existente” abre a possibilidade da presença do homem no espaço exterior, mesmo que não plenamente materializada, por meio do exercício de poder, soberania ou exploração, fatos a serem discutidos posteriormente85. Na tarefa de conceituação desse novo espaço geográfico, uma primeira necessidade metodológica foi definir qual a amplitude desse espaço exterior. De acordo com Angelo Jr. (2006, p. 554), o “espaço [exterior] é a parte do universo que fica fora do limite da atmosfera”. Com base nessa simples definição, e considerando que o referencial de 100km de altura adotado na pesquisa é o limite dessa atmosfera, espaço exterior seria tudo aquilo que estivesse contido além dessa linha. Em uma aproximação básica derivada de observação, corpos celestes de toda a natureza (sistemas solares, planetas e luas, meteoros e meteoritos, cometas), fenômenos siderais (radiação ou ventos solares, gravitação), partículas (detritos, micrometeoritos), campos de energia (pulsos e campos eletromagnéticos) e todo o espaço físico que abriga esses elementos, incluir-se-iam na definição de espaço exterior. Do ponto de vista legal, o espaço exterior passa a ser um objeto jurídico a partir do “Tratado sobre o Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes”, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1966 (UNO, 2017). Naquele momento, testemunhava-se o auge da disputa espacial entre as duas superpotências da Guerra Fria, disputa esta que exigia um esforço 84 Um dos campos promissores que explora essa expansão extraterrestre é a astrobiologia. A NASA possui um campo de pesquisas ligado à astrobiologia, visando estudar o potencial da exobiologia, que aborda a “compreensão das origens, evolução, distribuição e futuro da vida no Universo” (https://astrobiology.nasa.gov/research/astrobiology-at-nasa/exobiology/). No Brasil, a Universidade de São Paulo (USP) possui um Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia, responsável pela edição da obra “Astrobiologia: uma ciência emergente”. 85 Diversos autores apontam para a presença do homem no espaço. Dole (1964), estudou a habitabilidade de determinados corpos celestes para a raça humana. Mendonça (1997) discutiu a expansão dos conceitos da geografia em virtude da exploração do planeta Marte. Codignola et al. (2009) trabalharam temas não ligados às áreas tradicionais da exploração espacial como tecnologia, lidando com os aspectos da psicologia, sociologia e antropologia, por exemplo. 75 de regulação com a finalidade de evitar ou mitigar o risco de conflito entre EUA e URSS nessa área. Mesmo que persista, ainda hoje, o debate sobre o limite entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior, como anteriormente foi destacado, o fato é que estes segmentos já se configuram, ao menos a partir de 1966, como um espaço geográfico conjugado, objeto de apropriação, contestação e disputa, à semelhança do que eventualmente acontece em relação às superfícies terrestre e marítima. Autores como Everett Dolman (2002), Michael Sheehan (2007) e Eligar Sadeh (2011), apenas para citar alguns daqueles que serão discutidos em outro Capítulo desta tese, apresentam o espaço exterior como um objeto político, cuja estrutura espacial é passível de localização, constituição e configuração espacial, enfim, de assumir uma identidade espacio- geográfica86. Esses elementos de identificação (localização, constituição e configuração) permitiram que o espaço exterior considerado nesta pesquisa fosse definido com maior precisão. Em termos de localização, a pesquisa estendeu seu recorte ao espaço compreendido pela Terra e a Lua. Uma melhor caracterização desse espaço é apresentada por Dolman (2002, p. 61), quando delimita regiões, das quais três delas compuseram o segmento espacial integrante do objeto desta pesquisa. Nesse espaço geográfico foram incluídos o planeta Terra, essencialmente no que se relaciona com a exploração do espaço; o espaço terrestre, que compreende a altura mais baixa de possibilidade de uma órbita satelital (os 100km da Linha Kármán), até cerca de 36.000km, onde se encontra o cinturão geoestacionário; e o espaço lunar, espaço que vai das órbitas geoestacionárias até as órbitas lunares. 2.3.2 Os Segmentos Geográficos do Espaço Exterior Os segmentos espaço terrestre e espaço lunar do espaço exterior são constituídos essencialmente pelo “vácuo” (SELLERS et al., 2003, p. 82). Segundo Asimov (1981, p. 19), a palavra vácuo deriva do latim vacum, cujo significado é “vazio”87, e que esse “vácuo, além da atmosfera, pode ser chamado de espaço exterior”. Nas alturas até 1.000km, moléculas de oxigênio e nitrogênio estão presentes e são responsáveis pelo aumento da temperatura em função da radiação solar, o que cria átomos ionizados e outras moléculas, fazendo com que os gases sejam eletrificados, dando origem ao plasma. Acima dessa altura, os efeitos magnéticos 86 Moreira (2001, p. 15) considera como “categorias básicas da ação geográfica: a localização, a distribuição e a extensão”. 87 Aristóteles identificou esse espaço vazio como éter, um quinto elemento (além da água, ar, fogo e terra), presente no espaço, no “Mundo celestial (além da Lua)” (ROSA, 2012, p. 160). 76 da Terra influem no comportamento das partículas existentes (ANGELO JR., 2006). Para Vogt (2007), esses átomos e moléculas são originários de gases como hidrogênio, hélio, oxigênio, nitrogênio, argônio, dióxido de carbono e o vapor de água. Segundo Doody e Stephan (1995, p. 7), o vazio aparente do Sistema Solar, na verdade, “inclui várias formas de radiação eletromagnética e ao menos dois compostos materiais: poeira interplanetária e gases interplanetários”. A NASA entende que o Sistema Solar forma uma “bolha”, a helioesfera, composta por partículas e campos magnéticos que se originam no Sol, e denomina esse espaço de “meio interplanetário” (NASA, 2018, p. 1-1). No que tange à configuração espacial, o espaço exterior, considerado como objeto de estudo, pode ser estruturado seguindo a mesma lógica de segmentos apresentada acima. Uma primeira porção, denominada Terra, incluiria as facilidades diretamente relacionadas com o uso do espaço exterior situadas na superfície terrestre. Essas facilidades seriam, por exemplo, os centros de lançamento de foguetes ou antenas de rastreamento de satélites. No segmento do espaço terrestre e do espaço lunar, o espaço exterior se organiza na forma de órbitas, corpos celestes e pontos astronômicos. Tais elementos de organização espacial serão amiúde analisados à frente. Cabe destacar que esse espaço geográfico peculiar, isto é, remete aos segmentos além da atmosfera, é ainda para o homem um espaço inabitável de forma autossuficiente. Apesar das experiências da estação orbital soviética “Mir”, que durou de 1986 a 2001, e abrigou diversos cosmonautas88 por períodos contínuos, e da International Space Station – ISS (Estação Espacial Internacional – EEI), que a partir de 2004 tem abrigado astronautas por períodos de até 190 dias (ANGELO JR., 2006, p. 404 e 315), as condições de sobrevivência permanente no espaço exterior (inclusive em corpos celestes como a Lua), até agora, constituem uma barreira fisiológica intransponível à ciência. O que não quer dizer que esse mesmo espaço não possa ser considerado já atualmente um "espaço usado” (política e materialmente)89. Uma outra observação, de cunho metodológico, faz-se necessária. Haja vista a dimensão gigantesca do espaço exterior, até agora não efetivamente mensurada pelos estudos astronômicos, seria impossível abarcar todas as possibilidades de análise de tão amplo e ainda 88 Cosmonauta é o título russo (anteriormente soviético) equivalente ao astronauta norte-americano (ANGELO JR., 2006). Na China, o título concedido é o de taikonauta, cuja origem vem da palavra taikong, cujo significado na língua mandarim é espaço exterior. A Índia, apesar de ainda não ter enviado um ser humano ao espaço em engenho próprio, tenderia a denominá-lo vyomanauta, também em função da origem de uma palavra em sânscrito cujo significado seria céu ou espaço. 89 Para Doboš (2019), quando se estuda o espaço exterior há a necessidade de se considerar cinco fatores de influência geográfica: a questão da ausência de gravidade; os efeitos atmosféricos espaciais que degradam os equipamentos em órbita; o vácuo; o lixo espacial; e a radiação espacial. 77 desconhecido ambiente. Isto não nos impede de alcançar uma definição de espaço exterior, ou simplesmente espaço. Como destacaram Sellers et al. (2003, p. 72), o “Espaço é um lugar [...], um lugar onde as coisas acontecem: espaçonaves orbitam a Terra, planetas orbitam o Sol e o Sol gira em torno do centro da galáxia”. E, como será abordado em Capítulo seguinte, o espaço exterior é também um espaço abrangido pelas projeções geopolíticas de poder. Na sequência da conceituação de espaço exterior, a abordagem utilizada no estudo debruçou-se sobre a análise dos segmentos adotados na caracterização desse espaço, quais foram a Terra, o espaço terrestre e o espaço lunar90. 2.3.2.1 O segmento Terra Na investigação sobre os elementos integrados ao segmento Terra, pareceu-nos mais adequado apresentar um exemplo, oriundo dessa investigação, que se estenderia às várias categorias análogas91. Com esse procedimento metodológico, buscou-se apresentar um modelo real que teria abrangência e aplicabilidade conceitual e empírica aos casos possíveis de observação no referido segmento do espaço exterior. Sellers et al. (2003, p. 614) apresentam a arquitetura de um sistema cujo propósito seria prover serviços de telecomunicações. No conjunto de objetos identificados estaria destacada a relevância do segmento Terra na conceituação de espaço exterior. Dentre os elementos que comporiam essa arquitetura, identificados pelos autores, destacamos: “a) estações terrestres representadas pelas antenas, transmissores e receptores; e b) centro de controle, no qual estão as capacidades de controle do sistema”92. Agregando-se à essa arquitetura, com funções primárias, ainda no segmento Terra, podemos incluir os centros de lançamento de foguetes, suas cargas úteis (no caso, os satélites de telecomunicações) e as oficinas de montagem dos foguetes. Caso consideremos funções secundárias nesse sistema, o leque de instalações e serviços expande-se muito: centros de desenvolvimento de tecnologia de propulsão ou dos próprios satélites, escolas de formação de 90 Para uma melhor compreensão das questões ligadas à astronomia e à astrofísica, consultar as obras de Mourão (1987), Sellers et al. (2003), Angelo Jr. (2006), Lang (2013), Keeton (2014), Schneider (2015), Karttunen et al. (2017) e Walter (2018). 91 Além do exemplo sugerido, outras categorias de arquitetura poderiam ser citadas: serviços meteorológicos, serviços de posicionamento e navegação aérea e terrestre, teleducação, assistência médica remota, aplicações militares (armas de precisão), etc. 92 Nesse exemplo já é possível se perceber a impossibilidade de se compartimentar superfície, espaço aéreo e espaço exterior, pois alguns elementos que têm relação direta com o espaço exterior estão situados na superfície ou dependem do espaço aéreo (por exemplo, as ondas eletromagnéticas). 78 pessoal com a capacitação necessária para a operação do sistema, instalações administrativas e de logística, aparatos de salvatagem, de contra-incêndio e de segurança orgânica, dentre outras. Na prática, toda essa arquitetura é uma rede, no sentido que Castells (2004) definiu, pois tratam-se de pontos e nós, que se interconectam e transmitem fluxos de informações. Essa ideia será retomada adiante quando a discussão se aprofundar na categoria geográfica de fluxo. 2.3.2.2 O segmento Espaço Terrestre No segmento espaço terrestre, ainda recorrendo ao exemplo de Sellers et al. (2003), também observamos elementos dessa arquitetura, tais como: elementos situados no espaço exterior como espaçonaves e satélites, espaçonaves de suporte e satélites de retransmissão; o down link, dado primário enviado do satélite para a estação terrestre; o up link, dado enviado da estação terrestre para o satélite principal; o forward link, dado enviado da estação terrestre ao satélite principal via satélite de retransmissão; o return link, dado enviado do satélite principal para a estação terrestre via satélite de retransmissão; e o cross link, dados enviados entre os satélites primário e secundário, em ambas as direções. Na verdade, o segmento espaço terrestre abrange mais elementos do que apenas satélites ou espaçonaves e dados, materializados pelas ondas eletromagnéticas. Esse é um segmento muito importante na conceituação, em especial quando observamos adiante sua relevância geopolítica. Recordando, o espaço terrestre reúne diferentes componentes da litosfera, atmosfera e hidrosfera, mas para os propósitos desta Tese diz respeito em particular àquele segmento que se inicia na linha dos 100km, convencionada como a altura a partir da qual o voo sob as leis da aerodinâmica se torna impossível, e onde satélites podem orbitar ao redor da Terra sem serem atraídos fatalmente pelo campo gravitacional do planeta. Nesse aspecto, é uma zona de transição entre o espaço aéreo e o espaço exterior. O campo gravitacional terrestre, ilustrado na Figura 10, assim como o da Lua, é um dado básico para a compreensão de um dos aspectos de maior significado nesse segmento: as órbitas terrestres. Isaac Newton foi quem estabeleceu a “Lei Universal da Gravitação”, no século XVII; a qual o geógrafo Humboldt (1875, p. 62) se referiu como “a força primitiva da natureza”, o que nos leva a destacar a importância do assunto nos estudos geográficos. 79 Figura 10 – Campo Gravitacional Terrestre Fonte: WIKIMEDIA, 2018a. Legenda: Earth’s north pole – Polo Norte da Terra Earth’s south pole – Polo Sul da Terra Em vários aspectos do cotidiano terrestre percebeu-se a influência da lei universal da gravitação. Whiterick, Ross e Small (2001, p. 115) citam o gravity model (modelo gravitacional) como o modelo de “aplicação da Lei de Newton da Gravitação Universal a diferentes situações da geografia humana, onde o movimento esteja envolvido, tais como a migração, compras, tráfego e comércio”. Kotlyakov e Komarova (2007, p. 312), pelo lado da geografia física, destacam que essa Lei de Newton “determina a forma esférica da Terra e muitas características da sua superfície, como o fluxo dos rios, os movimentos das geleira, etc.”. Varejão-Silva (2006) destaca a influência da gravidade nas diferentes latitudes e altitudes, revelando seu impacto em estudos meteorológicos. A gravitação é a “aceleração produzida pela mútua atração entre duas massas, direcionada ao longo da linha que une o centro dessas massas, e de magnitude inversamente proporcional ao quadrado da distância entre esses dois centros” (ANGELO JR., 2006, p. 276). Essa é a Lei que Newton expressou em uma fórmula matemática: F = m1 x m2 x G/r², onde “m1” e “m2” são as massas dos dois corpos, “G” é a constante gravitacional (cujo valor é 6,6726 x 10-11) e “r” é a distância entre o centro das duas massas. Na prática, a gravidade determina a atração entre dois corpos, sendo que esses corpos possuem um campo gravitacional de atração. 80 O campo gravitacional da Terra, mais precisamente no que se refere ao espaço terrestre, determina uma região na qual sua gravidade gera pontos nos quais é possível a aposição de objetos com determinadas funções, mormente os satélites ou naves espaciais. Esses pontos, que na verdade são trajetórias, denominam-se órbitas. Buchheim (1959, p. 28) estabelece uma diferenciação entre trajetória e órbita. No primeiro caso, a trajetória, seria adequado pensar no caminho que percorre um projetil quando lançado. No caso da órbita, ela se refere a trilhas percorridas de forma mais constante e repetitiva. Por exemplo, a trajetória de um foguete da Terra à Lua e a órbita da Lua em torno da Terra. As órbitas possuem uma mecânica própria, cujos principais elementos seriam tamanho, forma, orientação e localização do objeto orbital. Apesar de não ser objetivo da Tese percorrer discussões astrofísicas sobre as órbitas, algumas breves considerações foram necessárias. Toda órbita, em princípio, descreve uma trajetória elíptica (ANGELO JR., 2006, p. 451), porém, como será abordado à frente, admitem-se outros formatos de órbita. Na trajetória o ponto mais próximo da superfície terrestre (ou da massa na qual orbita) é denominado perigeu, e o ponto mais afastado, apogeu. A trajetória, cujos pontos extremos são o apogeu e o perigeu, define o plano da órbita. A metade da distância no eixo que se desenha entre o apogeu e o perigeu, nesse plano, é reconhecido como o tamanho da órbita. Sua forma admite quatro comportamentos, que utilizam o conceito de excentricidade como balizador. A excentricidade é “a medida da ovalação de uma órbita” (ANGELO JR., 2006, p. 203). Assim, no que tange à forma da órbita, ou à sua medida de ovalação, as órbitas podem ser circulares, elípticas, parabólicas ou hiperbólicas. A orientação de uma órbita é dada, em uma explicação básica, pela inclinação do plano da órbita em relação ao plano formado pela linha do Equador. Por fim, a localização do objeto espacial na órbita é identificada pelo conceito de “anomalia verdadeira”, que nada mais é do que “ângulo formado entre o perigeu e a posição vetorial do objeto medido em termos de direção de movimento” (SELLERS et al., 2003, p. 160). De posse desses elementos de mecânica orbital, passamos à etapa de maior interesse da pesquisa, qual seja a de classificação das órbitas em função de altitude e utilidade da missão. A classificação com base nesses argumentos permite-nos introduzir temas que serão amiúde discutidos no Capítulo seguinte. Em função das referências consultadas, observou-se que existem diferentes tipos de classificação de órbitas. O Quadro 1 apresenta algumas das classificações obtidas na pesquisa. 81 Quadro 1 – Classificação dos Tipos de Órbitas Referência Tipos de Órbitas Sun- Semi- Sellers et al. Geoestationary Low Earth Molniya synchronos synchronos Medium High Dolman Low Earth High Earth Molniya Earth Eliptical Medium Sloan Low Earth High Earth Earth Doody e Sun- Geosynchronous Polar Walking Stephan synchronous Fontes: DOODY e STEPHAN, 1995; DOLMAN, 2002; SELLERS et al., 2003; SLOAN, 2012. Legenda: Geoestationary – Geoestacionária Low Earth – Baixa (em relação à) Terra Geosynchronous – Geossincrônica Sun-synchronos –Heliossincrônica (sincronizada com o Sol) Medium Earth – Média (em relação à) Terra Polar – Polar Semi-synchronos – Semissincrônica High Earth – Alta (em relação à) Terra Walking – Andarilha High Eliptical –Alta Elípitica Molniya – Molniya Cada um dos tipos de órbita possui características específicas em relação à mecânica orbital. Por exemplo, as órbitas geoestacionárias possuem inclinação próxima a 0º, o que quer dizer que o plano dessa órbita coincide com o plano formado pela Linha do Equador. A órbita do tipo Molniya, nome derivado de uma série de satélites russos, é uma órbita “alta elíptica com apogeu de 40.000km e perigeu de 500km” (ANGELO JR., 2006, p. 405), que abriga satélites de comunicações. Assim, as órbitas variam em função do tamanho, forma, orientação e localização do objeto orbital. A fim de atender a demanda de conceituação da pesquisa adotou-se uma classificação físico-funcional das órbitas, que pode ser observada no Quadro 2. Conforme se deduz, trata-se de uma adpatação das classificações anteriormente apresentadas, em especial com os elementos de argumento baseados em Dolman (2002) e Sloan (2012). 82 Quadro 2 – Classificação Físico-Funcional das Órbitas Elementos de Classificação Tipos de Altura Órbitas (a partir da superfície Função Observação terrestre) Quanto mais baixo o satélite, Satélites de mais rápido ele se movimenta em reconhecimento da Terra relação à Terra: satélites em LEO Low Earth (militar ou de recursos Entre 150 a 800km. trafegam cerca de 14 a 16 órbitas Orbit naturais), voos tripulados e por dia, enquanto os satélites em estações orbitais HEO, trafegam cerca de 2 a 14 internacionais. vezes por dia. Medium Própria para redes de Como o Global Positioning Entre 800 a Earth satélites de comunicação ou System (GPS93) (que fica a cerca 35.000km. Orbit de posicionamento. de 20.000km). Tal órbita é preferencial Caso o período do satélite seja para satélites militares e de coincidente com o da rotação comunicações, assim como terrestre (a cerca de 36.000 km), para aqueles que tem por High Earth No mínimo a ele é considerado geossíncrono. função detectar o Orbit 35.000km. Se o plano da órbita for movimento de mísseis coincidente com o plano do balísticos. Pode também Equador, a órbita é servir para comunicações geoestacionária. globais e meteorologia. Próprias para estudo de Perigeu de até 250km cometas, asteroides, Além de 900.000km não há mais High e apogeu a cerca de radiação solar e cósmica, força gravitacional terrestre e as Eliptical 700.000km. além de outros fenômenos órbitas não são mais possíveis. astronômicos. Em sua órbita semissincrônica de Apogeu de 40.000km 12 horas, passa a maior parte do Molnyia Satélites de comunicações. e perigeu de 500 km. tempo em seu apogeu, sobre as latitudes Norte. Fontes: Adaptado de DOLMAN, 2002; SLOAN, 2012. 93 GPS é a sigla do Sistema Global de Posicionamento norte-americano. O nome mais apropriado para se referir a esse tipo de sistema vem da sigla GNSS - Global Navigation Satellite System, cuja tradução é Sistema Global de Navegação por Satélite. 83 A Figura 11 representa graficamente alguns dos tipos de órbita conforme a classificação adotada no quadro acima. Figura 11 – Tipos de Órbita Fonte: o Autor, 2019. Legenda: LEO – Low Earth Orbit (Órbita Baixa da Terra) MEO – Medium Earth Orbit (Órbita Média da Terra) HEO – High Earth Orbit (Órbita Alta da Terra) GEO – Geoestationary Orbit (Órbita Geoestacionária) HE – High Eliptical (Órbita Elíptica Alta ou do tipo Molnya) As órbitas são espaços limitados para ocupação, em especial as órbitas baixas da Terra (Low Earth Orbit – LEO) e as órbitas geoestacionárias (GEO)94. Em função disso, organismos internacionais como o COPUOS e a International Telecommunication Union – ITU (União Internacional das Telecomunicações) têm conduzido debates sobre regras para a utilização das órbitas terrestres cujo impacto é geopolítico. Sadeh (2011, p. 126), por exemplo, aponta que o papel da ITU na alocação de frequências é muito significativo, haja vista que “o espectro da radiofrequência é um recurso natural limitado que é compartilhado entre as nações 94 Uma das evidências de que órbitas são espaços geográficos de ocupação limitada é a crescente preocupação quanto ao obscurecimento (ou bloqueio) das observações astronômicas a partir da superfície em função do número de satélites em órbitas LEO. 84 em bases regionais e globais”95. Outro caso presente nos debates internacionais, pois também se constitui em um recurso natural em potencial, é a situação do maior satélite natural da Terra96. 2.3.2.3 O segmento Espaço Lunar Um pouco além do espaço terrestre e suas órbitas, encontra-se o espaço lunar, cujo elemento de maior interesse é a Lua. Ela é um corpo celeste “a cerca de 386.000km da Terra, sem atmosfera e com a superfície provavelmente seca e com rochas cobertas de poeira” (BUCHHEIM, 1959, p. 21). Segundo Mark (2003, p. 127), a “superfície da Lua equivale a do continente africano, cuja atmosfera de um vácuo quase perfeito não é afetada por efeitos meteorológicos e o céu é perpetuamente negro”. Apesar da aparência inóspita, a Lua desperta a atenção da comunidade internacional em função do seu potencial estratégico. Em 1979, a Assembleia Geral da ONU aprovou o “Acordo sobre as Atividades dos Estados na Lua e nos Corpos Celestes”, que destaca no Artigo 11 que “A Lua e seus recursos naturais são um bem comum da humanidade, [ e que ela] não é sujeita a apropriação ou reclamos de soberania” (UNO, 2017, p. 35), e que seus recursos não seriam objeto de propriedade de qualquer Estado97. Apesar de ainda persistirem dúvidas sobre a viabilidade da exploração mineral na Lua, como sugere Mark (2003, p. 601), alguns minerais “foram encontrados em abundância superior a 1% nas rochas lunares: pyroxene (Ca,Fe,Mg) SiO3, calcicplagioclase (Ca,Na)(Al,Si)4O8, ilmenite (FeTiO3); olivine (Mg,Fe)2SiO4, pyroxferroite CaFe6(SiO3)7, e dois polimorfos de silica (SiO2), o cristobalite e o tridymite”. A Lua, segundo Crotts (2014, p. 9, apud DOBOŠ, 2019, p. 18) é um “continente não explorado da Terra”, fonte potencial de ilmenita (um óxido natural de ferro e titânio), que pode ser transformado em fonte de titânio. Além disso, o potencial descobrimento de fontes de água em nosso satélite natural, abrirá espaço para se adquirir uma das mais importantes demandas de sobrevivência humana em outros corpos celestes. A água também permitirá sua utilização em “propelentes de foguetes, na extração de oxigênio, na produção de energia, na 95 Hays (2011b, p. 88 e 89) alerta que o espaço exterior torna-se crescentemente congestionado e que demandará medidas regulatórias e de fiscalização, em especial quanto à demanda “comercial no espectro de frequências de rádio, atuando de forma a pressionar pela alocação de faixas do espectro atualmente utilizadas para fins militares”. 96 Além da Lua, outros satélites naturais da Terra já são conhecidos. Eles são denominados quasi-sattelite (quase satélites), corpos celestes, geralmente asteroides, que em função do campo gravitacional da Terra são atraídos e permanecem em órbita constante nesse planeta. O Center for Near Earth Objetcs Studies – CNEOS (Centro de Estudos para Objetos Próximos à Terra), um instituto da NASA, cataloga esses objetos e em 03 de maio de 2019 o total cumulativo chegava em 20.183 (disponível em https://cneos.jpl.nasa.gov/stats/totals.html). 97 Não faltam, entretanto, opiniões sobre a possibilidade de propriedade em corpos celestes. Cochetti (2020) destaca que as questões em torno da propriedade na Lua, apesar de “política, legal, econômica e tecnicamente complexas, não são muito diferentes das questões sobre propriedade na Antártida, na alta atmosfera, nas órbitas, nos asteroides ou em outros planetas”. 85 fabricação de componentes de construção e na proteção contra a radiação cósmica” (DOBOŠ, 2019, p. 19). Não somente na questão dos recursos naturais que a Lua é objeto de interesse. Como afirma Hans Mark, [...] hoje, a Lua está a exercer uma influência benéfica sobre nós, uma vez mais, simplesmente por sua existência. A Lua é o primeiro entreposto no movimento da humanidade em direção ao Sistema Solar. Deveremos passar pela órbita lunar seguindo para qualquer ponto no espaço. Então, a natureza nos proveu com uma ‘estação no caminho’, um lugar onde poderemos aprender a trabalhar e viver no espaço, reabastecer e revigorar nossas espaçonaves. Em complemento a esses benefícios, a Lua também acontece de ser um lugar interessante. Sua superfície contém registros importantes sobre o que ocorreu com os primórdios da história da Terra. Além do mais, é uma excelente plataforma para se observar o Universo ao nosso redor. Por tudo isso, a Lua é uma importante parte do nosso movimento na direção do espaço (MARK, 2003, p. 127). Desde as primeiras observações telescópicas de Galileu, que descobriu “ser a superfície da Lua irregular e com reentrâncias, ao invés de lisa” (NAGEL, 2005, p. 39), até o Programa Apollo, cujos momentos notáveis foram os lançamentos de 1968, quando a Apollo 8 chegou a orbitar a Lua, de 1969, quando a Apollo 11 alunissou nesse satélite e testemunhou-se o primeiro homem a pisar na Lua, e quando a última missão do programa, a Apollo 17, quando trouxe amostras do solo lunar, o satélite natural da Terra constitui-se em um espaço geográfico de grande relevância, sendo o corpo celeste mais explorado pela humanidade. No espaço constituído pelo espaço lunar e pelo espaço terrestre, encontram-se outros elementos de natureza geográfica que complementam o mosaico mais definido da caracterização do espaço geográfico. Dentre esses elementos que constituíram nossa análise estão os Pontos de Lagrange, a Órbita de Transferência Hohmann, os Cinturões de Van Allen, os poços gravitacionais e outros corpos celestes como asteroides, cometas, meteoritos e detritos. Os Pontos de Lagrange, também conhecidos como Pontos de Calibração, foram denominados em função das descobertas do matemático ítalo-francês Joseph-Louis Lagrange, em 1772, e destacam a influência do campo gravitacional entre duas massas “m1” e “m2”98. Existem cinco pontos de Lagrange, denominados a partir da letra L, em ordem numérica de L1 a L5. Esses pontos são “localizações no espaço exterior onde pequenos corpos podem manter órbitas estáveis a despeito da influência gravitacional de duas massas”, em um estado de equilíbrio (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 260). No sistema Sol-Terra, representado na Figura 98 Teoricamente, a relação entre duas massas de corpos celestes quaisquer gera pontos de calibração. Assim, por exemplo, é possível se identificar os Pontos Lagrange em sistemas de massas como o sistema Sol-Terra ou Terra- Lua. 86 12, o ponto L1 é “ideal para a observação dos ventos solares que chegam à Terra, enquanto o segundo, [o ponto L2], é similarmente útil para o estudo da magnetosfera”99. Figura 12 – Pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra Fonte: o Autor, 2019. Legenda: SOL – Planeta Sol TERRA – Planeta Terra LUA – Satélite Natural Lua L1, L2, L3, L4 e L5 – Pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra No Sistema Terra-Lua, representado na Figura 13, os pontos L4 e L5 “têm recebido a atenção em função do potencial para alocar colônias espaciais no futuro” (MATZNER, 2001, p. 277). Uma das grandes vantagens dos pontos Lagrange é a questão da economia de combustível, haja vista que espaçonaves podem ali permanecer em um equilíbrio gravitacional quase perfeito, evitando-se o consumo em manobras de deslocamento ou correção nas órbitas. Tão importante é a possibilidade teórica dos Pontos de Calibração que autores como Dolman (2002) já chamam a atenção para o potencial militar e comercial (além de geopolítico) desses finitos pontos no espaço100. 99 A magnetoesfera é a “região que cerca um planeta na qual as partículas carregadas são controladas pelo campo magnético do [respectivo] planeta” (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 279). A existência dessas regiões gera espaços específicos de concentração de partículas, em cada massa celeste, como é o caso do Cinturão de Van Allen, que circunda a Terra. 100 Aydin (2019, p. 29) afirma que os pontos de Lagrange L-4 e L-5 são “ideais para a construção de infraestruturas orbitais de larga escala, tais como estações espaciais”. 87 Figura 13 – Pontos de Lagrange no Sistema Terra-Lua Fonte: o Autor, 2019. Legenda: TERRA – Planeta Terra LUA – Satélite Natural Lua L1, L2, L3, L4 e L5 – Pontos de Lagrange no Sistema Terra Lua Outro elemento do espaço exterior que também tem gerado especulações geopolíticas é a Órbita de Transferência Hohmann, teorizada em 1925 pelo engenheiro alemão Walter Hohmann. Segundo Sellers et al. (2003), a possibilidade de transferência de uma espaçonave entre órbitas distintas é de grande importância para a engenharia espacial. Por meio desse método, trajetórias são modificadas, o que permite o deslocamento no espaço com o menor consumo de combustível dos foguetes. Segundo Mark (2003, p. 541-542), “aplicações comuns da órbita Hohmann seriam a transferência de satélites de comunicações das órbitas baixas da Terra para órbitas geoestacionárias, e a navegação interplanetária, por exemplo entre a Terra e Marte”. Especula-se, inclusive, que as Órbitas de Transferência serão “As futuras linhas de comércio e linhas de comunicação militares no espaço entre os portos espaciais estáveis” (DOLMAN, 2002, p. 63). Os Cinturões de Van Allen, identificados em 1958 pelo cientista espacial norte- americano James A. Van Allen, quando do lançamento do satélite Explorer 1, são “dois cinturões toroidais que circulam a Terra” (MATZNER, 2001, p. 498). O vento solar dispersa partículas carregadas de prótons e elétrons, principalmente, pelo meio interplanetário. O campo magnético dos planetas não consegue defletir todas essas partículas e parte delas é capturada pelo magnetismo e fica concentrada em determinadas regiões do espaço. No caso da Terra, os 88 cinturões de Van Allen são formados pela porção de partículas que se concentram em dois toroides, conforme se observa na Figura 14. De acordo com Vogt (2007, p. 67-68), “o cinturão interno estende-se, aproximadamente de 640km até 6.300km da superfície terrestre, enquanto que o cinturão externo inicia-se a cerca de 10.00km e atinge 64.00km”. Figura 14 – Cinturões de Van Allen Fonte: WIKIMEDIA, 2006. Legenda: Axe de rotation – Eixo de rotação da Terra Axe magnétique – Eixo magnético da Terra Ceinture intérieure – Cinturão interior Ceinture extérieure – Cinturão exterior Apesar desse dimensionamento aparentemente regular, as características dos cinturões variam em função do vento solar, ou seja, com ventos mais intensos há o transporte de maior número de partículas que são absorvidas pelos cinturões. Na verdade, o cinturão interior é aquele que abriga a maior concentração dessas partículas. Outro fator de variação é a espessura dos cinturões. Ela não é perfeitamente homogênea, algo que se reflete na maior ou menor absorção dos raios solares em determinadas regiões da superfície terrestre. Em certos pontos dos dois cinturões ocorre uma intensa concentração de partículas carregadas, respectivamente nas faixas de 2.000 a 5.000km para o cinturão interior e entre 14.500 a 19.000km, no exterior. Essa peculiaridade impacta na função dos cinturões de duas formas. Para Vogt (2007, p. 68), os cinturões, em especial o interior, “provêm um tipo de armadura de radiação na qual dependem os astronautas quando orbitando na Terra”. No entendimento de Angelo Jr. (2006, p. 634), as “Espaçonaves, os seus ocupantes e os 89 equipamentos sensíveis a bordo quando orbitando dentro dos cinturões ou por eles transitando devem se proteger contra os efeitos da radiação ionizante”. Seja como um risco ou um elemento de proteção, os cinturões são localizações no espaço terrestre, assim como são os Pontos de Calibração ou as Órbitas de Transferência, cujo trânsito ou a permanência de espaçonaves constituem-se em trilhas comuns e de interesse, verdadeiros estrangulamentos, cujo valor geopolítico, abordado no Capítulo seguinte, pode ser deduzido a partir da analogia com os choke points101 terrestres e marítimos. Os poços gravitacionais corroboram essa afirmação, e já são observados como elementos de interesse militar, quando se fala de tráfego espacial. Bruner III (1999) destaca que o valor do poço gravitacional é óbvio para as aplicações militares, apesar de ainda não totalmente explorado devido à uma questão de natureza política sobre o uso do espaço, e não efetivamente pela praticabilidade astrofísica. O poço gravitacional pode ser compreendido pelo potencial de energia de aceleração em função da posição de uma espaçonave no mesmo. Ou seja, “objetos mais distantes da Terra (mais altos no poço gravitacional), possuem mais energia potencial gravitacional do que aqueles situados mais próximos do planeta” (BRUNER III, 1999, p. 415). Isso implicaria em menores velocidades necessárias para escape da órbita e maior velocidades atingíveis ao se aproximar da Terra. A Figura 15 representa a diferença de energia potencial gravitacional entre objetos situados em dois pontos distintos do poço gravitacional da Terra. 101 Chokepoints segundo o Dictionary of Geopolitics são “passagens marítimas de significação estratégica” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 41), tanto militar como econômica, geralmente situados em canais ou estreitos. Alguns exemplos: Canal do Panamá, Estreito de Málaca, Estreito de Ormuz etc. 90 Figura 15 – Diferença de Energia Potencial Gravitacional Fonte: o Autor, 2019. Legenda: TERRA – Planeta Terra Ug A – Energia potencial gravitacional de um objeto no ponto A Ug B – Energia potencial gravitacional de um objeto no ponto B Ug A > Ug B – Energia potencial no ponto A é maior do que no ponto B O conceito de velocidade no espaço tem relação com o consumo de combustível, haja vista a demanda para a correção ou mudança nas trajetórias almejadas. Quando observamos os elementos finais de nossa caracterização, corpos celestes como asteroides, cometas, meteoritos e detritos, esse fator assume relevância em face da possibilidade de exploração dos recursos espaciais eventualmente disponíveis nesses corpos. Asteroides “são pequenos corpos sólidos em órbita solar, também denominados planetas menores” (MATZNER, 2001, p. 33). Os cometas são “rochas geladas e sujas constituídas de poeira, água congelada e gases, orbitando ao redor do Sol” (ANGELO JR., 2006, p. 137)102. Estes últimos, à medida que se aproximam do Sol, formam uma cauda que é fruto do descongelamento de seus materiais constitutivos. Considera-se que determinados asteroides sejam cometas mortos, devido às repetidas passagens pelo Sol, que descongelaram seu núcleo. Os meteoritos “são fragmentos de material extraterrestre que queimam ao entrar na 102 Segundo Doboš (2019, p. 8-9), “asteroides e cometas podem ser divididos em dois grupos de objetos, em função da segurança do planeta Terra e fruto das possibilidades econômicas desses objetos: os NEO (Near-Earth Objects, objetos próximos à Terra) e o PHA (Potentially Hazardous Asteroids, Asteroides Potencialmente Perigosos). Esses últimos, podem chegar à uma distância de 0,05 AU”. 91 atmosfera de um planeta” (NAGEL, 2005, p. 109). Por fim, os detritos de origem humana são “quaisquer objetos sem função ativa, incluindo-se nesse grupo espaçonaves inativas ou obsoletas, partes de veículos de lançamento, partes de satélites ou fragmentos de espaçonaves e foguetes que tenham se quebrado por qualquer razão” (THOMPSON, 2015, p. 5). Meteoritos, em espacial os micrometeoritos, aqueles fragmentos cuja massa é menor que um grama, podem ser considerados detritos naturais103. Apesar da ainda discutível praticabilidade de exploração comercial dos asteroides ou dos cometas104, autores com Mark (2003, p. 600) consideram que em comparação com as dificuldades logísticas de empreendimentos na Lua, os asteroides próximos à Terra, “devido a sua imensa riqueza e diversidade de recursos, têm emergido como fontes mais atrativas de materiais para exploração”. A Figura 16 é uma fotografia do cometa 67P/Churyumov– Gerasimenko tirada da espaçonave Rosetta da European Space Agency – ESA (Agência Espacial Europeia), destacando a sonda robótica Philae que aterrissou no cometa em 2014105. Ela ilustra o grau de interesse dos países com capacidade de projeção no espaço exterior por esse tipo de exploração econômica. Aspecto que será analisado no Capítulo seguinte. 103 A problemática em torno do dano que meteoritos, e mesmo micrometeoritos, podem causar a satélites ou naves espaciais foi explorada recentemente na obra de ficção cinematográfica Gravidade (2013), dirigida por Alfonso Cuarón (https://www.imdb.com/title/tt1454468/). Esse problema, contudo, já vem sendo explorado no meio científico, como é o caso de Schonberg (2010) e Thompson (2015). 104 Segundo Sonter (2006), existe a possibilidade de amplo espectro de materiais exploráveis nos asteroides e cometas, tais como “metais de níquel e ferro, silicatos, platina, água, hidrocarbonetos betuminosos, dióxido de carbono, amônia”. 105 Neufeld (2018, p. 101) atribui ao Jet Propulsion Laboratories – JPL (Laboratórios de Propulsão a Jato), situado nos EUA, o lançamento de uma “espaçonave que voou na direção, orbitou e pousou no asteroide Eros, nos anos de 2000-2001”, como a primeira tentativa bem sucedida desse tipo de operação. 92 Figura 16 – Exploração em Asteroides Fonte: ESA, 2018. Encerrada a etapa da caracterização do espaço exterior, cuja abordagem didática foi a sua compartimentação nos segmentos Terra, espaço terrestre e espaço lunar, buscar-se-á, agora, constituir nosso objeto de estudo a partir de uma visão de conjunto, formado por objetos geográficos cuja interrelação apresenta uma configuração espacial própria. Para introduzir essa compreensão, o pensamento de Paulo C. da C. Gomes nos pareceu bastante apropriado: A Geografia é, assim, o ato de estabelecer limites, colocar fronteiras, fundar objetos espaciais, orientá-los, ou, em poucas palavras, o ato de qualificar o espaço; mas é também simultaneamente a possibilidade de pensar estas ações dentro de um quadro lógico, de refletir sobre esta ordem e sobre seus sentidos (GOMES, 1997, p. 36). O ambiente aeroespacial, integrado pelo espaço aéreo e espaço exterior, propõe-se ser compreendido, portanto, como um conjunto formado de objetos e relações, um espaço qualificado. Esse arranjo ou configuração de objetos espaciais, definidos por Corrêa (2000) como organização espacial, reflete a dimensão eminentemente geográfica do ambiente aeroespacial. Quanto aos objetos, entendemos que ficou claro nas linhas acima a composição desse ambiente quando os observamos sua disposição na superfície (por exemplo, aeroportos, centros de lançamento de foguetes), no espaço aéreo (por exemplo, áreas, regiões, rotas, territórios) e no espaço exterior (por exemplo, os corpos celestes e as órbitas). 93 No que tange às relações que se realizam sobre esses objetos, cuja funcionalidade remete às intencionalidades, introduziram-se algumas ideias relativas à importância geopolítica, como no caso da questão de soberania e da exploração econômica do espaço, que serão amiúde discutidas adiante na Tese. Porém, como a ação é intermediada pelos objetos, coube descrever esse conjunto espacial objeto da pesquisa para alcançarmos a condição de determinar mais claramente, no Capítulo seguinte, as relações de poder presentes e projetadas. 2.4 Ambiente aeroespacial: um espaço geográfico Na descrição que segue, inicialmente, procurou-se identificar os elementos integrantes desse espaço geográfico ou conjunto espacial que se pretende deduzir, por meio de algumas categorias analíticas. Ao longo dessa seção, a intenção foi identificar os elementos empíricos levantados a partir da conexão destes com a abordagem abstrato-formal, na análise teórica das categorias geográficas. O sentido didático de segmentação anteriormente adotado como recurso metodológico, cede vez a uma abordagem integradora ou, como se poderá observar, na forma de um sistema. À medida que cada categoria foi elaborada, a noção de sistema ou de conjunto se organizou. Nesse trecho, portanto, o trânsito entre os vieses teórico e empírico da pesquisa assume uma forma mais consolidada. 2.4.1 Fixo ou Objeto Geográfico A primeira categoria que foi utilizada é a de fixo ou objeto geográfico. Na visão de Santos (1997, p. 77-79), os fixos seriam “instrumentos de trabalho, forças produtivas em geral [...], objetos localizados [...], sistemas de engenharia”. Considera que os objetos geográficos podem ser móveis ou imóveis. O autor, inclusive, enumera alguns desses objetos, reconhecendo que eles, por si só, não possuem apenas uma função técnica, mas pelo movimento dos fluxos, também uma função social (SANTOS, 1997), e que é tarefa do Estado a criação dos fixos (SANTOS, 2014), obviamente no que se refere a fixos artificiais. No esforço de sintetizar essa visão teórica em elementos concretos, os objetos geográficos identificados na caracterização puderam ser agrupados em duas categorias: naturais e artificiais. O Quadro 3 sintetiza essas ideias. 94 Quadro 3 – Ambiente Aeroespacial – Objetos Geográficos Naturais e Artificiais Ambiente Aeroespacial Elevações Topográficas, Nuvens, Pontos Geográficos (por exemplo, a Linha do Equador), Corpos Celestes (Planetas, Asteroides, Cometas, Objetos Naturais Meteoritos, Detritos (naturais), Órbitas (inclusive a de Transferência), Pontos de Calibração, Cinturões Van Allen, Poços Gravitacionais, Seres Humanos. Aeroportos (todos os elementos integrantes), Compartimentação do Espaço Aéreo (Aerovias, Rotas, Perfis de Navegação), Facilidades relacionadas à operação de aeronaves e espaçonaves (por exemplo, centros de lançamento, terminais de passageiros e de cargas, centros de Objetos Artificiais rastreamento), Indústria Aeroespacial, Centros e Instituições de Ensino ligadas ao desenvolvimento tecnológico, Forças Armadas (meios ligados ao comando, controle e operação), Aeronaves e Espaçonaves (foguetes, mísseis, satélites e estações orbitais, tripuladas ou não), Empresas Comerciais. Fonte: o Autor, 2019. Os objetos geográficos naturais são aqueles que Lefebvre (1991, p. 30 e 164), mesmo reconhecendo o risco de desaparecimento, considerou como mais do que “uma [simples] decoração”, ao contrário “valorizados na proporção dos seus pesos simbólicos” e “percebidos como parte de um contexto natural”. De fato, essa subcategoria de objetos é tanto objeto de estudo das geociências (geologia, meteorologia, topografia, geofísica etc.), como da geografia. Derek et al. (2009, p. 480), inclusive, afirma que Carl Sauer “considerava a morfologia da paisagem como o objeto central da investigação geográfica”106. Por esse motivo, voltamos a atenção aos objetos geográficos artificiais. Nessa subcategoria observou-se o que Santos (2014) destacou como a intencionalidade ou a finalidade da existência deles107. Ou seja, cada um dos elementos artificiais é inserido em uma determinada paisagem com o objetivo de exercer uma função. No sistema ou conjunto que ora se emoldura, os objetos artificiais assumem uma destacada relevância, pois eles serão instrumentos do 106 Porém, o ponto que reconhecemos ser essencial é não confundir o saber geográfico com um mero inventário de coisas, ou uma “notificação dos objetos espaciais [que] não é em si matéria geográfica” (CASTRO, GOMES e CORRÊA, 2000, p. 35). 107 Importante também citar a percepção de Santos (2014) sobre os objetos técnicos, inseridos no contexto de um sistema técnico. Um aeroporto, por exemplo, a partir do entendimento desse autor, seria um objeto técnico, fixo geográfico artificial, cuja função seria a de organizar relações sociais. No caso específico do aeroporto, a concentração/distribuição/operação do serviço de transporte aéreo e de cargas é a principal função organizativa desse objeto técnico no contexto de um sistema de transportes. 95 exercício de uma determinada valorização do espaço usado, conforme propõe Santos, e que Ratzel (MORAES, 1990) claramente vislumbrou como uma geopolítica, ainda que não fazendo diretamente menção ao termo, e Claval (2011) reconheceu como espaço transformado. Assim, cada objeto geográfico dessa subcategoria é uma transformação que o homem impôs à natureza com a premissa de que ele exerça uma função108. 2.4.2 Fenômenos Naturais Outra categoria analítica em destaque são os fenômenos naturais. Preferiu-se distingui-los em uma categoria separada dos objetos naturais, em função do impacto que eles exercem na operação do conjunto, mesmo que se corra o risco de agregar ao construto de Santos (1997) um novo elemento109. Não há como construir um sistema de objetos e ações sem se considerar a interferência dos fenômenos naturais, que podem orientar as relações dos seres humanos com os objetos ou, de forma inversa, agir catastroficamente na paisagem, como é o caso de tempestades tropicais ou furacões. Os efeitos dos ventos e das correntes aéreas, da variação da altitude, da temperatura ambiente, da pressão atmosférica, da umidade do ar e do ciclo hidrológico, da continentalidade (não proximidade do mar) são alguns exemplos de fenômenos bem conhecidos na atmosfera terrestre110. O impacto desses fenômenos no sistema aeroespacial também já foi bem dimensionado. Varejão-Silva (2006, p. 25) destacou esse aspecto quando aponta, entre outras considerações, que o estudo do fotoperíodo, ou tempo de duração do dia, “interfere em várias atividades civis, [como por exemplo] atividades turísticas, economia de energia elétrica, comércio, indústria, instituições de ensino”, permitindo que se desfrute da iluminação solar para o exercício dessas atividades. Outro impacto pode ser verificado na operação de aeronaves. De acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), entre 2008 e 2017, cerca de 11% dos acidentes com aeronaves no Brasil decorreram de “condições meteorológicas adversas” (CENIPA, 2019, p. 33). É também recorrente o adiamento de 108 Coutau-Bégaire (2010, p. 643) destaca a importância das bases aéreas, essencialmente fixos geográficos artificiais, no contexto dessa discussão, como elementos topográficos de uma “geoestratégia aérea”. 109 Esse é um fator que limita a abordagem de Milton Santos no construto de espaço geográfico. No ambiente aeroespacial não há como se relegar o papel dos fenômenos naturais, que representam sérios obstáculos à imposição de objetos artificiais e à consecução de relações, como foi exemplificado no texto. 110 Fenômeno de importância para a aviação é a jet-stream (corrente de jato). A jet-stream é uma faixa estreita de ventos fortes que surge em função da diferença de temperatura entre os polos e o Equador, podendo atingir mais de 300Km/h, situada entre 9 a 12.000m acima da superfície. Para as aeronaves que transitam nesta faixa de altitude a corrente de vento pode significar aumento ou diminuição significativa na velocidade de deslocamento, caso a trajetória da aeronave seja, respectivamente, coincidente ou contrária à direção da corrente. 96 lançamentos de foguetes espaciais em decorrência de fatores climáticos no local e momento do lançamento111. Quanto aos fenômenos naturais no segmento do espaço exterior, os estudos astronômicos progridem a cada dia e novas descobertas sobressaem. Nos casos do espaço terrestre e do espaço lunar, entretanto, hoje, o estado dos estudos científicos nos permitem um conhecimento razoável sobre a influência desses fenômenos no sistema que ora se elabora. Na verdade, o Sol é quem possui uma grande ascendência no sistema. A radiação que emite impacta no uso do espectro eletromagnético, influenciando no formato de espaçonaves, gerando perturbações e tempestades magnéticas e, até mesmo, na camada de ozônio. Como afirmaram Sellers et al. (2003, p. 75), “a radiação solar tanto pode ser benéfica como perigosa para as espaçonaves e os seres humanos no espaço”. Um exemplo simples para compreendermos essa influência são os painéis solares que captam a radiação e a transformam em energia para a operação dos sistemas de um satélite. O mesmo Sol que fornece a energia também degrada os painéis ao longo do tempo, tornando-os inutilizáveis. Neste ponto, com duas categorias geográficas definidas (fixos e fenômenos), um primeiro agrupamento conjuntural, e conceitual, já foi possível se observar. A ideia de quadro geográfico proposta por Gomes (2016) foi adotada como um recurso metodológico para tal esforço. Para o autor citado, “A Geografia é o campo de estudos que interpreta as razões pelas quais coisas diversas estão situadas em posições diferentes ou por que as situações espaciais diversas podem explicar qualidades diferentes de objetos, coisas, pessoas e fenômenos” (GOMES, 2016, p. 20). Nesse quadro, as razões apontadas nada mais são do que a própria finalidade do capítulo, qual seja a da caracterização geográfica do ambiente aeroespacial. A inserção de objetos artificiais na paisagem determina situações espaciais diversas, pois em cada contexto de coisas, pessoas e fenômenos, a configuração espacial se altera. 2.4.3 Fluxos Assim como os fixos, a categoria fluxos também remete ao conceito de redes. Santiago (2013, p. 191), já alertava para esse fato ao concluir que “Na geografia de Ratzel jaz embutida uma teorização sobre as redes de comunicação e circulação, em liame com sua fundamental noção sobre o valor das vantagens da situação geográfica”. 111 Vide, por exemplo, o atraso no lançamento dos satélites Starlink da firma SpaceX, ocorrido em 20 de janeiro de 2020 (https://www.space.com/spacex-starlink-3-satellite-constellation-launch-delay.html). 97 O desenvolvimento da categoria analítica fluxos no âmbito da geografia, coube a Milton Santos, na obra “A Natureza do Espaço” (2014), e que aparece em seus trabalhos anteriores como “Pensando o Espaço do Homem” (2009) e “Metamorfoses do Espaço Habitado” (1997). Em seu ponto de vista, “os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam” (SANTOS, 2014, p. 61 e 62). Do ponto de vista etimológico, fluxo denota escoamento, movimento, passagem ou tráfego de uma determinada substância entre dois ou mais pontos. Do ponto de vista geográfico, o Elsevier's Dictionary of Geography apresenta uma visão mais limitada, identificando fluxos nos movimentos de rochas fluidas (lava ou gelo), de massas de água (na forma de precipitação, na superfície ou subterrânea) ou de ar (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007). O Diccionario de Geografía Aplicada y Profesional também associa a palavra fluxo à geografia física, no movimento de água, massas de ar, nutrientes ou energia, mas acresce que na geografia humana o fluxo seria de pessoas, serviços, bens ou mercadorias, capital e aqueles do tipo virtual como os da informática e das comunicações (TRIGAL, 2015, p. 252-253). No tipo virtual, o fluxo tem recebido a atenção de autores como Castells (2004), que considera a existência de um “espaço dos fluxos” que interagiria com o espaço em sua forma tradicional. Para esse autor, os “fluxos seriam correntes de informação entre nós circulando através de canais de conexão entre esses nós” (CASTELLS, 2004, p. 3)112. Pelos fluxos, então, circulariam informações, recursos financeiros (capital), instruções, pulsos, sinais, investimentos, notícias, inovação ou talentos. Essa ideia deriva do entendimento que esse autor tem de rede, a qual foi exposta anteriormente na forma de uma arquitetura de objetos e fluxos por meio da exemplificação de um sistema cujo propósito seria prover serviços de telecomunicações. Do ponto de vista do conjunto analítico proposto, os fluxos também integram a realidade geográfica do ambiente aeroespacial, onde vários fluxos puderam ser identificados. Apresentar uma lista completa e extensa desses fluxos foge ao objetivo desta tese, porém alguns deles mereceram ser destacados. No segmento aéreo do ambiente aeroespacial é muito clara a existência de fluxos de mercadorias e passageiros, transportados pelas aeronaves. Nesse caso, há uma grande similaridade entre fluxo e rotas. Haggett (1965), no contexto dos estudos 112 Na concepção de Haggett (1965, p. 87), nós são “junções ou vértices de uma rede”, que nela podem desempenhar diversos tipos de funções. No contexto de fluxo associado ao ambiente aeroespacial, os nós podem ser representados como aeroportos, confluências de rotas aéreas de grande movimento, espaços de órbitas GEO ou LEO, os Pontos de Lagrange ou as órbitas de transferência Hohmann. Na cartografia aeronáutica, anteriormente apresentada, é possível claramente se visualizar esses nós. 98 locacionais, identifica as rotas como um elemento de grande importância nas redes geográficas, indicando que mesmo nas rotas aéreas há canais que restringem o movimento como se fossem fluxos se movimentando de forma pré-determinada. Há que se considerar também as telecomunicações de curto alcance que se utilizam das ondas de rádio para viabilizar a troca de mensagens entre estações na superfície e os aviões, especialmente na faixa de Very High Frequency – VHF (Frequência Muito Alta), entre 30 e 300 mega-hertz. O próprio deslocamento das aeronaves entre os aeroportos é também parte de um fluxo. Em um nível maior de abstração, o conceito pode ser identificado naquilo que é distribuído ou consumido entre os fixos do transporte aéreo. No segmento espaço exterior do ambiente aeroespacial os fluxos entre os centros de lançamento e os corpos celestes, seriam identificados como uma circulação de pessoas, informações e, possivelmente em poucos anos, mercadorias. Apesar disso, fluxos observados de forma mais objetiva seriam aqueles do espectro eletromagnético (ondas de rádio, micro- ondas, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios x e raios gama), que viabilizam, dentre outras funções, a comunicação a longa distância, unindo pontos distantes da superfície terrestre. Em grande parte, as substâncias apontadas por Castells (2004) como objeto do espaço dos fluxos são “transportadas” pelos fixos que se encontram em toda a dimensão aeroespacial dessa análise. A título de exemplificação, poderíamos recorrer ao fluxo de capitais, que percorrem, em segundos, instituições financeiras situadas em diversos países ao redor do globo, por meio de links de comunicação entre satélites (objetos geográficos do ambiente aeroespacial). 2.4.4 Escala Esse exemplo anterior remete a uma nova categoria: a escala. Nos estudos geográficos a escala é uma importante ferramenta de análise do espaço. Lacoste (2012, p. 210) apontou bem essa ideia, ao afirmar que “Na escala está uma das características essenciais do raciocínio geográfico”. Mais do que isso, o autor sugeriu a ideia de espacialidade diferencial, na qual surge a necessidade de níveis de análise (ou diferentes escalas) e a interseção entre esses níveis. Para demonstrar esse conceito e a importância das escalas, o autor discute o caso dos pilotos de aeronaves, algo que muito bem poderia ser estendido aos astronautas, e que apontamos anteriormente na caracterização geográfica do espaço aéreo por meio das cartas de 99 navegação aérea113. Na prática da pilotagem, o aviador demanda trabalhar com escalas distintas nas diferentes fases do voo. Quando a aeronave transita, ainda no solo, pelo pátio de estacionamento, a carta que utiliza é de uma escala grande, na qual os detalhes do aeródromo são destacados (pistas de táxi, áreas de estacionamento etc.). A partir do momento em que a aeronave decola, a escala das cartas diminui progressivamente até 1:1.000.000, típicas de cartas de navegação em rota, onde os detalhes são menos importantes (LACOSTE, 2012). O esquema do ambiente aeroespacial que se pretende introduzir reflete muito bem essa característica. Apesar de possuir uma escala pequena, pois trata de contextos globais ou planetários, não se pode perder de vista a demanda das interseções entre os planos escalares, expressa em sua finalidade, algo que se tornará claro quando discutirmos a geopolítica do ambiente aeroespacial. Antecipamos previamente, que os objetos geográficos artificiais variam no grau de influência dos fluxos, por conseguinte, no que se espera de sua funcionalidade. Da forma como propôs Whiters (2011, p. 40), a “Geografia não é somente uma questão de escrever sobre ou descrever a Terra. Ela é também uma questão de escala em termos do objeto sobre o qual se está escrevendo, e o tipo e propósito dessa escrita. A escala é crucial para a definição e utilidade da geografia”. O ambiente aeroespacial, porém, é mais do que objetos naturais e artificiais, fenômenos e fluxos. Gomes (2017, p. 13), em nosso ponto de vista, capturou essa percepção ao afirmar que “A Geografia [é] também uma maneira, original e potente, de organizar o pensamento”. Discutindo a própria etimologia do vocábulo geografia, o autor sugere domínios para essa ciência, qualificando-os com o adjetivo “geográfico”. Os domínios da espacialidade, da cultura e a naturalidade humana da explicação geográfica, introduzem uma relevante questão para o esforço de caracterização que ora se empreende. Gray (1999b), inclusive chega a citar uma “geografia da imaginação” que considera tão relevante quanto os aspectos físicos (espaço, distância, terreno, tempo e clima). O ponto a que se quer chegar com essa interlocução é a de demanda de explicação além do meramente factual, físico, topográfico. Na questão do ambiente aeroespacial, portanto, caberia o questionamento sobre as formas de apropriação de um “conjunto de conhecimentos e comportamentos espaciais vividos” (GOMES, 2017, p. 19), a fim de qualificar culturalmente esse ambiente. Na verdade, o que se propôs com a qualificação geográfica, associada à cultura, algo que será mais bem observado no próximo Capítulo, foi 113 As cartas que foram apresentadas demonstram as etapas de trânsito em solo (Carta de Aeródromo), de decolagem ou aproximação para pouso (Carta de Área de Controle de Terminal), e a etapa de navegação em rota (Carta de Rota). Aqui, portanto, percebe-se o valor ilustrativo desses exemplos na construção abstrato-formal do objeto. 100 recorrer ao significado geopolítico da caracterização do espaço. Para tanto, outro recurso metodológico foi utilizado nessa abordagem, mais uma vez se buscando categorias analíticas, dessa vez por meio das categorias forma, função, estrutura e processo. A utilização dessas categorias, cabe relembrar, integra a base descritiva com a dimensão teórica, aproveitando-se de exemplos concretos. Essa é uma finalidade necessária na dimensão teórica da geografia, até porque a apropriação que propomos pode ser igualmente conduzida com base em ciências como a astronomia, a política, a econômica ou ainda outro viés teórico. 2.4.5 Forma A categoria forma possivelmente está associada à própria origem da Geografia, haja vista que seu sentido é ligado à ideia de descrição. Mesmo as diferenças de abordagem entre Estrabão114 e Ptolomeu não deixam de revelar que a corografia, seja no sentido de descrever as atividades humanas em determinadas partes do planeta, ou do mapeamento em si (DEREK et al., 2009), refletem que a origem da ciência geográfica está ligada à descrição de paisagens. Mais tarde, Humboldt e Ritter também se voltam a essa relevância da forma, por meio da “contemplação da paisagem de uma forma quase estética” ou do “arranjo [que] abarcaria um conjunto de elementos, representando uma totalidade” (MORAES, 2005, p. 16). Ratzel (1892) atribui especial atenção às propriedades físicas da forma, tal como a extensão territorial. Richard Hartshorne é um representante mais recente dessa corrente corográfica, cuja “perspectiva é fundamental na geografia” (ENTRIKIN, 2011, p. 347). Na abordagem de Santos (2014, p. 69), a forma é o “aspecto visível de uma coisa”, “refere-se ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão” ou, simplesmente, a sua “estrutura revelada”. O ambiente aeroespacial é um conjunto cuja forma é observada no arranjo de objetos geográficos naturais e artificiais, em fluxos que percorrem o caminho entre esses objetos e os fenômenos que interferem na paisagem formada. Sinteticamente, observamos no objeto de estudo os seguintes elementos de forma: sistema de transporte aeroviário, rotas, aerovias, espaços aéreos, fenômenos naturais, facilidades na superfície terrestre relacionados à operação no espaço exterior, espaço terrestre e espaço lunar e fenômenos extraterrestres, principalmente. 114 Mayhew (2011, p. 29) destaca que o título da obra de Estrabão, “Geografia”, não consta nos manuscritos originais e que, apesar de chamá-la de “descrição da Terra (geographia)”, também a ela se refere como “descrição da [superfície] terra (chorographia), um esboço (periegesis), um circuito da Terra (periodo ges) ou um circuito da terra (periodeia tes chora)”. 101 2.4.6 Função Uma forma, para se tornar relevante, demanda um “valor social” (SANTOS, 2014, p. 73). Dessa ilação, advém outra categoria analítica geográfica que é a função. O conceito de função, possivelmente, encontra sua origem no Darwinismo (DEREK et al., 2009). A Teoria da Evolução pela seleção natural, quando aplicada às sociedades humanas, derivou em ideias associadas ao “darwinismo social”, cuja evolução estaria associada “à habilidade de se ajustar e se adaptar a um ambiente físico” (SUMNER, 2004, p. 506). Cada indivíduo, portanto, exerceria tarefas ou atividades que o tornariam apto ao desempenho de funções na sociedade, daí seu valor social. Existe, então, uma relação direta entre forma e função. Assim, extrapolando ao ambiente aeroespacial, este enquanto forma, consequentemente, deveria exercer uma função para se enquadrar em um conceito de espaço geográfico. Na pesquisa, identificaram-se as seguintes funções: a) política, caracterizada por relações de poder, soberania, territorialização dos espaços (o aéreo – uma realidade –, e o exterior – uma tendência), implicando em delimitação da forma; b) econômica, notadamente de natureza comercial, devido às possibilidades de intercâmbio que as formas sugerem (por exemplo o turismo ou a exploração de recursos naturais em asteroides); c) tecnológica, em função das peculiaridades da própria atividade aeroespacial, intensamente dependentes desse campo da atividade humana; d) ideológica, considerando o papel que o transporte aéreo tem na vida das pessoas na atualidade, ou as questões culturais associadas115. Coincidentemente, essas funções são as variáveis de estudo de nossa hipótese, que serão exploradas no Capítulo seguinte. 2.4.7 Processo A próxima categoria analítica é o processo, que se materializa por meio de ações ou movimentos. No campo da geografia física muitos processos naturais são estudados na geomorfologia, na geografia do solo, na meteorologia e climatologia, na hidrologia ou na oceanografia. Sedimentação, poluição do meio ambiente, erosão ou variação da temperatura são alguns exemplos. Também no campo da geografia humana processos relacionados aos movimentos humanos, à economia, à industrialização, às fronteiras, comunicações, transporte e comércio, dentre outros, podem determinar o que Santos (2014, p. 69) chamou de “ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança”. Muito importante foi diferenciar processo e fluxo, considerando 115 Daniel Sage (2014) analisa como o processo de (re)territorialização do espaço exterior, nos EUA, acontece a partir de relações entre a exploração espacial, a arte, a cultura popular e as exposições artísticas em museus, envolvendo religião, tecnologia, sociedade e política. 102 haver algumas similaridades entre ambos. O processo é a ação em si, enquanto o fluxo é mais bem identificado por aquilo que se movimenta. No caso do ambiente aeroespacial, foram identificados alguns processos-chave que demonstram, com propriedade, a categoria e essa distinção proposta: o transporte aéreo, que implica no fluxo de pessoas e materiais; o transporte entre a superfície terrestre e o espaço exterior ou no interior do espaço exterior, que denominou-se transporte espacial, cuja realidade já é fato com os astronautas, e potencial para recursos naturais; o que leva ao fluxo de mercadorias e à exploração dos recursos naturais extraterrestres; a pesquisa científica sendo hoje um processo que gera fluxo de conhecimento; e as telecomunicações e troca de dados que geram fluxos digitais ou por meio do espectro eletromagnético. 2.4.8 Estrutura A categoria final desse esforço metodológico de caracterização do ambiente aeroespacial, objeto da pesquisa, é a estrutura. Nesse sentido, os elementos anteriormente apontados têm um formato que se alinha com a definição de Witherick, Ross e Small (2001, p. 250), quando se referem a estrutura espacial como um “arranjo e organização de [objetos e] fenômenos na superfície da Terra que resultam da operação de processos físicos e espaciais”. Esse arranjo forma a estrutura, que nada mais é do que a “interrelação de todas as partes de um todo; modo de organização ou construção” (SANTOS, 2014, p. 69). Na busca dessa interrelação, o que de fato se procura é como a forma realiza a função por meio de um processo. Muitas seriam as formas possíveis de exemplificação dessa dinâmica, uma vez que múltiplas interações entre forma, função e processo são passíveis de identificação e combinação. Julgamos ser suficiente expor algumas dessas relações, dentre todas aquelas identificadas na pesquisa, como forma de estruturar o ambiente aeroespacial. A primeira dessas combinações foi identificada na forma sistema de transporte aeroviário, cujos fixos integrantes podem ser aeroportos, aeronaves, empresas de aviação, órgãos de controle de tráfego aéreo, agências de regulação, indústria aeroespacial dentre outros. Essa forma possibilita o desempenho da função turismo, permitindo que as pessoas viagem por diferentes cidades ou pontos de atração. Essa função, por sua vez, realiza-se pelo processo do transporte aéreo, que gera fluxos de pessoas. A possibilidade que esse exemplo tem em se expandir ao turismo espacial já é uma realidade. A empresa privada norte-americana Virgin 103 Galatic foi fundada em 2004 com o propósito de desenvolver o turismo espacial116. A Figura 17 ilustra a composição de dois engenhos concebidos, e em fase de testes, por essa empresa. As fuselagens laterais integram a aeronave White Knight Two (Cavaleiro Branco 2), cuja função é transportar a espaçonave na fuselagem central, a Space Ship Two (Espaçonave 2), que tem a capacidade de transportar até 8 pessoas em voos regulares para o espaço117. Figura 17 – Virgin Galatic (White Knight Two e Space Ship Two) Fonte: VIRGIN GALACTIC, [s.d.]. O outro exemplo observado seria composto pela forma facilidades na superfície terrestre relacionados à operação no espaço exterior, como, por exemplo, os centros de lançamento de foguetes e os centros de rastreamento de veículos espaciais (satélites de comunicações). Essa forma possibilita o exercício de uma função de interesse social, que se configura pelo processo de telecomunicações e troca de dados, por meio do qual fluxos digitais viajam entre os satélites e os fixos na superfície terrestre, chegando, por fim, aos usuários da sociedade. Um terceiro exemplo advém da noção de integralidade da estrutura, quando ela conjuga o espaço aéreo e o espaço exterior em um continuum. Isso fica bem claro, por exemplo, na categoria função. Aspectos como o comercial e o científico-tecnológico, como se observará na discussão de geopolitização, integram o ambiente aeroespacial em um elemento conceitual único. 116 No mesmo ano, a espaçonave Space Ship One, da empresa não governamental norte-americana Mojave Aerospace Ventures, recebeu o prêmio Ansari X-Prize. Ele foi criado para reconhecer o primeiro voo além dos 100km de altura da superfície terrestre cuja carga útil fosse suficiente para simular o transporte de passageiros (turistas) (SADEH, 2011, p. 170). 117 Perceba-se que, novamente, há um sentido de integração aeroespacial revelado na dependência da espaçonave em relação à aeronave. É possível que, em futuro próximo, esses dois tipos de veículos sejam combinados em um só modelo. 104 Esses exemplos são recursos metodológicos e didáticos de exemplificação da categoria estrutura. Em realidade, como afirmou Santos (2014, p. 67), “o espaço está em permanente processo de transformação”, e essa transformação gera combinações dinâmicas, entrelaçadas e de múltiplas configurações. Antes de se prosseguir no fechamento deste Capítulo, julgou-se oportuno expressar como as categorias analíticas forma, função, processo e estrutura puderam ser classificadas no Ambiente Aeroespacial, por meio do Quadro 4, que demonstra a composição de relacionamento dessas categorias e o objeto da pesquisa. Quadro 4 – Categorias analíticas e Ambiente Aeroespacial Ambiente Aeroespacial Sistema de Transporte Aeroviário Rotas, Aerovias, Espaços Aéreos Fenômenos Naturais Forma Facilidades na Superfície Terrestre relacionados à Operação no Espaço Exterior Espaço Terrestre e Espaço Lunar Fenômenos Extraterrestres Política Econômica Função Tecnológica Ideológica Transporte Aéreo Transporte Espacial Processo Exploração dos Recursos Naturais Extraterrestres Pesquisa Telecomunicações e Troca de Dados Interrelação entre forma, função e processo Estrutura ou Como a forma realiza a função por meio de um processo Fonte: o Autor, 2019. 2.5 Ambiente aeroespacial: dimensão teórica e empírica O objeto dos estudos geográficos tem sido um ponto de discussão continuada entre os geógrafos. As correntes da geografia física e da geografia humana expressam de forma muito clara essa questão. Também é evidente esse debate quando se fala das abordagens entre as correntes determinista e possibilista. Moreira (2012) sugere que está em Immanuel Kant a 105 origem dessa ambivalência, quando o filósofo alemão propôs o conceito crítico da natureza e o do homem, o que levaria à própria percepção do objeto. Outro autor que dissecou esse problema foi Moraes (2005), por meio da pergunta fundamental “o que é geografia?”. A existência de uma resposta objetiva para essa questão indicaria a possibilidade de identificação do objeto dessa ciência. De fato, o autor aponta diversas perspectivas históricas que vão desde a ideia da descrição física da superfície terrestre, passam pelo conceito de ciência-síntese e percorrem caminhos variados como elementos integrantes da paisagem, fenômenos, áreas, lugares, individualidade e diferenciação, assim como das relações sociedade - natureza (MORAES, 2005). Observadas essas definições, o objeto da geografia seria algo ubíquo e extenso. A questão central deste Capítulo lidou com essa problemática. Na verdade, o objetivo foi chegar à caracterização do objeto da pesquisa em termos geográficos. A mudança de perspectiva no olhar geográfico, da visão bidimensional para o volume, procurou, pelo menos em parte, esclarecer a ambiguidade apontada, fornecendo elementos essenciais de elucidação118. Eric Dardel (2011) já havia apontado para a importância do espaço aéreo (e por extensão, do espaço exterior, que juntos formam o ambiente aeroespacial), e entendemos ser importante repetir a citação, quando discutiu sobre situação e localização. Para ele, o espaço geográfico tem espessura, profundidade, por onde transitam substâncias, considerando que “a atmosfera também é espaço geográfico” ou que “O espaço aéreo é também uma matéria que nos dá a sensação imediata de sua presença” (DARDEL, 2011, p. 25 e 26)119. Carl Sagan (1985, p. 24) apontou que “99% da atmosfera da Terra são de origem biológica [, ou seja,] o céu é feito de vida”120. 