UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
AMANDA LOPES BEZERRA
A (IM)POSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DE ESTRANGEIRA GRÁVIDA À
EXTRADIÇÃO: UMA ANÁLISE DOS DIREITOS DO NASCITURO ENQUANTO
BRASILEIRO NATO À LUZ DA TEORIA CONCEPCIONISTA
NATAL/RN
2017
AMANDA LOPES BEZERRA
A (IM)POSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DE ESTRANGEIRA GRÁVIDA À
EXTRADIÇÃO: UMA ANÁLISE DOS DIREITOS DO NASCITURO ENQUANTO
BRASILEIRO NATO À LUZ DA TEORIA CONCEPCIONISTA
Monografia apresentada ao Curso de Direito
sob a orientação da Professora Doutora Ana
Beatriz Ferreira Rebello Presgrave, como
requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Direito, do Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.
Orientadora: Prof. Dra. Ana Beatriz Ferreira
Rebello Presgrave.
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Amanda Lopes Bezerra.
A (im)possibilidade de submissão de estrangeira grávida à extradição: uma
análise dos direitos do nascituro enquanto brasileiro nato à luz da teoria
concepcionista / Amanda Lopes Bezerra. - Natal, RN, 2017.
85f.
Orientador: Profa. Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito.
1. Direito à Nacionalidade – Monografia. 2. Extradição - Monografia. 3.
Soberania Nacional - Monografia. 4. Nascituro - Monografia. 5. Teoria
Concepcionista - Monografia. I. Presgrave, Ana Beatriz Ferreira Rebello. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 342.7
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me concedido a oportunidade de
ingressar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e construir uma
enriquecedora caminhada no curso de Direito. Por ter iluminado meus pensamentos
e acalmado meu coração nas inúmeras vezes que estive diante da sensação de que
não mais suportaria as dores e angústias.
Agradeço aos meus pais – Soraya e Luiz José – pelo amor e proteção
incondicionais. Muito obrigada por serem meus maiores exemplos de força,
perseverança e dedicação, por me ensinarem a não fraquejar diante das
dificuldades e por me ofereceram todo o apoio necessário para recomeçar.
À minha irmã Maria Luísa, sou eternamente grata por vibrar comigo a cada
conquista, por enxugar minhas lágrimas a cada derrota e por toda a confiança
depositada em mim durante todos esses anos.
Aos amigos do curso de direito, deixo um agradecimento especial pelos
incontáveis momentos de felicidade vividos, bem como por dividirem comigo as
angústias de cada prova, do Exame de Ordem, da monografia e da caminhada que
nos espera após a graduação. Com seu jeitinho singular de ser, cada um contribuiu
de forma ímpar para o meu crescimento profissional, acadêmico, pessoal e humano.
Vou levá-los para sempre em meu coração.
À Defensoria Pública da União, ao Ministério Público Federal e a todos que ali
tive a oportunidade de conhecer, deixo meus sinceros agradecimentos por tudo que
foi compartilhado. Desde a saudável convivência diária até o desenvolvimento
jurídico que me foi oportunizado pela atuação junto às instituições.
Por fim, quero agradecer ao Glorioso Curso de Direito por ter me tornado uma
pessoa mais humana, consciente e feliz, e por ter me proporcionado grandes e
eternas amizades.
“Nenhum conhecimento nos ajudará se perdermos a capacidade de nos comover
com a desgraça de outro ser humano, com o olhar amável de outro ser humano,
com o canto de um pássaro, com o verde de um jardim. Se o homem se faz
indiferente à vida, não há nenhuma esperança de que possa fazer o bem.”
(Erich Fromm. El corazón del hombre México: Fondo de Cultura Económica, 1992 –
tradução livre)
RESUMO
A presente monografia objetiva analisar a situação hipotética em que uma
estrangeira casada com nacional brasileiro e grávida é submetida à extradição.
Apresenta o conceito, os requisitos e os principais dispositivos constitucionais e
legais a respeito do instituto da extradição. Aborda o direito à nacionalidade,
destacando sua disciplina tanto no âmbito nacional quanto internacional. Destaca
esse direito como matéria de jurisdição doméstica dos Estados, trazendo as formas
de aquisição da nacionalidade originária e derivada brasileira. Explana sobre as três
principais teorias a respeito do início da personalidade civil e a condição jurídica do
nascituro. Explica como o direito à nacionalidade pode ser atribuído aos que já foram
concebidos, mas ainda não nasceram, por força do critério do jus sanguinis.
Descaracteriza a súmula n.º 421 do Supremo Tribunal Federal por entendê-la
retrógrada e violadora de garantias fundamentais. Analisa, em conjunto, o Processo
de Extradição n.º 1.403 e o Recurso Extraordinário n.º 608.898/SP, defendendo a
prevalência do direito da criança à convivência familiar em detrimento da soberania
nacional. Tendo como objetivo geral analisar a possibilidade de extradição de
estrangeira grávida de brasileiro nato, foi usada como procedimento metodológico a
pesquisa documental, a bibliográfica – em meio impresso e eletrônico –, e o estudo
de casos, concluindo pela impossibilidade de concessão do pleito extraditório
quando a estrangeira for mãe de filho brasileiro, nascido ou que esteja por nascer.
Palavras-chave: Extradição. Soberania Nacional. Direito à Nacionalidade.
Nascituro. Teoria Concepcionista.
ABSTRACT
This monograph aims to analyze the hypothetical situation in which a foreigner
married with a Brazilian national and pregnant is subject to extradition. It presents the
concept, requirements and main constitutional and legal provisions regarding the
extradition institute. It addresses the right to nationality, highlighting its discipline both
nationally and internationally. It emphasizes this right as a matter of domestic
jurisdiction of the States, bringing the forms of acquisition of the original and derived
Brazilian nationality. Explain about the three main theories about the onset of civil
personality and the legal status of the unborn child. It explains how the right to
nationality can be attributed to those already conceived, but not yet born, by virtue of
the jus sanguinis criterion. Disqualifies the Supreme Court's summons no. 421 by
understanding it retrograde and violating fundamental guarantees. It examines,
together, the Extradition Process No. 1403 and Extraordinary Appeal No. 608,898 /
SP, defending the prevalence of the right of the child to family coexistence to the
detriment of national sovereignty. With the general objective of analyzing the
possibility of extradition of pregnant foreigners from Brazilian born, methodological
procedure was used for documentary research, bibliographical – in printed and
electronic media -, and the study of cases, concluding that it is impossible to grant
extradition when the foreigner is the mother of a Brazilian child, born or unborn.
Keywords: Extradition. National Sovereignty. Right to Nationality. Unborn Child.
