UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA
CARLOS EDUARDO VALLE ROSA
GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL
NATAL, 2020
CARLOS EDUARDO VALLE ROSA
GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação e Pesquisa em Geografia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como pré-requisito para a obtenção do título de
Doutor em Geografia. Área de Concentração:
Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do
Território.
Orientador: Prof. Dr. Edu Silvestre de
Albuquerque
Natal, 2020
CARLOS EDUARDO VALLE ROSA
GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação e Pesquisa em Geografia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como pré-requisito para a obtenção do título de
Doutor em Geografia. Área de Concentração:
Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do
Território.
Orientador: Prof. Dr. Edu Silvestre de
Albuquerque
Data de Aprovação: 01/12/2020
Prof. Dr. Edu Silvestre de Albuquerque – UFRN – Orientador
Prof. Dra. Eugenia Maria Dantas – UFRN – Membro Interno
Prof. Dr. Julio Francisco Dantas De Rezende – UFRN – Membro Interno
Prof. Dr. Augusto Wagner Menezes Teixeira Júnior – UFPB – Membro Externo
Prof. Dr. Luciano Vaz Ferreira – FURG – Membro Externo
Natal, 2020
DEDICATÓRIA
À Aliette Valle, desde a tenra idade acometida de enfermidade que lhe restringiu a
mobilidade e a acuidade auditiva, que de uma cadeira de balanço, na pequena varanda de uma
apartamento, me ensinou a olhar o mundo geopoliticamente.
À Ecila Valle Fernandes que, com o seu esposo piloto, viajou o Brasil de avião nas
décadas de 60 e 70, adquirindo uma consciência geográfica mais ampla das questões nacionais.
Aos Homens e Mulheres do Ar e do Espaço, que praticam no seu dia a dia, mesmo
que inconscientemente, a geopolítica aeroespacial.
AGRADECIMENTOS
À Deus, que nos permite conduzir nossas atividades com saúde.
Aos meus Pais, Luiz Eduardo e Maria Alice, e à minha Família, Hialy, minha esposa
e meus filhos Maria Eduarda e Carlos Eduardo, que são o sustentáculo da nossa razão de ser.
Ao Orientador, Professor Doutor Edu Silvestre de Albuquerque, um amigo que
conquistei nessa longa jornada acadêmica, cujas posturas solidária e profissional ajudaram
enormemente a pesquisa.
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, pela colaboração no desenvolvimento do projeto de pesquisa.
A todos os colaboradores da pesquisa, sem os quais não seria possível obter uma
parcela significativa das conclusões sobre a geopolítica aeroespacial.
EPÍGRAFE
“No princípio, Deus criou os céus e a terra [...]. E disse Deus:
Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre
águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez a separação entre as
águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam
sobre a expansão; e assim foi. E chamou Deus à expansão Céus,
[...]. E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num
lugar, e apareça a porção seca; e assim foi. E chamou Deus à
porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e
viu Deus que era bom”. Bíblia Sagrada, Velho Testamento,
Gênesis, vv. 1, 6-10.
“Dez ou vinte bilhões de anos atrás, algo aconteceu no Big Bang, o
evento que começou o nosso universo. Nessa explosão cósmica titânica,
[...] as maiores estruturas reconhecíveis do universo haviam se formado.
Nós mesmos habitamos algum canto perdido de uma delas – as
galáxias. [...] O épico da evolução cósmica havia começado,
condensando matéria do gás dos aglomerados de galáxias, estrelas,
planetas e, eventualmente, vida e inteligência, capazes de entender um
pouco sobre o elegante processo responsável por sua origem” (SAGAN,
1985, p. 145-146).
RESUMO
Definimos por ambiente aeroespacial o espaço geográfico formado pela conjugação entre
espaço aéreo e espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas. A partir dessa
hipótese, o objetivo da investigação foi analisar a relevância geopolítica desse ambiente
aeroespacial, a ponto de formular o conceito de Geopolítica Aeroespacial. A partir da lógica
hipotético-dedutiva, a pesquisa desenvolveu uma abordagem teórica acerca do objeto ambiente
aeroespacial enriquecida por elementos empíricos. Na abordagem teórica, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica dentro e além do escopo geográfico e o levantamento de indícios factuais
cujo esforço metodológico foi, inicialmente, caracterizar geograficamente o ambiente
aeroespacial. Em seguida, a análise contextualizou geopoliticamente esse domínio, por meio da
investigação de evidências nos campos da epistemologia da geografia, e de variáveis políticas,
econômicas, tecnológicas e ideológicas. Na parte empírica, a partir da técnica de observação
direta extensiva, a pesquisa coletou elementos para a elaboração de cenários prospectivos para
a geopolítica aeroespacial no Brasil. Como resultado da investigação, foi constatado que a
interdependência dos fenômenos políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos entre
espaço aéreo e espaço exterior – em que pese suas geomorfologias distintas – permite
compreendê-los de forma integrada, inclusive com o reforço da ideia de uma teoria de poder
aeroespacial. Desde os primórdios da aviação até a era espacial, tais fenômenos nesse novo
ambiente têm se tornado decisivos para a humanidade, configurando relações de poder,
definição de territórios, criação de arcabouços jurídicos, reclamos de soberania e contenciosos
que extrapolam as abordagens clássicas da geopolítica, voltadas à superfície. Quanto aos
cenários considerados, a investigação gerou três situações distintas, sob os pontos de vista
realista, idealista e uma conjunção de ambos, que indicam alternativas para políticas públicas
do setor aeroespacial. A Tese chegou à conclusão de que os conflitos de natureza militar, mas
também a exploração de recursos naturais, a crescente importância do transporte aéreo, o acesso
às novas tecnologias da comunicação e da informação, o desenvolvimento econômico, a
presença de ideologias e até mesmo a possibilidade de o homem melhor utilizar a atmosfera e
explorar, ou habitar, novos corpos celestes revelam a demanda por uma Geopolítica
Aeroespacial. Assim é que o ambiente aeroespacial consiste em novo campo investigativo da
ciência geográfica, inclusive como palco de estratégias nacionais de defesa e de
desenvolvimento, reforçando o papel relevante da Geografia para a sociedade.
Palavras-chave: Geopolítica. Geopolítica Aeroespacial. Poder Aeroespacial.
ABSTRACT
The aerospace environment is defined as geographical space formed by the combination of air
space and outer space, in which geopolitical relationships are established. Based on this
hypothesis, the objective of the investigation was to analyze the geopolitical relevance of this
aerospace environment, formulating the concept of Aerospace Geopolitics. From the
hypothetical-deductive method, the research developed a theoretical approach supplemented by
an empirical contextualization of the theme. In the theoretical approach, a bibliographic
research and the survey of factual evidence was carried out whose methodological effort was,
initially, to geographically characterize the aerospace environment. Then, the analysis
contextualized geopolitics in this domain, by investigating evidence in the fields of
geographical epistemology, and political, economic, technological, and ideological variables.
In the empirical part, based on the direct extensive observation technique, the research collected
elements for the elaboration of prospective scenarios for aerospace geopolitics in Brazil. As a
result of the investigation, it was found that, despite having different geomorphologies, the
interdependence of political, economic, technological and ideological phenomena between
airspace and outer space allows us to understand them in a combined way, including reinforcing
the idea of a theory of aerospace power. From the beginnings of aviation to the space age, such
phenomena in this new environment have become decisive for humanity, configuring power
relations, defining territories, creating legal frameworks, claims for sovereignty and disputes
that go beyond classical surface approaches to geopolitics. As for the scenarios, the
investigation generated three distinct situations, under the realistic, idealistic, and a blend of
both points of view, which indicate alternatives for public policies in the aerospace sector. The
Thesis concluded that conflicts of a military nature, but also the exploitation of natural
resources, the growing importance of air transport, the access to new technologies of
communication and information, economic development generated by the aerospace field, the
presence of ideologies and even the possibility of man to better use the atmosphere and explore,
or inhabit, new ones celestial bodies reveals the demand for Aerospace Geopolitics. Thus, the
aerospace environment is a new domain for geographic science, including as a stage for national
defense and development strategies, reinforcing the relevant role of Geography for society.
Keywords: Geopolitics. Aerospace Geopolitics. Aerospace Power.
RESUMÉN
El ambiente aeroespacial pude ser definido como un espacio geográfico formado por la
combinación del espacio aéreo y el espacio exterior, en el que se establecen relaciones
geopolíticas. En base a esta hipótesis, el objetivo de la investigación fue analizar la relevancia
geopolítica de este ambiente aeroespacial, hasta el punto de formular el concepto de geopolítica
aeroespacial. A partir de la lógica hipotética-deductiva, la investigación desarrolló un enfoque
teórico complementado por una contextualización empírica del tema. En el enfoque teórico, se
realizó una investigación bibliográfica y la encuesta de evidencia objetiva cuyo esfuerzo
metodológico fue, inicialmente, caracterizar geográficamente el ambiente aeroespacial. Luego,
el análisis contextualizó la geopolítica en este dominio, al investigar la evidencia en los campos
de la epistemología de la geografía y las variables políticas, económicas, tecnológicas e
ideológicas. En la parte empírica, basada en la técnica de observación directa extensiva, la
investigación recolectó elementos para la elaboración de escenarios prospectivos para la
geopolítica aeroespacial en Brasil. Como resultado de la investigación, se descubrió que, a pesar
de tener diferentes geomorfologías, la interdependencia de los fenómenos políticos,
económicos, tecnológicos e ideológicos entre el espacio aéreo y el espacio exterior nos permite
comprenderlos de manera combinada, incluido el refuerzo de la idea de una teoría de poder
aeroespacial. Desde los inicios de la aviación hasta la era espacial, tales fenómenos en este
nuevo ambiente se han vuelto decisivos para la humanidad, configurando relaciones de poder,
definiendo territorios, creando marcos legales, reclamos de soberanía y disputas que van más
allá de los enfoques clásicos de la geopolítica, frente a la superficie. En cuanto a los escenarios,
la investigación generó tres realidades distintas, bajo los puntos de vista realista, idealista y una
combinación de ambos, que indican alternativas para las políticas públicas en el sector
aeroespacial. La Tesis concluyó que los conflictos de carácter militar, pero también la
explotación de los recursos naturales, la creciente importancia del transporte aéreo, el acceso a
las nuevas tecnologías de comunicación e información, el desarrollo económico, la presencia
de ideologías e incluso la posibilidad de que el hombre utilice mejor la atmósfera y explore, o
habite, nuevos cuerpos celestes revelan la demanda de Geopolítica Aeroespacial. Por lo tanto,
el entorno aeroespacial es un nuevo dominio para la ciencia geográfica, incluso como tarima
para la defensa nacional y las estrategias de desarrollo, lo que refuerza el papel relevante de la
Geografía para la sociedad.
Palabras-clave: Geopolítica. Geopolítica Aeroespacial. Poder Aeroespacial.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Geografia Política.................................................................................................... 36
Figura 2 – Geopolítica .............................................................................................................. 37
Figura 3 – Mare Tenebrosum ................................................................................................... 47
Figura 4 – Carta de Aeródromo – Aracajú/Santa Maria Internacional (SBAR), p. 1 .............. 65
Figura 5 – Carta de Área de Controle de Terminal – Fortaleza – CE. ..................................... 66
Figura 6 – Área de responsabilidade de controle de tráfego aéreo do Brasil ........................... 67
Figura 7 – Carta de Rota – H2 .................................................................................................. 68
Figura 8 – Área de lançamento de foguetes SBP 103 .............................................................. 69
Figura 9 – Da Terra para a Lua................................................................................................. 73
Figura 10 – Campo Gravitacional Terrestre ............................................................................. 79
Figura 11 – Tipos de Órbita ...................................................................................................... 83
Figura 12 – Pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra ............................................................ 86
Figura 13 – Pontos de Lagrange no Sistema Terra-Lua ........................................................... 87
Figura 14 – Cinturões de Van Allen ......................................................................................... 88
Figura 15 – Diferença de Energia Potencial Gravitacional ...................................................... 90
Figura 16 – Exploração em Asteroides .................................................................................... 92
Figura 17 – Virgin Galatic (White Knight Two e Space Ship Two) ...................................... 103
Figura 18 – Dimensão Empírica e Teórica do Ambiente Aeroespacial ................................. 108
Figura 19 – O Voo de Ícaro, por Jacob Peter Gowy............................................................... 111
Figura 20 – O “Padre Voador” e a ascensão de balões (1709) ............................................... 118
Figura 21 – Fotografia aérea de trincheira alemãs na 1ª GM – França, 1916 ........................ 123
Figura 22 – Mapa Azimutal Equidistante Centrado no Polo Norte ........................................ 145
Figura 23 – A Equação de Poder entre os continentes americano e eurasiano ...................... 147
Figura 24 – Bandeira dos EUA na superfície da Lua ............................................................. 167
Figura 25 – Movimento mundial de passageiros no transporte aéreo .................................... 171
Figura 26 – Transporte aéreo mundial de cargas (milhões de ton/Km) ................................. 172
Figura 27 – Criança Geopolítica e o nascimento do Novo Homem ....................................... 203
Figura 28 – Tripulação Multinacional da Expedição 60 ........................................................ 215
Figura 29 – Cenários prospectivos realizáveis ....................................................................... 226
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição percentual entre as categorias de participantes ............................... 245
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Classificação dos Tipos de Órbitas ........................................................................ 81
Quadro 2 – Classificação Físico-Funcional das Órbitas ........................................................... 82
Quadro 3 – Ambiente Aeroespacial – Objetos Geográficos Naturais e Artificiais .................. 94
Quadro 4 – Categorias analíticas e Ambiente Aeroespacial................................................... 104
Quadro 5 – Características do Realismo e do Idealismo ........................................................ 239
Quadro 6 – Elementos de cenários Realista e Idealista no ambiente aeroespacial................. 242
Quadro 7 – Categorias dos participantes ................................................................................ 244
Quadro 8 – Síntese dos Resultados dos Questionários ........................................................... 265
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – As 15 maiores empresas de transporte aéreo do mundo (US$ por Km²) ............... 227
Mapa 2 – Os 7 aeroportos com o maior desenvolvimento no mundo .................................... 229
Mapa 3 – As 45 maiores empresas do setor aeroespacial do mundo ..................................... 230
Mapa 4 – Os 10 grandes centros de lançamento de veículos espaciais .................................. 232
Mapa 5 – Os 15 maiores orçamentos de defesa em 2018 (US$ bilhões) ............................... 233
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1ª GM Primeira Guerra Mundial
2ª GM Segunda Guerra Mundial
ACI Airports Council International
ACT Área de Controle de Terminal
AD Aeródromo
AIA Aerospace Industries Association
AIAB Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil
AIP Aeronautical Information Publication
ANAC Agência Nacional de Aviação Civil
ASAT Anti-satellite Weapons
AST Acordo de Salvaguardas Tecnológicas
ATAG Air Tranportation Action Group
AU Astronomical Unit
BBC British Broadcastin Company
CAN Correio Aéreo Nacional
CCA Centro de Controle de Área
CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
CIA Central Intelligence Agency
CLA Centro de Lançamento de Alcântara
CLBI Centro de Lançamento da Barreira do Inferno
CNEOS Center for Near Earth Objects Studies
COPUOS Committee on the Peaceful Uses of Outer Space
CSLCA U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act
CSLCA U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act
CYGNSS Cyclone Global Navigation Satellite System
DCTA Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
DECEA Departamento de Controle do Espaço Aéreo
EEI Estação Espacial Internacional
ESA European Space Agency
ESG Escola Superior de Guerra
EUA Estados Unidos da América
FAB Força Aérea Brasileira
FIR Flight Information Region
FMI Fundo Monetário Internacional
GEO Geoestationary Orbit
GIFAS Groupement des Industries Françaises Aéronautiques et Spatiales
GIS Geographical Information System
GOES Geostationary Operational Environmental Satellite
GPM Global Precipitation Measurement
HE High Eliptical
HEO High Earth Orbit
IATA International Air Transport Association
ICAO International Civil Aviation Organization
ICBM Intercontinental Ballistic Missile
ISO International Organization for Stantardzation
ISS International Space Station
ITU International Telecommunication Union
JPL Jet Propulsion Laboratories
KISS Keck Institute for Space Studies
LEO Low Earth Orbit
MAD Mutually Assured Destruction
MEO Medium Earth Orbit
MTCR Missile Technology Control Regime
NACA National Advisory Committee for Aeronautics
NASA National Aeronautics and Space Administration
NEO Near-Earth Objects
NOAA National Oceanic and Atmospheric Administration
NORAD North American Aerospace Defense Command
OECD Organization for Economic Co-operation and Development
OMC Organização Mundial do Comércio
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PEB Programa Espacial Brasileiro
PESE Programa Estratégico de Sistemas Espaciais
PHA Potentially Hazardous Asteroids
PIB Produto Interno Bruto
RAF Royal Air Force
RIV Região de Informação de Voo
SGDC Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações
SIPRI Stockholm International Peace Research Institute
SPS-91 Solar Power Satellite 91
TC Torre de Controle
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNCC United Nations Climate Change Conference
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UNIDIR United Nations Institute for Disarmament Research
UNO United Nations Organization
UNWTO United Nations World Tourism Organization
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USAF United States Air Force
USSF United States Space Force
VHF Very High Frequency
WMO World Meteorological Organization
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17
2 CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO AMBIENTE AEROESPACIAL .............. 46
2.1 O limite entre espaço aéreo e espaço exterior ................................................................. 50
2.2 Espaço aéreo: funcionalidade e localização .................................................................... 53
2.3 Espaço exterior: Terra, Lua e órbitas terrestres .............................................................. 70
2.4 Ambiente aeroespacial: um espaço geográfico ............................................................... 93
2.5 Ambiente aeroespacial: dimensão teórica e empírica ................................................... 104
3 GEOPOLITIZAÇÃO DO AMBIENTE AEROESPACIAL ......................................... 110
3.1 O ambiente aeroespacial como objeto da geopolítica ................................................... 116
3.2 A relevância do Ambiente Aeroespacial na Geopolítica .............................................. 156
3.3 Geopolítica Aeroespacial .............................................................................................. 216
4 CENÁRIOS DA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL ................................................. 220
4.1 Notas metodológicas sobre os cenários......................................................................... 224
4.2 As premissas teóricas das relações internacionais ........................................................ 237
4.3 Os cenários da Geopolítica Aeroespacial ...................................................................... 243
4.4 Síntese das apreciações dos experts .............................................................................. 264
5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 267
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 275
GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 314
ANEXO A – Termo de Comprometimento Livre e Esclarecido – TCLE.............................. 318
ANEXO B – Geopolítica Aeroespacial - Perguntas aos experts ............................................ 320
17
1 INTRODUÇÃO
Eratóstenes de Cirene, cerca do ano 200 a.C., combinando os vocábulos geo (Terra)
e graphia (escrever), cunhou a palavra grega γεωγραφία (geografia). Dela, surgiria a definição
originária de Geografia como descrição da superfície da Terra. Naquele momento, o que se
compreendia como ciência geográfica era, na verdade, uma corografia, ou o registro de
características morfológicas de determinada superfície terrestre. Essa realidade foi demonstrada
por William Smith (1870), no Dictionary of Greek and Roman Geography (Dicionário de
Geografia Greco-Romana), quando compilou a compreensão fisiográfica que os geógrafos
gregos e romanos, à época clássica, tinham sobre as terras por eles contatadas.
Há, contudo, dentre os precursores da geografia da antiguidade helênica, tais como
Heródoto, Hecateu de Mileto e Estrabão, uma preocupação para além do registro de percepções
fisiográficas sobre determinadas regiões do planeta1. Havia, outrossim, a intenção de associar,
de alguma forma, as questões de cunho histórico, político, religioso e cultural das terras e povos
sobre os quais tinham conhecimento. Mas não somente a superfície terrestre nos locais visitados
era objeto desses geógrafos precursores; senão a atmosfera e o espaço exterior passaram
também a receber sua atenção. Aristóteles, na obra intitulada Meteorologica, descreve zonas
climáticas e “desenvolve um modelo primitivo do fluxo de ventos em todo o mundo conhecido”
(BONNETT, 2008, p. 48)2. E Ptolomeu empreendeu um estudo astronômico em Almagesto, no
qual trata da esfericidade da Terra e observa o movimento aparente das estrelas, cuja
contribuição extrapolou a geografia da superfície terrestre, transformando-se naquilo que, por
muito tempo, seria a compreensão científica do Cosmos, baseada num modelo geocêntrico do
Universo.
Cerca de mil e quinhentos anos mais tarde, mais exatamente no intervalo dos
séculos XVIII e XIX importantes nomes fundadores da Geografia Moderna viveram questões
1 Heródoto tinha a preocupação do registro dos eventos históricos, considerado o “Pai da História e da Geografia”
(SMITH, 1870, p. 235). Hecateu de Mileto, cuja obra somente se preservam fragmentos, também era um
historiador que, além da corografia, registrava a língua e os costumes dos povos aos quais tinha acesso em suas
viagens pelo Mediterrâneo, sendo reconhecido como um “logógrafo” (título dos historiadores, prosistas e cronistas
gregos) (SHOTWELL, 1922, p. 141). Estrabão, segundo Derek et al. (2009, p. 82), “não estava interessado em
corografia, [pois] à produção de conhecimento geográfico era indispensável complementar com filosofia política
e moral, [para] fundamentar as atividades humanas”. Cavalcanti e Viadana (2010, p. 29) apontam as contribuições
de Tales de Mileto, Pitágoras de Samos, Aristóteles e o próprio Erastóstenes de Cirene, este último responsável
por “calcular a distância da Terra ao Sol, catalogar 675 estrelas, medir o raio da Terra e o seu perímetro de
circunferência máxima”. Claval (2011, p. 223) aponta que “Aristóteles estava mais preocupado com o topos, a
posição, o cartesianismo, enquanto Platão voltava-se ao chora, as formas de vida, ao lugar próprio”.
2 Segundo Kristof (1960, p. 17), “Aristóteles já discutia muitas questões que poderiam ser classificadas como de
natureza geopolítica, [tais como] a natureza do meio ambiente [e] seu impacto no caráter humano e nas implicações
com a economia e necessidades militares do Estado”.
18
semelhantes no curso de sua produção acadêmica. Holt-Jensen (2009, p. 67) descreve as aulas
de geografia física de Immanuel Kant, em Königsberg (atual Kaliningrado), como aulas que
não eram essencialmente de geografia física, mas que discutiam “grupos raciais humanos, suas
atividades físicas sobre a Terra e condições naturais em um sentido amplo”. O fundador
Alexander von Humboldt, segundo Hugget e Robinson (1996, p. 2), tinha “uma visão holística
da natureza, e sua última grande obra, Cosmos, descreve sua grande visão sobre o Universo”.
Carl Ritter não se limitava à “descrição ou inventário dos objetos na superfície terrestre, [mas]
tentava entender as interdependências entre esses objetos e, até mesmo, formular poucas leis
que promovessem raciocínio dedutivo” (KITCHIN e THRIFT, 2009, p. 413).
Mais recentemente, autores adentraram nessa discussão sobre a amplitude do objeto
da Geografia. Richard Hartshorne (1959, p. 25) conjecturou sobre a expansão da definição de
superfície terrestre, e a admissibilidade da extrapolação do termo para além do planeta Terra,
afora não excluir a possibilidade de “utilizar ferramentas e métodos da geografia no melhor
conhecimento do espaço exterior”. Denis Cosgrove (1994, p. 289) analisou na geografia o
impacto das fotografias da Terra tiradas da espaçonave Apollo, em 1972, sob o ponto de vista
cultural, em especial àquilo que denomina “concepção geopolítica de mundo-único, que
equivale ao sentido europeu e cristão de imperium”. Estudos como os de Peter Adey (2008;
2010), que trazem questões como a “vida aérea” e a aerorrealidade, e de Stuart Elden (2013b),
que revela a importância de se perceber o volume na geografia, ou ainda de David Pascoe
(2001), que trata entre outros temas da cultura do terminal de passageiros de um aeroporto,
ampliam o escopo de análise do objeto geográfico. Fraser MacDonald (2007) aponta para a
demanda de se estender o domínio da geografia para o espaço exterior. Mesmo Milton Santos,
célebre por suas teorizações na vertente da Geografia Humana, quando fala de “zona pioneira”
e discute o conceito-método de “totalidade” (2014, p. 102 e 113), ou ainda quando percebe que
a Terra pode chegar a uma “situação-limite” (1997, p. 44), pressupõe que a Geografia é
demandada a ir além dos limites epistemológicos atuais. É emblemático que esse autor, ao
explicitar o “meio técnico-científico-informacional” (2014, p. 238), cujo efeito original era
colocar o meio natural (primeira natureza ou natureza natural) em segundo plano, cria o
conceito de tecnocosmo, um mundo de coisas artificiais. Tal raciocínio parece ser adequado ao
ambiente aeroespacial, que por meio das coisas artificiais (por exemplo, o avião e o satélite)
cientificiza ou tecniciza a paisagem.
Como demonstrado, com o passar do tempo, considerações sobre o objeto de estudo
da Geografia lançaram novos questionamentos epistemológicos, testemunhas de uma expansão
de temas e abordagens, e mesmo de ambientes ou domínios, nos estudos geográficos. A questão
19
epistemológica na Geografia não afetaria apenas ao mundo grego ou à geração setecentista,
reverberando na atualidade.
Na questão epistemológica dos ambientes ou domínios3, as citações da epígrafe nos
ajudam a compreender a preocupação do homem, seja do ponto de vista religioso ou sob a égide
da ciência, em buscar explicações geográficas no intuito de melhor compreender o ambiente
que o cerca, extrapolando a mera percepção sensorial quase que restrita ao solo que o abrigava.
Essa tendência amplia o foco da geografia para outras dimensões espaciais (os domínios),
predisposição que, como se observou, já estava presente desde o povo hebreu, passando pelos
gregos antigos, até a geração de Kant. Assim, no Antigo Testamento (o Torá dos judeus), a
Terra não é somente formada pela superfície terrestre, mas engloba as águas e os céus. A
ciência, de forma similar, inclui estas dimensões espaciais como objeto de estudo, seja
geográfico ou de outras ciências. Na citação do renomado cientista Carl Sagan, percebemos que
a Terra integra um Universo, composto de galáxias, estrelas e planetas, cujo referencial teórico
de base também foi proposto pelos gregos antigos, e que depois Alexander von Humboldt,
dentre outros, estudou em Cosmos (1875) e Samuel Sark (1887) chamou de Geografia
Astronômica.
A emergência de novas abordagens ressalta uma evolução na direção de caminhos
múltiplos, ao ponto de se considerar a Geografia como “a mãe de todas as ciências” (KELTIE
e HOWARTH, 1913, p. 1), ou como uma ciência de síntese4. Síntese esta nem sempre
alcançada, como demonstra a permanência de sua mais famosa discussão epistemológica
expressa na clássica divisão entre Geografia Física e Geografia Humana5. Nesse processo de
3 Caberia uma discussão conceitual em torno das expressões “ambiente”, “domínio” e “dimensão”, utilizadas nesta
Tese com o mesmo significado teórico. Buscou-se nessa definição conceitual aproximar-se teoricamente da ciência
geográfica, mesmo compreendendo que tais conceitos tenham aplicabilidade em outros campos do conhecimento,
como é o caso de ambiente, na biologia, domínio, nos estudos estratégicos, ou dimensão, na ciências exatas. Em
função dessa demanda, as palavras ambiente, domínio ou dimensão podem ser definidas, neste estudo, como um
espaço geográfico caracterizado pelos seus “arredores, pela matéria constitutiva, pelos elementos químicos e
propriedades físicas, além dos organismos” (MAYHEW, 2003, p. 171). Trata-se de uma “esfera ou área de
atividade (Wirkungsraum ou Bereich)” ou um “Milieu (meio)” (HERRMANN e BUCKSCH, 2014, p. 401 e 475).
De acordo com Kotlyakov e Komarova (2007, p. 228), ambiente refere-se à “gama completa de condições externas
(físicas e biológicas) com as quais as pessoas interagem nas suas vidas e com as atividades econômicas”. Nessa
última definição agregaríamos a ideia de que não se trata apenas de um ambiente para pessoas, mas também para
estados e organizações não-estatais, além de ampliar o escopo para atividades de natureza política (segurança,
jurídica, relações de poder etc.), tecnológica e ideológica (ou cultural).
4 A proposição de que a geografia seria uma ciência-síntese não deixa de ser criticada, como por exemplo a
contribuição de Antonio Carlos Robert de Moraes (2005).
5 Paulo Cesar da Costa Gomes discute essa dicotomia que cerca a Geografia na modernidade, mas que tem origens
na Antiguidade com os filósofos gregos. Para o autor, há uma oposição entre abordagem física e abordagem
humana. “A primeira, mais próxima das ciências naturais [...] enquanto a geografia humana concerne à cultura”
(GOMES, 2016, p. 131). Há também o debate em torno da geografia geral e da geografia regional, algo que foge
ao propósito da Tese clarificar.
20
consolidação epistemológica, a Geografia recebera contribuições significativas de outras
ciências catalisadoras de abordagens especializadas; dentre elas a Economia, que trouxe
informações sobre produção, emprego, recursos etc. (consolidando a disciplina Geografia
Econômica); a Geologia, que aprofundou o conhecimento sob características geológicas da
litosfera (Geografia Morfológica ou Fisiográfica); a Meteorologia, que melhorou a
compreensão das questões climáticas nas diversas regiões e no planeta (Geografia Climática);
a Antropologia, ao atinar para a peculiaridades das diversas culturas (Geografia Cultural); a
História, que forneceu a perspectiva temporal dos fenômenos geográficos (Geografia
Histórica); e a Ciência Política, que iluminou questões acerca de fenômenos populacionais e
migratórios ou sobre a natureza do poder e do estado (Geografia Política/Geopolítica).
Em face dessa realidade que permeia a ciência geográfica ao longo do tempo, esta
pesquisa de doutorado busca contribuir com o debate epistemológico na Geografia a partir dos
dois prismas mencionados: o domínio e a abordagem. Parte-se, por conseguinte, de dois
pressupostos. Em primeiro lugar, a expansão espacial do objeto de estudo reflete uma natural
evolução de temas na ciência geográfica. Essa tendência de ampliação das temáticas
geográficas se observa na aludida questão dos campos de estudo, uma vez que a Geografia
redundou em um grande número de espacializações temáticas. Mais exatamente, traz-se para a
Geografia a discussão, sob enfoque geopolítico, de um domínio espacio-geográfico, o
Ambiente Aeroespacial, o que per si evidencia uma aproximação teórica diferenciada, ou seja
uma nova abordagem epistemológica para a ciência geográfica.
Em outras palavras, o presente estudo se debruça sobre a dimensão geográfica
modernamente denominada Ambiente Aeroespacial. Trata-se de abordá-lo como raciocínio
espacial da sociedade e do Estado. Esse ambiente deve ser compreendido como a conjunção
entre o espaço aéreo (a atmosfera terrestre) e uma parcela do espaço exterior (convencionado
no recorte da pesquisa como o espaço sideral além de 100km da superfície terrestre e que cobre
as órbitas terrestres, a Lua, o vácuo entre a Lua e a Terra e os corpos celestes que transitam
nesse espaço)6. Nesse recorte epistemológico (recorte espacial do tema), o ambiente
aeroespacial consiste na conjugação de elementos da superfície terrestre (naquilo em que se
6 O Dictionary Geotechnical Engineering (Dicionário de Engenharia Geotécnica) define Aerospace (aeroespaço
ou aeroespacial) como “um termo mnemônico derivado de aeronáutica + espaço e que denota a atmosfera da Terra
e o espaço além como um unidade única” (HERRMANN e BUCKSCH, 2014, p. 25). O Cambridge Aerospace
Dictionary (Dicionário Aeroespacial de Cambridge) define aeroespaço como: “1- Continuum essencialmente sem
limite que se estende para fora e através da superfície da Terra em direção às partes mais distantes do universo
observável, em especial aquelas que abrangem porções atingíveis do sistema solar; 2- Aquilo que pertence às
aeronaves e às espaçonaves, como em tecnologias aeroespaciais” (GUNSTON, 2009, p. 22).
21
relaciona aos objetos geográficos pertinentes ao estudo), a atmosfera (ao abrigar os voos com
as aeronaves convencionais), e uma porção do espaço exterior (compreendida entre o ponto
mais próximo sobre a superfície no qual um satélite pode orbitar e as órbitas entre a Lua e o
Sol). Apesar de possuírem características físicas distintas, espaço aéreo e espaço exterior
formam um contínuo conceitual na perspectiva geopolítica, representado por eventos
semelhantes, correlatos e, na maioria das vezes, interdependentes.
É a partir do recorte analítico geopolítico que situaremos a questão epistemológica
da abordagem proposta. O objeto de pesquisa, o ambiente aeroespacial, será geopolitizado, a
partir de elementos que configuram práticas de poder (inclusive marcadas por conflitos
interestatais), relações econômicas, desenvolvimento tecnológico e leituras ideológicas. Na
construção do arcabouço teórico dessa Geopolítica Aeroespacial, resgatamos postulados da
geopolítica clássica, onde o espaço geográfico, analogamente a um organismo vivo em
crescimento, é expandido dilatando as fronteiras de determinado território (espaço vital),
conforme as formulações nem sempre corretamente entendidas de Friedrich Ratzel, fundador
da Antropogeografia. De forma semelhante, serão debatidos os paradigmas geopolíticos
clássicos do poder terrestre e do poder marítimo, respectivamente, por meio das contribuições
do geógrafo e diplomata Halford J. Mackinder (que viu na vastidão das terras do centro da
Eurásia um pivô geográfico para o domínio mundial) e do almirante Alfred T. Mahan (onde a
prevalência do domínio dos oceanos seria pré-condição ao desenvolvimento e segurança do
Estado), à luz da teoria do poder aéreo e do poder aeroespacial. Com isso pretende-se observar
se efetivamente há modificação importante nas vantagens geoestratégicas baseadas na
dimensão aeroespacial relativamente aos espaços marítimo e terrestre.
Essa concentração do foco geopolítico nas superfícies terrestre e marítima seria
contestada, particularmente durante as guerras mundiais de 1914 e 1939, quando se inicia o
debate sobre a importância da terceira dimensão geográfica em razão do desenvolvimento
tecnológico da aviação e sua incorporação às estratégias militares. Em grande parte, essa
contestação surge de teóricos do poder aéreo7, como Giulio Douhet e, posteriormente,
Alexander Seversky, ao inaugurarem uma tradição que redundaria na evolução do poder aéreo
7 O Poder Aéreo é uma elaboração teórica do início do século XX, principalmente decorrente das contribuições de
Giulio Douhet, William Mitchell e Hugh Trenchard, pensadores que delinearam os fundamentos de uma definição
influenciada pela Guerra de 1914-1918, e cuja demanda de independência da força aérea, organizacionalmente
separando-se do exército e da marinha, em seus respectivos países, esteve no centro do debate. De forma sintética,
para esses teóricos, o poder aéreo seria a capacidade de projetar poder a partir da dimensão aérea.
22
na direção do poder aeroespacial8, mas também de relevantes geopolíticos como Nicholas
Spykman.
Analiticamente, o Poder Aeroespacial expressa a conjugação de capacidades
nacionais oriundas de setores como a aviação militar, a infraestrutura aeroespacial, a indústria
aeroespacial civil e de segurança & defesa, a operação de sistemas espaciais, os recursos
humanos qualificados nesse setor e o potencial de desenvolvimento tecnológico em centros de
pesquisa. Sua presença conceitual nas estratégias nacionais, incipiente na Guerra de 1939-1945,
é claramente percebida e, de fato, caracteriza todo o período representado pela Guerra Fria, cujo
evento marcante é a chegada do homem ao espaço exterior, em 1961. A partir da inserção dessa
dimensão geográfica, na qual o espaço exterior se conjuga ao espaço aéreo, há um repensar do
debate geopolítico marcado por novas temáticas e paradigmas interpretativos.
São acrescidos à Geopolítica novos campos como a geopolítica do transporte aéreo,
a geopolítica do poder aéreo, a sideropolítica ou a astropolítica, apenas para apontar alguns.
Todos esses campos, por conseguinte, surgem da inserção do espaço aéreo ou do espaço
exterior, como domínios geopolíticos9. Contudo, em geral neles reside ainda uma carência da
percepção conjugada que o ambiente aeroespacial representa para o debate geopolítico, no qual
o espaço aéreo se agrega ao espaço exterior. Percepção essa que será observada quando se
demonstrar a visão integrada de sua estrutura (uma dimensão espacial da realidade), o sentido
de continuidade histórica do debate sobre poder aéreo/aeroespacial, as analogias sobre a visão
de território no segmento aéreo e no espacial, além da correlação entre a economia, tecnologia
e ideologia no ambiente aeroespacial.
A inquietação de se perceber que existe uma lacuna nos estudos geopolíticos sobre
o ambiente aeroespacial como espaço geopolítico, que tem privilegiado a superfície terrestre e
a extensão marítima, ademais do necessário entendimento sobre a contiguidade aeroespacial,
evidenciadas nas questões epistemológicas de tema e de abordagem, permitiu delinear o
problema de pesquisa. Em grande parte, a falta de uma perspectiva geopolítica tridimensional
sobre a geopolítica abre caminho para se questionar o viés essencialmente de superfície da
geopolítica clássica limitada, limitada às dimensões marítima e terrestre. A evidência de que o
ambiente aeroespacial havia se tornado também um fator determinante demanda uma
8 Perceba-se que em Giulio Douhet, a visão da integralidade da atmosfera já estava presente, como destaca Siqueira
(2010, p. 29), ao afirmar que “para Douhet, a superfície da Terra representaria, em relação ao oceano atmosférico,
o papel que o litoral desempenha em relação ao mar”.
9 Há, inclusive, visões mais ousados, vistas por alguns como próximas da ficção científica, como a hipótese que
Ben Bova (1973, p. 74) levanta quanto à demanda de uma “Geopolítica Galáctica” quando da expansão da
capacidade dos voos espaciais trouxer a possibilidade de contato com inteligências extraterrestres.
23
integração entre as disciplinas e áreas de relações internacionais, ciência política, história do
poder aéreo/aeroespacial (ou da atividade aeroespacial) e geografia, gerando uma interseção
que melhor seria denominada Geopolítica Aeroespacial, ideia adiante esquematizada.
Assim, a problemática da Tese propõe apreciar em que medida o ambiente
aeroespacial, representado pela conjugação do espaço aéreo com o espaço exterior, têm
relevância no debate geopolítico da atualidade. Ao mesmo tempo, visa repensar o espaço
geográfico não apenas como substrato, mas também em uma perspectiva relacional. Em outras
palavras, trata-se de uma proposta de atualização, sem distanciamento, da Geopolítica Clássica,
em decorrência de uma necessária leitura multidimensional do espaço geográfico. Trata-se de
perceber a necessidade da abordagem dessa nova dimensão geográfica sob uma perspectiva
(geo)política, ressaltando questões que envolvem relações de poder estatais e privadas, tais
como a definição de territórios, demandas de soberania, exercício de autoridade sobre o
ambiente aeroespacial, interesses econômicos, prevalência no desenvolvimento de tecnologias
e disputas ideológicas.
Para que essa percepção fosse amiúde investigada, a hipótese levantada identifica
a influência que o ambiente aeroespacial exerce nas discussões geopolíticas, a partir de dois
passos principais. O primeiro remete à dimensão geográfica do objeto de pesquisa, o ambiente
aeroespacial, caracterizado por suficientes elementos fisiográficos e políticos, e que estaria em
condições de ser geograficamente concebido ou geografizado. O segundo passo da hipótese é
a existência de uma demanda acadêmica e governamental pela evolução da geopolítica,
tradicionalmente voltada às discussões que envolvem as superfícies terrestre e marítima, de
modo a englobar a terceira dimensão aeroespacial. Nesse momento, ocorre o processo de
geopolitização do ambiente aeroespacial, onde fatores políticos, econômicos, tecnológicos e
ideológicos consolidam uma Geopolítica Aeroespacial.
A hipótese de pesquisa, em síntese, estrutura-se sob conjecturas que percebem, em
primeiro lugar, o ambiente aeroespacial contendo elementos fisiográficos e políticos suficientes
para uma caracterização geográfica. Em seguida, que a evolução do poder aéreo para poder
aeroespacial, transforma, via discussão do conceito de território e da crescente relevância da
economia, da tecnologia aeroespacial e da ideologia, o ambiente aeroespacial em espaço
geopolítico. Dessa forma, fica estabelecida uma relação causal entre as variáveis que compõem
essas conjecturas, onde a caracterização e a contextualização do objeto implicariam na
pretendida relevância geopolítica do objeto de estudo.
Com base na organização de uma hipótese, no formato metodológico indicado por
Van Evera (1997), podemos esquematizar nossa hipótese da seguinte forma:
24
A → q → r → s → t → u → B
Onde, “A” representa a insuficiência da geopolítica clássica voltada para a análise da superfície,
enquanto “B” reflete a demanda de atualização dessa realidade, a partir do pressuposto de uma
nova geopolítica, a Geopolítica Aeroespacial. As letras “q, r, s, t e u” representam os elementos
de teste da hipótese, ou as variáveis, respectivamente associados às condicionantes geográficas
(q), políticas (r), econômicas (s), tecnológicas (t) e ideológicas (u). Assim, no contexto da
investigação a hipótese de pesquisa é elaborada em torno da proposição de que o ambiente
aeroespacial é um espaço geográfico formado pela conjugação entre espaço aéreo e espaço
exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas.
A composição dessas variáveis tem outra finalidade metodológica. Ela estabelece
tematicamente um recorte no objeto de estudo, definindo os campos de análise do problema.
Ao se excluírem variáveis como a demografia (estudos populacionais ou migratórios
decorrentes da evolução da técnica), a diplomacia (análise de acordos internacionais ou de atas
de reuniões bilaterais, por exemplo), a militar (que analisaria estrutura de força, capacidades
dos equipamentos etc.), a social/antropológica (pelo estudo do impacto social do objeto de
estudo e a percepção das comunidades sobre o assunto) ou a biológica/ambiental (análise sobre
organismos aéreos ou na perspectiva climática), dentre outras, o que se obtém é um foco mais
direcionado de análise da Tese.
Em face dessa proposição, a pesquisa tem como objetivo geral analisar a relevância
geopolítica do ambiente aeroespacial. Busca compreender se a geografia é uma interlocutora
do Estado ou uma forma de explicação espacial de uma dinâmica social contemporânea, mas
que invariavelmente procura contribuir com uma geopolítica que se apresenta a uma nova
dimensão espacial. Dispõe-se a construir uma visão de totalidade do ambiente aeroespacial sob
o olhar morfológico, político, econômico, tecnológico e ideológico, logo, eminentemente
geográfico e, antes de tudo, geopolítico.
Os objetivos específicos permitem uma melhor compreensão do raciocínio lógico
que orientou a pesquisa, e se ramificam em seis ações:
a) Caracterizar o ambiente aeroespacial, por meio da identificação de uma geografia
do espaço aéreo e uma geografia do espaço exterior;
b) Elaborar uma síntese teórica e empírica que represente o ambiente aeroespacial
quanto à fixos, fenômenos naturais, fluxos, escala, forma, função, processo e,
finalmente, uma estrutura;
c) Analisar a perspectiva dimensional do ambiente aeroespacial sob o ponto de vista
geopolítico, considerando a evolução do poder aéreo para o poder aeroespacial;
25
d) Revisar o conceito de território no contexto do objeto de pesquisa;
e) Identificar fatores econômicos, tecnológicos e ideológicos como elementos de
influência no contexto geopolítico do ambiente aeroespacial; e
f) Elaborar elementos estruturantes de cenários para a Geopolítica Aeroespacial no
Brasil a partir de tendências realistas e idealistas.
Tendo como ponto de partida os objetivos específicos, a Tese emprega um quadro
teórico relacionado ao objeto de estudo no qual estão implícitas questões centrais da pesquisa.
A caracterização geográfica do ambiente aeroespacial encaminha a análise para o exame
morfológico dos segmentos definidos no construto ambiente aeroespacial. Pontos como a
delimitação entre atmosfera terrestre e espaço exterior (DOLMAN, 2002), as questões jurídicas
do direito internacional aeronáutico (ICAO, 2006) e do direito espacial (UNO, 2017), aspectos
cartográficos próprios e os elementos geográficos que compõem tanto o espaço aéreo como o
espaço exterior (SELLERS, et al., 2003), permitem compor uma geografia do ambiente
aeroespacial.
Dentre os conceitos e categorias geográficas empregadas destacam-se os fixos
(objetos geográficos) e fluxos (SANTOS, 1997), os fenômenos naturais (VAREJÃO-SILVA,
2006), a questão da escala (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007), forma, função, processo e
estrutura (SANTOS, 2014). Valendo-se dos elementos de caracterização geográfica, e
apoiando-se teoricamente nos aspectos adrede citados, abre-se uma oportunidade teórica de
elaboração de uma figura-síntese representativa do ambiente aeroespacial, formulada como um
esquema demonstrativo do objeto caracterizado.
Subjacente a essas questões iniciais situamos a própria discussão conceitual sobre
espaço geográfico no contexto do ambiente aeroespacial. Para Gomes (2002, p. 172), o espaço
geográfico pode ser definido a partir de três características: “é sempre uma extensão fisicamente
constituída, concreta, material, substantiva; compõe-se pela dialética entre a disposição das
coisas e as ações ou práticas sociais; e a disposição das coisas materiais tem uma lógica ou
coerência”. Dessa forma, cabe à investigação apontar elementos que consubstanciam no objeto
de pesquisa essas propriedades de concretude, relações e logicidade propostas na citação. Por
meio da caracterização geográfica do objeto de estudo e de sua contextualização como espaço
geopolítico, agrupadas nas variáveis da hipótese de pesquisa, inclina-se o esforço de análise da
Tese na direção de examinar esse espaço geográfico de forma a incluir o domínio aeroespacial.
No que tange à geopolitização do objeto de estudo, a Tese recorre à discussão
histórica em torno da evolução da aviação, inicialmente apontando a importância de uma nova
dimensão espacial na perspectiva geográfica, algo que Nicholas Spykman (1944) haveria de
26
ressaltar na projeção cartográfica azimutal polar. Desde os aeróstatos até os foguetes espaciais,
utiliza, para tanto, a teoria do poder aéreo (DOUHET, 1988), a incorporação desta teoria ao
cenário geopolítico pós Segunda Guerra Mundial (2ª GM) (SEVERSKY, 1950), e a passagem
do poder aéreo para o poder aeroespacial, ponto-chave da Tese, a fim de destacar que a
tecnologia representada pela aviação, e a consequente expansão ao espaço exterior, alterou a
compreensão de poder advinda dos teóricos da geopolítica clássica (MAHAN, 1890)
(MACKINDER, 1904), assim como as estratégias militares.
A tese vale-se da categoria de análise território para iniciar a discussão sobre a
geopolitização do ambiente aeroespacial. O território é analisado sob o ponto de vista do poder
(CLAVAL, 1979; RAFFESTIN, 1993), e da soberania nacional. A partir da perspectiva de rede
(HAESBAERT, 2007), a discussão também ganha relevo, assim como ao se observarem as leis
do crescimento espacial dos estados de Friedrich Ratzel (1892)10, e o conceito de territorialidade
(SACK, 1986). De fato, a questão em torno da aplicação do conceito de território ao ambiente
aeroespacial desperta indagações que exigem transitarmos na Tese por bibliografias e conceitos
variados. Mas até que ponto o espaço aéreo e o espaço exterior seriam territórios na acepção
clássica da palavra? De certo que a detida análise de pontos como o aspecto relacional do poder
e a propriedade do termo fronteiras tornam o debate enriquecedor.
Na sequência da discussão em torno da geopolitização do ambiente aeroespacial, a
Tese persegue a ideia de que economia, tecnologia e ideologia são fatores relevantes na
construção da geopolítica aeroespacial. Para tal, apresentam-se alguns dados básicos do
mercado de transporte aéreo global (ICAO, 2002; ATAG, 2018; IATA, 2018, 2019a) e da
economia espacial (DEUDNEY, 1982; AL-RODHAN, 2011; DOLMAN, 2012). De forma
análoga, a tecnologia aeroespacial, do ponto de vista de integralidade advinda da ideia de poder
aeroespacial, é apreciada com dados e informações que remetem ao papel da indústria
aeroespacial (SHEEHAN, 2007; AL-RODHAN, 2011; SADEH, 2011). Nesse ponto, volta-se
a recorrer a Friedrich Ratzel, em seu conceito de cultura no contexto do espaço vital,
destacando-se a analogia entre sua lei tendencial de nível de desenvolvimento tecnológico dos
Estados e a questão da soberania do espaço aéreo decorrente da exploração científica, comercial
e militar do espaço exterior. Além disso, a investigação em torno das estruturas de ideias (ou
de ideologias) permite adentrar na discussão sobre geografia cultural (CLAVAL, 2007), e no
papel do discurso na formação de códigos geopolíticos (FLINT, 2006). Aqui se discute o papel
10 Nas citações a Ratzel obtidas na obra de Antonio Carlos Robert Moraes (1990), que são traduções dos originais
do autor alemão, preferimos considerá-las como seções de livro e indicar a data do original da publicação.
27
da geopolítica crítica (HAVERLUK, BEAUCHEMIN e MUELLER, 2014), na percepção que
segurança se relaciona diretamente com a demanda ideológica dos estados em justificar a
atividade aeroespacial, além de promover sentimentos de prestígio (MORGENTHAU, 1985)
que caracterizariam um soft power (NYE, 2004) aeroespacial.
De todo esse debate teórico, surge a demanda, caracterizada no objetivo específico
final, de ampliação do quadro teórico utilizado na tese, a fim de melhor subsidiar a formulação
de cenários para a Geopolítica Aeroespacial no Brasil. Assim é que as perspectivas Realista e
Idealista das relações internacionais (REUS-SMIT e SNIDAL, 2008; GRIFFITHS,
O'CALLAGHAN e ROACH, 2008; PECEQUILO, 2017) representam o embasamento para a
investigação e constituição de um panorama preditivo desse tema para nosso país, o que dá
suporte empírico à Tese.
Cabe, finalmente, nesse quadro teórico, destacar um assunto que percorre a
Geopolítica desde a sua gênese, qual seja, compreender sua dimensão epistemológica. Isto será
procedido por uma breve definição de geopolítica, pela observação de algumas abordagens
desse conceito e pela distinção entre geopolítica e geografia política.
Existe um consenso entre os autores geopolíticos sobre o fato de ter sido o cientista
político sueco Rudolf Kjellén, no início do século XX, o primeiro teórico a citar o termo
geopolítica. Kjellén dividiu a ciência política em categorias, em cada uma relacionando os
fenômenos políticos à um tema: Demopolítica (ou Etnopolítica), cujo objeto de relação é o
povo; Ecopolítica (ou Econopolítica), concernente ao tema fatores econômicos; Sociopolítica,
cuja relação é a sociedade; Cratopolítica, relativa ao governo e ao poder; e Geopolítica, cujo
tema é o solo – recursos naturais, morfologia e posição (BACKHEUSER, 1952;
O’LOUGHLIN, 1994; HLIHOR, 2014). Segundo Everaldo Backheuser, Kjellén definiu
geopolítica em Der Staat als Lebensform (O Estado como Forma de Vida), como “o estudo do
estado como organismo geográfico, isto é, como fenômeno localizado em certo espaço da Terra,
logo do Estado como país, como território, como região, ou, mais caracteristicamente, como
Reich” (BACKHEUSER, 1952, p. 56).
A partir dessa proposição inicial, diversos teóricos da ciência política, das relações
internacionais e da geografia, têm desenvolvido o conceito de Geopolítica de formas variadas.
O viés de formação do pesquisador implica em abordagens específicas, nem sempre
congruentes. Por outro lado, há autores que colocam a geopolítica em uma perspectiva científica
interdisciplinar e multidimensional, o que favorece interpretações mais abrangentes desse
conceito.
28
Basicamente, existem duas vertentes de análise geopolítica. A abordagem clássica
e a abordagem crítica11. A geopolítica clássica é aquela que tem seus fundamentos na obra
Politische Geographie (Geografia Política) de Friedrich Ratzel, onde, segundo Bassin (2003,
p. 16), se “desenvolveu uma teoria política expansionista [do Estado] cuja necessidade de
crescimento era explicada ‘cientificamente’ pela analogia [desse Estado a um organismo
vivo]”. Dessa forma, Ratzel “reorganiza a geografia em torno do Estado” (AGNEW, 2002, p.
64)12. Emergem, em consequência, dois elementos básicos do conceito de geopolítica clássica:
a geografia e a política. Isto permite que geoestrategistas como Alfred Mahan, Halford
Mackinder, Karl Haushofer13 e Nicholas Spykman emprestem à geopolítica um pragmatismo
que, desde o período do entreguerras de 1918-1939, a condenaria como prática nefasta
associada ao imperialismo e ao nazismo14. Nas palavras de Ó Tuathail (2003, p. 4), “É no
contexto do discurso imperialista que a geopolítica primeiro emerge como um conceito e uma
prática”.
No período da Guerra Fria o contexto conflituoso agrega à abordagem clássica a
ideia de contenção, porém, sem modificar a essência do conceito de geopolítica. O conceito de
contenção per si expunha a tensão entre os modelos ideológicos competitivos da União das
11 Há autores como Ó Tuathail, Dalby e Routledge (2003) que sugerem classificações em períodos, enfatizando o
discurso ideológico predominante na geopolítica, tais como a geopolítica imperialista; a geopolítica da Guerra
Fria; a geopolítica da Nova Ordem Mundial; a geopolítica ambiental; e a antigeopolítica. Agnew (2003), apresenta
um modelo por fases históricas, subdividindo-as em: geopolítica civilizacional (1815-1875); geopolítica
naturalizada (1875-1945); e o período da geopolítica ideológica (1945-1990). Cohen (2015, p. 16), divide a
geopolítica moderna em estágios: “a corrida pela hegemonia imperial; a Geopolitik alemã; a geopolítica norte-
americana; o da Guerra Fria – baseado na dicotomia entre a visão centrada no estado e a visão universal da
geografia; e o período pós-Guerra Fria”.
12 Importante ressaltar que a perspectiva centrada no Estado é também uma característica do Realismo Político, e
não apenas da Geopolítica. Ocorre também que a visão geopolítica estadocentrista (e também do Realismo) é fato
na história das nações socialistas.
13 Haushofer viveu um momento atribulado da história, inclusive com consequências fatais. Seu filho, Albrecht
Haushofer, também um geopolítico, foi assassinado pela polícia secreta nazista (a Schutzstaffel – SS, ou
“Esquadrão de Proteção") em abril de 1945. O próprio Haushofer (pai) cometeu suicídio, junto com sua esposa,
em março de 1946 (O’LOUGHLIN, 1994). Seu papel no desenvolvimento de ideias que fomentaram o nazismo
ainda é objeto de revisão (NATTER, 2003). Haushofer retoma o conceito ratzeliano de Lebensraum (espaço vital)
e as ideias darwinistas, aplicando-os ao contexto alemão pós 1ª GM. O Zeitschrift für Geopolitik (Jornal de
Geopolítica), por ele editado, colaborou com a difusão de seu conceito de geopolítica: “Geopolítica é a ciência do
condicionamento do processo político pela terra. É baseada na ampla fundação da geografia, especialmente a
geografia política, como a ciência dos organismos políticos espaciais e suas estruturas” (O’LOUGHLIN, 1994, p.
112). O jornal publicou artigos entre 1924 e 1944. No período inicial, de 1924 a 1931, foi caracterizado por uma
crítica alemã veemente ao Tratado de Versalhes, que teria espoliado o território germânico em decorrência da
derrota na 1ª GM. Essa crítica foi a base para o pensamento expansionista de Haushofer, inclusive “a propensão
em apoiar Hitler no objetivo de colocar a Alemanha em uma ordem internacional mais justa e menos humilhante,
um mundo justo” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 112).
14 O imperialismo que aqui se remete é aquele inaugurado no final do século XIX, ao qual Kearns (2009, p. 130)
se refere como um “novo imperialismo”, onde “os contemporâneos de Mackinder detectaram uma grande
intensidade de competição internacional”, caracterizada pela “corrida europeia para a África, adoção de tarifas
protecionista a partir de 1880 e pelo envolvimento militar dos EUA no exterior”.
29
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e dos Estados Unidos da América (EUA),
representado na forma de esferas de influência, enfrentamentos indiretos na periferia (o terceiro
mundo), a formação de estados-satélites e de pactos militares. Então, essa era uma geopolítica
que se alinhava à perspectiva realista e o principal teórico desse período foi o diplomata
estadunidense Henry Kissinger. Pelo lado soviético, ressaltava a Doutrina Brezhnev, cujo
principal resultado foi a chamada détente (relaxamento, distensão, acomodação)15. Para
O’Louglhin (1994, p. 63), a détente foi uma “acomodação por parte das superpotências para
evitar um conflito”.
Com a desintegração da URSS, dois anos após da queda do Muro de Berlim (1989),
catalisada pelos movimentos da perestroika (reestruturação) e da glasnost (abertura), durante o
governo de Mikhail Gorbachev (1988-1991), encerra-se a Guerra Fria. A geopolítica pós Guerra
Fria testemunha a adesão de dois novos temas à agenda de segurança internacional, porém ainda
sem modificar sua característica clássica: a hegemonia dos EUA (também denominada Nova
Ordem Mundial) e as questões relativas ao meio ambiente.
O realismo e a geopolítica passam a conviver com a situação de hegemonia dos
EUA, a superpotência absoluta16. Essa situação, contudo, trouxe rancores latentes, dos estados
falidos do terceiro mundo. Subjugados economicamente, os fatores culturais e religiosos
15 Henry Kissinger é considerado o responsável pela retomada da geopolítica como um tema de interesse no debate
político à partir dos anos 1960 (AGNEW, MITCHELL e Ó TUATHAIL, 2003) (BLACKSELL, 2006) (COX,
LOW e ROBINSON, 2008). Diretamente ligado às administrações dos presidentes norte-americanos Richard
Nixon e Gerald Ford, a percepção geopolítica de Kissinger sobre a expansão soviética, em especial na Ásia, balizou
o seu discurso em torno de um equilíbrio de poder. Kissinger exerceu, ainda, grande influência no relacionamento
dos EUA com a China. Na obra Sobre a China (Editora Objetiva, 2011), Kissinger relata uma série de iniciativas
das quais participou durante o período dos principais governantes chineses, dentre eles Mao Zedong (com o
ministro Zhou Enlai), Deng Xiaoping e Jiang Zemin. Grande parte do período ativo de Kissinger na política
internacional coincide com o governo de Leonid Brezhnev na URSS. A Doutrina Brezhnev revelava a mesma
preocupação, por parte dos soviéticos, em relação aos desdobramentos da Guerra Fria, porém sobre outro ponto
de vista. Cohen (2015, p. 30) descreve a Doutrina Brezhnev como a ideia que “sustenta a existência de forças
militares para a manutenção de estados socialistas na Europa central e Oeste dentro da esfera de influência
soviética”. Segundo Ó Thuatail (2003), a invasão da Tchecoslováquia, em agosto de 1968, seria a primeira
demonstração concreta dessa Doutrina. A publicação da Doutrina no jornal soviético Pravda, nesse mesmo ano,
deixava bem claro que “A soberania individual de nações socialistas não pode se opor aos interesses do mundo
socialista e ao movimento revolucionário mundial” (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003, p. 74). No
entendimento de Erickson (1999), essa doutrina via na estabilidade interna e na garantia de um espaço periférico
seguro como substância da força geopolítica soviética. Na prática, ambas as superpotências viam a questão da
expansão da influência nas periferias, por parte do adversário, como algo preocupante.
16 Francis Fukuyama chegou a cogitar o fim da história, quando questionou a existência de alternativas à
democracia liberal em face da falência do comunismo, indagando se no “processo histórico haveria alternativa às
contradições [do atual sistema] que pudessem produzir um novo sistema de elevada ordem” (FUKUYAMA, 1992,
p. 136).
30
ganham relevância como alternativa de resistência17.
No que tange ao meio ambiente, a geopolítica recebe novos temas, porém ainda
sem se distanciar de seus pressupostos básicos. Questões como poluição, urbanização,
aquecimento global, deterioração da camada de ozônio, derretimento das calotas polares e
alterações climáticas são incorporadas à essa abordagem. Personagens da política e acadêmicos
influentes, muitas vezes com agendas políticas de suas nações de origem, contribuem para a
difusão desse tema ambiental18. Tanto a hegemonia norte-americana como o meio ambiente, na
esteira do fenômeno da globalização, despertam a atenção dos teóricos para a questão das
redes19. A geopolítica, da escala estatal, passa a conviver com escalas continentais, globais, ou
mesmo alhures à escala planetária20.
17 Possivelmente, a maior expressão dessa afirmação seja o Consenso de Washington. Segundo Sandroni (1999,
p. 123) o consenso consistiu de “recomendações dos países desenvolvidos para que os demais, especialmente
aqueles em desenvolvimento, adotassem políticas de abertura de seus mercados e o Estado Mínimo”, que porém,
“no plano social [tiveram] consequências desalentadoras: um misto de desemprego, recessão e baixos salários,
conjugado com um crescimento econômico insuficiente”. Samuel Huntington (1996, p. 28) propôs que valores
político-culturais passassem a ter proeminência na geopolítica, afirmando que a “rivalidade entre as superpotências
será substituída pelo choque das civilizações”. A ideia é a de que os valores civilizacionais passam a ser mais
importantes que os fatores econômicos e ideológicos, sem desconsiderar a dimensão centrada no Estado. Ó
Tuathail e Dalby (1998, p. 99), veem incorporar-se à geopolítica o fator geocultural.
18 Um desses personagens foi Albert Arnold "Al" Gore Jr., jornalista, ecologista e político norte-americano, vice-
presidente durante a administração de Bill Clinton, entre 1993 e 2001. A iniciativa estratégica de Al Gore sobre o
meio ambiente vem ao encontro das ideias de Robert D. Kaplan. Scholvin (2016, p. 16) entende que Kaplan
“estaria mais associado à geopolítica clássica”, e que seu livro A Vingança da Geografia dá um grande valor à
realidade física, inclusive citando o autor: Pensar geopoliticamente significa reconhecer “a flagrante,
desconfortável, e determinística verdade – aquela da geografia”. Problemas como aquele que Kaplan apontou
(escassez de alimentos, doenças como o HIV/AIDS), surgem também em Thomas Homer-Dixon (escassez
ambiental) e Michael Renner (segurança ambiental) (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003).
19 Ratzel já falava do caráter estratégico de uma geografia de redes unindo a capital até as fronteiras. Mário
Travassos (1942) e Golbery do Couto e Silva (1967), no âmbito nacional, de igual forma. Há que se recordar que
em 1914 o mundo já estava interligado por uma rede global de cabos submarinos que partiam de Londres. No
contexto da discussão sobre redes, está a contribuição mais recente de Paul Virilio, que apesar de arquiteto e
urbanista ligado às questões da cidade, entende que a geografia assume uma nova realidade. Deixa de ser uma
realidade de mensuração do espaço para um relação espaço-tempo, transformada que foi pela velocidade: é a
“geografia do tempo” (VIRILIO, 1984, p. 17). Para o autor, a geopolítica passa a ser uma “cronopolítica”. Outro
autor que contribui no tema redes é Manuel Castells (2004).
20 Raymond Aron (2002) aponta que a agenda internacional se forma a partir das relações político-diplomáticas
das grandes potências entre si e destas com os demais países: defesa dos Direitos Humanos, combate ao
narcotráfico, combate ao terrorismo internacional e questão ambiental (mudanças climáticas e preservação das
florestas). Iniciativas internacionais de desenvolvimento sustentável buscam equalizar os problemas do meio
ambiente, incentivando os estados a perseguir políticas que estabeleçam um equilíbrio entre o crescimento
econômico, a proteção ambiental e a redução das desigualdades sociais. Um exemplo de organismo internacional
que defende as ideias de uma geopolítica ambiental é a Assembleia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente. A
United Nations Environmental Assembly é o órgão deliberativo internacional, de mais alto nível, sobre assuntos
ligados ao meio ambiente. Sua origem pode ser traçada às conferências sobre clima, em Estocolmo – 1972 e no
Rio de Janeiro – 1992 (conhecida como Rio + 20). Para maiores informações consultar o sítio da internet
(https://web.unep.org/environmentassembly/un-environment-assembly-and-governing-council). Essas iniciativas
têm se valido de estudos científicos que apontam para os problemas ambientais, cujas origens, dimensão e impactos
são globais. O Protocolo de Kyoto, um tratado internacional sobre a redução de emissão de gases poluentes que
estariam afetando o clima mundial, talvez seja o instrumento mais contundente de divulgação e de debate em torno
desses estudos.
31
A abordagem clássica da geopolítica, desse modo, a par das agregações temáticas
que vem sofrendo ao longo do tempo, ainda mantém caracteres da sua concepção original.
Dentre eles destacam-se o caráter estatal (interestatal ou supraestatal) que se expressa no
exercício de poder. No espaço vital ratzeliano (estado, planeta ou além), onde se exerce
influência ou se conquista mercados (recursos naturais), está a essência da política aplicada à
geografia. Enfim, compreender até que ponto localização, situação, posição, dimensão e tantos
outros identificadores geográficos determinam o sucesso/insucesso dos Estados continua como
função principal da geopolítica clássica21.
Entre as décadas de 1980 e 90, surge em paralelo um movimento de oposição à
geopolítica clássica que seria conhecido como geopolítica crítica22. Esta entende a geopolítica
como um discurso declarativo, que impõe uma realidade e, por conseguinte, transforma-se em
política. O discurso geopolítico geralmente estaria associado a visões pretensamente isentas ou
neutras (denominadas “visão de deus” ou “visão de lugar algum”), cujas aparentes objetividade
e neutralidade seriam, na verdade, posições construídas a partir de determinados interesses (Ó
TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003). A partir desse ponto de vista, a geopolítica se
identificaria a uma ferramenta – estatal ou corporativa – de transformação de informação em
conhecimento, cujo viés de realidade seria construído de uma forma intencional. Em
contraposição, a geopolítica crítica teria por propósito o questionamento dessa construção
político-ideológica que organiza o mundo, desconstruindo seu discurso pretensamente
natural23.
Em suma, também conhecida como Antigeopolítica, a geopolítica crítica se
caracteriza por leituras críticas ao discurso geopolítico tradicional, uma forma de resistência ao
enunciado original. Da forma como entende Routledge (2003, p. 236), como o “conhecimento
21 A questão quanto à geografia física determinar a condição política merece um comentário. O determinismo é
uma questão complexa. O’Loughlin (1994, p. ix), aponta que a origem desse determinismo ambiental estaria nos
gregos que entendiam que o “lugar determinava as características e atitudes das pessoas que lá residiam”. Costa
(2016, p. 21), prefere entender o conceito como “determinismo territorial”, cujo “pressuposto não [seria] apenas o
quadro natural e a dimensão absoluta do território, mas principalmente a relação entre potencialidades, isto é,
espaço, posição, virtualidade e coesão organizada”. A visão de que Ratzel teria sido o pioneiro na difusão da ideia
do determinismo parece, hoje, ser superada. Moraes (2005, p. 20), por exemplo, considera que o determinismo, ou
a “escola determinista, empobreceu as formulações de Ratzel [sobre a influência do meio sobre o homem], levando
a afirmações como ‘as condições naturais determinam a História’ ou ‘o homem é um produto do meio’. Por outro
lado, Semple (1911), que foi uma intérprete de Ratzel, via uma crescente dependência do homem em relação à
natureza.
22 Haverluk, Beauchemin e Mueller (2014) consideram como subcampos da geopolítica crítica: a antigeopolítica,
a geopolítica popular, a geopolítica formal e a geopolítica feminista.
23 Para Moisio (2015, p. 223), a geopolítica crítica emergiu “como parte da guinada das ciências sociais e da
geografia humana na direção cultural, linguística e construtivista [que] destacou o papel de agências e da
constituição da linguagem na prática geopolítica, e conceitua a geopolítica como práticas espaciais culturalmente
incorporadas - tanto representacionais quanto materiais - das leis e da atuação do estado”.
32
geopolítico tende a ser construído a partir de posições e localizações de poder e privilégio
político, econômico e cultural”, daí poder ser contestado. A Antigeopolítica é em realidade
originária da geopolítica crítica, e até certo ponto com ela se confunde24. De fato, é na obra de
Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE (2003) que o termo é, pela primeira vez, conceituado
na literatura geopolítica. Tanto a antigeopolítica como a geopolítica crítica incorporam o
movimento da New Geopolitics (Nova Geopolítica)25. A New Geopolitics tem na figura de Yves
Lacoste seu mais conhecido precursor26. Ó Tuathail (1996, p. 128) considera que o trabalho do
geopolítico francês tem por diferencial uma “apreciação da geografia como uma linguagem e
forma de poder e conhecimento”27.
Concluindo o quadro teórico utilizado na pesquisa, por meio da distinção entre
geopolítica de geografia política, espera-se conduzir o leitor para a dimensão epistemológica
que será utilizada na Tese, além de uma definição de geopolítica que possa ser operacional no
escopo desta pesquisa.
Everardo Backheuser (1942, p. 32) discutiu questões epistemológicas em torno dos
conceitos de geografia política e de geopolítica, analisando os postulados de Kjellén, Haushofer
(geopolítica) e Ratzel (geografia política), chegando à conclusão que “a diferenciação é de fato
filosófica”. Mais recentemente, Eduardo Karol, propõe a existência de uma unidade entre
Geografia Política e Geopolítica. Karol (2014, p. 217) destaca que a dicotomia Geografia
Política/Geopolítica “está superada”, em consequência, acredita que seria melhor “retornar à
expressão Geografia Política-Geopolítica” por se tratar de uma coisa só28.
24 Convém apontar que a Geografia Política Crítica tem por meta a desconstrução das relações de poder, mas parte
de uma perspectiva utópica que seria a perspectiva de construção de uma sociedade organizada sem relações de
poder.
25 A New Geopolitics (Nova Geopolítica), segundo O’Loughlin (1994, p. 174), pode ser entendida a partir de duas
versões: a primeira, associada à antigeopolítica, também conhecida como geopolítica crítica; a segunda,
representada pelo geógrafo Yves Lacoste, cujo foco seria “não relegar a geopolítica a estrategistas e outros, que
clamam serem os detentores desse saber”. O’Loughlin ainda vislumbra a emergência de uma terceira versão: a
mudança do foco político-militar para o econômico. O foco da New Geopolitics (da geopolítica crítica ou da
antigeopolítica) está na superação do discurso de suporte às geopolíticas estatais para uma crítica a esse discurso.
26 O’ Loughlin (1994) aponta para pesquisas da Nova Geopolítica ainda em autores como John Agnew, Stuart
Corbridge, R. Grant, Sven Holdar e Gearóid Ó Tuathail. Do ponto de vista do autor da Tese também se incorporam
a esse grupo o próprio John O’Loughlin, Klaus Dodds, Simon Dalby e Paul Routledge.
27 Um cuidado especial é o de não se confundir a crítica que se faz a uma pretensa Geopolítica Imperialista com a
geopolítica pura. Veja-se, por exemplo, que Mackinder é utilizado hoje pelos russos na teoria do Eurasianismo,
enquanto Mahan influenciou a organização do poder naval por diversas nações do mundo. A confusão desses
autores críticos está em tratar as teorias geopolíticas como sinônimo de práticas geoestratégicas dos Estados. Assim
procedendo, esvaziam de qualquer conteúdo científico os estudos geopolíticos que não lhes agradam. Sempre é
necessário buscar as verdadeiras intenções do discurso da geopolítica crítica. Por exemplo, Lacoste condenou o
colonialismo francês ou os testes nucleares franceses com a mesma veemência que criticou a presença americana
no Vietnã?
28 Karol critica as visões de Raja Gabaglia e de Miyamoto (que imputam à geografia política um caráter estático
enquanto à geopolítica, um dinamismo), buscando considerar ambas “um campo único da geografia” (KAROL,
2014, p. 40).
33
De fato, há uma grande confluência entre a geografia política e a geopolítica. A
Politische Geographie, de Friedrich Ratzel, é uma obra ora compreendida como precursora da
geografia política, ora da geopolítica (COSTA, 2016). Na leitura de autores como Moodie
(1965), Muir (1997), Agnew (2002), Agnew, Mitchell e Ó Tuathail (2003), Jones, Jones e
Woods (2004), Flint (2006), Karol (2014) e Costa (2016), apenas para citar alguns, encontramos
repetidamente confluências e distinções entre geopolítica e geografia política29. Hartshorne
(1960, p. 53), por exemplo, entende a geopolítica como “campo de estudo associado à geografia
política e que pode ser considerado uma geografia política aplicada”.
Carvalho e Castro (1956, p. 390) discutiram essa problemática e concordaram com
a conclusão de Richard Henning30: “A geografia política é um instantâneo fotográfico do
momento temporal em circunstância especial determinada, enquanto a geopolítica, é a fita
cinematográfica do mesmo processo geral”. Miyamoto (1995) é um autor que concorda com
essa visão de dinamismo associado à geopolítica (representada em movimentos ou em
perspectiva temporal sucessiva) e da visão estática, característica da geografia política
(aposição de fatos ou descrição de fatores).
Em nosso entendimento, geopolítica e geografia política são campos científicos que
se entrecruzam, por vezes, bastante próximos e, por vezes, muito distantes, em função de
características que Bordieu (2004, p. 23) identificou nos campos científicos como “locais de
publicação, escolhas sobre objetos, pontos de vista, e o que comanda as intervenções
científicas”. Esses fatores permitem caracterizar o que é próprio do trabalho de geografia
29 Mesmo Iná de Castro, que percebe como clara a separação entre a geografia política e a geopolítica, ainda
concorda com algumas semelhanças, tais como a questão da escala. Apesar da escala estar fortemente associada à
geopolítica, em especial na questão estatal, Castro (2005, p. 40) compreende que na geografia política a questão
da escala também é relevante pois “os fenômenos globais, regionais e locais definem recortes significativos para
a análise em geografia política”. Observe-se que não se trata da consideração do Estado em seu território, mas dos
fenômenos, em suas amplas escalas e a medida pela qual interferem na sociedade. Tanto é que a autora define
muito bem o foco desses estudos quando diz que “na relação entre a política – expressão e modo de controle dos
conflitos sociais – e o território – base material e simbólica da sociedade – que se encontram os temas e questões
do campo da geografia política” (CASTRO, 2005, p. 41). Interessante notar que apesar de discorrer sobre território,
política, poder, estado e conflitos globais, a autora apenas referencia a palavra geopolítica no glossário da obra,
tratando desse campo como algo voltado à política de estado e ao poder militar.
30 Segundo Dodds e Atkinson (2000, p. 160), “Richard Henning e Leo Korholz, no final dos anos 1930, publicaram
a obra Einführung in die Geopolitik, que teria sido traduzida no espanhol com o título Introduction a la Geopolitica
(Introdução à Geopolítica), cuja influência foi notada em escolas militares da Argentina”. Apesar da ausência de
referências na obra de Delgado de Carvalho e Terezinha de Castro, supõe-se que esses autores tiveram acesso à
obra em espanhol, publicada em 1941.
34
política e aquilo que se trata de geopolítica31. Possivelmente, seria mais apropriado observar a
confluência entre geografia e ciência política, no caso da geografia política, e uma confluência
ampliada a outros campos científicos no caso da geopolítica.
Costa (2016, p. 18) reforça essa percepção de similitudes e distinções entre ambas.
Bases conceituais comuns e aumento do interesse pelos temas que são tratados no âmbito dessas
ciências estariam entre as principais semelhanças, ao passo que o “nível de engajamento com
os objetivos estratégicos nacionais-estatais”, seria a principal diferença entre ambas. Talvez
fosse apropriado posicionar que a visão do Estado, enquanto responsável por políticas públicas
de corte territorial (por mais extenso e multidimensional que seja) e pelo desenvolvimento de
estratégias afetas ao poder, é mais próxima da geopolítica. Como reforço a esse argumento,
costumeiramente se percebe a relação entre geopolítica e geoestratégia no âmbito das
discussões em torno das ações estatais32.
No Dictionary of Geopolitics (Dicionário de Geopolítica), O’Loughlin (1994), no
verbete geografia política, destaca o esforço anglófono na distinção desta com a geopolítica.
Sugere que há esforços em definir a geografia política como um campo mais objetivo, como
ciência, enquanto a geopolítica estaria associada a um subjetivismo ou mesmo ideologia.
Apesar disso, há aqueles que tentam inserir a geopolítica como um subcampo da geografia
política, e aqueles que duvidam que mesmo esta última seja totalmente isenta de
subjetividade33.
Sánchez (1992) defende a ideia de que a geopolítica é mais abrangente que a
geografia política, o que justificaria a ideia da confluência ampliada a outros campos científicos.
Segundo Costa (2016), a diferença entre geografia política e geopolítica pode ser observado
naquilo que denomina nível de engajamento do estudo. No caso da geografia política, o
engajamento é de escala menor do que no caso da geopolítica, cujo nível de engajamento
geralmente tem impacto estatal ou supraestatal (internacional, global ou além). Uma outra
31 Referimo-nos à distinção observada em publicações científicas, nomes de associações acadêmicas e seus
respectivos encontros, a seleção de objetos, no caso da geopolítica, geralmente associados a formulações de
políticas públicas no âmbito estatal ou à questão de contenciosos entre Estados-nação, ou a projetos acadêmicos
que tratam de assuntos eminentemente estatais. Para uma observação mais aprofundada desse assunto, sugere-se
Karol (2014) é um autor que analisa as questões em torno dos círculos científicos, donde se pode obter uma visão
mais detalhada sobre os espaços de atuação acadêmica da geografia política e da geopolítica.
32 Correia (2012, p. 238) entende que a geopolítica “projeta o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na
atividade política”, ao passo que a geoestratégia “projeta o conhecimento geográfico na atividade estratégica”.
O’Loughlin (1994, p. 98) conceitua geoestratégia como o “estudo da distribuição espacial dos poderes terrestre,
marítimo e aéreo e a relação desses com o fenômeno geográfico”. Essa última definição está coerente com o que
propõe Teixeira Jr. (2017).
33 Há que se considerar que o Estado (e o sistema internacional) é concreto, assim como as questões a ele
relacionadas.
35
diferença pode ser observada na obra Geografia Política (1992), na qual Sánchez empresta à
geografia política um caráter de ciência dos fundamentos, dos conceitos e das teorias, ao passo
que para a geopolítica visualiza um caráter de aplicação ou de prática34.
Nesse ponto, vale destacar que a categoria de análise território, a ser utilizada no
decorrer da Tese, adquire renovada importância. A “geografia política trata das relações entre
os grupos humanos organizados e o espaço ou território que eles ocupam” (CARVALHO e
CASTRO, 1956, p. 382), o que reforça a visão de um estado estéril. Exatamente o oposto pode
ser identificado na proposição de Mattos (1977, p. 67), que entende o estado como “uma
realidade palpável, viva e exigente. Esta realidade são as servidões emanantes do seu território,
de seu povo e de suas instituições políticas e jurídicas”. Ou seja, o território de um Estado é que
se transforma em objeto primordial da geopolítica, algo que Kjellén pioneiramente já havia
apontado quando definiu esse campo como “o estudo dos fenômenos políticos influenciados
pelo solo. É portanto a geografia aliada à política” (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 387),
ou ainda, como objeto não no sentido meramente geográfico, mas como “organização política”
(BACKHEUSER, 1952, p. 34). Na análise da variável ideologia isso será amplamente
discutido.
Apesar da constatação que há posições diversas entre geografia política e
geopolítica, poderíamos concluir que a geografia política trata de relações humanas em
determinado território, e a geopolítica trata do discurso do Estado em função das características
geográficas do território35. Isso não impede que os métodos, os fundamentos teóricos e as
categorias de aproximação do objeto sejam utilizados de forma semelhante em ambos os
campos. Além dessa síntese, o que realmente se necessita é estabelecer conceitos que sejam
operacionais no contexto da Tese. Assim é que por meio da Figura 1, busca-se situar o conceito
de geografia política na interseção ou confluência entre a geografia e a ciência política.
34 Interessante notar que no caso do ambiente aeroespacial foi identificada a seguinte realidade, que será apontada
ao longo do trabalho. No espaço aéreo, existem estudos que podem ser considerados como estudos de geografia
política, tais como aqueles que tratam da questão mercadológica do transporte aéreo, da importância local ou
regional dos aeroportos. Entretanto, parece predominar nesse campo estudos geopolíticos, tais como aqueles
relacionados à geopolítica do transporte aéreo como uma questão de interesse nacional, ou aqueles associadas ao
poder aéreo no âmbito de conflitos interestatais. No caso do espaço exterior, há predominância absoluta de estudos
geopolíticos.
35 Ratzel já falava da relação solo – povo – Estado. Sob outro ponto de vista, portanto, poderia ser mais adequado
falar em uma Geopolítica dos Estados e uma Geopolítica dos Movimentos Sociais (ativismo de Organizações Não
Governamentais – ONG, sindicatos etc.).
36
Figura 1 – Geografia Política
Fonte: o Autor, 2019.
Contudo, como se propõe um estudo de geopolítica aeroespacial, exige-se uma
definição mais abrangente, algo que Costa (2016) alertou em sua obra. Em nosso entendimento,
a geopolítica precisa extrapolar a mera interseção da geografia com a ciência política36. Ela
demanda o suporte de outros campos de estudo, dentre eles a História, as Relações
Internacionais e o Poder Aeroespacial (onde se incluem elementos das Ciências Aeronáuticas e
da Astronomia). A Figura 2 busca representar a dimensão epistemológica da Tese, cujo enfoque
principal é permitir aos estudos ou análises geopolíticas, particularmente à geopolítica
aeroespacial, a confluência de conhecimentos oriundos de outros campos científicos, seja na
apropriação de conceitos e teorias, seja nos métodos37.
36 Senhoras (2015, p. 56) propõe uma Geografia das relações Internacionais, como um novo campo epistemológico
da geografia, suficiente para considerar “novas práticas espaciais no âmbito internacional e novos atores na
transformação do capitalismo mundial, [em] um estudo geográfico aberto e plural [que] adquire lugar estratégico
para repensar uma teoria espacial nas relações internacionais por meio de novas categorias analíticas”.
37 Gomes da Costa (2018) propõe uma figura que identificaria o tema geopolítico, na qual a expressão geográfica
seria um círculo de maior raio, e abrangendo três círculos secantes, o da política, o econômico e o militar, cuja
interseção apontaria o assunto geopolítico por natureza.
37
Figura 2 – Geopolítica
Fonte: o Autor, 2019.
O modelo contemplado na Figura 2 não é fechado, pois a confluência de outras
ciências demandará agregar às esferas representadas na figura outras áreas do conhecimento
(economia, tecnologia, cultura etc.), em função do objeto analisado. Nesse modelo, diversas
definições de geopolítica poderiam ser adequadas: como uma análise da distribuição do poder
no mundo; como análise das formas de governo em seus condicionantes da geografia física;
como aplicação de teorias e métodos de análises geográficas na política em nível global; e até
mesmo, como análise de discursos imanentes de Estados ou grandes corporações.
A se concluir, então, o quadro teórico que fundamenta a Tese, nada melhor que
recorrermos à uma definição de geopolítica de um pensador nacional, à qual agregaremos
dimensões que não comprometem o âmago da definição. Carlos de Meira Mattos (2002, p. 29)
definiu Geopolítica como a “aplicação da política aos espaços geográficos, sob a inspiração da
História”, e que estendemos ao caso da geopolítica aeroespacial ou da influência do poder
aeroespacial no contexto das relações internacionais.
A partir dessas inferências, é possível se chegar a um entendimento inicial sobre
um conceito de geopolítica. Esse conceito tem uma finalidade operacional, ou seja, tornar-se
ferramenta metodológica para a construção das análises que são empreendidas na pesquisa. A
geopolítica que aqui se elabora é um instrumento multidisciplinar que busca apontar a melhor
forma do Estado desenvolver políticas públicas, a partir da análise da relação entre elementos
de natureza geográfica com fatores históricos, políticos, econômicos, tecnológicos e/ou
38
ideológicos. Essa proposta de instrumento analítico encerra o quadro teórico e permite
esclarecer a metodologia utilizada na pesquisa.
A pesquisa se desenvolve em três etapas metodológicas: a) a caracterização
geográfica do ambiente aeroespacial; b) a contextualização geopolítica do objeto de estudo; e
c) a elaboração de cenários preditivos sobre a Geopolítica Aeroespacial no Brasil.
A primeira etapa, aquela que trata da geografização do objeto de pesquisa, se
conduz a partir de um extenso levantamento bibliográfico e coleta de evidências sobre a
morfologia, geometria, cartografia e legislação nacional e internacional, no âmbito das ciências
aeronáuticas e da astronomia, que tratam da configuração espacial tanto do espaço aéreo como
do espaço exterior. Nessa etapa metodológica busca-se apontar que espaço aéreo e espaço
exterior podem ser compreendidos como um emaranhado sistêmico, configurando uma rede.
Optou-se por segmentar essa porção do objeto, a fim de se obter uma melhor compreensão
geográfica e como forma de definir o recorte temático proposto na pesquisa. A investigação da
substância geográfica contida na cartografia aeronáutica ou nos diferentes tipos de órbitas, por
exemplo, destaca-se como um recurso metodológico adotado na pesquisa. Assim, a
caracterização de uma geografia do ambiente aeroespacial se obtém com o suporte de conceitos
e categorias geográficas, cujo produto foi um construto teórico-empírico representado por um
esquema-síntese. Por meio deste, propõem-se conjugar os elementos analisados em uma
estrutura conjugada representativa do ambiente aeroespacial.
Da caracterização geográfica, a tese prossegue com uma abordagem geopolítica
sistêmica (DUSSOUY, 2010) do objeto de pesquisa. Nessa segunda etapa a pesquisa dirige-se
para a contextualização do ambiente aeroespacial como um espaço geopolítico. Isso ocorre por
meio da coleta e análise de evidências, fruto da pesquisa bibliográfica, que inclui referências
clássicas, documentos, estatísticas e relatórios sobre a História do Poder Aéreo, a partir da qual
se levantam pontos como a perspectiva geográfica e a influência da aviação no fenômeno da
guerra. A partir da categoria de análise geográfica território, levantam-se apreciações sobre
poder, soberania e fronteiras. Ainda nesta etapa, recorre-se à eventos históricos e dados
estatísticos para caracterizar as tendências econômicas, tecnológicas e ideológicas no campo
aeroespacial. Essas apreciações servirão de fundamento para a formulação do conceito de
Geopolítica Aeroespacial.
A etapa final da pesquisa, que consolida o aspecto empírico-analítico presente em
uma geopolítica, formula cenários de cunho realista e idealista (e também uma versão híbrida)
sobre a geopolítica aeroespacial do/no Brasil. Com base no Art. 1º, inciso VII, da Resolução Nº
510, de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, da República Federativa do Brasil,
39
a presente pesquisa foi enquadrada como um aprofundamento teórico de situações que emergem
espontânea e contingencialmente na prática profissional, não revelando dados que identificam
os sujeitos da pesquisa. Por meio da consulta a pesquisadores e gestores brasileiros,
reconhecidos como experts na área aeroespacial, oriundos da Academia, de empresas privadas
ou de órgãos públicos, intenta-se analisar a forma como, mormente, agentes de políticas
públicas podem, a partir das conclusões obtidas no panorama elaborado, conduzir ações no
âmbito da geopolítica aeroespacial nacional. Tal etapa é conduzida mediante uma observação
direta extensiva (MARCONI e LAKATOS, 2010), com a utilização de questionário (Anexo B)
enviado ao participante da pesquisa. O uso dessa técnica de pesquisa adequou-se aos critérios
estabelecidos pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e, apesar
de se enquadrar no escopo de pesquisas elencadas na Resolução acima citada, contemplou um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Anexo A) que foi remetido e tomado
ciência por cada um dos respondentes, que aderiram às regras estipuladas no respectivo TCLE.
A distribuição do questionário aos experts foi precedida de pré-testagem do
instrumento de pesquisa, realizada com três voluntários que passaram por todo o processo
previsto para a etapa, inclusive favorecendo ajustes ao instrumento de pesquisa conforme os
conceitos de “fidedignidade, validade e operatividade” (MARCONI e LAKATOS, 2010, p.
211).
Nessa terceira etapa, que permitiu a elaboração de cenários, a expectativa foi de
conexão dos esforços de geografização e geopolitização, empreendidos nos dois primeiros
capítulos, com as percepções oriundas dos experts sobre a presença das variáveis de estudo na
geopolítica aeroespacial brasileira. Nesse sentido, o capítulo é um reforço das evidências
coletadas, aplicadas ao âmbito nacional, viabilizador da interligação das questões
epistemológicas com o viés empírico.
Metodologicamente, a pesquisa adota a abordagem hipotético-dedutivo (POPPER,
2008). Para tanto, conjectura-se uma hipótese de pesquisa que responde ao problema proposto,
conforme esquematizada anteriormente. Como existe a demanda de “falseabilidade da
hipótese”, o rigor que Popper (2008, p. 90-91) confere a esse procedimento, redunda no
estabelecimento de uma hipótese singular, que também pode ser expressa na forma de um
enunciado básico: O ambiente aeroespacial é um espaço geográfico formado pela conjugação
entre espaço aéreo e espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas (vide
esquema anterior). No enunciado está implícita a demanda de uma evolução da geopolítica
clássica (identificada anteriormente pela letra “A”) para a geopolítica aeroespacial (letra “B”),
e no trecho final consideram-se no bojo das relações as variáveis (q, r, s, t e u).
40
A organização dessa metodologia exige algumas considerações importantes.
Inicialmente, existem conhecimentos prévios (MARCONI e LAKATOS, 2010) ou condições
antecedentes (VAN EVERA, 1997) que são demandadas pela investigação (elementos básicos
da ciência geográfica, da política etc.), que se constituem em catalisadores do problema de
pesquisa. No caso do ambiente aeroespacial, o pressuposto de uma insuficiência temática da
geopolítica clássica e a demanda de expansão da geografia humana e física para essa dimensão
são condições iniciais que suscitam a elaboração do problema de pesquisa e, por conseguinte a
formulação da hipótese.
No método hipotético-dedutivo a hipótese é, antes de tudo, uma conjectura. Sendo
assim, propor a existência de uma geopolítica aeroespacial, onde o palco é um espaço
geográfico conjugado, demanda procedimentos de falseabilidade ou de testagem da hipótese, a
fim de se averiguar sua realidade. O teste da hipótese foi concebido na forma de observação de
evidências nos campos geográfico (q), político (r), econômico (s), tecnológico (t) e ideológico
(u), identificados como variáveis independentes no esquema de hipótese anteriormente descrito.
Assim, procedimentos de testagem por observação e coleta de evidências são centrais para a
comprovação de ilações lógicas que corroborem a hipótese como “se há uma geografia
aeroespacial, então é possível uma geopolítica aeroespacial” ou “se há fatos políticos no
ambiente aeroespacial, então é possível uma geopolítica aeroespacial” e assim sucessivamente
com as demais variáveis de estudo38.
Ainda sobre o método é importante se ressaltar uma outra componente. Aqui
destaca-se que a testagem é um procedimento de evidências, a partir de abordagem dedutiva
(VAN EVERA, 1997). Assim, a escolha seletiva de evidências busca representar, o mais
acuradamente possível, pela observação, predições inequivocamente dedutivas. Para tanto, os
passos de testagem procuraram, a partir da colocação da hipótese, rever expectativas sobre o
que se observar para a sua comprovação (ou o que se observa em sua negação), com a
exploração das evidências buscando apontar congruências (ou incongruências) em relação às
expectativas da hipótese. Nesse ponto, optou-se pelo que Van Evera (1997) descreve como
método da concordância, no qual variáveis com características gerais diferentes (geografia,
política, economia, tecnologia e ideologia) suscitam valores similares (as evidências) para a
testagem da hipótese. Nesse processo de testagem, as evidências das diferentes variáveis
38 As indagações de testagem poderiam ser apresentadas como raciocínios dedutivos dentro do método hipotético-
dedutivo: “Se há evidências de fatos econômicos no ambiente aeroespacial, há uma geopolítica aeroespacial”; “Se
há como se observar a influência da tecnologia no ambiente aeroespacial, há uma geopolítica aeroespacial”; e “Se
há um processo de ideologização do ambiente aeroespacial, há uma geopolítica aeroespacial”.
41
traduzem-se em resultados (dedução geral), causam determinadas respostas (testagem) e
demonstram a conexão com a hipótese (relação hipotético-dedutiva).
Por fim, faz-se necessário esclarecer que é possível se evidenciar alguns caracteres
de estudo de caso na investigação, mais especificamente quando consideremos que os testes de
falseabilidade, ou de predição das evidências, estejam alinhados com a ideia de tentativa de
explanação da hipótese de investigação. Entretanto, no sentido mais amplo do método, a
pesquisa não se detém na análise de uma situação, ou caso específico, o que melhor enquadraria
metodologicamente o trabalho em um investigação geohistórica, adiante discutida.
Como método de procedimento, a pesquisa, por envolver a epistemologia da
geografia/geopolítica, ao tratar do conceito de geopolítica aeroespacial, aproxima a história à
geografia39. Assim, pode-se falar em uma abordagem geohistórica, que já foi anteriormente
apontada por autores como Halford Mackinder, Therezinha de Castro e Meira Mattos, como
característica da geopolítica, e onde se apreciam as “condicionantes geográficas presentes na
gênese da formação sócio territorial analisada”40, assim como “formas de inserção [...] nas
estruturas internacionais de poder” (ALBUQUERQUE, 2011, p. 27), no caso o ambiente
aeroespacial.
A pesquisa, no que tange ao levantamento bibliográfico e coleta de evidências,
conduz-se sobre referências que podem ser agrupadas nos seguintes campos: a) Geografia:
obras de cunho teórico e epistemológico, inclusive no que tange à categoria território, e temas
como poder; b) Geopolítica: dicionários, obras clássicas e atuais, além de artigos científicos; c)
Geografia Política: essencialmente obras de cunho teórico que tratam de definições e conceitos;
d) História: aquelas obras relacionadas principalmente ao Poder Aéreo e à conquista do Espaço
Exterior; e) Ciências Aeronáuticas: publicações oficiais e legislação aeronáutica, dados
estatísticos; f) Astronomia e Astronáutica: dicionários e obras de iniciação aos estudos; e g)
Relações Internacionais: obras que destacam a questão jurídica e as escolas de pensamento.
A investigação recorre à documentação indireta, à pesquisa documental (arquivos
públicos, fontes estatísticas) e à pesquisa bibliográfica (bibliotecas, portais acadêmicos,
imprensa, meios audiovisuais, material cartográfico, publicações oficiais, dados de anuários).
39 Conforme interpreta Semple (1911, p. 43-44), Ratzel pensou na relação entre geografia e história na
Antropogeografia, o que levou a autora a concluir que “todo problema histórico deve ser estudado geograficamente
e todos os problemas geográficos devem ser estudados historicamente”.
40 Como condicionantes geográficas, nossa relação se dá nas variáveis de estudo apontadas (além do geográfico,
o político, o econômico, o tecnológico e o ideológico). Confirmando essa proposição, percebe-se que essas
variáveis, de alguma forma, são abrangidas em estudos da geografia política, geografia econômica, geografia dos
transportes e geografia cultural).