118 Mesmo a introdução da aerofotogrametria na Geografia, permitindo uma visualização estereoscópica, não foi suficiente para superar essa visão de superfície, atrelada à largura, comprimento e altura de objetos, porém sem ainda considerar o volume. 119 Lebon (1976, p. 32) destaca a importância da atmosfera, o invólucro terrestre, nas relações da geografia física e humana, afirmando que a atmosfera dá um sentido de integração à Terra e que “Todos os aspectos das características da terra têm a propriedade da extensão sobre a superfície, ou, alternadamente, são geográficos”. Já destacamos anteriormente que, em “Metamorfoses do Espaço Habitado”, Milton Santos (1997, p. 44) alertou para aquilo que denominou “situação-limite” do planeta Terra, que teria entrado “em processo destrutivo irreversível, além do qual a espécie humana” estaria ameaçada. De fato, ao observarmos diagnósticos sobre as alterações climáticas no planeta, mormente representadas em fenômenos como o aquecimento global, o derretimento de calotas polares, a chuva ácida, o efeito estufa, a elevação do nível dos mares e a desertificação, surgem preocupações na dimensão daquelas alertadas pelo geógrafo brasileiro. Assim, podemos concluir o quão importante é o estudo da atmosfera, do espaço aéreo, no contexto da geopolítica. 120 Apenas para se ter uma ideia dessa afirmação, as nuvens, na verdade, não são formadas apenas por vapor d’água. Elas são ecossistemas, onde se pode observar “grandes quantidades de componentes biológicos como bactérias e moléculas associadas à vida microbiológica” (HOOPER, 2014). Segundo Parry (2013), “organismos podem viver a mais de 50Km acima da superfície terrestre, em uma zona atmosférica conhecida como estratopausa”. 106 Para alcançar esse objetivo, a pesquisa se debruçou em formular um esquema representativo do objeto caracterizado. O esquema busca compreender o ambiente aeroespacial a partir de uma visão de integração, de conjugação, ou seja, a dimensão espacial de uma realidade. O ponto de partida desse esboço foi sugerido por Barros (2017, p. 77), ao propor uma esquematização de um sistema espacial, inspirado em Milton Santos, a quem atribui um “novo aporte à apreensão do espaço como combinação de objetos e ações”121. Porém, a teoria formulada por Milton Santos não é suficiente para explicar o modo como se concebeu geograficamente o objeto. Além da questão dos fenômenos naturais, que já foi apontada como um fator limitador, também a ênfase maior no objeto social, segundo propõe aquele autor, precisa ser explicitada. O ambiente aeroespacial ainda é, em grande parte, um espaço inexplorado onde predominam elementos e fenômenos naturais. Dessa forma, a visão de uma geografia física, que Milton Santos coloca em segundo plano, ressalta de grande importância no ambiente aeroespacial. Ela será definidora, por exemplo, dos espaços aéreos de soberania sobrejacentes aos territórios dos Estados; da questão ambiental que hoje já é tratada na emissão de gases poluentes das turbinas dos aviões122; do limitado número de órbitas geoestacionárias; do acesso aos pontos de calibração; ou da exploração de recursos naturais em corpos celestes. Tal preocupação também foi apontada por Roberto L. Corrêa, quando discutiu redes geográficas, citando que: A espacialidade, que qualifica uma rede social em termos geográficos, não distingue, no entanto, a rede geográfica de outras redes que se apresentam espacializadas. Assim, uma rede fluvial, constituída de nós ou confluências, e fluxos ou cursos de água, apresenta-se espacializada, originando uma bacia hidrográfica. Contudo, como pura rede fluvial, regulada por leis naturais constitui rede da natureza, espacializada, mas não social, sem a presença humana (CORRÊA, 2012, p. 202). O exemplo do autor permite uma explicação. Um rio, enquanto elemento natural de um determinado espaço geográfico, possui uma função geográfica definida. Esta pode ser a de compor uma bacia, recebendo afluentes, a de prover umidade para o ecossistema em um ciclo 121 Não se pode deixar de recordar a contribuição de Hirst (2008) e Schmitt e Gollnick (2016) quando apontam para um sistema de transporte aéreo. 122 Segundo Nancy Young, “As companhias aéreas são responsáveis pela emissão de 2% dos gases que afetam o efeito estufa e uma das grandes preocupações do setor comercial da aviação é o desenvolvimento de combustíveis com menor potencial poluente” (AVIATION WEEK, 2020). Em 2009, segundo Linnea Ahlgren (2020), houve um acordo no âmbito da indústria de aviação sobre um “plano para reduzir em 50% a emissão de CO2 pelos aviões até 2050, relativamente aos níveis de emissão de 2005”. Apenas para se colocar em perspectiva, um voo entre Londres e São Francisco emite 1 tonelada de CO2, o que equivale a um veículo a diesel funcionando ininterruptamente em um trajeto de aproximadamente 6.000Km (ASH, 2020b). O artigo de Lo et al. (2014) analisa os impactos do nós de empresas aéreas (também conhecidos como hub de aviação, aeroportos nos quais se concentram grandes quantidades de voos de uma mesma empresa) nas emissões de CO2. No caso do espaço exterior uma grande preocupação é o lixo espacial derivado dos objetos artificiais produzidos pelo homem. Além da preocupação com a poluição proveniente de gases CO2, há também uma crescente busca pela redução nos níveis de ruído das turbinas que ocasionam poluição sonora nas áreas urbanas próximas à aeroportos. 107 hidrológico, ou mesmo a de permitir que determinada área seja irrigada e que, com isso, seja fértil. Essas funções não são isoladas do contexto de um espaço geográfico. Podem, inclusive, influir na modificação de paisagens123 (uma enchente devido a altos índices pluviométricos) ou mesmo configurar regiões geográficas (por exemplo, a Mesopotâmia). Às funções físicas de um elemento natural, no caso o rio, agregam-se as funções sociais124. Exatamente ao afirmar que “hoje os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixados ao solo” (SANTOS, 2014, p. 62), Milton Santos percebe todo objeto natural como um objeto social, pois o que não foi transformado pela ação do homem, não foi porque este ainda não o quis. Na verdade, quando investigamos o objeto da pesquisa percebemos a limitação dessa percepção. Como um espaço apenas inicialmente a ser explorado, em especial o segmento do espaço exterior, o ambiente aeroespacial é sim um conjunto de objetos e relações, mas a relevância de um ou de outro não está na mesma medida que pressupõe um humanismo autônomo, nem tampouco uma fisiografia exclusiva. A virtude desse ambiente está, justamente, no relacional, cujo significado geopolítico é capaz de abranger o todo numa estrutura de pensamento coerente. Como forma de expressar essa dualidade complementar, os elementos físicos e as relações que eles propiciam, o Capítulo se encerra com um esforço de síntese que acreditamos estar representado no esquema da Figura 18, cujo propósito também foi incorporar as perspectivas teórica e empírica do ambiente aeroespacial. 123 Christofoletti (1980, p. 102) destaca que o estudo de uma rede hidrográfica “pode levar à compreensão e à elucidação de numerosas questões geomorfológicas, pois os cursos de água constituem processo morfogenético dos mais ativos na estruturação da paisagem”. 124 Aqui, mais uma vez, podemos recorrer a Ratzel (1892) e às Leis do Crescimento Espacial dos Estados, em especial naquilo que discute nas leis de número 2, 3 e 5. 108 Figura 18 – Dimensão Empírica e Teórica do Ambiente Aeroespacial Fonte: o Autor, 2019. Legenda: Setas Contínuas de Duplo Sentido: representam o movimento de ida/vinda dos fluxos. Setas Pontilhadas Unidirecionais: representam a forma como se dispõe o conjunto de objetos naturais e artificiais. Setas Tracejadas Unidirecionais: representam a função de aplicação dos objetos naturais e artificiais. Setas de Pontos e Traços: representam a interferência dos fenômenos naturais nos objetos naturais e artificiais. Em um sentido geográfico, o esquema acima expressa a dimensão espacial da realidade atinente ao ambiente aeroespacial. Trata-se de pensar o espaço geográfico (e em particular o objeto de estudo) não apenas como substrato, no sentido meramente geométrico, mas também em uma perspectiva relacional. Os elementos incluídos nessa figura constituem- se em uma estrutura que inter-relaciona formas (os fixos geográficos constituídos pelos objetos naturais e artificiais), funções (exercidas por esses fixos, tanto funções físicas como relacionais) e processos (que se evidenciam pelo percurso dos fluxos entre os fixos). Portanto, a forma dispõe, a função se aplica e o processo proporciona o fluxo. Além desses elementos, os fenômenos naturais interferem nos objetos, consequentemente, interagem com a estrutura. Uma das diversas possíveis leituras práticas do construto poderia ser exemplificada da seguinte maneira: o ambiente aeroespacial (estrutura) possui aeroportos e elementos topográficos associados (forma), cujas possibilidades comerciais (função) se evidenciam por meio do 109 transporte aéreo de passageiros entre aeroportos (processo), sofrendo influências naturais como os efeitos meteorológicos (fenômenos). Tentar sintetizar o conjunto integrado do ambiente aeroespacial em esquemas não é um trabalho trivial. Na verdade, representar uma nova dimensão geográfica não é tarefa simples. Entendemos que os versos da obra de Camões lidaram com essa dificuldade ao exprimir as explorações portuguesas do século XV e XVI. Contudo, se pudermos eleger versos que sintetizam a tarefa que se desenvolveu nessa primeira etapa da Tese, voltamos nossa atenção àqueles apresentados na epígrafe deste Capítulo. Compreendemos que eles deixam claros dois aspectos importantes dos Lusíadas: a exploração de novas terras e o viés militar da empreitada. Para destacar o primeiro ponto, referenciamos nossa argumentação com as palavras de Mark (2003, p. 143) quando literalmente citou que “os humanos provavelmente irão morar na Lua, e nela estabelecerão uma presença permanente que abre perspectivas científicas ainda difíceis de prever”. No século de Camões, afirmações semelhantes a essas, porém relacionadas a outro contexto geográfico, foram ridicularizadas, contudo a história demonstrou o quão estavam corretas. No segundo aspecto, pareceu-nos adequado recorrer a Lacoste (2012, p. 134), quando o mesmo esclarece que “A geografia tem por objeto as práticas sociais (políticas, militares, econômicas, ideológicas...) em relação ao espaço terrestre”. Se, com certa ousadia, substituirmos na frase do autor francês o vocábulo espaço terrestre por ambiente aeroespacial, abre-se o objetivo do próximo Capítulo. Nele, o foco geopolítico de contextualização do objeto da pesquisa surgirá como um complemento ao esforço analítico de embasamento geográfico que ora se encerra. Antes de se prosseguir, porém, julgou-se oportuno recorrer a uma citação de Milton Santos, que em nosso ponto de vista é ideal para a transição da caracterização para a geopolitização do objeto de estudo. Segundo o autor (1997, p. 44), “O exame do que significa, em nossos dias, o espaço habitado, deixa entrever, claramente, que atingimos uma situação- limite, além da qual o processo destrutivo da espécie humana pode tornar-se irreversível”. Nesse sentido, o que se pretende revelar é até que ponto o ambiente aeroespacial, espaço de objetos e relações mediadas pelo homem, transforma-se em uma alternativa para os estudos geográficos, consequentemente, um espaço geopolítico por natureza. 110 3 GEOPOLITIZAÇÃO DO AMBIENTE AEROESPACIAL Que beleza. Eu vi nuvens e suas sombras claras na querida distante Terra… A água parecia manchas escuras e levemente brilhantes… Quando olhei o horizonte, vi o abrupto contraste na transição entre a colorida superfície terrestre e o céu absolutamente escuro. Desfrutei o rico espectro de cores da Terra. Ela é cercada de uma auréola azul clara que gradualmente se escurece, tornando-se turquesa, azul escuro, violeta e finalmente um preto como carvão. Yuri Gagarin125 Em 12 de abril de 1961 o cosmonauta soviético Yuri Gagarin tornou-se o primeiro ser humano a chegar ao espaço exterior. Ao realizar apenas uma órbita ao redor da Terra, na espaçonave Vostok 1, que atingiu o apogeu de 327km, Gagarin adquiriu, de forma inédita, uma nova perspectiva sobre a geografia terrestre, como bem ilustram suas palavras de júbilo citadas na epígrafe. Em um voo de menos de duas horas de duração, quase encerrado em tragédia devido a problemas na reentrada na atmosfera terrestre, realizou um feito sem precedentes na história humana, catalisador de um fenômeno que vinha se configurando na Idade Contemporânea: a disputa geopolítica pelo domínio da terceira dimensão. Na verdade, essa competição pelo acesso ao ambiente aeroespacial, acelerada pelo feito do cosmonauta soviético, foi apenas mais um episódio em uma ambição antiga da humanidade. No Ocidente, a mitologia grega já tratava dessa ambição, como ilustra a lenda do voo de Ícaro (Figura 19). Desafiando as recomendações de seu pai, e fatalmente sofrendo as consequências, Ícaro subiu cada vez mais alto em direção ao Sol, o que ocasionou o derretimento da cera que colava as penas de suas asas (DALY, 2004)126. 125 Yuri Alekseyevich Gagarin (1934–1968), nasceu em Klushino, uma pequena vila nas redondezas de Smolensk, cidade a Oeste da capital Moscou. Filho de camponeses, ingressou na Força Aérea Soviética, de onde prosseguiu para o treinamento de cosmonauta. Faleceu em um acidente aeronáutico quando seu avião colidiu com o solo (NAGEL, 2005). A citação de Gagarin encontra-se em exibição no New Mexico Museum of Space History (Museu de História Espacial do Novo México), e disponível em http://www.nmspacemuseum.org/halloffame/detail.php?id=8, acesso em 03/05/2019. Berta Becker (2007) faz referência a outra marcante frase de Gagarin que teria reconhecido, do espaço exterior, a Terra como sendo azul. 126 Na mitologia hebraica do livro de Gênesis, e que encontra equivalente numa história sumeriana, a Torre de Babel, simboliza as ambições do homem de conquistar o lugar de Deus. Temos ainda Pégasus, o “Cavalo Alado”, Grifo, entidade com asas de águia e corpo de leão e a Hárpia, um ser meio humano meio ave. E na mitologia oriental, o Feilong, conhecido como “Dragão Chinês”, dentre tantas outras lendas e mitos. 111 Figura 19 – O Voo de Ícaro, por Jacob Peter Gowy Fonte: WIKIMEDIA, 2019. Apesar da rica mitologia que inundava os sonhos da humanidade, o objetivo de "alcançar os céus" somente se transformaria em realidade, levando os homens a conquistar efetivamente a terceira dimensão, entre o final do século XVIII e o início do século XX. Muito tempo depois da valorização política das terras e mares, o ambiente geográfico atmosférico seria o ponto de partida de uma nova dimensão geopolítica. Com efeito, os aeróstatos tripulados foram a primeira concretização desses anseios humanos, ao proporcionarem uma nova compreensão geográfica dos campos de batalha, com implicações nitidamente geoestratégicas enquanto novo vetor nas técnicas de guerra. Desde a Antiguidade, obter a visão privilegiada de um cume, ou a partir de qualquer elevação natural do terreno, consistia em vantagem militar no que se referia à perspectiva geográfica127. Porém, com a ascensão dos balões era agora permitido aos comandantes, em qualquer superfície ou posição no terreno, obter uma perspectiva de observação muito mais ampla, uma forma de visão “além da montanha”. A altitude alcançada pelo aeróstato não mais restringiria as táticas e estratégias militares à linha de visada, que mesmo em um cimo ainda era obstruída pelo relevo. Da mesma forma, os tiros de artilharia de campanha, que antes eram imprecisos, agora adquiririam maior precisão, pois podiam ser calibrados pelo observador a bordo do balão. O emprego militar de aeróstatos desde a Guerra Revolucionária Francesa de 1792 (MITCHELL, 2009), passaria a ser uma realidade nas batalhas e vários foram os episódios em 127 Em uma das mais célebres batalhas da História Militar, Napoleão Bonaparte, em 2 de dezembro de 1805, na Batalha de Austerlitz, aproveitou as elevações da topografia local, o Platô Pratzen, ocultando parte de seu contingente, que no transcurso da batalha realizaria um movimento tático que colapsaria o exército russo-austríaco (PRADOS, 1996). 112 que isso ocorreu128. Os aeróstatos, fossem balões ou dirigíveis129, são os pioneiros da perspectiva de visão pelo alto, uma atividade que viria a se expandir com o uso dos aeroplanos desde a Guerra Ítalo-Turca na Líbia, em 1911 (HIPPLER, 2013), até finalmente atingir o espaço exterior, quando o voo do cosmonauta soviético permitiu que um ser humano obtivesse, a partir de nova camada atmosférica, uma perspectiva geográfica diferenciada. Mais recentemente, as funções de mapeamento pioneiramente exercidas pelos balões também foram substituídas pelas aeronaves tripuladas e não-tripuladas e pelos satélites, por meio de diversos tipos de sensores remotos (não mais se restringindo à percepção da luz pelo olho humano) e resoluções de imagens130. Mas o emprego dos aeróstatos (e dos meios aéreos e espaciais), não estaria associado apenas à guerra. Balões, assim como dirigíveis, aeroplanos e satélites passariam a ser utilizados também como: a) vetores de um novo relacionamento geográfico do homem com o espaço físico, através da oportunidade de rápido deslocamento entre pontos distantes na superfície (mudanças no padrão espaço-tempo e acesso à áreas remotas, por exemplo); b) instrumentos políticos de determinação de territórios, via soberania, relações de poder e, até mesmo, afirmação de territorialidades; c) ferramentas de desenvolvimento econômico e industrial (como é o caso do turismo e do comércio); d) precursores da progressão científico- tecnológica (tais como na pesquisa meteorológica, topográfica ou ambiental);e) no exercício de 128 Além da citação de Mitchell à Guerra de 1792, outros autores ampliam esse rol de exemplos. Jules Duhem (COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 643) cita que “Montgolfier sugeriu o uso de balões para atacar os ingleses entrincheirados no porto de Toulon, em 1793”, ainda no contexto das Guerras Revolucionárias francesas. Boyne (2003, p. 380) e Hearne (1910, p. 59) citam que em 1794, quando da “invasão do exército francês na Bélgica, em Fleurus, o balão Entreprenant ascendeu a cerca de 400 metros de altura para observação do movimento das forças holandesas e austríacas”. Dupuy (1984, p. 240), cita que, nessa mesma guerra, “o balão teria sido usado primeiro em Maubege”. Buckley (1999, p. 24), relata a utilização desse equipamento por “Napoleão em sua expedição ao Egito, por meio da criação da Compagnie d’Aerostiers (Companhia de Aeróstatos), em 1794”, que apesar de seguirem para o Egito, foram abandonados em face do fracasso da expedição francesa; Creveld (2011, p. 7-8), cita o emprego de balões “pelas forças da União, na Guerra Civil Americana entre 1861 e 1865, em uma unidade denominada Union Army Ballon Corps (Corpo de Balões do Exército da União), que realizou ascensões nas batalhas de Fair Oaks, Sharpsburg e Fredericksburg”, além da referência do emprego também na Guerra Franco- Prussiana de 1870; e Doratioto (2002, p. 95), que destaca o uso dessa inovação pelo “Duque de Caxias, na Guerra da Tríplice Aliança, entre 1864 e 1870”. 129 Dirigíveis funcionavam com o mesmo princípio dos balões (gases mais leves que o ar), e foram empregados em transporte aéreo de passageiros, haja vista possuírem nos primórdios da aviação maior capacidade de carga útil do que os incipientes aeroplanos. 130 Sensoriamento remoto é a capacidade de se obter dados de uma superfície através de sensores posicionados a uma determinada distância da superfície observada. A resolução de imagem é “uma medida que distingue os sensores [e traduz-se] no grau de finos detalhes que uma imagem ou fotografia pode ser vista de forma separada ou distinta” (ANGELO JR., 2006, p. 502). Do Landsat-1, o primeiro satélite de observação da Terra, lançado em 1972, cuja resolução era de 80 metros, aos satélites mais recentes que possuem resoluções inferiores a 0,6 metros (MARK, 2003), observa-se uma crescente evolução dessa capacidade. 113 influência ideológica entre os povos e os Estados, por meio de condicionantes que se refletem na conexão entre os continentes e as culturas131. Apenas como passo introdutório dessas questões que serão detalhadas adiante, consideremos dois aspectos. Diferentemente de etapas históricas anteriores, a alteração do padrão espaço-tempo que ora se aduz, fruto da utilização do ambiente aeroespacial e dos veículos que nele transitam, torna-se possível graças às redes planetárias de comunicação que se efetivam com a conquista da terceira dimensão132. Na ciência geográfica, Harvey (2008) propõe que a modernidade, fruto das mudanças culturais e tecnológicas na sociedade a partir do final do século XIX, experimenta uma compressão do espaço-tempo com alterações sociais profundas133. Santos (2008) fala em uma redefinição do espaço, decorrente da importância da informação, sugerindo o conceito de “meio técnico-científico-informacional”, cuja essência traria uma nova ruptura do padrão espaço-tempo, mormente por meio de redes informacionais ou infovias, que trazem instantaneidade em escala planetária para a informação134. No campo da psicologia espacial, autores como White (2014) estudam os efeitos da perspectiva de visualização da Terra a partir do espaço na consciência dos astronautas, naquilo que se convencionou denominar overview effect (efeito de visão do alto). Esses estudos percebem nos astronautas uma propensão a intensos sentimentos de identificação do planeta e da humanidade como um todo indivisível (YADEN et al., 2016)135. A expressa exaltação nas palavras de Gagarin seria um forte argumento que inspiraria autores como Claval (2011) a identificar uma conexão entre essa sensibilidade humana e a geografia. No contexto dessa conexão, o ambiente aeroespacial, que recordamos ser o ambiente constituído pelos segmentos aéreo e espacial, trouxe uma compreensão geográfica e geopolítica diferenciada sobre a 131 A percepção desses fatores está associada diretamente às variáveis de estudo da pesquisa, explicitadas na Introdução da Tese. 132 Segundo comenta Warf (2007, p. 394), no caso dos satélites, eles exercem um “papel fundamental como dispositivos de comunicação nas transmissões internacionais de voz, vídeo e tráfego de dados, refletindo o crescimento da sociedade da informação em todo o mundo e sua constante integração através do mercado mundial”. 133 Para Correia (2018), uma das importantes e originárias contribuições de Vidal de La Blache à geopolítica é a introdução do fator tempo, por meio da história, nas análises geopolíticas, apesar dessas terem por foco o tempo de longa duração, no estudo das civilizações. 134 Historiadores como Hobsbawn (1988) e Toffler e Toffler (1998) indicam que o processo tecnológico da modernidade associado à evolução nos meios de transporte e de informação, incorporados à tridimensionalidade, alteram a sociedade. O primeiro, em perspectiva histórica, aponta que, a partir da invenção do motor à vapor e das ferrovias, foi possível se incluir áreas continentais remotas e diminuir o tempo de deslocamento. O segundo par de autores, com visão prospectiva, aponta para os impactos das novas tecnologias no fenômeno da guerra. 135 Em obra já referenciada anteriormente, Saint-Exupéry (1975), ele próprio um piloto de aviões, descreve a sensação similar que o aviador tem ao sobrevoar diversas paisagens a bordo de seu avião. 114 superfície terrestre, sobre o planeta e aquilo que o cerca (o espaço terrestre e o espaço lunar) e, por que não, um repensar da relação do ser humano com o cosmos. Associando-se ao que até agora foi exposto, mais do que simplesmente revelar a dimensão geográfica do ambiente aeroespacial, o que se busca doravante é evidenciar a importância de uma geopolítica aeroespacial. A geopolítica aeroespacial é um campo de forças que terá cada vez mais um número maior de atores empresariais e estatais competindo por território, e projeção de poder, buscando preservar ou ampliar soberanias (ou espaços vitais), acesso a mercados, desenvolvimento de tecnologias e influência (ou prestígio) nas relações internacionais136. Em todas essas esferas, a política (sobretudo a militar), a econômica, a tecnológica ou a ideológica, a geopolítica aeroespacial é um fato contemporâneo, que precisa ser discutido em maior profundidade. Essa opção metodológica da Tese é coerente com o que propõe Gérard Dussouy como abordagem sistêmica da geopolítica, por meio da qual uma interpretação geopolítica pode ser desdobrada em quatro campos de análise: “a) o campo físico, ou o espaço natural; b) o espaço demo-político, ou demográfico; c) o campo diplomático-militar; d) o campo socioeconômico; e) o campo simbólico, ideológico ou cultural” (DUSSOUY, 2010, p. 143- 144)137. Para tanto, este Capítulo enfocará a questão da geopolitização do ambiente aeroespacial, de forma a identificar elementos que fundamentem a Tese. Em outras palavras, trataremos mais exatamente do valor geopolítico do ambiente aeroespacial enquanto objeto de pesquisa. Trata-se de discutir elementos da espacialidade que caracteriza a vida social nesse ambiente. A palavra geopolitização é um neologismo que tem sido observado na literatura recente com o significado de imputar à determinada área ou fenômeno geográfico uma 136 Segundo Castro (2005, p. 244), “O sistema internacional [na atualidade] baseia-se nas estratégias historicamente elaboradas pelos Estados, a partir de suas possibilidades frente aos outros, para a escolha de posições favoráveis com relação às guerras e aos acordos. A questão da soberania tem sido um argumento fundamental como parâmetro, tanto para a legitimidade da guerra, como para o encaminhamento das escolhas nos acordos interestatais”. 137 Na Introdução, especificamos o recorte temático do problema de pesquisa. Neste, não inserimos as questões do campo demográfico, conforme propõe Gérard Dussouy, nem temas da diplomacia, biologia etc., por questão de metodologia, acesso às fontes e delimitação analítica. 115 relevância geopolítica. Exatamente esse será o propósito em torno do objeto de tese, ou seja, identificar a importância geopolítica do ambiente aeroespacial138. Para atingir esse objetivo serão identificados eventos relevantes que transformaram o ambiente aeroespacial em domínio geopolítico139. Inicialmente, por meio de uma abordagem histórica, buscou-se identificar o ambiente aeroespacial como objeto da geopolítica: a) quando se formou essa nova perspectiva geográfica; b) quando o poder aéreo ampliou o fenômeno da guerra; e c) como esse poder aéreo, e depois aeroespacial, implicou em novo patamar teórico e prático. Em um segundo momento, buscou-se destacar a relevância do ambiente aeroespacial na geopolítica: a) tratando do conceito de território; b) apontando o impacto da economia nesse ambiente; e c) ressaltando que a tecnologia é um fator de forte influência sobre esse ambiente. Por fim, lidamos com a questão do discurso político-ideológico que perpassa o poder aeroespacial. Para tanto, o Capítulo resgata as questões centrais da Geopolítica Clássica, desde os postulados de Friedrich Ratzel quanto à relação entre cultura e crescimento estatal, passando por Nicholas Spykman e a abordagem cartográfica azimutal polar, até a nova perspectiva geopolítica do poder aeroespacial originada no pensamento de teóricos como Giulio Douhet e Alexander Seversky. Nesse caso, observar-se-á como a Geopolítica Aeroespacial estabelece contrapontos claros em relação aos postulados de Mahan e Mackinder (em especial na questão do dispositivo técnico – o navio ou o trem de ferro) e na dimensão geográfica (marítima ou terrestre), mas também resgata pontos das teses desses pensadores que são aplicáveis à essa nova Geopolítica140. 138 Cabe aqui uma reflexão sobre o propósito metodológico da Tese quanto à diferença entre a proposta de geopolitização e o conceito de geopolítica aplicada, haja vista que ambos os conceitos são de utilidade nesta pesquisa. A geopolítica aplicada, segundo KOTLYAKOV e KOMAROVA (2007, p. 42), “trata da aplicação do conhecimento e de técnicas geográficas para a solução de problemas econômicos e sociais, da escala local até a mundial”. Ainda sobre a geopolítica aplicada, Tosta (1984, p. 29) considera que ela “se destina a estudar o caso de determinados países”. Em nosso entendimento, geopolitização é um fenômeno que se observa sobre determinado espaço físico (e político), enquanto a geopolítica aplicada seria uma técnica ou um método de estudos. Portanto, há uma zona de relacionamento teórico (e prático) entre esses conceitos que será útil no decorrer desse Capítulo. Especialmente na literatura em língua inglesa, também é encontrada a forma “geopoliticização” (geopoliticization). Discussões aplicadas em torno desse conceito podem ser observadas em Kamusella e Jaskulowski (2009); Flath e Norman (2011); Makarychev e Devyatkov (2014); Mitachi (2015); e Suslov (2018). 139 No sentido geográfico, os eventos podem ser físicos ou culturais (PITZL, 2004). O conceito de evento que aqui se propõe está associado à ideia de fato histórico, neles incluindo os dados estatísticos. 140 Alguns autores têm buscado explorar esse relacionamento. Caroline Colbert (2018) observou bem a relação entre a Astropolitik de Everett Dolman, cujo termo origina-se na Geopolitik de Karl Haushofer, com os postulados clássicos de Alfred Mahan e Halford Mackinder, concluindo que há vínculo dessas ideias com o problema geopolítico do espaço exterior. Carlos Dias (2011, p. 675), apesar de considerar que as regiões astropolíticas de Dolman carecem de comprovação, procede raciocínio semelhante ao de Colbert, concluindo que “o controle de uma fonte como o espaço exterior assegurará enormes vantagens”, algo que Mackinder apontou sobre o Heartland. 116 3.1 O ambiente aeroespacial como objeto da geopolítica O ambiente aeroespacial, conforme definido no Capítulo anterior, é composto pelos segmentos da atmosfera terrestre, também denominado espaço aéreo, e pelo segmento do espaço exterior, cuja delimitação convencionada nesse trabalho abrangeu três elementos: a Terra, o espaço terrestre e o espaço lunar. Apesar de ser encarado como um contínuo, residem sobre ambos os segmentos geográficos distintas características morfológicas conforme identificamos. Na questão histórica, apesar de existirem alguns contextos específicos, há também um sentido de continuidade da conquista do espaço aéreo até o espaço exterior. Na verdade, este último tem sua história ainda em curso141. Também consideramos relevante, nesse momento, retomar nossa hipótese de pesquisa, haja vista que os elementos adicionais que permitirão sua testagem aqui serão revelados142. A Tese propôs como objetivo geral analisar a relevância geopolítica do ambiente aeroespacial, dispondo-se a construir uma visão de totalidade do ambiente aeroespacial, sob os pontos de vista morfológico, político, econômico, tecnológico e ideológico, a fim de se constituir no campo de análise geopolítica. Sendo assim, a hipótese de pesquisa considera haver uma insuficiência da geopolítica clássica143, o que demandaria atualização dessa realidade, a partir do pressuposto de uma nova geopolítica, a Geopolítica Aeroespacial. Para tanto, dois 141 O recurso à História como ferramenta explicativa da evolução dos fenômenos geográficos é um tema discutido por José D’Assunção Barros. O autor interpreta o inter-relacionamento entre História e Geografia, reconhecendo que há um campo de interação, haja vista que o estudo do espaço e o estudo do tempo interagem, até porque, como cita o autor, “A História não se constitui apenas de um estudo sobre os homens no tempo, mas também um estudo dos homens no espaço” (BARROS, 2017, p. 22). Na Geopolítica essa interação é essencial. Albuquerque (2011), recordando a contribuição da geopolítica Therezinha de Castro, aponta que uma das abordagens metodológicas para o estudo do objeto da geopolítica denomina-se “método geohistórico”, que se vale da conexão entre a geografia e a história, donde se observam as características geográficas em um contexto histórico. Segundo Correia (2018), Vidal de La Blache é o responsável pela introdução das análises históricas na geopolítica, algo que seria refinado posteriormente por Fernand Braudel. Em um sentido estrito, por meio da interpretação histórica dos fatos, amparada nas condicionantes geográficas, a geopolítica analisa a prática estratégica de domínio e controle do território (SOUZA, 2011). Nesta etapa da Tese, a conexão entre a história e o espaço geográfico resultará na compreensão geopolítica do objeto de pesquisa. 142 Popper (2008, p. 33, grifo nosso), admite como método a formulação conjectural e “ainda não justificada de algum modo – antecipação, hipótese, sistema teórico ou algo análogo – podendo-se tirar conclusões por meio de dedução lógica”. Dessa forma, em termos de método, o Capítulo é um esforço de falseabilidade, conforme propõe esse autor. 143 As teorias clássicas da geopolítica formam um corpo teórico consistente, cujo principais elementos estariam representados nas proposições de Ratzel, Kjellén, Haushofer, Mahan, Mackinder e Spykman, apenas para citar os mais relevantes. Elementos do pensamento desses teóricos serão abordados ao longo do capítulo. Além do pensamento geopolítico clássico, algumas teorias das Relações Internacionais também servirão de base para o desenvolvimento do processo de geopolitização do ambiente aeroespacial, em especial o Realismo Clássico e o Idealismo (Internacionalismo Liberal) (NOGUEIRA e MESSARI, 2005; SOUSA, 2005; REUS-SMIT e SNIDAL, 2008; PECEQUILO, 2017; CASTRO, 2012; LAMB e ROBERTSON-SNAPE, 2017), cuja apreciação serviu de base para a coleta de dados dos questionários discutidos no Capítulo seguinte. 117 esforços são requeridos: o da geografização e o da geopolitização (por meio das variáveis de estudo adrede apresentadas). Até aqui, o estudo voltou-se para a caracterização do objeto, teórica e empiricamente. Interessante seria retornarmos aos elementos do esquema da Figura 18, que sintetizou a complexidade do ambiente aeroespacial. Entende-se que os fixos geográficos são constituídos pelos objetos naturais e artificiais; as funções exercidas por esses fixos, tanto funções físicas como relacionais; os processos, que se evidenciam pelo percurso dos fluxos entre os fixos; a forma, que dispõe os objetos; e os fenômenos naturais, que interferem nos objetos, interagindo com a estrutura. Então, conforme enfatizamos, a forma dispõe, a função se aplica e o processo proporciona o fluxo. Com esses elementos teóricos definidos, a tarefa, agora, será observar empiricamente os elementos de uma geopolitização do ambiente aeroespacial. 3.1.1 Uma nova perspectiva geográfica: a inclusão de uma terceira dimensão Nesse trecho, o intento é discutir a variável geográfica sob o ponto de vista dimensional. Como observado anteriormente, os precursores da conquista do espaço aéreo foram os aeróstatos144. Os primeiros balões utilizavam o ar quente para ascender, e o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão (Figura 20), teria sido o primeiro a demonstrar esse princípio, em 1709, “setenta e quatro anos antes dos irmãos Montgolfier” (LONGYARD, 1994, p. 84)145. Apesar de basear-se em um princípio simples da física, a operação de um balão não era uma tarefa segura quando os cestos eram ocupados por seres humanos, geralmente redundando em acidentes fatais146. 144 Os aeróstatos são veículos que ascendem por força do confinamento de gases mais leves que o ar, em bolsas cuja dimensão varia à proporção da massa que necessita ser elevada. Comumente denominados balões ou dirigíveis, utilizam usualmente ar quente, hidrogênio ou hélio para permitir a elevação sobre a superfície terrestre. 145 Esse reconhecimento da obra Who’s Who in Aviation History (Quem é quem na História da Aviação) é muito importante, pois muitos autores creditam aos irmãos franceses Joseph-Michel e Jacques-Étienne Montgolfier a invenção dos balões. Na verdade, os franceses foram os primeiros a ascender um balão tripulado, inicialmente com animais e depois com o próprio Joseph-Michel a bordo, em 1784 (LONGYARD, 1994). 146 Mesmo personalidades da aviação nacional, como Alberto Santos-Dumont e Augusto Severo, sofreram acidentes com balões. Um dos acidentes de Santos Dumont, ocorrido em 1901, quase custou-lhe a vida. O balão nº 5, após circundar a torre Eiffel, perdeu pressão e veio a cair em cima de um edifício em Paris (NUNHEZ, 2014). Augusto Severo teve menos sorte e, em 12 de maio de 1902, perdeu a vida no acidente com o balão Pax (HOFFMAN, 2003). Mesmo na atualidade, balões tripulados ainda não são totalmente seguros. Acidentes são corriqueiros, como o fato noticiado em um famoso periódico nacional que envolveu um cidadão brasileiro na Turquia, em junho de 2015 (disponível em https://veja.abril.com.br/mundo/acidente-com-balao-na-turquia-fere- 18-pessoas-entre-elas-um-brasileiro/). Os balões de ar quente não tripulados também se constituem em grande risco para o tráfego aéreo, cuja colisão com uma aeronave pode significar em dano catastrófico, ou em risco de incêndio de edificações e vegetações. 118 Figura 20 – O “Padre Voador” e a ascensão de balões (1709) Fonte: WIKIMEDIA, 2018b. Apesar da precariedade e dos acidentes no uso dos balões, não foi demorada a percepção da utilidade militar desses dispositivos147. Os balões significaram uma mudança na perspectiva geográfica da consciência situacional sobre o campo de batalha. Quando se utilizava um balão em combate, o oficial subalterno que ia a bordo adquiria uma compreensão mais ampla da posição geográfica e da disposição das tropas oponentes, assim como da eficácia dos tiros de artilharia, fazendo com que ele tivesse muitas vezes melhores condições de dirigir e organizar taticamente o movimento de suas tropas do que o próprio general em comando (BUDIANSKY, 2004)148. A inserção dos aeroplanos nesse cenário ampliou a capacidade de observação sobre o campo de batalha, e as consequências desse fato logo se tornaram evidentes, como o episódio de setembro de 1914, conhecido como o Milagre do Marne. Essa batalha representou o ponto culminante da ofensiva alemã, nos momentos iniciais da 1ª GM. O deslocamento do exército alemão fora inflexionado na direção do Rio Marne, uma mudança tática importante que foi observada pela aeronave francesa pilotada por Louis Breguet. As informações obtidas pelo reconhecimento aéreo permitiram que as forças francesas e britânicas deixassem as redondezas de Paris e seguissem para o ataque à retaguarda alemã, que redundou em grande vitória para a Entente (BUDIANSKY, 2004). O que se testemunhava nesse momento era o ingresso efetivo na terceira dimensão na geografia militar. Os dirigíveis, uma evolução dos balões estáticos, em parceria com os aeroplanos, deram ao uso do espaço aéreo uma amplitude ainda maior àquilo que os balões 147 Vide nota de rodapé 128, neste Capítulo. 148 Essa perspectiva do alto sempre foi de grande importância na geografia militar, tanto é que o high ground (terreno elevado) é uma das variáveis de análise do terreno, e a posição elevada favorece maior domínio sobre as porções mais baixas do terreno (DOYLE e BENNETT, 2002). 119 cativos iniciaram149. O alcance da ação com esses novos dispositivos era agora muito mais extenso. Apenas fatores como as condições visuais de observação (a meteorologia, na forma de cobertura de nuvens, por exemplo) e o raio de alcance, restrito pela autonomia de voo (quantidade de combustível), de fato, limitariam o uso da terceira dimensão à observação do terreno e ao reconhecimento de objetos na superfície. A conquista da terceira dimensão implicou na própria modificação da noção de fronteira (ou de linha limítrofe) entre os Estados. Esse foi, por si só, um fator de relevante impacto na geopolítica, que via a fronteira como expressão máxima do espaço estatal150. A temática de Fronteira é recorrente nos estudos geopolíticos. O’Loughlin (1994, p. 93-94), cita que Kjellén, pela primeira vez, em 1899, “utilizou o termo geopolitik (geopolítica em alemão)” exatamente em um artigo que tratava do “caráter das fronteiras da Suécia”. Ratzel (1892)151, formulou suas Leis do Crescimento Espacial dos Estados, considerando que a expansão dos Estados ocorre na direção das fronteiras152. Há que se diferenciar, entretanto, os significados da expressões fronteira e linha limítrofe (boundary). Ladys Kristof (1969, p. 126-127) aponta que “a boundary indica um limite certamente estabelecido de uma determinada unidade política”, enquanto a fronteira, que “não é um conceito legal, mas um fenômeno de manifestação de uma tendência de crescimento 149 Um dirigível opera com o mesmo princípio de sustentação do balão, porém possui a capacidade de deslocamento de forma autônoma e controlada. No caso dos balões, exceto aqueles que são estáticos (geralmente conectados à uma âncora fixada na superfície por meio de um cabo ou corda, também denominados cativos), a dirigibilidade não é comandada, ficando o balão sujeito ao vento. Aeroplanos operam com princípio de sustentação, diferente dos aeróstatos, baseado no diferencial de pressão do ar que flui entre as superfícies superior e inferior da asa. Segundo o Dicionário Houaiss (2009, verbete "Aeróstato"), aeróstato é um “veículo que se eleva e se mantém no espaço por efeito da ação da força ascensional de um gás mais leve que o ar, enquanto o aeroplano é um “veículo aéreo mais pesado que o ar, a jato ou impulsionado por hélice, e provido de asas fixas ou operáveis, que permitem sua locomoção em função da reação dinâmica destas com o ar”. 150 Friedrich Ratzel considerava que “o único elemento material que conferia ao Estado unidade era o seu território” (CORREIA, 2018, p. 127). 151 Na Tese, foram utilizadas duas referências de acesso às Leis do Crescimento Espacial dos Estados, de Friedrich Ratzel. A primeira é o texto traduzido para a Língua Portuguesa e incorporado à obra de Antonio Carlos Robert de Moraes (1990). Nessas citações, foi utilizada a data original do texto do autor alemão (1892). A outra referência (RATZEL, 2011), incorporada em função da tradução para a Língua Espanhola apresentar algumas diferenças em relação ao texto brasileiro, foi obtida em periódico científico. Há, ainda, uma tradução das Leis para a Língua Inglesa, contida na obra The Structure of Political Geography (A Estrutura da Geografia Política) (KASPERSON e MINGHI, 1969). 152 Mackinder (1942) e (1904), quando delineou a Área-Pivô e o Heartland, estabeleceu fronteiras entre espaços geográficos de importâncias relativas. Spykman (1942), quando alterou a compreensão de Mackinder sobre a área geoestratégica relevante, ao definir o Rimland, também estabeleceu fronteiras. Karl Haushofer, com as pan- regiões, estabelecia fronteiras entre os continentes e regiões do planeta, exemplo que foi seguido mais recentemente por Alexander Dugin. Kennan (2003), ao se referenciar à contenção, pressupunha uma fronteira entre as áreas de influência soviética e norte-americana. Huntington (1996), separou as civilizações em fronteiras culturais. E entre parte expressiva dos geopolíticos brasileiros, a ideia de fronteira foi desenvolvida, em especial na questão do estabelecimento dos limites territoriais nacionais, por meio da “vivificação” (BACKHEUSER, 1952, p. 261) ou pela projeção do poder, como no caso da “pan-amazônia” (MATTOS, 1980) e dos hemiciclos (SILVA, 1981). 120 do ecúmeno”, denota uma área sem delimitação específica que percorre a linha limítrofe entre dois territórios distintos153. Backheuser (1952, p. 74), no estudo da morfopolítica, incorpora na expressão fronteira a ideia de “linha periférica”, semelhante à boundary, cujas representações seriam as “fronteiras terrestres, marítimas e aéreas”. O tema incorpora ainda outras perspectivas, como nas obras de Moodie (1965), Carvalho (1971), Raffestin (1993), Miyamoto (1995), Agnew (2002), Newman (2003) e Flint (2006). Esse último autor propõe conceitos como: a) Boundary (linha demarcatória ou limite) – linha divisória entre duas entidades políticas; b) Border (borda ou área de fronteira) – é a região contígua com a boundary; c) Borderland (zona fronteiriça) – a região compreendida pelos dois lados de uma boundary; e d) Frontier (Fronteira) – área que incorpora um processo de expansão territorial. Na opinião do autor, a “moderna geopolítica foi a política de construção de boundaries”, o que portanto demanda que ela seja “estabelecida, demarcada e controlada” (FLINT, 2006, p. 131-132). A fronteira que foi superada pelo movimento dos aeroplanos e dirigíveis é aquela ligada tanto à ideia de limite entre os territórios de estados como a de boundary154. A inexistência de obstáculos naturais ao deslocamento pelo ar, ressalvadas as condições desfavoráveis da meteorologia, suscitou a real possibilidade de ultrapassagem de limites territoriais fixados em parâmetros da geografia física. Mais propriamente, os fixos geográficos de uma fronteira, de natureza física (montanhas, rios etc.) ou de natureza artificial (fortificações, muros etc.), não impunham aos dirigíveis e aeroplanos o sentido de intransponibilidade tão comum aos deslocamentos terrestre e marítimo, sugerindo a necessidade de atualização do conceito jurídico (e geoestratégico) de fronteira155. Essa realidade tem impacto direto na percepção de forma, função e processo, sugerindo um dinamismo no 153 Ecúmeno é um termo que Semple (1911, p. 226) define como “a área na qual a Humanidade se distribui e historicamente se movimenta”. Neste momento seria interessante refletir se essa definição se adequaria ao espaço exterior, em espacial aos corpos celestes. 154 Nesse último caso, acreditamos que a ideia de boundary absoluta, na forma que Semple (1911) propõe, ao se referir, por exemplo, ao mar que bloquearia a expansão das pessoas, esteja superada, em especial pelo advento das tecnologias aeroespaciais, que, como se observa, permite (ou permitirão) alcançar os mais recônditos lugares do planeta e do Universo. Tanto é que a própria autora, adiante na mesma obra, vê no mar e no ar um sentido de mobilidade integradora, ao afirmar que “o homem, ao se apropriar das forças móveis no ar e no mar incrementa seu próprio poder de locomoção, tornando-se um ser cosmopolita, fazendo a raça humana refletir a unidade da atmosfera e da hidrosfera” (SEMPLE, 1911, p. 359). 155 Uma das declarações mais contundentes sobre essa nova realidade foi a que William Mitchell fez em sua obra Winged Defense: The Development and Possibilities of Modern Air Power – Economic and Military (Defesa Alada: O Desenvolvimento e as Possibilidades do Poder Aéreo Moderno – Econômico e Militar), de 1925. Segundo ele, “As aeronaves movem-se centenas de milhas em incrível curto espaço de tempo, então mesmo que se informe sobre sua penetração em um país, através de suas fronteiras, não há como se saber onde atacarão. Onde quer que um objeto possa ser visto do ar, aeronaves podem atingi-lo com canhões, bombas e outras armas. Cidades grandes ou pequenas, linhas de ferrovia e canais não podem se esconder” (MITCHELL, 2009, p. 4). 121 esquema, conforme observamos na Figura 18, que agrega fixos e fluxos sob a perspectiva da dimensão aeroespacial. Sobre o conceito de fronteira, Strauz-Hupé (1972, p. x) entende que a “geopolítica compreende a fronteira de estados e territórios meramente como expressão transitória de uma situação de poder”. Sánchez (1992, p. 174), afirma que “As fronteiras políticas [...] refletem um equilíbrio dinâmico entre sociedades com uma maior tendência à estabilidade”, cuja melhor percepção seria a de um “limite conjuntural histórico, um momento do equilíbrio dinâmico do processo histórico”. De qualquer forma, tanto no sentido da transitoriedade como no equilíbrio conjuntural, ideias que se completam, os aeroplanos extrapolaram essas perspectivas, pois a transitividade da fronteira deixou de ser regulada por um processo histórico, razoavelmente lento, para adquirir uma fugacidade, proporcional à velocidade do meio de deslocamento pelo ambiente aeroespacial156. A se pensar nos satélites que orbitam no espaço exterior, sobrejacentes à Terra, o conceito clássico de fronteira (limites e territórios) chega a ser questionado como incompatível, face à efemeridade no trânsito dos veículos orbitais por sobre os Estados, os continentes e todo o Planeta, em questão de minutos157. Sheehan (2007, p. 16) afirma que na “era espacial [...] satélites e naves espaciais circulando o globo aniquilaram a ideia de distância e demonstraram a irrelevância das fronteiras internacionais”. Lysias Rodrigues tratou desse tema na obra Geopolítica do Brasil (1947)158. Considerou que a aviação teria aberto um novo capítulo na história, o que obrigaria a tratar da influência da terceira dimensão na situação das fronteiras, sob o viés da geopolítica. Para o autor, “A evolução espetacular da aviação modifica[ria] profundamente o conceito de fronteiras, porque obrigou a ser levado em consideração a questão do espaço aéreo” (RODRIGUES, 1947, p. 69). O raio de ação conjugado com a velocidade das aeronaves exigiria dos teóricos uma nova compreensão da realidade geográfica e política, pois as fronteiras 156 Observamos uma intensificação da percepção de tempo de La Blache e Braudel, o tempo histórico lento da geopolítica das civilizações se apresenta como lento, para a ideia de velocidade de Paul Virilio (1984), por meio da inserção de um novo acrônimo no debate geopolítico: a cronopolítica, fruto da intensificação do fator espaço- tempo nas relações sociais, econômicas e políticas. 157 Essa é uma questão pacificada no que tange ao direito aeronáutico, que estabelece como território nacional a projeção da superfície estatal no espaço aéreo sobrejacente. Apesar de serem recorrentes violações de soberania, como aponta Williams (2010). No campo do direito espacial, porém, esse assunto ainda é objeto de polêmica. Por exemplo, a questão suscitada na Declaração de Bogotá, de 1976, que reivindica soberania sobre segmentos de órbitas geoestacionárias (SANTANA e LIENDO, 2017; BORMANN e SHEEHAN, 2009; AL-RODHAN, 2012), questão que será explorada adiante. 158 Everardo Backheuser (1952, p. 198) também tratou do tema fronteiras aéreas, concluindo que a “coluna aérea, [...] sem limite de altura, [...] assim concebida como fronteira aérea, nada mais é do que a própria fronteira terrestre, inclusive as águas territoriais, prolongada para acima, indefinidamente”. 122 passaram a ser latentes159. Como já aventamos, um salto importante na utilização geopolítica da terceira dimensão ocorre a partir da 1ª GM. Esse conflito mundial, principalmente no teatro de operações da Europa, foi caracterizado como uma guerra de trincheiras, na qual os exércitos permaneciam longamente estáticos em fortificações construídas ao longo da linha de combate160. Havia uma grande deficiência de informações sobre o inimigo, impossibilitando a tomada de decisões sobre as ações militares futuras. Fatos como aquele ocorrido no Marne, anteriormente citado, ainda eram incipientes na história da aviação. Os governos das nações beligerantes, principalmente Alemanha, França e Reino Unido, e a partir de 1917 os EUA, definiram suas políticas, estratégias, táticas e planos da guerra sem elementos suficientemente concretos de inteligência militar que pudessem fundamentar as decisões161. Conhecimentos essenciais sobre a cartografia do terreno, condição que Lacoste (2012, p. 227) identificou como um “saber indispensável para os príncipes e os chefes de guerra”, era uma deficiência concreta a se lidar no dia a dia das operações militares. Contudo, à medida que as aeronaves se desenvolviam, assim como os sistemas que podiam ser incorporados a bordo, as dificuldades que se impunham quanto à falta de informação ou sobre o conhecimento geográfico foram, em grande parte, superadas pelo uso do reconhecimento aéreo. Os aeroplanos, seguindo a tradição inaugurada pelos balões, passaram a sobrevoar o território inimigo rascunhando croquis sobre o terreno e a disposição das trincheiras do oponente. Posteriormente, a instalação de câmeras fotográficas nas aeronaves viabilizou o 159 Rodrigues sustentou suas proposições com argumentos como as “esquinas do mundo” e o “papel da aviação comercial”. Para o autor (1947, p. 70), “O espaço aéreo criou as ‘esquinas do mundo’, [que] são pontos de passagem aérea forçada para os voos transoceânicos”. Esse espaço geográfico diferenciado demandaria uma nova compreensão geopolítica do mundo. No caso da aviação comercial, afirmou que “Os governos estão hoje diretamente empenhados no progresso da aviação comercial, civil e militar, porque todos os problemas, no âmbito nacional, como no internacional, dela dependem, assumindo a posse do espaço aéreo condição vital” (RODRIGUES, 1947, p. 71). Ou seja, o autor antecipa ao espaço aéreo e à aviação comercial uma relevância geoeconômica, sendo pertinente deduzir um espaço aéreo vital, parafraseando Friedrich Ratzel. 160 Importante relembrar que a guerra nas trincheiras da 1ª GM expressou claramente a limitação dos exércitos em ultrapassar fronteiras ou limites estabelecidos entre os Estados e os exércitos em combate, algo que seria superado com a presença dos aeroplanos. 161 Inteligência militar é uma atividade que provê informações aos tomadores de decisão sobre as capacidades e intenções do oponente. Segundo o Glossário das Forças Armadas, a Inteligência produz “conhecimentos relativos a fatos e situações atuais ou potenciais que afetem o processo decisório” (BRASIL, 2015, p. 149). A inteligência militar, inclusive o fator geográfico, elemento destacado por Gray (1999a), estaria mais diretamente relacionada à geoestratégia. Vejamos que O’Loughlin (1994, p. 98), dá esse direcionamento quando afirma que a “geoestratégia é o estudo da distribuição espacial dos poderes terrestre, marítimo e aéreo e a relação desses com o fenômeno geográfico”. Teixeira Jr. (2017, p. 101), entretanto, é menos restritivo e conclui que “na geopolítica a geografia determina a política, na geoestratégia a geografia condiciona a escolha e a configuração da estratégia voltada à realização dos objetivos de uma comunidade política”. Portanto, sendo a Defesa um tema da Geopolítica, o que acreditamos ser correto, a geoestratégia estaria incluída na geopolítica e ambas se valeriam da inteligência, de natureza militar ou não, para a compreensão da complexidade de cada cenário. Exatamente essa foi a demanda que a exploração da terceira dimensão buscou atender naquele cenário conflituoso do início do século XX. 123 desenvolvimento da fotografia aérea, que trouxe uma consciência situacional sobre o espaço geográfico até então não disponível na história162. A Figura 21 nos dá a exata noção dessa importância, pois a fotografia do dispositivo das trincheiras alemãs (no caso, as proximidades da cidade de Thiepval, atualmente situada na região Norte da França), transformava-se em valiosa informação para o planejamento das ações militares163. Figura 21 – Fotografia aérea de trincheira alemãs na 1ª GM – França, 1916 Fonte: WIKIPEDIA, 2020. A fotografia aérea rapidamente evolui para a aerofotogrametria164, cujos produtos da cartografia proviam uma consciência situacional diferenciada. Alguns geógrafos 162 Em 1816, Joseph Nicéphore Niépce produziu, com uma câmera, “uma fotografia em papel sensível com cloreto de prata” (PERES, 2007, p. xiv). Portanto, 100 anos antes da 1ª GM a fotografia já vinha se desenvolvendo, o que levou ao aproveitamento dessa capacidade a bordo das aeronaves. Equipadas com câmeras fotográficas, as aeronaves sobrevoavam as trincheiras inimigas descortinando a organização das linhas de defesa, assim como plotando os pontos de maior concentração de tropas e a posição das peças de artilharia. 163 Conhecer o dispositivo das trincheiras, sua forma de organização, os pontos fortificados, as avenidas de comunicação entre as linhas de trincheira da frente e da retaguarda, viria a se transformar em demanda crescente dos planejadores militares. As representações contidas na Figura 21 demonstram a forma de organização de um setor de trincheiras, onde se percebe claramente as linhas dentadas característica dessa forma de aproveitamento do terreno, assim como as linhas que definem diferentes profundidades em relação ao território inimigo e as linhas que se comunicam entre esses estágios. Thiepval foi palco de batalha imortalizada no filme 1917, dirigido por Sam Mendes, que retrata as agruras das trincheiras da 1ª GM. 164 A fotografia aérea pode ser oblíqua ou vertical. O tipo oblíquo é aquele cuja perspectiva é inclinada. A fotografia aérea vertical é de maior “utilidade para o geógrafo pois a câmera é posicionada sob a aeronave (perpendicular à superfície fotografada) e representa elementos que podem ser mapeados e medidos” (HANKS, 2011, p. 284). A aerofotogrametria, também conhecida como aerofototopografia, consiste na técnica de se obter imagens fotográficas e delas se obter informações sobre propriedades geométricas, geralmente com a finalidade de desenvolvimento de mapas. 124 comentaram mais recentemente essa nova perspectiva proporcionada pela fotografia aérea. Moreira (2001, p. 28) considera que o avião transformou o “recortado do território no traçado do espaço liso”, cuja fluidificação relativizou o lugar. Ou seja, o relevo (e demais obstáculos naturais) passou a ser observado como um plano. Santos (1997, p. 76) conclui que “O que vemos de um avião que voa a 1.000m de altura é uma paisagem” e, acrescentamos, a fotografia aérea seria uma forma de se representar a paisagem. A herdeira natural da fotografia aérea, em virtude do desenvolvimento tecnológico que caracterizava a aviação desde seu surgimento, seria a fotografia a partir do espaço exterior. Tal situação também não passou despercebida dos geógrafos. Becker (2007, p. 22) compreendeu que quando “a tecnologia dos satélites permitiu ao homem olhar a terra a partir do Cosmos, houve uma verdadeira revolução no sentido da percepção sobre o Planeta: passou- se a ter consciência da sua unidade”. Efetivamente, consoante com o que se propõe nesta Tese, entendemos que hoje essa consciência citada pela autora migrou da superfície terrestre para o próprio espaço exterior próximo, ou até mesmo para a completude do Cosmos. A humanidade passou a experimentar um quadro geográfico cuja totalidade é de uma amplitude muito maior do que simplesmente a Terra. A aerofotogrametria chegou ao espaço exterior e se expandiu com a utilização de novos sensores além da câmera fotográfica convencional. A fotografia aérea a partir do espaço exterior trata da “obtenção de imagens da superfície da Terra tomadas de aeronaves ou outros veículos aéreos em diferentes zonas espectrais, com a ajuda de sistemas de fotocâmeras” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 14). Os instrumentos de observação da superfície terrestre, de sua atmosfera ou do espaço exterior, constituem o que é chamado de sensoriamento remoto165. Essa atividade é beneficiada por diversos tipos de sensores (bandas do visível e do infravermelho) e por ferramentas como os Sistemas de Informações Geográficas (Geographical Information System – GIS)166. Além da relevância para a geoestratégia militar, a importância geotecnológica e geoeconômica do sensoriamento remoto pode ser verificada na contribuição ao gerenciamento dos espaços geográficos e acompanhamento dos fenômenos naturais que ocorrem na atmosfera. Esse mapeamento, segundo Matthews e Herbert (2008, p. 116), é uma “explícita expressão do 165 O sensoriamento remoto é “um termo que se refere a um conjunto de técnicas pelas quais o ambiente [geográfico] é estudado” (HANKS, 2011, p. 284), por meio do emprego de sensores que se posicionam a uma certa distância da superfície observada. 166 O GIS é um “sistema que provê coleta, armazenamento, processamento, acesso, representação e disseminação de dados em objetos geográficos e processos relacionados a determinado sistema de coordenadas” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 290). 125 conceito geográfico de espaço e pode ser visto como uma contribuição geográfica específica ao conjunto de métodos disponíveis para se compreender o mundo”. Sausen (2019) apresenta uma extensa lista onde o sensoriamento remoto pode contribuir com políticas públicas e, consequentemente, no amparo às decisões e análises geopolíticas167. O sensoriamento remoto, em especial a fotografia aérea, iniciado durante a 1ª GM, geraria uma capacidade que teria aplicação imediatamente após o término desse conflito. Nos anos subsequentes à Guerra os países da Europa, principalmente, direcionaram a atenção para as questões coloniais. A manutenção das colônias era dispendiosa e, não raramente, redundava no emprego de contingentes militares pacificadores que exerciam pressão nas despesas dos Estados. A Inglaterra, um dos países com maior quantidade de possessões ultramarinas, encabeçava a lista de nações com elevado orçamento na árdua tarefa de consolidar seu governo nas colônias. O marechal-do-ar britânico Hugh Trenchard analisou essa situação de forma perspicaz e propôs ao governo britânico, com apoio de Winston Churchill, uma solução que minimizaria os custos coloniais e daria uma destinação útil aos aviões que se acumulavam nos hangares168. Essa solução era concebida na utilização das aeronaves da Royal Air Force – RAF (Real Força Aérea) no policiamento das imensas áreas das possessões na Ásia e Oriente Médio169. O princípio básico aproveitava a ideia do reconhecimento aéreo dos tempos da 1ª 167 Na lista de Sausen (2019) encontram-se as seguintes contribuições: atualizar a cartografia existente; desenvolver mapas e obter informações sobre áreas minerais, bacias de drenagem, agricultura, florestas; melhorar e fazer previsões com relação ao planejamento urbano e regional; monitorar desastres ambientais, tais como, enchentes, poluição de rios e reservatórios, erosão, deslizamentos de terras, secas; monitorar desmatamentos; estudos sobre correntes oceânicas e movimentação de cardumes, aumentando assim a produtividade na pesca; estimativa da taxa de desflorestamento da Amazônia Legal; suporte de planos diretores municipais; estudos de impactos ambientais e relatórios de impacto sobre meio ambiente; levantamento de áreas favoráveis para exploração de mananciais hídricos subterrâneos; monitoramento de mananciais e corpos hídricos superficiais; levantamento integrado de diretriz para rodovias e linhas de fibra ótica; monitoramento de lançamento e de dispersão de efluentes em domínios costeiros ou em barragens; estimativa de área plantada em propriedades rurais para fins de fiscalização do crédito agrícola; identificação de áreas de preservação permanente e avaliação do uso do solo; implantação de polos turísticos ou industriais; e avaliação do impacto de instalação de rodovias, ferrovias ou de reservatórios. 168 A partir de 1917, Churchill exerceu funções públicas que tinham relação direta com as propostas de Trenchard, tais como a de Ministro dos Armamentos, Secretário de Estado para a Guerra e Secretário de Estado para as Colônias. Após o fim da 1ª GM, os estoques acumulados de material bélico impunham elevados custos de manutenção. No caso das aeronaves, esse custo era muito alto e a necessidade de redução de despesas suscitaram a proposição de soluções radicais como a própria extinção da força aérea britânica (PEACH, 2002). 169 Trenchard (2008, p. 258), em memorando reproduzido em revista profissional da RAF, em 1919, referindo-se a episódio ocorrido na Somália, citado adiante no texto, asseverou que os “eventos recentes demonstraram o valor das aeronaves em lidar com problemas fronteiriços, e talvez não seja muito esperar que cedo se provará a possibilidade de a RAF ser utilizada não como complemento, mas como substituta nessa tarefa”. (A mesma citação pode ser encontrada em Air Power Review, Shrivenham, p. 257-268, Spring 2013, disponível em: www.airpowerstudies.co.uk). 126 GM, replicando-o nas colônias. Observar os grupos rebeldes e insurgentes em áreas distantes da metrópole passou a ser uma função básica da aviação. Os primeiros resultados contra uma pequena rebelião na Somália, entre os anos de 1919 e 1920, forneceram a base para o desenvolvimento desse tipo de operação: Nessa ocasião, aeronaves de reconhecimento localizaram o líder somali em uma fortificação na região. Bombardeios intensos das aeronaves britânicas obrigaram a evacuação do forte e a perseguição que se seguiu, levou o líder e seus seguidores a escaparem pela fronteira da Etiópia, onde, no ano seguinte, ele morreu. Por um custo de oitenta mil libras, o poder aéreo desempenhou um papel central na derrota de uma força rebelde que irritava os ingleses há muitos anos (CORUM e JOHNSON, 2003, p. 53). Não é difícil se perceber o impacto geopolítico que a consciência situacional sobre o movimento e a concentração dos grupos de oposição ao poder central forneceu aos Estados imperiais. A iniciativa de controle aéreo passou a ser utilizada em várias situações desde então170, consagrando-se como uma forma eficaz de aplicação de políticas estatais ou de organismos internacionais contra Estados inimigos, grupos rebeldes/insurgentes, criminosos e terroristas. Esse tipo de controle pode ter por objetivo negar o movimento, concentração e atuação de forças oponente na superfície ou pelo ar. Novamente, a terceira dimensão, na forma de exercício do poder da metrópole sobre as colônias, suscitava uma geopolítica aeroespacial171. A atuação da aviação nas colônias, de forma célere e diretamente relacionada com as aspirações da metrópole, ilustra a ideia de um sistema fechado, no qual eventos ocorridos em determinada parte afetariam a totalidade do sistema. Segundo Flint (2006), esse teria sido o 170 Espanhóis (no Marrocos) e franceses (no Marrocos e na Síria) também empregaram aeronaves em suas colônias com o intuito de controlar as ações de forças rebeldes (CORUM e JOHNSON, 2003). Da mesma forma que os britânicos, essas ações visavam restringir (ou mesmo incapacitar) a atuação dos rebeldes contra as forças de ocupação. Outro exemplo mais recente, em 1993, ocorreu por meio da aplicação da resolução da ONU de nº 816, que iniciou a Operação Deny Flight (Negar o Voo), por meio do estabelecimento de no-fly zones (zonas de voo negado), como forma de pressionar o presidente Slobodan Milosevic a acatar as demandas da comunidade internacional (GRAY, 2002). Essas zonas são aplicações típicas do conceito de controle aéreo, haja vista que, a partir do ar, monitoram (ou mesmo neutralizam) as ações de forças de superfície. 171 A ideia de controle aéreo tem merecido um debate acadêmico cuja implicação geopolítica se percebe em rotas aéreas transcontinentais e em regiões como o oriente Médio. Butler (2001) discute o papel de Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da França e da Alemanha em importantes conferências internacionais de aviação (1910, 1919 e 1928) relacionando interesses geopolíticos com o nível de desenvolvimento tecnológico da aeronaves nesses países. Williams (2007) e Omissi (2008) discutem o papel do controle aéreo em dois contextos distintos (no Iraque pós Guerra do Golfo de 1991 e na Palestina no início da década de 1920. Ambos reforçam a importância da verticalidade na geopolítica, por meio da aplicação do Poder Aéreo. Omissi (2008, p. 55), inclusive, cita que o “Poder Aéreo oferece um método fácil de ampliar o alcance geográfico do estado”. 127 ponto de convergência entre os geopolíticos Alfred Mahan e Halford Mackinder172, ao conceberem o mundo como um sistema interconectado e interdependente. Santiago (2013) opera um raciocínio semelhante a partir da interpretação da geografia política de Ratzel. O geógrafo alemão percebe o componente geopolítico das redes de circulação e comunicação, além de conceber a interdependência universal numa visão realista e o “estado como um sistema” (SANTIAGO, 2013, p. 115)173. De forma semelhante, as possessões ultramarinas representavam peça fundamental da engrenagem do sistema colonial. A atuação dos rebeldes desequilibrava o sistema, na forma de perturbações na ordem comercial estabelecida entre a metrópole e sua colônia. Agindo contra essas perturbações de forma mais célere do que o exército em terra, o aeroplano se mostrava uma ferramenta eficaz na manutenção da estabilidade do sistema fechado de cada império174. Mahan dirige sua atenção para a importância (e influência) dos oceanos e mares no desenvolvimento das nações. Por meio da identificação de elementos geográficos e políticos, 172 Mackinder (1942, p. 22), expressa isso de forma bem clara quando afirma serem “as interconexões entre as coisas físicas, econômicas, militares ou políticas na superfície do globo, [um] sistema fechado”. Mahan refere-se à Inglaterra, à França e à Espanha, suas metrópoles e colônias, onde os oceanos, as marinhas, portos e cidades compõem um sistema. Cita que “homens dos últimos três séculos têm profundamente sentido o valor para a metrópole das colônias como entrepostos dos produtos metropolitanos e como um viveiro para comércio e transporte; mas os esforços de colonização não têm a mesma origem nem o mesmo sucesso nos diferentes sistemas” (MAHAN, 1890, p. 39). O’Loughlin (1994) entende que essa seria, também, uma característica em Nicholas Spykman, que dá um outro entendimento ao conceito de Heartland. Visualiza na periferia eurasiana, e não no seu núcleo terrestre central, a área chave do poder, área periférica que denominou Rimland. Na literatura brasileira Rimland foi traduzido como Fímbria (TOSTA, 1984) e (MIYAMOTO, 1995). Na geopolítica, a Teoria do Rimland é uma evolução da Teoria do Heartland. A região na periferia da área-coração é que realmente deveria ser controlada, pois possui tanto acesso pelo mar quanto pela área interior, o Heartland. 173 João Phelipe Santiago é um autor que, aproveitando-se da análise de Ratzel, aponta para a demanda de expansão do horizonte geográfico tradicional, ligado à superfície terrestre, para o espaço exterior. Ao menos em três passagens de sua obra apresenta essa ideia: “Da mesma forma, podemos nos referir à expansão do horizonte geográfico para a conquista do espaço extraterrestre, conquista da Lua e perspectiva de colonização de Marte, questões da época atual”; “A expansão dos horizontes geográficos, através das redes, no pós-guerra, na segunda metade dos [anos de 1920], projetou a extensão humana para além da superfície terrestre, para além da troposfera, da ionosfera, atingindo o espaço sideral, chegando a andar na Lua e fazer com que robôs andem em outros planetas, como Marte, além de sondas que orbitam Mercúrio e o Sol, com naves não tripuladas em direção aos confins do sistema solar, como é ocaso da Pioneer. Esse novo horizonte, que chamamos de espaço transplanetário, não deixou de utilizar o território terrestre como base de domínio e controle, usando conhecimentos e artefatos técnicos e tecnológicos, a sistematização das informações e as estratégias de operações que ainda não eram produzidos na era dos voos espaciais e do horizonte transplanetário”; e “Na concepção de sistema interligado, o teatro Terra, associa-se por complementação o espaço atmosférico e exterior” (SANTIAGO, 2013, p. 99, 113-121 e 133). 174 Mahan faleceu em 1914, portanto, não pode inferir sobre a relevância dos aeroplanos na geopolítica. Os principais trabalhos de Mackinder são The Geographical Pivot of History (O Pivô Geográfico da História) e Democratic Ideals and Reality (Ideais Democráticos e Realidade), respectivamente, de 1904 e 1942. Alguns críticos são contundentes sobre essa omissão do geógrafo britânico. Apesar de viver até 1947, e ter testemunhado parte significativa da maturidade da aviação, para Jones, Jones e Woods (2004, p. 6), Mackinder “ignorou o poder aéreo”. Para Glassner (1996, p. 326), Mackinder “falhou em levar em consideração a crescente e bastante óbvia importância do poder aéreo e o desenvolvimento de outras tecnologias” relacionadas. Há, entretanto, visões menos ásperas sobre Mackinder e o poder aéreo, como a de Weigert (1942, p. 129), que observou na obra de 1942 que o teórico inglês “antecipou a aviação” quando falou em “mobilidade alada”. 128 tais como, “a posição geográfica, a conformação física, a extensão do território, o tamanho da população, o caráter nacional, e o caráter do governo” (ALMEIDA, 2015, p. 104-115), que comporiam o poder marítimo de um Estado forte, Mahan queria demonstrar a importância geográfica da superfície marítima para os Estados175. Sem o controle dos oceanos, um Estado não teria condições suficientes para se desenvolver (como Estado forte), pois seria assediado em suas linhas de comunicação marítimas, vitais ao comércio e trânsito de recursos naturais e mercadorias. Portanto, esse assunto teria “um interesse maior para os cidadãos de um país livre, especialmente aqueles encarregados dos assuntos [diplomáticos] e das relações militares” (MAHAN, 1890, p. 20). Assim, o que Mahan desenvolve para o sistema fechado é uma geopolítica de base marítima176. Mackinder buscou uma explicação diferente de Mahan. Na verdade, seu conceito de pivô central177 era uma proposição totalmente oposta à ideia do controle do mar, onde o autor busca justificar a importância de uma superfície terrestre central (MACKINDER, 1904)178. Talvez a melhor definição de pivô seria o de uma área geográfica basilar ao desenvolvimento e controle da massa terrestre, especificamente localizada no núcleo central eurasiano. Nessa área central, a mobilidade interna provida pelas ferrovias facilitaria o controle dessa grande superfície. Em função da distância dessa área central em relação aos mares quentes, ela estaria protegida contra a tentativa de controle marítimo (ou a partir do mar), ponto que se contrapõe à ideia de Mahan179. Posteriormente, Mackinder renomearia essa área como Heartland (coração 175 Mahan também discutiu opções geográficas para os EUA e, segundo Cohen (2015, p. 23), deu “suporte à anexação das Filipinas, Avaí, Guam e Porto Rico”, além de sugerir o “controle da zona do Canal do Panamá e uma tutela sobre Cuba”, o que demonstra uma visão mais ampla de geopolítica. 