Conceptionist Theory.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 DA EXTRADIÇÃO.................................................................................................. 11
2.1 Definição, fundamentos e principais características ................................. 12
2.2 A Constituição Federal de 1988 e o ato extradicional ................................ 15
2.3 A Lei de Migração e as regras que disciplinam a extradição .................... 20
3 DO DIREITO À NACIONALIDADE ........................................................................ 28
3.1 A nacionalidade no Direito Internacional .................................................... 29
3.2 Formas de aquisição da nacionalidade: originária e derivada ................. 32
3.3 A nacionalidade no ordenamento jurídico brasileiro ................................. 36
3.3.1 Brasileiros natos ...................................................................................... 36
3.3.2 Brasileiros naturalizados .......................................................................... 41
4 DAS TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE E A CONDIÇÃO
JURÍDICA DO NASCITURO ..................................................................................... 46
4.1 A Teoria Natalista .......................................................................................... 47
4.2 A Teoria da Personalidade Condicional ...................................................... 48
4.3 A Teoria Concepcionista .............................................................................. 50
4.4 A proteção dos direitos do nascituro .......................................................... 52
5 DA IMPOSSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO DE ESTRANGEIRA GRÁVIDA ........ 57
5.1 O nascituro e o direito à nacionalidade ...................................................... 58
5.2 Da não recepção da Súmula n.º 421 do Supremo Tribunal Federal pela
Constituição Federal de 1988 ............................................................................. 61
5.3 Do Processo de Extradição n.º 1.403 e do Recurso Extraordinário em
Repercussão Geral n.º 608.898 .......................................................................... 66
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 73
7 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 77
9
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se ao exame da extradição de estrangeira
grávida à luz do que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro. Para melhor
compreensão do tema, o estudo em comento restringiu-se à análise da seguinte
situação hipotética: uma estrangeira comete crime em seu país de origem e, antes
de lá ser processada e julgada, vem a residir no Brasil com seu cônjuge brasileiro,
quando, então, engravida deste. Nesse caso, iniciada a persecução penal no Estado
de origem e formulado o pleito extradicional ao Estado brasileiro, poderá a referida
estrangeira ser extraditada, ainda que gestante?
Com efeito, embora a questão fática seja aparentemente simplória, a análise
da solução jurídica mais adequada para o caso envolve, além do filtro constitucional
indispensável a qualquer exame, a compreensão precisa dos mais diversos
institutos de direito material relacionados ao tema.
A problemática traz à tona um debate pouco explorado no meio acadêmico,
mas que vem ganhando grandes contornos na prática forense, sobretudo porque
põe em xeque dois valores constitucionais fundamentais, quais sejam: a soberania
nacional e o direito à nacionalidade do nascituro.
É justamente daí que se extrai a importância da temática objeto da presente
pesquisa científica, visto que se tem o condão de encontrar os fundamentos
necessários à concessão de uma solução jurídica que resguarde, a um só tempo, os
dispositivos constitucionais e internacionais vigentes e os interesses das partes
envolvidas no processo.
O objetivo geral do trabalho consiste em verificar, por intermédio de uma
análise acurada da legislação, da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade ou não de deferimento de
pedido de extradição realizado em face de estrangeira grávida de brasileiro nato.
Para tanto, pretende-se examinar, em primeiro lugar, as principais
características do instituto da extradição, a partir do que preveem os dispositivos da
Constituição Federal de 1988 e da recente Lei de Migração (Lei n.º 13.445/2017).
Em seguida, demonstrar-se-à como se manifesta o direito à nacionalidade,
tanto no âmbito nacional quanto internacional, principalmente pelo estudo das suas
formas de aquisição.
10
Realizada tal compreensão, analisar-se-ão as teorias suscitadas pela doutrina
civilista acerca da condição jurídica do nascituro e do início da personalidade civil, a
fim de compreender a proteção jurídica fundamental dada a esse ser humano.
Ao final buscar-se-á compreender a existência de um direito à nacionalidade
do nascituro, capaz de impedir a extradição de sua genitora, tanto sob a ótica do que
prevê o texto constitucional quanto da evolução da jurisprudência pátria a respeito
da matéria, em que pese a existência de súmula do STF em sentido contrário.
Nesse ponto, em que pese não se tratar do objeto principal do presente
trabalho, também será abordada a possibilidade de concessão ou não do pedido
extradicional na hipótese acima referenciada quando já ocorreu o nascimento do
filho da extraditanda, sobretudo em virtude da morosidade inerente ao processo de
extradição.
Com vistas a alcançar os objetivos geral e específicos propostos nesse
estudo, fez-se necessária a utilização do método hipotético-dedutivo. Desse modo,
fora realizada, inicialmente, uma pesquisa documental dos dispositivos normativos
da Constituição Federal de 1988, da Lei de Migração, do revogado Estatuto do
Estrangeiro, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como dos tratados e
convenções internacionais. Ato contínuo fez-se uso de extensa pesquisa
bibliográfica em livros e artigos, impressos e em meio eletrônico, finalizando a
pesquisa com o estudo de casos concretos pendentes de julgamento pelo STF.
11
2 DA EXTRADIÇÃO
O Estado exerce, em virtude de sua soberania, autoridade sobre todas as
pessoas localizadas em seu espaço territorial, alcançando, inicialmente, os
nacionais, e, em seguida, os estrangeiros.
Ao escolher quem são seus nacionais, a partir das regras internas editadas no
exercício do seu poder soberano, o Estado automaticamente classifica como
estrangeiros os demais indivíduos presentes em seu território, quer a título provisório
ou definitivo, os quais poderão ter a nacionalidade de outro Estado ou não ter
nenhuma nacionalidade, encontrando-se em situação de apatria. Trata-se, portanto,
de um conceito a que se chega por exclusão1.
No Brasil, a situação jurídica do estrangeiro foi, por muito tempo, regulada
pela Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), editada sob a
égide do regime da ditadura militar. Em 24 de maio de 2017, no entanto, ocorreu
uma significativa mudança legislativa: foi publicada a Lei n.º 13.445/2017 (Lei de
Migração) – com o início da vigência marcado para o mês de novembro de 2017 –
revogando o referido Estatuto e a Lei n.º 818/49 do ordenamento jurídico brasileiro.
Apesar das posições em contrário e dos vetos, a edição da Lei de Migração
vem sendo considerada pela maioria dos estudiosos um grande avanço social, seja
pelas legislações que revoga, seja pelo novo paradigma aplicado ao migrante2.
Preocupada com a ideia de segurança nacional e de proteção do mercado
interno de trabalho3, a Lei n.º 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) conferia ao Estado
a possibilidade de discriminar, punir ou ejetar, de distintas formas, qualquer
estrangeiro que o Poder Executivo considerasse como uma ameaça à soberania
nacional4.
De modo diverso, a Lei n.º 13.445/2017 (Lei de Migração) passou a tratar o
estrangeiro como verdadeiro sujeito de direitos e deveres, capaz de gozar de um
conjunto de garantias, compatível com a Constituição Federal de 1988 e com o
1MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 782-783.
2DELFIM, Rodrigo Borges. Lei de Migração sancionada continua ser avanço, mas vetos inspiram
atenção. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2017.
3BARBOSA, Renan. Nova Lei de Migração enfatiza direitos humanos, mas críticos pedem veto.
Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2017.
4VENTURA, Deisy; ILLES, Paulo. Estatuto do Estrangeiro ou Lei de Migração?. Disponível em:
. Acesso em: 20 ago. 2017.
12
direito internacional dos direitos humanos. A título exemplificativo, o referido diploma
legal garante ao migrante, em condição de igualdade com os brasileiros, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, assegurando-lhe também os direitos e liberdades civis, sociais,
culturais e econômicos (artigo 4º, caput e inciso I)5.
Fruto de intensos debates do Congresso Nacional com a sociedade civil, o
texto da nova legislação foi construído de forma efetivamente moderna, democrática,
e plural, trazendo dispositivos ligados aos direitos humanos, à segurança nacional,
às questões burocráticas, ao acesso à justiça, entre outros6.
Nada obstante se tratar de matéria estranha ao tema do migrante, a Lei de
Migração, tal qual o Estatuto do Estrangeiro, manteve a regulamentação do instituto
da extradição, prevendo todas as regras necessárias à sua efetivação7.
Conforme será demonstrado nos tópicos 2.2 e 2.3, a extradição é matéria
regulada, inicialmente, no próprio ordenamento interno dos Estados. No Brasil, o
tema tem seu marco legal na própria Carta Magna (especialmente no art. 5º, LI e LII)
e na citada Lei de Migração (arts. 81 a 99).
Entretanto, antes de adentrar na análise das referidas legislações, faz-se
necessário conhecer as principais características conceituais do instituto em
questão.