42
Privilegiam-se textos na Língua Portuguesa e Língua Inglesa, além da Língua Espanhola,
principalmente livros, artigos científicos e dados de relatórios. Em função do dinamismo
temático da área espacial, nesse caso também se recorre ao sítios da rede mundial de
computadores como fonte primária de informações, inclusive naqueles voltados às coberturas
jornalísticas41.
Apontam-se algumas limitações na investigação que podem ser agrupadas da
seguinte forma: a) acesso às informações; b) recorte temático; e c) procedimentos
metodológicos.
Quanto ao acesso às informações, considera-se que há limite na obtenção de dados
e indícios que em geral estão resguardados como sigilosos, sobretudo quanto se referem à
tecnologia aeroespacial, ou questões econômicas governamentais. Também nesse quadro, a
quantidade de experts consultados resulta num panorama que se restringe à compilação de
informações desses especialistas, em particular. Isso reduz o leque de possibilidades da análise.
Quanto ao recorte temático a primeira limitação que se observa é na caracterização
geográfica do espaço aéreo. Na pesquisa, trata-se apenas a geografia da aeronáutica brasileira.
Mesmo considerando que nos demais Estados essa caracterização pudesse ser semelhante,
ainda assim trata-se de limitação. Ela também pode ser percebida na segmentação do espaço
exterior. Não há possibilidade de a pesquisa estender o recorte para a completude do Cosmos,
como por exemplo a Marte (o que já seria um esforço adicional, apesar das consequentes
conclusões que poderiam ser obtidas)42. Assim, limita-se o espaço de análise ao recorte
definido.
Por fim, as limitações relativas à metodologia merecem menção pois impõem
condicionantes ao escopo da investigação. Em primeiro lugar, o recurso à pesquisa bibliográfica
restringe as conclusões ao universo literário acessado. Depois, a restrição de recursos
financeiros, haja vista a não disponibilidade de bolsa de estudos, que impediu o deslocamento
do pesquisador para complexos aeroespaciais fora do país, por conseguinte impondo um viés
eminentemente nacional na parte que trata dos cenários.
41 A Norma ABNT NBR 10520 Informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação não
especifica citações de sítios ou páginas da rede mundial de computadores, em especial na questão de indicação de
página. Por esse motivo, nesta Tese convencionou-se nas citações desse gênero não citar página, mesmo nas
citações diretas.
42 Existe debate internacional em torno de um esforço geopolítico entre as nações em desenvolver projeto comum
na colonização de Marte, inclusive suscitando a ideia de um acordo do tipo Bretton Woods para a exploração
espacial (DENISTON, 2018).
43
Consideradas as questões metodológicas, o estudo que se empreende visa auxiliar
na reflexão epistemológica da Geografia, por meio da inserção na discussão teórica de um novo
espaço geográfico que possa abranger essa original dimensão espacial, mas principalmente no
conceito de geopolítica aeroespacial. Nas pesquisas iniciais de exploração do tema, percebeu-
se uma lacuna na literatura acadêmica geográfica, sobretudo nacional, sobre a caracterização
do ambiente aeroespacial como elemento de debate acadêmico na Geopolítica. Isso permitirá a
ampliação do referencial epistemológico desse campo na direção do conceito de geopolítica
aeroespacial.
Em consequência, vislumbra-se no escopo das justificativas do trabalho, fruto de
uma visão pragmática do produto da pesquisa, que ele aponte para o seguinte:
a) Gere impacto epistemológico nos estudos geográficos;
b) Revele a dimensão teórica do conceito de ambiente aeroespacial;
c) Componha panorama sobre Geopolítica Aeroespacial suficiente para servir de
subsídio para a atualização das políticas públicas existentes no país;
d) Contribua na reflexão sobre o setor aeroespacial, em vieses doutrinários, legais
e como oportunidade geopolítica, no âmbito da Academia, das instituições públicas
(em especial àquelas ligadas à segurança e defesa) e em empresas privadas; e
e) Amplie o relacionamento entre a ciência geográfica, em especial a Geopolítica,
e os estudos estratégicos em áreas como Relações Internacionais e Defesa.
A partir dessas justificativas, pode-se perceber que a pesquisa trata de uma
contribuição efetiva ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da UFRN, pois
encerra questões sobre a geopolítica aeroespacial ligadas: à globalização de mercados; à
compreensão do espaço geográfico e de nosso tempo social; à ampliação do conhecimento
teórico sobre território em uma nova dimensão espacial, visto como território usado, território
como recurso, território de estados e de empresas; à aceleração do tempo, inerente às atividades
aeronáuticas e espaciais, onde o funcionamento dos sistemas tecnológicos é representativo de
uma geopolítica diferenciada; e onde se observa que o fenômeno político se materializa
territorialmente na forma de estruturas físicas e do campo normativo.
A Tese se estrutura em cinco elementos textuais. Na Introdução, na qual foi
apresentada a problemática, momento em que se contextualizou a oportunidade epistemológica
da Tese na forma de abordagens e temas (ou domínios), e ainda se formulou o problema de
pesquisa, delimitando-se o assunto tratado. Na sequência, elaborou-se a hipótese de pesquisa e
definiu-se sua formação a partir de conjecturas. Posteriormente, foram elencados o objetivo
geral e os seis objetivos específicos da investigação. O quadro teórico foi o elemento seguinte
44
desse capítulo, onde se introduziram questões conceituais que são pormenorizadas nos capítulos
seguintes e se lançou um conceito de Geopolítica Aeroespacial. Ainda na Introdução se
apresentou a metodologia de pesquisa, apontando suas etapas, os métodos de abordagem e de
procedimento, as técnicas utilizadas e as limitações da investigação. Por fim, foram
apresentadas as justificativas para o estudo.
Na segunda parte, trata-se da caracterização geográfica do ambiente aeroespacial.
Nela é levantada a questão do limite entre o espaço aéreo e o espaço exterior. Na continuidade,
aborda-se do espaço aéreo em termos de funcionalidade e localização, onde se identifica uma
geografia do espaço aéreo, que se configurou a partir da ideia de volume. Nesse segmento
discorrem-se temáticas que vêm se incorporando à essa geografia. O Capítulo versa sobre a
legislação, a geometria e a cartografia do espaço aéreo, apresentando exemplos que melhor
caracterizam a geografia do espaço aéreo. Passa-se, então, a analisar o espaço exterior, em
especial os segmentos da Terra, da Lua e das órbitas terrestres, onde há uma discussão sobre a
amplitude desse espaço geográfico. Por fim, o Capítulo sugere elementos da teoria geográfica,
tais como os sistemas ou redes de fixos e fluxos, que ajudam na elaboração de um esquema-
síntese do ambiente aeroespacial enquanto espaço geográfico conjugado.
O Capítulo seguinte discorre sobre a questão da geopolitização do ambiente
aeroespacial. Inicia-se com a constatação de uma nova perspectiva geográfica proporcionada
pelo acesso à terceira dimensão. Em uma retrospectiva histórica, elenca fatos sobre a
importância da aviação em conflitos interestatais, dando margem ao surgimento da ideia de
guerra total. Essa nova forma de guerra é avaliada pelo prisma do poder aéreo, uma teoria que
se desenvolve após a Primeira Guerra Mundial (1ª GM) e se desdobra no que se chama de Poder
Aeroespacial. Na sequência, o Capítulo volta a atenção para os elementos, além daqueles
considerados históricos, que dão margem à geopolitização do ambiente aeroespacial. Assim,
aborda-se o conceito de território e a forma pela qual ele é compreendido na geopolítica
aeroespacial. Depois, o texto apresenta fatos e dados estatísticos que apontam para a influência
da economia e da tecnologia no contexto dessa geopolítica. Posteriormente, analisa-se a
influência da ideologia, do prestígio nacional e a relação do ambiente aeroespacial na segurança
dos Estados, a partir de uma perspectiva cultural. Finalizando esse capítulo, a Tese elabora o
conceito de Geopolítica Aeroespacial.
No quarto segmento dos elementos textuais, revelam-se as conclusões sobre os
panoramas realista e idealista (além de uma opção híbrida) da Geopolítica Aeroespacial no
Brasil. Para tanto, desenvolve amiúde o conceito de Poder Aeroespacial relacionando-o com
essa Geopolítica. Como se trata de Capítulo eminentemente empírico, que traz um viés de
45
aplicação da geopolítica a um determinado propósito, o texto esclarece os pormenores da
metodologia que foi utilizada nos questionários utilizados. Esse esforço se dá na definição do
entendimento de cenários prospectivos realizáveis, apontando o problema da geopolítica
aeroespacial, por meio de mapas que elucidam questões centrais, e apresentando o instrumento
de pesquisa empregado. Além disso, o Capítulo busca esclarecer as premissas de elaboração
dos cenários que tomaram por base as perspectivas realista e idealista da Teoria das Relações
Internacionais. Finalmente, o Capítulo aponta aqueles elementos, consoante com as opções ou
posturas realista e idealista (e híbrida), que despontaram na análise das respostas, sintetizando
as mesmas em um quadro conclusivo, propositivo de fatores a serem considerados em políticas
públicas para o setor aeroespacial brasileiro.
Considerando que a necessidade de conhecimento geográfico permeia a história,
iniciaremos revelando que essa demanda por conhecimento passou por uma grande expansão a
partir do século XV e, hoje, se projeta para além da superfície terrestre, naquilo que
convencionou-se denominar ambiente aeroespacial.
46
2 CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO AMBIENTE AEROESPACIAL
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram.
(CAMÕES, 2012, p. 17)
Na estrofe da epígrafe, a primeira da importante obra da literatura portuguesa e
universal “Os Lusíadas”, Luís Vaz de Camões relata a viagem de Vasco da Gama, navegador
lusitano, além do limite do mundo conhecido. Os versos de Camões foram publicados em 1572,
quando o Renascimento consolidava os avanços do período medieval e preparava a revolução
científica. Os estudos de Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e
Johannes Kepler (1571-1630), precursores de uma nova astronomia – e de uma “geografia” –
cujo objeto seria o Sistema Solar, desenvolveram a hipótese do Heliocentrismo, na qual o centro
do universo estaria próximo ao Sol e não da Terra. Copérnico, em seu livro De Revolutionibus
Orbium Coelestium (A Revolução dos Corpos Celestes), publicado em 1543, afirmava que a
“Terra era esférica” (COPERNICUS, 2008, p. 78)43. Em 1596, Kepler divulga o livro Cosmic
Mystery (O Mistério do Cosmos), no qual explica o seu modo de ver o Sistema Solar e, em
1610, Galileu elabora o Sidereus Nuncius (Mensageiro das Estrelas), relatando suas
observações telescópicas (SELLERS et al., 2003)44.
O fruto dessas proposições inovadoras foi a superação das crendices populares de
que o planeta seria uma superfície plana, com limites geográficos nesse planisfério, o que de
alguma forma influenciou e inspirou o caminho para as grandes explorações pelo mar. A Figura
3 demonstra o quão significativo eram essas crendices45. A imagem do Mare Tenebrosum ou
43 São Tomás de Aquino, na Summa Theologica, escrita no Século XIII, apontava conclusões de astrônomos e
físicos, porém sem referenciar quem seriam, sobre a esfericidade da Terra, como pode ser observado no Prima
Pars, livro “Sobre a Doutrina Sagrada”, Questão 1, Art. 1 e no Pars Prima Secundae (Ia IIae pars), livro “Tratado
dos Hábitos”, Questão 54, Art. 2 (AQUINO, 1273?).
44 Em verdade, a astronomia já era um conhecimento desenvolvido em civilizações da Antiguidade como os Maias
que, segundo Gendrop (1987, p. 20) “deveriam revelar-se como um dos povos mais bem dotados [nessa ciência]”.
45 As ilustrações (fotografias ou imagens) foram obtidas em sítios da rede mundial de computadores, e são
utilizadas nesta Tese, com indicação da fonte, com base no inciso VIII, do Art. 46, da Lei 9.610, de 19 de fevereiro
de 1998 (exclusivamente com propósito científico e acadêmico), e com base no princípio do fair use (uso justo),
que rege a utilização de imagens em trabalhos exclusivamente com propósitos de scolarship (desenvolvimento do
conhecimento acadêmico) e research (pesquisa), conforme a Lei do Copyright dos EUA
(https://www.copyright.gov/fair-use/more-info.html).
47
Mare Tenebrarum (Mar Tenebroso ou Mar da Escuridão)46, cujo leito abrigava monstros e,
além do alcance da visão, o destino era um abismo, ressalta o quanto que a dimensão social
dessa empreitada, uma verdadeira mudança de paradigma de representação, significou para a
civilização do Ocidente. Nas palavras de Paine (2013, p. 34), provavelmente inspirado em
Mackinder, caso tal movimento intelectual não houvesse ocorrido, provavelmente a Europa
Ocidental seria relegada a uma posição “marginalizada em sua esquina Eurasiana”.
Figura 3 – Mare Tenebrosum
Fonte: IMGUR, 2014.
Parece claro que essa mudança das representações sociais da época não teria
ocorrido não fosse o desenvolvimento das técnicas associadas à navegação oceânica, tais como
as caravelas, que permitiram o distanciamento das naus do litoral. Assim, tanto espanhóis
quanto portugueses, da época de Camões, atentos à essa evolução do conhecimento científico
e, certamente, voltados para desígnios políticos, econômicos, militares e ideológicos,
empreenderam viagens marítimas exploratórias que alteraram a compreensão da cartografia, da
topografia e da fisiografia do planeta e, enfim, do próprio conhecimento a respeito da geografia
física. As grandes navegações dos séculos XV e XVI demonstraram, empiricamente, dois
relevantes aspectos: as proposições dos estudiosos que se opunham à ideia da terra plana (ou
terraplanismo); e a possibilidade de navegações marítimas para além daquelas realizadas ao
46A imagem é uma pintura do artista contemporâneo Antar Dayal, uma representação simbólica do Mare
Tenebrosum.
48
longo das linhas costeiras. Não se pode minimizar os impactos sociais que essas viagens tiveram
ao expandir os horizontes geográficos, com a descoberta de novos recursos naturais, a fundação
de novos núcleos de colonização, o estímulo ao comércio e, especialmente no universo das
possibilidades geopolíticas que se abriram para os Estados europeus que se lançaram no
descobrimento de novas terras.
Para justificar essa afirmação seria suficiente lembrar fatos históricos como o
Tratado de Tordesilhas, que o geopolítico brasileiro Tosta (1984, p. 4) descreveu como “a obra
geopolítica prática de caráter mais global já realizada até a época presente”. A divisão do
“mundo” entre portugueses e espanhóis impulsionou a colonização da África e da América,
expandido o núcleo da civilização europeia e cristã como no trabalho desenvolvido pela
Companhia de Jesus (a Ordem dos Jesuítas), e em empreendimentos econômicos
metropolitanos, fundando uma verdadeira política de Estado em relação às colônias47. Outro
exemplo que sustenta o argumento de uma nova ordem geopolítica, como reflexo das
navegações, foi a escravidão dos negros africanos, cujos reflexos culturais, antropológicos,
sociais e econômicos impuseram uma dinâmica de relacionamento entre os continentes. Não é
por menos recordar que foi a Inglaterra a interferir no tráfico de escravos entre a África e o
Brasil, chegando mesmo a “reservar o direito de inspecionar, em alto-mar, navios [brasileiros]
suspeitos de comércio ilegal [de escravos]” (FAUSTO, 1995, p. 192). Por fim, há que se
registrar a opinião de autores sobre os efeitos das navegações ao situarem no mercantilismo a
gênese de um processo de globalização (STEARNS, 2010) e como um fator que alterou a “carta
do mundo” (TOYNBEE, 1961, p. 53), não somente no aspecto físico, mas também, e
principalmente, no aspecto humano. Enfim, as novas perspectivas cartográficas associadas a
uma nova visão de mundo configuram, juntas, uma mudança significativa na geografia
planetária.
Desde a primeira metade do século XX, impulsionada sobretudo pelas duas guerras
mundiais, a sociedade contemporânea vive uma dinâmica de exploração geográfica semelhante,
cujo foco de interesse desloca-se da dimensão do plano ou da superfície – terrestre ou marítima
– para a chamada terceira dimensão. A terceira dimensão, que usualmente é subdividida em
“espaço aéreo” e “espaço exterior”, passa a constituir-se também em espaço geopolítico
integrado48. Ainda de forma mais audaciosa, afirmamos que trata-se da formação de novos
47 Carlos de Meira Matos (2002) é outro autor ligado à Geopolítica que destaca a relevância do Tratado de
Tordesilhas para a geopolítica brasileira.
48 A ideia de que o espaço na análise geopolítica pode ser percebido de forma integral é defendida por Doboš
(2019, p. 2), ao propor “a terra, o mar, o ar, o espaço exterior e o ciberespaço como espaço estratégicos
interconectados”.
49
“espaços vitais”, na concepção do célebre geopolítico alemão Friedrich Ratzel, cuja noção de
“necessidade territorial de uma sociedade [decorreria de sua capacidade ou] equipamento
tecnológico, [da necessidade de novas áreas em função da expansão do] seu efetivo
demográfico e [da demanda por mais] recursos naturais” (MORAES, 1990, p. 23)49. Tal
necessidade de expansão de "espaços vitais" inspirou as navegações marítimas europeias e, de
igual forma, vem estimulando as navegações aeroespaciais.
Este capítulo da tese propõe discutir, do ponto de vista da ciência geográfica, o
conceito de ambiente aeroespacial – um termo que aglutina as palavras aéreo e espacial –,
como uma nova dimensão para esse campo de estudos científicos. A fim de melhor subsidiar
essa discussão, estruturou-se o capítulo em cinco segmentos. Inicialmente, será apresentada a
questão sobre os limites entre espaço aéreo, atmosfera terrestre e espaço exterior. Na sequência,
coube caracterizar geograficamente o espaço aéreo, estabelecendo um conceito baseado em sua
localização e funcionalidade. Posteriormente, tarefa semelhante de caracterização foi
implementada para o espaço exterior, porém com o foco no espaço terrestre e no espaço lunar,
a partir da identificação de elementos de configuração espacial e de estruturação. No quarto
segmento, com base nos aspectos levantados nas seções anteriores, a pesquisa direcionou-se
para uma abordagem teórica do objeto, dando ênfase às categorias analíticas que permitissem
compreendê-lo à luz da ciência geográfica. Nesse trecho, buscou-se o entendimento de Louis
Althusser em se evitar o empirismo, partindo da premissa que “somente se pode atingir o
conhecimento dos objetos reais-concretos ao mesmo tempo que se trabalha com objetos
formais-abstratos” (ALTHUSSER, 1978, p. 34). Essa simultaneidade proposta foi realizada
pela constante conexão das categorias com os elementos empíricos observados. Por fim, a
discussão buscou sintetizar as abordagens teóricas, destacando a conexão entre elas e atingindo
o objetivo de configurar o ambiente aeroespacial como um conjunto integrado (ou sistema), no
qual estariam presentes objetos e relações (SANTOS, 1997).
49 Apesar da obra de Moraes ser uma referência em Língua Portuguesa sobre o pensamento de Ratzel, a primeira
intérprete, em Língua Inglesa, do trabalho do geógrafo alemão foi a geógrafa norte-americana Ellen Churchill
Semple (1863-1932). Na obra Influences of Geographic Environment: On the Basis of Ratzel's System of Anthropo-
Geography (Influências do Ambiente Geográfico: Com base no Sistema Antropográfico de Ratzel), Semple, com
o aval do próprio Ratzel, conclui que a Antropogeografia é uma obra de difícil tradução e compreensão no idioma
original, o alemão. Por esse motivo, Semple propõe uma tradução que sirva para entendimento da mente anglo-
saxã, exemplificando as proposições de Ratzel com referências à realidade norte-americana. Além disso, com a
utilização desses exemplos, a geógrafa estadunidense, que inclusive foi a primeira mulher presidente da
Associação dos Geógrafos Americanos, aponta a necessidade de testar algumas das proposições de Ratzel, a fim
de clarificar as afirmações originais do autor alemão, pois nem todas as assertivas contidas na Antropogeografia
constituem “um sistema completo e bem proporcionado” (SEMPLE, 1911, p. 6). Na verdade, a tradução de Semple
extrapola o seu objetivo original e passa ser considerada uma obra de referência para a Geografia Humana, em
especial nos temas de antropogeografia e do determinismo ambiental.
50
Nos estudos geopolíticos, a caracterização geográfica de um determinado espaço é
um relevante fator de análise. Somente pelo conhecimento dos aspectos de configuração, de
morfologia, e de constituição de um domínio é que se obtém uma perspectiva correta sobre a
influência desse domínio nas ações de um Estado. No caso do ambiente aeroespacial, face sua
ausência nas reflexões epistemológicas dos estudos da ciência geográfica, tal empreendimento
é de natureza essencial.
2.1 O limite entre espaço aéreo e espaço exterior
Antes de adentrarmos na caracterização geográfica do ambiente aeroespacial é
necessário considerar a questão do limite entre espaço aéreo e espaço exterior, que aglutinados
formam o objeto dessa pesquisa.
O arcabouço jurídico internacional é incompleto quando se trata da delimitação
entre espaço aéreo e espaço exterior, inexistindo, até hoje, um dispositivo legal que contemple
esse assunto. No âmbito da regulamentação relativa ao espaço aéreo, cujo organismo
responsável é a Organização da Aviação Civil Internacional (International Civil Aviation
Organization – ICAO), não há, em convenções e regras de tráfego aéreo, um limite superior
definido para o espaço aéreo, como é o caso do principal documento regulatório, a Convention
on International Civil Aviation (Convenção de Aviação Civil Internacional), de 1944 (ICAO,
2006), também conhecida como Convenção de Chicago.
Quanto ao espaço exterior, o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do
Espaço Exterior (Committee on the Peaceful Uses of Outer Space – COPUOS), colegiado da
Organização das Nações Unidas (ONU) para o trato da regulamentação do uso do Espaço,
também não traz uma definição do ponto de transição entre atmosfera e espaço exterior. Tal
demanda já foi identificada em relatório de 2001, que apontou uma premente necessidade de
delimitação do espaço exterior, como forma de dar base legal às ações dos Estados (COPUOS,
2001). Na verdade, como aponta Gangale (2018, p. 4), a necessidade de definição de limites
“deriva de uma lógica oriunda da teoria política que vê o território estatal como ente demarcado
por bordas (linhas limítrofes) onde se exerce o controle e se provê a defesa”.
Em função dessa indefinição legal, abriu-se no âmbito acadêmico uma discussão
conceitual sobre essa delimitação do espaço exterior, especialmente nos trabalhos de autores
como Jerry Sellers et al. (2003), Gregory Vogt (2007) e Gangale (2018), cujas indagações sobre
“onde o espaço exterior começa” apontam diferentes opções de resposta. Sellers et al. (2003,
p. 73-74) consideram que a altura ideal seria de 130km como a distância limítrofe, pois ela
representa “a altitude onde um objeto em órbita permanecerá orbitando brevemente (somente
51
um ou dois dias em alguns casos) antes que as finas moléculas de ar na atmosfera superior o
arrastem de volta à Terra”. Vogt (2007) considera que as propostas de delimitação variam
conforme a área do conhecimento dos cientistas que tratam do assunto, sejam astrônomos,
físicos ou meteorologistas. Na concepção desse autor, o critério meteorológico é o ideal para
delimitar os domínios, e localizar a camada superior da mesosfera a cerca de 80km da superfície
seria o padrão ideal. Gangale (2018) propõe estruturar o espaço em três regiões: o espaço
exterior; o espaço aéreo; e o mesoespaço. O espaço aéreo seria região de soberania estatal,
enquanto o espaço exterior seria destinado ao bem comum. A novidade estaria no mesoespaço,
uma região situada entre 30 e 81Km acima da superfície, na qual se exerceria soberania apenas
na projeção do território nacional, restringindo o trânsito de objetos nesse espaço.
Possivelmente, essa zona de transição atuaria mais como uma região de fronteira no sentido de
área ou faixa e não de linha demarcatória.
Existem, portanto, variados critérios para se estabelecer a demarcação do limite
entre o espaço aéreo e o espaço exterior. Malagar e Magdoza-Malagar (1999) apresentam os
critérios de “controle efetivo do espaço aéreo”, “balanço gravitacional”, “exosfera”, “altitude
máxima do voo de aeronaves” ou “máxima altitude do perigeu de um satélite”. Bittencourt Neto
(2011) acrescenta a perspectiva jurídica à questão da delimitação, apresentando critérios de
“limites atmosféricos e capacidade de voo”, “menor perigeu de objetos espaciais”, “limite
gravitacional”, “mesoespaço”, “controle efetivo” ou “delimitação arbitrária”.
Apesar dessas nuances de abordagens, a maioria dos critérios plausíveis para se
estabelecer o limite entre espaço aéreo e espaço exterior recai em duas proposições: a espacial
e a funcional. As conclusões sobre delimitação entre espaço aéreo e espaço exterior de Everett
Dolman (2002) passam a fundamentar a presente tese justamente porque o autor discute a
questão sob esses dois prismas. Para o autor, a abordagem espacial sobre espaço exterior define
como seu início o ponto logo abaixo do ponto mais baixo no qual um objeto pode ser mantido
em órbita. Na perspectiva funcional, o limite estaria além da máxima altitude na qual o voo
aerodinâmico é possível (DOLMAN, 2002). Objetivamente, um padrão de referência de limite
52
aceitável é a Linha Kármán50, situada a 100Km da superfície, e reconhecida como um
referencial de delimitação dessas duas faixas.
Os dicionários especializados tratam da questão dos limites de forma semelhante.
No Elsevier’s Dictionary of Geography (Dicionário Elsevier de Geografia) (2007) existem
definições de espaço e de espaço aéreo. No primeiro caso, trata-se de uma “região que está
além do limite da atmosfera terrestre” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 679), que
atingiria a altitude de 100km. O outro verbete associa a definição a limites jurisdicionais
territoriais. O Diccionario Latinoamericano de Seguridad y Geopolítica (Dicionário Latino-
Americano de Segurança e Geopolítica) (2009) contempla definições para espaço aéreo e
espaço exterior, porém não estabelece o limite entre eles51.
Mesmo a divisão clássica da atmosfera terrestre em camadas comporta certa
ambiguidade à discussão. Da superfície terrestre até cerca de 6 a 20km temos a faixa
denominada troposfera. Acima dela, até cerca de 50km, está situada a estratosfera. A camada
seguinte, que se estende até cerca de 85km, é a mesosfera. Continuando a ascensão até 690km
a camada é denominada termosfera. Finalmente, atingindo os 10.000km de altura, estaria a
exosfera (BRÜNNER e SOUCEK, 2011, p. 100). Consequentemente, as camadas, utilizadas
em estudos geográficos, astronômicos ou meteorológicos, também não definem claramente o
ponto de transição entre os espaços aéreo e exterior.
A discussão sobre essa delimitação apresenta-se necessária em função de três
aspectos. O primeiro deles trata das distintas características físicas dos dois espaços
considerados. O outro, de cunho conceitual e visando à constituição do ambiente aeroespacial
como um conjunto integrado, abordado no capítulo seguinte, trata de questões de cunho
geopolítico, tais como a definição de território, fronteira e poder, essenciais ao contexto da
Tese. Há, ainda, a questão da soberania, pois definir uma linha de altitude de transição entre
espaço aéreo e espaço exterior automaticamente estenderia a questão da soberania territorial até
50 Atribuída em homenagem a “Theodore von Kármán (1881–1963), um engenheiro e matemático de origem
húngara e naturalizado norte-americano” (ANGELO JR., 2006, p. 239). Existe uma discussão em torno da
distância real da Linha Kármán. Hobe e Chen (2017, p. 28) postulam que de acordo com a abordagem espacial (no
sentido geográfico do termo), que diferencia-se da abordagem funcional, “a demarcação física da linha de Kármán
é de 100Km acima do nível médio do mares, e foi aceita pela Federação Aeronáutica Internacional como a linha
limítrofe entre o espaço aéreo e o espaço exterior”. Entretanto, se reconhece que a verdadeira posição da linha
estaria a cerca de 53 milhas (ou 85,3Km) (ODUNTAN, 2012). Acreditamos que parte do problema na definição
em Km da Linha Kármán decorre da possibilidade de conversão das originais 53 milhas, ora considerando-se
milhas náuticas (98,16Km), ora milhas terrestres (83,5Km). Para efeitos desta Tese, a Linha Kármán será
considerada a 100Km acima do nível médio dos mares.
51 O verbete âmbito aéreo, cujo significado associa à meio de atuação de forças armadas, compreende que esse
âmbito compreende o “espaço aéreo, a superfície terrestre onde são executadas operações [militares] e o espaço
ultraterrestre” (BARRIOS, 2009, p. 72-73).
53
esse limite, haja vista ser o espaço aéreo um espaço soberano dos estados. Tão relevante é essa
questão que Appleson (1982), em artigo para o periódico da American Bar Association
(organização semelhante à Ordem dos Advogados no Brasil), expõe opiniões de estudiosos
norte-americanos contrários ao estabelecimento desse limite.
Na próxima seção, o ambiente aeroespacial será caracterizado a partir de uma
descrição geográfica, na qual serão identificados elementos como funcionalidade, localização,
geometria, cartografia e legislação, a fim de se estabelecer a discussão sobre a apropriação do
objeto de estudo (ambiente aeroespacial) na ciência geográfica.
2.2 Espaço aéreo: funcionalidade e localização
Demanda importante na caracterização do espaço aéreo é definir sua funcionalidade
e localização. Para tanto, faz-se necessário situá-lo na perspectiva geográfica e compreendê-lo
a partir das suas particularidades geométricas, associadas à forma, dimensão, volume e limites,
o que permitiria a constituição de uma geografia e uma cartografia próprias, mas também a
partir da questão jurídica que estabelece bases legais para essa caracterização.
2.2.1 A Geografia do Espaço Aéreo
Conceituar o espaço aéreo como um espaço geográfico obrigou-nos, inicialmente,
a uma breve explicitação do que seria Geografia. Uma definição finalística sobre o que é
Geografia ainda é objeto de discussão entre os geógrafos52. Antonio C. Robert Moraes, para
referenciar um dos autores brasileiros mais citados entre os que se debruçam sobre essa questão,
discute o conceito a partir de uma perspectiva histórica e, em sua obra “Geografia: Pequena
História Crítica”, afirma que a Geografia é “um campo do conhecimento científico, onde reina
enorme polêmica” (MORAES, 2005, p. 4).
Alguns dicionários de geografia também apontam essa dificuldade, tais como o
Modern Dictionary of Geography (Moderno Dicionário de Geografia) (2001) e o The
Dictionary of Human Geography (Dicionário de Geografia Humana) (2009)53. O Diccionario
De Geografía Aplicada y Profesional (Dicionário de Geografia Aplica e Profissional) qualifica
52 O Oxford Dictionary of Geography adota uma perspectiva de evolução histórica do conceito mas conclui que é
“temerário achar uma definição unitária” (MAYHEW, 2003, p. 210). Whiters (2011) entende que a definição
literal da palavra geografia é simples: “do grego geos, a Terra, e graphos ou graphein, escrever, geografia
significaria ‘descrição da Terra’ ou ‘escrever sobre a Terra’”, o que, entretanto, não pode ser reconhecido como
uma definição e utilidade da Geografia.
53 Mayhew (2003, p. 210), considera que seria uma “temeridade encontrar uma definição unificadora ao longo das
voltas e mais voltas que a disciplina [geografia] tomou”.
54
o vocábulo geografia (a ele acrescentando adjetivos como aplicada, urbana, política etc.), mas
não apresenta uma definição exclusiva para o mesmo (TRIGAL, 2015).
Uma grande parte das definições sobre Geografia se refere ao relacionamento entre
sociedade e natureza. Ruy Moreira (2012, p. 32), outro renomado autor brasileiro que trabalha
com essa questão, conclui que a Geografia é “um saber relacionado à clarividência do papel
estrutural da organização espacial das sociedades na história”. Whiterick, Ross e Small (2001,
p. 108) entedem que a “maioria [das definições] concordam que [a geografia] compreende o
estudo da superfície terrestre como lar da raça humana” nas perspectivas de distribuição
espacial ou de relacionamento com o meio ambiente. Derek et al. (2009, p. 288) apresentam
como "possível definição" para o vocábulo a ideia de que a Geografia seria “o estudo sobre os
caminhos pelos quais o espaço está envolvido na operação e no resultado de processos sociais
e biofísicos”.
As dificuldades em torno do conceito de Geografia refletem-se no objeto da tese e
justificam o esforço pela caracterização desse objeto como um espaço geográfico. Na verdade,
essa preocupação já se evidenciava entre os pioneiros da Geografia Moderna, como Alexander
von Humboldt que, em sua obra Cosmos (1875), buscava relacionar a influência dos fenômenos
atmosféricos, tais como a composição do ar, radiação solar, os ventos e temperatura, na
distribuição vegetal, no magnetismo terrestre ou na condição do solo (HUMBOLDT, 1875).
O fato é que a terceira dimensão, que aqui, por hora, fixamos no segmento espaço
aéreo, a partir do momento em que se insere na realidade dos fatos históricos, modificou a
perspectiva geográfica. Saint-Exupéry54 (1975, p. 41) vislumbrou essa realidade quando
exclamou que o avião “[é ] um instrumento [que] nos permitiu descobrir a verdadeira fisionomia
da Terra”. Dardel (2011, p. 26) entendeu que “O espaço aéreo é também uma matéria que nos
dá a sensação imediata de sua presença”, daí aceitar que ele (o espaço aéreo) seria, também, um
espaço geográfico. Além de ampliar a perspectiva daquilo a ser considerado como espaço
geográfico, o espaço aéreo passou a ter um papel significativo em diversas esferas da sociedade,
como apontou Timothy Luke, ao sugerir que,
[...] as divisões do espaço aéreo na qual persistem as questões de soberania estão em
colisão com o multiverso transnacional das tecnorregiões, gerado pelas transações
monetárias globais, troca de commodities, comércio técnico, links de
telecomunicações e os mercados de mídia (LUKE, 2003, p. 142).
54Antoine de Saint-Exupéry foi um autor francês, piloto de aviões na Segunda Guerra Mundial que desapareceu
em combate sobre o Mar Mediterrâneo em 1944. Sua obra mais famosa, “O Pequeno Príncipe”, tem merecido
análises do ponto de vista geográfico, tais como em “O Pequeno Príncipe – Uma Visão Transdisciplinar das
Categorias e Conceitos Geográficos", de João Domingos de Oliveira Figueiredo e Carla Catiara Vale Silva.
55
Entre as tendências de geografização do espaço aéreo pudemos identificar três
movimentos: a descoberta da importância da era da aviação para a geografia; a ideia de volume;
e a geografia das rotas aéreas.
Os trabalhos de Lawrence (1942), Renner (1942), Engelhardt Jr. (1943), Hankins
(1944), Packard, Overton e Wood (1945) e Rodrigues (1947), apenas para citar os precursores
da geografização do espaço aéreo55, exploram a forma pela qual a era da aviação, na qual os
aeroplanos imprimiram aos fatores tempo e distância uma compressão, por meio da velocidade
e do alcance, relacionar-se-ia com a geografia. Fica claro na percepção desses autores a
emergência de uma nova dinâmica nessa ciência, despertada pelas características intrínsecas do
desenvolvimento aeronáutico.
A ideia de volume aplicada à geografia aérea extrapola o sentido físico da noção
geométrica. Evidente que na superfície que se sobreponha uma determinada altura forma-se um
espaço volumétrico, que no caso específico discutido ocorre a partir de três magnitudes
espaciais (comprimento, distância e altura). Essa particularidade do volume do espaço aéreo,
sua morfologia, será caracterizada adiante neste Capítulo. Neste momento, o interesse da
pesquisa voltou-se para a compreensão de como a ciência geográfica pode ampliar o debate em
torno do conceito de volume na perspectiva aérea.
Um primeiro movimento que se identificou foram as questões de “aeromobilidade”
(ADEY, 2008) e de “vida aérea” (ADEY, 2010). O esforço de Peter Adey extrapola as questões
econômicas, estruturais e técnicas do transporte aéreo e vê na vida aérea um viés cultural e
social (ADEY e LIN, 2014), no qual a aviação interfere criticamente na qualidade da vida
humana56. Lin (2014), inclusive, oferece a perspectiva de que essa qualidade, e também a
mobilidade propiciada pelo transporte aéreo, não se distribui equitativamente entre diferentes
grupos sociais. Por meio de um sistema interconectado de geografias aéreas, espacialidades
diferenciadas criam o que o autor chamou de aereality (na Língua Portuguesa a tradução mais
adequada seria realidade aérea, ou a contração aerorrealidade). Nessa realidade aérea, o que se
55 Pollog (1939, p. 211), em coluna da Revista Nature, afirma que a “primeira vez na qual a relação entre geografia
e aviação foi oficialmente reconhecida ocorreu no Primeiro Congresso de Geografia Aeronáutica, ocorrido em
Paris, na semana de 28 de novembro a 3 de dezembro” de 1938.
56 Dois exemplos podem melhor ilustrar essa percepção. Tomás Saraceno (2017), um artista plástico, chega a
propor que a humanidade deve adentrar no período denominado “Aeroceno”, era de “consciência situacional
ecológica, na qual aprenderemos a flutuar juntos, viver juntos no ar, e adquirir um compromisso ético com a
atmosfera e com o planeta Terra”. O designer francês Jean-Marie Massaud apresentou, em 2007, um projeto de
hotel aéreo, denominado “Nuvem Tripulada”, cujo formato se assemelha a um dirigível, capaz de atender 40
hóspedes, viajando cerca de 5.000Km, à velocidade de 130Km/h, com todas as facilidades de um hotel tradicional
(restaurante, lounge, biblioteca, espaço fitness, bar, terraço etc.), com um total de 1.100m² de área disponível
(ETHERINGTON, 2008).
56
pretende é “começar a definir a forma e os volumes do domínio aéreo”, haja vista que “a vida
de sentimentos, emoções, sensações e percepções foi fundamentalmente alterada pelos espaços
e geometrias do movimento do avião” (ADEY, 2010, p. 21 e 206)57.
Consoante com o pensamento de Peter Adey, alguns autores buscaram interpretar
a questão do volume na geografia pelo prisma da soberania territorial58, das práticas de poder e
dos conflitos. Nesse sentido, o estudo se aproxima muito das questões geopolíticas.
Eyal Weizman (2002), estudando a questão conflituosa entre Israel e seus vizinhos,
critica o discurso tradicional da geopolítica que tem sido bidimensional e plano, “tendendo ao
olhar através da paisagem, em vez do corte vertical” (WEIZMAN, 2002, p. 2). O autor defende
a proposição da “verticalidade da política”, ideia que dá sentido ao volume identificado no
ambiente aeroespacial. Essa verticalidade é definida como uma “representação do espaço
semelhante ao que faz Escher59, um holograma territorial no qual atos políticos de manipulação
e multiplicação do território transformam uma superfície bidimensional em um volume
tridimensional” (WEIZMAN, 2002, p. 2). Stuart Elden (2013b) utiliza a mesma lógica,
reforçando a importância de se perceber o volume na geografia. Desperta atenção para a ideia
de geopolítica vertical, afirmando que “Em termos de questão de segurança [e geopolítica],
volume importa por causa das preocupações de poder e circulação. A circulação não acontece
simplesmente, nem precisa ser contida, controlada e regulada, [apenas] em um plano
[geométrico]” (ELDEN, 2013b, p. 49).
A preocupação de Stuart Elden quanto ao volume é levada adiante por Gavin Bridge
(2013). Na verdade, esse autor identifica uma limitação no conceito de volume proposto por
Elden. Para Bridge (2013, p. 57), o volume é uma “problemática organizacional”, que incorpora
não somente questões geopolíticas em essência, mas deve ser encarado como “política do
volume”, estendido “à circulação de comodities e materiais, além de práticas tecno-políticas
pelas quais os fluxos desses elementos são assegurados”. No Capítulo seguinte, observaremos
57 A rede britânica de notícias BBC (British Broadcasting Company), em 2018, lançou uma série de reportagens
intitulada City in the Sky (A Cidade nos Céus). Considerando que diariamente cruzam os céus do planeta cerca de
100.000 voos, os quais transportam milhões de pessoas, a série oferece uma perspectiva de “vida aérea” muito
semelhante àquela que aqui é abordada. Além de desvendar a questão da infraestrutura que faz esse aparato
funcionar, a reportagem destaca que “nos maiores, mais movimentados, mais frios e remotos aeroportos do
mundiais, encontram-se pessoas que mantém esse universo funcionando, descortinando um fascinante mundo que
tem transformado o modo de vida no século XXI” (BBC, 2018).
58 Apesar de interpretações recentes do conceito de soberania questionarem o modelo westfaliano, como é o caso
de Joshua Barkan (2015), que identifica novos espaço de soberania em decorrência de novas paisagens políticas
oriundas de fenômenos como 11 de setembro de 2001 ou dos movimentos migratórios, a Tese adota a ideia de
soberania estatal, no escopo do território legal e geograficamente definido, onde o alcance do poder do Estado se
faz exclusivo ou absoluto.
59 Maurits C. Escher é um artista plástico cuja característica é a representação geométrica tridimensional.
57
como nessa feição do volume representado pelas variáveis da tecnologia e da economia são
componentes essenciais da geopolítica aeroespacial.
A geopolítica do volume, na sua acepção conflituosa, é tratada por Stephen Graham
(2004), que discute a verticalização da geopolítica, ou a geopolítica da verticalidade, inserindo
a questão do combate urbano, na qual o sensoriamento remoto e o uso de drones passou a ser
uma prática regular. Contudo, é Alison Williams quem possui uma produção acadêmica
consistente sobre o tema. Inicialmente, Williams (2007) discute a verticalidade da geopolítica
e o uso do poder aéreo nas incursões contra a soberania de Estados. Alerta o autor para o fato
de que “Os geógrafos ainda precisam se engajar completamente em como o espaço aéreo é
diferente dos espaços terrestre e marítimo” (WILLIAMS, 2007, p. 507). Posteriormente, analisa
as violações de soberania pelo espaço aéreo, e conclui que o território também deve ser
considerado na perspectiva de volume (WILLIAMS, 2010).
Os estudos geopolíticos de Alison Williams reforçam a necessidade do olhar
vertical da geopolítica. Isso seria verdade tanto para situações de conflito (WILLIAMS, 2013),
como no caso de estruturas de comando e controle do tráfego aéreo, na qual há a demanda de
soberania sobre o território estatal (WILLIAMS, 2011). Em ambas as situações, o autor
transforma o espaço aéreo em uma “entidade geopolítica”, um espaço de múltiplas pluralidades,
no sentido que abriga compartimentações estruturais e funcionais (algo que será observado
adiante neste Capítulo). Interessante perceber que “essas pluralidades são transformadas em
concretude pelas telas dos radares [de controle do tráfego aéreo], que produzem o espaço
[geográfico]” (WILLIAMS, 2011, p. 262)60.
Os estudos em torno de geografia das rotas de transporte são associados à ideia de
uma “geografia do tráfego” (KETCHUM, WARD e FITZGERALD, 1916), cuja ênfase seria o
significado dos transportes no comércio, por meio da distribuição espacial dos produtos
comercializados e condições geográficas que afetam essa dinâmica. Nessa tendência, avaliam-
se os fluxos que determinam as características das rotas aéreas comerciais. Observaremos no
Capítulo seguinte, que essa temática ligada à compreensão econômica das rotas aéreas
(comércio, nós urbanos, turismo, empresas aéreas) têm sido quase o único foco de estudos no
Brasil.
60 Alison Williams estuda o espaço aéreo militar no Reino Unido, onde percebe que esse espaço aéreo é um volume
geométrico onde se exerce a soberania estatal. Como parte de suas conclusões, critica o fato de a Geografia, em
especial a geopolítica clássica, ter se preocupado com o olhar por cima (o God’s view eyes – a visão dos olhos de
Deus), indicando que há a necessidade de olhar para cima (WILLIAMS, 2013).
58
O tráfego aéreo, no âmbito dos estudos sobre a geografia do tráfego (ou dos
transportes), insere na questão geográfica o tema das rotas aéreas ou do transporte aéreo. Um
primeiro indicativo dessa realidade é o que se chamou de “geografia mundial do transporte
aéreo” (ZANDT, 1944). Nessa análise, o autor sugere, a partir de perspectiva geográfica61
baseada nas rotas aéreas, uma “nova distribuição das principais rotas de comércio mundial na
Era Aeronáutica”, cujo continente europeu estaria no nó (hub) daquilo que chamou de
“Principal Hemisfério” (ZANDT, 1944, p. 5). Kenneth Sealy (1968) discorre sobre as
potencialidades comerciais do transporte aéreo em face do “relacionamento das grandes massas
terrestres com rotas [aéreas] diretas e de menor distância”, no que se antevê o princípio da
economia e da eficiência.
A geografia aérea não tratou apenas da questão econômica, apesar da evidente
relevância dessa abordagem. Possony e Rosenzweig (1955, p. 1) consideravam que o “estudo
da geografia aérea tornava-se um importante passo nas relações internacionais”, e por meio da
análise das características do meio aéreo (e de assuntos relacionados como propulsão e
navegação aérea) buscam relacionar o meio com questões como o exercício da soberania no
espaço aéreo e além.
Mais recentemente, a perspectiva da geografia do transporte aéreo renova sua
atenção no campo dos estudos geográficos. Uma obra que foi pioneira nesse tema e cujo
impacto na literatura anglófona destaca-se, foi o American Geography Inventory & Prospect
(Prospecção e Inventário da Geografia Americana), editado por Preston E. James e Clarence F.
Jones. No capítulo que trata da geografia do transporte, o autor (Edward Ullman) destaca que
“O especialista em geografia de transportes equipado com uma experiência adequada [nos
campos da tecnologia e da economia], está em posição de dar uma contribuição única à
interpretação dos fatores e a natureza do intercâmbio espacial” (ULLMAN, 1954, p. 313).
Timothy Vowles (2006, p. 12), analisando as principais contribuições ao tema, aponta que esse
campo de estudos tem servido para “descrever conceitos como conectividade, articulação [de
sistemas], desenvolvimento de padrões em várias escalas da economia global”. Na conclusão
do artigo, o autor indica que aspectos como as disparidades regionais de movimento aéreo e o
papel dos aeroportos nas comunidades, transformam-se em assuntos de interesse da geografia
aérea.
Na obra de Goetz e Budd (2014), que reúne ensaios sobre a geografia aérea, com
61 A perspectiva geográfica, em especial a questão cartográfica de crítica à projeção Mercator, guarda certa
semelhança com as ideias de Alexander Seversky, que serão discutidas no Capítulo seguinte.
59
uma ampla visão sobre o tema, são discutidos temas como economia, geopolítica, questão
sociocultural, problemas ambientais, papel das cidades, sustentabilidade e análises regionais.
Um dos temas promissores apontados pelos autores é a “aeromobilidade”, que “examina como
estudos das geografias sociais e culturais do transporte aéreo se relacionam com emoções não
desejadas, afetos, sentidos, impulsos e nuances da vida no ar” (GOETZ e BUDD, 2014, p.
103)62.
A observação do transporte aéreo enquanto sistema é área de estudo da geografia
aérea. Tanto Hirst (2008) como Schmitt e Gollnick (2016), elaboram reflexões sobre os
componentes desse sistema, voltando a atenção para o desenvolvimento histórico, os aspectos
comerciais e competição por ou segmentação de mercados, a questão regulatória, o ambiente
operacional, as características das aeronaves comerciais, dos construtores de aeronaves, das
empresas aéreas, dos aeroportos e das infraestruturas relacionadas, dos serviços de navegação
aérea, do ambiente natural e dos aspectos ambientais63. Abeyrante (2012), apesar de não enfocar
a questão sistêmica do transporte aéreo, acrescenta outros elementos relevantes ao debate, tais
como as questões de segurança de voo e segurança dos voos64, e os aspectos legais, econômicos
e técnicos do transporte aéreo.
Por fim, seria interessante recorrer à obra de George Renner (1942) que foi um
pouco além das visões pontuais sobre a relevância do espaço aéreo na geografia, visualizando
uma verdadeira geografia humana na era aeronáutica. No entendimento do autor, o aeroplano,
e a aviação como um todo, criaria na sociedade uma nova geografia econômica, uma nova
geografia social e uma nova geografia política (RENNER, 1942).
Apesar dessa mudança de perspectiva, os estudos geográficos que transpassam o
espaço aéreo estão, em sua maioria, associados à climatologia ou ao sensoriamento remoto,
envolvendo reflexões no campo da geografia física. Em que pese os esforços da comunidade
geográfica (e geopolítica) anglófona, há uma lacuna, especialmente na geografia lusófona
62 A aeromobilidade, segundo os autores, reflete estudos sobre o tema “mobilidade, focado em seus aspectos
sociais, incluindo os movimentos em larga escala de pessoas, objetos, capital e informações em todo o mundo,
bem como os processos mais locais de transporte, movimentação no espaço público e viagens de coisas materiais
dentro da vida cotidiana” (GOETZ e BUDD, 2014, p. 376). Há, também, a possibilidade de influência dos estudos
de Gilles Deleuze e Felix Guattari (1987), quando “retrabalham uma explícita cartografia geofilosófica que
enfatiza a criatividade e a afetividade dos movimentos da vida como processo que opera sob e transversalmente
na escala de distintos organismos organizados e territórios” (MCCORMACK, 2009, p. 279).
63 Essas contribuições serão consideradas na estruturação do construto apresentado ao final deste capítulo,
especialmente para iluminar aspectos componentes do esquema apresentado.
64 No original em Língua Inglesa, safety e security. O termo safety (segurança de voo) está relacionado aos aspectos
da operação segura das aeronaves. Trata-se de campo de atuação cujo principal foco é a prevenção de acidentes
aeronáuticos, em função de problemas como meteorologia, falha humana ou falha material, por exemplo. Já o
termo security (segurança do voo) refere-se a aspectos relacionados com a incolumidade da operação na
perspectiva policial, jurídica ou aduaneira.
60
(inclusive a brasileira), quanto à inclusão do espaço aéreo (e como veremos adiante também
quanto ao espaço exterior) como objeto de estudo geográfico na sua vertente humana, política
ou geopolítica, esse último aspecto o foco da tese. Assim, buscou-se cobrir essa lacuna
apresentando-se questões eminentemente geográficas sobre o espaço aéreo, tarefa que a
sequência do texto busca perseguir. Tal perspectiva, nos levará, no final deste Capítulo, a
organizar um esquema, que incluirá o outro segmento do objeto de pesquisa, o espaço exterior,
em um arranjo que sintetizará a complexidade do ambiente aeroespacial como um construto
geográfico.
2.2.2 Espaço aéreo: legislação, geometria e cartografia
Moreira (2012, p. 33) compreende que a prática espacial se materializa pela relação
que o homem estabelece como o meio, e que essa “prática espacial é movida inicialmente pelas
necessidades de vida”. Santos (1997, p. 52) apontou que “a geografia tende a ser cada vez mais
a ciência dos lugares criados ou reformados para atender a determinadas funções”. O espaço
aéreo, hoje, também representa essa necessidade de vida, com manifesta função social, o que
influencia nossa investigação na direção de definir o espaço geográfico a partir da percepção
de sua localização e funcionalidade.
Inicialmente, para se atingir o propósito da conceituação, foram utilizadas fontes
do arcabouço jurídico internacional. Conforme citado, a ICAO é o organismo regulador das
atividades aeronáuticas no âmbito mundial. A necessidade de um organismo internacional
como a ICAO deriva da demanda de regras comuns e consensuais para a utilização do espaço
aéreo pelas aeronaves. Fundada em 1944 como uma agência especializada da ONU, seu
propósito básico é a regulamentação das atividades aeronáuticas, com grande ênfase nas regras
e padrões estabelecidos para o tráfego aéreo seguro (ICAO, 2019). Os países signatários das
convenções e acordos sobre o uso do espaço aéreo aplicam essas regras, o que facilita a
comunalidade de procedimentos de conduta para todos os usuários65.
O documento originário é a Convenção de Chicago, cidade-sede da primeira
reunião deliberativa sobre o assunto, ocorrida em 1944. Nesse documento são estabelecidos os
“princípios e arranjos de forma que a aviação civil internacional possa ser conduzida de forma
organizada e segura” (ICAO, 2006, p. 1), não incorporando, porém, uma definição clara sobre
o que é espaço aéreo. Termos como soberania, território, áreas proibidas, nacionalidade,
65 Procedimento semelhante é viabilizado pela International Air Transport Association – IATA (Associação
Internacional do Transporte Aéreo) no que tange à indústria das linhas aéreas, envolvendo procedimentos de apoio
de solo, procedimentos comerciais padronizados, processos de vendas de passagens etc.
61
sobrevoo permitido, rotas e aeroportos sobressaem no texto da convenção como regras gerais,
mas nem sempre são referenciados numa discussão conceitual mais ampla.
A Convenção de Chicago também é composta por anexos que detalham assuntos
de maior interesse e fixam procedimentos mais específicos e, na pesquisa, dois deles foram
considerados: o Annex 2 – Rules of the Air (Anexo 2 – Regras do Ar) e o Annex 11 – Air Traffic
Services (Anexo 11 – Serviços de Tráfego Aéreo).
O Anexo 2 – Regras do Ar é uma padronização internacional66 que tem por objetivo
estabelecer procedimentos de navegação e de gerenciamento de tráfego aéreo. O espaço aéreo,
nesse documento, é definido com qualificativos. O “espaço aéreo de serviços de tráfego aéreo”
é “o espaço aéreo de dimensões definidas [...], dentro do qual tipos específicos de voos podem
operar e para os quais serviços de tráfego aéreo e regras de operação são especificadas” (ICAO,
2005, p. 1-2, grifo nosso). Além dessa definição, existe também a definição de “espaço aéreo
controlado” como o “espaço aéreo de dimensões definidas dentro do qual serviço de controle
de tráfego aéreo é provido de acordo com a classificação do respectivo espaço aéreo” (ICAO,
2005, p. 1-3, grifo nosso). Ambas as definições são muito próximas e remetem tanto às
demandas funcionais (controle e serviços de tráfego aéreo) como às especificações geográficas,
neste último caso, como será observado adiante, em função da categorização e dos limites
verticais e horizontais.
As “Regras do Ar” citam limites mínimos de altura para os voos, mas omitem os
limites máximos, o que dialoga com a discussão anterior sobre a delimitação entre espaço aéreo
e espaço exterior. Há uma tabela de “níveis de cruzeiro”, alturas nas quais as aeronaves podem
voar nas rotas estabelecidas, cujo maior valor é de 15.550m acima da superfície (ICAO, 2005,
p. App 3-3). Para balões atmosféricos, essa altura é de 18.000m (ICAO, 2005, p. App 4-1)67.
O anexo “Serviços de Tráfego Aéreo” trata de padrões, práticas e procedimentos
para o controle do tráfego aéreo. Esse controle é um serviço prestado às aeronaves em
determinadas áreas geográficas, compreendidas como volumes, de acordo com regras
específicas relativas ao tipo de voo que se realiza. O serviço tem por objetivos “prevenir
66 Padronizações Internacionais (International Standards) são uniformizações de conceitos, critérios, regras ou
procedimentos cuja finalidade precípua é a compreensão mútua entre as partes. Esse é o caso das normas da
International Organization for Standardization – ISO (Organização Internacional para Estandardização), cujo
foco são produtos, serviços e sistemas das áreas industriais e do setor terciário da economia, são exemplos dessas
padronizações.
67 Isso traz um problema prático. A start up Space Perspective planeja levar turistas ao espaço em um balão de
hidrogênio por volta de 2024, a uma altura suficiente para que seja possível observar a curvatura da Terra
(GNIPPER, 2020). Tal altura provavelmente ultrapassará o limite estabelecido pela ICAO, o que coloca em
discussão, novamente, a questão do limite do espaço aéreo, além de ser uma fator que corrobora a ideia de que o
ambiente aeroespacial é um só espaço geográfico.
62
colisões entre aeronaves e destas com obstruções” naturais ou artificiais, e “dar despacho e
manter o fluxo do tráfego aéreo” (ICAO, 2018, p. 1-3).
Esse anexo apresenta uma classificação funcional do espaço aéreo, dividindo-o em
categorias, que seguem a ordem alfabética das letras “A” até “G”. Em cada uma das categorias,
identificadas pelas letras, define-se como o usuário pode voar e que tipo de serviço é prestado.
Por exemplo, no espaço de categoria “A” as aeronaves somente podem voar sob regras de voo
por instrumento68 e trafegam com separações entre outras aeronaves e obstáculos assegurados
pelo órgão de controle de tráfego aéreo. Já no espaço de categoria “G” são permitidos voos sob
regras de voo por instrumento e regras de voo visual69 e apenas é prestado serviço de informação
de voo70, quando requisitado (ICAO, 2018)71.
No corpo de legislações internacionais apreciadas, percebeu-se que a caracterização
do espaço aéreo sob o viés geográfico dá-se apenas por meio da distribuição de funções para
espaços designados. Nesse sentido, é importante recordar o pensamento de Paul Claval (2011),
quando ressalta que o espaço é também aquele que o homem transforma, transformação essa
que se dá com um propósito ou, como o próprio autor entende, por uma questão de
conveniência. O espaço aéreo, portanto, nesse primeiro esforço de conceituação, adquire um
aspecto de funcionalidade, corroborando a ideia de que “O espaço explorado pelos geógrafos
não é mais um dado natural. É um espaço transformado pela ação dos homens, [são] ambientes
que lhes convêm, e como dão sentido às geografias que os cercam” (CLAVAL, 2011, p. 248).
Importante, também, lembrar a contribuição de Alison Williams (2011), que dá ao espaço aéreo
sob tutela de órgãos de controle uma concretude que pode ser observada nas telas de radares,
anteriormente referenciada.
Essa primeira abordagem, apesar de importante para a formulação do conceito de
68 Regras de voo por instrumento são regras que demandam a adesão dos pilotos a padrões de conduta específicos,
nos quais eles seguem prioritariamente a indicação dos instrumentos do painel de comando da aeronave, assim
como parâmetros de segurança pré-estabelecidos em cartas aeronáuticas de navegação.
69 Regras de voo visual são as regras nas quais os pilotos são os responsáveis imediatos pela separação com outros
tráfegos e com relação a evitar obstáculos na superfície. O voo sob esse tipo de regra demanda ao piloto o contato
visual externo (com outras aeronaves e com os obstáculos no solo).
70 No “serviço de informação de voo” o órgão de controle não detém responsabilidade pela navegação da aeronave
usuária do serviço, apenas fornecendo informações que disponha e julgue ser de interesse do piloto, sendo este o
responsável final pela operação da aeronave.
71 Em nossa compreensão, regras e serviços semelhantes serão necessários, em breve (ou já seriam), para a
transição entre a atmosfera e as órbitas terrestres. Questões como a do lixo espacial (debris), comentada adiante
na Tese, das trajetórias de mísseis balísticos e dos voos de veículos aeroespaciais em camadas elevadas da
atmosfera surgem como demandas de um serviço de controle de voos na interseção da atmosfera e do espaço
exterior. Um exemplo dessa demanda, que usa ambos os segmentos físicos do ambiente aeroespacial, é o foguete
Falcon 9, da empresa SpaceX, que possui a capacidade de retornar controladamente para pouso, à semelhança de
um pairado.
63
espaço aéreo, não é suficiente sem a geometrização do espaço, ou seja, o estabelecimento de
características locacionais próprias, definidas a partir de comprimentos, distâncias, alturas,
áreas e volumes. Gomes (2016, p. 73) refere-se à essa “natureza geométrica”, que transforma o
espaço de abstrato para concreto, como uma herança do “sistema mecanicista de Descartes
[que] reside na essência da matéria definida enquanto extensão”, viabilizadora de uma prática
espacial da geografia. Essa geometria (ou mesmo a influência cartesiana), ainda segundo
Gomes (2016), estaria presente também na obra do fundador Carl Ritter, preocupado em dar
um sentido lógico à desordem que pairava na geografia72.
A obtenção de tais parâmetros geométricos obrigou a pesquisa a recorrer a um corpo
de legislações mais específicas, disponíveis em documentos de âmbito nacional. Em função das
peculiaridades territoriais de cada país, a geometrização apresenta-se de forma peculiar às
características geográficas locais. Tanto os Estados de diminuta extensão territorial como
aqueles de área continental, configuram seu respectivo espaço aéreo em função da
disponibilidade do espaço sobrejacente a seu território. Isso demanda publicações próprias, que
cartografam as diferentes áreas onde são prestados os serviços de controle de tráfego aéreo,
conforme as diferentes categorias apresentadas acima.
Na investigação desse conjunto de publicações observou-se que o conceito de
espaço aéreo poderia ser expandido, e a inclusão de vários segmentos desse espaço geográfico
melhor representaria a caracterização que se buscou. Portanto, também foram observados três
segmentos utilizados na navegação aérea, parametrizando sua configuração em termos
geográficos, consequentemente, alcançando um conceito de espaço aéreo mais adequado.
Os países signatários da Convenção de Chicago obrigam-se a dispor de publicações
próprias que contenham essas informações. Em geral, as publicações seguem os mesmos
padrões internacionais no que tange às escalas e às simbologias adotadas. Há também empresas
privadas que fornecem esse tipo de serviço de cartografia, pois nem todos os governos possuem
vontade ou capacidade de gerar seus próprios produtos.
O Brasil é um dos países que possui essa capacidade técnica, produzindo
documentos que particularizam as regras e os serviços de tráfego aéreo de acordo com as
características geográficas do nosso território. A análise do caso específico brasileiro
72 Para Moreira (2015), Ritter parte de uma visão corográfica cujo sentido é classificar e organizar uma descrição
geográfica. Porém, não somente o geógrafo alemão teve essa preocupação. Distintas abordagens geográficas foram
influenciadas por essa demanda de geometrizar o espaço. Ratzel apontou o valor político do território a partir da
“posição, da amplitude, da configuração...” (MORAES, 1990, p. 84). Raffestin (1993) desenvolveu o conceito de
“tessitura”, que incorpora limites e fronteiras. Santos (1997) discutiu redes e circuitos definindo o espaço como
um “sistema de objetos e de ações”. Castells (2004) organizou sua rede em nós interconectados.
64
demonstrou-se suficiente para o propósito da Tese, haja vista que os documentos de outros
países, sejam de produção própria ou oriundos de empresas comerciais, apresentam
características semelhantes quanto à sua configuração e apresentação73.
O documento básico nacional que estabelece essa demarcação de áreas é a
“Publicação de Informação Aeronáutica”, conhecida como AIP – Brasil (sigla oriunda da
designação do documento na Língua Inglesa – Aeronautical Information Publication), de
responsabilidade do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA).
Como apontado acima, no contexto da pesquisa foram selecionados três segmentos
para a conceituação de espaço aéreo, considerando que, desde a superfície até a transição com
o espaço exterior, os elementos que compõe esse sistema fundamentam a conceituação
almejada. Assim, a caracterização geográfica buscou os seguintes elementos: aeródromos (AD),
áreas de controle terminal (ACT) e regiões de informação de voo (RIV). Em cada um desses
elementos serão apresentados caracteres de uma geografização específica74, cujo propósito
final foi constituir um conceito maior de espaço aéreo. A aposição de cartas aeronáuticas, além
do fator explicativo que se julgou necessário para a compreensão do objeto, trouxe à pesquisa
a relevância da cartografia como um dos fatores empíricos observados.
O primeiro elemento de investigação foi a categoria aeródromos. Um AD é um
conjunto de instalações que permite o trânsito de aeronaves, passageiros ou cargas. A
cartografia de um AD representa as partes integrantes que tenham influência direta na operação
das aeronaves. Dessa forma, em uma carta de AD estão contidas as representações das pistas
de pouso e decolagem, dos pátios onde as aeronaves ficam estacionadas, das pistas de táxi e
dos trechos que são utilizados como conectores no trânsito dos aviões entre as diversas áreas
de um AD75. As cartas possuem orientação magnética e geográfica, escalas, símbolos, códigos
e diversas outras informações que orientam os pilotos das aeronaves em suas demandas de
consciência situacional. A Figura 4 é a carta de aeródromo referente ao Aeroporto Internacional
de Santa Maria, localizado em Aracajú – SE. Com clareza, pode-se observar o desenho da pista
de pouso e decolagem (comprimento, largura, orientação magnética), o terminal de passageiros
73 Relevante destacar que está em curso a digitalização das cartas aeronáuticas em papel, cuja tendência será a
extinção do formato em papel em definitivo.
74 No caso do espaço aéreo, Possony e Rosenzweig (1955, p. 1) entendem que poderia ser apropriado denominar
“atmogeografia, pneumografia ou mesmo aerografia”, para o campo do estudo da atmosfera como perspectiva da
Geografia.
75 O Anexo SIM-1 do AIP – Brasil contém a descrição dos símbolos utilizados em todas as cartas publicadas no
Brasil, inclusive aquelas apresentadas neste Capítulo da Tese.
65
e o pátio de estacionamento à sua frente, bem como a pista de táxi que dá acesso ao mesmo,
denominada de pista de táxi “A”.
Figura 4 – Carta de Aeródromo – Aracajú/Santa Maria Internacional (SBAR), p. 1
Fonte: DECEA, 2019.
Outro exemplo analisado é a carta de uma área de controle terminal. A ACT é uma
área de transição na prestação do serviço de controle de tráfego aéreo. A transição ocorre, na
decolagem, entre o serviço prestado pelo órgão de controle no AD, geralmente uma Torre de
Controle (TC) de tráfego aéreo, e o voo em rota, cujo órgão de controle é um Centro de Controle
de Área (CCA). No pouso, o processo se inverte, e a ACT provê a transição entre o CCA e a
TC.
Na ACT existem vários tipos de cartas que fornecem padrões de operação para as
aeronaves e provêm consciência situacional geográfica. A Figura 5 representa a carta da ACT
de Fortaleza – CE, que é um dos tipos de carta utilizados nesse segmento de controle de tráfego
aéreo. A área de responsabilidade da ACT é identificada pelo círculo maior sombreado, cujo
centro é o hexágono preto. Os raios que têm por origem esse hexágono são rotas aéreas,
identificadas por códigos alfanuméricos e por proas magnéticas, que as aeronaves devem seguir
ao sair ou chegar ao aeroporto de Fortaleza. Da mesma forma que as cartas de AD, a carta de
66
ACT possui orientação magnética e geográfica, escala, rumos, pontos no espaço definidos por
coordenadas geográficas, além de outras informações para a orientação do voo das aeronaves.
Figura 5 – Carta de Área de Controle de Terminal – Fortaleza – CE.
Fonte: DECEA, 2019.
O exemplo final de caracterização do espaço aéreo como um espaço geográfico, a
partir das cartas de navegação aérea, é o da região de informação de voo. A RIV é um espaço
definido por convenções internacionais, quando essas regiões ultrapassam a projeção vertical
do território dos Estados, ou de acordo com a conveniência nacional76. A Figura 6 representa
as RIV77 sob responsabilidade brasileira, tanto aquelas sobrejacentes ao território nacional
como aquelas que ultrapassam essas linhas limítrofes. Nesse último caso, a delimitação dessas
regiões é determinada por vértices com coordenadas geográficas que se unem por meio de
76 No caso do Brasil, a divisão das RIV segue o critério de abrangência de centros integrados de controle do espaço
aéreo, situados em Brasília (abrangendo a região central do país), em Curitiba (região Sul, partes das regiões
Sudeste e Centro-Oeste e a porção Sul do Oceano Atlântico), em Recife (principalmente a região Nordeste e a
porção Norte do Atlântico) e em Manaus (responsável pela região Amazônica). Em função da dinâmica dos voos
ou do movimento aéreo anual, a configuração das RIV pode ser modificada de tempos em tempos.
77 A Região de Informação de Voo é denominada nos documentos internacionais de Flight Information Region
(FIR).
67
linhas. As RIV (ou FIR) Amazônica, Recife, Curitiba e Atlântico ultrapassam a projeção do
espaço territorial nacional.
Figura 6 – Área de responsabilidade de controle de tráfego aéreo do Brasil
Fonte: AIP – Brasil, 2018, p. GEN 3.5-4.
A carta pela qual se observa o espaço geográfico da RIV é a carta de rota. A Figura
7 representa a carta de rota H-2, que abrange os estados da Região Sudeste, a Bahia, o Distrito
Federal, Goiás e Paraná. A orientação magnética e geográfica também é uma característica
desse mapa. Predominam na visualização desta carta as rotas aéreas e os pontos que referenciam
essas rotas. As rotas das cartas de rotas aéreas coincidem com as das cartas ACT. Os pontos de
referência são de extrema importância, pois em muitos deles ocorre o cruzamento de rotas e a
transição entre diferentes CCA. Esses pontos são definidos em relação aos fixos geográficos no
solo, à posição relativa de auxílios de rádio navegação ou simplesmente em função de
68
coordenadas geográficas. A carta de rota é, portanto, um relevante instrumento de consciência
situacional geográfica.
Figura 7 – Carta de Rota – H2
Fonte: DECEA, 2019.
Antecipando o tema da subseção seguinte, importa, ainda, chamar a atenção para
uma realidade que já se observa na cartografia aeronáutica. Esse entendimento, que será amiúde
analisado adiante, trata da conjugação entre espaço aéreo e espaço exterior78. No escopo do
serviço de controle de tráfego aéreo, eminentemente conduzido no âmbito do espaço aéreo, já
existe uma direta relação com a atividade de lançamento de foguetes, claramente pertencente
ao domínio do espaço exterior. O fragmento de carta aeronáutica apresentado na Figura 8 revela
essa interseção. A área do polígono situado ao Norte do Aeroporto de São Luís, identificada
pelo traço azul claro e designada SBP 103 (apontada pela seta tracejada em vermelho), refere-
78 Há tendências de se apreciar espaços geográficos de naturezas distintas, tais como os oceanos, o espaço exterior,
o espaço cibernético, a partir de uma visão integrada mais ampla. À geopolítica, no futuro, seria imputada a
responsabilidade de integrar as análises políticas e geográficas a partir da perspectiva de espaços múltiplos. Aliás,
a visão integradora proporcionada pelo ambiente aeroespacial já é um passo nessa direção.
69
se à área reservada para lançamento de foguetes oriundos do Centro de Lançamento de
Alcântara (CLA), e estende-se do nível do solo até uma altura ilimitada (DECEA, 2017). A
delimitação de áreas como essa, que ocorre em todos os equipamentos de lançamentos de
foguetes e veículos espaciais, revela uma realidade que tende a crescer, na medida em que a
atividade espacial se expanda, e um maior número de movimentos em direção ao espaço sejam
necessários.
Figura 8 – Área de lançamento de foguetes SBP 103
(Fragmento da Carta de Rota H-7)
Fonte: DECEA, 2019.
Uma síntese da discussão que foi apresentada nessa seção torna-se necessária. A
partir da apreciação dos documentos internacionais que regulam o assunto espaço aéreo foi
possível observar a vertente funcional do espaço aéreo. Da observação da legislação brasileira,
mormente por meio dos exemplos acima expostos, conseguiu-se geometrizar esse espaço.
Viu-se, portanto, que esse espaço possui aspectos funcionais e locacionais bem
definidos, o que nos leva a concordar com o que propôs Moreira (2007, p. 64) ao afirmar que
“o espaço [geográfico] não é suporte, substrato ou receptáculo das ações humanas, [mas] um
espaço produzido”. No caso do espaço aéreo é possível se identificar uma geografia própria na
qual os usuários necessitam de uma compreensão espacial aguçada, e que a definição de
cartografias, no sentido de limites com dimensões verticais e horizontais, que formam um
70
mosaico bem específico de áreas, rotas, volumes, pontos e referências, transforma esse espaço
aéreo em um espaço geográfico de fato, um espaço produzido e um espaço de relações.
Na próxima seção do Capítulo, que identificará elementos empíricos do espaço
exterior, serão evidenciadas diferenças nas características deste com o espaço aéreo,
principalmente quando associadas às questões de natureza física.
2.3 Espaço exterior: Terra, Lua e órbitas terrestres
A contribuição dos precursores da astronomia moderna abriu a possibilidade
concreta de ampliação do conhecimento geográfico da superfície terrestre a partir da base
científica dos séculos XV e XVI. Copérnico, Galileu e Kepler, como visto anteriormente,
transformaram o entendimento sobre a posição da Terra em relação ao Universo. Conceitos
como o Heliocentrismo, as leis de movimento dos corpos, a lei de gravitação universal e a teoria
da relatividade, por exemplo, alteraram a percepção dos fenômenos naturais que ocorrem no
planeta como um todo, o que, por si só, gerou um impacto na ciência geográfica.
Mas a preocupação em relacionar o objeto espaço exterior com a geografia
conduziu a investigação neste segmento do Capítulo, de forma a particularizar o objeto à essa
ciência e não à astronomia. Um primeiro argumento é tentar observar o espaço exterior a partir
de uma comparação geográfica com a superfície terrestre. Doboš (2019) destaca que essa
diferenciação de características entre a Terra e o espaço exterior pode ser observada da seguinte
forma: trata-se de espaço geográfico em constante movimento, pois os objetos celestes
apresentam uma dinâmica orbital permanente, contrariamente à realidade da superfície
terrestre, que não possui esse mesmo dinamismo; a existência de grandes distâncias a se
percorrer, cuja melhor representação é a Astronomical Unit – AU (Unidade Astronáutica) cujo
valor unitário equivale à distância média entre a Terra e o Sol – cerca de 149.597.870Km; a
existência de grandes riscos, desproporcionais às atividades terrestres; e a própria natureza das
condições atmosféricas distintas (gravidade, vácuo, radiação etc.). Na própria geografia física
alguns autores já extrapolam o objeto clássico da geografia, como Richard Huggett (2017, p. 3)
que entende que há espaço para o estudo da "Geomorfologia [nas] formas de relevo de outros
planetas do tipo terrestre e satélites no Sistema Solar, tais como Marte, a Lua, Vênus e assim
por diante”79.
79 Mesmo no Brasil, o interesse da Geografia pelos corpos celestes despertou a atenção de alguns periódicos
precursores. O Boletim Geográfico, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, nº 188, edição de setembro-
outubro de 1965, publicou artigo (sem autor) sobre o estágio de conhecimento geográfico à época em relação aos
planetas do Sistema Solar, intitulado “Quais os segredos que Marte esconde?”
71
Assim é que nosso esforço inicial, à semelhança do que foi realizado acima para o
espaço aéreo, é de conceituação. Por esse motivo, uma questão metodológica essencial que se
apresentou foi a seguinte: como diferenciar o objeto de pesquisa sob o ponto de vista da
geografia?
Em 1887, Samuel Sark, na obra Astronomical Geography (Geografia
Astronômica), considerava a astronomia como uma das “esferas da geografia” responsável por
“lidar com as mudanças perpetradas pelo homem ou pela natureza, não apenas na Terra mas
em todas as coisas relacionadas à Terra” (SARK, 1887, p. 5), inclusive sugerindo a existência
de uma “geografia astronômica”, título da sua obra, responsável por uma descrição dos
elementos conhecidos e de suas características físicas80.
Outro marco foi a criação da National Aeronautics and Space Administration –
NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço), a agência espacial governamental
norte-americana referência mundial nos assuntos ligados ao espaço exterior, que definiu
“astronomia” como o “estudo das estrelas, dos planetas e do espaço” (NASA, 2015).
O Dicionário de Astronomia The Facts On File Dictionary of Astronomy
(Dicionário de Fatos em Arquivos da Astronomia) (2006) considera a astronomia como uma
das mais antigas ciências, que tem por objetivo a “observação e o estudo teórico dos corpos
celestes, das regiões que sucedem no espaço e do Universo como um todo” (DAINTITH e
GOULD, 2006, p. 35). Nagel (2005, p. xxv), no Space Exploration Almanac (Almanaque da
Exploração Espacial), define astronomia como “o estudo científico do universo além da
atmosfera da Terra”. Finalmente, a Encyclopedia of Space and Astronomy (Enciclopédia do
Espaço e da Astronomia) (2006) considera a astronomia o “ramo da ciência que lida com os
corpos celestes e o estudo de seu tamanho, composição, posição, origem e comportamento
dinâmico” (ANGELO JR., 2006, p. 62), definição que vai ao encontro daquela proposição
descritiva inicialmente apresentada.
Essas definições direcionam bem o campo de estudos da astronomia que se volta
para uma abordagem fisiográfica ou topográfica, isto é, descritiva de características observadas
quando se trata do espaço além da atmosfera terrestre. Quando recordamos a discussão sobre o
conceito de geografia apresentado anteriormente, é possível complementar alguns pontos que
iluminaram nossa indagação.
80 Segundo Carvalho e Castro (1956, p. 382), “Em 1796, o americano Jedidiah Morse escreveu uma Geografia
que dividiu em três partes: Geografia Astronômica, Geografia Física ou Natural e Geografia Política”.
72
Milton Santos, nas obras “Metamorfose do Espaço Habitado” e “A Natureza do
Espaço”, auxilia-nos a responder à questão central de “como diferenciar o objeto de pesquisa
sob o ponto de vista geográfico”. A geografia, para esse autor, não é apenas a ciência da
descrição da configuração territorial, a exemplo do que se propôs para a astronomia81. Santos
considera que o objeto da geografia é um “conjunto indissociável de sistemas de objetos e
sistemas de ações que formam o espaço” (SANTOS, 2014, p. 62). Ao elaborar esse conjunto,
entende que à existência de objetos, caracterizados pela descrição ou configuração, se agregam
às ações que, em última instância, representam também relações ou dinâmicas sociais
(SANTOS, 1997)82. No caso do espaço aéreo esse entendimento ficou claro quando da
exploração da localização (no contexto da descrição) e da funcionalidade (quando se direciona
a ações ou relações)83.
A inclusão da instância social na conceituação do objeto geográfico que propõe
Santos, é um fator significativo na diferenciação entre a geografia e a astronomia. Nesta última,
usualmente está ausente a componente social, tão cara à ciência geográfica. O autor é enfático
ao afirmar que:
[...] o espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável, de que
participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos
sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em
movimento (SANTOS, 1997, p. 26).
Dessa forma, se a intenção da tese foi se apropriar do objeto pelo foco geopolítico,
não seria suficiente uma caracterização meramente astronômica do espaço exterior. Há que se
compreender o espaço geográfico em estudo como um conjunto de elementos naturais (por
exemplo, os corpos celestes), de elementos artificiais (tais como aqueles que o homem cria para
analisar o meio ambiente a partir da atmosfera e do espaço exterior) e das próprias relações
(científicas, econômicas, sociais ou políticas) que a demanda por conhecimento determina.
Assim é que o próximo segmento se ocupará dessa tarefa.
81 Apesar de, como afirmou Lebon (1976, p. 28), “É esta percepção da ordem geográfica que proporciona
coerência” à ciência geográfica, tendência observada nos autores modernos.
82 Neste ponto é prudente se recordar do texto de Gomes (2016), como forma de evitar abordagens unilaterais, que
aponta para os problemas da dualidade física x humana na Geografia da modernidade, ora se privilegiando uma
ora se negligenciando a outra.
83 Para Santiago (2013, p. 197), Ratzel percebe essa conexão entre o descritivo e o relacional quando agrega ao
conceito de espaço geográfico a ideia de “rede geográfica, sua circulação e funcionalidade, e o valor da situação
territorial”.
73
2.3.1 A Amplitude Geográfica do Espaço Exterior
Ficcionistas do século XIX, como Júlio Verne e Herbert G. Wells, ou mais recentes
como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke, escreveram sobre a exploração do espaço exterior
levantando hipóteses que já se tornaram realidade ou são estudadas com seriedade pela
comunidade científica. Verne, no livro From the Earth to the Moon (Da Terra para a Lua), de
1865 (Figura 9), introduz a ideia de uma viagem do homem à Lua (SAARI, 2005). Wells, em
The War of the Worlds (A Guerra dos Mundos), de 1897, levanta a possibilidade de vida
extraterrestre. Asimov, em “Eu, Robô”, de 1950, discute a interação entre seres humanos e
robôs. Clarke, em 2001: A Space Odissey (2001: Uma Odisseia no Espaço), roteiro do filme de
1968, antecipou elementos da exploração espacial, como as órbitas geoestacionárias (ANGELO
JR., 2006), o que lhe rendeu o título de “profeta da era espacial”.
Figura 9 – Da Terra para a Lua
Fonte: NASA, 2000.
Em grande parte, esses ficcionistas atuaram como aqueles geógrafos precursores,
em especial do século XIX e início do século XX, como Alexander von Humboldt, Immanuel
Kant ou Carl Ritter, apenas para citar alguns, incentivando o descobrimento de um novo
ambiente geográfico. Essa demanda de conhecimentos relativos ao espaço exterior guarda
semelhança ao início da era dos navegadores ibéricos na conquista das novas regiões do planeta.
A relevância desse novo espaço para a geografia tem sido apontada na obra de
alguns autores. Santiago (2013, p. 99) considera como questões atuais a “expansão do horizonte
74
geográfico para a conquista do espaço extraterrestre, conquista da Lua e perspectiva de
colonização de Marte”. Sanchéz (1992, p. 182) destaca que “O termo espaço geográfico permite
estender-se mais além do próprio Planeta”84. Milton Santos, em “Espaço e Método”, apontou
que “o espaço exterior demandaria atuação do Estado”, área que chamou de “zona pioneira”
(SANTOS, 2014, p. 102, grifo nosso). E em “Metamorfoses do Espaço Habitado”, mesmo
considerando a Terra como o habitat do homem, admite que “A presença do homem é um fato
em toda a face da Terra, e a ocupação que não se materializa é, todavia, politicamente existente”
(SANTOS, 1997, p. 91). Quando esse autor se refere ao “politicamente existente” abre a
possibilidade da presença do homem no espaço exterior, mesmo que não plenamente
materializada, por meio do exercício de poder, soberania ou exploração, fatos a serem
discutidos posteriormente85.
Na tarefa de conceituação desse novo espaço geográfico, uma primeira necessidade
metodológica foi definir qual a amplitude desse espaço exterior. De acordo com Angelo Jr.
(2006, p. 554), o “espaço [exterior] é a parte do universo que fica fora do limite da atmosfera”.
Com base nessa simples definição, e considerando que o referencial de 100km de altura adotado
na pesquisa é o limite dessa atmosfera, espaço exterior seria tudo aquilo que estivesse contido
além dessa linha. Em uma aproximação básica derivada de observação, corpos celestes de toda
a natureza (sistemas solares, planetas e luas, meteoros e meteoritos, cometas), fenômenos
siderais (radiação ou ventos solares, gravitação), partículas (detritos, micrometeoritos), campos
de energia (pulsos e campos eletromagnéticos) e todo o espaço físico que abriga esses
elementos, incluir-se-iam na definição de espaço exterior.
Do ponto de vista legal, o espaço exterior passa a ser um objeto jurídico a partir do
“Tratado sobre o Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do
Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes”, aprovado pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, em 1966 (UNO, 2017). Naquele momento, testemunhava-se o auge da
disputa espacial entre as duas superpotências da Guerra Fria, disputa esta que exigia um esforço
84 Um dos campos promissores que explora essa expansão extraterrestre é a astrobiologia. A NASA possui um
campo de pesquisas ligado à astrobiologia, visando estudar o potencial da exobiologia, que aborda a “compreensão
das origens, evolução, distribuição e futuro da vida no Universo”
(https://astrobiology.nasa.gov/research/astrobiology-at-nasa/exobiology/). No Brasil, a Universidade de São Paulo
(USP) possui um Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia, responsável pela edição da obra “Astrobiologia: uma
ciência emergente”.
85 Diversos autores apontam para a presença do homem no espaço. Dole (1964), estudou a habitabilidade de
determinados corpos celestes para a raça humana. Mendonça (1997) discutiu a expansão dos conceitos da geografia
em virtude da exploração do planeta Marte. Codignola et al. (2009) trabalharam temas não ligados às áreas
tradicionais da exploração espacial como tecnologia, lidando com os aspectos da psicologia, sociologia e
antropologia, por exemplo.
75
de regulação com a finalidade de evitar ou mitigar o risco de conflito entre EUA e URSS nessa
área. Mesmo que persista, ainda hoje, o debate sobre o limite entre a atmosfera terrestre e o
espaço exterior, como anteriormente foi destacado, o fato é que estes segmentos já se
configuram, ao menos a partir de 1966, como um espaço geográfico conjugado, objeto de
apropriação, contestação e disputa, à semelhança do que eventualmente acontece em relação às
superfícies terrestre e marítima.
Autores como Everett Dolman (2002), Michael Sheehan (2007) e Eligar Sadeh
(2011), apenas para citar alguns daqueles que serão discutidos em outro Capítulo desta tese,
apresentam o espaço exterior como um objeto político, cuja estrutura espacial é passível de
localização, constituição e configuração espacial, enfim, de assumir uma identidade espacio-
geográfica86.
Esses elementos de identificação (localização, constituição e configuração)
permitiram que o espaço exterior considerado nesta pesquisa fosse definido com maior
precisão. Em termos de localização, a pesquisa estendeu seu recorte ao espaço compreendido
pela Terra e a Lua. Uma melhor caracterização desse espaço é apresentada por Dolman (2002,
p. 61), quando delimita regiões, das quais três delas compuseram o segmento espacial
integrante do objeto desta pesquisa. Nesse espaço geográfico foram incluídos o planeta Terra,
essencialmente no que se relaciona com a exploração do espaço; o espaço terrestre, que
compreende a altura mais baixa de possibilidade de uma órbita satelital (os 100km da Linha
Kármán), até cerca de 36.000km, onde se encontra o cinturão geoestacionário; e o espaço
lunar, espaço que vai das órbitas geoestacionárias até as órbitas lunares.
2.3.2 Os Segmentos Geográficos do Espaço Exterior
Os segmentos espaço terrestre e espaço lunar do espaço exterior são constituídos
essencialmente pelo “vácuo” (SELLERS et al., 2003, p. 82). Segundo Asimov (1981, p. 19), a
palavra vácuo deriva do latim vacum, cujo significado é “vazio”87, e que esse “vácuo, além da
atmosfera, pode ser chamado de espaço exterior”. Nas alturas até 1.000km, moléculas de
oxigênio e nitrogênio estão presentes e são responsáveis pelo aumento da temperatura em
função da radiação solar, o que cria átomos ionizados e outras moléculas, fazendo com que os
gases sejam eletrificados, dando origem ao plasma. Acima dessa altura, os efeitos magnéticos
86 Moreira (2001, p. 15) considera como “categorias básicas da ação geográfica: a localização, a distribuição e a
extensão”.
87 Aristóteles identificou esse espaço vazio como éter, um quinto elemento (além da água, ar, fogo e terra), presente
no espaço, no “Mundo celestial (além da Lua)” (ROSA, 2012, p. 160).
76
da Terra influem no comportamento das partículas existentes (ANGELO JR., 2006). Para Vogt
(2007), esses átomos e moléculas são originários de gases como hidrogênio, hélio, oxigênio,
nitrogênio, argônio, dióxido de carbono e o vapor de água.
Segundo Doody e Stephan (1995, p. 7), o vazio aparente do Sistema Solar, na
verdade, “inclui várias formas de radiação eletromagnética e ao menos dois compostos
materiais: poeira interplanetária e gases interplanetários”. A NASA entende que o Sistema Solar
forma uma “bolha”, a helioesfera, composta por partículas e campos magnéticos que se
originam no Sol, e denomina esse espaço de “meio interplanetário” (NASA, 2018, p. 1-1).
No que tange à configuração espacial, o espaço exterior, considerado como objeto
de estudo, pode ser estruturado seguindo a mesma lógica de segmentos apresentada acima. Uma
primeira porção, denominada Terra, incluiria as facilidades diretamente relacionadas com o uso
do espaço exterior situadas na superfície terrestre. Essas facilidades seriam, por exemplo, os
centros de lançamento de foguetes ou antenas de rastreamento de satélites. No segmento do
espaço terrestre e do espaço lunar, o espaço exterior se organiza na forma de órbitas, corpos
celestes e pontos astronômicos. Tais elementos de organização espacial serão amiúde
analisados à frente.
Cabe destacar que esse espaço geográfico peculiar, isto é, remete aos segmentos
além da atmosfera, é ainda para o homem um espaço inabitável de forma autossuficiente.
Apesar das experiências da estação orbital soviética “Mir”, que durou de 1986 a 2001, e abrigou
diversos cosmonautas88 por períodos contínuos, e da International Space Station – ISS (Estação
Espacial Internacional – EEI), que a partir de 2004 tem abrigado astronautas por períodos de
até 190 dias (ANGELO JR., 2006, p. 404 e 315), as condições de sobrevivência permanente no
espaço exterior (inclusive em corpos celestes como a Lua), até agora, constituem uma barreira
fisiológica intransponível à ciência. O que não quer dizer que esse mesmo espaço não possa ser
considerado já atualmente um "espaço usado” (política e materialmente)89.
Uma outra observação, de cunho metodológico, faz-se necessária. Haja vista a
dimensão gigantesca do espaço exterior, até agora não efetivamente mensurada pelos estudos
astronômicos, seria impossível abarcar todas as possibilidades de análise de tão amplo e ainda
88 Cosmonauta é o título russo (anteriormente soviético) equivalente ao astronauta norte-americano (ANGELO
JR., 2006). Na China, o título concedido é o de taikonauta, cuja origem vem da palavra taikong, cujo significado
na língua mandarim é espaço exterior. A Índia, apesar de ainda não ter enviado um ser humano ao espaço em
engenho próprio, tenderia a denominá-lo vyomanauta, também em função da origem de uma palavra em sânscrito
cujo significado seria céu ou espaço.
89 Para Doboš (2019), quando se estuda o espaço exterior há a necessidade de se considerar cinco fatores de
influência geográfica: a questão da ausência de gravidade; os efeitos atmosféricos espaciais que degradam os
equipamentos em órbita; o vácuo; o lixo espacial; e a radiação espacial.
77
desconhecido ambiente. Isto não nos impede de alcançar uma definição de espaço exterior, ou
simplesmente espaço. Como destacaram Sellers et al. (2003, p. 72), o “Espaço é um lugar [...],
um lugar onde as coisas acontecem: espaçonaves orbitam a Terra, planetas orbitam o Sol e o
Sol gira em torno do centro da galáxia”. E, como será abordado em Capítulo seguinte, o espaço
exterior é também um espaço abrangido pelas projeções geopolíticas de poder.
Na sequência da conceituação de espaço exterior, a abordagem utilizada no estudo
debruçou-se sobre a análise dos segmentos adotados na caracterização desse espaço, quais
foram a Terra, o espaço terrestre e o espaço lunar90.
2.3.2.1 O segmento Terra
Na investigação sobre os elementos integrados ao segmento Terra, pareceu-nos
mais adequado apresentar um exemplo, oriundo dessa investigação, que se estenderia às várias
categorias análogas91. Com esse procedimento metodológico, buscou-se apresentar um modelo
real que teria abrangência e aplicabilidade conceitual e empírica aos casos possíveis de
observação no referido segmento do espaço exterior.
Sellers et al. (2003, p. 614) apresentam a arquitetura de um sistema cujo propósito
seria prover serviços de telecomunicações. No conjunto de objetos identificados estaria
destacada a relevância do segmento Terra na conceituação de espaço exterior. Dentre os
elementos que comporiam essa arquitetura, identificados pelos autores, destacamos: “a)
estações terrestres representadas pelas antenas, transmissores e receptores; e b) centro de
controle, no qual estão as capacidades de controle do sistema”92.
Agregando-se à essa arquitetura, com funções primárias, ainda no segmento Terra,
podemos incluir os centros de lançamento de foguetes, suas cargas úteis (no caso, os satélites
de telecomunicações) e as oficinas de montagem dos foguetes. Caso consideremos funções
secundárias nesse sistema, o leque de instalações e serviços expande-se muito: centros de
desenvolvimento de tecnologia de propulsão ou dos próprios satélites, escolas de formação de
90 Para uma melhor compreensão das questões ligadas à astronomia e à astrofísica, consultar as obras de Mourão
(1987), Sellers et al. (2003), Angelo Jr. (2006), Lang (2013), Keeton (2014), Schneider (2015), Karttunen et al.
(2017) e Walter (2018).
91 Além do exemplo sugerido, outras categorias de arquitetura poderiam ser citadas: serviços meteorológicos,
serviços de posicionamento e navegação aérea e terrestre, teleducação, assistência médica remota, aplicações
militares (armas de precisão), etc.
92 Nesse exemplo já é possível se perceber a impossibilidade de se compartimentar superfície, espaço aéreo e
espaço exterior, pois alguns elementos que têm relação direta com o espaço exterior estão situados na superfície
ou dependem do espaço aéreo (por exemplo, as ondas eletromagnéticas).
78
pessoal com a capacitação necessária para a operação do sistema, instalações administrativas e
de logística, aparatos de salvatagem, de contra-incêndio e de segurança orgânica, dentre outras.
Na prática, toda essa arquitetura é uma rede, no sentido que Castells (2004) definiu,
pois tratam-se de pontos e nós, que se interconectam e transmitem fluxos de informações. Essa
ideia será retomada adiante quando a discussão se aprofundar na categoria geográfica de fluxo.
2.3.2.2 O segmento Espaço Terrestre
No segmento espaço terrestre, ainda recorrendo ao exemplo de Sellers et al. (2003),
também observamos elementos dessa arquitetura, tais como: elementos situados no espaço
exterior como espaçonaves e satélites, espaçonaves de suporte e satélites de retransmissão; o
down link, dado primário enviado do satélite para a estação terrestre; o up link, dado enviado
da estação terrestre para o satélite principal; o forward link, dado enviado da estação terrestre
ao satélite principal via satélite de retransmissão; o return link, dado enviado do satélite
principal para a estação terrestre via satélite de retransmissão; e o cross link, dados enviados
entre os satélites primário e secundário, em ambas as direções.
Na verdade, o segmento espaço terrestre abrange mais elementos do que apenas
satélites ou espaçonaves e dados, materializados pelas ondas eletromagnéticas. Esse é um
segmento muito importante na conceituação, em especial quando observamos adiante sua
relevância geopolítica.
Recordando, o espaço terrestre reúne diferentes componentes da litosfera,
atmosfera e hidrosfera, mas para os propósitos desta Tese diz respeito em particular àquele
segmento que se inicia na linha dos 100km, convencionada como a altura a partir da qual o voo
sob as leis da aerodinâmica se torna impossível, e onde satélites podem orbitar ao redor da Terra
sem serem atraídos fatalmente pelo campo gravitacional do planeta. Nesse aspecto, é uma zona
de transição entre o espaço aéreo e o espaço exterior.
O campo gravitacional terrestre, ilustrado na Figura 10, assim como o da Lua, é um
dado básico para a compreensão de um dos aspectos de maior significado nesse segmento: as
órbitas terrestres. Isaac Newton foi quem estabeleceu a “Lei Universal da Gravitação”, no
século XVII; a qual o geógrafo Humboldt (1875, p. 62) se referiu como “a força primitiva da
natureza”, o que nos leva a destacar a importância do assunto nos estudos geográficos.
79
Figura 10 – Campo Gravitacional Terrestre
Fonte: WIKIMEDIA, 2018a.
Legenda:
Earth’s north pole – Polo Norte da Terra
Earth’s south pole – Polo Sul da Terra
Em vários aspectos do cotidiano terrestre percebeu-se a influência da lei universal
da gravitação. Whiterick, Ross e Small (2001, p. 115) citam o gravity model (modelo
gravitacional) como o modelo de “aplicação da Lei de Newton da Gravitação Universal a
diferentes situações da geografia humana, onde o movimento esteja envolvido, tais como a
migração, compras, tráfego e comércio”. Kotlyakov e Komarova (2007, p. 312), pelo lado da
geografia física, destacam que essa Lei de Newton “determina a forma esférica da Terra e
muitas características da sua superfície, como o fluxo dos rios, os movimentos das geleira, etc.”.