176 Santiago (2013, p. 172) afirma que Ratzel considerava “o domínio dos mares como base para o poder mundial”. 177 Esse conceito foi sugerido por MacKinder em The Geographical Pivot of History (1904), onde faz uma análise histórico-geográfica do continente europeu, inclusive a Rússia, por vezes estendendo a amplitude da análise a outras regiões. 178Uma das citações mais famosas da geopolítica, entabulada pelo geógrafo inglês, sustenta essa visão que relaciona geografia e poder na política mundial: “Quem governa a Europa do Leste comanda o Heartland; Quem governa o Heartland comanda a Ilha Mundial; Quem governa a Ilha Mundial comanda o Mundo” (MACKINDER, 1942, p. 106). Apesar da citação remeter à Geopolítica, Mackinder nunca utilizou a expressão geopolítica em seus trabalhos. A palavra governa é empregada no sentido de controle nas disputas geopolíticas com os países do Heartland, e não no sentido da ocupação territorial. 179Mackinder formulou sua teoria justamente como estratégia de contenção para uso do poder marítimo britânico. 129 da terra ou terra-coração), afirmando que ela seria “a região na qual, de acordo com as condições modernas, ao poder marítimo poderia ser negado o acesso” (MACKINDER, 1942, p. 78)180. Apesar da ideia central de sistema fechado ser congruente entre ambos, a forma de se exercer esse controle, ou o espaço geopolítico desse controle, seria diferente: o controle do mar (em Mahan) e o controle da superfície terrestre ou do heartland (em Mackinder). Porém, uma nova forma de controle surgiria pouco mais tarde: o controle do ar181. Na verdade, a aviação seria um fator de extrema importância para o controle do ar a partir do fenômeno caracterizado como guerra total, que eclodiria em 1914 e, novamente, em 1939, ambos eventos decisivos para a geopolítica aeroespacial. 3.1.2 Guerra Total e Ambiente Aeroespacial A variável geográfica, a par da questão dimensional, onde se observa a peculiaridade do ambiente aeroespacial em relação aos espaços marítimo e terrestre, também tem uma componente histórica. Apesar de serem significativas as contribuições da fotografia aérea e do monitoramento pelo ar, advindas do conflito de 1914, elas não foram aquelas que concorreram com a associação da aviação à guerra total, nem deram um sentido histórico mais amplo ao ambiente aeroespacial. O que de fato ocorreu na 1ª e 2ª GM foi um envolvimento de toda a sociedade na guerra. Essa nova forma de guerra demandaria dos Estados uma produção de material militar e suprimentos (alimentos, combustíveis etc.) para suas forças armadas, em uma escala até então nunca observada182. Gyorgy (1944, p. 247), relata que a escola geopolítica alemã associou a guerra total ao poder aéreo, “tornando-a totalitária não meramente pelo 180 Exatamente por esses motivos que Mahan e Mackinder, na geopolítica, são conhecidos pelas respectivas teorias: a do poder naval e a do Heartland, respectivamente. Correia (2018) identifica em Mahan e em Mackinder os principais protagonistas do que denomina teorias do poder marítimo e teorias do poder terrestre. A Teoria do Poder Marítimo/Naval (associada a uma geopolítica marítima) advoga que o controle das massas aquáticas (por meio de uma armada, do controle de acesso às linhas de comunicação e da posse de bases navais de apoio à esquadra) seria uma condição essencial para o desenvolvimento e segurança do Estado. A Teoria do Heartland (ou do poder terrestre, associada a uma geopolítica terrestre) propugna – em certa medida se opondo à ideia de Mahan –, que a posse da área-coração, uma extensa região composta pela então URSS e áreas adjacentes, ou seja, uma superfície terrestre, é que de fato permitiria o progresso econômico-social, e por meio do controle dessa área, também a predominância política. 181 Controle do ar é um conceito mais abrangente que controle aéreo (anteriormente apresentado). Esse último trata da possibilidade de agir a partir do ar contra o oponente na superfície. O controle do ar altera a perspectiva geográfica da atuação sobre a superfície para a atuação na atmosfera. Assim, o controle do ar pressupõe uma capacidade que é exercida do ar e no ar, enquanto controle aéreo é uma capacidade exercida no ar sobre a superfície. 182 O conceito de Guerra Total surge com as guerras da revolução francesa, a partir de 1789, quando um novo sentido de nacionalismo é despertado. Segundo Duiker e Spielvogel (2010, p. 536), “guerras prévias foram lutadas por governantes ou dinastias, com participação relativamente pequena de exércitos profissionais. Na França, a guerra passa a ser do povo [...] abrindo a porta da guerra total para o mundo moderno”. Os efeitos da industrialização e da mecanização, decorrentes da revolução industrial, em especial na produção em massa de bens de consumo para uso nos conflitos, transformaram a guerra em um fenômeno de dimensão nacional. 130 objetivo de conquista mundial, mas também pelos métodos, pela exploração de todo conhecimento científico da humanidade e de suas invenções tecnológicas”. A aviação, como instrumento de violência e de militarização em massa das sociedades do século XX, concentra todo o significado do conceito de guerra total (BUCKLEY, 1999). A parcela de cooperação da aviação na guerra total se faz perceber, inicialmente, na modificação da amplitude geográfica do campo de batalha. Até então, este era restrito às localidades onde ocorriam os confrontos diretos, entre os exércitos e as marinhas, mas a partir de 1914, com a presença das aeronaves, o teatro de combate se amplia, e chega às cidades distantes das linhas de contato e, por conseguinte, às populações civis, antes relativamente protegidas dos efeitos do combate direto183. Um importante teórico da aviação percebeu essa realidade com clareza, ao afirmar que: Na superfície, a guerra consistia na movimentação das linhas de batalha e conflito ali dispostas[...]. A uma certa distância por trás destas linhas, distância que era determinada pelo alcance máximo do fogo de canhões, as repercussões da guerra eram sentidas diretamente. Além dessa distância, o ataque inimigo não podia penetrar e a vida permanecia segura e comparativamente tranquila. O campo de batalha era limitado [...]. Agora, no entanto, já é possível passar além das linhas sem rompê-las primeiro. É o aeroplano que possui este poder (DOUHET, 1988, p. 29-30). Se testemunhava uma “revolução radical na forma de guerra” (DOUHET, 1988, p. 31), que logo seria evidenciada pelo impacto das bombas lançadas pelo ar nas cidades europeias. Londres é uma das primeiras vítimas, quando a ação dos zepelins alemães, em 1915, e das aeronaves de bombardeio Gotha G III, em 1917, geraram pânico na população dessa cidade (STOKESBURY, 1986)184. Esses ataques à capital inglesa suscitaram debates sobre como melhor impedir a atuação inimiga, cuja solução foi a criação de um braço militar independente para lidar com essa situação, assim foi o nascimento da RAF, em 1918. 183 Na verdade, as guerras sempre afetaram, em alguma medida, as populações civis. Seja na forma de destruição de patrimônios públicos e pessoais, na escassez de alimentos e difusão de doenças, ou mesmo em massacres deliberadamente conduzidos contra essas populações. Porém, todas essas situações sempre foram associadas diretamente aos efeitos de uma batalha (ou de sucessivas batalhas) que ocorriam nas proximidades das concentrações populacionais (ou mesmo nelas). O fato novo que se apresenta com a aviação é a possibilidade de se atingir uma determinada concentração populacional totalmente fora do contexto de determinada batalha, no interior de um Estado. Possivelmente, o primeiro registro dessa nova perspectiva tenha sido a ação austríaca durante a Primeira Guerra de Independência da Itália. Segundo Buckley (1999, p. 24), naquele ano “balões foram utilizados pelos austríacos para transportar granadas que seriam lançadas quando esses dispositivos sobrevoassem a cidade de Veneza”, porém, a tentativa não logrou êxito em função do vento que dispersou os balões. 184 Hippler (2013) destaca que percepções como as que o jornal Daily Mail expunha sobre a perda da inexpugnabilidade da Ilha Britânica, inclusive após o voo de Alberto Santos-Dumont em 1906, reforçaram um sentimento de temor nos britânicos decorrente da ameaça de bombardeio pelos céus. Informações mais detalhadas sobre o pânico experimentado pelos britânicos podem ser obtidos em Grayzel (2012) e Holman (2016). Os britânicos também realizaram reides de zepelins contra a Alemanha, os mais famosos ocorrem em 1914 contra Dusseldorf, Colônia, Friedrichshafen e Cuxhaven (CASTLE, 2011). Os bombardeios aéreos contra centros populacionais iam de encontro à legislação internacional, que em 1907, na Convenção de Haia, no seu Art. 25, já havia proibido o ataque aéreo contra cidades, vilas, habitações ou edifícios sem defesa (HAGUE, 1907). 131 A discussão em torno da independência da arma aérea em relação ao exército e à marinha tem um peso geopolítico e geoestratégico. A criação de um novo serviço implicava em redistribuição de recursos, redefinição de propósitos e repartição de áreas de responsabilidade. A visão que predominava entre as forças de terra e de mar era a de que os aviões seriam apenas peças acessórias na aplicação de seus poderes em seus respectivos domínios. Entretanto, a autonomia que a força aérea adquiriu impôs uma nova visão geopolítica sobre o espaço geográfico. Para a aviação, o ar seria um imenso espaço contíguo, sem barreiras e obstáculos à ação185. As implicações geopolíticas dessa nova realidade se fizeram perceber com maior clareza na transição entre as duas grandes guerras mundiais. O aeroplano não mais exerceria a função exclusiva de observar o inimigo pelo alto. Houve uma crescente integração de novas funções ao uso do avião. A primeira, e mais evidente função agregada, foi testemunhada nas ações iniciais dos alemães na Polônia, França e URSS. A integração do avião à batalha terrestre, no que ficou conhecido como a Blietzkrieg (guerra relâmpago), demonstrou-se um modo eficaz de utilização da velocidade e da combinação de armas, em movimentos surpreendentes que levaram os inimigos ao rápido colapso. Mas a possibilidade de ultrapassar fronteiras e superar obstáculos naturais, também inspirou as forças aéreas a utilizar o avião no interior do território inimigo, na função que ficou conhecida como bombardeio estratégico186. Em 1932, influenciado pelo que ocorrera em Londres na 1ª GM, o primeiro-ministro britânico Stanley Baldwin, proferia uma frase que demonstraria a certeza dessa nova função e o seu impacto na guerra: “Penso que não há, para o homem comum nas ruas, poder que o impeça de ser bombardeado, mesmo que lhe tenham dito em contrário. Os bombardeiros sempre passarão...” (HIPPLER, 2013, p. 14). Nessas novas funções, a aviação foi capaz de neutralizar aquilo que Mahan definiu como linhas de comunicação187. No caso terrestre, Mackinder identificava na tecnologia 185 Percepção semelhante já havia sido destacada na contiguidade das massas aquáticas. Contudo, navios não podiam transitar na superfície terrestre, o que denota uma importante limitação em face da contiguidade do espaço aéreo, haja vista ser possível ao aeroplano transitar sobre os oceanos e massas terrestres indistintamente. 186 H. G. Wells, célebre ficcionista, na obra The War in the Air (A Guerra no Ar) (1908), anteviu o bombardeio às grandes cidades como forma de impor destruição física e abalar o moral do inimigo. O bombardeio ao interior do território inimigo, seja contra os centros urbanos ou contra instalações de interesse econômico (indústrias, fontes de energia, depósitos etc.), foi associado à palavra estratégico no sentido de diferenciação com a palavra tático. Esse último conceito associa o bombardeio ao contexto de apoio direto às forças de superfície, enquanto o primeiro, busca um sentido mais amplo e decisivo, daí estratégico, no emprego da aviação. Durante a 1ª GM esse debate surgiu e o primeiro teórico que apresentou ideias acerca dessa discussão foi o italiano Giulio Douhet, na obra Il domínio dell’aria, de 1920, traduzido para o português como “O Domínio do Ar” (1988). 187 Mahan (1890) afirma que as linhas de comunicação seriam as rotas pelas quais o comércio marítimo e os suprimentos necessários à operação das marinhas fluiriam entre os Estados. 132 aplicada aos modais de transportes, em especial as ferrovias, uma capacidade vital para a locomoção de bens entre nações e no interior de um território, capacidade doravante neutralizada pela aviação188. As perspectivas da geopolítica tradicional foram alteradas, a ponto de autores como Ribeiro (2018, p. 71) afirmarem que “Atualmente, em virtude dos avanços da aviação e da balística, o Heartland já não representa uma posição tão isolada do poder marítimo”. Mais precisamente, o isolamento é impossível em função do raio de ação e alcance das aeronaves. Os efeitos decorrentes da perspectiva geográfica da terceira dimensão, assim como da guerra total, que impuseram uma nova realidade à geografia das batalhas e redefiniram relações de poder. Os bombardeios às cidades, antevistos por Giulio Douhet189, fizeram da 2ª GM um palco profícuo de exemplos que acabaram de vez com a ideia do isolamento do campo de batalha. A inteira destruição de Rotterdam, na Holanda, efetuada por aeronaves alemãs em maio de 1940; o ataque sistemático a Berlim, entre novembro de 1943 e março de 1944, e contra Dresden, em fevereiro de 1945, esses últimos como parte do esforço Aliado em derrotar a Alemanha190, revelariam o impacto da aviação nessa nova forma de fazer a guerra. Entretanto, o evento de maior realce geopolítico, que inclusive determinou a derrota japonesa na guerra, foi o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, respectivamente em 6 e 9 de agosto de 1945. Os efeitos das explosões atômicas no Japão encerram no Pacífico o conflito iniciado 188 Dois exemplos podem ser apontados para confirmar essa afirmação tanto do ponto de vista da linha de comunicação marítima como terrestre. A marinha britânica, apesar de ser quantitativa e qualitativamente superior à marinha alemã, foi incapaz de fornecer suprimentos às tropas britânicas e norueguesas após a invasão alemã na Noruega, fato que ocasionou a derrota aliada nessa frente de guerra na Europa. As aeronaves alemãs posicionadas nas bases aéreas ao longo da costa norueguesa (Oslo, Kristiansand, Bergen, Stavanger, Trondheim, Narvik e Kirkenes) impediram a aproximação dos comboios britânicos que careciam de cobertura aérea. No segundo exemplo, observa-se que, como parte da preparação do desembarque aliado na Normandia – o "Dia D", foi colocado em prática um intenso esforço de bombardeio aéreo contra pontes, linhas férreas, estações e centros de reparos ferroviários e aeródromos alemães na França, naquilo que ficou conhecido como o The Transportation Plan (O Plano de Transporte), que efetivamente impossibilitou qualquer deslocamento de suprimentos e meios militares, por vias férreas, entre a Alemanha e as áreas onde ocorreram os desembarques aliados. 189 Ao se referir à revolução na forma de se fazer a guerra, o autor italiano (que viveu entre 1869 e 1930), testemunhou as primeiras ações aéreas no conflito entre a Itália e a Turquia, na Líbia, em 1911, e indicou o potencial da aviação na guerra, em especial quanto ao efeito psicológico dos bombardeios contra as populações civis (DOUHET, 1988). Douhet é um autor citado em trabalhos relevantes sobre poder aéreo (MEILINGER, 1997; BOYNE, 2003; BUDIANSKY, 2004; OLSEN, 2010; CREVELD, 2011). Seu pensamento, inclusive, é discutido nos teóricos precursores, tais como William Mitchell, Hugh Trenchard ou John Slessor. Hippler (2013) é um autor que realizou estudo sobre a contribuição de Giulio Douhet ao pensamento sobre a guerra aérea, obra que se indica para o aprofundamento sobre as ideias do teórico italiano. 190 Antes da 2ª GM ocorreu o episódio de Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola. Esse evento, marcado pelo ataque aéreo alemão a essa cidade, revelou a dimensão da guerra total atingindo as populações civis. Segundo Ackerman et. al. (2008, p. 19), em “26 de abril de 1937, […] a intenção do ataque foi a completa aniquilação da população civil, e as estimativas indicam cerca de 1.700 mortos, a maioria de mulheres, crianças e idosos, com dois terços da cidade transformada em ruínas”. 133 em 1939, e estabeleceram as bases para um novo período contencioso cujo desdobramento influenciaria significativamente a geopolítica clássica, ensejando novos elementos para a geopolítica aeroespacial. A rivalidade entre os EUA e a URSS, as superpotências que se afirmaram no mundo pós-guerra, caracterizaria o período que ficou conhecido como Guerra Fria, que cobre o intervalo entre o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, e a desintegração da URSS, em 1991. Um movimento inicial dessa disputa foi a luta pelo espólio alemão, cujo elemento de maior relevância residia na tecnologia que viabilizou o lançamento dos foguetes V-2, um míssil balístico de curto alcance (cerca de 300km), desenvolvido nos laboratórios de Peenemünde, cidade do Norte da Alemanha, situada às margens do Mar Báltico191. Segundo McNeill et al. (2005, p. 17), “tanto americanos como soviéticos utilizaram os sobreviventes dos times [que desenvolviam] foguetes na Alemanha nazista”, que emigraram ou foram forçados a se mudar para os EUA ou para a URSS. Dentre os cérebros privilegiados disputados pelas superpotências, o cientista Wernher von Braun192, cooptado pelos norte-americanos, foi um dos principais responsáveis pelo programa de armas-foguete alemão. Tecnologias como a V-2 beneficiariam americanos e soviéticos na elaboração de projetos que permitiriam a ambos construírem seus próprios mísseis e foguetes orbitais. Por algum tempo, durante a Guerra Fria, esses países permaneceriam como únicos proprietários dessas capacidades, fato que deu origem à “rapidamente denominada ‘corrida espacial’, sequência de competição entre essas superpotências” (NEUFELD, 2018, p. 35), pela supremacia no acesso ao espaço exterior e pela posse de armas nucleares. Esse conjunto de capacidades que garantiu o acesso ao espaço exterior e o desenvolvimento das bombas atômicas (e posteriormente, das armas nucleares)193 e dos mísseis balísticos, começou das armas V2 alemãs, representando os primeiros episódios da ocupação dos segmentos do espaço terrestre e 191 V-2 é a sigla do nome alemão Vergeltungswaffe 2, cujo significado pode ser arma de vingança (ou arma de castigo ou, ainda, arma de retribuição) nº 2. Segundo Nagel (2005, p. xvi), durante a 2ª GM, foram lançados contra alvos aliados, mormente na Grã-Bretanha, cerca de 6.000 mísseis V-2. A V-2 era um míssil balístico com guiagem de aletas direcionais e um giroscópio de estabilização, lançado na direção do alvo com uma trajetória parabólica, era capaz de transportar cargas explosivas de cerca de 900Kg. 192Wernher Magnus Maximilian Freiherr von Braun (1912-1977), doutor em física pela Universidade de Berlim, liderou as pesquisas em foguetes durante o período nazista. Com a derrocada alemã, rendeu-se aos norte- americanos que o designaram diretor em programa de desenvolvimento de mísseis e de lançamento de satélites (LONGYARD, 1994). 193 De acordo com o Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty (Tratado Abrangente de Banimento de Testes Nucleares), disponível em https://www.ctbto.org/, as armas nucleares podem ser divididas entre armas de fissão nuclear (as bombas atômicas empregadas contra as cidades japonesas) e armas que combinam fissão e fusão nuclear (denominadas termonucleares ou de hidrogênio). 134 do espaço lunar194. Aliás, antevendo a enorme potencialidade de seus esforços pioneiros, von Braun também seria responsável por desenvolver relevantes projetos no programa espacial norte-americano. De fato, o que surgia no cenário aeroespacial era uma expansão da capacidade que o aeroplano havia demonstrado nos conflitos anteriores. Os mísseis balísticos associados às armas nucleares representariam o ápice da capacidade destrutiva, haja vista os efeitos catastróficos que um projetil intercontinental, com ogiva nuclear, poderia causar quando atingisse os centros urbanos do adversário195. A atmosfera e o espaço exterior passavam a representar o palco de uma nova geopolítica, voltada ao exercício do poder no âmbito aeroespacial. Nesse período caracterizado pela rivalidade entre os EUA e a URSS, o discurso geopolítico se desenvolve também em torno das pressões que esses Estados exerceriam sobre uma periferia de países localizados na Europa Central e do Leste, na Ásia, na África e na América Latina196. A pressão político-ideológica e econômica, representada nos modelos capitalista e comunista assumidos por cada uma das superpotências, gerou dois sistemas ou ordenamentos geopolíticos rivais, que vieram a formar o bloco Ocidental, formado por países do primeiro mundo (Europa Ocidental e EUA), e o bloco Oriental, que configurou a esfera de influência da URSS no chamado segundo mundo. Os países da América Latina, da África e de 194 Os atuais foguetes que impulsionam os veículos espaciais são originários dos mísseis balísticos intercontinentais da época da Guerra Fria (DOBOŠ, 2019). 195Uma bomba atômica de 1 megaton tem uma energia equivalente a 1 milhão de toneladas de TNT. O crescente quantitativo de mísseis nos arsenais soviético e norte-americano, levou ao surgimento da hipótese de destruição total do planeta, em caso de um confronto nuclear. Tal fato ficou mais bem descrito no acrônimo “MAD (Mutually Assured Destruction), a destruição mútua assegurada” (SADEH, 2013, p. 19), que em tradução contextualizada significaria “loucura, maluquice ou tolice”. Esse foi, por longo tempo, um cenário possível durante a Guerra Fria e revelaria a importância que norte-americanos e soviéticos dedicaram ao desenvolvimento dos mísseis balísticos e das armas nucleares. Nas palavras de Walton (2013, p. 204), “independente do sucesso de um ataque nuclear inicial [por parte de uma das potências], seria impossível impedir um ataque retaliatório por parte da potência inicialmente atacada”, o que acarretaria a escalada do conflito e a consequente destruição mútua. 196 A Guerra da Coreia (1950-1953), a Guerra do Vietnã (1965-1972), a Crise dos Mísseis de Cuba (1962) e a Guerra no Afeganistão (1982) são alguns dos conflitos periféricos que opuseram a URSS e os EUA de forma indireta (por meio de apoio de material militar e consultores, suporte logístico na forma de suprimentos, auxílio financeiro), mas também em confrontos diretos como no caso dos “enfrentamentos aéreos entre 1950 e 1953 e pela reação antiaérea aos bombardeios norte-americanos no Vietnã do Norte, entre 1965 e 1973” (GRAY, 2012, p. 220). Dois autores nacionais situam o Brasil, apesar de vieses opostos de interpretação, na conjuntura da Guerra Fria: Golbery do Couto e Silva, em Geopolítica do Brasil, e Nelson Werneck Sodré, em História Militar do Brasil. No primeiro caso, a necessidade de o Brasil se definir claramente ao lado das nações ocidentais, como forma de se opor ao comunismo (SILVA, 1967). Na outra visão, a “pressão imperialista” internacional, especialmente dos EUA, levou o Brasil a ceder, buscando apoio no bloco ocidental (SODRÉ, 1979). 135 parte expressiva da Ásia passariam a ser denominados de terceiro mundo197, oscilando entre a busca por autonomia e o alinhamento automático a uma das superpotências. Apesar do debate sobre o uso das armas nucleares e de mísseis balísticos dirigir o discurso geopolítico na Guerra Fria198, o que de fato ocorreu foram conflitos convencionais e em escala regional, onde, ainda que não houvesse o emprego de mísseis balísticos com ogiva nuclear, a terceira dimensão cresceu em importância. Nesse contexto, a geopolítica foi conduzida, em grande parte, pela ideia de contenção. As geoestratégias de contenção expunham a realidade dos modelos ideológicos competitivos das duas superpotências da Guerra Fria, cujo desdobramento geográfico ocorreu na forma das esferas de influência sobre a periferia (o terceiro mundo), na formação de Estados- satélites, nos pactos militares – Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e Pacto de Varsóvia –, nos conflitos regionais, e na configuração de políticas estatais ligadas ao complexo industrial-militar. A influência de algumas personalidades políticas nesse debate foi marcante. O diplomata estadunidense Henry Kissinger199, diretamente ligado às administrações dos presidentes norte-americanos Richard Nixon e Gerald Ford, difundiu a percepção geopolítica sobre a expansão soviética, em especial na Ásia, balizando seu discurso em torno de um 197 Muitos são os elementos que se agregam ao conceito de geopolítica nesta fase. Ó Tuathail, Dalby e Routledge (2003) destacam a Doutrina Truman (denominada dessa forma após declaração do presidente norte-americano Harry S. Truman, em 1947, cujo principal teor era o apoio tácito dos EUA às nações ameaçadas pelo comunismo soviético); a Teoria dos Dominós, decorrente da possibilidade de expansão do comunismo soviético e chinês aos países do terceiro mundo (geralmente, atribui-se ao secretário de Estado da administração de Harry Truman, Dean Acheson, a autoria da teoria, cujo alerta era para a probabilidade de um país, em determinada região, absorvido na esfera de influência soviética, levasse os demais países da mesma região à também sucumbirem ao comunismo como uma fila de dominós que são derrubados em sequência, um efeito em cascata); a política da détente, ou da coexistência pacífica com a URSS; e a Doutrina Reagan, perseguida pela Central Intelligence Agency – CIA (Agência Central de Inteligência Norte-Americana), de suporte ativo às operações contrarrevolucionárias das guerrilhas lutando por regimes pró-soviéticos. Entretanto, o elemento de maior intensidade foi o conceito de contenção, de George Kennan, que afirmava ser “a pressão soviética sobre as instituições livres do mundo ocidental algo que deve ser contido pela sagaz e vigilante aplicação da contraforça” (KENNAN, 2003, p. 63). 198 Bernard Brodie é um dos responsáveis por esse debate, cujo fator balístico/nuclear influenciou sobremaneira a geopolítica. As bases desse debate foram estabelecidas na obra Strategy in the Missile Age (Estratégia na Era dos Mísseis) (1959). De acordo com Ziegler (1998, p. 47), além de Brodie, “um grupo de civis como Herman Kahn, Thomas Schelling e Albert Wohlstetter foram responsáveis pelo trabalho de desenvolver a estratégia nuclear norte- americana”. Por detrás desse debate, surgiria um conceito muito importante: o da deterrência ou dissuasão nuclear. O conceito presumia que o aumento da capacidade de armas nucleares por um dos lados reduziria a propensão do adversário em tomar a iniciativa, sob o risco de se ver superado pelo oponente. 199 Kissinger é considerado por alguns autores como o responsável pela retomada da geopolítica como um tema de interesse no debate político (AGNEW, MITCHELL e Ó TUATHAIL, 2003; BLACKSELL, 2006; COX, LOW e ROBINSON, 2008). A visão realista de Kissinger, característica marcante desse geopolítico, retomava a preocupação já levantada por Mackinder e Spykman, além de Kennan. Apesar da ênfase à convivência de Kissinger com os problemas ligados à URSS, esse diplomata americano exerceu grande influência no relacionamento dos EUA com a China. Na obra Sobre a China (Editora Objetiva, 2011), Kissinger relata uma série de iniciativas das quais participou durante o período dos principais governantes chineses, dentre eles Mao Zedong (com o ministro Zhou Enlai), Deng Xiaoping e Jiang Zemin. 136 equilíbrio de poder200. Parte do período de Kissinger coincide com o governo de Leonid Brezhnev na URSS. A Doutrina Brezhnev201 revelava a mesma preocupação, por parte dos soviéticos, em relação aos desdobramentos da Guerra Fria, porém, sob outro ponto de vista. No entendimento de Erickson (1999), essa doutrina via na estabilidade interna e na garantia de um espaço periférico seguro a substância da força geopolítica soviética. Na prática, ambas as superpotências viam a questão da expansão da influência nas periferias, por parte do adversário, como algo preocupante202. Essa preocupação das superpotências se materializou em vários episódios. O mais marcante deles, envolvendo a aviação, foi o conflito no Vietnã203. Nesse enfrentamento, destaca-se uma ampla vantagem dos EUA em termos quantitativos e qualitativos no que se refere a equipamentos militares empregados. O emprego da aviação militar no conflito do Vietnã foi uma ferramenta política, aplicada para perseguir objetivos limitados que forçassem os norte-vietnamitas a recorrer à negociação. Clodfelter (2006) relata que o processo de seleção dos alvos que seriam bombardeados pelas aeronaves não era efetuado no nível operacional, ou seja, no âmbito das forças armadas, o que seria desejável. Na verdade, um grupo restrito de políticos, dentre eles o 200 Poderia, ainda, ser citado Zbignew Brzezinski. Durante a administração de Jimmy Carter, foi, a exemplo de Kissinger, outro defensor da contenção, postulando elementos da geopolítica clássica. Sua percepção sobre a importância de determinados países no Rimland seguia a ideia geral de Spykman. Porém, segundo sugere O’ Loughlin (1994, p. 32), nem todos os estados no Rimland possuíam igual importância. Foi assim que ele sugeriu a ideia dos Limpchin States (estados fundamentais), cuja “importância crítica na história se deveria ao fato de se localizarem na região de contestação entre o poder terrestre e o poder marítimo”. Esses estados seriam a Alemanha e a Polônia, a Oeste, o Irã, Paquistão e Afeganistão, ao Sul, e a Coreia do Sul e Filipinas, a Leste. 201 Cohen (2015, p. 30) descreve a Doutrina Brezhnev como a ideia que “sustenta a existência de forças militares para a manutenção de estados socialistas na Europa central e Oeste dentro da esfera de influência soviética”. Segundo Ó Tuathail, Dalby e Routledge (2003), a invasão da Checoslováquia, em agosto de 1968, seria a primeira demonstração concreta dessa Doutrina. A publicação da Doutrina no jornal soviético Pravda, nesse mesmo ano, deixava bem claro que “A soberania individual de nações socialistas não pode se opor aos interesses do mundo socialista e ao movimento revolucionário mundial” (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003, p. 74). 202 Esse estado de tensão levou à situação denominada Détente (relaxamento, distensão, acomodação). Para O’ Louglhin (1994, p. 63), a détente foi uma “acomodação por parte das superpotências para evitar um conflito”. A détente, ou o equilíbrio de poder, foi reinterpretado por Saul B. Cohen. Como geógrafo político, ele se situa na transição entre a geopolítica da Guerra Fria e uma visão multipolar do poder e influência mundiais. Para O’ Louglin (1994, p. 47), Cohen “visualizou a chegada de um novo equilíbrio geopolítico de natureza multipolar que seria mais estável que a ordem bipolar anterior”. Cohen pressupunha uma abordagem no desenvolvimento, ou seja, “Tratar a geopolítica mundial como um sistema em geral provê um modelo de análise de relações entre estruturas políticas e seus ambientes geográficos. Essas interações produzem forças geopolíticas que moldam o sistema geopolítico, o perturbam, e depois o levam a novos níveis de equilíbrio. Para se entender a evolução do sistema é útil aplicar uma abordagem de desenvolvimento derivada das teorias avançadas na sociologia, biologia e psicologia” (COHEN, 2015, p. 59). 203 Os conflitos no Vietnã remontam ao final da 2ª GM em função da indefinição da situação desse país, então denominado Indochina, quanto à questão colonial. Em um primeiro conflito, ocorrido entre 1945 a 1954, a França buscou recuperar a colônia que havia sido perdida aos japoneses durante a 2ª GM. Com a derrota francesa e o recrudescimento da Guerra Fria, a partir de 1955, os EUA ampliam a sua presença nesse país, e a guerra se estende até 1972. Posteriormente, uma série de outros conflitos com o Camboja, o Laos e a China, e algumas insurgências internas, caracterizam um terceiro período de conflitos no Vietnã. 137 próprio presidente Lyndon Johnson, o Secretário de Estado Dean Rusk e alguns outros assessores diretos da presidência deliberavam sobre temas essencialmente táticos204. Um geógrafo que analisou esse conflito foi Yves Lacoste. A interpretação que Lacoste proporcionou sobre a relevância da geografia para a guerra (aplicada pela aviação) se identifica bem com o seu conceito de “geografia do estado-maior” (LACOSTE, 2012, p. 31). Na prática, o que Johnson e seus assessores diretos faziam era aplicar aos alvos selecionados para os ataques a lógica geográfica (seja do ponto de vista físico, estrutural ou econômico). O geógrafo francês estudou a campanha de bombardeio aéreo contra diques do Rio Vermelho, depurando a relação entre estratégia militar e geografia. Concluindo a investigação, Lacoste (2011, p. 335), afirma que “pela primeira vez, se colocou em prática métodos de destruição e de modificação do meio geográfico, em seus aspectos ‘humanos’ e ‘físicos’, para suprimir as condições geográficas indispensáveis para a vida de dezenas de milhões de seres humanos”205. Apesar da guerra ecológica voltada à destruição das condições de sobrevivência, a visão essencialmente geográfica de aplicação da capacidade militar na terceira dimensão possuía limitações políticas. Contrariando o entendimento da continuidade do espaço aéreo (a ausência de fronteiras ou barreiras físicas), Johnson e seus assessores civis impuseram limites geográficos aos bombardeiros, com o temor de que a guerra escalasse com o envolvimento da China e da URSS206. Dessa forma, consubstanciam-se no exemplo do Vietnã, dois postulados carecem ser comentados, haja vista que tratam de elementos geopolíticos de grande importância: a representação207 e as relações de poder. Em primeiro lugar, consideremos a concepção de Raffestin (1993) sobre a representação. Os diques, essencialmente um elemento morfológico artificial da paisagem (fixos), tinham uma representação (decorrente de sua importância) social 204 No relato sobre a Operação Rolling Thunder (entre 2 de março de 1965 e 31 de outubro de 1968), a primeira operação de bombardeio aéreo sobre o Vietnã, o mesmo autor cita que “somente no final de outubro de 1967 um militar, o chefe da junta de chefes de Estado-Maior general do exército Earle Gilmore Wheeler, foi permitido a participar das reuniões” (CLODFELTER, 2006, p. 85). Smith (1995) entende que toda a estratégia dessa Operação se baseou em premissa incorreta. Mesmo que utilizado de forma política, os bombardeios não poderiam ter sido utilizados de forma gradual, o que foi concebido na esfera política em clara oposição ao pensamento doutrinário dos militares. Há também críticas dessa natureza em obras de (TUCHMAN, 1996; SMITH, 1998; MICHELL III, 2002; KENNEDY, 2014). 205 Os diques eram destruídos com o propósito de alagar as plantações de alimentos que sustentavam a vida das populações norte-vietnamitas ao longo do Rio Vermelho. 206 Fato semelhante ocorrera na Guerra da Coreia (1950-1953), quando tanto “comunistas como Nações Unidas restringiram o escopo de atuação à península coreana” (ZHANG, 2002, p. 210). 207 A questão da representação do espaço geográfico associa o espaço físico, propriamente dito, à uma ideia ou imagem concebida sobre ele. Moreira (2007, p. 64) entende que o espaço é “um ente social [que] não se confunde com a base física, [portanto] “um espaço produzido”. Caren Kaplan (2006, p. 400) considera que essa “área acima da Terra – o céu e as primeiras camadas do espaço exterior – têm histórias de representação que são, em um grau significativo, construídas ao redor de intenções e interesses nacionais e militares”. 138 e econômica no contexto da sociedade norte-vietnamita. Além disso, as restrições geopolíticas (evitando envolver diretamente a China e a URSS) da atuação da aviação observada no caso em estudo foi uma representação espacial a qual a geopolítica aeroespacial se submeteu, em função da possibilidade de escalada do conflito. O que se conclui aponta para a estratégia norte- americana como uma verdadeira geoestratégia, ora considerando o fator representação do elemento geográfico, ora limitando o escopo espacial de ação em função do contexto geopolítico. O outro ponto de interesse geopolítico no campo aeroespacial foi destacado por Claval (1979) quando tratou das assimetrias e desequilíbrios do poder. O poder aéreo, representado pela atuação norte-americana especialmente durante a Operação Rolling Thunder, demonstrou claramente a ideia de nível de realização do poder. Do poder puro explícito na ação assimétrica de bombardear ao jogo de influência como forma de negociação (ou submissão), a atuação da aviação se confunde com a geopolítica, uma geopolítica aeroespacial208. Apesar de ter sido um palco relevante na aplicação de pressupostos da geopolítica da aviação, o Vietnã foi apenas mais um episódio na tentativa de contenção perpetrada pelos EUA contra a percebida expansão do comunismo durante a Guerra Fria. Já na década de 1950, uma dinâmica de busca pelo equilíbrio entre as superpotências se configurou e, como episódio patente da influência do ambiente aeroespacial na geopolítica, merece um aprofundamento. Esse episódio ficou conhecido como a “corrida espacial”. Cronologicamente, a corrida espacial se inicia com a apropriação do conhecimento científico alemão, pelas superpotências, após o final da 2ª GM, fato narrado anteriormente. Trata esse episódio da inserção do espaço exterior nas disputas geopolíticas que caracterizaram a Guerra Fria. Se considerarmos a interpretação que Flint (2006, p. 34) faz do conceito de geopolítica de Kjellén209, a ela atribuindo “a atuação centrada pelo estado”210, percebe-se que 208 Há que se destacar que o insucesso norte-americano no Vietnã que, conforme aponta Clodfelter (2006), decorre de variáveis geopolíticas, cujas tendências são geopolíticas em essência: a “natureza do ambiente de combate” está associada à questão do território; a “natureza do inimigo” relaciona-se com população; a “magnitude do controle sobre o poder militar” e a “natureza dos objetivos políticos” são elementos de políticas estatais; e o “tipo de guerra conduzida pelo inimigo” determinará o nível de poder e influência decorrente da relação obtida pelo conflito. Interessante notar que esses elementos seriam objeto de revisão em guerras posteriores, como foi o caso da Guerra do Golfo de 1991. 209 Rudolf Kjellén considera a geopolítica como a “teoria do estado como um organismo ou fenômeno geográfico no espaço, isto é, o estado como terra, território, domínio ou, mais sugestivamente, um reino” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 93). Anteriormente, apresentamos a definição de geopolítica que Everaldo Backheuser (1952) traduz da obra de Kjellén de Der Staat als Lebensform. Ambas as definições, a de O’Loughlin e a de Backheuser, trazem os mesmos elementos, porém, a do autor brasileiro possivelmente tenha capturado o sentido mais literal na tradução. Há que se registrar que as obras de Kjellén não possuem tradução para a língua portuguesa, tampouco na língua inglesa. 210 No original: “state centric perspective of geopolitics”. 139 essa atuação sobre determinado espaço geográfico está no centro do debate do conceito de geopolítica. A corrida espacial, portanto, reveste-se de todas as características que a enquadrariam em uma genuína continuação da geopolítica aeroespacial iniciada com a aviação, como será observado adiante. O sentido da expressão corrida espacial torna-se evidente quando se percebe a sequência de fatos protagonizados por norte-americanos e soviéticos na busca pela conquista do espaço exterior211. Em 4 de outubro de 1957, a URSS comunica o lançamento do primeiro satélite a orbitar a Terra, o Sputnik 1212. Segundo Preston et al. (2002, p. 9), “o público nos EUA, os políticos de oposição e a imprensa reagiram chocados [à notícia sobre o lançamento do Sputnik]”213. A resposta norte-americana acontece em 31 de janeiro de 1958, quando a equipe de Werner von Braun consegue converter um míssil balístico em foguete com carga útil, colocando em órbita o satélite Explorer 1. Esse satélite transportava detectores de radiação atômica que foram capazes de testemunhar a presença dos Cinturões de Van Allen (ANGELO JR., 2006), descritos no Capítulo anterior. Os eventos que sucedem aos instantes iniciais da corrida espacial, tais como os lançamentos do Luna 1 e o Luna 2, a órbita sobre a Terra de Yuri Gagarin, a primeira astronauta Valentina Tereshkova e o Project Apollo214, incitam uma análise sobre o que representou, do ponto de vista da geopolítica, essa dinâmica comandada pelas duas superpotências. Em primeiro lugar, há que se constatar que URSS e EUA conduziram projetos 211 Nagel (2005) apresenta uma completa cronologia sobre os eventos relacionados à corrida espacial. A exemplo do que ocorreu com os pioneiros dos aeróstatos e dos aeroplanos, a história da exploração do espaço exterior também incorpora momentos trágicos. Possivelmente, aqueles de maior impacto na mídia foram os acidentes com os ônibus espaciais Columbia e Challenger. O primeiro ocorreu em 28 de janeiro de 1986 e vitimou sete astronautas norte-americanos quando o foguete se desintegrou segundos após o lançamento a partir da plataforma de Cabo Canaveral, na Flórida. O segundo acidente ocorreu em 1º de fevereiro de 2003, vitimando novamente sete astronautas (6 norte-americanos e 1 israelense), quando a espaçonave desintegrou-se ao reentrar na atmosfera terrestre. Os acidentes em solo também têm sido recorrentes e o Brasil testemunhou um dos mais impactantes. Em 22 de agosto de 2003, a ignição acidental de propelente do foguete ocasionou uma explosão que vitimou 21 cientistas e técnicos do Programa Espacial Brasileiro (PEB). Villas-Bôas (2016, p. 92), considera que o acidente “sepultou décadas de pesquisas e formação em recursos humanos” no Brasil. 212 Sputnik é uma palavra do idioma russo que significa satélite. O Sputnik 1 era uma nave espacial com cerca de 83,5Kg, na forma esférica, cujo interior era composto de baterias e um transmissor de radiofrequência ao qual acoplavam-se antenas. Segundo Angelo Jr. (2006, p. 582), ao “orbitar a Terra, forneceu aos cientistas informações sobre temperatura e densidade dos elétrons na camada superior da atmosfera, reentrando na superfície em 4 de janeiro de 1958”, quando foi consumido pelo atrito e veio a ser destruído. 213 McDougall (1997, p. xix) reforça essa ideia quando afirma que “a Corrida Espacial, iniciada com o Sputnik 1, teve tremenda repercussão doméstica assim como internacional na história de nosso tempo”. 214 O Luna 1 foi o primeiro veículo espacial a escapar da gravidade terrestre, já o Luna 2, ambos soviéticos, foi o primeiro veículo não tripulado a pousar na Lua; Gagarin, primeiro homem a chegar ao Espaço, orbitou a Terra em 1961; Tereshkova chega ao Espaço em 1963, a bordo da espaçonave Vostok 6; o Project Apollo (Projeto Apollo) foi uma sucessão de lançamentos de espaçonaves norte-americanas com o objetivo final de levar o homem à superfície da Lua, o que ocorre com a Apollo 11, em 20 de julho de 1969, quando os astronautas Neil Armstrong e Edwin Eugene Aldrin pisam no satélite natural da Terra de forma pioneira (NAGEL, 2005). 140 políticos estatais de exploração aeroespacial. O presidente John F. Kennedy, e seu sucessor Lyndon Johnson, empenharam-se decisivamente, sob os pontos de vista político, ideológico e financeiro, em buscar o protagonismo norte-americano nessa disputa tecnológica e militar que ocupava não somente a dimensão espacial mas também a aérea. Não é por menos citar que a data de 1º de maio de 1960 é marcada pelo incidente que envolveu a derrubada de uma aeronave espiã U-2 norte-americana sobre a cidade de Sverdlovsk, que realizava reconhecimento fotográfico sobre instalações de mísseis balísticos soviéticos215. Uma declaração muito incisiva sobre o qual McDougall (1997) entende ser uma tentativa de reerguer a afetada autoestima norte-americana em face dos reveses políticos no Congo, no Laos e no episódio da Baía dos Porcos, foram as palavras proferidas pelo vice-presidente Jonhson em um relatório enviado a Kennedy: Falhar no domínio do espaço significa ser o segundo lugar em todos os aspectos, na arena crucial do mundo da Guerra Fria. Aos olhos do mundo, ser o primeiro no espaço significa ser o primeiro, ponto final; ser o segundo no espaço significa ser o segundo em tudo (MCDOUGALL, 1997, p. 8). Um segundo aspecto observado é a inserção da tecnologia dos transportes na questão da geopolítica aeroespacial. Na verdade, Mackinder já havia trabalhado essa relação em Democratic Ideals and Reality (1942), quando considerou a ferrovia uma “grande mudança na arte dos transportes”, em face da possibilidade estratégica de movimentação de grandes volumes de carga (MACKINDER, 1942, p. 100). Como destacaram Ó Tuathail, Dalby e Routledge (2003, p. 17), “No centro da estória [de Mackinder] está a relação entre a geografia física e as tecnologias de transporte”. Segundo Santiago (2013), essa seria uma perspectiva não apenas de Mackinder, mas de toda a geopolítica desde Friedrich Ratzel216. A conexão da tecnologia com a geopolítica aeroespacial faz, inclusive, suscitar o neologismo geotecnologia217. Uma autora que conecta a geopolítica com a questão científico- 215 Acrescente-se a esse fato os treze dias de tensão entre EUA e URSS na questão da instalação dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1961. O posicionamento de mísseis balísticos nesse país caribenho, supostamente com ogivas nucleares, representava uma série ameaça à geopolítica aeroespacial na região, devido ao fato de o tempo de resposta de defesa contra esse gesto de intimidação estar comprometido pela distância dos mísseis em relação ao território norte-americano. 216 Mario Travassos (1942) e Lysias Rodrigues (1947) foram autores brasileiros que lidaram com esse tema. Para o primeiro autor, o instinto migratório leva ao anseio do homem em se deixar conduzir pela terra que conecta os fatos humanos aos geográficos e, por conseguinte, cria as linhas naturais de circulação, cuja integração do modal aéreo é parte integrante do todo (TRAVASSOS, 1942). No caso do segundo autor, um dos pioneiros na aviação que buscou interiorizar as rotas do Correio Aéreo Nacional (CAMBESES JR., [s.d.]), a obra citada acima e os livros Roteiro do Tocantins e Rio dos Tocantins podem ser considerados precursores, no Brasil, da relação entre a geografia física e a aviação, expressada em termos geopolíticos. 217 Segundo o dicionário Merriam-Webster, em Língua Inglesa, geotecnologia (geotechnology, no original) é a “aplicação de métodos científicos e técnicas de engenharia na exploração e na utilização de recursos naturais” (disponível em https://www.merriam-webster.com/dictionary/geotechnology). Há, também, referências à variação do neologismo como tecnopolítica ou tecnogeopolítica. 141 tecnológica é Bertha Becker, quando alerta para a demanda de observação do mundo pelo filtro da tecnologia (BECKER, 2007). Para ela, a geopolítica está no “reconhecimento da potencialidade política e social do espaço” e na “imbricação [dessa] com a ciência e a tecnologia” (BECKER, 2012, p. 119). A relação entre geopolítica e tecnologia será melhor explorada adiante neste Capítulo. Em terceiro lugar, o próprio meio geográfico sobre o qual se desenvolve a disputa geopolítica, o ambiente aeroespacial, é um objeto inusitado na teoria desse campo científico. Explorar e ocupar pioneiramente essa nova dimensão geográfica implicaria em desafios tanto do ponto de vista técnico como das relações internacionais. Quanto ao caráter técnico e físico, como foi introduzido no Capítulo anterior, a aerodinâmica se diferencia da astrodinâmica. O espaço exterior é de natureza distinta da atmosfera terrestre. Do ponto de vista das relações internacionais haveria a demanda de um novo corpus juris spatialis, a exemplo do que já ocorrera com a legislação aeronáutica internacional, por meio da Convenção de Chicago de 1944. Em verdade, o primeiro tratado internacional envolvendo o espaço exterior surgiria em 1966, o “Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes” (UNO, 1966)218. A corrida espacial, portanto, configura uma nova perspectiva geográfica aberta pela terceira dimensão que, associada ao papel da aviação na guerra total, ganharia consistência definida quando da formulação de uma nova teoria. De fato, todo esse cenário analisado anteriormente sedimentaria as bases de uma teoria do poder aeroespacial, que surgiria como uma terceira opção, às vezes em contraposição aos postulados de teóricos como Mahan e Mackinder, e voltaria a atenção para uma nova realidade que se configurava: a geopolítica na era aeroespacial. 3.1.3 Da Teoria do Poder Aéreo ao Poder Aeroespacial no contexto da Geopolítica A finalidade deste item é abordar a variável geográfica sob a ótica da teoria de poder que se aplica ao ambiente aeroespacial. Os precursores da geopolítica clássica, tais como Ratzel, Kjellén, Mahan, Mackinder e Haushofer, não incluíram em seus estudos as possibilidades que 218 Sobre o corpus juris spatialis em vigor, a maior parte dos instrumentos legais origina-se no Committee on the Peaceful Uses of Outer Space – COPUOS (Comitê para o uso Pacífico do Espaço Exterior), organismo da ONU. Um compêndio das legislações pode ser acessado em International Space Law: United Nations Instruments (UNO, 2017). Autores como Bittencourt Neto (2011), Brünner e Soucek (2011), Oduntan (2012) e Santana e Liendo (2017) discutem a questão da legislação do Direito Espacial. 142 o ambiente aeroespacial, por meio da aerostação ou da aviação, descortinava para a realidade das relações internacionais219. Caberia ao engenheiro italiano Giulio Douhet alertar para aquilo que já havia se transformado em realidade desde os aeróstatos e se consolidava com os aeroplanos: a demanda por uma nova teoria de poder que trouxesse o emprego da aviação para o palco da geopolítica. A forma como Giulio Douhet220 conduziu esse debate refletia aquela visão de espaço aéreo contíguo, sem fronteiras físicas, que expunha as nações à guerra total por meio do bombardeio aéreo. A percepção de que o avião poderia atingir as cidades inimigas era uma forma de apresentar uma solução mais rápida e menos custosa (tanto do ponto de vista econômico como do número de vítimas), sobretudo quando comparada com a guerra de trincheiras da 1ª GM, mesmo que isso representasse bombardear populações civis (DOUHET, 1988). Assim como William Mitchell, nos EUA, e Hugh Trenchard, na Grã-Bretanha, teóricos contemporâneos a Douhet, o que se tentava demonstrar era a importância da aviação 219 A exemplo de Mahan e Mackinder, considerados em nota anterior, faz-se necessário citar que Ratzel faleceu em 1904, portanto, não conhecedor da perspectiva que o aeroplano traria ao cenário dos conflitos. O máximo em aviação que pode ter chegado ao conhecimento do geógrafo alemão foi o papel dos aeróstatos. Kjellén faleceu em 1922, e testemunhou de forma incipiente a aviação na 1ª GM, apesar de dispor de pouco tempo de vida para elaborar um pensamento em torno dessa realidade. Haushofer, porém, falecido em 1946, pode observar a aviação na 1ª e 2ª GM, em especial no entreguerras, momento em que há uma participação ativa da aviação alemã na Guerra Civil Espanhola. Autores como Corum (2002) e O’Connell (2007) analisam a participação da Luftwaffe nessa guerra, destacando aspectos que dificilmente teriam escapado à percepção de Haushofer, à época um personagem integrado ao meio político, inclusive, como assevera Gyorgy (1944, p. 179 e 181), teria “contribuído com os fundamentos teóricos do Nacional Socialismo alemão e filosofia Nazista”, além de “ter persuadido Hitler, em conversas e visitas, a aceitar as ideias geopolíticas fundamentais que estariam presentes em Mein Kampf”. 220 Giulio Douhet (1869-1930) pertenceu a uma tradicional família de militares. Oficial de artilharia do exército italiano, tinha inclinação para a mecânica e, desde cedo, percebeu a influência da tecnologia nos assuntos militares. Foi um autor prolífico em artigos de jornais e participou de intensos debates com oficiais da própria aviação italiana e das outras forças armadas. Chegou a ser levado à corte marcial, ficando preso por um ano, ao defender suas ideias sobre a independência da aviação. Após o cárcere, chegou à posição de Comissário da Aviação, responsável pelos assuntos da Aeronáutica Italiana. Em 1921, foi publicada sua principal obra: Il Dominio Dell'Aria (O Domínio do Ar) e, em 1926, surge uma versão expandida dessa obra. No Brasil, a obra foi traduzida como O Domínio do Ar (1988), sendo o único texto traduzido desse autor disponível em nosso país. A obra de Douhet é, entretanto, muito mais prolífica e argumentativa do que esse único trabalho. Para uma compreensão mais aprofundada sobre a contribuição de Giulio Douhet ao debate sobre o poder aéreo sugere-se consultar o livro de Thomas Hippler “Bombing the People: Giulio Douhet and the Foundations of Air Power Strategy, 1884-1939” (Bombardeando a população: Giulio Douhet e os fundamentos da Estratégia do Poder Aéreo), publicado pela Cambridge University Press, em 2013. 143 no contexto da geopolítica221. Elemento ressaltado desse debate foi a quebra da noção de isolamento geográfico, haja vista que o raio de ação das aeronaves poderia conectar continentes. Outro fator relevante foi a modificação do padrão espaço-tempo, em função da velocidade que a nova tecnologia, o avião, trazia aos deslocamentos. Porém, o elemento de maior contundência nas proposições dos teóricos pioneiros do poder aéreo seria a ideia de controle (ou domínio) do ar. Esse conceito, derivado da ideia de Mahan sobre o controle do mar222, e da formulação de área-coração terrestre, originária de Mackinder, sugeria que o controle, agora, não mais seguiria a lógica bidimensional constante nas proposições seja do poder naval ou do poder terrestre. Dominar o ar significava para Douhet (1988, p. 48) “estar em condições de impedir o voo do inimigo, ao mesmo tempo em que garantíssemos esta faculdade para nós mesmos”. Da forma como entendia o pensador italiano o controle do ar tinha propósito semelhante ao que se propunha no ambiente marítimo ou terrestre. Ou seja, negar movimento, concentração ou operação dos meios do oponente. Essas ideias foram acolhidas na geografia na forma de uma nova representação do mapa-múndi. Em 1944, ainda sob forte influência das batalhas da 2ª GM, nas quais o poder aéreo vinha desempenhando papel significativo, Nicholas Spykman introduzia uma nova percepção cartográfica, cujo propósito era exatamente revelar geograficamente a relevância da tecnologia 221 A principal contribuição de William Mitchell foi o livro de 1925, anteriormente citado, no qual busca reforçar a ideia da necessidade de uma nação, no caso os EUA, voltada por completo para uma mentalidade (ou uma política) aeronáutica (BIDDLE, 2019). O próprio Mitchell (2009, p. 6) declara que a aviação trazia “um novo conjunto de regras para a condução da guerra”. Hugh Trenchard difundiu suas ideias em memorandos que produziu ao longo de sua carreira. Um documento muito importante foi o Memorandum on the War Object of an Air Force (Memorando sobre o objeto da guerra para a Força Aérea), de maio de 1928, onde ele deixa claro que o “Poder aéreo pode dispensar o passo intermediário, passando sobre a marinha e exército inimigos, penetrar o espaço aéreo e atacar diretamente os centros de produção, transportes e comunicações pelos quais o esforço de guerra do oponente é mantido” (TRENCHARD, 2008, p. 142). 222 Mahan defendia a ideia de controle do mar como forma de assegurar linhas de comunicação marítimas, nas quais o trânsito de mercadorias e suprimentos (o comércio marítimo), garantiria “o jogo livre para a riqueza da terra e a indústria do povo” (MAHAN, 1890, p. 123). 144 da aviação no contexto da geopolítica mundial223. O mapa sugerido por Spykman (Figura 22) revelava algumas percepções desse autor. Em primeiro lugar, a inadequação da projeção cilíndrica (em especial, a de Mercator) na tradução da relação de poder e do exercício desse pelos estados, advinda da era da aviação. Também suscitava a questão das linhas de comunicação aéreas, ou rotas aéreas, que melhor seriam representadas nesse tipo de mapa. Outro aspecto de interpretação, a partir do ponto de vista dos EUA, era apontar para o Norte, região estratégica fronteiriça à Europa e à URSS. Por fim, a projeção azimutal equidistante centrada no polo Norte, de Spykman, além de tornar a relevância do poder aéreo “inquestionável [...], indicava a continuidade entre as massas terrestres ao redor do Oceano Ártico”, cujo objetivo era trazer à luz a centralidade dessa área geográfica no “relacionamento norte-americano com a Eurásia” (SPYKMAN, 1944, p. 17). 223 Há que se destacar que a projeção azimutal polar introduzida na obra The Geography of the Peace (1944), de Nicholas Spykman, já havia sido citada anteriormente. Em 3 de agosto de 1942, a Revista Life publicava um artigo intitulado Maps: Global War Teaches Global Catrography (Mapas: A Guerra Global ensina a Cartografia Global). No texto, discutem-se ideias sobre a projeção polar e a diferenciação dessa projeção sob as perspectivas do poder naval e do poder aéreo. Em obra publicada ainda durante a 2ª GM, Engelhardt Jr. (1943) propõe que a forma tradicional de se estudar o mundo fosse modificada da perspectiva Leste/Oeste para a Norte/Sul, o que colocaria em evidência o Polo Norte. Saul Cohen (1963, p. 49) cita que George T. Renner, em 1944, já havia “sugerido rotas aéreas que uniriam o Heartland da Eurasia com um segundo e menor heartland situado na Anglo-América, através dos campos de gelo do Ártico, formando um novo Heartland expandido ao Hemisfério Norte”. Coutau-Bégarie (2010, p. 639), concordando com a proposição de Cohen, também aponta George T. Renner, cuja obra Human Geography in the Air Age (Geografia Humana na Era Aérea), como a “figura eminente, mas esquecida, de uma corrente marginal, mas ativa [de pensadores] que propuseram uma releitura da geografia global em função do avião, [sendo considerado] um promotor de uma geopolítica do ar”. Owen Lattimore também analisa a questão da projeção polar, em 1944, citando que a essa projeção “tornava-se moda, pois mostrava a importância de rotas [aéreas] diretas da América para outras partes do mundo” (LATTIMORE, 1962, p. 119). J. Parker van Zandt (1944) também é um autor que critica a Projeção de Mercator como inapropriada para uma geografia do transporte aéreo. 145 Figura 22 – Mapa Azimutal Equidistante Centrado no Polo Norte Fonte: SPYKMAN, 1944, p. 16. Apesar da significativa contribuição de Douhet e de Spykman, foi Alexander de Seversky quem deu à teoria do poder aéreo uma consistência geopolítica e geoestratégica definitiva224. Ele retoma a ideia sobre o impacto do poder aéreo na guerra total, considerando o pleno engajamento da nação e criticando a “ilusão do isolamento geográfico” (SEVERSKY, 1950, p. 1). Ainda durante a 2ª GM, o autor dava uma nova amplitude geográfica à noção de contiguidade do espaço aéreo, “uma guerra entre hemisférios, através dos oceanos, envolvendo a força aérea em operações, não sobre esta ou aquela localidade, mas por longitude e latitude, por toda a parte, no ininterrupto oceano do ar” (SEVERSKY, 1988, p. 20)225. O que se observa no autor é uma ampliação da escala geográfica de atuação da aviação em relação aos precursores Douhet, Mitchell e Trenchard, cujo contexto foi o da 1ª GM, onde a trincheira era o obstáculo 224Alexander Nikolaievich Prokofiev de Seversky (1894-1974), russo de nascimento (atual Tiblisi, na Geórgia), em 1918, foi designado para uma comissão oficial nos EUA, onde resolveu se naturalizar em decorrência da situação no seu país após a Revolução Bolchevique de 1917. Foi piloto da força aérea e atuou em combate durante a 1ª GM. Já como norte-americano naturalizado, destacou-se como inventor e construtor na área da indústria aeronáutica. Desenvolveu um papel marcante na defesa do desenvolvimento do poder aéreo como a chave para a sobrevivência dos EUA na 2ª GM e na Guerra Fria. 225 A obra Victory Through Air Power (Vitória pelo Poder Aéreo) é de 1942. No Brasil, foi traduzida como “Vitória pela Força Aérea”, e publicada em 1988 pela Editora Itatiaia e pelo Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica. 146 a ser transposto pelas aeronaves226. Assim, a ênfase que esses últimos deram ao bombardeio no interior das nações inimigas tinha uma escala local, ao passo que Seversky ampliou essa ação para a escala global. Seversky, em 1950, ano de publicação de Air Power: Key to Survival (Poder Aéreo: a Chave da Sobrevivência), já incorporava em sua apreciação toda a experiência da 2ª GM e, principalmente, o prólogo da Guerra Fria227. Esse contexto deu margem à ampliação da escala de atuação da aviação do local (ou regional) para o global228. Como forma de referenciar esse alargamento de perspectiva, Seversky propôs uma abordagem para o poder aéreo, adaptando a projeção azimutal equidistante centrada no polo Norte, de cunho geopolítico e geoestratégico (Figura 23). 226 Segundo Cohen (2015, p. 28), Seversky desenvolveu uma “visão unitária global”, que por meio do poder aéreo poderia levar a nação detentora desses meios a dominância sobre toda a superfície terrestre. 227 Há que se ressaltar que a 2ª GM, diferentemente do conflito mundial anterior, testemunhou operações aéreas de grandes amplitudes em termos de distância de deslocamento, tais como toda a campanha de bombardeio aliado contra a Alemanha (não só em seu território original, mas também em toda a extensão dos países ocupados a partir de 1939), toda a guerra no Pacífico (que demandavam o trânsito das aeronaves em escalas no milhar de quilômetros) e as operações aéreas sobre o Atlântico Sul. Inclusive, sobre este último teatro de guerra, o Brasil viu-se inserido no contexto geográfico (e geopolítico) das operações aéreas, ao ceder as bases aéreas no saliente nordestino para a campanha antissubmarino aliada e como ponto intermediário na rota das aeronaves entre os EUA e o Norte da África. Na Guerra Fria, surgem os mísseis balísticos intercontinentais, cujo alcance aos poucos evoluiu até atingir a escala global. Mísseis balísticos de curto alcance já eram uma realidade desde a V-2 alemã. A visão prospectiva de que o alcance desses mísseis atingiria a escala global já era uma realidade para os norte-americanos que, com o grupo de cientistas liderados por Wernher von Braun, “conduziam trabalho nessa direção, para o Exército, no campo de testes de lançamento de White Sands, no Novo México” (CHAPMAN, 2008, p. 8). 228 Stephen Jones (COHEN, 1963) chama de “visão global do homem do ar”. 147 Figura 23 – A Equação de Poder entre os continentes americano e eurasiano Fonte: SEVERSKY, 1950, p. 312. Inicialmente, essa nova perspectiva de Seversky considerava que a relação espacial e de distância seria totalmente diferente em face da realidade tridimensional incorporada com a aviação (onde ressalta a perspectiva geográfica). Na Figura 22, observa-se o círculo na cor azul e a elipse em amarelo, onde Seversky representava áreas de dominação aérea, respectivamente sobre controle norte-americano e soviético. Na prática, essas representações 148 seriam, do ponto de vista aéreo, espaços geopolíticos de influência, sob os quais EUA e URSS poderiam prevalecer (perspectiva geopolítica)229. Em segundo lugar, na observação da área verde na Figura 22 se denota um espaço de confluência ou de interseção entre as zonas de influência norte-americana e soviética (azul e amarela), configurando um espaço de conflito potencial (perspectiva geoestratégica)230. Essa área verde é, efetivamente, uma nova visão de zona de fronteira na qual, por meio da perspectiva tridimensional de Seversky, localiza-se um território contestado231. Como elemento endógeno da geopolítica232, a contestação de território se revela com bastante clareza em Ratzel, nas Leis do Crescimento Espacial dos Estados (1892). Ele afirma que “o crescimento [do território de um Estado] se dá na direção de regiões politicamente valiosas” (RATZEL, 2011, p. 149). Ao destacar o caráter da fronteira como órgão periférico do Estado, o pensador alemão sustenta a ideia de uma dinâmica que impulsiona o Estado na direção desse espaço limítrofe. 229 Interessante notar que o capítulo da obra de Seversky que trata da projeção polar intitula-se The Importance of South America (A importância da América do Sul), momento no qual o autor ressalta que nesse segmento do continente americano estariam reservas naturais de considerável valor estratégico para o caso de uma guerra prolongada com a URSS, tais como borracha, manganês, tungstênio (ou volfrâmio), cobalto, dentre outros. Atuando como um geopolítico (e geoestrategista) por excelência, Seversky relata viagens que realizou à Argentina, Chile, Uruguai e Brasil (cuja principal autoridade com quem se encontrou em nosso país foi justamente o Ministro da Aeronáutica), onde discutiu a “tese da unidade hemisférica de defesa, contra um inimigo comum do hemisfério oriental”, tese que teria sido “aceita com entusiasmo” (SEVERSKY, 1950, p. 310). A preocupação de Seversky é uma antecipação de dois fenômenos. O primeiro, a contenção, anteriormente discutido, originário do “Long Telegram" (Longo Telegrama), de 22 de fevereiro de 1946, no qual Kennan requer respostas dos governo norte- americano à política [expansionista] soviética” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 133). O segundo, o conceito de periferia (e terceiro mundo), também debatido anteriormente, que é um “conceito central na análise do sistema-mundo, ou na perspectiva supranacional, da forma como Wallerstein fez com a Europa, dividindo-a em um Noroeste progressivo, um Sul estagnado e um Leste dependente da agricultura” (MUIR, 1997, p. 121). 230 Seversky (1950, p. 308) considerava que nessa zona verde estariam “as áreas industriais vitais de ambas as nações ao alcance do poder de ataque aéreo”. 231 Observando atentamente ao mapa de Seversky, percebe-se que a verdadeira fronteira física entre EUA e URSS, o Estreito de Bering, é sutilmente destacado. Essa característica na cartografia do autor pode ser interpretada como uma proposital desatenção aos limites fisiográficos (e mesmo geográficos, haja vista a porção marítima do Estreito) como definidores de fronteiras na era aeronáutica. 232 Desde muito cedo na geografia política e na geopolítica se estudou a relação das fronteiras com a segurança estatal. Já foi apontado anteriormente que Kjellén, ao se referir a geopolítica, estudava a questão das fronteiras na Suécia. Fawcett (1918, p. 75) afirmou que a “primeira obrigação dos governantes de um estado é manter a segurança nas fronteiras”. 149 Aliando os argumentos de sua nova perspectiva e da reinterpretação das fronteiras sob o ponto de vista aéreo, Seversky abre espaço para um novo raciocínio233. Agora, em virtude da era aeronáutica, o correto seria olhar o globo terrestre de cima do Polo Norte, substituindo a ultrapassada projeção de Mercator pelo que denominou de “projeção polar” (SEVERSKY, 1950, p. 307)234. Nesse sentido, Seversky, possivelmente, apoia-se no mapa de Spykman (Figura 22) e na relevância que esse deu ao poder aéreo. Essa inovadora perspectiva, delineada na Figura 23, demandaria grandes modificações nas análises políticas dos Estados, em face da realidade da aviação. Sobre essa nova perspectiva, Seversky diz que “vistos a partir do Polo Norte, os continentes que pareciam se situar a Leste e a Oeste de nós (no caso os EUA), torna- se evidente, realmente situam-se a Norte” (SEVERSKY, 1950, p. 307). Ou seja, os grandes movimentos políticos e estratégicos não seriam mais interpretados no sentido longitudinal (Leste-Oeste), mas no sentido latitudinal (Norte-Sul). Essa nova visão geoestratégica traria também um novo olhar sobre a própria realidade geográfica norte-americana. Outro aspecto de natureza geopolítica na análise de Seversky é a questão dos recursos naturais. Com efeito, um forte enredo que sustenta a projeção polar é a demanda pelos recursos naturais. No caso norte-americano, esses recursos estariam na América do Sul, região que o autor chamou de “nosso back yard aéreo”235 (SEVERSKY, 1950, p. 307), em função da impossibilidade de ser alcançado pelos soviéticos. Como apontado acima, a preocupação do autor extrapola os aspectos nacionais e amplia a discussão para uma esfera de influência global. Recursos naturais e exercício de poder (ou influência) continuam temas de grande valor 233 Engelhardt Jr. (1943) faz uma análise semelhante à de Seversky, apontando para o encolhimento do mundo decorrente da era da aviação. As implicações dessa realidade no raciocínio desse autor vão além das questões de segurança (ou militares), possivelmente o maior foco de Seversky. Engelhardt Jr. (1943) suscita questões como acesso aos mercados e influência cultural (algo que seria mais tarde denominado soft power), na qual analisa a situação do Brasil às vésperas da 2ª GM, cuja presença de linhas aéreas predominantemente germânicas esvaeceu e deu lugar às concorrentes norte-americanas. O autor destaca também a importância das rotas aéreas, novamente valorizando a perspectiva polar de análise (importante recordar que a obra de Engelhardt Jr. é anterior à de Nicholas Spykman). Ressalta a relevância da observação da superfície pelo ar, e do sensoriamento remoto, no planejamento urbano. Faz considerações sobre a guerra pelo ar e discute questões eminentemente geográficas, tais como escala, ventos, influência do clima e fusos horários. Enfim, em termos de abrangência de conteúdos é uma obra com maior densidade geográfica do que o legado de Seversky. 234 Saul Cohen (1963, p. 49) denomina “mapa do mundo com uma projeção azimutal equidistante centrada no Polo Norte”, possivelmente em decorrência da interpretação que Nicholas Spykman havia postulado. 235A tradução literal para back yard é quintal. Na obra, citada Seversky aplica o termo com o sentido de caracterizar a América do Sul como uma área próxima de influência norte-americana. 150 geopolítico na perspectiva inaugurada pelo ambiente aeroespacial236, algo que será amiúde analisado adiante. O estudo de Seversky, e mais do que isso, sua proposição geopolítica em essência, atribui corpo ao ideário introduzido pelos teóricos precursores do poder aéreo237. O que se forma a partir desse contexto de crescente relevância no emprego das armas na terceira dimensão é, verdadeiramente, uma teoria do poder aéreo, que viria ora a se justapor, ora a se contrapor aos postulados da teoria do poder terrestre e do poder marítimo. Em síntese, essa teoria propunha: a) uma alternativa para os postulados sobre o controle do mar e o controle do heartland; b) uma visão geográfica do todo, superando as barreiras físicas existentes e alterando o conceito de fronteira; c) a inclusão nas relações de poder de um novo modal de transporte e vetor militar representado pelo avião. Na verdade, as ideias de Seversky podem ir além. Como afirma Correia (2018, p. 188), elas mereceriam nova atenção, “com o aparecimento dos mísseis intercontinentais, com o alcance e raio de ação ilimitados dos meios aéreos [...] e com o domínio do novo elemento de circulação que é a dimensão espacial, o poder aéreo adquiriu nova projeção”. Essa visão estenderia o “oceano aéreo uno e indivisível” de Seversky (1988, p. 352) ao espaço exterior, formando um conjunto integrado, o ambiente aeroespacial, espaço geográfico de atuação de uma nova forma de poder. Assim é que pensamos que esse seria um momento de adequada transição para uma teoria do poder aeroespacial238. As características inerentes à essas novas tecnologias e a essa nova dimensão geográfica representada pelo ambiente aeroespacial, dentre as quais a criatividade e a inovação, a extrapolação de limites e barreiras físicas, e um certo espírito de pioneirismo, fariam da aviação um vetor cada vez mais influente na geopolítica. Em 1991, um conflito no Oriente Médio daria vazão à aplicação do espaço exterior nessa nova perspectiva teórica. 236 Painter (1995, p. 16) percebe que “habilidade de diferentes grupos ou indivíduos (e mesmo estados) em perseguir ações estratégicas, assim como sua efetividade, varia em função da disponibilidade diferenciada de recursos em uma sociedade”, e que um “acesso desigual a esses recursos representam diferenças de poder político”. Assim, a possibilidade de acesso a recursos naturais amplia a possibilidade de exercício de poder não somente na esfera dos indivíduos, mas também na esfera estatal. Por esse ângulo, a ideia de Seversky quanto ao círculo azul e à elipse verde incorpora um fator geopolítico vital, que seria o exercício de poder na forma de acesso aos recursos naturais pela via aérea. 237 Dentre eles, podemos citar Giulio Douhet, Hugh Trenchard e William Mitchell. 238 Antonio Tomé (2009, p. 276) destaca que a aeronave hipersônica, capaz de voar a velocidades superiores a Mach 5 (cerca de 6.175 km/h), em camadas superiores da atmosfera, seria uma verdadeira “aeronave espacial, que constituirá seguramente a concretização de uma etapa importante e decisiva na projeção do poder aéreo para o espaço orbital, como que um trampolim que permitirá transpor de forma firme e consolidada a fronteira mesosférica da atmosfera pelos meios e tripulações pioneiros os quais, libertando-se da gravidade, irão estabelecer diretamente a continuidade e o prolongamento dos altos voos atmosféricos para o ambiente do Espaço próximo”, o que contempla como clara evidência da evolução do poder aéreo para o poder aeroespacial. 