2.1 Definição, fundamentos e principais características
Segundo a doutrina brasileira em matéria de direito internacional, são três os
institutos que possibilitam a retirada forçada do estrangeiro do território nacional: a
deportação, a expulsão e a extradição.
A deportação diz respeito à sanção administrativa aplicada ao estrangeiro em
decorrência de sua entrada ou estada irregular no território nacional. Trata-se,
5RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos são eixo central da nova Lei de Migração.
Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2017.
6PAZ, Carlos Eduardo. Lei de Migração coloca o Brasil na vanguarda da defesa de imigrantes.
Disponível em:. Acesso em: 21 ago. 2017.
13
portanto, de causa estranha à prática de crime8.
A expulsão, por sua vez, é a medida repressiva por meio da qual um Estado
retira de seu território (impedindo que a este retorne) o estrangeiro que pratica ato
atentatório contra a segurança nacional, a ordem pública ou social, a tranquilidade
ou a moralidade pública, ou nocivo à conveniência e aos interesses nacionais9.
Já a extradição – objeto de estudo do presente tópico – consiste no ato pelo
qual um Estado entrega a outro Estado um indivíduo acusado de ter violado as leis
penais desse outro ente estatal, ou que tenha sido condenado por descumpri-las,
para que nesse seja submetido a julgamento ou cumpra a pena que lhe foi aplicada,
respondendo, assim, pelo ilícito que praticou10.
Como se vê, o instituto da extradição consiste em uma medida de cooperação
jurídica internacional em matéria penal, que tem em favor de sua existência duas
razões: a primeira delas é a própria noção de justiça, segundo a qual a ninguém é
lícito subtrair-se às consequências das infrações penais que comete11, e a segunda
diz respeito à existência de uma assistência jurídica mútua, no campo penal, por
meio da cooperação entre os Estados (princípio do punire aut dedere, ou seja, punir
ou extraditar) e da aplicação judicial internacional do princípio da territorialidade12.
Com efeito, haja vista que as sentenças penais não se executam no
estrangeiro, o auxílio mútuo estatal é a única solução possível para repressão dos
crimes daqueles acusados ou já condenados em um país, que buscam refúgio em
território de outro, visando escapar à reprimenda penal13.
Em outras palavras, é como se existisse uma espécie de solidariedade entre
os Estados na luta contra o crime, com vistas à boa administração da justiça penal.
A extradição não interessa, especialmente, à sociedade internacional dos indivíduos,
mas, sim, aos Estados, por ser meio de tornar possível a eficácia de suas leis
8MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 791.
9PEREIRA, Luis Cesar Ramos Pereira. A deportação do estrangeiro e o seu processo no Brasil. In:
BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira Mazzuoli (Org.).Direito Internacional
Privado: teoria geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 783.
10PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
332.
11MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004. v. 2. p. 1021.
12MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 803.
13RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. A extradição no direito internacional e no direito
brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1981. p.2.
14
penais14. Sem ela, tanto o jus persequendi como o jus puniendi do ente estatal
requerente restam completamente esvaziados.
Pois bem. Estabelecidos o conceito e os fundamentos do instituto em
questão, faz-se mister examinar as características que lhe são inerentes, algumas
das quais podem ser extraídas do seu próprio conceito.
De início, cabe destacar que, ao contrário da deportação e da expulsão, que
são de iniciativa das autoridades locais, a extradição é sempre requerida por Estado
estrangeiro (Estado requerente) ao ente estatal em que se encontra o extraditando
(Estado requerido)15, por via diplomática ou pelas autoridades centrais designadas
para esse fim. Essa é a inteligência do art. 81, §1°, da Lei de Migração.
Ademais, é aplicável apenas a crimes comuns (não políticos), não se
prestando à punição de acusado em processo administrativo, de contribuinte relapso
ou de alimentante omisso16. É necessário, ainda, que tais crimes tenham um mínimo
de gravidade17, não se justificando o atendimento de um pleito extradicional
fundamentado na prática de crimes de menor potencial ofensivo ou de meras
contravenções penais18.
Outrossim, conforme preleciona o caput do art. 81 da Lei de Migração, o
instituto em questão pode se manifestar tanto na fase processual como após a
condenação19. É nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal (STF) menciona a
existência da extradição instrutória (quando o pedido de extradição é formulado a fim
de submeter o indivíduo a processo criminal) e da extradição executória (quando o
pleito pretende obrigar o indivíduo a cumprir a pena a que foi condenado)20.
Aliás, faz-se importante registrar que são inúmeras as modalidades de
14BEVILAQUA, Clóvis. Direito público internacional: a synthese dos princípios e a contribuição do
Brasil. t. II. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1911. p. 129.
15MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 791.
16REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 202-
203.
17MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 805.
18PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
333.
19BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 81. A extradição é a medida de
cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a
entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de
processo penal em curso.
20Exemplo de menção de extradição instrutória: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição n.º
1.250/DF. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 11 de setembro de 2012. Exemplo de
menção de extradição executória: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição n.º 1.274/DF.
Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, DF, 16 de outubro de 2012.
15
extradição além das já mencionadas. A título exemplificativo convém mencionar a
extradição de fato, de direito, ativa e passiva.
A extradição de fato consiste na entrega do criminoso sem que haja qualquer
procedimento jurídico. A de direito, por sua vez, é aquela feita conforme as normas
jurídicas internas e internacionais21. A extradição ativa tem lugar quando o nosso
governo requer a outro país a extradição de criminoso foragido da justiça brasileira.
A passiva ocorre, ao revés, quando um país estrangeiro solicita à justiça brasileira a
extradição de um indivíduo lá foragido que se encontra em nosso território22.
Finalmente, é imprescindível ressaltar que, em princípio, cada Estado é livre
para conceder a extradição de um indivíduo que se encontre em seu território e seja
procurado pela justiça de outro Estado. Nesse viés, realizado o pedido pelo Estado
interessado, cabe ao ente estatal solicitado examinar o pleito à luz de seu
ordenamento jurídico e dos tratados internacionais eventualmente existentes,
acolhendo-o apenas quando se enquadrar nos requisitos consagrados nas normas
pertinentes23.
Nessa senda, feitas tais considerações gerais acerca da matéria, mostra-se
prudente a análise dos dispositivos constitucionais e legais responsáveis pela
regulamentação de suas nuances. É o que passa a se fazer nos tópicos a seguir.
2.2 A Constituição Federal de 1988 e o ato extradicional
No Brasil, a regulamentação constitucional acerca da extradição está
consagrada, inicialmente, no rol dos direitos e deveres individuais e coletivos do art.
5º, notadamente nos incisos LI e LII, e, em seguida, no art. 102, inciso I, alínea “g”,
dispositivo que versa sobre uma das competências originárias do Supremo Tribunal
Federal.
Prevê o art. 5º, LI, da CRFB/88, que “nenhum brasileiro será extraditado,
salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou
de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na
21MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004. v. 2. p. 1022.
22MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 805-806.
23PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
332-334.
16
forma da lei”.
Conforme se vislumbra da inteligência do dispositivo, a Constituição brasileira
veda expressamente a extradição de brasileiro nato – em qualquer hipótese – e
admite a do brasileiro naturalizado apenas em situações exaustivas, quais sejam: no
caso de crime comum, praticado antes da naturalização; e na hipótese de
comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, antes
ou depois da naturalização.
O fundamento da regra da proibição de extradição de nacionais adotada pela
Constituição brasileira baseia-se no fato de a justiça estrangeira poder ser injusta
com o nacional de outro Estado, processando-o e julgando-o sem qualquer
imparcialidade24. Encontra-se, portanto, na proteção que o Estado deve conferir a
seu nacional e no próprio princípio do juiz natural25, o qual estabelece que a
determinação do juízo competente para a causa deve ser feita com base em critérios
impessoais, objetivos e pré-estabelecidos26.