Varejão-Silva (2006) destaca a influência da gravidade nas diferentes latitudes e altitudes,
revelando seu impacto em estudos meteorológicos.
A gravitação é a “aceleração produzida pela mútua atração entre duas massas,
direcionada ao longo da linha que une o centro dessas massas, e de magnitude inversamente
proporcional ao quadrado da distância entre esses dois centros” (ANGELO JR., 2006, p. 276).
Essa é a Lei que Newton expressou em uma fórmula matemática: F = m1 x m2 x G/r², onde
“m1” e “m2” são as massas dos dois corpos, “G” é a constante gravitacional (cujo valor é 6,6726
x 10-11) e “r” é a distância entre o centro das duas massas. Na prática, a gravidade determina a
atração entre dois corpos, sendo que esses corpos possuem um campo gravitacional de atração.
80
O campo gravitacional da Terra, mais precisamente no que se refere ao espaço
terrestre, determina uma região na qual sua gravidade gera pontos nos quais é possível a
aposição de objetos com determinadas funções, mormente os satélites ou naves espaciais. Esses
pontos, que na verdade são trajetórias, denominam-se órbitas. Buchheim (1959, p. 28)
estabelece uma diferenciação entre trajetória e órbita. No primeiro caso, a trajetória, seria
adequado pensar no caminho que percorre um projetil quando lançado. No caso da órbita, ela
se refere a trilhas percorridas de forma mais constante e repetitiva. Por exemplo, a trajetória de
um foguete da Terra à Lua e a órbita da Lua em torno da Terra.
As órbitas possuem uma mecânica própria, cujos principais elementos seriam
tamanho, forma, orientação e localização do objeto orbital. Apesar de não ser objetivo da Tese
percorrer discussões astrofísicas sobre as órbitas, algumas breves considerações foram
necessárias.
Toda órbita, em princípio, descreve uma trajetória elíptica (ANGELO JR., 2006,
p. 451), porém, como será abordado à frente, admitem-se outros formatos de órbita. Na
trajetória o ponto mais próximo da superfície terrestre (ou da massa na qual orbita) é
denominado perigeu, e o ponto mais afastado, apogeu. A trajetória, cujos pontos extremos são
o apogeu e o perigeu, define o plano da órbita. A metade da distância no eixo que se desenha
entre o apogeu e o perigeu, nesse plano, é reconhecido como o tamanho da órbita. Sua forma
admite quatro comportamentos, que utilizam o conceito de excentricidade como balizador. A
excentricidade é “a medida da ovalação de uma órbita” (ANGELO JR., 2006, p. 203). Assim,
no que tange à forma da órbita, ou à sua medida de ovalação, as órbitas podem ser circulares,
elípticas, parabólicas ou hiperbólicas. A orientação de uma órbita é dada, em uma explicação
básica, pela inclinação do plano da órbita em relação ao plano formado pela linha do Equador.
Por fim, a localização do objeto espacial na órbita é identificada pelo conceito de “anomalia
verdadeira”, que nada mais é do que “ângulo formado entre o perigeu e a posição vetorial do
objeto medido em termos de direção de movimento” (SELLERS et al., 2003, p. 160).
De posse desses elementos de mecânica orbital, passamos à etapa de maior interesse
da pesquisa, qual seja a de classificação das órbitas em função de altitude e utilidade da missão.
A classificação com base nesses argumentos permite-nos introduzir temas que serão amiúde
discutidos no Capítulo seguinte. Em função das referências consultadas, observou-se que
existem diferentes tipos de classificação de órbitas. O Quadro 1 apresenta algumas das
classificações obtidas na pesquisa.
81
Quadro 1 – Classificação dos Tipos de Órbitas
Referência Tipos de Órbitas
Sun- Semi-
Sellers et al. Geoestationary Low Earth Molniya
synchronos synchronos
Medium High
Dolman Low Earth High Earth Molniya
Earth Eliptical
Medium
Sloan Low Earth High Earth
Earth
Doody e Sun-
Geosynchronous Polar Walking
Stephan synchronous
Fontes: DOODY e STEPHAN, 1995; DOLMAN, 2002; SELLERS et al., 2003; SLOAN, 2012.
Legenda:
Geoestationary – Geoestacionária
Low Earth – Baixa (em relação à) Terra
Geosynchronous – Geossincrônica
Sun-synchronos –Heliossincrônica (sincronizada com o Sol)
Medium Earth – Média (em relação à) Terra
Polar – Polar
Semi-synchronos – Semissincrônica
High Earth – Alta (em relação à) Terra
Walking – Andarilha
High Eliptical –Alta Elípitica
Molniya – Molniya
Cada um dos tipos de órbita possui características específicas em relação à
mecânica orbital. Por exemplo, as órbitas geoestacionárias possuem inclinação próxima a 0º, o
que quer dizer que o plano dessa órbita coincide com o plano formado pela Linha do Equador.
A órbita do tipo Molniya, nome derivado de uma série de satélites russos, é uma órbita “alta
elíptica com apogeu de 40.000km e perigeu de 500km” (ANGELO JR., 2006, p. 405), que
abriga satélites de comunicações. Assim, as órbitas variam em função do tamanho, forma,
orientação e localização do objeto orbital.
A fim de atender a demanda de conceituação da pesquisa adotou-se uma
classificação físico-funcional das órbitas, que pode ser observada no Quadro 2. Conforme se
deduz, trata-se de uma adpatação das classificações anteriormente apresentadas, em especial
com os elementos de argumento baseados em Dolman (2002) e Sloan (2012).
82
Quadro 2 – Classificação Físico-Funcional das Órbitas
Elementos de Classificação
Tipos de Altura
Órbitas (a partir da superfície Função Observação
terrestre)
Quanto mais baixo o satélite,
Satélites de
mais rápido ele se movimenta em
reconhecimento da Terra
relação à Terra: satélites em LEO
Low Earth (militar ou de recursos
Entre 150 a 800km. trafegam cerca de 14 a 16 órbitas
Orbit naturais), voos tripulados e
por dia, enquanto os satélites em
estações orbitais
HEO, trafegam cerca de 2 a 14
internacionais.
vezes por dia.
Medium Própria para redes de Como o Global Positioning
Entre 800 a
Earth satélites de comunicação ou System (GPS93) (que fica a cerca
35.000km.
Orbit de posicionamento. de 20.000km).
Tal órbita é preferencial
Caso o período do satélite seja
para satélites militares e de
coincidente com o da rotação
comunicações, assim como
terrestre (a cerca de 36.000 km),
para aqueles que tem por
High Earth No mínimo a ele é considerado geossíncrono.
função detectar o
Orbit 35.000km. Se o plano da órbita for
movimento de mísseis
coincidente com o plano do
balísticos. Pode também
Equador, a órbita é
servir para comunicações
geoestacionária.
globais e meteorologia.
Próprias para estudo de
Perigeu de até 250km cometas, asteroides, Além de 900.000km não há mais
High
e apogeu a cerca de radiação solar e cósmica, força gravitacional terrestre e as
Eliptical
700.000km. além de outros fenômenos órbitas não são mais possíveis.
astronômicos.
Em sua órbita semissincrônica de
Apogeu de 40.000km 12 horas, passa a maior parte do
Molnyia Satélites de comunicações.
e perigeu de 500 km. tempo em seu apogeu, sobre as
latitudes Norte.
Fontes: Adaptado de DOLMAN, 2002; SLOAN, 2012.
93 GPS é a sigla do Sistema Global de Posicionamento norte-americano. O nome mais apropriado para se referir a
esse tipo de sistema vem da sigla GNSS - Global Navigation Satellite System, cuja tradução é Sistema Global de
Navegação por Satélite.
83
A Figura 11 representa graficamente alguns dos tipos de órbita conforme a
classificação adotada no quadro acima.
Figura 11 – Tipos de Órbita
Fonte: o Autor, 2019.
Legenda:
LEO – Low Earth Orbit (Órbita Baixa da Terra)
MEO – Medium Earth Orbit (Órbita Média da Terra)
HEO – High Earth Orbit (Órbita Alta da Terra)
GEO – Geoestationary Orbit (Órbita Geoestacionária)
HE – High Eliptical (Órbita Elíptica Alta ou do tipo Molnya)
As órbitas são espaços limitados para ocupação, em especial as órbitas baixas da
Terra (Low Earth Orbit – LEO) e as órbitas geoestacionárias (GEO)94. Em função disso,
organismos internacionais como o COPUOS e a International Telecommunication Union – ITU
(União Internacional das Telecomunicações) têm conduzido debates sobre regras para a
utilização das órbitas terrestres cujo impacto é geopolítico. Sadeh (2011, p. 126), por exemplo,
aponta que o papel da ITU na alocação de frequências é muito significativo, haja vista que “o
espectro da radiofrequência é um recurso natural limitado que é compartilhado entre as nações
94 Uma das evidências de que órbitas são espaços geográficos de ocupação limitada é a crescente preocupação
quanto ao obscurecimento (ou bloqueio) das observações astronômicas a partir da superfície em função do número
de satélites em órbitas LEO.
84
em bases regionais e globais”95. Outro caso presente nos debates internacionais, pois também
se constitui em um recurso natural em potencial, é a situação do maior satélite natural da Terra96.
2.3.2.3 O segmento Espaço Lunar
Um pouco além do espaço terrestre e suas órbitas, encontra-se o espaço lunar, cujo
elemento de maior interesse é a Lua. Ela é um corpo celeste “a cerca de 386.000km da Terra,
sem atmosfera e com a superfície provavelmente seca e com rochas cobertas de poeira”
(BUCHHEIM, 1959, p. 21). Segundo Mark (2003, p. 127), a “superfície da Lua equivale a do
continente africano, cuja atmosfera de um vácuo quase perfeito não é afetada por efeitos
meteorológicos e o céu é perpetuamente negro”.
Apesar da aparência inóspita, a Lua desperta a atenção da comunidade internacional
em função do seu potencial estratégico. Em 1979, a Assembleia Geral da ONU aprovou o
“Acordo sobre as Atividades dos Estados na Lua e nos Corpos Celestes”, que destaca no Artigo
11 que “A Lua e seus recursos naturais são um bem comum da humanidade, [ e que ela] não é
sujeita a apropriação ou reclamos de soberania” (UNO, 2017, p. 35), e que seus recursos não
seriam objeto de propriedade de qualquer Estado97. Apesar de ainda persistirem dúvidas sobre
a viabilidade da exploração mineral na Lua, como sugere Mark (2003, p. 601), alguns minerais
“foram encontrados em abundância superior a 1% nas rochas lunares: pyroxene (Ca,Fe,Mg)
SiO3, calcicplagioclase (Ca,Na)(Al,Si)4O8, ilmenite (FeTiO3); olivine (Mg,Fe)2SiO4,
pyroxferroite CaFe6(SiO3)7, e dois polimorfos de silica (SiO2), o cristobalite e o tridymite”.
A Lua, segundo Crotts (2014, p. 9, apud DOBOŠ, 2019, p. 18) é um “continente
não explorado da Terra”, fonte potencial de ilmenita (um óxido natural de ferro e titânio), que
pode ser transformado em fonte de titânio. Além disso, o potencial descobrimento de fontes de
água em nosso satélite natural, abrirá espaço para se adquirir uma das mais importantes
demandas de sobrevivência humana em outros corpos celestes. A água também permitirá sua
utilização em “propelentes de foguetes, na extração de oxigênio, na produção de energia, na
95 Hays (2011b, p. 88 e 89) alerta que o espaço exterior torna-se crescentemente congestionado e que demandará
medidas regulatórias e de fiscalização, em especial quanto à demanda “comercial no espectro de frequências de
rádio, atuando de forma a pressionar pela alocação de faixas do espectro atualmente utilizadas para fins militares”.
96 Além da Lua, outros satélites naturais da Terra já são conhecidos. Eles são denominados quasi-sattelite (quase
satélites), corpos celestes, geralmente asteroides, que em função do campo gravitacional da Terra são atraídos e
permanecem em órbita constante nesse planeta. O Center for Near Earth Objetcs Studies – CNEOS (Centro de
Estudos para Objetos Próximos à Terra), um instituto da NASA, cataloga esses objetos e em 03 de maio de 2019
o total cumulativo chegava em 20.183 (disponível em https://cneos.jpl.nasa.gov/stats/totals.html).
97 Não faltam, entretanto, opiniões sobre a possibilidade de propriedade em corpos celestes. Cochetti (2020)
destaca que as questões em torno da propriedade na Lua, apesar de “política, legal, econômica e tecnicamente
complexas, não são muito diferentes das questões sobre propriedade na Antártida, na alta atmosfera, nas órbitas,
nos asteroides ou em outros planetas”.
85
fabricação de componentes de construção e na proteção contra a radiação cósmica” (DOBOŠ,
2019, p. 19).
Não somente na questão dos recursos naturais que a Lua é objeto de interesse. Como
afirma Hans Mark,
[...] hoje, a Lua está a exercer uma influência benéfica sobre nós, uma vez mais,
simplesmente por sua existência. A Lua é o primeiro entreposto no movimento da
humanidade em direção ao Sistema Solar. Deveremos passar pela órbita lunar
seguindo para qualquer ponto no espaço. Então, a natureza nos proveu com uma
‘estação no caminho’, um lugar onde poderemos aprender a trabalhar e viver no
espaço, reabastecer e revigorar nossas espaçonaves. Em complemento a esses
benefícios, a Lua também acontece de ser um lugar interessante. Sua superfície
contém registros importantes sobre o que ocorreu com os primórdios da história da
Terra. Além do mais, é uma excelente plataforma para se observar o Universo ao
nosso redor. Por tudo isso, a Lua é uma importante parte do nosso movimento na
direção do espaço (MARK, 2003, p. 127).
Desde as primeiras observações telescópicas de Galileu, que descobriu “ser a
superfície da Lua irregular e com reentrâncias, ao invés de lisa” (NAGEL, 2005, p. 39), até o
Programa Apollo, cujos momentos notáveis foram os lançamentos de 1968, quando a Apollo 8
chegou a orbitar a Lua, de 1969, quando a Apollo 11 alunissou nesse satélite e testemunhou-se
o primeiro homem a pisar na Lua, e quando a última missão do programa, a Apollo 17, quando
trouxe amostras do solo lunar, o satélite natural da Terra constitui-se em um espaço geográfico
de grande relevância, sendo o corpo celeste mais explorado pela humanidade.
No espaço constituído pelo espaço lunar e pelo espaço terrestre, encontram-se
outros elementos de natureza geográfica que complementam o mosaico mais definido da
caracterização do espaço geográfico. Dentre esses elementos que constituíram nossa análise
estão os Pontos de Lagrange, a Órbita de Transferência Hohmann, os Cinturões de Van Allen,
os poços gravitacionais e outros corpos celestes como asteroides, cometas, meteoritos e detritos.
Os Pontos de Lagrange, também conhecidos como Pontos de Calibração, foram
denominados em função das descobertas do matemático ítalo-francês Joseph-Louis Lagrange,
em 1772, e destacam a influência do campo gravitacional entre duas massas “m1” e “m2”98.
Existem cinco pontos de Lagrange, denominados a partir da letra L, em ordem numérica de L1
a L5. Esses pontos são “localizações no espaço exterior onde pequenos corpos podem manter
órbitas estáveis a despeito da influência gravitacional de duas massas”, em um estado de
equilíbrio (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 260). No sistema Sol-Terra, representado na Figura
98 Teoricamente, a relação entre duas massas de corpos celestes quaisquer gera pontos de calibração. Assim, por
exemplo, é possível se identificar os Pontos Lagrange em sistemas de massas como o sistema Sol-Terra ou Terra-
Lua.
86
12, o ponto L1 é “ideal para a observação dos ventos solares que chegam à Terra, enquanto o
segundo, [o ponto L2], é similarmente útil para o estudo da magnetosfera”99.
Figura 12 – Pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra
Fonte: o Autor, 2019.
Legenda:
SOL – Planeta Sol
TERRA – Planeta Terra
LUA – Satélite Natural Lua
L1, L2, L3, L4 e L5 – Pontos de Lagrange no Sistema Sol-Terra
No Sistema Terra-Lua, representado na Figura 13, os pontos L4 e L5 “têm recebido
a atenção em função do potencial para alocar colônias espaciais no futuro” (MATZNER, 2001,
p. 277). Uma das grandes vantagens dos pontos Lagrange é a questão da economia de
combustível, haja vista que espaçonaves podem ali permanecer em um equilíbrio gravitacional
quase perfeito, evitando-se o consumo em manobras de deslocamento ou correção nas órbitas.
Tão importante é a possibilidade teórica dos Pontos de Calibração que autores como Dolman
(2002) já chamam a atenção para o potencial militar e comercial (além de geopolítico) desses
finitos pontos no espaço100.
99 A magnetoesfera é a “região que cerca um planeta na qual as partículas carregadas são controladas pelo campo
magnético do [respectivo] planeta” (DAINTITH e GOULD, 2006, p. 279). A existência dessas regiões gera
espaços específicos de concentração de partículas, em cada massa celeste, como é o caso do Cinturão de Van
Allen, que circunda a Terra.
100 Aydin (2019, p. 29) afirma que os pontos de Lagrange L-4 e L-5 são “ideais para a construção de infraestruturas
orbitais de larga escala, tais como estações espaciais”.
87
Figura 13 – Pontos de Lagrange no Sistema Terra-Lua
Fonte: o Autor, 2019.
Legenda:
TERRA – Planeta Terra
LUA – Satélite Natural Lua
L1, L2, L3, L4 e L5 – Pontos de Lagrange no Sistema Terra Lua
Outro elemento do espaço exterior que também tem gerado especulações
geopolíticas é a Órbita de Transferência Hohmann, teorizada em 1925 pelo engenheiro alemão
Walter Hohmann. Segundo Sellers et al. (2003), a possibilidade de transferência de uma
espaçonave entre órbitas distintas é de grande importância para a engenharia espacial. Por meio
desse método, trajetórias são modificadas, o que permite o deslocamento no espaço com o
menor consumo de combustível dos foguetes. Segundo Mark (2003, p. 541-542), “aplicações
comuns da órbita Hohmann seriam a transferência de satélites de comunicações das órbitas
baixas da Terra para órbitas geoestacionárias, e a navegação interplanetária, por exemplo entre
a Terra e Marte”. Especula-se, inclusive, que as Órbitas de Transferência serão “As futuras
linhas de comércio e linhas de comunicação militares no espaço entre os portos espaciais
estáveis” (DOLMAN, 2002, p. 63).
Os Cinturões de Van Allen, identificados em 1958 pelo cientista espacial norte-
americano James A. Van Allen, quando do lançamento do satélite Explorer 1, são “dois
cinturões toroidais que circulam a Terra” (MATZNER, 2001, p. 498). O vento solar dispersa
partículas carregadas de prótons e elétrons, principalmente, pelo meio interplanetário. O campo
magnético dos planetas não consegue defletir todas essas partículas e parte delas é capturada
pelo magnetismo e fica concentrada em determinadas regiões do espaço. No caso da Terra, os
88
cinturões de Van Allen são formados pela porção de partículas que se concentram em dois
toroides, conforme se observa na Figura 14. De acordo com Vogt (2007, p. 67-68), “o cinturão
interno estende-se, aproximadamente de 640km até 6.300km da superfície terrestre, enquanto
que o cinturão externo inicia-se a cerca de 10.00km e atinge 64.00km”.
Figura 14 – Cinturões de Van Allen
Fonte: WIKIMEDIA, 2006.
Legenda:
Axe de rotation – Eixo de rotação da Terra
Axe magnétique – Eixo magnético da Terra
Ceinture intérieure – Cinturão interior
Ceinture extérieure – Cinturão exterior
Apesar desse dimensionamento aparentemente regular, as características dos
cinturões variam em função do vento solar, ou seja, com ventos mais intensos há o transporte
de maior número de partículas que são absorvidas pelos cinturões. Na verdade, o cinturão
interior é aquele que abriga a maior concentração dessas partículas. Outro fator de variação é a
espessura dos cinturões. Ela não é perfeitamente homogênea, algo que se reflete na maior ou
menor absorção dos raios solares em determinadas regiões da superfície terrestre.
Em certos pontos dos dois cinturões ocorre uma intensa concentração de partículas
carregadas, respectivamente nas faixas de 2.000 a 5.000km para o cinturão interior e entre
14.500 a 19.000km, no exterior. Essa peculiaridade impacta na função dos cinturões de duas
formas. Para Vogt (2007, p. 68), os cinturões, em especial o interior, “provêm um tipo de
armadura de radiação na qual dependem os astronautas quando orbitando na Terra”. No
entendimento de Angelo Jr. (2006, p. 634), as “Espaçonaves, os seus ocupantes e os
89
equipamentos sensíveis a bordo quando orbitando dentro dos cinturões ou por eles transitando
devem se proteger contra os efeitos da radiação ionizante”.
Seja como um risco ou um elemento de proteção, os cinturões são localizações no
espaço terrestre, assim como são os Pontos de Calibração ou as Órbitas de Transferência, cujo
trânsito ou a permanência de espaçonaves constituem-se em trilhas comuns e de interesse,
verdadeiros estrangulamentos, cujo valor geopolítico, abordado no Capítulo seguinte, pode ser
deduzido a partir da analogia com os choke points101 terrestres e marítimos.
Os poços gravitacionais corroboram essa afirmação, e já são observados como
elementos de interesse militar, quando se fala de tráfego espacial. Bruner III (1999) destaca que
o valor do poço gravitacional é óbvio para as aplicações militares, apesar de ainda não
totalmente explorado devido à uma questão de natureza política sobre o uso do espaço, e não
efetivamente pela praticabilidade astrofísica. O poço gravitacional pode ser compreendido pelo
potencial de energia de aceleração em função da posição de uma espaçonave no mesmo. Ou
seja, “objetos mais distantes da Terra (mais altos no poço gravitacional), possuem mais energia
potencial gravitacional do que aqueles situados mais próximos do planeta” (BRUNER III, 1999,
p. 415). Isso implicaria em menores velocidades necessárias para escape da órbita e maior
velocidades atingíveis ao se aproximar da Terra. A Figura 15 representa a diferença de energia
potencial gravitacional entre objetos situados em dois pontos distintos do poço gravitacional da
Terra.
101 Chokepoints segundo o Dictionary of Geopolitics são “passagens marítimas de significação estratégica”
(O’LOUGHLIN, 1994, p. 41), tanto militar como econômica, geralmente situados em canais ou estreitos. Alguns
exemplos: Canal do Panamá, Estreito de Málaca, Estreito de Ormuz etc.
90
Figura 15 – Diferença de Energia Potencial Gravitacional
Fonte: o Autor, 2019.
Legenda:
TERRA – Planeta Terra
Ug A – Energia potencial gravitacional de um objeto no ponto A
Ug B – Energia potencial gravitacional de um objeto no ponto B
Ug A > Ug B – Energia potencial no ponto A é maior do que no ponto B
O conceito de velocidade no espaço tem relação com o consumo de combustível,
haja vista a demanda para a correção ou mudança nas trajetórias almejadas. Quando observamos
os elementos finais de nossa caracterização, corpos celestes como asteroides, cometas,
meteoritos e detritos, esse fator assume relevância em face da possibilidade de exploração dos
recursos espaciais eventualmente disponíveis nesses corpos.
Asteroides “são pequenos corpos sólidos em órbita solar, também denominados
planetas menores” (MATZNER, 2001, p. 33). Os cometas são “rochas geladas e sujas
constituídas de poeira, água congelada e gases, orbitando ao redor do Sol” (ANGELO JR.,
2006, p. 137)102. Estes últimos, à medida que se aproximam do Sol, formam uma cauda que é
fruto do descongelamento de seus materiais constitutivos. Considera-se que determinados
asteroides sejam cometas mortos, devido às repetidas passagens pelo Sol, que descongelaram
seu núcleo. Os meteoritos “são fragmentos de material extraterrestre que queimam ao entrar na
102 Segundo Doboš (2019, p. 8-9), “asteroides e cometas podem ser divididos em dois grupos de objetos, em função
da segurança do planeta Terra e fruto das possibilidades econômicas desses objetos: os NEO (Near-Earth Objects,
objetos próximos à Terra) e o PHA (Potentially Hazardous Asteroids, Asteroides Potencialmente Perigosos). Esses
últimos, podem chegar à uma distância de 0,05 AU”.
91
atmosfera de um planeta” (NAGEL, 2005, p. 109). Por fim, os detritos de origem humana são
“quaisquer objetos sem função ativa, incluindo-se nesse grupo espaçonaves inativas ou
obsoletas, partes de veículos de lançamento, partes de satélites ou fragmentos de espaçonaves
e foguetes que tenham se quebrado por qualquer razão” (THOMPSON, 2015, p. 5). Meteoritos,
em espacial os micrometeoritos, aqueles fragmentos cuja massa é menor que um grama, podem
ser considerados detritos naturais103.
Apesar da ainda discutível praticabilidade de exploração comercial dos asteroides
ou dos cometas104, autores com Mark (2003, p. 600) consideram que em comparação com as
dificuldades logísticas de empreendimentos na Lua, os asteroides próximos à Terra, “devido a
sua imensa riqueza e diversidade de recursos, têm emergido como fontes mais atrativas de
materiais para exploração”. A Figura 16 é uma fotografia do cometa 67P/Churyumov–
Gerasimenko tirada da espaçonave Rosetta da European Space Agency – ESA (Agência
Espacial Europeia), destacando a sonda robótica Philae que aterrissou no cometa em 2014105.
Ela ilustra o grau de interesse dos países com capacidade de projeção no espaço exterior por
esse tipo de exploração econômica. Aspecto que será analisado no Capítulo seguinte.
103 A problemática em torno do dano que meteoritos, e mesmo micrometeoritos, podem causar a satélites ou naves
espaciais foi explorada recentemente na obra de ficção cinematográfica Gravidade (2013), dirigida por Alfonso
Cuarón (https://www.imdb.com/title/tt1454468/). Esse problema, contudo, já vem sendo explorado no meio
científico, como é o caso de Schonberg (2010) e Thompson (2015).
104 Segundo Sonter (2006), existe a possibilidade de amplo espectro de materiais exploráveis nos asteroides e
cometas, tais como “metais de níquel e ferro, silicatos, platina, água, hidrocarbonetos betuminosos, dióxido de
carbono, amônia”.
105 Neufeld (2018, p. 101) atribui ao Jet Propulsion Laboratories – JPL (Laboratórios de Propulsão a Jato), situado
nos EUA, o lançamento de uma “espaçonave que voou na direção, orbitou e pousou no asteroide Eros, nos anos
de 2000-2001”, como a primeira tentativa bem sucedida desse tipo de operação.
92
Figura 16 – Exploração em Asteroides
Fonte: ESA, 2018.
Encerrada a etapa da caracterização do espaço exterior, cuja abordagem didática foi
a sua compartimentação nos segmentos Terra, espaço terrestre e espaço lunar, buscar-se-á,
agora, constituir nosso objeto de estudo a partir de uma visão de conjunto, formado por objetos
geográficos cuja interrelação apresenta uma configuração espacial própria.
Para introduzir essa compreensão, o pensamento de Paulo C. da C. Gomes nos
pareceu bastante apropriado:
A Geografia é, assim, o ato de estabelecer limites, colocar fronteiras, fundar objetos
espaciais, orientá-los, ou, em poucas palavras, o ato de qualificar o espaço; mas é
também simultaneamente a possibilidade de pensar estas ações dentro de um quadro
lógico, de refletir sobre esta ordem e sobre seus sentidos (GOMES, 1997, p. 36).
O ambiente aeroespacial, integrado pelo espaço aéreo e espaço exterior, propõe-se
ser compreendido, portanto, como um conjunto formado de objetos e relações, um espaço
qualificado. Esse arranjo ou configuração de objetos espaciais, definidos por Corrêa (2000)
como organização espacial, reflete a dimensão eminentemente geográfica do ambiente
aeroespacial.
Quanto aos objetos, entendemos que ficou claro nas linhas acima a composição
desse ambiente quando os observamos sua disposição na superfície (por exemplo, aeroportos,
centros de lançamento de foguetes), no espaço aéreo (por exemplo, áreas, regiões, rotas,
territórios) e no espaço exterior (por exemplo, os corpos celestes e as órbitas).
93
No que tange às relações que se realizam sobre esses objetos, cuja funcionalidade
remete às intencionalidades, introduziram-se algumas ideias relativas à importância geopolítica,
como no caso da questão de soberania e da exploração econômica do espaço, que serão amiúde
discutidas adiante na Tese. Porém, como a ação é intermediada pelos objetos, coube descrever
esse conjunto espacial objeto da pesquisa para alcançarmos a condição de determinar mais
claramente, no Capítulo seguinte, as relações de poder presentes e projetadas.
2.4 Ambiente aeroespacial: um espaço geográfico
Na descrição que segue, inicialmente, procurou-se identificar os elementos
integrantes desse espaço geográfico ou conjunto espacial que se pretende deduzir, por meio de
algumas categorias analíticas. Ao longo dessa seção, a intenção foi identificar os elementos
empíricos levantados a partir da conexão destes com a abordagem abstrato-formal, na análise
teórica das categorias geográficas. O sentido didático de segmentação anteriormente adotado
como recurso metodológico, cede vez a uma abordagem integradora ou, como se poderá
observar, na forma de um sistema. À medida que cada categoria foi elaborada, a noção de
sistema ou de conjunto se organizou. Nesse trecho, portanto, o trânsito entre os vieses teórico
e empírico da pesquisa assume uma forma mais consolidada.
2.4.1 Fixo ou Objeto Geográfico
A primeira categoria que foi utilizada é a de fixo ou objeto geográfico. Na visão de
Santos (1997, p. 77-79), os fixos seriam “instrumentos de trabalho, forças produtivas em geral
[...], objetos localizados [...], sistemas de engenharia”. Considera que os objetos geográficos
podem ser móveis ou imóveis. O autor, inclusive, enumera alguns desses objetos, reconhecendo
que eles, por si só, não possuem apenas uma função técnica, mas pelo movimento dos fluxos,
também uma função social (SANTOS, 1997), e que é tarefa do Estado a criação dos fixos
(SANTOS, 2014), obviamente no que se refere a fixos artificiais.
No esforço de sintetizar essa visão teórica em elementos concretos, os objetos
geográficos identificados na caracterização puderam ser agrupados em duas categorias: naturais
e artificiais. O Quadro 3 sintetiza essas ideias.
94
Quadro 3 – Ambiente Aeroespacial – Objetos Geográficos Naturais e Artificiais
Ambiente Aeroespacial
Elevações Topográficas, Nuvens, Pontos Geográficos (por exemplo, a
Linha do Equador), Corpos Celestes (Planetas, Asteroides, Cometas,
Objetos Naturais Meteoritos, Detritos (naturais), Órbitas (inclusive a de Transferência),
Pontos de Calibração, Cinturões Van Allen, Poços Gravitacionais, Seres
Humanos.
Aeroportos (todos os elementos integrantes), Compartimentação do
Espaço Aéreo (Aerovias, Rotas, Perfis de Navegação), Facilidades
relacionadas à operação de aeronaves e espaçonaves (por exemplo, centros
de lançamento, terminais de passageiros e de cargas, centros de
Objetos Artificiais rastreamento), Indústria Aeroespacial, Centros e Instituições de Ensino
ligadas ao desenvolvimento tecnológico, Forças Armadas (meios ligados
ao comando, controle e operação), Aeronaves e Espaçonaves (foguetes,
mísseis, satélites e estações orbitais, tripuladas ou não), Empresas
Comerciais.
Fonte: o Autor, 2019.
Os objetos geográficos naturais são aqueles que Lefebvre (1991, p. 30 e 164),
mesmo reconhecendo o risco de desaparecimento, considerou como mais do que “uma
[simples] decoração”, ao contrário “valorizados na proporção dos seus pesos simbólicos” e
“percebidos como parte de um contexto natural”. De fato, essa subcategoria de objetos é tanto
objeto de estudo das geociências (geologia, meteorologia, topografia, geofísica etc.), como da
geografia. Derek et al. (2009, p. 480), inclusive, afirma que Carl Sauer “considerava a
morfologia da paisagem como o objeto central da investigação geográfica”106.
Por esse motivo, voltamos a atenção aos objetos geográficos artificiais. Nessa
subcategoria observou-se o que Santos (2014) destacou como a intencionalidade ou a finalidade
da existência deles107. Ou seja, cada um dos elementos artificiais é inserido em uma determinada
paisagem com o objetivo de exercer uma função. No sistema ou conjunto que ora se emoldura,
os objetos artificiais assumem uma destacada relevância, pois eles serão instrumentos do
106 Porém, o ponto que reconhecemos ser essencial é não confundir o saber geográfico com um mero inventário de
coisas, ou uma “notificação dos objetos espaciais [que] não é em si matéria geográfica” (CASTRO, GOMES e
CORRÊA, 2000, p. 35).
107 Importante também citar a percepção de Santos (2014) sobre os objetos técnicos, inseridos no contexto de um
sistema técnico. Um aeroporto, por exemplo, a partir do entendimento desse autor, seria um objeto técnico, fixo
geográfico artificial, cuja função seria a de organizar relações sociais. No caso específico do aeroporto, a
concentração/distribuição/operação do serviço de transporte aéreo e de cargas é a principal função organizativa
desse objeto técnico no contexto de um sistema de transportes.
95
exercício de uma determinada valorização do espaço usado, conforme propõe Santos, e que
Ratzel (MORAES, 1990) claramente vislumbrou como uma geopolítica, ainda que não fazendo
diretamente menção ao termo, e Claval (2011) reconheceu como espaço transformado. Assim,
cada objeto geográfico dessa subcategoria é uma transformação que o homem impôs à natureza
com a premissa de que ele exerça uma função108.
2.4.2 Fenômenos Naturais
Outra categoria analítica em destaque são os fenômenos naturais. Preferiu-se
distingui-los em uma categoria separada dos objetos naturais, em função do impacto que eles
exercem na operação do conjunto, mesmo que se corra o risco de agregar ao construto de Santos
(1997) um novo elemento109. Não há como construir um sistema de objetos e ações sem se
considerar a interferência dos fenômenos naturais, que podem orientar as relações dos seres
humanos com os objetos ou, de forma inversa, agir catastroficamente na paisagem, como é o
caso de tempestades tropicais ou furacões. Os efeitos dos ventos e das correntes aéreas, da
variação da altitude, da temperatura ambiente, da pressão atmosférica, da umidade do ar e do
ciclo hidrológico, da continentalidade (não proximidade do mar) são alguns exemplos de
fenômenos bem conhecidos na atmosfera terrestre110.
O impacto desses fenômenos no sistema aeroespacial também já foi bem
dimensionado. Varejão-Silva (2006, p. 25) destacou esse aspecto quando aponta, entre outras
considerações, que o estudo do fotoperíodo, ou tempo de duração do dia, “interfere em várias
atividades civis, [como por exemplo] atividades turísticas, economia de energia elétrica,
comércio, indústria, instituições de ensino”, permitindo que se desfrute da iluminação solar para
o exercício dessas atividades. Outro impacto pode ser verificado na operação de aeronaves. De
acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), entre
2008 e 2017, cerca de 11% dos acidentes com aeronaves no Brasil decorreram de “condições
meteorológicas adversas” (CENIPA, 2019, p. 33). É também recorrente o adiamento de
108 Coutau-Bégaire (2010, p. 643) destaca a importância das bases aéreas, essencialmente fixos geográficos
artificiais, no contexto dessa discussão, como elementos topográficos de uma “geoestratégia aérea”.
109 Esse é um fator que limita a abordagem de Milton Santos no construto de espaço geográfico. No ambiente
aeroespacial não há como se relegar o papel dos fenômenos naturais, que representam sérios obstáculos à
imposição de objetos artificiais e à consecução de relações, como foi exemplificado no texto.
110 Fenômeno de importância para a aviação é a jet-stream (corrente de jato). A jet-stream é uma faixa estreita de
ventos fortes que surge em função da diferença de temperatura entre os polos e o Equador, podendo atingir mais
de 300Km/h, situada entre 9 a 12.000m acima da superfície. Para as aeronaves que transitam nesta faixa de altitude
a corrente de vento pode significar aumento ou diminuição significativa na velocidade de deslocamento, caso a
trajetória da aeronave seja, respectivamente, coincidente ou contrária à direção da corrente.
96
lançamentos de foguetes espaciais em decorrência de fatores climáticos no local e momento do
lançamento111.
Quanto aos fenômenos naturais no segmento do espaço exterior, os estudos
astronômicos progridem a cada dia e novas descobertas sobressaem. Nos casos do espaço
terrestre e do espaço lunar, entretanto, hoje, o estado dos estudos científicos nos permitem um
conhecimento razoável sobre a influência desses fenômenos no sistema que ora se elabora. Na
verdade, o Sol é quem possui uma grande ascendência no sistema. A radiação que emite impacta
no uso do espectro eletromagnético, influenciando no formato de espaçonaves, gerando
perturbações e tempestades magnéticas e, até mesmo, na camada de ozônio. Como afirmaram
Sellers et al. (2003, p. 75), “a radiação solar tanto pode ser benéfica como perigosa para as
espaçonaves e os seres humanos no espaço”. Um exemplo simples para compreendermos essa
influência são os painéis solares que captam a radiação e a transformam em energia para a
operação dos sistemas de um satélite. O mesmo Sol que fornece a energia também degrada os
painéis ao longo do tempo, tornando-os inutilizáveis.
Neste ponto, com duas categorias geográficas definidas (fixos e fenômenos), um
primeiro agrupamento conjuntural, e conceitual, já foi possível se observar. A ideia de quadro
geográfico proposta por Gomes (2016) foi adotada como um recurso metodológico para tal
esforço. Para o autor citado, “A Geografia é o campo de estudos que interpreta as razões pelas
quais coisas diversas estão situadas em posições diferentes ou por que as situações espaciais
diversas podem explicar qualidades diferentes de objetos, coisas, pessoas e fenômenos”
(GOMES, 2016, p. 20). Nesse quadro, as razões apontadas nada mais são do que a própria
finalidade do capítulo, qual seja a da caracterização geográfica do ambiente aeroespacial. A
inserção de objetos artificiais na paisagem determina situações espaciais diversas, pois em cada
contexto de coisas, pessoas e fenômenos, a configuração espacial se altera.
2.4.3 Fluxos
Assim como os fixos, a categoria fluxos também remete ao conceito de redes.
Santiago (2013, p. 191), já alertava para esse fato ao concluir que “Na geografia de Ratzel jaz
embutida uma teorização sobre as redes de comunicação e circulação, em liame com sua
fundamental noção sobre o valor das vantagens da situação geográfica”.
111 Vide, por exemplo, o atraso no lançamento dos satélites Starlink da firma SpaceX, ocorrido em 20 de janeiro
de 2020 (https://www.space.com/spacex-starlink-3-satellite-constellation-launch-delay.html).
97
O desenvolvimento da categoria analítica fluxos no âmbito da geografia, coube a
Milton Santos, na obra “A Natureza do Espaço” (2014), e que aparece em seus trabalhos
anteriores como “Pensando o Espaço do Homem” (2009) e “Metamorfoses do Espaço
Habitado” (1997). Em seu ponto de vista, “os fluxos são um resultado direto ou indireto das
ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao
mesmo tempo em que, também, se modificam” (SANTOS, 2014, p. 61 e 62).
Do ponto de vista etimológico, fluxo denota escoamento, movimento, passagem ou
tráfego de uma determinada substância entre dois ou mais pontos. Do ponto de vista geográfico,
o Elsevier's Dictionary of Geography apresenta uma visão mais limitada, identificando fluxos
nos movimentos de rochas fluidas (lava ou gelo), de massas de água (na forma de precipitação,
na superfície ou subterrânea) ou de ar (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007). O Diccionario
de Geografía Aplicada y Profesional também associa a palavra fluxo à geografia física, no
movimento de água, massas de ar, nutrientes ou energia, mas acresce que na geografia humana
o fluxo seria de pessoas, serviços, bens ou mercadorias, capital e aqueles do tipo virtual como
os da informática e das comunicações (TRIGAL, 2015, p. 252-253).
No tipo virtual, o fluxo tem recebido a atenção de autores como Castells (2004), que
considera a existência de um “espaço dos fluxos” que interagiria com o espaço em sua forma
tradicional. Para esse autor, os “fluxos seriam correntes de informação entre nós circulando
através de canais de conexão entre esses nós” (CASTELLS, 2004, p. 3)112. Pelos fluxos, então,
circulariam informações, recursos financeiros (capital), instruções, pulsos, sinais,
investimentos, notícias, inovação ou talentos. Essa ideia deriva do entendimento que esse autor
tem de rede, a qual foi exposta anteriormente na forma de uma arquitetura de objetos e fluxos
por meio da exemplificação de um sistema cujo propósito seria prover serviços de
telecomunicações.
Do ponto de vista do conjunto analítico proposto, os fluxos também integram a
realidade geográfica do ambiente aeroespacial, onde vários fluxos puderam ser identificados.
Apresentar uma lista completa e extensa desses fluxos foge ao objetivo desta tese, porém alguns
deles mereceram ser destacados. No segmento aéreo do ambiente aeroespacial é muito clara a
existência de fluxos de mercadorias e passageiros, transportados pelas aeronaves. Nesse caso,
há uma grande similaridade entre fluxo e rotas. Haggett (1965), no contexto dos estudos
112 Na concepção de Haggett (1965, p. 87), nós são “junções ou vértices de uma rede”, que nela podem
desempenhar diversos tipos de funções. No contexto de fluxo associado ao ambiente aeroespacial, os nós podem
ser representados como aeroportos, confluências de rotas aéreas de grande movimento, espaços de órbitas GEO
ou LEO, os Pontos de Lagrange ou as órbitas de transferência Hohmann. Na cartografia aeronáutica, anteriormente
apresentada, é possível claramente se visualizar esses nós.
98
locacionais, identifica as rotas como um elemento de grande importância nas redes geográficas,
indicando que mesmo nas rotas aéreas há canais que restringem o movimento como se fossem
fluxos se movimentando de forma pré-determinada.
Há que se considerar também as telecomunicações de curto alcance que se utilizam
das ondas de rádio para viabilizar a troca de mensagens entre estações na superfície e os aviões,
especialmente na faixa de Very High Frequency – VHF (Frequência Muito Alta), entre 30 e
300 mega-hertz. O próprio deslocamento das aeronaves entre os aeroportos é também parte de
um fluxo. Em um nível maior de abstração, o conceito pode ser identificado naquilo que é
distribuído ou consumido entre os fixos do transporte aéreo.
No segmento espaço exterior do ambiente aeroespacial os fluxos entre os centros de
lançamento e os corpos celestes, seriam identificados como uma circulação de pessoas,
informações e, possivelmente em poucos anos, mercadorias. Apesar disso, fluxos observados
de forma mais objetiva seriam aqueles do espectro eletromagnético (ondas de rádio, micro-
ondas, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios x e raios gama), que viabilizam, dentre
outras funções, a comunicação a longa distância, unindo pontos distantes da superfície terrestre.
Em grande parte, as substâncias apontadas por Castells (2004) como objeto do espaço dos
fluxos são “transportadas” pelos fixos que se encontram em toda a dimensão aeroespacial dessa
análise. A título de exemplificação, poderíamos recorrer ao fluxo de capitais, que percorrem,
em segundos, instituições financeiras situadas em diversos países ao redor do globo, por meio
de links de comunicação entre satélites (objetos geográficos do ambiente aeroespacial).
2.4.4 Escala
Esse exemplo anterior remete a uma nova categoria: a escala. Nos estudos
geográficos a escala é uma importante ferramenta de análise do espaço. Lacoste (2012, p. 210)
apontou bem essa ideia, ao afirmar que “Na escala está uma das características essenciais do
raciocínio geográfico”. Mais do que isso, o autor sugeriu a ideia de espacialidade diferencial,
na qual surge a necessidade de níveis de análise (ou diferentes escalas) e a interseção entre esses
níveis. Para demonstrar esse conceito e a importância das escalas, o autor discute o caso dos
pilotos de aeronaves, algo que muito bem poderia ser estendido aos astronautas, e que
apontamos anteriormente na caracterização geográfica do espaço aéreo por meio das cartas de
99
navegação aérea113. Na prática da pilotagem, o aviador demanda trabalhar com escalas distintas
nas diferentes fases do voo. Quando a aeronave transita, ainda no solo, pelo pátio de
estacionamento, a carta que utiliza é de uma escala grande, na qual os detalhes do aeródromo
são destacados (pistas de táxi, áreas de estacionamento etc.). A partir do momento em que a
aeronave decola, a escala das cartas diminui progressivamente até 1:1.000.000, típicas de cartas
de navegação em rota, onde os detalhes são menos importantes (LACOSTE, 2012).
O esquema do ambiente aeroespacial que se pretende introduzir reflete muito bem
essa característica. Apesar de possuir uma escala pequena, pois trata de contextos globais ou
planetários, não se pode perder de vista a demanda das interseções entre os planos escalares,
expressa em sua finalidade, algo que se tornará claro quando discutirmos a geopolítica do
ambiente aeroespacial. Antecipamos previamente, que os objetos geográficos artificiais variam
no grau de influência dos fluxos, por conseguinte, no que se espera de sua funcionalidade. Da
forma como propôs Whiters (2011, p. 40), a “Geografia não é somente uma questão de escrever
sobre ou descrever a Terra. Ela é também uma questão de escala em termos do objeto sobre o
qual se está escrevendo, e o tipo e propósito dessa escrita. A escala é crucial para a definição e
utilidade da geografia”.
O ambiente aeroespacial, porém, é mais do que objetos naturais e artificiais,
fenômenos e fluxos. Gomes (2017, p. 13), em nosso ponto de vista, capturou essa percepção ao
afirmar que “A Geografia [é] também uma maneira, original e potente, de organizar o
pensamento”. Discutindo a própria etimologia do vocábulo geografia, o autor sugere domínios
para essa ciência, qualificando-os com o adjetivo “geográfico”. Os domínios da espacialidade,
da cultura e a naturalidade humana da explicação geográfica, introduzem uma relevante questão
para o esforço de caracterização que ora se empreende. Gray (1999b), inclusive chega a citar
uma “geografia da imaginação” que considera tão relevante quanto os aspectos físicos (espaço,
distância, terreno, tempo e clima). O ponto a que se quer chegar com essa interlocução é a de
demanda de explicação além do meramente factual, físico, topográfico. Na questão do ambiente
aeroespacial, portanto, caberia o questionamento sobre as formas de apropriação de um
“conjunto de conhecimentos e comportamentos espaciais vividos” (GOMES, 2017, p. 19), a
fim de qualificar culturalmente esse ambiente. Na verdade, o que se propôs com a qualificação
geográfica, associada à cultura, algo que será mais bem observado no próximo Capítulo, foi
113 As cartas que foram apresentadas demonstram as etapas de trânsito em solo (Carta de Aeródromo), de
decolagem ou aproximação para pouso (Carta de Área de Controle de Terminal), e a etapa de navegação em rota
(Carta de Rota). Aqui, portanto, percebe-se o valor ilustrativo desses exemplos na construção abstrato-formal do
objeto.
100
recorrer ao significado geopolítico da caracterização do espaço. Para tanto, outro recurso
metodológico foi utilizado nessa abordagem, mais uma vez se buscando categorias analíticas,
dessa vez por meio das categorias forma, função, estrutura e processo.
A utilização dessas categorias, cabe relembrar, integra a base descritiva com a
dimensão teórica, aproveitando-se de exemplos concretos. Essa é uma finalidade necessária na
dimensão teórica da geografia, até porque a apropriação que propomos pode ser igualmente
conduzida com base em ciências como a astronomia, a política, a econômica ou ainda outro
viés teórico.
2.4.5 Forma
A categoria forma possivelmente está associada à própria origem da Geografia, haja
vista que seu sentido é ligado à ideia de descrição. Mesmo as diferenças de abordagem entre
Estrabão114 e Ptolomeu não deixam de revelar que a corografia, seja no sentido de descrever as
atividades humanas em determinadas partes do planeta, ou do mapeamento em si (DEREK et
al., 2009), refletem que a origem da ciência geográfica está ligada à descrição de paisagens.
Mais tarde, Humboldt e Ritter também se voltam a essa relevância da forma, por meio da
“contemplação da paisagem de uma forma quase estética” ou do “arranjo [que] abarcaria um
conjunto de elementos, representando uma totalidade” (MORAES, 2005, p. 16). Ratzel (1892)
atribui especial atenção às propriedades físicas da forma, tal como a extensão territorial.
Richard Hartshorne é um representante mais recente dessa corrente corográfica, cuja
“perspectiva é fundamental na geografia” (ENTRIKIN, 2011, p. 347).
Na abordagem de Santos (2014, p. 69), a forma é o “aspecto visível de uma coisa”,
“refere-se ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão” ou, simplesmente, a sua “estrutura
revelada”. O ambiente aeroespacial é um conjunto cuja forma é observada no arranjo de objetos
geográficos naturais e artificiais, em fluxos que percorrem o caminho entre esses objetos e os
fenômenos que interferem na paisagem formada. Sinteticamente, observamos no objeto de
estudo os seguintes elementos de forma: sistema de transporte aeroviário, rotas, aerovias,
espaços aéreos, fenômenos naturais, facilidades na superfície terrestre relacionados à operação
no espaço exterior, espaço terrestre e espaço lunar e fenômenos extraterrestres, principalmente.
114 Mayhew (2011, p. 29) destaca que o título da obra de Estrabão, “Geografia”, não consta nos manuscritos
originais e que, apesar de chamá-la de “descrição da Terra (geographia)”, também a ela se refere como “descrição
da [superfície] terra (chorographia), um esboço (periegesis), um circuito da Terra (periodo ges) ou um circuito da
terra (periodeia tes chora)”.
101
2.4.6 Função
Uma forma, para se tornar relevante, demanda um “valor social” (SANTOS, 2014,
p. 73). Dessa ilação, advém outra categoria analítica geográfica que é a função. O conceito de
função, possivelmente, encontra sua origem no Darwinismo (DEREK et al., 2009). A Teoria
da Evolução pela seleção natural, quando aplicada às sociedades humanas, derivou em ideias
associadas ao “darwinismo social”, cuja evolução estaria associada “à habilidade de se ajustar
e se adaptar a um ambiente físico” (SUMNER, 2004, p. 506). Cada indivíduo, portanto,
exerceria tarefas ou atividades que o tornariam apto ao desempenho de funções na sociedade,
daí seu valor social. Existe, então, uma relação direta entre forma e função.
Assim, extrapolando ao ambiente aeroespacial, este enquanto forma,
consequentemente, deveria exercer uma função para se enquadrar em um conceito de espaço
geográfico. Na pesquisa, identificaram-se as seguintes funções: a) política, caracterizada por
relações de poder, soberania, territorialização dos espaços (o aéreo – uma realidade –, e o
exterior – uma tendência), implicando em delimitação da forma; b) econômica, notadamente de
natureza comercial, devido às possibilidades de intercâmbio que as formas sugerem (por
exemplo o turismo ou a exploração de recursos naturais em asteroides); c) tecnológica, em
função das peculiaridades da própria atividade aeroespacial, intensamente dependentes desse
campo da atividade humana; d) ideológica, considerando o papel que o transporte aéreo tem na
vida das pessoas na atualidade, ou as questões culturais associadas115. Coincidentemente, essas
funções são as variáveis de estudo de nossa hipótese, que serão exploradas no Capítulo seguinte.
2.4.7 Processo
A próxima categoria analítica é o processo, que se materializa por meio de ações
ou movimentos. No campo da geografia física muitos processos naturais são estudados na
geomorfologia, na geografia do solo, na meteorologia e climatologia, na hidrologia ou na
oceanografia. Sedimentação, poluição do meio ambiente, erosão ou variação da temperatura
são alguns exemplos. Também no campo da geografia humana processos relacionados aos
movimentos humanos, à economia, à industrialização, às fronteiras, comunicações, transporte
e comércio, dentre outros, podem determinar o que Santos (2014, p. 69) chamou de “ação
contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo
(continuidade) e mudança”. Muito importante foi diferenciar processo e fluxo, considerando
115 Daniel Sage (2014) analisa como o processo de (re)territorialização do espaço exterior, nos EUA, acontece a
partir de relações entre a exploração espacial, a arte, a cultura popular e as exposições artísticas em museus,
envolvendo religião, tecnologia, sociedade e política.
102
haver algumas similaridades entre ambos. O processo é a ação em si, enquanto o fluxo é mais
bem identificado por aquilo que se movimenta.
No caso do ambiente aeroespacial, foram identificados alguns processos-chave que
demonstram, com propriedade, a categoria e essa distinção proposta: o transporte aéreo, que
implica no fluxo de pessoas e materiais; o transporte entre a superfície terrestre e o espaço
exterior ou no interior do espaço exterior, que denominou-se transporte espacial, cuja realidade
já é fato com os astronautas, e potencial para recursos naturais; o que leva ao fluxo de
mercadorias e à exploração dos recursos naturais extraterrestres; a pesquisa científica sendo
hoje um processo que gera fluxo de conhecimento; e as telecomunicações e troca de dados que
geram fluxos digitais ou por meio do espectro eletromagnético.
2.4.8 Estrutura
A categoria final desse esforço metodológico de caracterização do ambiente
aeroespacial, objeto da pesquisa, é a estrutura. Nesse sentido, os elementos anteriormente
apontados têm um formato que se alinha com a definição de Witherick, Ross e Small (2001, p.
250), quando se referem a estrutura espacial como um “arranjo e organização de [objetos e]
fenômenos na superfície da Terra que resultam da operação de processos físicos e espaciais”.
Esse arranjo forma a estrutura, que nada mais é do que a “interrelação de todas as partes de um
todo; modo de organização ou construção” (SANTOS, 2014, p. 69).
Na busca dessa interrelação, o que de fato se procura é como a forma realiza a
função por meio de um processo. Muitas seriam as formas possíveis de exemplificação dessa
dinâmica, uma vez que múltiplas interações entre forma, função e processo são passíveis de
identificação e combinação. Julgamos ser suficiente expor algumas dessas relações, dentre
todas aquelas identificadas na pesquisa, como forma de estruturar o ambiente aeroespacial.
A primeira dessas combinações foi identificada na forma sistema de transporte
aeroviário, cujos fixos integrantes podem ser aeroportos, aeronaves, empresas de aviação,
órgãos de controle de tráfego aéreo, agências de regulação, indústria aeroespacial dentre outros.
Essa forma possibilita o desempenho da função turismo, permitindo que as pessoas viagem por
diferentes cidades ou pontos de atração. Essa função, por sua vez, realiza-se pelo processo do
transporte aéreo, que gera fluxos de pessoas. A possibilidade que esse exemplo tem em se
expandir ao turismo espacial já é uma realidade. A empresa privada norte-americana Virgin
103
Galatic foi fundada em 2004 com o propósito de desenvolver o turismo espacial116. A Figura
17 ilustra a composição de dois engenhos concebidos, e em fase de testes, por essa empresa. As
fuselagens laterais integram a aeronave White Knight Two (Cavaleiro Branco 2), cuja função é
transportar a espaçonave na fuselagem central, a Space Ship Two (Espaçonave 2), que tem a
capacidade de transportar até 8 pessoas em voos regulares para o espaço117.
Figura 17 – Virgin Galatic (White Knight Two e Space Ship Two)
Fonte: VIRGIN GALACTIC, [s.d.].
O outro exemplo observado seria composto pela forma facilidades na superfície
terrestre relacionados à operação no espaço exterior, como, por exemplo, os centros de
lançamento de foguetes e os centros de rastreamento de veículos espaciais (satélites de
comunicações). Essa forma possibilita o exercício de uma função de interesse social, que se
configura pelo processo de telecomunicações e troca de dados, por meio do qual fluxos digitais
viajam entre os satélites e os fixos na superfície terrestre, chegando, por fim, aos usuários da
sociedade.
Um terceiro exemplo advém da noção de integralidade da estrutura, quando ela
conjuga o espaço aéreo e o espaço exterior em um continuum. Isso fica bem claro, por exemplo,
na categoria função. Aspectos como o comercial e o científico-tecnológico, como se observará
na discussão de geopolitização, integram o ambiente aeroespacial em um elemento conceitual
único.
116 No mesmo ano, a espaçonave Space Ship One, da empresa não governamental norte-americana Mojave
Aerospace Ventures, recebeu o prêmio Ansari X-Prize. Ele foi criado para reconhecer o primeiro voo além dos
100km de altura da superfície terrestre cuja carga útil fosse suficiente para simular o transporte de passageiros
(turistas) (SADEH, 2011, p. 170).
117 Perceba-se que, novamente, há um sentido de integração aeroespacial revelado na dependência da espaçonave
em relação à aeronave. É possível que, em futuro próximo, esses dois tipos de veículos sejam combinados em um
só modelo.
104
Esses exemplos são recursos metodológicos e didáticos de exemplificação da
categoria estrutura. Em realidade, como afirmou Santos (2014, p. 67), “o espaço está em
permanente processo de transformação”, e essa transformação gera combinações dinâmicas,
entrelaçadas e de múltiplas configurações.
Antes de se prosseguir no fechamento deste Capítulo, julgou-se oportuno expressar
como as categorias analíticas forma, função, processo e estrutura puderam ser classificadas no
Ambiente Aeroespacial, por meio do Quadro 4, que demonstra a composição de relacionamento
dessas categorias e o objeto da pesquisa.
Quadro 4 – Categorias analíticas e Ambiente Aeroespacial
Ambiente Aeroespacial
Sistema de Transporte Aeroviário
Rotas, Aerovias, Espaços Aéreos
Fenômenos Naturais
Forma
Facilidades na Superfície Terrestre relacionados à Operação no Espaço Exterior
Espaço Terrestre e Espaço Lunar
Fenômenos Extraterrestres
Política
Econômica
Função
Tecnológica
Ideológica
Transporte Aéreo
Transporte Espacial
Processo Exploração dos Recursos Naturais Extraterrestres
Pesquisa
Telecomunicações e Troca de Dados
Interrelação entre forma, função e processo
Estrutura ou
Como a forma realiza a função por meio de um processo
Fonte: o Autor, 2019.
2.5 Ambiente aeroespacial: dimensão teórica e empírica
O objeto dos estudos geográficos tem sido um ponto de discussão continuada entre
os geógrafos. As correntes da geografia física e da geografia humana expressam de forma muito
clara essa questão. Também é evidente esse debate quando se fala das abordagens entre as
correntes determinista e possibilista. Moreira (2012) sugere que está em Immanuel Kant a
105
origem dessa ambivalência, quando o filósofo alemão propôs o conceito crítico da natureza e o
do homem, o que levaria à própria percepção do objeto.
Outro autor que dissecou esse problema foi Moraes (2005), por meio da pergunta
fundamental “o que é geografia?”. A existência de uma resposta objetiva para essa questão
indicaria a possibilidade de identificação do objeto dessa ciência. De fato, o autor aponta
diversas perspectivas históricas que vão desde a ideia da descrição física da superfície terrestre,
passam pelo conceito de ciência-síntese e percorrem caminhos variados como elementos
integrantes da paisagem, fenômenos, áreas, lugares, individualidade e diferenciação, assim
como das relações sociedade - natureza (MORAES, 2005). Observadas essas definições, o
objeto da geografia seria algo ubíquo e extenso.
A questão central deste Capítulo lidou com essa problemática. Na verdade, o
objetivo foi chegar à caracterização do objeto da pesquisa em termos geográficos. A mudança
de perspectiva no olhar geográfico, da visão bidimensional para o volume, procurou, pelo
menos em parte, esclarecer a ambiguidade apontada, fornecendo elementos essenciais de
elucidação118. Eric Dardel (2011) já havia apontado para a importância do espaço aéreo (e por
extensão, do espaço exterior, que juntos formam o ambiente aeroespacial), e entendemos ser
importante repetir a citação, quando discutiu sobre situação e localização. Para ele, o espaço
geográfico tem espessura, profundidade, por onde transitam substâncias, considerando que “a
atmosfera também é espaço geográfico” ou que “O espaço aéreo é também uma matéria que
nos dá a sensação imediata de sua presença” (DARDEL, 2011, p. 25 e 26)119. Carl Sagan (1985,
p. 24) apontou que “99% da atmosfera da Terra são de origem biológica [, ou seja,] o céu é feito
de vida”120.
118 Mesmo a introdução da aerofotogrametria na Geografia, permitindo uma visualização estereoscópica, não foi
suficiente para superar essa visão de superfície, atrelada à largura, comprimento e altura de objetos, porém sem
ainda considerar o volume.
119 Lebon (1976, p. 32) destaca a importância da atmosfera, o invólucro terrestre, nas relações da geografia física
e humana, afirmando que a atmosfera dá um sentido de integração à Terra e que “Todos os aspectos das
características da terra têm a propriedade da extensão sobre a superfície, ou, alternadamente, são geográficos”. Já
destacamos anteriormente que, em “Metamorfoses do Espaço Habitado”, Milton Santos (1997, p. 44) alertou para
aquilo que denominou “situação-limite” do planeta Terra, que teria entrado “em processo destrutivo irreversível,
além do qual a espécie humana” estaria ameaçada. De fato, ao observarmos diagnósticos sobre as alterações
climáticas no planeta, mormente representadas em fenômenos como o aquecimento global, o derretimento de
calotas polares, a chuva ácida, o efeito estufa, a elevação do nível dos mares e a desertificação, surgem
preocupações na dimensão daquelas alertadas pelo geógrafo brasileiro. Assim, podemos concluir o quão
importante é o estudo da atmosfera, do espaço aéreo, no contexto da geopolítica.
120 Apenas para se ter uma ideia dessa afirmação, as nuvens, na verdade, não são formadas apenas por vapor
d’água. Elas são ecossistemas, onde se pode observar “grandes quantidades de componentes biológicos como
bactérias e moléculas associadas à vida microbiológica” (HOOPER, 2014). Segundo Parry (2013), “organismos
podem viver a mais de 50Km acima da superfície terrestre, em uma zona atmosférica conhecida como
estratopausa”.
106
Para alcançar esse objetivo, a pesquisa se debruçou em formular um esquema
representativo do objeto caracterizado. O esquema busca compreender o ambiente aeroespacial
a partir de uma visão de integração, de conjugação, ou seja, a dimensão espacial de uma
realidade. O ponto de partida desse esboço foi sugerido por Barros (2017, p. 77), ao propor uma
esquematização de um sistema espacial, inspirado em Milton Santos, a quem atribui um “novo
aporte à apreensão do espaço como combinação de objetos e ações”121.
Porém, a teoria formulada por Milton Santos não é suficiente para explicar o modo
como se concebeu geograficamente o objeto. Além da questão dos fenômenos naturais, que já
foi apontada como um fator limitador, também a ênfase maior no objeto social, segundo propõe
aquele autor, precisa ser explicitada. O ambiente aeroespacial ainda é, em grande parte, um
espaço inexplorado onde predominam elementos e fenômenos naturais. Dessa forma, a visão
de uma geografia física, que Milton Santos coloca em segundo plano, ressalta de grande
importância no ambiente aeroespacial. Ela será definidora, por exemplo, dos espaços aéreos de
soberania sobrejacentes aos territórios dos Estados; da questão ambiental que hoje já é tratada
na emissão de gases poluentes das turbinas dos aviões122; do limitado número de órbitas
geoestacionárias; do acesso aos pontos de calibração; ou da exploração de recursos naturais em
corpos celestes. Tal preocupação também foi apontada por Roberto L. Corrêa, quando discutiu
redes geográficas, citando que:
A espacialidade, que qualifica uma rede social em termos geográficos, não distingue,
no entanto, a rede geográfica de outras redes que se apresentam espacializadas. Assim,
uma rede fluvial, constituída de nós ou confluências, e fluxos ou cursos de água,
apresenta-se espacializada, originando uma bacia hidrográfica. Contudo, como pura
rede fluvial, regulada por leis naturais constitui rede da natureza, espacializada, mas
não social, sem a presença humana (CORRÊA, 2012, p. 202).
O exemplo do autor permite uma explicação. Um rio, enquanto elemento natural de
um determinado espaço geográfico, possui uma função geográfica definida. Esta pode ser a de
compor uma bacia, recebendo afluentes, a de prover umidade para o ecossistema em um ciclo
121 Não se pode deixar de recordar a contribuição de Hirst (2008) e Schmitt e Gollnick (2016) quando apontam
para um sistema de transporte aéreo.
122 Segundo Nancy Young, “As companhias aéreas são responsáveis pela emissão de 2% dos gases que afetam o
efeito estufa e uma das grandes preocupações do setor comercial da aviação é o desenvolvimento de combustíveis
com menor potencial poluente” (AVIATION WEEK, 2020). Em 2009, segundo Linnea Ahlgren (2020), houve
um acordo no âmbito da indústria de aviação sobre um “plano para reduzir em 50% a emissão de CO2 pelos aviões
até 2050, relativamente aos níveis de emissão de 2005”. Apenas para se colocar em perspectiva, um voo entre
Londres e São Francisco emite 1 tonelada de CO2, o que equivale a um veículo a diesel funcionando
ininterruptamente em um trajeto de aproximadamente 6.000Km (ASH, 2020b). O artigo de Lo et al. (2014) analisa
os impactos do nós de empresas aéreas (também conhecidos como hub de aviação, aeroportos nos quais se
concentram grandes quantidades de voos de uma mesma empresa) nas emissões de CO2. No caso do espaço
exterior uma grande preocupação é o lixo espacial derivado dos objetos artificiais produzidos pelo homem.
Além da preocupação com a poluição proveniente de gases CO2, há também uma crescente busca pela redução
nos níveis de ruído das turbinas que ocasionam poluição sonora nas áreas urbanas próximas à aeroportos.
107
hidrológico, ou mesmo a de permitir que determinada área seja irrigada e que, com isso, seja
fértil. Essas funções não são isoladas do contexto de um espaço geográfico. Podem, inclusive,
influir na modificação de paisagens123 (uma enchente devido a altos índices pluviométricos) ou
mesmo configurar regiões geográficas (por exemplo, a Mesopotâmia).
Às funções físicas de um elemento natural, no caso o rio, agregam-se as funções
sociais124. Exatamente ao afirmar que “hoje os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixados
ao solo” (SANTOS, 2014, p. 62), Milton Santos percebe todo objeto natural como um objeto
social, pois o que não foi transformado pela ação do homem, não foi porque este ainda não o
quis. Na verdade, quando investigamos o objeto da pesquisa percebemos a limitação dessa
percepção. Como um espaço apenas inicialmente a ser explorado, em especial o segmento do
espaço exterior, o ambiente aeroespacial é sim um conjunto de objetos e relações, mas a
relevância de um ou de outro não está na mesma medida que pressupõe um humanismo
autônomo, nem tampouco uma fisiografia exclusiva. A virtude desse ambiente está, justamente,
no relacional, cujo significado geopolítico é capaz de abranger o todo numa estrutura de
pensamento coerente.
Como forma de expressar essa dualidade complementar, os elementos físicos e as
relações que eles propiciam, o Capítulo se encerra com um esforço de síntese que acreditamos
estar representado no esquema da Figura 18, cujo propósito também foi incorporar as
perspectivas teórica e empírica do ambiente aeroespacial.
123 Christofoletti (1980, p. 102) destaca que o estudo de uma rede hidrográfica “pode levar à compreensão e à
elucidação de numerosas questões geomorfológicas, pois os cursos de água constituem processo morfogenético
dos mais ativos na estruturação da paisagem”.
124 Aqui, mais uma vez, podemos recorrer a Ratzel (1892) e às Leis do Crescimento Espacial dos Estados, em
especial naquilo que discute nas leis de número 2, 3 e 5.
108
Figura 18 – Dimensão Empírica e Teórica do Ambiente Aeroespacial
Fonte: o Autor, 2019.
Legenda:
Setas Contínuas de Duplo Sentido: representam o movimento de ida/vinda dos fluxos.
Setas Pontilhadas Unidirecionais: representam a forma como se dispõe o conjunto de objetos naturais e
artificiais.
Setas Tracejadas Unidirecionais: representam a função de aplicação dos objetos naturais e artificiais.
Setas de Pontos e Traços: representam a interferência dos fenômenos naturais nos objetos naturais e
artificiais.
Em um sentido geográfico, o esquema acima expressa a dimensão espacial da
realidade atinente ao ambiente aeroespacial. Trata-se de pensar o espaço geográfico (e em
particular o objeto de estudo) não apenas como substrato, no sentido meramente geométrico,
mas também em uma perspectiva relacional. Os elementos incluídos nessa figura constituem-
se em uma estrutura que inter-relaciona formas (os fixos geográficos constituídos pelos objetos
naturais e artificiais), funções (exercidas por esses fixos, tanto funções físicas como relacionais)
e processos (que se evidenciam pelo percurso dos fluxos entre os fixos). Portanto, a forma
dispõe, a função se aplica e o processo proporciona o fluxo. Além desses elementos, os
fenômenos naturais interferem nos objetos, consequentemente, interagem com a estrutura. Uma
das diversas possíveis leituras práticas do construto poderia ser exemplificada da seguinte
maneira: o ambiente aeroespacial (estrutura) possui aeroportos e elementos topográficos
associados (forma), cujas possibilidades comerciais (função) se evidenciam por meio do
109
transporte aéreo de passageiros entre aeroportos (processo), sofrendo influências naturais como
os efeitos meteorológicos (fenômenos).
Tentar sintetizar o conjunto integrado do ambiente aeroespacial em esquemas não
é um trabalho trivial. Na verdade, representar uma nova dimensão geográfica não é tarefa
simples. Entendemos que os versos da obra de Camões lidaram com essa dificuldade ao
exprimir as explorações portuguesas do século XV e XVI. Contudo, se pudermos eleger versos
que sintetizam a tarefa que se desenvolveu nessa primeira etapa da Tese, voltamos nossa
atenção àqueles apresentados na epígrafe deste Capítulo. Compreendemos que eles deixam
claros dois aspectos importantes dos Lusíadas: a exploração de novas terras e o viés militar da
empreitada. Para destacar o primeiro ponto, referenciamos nossa argumentação com as palavras
de Mark (2003, p. 143) quando literalmente citou que “os humanos provavelmente irão morar
na Lua, e nela estabelecerão uma presença permanente que abre perspectivas científicas ainda
difíceis de prever”. No século de Camões, afirmações semelhantes a essas, porém relacionadas
a outro contexto geográfico, foram ridicularizadas, contudo a história demonstrou o quão
estavam corretas.
No segundo aspecto, pareceu-nos adequado recorrer a Lacoste (2012, p. 134),
quando o mesmo esclarece que “A geografia tem por objeto as práticas sociais (políticas,
militares, econômicas, ideológicas...) em relação ao espaço terrestre”. Se, com certa ousadia,
substituirmos na frase do autor francês o vocábulo espaço terrestre por ambiente aeroespacial,
abre-se o objetivo do próximo Capítulo. Nele, o foco geopolítico de contextualização do objeto
da pesquisa surgirá como um complemento ao esforço analítico de embasamento geográfico
que ora se encerra.
Antes de se prosseguir, porém, julgou-se oportuno recorrer a uma citação de Milton
Santos, que em nosso ponto de vista é ideal para a transição da caracterização para a
geopolitização do objeto de estudo. Segundo o autor (1997, p. 44), “O exame do que significa,
em nossos dias, o espaço habitado, deixa entrever, claramente, que atingimos uma situação-
limite, além da qual o processo destrutivo da espécie humana pode tornar-se irreversível”.
Nesse sentido, o que se pretende revelar é até que ponto o ambiente aeroespacial, espaço de
objetos e relações mediadas pelo homem, transforma-se em uma alternativa para os estudos
geográficos, consequentemente, um espaço geopolítico por natureza.
110
3 GEOPOLITIZAÇÃO DO AMBIENTE AEROESPACIAL
Que beleza. Eu vi nuvens e suas sombras claras na querida
distante Terra… A água parecia manchas escuras e levemente
brilhantes… Quando olhei o horizonte, vi o abrupto contraste
na transição entre a colorida superfície terrestre e o céu
absolutamente escuro. Desfrutei o rico espectro de cores da
Terra. Ela é cercada de uma auréola azul clara que
gradualmente se escurece, tornando-se turquesa, azul escuro,
violeta e finalmente um preto como carvão.
Yuri Gagarin125
Em 12 de abril de 1961 o cosmonauta soviético Yuri Gagarin tornou-se o primeiro
ser humano a chegar ao espaço exterior. Ao realizar apenas uma órbita ao redor da Terra, na
espaçonave Vostok 1, que atingiu o apogeu de 327km, Gagarin adquiriu, de forma inédita, uma
nova perspectiva sobre a geografia terrestre, como bem ilustram suas palavras de júbilo citadas
na epígrafe. Em um voo de menos de duas horas de duração, quase encerrado em tragédia
devido a problemas na reentrada na atmosfera terrestre, realizou um feito sem precedentes na
história humana, catalisador de um fenômeno que vinha se configurando na Idade
Contemporânea: a disputa geopolítica pelo domínio da terceira dimensão.
Na verdade, essa competição pelo acesso ao ambiente aeroespacial, acelerada pelo
feito do cosmonauta soviético, foi apenas mais um episódio em uma ambição antiga da
humanidade. No Ocidente, a mitologia grega já tratava dessa ambição, como ilustra a lenda do
voo de Ícaro (Figura 19). Desafiando as recomendações de seu pai, e fatalmente sofrendo as
consequências, Ícaro subiu cada vez mais alto em direção ao Sol, o que ocasionou o
derretimento da cera que colava as penas de suas asas (DALY, 2004)126.
125 Yuri Alekseyevich Gagarin (1934–1968), nasceu em Klushino, uma pequena vila nas redondezas de Smolensk,
cidade a Oeste da capital Moscou. Filho de camponeses, ingressou na Força Aérea Soviética, de onde prosseguiu
para o treinamento de cosmonauta. Faleceu em um acidente aeronáutico quando seu avião colidiu com o solo
(NAGEL, 2005). A citação de Gagarin encontra-se em exibição no New Mexico Museum of Space History (Museu
de História Espacial do Novo México), e disponível em
http://www.nmspacemuseum.org/halloffame/detail.php?id=8, acesso em 03/05/2019. Berta Becker (2007) faz
referência a outra marcante frase de Gagarin que teria reconhecido, do espaço exterior, a Terra como sendo azul.
126 Na mitologia hebraica do livro de Gênesis, e que encontra equivalente numa história sumeriana, a Torre de
Babel, simboliza as ambições do homem de conquistar o lugar de Deus. Temos ainda Pégasus, o “Cavalo Alado”,
Grifo, entidade com asas de águia e corpo de leão e a Hárpia, um ser meio humano meio ave. E na mitologia
oriental, o Feilong, conhecido como “Dragão Chinês”, dentre tantas outras lendas e mitos.
111
Figura 19 – O Voo de Ícaro, por Jacob Peter Gowy
Fonte: WIKIMEDIA, 2019.
Apesar da rica mitologia que inundava os sonhos da humanidade, o objetivo de
"alcançar os céus" somente se transformaria em realidade, levando os homens a conquistar
efetivamente a terceira dimensão, entre o final do século XVIII e o início do século XX. Muito
tempo depois da valorização política das terras e mares, o ambiente geográfico atmosférico
seria o ponto de partida de uma nova dimensão geopolítica.
Com efeito, os aeróstatos tripulados foram a primeira concretização desses anseios
humanos, ao proporcionarem uma nova compreensão geográfica dos campos de batalha, com
implicações nitidamente geoestratégicas enquanto novo vetor nas técnicas de guerra. Desde a
Antiguidade, obter a visão privilegiada de um cume, ou a partir de qualquer elevação natural
do terreno, consistia em vantagem militar no que se referia à perspectiva geográfica127. Porém,
com a ascensão dos balões era agora permitido aos comandantes, em qualquer superfície ou
posição no terreno, obter uma perspectiva de observação muito mais ampla, uma forma de visão
“além da montanha”. A altitude alcançada pelo aeróstato não mais restringiria as táticas e
estratégias militares à linha de visada, que mesmo em um cimo ainda era obstruída pelo relevo.
Da mesma forma, os tiros de artilharia de campanha, que antes eram imprecisos, agora
adquiririam maior precisão, pois podiam ser calibrados pelo observador a bordo do balão.
O emprego militar de aeróstatos desde a Guerra Revolucionária Francesa de 1792
(MITCHELL, 2009), passaria a ser uma realidade nas batalhas e vários foram os episódios em
127 Em uma das mais célebres batalhas da História Militar, Napoleão Bonaparte, em 2 de dezembro de 1805, na
Batalha de Austerlitz, aproveitou as elevações da topografia local, o Platô Pratzen, ocultando parte de seu
contingente, que no transcurso da batalha realizaria um movimento tático que colapsaria o exército russo-austríaco
(PRADOS, 1996).
112
que isso ocorreu128. Os aeróstatos, fossem balões ou dirigíveis129, são os pioneiros da
perspectiva de visão pelo alto, uma atividade que viria a se expandir com o uso dos aeroplanos
desde a Guerra Ítalo-Turca na Líbia, em 1911 (HIPPLER, 2013), até finalmente atingir o espaço
exterior, quando o voo do cosmonauta soviético permitiu que um ser humano obtivesse, a partir
de nova camada atmosférica, uma perspectiva geográfica diferenciada.
Mais recentemente, as funções de mapeamento pioneiramente exercidas pelos
balões também foram substituídas pelas aeronaves tripuladas e não-tripuladas e pelos satélites,
por meio de diversos tipos de sensores remotos (não mais se restringindo à percepção da luz
pelo olho humano) e resoluções de imagens130.
Mas o emprego dos aeróstatos (e dos meios aéreos e espaciais), não estaria
associado apenas à guerra. Balões, assim como dirigíveis, aeroplanos e satélites passariam a ser
utilizados também como: a) vetores de um novo relacionamento geográfico do homem com o
espaço físico, através da oportunidade de rápido deslocamento entre pontos distantes na
superfície (mudanças no padrão espaço-tempo e acesso à áreas remotas, por exemplo); b)
instrumentos políticos de determinação de territórios, via soberania, relações de poder e, até
mesmo, afirmação de territorialidades; c) ferramentas de desenvolvimento econômico e
industrial (como é o caso do turismo e do comércio); d) precursores da progressão científico-
tecnológica (tais como na pesquisa meteorológica, topográfica ou ambiental);e) no exercício de
128 Além da citação de Mitchell à Guerra de 1792, outros autores ampliam esse rol de exemplos. Jules Duhem
(COUTAU-BÉGARIE, 2010, p. 643) cita que “Montgolfier sugeriu o uso de balões para atacar os ingleses
entrincheirados no porto de Toulon, em 1793”, ainda no contexto das Guerras Revolucionárias francesas. Boyne
(2003, p. 380) e Hearne (1910, p. 59) citam que em 1794, quando da “invasão do exército francês na Bélgica, em
Fleurus, o balão Entreprenant ascendeu a cerca de 400 metros de altura para observação do movimento das forças
holandesas e austríacas”. Dupuy (1984, p. 240), cita que, nessa mesma guerra, “o balão teria sido usado primeiro
em Maubege”. Buckley (1999, p. 24), relata a utilização desse equipamento por “Napoleão em sua expedição ao
Egito, por meio da criação da Compagnie d’Aerostiers (Companhia de Aeróstatos), em 1794”, que apesar de
seguirem para o Egito, foram abandonados em face do fracasso da expedição francesa; Creveld (2011, p. 7-8), cita
o emprego de balões “pelas forças da União, na Guerra Civil Americana entre 1861 e 1865, em uma unidade
denominada Union Army Ballon Corps (Corpo de Balões do Exército da União), que realizou ascensões nas
batalhas de Fair Oaks, Sharpsburg e Fredericksburg”, além da referência do emprego também na Guerra Franco-
Prussiana de 1870; e Doratioto (2002, p. 95), que destaca o uso dessa inovação pelo “Duque de Caxias, na Guerra
da Tríplice Aliança, entre 1864 e 1870”.
129 Dirigíveis funcionavam com o mesmo princípio dos balões (gases mais leves que o ar), e foram empregados
em transporte aéreo de passageiros, haja vista possuírem nos primórdios da aviação maior capacidade de carga útil
do que os incipientes aeroplanos.
130 Sensoriamento remoto é a capacidade de se obter dados de uma superfície através de sensores posicionados a
uma determinada distância da superfície observada. A resolução de imagem é “uma medida que distingue os
sensores [e traduz-se] no grau de finos detalhes que uma imagem ou fotografia pode ser vista de forma separada
ou distinta” (ANGELO JR., 2006, p. 502). Do Landsat-1, o primeiro satélite de observação da Terra, lançado em
1972, cuja resolução era de 80 metros, aos satélites mais recentes que possuem resoluções inferiores a 0,6 metros
(MARK, 2003), observa-se uma crescente evolução dessa capacidade.
113
influência ideológica entre os povos e os Estados, por meio de condicionantes que se refletem
na conexão entre os continentes e as culturas131.
Apenas como passo introdutório dessas questões que serão detalhadas adiante,
consideremos dois aspectos. Diferentemente de etapas históricas anteriores, a alteração do
padrão espaço-tempo que ora se aduz, fruto da utilização do ambiente aeroespacial e dos
veículos que nele transitam, torna-se possível graças às redes planetárias de comunicação que
se efetivam com a conquista da terceira dimensão132. Na ciência geográfica, Harvey (2008)
propõe que a modernidade, fruto das mudanças culturais e tecnológicas na sociedade a partir
do final do século XIX, experimenta uma compressão do espaço-tempo com alterações sociais
profundas133. Santos (2008) fala em uma redefinição do espaço, decorrente da importância da
informação, sugerindo o conceito de “meio técnico-científico-informacional”, cuja essência
traria uma nova ruptura do padrão espaço-tempo, mormente por meio de redes informacionais
ou infovias, que trazem instantaneidade em escala planetária para a informação134.
No campo da psicologia espacial, autores como White (2014) estudam os efeitos da
perspectiva de visualização da Terra a partir do espaço na consciência dos astronautas, naquilo
que se convencionou denominar overview effect (efeito de visão do alto). Esses estudos
percebem nos astronautas uma propensão a intensos sentimentos de identificação do planeta e
da humanidade como um todo indivisível (YADEN et al., 2016)135. A expressa exaltação nas
palavras de Gagarin seria um forte argumento que inspiraria autores como Claval (2011) a
identificar uma conexão entre essa sensibilidade humana e a geografia. No contexto dessa
conexão, o ambiente aeroespacial, que recordamos ser o ambiente constituído pelos segmentos
aéreo e espacial, trouxe uma compreensão geográfica e geopolítica diferenciada sobre a
131 A percepção desses fatores está associada diretamente às variáveis de estudo da pesquisa, explicitadas na
Introdução da Tese.
132 Segundo comenta Warf (2007, p. 394), no caso dos satélites, eles exercem um “papel fundamental como
dispositivos de comunicação nas transmissões internacionais de voz, vídeo e tráfego de dados, refletindo o
crescimento da sociedade da informação em todo o mundo e sua constante integração através do mercado
mundial”.
133 Para Correia (2018), uma das importantes e originárias contribuições de Vidal de La Blache à geopolítica é a
introdução do fator tempo, por meio da história, nas análises geopolíticas, apesar dessas terem por foco o tempo
de longa duração, no estudo das civilizações.
134 Historiadores como Hobsbawn (1988) e Toffler e Toffler (1998) indicam que o processo tecnológico da
modernidade associado à evolução nos meios de transporte e de informação, incorporados à tridimensionalidade,
alteram a sociedade. O primeiro, em perspectiva histórica, aponta que, a partir da invenção do motor à vapor e das
ferrovias, foi possível se incluir áreas continentais remotas e diminuir o tempo de deslocamento. O segundo par
de autores, com visão prospectiva, aponta para os impactos das novas tecnologias no fenômeno da guerra.
135 Em obra já referenciada anteriormente, Saint-Exupéry (1975), ele próprio um piloto de aviões, descreve a
sensação similar que o aviador tem ao sobrevoar diversas paisagens a bordo de seu avião.
114
superfície terrestre, sobre o planeta e aquilo que o cerca (o espaço terrestre e o espaço lunar)
e, por que não, um repensar da relação do ser humano com o cosmos.
Associando-se ao que até agora foi exposto, mais do que simplesmente revelar a
dimensão geográfica do ambiente aeroespacial, o que se busca doravante é evidenciar a
importância de uma geopolítica aeroespacial. A geopolítica aeroespacial é um campo de forças
que terá cada vez mais um número maior de atores empresariais e estatais competindo por
território, e projeção de poder, buscando preservar ou ampliar soberanias (ou espaços vitais),
acesso a mercados, desenvolvimento de tecnologias e influência (ou prestígio) nas relações
internacionais136. Em todas essas esferas, a política (sobretudo a militar), a econômica, a
tecnológica ou a ideológica, a geopolítica aeroespacial é um fato contemporâneo, que precisa
ser discutido em maior profundidade.
Essa opção metodológica da Tese é coerente com o que propõe Gérard Dussouy
como abordagem sistêmica da geopolítica, por meio da qual uma interpretação geopolítica pode
ser desdobrada em quatro campos de análise: “a) o campo físico, ou o espaço natural; b) o
espaço demo-político, ou demográfico; c) o campo diplomático-militar; d) o campo
socioeconômico; e) o campo simbólico, ideológico ou cultural” (DUSSOUY, 2010, p. 143-
144)137.
Para tanto, este Capítulo enfocará a questão da geopolitização do ambiente
aeroespacial, de forma a identificar elementos que fundamentem a Tese. Em outras palavras,
trataremos mais exatamente do valor geopolítico do ambiente aeroespacial enquanto objeto de
pesquisa. Trata-se de discutir elementos da espacialidade que caracteriza a vida social nesse
ambiente. A palavra geopolitização é um neologismo que tem sido observado na literatura
recente com o significado de imputar à determinada área ou fenômeno geográfico uma
136 Segundo Castro (2005, p. 244), “O sistema internacional [na atualidade] baseia-se nas estratégias historicamente
elaboradas pelos Estados, a partir de suas possibilidades frente aos outros, para a escolha de posições favoráveis
com relação às guerras e aos acordos. A questão da soberania tem sido um argumento fundamental como
parâmetro, tanto para a legitimidade da guerra, como para o encaminhamento das escolhas nos acordos
interestatais”.
137 Na Introdução, especificamos o recorte temático do problema de pesquisa. Neste, não inserimos as questões do
campo demográfico, conforme propõe Gérard Dussouy, nem temas da diplomacia, biologia etc., por questão de
metodologia, acesso às fontes e delimitação analítica.
115
relevância geopolítica. Exatamente esse será o propósito em torno do objeto de tese, ou seja,
identificar a importância geopolítica do ambiente aeroespacial138.
Para atingir esse objetivo serão identificados eventos relevantes que transformaram
o ambiente aeroespacial em domínio geopolítico139. Inicialmente, por meio de uma abordagem
histórica, buscou-se identificar o ambiente aeroespacial como objeto da geopolítica: a) quando
se formou essa nova perspectiva geográfica; b) quando o poder aéreo ampliou o fenômeno da
guerra; e c) como esse poder aéreo, e depois aeroespacial, implicou em novo patamar teórico e
prático. Em um segundo momento, buscou-se destacar a relevância do ambiente aeroespacial
na geopolítica: a) tratando do conceito de território; b) apontando o impacto da economia nesse
ambiente; e c) ressaltando que a tecnologia é um fator de forte influência sobre esse ambiente.
Por fim, lidamos com a questão do discurso político-ideológico que perpassa o poder
aeroespacial.
Para tanto, o Capítulo resgata as questões centrais da Geopolítica Clássica, desde
os postulados de Friedrich Ratzel quanto à relação entre cultura e crescimento estatal, passando
por Nicholas Spykman e a abordagem cartográfica azimutal polar, até a nova perspectiva
geopolítica do poder aeroespacial originada no pensamento de teóricos como Giulio Douhet e
Alexander Seversky. Nesse caso, observar-se-á como a Geopolítica Aeroespacial estabelece
contrapontos claros em relação aos postulados de Mahan e Mackinder (em especial na questão
do dispositivo técnico – o navio ou o trem de ferro) e na dimensão geográfica (marítima ou
terrestre), mas também resgata pontos das teses desses pensadores que são aplicáveis à essa
nova Geopolítica140.
138 Cabe aqui uma reflexão sobre o propósito metodológico da Tese quanto à diferença entre a proposta de
geopolitização e o conceito de geopolítica aplicada, haja vista que ambos os conceitos são de utilidade nesta
pesquisa. A geopolítica aplicada, segundo KOTLYAKOV e KOMAROVA (2007, p. 42), “trata da aplicação do
conhecimento e de técnicas geográficas para a solução de problemas econômicos e sociais, da escala local até a
mundial”. Ainda sobre a geopolítica aplicada, Tosta (1984, p. 29) considera que ela “se destina a estudar o caso
de determinados países”. Em nosso entendimento, geopolitização é um fenômeno que se observa sobre
determinado espaço físico (e político), enquanto a geopolítica aplicada seria uma técnica ou um método de
estudos. Portanto, há uma zona de relacionamento teórico (e prático) entre esses conceitos que será útil no decorrer
desse Capítulo. Especialmente na literatura em língua inglesa, também é encontrada a forma “geopoliticização”
(geopoliticization). Discussões aplicadas em torno desse conceito podem ser observadas em Kamusella e
Jaskulowski (2009); Flath e Norman (2011); Makarychev e Devyatkov (2014); Mitachi (2015); e Suslov (2018).
139 No sentido geográfico, os eventos podem ser físicos ou culturais (PITZL, 2004). O conceito de evento que aqui
se propõe está associado à ideia de fato histórico, neles incluindo os dados estatísticos.
140 Alguns autores têm buscado explorar esse relacionamento. Caroline Colbert (2018) observou bem a relação
entre a Astropolitik de Everett Dolman, cujo termo origina-se na Geopolitik de Karl Haushofer, com os postulados
clássicos de Alfred Mahan e Halford Mackinder, concluindo que há vínculo dessas ideias com o problema
geopolítico do espaço exterior. Carlos Dias (2011, p. 675), apesar de considerar que as regiões astropolíticas de
Dolman carecem de comprovação, procede raciocínio semelhante ao de Colbert, concluindo que “o controle de
uma fonte como o espaço exterior assegurará enormes vantagens”, algo que Mackinder apontou sobre o Heartland.
116
3.1 O ambiente aeroespacial como objeto da geopolítica
O ambiente aeroespacial, conforme definido no Capítulo anterior, é composto pelos
segmentos da atmosfera terrestre, também denominado espaço aéreo, e pelo segmento do
espaço exterior, cuja delimitação convencionada nesse trabalho abrangeu três elementos: a
Terra, o espaço terrestre e o espaço lunar. Apesar de ser encarado como um contínuo, residem
sobre ambos os segmentos geográficos distintas características morfológicas conforme
identificamos. Na questão histórica, apesar de existirem alguns contextos específicos, há
também um sentido de continuidade da conquista do espaço aéreo até o espaço exterior. Na
verdade, este último tem sua história ainda em curso141.
Também consideramos relevante, nesse momento, retomar nossa hipótese de
pesquisa, haja vista que os elementos adicionais que permitirão sua testagem aqui serão
revelados142. A Tese propôs como objetivo geral analisar a relevância geopolítica do ambiente
aeroespacial, dispondo-se a construir uma visão de totalidade do ambiente aeroespacial, sob os
pontos de vista morfológico, político, econômico, tecnológico e ideológico, a fim de se
constituir no campo de análise geopolítica. Sendo assim, a hipótese de pesquisa considera haver
uma insuficiência da geopolítica clássica143, o que demandaria atualização dessa realidade, a
partir do pressuposto de uma nova geopolítica, a Geopolítica Aeroespacial. Para tanto, dois
141 O recurso à História como ferramenta explicativa da evolução dos fenômenos geográficos é um tema discutido
por José D’Assunção Barros. O autor interpreta o inter-relacionamento entre História e Geografia, reconhecendo
que há um campo de interação, haja vista que o estudo do espaço e o estudo do tempo interagem, até porque, como
cita o autor, “A História não se constitui apenas de um estudo sobre os homens no tempo, mas também um estudo
dos homens no espaço” (BARROS, 2017, p. 22). Na Geopolítica essa interação é essencial. Albuquerque (2011),
recordando a contribuição da geopolítica Therezinha de Castro, aponta que uma das abordagens metodológicas
para o estudo do objeto da geopolítica denomina-se “método geohistórico”, que se vale da conexão entre a
geografia e a história, donde se observam as características geográficas em um contexto histórico. Segundo Correia
(2018), Vidal de La Blache é o responsável pela introdução das análises históricas na geopolítica, algo que seria
refinado posteriormente por Fernand Braudel. Em um sentido estrito, por meio da interpretação histórica dos fatos,
amparada nas condicionantes geográficas, a geopolítica analisa a prática estratégica de domínio e controle do
território (SOUZA, 2011). Nesta etapa da Tese, a conexão entre a história e o espaço geográfico resultará na
compreensão geopolítica do objeto de pesquisa.
142 Popper (2008, p. 33, grifo nosso), admite como método a formulação conjectural e “ainda não justificada de
algum modo – antecipação, hipótese, sistema teórico ou algo análogo – podendo-se tirar conclusões por meio de
dedução lógica”. Dessa forma, em termos de método, o Capítulo é um esforço de falseabilidade, conforme propõe
esse autor.
143 As teorias clássicas da geopolítica formam um corpo teórico consistente, cujo principais elementos estariam
representados nas proposições de Ratzel, Kjellén, Haushofer, Mahan, Mackinder e Spykman, apenas para citar os
mais relevantes. Elementos do pensamento desses teóricos serão abordados ao longo do capítulo. Além do
pensamento geopolítico clássico, algumas teorias das Relações Internacionais também servirão de base para o
desenvolvimento do processo de geopolitização do ambiente aeroespacial, em especial o Realismo Clássico e o
Idealismo (Internacionalismo Liberal) (NOGUEIRA e MESSARI, 2005; SOUSA, 2005; REUS-SMIT e SNIDAL,
2008; PECEQUILO, 2017; CASTRO, 2012; LAMB e ROBERTSON-SNAPE, 2017), cuja apreciação serviu de
base para a coleta de dados dos questionários discutidos no Capítulo seguinte.
117
esforços são requeridos: o da geografização e o da geopolitização (por meio das variáveis de
estudo adrede apresentadas).
Até aqui, o estudo voltou-se para a caracterização do objeto, teórica e
empiricamente. Interessante seria retornarmos aos elementos do esquema da Figura 18, que
sintetizou a complexidade do ambiente aeroespacial. Entende-se que os fixos geográficos são
constituídos pelos objetos naturais e artificiais; as funções exercidas por esses fixos, tanto
funções físicas como relacionais; os processos, que se evidenciam pelo percurso dos fluxos
entre os fixos; a forma, que dispõe os objetos; e os fenômenos naturais, que interferem nos
objetos, interagindo com a estrutura. Então, conforme enfatizamos, a forma dispõe, a função se
aplica e o processo proporciona o fluxo. Com esses elementos teóricos definidos, a tarefa, agora,
será observar empiricamente os elementos de uma geopolitização do ambiente aeroespacial.
3.1.1 Uma nova perspectiva geográfica: a inclusão de uma terceira dimensão
Nesse trecho, o intento é discutir a variável geográfica sob o ponto de vista
dimensional. Como observado anteriormente, os precursores da conquista do espaço aéreo
foram os aeróstatos144. Os primeiros balões utilizavam o ar quente para ascender, e o padre
brasileiro Bartolomeu de Gusmão (Figura 20), teria sido o primeiro a demonstrar esse princípio,
em 1709, “setenta e quatro anos antes dos irmãos Montgolfier” (LONGYARD, 1994, p. 84)145.