151 A Guerra do Golfo que culminou com a expulsão das forças iraquianas de Saddam Hussein do Kuwait, testemunhou um assombroso descompasso tecnológico entre as forças da Coalizão, em especial os EUA, e aquele que era considerado por alguns como o quarto mais poderoso exército da época, o iraquiano. Esse gap (distanciamento) de tecnologia fez-se sentir em grande parte no setor aeroespacial, mormente na furtividade dos aviões invisíveis, na precisão dos armamentos aéreos e na utilização pioneira de um sistema de posicionamento e navegação por satélites, esse último elemento um multiplicador das capacidades dos dois anteriores. Nas palavras de Richard Hallion, [...] a Guerra do Golfo foi a primeira guerra espacial com as forças aérea, terrestre e naval explorando – e criticamente dependentes de – ativos baseados no espaço exterior par o exercício de funções de comando, controle, comunicações, inteligência, vigilância, defesa antimíssil, seleção de alvos, meteorologia e navegação. Isto, em qualquer definição razoável, constitui uma guerra espacial (HALLION, 2017, p. 117). Em verdade, a corrida espacial da Guerra Fria já havia despertado a consciência da relevância do espaço exterior como um domínio a ser geopoliticamente considerado239. O fato novo que a Guerra do Golfo revelava, e que acompanhou os movimentos de dissolução da URSS e o consequente esmaecimento e término da Guerra Fria, era uma verdadeira revolução tecnológica aeroespacial. Essa revolução tem efeitos não somente no campo militar, mas também no desenvolvimento da ciência, na economia e na relação entre os Estados. Conflitos posteriores, como a Guerra no Afeganistão, em 2001, e a invasão norte- americana no Iraque, em 2003, testemunhariam a aceleração do processo de integração de capacidades militares espaciais (e, também, algumas de natureza civil) nas disputas geopolíticas regionais. Segundo Sturdevant e Anderson (2011, p. 25), o gap operacional de 12 anos que separou os conflitos no Iraque (1991 e 2003), apesar de não ter significado grande salto técnico nos sistemas espaciais utilizados, “modificou tremendamente a forma de utilizá-los nas operações militares”. Autores como Lambeth (2000), Boot (2006), Jordan et al. (2008), Olsen (2010), Baylis, Wirtz e Gray (2013) e Olsen (2018), além de reforçarem o impacto operacional dos sistemas espaciais nas operações militares, destacam a grande vantagem estratégica que esses sistemas oferecem aos seus usuários. O emprego dos sistemas espaciais em operações militares na superfície, inclusive a partir do ar, é assunto plenamente explorado e demonstrado nas obras acima citadas. Porém, quando se trata da extensão do campo de batalha para operações militares no espaço exterior, 239 As contribuições de Bernard Brodie, Herman Kahn, Thomas Schelling e Albert Wohlstetter já foram citadas anteriormente. 152 depara-se com uma carência factual e histórica, suficiente para evidenciar a importância geopolítica do espaço exterior como palco de conflitos armados, a exemplo do que ocorre com a guerra aérea. Contudo, alguns fatos demonstram que essa é uma tendência ainda a curto prazo. Em primeiro lugar, temos a consolidação da ideia de perspectiva geográfica aeroespacial, cujo fato precursor foi a ascensão de aeróstatos, e o fato atual, a presença de satélites de observação e de aquisição de imagens, cumprindo, essencialmente, a mesma função originária de reconhecimento aeronáutico pelo alto. Em segundo lugar, a recente criação de novo ramo das forças armadas nos EUA, denominada Space Force (Força Espacial), que tem por propósito organizar a capacidade militar norte-americana para o emprego de sistemas espaciais em suporte aos comandos militares combatentes (USSF, 2020)240. Por fim, ainda que assunto cercado de sigilo e restrições de acesso à informação, surgem as armas antissatélite (Anti-satellite Weapons – ASAT). Segundo Chapman (2008, p. 143), as ASAT são “armas cujo propósito é destruir ou interferir no funcionamento de satélites pertencentes a forças hostis”. Existem relatos de testes de ASAT por parte da China, dos EUA, Rússia e Índia. Em 2007, revelou-se o teste chinês de lançamento da superfície de um míssil que atingiu um satélite desativado a uma altura de cerca de 800km (SHEEHAN, 2007, p. 167). Os EUA já haviam conduzido um teste de ASAT no início dos anos 1980, por meio do lançamento de “um veículo miniatura, a partir de uma aeronave F-15 Eagle, com capacidade de seguir o curso do satélite e destruí-lo fisicamente no impacto” (CHAPMAN, 2008, p. 144). David Ziegler (1998) aponta que também os russos possuíram programas de armas ASAT. Em 2018, a Índia testou uma ASAT, exitosamente destruindo um satélite defunto em LEO, transformado em lixo espacial (URRUTIA, 2017). Esses fatos justificam a integração do poder aéreo e do poder espacial em um único construto conceitual: o poder aeroespacial241. A utilização de veículos aéreos em camadas cada vez mais elevadas da atmosfera terrestre vem se tornando uma realidade crescente. A tecnologia da velocidade hipersônica, superior a Mach 5, habilita veículos aéreos a transitar à cerca de 90Km de altura da superfície, portanto, no trecho que compreende a transição entre espaço aéreo e espaço exterior. Além disso, o sistema de propulsão hipersônico mistura uma motor de compressão de ar, característico das aeronaves modernas, com um foguete acelerador, típico de sistemas de propulsão próprio dos veículos lançadores de satélites. Na verdade, os mísseis balísticos de longo alcance, conhecidos como Intercontinental Ballistic Missile – ICBM (Míssil 240 A United States Space Force – USSF (Força Espacial dos EUA) será amiúde analisada adiante. 241 Murillo Santos, influente pensador do Poder Aéreo no Brasil, já havia apontado que, com a superação do marco geográfico representado pela baixa atmosfera, o Poder Aéreo tornava-se Poder Aeroespacial (SANTOS, 1989). 153 Balístico Intercontinental), percorrem parte significativa de sua trajetória em subórbitas, deixando a atmosfera terrestre nesse segmento do voo e nela reentrando para prosseguir na direção do alvo selecionado. Alguns desses ICBM atingem o apogeu de 2.000km de altura. Do ponto de vista operacional, consequentemente, tais veículos poderiam ser considerados como elementos de um poder aeroespacial, pois seria difícil negligenciar essas características de operação próprias. Além do mais, como são veículos essencialmente de emprego militar, a neutralização de suas funcionalidades poderia ocorrer em diferentes segmentos geográficos: ainda na superfície, por meio da destruição da capacidade de lançamento; no deslocamento pelo atmosfera terrestre, por meio de dispositivos de intercepção, tais como mísseis ar-ar lançados por aeronaves; no percurso orbital, por meio de armas ASAT; ou na reentrada em órbita, no estágio final do deslocamento, por meio de sistemas de defesa antiaérea, como mísseis superfície-ar. O que se analisa nessa contextualização é a dificuldade de se compreender a utilização do espaço exterior apenas sob a perspectiva de poder espacial. O que existe, de fato, é uma integração entre os segmentos da atmosfera terrestre e o espaço exterior (em especial, naquilo que se refere às órbitas terrestres) que caracteriza o ambiente aeroespacial e, por conseguinte, um poder aeroespacial242. Essa revolução tecnológica é um dos fundamentos pelos quais o espaço exterior se insere no debate sobre o poder aéreo e influencia a geopolítica mundial. Tal aporte passa a justificar uma evolução no conceito de poder aéreo para poder aeroespacial243, fato que Correia (2018, p. 189) ainda considera “uma possibilidade em aberto”. O poder aeroespacial é aqui compreendido como uma síntese entre o poder aéreo e o poder espacial. Autores como Goure e Szara (1997), já debateram essa integração, que é um assunto comumente abordado sob o ponto de vista doutrinário ou teórico. Autores como Mason (1994), Meilinger (1997), Lambeth (2000), Chun (2004) e Olsen (2018) exploram as formas de 242 Não se pode deixar de citar que, no caso brasileiro, a própria Constituição Federal de 1988 cita a palavra aeroespacial três vezes (letra “c” do inciso XII do Art. 21; inciso X e XXVIII do Art. 22), relacionando-a com a navegação ou com a defesa. Nesse último caso, fica clara a integração dos contextos aéreo e espacial em um só conceito, pois a carta magna atribui à União a responsabilidade pela “defesa aeroespacial” (ao invés de falar em defesa aérea ou defesa espacial) (BRASIL, 2016). 243 Passamos ao largo de uma teoria essencialmente de poder espacial, no que concordamos com Al-Rodhan (2012, p. 20) quando cita que “Não há, ainda, uma teoria de poder espacial”. Hays (2011, p. 30) também entende que, “apesar de vários esforços para se apropriar ou adaptar conceitos-chave oriundos da teoria do poder marítimo e do poder aéreo, atualmente ainda estamos à deriva sem uma teoria de poder espacial abrangente para nos guiar”. Apesar disso, já existem esforços nessa direção, como é o caso de autores como Robinson (1998), DeBlois (1999), Patry e Gros (2009), Oberg (AL-RODHAN, 2012) ou Moltz (2019). 154 se melhor compreender o que seria essa integração244. Do ponto de vista doutrinário, diversas forças aéreas possuem documentos que tratam dessa discussão. No caso dos EUA, país-líder nessa discussão conceitual, a aderência a um conceito de aglutinação do poder aéreo com o espacial – o poder aeroespacial –, surgiu no ano de 1958, como um construto teórico proposto pelo general Thomas D. White, então chefe do Estado-Maior da United States Air Force – USAF (Força Aérea dos EUA), como um “continuum se alargando a partir da superfície terrestre até o infinito” (LAMBETH, 2003, p. 37)245. Apesar do foco militar da palavra poder, o que pode ser observado na definição de Goure e Szara (1997, p. xiii), como “a habilidade de conduzir operações militares simultânea e globalmente em três dimensões, a partir de uma base de operações na terceira dimensão – no ar ou no espaço”, nosso entendimento sobre poder aeroespacial é mais amplo. Acreditamos que a definição brasileira seria mais adequada: Poder Aeroespacial é a projeção do Poder Nacional resultante da integração dos recursos de que a Nação dispõe para a utilização do espaço aéreo e do espaço exterior, quer como instrumento de ação política e militar quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando conquistar e manter os objetivos nacionais (BRASIL, 2012, p. 10)246. 244 A bibliografia sobre teoria do poder aeroespacial é muito extensa e extrapolaria os objetivos desta tese referenciar mais amiúde as obras que tratam da discussão desse conceito. No Brasil, Almeida (2006, p. 34) já defendeu que o poder aeroespacial é fruto da integração entre o poder aéreo e a possibilidade desse poder aéreo atuar no espaço exterior. Nas palavras do autor, a partir do lançamento do primeiro satélite artificial, em 1957, “o espaço exterior passou a ser incluído como um novo teatro no qual a guerra poderia ser travada. Assim, diante desta nova percepção do espaço, começou-se a realizar formulações para o uso do espaço sideral, baseadas na teoria do poder aéreo. O poder aeroespacial pode, assim, ser definido a partir da definição do poder aéreo como a capacidade de um país de empregar o espaço aéreo e o espaço exterior a fim de atingir um objetivo militar, político ou diplomático”. 245 Importante destacar que, na mesma obra, Benjamin Lambeth cita críticas ao conceito aeroespacial, o que revela não se tratar de algo consensual. Entre as principais críticas estão: a questão das diferenças físicas entre o espaço aéreo e o espaço exterior; as diferenças entre as características de operação dos veículos aéreos e espaciais; e como construção teórica para facilitar o acesso da USAF a maior quantidade de fundos governamentais (LAMBETH, 2003). No Brasil, a aderência ao conceito aeroespacial parece ser mais intensa e não registra críticas mais contundentes. A título de exemplo, citamos os casos do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB). O DCTA é uma organização pública militar do Comando da Aeronáutica, cuja missão é “Desenvolver soluções científico-tecnológicas no campo do Poder Aeroespacial, a fim de contribuir para a manutenção da soberania do espaço aéreo e a integração nacional” (DCTA, 2020). Assim é que por meio de vários institutos subordinados, atua coordenadamente no setores aeronáutico e espacial, sob uma mesma finalidade institucional. A AIAB é uma entidade de classe privada que representa a indústria aeroespacial brasileira, em atividades de “concepção, desenvolvimento, produção, comercialização e assistência pós-venda, além de serviços técnicos especializados em todas as áreas dos segmentos aeronáutico, espacial e de defesa” (AIAB, 2020). Dessa forma, atua coordenadamente nos segmentos aeronáutica e espacial, igualmente. 246 Tomé (2009, p. 290) entende que o Poder Aeroespacial “não se restringe obviamente aos agentes e meios militares, pois combina e integra também em permanência os fatores econômico, tecnológico e científico da sociedade civil, englobando em estreita relação centros e infraestruturas especializadas intimamente associadas a instituições militares e civis, universidades, laboratórios científicos e a centros de investigação e desenvolvimento de novas tecnologias, com incidência preferencial nos sistemas e vectores aerodinâmicos e astrofísicos e nos novos e revolucionários meios de propulsão que permitirão atingir velocidades nunca antes alcançadas”. 155 No decorrer da proposta que se discute nesta Tese percorremos conceitos e aplicações da geografia dos transportes (SILVA, 1949), da geografia de redes e sistemas de transporte (PONS e BEY, 1991), ou seja, de uma geografia de fluxos (RODRIGUES, 2019). Igualmente, resgatamos elementos da geopolítica aeronáutica, do transporte aéreo (CARVALHO, 1963) e de uma geopolítica da aviação comercial (DEBBAGE, 2014). Discutimos a nova perspectiva dimensional advinda da “geopolítica da verticalidade” (GRAHAM, 2004), refletindo sobre a geopolítica do poder aéreo (SEVERSKY, 1950) da sidereopolítica (a política para os astros) ou a astropolitik (DOLMAN, 2002). Contudo, o que propomos extrapola essas abordagens, inclusive indo além de uma meta-geopolítica do espaço exterior (AL-RODHAN, 2012), ou mesmo uma geopolítica do espaço exterior (DOBOŠ, 2019; AYDIN, 2019), apesar de elementos dessas teorizações serem considerados na pesquisa. O conceito que mais se aproxima daquilo que se busca teorizar foi introduzido por Bergamaschi (2013, p. 26), quando se referiu a dimensão geográfica “trans-superficial que agruparia o tradicional espaço aéreo com a esfera espacial, permitindo uma compreensão sob o ponto de vista aeroespacial”. A essa dimensão, o autor associou a ideia de uma geopolítica aeroespacial247. A geopolítica aeroespacial é uma geopolítica que conecta a relevância geográfica do espaço aéreo com o espaço exterior. Em grande parte, isso se explica pela continuidade histórica que permitiu à humanidade a adquirir a capacidade aeronáutica (inicialmente na forma de aerostação, e depois pelo voo aerodinâmico) e, em seguida, ir mais além, ao espaço exterior, com a astronáutica (por meio dos foguetes e da astrodinâmica)248. Encontra também justificativas que serão analisadas à frente, que se refletem em argumentos geográficos, como na ideia de território, mas também em bases econômicas, tecnológicas e ideológicas. O que se propõe é considerar a conquista do ambiente aeroespacial como um marco na história da geopolítica e um novo patamar de interpretação dessa ciência. Para isto, se recorreu à contribuição de diferentes áreas de análise, corroborando a visão multidisciplinar de geopolítica que anteriormente propusemos. E ainda, recorremos a exemplos emblemáticos de como o campo dos conflitos interestatais (especialmente a guerra) foi influenciado pelo advento da aviação e pela incipiente exploração do espaço exterior. 247 Apesar de introduzir o que chamou de dimensão “trans-superficial”, o artigo citado é ainda insuficiente do ponto de vista de uma elaboração teórica sobre o objeto, haja vista que se trata de texto voltado para a análise de conjuntura da Argentina, do Brasil e do Chile no campo de capacidades militares espaciais. 248 A astronáutica é o “ramo da ciência da engenharia que lida com o voo espacial, com a operação e o design dos veículos espaciais” (ANGELO JR., 2006, p. 61). 156 O item seguinte deste Capítulo busca desenvolver a relevância do ambiente aeroespacial a partir de quatro eixos: o conceito de território; a importância da economia; a relevância do fator tecnológico; e a incidência do discurso ideológico aplicado ao objeto de estudo. Esses elementos serão fundamentais para a elaboração da Tese sobre a Geopolítica Aeroespacial. 3.2 A relevância do Ambiente Aeroespacial na Geopolítica A geopolítica clássica caracterizou-se, e ainda reflete esta tendência, pela convergência entre a geografia, a ciência política e as relações internacionais. A associação das características físicas de determinado espaço geográfico (posição, extensão, relevo, hidrografia, meteorologia, acesso ao mar etc.), de sua posição espacial e dos desígnios políticos de um Estado e seu relacionamento com outros Estados (relações de poder, soberania, conflito interestatal etc.), direcionou os principais debates da geopolítica. No caso do ambiente aeroespacial, o recorte da Tese considerou, entre tantos temas geopolíticos de interesse, quatro aspectos que julgamos de maior relevância. O primeiro deles foi o conceito de território, apreciado como uma categoria geográfica. Outro tema adveio da demanda de vultosos capitais em investimentos e dos reflexos socioeconômicos dos produtos e serviços do setor aeroespacial, daí a atenção para a geoeconomia249. Em seguida, face à dependência tecnológica que caracteriza tanto a aeronáutica, como a astronáutica, surgiu a necessidade de análise do fator técnico. Por fim, o impacto dos projetos aeroespaciais e do desenvolvimento tecnológico, e a repercussão pelos instrumentos da mídia de massa, quando 249 Geoeconomia é um conceito que surge a partir do discurso Toward a New World Order (Na direção de uma Nova Ordem Mundial) (2003), proferido pelo presidente George H. W. Bush, no ano de 1991, cujos principais elementos seriam: a liderança dos EUA, como potência econômica, militar (conduzindo a OTAN) e, também, cultural; paradigmas do liberalismo transnacional e do neoliberalismo, representado pelos grupo de líderes do G7, pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI); e o fortalecimento do conceito de globalização, por meio de redes e telecomunicações globais. Nesse momento, claramente se agrega ao conceito de geopolítica a importância econômica. Edward Luttwak destacou esse entrelaçamento entre geopolítica e a economia cunhando o conceito de “geoeconomia estatista”, cuja interdependência global faz com que o comércio supere o lado militar, demonstrando que “A relevância das ameaças militares e das alianças declinou, prioridades e modalidades geoeconômicas têm se tornado atividades dominantes dos estados” (LUTTWAK, 2003, p. 127). Kotlyakov e Komarova (2007, p. 287), definem geoeconomia como “O estudo desenvolvido na interface da economia, da geografia econômica e da geopolítica lidando com as interações de grandes áreas geográficas, estados, corporações transnacionais etc., em escala global”. Sparke (2000) entende que há um sentido de complementaridade entre geopolítica e geoeconomia, porém, identifica elementos distintivos entre ambas. Correia (2018, p. 281) propõe que geoeconomia está associada à ideia de uma nova geopolítica, mas ainda fortemente enraizada na geopolítica clássica, definindo-a como “a política orientada para intervir na resolução de problemas espaciais associados à economia”. 157 repercutem numa psicoesfera ou ideologia aeroespacial250. Na sequência, esses temas serão amiúde apreciados. 3.2.1 Ambiente Aeroespacial, Território e Geopolítica Na análise da variável política no contexto aeroespacial, o conceito de território assume uma centralidade. Segundo Delaney (2009, p. 196), o território é um dos mais “básicos e significativos termos em geografia humana”251. Já se observou anteriormente que o território é um elemento central da geografia política de Ratzel, em cujas leis de crescimento do Estado o geógrafo alemão assentou suas percepções. Amparado nas ideias evolucionistas de Jean- Baptiste Lamarck (1744-1829), de Ernst Haeckel (1834-1919) e, principalmente, de Charles Darwin (1809-1882), Ratzel concebeu, “diferentemente dos teóricos anteriores, que destacavam o viés legal/político dos estados, [..] o estado analogamente a um organismo vivo, cujo território flutuava ao longo do tempo dependendo da vitalidade social e demográfica” (AGNEW, 2002, p. 64). Nesse organismo, os elementos essenciais seriam o povo e o território252. Como o próprio Ratzel afirmou, “Quando se examina o homem, seja individualmente, seja associado na família, na tribo, no Estado, é sempre necessário considerar, [...] também uma porção de território” (RATZEL, 1891, p. 74)253. Na análise deste segmento do texto, perceber-se-á que o território também é um conceito central da geopolítica (e na ciência política como um todo), e mais do que isso, buscar-se-á observar a relação entre o conceito, sua aplicação e especificidade no ambiente aeroespacial, onde a ideia central de Ratzel sobre a expansão de fronteiras do território estatal será discutida. A fim de atingir esse objetivo, serão necessárias análises sobre quatro temas essenciais: a compreensão de soberania no contexto do ambiente aeroespacial; o exercício do poder; o entendimento do território como 250 Na visão de Santos (1996, p. 32), a psicoesfera “é o resultado das crenças, desejos, vontades e hábitos que inspiram comportamentos filosóficos e práticos, as relações interpessoais e a comunhão com o Universo”, o que nos permite associar o conceito à proposta de ideologia apontada na Tese. 251 Não se perca de vista o que Raffestin (1993, p. 267) alertou: “Toda geografia humana é política”. 252 Backheuser (1952, p. 23-24) identifica em Ratzel ideias semelhantes como “humanidade” e “pedaço de terra organizada”, ou ainda “povo” e “país”, “nação” e “território”. 253 Há que se destacar que a geopolítica e a geografia política compreendem o território de forma distinta. A “geografia política trata das relações entre os grupos humanos organizados e o espaço ou território que eles ocupam” (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 382), o que reforça a visão de um estado estéril. Exatamente o oposto pode ser identificado na proposição de Mattos (1977, p. 67), que entende o estado como “uma realidade palpável, viva e exigente. Esta realidade são as servidões emanantes do seu território, de seu povo e de suas instituições políticas e jurídicas”. Ou seja, o território de um estado é que se transforma em objeto primordial da geopolítica, algo que Kjellén (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 387) já havia apontado quando definiu esse campo como “o estudo dos fenômenos políticos influenciados pelo solo. É, portanto, a geografia aliada à política”, ou ainda como objeto não no sentido meramente geográfico mas como “organização política” (BACKHEUSER, 1952, p. 34). 158 uma rede; e a pertinência de uma territorialidade aeroespacial. Com essa discussão, procuramos dar base à falseabilidade da variável política de nossa hipótese de estudo. De fato, o território já era objeto de reflexão para Aristóteles e Platão (GOTTMANN, 2012; ELDEN, 2013a254; CORREIA, 2018), e a delimitação dos Estados-nação advinda do Tratado de Westfália, de 1648, conferiu importância ao conceito. Os movimentos de colonização iniciados com as grandes navegações no século XV, e principalmente, a expansão imperialista/colonialista do século XIX255, ambos movimentos de expansão da fronteira, impuseram à ideia de território um sentido jurídico256. Possivelmente a palavra que melhor se associa a esse sentido é soberania257. Observou-se no Capítulo anterior que no caso do espaço aéreo existem previsões legais quanto à extensão vertical do território nacional à atmosfera a ele sobrejacente258. 254 Stuart Elden traça uma análise histórica, no mundo Ocidental, do conceito de território que abrange o período grego clássico, passando pelo Império Romano, a ascensão da cristandade no período medieval, o Renascimento e os pensadores políticos clássicos a partir do século XVII. 255 Hobsbawn (1988, p. 57), denomina o período de 1875-1914 de “Era dos Impérios”, acrescentando que “entre 1880 e 1914, a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios sob governo direto ou sob dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo: principalmente Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, EUA e Japão”. 256 O conceito de território sofreu, recentemente, uma expansão semântica com a contribuição de Robert David Sack ao desenvolver a ideia de territorialidade. Na visão desse autor, a “territorialidade para os humanos é uma poderosa estratégia de controle de pessoas e coisas por meio do controle de uma área” (SACK, 1986, p. 5). A territorialidade, no contexto do ambiente aeroespacial, será apreciada na sequência do texto. 257 A soberania pode ser definida como a “capacidade de um estado tomar decisão com perfeita independência e decidir, em toda a liberdade, as medidas a executar no interesse da nação” (CARVALHO, 1971, p. 19). 258 Especificamente, a Convenção de Chicago aponta no Artigo 1º que “Os Estados contratantes reconhecem que cada Estado possui completa e exclusiva soberania sobre o espaço acima de seu território” (ICAO, 2006). Essa Convenção definiu também, influenciada pelas demandas do transporte aéreo comercial, cinco “liberdades do ar” (posteriormente complementadas por mais quatro não oficialmente contempladas em documentos da ICAO mais reconhecidas pelo direito consuetudinário). As cinco liberdades originais permitem: a) atravessar o território de um estado sem aterrar; b) aterrar no território de outro estado para fins não comerciais; c) aterrar em território de um primeiro estado, tráfego proveniente do estado de origem do transportador; d) para outro estado assumir, no território do primeiro estado, tráfego destinado ao estado de origem do transportador; e e) a outro estado aterrar e assumir, no território do primeiro estado, tráfego proveniente ou destinado a um terceiro estado (ICAO, 2006). 159 Contudo, no caso do espaço exterior, o arcabouço jurídico259 existente compreende a não existência de territórios, e consequentemente Estados, além do limite da atmosfera terrestre, considerando-a como uma res communis (pertencente a todos)260. Observou-se, também, que um grande problema prático é a indefinição do limite entre espaço aéreo (a atmosfera terrestre) e espaço exterior (espaço geográfico onde a aerodinâmica convencional não se torna viável) (ODUNTAN, 2012)261. Possony e Rosenzweig (1955, p. 10) já antecipavam esse problema quando afirmavam que “ao alcançar a atmosfera exterior, novos problemas políticos surgirão”. Sobressai, portanto, um imbróglio (decorrente da diferença de abordagem de território no espaço aéreo e no espaço exterior) quanto ao exercício de soberania e de sua principal ferramenta, o exercício de poder262. Caber-nos-ia questionar até onde se estenderia o espaço territorializado? 259 Os principais instrumentos jurídicos do Direito Espacial são: a) The Outer Space Treaty – 1967 Treaty on Principles Governing the Activities of States in the Exploration and Use of Outer Space, Including the Moon and Other Celestial Bodies (Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 19 de dezembro de 1966, aberto à assinatura em 27 de janeiro de 1967, em vigor desde 10 de outubro de 1967, tem 97 ratificações, inclusive a do Brasil e 27 assinaturas, citado adiante; b) Agreement on the Rescue of Astronauts and the Return of Objects Launched into Outer Space (Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Objetos Lançados ao Espaço Cósmico), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 19 de dezembro de 1967, aberto à assinatura em 22 de abril de 1968, em vigor desde 3 de dezembro de 1968, tem 83 ratificações, inclusive a do Brasil; c) The Liability Convention – 1972 The Convention on International Liability for Damage Caused by Space Objects (Convenção Internacional sobre Responsabilidade Decorrente de Danos Ocasionados por Objetos Espaciais), aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 29 de novembro de 1971, aberta à assinatura em 29 de março de 1972, em vigor desde 1º de setembro de 1972, tem 76 ratificações, inclusive a do Brasil; c) The Registration Convention – 1976 The Convention on Registration of Objects Launched into Outer Space (Convenção sobre Registro de Objetos Lançados ao Espaço Exterior), aprovada pela Assemblei Geral da ONU em 12 de dezembro de 1974, aberta à assinatura em 14 de janeiro de 1975, em vigor desde 15 de setembro de 1976, tem 39 ratificações e 4 assinaturas, o Brasil não assinou; e d) The Moon Treaty – 1984 The Agreement Governing the Activities of States on the Moon and Other Celestial Bodies (Acordo Regulando as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestiais), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 5 de dezembro de 1979, aberto à assinatura em 18 de dezembro de 1979, em vigor desde 11 de julho de 1984, tem 9 ratificações e 5 assinaturas, o Brasil não assinou. Para uma visão mais abrangente do Direito Espacial, consultar a obra de Jakhu e Dempsey (2017). 260 O Tratado sobre os Princípios que Governam as Atividades dos Estados na Exploração e Uso do espaço Exterior, incluindo a Lua e outros Corpos Celestes, no Artigo II, estabelece que o “Espaço Exterior, incluindo a Lua e outros corpos celestiais, não é sujeito à apropriação nacional por reivindicação de soberania, por meio de uso ou ocupação, ou por qualquer outros meios” (UNO, 2017). 261 Backheuser (1952, p. 198) conclui que “A fronteira aérea nada mais é do que a própria fronteira terrestre, inclusive as águas territoriais, prolongada para acima, indefinidamente”. O problema desta conclusão é o advérbio indefinidamente, que reforça a questão sobre onde estaria o limite da fronteira aérea. 262 Em nossa percepção, Castro (2005, p. 97-98) apresenta uma definição de poder que é bastante coerente com a discussão que aqui se inicia: “Poder é considerado como a manifestação de uma possibilidade de dispor de um instrumento para se chegar a um fim (a vantagem ou o efeito desejado), mas a possibilidade de chegar a este fim supõe a existência de uma relação necessariamente assimétrica, ou seja, a possibilidade de que uma das partes disponha de mais meios ou de maior capacidade de obter o efeito desejado através da prerrogativa de aplicar algum tipo de sanção”. Assim, soberania está diretamente relacionada com a capacidade de exercício de poder, em última instância com a capacidade de coerção pela força. 160 Paul Claval, ao estudar a questão do poder, termina sua obra com uma indagação: “a questão que se apresenta é saber qual será a geografia do poder, no interior das nações e no plano internacional, no curso dos próximos decênios” (CLAVAL, 1979, p. 214). Sem dúvida que essa interrogação é apropriada ao debate sobre o ambiente aeroespacial. Em princípio, há de se concordar com Claval quando ele assume um viés realista, quando afirma que “O uso da força é um dos elementos da vida internacional” (CLAVAL, 1979, p. 203). Teóricos das relações internacionais consideram que o realismo conduz as relações interestatais, por meio do exercício do poder, e que o conflito é inevitável entre os estados (SOUSA, 2005; GRIFFITHS, O'CALLAGHAN e ROACH, 2008; PECEQUILO, 2017; LAMB e ROBERTSON-SNAPE, 2017). Como foi observado anteriormente por meio da apreciação histórica da evolução do poder aéreo, o espaço aéreo tornou-se um espaço de contestação e de disputa internacional263. O espaço exterior já experimenta a mesma dinâmica, e autores como Dolman (2002, p. 4) acreditam que “A militarização, e a armamentização, do espaço é não somente um fato histórico, mas também um processo em curso”264. Hoje, não há mais como se pensar em conflito/disputa interestatal (de natureza militar, econômica, científico- tecnológica ou ideológica) sem se considerar o ambiente aeroespacial como uma dimensão desse conflito. Assim é que podemos também interpretar o ambiente aeroespacial como um “território usado” (SANTOS, 2007, p. 14), cuja função militar ficou tão evidente quanto outras que serão elucidadas adiante. Nesse ponto, seria prudente concordarmos com Daniel Delaney sobre a função do 263 Lacoste (2004) identificou na aviação, no contexto da geopolítica, a capacidade de projeção de poder. 264 Há que se distinguir armamentização e militarização do espaço. O primeiro fenômeno, ainda incipiente, trata da postura de armas no espaço exterior. Segundo Aydin (2019, p. 37-38), os principais sistemas de armas espaciais seriam: “armas de feito cinético (físico) que tentem atacar diretamente ou detonar cabeças de explosivos próximo a satélites ou centros de operação terrestres; armas não fisicamente cinéticas incluindo laser, micro-ondas de alta potência e armas de pulso eletromagnético que tenham efeitos físicos em sistemas espaciais sem necessariamente ter contato físico; ataques eletrônicos de jamming (interferência) ou spoofing (logro, falsificação) de sinais de radiofrequências que transmitam ou recebam de sistemas espaciais; ataques cibernéticos que tenham por alvo dados ou sistemas que utilizem dados de sistemas espaciais”. A militarização já ocorre desde o início da corrida espacial e é, a cada dia, um fenômeno que se intensifica. Esse último tema surge no decurso da Guerra Fria e autores dessa fase apontavam os principais problemas. Rosas (1983, p. 362) cita que “A espiral da corrida armamentista [no espaço exterior] não mostra sinais de fraqueza, e parece mesmo irreversível”. Kingwell (1990, p. 108) destaca que a “maioria dos equipamentos lançados ao espaço pelos EUA e URSS é de natureza tática [e com propósitos militares]”. Al-Rodhan (2012, p. 221) entende que “A probabilidade de armamentização do espaço é alta e inevitável”. Shah (2007) aponta elementos da militarização/armamentização do espaço nos EUA e na China, destacando que esse processo pode ter fundo econômico e representar uma volta à corrida armamentista. Johnson-Freese (2007, p. 2) entende que os EUA estão seguindo uma direção diferente do resto do mundo, desenvolvendo armas para uso no espaço exterior, e que essa tendência terá “implicações estratégicas e geopolíticas em função da magnitude e importância dos próximos eventos”. Hays (2011b, p. 86) aponta que, “fundamentalmente, questões de maior vulto em torno da armamentização do espaço abordam o como e o quando isso irá ocorrer, que estados e outros atores podem estar interessados em liderar ou se opor à armamentização e como essa armamentização pode ser controlada”. 161 território, quando diz que: [...] o efeito mais óbvio do território é empoderar os outros: dividir e conquistar, confinar ou imobilizar, excluir, criar dependências, diluir poder, fragmentar e isolar. Pode-se concluir razoavelmente que em muitos casos a função do território é criar conflito ou exacerbar as assimetrias de poder mais ou menos por eles mesmos – ou, por aqueles que interesses são servidos por conflito ou repressão (DELANEY, 2005, p. 19). Claval (1979) também entende que a mobilidade enfraquece o poder exercido pelos Estados no âmbito de suas fronteiras e territórios265. A mobilidade que o ambiente aeroespacial trouxe para a humanidade estimulou o fluxo de pessoas e mercadorias que, de alguma forma, enfraqueceram o exercício de poder estatal. Alguns exemplos podem confirmar essa percepção. O transporte aéreo conecta continentes de forma rápida, e aeronaves de diferentes nacionalidades transitam sobre o espaço aéreo de um determinado Estado rotineiramente266. Os drones, pequenos veículos aéreos remotamente pilotados, sobrevoam cidades filmando ou fotografando a vida das pessoas sem qualquer tipo de controle, isso sem citar o uso militar desse tipo de equipamento. De forma semelhante, satélites cumprem órbitas terrestres em espaço de tempo regulares, permitindo sensoriamento remoto de qualquer tipo de paisagem. Ratzel via na cultura uma das pré-condições ao progresso267. De fato, os processos conduzidos no ambiente aeroespacial (transporte aéreo, turismo, telecomunicações etc. – vide Figura 18) agem como catalizadores do enfraquecimento cultural dos Estados menores, e 265 Claval (1979) desenvolve suas proposições em torno de argumentos como assimetrias e desequilíbrios, e nas formas de exercício do poder que identifica como poder puro, consentido, por influência ou dissimulado. John Agnew (2003), cujo entendimento é semelhante, aponta que o poder estatal extrapola os limites do território do Estado. De fato, o ambiente aeroespacial, hoje, é um espaço geográfico que limita o exercício do poder estatal tradicional. Por exemplo, o exercício de poder sobre as práticas comerciais e econômicas atuais e sobre as redes de informação (mercados globais, corporações transnacionais, migrações humanas, sistema financeiro descentralizado, moedas regionais) são mais importantes que aquelas exercidas no âmbito do território estatal. A esse fenômeno, que “testemunha um declínio no poder estatal, por meio de condições que limitam a visão de estado, território e poder, [o autor] denomina armadilha territorial” (AGNEW, 2003, p. 53). 266 No caso do transporte rodoviário não é comum se observar linhas que conectem continentes. No modal ferroviário, o transporte internacional só é comum na Europa, com a rara exceção da linha do Expresso do Oriente que operou por muitos anos, mas encerrou suas atividades em 2009. O transporte marítimo intercontinental de passageiros não é tão significativo quanto o aéreo. Mesmo em Ratzel, que estudou a questão ferroviária, o sentido dos meios de transporte ainda era restrito à Prússia (e depois da unificação, em 1871, à Alemanha). 267 Ratzel (1892, p. 178), confirmando essa percepção, dá a entender essa relação em várias passagens das Leis do Crescimento Espacial dos Estados, a Lei nº 1 – As dimensões do Estado crescem com sua cultura: “esforços intelectuais”, “maiores culturas”, “povos civilizados”, “altamente desenvolvida”, “progresso [...] do conhecimento dos povos”, “invenção de novos meios de transporte”, “estágios inferiores de civilização” etc. Ralph Turner (1943, p. 5) considera que a “tecnologia é um elemento da cultura” de Ratzel. 162 permitem uma expansão na dimensão dos Estados de maior desenvolvimento cultural, de acordo com a primeira lei do geógrafo alemão268. Como forma de não se perder totalmente a capacidade de exercício de poder, Claval (1979) entende que as organizações burocráticas devem ser constituídas para regular as relações interestatais. Como aponta Castro (2005, p. 124), “o controle sobre o território e seus conteúdos – pessoas e bens – é uma questão fundadora para todas as sociedades com organizações sociais e políticas complexas”. No caso do ambiente aeroespacial isso é uma realidade, haja vista o papel exercido pela ICAO, no caso da aviação, e pelo COPUOS, no caso do espaço exterior. Esses seriam, portanto, órgãos reguladores internacionais garantidores do exercício da soberania sobre territórios (no caso do espaço exterior a função seria a de impedir que tal soberania seja reclamado por qualquer Estado)269. A questão do exercício do poder também foi apreciada por Claude Raffestin (1993). Para o autor, “O poder se manifesta por ocasião da relação. É um processo de troca ou de comunicação quando, na relação que se estabelece, os dois polos fazem face um ao outro ou se confrontam” (RAFFESTIN, 1993, p. 53)270. No ambiente aeroespacial, especialmente quando se observa a intrincada rede de rotas aéreas que se estabelece em todo o Planeta, há que se considerar que esse movimento, um verdadeiro fluxo global (apontado na Figura 18), não seria possível sem o estabelecimento de relações tais quais aquelas coordenadas pela ICAO (com regras de utilização do espaço aéreo, a regulamentação da aviação civil e o controle do tráfego aéreo)271. No caso do espaço exterior, a ITU, também um importante instrumento de relações de poder (mas não o único), é a responsável por coordenar o uso do espectro de frequências de rádio, da alocação de órbitas geoestacionárias para satélites de telecomunicações, além de 268 Kjellén compreendia que o “motor do crescimento [do estado] é a cultura, logo quanto mais ‘avançada’ a cultura, mais vigorosa seria a [necessidade] de expansão e controle de território” (FLINT, 2006, p. 20). Saul Cohen (1963, p. 27) afirma que “Local, acessibilidade aos recursos [naturais] e qualidade no uso desses recursos, derivada de vantagens culturais acumuladas historicamente, continuam a dar poder de dominação [a determinados estados] sobre certas partes da Terra”. Mais adiante na Tese, observar-se-á que tal fenômeno também é observado na variável ideológica, na forma de um soft power (poder macio). 269 Também caberia discutir de que forma esses órgãos exerceriam o poder a ele atribuídos: por influência racional (ou legal); pela capacidade econômica; ou pela ideologia (CLAVAL, 1979). Como forma de reduzir a instabilidade intrínseca de um sistema de territórios e soberanias, as regras comuns consensuais certamente são o melhor caminho no caso do ambiente aeroespacial, mesmo que isso, hoje, ainda seja um processo em elaboração. Oduntan (2012) descreve vários problemas que ocupam a agenda internacional quanto ao estabelecimento de regras comuns, aceitáveis e justas, tanto no caso do Direito Aeronáutico como no Direito Espacial. 270 Há, também, uma sutil semelhança entre Raffestin e Claval quanto às formas de exercício do poder. No caso de Raffestin (1993), o poder pode ser exercido de forma coercitiva (por meio de sanções físicas), remunerador (pelo controle de recursos materiais) e normativo (com o uso de recursos simbólicos). 271 Para Haesbaert (2007, p. 59), as redes são o “principal elemento na configuração territorial”. Isso é uma grande verdade para o ambiente aeroespacial, haja vista a importância das malhas aéreas e da constelação de sistemas de satélites. 163 estabelecer padrões de interconexão de diferentes sistemas de comunicações (SADEH, 2011)272. Raffestin (1993), na discussão sobre geografia e poder, também revelou interesse na questão do território. Nesse tema, seus conceitos de “ator sintagmático” e “territorialização”273 podem ser identificados também no ambiente aeroespacial. De fato, o espaço aéreo, ou a atmosfera terrestre, é um espaço geográfico original, sobre o qual a atuação sintagmática criou territorializações (apresentadas no Capítulo anterior e esquematizadas na Figura 18). Ou seja, cada fragmento de espaço aéreo, enquanto território nacional soberano de determinado Estado, projeta e representa uma determinada relação de poder. Tal raciocínio aplicado ao espaço aéreo vem, também, ao encontro do que se observa incipientemente no espaço exterior quando, por exemplo, se observa a Declaração de Bogotá (BOGOTA DECLARATION, 1976) (instituindo soberania sobre as órbitas geoestacionárias)274, ou ainda, no movimento pela militarização do espaço exterior275. A dimensão territorial do ambiente aeroespacial, espaço geográfico por natureza, enquanto território, se manifesta em questões como soberania e relações poder, e merecem um aprofundamento a partir da perspectiva de redes. Recorrendo à Raffestin (1993, p. 204), vimos que as “Redes de circulação e de comunicação contribuem para modelar o quadro espaço- temporal que é todo o território”. Mas é Ratzel, possivelmente, o pioneiro a observar ilações entre o relacionamento de território e redes. João Phelipe Santiago (2013, p. 86) recupera essa ideia ao afirmar que “Ratzel pensou o espaço geográfico inserindo a ideia de rede e a valorização territorial”. 272 O caso das órbitas geoestacionárias é simbólico no relacionamento entre as nações. Trata-se de um espaço geográfico escasso, pois há um limite físico no espaço apropriado para a ocupação dessas órbitas. Autores como Sheehan (2007), Collis (2009) e Sadeh (2011) discutem esse tema e identificam nesse tipo de órbita um ativo patrimonial da humanidade que é disputado pelos Estados. Al-Rodhan (2012, p. 76) afirma que “Existe uma limitação técnica no número de satélites que podem ser posicionados nas órbitas geossincrônicas”. 273 Destacamos as seguintes frases do autor: “O espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível”; “Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator ‘territorializa’ o espaço”; “O território se apoia no espaço, mas não é o espaço”; “O espaço construído pelo ator passa a ser o território visto e/ou vivido” (RAFFESTIN, 1993, p. 143, 143, 144 e 147). 274 Segundo Dolman (2002, p. 120), “já existem precedentes para o estabelecimento de limites de soberania no espaço exterior”. Rafael Kopec (2018) discute a questão da órbita geoestacionária e a dualidade entre considerá- la território estatal ou província da humanidade. Apesar de considerar que esforços em territorializar essa órbitas tenham sido, até então, infrutíferos, o autor considera que elas são um “pedaço especial do espaço exterior” (KOPEC, 2018, p. 176), entendendo que talvez fosse o caso, para essas órbitas, de criação de regras internacionais específicas. 275 No ano de 2019 os EUA e a França criaram um novo ramo de suas forças armadas: a força espacial ou o comando espacial. Tal fato foi amplamente divulgado pela mídia (vide https://www.space.com/trump-creates- space-force-2020-defense-bill.html e https://www.space.com/france-military-space-force.html). 164 No escopo da configuração do ambiente aeroespacial, representado na Figura 18, visualizou-se uma estrutura com fixos e fluxos, assim como funções e processos que caracterizam uma rede276. Ora, se a geografia é um saber estratégico e o horizonte geográfico se expande até o espaço extraterrestre, como propõe Santiago (2013), a geopolítica aeroespacial apropria-se desse saber para melhor compreender as nuances que caracterizam o território aeroespacial. Esse território se configura como um território-rede (SOUZA, 2001; HAESBAERT, 2004), no sentido de interligar diversos territórios (ou Estados-nação) e mesmo corpos celestes (até o momento, legalmente considerados territórios de todos – res communis)277. Há também no território-rede um sentido de mobilidade e flexibilidade (HAESBAERT, 2003) que, apesar da infraestrutura que o suporta (caso de aeroportos, centros de lançamento de foguetes etc.), caracteriza-se como imenso espaço geográfico a se conquistar, cujo território expressa essa perspectiva da visão de cima e possibilidades em termos de recursos naturais278. As características geográficas desse novo ambiente implicariam em vantagens militares, políticas e econômicas, que coadunam com a visão de Ratzel no que diz respeito à valorização territorial. Relembrando citação que já postulamos, Santiago (2013, p. 99) aduz, em concordância com o pensamento ratzeliano, sobre a “expansão do horizonte geográfico para a conquista do espaço extraterrestre, conquista da Lua e perspectiva de colonização de Marte”. Ratzel, em que pese ser um pensador do século XIX, anterior à conquista do ar, parece-nos atual quanto a considerações geopolíticas referentes ao ambiente aeroespacial. Há uma relação entre a circulação protagonizada pela rede aeroespacial279 (aeroportos, aeronaves, foguetes, centros de lançamento etc., conforme descritos na Figura 18) e as vantagens que esse ambiente oferece, como a exploração da atividade aeroportuária, o turismo de passageiros transcontinental, o domínio da informação e da comunicação pelos sistemas satelitais de sensoriamento e telecomunicações. 276 Manuel Castells é reconhecido como o articulador do conceito de rede. Na visão de Hubbard (2011, p. 101), “no centro da hipótese de Castells está a ideia de uma sociedade da informação”. Apesar de informação ser um produto/serviço que também circula pelo ambiente aeroespacial, a ideia de rede que aqui se postula é mais bem associada ao que definem Derek et al. (2009, p. 499) como uma “infraestrutura técnica baseada em redes, como a elétrica, rodoviária, ferroviária, de esgotamento sanitário ou de sistema de telecomunicações, descritas conforme sua densidade, conectividade e orientação”. 277 Em 6 de abril de 2020, o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que permite a exploração comercial de recursos no espaço exterior, observando que “esses recursos não seriam de bem comum nem haveria necessidade de aprovação internacional para a exploração” (PANDEY e BAGGS, 2020). 278 Shah (2007) entende que o processo de militarização do espaço, particularmente pelos EUA e China, visa a obtenção de uma vantagem econômica. Inclusive com a possibilidade de exploração mineral de corpos celestes. 279 Santiago (2013, p. 163) aponta que a Ratzel as denominou “grandes vias de comunicação”. 165 Há uma tendência de os Estados expandirem seus territórios para o espaço exterior, assim como já foi feito para o espaço aéreo. Acima, analisamos a 1ª Lei de Ratzel sob a perspectiva do ambiente aeroespacial. Há, contudo, possibilidades para raciocínios semelhantes em outras leis do mesmo pensador. Sem a intenção de esgotar o assunto, poderíamos referenciar na 2ª Lei de Ratzel280 o inevitável crescimento tecnológico que acompanha a humanidade e desperta a atenção para o melhor conhecimento do Planeta, por meio do sensoriamento remoto, ou do Cosmos, por meio da exploração de outros corpos celestes. Acredita-se que essas manifestações de crescimento, expressas não somente na demanda por conhecimento, mas também pela economia (comércio, recursos naturais etc.) serão determinantes no crescimento dos Estados fortes. No caso da 4ª Lei de Ratzel281, tanto o espaço aéreo como o espaço exterior – já definido como a “fronteira alta” (DEUDNEY, 1982, p. 5)282 – hoje já são percorridos por vetores de crescimento, haja vista por exemplo a integração transcontinental do transporte aéreo283 e os projetos de colonização da Lua e de Marte284. Autores como John Hickman (2016) retomam as teses de Ratzel sobre território como um espaço de recursos, porém sem citar diretamente o geógrafo alemão. Hickman desenvolve as sete leis do território, sendo que três delas guardam grande semelhança com o que aqui se discute, em função do impacto geopolítico. Uma síntese sobre essas leis indica que os estados modernos competirão por território que 280 A 2ª Lei de Ratzel diz: “O crescimento dos Estados segue outras manifestações do crescimento dos povos, que necessariamente devem preceder o crescimento do Estado” (RATZEL, 1892, p. 180). Vejamos que Ratzel destaca o comércio e as comunicações dentre essas manifestações. 281 A 4ª Lei de Ratzel: “As fronteiras são o órgão periférico do Estado, o suporte e a fortificação do crescimento, e participam de todas as transformações do organismo do Estado” (RATZEL, 1892, p. 184). 282 A ideia de que o espaço exterior é uma fronteira não pode ser encarada como uma linha demarcatória ou um limite. A ideia que melhor define essa fronteira alta está associada ao conceito de frontier (que na Língua Portuguesa não encontra uma tradução apropriada, pois os significados de fronteira, limite ou divisão se confundem). Nessa frontier, representada pelo espaço exterior, há alto grau de permeabilidade entre os dois lados da fronteira. Na verdade, talvez a melhor ideia para tal zona seria aquela que Backheuser (1952, p. 186) retoma de Whitemore e Braggs por meio da classificação como uma “fronteira antropogeográfica”, que encerra um significado cultural, estratégico, antes que significados físicos ou geométricos. Anteriormente, apresentamos nosso entendimento sobre esses conceitos. 283 No ano de 2020, enfrentou-se uma crise de graves proporções com o espalhamento de um vírus (o coronavírus) com amplitude mundial. A difusão do vírus deu-se pelos cinco continentes, em questão de dias, fruto da rapidez nas conexões aéreas entre os países. Uma das primeiras providências das autoridades em diversos países foi a suspensão da autorização de pousos de aeronaves nos respectivos aeroportos nacionais oriundas de epicentros da pandemia. 284 A NASA, por meio do Programa Artemis, planeja levar a primeira mulher à Lua, por volta de 2024, desenvolver nesse satélite uma exploração sustentada, cerca de 2028, e a partir da Lua enviar os primeiros astronautas à Marte (https://www.nasa.gov/specials/artemis/). A China estaria desenvolvendo uma espaçonave capaz de levar tripulantes à Lua (https://www.space.com/china-new-spacecraft-crewed-moon-missions.html). Apesar dessas iniciativas, a viagem espacial até Marte constitui-se em grande desafio científico-tecnológico. Se relacionarmos, em termos de escala e distância, uma viagem entre a Terra e Marte com as viagens dos navegadores ibéricos, entre a Europa e a América, no ponto atual de desenvolvimento, a chegada do homem à Lua, nossa navegação significaria que ainda estaríamos comparativamente a cerca de 3,7Km da costa ibérica. 166 provenham os recursos (naturais) atuais e futuros, sendo que há de se esperar, portanto, um acirramento da competição geopolítica por esses territórios285. Complementarmente às questões de território, soberania e relações de poder, se incorpora o aspecto da territorialidade. Robert Sack (1986, p. 19) define territorialidade como “a tentativa de um indivíduo ou um grupo em afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos, pela delimitação e pela afirmação de controle sobre uma área geográfica”286. Há no sentido do autor uma vinculação do conceito a uma forma de agir, uma estratégia ou mesmo uma ideologia. Porém, territorialidade, por meio de uma abordagem cultural ou subjetiva, também pode expressar um “sentimento de pertencimento ou de identificação com um território” (TRIGAL, 2015, p. 586)287. Portanto, a territorialidade que se projeta no ambiente aeroespacial pode se observar tanto como estratégia quanto sentimento288. No caso do espaço aéreo, é comum se atribuir às forças aéreas a missão de controlar seus territórios, a partir do ar. A área geográfica do território nacional delimita uma zona de influência na qual os relacionamentos e processos devem ocorrer controladamente pela estrutura estatal designada para tal. O caso dos ataques de 11 de setembro de 2001, no qual aeronaves civis foram utilizadas como instrumento de terror, ao serem arremetidas contra edifícios privados e federais nos EUA, é emblemático na revelação de como essa territorialidade, na forma de estratégia, falhou consideravelmente289. O espaço exterior também carrega um simbolismo de territorialidade muito intenso. Os foguetes que lançam os satélites e outros equipamentos para além da atmosfera terrestre carregam as bandeiras dos países responsáveis pela empreitada. Da mesma forma, os astronautas se identificam pelo pavilhão de seus países. Também como expresso sentimento de territorialidade podemos 285 Saul Cohen (1963, p. xxi) não nos deixa olvidar que “As relações políticas entre os estados são influenciadas pelas áreas de valor estratégico”. 286 A definição original de Sack, semelhante a que ora citamos, teria aparecido no capítulo Territorial bases of power (Bases territoriais do poder), que o autor escreveu para o livro Political studies from spatial perspectives (Estudos políticos a partir de perspectivas espaciais), editado por A. D. Burnett e P. J. Taylor, publicado pela editora John Wiley, em Nova Iorque, no ano de 1981. 287 Autores como Hickman (2016), entendem que territorialidade não é algo nem positivo nem negativo, no sentido de um propósito, mas essencialmente uma componente do comportamento humano, ou seja, algo que se expressa de forma natural. 288 Bertha Becker (2012, p. 128) conclui que “a territorialidade é a expressão vivida do poder, que se manifesta numa relação humana com território”. 289 Muitos procedimentos de controle de tráfego aéreo foram modificados após o evento, inclusive no que diz respeito à defesa aérea continental nos EUA. Podemos exemplificar também na questão da territorialidade enquanto estratégia a missão-síntese atribuída à Força Aérea Brasileira (FAB), muito similar àquela atribuída a outras forças aéreas: “Manter a soberania do espaço aéreo e integrar o território nacional, com vistas à defesa da Pátria” (http://www.fab.mil.br/missaovisaovalores). 167 observar o fato de se posicionar bandeiras na Lua (Figura 24)290. Tal fato repete as empreitadas dos exploradores do século XV e XVI ao desembarcarem em terras desconhecidas ou inexploradas do batizado Novo Mundo. Figura 24 – Bandeira dos EUA na superfície da Lua Fonte: FLICKR, 2006. Sintetizando a discussão até aqui apresentada, observamos que a teoria em torno do conceito de território, e sua relação com o ambiente aeroespacial, permite-nos inferir algumas conclusões. As diferentes formas de se classificar um território, seja da forma político- administrativa, e mesmo jurídica, como repositório de recursos econômicos, seja da forma de uma abordagem cultural, coadunam com o objeto da Tese e permitem-nos identificar no ambiente aeroespacial todos os caracteres de um território, tais como o sentido de Estado, a existência de relações de poder, a previsão do exercício de soberania, a aderência às Leis de Ratzel sobre a expansão das fronteiras e, mesmo, o sentido de subjetividade e estratégia incorporado à ideia de territorialidade. Com efeito, somos levados a concordar com Jean Gottman (1973), primeiro quando destaca a significância do território, e depois quando define, muito apropriadamente, território, pois nessa definição temos a oportunidade de inserir o ambiente aeroespacial. Nas palavras desse autor, o “Território é um conceito político e geográfico, porque o espaço geográfico é tanto compartimentado quanto organizado através de processos políticos” (GOTTMANN, 2012, p. 526). Essa definição auxilia na compreensão da 290 Esse tipo de ação é o que Paasi (2003, p. 113) entende ser o “formato simbólico do território (elementos construídos pelo discurso dinâmico, símbolos fixos – bandeiras, brasões estátuas, práticas sociais – paradas militares, dia da bandeira, educação), um elemento crucial na sua formação”. 168 importância da variável política no contexto do ambiente aeroespacial e evidencia sua dimensão de espaço geopolítico. Em nosso caso, o território não é visto apenas no sentido absoluto, como um substrato concreto (uma coisa). Existe no ambiente aeroespacial um componente relacional, cujas relações de poder exercem um papel destacado. Não se quer dizer com isso que a questão cultural ampla, no contexto relacional, se restrinja ao poder291. Na verdade, o que se propõe, fugindo-se à valorização de uma ou outra nuance epistemológica, é um sincretismo, no sentido geográfico, das dimensões física e relacional como definidoras do território aeroespacial. Essa fusão de elementos interpretativos foi bem observada por Lin (2018, p. 35) quando apontou ser “o ar inspiração da guerra, da mobilidade e do comércio”. O primeiro desses aspectos foi apontado anteriormente, e os dois outros serão destacados a seguir. 3.2.2 Ambiente Aeroespacial, Economia e Geopolítica Neste item, o texto abordará as questões econômicas que envolvem a geopolítica do ambiente aeroespacial292, buscando evidências que corroborem a importância dessa variável para a hipótese de estudo. A análise reforçará a compreensão do ambiente aeroespacial sob uma perspectiva econômica. A discussão não esgota toda a potencialidade de temas como esse no ambiente aeroespacial, e alguns aspectos não puderam ser detalhados293. O propósito, com efeito, é apontar de que forma a geoeconomia se apresenta como aspecto central de uma geopolítica aeroespacial. Segundo Correia (2018, p. 281), a “geoeconomia deve ser entendida como a política orientada para intervir na resolução de problemas espaciais associados à economia, gestão de 291 Haesbaert (2007, p. 55) sugere atenção a essa postura quando fala de determinismo de “espaciologia” ou uma “sociologização” do território, com a consequente “desgeografização”. 292 Os geopolíticos clássicos também trataram das questões econômicas, seja por meio dos recursos naturais de um determinado território, ou pela pujança do Estado. Friedrich Ratzel via no lebensraum o espaço vital de sobrevivência do Estado, no qual estariam recursos naturais das mais variadas naturezas. Rudolf Kjellén associou os fenômenos políticos à economia quando sugeriu a ecopolítica (ou econopolítica). Alfred Mahan via no comércio marítimo a vitalidade de uma nação. Halford Mackinder compreendia que os meios de transporte assegurariam o trânsito dos recursos naturais no interior da área-coração. Nicholas Spykman entendia que as fímbrias seriam as regiões economicamente relevantes. Alexander Seversky dividiu as áreas de projeção de poder dos EUA e URSS, a partir da projeção polar, e nelas identificou regiões industriais e áreas provedoras de recursos naturais. 293 Entendemos que outros aspectos também poderiam ser apontados como fatores de relacionamento da economia com a geopolítica aeroespacial: o papel das aeronaves na exploração e integração de novas terras; o uso das aeronaves no processo de controle das colônias pelas nações imperialistas; o significado do transporte aéreo como linha de comunicação; a relevância das empresas aéreas, da infraestrutura aeroportuária e dos serviços correlatos na economia local e regional; o papel da aviação como instrumento da política econômica de um estado; o papel dos aeroportos no contexto urbano; o papel do setor público e da inciativa privada na indústria aeroespacial; comercialização de foguetes; leasing de satélites; cooperação comercial no desenvolvimento tecnológico; produção de propelentes etc. 169 recursos, de fluxos, de reposta equilibrada às necessidades humanas”. Considerando essa definição, estabelecemos duas premissas na elaboração em torno da geoeconomia do ambiente aeroespacial. Em primeiro lugar, considera-se que o poder, hoje, apresenta um forte viés econômico. Em segundo lugar, considera-se que a economia contemporânea é caracterizada pelo (neo)liberalismo econômico294. Por esses motivos, reforçando o que já se apontou anteriormente, há uma tendência de se considerar atores econômicos não somente empresas estatais e privadas, mas também certos organismos internacionais. De modo que este abrange empresas nacionais, corporações transnacionais e entidades de regulação, financiamento ou arbitragem. Em grande parte, esse viés econômico, quando se trata da atividade aeroespacial, caracteriza o que Doboš (2019, p. 37) chama de New Space (Novo Espaço), postura que “privilegia a atividade empreendedora independente, baseada em atores privados, cujo dinamismo e fluidez é maior que a atividade estatal”. Um bom ponto de partida para se revelar a importância geoeconômica da atividade aeroespacial é se conhecer fatos e informações sobre o segmento aeronáutico. Considera-se atividade aeronáutica as funções de natureza civil que incluem o transporte pelo ar regular de passageiros, voos não comercias de natureza privada (aeronaves pertencentes a particulares), voos relacionados a serviços agrícolas ou de aerofotogrametria, toda a infraestrutura que sustenta essa atividade (por exemplo, os aeroportos, as instalações logísticas, centros de aprovisionamento de refeições, o sistema de controle de tráfego aéreo etc.) e a indústria aeronáutica (responsável pela manufatura de aeronaves, turbinas, peças sobressalentes etc.). Na percepção de Leinbach e Bowen Jr. (2004, p. 285), por meio do “avanço incansável da tecnologia, o transporte aéreo tornou-se um potente mecanismo de mudança econômica e social no último século”. Em 1941, uma viagem aérea entre Boston e Los Angeles, cerca de 4.800Km, tinha a duração de 15 horas, com uma tarifa de passagem no valor de US$ 4.810,00 e 12 paradas intermediárias. Em 2018, a mesma viagem aérea pode ser realizada em 6 horas, ao preço de US$ 427,00 e sem nenhuma parada intermediária (A4A, 2020)295. 294 Segundo Silva e Silva (2009, p. 258, 260 e 261), o liberalismo econômico “é uma teoria capitalista, que defende a livre-iniciativa e a ausência de interferências do Estado no mercado, [e] pode ser entendido como uma ideologia que concede espaços à iniciativa e à autonomia individuais. Em sua forma atual rebatizada como neoliberalismo, é a ideologia política do mundo globalizado. É ele que advoga a abertura de mercados, o livre fluxo de capitais e os investimentos privados, a redução das responsabilidades sociais do Estado e a própria diminuição deste como mecanismo administrativo (tido em geral como dispendioso e antieconômico), em nome da privatização. O neoliberalismo é a reafirmação dos valores liberais originados do liberalismo econômico do século XIX”. 295 Laura Ash (2020a) entende que a redução do valor das tarifas, em uma análise histórica, é mais significativo nos voos internacionais. 170 Além dessa óbvia evolução, os números da atividade aeronáutica demonstram que esse é um setor pujante. Segundo a Air Transportation Action Group – ATAG (Grupo de Ação no Transporte Aéreo), a aviação, em 2017, “sustentava 65,5 milhões de empregos ao redor do mundo, em atividades relacionadas, e cerca de 10,2 milhões diretamente” (ATAG, 2018, p. 8). Não é por menos que Debbage (2014, p. 54) considera que “a indústria do transporte aéreo internacional possui uma geopolítica regulatória que é capaz de manipular e moldar a geografia” desse modal de transporte296. Dados fornecidos pela Oxford Economics indicam que a atividade aeronáutica teve “um impacto de US$ 2,7 trilhões na economia mundial, representando cerca de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial” (ATAG, 2018, p. 4)297. Dados fornecidos pela International Air Transport Association – IATA (Associação Internacional do Transporte Aéreo) apontam que, em 2016, as empresas de transporte aéreo eram responsáveis por transportar “35% do valor total de mercadorias, apesar desse valor representar apenas 1% do volume total em toneladas” (ATAG, 2018, p. 6). A IATA estimou que, em 2017, as companhias aéreas “transportaram 53,9 milhões de toneladas em mercadorias” (IATA, 2018, p. 6). Em 2018, houve um “crescimento de 3,4% no transporte de cargas, chegando a movimentar 64 milhões de toneladas” (IATA, 2019a, p. 8). Ainda segundo a associação, o transporte aéreo de cargas “cresceu duas vezes mais rápido do que o volume global de comércio em 2017” (IATA, 2018, p. 1). Segundo a associação Airlines for America (Linhas Aéreas para a América), companhias aéreas movimentam cerca de 1 trilhão de US$ a cada ano, apenas entre os EUA e outros países: com a Coreia do Sul são comercializados circuitos eletrônicos integrados, cerejas e caroços de frutas; com a China, equipamentos médicos, celulares, tablets e laptops; com a Nova Zelândia, salmão fresco; com o Canadá, computadores; com a Colômbia, flores; com o Peru, vegetais; com o Chile, peixe; com o Brasil, peças de aeronaves; com o Reino Unido, livros; com a Itália, vacinas; com Israel, diamantes; e com a África, inhame (A4A, 2020). 296 Um exemplo sobre essa afirmação pode ser observado no movimento aéreo dos aeroportos e na distribuição das rotas aéreas. Em função das limitações físicas na ocupação do pátio de estacionamento, pontes de embarque/desembarque e das pistas de pouso/decolagem, o horário de utilização dos aeroportos é repartido em slots (vagas). Cada empresa aérea recebe slots, que na prática são os períodos do dia, expressos em horários, nos quais aquela companhia pode executar operações em determinado aeroporto. O mesmo raciocínio se aplica à distribuição de rotas (a conexão entre determinados aeroportos) e os horários permitidos para a operação nessas rotas. Em função dessa regulamentação, surge uma geografização e, ao mesmo tempo, uma comercialização do espaço aéreo, daí porque o raciocínio geopolítico apresentado pelo autor. Camilleri (2018, p. 184) cita que “os slots de pouso podem ter valor comercial e trocados entre as empresas aéreas como mercadorias. A Oman Air pagou US$75 milhões à Air France por um par de slots de decolagem/pouso no Aeroporto de Heathrow (Inglaterra), em fevereiro de 2016. Um ano depois, a American Airlines pagou US$60 milhões à Scandinavian Airlines” por slots de pouso e decolagem. 297 Nos EUA, em 2019, a atividade aeronáutica representou cerca de 5% do PIB (A4A, 2020). Segundo a IATA (2019a, p. 8), “em 2018, o impacto foi de US$ 2,7 trilhões no PIB”. 171 Dentre as informações mais significativas da atividade aeronáutica está o transporte de passageiros. Conforme dados do Airport Council International – ACI (Conselho Internacional de Aeroportos), em 2018, “foram transportados 8,8 bilhões de passageiros, em cerca de 2.500 aeroportos em 180 países” (ACI, 2019, p. 1). No Brasil, em 2018, segundo a Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), foram transportados “117,6 milhões de passageiros domésticos e internacionais” (ANAC, 2019, p. 4). A título de comparação, segundo o Ministério dos Transportes, em 2018, “por via rodoviária [foram] transportados no Brasil cerca de 95,1 milhões de passageiros e pelo modal ferroviário em torno de 1,1 milhão” (BRASIL, 2019, p. 23 e 24)298, o que dimensiona a relevância econômica do modal aéreo. O Banco Mundial (2019) contempla um banco de dados que traz relevantes informações sobre o setor. A Figura 25 demonstra o crescimento do mercado mundial de transporte de passageiros desde 1975, o que revela uma curva ascendente de demanda. Figura 25 – Movimento mundial de passageiros no transporte aéreo Fonte: THE WORLD BANK, 2020a. No caso da Figura 26, a mesma tendência é observada no caso de transporte mundial de cargas. 298 O Anuário de 2017 informa que “no trecho Rio de Janeiro – São Paulo 81% dos passageiros são transportados por via aérea e 19% pelo modal rodoviário” (BRASIL, 2018, p. 11). 172 Figura 26 – Transporte aéreo mundial de cargas (milhões de ton/Km) Fonte: THE WORLD BANK, 2020b. Um grande impacto geoeconômico, e talvez o maior, da atividade aeronáutica pode ser observado no turismo. Segundo a ICAO, “Na economia global, a cada US$ 100 produzidos e 100 empregos gerados no transporte aéreo, cria-se uma demanda adicional de US$ 325 e 610 empregos em outras indústrias, respectivamente” (ICAO, 2002, p. 3)299. Por conseguinte, parte significativa da demanda adicional em valores e empregos provêm da atividade econômica do turismo, que se vale do transporte aéreo. Segundo a United Nations World Tourism Organization (Organização das Nações Unidas para o Turismo Mundial), o modal aéreo foi responsável por “57% dos turistas internacionais, em dados de 2017” (ATAG, 2018)300. Segundo a IATA (2019a, p. 12), o “transporte aéreo é vital para o turismo mundial, atividade na qual se estimam despesas na ordem de US$ 850 bilhões, um crescimento de cerca de 10% no ano de 2018, em relação ao ano anterior”. O fenômeno geoeconômico da atividade aeronáutica tem sido estudado por muitos 299 Karol Ciesluk (2020) apresenta uma lista das 10 maiores empresas de aviação que mais empregam funcionários: Lufthansa (e associadas) 138.353; American Airlines 133.700; Emirates 105.730; China Southern Airlines 100.831; United Airlines 96.000; Delta Air Lines 91.000; Air France – KLM 90.386; China Eastern Airlines 81.136; IAG (British Airways, Aer Lingus, Iberia, LEVEL e Vueling) 64.642; Southwest Airlines 60.800. 300 Uma análise detalhada do mercado de turismo e sua relação com o transporte aéreo pode ser obtida em Camilleri (2018). 173 autores, tais como Zandt (1944)301, Corbett (1965)302, Hirst (2008)303, Daley (2010)304, Carriço (2011)305, Abeyratne (2012)306, Vasigh, Fleming e Tacker (2013)307, Goetz e Budd (2014)308 e Schmitt e Gollnick (2016)309. No Brasil, também são observados trabalhos que buscam relacionar a geografia, a economia e o transporte aéreo, tais como Carvalho (1963)310, Corrêa et al. (1977)311, Cordeiro e Ladeira (1994)312, Théry (2003)313, Camilo Pereira (2014)314, Santos 301 O autor analisa, sob o ponto de vista geográfico e econômico, alternativas para a política de transporte dos EUA. 302 O estudo de Corbett é voltado para a realidade da Austrália, Grã-Bretanha, Canadá, Índia e EUA, por meio do estudo da política de aviação nesses países, enfocando questões como posse das empresas de aviação, a dicotomia entre empresa pública e privada e mecanismos de regulação da competição do mercado. 303 O autor compreende o transporte aéreo como um sistema e se preocupa em apreciar questões de viabilidade financeira, conformidade legal, eficiência e eficácia das empresas de aviação, das rotas e linhas aéreas, dos aeroportos e do espaço aéreo como um todo. 304 Daley aprecia o impacto da aviação na questão ambiental, abordando aspectos como ruídos, qualidade do ar, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável do transporte aéreo. 305 Segundo o autor, “através do estudo dos mais recentes projetos de investimento e desenvolvimento de infraestruturas de transporte e comunicações” analisa geopoliticamente opções estratégicas para países asiáticos, tais como a China e Índia (CARRIÇO, 2011, p. 2). 306 O autor considera o “Transporte aéreo um negócio complexo, que exige adaptação às exigências modernas” (ABEYRATNE, 2012, p. 395), dentre elas as questões de regulamentação, de segurança, ambientais e de desenvolvimento sustentável. 307 A obra é inteiramente dedicada ao relacionamento da atividade aeronáutica com a economia. Segundo os autores, o crescimento do tráfego aéreo internacional é afetado por diversos fatores: “o nível de prosperidade [econômica] de uma região”; “redução do custo real da viagem aérea”; “crescimento populacional”; “liberalização da economia”; “a política e a estabilidade política”; “atuação de terroristas”; “tempo disponível para lazer” (VASIGH, FLEMING e TACKER, 2013, p. 18-19). Na prática, a maior parte desses fatores demonstra a relação entre as características geoeconômicas de Estado ou região. 