Em decorrência de sua importância, o dispositivo constitucional em questão
foi reafirmado pela Lei de Migração, a qual previu que não se concederá o ato
extradicional quando o indivíduo cuja extradição for solicitada ao Brasil for brasileiro
nato (art. 82, inciso I), disposição que não existia no anacrônico Estatuto do
Estrangeiro.
Importante ressaltar, no entanto, que, em virtude da importância que os
Estados também atribuem ao combate internacional ao crime, bem como do
entendimento da doutrina de que o princípio da não extradição de nacionais não
pode servir para deixar impunes pessoas criminosas, a jurisprudência tem entendido
que é dever dos seus Estados de origem comprometer-se a julgá-las em seus
territórios27.
Na mesma linha, a Convenção de Direito Internacional Privado de 1928, ainda
em vigor no Brasil, dispõe no seu art. 345 que os Estados contratantes “não estão
obrigados a entregar os seus nacionais”, mas a “nação que se negue a entregar um
de seus cidadãos fica obrigada a julgá-lo”.
24MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 817.
25PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
341.
26DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte
geral e processo de conhecimento. 18. ed. v.1. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 69.
27MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 817-818.
17
Desse modo, caso o ente estatal ao qual é solicitada a extradição aplique a
regra geral de que o nacional não pode ser extraditado, deve se comprometer a
processá-lo e julgá-lo segundo sua lei penal, garantindo a efetivação do princípio da
justiça universal, razão maior de ser do instituto em questão.
Além da vedação de extradição de nacionais, o texto constitucional prevê, em
seu art. 5°, inciso LII, a impossibilidade de extradição de não nacionais por motivo de
crime político ou de opinião28, ou seja, com fundamento em ato vinculado a um
movimento político voltado à contestação da ordem política e social vigente ou à
implantação de nova ordem política e social29.
Embora ainda não exista uma definição pacífica do que seja crime político, a
doutrina sustenta ser aquele que visa à desestruturação das instituições públicas e
da ordem social do Estado. De acordo com Varella, não se deve considerar crime
político aquele praticado com o fim de obter vantagem pecuniária, ainda que o
criminoso seja um desafeto do chefe de Estado, por exemplo. É preciso que exista
perseguição política ao estrangeiro, que não encontre no seu país a possibilidade de
um julgamento justo, independente e com o devido processo legal30. Na prática,
cabe à autoridade judiciária competente (ou seja, ao STF) apreciar o caráter da
infração, definindo-a ou não como crime político ou de opinião.
Com efeito, são inúmeros os fatores que justificam a vedação da extradição
por crime político. Inicialmente, pode-se citar a subjetividade que normalmente
envolve a criminalidade política, ou seja, o fato de que o crime político é definido a
partir de concepções ideológicas que não admitem a pluralidade de ideias. Com
isso, o delito de natureza política choca-se diretamente com valores caros à
democracia, atualmente mais valorizada nas relações internacionais, como a
liberdade de expressão, de opinião, de reunião e de associação.
Além disso, vale destacar que os atos entendidos como “crimes políticos” em
alguns Estados são vistos como normais e salutares em outros sistemas políticos, o
que poderia descaracterizar o aspecto cooperativo da extradição. Importante
28BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LII - não será concedida
extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;
29PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
340.
30VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 204.
18
ressaltar, outrossim, que a definição do crime político costuma ser imprecisa,
contrariando a necessidade de que os tipos penais sejam definidos com maior
clareza e precisão possíveis (isto é, desrespeitando o princípio da taxatividade). Por
fim, é comum que as sanções aos acusados de crimes políticos sejam totalmente
contrárias à dignidade humana31, sendo esse mais um fator justificador da regra
constitucional em análise.
No âmbito infraconstitucional, a Lei de Migração se adequou ao supracitado
preceito constitucional, estabelecendo a vedação de concessão da extradição
quando o fato constituir crime político ou de opinião (art. 82, inciso VII). Além disso,
seguindo a mesma linha adotada pelo Estatuto do Estrangeiro, esclareceu que a
extradição somente é vedada no caso de serem puramente políticos os atos
imputados ao extraditando, não se excluindo a possibilidade da extradição quando
verificar-se tratar de infração comum da lei estrangeira, ou quando o crime comum,
conexo ao delito político, constituir o fato principal (art. 82, §1°).
No entanto, observando-se atentamente o texto constitucional, é possível
vislumbrar que tal exceção prevista no §1° não está em consonância com a Carta
Magna de 1988. A proteção constitucional recai sobre o delito de caráter político
enquanto tal e não sobre a lei penal comum, que sobre ele não prevalece. É dizer, o
delito de caráter político tem primazia sobre os crimes comuns, e não o contrário32.
Assim, havendo conexão entre um crime político e um crime comum, o problema se
resolve em favor do primeiro, sob pena de violação do comando constitucional do
art. 5°, LII33.
Aliás, cabe aqui frisar que tanto o inciso LI quanto o inciso LII do art. 5° da
Constituição de 1988 são considerados cláusulas pétreas constitucionais, por
pertencerem ao rol dos direitos fundamentais, estando acobertados pela regra do
art. 60, § 4°, inciso IV, da mesma Carta, segundo a qual “não será objeto de
deliberação proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias
individuais”.
Desse modo, além de não ser permitida a elaboração de proposta de emenda
constitucional tendente a abolir as vedações previstas nos mencionados incisos do
31PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
340.
32MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 817.
33Ibidem, p. 817.
19
art. 5°, entende-se, pelo menos a princípio, que qualquer dispositivo
infraconstitucional que lhe seja contrário deve ser declarado inconstitucional,
podendo ser esse o caso do art. 82, §1°, da Lei n.° 13.445/2017. Sublinhe-se, no
entanto, que não serão tecidas maiores considerações a respeito dessa análise de
constitucionalidade, pois não se trata do objeto do presente trabalho.
Com relação, por sua vez, ao citado art. 102, inciso I, alínea “g”, da CRFB/88,
cumpre destacar que, segundo sua dicção, compete ao STF processar e julgar,
originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Da interpretação do referido dispositivo podem-se extrair duas premissas
extremamente relevantes para o regular andamento do procedimento extradicional.
A primeira, já mencionada nas linhas pretéritas, significa que apenas os
Estados, por meio dos respectivos órgãos governamentais competentes, são partes
legítimas para requerer a extradição, fator que constitui pressuposto essencial para
sua concessão, inclusive no tocante a pedidos de prisão de caráter cautelar, para
fins extradicionais34.
A segunda diz respeito à existência de um sistema de contenciosidade
limitada (sistema belga), por meio do qual o STF fica responsável pela análise da
legalidade e procedência do pedido, não decidindo sobre o mérito do processo em
curso contra o extraditando no exterior.
Em outras palavras, cabe ao STF examinar apenas os requisitos formais
previstos em lei ou no tratado, sendo-lhe vedado decidir sobre o acerto ou desacerto
da Justiça estrangeira ou emitir juízo de valor sobre eventuais falhas ou vícios que
porventura maculem o processo em trâmite no Estado de origem35.
Com isso, a defesa do extraditando só poderá versar sobre a identidade da
pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da
extradição (art. 91, §1º, da Lei n.° 13.445/2017). É, portanto, um sistema meramente
delibatório ou de contenciosidade limitada36.
Desta feita, realizada a análise do escasso regramento constitucional acerca
da extradição, é medida que se impõe o exame dos principais dispositivos
34PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
334.