Apesar de basear-se em um princípio simples da física, a operação de um balão não era uma
tarefa segura quando os cestos eram ocupados por seres humanos, geralmente redundando em
acidentes fatais146.
144 Os aeróstatos são veículos que ascendem por força do confinamento de gases mais leves que o ar, em bolsas
cuja dimensão varia à proporção da massa que necessita ser elevada. Comumente denominados balões ou
dirigíveis, utilizam usualmente ar quente, hidrogênio ou hélio para permitir a elevação sobre a superfície terrestre.
145 Esse reconhecimento da obra Who’s Who in Aviation History (Quem é quem na História da Aviação) é muito
importante, pois muitos autores creditam aos irmãos franceses Joseph-Michel e Jacques-Étienne Montgolfier a
invenção dos balões. Na verdade, os franceses foram os primeiros a ascender um balão tripulado, inicialmente com
animais e depois com o próprio Joseph-Michel a bordo, em 1784 (LONGYARD, 1994).
146 Mesmo personalidades da aviação nacional, como Alberto Santos-Dumont e Augusto Severo, sofreram
acidentes com balões. Um dos acidentes de Santos Dumont, ocorrido em 1901, quase custou-lhe a vida. O balão
nº 5, após circundar a torre Eiffel, perdeu pressão e veio a cair em cima de um edifício em Paris (NUNHEZ, 2014).
Augusto Severo teve menos sorte e, em 12 de maio de 1902, perdeu a vida no acidente com o balão Pax
(HOFFMAN, 2003). Mesmo na atualidade, balões tripulados ainda não são totalmente seguros. Acidentes são
corriqueiros, como o fato noticiado em um famoso periódico nacional que envolveu um cidadão brasileiro na
Turquia, em junho de 2015 (disponível em https://veja.abril.com.br/mundo/acidente-com-balao-na-turquia-fere-
18-pessoas-entre-elas-um-brasileiro/). Os balões de ar quente não tripulados também se constituem em grande
risco para o tráfego aéreo, cuja colisão com uma aeronave pode significar em dano catastrófico, ou em risco de
incêndio de edificações e vegetações.
118
Figura 20 – O “Padre Voador” e a ascensão de balões (1709)
Fonte: WIKIMEDIA, 2018b.
Apesar da precariedade e dos acidentes no uso dos balões, não foi demorada a
percepção da utilidade militar desses dispositivos147. Os balões significaram uma mudança na
perspectiva geográfica da consciência situacional sobre o campo de batalha. Quando se
utilizava um balão em combate, o oficial subalterno que ia a bordo adquiria uma compreensão
mais ampla da posição geográfica e da disposição das tropas oponentes, assim como da eficácia
dos tiros de artilharia, fazendo com que ele tivesse muitas vezes melhores condições de dirigir
e organizar taticamente o movimento de suas tropas do que o próprio general em comando
(BUDIANSKY, 2004)148.
A inserção dos aeroplanos nesse cenário ampliou a capacidade de observação sobre
o campo de batalha, e as consequências desse fato logo se tornaram evidentes, como o episódio
de setembro de 1914, conhecido como o Milagre do Marne. Essa batalha representou o ponto
culminante da ofensiva alemã, nos momentos iniciais da 1ª GM. O deslocamento do exército
alemão fora inflexionado na direção do Rio Marne, uma mudança tática importante que foi
observada pela aeronave francesa pilotada por Louis Breguet. As informações obtidas pelo
reconhecimento aéreo permitiram que as forças francesas e britânicas deixassem as redondezas
de Paris e seguissem para o ataque à retaguarda alemã, que redundou em grande vitória para a
Entente (BUDIANSKY, 2004).
O que se testemunhava nesse momento era o ingresso efetivo na terceira dimensão
na geografia militar. Os dirigíveis, uma evolução dos balões estáticos, em parceria com os
aeroplanos, deram ao uso do espaço aéreo uma amplitude ainda maior àquilo que os balões
147 Vide nota de rodapé 128, neste Capítulo.
148 Essa perspectiva do alto sempre foi de grande importância na geografia militar, tanto é que o high ground
(terreno elevado) é uma das variáveis de análise do terreno, e a posição elevada favorece maior domínio sobre as
porções mais baixas do terreno (DOYLE e BENNETT, 2002).
119
cativos iniciaram149. O alcance da ação com esses novos dispositivos era agora muito mais
extenso. Apenas fatores como as condições visuais de observação (a meteorologia, na forma de
cobertura de nuvens, por exemplo) e o raio de alcance, restrito pela autonomia de voo
(quantidade de combustível), de fato, limitariam o uso da terceira dimensão à observação do
terreno e ao reconhecimento de objetos na superfície.
A conquista da terceira dimensão implicou na própria modificação da noção de
fronteira (ou de linha limítrofe) entre os Estados. Esse foi, por si só, um fator de relevante
impacto na geopolítica, que via a fronteira como expressão máxima do espaço estatal150.
A temática de Fronteira é recorrente nos estudos geopolíticos. O’Loughlin (1994,
p. 93-94), cita que Kjellén, pela primeira vez, em 1899, “utilizou o termo geopolitik (geopolítica
em alemão)” exatamente em um artigo que tratava do “caráter das fronteiras da Suécia”. Ratzel
(1892)151, formulou suas Leis do Crescimento Espacial dos Estados, considerando que a
expansão dos Estados ocorre na direção das fronteiras152.
Há que se diferenciar, entretanto, os significados da expressões fronteira e linha
limítrofe (boundary). Ladys Kristof (1969, p. 126-127) aponta que “a boundary indica um
limite certamente estabelecido de uma determinada unidade política”, enquanto a fronteira, que
“não é um conceito legal, mas um fenômeno de manifestação de uma tendência de crescimento
149 Um dirigível opera com o mesmo princípio de sustentação do balão, porém possui a capacidade de
deslocamento de forma autônoma e controlada. No caso dos balões, exceto aqueles que são estáticos (geralmente
conectados à uma âncora fixada na superfície por meio de um cabo ou corda, também denominados cativos), a
dirigibilidade não é comandada, ficando o balão sujeito ao vento. Aeroplanos operam com princípio de
sustentação, diferente dos aeróstatos, baseado no diferencial de pressão do ar que flui entre as superfícies superior
e inferior da asa. Segundo o Dicionário Houaiss (2009, verbete "Aeróstato"), aeróstato é um “veículo que se eleva
e se mantém no espaço por efeito da ação da força ascensional de um gás mais leve que o ar, enquanto o aeroplano
é um “veículo aéreo mais pesado que o ar, a jato ou impulsionado por hélice, e provido de asas fixas ou operáveis,
que permitem sua locomoção em função da reação dinâmica destas com o ar”.
150 Friedrich Ratzel considerava que “o único elemento material que conferia ao Estado unidade era o seu território”
(CORREIA, 2018, p. 127).
151 Na Tese, foram utilizadas duas referências de acesso às Leis do Crescimento Espacial dos Estados, de Friedrich
Ratzel. A primeira é o texto traduzido para a Língua Portuguesa e incorporado à obra de Antonio Carlos Robert
de Moraes (1990). Nessas citações, foi utilizada a data original do texto do autor alemão (1892). A outra referência
(RATZEL, 2011), incorporada em função da tradução para a Língua Espanhola apresentar algumas diferenças em
relação ao texto brasileiro, foi obtida em periódico científico. Há, ainda, uma tradução das Leis para a Língua
Inglesa, contida na obra The Structure of Political Geography (A Estrutura da Geografia Política) (KASPERSON
e MINGHI, 1969).
152 Mackinder (1942) e (1904), quando delineou a Área-Pivô e o Heartland, estabeleceu fronteiras entre espaços
geográficos de importâncias relativas. Spykman (1942), quando alterou a compreensão de Mackinder sobre a área
geoestratégica relevante, ao definir o Rimland, também estabeleceu fronteiras. Karl Haushofer, com as pan-
regiões, estabelecia fronteiras entre os continentes e regiões do planeta, exemplo que foi seguido mais
recentemente por Alexander Dugin. Kennan (2003), ao se referenciar à contenção, pressupunha uma fronteira
entre as áreas de influência soviética e norte-americana. Huntington (1996), separou as civilizações em fronteiras
culturais. E entre parte expressiva dos geopolíticos brasileiros, a ideia de fronteira foi desenvolvida, em especial
na questão do estabelecimento dos limites territoriais nacionais, por meio da “vivificação” (BACKHEUSER, 1952,
p. 261) ou pela projeção do poder, como no caso da “pan-amazônia” (MATTOS, 1980) e dos hemiciclos (SILVA,
1981).
120
do ecúmeno”, denota uma área sem delimitação específica que percorre a linha limítrofe entre
dois territórios distintos153. Backheuser (1952, p. 74), no estudo da morfopolítica, incorpora na
expressão fronteira a ideia de “linha periférica”, semelhante à boundary, cujas representações
seriam as “fronteiras terrestres, marítimas e aéreas”.
O tema incorpora ainda outras perspectivas, como nas obras de Moodie (1965),
Carvalho (1971), Raffestin (1993), Miyamoto (1995), Agnew (2002), Newman (2003) e Flint
(2006). Esse último autor propõe conceitos como: a) Boundary (linha demarcatória ou limite)
– linha divisória entre duas entidades políticas; b) Border (borda ou área de fronteira) – é a
região contígua com a boundary; c) Borderland (zona fronteiriça) – a região compreendida
pelos dois lados de uma boundary; e d) Frontier (Fronteira) – área que incorpora um processo
de expansão territorial. Na opinião do autor, a “moderna geopolítica foi a política de construção
de boundaries”, o que portanto demanda que ela seja “estabelecida, demarcada e controlada”
(FLINT, 2006, p. 131-132). A fronteira que foi superada pelo movimento dos aeroplanos e
dirigíveis é aquela ligada tanto à ideia de limite entre os territórios de estados como a de
boundary154.
A inexistência de obstáculos naturais ao deslocamento pelo ar, ressalvadas as
condições desfavoráveis da meteorologia, suscitou a real possibilidade de ultrapassagem de
limites territoriais fixados em parâmetros da geografia física. Mais propriamente, os fixos
geográficos de uma fronteira, de natureza física (montanhas, rios etc.) ou de natureza artificial
(fortificações, muros etc.), não impunham aos dirigíveis e aeroplanos o sentido de
intransponibilidade tão comum aos deslocamentos terrestre e marítimo, sugerindo a
necessidade de atualização do conceito jurídico (e geoestratégico) de fronteira155. Essa realidade
tem impacto direto na percepção de forma, função e processo, sugerindo um dinamismo no
153 Ecúmeno é um termo que Semple (1911, p. 226) define como “a área na qual a Humanidade se distribui e
historicamente se movimenta”. Neste momento seria interessante refletir se essa definição se adequaria ao espaço
exterior, em espacial aos corpos celestes.
154 Nesse último caso, acreditamos que a ideia de boundary absoluta, na forma que Semple (1911) propõe, ao se
referir, por exemplo, ao mar que bloquearia a expansão das pessoas, esteja superada, em especial pelo advento das
tecnologias aeroespaciais, que, como se observa, permite (ou permitirão) alcançar os mais recônditos lugares do
planeta e do Universo. Tanto é que a própria autora, adiante na mesma obra, vê no mar e no ar um sentido de
mobilidade integradora, ao afirmar que “o homem, ao se apropriar das forças móveis no ar e no mar incrementa
seu próprio poder de locomoção, tornando-se um ser cosmopolita, fazendo a raça humana refletir a unidade da
atmosfera e da hidrosfera” (SEMPLE, 1911, p. 359).
155 Uma das declarações mais contundentes sobre essa nova realidade foi a que William Mitchell fez em sua obra
Winged Defense: The Development and Possibilities of Modern Air Power – Economic and Military (Defesa
Alada: O Desenvolvimento e as Possibilidades do Poder Aéreo Moderno – Econômico e Militar), de 1925.
Segundo ele, “As aeronaves movem-se centenas de milhas em incrível curto espaço de tempo, então mesmo que
se informe sobre sua penetração em um país, através de suas fronteiras, não há como se saber onde atacarão. Onde
quer que um objeto possa ser visto do ar, aeronaves podem atingi-lo com canhões, bombas e outras armas. Cidades
grandes ou pequenas, linhas de ferrovia e canais não podem se esconder” (MITCHELL, 2009, p. 4).
121
esquema, conforme observamos na Figura 18, que agrega fixos e fluxos sob a perspectiva da
dimensão aeroespacial.
Sobre o conceito de fronteira, Strauz-Hupé (1972, p. x) entende que a “geopolítica
compreende a fronteira de estados e territórios meramente como expressão transitória de uma
situação de poder”. Sánchez (1992, p. 174), afirma que “As fronteiras políticas [...] refletem um
equilíbrio dinâmico entre sociedades com uma maior tendência à estabilidade”, cuja melhor
percepção seria a de um “limite conjuntural histórico, um momento do equilíbrio dinâmico do
processo histórico”. De qualquer forma, tanto no sentido da transitoriedade como no equilíbrio
conjuntural, ideias que se completam, os aeroplanos extrapolaram essas perspectivas, pois a
transitividade da fronteira deixou de ser regulada por um processo histórico, razoavelmente
lento, para adquirir uma fugacidade, proporcional à velocidade do meio de deslocamento pelo
ambiente aeroespacial156. A se pensar nos satélites que orbitam no espaço exterior,
sobrejacentes à Terra, o conceito clássico de fronteira (limites e territórios) chega a ser
questionado como incompatível, face à efemeridade no trânsito dos veículos orbitais por sobre
os Estados, os continentes e todo o Planeta, em questão de minutos157. Sheehan (2007, p. 16)
afirma que na “era espacial [...] satélites e naves espaciais circulando o globo aniquilaram a
ideia de distância e demonstraram a irrelevância das fronteiras internacionais”.
Lysias Rodrigues tratou desse tema na obra Geopolítica do Brasil (1947)158.
Considerou que a aviação teria aberto um novo capítulo na história, o que obrigaria a tratar da
influência da terceira dimensão na situação das fronteiras, sob o viés da geopolítica. Para o
autor, “A evolução espetacular da aviação modifica[ria] profundamente o conceito de
fronteiras, porque obrigou a ser levado em consideração a questão do espaço aéreo”
(RODRIGUES, 1947, p. 69). O raio de ação conjugado com a velocidade das aeronaves exigiria
dos teóricos uma nova compreensão da realidade geográfica e política, pois as fronteiras
156 Observamos uma intensificação da percepção de tempo de La Blache e Braudel, o tempo histórico lento da
geopolítica das civilizações se apresenta como lento, para a ideia de velocidade de Paul Virilio (1984), por meio
da inserção de um novo acrônimo no debate geopolítico: a cronopolítica, fruto da intensificação do fator espaço-
tempo nas relações sociais, econômicas e políticas.
157 Essa é uma questão pacificada no que tange ao direito aeronáutico, que estabelece como território nacional a
projeção da superfície estatal no espaço aéreo sobrejacente. Apesar de serem recorrentes violações de soberania,
como aponta Williams (2010). No campo do direito espacial, porém, esse assunto ainda é objeto de polêmica. Por
exemplo, a questão suscitada na Declaração de Bogotá, de 1976, que reivindica soberania sobre segmentos de
órbitas geoestacionárias (SANTANA e LIENDO, 2017; BORMANN e SHEEHAN, 2009; AL-RODHAN, 2012),
questão que será explorada adiante.
158 Everardo Backheuser (1952, p. 198) também tratou do tema fronteiras aéreas, concluindo que a “coluna aérea,
[...] sem limite de altura, [...] assim concebida como fronteira aérea, nada mais é do que a própria fronteira terrestre,
inclusive as águas territoriais, prolongada para acima, indefinidamente”.
122
passaram a ser latentes159.
Como já aventamos, um salto importante na utilização geopolítica da terceira
dimensão ocorre a partir da 1ª GM. Esse conflito mundial, principalmente no teatro de
operações da Europa, foi caracterizado como uma guerra de trincheiras, na qual os exércitos
permaneciam longamente estáticos em fortificações construídas ao longo da linha de
combate160. Havia uma grande deficiência de informações sobre o inimigo, impossibilitando a
tomada de decisões sobre as ações militares futuras. Fatos como aquele ocorrido no Marne,
anteriormente citado, ainda eram incipientes na história da aviação.
Os governos das nações beligerantes, principalmente Alemanha, França e Reino
Unido, e a partir de 1917 os EUA, definiram suas políticas, estratégias, táticas e planos da guerra
sem elementos suficientemente concretos de inteligência militar que pudessem fundamentar as
decisões161. Conhecimentos essenciais sobre a cartografia do terreno, condição que Lacoste
(2012, p. 227) identificou como um “saber indispensável para os príncipes e os chefes de
guerra”, era uma deficiência concreta a se lidar no dia a dia das operações militares.
Contudo, à medida que as aeronaves se desenvolviam, assim como os sistemas que
podiam ser incorporados a bordo, as dificuldades que se impunham quanto à falta de informação
ou sobre o conhecimento geográfico foram, em grande parte, superadas pelo uso do
reconhecimento aéreo. Os aeroplanos, seguindo a tradição inaugurada pelos balões, passaram a
sobrevoar o território inimigo rascunhando croquis sobre o terreno e a disposição das trincheiras
do oponente. Posteriormente, a instalação de câmeras fotográficas nas aeronaves viabilizou o
159 Rodrigues sustentou suas proposições com argumentos como as “esquinas do mundo” e o “papel da aviação
comercial”. Para o autor (1947, p. 70), “O espaço aéreo criou as ‘esquinas do mundo’, [que] são pontos de
passagem aérea forçada para os voos transoceânicos”. Esse espaço geográfico diferenciado demandaria uma nova
compreensão geopolítica do mundo. No caso da aviação comercial, afirmou que “Os governos estão hoje
diretamente empenhados no progresso da aviação comercial, civil e militar, porque todos os problemas, no âmbito
nacional, como no internacional, dela dependem, assumindo a posse do espaço aéreo condição vital”
(RODRIGUES, 1947, p. 71). Ou seja, o autor antecipa ao espaço aéreo e à aviação comercial uma relevância
geoeconômica, sendo pertinente deduzir um espaço aéreo vital, parafraseando Friedrich Ratzel.
160 Importante relembrar que a guerra nas trincheiras da 1ª GM expressou claramente a limitação dos exércitos em
ultrapassar fronteiras ou limites estabelecidos entre os Estados e os exércitos em combate, algo que seria superado
com a presença dos aeroplanos.
161 Inteligência militar é uma atividade que provê informações aos tomadores de decisão sobre as capacidades e
intenções do oponente. Segundo o Glossário das Forças Armadas, a Inteligência produz “conhecimentos relativos
a fatos e situações atuais ou potenciais que afetem o processo decisório” (BRASIL, 2015, p. 149). A inteligência
militar, inclusive o fator geográfico, elemento destacado por Gray (1999a), estaria mais diretamente relacionada à
geoestratégia. Vejamos que O’Loughlin (1994, p. 98), dá esse direcionamento quando afirma que a “geoestratégia
é o estudo da distribuição espacial dos poderes terrestre, marítimo e aéreo e a relação desses com o fenômeno
geográfico”. Teixeira Jr. (2017, p. 101), entretanto, é menos restritivo e conclui que “na geopolítica a geografia
determina a política, na geoestratégia a geografia condiciona a escolha e a configuração da estratégia voltada à
realização dos objetivos de uma comunidade política”. Portanto, sendo a Defesa um tema da Geopolítica, o que
acreditamos ser correto, a geoestratégia estaria incluída na geopolítica e ambas se valeriam da inteligência, de
natureza militar ou não, para a compreensão da complexidade de cada cenário. Exatamente essa foi a demanda
que a exploração da terceira dimensão buscou atender naquele cenário conflituoso do início do século XX.
123
desenvolvimento da fotografia aérea, que trouxe uma consciência situacional sobre o espaço
geográfico até então não disponível na história162. A Figura 21 nos dá a exata noção dessa
importância, pois a fotografia do dispositivo das trincheiras alemãs (no caso, as proximidades
da cidade de Thiepval, atualmente situada na região Norte da França), transformava-se em
valiosa informação para o planejamento das ações militares163.
Figura 21 – Fotografia aérea de trincheira alemãs na 1ª GM – França, 1916
Fonte: WIKIPEDIA, 2020.
A fotografia aérea rapidamente evolui para a aerofotogrametria164, cujos produtos
da cartografia proviam uma consciência situacional diferenciada. Alguns geógrafos
162 Em 1816, Joseph Nicéphore Niépce produziu, com uma câmera, “uma fotografia em papel sensível com cloreto
de prata” (PERES, 2007, p. xiv). Portanto, 100 anos antes da 1ª GM a fotografia já vinha se desenvolvendo, o que
levou ao aproveitamento dessa capacidade a bordo das aeronaves. Equipadas com câmeras fotográficas, as
aeronaves sobrevoavam as trincheiras inimigas descortinando a organização das linhas de defesa, assim como
plotando os pontos de maior concentração de tropas e a posição das peças de artilharia.
163 Conhecer o dispositivo das trincheiras, sua forma de organização, os pontos fortificados, as avenidas de
comunicação entre as linhas de trincheira da frente e da retaguarda, viria a se transformar em demanda crescente
dos planejadores militares. As representações contidas na Figura 21 demonstram a forma de organização de um
setor de trincheiras, onde se percebe claramente as linhas dentadas característica dessa forma de aproveitamento
do terreno, assim como as linhas que definem diferentes profundidades em relação ao território inimigo e as linhas
que se comunicam entre esses estágios. Thiepval foi palco de batalha imortalizada no filme 1917, dirigido por Sam
Mendes, que retrata as agruras das trincheiras da 1ª GM.
164 A fotografia aérea pode ser oblíqua ou vertical. O tipo oblíquo é aquele cuja perspectiva é inclinada. A fotografia
aérea vertical é de maior “utilidade para o geógrafo pois a câmera é posicionada sob a aeronave (perpendicular à
superfície fotografada) e representa elementos que podem ser mapeados e medidos” (HANKS, 2011, p. 284). A
aerofotogrametria, também conhecida como aerofototopografia, consiste na técnica de se obter imagens
fotográficas e delas se obter informações sobre propriedades geométricas, geralmente com a finalidade de
desenvolvimento de mapas.
124
comentaram mais recentemente essa nova perspectiva proporcionada pela fotografia aérea.
Moreira (2001, p. 28) considera que o avião transformou o “recortado do território no traçado
do espaço liso”, cuja fluidificação relativizou o lugar. Ou seja, o relevo (e demais obstáculos
naturais) passou a ser observado como um plano. Santos (1997, p. 76) conclui que “O que
vemos de um avião que voa a 1.000m de altura é uma paisagem” e, acrescentamos, a fotografia
aérea seria uma forma de se representar a paisagem.
A herdeira natural da fotografia aérea, em virtude do desenvolvimento tecnológico
que caracterizava a aviação desde seu surgimento, seria a fotografia a partir do espaço exterior.
Tal situação também não passou despercebida dos geógrafos. Becker (2007, p. 22)
compreendeu que quando “a tecnologia dos satélites permitiu ao homem olhar a terra a partir
do Cosmos, houve uma verdadeira revolução no sentido da percepção sobre o Planeta: passou-
se a ter consciência da sua unidade”. Efetivamente, consoante com o que se propõe nesta Tese,
entendemos que hoje essa consciência citada pela autora migrou da superfície terrestre para o
próprio espaço exterior próximo, ou até mesmo para a completude do Cosmos. A humanidade
passou a experimentar um quadro geográfico cuja totalidade é de uma amplitude muito maior
do que simplesmente a Terra.
A aerofotogrametria chegou ao espaço exterior e se expandiu com a utilização de
novos sensores além da câmera fotográfica convencional. A fotografia aérea a partir do espaço
exterior trata da “obtenção de imagens da superfície da Terra tomadas de aeronaves ou outros
veículos aéreos em diferentes zonas espectrais, com a ajuda de sistemas de fotocâmeras”
(KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 14). Os instrumentos de observação da superfície
terrestre, de sua atmosfera ou do espaço exterior, constituem o que é chamado de sensoriamento
remoto165. Essa atividade é beneficiada por diversos tipos de sensores (bandas do visível e do
infravermelho) e por ferramentas como os Sistemas de Informações Geográficas (Geographical
Information System – GIS)166.
Além da relevância para a geoestratégia militar, a importância geotecnológica e
geoeconômica do sensoriamento remoto pode ser verificada na contribuição ao gerenciamento
dos espaços geográficos e acompanhamento dos fenômenos naturais que ocorrem na atmosfera.
Esse mapeamento, segundo Matthews e Herbert (2008, p. 116), é uma “explícita expressão do
165 O sensoriamento remoto é “um termo que se refere a um conjunto de técnicas pelas quais o ambiente
[geográfico] é estudado” (HANKS, 2011, p. 284), por meio do emprego de sensores que se posicionam a uma
certa distância da superfície observada.
166 O GIS é um “sistema que provê coleta, armazenamento, processamento, acesso, representação e disseminação
de dados em objetos geográficos e processos relacionados a determinado sistema de coordenadas” (KOTLYAKOV
e KOMAROVA, 2007, p. 290).
125
conceito geográfico de espaço e pode ser visto como uma contribuição geográfica específica ao
conjunto de métodos disponíveis para se compreender o mundo”. Sausen (2019) apresenta uma
extensa lista onde o sensoriamento remoto pode contribuir com políticas públicas e,
consequentemente, no amparo às decisões e análises geopolíticas167.
O sensoriamento remoto, em especial a fotografia aérea, iniciado durante a 1ª GM,
geraria uma capacidade que teria aplicação imediatamente após o término desse conflito. Nos
anos subsequentes à Guerra os países da Europa, principalmente, direcionaram a atenção para
as questões coloniais. A manutenção das colônias era dispendiosa e, não raramente, redundava
no emprego de contingentes militares pacificadores que exerciam pressão nas despesas dos
Estados. A Inglaterra, um dos países com maior quantidade de possessões ultramarinas,
encabeçava a lista de nações com elevado orçamento na árdua tarefa de consolidar seu governo
nas colônias.
O marechal-do-ar britânico Hugh Trenchard analisou essa situação de forma
perspicaz e propôs ao governo britânico, com apoio de Winston Churchill, uma solução que
minimizaria os custos coloniais e daria uma destinação útil aos aviões que se acumulavam nos
hangares168. Essa solução era concebida na utilização das aeronaves da Royal Air Force – RAF
(Real Força Aérea) no policiamento das imensas áreas das possessões na Ásia e Oriente
Médio169. O princípio básico aproveitava a ideia do reconhecimento aéreo dos tempos da 1ª
167 Na lista de Sausen (2019) encontram-se as seguintes contribuições: atualizar a cartografia existente;
desenvolver mapas e obter informações sobre áreas minerais, bacias de drenagem, agricultura, florestas; melhorar
e fazer previsões com relação ao planejamento urbano e regional; monitorar desastres ambientais, tais como,
enchentes, poluição de rios e reservatórios, erosão, deslizamentos de terras, secas; monitorar desmatamentos;
estudos sobre correntes oceânicas e movimentação de cardumes, aumentando assim a produtividade na pesca;
estimativa da taxa de desflorestamento da Amazônia Legal; suporte de planos diretores municipais; estudos de
impactos ambientais e relatórios de impacto sobre meio ambiente; levantamento de áreas favoráveis para
exploração de mananciais hídricos subterrâneos; monitoramento de mananciais e corpos hídricos superficiais;
levantamento integrado de diretriz para rodovias e linhas de fibra ótica; monitoramento de lançamento e de
dispersão de efluentes em domínios costeiros ou em barragens; estimativa de área plantada em propriedades rurais
para fins de fiscalização do crédito agrícola; identificação de áreas de preservação permanente e avaliação do uso
do solo; implantação de polos turísticos ou industriais; e avaliação do impacto de instalação de rodovias, ferrovias
ou de reservatórios.
168 A partir de 1917, Churchill exerceu funções públicas que tinham relação direta com as propostas de Trenchard,
tais como a de Ministro dos Armamentos, Secretário de Estado para a Guerra e Secretário de Estado para as
Colônias. Após o fim da 1ª GM, os estoques acumulados de material bélico impunham elevados custos de
manutenção. No caso das aeronaves, esse custo era muito alto e a necessidade de redução de despesas suscitaram
a proposição de soluções radicais como a própria extinção da força aérea britânica (PEACH, 2002).
169 Trenchard (2008, p. 258), em memorando reproduzido em revista profissional da RAF, em 1919, referindo-se
a episódio ocorrido na Somália, citado adiante no texto, asseverou que os “eventos recentes demonstraram o valor
das aeronaves em lidar com problemas fronteiriços, e talvez não seja muito esperar que cedo se provará a
possibilidade de a RAF ser utilizada não como complemento, mas como substituta nessa tarefa”. (A mesma citação
pode ser encontrada em Air Power Review, Shrivenham, p. 257-268, Spring 2013, disponível em:
www.airpowerstudies.co.uk).
126
GM, replicando-o nas colônias. Observar os grupos rebeldes e insurgentes em áreas distantes
da metrópole passou a ser uma função básica da aviação.
Os primeiros resultados contra uma pequena rebelião na Somália, entre os anos de
1919 e 1920, forneceram a base para o desenvolvimento desse tipo de operação:
Nessa ocasião, aeronaves de reconhecimento localizaram o líder somali em uma
fortificação na região. Bombardeios intensos das aeronaves britânicas obrigaram a
evacuação do forte e a perseguição que se seguiu, levou o líder e seus seguidores a
escaparem pela fronteira da Etiópia, onde, no ano seguinte, ele morreu. Por um custo
de oitenta mil libras, o poder aéreo desempenhou um papel central na derrota de uma
força rebelde que irritava os ingleses há muitos anos (CORUM e JOHNSON, 2003,
p. 53).
Não é difícil se perceber o impacto geopolítico que a consciência situacional sobre
o movimento e a concentração dos grupos de oposição ao poder central forneceu aos Estados
imperiais. A iniciativa de controle aéreo passou a ser utilizada em várias situações desde
então170, consagrando-se como uma forma eficaz de aplicação de políticas estatais ou de
organismos internacionais contra Estados inimigos, grupos rebeldes/insurgentes, criminosos e
terroristas. Esse tipo de controle pode ter por objetivo negar o movimento, concentração e
atuação de forças oponente na superfície ou pelo ar. Novamente, a terceira dimensão, na forma
de exercício do poder da metrópole sobre as colônias, suscitava uma geopolítica aeroespacial171.
A atuação da aviação nas colônias, de forma célere e diretamente relacionada com
as aspirações da metrópole, ilustra a ideia de um sistema fechado, no qual eventos ocorridos em
determinada parte afetariam a totalidade do sistema. Segundo Flint (2006), esse teria sido o
170 Espanhóis (no Marrocos) e franceses (no Marrocos e na Síria) também empregaram aeronaves em suas colônias
com o intuito de controlar as ações de forças rebeldes (CORUM e JOHNSON, 2003). Da mesma forma que os
britânicos, essas ações visavam restringir (ou mesmo incapacitar) a atuação dos rebeldes contra as forças de
ocupação. Outro exemplo mais recente, em 1993, ocorreu por meio da aplicação da resolução da ONU de nº 816,
que iniciou a Operação Deny Flight (Negar o Voo), por meio do estabelecimento de no-fly zones (zonas de voo
negado), como forma de pressionar o presidente Slobodan Milosevic a acatar as demandas da comunidade
internacional (GRAY, 2002). Essas zonas são aplicações típicas do conceito de controle aéreo, haja vista que, a
partir do ar, monitoram (ou mesmo neutralizam) as ações de forças de superfície.
171 A ideia de controle aéreo tem merecido um debate acadêmico cuja implicação geopolítica se percebe em rotas
aéreas transcontinentais e em regiões como o oriente Médio. Butler (2001) discute o papel de Estados Unidos, da
Grã-Bretanha, da França e da Alemanha em importantes conferências internacionais de aviação (1910, 1919 e
1928) relacionando interesses geopolíticos com o nível de desenvolvimento tecnológico da aeronaves nesses
países. Williams (2007) e Omissi (2008) discutem o papel do controle aéreo em dois contextos distintos (no Iraque
pós Guerra do Golfo de 1991 e na Palestina no início da década de 1920. Ambos reforçam a importância da
verticalidade na geopolítica, por meio da aplicação do Poder Aéreo. Omissi (2008, p. 55), inclusive, cita que o
“Poder Aéreo oferece um método fácil de ampliar o alcance geográfico do estado”.
127
ponto de convergência entre os geopolíticos Alfred Mahan e Halford Mackinder172, ao
conceberem o mundo como um sistema interconectado e interdependente. Santiago (2013)
opera um raciocínio semelhante a partir da interpretação da geografia política de Ratzel. O
geógrafo alemão percebe o componente geopolítico das redes de circulação e comunicação,
além de conceber a interdependência universal numa visão realista e o “estado como um
sistema” (SANTIAGO, 2013, p. 115)173.
De forma semelhante, as possessões ultramarinas representavam peça fundamental
da engrenagem do sistema colonial. A atuação dos rebeldes desequilibrava o sistema, na forma
de perturbações na ordem comercial estabelecida entre a metrópole e sua colônia. Agindo contra
essas perturbações de forma mais célere do que o exército em terra, o aeroplano se mostrava
uma ferramenta eficaz na manutenção da estabilidade do sistema fechado de cada império174.
Mahan dirige sua atenção para a importância (e influência) dos oceanos e mares no
desenvolvimento das nações. Por meio da identificação de elementos geográficos e políticos,
172 Mackinder (1942, p. 22), expressa isso de forma bem clara quando afirma serem “as interconexões entre as
coisas físicas, econômicas, militares ou políticas na superfície do globo, [um] sistema fechado”. Mahan refere-se
à Inglaterra, à França e à Espanha, suas metrópoles e colônias, onde os oceanos, as marinhas, portos e cidades
compõem um sistema. Cita que “homens dos últimos três séculos têm profundamente sentido o valor para a
metrópole das colônias como entrepostos dos produtos metropolitanos e como um viveiro para comércio e
transporte; mas os esforços de colonização não têm a mesma origem nem o mesmo sucesso nos diferentes
sistemas” (MAHAN, 1890, p. 39). O’Loughlin (1994) entende que essa seria, também, uma característica em
Nicholas Spykman, que dá um outro entendimento ao conceito de Heartland. Visualiza na periferia eurasiana, e
não no seu núcleo terrestre central, a área chave do poder, área periférica que denominou Rimland. Na literatura
brasileira Rimland foi traduzido como Fímbria (TOSTA, 1984) e (MIYAMOTO, 1995). Na geopolítica, a Teoria
do Rimland é uma evolução da Teoria do Heartland. A região na periferia da área-coração é que realmente deveria
ser controlada, pois possui tanto acesso pelo mar quanto pela área interior, o Heartland.
173 João Phelipe Santiago é um autor que, aproveitando-se da análise de Ratzel, aponta para a demanda de expansão
do horizonte geográfico tradicional, ligado à superfície terrestre, para o espaço exterior. Ao menos em três
passagens de sua obra apresenta essa ideia: “Da mesma forma, podemos nos referir à expansão do horizonte
geográfico para a conquista do espaço extraterrestre, conquista da Lua e perspectiva de colonização de Marte,
questões da época atual”; “A expansão dos horizontes geográficos, através das redes, no pós-guerra, na segunda
metade dos [anos de 1920], projetou a extensão humana para além da superfície terrestre, para além da troposfera,
da ionosfera, atingindo o espaço sideral, chegando a andar na Lua e fazer com que robôs andem em outros planetas,
como Marte, além de sondas que orbitam Mercúrio e o Sol, com naves não tripuladas em direção aos confins do
sistema solar, como é ocaso da Pioneer. Esse novo horizonte, que chamamos de espaço transplanetário, não deixou
de utilizar o território terrestre como base de domínio e controle, usando conhecimentos e artefatos técnicos e
tecnológicos, a sistematização das informações e as estratégias de operações que ainda não eram produzidos na
era dos voos espaciais e do horizonte transplanetário”; e “Na concepção de sistema interligado, o teatro Terra,
associa-se por complementação o espaço atmosférico e exterior” (SANTIAGO, 2013, p. 99, 113-121 e 133).
174 Mahan faleceu em 1914, portanto, não pode inferir sobre a relevância dos aeroplanos na geopolítica. Os
principais trabalhos de Mackinder são The Geographical Pivot of History (O Pivô Geográfico da História) e
Democratic Ideals and Reality (Ideais Democráticos e Realidade), respectivamente, de 1904 e 1942. Alguns
críticos são contundentes sobre essa omissão do geógrafo britânico. Apesar de viver até 1947, e ter testemunhado
parte significativa da maturidade da aviação, para Jones, Jones e Woods (2004, p. 6), Mackinder “ignorou o poder
aéreo”. Para Glassner (1996, p. 326), Mackinder “falhou em levar em consideração a crescente e bastante óbvia
importância do poder aéreo e o desenvolvimento de outras tecnologias” relacionadas. Há, entretanto, visões menos
ásperas sobre Mackinder e o poder aéreo, como a de Weigert (1942, p. 129), que observou na obra de 1942 que o
teórico inglês “antecipou a aviação” quando falou em “mobilidade alada”.
128
tais como, “a posição geográfica, a conformação física, a extensão do território, o tamanho da
população, o caráter nacional, e o caráter do governo” (ALMEIDA, 2015, p. 104-115), que
comporiam o poder marítimo de um Estado forte, Mahan queria demonstrar a importância
geográfica da superfície marítima para os Estados175. Sem o controle dos oceanos, um Estado
não teria condições suficientes para se desenvolver (como Estado forte), pois seria assediado
em suas linhas de comunicação marítimas, vitais ao comércio e trânsito de recursos naturais e
mercadorias. Portanto, esse assunto teria “um interesse maior para os cidadãos de um país livre,
especialmente aqueles encarregados dos assuntos [diplomáticos] e das relações militares”
(MAHAN, 1890, p. 20). Assim, o que Mahan desenvolve para o sistema fechado é uma
geopolítica de base marítima176.
Mackinder buscou uma explicação diferente de Mahan. Na verdade, seu conceito
de pivô central177 era uma proposição totalmente oposta à ideia do controle do mar, onde o autor
busca justificar a importância de uma superfície terrestre central (MACKINDER, 1904)178.
Talvez a melhor definição de pivô seria o de uma área geográfica basilar ao desenvolvimento e
controle da massa terrestre, especificamente localizada no núcleo central eurasiano. Nessa área
central, a mobilidade interna provida pelas ferrovias facilitaria o controle dessa grande
superfície. Em função da distância dessa área central em relação aos mares quentes, ela estaria
protegida contra a tentativa de controle marítimo (ou a partir do mar), ponto que se contrapõe
à ideia de Mahan179. Posteriormente, Mackinder renomearia essa área como Heartland (coração
175 Mahan também discutiu opções geográficas para os EUA e, segundo Cohen (2015, p. 23), deu “suporte à
anexação das Filipinas, Avaí, Guam e Porto Rico”, além de sugerir o “controle da zona do Canal do Panamá e uma
tutela sobre Cuba”, o que demonstra uma visão mais ampla de geopolítica.
176 Santiago (2013, p. 172) afirma que Ratzel considerava “o domínio dos mares como base para o poder mundial”.
177 Esse conceito foi sugerido por MacKinder em The Geographical Pivot of History (1904), onde faz uma análise
histórico-geográfica do continente europeu, inclusive a Rússia, por vezes estendendo a amplitude da análise a
outras regiões.
178Uma das citações mais famosas da geopolítica, entabulada pelo geógrafo inglês, sustenta essa visão que
relaciona geografia e poder na política mundial: “Quem governa a Europa do Leste comanda o Heartland; Quem
governa o Heartland comanda a Ilha Mundial; Quem governa a Ilha Mundial comanda o Mundo” (MACKINDER,
1942, p. 106). Apesar da citação remeter à Geopolítica, Mackinder nunca utilizou a expressão geopolítica em seus
trabalhos. A palavra governa é empregada no sentido de controle nas disputas geopolíticas com os países do
Heartland, e não no sentido da ocupação territorial.
179Mackinder formulou sua teoria justamente como estratégia de contenção para uso do poder marítimo britânico.
129
da terra ou terra-coração), afirmando que ela seria “a região na qual, de acordo com as condições
modernas, ao poder marítimo poderia ser negado o acesso” (MACKINDER, 1942, p. 78)180.
Apesar da ideia central de sistema fechado ser congruente entre ambos, a forma de
se exercer esse controle, ou o espaço geopolítico desse controle, seria diferente: o controle do
mar (em Mahan) e o controle da superfície terrestre ou do heartland (em Mackinder). Porém,
uma nova forma de controle surgiria pouco mais tarde: o controle do ar181. Na verdade, a
aviação seria um fator de extrema importância para o controle do ar a partir do fenômeno
caracterizado como guerra total, que eclodiria em 1914 e, novamente, em 1939, ambos eventos
decisivos para a geopolítica aeroespacial.
3.1.2 Guerra Total e Ambiente Aeroespacial
A variável geográfica, a par da questão dimensional, onde se observa a
peculiaridade do ambiente aeroespacial em relação aos espaços marítimo e terrestre, também
tem uma componente histórica. Apesar de serem significativas as contribuições da fotografia
aérea e do monitoramento pelo ar, advindas do conflito de 1914, elas não foram aquelas que
concorreram com a associação da aviação à guerra total, nem deram um sentido histórico mais
amplo ao ambiente aeroespacial. O que de fato ocorreu na 1ª e 2ª GM foi um envolvimento de
toda a sociedade na guerra. Essa nova forma de guerra demandaria dos Estados uma produção
de material militar e suprimentos (alimentos, combustíveis etc.) para suas forças armadas, em
uma escala até então nunca observada182. Gyorgy (1944, p. 247), relata que a escola geopolítica
alemã associou a guerra total ao poder aéreo, “tornando-a totalitária não meramente pelo
180 Exatamente por esses motivos que Mahan e Mackinder, na geopolítica, são conhecidos pelas respectivas teorias:
a do poder naval e a do Heartland, respectivamente. Correia (2018) identifica em Mahan e em Mackinder os
principais protagonistas do que denomina teorias do poder marítimo e teorias do poder terrestre. A Teoria do Poder
Marítimo/Naval (associada a uma geopolítica marítima) advoga que o controle das massas aquáticas (por meio de
uma armada, do controle de acesso às linhas de comunicação e da posse de bases navais de apoio à esquadra) seria
uma condição essencial para o desenvolvimento e segurança do Estado. A Teoria do Heartland (ou do poder
terrestre, associada a uma geopolítica terrestre) propugna – em certa medida se opondo à ideia de Mahan –, que a
posse da área-coração, uma extensa região composta pela então URSS e áreas adjacentes, ou seja, uma superfície
terrestre, é que de fato permitiria o progresso econômico-social, e por meio do controle dessa área, também a
predominância política.
181 Controle do ar é um conceito mais abrangente que controle aéreo (anteriormente apresentado). Esse último
trata da possibilidade de agir a partir do ar contra o oponente na superfície. O controle do ar altera a perspectiva
geográfica da atuação sobre a superfície para a atuação na atmosfera. Assim, o controle do ar pressupõe uma
capacidade que é exercida do ar e no ar, enquanto controle aéreo é uma capacidade exercida no ar sobre a
superfície.
182 O conceito de Guerra Total surge com as guerras da revolução francesa, a partir de 1789, quando um novo
sentido de nacionalismo é despertado. Segundo Duiker e Spielvogel (2010, p. 536), “guerras prévias foram lutadas
por governantes ou dinastias, com participação relativamente pequena de exércitos profissionais. Na França, a
guerra passa a ser do povo [...] abrindo a porta da guerra total para o mundo moderno”. Os efeitos da
industrialização e da mecanização, decorrentes da revolução industrial, em especial na produção em massa de bens
de consumo para uso nos conflitos, transformaram a guerra em um fenômeno de dimensão nacional.
130
objetivo de conquista mundial, mas também pelos métodos, pela exploração de todo
conhecimento científico da humanidade e de suas invenções tecnológicas”. A aviação, como
instrumento de violência e de militarização em massa das sociedades do século XX, concentra
todo o significado do conceito de guerra total (BUCKLEY, 1999).
A parcela de cooperação da aviação na guerra total se faz perceber, inicialmente,
na modificação da amplitude geográfica do campo de batalha. Até então, este era restrito às
localidades onde ocorriam os confrontos diretos, entre os exércitos e as marinhas, mas a partir
de 1914, com a presença das aeronaves, o teatro de combate se amplia, e chega às cidades
distantes das linhas de contato e, por conseguinte, às populações civis, antes relativamente
protegidas dos efeitos do combate direto183. Um importante teórico da aviação percebeu essa
realidade com clareza, ao afirmar que:
Na superfície, a guerra consistia na movimentação das linhas de batalha e conflito ali
dispostas[...]. A uma certa distância por trás destas linhas, distância que era
determinada pelo alcance máximo do fogo de canhões, as repercussões da guerra eram
sentidas diretamente. Além dessa distância, o ataque inimigo não podia penetrar e a
vida permanecia segura e comparativamente tranquila. O campo de batalha era
limitado [...]. Agora, no entanto, já é possível passar além das linhas sem rompê-las
primeiro. É o aeroplano que possui este poder (DOUHET, 1988, p. 29-30).
Se testemunhava uma “revolução radical na forma de guerra” (DOUHET, 1988, p.
31), que logo seria evidenciada pelo impacto das bombas lançadas pelo ar nas cidades
europeias. Londres é uma das primeiras vítimas, quando a ação dos zepelins alemães, em 1915,
e das aeronaves de bombardeio Gotha G III, em 1917, geraram pânico na população dessa
cidade (STOKESBURY, 1986)184. Esses ataques à capital inglesa suscitaram debates sobre
como melhor impedir a atuação inimiga, cuja solução foi a criação de um braço militar
independente para lidar com essa situação, assim foi o nascimento da RAF, em 1918.
183 Na verdade, as guerras sempre afetaram, em alguma medida, as populações civis. Seja na forma de destruição
de patrimônios públicos e pessoais, na escassez de alimentos e difusão de doenças, ou mesmo em massacres
deliberadamente conduzidos contra essas populações. Porém, todas essas situações sempre foram associadas
diretamente aos efeitos de uma batalha (ou de sucessivas batalhas) que ocorriam nas proximidades das
concentrações populacionais (ou mesmo nelas). O fato novo que se apresenta com a aviação é a possibilidade de
se atingir uma determinada concentração populacional totalmente fora do contexto de determinada batalha, no
interior de um Estado. Possivelmente, o primeiro registro dessa nova perspectiva tenha sido a ação austríaca
durante a Primeira Guerra de Independência da Itália. Segundo Buckley (1999, p. 24), naquele ano “balões foram
utilizados pelos austríacos para transportar granadas que seriam lançadas quando esses dispositivos sobrevoassem
a cidade de Veneza”, porém, a tentativa não logrou êxito em função do vento que dispersou os balões.
184 Hippler (2013) destaca que percepções como as que o jornal Daily Mail expunha sobre a perda da
inexpugnabilidade da Ilha Britânica, inclusive após o voo de Alberto Santos-Dumont em 1906, reforçaram um
sentimento de temor nos britânicos decorrente da ameaça de bombardeio pelos céus. Informações mais detalhadas
sobre o pânico experimentado pelos britânicos podem ser obtidos em Grayzel (2012) e Holman (2016). Os
britânicos também realizaram reides de zepelins contra a Alemanha, os mais famosos ocorrem em 1914 contra
Dusseldorf, Colônia, Friedrichshafen e Cuxhaven (CASTLE, 2011). Os bombardeios aéreos contra centros
populacionais iam de encontro à legislação internacional, que em 1907, na Convenção de Haia, no seu Art. 25, já
havia proibido o ataque aéreo contra cidades, vilas, habitações ou edifícios sem defesa (HAGUE, 1907).
131
A discussão em torno da independência da arma aérea em relação ao exército e à
marinha tem um peso geopolítico e geoestratégico. A criação de um novo serviço implicava em
redistribuição de recursos, redefinição de propósitos e repartição de áreas de responsabilidade.
A visão que predominava entre as forças de terra e de mar era a de que os aviões seriam apenas
peças acessórias na aplicação de seus poderes em seus respectivos domínios. Entretanto, a
autonomia que a força aérea adquiriu impôs uma nova visão geopolítica sobre o espaço
geográfico.
Para a aviação, o ar seria um imenso espaço contíguo, sem barreiras e obstáculos à
ação185. As implicações geopolíticas dessa nova realidade se fizeram perceber com maior
clareza na transição entre as duas grandes guerras mundiais. O aeroplano não mais exerceria a
função exclusiva de observar o inimigo pelo alto. Houve uma crescente integração de novas
funções ao uso do avião.
A primeira, e mais evidente função agregada, foi testemunhada nas ações iniciais
dos alemães na Polônia, França e URSS. A integração do avião à batalha terrestre, no que ficou
conhecido como a Blietzkrieg (guerra relâmpago), demonstrou-se um modo eficaz de utilização
da velocidade e da combinação de armas, em movimentos surpreendentes que levaram os
inimigos ao rápido colapso. Mas a possibilidade de ultrapassar fronteiras e superar obstáculos
naturais, também inspirou as forças aéreas a utilizar o avião no interior do território inimigo, na
função que ficou conhecida como bombardeio estratégico186. Em 1932, influenciado pelo que
ocorrera em Londres na 1ª GM, o primeiro-ministro britânico Stanley Baldwin, proferia uma
frase que demonstraria a certeza dessa nova função e o seu impacto na guerra: “Penso que não
há, para o homem comum nas ruas, poder que o impeça de ser bombardeado, mesmo que lhe
tenham dito em contrário. Os bombardeiros sempre passarão...” (HIPPLER, 2013, p. 14).
Nessas novas funções, a aviação foi capaz de neutralizar aquilo que Mahan definiu
como linhas de comunicação187. No caso terrestre, Mackinder identificava na tecnologia
185 Percepção semelhante já havia sido destacada na contiguidade das massas aquáticas. Contudo, navios não
podiam transitar na superfície terrestre, o que denota uma importante limitação em face da contiguidade do espaço
aéreo, haja vista ser possível ao aeroplano transitar sobre os oceanos e massas terrestres indistintamente.
186 H. G. Wells, célebre ficcionista, na obra The War in the Air (A Guerra no Ar) (1908), anteviu o bombardeio às
grandes cidades como forma de impor destruição física e abalar o moral do inimigo. O bombardeio ao interior do
território inimigo, seja contra os centros urbanos ou contra instalações de interesse econômico (indústrias, fontes
de energia, depósitos etc.), foi associado à palavra estratégico no sentido de diferenciação com a palavra tático.
Esse último conceito associa o bombardeio ao contexto de apoio direto às forças de superfície, enquanto o primeiro,
busca um sentido mais amplo e decisivo, daí estratégico, no emprego da aviação. Durante a 1ª GM esse debate
surgiu e o primeiro teórico que apresentou ideias acerca dessa discussão foi o italiano Giulio Douhet, na obra Il
domínio dell’aria, de 1920, traduzido para o português como “O Domínio do Ar” (1988).
187 Mahan (1890) afirma que as linhas de comunicação seriam as rotas pelas quais o comércio marítimo e os
suprimentos necessários à operação das marinhas fluiriam entre os Estados.
132
aplicada aos modais de transportes, em especial as ferrovias, uma capacidade vital para a
locomoção de bens entre nações e no interior de um território, capacidade doravante
neutralizada pela aviação188. As perspectivas da geopolítica tradicional foram alteradas, a ponto
de autores como Ribeiro (2018, p. 71) afirmarem que “Atualmente, em virtude dos avanços da
aviação e da balística, o Heartland já não representa uma posição tão isolada do poder
marítimo”. Mais precisamente, o isolamento é impossível em função do raio de ação e alcance
das aeronaves.
Os efeitos decorrentes da perspectiva geográfica da terceira dimensão, assim como
da guerra total, que impuseram uma nova realidade à geografia das batalhas e redefiniram
relações de poder. Os bombardeios às cidades, antevistos por Giulio Douhet189, fizeram da 2ª
GM um palco profícuo de exemplos que acabaram de vez com a ideia do isolamento do campo
de batalha. A inteira destruição de Rotterdam, na Holanda, efetuada por aeronaves alemãs em
maio de 1940; o ataque sistemático a Berlim, entre novembro de 1943 e março de 1944, e contra
Dresden, em fevereiro de 1945, esses últimos como parte do esforço Aliado em derrotar a
Alemanha190, revelariam o impacto da aviação nessa nova forma de fazer a guerra. Entretanto,
o evento de maior realce geopolítico, que inclusive determinou a derrota japonesa na guerra,
foi o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, respectivamente em 6 e 9 de
agosto de 1945.
Os efeitos das explosões atômicas no Japão encerram no Pacífico o conflito iniciado
188 Dois exemplos podem ser apontados para confirmar essa afirmação tanto do ponto de vista da linha de
comunicação marítima como terrestre. A marinha britânica, apesar de ser quantitativa e qualitativamente superior
à marinha alemã, foi incapaz de fornecer suprimentos às tropas britânicas e norueguesas após a invasão alemã na
Noruega, fato que ocasionou a derrota aliada nessa frente de guerra na Europa. As aeronaves alemãs posicionadas
nas bases aéreas ao longo da costa norueguesa (Oslo, Kristiansand, Bergen, Stavanger, Trondheim, Narvik e
Kirkenes) impediram a aproximação dos comboios britânicos que careciam de cobertura aérea. No segundo
exemplo, observa-se que, como parte da preparação do desembarque aliado na Normandia – o "Dia D", foi
colocado em prática um intenso esforço de bombardeio aéreo contra pontes, linhas férreas, estações e centros de
reparos ferroviários e aeródromos alemães na França, naquilo que ficou conhecido como o The Transportation
Plan (O Plano de Transporte), que efetivamente impossibilitou qualquer deslocamento de suprimentos e meios
militares, por vias férreas, entre a Alemanha e as áreas onde ocorreram os desembarques aliados.
189 Ao se referir à revolução na forma de se fazer a guerra, o autor italiano (que viveu entre 1869 e 1930),
testemunhou as primeiras ações aéreas no conflito entre a Itália e a Turquia, na Líbia, em 1911, e indicou o
potencial da aviação na guerra, em especial quanto ao efeito psicológico dos bombardeios contra as populações
civis (DOUHET, 1988). Douhet é um autor citado em trabalhos relevantes sobre poder aéreo (MEILINGER, 1997;
BOYNE, 2003; BUDIANSKY, 2004; OLSEN, 2010; CREVELD, 2011). Seu pensamento, inclusive, é discutido
nos teóricos precursores, tais como William Mitchell, Hugh Trenchard ou John Slessor. Hippler (2013) é um autor
que realizou estudo sobre a contribuição de Giulio Douhet ao pensamento sobre a guerra aérea, obra que se indica
para o aprofundamento sobre as ideias do teórico italiano.
190 Antes da 2ª GM ocorreu o episódio de Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola. Esse evento, marcado pelo
ataque aéreo alemão a essa cidade, revelou a dimensão da guerra total atingindo as populações civis. Segundo
Ackerman et. al. (2008, p. 19), em “26 de abril de 1937, […] a intenção do ataque foi a completa aniquilação da
população civil, e as estimativas indicam cerca de 1.700 mortos, a maioria de mulheres, crianças e idosos, com
dois terços da cidade transformada em ruínas”.
133
em 1939, e estabeleceram as bases para um novo período contencioso cujo desdobramento
influenciaria significativamente a geopolítica clássica, ensejando novos elementos para a
geopolítica aeroespacial. A rivalidade entre os EUA e a URSS, as superpotências que se
afirmaram no mundo pós-guerra, caracterizaria o período que ficou conhecido como Guerra
Fria, que cobre o intervalo entre o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, e a desintegração
da URSS, em 1991.
Um movimento inicial dessa disputa foi a luta pelo espólio alemão, cujo elemento
de maior relevância residia na tecnologia que viabilizou o lançamento dos foguetes V-2, um
míssil balístico de curto alcance (cerca de 300km), desenvolvido nos laboratórios de
Peenemünde, cidade do Norte da Alemanha, situada às margens do Mar Báltico191. Segundo
McNeill et al. (2005, p. 17), “tanto americanos como soviéticos utilizaram os sobreviventes dos
times [que desenvolviam] foguetes na Alemanha nazista”, que emigraram ou foram forçados a
se mudar para os EUA ou para a URSS. Dentre os cérebros privilegiados disputados pelas
superpotências, o cientista Wernher von Braun192, cooptado pelos norte-americanos, foi um dos
principais responsáveis pelo programa de armas-foguete alemão.
Tecnologias como a V-2 beneficiariam americanos e soviéticos na elaboração de
projetos que permitiriam a ambos construírem seus próprios mísseis e foguetes orbitais. Por
algum tempo, durante a Guerra Fria, esses países permaneceriam como únicos proprietários
dessas capacidades, fato que deu origem à “rapidamente denominada ‘corrida espacial’,
sequência de competição entre essas superpotências” (NEUFELD, 2018, p. 35), pela
supremacia no acesso ao espaço exterior e pela posse de armas nucleares. Esse conjunto de
capacidades que garantiu o acesso ao espaço exterior e o desenvolvimento das bombas atômicas
(e posteriormente, das armas nucleares)193 e dos mísseis balísticos, começou das armas V2
alemãs, representando os primeiros episódios da ocupação dos segmentos do espaço terrestre e
191 V-2 é a sigla do nome alemão Vergeltungswaffe 2, cujo significado pode ser arma de vingança (ou arma de
castigo ou, ainda, arma de retribuição) nº 2. Segundo Nagel (2005, p. xvi), durante a 2ª GM, foram lançados contra
alvos aliados, mormente na Grã-Bretanha, cerca de 6.000 mísseis V-2. A V-2 era um míssil balístico com guiagem
de aletas direcionais e um giroscópio de estabilização, lançado na direção do alvo com uma trajetória parabólica,
era capaz de transportar cargas explosivas de cerca de 900Kg.
192Wernher Magnus Maximilian Freiherr von Braun (1912-1977), doutor em física pela Universidade de Berlim,
liderou as pesquisas em foguetes durante o período nazista. Com a derrocada alemã, rendeu-se aos norte-
americanos que o designaram diretor em programa de desenvolvimento de mísseis e de lançamento de satélites
(LONGYARD, 1994).
193 De acordo com o Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty (Tratado Abrangente de Banimento de Testes
Nucleares), disponível em https://www.ctbto.org/, as armas nucleares podem ser divididas entre armas de fissão
nuclear (as bombas atômicas empregadas contra as cidades japonesas) e armas que combinam fissão e fusão
nuclear (denominadas termonucleares ou de hidrogênio).
134
do espaço lunar194. Aliás, antevendo a enorme potencialidade de seus esforços pioneiros, von
Braun também seria responsável por desenvolver relevantes projetos no programa espacial
norte-americano.
De fato, o que surgia no cenário aeroespacial era uma expansão da capacidade que
o aeroplano havia demonstrado nos conflitos anteriores. Os mísseis balísticos associados às
armas nucleares representariam o ápice da capacidade destrutiva, haja vista os efeitos
catastróficos que um projetil intercontinental, com ogiva nuclear, poderia causar quando
atingisse os centros urbanos do adversário195. A atmosfera e o espaço exterior passavam a
representar o palco de uma nova geopolítica, voltada ao exercício do poder no âmbito
aeroespacial.
Nesse período caracterizado pela rivalidade entre os EUA e a URSS, o discurso
geopolítico se desenvolve também em torno das pressões que esses Estados exerceriam sobre
uma periferia de países localizados na Europa Central e do Leste, na Ásia, na África e na
América Latina196. A pressão político-ideológica e econômica, representada nos modelos
capitalista e comunista assumidos por cada uma das superpotências, gerou dois sistemas ou
ordenamentos geopolíticos rivais, que vieram a formar o bloco Ocidental, formado por países
do primeiro mundo (Europa Ocidental e EUA), e o bloco Oriental, que configurou a esfera de
influência da URSS no chamado segundo mundo. Os países da América Latina, da África e de
194 Os atuais foguetes que impulsionam os veículos espaciais são originários dos mísseis balísticos
intercontinentais da época da Guerra Fria (DOBOŠ, 2019).
195Uma bomba atômica de 1 megaton tem uma energia equivalente a 1 milhão de toneladas de TNT. O crescente
quantitativo de mísseis nos arsenais soviético e norte-americano, levou ao surgimento da hipótese de destruição
total do planeta, em caso de um confronto nuclear. Tal fato ficou mais bem descrito no acrônimo “MAD (Mutually
Assured Destruction), a destruição mútua assegurada” (SADEH, 2013, p. 19), que em tradução contextualizada
significaria “loucura, maluquice ou tolice”. Esse foi, por longo tempo, um cenário possível durante a Guerra Fria
e revelaria a importância que norte-americanos e soviéticos dedicaram ao desenvolvimento dos mísseis balísticos
e das armas nucleares. Nas palavras de Walton (2013, p. 204), “independente do sucesso de um ataque nuclear
inicial [por parte de uma das potências], seria impossível impedir um ataque retaliatório por parte da potência
inicialmente atacada”, o que acarretaria a escalada do conflito e a consequente destruição mútua.
196 A Guerra da Coreia (1950-1953), a Guerra do Vietnã (1965-1972), a Crise dos Mísseis de Cuba (1962) e a
Guerra no Afeganistão (1982) são alguns dos conflitos periféricos que opuseram a URSS e os EUA de forma
indireta (por meio de apoio de material militar e consultores, suporte logístico na forma de suprimentos, auxílio
financeiro), mas também em confrontos diretos como no caso dos “enfrentamentos aéreos entre 1950 e 1953 e
pela reação antiaérea aos bombardeios norte-americanos no Vietnã do Norte, entre 1965 e 1973” (GRAY, 2012,
p. 220). Dois autores nacionais situam o Brasil, apesar de vieses opostos de interpretação, na conjuntura da Guerra
Fria: Golbery do Couto e Silva, em Geopolítica do Brasil, e Nelson Werneck Sodré, em História Militar do Brasil.
No primeiro caso, a necessidade de o Brasil se definir claramente ao lado das nações ocidentais, como forma de
se opor ao comunismo (SILVA, 1967). Na outra visão, a “pressão imperialista” internacional, especialmente dos
EUA, levou o Brasil a ceder, buscando apoio no bloco ocidental (SODRÉ, 1979).
135
parte expressiva da Ásia passariam a ser denominados de terceiro mundo197, oscilando entre a
busca por autonomia e o alinhamento automático a uma das superpotências.
Apesar do debate sobre o uso das armas nucleares e de mísseis balísticos dirigir o
discurso geopolítico na Guerra Fria198, o que de fato ocorreu foram conflitos convencionais e
em escala regional, onde, ainda que não houvesse o emprego de mísseis balísticos com ogiva
nuclear, a terceira dimensão cresceu em importância. Nesse contexto, a geopolítica foi
conduzida, em grande parte, pela ideia de contenção.
As geoestratégias de contenção expunham a realidade dos modelos ideológicos
competitivos das duas superpotências da Guerra Fria, cujo desdobramento geográfico ocorreu
na forma das esferas de influência sobre a periferia (o terceiro mundo), na formação de Estados-
satélites, nos pactos militares – Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e Pacto de
Varsóvia –, nos conflitos regionais, e na configuração de políticas estatais ligadas ao complexo
industrial-militar.
A influência de algumas personalidades políticas nesse debate foi marcante. O
diplomata estadunidense Henry Kissinger199, diretamente ligado às administrações dos
presidentes norte-americanos Richard Nixon e Gerald Ford, difundiu a percepção geopolítica
sobre a expansão soviética, em especial na Ásia, balizando seu discurso em torno de um
197
Muitos são os elementos que se agregam ao conceito de geopolítica nesta fase. Ó Tuathail, Dalby e Routledge
(2003) destacam a Doutrina Truman (denominada dessa forma após declaração do presidente norte-americano
Harry S. Truman, em 1947, cujo principal teor era o apoio tácito dos EUA às nações ameaçadas pelo comunismo
soviético); a Teoria dos Dominós, decorrente da possibilidade de expansão do comunismo soviético e chinês aos
países do terceiro mundo (geralmente, atribui-se ao secretário de Estado da administração de Harry Truman, Dean
Acheson, a autoria da teoria, cujo alerta era para a probabilidade de um país, em determinada região, absorvido na
esfera de influência soviética, levasse os demais países da mesma região à também sucumbirem ao comunismo
como uma fila de dominós que são derrubados em sequência, um efeito em cascata); a política da détente, ou da
coexistência pacífica com a URSS; e a Doutrina Reagan, perseguida pela Central Intelligence Agency – CIA
(Agência Central de Inteligência Norte-Americana), de suporte ativo às operações contrarrevolucionárias das
guerrilhas lutando por regimes pró-soviéticos. Entretanto, o elemento de maior intensidade foi o conceito de
contenção, de George Kennan, que afirmava ser “a pressão soviética sobre as instituições livres do mundo
ocidental algo que deve ser contido pela sagaz e vigilante aplicação da contraforça” (KENNAN, 2003, p. 63).
198 Bernard Brodie é um dos responsáveis por esse debate, cujo fator balístico/nuclear influenciou sobremaneira a
geopolítica. As bases desse debate foram estabelecidas na obra Strategy in the Missile Age (Estratégia na Era dos
Mísseis) (1959). De acordo com Ziegler (1998, p. 47), além de Brodie, “um grupo de civis como Herman Kahn,
Thomas Schelling e Albert Wohlstetter foram responsáveis pelo trabalho de desenvolver a estratégia nuclear norte-
americana”. Por detrás desse debate, surgiria um conceito muito importante: o da deterrência ou dissuasão nuclear.
O conceito presumia que o aumento da capacidade de armas nucleares por um dos lados reduziria a propensão do
adversário em tomar a iniciativa, sob o risco de se ver superado pelo oponente.
199 Kissinger é considerado por alguns autores como o responsável pela retomada da geopolítica como um tema de
interesse no debate político (AGNEW, MITCHELL e Ó TUATHAIL, 2003; BLACKSELL, 2006; COX, LOW e
ROBINSON, 2008). A visão realista de Kissinger, característica marcante desse geopolítico, retomava a
preocupação já levantada por Mackinder e Spykman, além de Kennan. Apesar da ênfase à convivência de
Kissinger com os problemas ligados à URSS, esse diplomata americano exerceu grande influência no
relacionamento dos EUA com a China. Na obra Sobre a China (Editora Objetiva, 2011), Kissinger relata uma
série de iniciativas das quais participou durante o período dos principais governantes chineses, dentre eles Mao
Zedong (com o ministro Zhou Enlai), Deng Xiaoping e Jiang Zemin.
136
equilíbrio de poder200. Parte do período de Kissinger coincide com o governo de Leonid
Brezhnev na URSS. A Doutrina Brezhnev201 revelava a mesma preocupação, por parte dos
soviéticos, em relação aos desdobramentos da Guerra Fria, porém, sob outro ponto de vista. No
entendimento de Erickson (1999), essa doutrina via na estabilidade interna e na garantia de um
espaço periférico seguro a substância da força geopolítica soviética. Na prática, ambas as
superpotências viam a questão da expansão da influência nas periferias, por parte do adversário,
como algo preocupante202.
Essa preocupação das superpotências se materializou em vários episódios. O mais
marcante deles, envolvendo a aviação, foi o conflito no Vietnã203. Nesse enfrentamento,
destaca-se uma ampla vantagem dos EUA em termos quantitativos e qualitativos no que se
refere a equipamentos militares empregados.
O emprego da aviação militar no conflito do Vietnã foi uma ferramenta política,
aplicada para perseguir objetivos limitados que forçassem os norte-vietnamitas a recorrer à
negociação. Clodfelter (2006) relata que o processo de seleção dos alvos que seriam
bombardeados pelas aeronaves não era efetuado no nível operacional, ou seja, no âmbito das
forças armadas, o que seria desejável. Na verdade, um grupo restrito de políticos, dentre eles o
200 Poderia, ainda, ser citado Zbignew Brzezinski. Durante a administração de Jimmy Carter, foi, a exemplo de
Kissinger, outro defensor da contenção, postulando elementos da geopolítica clássica. Sua percepção sobre a
importância de determinados países no Rimland seguia a ideia geral de Spykman. Porém, segundo sugere O’
Loughlin (1994, p. 32), nem todos os estados no Rimland possuíam igual importância. Foi assim que ele sugeriu
a ideia dos Limpchin States (estados fundamentais), cuja “importância crítica na história se deveria ao fato de se
localizarem na região de contestação entre o poder terrestre e o poder marítimo”. Esses estados seriam a Alemanha
e a Polônia, a Oeste, o Irã, Paquistão e Afeganistão, ao Sul, e a Coreia do Sul e Filipinas, a Leste.
201 Cohen (2015, p. 30) descreve a Doutrina Brezhnev como a ideia que “sustenta a existência de forças militares
para a manutenção de estados socialistas na Europa central e Oeste dentro da esfera de influência soviética”.
Segundo Ó Tuathail, Dalby e Routledge (2003), a invasão da Checoslováquia, em agosto de 1968, seria a primeira
demonstração concreta dessa Doutrina. A publicação da Doutrina no jornal soviético Pravda, nesse mesmo ano,
deixava bem claro que “A soberania individual de nações socialistas não pode se opor aos interesses do mundo
socialista e ao movimento revolucionário mundial” (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003, p. 74).
202 Esse estado de tensão levou à situação denominada Détente (relaxamento, distensão, acomodação). Para O’
Louglhin (1994, p. 63), a détente foi uma “acomodação por parte das superpotências para evitar um conflito”. A
détente, ou o equilíbrio de poder, foi reinterpretado por Saul B. Cohen. Como geógrafo político, ele se situa na
transição entre a geopolítica da Guerra Fria e uma visão multipolar do poder e influência mundiais. Para O’ Louglin
(1994, p. 47), Cohen “visualizou a chegada de um novo equilíbrio geopolítico de natureza multipolar que seria
mais estável que a ordem bipolar anterior”. Cohen pressupunha uma abordagem no desenvolvimento, ou seja,
“Tratar a geopolítica mundial como um sistema em geral provê um modelo de análise de relações entre estruturas
políticas e seus ambientes geográficos. Essas interações produzem forças geopolíticas que moldam o sistema
geopolítico, o perturbam, e depois o levam a novos níveis de equilíbrio. Para se entender a evolução do sistema é
útil aplicar uma abordagem de desenvolvimento derivada das teorias avançadas na sociologia, biologia e
psicologia” (COHEN, 2015, p. 59).
203 Os conflitos no Vietnã remontam ao final da 2ª GM em função da indefinição da situação desse país, então
denominado Indochina, quanto à questão colonial. Em um primeiro conflito, ocorrido entre 1945 a 1954, a França
buscou recuperar a colônia que havia sido perdida aos japoneses durante a 2ª GM. Com a derrota francesa e o
recrudescimento da Guerra Fria, a partir de 1955, os EUA ampliam a sua presença nesse país, e a guerra se estende
até 1972. Posteriormente, uma série de outros conflitos com o Camboja, o Laos e a China, e algumas insurgências
internas, caracterizam um terceiro período de conflitos no Vietnã.
137
próprio presidente Lyndon Johnson, o Secretário de Estado Dean Rusk e alguns outros
assessores diretos da presidência deliberavam sobre temas essencialmente táticos204.
Um geógrafo que analisou esse conflito foi Yves Lacoste. A interpretação que
Lacoste proporcionou sobre a relevância da geografia para a guerra (aplicada pela aviação) se
identifica bem com o seu conceito de “geografia do estado-maior” (LACOSTE, 2012, p. 31).
Na prática, o que Johnson e seus assessores diretos faziam era aplicar aos alvos selecionados
para os ataques a lógica geográfica (seja do ponto de vista físico, estrutural ou econômico). O
geógrafo francês estudou a campanha de bombardeio aéreo contra diques do Rio Vermelho,
depurando a relação entre estratégia militar e geografia. Concluindo a investigação, Lacoste
(2011, p. 335), afirma que “pela primeira vez, se colocou em prática métodos de destruição e
de modificação do meio geográfico, em seus aspectos ‘humanos’ e ‘físicos’, para suprimir as
condições geográficas indispensáveis para a vida de dezenas de milhões de seres humanos”205.
Apesar da guerra ecológica voltada à destruição das condições de sobrevivência, a
visão essencialmente geográfica de aplicação da capacidade militar na terceira dimensão
possuía limitações políticas. Contrariando o entendimento da continuidade do espaço aéreo (a
ausência de fronteiras ou barreiras físicas), Johnson e seus assessores civis impuseram limites
geográficos aos bombardeiros, com o temor de que a guerra escalasse com o envolvimento da
China e da URSS206.
Dessa forma, consubstanciam-se no exemplo do Vietnã, dois postulados carecem
ser comentados, haja vista que tratam de elementos geopolíticos de grande importância: a
representação207 e as relações de poder. Em primeiro lugar, consideremos a concepção de
Raffestin (1993) sobre a representação. Os diques, essencialmente um elemento morfológico
artificial da paisagem (fixos), tinham uma representação (decorrente de sua importância) social
204 No relato sobre a Operação Rolling Thunder (entre 2 de março de 1965 e 31 de outubro de 1968), a primeira
operação de bombardeio aéreo sobre o Vietnã, o mesmo autor cita que “somente no final de outubro de 1967 um
militar, o chefe da junta de chefes de Estado-Maior general do exército Earle Gilmore Wheeler, foi permitido a
participar das reuniões” (CLODFELTER, 2006, p. 85). Smith (1995) entende que toda a estratégia dessa Operação
se baseou em premissa incorreta. Mesmo que utilizado de forma política, os bombardeios não poderiam ter sido
utilizados de forma gradual, o que foi concebido na esfera política em clara oposição ao pensamento doutrinário
dos militares. Há também críticas dessa natureza em obras de (TUCHMAN, 1996; SMITH, 1998; MICHELL III,
2002; KENNEDY, 2014).
205 Os diques eram destruídos com o propósito de alagar as plantações de alimentos que sustentavam a vida das
populações norte-vietnamitas ao longo do Rio Vermelho.
206 Fato semelhante ocorrera na Guerra da Coreia (1950-1953), quando tanto “comunistas como Nações Unidas
restringiram o escopo de atuação à península coreana” (ZHANG, 2002, p. 210).
207 A questão da representação do espaço geográfico associa o espaço físico, propriamente dito, à uma ideia ou
imagem concebida sobre ele. Moreira (2007, p. 64) entende que o espaço é “um ente social [que] não se confunde
com a base física, [portanto] “um espaço produzido”. Caren Kaplan (2006, p. 400) considera que essa “área acima
da Terra – o céu e as primeiras camadas do espaço exterior – têm histórias de representação que são, em um grau
significativo, construídas ao redor de intenções e interesses nacionais e militares”.
138
e econômica no contexto da sociedade norte-vietnamita. Além disso, as restrições geopolíticas
(evitando envolver diretamente a China e a URSS) da atuação da aviação observada no caso
em estudo foi uma representação espacial a qual a geopolítica aeroespacial se submeteu, em
função da possibilidade de escalada do conflito. O que se conclui aponta para a estratégia norte-
americana como uma verdadeira geoestratégia, ora considerando o fator representação do
elemento geográfico, ora limitando o escopo espacial de ação em função do contexto
geopolítico.
O outro ponto de interesse geopolítico no campo aeroespacial foi destacado por
Claval (1979) quando tratou das assimetrias e desequilíbrios do poder. O poder aéreo,
representado pela atuação norte-americana especialmente durante a Operação Rolling Thunder,
demonstrou claramente a ideia de nível de realização do poder. Do poder puro explícito na ação
assimétrica de bombardear ao jogo de influência como forma de negociação (ou submissão), a
atuação da aviação se confunde com a geopolítica, uma geopolítica aeroespacial208.
Apesar de ter sido um palco relevante na aplicação de pressupostos da geopolítica
da aviação, o Vietnã foi apenas mais um episódio na tentativa de contenção perpetrada pelos
EUA contra a percebida expansão do comunismo durante a Guerra Fria. Já na década de 1950,
uma dinâmica de busca pelo equilíbrio entre as superpotências se configurou e, como episódio
patente da influência do ambiente aeroespacial na geopolítica, merece um aprofundamento.
Esse episódio ficou conhecido como a “corrida espacial”.
Cronologicamente, a corrida espacial se inicia com a apropriação do conhecimento
científico alemão, pelas superpotências, após o final da 2ª GM, fato narrado anteriormente.
Trata esse episódio da inserção do espaço exterior nas disputas geopolíticas que caracterizaram
a Guerra Fria. Se considerarmos a interpretação que Flint (2006, p. 34) faz do conceito de
geopolítica de Kjellén209, a ela atribuindo “a atuação centrada pelo estado”210, percebe-se que
208 Há que se destacar que o insucesso norte-americano no Vietnã que, conforme aponta Clodfelter (2006), decorre
de variáveis geopolíticas, cujas tendências são geopolíticas em essência: a “natureza do ambiente de combate” está
associada à questão do território; a “natureza do inimigo” relaciona-se com população; a “magnitude do controle
sobre o poder militar” e a “natureza dos objetivos políticos” são elementos de políticas estatais; e o “tipo de guerra
conduzida pelo inimigo” determinará o nível de poder e influência decorrente da relação obtida pelo conflito.
Interessante notar que esses elementos seriam objeto de revisão em guerras posteriores, como foi o caso da Guerra
do Golfo de 1991.
209 Rudolf Kjellén considera a geopolítica como a “teoria do estado como um organismo ou fenômeno geográfico
no espaço, isto é, o estado como terra, território, domínio ou, mais sugestivamente, um reino” (O’LOUGHLIN,
1994, p. 93). Anteriormente, apresentamos a definição de geopolítica que Everaldo Backheuser (1952) traduz da
obra de Kjellén de Der Staat als Lebensform. Ambas as definições, a de O’Loughlin e a de Backheuser, trazem os
mesmos elementos, porém, a do autor brasileiro possivelmente tenha capturado o sentido mais literal na tradução.
Há que se registrar que as obras de Kjellén não possuem tradução para a língua portuguesa, tampouco na língua
inglesa.
210 No original: “state centric perspective of geopolitics”.
139
essa atuação sobre determinado espaço geográfico está no centro do debate do conceito de
geopolítica. A corrida espacial, portanto, reveste-se de todas as características que a
enquadrariam em uma genuína continuação da geopolítica aeroespacial iniciada com a aviação,
como será observado adiante.
O sentido da expressão corrida espacial torna-se evidente quando se percebe a
sequência de fatos protagonizados por norte-americanos e soviéticos na busca pela conquista
do espaço exterior211. Em 4 de outubro de 1957, a URSS comunica o lançamento do primeiro
satélite a orbitar a Terra, o Sputnik 1212. Segundo Preston et al. (2002, p. 9), “o público nos
EUA, os políticos de oposição e a imprensa reagiram chocados [à notícia sobre o lançamento
do Sputnik]”213. A resposta norte-americana acontece em 31 de janeiro de 1958, quando a
equipe de Werner von Braun consegue converter um míssil balístico em foguete com carga útil,
colocando em órbita o satélite Explorer 1. Esse satélite transportava detectores de radiação
atômica que foram capazes de testemunhar a presença dos Cinturões de Van Allen (ANGELO
JR., 2006), descritos no Capítulo anterior.
Os eventos que sucedem aos instantes iniciais da corrida espacial, tais como os
lançamentos do Luna 1 e o Luna 2, a órbita sobre a Terra de Yuri Gagarin, a primeira astronauta
Valentina Tereshkova e o Project Apollo214, incitam uma análise sobre o que representou, do
ponto de vista da geopolítica, essa dinâmica comandada pelas duas superpotências.
Em primeiro lugar, há que se constatar que URSS e EUA conduziram projetos
211 Nagel (2005) apresenta uma completa cronologia sobre os eventos relacionados à corrida espacial. A exemplo
do que ocorreu com os pioneiros dos aeróstatos e dos aeroplanos, a história da exploração do espaço exterior
também incorpora momentos trágicos. Possivelmente, aqueles de maior impacto na mídia foram os acidentes com
os ônibus espaciais Columbia e Challenger. O primeiro ocorreu em 28 de janeiro de 1986 e vitimou sete
astronautas norte-americanos quando o foguete se desintegrou segundos após o lançamento a partir da plataforma
de Cabo Canaveral, na Flórida. O segundo acidente ocorreu em 1º de fevereiro de 2003, vitimando novamente sete
astronautas (6 norte-americanos e 1 israelense), quando a espaçonave desintegrou-se ao reentrar na atmosfera
terrestre. Os acidentes em solo também têm sido recorrentes e o Brasil testemunhou um dos mais impactantes. Em
22 de agosto de 2003, a ignição acidental de propelente do foguete ocasionou uma explosão que vitimou 21
cientistas e técnicos do Programa Espacial Brasileiro (PEB). Villas-Bôas (2016, p. 92), considera que o acidente
“sepultou décadas de pesquisas e formação em recursos humanos” no Brasil.
212 Sputnik é uma palavra do idioma russo que significa satélite. O Sputnik 1 era uma nave espacial com cerca de
83,5Kg, na forma esférica, cujo interior era composto de baterias e um transmissor de radiofrequência ao qual
acoplavam-se antenas. Segundo Angelo Jr. (2006, p. 582), ao “orbitar a Terra, forneceu aos cientistas informações
sobre temperatura e densidade dos elétrons na camada superior da atmosfera, reentrando na superfície em 4 de
janeiro de 1958”, quando foi consumido pelo atrito e veio a ser destruído.
213 McDougall (1997, p. xix) reforça essa ideia quando afirma que “a Corrida Espacial, iniciada com o Sputnik 1,
teve tremenda repercussão doméstica assim como internacional na história de nosso tempo”.
214 O Luna 1 foi o primeiro veículo espacial a escapar da gravidade terrestre, já o Luna 2, ambos soviéticos, foi o
primeiro veículo não tripulado a pousar na Lua; Gagarin, primeiro homem a chegar ao Espaço, orbitou a Terra em
1961; Tereshkova chega ao Espaço em 1963, a bordo da espaçonave Vostok 6; o Project Apollo (Projeto Apollo)
foi uma sucessão de lançamentos de espaçonaves norte-americanas com o objetivo final de levar o homem à
superfície da Lua, o que ocorre com a Apollo 11, em 20 de julho de 1969, quando os astronautas Neil Armstrong
e Edwin Eugene Aldrin pisam no satélite natural da Terra de forma pioneira (NAGEL, 2005).
140
políticos estatais de exploração aeroespacial. O presidente John F. Kennedy, e seu sucessor
Lyndon Johnson, empenharam-se decisivamente, sob os pontos de vista político, ideológico e
financeiro, em buscar o protagonismo norte-americano nessa disputa tecnológica e militar que
ocupava não somente a dimensão espacial mas também a aérea. Não é por menos citar que a
data de 1º de maio de 1960 é marcada pelo incidente que envolveu a derrubada de uma aeronave
espiã U-2 norte-americana sobre a cidade de Sverdlovsk, que realizava reconhecimento
fotográfico sobre instalações de mísseis balísticos soviéticos215. Uma declaração muito incisiva
sobre o qual McDougall (1997) entende ser uma tentativa de reerguer a afetada autoestima
norte-americana em face dos reveses políticos no Congo, no Laos e no episódio da Baía dos
Porcos, foram as palavras proferidas pelo vice-presidente Jonhson em um relatório enviado a
Kennedy:
Falhar no domínio do espaço significa ser o segundo lugar em todos os aspectos, na
arena crucial do mundo da Guerra Fria. Aos olhos do mundo, ser o primeiro no espaço
significa ser o primeiro, ponto final; ser o segundo no espaço significa ser o segundo
em tudo (MCDOUGALL, 1997, p. 8).
Um segundo aspecto observado é a inserção da tecnologia dos transportes na
questão da geopolítica aeroespacial. Na verdade, Mackinder já havia trabalhado essa relação
em Democratic Ideals and Reality (1942), quando considerou a ferrovia uma “grande mudança
na arte dos transportes”, em face da possibilidade estratégica de movimentação de grandes
volumes de carga (MACKINDER, 1942, p. 100). Como destacaram Ó Tuathail, Dalby e
Routledge (2003, p. 17), “No centro da estória [de Mackinder] está a relação entre a geografia
física e as tecnologias de transporte”. Segundo Santiago (2013), essa seria uma perspectiva não
apenas de Mackinder, mas de toda a geopolítica desde Friedrich Ratzel216.
A conexão da tecnologia com a geopolítica aeroespacial faz, inclusive, suscitar o
neologismo geotecnologia217. Uma autora que conecta a geopolítica com a questão científico-
215 Acrescente-se a esse fato os treze dias de tensão entre EUA e URSS na questão da instalação dos mísseis
soviéticos em Cuba, em 1961. O posicionamento de mísseis balísticos nesse país caribenho, supostamente com
ogivas nucleares, representava uma série ameaça à geopolítica aeroespacial na região, devido ao fato de o tempo
de resposta de defesa contra esse gesto de intimidação estar comprometido pela distância dos mísseis em relação
ao território norte-americano.
216 Mario Travassos (1942) e Lysias Rodrigues (1947) foram autores brasileiros que lidaram com esse tema. Para
o primeiro autor, o instinto migratório leva ao anseio do homem em se deixar conduzir pela terra que conecta os
fatos humanos aos geográficos e, por conseguinte, cria as linhas naturais de circulação, cuja integração do modal
aéreo é parte integrante do todo (TRAVASSOS, 1942). No caso do segundo autor, um dos pioneiros na aviação
que buscou interiorizar as rotas do Correio Aéreo Nacional (CAMBESES JR., [s.d.]), a obra citada acima e os
livros Roteiro do Tocantins e Rio dos Tocantins podem ser considerados precursores, no Brasil, da relação entre a
geografia física e a aviação, expressada em termos geopolíticos.
217 Segundo o dicionário Merriam-Webster, em Língua Inglesa, geotecnologia (geotechnology, no original) é a
“aplicação de métodos científicos e técnicas de engenharia na exploração e na utilização de recursos naturais”
(disponível em https://www.merriam-webster.com/dictionary/geotechnology). Há, também, referências à variação
do neologismo como tecnopolítica ou tecnogeopolítica.
141
tecnológica é Bertha Becker, quando alerta para a demanda de observação do mundo pelo filtro
da tecnologia (BECKER, 2007). Para ela, a geopolítica está no “reconhecimento da
potencialidade política e social do espaço” e na “imbricação [dessa] com a ciência e a
tecnologia” (BECKER, 2012, p. 119). A relação entre geopolítica e tecnologia será melhor
explorada adiante neste Capítulo.
Em terceiro lugar, o próprio meio geográfico sobre o qual se desenvolve a disputa
geopolítica, o ambiente aeroespacial, é um objeto inusitado na teoria desse campo científico.
Explorar e ocupar pioneiramente essa nova dimensão geográfica implicaria em desafios tanto
do ponto de vista técnico como das relações internacionais.
Quanto ao caráter técnico e físico, como foi introduzido no Capítulo anterior, a
aerodinâmica se diferencia da astrodinâmica. O espaço exterior é de natureza distinta da
atmosfera terrestre. Do ponto de vista das relações internacionais haveria a demanda de um
novo corpus juris spatialis, a exemplo do que já ocorrera com a legislação aeronáutica
internacional, por meio da Convenção de Chicago de 1944. Em verdade, o primeiro tratado
internacional envolvendo o espaço exterior surgiria em 1966, o “Tratado sobre os Princípios
Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a
Lua e demais Corpos Celestes” (UNO, 1966)218.
A corrida espacial, portanto, configura uma nova perspectiva geográfica aberta pela
terceira dimensão que, associada ao papel da aviação na guerra total, ganharia consistência
definida quando da formulação de uma nova teoria. De fato, todo esse cenário analisado
anteriormente sedimentaria as bases de uma teoria do poder aeroespacial, que surgiria como
uma terceira opção, às vezes em contraposição aos postulados de teóricos como Mahan e
Mackinder, e voltaria a atenção para uma nova realidade que se configurava: a geopolítica na
era aeroespacial.
3.1.3 Da Teoria do Poder Aéreo ao Poder Aeroespacial no contexto da Geopolítica
A finalidade deste item é abordar a variável geográfica sob a ótica da teoria de poder
que se aplica ao ambiente aeroespacial. Os precursores da geopolítica clássica, tais como Ratzel,
Kjellén, Mahan, Mackinder e Haushofer, não incluíram em seus estudos as possibilidades que
218 Sobre o corpus juris spatialis em vigor, a maior parte dos instrumentos legais origina-se no Committee on the
Peaceful Uses of Outer Space – COPUOS (Comitê para o uso Pacífico do Espaço Exterior), organismo da ONU.
Um compêndio das legislações pode ser acessado em International Space Law: United Nations Instruments (UNO,
2017). Autores como Bittencourt Neto (2011), Brünner e Soucek (2011), Oduntan (2012) e Santana e Liendo
(2017) discutem a questão da legislação do Direito Espacial.
142
o ambiente aeroespacial, por meio da aerostação ou da aviação, descortinava para a realidade
das relações internacionais219. Caberia ao engenheiro italiano Giulio Douhet alertar para aquilo
que já havia se transformado em realidade desde os aeróstatos e se consolidava com os
aeroplanos: a demanda por uma nova teoria de poder que trouxesse o emprego da aviação para
o palco da geopolítica.
A forma como Giulio Douhet220 conduziu esse debate refletia aquela visão de
espaço aéreo contíguo, sem fronteiras físicas, que expunha as nações à guerra total por meio do
bombardeio aéreo. A percepção de que o avião poderia atingir as cidades inimigas era uma
forma de apresentar uma solução mais rápida e menos custosa (tanto do ponto de vista
econômico como do número de vítimas), sobretudo quando comparada com a guerra de
trincheiras da 1ª GM, mesmo que isso representasse bombardear populações civis (DOUHET,
1988).
Assim como William Mitchell, nos EUA, e Hugh Trenchard, na Grã-Bretanha,
teóricos contemporâneos a Douhet, o que se tentava demonstrar era a importância da aviação
219 A exemplo de Mahan e Mackinder, considerados em nota anterior, faz-se necessário citar que Ratzel faleceu
em 1904, portanto, não conhecedor da perspectiva que o aeroplano traria ao cenário dos conflitos. O máximo em
aviação que pode ter chegado ao conhecimento do geógrafo alemão foi o papel dos aeróstatos. Kjellén faleceu em
1922, e testemunhou de forma incipiente a aviação na 1ª GM, apesar de dispor de pouco tempo de vida para
elaborar um pensamento em torno dessa realidade. Haushofer, porém, falecido em 1946, pode observar a aviação
na 1ª e 2ª GM, em especial no entreguerras, momento em que há uma participação ativa da aviação alemã na
Guerra Civil Espanhola. Autores como Corum (2002) e O’Connell (2007) analisam a participação da Luftwaffe
nessa guerra, destacando aspectos que dificilmente teriam escapado à percepção de Haushofer, à época um
personagem integrado ao meio político, inclusive, como assevera Gyorgy (1944, p. 179 e 181), teria “contribuído
com os fundamentos teóricos do Nacional Socialismo alemão e filosofia Nazista”, além de “ter persuadido Hitler,
em conversas e visitas, a aceitar as ideias geopolíticas fundamentais que estariam presentes em Mein Kampf”.
220 Giulio Douhet (1869-1930) pertenceu a uma tradicional família de militares. Oficial de artilharia do exército
italiano, tinha inclinação para a mecânica e, desde cedo, percebeu a influência da tecnologia nos assuntos militares.
Foi um autor prolífico em artigos de jornais e participou de intensos debates com oficiais da própria aviação italiana
e das outras forças armadas. Chegou a ser levado à corte marcial, ficando preso por um ano, ao defender suas
ideias sobre a independência da aviação. Após o cárcere, chegou à posição de Comissário da Aviação, responsável
pelos assuntos da Aeronáutica Italiana. Em 1921, foi publicada sua principal obra: Il Dominio Dell'Aria (O
Domínio do Ar) e, em 1926, surge uma versão expandida dessa obra. No Brasil, a obra foi traduzida como O
Domínio do Ar (1988), sendo o único texto traduzido desse autor disponível em nosso país. A obra de Douhet é,
entretanto, muito mais prolífica e argumentativa do que esse único trabalho. Para uma compreensão mais
aprofundada sobre a contribuição de Giulio Douhet ao debate sobre o poder aéreo sugere-se consultar o livro de
Thomas Hippler “Bombing the People: Giulio Douhet and the Foundations of Air Power Strategy, 1884-1939”
(Bombardeando a população: Giulio Douhet e os fundamentos da Estratégia do Poder Aéreo), publicado pela
Cambridge University Press, em 2013.
143
no contexto da geopolítica221. Elemento ressaltado desse debate foi a quebra da noção de
isolamento geográfico, haja vista que o raio de ação das aeronaves poderia conectar continentes.
Outro fator relevante foi a modificação do padrão espaço-tempo, em função da velocidade que
a nova tecnologia, o avião, trazia aos deslocamentos.
Porém, o elemento de maior contundência nas proposições dos teóricos pioneiros
do poder aéreo seria a ideia de controle (ou domínio) do ar. Esse conceito, derivado da ideia de
Mahan sobre o controle do mar222, e da formulação de área-coração terrestre, originária de
Mackinder, sugeria que o controle, agora, não mais seguiria a lógica bidimensional constante
nas proposições seja do poder naval ou do poder terrestre. Dominar o ar significava para Douhet
(1988, p. 48) “estar em condições de impedir o voo do inimigo, ao mesmo tempo em que
garantíssemos esta faculdade para nós mesmos”. Da forma como entendia o pensador italiano
o controle do ar tinha propósito semelhante ao que se propunha no ambiente marítimo ou
terrestre. Ou seja, negar movimento, concentração ou operação dos meios do oponente. Essas
ideias foram acolhidas na geografia na forma de uma nova representação do mapa-múndi.
Em 1944, ainda sob forte influência das batalhas da 2ª GM, nas quais o poder aéreo
vinha desempenhando papel significativo, Nicholas Spykman introduzia uma nova percepção
cartográfica, cujo propósito era exatamente revelar geograficamente a relevância da tecnologia
221 A principal contribuição de William Mitchell foi o livro de 1925, anteriormente citado, no qual busca reforçar
a ideia da necessidade de uma nação, no caso os EUA, voltada por completo para uma mentalidade (ou uma
política) aeronáutica (BIDDLE, 2019). O próprio Mitchell (2009, p. 6) declara que a aviação trazia “um novo
conjunto de regras para a condução da guerra”. Hugh Trenchard difundiu suas ideias em memorandos que produziu
ao longo de sua carreira. Um documento muito importante foi o Memorandum on the War Object of an Air Force
(Memorando sobre o objeto da guerra para a Força Aérea), de maio de 1928, onde ele deixa claro que o “Poder
aéreo pode dispensar o passo intermediário, passando sobre a marinha e exército inimigos, penetrar o espaço aéreo
e atacar diretamente os centros de produção, transportes e comunicações pelos quais o esforço de guerra do
oponente é mantido” (TRENCHARD, 2008, p. 142).
222 Mahan defendia a ideia de controle do mar como forma de assegurar linhas de comunicação marítimas, nas
quais o trânsito de mercadorias e suprimentos (o comércio marítimo), garantiria “o jogo livre para a riqueza da
terra e a indústria do povo” (MAHAN, 1890, p. 123).