308 Na parte temática das abordagens da obra, John T. Bowen Jr. trata especificamente da economia ligada à geografia do transporte aéreo. Uma das conclusões desse autor é a direta relação entre a expansão de cidades, do ponto de vista econômico, com o incremento do transporte aéreo nos aeroportos dessas cidades, por meio da melhoria da qualidade dos serviços prestados a turistas e homens de negócios (GOETZ e BUDD, 2014). 309 Os autores debruçam a atenção sobre as tecnologias das aeronaves e sobre o modelo de negócio das linhas aéreas. Uma importante conclusão dos autores destaca a relação entre a indústria aeroespacial e a atividade militar, por meio de tecnologias duais, o que reforça a importância dos investimentos governamentais nessa área (SCHMITT e GOLLNICK, 2016). 310 Arp Procópio de Carvalho tem como principal preocupação analisar a política nacional para o transporte aéreo. A partir da apreciação de políticas em outros países, e de uma crítica ao cenário nacional da época, discute caminhos para o transporte aéreo nacional que passam essencialmente pela questão econômica, tais como a estatização, o monopólio, a privatização, a competição ampla, subsídios governamentais, tarifas e o relacionamento com outros sistemas de superfície. 311 Os autores destacam a influência do desenvolvimento de determinados centros urbanos em função da concentração da atividade aeronáutica nesses centros, por conseguinte reduzindo o fluxo de passageiros no transporte aéreo em centros urbanos menores que foram absorvidos no sistema. 312 Os autores concluem, concordando com Milton Santos, em O meio técnico-científico e a urbanização do Brasil, artigo da Revista Espaço & Debates de 1988, que “a circulação aérea favorece o papel de relé indispensável no sistema econômico”. A ideia de relé expressa o significado de retransmissor de uma potencialidade, assim a atividade aeronáutica (aeroportos, linhas aéreas, transporte de passageiros etc.) seria um fator de desenvolvimento da economia. 313 O autor utiliza dados do Anuário do Transporte Aéreo, da ANAC, sobre o tráfego nacional, e traça mapas de fluxos, que demonstram a forma de organização dessa estrutura nacional, concluindo sobre sua centralização e “certa capilaridade das trocas locais e regionais” (THÉRY, 2003, p. 19). 314 A autora analisa as estratégias empresariais no setor do transporte aéreo brasileiro, demonstrando a relação do capital empresarial com determinados territórios e aeroportos, enfim uma análise de cunho econômico no âmbito da atividade aeronáutica. 174 Jr. (2019)315, Rodrigues (2019)316, Camilo Pereira (2019)317 e Camilo Pereira e Théry (2019)318. Como reflexão final acerca da questão da geoeconomia do transporte aéreo, cabe destacar algumas considerações que a ATAG (2018) apresentou sobre o assunto. O mercado do turismo, sem a presença do transporte aéreo, não teria atingindo níveis de crescimento como aqueles testemunhados nos últimos anos. Os serviços da atividade aeronáutica também ampliam o acesso a mercados e mercadorias, não somente dos Estados economicamente fortes, permitindo que o sentido de globalização no comércio seja alargado319. A conectividade proporcionada pelo transporte aéreo ajuda os países a melhorarem sua produtividade, investimento e inovação, atraindo empregos de alta qualificação e negócios mais eficientes. As mercadorias que demandam rapidez na operação logística, tais como os produtos agrícolas frescos, encontram no transporte aéreo de cargas um modal de extremo valor para o acesso a novos mercados. Por fim, os aeroportos passam a se tornar importantes centros de suporte às comunidades por eles servidas, atuando como catalisadores de vantagens econômicas de amplitude local, regional ou nacional. Não há, portanto, melhores argumentos para caracterizar a geoeconomia da relacionada à atividade aeronáutica como um sustentáculo de uma geopolítica aeroespacial. A geopolítica aeroespacial também se vale da economia que se relaciona à atividade espacial. O ponto central dessa discussão encontra amparo na afirmação de Al-Rodhan (2012, p. 90), quando aponta para “A elevada dependência dos estados em tecnologias espaciais significa que determinados países podem ter vantagens geopolíticas substanciais pela negação, interdição ou destruição das capacidades de acesso ao espaço dos rivais”. Cabe, novamente, recordar o valor político do território conforme evidenciado por Ratzel; ideia expressa hoje em autores como Johnson-Freese (2007, p. 6), ao considerar o espaço exterior como um “ativo 315 Santos Jr. (2019) relaciona o transporte aéreo com a logística de transportes no Brasil, levantando a problemática do modelo nacional e seu impacto na economia. 316 O autor analisa fluxos aéreos (das empresas aéreas nacionais) e o impacto econômico, sob a ótica de uma geografia dos transportes. 317 A autora estuda a rede aérea brasileira sob a perspectiva geográfica, inferindo sobre sua importância no conceito de megarregião. 318 Os autores discutem a concentração de capital das empresas de transporte aéreo em uma lógica regional. 319 Camilleri (2018, p. 73), entretanto, aponta que pode haver uma segmentação geográfica de mercados, com base em variáveis como “clima, terreno, recursos naturais, densidade populacional, dentre outros fatores geográficos”. Poderíamos acrescentar a esses fatores a cultura local, a renda per capita, a importância turística, os hubs de carga, as dificuldade de acesso ou escassez em outros modais e a conexão entre centros financeiros como alguns dos aspectos intervenientes na segmentação de mercados. 175 estratégico”320. Ilayda Aydin (2019, p. 29) vê o “espaço exterior, com planetas, luas e asteroides um ambiente altamente rico em recursos”. Doboš (2019, p. 16) aponta que os recursos naturais do espaço exterior seriam “incentivos econômicos para se adentrar esse espaço e possivelmente colonizar os corpos celestes circunjacentes”. A atividade espacial (depreendida na Figura 18) abrange a operação e a exploração comercial de centros de lançamento de foguetes e serviços de rastreamento, o negócio dos serviços de telecomunicações e sensoriamento remoto, os serviços de previsão meteorológica e monitoramento ambiental, a exploração de recursos naturais em corpos celestes, o incipiente turismo espacial, o desenvolvimento do conhecimento científico (melhor compreensão do planeta e do cosmos) e a indústria espacial (essas duas últimas abordadas adiante na análise da variável tecnologia aeroespacial). Existem muitos trabalhos que discutem a atividade espacial. Boa parte deles trata de questões relativas ao arcabouço jurídico, ora ressaltando sua relevância, ora demandando uma revisão na legislação internacional (DANILYAN e DZEBAN, 2019; HICKMAN e DOLMAN, 2002). Temas originais emergem desses estudos, tais como, propostas quanto à arbitragem de disputas nos organismos internacionais (GOH, 2007), hegemonia e desarmamento do espaço (WOLTER, 2006), questões ambientais e sobre lixo espacial (SCHONBERG, 2010; KLINGER, 2019) e governança espacial (JAKHU e PELTON, 2017). Coletâneas como a de Codignola et al. (2009) exploram uma grande variedade de temas, alguns deles com nítido impacto na economia, tais como a questão legal da exploração de corpos celestes, a cooperação internacional e intercâmbio de tecnologia, e a ideologia. Todos esses temas elencados acima têm, de alguma forma, impacto na geoeconomia da atividade espacial. No Brasil, trabalhos de Amaral (2010; 2011), Bittencourt Neto (2011), Silva (2013), Santana Jr. (2015), Villas-Bôas (2016)321, Montserrat Filho (2016)322 e Santana e Liendo (2017), discutem a importância estratégica do PEB e buscam explicar as dificuldades 320 Segundo Sandroni (1999, p. 34), ativo é um “Conjunto de bens, valores, créditos e semelhantes, que formam o patrimônio de uma empresa, opondo-se ao passivo (dívidas, obrigações etc.)”. Dessa forma, o espaço exterior enquanto ativo estratégico melhor seria compreendido com um recurso (natural) de grande valor potencial, o que conecta com a ideia de espaço vital de Friedrich Ratzel. 321 Ana Lucia do Amaral Villas-Bôas traça um histórico do Programa Espacial Brasileiro, apontando a relação desse programa com as peculiaridades políticas e institucionais nacionais, principalmente a forte dependência de fundos públicos e a participação dos militares no desenvolvimento das pesquisas e produtos da atividade espacial. A autora faz também referência ao processo de globalização e como ele interferiu na dinâmica da tecnologia espacial. 322 José Monserrat Filho é, especialmente, um autor prolífico no campo da atividade espacial, em especial nas questões do Direito Espacial, sendo que a Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, publicada pela Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, propõe debates com base nas ciências jurídicas porém com amplo espectro de abrangência, tais como temas ligados ao lixo espacial, à exploração econômica de asteroides e conflito internacional, dentre outros. 176 atravessadas por esse programa (justificativas por maiores investimentos na atividade espacial brasileira), bem como tratar de assuntos de natureza jurídica, no âmbito do Direito Espacial. Segundo a Organization for Economic Co-operation and Development – OECD (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento), identificaram-se na literatura os seguintes impactos decorrentes de investimentos na área espacial: crescimento dos rendimentos comerciais e dos empregos, ganhos de produtividade e eficiência, bem-estar social, benefícios macroeconômicos, redução de custos, inovação em ciência, privação de custos desnecessários, novos contratos e reputação/inspiração (OECD, 2019). Dentre os negócios de maior lucratividade na atividade espacial está a operação e a exploração comercial de centros de lançamento de foguetes e serviços de rastreamento. Os centros de lançamento de foguetes possuem vantagens econômicas quando operados a partir de posições geográficas na linha do Equador, e próximos ao oceano e/ou em imensas áreas desabitadas. Na posição equatorial, em função da rotação terrestre, atinge-se de forma mais eficiente (menos consumo de combustível) a velocidade orbital necessária para se adentrar o espaço exterior, desde que o foguete seja lançado na direção Leste323. Segundo Dolman (1999, p. 100), “a latitude do lançamento afeta a inclinação da órbita espacial pretendida”, consequentemente no tipo de função que um satélite poderá desempenhar324. A possibilidade de se economizar combustível no lançamento permite lançar maior carga útil, o que implica em maior eficiência econômica. No caso de centros de lançamento que exploram comercialmente suas capacidades essa vantagem é significativa. Um exemplo pode ilustrar essa questão. O lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC) brasileiro ocorreu em 2017, no centro de lançamento de Kourou, na Guiana Francesa, igualmente localizado nas proximidades da linha do Equador. De acordo com Jean-Yves Le Gall, há época executivo da Arianespace, empresa que controla o centro em Kourou, um “lançamento de um satélite no [foguete] Ariane 5 custa cerca de US$ 137 milhões” (SELDING, 2014). Há que se observar, ainda, o surgimento de um mercado privado de desenvolvimento de foguetes lançadores de veículos espaciais. A empresa SpaceX, norte- americana, possivelmente, seja a melhor representante desse tipo de atividade. Por exemplo, o foguete Falcon 9 é o primeiro equipamento capaz de ser reutilizado (SPACEX, 2020), o que 323 O CLA, equipamento nacional de lançamento de foguetes, possui todas essas vantagens locacionais, o que lhe confere vantagem concorrencial diante de centros de lançamento de outros países. 324 Um “centro de lançamento que pode enviar foguetes tanto para Leste como para Norte ou Sul possui distintivas vantagens na eficiência orbital” (DOLMAN, 2002, p. 68). 177 implica em um novo conceito de operação e economia de recursos. Em função dessa realidade, Doboš (2019, p. 11) entende que “o custo dos lançamentos espaciais irá decrescer, tornando a relação custo x benefício mais eficaz, ampliando as atividades espaciais”. Outra possibilidade comercial associada ao lançamento de foguetes e satélites é a necessidade de rastreamento desses objetos. O rastreio, desde a fase de lançamento até a postura da órbita, é essencial para assegurar o sucesso da empreitada. No decurso da trajetória seguida pelo foguete há a possibilidade de desvio, cujas consequências precisam ser monitoradas, e ações tomadas, a fim de se evitar eventos catastróficos. Da mesma forma, após atingir a órbita, o satélite precisa manter-se em contato com as estações de rastreio que, rotineiramente, corrigem sua órbita. Segundo Dolman (1999, p. 103), “para se obter uma completa comunicação com os satélites as posições terrestres de rastreio e recepção também são importantes, obrigando que estações sejam distribuídas em vários pontos do planeta e, eventualmente, em navios”325. Há, portanto, que se pensar nos eventuais impactos geopolíticos que a demanda por serviços relacionados à atividade espacial gerará no cenário mundial. Como afirmou Warf (2007, p. 385), o “acesso à tecnologia de satélites espelha, reforça e, ocasionalmente, transforma geometrias de poder terrestre dos estados no sistema mundial”. Apenas para se dimensionar essa realidade, o The Space Report 2019 Q1 (Relatório do Espaço 2019 Q1) informa que “os EUA gastaram US$ 48,3 bilhões em atividades espaciais no ano fiscal de 2018”, sendo que desse montante a “NASA (42,92%) e o Departamento de Defesa (50,77%) foram responsáveis por 93,7% do total” (SPACE FOUNDATION, 2019, p. 3). Considerando esses números é difícil discordar de Everett Dolman quando aponta que “a expansão [das atividades espaciais] não se dará pelo esforço cooperativo integrado, mas pela vontade de determinados estados que buscarão a sobrevivência política” (DOLMAN, 2002, p. 75). O argumento, que critica o regime espacial atual, considera o montante de investimentos como esses apontados nos números relativos aos EUA. Ora, como será viável exigir daqueles que mais investem um compartilhamento de benefícios colhidos da exploração espacial, ignorando o fato de quem investe mais não terá o quinhão proporcional ao investido, sendo obrigado a dividir o lucro mas não a despesa?! Nesse ponto, Dolman critica a ideia da res communis, alertando para o fato de que: [...] a falha em considerar a lógica vem da suposição de que a propriedade comum [do espaço] é mais desejável que a propriedade privada. Essa falha tem empobrecido os 325 No Brasil, o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), localizado no município de Parnamirim- RN, pode executar a função de rastreio de foguetes, tal como o foguete Ariane. 178 programas espaciais nacionais, estabelecendo um curso entrópico (de desordem) na direção da apatia e do falecimento (DOLMAN, 2002, p. 90). Na economia política da geoeconomia espacial, outro setor em que se evidencia a disparidade entre os investimentos das nações é o negócio dos serviços de telecomunicações e de sensoriamento remoto. Na verdade, em conjunto com a capacidade de lançamento e rastreamento, o desenvolvimento de satélites de comunicação e sensoriamento formam o que se pode denominar programa espacial. Autores como Al-Rodhan (2012, p. 211) vinculam esse programa ao pensamento geopolítico quando afirmam que “Um programa espacial é um símbolo de uma grande nação”. Existem, basicamente, três tipos de satélites: os satélites geoestacionários de comunicação, os satélites de sensoriamento remoto e os satélites de posicionamento global326. Praticamente, “a maioria desses satélites tem uso dual, cerca de 95%, e é difícil distinguir se a aplicação da tecnologia tem fim militar ou civil” (AL-RODHAN, 2012, p. 48)327. Em torno desse problema é que surgem as correntes que tratam da militarização do espaço pois, se um satélite pode ter uso militar, isso significa dizer que o espaço já é um ambiente de conflito interestatal328. Deudney (1982) revela que o monitoramento por satélite têm sido uma realidade desde 1967, a partir dos conflitos árabe-israelenses e nos conflitos entre a Índia e o Paquistão329. A Guerra do Golfo de 1991, como apontado acima, testemunhou de forma ampla a militarização do espaço exterior por meio do uso de satélites de comunicação, navegação e posicionamento330. Apesar da intensa aplicação militar de satélites, o uso dual também possibilita o emprego desses equipamentos para muitas utilidades civis. Daniel Deudney (1982, p. 9) reconhece que “O espaço se tornou uma arena crescente de atividades comerciais rotineiras”. Observa-se o uso de satélites nos sistemas globais de comunicações (micro-ondas, telefones celulares, rádio telecomunicação, sinais de TV) na difusão de valores, ideias e ideologias, na prevenção de crimes, no monitoramento de áreas instáveis e de movimentos nas fronteiras 326 Segundo Dala Vechia (2018, p. 19), “existem cerca de 1.459 satélites em órbita”. 327 Segundo Warf (2007, p. 388), “a grande diferença entre aplicações militares e civis [na tecnologia espacial] envolve a mudança de foco das comunicações para a vigilância; embora a tecnologia permaneça importante em ambos os aspectos, tanto para fins militares como para fins civis, apesar de nesse último caso as comunicações permanecerem dominantes”. 328 No Brasil, um artigo que aponta essa discussão, sob o ponto de vista nacional na questão do espaço exterior é “A Militarização do Espaço: desafio para as potências médias” (SILVA, 2010). 329 “De longe, o uso militar de maior benefício do espaço é o reconhecimento e vigilância” (DEUDNEY, 1982, p. 18). 330 Em outros episódios marcantes da atualidade também se observou o largo emprego de capacidades derivadas de satélites. “Durante a Operação Enduring Freedom e Iraqui Freedom mais de 60% e cerca de 80%, respectivamente, das comunicações militares foram processadas por satélites comerciais” (HAYS, 2011, p. 36). 179 (observação quanto ao cumprimento de tratados), no monitoramento do clima (inclusive de acordos internacionais), nos dispositivos de navegação e posicionamento global etc. Os satélites de comunicação têm elevado potencial geoeconômico. Em 2019, a indústria espacial gerou US$ 366 bilhões de receita. Somente em serviços relacionados à satélites, a receita foi de US$ 271 bilhões. Na construção de satélites, os EUA representam cerca de 62% das receitas (SIA, 2020). Satélites permitem, por exemplo, que nações territorialmente amplas e pobres expandam sua rede de telecomunicações, aperfeiçoando serviços como o da telemedicina. Especificamente um caso de sucesso na Índia331, que segundo aponta Nardon (2011), utiliza seu programa espacial para minimizar seu subdesenvolvimento econômico-social, com iniciativas como o emprego dos satélites na saúde, na educação e no monitoramento de enchentes e secas. Valendo-se da capacidade de telecomunicações ubíquas, Estados têm fortalecido seu soft power (poder suave), “por meio da difusão de atitudes culturais e ideias políticas e, as comunicações globais [satelitais]” (OECD, 2004, p. 1), agindo na amplificação dos efeitos dessa potencialidade. Um grande problema na questão das órbitas satelitais, em especial nas LEO e GEO é que, como já se observou anteriormente, elas são áreas limitadas. Há, inclusive, análises que comparam as órbitas dos satélites com a disputa por rotas comerciais terrestres dos séculos XVII e XVIII, cuja provável tendência será o “encorajamento dos estados soberanos, em espaços aparentemente indivisíveis pelas fronteiras nacionais, buscar maneiras de reabilitar questões de soberania”, nessas rotas ou órbitas (PRICE, 1999, p. 2)332. Tal situação pode bem ser ilustrada pelo fato ocorrido com o Estado-arquipélago de Tonga, situado no Oceano Pacífico, cuja área total é de 747km², possui economia baseada na exportação de produtos agrícolas e na pesca, além do turismo (CIA, 2020). O país possui apenas um aeroporto com pista pavimentada, e uma única empresa de aviação com apenas uma aeronave. Nenhuma expertise no setor aeroespacial. Porém, em 1990, valendo-se da legislação em vigor e financiado por uma empresa de telecomunicações dos EUA, Tonga reivindicou 16 slots de links orbitais à ITU (BUCK, 1998). Esses slots determinam quem pode prover serviços de satélite a determinadas partes do mundo, e o número deles é controlado pela ITU para que 331 Sobre esses e outros programas espaciais da Índia no espaço vide (ALIBERTI, 2018). 332 Segundo afirma Dolman (2002, p. 64), “O cinturão geoestacionário possui severas restrições (limites) no número de satélites que nele podem operar” e o limite nas órbitas geossincrônicas deve-se à demanda de acomodação das ondas de rádio e para se evitar interferência de sinais. 180 não haja interferência entre sinais de satélites próximos333. Claramente, a iniciativa de Tonga foi especulativa, pois o país, em 1990, mal tinha comunicações telefônicas confiáveis, muito menos qualquer capacidade de lançar satélites. O fato narrado destaca que o espaço exterior, apesar de ser uma “terra comum, caracterizada pelo alto grau de interconectividade e interdependência” (AL-RODHAN, 2012, p. 41), é um espaço com alto potencial de disputa, em função da escassez em determinados espaços geográficos. No Capítulo anterior, observamos que esse raciocínio da órbita geoestacionária e da órbita baixa também pode ser aplicado aos Pontos de Lagrange ou à Órbita de Transferência de Hohmann. Tal pensamento nos remete à ideia de linhas de comunicação (MAHAN, 1890), e a sua importância para o desenvolvimento do Estado moderno. Apesar de terem um impacto significativo na estabilidade política global, via capacidade de monitorar crises (DEUDNEY, 1982; MOWTHORPE e KANE, 2004), os satélites de comunicação, que ocupam parcela significativa do mercado de uso comercial, e de sensoriamento remoto, ainda são considerados importantes equipamentos quando se fala em segurança nacional. Não é por menos que países como os EUA investiram, em 2018, cerca de US$ 25 bilhões somente em gastos militares no setor espacial (SPACE FOUNDATION, 2019, p. 4)334. Importante recordar que esse país possui três programas espaciais que correm em paralelo: o “White, que é civil e conduzido pela NASA; o Blue, de natureza militar e secreto, conduzido pelo Departamento de Defesa; e o Black, voltado para o sensoriamento remoto e tocado pelas agências de inteligência, como a Central Intelligence Agency – CIA (Agência Central de Inteligência)” (SHEEHAN, 2007, p. 44). No sentido cooperativo do uso do espaço exterior, duas outras atividades podem ser citadas a partir da capacidade dos sensores posicionados em satélites: o serviço de previsão meteorológica e o monitoramento ambiental. A importância econômica dessas atividades é evidente, como na prevenção de catástrofes naturais, tais como enchentes, alagamentos e erosão; na questão das mudanças climáticas, por meio do acompanhamento do derretimento de geleiras ou mudanças no ambiente atmosférico, na medição da camada de ozônio, do efeito estufa e do aquecimento global; no desmatamento florestal, seja por força deliberada da ação humana ou por queimadas naturais; na prospecção de depósitos minerais, como o petróleo e água; no planejamento urbano ou regional, por meio de avaliação de terras devolutas; no 333 “Outro campo de discórdias, além das órbitas geoestacionárias, é o espectro de utilização das radiofrequências. As bandas abaixo de 30MHz, mais populares, apenas podem acomodar poucos usuários sem que haja interferência entre si” (SHEEHAN, 2007, p. 135). 334 No Brasil, o gasto total na área de Defesa é de US$ 30 bilhões (CIA, 2020), ou de acordo com o International Institute of Strategic Studies, de US$ 27,5 bilhões. 181 planejamento rodoviário e ferroviário; no desenvolvimento da cartografia; na movimentação de refugiados; no acompanhamento de sistemas vivos, tais como o deslocamento de grandes mamíferos, e na proteção ambiental; no controle de pestes etc. Organizações internacionais como a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), a World Meteorological Organization – WMO (Organização Meteorológica Mundial) e a OECD, utilizam-se dos dados fornecidos pelos sistemas satelitais de meteorologia e meio ambiente para dar suporte às suas atividades, cujo impacto econômico pode ser dimensionado no exemplo seguinte. De acordo com a National Oceanic and Atmospheric Administration – NOAA (Administração Nacional de Oceanos e da Atmosfera), órgão dos EUA que utiliza satélites no monitoramento meteorológico e do meio ambiente, o furacão Katrina, de 2005, “foi responsável por ao menos US$ 108 bilhões em danos a propriedades” (BLAKE, LANDSEA e GIBNEY, 2011, p. 5). Avanços recentes no campo espacial buscam o melhor monitoramento desse tipo de evento climático. Dentre esses dispositivos estão o Global Precipitation Measurement (GPM), o Cyclone Global Navigation Satellite System (CYGNSS), o Geostationary Operational Environmental Satellite (GOES), os satélites Terra e Aqua da NASA e o Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer335. O propósito final desses sistemas que atuam isolada ou cooperativamente entre as nações é permitir uma melhor antevisão dos movimentos meteorológicos, como forma de prevenir comunidades e minimizar eventuais danos materiais e humanos (URRUTIA, 2017). A atividade espacial também se dedica à exploração de recursos naturais em corpos celestes336. Quando Arthur C. Clarke (2013) narra, com certa frustração, o encontro com o asteroide 7794, na famosa obra de ficção 2001: Uma Odisseia no Espaço, revelava que a clara 335 No geral, a função desses sistemas e satélites é coletar dados sobre precipitação, volume, movimento etc., de fenômenos como furacões e tufões tropicais, como forma de ajudar na previsão meteorológica. Global Precipitation Measurement (Medidor de Precipitação Global). Cyclone Global Navigation Satellite System (Sistema Ciclone de Navegação Global por Satélite). Geostationary Operational Environmental Satellite (Satélite Geoestacionário Operacional de Maio Ambiente). Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (Espectroradiômetro de Imagem com resolução Moderada). 336 Neste segmento, aderindo ao escopo do objeto da Tese, os corpos celestes considerados serão a Lua e os asteroides que transitem no campo gravitacional da Terra e da Lua. Há, porém, estudos que revelam potencialidades em outros corpos celestes, tais como Marte (SPACE FOUNDATION, 2019) e a própria exploração da luz solar como fonte de energia. A Agência Espacial de Luxemburgo possui um sítio da internet que trata da questão dos recursos naturais no espaço exterior. Segundo essa Agência (LUXEMBOURG SPACE AGENCY, 2020), “A Lua, outros planetas e asteroides contêm rica diversidade de minerais, gases e água que podem prover matéria-prima, energia e sustentação de vida humana que permitam a exploração no espaço exterior profundo”. 182 intenção da tripulação da espaçonave de prospecção daquele corpo celeste. De fato, a exploração de corpos celestes, na opinião de John Lewis, é infinita e, [...] com base na compreensão atual do sistema solar e utilizando tecnologias já presentes ou imediatamente disponíveis, poderemos libertar a Terra dos problemas de energia, tornar quantidades significativas de material astronômico disponíveis e elevar o padrão de vida em todo o mundo. Precisamos apenas levantar nossos olhos e olhar a riqueza de energia e de matérias que cercam o espaço. Essa visão nos inspirará a buscar caminhos de utilizar na economia esses recursos (LEWIS, 1996, p. xi). A possibilidade de exploração de recursos naturais nos corpos celestes surge com o acirramento da corrida espacial. Autores como O’Neill (1978) já pensavam sobre esse assunto, apontando a presença de recursos como carbono, nitrogênio e hidrogênio, capazes de serem extraídos a partir de colônias humanas no espaço exterior. No caso da Lua, há evidências fortes da presença de água congelada nos polos desse satélite terrestre (ANGELO JR., 2006). Salisbury (1962), já apontava que esse talvez fosse o principal recurso natural da Lua. Em 2018, a NASA confirmou a presença de água na Lua, e a partir de informação coletada por um módulo de pesquisa norte-americano lançado por um foguete indiano, o veículo de órbita lunar Chandrayaan-1, que identificou, em crateras nos polos lunares água congelada (SHANAHAN, 2018)337. No presente momento, já se possui um conhecimento do potencial mineral da Lua338, entretanto, como aponta O’Neill (1978, p. 49), ainda há que se evoluir na forma de “concentrar, separar e processar os materiais em produtos utilizáveis”. No caso dos asteroides, Mark Sonter, em artigo para a National Space Society (Sociedade Espacial Nacional), apontou que: [...] estudos espectroscópicos sugerem, e análises químicas de meteoritos em laboratórios confirmam, que uma ampla gama de recursos está presente nos asteroides e cometas, incluindo metais níquel-ferroso, minerais de silicato, metais de platina, água, hidrocarbonetos betuminosos, e gases enclausurados e congelados, tais como dióxido de carbono e amônia (SONTER, 2006)339. Em função dessa possibilidade, autores como Al-Rodhan (2012, p. 33) entendem que “a possibilidade de mineração no espaço transforma-se em uma questão crítica na geopolítica futura”340. Além do potencial econômico na exploração de corpos celestes, tais 337 A mesma notícia também foi divulgada em sítios da rede mundial de computadores especializados em notícias sobre o espaço exterior, tais como space.com e no próprio sítio da Nasa moon.nasa.gov. 338 Estima-se que foram extraídos da Lua, nas missões do programa Apollo, cerca de 382Kg de rochas (SANTINI, 2009). No Capítulo anterior, foram apresentadas informações sobre a composição mineral desse satélite natural da Terra. 339 Segundo Elvis (2012, p. 549), “O apelo econômico para a mineração de asteroides é clara: metais preciosos como ouro e platina são vendidos a cerca de US$ 50,000 por quilograma. Um pequeno asteroide com 200m de diâmetro e rico em alumínio pode valer algo em torno de US$ 30 bilhões”. 340 De acordo com Goswami (2018), a China estará próxima, em 2040, de adquirir a capacidade de minerar recursos no espaço, inclusive de asteroides. 183 como os asteroides, existem outras razões potenciais para tal empreitada: a demanda por conhecimento científico acerca da origem do Sistema Solar; a necessidade de defesa planetária, em face dos riscos que objetos espaciais naturais podem trazer em caso de colisão com a Terra; e a possibilidade desses corpos celestes tornarem-se pontos de ancoragem intermediários em viagens espaciais futuras (DOBOŠ, 2019). Dentre as formas sugeridas de exploração mineral nesse tipo de corpo celeste, propõe-se o deslocamento de um asteroide para a órbita lunar, e de lá iniciar o aproveitamento dos recursos. Há entretanto, segundo Leonard David (2012), que utilizou informações de um estudo do Keck Institute for Space Studies – KISS, situado no California Institute of Technology, a necessidade de se priorizar a capacidade de identificar alvos (asteroides) potenciais, desenvolver propulsão suficiente para retornar com o material coletado e estabelecer a presença humana em órbitas lunares. Ainda segundo esse mesmo autor, “são conhecidos cerca de 9.000 asteroides próximos à Terra, e 1.500 deles são fáceis de atingir a partir da superfície da Lua, para aqueles aspirantes à mineração de rochas espaciais” (DAVID, 2012). Desde 2014, como foi evidenciado no Capítulo anterior, sondas espaciais aterrissam em asteroides com a finalidade de prospecção (Figura 16). Em 2019, deu-se um passo mais ousado, com a sonda japonesa Hayabusa-2, que efetivamente prospectou o asteroide Ryugu, por meio do uso de um dispositivo de impacto que espalhou materiais em uma determinada área do corpo celeste341. Houve a coleta de material e o retorno da sonda japonesa está previsto para 2023, com as amostras coletadas (CAVALCANTE, 2020). O que se pode concluir sobre a exploração de recursos naturais em corpos celestes segue duas direções. A primeira delas é a crescente participação do setor privado, que demandará alternativas tecnológicas de exploração que transformem o investimento em um empreendimento economicamente viável342. Outra perspectiva que se agrega a essa é aquela que aponta Al-Rodhan (2012, p. 165) quando considera esses recursos espaciais como vitais e que as “Infinitas quantidades de minerais e matérias-primas, assim como a renovável e limpa utilização da energia solar podem dramaticamente modificar a dinâmica geopolítica entre os estados”. Um último aspecto geoeconômico que tem recebido grande atenção nos últimos anos é a possibilidade do turismo espacial. De forma ainda incipiente, empresas como a Space 341 Segundo Aydin (2019, p. 30), além do Japão, “a ESA, a China e a Índia desenvolvem sondas de prospecção de asteroides”. 342 Andrews et al. (DOBOŠ, 2019) “estima que nos próximos 25 anos será comercialmente viável uma missão de exploração comercial em asteroide”. 184 Adventures, a Virgin Galactic e a Blue Origin estão entre aquelas que, com maior foco e esforço financeiro343, desenvolvem ações para viabilizar essa atividade econômica, inclusive organizando um sistema de reserva de passagens para os aspirantes à turista espacial344. Todas essas empresas, e outras que de forma menos intensa estão envolvidas nessa empreitada, são do setor privado345. Essa característica reforça uma ideia anteriormente apresentada sobre a multiplicidade de atores na economia espacial, cabendo relembrar o que Al Rodhan (2012, p. 159) afirmou quando sugeriu que “As empresas comerciais não estatais também se tornaram importantes atores geopolíticos na exploração espacial”346. Não se trata, ainda, de um mercado estável, onde apenas os investimentos privados possam ser suficientes para levar adiante a atividade. Entretanto, estudos como o Space Tourism Market Study (Estudo sobre o Mercado de Turismo Espacial) revelam dados importantes. Há um “mercado potencial de 15.000 passageiros e receitas na ordem de US$ 700 milhões para as viagens suborbitais” ou no caso dos voos orbitais há “expectativa de, em 2021, 60 passageiros viajando anualmente ao espaço, representando receita na ordem de US$ 300 milhões” (BEARD et al., 2002, p. 2 e 3). O turismo espacial também amplia o espectro econômico, mas não deixa de apresentar um risco envolvido, seja de cunho legal ou ligado às questões ambientais. Esses aspectos são apontados por Benkö, Zickler e Röhn (2015) e, segundo destacam as autoras há riscos de acidentes (maiores que na aviação) e riscos para a saúde (ambiente de zero gravidade). Ainda não há regulamentação internacional sobre as viagens turísticas ao espaço, a exemplo do que há para o transporte aéreo, o que pode gerar diversos problemas legais. Por fim, o aumento no volume no tráfego de foguetes em órbita terrestre e partes de componentes desses foguetes 343 Outras empresas como a Armadillo Aerospace, a Space Adventures, a Masten Space Systems, a SpaceX e a XCOR Aerospace também aparecem no mercado do turismo espacial. 344 De acordo com Foust (2011, p. 209), “desde 2001, a empresa norte-americana Space Adventures, tem vendido a clientes assentos na espaçonave Soyuz no trajeto entre a Terra e a Estação Espacial Internacional, com preços que variam de US$ 20 a 45 milhões”. 345 O que não quer dizer que não recebam investimentos públicos. 346 Corroborando essa visão, em 1991, os anais do II Simpósio Internacional sobre o Poder no Espaço já anteviam que “a atividade do turismo espacial poderia ser economicamente viável” (SPS-91, 1991, p. 483). 185 geram, por conseguinte, o aumento de debris (lixo espacial), o que reflete em questões ambientais e de segurança nas operações347. A pesquisa em torno do que a empresa Space Adventures tem oferecido a potenciais clientes pode indicar a tendência geral do mercado de turismo espacial na próxima década. A empresa busca “tornar a experiência da vida no espaço acessível para um maior número de pessoas” (SPACE ADVENTURES, 2020). Basicamente, a empresa oferece quatro serviços: uma missão de circum-navegação da Lua; uma experiência de habitação na ISS; um voo espacial em órbita LEO terrestre; e uma caminhada espacial. Nos produtos oferecidos aos potenciais clientes está implícito algum tipo de parceria com agências internacionais ou Estados, como no caso da visita à ISS, cujo transporte da Terra à órbita é fornecido pelo foguete russo Soyuz. Nesse último caso, a Space Adventures já levou oito cidadãos à ISS (SPACE ADVENTURES, 2020). A Virgin Galatic é outra empresa que vem atuando no turismo espacial, e sua principal inciativa é o desenvolvimento de um sistema suborbital de transporte de passageiros (Figura 14). A empresa acredita que “o mercado de luxo das viagens espaciais cresce muito mais rápido, cerca de 7%, em 2018” (VIRGIN GALATIC, 2020), do que outros produtos de luxo como bens pessoais (joias, relógios, vestuário), experiências de luxo em casa (conforto oferecido pelos eletrodomésticos) e equipamentos luxuosos (como carros, jatos privados e iates). A Blue Origin e a SpaceX são empresas voltadas a desenvolver veículos reutilizáveis, o que tornaria economicamente mais barato o voo de turismo espacial. Ambas visualizam no futuro próximo o voo espacial para humanos e investem em dispositivos e sistemas para atingir esse objetivo. Somente a SpaceX, em 2019, teria obtido cerca de US$ 12 347 Segundo Deudney (1982, p. 49), “Os debris orbitais crescem a uma taxa de 11% ao ano”. Hays (2011b, p. 91) alerta que com “a permanência de tendências atuais, há um risco crescente de que os debris tornem o espaço, em particular as LEO, progressivamente não utilizável”. Aydin (2019, p. 33) compara o problema dos debris a um câncer, “que pode potencialmente impedir ou inibir a utilização do espaço pela civilização moderna”. O lixo espacial pode gerar problemas de colisão contra satélites ou outras espaçonaves, inclusive os próprios foguetes conduzindo os turistas espaciais, com efeitos catastróficos. Quando isso se propaga continuamente, gerando um efeito em cascata, dá-se o nome de Síndrome de Kessler. Além disso, partículas maiores decorrentes desses efeitos catastróficos, tais como satélites inteiros, podem ser desorientados e vir a reentrar na superfície terrestres colidindo contra o solo sem controle. Apesar de não ter supostamente sofrido efeitos de debris, o satélite russo Cosmos 954 que conduzia um reator nuclear com isótopo U-235, colidiu em território canadense, no ano de 1978, ocasionando apreensão em função da possibilidade de contaminação radioativa. Tal fato, inclusive, gerou o pagamento de uma compensação pecuniária da URSS ao Canadá no valor de C$ 3 milhões (TATSUZAWA, 1998). Segundo a ESA, com dados até fevereiro de 2020, existem, em órbita terrestre, objetos classificados como debris na seguinte magnitude: “objetos acima de 10 cm – 34.000; objetos entre 1 cm e 10 cm – 900.000; e objetos entre 1 mm e 1 cm – 128 milhões” (ESA, 2020). 186 bilhões em contratos com o governo norte-americano para prover serviços de lançamento de satélites utilizando plataformas reutilizáveis (SPACEX, 2020)348. Como afirma Sachdeva (2011, p. 308), o “turismo espacial é uma nova emergente indústria”. Como fator econômico, também será cada vez mais um vetor a interferir na geopolítica das nações. Até porque haverá uma disputa pelo controle do acesso turístico ao espaço exterior, a exemplo do que já acontece em outros espaços turísticos terrestres (MOSTAFANEZHAD e NORUM, 2016; HALL, 2017). Assim, não é demais relembrar Francis Sempa (2002, p. 116) quando revela a importância do assunto ao afirmar que “A geopolítica no século XXI também será afetada pela luta contínua pelo controle do espaço sideral”. Nessa disputa pelo controle do espaço exterior, um fator determinante, e que tem íntima relação com a geoeconomia, é o acesso à tecnologia, outra relevante variável de nossa hipótese de estudo. 3.2.3 Ambiente Aeroespacial, Tecnologia e Geopolítica Anteriormente, referenciamos a ideia do geógrafo Milton Santos (2008) quando destacou a emergência de um meio técnico-científico-informacional. De fato, a existência de uma nova forma de relacionamento do homem com a natureza parece caracterizar a realidade que se descortina ao ambiente aeroespacial, como parte integrante de um novo sistema técnico. Há que se destacar, inclusive, que o renomado autor brasileiro considerou o meio técnico- científico-informacional como um espaço geográfico no qual estaria presente, dentre outros fatores, a tecnologia. A perspectiva de empiricização do tempo por meio da técnica, característica de um sistema técnico, e a sua interpretação desse fenômeno a exemplo do conceito de modo de produção (SANTOS, 2008), passa adjacente ao tema central desse segmento do texto. Na verdade, o sistema técnico atual, ou meio técnico-científico-organizacional, está implícito na estruturação que propusemos anteriormente (Figura 18). Mais do que revelar essa realidade, o propósito agora é discutir o papel da tecnologia nesse sistema técnico. O tema tecnologia, na forma que aqui propomos discutir, está contido nas abordagens associadas à geografia dos transportes (ULLMAN, 1954), e subsidiariamente à 348 Essa empresa trabalha com a possibilidade de transportar humanos para Marte e outras partes do Sistema Solar, além de habilitar a vida em outros planetas. 187 geografia das redes e dos sistemas de telecomunicações e informação (CASTELLS, 2004)349. Da forma como se trata a questão da tecnologia, fica claro, seguindo a tendência de Howells (2009, p. 187), que ela se refere “a um corpo de conhecimentos relativos a meios e métodos de se produzir algo [...] cada vez mais dependente de ciência”. Portanto, no caso do ambiente aeroespacial, o tema tecnologia pode ser estudado, por exemplo, da forma que propõe Leinbach e Bowen (2004), quando analisam os impactos das novas tecnologias da aviação como fatores de mudança econômica e social. Assim é que, por opção metodológica, preferimos abordar a tecnologia sob a ótica de determinados produtos, tais como as aeronaves e satélites, consequentemente depreendendo o impacto desses equipamentos na geopolítica aeroespacial. A tecnologia tem sido um fator de grande relevância para a Geografia (WILBANKS, 2004). Na questão geopolítica, a tecnologia é um fator de imenso impacto para o ambiente aeroespacial350. Segundo Tokaty (1987, p. 712), a “explosão de conhecimento aeroespacial estabelece novas dimensões para as questões ligadas à defesa nacional, às relações internacionais, à estratégia militar, ao campo político-social, à economia, ao comércio etc., e afeta a todos”. Assim foi com a aerostação, com a participação das aeronaves ao longo da história, e assim é hoje com a tecnologia dos foguetes, veículos lançadores, satélites e todos os demais sistemas e equipamentos que envolvem a atividade aeroespacial. Com a finalidade de se estabelecer um panorama sobre a relação da tecnologia, o ambiente aeroespacial e a geopolítica, a pesquisa buscou levantar evidências relevantes sobre o desenvolvimento do conhecimento científico (e como ele permite uma melhor compreensão do planeta e do cosmos) e sua aplicação à indústria aeroespacial. Tal qual Ratzel, que via na cultura uma forma de progresso científico, outros teóricos da geopolítica clássica deram à questão da tecnologia uma importância destacada. No pensamento de Mahan encontra-se a influência do desenvolvimento da propulsão marítima a partir da queima de carvão (motor a vapor). Em Mackinder, o transporte ferroviário assume o 349 Na verdade, a tecnologia dos meios de transporte é um tema que já ganhara relevância em Halford Mackinder (as ferrovias), Alfred Mahan (os navios) e Alexander Seversky (os aviões), como exposto anteriormente. 350 Além de importante é um tema em constante evolução. A tecnologia desenvolve-se em passos acelerados e como afirmou Johnson-Freese (2007, p. ix), discorrer sobre esse assunto é como “narrar um jogo de beisebol em andamento”, cuja realidade é cambiante a cada instante. Teng (2013, p. 33) entende que “mudanças na tecnologia militar têm moldado a paisagem geopolítica desde as eras remotas”. 188 papel central de viabilizador da ideia de área-pivô. Seversky, em uma perspectiva tecnológica, atribui ao avião um papel central no entendimento do cenário geopolítico da 2ª GM351. Neste segmento do texto, o que se discute é a relevância da relação entre tecnologia e geopolítica. Ralph Turner já havia elucidado essa relação, após discorrer sobre o desenvolvimento histórico da tecnologia e seu impacto geopolítico e, na conclusão de seu artigo de 1943, sugere que “a busca de uma teoria [geopolítica] dinâmica deve se iniciar com os diferenciais tecnológicos das nações” (TURNER, 1943, p. 15). O que o autor propunha era a componente tecnológica da geopolítica, ou a geotecnologia352. Podemos identificar uma incipiente análise dessa relação na discussão que Robert Strausz-Hupé apresenta em torno da reorganização da indústria alemã durante a 2ª GM, a que denomina de “geotécnica” (STRAUSZ-HUPÉ, 1972, p. 108). Nessa visão, há uma limitação do conceito, muito mais direcionado ao reposicionamento da indústria a partir de critérios tecnológicos e geográficos. Porém, esse autor não deixa de observar a necessidade de uma maior abrangência no relacionamento entre geopolítica e tecnologia quando afirmou que “As mudanças geopolíticas produzidas pelo rápido desenvolvimento da tecnologia moderna ainda estão em andamento e ainda são apenas vagamente entendidas” (STRAUSZ-HUPÉ, 1972, p. 187). Em um sentido mais amplo, na Geografia, a tecnologia contribui com três impactos: a) no significado da localização (modificando o sentido de proximidade); b) no caráter dos lugares e das pessoas que lá vivem (permite comparações e influências sobre os modos de vida); e c) interfere na natureza das relações sociais (por exemplo, a mecanização ou as tecnologias da informação e comunicações) (WILBANKS, 2004). A compreensão do impacto da tecnologia na geopolítica, tem sido estudado por diversos teóricos. Nayef Al-Rodhan (2011) analisa os impactos geopolíticos decorrentes da tecnologia em diversas áreas do conhecimento. Nas telecomunicações e na troca de informação, ambas derivadas da capacidade tecnológica aplicada ao espaço exterior, principalmente pelos satélites353, o autor vê esse campo de 351 No Brasil, a discussão sobre a aplicação da tecnologia dos transportes data do Segundo Reinado, pelos planos viários (SOUSA NETO, 2012). Posteriormente, surgem elaborações baseadas na realidade geográfica, e geopolítica, do país no concerto da América Sul, cujo foco principal era o aproveitamento das tecnologias disponíveis, mormente a do transporte hidroviário e ferroviário (TRAVASSOS, 1938) e (TRAVASSOS, 1942) e, posteriormente aéreo (RODRIGUES, 1947). 352 Mais recentemente, autores como Gavin Bridge (2013), analisado no Capítulo anterior, recorrem à ideia de volume na geografia (e na geopolítica) expandindo o entendimento de que há uma “política do volume” que garante o fluxo de comodities e materiais por meio de práticas tecno-políticas. Williams (2007, p. 509) cita a “tecno- geopolítica vertical”, descrevendo a relação do poder aéreo, tecnologia e fins geopolíticos. 353 Al-Rodhan (2011, p. 18) entende que as telecomunicações e informação são “serviços relacionados que abrangem toda a gama de produção, consumo e distribuição de informações em todas as mídias, desde a Internet e satélites até rádio e televisão”. 189 aplicação como “um dos principais impulsionadores da mudança social e desempenha um papel fundamental em capacitar a sociedade civil global, capaz de, pelas novas tecnologias da informação, afetar sistemas políticos e estimular mudanças políticas” (AL-RODHAN, 2011, p. 35). Scholvin (2016, p. 24) aponta a importância de fatores intervenientes não-geográficos na geopolítica, e a “tecnologia parece estar entre o mais importante deles”. De fato, mesmo na Geografia, a tecnologia aeroespacial representou um salto importante por meio do sensoriamento remoto, incialmente com as aeronaves e atualmente por meio dos satélites, fato já destacado acima, quando consideramos sobre a nova perspectiva advinda do ambiente aeroespacial. Colin Flint (2006) destaca que houve um repensar na atividade de mapeamento, com maiores detalhes na observação, com uma verdadeira visão global do planeta e com a possibilidade de levantamentos geográficos em tempo real. Daniel Deudney (1982) também observa avanços científicos decorrentes da tecnologia aeroespacial em atividades como a astronomia, a oceanografia, a climatologia e a geologia354. Na opinião desse autor, “O maior impulso ao conhecimento da humanidade decorrente da exploração espacial talvez tenha sido o de olhar mais claramente e diretamente à Terra, ao invés de vagamente a outros planetas similares” (DEUDNEY, 1982, p. 29). Essa é uma afirmação muito importante pois, apesar de ser uma tecnologia voltada para a conquista do espaço exterior, o que de fato se verifica na geotecnologia aeroespacial é um grande efeito nas ciências da natureza. O que, mais uma vez, dá sentido à ideia de ambiente aeroespacial. Se a geopolítica analisa a relação entre a geografia e as potencialidades de um Estado, mais exatamente por meio da geotecnologia abrem-se não somente possibilidades para uma melhor compreensão da geopolítica na superfície terrestre, mas também para uma geopolítica aeroespacial. Assim é que autores como Michael Sheehan (2007, p. 9) entendem que “o poder político e econômico associados à tecnologia avançada tornou-se um determinante crucial no status e poder internacional”. Na mesma direção seguem Mowthorpe e Kane (2004) quando alertam que a tecnologia espacial é um fiel de balança tanto para nações tecnologicamente desenvolvidas nesse setor manterem a dianteira no cenário internacional, como para aquelas que almejam atingir o status dos grandes355. O desenvolvimento do conhecimento científico por meio da tecnologia aeroespacial aponta algumas tendências. A ampliação desse conhecimento decorre da aceleração do 354 Lowman Jr. (2002) destaca a contribuição da pesquisa e dos voos espaciais para a geologia e para a geofísica. 355 Corson e Palka (2004) apresentam uma síntese história de como a geotecnologia, ou a geografia tecnológica, ampliou as possibilidades militares norte-americanas, e o grande destaque dos autores é o aproveitamento de tecnologias na terceira dimensão, desde a fotografia aérea na 1ª GM aos satélites mais recentemente. 190 desenvolvimento tecnológico a partir da 2ª GM, com a consolidação da aeronave no contexto militar e civil, os primeiros foguetes, o motor a jato etc. A Guerra Fria acelera a disputa em torno de tecnologias e o domínio da nova dimensão aeroespacial. Raymond Aron (1965, p. 63) faz um alerta contundente a esse respeito, quando afirma que “As nações que rejeita[rem] o desenvolvimento científico est[arão] escolhendo abandonar o caminho da História pela estagnação”. Nesse momento, passa a se observar um fenômeno que Eligar Sadeh (2011, p. 24) descreveu como um “processo de tomada de decisão política na área [aero]espacial, seja no meio civil, comercial ou militar, [que] está envolto em uma multiplicidade de coalizões, atores governamentais, agências e corporações comerciais que lutam por recursos e objetivos para controlar os projetos e programas espaciais”. Os programas espaciais, tais como o Programa Apollo, que levou o homem a pisar na Lua, revelam duas realidades356. A primeira delas é a relevância geotecnológica do segmento aeroespacial, cuja base de inserção foi, e em certa medida continua sendo, a militarização do espaço aéreo e do espaço exterior. A corrida espacial, inclusive com a possibilidade de se levar a guerra ao espaço exterior – o que já é uma realidade no caso do espaço aéreo – moldou fenômenos de armamentização e militarização nesse novo domínio geográfico357. A segunda constatação é que a tecnologia aeroespacial está largamente associada ao desenvolvimento socioeconômico. Por meio de um amplo leque de atividades, algumas delas apontadas acima, o ambiente aeroespacial, onde transitam aviões e satélites, comércio, finanças, informação e influência, é um novo domínio geopolítico. Tal fato nos permite acrescentar às palavras de Sheehan (2007, p. 126), quando diz que “A tecnologia [aero]espacial oferece enormes benefícios às nações em desenvolvimento”, o fato de que os benefícios são também da humanidade. Um dos campos em que esses benefícios são perceptíveis do ponto de vista da geotecnologia é a indústria aeroespacial. Deudney (1982, p. 15) aponta isso com clareza quando 356 Há que se destacar que, na aurora da aviação, também foram elaborados programas de aviação de cunho estatal. Os programas espaciais estatais iniciados no pós-2ª GM, hoje assumem vieses bem diferenciados. Há, em primeiro lugar, distinções em termos de capacidades que categorizam nações de primeira ordem e programas espaciais moderados ou incipientes. Há, também, uma intensa participação do setor privado (por vezes aproveitando recursos públicos) e de organismos internacionais e de organismos não-governamentais. Eligar Sadeh (2011) apresenta um panorama bastante completo sobre essa realidade. Harris e Sollinger (1994) estabelecem a relação entre programas espaciais e objetivos nacionais. 357 Em 2002, a United Nations Institute for Disarmament Research – UNIDIR (Instituto das Nações Unidas para pesquisa sobre Desarmamento) realizou conferência sobre a questão da armamentização/militarização do espaço exterior, buscando atuar como foro para a discussão do tema em aspectos como a militarização do espaço, usos comerciais e civis do espaço, usos militar e de segurança no espaço, preservação do espaço para fins pacíficos e perseguição do banimento de armas espaciais (UNIDIR, 2003). 191 afirma que “Um dos benefícios da exploração espacial que é difícil de quantificar é o efeito de spin off das tecnologias”358. Os subprodutos da tecnologia aeroespacial decorrem, em grande parte, dos investimentos que se faz na indústria aeroespacial359. O grande salto da indústria aeronáutica, e na sequência da indústria espacial, veio com a 2ª GM. Identificamos que é, a partir de então, que a indústria aeroespacial, a conjugação da indústria aeronáutica com a espacial, se dedicou à produção de tecnologias voltadas para o desenvolvimento de: aeronaves (militares e civis, assim como tecnologias associadas); de foguetes (fabricação, montagem, lançamento, rastreamento e recuperação); de satélites (arquitetura, construção, montagem, alocação no foguete, posicionamento em órbita e controle/comunicação); e de componentes e sistemas associados ao funcionamento de foguetes e satélites (propulsão, sensores, navegação etc.). Trata-se de um segmento econômico com ampla gama de atividades, em alguns casos conduzidas por empresas de outros ramos, e cuja abrangência total excederia os limites da pesquisa. Ao se procurar estabelecer a relação da tecnologia aeroespacial com a geopolítica, no caso da indústria aeroespacial, é preciso observar o que Sadeh (2011) aponta como fatores a serem considerados para o estabelecimento de políticas públicas para esse setor: a) cultura estratégica; b) estado da tecnologia; c) objetivos civis, comerciais e de segurança nacional para o espaço; e d) tratados internacionais360. Esses fatores agem diretamente na indústria aeroespacial, pois orientam sua atividade a partir da política (cultura estratégica), das possibilidades (tecnologia), dos interesses (objetivos) e dos limites/oportunidades (tratados). 358 Efeito semelhante ao spin off é o spillover (benefícios extrínsecos advindos de investimentos externos em projetos na indústria nacional). Um exemplo de spillover na indústria aeroespacial brasileira é o caso da parceria Brasil-Suécia no desenvolvimento de uma aeronave de caça. Segundo Oliveira et al. (2018, p. 80), nesse caso, podem ocorrer “ganhos de produtividade para as empresas locais e que fazem parte da cadeia de valor, como fornecedores e distribuidores [ou] ganhos de mercado, pois as companhias estrangeiras servem de ponte para as empresas locais entrarem em mercados internacionais [além de] oportunidade para adquirir tecnologias modernas e aprimorar a capacidade técnica do país”. Pesquisas e produtos da NASA geraram spin offs, tais como: filtro de água, travesseiro com memória elástica, mouse para computadores, câmera de telefones celulares, termômetro de ouvido, lentes oculares resistentes a arranhões, detetores de fumaça, palmilhas para sapatos, purificadores de ar, comunicações a longas distâncias, detetores de câncer de mama, equipamentos contra-incêndio, pavimentação de segurança para rodovias (grooving), desfibrilador cardíaco implantável, botes salva-vidas, sistemas de rastreamento de busca e salvamento, winglets de asas de aeronaves, material odontológico para aparelhos dentários, aparelhos para cultivo de plantas, sistema para identificar locais apropriados para a pesca, fornos inteligentes (21ST CENTURY TECH, 2014). 359 Teixeira (2019) avaliou a influência que corporações multinacionais, como a Boeing e a Embraer, exercem em governos e comunidades locais, em um processo que denominou “captura corporativa”, especificamente quanto ao poder de direcionar os sistemas públicos de ensino para demandas das corporações, como forma de obter redução de custos e customização de cursos necessários. 360 A cultura estratégica é o grau de reconhecimento do Estado quanto à questão política do espaço exterior, tema que será explorado adiante. O estado da tecnologia refere-se ao nível atingido pelo Estado no desenvolvimento das tecnologias do campo espacial. Os objetivos apontam para as estratégias, prazos e interesses a serem atingidos pelo Estado, nos diferentes setores, público, inclusive o militar, e civil, ou privado. Os tratados internacionais representam limites ou oportunidades sob as quais o Estado deve considerar. 192 Outro ponto importante é observar alguns números da indústria aeroespacial. De acordo com Aerospace Industries Association – AIA (Associação da Indústria Aeroespacial)361, somente nos EUA, em 2017, essa indústria significou “2.4 milhões de empregos totais na cadeia produtiva (843 mil empregos diretos), U$ 865 bilhões em vendas e U$ 143 bilhões em exportações” (AIA, 2018, p. 1). Considerando apenas a indústria espacial, essa “foi responsável, em 2017, por uma produção total de US$ 41 bilhões em sistemas espaciais” e por “mais de 80 mil empregos diretos” (AIA, 2018, p. 2 e 7). Dados importantes também podem ser obtidos a partir de outro cenário onde os investimentos na indústria aeroespacial são significativos. De acordo com a EuroSpace362, em 2018, “as indústrias espaciais europeias foram responsáveis por vendas em torno de €$ 8,48 bilhões” e “mais de 43 mil empregos diretos” (EUROSPACE, 2019, p. 1). No Brasil, a AIAB informa que a contribuição socioeconômica do setor aeroespacial brasileiro, “pode ser avaliada pelo volume de negócios do setor (em 2014, 6,4; em 2015, 7,5; em 2016, 7,4; e em 2017, 6,37 US$ bilhões), as exportações do setor atingiram em 2017 o valor de US$ 5,46 bilhões e o número de empregos gira em torno de 22 mil” (AIAB, 2020). O leque de atividades, subprodutos e serviços que decorrem da indústria aeroespacial é amplo. De acordo com o The Space Report 2019 Q1 (SPACE FOUNDATION, 2019), a indústria espacial desenvolve produtos de posicionamento, navegação e tempo que viabilizam serviços como localização e rastreamento de caminhões de carga, condução de veículos autônomos, patinetes elétricos, conservação de determinadas espécies de tubarões, monitoramento de gasodutos e oleodutos, e ações mitigadoras após desastres naturais. Especificamente no setor espacial da indústria, autores como Al-Rodhan (2012, p. 172) entendem que a atividade comercial assume papel relevante, inclusive podendo intervir em negociações diplomáticas, “capazes de influenciar líderes mundiais nas negociações sobre segurança espacial e sobre regulamentação espacial internacional”. Sem dúvida que a mesma percepção também é pertinente para o setor aeronáutico, haja vista que empresas como a The 361 A AIA é uma organização não-governamental que cuida dos interesses de seus associados e envolve as indústrias aeronáutica, de defesa e espacial. Segundo essa Associação, trata-se de “uma organização representativa de manufatureiros e supridores do segmento aeroespacial, líderes na nação, com mais de 340 membros” (AIA, 2018, p. 15). 362 A Eurospace é uma associação de comércio das empresas espaciais europeias. Segundo informações da Associação, trata-se de uma “organização sem fins lucrativos, criada em 1961, e os membros da Eurospace representam, hoje, 90% do volume de negócios total da indústria espacial europeia” (www.eurospace.org). 193 Boeing Company, a Airbus ou mesmo a Embraer, são marcas representativas de estados ou continentes363. Contudo, a indústria aeroespacial tem sofrido restrições tecnológicas e econômicas por motivos políticos. Dolman (2002, p. 52) já destacou que “A aplicação da tecnologia espacial é simplesmente a última na lógica das inovações tecnológicas em um contínuo processo de refinamento e ressurgência da teoria geopolítica”. Estados em processo de expansão de capacidades tecnológicas, como é o caso brasileiro, sofrem limitações no desenvolvimento científico em função de acordos internacionais restritivos, como o Missile Technology Control Regime – MTCR (Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis), um tratado não impositivo cujo foco é a limitação da proliferação de sistemas não-tripulados (mísseis balísticos) capazes de transportar ogivas com armas de destruição em massa. O MTCR funciona por adesão e os países signatários auto-restringem a capacidade de desenvolvimento para itens ou capacidades estipuladas no Regime, enquanto os países detentores de equipamentos tecnologicamente sofisticados regulam sua exportação. A comunidade internacional, em particular países hegemônicos nessas tecnologias, exercem forte pressão para que os países não detentores dessas tecnologias venham a aderir a esse tratado. Na prática, em função das características de dualidade dos sistemas espaciais, torna-se difícil justificar a demanda de desenvolvimento ou importação de determinado sistema ou componente, sem que ele seja enquadrado nas cláusulas restritivas do Regime364. Além desses limitantes de acesso à tecnologia, os acordos do arcabouço jurídico sobre o uso do espaço exterior também se revelam como importante fator a se considerar na questão da geotecnologia. Everett Dolman (2002) é um autor que se posta de forma bastante crítica em relação a esses acordos. Ele vê problemas na proposta de cooperação internacional da exploração espacial, em especial na falha de uma visão comercial onde aquele que mais investe não necessariamente obtém o maior resultado econômico. Essa falta de perspectiva do ponto de vista mercadológico, demanda alterações na legislação internacional. Em 2015, possivelmente reverberando as posições do autor, o Congresso norte-americano aprovou o U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act – CSLCA (Ato Norte-Americano sobre a 363 Importante notar que todas essas empresas atuam também no setor espacial, o que justifica citar que se trata, na verdade, de uma indústria aeroespacial. 364 O Brasil aderiu ao MTCR em 27 de outubro de 1995, de acordo com informação contida no portal do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (https://www.mctic.gov.br/). Outro tratado que também impõe, de alguma forma, restrições ao acesso às tecnologias aeroespaciais é o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares – TNP. O governo brasileiro, por meio do Decreto Nº 2.864, de 7 de dezembro de 1998, considerou que o Tratado deverá ser executado e cumprido na íntegra. 194 Competitividade Comercial em Lançamentos Espaciais), cuja principal orientação foi a de “permitir que companhias norte-americanas detenham a posse ou vendam materiais extraídos da Lua, de asteroides ou outros corpos celestes” (WALL, 2015). Para Dolman (2002, p. 137), “A conclusão final é a de que o Tratado do Espaço Exterior e o regime espacial socializado desencorajaram a competição produtiva entre os estados com capacidade espacial”. Mas isso não significa que certas arquiteturas de cooperação não possam produzir resultados compartilhados. A começar pela questão da aviação. Nesse caso específico, existe hoje um grande nível de integração entre as nações na indústria aeronáutica. Uma parte expressiva dos projetos são joint ventures que agregam fabricantes de motores, de equipamentos de bordo e de estrutura da fuselagem das aeronaves365. A Airbus, por exemplo, produz aeronaves comerciais, helicópteros, produtos de defesa & segurança e produtos espaciais. É uma “empresa internacional, com cerca de 180 pontos de funcionamento, linhas de montagem localizadas na Ásia, na Europa e nas Américas, além de doze mil fornecedores diretos em todo o mundo” (AIRBUS, 2020). Outro exemplo importante é a aeronave militar F-35 Lightning II, conhecida como Joint Strike Fighter (Caça Conjunto de Ataque). A aeronave é uma joint venture onde participam Austrália, Canadá, Dinamarca, Itália, Holanda, Noruega, Turquia e Reino Unido, os parceiros originais. Ingressaram posteriormente no projeto, por meio de parceria de compras militares, Israel, Japão e Coreia do Sul. De acordo com a fabricante, “fornecedores em todos os países parceiros produzem componentes da aeronave, totalizando mais de 1.500 produtores, e linhas de montagem nos EUA, na Itália e no Japão” (LOCKHEED MARTIN, 2020). Esse é um panorama que expressa bem o grau de integração do mercado aeronáutico. Também na indústria espacial há aqueles que defendem que a cooperação é um caminho viável. Mowthorpe e Kane (2004) entendem que a cooperação internacional tem mais a ajudar do que atrapalhar. Na opinião dos autores, “No longo prazo, a indústria espacial e o uso comercial do espaço tem mais a ganhar com a paz do que com a guerra” (MOWTHORPE e KANE, 2004, p. 34). Mesmo no que diz respeito à militarização do espaço, há aqueles que propõe uma agenda colaborativa, tal como De Blois (2003, p. 19) que aponta argumentos contra essa tendência, tais como: ser “inapropriado com base no custo-benefício”; representar “falta de bom senso do ponto de vista militar” (pois seria inefetivo, poderia gera uma escalada e atuar 365 Joint ventures também são observadas nas empresas de aviação do setor de transporte aéreo de passageiros (CAMILLERI, 2018). 195 como desestabilizador globalmente); ser “altamente dispendioso”; e apresentar-se como “politicamente inviável em face da interdependência entre as nações”. De fato, as questões que tratam de economia e tecnologia no setor da indústria aeroespacial possuem elevado impacto geopolítico, pois, independente do tratamento comercial ou financeiro, são temas, como apontou Sadeh (2011, p. 10), discutidos no âmbito da “segurança nacional”366. Todo esse potencial revelado pela geoeconomia e geotecnologia do ambiente aeroespacial tem caracterizado o que autores denominam como Poder Espacial. James Oberg define poder espacial como: [...] a combinação de tecnologia, demografia, economia, indústria, militar, vontade nacional, além de outros fatores que contribuem com as habilidades coerciva e persuasiva de um país influenciar politicamente as ações de outros estados e outros atores, ou em atingir objetivos nacionais por meio da atividade espacial (AL- RODHAN, 2012)367. Ao analista atento, nessa definição não escapará a evidente conclusão de que estamos a tratar do ambiente aeroespacial e, portanto, de uma geopolítica aeroespacial. Mas essa nova interpretação da geopolítica possui, também, um aspecto ideológico, a variável final da hipótese de estudo, que merece análise. 3.2.4 Ambiente Aeroespacial, Ideologia e Geopolítica Até o momento, o esforço em se geopolitizar o objeto de estudo demonstrou que a geopolítica aeroespacial sofre a influência de aspectos geográficos, políticos (militares e jurídicos), econômicos e tecnológicos. Neste segmento do texto, buscaremos apontar que a ideologia também é um relevante fator a influenciar essa geopolítica, em especial na escala estatal, como esforço final de levantamento de evidências que corroboram a hipótese de estudo. Revelando o papel do Estado na geopolítica, Richard Muir (1981, p. 243) entende que “Todos os estados se posicionam politicamente em torno de uma ideologia, e essa ideologia pode influenciar políticas públicas”. No caso da aviação, já nos anos de 1930 esse fenômeno pode ser observado, quando o governo fascista italiano, segundo Caprotti (2008, p. 200), “celebrou o sucesso do regime, por meio de voos de propaganda, criação de um panteão mitológico em torno da figura dos aviadores, cujo propósito era a representação de uma ideologia em torno de tecnologia e ideias de modernização”. 366 Há também o interesse de se tratar o impacto da tecnologia na geopolítica sob o ponto de vista da gestão territorial. Machado (1993, p. 10) entende que a partir da difusão da tecnologia “Uma nova geopolítica se esboça, no sentido de colocar o local na rede internacional”. 367 Outros autores que discutem a questão do poder espacial são Gray (1996), Wagner (2005), Bowen (2015), Fernandez (2016) e Moltz (2019). 196 Anteriormente, observamos o quão significativo é para o ambiente aeroespacial o aspecto da territorialidade, expressa na forma de um sentimento de pertencimento (TRIGAL, 2015). Símbolos nacionais, como um pavilhão, são constantemente evocados como expressão desse sentimento de identificação com o território. A territorialidade, contudo, não é a única ferramenta de análise sobre a relação da ideologia no contexto do ambiente aeroespacial, apesar de ser contundente instrumento nessa investigação. No âmbito dos estudos geográficos, há também que se recorrer à geografia cultural para a observação da forma como a ideologia pode ser interpretada na geopolítica aeroespacial. Paul Claval (2007) deixa claro que a geografia cultural é um ramo da geografia humana, que, por sua vez, é responsável pela apreciação das conexões do ser humano e o ambiente no qual vive. Antes do autor francês, Lebon (1976, p. 41) já destacara que a “Geografia Humana concerne às atividades humanas e os resultados dessas atividades sobre a superfície da Terra”. Dentro dessa lógica, Flint (2006, p. 1) considerou “A Geopolítica uma componente da geografia humana”. Especificando o conceito de geografia cultural, no bojo da geografia humana, do ponto de vista da ciência geográfica interessaria, pela ótica da cultura, observar tecnologias (artefatos, objetos, equipamentos) e como elas seriam capazes de impactar nas relações sociais. Claval alerta, porém, que não é no estudo da técnica em si que reside a tarefa do geógrafo. Ou seja, o geógrafo não é um cientista da tecnologia, mas aquele que investiga como a técnica interfere, transforma e consolida alterações sociais ou econômicas, em determinado contexto geográfico. Portanto, a atenção dos estudos culturais no âmbito da geografia deveria ser direcionada para a representação que a tecnologia exerce em determinado contexto cultural. Na geografia cultural há clara preocupação do relacionamento entre ideias, ou uma ideologia (uma ideia-matriz), como prática e/ou como no uso de tecnologias (CLAVAL, 2007). Em nosso caso, caberia apreciar a forma pela qual o ambiente aeroespacial, por meio de tecnologias, pode ser ideologizado ao ponto de se perceber elementos para uma análise geopolítica, tais como soberania, relações de poder ou mesmo territorialidade. Por esse motivo, concatenar ideologia, cultura, tecnologia e território é uma tarefa que assume importância ímpar, algo que o próprio Claval observou ao apontar que: [a cultura é constituída de] realidades e signos que foram inventados para descrevê- la, dominá-la e verbalizá-la. Carrega-se, assim, de uma dimensão simbólica. Ao serem repetidos em público, certos gestos assumem novas significações. Transformam-se em rituais e criam, para aqueles que os praticam ou que os assistem, um sentimento de comunidade compartilhada. Na medida em que a lembrança das ações coletivas funde-se aos caprichos da topografia, às arquiteturas admiráveis ou aos monumentos criados para sustentar a memória de todos, o espaço torna-se território (CLAVAL, 2007, p. 14, grifos nossos). 197 Relacionar cultura, ou mais propriamente ideologia, aos estudos geopolíticos implica na compreensão do que é representação. Anteriormente, trouxemos a análise de Yves Lacoste sobre esse assunto, quando discorreu sobre a Guerra do Vietnã, além das contribuições de Moreira (2007) e Kaplan (2006). Contudo, faz-se necessário retornar a esse tema, a partir de uma concorrência com o entendimento de Derek e Johnston (2009, p. 645), que compreendem representação como “um símbolo ou uma imagem, ou ainda o processo de se tornar algo (um objeto, um evento, uma ideia ou uma percepção) inteligível e identificável”. Os autores atribuem à representação características como processo social, construção de identidades e cultura política, associadas ao espaço e às relações políticas, enfim uma geografia cultural sob o prisma da representação. O ponto onde queremos chegar é reconhecer o papel da ideologia na geografia e, por conseguinte, na geopolítica, na forma de discurso. Ainda no escopo daquilo que se denomina geografia cultural, surgem linhas de pesquisa sobre a dimensão simbólica presente no objeto de estudo368. Anteriormente referenciadas, elas analisam o ambiente aeroespacial do ponto de vista cultural, tais como a ideia de airspaces (espaços aéreos), de aereality (aerorrealidade), vida aérea, aeromobilidade e aerotropolis (metrópole aeroporto). Essa última ideia, considerando o aeroporto como uma entidade simbólica no contexto da sociedade, responsável pelo surgimento do homo aeroportis globalis (homem global do aeroporto) (ADEY, 2010). Trabalhos como o de Cwerner, Kesselring e Urry (2009) apontam novas perspectivas de abordagem temática das aeromobilidades, dentre elas a questão cultural em torno do espaço aéreo, que deixa de ser um objeto inanimado e passa a ser observado como espaço de vida, de relações sociais, afetivas e ideológicas. Todos esses discursos acadêmicos buscam imprimir à geografia aérea ideias relacionadas a sentimentos, paixões, sensações, percepções, ponto em que se ressalta novamente a ideia de relacionamento da tecnologia, no caso o transporte aéreo, com a cultura. Michel Foucault (1980) foi um teórico que trabalhou a ideia de discurso. Discursos seriam instrumentos de poder (ou de resistência), por meio dos quais fundamenta-se a constituição do tecido social. Para o autor, importante seria reconhecer que esse discurso, que busca revelar uma verdade, ou uma ideologia, mas que baseia-se na apropiação de uma cientificidade, por demandas econômicas e políticas, objeto de ampla circulação social, gerado, organizado e difundido por forças dominantes na sociedade e palco de contestações ou lutas ideológicas. 