35ACCIOLY, Hildebrando.Tratado de direito internacional público. 2. ed. Rio de Janeiro: MRE,
1956. v. I. p. 436.
36BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Extradição 1.082/UR. Relator: Ministro Celso de
Mello. Brasília, DF, 19 de junho de 2008.
20
constantes na Lei de Migração.
2.3 A Lei de Migração e as regras que disciplinam a extradição
Conforme se observa da leitura da “Seção I” do “Capítulo VIII”, o instituto em
comento está disciplinado nos arts. 81 a 99 da Lei n.º 13.445/2017, tendo sido
classificado pelo legislador ordinário como uma das medidas de cooperação
internacional.
A primeira regra propagada pela doutrina ao se debruçar sobre o revogado
Estatuto do Estrangeiro consistia na ideia de que a extradição fundamenta-se,
inicialmente, na existência de tratado bilateral entre o Estado solicitante e o
solicitado – no qual se estabelecem as condições que devem ser observadas para a
entrega de eventual extraditando – ou, na sua ausência, em promessa de
reciprocidade, instrumento por meio do qual o ente estatal requerido se compromete
a examinar eventual pedido de extradição futuro que lhe seja apresentado37.
Sucede que, referida norma, anteriormente consagrada no art. 7638 da Lei n.º
6.815/80, não foi mantida pela nova legislação. Tal supressão sugere, a princípio,
que o pleito extradicional não se encontra mais sujeito a lastrear-se apenas em
tratado ou promessa de reciprocidade, sendo possível a edição de outros
instrumentos que lhe deem fundamento. Tendo em vista, no entanto, a grande
importância da regra revogada, revela-se mais prudente que a doutrina e a
jurisprudência se incumbam do papel de definir o entendimento a ser aplicado a
respeito do tema.
Passando-se à análise dos dispositivos da Lei de Migração, é importante
sublinhar, de início, os requisitos necessários à concessão da extradição. Consoante
Mazzuoli, o pleito extradicional só poderá ser concedido se: a) existir processo penal
em andamento no Estado requerente; b) o fato criminoso estiver tipificado em ambas
as leis; e c) o crime imputado ao extraditando for punível em ambos os Estados39.
Quanto à primeira condição, tem-se como necessário, em primeiro lugar, que
37MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 706.
38BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 76. A extradição poderá ser concedida
quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a
reciprocidade. (Renumerado e alterado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
39 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 804.
21
o ato ilícito que fundamenta o pedido de extradição tenha sido cometido no território
do Estado requerente ou, quando praticado fora do território desse ente estatal, seja
um ato ao qual se apliquem as leis penais do Estado que requer a medida
extradicional (art. 83, l, da Lei de Migração)40. Como bem lembra Portela, a
legitimidade para realização do pleito extradicional é definida pelo ordenamento
jurídico violado, e não pelo local onde o crime foi cometido41.
Ademais, é imprescindível que o extraditando esteja respondendo a processo
investigatório ou a processo penal ou tenha sido condenado pelas autoridades
judiciárias do Estado requerente à pena privativa de liberdade. Essa é a dicção do
art. 83, II, da Lei n.º 13.445/2017.
No que concerne, por sua vez, ao segundo e ao terceiro requisitos, revela-se
indispensável o estudo do chamado princípio da identidade, também conhecido
como princípio da dupla tipicidade, da dúplice tipicidade ou da dupla punibilidade, o
qual possui três decorrências lógicas.
A primeira delas – referente à segunda condição acima citada – decorre da
interpretação a contrario sensu do inciso II, do art. 82, da Lei de Migração. De
acordo com esse dispositivo, não será concedida a extradição quando o fato que
motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente.
Assim, configura-se como requisito necessário à concessão do pedido extraditório
que o fato delituoso em que se baseia seja considerado ilícito tanto no Estado
solicitante quanto no ente estatal solicitado, no momento em que é cometido. Trata-
se da chamada dupla tipicidade”.
Para implemento de tal condição é irrelevante a existência de coincidência
absoluta entre a denominação dos delitos. Basta apenas que a essência seja a
mesma. Além disso, caso apenas um dos fatos ilícitos que motivem o pedido não
obedeça a esse princípio, a extradição não será indeferida por completo, podendo
ser concedida parcialmente42.
A segunda decorrência do postulado supracitado – e terceira condição –
consiste na noção da dupla punibilidade, segundo a qual o crime que fundamenta o
40BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 83. São condições para concessão da
extradição: I - ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao
extraditando as leis penais desse Estado.
41PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
334.
42Ibidem, p. 337-338.
22
pedido de extradição não pode estar prescrito nem no Estado solicitante, nem no
solicitado43. Tal regra provém da interpretação a contrario sensu do inciso VI44, do
art. 82, da Lei n.º 13.445/2017, que estabelece ser inviável a concessão da
extradição quando a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei
brasileira ou a do Estado requerente.
A respeito do tema é importante destacar que, na extradição, o exame da
prescrição faz-se considerando o critério unitário, ou seja, levando-se em conta, de
forma separada, a legislação do país requerente e a do país requerido. Assim,
descabe a mesclagem dos sistemas, já que, nesse caso, surgiria uma terceira
disciplina45.
A terceira e última consequência do princípio da identidade, embora não
tenha sido elencada como um dos requisitos para concessão da extradição, possui
significativa relevância. Diz respeito à necessidade de que o tipo de pena relativa ao
delito exista tanto no Estado solicitante quanto no solicitado. Com isso, caso o
Estado solicitante adote qualquer um dos tipos de penas vedados pelo ordenamento
pátrio, quais sejam: de morte; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de
banimento; e cruéis (art. 5º, LXVII, da CRFB/88), deverá se comprometer a comutá-
lo em pena privativa de liberdade, respeitando o limite máximo de cumprimento de
30 (trinta) anos, nos termos do art. 96, inciso III, da Lei de Migração.
Fixadas as condições necessárias à concessão da extradição, as quais
ultrapassam aquelas previstas no art. 83, da Lei n.º 13.445/2017, revela-se
necessário o estudo, agora, das hipóteses de vedação do pedido extraditório, do
procedimento da extradição passiva (mais utilizado na prática forense), e das
medidas necessárias à efetivação da entrega do extraditando ao Estado requerente.
Além da impossibilidade de extradição de brasileiro nato e de estrangeiro que
tenha cometido crime político ou de opinião – hipóteses asseguradas tanto na
Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LI e LII) quanto na Lei de Migração (art. 82, I e
VII) – o Brasil não concederá a extradição, segundo o art. 82 da referida legislação
ordinária, quando: a) o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil
43BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Extradição n.º 1362/DF. Relator: Ministro Edson
Fachin. Julgado em 9 de novembro de 2016.
44BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 82. Não se concederá a extradição
quando: (...) VI - a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado
requerente.
45BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Extradição n.º 1.012/RFA. Relator: Ministro
Marco Aurélio. Brasília, DF, 15 de março de 2007.
23
ou no Estado requerente (inciso II); b) o Brasil for competente, segundo suas leis,
para julgar o crime imputado ao extraditando (inciso III); c) a lei brasileira impuser ao
crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos (inciso IV); d) o extraditando estiver
respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo
mesmo fato em que se fundar o pedido (inciso V); e) a punibilidade estiver extinta
pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente (inciso VI); f) o
extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de
exceção (inciso VIII); ou g) o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da
Lei n.º 9.474, de 22 de julho de 1997, ou de asilo territorial (inciso IX, acrescentado
pela Lei de Migração).
Ao se debruçar sobre o tema, a doutrina costuma analisar com maior afinco
apenas os incisos II, V e VI. Tendo os incisos II e VI, no entanto, sido tratados
alhures, por versarem sobre os princípios da dupla tipicidade e da dupla
punibilidade, merece aqui ser examinado somente o inciso V.