144
da aviação no contexto da geopolítica mundial223. O mapa sugerido por Spykman (Figura 22)
revelava algumas percepções desse autor. Em primeiro lugar, a inadequação da projeção
cilíndrica (em especial, a de Mercator) na tradução da relação de poder e do exercício desse
pelos estados, advinda da era da aviação. Também suscitava a questão das linhas de
comunicação aéreas, ou rotas aéreas, que melhor seriam representadas nesse tipo de mapa.
Outro aspecto de interpretação, a partir do ponto de vista dos EUA, era apontar para o Norte,
região estratégica fronteiriça à Europa e à URSS. Por fim, a projeção azimutal equidistante
centrada no polo Norte, de Spykman, além de tornar a relevância do poder aéreo
“inquestionável [...], indicava a continuidade entre as massas terrestres ao redor do Oceano
Ártico”, cujo objetivo era trazer à luz a centralidade dessa área geográfica no “relacionamento
norte-americano com a Eurásia” (SPYKMAN, 1944, p. 17).
223 Há que se destacar que a projeção azimutal polar introduzida na obra The Geography of the Peace (1944), de
Nicholas Spykman, já havia sido citada anteriormente. Em 3 de agosto de 1942, a Revista Life publicava um artigo
intitulado Maps: Global War Teaches Global Catrography (Mapas: A Guerra Global ensina a Cartografia Global).
No texto, discutem-se ideias sobre a projeção polar e a diferenciação dessa projeção sob as perspectivas do poder
naval e do poder aéreo. Em obra publicada ainda durante a 2ª GM, Engelhardt Jr. (1943) propõe que a forma
tradicional de se estudar o mundo fosse modificada da perspectiva Leste/Oeste para a Norte/Sul, o que colocaria
em evidência o Polo Norte. Saul Cohen (1963, p. 49) cita que George T. Renner, em 1944, já havia “sugerido rotas
aéreas que uniriam o Heartland da Eurasia com um segundo e menor heartland situado na Anglo-América, através
dos campos de gelo do Ártico, formando um novo Heartland expandido ao Hemisfério Norte”. Coutau-Bégarie
(2010, p. 639), concordando com a proposição de Cohen, também aponta George T. Renner, cuja obra Human
Geography in the Air Age (Geografia Humana na Era Aérea), como a “figura eminente, mas esquecida, de uma
corrente marginal, mas ativa [de pensadores] que propuseram uma releitura da geografia global em função do
avião, [sendo considerado] um promotor de uma geopolítica do ar”. Owen Lattimore também analisa a questão da
projeção polar, em 1944, citando que a essa projeção “tornava-se moda, pois mostrava a importância de rotas
[aéreas] diretas da América para outras partes do mundo” (LATTIMORE, 1962, p. 119). J. Parker van Zandt
(1944) também é um autor que critica a Projeção de Mercator como inapropriada para uma geografia do transporte
aéreo.
145
Figura 22 – Mapa Azimutal Equidistante Centrado no Polo Norte
Fonte: SPYKMAN, 1944, p. 16.
Apesar da significativa contribuição de Douhet e de Spykman, foi Alexander de
Seversky quem deu à teoria do poder aéreo uma consistência geopolítica e geoestratégica
definitiva224. Ele retoma a ideia sobre o impacto do poder aéreo na guerra total, considerando o
pleno engajamento da nação e criticando a “ilusão do isolamento geográfico” (SEVERSKY,
1950, p. 1). Ainda durante a 2ª GM, o autor dava uma nova amplitude geográfica à noção de
contiguidade do espaço aéreo, “uma guerra entre hemisférios, através dos oceanos, envolvendo
a força aérea em operações, não sobre esta ou aquela localidade, mas por longitude e latitude,
por toda a parte, no ininterrupto oceano do ar” (SEVERSKY, 1988, p. 20)225. O que se observa
no autor é uma ampliação da escala geográfica de atuação da aviação em relação aos precursores
Douhet, Mitchell e Trenchard, cujo contexto foi o da 1ª GM, onde a trincheira era o obstáculo
224Alexander Nikolaievich Prokofiev de Seversky (1894-1974), russo de nascimento (atual Tiblisi, na Geórgia),
em 1918, foi designado para uma comissão oficial nos EUA, onde resolveu se naturalizar em decorrência da
situação no seu país após a Revolução Bolchevique de 1917. Foi piloto da força aérea e atuou em combate durante
a 1ª GM. Já como norte-americano naturalizado, destacou-se como inventor e construtor na área da indústria
aeronáutica. Desenvolveu um papel marcante na defesa do desenvolvimento do poder aéreo como a chave para a
sobrevivência dos EUA na 2ª GM e na Guerra Fria.
225 A obra Victory Through Air Power (Vitória pelo Poder Aéreo) é de 1942. No Brasil, foi traduzida como “Vitória
pela Força Aérea”, e publicada em 1988 pela Editora Itatiaia e pelo Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
146
a ser transposto pelas aeronaves226. Assim, a ênfase que esses últimos deram ao bombardeio no
interior das nações inimigas tinha uma escala local, ao passo que Seversky ampliou essa ação
para a escala global.
Seversky, em 1950, ano de publicação de Air Power: Key to Survival (Poder Aéreo:
a Chave da Sobrevivência), já incorporava em sua apreciação toda a experiência da 2ª GM e,
principalmente, o prólogo da Guerra Fria227. Esse contexto deu margem à ampliação da escala
de atuação da aviação do local (ou regional) para o global228. Como forma de referenciar esse
alargamento de perspectiva, Seversky propôs uma abordagem para o poder aéreo, adaptando a
projeção azimutal equidistante centrada no polo Norte, de cunho geopolítico e geoestratégico
(Figura 23).
226 Segundo Cohen (2015, p. 28), Seversky desenvolveu uma “visão unitária global”, que por meio do poder aéreo
poderia levar a nação detentora desses meios a dominância sobre toda a superfície terrestre.
227 Há que se ressaltar que a 2ª GM, diferentemente do conflito mundial anterior, testemunhou operações aéreas
de grandes amplitudes em termos de distância de deslocamento, tais como toda a campanha de bombardeio aliado
contra a Alemanha (não só em seu território original, mas também em toda a extensão dos países ocupados a partir
de 1939), toda a guerra no Pacífico (que demandavam o trânsito das aeronaves em escalas no milhar de
quilômetros) e as operações aéreas sobre o Atlântico Sul. Inclusive, sobre este último teatro de guerra, o Brasil
viu-se inserido no contexto geográfico (e geopolítico) das operações aéreas, ao ceder as bases aéreas no saliente
nordestino para a campanha antissubmarino aliada e como ponto intermediário na rota das aeronaves entre os EUA
e o Norte da África. Na Guerra Fria, surgem os mísseis balísticos intercontinentais, cujo alcance aos poucos evoluiu
até atingir a escala global. Mísseis balísticos de curto alcance já eram uma realidade desde a V-2 alemã. A visão
prospectiva de que o alcance desses mísseis atingiria a escala global já era uma realidade para os norte-americanos
que, com o grupo de cientistas liderados por Wernher von Braun, “conduziam trabalho nessa direção, para o
Exército, no campo de testes de lançamento de White Sands, no Novo México” (CHAPMAN, 2008, p. 8).
228 Stephen Jones (COHEN, 1963) chama de “visão global do homem do ar”.
147
Figura 23 – A Equação de Poder entre os continentes americano e eurasiano
Fonte: SEVERSKY, 1950, p. 312.
Inicialmente, essa nova perspectiva de Seversky considerava que a relação espacial
e de distância seria totalmente diferente em face da realidade tridimensional incorporada com
a aviação (onde ressalta a perspectiva geográfica). Na Figura 22, observa-se o círculo na cor
azul e a elipse em amarelo, onde Seversky representava áreas de dominação aérea,
respectivamente sobre controle norte-americano e soviético. Na prática, essas representações
148
seriam, do ponto de vista aéreo, espaços geopolíticos de influência, sob os quais EUA e URSS
poderiam prevalecer (perspectiva geopolítica)229.
Em segundo lugar, na observação da área verde na Figura 22 se denota um espaço
de confluência ou de interseção entre as zonas de influência norte-americana e soviética (azul
e amarela), configurando um espaço de conflito potencial (perspectiva geoestratégica)230. Essa
área verde é, efetivamente, uma nova visão de zona de fronteira na qual, por meio da perspectiva
tridimensional de Seversky, localiza-se um território contestado231. Como elemento endógeno
da geopolítica232, a contestação de território se revela com bastante clareza em Ratzel, nas Leis
do Crescimento Espacial dos Estados (1892). Ele afirma que “o crescimento [do território de
um Estado] se dá na direção de regiões politicamente valiosas” (RATZEL, 2011, p. 149). Ao
destacar o caráter da fronteira como órgão periférico do Estado, o pensador alemão sustenta a
ideia de uma dinâmica que impulsiona o Estado na direção desse espaço limítrofe.
229 Interessante notar que o capítulo da obra de Seversky que trata da projeção polar intitula-se The Importance of
South America (A importância da América do Sul), momento no qual o autor ressalta que nesse segmento do
continente americano estariam reservas naturais de considerável valor estratégico para o caso de uma guerra
prolongada com a URSS, tais como borracha, manganês, tungstênio (ou volfrâmio), cobalto, dentre outros.
Atuando como um geopolítico (e geoestrategista) por excelência, Seversky relata viagens que realizou à Argentina,
Chile, Uruguai e Brasil (cuja principal autoridade com quem se encontrou em nosso país foi justamente o Ministro
da Aeronáutica), onde discutiu a “tese da unidade hemisférica de defesa, contra um inimigo comum do hemisfério
oriental”, tese que teria sido “aceita com entusiasmo” (SEVERSKY, 1950, p. 310). A preocupação de Seversky é
uma antecipação de dois fenômenos. O primeiro, a contenção, anteriormente discutido, originário do “Long
Telegram" (Longo Telegrama), de 22 de fevereiro de 1946, no qual Kennan requer respostas dos governo norte-
americano à política [expansionista] soviética” (O’LOUGHLIN, 1994, p. 133). O segundo, o conceito de periferia
(e terceiro mundo), também debatido anteriormente, que é um “conceito central na análise do sistema-mundo, ou
na perspectiva supranacional, da forma como Wallerstein fez com a Europa, dividindo-a em um Noroeste
progressivo, um Sul estagnado e um Leste dependente da agricultura” (MUIR, 1997, p. 121).
230 Seversky (1950, p. 308) considerava que nessa zona verde estariam “as áreas industriais vitais de ambas as
nações ao alcance do poder de ataque aéreo”.
231 Observando atentamente ao mapa de Seversky, percebe-se que a verdadeira fronteira física entre EUA e URSS,
o Estreito de Bering, é sutilmente destacado. Essa característica na cartografia do autor pode ser interpretada como
uma proposital desatenção aos limites fisiográficos (e mesmo geográficos, haja vista a porção marítima do Estreito)
como definidores de fronteiras na era aeronáutica.
232 Desde muito cedo na geografia política e na geopolítica se estudou a relação das fronteiras com a segurança
estatal. Já foi apontado anteriormente que Kjellén, ao se referir a geopolítica, estudava a questão das fronteiras na
Suécia. Fawcett (1918, p. 75) afirmou que a “primeira obrigação dos governantes de um estado é manter a
segurança nas fronteiras”.
149
Aliando os argumentos de sua nova perspectiva e da reinterpretação das fronteiras
sob o ponto de vista aéreo, Seversky abre espaço para um novo raciocínio233. Agora, em virtude
da era aeronáutica, o correto seria olhar o globo terrestre de cima do Polo Norte, substituindo
a ultrapassada projeção de Mercator pelo que denominou de “projeção polar” (SEVERSKY,
1950, p. 307)234. Nesse sentido, Seversky, possivelmente, apoia-se no mapa de Spykman
(Figura 22) e na relevância que esse deu ao poder aéreo. Essa inovadora perspectiva, delineada
na Figura 23, demandaria grandes modificações nas análises políticas dos Estados, em face da
realidade da aviação. Sobre essa nova perspectiva, Seversky diz que “vistos a partir do Polo
Norte, os continentes que pareciam se situar a Leste e a Oeste de nós (no caso os EUA), torna-
se evidente, realmente situam-se a Norte” (SEVERSKY, 1950, p. 307). Ou seja, os grandes
movimentos políticos e estratégicos não seriam mais interpretados no sentido longitudinal
(Leste-Oeste), mas no sentido latitudinal (Norte-Sul). Essa nova visão geoestratégica traria
também um novo olhar sobre a própria realidade geográfica norte-americana.
Outro aspecto de natureza geopolítica na análise de Seversky é a questão dos
recursos naturais. Com efeito, um forte enredo que sustenta a projeção polar é a demanda pelos
recursos naturais. No caso norte-americano, esses recursos estariam na América do Sul, região
que o autor chamou de “nosso back yard aéreo”235 (SEVERSKY, 1950, p. 307), em função da
impossibilidade de ser alcançado pelos soviéticos. Como apontado acima, a preocupação do
autor extrapola os aspectos nacionais e amplia a discussão para uma esfera de influência global.
Recursos naturais e exercício de poder (ou influência) continuam temas de grande valor
233 Engelhardt Jr. (1943) faz uma análise semelhante à de Seversky, apontando para o encolhimento do mundo
decorrente da era da aviação. As implicações dessa realidade no raciocínio desse autor vão além das questões de
segurança (ou militares), possivelmente o maior foco de Seversky. Engelhardt Jr. (1943) suscita questões como
acesso aos mercados e influência cultural (algo que seria mais tarde denominado soft power), na qual analisa a
situação do Brasil às vésperas da 2ª GM, cuja presença de linhas aéreas predominantemente germânicas esvaeceu
e deu lugar às concorrentes norte-americanas. O autor destaca também a importância das rotas aéreas, novamente
valorizando a perspectiva polar de análise (importante recordar que a obra de Engelhardt Jr. é anterior à de Nicholas
Spykman). Ressalta a relevância da observação da superfície pelo ar, e do sensoriamento remoto, no planejamento
urbano. Faz considerações sobre a guerra pelo ar e discute questões eminentemente geográficas, tais como escala,
ventos, influência do clima e fusos horários. Enfim, em termos de abrangência de conteúdos é uma obra com maior
densidade geográfica do que o legado de Seversky.
234 Saul Cohen (1963, p. 49) denomina “mapa do mundo com uma projeção azimutal equidistante centrada no Polo
Norte”, possivelmente em decorrência da interpretação que Nicholas Spykman havia postulado.
235A tradução literal para back yard é quintal. Na obra, citada Seversky aplica o termo com o sentido de caracterizar
a América do Sul como uma área próxima de influência norte-americana.
150
geopolítico na perspectiva inaugurada pelo ambiente aeroespacial236, algo que será amiúde
analisado adiante.
O estudo de Seversky, e mais do que isso, sua proposição geopolítica em essência,
atribui corpo ao ideário introduzido pelos teóricos precursores do poder aéreo237. O que se
forma a partir desse contexto de crescente relevância no emprego das armas na terceira
dimensão é, verdadeiramente, uma teoria do poder aéreo, que viria ora a se justapor, ora a se
contrapor aos postulados da teoria do poder terrestre e do poder marítimo. Em síntese, essa
teoria propunha: a) uma alternativa para os postulados sobre o controle do mar e o controle do
heartland; b) uma visão geográfica do todo, superando as barreiras físicas existentes e alterando
o conceito de fronteira; c) a inclusão nas relações de poder de um novo modal de transporte e
vetor militar representado pelo avião. Na verdade, as ideias de Seversky podem ir além. Como
afirma Correia (2018, p. 188), elas mereceriam nova atenção, “com o aparecimento dos mísseis
intercontinentais, com o alcance e raio de ação ilimitados dos meios aéreos [...] e com o domínio
do novo elemento de circulação que é a dimensão espacial, o poder aéreo adquiriu nova
projeção”. Essa visão estenderia o “oceano aéreo uno e indivisível” de Seversky (1988, p. 352)
ao espaço exterior, formando um conjunto integrado, o ambiente aeroespacial, espaço
geográfico de atuação de uma nova forma de poder. Assim é que pensamos que esse seria um
momento de adequada transição para uma teoria do poder aeroespacial238.
As características inerentes à essas novas tecnologias e a essa nova dimensão
geográfica representada pelo ambiente aeroespacial, dentre as quais a criatividade e a inovação,
a extrapolação de limites e barreiras físicas, e um certo espírito de pioneirismo, fariam da
aviação um vetor cada vez mais influente na geopolítica. Em 1991, um conflito no Oriente
Médio daria vazão à aplicação do espaço exterior nessa nova perspectiva teórica.
236 Painter (1995, p. 16) percebe que “habilidade de diferentes grupos ou indivíduos (e mesmo estados) em
perseguir ações estratégicas, assim como sua efetividade, varia em função da disponibilidade diferenciada de
recursos em uma sociedade”, e que um “acesso desigual a esses recursos representam diferenças de poder político”.
Assim, a possibilidade de acesso a recursos naturais amplia a possibilidade de exercício de poder não somente na
esfera dos indivíduos, mas também na esfera estatal. Por esse ângulo, a ideia de Seversky quanto ao círculo azul e
à elipse verde incorpora um fator geopolítico vital, que seria o exercício de poder na forma de acesso aos recursos
naturais pela via aérea.
237 Dentre eles, podemos citar Giulio Douhet, Hugh Trenchard e William Mitchell.
238 Antonio Tomé (2009, p. 276) destaca que a aeronave hipersônica, capaz de voar a velocidades superiores a
Mach 5 (cerca de 6.175 km/h), em camadas superiores da atmosfera, seria uma verdadeira “aeronave espacial, que
constituirá seguramente a concretização de uma etapa importante e decisiva na projeção do poder aéreo para o
espaço orbital, como que um trampolim que permitirá transpor de forma firme e consolidada a fronteira
mesosférica da atmosfera pelos meios e tripulações pioneiros os quais, libertando-se da gravidade, irão estabelecer
diretamente a continuidade e o prolongamento dos altos voos atmosféricos para o ambiente do Espaço próximo”,
o que contempla como clara evidência da evolução do poder aéreo para o poder aeroespacial.
151
A Guerra do Golfo que culminou com a expulsão das forças iraquianas de Saddam
Hussein do Kuwait, testemunhou um assombroso descompasso tecnológico entre as forças da
Coalizão, em especial os EUA, e aquele que era considerado por alguns como o quarto mais
poderoso exército da época, o iraquiano. Esse gap (distanciamento) de tecnologia fez-se sentir
em grande parte no setor aeroespacial, mormente na furtividade dos aviões invisíveis, na
precisão dos armamentos aéreos e na utilização pioneira de um sistema de posicionamento e
navegação por satélites, esse último elemento um multiplicador das capacidades dos dois
anteriores. Nas palavras de Richard Hallion,
[...] a Guerra do Golfo foi a primeira guerra espacial com as forças aérea, terrestre e
naval explorando – e criticamente dependentes de – ativos baseados no espaço exterior
par o exercício de funções de comando, controle, comunicações, inteligência,
vigilância, defesa antimíssil, seleção de alvos, meteorologia e navegação. Isto, em
qualquer definição razoável, constitui uma guerra espacial (HALLION, 2017, p.
117).
Em verdade, a corrida espacial da Guerra Fria já havia despertado a consciência da
relevância do espaço exterior como um domínio a ser geopoliticamente considerado239. O fato
novo que a Guerra do Golfo revelava, e que acompanhou os movimentos de dissolução da
URSS e o consequente esmaecimento e término da Guerra Fria, era uma verdadeira revolução
tecnológica aeroespacial. Essa revolução tem efeitos não somente no campo militar, mas
também no desenvolvimento da ciência, na economia e na relação entre os Estados.
Conflitos posteriores, como a Guerra no Afeganistão, em 2001, e a invasão norte-
americana no Iraque, em 2003, testemunhariam a aceleração do processo de integração de
capacidades militares espaciais (e, também, algumas de natureza civil) nas disputas geopolíticas
regionais. Segundo Sturdevant e Anderson (2011, p. 25), o gap operacional de 12 anos que
separou os conflitos no Iraque (1991 e 2003), apesar de não ter significado grande salto técnico
nos sistemas espaciais utilizados, “modificou tremendamente a forma de utilizá-los nas
operações militares”. Autores como Lambeth (2000), Boot (2006), Jordan et al. (2008), Olsen
(2010), Baylis, Wirtz e Gray (2013) e Olsen (2018), além de reforçarem o impacto operacional
dos sistemas espaciais nas operações militares, destacam a grande vantagem estratégica que
esses sistemas oferecem aos seus usuários.
O emprego dos sistemas espaciais em operações militares na superfície, inclusive a
partir do ar, é assunto plenamente explorado e demonstrado nas obras acima citadas. Porém,
quando se trata da extensão do campo de batalha para operações militares no espaço exterior,
239 As contribuições de Bernard Brodie, Herman Kahn, Thomas Schelling e Albert Wohlstetter já foram citadas
anteriormente.
152
depara-se com uma carência factual e histórica, suficiente para evidenciar a importância
geopolítica do espaço exterior como palco de conflitos armados, a exemplo do que ocorre com
a guerra aérea. Contudo, alguns fatos demonstram que essa é uma tendência ainda a curto prazo.
Em primeiro lugar, temos a consolidação da ideia de perspectiva geográfica
aeroespacial, cujo fato precursor foi a ascensão de aeróstatos, e o fato atual, a presença de
satélites de observação e de aquisição de imagens, cumprindo, essencialmente, a mesma função
originária de reconhecimento aeronáutico pelo alto. Em segundo lugar, a recente criação de
novo ramo das forças armadas nos EUA, denominada Space Force (Força Espacial), que tem
por propósito organizar a capacidade militar norte-americana para o emprego de sistemas
espaciais em suporte aos comandos militares combatentes (USSF, 2020)240. Por fim, ainda que
assunto cercado de sigilo e restrições de acesso à informação, surgem as armas antissatélite
(Anti-satellite Weapons – ASAT). Segundo Chapman (2008, p. 143), as ASAT são “armas cujo
propósito é destruir ou interferir no funcionamento de satélites pertencentes a forças hostis”.
Existem relatos de testes de ASAT por parte da China, dos EUA, Rússia e Índia.
Em 2007, revelou-se o teste chinês de lançamento da superfície de um míssil que atingiu um
satélite desativado a uma altura de cerca de 800km (SHEEHAN, 2007, p. 167). Os EUA já
haviam conduzido um teste de ASAT no início dos anos 1980, por meio do lançamento de “um
veículo miniatura, a partir de uma aeronave F-15 Eagle, com capacidade de seguir o curso do
satélite e destruí-lo fisicamente no impacto” (CHAPMAN, 2008, p. 144). David Ziegler (1998)
aponta que também os russos possuíram programas de armas ASAT. Em 2018, a Índia testou
uma ASAT, exitosamente destruindo um satélite defunto em LEO, transformado em lixo
espacial (URRUTIA, 2017).
Esses fatos justificam a integração do poder aéreo e do poder espacial em um único
construto conceitual: o poder aeroespacial241. A utilização de veículos aéreos em camadas cada
vez mais elevadas da atmosfera terrestre vem se tornando uma realidade crescente. A tecnologia
da velocidade hipersônica, superior a Mach 5, habilita veículos aéreos a transitar à cerca de
90Km de altura da superfície, portanto, no trecho que compreende a transição entre espaço
aéreo e espaço exterior. Além disso, o sistema de propulsão hipersônico mistura uma motor de
compressão de ar, característico das aeronaves modernas, com um foguete acelerador, típico de
sistemas de propulsão próprio dos veículos lançadores de satélites. Na verdade, os mísseis
balísticos de longo alcance, conhecidos como Intercontinental Ballistic Missile – ICBM (Míssil
240 A United States Space Force – USSF (Força Espacial dos EUA) será amiúde analisada adiante.
241 Murillo Santos, influente pensador do Poder Aéreo no Brasil, já havia apontado que, com a superação do marco
geográfico representado pela baixa atmosfera, o Poder Aéreo tornava-se Poder Aeroespacial (SANTOS, 1989).
153
Balístico Intercontinental), percorrem parte significativa de sua trajetória em subórbitas,
deixando a atmosfera terrestre nesse segmento do voo e nela reentrando para prosseguir na
direção do alvo selecionado. Alguns desses ICBM atingem o apogeu de 2.000km de altura.
Do ponto de vista operacional, consequentemente, tais veículos poderiam ser
considerados como elementos de um poder aeroespacial, pois seria difícil negligenciar essas
características de operação próprias. Além do mais, como são veículos essencialmente de
emprego militar, a neutralização de suas funcionalidades poderia ocorrer em diferentes
segmentos geográficos: ainda na superfície, por meio da destruição da capacidade de
lançamento; no deslocamento pelo atmosfera terrestre, por meio de dispositivos de intercepção,
tais como mísseis ar-ar lançados por aeronaves; no percurso orbital, por meio de armas ASAT;
ou na reentrada em órbita, no estágio final do deslocamento, por meio de sistemas de defesa
antiaérea, como mísseis superfície-ar. O que se analisa nessa contextualização é a dificuldade
de se compreender a utilização do espaço exterior apenas sob a perspectiva de poder espacial.
O que existe, de fato, é uma integração entre os segmentos da atmosfera terrestre e o espaço
exterior (em especial, naquilo que se refere às órbitas terrestres) que caracteriza o ambiente
aeroespacial e, por conseguinte, um poder aeroespacial242.
Essa revolução tecnológica é um dos fundamentos pelos quais o espaço exterior se
insere no debate sobre o poder aéreo e influencia a geopolítica mundial. Tal aporte passa a
justificar uma evolução no conceito de poder aéreo para poder aeroespacial243, fato que Correia
(2018, p. 189) ainda considera “uma possibilidade em aberto”.
O poder aeroespacial é aqui compreendido como uma síntese entre o poder aéreo e
o poder espacial. Autores como Goure e Szara (1997), já debateram essa integração, que é um
assunto comumente abordado sob o ponto de vista doutrinário ou teórico. Autores como Mason
(1994), Meilinger (1997), Lambeth (2000), Chun (2004) e Olsen (2018) exploram as formas de
242 Não se pode deixar de citar que, no caso brasileiro, a própria Constituição Federal de 1988 cita a palavra
aeroespacial três vezes (letra “c” do inciso XII do Art. 21; inciso X e XXVIII do Art. 22), relacionando-a com a
navegação ou com a defesa. Nesse último caso, fica clara a integração dos contextos aéreo e espacial em um só
conceito, pois a carta magna atribui à União a responsabilidade pela “defesa aeroespacial” (ao invés de falar em
defesa aérea ou defesa espacial) (BRASIL, 2016).
243 Passamos ao largo de uma teoria essencialmente de poder espacial, no que concordamos com Al-Rodhan (2012,
p. 20) quando cita que “Não há, ainda, uma teoria de poder espacial”. Hays (2011, p. 30) também entende que,
“apesar de vários esforços para se apropriar ou adaptar conceitos-chave oriundos da teoria do poder marítimo e do
poder aéreo, atualmente ainda estamos à deriva sem uma teoria de poder espacial abrangente para nos guiar”.
Apesar disso, já existem esforços nessa direção, como é o caso de autores como Robinson (1998), DeBlois (1999),
Patry e Gros (2009), Oberg (AL-RODHAN, 2012) ou Moltz (2019).
154
se melhor compreender o que seria essa integração244.
Do ponto de vista doutrinário, diversas forças aéreas possuem documentos que
tratam dessa discussão. No caso dos EUA, país-líder nessa discussão conceitual, a aderência a
um conceito de aglutinação do poder aéreo com o espacial – o poder aeroespacial –, surgiu no
ano de 1958, como um construto teórico proposto pelo general Thomas D. White, então chefe
do Estado-Maior da United States Air Force – USAF (Força Aérea dos EUA), como um
“continuum se alargando a partir da superfície terrestre até o infinito” (LAMBETH, 2003, p.
37)245. Apesar do foco militar da palavra poder, o que pode ser observado na definição de Goure
e Szara (1997, p. xiii), como “a habilidade de conduzir operações militares simultânea e
globalmente em três dimensões, a partir de uma base de operações na terceira dimensão – no ar
ou no espaço”, nosso entendimento sobre poder aeroespacial é mais amplo. Acreditamos que a
definição brasileira seria mais adequada:
Poder Aeroespacial é a projeção do Poder Nacional resultante da integração dos
recursos de que a Nação dispõe para a utilização do espaço aéreo e do espaço exterior,
quer como instrumento de ação política e militar quer como fator de desenvolvimento
econômico e social, visando conquistar e manter os objetivos nacionais (BRASIL,
2012, p. 10)246.
244 A bibliografia sobre teoria do poder aeroespacial é muito extensa e extrapolaria os objetivos desta tese
referenciar mais amiúde as obras que tratam da discussão desse conceito. No Brasil, Almeida (2006, p. 34) já
defendeu que o poder aeroespacial é fruto da integração entre o poder aéreo e a possibilidade desse poder aéreo
atuar no espaço exterior. Nas palavras do autor, a partir do lançamento do primeiro satélite artificial, em 1957, “o
espaço exterior passou a ser incluído como um novo teatro no qual a guerra poderia ser travada. Assim, diante
desta nova percepção do espaço, começou-se a realizar formulações para o uso do espaço sideral, baseadas na
teoria do poder aéreo. O poder aeroespacial pode, assim, ser definido a partir da definição do poder aéreo como a
capacidade de um país de empregar o espaço aéreo e o espaço exterior a fim de atingir um objetivo militar, político
ou diplomático”.
245 Importante destacar que, na mesma obra, Benjamin Lambeth cita críticas ao conceito aeroespacial, o que revela
não se tratar de algo consensual. Entre as principais críticas estão: a questão das diferenças físicas entre o espaço
aéreo e o espaço exterior; as diferenças entre as características de operação dos veículos aéreos e espaciais; e como
construção teórica para facilitar o acesso da USAF a maior quantidade de fundos governamentais (LAMBETH,
2003). No Brasil, a aderência ao conceito aeroespacial parece ser mais intensa e não registra críticas mais
contundentes. A título de exemplo, citamos os casos do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
(DCTA) e da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB). O DCTA é uma organização pública
militar do Comando da Aeronáutica, cuja missão é “Desenvolver soluções científico-tecnológicas no campo do
Poder Aeroespacial, a fim de contribuir para a manutenção da soberania do espaço aéreo e a integração nacional”
(DCTA, 2020). Assim é que por meio de vários institutos subordinados, atua coordenadamente no setores
aeronáutico e espacial, sob uma mesma finalidade institucional. A AIAB é uma entidade de classe privada que
representa a indústria aeroespacial brasileira, em atividades de “concepção, desenvolvimento, produção,
comercialização e assistência pós-venda, além de serviços técnicos especializados em todas as áreas dos segmentos
aeronáutico, espacial e de defesa” (AIAB, 2020). Dessa forma, atua coordenadamente nos segmentos aeronáutica
e espacial, igualmente.
246 Tomé (2009, p. 290) entende que o Poder Aeroespacial “não se restringe obviamente aos agentes e meios
militares, pois combina e integra também em permanência os fatores econômico, tecnológico e científico da
sociedade civil, englobando em estreita relação centros e infraestruturas especializadas intimamente associadas a
instituições militares e civis, universidades, laboratórios científicos e a centros de investigação e desenvolvimento
de novas tecnologias, com incidência preferencial nos sistemas e vectores aerodinâmicos e astrofísicos e nos novos
e revolucionários meios de propulsão que permitirão atingir velocidades nunca antes alcançadas”.
155
No decorrer da proposta que se discute nesta Tese percorremos conceitos e
aplicações da geografia dos transportes (SILVA, 1949), da geografia de redes e sistemas de
transporte (PONS e BEY, 1991), ou seja, de uma geografia de fluxos (RODRIGUES, 2019).
Igualmente, resgatamos elementos da geopolítica aeronáutica, do transporte aéreo
(CARVALHO, 1963) e de uma geopolítica da aviação comercial (DEBBAGE, 2014).
Discutimos a nova perspectiva dimensional advinda da “geopolítica da verticalidade”
(GRAHAM, 2004), refletindo sobre a geopolítica do poder aéreo (SEVERSKY, 1950) da
sidereopolítica (a política para os astros) ou a astropolitik (DOLMAN, 2002). Contudo, o que
propomos extrapola essas abordagens, inclusive indo além de uma meta-geopolítica do espaço
exterior (AL-RODHAN, 2012), ou mesmo uma geopolítica do espaço exterior (DOBOŠ, 2019;
AYDIN, 2019), apesar de elementos dessas teorizações serem considerados na pesquisa. O
conceito que mais se aproxima daquilo que se busca teorizar foi introduzido por Bergamaschi
(2013, p. 26), quando se referiu a dimensão geográfica “trans-superficial que agruparia o
tradicional espaço aéreo com a esfera espacial, permitindo uma compreensão sob o ponto de
vista aeroespacial”. A essa dimensão, o autor associou a ideia de uma geopolítica
aeroespacial247.
A geopolítica aeroespacial é uma geopolítica que conecta a relevância geográfica
do espaço aéreo com o espaço exterior. Em grande parte, isso se explica pela continuidade
histórica que permitiu à humanidade a adquirir a capacidade aeronáutica (inicialmente na forma
de aerostação, e depois pelo voo aerodinâmico) e, em seguida, ir mais além, ao espaço exterior,
com a astronáutica (por meio dos foguetes e da astrodinâmica)248. Encontra também
justificativas que serão analisadas à frente, que se refletem em argumentos geográficos, como
na ideia de território, mas também em bases econômicas, tecnológicas e ideológicas.
O que se propõe é considerar a conquista do ambiente aeroespacial como um marco
na história da geopolítica e um novo patamar de interpretação dessa ciência. Para isto, se
recorreu à contribuição de diferentes áreas de análise, corroborando a visão multidisciplinar de
geopolítica que anteriormente propusemos. E ainda, recorremos a exemplos emblemáticos de
como o campo dos conflitos interestatais (especialmente a guerra) foi influenciado pelo advento
da aviação e pela incipiente exploração do espaço exterior.
247 Apesar de introduzir o que chamou de dimensão “trans-superficial”, o artigo citado é ainda insuficiente do
ponto de vista de uma elaboração teórica sobre o objeto, haja vista que se trata de texto voltado para a análise de
conjuntura da Argentina, do Brasil e do Chile no campo de capacidades militares espaciais.
248 A astronáutica é o “ramo da ciência da engenharia que lida com o voo espacial, com a operação e o design dos
veículos espaciais” (ANGELO JR., 2006, p. 61).
156
O item seguinte deste Capítulo busca desenvolver a relevância do ambiente
aeroespacial a partir de quatro eixos: o conceito de território; a importância da economia; a
relevância do fator tecnológico; e a incidência do discurso ideológico aplicado ao objeto de
estudo. Esses elementos serão fundamentais para a elaboração da Tese sobre a Geopolítica
Aeroespacial.
3.2 A relevância do Ambiente Aeroespacial na Geopolítica
A geopolítica clássica caracterizou-se, e ainda reflete esta tendência, pela
convergência entre a geografia, a ciência política e as relações internacionais. A associação das
características físicas de determinado espaço geográfico (posição, extensão, relevo, hidrografia,
meteorologia, acesso ao mar etc.), de sua posição espacial e dos desígnios políticos de um
Estado e seu relacionamento com outros Estados (relações de poder, soberania, conflito
interestatal etc.), direcionou os principais debates da geopolítica.
No caso do ambiente aeroespacial, o recorte da Tese considerou, entre tantos temas
geopolíticos de interesse, quatro aspectos que julgamos de maior relevância. O primeiro deles
foi o conceito de território, apreciado como uma categoria geográfica. Outro tema adveio da
demanda de vultosos capitais em investimentos e dos reflexos socioeconômicos dos produtos e
serviços do setor aeroespacial, daí a atenção para a geoeconomia249. Em seguida, face à
dependência tecnológica que caracteriza tanto a aeronáutica, como a astronáutica, surgiu a
necessidade de análise do fator técnico. Por fim, o impacto dos projetos aeroespaciais e do
desenvolvimento tecnológico, e a repercussão pelos instrumentos da mídia de massa, quando
249 Geoeconomia é um conceito que surge a partir do discurso Toward a New World Order (Na direção de uma
Nova Ordem Mundial) (2003), proferido pelo presidente George H. W. Bush, no ano de 1991, cujos principais
elementos seriam: a liderança dos EUA, como potência econômica, militar (conduzindo a OTAN) e, também,
cultural; paradigmas do liberalismo transnacional e do neoliberalismo, representado pelos grupo de líderes do G7,
pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI); e o fortalecimento
do conceito de globalização, por meio de redes e telecomunicações globais. Nesse momento, claramente se agrega
ao conceito de geopolítica a importância econômica. Edward Luttwak destacou esse entrelaçamento entre
geopolítica e a economia cunhando o conceito de “geoeconomia estatista”, cuja interdependência global faz com
que o comércio supere o lado militar, demonstrando que “A relevância das ameaças militares e das alianças
declinou, prioridades e modalidades geoeconômicas têm se tornado atividades dominantes dos estados”
(LUTTWAK, 2003, p. 127). Kotlyakov e Komarova (2007, p. 287), definem geoeconomia como “O estudo
desenvolvido na interface da economia, da geografia econômica e da geopolítica lidando com as interações de
grandes áreas geográficas, estados, corporações transnacionais etc., em escala global”. Sparke (2000) entende que
há um sentido de complementaridade entre geopolítica e geoeconomia, porém, identifica elementos distintivos
entre ambas. Correia (2018, p. 281) propõe que geoeconomia está associada à ideia de uma nova geopolítica, mas
ainda fortemente enraizada na geopolítica clássica, definindo-a como “a política orientada para intervir na
resolução de problemas espaciais associados à economia”.
157
repercutem numa psicoesfera ou ideologia aeroespacial250. Na sequência, esses temas serão
amiúde apreciados.
3.2.1 Ambiente Aeroespacial, Território e Geopolítica
Na análise da variável política no contexto aeroespacial, o conceito de território
assume uma centralidade. Segundo Delaney (2009, p. 196), o território é um dos mais “básicos
e significativos termos em geografia humana”251. Já se observou anteriormente que o território
é um elemento central da geografia política de Ratzel, em cujas leis de crescimento do Estado
o geógrafo alemão assentou suas percepções. Amparado nas ideias evolucionistas de Jean-
Baptiste Lamarck (1744-1829), de Ernst Haeckel (1834-1919) e, principalmente, de Charles
Darwin (1809-1882), Ratzel concebeu, “diferentemente dos teóricos anteriores, que
destacavam o viés legal/político dos estados, [..] o estado analogamente a um organismo vivo,
cujo território flutuava ao longo do tempo dependendo da vitalidade social e demográfica”
(AGNEW, 2002, p. 64). Nesse organismo, os elementos essenciais seriam o povo e o
território252. Como o próprio Ratzel afirmou, “Quando se examina o homem, seja
individualmente, seja associado na família, na tribo, no Estado, é sempre necessário considerar,
[...] também uma porção de território” (RATZEL, 1891, p. 74)253. Na análise deste segmento
do texto, perceber-se-á que o território também é um conceito central da geopolítica (e na
ciência política como um todo), e mais do que isso, buscar-se-á observar a relação entre o
conceito, sua aplicação e especificidade no ambiente aeroespacial, onde a ideia central de Ratzel
sobre a expansão de fronteiras do território estatal será discutida. A fim de atingir esse objetivo,
serão necessárias análises sobre quatro temas essenciais: a compreensão de soberania no
contexto do ambiente aeroespacial; o exercício do poder; o entendimento do território como
250 Na visão de Santos (1996, p. 32), a psicoesfera “é o resultado das crenças, desejos, vontades e hábitos que
inspiram comportamentos filosóficos e práticos, as relações interpessoais e a comunhão com o Universo”, o que
nos permite associar o conceito à proposta de ideologia apontada na Tese.
251 Não se perca de vista o que Raffestin (1993, p. 267) alertou: “Toda geografia humana é política”.
252 Backheuser (1952, p. 23-24) identifica em Ratzel ideias semelhantes como “humanidade” e “pedaço de terra
organizada”, ou ainda “povo” e “país”, “nação” e “território”.
253 Há que se destacar que a geopolítica e a geografia política compreendem o território de forma distinta. A
“geografia política trata das relações entre os grupos humanos organizados e o espaço ou território que eles
ocupam” (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 382), o que reforça a visão de um estado estéril. Exatamente o
oposto pode ser identificado na proposição de Mattos (1977, p. 67), que entende o estado como “uma realidade
palpável, viva e exigente. Esta realidade são as servidões emanantes do seu território, de seu povo e de suas
instituições políticas e jurídicas”. Ou seja, o território de um estado é que se transforma em objeto primordial da
geopolítica, algo que Kjellén (CARVALHO e CASTRO, 1956, p. 387) já havia apontado quando definiu esse
campo como “o estudo dos fenômenos políticos influenciados pelo solo. É, portanto, a geografia aliada à política”,
ou ainda como objeto não no sentido meramente geográfico mas como “organização política” (BACKHEUSER,
1952, p. 34).
158
uma rede; e a pertinência de uma territorialidade aeroespacial. Com essa discussão, procuramos
dar base à falseabilidade da variável política de nossa hipótese de estudo.
De fato, o território já era objeto de reflexão para Aristóteles e Platão
(GOTTMANN, 2012; ELDEN, 2013a254; CORREIA, 2018), e a delimitação dos Estados-nação
advinda do Tratado de Westfália, de 1648, conferiu importância ao conceito. Os movimentos
de colonização iniciados com as grandes navegações no século XV, e principalmente, a
expansão imperialista/colonialista do século XIX255, ambos movimentos de expansão da
fronteira, impuseram à ideia de território um sentido jurídico256. Possivelmente a palavra que
melhor se associa a esse sentido é soberania257.
Observou-se no Capítulo anterior que no caso do espaço aéreo existem previsões
legais quanto à extensão vertical do território nacional à atmosfera a ele sobrejacente258.
254 Stuart Elden traça uma análise histórica, no mundo Ocidental, do conceito de território que abrange o período
grego clássico, passando pelo Império Romano, a ascensão da cristandade no período medieval, o Renascimento
e os pensadores políticos clássicos a partir do século XVII.
255 Hobsbawn (1988, p. 57), denomina o período de 1875-1914 de “Era dos Impérios”, acrescentando que “entre
1880 e 1914, a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios
sob governo direto ou sob dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo: principalmente
Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, EUA e Japão”.
256 O conceito de território sofreu, recentemente, uma expansão semântica com a contribuição de Robert David
Sack ao desenvolver a ideia de territorialidade. Na visão desse autor, a “territorialidade para os humanos é uma
poderosa estratégia de controle de pessoas e coisas por meio do controle de uma área” (SACK, 1986, p. 5). A
territorialidade, no contexto do ambiente aeroespacial, será apreciada na sequência do texto.
257 A soberania pode ser definida como a “capacidade de um estado tomar decisão com perfeita independência e
decidir, em toda a liberdade, as medidas a executar no interesse da nação” (CARVALHO, 1971, p. 19).
258 Especificamente, a Convenção de Chicago aponta no Artigo 1º que “Os Estados contratantes reconhecem que
cada Estado possui completa e exclusiva soberania sobre o espaço acima de seu território” (ICAO, 2006). Essa
Convenção definiu também, influenciada pelas demandas do transporte aéreo comercial, cinco “liberdades do ar”
(posteriormente complementadas por mais quatro não oficialmente contempladas em documentos da ICAO mais
reconhecidas pelo direito consuetudinário). As cinco liberdades originais permitem: a) atravessar o território de
um estado sem aterrar; b) aterrar no território de outro estado para fins não comerciais; c) aterrar em território de
um primeiro estado, tráfego proveniente do estado de origem do transportador; d) para outro estado assumir, no
território do primeiro estado, tráfego destinado ao estado de origem do transportador; e e) a outro estado aterrar e
assumir, no território do primeiro estado, tráfego proveniente ou destinado a um terceiro estado (ICAO, 2006).
159
Contudo, no caso do espaço exterior, o arcabouço jurídico259 existente compreende a não
existência de territórios, e consequentemente Estados, além do limite da atmosfera terrestre,
considerando-a como uma res communis (pertencente a todos)260. Observou-se, também, que
um grande problema prático é a indefinição do limite entre espaço aéreo (a atmosfera terrestre)
e espaço exterior (espaço geográfico onde a aerodinâmica convencional não se torna viável)
(ODUNTAN, 2012)261. Possony e Rosenzweig (1955, p. 10) já antecipavam esse problema
quando afirmavam que “ao alcançar a atmosfera exterior, novos problemas políticos surgirão”.
Sobressai, portanto, um imbróglio (decorrente da diferença de abordagem de
território no espaço aéreo e no espaço exterior) quanto ao exercício de soberania e de sua
principal ferramenta, o exercício de poder262. Caber-nos-ia questionar até onde se estenderia o
espaço territorializado?
259 Os principais instrumentos jurídicos do Direito Espacial são: a) The Outer Space Treaty – 1967 Treaty on
Principles Governing the Activities of States in the Exploration and Use of Outer Space, Including the Moon and
Other Celestial Bodies (Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso
do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 19
de dezembro de 1966, aberto à assinatura em 27 de janeiro de 1967, em vigor desde 10 de outubro de 1967, tem
97 ratificações, inclusive a do Brasil e 27 assinaturas, citado adiante; b) Agreement on the Rescue of Astronauts
and the Return of Objects Launched into Outer Space (Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Objetos
Lançados ao Espaço Cósmico), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 19 de dezembro de 1967, aberto à
assinatura em 22 de abril de 1968, em vigor desde 3 de dezembro de 1968, tem 83 ratificações, inclusive a do
Brasil; c) The Liability Convention – 1972 The Convention on International Liability for Damage Caused by Space
Objects (Convenção Internacional sobre Responsabilidade Decorrente de Danos Ocasionados por Objetos
Espaciais), aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 29 de novembro de 1971, aberta à assinatura em 29 de
março de 1972, em vigor desde 1º de setembro de 1972, tem 76 ratificações, inclusive a do Brasil; c) The
Registration Convention – 1976 The Convention on Registration of Objects Launched into Outer Space
(Convenção sobre Registro de Objetos Lançados ao Espaço Exterior), aprovada pela Assemblei Geral da ONU em
12 de dezembro de 1974, aberta à assinatura em 14 de janeiro de 1975, em vigor desde 15 de setembro de 1976,
tem 39 ratificações e 4 assinaturas, o Brasil não assinou; e d) The Moon Treaty – 1984 The Agreement Governing
the Activities of States on the Moon and Other Celestial Bodies (Acordo Regulando as Atividades dos Estados na
Lua e em Outros Corpos Celestiais), aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 5 de dezembro de 1979, aberto
à assinatura em 18 de dezembro de 1979, em vigor desde 11 de julho de 1984, tem 9 ratificações e 5 assinaturas,
o Brasil não assinou. Para uma visão mais abrangente do Direito Espacial, consultar a obra de Jakhu e Dempsey
(2017).
260 O Tratado sobre os Princípios que Governam as Atividades dos Estados na Exploração e Uso do espaço
Exterior, incluindo a Lua e outros Corpos Celestes, no Artigo II, estabelece que o “Espaço Exterior, incluindo a
Lua e outros corpos celestiais, não é sujeito à apropriação nacional por reivindicação de soberania, por meio de
uso ou ocupação, ou por qualquer outros meios” (UNO, 2017).
261 Backheuser (1952, p. 198) conclui que “A fronteira aérea nada mais é do que a própria fronteira terrestre,
inclusive as águas territoriais, prolongada para acima, indefinidamente”. O problema desta conclusão é o advérbio
indefinidamente, que reforça a questão sobre onde estaria o limite da fronteira aérea.
262 Em nossa percepção, Castro (2005, p. 97-98) apresenta uma definição de poder que é bastante coerente com a
discussão que aqui se inicia: “Poder é considerado como a manifestação de uma possibilidade de dispor de um
instrumento para se chegar a um fim (a vantagem ou o efeito desejado), mas a possibilidade de chegar a este fim
supõe a existência de uma relação necessariamente assimétrica, ou seja, a possibilidade de que uma das partes
disponha de mais meios ou de maior capacidade de obter o efeito desejado através da prerrogativa de aplicar algum
tipo de sanção”. Assim, soberania está diretamente relacionada com a capacidade de exercício de poder, em última
instância com a capacidade de coerção pela força.
160
Paul Claval, ao estudar a questão do poder, termina sua obra com uma indagação:
“a questão que se apresenta é saber qual será a geografia do poder, no interior das nações e no
plano internacional, no curso dos próximos decênios” (CLAVAL, 1979, p. 214). Sem dúvida
que essa interrogação é apropriada ao debate sobre o ambiente aeroespacial.
Em princípio, há de se concordar com Claval quando ele assume um viés realista,
quando afirma que “O uso da força é um dos elementos da vida internacional” (CLAVAL,
1979, p. 203). Teóricos das relações internacionais consideram que o realismo conduz as
relações interestatais, por meio do exercício do poder, e que o conflito é inevitável entre os
estados (SOUSA, 2005; GRIFFITHS, O'CALLAGHAN e ROACH, 2008; PECEQUILO, 2017;
LAMB e ROBERTSON-SNAPE, 2017). Como foi observado anteriormente por meio da
apreciação histórica da evolução do poder aéreo, o espaço aéreo tornou-se um espaço de
contestação e de disputa internacional263. O espaço exterior já experimenta a mesma dinâmica,
e autores como Dolman (2002, p. 4) acreditam que “A militarização, e a armamentização, do
espaço é não somente um fato histórico, mas também um processo em curso”264. Hoje, não há
mais como se pensar em conflito/disputa interestatal (de natureza militar, econômica, científico-
tecnológica ou ideológica) sem se considerar o ambiente aeroespacial como uma dimensão
desse conflito. Assim é que podemos também interpretar o ambiente aeroespacial como um
“território usado” (SANTOS, 2007, p. 14), cuja função militar ficou tão evidente quanto outras
que serão elucidadas adiante.
Nesse ponto, seria prudente concordarmos com Daniel Delaney sobre a função do
263 Lacoste (2004) identificou na aviação, no contexto da geopolítica, a capacidade de projeção de poder.
264 Há que se distinguir armamentização e militarização do espaço. O primeiro fenômeno, ainda incipiente, trata
da postura de armas no espaço exterior. Segundo Aydin (2019, p. 37-38), os principais sistemas de armas espaciais
seriam: “armas de feito cinético (físico) que tentem atacar diretamente ou detonar cabeças de explosivos próximo
a satélites ou centros de operação terrestres; armas não fisicamente cinéticas incluindo laser, micro-ondas de alta
potência e armas de pulso eletromagnético que tenham efeitos físicos em sistemas espaciais sem necessariamente
ter contato físico; ataques eletrônicos de jamming (interferência) ou spoofing (logro, falsificação) de sinais de
radiofrequências que transmitam ou recebam de sistemas espaciais; ataques cibernéticos que tenham por alvo
dados ou sistemas que utilizem dados de sistemas espaciais”. A militarização já ocorre desde o início da corrida
espacial e é, a cada dia, um fenômeno que se intensifica. Esse último tema surge no decurso da Guerra Fria e
autores dessa fase apontavam os principais problemas. Rosas (1983, p. 362) cita que “A espiral da corrida
armamentista [no espaço exterior] não mostra sinais de fraqueza, e parece mesmo irreversível”. Kingwell (1990,
p. 108) destaca que a “maioria dos equipamentos lançados ao espaço pelos EUA e URSS é de natureza tática [e
com propósitos militares]”. Al-Rodhan (2012, p. 221) entende que “A probabilidade de armamentização do espaço
é alta e inevitável”. Shah (2007) aponta elementos da militarização/armamentização do espaço nos EUA e na
China, destacando que esse processo pode ter fundo econômico e representar uma volta à corrida armamentista.
Johnson-Freese (2007, p. 2) entende que os EUA estão seguindo uma direção diferente do resto do mundo,
desenvolvendo armas para uso no espaço exterior, e que essa tendência terá “implicações estratégicas e
geopolíticas em função da magnitude e importância dos próximos eventos”. Hays (2011b, p. 86) aponta que,
“fundamentalmente, questões de maior vulto em torno da armamentização do espaço abordam o como e o quando
isso irá ocorrer, que estados e outros atores podem estar interessados em liderar ou se opor à armamentização e
como essa armamentização pode ser controlada”.
161
território, quando diz que:
[...] o efeito mais óbvio do território é empoderar os outros: dividir e conquistar,
confinar ou imobilizar, excluir, criar dependências, diluir poder, fragmentar e isolar.
Pode-se concluir razoavelmente que em muitos casos a função do território é criar
conflito ou exacerbar as assimetrias de poder mais ou menos por eles mesmos – ou,
por aqueles que interesses são servidos por conflito ou repressão (DELANEY, 2005,
p. 19).
Claval (1979) também entende que a mobilidade enfraquece o poder exercido pelos
Estados no âmbito de suas fronteiras e territórios265. A mobilidade que o ambiente aeroespacial
trouxe para a humanidade estimulou o fluxo de pessoas e mercadorias que, de alguma forma,
enfraqueceram o exercício de poder estatal. Alguns exemplos podem confirmar essa percepção.
O transporte aéreo conecta continentes de forma rápida, e aeronaves de diferentes
nacionalidades transitam sobre o espaço aéreo de um determinado Estado rotineiramente266. Os
drones, pequenos veículos aéreos remotamente pilotados, sobrevoam cidades filmando ou
fotografando a vida das pessoas sem qualquer tipo de controle, isso sem citar o uso militar desse
tipo de equipamento. De forma semelhante, satélites cumprem órbitas terrestres em espaço de
tempo regulares, permitindo sensoriamento remoto de qualquer tipo de paisagem.
Ratzel via na cultura uma das pré-condições ao progresso267. De fato, os processos
conduzidos no ambiente aeroespacial (transporte aéreo, turismo, telecomunicações etc. – vide
Figura 18) agem como catalizadores do enfraquecimento cultural dos Estados menores, e
265 Claval (1979) desenvolve suas proposições em torno de argumentos como assimetrias e desequilíbrios, e nas
formas de exercício do poder que identifica como poder puro, consentido, por influência ou dissimulado. John
Agnew (2003), cujo entendimento é semelhante, aponta que o poder estatal extrapola os limites do território do
Estado. De fato, o ambiente aeroespacial, hoje, é um espaço geográfico que limita o exercício do poder estatal
tradicional. Por exemplo, o exercício de poder sobre as práticas comerciais e econômicas atuais e sobre as redes
de informação (mercados globais, corporações transnacionais, migrações humanas, sistema financeiro
descentralizado, moedas regionais) são mais importantes que aquelas exercidas no âmbito do território estatal. A
esse fenômeno, que “testemunha um declínio no poder estatal, por meio de condições que limitam a visão de
estado, território e poder, [o autor] denomina armadilha territorial” (AGNEW, 2003, p. 53).
266 No caso do transporte rodoviário não é comum se observar linhas que conectem continentes. No modal
ferroviário, o transporte internacional só é comum na Europa, com a rara exceção da linha do Expresso do Oriente
que operou por muitos anos, mas encerrou suas atividades em 2009. O transporte marítimo intercontinental de
passageiros não é tão significativo quanto o aéreo. Mesmo em Ratzel, que estudou a questão ferroviária, o sentido
dos meios de transporte ainda era restrito à Prússia (e depois da unificação, em 1871, à Alemanha).
267 Ratzel (1892, p. 178), confirmando essa percepção, dá a entender essa relação em várias passagens das Leis do
Crescimento Espacial dos Estados, a Lei nº 1 – As dimensões do Estado crescem com sua cultura: “esforços
intelectuais”, “maiores culturas”, “povos civilizados”, “altamente desenvolvida”, “progresso [...] do conhecimento
dos povos”, “invenção de novos meios de transporte”, “estágios inferiores de civilização” etc. Ralph Turner (1943,
p. 5) considera que a “tecnologia é um elemento da cultura” de Ratzel.
162
permitem uma expansão na dimensão dos Estados de maior desenvolvimento cultural, de
acordo com a primeira lei do geógrafo alemão268.
Como forma de não se perder totalmente a capacidade de exercício de poder, Claval
(1979) entende que as organizações burocráticas devem ser constituídas para regular as relações
interestatais. Como aponta Castro (2005, p. 124), “o controle sobre o território e seus conteúdos
– pessoas e bens – é uma questão fundadora para todas as sociedades com organizações sociais
e políticas complexas”. No caso do ambiente aeroespacial isso é uma realidade, haja vista o
papel exercido pela ICAO, no caso da aviação, e pelo COPUOS, no caso do espaço exterior.
Esses seriam, portanto, órgãos reguladores internacionais garantidores do exercício da
soberania sobre territórios (no caso do espaço exterior a função seria a de impedir que tal
soberania seja reclamado por qualquer Estado)269.
A questão do exercício do poder também foi apreciada por Claude Raffestin (1993).
Para o autor, “O poder se manifesta por ocasião da relação. É um processo de troca ou de
comunicação quando, na relação que se estabelece, os dois polos fazem face um ao outro ou se
confrontam” (RAFFESTIN, 1993, p. 53)270. No ambiente aeroespacial, especialmente quando
se observa a intrincada rede de rotas aéreas que se estabelece em todo o Planeta, há que se
considerar que esse movimento, um verdadeiro fluxo global (apontado na Figura 18), não seria
possível sem o estabelecimento de relações tais quais aquelas coordenadas pela ICAO (com
regras de utilização do espaço aéreo, a regulamentação da aviação civil e o controle do tráfego
aéreo)271. No caso do espaço exterior, a ITU, também um importante instrumento de relações
de poder (mas não o único), é a responsável por coordenar o uso do espectro de frequências de
rádio, da alocação de órbitas geoestacionárias para satélites de telecomunicações, além de
268 Kjellén compreendia que o “motor do crescimento [do estado] é a cultura, logo quanto mais ‘avançada’ a
cultura, mais vigorosa seria a [necessidade] de expansão e controle de território” (FLINT, 2006, p. 20). Saul Cohen
(1963, p. 27) afirma que “Local, acessibilidade aos recursos [naturais] e qualidade no uso desses recursos, derivada
de vantagens culturais acumuladas historicamente, continuam a dar poder de dominação [a determinados estados]
sobre certas partes da Terra”. Mais adiante na Tese, observar-se-á que tal fenômeno também é observado na
variável ideológica, na forma de um soft power (poder macio).
269 Também caberia discutir de que forma esses órgãos exerceriam o poder a ele atribuídos: por influência racional
(ou legal); pela capacidade econômica; ou pela ideologia (CLAVAL, 1979). Como forma de reduzir a instabilidade
intrínseca de um sistema de territórios e soberanias, as regras comuns consensuais certamente são o melhor
caminho no caso do ambiente aeroespacial, mesmo que isso, hoje, ainda seja um processo em elaboração. Oduntan
(2012) descreve vários problemas que ocupam a agenda internacional quanto ao estabelecimento de regras
comuns, aceitáveis e justas, tanto no caso do Direito Aeronáutico como no Direito Espacial.
270 Há, também, uma sutil semelhança entre Raffestin e Claval quanto às formas de exercício do poder. No caso
de Raffestin (1993), o poder pode ser exercido de forma coercitiva (por meio de sanções físicas), remunerador
(pelo controle de recursos materiais) e normativo (com o uso de recursos simbólicos).
271 Para Haesbaert (2007, p. 59), as redes são o “principal elemento na configuração territorial”. Isso é uma grande
verdade para o ambiente aeroespacial, haja vista a importância das malhas aéreas e da constelação de sistemas de
satélites.
163
estabelecer padrões de interconexão de diferentes sistemas de comunicações (SADEH,
2011)272.
Raffestin (1993), na discussão sobre geografia e poder, também revelou interesse
na questão do território. Nesse tema, seus conceitos de “ator sintagmático” e
“territorialização”273 podem ser identificados também no ambiente aeroespacial. De fato, o
espaço aéreo, ou a atmosfera terrestre, é um espaço geográfico original, sobre o qual a atuação
sintagmática criou territorializações (apresentadas no Capítulo anterior e esquematizadas na
Figura 18). Ou seja, cada fragmento de espaço aéreo, enquanto território nacional soberano de
determinado Estado, projeta e representa uma determinada relação de poder. Tal raciocínio
aplicado ao espaço aéreo vem, também, ao encontro do que se observa incipientemente no
espaço exterior quando, por exemplo, se observa a Declaração de Bogotá (BOGOTA
DECLARATION, 1976) (instituindo soberania sobre as órbitas geoestacionárias)274, ou ainda,
no movimento pela militarização do espaço exterior275.
A dimensão territorial do ambiente aeroespacial, espaço geográfico por natureza,
enquanto território, se manifesta em questões como soberania e relações poder, e merecem um
aprofundamento a partir da perspectiva de redes. Recorrendo à Raffestin (1993, p. 204), vimos
que as “Redes de circulação e de comunicação contribuem para modelar o quadro espaço-
temporal que é todo o território”. Mas é Ratzel, possivelmente, o pioneiro a observar ilações
entre o relacionamento de território e redes. João Phelipe Santiago (2013, p. 86) recupera essa
ideia ao afirmar que “Ratzel pensou o espaço geográfico inserindo a ideia de rede e a
valorização territorial”.
272 O caso das órbitas geoestacionárias é simbólico no relacionamento entre as nações. Trata-se de um espaço
geográfico escasso, pois há um limite físico no espaço apropriado para a ocupação dessas órbitas. Autores como
Sheehan (2007), Collis (2009) e Sadeh (2011) discutem esse tema e identificam nesse tipo de órbita um ativo
patrimonial da humanidade que é disputado pelos Estados. Al-Rodhan (2012, p. 76) afirma que “Existe uma
limitação técnica no número de satélites que podem ser posicionados nas órbitas geossincrônicas”.
273 Destacamos as seguintes frases do autor: “O espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do
espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer
nível”; “Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator ‘territorializa’ o espaço”; “O território se
apoia no espaço, mas não é o espaço”; “O espaço construído pelo ator passa a ser o território visto e/ou vivido”
(RAFFESTIN, 1993, p. 143, 143, 144 e 147).
274 Segundo Dolman (2002, p. 120), “já existem precedentes para o estabelecimento de limites de soberania no
espaço exterior”. Rafael Kopec (2018) discute a questão da órbita geoestacionária e a dualidade entre considerá-
la território estatal ou província da humanidade. Apesar de considerar que esforços em territorializar essa órbitas
tenham sido, até então, infrutíferos, o autor considera que elas são um “pedaço especial do espaço exterior”
(KOPEC, 2018, p. 176), entendendo que talvez fosse o caso, para essas órbitas, de criação de regras internacionais
específicas.
275 No ano de 2019 os EUA e a França criaram um novo ramo de suas forças armadas: a força espacial ou o
comando espacial. Tal fato foi amplamente divulgado pela mídia (vide https://www.space.com/trump-creates-
space-force-2020-defense-bill.html e https://www.space.com/france-military-space-force.html).
164
No escopo da configuração do ambiente aeroespacial, representado na Figura 18,
visualizou-se uma estrutura com fixos e fluxos, assim como funções e processos que
caracterizam uma rede276. Ora, se a geografia é um saber estratégico e o horizonte geográfico
se expande até o espaço extraterrestre, como propõe Santiago (2013), a geopolítica aeroespacial
apropria-se desse saber para melhor compreender as nuances que caracterizam o território
aeroespacial. Esse território se configura como um território-rede (SOUZA, 2001;
HAESBAERT, 2004), no sentido de interligar diversos territórios (ou Estados-nação) e mesmo
corpos celestes (até o momento, legalmente considerados territórios de todos – res
communis)277.
Há também no território-rede um sentido de mobilidade e flexibilidade
(HAESBAERT, 2003) que, apesar da infraestrutura que o suporta (caso de aeroportos, centros
de lançamento de foguetes etc.), caracteriza-se como imenso espaço geográfico a se conquistar,
cujo território expressa essa perspectiva da visão de cima e possibilidades em termos de
recursos naturais278. As características geográficas desse novo ambiente implicariam em
vantagens militares, políticas e econômicas, que coadunam com a visão de Ratzel no que diz
respeito à valorização territorial. Relembrando citação que já postulamos, Santiago (2013, p.
99) aduz, em concordância com o pensamento ratzeliano, sobre a “expansão do horizonte
geográfico para a conquista do espaço extraterrestre, conquista da Lua e perspectiva de
colonização de Marte”.
Ratzel, em que pese ser um pensador do século XIX, anterior à conquista do ar,
parece-nos atual quanto a considerações geopolíticas referentes ao ambiente aeroespacial. Há
uma relação entre a circulação protagonizada pela rede aeroespacial279 (aeroportos, aeronaves,
foguetes, centros de lançamento etc., conforme descritos na Figura 18) e as vantagens que esse
ambiente oferece, como a exploração da atividade aeroportuária, o turismo de passageiros
transcontinental, o domínio da informação e da comunicação pelos sistemas satelitais de
sensoriamento e telecomunicações.
276 Manuel Castells é reconhecido como o articulador do conceito de rede. Na visão de Hubbard (2011, p. 101),
“no centro da hipótese de Castells está a ideia de uma sociedade da informação”. Apesar de informação ser um
produto/serviço que também circula pelo ambiente aeroespacial, a ideia de rede que aqui se postula é mais bem
associada ao que definem Derek et al. (2009, p. 499) como uma “infraestrutura técnica baseada em redes, como a
elétrica, rodoviária, ferroviária, de esgotamento sanitário ou de sistema de telecomunicações, descritas conforme
sua densidade, conectividade e orientação”.
277 Em 6 de abril de 2020, o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que permite a
exploração comercial de recursos no espaço exterior, observando que “esses recursos não seriam de bem comum
nem haveria necessidade de aprovação internacional para a exploração” (PANDEY e BAGGS, 2020).
278 Shah (2007) entende que o processo de militarização do espaço, particularmente pelos EUA e China, visa a
obtenção de uma vantagem econômica. Inclusive com a possibilidade de exploração mineral de corpos celestes.
279 Santiago (2013, p. 163) aponta que a Ratzel as denominou “grandes vias de comunicação”.
165
Há uma tendência de os Estados expandirem seus territórios para o espaço exterior,
assim como já foi feito para o espaço aéreo. Acima, analisamos a 1ª Lei de Ratzel sob a
perspectiva do ambiente aeroespacial. Há, contudo, possibilidades para raciocínios semelhantes
em outras leis do mesmo pensador. Sem a intenção de esgotar o assunto, poderíamos referenciar
na 2ª Lei de Ratzel280 o inevitável crescimento tecnológico que acompanha a humanidade e
desperta a atenção para o melhor conhecimento do Planeta, por meio do sensoriamento remoto,
ou do Cosmos, por meio da exploração de outros corpos celestes. Acredita-se que essas
manifestações de crescimento, expressas não somente na demanda por conhecimento, mas
também pela economia (comércio, recursos naturais etc.) serão determinantes no crescimento
dos Estados fortes.
No caso da 4ª Lei de Ratzel281, tanto o espaço aéreo como o espaço exterior – já
definido como a “fronteira alta” (DEUDNEY, 1982, p. 5)282 – hoje já são percorridos por
vetores de crescimento, haja vista por exemplo a integração transcontinental do transporte
aéreo283 e os projetos de colonização da Lua e de Marte284. Autores como John Hickman (2016)
retomam as teses de Ratzel sobre território como um espaço de recursos, porém sem citar
diretamente o geógrafo alemão. Hickman desenvolve as sete leis do território, sendo que três
delas guardam grande semelhança com o que aqui se discute, em função do impacto geopolítico.
Uma síntese sobre essas leis indica que os estados modernos competirão por território que
280 A 2ª Lei de Ratzel diz: “O crescimento dos Estados segue outras manifestações do crescimento dos povos, que
necessariamente devem preceder o crescimento do Estado” (RATZEL, 1892, p. 180). Vejamos que Ratzel destaca
o comércio e as comunicações dentre essas manifestações.
281 A 4ª Lei de Ratzel: “As fronteiras são o órgão periférico do Estado, o suporte e a fortificação do crescimento,
e participam de todas as transformações do organismo do Estado” (RATZEL, 1892, p. 184).
282 A ideia de que o espaço exterior é uma fronteira não pode ser encarada como uma linha demarcatória ou um
limite. A ideia que melhor define essa fronteira alta está associada ao conceito de frontier (que na Língua
Portuguesa não encontra uma tradução apropriada, pois os significados de fronteira, limite ou divisão se
confundem). Nessa frontier, representada pelo espaço exterior, há alto grau de permeabilidade entre os dois lados
da fronteira. Na verdade, talvez a melhor ideia para tal zona seria aquela que Backheuser (1952, p. 186) retoma de
Whitemore e Braggs por meio da classificação como uma “fronteira antropogeográfica”, que encerra um
significado cultural, estratégico, antes que significados físicos ou geométricos. Anteriormente, apresentamos nosso
entendimento sobre esses conceitos.
283 No ano de 2020, enfrentou-se uma crise de graves proporções com o espalhamento de um vírus (o coronavírus)
com amplitude mundial. A difusão do vírus deu-se pelos cinco continentes, em questão de dias, fruto da rapidez
nas conexões aéreas entre os países. Uma das primeiras providências das autoridades em diversos países foi a
suspensão da autorização de pousos de aeronaves nos respectivos aeroportos nacionais oriundas de epicentros da
pandemia.
284 A NASA, por meio do Programa Artemis, planeja levar a primeira mulher à Lua, por volta de 2024, desenvolver
nesse satélite uma exploração sustentada, cerca de 2028, e a partir da Lua enviar os primeiros astronautas à Marte
(https://www.nasa.gov/specials/artemis/). A China estaria desenvolvendo uma espaçonave capaz de levar
tripulantes à Lua (https://www.space.com/china-new-spacecraft-crewed-moon-missions.html). Apesar dessas
iniciativas, a viagem espacial até Marte constitui-se em grande desafio científico-tecnológico. Se relacionarmos,
em termos de escala e distância, uma viagem entre a Terra e Marte com as viagens dos navegadores ibéricos, entre
a Europa e a América, no ponto atual de desenvolvimento, a chegada do homem à Lua, nossa navegação
significaria que ainda estaríamos comparativamente a cerca de 3,7Km da costa ibérica.
166
provenham os recursos (naturais) atuais e futuros, sendo que há de se esperar, portanto, um
acirramento da competição geopolítica por esses territórios285.
Complementarmente às questões de território, soberania e relações de poder, se
incorpora o aspecto da territorialidade. Robert Sack (1986, p. 19) define territorialidade como
“a tentativa de um indivíduo ou um grupo em afetar, influenciar ou controlar pessoas,
fenômenos e relacionamentos, pela delimitação e pela afirmação de controle sobre uma área
geográfica”286. Há no sentido do autor uma vinculação do conceito a uma forma de agir, uma
estratégia ou mesmo uma ideologia. Porém, territorialidade, por meio de uma abordagem
cultural ou subjetiva, também pode expressar um “sentimento de pertencimento ou de
identificação com um território” (TRIGAL, 2015, p. 586)287.
Portanto, a territorialidade que se projeta no ambiente aeroespacial pode se observar
tanto como estratégia quanto sentimento288. No caso do espaço aéreo, é comum se atribuir às
forças aéreas a missão de controlar seus territórios, a partir do ar. A área geográfica do território
nacional delimita uma zona de influência na qual os relacionamentos e processos devem ocorrer
controladamente pela estrutura estatal designada para tal. O caso dos ataques de 11 de setembro
de 2001, no qual aeronaves civis foram utilizadas como instrumento de terror, ao serem
arremetidas contra edifícios privados e federais nos EUA, é emblemático na revelação de como
essa territorialidade, na forma de estratégia, falhou consideravelmente289. O espaço exterior
também carrega um simbolismo de territorialidade muito intenso. Os foguetes que lançam os
satélites e outros equipamentos para além da atmosfera terrestre carregam as bandeiras dos
países responsáveis pela empreitada. Da mesma forma, os astronautas se identificam pelo
pavilhão de seus países. Também como expresso sentimento de territorialidade podemos
285 Saul Cohen (1963, p. xxi) não nos deixa olvidar que “As relações políticas entre os estados são influenciadas
pelas áreas de valor estratégico”.
286 A definição original de Sack, semelhante a que ora citamos, teria aparecido no capítulo Territorial bases of
power (Bases territoriais do poder), que o autor escreveu para o livro Political studies from spatial perspectives
(Estudos políticos a partir de perspectivas espaciais), editado por A. D. Burnett e P. J. Taylor, publicado pela
editora John Wiley, em Nova Iorque, no ano de 1981.
287 Autores como Hickman (2016), entendem que territorialidade não é algo nem positivo nem negativo, no sentido
de um propósito, mas essencialmente uma componente do comportamento humano, ou seja, algo que se expressa
de forma natural.
288 Bertha Becker (2012, p. 128) conclui que “a territorialidade é a expressão vivida do poder, que se manifesta
numa relação humana com território”.
289 Muitos procedimentos de controle de tráfego aéreo foram modificados após o evento, inclusive no que diz
respeito à defesa aérea continental nos EUA. Podemos exemplificar também na questão da territorialidade
enquanto estratégia a missão-síntese atribuída à Força Aérea Brasileira (FAB), muito similar àquela atribuída a
outras forças aéreas: “Manter a soberania do espaço aéreo e integrar o território nacional, com vistas à defesa da
Pátria” (http://www.fab.mil.br/missaovisaovalores).
167
observar o fato de se posicionar bandeiras na Lua (Figura 24)290. Tal fato repete as empreitadas
dos exploradores do século XV e XVI ao desembarcarem em terras desconhecidas ou
inexploradas do batizado Novo Mundo.
Figura 24 – Bandeira dos EUA na superfície da Lua
Fonte: FLICKR, 2006.
Sintetizando a discussão até aqui apresentada, observamos que a teoria em torno do
conceito de território, e sua relação com o ambiente aeroespacial, permite-nos inferir algumas
conclusões. As diferentes formas de se classificar um território, seja da forma político-
administrativa, e mesmo jurídica, como repositório de recursos econômicos, seja da forma de
uma abordagem cultural, coadunam com o objeto da Tese e permitem-nos identificar no
ambiente aeroespacial todos os caracteres de um território, tais como o sentido de Estado, a
existência de relações de poder, a previsão do exercício de soberania, a aderência às Leis de
Ratzel sobre a expansão das fronteiras e, mesmo, o sentido de subjetividade e estratégia
incorporado à ideia de territorialidade. Com efeito, somos levados a concordar com Jean
Gottman (1973), primeiro quando destaca a significância do território, e depois quando define,
muito apropriadamente, território, pois nessa definição temos a oportunidade de inserir o
ambiente aeroespacial. Nas palavras desse autor, o “Território é um conceito político e
geográfico, porque o espaço geográfico é tanto compartimentado quanto organizado através de
processos políticos” (GOTTMANN, 2012, p. 526). Essa definição auxilia na compreensão da
290 Esse tipo de ação é o que Paasi (2003, p. 113) entende ser o “formato simbólico do território (elementos
construídos pelo discurso dinâmico, símbolos fixos – bandeiras, brasões estátuas, práticas sociais – paradas
militares, dia da bandeira, educação), um elemento crucial na sua formação”.
168
importância da variável política no contexto do ambiente aeroespacial e evidencia sua dimensão
de espaço geopolítico.
Em nosso caso, o território não é visto apenas no sentido absoluto, como um
substrato concreto (uma coisa). Existe no ambiente aeroespacial um componente relacional,
cujas relações de poder exercem um papel destacado. Não se quer dizer com isso que a questão
cultural ampla, no contexto relacional, se restrinja ao poder291. Na verdade, o que se propõe,
fugindo-se à valorização de uma ou outra nuance epistemológica, é um sincretismo, no sentido
geográfico, das dimensões física e relacional como definidoras do território aeroespacial. Essa
fusão de elementos interpretativos foi bem observada por Lin (2018, p. 35) quando apontou ser
“o ar inspiração da guerra, da mobilidade e do comércio”. O primeiro desses aspectos foi
apontado anteriormente, e os dois outros serão destacados a seguir.
3.2.2 Ambiente Aeroespacial, Economia e Geopolítica
Neste item, o texto abordará as questões econômicas que envolvem a geopolítica
do ambiente aeroespacial292, buscando evidências que corroborem a importância dessa variável
para a hipótese de estudo. A análise reforçará a compreensão do ambiente aeroespacial sob uma
perspectiva econômica. A discussão não esgota toda a potencialidade de temas como esse no
ambiente aeroespacial, e alguns aspectos não puderam ser detalhados293. O propósito, com
efeito, é apontar de que forma a geoeconomia se apresenta como aspecto central de uma
geopolítica aeroespacial.
Segundo Correia (2018, p. 281), a “geoeconomia deve ser entendida como a política
orientada para intervir na resolução de problemas espaciais associados à economia, gestão de
291 Haesbaert (2007, p. 55) sugere atenção a essa postura quando fala de determinismo de “espaciologia” ou uma
“sociologização” do território, com a consequente “desgeografização”.
292 Os geopolíticos clássicos também trataram das questões econômicas, seja por meio dos recursos naturais de um
determinado território, ou pela pujança do Estado. Friedrich Ratzel via no lebensraum o espaço vital de
sobrevivência do Estado, no qual estariam recursos naturais das mais variadas naturezas. Rudolf Kjellén associou
os fenômenos políticos à economia quando sugeriu a ecopolítica (ou econopolítica). Alfred Mahan via no comércio
marítimo a vitalidade de uma nação. Halford Mackinder compreendia que os meios de transporte assegurariam o
trânsito dos recursos naturais no interior da área-coração. Nicholas Spykman entendia que as fímbrias seriam as
regiões economicamente relevantes. Alexander Seversky dividiu as áreas de projeção de poder dos EUA e URSS,
a partir da projeção polar, e nelas identificou regiões industriais e áreas provedoras de recursos naturais.
293 Entendemos que outros aspectos também poderiam ser apontados como fatores de relacionamento da economia
com a geopolítica aeroespacial: o papel das aeronaves na exploração e integração de novas terras; o uso das
aeronaves no processo de controle das colônias pelas nações imperialistas; o significado do transporte aéreo como
linha de comunicação; a relevância das empresas aéreas, da infraestrutura aeroportuária e dos serviços correlatos
na economia local e regional; o papel da aviação como instrumento da política econômica de um estado; o papel
dos aeroportos no contexto urbano; o papel do setor público e da inciativa privada na indústria aeroespacial;
comercialização de foguetes; leasing de satélites; cooperação comercial no desenvolvimento tecnológico;
produção de propelentes etc.
169
recursos, de fluxos, de reposta equilibrada às necessidades humanas”. Considerando essa
definição, estabelecemos duas premissas na elaboração em torno da geoeconomia do ambiente
aeroespacial. Em primeiro lugar, considera-se que o poder, hoje, apresenta um forte viés
econômico. Em segundo lugar, considera-se que a economia contemporânea é caracterizada
pelo (neo)liberalismo econômico294. Por esses motivos, reforçando o que já se apontou
anteriormente, há uma tendência de se considerar atores econômicos não somente empresas
estatais e privadas, mas também certos organismos internacionais. De modo que este abrange
empresas nacionais, corporações transnacionais e entidades de regulação, financiamento ou
arbitragem. Em grande parte, esse viés econômico, quando se trata da atividade aeroespacial,
caracteriza o que Doboš (2019, p. 37) chama de New Space (Novo Espaço), postura que
“privilegia a atividade empreendedora independente, baseada em atores privados, cujo
dinamismo e fluidez é maior que a atividade estatal”.
Um bom ponto de partida para se revelar a importância geoeconômica da atividade
aeroespacial é se conhecer fatos e informações sobre o segmento aeronáutico. Considera-se
atividade aeronáutica as funções de natureza civil que incluem o transporte pelo ar regular de
passageiros, voos não comercias de natureza privada (aeronaves pertencentes a particulares),
voos relacionados a serviços agrícolas ou de aerofotogrametria, toda a infraestrutura que
sustenta essa atividade (por exemplo, os aeroportos, as instalações logísticas, centros de
aprovisionamento de refeições, o sistema de controle de tráfego aéreo etc.) e a indústria
aeronáutica (responsável pela manufatura de aeronaves, turbinas, peças sobressalentes etc.).
Na percepção de Leinbach e Bowen Jr. (2004, p. 285), por meio do “avanço
incansável da tecnologia, o transporte aéreo tornou-se um potente mecanismo de mudança
econômica e social no último século”. Em 1941, uma viagem aérea entre Boston e Los Angeles,
cerca de 4.800Km, tinha a duração de 15 horas, com uma tarifa de passagem no valor de US$
4.810,00 e 12 paradas intermediárias. Em 2018, a mesma viagem aérea pode ser realizada em
6 horas, ao preço de US$ 427,00 e sem nenhuma parada intermediária (A4A, 2020)295.
294 Segundo Silva e Silva (2009, p. 258, 260 e 261), o liberalismo econômico “é uma teoria capitalista, que defende
a livre-iniciativa e a ausência de interferências do Estado no mercado, [e] pode ser entendido como uma ideologia
que concede espaços à iniciativa e à autonomia individuais. Em sua forma atual rebatizada como neoliberalismo,
é a ideologia política do mundo globalizado. É ele que advoga a abertura de mercados, o livre fluxo de capitais e
os investimentos privados, a redução das responsabilidades sociais do Estado e a própria diminuição deste como
mecanismo administrativo (tido em geral como dispendioso e antieconômico), em nome da privatização. O
neoliberalismo é a reafirmação dos valores liberais originados do liberalismo econômico do século XIX”.
295 Laura Ash (2020a) entende que a redução do valor das tarifas, em uma análise histórica, é mais significativo
nos voos internacionais.
170
Além dessa óbvia evolução, os números da atividade aeronáutica demonstram que
esse é um setor pujante. Segundo a Air Transportation Action Group – ATAG (Grupo de Ação
no Transporte Aéreo), a aviação, em 2017, “sustentava 65,5 milhões de empregos ao redor do
mundo, em atividades relacionadas, e cerca de 10,2 milhões diretamente” (ATAG, 2018, p. 8).
Não é por menos que Debbage (2014, p. 54) considera que “a indústria do transporte aéreo
internacional possui uma geopolítica regulatória que é capaz de manipular e moldar a
geografia” desse modal de transporte296. Dados fornecidos pela Oxford Economics indicam que
a atividade aeronáutica teve “um impacto de US$ 2,7 trilhões na economia mundial,
representando cerca de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial” (ATAG, 2018, p. 4)297.
Dados fornecidos pela International Air Transport Association – IATA
(Associação Internacional do Transporte Aéreo) apontam que, em 2016, as empresas de
transporte aéreo eram responsáveis por transportar “35% do valor total de mercadorias, apesar
desse valor representar apenas 1% do volume total em toneladas” (ATAG, 2018, p. 6). A IATA
estimou que, em 2017, as companhias aéreas “transportaram 53,9 milhões de toneladas em
mercadorias” (IATA, 2018, p. 6). Em 2018, houve um “crescimento de 3,4% no transporte de
cargas, chegando a movimentar 64 milhões de toneladas” (IATA, 2019a, p. 8). Ainda segundo
a associação, o transporte aéreo de cargas “cresceu duas vezes mais rápido do que o volume
global de comércio em 2017” (IATA, 2018, p. 1). Segundo a associação Airlines for America
(Linhas Aéreas para a América), companhias aéreas movimentam cerca de 1 trilhão de US$ a
cada ano, apenas entre os EUA e outros países: com a Coreia do Sul são comercializados
circuitos eletrônicos integrados, cerejas e caroços de frutas; com a China, equipamentos
médicos, celulares, tablets e laptops; com a Nova Zelândia, salmão fresco; com o Canadá,
computadores; com a Colômbia, flores; com o Peru, vegetais; com o Chile, peixe; com o Brasil,
peças de aeronaves; com o Reino Unido, livros; com a Itália, vacinas; com Israel, diamantes; e
com a África, inhame (A4A, 2020).
296 Um exemplo sobre essa afirmação pode ser observado no movimento aéreo dos aeroportos e na distribuição
das rotas aéreas. Em função das limitações físicas na ocupação do pátio de estacionamento, pontes de
embarque/desembarque e das pistas de pouso/decolagem, o horário de utilização dos aeroportos é repartido em
slots (vagas). Cada empresa aérea recebe slots, que na prática são os períodos do dia, expressos em horários, nos
quais aquela companhia pode executar operações em determinado aeroporto. O mesmo raciocínio se aplica à
distribuição de rotas (a conexão entre determinados aeroportos) e os horários permitidos para a operação nessas
rotas. Em função dessa regulamentação, surge uma geografização e, ao mesmo tempo, uma comercialização do
espaço aéreo, daí porque o raciocínio geopolítico apresentado pelo autor. Camilleri (2018, p. 184) cita que “os
slots de pouso podem ter valor comercial e trocados entre as empresas aéreas como mercadorias. A Oman Air
pagou US$75 milhões à Air France por um par de slots de decolagem/pouso no Aeroporto de Heathrow
(Inglaterra), em fevereiro de 2016. Um ano depois, a American Airlines pagou US$60 milhões à Scandinavian
Airlines” por slots de pouso e decolagem.
297 Nos EUA, em 2019, a atividade aeronáutica representou cerca de 5% do PIB (A4A, 2020). Segundo a IATA
(2019a, p. 8), “em 2018, o impacto foi de US$ 2,7 trilhões no PIB”.
171
Dentre as informações mais significativas da atividade aeronáutica está o transporte
de passageiros. Conforme dados do Airport Council International – ACI (Conselho
Internacional de Aeroportos), em 2018, “foram transportados 8,8 bilhões de passageiros, em
cerca de 2.500 aeroportos em 180 países” (ACI, 2019, p. 1). No Brasil, em 2018, segundo a
Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), foram transportados “117,6 milhões de
passageiros domésticos e internacionais” (ANAC, 2019, p. 4). A título de comparação, segundo
o Ministério dos Transportes, em 2018, “por via rodoviária [foram] transportados no Brasil
cerca de 95,1 milhões de passageiros e pelo modal ferroviário em torno de 1,1 milhão”
(BRASIL, 2019, p. 23 e 24)298, o que dimensiona a relevância econômica do modal aéreo. O
Banco Mundial (2019) contempla um banco de dados que traz relevantes informações sobre o
setor. A Figura 25 demonstra o crescimento do mercado mundial de transporte de passageiros
desde 1975, o que revela uma curva ascendente de demanda.
Figura 25 – Movimento mundial de passageiros no transporte aéreo
Fonte: THE WORLD BANK, 2020a.
No caso da Figura 26, a mesma tendência é observada no caso de transporte mundial
de cargas.
298 O Anuário de 2017 informa que “no trecho Rio de Janeiro – São Paulo 81% dos passageiros são transportados
por via aérea e 19% pelo modal rodoviário” (BRASIL, 2018, p. 11).
172
Figura 26 – Transporte aéreo mundial de cargas (milhões de ton/Km)
Fonte: THE WORLD BANK, 2020b.
Um grande impacto geoeconômico, e talvez o maior, da atividade aeronáutica pode
ser observado no turismo. Segundo a ICAO, “Na economia global, a cada US$ 100 produzidos
e 100 empregos gerados no transporte aéreo, cria-se uma demanda adicional de US$ 325 e 610
empregos em outras indústrias, respectivamente” (ICAO, 2002, p. 3)299. Por conseguinte, parte
significativa da demanda adicional em valores e empregos provêm da atividade econômica do
turismo, que se vale do transporte aéreo. Segundo a United Nations World Tourism
Organization (Organização das Nações Unidas para o Turismo Mundial), o modal aéreo foi
responsável por “57% dos turistas internacionais, em dados de 2017” (ATAG, 2018)300.
Segundo a IATA (2019a, p. 12), o “transporte aéreo é vital para o turismo mundial, atividade
na qual se estimam despesas na ordem de US$ 850 bilhões, um crescimento de cerca de 10%
no ano de 2018, em relação ao ano anterior”.
O fenômeno geoeconômico da atividade aeronáutica tem sido estudado por muitos
299 Karol Ciesluk (2020) apresenta uma lista das 10 maiores empresas de aviação que mais empregam funcionários:
Lufthansa (e associadas) 138.353; American Airlines 133.700; Emirates 105.730; China Southern Airlines
100.831; United Airlines 96.000; Delta Air Lines 91.000; Air France – KLM 90.386; China Eastern Airlines
81.136; IAG (British Airways, Aer Lingus, Iberia, LEVEL e Vueling) 64.642; Southwest Airlines 60.800.
300 Uma análise detalhada do mercado de turismo e sua relação com o transporte aéreo pode ser obtida em Camilleri
(2018).
173
autores, tais como Zandt (1944)301, Corbett (1965)302, Hirst (2008)303, Daley (2010)304, Carriço
(2011)305, Abeyratne (2012)306, Vasigh, Fleming e Tacker (2013)307, Goetz e Budd (2014)308 e
Schmitt e Gollnick (2016)309. No Brasil, também são observados trabalhos que buscam
relacionar a geografia, a economia e o transporte aéreo, tais como Carvalho (1963)310, Corrêa
et al. (1977)311, Cordeiro e Ladeira (1994)312, Théry (2003)313, Camilo Pereira (2014)314, Santos
301 O autor analisa, sob o ponto de vista geográfico e econômico, alternativas para a política de transporte dos
EUA.
302 O estudo de Corbett é voltado para a realidade da Austrália, Grã-Bretanha, Canadá, Índia e EUA, por meio do
estudo da política de aviação nesses países, enfocando questões como posse das empresas de aviação, a dicotomia
entre empresa pública e privada e mecanismos de regulação da competição do mercado.
303 O autor compreende o transporte aéreo como um sistema e se preocupa em apreciar questões de viabilidade
financeira, conformidade legal, eficiência e eficácia das empresas de aviação, das rotas e linhas aéreas, dos
aeroportos e do espaço aéreo como um todo.
304 Daley aprecia o impacto da aviação na questão ambiental, abordando aspectos como ruídos, qualidade do ar,
mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável do transporte aéreo.
305 Segundo o autor, “através do estudo dos mais recentes projetos de investimento e desenvolvimento de
infraestruturas de transporte e comunicações” analisa geopoliticamente opções estratégicas para países asiáticos,
tais como a China e Índia (CARRIÇO, 2011, p. 2).
306 O autor considera o “Transporte aéreo um negócio complexo, que exige adaptação às exigências modernas”
(ABEYRATNE, 2012, p. 395), dentre elas as questões de regulamentação, de segurança, ambientais e de
desenvolvimento sustentável.
307 A obra é inteiramente dedicada ao relacionamento da atividade aeronáutica com a economia. Segundo os
autores, o crescimento do tráfego aéreo internacional é afetado por diversos fatores: “o nível de prosperidade
[econômica] de uma região”; “redução do custo real da viagem aérea”; “crescimento populacional”; “liberalização
da economia”; “a política e a estabilidade política”; “atuação de terroristas”; “tempo disponível para lazer”
(VASIGH, FLEMING e TACKER, 2013, p. 18-19). Na prática, a maior parte desses fatores demonstra a relação
entre as características geoeconômicas de Estado ou região.
308 Na parte temática das abordagens da obra, John T. Bowen Jr. trata especificamente da economia ligada à
geografia do transporte aéreo. Uma das conclusões desse autor é a direta relação entre a expansão de cidades, do
ponto de vista econômico, com o incremento do transporte aéreo nos aeroportos dessas cidades, por meio da
melhoria da qualidade dos serviços prestados a turistas e homens de negócios (GOETZ e BUDD, 2014).
309 Os autores debruçam a atenção sobre as tecnologias das aeronaves e sobre o modelo de negócio das linhas
aéreas. Uma importante conclusão dos autores destaca a relação entre a indústria aeroespacial e a atividade militar,
por meio de tecnologias duais, o que reforça a importância dos investimentos governamentais nessa área
(SCHMITT e GOLLNICK, 2016).
310 Arp Procópio de Carvalho tem como principal preocupação analisar a política nacional para o transporte aéreo.
A partir da apreciação de políticas em outros países, e de uma crítica ao cenário nacional da época, discute
caminhos para o transporte aéreo nacional que passam essencialmente pela questão econômica, tais como a
estatização, o monopólio, a privatização, a competição ampla, subsídios governamentais, tarifas e o
relacionamento com outros sistemas de superfície.
311 Os autores destacam a influência do desenvolvimento de determinados centros urbanos em função da
concentração da atividade aeronáutica nesses centros, por conseguinte reduzindo o fluxo de passageiros no
transporte aéreo em centros urbanos menores que foram absorvidos no sistema.
312 Os autores concluem, concordando com Milton Santos, em O meio técnico-científico e a urbanização do Brasil,
artigo da Revista Espaço & Debates de 1988, que “a circulação aérea favorece o papel de relé indispensável no
sistema econômico”. A ideia de relé expressa o significado de retransmissor de uma potencialidade, assim a
atividade aeronáutica (aeroportos, linhas aéreas, transporte de passageiros etc.) seria um fator de desenvolvimento
da economia.
313 O autor utiliza dados do Anuário do Transporte Aéreo, da ANAC, sobre o tráfego nacional, e traça mapas de
fluxos, que demonstram a forma de organização dessa estrutura nacional, concluindo sobre sua centralização e
“certa capilaridade das trocas locais e regionais” (THÉRY, 2003, p. 19).
314 A autora analisa as estratégias empresariais no setor do transporte aéreo brasileiro, demonstrando a relação do
capital empresarial com determinados territórios e aeroportos, enfim uma análise de cunho econômico no âmbito
da atividade aeronáutica.
174
Jr. (2019)315, Rodrigues (2019)316, Camilo Pereira (2019)317 e Camilo Pereira e Théry (2019)318.
Como reflexão final acerca da questão da geoeconomia do transporte aéreo, cabe
destacar algumas considerações que a ATAG (2018) apresentou sobre o assunto. O mercado do
turismo, sem a presença do transporte aéreo, não teria atingindo níveis de crescimento como
aqueles testemunhados nos últimos anos. Os serviços da atividade aeronáutica também
ampliam o acesso a mercados e mercadorias, não somente dos Estados economicamente fortes,
permitindo que o sentido de globalização no comércio seja alargado319. A conectividade
proporcionada pelo transporte aéreo ajuda os países a melhorarem sua produtividade,
investimento e inovação, atraindo empregos de alta qualificação e negócios mais eficientes. As
mercadorias que demandam rapidez na operação logística, tais como os produtos agrícolas
frescos, encontram no transporte aéreo de cargas um modal de extremo valor para o acesso a
novos mercados. Por fim, os aeroportos passam a se tornar importantes centros de suporte às
comunidades por eles servidas, atuando como catalisadores de vantagens econômicas de
amplitude local, regional ou nacional. Não há, portanto, melhores argumentos para caracterizar
a geoeconomia da relacionada à atividade aeronáutica como um sustentáculo de uma
geopolítica aeroespacial.
A geopolítica aeroespacial também se vale da economia que se relaciona à atividade
espacial. O ponto central dessa discussão encontra amparo na afirmação de Al-Rodhan (2012,
p. 90), quando aponta para “A elevada dependência dos estados em tecnologias espaciais
significa que determinados países podem ter vantagens geopolíticas substanciais pela negação,
interdição ou destruição das capacidades de acesso ao espaço dos rivais”. Cabe, novamente,
recordar o valor político do território conforme evidenciado por Ratzel; ideia expressa hoje em
autores como Johnson-Freese (2007, p. 6), ao considerar o espaço exterior como um “ativo
315 Santos Jr. (2019) relaciona o transporte aéreo com a logística de transportes no Brasil, levantando a
problemática do modelo nacional e seu impacto na economia.
316 O autor analisa fluxos aéreos (das empresas aéreas nacionais) e o impacto econômico, sob a ótica de uma
geografia dos transportes.