368 Há nesses casos uma forte influência de outras ciências, como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia. 198 O discurso é, portanto, a forma de se operar uma ideologia, o que nos permite identificar uma continuidade entre ambos. Delaney (2009, p. 204) concebe o discurso como uma elaboração institucional, pois, enquanto ideologia, é “um conjunto de crenças mais ou menos elaboradas, internamente coerentes e compartilhadas”. Quando se pensa na influência das ideologias na geografia, conscientemente se volta atenção para a questão das territorialidades369. Nesse sentido, a geografia do ambiente aeroespacial, pela apropriação do discurso sobre a vida aérea, instiga a pesquisa a buscar a forma como o discurso, representado pela ideologia, interfere na direção da constituição de uma territorialidade aeroespacial. Essa forma ideológica de argumentação se estende ao espaço exterior, por meio da relevância de alguns discursos. O poder espacial enquanto fator diferenciador dos estados, as ideias sobre variações culturais observadas nos atores da exploração espacial (WHITE, 2014) e os desafios antropológicos e sociológicos na colonização de outros planetas (SCHETSCHE, 2011), revelam uma tendência de incorporação aos estudos astronômicos de questões que extrapolam os aspectos físicos ou morfológicos (próprios de uma astronomia física, para fazer uma analogia com a geografia física), voltando a atenção para questões de natureza simbólica, ideológica e cultural (o campo de uma astronomia cultural). O ambiente aeroespacial, dentre outras características, é o espaço geográfico no qual se utiliza uma tecnologia de transporte. Claval propõe que tecnologias, dentre elas os sistemas de transporte ou modos de locomoção, sejam objeto de estudo da geografia cultural, tanto é que em sua visão “O progresso das técnicas de transporte é um dos fatores essenciais de transformação das relações dos grupos com o ambiente” (CLAVAL, 2007, p. 249). Ele vai um pouco além, afirmando que: Os espaços humanizados superpõem múltiplas lógicas: eles são em parte funcionais, em parte simbólicos. A cultura marca-os de diversas maneiras: modela-os através das tecnologias empregadas para explorar as terras ou construir os equipamentos e as habitações; molda-os através das preferências e os valores que dão às sociedades suas capacidades de estruturar os espaços mais ou menos extensos e explicam o lugar atribuído às diversas facetas da vida social; ajuda enfim a concebê-los através das representações que dão um sentido ao grupo, ao meio em que vive e ao destino de cada um” (CLAVAL, 2007, p. 296). Considerando que o ambiente aeroespacial, a par de sua constituição física, é um espaço geográfico que testemunhou, e tem tornado manifesta, a evolução da tecnologia dos transportes (dos balões às espaçonaves), compreende-se que a análise desse ambiente sob a perspectiva cultural é uma inciativa que complementa o esforço de geopolitização do objeto de estudo. Dessa forma, além de objeto de diferenciação de situações sociais e individuais, como 369 A Tese tratou da questão da territorialidade ao analisar a contribuição de Robert Sack (1986). 199 propôs Claval, a cultura é também um fator de dieferenciação entre estados, conclusão que já apontamos ao apreciar Friedrich Ratzel. De fato, o sentido de grupo que dá forma à ideia de representação modela-se pela utilização de tecnologias, mas também modela a ideologia estatal. Portanto, a questão da cultura, além de tema da geografia humana, é também tema da geopolítica. Essa afirmação busca inserir nos estudos dessa ciência elementos como ideologia, discurso e produção de conhecimento, todos ligados intrinsecamente à política. Ó Thuatail, Dalby e Routledge (2003), na verdade, entendem a geopolítica a partir da ideia de contestação política. Ou seja, todo discurso geopolítico carrega em sua essência um componente simbólico, ideológico. Na construção dos significados desse discurso geopolítico, participam: atores estatais de política externa; acadêmicos e pesquisadores dos institutos de estudos estratégicos; representantes das instituições privadas que tratam de política externa; intelectuais em geral; e os mitos nacionais (a ideologia nacional) (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003). Por esses motivos julga-se essencial, além das questões sobre território, economia e tecnologia, a inserção do viés ideológico, simbólico, portanto cultural, na análise do ambiente aeroespacial. Acreditamos que existam três questões-chave em torno da ideologia na forma como ela pode ser observada no estudo do ambiente aeroespacial. A primeira delas é a apropriação do conceito de ideologia no âmbito dos estudos geográficos e na geopolítica. 3.2.4.1 Ideologia e os estudos geográficos Colin Gray (1999b, p. 161) alertou que “A Geografia pode falar com a mente e a imaginação, assim como fala com os olhos e os membros”. O que o autor propunha era a essência de uma questão que configurou a epistemologia da geografia: a dicotomia entre as análises sobre os fatores físicos e humanos. É inegável que toda geopolítica esteja inserida em um contexto geográfico, mas não é somente esse contexto que dá sentido à determinada situação, pois há que se revelar também uma “geografia da imaginação” (GRAY, 1999b, p. 162). Há, em consequência, tanto uma condição física – geográfica em essência –, como uma condicionante cultural – simbólica, ideológica –, política por natureza. A ideia de imaginação, discurso ou simbolismo, está necessariamente relacionada ao conceito de ideologia no contexto estatal. Flint e Taylor (2018) observam que a ideologia é uma parte intrínseca da identidade dos sujeitos, mas também dos Estados, pois há uma relação entre o que pensa o sujeito e a forma como se identifica ao estado ao qual pertence. Nessa lógica de pensamento, o indivíduo que não associa sua ideologia ao seu estado sente-se um estrangeiro. Mas há também a lógica inversa. O Estado que não estabelece uma identidade clara (uma 200 ideologia), deixa seus cidadãos sem a possibilidade de um parâmetro de comparação ou de referência370. O que se busca caracterizar é o conceito de código geopolítico, que Flint (2006, p. 55) propôs como a linguagem, ou o discurso, decorrente de um “conhecimento situado” (principalmente, no sentido geográfico amplo), e se constitui na “forma como um país se orienta na direção do mundo”. Esse código geopolítico, ou discurso, seria a postura consciente do Estado na direção daquilo que interpreta como prioritário, ou seja, tem relação com o sentimento de segurança (militar, econômica, social etc.), com as políticas a serem estabelecidas e com aquilo que a população avalia como, de fato, relevante. Essa percepção também foi a de Agnew (2003, p. 105) ao discorrer sobre a “imaginação geopolítica, essencialmente ideológica e caracterizada por um amálgama de ideias, símbolos e estratégias de promoção ou modificação social e cultural”. Sem uma ideologia, não há Estado. Se este axioma é verdadeiro, surge o sentido maior de uma análise sobre ideologia no contexto da geopolítica. Conforme discorre Olwig (2009), a função da ideologia é dar um sentido relacional ao poder. Essa relação se forma a partir daquilo que De Blij (1973, p. 33) reconheceu como elementos constituintes do estado- nação: “a unidade política, o território e a população que nele habita”. A ideologia, então, seria o elemento conectivo dessas partes, por meio do qual elos lógicos (por exemplo, a estabilidade econômica, a segurança pública etc.) e elos emocionais (como as questões cívicas e patrióticas) fortaleceriam o processo de consolidação territorial e político-social. No que tange ao objeto de estudo da Tese, compreender essa relação, passo que será cumprido adiante, permitirá desvendar até que ponto a geopolítica depende da ideologia para a consolidação da atividade aeroespacial. A análise da forma como ideologia é interpretada nos estudos geográficos foi uma tarefa de Gilmartin (2009). Suas conclusões permitiram identificar o estado em si como uma construção ideológica, assim como na ampliação dessa escala para a escala das regiões ou das redes371. Segundo esse autor, o debate sobre o significado de ideologia não é somente objeto da 370 Não pretendemos aqui retornar ao debate sobre território e territorialidade. Mas é importante notar que por trás do conceito de Estado-nação, subjaz a ideia de um território. No caso da territorialidade, como foi anteriormente apontado, chegamos, inclusive, a visualizar o caso de uma territorialidade aeroespacial, sobre o qual se projeta um sentimento de pertencimento. 371 Corporações multinacionais e empresas comerciais de alcance mundial têm buscado associar às suas marcas, serviços e produtos uma identidade ideológica global, que extrapola o sentimento de território e se associa à aspectos psicológicos como sucesso, crescimento ou satisfação. 201 geografia política, mas de toda a geografia. Ideologia tem sido analisada como fonte de conflito, como objeto de fortalecimento do Estado ou como discurso em si. Nesse último aspecto, ressalta a ideia de que a ideologia é uma ideia política, sendo que a geopolítica é um discurso construído para justificar as ações políticas. Sami Moisio (2015, p. 224) destaca o papel da linguagem na geopolítica crítica, considerando-a como “prática espacial da política estatal embutida pela cultura, tanto oriunda da representação como de elementos materiais”. Essa vertente de interpretação do conceito, característica de escola da geopolítica crítica, entende a ideologia, ou o discurso geopolítico, como “a prática de se identificar relações de poder dentro das afirmações geopolíticas” (FLINT, 2006, p. 16). Short (1993, p. 115) complementa essa visão de ideologia afirmando que ela é “um senso parcial de crenças que iluminam a experiência de certos grupos e ignora, ou marginaliza, a experiência de outros”. A geopolítica crítica, entretanto, não é suficiente para se compreender o sentido do conceito de ideologia que se pretende explorar no âmbito desta Tese. Efetivamente, entendemos que essa corrente da geopolítica é insuficiente em si, pois transforma a totalidade em discurso ideológico. Assim é que ela própria é um discurso ideológico em si. Apesar disso, os teóricos da geopolítica crítica insistem que a geopolítica seria um discurso declarativo e imperativo e, por conseguinte, uma forma de política. Para eles, ela seria geralmente oriunda de visões pretensamente isentas (“visão de deus” ou “visão de lugar algum”), cuja aparente objetividade e neutralidade são posições construídas a partir de determinados interesses372. Ao interpretar a geopolítica dessa forma, Haverluck, Beauchemin e Mueller (2014) entendem que essa corrente de teóricos transforma tudo em debate político, eliminando qualquer possibilidade de uma construção científica e acadêmica, gerando um incessável e constante questionamento do discurso geopolítico e sobre como ele opera373. Ou seja, a antigeopolítica cria automaticamente um antiantigeopolítica. Na verdade, a geopolítica é sim um engajamento político (a conselheira do príncipe), portanto, é óbvio que toda geopolítica é 372 Para Jones, Jones e Wood (2004, p. 172), a “Geopolítica crítica é um subcampo da geografia política que analisa criticamente a produção, circulação e consumo de conhecimento geopolítico”. 373 Os autores apontam três falhas no pensamento da geopolítica crítica: ser uma antigeopolítica; ser anticartográfica; e ser antiambientalista. Ela é antigeopolítica pois, ao criticar os discursos políticos, se afasta do establishment político (as organizações, os partidos, o governo) e, por conseguinte, deixa de influenciar exatamente aquilo que critica. Ela é anticartográfica pois “ignora a importância da cartografia na geopolítica, afastando-se dos recursos tecnológicos que geram mapeamentos de grande valor para as análises geopolíticas, nesse sentido são antimapas”. No caso do antiambientalismo, transforma tudo em uma questão de “discursos de exploração dos pobres pelos ricos, do Sul pelo Norte, do outro por mim mesmo. O meio-ambiente é visto quase exclusivamente sob o ponto de vista antropogênico, ou seja, todos os problemas decorrem da ação do homem” (HAVERLUK, BEAUCHEMIN e MUELLER, 2014, p. 25 e 31). 202 crítica em essência. Nesse sentido, a geopolítica crítica, entendemos, é insuficiente como instrumento de análise, pois seu foco primordial é “questionar e minar as estruturas, os discursos e as ideologias que são sustentadas por organizações políticas” (JONES, JONES e WOODS, 2004, p. 45, grifo nosso). Essa digressão em relação à visão crítica, que em nossa compreensão não agrega valor à discussão ao eliminar qualquer possibilidade de análise geopolítica, nos permite abordar o conceito de ideologia a partir das demais vertentes de interpretação acima identificadas por Gilmartin (2009). Em ambos os casos, ao versar a ideologia como forma de conflito ou como forma de fortalecimento do Estado, o ambiente aeroespacial se constitui em objeto de análise profícuo para a geopolítica. Já observamos anteriormente o quanto a 2ª GM representou para o desenvolvimento da atividade aeronáutica e, incipientemente, espacial. Os Aliados, em especial os EUA, no que tange ao bombardeio aéreo da Alemanha e do Japão, desenvolveram um “código geopolítico”, anteriormente referenciado na visão de Flint (2006, p. 55). Esse código, quando analisado sob a ótica da aviação, revelou um comportamento determinado pelo emprego massivo de recursos disponíveis contra seus oponentes (consequência da guerra total), expressando integralmente uma ideologia como forma de conflito. Tão impactante foi a conduta ideológica ao longo da 2ª GM que as artes plásticas, uma expressão cultural por natureza, transformaram-se em veículo de expressão do código geopolítico mundial desejado por muitos. Apenas para destacar um exemplo, ainda em 1943, Salvador Dali, em um momento no qual o conflito mundial apontava para um ponto de inflexão com as primeiras derrotas de alemães e japoneses, pintou o quadro “A Criança Geopolítica” (Figura 27). Na descrição do Museu de Dali a pintura representa “uma figura andrógena que aponta ao menino geopolítico o nascimento de um novo homem” (THE DALI MUSEUM, 2019). Apesar de existirem muitas formas de interpretação da obra, ela sugere um novo código geopolítico (uma nova ideologia): expresso na figura humana que tentava se libertar para uma nova realidade; no caráter ideológico da relação entre a figura andrógena e a criança; na ideia de derretimento das formações continentais; no núcleo de sangue que escapa no movimento de quebra de uma casca e etc.374. Esses pontos de vista foram fortemente influenciados pelas agruras da guerra, na qual a aviação vinha materializando um discurso geopolítico devastador. 374 O Museu de Dali destaca que o quadro representa um novo período histórico, que se inaugurava com o final da 2ª GM, onde a “Geografia muda sua pele em germinação histórica” (THE DALI MUSEUM, 2019). 203 Figura 27 – Criança Geopolítica e o nascimento do Novo Homem Fonte: THE DALI MUSEUM, 2019. Na Guerra Fria, o ambiente aeroespacial se transformou em um campo de contestação de modelos econômicos e posições políticas distintas, cujo código se amplia na forma da corrida espacial, dessa vez colocando em choque os EUA e a URSS. Nessa época, na verdade, o que também se observou, além da forma de conflito ideológico, foi a apropriação da atividade aeroespacial como uma forma de fortalecer a imagem do Estado (ou a sua representação). O Programa Apollo, cuja importância tecnológica e econômica já apontamos antes, era visto como um baluarte ideológico. John F. Kennedy, quando discursando como candidato oposicionista a presidente dos EUA, em 1960, incomodado com as conquistas espaciais soviéticas até aquela data, ironizou e, indiretamente, criticou a inação do governo americano enquanto o mundo testemunhava a URSS alcançar marcos sólidos, como o primeiro veículo espacial (Sputnik), o primeiro emblema nacional na Lua (da URSS) e, até mesmo, os primeiros caninos no espaço, cujos nomes eram Strelka e Belka, e não nomes tipicamente americanos como Rover, Fido ou Checkers (MCDOUGALL, 1997)375. Ambas as situações, a 2ª GM e a Guerra Fria, abordadas anteriormente sob a perspectiva histórica, expressam muito bem o sentido ideológico sobrejacente ao ambiente 375 Checkers era o nome do cão do então presidente Richard Nixon, opositor de Kennedy nas eleições de 1960. O discurso de Kennedy, claramente, questionava a posição norte-americana na corrida espacial, processo no qual sua administração, a partir de 1961, investiu vultosos recursos financeiros. 204 aeroespacial. Mas não é somente no campo do conflito que se observa o fator cultural e sua relação com a geopolítica. Peter Adey (2010), como citamos acima, explora a relação do transporte aéreo com a afetividade (dimensão emocional), trabalhando com aspectos sociais e culturais, tais como o sentido de pertencimento a uma vida aérea e a identidade que se obtém nessa nova aerorrealidade. É uma análise de representações das práticas dessa vida aérea. Nela não se pensa o avião somente no sentido de tecnologia ou de meio de transporte, mas pelas “relações políticas, culturais e sociais que o espaço aéreo e a viagem aérea interseccionam-se, constroem- se ou se quebram” (ADEY, 2010, p. 209). Caminho análogo percorre David Pascoe (2001), quando estuda as representações de um aeroporto e seu terminal de passageiros. Trata-se de uma expansão nos estudos sobre segurança e governança na direção dos afetos e da vida afetiva. A aviação é percebida no sentido emocional (algo como uma ideologia), que instrumentaliza sentimentos, paixões, raivas, medo, perturbações, dor, desafios, desgostos etc. É, portanto, uma abordagem cultural da aeronáutica que tem relação com a qualidade de vida. Peter Adey, ao citar que o medo, por exemplo, transforma o avião em um poderoso instrumento político e militar de exercício de poder, reflete que “As trajetórias de movimento mediadas pelo aeroplano tem moldado e remoldado as projeções nacionais, políticas e de formas de cultura” (ADEY, 2010, p. 80). Peter Sloterdijk (2009, p. 84) acresce que a atmosfera deixa de ter um significado meramente físico, assumindo um senso metafórico, concluindo que “ao passar o século XX, começamos a entender que o homem não é somente o que come, mas aquilo que respira no ar em que está imerso. Culturas são condições coletivas de imersão em sistemas de aéreos e de signos”. Afirmação contundente de que a atmosfera encerra um significado cultural376. Coerente com essas abordagens não podemos deixar de lembrar da contribuição de Eric Dardel (2011) quanto à percepção do que é (ou deveria ser), efetivamente, uma realidade geográfica. Há, na geografia, algo mais do que somente a matéria. Ele chama isso de “irrealização” ou de “geografia interior”, aquilo que, no espaço geográfico, estaria “diluído em uma substância móvel ou invisível [...], o azul do céu, espaço puro do geógrafo, fronteira entre o vísivel e o invisível” (DARDEL, 2011, p. 7 e 8). Organizando ideias essencias de Dardel (2011) em torno da realidade geográfica expressa por afetividade, como palco de desenvolvimento de consciência ou de espaço de realização de uma existência, somos levados 376 O estudo de Sloterdijk se dá em torno do terrorismo pelo ar, na forma do bombardeio aéreo ou pelo uso de gases tóxicos, momento em que considera que há uma perda de inocência das visões idealizadas do ar. 205 a acreditar, como pressupõe o autor, que o ambiente aeroespacial não é simplesmente substância, mas campo geopolítico de uma essência, de uma cultura, logo de uma ideologia. O que se percebe, portanto, é que a ideologia é fator presente no ambiente aeroespacial, seja na forma de conflito ou na própria caracterização da geopolítica. Se a consideramos um espaço de relações políticas, de exercício de estratégias estatais e de prática de poder, somos levados a buscar mais indícios, desta vez no campo da segurança e da defesa nacionais, a fim de exprimir o entendimento de que “A geopolítica é preocupada com as múltiplas maneiras nas quais o estado busca exercer poder e influenciar no interior de suas fronteiras e além delas” (JONES, JONES e WOODS, 2004, p. 44). Essa consideração nos leva ao segundo elemento-chave, a questão da segurança dos Estados e sua relação com a ideologia aplicada ao ambiente aeroespacial. 3.2.4.2 Ideologia e segurança O Estado é objeto de uma lealdade quando é associado, no âmbito de suas fronteiras, a fatores subjetivos que inspiram os cidadãos a aderirem às causas nacionais, muitas vezes uma luta pela sobrevivência enquanto nação377. Essa lealdade traduz-se em uma ideologia denominada nacionalismo (PENROSE e MOLE, 2008). A ideologia pela nação pode servir para fortalecer as relações sociais, viabilizar desenvolvimento econômico e estimular a cultura, porém, depende sempre do fornecimento de uma causa ou projeto a seguir. Jones, Jones e Woods (2004, p. 87) referem-se a essa causa como um elemento de “nutrição” que serve também como justificativa de existência do Estado no exercício de seu poder. A história é repleta de justificativas ideológicas para projetos nacionalistas mas, provavelmente, as mais fortes causas tenham sido a segurança e a defesa nacionais, mesmo que respaldadas nas mais diversas naturezas378. No âmbito de uma discussão de Geopolítica Aeroespacial algumas assertivas podem sugerir causas para a consolidação da ideologia no ambiente aeroespacial. 377 A partir dessa afirmação, aderimos à ideia de segurança como uma sensação, como um sentimento perceptível a partir de indícios reais que levam à consolidação de uma percepção geral. Nesse contexto, a definição da Escola Superior de Guerra (ESG) é adequada para fundamentar a noção de segurança na perspectiva de ideologia no ambiente aeroespacial que aqui se desenvolve. Segundo a ESG, “segurança é a sensação de garantia necessária e indispensável a uma sociedade e a cada um de seus integrantes, contra ameaças de qualquer natureza” (BRASIL, 2009, p. 59). 378 Um exemplo recente de causa nacionalista foi a ascensão do Partido Nacional-Socialista na Alemanha pós 1ª GM. Hitler ancorou grande parte de suas considerações sobre o futuro germânico na condicionante racial de segurança. Na sua visão, “o propósito maior do Estado era preservar e melhorar a raça, condição indispensável no progresso da civilização humana” (HITLER, 1944, p. 438). 206 Giulio Douhet associou a aviação à ideia de sobrevivência nacional, considerando que sem o domínio do ar o futuro de uma nação era ser conquistada. Em convicta proposição, expressou um corolário: “a fim de garantir a defesa nacional, é necessário e suficiente estar em condições de obter o domínio do ar, no evento de um conflito” (DOUHET, 1988, p. 53, grifo nosso). William Mitchell (2009), de modo semelhante, refletiu sobre o papel da aviação norte- americana antecipando conceitos como a capacidade de influência sobre o oponente, a ambição nacional e a predominância global. Tais conceitos seriam amiúde explorados por Alexander Seversky, cuja contribuição foi ampliar a visão da aviação como uma ferramenta de estado, na direção de consolidar áreas de influência geopolítica. Mais do que isso, o pensamento desse autor buscava afastar aquilo que o avião havia eliminado: “a ilusão do isolamento geográfico”. Para tanto, propôs uma estratégia de vitória para os EUA, consolidada na ideia de que “o comando do ar global, e a garantia da livre navegação aérea, deveriam ser exercidas diretamente do continente americano” (SEVERSKY, 1950, p. 11), pelos EUA. Importante citar que todos esses teóricos não viam apenas a aviação militar, na perspectiva de segurança. A aviação civil também era considerada uma causa de consolidação de um projeto ideológico no campo da geopolítica aeroespacial, até porque viam nesse segmento da aviação uma continuidade e reserva da aviação militar. Thayer Jr. (1965), inclusive, associou o transporte aéreo a demandas de segurança nacional, por meio da análise de políticas públicas e do impacto da aviação na economia. O papel da aviação civil pode ser observado como instrumento ideológico a partir de alguns exemplos, todos eles associados, de alguma forma, ao simbolismo que o ambiente aeroespacial traz à ideia de nacionalismo, segurança e defesa. O debate internacional em torno do pioneirismo no desenvolvimento da capacidade de voar autonomamente envolve diversas querelas, que buscam de alguma forma desenvolver sentimentos de nacionalismo associados à aviação. Além do debate mais popular entre as inciativas dos irmãos Wilbur e Orville Wright, nos EUA, e de Alberto Santos-Dumont, no Brasil, há pleitos de protagonismo por parte da França, na pessoa do inventor Clément Ader (2003), que teria voado já em 1890, e por parte da Rússia, que considera o voo de Alexander F. Mozhaiski, em 1884, o primeiro voo motorizado da história (KAINIKARA, 2011). Em uma fase posterior da aviação, nos anos de 1910 a 1930, ficaram famosos os reides de aviação. Essas viagens aéreas de longa distância, geralmente atravessando continentes, além de demonstrar a capacidade tecnológica do novo meio de transporte, eram principalmente proezas de repercussão internacional, nas quais os pilotos e suas máquinas eram associados às suas nações cuja representação ideológica era enaltecida. Manuel Cambeses Jr. 207 relata a primeira travessia do Atlântico Sul, realizada entre 30 de março e 17 de junho de 1922, pelos pilotos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, associando o feito ao “progresso da Aviação e desenvolvimento da Humanidade”, no qual “os portugueses demonstraram ao mundo [...] imensa vontade e determinação, o seu espírito pioneiro e aventureiro, a sua confiança no futuro, a sua legítima ambição” (CAMBESES JR., 2008, p. 2 e 22)379. Poucos anos depois, em 1927, o norte-americano Charles A. Lindbergh faria, pela primeira vez, a travessia entre Nova Iorque e Paris, em voo de 33h35min, a bordo do The Spirit of St. Louis (O Espírito de São Luís), aeronave batizada em homenagem à cidade norte-americana que financiou o empreendimento. Transformado em herói nacional, condecorado com a medalha de honra do Congresso dos EUA e assediado pela imprensa, Lindbergh tornou-se um “símbolo mítico, em cuja sociedade [norte-americana] havia espaço para a liberdade e a realização de grandes feitos” (LONGYARD, 1994, p. 116). A ideia de se realizar proezas na aviação geralmente estava associada à vultosas premiações em dinheiro. Charles Lindbergh foi motivado pelo Prêmio Orteig, cujo valor em 1919, ano em que foi criado, era de US$ 25.000,00. Os prêmios, além do benefício pecuniário que proviam aos seus eventuais ganhadores, eram competições que buscavam demonstrar a capacidade tecnológica, a coragem e audácia dos pilotos que representavam, em última instância, suas respectivas nações. Alberto Santos-Dumont, por exemplo, ao receber o Prêmio Deutsch, em 1901, recebeu da “princesa Isabel um gigantesco arranjo de crisântemos com o formato do Nº 6, [o dirigível com o qual havia realizado a proeza] e com as cores da bandeira brasileira” (HOFFMAN, 2003, p. 103), durante uma recepção celebrando a conquista. Pouco antes de receber outro prêmio, o Archdeacon, pelo voo em 23 de outubro de 1906, com o 14- Bis, Santos-Dumont participou de um concurso com balões, a Copa Internacional de Aeronautas, que reuniu representantes de 16 nações. A dimensão das competições internacionais, e os prêmios que elas forneciam, dá a dimensão de como a aviação, ou a aerostação, desenvolvia-se com forte apelo simbólico, criando heróis e mártires, mas, principalmente, associando à essa nova tecnologia de transportes um nacionalismo competitivo evidente. 379 Eduardo Pacheco e Chaves foi o brasileiro responsável pelo primeiro reide internacional, entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, iniciado em 24 de dezembro de 1920. Na verdade, esse reide transformou-se em uma competição internacional entre Chaves e o piloto argentino Eduardo Miguel Hearne, que partia da capital portenha em direção contrária. A disputa teve repercussão nacional em ambos os países, gerando um sentimento de rivalidade. Chaves teve mais sorte, em função de um acidente que inviabilizou a conclusão do voo de Hearne, permitindo que o brasileiro pousasse na capital da Argentina em 29 de dezembro, após navegar “2.200 km em cinco etapas, percorrendo aproximadamente, 470 km por dia, a uma velocidade média de 140 km/h, completando a viagem em cinco dias” (BOHRER, 2014, p. 27). 208 Os reides intercontinentais e as premiações na aviação motivaram iniciativas pelo desenvolvimento da aviação com amplitude nacional e alcance popular, reforçando a lógica nacionalista em torno da segurança. Há que se relembrar que Giulio Douhet, William Mitchell e Alexander Seversky, também defenderam o desenvolvimento da aviação civil como forma de expansão da capacidade aeronáutica de suas nações. Na verdade, essas campanhas nacionais eram instrumentos ideológicas em prol da expansão das capacidades quantitativas e qualitativas da aviação. No Brasil, nos anos 1940, a Campanha Nacional de Aviação380, coordenada pelo presidente Getúlio Vargas, pelo jornalista Assis Chateaubriand e pelo Ministro da Aeronáutica Joaquim Pedro Salgado Filho, motivou doações que, segundo Morais (1994, p. 476), viabilizaram a compra de “800 aeronaves e a formação de 5.000 novos pilotos (até então, o acervo nacional contava com apenas 160 aeronaves e cerca de 700 pilotos)”, além da criação de aeroclubes pelo país. A Campanha era uma iniciativa ideológica para “fortalecer e reerguer” o país após os eventos da Revolução de 1930, assim como “consolidar o Brasil enquanto nação moderna” (FERREIRA, 2012, p. 76). Grande parte do resultado das campanhas nacionais pela aviação inspirou outro movimento ideológico de amplitude global, cujo impacto teria repercussão geográfica. Tratava- se da possibilidade de acesso a espaços remotos e inabitados. No Brasil, não há como se ignorar o papel que a aviação desempenhou na interiorização e projeção do país, em especial na colonização do Centro-Oeste e da Amazônia e, mais recentemente, na presença na Antártida. A maioria dos geopolíticos e geógrafos nacionais de uma primeira geração (Mario Travassos, Lysias Rodrigues, Moacir Silva e Therezinha de Castro, por exemplo) buscou empreender uma leitura brasileira para questões como a integração nacional, o desenvolvimento social e econômico e a projeção nacional, todas elas intrinsecamente conectadas à visão de segurança. Mário Travassos discute as linhas aéreas, ou o modal aéreo, e seu flexionamento com os demais meios de transporte, o que denomina de conjugação de meios de transporte (TRAVASSOS, 1938; 1942). Lysias Rodrigues (1947) e (1978) demonstrou como a aviação poderia contribuir com a integração nacional por meio da expansão de campos de pouso no planalto central e na Amazônia, e pelo fortalecimento do papel da aviação comercial. Moacir Silva (1949, p. 187) destaca a “circulação superior”, configurada nas “redes aéreas nacionais”, inclusive apontando o papel do Correio Aéreo Nacional no movimento de interiorização do país. Therezinha de Castro amplia a questão da projeção nacional para a Antártida, destacando o conceito de 380 Ferreira (2012, p. 79) cita ainda as campanhas “Asas e Ases para o Brasil, para a formação de monitores de voo e pilotos civis, bem como surgiram entidades que se propuseram a arrecadar fundos para a compra de aviões, como a Legião do Ar – no Rio Grande do Sul – e a Bolsa de Aviões”. 209 “triangulação insular” (CASTRO, 1999, p. 310) e propondo a Teoria da Defrontação (CASTRO, 1971)381. Nesse caso, o avião teria um papel importante, haja vista o raio de alcance das aeronaves382. A exploração das calotas polares (a Antártida e o Ártico), que também assumiu caracteres ideológicos, ainda hoje é objeto de controvérsia quanto ao pioneirismo. Segundo Chant (1978, p. 154), os “primeiros voos sobre o Ártico foram realizados em 1925, por exploradores noruegueses”. Esse voo de Roald Amundsen, entretanto, é colocado em dúvida por Grant (2017), que aponta as tentativas do italiano Umberto Nobile e do norte-americano Richard E. Byrd, em 1926383. No caso da Antártida, Byrd, entre 1928-1930, é reconhecido como o primeiro a pousar nesse continente gelado e voar sobre o Polo Sul. De fato o que está por detrás dessas busca pelo protagonismo é um discurso cuja percepção subliminar busca ressaltar grandes feitos como forma de elevar o prestígio nacional. No desenvolvimento da aviação civil comercial até mesmo as companhias aéreas tiveram, e ainda têm, um papel simbólico e geopolítico, que merece destaque. Além do interesse estratégico no funcionamento de empresas aéreas nativas, muitas vezes consolidado na forma de subsídios governamentais, a existência de empresas aéreas nacionais exerce uma influência psicológica que pode ser estimada quando se observam os nomes de grandes empresas de aviação, do presente e do passado384. No continente americano, a American Airlines (Linhas Aéreas Americanas), a Aerolíneas Argentinas (Linhas Aéreas Argentinas) ou a COPA (Companhia Panamenha de Aviação). Na Europa, a Air France (França Aérea), a Turkish Airlines (Linhas Aéreas Turcas) ou a Alitalia (Sociedade Aérea Italiana). Na Ásia, a China Southern (Companhia Aérea Chinesa do Sul), a Air China (China Aérea) ou a Emirates Air 381 A Teoria da Defrontação (ou o “Direito de Defrontação”, ou ainda o “Território de Defrontação”) foi proposta em 1956, por Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro, em artigo sobre a Antártica (CARVALHO e CASTRO, 1956). Nele, a proposição central era a de que o Brasil, em função de sua massa continental possuiria direitos de se defrontar (e ocupar) sobre aquele continente. A defrontação, enquanto postulado, mesmo hoje possui valor geopolítico significativo. Ela pode se expandir ao espaço exterior, como foi o caso da Declaração de Bogotá (BOGOTA DECLARATION, 1976), cujo entendimento afirma serem as órbitas geoestacionárias propriedade dos países cuja projeção ou defrontação territorial se estendesse até o espaço por elas ocupado. 382 Possivelmente os maiores resultados dessas visões geopolíticas pioneiras tenham sido o Correio Aéreo Nacional (CAN) e a Estação Antártica Comandante Ferraz. O CAN, cujo papel efetivo e simbólico na interiorização e integração do país, transformou-se em competência da União, conforme prevê o inciso X, do Art. 21 da Constituição Federal de 1988. A estação brasileira na Antártida é um símbolo da presença nacional no continente, e expressa um esforço nacional em compartilhar com a comunidade internacional a exploração científica cujo significado geopolítico é imenso. 383 Na esteira das controvérsias em torno do pioneirismo dos voos no Ártico há a versão de que os exploradores suecos Salomon August Andrée, Nils Strindberg e Knut Frænkel realizaram expedição de balão ao Polo Norte, em 1897, na qual os três perderam a vida. Ou ainda, o voo dos russos Jan Nagórski e Yevgeni Kuznetsov, em 1914, em busca do Polo Norte, atravessando o Círculo Ártico. 384 Joanna Bailey (2020) observa um movimento de retorno das empresas aéreas cuja propriedade é estatal, fenômeno que pode recrudescer o papel simbólico da aviação. 210 Lines (Linhas Aéreas dos Emirados Árabes Unidos). Há que se destacar que, de acordo com regulamentações internacionais, todas as aeronaves comerciais devem portar em sua fuselagem a bandeira do país que representam e, além disso, segundo a Convenção de Chicago, de 1949, “a aeronave possui a nacionalidade do estado no qual está registrada” (ICAO, 2006, p. Art. 17). No caso específico das aeronaves militares ou a serviço de um Estado, considera-se que elas sejam território nacional, mesmo quando sobrevoando o espaço aéreo internacional ou quando em solo de outro país. Enquanto a questão da relação entre ideologia e segurança nos remete à ideia de sensação (BRASIL, 2009), na perspectiva aeroespacial há uma terceira questão-chave que Lysias Rodrigues (1947) identificou, na era inaugurada pela aviação, como prestígio385. 3.2.4.3 Ideologia e prestígio Na concepção sociológica, prestígio é uma palavra que significa “influência, reputação ou estima popular” (ROJEK, 2006, p. 472), geralmente qualidade atribuída a um indivíduo. Em um contexto mais amplo, o vocábulo prestígio encerra outros significados como atração, sedução, encanto, influência, admiração, respeito, predileção ou subordinação (HOUAISS, 2009). Um autor que deixou clara a questão do prestígio nas relações internacionais foi Hans Morgenthau (1985), descrevendo na obra Politics among Nations: The struggle for power and peace (Política entre Nações: A luta por poder e paz) uma “política do prestígio”. Em essência, o que autor quis destacar foi a importância desse elemento, o prestígio nacional, na temática das relações entre as nações, inclusive propondo esse tópico como “elemento indispensável em uma política externa racional” (MORGENTHAU, 1985, p. 57). A partir de seu ponto de vista o prestígio se obtém por fatores como a intelectualidade, a moralidade, o caráter nacional, o moral nacional, o cerimonial diplomático, a mobilização nacional e a demonstração de poder militar. Bedin et al. (2000, p. 131) entendem que dentre as políticas internacionais perseguidas pelos estados, a política de prestígio está associada à “ostentação de poder, visando mantê-lo ou ampliá-lo”. A fim de se comprovar essa percepção, serão apontadas algumas evidências para se pensar a ideologia na forma de prestígio como mais um elemento-chave na investigação sobre a geopolítica aeroespacial. 385 Lysias Rodrigues (1947, p. 71, grifo nosso) afirmou que os governos federais passariam a utilizar a aviação como “aparelho nacional de prestígio e guarda de sua soberania”. 211 Iniciamos essa exposição apresentando um fator sui generis, que decorre em grande parte da tecnologia que o avião representa e o impacto da conquista da terceira dimensão. Trata- se dos times de acrobacias aéreas. Grande parte deles é formado no seio das forças aéreas (ou na marinha, como é o caso do grupo Blue Angels norte-americano) e atuam como verdadeiras ferramentas de propaganda institucional e nacional. Isso pode ser observado naquilo que se propõe como missão ou objetivo desses esquadrões aéreos de demonstração. No caso do time brasileiro, propõem-se que seja capaz de “Realizar demonstrações aéreas a fim de difundir, em âmbito nacional e internacional, a imagem institucional da FAB” (FAB, 2020). O grupo acrobático da Força Aérea dos Estados Unidos tem, entre outros objetivos, “Representar os EUA e suas forças armadas em nações estrangeiras, além de projetar a boa-vontade internacional” (USAF, 2003). Watkins (2010, p. 380) cita que dentre as vantagens de criação do time acrobático da Royal Air Force, o Red Arrows, estaria “a elevação do prestígio britânico e da própria força aérea”. Essencialmente, o que se revela com esse tipo de iniciativa é a ampliação do prestígio das nações, por intermédio de um grupo seleto de pilotos que realiza proezas acrobáticas no ar386. Ainda no campo da aeronáutica militar, outras formas de se demonstrar o prestígio nacional são observadas nas paradas militares e, muitas vezes, em eventos esportivos de grande repercussão nacional e internacional. Como parte de celebrações patrióticas, em datas comemorativas de cunho cívico, normalmente ligadas à independência nacional, à afirmação de regimes soberanos ou em memória a heróis e batalhas históricas, é comum o sobrevoo de aeronaves na forma de um desfile aéreo, no qual diferentes tipos de equipamento buscam estimular sentimentos como o orgulho nacional pelas forças armadas, o reconhecimento do poder nacional e, em alguns casos, o júbilo pelas conquistas tecnológicas da indústria aeroespacial. Nesse contexto, cujo propósito é revelar sentimentos ideológicos de respeito ou admiração, tem-se tornado comum o sobrevoo de aeronaves militares sobre estádios ou praças esportivas em dias de jogos. O periódico norte-americano USA Today registrou, por meio de fotografias, dezenas de recentes sobrevoos de aeronaves militares nos EUA, em jogos de beisebol (28 de março de 2019), eventos de golfe (16 de junho de 2019), a jogos de futebol americano (31 de agosto de 2019), corridas de carros (26 de fevereiro de 2020) (USA TODAY, 386 Há também espaço para o surgimento de grupos privados de pilotos que se dedicam à atividade aérea acrobática com propósitos comerciais (quando realizam exibições com o intuito de comercializar o serviço ou por meio de divulgação de marcas), cívicos (estimular a atividade aeronáutica nacional) ou puramente pessoais (pelo prazer de voar). No Brasil, dois grupos têm histórias recentes de exibições pelo país: o Circo Aéreo Extreme (https://www.facebook.com/circoaereoextreme/) e a Esquadrilha Fox (https://esquadrilhafox.com.br/). 212 2020). Mas não somente aeronaves militares são responsáveis por esse tipo de iniciativa. Em 13 de outubro de 2013, registrou-se o sobrevoo com o maior número de aeronaves (42) civis da história dos jogos de beisebol nos EUA, em uma formação do tipo diamante (na qual as aeronaves voam agrupadas em uma forma de losango) (YOUTUBE, 2013). No Brasil, essa prática é mormente observada em corridas automobilísticas, como nas competições de Fórmula Indy, ocorridas em São Paulo nos anos de 2012 e 2013, quando caças da FAB participaram dos eventos de abertura dos certames. Outro tipo de evento internacional, no qual o prestígio aeroespacial das nações é elevado intensamente, acontece nas feiras internacionais de aviação ou de produtos de defesa387. Nessas feiras, em geral, os países são representados indiretamente pelas empresas que expõem seus produtos388, uma grande oportunidade de demonstração da capacidade tecnológica da indústria aeroespacial. Dois grandes eventos internacionais da indústria aeroespacial são a feira de Le Bourget, na França, e a de Farnborough, no Reino Unido. O Show Aéreo Internacional de Paris, título do evento francês, cuja última edição ocorreu entre 17 e 23 de junho de 2019, foi inaugurado pelo presidente Emmanuel Macron. Na feira, estiveram mais de 316 mil visitantes. Os participantes do evento puderam avaliar mais de 140 tipos de aeronaves (além de tecnologias e serviços), visitando estandes de produtos da indústria aeroespacial de 49 países expositores. Segundo o sumário executivo do evento, comparecerem na abertura do evento “304 delegações oficiais de 98 países e 7 organizações internacionais, tais como União Europeia, OTAN e Nações Unidas, 16 ministros de estado, 48 chefes de estado-maior de forças armadas e 18 secretários de estado” (GIFAS, 2019, p. 6). A Farnborough International Airshow (Show Aéreo Internacional de Farnborough), assim como sua correlata francesa, é apresentada pelos organizadores como uma grande oportunidade de negócios, um “hub empolgante para a tecnologia mais inovadora [...] oportunidade incomparável de conhecer e estabelecer novos relacionamentos com os principais tomadores de decisões” (FARNBOROUGH, 2020), no mercado aeroespacial. Na edição de 2018, a brasileira Embraer participou efetivamente do evento com todos os seus principais produtos e 387 Morgenthau (1985, p. 53) afirmou que “A política do prestígio como uma política de demonstração de poder que uma nação possui ou pensa que tem, ou quer que outras acreditem que possui, encontra um campo fértil na localidade dos encontros internacionais”. De certo que o autor se referia a conferências como as de Haia (1899 ou 1907) ou Berlim (1878), cujo assunto envolvia grandes interesses de segurança internacional. Contudo, há também nas feiras internacionais espaço para a demonstração de prestígio, principalmente via demonstração do poder militar. 388 Há, também, estandes de exposições governamentais, cujo foco é propagar capacidades militares dos estados, principalmente de suas respectivas forças armadas (no caso das feiras de aviação o foco maior é na força aérea ou na aviação militar), e oferecer oportunidades de intercâmbio, negócios e, até mesmo, um maior conhecimento geral sobre o país que expõem. 213 o tema principal naquela oportunidade foi a celebração dos cinquenta anos do voo do EMBRAER 100, o Bandeirante. Essa foi a primeira aeronave projetada e produzida pela empresa, época na qual ela era uma empresa totalmente pública, em grande parte produto da inciativa pioneira do governo, por parte da Aeronáutica, em desenvolver a indústria aeroespacial no Brasil. Ressalta-se, portanto, a conexão ideológica que feiras de aviação oferecem como indício dessa característica do ambiente aeroespacial no contexto geopolítico. Parte significativa da demonstração de prestígio nacional no campo aeroespacial é obtida por intermédio da mídia. Revistas especializadas em aviação divulgam, entre outros assuntos, aquisições recentes de equipamentos, exercícios militares, ranking de forças aéreas (descrevendo suas estruturas e sistemas de armas) e informações de empresas de aviação (equipamentos, linhas aéreas e dados estatísticos), novos desenvolvimentos tecnológicos ou análise de mercados da aviação ou do setor espacial389. Fato semelhante pode ser observado em sítios da rede mundial de computadores, em podcast, nos canais do Youtube (e recursos similares), e grupos de mídias sociais (por exemplo: Linkedin, Instagram ou Facebook) que tratam do tema aeroespacial390. Na verdade, esses veículos de comunicação ampliam sobremaneira a difusão de informações que servem de reforço à questão da projeção do prestígio nacional em assuntos ligados à atividade aeroespacial391. Todo esse aparato midiático se assemelha a uma espécie de soft power (NYE, 2004) que o ambiente aeroespacial dispõe, utiliza ou manipula na emolduração de uma geopolítica na qual está presente determinada 389 Apenas como ilustração dessa realidade, levantou-se alguns exemplos de revistas (impressa e digital) de aviação no Brasil: Revista Asas (https://www.edrotacultural.com.br/); Revista Flap Internacional (http://www.revistaflap.com.br/web/), que por vezes publica edições específicas para a aviação militar e aviação civil; Revista Avião Revue (https://www.aviaorevue.com/); Revista Aero Magazine (https://aeromagazine.uol.com.br/); Revista Airway (https://www.airway.com.br/); Revista Aeroin (https://www.aeroin.net/); Revista Cavok (https://www.cavok.com.br/); e Portal Panrotas (https://www.panrotas.com.br/aviacao); Revista Força Aérea (https://www.forcaaerea.com.br/); Revista Aviação Notícias (http://www.aviacaonoticias.com/); Revista Embarque (https://revistaembarque.com/); e Revista High (https://revistahigh.com.br/). Em Língua Inglesa, essa lista multiplica-se enormemente. Algumas dessas revistas que têm larga circulação e impacto internacional são: Aviation Week and Space Technology (http://www.aviationweek.com/); Airliner World (http://www.airlinerworld.com/); Jane's Defence Weekly (http://www.janes.com/products/janes/defence-business/news/defence-weekly.aspx); Airforce Monthly (http://www.airforcesmonthly.com/); e Air & Space (http://www.airspacemag.com/). 390 Glassner (1996) adiciona a filatelia ao debate sobre o uso ideológico do espaço exterior pelo simbolismo da emissão de selos comemorativos que enaltecem feitos históricos, fenômeno que acontece semelhantemente em relação à aviação. 391 É importante deixar claro que o prestígio é essencialmente uma qualidade positiva. Entretanto, não se pode deixar de observar que há certa relatividade no conceito, ou mais especificamente, há níveis de prestígio (determinado sujeito detém mais ou menos prestígio que outro). Não é propósito da Tese mensurar tal tipo de relação, tampouco inferir sobre a possibilidade de influência da mídia na questão do prestígio entre os sujeitos. Cabe aqui, tão somente, identificar sua função ideológica, elemento de uma geopolítica aeroespacial. Até porque, se considerarmos a mídia como um agente geopolítico, devemos recordar o alerta de Colin Flint: “Os agentes geopolíticos possuem múltiplos objetivos, eles não são entidades homogêneas, simples ou singulares” (FLINT, 2006, p. 189). 214 ideologia392. De fato, como observou Paul Claval, citado anteriormente, o repetido e enfático discurso em torno de um gesto, nesse caso compreendido pela relevância do campo aeroespacial, transforma-se em representação mental, uma significação. Morgenthau (1985) também deixou isso claro quando colocou como propósito do prestígio conquistar a mente dos homens. A questão em torno do prestígio nacional pode ser observada claramente nos projetos aeroespaciais das nações. Nardon (2011, p. 75), sintetizando análise de programas espaciais de diversos países, dentre eles Rússia, França, China e Índia, concluiu que uma das razões, que coloca em primeiro lugar na lista, para o desenvolvimento desses programas é “reforçar o prestígio e a prominência do país”. Al-Rodhan (2012) percebe reflexos geopolíticos de prestígio em fatores como a contribuição para objetivos de desenvolvimento (educação e saúde), vantagens econômicas e spin off, tecnologia e capacidades militares, proporcionados pelos projetos espaciais. Sheehan (2007) entende o fator prestígio na questão da exploração espacial como ferramenta de propaganda, composta de símbolos, que visam manipular o sentimento das pessoas. Na sua opinião, “A corrida espacial também foi uma batalha de imagens e percepções” (SHEEHAN, 2007, p. 21). Tanto no projeto norte-americano como no soviético se reconhece o prestígio como fator fundamental. O autor assevera que, entre esses símbolos, “o voo de Gagarin foi um golpe, pior até do que o lançamento do Sputnik, ao prestígio norte-americano, que foi recuperado com o pouso na Lua” (SHEEHAN, 2007, p. 43)393. Esse autor vê na exploração espacial, e porque não na atividade aeroespacial como um todo, significados metafóricos, simbólicos, capazes de múltiplas interpretações e significados. Essa perspectiva corrobora a análise de White (2014, p. 19) sobre a figura dos astronautas e cosmonautas, os quais “são percebidos como heróis de uma sociedade que deposita nas suas façanhas exploratórias as expectativas de uma fronteira final”. Uma imagem que sintetiza bem o que até aqui foi discutido pode ser observada na Figura 28. Trata-se da tripulação multinacional da Expedição 60, missão da ISS, entre 24 de junho e 3 de outubro de 2019, composta pelos astronautas Andrew Morgan, Nicklaus Hague e Christina Koch (da NASA), Luca Parmitano (da ESA) e os cosmonauta Alexander Skvortsov e Aleksei Ovchinin (da Roscosmos). 392 Al-Rodhan (2012, p. 41), ao se referenciar à questão aeroespacial, afirma que “O soft power tornou-se elemento importante nas relações de poder entre os estados”. Lamy e Masker (2012, p. 117) consideram “a cultura e a ideologia de um país importante fontes de soft power”. 393 Esse mesmo autor reconhece que nas décadas do século XXI a questão do prestígio ressurgiu com grande intensidade no campo aeroespacial, por meio do lançamento de satélites. 215 Figura 28 – Tripulação Multinacional da Expedição 60 Fonte: SPACE FACTS, 2020. Além da óbvia caracterização das nacionalidades dos astronautas, mormente observada nas bandeiras que compõem seus trajes394, a pujança tecnológica representada por empreendimentos como a EEI395 destaca a proeminência, e por conseguinte o prestígio, das nações envolvidas. Projetos como esse, essencialmente de caráter internacional, somente podem ser iniciados após a consolidação de projetos nacionais próprios. Na verdade, exemplos como esse, além da clara demanda pelo hard power (a capacidade tecnológica em si), retomam a ideia de soft power, e da importância da ideologia, no contexto aeroespacial. Mais do que isso, conforme asseveram Lamy e Masker (2012), abre-se espaço para uma contextualização relacional, onde aqueles que detém a capacidade (no caso aeroespacial) possuem, relativamente, maior prestígio internacional do que aqueles que não a possuem. Em essência, o valor político do prestígio torna-se uma forte variável no contexto geopolítico. Assim é que, ao concluir esse segmento de texto, cujo principal foco foi analisar a importância da ideologia no contexto de uma geopolítica aeroespacial, podemos recorrer a Ó 394 Tal proposição já destacamos anteriormente ao apresentar o fato histórico de aposição da bandeira norte- americana na Lua, em decorrência dos voos do Programa Apollo. 395 O Brasil aderiu ao grupo de países responsáveis pelo desenvolvimento da EEI em 1997, porém desistiu do empreendimento, supostamente por problemas de escassez de recursos financeiros, no ano de 2007. 216 Tuathail e Agnew (1992), que destacam o valor do discurso, e por conseguinte, da ideologia, no debate geopolítico, enfatizando que não é somente a prática que caracteriza esse campo científico, mas também um entendimento discursivo que conecta geografia (e história), política e ideologia. 3.3 Geopolítica Aeroespacial Do sonho à realidade de se conquistar o ar e, depois, o espaço exterior, o propósito deste Capítulo foi elucidar o valor geopolítico do ambiente aeroespacial. Configura-se, portanto, a medida da influência do ambiente aeroespacial nas discussões sobre geopolítica. No Capítulo anterior, buscou-se revelar a dimensão geográfica do objeto de estudo (o ambiente aeroespacial), possuidor de elementos fisiográficos suficientes para caracterizá-lo como espaço geográfico. Deudney (1982, p. 6), referindo-se ao espaço exterior – mas que se demonstra pertinente a todo ambiente aeroespacial –, afirmou ser “não uma tecnologia, um programa ou uma causa, mas um lugar”. A Tese envidou esforços no sentido de enriquecer o discurso geopolítico, tradicionalmente voltado para as questões geopolíticas na superfície, por meio da inserção de uma nova dimensão geográfica, a terceira dimensão ou o ambiente aeroespacial. Na elaboração dessa Geopolítica Aeroespacial, ficou subjacente a demanda de uma readaptação do pensamento de Friedrich Ratzel, em especial no que tange às leis do crescimento espacial dos Estados e a sua aplicação ao ambiente aeroespacial. O ambiente aeroespacial constitui-se em uma nova perspectiva geográfica, permitindo uma melhor consciência situacional do espaço geográfico, seja por meio da fotografia aérea ou do sensoriamento remoto orbital. Lysias Rodrigues (1947, p. 71) já identificara isso com relação à aviação quando citou que “A fase aeronáutica em que entrou o mundo moderno [...] transformou a aviação em um instrumento geopolítico de alta valia [...] e chegou ao ponto de provocar uma remodelação no estudo da geopolítica”. Nesse ponto ficou clara a demanda de alteração no conceito de fronteira, haja vista que o exercício do poder estatal podia ser realizado a partir de cima, superando os naturais impedimentos do relevo, da vegetação e da hidrografia. Sheehan (2007, p. 183) apontou que “A humanidade trouxe a questão das fronteiras para o espaço, replicando as divisões políticas e tensões características da política global”. As teorias do poder terrestre, de Mackinder, e do poder marítimo, de Mahan, demandavam atualização à luz do poder aéreo. Esse novo poder, cujas primeiras elaborações teóricas surgiam logo após a 1ª GM, indicava que houvera uma transformação na arte da guerra, que passaria a ser uma guerra total. 217 As estratégias e as táticas precisavam ser alteradas para inserir a aviação, o que de fato ocorreu na 2ª GM. Logo depois, na Guerra Fria, o poder aéreo nos vetores dos mísseis balísticos, que cruzavam a estratosfera, e dos bombardeiros estratégicos de longo alcance que protagonizavam a cena, a perspectiva se elevou ao espaço exterior, naquilo que ficou conhecido como corrida espacial. Nos foguetes alemães da 2ª GM jaziam os veículos que conduziriam o homem ao Espaço e à Lua. Durante a Guerra Fria, na verdade, todo o discurso geopolítico se viu em torno dessas capacidades aeroespaciais. Até mesmo a Geografia passa a ser analisada sob a influência do poder aéreo, como bem pode ser observado na Guerra do Vietnã, naquilo que Lacoste denominou guerra ecológica. O fato é que a corrida espacial, em última instância, a busca pelo domínio do ambiente aeroespacial, se transformou em projetos geopolíticos das nações desenvolvidas396. O que se iniciou como poder aéreo agora era claramente um poder aeroespacial. Seversky deu os primeiros passos nessa direção quando percebeu o mundo sob uma nova perspectiva derivada da capacidade dos vetores aeroespaciais, mormente pelas características de velocidade e de alcance global. Esse fator fica muito claro quando se observa que “na transposição da exosfera as civilizações entraram definitivamente na Era espacial, dando início a um novo ciclo, com o prolongamento e projeção do poder aéreo para o Espaço imediatamente próximo e a concretização progressiva de um poder aeroespacial” (TOMÉ, 2009, p. 293-294). Antecipava-se, então, uma revolução tecnológica advinda da aviação que alterava a percepção geopolítica do poder mundial. Nesse compasso, Al-Rodhan (2012, p. 212) entende que “O poder [aero]espacial continuará a modificar a dinâmica do relacionamento geopolítico entre os estados”. Os efeitos dessa realidade puderam ser observados em quatro grandes temas relacionados à geopolítica: o território, a economia, a tecnologia e a ideologia. No primeiro caso, considerou-se que o ambiente aeroespacial se molda, com particularidades, ao conceito de território. Em particular, nos ativemos a considerar sobre o exercício da soberania nesse novo ambiente, inferindo que existem peculiaridades no arcabouço jurídico para o segmento espaço aéreo, cuja legislação consolida a soberania no espaço aéreo sobrejacente ao território estatal, e para o espaço exterior, questão que é ainda discutida e reclamada nos organismos interacionais. Raciocínio semelhante se observou na questão do exercício do poder. Vimos, também, que o território do ambiente aeroespacial é uma rede, onde há uma interação entre 396 Ilayda Aydin (2019, p. 27) destaca que, no caso do espaço exterior, os Estados somente poderão usufruir de forma vantajosa as vantagens econômicas, militares e políticas se souberem “utilizar, bem sucedidamente, as propriedades físicas e as particularidades geográficas do ambiente espacial”. 218 fixos e fluxos, bem ao esquema representado na Figura 18. Além disso, os estados investem na questão da territorialidade quando advogam a soberania do espaço aéreo e, como foi observado na Declaração de Bogotá, em zonas e faixas geográficas de alto valor político no espaço exterior. O que nos parece plausível no caso do ambiente aeroespacial é concordar com a opinião de Sánchez (1992, p. 32) quando afirma que “Da perspectiva da geografia, o território surge como o âmbito a se dominar”. No caso da economia, onde se apontou para a pertinência do conceito de geoeconomia, abordou-se a relevância do espaço aéreo e da atividade aeronáutica, recorrendo- se a constatação da sua pujança no contexto econômico, mormente pela inserção de múltiplos atores nessa atividade. No caso da atividade relativa ao espaço exterior, percebeu-se que a sociedade vem demandando cada vez mais desse setor, cuja dependência de serviços como as telecomunicações hoje é vital para os Estados. A atividade espacial também é cada vez mais influenciada por atores não estatais (o New Space), que passam a ter força e legitimidade para influenciar políticas públicas. É uma atividade com muitas possibilidades comerciais, tais como mercado de satélites e exploração de recursos naturais em corpos celestes397. Importante foi constatar que no caso do espaço exterior observam-se disputas por um espaço geográfico limitado, tais como as órbitas geoestacionárias, reproduzindo uma realidade que a geopolítica já testemunhou na superfície terrestre. Nesse ponto, Deudney (1982, p. 45) já alertava que “O espaço próximo é um recurso limitado e degradável”. Em grande parte, a economia aeroespacial se vê dependente, no setor aeroespacial, da tecnologia de ponta. Alguns autores já destacaram essa característica. Saul Cohen (1963, p. xvi) colocou que “A reformulação do mapa político do mundo é resultado tanto de inovação tecnológica e fermento ideológico”. Paul Claval (1979, p. 17), referindo-se a um segmento que tem relação direta em nosso estudo, já apontava que “A arquitetura espacial das sociedades está estreitamente ligada à tecnologia dos transportes, que condiciona o âmbito do fluxo de bens e de serviços que normalmente são trocados”. John Agnew (2003, p. 99) considerou que “A difusão global das ferrovias e o invento do aeroplano foram provavelmente os maiores desafios ao pensamento convencional sobre tempo e espaço”. Esse, portanto, foi outro aspecto a se destacar na relevância geopolítica do ambiente aeroespacial. A geotecnologia, como foi apontado, é um fator determinante no desenvolvimento econômico e social, tal como já havia sido apontado por Ratzel que a denominou genericamente de cultura. A tecnologia, no contexto 397 Mesmo que essa atividade de “imensos potenciais comercial e científico, esteja em risco fruto das ameaçadas projetadas pela implantação de armas no espaço”, como conclui o relatório da UNIDIR na Conferência sobre Espaço Exterior e Segurança Global (UNIDIR, 2003, p. 10). 219 deste estudo, é essencialmente aeroespacial, haja vista que os atores envolvidos, principalmente a indústria aeroespacial, desenvolvem produtos e serviços para os setores aeronáutico e espacial, e na maior parte do tempo para ambos, em esforços empresariais conjuntos. Assim é que faz plenamente sentido se falar em ambiente aeroespacial. Por fim, destacou-se a inserção da ideologia como fator inerente a uma geopolítica aeroespacial. Seja na forma da compreensão de uma geografia cultural, que vai além da mera conformação fisiográfica do espaço, de modo a abarcar o papel da tecnologia no desenvolvimento das sociedades. Além da importância da ideologia no estudo da geopolítica aeroespacial, o fator segurança revelou-se potente elemento de análise geopolítica. Fato que pode ser observado pela relação da atividade aeroespacial com o desenvolvimento de projetos ideológicos que visavam o reforço de nacionalismos. Mais além desse incentivo, percebeu-se que para o prestígio nacional a conexão entre ideologia e ambiente aeroespacial representa um verdadeiro soft power geopolítico. Há, portanto, claras evidências sobre a pertinência da Tese sobre a existência de uma Geopolítica Aeroespacial. A caracterização de um espaço geográfico (o ambiente aeroespacial), confluindo para questões políticas (dentre elas o poder), econômicas, tecnológicas e ideológicas, apontam fielmente para os elementos essenciais da geopolítica. Como toda teoria geopolítica, em especial quando se considera a geopolítica clássica, surge a demanda de se agregar políticas públicas, ou ao menos elementos a serem considerados nessas políticas. Considera-se que a geopolítica aeroespacial lida ou lidará com questões tradicionais, tais como disputa por recursos naturais, ampliação do território estatal, questões de cunho ambiental, querelas jurídicas e, eventualmente, conflitos interestatais. Assim é que há necessidade de se preparar os decisores políticos para lidar com essas questões. E como forma de contribuir com essa preparação, o próximo Capítulo discutirá cenários de uma geopolítica aeroespacial, sob as premissas Realista e Idealista das relações internacionais. 220 4 CENÁRIOS DA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL “A fim de garantir a defesa nacional, é necessário e suficiente estar em condições de obter o domínio do ar” (DOUHET, 1988, p. 53). “A ela [a Aviação,] está, de fato, condicionada a sobrevivência nacional” (SEVERSKY, 1988, p. 17). “Controle do espaço [exterior] significa controle do mundo” Lyndon B. Johnson (WASSER, 2005). “Quem controla as órbitas baixas terrestres controla o espaço próximo da Terra. Quem controla o espaço próximo da Terra domina a Terra. Quem domina a Terra determina os destinos da humanidade” (DOLMAN, 2002, p. 7). A análise de cenários geopolíticos aplicados ao ambiente aeroespacial não é uma atividade acadêmica regular na Geografia, daí que a Tese, a partir desse momento, se aventura em um processo sem precedentes sólidos398. Essa afirmação parece contrariar alguns apontamentos que até aqui serviram de argumento para a conformação de um debate geopolítico. Entretanto, cabe destacar que as análises em torno dessa nova geopolítica são mormente voltadas para dois campos específicos. O primeiro desses campos dirigiu-se, historicamente, para análises sobre a influência do poder aéreo como expressão de poder (SEVERSKY, 1950; BOYNE, 2003; BUDIANSKY, 2004; OLSEN, 2011), ou ainda na perspectiva dos estudos estratégicos (JORDAN et al., 2008; HAUG e MAAO, 2011; BAYLIS, WIRTZ e GRAY, 2013; MAHNKEN e MAIOLO, 2014; ANGSTROM e WIDEN, 2015). Há, evidentemente, nessa concepção um foco militarizado da análise geopolítica. O segundo campo específico é voltado para o aspecto econômico. O transporte aéreo, ou a atividade aeronáutica como um todo, aparece em estudos sobre as rotas aéreas, as empresas aéreas, o mercado do turismo, a influência dos aeroportos na dinâmica urbana ou regional etc.399 No caso do espaço exterior, uma tendência semelhante se observa quando listamos os três principais eixos de análise: a) o de cunho militarista, encerrada em estudos sobre o space 398 Doboš (2019) alerta que, em especial no caso do domínio do espaço exterior, análises geopolíticas são subestimadas face à percepção enganosa de que esse domínio seria um ambiente cooperativo e de paz. 399 No Capítulo anterior, destacamos a influência da geoeconomia no ambiente aeroespacial e apontamos algumas referências de estudos voltados para a atividade aeronáutica na perspectiva econômica. 221 power (pode espacial) ou space warfare (guerra espacial) (PAHL, 1987; GIBSON, 2001; KLEIN, 2006; JOHNSON-FREESE, 2017; LUTES et al., 2011) ; b) o de cunho comercial, onde referenciamos a tendência do New Space (DOBOŠ, 2019); e c) o de cunho jurídico (BITTENCOURT NETO, 2011; BRÜNNER e SOUCEK, 2011; ODUNTAN, 2012; SANTANA e LIENDO, 2017). Não há, contudo, nesses estudos sobre poder aéreo ou sobre poder espacial um sincretismo conceitual como aquele que se propõe nesta Tese, quando se fala de Poder Aeroespacial. O fato é que as citações da epígrafe, ora voltadas para o poder aéreo, ora para o poder espacial, direcionam a questão geopolítica de forma compartimentada. Não é esse o entendimento da Tese. Para tentar consolidar essa visão, cabe-nos iniciar este Capítulo de cenários, aproveitando-se das evidências anteriormente coletadas, com uma indagação: o que é Geopolítica Aeroespacial? A palavra geopolítica, amiúde debatida, origina-se da compreensão de que os fatores geográficos condicionam e/ou reverberam políticas públicas (dos Estados). Essa é uma clara conjugação de duas abordagens. A geográfica, que esperamos ter desenvolvido quando caracterizamos o ambiente aeroespacial em suas feições morfológicas e cartográficas, e estruturando-o como um sistema integrado de componentes terrestres, aéreos e espaciais. E a política, introduzida no Capítulo anterior, e aqui complementada, emprestando à Tese um sentido empírico e propositivo, na forma de cenários. Nesse ponto, recordamos que as evidências coletadas entre os experts agem como elementos de corroboração dos indícios apresentados nos esforços de geografização e geopolitização. O adjetivo aeroespacial advém da conjugação das palavras aéreo e espacial. No âmbito do Poder Aeroespacial, trata-se da combinação do poder aéreo com o poder espacial. A palavra poder, quando mais bem explicitada, conduzirá ao entendimento do sentindo que se propõe nesta Tese. Cabe, então, retomar Claude Raffestin (1993) em sua discussão sobre poder, cuja ideia central é que o poder é relacional. No ambiente aeroespacial, o relacional equivale às interações entre agentes públicos (mormente o Estado), empresas privadas, organismos internacionais de regulação e mediação, recursos humanos etc.400 Além disso, Raffestin (1993) identifica as principais formas de exercício do poder: a) a de natureza coercitiva, onde há a possibilidade de coação pela força ou pelo uso de sanções de natureza física (neste caso, fica 400 A busca por uma especificidade brasileira acerca de um conceito aplicado de Poder Aeroespacial é, nesse aspecto, apropriada, pois identifica como elementos componentes desse poder os seguintes setores: “a Força Aérea Brasileira, a Aviação Civil, a Infraestrutura Aeroespacial, a Indústria Aeroespacial e de Defesa, o Complexo Científico-Tecnológico Aeroespacial e os Recursos Humanos Especializados em Atividades Relacionadas ao Emprego Aeroespacial” (BRASIL, 2012, p. 35-36). 222 explícita a vertente militar do poder aeroespacial); b) a de natureza remuneradora, cujo foco econômico implica no controle de acesso a recursos (o autor fala de recursos materiais, mas entendemos que os recursos humanos, em contexto de tecnologia de ponta como é o caso do setor aeroespacial, também cabe na definição); e c) aquela que poderíamos denominar soft power, ou no aspecto normativo, de representação, com o uso de recursos simbólicos, ideológicos401. Eis, desse modo, o sentido de Poder Aeroespacial que se pretende considerar, muito mais além do fator militar, e voltado também para fatores geográficos, econômicos, tecnológicos e ideológicos. Logo, o sentido de uma Geopolítica Aeroespacial reside exatamente nessa conjugação de fatores proporcionada na forma do ambiente aeroespacial. Até porque, queiramos ou não, tanto o poder aéreo como o poder espacial dependem de processos conjugados, integrados, dependentes do desenvolvimento tecnológico, de uma indústria compartilhada, de um mercado competitivo e diversificado, da produção de equipamentos duais, de protocolos técnicos que envolvem organismos estatais (as forças aéreas) e privados (a indústria aeroespacial), além da produção de um discurso de sentido ideológico, que reforça nos programas aeroespaciais questões como segurança e prestígio. Outro forte argumento é verificar que ambos, poder aéreo e poder espacial, estão também vinculados à superfície, por exemplo, na forma de aeroportos/centros de lançamento ou de órgãos de controle do tráfego aéreo/centros de rastreamento de veículos espaciais. Assim como o poder aéreo não existe somente no ar, o poder espacial não existe somente no espaço. Há nessa realidade uma continuidade entre superfície, atmosfera e espaço exterior402. Se voltarmos nossa atenção aos processos de militarização do espaço em curso em alguns países, perceberemos que jazem sobrejacentes a eles uma forte integração entre a atividade aeronáutica militar e a recém surgida força espacial. Citamos anteriormente os casos dos EUA. Analisando a situação norte-americana observamos que o sexto ramo de força armada, a Space Force (Força Espacial) foi criada com base nas capacidades do Space Command (Comando Espacial) e do Strategic Command (Comando Estratégico), ambos originários da Força Aérea dos EUA. Além do mais, não há, ainda, a possibilidade de 401 Observamos essa tendência anteriormente no caso da Índia, por meio da difusão das telecomunicações em país de grande dimensão territorial, e ainda no segmento que tratou de Ideologia, onde observou-se a questão da segurança e do prestígio nacionais, dentre outros o fato de se postar bandeiras nacionais nos corpos celestes. 402 Mackinder, ao pensar em um poder terrestre, não fez distinções quanto à sua aplicabilidade em contextos geográficos diferenciados (tanto do ponto de vista do relevo como da cobertura de vegetação). Mahan, ao discursar sobre o poder marítimo, não o separou em função de corpos aquáticos de diferentes naturezas (oceanos, rios ou lagos). 