De acordo com esse dispositivo, uma vez iniciada, na Justiça brasileira,
relação processual em que o extraditando responda pela prática de ilícitos idênticos
aos que ensejam o pedido de extradição, impõe-se o indeferimento do pedido. É a
proibição do bis in idem em matéria extradicional, que se aplica também quando é
negada a extradição, uma vez que não se admite novo pedido baseado no mesmo
fato (art. 9446, da Lei n.º 13.445/2017).
No entanto, quando o extraditando estiver sendo processado ou tiver sido
condenado, no Brasil, por crime diverso, punível com pena privativa de liberdade, a
extradição poderá ser concedida47. Nesse caso, o pleito extradicional será
executado somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena,
ressalvadas as hipóteses de liberação antecipada pelo Poder Judiciário e de
determinação da transferência da pessoa condenada (art. 95, da Lei n.º
13.445/2017).
A respeito das hipóteses de vedação, faz-se imperioso mencionar, ainda, que,
segundo o enunciado sumular n.º 421 do STF, não impede a extradição o fato de o
extraditando ser casado com brasileiro ou ter filho brasileiro. A súmula em questão
46BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 94.Negada a extradição em fase judicial,
não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato.
47PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
344.
24
remete ao art. 55, inciso II, alíneas “a” e “b”, da Lei de Migração, que só prevê essa
vedação para evitar a expulsão48.
No que concerne, por sua vez, ao procedimento da extradição passiva, vale
dizer que se trata de um processo híbrido, envolvendo tanto o Judiciário como o
Executivo.
Antes de adentrar, no entanto, no exame das regras do procedimento
propriamente dito, convém mencionar a possibilidade de decretação da prisão
cautelar do extraditando.
De acordo com o art. 84 da Lei de Migração, em caso de urgência, o Estado
interessado na extradição poderá, previamente ou conjuntamente com a
formalização do pedido extradicional, requerer, por via diplomática ou por meio de
autoridade central do Poder Executivo, prisão cautelar com o objetivo de assegurar a
executoriedade da medida de extradição.
Efetivada a prisão do extraditando, o pedido de extradição será encaminhado
à autoridade judiciária competente (art. 84, §3º, da Lei de Migração). Na ausência de
disposição específica em tratado, o Estado estrangeiro deverá formalizar o pedido
extradicional no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data em que tiver sido
cientificado da prisão do extraditando (art. 84, §4º, do mesmo diploma legal). Caso
contrário, o extraditando será posto em liberdade, não se admitindo novo pedido de
prisão cautelar pelo mesmo fato sem que a extradição tenha sido devidamente
requerida (art. 84, §5º).
No que diz respeito à duração da prisão, o revogado Estatuto do Estrangeiro
dispunha, em seu art. 84, parágrafo único, que a prisão perduraria até o julgamento
final da extradição pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade
vigiada, a prisão domiciliar e a prisão albergue.
Felizmente, o legislador ordinário alterou a redação do referido dispositivo e
passou a estabelecer que a prisão cautelar poderá ser prorrogada até o julgamento
final da autoridade judiciária competente quanto à legalidade do pedido de
extradição (art. 84, §6º, da Lei de Migração), sendo permitido ao STF autorizar,
depois de ouvido o Ministério Público, a prisão albergue ou domiciliar ou determinar
que o extraditando responda ao processo de extradição em liberdade, com retenção
do documento de viagem ou outras medidas cautelares necessárias, até o
48Todavia, conforme será demonstrado no Capítulo 5 do presente trabalho, tal entendimento não
deve ser aplicado à situação abordada no presente trabalho.
25
julgamento da extradição ou a entrega do extraditando, se pertinente, uma vez
considerados a situação administrativa migratória, os antecedentes do extraditando
e as circunstâncias do caso (art. 86, da mesma lei).
Tecidas essas breves considerações acerca da prisão cautelar, convém
analisar o mencionado procedimento extraditório à luz do que prevê a Lei de
Migração.
De acordo com o art. 89, caput, da Lei de Migração, o pedido de extradição
originado de Estado estrangeiro será recebido pelo órgão competente do Poder
Executivo e, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade,
encaminhado à autoridade judiciária competente, qual seja, o Supremo Tribunal
Federal.
Não preenchidos os referidos pressupostos formais, o pleito extraditório é
arquivado mediante decisão fundamentada, sem prejuízo da possibilidade de
renovação do pedido, devidamente instruído, uma vez superado o óbice apontado
(art. 89, parágrafo único, da Lei de Migração).
Caso, entretanto, os requisitos de admissibilidade estejam devidamente
satisfeitos, torna-se obrigatório o envio do pleito extradicional ao STF, a quem
compete apreciar sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão
adotada (art. 90, da Lei de Migração).
Ressalte-se que, segundo a jurisprudência da nossa Corte Constitucional, o
simples fato de o extraditando estar de acordo com o pedido extradicional e de
declarar que deseja retornar ao Estado requerente a fim de se submeter ao
processo criminal naquele País não exonera o STF do dever de efetuar o controle da
legalidade sobre a postulação formulada pelo Estado requerente49.
Ademais, de acordo com o já citado sistema da contenciosidade limitada, a
análise da solicitação de extradição pelo Supremo leva em conta apenas a
adequação do pedido ao ordenamento brasileiro e internacional cabível, não se
examinando, em momento algum, o mérito da acusação contra o extraditando nem
qualquer elemento probatório relativo à autoria e materialidade do ilícito, sendo
possível apenas o exame da admissibilidade do pedido50.
49BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Extradição n.º 1.468. Relator: Ministra Rosa
Weber.Julgado em 13 de dezembro de 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma.
Extradição n.º1407. Relator: Ministro Celso de Mello.Julgado em 15 de dezembro de 2015.
50BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Extradição n.º807/SI. Relator: Ministro Nelson
Jobim. Brasília, DF, 13 de junho de 2001.
26
Desta feita, ao receber o pedido, o Ministro Relator no Supremo designará dia
e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, nomear-lhe-á
curador ou advogado, se não o tiver. A defesa deverá ser apresentada no prazo de
10 (dez) dias, contado da data do interrogatório, podendo aduzir, dentre outros
argumentos, que: o extraditando é pessoa diferente daquela que cometeu o crime no
Estado estrangeiro;existe defeito de forma nos documentos apresentados; ou que a
extradição é ilegal (art. 91, caput e §1º, da Lei de Migração).
Negada a extradição pelo STF, só se admitirá novo pedido baseado em outro
fato (art. 95, do mesmo diploma legal). Nesse caso, fica o Presidente da República
impedido de extraditar, ainda que entenda a medida conveniente, sob pena de
desrespeitar o comando constitucional do art. 102, I, “g”, que atribui ao STF a
competência para o julgamento do pedido extradicional51.
De outro lado, julgada procedente a extradição e autorizada a entrega pelo
órgão competente do Poder Executivo, o ato será comunicado por via diplomática ao
Estado requerente, que deverá retirar o extraditando do território nacional no prazo
de 60 (sessenta) dias contado da comunicação (art. 92, da Lei de Migração). Se o
Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional neste prazo, será
ele posto em liberdade, sem prejuízo de outras medidas aplicáveis (art. 93, da Lei de
Migração).
Concedida a autorização para a extradição, deve o ente estatal solicitante
observar uma série de condições para efetivação da entrega do extraditando. Assim,
cabe ao Estado requerente assumir o compromisso de: não submeter o extraditando
a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição (princípio da
especialidade); computar o tempo da prisão que, no Brasil, foi imposta por força da
extradição; comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de
liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos; não
entregar o extraditando, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame;
não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; e não submeter o
extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes.