317 A autora estuda a rede aérea brasileira sob a perspectiva geográfica, inferindo sobre sua importância no conceito
de megarregião.
318 Os autores discutem a concentração de capital das empresas de transporte aéreo em uma lógica regional.
319 Camilleri (2018, p. 73), entretanto, aponta que pode haver uma segmentação geográfica de mercados, com base
em variáveis como “clima, terreno, recursos naturais, densidade populacional, dentre outros fatores geográficos”.
Poderíamos acrescentar a esses fatores a cultura local, a renda per capita, a importância turística, os hubs de carga,
as dificuldade de acesso ou escassez em outros modais e a conexão entre centros financeiros como alguns dos
aspectos intervenientes na segmentação de mercados.
175
estratégico”320. Ilayda Aydin (2019, p. 29) vê o “espaço exterior, com planetas, luas e asteroides
um ambiente altamente rico em recursos”. Doboš (2019, p. 16) aponta que os recursos naturais
do espaço exterior seriam “incentivos econômicos para se adentrar esse espaço e possivelmente
colonizar os corpos celestes circunjacentes”.
A atividade espacial (depreendida na Figura 18) abrange a operação e a exploração
comercial de centros de lançamento de foguetes e serviços de rastreamento, o negócio dos
serviços de telecomunicações e sensoriamento remoto, os serviços de previsão meteorológica e
monitoramento ambiental, a exploração de recursos naturais em corpos celestes, o incipiente
turismo espacial, o desenvolvimento do conhecimento científico (melhor compreensão do
planeta e do cosmos) e a indústria espacial (essas duas últimas abordadas adiante na análise da
variável tecnologia aeroespacial).
Existem muitos trabalhos que discutem a atividade espacial. Boa parte deles trata
de questões relativas ao arcabouço jurídico, ora ressaltando sua relevância, ora demandando
uma revisão na legislação internacional (DANILYAN e DZEBAN, 2019; HICKMAN e
DOLMAN, 2002). Temas originais emergem desses estudos, tais como, propostas quanto à
arbitragem de disputas nos organismos internacionais (GOH, 2007), hegemonia e
desarmamento do espaço (WOLTER, 2006), questões ambientais e sobre lixo espacial
(SCHONBERG, 2010; KLINGER, 2019) e governança espacial (JAKHU e PELTON, 2017).
Coletâneas como a de Codignola et al. (2009) exploram uma grande variedade de temas, alguns
deles com nítido impacto na economia, tais como a questão legal da exploração de corpos
celestes, a cooperação internacional e intercâmbio de tecnologia, e a ideologia. Todos esses
temas elencados acima têm, de alguma forma, impacto na geoeconomia da atividade espacial.
No Brasil, trabalhos de Amaral (2010; 2011), Bittencourt Neto (2011), Silva (2013),
Santana Jr. (2015), Villas-Bôas (2016)321, Montserrat Filho (2016)322 e Santana e Liendo
(2017), discutem a importância estratégica do PEB e buscam explicar as dificuldades
320 Segundo Sandroni (1999, p. 34), ativo é um “Conjunto de bens, valores, créditos e semelhantes, que formam o
patrimônio de uma empresa, opondo-se ao passivo (dívidas, obrigações etc.)”. Dessa forma, o espaço exterior
enquanto ativo estratégico melhor seria compreendido com um recurso (natural) de grande valor potencial, o que
conecta com a ideia de espaço vital de Friedrich Ratzel.
321 Ana Lucia do Amaral Villas-Bôas traça um histórico do Programa Espacial Brasileiro, apontando a relação
desse programa com as peculiaridades políticas e institucionais nacionais, principalmente a forte dependência de
fundos públicos e a participação dos militares no desenvolvimento das pesquisas e produtos da atividade espacial.
A autora faz também referência ao processo de globalização e como ele interferiu na dinâmica da tecnologia
espacial.
322 José Monserrat Filho é, especialmente, um autor prolífico no campo da atividade espacial, em especial nas
questões do Direito Espacial, sendo que a Revista Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, publicada pela
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, propõe debates com base nas ciências jurídicas porém
com amplo espectro de abrangência, tais como temas ligados ao lixo espacial, à exploração econômica de
asteroides e conflito internacional, dentre outros.
176
atravessadas por esse programa (justificativas por maiores investimentos na atividade espacial
brasileira), bem como tratar de assuntos de natureza jurídica, no âmbito do Direito Espacial.
Segundo a Organization for Economic Co-operation and Development – OECD
(Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento), identificaram-se na literatura
os seguintes impactos decorrentes de investimentos na área espacial: crescimento dos
rendimentos comerciais e dos empregos, ganhos de produtividade e eficiência, bem-estar social,
benefícios macroeconômicos, redução de custos, inovação em ciência, privação de custos
desnecessários, novos contratos e reputação/inspiração (OECD, 2019).
Dentre os negócios de maior lucratividade na atividade espacial está a operação e a
exploração comercial de centros de lançamento de foguetes e serviços de rastreamento. Os
centros de lançamento de foguetes possuem vantagens econômicas quando operados a partir de
posições geográficas na linha do Equador, e próximos ao oceano e/ou em imensas áreas
desabitadas. Na posição equatorial, em função da rotação terrestre, atinge-se de forma mais
eficiente (menos consumo de combustível) a velocidade orbital necessária para se adentrar o
espaço exterior, desde que o foguete seja lançado na direção Leste323. Segundo Dolman (1999,
p. 100), “a latitude do lançamento afeta a inclinação da órbita espacial pretendida”,
consequentemente no tipo de função que um satélite poderá desempenhar324.
A possibilidade de se economizar combustível no lançamento permite lançar maior
carga útil, o que implica em maior eficiência econômica. No caso de centros de lançamento que
exploram comercialmente suas capacidades essa vantagem é significativa. Um exemplo pode
ilustrar essa questão. O lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações
(SGDC) brasileiro ocorreu em 2017, no centro de lançamento de Kourou, na Guiana Francesa,
igualmente localizado nas proximidades da linha do Equador. De acordo com Jean-Yves Le
Gall, há época executivo da Arianespace, empresa que controla o centro em Kourou, um
“lançamento de um satélite no [foguete] Ariane 5 custa cerca de US$ 137 milhões” (SELDING,
2014).
Há que se observar, ainda, o surgimento de um mercado privado de
desenvolvimento de foguetes lançadores de veículos espaciais. A empresa SpaceX, norte-
americana, possivelmente, seja a melhor representante desse tipo de atividade. Por exemplo, o
foguete Falcon 9 é o primeiro equipamento capaz de ser reutilizado (SPACEX, 2020), o que
323 O CLA, equipamento nacional de lançamento de foguetes, possui todas essas vantagens locacionais, o que lhe
confere vantagem concorrencial diante de centros de lançamento de outros países.
324 Um “centro de lançamento que pode enviar foguetes tanto para Leste como para Norte ou Sul possui distintivas
vantagens na eficiência orbital” (DOLMAN, 2002, p. 68).
177
implica em um novo conceito de operação e economia de recursos. Em função dessa realidade,
Doboš (2019, p. 11) entende que “o custo dos lançamentos espaciais irá decrescer, tornando a
relação custo x benefício mais eficaz, ampliando as atividades espaciais”.
Outra possibilidade comercial associada ao lançamento de foguetes e satélites é a
necessidade de rastreamento desses objetos. O rastreio, desde a fase de lançamento até a postura
da órbita, é essencial para assegurar o sucesso da empreitada. No decurso da trajetória seguida
pelo foguete há a possibilidade de desvio, cujas consequências precisam ser monitoradas, e
ações tomadas, a fim de se evitar eventos catastróficos. Da mesma forma, após atingir a órbita,
o satélite precisa manter-se em contato com as estações de rastreio que, rotineiramente,
corrigem sua órbita. Segundo Dolman (1999, p. 103), “para se obter uma completa
comunicação com os satélites as posições terrestres de rastreio e recepção também são
importantes, obrigando que estações sejam distribuídas em vários pontos do planeta e,
eventualmente, em navios”325.
Há, portanto, que se pensar nos eventuais impactos geopolíticos que a demanda por
serviços relacionados à atividade espacial gerará no cenário mundial. Como afirmou Warf
(2007, p. 385), o “acesso à tecnologia de satélites espelha, reforça e, ocasionalmente, transforma
geometrias de poder terrestre dos estados no sistema mundial”. Apenas para se dimensionar
essa realidade, o The Space Report 2019 Q1 (Relatório do Espaço 2019 Q1) informa que “os
EUA gastaram US$ 48,3 bilhões em atividades espaciais no ano fiscal de 2018”, sendo que
desse montante a “NASA (42,92%) e o Departamento de Defesa (50,77%) foram responsáveis
por 93,7% do total” (SPACE FOUNDATION, 2019, p. 3).
Considerando esses números é difícil discordar de Everett Dolman quando aponta
que “a expansão [das atividades espaciais] não se dará pelo esforço cooperativo integrado, mas
pela vontade de determinados estados que buscarão a sobrevivência política” (DOLMAN,
2002, p. 75). O argumento, que critica o regime espacial atual, considera o montante de
investimentos como esses apontados nos números relativos aos EUA. Ora, como será viável
exigir daqueles que mais investem um compartilhamento de benefícios colhidos da exploração
espacial, ignorando o fato de quem investe mais não terá o quinhão proporcional ao investido,
sendo obrigado a dividir o lucro mas não a despesa?! Nesse ponto, Dolman critica a ideia da
res communis, alertando para o fato de que:
[...] a falha em considerar a lógica vem da suposição de que a propriedade comum [do
espaço] é mais desejável que a propriedade privada. Essa falha tem empobrecido os
325 No Brasil, o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), localizado no município de Parnamirim-
RN, pode executar a função de rastreio de foguetes, tal como o foguete Ariane.
178
programas espaciais nacionais, estabelecendo um curso entrópico (de desordem) na
direção da apatia e do falecimento (DOLMAN, 2002, p. 90).
Na economia política da geoeconomia espacial, outro setor em que se evidencia a
disparidade entre os investimentos das nações é o negócio dos serviços de telecomunicações e
de sensoriamento remoto. Na verdade, em conjunto com a capacidade de lançamento e
rastreamento, o desenvolvimento de satélites de comunicação e sensoriamento formam o que
se pode denominar programa espacial. Autores como Al-Rodhan (2012, p. 211) vinculam esse
programa ao pensamento geopolítico quando afirmam que “Um programa espacial é um
símbolo de uma grande nação”.
Existem, basicamente, três tipos de satélites: os satélites geoestacionários de
comunicação, os satélites de sensoriamento remoto e os satélites de posicionamento global326.
Praticamente, “a maioria desses satélites tem uso dual, cerca de 95%, e é difícil distinguir se a
aplicação da tecnologia tem fim militar ou civil” (AL-RODHAN, 2012, p. 48)327. Em torno
desse problema é que surgem as correntes que tratam da militarização do espaço pois, se um
satélite pode ter uso militar, isso significa dizer que o espaço já é um ambiente de conflito
interestatal328. Deudney (1982) revela que o monitoramento por satélite têm sido uma realidade
desde 1967, a partir dos conflitos árabe-israelenses e nos conflitos entre a Índia e o Paquistão329.
A Guerra do Golfo de 1991, como apontado acima, testemunhou de forma ampla a militarização
do espaço exterior por meio do uso de satélites de comunicação, navegação e
posicionamento330.
Apesar da intensa aplicação militar de satélites, o uso dual também possibilita o
emprego desses equipamentos para muitas utilidades civis. Daniel Deudney (1982, p. 9)
reconhece que “O espaço se tornou uma arena crescente de atividades comerciais rotineiras”.
Observa-se o uso de satélites nos sistemas globais de comunicações (micro-ondas, telefones
celulares, rádio telecomunicação, sinais de TV) na difusão de valores, ideias e ideologias, na
prevenção de crimes, no monitoramento de áreas instáveis e de movimentos nas fronteiras
326 Segundo Dala Vechia (2018, p. 19), “existem cerca de 1.459 satélites em órbita”.
327 Segundo Warf (2007, p. 388), “a grande diferença entre aplicações militares e civis [na tecnologia espacial]
envolve a mudança de foco das comunicações para a vigilância; embora a tecnologia permaneça importante em
ambos os aspectos, tanto para fins militares como para fins civis, apesar de nesse último caso as comunicações
permanecerem dominantes”.
328 No Brasil, um artigo que aponta essa discussão, sob o ponto de vista nacional na questão do espaço exterior é
“A Militarização do Espaço: desafio para as potências médias” (SILVA, 2010).
329 “De longe, o uso militar de maior benefício do espaço é o reconhecimento e vigilância” (DEUDNEY, 1982, p.
18).
330 Em outros episódios marcantes da atualidade também se observou o largo emprego de capacidades derivadas
de satélites. “Durante a Operação Enduring Freedom e Iraqui Freedom mais de 60% e cerca de 80%,
respectivamente, das comunicações militares foram processadas por satélites comerciais” (HAYS, 2011, p. 36).
179
(observação quanto ao cumprimento de tratados), no monitoramento do clima (inclusive de
acordos internacionais), nos dispositivos de navegação e posicionamento global etc.
Os satélites de comunicação têm elevado potencial geoeconômico. Em 2019, a
indústria espacial gerou US$ 366 bilhões de receita. Somente em serviços relacionados à
satélites, a receita foi de US$ 271 bilhões. Na construção de satélites, os EUA representam
cerca de 62% das receitas (SIA, 2020). Satélites permitem, por exemplo, que nações
territorialmente amplas e pobres expandam sua rede de telecomunicações, aperfeiçoando
serviços como o da telemedicina. Especificamente um caso de sucesso na Índia331, que segundo
aponta Nardon (2011), utiliza seu programa espacial para minimizar seu subdesenvolvimento
econômico-social, com iniciativas como o emprego dos satélites na saúde, na educação e no
monitoramento de enchentes e secas. Valendo-se da capacidade de telecomunicações ubíquas,
Estados têm fortalecido seu soft power (poder suave), “por meio da difusão de atitudes culturais
e ideias políticas e, as comunicações globais [satelitais]” (OECD, 2004, p. 1), agindo na
amplificação dos efeitos dessa potencialidade.
Um grande problema na questão das órbitas satelitais, em especial nas LEO e GEO
é que, como já se observou anteriormente, elas são áreas limitadas. Há, inclusive, análises que
comparam as órbitas dos satélites com a disputa por rotas comerciais terrestres dos séculos
XVII e XVIII, cuja provável tendência será o “encorajamento dos estados soberanos, em
espaços aparentemente indivisíveis pelas fronteiras nacionais, buscar maneiras de reabilitar
questões de soberania”, nessas rotas ou órbitas (PRICE, 1999, p. 2)332.
Tal situação pode bem ser ilustrada pelo fato ocorrido com o Estado-arquipélago de
Tonga, situado no Oceano Pacífico, cuja área total é de 747km², possui economia baseada na
exportação de produtos agrícolas e na pesca, além do turismo (CIA, 2020). O país possui apenas
um aeroporto com pista pavimentada, e uma única empresa de aviação com apenas uma
aeronave. Nenhuma expertise no setor aeroespacial. Porém, em 1990, valendo-se da legislação
em vigor e financiado por uma empresa de telecomunicações dos EUA, Tonga reivindicou 16
slots de links orbitais à ITU (BUCK, 1998). Esses slots determinam quem pode prover serviços
de satélite a determinadas partes do mundo, e o número deles é controlado pela ITU para que
331 Sobre esses e outros programas espaciais da Índia no espaço vide (ALIBERTI, 2018).
332 Segundo afirma Dolman (2002, p. 64), “O cinturão geoestacionário possui severas restrições (limites) no
número de satélites que nele podem operar” e o limite nas órbitas geossincrônicas deve-se à demanda de
acomodação das ondas de rádio e para se evitar interferência de sinais.
180
não haja interferência entre sinais de satélites próximos333. Claramente, a iniciativa de Tonga
foi especulativa, pois o país, em 1990, mal tinha comunicações telefônicas confiáveis, muito
menos qualquer capacidade de lançar satélites.
O fato narrado destaca que o espaço exterior, apesar de ser uma “terra comum,
caracterizada pelo alto grau de interconectividade e interdependência” (AL-RODHAN, 2012,
p. 41), é um espaço com alto potencial de disputa, em função da escassez em determinados
espaços geográficos. No Capítulo anterior, observamos que esse raciocínio da órbita
geoestacionária e da órbita baixa também pode ser aplicado aos Pontos de Lagrange ou à Órbita
de Transferência de Hohmann. Tal pensamento nos remete à ideia de linhas de comunicação
(MAHAN, 1890), e a sua importância para o desenvolvimento do Estado moderno.
Apesar de terem um impacto significativo na estabilidade política global, via
capacidade de monitorar crises (DEUDNEY, 1982; MOWTHORPE e KANE, 2004), os
satélites de comunicação, que ocupam parcela significativa do mercado de uso comercial, e de
sensoriamento remoto, ainda são considerados importantes equipamentos quando se fala em
segurança nacional. Não é por menos que países como os EUA investiram, em 2018, cerca de
US$ 25 bilhões somente em gastos militares no setor espacial (SPACE FOUNDATION, 2019,
p. 4)334. Importante recordar que esse país possui três programas espaciais que correm em
paralelo: o “White, que é civil e conduzido pela NASA; o Blue, de natureza militar e secreto,
conduzido pelo Departamento de Defesa; e o Black, voltado para o sensoriamento remoto e
tocado pelas agências de inteligência, como a Central Intelligence Agency – CIA (Agência
Central de Inteligência)” (SHEEHAN, 2007, p. 44).
No sentido cooperativo do uso do espaço exterior, duas outras atividades podem ser
citadas a partir da capacidade dos sensores posicionados em satélites: o serviço de previsão
meteorológica e o monitoramento ambiental. A importância econômica dessas atividades é
evidente, como na prevenção de catástrofes naturais, tais como enchentes, alagamentos e
erosão; na questão das mudanças climáticas, por meio do acompanhamento do derretimento de
geleiras ou mudanças no ambiente atmosférico, na medição da camada de ozônio, do efeito
estufa e do aquecimento global; no desmatamento florestal, seja por força deliberada da ação
humana ou por queimadas naturais; na prospecção de depósitos minerais, como o petróleo e
água; no planejamento urbano ou regional, por meio de avaliação de terras devolutas; no
333 “Outro campo de discórdias, além das órbitas geoestacionárias, é o espectro de utilização das radiofrequências.
As bandas abaixo de 30MHz, mais populares, apenas podem acomodar poucos usuários sem que haja interferência
entre si” (SHEEHAN, 2007, p. 135).
334 No Brasil, o gasto total na área de Defesa é de US$ 30 bilhões (CIA, 2020), ou de acordo com o International
Institute of Strategic Studies, de US$ 27,5 bilhões.
181
planejamento rodoviário e ferroviário; no desenvolvimento da cartografia; na movimentação de
refugiados; no acompanhamento de sistemas vivos, tais como o deslocamento de grandes
mamíferos, e na proteção ambiental; no controle de pestes etc.
Organizações internacionais como a United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization – UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura), a World Meteorological Organization – WMO (Organização Meteorológica
Mundial) e a OECD, utilizam-se dos dados fornecidos pelos sistemas satelitais de meteorologia
e meio ambiente para dar suporte às suas atividades, cujo impacto econômico pode ser
dimensionado no exemplo seguinte. De acordo com a National Oceanic and Atmospheric
Administration – NOAA (Administração Nacional de Oceanos e da Atmosfera), órgão dos EUA
que utiliza satélites no monitoramento meteorológico e do meio ambiente, o furacão Katrina,
de 2005, “foi responsável por ao menos US$ 108 bilhões em danos a propriedades” (BLAKE,
LANDSEA e GIBNEY, 2011, p. 5).
Avanços recentes no campo espacial buscam o melhor monitoramento desse tipo
de evento climático. Dentre esses dispositivos estão o Global Precipitation Measurement
(GPM), o Cyclone Global Navigation Satellite System (CYGNSS), o Geostationary
Operational Environmental Satellite (GOES), os satélites Terra e Aqua da NASA e o Moderate
Resolution Imaging Spectroradiometer335. O propósito final desses sistemas que atuam isolada
ou cooperativamente entre as nações é permitir uma melhor antevisão dos movimentos
meteorológicos, como forma de prevenir comunidades e minimizar eventuais danos materiais
e humanos (URRUTIA, 2017).
A atividade espacial também se dedica à exploração de recursos naturais em corpos
celestes336. Quando Arthur C. Clarke (2013) narra, com certa frustração, o encontro com o
asteroide 7794, na famosa obra de ficção 2001: Uma Odisseia no Espaço, revelava que a clara
335 No geral, a função desses sistemas e satélites é coletar dados sobre precipitação, volume, movimento etc., de
fenômenos como furacões e tufões tropicais, como forma de ajudar na previsão meteorológica. Global
Precipitation Measurement (Medidor de Precipitação Global). Cyclone Global Navigation Satellite System
(Sistema Ciclone de Navegação Global por Satélite). Geostationary Operational Environmental Satellite (Satélite
Geoestacionário Operacional de Maio Ambiente). Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer
(Espectroradiômetro de Imagem com resolução Moderada).
336 Neste segmento, aderindo ao escopo do objeto da Tese, os corpos celestes considerados serão a Lua e os
asteroides que transitem no campo gravitacional da Terra e da Lua. Há, porém, estudos que revelam
potencialidades em outros corpos celestes, tais como Marte (SPACE FOUNDATION, 2019) e a própria exploração
da luz solar como fonte de energia. A Agência Espacial de Luxemburgo possui um sítio da internet que trata da
questão dos recursos naturais no espaço exterior. Segundo essa Agência (LUXEMBOURG SPACE AGENCY,
2020), “A Lua, outros planetas e asteroides contêm rica diversidade de minerais, gases e água que podem prover
matéria-prima, energia e sustentação de vida humana que permitam a exploração no espaço exterior profundo”.
182
intenção da tripulação da espaçonave de prospecção daquele corpo celeste. De fato, a
exploração de corpos celestes, na opinião de John Lewis, é infinita e,
[...] com base na compreensão atual do sistema solar e utilizando tecnologias já
presentes ou imediatamente disponíveis, poderemos libertar a Terra dos problemas de
energia, tornar quantidades significativas de material astronômico disponíveis e elevar
o padrão de vida em todo o mundo. Precisamos apenas levantar nossos olhos e olhar
a riqueza de energia e de matérias que cercam o espaço. Essa visão nos inspirará a
buscar caminhos de utilizar na economia esses recursos (LEWIS, 1996, p. xi).
A possibilidade de exploração de recursos naturais nos corpos celestes surge com o
acirramento da corrida espacial. Autores como O’Neill (1978) já pensavam sobre esse assunto,
apontando a presença de recursos como carbono, nitrogênio e hidrogênio, capazes de serem
extraídos a partir de colônias humanas no espaço exterior.
No caso da Lua, há evidências fortes da presença de água congelada nos polos desse
satélite terrestre (ANGELO JR., 2006). Salisbury (1962), já apontava que esse talvez fosse o
principal recurso natural da Lua. Em 2018, a NASA confirmou a presença de água na Lua, e a
partir de informação coletada por um módulo de pesquisa norte-americano lançado por um
foguete indiano, o veículo de órbita lunar Chandrayaan-1, que identificou, em crateras nos
polos lunares água congelada (SHANAHAN, 2018)337.
No presente momento, já se possui um conhecimento do potencial mineral da
Lua338, entretanto, como aponta O’Neill (1978, p. 49), ainda há que se evoluir na forma de
“concentrar, separar e processar os materiais em produtos utilizáveis”.
No caso dos asteroides, Mark Sonter, em artigo para a National Space Society
(Sociedade Espacial Nacional), apontou que:
[...] estudos espectroscópicos sugerem, e análises químicas de meteoritos em
laboratórios confirmam, que uma ampla gama de recursos está presente nos asteroides
e cometas, incluindo metais níquel-ferroso, minerais de silicato, metais de platina,
água, hidrocarbonetos betuminosos, e gases enclausurados e congelados, tais como
dióxido de carbono e amônia (SONTER, 2006)339.
Em função dessa possibilidade, autores como Al-Rodhan (2012, p. 33) entendem
que “a possibilidade de mineração no espaço transforma-se em uma questão crítica na
geopolítica futura”340. Além do potencial econômico na exploração de corpos celestes, tais
337 A mesma notícia também foi divulgada em sítios da rede mundial de computadores especializados em notícias
sobre o espaço exterior, tais como space.com e no próprio sítio da Nasa moon.nasa.gov.
338 Estima-se que foram extraídos da Lua, nas missões do programa Apollo, cerca de 382Kg de rochas (SANTINI,
2009). No Capítulo anterior, foram apresentadas informações sobre a composição mineral desse satélite natural da
Terra.
339 Segundo Elvis (2012, p. 549), “O apelo econômico para a mineração de asteroides é clara: metais preciosos
como ouro e platina são vendidos a cerca de US$ 50,000 por quilograma. Um pequeno asteroide com 200m de
diâmetro e rico em alumínio pode valer algo em torno de US$ 30 bilhões”.
340 De acordo com Goswami (2018), a China estará próxima, em 2040, de adquirir a capacidade de minerar recursos
no espaço, inclusive de asteroides.
183
como os asteroides, existem outras razões potenciais para tal empreitada: a demanda por
conhecimento científico acerca da origem do Sistema Solar; a necessidade de defesa planetária,
em face dos riscos que objetos espaciais naturais podem trazer em caso de colisão com a Terra;
e a possibilidade desses corpos celestes tornarem-se pontos de ancoragem intermediários em
viagens espaciais futuras (DOBOŠ, 2019).
Dentre as formas sugeridas de exploração mineral nesse tipo de corpo celeste,
propõe-se o deslocamento de um asteroide para a órbita lunar, e de lá iniciar o aproveitamento
dos recursos. Há entretanto, segundo Leonard David (2012), que utilizou informações de um
estudo do Keck Institute for Space Studies – KISS, situado no California Institute of
Technology, a necessidade de se priorizar a capacidade de identificar alvos (asteroides)
potenciais, desenvolver propulsão suficiente para retornar com o material coletado e estabelecer
a presença humana em órbitas lunares. Ainda segundo esse mesmo autor, “são conhecidos cerca
de 9.000 asteroides próximos à Terra, e 1.500 deles são fáceis de atingir a partir da superfície
da Lua, para aqueles aspirantes à mineração de rochas espaciais” (DAVID, 2012).
Desde 2014, como foi evidenciado no Capítulo anterior, sondas espaciais aterrissam
em asteroides com a finalidade de prospecção (Figura 16). Em 2019, deu-se um passo mais
ousado, com a sonda japonesa Hayabusa-2, que efetivamente prospectou o asteroide Ryugu,
por meio do uso de um dispositivo de impacto que espalhou materiais em uma determinada área
do corpo celeste341. Houve a coleta de material e o retorno da sonda japonesa está previsto para
2023, com as amostras coletadas (CAVALCANTE, 2020).
O que se pode concluir sobre a exploração de recursos naturais em corpos celestes
segue duas direções. A primeira delas é a crescente participação do setor privado, que
demandará alternativas tecnológicas de exploração que transformem o investimento em um
empreendimento economicamente viável342. Outra perspectiva que se agrega a essa é aquela
que aponta Al-Rodhan (2012, p. 165) quando considera esses recursos espaciais como vitais e
que as “Infinitas quantidades de minerais e matérias-primas, assim como a renovável e limpa
utilização da energia solar podem dramaticamente modificar a dinâmica geopolítica entre os
estados”.
Um último aspecto geoeconômico que tem recebido grande atenção nos últimos
anos é a possibilidade do turismo espacial. De forma ainda incipiente, empresas como a Space
341 Segundo Aydin (2019, p. 30), além do Japão, “a ESA, a China e a Índia desenvolvem sondas de prospecção de
asteroides”.
342 Andrews et al. (DOBOŠ, 2019) “estima que nos próximos 25 anos será comercialmente viável uma missão de
exploração comercial em asteroide”.
184
Adventures, a Virgin Galactic e a Blue Origin estão entre aquelas que, com maior foco e esforço
financeiro343, desenvolvem ações para viabilizar essa atividade econômica, inclusive
organizando um sistema de reserva de passagens para os aspirantes à turista espacial344.
Todas essas empresas, e outras que de forma menos intensa estão envolvidas nessa
empreitada, são do setor privado345. Essa característica reforça uma ideia anteriormente
apresentada sobre a multiplicidade de atores na economia espacial, cabendo relembrar o que Al
Rodhan (2012, p. 159) afirmou quando sugeriu que “As empresas comerciais não estatais
também se tornaram importantes atores geopolíticos na exploração espacial”346. Não se trata,
ainda, de um mercado estável, onde apenas os investimentos privados possam ser suficientes
para levar adiante a atividade. Entretanto, estudos como o Space Tourism Market Study (Estudo
sobre o Mercado de Turismo Espacial) revelam dados importantes. Há um “mercado potencial
de 15.000 passageiros e receitas na ordem de US$ 700 milhões para as viagens suborbitais” ou
no caso dos voos orbitais há “expectativa de, em 2021, 60 passageiros viajando anualmente ao
espaço, representando receita na ordem de US$ 300 milhões” (BEARD et al., 2002, p. 2 e 3).
O turismo espacial também amplia o espectro econômico, mas não deixa de
apresentar um risco envolvido, seja de cunho legal ou ligado às questões ambientais. Esses
aspectos são apontados por Benkö, Zickler e Röhn (2015) e, segundo destacam as autoras há
riscos de acidentes (maiores que na aviação) e riscos para a saúde (ambiente de zero gravidade).
Ainda não há regulamentação internacional sobre as viagens turísticas ao espaço, a exemplo do
que há para o transporte aéreo, o que pode gerar diversos problemas legais. Por fim, o aumento
no volume no tráfego de foguetes em órbita terrestre e partes de componentes desses foguetes
343 Outras empresas como a Armadillo Aerospace, a Space Adventures, a Masten Space Systems, a SpaceX e a
XCOR Aerospace também aparecem no mercado do turismo espacial.
344 De acordo com Foust (2011, p. 209), “desde 2001, a empresa norte-americana Space Adventures, tem vendido
a clientes assentos na espaçonave Soyuz no trajeto entre a Terra e a Estação Espacial Internacional, com preços
que variam de US$ 20 a 45 milhões”.
345 O que não quer dizer que não recebam investimentos públicos.
346 Corroborando essa visão, em 1991, os anais do II Simpósio Internacional sobre o Poder no Espaço já anteviam
que “a atividade do turismo espacial poderia ser economicamente viável” (SPS-91, 1991, p. 483).
185
geram, por conseguinte, o aumento de debris (lixo espacial), o que reflete em questões
ambientais e de segurança nas operações347.
A pesquisa em torno do que a empresa Space Adventures tem oferecido a potenciais
clientes pode indicar a tendência geral do mercado de turismo espacial na próxima década. A
empresa busca “tornar a experiência da vida no espaço acessível para um maior número de
pessoas” (SPACE ADVENTURES, 2020). Basicamente, a empresa oferece quatro serviços:
uma missão de circum-navegação da Lua; uma experiência de habitação na ISS; um voo
espacial em órbita LEO terrestre; e uma caminhada espacial. Nos produtos oferecidos aos
potenciais clientes está implícito algum tipo de parceria com agências internacionais ou
Estados, como no caso da visita à ISS, cujo transporte da Terra à órbita é fornecido pelo foguete
russo Soyuz. Nesse último caso, a Space Adventures já levou oito cidadãos à ISS (SPACE
ADVENTURES, 2020).
A Virgin Galatic é outra empresa que vem atuando no turismo espacial, e sua
principal inciativa é o desenvolvimento de um sistema suborbital de transporte de passageiros
(Figura 14). A empresa acredita que “o mercado de luxo das viagens espaciais cresce muito
mais rápido, cerca de 7%, em 2018” (VIRGIN GALATIC, 2020), do que outros produtos de
luxo como bens pessoais (joias, relógios, vestuário), experiências de luxo em casa (conforto
oferecido pelos eletrodomésticos) e equipamentos luxuosos (como carros, jatos privados e
iates).
A Blue Origin e a SpaceX são empresas voltadas a desenvolver veículos
reutilizáveis, o que tornaria economicamente mais barato o voo de turismo espacial. Ambas
visualizam no futuro próximo o voo espacial para humanos e investem em dispositivos e
sistemas para atingir esse objetivo. Somente a SpaceX, em 2019, teria obtido cerca de US$ 12
347 Segundo Deudney (1982, p. 49), “Os debris orbitais crescem a uma taxa de 11% ao ano”. Hays (2011b, p. 91)
alerta que com “a permanência de tendências atuais, há um risco crescente de que os debris tornem o espaço, em
particular as LEO, progressivamente não utilizável”. Aydin (2019, p. 33) compara o problema dos debris a um
câncer, “que pode potencialmente impedir ou inibir a utilização do espaço pela civilização moderna”. O lixo
espacial pode gerar problemas de colisão contra satélites ou outras espaçonaves, inclusive os próprios foguetes
conduzindo os turistas espaciais, com efeitos catastróficos. Quando isso se propaga continuamente, gerando um
efeito em cascata, dá-se o nome de Síndrome de Kessler. Além disso, partículas maiores decorrentes desses efeitos
catastróficos, tais como satélites inteiros, podem ser desorientados e vir a reentrar na superfície terrestres colidindo
contra o solo sem controle. Apesar de não ter supostamente sofrido efeitos de debris, o satélite russo Cosmos 954
que conduzia um reator nuclear com isótopo U-235, colidiu em território canadense, no ano de 1978, ocasionando
apreensão em função da possibilidade de contaminação radioativa. Tal fato, inclusive, gerou o pagamento de uma
compensação pecuniária da URSS ao Canadá no valor de C$ 3 milhões (TATSUZAWA, 1998). Segundo a ESA,
com dados até fevereiro de 2020, existem, em órbita terrestre, objetos classificados como debris na seguinte
magnitude: “objetos acima de 10 cm – 34.000; objetos entre 1 cm e 10 cm – 900.000; e objetos entre 1 mm e 1 cm
– 128 milhões” (ESA, 2020).
186
bilhões em contratos com o governo norte-americano para prover serviços de lançamento de
satélites utilizando plataformas reutilizáveis (SPACEX, 2020)348.
Como afirma Sachdeva (2011, p. 308), o “turismo espacial é uma nova emergente
indústria”. Como fator econômico, também será cada vez mais um vetor a interferir na
geopolítica das nações. Até porque haverá uma disputa pelo controle do acesso turístico ao
espaço exterior, a exemplo do que já acontece em outros espaços turísticos terrestres
(MOSTAFANEZHAD e NORUM, 2016; HALL, 2017). Assim, não é demais relembrar
Francis Sempa (2002, p. 116) quando revela a importância do assunto ao afirmar que “A
geopolítica no século XXI também será afetada pela luta contínua pelo controle do espaço
sideral”.
Nessa disputa pelo controle do espaço exterior, um fator determinante, e que tem
íntima relação com a geoeconomia, é o acesso à tecnologia, outra relevante variável de nossa
hipótese de estudo.
3.2.3 Ambiente Aeroespacial, Tecnologia e Geopolítica
Anteriormente, referenciamos a ideia do geógrafo Milton Santos (2008) quando
destacou a emergência de um meio técnico-científico-informacional. De fato, a existência de
uma nova forma de relacionamento do homem com a natureza parece caracterizar a realidade
que se descortina ao ambiente aeroespacial, como parte integrante de um novo sistema técnico.
Há que se destacar, inclusive, que o renomado autor brasileiro considerou o meio técnico-
científico-informacional como um espaço geográfico no qual estaria presente, dentre outros
fatores, a tecnologia.
A perspectiva de empiricização do tempo por meio da técnica, característica de um
sistema técnico, e a sua interpretação desse fenômeno a exemplo do conceito de modo de
produção (SANTOS, 2008), passa adjacente ao tema central desse segmento do texto. Na
verdade, o sistema técnico atual, ou meio técnico-científico-organizacional, está implícito na
estruturação que propusemos anteriormente (Figura 18). Mais do que revelar essa realidade, o
propósito agora é discutir o papel da tecnologia nesse sistema técnico.
O tema tecnologia, na forma que aqui propomos discutir, está contido nas
abordagens associadas à geografia dos transportes (ULLMAN, 1954), e subsidiariamente à
348 Essa empresa trabalha com a possibilidade de transportar humanos para Marte e outras partes do Sistema Solar,
além de habilitar a vida em outros planetas.
187
geografia das redes e dos sistemas de telecomunicações e informação (CASTELLS, 2004)349.
Da forma como se trata a questão da tecnologia, fica claro, seguindo a tendência de Howells
(2009, p. 187), que ela se refere “a um corpo de conhecimentos relativos a meios e métodos de
se produzir algo [...] cada vez mais dependente de ciência”. Portanto, no caso do ambiente
aeroespacial, o tema tecnologia pode ser estudado, por exemplo, da forma que propõe Leinbach
e Bowen (2004), quando analisam os impactos das novas tecnologias da aviação como fatores
de mudança econômica e social. Assim é que, por opção metodológica, preferimos abordar a
tecnologia sob a ótica de determinados produtos, tais como as aeronaves e satélites,
consequentemente depreendendo o impacto desses equipamentos na geopolítica aeroespacial.
A tecnologia tem sido um fator de grande relevância para a Geografia
(WILBANKS, 2004). Na questão geopolítica, a tecnologia é um fator de imenso impacto para
o ambiente aeroespacial350. Segundo Tokaty (1987, p. 712), a “explosão de conhecimento
aeroespacial estabelece novas dimensões para as questões ligadas à defesa nacional, às relações
internacionais, à estratégia militar, ao campo político-social, à economia, ao comércio etc., e
afeta a todos”.
Assim foi com a aerostação, com a participação das aeronaves ao longo da história,
e assim é hoje com a tecnologia dos foguetes, veículos lançadores, satélites e todos os demais
sistemas e equipamentos que envolvem a atividade aeroespacial. Com a finalidade de se
estabelecer um panorama sobre a relação da tecnologia, o ambiente aeroespacial e a geopolítica,
a pesquisa buscou levantar evidências relevantes sobre o desenvolvimento do conhecimento
científico (e como ele permite uma melhor compreensão do planeta e do cosmos) e sua
aplicação à indústria aeroespacial.
Tal qual Ratzel, que via na cultura uma forma de progresso científico, outros
teóricos da geopolítica clássica deram à questão da tecnologia uma importância destacada. No
pensamento de Mahan encontra-se a influência do desenvolvimento da propulsão marítima a
partir da queima de carvão (motor a vapor). Em Mackinder, o transporte ferroviário assume o
349 Na verdade, a tecnologia dos meios de transporte é um tema que já ganhara relevância em Halford Mackinder
(as ferrovias), Alfred Mahan (os navios) e Alexander Seversky (os aviões), como exposto anteriormente.
350 Além de importante é um tema em constante evolução. A tecnologia desenvolve-se em passos acelerados e
como afirmou Johnson-Freese (2007, p. ix), discorrer sobre esse assunto é como “narrar um jogo de beisebol em
andamento”, cuja realidade é cambiante a cada instante. Teng (2013, p. 33) entende que “mudanças na tecnologia
militar têm moldado a paisagem geopolítica desde as eras remotas”.
188
papel central de viabilizador da ideia de área-pivô. Seversky, em uma perspectiva tecnológica,
atribui ao avião um papel central no entendimento do cenário geopolítico da 2ª GM351.
Neste segmento do texto, o que se discute é a relevância da relação entre tecnologia
e geopolítica. Ralph Turner já havia elucidado essa relação, após discorrer sobre o
desenvolvimento histórico da tecnologia e seu impacto geopolítico e, na conclusão de seu artigo
de 1943, sugere que “a busca de uma teoria [geopolítica] dinâmica deve se iniciar com os
diferenciais tecnológicos das nações” (TURNER, 1943, p. 15). O que o autor propunha era a
componente tecnológica da geopolítica, ou a geotecnologia352.
Podemos identificar uma incipiente análise dessa relação na discussão que Robert
Strausz-Hupé apresenta em torno da reorganização da indústria alemã durante a 2ª GM, a que
denomina de “geotécnica” (STRAUSZ-HUPÉ, 1972, p. 108). Nessa visão, há uma limitação
do conceito, muito mais direcionado ao reposicionamento da indústria a partir de critérios
tecnológicos e geográficos. Porém, esse autor não deixa de observar a necessidade de uma
maior abrangência no relacionamento entre geopolítica e tecnologia quando afirmou que “As
mudanças geopolíticas produzidas pelo rápido desenvolvimento da tecnologia moderna ainda
estão em andamento e ainda são apenas vagamente entendidas” (STRAUSZ-HUPÉ, 1972, p.
187).
Em um sentido mais amplo, na Geografia, a tecnologia contribui com três impactos:
a) no significado da localização (modificando o sentido de proximidade); b) no caráter dos
lugares e das pessoas que lá vivem (permite comparações e influências sobre os modos de vida);
e c) interfere na natureza das relações sociais (por exemplo, a mecanização ou as tecnologias
da informação e comunicações) (WILBANKS, 2004). A compreensão do impacto da tecnologia
na geopolítica, tem sido estudado por diversos teóricos. Nayef Al-Rodhan (2011) analisa os
impactos geopolíticos decorrentes da tecnologia em diversas áreas do conhecimento. Nas
telecomunicações e na troca de informação, ambas derivadas da capacidade tecnológica
aplicada ao espaço exterior, principalmente pelos satélites353, o autor vê esse campo de
351 No Brasil, a discussão sobre a aplicação da tecnologia dos transportes data do Segundo Reinado, pelos planos
viários (SOUSA NETO, 2012). Posteriormente, surgem elaborações baseadas na realidade geográfica, e
geopolítica, do país no concerto da América Sul, cujo foco principal era o aproveitamento das tecnologias
disponíveis, mormente a do transporte hidroviário e ferroviário (TRAVASSOS, 1938) e (TRAVASSOS, 1942) e,
posteriormente aéreo (RODRIGUES, 1947).
352 Mais recentemente, autores como Gavin Bridge (2013), analisado no Capítulo anterior, recorrem à ideia de
volume na geografia (e na geopolítica) expandindo o entendimento de que há uma “política do volume” que garante
o fluxo de comodities e materiais por meio de práticas tecno-políticas. Williams (2007, p. 509) cita a “tecno-
geopolítica vertical”, descrevendo a relação do poder aéreo, tecnologia e fins geopolíticos.
353 Al-Rodhan (2011, p. 18) entende que as telecomunicações e informação são “serviços relacionados que
abrangem toda a gama de produção, consumo e distribuição de informações em todas as mídias, desde a Internet
e satélites até rádio e televisão”.
189
aplicação como “um dos principais impulsionadores da mudança social e desempenha um papel
fundamental em capacitar a sociedade civil global, capaz de, pelas novas tecnologias da
informação, afetar sistemas políticos e estimular mudanças políticas” (AL-RODHAN, 2011, p.
35). Scholvin (2016, p. 24) aponta a importância de fatores intervenientes não-geográficos na
geopolítica, e a “tecnologia parece estar entre o mais importante deles”.
De fato, mesmo na Geografia, a tecnologia aeroespacial representou um salto
importante por meio do sensoriamento remoto, incialmente com as aeronaves e atualmente por
meio dos satélites, fato já destacado acima, quando consideramos sobre a nova perspectiva
advinda do ambiente aeroespacial. Colin Flint (2006) destaca que houve um repensar na
atividade de mapeamento, com maiores detalhes na observação, com uma verdadeira visão
global do planeta e com a possibilidade de levantamentos geográficos em tempo real.
Daniel Deudney (1982) também observa avanços científicos decorrentes da
tecnologia aeroespacial em atividades como a astronomia, a oceanografia, a climatologia e a
geologia354. Na opinião desse autor, “O maior impulso ao conhecimento da humanidade
decorrente da exploração espacial talvez tenha sido o de olhar mais claramente e diretamente à
Terra, ao invés de vagamente a outros planetas similares” (DEUDNEY, 1982, p. 29). Essa é
uma afirmação muito importante pois, apesar de ser uma tecnologia voltada para a conquista
do espaço exterior, o que de fato se verifica na geotecnologia aeroespacial é um grande efeito
nas ciências da natureza. O que, mais uma vez, dá sentido à ideia de ambiente aeroespacial.
Se a geopolítica analisa a relação entre a geografia e as potencialidades de um
Estado, mais exatamente por meio da geotecnologia abrem-se não somente possibilidades para
uma melhor compreensão da geopolítica na superfície terrestre, mas também para uma
geopolítica aeroespacial. Assim é que autores como Michael Sheehan (2007, p. 9) entendem
que “o poder político e econômico associados à tecnologia avançada tornou-se um determinante
crucial no status e poder internacional”. Na mesma direção seguem Mowthorpe e Kane (2004)
quando alertam que a tecnologia espacial é um fiel de balança tanto para nações
tecnologicamente desenvolvidas nesse setor manterem a dianteira no cenário internacional,
como para aquelas que almejam atingir o status dos grandes355.
O desenvolvimento do conhecimento científico por meio da tecnologia aeroespacial
aponta algumas tendências. A ampliação desse conhecimento decorre da aceleração do
354 Lowman Jr. (2002) destaca a contribuição da pesquisa e dos voos espaciais para a geologia e para a geofísica.
355 Corson e Palka (2004) apresentam uma síntese história de como a geotecnologia, ou a geografia tecnológica,
ampliou as possibilidades militares norte-americanas, e o grande destaque dos autores é o aproveitamento de
tecnologias na terceira dimensão, desde a fotografia aérea na 1ª GM aos satélites mais recentemente.
190
desenvolvimento tecnológico a partir da 2ª GM, com a consolidação da aeronave no contexto
militar e civil, os primeiros foguetes, o motor a jato etc. A Guerra Fria acelera a disputa em
torno de tecnologias e o domínio da nova dimensão aeroespacial. Raymond Aron (1965, p. 63)
faz um alerta contundente a esse respeito, quando afirma que “As nações que rejeita[rem] o
desenvolvimento científico est[arão] escolhendo abandonar o caminho da História pela
estagnação”.
Nesse momento, passa a se observar um fenômeno que Eligar Sadeh (2011, p. 24)
descreveu como um “processo de tomada de decisão política na área [aero]espacial, seja no
meio civil, comercial ou militar, [que] está envolto em uma multiplicidade de coalizões, atores
governamentais, agências e corporações comerciais que lutam por recursos e objetivos para
controlar os projetos e programas espaciais”.
Os programas espaciais, tais como o Programa Apollo, que levou o homem a pisar
na Lua, revelam duas realidades356. A primeira delas é a relevância geotecnológica do segmento
aeroespacial, cuja base de inserção foi, e em certa medida continua sendo, a militarização do
espaço aéreo e do espaço exterior. A corrida espacial, inclusive com a possibilidade de se levar
a guerra ao espaço exterior – o que já é uma realidade no caso do espaço aéreo – moldou
fenômenos de armamentização e militarização nesse novo domínio geográfico357. A segunda
constatação é que a tecnologia aeroespacial está largamente associada ao desenvolvimento
socioeconômico. Por meio de um amplo leque de atividades, algumas delas apontadas acima, o
ambiente aeroespacial, onde transitam aviões e satélites, comércio, finanças, informação e
influência, é um novo domínio geopolítico. Tal fato nos permite acrescentar às palavras de
Sheehan (2007, p. 126), quando diz que “A tecnologia [aero]espacial oferece enormes
benefícios às nações em desenvolvimento”, o fato de que os benefícios são também da
humanidade.
Um dos campos em que esses benefícios são perceptíveis do ponto de vista da
geotecnologia é a indústria aeroespacial. Deudney (1982, p. 15) aponta isso com clareza quando
356 Há que se destacar que, na aurora da aviação, também foram elaborados programas de aviação de cunho estatal.
Os programas espaciais estatais iniciados no pós-2ª GM, hoje assumem vieses bem diferenciados. Há, em primeiro
lugar, distinções em termos de capacidades que categorizam nações de primeira ordem e programas espaciais
moderados ou incipientes. Há, também, uma intensa participação do setor privado (por vezes aproveitando
recursos públicos) e de organismos internacionais e de organismos não-governamentais. Eligar Sadeh (2011)
apresenta um panorama bastante completo sobre essa realidade. Harris e Sollinger (1994) estabelecem a relação
entre programas espaciais e objetivos nacionais.
357 Em 2002, a United Nations Institute for Disarmament Research – UNIDIR (Instituto das Nações Unidas para
pesquisa sobre Desarmamento) realizou conferência sobre a questão da armamentização/militarização do espaço
exterior, buscando atuar como foro para a discussão do tema em aspectos como a militarização do espaço, usos
comerciais e civis do espaço, usos militar e de segurança no espaço, preservação do espaço para fins pacíficos e
perseguição do banimento de armas espaciais (UNIDIR, 2003).
191
afirma que “Um dos benefícios da exploração espacial que é difícil de quantificar é o efeito de
spin off das tecnologias”358. Os subprodutos da tecnologia aeroespacial decorrem, em grande
parte, dos investimentos que se faz na indústria aeroespacial359.
O grande salto da indústria aeronáutica, e na sequência da indústria espacial, veio
com a 2ª GM. Identificamos que é, a partir de então, que a indústria aeroespacial, a conjugação
da indústria aeronáutica com a espacial, se dedicou à produção de tecnologias voltadas para o
desenvolvimento de: aeronaves (militares e civis, assim como tecnologias associadas); de
foguetes (fabricação, montagem, lançamento, rastreamento e recuperação); de satélites
(arquitetura, construção, montagem, alocação no foguete, posicionamento em órbita e
controle/comunicação); e de componentes e sistemas associados ao funcionamento de foguetes
e satélites (propulsão, sensores, navegação etc.). Trata-se de um segmento econômico com
ampla gama de atividades, em alguns casos conduzidas por empresas de outros ramos, e cuja
abrangência total excederia os limites da pesquisa.
Ao se procurar estabelecer a relação da tecnologia aeroespacial com a geopolítica,
no caso da indústria aeroespacial, é preciso observar o que Sadeh (2011) aponta como fatores
a serem considerados para o estabelecimento de políticas públicas para esse setor: a) cultura
estratégica; b) estado da tecnologia; c) objetivos civis, comerciais e de segurança nacional para
o espaço; e d) tratados internacionais360. Esses fatores agem diretamente na indústria
aeroespacial, pois orientam sua atividade a partir da política (cultura estratégica), das
possibilidades (tecnologia), dos interesses (objetivos) e dos limites/oportunidades (tratados).
358 Efeito semelhante ao spin off é o spillover (benefícios extrínsecos advindos de investimentos externos em
projetos na indústria nacional). Um exemplo de spillover na indústria aeroespacial brasileira é o caso da parceria
Brasil-Suécia no desenvolvimento de uma aeronave de caça. Segundo Oliveira et al. (2018, p. 80), nesse caso,
podem ocorrer “ganhos de produtividade para as empresas locais e que fazem parte da cadeia de valor, como
fornecedores e distribuidores [ou] ganhos de mercado, pois as companhias estrangeiras servem de ponte para as
empresas locais entrarem em mercados internacionais [além de] oportunidade para adquirir tecnologias modernas
e aprimorar a capacidade técnica do país”. Pesquisas e produtos da NASA geraram spin offs, tais como: filtro de
água, travesseiro com memória elástica, mouse para computadores, câmera de telefones celulares, termômetro de
ouvido, lentes oculares resistentes a arranhões, detetores de fumaça, palmilhas para sapatos, purificadores de ar,
comunicações a longas distâncias, detetores de câncer de mama, equipamentos contra-incêndio, pavimentação de
segurança para rodovias (grooving), desfibrilador cardíaco implantável, botes salva-vidas, sistemas de
rastreamento de busca e salvamento, winglets de asas de aeronaves, material odontológico para aparelhos
dentários, aparelhos para cultivo de plantas, sistema para identificar locais apropriados para a pesca, fornos
inteligentes (21ST CENTURY TECH, 2014).
359 Teixeira (2019) avaliou a influência que corporações multinacionais, como a Boeing e a Embraer, exercem em
governos e comunidades locais, em um processo que denominou “captura corporativa”, especificamente quanto
ao poder de direcionar os sistemas públicos de ensino para demandas das corporações, como forma de obter
redução de custos e customização de cursos necessários.
360 A cultura estratégica é o grau de reconhecimento do Estado quanto à questão política do espaço exterior, tema
que será explorado adiante. O estado da tecnologia refere-se ao nível atingido pelo Estado no desenvolvimento das
tecnologias do campo espacial. Os objetivos apontam para as estratégias, prazos e interesses a serem atingidos
pelo Estado, nos diferentes setores, público, inclusive o militar, e civil, ou privado. Os tratados internacionais
representam limites ou oportunidades sob as quais o Estado deve considerar.
192
Outro ponto importante é observar alguns números da indústria aeroespacial. De
acordo com Aerospace Industries Association – AIA (Associação da Indústria Aeroespacial)361,
somente nos EUA, em 2017, essa indústria significou “2.4 milhões de empregos totais na cadeia
produtiva (843 mil empregos diretos), U$ 865 bilhões em vendas e U$ 143 bilhões em
exportações” (AIA, 2018, p. 1). Considerando apenas a indústria espacial, essa “foi responsável,
em 2017, por uma produção total de US$ 41 bilhões em sistemas espaciais” e por “mais de 80
mil empregos diretos” (AIA, 2018, p. 2 e 7). Dados importantes também podem ser obtidos a
partir de outro cenário onde os investimentos na indústria aeroespacial são significativos. De
acordo com a EuroSpace362, em 2018, “as indústrias espaciais europeias foram responsáveis
por vendas em torno de €$ 8,48 bilhões” e “mais de 43 mil empregos diretos” (EUROSPACE,
2019, p. 1). No Brasil, a AIAB informa que a contribuição socioeconômica do setor
aeroespacial brasileiro, “pode ser avaliada pelo volume de negócios do setor (em 2014, 6,4; em
2015, 7,5; em 2016, 7,4; e em 2017, 6,37 US$ bilhões), as exportações do setor atingiram em
2017 o valor de US$ 5,46 bilhões e o número de empregos gira em torno de 22 mil” (AIAB,
2020).
O leque de atividades, subprodutos e serviços que decorrem da indústria
aeroespacial é amplo. De acordo com o The Space Report 2019 Q1 (SPACE FOUNDATION,
2019), a indústria espacial desenvolve produtos de posicionamento, navegação e tempo que
viabilizam serviços como localização e rastreamento de caminhões de carga, condução de
veículos autônomos, patinetes elétricos, conservação de determinadas espécies de tubarões,
monitoramento de gasodutos e oleodutos, e ações mitigadoras após desastres naturais.
Especificamente no setor espacial da indústria, autores como Al-Rodhan (2012, p.
172) entendem que a atividade comercial assume papel relevante, inclusive podendo intervir
em negociações diplomáticas, “capazes de influenciar líderes mundiais nas negociações sobre
segurança espacial e sobre regulamentação espacial internacional”. Sem dúvida que a mesma
percepção também é pertinente para o setor aeronáutico, haja vista que empresas como a The
361 A AIA é uma organização não-governamental que cuida dos interesses de seus associados e envolve as
indústrias aeronáutica, de defesa e espacial. Segundo essa Associação, trata-se de “uma organização representativa
de manufatureiros e supridores do segmento aeroespacial, líderes na nação, com mais de 340 membros” (AIA,
2018, p. 15).
362 A Eurospace é uma associação de comércio das empresas espaciais europeias. Segundo informações da
Associação, trata-se de uma “organização sem fins lucrativos, criada em 1961, e os membros da Eurospace
representam, hoje, 90% do volume de negócios total da indústria espacial europeia” (www.eurospace.org).
193
Boeing Company, a Airbus ou mesmo a Embraer, são marcas representativas de estados ou
continentes363.
Contudo, a indústria aeroespacial tem sofrido restrições tecnológicas e econômicas
por motivos políticos. Dolman (2002, p. 52) já destacou que “A aplicação da tecnologia espacial
é simplesmente a última na lógica das inovações tecnológicas em um contínuo processo de
refinamento e ressurgência da teoria geopolítica”. Estados em processo de expansão de
capacidades tecnológicas, como é o caso brasileiro, sofrem limitações no desenvolvimento
científico em função de acordos internacionais restritivos, como o Missile Technology Control
Regime – MTCR (Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis), um tratado não impositivo
cujo foco é a limitação da proliferação de sistemas não-tripulados (mísseis balísticos) capazes
de transportar ogivas com armas de destruição em massa.
O MTCR funciona por adesão e os países signatários auto-restringem a capacidade
de desenvolvimento para itens ou capacidades estipuladas no Regime, enquanto os países
detentores de equipamentos tecnologicamente sofisticados regulam sua exportação. A
comunidade internacional, em particular países hegemônicos nessas tecnologias, exercem forte
pressão para que os países não detentores dessas tecnologias venham a aderir a esse tratado. Na
prática, em função das características de dualidade dos sistemas espaciais, torna-se difícil
justificar a demanda de desenvolvimento ou importação de determinado sistema ou
componente, sem que ele seja enquadrado nas cláusulas restritivas do Regime364.
Além desses limitantes de acesso à tecnologia, os acordos do arcabouço jurídico
sobre o uso do espaço exterior também se revelam como importante fator a se considerar na
questão da geotecnologia. Everett Dolman (2002) é um autor que se posta de forma bastante
crítica em relação a esses acordos. Ele vê problemas na proposta de cooperação internacional
da exploração espacial, em especial na falha de uma visão comercial onde aquele que mais
investe não necessariamente obtém o maior resultado econômico. Essa falta de perspectiva do
ponto de vista mercadológico, demanda alterações na legislação internacional. Em 2015,
possivelmente reverberando as posições do autor, o Congresso norte-americano aprovou o U.S.
Commercial Space Launch Competitiveness Act – CSLCA (Ato Norte-Americano sobre a
363 Importante notar que todas essas empresas atuam também no setor espacial, o que justifica citar que se trata, na
verdade, de uma indústria aeroespacial.
364 O Brasil aderiu ao MTCR em 27 de outubro de 1995, de acordo com informação contida no portal do Ministério
da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (https://www.mctic.gov.br/). Outro tratado que também
impõe, de alguma forma, restrições ao acesso às tecnologias aeroespaciais é o Tratado de Não Proliferação de
Armas Nucleares – TNP. O governo brasileiro, por meio do Decreto Nº 2.864, de 7 de dezembro de 1998,
considerou que o Tratado deverá ser executado e cumprido na íntegra.
194
Competitividade Comercial em Lançamentos Espaciais), cuja principal orientação foi a de
“permitir que companhias norte-americanas detenham a posse ou vendam materiais extraídos
da Lua, de asteroides ou outros corpos celestes” (WALL, 2015). Para Dolman (2002, p. 137),
“A conclusão final é a de que o Tratado do Espaço Exterior e o regime espacial socializado
desencorajaram a competição produtiva entre os estados com capacidade espacial”.
Mas isso não significa que certas arquiteturas de cooperação não possam produzir
resultados compartilhados. A começar pela questão da aviação. Nesse caso específico, existe
hoje um grande nível de integração entre as nações na indústria aeronáutica. Uma parte
expressiva dos projetos são joint ventures que agregam fabricantes de motores, de
equipamentos de bordo e de estrutura da fuselagem das aeronaves365.
A Airbus, por exemplo, produz aeronaves comerciais, helicópteros, produtos de
defesa & segurança e produtos espaciais. É uma “empresa internacional, com cerca de 180
pontos de funcionamento, linhas de montagem localizadas na Ásia, na Europa e nas Américas,
além de doze mil fornecedores diretos em todo o mundo” (AIRBUS, 2020). Outro exemplo
importante é a aeronave militar F-35 Lightning II, conhecida como Joint Strike Fighter (Caça
Conjunto de Ataque). A aeronave é uma joint venture onde participam Austrália, Canadá,
Dinamarca, Itália, Holanda, Noruega, Turquia e Reino Unido, os parceiros originais.
Ingressaram posteriormente no projeto, por meio de parceria de compras militares, Israel, Japão
e Coreia do Sul. De acordo com a fabricante, “fornecedores em todos os países parceiros
produzem componentes da aeronave, totalizando mais de 1.500 produtores, e linhas de
montagem nos EUA, na Itália e no Japão” (LOCKHEED MARTIN, 2020). Esse é um panorama
que expressa bem o grau de integração do mercado aeronáutico.
Também na indústria espacial há aqueles que defendem que a cooperação é um
caminho viável. Mowthorpe e Kane (2004) entendem que a cooperação internacional tem mais
a ajudar do que atrapalhar. Na opinião dos autores, “No longo prazo, a indústria espacial e o
uso comercial do espaço tem mais a ganhar com a paz do que com a guerra” (MOWTHORPE
e KANE, 2004, p. 34). Mesmo no que diz respeito à militarização do espaço, há aqueles que
propõe uma agenda colaborativa, tal como De Blois (2003, p. 19) que aponta argumentos contra
essa tendência, tais como: ser “inapropriado com base no custo-benefício”; representar “falta
de bom senso do ponto de vista militar” (pois seria inefetivo, poderia gera uma escalada e atuar
365 Joint ventures também são observadas nas empresas de aviação do setor de transporte aéreo de passageiros
(CAMILLERI, 2018).
195
como desestabilizador globalmente); ser “altamente dispendioso”; e apresentar-se como
“politicamente inviável em face da interdependência entre as nações”.
De fato, as questões que tratam de economia e tecnologia no setor da indústria
aeroespacial possuem elevado impacto geopolítico, pois, independente do tratamento comercial
ou financeiro, são temas, como apontou Sadeh (2011, p. 10), discutidos no âmbito da
“segurança nacional”366. Todo esse potencial revelado pela geoeconomia e geotecnologia do
ambiente aeroespacial tem caracterizado o que autores denominam como Poder Espacial. James
Oberg define poder espacial como:
[...] a combinação de tecnologia, demografia, economia, indústria, militar, vontade
nacional, além de outros fatores que contribuem com as habilidades coerciva e
persuasiva de um país influenciar politicamente as ações de outros estados e outros
atores, ou em atingir objetivos nacionais por meio da atividade espacial (AL-
RODHAN, 2012)367.
Ao analista atento, nessa definição não escapará a evidente conclusão de que
estamos a tratar do ambiente aeroespacial e, portanto, de uma geopolítica aeroespacial. Mas
essa nova interpretação da geopolítica possui, também, um aspecto ideológico, a variável final
da hipótese de estudo, que merece análise.
3.2.4 Ambiente Aeroespacial, Ideologia e Geopolítica
Até o momento, o esforço em se geopolitizar o objeto de estudo demonstrou que a
geopolítica aeroespacial sofre a influência de aspectos geográficos, políticos (militares e
jurídicos), econômicos e tecnológicos. Neste segmento do texto, buscaremos apontar que a
ideologia também é um relevante fator a influenciar essa geopolítica, em especial na escala
estatal, como esforço final de levantamento de evidências que corroboram a hipótese de estudo.
Revelando o papel do Estado na geopolítica, Richard Muir (1981, p. 243) entende que “Todos
os estados se posicionam politicamente em torno de uma ideologia, e essa ideologia pode
influenciar políticas públicas”. No caso da aviação, já nos anos de 1930 esse fenômeno pode
ser observado, quando o governo fascista italiano, segundo Caprotti (2008, p. 200), “celebrou
o sucesso do regime, por meio de voos de propaganda, criação de um panteão mitológico em
torno da figura dos aviadores, cujo propósito era a representação de uma ideologia em torno de
tecnologia e ideias de modernização”.
366 Há também o interesse de se tratar o impacto da tecnologia na geopolítica sob o ponto de vista da gestão
territorial. Machado (1993, p. 10) entende que a partir da difusão da tecnologia “Uma nova geopolítica se esboça,
no sentido de colocar o local na rede internacional”.
367 Outros autores que discutem a questão do poder espacial são Gray (1996), Wagner (2005), Bowen (2015),
Fernandez (2016) e Moltz (2019).
196
Anteriormente, observamos o quão significativo é para o ambiente aeroespacial o
aspecto da territorialidade, expressa na forma de um sentimento de pertencimento (TRIGAL,
2015). Símbolos nacionais, como um pavilhão, são constantemente evocados como expressão
desse sentimento de identificação com o território. A territorialidade, contudo, não é a única
ferramenta de análise sobre a relação da ideologia no contexto do ambiente aeroespacial, apesar
de ser contundente instrumento nessa investigação. No âmbito dos estudos geográficos, há
também que se recorrer à geografia cultural para a observação da forma como a ideologia pode
ser interpretada na geopolítica aeroespacial.
Paul Claval (2007) deixa claro que a geografia cultural é um ramo da geografia
humana, que, por sua vez, é responsável pela apreciação das conexões do ser humano e o
ambiente no qual vive. Antes do autor francês, Lebon (1976, p. 41) já destacara que a
“Geografia Humana concerne às atividades humanas e os resultados dessas atividades sobre a
superfície da Terra”. Dentro dessa lógica, Flint (2006, p. 1) considerou “A Geopolítica uma
componente da geografia humana”.
Especificando o conceito de geografia cultural, no bojo da geografia humana, do
ponto de vista da ciência geográfica interessaria, pela ótica da cultura, observar tecnologias
(artefatos, objetos, equipamentos) e como elas seriam capazes de impactar nas relações sociais.
Claval alerta, porém, que não é no estudo da técnica em si que reside a tarefa do geógrafo. Ou
seja, o geógrafo não é um cientista da tecnologia, mas aquele que investiga como a técnica
interfere, transforma e consolida alterações sociais ou econômicas, em determinado contexto
geográfico. Portanto, a atenção dos estudos culturais no âmbito da geografia deveria ser
direcionada para a representação que a tecnologia exerce em determinado contexto cultural.
Na geografia cultural há clara preocupação do relacionamento entre ideias, ou uma
ideologia (uma ideia-matriz), como prática e/ou como no uso de tecnologias (CLAVAL, 2007).
Em nosso caso, caberia apreciar a forma pela qual o ambiente aeroespacial, por meio de
tecnologias, pode ser ideologizado ao ponto de se perceber elementos para uma análise
geopolítica, tais como soberania, relações de poder ou mesmo territorialidade. Por esse motivo,
concatenar ideologia, cultura, tecnologia e território é uma tarefa que assume importância
ímpar, algo que o próprio Claval observou ao apontar que:
[a cultura é constituída de] realidades e signos que foram inventados para descrevê-
la, dominá-la e verbalizá-la. Carrega-se, assim, de uma dimensão simbólica. Ao serem
repetidos em público, certos gestos assumem novas significações. Transformam-se
em rituais e criam, para aqueles que os praticam ou que os assistem, um sentimento
de comunidade compartilhada. Na medida em que a lembrança das ações coletivas
funde-se aos caprichos da topografia, às arquiteturas admiráveis ou aos monumentos
criados para sustentar a memória de todos, o espaço torna-se território (CLAVAL,
2007, p. 14, grifos nossos).
197
Relacionar cultura, ou mais propriamente ideologia, aos estudos geopolíticos
implica na compreensão do que é representação. Anteriormente, trouxemos a análise de Yves
Lacoste sobre esse assunto, quando discorreu sobre a Guerra do Vietnã, além das contribuições
de Moreira (2007) e Kaplan (2006). Contudo, faz-se necessário retornar a esse tema, a partir de
uma concorrência com o entendimento de Derek e Johnston (2009, p. 645), que compreendem
representação como “um símbolo ou uma imagem, ou ainda o processo de se tornar algo (um
objeto, um evento, uma ideia ou uma percepção) inteligível e identificável”. Os autores
atribuem à representação características como processo social, construção de identidades e
cultura política, associadas ao espaço e às relações políticas, enfim uma geografia cultural sob
o prisma da representação. O ponto onde queremos chegar é reconhecer o papel da ideologia
na geografia e, por conseguinte, na geopolítica, na forma de discurso.
Ainda no escopo daquilo que se denomina geografia cultural, surgem linhas de
pesquisa sobre a dimensão simbólica presente no objeto de estudo368. Anteriormente
referenciadas, elas analisam o ambiente aeroespacial do ponto de vista cultural, tais como a
ideia de airspaces (espaços aéreos), de aereality (aerorrealidade), vida aérea, aeromobilidade e
aerotropolis (metrópole aeroporto). Essa última ideia, considerando o aeroporto como uma
entidade simbólica no contexto da sociedade, responsável pelo surgimento do homo aeroportis
globalis (homem global do aeroporto) (ADEY, 2010). Trabalhos como o de Cwerner,
Kesselring e Urry (2009) apontam novas perspectivas de abordagem temática das
aeromobilidades, dentre elas a questão cultural em torno do espaço aéreo, que deixa de ser um
objeto inanimado e passa a ser observado como espaço de vida, de relações sociais, afetivas e
ideológicas.
Todos esses discursos acadêmicos buscam imprimir à geografia aérea ideias
relacionadas a sentimentos, paixões, sensações, percepções, ponto em que se ressalta
novamente a ideia de relacionamento da tecnologia, no caso o transporte aéreo, com a cultura.
Michel Foucault (1980) foi um teórico que trabalhou a ideia de discurso. Discursos
seriam instrumentos de poder (ou de resistência), por meio dos quais fundamenta-se a
constituição do tecido social. Para o autor, importante seria reconhecer que esse discurso, que
busca revelar uma verdade, ou uma ideologia, mas que baseia-se na apropiação de uma
cientificidade, por demandas econômicas e políticas, objeto de ampla circulação social, gerado,
organizado e difundido por forças dominantes na sociedade e palco de contestações ou lutas
ideológicas.
368 Há nesses casos uma forte influência de outras ciências, como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia.
198
O discurso é, portanto, a forma de se operar uma ideologia, o que nos permite
identificar uma continuidade entre ambos. Delaney (2009, p. 204) concebe o discurso como
uma elaboração institucional, pois, enquanto ideologia, é “um conjunto de crenças mais ou
menos elaboradas, internamente coerentes e compartilhadas”. Quando se pensa na influência
das ideologias na geografia, conscientemente se volta atenção para a questão das
territorialidades369. Nesse sentido, a geografia do ambiente aeroespacial, pela apropriação do
discurso sobre a vida aérea, instiga a pesquisa a buscar a forma como o discurso, representado
pela ideologia, interfere na direção da constituição de uma territorialidade aeroespacial.
Essa forma ideológica de argumentação se estende ao espaço exterior, por meio da
relevância de alguns discursos. O poder espacial enquanto fator diferenciador dos estados, as
ideias sobre variações culturais observadas nos atores da exploração espacial (WHITE, 2014)
e os desafios antropológicos e sociológicos na colonização de outros planetas (SCHETSCHE,
2011), revelam uma tendência de incorporação aos estudos astronômicos de questões que
extrapolam os aspectos físicos ou morfológicos (próprios de uma astronomia física, para fazer
uma analogia com a geografia física), voltando a atenção para questões de natureza simbólica,
ideológica e cultural (o campo de uma astronomia cultural).
O ambiente aeroespacial, dentre outras características, é o espaço geográfico no
qual se utiliza uma tecnologia de transporte. Claval propõe que tecnologias, dentre elas os
sistemas de transporte ou modos de locomoção, sejam objeto de estudo da geografia cultural,
tanto é que em sua visão “O progresso das técnicas de transporte é um dos fatores essenciais de
transformação das relações dos grupos com o ambiente” (CLAVAL, 2007, p. 249). Ele vai um
pouco além, afirmando que:
Os espaços humanizados superpõem múltiplas lógicas: eles são em parte funcionais,
em parte simbólicos. A cultura marca-os de diversas maneiras: modela-os através das
tecnologias empregadas para explorar as terras ou construir os equipamentos e as
habitações; molda-os através das preferências e os valores que dão às sociedades suas
capacidades de estruturar os espaços mais ou menos extensos e explicam o lugar
atribuído às diversas facetas da vida social; ajuda enfim a concebê-los através das
representações que dão um sentido ao grupo, ao meio em que vive e ao destino de
cada um” (CLAVAL, 2007, p. 296).
Considerando que o ambiente aeroespacial, a par de sua constituição física, é um
espaço geográfico que testemunhou, e tem tornado manifesta, a evolução da tecnologia dos
transportes (dos balões às espaçonaves), compreende-se que a análise desse ambiente sob a
perspectiva cultural é uma inciativa que complementa o esforço de geopolitização do objeto de
estudo. Dessa forma, além de objeto de diferenciação de situações sociais e individuais, como
369 A Tese tratou da questão da territorialidade ao analisar a contribuição de Robert Sack (1986).
199
propôs Claval, a cultura é também um fator de dieferenciação entre estados, conclusão que já
apontamos ao apreciar Friedrich Ratzel.
De fato, o sentido de grupo que dá forma à ideia de representação modela-se pela
utilização de tecnologias, mas também modela a ideologia estatal. Portanto, a questão da
cultura, além de tema da geografia humana, é também tema da geopolítica. Essa afirmação
busca inserir nos estudos dessa ciência elementos como ideologia, discurso e produção de
conhecimento, todos ligados intrinsecamente à política. Ó Thuatail, Dalby e Routledge (2003),
na verdade, entendem a geopolítica a partir da ideia de contestação política. Ou seja, todo
discurso geopolítico carrega em sua essência um componente simbólico, ideológico. Na
construção dos significados desse discurso geopolítico, participam: atores estatais de política
externa; acadêmicos e pesquisadores dos institutos de estudos estratégicos; representantes das
instituições privadas que tratam de política externa; intelectuais em geral; e os mitos nacionais
(a ideologia nacional) (Ó TUATHAIL, DALBY e ROUTLEDGE, 2003).
Por esses motivos julga-se essencial, além das questões sobre território, economia
e tecnologia, a inserção do viés ideológico, simbólico, portanto cultural, na análise do ambiente
aeroespacial. Acreditamos que existam três questões-chave em torno da ideologia na forma
como ela pode ser observada no estudo do ambiente aeroespacial. A primeira delas é a
apropriação do conceito de ideologia no âmbito dos estudos geográficos e na geopolítica.
3.2.4.1 Ideologia e os estudos geográficos
Colin Gray (1999b, p. 161) alertou que “A Geografia pode falar com a mente e a
imaginação, assim como fala com os olhos e os membros”. O que o autor propunha era a
essência de uma questão que configurou a epistemologia da geografia: a dicotomia entre as
análises sobre os fatores físicos e humanos. É inegável que toda geopolítica esteja inserida em
um contexto geográfico, mas não é somente esse contexto que dá sentido à determinada
situação, pois há que se revelar também uma “geografia da imaginação” (GRAY, 1999b, p.
162). Há, em consequência, tanto uma condição física – geográfica em essência –, como uma
condicionante cultural – simbólica, ideológica –, política por natureza.
A ideia de imaginação, discurso ou simbolismo, está necessariamente relacionada
ao conceito de ideologia no contexto estatal. Flint e Taylor (2018) observam que a ideologia é
uma parte intrínseca da identidade dos sujeitos, mas também dos Estados, pois há uma relação
entre o que pensa o sujeito e a forma como se identifica ao estado ao qual pertence. Nessa lógica
de pensamento, o indivíduo que não associa sua ideologia ao seu estado sente-se um estrangeiro.
Mas há também a lógica inversa. O Estado que não estabelece uma identidade clara (uma
200
ideologia), deixa seus cidadãos sem a possibilidade de um parâmetro de comparação ou de
referência370.
O que se busca caracterizar é o conceito de código geopolítico, que Flint (2006, p.
55) propôs como a linguagem, ou o discurso, decorrente de um “conhecimento situado”
(principalmente, no sentido geográfico amplo), e se constitui na “forma como um país se orienta
na direção do mundo”. Esse código geopolítico, ou discurso, seria a postura consciente do
Estado na direção daquilo que interpreta como prioritário, ou seja, tem relação com o
sentimento de segurança (militar, econômica, social etc.), com as políticas a serem estabelecidas
e com aquilo que a população avalia como, de fato, relevante. Essa percepção também foi a de
Agnew (2003, p. 105) ao discorrer sobre a “imaginação geopolítica, essencialmente ideológica
e caracterizada por um amálgama de ideias, símbolos e estratégias de promoção ou modificação
social e cultural”.
Sem uma ideologia, não há Estado. Se este axioma é verdadeiro, surge o sentido
maior de uma análise sobre ideologia no contexto da geopolítica. Conforme discorre Olwig
(2009), a função da ideologia é dar um sentido relacional ao poder. Essa relação se forma a
partir daquilo que De Blij (1973, p. 33) reconheceu como elementos constituintes do estado-
nação: “a unidade política, o território e a população que nele habita”. A ideologia, então, seria
o elemento conectivo dessas partes, por meio do qual elos lógicos (por exemplo, a estabilidade
econômica, a segurança pública etc.) e elos emocionais (como as questões cívicas e patrióticas)
fortaleceriam o processo de consolidação territorial e político-social. No que tange ao objeto de
estudo da Tese, compreender essa relação, passo que será cumprido adiante, permitirá
desvendar até que ponto a geopolítica depende da ideologia para a consolidação da atividade
aeroespacial.
A análise da forma como ideologia é interpretada nos estudos geográficos foi uma
tarefa de Gilmartin (2009). Suas conclusões permitiram identificar o estado em si como uma
construção ideológica, assim como na ampliação dessa escala para a escala das regiões ou das
redes371. Segundo esse autor, o debate sobre o significado de ideologia não é somente objeto da
370 Não pretendemos aqui retornar ao debate sobre território e territorialidade. Mas é importante notar que por trás
do conceito de Estado-nação, subjaz a ideia de um território. No caso da territorialidade, como foi anteriormente
apontado, chegamos, inclusive, a visualizar o caso de uma territorialidade aeroespacial, sobre o qual se projeta um
sentimento de pertencimento.
371 Corporações multinacionais e empresas comerciais de alcance mundial têm buscado associar às suas marcas,
serviços e produtos uma identidade ideológica global, que extrapola o sentimento de território e se associa à
aspectos psicológicos como sucesso, crescimento ou satisfação.
201
geografia política, mas de toda a geografia. Ideologia tem sido analisada como fonte de conflito,
como objeto de fortalecimento do Estado ou como discurso em si.
Nesse último aspecto, ressalta a ideia de que a ideologia é uma ideia política, sendo
que a geopolítica é um discurso construído para justificar as ações políticas. Sami Moisio (2015,
p. 224) destaca o papel da linguagem na geopolítica crítica, considerando-a como “prática
espacial da política estatal embutida pela cultura, tanto oriunda da representação como de
elementos materiais”. Essa vertente de interpretação do conceito, característica de escola da
geopolítica crítica, entende a ideologia, ou o discurso geopolítico, como “a prática de se
identificar relações de poder dentro das afirmações geopolíticas” (FLINT, 2006, p. 16). Short
(1993, p. 115) complementa essa visão de ideologia afirmando que ela é “um senso parcial de
crenças que iluminam a experiência de certos grupos e ignora, ou marginaliza, a experiência de
outros”.
A geopolítica crítica, entretanto, não é suficiente para se compreender o sentido do
conceito de ideologia que se pretende explorar no âmbito desta Tese. Efetivamente, entendemos
que essa corrente da geopolítica é insuficiente em si, pois transforma a totalidade em discurso
ideológico. Assim é que ela própria é um discurso ideológico em si. Apesar disso, os teóricos
da geopolítica crítica insistem que a geopolítica seria um discurso declarativo e imperativo e,
por conseguinte, uma forma de política. Para eles, ela seria geralmente oriunda de visões
pretensamente isentas (“visão de deus” ou “visão de lugar algum”), cuja aparente objetividade
e neutralidade são posições construídas a partir de determinados interesses372.
Ao interpretar a geopolítica dessa forma, Haverluck, Beauchemin e Mueller (2014)
entendem que essa corrente de teóricos transforma tudo em debate político, eliminando
qualquer possibilidade de uma construção científica e acadêmica, gerando um incessável e
constante questionamento do discurso geopolítico e sobre como ele opera373. Ou seja, a
antigeopolítica cria automaticamente um antiantigeopolítica. Na verdade, a geopolítica é sim
um engajamento político (a conselheira do príncipe), portanto, é óbvio que toda geopolítica é
372 Para Jones, Jones e Wood (2004, p. 172), a “Geopolítica crítica é um subcampo da geografia política que analisa
criticamente a produção, circulação e consumo de conhecimento geopolítico”.
373 Os autores apontam três falhas no pensamento da geopolítica crítica: ser uma antigeopolítica; ser
anticartográfica; e ser antiambientalista. Ela é antigeopolítica pois, ao criticar os discursos políticos, se afasta do
establishment político (as organizações, os partidos, o governo) e, por conseguinte, deixa de influenciar exatamente
aquilo que critica. Ela é anticartográfica pois “ignora a importância da cartografia na geopolítica, afastando-se dos
recursos tecnológicos que geram mapeamentos de grande valor para as análises geopolíticas, nesse sentido são
antimapas”. No caso do antiambientalismo, transforma tudo em uma questão de “discursos de exploração dos
pobres pelos ricos, do Sul pelo Norte, do outro por mim mesmo. O meio-ambiente é visto quase exclusivamente
sob o ponto de vista antropogênico, ou seja, todos os problemas decorrem da ação do homem” (HAVERLUK,
BEAUCHEMIN e MUELLER, 2014, p. 25 e 31).
202
crítica em essência. Nesse sentido, a geopolítica crítica, entendemos, é insuficiente como
instrumento de análise, pois seu foco primordial é “questionar e minar as estruturas, os discursos
e as ideologias que são sustentadas por organizações políticas” (JONES, JONES e WOODS,
2004, p. 45, grifo nosso).
Essa digressão em relação à visão crítica, que em nossa compreensão não agrega
valor à discussão ao eliminar qualquer possibilidade de análise geopolítica, nos permite abordar
o conceito de ideologia a partir das demais vertentes de interpretação acima identificadas por
Gilmartin (2009). Em ambos os casos, ao versar a ideologia como forma de conflito ou como
forma de fortalecimento do Estado, o ambiente aeroespacial se constitui em objeto de análise
profícuo para a geopolítica.
Já observamos anteriormente o quanto a 2ª GM representou para o desenvolvimento
da atividade aeronáutica e, incipientemente, espacial. Os Aliados, em especial os EUA, no que
tange ao bombardeio aéreo da Alemanha e do Japão, desenvolveram um “código geopolítico”,
anteriormente referenciado na visão de Flint (2006, p. 55). Esse código, quando analisado sob
a ótica da aviação, revelou um comportamento determinado pelo emprego massivo de recursos
disponíveis contra seus oponentes (consequência da guerra total), expressando integralmente
uma ideologia como forma de conflito.
Tão impactante foi a conduta ideológica ao longo da 2ª GM que as artes plásticas,
uma expressão cultural por natureza, transformaram-se em veículo de expressão do código
geopolítico mundial desejado por muitos. Apenas para destacar um exemplo, ainda em 1943,
Salvador Dali, em um momento no qual o conflito mundial apontava para um ponto de inflexão
com as primeiras derrotas de alemães e japoneses, pintou o quadro “A Criança Geopolítica”
(Figura 27). Na descrição do Museu de Dali a pintura representa “uma figura andrógena que
aponta ao menino geopolítico o nascimento de um novo homem” (THE DALI MUSEUM,
2019). Apesar de existirem muitas formas de interpretação da obra, ela sugere um novo código
geopolítico (uma nova ideologia): expresso na figura humana que tentava se libertar para uma
nova realidade; no caráter ideológico da relação entre a figura andrógena e a criança; na ideia
de derretimento das formações continentais; no núcleo de sangue que escapa no movimento de
quebra de uma casca e etc.374. Esses pontos de vista foram fortemente influenciados pelas
agruras da guerra, na qual a aviação vinha materializando um discurso geopolítico devastador.
374 O Museu de Dali destaca que o quadro representa um novo período histórico, que se inaugurava com o final da
2ª GM, onde a “Geografia muda sua pele em germinação histórica” (THE DALI MUSEUM, 2019).
203
Figura 27 – Criança Geopolítica e o nascimento do Novo Homem
Fonte: THE DALI MUSEUM, 2019.
Na Guerra Fria, o ambiente aeroespacial se transformou em um campo de
contestação de modelos econômicos e posições políticas distintas, cujo código se amplia na
forma da corrida espacial, dessa vez colocando em choque os EUA e a URSS. Nessa época, na
verdade, o que também se observou, além da forma de conflito ideológico, foi a apropriação da
atividade aeroespacial como uma forma de fortalecer a imagem do Estado (ou a sua
representação). O Programa Apollo, cuja importância tecnológica e econômica já apontamos
antes, era visto como um baluarte ideológico. John F. Kennedy, quando discursando como
candidato oposicionista a presidente dos EUA, em 1960, incomodado com as conquistas
espaciais soviéticas até aquela data, ironizou e, indiretamente, criticou a inação do governo
americano enquanto o mundo testemunhava a URSS alcançar marcos sólidos, como o primeiro
veículo espacial (Sputnik), o primeiro emblema nacional na Lua (da URSS) e, até mesmo, os
primeiros caninos no espaço, cujos nomes eram Strelka e Belka, e não nomes tipicamente
americanos como Rover, Fido ou Checkers (MCDOUGALL, 1997)375.
Ambas as situações, a 2ª GM e a Guerra Fria, abordadas anteriormente sob a
perspectiva histórica, expressam muito bem o sentido ideológico sobrejacente ao ambiente
375 Checkers era o nome do cão do então presidente Richard Nixon, opositor de Kennedy nas eleições de 1960. O
discurso de Kennedy, claramente, questionava a posição norte-americana na corrida espacial, processo no qual sua
administração, a partir de 1961, investiu vultosos recursos financeiros.
204
aeroespacial. Mas não é somente no campo do conflito que se observa o fator cultural e sua
relação com a geopolítica.
Peter Adey (2010), como citamos acima, explora a relação do transporte aéreo com
a afetividade (dimensão emocional), trabalhando com aspectos sociais e culturais, tais como o
sentido de pertencimento a uma vida aérea e a identidade que se obtém nessa nova
aerorrealidade. É uma análise de representações das práticas dessa vida aérea. Nela não se pensa
o avião somente no sentido de tecnologia ou de meio de transporte, mas pelas “relações
políticas, culturais e sociais que o espaço aéreo e a viagem aérea interseccionam-se, constroem-
se ou se quebram” (ADEY, 2010, p. 209). Caminho análogo percorre David Pascoe (2001),
quando estuda as representações de um aeroporto e seu terminal de passageiros. Trata-se de
uma expansão nos estudos sobre segurança e governança na direção dos afetos e da vida afetiva.
A aviação é percebida no sentido emocional (algo como uma ideologia), que instrumentaliza
sentimentos, paixões, raivas, medo, perturbações, dor, desafios, desgostos etc.
É, portanto, uma abordagem cultural da aeronáutica que tem relação com a
qualidade de vida. Peter Adey, ao citar que o medo, por exemplo, transforma o avião em um
poderoso instrumento político e militar de exercício de poder, reflete que “As trajetórias de
movimento mediadas pelo aeroplano tem moldado e remoldado as projeções nacionais,
políticas e de formas de cultura” (ADEY, 2010, p. 80). Peter Sloterdijk (2009, p. 84) acresce
que a atmosfera deixa de ter um significado meramente físico, assumindo um senso metafórico,
concluindo que “ao passar o século XX, começamos a entender que o homem não é somente o
que come, mas aquilo que respira no ar em que está imerso. Culturas são condições coletivas
de imersão em sistemas de aéreos e de signos”. Afirmação contundente de que a atmosfera
encerra um significado cultural376.
Coerente com essas abordagens não podemos deixar de lembrar da contribuição de
Eric Dardel (2011) quanto à percepção do que é (ou deveria ser), efetivamente, uma realidade
geográfica. Há, na geografia, algo mais do que somente a matéria. Ele chama isso de
“irrealização” ou de “geografia interior”, aquilo que, no espaço geográfico, estaria “diluído em
uma substância móvel ou invisível [...], o azul do céu, espaço puro do geógrafo, fronteira entre
o vísivel e o invisível” (DARDEL, 2011, p. 7 e 8). Organizando ideias essencias de Dardel
(2011) em torno da realidade geográfica expressa por afetividade, como palco de
desenvolvimento de consciência ou de espaço de realização de uma existência, somos levados
376 O estudo de Sloterdijk se dá em torno do terrorismo pelo ar, na forma do bombardeio aéreo ou pelo uso de
gases tóxicos, momento em que considera que há uma perda de inocência das visões idealizadas do ar.
205
a acreditar, como pressupõe o autor, que o ambiente aeroespacial não é simplesmente
substância, mas campo geopolítico de uma essência, de uma cultura, logo de uma ideologia.
O que se percebe, portanto, é que a ideologia é fator presente no ambiente
aeroespacial, seja na forma de conflito ou na própria caracterização da geopolítica. Se a
consideramos um espaço de relações políticas, de exercício de estratégias estatais e de prática
de poder, somos levados a buscar mais indícios, desta vez no campo da segurança e da defesa
nacionais, a fim de exprimir o entendimento de que “A geopolítica é preocupada com as
múltiplas maneiras nas quais o estado busca exercer poder e influenciar no interior de suas
fronteiras e além delas” (JONES, JONES e WOODS, 2004, p. 44). Essa consideração nos leva
ao segundo elemento-chave, a questão da segurança dos Estados e sua relação com a ideologia
aplicada ao ambiente aeroespacial.
3.2.4.2 Ideologia e segurança
O Estado é objeto de uma lealdade quando é associado, no âmbito de suas fronteiras,
a fatores subjetivos que inspiram os cidadãos a aderirem às causas nacionais, muitas vezes uma
luta pela sobrevivência enquanto nação377. Essa lealdade traduz-se em uma ideologia
denominada nacionalismo (PENROSE e MOLE, 2008). A ideologia pela nação pode servir para
fortalecer as relações sociais, viabilizar desenvolvimento econômico e estimular a cultura,
porém, depende sempre do fornecimento de uma causa ou projeto a seguir. Jones, Jones e
Woods (2004, p. 87) referem-se a essa causa como um elemento de “nutrição” que serve
também como justificativa de existência do Estado no exercício de seu poder.
A história é repleta de justificativas ideológicas para projetos nacionalistas mas,
provavelmente, as mais fortes causas tenham sido a segurança e a defesa nacionais, mesmo que
respaldadas nas mais diversas naturezas378. No âmbito de uma discussão de Geopolítica
Aeroespacial algumas assertivas podem sugerir causas para a consolidação da ideologia no
ambiente aeroespacial.
377 A partir dessa afirmação, aderimos à ideia de segurança como uma sensação, como um sentimento perceptível
a partir de indícios reais que levam à consolidação de uma percepção geral. Nesse contexto, a definição da Escola
Superior de Guerra (ESG) é adequada para fundamentar a noção de segurança na perspectiva de ideologia no
ambiente aeroespacial que aqui se desenvolve. Segundo a ESG, “segurança é a sensação de garantia necessária e
indispensável a uma sociedade e a cada um de seus integrantes, contra ameaças de qualquer natureza” (BRASIL,
2009, p. 59).
378 Um exemplo recente de causa nacionalista foi a ascensão do Partido Nacional-Socialista na Alemanha pós 1ª
GM. Hitler ancorou grande parte de suas considerações sobre o futuro germânico na condicionante racial de
segurança. Na sua visão, “o propósito maior do Estado era preservar e melhorar a raça, condição indispensável no
progresso da civilização humana” (HITLER, 1944, p. 438).
206
Giulio Douhet associou a aviação à ideia de sobrevivência nacional, considerando
que sem o domínio do ar o futuro de uma nação era ser conquistada. Em convicta proposição,
expressou um corolário: “a fim de garantir a defesa nacional, é necessário e suficiente estar em
condições de obter o domínio do ar, no evento de um conflito” (DOUHET, 1988, p. 53, grifo
nosso). William Mitchell (2009), de modo semelhante, refletiu sobre o papel da aviação norte-
americana antecipando conceitos como a capacidade de influência sobre o oponente, a ambição
nacional e a predominância global. Tais conceitos seriam amiúde explorados por Alexander
Seversky, cuja contribuição foi ampliar a visão da aviação como uma ferramenta de estado, na
direção de consolidar áreas de influência geopolítica. Mais do que isso, o pensamento desse
autor buscava afastar aquilo que o avião havia eliminado: “a ilusão do isolamento geográfico”.
Para tanto, propôs uma estratégia de vitória para os EUA, consolidada na ideia de que “o
comando do ar global, e a garantia da livre navegação aérea, deveriam ser exercidas diretamente
do continente americano” (SEVERSKY, 1950, p. 11), pelos EUA.
Importante citar que todos esses teóricos não viam apenas a aviação militar, na
perspectiva de segurança. A aviação civil também era considerada uma causa de consolidação
de um projeto ideológico no campo da geopolítica aeroespacial, até porque viam nesse
segmento da aviação uma continuidade e reserva da aviação militar. Thayer Jr. (1965),
inclusive, associou o transporte aéreo a demandas de segurança nacional, por meio da análise
de políticas públicas e do impacto da aviação na economia.
O papel da aviação civil pode ser observado como instrumento ideológico a partir
de alguns exemplos, todos eles associados, de alguma forma, ao simbolismo que o ambiente
aeroespacial traz à ideia de nacionalismo, segurança e defesa.
O debate internacional em torno do pioneirismo no desenvolvimento da capacidade
de voar autonomamente envolve diversas querelas, que buscam de alguma forma desenvolver
sentimentos de nacionalismo associados à aviação. Além do debate mais popular entre as
inciativas dos irmãos Wilbur e Orville Wright, nos EUA, e de Alberto Santos-Dumont, no
Brasil, há pleitos de protagonismo por parte da França, na pessoa do inventor Clément Ader
(2003), que teria voado já em 1890, e por parte da Rússia, que considera o voo de Alexander F.
Mozhaiski, em 1884, o primeiro voo motorizado da história (KAINIKARA, 2011).
Em uma fase posterior da aviação, nos anos de 1910 a 1930, ficaram famosos os
reides de aviação. Essas viagens aéreas de longa distância, geralmente atravessando
continentes, além de demonstrar a capacidade tecnológica do novo meio de transporte, eram
principalmente proezas de repercussão internacional, nas quais os pilotos e suas máquinas eram
associados às suas nações cuja representação ideológica era enaltecida. Manuel Cambeses Jr.
207
relata a primeira travessia do Atlântico Sul, realizada entre 30 de março e 17 de junho de 1922,
pelos pilotos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, associando o feito ao “progresso
da Aviação e desenvolvimento da Humanidade”, no qual “os portugueses demonstraram ao
mundo [...] imensa vontade e determinação, o seu espírito pioneiro e aventureiro, a sua
confiança no futuro, a sua legítima ambição” (CAMBESES JR., 2008, p. 2 e 22)379. Poucos
anos depois, em 1927, o norte-americano Charles A. Lindbergh faria, pela primeira vez, a
travessia entre Nova Iorque e Paris, em voo de 33h35min, a bordo do The Spirit of St. Louis (O
Espírito de São Luís), aeronave batizada em homenagem à cidade norte-americana que
financiou o empreendimento. Transformado em herói nacional, condecorado com a medalha de
honra do Congresso dos EUA e assediado pela imprensa, Lindbergh tornou-se um “símbolo
mítico, em cuja sociedade [norte-americana] havia espaço para a liberdade e a realização de
grandes feitos” (LONGYARD, 1994, p. 116).