223 recrutamento de novos recursos humanos, ficando a Space Force dependente dos efetivos atuais das forças armadas norte-americanas. Complementando esse raciocínio, a Space Force é subordinada ao Secretário da Força Aérea, parecendo-se mais como um corpo dentro de uma força armada (a exemplo do US Marine Corps – os Fuzileiros Navais) do que uma força independente das demais (PLANETARY RADIO, 2020)403. Interessante notar que tal processo de formação ocorreu nos primórdios da aeronáutica, quando defensores de uma aviação independente mantiveram com o exército ou a marinha alto grau de relacionamento. Na verdade, nos EUA, a discussão sobre o termo aeroespacial tem origem na querela entre as forças armadas desse país em torno de questões de orçamento e exercício de determinadas funções ou competências na área de segurança nacional404, inclusive extrapolando o âmbito militar, levando o assunto ao poder legislativo. Em torno desse debate está a questão da integração do ar com o espaço, que segundo Hays e Mueller (2001, p. 42) é uma “questão filosófica, que em decorrência da crescente importância do contexto militar, transforma a demanda por integração nos campos teórico, doutrinário e operacional um assunto cada vez mais importante”. Consideramos que também na esfera da geopolítica essa integração tem se tornado tema de grande relevância. Frank Jennings (2001, p. 49) expõe conclusões vigorosas da Força Aérea dos EUA sobre essa integração. O ar e o espaço são considerados “um meio operacional sem costuras”, ou seja, sem limites, um campo contínuo. Não é por menos que, ainda hoje, tal integração pode ser observada. O North American Aerospace Defense Command – NORAD (Comando de Defesa Aeroespacial Norte-Americano), apesar das questões em torno do termo aeroespacial, cuja principal evidência é a não existência do termo aerospace no principal glossário das forças armadas, mantém a ideia de uma defesa aeroespacial (NORAD, 2020), cuja função dirige-se não somente contra aeronaves inimigas, mas também contra mísseis balísticos e contra veículos espaciais. Um argumento final para que o conceito expresso na palavra aeroespacial encerre o significado conjugado que propomos é observarmos o exemplo simbólico de uma agência governamental norte-americana, que recebe vultosos recursos financeiros e é responsável por projetos que significaram grandes avanços tecnológicos para a humanidade, de modo a 403 A Space Force, ou qualquer outra forma de arranjo dessa ideia de integração das atividades espaciais, já é um assunto discutido no âmbito das forças armadas norte-americanas há algum tempo, principalmente por meio de estudos acadêmicos nas escolas militares, como, por exemplo, os trabalhos de Brown (1978), Lupton (1998), McNiel (2003) ou Fredriksson (2006), além da compilação de DeBlois (1999), que é considerada uma obra de referência sobre estudos nessa área. Em 2020, a Space Force comandou pele primeira vez na história o lançamento de um satélite a ser utilizado na segurança nacional, a partir do Cabo Canaveral, na Flórida (BBC, 2020). 404 Uma melhor compreensão dos argumentos em torno do debate sobre o conceito de aeroespacial pode ser obtido nos artigos de Peter Hays e Karl Mueller (2001) e Frank W. Jennings (2001). 224 representar o estado da arte no campo aeroespacial. A agência federal norte-americana NASA405, a National Aeronautics and Space Administration (Administração Nacional para a Aeronáutica e para o Espaço), como o próprio nome revela, é uma organização que, apesar de receber maior foco midiático nas missões espaciais, como é o caso do Projeto Artemis, que se desenvolve com o propósito de novamente levar o homem (e a primeira mulher) à Lua, também integra pesquisa, desenvolvimento e projetos no campo aeronáutico. Em verdade, a agência surge em 1958, a partir de um comitê nacional de assessoramento para assuntos aeronáuticos, o National Advisory Committee for Aeronautics – NACA. No presente, a atividade aeronáutica no âmbito da NASA é intensa. Dentre os projetos e pesquisas da agência, encontramos: a) o X- 57 ‘Maxwell’, também denominado X-plane, uma aeronave experimental totalmente elétrica; b) sistemas de gerenciamento do controle de tráfego aéreo, em parceria com a Administração Federal da Aviação, sendo que um dos produtos recentes é um sistema para gerenciamento de voo de drones voando a baixa altura; e c) o Low-boom Flight Demonstration que é uma pesquisa de coleta de dados que permitirá voos supersônicos sobre a superfície terrestre reduzindo o tempo de deslocamento (NASA, 2020), apenas destacando dentre os mais recentes. Direcionando a Tese para uma finalidade propositiva no campo da geopolítica aeroespacial, e baseados na ideia de um ambiente com variáveis geográficas, políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas integradas, propomos aqui, em caráter introdutório, a elaboração de cenários sobre a geopolítica aeroespacial, que possam contribuir com os estudos geopolíticos nacionais. Acreditamos que as análises evidenciadas também contribuirão para se demonstrar a pertinência de uma geopolítica aeroespacial. 4.1 Notas metodológicas sobre os cenários Antes de se adentrar nas questões observadas na coleta de dados junto à atores que direta ou indiretamente lidam com a temática aeroespacial, faz-se necessário esclarecer o conceito de cenário, o problema que se apresenta à geopolítica aeroespacial e tecer considerações sobre o instrumento de pesquisa. 4.1.1 Cenários prospectivos realizáveis A elaboração de cenários prospectivos na geopolítica é uma ferramenta que teria surgido com os estudos de Herman Kahn (GODET, 1979) sobre a possibilidade de conflito 405 A NASA “é responsável por realizações científicas e tecnológicas exclusivas em aplicações espaciais de voo espacial, aeronáutica, ciência espacial e espacial que tenham impactos generalizados nos EUA e no mundo” (disponível em https://www.nasa.gov/content/nasa-history-overview). 225 nuclear no período da Guerra Fria. Desde então, os cenários prospectivos têm sido utilizados para “estimular o pensamento estratégico e a comunicação; ampliar respostas às incertezas prevenindo quebras sistêmicas nos mais diversos ambientes; e reorientar opções políticas baseadas nas consequências que determinados futuros podem demandar” (GODET e ROUBELAT, 1996, p. 166). Cenários, portanto, devem ser compreendidos como situações futuras prováveis, decorrentes de uma análise prospectiva, que aqui advirá da opinião de experts do setor aeroespacial no Brasil. Conforme apontou Martelli (2014, p. 26 e 29), e que é propósitos da metodologia de elaboração de cenários sobre a geopolítica aeroespacial, é preciso “substituir visões lineares e predições pontuais, assim como reduzir incertezas e antecipar complexidades”406. O principal objetivo do Capítulo, portanto, é identificar cenários futuros possíveis, a fim de auxiliar os decisores políticos a conjecturar sobre políticas públicas para o setor aeroespacial, permitindo que o Brasil possa enfrentar contextos próximos com alguma probabilidade de ocorrência407. Para tanto, há que se relembrar o que Godet (1979, p. 52) chamou de “cenários realizáveis”, em distinção a “cenários possíveis”. Neste momento, o que se busca formular são os cenários prospectivos possíveis, que se conjecturam a partir da visão de especialistas e das restrições conhecidas. A Figura 26 representa o contexto dos cenários prospectivos realizáveis. 406 Martelli (2014, p. 15) alerta que cenários “não são previsões nem projeções e podem ser baseados em uma narrativa enredo. Os cenários podem ser derivados de projeções, mas frequentemente incluem informações adicionais de outras fontes”. Godet e Roubelat (1996, p. 166), além de atentarem para o fato de que a previsão do futuro não é objeto dos cenários, conceituam-no como “Uma descrição de uma situação futura e o curso dos eventos que permitem avançar da situação original para a situação futura”. Outra definição muito apropriada à finalidade do Capítulo é a que consta do Glossário das Forças Armadas brasileiras, que conceitua cenário prospectivo como um “Conjunto formado pela descrição coerente de uma situação futura e pelo encaminhamento dos acontecimentos que permitam passar da situação de origem à situação futura” (BRASIL, 2015, p. 57). 407 No Brasil, uma influente obra de elaboração de cenários é o livro de Marcial e Grumbach (2008). 226 Figura 29 – Cenários prospectivos realizáveis Cenários Prospectivos Realizáveis Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de GODET, 1979). Em função dessa premissa de cenário realizável, o que se propõe é obter insigths para uma visão prospectiva sobre o panorama da geopolítica aeroespacial, pretendendo se alcançar o “aperfeiçoamento do processo de aprendizagem [no âmbito de estudos acadêmicos], a melhoria do processo decisório [na esfera estatal] e a identificação de novas questões e problemas que [o Brasil] poderá enfrentar no futuro” (MARTELLI, 2014, p. 35). Um objetivo subsidiário, porém de grande relevância, será observar nas respostas dos experts acerca das variáveis de estudo (evidências geográficas, políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas) as evidências para testarmos a falseabilidade da hipótese de pesquisa (POPPER, 2008). 4.1.2 Apontando o problema da geopolítica aeroespacial Considerando a proposta de caracterização e geopolitização do ambiente aeroespacial da Tese, a formulação de cenários prospectivos no âmbito da geopolítica aeroespacial corrobora os enunciados e, ao mesmo tempo, permite deduzir tendências da geopolítica aeroespacial mundial. A fim de se atingir esse objetivo, foram elaborados cinco mapas baseados em determinadas variáveis geopolíticas estudadas na pesquisa. As representações cartográficas que serão apresentadas adiante constituem-se em importantes subsídios para a apreciação da geopolítica aeroespacial sob a ótica brasileira e com extrapolações possíveis para a compreensão do contexto mundial. Apesar de não esgotarem as possibilidades de contextualização situacional da geopolítica aeroespacial, considera-se que os elementos sugeridos permitam introduzir raciocínios sobre os cenários que serão adiante escrutinados. 227 O Mapa 1 tem o propósito de revelar o grau de concentração do mercado mundial de transporte aéreo, por meio das variáveis geográfica e econômica. Para tanto, aponta as 15 maiores empresas desse setor, considerando a receita em bilhões de US$ por km voado, com dados de 2018408. Mapa 1 – As 15 maiores empresas de transporte aéreo do mundo409 (receita em bilhões de US$ por km voado) Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de IATA, 2019b). 408 Chris Loh (2020) aponta como maiores empresas de aviação, em termos de frota de aeronaves, a American Airlines (872), a Delta Air Lines (844), a United Airlines (810), a Southwest Airlines (737) e a China Southern Airlines (616). Há muitas formas de se averiguar o desempenho de companhias aéreas e classificá-las em rankings globais. Teker, Teker e Günner (2016) discutem critérios como: retorno financeiro por aeronave; retorno financeiro por capital próprio; retorno financeiro por margem de lucro líquido; duração em dias médios por rendimentos recebíveis; duração em dias médios pelo custo de estoque de mercadorias vendidas; duração em dias médios por compras de contas a pagar; relação entre ativos e passivos circulantes; relação entre o índice de dívida e o patrimônio líquido de longo prazo; lucro líquido ganho menos juros e impostos versus eficiência das despesas com juros; relação de receita por empregado versus o número de empregados; ou receita por aeronave. 409 A American Airlines, a Delta Air Lines, a United Airlines e a Southwest Airlines são empresas sediadas nos EUA. A empresa aérea Emirates é sediada nos Emirados Árabes Unidos. A China Southern Airlines, a China Eastern Airlines e a Air China são sediadas na China. A Ryanair tem como sede a República da Irlanda e a Lufthansa, a Alemanha. 228 A observação atenta ao Mapa 1 permite algumas conclusões. Em primeiro lugar há uma concentração geográfica das empresas no hemisfério Norte. Mais especificamente, percebe-se uma convergência na tríade formada por EUA, China e Europa. Do ponto de vista da receita por km voado quando consideramos apenas as 10 maiores empresas do setor, o mapa indica, como segunda observação, que empresas sediadas nos EUA (no caso a American Airlines, a Delta Airlines, a United Airlines e a Southwest Airlines) são responsáveis por cerca de 51% da receita (quando consideramos apenas as 10 maiores), o que permite inferir pela concentração econômica do segmento. O segundo polo de concentração, responsável por 22% da receita por km voado, já é representado pelas empresas chinesas. Essa concentração geográfica e concentração econômica permite apontar uma tendência de apropriação oligopolista de mercado de transporte aéreo mundial. O Mapa 2 revela outro viés acerca da concentração geográfico-econômica do transporte aéreo. O objetivo, aqui, é destacar a posição geográfica dos aeroportos que receberam os maiores investimentos em infraestrutura (ampliação das instalações aeroportuárias, tais como pistas de pouso, pátios de estacionamento de aeronaves, terminais de carga e/ou de passageiros, dentre outros)410, nos anos de 2017 e 2018. 410 Complementarmente aos investimentos em infraestrutura, depreende-se dos documentos analisados que uma das consequências desses aportes financeiros é uma maior integração desses aeroportos às redes de transporte aéreo doméstico e internacional. 229 Mapa 2 – Os 10 maiores aeroportos com investimentos de infraestrutura Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de IATA, 2018; 2019a). O que se observa nesse panorama é uma menor concentração quando comparada com aquela observada no Mapa 1, notadamente pela presença de países em desenvolvimento. Além de Reino Unido e China, surgem novos polos econômicos de investimento em infraestrutura aeroportuária e, complementarmente a esse processo, tais polos têm obtido uma maior integração de seus aeroportos às redes de transporte aéreo doméstico e internacional. Consequentemente, ainda no escopo das variáveis geográfica e econômica, abre-se um leque para novas pesquisas a partir da análise das inferências do Mapa 2, abrangendo aspectos como o papel desses novos atores regionais (principalmente, México, Brasil, África do Sul, Argentina e Omã) na dinâmica do transporte aéreo mundial, e sua influência na balança geopolítica/geoeconômica nesse segmento. O Mapa 3 alude às variáveis geográfica, econômica e tecnológica. São apontadas a localização das 45 maiores empresas do setor aeroespacial no mundo (empresas que produzem para a atividade aeronáutica e espacial ao mesmo tempo), com dados entre 2018 e 2019, e com 230 base no valor de mercado dessas empresas na bolsa de valores de Nova Iorque (VALUE TODAY, 2020)411. Mapa 3 – As 45 maiores empresas do setor aeroespacial do mundo (valor no mercado de capitais em 2019) Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de ARMY TECHNOLOGY, 2018; MISACHI, 2019; BEST, 2019; VALUE TODAY, 2020). Novamente, observa-se o fenômeno da concentração geográfica, mormente nos EUA, Europa, China e Índia. Inclusive, é evidente a relação entre esse mapa e o Mapa 1, no 411 As empresas observadas no mapa são, respectivamente: Nos EUA (18 empresas): The Boeing Company; United Technologies Corporation; Lockheed Martin Corporation; General Dynamics Corporation; GE Aviation; Northrop Grumman; Raytheon Company; Honeywell International Inc.; Transdigm Group Inc.; Heico Corporation; Theledyne Technologies Inc.; Textron Inc.; Spirit Aerosystems Holdings Inc.; AAR Corp.; Aerovironment Inc.; Triumph Group Inc.; Griffon Corporation; e L3 Technologies Inc. Na Índia (7 empresas): Bharat Dynamics Ltd.; Astra Microwave Products Ltd.; Reliance Naval and Engineering Ltd.; Taneja Aerospace & Aviation Ltd.; Sika Interplant Systems Ltd.; Bharat Electronics Ltd.; e Hindustan Aeronautics Ltd. Na China (4 empresas): AECC Aviation Power; Avic Aircraft; Avic Shenyang Aircraft; e Avichina. Na França (3 empresas): Safran; Thales; e Dassault Aviation. No México (3 empresas): Grupo Aerportuário del Pacífico S.A. de C.V.; Grupo Aerportuário del Sureste S.A. de C.V.; e Grupo Aerportuário del Centro Norte S.A.B. de C.V. No Reino Unido (2 empresas): BAE Systems; e Rolls-Royce. No Japão (2 empresas): Subaru Corporation; e Mitsubihi Heavy Industries. Na Coreia do Sul: Korea Aerospace. No Brasil: Embraer S.A. Na Holanda: Airbus SE (Multinacional). Em Luxemburgo: Corporacion America Airports S.A. Na Itália: Leonardo (Finmeccanica). No Canadá: Bombardier Inc. 231 que tange às concentrações geográfica e econômica quanto à tríade EUA-Europa-China. Porém, também se observa a tendência apontada no Mapa 2, quanto à inserção de novos atores, como México, Coreia do Sul e Índia, além de alguns países europeus e o Brasil, que é identificado como único representante do hemisfério Sul do ponto de vista geográfico. Do ponto de vista econômico, os EUA possuem o maior número dos gigantes do setor aeroespacial, tais como a The Boeing Company, a United Technologies Corporation, a Lockheed Martin Corporation, a General Dynamics Corporation, a General Electric Aviation e a Northrop Grumman, responsáveis por fatias consideráveis do mercado de produtos aeronáuticos e espaciais. De acordo com a Aerospace Industries Association of Canada – AIAC (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Canadá), somente a Boeing, a Lockheed Martin e a Northrop Grumman respondem por 19,3% da receita produzida no mercado aeroespacial global (AIAC, 2010). Ao se apreciar a pujança econômica de países ou regiões (EUA, China, Índia e Europa) nas quais estão concentradas a indústria aeroespacial, e considerando que se trata de uma indústria de alta complexidade científica, é possível inferir outra tendência advinda desse mapa, qual seja a da concentração tecnológica, sustentáculo do setor aeroespacial, variável adrede investigada. O Mapa 3 permite, também, apontar outros indicativos de estudos sobre a geopolítica aeroespacial: a) A concentração geoeconômica da indústria aeroespacial em reduzido número de players corporativos; b) A relação entre os Estados e esses players corporativos, no que tange a investimentos, subsídios ou legislações; c) A existência de espaços de cooperação nesse concentrado e competitivo mercado; e d) O papel dos países em desenvolvimento em cenários cooperativos-competitivos no segmento aeroespacial. Dirigindo nossa atenção para a atividade espacial, o Mapa 4 identifica a posição geográfica de 10 importantes centros de lançamento de veículos espaciais412. Nesses centros, são cumpridos os procedimentos de montagem final dos módulos de um foguete espacial (sistema propulsor, módulo de comando – tripulado ou não –, e o compartimento da carga útil), o seu posicionamento na plataforma de lançamento, o lançamento em si, a postura em determinada órbita (na qual a carga útil é posicionada) e, por fim, o rastreamento/monitoramento/comando remoto da carga útil. Os centros de lançamento, portanto, são complexos equipamentos científico-tecnológicos, mormente explorados pelos 412 A classificação dos centros de lançamento toma base os seguintes critérios extraídos das fontes citadas: volume de lançamentos anuais (real ou potencial), área construída e infraestrutura disponível ou melhor localização geográfica em relação à Linha do Equador. 232 governos nacionais. Assim é que neste mapa, podemos inferir conclusões sobre as variáveis geográfica, política e tecnológica. Mapa 4 – Os 10 mais importantes centros de lançamento de veículos espaciais Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de DOLMAN, 1999, p. 102; SPACETODAY, 2004). Do ponto de vista geográfico, a distribuição dos centros de lançamento em relação à Linha do Equador coloca em evidência a localização privilegiada brasileira, fato anteriormente apontado nesta Tese413. A característica locacional favorável do centro brasileiro coloca o país na condição de ator privilegiado nesse mercado. Seguindo uma tendência observada nos mapas anteriores, observa-se a prevalência de atores como EUA, China, França (que na verdade, representa o consórcio europeu da ESA) e Índia. Todos eles com centros de lançamento de foguetes em operação regular (diferentemente do Brasil que suspendeu suas 413 Agregue-se à vantagem quanto à proximidade da Linha do Equador outras características positivas do CLA: a) posição tectônica favorável, pois ao se situar no centro da Placa Sul-Americana, possui maior estabilidade na superfície; b) constância climática da região de Alcântara, com estações bem definidas ao longo do ano, sem ocorrência de fenômenos meteorológicos de magnitude catastrófica e com um menor número de descargas elétricas; c) reduzido volume de tráfego aéreo local, o que evita grandes demandas de coordenação e favorece um maior volume de lançamentos anuais; e d) menor adensamento populacional na região, o que diminui riscos de danos colaterais em eventuais falhas de lançamento. 233 operações após o acidente de 2003, considerado aqui como um ator potencial). Observa-se também a Rússia (incluso o centro situado no Cazaquistão que sub-roga as atividades à Rússia) como um ator significativo nessa área. Do ponto de vista político, observa-se que todos os centros de lançamento do Mapa 4 são de propriedade estatal. Assim, o peso dos investimentos públicos é significativo nesse segmento da economia espacial. Principalmente, porque se trata de setor estratégico, onde o domínio de tecnologia traduz-se em vantagens competitivas no mercado mundial. Essas conclusões favorecem tendências que apontam o peso do vetor da geotecnologia no contexto do acesso ao espaço. Permitem alertar sobre o papel e o poder dos países geograficamente privilegiados no acesso ao espaço exterior e, por conseguinte, na geopolítica aeroespacial. Por fim, o Mapa 5 traz ao debate a questão das despesas militares (nelas inclusas as despesas com o setor aeroespacial) no contexto dos orçamentos dos países apontados, com dados de 2018. A análise das variáveis geográfica, política, econômica e ideológica, à luz do que o mapa demonstra, permitirá aduzir algumas tendências. Mapa 5 – Os 15 maiores orçamentos de defesa em 2018 (US$ bilhões) Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de IISS, 2019, p. 21). 234 Analisando-se as informações do Mapa 5 sob uma perspectiva geográfica e econômica, repetem-se duas tendências. A primeira trata da concentração no setor representada pelos orçamentos de EUA, Europa, China, Rússia e Índia. Apesar do mapa valorizar a questão quantitativa, o The Military Balance (Balanço Militar)414, fonte principal para a elaboração do mapa, revela análises qualitativas que também colocam esses países ou regiões em preponderância. Estabelecendo um diálogo direto com essas informações, outra fonte de referência, o Stockholm International Peace Research Institute – SIPRI (Instituto de Pesquisas para a Paz Internacional de Estocolmo), em 2018, apontou os “EUA, a China, a Arábia Saudita, a Índia e a França como responsáveis por 60% das despesas militares mundiais” (TIAN et al., 2019)415. A outra tendência, também semelhante ao que já foi revelado anteriormente, faz despontar novos atores locais, como a Coreia do Sul, Japão, Brasil, Israel, Austrália, Iraque e Arábia Saudita (este último responsável pelo terceiro maior volume de despesas militares). Do ponto de vista político, observa-se que há uma concentração dos maiores orçamentos nos grandes centros de poder mundial (EUA, China, Rússia e Europa) e em países que estão em regiões de conflitos e crises latentes – como Oriente Médio (Arábia Saudita, Iraque e Israel) e Ásia (Índia, Japão e Coreia do Sul). No que diz respeito à Austrália, em face de sua inserção como tradicional aliado estratégico do bloco ocidental, na verdade não se trata de uma exceção à tendência revelada no Mapa, haja vista a emergente situação geopolítica do Mar do Sul da China. Por esse prisma, a única exceção de fato seria o Brasil. Por fim, os mapas apresentados também dialogam com a variável ideológica, que ressalta elementos apontados anteriormente com objetivo de prestígio nacional, como: na questão do pertencimento nacional das principais empresas aéreas; na demanda de investimentos públicos para a operação de centros de lançamento que, em última instância, projetam a imagem internacional dos Estados que os patrocinam; na importância da indústria aeroespacial, inclusive enquanto geradora de tecnologias de ponta; e na consolidação dessas vantagens em torno de um hard power (capacidades militares) e um soft power (onde prospecta 414 A referência é um anuário sobre poder militar mundial, que incorpora dados estatísticos, inventário de equipamentos das forças armadas e análises sobre o status operacional, investimentos em defesa, desenvolvimento de tecnologias e balanços de poder regionais. 415 Há ligeiras diferenças entre os dados da fonte utilizada no mapa e os dados oriundos do Stockholm International Peace Research Institute (Instituto de Estocolmo sobre Pesquisas da Paz Internacional), em especial quanto aos valores em US$, quanto à ordem do ranking e quanto à inclusão de certos países. De acordo com o SIPRI (2020), os 15 maiores e suas respectivas despesas em defesa (em bilhões de US$ e em percentual do PIB) seriam os seguintes: EUA (732.0) e (3,4%); China (261,0) e (1,9%); Índia (71,1) e (2,4%); Rússia (65,1) e (3,9); Arábia Saudita (61,9) e (8,0%); França (50,1) e (1,9%); Alemanha (49,3) e (1,3%); Reino Unido (48.7) e (1,7%); Japão (47,6) e (0,9%); Coreia do Sul (43,9) e (2,7%); Brasil (26,9) e (1,5%); Itália (26,8) e (1,4%); Austrália (25.9) e (1,9%); Canadá (22,2) e (1,3%); e Israel (20,5) e (5,3%). 235 a capacidade de influenciar, ideológica ou culturalmente, os demais). Por esses motivos, despontam tendências como a utilização da geoeconomia e da geotecnologia como instrumentos geopolíticos mais efetivos de poder mundial, demonstrando uma vinculação direta entre geopolítica aeroespacial e orçamento público. O que os mapas revelam, na verdade, são importantes questões para uma geopolítica aeroespacial. Uma conclusão preliminar que se pode obter é a percepção de que, de alguma forma, o Brasil está inserido no contexto global dessa nova geopolítica, possivelmente como um ator incipiente, mas que se revela, ao menos regionalmente e em certos nichos de mercado, um personagem a ser considerado. Essas análises, portanto, guiam a demanda de percepção de cenários nos quais o Brasil possa se inserir no contexto futuro de uma geopolítica aeroespacial. Para se obter uma melhor caracterização desses cenários esboçados, foi elaborado um instrumento de pesquisa baseado em questionários aplicados a experts da área no Brasil. 4.1.3 O instrumento de pesquisa Cada participante da pesquisa recebeu dois documentos enviados pelo pesquisador. O primeiro deles foi o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, no qual constam informações básicas sobre o processo de consulta (Anexo A). No TCLE foi esclarecido que o objetivo geral da Tese se voltou para a compreensão do ambiente aeroespacial, a partir de uma caracterização geográfica, e da identificação de elementos da geopolítica clássica, tais como dinâmicas de relação de poder, soberania etc., com o propósito de contextualizar uma Geopolítica Aeroespacial. Apresentou, também, a finalidade da coleta de opiniões pessoais de experts da área aeroespacial brasileira, qual seja, contribuir para a elucidação desse tema no âmbito nacional, propondo-se elaborar um panorama sobre a geopolítica aeroespacial no Brasil, a partir de opiniões pessoais de peritos e pesquisadores da área aeroespacial brasileira. O segundo documento encaminhado a cada participante foi o questionário de pesquisa. Nele, foi apresentado ao colaborador uma contextualização sobre o tema. Nessa apresentação, afirmou-se que a palavra Geopolítica, nos últimos anos, recuperou sua importância como conceito que conjuga características geográficas de uma determinada nação (tanto de natureza física como humana: relevo, posição, continentalidade x maritimidade, recursos naturais, pirâmide etária, nível educacional, fatores culturais etc.), com as eventuais ações ou questões políticas de cunho estatal (e interestatal). A Geopolítica seria, então, a aplicação das políticas de um Estado considerando os fatores geográficos que emolduram esse mesmo Estado. O Ambiente Aeroespacial, por sua vez, conjugaria o espaço aéreo e o espaço exterior. O termo reflete não somente o espaço físico (atmosfera e cosmos) propriamente, mas 236 também elementos como a infraestrutura aeroespacial, a aviação civil, o poder aeroespacial, a indústria aeroespacial, o complexo científico-tecnológico associado e os recursos humanos envolvidos nessas atividades. Concluindo a contextualização, propôs-se considerar a Geopolítica Aeroespacial como a atuação política (compreendida como políticas públicas, desenvolvimento científico, inovação tecnológica, capacidades militares, aplicação social etc.) em nível de Estado nacional com relação ao domínio aeroespacial (efetivamente, no que tange ao espaço aéreo e ao espaço exterior, nesse último caso limitado às órbitas terrestres, à Lua e outros corpos celestes). O questionário foi elaborado em dois campos. O primeiro campo referiu-se à identificação do participante (nome completo, função/cargo atual e data do preenchimento do questionário). O segundo campo foi o das perguntas, com quatro questões e um espaço para livre comentário do participante (Anexo B). As perguntas foram as seguintes: 1) Na atividade que o Sr(a). desempenha (ou a Instituição/Empresa na qual trabalha) é possível se dimensionar a relevância do tema Geopolítica Aeroespacial? Em caso positivo, poderia apresentar argumentos/fatos que confirmem sua resposta?; 2) Autores especialistas em Geopolítica definem posturas realistas (a dinâmica de relacionamento entre as nações seria pautada na competição/disputa/rivalidade) e posturas idealistas (haveria espaço de cooperação/colaboração/complementação na relação entre as nações). Considerando essas duas posturas, qual seria aquela que o Sr(a). entende ser a que mais se aproxima do tema Geopolítica Aeroespacial? (Não se espera uma resposta Institucional, mas de opinião pessoal); 3) Considerando a hipótese de que a postura realista prevalecerá no cenário internacional, seria possível antever as principais questões geopolíticas no campo aeroespacial que impactariam o relacionamento entre as nações (por exemplo: disputa comercial, querelas jurídicas etc.)?; e 4) Por outro lado, considerando que a hipótese de colaboração/cooperação internacional (postura idealista) irá prevalecer nos anos vindouros, no que tange à geopolítica aeroespacial, quais seriam os principais fatores e campos de relacionamento que poderão se desenvolver entre as nações? O último campo do questionário foi reservado como “5) Espaço livre para qualquer consideração do Participante sobre o tema Geopolítica Aeroespacial”. Como se pode observar, o instrumento de pesquisa foi elaborado a partir dos dois paradigmas básicos das relações internacionais: o Realismo e o Idealismo. Importante ressaltar que a referência ao realismo e ao idealismo não teve o propósito de conduzir a investigação para a Teoria das Relações Internacionais. A utilização dessas escolas de pensamento foi um artifício metodológico de enquadramento conceitual de posturas gerais que privilegiam a competição ou a cooperação internacional. Para melhor compreendermos as conclusões obtidas na coleta de dados, cabe-nos preliminarmente discorrer brevemente sobre o que são essas correntes e como elas serão interpretadas no contexto da geopolítica aeroespacial. 237 4.2 As premissas teóricas das relações internacionais O primeiro objetivo deste segmento é expressar as premissas que foram apresentadas aos participantes da pesquisa sobre os conceitos de Realismo e Idealismo. A seleção dessas premissas decorre do fato que o ambiente aeroespacial tem sido palco de discussões políticas que rotineiramente colocam em choque visões ora amparadas no realismo, ora estimuladas pela premissa idealista (SHEEHAN, 2007). Para tanto, serão sintetizadas as principais ideias que permeiam essas correntes de pensamento da Teoria das Relações Internacionais. O segundo objetivo é transportar a realidade da geopolítica aeroespacial para as propostas realista e idealista nas relações internacionais, algo que será realizado por meio de abordagens sobre o ambiente aeroespacial. Tal procedimento, entretanto, não objetivou discutir com os respondentes aspectos dessa Teoria, mas, somente, trazer ao debate ideias gerais sobre essas escolas de pensamento. Até porque, a Teoria das Relações Internacionais admite nuances e vieses intermediários aos postulados clássicos do realismo e do idealismo que, contudo, não foram amiúde aportados na caracterização do questionário. 4.2.1 Realismo e Idealismo416 A discussão realismo vs. idealismo tem sido colocada como um dos grandes debates no âmbito das relações internacionais (REUS-SMIT e SNIDAL, 2008), refletindo uma dicotomia sobre como melhor conduzir política externa (PLANO e OLTON, 1988). O propósito da tese não é discorrer sobre o histórico desses conceitos, tampouco elucidar o debate teórico em torno dessas correntes de pensamento. Na verdade, o propósito é bem simples. Ou seja, apropriar-nos dos principais elementos dessas duas teorias de relações internacionais e aplicá- los à geopolítica aeroespacial. Para tanto, nos valemos de definições sintéticas, oriundas de manuais, dicionários ou enciclopédias especializadas, que traçam as principais ideias daquilo que se convencionou chamar de Realismo e Idealismo. Segundo Jackson e Sorensen o Realismo teoriza-se em torno das seguintes suposições: [...] a) visão pessimista da natureza humana; b) a convicção de que as relações internacionais são necessariamente conflituosas; c) que esse conflito é em última instância resolvido pela guerra; d) elevada consideração dada aos conceitos de segurança nacional e sobrevivência do estado; e) ceticismo básico sobre a 416 Para uma visão mais abrangente sobre as questões teóricas das relações internacionais sugerimos consultar as referências já indicadas no Capítulo anterior, tais como Sousa (2005), Nogueira e Messari (2005), Griffiths, O’Callaghan e Roach (2008), Reus-Smit e Snidal (2008), Castro (2012), Pecequilo (2017) e Lamb e Robertson- Snape (2017), ou obras como Beitz (1979), Carlsnaes, Risse e Simmons (2002), Burchill et al. (2005), Jahn (2006) ou Jackson e Sorensen (2013). 238 possibilidade de progresso na política internacional quando comparado com a vida política doméstica (JACKSON e SORENSEN, 2013, p. 66). Plano e Olton (1988) entendem que a escola realista vê no poder, utilizado de forma inteligente, a principal ferramenta dos estados para as relações internacionais. É, portanto, uma escola pragmática. Beitz (1979) completa essa caracterização do realismo destacando que princípios morais, baseados em ingenuidade, não cabem nessa corrente de pensamento, haja vista que os interesses estatais é que fornecem os resultados das interações internacionais. Não há, portanto, harmonia no sistema mundial, mas uma ordem precária, prevalecendo interesses próprios, guiados pelos objetivos econômicos, de poder, de segurança ou de superioridade entre os pares estatais. Para Magnóli (2004, p. 42), “os realistas enxergam o mundo a partir da perspectiva de seu Estado. No lugar de valores universais, o foco se concentra nos interesses nacionais”. O Idealismo, segundo Griffiths, O’Callaghan e Roach (2008), possui uma visão otimista da realidade, acreditando que a diplomacia (por meio de normas, códigos legais e valores ético e morais) seja capaz de solucionar os conflitos interestatais, o que atribui à humanidade e ao sistema internacional, e organismos que os representam, um papel central na arbitragem das mais distintas questões. Para Cristina Pecequilo, as premissas que embasam o Idealismo são: A democracia e a disseminação de seus valores, universalizando práticas legítimas e transparentes entre as sociedades e os Estados; a segurança coletiva para garantir a cooperação e defesa mútua entre as nações, prevenindo o avanço de agressores, a partir da instituição de um mecanismo coletivo; a autodeterminação dos povos, que estabelece o direito à soberania aos povos que detiverem uma identidade e unidade comum (PECEQUILO, 2012, p. 34). No pensamento idealista a cooperação internacional, cujas bases são morais, permite um ambiente mais efetivo de crescimento (PLANO e OLTON, 1988), onde a segurança coletiva minimiza as possibilidades de guerra entre estados (LAMB e ROBERTSON-SNAPE, 2017), tornando o mundo um lugar de paz e prosperidade comum. Sintetizando o pensamento teórico das Relações Internacionais, no que tange a Realismo e Idealismo, o Quadro 5 apresenta as principais características dessas correntes de pensamento. 239 Quadro 5 – Características do Realismo e do Idealismo REALISMO IDEALISMO • O Estado é o ator dominante; • O uso da força é a forma preponderante • Há interdependência no sistema mundial; de resolução de problemas; • O Estado não é o ator principal, cedendo • A segurança estatal e a sobrevivência espaço para organismos internacionais nacional dominam a agenda; de regulação e arbitragem; • O caos e a anarquia predominam no • Prevalência de atores transnacionais; sistema mundial, que somente pode ser • A força militar cede espaço aos reorganizado pelo poder de um estado instrumentos econômicos de ajuste forte; internacional; • Visão pessimista sobre a humanidade; • A segurança estatal é menos importante • A guerra é um instrumento da política que o bem-estar geral; estatal; • Crença no progresso; • O progresso não é encarado sob o prisma • Visão positiva do ser humano; e da diplomacia; e • As relações internacionais podem ser • A competição, e não a cooperação, cooperativas, ao invés de concorrentes. caracteriza o relacionamento entre os estados. Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de JACKSON e SORENSEN, 2013). 4.2.2 Contextualização de Realismo e Idealismo na Geopolítica Aeroespacial A demanda de contextualizar as premissas teóricas das relações internacionais que tratam do realismo e do idealismo no âmbito da geopolítica aeroespacial surge como ferramenta para a análise que sucederá na leitura dos questionários. Trata-se, portanto, de estabelecer parâmetros, ou padrões de comparação, para a análise das respostas dos participantes, de forma a permitir-nos elaborar cenários da geopolítica aeroespacial no Brasil. A ideia central é a de que o Poder Aeroespacial, cada vez mais, será um instrumento político do Estado para fazer frente às demandas de segurança e busca de estabilidade nas relações internacionais (TOMÉ, 2009), assim como no desenvolvimento econômico-social e tecnológico. No caso do espaço aéreo, existe um consolidado arcabouço jurídico, organismos internacionais de regulação e arbitragem que executam suas atividades de forma inconteste e um sistema mundial que permite a operação segura de aeronaves que transitam na atmosfera terrestre. Há, então, um palco para a cooperação internacional, cuja principal evidência é o sistema de transporte aéreo que opera ao redor do mundo. Por exemplo, entidades como a IATA, que representa a indústria das linhas aéreas; a ICAO, que trabalha na regulamentação da aviação civil internacional, estabelecendo padrões de segurança e conduzindo assembleias para tornar a atividade economicamente sustentável; e a United Nations World Tourism Organization – UNWTO (Organização das Nações Unidas para o Turismo Mundial), cuja função é, enquanto fórum multilateral internacional, promover o turismo universal (cujo volume de turistas transportados por via aérea é significativo), identificam-se com as características do pensamento idealista. 240 Por outro lado, o sistema aeronáutico civil internacional não deixa de ser um mercado competitivo, que busca maior espaço nas rotas aéreas e no transporte de passageiros e cargas, onde iniciativas por vezes predatórias (como aquelas instrumentalizadas por ferramentas como as code shares417, pelo compartilhamento de programas de milhagem418, pela comunalidade de sistemas de tecnologia da informação em processos de reservas de voo e aquisição de bilhetes aéreos ou pelas grandes alianças de empresas aéreas419, apenas para citar algumas), buscam obter prevalência comercial de determinados atores estatais sobre outros. Além disso, há também a questão dos subsídios governamentais e as regulações nacionais que denotam privilégios que não estão associados às práticas liberais identificadas no pensamento idealista. Ainda no caso do espaço aéreo, onde se observou que o conceito de soberania territorial foi assimilado nas convenções internacionais, há uma territorialização da atmosfera sobrejacente aos Estados, que se identifica com dinâmicas de poder (restrições de acesso pelo ar) e soberania (o céu é propriedade do Estado), muito próximas do pensamento realista. Não é por menos que autores como Weizman (2002), Williams (2007; 2010), e Omissi (2008) sugerem que o território soberano deve ser estendido à verticalidade e que a soberania nesse volume é relativa, fruto da diferença entre poderes dos atores envolvidos. Assim é que tanto o Realismo como o Idealismo encontram ressonância no espaço aéreo. A aerorrealidade (ADEY, 2010; ADEY e LIN, 2014), que conecta sentimentos de universalidade na forma de uma vida aérea, o sentimento de pertencimento a um aeroespaço comum, ou a expressão do território estatal, nele incluído o espaço aéreo e os aeroportos (PASCOE, 2001), como um espaço de representação de simbolismos que valorizam a segurança a identidade nacional, permitem identificar um primeiro padrão (cultural-ideológico) de comparação entre essas duas correntes das Relações Internacionais. As características do espaço 417 O code share (compartilhamento de códigos) é um dispositivo que permite a determinada companhia aérea compartilhar um mesmo código indicativo de voo com outra companhia aérea. Isso permite maior capilaridade no aproveitamento de rotas aéreas e slots (vagas) em aeroportos cujo tráfego aéreo é intenso. 418 Segundo Camilleri (2018, p. 93 e 171), os programas de milhagem, também denominados de programas de passageiros frequentes, ou ainda “programas de lealdade, são incentivos ao consumo a curto prazo [e, também,] uma forma de obter dados dos consumidores que indicam tendências de comportamento”, muitas vezes compartilhados entre as empresas que buscam obter vantagens em um mercado competitivo. 419 Segundo Justin Hayward (2020), as maiores alianças globais de empresas de aviação são a Star Alliance, a The Oneworld Alliance, a SkyTeam Alliance e a The Value Alliance (esta última uma aliança de empresas low-cost). A primeira aliança foi formada em 1997 (a Star Alliance), e os principais benefícios desse tipo de pareceria são: “facilidade no processo de reservas e aquisição de passagens aéreas, simplificação dos procedimentos de check-in e expedição de bagagens, habilidade na aquisição e resgate de premiações (as milhas aéreas), benefícios recíprocos para passageiros frequentes e acesso a saguões particulares e salas vip”. 241 aéreo, cuja contiguidade talvez seja a principal, nos leva a considerar sobre um segundo padrão de comparação, desta vez relativo ao espaço exterior. Observou-se que o arcabouço jurídico relativo ao espaço exterior, apesar de presente desde os anos 1960, ainda é objeto de contestação e de episódicas tentativas de reformulação ou aproveitamento de fragilidades420. Por detrás das questões sobre geoeconomia (por exemplo, a exploração de recursos naturais em corpos celestes) ou da geotecnologia (tal como a indústria aeroespacial) situam-se problemas que podem ser identificados de acordo com os pensamentos realista e idealista, fornecendo-nos parâmetros de comparação. Nas questões afetas ao espaço exterior, como afirmou Sheehan (2007, p. 7), “o idealismo e o realismo continuam a colidir”. Essa nova dimensão geográfica é percebida de três formas diferentes: a) como um santuário; b) como um local que determinará a sobrevivência da humanidade; e c) como um espaço de conflito. James Moltz (2011) sintetiza o pensamento atual sobre o espaço exterior em duas escolas doutrinárias. A escola da “defesa espacial”, de viés realista e nacionalista, que encontra amparo nos trabalhos de Everett Dolman e Joan-Johnson- Freese, baseia-se na ideia da segurança, do estado como protagonista das relações internacionais, e com um viés de determinismo tecnológico que se preocupa em compreender o espaço exterior como um espaço de conflito421. Por outro lado, a escola do “espaço santuário”, projeta a ideia de integração global, com um viés idealista, abrindo espaço para a cooperação internacional, cujos defensores nos EUA são Bruce DeBlois e Dennis Kucinich422. À visão de santuário e de local de sobrevivência da humanidade associam-se os postulados do pensamento idealista. Para Sheehan (2007) há um esforço internacional para que as atividades espaciais sejam mais cooperativas, exemplificando o caso da EEI, onde convivem astronautas de diferentes nacionalidades; o compartilhamento de dados satelitais, principalmente nos casos de meteorologia e prevenção de catástrofes naturais; a ESA, um esforço multinacional de cooperação; além do acoplamento orbital de naves russas e norte- americanas. Esse mesmo autor entende que “A exploração espacial é naturalmente uma 420 A Declaração de Bogotá (BOGOTA DECLARATION, 1976) e o caso de Tonga foram apresentados anteriormente. 421 Brandon Weichert (2017, p. 236) advoga a ideia de que os EUA devem possuir dominância no espaço, não apenas uma superioridade, concluindo que “quaisquer que sejam os efeitos negativos da armamentização do espaço, nada seria mais negativo para a América do Norte do que perceber que perdeu a dominância no espaço para um estado que colocou primeiro em órbita armas no espaço”. 422 Outros autores apresentam ideias semelhantes. Lupton (1998) considera o espaço exterior como um terreno elevado, continuidade da perspectiva aérea do alto. Sheehan (2007) incorpora a visão ambientalista à questão de sobrevivência da humanidade, e a guerra à visão de espaço exterior como espaço de conflito. Hays (2011) assimila a ideia de terreno elevado conjugando-a como espaço de controle, algo como um controle do espaço exterior (claramente análogo ao controle do mar e do ar). 242 atividade federativa, que encoraja a cooperação internacional em uma variedade de campos” (SHEEHAN, 2007, p. 174). Daniel Deudney (1982) tem uma proposição liberal, considerando que o espaço exterior é um bem coletivo, onde se fundamenta o espírito de colaboração, no qual os acordos internacionais terão papel relevante, apesar de alertar para a possibilidade de um recurso tão valioso, o espaço exterior, vir a transformar-se em mais um espaço de guerra da humanidade. O Realismo também encontra seus defensores quando se fala de espaço exterior: o principal deles é Everett Dolman. As conclusões desse autor ressaltam postulados como a continuação da geopolítica clássica no espaço exterior; a demanda de um Estado forte (no caso os EUA) que atuaria como uma espécie de polícia internacional para acabar com disputas; a falência da legislação espacial que é precária e inconsistente diante da realidade de um mercado com vastas possibilidades de lucro (o New Space); a assertiva de que espaço é poder deve ser levada para além da atmosfera terrestre; a situação ideal de apenas um ator dominante que possa garantir um sistema estável, argumento que poderia ter dado impulso à formação de forças espaciais em alguns países; a necessidade de controle das órbitas baixas como uma espécie de heartland no espaço exterior; e, em função da tendência natural das relações internacionais, sob o prisma realista, a exploração espacial nega a cooperação e impõe a competição (DOLMAN, 2002; 2012). Sintetizando as ideias em torno do pensamento em relações internacionais para o ambiente aeroespacial, podemos identificar alguns elementos que poderão ser considerados nos cenários realista e idealista, conforme se apresentam no Quadro 6. Quadro 6 – Elementos de cenários Realista e Idealista no ambiente aeroespacial Elementos no Ambiente Aeroespacial REALISTA IDEALISTA • Consolidado arcabouço jurídico no caso • Legislação não consolidada, em aeronáutico, e a legislação internacional construção, instrumentos discordantes; espacial seguirá o mesmo caminho, cada • Organismos internacionais ainda vez mais aperfeiçoada na direção de buscando espaço de atuação; estabelecer maior igualdade entre os • Mercado aeroespacial competitivo; estados; • Subsídios e regulações nacionais; • Organismos de regulação e arbitragem • Territorialização do espaço aéreo e do atuantes; espaço exterior (espaços de conflito), • Esforços conjuntos e cooperativos espaço que é regulado pelo princípio do conduzirão os assuntos nesse domínio; uti possidetis (a posse legitima-se pelo • Sentimento de universalidade, impõem controle político ou militar); um sentido de conjunto ao global; • Espaço aéreo e exterior como • Integração mundial via vida aérea, oportunidades de negócios exclusivos, expressa na forma de uma espaços a serem conquistados e aerorrealidade; explorados; • Espaço aéreo e exterior como recursos da humanidade (espaços de cooperação); 243 • Geoeconomia e geotecnologia • Geoeconomia e geotecnologia como (determinismo tecnológico) no contexto fatores de cooperação e de competitividade e exclusividade; desenvolvimento; • Ações de desrespeito à soberania no • Escola do “espaço santuário”; espaço aéreo e exterior (diferença de • Compartilhamento de sistemas e poder militar), militarização e informações; armamentização são inevitáveis; • Preocupação com a questão ambiental, o • Espaço aéreo e exterior representativos ambiente aeroespacial como patrimônio de simbolismos e ideologias nacionais; da humanidade; • Escola da “defesa espacial”, o espaço é o • O princípio básico que deve prevalecer é próximo espaço de batalha da o do res communis (terra comum); e humanidade; • O espaço não deve ser armamentizado. • Continuação da geopolítica clássica; e • A cooperação somente ocorrerá por estímulos competitivos ou de medo. Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de MOLTZ, 2011; AL-RODHAN, 2012; AYDIN, 2019). Com essas observações entendemos que foram estabelecidos alguns parâmetros de comparação para a análise dos questionários e a formação de um panorama propositivo sobre a geopolítica aeroespacial no Brasil. 4.3 Os cenários da Geopolítica Aeroespacial Neste segmento, serão expostas as principais conclusões obtidas nos questionários, direcionando as respostas em três direções: o que é geopolítica aeroespacial, a partir de exemplos; que elementos constituem um cenário realista na geopolítica aeroespacial; e que elementos constituem um cenário idealista na geopolítica aeroespacial. O questionário foi enviado para 83 indivíduos. Desses, 3 declinaram de participar. Dos 80 restantes, 32 não enviaram as respostas no prazo solicitado. Dessa forma, a amostra foi constituída por 48 sujeitos de pesquisa que apresentaram respostas consideradas na elaboração dos cenários e como corroboração das evidências das variáveis de estudo. Isso significa uma taxa de 57,83% de retorno. 4.3.1 Campo Identificação Os 48 participantes respondentes, que não serão identificados nominalmente na Tese423, a fim de atender critérios estipulados pelo Comitê de Ética da UFRN, foram agrupados em categorias, conforme descritas no Quadro 7. 423 Quando houver uma citação direta de um sujeito de pesquisa ele será identificado pela sigla “S”, seguida do número de ordem conforme consta no material compilado pelo pesquisador. Assim, o sujeito de pesquisa nº 1 será identificado pelo código “S1”, o sujeito de pesquisa nº 2 pelo código “S2”, e assim sucessivamente. 244 Quadro 7 – Categorias dos participantes Categoria Descrição Profissional envolvido com atividades mormente de cunho laboral na área jurídica aeroespacial, mas também com algum envolvimento secundário na atividade acadêmica dessa Operadores do Direito natureza, tais como o bacharel em direito, advogado, assessor ou consultor jurídico, procurador ou especialista em direito aeronáutico ou direito espacial. Profissional da área acadêmica envolvido com atividades ligadas à área de Geopolítica, Relações Internacionais ou Representante da Academia afins, tais como o docente, o pesquisador e o estudante de doutorado. Profissional que atua na atividade aeroespacial em instituições públicas ou empresas privadas, tais como o piloto civil e Operador de Sistemas Aeroespaciais militar, o tecnólogo do setor aeroespacial, o operador de logística aérea ou espacial e o operador de satélites. Profissional que atua na esfera da administração pública, no campo aeroespacial, cuja atuação tenha impacto na Representante de Instituição Pública formulação ou aplicação de políticas públicas ou do Setor Aeroespacial planejamentos estratégicos de médio a longo prazo nesse setor, tais como o gestor de alto nível, o comandante de uma organização militar, o diretor de agência ou o assessor técnico. Profissional de empresa privada ligada ao setor aeroespacial, desenvolvendo atividades de cunho comercial, mormente Representante de Empresa Privada oferta de produtos e serviços no setor, tais como um do Setor Aeroespacial presidente de associação, um funcionário da indústria aeroespacial ou assessor técnico. Fonte: o Autor, 2020. A partir dessa categorização, o Gráfico 1 representa a distribuição dos perfis de participação dos experts. Em função de determinado perfil, um mesmo participante pode ser enquadrado em dois ou três grupos distintos (por exemplo, o representante de instituição pública que também atua na academia). O Gráfico 1 demonstra os percentuais de participação. 245 Gráfico 1 – Distribuição percentual entre as categorias de participantes Empresa Privada Direito 8,45% 5,63% Academia 26,76% Instituição Pública 39,44% Sistemas Aeroespaciais 19,72% Fonte: o Autor, 2020. A maior concentração de experts é originária de instituições públicas que tratam de assuntos voltados à atividade aeroespacial, donde podemos destacar a Força Aérea Brasileira, o Ministério da Defesa e a Agência Espacial Brasileira (cerca de 40%). No campo Academia, os docentes de áreas como Ciência Política e Relações Internacionais, voltados para abordagens de geopolítica, formam o segundo grupo mais numeroso (cerca de 27%). O terceiro grupo, responsável pelo percentual aproximado de 20% é representado por experts que estão envolvidos na operação de sistemas aeroespaciais. Envolvendo um percentual próximo a 8% estão os experts que atuam na iniciativa privada (empresas ou organizações do setor aeroespacial). Por fim, o menor grupo, com cerca de 5%, é constituído por profissionais que lidam com as questões jurídicas, seja do direito aeronáutico ou do direito espacial. De posse dessas informações sobre o perfil dos experts, podemos passar à análise dos resultados obtidos. 4.3.2 Questão 1 – Onde se observa a Geopolítica Aeroespacial O propósito da primeira questão foi observar e dimensionar a relevância do tema Geopolítica Aeroespacial, bem como identificar e enquadrar teoricamente situações que emergem espontânea ou contingencialmente na prática profissional dos experts. Com exceção de dois sujeitos de pesquisa (S13 e S28), todos os demais responderam afirmativamente à questão. 246 Como apreciação geral, pode-se agrupar as respostas em blocos homogêneos de percepção. O primeiro desses grupos diz respeito à relevância do tema na Academia, por meio de programas de pós-graduação que inserem discussões sobre o assunto em disciplinas de sua grade curricular (tal fato não foi apontado em cursos de graduação). Há, também, a percepção de que o tema é “tratado em institutos internacionais de defesa, segurança e estratégia” (S19). Ainda nesse grupo, identificou-se que o tema é suscetível de networking, compreendido como uma ferramenta de inter-relacionamento profissional entre pessoas de uma mesma área, em instituições públicas ou privadas e dessas entre si. Tal instrumento favorece o debate científico, amplia o conhecimento mútuo e, por vezes, desperta oportunidades comerciais ou a empregabilidade. Isso favorece intercâmbios e o desenvolvimento de um conceito nacional sobre a geopolítica aeroespacial. Outro grupo de comentários referiu-se à questão da localização geográfica privilegiada do Brasil, em especial quanto ao CLA. Esse ponto é interessante pois reafirma a questão da posição e localização geográficas como um elemento essencial no debate geopolítico, algo que foi apontado na Tese. Na opinião do S46, “A localização de bases [de lançamento] próximas à Linha do Equador, com o objetivo de aproveitar a rotação da terra, impulsionando o lançamento e economizando combustível, demonstra que os aspectos geográficos cumprem um papel importante”. Também no caso da aviação, esse foi um fator percebido. Citaram-se pontos originais da teoria do poder aéreo, como a “continuidade do espaço aéreo”, a velocidade das aeronaves e o alcance geográfico da aviação (S27). O S25 destacou que “aviões que decolam de Israel não podem ingressar no espaço aéreo dos países do Magreb, [demandando alteração de] rota”. Enfim, o ambiente aeroespacial é um ambiente de “projeção geopolítica” (S15, S31 e S45). No que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, observou-se que pesquisas de desenvolvimento de materiais, propelentes, eletrônica de bordo e outros correlatos são de grande importância. Destacam-se nessa matéria “demandas e ofertas associadas à tecnologia espacial” (S6), como por exemplo “imageamento de ativos em solo, erguimento de cargas úteis, transmissão e recepção de dados de satélites em órbita, infraestrutura de apoio a missões espaciais” (S6). Não somente na questão satelital (ou das comunicações em geral) a ciência desenvolve-se a partir das demandas do ambiente aeroespacial. Percebe-se que há um fenômeno decorrente da “complexidade da globalização” (S17) que torna a geopolítica aeroespacial (incluída a questão cibernética) um campo que exige maiores investimentos públicos pois, por meio da implementação de “políticas de desenvolvimento científico, inovação tecnológica e ampliação da capacidade de comunicação” (S20), gera-se melhor ciência básica, e também 247 “Spin-off de soluções técnicas, aplicáveis a outros segmentos, bem como transbordamentos (spillover) positivos sobre o ambiente produtivo” (S48). Em uma apreciação geral, o desenvolvimento tecnológico é percebido como parte inequívoca da geopolítica aeroespacial. Ciência, tecnologia e inovação, palavras comumente associadas ao ambiente aeroespacial, trazem uma nova gama de questões que foram agrupadas no contexto da economia. Em primeiro lugar, há uma percepção sobre a “lentidão do processo normativo que pode ter causas em interesses divergentes, tanto geopolíticos, quanto simplesmente econômicos” (S19). Referimo-nos à questão da legislação no direito internacional. Do ponto de vista do direito aeronáutico não há problemas levantados, diferentemente do direito espacial, que, em função da insuficiência normativa gera questões não solucionadas. Essas pendências podem ter origem nas diferenças de posição política ou econômica entre os Estados. De toda forma, segundo o mesmo S19, o fator econômico é “elemento essencial na geopolítica aeroespacial”. Instrumentos como a lei geral espacial; atualmente em formulação, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), viabilizado pelo Decreto nº 10.220/2020 ou a implementação do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais – PESE, surgem como elementos que viabilizarão esforços econômicos no ambiente aeroespacial. Não se pode deixar de citar, conforme destacaram os sujeitos de pesquisa S4, S7, S17 e S33, a característica de dualidade dos sistemas espaciais, que favorecem o emprego na esfera da segurança e na economia em geral (comunicações, sensoriamento etc.). Ainda no tema economia, ficou claro o papel do New Space, que testemunha a “intensificação das atividades espaciais comerciais e tem causado uma mudança importante nos interesses em jogo” (S19). Apesar disso, fatos como as restrições impostas à Embraer que necessita, em certa medida, “obter aval do governo dos EUA para exportação de suas aeronaves, especialmente no segmento de defesa e segurança” (S26), foram relembrados. Enfim, ficou claro que a economia é uma variável da atividade aeroespacial. No grupo final de observações estão contidas as percepções políticas sobre o ambiente aeroespacial, nas quais incluímos temas como políticas públicas, segurança & defesa e aspectos ideológicos. Há uma clara noção (não somente no grupo de experts da área militar) de que a geopolítica aeroespacial é um assunto de segurança. Não somente pela demanda de “desenvolvimento de uma doutrina aeroespacial” (S4), mas principalmente pelas “iniciativas governamentais para a governança espacial” (S9). O ambiente aeroespacial, seja na questão da aviação ou do espaço exterior, é percebido como um campo de “possibilidades de atuação da FAB, com capacidades aeroespaciais presentes e futuras, impactando diretamente no planejamento estratégico” (S5) da defesa nacional, com foco no aumento da “efetividade e a 248 eficácia das forças armadas e demais órgãos da estrutura governamental brasileira” (S9). A demanda por uma política espacial é mencionada por diversos experts (S8, S9, S14 e S30), até porque, como explica o S15, a “Geopolítica Aeroespacial, pode ser considerada política pública, lastreada no desenvolvimento científico, na inovação tecnológica, nas capacidades militares, nas aplicações sociais em nível de Estado”. Na questão da soberania territorial, o relato do S25 trata de uma experiência de sobrevoo com aeronave que cumpriu restrições em função da questão geopolítica local. Fato que é corroborado na opinião do S24, quando afirma que a “Geopolítica assume alta relevância na medida em que, em diversas áreas do planeta, existem restrições e regras diferenciadas, de diversas naturezas e exigências especificas, produzidas pelos estados que detêm a soberania sobre o espaço aéreo onde as operações evoluem, gerando um complexo de informações relevantes à segurança e garantias de integridade dentro destes espaços aéreos”. Como resultado geral da análise da primeira questão é possível identificar a presença e a relevância das variáveis geográfica, política (pública, jurídica, militar), econômica, tecnológica e ideológica, variáveis que inserimos na hipótese de estudo. A citação do S10 encerra bem o que se observou nesse segmento do questionário sobre o tema da pesquisa: a “Geopolítica Aeroespacial, como uma parte da Geopolítica, torna-se um componente importante desse universo para entender como as disputas [nesse ambiente] ocorrem”. 4.3.3 Questão 2 – Que postura prevalece na Geopolítica Aeroespacial Na segunda pergunta do questionário, os experts foram solicitados a opinar sobre qual postura, realista ou idealista, entendiam ser a mais pertinente na relação entre as nações em se tratando de geopolítica aeroespacial. Para tanto, foi sugerida uma síntese teórica dessas posturas, como forma dar subsídio à reflexão pessoal do expert. Importante destacar que não se buscou o posicionamento da instituição ou empresa a qual pertencia o respondente. A análise dos resultados permitiu agrupar as respostas em quatro classes: a) postura realista (que para alguns experts não exclui possibilidades de cooperação); b) postura idealista; c) postura diferenciada, nem realista nem idealista; e d) ambas as posturas são concomitantes. 4.3.3.1 Realismo que não exclui a possibilidade de cooperação Esse resultado correspondeu a 33,3% dos experts (16 sujeitos de pesquisa)424. De acordo com a análise das respostas, o contexto aeroespacial é pautado por questões estratégicas 424 Sujeitos: 3, 6, 7, 9, 13, 15, 21, 25, 29, 32, 33, 38, 39, 40, 43 e 45. 249 para os estados e por disputas comerciais (oportunidades estratégicas), em especial pelo quantitativo volumoso de recursos financeiros envolvidos. Na questão da soberania territorial, particularmente no contexto da aviação, há fortes instrumentos realistas de controle de acesso, como as exigências de vistos em passaportes ou autorizações para sobrevoo. Embargos comerciais e controle de acesso à determinadas tecnologias no setor reforçam a tendência realista, que segundo o S40 é o arcabouço teórico que “explica melhor domínios sem hierarquia política”. Nesse contexto, acredita-se que há uma falta de maturidade (S39) da humanidade para assumir posturas idealistas. Até porque, aquele estado que já obteve um elevado patamar tecnológico dificilmente cederá aquilo que obteve com “suor e lágrimas” (S7). Apesar disso, espaços de cooperação são observados a partir da crescente participação de empresas privadas (S21), que talvez permitam uma redução no “senso de competição e rivalidade” (S45) entre as nações. Mesmo que isso ocorra, segundo S43 essa cooperação será “assimétrica”, ou seja, “uma estratégia [dependente] da iniciativa do mais poderoso” (ou daquele que detém maior conhecimento científico-tecnológico). O S45 propõe que essa postura de cooperação, idealista por natureza, pode “abrandar ou camuflar de certa forma a postura realista” e conclui, enfático, que a “Geopolítica Aeroespacial segue clima de rivalidade [...] onde a postura realista é a que mais se aproxima do tema”. 4.3.3.2 Postura Idealista Esse resultado correspondeu a 29,2% dos experts (14 sujeitos de pesquisa)425. Em geral, e também para o caso brasileiro (S34), observa-se uma tendência de migração do realismo clássico para a postura idealista, postulada como “futuro para a área” (S18). Destacam-se as ideias de que o uso do espaço exterior será “harmonizador das relações estatais” (S17), a necessidade de aderência à estratégias do tipo “ganha-ganha” (S27) além da percepção de que a cooperação internacional é uma obrigação dos estados que se comprometeram com a legislação internacional (S19), não somente no caso da aviação civil, onde os “organismos e a regulamentação da aviação” (S35) são importantes elementos, mas também no caso do espaço exterior. Até porque nessa última situação, “não existe alternativa para aceder ao espaço sem cooperação espacial” (S19). No campo da indústria aeroespacial, há a constante “necessidade de harmonização dos requisitos técnicos, inerentes à navegação aérea bem como aqueles de segurança, 425 Sujeitos: 4, 14, 17, 18, 19, 20, 24, 27, 28, 31, 34, 35, 42 e 48. 250 necessários à certificação das máquinas, equipamentos e instalações aeronáuticas” (S48), o que favorece a cooperação internacional. Algo que também pode ser observado no segmento espacial, demandante de “uma postura idealista face à magnitude dos recursos necessários à conquista do espaço” (S48). Por fim, segundo o entendimento de S31, “os acordos e cooperações apesar de gerarem benefícios para os participantes, também geram projeção de poder dos países que detêm maior tecnologia dentre eles”, algo como “um soft power da geopolítica”. 4.3.3.3 Postura diferenciada, nem realista nem idealista Esse resultado foi o de menor ocorrência nas respostas, correspondendo a 6,3% dos experts (3 sujeitos de pesquisa)426. Defende-se uma “terceira via”, denominada “racionalista”, na qual “coexistirão elementos de conflito e cooperação” (S16). Isso se daria em função do dinamismo no campo aeroespacial e as categorias de atores envolvidos (S44). O S46 chama isso de “postura mais intermediária” (denominada de “neoliberalismo”), apesar de nela reconhecer a força de um realismo. Na sua opinião, trata-se de uma “postura menos pessimista que o realismo, mas certamente mais pragmática que o idealismo” (S46). Apesar de os elementos de análise serem escassos para uma melhor caraterização dessa categoria, em face do baixo número relativo de respondentes, permite-se apreciar essa postura como muito próxima daquelas representadas no grupo seguinte. 4.3.3.4 Ambas as posturas são concomitantes Esse resultado correspondeu a 31,3% dos experts (15 sujeitos de pesquisa)427. A análise sobre esse conjunto de respostas indica que sempre há uma concorrência das posturas idealista e realista, dependo do contexto geopolítico de avaliação, do momento da apreciação ou da ênfase em determinado ponto de vista (S5, S23, S26, S30, S37 e S41, notadamente). O S8, por exemplo, considera que a postura pode ser “idealista [quando se observam] os tratados [internacionais], mais recentemente, porém, [sobressai o viés] realista, pelas demandas de mineração de asteroides ou de defesa [nacional]”. As posturas não seriam excludentes entre si, pois como afirma S11, “A existência de cooperação/colaboração pode [ocorrer] no campo realista”, em especial entre aliados cujos objetivos estratégicos são comuns. Apesar da queda do Muro de Berlim e o fim da URSS serem 426 Sujeitos: 16, 44 e 46. 427 Sujeitos: 1, 2, 5, 8, 10, 11, 12, 22, 23, 26, 30, 36, 37, 41 e 47. 251 fatores que favorecem um idealismo viabilizador de “integração econômica internacional”, “a fronteira tecnológica representada pela exploração espacial e pelo desenvolvimento de armas baseadas em satélites e também de armas antissatélites impõem a necessidade de posturas realistas” (S11). O S12 não vê antagonismo entre as posturas, destacando a “EEI e alguns programas de voo tripulado” como referências de uma postura idealista, e as “aplicações espaciais para defesa elementos da postura realista”. O S23, apesar de concordar com uma visão realista, denomina essa tendência de “idealismo de cooperação”. Interessante foi observar que, apesar da visão de “terrenos indissociáveis” (S1), quando se aborda a integralidade do espaço aéreo e do espaço exterior, há uma percepção de diferenças nas abordagens realista e idealista nesses espaços. O mesmo S1 considera o realismo na atuação de forças aéreas, enquanto S26 descreve que também “na aviação civil há um realismo, polarização da disputa de mercado entre [grandes empresas como] a Boeing e a Airbus”, porém, a presença de uma visão “idealista nos acordos de cooperação”. Já S30 é categórico ao afirmar que “no espaço aéreo, a postura realista, no espaço exterior, a idealista”. De uma forma geral, há o que S26, S37 e S41 entendem como um misto de posturas, que ora se aproxima do idealismo, mormente nos acordos de cooperação científica ou na aviação de transporte de passageiros e a sua logística, ora se revelando essencialmente realista, quando se evidenciam elementos associados à “soberania dos espaços aéreos como eixo mais relevantes da soberania estatal” (S41) ou em “competições/disputas/rivalidades” (S37) quando se fala de setores estratégicos como o aeroespacial. Como apreciação final da questão de número 2, observou-se um equilíbrio entre três abordagens: aquela que observa um cenário realista no setor aeroespacial, porém sem excluir possibilidades de cooperação; uma postura idealista como tendência atual e futura que, porém não deixa de evidenciar origens de matiz realista; e a conjunção ou concomitância de ambas as posturas, em função da área (aeronáutica ou espacial), da inciativa (cooperação ou segurança) ou do produto (por exemplo, a EEI) sob os quais é direcionada a análise. Portanto, o resultado que se pode alcançar nesta questão não permite apontar assertivamente que exista uma postura prevalecente. O que há são tendências. Justamente em função dessa apreciação é que se torna fundamental as análises das questões seguintes (as de número 3 e 4). Elas permitirão apontar fatores relacionados ao setor aeroespacial e as eventuais posturas que o país venha a assumir no setor aeroespacial interna e internacionalmente. 252 4.3.4 Questão 3 – O cenário realista da Geopolítica Aeroespacial A fim de discorrer sobre cenários nos quais o Brasil venha a se inserir no setor aeroespacial, as contribuições colhidas e analisadas nos questionários, tanto nesta questão como na seguinte, foram agrupadas a partir das variáveis de estudo (variáveis independentes) contidas na hipótese, a saber: fatores geográficos (q); condicionantes políticas (r); elementos relacionados à economia (s); recursos tecnológicos (t); e ponto de vista ideológico (u). A questão de número 3 considerou a hipótese da postura realista como predominante no contexto de análise. Assim, o propósito foi coletar observações dos experts como antevisões das principais questões geopolíticas no campo aeroespacial que impactariam o relacionamento entre as nações, em especial o Brasil como ator nesse cenário. Em uma visão geopolítica mais abrangente esses elementos comporiam um cenário internacional no qual o país poderia ser motivado a participar. 4.3.4.1 Fatores Geográficos Observou-se a percepção do ambiente aeroespacial como uma dimensão geográfica que comporia o cenário realista. É possível se destacar a demanda pelo domínio dessa região (S33), que levaria a potenciais conflitos armados (S26). Segundo S28, “tentativas de regrar fronteiras na atmosfera ou no cosmos, [aumenta] a possibilidade de ocorrência de conflitos”. A principal justificativa para essa intuição no espaço exterior reflete-se “nas órbitas e faixas de frequências para comunicações [que] são finitas e [...] já estão no limite de saturação” (S14). Corroborando análises do corpo da Tese, notou-se que “os slots e as órbitas disponíveis são limitados [o que pode gerar] um congestionamento” (S45). O que se revela é a disputa por “áreas comuns”, inclusive estendendo-se “à Lua ou Marte” (S47). Outro importante tema de natureza geográfica, muito semelhante ao que ocorre na superfície terrestre, é a preocupação ambiental, mais especificamente com o lixo ou detritos espaciais, também conhecidos como debris (S45). Tal problema começa a ser apreciado geograficamente, e segundo S1 o lixo gerado por determinado país poderá “causar danos aos dispositivos espaciais de outros” países. 