Destaque-se que, por força do princípio da especialidade, a extradição não
será concedida senão para que o extraditando seja processado e/ou julgado pelos
51MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 815.
27
fatos constantes do pleito extraditório. Nas palavras da Ministra Rosa Weber, “é
proibido que o extraditando seja processado, no país requerente, por fato diverso
daquele que motivou a extradição”52.
Nesse sentido, realizada uma análise detalhada das principais normas
regulamentadoras da extradição, torna-se necessário o estudo do direito à
nacionalidade para melhor compreensão da regra constitucional e legal de proibição
de extradição de nacionais.
52BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extensão na Extradição n.º 1.139/República Portuguesa.
Relator: Ministra Rosa Weber.Informativo n.º 695. Brasília, DF, 13 a 22 de fevereiro de 2013.
28
3 DO DIREITO À NACIONALIDADE
O direito à nacionalidade, que se inclui entre os direitos53 assegurados pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem, das Nações Unidas (1948), consiste
no direito de todos terem uma nacionalidade, passível de ser mudada, e que não
deve ser privada arbitrariamente54.
Os elementos clássicos de um Estado são seu território, sua soberania e seu
povo. Para a formação desse último, revela-se necessário que se estabeleça um
vínculo político e pessoal entre o Estado e o indivíduo. É justamente a nacionalidade
a responsável por efetivar tal elo e fazer com que uma pessoa integre dada
comunidade política55.
Enquanto a cidadania consiste no vínculo político adquirido por meio do
alistamento eleitoral, que possibilita o exercício dos direitos políticos, a
nacionalidade pode ser definida como o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo
a certo Estado, fazendo desse indivíduo um componente do povo (da dimensão
pessoal do fenômeno estatal), capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao
cumprimento de deveres impostos56.
É de se notar, portanto, que inexiste confusão quanto aos dois institutos. A
nacionalidade é dos brasileiros, a cidadania, dos eleitores. Em regra, todo cidadão é
nacional. No entanto, nem todo nacional é necessariamente cidadão. De toda sorte,
importante é registrar que o reconhecimento da nacionalidade gera direitos e
obrigações para ambos os lados.
Segundo prevê o princípio da nacionalidade efetiva, consagrado pela Corte
Internacional de Justiça de Haia no caso Nottebohm (1955), a nacionalidade
pressupõe um vínculo genuíno e efetivo entre o indivíduo e o Estado. De acordo
com a prática dos Estados, as decisões arbitrais e a opinião da doutrina, a
nacionalidade é um elo legal que tem como base um fato social de vinculação, uma
genuína conexão de existência, interesses e sentimentos, junto com a subsistência
de direitos e deveres recíprocos57.
53BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 45.
54BÔAVIAGEM, Aurélio. O direito à nacionalidade. In: BRANDÃO, Cláudio (Coord.). Direitos
humanos e fundamentais em perspectiva. São Paulo: Atlas, 2014.p. 451.
55MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 697.
56MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2007. p. 24.
57VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos,
1974. p. 273.
29
Com efeito, além de ser demasiadamente importante para a própria existência
do Estado, uma vez que se refere à formação do povo, a atribuição de uma
nacionalidade às pessoas naturais torna o ente estatal apto à condução de assuntos
de interesse do indivíduo.
Os nacionais guardam uma relação jurídica com seu Estado onde quer que se
encontrem, configurando-se dever do Estado de sua nacionalidade a proteção
diplomática contra eventuais abusos de seus direitos no estrangeiro, ainda que aí
residam58.
A nacionalidade é, por isso, um direito fundamental da pessoa humana, cujo
único titular capaz de outorgá-la é o Estado soberano. Vige, aqui, o princípio da
atribuição estatal da nacionalidade, proclamado universalmente pela doutrina e
pelas normas internacionais, segundo o qual cada Estado deve ter competência
exclusiva para legislar sobre a sua nacionalidade, da maneira que lhe aprouver59.
Em outras palavras, a atribuição da nacionalidade há de ser realizada por
cada um dos Estados, como manifestação de sua soberania, não devendo ser
entendida, porém, em termos absolutos, já que aqueles devem se submeter às
normas de direito internacional60, observando os princípios que esse ramo do direito
lhe impõe tanto no âmbito convencional quanto costumeiro.
Interessante destacar, entretanto, que, embora cada país seja livre para
legislar sobre a nacionalidade de seus indivíduos, sem que haja qualquer relevância
a vontade pessoal ou os interesses privados desses, não se exclui deles o direito à
nacionalidade, ou seja, o direito à escolha e ao exercício de sua nacionalidade, da
forma que lhe for conveniente e juridicamente possível. Daí ser possível extrair que
a condição de nacional não se manifesta apenas pelo tratamento normativo de
Direito interno, mas também pela própria vontade das pessoas que compõem o
Estado61.
3.1 A nacionalidade no Direito Internacional
Consoante sublinhado anteriormente, nacionalidade é um assunto
58VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 176.
59MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 735.
60BÔAVIAGEM, Aurélio. O direito à nacionalidade. In: BRANDÃO, Cláudio (Coord.). Direitos
humanos e fundamentais em perspectiva.São Paulo: Atlas, 2014. p. 454.
61MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 737.
30
historicamente exclusivo de jurisdição doméstica dos Estados. Na tradição brasileira,
o direito à nacionalidade é regulado na Constituição, com aportes jurisprudenciais e
doutrinários significativos62.
Sucede que, conforme vem se observando, deixar a definição acerca da
nacionalidade exclusivamente nas mãos do Estado pode causar prejuízos,
mormente para os indivíduos, que podem, por exemplo, dependendo do marco legal
estatal a respeito, ficar sem nacionalidade ou com mais de uma nacionalidade, o
que, às vezes, é problemático63.
Sendo assim, a matéria também passou a ser regulada por convenções
internacionais globais e declarações e tratados internacionais de direitos humanos,
que estabelecem regras gerais a seu respeito.
Direito humano de primeira geração, por refletir o princípio da liberdade e
identidade do indivíduo64, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
apesar de importante, não representa o marco inicial do tratamento internacional da
nacionalidade.
A matéria em questão foi inicialmente contemplada pela Convenção de Haia
Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade
de 1930, da Liga das Nações Unidas, a qual estabeleceu, em seu dispositivo
inaugural, a liberdade de cada Estado para determinar, por meio de sua legislação
interna, quais seriam seus nacionais, em consonância com as normas de direito
internacional, não cabendo a nenhum outro Estado interferir a respeito65.
Só posteriormente é que a Declaração Universal dos Direitos do Homem da
Organização das Nações Unidas (1948), inspirada nos princípios da Carta das
Nações Unidas, de 1945, erigiu a nacionalidade à categoria de direito fundamental
da pessoa humana, tendo como fundamento as inúmeras dificuldades resultantes da
62MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000. v. 2. p. 920.
63PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
288
64ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 329.
65BRASIL. Decreto n.º 21.798. Promulga uma convenção e três protocolos sobre nacionalidade,
firmados na Haya, em 12 de abril de 1930. Brasília/DF: 6 set. 1932. Artigo Primeiro. Cabe a cada
Estado determinar, segundo a sua própria legislação, quem são os seus cidadãos. Esta legislação
será reconhecida por outros Estados na medida em que seja compatível com as convenções
internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria
de nacionalidade.
31
apatria66, situação na qual o indivíduo não é considerado nacional por nenhum país
ao nascer. Tal diploma previu, assim, o direito de todos terem uma nacionalidade,
sendo permitida sua mudança de forma voluntária e vedada sua privação por ato
arbitrário do Estado (artigo XV67).