A ideia de se realizar proezas na aviação geralmente estava associada à vultosas
premiações em dinheiro. Charles Lindbergh foi motivado pelo Prêmio Orteig, cujo valor em
1919, ano em que foi criado, era de US$ 25.000,00. Os prêmios, além do benefício pecuniário
que proviam aos seus eventuais ganhadores, eram competições que buscavam demonstrar a
capacidade tecnológica, a coragem e audácia dos pilotos que representavam, em última
instância, suas respectivas nações. Alberto Santos-Dumont, por exemplo, ao receber o Prêmio
Deutsch, em 1901, recebeu da “princesa Isabel um gigantesco arranjo de crisântemos com o
formato do Nº 6, [o dirigível com o qual havia realizado a proeza] e com as cores da bandeira
brasileira” (HOFFMAN, 2003, p. 103), durante uma recepção celebrando a conquista. Pouco
antes de receber outro prêmio, o Archdeacon, pelo voo em 23 de outubro de 1906, com o 14-
Bis, Santos-Dumont participou de um concurso com balões, a Copa Internacional de
Aeronautas, que reuniu representantes de 16 nações. A dimensão das competições
internacionais, e os prêmios que elas forneciam, dá a dimensão de como a aviação, ou a
aerostação, desenvolvia-se com forte apelo simbólico, criando heróis e mártires, mas,
principalmente, associando à essa nova tecnologia de transportes um nacionalismo competitivo
evidente.
379 Eduardo Pacheco e Chaves foi o brasileiro responsável pelo primeiro reide internacional, entre o Rio de Janeiro
e Buenos Aires, iniciado em 24 de dezembro de 1920. Na verdade, esse reide transformou-se em uma competição
internacional entre Chaves e o piloto argentino Eduardo Miguel Hearne, que partia da capital portenha em direção
contrária. A disputa teve repercussão nacional em ambos os países, gerando um sentimento de rivalidade. Chaves
teve mais sorte, em função de um acidente que inviabilizou a conclusão do voo de Hearne, permitindo que o
brasileiro pousasse na capital da Argentina em 29 de dezembro, após navegar “2.200 km em cinco etapas,
percorrendo aproximadamente, 470 km por dia, a uma velocidade média de 140 km/h, completando a viagem em
cinco dias” (BOHRER, 2014, p. 27).
208
Os reides intercontinentais e as premiações na aviação motivaram iniciativas pelo
desenvolvimento da aviação com amplitude nacional e alcance popular, reforçando a lógica
nacionalista em torno da segurança. Há que se relembrar que Giulio Douhet, William Mitchell
e Alexander Seversky, também defenderam o desenvolvimento da aviação civil como forma de
expansão da capacidade aeronáutica de suas nações. Na verdade, essas campanhas nacionais
eram instrumentos ideológicas em prol da expansão das capacidades quantitativas e qualitativas
da aviação. No Brasil, nos anos 1940, a Campanha Nacional de Aviação380, coordenada pelo
presidente Getúlio Vargas, pelo jornalista Assis Chateaubriand e pelo Ministro da Aeronáutica
Joaquim Pedro Salgado Filho, motivou doações que, segundo Morais (1994, p. 476),
viabilizaram a compra de “800 aeronaves e a formação de 5.000 novos pilotos (até então, o
acervo nacional contava com apenas 160 aeronaves e cerca de 700 pilotos)”, além da criação
de aeroclubes pelo país. A Campanha era uma iniciativa ideológica para “fortalecer e reerguer”
o país após os eventos da Revolução de 1930, assim como “consolidar o Brasil enquanto nação
moderna” (FERREIRA, 2012, p. 76).
Grande parte do resultado das campanhas nacionais pela aviação inspirou outro
movimento ideológico de amplitude global, cujo impacto teria repercussão geográfica. Tratava-
se da possibilidade de acesso a espaços remotos e inabitados. No Brasil, não há como se ignorar
o papel que a aviação desempenhou na interiorização e projeção do país, em especial na
colonização do Centro-Oeste e da Amazônia e, mais recentemente, na presença na Antártida.
A maioria dos geopolíticos e geógrafos nacionais de uma primeira geração (Mario Travassos,
Lysias Rodrigues, Moacir Silva e Therezinha de Castro, por exemplo) buscou empreender uma
leitura brasileira para questões como a integração nacional, o desenvolvimento social e
econômico e a projeção nacional, todas elas intrinsecamente conectadas à visão de segurança.
Mário Travassos discute as linhas aéreas, ou o modal aéreo, e seu flexionamento com os demais
meios de transporte, o que denomina de conjugação de meios de transporte (TRAVASSOS,
1938; 1942). Lysias Rodrigues (1947) e (1978) demonstrou como a aviação poderia contribuir
com a integração nacional por meio da expansão de campos de pouso no planalto central e na
Amazônia, e pelo fortalecimento do papel da aviação comercial. Moacir Silva (1949, p. 187)
destaca a “circulação superior”, configurada nas “redes aéreas nacionais”, inclusive apontando
o papel do Correio Aéreo Nacional no movimento de interiorização do país. Therezinha de
Castro amplia a questão da projeção nacional para a Antártida, destacando o conceito de
380 Ferreira (2012, p. 79) cita ainda as campanhas “Asas e Ases para o Brasil, para a formação de monitores de voo
e pilotos civis, bem como surgiram entidades que se propuseram a arrecadar fundos para a compra de aviões, como
a Legião do Ar – no Rio Grande do Sul – e a Bolsa de Aviões”.
209
“triangulação insular” (CASTRO, 1999, p. 310) e propondo a Teoria da Defrontação
(CASTRO, 1971)381. Nesse caso, o avião teria um papel importante, haja vista o raio de alcance
das aeronaves382.
A exploração das calotas polares (a Antártida e o Ártico), que também assumiu
caracteres ideológicos, ainda hoje é objeto de controvérsia quanto ao pioneirismo. Segundo
Chant (1978, p. 154), os “primeiros voos sobre o Ártico foram realizados em 1925, por
exploradores noruegueses”. Esse voo de Roald Amundsen, entretanto, é colocado em dúvida
por Grant (2017), que aponta as tentativas do italiano Umberto Nobile e do norte-americano
Richard E. Byrd, em 1926383. No caso da Antártida, Byrd, entre 1928-1930, é reconhecido como
o primeiro a pousar nesse continente gelado e voar sobre o Polo Sul. De fato o que está por
detrás dessas busca pelo protagonismo é um discurso cuja percepção subliminar busca ressaltar
grandes feitos como forma de elevar o prestígio nacional.
No desenvolvimento da aviação civil comercial até mesmo as companhias aéreas
tiveram, e ainda têm, um papel simbólico e geopolítico, que merece destaque. Além do interesse
estratégico no funcionamento de empresas aéreas nativas, muitas vezes consolidado na forma
de subsídios governamentais, a existência de empresas aéreas nacionais exerce uma influência
psicológica que pode ser estimada quando se observam os nomes de grandes empresas de
aviação, do presente e do passado384. No continente americano, a American Airlines (Linhas
Aéreas Americanas), a Aerolíneas Argentinas (Linhas Aéreas Argentinas) ou a COPA
(Companhia Panamenha de Aviação). Na Europa, a Air France (França Aérea), a Turkish
Airlines (Linhas Aéreas Turcas) ou a Alitalia (Sociedade Aérea Italiana). Na Ásia, a China
Southern (Companhia Aérea Chinesa do Sul), a Air China (China Aérea) ou a Emirates Air
381 A Teoria da Defrontação (ou o “Direito de Defrontação”, ou ainda o “Território de Defrontação”) foi proposta
em 1956, por Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro, em artigo sobre a Antártica (CARVALHO e CASTRO,
1956). Nele, a proposição central era a de que o Brasil, em função de sua massa continental possuiria direitos de
se defrontar (e ocupar) sobre aquele continente. A defrontação, enquanto postulado, mesmo hoje possui valor
geopolítico significativo. Ela pode se expandir ao espaço exterior, como foi o caso da Declaração de Bogotá
(BOGOTA DECLARATION, 1976), cujo entendimento afirma serem as órbitas geoestacionárias propriedade dos
países cuja projeção ou defrontação territorial se estendesse até o espaço por elas ocupado.
382 Possivelmente os maiores resultados dessas visões geopolíticas pioneiras tenham sido o Correio Aéreo Nacional
(CAN) e a Estação Antártica Comandante Ferraz. O CAN, cujo papel efetivo e simbólico na interiorização e
integração do país, transformou-se em competência da União, conforme prevê o inciso X, do Art. 21 da
Constituição Federal de 1988. A estação brasileira na Antártida é um símbolo da presença nacional no continente,
e expressa um esforço nacional em compartilhar com a comunidade internacional a exploração científica cujo
significado geopolítico é imenso.
383 Na esteira das controvérsias em torno do pioneirismo dos voos no Ártico há a versão de que os exploradores
suecos Salomon August Andrée, Nils Strindberg e Knut Frænkel realizaram expedição de balão ao Polo Norte, em
1897, na qual os três perderam a vida. Ou ainda, o voo dos russos Jan Nagórski e Yevgeni Kuznetsov, em 1914,
em busca do Polo Norte, atravessando o Círculo Ártico.
384 Joanna Bailey (2020) observa um movimento de retorno das empresas aéreas cuja propriedade é estatal,
fenômeno que pode recrudescer o papel simbólico da aviação.
210
Lines (Linhas Aéreas dos Emirados Árabes Unidos). Há que se destacar que, de acordo com
regulamentações internacionais, todas as aeronaves comerciais devem portar em sua fuselagem
a bandeira do país que representam e, além disso, segundo a Convenção de Chicago, de 1949,
“a aeronave possui a nacionalidade do estado no qual está registrada” (ICAO, 2006, p. Art. 17).
No caso específico das aeronaves militares ou a serviço de um Estado, considera-se que elas
sejam território nacional, mesmo quando sobrevoando o espaço aéreo internacional ou quando
em solo de outro país.
Enquanto a questão da relação entre ideologia e segurança nos remete à ideia de
sensação (BRASIL, 2009), na perspectiva aeroespacial há uma terceira questão-chave que
Lysias Rodrigues (1947) identificou, na era inaugurada pela aviação, como prestígio385.
3.2.4.3 Ideologia e prestígio
Na concepção sociológica, prestígio é uma palavra que significa “influência,
reputação ou estima popular” (ROJEK, 2006, p. 472), geralmente qualidade atribuída a um
indivíduo. Em um contexto mais amplo, o vocábulo prestígio encerra outros significados como
atração, sedução, encanto, influência, admiração, respeito, predileção ou subordinação
(HOUAISS, 2009). Um autor que deixou clara a questão do prestígio nas relações
internacionais foi Hans Morgenthau (1985), descrevendo na obra Politics among Nations: The
struggle for power and peace (Política entre Nações: A luta por poder e paz) uma “política do
prestígio”. Em essência, o que autor quis destacar foi a importância desse elemento, o prestígio
nacional, na temática das relações entre as nações, inclusive propondo esse tópico como
“elemento indispensável em uma política externa racional” (MORGENTHAU, 1985, p. 57). A
partir de seu ponto de vista o prestígio se obtém por fatores como a intelectualidade, a
moralidade, o caráter nacional, o moral nacional, o cerimonial diplomático, a mobilização
nacional e a demonstração de poder militar. Bedin et al. (2000, p. 131) entendem que dentre as
políticas internacionais perseguidas pelos estados, a política de prestígio está associada à
“ostentação de poder, visando mantê-lo ou ampliá-lo”.
A fim de se comprovar essa percepção, serão apontadas algumas evidências para se
pensar a ideologia na forma de prestígio como mais um elemento-chave na investigação sobre
a geopolítica aeroespacial.
385 Lysias Rodrigues (1947, p. 71, grifo nosso) afirmou que os governos federais passariam a utilizar a aviação
como “aparelho nacional de prestígio e guarda de sua soberania”.
211
Iniciamos essa exposição apresentando um fator sui generis, que decorre em grande
parte da tecnologia que o avião representa e o impacto da conquista da terceira dimensão. Trata-
se dos times de acrobacias aéreas. Grande parte deles é formado no seio das forças aéreas (ou
na marinha, como é o caso do grupo Blue Angels norte-americano) e atuam como verdadeiras
ferramentas de propaganda institucional e nacional. Isso pode ser observado naquilo que se
propõe como missão ou objetivo desses esquadrões aéreos de demonstração. No caso do time
brasileiro, propõem-se que seja capaz de “Realizar demonstrações aéreas a fim de difundir, em
âmbito nacional e internacional, a imagem institucional da FAB” (FAB, 2020). O grupo
acrobático da Força Aérea dos Estados Unidos tem, entre outros objetivos, “Representar os
EUA e suas forças armadas em nações estrangeiras, além de projetar a boa-vontade
internacional” (USAF, 2003). Watkins (2010, p. 380) cita que dentre as vantagens de criação
do time acrobático da Royal Air Force, o Red Arrows, estaria “a elevação do prestígio britânico
e da própria força aérea”. Essencialmente, o que se revela com esse tipo de iniciativa é a
ampliação do prestígio das nações, por intermédio de um grupo seleto de pilotos que realiza
proezas acrobáticas no ar386.
Ainda no campo da aeronáutica militar, outras formas de se demonstrar o prestígio
nacional são observadas nas paradas militares e, muitas vezes, em eventos esportivos de grande
repercussão nacional e internacional. Como parte de celebrações patrióticas, em datas
comemorativas de cunho cívico, normalmente ligadas à independência nacional, à afirmação
de regimes soberanos ou em memória a heróis e batalhas históricas, é comum o sobrevoo de
aeronaves na forma de um desfile aéreo, no qual diferentes tipos de equipamento buscam
estimular sentimentos como o orgulho nacional pelas forças armadas, o reconhecimento do
poder nacional e, em alguns casos, o júbilo pelas conquistas tecnológicas da indústria
aeroespacial.
Nesse contexto, cujo propósito é revelar sentimentos ideológicos de respeito ou
admiração, tem-se tornado comum o sobrevoo de aeronaves militares sobre estádios ou praças
esportivas em dias de jogos. O periódico norte-americano USA Today registrou, por meio de
fotografias, dezenas de recentes sobrevoos de aeronaves militares nos EUA, em jogos de
beisebol (28 de março de 2019), eventos de golfe (16 de junho de 2019), a jogos de futebol
americano (31 de agosto de 2019), corridas de carros (26 de fevereiro de 2020) (USA TODAY,
386 Há também espaço para o surgimento de grupos privados de pilotos que se dedicam à atividade aérea acrobática
com propósitos comerciais (quando realizam exibições com o intuito de comercializar o serviço ou por meio de
divulgação de marcas), cívicos (estimular a atividade aeronáutica nacional) ou puramente pessoais (pelo prazer de
voar). No Brasil, dois grupos têm histórias recentes de exibições pelo país: o Circo Aéreo Extreme
(https://www.facebook.com/circoaereoextreme/) e a Esquadrilha Fox (https://esquadrilhafox.com.br/).
212
2020). Mas não somente aeronaves militares são responsáveis por esse tipo de iniciativa. Em
13 de outubro de 2013, registrou-se o sobrevoo com o maior número de aeronaves (42) civis da
história dos jogos de beisebol nos EUA, em uma formação do tipo diamante (na qual as
aeronaves voam agrupadas em uma forma de losango) (YOUTUBE, 2013). No Brasil, essa
prática é mormente observada em corridas automobilísticas, como nas competições de Fórmula
Indy, ocorridas em São Paulo nos anos de 2012 e 2013, quando caças da FAB participaram dos
eventos de abertura dos certames.
Outro tipo de evento internacional, no qual o prestígio aeroespacial das nações é
elevado intensamente, acontece nas feiras internacionais de aviação ou de produtos de defesa387.
Nessas feiras, em geral, os países são representados indiretamente pelas empresas que expõem
seus produtos388, uma grande oportunidade de demonstração da capacidade tecnológica da
indústria aeroespacial. Dois grandes eventos internacionais da indústria aeroespacial são a feira
de Le Bourget, na França, e a de Farnborough, no Reino Unido.
O Show Aéreo Internacional de Paris, título do evento francês, cuja última edição
ocorreu entre 17 e 23 de junho de 2019, foi inaugurado pelo presidente Emmanuel Macron. Na
feira, estiveram mais de 316 mil visitantes. Os participantes do evento puderam avaliar mais de
140 tipos de aeronaves (além de tecnologias e serviços), visitando estandes de produtos da
indústria aeroespacial de 49 países expositores. Segundo o sumário executivo do evento,
comparecerem na abertura do evento “304 delegações oficiais de 98 países e 7 organizações
internacionais, tais como União Europeia, OTAN e Nações Unidas, 16 ministros de estado, 48
chefes de estado-maior de forças armadas e 18 secretários de estado” (GIFAS, 2019, p. 6). A
Farnborough International Airshow (Show Aéreo Internacional de Farnborough), assim como
sua correlata francesa, é apresentada pelos organizadores como uma grande oportunidade de
negócios, um “hub empolgante para a tecnologia mais inovadora [...] oportunidade
incomparável de conhecer e estabelecer novos relacionamentos com os principais tomadores
de decisões” (FARNBOROUGH, 2020), no mercado aeroespacial. Na edição de 2018, a
brasileira Embraer participou efetivamente do evento com todos os seus principais produtos e
387 Morgenthau (1985, p. 53) afirmou que “A política do prestígio como uma política de demonstração de poder
que uma nação possui ou pensa que tem, ou quer que outras acreditem que possui, encontra um campo fértil na
localidade dos encontros internacionais”. De certo que o autor se referia a conferências como as de Haia (1899 ou
1907) ou Berlim (1878), cujo assunto envolvia grandes interesses de segurança internacional. Contudo, há também
nas feiras internacionais espaço para a demonstração de prestígio, principalmente via demonstração do poder
militar.
388 Há, também, estandes de exposições governamentais, cujo foco é propagar capacidades militares dos estados,
principalmente de suas respectivas forças armadas (no caso das feiras de aviação o foco maior é na força aérea ou
na aviação militar), e oferecer oportunidades de intercâmbio, negócios e, até mesmo, um maior conhecimento geral
sobre o país que expõem.
213
o tema principal naquela oportunidade foi a celebração dos cinquenta anos do voo do
EMBRAER 100, o Bandeirante. Essa foi a primeira aeronave projetada e produzida pela
empresa, época na qual ela era uma empresa totalmente pública, em grande parte produto da
inciativa pioneira do governo, por parte da Aeronáutica, em desenvolver a indústria
aeroespacial no Brasil. Ressalta-se, portanto, a conexão ideológica que feiras de aviação
oferecem como indício dessa característica do ambiente aeroespacial no contexto geopolítico.
Parte significativa da demonstração de prestígio nacional no campo aeroespacial é
obtida por intermédio da mídia. Revistas especializadas em aviação divulgam, entre outros
assuntos, aquisições recentes de equipamentos, exercícios militares, ranking de forças aéreas
(descrevendo suas estruturas e sistemas de armas) e informações de empresas de aviação
(equipamentos, linhas aéreas e dados estatísticos), novos desenvolvimentos tecnológicos ou
análise de mercados da aviação ou do setor espacial389. Fato semelhante pode ser observado em
sítios da rede mundial de computadores, em podcast, nos canais do Youtube (e recursos
similares), e grupos de mídias sociais (por exemplo: Linkedin, Instagram ou Facebook) que
tratam do tema aeroespacial390. Na verdade, esses veículos de comunicação ampliam
sobremaneira a difusão de informações que servem de reforço à questão da projeção do
prestígio nacional em assuntos ligados à atividade aeroespacial391. Todo esse aparato midiático
se assemelha a uma espécie de soft power (NYE, 2004) que o ambiente aeroespacial dispõe,
utiliza ou manipula na emolduração de uma geopolítica na qual está presente determinada
389 Apenas como ilustração dessa realidade, levantou-se alguns exemplos de revistas (impressa e digital) de aviação
no Brasil: Revista Asas (https://www.edrotacultural.com.br/); Revista Flap Internacional
(http://www.revistaflap.com.br/web/), que por vezes publica edições específicas para a aviação militar e aviação
civil; Revista Avião Revue (https://www.aviaorevue.com/); Revista Aero Magazine
(https://aeromagazine.uol.com.br/); Revista Airway (https://www.airway.com.br/); Revista Aeroin
(https://www.aeroin.net/); Revista Cavok (https://www.cavok.com.br/); e Portal Panrotas
(https://www.panrotas.com.br/aviacao); Revista Força Aérea (https://www.forcaaerea.com.br/); Revista Aviação
Notícias (http://www.aviacaonoticias.com/); Revista Embarque (https://revistaembarque.com/); e Revista High
(https://revistahigh.com.br/). Em Língua Inglesa, essa lista multiplica-se enormemente. Algumas dessas revistas
que têm larga circulação e impacto internacional são: Aviation Week and Space Technology
(http://www.aviationweek.com/); Airliner World (http://www.airlinerworld.com/); Jane's Defence Weekly
(http://www.janes.com/products/janes/defence-business/news/defence-weekly.aspx); Airforce Monthly
(http://www.airforcesmonthly.com/); e Air & Space (http://www.airspacemag.com/).
390 Glassner (1996) adiciona a filatelia ao debate sobre o uso ideológico do espaço exterior pelo simbolismo da
emissão de selos comemorativos que enaltecem feitos históricos, fenômeno que acontece semelhantemente em
relação à aviação.
391 É importante deixar claro que o prestígio é essencialmente uma qualidade positiva. Entretanto, não se pode
deixar de observar que há certa relatividade no conceito, ou mais especificamente, há níveis de prestígio
(determinado sujeito detém mais ou menos prestígio que outro). Não é propósito da Tese mensurar tal tipo de
relação, tampouco inferir sobre a possibilidade de influência da mídia na questão do prestígio entre os sujeitos.
Cabe aqui, tão somente, identificar sua função ideológica, elemento de uma geopolítica aeroespacial. Até porque,
se considerarmos a mídia como um agente geopolítico, devemos recordar o alerta de Colin Flint: “Os agentes
geopolíticos possuem múltiplos objetivos, eles não são entidades homogêneas, simples ou singulares” (FLINT,
2006, p. 189).
214
ideologia392. De fato, como observou Paul Claval, citado anteriormente, o repetido e enfático
discurso em torno de um gesto, nesse caso compreendido pela relevância do campo
aeroespacial, transforma-se em representação mental, uma significação. Morgenthau (1985)
também deixou isso claro quando colocou como propósito do prestígio conquistar a mente dos
homens.
A questão em torno do prestígio nacional pode ser observada claramente nos
projetos aeroespaciais das nações. Nardon (2011, p. 75), sintetizando análise de programas
espaciais de diversos países, dentre eles Rússia, França, China e Índia, concluiu que uma das
razões, que coloca em primeiro lugar na lista, para o desenvolvimento desses programas é
“reforçar o prestígio e a prominência do país”. Al-Rodhan (2012) percebe reflexos geopolíticos
de prestígio em fatores como a contribuição para objetivos de desenvolvimento (educação e
saúde), vantagens econômicas e spin off, tecnologia e capacidades militares, proporcionados
pelos projetos espaciais.
Sheehan (2007) entende o fator prestígio na questão da exploração espacial como
ferramenta de propaganda, composta de símbolos, que visam manipular o sentimento das
pessoas. Na sua opinião, “A corrida espacial também foi uma batalha de imagens e percepções”
(SHEEHAN, 2007, p. 21). Tanto no projeto norte-americano como no soviético se reconhece o
prestígio como fator fundamental. O autor assevera que, entre esses símbolos, “o voo de
Gagarin foi um golpe, pior até do que o lançamento do Sputnik, ao prestígio norte-americano,
que foi recuperado com o pouso na Lua” (SHEEHAN, 2007, p. 43)393.
Esse autor vê na exploração espacial, e porque não na atividade aeroespacial como
um todo, significados metafóricos, simbólicos, capazes de múltiplas interpretações e
significados. Essa perspectiva corrobora a análise de White (2014, p. 19) sobre a figura dos
astronautas e cosmonautas, os quais “são percebidos como heróis de uma sociedade que
deposita nas suas façanhas exploratórias as expectativas de uma fronteira final”.
Uma imagem que sintetiza bem o que até aqui foi discutido pode ser observada na
Figura 28. Trata-se da tripulação multinacional da Expedição 60, missão da ISS, entre 24 de
junho e 3 de outubro de 2019, composta pelos astronautas Andrew Morgan, Nicklaus Hague e
Christina Koch (da NASA), Luca Parmitano (da ESA) e os cosmonauta Alexander Skvortsov
e Aleksei Ovchinin (da Roscosmos).
392 Al-Rodhan (2012, p. 41), ao se referenciar à questão aeroespacial, afirma que “O soft power tornou-se elemento
importante nas relações de poder entre os estados”. Lamy e Masker (2012, p. 117) consideram “a cultura e a
ideologia de um país importante fontes de soft power”.
393 Esse mesmo autor reconhece que nas décadas do século XXI a questão do prestígio ressurgiu com grande
intensidade no campo aeroespacial, por meio do lançamento de satélites.
215
Figura 28 – Tripulação Multinacional da Expedição 60
Fonte: SPACE FACTS, 2020.
Além da óbvia caracterização das nacionalidades dos astronautas, mormente
observada nas bandeiras que compõem seus trajes394, a pujança tecnológica representada por
empreendimentos como a EEI395 destaca a proeminência, e por conseguinte o prestígio, das
nações envolvidas. Projetos como esse, essencialmente de caráter internacional, somente
podem ser iniciados após a consolidação de projetos nacionais próprios. Na verdade, exemplos
como esse, além da clara demanda pelo hard power (a capacidade tecnológica em si), retomam
a ideia de soft power, e da importância da ideologia, no contexto aeroespacial. Mais do que isso,
conforme asseveram Lamy e Masker (2012), abre-se espaço para uma contextualização
relacional, onde aqueles que detém a capacidade (no caso aeroespacial) possuem, relativamente,
maior prestígio internacional do que aqueles que não a possuem. Em essência, o valor político
do prestígio torna-se uma forte variável no contexto geopolítico.
Assim é que, ao concluir esse segmento de texto, cujo principal foco foi analisar a
importância da ideologia no contexto de uma geopolítica aeroespacial, podemos recorrer a Ó
394 Tal proposição já destacamos anteriormente ao apresentar o fato histórico de aposição da bandeira norte-
americana na Lua, em decorrência dos voos do Programa Apollo.
395 O Brasil aderiu ao grupo de países responsáveis pelo desenvolvimento da EEI em 1997, porém desistiu do
empreendimento, supostamente por problemas de escassez de recursos financeiros, no ano de 2007.
216
Tuathail e Agnew (1992), que destacam o valor do discurso, e por conseguinte, da ideologia,
no debate geopolítico, enfatizando que não é somente a prática que caracteriza esse campo
científico, mas também um entendimento discursivo que conecta geografia (e história), política
e ideologia.
3.3 Geopolítica Aeroespacial
Do sonho à realidade de se conquistar o ar e, depois, o espaço exterior, o propósito
deste Capítulo foi elucidar o valor geopolítico do ambiente aeroespacial. Configura-se,
portanto, a medida da influência do ambiente aeroespacial nas discussões sobre geopolítica. No
Capítulo anterior, buscou-se revelar a dimensão geográfica do objeto de estudo (o ambiente
aeroespacial), possuidor de elementos fisiográficos suficientes para caracterizá-lo como espaço
geográfico. Deudney (1982, p. 6), referindo-se ao espaço exterior – mas que se demonstra
pertinente a todo ambiente aeroespacial –, afirmou ser “não uma tecnologia, um programa ou
uma causa, mas um lugar”.
A Tese envidou esforços no sentido de enriquecer o discurso geopolítico,
tradicionalmente voltado para as questões geopolíticas na superfície, por meio da inserção de
uma nova dimensão geográfica, a terceira dimensão ou o ambiente aeroespacial. Na elaboração
dessa Geopolítica Aeroespacial, ficou subjacente a demanda de uma readaptação do
pensamento de Friedrich Ratzel, em especial no que tange às leis do crescimento espacial dos
Estados e a sua aplicação ao ambiente aeroespacial.
O ambiente aeroespacial constitui-se em uma nova perspectiva geográfica,
permitindo uma melhor consciência situacional do espaço geográfico, seja por meio da
fotografia aérea ou do sensoriamento remoto orbital. Lysias Rodrigues (1947, p. 71) já
identificara isso com relação à aviação quando citou que “A fase aeronáutica em que entrou o
mundo moderno [...] transformou a aviação em um instrumento geopolítico de alta valia [...] e
chegou ao ponto de provocar uma remodelação no estudo da geopolítica”. Nesse ponto ficou
clara a demanda de alteração no conceito de fronteira, haja vista que o exercício do poder estatal
podia ser realizado a partir de cima, superando os naturais impedimentos do relevo, da
vegetação e da hidrografia. Sheehan (2007, p. 183) apontou que “A humanidade trouxe a
questão das fronteiras para o espaço, replicando as divisões políticas e tensões características
da política global”. As teorias do poder terrestre, de Mackinder, e do poder marítimo, de Mahan,
demandavam atualização à luz do poder aéreo.
Esse novo poder, cujas primeiras elaborações teóricas surgiam logo após a 1ª GM,
indicava que houvera uma transformação na arte da guerra, que passaria a ser uma guerra total.
217
As estratégias e as táticas precisavam ser alteradas para inserir a aviação, o que de fato ocorreu
na 2ª GM. Logo depois, na Guerra Fria, o poder aéreo nos vetores dos mísseis balísticos, que
cruzavam a estratosfera, e dos bombardeiros estratégicos de longo alcance que protagonizavam
a cena, a perspectiva se elevou ao espaço exterior, naquilo que ficou conhecido como corrida
espacial. Nos foguetes alemães da 2ª GM jaziam os veículos que conduziriam o homem ao
Espaço e à Lua. Durante a Guerra Fria, na verdade, todo o discurso geopolítico se viu em torno
dessas capacidades aeroespaciais. Até mesmo a Geografia passa a ser analisada sob a influência
do poder aéreo, como bem pode ser observado na Guerra do Vietnã, naquilo que Lacoste
denominou guerra ecológica. O fato é que a corrida espacial, em última instância, a busca pelo
domínio do ambiente aeroespacial, se transformou em projetos geopolíticos das nações
desenvolvidas396.
O que se iniciou como poder aéreo agora era claramente um poder aeroespacial.
Seversky deu os primeiros passos nessa direção quando percebeu o mundo sob uma nova
perspectiva derivada da capacidade dos vetores aeroespaciais, mormente pelas características
de velocidade e de alcance global. Esse fator fica muito claro quando se observa que “na
transposição da exosfera as civilizações entraram definitivamente na Era espacial, dando início
a um novo ciclo, com o prolongamento e projeção do poder aéreo para o Espaço imediatamente
próximo e a concretização progressiva de um poder aeroespacial” (TOMÉ, 2009, p. 293-294).
Antecipava-se, então, uma revolução tecnológica advinda da aviação que alterava a percepção
geopolítica do poder mundial. Nesse compasso, Al-Rodhan (2012, p. 212) entende que “O
poder [aero]espacial continuará a modificar a dinâmica do relacionamento geopolítico entre os
estados”.
Os efeitos dessa realidade puderam ser observados em quatro grandes temas
relacionados à geopolítica: o território, a economia, a tecnologia e a ideologia. No primeiro
caso, considerou-se que o ambiente aeroespacial se molda, com particularidades, ao conceito
de território. Em particular, nos ativemos a considerar sobre o exercício da soberania nesse
novo ambiente, inferindo que existem peculiaridades no arcabouço jurídico para o segmento
espaço aéreo, cuja legislação consolida a soberania no espaço aéreo sobrejacente ao território
estatal, e para o espaço exterior, questão que é ainda discutida e reclamada nos organismos
interacionais. Raciocínio semelhante se observou na questão do exercício do poder. Vimos,
também, que o território do ambiente aeroespacial é uma rede, onde há uma interação entre
396 Ilayda Aydin (2019, p. 27) destaca que, no caso do espaço exterior, os Estados somente poderão usufruir de
forma vantajosa as vantagens econômicas, militares e políticas se souberem “utilizar, bem sucedidamente, as
propriedades físicas e as particularidades geográficas do ambiente espacial”.
218
fixos e fluxos, bem ao esquema representado na Figura 18. Além disso, os estados investem na
questão da territorialidade quando advogam a soberania do espaço aéreo e, como foi observado
na Declaração de Bogotá, em zonas e faixas geográficas de alto valor político no espaço
exterior. O que nos parece plausível no caso do ambiente aeroespacial é concordar com a
opinião de Sánchez (1992, p. 32) quando afirma que “Da perspectiva da geografia, o território
surge como o âmbito a se dominar”.
No caso da economia, onde se apontou para a pertinência do conceito de
geoeconomia, abordou-se a relevância do espaço aéreo e da atividade aeronáutica, recorrendo-
se a constatação da sua pujança no contexto econômico, mormente pela inserção de múltiplos
atores nessa atividade. No caso da atividade relativa ao espaço exterior, percebeu-se que a
sociedade vem demandando cada vez mais desse setor, cuja dependência de serviços como as
telecomunicações hoje é vital para os Estados. A atividade espacial também é cada vez mais
influenciada por atores não estatais (o New Space), que passam a ter força e legitimidade para
influenciar políticas públicas. É uma atividade com muitas possibilidades comerciais, tais como
mercado de satélites e exploração de recursos naturais em corpos celestes397. Importante foi
constatar que no caso do espaço exterior observam-se disputas por um espaço geográfico
limitado, tais como as órbitas geoestacionárias, reproduzindo uma realidade que a geopolítica
já testemunhou na superfície terrestre. Nesse ponto, Deudney (1982, p. 45) já alertava que “O
espaço próximo é um recurso limitado e degradável”.
Em grande parte, a economia aeroespacial se vê dependente, no setor aeroespacial,
da tecnologia de ponta. Alguns autores já destacaram essa característica. Saul Cohen (1963, p.
xvi) colocou que “A reformulação do mapa político do mundo é resultado tanto de inovação
tecnológica e fermento ideológico”. Paul Claval (1979, p. 17), referindo-se a um segmento que
tem relação direta em nosso estudo, já apontava que “A arquitetura espacial das sociedades está
estreitamente ligada à tecnologia dos transportes, que condiciona o âmbito do fluxo de bens e
de serviços que normalmente são trocados”. John Agnew (2003, p. 99) considerou que “A
difusão global das ferrovias e o invento do aeroplano foram provavelmente os maiores desafios
ao pensamento convencional sobre tempo e espaço”. Esse, portanto, foi outro aspecto a se
destacar na relevância geopolítica do ambiente aeroespacial. A geotecnologia, como foi
apontado, é um fator determinante no desenvolvimento econômico e social, tal como já havia
sido apontado por Ratzel que a denominou genericamente de cultura. A tecnologia, no contexto
397 Mesmo que essa atividade de “imensos potenciais comercial e científico, esteja em risco fruto das ameaçadas
projetadas pela implantação de armas no espaço”, como conclui o relatório da UNIDIR na Conferência sobre
Espaço Exterior e Segurança Global (UNIDIR, 2003, p. 10).
219
deste estudo, é essencialmente aeroespacial, haja vista que os atores envolvidos, principalmente
a indústria aeroespacial, desenvolvem produtos e serviços para os setores aeronáutico e
espacial, e na maior parte do tempo para ambos, em esforços empresariais conjuntos. Assim é
que faz plenamente sentido se falar em ambiente aeroespacial.
Por fim, destacou-se a inserção da ideologia como fator inerente a uma geopolítica
aeroespacial. Seja na forma da compreensão de uma geografia cultural, que vai além da mera
conformação fisiográfica do espaço, de modo a abarcar o papel da tecnologia no
desenvolvimento das sociedades. Além da importância da ideologia no estudo da geopolítica
aeroespacial, o fator segurança revelou-se potente elemento de análise geopolítica. Fato que
pode ser observado pela relação da atividade aeroespacial com o desenvolvimento de projetos
ideológicos que visavam o reforço de nacionalismos. Mais além desse incentivo, percebeu-se
que para o prestígio nacional a conexão entre ideologia e ambiente aeroespacial representa um
verdadeiro soft power geopolítico.
Há, portanto, claras evidências sobre a pertinência da Tese sobre a existência de
uma Geopolítica Aeroespacial. A caracterização de um espaço geográfico (o ambiente
aeroespacial), confluindo para questões políticas (dentre elas o poder), econômicas,
tecnológicas e ideológicas, apontam fielmente para os elementos essenciais da geopolítica.
Como toda teoria geopolítica, em especial quando se considera a geopolítica
clássica, surge a demanda de se agregar políticas públicas, ou ao menos elementos a serem
considerados nessas políticas. Considera-se que a geopolítica aeroespacial lida ou lidará com
questões tradicionais, tais como disputa por recursos naturais, ampliação do território estatal,
questões de cunho ambiental, querelas jurídicas e, eventualmente, conflitos interestatais. Assim
é que há necessidade de se preparar os decisores políticos para lidar com essas questões. E como
forma de contribuir com essa preparação, o próximo Capítulo discutirá cenários de uma
geopolítica aeroespacial, sob as premissas Realista e Idealista das relações internacionais.
220
4 CENÁRIOS DA GEOPOLÍTICA AEROESPACIAL
“A fim de garantir a defesa nacional, é necessário e suficiente
estar em condições de obter o domínio do ar”
(DOUHET, 1988, p. 53).
“A ela [a Aviação,] está, de fato, condicionada a
sobrevivência nacional”
(SEVERSKY, 1988, p. 17).
“Controle do espaço [exterior] significa controle do mundo”
Lyndon B. Johnson
(WASSER, 2005).
“Quem controla as órbitas baixas terrestres controla o espaço
próximo da Terra. Quem controla o espaço próximo da Terra
domina a Terra. Quem domina a Terra determina
os destinos da humanidade” (DOLMAN, 2002, p. 7).
A análise de cenários geopolíticos aplicados ao ambiente aeroespacial não é uma
atividade acadêmica regular na Geografia, daí que a Tese, a partir desse momento, se aventura
em um processo sem precedentes sólidos398. Essa afirmação parece contrariar alguns
apontamentos que até aqui serviram de argumento para a conformação de um debate
geopolítico. Entretanto, cabe destacar que as análises em torno dessa nova geopolítica são
mormente voltadas para dois campos específicos.
O primeiro desses campos dirigiu-se, historicamente, para análises sobre a
influência do poder aéreo como expressão de poder (SEVERSKY, 1950; BOYNE, 2003;
BUDIANSKY, 2004; OLSEN, 2011), ou ainda na perspectiva dos estudos estratégicos
(JORDAN et al., 2008; HAUG e MAAO, 2011; BAYLIS, WIRTZ e GRAY, 2013;
MAHNKEN e MAIOLO, 2014; ANGSTROM e WIDEN, 2015). Há, evidentemente, nessa
concepção um foco militarizado da análise geopolítica.
O segundo campo específico é voltado para o aspecto econômico. O transporte
aéreo, ou a atividade aeronáutica como um todo, aparece em estudos sobre as rotas aéreas, as
empresas aéreas, o mercado do turismo, a influência dos aeroportos na dinâmica urbana ou
regional etc.399
No caso do espaço exterior, uma tendência semelhante se observa quando listamos
os três principais eixos de análise: a) o de cunho militarista, encerrada em estudos sobre o space
398 Doboš (2019) alerta que, em especial no caso do domínio do espaço exterior, análises geopolíticas são
subestimadas face à percepção enganosa de que esse domínio seria um ambiente cooperativo e de paz.
399 No Capítulo anterior, destacamos a influência da geoeconomia no ambiente aeroespacial e apontamos algumas
referências de estudos voltados para a atividade aeronáutica na perspectiva econômica.
221
power (pode espacial) ou space warfare (guerra espacial) (PAHL, 1987; GIBSON, 2001;
KLEIN, 2006; JOHNSON-FREESE, 2017; LUTES et al., 2011) ; b) o de cunho comercial,
onde referenciamos a tendência do New Space (DOBOŠ, 2019); e c) o de cunho jurídico
(BITTENCOURT NETO, 2011; BRÜNNER e SOUCEK, 2011; ODUNTAN, 2012;
SANTANA e LIENDO, 2017).
Não há, contudo, nesses estudos sobre poder aéreo ou sobre poder espacial um
sincretismo conceitual como aquele que se propõe nesta Tese, quando se fala de Poder
Aeroespacial. O fato é que as citações da epígrafe, ora voltadas para o poder aéreo, ora para o
poder espacial, direcionam a questão geopolítica de forma compartimentada. Não é esse o
entendimento da Tese. Para tentar consolidar essa visão, cabe-nos iniciar este Capítulo de
cenários, aproveitando-se das evidências anteriormente coletadas, com uma indagação: o que é
Geopolítica Aeroespacial?
A palavra geopolítica, amiúde debatida, origina-se da compreensão de que os
fatores geográficos condicionam e/ou reverberam políticas públicas (dos Estados). Essa é uma
clara conjugação de duas abordagens. A geográfica, que esperamos ter desenvolvido quando
caracterizamos o ambiente aeroespacial em suas feições morfológicas e cartográficas, e
estruturando-o como um sistema integrado de componentes terrestres, aéreos e espaciais. E a
política, introduzida no Capítulo anterior, e aqui complementada, emprestando à Tese um
sentido empírico e propositivo, na forma de cenários. Nesse ponto, recordamos que as
evidências coletadas entre os experts agem como elementos de corroboração dos indícios
apresentados nos esforços de geografização e geopolitização.
O adjetivo aeroespacial advém da conjugação das palavras aéreo e espacial. No
âmbito do Poder Aeroespacial, trata-se da combinação do poder aéreo com o poder espacial. A
palavra poder, quando mais bem explicitada, conduzirá ao entendimento do sentindo que se
propõe nesta Tese. Cabe, então, retomar Claude Raffestin (1993) em sua discussão sobre poder,
cuja ideia central é que o poder é relacional. No ambiente aeroespacial, o relacional equivale às
interações entre agentes públicos (mormente o Estado), empresas privadas, organismos
internacionais de regulação e mediação, recursos humanos etc.400 Além disso, Raffestin (1993)
identifica as principais formas de exercício do poder: a) a de natureza coercitiva, onde há a
possibilidade de coação pela força ou pelo uso de sanções de natureza física (neste caso, fica
400 A busca por uma especificidade brasileira acerca de um conceito aplicado de Poder Aeroespacial é, nesse
aspecto, apropriada, pois identifica como elementos componentes desse poder os seguintes setores: “a Força Aérea
Brasileira, a Aviação Civil, a Infraestrutura Aeroespacial, a Indústria Aeroespacial e de Defesa, o Complexo
Científico-Tecnológico Aeroespacial e os Recursos Humanos Especializados em Atividades Relacionadas ao
Emprego Aeroespacial” (BRASIL, 2012, p. 35-36).
222
explícita a vertente militar do poder aeroespacial); b) a de natureza remuneradora, cujo foco
econômico implica no controle de acesso a recursos (o autor fala de recursos materiais, mas
entendemos que os recursos humanos, em contexto de tecnologia de ponta como é o caso do
setor aeroespacial, também cabe na definição); e c) aquela que poderíamos denominar soft
power, ou no aspecto normativo, de representação, com o uso de recursos simbólicos,
ideológicos401.
Eis, desse modo, o sentido de Poder Aeroespacial que se pretende considerar, muito
mais além do fator militar, e voltado também para fatores geográficos, econômicos,
tecnológicos e ideológicos. Logo, o sentido de uma Geopolítica Aeroespacial reside exatamente
nessa conjugação de fatores proporcionada na forma do ambiente aeroespacial. Até porque,
queiramos ou não, tanto o poder aéreo como o poder espacial dependem de processos
conjugados, integrados, dependentes do desenvolvimento tecnológico, de uma indústria
compartilhada, de um mercado competitivo e diversificado, da produção de equipamentos
duais, de protocolos técnicos que envolvem organismos estatais (as forças aéreas) e privados (a
indústria aeroespacial), além da produção de um discurso de sentido ideológico, que reforça
nos programas aeroespaciais questões como segurança e prestígio.
Outro forte argumento é verificar que ambos, poder aéreo e poder espacial, estão
também vinculados à superfície, por exemplo, na forma de aeroportos/centros de lançamento
ou de órgãos de controle do tráfego aéreo/centros de rastreamento de veículos espaciais. Assim
como o poder aéreo não existe somente no ar, o poder espacial não existe somente no espaço.
Há nessa realidade uma continuidade entre superfície, atmosfera e espaço exterior402.
Se voltarmos nossa atenção aos processos de militarização do espaço em curso em
alguns países, perceberemos que jazem sobrejacentes a eles uma forte integração entre a
atividade aeronáutica militar e a recém surgida força espacial. Citamos anteriormente os casos
dos EUA. Analisando a situação norte-americana observamos que o sexto ramo de força
armada, a Space Force (Força Espacial) foi criada com base nas capacidades do Space
Command (Comando Espacial) e do Strategic Command (Comando Estratégico), ambos
originários da Força Aérea dos EUA. Além do mais, não há, ainda, a possibilidade de
401 Observamos essa tendência anteriormente no caso da Índia, por meio da difusão das telecomunicações em país
de grande dimensão territorial, e ainda no segmento que tratou de Ideologia, onde observou-se a questão da
segurança e do prestígio nacionais, dentre outros o fato de se postar bandeiras nacionais nos corpos celestes.
402 Mackinder, ao pensar em um poder terrestre, não fez distinções quanto à sua aplicabilidade em contextos
geográficos diferenciados (tanto do ponto de vista do relevo como da cobertura de vegetação). Mahan, ao discursar
sobre o poder marítimo, não o separou em função de corpos aquáticos de diferentes naturezas (oceanos, rios ou
lagos).
223
recrutamento de novos recursos humanos, ficando a Space Force dependente dos efetivos atuais
das forças armadas norte-americanas. Complementando esse raciocínio, a Space Force é
subordinada ao Secretário da Força Aérea, parecendo-se mais como um corpo dentro de uma
força armada (a exemplo do US Marine Corps – os Fuzileiros Navais) do que uma força
independente das demais (PLANETARY RADIO, 2020)403. Interessante notar que tal processo
de formação ocorreu nos primórdios da aeronáutica, quando defensores de uma aviação
independente mantiveram com o exército ou a marinha alto grau de relacionamento.
Na verdade, nos EUA, a discussão sobre o termo aeroespacial tem origem na
querela entre as forças armadas desse país em torno de questões de orçamento e exercício de
determinadas funções ou competências na área de segurança nacional404, inclusive extrapolando
o âmbito militar, levando o assunto ao poder legislativo. Em torno desse debate está a questão
da integração do ar com o espaço, que segundo Hays e Mueller (2001, p. 42) é uma “questão
filosófica, que em decorrência da crescente importância do contexto militar, transforma a
demanda por integração nos campos teórico, doutrinário e operacional um assunto cada vez
mais importante”. Consideramos que também na esfera da geopolítica essa integração tem se
tornado tema de grande relevância. Frank Jennings (2001, p. 49) expõe conclusões vigorosas
da Força Aérea dos EUA sobre essa integração. O ar e o espaço são considerados “um meio
operacional sem costuras”, ou seja, sem limites, um campo contínuo. Não é por menos que,
ainda hoje, tal integração pode ser observada. O North American Aerospace Defense Command
– NORAD (Comando de Defesa Aeroespacial Norte-Americano), apesar das questões em torno
do termo aeroespacial, cuja principal evidência é a não existência do termo aerospace no
principal glossário das forças armadas, mantém a ideia de uma defesa aeroespacial (NORAD,
2020), cuja função dirige-se não somente contra aeronaves inimigas, mas também contra
mísseis balísticos e contra veículos espaciais.
Um argumento final para que o conceito expresso na palavra aeroespacial encerre
o significado conjugado que propomos é observarmos o exemplo simbólico de uma agência
governamental norte-americana, que recebe vultosos recursos financeiros e é responsável por
projetos que significaram grandes avanços tecnológicos para a humanidade, de modo a
403 A Space Force, ou qualquer outra forma de arranjo dessa ideia de integração das atividades espaciais, já é um
assunto discutido no âmbito das forças armadas norte-americanas há algum tempo, principalmente por meio de
estudos acadêmicos nas escolas militares, como, por exemplo, os trabalhos de Brown (1978), Lupton (1998),
McNiel (2003) ou Fredriksson (2006), além da compilação de DeBlois (1999), que é considerada uma obra de
referência sobre estudos nessa área. Em 2020, a Space Force comandou pele primeira vez na história o lançamento
de um satélite a ser utilizado na segurança nacional, a partir do Cabo Canaveral, na Flórida (BBC, 2020).
404 Uma melhor compreensão dos argumentos em torno do debate sobre o conceito de aeroespacial pode ser obtido
nos artigos de Peter Hays e Karl Mueller (2001) e Frank W. Jennings (2001).
224
representar o estado da arte no campo aeroespacial. A agência federal norte-americana
NASA405, a National Aeronautics and Space Administration (Administração Nacional para a
Aeronáutica e para o Espaço), como o próprio nome revela, é uma organização que, apesar de
receber maior foco midiático nas missões espaciais, como é o caso do Projeto Artemis, que se
desenvolve com o propósito de novamente levar o homem (e a primeira mulher) à Lua, também
integra pesquisa, desenvolvimento e projetos no campo aeronáutico. Em verdade, a agência
surge em 1958, a partir de um comitê nacional de assessoramento para assuntos aeronáuticos,
o National Advisory Committee for Aeronautics – NACA. No presente, a atividade aeronáutica
no âmbito da NASA é intensa. Dentre os projetos e pesquisas da agência, encontramos: a) o X-
57 ‘Maxwell’, também denominado X-plane, uma aeronave experimental totalmente elétrica;
b) sistemas de gerenciamento do controle de tráfego aéreo, em parceria com a Administração
Federal da Aviação, sendo que um dos produtos recentes é um sistema para gerenciamento de
voo de drones voando a baixa altura; e c) o Low-boom Flight Demonstration que é uma pesquisa
de coleta de dados que permitirá voos supersônicos sobre a superfície terrestre reduzindo o
tempo de deslocamento (NASA, 2020), apenas destacando dentre os mais recentes.
Direcionando a Tese para uma finalidade propositiva no campo da geopolítica
aeroespacial, e baseados na ideia de um ambiente com variáveis geográficas, políticas,
econômicas, tecnológicas e ideológicas integradas, propomos aqui, em caráter introdutório, a
elaboração de cenários sobre a geopolítica aeroespacial, que possam contribuir com os estudos
geopolíticos nacionais. Acreditamos que as análises evidenciadas também contribuirão para se
demonstrar a pertinência de uma geopolítica aeroespacial.
4.1 Notas metodológicas sobre os cenários
Antes de se adentrar nas questões observadas na coleta de dados junto à atores que
direta ou indiretamente lidam com a temática aeroespacial, faz-se necessário esclarecer o
conceito de cenário, o problema que se apresenta à geopolítica aeroespacial e tecer
considerações sobre o instrumento de pesquisa.
4.1.1 Cenários prospectivos realizáveis
A elaboração de cenários prospectivos na geopolítica é uma ferramenta que teria
surgido com os estudos de Herman Kahn (GODET, 1979) sobre a possibilidade de conflito
405 A NASA “é responsável por realizações científicas e tecnológicas exclusivas em aplicações espaciais de voo
espacial, aeronáutica, ciência espacial e espacial que tenham impactos generalizados nos EUA e no mundo”
(disponível em https://www.nasa.gov/content/nasa-history-overview).
225
nuclear no período da Guerra Fria. Desde então, os cenários prospectivos têm sido utilizados
para “estimular o pensamento estratégico e a comunicação; ampliar respostas às incertezas
prevenindo quebras sistêmicas nos mais diversos ambientes; e reorientar opções políticas
baseadas nas consequências que determinados futuros podem demandar” (GODET e
ROUBELAT, 1996, p. 166).
Cenários, portanto, devem ser compreendidos como situações futuras prováveis,
decorrentes de uma análise prospectiva, que aqui advirá da opinião de experts do setor
aeroespacial no Brasil. Conforme apontou Martelli (2014, p. 26 e 29), e que é propósitos da
metodologia de elaboração de cenários sobre a geopolítica aeroespacial, é preciso “substituir
visões lineares e predições pontuais, assim como reduzir incertezas e antecipar
complexidades”406.
O principal objetivo do Capítulo, portanto, é identificar cenários futuros possíveis,
a fim de auxiliar os decisores políticos a conjecturar sobre políticas públicas para o setor
aeroespacial, permitindo que o Brasil possa enfrentar contextos próximos com alguma
probabilidade de ocorrência407. Para tanto, há que se relembrar o que Godet (1979, p. 52)
chamou de “cenários realizáveis”, em distinção a “cenários possíveis”. Neste momento, o que
se busca formular são os cenários prospectivos possíveis, que se conjecturam a partir da visão
de especialistas e das restrições conhecidas. A Figura 26 representa o contexto dos cenários
prospectivos realizáveis.
406 Martelli (2014, p. 15) alerta que cenários “não são previsões nem projeções e podem ser baseados em uma
narrativa enredo. Os cenários podem ser derivados de projeções, mas frequentemente incluem informações
adicionais de outras fontes”. Godet e Roubelat (1996, p. 166), além de atentarem para o fato de que a previsão do
futuro não é objeto dos cenários, conceituam-no como “Uma descrição de uma situação futura e o curso dos
eventos que permitem avançar da situação original para a situação futura”. Outra definição muito apropriada à
finalidade do Capítulo é a que consta do Glossário das Forças Armadas brasileiras, que conceitua cenário
prospectivo como um “Conjunto formado pela descrição coerente de uma situação futura e pelo encaminhamento
dos acontecimentos que permitam passar da situação de origem à situação futura” (BRASIL, 2015, p. 57).
407 No Brasil, uma influente obra de elaboração de cenários é o livro de Marcial e Grumbach (2008).
226
Figura 29 – Cenários prospectivos realizáveis
Cenários
Prospectivos
Realizáveis
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de GODET, 1979).
Em função dessa premissa de cenário realizável, o que se propõe é obter insigths
para uma visão prospectiva sobre o panorama da geopolítica aeroespacial, pretendendo se
alcançar o “aperfeiçoamento do processo de aprendizagem [no âmbito de estudos acadêmicos],
a melhoria do processo decisório [na esfera estatal] e a identificação de novas questões e
problemas que [o Brasil] poderá enfrentar no futuro” (MARTELLI, 2014, p. 35).
Um objetivo subsidiário, porém de grande relevância, será observar nas respostas
dos experts acerca das variáveis de estudo (evidências geográficas, políticas, econômicas,
tecnológicas e ideológicas) as evidências para testarmos a falseabilidade da hipótese de
pesquisa (POPPER, 2008).
4.1.2 Apontando o problema da geopolítica aeroespacial
Considerando a proposta de caracterização e geopolitização do ambiente
aeroespacial da Tese, a formulação de cenários prospectivos no âmbito da geopolítica
aeroespacial corrobora os enunciados e, ao mesmo tempo, permite deduzir tendências da
geopolítica aeroespacial mundial. A fim de se atingir esse objetivo, foram elaborados cinco
mapas baseados em determinadas variáveis geopolíticas estudadas na pesquisa. As
representações cartográficas que serão apresentadas adiante constituem-se em importantes
subsídios para a apreciação da geopolítica aeroespacial sob a ótica brasileira e com
extrapolações possíveis para a compreensão do contexto mundial. Apesar de não esgotarem as
possibilidades de contextualização situacional da geopolítica aeroespacial, considera-se que os
elementos sugeridos permitam introduzir raciocínios sobre os cenários que serão adiante
escrutinados.
227
O Mapa 1 tem o propósito de revelar o grau de concentração do mercado mundial
de transporte aéreo, por meio das variáveis geográfica e econômica. Para tanto, aponta as 15
maiores empresas desse setor, considerando a receita em bilhões de US$ por km voado, com
dados de 2018408.
Mapa 1 – As 15 maiores empresas de transporte aéreo do mundo409
(receita em bilhões de US$ por km voado)
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de IATA, 2019b).
408 Chris Loh (2020) aponta como maiores empresas de aviação, em termos de frota de aeronaves, a American
Airlines (872), a Delta Air Lines (844), a United Airlines (810), a Southwest Airlines (737) e a China Southern
Airlines (616). Há muitas formas de se averiguar o desempenho de companhias aéreas e classificá-las em rankings
globais. Teker, Teker e Günner (2016) discutem critérios como: retorno financeiro por aeronave; retorno financeiro
por capital próprio; retorno financeiro por margem de lucro líquido; duração em dias médios por rendimentos
recebíveis; duração em dias médios pelo custo de estoque de mercadorias vendidas; duração em dias médios por
compras de contas a pagar; relação entre ativos e passivos circulantes; relação entre o índice de dívida e o
patrimônio líquido de longo prazo; lucro líquido ganho menos juros e impostos versus eficiência das despesas com
juros; relação de receita por empregado versus o número de empregados; ou receita por aeronave.
409 A American Airlines, a Delta Air Lines, a United Airlines e a Southwest Airlines são empresas sediadas nos
EUA. A empresa aérea Emirates é sediada nos Emirados Árabes Unidos. A China Southern Airlines, a China
Eastern Airlines e a Air China são sediadas na China. A Ryanair tem como sede a República da Irlanda e a
Lufthansa, a Alemanha.
228
A observação atenta ao Mapa 1 permite algumas conclusões. Em primeiro lugar há
uma concentração geográfica das empresas no hemisfério Norte. Mais especificamente,
percebe-se uma convergência na tríade formada por EUA, China e Europa. Do ponto de vista
da receita por km voado quando consideramos apenas as 10 maiores empresas do setor, o mapa
indica, como segunda observação, que empresas sediadas nos EUA (no caso a American
Airlines, a Delta Airlines, a United Airlines e a Southwest Airlines) são responsáveis por cerca
de 51% da receita (quando consideramos apenas as 10 maiores), o que permite inferir pela
concentração econômica do segmento. O segundo polo de concentração, responsável por 22%
da receita por km voado, já é representado pelas empresas chinesas. Essa concentração
geográfica e concentração econômica permite apontar uma tendência de apropriação
oligopolista de mercado de transporte aéreo mundial.
O Mapa 2 revela outro viés acerca da concentração geográfico-econômica do
transporte aéreo. O objetivo, aqui, é destacar a posição geográfica dos aeroportos que receberam
os maiores investimentos em infraestrutura (ampliação das instalações aeroportuárias, tais
como pistas de pouso, pátios de estacionamento de aeronaves, terminais de carga e/ou de
passageiros, dentre outros)410, nos anos de 2017 e 2018.
410 Complementarmente aos investimentos em infraestrutura, depreende-se dos documentos analisados que uma
das consequências desses aportes financeiros é uma maior integração desses aeroportos às redes de transporte
aéreo doméstico e internacional.
229
Mapa 2 – Os 10 maiores aeroportos com investimentos de infraestrutura
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de IATA, 2018; 2019a).
O que se observa nesse panorama é uma menor concentração quando comparada
com aquela observada no Mapa 1, notadamente pela presença de países em desenvolvimento.
Além de Reino Unido e China, surgem novos polos econômicos de investimento em
infraestrutura aeroportuária e, complementarmente a esse processo, tais polos têm obtido uma
maior integração de seus aeroportos às redes de transporte aéreo doméstico e internacional.
Consequentemente, ainda no escopo das variáveis geográfica e econômica, abre-se um leque
para novas pesquisas a partir da análise das inferências do Mapa 2, abrangendo aspectos como
o papel desses novos atores regionais (principalmente, México, Brasil, África do Sul, Argentina
e Omã) na dinâmica do transporte aéreo mundial, e sua influência na balança
geopolítica/geoeconômica nesse segmento.
O Mapa 3 alude às variáveis geográfica, econômica e tecnológica. São apontadas a
localização das 45 maiores empresas do setor aeroespacial no mundo (empresas que produzem
para a atividade aeronáutica e espacial ao mesmo tempo), com dados entre 2018 e 2019, e com
230
base no valor de mercado dessas empresas na bolsa de valores de Nova Iorque (VALUE
TODAY, 2020)411.
Mapa 3 – As 45 maiores empresas do setor aeroespacial do mundo
(valor no mercado de capitais em 2019)
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de ARMY TECHNOLOGY, 2018; MISACHI, 2019; BEST, 2019; VALUE
TODAY, 2020).
Novamente, observa-se o fenômeno da concentração geográfica, mormente nos
EUA, Europa, China e Índia. Inclusive, é evidente a relação entre esse mapa e o Mapa 1, no
411 As empresas observadas no mapa são, respectivamente: Nos EUA (18 empresas): The Boeing Company; United
Technologies Corporation; Lockheed Martin Corporation; General Dynamics Corporation; GE Aviation;
Northrop Grumman; Raytheon Company; Honeywell International Inc.; Transdigm Group Inc.; Heico
Corporation; Theledyne Technologies Inc.; Textron Inc.; Spirit Aerosystems Holdings Inc.; AAR Corp.;
Aerovironment Inc.; Triumph Group Inc.; Griffon Corporation; e L3 Technologies Inc. Na Índia (7 empresas):
Bharat Dynamics Ltd.; Astra Microwave Products Ltd.; Reliance Naval and Engineering Ltd.; Taneja Aerospace
& Aviation Ltd.; Sika Interplant Systems Ltd.; Bharat Electronics Ltd.; e Hindustan Aeronautics Ltd. Na China (4
empresas): AECC Aviation Power; Avic Aircraft; Avic Shenyang Aircraft; e Avichina. Na França (3 empresas):
Safran; Thales; e Dassault Aviation. No México (3 empresas): Grupo Aerportuário del Pacífico S.A. de C.V.;
Grupo Aerportuário del Sureste S.A. de C.V.; e Grupo Aerportuário del Centro Norte S.A.B. de C.V. No Reino
Unido (2 empresas): BAE Systems; e Rolls-Royce. No Japão (2 empresas): Subaru Corporation; e Mitsubihi Heavy
Industries. Na Coreia do Sul: Korea Aerospace. No Brasil: Embraer S.A. Na Holanda: Airbus SE
(Multinacional). Em Luxemburgo: Corporacion America Airports S.A. Na Itália: Leonardo (Finmeccanica). No
Canadá: Bombardier Inc.
231
que tange às concentrações geográfica e econômica quanto à tríade EUA-Europa-China. Porém,
também se observa a tendência apontada no Mapa 2, quanto à inserção de novos atores, como
México, Coreia do Sul e Índia, além de alguns países europeus e o Brasil, que é identificado
como único representante do hemisfério Sul do ponto de vista geográfico.
Do ponto de vista econômico, os EUA possuem o maior número dos gigantes do
setor aeroespacial, tais como a The Boeing Company, a United Technologies Corporation, a
Lockheed Martin Corporation, a General Dynamics Corporation, a General Electric Aviation
e a Northrop Grumman, responsáveis por fatias consideráveis do mercado de produtos
aeronáuticos e espaciais. De acordo com a Aerospace Industries Association of Canada – AIAC
(Associação das Indústrias Aeroespaciais do Canadá), somente a Boeing, a Lockheed Martin e
a Northrop Grumman respondem por 19,3% da receita produzida no mercado aeroespacial
global (AIAC, 2010).
Ao se apreciar a pujança econômica de países ou regiões (EUA, China, Índia e
Europa) nas quais estão concentradas a indústria aeroespacial, e considerando que se trata de
uma indústria de alta complexidade científica, é possível inferir outra tendência advinda desse
mapa, qual seja a da concentração tecnológica, sustentáculo do setor aeroespacial, variável
adrede investigada. O Mapa 3 permite, também, apontar outros indicativos de estudos sobre a
geopolítica aeroespacial: a) A concentração geoeconômica da indústria aeroespacial em
reduzido número de players corporativos; b) A relação entre os Estados e esses players
corporativos, no que tange a investimentos, subsídios ou legislações; c) A existência de espaços
de cooperação nesse concentrado e competitivo mercado; e d) O papel dos países em
desenvolvimento em cenários cooperativos-competitivos no segmento aeroespacial.
Dirigindo nossa atenção para a atividade espacial, o Mapa 4 identifica a posição
geográfica de 10 importantes centros de lançamento de veículos espaciais412. Nesses centros,
são cumpridos os procedimentos de montagem final dos módulos de um foguete espacial
(sistema propulsor, módulo de comando – tripulado ou não –, e o compartimento da carga útil),
o seu posicionamento na plataforma de lançamento, o lançamento em si, a postura em
determinada órbita (na qual a carga útil é posicionada) e, por fim, o
rastreamento/monitoramento/comando remoto da carga útil. Os centros de lançamento,
portanto, são complexos equipamentos científico-tecnológicos, mormente explorados pelos
412 A classificação dos centros de lançamento toma base os seguintes critérios extraídos das fontes citadas: volume
de lançamentos anuais (real ou potencial), área construída e infraestrutura disponível ou melhor localização
geográfica em relação à Linha do Equador.
232
governos nacionais. Assim é que neste mapa, podemos inferir conclusões sobre as variáveis
geográfica, política e tecnológica.
Mapa 4 – Os 10 mais importantes centros de lançamento de veículos espaciais
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de DOLMAN, 1999, p. 102; SPACETODAY, 2004).
Do ponto de vista geográfico, a distribuição dos centros de lançamento em relação
à Linha do Equador coloca em evidência a localização privilegiada brasileira, fato
anteriormente apontado nesta Tese413. A característica locacional favorável do centro brasileiro
coloca o país na condição de ator privilegiado nesse mercado. Seguindo uma tendência
observada nos mapas anteriores, observa-se a prevalência de atores como EUA, China, França
(que na verdade, representa o consórcio europeu da ESA) e Índia. Todos eles com centros de
lançamento de foguetes em operação regular (diferentemente do Brasil que suspendeu suas
413 Agregue-se à vantagem quanto à proximidade da Linha do Equador outras características positivas do CLA: a)
posição tectônica favorável, pois ao se situar no centro da Placa Sul-Americana, possui maior estabilidade na
superfície; b) constância climática da região de Alcântara, com estações bem definidas ao longo do ano, sem
ocorrência de fenômenos meteorológicos de magnitude catastrófica e com um menor número de descargas
elétricas; c) reduzido volume de tráfego aéreo local, o que evita grandes demandas de coordenação e favorece um
maior volume de lançamentos anuais; e d) menor adensamento populacional na região, o que diminui riscos de
danos colaterais em eventuais falhas de lançamento.
233
operações após o acidente de 2003, considerado aqui como um ator potencial). Observa-se
também a Rússia (incluso o centro situado no Cazaquistão que sub-roga as atividades à Rússia)
como um ator significativo nessa área.
Do ponto de vista político, observa-se que todos os centros de lançamento do Mapa
4 são de propriedade estatal. Assim, o peso dos investimentos públicos é significativo nesse
segmento da economia espacial. Principalmente, porque se trata de setor estratégico, onde o
domínio de tecnologia traduz-se em vantagens competitivas no mercado mundial. Essas
conclusões favorecem tendências que apontam o peso do vetor da geotecnologia no contexto
do acesso ao espaço. Permitem alertar sobre o papel e o poder dos países geograficamente
privilegiados no acesso ao espaço exterior e, por conseguinte, na geopolítica aeroespacial.
Por fim, o Mapa 5 traz ao debate a questão das despesas militares (nelas inclusas as
despesas com o setor aeroespacial) no contexto dos orçamentos dos países apontados, com
dados de 2018. A análise das variáveis geográfica, política, econômica e ideológica, à luz do
que o mapa demonstra, permitirá aduzir algumas tendências.
Mapa 5 – Os 15 maiores orçamentos de defesa em 2018 (US$ bilhões)
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de IISS, 2019, p. 21).
234
Analisando-se as informações do Mapa 5 sob uma perspectiva geográfica e
econômica, repetem-se duas tendências. A primeira trata da concentração no setor representada
pelos orçamentos de EUA, Europa, China, Rússia e Índia. Apesar do mapa valorizar a questão
quantitativa, o The Military Balance (Balanço Militar)414, fonte principal para a elaboração do
mapa, revela análises qualitativas que também colocam esses países ou regiões em
preponderância. Estabelecendo um diálogo direto com essas informações, outra fonte de
referência, o Stockholm International Peace Research Institute – SIPRI (Instituto de Pesquisas
para a Paz Internacional de Estocolmo), em 2018, apontou os “EUA, a China, a Arábia Saudita,
a Índia e a França como responsáveis por 60% das despesas militares mundiais” (TIAN et al.,
2019)415. A outra tendência, também semelhante ao que já foi revelado anteriormente, faz
despontar novos atores locais, como a Coreia do Sul, Japão, Brasil, Israel, Austrália, Iraque e
Arábia Saudita (este último responsável pelo terceiro maior volume de despesas militares).
Do ponto de vista político, observa-se que há uma concentração dos maiores
orçamentos nos grandes centros de poder mundial (EUA, China, Rússia e Europa) e em países
que estão em regiões de conflitos e crises latentes – como Oriente Médio (Arábia Saudita,
Iraque e Israel) e Ásia (Índia, Japão e Coreia do Sul). No que diz respeito à Austrália, em face
de sua inserção como tradicional aliado estratégico do bloco ocidental, na verdade não se trata
de uma exceção à tendência revelada no Mapa, haja vista a emergente situação geopolítica do
Mar do Sul da China. Por esse prisma, a única exceção de fato seria o Brasil.
Por fim, os mapas apresentados também dialogam com a variável ideológica, que
ressalta elementos apontados anteriormente com objetivo de prestígio nacional, como: na
questão do pertencimento nacional das principais empresas aéreas; na demanda de
investimentos públicos para a operação de centros de lançamento que, em última instância,
projetam a imagem internacional dos Estados que os patrocinam; na importância da indústria
aeroespacial, inclusive enquanto geradora de tecnologias de ponta; e na consolidação dessas
vantagens em torno de um hard power (capacidades militares) e um soft power (onde prospecta
414 A referência é um anuário sobre poder militar mundial, que incorpora dados estatísticos, inventário de
equipamentos das forças armadas e análises sobre o status operacional, investimentos em defesa, desenvolvimento
de tecnologias e balanços de poder regionais.
415 Há ligeiras diferenças entre os dados da fonte utilizada no mapa e os dados oriundos do Stockholm International
Peace Research Institute (Instituto de Estocolmo sobre Pesquisas da Paz Internacional), em especial quanto aos
valores em US$, quanto à ordem do ranking e quanto à inclusão de certos países. De acordo com o SIPRI (2020),
os 15 maiores e suas respectivas despesas em defesa (em bilhões de US$ e em percentual do PIB) seriam os
seguintes: EUA (732.0) e (3,4%); China (261,0) e (1,9%); Índia (71,1) e (2,4%); Rússia (65,1) e (3,9); Arábia
Saudita (61,9) e (8,0%); França (50,1) e (1,9%); Alemanha (49,3) e (1,3%); Reino Unido (48.7) e (1,7%); Japão
(47,6) e (0,9%); Coreia do Sul (43,9) e (2,7%); Brasil (26,9) e (1,5%); Itália (26,8) e (1,4%); Austrália (25.9) e
(1,9%); Canadá (22,2) e (1,3%); e Israel (20,5) e (5,3%).
235
a capacidade de influenciar, ideológica ou culturalmente, os demais). Por esses motivos,
despontam tendências como a utilização da geoeconomia e da geotecnologia como
instrumentos geopolíticos mais efetivos de poder mundial, demonstrando uma vinculação direta
entre geopolítica aeroespacial e orçamento público.
O que os mapas revelam, na verdade, são importantes questões para uma
geopolítica aeroespacial. Uma conclusão preliminar que se pode obter é a percepção de que, de
alguma forma, o Brasil está inserido no contexto global dessa nova geopolítica, possivelmente
como um ator incipiente, mas que se revela, ao menos regionalmente e em certos nichos de
mercado, um personagem a ser considerado. Essas análises, portanto, guiam a demanda de
percepção de cenários nos quais o Brasil possa se inserir no contexto futuro de uma geopolítica
aeroespacial. Para se obter uma melhor caracterização desses cenários esboçados, foi elaborado
um instrumento de pesquisa baseado em questionários aplicados a experts da área no Brasil.
4.1.3 O instrumento de pesquisa
Cada participante da pesquisa recebeu dois documentos enviados pelo pesquisador.
O primeiro deles foi o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, no qual constam
informações básicas sobre o processo de consulta (Anexo A). No TCLE foi esclarecido que o
objetivo geral da Tese se voltou para a compreensão do ambiente aeroespacial, a partir de uma
caracterização geográfica, e da identificação de elementos da geopolítica clássica, tais como
dinâmicas de relação de poder, soberania etc., com o propósito de contextualizar uma
Geopolítica Aeroespacial. Apresentou, também, a finalidade da coleta de opiniões pessoais de
experts da área aeroespacial brasileira, qual seja, contribuir para a elucidação desse tema no
âmbito nacional, propondo-se elaborar um panorama sobre a geopolítica aeroespacial no Brasil,
a partir de opiniões pessoais de peritos e pesquisadores da área aeroespacial brasileira.
O segundo documento encaminhado a cada participante foi o questionário de
pesquisa. Nele, foi apresentado ao colaborador uma contextualização sobre o tema. Nessa
apresentação, afirmou-se que a palavra Geopolítica, nos últimos anos, recuperou sua
importância como conceito que conjuga características geográficas de uma determinada nação
(tanto de natureza física como humana: relevo, posição, continentalidade x maritimidade,
recursos naturais, pirâmide etária, nível educacional, fatores culturais etc.), com as eventuais
ações ou questões políticas de cunho estatal (e interestatal). A Geopolítica seria, então, a
aplicação das políticas de um Estado considerando os fatores geográficos que emolduram esse
mesmo Estado. O Ambiente Aeroespacial, por sua vez, conjugaria o espaço aéreo e o espaço
exterior. O termo reflete não somente o espaço físico (atmosfera e cosmos) propriamente, mas
236
também elementos como a infraestrutura aeroespacial, a aviação civil, o poder aeroespacial, a
indústria aeroespacial, o complexo científico-tecnológico associado e os recursos humanos
envolvidos nessas atividades. Concluindo a contextualização, propôs-se considerar a
Geopolítica Aeroespacial como a atuação política (compreendida como políticas públicas,
desenvolvimento científico, inovação tecnológica, capacidades militares, aplicação social etc.)
em nível de Estado nacional com relação ao domínio aeroespacial (efetivamente, no que tange
ao espaço aéreo e ao espaço exterior, nesse último caso limitado às órbitas terrestres, à Lua e
outros corpos celestes).
O questionário foi elaborado em dois campos. O primeiro campo referiu-se à
identificação do participante (nome completo, função/cargo atual e data do preenchimento do
questionário). O segundo campo foi o das perguntas, com quatro questões e um espaço para
livre comentário do participante (Anexo B). As perguntas foram as seguintes:
1) Na atividade que o Sr(a). desempenha (ou a Instituição/Empresa na qual trabalha) é possível se
dimensionar a relevância do tema Geopolítica Aeroespacial? Em caso positivo, poderia apresentar
argumentos/fatos que confirmem sua resposta?;
2) Autores especialistas em Geopolítica definem posturas realistas (a dinâmica de relacionamento
entre as nações seria pautada na competição/disputa/rivalidade) e posturas idealistas (haveria espaço
de cooperação/colaboração/complementação na relação entre as nações). Considerando essas duas
posturas, qual seria aquela que o Sr(a). entende ser a que mais se aproxima do tema Geopolítica
Aeroespacial? (Não se espera uma resposta Institucional, mas de opinião pessoal);
3) Considerando a hipótese de que a postura realista prevalecerá no cenário internacional, seria
possível antever as principais questões geopolíticas no campo aeroespacial que impactariam o
relacionamento entre as nações (por exemplo: disputa comercial, querelas jurídicas etc.)?; e
4) Por outro lado, considerando que a hipótese de colaboração/cooperação internacional (postura
idealista) irá prevalecer nos anos vindouros, no que tange à geopolítica aeroespacial, quais seriam
os principais fatores e campos de relacionamento que poderão se desenvolver entre as nações?
O último campo do questionário foi reservado como “5) Espaço livre para qualquer
consideração do Participante sobre o tema Geopolítica Aeroespacial”.
Como se pode observar, o instrumento de pesquisa foi elaborado a partir dos dois
paradigmas básicos das relações internacionais: o Realismo e o Idealismo. Importante ressaltar
que a referência ao realismo e ao idealismo não teve o propósito de conduzir a investigação
para a Teoria das Relações Internacionais. A utilização dessas escolas de pensamento foi um
artifício metodológico de enquadramento conceitual de posturas gerais que privilegiam a
competição ou a cooperação internacional. Para melhor compreendermos as conclusões obtidas
na coleta de dados, cabe-nos preliminarmente discorrer brevemente sobre o que são essas
correntes e como elas serão interpretadas no contexto da geopolítica aeroespacial.
237
4.2 As premissas teóricas das relações internacionais
O primeiro objetivo deste segmento é expressar as premissas que foram
apresentadas aos participantes da pesquisa sobre os conceitos de Realismo e Idealismo. A
seleção dessas premissas decorre do fato que o ambiente aeroespacial tem sido palco de
discussões políticas que rotineiramente colocam em choque visões ora amparadas no realismo,
ora estimuladas pela premissa idealista (SHEEHAN, 2007). Para tanto, serão sintetizadas as
principais ideias que permeiam essas correntes de pensamento da Teoria das Relações
Internacionais. O segundo objetivo é transportar a realidade da geopolítica aeroespacial para as
propostas realista e idealista nas relações internacionais, algo que será realizado por meio de
abordagens sobre o ambiente aeroespacial. Tal procedimento, entretanto, não objetivou discutir
com os respondentes aspectos dessa Teoria, mas, somente, trazer ao debate ideias gerais sobre
essas escolas de pensamento. Até porque, a Teoria das Relações Internacionais admite nuances
e vieses intermediários aos postulados clássicos do realismo e do idealismo que, contudo, não
foram amiúde aportados na caracterização do questionário.
4.2.1 Realismo e Idealismo416
A discussão realismo vs. idealismo tem sido colocada como um dos grandes debates
no âmbito das relações internacionais (REUS-SMIT e SNIDAL, 2008), refletindo uma
dicotomia sobre como melhor conduzir política externa (PLANO e OLTON, 1988). O propósito
da tese não é discorrer sobre o histórico desses conceitos, tampouco elucidar o debate teórico
em torno dessas correntes de pensamento. Na verdade, o propósito é bem simples. Ou seja,
apropriar-nos dos principais elementos dessas duas teorias de relações internacionais e aplicá-
los à geopolítica aeroespacial. Para tanto, nos valemos de definições sintéticas, oriundas de
manuais, dicionários ou enciclopédias especializadas, que traçam as principais ideias daquilo
que se convencionou chamar de Realismo e Idealismo.
Segundo Jackson e Sorensen o Realismo teoriza-se em torno das seguintes
suposições:
[...] a) visão pessimista da natureza humana; b) a convicção de que as relações
internacionais são necessariamente conflituosas; c) que esse conflito é em última
instância resolvido pela guerra; d) elevada consideração dada aos conceitos de
segurança nacional e sobrevivência do estado; e) ceticismo básico sobre a
416 Para uma visão mais abrangente sobre as questões teóricas das relações internacionais sugerimos consultar as
referências já indicadas no Capítulo anterior, tais como Sousa (2005), Nogueira e Messari (2005), Griffiths,
O’Callaghan e Roach (2008), Reus-Smit e Snidal (2008), Castro (2012), Pecequilo (2017) e Lamb e Robertson-
Snape (2017), ou obras como Beitz (1979), Carlsnaes, Risse e Simmons (2002), Burchill et al. (2005), Jahn (2006)
ou Jackson e Sorensen (2013).
238
possibilidade de progresso na política internacional quando comparado com a vida
política doméstica (JACKSON e SORENSEN, 2013, p. 66).
Plano e Olton (1988) entendem que a escola realista vê no poder, utilizado de forma
inteligente, a principal ferramenta dos estados para as relações internacionais. É, portanto, uma
escola pragmática. Beitz (1979) completa essa caracterização do realismo destacando que
princípios morais, baseados em ingenuidade, não cabem nessa corrente de pensamento, haja
vista que os interesses estatais é que fornecem os resultados das interações internacionais. Não
há, portanto, harmonia no sistema mundial, mas uma ordem precária, prevalecendo interesses
próprios, guiados pelos objetivos econômicos, de poder, de segurança ou de superioridade entre
os pares estatais. Para Magnóli (2004, p. 42), “os realistas enxergam o mundo a partir da
perspectiva de seu Estado. No lugar de valores universais, o foco se concentra nos interesses
nacionais”.
O Idealismo, segundo Griffiths, O’Callaghan e Roach (2008), possui uma visão
otimista da realidade, acreditando que a diplomacia (por meio de normas, códigos legais e
valores ético e morais) seja capaz de solucionar os conflitos interestatais, o que atribui à
humanidade e ao sistema internacional, e organismos que os representam, um papel central na
arbitragem das mais distintas questões. Para Cristina Pecequilo, as premissas que embasam o
Idealismo são:
A democracia e a disseminação de seus valores, universalizando práticas legítimas e
transparentes entre as sociedades e os Estados; a segurança coletiva para garantir a
cooperação e defesa mútua entre as nações, prevenindo o avanço de agressores, a
partir da instituição de um mecanismo coletivo; a autodeterminação dos povos, que
estabelece o direito à soberania aos povos que detiverem uma identidade e unidade
comum (PECEQUILO, 2012, p. 34).
No pensamento idealista a cooperação internacional, cujas bases são morais,
permite um ambiente mais efetivo de crescimento (PLANO e OLTON, 1988), onde a segurança
coletiva minimiza as possibilidades de guerra entre estados (LAMB e ROBERTSON-SNAPE,
2017), tornando o mundo um lugar de paz e prosperidade comum.
Sintetizando o pensamento teórico das Relações Internacionais, no que tange a
Realismo e Idealismo, o Quadro 5 apresenta as principais características dessas correntes de
pensamento.
239
Quadro 5 – Características do Realismo e do Idealismo
REALISMO IDEALISMO
• O Estado é o ator dominante;
• O uso da força é a forma preponderante
• Há interdependência no sistema mundial;
de resolução de problemas;
• O Estado não é o ator principal, cedendo
• A segurança estatal e a sobrevivência
espaço para organismos internacionais
nacional dominam a agenda;
de regulação e arbitragem;
• O caos e a anarquia predominam no
• Prevalência de atores transnacionais;
sistema mundial, que somente pode ser
• A força militar cede espaço aos
reorganizado pelo poder de um estado
instrumentos econômicos de ajuste
forte;
internacional;
• Visão pessimista sobre a humanidade;
• A segurança estatal é menos importante
• A guerra é um instrumento da política
que o bem-estar geral;
estatal;
• Crença no progresso;
• O progresso não é encarado sob o prisma
• Visão positiva do ser humano; e
da diplomacia; e
• As relações internacionais podem ser
• A competição, e não a cooperação,
cooperativas, ao invés de concorrentes.
caracteriza o relacionamento entre os
estados.
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de JACKSON e SORENSEN, 2013).
4.2.2 Contextualização de Realismo e Idealismo na Geopolítica Aeroespacial
A demanda de contextualizar as premissas teóricas das relações internacionais que
tratam do realismo e do idealismo no âmbito da geopolítica aeroespacial surge como ferramenta
para a análise que sucederá na leitura dos questionários. Trata-se, portanto, de estabelecer
parâmetros, ou padrões de comparação, para a análise das respostas dos participantes, de forma
a permitir-nos elaborar cenários da geopolítica aeroespacial no Brasil. A ideia central é a de que
o Poder Aeroespacial, cada vez mais, será um instrumento político do Estado para fazer frente
às demandas de segurança e busca de estabilidade nas relações internacionais (TOMÉ, 2009),
assim como no desenvolvimento econômico-social e tecnológico.
No caso do espaço aéreo, existe um consolidado arcabouço jurídico, organismos
internacionais de regulação e arbitragem que executam suas atividades de forma inconteste e
um sistema mundial que permite a operação segura de aeronaves que transitam na atmosfera
terrestre. Há, então, um palco para a cooperação internacional, cuja principal evidência é o
sistema de transporte aéreo que opera ao redor do mundo. Por exemplo, entidades como a
IATA, que representa a indústria das linhas aéreas; a ICAO, que trabalha na regulamentação da
aviação civil internacional, estabelecendo padrões de segurança e conduzindo assembleias para
tornar a atividade economicamente sustentável; e a United Nations World Tourism
Organization – UNWTO (Organização das Nações Unidas para o Turismo Mundial), cuja
função é, enquanto fórum multilateral internacional, promover o turismo universal (cujo
volume de turistas transportados por via aérea é significativo), identificam-se com as
características do pensamento idealista.
240
Por outro lado, o sistema aeronáutico civil internacional não deixa de ser um
mercado competitivo, que busca maior espaço nas rotas aéreas e no transporte de passageiros e
cargas, onde iniciativas por vezes predatórias (como aquelas instrumentalizadas por
ferramentas como as code shares417, pelo compartilhamento de programas de milhagem418, pela
comunalidade de sistemas de tecnologia da informação em processos de reservas de voo e
aquisição de bilhetes aéreos ou pelas grandes alianças de empresas aéreas419, apenas para citar
algumas), buscam obter prevalência comercial de determinados atores estatais sobre outros.
Além disso, há também a questão dos subsídios governamentais e as regulações nacionais que
denotam privilégios que não estão associados às práticas liberais identificadas no pensamento
idealista.
Ainda no caso do espaço aéreo, onde se observou que o conceito de soberania
territorial foi assimilado nas convenções internacionais, há uma territorialização da atmosfera
sobrejacente aos Estados, que se identifica com dinâmicas de poder (restrições de acesso pelo
ar) e soberania (o céu é propriedade do Estado), muito próximas do pensamento realista. Não é
por menos que autores como Weizman (2002), Williams (2007; 2010), e Omissi (2008)
sugerem que o território soberano deve ser estendido à verticalidade e que a soberania nesse
volume é relativa, fruto da diferença entre poderes dos atores envolvidos.
Assim é que tanto o Realismo como o Idealismo encontram ressonância no espaço
aéreo. A aerorrealidade (ADEY, 2010; ADEY e LIN, 2014), que conecta sentimentos de
universalidade na forma de uma vida aérea, o sentimento de pertencimento a um aeroespaço
comum, ou a expressão do território estatal, nele incluído o espaço aéreo e os aeroportos
(PASCOE, 2001), como um espaço de representação de simbolismos que valorizam a segurança
a identidade nacional, permitem identificar um primeiro padrão (cultural-ideológico) de
comparação entre essas duas correntes das Relações Internacionais. As características do espaço
417 O code share (compartilhamento de códigos) é um dispositivo que permite a determinada companhia aérea
compartilhar um mesmo código indicativo de voo com outra companhia aérea. Isso permite maior capilaridade no
aproveitamento de rotas aéreas e slots (vagas) em aeroportos cujo tráfego aéreo é intenso.
418 Segundo Camilleri (2018, p. 93 e 171), os programas de milhagem, também denominados de programas de
passageiros frequentes, ou ainda “programas de lealdade, são incentivos ao consumo a curto prazo [e, também,]
uma forma de obter dados dos consumidores que indicam tendências de comportamento”, muitas vezes
compartilhados entre as empresas que buscam obter vantagens em um mercado competitivo.
419 Segundo Justin Hayward (2020), as maiores alianças globais de empresas de aviação são a Star Alliance, a The
Oneworld Alliance, a SkyTeam Alliance e a The Value Alliance (esta última uma aliança de empresas low-cost). A
primeira aliança foi formada em 1997 (a Star Alliance), e os principais benefícios desse tipo de pareceria são:
“facilidade no processo de reservas e aquisição de passagens aéreas, simplificação dos procedimentos de check-in
e expedição de bagagens, habilidade na aquisição e resgate de premiações (as milhas aéreas), benefícios recíprocos
para passageiros frequentes e acesso a saguões particulares e salas vip”.
241
aéreo, cuja contiguidade talvez seja a principal, nos leva a considerar sobre um segundo padrão
de comparação, desta vez relativo ao espaço exterior.
Observou-se que o arcabouço jurídico relativo ao espaço exterior, apesar de
presente desde os anos 1960, ainda é objeto de contestação e de episódicas tentativas de
reformulação ou aproveitamento de fragilidades420. Por detrás das questões sobre geoeconomia
(por exemplo, a exploração de recursos naturais em corpos celestes) ou da geotecnologia (tal
como a indústria aeroespacial) situam-se problemas que podem ser identificados de acordo com
os pensamentos realista e idealista, fornecendo-nos parâmetros de comparação.
Nas questões afetas ao espaço exterior, como afirmou Sheehan (2007, p. 7), “o
idealismo e o realismo continuam a colidir”. Essa nova dimensão geográfica é percebida de três
formas diferentes: a) como um santuário; b) como um local que determinará a sobrevivência da
humanidade; e c) como um espaço de conflito. James Moltz (2011) sintetiza o pensamento atual
sobre o espaço exterior em duas escolas doutrinárias. A escola da “defesa espacial”, de viés
realista e nacionalista, que encontra amparo nos trabalhos de Everett Dolman e Joan-Johnson-
Freese, baseia-se na ideia da segurança, do estado como protagonista das relações
internacionais, e com um viés de determinismo tecnológico que se preocupa em compreender
o espaço exterior como um espaço de conflito421. Por outro lado, a escola do “espaço santuário”,
projeta a ideia de integração global, com um viés idealista, abrindo espaço para a cooperação
internacional, cujos defensores nos EUA são Bruce DeBlois e Dennis Kucinich422.
À visão de santuário e de local de sobrevivência da humanidade associam-se os
postulados do pensamento idealista. Para Sheehan (2007) há um esforço internacional para que
as atividades espaciais sejam mais cooperativas, exemplificando o caso da EEI, onde convivem
astronautas de diferentes nacionalidades; o compartilhamento de dados satelitais,
principalmente nos casos de meteorologia e prevenção de catástrofes naturais; a ESA, um
esforço multinacional de cooperação; além do acoplamento orbital de naves russas e norte-
americanas. Esse mesmo autor entende que “A exploração espacial é naturalmente uma
420 A Declaração de Bogotá (BOGOTA DECLARATION, 1976) e o caso de Tonga foram apresentados
anteriormente.
421 Brandon Weichert (2017, p. 236) advoga a ideia de que os EUA devem possuir dominância no espaço, não
apenas uma superioridade, concluindo que “quaisquer que sejam os efeitos negativos da armamentização do
espaço, nada seria mais negativo para a América do Norte do que perceber que perdeu a dominância no espaço
para um estado que colocou primeiro em órbita armas no espaço”.
422 Outros autores apresentam ideias semelhantes. Lupton (1998) considera o espaço exterior como um terreno
elevado, continuidade da perspectiva aérea do alto. Sheehan (2007) incorpora a visão ambientalista à questão de
sobrevivência da humanidade, e a guerra à visão de espaço exterior como espaço de conflito. Hays (2011) assimila
a ideia de terreno elevado conjugando-a como espaço de controle, algo como um controle do espaço exterior
(claramente análogo ao controle do mar e do ar).
242
atividade federativa, que encoraja a cooperação internacional em uma variedade de campos”
(SHEEHAN, 2007, p. 174). Daniel Deudney (1982) tem uma proposição liberal, considerando
que o espaço exterior é um bem coletivo, onde se fundamenta o espírito de colaboração, no qual
os acordos internacionais terão papel relevante, apesar de alertar para a possibilidade de um
recurso tão valioso, o espaço exterior, vir a transformar-se em mais um espaço de guerra da
humanidade.
O Realismo também encontra seus defensores quando se fala de espaço exterior: o
principal deles é Everett Dolman. As conclusões desse autor ressaltam postulados como a
continuação da geopolítica clássica no espaço exterior; a demanda de um Estado forte (no caso
os EUA) que atuaria como uma espécie de polícia internacional para acabar com disputas; a
falência da legislação espacial que é precária e inconsistente diante da realidade de um mercado
com vastas possibilidades de lucro (o New Space); a assertiva de que espaço é poder deve ser
levada para além da atmosfera terrestre; a situação ideal de apenas um ator dominante que possa
garantir um sistema estável, argumento que poderia ter dado impulso à formação de forças
espaciais em alguns países; a necessidade de controle das órbitas baixas como uma espécie de
heartland no espaço exterior; e, em função da tendência natural das relações internacionais, sob
o prisma realista, a exploração espacial nega a cooperação e impõe a competição (DOLMAN,
2002; 2012).
Sintetizando as ideias em torno do pensamento em relações internacionais para o
ambiente aeroespacial, podemos identificar alguns elementos que poderão ser considerados nos
cenários realista e idealista, conforme se apresentam no Quadro 6.
Quadro 6 – Elementos de cenários Realista e Idealista no ambiente aeroespacial
Elementos no Ambiente Aeroespacial
REALISTA IDEALISTA
• Consolidado arcabouço jurídico no caso
• Legislação não consolidada, em aeronáutico, e a legislação internacional
construção, instrumentos discordantes; espacial seguirá o mesmo caminho, cada
• Organismos internacionais ainda vez mais aperfeiçoada na direção de
buscando espaço de atuação; estabelecer maior igualdade entre os
• Mercado aeroespacial competitivo; estados;
• Subsídios e regulações nacionais; • Organismos de regulação e arbitragem
• Territorialização do espaço aéreo e do atuantes;
espaço exterior (espaços de conflito), • Esforços conjuntos e cooperativos
espaço que é regulado pelo princípio do conduzirão os assuntos nesse domínio;
uti possidetis (a posse legitima-se pelo • Sentimento de universalidade, impõem
controle político ou militar); um sentido de conjunto ao global;
• Espaço aéreo e exterior como • Integração mundial via vida aérea,
oportunidades de negócios exclusivos, expressa na forma de uma
espaços a serem conquistados e aerorrealidade;
explorados; • Espaço aéreo e exterior como recursos
da humanidade (espaços de cooperação);
243
• Geoeconomia e geotecnologia • Geoeconomia e geotecnologia como
(determinismo tecnológico) no contexto fatores de cooperação e
de competitividade e exclusividade; desenvolvimento;
• Ações de desrespeito à soberania no • Escola do “espaço santuário”;
espaço aéreo e exterior (diferença de • Compartilhamento de sistemas e
poder militar), militarização e informações;
armamentização são inevitáveis; • Preocupação com a questão ambiental, o
• Espaço aéreo e exterior representativos ambiente aeroespacial como patrimônio
de simbolismos e ideologias nacionais; da humanidade;
• Escola da “defesa espacial”, o espaço é o • O princípio básico que deve prevalecer é
próximo espaço de batalha da o do res communis (terra comum); e
humanidade; • O espaço não deve ser armamentizado.
• Continuação da geopolítica clássica; e
• A cooperação somente ocorrerá por
estímulos competitivos ou de medo.
Fonte: o Autor, 2020 (adaptado de MOLTZ, 2011; AL-RODHAN, 2012; AYDIN, 2019).
Com essas observações entendemos que foram estabelecidos alguns parâmetros de
comparação para a análise dos questionários e a formação de um panorama propositivo sobre a
geopolítica aeroespacial no Brasil.
4.3 Os cenários da Geopolítica Aeroespacial
Neste segmento, serão expostas as principais conclusões obtidas nos questionários,
direcionando as respostas em três direções: o que é geopolítica aeroespacial, a partir de
exemplos; que elementos constituem um cenário realista na geopolítica aeroespacial; e que
elementos constituem um cenário idealista na geopolítica aeroespacial.
O questionário foi enviado para 83 indivíduos. Desses, 3 declinaram de participar.
Dos 80 restantes, 32 não enviaram as respostas no prazo solicitado. Dessa forma, a amostra foi
constituída por 48 sujeitos de pesquisa que apresentaram respostas consideradas na elaboração
dos cenários e como corroboração das evidências das variáveis de estudo. Isso significa uma
taxa de 57,83% de retorno.
4.3.1 Campo Identificação
Os 48 participantes respondentes, que não serão identificados nominalmente na
Tese423, a fim de atender critérios estipulados pelo Comitê de Ética da UFRN, foram agrupados
em categorias, conforme descritas no Quadro 7.