4.3.4.2 Condicionantes Políticas A tendência de um cenário com viés realista poderá levar grandes potências a expandir suas áreas de influência (S27). Haverá a possibilidade de um “recrudescimento nas políticas das superpotências mundiais na busca pela supremacia no espaço exterior” (S26). Não 253 somente no setor espacial isso será observado, pois a tendência das guerras pequenas, do terrorismo e de conflitos em escala local, reforçará “disputas jurídicas entre Estados rivais sobre o uso do espaço na área da aviação comercial, logística internacional e do emprego de armamentos no campo dos mísseis” (S41). Vislumbra-se, também, uma maior “imposição de requisitos técnicos [para a aviação] muito específicos ou restritivos” (S48), tais como aqueles fixados para voos supersônicos, sobre ruídos de motores e de poluição gerada pelas turbinas de aeronaves, gerando limitações no acesso a certos países e aeroportos. No setor espacial identificam-se problemas no acesso à informação e às telecomunicações, em especial aquelas oriundas dos satélites (S45), (S14) e (S29). Poderão ocorrer, conforme aponta S48, “restrições ao lançamento e operação de meios espaciais visando a criação de monopólios em determinados serviços que demandem o segmento espacial”. Nesse cenário, há probabilidade de surgirem “questões de direito sobre o uso de imagens, permissões exploratórias por sensoriamento remoto, direitos orbitais, interferência em comunicações e na cibernética, vigilância não permitida” (S43), correndo-se o risco da militarização do espaço. Demandas jurídicas despontarão no cenário internacional, apontando para limitações no uso do espaço. O S19 aponta nesse escopo as questões relacionadas aos detritos espaciais e quanto ao “lançamento de grandes constelações de pequenos satélites”, aumentando o risco de colisão no espaço. Essa percepção é ratificada por S45 quando destaca que da concretização dessas ameaças surgirão querelas jurídicas. Há o risco, conforme aponta S20, de que essas questões jurídicas possam interferir nas relações econômicas entre as nações na forma de um novo colonialismo, apesar dos instrumentos jurídicos internacionais. Até mesmo em função da inclusão de novos atores no contexto aeroespacial (S30), há uma tendência de “distanciamento ainda maior entre os países mais desenvolvidos, os que estão em desenvolvimento e ainda os do chamado terceiro mundo em face de seu desenvolvimento social” (S15), fruto da postura de “países [que representam] a vanguarda tecnológica dificultarem ao máximo o acesso/desenvolvimento de tecnologias necessárias, condenando aqueles países a um colonialismo tecnológico” (S26). Enfim, percebe-se que há uma “guerra nesse novo domínio geopolítico, que será uma constante nas próximas décadas, especialmente por causa do crescimento exponencial das comunicações por satélites e a inserção de novos atores geopolíticos no setor” (S16). Destaque-se que o Brasil poderá tirar proveito dessa situação quando, por meio da Agência Espacial Brasileira ou do CLA, identificar “oportunidades para profissionais [do setor aeroespacial], [puder investir em] pesquisas nas universidades e [ampliar a participação de] empresas” (S36). 254 4.3.4.3 Elementos relacionados à Economia A economia aeroespacial, como elemento integrante do debate geopolítico, foi o campo que recebeu o maior número de contribuições. Apesar do volume, a análise das respostas indicou que houve concentração da discussão no tema do acirramento da disputa comercial (S7, S8, S9, S15, S19, S20, S21, S23, S31, S33, S45, S46 e S48) ou “guerra comercial” (S21), apesar de vieses de interpretação diferenciados. No lado da aviação, há a tendência de disputa por rotas aéreas com maior retorno financeiro, além da aposta em combustíveis que sejam mais econômicos (S5) e menos poluentes (S17), nesse último caso uma conexão direta entre economia e capacidade de desenvolvimento tecnológico. Destacou-se, também, a problemática do desenvolvimento e exportação de aeronaves regionais, onde o papel das joint ventures foi citado (S13), (S15) (S26), algo que a Tese assaz observou. A geopolítica aeroespacial será marcada por parcerias e alianças estratégicas condicionarão decisões no setor da aviação comercial (S41), e pela prática do dumping promovido “por nações com economia forte visando quebrar empresas aéreas e a indústria aeroespacial de economias menos desenvolvidas” (S48). O campo espacial suscitou muitas observações, possivelmente pela novidade do tema e pela indefinição de alguns aspectos, seja no terreno do direito internacional ou mesmo nas capacidades dos veículos espaciais. Esses últimos em estágios incipientes de desenvolvimento de capacidades que permitam, por exemplo, a exploração de asteroides, apesar da perceptível progressão tecnológica recente. A disputa comercial no caso do espaço exterior se dá em torno de três aspectos: a discussão em torno da exploração comercial do espaço; do desenvolvimento tecnológico em torno dos veículos espaciais; e da utilização dos satélites de telecomunicações e sensoriamento remoto. Subjacente à ideia da exploração comercial do espaço está a ideia de que o espaço é uma res communis, ou de que os bens colhidos no espaço exterior, principalmente nos corpos celestes (S46), são bens da coletividade global (S6) e (S7). Nesse campo, parece ser uma tendência de que a “exploração comercial dos recursos naturais no espaço, como na Lua e nos asteroides, também serão fatores de futuras querelas, considerando que todas essas atividades não são regulamentadas” (S19). No que tange ao desenvolvimento tecnológico em torno dos veículos espaciais, as “disputas comerciais relacionadas” serão acirradas e testemunharão a “crescente participação da iniciativa privada no uso do espaço” (S19). O caso da Alcantara Cyclone Space (parceria malsucedida entre Brasil e Ucrânia, descontinuada em 2012) é recordado como um caso no qual a disputa jurídica se avizinha em nossa realidade (S15). 255 Quanto à utilização dos satélites de telecomunicações e sensoriamento remoto, também há tendência de disputas comerciais (S19). Agregam-se aos resultados aspectos complementares que despontaram da análise da questão de número 3. O primeiro deles é a crescente participação de novos atores, em especial empresas privadas, o que coaduna com o conceito de New Space. Na visão do S8, esse conceito envolve “empresas de grande porte à startups, realidade indiscutível, [que gerou inclusive uma] competição mercadológica de quem irá lançar o primeiro programa de turismo espacial, as novas aeronaves supersônicas, a mineração espacial, os removedores de lixo espacial etc.” Assim é que essa crescente participação privada levará os países a “defender os interesses de seus grandes conglomerados, empresas que atuam em várias áreas de indústria de defesa” (S32). Esse fenômeno protecionista implicará em suporte estatal às empresas via benefícios, subsídios e incentivos fiscais (S24), o que trará reflexos no cenário internacional do setor aeroespacial. O outro ponto de interesse é a relação entre a economia e a capacidade militar. Algo que reflete no tópico anterior, pois segundo S20 “as questões comerciais falarão mais alto, mas sempre estarão acompanhadas das capacidades militares desenvolvidas, tal qual ocorre nas questões geopolíticas tradicionais”. Por fim, há uma tendência em torno de disputas por patentes. Poderá ocorrer nesse cenário tentativas de “violação, cópias não autorizadas ou mesmo reservas/proteção de mercados” (S29), fazendo com que esse assunto tenha amplitude jurídica e destaque-se no campo aeroespacial (S23). 4.3.4.4 Recursos Tecnológicos O ponto de maior incidência nessa variável foi a questão da restrição de acesso às tecnologias (S12, S32, S34 e S38). Por se tratar de tecnologias críticas, ou de cunho estratégico, o controle sobre elas é de interesse geopolítico dos Estados mais desenvolvidos no setor aeroespacial. Possivelmente, o instrumento de maior representatividade desse controle seja o MTCR, apresentado anteriormente na Tese. Entretanto, instrumentos como o Acordo de Salvaguarda Tecnológico (S4), destacado nos comentários da questão de número 1, são apontados como ferramentas de controle de acesso às tecnologias aeroespaciais. O que se sugere é a dificuldade de acesso à informação (S3), que gera um diferencial de desenvolvimento de grande amplitude. Há uma preocupação com os embargos tecnológicos (S34), com a possibilidade desses embargos gerar bloqueios de conhecimento que tendam a “retroagir ou mesmo zerar” avanços em pesquisa e desenvolvimento” (S37). Em decorrência, espera-se que haverá 256 “controle de determinadas tecnologias sensíveis, disputa por nichos de mercado e acesso/controle das tecnologias avançadas do setor [que] tendem a moldar o relacionamento entre as nações nos próximos anos” (S32). No que tange à indústria aeroespacial, esse gap (lacuna) tecnológico observa-se de forma inconteste (os cartogramas do início do capítulo contextualizam bem essa realidade, ao destacar a concentração industrial do setor aeroespacial). Mas a tecnologia, na visão dos experts, gera também, além das questões de desenvolvimento científico, diferenciais em capacidades militares (S42). O S10 aponta para a questão das armas antissatélite e a criação de forças espaciais, algo que contará com a participação do setor privado, reforçando o sentido de competição. O S11 destaca que o potencial militar, decorrente do gap tecnológico, poderá ser identificado nas “tendências de evolução das tecnologias em aviões não tripulados, armas antissatélites baseadas em lasers, propulsores espaciais nucleares”, dentre outras. Essa tendência de apontar para produtos é seguida pelo S23, quando destaca “motores scramjets de alta velocidade (ou até mesmo os veículos hipersônicos, como propõe o S47)428, tecnologias ligadas ao setor espacial, tecnologias antissatélites, as tecnologias dos setores de mísseis e satélites”. Outro campo onde a tecnologia aeroespacial também poderá gerar diferenciais significativos é no segmento de satélites. Sejam satélites de “observação da Terra, comunicações e de navegação, que permitem geoposicionamento ou geolocalização” (S9), as capacidades tecnológicas redundarão em “vantagens” para determinados estados (S12). Essas vantagens, voltando à questão militar, poderão ser pano de fundo para “questões políticas e jurídicas seríssimas” (S19), uma nova “corrida espacial” (S32) ou “corridas armamentistas” (S47). Até porque, mesmo em face da boa vontade dos tratados internacionais, seja no âmbito regulatório da aviação ou do espaço exterior, ações preventivas que violem soberania territorial pela atmosfera (que discutimos alhures) ou aposição de armas no espaço exterior são, neste último caso, segundo S27, “impossíveis de se verificar o seu fiel cumprimento”. Por fim, há a preocupação mais voltada para a aviação comercial, já identificada na variável política, de que a tecnologia se insira no debate ambiental, tais como nas demandas por “redução de emissão de CO2 e redução de ruído das aeronaves” (S26). O que se pode depreender, portanto, é que a variável tecnologia será de grande importância geopolítica no ambiente aeroespacial, e a 428 Scramjet é um acrônimo para supersonic combustion ramjet (Ramjato de combustão supersônica). Trata-se de uma turbina de propulsão para aplicação em veículos hipersônicos, aqueles que alcançam velocidades superiores a Mach 5 (cerca de 6.175 km/h). 257 questão do “domínio de tecnologias aeroespaciais, [se refletirá] tanto no âmbito militar quanto comercial” (S42). 4.3.4.5 Ponto de vista Ideológico A variável final de análise reflete, em síntese, muitos dos aspectos já observados anteriormente no esforço de geopolitização do ambiente aeroespacial e nas questões da pesquisa, o que lhe dá um potencial valioso de corroboração da Tese. Em primeiro lugar destaca-se a questão da soberania. O S1 entende que haverá um processo de extensão para o espaço exterior daquilo que já ocorre no espaço aéreo, ou seja, “a partir do momento que for possível interferir de maneira ostensiva em satélites de outras nações, [...] a [questão da] soberania no espaço irá [tratar de forma semelhante] a rivalidade [que ocorre no espaço aéreo]”. No que tange à já consagrada soberania territorial no espaço aéreo, o S5 observa que, em decorrência de posturas realistas, reclamos de soberania poderão “gerar impacto no bom andamento do tráfego aéreo internacional, com impactos na economia e mesmo na confiança entre os entes estatais envolvidos”. Por esse motivo é que o S2 vê em sistemas como o de “proteção da Amazônia [ou] o de defesa da Amazônia Azul”, instrumentos de “interesse nacional” para a garantia de soberania. Sem dúvida que as questões na esfera da defesa ocuparão boa parte da agenda ideológica dos estados, dentre as quais o S9 destaca “disputas pelo domínio e uso de meios espaciais, motivadas por questões estratégicas [tais como] restrições ao desenvolvimento e lançamento de foguetes, embargos de matérias-primas etc.” O S8 entende que esse cenário poderá levar, inclusive, a um robustecimento “dos programas militares espaciais [na direção de uma] nova era armamentista espacial”, ou uma nova “corrida armamentista” (S33), algo que já foi observado em variáveis anteriores, e que o S18 aponta como “ressurgimento de uma guerra fria espacial”. Esse “ambiente super competitivo” (S38), se caracterizará “pelo retorno ao processo de isolamento entre os países, favorável ao surgimento de conflitos e contrário à integração comercial” (S28). Até porque, mesmo com os “tratados internacionais discutidos e/ou assinados” (S11), “os interesses no desenvolvimento de tecnologias satelitais, por parte dos grandes players da geopolítica mundial, tem girado em torno da defesa de artefatos espaciais – especialmente de coleta e transmissão de informações sigilosas – nem que para isso sejam necessários capacidades de ataque” (S21). Há, portanto, uma forte influência da postura realista nas observações dessa variável, levando inclusive ao despertar dos “temas quentes da geopolítica” (S11), tais como a “militarização do espaço exterior e seu uso geopolítico” (S22) 258 e (S47) ou a “armamentização” (S46), e o conceito de soberania no espaço aéreo (S48) e no espaço exterior (S43). Por fim, ficou claro o que o S31 apontou como “foco de tensão” que recai sobre o uso militar do ambiente aeroespacial. Isso nos permite deduzir que a variável ideológica da geopolítica aeroespacial demandará questões sobre o uso efetivo desse espaço (principalmente sob a perspectiva de espaço vital a se conquistar) que poderão superar decisões idealistas voltadas à cooperação econômica ou tecnológica (S41). 4.3.5 Questão 4 – O cenário idealista da Geopolítica Aeroespacial Seguindo uma metodologia similar à questão anterior, a partir das variáveis de estudo (variáveis independentes) contidas na hipótese (fatores geográficos – “q”; condicionantes políticas – “r”; elementos relacionados à economia – “s”; recursos tecnológicos – “t”; e ponto de vista ideológico – “u”), a questão de número 4 considerou a possibilidade de colaboração/cooperação internacional (características da postura idealista) como fator de prevalência na geopolítica aeroespacial. Mais uma vez, o propósito foi coletar observações dos experts como antevisões das principais questões geopolíticas no campo aeroespacial que impactariam o relacionamento entre as nações, em especial o Brasil como ator nesse cenário. Em uma visão geopolítica mais abrangente esses elementos comporiam um cenário internacional no qual o país poderia ser motivado a participar. 4.3.5.1 Fatores Geográficos Do ponto de vista geográfico, destacaram-se as possibilidades de compartilhamento de informações que visem minimizar os efeitos climáticos catastróficos (S2). Pela opção de um ganho mútuo (S1), a “troca de conhecimentos ligados à preservação do meio ambiente e à busca do equilíbrio dentro das atividades humanas em nosso planeta” (S3) parece ser um caminho de cooperação internacional. 4.3.5.2 Condicionantes Políticas A partir dessa ideia de cooperação, no campo econômico vislumbra-se o que grande parte dos respondentes chamou de “parcerias entre as empresas” (S4) ou de “divisão de tarefas entre empresas/atores” (S39). Um primeiro caminho apontado para tal é na direção de “projetos em conjunto entre países para dinâmicas não-militares” (S42), essencialmente aquelas que enfocam mais na segurança internacional do que na defesa do território. Assim, por exemplo, “a necessidade de compartilhamento de informações que visem combater crimes 259 transnacionais” (S2), as “trocas de informações no campo da inteligência em prol do controle e vigilância do espaço aéreo com países fronteiriços” (S31) ou parecerias estratégicas como a do “Sistema de Combate Aéreo do Futuro – SCAF, resultado dos esforços políticos da França, Alemanha e da Espanha para desenvolver conjuntamente um sistema de caças de 6ª geração” (S13) parecem ser possibilidades de colaboração internacional. Ressalve-se que esses acordos tenderão a ser bem-sucedidos em caso de inexistência de “disputas geopolíticas importantes” (S9) entre os acordantes. Outro caminho apontado são os acordos internacionais, tais como aqueles patrocinados pela OACI (S5) ou o caso do “Artemis Accords, com objetivo de diminuir possíveis conflitos na exploração do espaço exterior” (S46)429. Nesse caso, entende-se que “a cooperação internacional é uma garantia para o uso pacífico do espaço e para a segurança das atividades espaciais” (S19). A cooperação no campo da aviação será percebida no turismo e no comércio internacional (S5), e na atividade espacial por meio do desenvolvimento científico e pelo chamado Space Benefits (S19)430. A cooperação se dará também quando forem patentes necessidades complementares entre os Estados (S15) que identifiquem claramente oportunidades de crescimento a partir da expertise alheia, até porque em países menos desenvolvidos há carências tecnológicas a serem cobertas. Essa percepção sobre a possibilidade de transferência de tecnologia seria mais provável naquilo que o S37 denominou “conhecimentos fronteiriços ao saber”. O S40 aponta os “acordos de regulamentação de misseis hipersônicos, na revisão ou suspensão do MTCR, ou no uso corporativo do espaço” descritas pelo S43 como “oportunidades de atuação em organizações e grupos multinacionais, ou de aderência a acordos com as respectivas obrigações e direitos advindos da formação de alianças”. Um exemplo claro disso é a EEI (S47), ou aquilo que o S46 chama de “soft law” (leis ou direito flexível, normas facultativas), como “no caso dos detritos espaciais” que podem vir a inviabilizar determinadas órbitas. Apesar desses 429 Os Acordos do Programa Artemis (Artemis Accords) são protocolos propostos pela NASA para aqueles parceiros internacionais (estatais ou não) que queiram cooperar com a agência, cujo principal objetivo imediato é retomar o voo tripulado à Lua. Segundo a NASA (https://www.nasa.gov/specials/artemis-accords/index.html), os acordos baseiam-se em princípios pacíficos, de transparência nas informações, de interoperabilidade entre sistemas nativos e de outras agências espaciais, de assistência em caso de emergências, de registro de objetos espaciais, de divulgação de dados científicos, de proteção da herança espacial comum, aderência ao Tratado da Lua quanto à exploração de recursos nesse corpo celeste, desconflito de atividades e de eliminação segura de detritos espaciais (NASA, 2020). 430 Segundo a The United Nations Office for Outer Space Affairs – UNOOSA (Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior), a atividade espacial traz benefícios para a agricultura, saúde, meio ambiente, desenvolvimento sustentável, em desastres naturais, na educação, nos assentamentos humanos (habitação), em pesquisa e desenvolvimento, nos transportes, comunicações, em assistência humanitária e na colaboração da paz e segurança internacionais (UNOOSA, 2020). 260 regimes não aderentes, ou que são de adesão facultativa, o S20 entende que “questões jurídicas [...] necessitarão de um fórum de arbitragem definido”. 4.3.5.3 Elementos relacionados à Economia A variável economia analisada no contexto aeroespacial também corroborou elementos identificados no corpo da Tese, ao analisar a economia no contexto aeroespacial. Há oportunidades de “ganho mútuo com o mercado espacial” (S1), que no caso brasileiro identificou-se na possibilidade de exploração do CLA. Essa tendência é consonante com a realidade exposta na variável anterior. Na verdade, conforme aponta o S20, “a economia deverá ser a força motriz na questão da Geopolítica Aeroespacial”, criando “espaços de cooperação, colaboração e complementação na relação entre os Estados no sistema internacional” (S13). O mesmo sujeito de pesquisa, inclusive, identificou no campo militar a possibilidade de fusões de empresas para o desenvolvimento de tecnologias. O campo da aviação foi amiúde observado pelos experts como um setor onde a cooperação já é pujante e tende a crescer. Exemplos como as tentativas de buscar parceria da grandes indústrias aeroespaciais, como a Boeing e a Airbus, não somente para a obtenção de fatias do mercado, mas também no desenvolvimento de “tecnologias disruptivas na aviação comercial” (S26). Ou ainda, as parcerias de empresas de aviação objetivando “acordos mutuamente benéficos voltados para a integração de sistemas e rotas” (S27), e até mesmo “a fusão de empresas aéreas” (S45). Outra percepção coincidente tem a visão prospectiva de eliminação de barreiras comerciais, gerando proporcionalidade na divisão do mercado, algo que pode ser alcançado quando se ampliar a “infraestrutura de apoio às atividades aéreas” (S48). No caso da aviação também ficou claro que a cooperação se dá na navegação aérea por meio da comunalidade dos serviços de controle de tráfego aéreo. O S41 e o S43 vêm possibilidade de “cooperação no compartilhamento do uso do espaço, baseando-se mais em elementos voltados para a ciência e tecnologia e comércio do que disputas de interesse geopolítico”. O S41 expande esse entendimento que vai além do “compartilhamento do uso dos espaços aéreos nas áreas comerciais, para as questões de logística e de transporte de pessoal”. Apesar dessa concepção cooperativa, ainda se observam posturas economicamente incorretas, como é o caso levantado pelo S25, quando aponta que alguns “países se utilizam da autorização de sobrevoo e do pouso técnico com finalidade de simples compensação financeira, que se dá tanto pela venda de combustível quanto pela cobrança na prestação de serviços (recepção do voo em solo; comissaria; tarifas aeronáuticas de navegação aérea, uso de auxílios e comunicação; pernoite em aeroportos; taxas de pouso e decolagem etc.)”. 261 O campo espacial também suscita caminhos de integração (S28) e cooperação econômicas (S33), mormente via “formação de consórcios para lançamentos de veículos espaciais, pesquisa e desenvolvimento conjuntos, criação de empresas multinacionais da área, tratados e acordos de cooperação, propriedade intelectual compartilhada, transferência de tecnologia e acordos de salvaguardas tecnológicas” (S29). Há os exemplos da EEI e do Galileo System (S26)431, onde as atividades multinacionais de cooperação (S33) estabelecem “processos de cooperação entre agentes internacionais, em especial, pesquisadores, grupos de pesquisa, universidades, sociedades científicas e agências nacionais espaciais” (S36). Isso poderá gerar resultados significativos em “programas de cooperação em tecnologias não-competitivas, tais como as análises de viabilidade de combustíveis de biomassa” (S43). 4.3.5.4 Recursos Tecnológicos Na hipótese de preponderância das iniciativas de cooperação, característica do pensamento idealista, a variável tecnologia será aquela que, possivelmente, levará a resultados mais expressivos (S7) e (S12). A aviação em geral será beneficiada pelo desenvolvimento na “gestão do serviço de controle de tráfego aéreo, nas tecnologias das telecomunicações, em sistemas de informações em tempo real das movimentações de passageiros e cargas” (S24), algo que o S23 ratifica. No setor espacial, os benefícios advindos de cooperação se refletiriam imediatamente no “desenvolvimento de novos métodos de imageamento, ou nas pesquisas sobre medicamentos em ambiente de baixa gravidade” (S6). Na questão do sensoriamento remoto por satélites “poder-se-á construir melhores meios para vigilância de fronteiras, combate a ilícitos transnacionais, melhoria nas comunicações (educação etc.) e internet das coisas (carros autônomos etc.)” (S22). Essa preocupação com ganhos de segurança por meio de cooperação no setor espacial também foi destacada pelo S24, ao visualizar melhorias no “trabalho de fiscalização e apreensão de cargas e remessas ilegais, bem como a circulação de indivíduos que estejam à margem da sociedade civil organizada (contrabandistas, mulas de drogas, ativistas terroristas etc.)”. Mesmo no turismo espacial a cooperação é benéfica, onde se destaca a participação de empresas privadas no desenvolvimento de viagens espaciais (S1). 431 Galileo System (Sistema Galileu) é um sistema global de navegação e posicionamento com base em satélites, semelhante ao GPS norte-americano, desenvolvido pela ESA. A Rússia desenvolve sistema de constelação de satélites com o mesmo propósito, denominado GLONASS. A China também trabalha nessa direção por meio do sistema BeiDou. Japão e Índia desenvolvem produtos de amplitude apenas regional, diferentemente dos citados cuja cobertura é global, respectivamente denominados QZSS e NavIC (NASIC, 2018). 262 Também nessa linha de pensamento, empreendimentos colaborativos poderão “descontaminar órbitas terrestres por meio da limpeza e coleta de lixo espacial” (S45). Porém, para que tais iniciativas sejam concretas, há a necessidade, como bem apontou o S21, de “parcerias envolvendo a Tríplice Hélice (Academia, Governo e Empresas)” que favorecerão acordos internacionais e novos “dispositivos legais de soft law como o Woomera Manual”432. 4.3.5.5 Ponto de vista Ideológico Do ponto de vista da variável ideológica, iniciativas com a do Manual Woomera, capitaneado pela Universidade de Adelaide, na Austrália, atendem demandas como a que foi colocada pelo S48, que entende ser necessário o “detalhamento de tratados e convenções visando inibir o uso bélico” do espaço exterior. Porém, não somente no caso do espaço exterior, mas em todo o ambiente aeroespacial, há que se repensar a herança “de características ideológicas, corrupção, postura colonizadora” (S7), antes de se partir para tais inciativas. Se isso for possível, percepções como as do S10, quanto à “criação de forças conjuntas para a defesa de territórios, a colaboração na construção de novos sistemas de defesa aérea, aeronaves, radares e mísseis, além da revalorização de organizações como a OTAN”, serão elementos significativos para a análise dessa variável. Em prol desse pensamento, o S8 destaca como “exemplos vivos a EEI, que envolve a agências espaciais do Canadá, da Europa, do Japão, da Rússia e a NASA, e o AST que irá dinamizar as futuras operações espaciais no CLA”. O S18 entende que essa postura de cooperação é decorrente do próprio fenômeno da globalização, que impôs tal padrão como obrigatório. Até porque, “as nações que se disponham em dividir conhecimentos e tecnologias, na área aeroespacial, sairão bem mais fortalecidas, cientificamente e poderão contribuir para o desenvolvimento de seus respectivos países” (S37). Por esse motivo, o S15 percebe uma “reedição da tese de Hugo Grotius (Mare Liberum) aplicada agora ao domínio aeroespacial433, um discurso de liberdade do domínio aeroespacial primordial para a comunicação entre os povos e as nações”. De fato, as questões associadas ao campo do discurso, conforme apontadas no corpo da Tese, ressaltam como elementos da geopolítica aeroespacial. 432 The Woomera Manual (Manual de Woomera) é um projeto de pesquisa internacional conduzido pelas universidades de Adelaide, Exeter, Nebraska e New South Wales, com o propósito de elaborar um manual que “articule e clarifique a lei internacional existente aplicável às operações militares no espaço” (https://law.adelaide.edu.au/woomera/). 433 Mare Liberum refere-se à ideia de liberdade de trânsito nos mares que Hugo Grotius, em 1609, defendeu em oposição às posturas restritivas dos países ibéricos, que buscavam limitar o acesso à navegação marítima aos demais Estados europeus. 263 4.3.6 Espaço livre para comentários O questionário distribuído aos experts inclui um espaço livre para comentários sobre o tema investigado. Nem todos os respondentes preencheram esse campo e algumas respostas não se encaixam com o propósito da pesquisa. Por esse motivo, somente aqueles comentários que visem corroborar as variáveis da hipótese de estudo serão analisados. Em especial, observou-se nas respostas uma preocupação em apontar demandas nacionais para o setor aeroespacial. Uma delas clama por uma postura “mais agressiva do Brasil na busca de desenvolvimento tecnológico no setor aeroespacial” (S1). Isso se daria na forma de um “tripé sólido [representado por] academia, governo e iniciativa privada” (S8). É necessário, entretanto, reconhecer que esse movimento somente ocorrerá a partir de uma “nova governança para o setor aeroespacial” (S9), por meio de políticas públicas, tais como o Programa Espacial Brasileiro – PEB, que a exemplo da política nacional de defesa, seja encarado como política de Estado, e não de governo. Na forma como propõe o S37, há que se possuir um “pensamento estratégico” para o setor, caracterizado por um “sincronismo” na área de ciência, tecnologia e inovação. Somente assim, seria assegurada uma continuidade nos investimentos e projetos do setor aeroespacial. Essa percepção reforça uma diferença nos dois segmentos do ambiente aeroespacial, nos quais o S12 visualiza “significativa expressão geopolítica do Brasil no caso da aeronáutica e pouca expressão no campo espacial”. Possivelmente, isso reforce a demanda de uma maior integração entre os setores, constituindo-se efetivamente em um setor aeroespacial. Apesar das críticas quanto a uma postura idealista pura, como aquela que ressalta o S15, quando observa que “em assuntos que envolvam ou possam envolver a segurança nacional, qualquer país resguarda a si, sua proteção industrial, assim é em atividade aeronáutica e espacial”, propõe-se a busca pelo “multilateralismo” (S2) ou a possibilidade de que a cooperação traga “mudanças evolutivas na forma de viver da humanidade” (S20). Ainda nesse campo econômico e tecnológico, outra tendência que se aponta é a prevalência dos projetos duais (S17), cuja aplicação civil é complementar à militar, ou vice-versa. Essa tendência, associa inequivocamente a política de defesa (essencialmente de natureza militar) com a política aeroespacial (de natureza desenvolvimentista, econômica, social, tecnológica), “dada a indissociável relação entre as atividades oriundas do aeroespaço, as atividades econômicas e as militares” (S32). 264 Em função disso, geograficamente, o Brasil parece ser privilegiado. O S29 destaca que Alcântara, no Maranhão, onde se situa o CLA, além do clima propício e da baixa densidade demográfica, destaca-se pelo “posicionamento junto ao litoral, [que] oferece grande margem de segurança aos lançamentos e possibilita o acesso à vários tipos de órbitas [e se destaca como um dos] mais promissores do mundo”. Essa visão geográfica, na verdade, da atividade aeroespacial, dos aeroplanos aos foguetes, é capaz de mudar a visão da geografia clássica, por meio do encurtamento de distâncias (S27) no mundo globalizado. O CLA, nesse sentido, renova aquilo que o aeroporto já fez desde o século passado, ao encurtar a distância (também no sentido da eficiência) entre a Terra, as órbitas e os corpos celestes. O ambiente aeroespacial é uma dimensão altamente competitiva do ponto de vista tecnológico (S18), apesar de ser “um universo geopolítico ainda em processo de construção do conhecimento que exige novas teorias e metodologias” (S13). Apesar disso, questões ideológicas da geopolítica clássica referentes a essa dimensão persistem, como fronteiras, segurança ou projeção de poder (S43). Como seria mais bem explicado por S48, “a Geopolítica Aeroespacial emerge como área temática desafiadora, pois necessita compreender e, se possível, compatibilizar as demandas de cooperação internacional com as demandas e objetivos nacionais de cada país”. Por esse motivo, a coexistência de “elementos de conflito e cooperação no que tange ao futuro do domínio aeroespacial” (S16), permite-nos concordar com S44 ao afirmar que realismo e idealismo não deveriam ser observados como polos dicotômicos, mas em uma perspectiva “dinâmica, que adquire feições distintas em diferentes níveis no âmbito de um mesmo tema”. 4.4 Síntese das apreciações dos experts À guisa de proposição de um raciocínio sintético sobre os resultados obtidos na coleta de dados, propomos o Quadro 8 que agrupa as principais análises por tendência (cenário idealista, cenário realista e cenário híbrido434), em função das variáveis da hipótese de estudo. O propósito do quadro é apontar elementos que podem ser considerados em políticas públicas para o setor aeroespacial. 434 O cenário identificado por “postura diferenciada, nem realista nem idealista”, em função da baixa incidência relativa, não foi considerado no Quadro sugerido. 265 Quadro 8 – Síntese dos Resultados dos Questionários Cenários Variáveis Realista Idealista Híbrido - O espaço aéreo ainda é um espaço soberano, do ponto - Compartilhamento de de vista territorial que têm - Domínio a ser conquistado informações nas questões sofrido violações. Fatores geograficamente. climáticas. - O espaço exterior, apesar Geográficos - Questões ambientais serão - Ampliação da capacidade de ser legalmente uma res (q) conflituosas. de sensoriamento com a communis, corre o risco de finalidades humanitárias. ser territorializado, em função da precariedade da legislação internacional. - Imposição de requisitos - Parcerias estratégicas - Há espaço para a restritivos à operação de entre os estados, inclusive cooperação, desde que não Condicionantes aeronaves. com atores privados. estejam envolvidas questões Políticas (r) - Questões jurídicas sobre o - Acordos de cooperação. estratégicas e de segurança uso do espaço exterior. - Ampliação das soft laws. nacional. - Disputa por rotas aéreas (comercial, logística e - A economia será o fator turismo). condutor da geopolítica - Competição pela exploração - Parcerias do tipo “ganha- aeroespacial. comercial do espaço; no ganha”. - Tendências competitivas desenvolvimento tecnológico - Tendência de eliminação por mercados poderão em torno dos veículos de barreiras comerciais. surgir em função de novos Elementos de espaciais; e na utilização dos - Maior relacionamento atores (New Space). Economia (s) satélites de telecomunicações cooperativo da empresas - Há possibilidade de e sensoriamento remoto. aéreas e ou indústria inserção de estados menos - Inserção de novos atores aeroespacial. desenvolvidos nos projetos privados no disputado - Formação de consórcios. que demandam recursos mercado aeroespacial. vultosos e - Tendência de complementariedade. relacionamento da economia com as demandas militares. - Desenvolvimento de - Há espaço para - Existência dos instrumentos tecnologias de cooperação, ressalvadas de restrição de acesso às gerenciamento do tráfego aquelas tecnologias novas tecnologias. aéreo. consideradas críticas ou Recursos - Embargos comerciais. - Melhorias de tecnologias estratégicas, que envolvam Tecnológicos - Aumento do gap aeroespaciais questões militares. (t) tecnológico. (imageamento, - Tendência de cooperação - Inserção do debate comunicações etc.). entre estados que não ambiental e a busca de - Reforço do tripé possuam interesses tecnologias. academia, governo e geopolíticos conflitantes. empresas (governança). - Programas espaciais - Reforço da questão da continuarão a fazer parte do - Enfrentamento conjunto soberania do espaço aéreo. discurso ideológico dos em situações de crises. - Possibilidade de extensão da estados, assim como as - Maior clareza quanto às questão da soberania ao capacidades aeronáuticas intenções de uso do espaço espaço exterior. (em especial as de natureza Ponto de Vista exterior. - Setor (e ambiente) militar). Ideológico (u) - Tendência de ampliação aeroespacial como estratégico - Dificuldade de se definir de acesso ao espaço aéreo e na segurança. claramente a questão da eliminação de postulados - Militarização e soberania no espaço sobre soberania no espaço armamentização do espaço exterior, em função da não exterior. exterior. completa adesão aos fóruns e ao direito internacional. Fonte: o Autor, 2020. 266 Legenda: Cenário Realista: Realismo que não exclui possibilidade de cooperação Cenário Idealista: Postura Idealista Cenário Híbrido: Ambas as posturas são concomitantes As evidências advindas da análise das respostas dos experts permitiram corroborar um número significativo de fatores que foram apontados nas variáveis geográfica, política, econômica, tecnológica e ideológica da Tese. Em primeiro lugar, compreender o ambiente aeroespacial como uma dimensão geográfica integrada, onde uma estrutura sistêmica pode ser elaborada. Depois, observar que condicionantes como relações de poder, território e soberania permitem agregar a essa dimensão uma análise geopolítica. Isso se pode dizer quando se apreciam os elementos relacionados à economia, dentre eles, a pujança da atividade aeronáutica em termos de tráfego aéreo, passageiros transportados, relacionamento com o turismo ou participação no PIB mundial. No caso da indústria aeroespacial refletem-se dados significativos sobre economia e tecnologia. Essa indústria, na qual o desenvolvimento tecnológico tem apontado para a conquista de uma nova dimensão geográfica, permite um melhor conhecimento da própria Terra e apresenta-se como opção para a exploração de novos espaços a se conquistar. Sobre essa perspectiva, sobressai a questão ideológica, que tem conduzido o discurso sobre a atividade aeroespacial como um elemento estratégico do Estado. Não é possível estimar qual cenário terá maior probabilidade de ocorrência. Porém, as análises que foram apresentadas neste Capítulo certamente permitirão o desenvolvimento de políticas públicas calcadas na apreciação de fatores essencialmente geopolíticos (território, soberania, relações de poder, geoeconomia, geotecnologia e cultura), exatamente esse o propósito desse segmento, na direção de uma Geopolítica Aeroespacial. 267 5 CONCLUSÃO “É claro, geopolítica significa a política da ‘geo’ (terra), mas o prefixo ‘geo’, aqui, significa terra como solo, ou a Terra ou o mundo?” (ELDEN, 2018, p. xiii). A indagação de Stuart Elden no prefácio da obra Territory Beyond Terra (Território além da Terra) fornece uma excelente contextualização para o tema desta Tese. De fato, buscou- se questionar com esta investigação a evolução do campo epistemológico da Geopolítica, da abordagem clássica em torno da superfície (terrestre e marítima) para uma nova dimensão, a aeroespacial. Para tanto, propusemos uma aproximação com o tema a partir de dois vieses: o ambiente (ou domínio) geográfico e a abordagem geopolítica. Na questão do domínio, o ambiente aeroespacial trouxe à geopolítica uma nova dimensão geográfica, na medida que foi caracterizado por meio de uma geografia própria, detentora de aspectos como funcionalidade, localização, geometria, cartografia e arcabouço jurídico. Relevante foi observar que tanto o espaço aéreo como o espaço exterior possuem características suficientes para se corroborar a ideia de que se constituem em espaços geográficos por natureza. Mais do que isso, apesar de possuírem geografias físicas distintas, observam-se grandes similaridades conceituais como linhas de comunicação, chokepoints, espaços vitais, heartlands etc., quando considerados sob o ponto de vista da geografia humana, em especial na questão geopolítica. Uma analogia será suficiente para se compreender tal sentido de integração que se discutiu. Massas aquáticas como um rio ou um mar, possuem muitos elementos distintos quando os observamos sob o ponto de vista da geografia física (função morfológica, sazonalidade, salinidade, espécies da fauna e flora, efeito da maré, temperatura, transparência, volume etc.). Veículos navais, no alvorecer da história, limitavam-se às navegações ribeirinhas e, em uma fase posterior, à cabotagem. Mesmo hoje, navios demandam características estruturais distintas quando se propõem a trafegar em ambientes marítimos, fluviais ou lacustres. Porém, quando trasladamos esse espaço geográfico aquático para o campo dos estudos estratégicos (e as questões a ele inerentes), em especial a geopolítica, não se identificam contextos de análise específicos como uma geopolítica ribeirinha e uma geopolítica costeira, ou um poder oceânico e um poder lacustre, apenas para destacar alguns exemplos. Na verdade, o que se estuda no espectro dos estudos geopolíticos (sejam de natureza estratégica ou no 268 âmbito das relações internacionais) é sempre uma geopolítica naval ou um poder marítimo, ambos com sentido abrangente e geral. A ideia de continuidade que se observa nesse caso (analogamente extensível à superfície terrestre, onde inexiste uma geopolítica das elevações montanhosas, ou um poder florestal etc.), permite-nos propor que raciocínio semelhante seja desenvolvido em torno do ambiente aeroespacial435. No que se refere à abordagem, a geopolitização do ambiente aeroespacial abriu espaço para discussões em torno de elementos como configuração de práticas de poder (inclusive marcadas por conflitos interestatais), características econômicas, fatores tecnológicos e aspectos ideológicos, que dimensionaram a existência de uma Geopolítica Aeroespacial. Edward Soja (1996, p. 2) nos convidou a pensar o espaço de forma diferente, por meio do conceito de terceiro espaço, entendido como “uma tentativa proposital e flexível que tenta capturar o que é, na verdade, um ambiente inconstante e de constante mudanças nas ideias, eventos, aparências e significados”436. A Tese aceitou esse convite e se debruçou sobre o ambiente aeroespacial, como nova dimensão da geografia, ou um novo domínio, e sobre ele buscou uma interpretação geopolítica, suscitando uma nova abordagem, a Geopolítica Aeroespacial. Na elucidação do problema de pesquisa, identificou-se uma lacuna nos estudos geopolíticos que se concentravam sobremaneira nas superfícies (dimensões) marítima e terrestre. A partir do final da 2ª GM, com a contribuição de Alexander Seversky, abriu-se um novo campo de estudos geopolíticos com a inserção da dimensão aérea. Na Guerra Fria, o espaço exterior passou a ser também considerado como uma dimensão para estudos geopolíticos. Entretanto, as inserções do espaço aéreo e do espaço exterior somente deram origem a abordagens segmentadas, como a geopolítica do poder aéreo, do transporte aéreo, a Astropolitik ou a geopolítica espacial. Essa outra lacuna adveio, essencialmente, da demanda por considerar o poder aéreo e o poder espacial a partir de uma visão integrada, que se postulou 435 Complementarmente a essa analogia, cabe recordar que, por exemplo, Alfred Mahan não escreveu sobre um poder anfíbio ou um poder ribeirinho, tampouco referiu-se distintamente aos mares ou outras superfícies aquáticas, preferindo tratá-las, todas, sob a perspectiva de um poder marítimo. De forma semelhante, ao considerarmos o pivô-central (e depois o Heartland) como centro do poder na perspectiva de Halford Mackinder, devemos recordar que se trata de uma área com diversidade geográfica, tanto em termos de relevo como em vegetação. Assim é que o geopolítico britânico não diferenciou nessa extensa área geográfica abordagens de poder focadas em florestas, planícies, montanhas etc., mas um poder terrestre no sentido amplo do termo. 436 A ideia de terceiro espaço (thirdspace), refere-se à interpretação do espaço geográfico tanto em sua forma real (fenômeno físico) como a partir da imaginação (ideologicamente concebido). De fato, como apontamos, o ambiente aeroespacial é um espaço geográfico fisicamente perceptível, mas também um espaço no qual se projetam imaginações, representações, simbolismos e, em última instância, ideologias. Acreditamos que o thirdspace de Edward Soja é um conceito bastante próximo ao de psicoesfera, proposto por Milton Santos. 269 denominar Poder Aeroespacial. Dessa forma, a Geopolítica Aeroespacial parte da premissa de uma visão espacial integrada. A investigação desenvolveu-se, metodologicamente, como abordagem hipotético- dedutivo (POPPER, 2008). Nesse método a hipótese é uma conjectura. Portanto, a testagem se processou por meio de evidências, cuja escolha seletiva, buscou representar, o mais acuradamente possível, pela observação, predições inequivocamente dedutivas. Isso com base no procedimento de concordância (VAN EVERA, 1997), no qual variáveis com características gerais diferentes (geográficas, políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas) suscitam valores similares (as evidências) para a testagem da hipótese. Nesse processo de testagem, as evidências das diferentes variáveis traduzem-se em resultados (dedução geral), causam determinadas respostas (testagem) e demonstram a conexão com a hipótese (relação hipotético- dedutiva). Para tanto, optou-se por conceber uma hipótese metodologicamente emoldurada da seguinte forma: a insuficiência da geopolítica clássica voltada para a análise da superfície, reflete a demanda de atualização dessa realidade, a partir do pressuposto de uma nova geopolítica. Nessa Geopolítica Aeroespacial, estão inseridas as variáveis (ou os elementos) de teste da hipótese, respectivamente associadas às condicionantes geográficas (q), políticas (r), econômicas (s), tecnológicas (t) e ideológicas (u). Dentro desse escopo, o pressuposto é de que o ambiente aeroespacial é um espaço geográfico formado pela conjugação entre espaço aéreo e espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas. Para que as variáveis pudessem ser evidenciadas, elaborou-se a investigação a partir de três passos. No primeiro deles, representado no capítulo inicial da Tese, evidenciou-se a condicionante geográfica dessa dimensão aeroespacial, o que denotou o trabalho sobre a primeira variável “q”. Importante foi compreender que a evolução da tecnologia permitiu que esse novo espaço fosse ocupado, algo semelhante ao movimento de expansão territorial viabilizado pelas navegações dos séculos XV e XVI. Uma questão relevante foi observar que não há um limite geográfico, ao modo clássico da fisiografia, entre o espaço aéreo e o espaço exterior, o que favorece a ideia de integração. Com essa etapa, acredita-se ter atingido o objetivo específico de caracterizar a geografia do ambiente aeroespacial. Ainda nesse Capítulo, enfocando a proposta do segundo objetivo específico, qual seja, a de elaborar uma síntese teórica e empírica que represente o ambiente aeroespacial, procurou-se demonstrar a geografia dessa dimensão por meio da identificação da funcionalidade e da localização. Assim é que foi possível caracterizar esse espaço geométrica e morfologicamente. Foram evidenciados elementos como fixos e fluxos, fenômenos naturais, 270 escala, forma, função e processo que, por fim, levaram à constituição de uma estrutura, a dimensão espacial da realidade, na qual esses elementos interagem e dão sentido ao que se denominou de ambiente aeroespacial. Assim é que não se trata de pensar o espaço geográfico do ambiente aeroespacial apenas como substrato, no sentido meramente geométrico, mas também em uma perspectiva relacional. O segundo esforço de pesquisa foi evidenciar as características da geopolítica que incidem sobre as atividades relacionadas ao ambiente aeroespacial. Assim é que foram selecionadas outras quatro variáveis (“r”, “s”, “t” e “u”), definindo o recorte temático de investigação. A investigação revelou a importância histórica da dimensão aeroespacial, mormente pelo surgimento dos aeroplanos e como eles modificaram a percepção sobre o fenômeno da guerra e das relações interestatais. Tanto é que ficou claro o surgimento de uma nova teoria de poder que se contrapunha aos tradicionais poderes terrestre e marítimo. A teoria do poder aéreo, ao incorporar as atividades no espaço exterior passou a ser denominada de teoria do poder aeroespacial, e apresentou-se à geopolítica como uma opção explicativa que insere aquelas cinco variáveis fundamentais. Tal demanda havia sido definida no objetivo específico que propunha analisar a o ambiente aeroespacial sob o ponto de vista geopolítico, considerando a evolução do poder aéreo para o poder aeroespacial. No campo da política, as questões associadas ao conceito de território (e territorialidade), as relações de poder e o exercício de soberania evidenciaram a pertinência da geopolitização desse novo ambiente. Houve, em grande parte, um foco na questão de se revisar o conceito de território no contexto do objeto de pesquisa, algo que fora proposto como objetivo específico. O passo seguinte foi revelar até que ponto a economia teria uma relação marcante com a atividade aeroespacial. Percebeu-se que, tanto na aeronáutica como na atividade espacial, a economia transformaria o entendimento clássico da geopolítica, inserindo novos elementos de análise na dimensão aeroespacial, decorrentes da tecnologia dos transportes aéreo e espacial. Essa realidade abriu espaço para o próximo campo de análise que foi exatamente vinculado ao aspecto tecnológico. Observou-se que a tecnologia aeroespacial vai muito além da questão dos transportes, conectando-se com uma aerorrealidade que, inclusive, altera a percepção sociológica atual, na direção de uma vida aérea que se estabelece em aeroportos, redes internacionais e mesmo na imagem de terror originada pelo bombardeio aéreo e pelos mísseis balísticos portando ogivas nucleares. Na investigação sobre tecnologia, identificou-se o conceito de indústria aeroespacial, que revela sobremaneira o sentido de integração de duas atividades aérea e espacial em uma só. 271 O ponto final de análise no segundo capítulo foi a variável ideológica. Compreendendo ideologia (uma ideia matriz) como um elemento da geografia cultural, revelou-se o valor que o discurso associado à atividade aeroespacial, na forma de pioneirismo, segurança, valores patrióticos e prestígio nacional, tem desde o surgimento do aeroplano até os mais atuais programas espaciais. Todo esse movimento em torno da variável fora sugerido quando se estabeleceu identificar os fatores econômicos, tecnológicos e ideológicos como elementos de influência no contexto geopolítico do ambiente aeroespacial. Nessas etapas, como método de procedimento, adotou-se a abordagem geohistórica, por meio de levantamento bibliográfico e coleta de evidências em referências da Geografia, da Geopolítica, da Geografia Política, de História, das Ciências Aeronáuticas, da Astronomia, da Astronáutica e das Relações Internacionais. Buscou-se documentação indireta, pesquisa documental e pesquisa bibliográfica, inclusive em sítios da rede mundial de computadores como fonte primária de informações. O terceiro esforço da pesquisa foi tentar atingir dois propósitos: um primeiro de cunho metodológico e outro pragmático. A partir da análise das respostas de experts a um questionário buscou-se reforçar as evidências da pesquisa bibliográfica e documental. Em um sentido amplo, esse propósito demonstrou ser frutífero, haja vista que ressaltaram os aspectos apontados como variáveis da hipótese. Outro objetivo foi colher elementos que pudessem elucidar aspectos possíveis de políticas públicas para o setor aeroespacial, a partir de duas premissas das relações internacionais: o realismo e o idealismo. Tal intento logrou êxito, permitindo que uma síntese desses elementos fosse apresentada como conclusão das análises, inclusive com o surgimento de uma postura híbrida entre àquelas oferecidas como base para as respostas. Por esse motivo, considera-se que o objetivo específico final, ou seja, elaborar elementos estruturantes de cenários para a Geopolítica Aeroespacial do Brasil a partir de tendências realistas e idealistas, tenha sido atingido. A Tese encerra uma relevante conclusão. A Geopolítica Aeroespacial é uma interlocutora do Estado na tentativa de se compreender, ou se explicar, geograficamente uma dinâmica social contemporânea, representada pela crescente relevância do ambiente aeroespacial nas relações entre Estados, organismos internacionais e atores privados. Também a corroboração da hipótese sobre a demanda de evolução da abordagem clássica da geopolítica, cujos discursos são predominantemente voltados para a influência das características geográficas da superfície terrestre e do mar, para uma abordagem que valorize o ambiente aeroespacial, representado pela associação, conjugação e integração do espaço aéreo com o espaço exterior, como dimensão geográfica com peso cada vez maior no debate geopolítico. 272 Essa principal conclusão nos permite expandir outras implicações da Tese. Uma delas foi demonstrar a evolução do conceito de poder aéreo para poder aeroespacial. Hoje, não há mais como dissociá-lo. Ele representa um contínuo de aplicação de capacidades, levantamento de questões no relacionamento internacional, e fundamento para disputas por soberania e territórios, enfim, um importante elemento da Geopolítica Aeroespacial. Outra implicação, de grande relevância para a ciência geográfica é o impacto epistemológico que esse novo espaço geográfico, o ambiente aeroespacial, passa a assumir nas discussões acadêmicas. Não se trata de observá-lo apenas pelo prisma dos estudos climáticos, algo que já é bem desenvolvido. Mas também sob os pontos de vista político, econômico, tecnológico e cultural. Até porque, outra implicação desta investigação, foi revelar a dimensão teórica do conceito de ambiente aeroespacial, na forma de uma estrutura conjugada e interativa, uma realidade espacial. Na coleta de evidências nas variáveis de estudo, comprometeu-se o estudo com a construção de um panorama sobre a geopolítica aeroespacial, que seja um ponto de partida, de contribuição acadêmica, e um subsídio para a atualização das políticas públicas existentes no país no setor aeroespacial. Para tanto, o trabalho refletiu sobre esse setor e levantou implicações em vieses doutrinários, legais, políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos, tanto na esfera das instituições públicas (em especial àquelas ligadas à segurança e defesa) como das empresas privadas. Uma implicação decorrente desse estudo é a demanda por um maior relacionamento entre a ciência geográfica, em especial a Geopolítica, e os estudos estratégicos em áreas como Relações Internacionais e Defesa. No campo da teoria, a Tese observou que o ambiente aeroespacial é suscetível à explicação de Friedrich Ratzel quanto à expansão das fronteiras estatais. Às pressões de ordem política (reclamos de território, soberania e relações de poder) e econômica (a busca por recursos naturais), evidenciadas nos estudos do geógrafo alemão, ainda no século XIX, associam-se questões tecnológicas (para a atividade aeroespacial, inclusive no campo das telecomunicações e sensoriamento), por ele denominada cultura, e a questão ideológica (discorridas como elemento cultural de sensação de segurança e prestígio). Não se trata aqui de referendar a necessidade de tal fenômeno, mas de destacar a percepção intelectual e política, característica de uma visão de mundo, que aponta para cenários de recrudescimento das situações acima citadas (conflitos em torno de um espaço visto como vital). A premissa de que a exploração de novos espaços geográficos pode ser a solução para problemas da sociedade, encontra fundamento na história e na geografia. Do ponto de vista histórico, os movimentos de expansão dos grandes impérios, tais como os da Antiguidade, desde os primórdios do primeiro 273 até a época Moderna, como o das nações europeias do século XV e XVI, visaram conquistar novos territórios que permitissem lidar com seus respectivos problemas socioeconômicos. Para a Geografia, que nasce da demanda de se conhecer e registrar as características de novas terras, um novo espaço geográfico sempre foi, e continua sendo, um objeto de estudo que abraça diversas perspectivas. Algumas perspectivas mais objetivas, como a escala ou a paisagem, outras mais epistemológicas, como as abordagens física e humana. Por outro lado, percebeu-se a insuficiência das explicações decorrentes da teoria do poder terrestre, principalmente na visão de Halford J. Mackinder, e do poder marítimo, de Alfred T. Mahan. Ambos apresentam conclusões bidimensionais em suas respectivas teorias que, apesar de consistentes em seus domínios, refletem posturas limitadas na compreensão geopolítica do mundo atual, que demanda da geopolítica a evolução observada a partir da transição do conceito de poder aéreo para o poder aeroespacial. A constatação em torno da hipótese tem impacto em vários campos do conhecimento. Na Geografia, descortina uma nova dimensão espacial passível de ser estudada tanto na perspectiva física como humana. Nas Relações Internacionais, ao se constatar que o ambiente aeroespacial passa a ser um domínio intrinsecamente voltado para o trato entre os Estados e os atores privados. Nos estudos sobre Defesa e Estratégia, haja vista a relevância do poder aeroespacial nos conflitos militares, fenômeno que se observa desde a 1ª GM, e a crescente tendência de militarização e/ou armamentização do espaço exterior. Na Ciência Política, o ambiente aeroespacial surge como campo de estudos teóricos e práticos, em especial quanto ao papel do Estado e das organizações multinacionais. Por fim, na Geopolítica, que se acostumou a interpretar os fenômenos por um ótica bidimensional, a Tese apresenta-se como uma contribuição para a expansão temática de estudos. Na investigação, puderam ser evidenciadas algumas limitações que favoreceriam estudos futuros acerca do tema. Em primeiro lugar, a incorporação de novas variáveis, tais como a demografia (estudos populacionais ou migratórios decorrentes da evolução da técnica), a diplomacia (análise de acordos internacionais ou de atas de reuniões bilaterais, por exemplo), a militar (que analisaria estrutura de força, capacidades dos equipamentos etc.), a social/antropológica (estudo do impacto social do objeto de estudo e a percepção das comunidades sobre o assunto) ou a biológica/ambiental (análise sobre organismos aéreos ou na perspectiva climática), dentre outras, poderia ampliar conclusões sobre as evidências geopolíticas do ambiente aeroespacial. Do ponto de vista da tentativa de corroboração da hipótese de estudo via questionário dos experts, há um amplo campo de possibilidades para estudos futuros. Pesquisas 274 que apliquem técnicas de observação direta intensiva, tais como a observação ou a entrevista, poderiam ampliar as contribuições, em virtude da possibilidade de sistematização e direcionamento dos questionamentos. Da mesma forma, estruturar a investigação em torno de grupos específicos de experts (de uma mesma área de conhecimento), permitiria que a visão mais coesa de um grupo pudesse revelar evidências melhor desenvolvidas. Outra possibilidade de estudos futuros seria, do ponto de vista metodológico, enfocar em estudo de casos específicos. Tal perspectiva permitiria apreciar a geopolítica aeroespacial em determinado contexto histórico (por exemplo, somente durante a Guerra Fria), geográfico (por país ou regiões do mundo) ou temático (por exemplo, as interações/cooperações econômicas entre Estados e/ou empresas privadas). Ao se encerrar essa Conclusão, acredita-se que o objetivo geral da investigação foi alcançado, qual seja o de analisar a relevância geopolítica do ambiente aeroespacial. Há, porém, dois pontos que precisam ser recordados. No ambiente aeroespacial existe a tendência de expansão de reclamos territoriais, e não é por menos que ele é percebido como fronteira final. Trata-se de um espaço geográfico onde a geopolítica de contornos tradicionais, repousada na superfície, cede espaço a uma revisão epistemológica, na direção da consideração analítica do espaço aéreo e do espaço exterior como um só ambiente, o aeroespacial. Observa-se que essa geopolítica é um campo fecundo de estudos, mas ainda incipiente, principalmente no Brasil. Aqui ainda há espaço na Academia para a inserção de uma reflexão epistemológica da Geografia, via discussão teórica de um novo espaço geográfico, ou uma nova dimensão espacial, mas principalmente pelo conceito de Geopolítica Aeroespacial. Há lacunas na literatura acadêmica nacional (na Geografia, em especial), sobre a caracterização do ambiente aeroespacial como espaço geopolítico. Por esses motivos, acredita-se que o estudo tenha sido uma efetiva contribuição ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da UFRN, na forma de ampliação da compreensão de fenômenos intrínsecos à Linha de Pesquisa I – Território, Estado e Planejamento, por meio da melhor compreensão do espaço geográfico e de nosso tempo social; da ampliação do conhecimento teórico sobre território em uma nova dimensão espacial; da aceleração do tempo, inerente à atividade aeroespacial, onde o funcionamento dos sistemas tecnológicos é representativo de uma geopolítica diferenciada; e onde se observa que o fenômeno político se materializa territorialmente na forma de estruturas físicas e através do poder normativo. 275 REFERÊNCIAS 21ST CENTURY TECH. No One Should Think That Money Spent on NASA is a Waste. 21stcentech.com, 2014. Disponível em: . 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CINTURÕES DE VAN ALLEN – “Região em forma de anel ao redor da Terra carregada eletricamente por partículas (elétrons e prótons) que ficam presas e espiralam na direção do campo magnético do planeta” (MITTON, 2007, p. 285). DEFESA – “É um ato ou conjunto de atos realizados para obter ou resguardar as condições que proporcionam a sensação de Segurança” (BRASIL, 2009, p. 60). ESCALA – “Proporção da distância em um mapa, globo ou seção vertical à distância real na superfície” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 287). ESTRUTURA – “Arranjo e organização de [objetos e] fenômenos na superfície da Terra que resultam da operação de processos físicos e espaciais” (WHITERICK, ROSS e SMALL, 2001, p. 250). FENÔMENO NATURAL – “Um fato ou evento que ocorre no meio ambiente que pode ser descrito e explicado cientificamente” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 485). FIXO – “Formação geográfica natural ou construída pelo homem com uma certa posição estável na superfície terrestre” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 288), na atmosfera, no vácuo espacial ou em um corpo celeste. FLUXO – “Resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam” (SANTOS, 2014, p. 61 e 62). Refere-se a um movimento contínuo de objetos, informações ou pessoas, entre dois pontos ou em rede. FORMA – “Aspecto visível de uma coisa, [referindo-se] a arranjo ordenado de objetos, a um padrão [ou, simplesmente, a sua] estrutura revelada” (SANTOS, 2014, p. 69). FUNÇÃO – “Conjunto de operações executadas por um [pessoa, objeto ou sistema], que concorrem para um mesmo fim; uso a que se destina algo; utilidade, emprego, serventia” (HOUAISS, 2009). GEOECONOMIA – “O estudo desenvolvido na interface da economia, da geografia econômica e da geopolítica lidando com as interações de grandes áreas geográficas, estados, corporações transnacionais etc., em escala global” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 287). 315 GEOESTRATÉGIA – Aplicação do raciocínio geopolítico à estratégia, geralmente associado à guerra ou operações militares de qualquer natureza. Ela define modos de ação, enquanto a geopolítica define objetivos (CORREIA, 2018). GEOGRAFIA POLÍTICA – Campo da Geografia Humana que trata da análise geográfica em estudos políticos, concernente aos fatores geográficos que impactam em decisões políticas na sociedade em geral. GEOGRAFIZAR – Esforço metodológico da pesquisa que consiste em caracterizar geograficamente o objeto de estudo. GEOPOLÍTICA – Ciência que relaciona, com espírito analítico e preditivo, aspectos da geografia, tais como posição, localização, contorno, forma, recursos naturais etc. com políticas de Estado (ou supraestatais). GEOPOLÍTICA CLÁSSICA – É a geopolítica associada aos autores clássicos, tais como Ratzel, Kjellén, Haushofer, Mahan, Mackinder e Spykman, que deram origem aos estudos nessa ciência e privilegiou o discurso imperialista/hegemônico e de segurança estatal. GEOPOLITIZAR – Esforço metodológico de pesquisa que consiste em reconhecer características, temas e questões, enfim as variáveis de estudo, de natureza geopolítica, no objeto de estudo. GEOTECNOLOGIA – Aproveitamento de características e recursos geográficos, por meio da aplicação de métodos e técnicas científicas, no desenvolvimento de tecnologia e na produção de bens de alto valor tecnológico. IDEALISMO – Corrente da “Teoria das Relações Internacionais que põe a tônica na importância das normas morais e legais, e na importância das organizações internacionais” (SOUSA, 2005, p. 99). LINHA KÁRMÁN – Linha que possui algum consenso quanto à delimitação entre o espaço aéreo e o espaço exterior. Trata-se de “altura a partir da qual cessa a sustentação aerodinâmica e assumem as forças centrífugas” (ODUNTAN, 2012, p. 298). LIXO ESPACIAL – “Definição guarda-chuva que significa qualquer objeto feito pelo homem que esteja em órbita e não sirva a qualquer propósito, tais como satélites inoperantes ou sem uso, estágios de foguetes que se separaram do corpo principal, dispositivos explosivos de acoplamento, ferramentas de escape, restos de pinturas dos veículos orbitais, ou qualquer outro objeto que não tenha propósito humano no espaço” (BOWEN, 2014, p. 48). Também conhecido como debris. ÓRBITA – “Trajetória seguida por um corpo em movimento sob efeito de um determinado campo gravitacional” (MITTON, 2007, p. 252). ÓRBITAS DE TRANSFERÊNCIA HOHMANN – “Trajetória que uma espaçonave segue na transição entre uma e outra órbita, geralmente em uma trilha elíptica, cuja transferência se dá com o mínimo gasto de energia. Tal tipo de órbita foi designada em homenagem ao engenheiro alemão Walter Hohmann, que a descreveu em 1925” (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 490). 316 PODER – “Significa organização ou disciplina jurídica da força” (BONAVIDES, 2003, p. 134), que se exerce mediante coerção, coação ou consentimento. A coerção se dá pelo uso da força bruta. A coação se dá pelo convencimento. E o consentimento é fruto da mútua aceitação. O poder é legitimado pela autoridade que o exerce ou mediante um desequilíbrio de forças que leva à aceitação dessa autoridade pelo mais fraco. Exprime-se na forma de relações entre pessoas ou entes estatais. Tem variadas funções, como a política, a econômica, a social, a militar ou a burocrática. É um elemento constitutivo do Estado, logo é encarado como Poder Nacional. Pode ser compreendido por meio de expressões: a política, a econômica, a psicossocial, a militar e a científico-tecnológica (BRASIL, 2007). PODER AÉREO – Capacidade de projetar poder a partir da dimensão aérea. PODER AEROESPACIAL – É a conjugação de capacidades nacionais oriundas de setores como a aviação militar, a infraestrutura aeroespacial, a indústria aeroespacial civil e de segurança & defesa, de operação de sistemas espaciais, de recursos humanos qualificados nesse setor e de potencial de desenvolvimento tecnológico em centros de pesquisa. Se configura a partir da extensão do conceito de Poder Aéreo ao espaço exterior. Recentemente, têm assumido caracteres bélicos, à semelhança do Poder Aéreo, com processos de armamentização e/ou militarização do espaço exterior. PODER ESPACIAL – “A força total das capacidades de uma nação para conduzir e influenciar atividades no espaço, na sua direção e através dele, a fim de alcançar objetivos” (USA, 2013, p. GL-8). Capacidade de “exercer influência no espaço, a partir dele e através dele” (UNITED KINGDOM, 2017, p. 72). PODER MARÍTIMO – Para Mahan, o “Poder Marítimo se expressa pelo comando do mar” (MARTINS FILHO, 2018, p. 719). E “Resulta da integração dos recursos de que dispõe a Nação para a utilização do mar e das águas interiores, quer como instrumento de ação política e militar, quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando a conquistar e a manter os objetivos nacionais” (BRASIL, 2007, p. 15). PODER TERRESTRE – “Resulta da integração dos recursos predominantemente terrestres de que dispõe a Nação, no território nacional, quer como instrumento de defesa, quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando a conquistar e a manter os objetivos nacionais” (BRASIL, 2007, p. 15). POLÍTICA PÚBLICA – “Envolve qualquer forma de intervenção deliberada, regulação, governança ou prescrição por entidades estatais ou não, com a intenção de moldar as condições sociais, econômicas ou ambientais” (JONES, JONES e WOODS, 2004, p. 174). PONTOS DE LAGRANGE – “Cinco locais no espaço exterior onde um corpo pequeno (a exemplo de uma espaçonave) pode manter uma órbita estável ademais da influência gravitacional de dois outros corpos de massa muito maior, permanecendo em um ponto de equilíbrio gravitacional entre esses dois corpos. Foram nomeados em homenagem ao matemático francês Joseph-Louis Lagrange, quem primeiro sugeriu sua existência, em 1772” (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 260). PROCESSO – “Ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança” (SANTOS, 2014, p. 69). 317 REALISMO – Corrente de pensamento da Teoria das Relações Internacionais, também denominada Realismo Clássico. “Por causa do desejo por mais poder ser enraizado na natureza falha da humanidade, os estados estão continuamente engajados em ambiente conflituoso, visando ampliar suas capacidades” (ELMAN, 2007, p. 12). RELAÇÕES INTERNACIONAIS – “No sentido tradicional, é o estudo das interações dos estados no sistema internacional. Foi inicialmente considerada parte da história diplomática ou ciência política. Hoje, departamentos de relações internacionais incluem concentrações em segurança internacional, economia política, política externa, direitos humanos, governança global e questões ambientais. O campo agora inclui o estudo de outros atores, incluindo empresas e organizações não-governamentais (ONG), e uma grande variedade de questões como cultura, identidade e ética” (LAMY et al., 2012, p. 339). RES COMMUNIS - “Coisa de toda a comunidade. Herança comum da humanidade, não sujeita à apropriação por ou soberania de estado, ou grupo de estados, tais como os oceanos distantes, a Antártida e os corpos celestiais” (FELLMETH e HORWITZ, 2009, p. 250). SEGURANÇA – “É a sensação de garantia necessária e indispensável a uma sociedade e a cada um de seus integrantes, contra ameaças de qualquer natureza” (BRASIL, 2009, p. 59). SOBERANIA – Pode ser interna ao território ou externa (na relação entre Estados). “A soberania interna significa o imperium que o Estado tem sobre o território e a população, bem como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata. A soberania externa é a manifestação independente do poder do Estado perante outros Estados” (BONAVIDES, 2003, p. 138-139). SOFT POWER – (Poder Macio, literalmente) “Influência e autoridade derivadas da atração que a política, a sociedade ou os ideais econômicos, as crenças e as práticas de um determinado país exercem em pessoas de outros países” (LAMY et al., 2012, p. 343). TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA – “Processo de compartilhamento de habilidades, conhecimento, tecnologias, métodos de fabricação e instalações entre governos e atores privados (como corporações) para garantir que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos sejam acessíveis a uma ampla gama de usuários para aplicação em novos produtos, processos, materiais ou serviços” (LAMY et al., 2012, p. 344). TERRITÓRIO – Espaço geográfico no qual o Estado exerce o seu poder e detém soberania. VEÍCULO ESPACIAL – Objeto construído pelo homem que se destina a cumprir determinada função no espaço exterior. Incluem-se nessa categoria equipamentos como: sondas, foguetes, satélites, telescópios, espaçonaves, estruturas habitáveis, armas antissatélite etc. 318 ANEXO A – Termo de Comprometimento Livre e Esclarecido – TCLE 319 320 ANEXO B – Geopolítica Aeroespacial - Perguntas aos experts 321 322 Dados sobre o autor: Carlos Eduardo Valle Rosa é Coronel Aviador da Reserva da FAB. Mestre em Ciências Aeroespaciais, área de Ciência Política e Relações Internacionais, ênfase em Defesa/Poder Aeroespacial pela Universidade da Força Aérea (2016). É Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1995) e Bacharel em Ciências Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea (1986). Possui especializações lato sensu em Didática do Ensino Superior, pela Universidade Católica de Brasília (1996), em Pedagogia Empresarial, pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2003), MBA em Gestão Administrativa e Desenvolvimento Gerencial Avançado, pela Universidade Federal Fluminense (2004) e MBA em Gestão Estratégica em Defesa, também pela Universidade Federal Fluminense (2009). Possui o Curso de Formação de Formadores, pelo SENAC-RJ (2003), Curso de Tutor de EAD, pelo Comando da Aeronáutica (2017), além de cursos de carreira na Força Aérea Brasileira, dentre eles o Curso de Comando e Estado-Maior na Força Aérea da Coreia do Sul (2007). Atua como professor colaborador do Programa de Pós Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea, nas disciplinas Poder Aeroespacial e Relações Internacionais. Há mais de 20 anos tem ministrado aulas e palestras em diversas escolas militares, sobre temas como Poder Aeroespacial, História e Emprego do Poder Aéreo. Foi responsável pelo planejamento e execução das atividades escolares de ensino médio e superior na Escola Preparatória de Cadetes do Ar e na Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica. Participa regularmente de encontros regionais e nacionais ligados às áreas de Defesa, Relações Internacionais e Geopolítica, sendo membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). As principais publicações são: a obra “PODER AÉREO: guia de estudos” (2014); o Capítulo Brazilian Air Power, do livro Routledge Handbook of Air Power (2018); os verbetes Aeronáutica e Operação Baseada em Efeitos, do Dicionário de Segurança e Defesa (2018); o artigo Elementos de Uma Teoria de Poder Aéreo e Espacial para Forças Aéreas em Desenvolvimento, na Revista Profissional da USAF para o Continente Americano (2020); e os capítulos (em coautoria) Poder Aéreo: Perspectiva histórica e aplicação e Mudança Militar e Estudos Estratégicos: revolução, evolução e transformação militar, ambos da obra Introdução aos Estudos Estratégicos (2020). Contato: eduvalle80@hotmail.com Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4300611571037750 323 Como citar a Tese: ROSA, Carlos Eduardo Valle. Geopolítica Aeroespacial. 2020. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020.