423 Quando houver uma citação direta de um sujeito de pesquisa ele será identificado pela sigla “S”, seguida do
número de ordem conforme consta no material compilado pelo pesquisador. Assim, o sujeito de pesquisa nº 1 será
identificado pelo código “S1”, o sujeito de pesquisa nº 2 pelo código “S2”, e assim sucessivamente.
244
Quadro 7 – Categorias dos participantes
Categoria Descrição
Profissional envolvido com atividades mormente de cunho
laboral na área jurídica aeroespacial, mas também com algum
envolvimento secundário na atividade acadêmica dessa
Operadores do Direito
natureza, tais como o bacharel em direito, advogado, assessor
ou consultor jurídico, procurador ou especialista em direito
aeronáutico ou direito espacial.
Profissional da área acadêmica envolvido com atividades
ligadas à área de Geopolítica, Relações Internacionais ou
Representante da Academia
afins, tais como o docente, o pesquisador e o estudante de
doutorado.
Profissional que atua na atividade aeroespacial em instituições
públicas ou empresas privadas, tais como o piloto civil e
Operador de Sistemas Aeroespaciais
militar, o tecnólogo do setor aeroespacial, o operador de
logística aérea ou espacial e o operador de satélites.
Profissional que atua na esfera da administração pública, no
campo aeroespacial, cuja atuação tenha impacto na
Representante de Instituição Pública formulação ou aplicação de políticas públicas ou
do Setor Aeroespacial planejamentos estratégicos de médio a longo prazo nesse
setor, tais como o gestor de alto nível, o comandante de uma
organização militar, o diretor de agência ou o assessor técnico.
Profissional de empresa privada ligada ao setor aeroespacial,
desenvolvendo atividades de cunho comercial, mormente
Representante de Empresa Privada
oferta de produtos e serviços no setor, tais como um
do Setor Aeroespacial
presidente de associação, um funcionário da indústria
aeroespacial ou assessor técnico.
Fonte: o Autor, 2020.
A partir dessa categorização, o Gráfico 1 representa a distribuição dos perfis de
participação dos experts. Em função de determinado perfil, um mesmo participante pode ser
enquadrado em dois ou três grupos distintos (por exemplo, o representante de instituição pública
que também atua na academia). O Gráfico 1 demonstra os percentuais de participação.
245
Gráfico 1 – Distribuição percentual entre as categorias de participantes
Empresa Privada Direito
8,45% 5,63%
Academia
26,76%
Instituição
Pública
39,44%
Sistemas
Aeroespaciais
19,72%
Fonte: o Autor, 2020.
A maior concentração de experts é originária de instituições públicas que tratam de
assuntos voltados à atividade aeroespacial, donde podemos destacar a Força Aérea Brasileira,
o Ministério da Defesa e a Agência Espacial Brasileira (cerca de 40%). No campo Academia,
os docentes de áreas como Ciência Política e Relações Internacionais, voltados para abordagens
de geopolítica, formam o segundo grupo mais numeroso (cerca de 27%). O terceiro grupo,
responsável pelo percentual aproximado de 20% é representado por experts que estão
envolvidos na operação de sistemas aeroespaciais. Envolvendo um percentual próximo a 8%
estão os experts que atuam na iniciativa privada (empresas ou organizações do setor
aeroespacial). Por fim, o menor grupo, com cerca de 5%, é constituído por profissionais que
lidam com as questões jurídicas, seja do direito aeronáutico ou do direito espacial. De posse
dessas informações sobre o perfil dos experts, podemos passar à análise dos resultados obtidos.
4.3.2 Questão 1 – Onde se observa a Geopolítica Aeroespacial
O propósito da primeira questão foi observar e dimensionar a relevância do tema
Geopolítica Aeroespacial, bem como identificar e enquadrar teoricamente situações que
emergem espontânea ou contingencialmente na prática profissional dos experts. Com exceção
de dois sujeitos de pesquisa (S13 e S28), todos os demais responderam afirmativamente à
questão.
246
Como apreciação geral, pode-se agrupar as respostas em blocos homogêneos de
percepção. O primeiro desses grupos diz respeito à relevância do tema na Academia, por meio
de programas de pós-graduação que inserem discussões sobre o assunto em disciplinas de sua
grade curricular (tal fato não foi apontado em cursos de graduação). Há, também, a percepção
de que o tema é “tratado em institutos internacionais de defesa, segurança e estratégia” (S19).
Ainda nesse grupo, identificou-se que o tema é suscetível de networking, compreendido como
uma ferramenta de inter-relacionamento profissional entre pessoas de uma mesma área, em
instituições públicas ou privadas e dessas entre si. Tal instrumento favorece o debate científico,
amplia o conhecimento mútuo e, por vezes, desperta oportunidades comerciais ou a
empregabilidade. Isso favorece intercâmbios e o desenvolvimento de um conceito nacional
sobre a geopolítica aeroespacial.
Outro grupo de comentários referiu-se à questão da localização geográfica
privilegiada do Brasil, em especial quanto ao CLA. Esse ponto é interessante pois reafirma a
questão da posição e localização geográficas como um elemento essencial no debate
geopolítico, algo que foi apontado na Tese. Na opinião do S46, “A localização de bases [de
lançamento] próximas à Linha do Equador, com o objetivo de aproveitar a rotação da terra,
impulsionando o lançamento e economizando combustível, demonstra que os aspectos
geográficos cumprem um papel importante”. Também no caso da aviação, esse foi um fator
percebido. Citaram-se pontos originais da teoria do poder aéreo, como a “continuidade do
espaço aéreo”, a velocidade das aeronaves e o alcance geográfico da aviação (S27). O S25
destacou que “aviões que decolam de Israel não podem ingressar no espaço aéreo dos países do
Magreb, [demandando alteração de] rota”. Enfim, o ambiente aeroespacial é um ambiente de
“projeção geopolítica” (S15, S31 e S45).
No que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, observou-se que pesquisas de
desenvolvimento de materiais, propelentes, eletrônica de bordo e outros correlatos são de
grande importância. Destacam-se nessa matéria “demandas e ofertas associadas à tecnologia
espacial” (S6), como por exemplo “imageamento de ativos em solo, erguimento de cargas úteis,
transmissão e recepção de dados de satélites em órbita, infraestrutura de apoio a missões
espaciais” (S6). Não somente na questão satelital (ou das comunicações em geral) a ciência
desenvolve-se a partir das demandas do ambiente aeroespacial. Percebe-se que há um fenômeno
decorrente da “complexidade da globalização” (S17) que torna a geopolítica aeroespacial
(incluída a questão cibernética) um campo que exige maiores investimentos públicos pois, por
meio da implementação de “políticas de desenvolvimento científico, inovação tecnológica e
ampliação da capacidade de comunicação” (S20), gera-se melhor ciência básica, e também
247
“Spin-off de soluções técnicas, aplicáveis a outros segmentos, bem como transbordamentos
(spillover) positivos sobre o ambiente produtivo” (S48). Em uma apreciação geral, o
desenvolvimento tecnológico é percebido como parte inequívoca da geopolítica aeroespacial.
Ciência, tecnologia e inovação, palavras comumente associadas ao ambiente
aeroespacial, trazem uma nova gama de questões que foram agrupadas no contexto da
economia. Em primeiro lugar, há uma percepção sobre a “lentidão do processo normativo que
pode ter causas em interesses divergentes, tanto geopolíticos, quanto simplesmente
econômicos” (S19). Referimo-nos à questão da legislação no direito internacional. Do ponto de
vista do direito aeronáutico não há problemas levantados, diferentemente do direito espacial,
que, em função da insuficiência normativa gera questões não solucionadas. Essas pendências
podem ter origem nas diferenças de posição política ou econômica entre os Estados. De toda
forma, segundo o mesmo S19, o fator econômico é “elemento essencial na geopolítica
aeroespacial”. Instrumentos como a lei geral espacial; atualmente em formulação, o Acordo de
Salvaguardas Tecnológicas (AST), viabilizado pelo Decreto nº 10.220/2020 ou a
implementação do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais – PESE, surgem como
elementos que viabilizarão esforços econômicos no ambiente aeroespacial. Não se pode deixar
de citar, conforme destacaram os sujeitos de pesquisa S4, S7, S17 e S33, a característica de
dualidade dos sistemas espaciais, que favorecem o emprego na esfera da segurança e na
economia em geral (comunicações, sensoriamento etc.). Ainda no tema economia, ficou claro
o papel do New Space, que testemunha a “intensificação das atividades espaciais comerciais e
tem causado uma mudança importante nos interesses em jogo” (S19). Apesar disso, fatos como
as restrições impostas à Embraer que necessita, em certa medida, “obter aval do governo dos
EUA para exportação de suas aeronaves, especialmente no segmento de defesa e segurança”
(S26), foram relembrados. Enfim, ficou claro que a economia é uma variável da atividade
aeroespacial.
No grupo final de observações estão contidas as percepções políticas sobre o
ambiente aeroespacial, nas quais incluímos temas como políticas públicas, segurança & defesa
e aspectos ideológicos. Há uma clara noção (não somente no grupo de experts da área militar)
de que a geopolítica aeroespacial é um assunto de segurança. Não somente pela demanda de
“desenvolvimento de uma doutrina aeroespacial” (S4), mas principalmente pelas “iniciativas
governamentais para a governança espacial” (S9). O ambiente aeroespacial, seja na questão da
aviação ou do espaço exterior, é percebido como um campo de “possibilidades de atuação da
FAB, com capacidades aeroespaciais presentes e futuras, impactando diretamente no
planejamento estratégico” (S5) da defesa nacional, com foco no aumento da “efetividade e a
248
eficácia das forças armadas e demais órgãos da estrutura governamental brasileira” (S9). A
demanda por uma política espacial é mencionada por diversos experts (S8, S9, S14 e S30), até
porque, como explica o S15, a “Geopolítica Aeroespacial, pode ser considerada política pública,
lastreada no desenvolvimento científico, na inovação tecnológica, nas capacidades militares,
nas aplicações sociais em nível de Estado”. Na questão da soberania territorial, o relato do S25
trata de uma experiência de sobrevoo com aeronave que cumpriu restrições em função da
questão geopolítica local. Fato que é corroborado na opinião do S24, quando afirma que a
“Geopolítica assume alta relevância na medida em que, em diversas áreas do planeta, existem
restrições e regras diferenciadas, de diversas naturezas e exigências especificas, produzidas
pelos estados que detêm a soberania sobre o espaço aéreo onde as operações evoluem, gerando
um complexo de informações relevantes à segurança e garantias de integridade dentro destes
espaços aéreos”.
Como resultado geral da análise da primeira questão é possível identificar a
presença e a relevância das variáveis geográfica, política (pública, jurídica, militar), econômica,
tecnológica e ideológica, variáveis que inserimos na hipótese de estudo. A citação do S10
encerra bem o que se observou nesse segmento do questionário sobre o tema da pesquisa: a
“Geopolítica Aeroespacial, como uma parte da Geopolítica, torna-se um componente
importante desse universo para entender como as disputas [nesse ambiente] ocorrem”.
4.3.3 Questão 2 – Que postura prevalece na Geopolítica Aeroespacial
Na segunda pergunta do questionário, os experts foram solicitados a opinar sobre
qual postura, realista ou idealista, entendiam ser a mais pertinente na relação entre as nações
em se tratando de geopolítica aeroespacial. Para tanto, foi sugerida uma síntese teórica dessas
posturas, como forma dar subsídio à reflexão pessoal do expert. Importante destacar que não se
buscou o posicionamento da instituição ou empresa a qual pertencia o respondente.
A análise dos resultados permitiu agrupar as respostas em quatro classes: a) postura
realista (que para alguns experts não exclui possibilidades de cooperação); b) postura idealista;
c) postura diferenciada, nem realista nem idealista; e d) ambas as posturas são concomitantes.
4.3.3.1 Realismo que não exclui a possibilidade de cooperação
Esse resultado correspondeu a 33,3% dos experts (16 sujeitos de pesquisa)424. De
acordo com a análise das respostas, o contexto aeroespacial é pautado por questões estratégicas
424 Sujeitos: 3, 6, 7, 9, 13, 15, 21, 25, 29, 32, 33, 38, 39, 40, 43 e 45.
249
para os estados e por disputas comerciais (oportunidades estratégicas), em especial pelo
quantitativo volumoso de recursos financeiros envolvidos. Na questão da soberania territorial,
particularmente no contexto da aviação, há fortes instrumentos realistas de controle de acesso,
como as exigências de vistos em passaportes ou autorizações para sobrevoo. Embargos
comerciais e controle de acesso à determinadas tecnologias no setor reforçam a tendência
realista, que segundo o S40 é o arcabouço teórico que “explica melhor domínios sem hierarquia
política”.
Nesse contexto, acredita-se que há uma falta de maturidade (S39) da humanidade
para assumir posturas idealistas. Até porque, aquele estado que já obteve um elevado patamar
tecnológico dificilmente cederá aquilo que obteve com “suor e lágrimas” (S7). Apesar disso,
espaços de cooperação são observados a partir da crescente participação de empresas privadas
(S21), que talvez permitam uma redução no “senso de competição e rivalidade” (S45) entre as
nações. Mesmo que isso ocorra, segundo S43 essa cooperação será “assimétrica”, ou seja, “uma
estratégia [dependente] da iniciativa do mais poderoso” (ou daquele que detém maior
conhecimento científico-tecnológico). O S45 propõe que essa postura de cooperação, idealista
por natureza, pode “abrandar ou camuflar de certa forma a postura realista” e conclui, enfático,
que a “Geopolítica Aeroespacial segue clima de rivalidade [...] onde a postura realista é a que
mais se aproxima do tema”.
4.3.3.2 Postura Idealista
Esse resultado correspondeu a 29,2% dos experts (14 sujeitos de pesquisa)425. Em
geral, e também para o caso brasileiro (S34), observa-se uma tendência de migração do realismo
clássico para a postura idealista, postulada como “futuro para a área” (S18). Destacam-se as
ideias de que o uso do espaço exterior será “harmonizador das relações estatais” (S17), a
necessidade de aderência à estratégias do tipo “ganha-ganha” (S27) além da percepção de que
a cooperação internacional é uma obrigação dos estados que se comprometeram com a
legislação internacional (S19), não somente no caso da aviação civil, onde os “organismos e a
regulamentação da aviação” (S35) são importantes elementos, mas também no caso do espaço
exterior. Até porque nessa última situação, “não existe alternativa para aceder ao espaço sem
cooperação espacial” (S19).
No campo da indústria aeroespacial, há a constante “necessidade de harmonização
dos requisitos técnicos, inerentes à navegação aérea bem como aqueles de segurança,
425 Sujeitos: 4, 14, 17, 18, 19, 20, 24, 27, 28, 31, 34, 35, 42 e 48.
250
necessários à certificação das máquinas, equipamentos e instalações aeronáuticas” (S48), o que
favorece a cooperação internacional. Algo que também pode ser observado no segmento
espacial, demandante de “uma postura idealista face à magnitude dos recursos necessários à
conquista do espaço” (S48). Por fim, segundo o entendimento de S31, “os acordos e
cooperações apesar de gerarem benefícios para os participantes, também geram projeção de
poder dos países que detêm maior tecnologia dentre eles”, algo como “um soft power da
geopolítica”.
4.3.3.3 Postura diferenciada, nem realista nem idealista
Esse resultado foi o de menor ocorrência nas respostas, correspondendo a 6,3% dos
experts (3 sujeitos de pesquisa)426. Defende-se uma “terceira via”, denominada “racionalista”,
na qual “coexistirão elementos de conflito e cooperação” (S16). Isso se daria em função do
dinamismo no campo aeroespacial e as categorias de atores envolvidos (S44). O S46 chama
isso de “postura mais intermediária” (denominada de “neoliberalismo”), apesar de nela
reconhecer a força de um realismo. Na sua opinião, trata-se de uma “postura menos pessimista
que o realismo, mas certamente mais pragmática que o idealismo” (S46). Apesar de os
elementos de análise serem escassos para uma melhor caraterização dessa categoria, em face
do baixo número relativo de respondentes, permite-se apreciar essa postura como muito
próxima daquelas representadas no grupo seguinte.
4.3.3.4 Ambas as posturas são concomitantes
Esse resultado correspondeu a 31,3% dos experts (15 sujeitos de pesquisa)427. A
análise sobre esse conjunto de respostas indica que sempre há uma concorrência das posturas
idealista e realista, dependo do contexto geopolítico de avaliação, do momento da apreciação
ou da ênfase em determinado ponto de vista (S5, S23, S26, S30, S37 e S41, notadamente). O
S8, por exemplo, considera que a postura pode ser “idealista [quando se observam] os tratados
[internacionais], mais recentemente, porém, [sobressai o viés] realista, pelas demandas de
mineração de asteroides ou de defesa [nacional]”.
As posturas não seriam excludentes entre si, pois como afirma S11, “A existência
de cooperação/colaboração pode [ocorrer] no campo realista”, em especial entre aliados cujos
objetivos estratégicos são comuns. Apesar da queda do Muro de Berlim e o fim da URSS serem
426 Sujeitos: 16, 44 e 46.
427 Sujeitos: 1, 2, 5, 8, 10, 11, 12, 22, 23, 26, 30, 36, 37, 41 e 47.
251
fatores que favorecem um idealismo viabilizador de “integração econômica internacional”, “a
fronteira tecnológica representada pela exploração espacial e pelo desenvolvimento de armas
baseadas em satélites e também de armas antissatélites impõem a necessidade de posturas
realistas” (S11). O S12 não vê antagonismo entre as posturas, destacando a “EEI e alguns
programas de voo tripulado” como referências de uma postura idealista, e as “aplicações
espaciais para defesa elementos da postura realista”. O S23, apesar de concordar com uma visão
realista, denomina essa tendência de “idealismo de cooperação”. Interessante foi observar que,
apesar da visão de “terrenos indissociáveis” (S1), quando se aborda a integralidade do espaço
aéreo e do espaço exterior, há uma percepção de diferenças nas abordagens realista e idealista
nesses espaços.
O mesmo S1 considera o realismo na atuação de forças aéreas, enquanto S26
descreve que também “na aviação civil há um realismo, polarização da disputa de mercado
entre [grandes empresas como] a Boeing e a Airbus”, porém, a presença de uma visão “idealista
nos acordos de cooperação”. Já S30 é categórico ao afirmar que “no espaço aéreo, a postura
realista, no espaço exterior, a idealista”. De uma forma geral, há o que S26, S37 e S41 entendem
como um misto de posturas, que ora se aproxima do idealismo, mormente nos acordos de
cooperação científica ou na aviação de transporte de passageiros e a sua logística, ora se
revelando essencialmente realista, quando se evidenciam elementos associados à “soberania
dos espaços aéreos como eixo mais relevantes da soberania estatal” (S41) ou em
“competições/disputas/rivalidades” (S37) quando se fala de setores estratégicos como o
aeroespacial.
Como apreciação final da questão de número 2, observou-se um equilíbrio entre
três abordagens: aquela que observa um cenário realista no setor aeroespacial, porém sem
excluir possibilidades de cooperação; uma postura idealista como tendência atual e futura que,
porém não deixa de evidenciar origens de matiz realista; e a conjunção ou concomitância de
ambas as posturas, em função da área (aeronáutica ou espacial), da inciativa (cooperação ou
segurança) ou do produto (por exemplo, a EEI) sob os quais é direcionada a análise.
Portanto, o resultado que se pode alcançar nesta questão não permite apontar
assertivamente que exista uma postura prevalecente. O que há são tendências. Justamente em
função dessa apreciação é que se torna fundamental as análises das questões seguintes (as de
número 3 e 4). Elas permitirão apontar fatores relacionados ao setor aeroespacial e as eventuais
posturas que o país venha a assumir no setor aeroespacial interna e internacionalmente.
252
4.3.4 Questão 3 – O cenário realista da Geopolítica Aeroespacial
A fim de discorrer sobre cenários nos quais o Brasil venha a se inserir no setor
aeroespacial, as contribuições colhidas e analisadas nos questionários, tanto nesta questão como
na seguinte, foram agrupadas a partir das variáveis de estudo (variáveis independentes) contidas
na hipótese, a saber: fatores geográficos (q); condicionantes políticas (r); elementos
relacionados à economia (s); recursos tecnológicos (t); e ponto de vista ideológico (u).
A questão de número 3 considerou a hipótese da postura realista como
predominante no contexto de análise. Assim, o propósito foi coletar observações dos experts
como antevisões das principais questões geopolíticas no campo aeroespacial que impactariam
o relacionamento entre as nações, em especial o Brasil como ator nesse cenário. Em uma visão
geopolítica mais abrangente esses elementos comporiam um cenário internacional no qual o
país poderia ser motivado a participar.
4.3.4.1 Fatores Geográficos
Observou-se a percepção do ambiente aeroespacial como uma dimensão geográfica
que comporia o cenário realista. É possível se destacar a demanda pelo domínio dessa região
(S33), que levaria a potenciais conflitos armados (S26). Segundo S28, “tentativas de regrar
fronteiras na atmosfera ou no cosmos, [aumenta] a possibilidade de ocorrência de conflitos”. A
principal justificativa para essa intuição no espaço exterior reflete-se “nas órbitas e faixas de
frequências para comunicações [que] são finitas e [...] já estão no limite de saturação” (S14).
Corroborando análises do corpo da Tese, notou-se que “os slots e as órbitas
disponíveis são limitados [o que pode gerar] um congestionamento” (S45). O que se revela é a
disputa por “áreas comuns”, inclusive estendendo-se “à Lua ou Marte” (S47). Outro importante
tema de natureza geográfica, muito semelhante ao que ocorre na superfície terrestre, é a
preocupação ambiental, mais especificamente com o lixo ou detritos espaciais, também
conhecidos como debris (S45). Tal problema começa a ser apreciado geograficamente, e
segundo S1 o lixo gerado por determinado país poderá “causar danos aos dispositivos espaciais
de outros” países.
4.3.4.2 Condicionantes Políticas
A tendência de um cenário com viés realista poderá levar grandes potências a
expandir suas áreas de influência (S27). Haverá a possibilidade de um “recrudescimento nas
políticas das superpotências mundiais na busca pela supremacia no espaço exterior” (S26). Não
253
somente no setor espacial isso será observado, pois a tendência das guerras pequenas, do
terrorismo e de conflitos em escala local, reforçará “disputas jurídicas entre Estados rivais sobre
o uso do espaço na área da aviação comercial, logística internacional e do emprego de
armamentos no campo dos mísseis” (S41). Vislumbra-se, também, uma maior “imposição de
requisitos técnicos [para a aviação] muito específicos ou restritivos” (S48), tais como aqueles
fixados para voos supersônicos, sobre ruídos de motores e de poluição gerada pelas turbinas de
aeronaves, gerando limitações no acesso a certos países e aeroportos.
No setor espacial identificam-se problemas no acesso à informação e às
telecomunicações, em especial aquelas oriundas dos satélites (S45), (S14) e (S29). Poderão
ocorrer, conforme aponta S48, “restrições ao lançamento e operação de meios espaciais visando
a criação de monopólios em determinados serviços que demandem o segmento espacial”. Nesse
cenário, há probabilidade de surgirem “questões de direito sobre o uso de imagens, permissões
exploratórias por sensoriamento remoto, direitos orbitais, interferência em comunicações e na
cibernética, vigilância não permitida” (S43), correndo-se o risco da militarização do espaço.
Demandas jurídicas despontarão no cenário internacional, apontando para limitações no uso do
espaço. O S19 aponta nesse escopo as questões relacionadas aos detritos espaciais e quanto ao
“lançamento de grandes constelações de pequenos satélites”, aumentando o risco de colisão no
espaço. Essa percepção é ratificada por S45 quando destaca que da concretização dessas
ameaças surgirão querelas jurídicas. Há o risco, conforme aponta S20, de que essas questões
jurídicas possam interferir nas relações econômicas entre as nações na forma de um novo
colonialismo, apesar dos instrumentos jurídicos internacionais.
Até mesmo em função da inclusão de novos atores no contexto aeroespacial (S30),
há uma tendência de “distanciamento ainda maior entre os países mais desenvolvidos, os que
estão em desenvolvimento e ainda os do chamado terceiro mundo em face de seu
desenvolvimento social” (S15), fruto da postura de “países [que representam] a vanguarda
tecnológica dificultarem ao máximo o acesso/desenvolvimento de tecnologias necessárias,
condenando aqueles países a um colonialismo tecnológico” (S26). Enfim, percebe-se que há
uma “guerra nesse novo domínio geopolítico, que será uma constante nas próximas décadas,
especialmente por causa do crescimento exponencial das comunicações por satélites e a
inserção de novos atores geopolíticos no setor” (S16). Destaque-se que o Brasil poderá tirar
proveito dessa situação quando, por meio da Agência Espacial Brasileira ou do CLA, identificar
“oportunidades para profissionais [do setor aeroespacial], [puder investir em] pesquisas nas
universidades e [ampliar a participação de] empresas” (S36).
254
4.3.4.3 Elementos relacionados à Economia
A economia aeroespacial, como elemento integrante do debate geopolítico, foi o
campo que recebeu o maior número de contribuições. Apesar do volume, a análise das respostas
indicou que houve concentração da discussão no tema do acirramento da disputa comercial (S7,
S8, S9, S15, S19, S20, S21, S23, S31, S33, S45, S46 e S48) ou “guerra comercial” (S21), apesar
de vieses de interpretação diferenciados.
No lado da aviação, há a tendência de disputa por rotas aéreas com maior retorno
financeiro, além da aposta em combustíveis que sejam mais econômicos (S5) e menos poluentes
(S17), nesse último caso uma conexão direta entre economia e capacidade de desenvolvimento
tecnológico. Destacou-se, também, a problemática do desenvolvimento e exportação de
aeronaves regionais, onde o papel das joint ventures foi citado (S13), (S15) (S26), algo que a
Tese assaz observou. A geopolítica aeroespacial será marcada por parcerias e alianças
estratégicas condicionarão decisões no setor da aviação comercial (S41), e pela prática do
dumping promovido “por nações com economia forte visando quebrar empresas aéreas e a
indústria aeroespacial de economias menos desenvolvidas” (S48).
O campo espacial suscitou muitas observações, possivelmente pela novidade do
tema e pela indefinição de alguns aspectos, seja no terreno do direito internacional ou mesmo
nas capacidades dos veículos espaciais. Esses últimos em estágios incipientes de
desenvolvimento de capacidades que permitam, por exemplo, a exploração de asteroides,
apesar da perceptível progressão tecnológica recente.
A disputa comercial no caso do espaço exterior se dá em torno de três aspectos: a
discussão em torno da exploração comercial do espaço; do desenvolvimento tecnológico em
torno dos veículos espaciais; e da utilização dos satélites de telecomunicações e sensoriamento
remoto. Subjacente à ideia da exploração comercial do espaço está a ideia de que o espaço é
uma res communis, ou de que os bens colhidos no espaço exterior, principalmente nos corpos
celestes (S46), são bens da coletividade global (S6) e (S7). Nesse campo, parece ser uma
tendência de que a “exploração comercial dos recursos naturais no espaço, como na Lua e nos
asteroides, também serão fatores de futuras querelas, considerando que todas essas atividades
não são regulamentadas” (S19). No que tange ao desenvolvimento tecnológico em torno dos
veículos espaciais, as “disputas comerciais relacionadas” serão acirradas e testemunharão a
“crescente participação da iniciativa privada no uso do espaço” (S19). O caso da Alcantara
Cyclone Space (parceria malsucedida entre Brasil e Ucrânia, descontinuada em 2012) é
recordado como um caso no qual a disputa jurídica se avizinha em nossa realidade (S15).
255
Quanto à utilização dos satélites de telecomunicações e sensoriamento remoto, também há
tendência de disputas comerciais (S19).
Agregam-se aos resultados aspectos complementares que despontaram da análise
da questão de número 3. O primeiro deles é a crescente participação de novos atores, em
especial empresas privadas, o que coaduna com o conceito de New Space. Na visão do S8, esse
conceito envolve “empresas de grande porte à startups, realidade indiscutível, [que gerou
inclusive uma] competição mercadológica de quem irá lançar o primeiro programa de turismo
espacial, as novas aeronaves supersônicas, a mineração espacial, os removedores de lixo
espacial etc.” Assim é que essa crescente participação privada levará os países a “defender os
interesses de seus grandes conglomerados, empresas que atuam em várias áreas de indústria de
defesa” (S32). Esse fenômeno protecionista implicará em suporte estatal às empresas via
benefícios, subsídios e incentivos fiscais (S24), o que trará reflexos no cenário internacional do
setor aeroespacial.
O outro ponto de interesse é a relação entre a economia e a capacidade militar. Algo
que reflete no tópico anterior, pois segundo S20 “as questões comerciais falarão mais alto, mas
sempre estarão acompanhadas das capacidades militares desenvolvidas, tal qual ocorre nas
questões geopolíticas tradicionais”. Por fim, há uma tendência em torno de disputas por
patentes. Poderá ocorrer nesse cenário tentativas de “violação, cópias não autorizadas ou
mesmo reservas/proteção de mercados” (S29), fazendo com que esse assunto tenha amplitude
jurídica e destaque-se no campo aeroespacial (S23).
4.3.4.4 Recursos Tecnológicos
O ponto de maior incidência nessa variável foi a questão da restrição de acesso às
tecnologias (S12, S32, S34 e S38). Por se tratar de tecnologias críticas, ou de cunho estratégico,
o controle sobre elas é de interesse geopolítico dos Estados mais desenvolvidos no setor
aeroespacial. Possivelmente, o instrumento de maior representatividade desse controle seja o
MTCR, apresentado anteriormente na Tese. Entretanto, instrumentos como o Acordo de
Salvaguarda Tecnológico (S4), destacado nos comentários da questão de número 1, são
apontados como ferramentas de controle de acesso às tecnologias aeroespaciais. O que se sugere
é a dificuldade de acesso à informação (S3), que gera um diferencial de desenvolvimento de
grande amplitude.
Há uma preocupação com os embargos tecnológicos (S34), com a possibilidade
desses embargos gerar bloqueios de conhecimento que tendam a “retroagir ou mesmo zerar”
avanços em pesquisa e desenvolvimento” (S37). Em decorrência, espera-se que haverá
256
“controle de determinadas tecnologias sensíveis, disputa por nichos de mercado e
acesso/controle das tecnologias avançadas do setor [que] tendem a moldar o relacionamento
entre as nações nos próximos anos” (S32). No que tange à indústria aeroespacial, esse gap
(lacuna) tecnológico observa-se de forma inconteste (os cartogramas do início do capítulo
contextualizam bem essa realidade, ao destacar a concentração industrial do setor aeroespacial).
Mas a tecnologia, na visão dos experts, gera também, além das questões de desenvolvimento
científico, diferenciais em capacidades militares (S42). O S10 aponta para a questão das armas
antissatélite e a criação de forças espaciais, algo que contará com a participação do setor
privado, reforçando o sentido de competição. O S11 destaca que o potencial militar, decorrente
do gap tecnológico, poderá ser identificado nas “tendências de evolução das tecnologias em
aviões não tripulados, armas antissatélites baseadas em lasers, propulsores espaciais nucleares”,
dentre outras.
Essa tendência de apontar para produtos é seguida pelo S23, quando destaca
“motores scramjets de alta velocidade (ou até mesmo os veículos hipersônicos, como propõe o
S47)428, tecnologias ligadas ao setor espacial, tecnologias antissatélites, as tecnologias dos
setores de mísseis e satélites”. Outro campo onde a tecnologia aeroespacial também poderá
gerar diferenciais significativos é no segmento de satélites. Sejam satélites de “observação da
Terra, comunicações e de navegação, que permitem geoposicionamento ou geolocalização”
(S9), as capacidades tecnológicas redundarão em “vantagens” para determinados estados (S12).
Essas vantagens, voltando à questão militar, poderão ser pano de fundo para “questões políticas
e jurídicas seríssimas” (S19), uma nova “corrida espacial” (S32) ou “corridas armamentistas”
(S47).
Até porque, mesmo em face da boa vontade dos tratados internacionais, seja no
âmbito regulatório da aviação ou do espaço exterior, ações preventivas que violem soberania
territorial pela atmosfera (que discutimos alhures) ou aposição de armas no espaço exterior são,
neste último caso, segundo S27, “impossíveis de se verificar o seu fiel cumprimento”. Por fim,
há a preocupação mais voltada para a aviação comercial, já identificada na variável política, de
que a tecnologia se insira no debate ambiental, tais como nas demandas por “redução de emissão
de CO2 e redução de ruído das aeronaves” (S26). O que se pode depreender, portanto, é que a
variável tecnologia será de grande importância geopolítica no ambiente aeroespacial, e a
428 Scramjet é um acrônimo para supersonic combustion ramjet (Ramjato de combustão supersônica). Trata-se de
uma turbina de propulsão para aplicação em veículos hipersônicos, aqueles que alcançam velocidades superiores
a Mach 5 (cerca de 6.175 km/h).
257
questão do “domínio de tecnologias aeroespaciais, [se refletirá] tanto no âmbito militar quanto
comercial” (S42).
4.3.4.5 Ponto de vista Ideológico
A variável final de análise reflete, em síntese, muitos dos aspectos já observados
anteriormente no esforço de geopolitização do ambiente aeroespacial e nas questões da
pesquisa, o que lhe dá um potencial valioso de corroboração da Tese.
Em primeiro lugar destaca-se a questão da soberania. O S1 entende que haverá um
processo de extensão para o espaço exterior daquilo que já ocorre no espaço aéreo, ou seja, “a
partir do momento que for possível interferir de maneira ostensiva em satélites de outras nações,
[...] a [questão da] soberania no espaço irá [tratar de forma semelhante] a rivalidade [que ocorre
no espaço aéreo]”. No que tange à já consagrada soberania territorial no espaço aéreo, o S5
observa que, em decorrência de posturas realistas, reclamos de soberania poderão “gerar
impacto no bom andamento do tráfego aéreo internacional, com impactos na economia e mesmo
na confiança entre os entes estatais envolvidos”. Por esse motivo é que o S2 vê em sistemas
como o de “proteção da Amazônia [ou] o de defesa da Amazônia Azul”, instrumentos de
“interesse nacional” para a garantia de soberania.
Sem dúvida que as questões na esfera da defesa ocuparão boa parte da agenda
ideológica dos estados, dentre as quais o S9 destaca “disputas pelo domínio e uso de meios
espaciais, motivadas por questões estratégicas [tais como] restrições ao desenvolvimento e
lançamento de foguetes, embargos de matérias-primas etc.” O S8 entende que esse cenário
poderá levar, inclusive, a um robustecimento “dos programas militares espaciais [na direção de
uma] nova era armamentista espacial”, ou uma nova “corrida armamentista” (S33), algo que já
foi observado em variáveis anteriores, e que o S18 aponta como “ressurgimento de uma guerra
fria espacial”. Esse “ambiente super competitivo” (S38), se caracterizará “pelo retorno ao
processo de isolamento entre os países, favorável ao surgimento de conflitos e contrário à
integração comercial” (S28).
Até porque, mesmo com os “tratados internacionais discutidos e/ou assinados”
(S11), “os interesses no desenvolvimento de tecnologias satelitais, por parte dos grandes
players da geopolítica mundial, tem girado em torno da defesa de artefatos espaciais –
especialmente de coleta e transmissão de informações sigilosas – nem que para isso sejam
necessários capacidades de ataque” (S21). Há, portanto, uma forte influência da postura realista
nas observações dessa variável, levando inclusive ao despertar dos “temas quentes da
geopolítica” (S11), tais como a “militarização do espaço exterior e seu uso geopolítico” (S22)
258
e (S47) ou a “armamentização” (S46), e o conceito de soberania no espaço aéreo (S48) e no
espaço exterior (S43). Por fim, ficou claro o que o S31 apontou como “foco de tensão” que
recai sobre o uso militar do ambiente aeroespacial. Isso nos permite deduzir que a variável
ideológica da geopolítica aeroespacial demandará questões sobre o uso efetivo desse espaço
(principalmente sob a perspectiva de espaço vital a se conquistar) que poderão superar decisões
idealistas voltadas à cooperação econômica ou tecnológica (S41).
4.3.5 Questão 4 – O cenário idealista da Geopolítica Aeroespacial
Seguindo uma metodologia similar à questão anterior, a partir das variáveis de
estudo (variáveis independentes) contidas na hipótese (fatores geográficos – “q”;
condicionantes políticas – “r”; elementos relacionados à economia – “s”; recursos tecnológicos
– “t”; e ponto de vista ideológico – “u”), a questão de número 4 considerou a possibilidade de
colaboração/cooperação internacional (características da postura idealista) como fator de
prevalência na geopolítica aeroespacial. Mais uma vez, o propósito foi coletar observações dos
experts como antevisões das principais questões geopolíticas no campo aeroespacial que
impactariam o relacionamento entre as nações, em especial o Brasil como ator nesse cenário.
Em uma visão geopolítica mais abrangente esses elementos comporiam um cenário
internacional no qual o país poderia ser motivado a participar.
4.3.5.1 Fatores Geográficos
Do ponto de vista geográfico, destacaram-se as possibilidades de compartilhamento
de informações que visem minimizar os efeitos climáticos catastróficos (S2). Pela opção de um
ganho mútuo (S1), a “troca de conhecimentos ligados à preservação do meio ambiente e à busca
do equilíbrio dentro das atividades humanas em nosso planeta” (S3) parece ser um caminho de
cooperação internacional.
4.3.5.2 Condicionantes Políticas
A partir dessa ideia de cooperação, no campo econômico vislumbra-se o que grande
parte dos respondentes chamou de “parcerias entre as empresas” (S4) ou de “divisão de tarefas
entre empresas/atores” (S39). Um primeiro caminho apontado para tal é na direção de “projetos
em conjunto entre países para dinâmicas não-militares” (S42), essencialmente aquelas que
enfocam mais na segurança internacional do que na defesa do território. Assim, por exemplo,
“a necessidade de compartilhamento de informações que visem combater crimes
259
transnacionais” (S2), as “trocas de informações no campo da inteligência em prol do controle e
vigilância do espaço aéreo com países fronteiriços” (S31) ou parecerias estratégicas como a do
“Sistema de Combate Aéreo do Futuro – SCAF, resultado dos esforços políticos da França,
Alemanha e da Espanha para desenvolver conjuntamente um sistema de caças de 6ª geração”
(S13) parecem ser possibilidades de colaboração internacional. Ressalve-se que esses acordos
tenderão a ser bem-sucedidos em caso de inexistência de “disputas geopolíticas importantes”
(S9) entre os acordantes.
Outro caminho apontado são os acordos internacionais, tais como aqueles
patrocinados pela OACI (S5) ou o caso do “Artemis Accords, com objetivo de diminuir
possíveis conflitos na exploração do espaço exterior” (S46)429. Nesse caso, entende-se que “a
cooperação internacional é uma garantia para o uso pacífico do espaço e para a segurança das
atividades espaciais” (S19). A cooperação no campo da aviação será percebida no turismo e no
comércio internacional (S5), e na atividade espacial por meio do desenvolvimento científico e
pelo chamado Space Benefits (S19)430.
A cooperação se dará também quando forem patentes necessidades complementares
entre os Estados (S15) que identifiquem claramente oportunidades de crescimento a partir da
expertise alheia, até porque em países menos desenvolvidos há carências tecnológicas a serem
cobertas. Essa percepção sobre a possibilidade de transferência de tecnologia seria mais
provável naquilo que o S37 denominou “conhecimentos fronteiriços ao saber”. O S40 aponta
os “acordos de regulamentação de misseis hipersônicos, na revisão ou suspensão do MTCR, ou
no uso corporativo do espaço” descritas pelo S43 como “oportunidades de atuação em
organizações e grupos multinacionais, ou de aderência a acordos com as respectivas obrigações
e direitos advindos da formação de alianças”. Um exemplo claro disso é a EEI (S47), ou aquilo
que o S46 chama de “soft law” (leis ou direito flexível, normas facultativas), como “no caso
dos detritos espaciais” que podem vir a inviabilizar determinadas órbitas. Apesar desses
429 Os Acordos do Programa Artemis (Artemis Accords) são protocolos propostos pela NASA para aqueles
parceiros internacionais (estatais ou não) que queiram cooperar com a agência, cujo principal objetivo imediato é
retomar o voo tripulado à Lua. Segundo a NASA (https://www.nasa.gov/specials/artemis-accords/index.html), os
acordos baseiam-se em princípios pacíficos, de transparência nas informações, de interoperabilidade entre sistemas
nativos e de outras agências espaciais, de assistência em caso de emergências, de registro de objetos espaciais, de
divulgação de dados científicos, de proteção da herança espacial comum, aderência ao Tratado da Lua quanto à
exploração de recursos nesse corpo celeste, desconflito de atividades e de eliminação segura de detritos espaciais
(NASA, 2020).
430 Segundo a The United Nations Office for Outer Space Affairs – UNOOSA (Escritório das Nações Unidas para
Assuntos do Espaço Exterior), a atividade espacial traz benefícios para a agricultura, saúde, meio ambiente,
desenvolvimento sustentável, em desastres naturais, na educação, nos assentamentos humanos (habitação), em
pesquisa e desenvolvimento, nos transportes, comunicações, em assistência humanitária e na colaboração da paz
e segurança internacionais (UNOOSA, 2020).
260
regimes não aderentes, ou que são de adesão facultativa, o S20 entende que “questões jurídicas
[...] necessitarão de um fórum de arbitragem definido”.
4.3.5.3 Elementos relacionados à Economia
A variável economia analisada no contexto aeroespacial também corroborou
elementos identificados no corpo da Tese, ao analisar a economia no contexto aeroespacial. Há
oportunidades de “ganho mútuo com o mercado espacial” (S1), que no caso brasileiro
identificou-se na possibilidade de exploração do CLA. Essa tendência é consonante com a
realidade exposta na variável anterior. Na verdade, conforme aponta o S20, “a economia deverá
ser a força motriz na questão da Geopolítica Aeroespacial”, criando “espaços de cooperação,
colaboração e complementação na relação entre os Estados no sistema internacional” (S13). O
mesmo sujeito de pesquisa, inclusive, identificou no campo militar a possibilidade de fusões de
empresas para o desenvolvimento de tecnologias.
O campo da aviação foi amiúde observado pelos experts como um setor onde a
cooperação já é pujante e tende a crescer. Exemplos como as tentativas de buscar parceria da
grandes indústrias aeroespaciais, como a Boeing e a Airbus, não somente para a obtenção de
fatias do mercado, mas também no desenvolvimento de “tecnologias disruptivas na aviação
comercial” (S26). Ou ainda, as parcerias de empresas de aviação objetivando “acordos
mutuamente benéficos voltados para a integração de sistemas e rotas” (S27), e até mesmo “a
fusão de empresas aéreas” (S45). Outra percepção coincidente tem a visão prospectiva de
eliminação de barreiras comerciais, gerando proporcionalidade na divisão do mercado, algo que
pode ser alcançado quando se ampliar a “infraestrutura de apoio às atividades aéreas” (S48).
No caso da aviação também ficou claro que a cooperação se dá na navegação aérea
por meio da comunalidade dos serviços de controle de tráfego aéreo. O S41 e o S43 vêm
possibilidade de “cooperação no compartilhamento do uso do espaço, baseando-se mais em
elementos voltados para a ciência e tecnologia e comércio do que disputas de interesse
geopolítico”. O S41 expande esse entendimento que vai além do “compartilhamento do uso dos
espaços aéreos nas áreas comerciais, para as questões de logística e de transporte de pessoal”.
Apesar dessa concepção cooperativa, ainda se observam posturas economicamente incorretas,
como é o caso levantado pelo S25, quando aponta que alguns “países se utilizam da autorização
de sobrevoo e do pouso técnico com finalidade de simples compensação financeira, que se dá
tanto pela venda de combustível quanto pela cobrança na prestação de serviços (recepção do
voo em solo; comissaria; tarifas aeronáuticas de navegação aérea, uso de auxílios e
comunicação; pernoite em aeroportos; taxas de pouso e decolagem etc.)”.
261
O campo espacial também suscita caminhos de integração (S28) e cooperação
econômicas (S33), mormente via “formação de consórcios para lançamentos de veículos
espaciais, pesquisa e desenvolvimento conjuntos, criação de empresas multinacionais da área,
tratados e acordos de cooperação, propriedade intelectual compartilhada, transferência de
tecnologia e acordos de salvaguardas tecnológicas” (S29). Há os exemplos da EEI e do Galileo
System (S26)431, onde as atividades multinacionais de cooperação (S33) estabelecem “processos
de cooperação entre agentes internacionais, em especial, pesquisadores, grupos de pesquisa,
universidades, sociedades científicas e agências nacionais espaciais” (S36). Isso poderá gerar
resultados significativos em “programas de cooperação em tecnologias não-competitivas, tais
como as análises de viabilidade de combustíveis de biomassa” (S43).
4.3.5.4 Recursos Tecnológicos
Na hipótese de preponderância das iniciativas de cooperação, característica do
pensamento idealista, a variável tecnologia será aquela que, possivelmente, levará a resultados
mais expressivos (S7) e (S12). A aviação em geral será beneficiada pelo desenvolvimento na
“gestão do serviço de controle de tráfego aéreo, nas tecnologias das telecomunicações, em
sistemas de informações em tempo real das movimentações de passageiros e cargas” (S24),
algo que o S23 ratifica.
No setor espacial, os benefícios advindos de cooperação se refletiriam
imediatamente no “desenvolvimento de novos métodos de imageamento, ou nas pesquisas
sobre medicamentos em ambiente de baixa gravidade” (S6). Na questão do sensoriamento
remoto por satélites “poder-se-á construir melhores meios para vigilância de fronteiras,
combate a ilícitos transnacionais, melhoria nas comunicações (educação etc.) e internet das
coisas (carros autônomos etc.)” (S22). Essa preocupação com ganhos de segurança por meio de
cooperação no setor espacial também foi destacada pelo S24, ao visualizar melhorias no
“trabalho de fiscalização e apreensão de cargas e remessas ilegais, bem como a circulação de
indivíduos que estejam à margem da sociedade civil organizada (contrabandistas, mulas de
drogas, ativistas terroristas etc.)”. Mesmo no turismo espacial a cooperação é benéfica, onde se
destaca a participação de empresas privadas no desenvolvimento de viagens espaciais (S1).
431 Galileo System (Sistema Galileu) é um sistema global de navegação e posicionamento com base em satélites,
semelhante ao GPS norte-americano, desenvolvido pela ESA. A Rússia desenvolve sistema de constelação de
satélites com o mesmo propósito, denominado GLONASS. A China também trabalha nessa direção por meio do
sistema BeiDou. Japão e Índia desenvolvem produtos de amplitude apenas regional, diferentemente dos citados
cuja cobertura é global, respectivamente denominados QZSS e NavIC (NASIC, 2018).
262
Também nessa linha de pensamento, empreendimentos colaborativos poderão “descontaminar
órbitas terrestres por meio da limpeza e coleta de lixo espacial” (S45). Porém, para que tais
iniciativas sejam concretas, há a necessidade, como bem apontou o S21, de “parcerias
envolvendo a Tríplice Hélice (Academia, Governo e Empresas)” que favorecerão acordos
internacionais e novos “dispositivos legais de soft law como o Woomera Manual”432.
4.3.5.5 Ponto de vista Ideológico
Do ponto de vista da variável ideológica, iniciativas com a do Manual Woomera,
capitaneado pela Universidade de Adelaide, na Austrália, atendem demandas como a que foi
colocada pelo S48, que entende ser necessário o “detalhamento de tratados e convenções
visando inibir o uso bélico” do espaço exterior. Porém, não somente no caso do espaço exterior,
mas em todo o ambiente aeroespacial, há que se repensar a herança “de características
ideológicas, corrupção, postura colonizadora” (S7), antes de se partir para tais inciativas. Se
isso for possível, percepções como as do S10, quanto à “criação de forças conjuntas para a
defesa de territórios, a colaboração na construção de novos sistemas de defesa aérea, aeronaves,
radares e mísseis, além da revalorização de organizações como a OTAN”, serão elementos
significativos para a análise dessa variável.
Em prol desse pensamento, o S8 destaca como “exemplos vivos a EEI, que envolve
a agências espaciais do Canadá, da Europa, do Japão, da Rússia e a NASA, e o AST que irá
dinamizar as futuras operações espaciais no CLA”. O S18 entende que essa postura de
cooperação é decorrente do próprio fenômeno da globalização, que impôs tal padrão como
obrigatório. Até porque, “as nações que se disponham em dividir conhecimentos e tecnologias,
na área aeroespacial, sairão bem mais fortalecidas, cientificamente e poderão contribuir para o
desenvolvimento de seus respectivos países” (S37). Por esse motivo, o S15 percebe uma
“reedição da tese de Hugo Grotius (Mare Liberum) aplicada agora ao domínio aeroespacial433,
um discurso de liberdade do domínio aeroespacial primordial para a comunicação entre os
povos e as nações”. De fato, as questões associadas ao campo do discurso, conforme apontadas
no corpo da Tese, ressaltam como elementos da geopolítica aeroespacial.
432 The Woomera Manual (Manual de Woomera) é um projeto de pesquisa internacional conduzido pelas
universidades de Adelaide, Exeter, Nebraska e New South Wales, com o propósito de elaborar um manual que
“articule e clarifique a lei internacional existente aplicável às operações militares no espaço”
(https://law.adelaide.edu.au/woomera/).
433 Mare Liberum refere-se à ideia de liberdade de trânsito nos mares que Hugo Grotius, em 1609, defendeu em
oposição às posturas restritivas dos países ibéricos, que buscavam limitar o acesso à navegação marítima aos
demais Estados europeus.
263
4.3.6 Espaço livre para comentários
O questionário distribuído aos experts inclui um espaço livre para comentários
sobre o tema investigado. Nem todos os respondentes preencheram esse campo e algumas
respostas não se encaixam com o propósito da pesquisa. Por esse motivo, somente aqueles
comentários que visem corroborar as variáveis da hipótese de estudo serão analisados. Em
especial, observou-se nas respostas uma preocupação em apontar demandas nacionais para o
setor aeroespacial.
Uma delas clama por uma postura “mais agressiva do Brasil na busca de
desenvolvimento tecnológico no setor aeroespacial” (S1). Isso se daria na forma de um “tripé
sólido [representado por] academia, governo e iniciativa privada” (S8). É necessário, entretanto,
reconhecer que esse movimento somente ocorrerá a partir de uma “nova governança para o
setor aeroespacial” (S9), por meio de políticas públicas, tais como o Programa Espacial
Brasileiro – PEB, que a exemplo da política nacional de defesa, seja encarado como política de
Estado, e não de governo. Na forma como propõe o S37, há que se possuir um “pensamento
estratégico” para o setor, caracterizado por um “sincronismo” na área de ciência, tecnologia e
inovação. Somente assim, seria assegurada uma continuidade nos investimentos e projetos do
setor aeroespacial.
Essa percepção reforça uma diferença nos dois segmentos do ambiente
aeroespacial, nos quais o S12 visualiza “significativa expressão geopolítica do Brasil no caso
da aeronáutica e pouca expressão no campo espacial”. Possivelmente, isso reforce a demanda
de uma maior integração entre os setores, constituindo-se efetivamente em um setor
aeroespacial.
Apesar das críticas quanto a uma postura idealista pura, como aquela que ressalta o
S15, quando observa que “em assuntos que envolvam ou possam envolver a segurança nacional,
qualquer país resguarda a si, sua proteção industrial, assim é em atividade aeronáutica e
espacial”, propõe-se a busca pelo “multilateralismo” (S2) ou a possibilidade de que a
cooperação traga “mudanças evolutivas na forma de viver da humanidade” (S20). Ainda nesse
campo econômico e tecnológico, outra tendência que se aponta é a prevalência dos projetos
duais (S17), cuja aplicação civil é complementar à militar, ou vice-versa.
Essa tendência, associa inequivocamente a política de defesa (essencialmente de
natureza militar) com a política aeroespacial (de natureza desenvolvimentista, econômica,
social, tecnológica), “dada a indissociável relação entre as atividades oriundas do aeroespaço,
as atividades econômicas e as militares” (S32).
264
Em função disso, geograficamente, o Brasil parece ser privilegiado. O S29 destaca
que Alcântara, no Maranhão, onde se situa o CLA, além do clima propício e da baixa densidade
demográfica, destaca-se pelo “posicionamento junto ao litoral, [que] oferece grande margem
de segurança aos lançamentos e possibilita o acesso à vários tipos de órbitas [e se destaca como
um dos] mais promissores do mundo”. Essa visão geográfica, na verdade, da atividade
aeroespacial, dos aeroplanos aos foguetes, é capaz de mudar a visão da geografia clássica, por
meio do encurtamento de distâncias (S27) no mundo globalizado. O CLA, nesse sentido, renova
aquilo que o aeroporto já fez desde o século passado, ao encurtar a distância (também no sentido
da eficiência) entre a Terra, as órbitas e os corpos celestes.
O ambiente aeroespacial é uma dimensão altamente competitiva do ponto de vista
tecnológico (S18), apesar de ser “um universo geopolítico ainda em processo de construção do
conhecimento que exige novas teorias e metodologias” (S13). Apesar disso, questões
ideológicas da geopolítica clássica referentes a essa dimensão persistem, como fronteiras,
segurança ou projeção de poder (S43).
Como seria mais bem explicado por S48, “a Geopolítica Aeroespacial emerge como
área temática desafiadora, pois necessita compreender e, se possível, compatibilizar as
demandas de cooperação internacional com as demandas e objetivos nacionais de cada país”.
Por esse motivo, a coexistência de “elementos de conflito e cooperação no que tange ao futuro
do domínio aeroespacial” (S16), permite-nos concordar com S44 ao afirmar que realismo e
idealismo não deveriam ser observados como polos dicotômicos, mas em uma perspectiva
“dinâmica, que adquire feições distintas em diferentes níveis no âmbito de um mesmo tema”.
4.4 Síntese das apreciações dos experts
À guisa de proposição de um raciocínio sintético sobre os resultados obtidos na
coleta de dados, propomos o Quadro 8 que agrupa as principais análises por tendência (cenário
idealista, cenário realista e cenário híbrido434), em função das variáveis da hipótese de estudo.
O propósito do quadro é apontar elementos que podem ser considerados em políticas públicas
para o setor aeroespacial.
434 O cenário identificado por “postura diferenciada, nem realista nem idealista”, em função da baixa incidência
relativa, não foi considerado no Quadro sugerido.
265
Quadro 8 – Síntese dos Resultados dos Questionários
Cenários
Variáveis
Realista Idealista Híbrido
- O espaço aéreo ainda é um
espaço soberano, do ponto
- Compartilhamento de de vista territorial que têm
- Domínio a ser conquistado informações nas questões sofrido violações.
Fatores
geograficamente. climáticas. - O espaço exterior, apesar
Geográficos
- Questões ambientais serão - Ampliação da capacidade de ser legalmente uma res
(q)
conflituosas. de sensoriamento com a communis, corre o risco de
finalidades humanitárias. ser territorializado, em
função da precariedade da
legislação internacional.
- Imposição de requisitos - Parcerias estratégicas - Há espaço para a
restritivos à operação de entre os estados, inclusive cooperação, desde que não
Condicionantes
aeronaves. com atores privados. estejam envolvidas questões
Políticas (r)
- Questões jurídicas sobre o - Acordos de cooperação. estratégicas e de segurança
uso do espaço exterior. - Ampliação das soft laws. nacional.
- Disputa por rotas aéreas
(comercial, logística e
- A economia será o fator
turismo).
condutor da geopolítica
- Competição pela exploração - Parcerias do tipo “ganha-
aeroespacial.
comercial do espaço; no ganha”.
- Tendências competitivas
desenvolvimento tecnológico - Tendência de eliminação
por mercados poderão
em torno dos veículos de barreiras comerciais.
surgir em função de novos
Elementos de espaciais; e na utilização dos - Maior relacionamento
atores (New Space).
Economia (s) satélites de telecomunicações cooperativo da empresas
- Há possibilidade de
e sensoriamento remoto. aéreas e ou indústria
inserção de estados menos
- Inserção de novos atores aeroespacial.
desenvolvidos nos projetos
privados no disputado - Formação de consórcios.
que demandam recursos
mercado aeroespacial.
vultosos e
- Tendência de
complementariedade.
relacionamento da economia
com as demandas militares.
- Desenvolvimento de
- Há espaço para
- Existência dos instrumentos tecnologias de
cooperação, ressalvadas
de restrição de acesso às gerenciamento do tráfego
aquelas tecnologias
novas tecnologias. aéreo.
consideradas críticas ou
Recursos - Embargos comerciais. - Melhorias de tecnologias
estratégicas, que envolvam
Tecnológicos - Aumento do gap aeroespaciais
questões militares.
(t) tecnológico. (imageamento,
- Tendência de cooperação
- Inserção do debate comunicações etc.).
entre estados que não
ambiental e a busca de - Reforço do tripé
possuam interesses
tecnologias. academia, governo e
geopolíticos conflitantes.
empresas (governança).
- Programas espaciais
- Reforço da questão da continuarão a fazer parte do
- Enfrentamento conjunto
soberania do espaço aéreo. discurso ideológico dos
em situações de crises.
- Possibilidade de extensão da estados, assim como as
- Maior clareza quanto às
questão da soberania ao capacidades aeronáuticas
intenções de uso do espaço
espaço exterior. (em especial as de natureza
Ponto de Vista exterior.
- Setor (e ambiente) militar).
Ideológico (u) - Tendência de ampliação
aeroespacial como estratégico - Dificuldade de se definir
de acesso ao espaço aéreo e
na segurança. claramente a questão da
eliminação de postulados
- Militarização e soberania no espaço
sobre soberania no espaço
armamentização do espaço exterior, em função da não
exterior.
exterior. completa adesão aos fóruns
e ao direito internacional.
Fonte: o Autor, 2020.
266
Legenda:
Cenário Realista: Realismo que não exclui possibilidade de cooperação
Cenário Idealista: Postura Idealista
Cenário Híbrido: Ambas as posturas são concomitantes
As evidências advindas da análise das respostas dos experts permitiram corroborar
um número significativo de fatores que foram apontados nas variáveis geográfica, política,
econômica, tecnológica e ideológica da Tese. Em primeiro lugar, compreender o ambiente
aeroespacial como uma dimensão geográfica integrada, onde uma estrutura sistêmica pode ser
elaborada. Depois, observar que condicionantes como relações de poder, território e soberania
permitem agregar a essa dimensão uma análise geopolítica. Isso se pode dizer quando se
apreciam os elementos relacionados à economia, dentre eles, a pujança da atividade aeronáutica
em termos de tráfego aéreo, passageiros transportados, relacionamento com o turismo ou
participação no PIB mundial. No caso da indústria aeroespacial refletem-se dados significativos
sobre economia e tecnologia. Essa indústria, na qual o desenvolvimento tecnológico tem
apontado para a conquista de uma nova dimensão geográfica, permite um melhor conhecimento
da própria Terra e apresenta-se como opção para a exploração de novos espaços a se conquistar.
Sobre essa perspectiva, sobressai a questão ideológica, que tem conduzido o discurso sobre a
atividade aeroespacial como um elemento estratégico do Estado.
Não é possível estimar qual cenário terá maior probabilidade de ocorrência. Porém,
as análises que foram apresentadas neste Capítulo certamente permitirão o desenvolvimento de
políticas públicas calcadas na apreciação de fatores essencialmente geopolíticos (território,
soberania, relações de poder, geoeconomia, geotecnologia e cultura), exatamente esse o
propósito desse segmento, na direção de uma Geopolítica Aeroespacial.
267
5 CONCLUSÃO
“É claro, geopolítica significa a política da ‘geo’ (terra),
mas o prefixo ‘geo’, aqui, significa terra como solo, ou a
Terra ou o mundo?” (ELDEN, 2018, p. xiii).
A indagação de Stuart Elden no prefácio da obra Territory Beyond Terra (Território
além da Terra) fornece uma excelente contextualização para o tema desta Tese. De fato, buscou-
se questionar com esta investigação a evolução do campo epistemológico da Geopolítica, da
abordagem clássica em torno da superfície (terrestre e marítima) para uma nova dimensão, a
aeroespacial. Para tanto, propusemos uma aproximação com o tema a partir de dois vieses: o
ambiente (ou domínio) geográfico e a abordagem geopolítica.
Na questão do domínio, o ambiente aeroespacial trouxe à geopolítica uma nova
dimensão geográfica, na medida que foi caracterizado por meio de uma geografia própria,
detentora de aspectos como funcionalidade, localização, geometria, cartografia e arcabouço
jurídico. Relevante foi observar que tanto o espaço aéreo como o espaço exterior possuem
características suficientes para se corroborar a ideia de que se constituem em espaços
geográficos por natureza. Mais do que isso, apesar de possuírem geografias físicas distintas,
observam-se grandes similaridades conceituais como linhas de comunicação, chokepoints,
espaços vitais, heartlands etc., quando considerados sob o ponto de vista da geografia humana,
em especial na questão geopolítica.
Uma analogia será suficiente para se compreender tal sentido de integração que se
discutiu. Massas aquáticas como um rio ou um mar, possuem muitos elementos distintos
quando os observamos sob o ponto de vista da geografia física (função morfológica,
sazonalidade, salinidade, espécies da fauna e flora, efeito da maré, temperatura, transparência,
volume etc.). Veículos navais, no alvorecer da história, limitavam-se às navegações ribeirinhas
e, em uma fase posterior, à cabotagem. Mesmo hoje, navios demandam características
estruturais distintas quando se propõem a trafegar em ambientes marítimos, fluviais ou
lacustres. Porém, quando trasladamos esse espaço geográfico aquático para o campo dos
estudos estratégicos (e as questões a ele inerentes), em especial a geopolítica, não se identificam
contextos de análise específicos como uma geopolítica ribeirinha e uma geopolítica costeira,
ou um poder oceânico e um poder lacustre, apenas para destacar alguns exemplos. Na verdade,
o que se estuda no espectro dos estudos geopolíticos (sejam de natureza estratégica ou no
268
âmbito das relações internacionais) é sempre uma geopolítica naval ou um poder marítimo,
ambos com sentido abrangente e geral. A ideia de continuidade que se observa nesse caso
(analogamente extensível à superfície terrestre, onde inexiste uma geopolítica das elevações
montanhosas, ou um poder florestal etc.), permite-nos propor que raciocínio semelhante seja
desenvolvido em torno do ambiente aeroespacial435.
No que se refere à abordagem, a geopolitização do ambiente aeroespacial abriu
espaço para discussões em torno de elementos como configuração de práticas de poder
(inclusive marcadas por conflitos interestatais), características econômicas, fatores
tecnológicos e aspectos ideológicos, que dimensionaram a existência de uma Geopolítica
Aeroespacial. Edward Soja (1996, p. 2) nos convidou a pensar o espaço de forma diferente, por
meio do conceito de terceiro espaço, entendido como “uma tentativa proposital e flexível que
tenta capturar o que é, na verdade, um ambiente inconstante e de constante mudanças nas ideias,
eventos, aparências e significados”436. A Tese aceitou esse convite e se debruçou sobre o
ambiente aeroespacial, como nova dimensão da geografia, ou um novo domínio, e sobre ele
buscou uma interpretação geopolítica, suscitando uma nova abordagem, a Geopolítica
Aeroespacial.
Na elucidação do problema de pesquisa, identificou-se uma lacuna nos estudos
geopolíticos que se concentravam sobremaneira nas superfícies (dimensões) marítima e
terrestre. A partir do final da 2ª GM, com a contribuição de Alexander Seversky, abriu-se um
novo campo de estudos geopolíticos com a inserção da dimensão aérea. Na Guerra Fria, o
espaço exterior passou a ser também considerado como uma dimensão para estudos
geopolíticos. Entretanto, as inserções do espaço aéreo e do espaço exterior somente deram
origem a abordagens segmentadas, como a geopolítica do poder aéreo, do transporte aéreo, a
Astropolitik ou a geopolítica espacial. Essa outra lacuna adveio, essencialmente, da demanda
por considerar o poder aéreo e o poder espacial a partir de uma visão integrada, que se postulou
435 Complementarmente a essa analogia, cabe recordar que, por exemplo, Alfred Mahan não escreveu sobre um
poder anfíbio ou um poder ribeirinho, tampouco referiu-se distintamente aos mares ou outras superfícies aquáticas,
preferindo tratá-las, todas, sob a perspectiva de um poder marítimo. De forma semelhante, ao considerarmos o
pivô-central (e depois o Heartland) como centro do poder na perspectiva de Halford Mackinder, devemos recordar
que se trata de uma área com diversidade geográfica, tanto em termos de relevo como em vegetação. Assim é que
o geopolítico britânico não diferenciou nessa extensa área geográfica abordagens de poder focadas em florestas,
planícies, montanhas etc., mas um poder terrestre no sentido amplo do termo.
436 A ideia de terceiro espaço (thirdspace), refere-se à interpretação do espaço geográfico tanto em sua forma real
(fenômeno físico) como a partir da imaginação (ideologicamente concebido). De fato, como apontamos, o
ambiente aeroespacial é um espaço geográfico fisicamente perceptível, mas também um espaço no qual se
projetam imaginações, representações, simbolismos e, em última instância, ideologias. Acreditamos que o
thirdspace de Edward Soja é um conceito bastante próximo ao de psicoesfera, proposto por Milton Santos.
269
denominar Poder Aeroespacial. Dessa forma, a Geopolítica Aeroespacial parte da premissa de
uma visão espacial integrada.
A investigação desenvolveu-se, metodologicamente, como abordagem hipotético-
dedutivo (POPPER, 2008). Nesse método a hipótese é uma conjectura. Portanto, a testagem se
processou por meio de evidências, cuja escolha seletiva, buscou representar, o mais
acuradamente possível, pela observação, predições inequivocamente dedutivas. Isso com base
no procedimento de concordância (VAN EVERA, 1997), no qual variáveis com características
gerais diferentes (geográficas, políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas) suscitam
valores similares (as evidências) para a testagem da hipótese. Nesse processo de testagem, as
evidências das diferentes variáveis traduzem-se em resultados (dedução geral), causam
determinadas respostas (testagem) e demonstram a conexão com a hipótese (relação hipotético-
dedutiva).
Para tanto, optou-se por conceber uma hipótese metodologicamente emoldurada da
seguinte forma: a insuficiência da geopolítica clássica voltada para a análise da superfície,
reflete a demanda de atualização dessa realidade, a partir do pressuposto de uma nova
geopolítica. Nessa Geopolítica Aeroespacial, estão inseridas as variáveis (ou os elementos) de
teste da hipótese, respectivamente associadas às condicionantes geográficas (q), políticas (r),
econômicas (s), tecnológicas (t) e ideológicas (u). Dentro desse escopo, o pressuposto é de que
o ambiente aeroespacial é um espaço geográfico formado pela conjugação entre espaço aéreo e
espaço exterior, no qual se estabelecem relações geopolíticas.
Para que as variáveis pudessem ser evidenciadas, elaborou-se a investigação a partir
de três passos. No primeiro deles, representado no capítulo inicial da Tese, evidenciou-se a
condicionante geográfica dessa dimensão aeroespacial, o que denotou o trabalho sobre a
primeira variável “q”. Importante foi compreender que a evolução da tecnologia permitiu que
esse novo espaço fosse ocupado, algo semelhante ao movimento de expansão territorial
viabilizado pelas navegações dos séculos XV e XVI. Uma questão relevante foi observar que
não há um limite geográfico, ao modo clássico da fisiografia, entre o espaço aéreo e o espaço
exterior, o que favorece a ideia de integração. Com essa etapa, acredita-se ter atingido o objetivo
específico de caracterizar a geografia do ambiente aeroespacial.
Ainda nesse Capítulo, enfocando a proposta do segundo objetivo específico, qual
seja, a de elaborar uma síntese teórica e empírica que represente o ambiente aeroespacial,
procurou-se demonstrar a geografia dessa dimensão por meio da identificação da
funcionalidade e da localização. Assim é que foi possível caracterizar esse espaço geométrica
e morfologicamente. Foram evidenciados elementos como fixos e fluxos, fenômenos naturais,
270
escala, forma, função e processo que, por fim, levaram à constituição de uma estrutura, a
dimensão espacial da realidade, na qual esses elementos interagem e dão sentido ao que se
denominou de ambiente aeroespacial. Assim é que não se trata de pensar o espaço geográfico
do ambiente aeroespacial apenas como substrato, no sentido meramente geométrico, mas
também em uma perspectiva relacional.
O segundo esforço de pesquisa foi evidenciar as características da geopolítica que
incidem sobre as atividades relacionadas ao ambiente aeroespacial. Assim é que foram
selecionadas outras quatro variáveis (“r”, “s”, “t” e “u”), definindo o recorte temático de
investigação. A investigação revelou a importância histórica da dimensão aeroespacial,
mormente pelo surgimento dos aeroplanos e como eles modificaram a percepção sobre o
fenômeno da guerra e das relações interestatais. Tanto é que ficou claro o surgimento de uma
nova teoria de poder que se contrapunha aos tradicionais poderes terrestre e marítimo. A teoria
do poder aéreo, ao incorporar as atividades no espaço exterior passou a ser denominada de
teoria do poder aeroespacial, e apresentou-se à geopolítica como uma opção explicativa que
insere aquelas cinco variáveis fundamentais. Tal demanda havia sido definida no objetivo
específico que propunha analisar a o ambiente aeroespacial sob o ponto de vista geopolítico,
considerando a evolução do poder aéreo para o poder aeroespacial.
No campo da política, as questões associadas ao conceito de território (e
territorialidade), as relações de poder e o exercício de soberania evidenciaram a pertinência da
geopolitização desse novo ambiente. Houve, em grande parte, um foco na questão de se revisar
o conceito de território no contexto do objeto de pesquisa, algo que fora proposto como objetivo
específico. O passo seguinte foi revelar até que ponto a economia teria uma relação marcante
com a atividade aeroespacial. Percebeu-se que, tanto na aeronáutica como na atividade espacial,
a economia transformaria o entendimento clássico da geopolítica, inserindo novos elementos
de análise na dimensão aeroespacial, decorrentes da tecnologia dos transportes aéreo e espacial.
Essa realidade abriu espaço para o próximo campo de análise que foi exatamente vinculado ao
aspecto tecnológico. Observou-se que a tecnologia aeroespacial vai muito além da questão dos
transportes, conectando-se com uma aerorrealidade que, inclusive, altera a percepção
sociológica atual, na direção de uma vida aérea que se estabelece em aeroportos, redes
internacionais e mesmo na imagem de terror originada pelo bombardeio aéreo e pelos mísseis
balísticos portando ogivas nucleares. Na investigação sobre tecnologia, identificou-se o
conceito de indústria aeroespacial, que revela sobremaneira o sentido de integração de duas
atividades aérea e espacial em uma só.
271
O ponto final de análise no segundo capítulo foi a variável ideológica.
Compreendendo ideologia (uma ideia matriz) como um elemento da geografia cultural,
revelou-se o valor que o discurso associado à atividade aeroespacial, na forma de pioneirismo,
segurança, valores patrióticos e prestígio nacional, tem desde o surgimento do aeroplano até os
mais atuais programas espaciais. Todo esse movimento em torno da variável fora sugerido
quando se estabeleceu identificar os fatores econômicos, tecnológicos e ideológicos como
elementos de influência no contexto geopolítico do ambiente aeroespacial.
Nessas etapas, como método de procedimento, adotou-se a abordagem geohistórica,
por meio de levantamento bibliográfico e coleta de evidências em referências da Geografia, da
Geopolítica, da Geografia Política, de História, das Ciências Aeronáuticas, da Astronomia, da
Astronáutica e das Relações Internacionais. Buscou-se documentação indireta, pesquisa
documental e pesquisa bibliográfica, inclusive em sítios da rede mundial de computadores
como fonte primária de informações.
O terceiro esforço da pesquisa foi tentar atingir dois propósitos: um primeiro de
cunho metodológico e outro pragmático. A partir da análise das respostas de experts a um
questionário buscou-se reforçar as evidências da pesquisa bibliográfica e documental. Em um
sentido amplo, esse propósito demonstrou ser frutífero, haja vista que ressaltaram os aspectos
apontados como variáveis da hipótese. Outro objetivo foi colher elementos que pudessem
elucidar aspectos possíveis de políticas públicas para o setor aeroespacial, a partir de duas
premissas das relações internacionais: o realismo e o idealismo. Tal intento logrou êxito,
permitindo que uma síntese desses elementos fosse apresentada como conclusão das análises,
inclusive com o surgimento de uma postura híbrida entre àquelas oferecidas como base para as
respostas. Por esse motivo, considera-se que o objetivo específico final, ou seja, elaborar
elementos estruturantes de cenários para a Geopolítica Aeroespacial do Brasil a partir de
tendências realistas e idealistas, tenha sido atingido.
A Tese encerra uma relevante conclusão. A Geopolítica Aeroespacial é uma
interlocutora do Estado na tentativa de se compreender, ou se explicar, geograficamente uma
dinâmica social contemporânea, representada pela crescente relevância do ambiente
aeroespacial nas relações entre Estados, organismos internacionais e atores privados. Também
a corroboração da hipótese sobre a demanda de evolução da abordagem clássica da geopolítica,
cujos discursos são predominantemente voltados para a influência das características
geográficas da superfície terrestre e do mar, para uma abordagem que valorize o ambiente
aeroespacial, representado pela associação, conjugação e integração do espaço aéreo com o
espaço exterior, como dimensão geográfica com peso cada vez maior no debate geopolítico.
272
Essa principal conclusão nos permite expandir outras implicações da Tese. Uma
delas foi demonstrar a evolução do conceito de poder aéreo para poder aeroespacial. Hoje, não
há mais como dissociá-lo. Ele representa um contínuo de aplicação de capacidades,
levantamento de questões no relacionamento internacional, e fundamento para disputas por
soberania e territórios, enfim, um importante elemento da Geopolítica Aeroespacial.
Outra implicação, de grande relevância para a ciência geográfica é o impacto
epistemológico que esse novo espaço geográfico, o ambiente aeroespacial, passa a assumir nas
discussões acadêmicas. Não se trata de observá-lo apenas pelo prisma dos estudos climáticos,
algo que já é bem desenvolvido. Mas também sob os pontos de vista político, econômico,
tecnológico e cultural. Até porque, outra implicação desta investigação, foi revelar a dimensão
teórica do conceito de ambiente aeroespacial, na forma de uma estrutura conjugada e interativa,
uma realidade espacial.
Na coleta de evidências nas variáveis de estudo, comprometeu-se o estudo com a
construção de um panorama sobre a geopolítica aeroespacial, que seja um ponto de partida, de
contribuição acadêmica, e um subsídio para a atualização das políticas públicas existentes no
país no setor aeroespacial. Para tanto, o trabalho refletiu sobre esse setor e levantou implicações
em vieses doutrinários, legais, políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos, tanto na
esfera das instituições públicas (em especial àquelas ligadas à segurança e defesa) como das
empresas privadas. Uma implicação decorrente desse estudo é a demanda por um maior
relacionamento entre a ciência geográfica, em especial a Geopolítica, e os estudos estratégicos
em áreas como Relações Internacionais e Defesa.
No campo da teoria, a Tese observou que o ambiente aeroespacial é suscetível à
explicação de Friedrich Ratzel quanto à expansão das fronteiras estatais. Às pressões de ordem
política (reclamos de território, soberania e relações de poder) e econômica (a busca por
recursos naturais), evidenciadas nos estudos do geógrafo alemão, ainda no século XIX,
associam-se questões tecnológicas (para a atividade aeroespacial, inclusive no campo das
telecomunicações e sensoriamento), por ele denominada cultura, e a questão ideológica
(discorridas como elemento cultural de sensação de segurança e prestígio). Não se trata aqui de
referendar a necessidade de tal fenômeno, mas de destacar a percepção intelectual e política,
característica de uma visão de mundo, que aponta para cenários de recrudescimento das
situações acima citadas (conflitos em torno de um espaço visto como vital). A premissa de que
a exploração de novos espaços geográficos pode ser a solução para problemas da sociedade,
encontra fundamento na história e na geografia. Do ponto de vista histórico, os movimentos de
expansão dos grandes impérios, tais como os da Antiguidade, desde os primórdios do primeiro
273
até a época Moderna, como o das nações europeias do século XV e XVI, visaram conquistar
novos territórios que permitissem lidar com seus respectivos problemas socioeconômicos. Para
a Geografia, que nasce da demanda de se conhecer e registrar as características de novas terras,
um novo espaço geográfico sempre foi, e continua sendo, um objeto de estudo que abraça
diversas perspectivas. Algumas perspectivas mais objetivas, como a escala ou a paisagem,
outras mais epistemológicas, como as abordagens física e humana.
Por outro lado, percebeu-se a insuficiência das explicações decorrentes da teoria do
poder terrestre, principalmente na visão de Halford J. Mackinder, e do poder marítimo, de
Alfred T. Mahan. Ambos apresentam conclusões bidimensionais em suas respectivas teorias
que, apesar de consistentes em seus domínios, refletem posturas limitadas na compreensão
geopolítica do mundo atual, que demanda da geopolítica a evolução observada a partir da
transição do conceito de poder aéreo para o poder aeroespacial.
A constatação em torno da hipótese tem impacto em vários campos do
conhecimento. Na Geografia, descortina uma nova dimensão espacial passível de ser estudada
tanto na perspectiva física como humana. Nas Relações Internacionais, ao se constatar que o
ambiente aeroespacial passa a ser um domínio intrinsecamente voltado para o trato entre os
Estados e os atores privados. Nos estudos sobre Defesa e Estratégia, haja vista a relevância do
poder aeroespacial nos conflitos militares, fenômeno que se observa desde a 1ª GM, e a
crescente tendência de militarização e/ou armamentização do espaço exterior. Na Ciência
Política, o ambiente aeroespacial surge como campo de estudos teóricos e práticos, em especial
quanto ao papel do Estado e das organizações multinacionais. Por fim, na Geopolítica, que se
acostumou a interpretar os fenômenos por um ótica bidimensional, a Tese apresenta-se como
uma contribuição para a expansão temática de estudos.
Na investigação, puderam ser evidenciadas algumas limitações que favoreceriam
estudos futuros acerca do tema. Em primeiro lugar, a incorporação de novas variáveis, tais como
a demografia (estudos populacionais ou migratórios decorrentes da evolução da técnica), a
diplomacia (análise de acordos internacionais ou de atas de reuniões bilaterais, por exemplo),
a militar (que analisaria estrutura de força, capacidades dos equipamentos etc.), a
social/antropológica (estudo do impacto social do objeto de estudo e a percepção das
comunidades sobre o assunto) ou a biológica/ambiental (análise sobre organismos aéreos ou na
perspectiva climática), dentre outras, poderia ampliar conclusões sobre as evidências
geopolíticas do ambiente aeroespacial.
Do ponto de vista da tentativa de corroboração da hipótese de estudo via
questionário dos experts, há um amplo campo de possibilidades para estudos futuros. Pesquisas
274
que apliquem técnicas de observação direta intensiva, tais como a observação ou a entrevista,
poderiam ampliar as contribuições, em virtude da possibilidade de sistematização e
direcionamento dos questionamentos. Da mesma forma, estruturar a investigação em torno de
grupos específicos de experts (de uma mesma área de conhecimento), permitiria que a visão
mais coesa de um grupo pudesse revelar evidências melhor desenvolvidas.
Outra possibilidade de estudos futuros seria, do ponto de vista metodológico,
enfocar em estudo de casos específicos. Tal perspectiva permitiria apreciar a geopolítica
aeroespacial em determinado contexto histórico (por exemplo, somente durante a Guerra Fria),
geográfico (por país ou regiões do mundo) ou temático (por exemplo, as interações/cooperações
econômicas entre Estados e/ou empresas privadas).
Ao se encerrar essa Conclusão, acredita-se que o objetivo geral da investigação foi
alcançado, qual seja o de analisar a relevância geopolítica do ambiente aeroespacial. Há, porém,
dois pontos que precisam ser recordados. No ambiente aeroespacial existe a tendência de
expansão de reclamos territoriais, e não é por menos que ele é percebido como fronteira final.
Trata-se de um espaço geográfico onde a geopolítica de contornos tradicionais, repousada na
superfície, cede espaço a uma revisão epistemológica, na direção da consideração analítica do
espaço aéreo e do espaço exterior como um só ambiente, o aeroespacial.
Observa-se que essa geopolítica é um campo fecundo de estudos, mas ainda
incipiente, principalmente no Brasil. Aqui ainda há espaço na Academia para a inserção de uma
reflexão epistemológica da Geografia, via discussão teórica de um novo espaço geográfico, ou
uma nova dimensão espacial, mas principalmente pelo conceito de Geopolítica Aeroespacial.
Há lacunas na literatura acadêmica nacional (na Geografia, em especial), sobre a caracterização
do ambiente aeroespacial como espaço geopolítico.
Por esses motivos, acredita-se que o estudo tenha sido uma efetiva contribuição ao
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da UFRN, na forma de ampliação da
compreensão de fenômenos intrínsecos à Linha de Pesquisa I – Território, Estado e
Planejamento, por meio da melhor compreensão do espaço geográfico e de nosso tempo social;
da ampliação do conhecimento teórico sobre território em uma nova dimensão espacial; da
aceleração do tempo, inerente à atividade aeroespacial, onde o funcionamento dos sistemas
tecnológicos é representativo de uma geopolítica diferenciada; e onde se observa que o
fenômeno político se materializa territorialmente na forma de estruturas físicas e através do
poder normativo.
275
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GLOSSÁRIO
AMBIENTE AEROESPACIAL – Conjunção entre o espaço aéreo (a atmosfera terrestre) e o
espaço exterior.
CARTA AERONÁUTICA – Representação da superfície terrestre em escalas apropriadas
(1:1.000.000, 1:250.000 etc.) às demandas específicas (navegação visual, navegação por
instrumento etc.), que utiliza projeções e convenções cartográficas próprias, cuja finalidade é a
utilização em navegação aérea.
CINTURÕES DE VAN ALLEN – “Região em forma de anel ao redor da Terra carregada
eletricamente por partículas (elétrons e prótons) que ficam presas e espiralam na direção do
campo magnético do planeta” (MITTON, 2007, p. 285).
DEFESA – “É um ato ou conjunto de atos realizados para obter ou resguardar as condições que
proporcionam a sensação de Segurança” (BRASIL, 2009, p. 60).
ESCALA – “Proporção da distância em um mapa, globo ou seção vertical à distância real na
superfície” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 287).
ESTRUTURA – “Arranjo e organização de [objetos e] fenômenos na superfície da Terra que
resultam da operação de processos físicos e espaciais” (WHITERICK, ROSS e SMALL, 2001,
p. 250).
FENÔMENO NATURAL – “Um fato ou evento que ocorre no meio ambiente que pode ser
descrito e explicado cientificamente” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 485).
FIXO – “Formação geográfica natural ou construída pelo homem com uma certa posição
estável na superfície terrestre” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p. 288), na atmosfera,
no vácuo espacial ou em um corpo celeste.
FLUXO – “Resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos,
modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam”
(SANTOS, 2014, p. 61 e 62). Refere-se a um movimento contínuo de objetos, informações ou
pessoas, entre dois pontos ou em rede.
FORMA – “Aspecto visível de uma coisa, [referindo-se] a arranjo ordenado de objetos, a um
padrão [ou, simplesmente, a sua] estrutura revelada” (SANTOS, 2014, p. 69).
FUNÇÃO – “Conjunto de operações executadas por um [pessoa, objeto ou sistema], que
concorrem para um mesmo fim; uso a que se destina algo; utilidade, emprego, serventia”
(HOUAISS, 2009).
GEOECONOMIA – “O estudo desenvolvido na interface da economia, da geografia
econômica e da geopolítica lidando com as interações de grandes áreas geográficas, estados,
corporações transnacionais etc., em escala global” (KOTLYAKOV e KOMAROVA, 2007, p.
287).
315
GEOESTRATÉGIA – Aplicação do raciocínio geopolítico à estratégia, geralmente associado
à guerra ou operações militares de qualquer natureza. Ela define modos de ação, enquanto a
geopolítica define objetivos (CORREIA, 2018).
GEOGRAFIA POLÍTICA – Campo da Geografia Humana que trata da análise geográfica em
estudos políticos, concernente aos fatores geográficos que impactam em decisões políticas na
sociedade em geral.
GEOGRAFIZAR – Esforço metodológico da pesquisa que consiste em caracterizar
geograficamente o objeto de estudo.
GEOPOLÍTICA – Ciência que relaciona, com espírito analítico e preditivo, aspectos da
geografia, tais como posição, localização, contorno, forma, recursos naturais etc. com políticas
de Estado (ou supraestatais).
GEOPOLÍTICA CLÁSSICA – É a geopolítica associada aos autores clássicos, tais como
Ratzel, Kjellén, Haushofer, Mahan, Mackinder e Spykman, que deram origem aos estudos nessa
ciência e privilegiou o discurso imperialista/hegemônico e de segurança estatal.
GEOPOLITIZAR – Esforço metodológico de pesquisa que consiste em reconhecer
características, temas e questões, enfim as variáveis de estudo, de natureza geopolítica, no
objeto de estudo.
GEOTECNOLOGIA – Aproveitamento de características e recursos geográficos, por meio da
aplicação de métodos e técnicas científicas, no desenvolvimento de tecnologia e na produção
de bens de alto valor tecnológico.
IDEALISMO – Corrente da “Teoria das Relações Internacionais que põe a tônica na
importância das normas morais e legais, e na importância das organizações internacionais”
(SOUSA, 2005, p. 99).
LINHA KÁRMÁN – Linha que possui algum consenso quanto à delimitação entre o espaço
aéreo e o espaço exterior. Trata-se de “altura a partir da qual cessa a sustentação aerodinâmica
e assumem as forças centrífugas” (ODUNTAN, 2012, p. 298).
LIXO ESPACIAL – “Definição guarda-chuva que significa qualquer objeto feito pelo homem
que esteja em órbita e não sirva a qualquer propósito, tais como satélites inoperantes ou sem
uso, estágios de foguetes que se separaram do corpo principal, dispositivos explosivos de
acoplamento, ferramentas de escape, restos de pinturas dos veículos orbitais, ou qualquer outro
objeto que não tenha propósito humano no espaço” (BOWEN, 2014, p. 48). Também conhecido
como debris.
ÓRBITA – “Trajetória seguida por um corpo em movimento sob efeito de um determinado
campo gravitacional” (MITTON, 2007, p. 252).
ÓRBITAS DE TRANSFERÊNCIA HOHMANN – “Trajetória que uma espaçonave segue
na transição entre uma e outra órbita, geralmente em uma trilha elíptica, cuja transferência se
dá com o mínimo gasto de energia. Tal tipo de órbita foi designada em homenagem ao
engenheiro alemão Walter Hohmann, que a descreveu em 1925” (DAINTITH e GOULD, 2006,
p. 490).
316
PODER – “Significa organização ou disciplina jurídica da força” (BONAVIDES, 2003, p.
134), que se exerce mediante coerção, coação ou consentimento. A coerção se dá pelo uso da
força bruta. A coação se dá pelo convencimento. E o consentimento é fruto da mútua aceitação.
O poder é legitimado pela autoridade que o exerce ou mediante um desequilíbrio de forças que
leva à aceitação dessa autoridade pelo mais fraco. Exprime-se na forma de relações entre
pessoas ou entes estatais. Tem variadas funções, como a política, a econômica, a social, a militar
ou a burocrática. É um elemento constitutivo do Estado, logo é encarado como Poder Nacional.
Pode ser compreendido por meio de expressões: a política, a econômica, a psicossocial, a militar
e a científico-tecnológica (BRASIL, 2007).
PODER AÉREO – Capacidade de projetar poder a partir da dimensão aérea.
PODER AEROESPACIAL – É a conjugação de capacidades nacionais oriundas de setores
como a aviação militar, a infraestrutura aeroespacial, a indústria aeroespacial civil e de
segurança & defesa, de operação de sistemas espaciais, de recursos humanos qualificados nesse
setor e de potencial de desenvolvimento tecnológico em centros de pesquisa. Se configura a
partir da extensão do conceito de Poder Aéreo ao espaço exterior. Recentemente, têm assumido
caracteres bélicos, à semelhança do Poder Aéreo, com processos de armamentização e/ou
militarização do espaço exterior.
PODER ESPACIAL – “A força total das capacidades de uma nação para conduzir e
influenciar atividades no espaço, na sua direção e através dele, a fim de alcançar objetivos”
(USA, 2013, p. GL-8). Capacidade de “exercer influência no espaço, a partir dele e através
dele” (UNITED KINGDOM, 2017, p. 72).
PODER MARÍTIMO – Para Mahan, o “Poder Marítimo se expressa pelo comando do mar”
(MARTINS FILHO, 2018, p. 719). E “Resulta da integração dos recursos de que dispõe a
Nação para a utilização do mar e das águas interiores, quer como instrumento de ação política
e militar, quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando a conquistar e a
manter os objetivos nacionais” (BRASIL, 2007, p. 15).
PODER TERRESTRE – “Resulta da integração dos recursos predominantemente terrestres
de que dispõe a Nação, no território nacional, quer como instrumento de defesa, quer como
fator de desenvolvimento econômico e social, visando a conquistar e a manter os objetivos
nacionais” (BRASIL, 2007, p. 15).
POLÍTICA PÚBLICA – “Envolve qualquer forma de intervenção deliberada, regulação,
governança ou prescrição por entidades estatais ou não, com a intenção de moldar as condições
sociais, econômicas ou ambientais” (JONES, JONES e WOODS, 2004, p. 174).
PONTOS DE LAGRANGE – “Cinco locais no espaço exterior onde um corpo pequeno (a
exemplo de uma espaçonave) pode manter uma órbita estável ademais da influência
gravitacional de dois outros corpos de massa muito maior, permanecendo em um ponto de
equilíbrio gravitacional entre esses dois corpos. Foram nomeados em homenagem ao
matemático francês Joseph-Louis Lagrange, quem primeiro sugeriu sua existência, em 1772”
(DAINTITH e GOULD, 2006, p. 260).
PROCESSO – “Ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer,
implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança” (SANTOS, 2014, p. 69).
317
REALISMO – Corrente de pensamento da Teoria das Relações Internacionais, também
denominada Realismo Clássico. “Por causa do desejo por mais poder ser enraizado na natureza
falha da humanidade, os estados estão continuamente engajados em ambiente conflituoso,
visando ampliar suas capacidades” (ELMAN, 2007, p. 12).
RELAÇÕES INTERNACIONAIS – “No sentido tradicional, é o estudo das interações dos
estados no sistema internacional. Foi inicialmente considerada parte da história diplomática ou
ciência política. Hoje, departamentos de relações internacionais incluem concentrações em
segurança internacional, economia política, política externa, direitos humanos, governança
global e questões ambientais. O campo agora inclui o estudo de outros atores, incluindo
empresas e organizações não-governamentais (ONG), e uma grande variedade de questões
como cultura, identidade e ética” (LAMY et al., 2012, p. 339).
RES COMMUNIS - “Coisa de toda a comunidade. Herança comum da humanidade, não sujeita
à apropriação por ou soberania de estado, ou grupo de estados, tais como os oceanos distantes,
a Antártida e os corpos celestiais” (FELLMETH e HORWITZ, 2009, p. 250).
SEGURANÇA – “É a sensação de garantia necessária e indispensável a uma sociedade e a
cada um de seus integrantes, contra ameaças de qualquer natureza” (BRASIL, 2009, p. 59).
SOBERANIA – Pode ser interna ao território ou externa (na relação entre Estados). “A
soberania interna significa o imperium que o Estado tem sobre o território e a população, bem
como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam
sujeitos, de forma mediata ou imediata. A soberania externa é a manifestação independente do
poder do Estado perante outros Estados” (BONAVIDES, 2003, p. 138-139).
SOFT POWER – (Poder Macio, literalmente) “Influência e autoridade derivadas da atração
que a política, a sociedade ou os ideais econômicos, as crenças e as práticas de um determinado
país exercem em pessoas de outros países” (LAMY et al., 2012, p. 343).
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA – “Processo de compartilhamento de habilidades,
conhecimento, tecnologias, métodos de fabricação e instalações entre governos e atores
privados (como corporações) para garantir que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos
sejam acessíveis a uma ampla gama de usuários para aplicação em novos produtos, processos,
materiais ou serviços” (LAMY et al., 2012, p. 344).
TERRITÓRIO – Espaço geográfico no qual o Estado exerce o seu poder e detém soberania.
VEÍCULO ESPACIAL – Objeto construído pelo homem que se destina a cumprir
determinada função no espaço exterior. Incluem-se nessa categoria equipamentos como:
sondas, foguetes, satélites, telescópios, espaçonaves, estruturas habitáveis, armas antissatélite
etc.
318
ANEXO A – Termo de Comprometimento Livre e Esclarecido – TCLE
319
320
ANEXO B – Geopolítica Aeroespacial - Perguntas aos experts
321
322
Dados sobre o autor:
Carlos Eduardo Valle Rosa é Coronel Aviador da Reserva da FAB. Mestre em
Ciências Aeroespaciais, área de Ciência Política e Relações Internacionais, ênfase em
Defesa/Poder Aeroespacial pela Universidade da Força Aérea (2016). É Bacharel e Licenciado
em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1995) e Bacharel em Ciências
Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea (1986). Possui especializações lato sensu em
Didática do Ensino Superior, pela Universidade Católica de Brasília (1996), em Pedagogia
Empresarial, pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2003), MBA em Gestão
Administrativa e Desenvolvimento Gerencial Avançado, pela Universidade Federal
Fluminense (2004) e MBA em Gestão Estratégica em Defesa, também pela Universidade
Federal Fluminense (2009). Possui o Curso de Formação de Formadores, pelo SENAC-RJ
(2003), Curso de Tutor de EAD, pelo Comando da Aeronáutica (2017), além de cursos de
carreira na Força Aérea Brasileira, dentre eles o Curso de Comando e Estado-Maior na Força
Aérea da Coreia do Sul (2007).
Atua como professor colaborador do Programa de Pós Graduação em Ciências
Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea, nas disciplinas Poder Aeroespacial e Relações
Internacionais. Há mais de 20 anos tem ministrado aulas e palestras em diversas escolas
militares, sobre temas como Poder Aeroespacial, História e Emprego do Poder Aéreo. Foi
responsável pelo planejamento e execução das atividades escolares de ensino médio e superior
na Escola Preparatória de Cadetes do Ar e na Escola de Comando e Estado-Maior da
Aeronáutica. Participa regularmente de encontros regionais e nacionais ligados às áreas de
Defesa, Relações Internacionais e Geopolítica, sendo membro da Associação Brasileira de
Estudos de Defesa (ABED).
As principais publicações são: a obra “PODER AÉREO: guia de estudos” (2014);
o Capítulo Brazilian Air Power, do livro Routledge Handbook of Air Power (2018); os verbetes
Aeronáutica e Operação Baseada em Efeitos, do Dicionário de Segurança e Defesa (2018); o
artigo Elementos de Uma Teoria de Poder Aéreo e Espacial para Forças Aéreas em
Desenvolvimento, na Revista Profissional da USAF para o Continente Americano (2020); e os
capítulos (em coautoria) Poder Aéreo: Perspectiva histórica e aplicação e Mudança Militar e
Estudos Estratégicos: revolução, evolução e transformação militar, ambos da obra Introdução
aos Estudos Estratégicos (2020).
Contato: eduvalle80@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4300611571037750
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Como citar a Tese:
ROSA, Carlos Eduardo Valle. Geopolítica Aeroespacial. 2020. Tese (Doutorado em
Geografia) – Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2020.