Com efeito, consagrou-se a norma de que a pessoa só pode perder sua
nacionalidade a partir de regras previamente estabelecidas e compatíveis com as
normas internacionais de direitos humanos e com o Estado de Direito. Repugna ao
Direito Internacional a retirada da nacionalidade por motivos políticos, raciais ou
religiosos ou a partir de considerações de caráter meramente discricionário68.
Seguiram-se, então, outros documentos internacionais. Guardada a
cronologia, no âmbito americano, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem (Bogotá, 1948) manteve a mesma linha, estabelecendo o dever do
Estado de facilitar a aquisição e mudança da nacionalidade69.
Anos depois, a Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada, de 1957
(Decreto n.º 64.216, de 18/03/1969) determinou que nem a celebração ou dissolução
do casamento entre nacionais ou estrangeiros nem a mudança de nacionalidade do
marido durante o matrimônio poderão afetar automaticamente a nacionalidade da
mulher70.
Em dezembro de 1966, tanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos quanto o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
enfatizaram a preocupação com os direitos humanos e fundamentais, nos quais se
encontra a nacionalidade71.
De acordo com o art. 5°, item 2, de ambos os pactos, não se admitirá
qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos
ou vigentes em qualquer Estado-parte em virtude de leis, convenções,
66MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 748.
67ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris: 10 dez. 1948. Artigo XV: 1. Toda
pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua
nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
68PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
289.
69OEA. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Bogotá: abr. 1948. Artigo XIX.
Toda pessoa tem direito à nacionalidade que legalmente lhe corresponda, podendo mudá-la, se
assim desejar, pela de qualquer outro país que estiver disposto a concedê-la.
70PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. op. cit., p. 289.
71BÔAVIAGEM, Aurélio. O direito à nacionalidade. In: BRANDÃO, Cláudio (Coord.). Direitos
humanos e fundamentais em perspectiva. São Paulo: Atlas, 2014. p. 458.
32
regulamentos, ou costumes, sob pretexto de que os referidos pactos não os
reconheça ou os reconheça em menor grau.
Ademais, segundo o art. 24, parágrafo 1°, do Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, é direito de toda criança a aquisição de uma
nacionalidade72. Volvendo os olhos ao âmbito americano, convém ressaltar que o
Pacto de São José da Costa Rica, conhecido como Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (1969), também disciplinou o assunto em análise. Além de definir
que todos têm direito a uma nacionalidade, bem como o de poder trocá-la, vedada a
sua privação de forma arbitrária, estipula o Pacto um novo critério para atribuição da
nacionalidade: a do Estado em que tenha nascido o indivíduo, quando se tratar de
apátrida (adoção do jus soli)73.
Sobre a inovação, tem-se afirmado que a referida norma está dotada de
extrema eficácia e, se aceita pela totalidade dos Estados americanos, poderá reduzir
substancialmente as situações de apatria, ou, até mesmo, eliminá-las por completo,
caso tais Estados contemplem, nos seus respectivos direitos internos, regras
relativas à extensão ficta do território (navios e aeronaves) e à presunção do
nascimento local em favor dos expostos74.
Em resumo, conforme se pode deduzir do que fora exposto, vigora no direito
internacional os seguintes princípios: a) todos devem ter uma nacionalidade; b) a
nacionalidade não é permanente, podendo o indivíduo mudá-la; e c) a nacionalidade
é individual, não se estendendo aos seus dependentes ou parentes75.
3.2 Formas de aquisição da nacionalidade: originária e derivada
Como já se falou, os Estados são soberanos para dispor sobre nacionalidade.
No Brasil, ela figura como matéria constitucional, estando disciplinada já no Capítulo
III da Constituição Federal de 1988.
72BRASIL. Decreto nº 592. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Brasília: 06 jul. 1992.
73BRASIL. Decreto nº 678. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de
São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília/DF: 06 nov. 1992.Parte I, Capítulo II,
Artigo 20 – Direito à nacionalidade. 1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa
tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito à outra. 3.
A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la.
74REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 9. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 176.
75MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito constitucional internacional: uma introdução:
Constituição de 1988 revista em 1994. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 212-213.
33
Antes de adentrar no estudo da nacionalidade brasileira, faz-se necessário
tecer algumas considerações a respeito das formas de aquisição da nacionalidade.
Levando-se em conta o momento da vida em que a nacionalidade é obtida e o
maior ou menor envolvimento da vontade humana e estatal, são dois os tipos de
nacionalidade: a originária, também chamada de primária ou atribuída, e a adquirida,
conhecida como secundária, derivada ou de eleição76.
A nacionalidade originária é aquela atribuída em decorrência do nascimento,
tendo pouca ou nenhuma relevância a vontade humana. Relacionada a elos diretos
com o Estado, a nacionalidade primária tem como detentores os nacionais
conhecidos como “natos”77.
A base técnica para a sua atribuição se funda num sentimento presumido de
que o recém-nascido, que não tem condições de, validamente, manifestar o seu
desejo de ser um nacional do Estado, aceita esta ordem jurídica como sendo aquela
sob o manto da qual viverá78.
São basicamente três os sistemas de atribuição da nacionalidade primária: o
jus sanguinis; o jus soli, e o misto.
O jus sanguinis dispõe que a nacionalidade deve ser determinada pela
filiação, não importando onde tenha nascido o indivíduo. Assim, será nacional do
Estado o indivíduo que seja filho de outro nacional desse ente estatal,
independentemente de onde tenha nascido e de estar ou não ligado por critérios
raciais ou de sangue com os demais membros do grupo79. Interesse ressaltar, nesse
ponto, que o critério se baseia na nacionalidade que os pais detinham à época do
nascimento do filho, não importando, por isso, o fato de terem mudado
posteriormente de nacionalidade. Trata-se, ademais, de um sistema
predominantemente adotado em países de emigração, uma vez que permite a
manutenção do vínculo dos emigrantes com o Estado de origem80.
O jus soli, também conhecido como critério territorial, determina, de outro
lado, que o indivíduo adquire a nacionalidade em função do Estado em cujo território
nasceu, independentemente da nacionalidade dos seus ascendentes. Adotado
76MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 741.
77VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.p. 182.
78MARINHO, Ilmar Penna. Tratado sôbre a nacionalidade. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956.
v. 1. p. 132.
79GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. 2. ed.
Rio de Janeiro, Forense, 2002. p. 12.
80MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 750.
34
principalmente por Estados novos, que necessitavam formar um povo próprio,
desvinculado de outros entes estatais, e que receberam muitos imigrantes, esse
sistema permitiu a rápida integração de seus beneficiários com o Estado onde
nasceram e evitou a manutenção de vínculos com o ente de origem, o que podia
ameaçar a integridade do Estado que os recebia81.
Atento à tendência moderna de que os Estados não mais adotam
exclusivamente um ou outro critério de atribuição de nacionalidade, o sistema misto
representa o meio termo, pois busca conjugar os critérios do jus sanguinis e do jus
soli, a fim de evitar choques de nacionalidade decorrentes do emprego exclusivo de
um ou outro sistema.
O que se nota atualmente é que nenhum, ou quase nenhum Estado soberano
adota rigidamente uma ou outra regra, optando, quase sempre, pela escolha de um
desses critérios como regra geral e admitindo exceções permissivas de atribuição de
nacionalidade pelo outro82. É justamente o que acontece em nosso país. Embora o
jus soli seja o principal critério de atribuição da nacionalidade originária brasileira,
nosso ordenamento jurídico também aceita a aplicação do sistema do jus sanguinis,
do jus laboris e do jus domicilii em situações específicas, conforme será
demonstrado no tópico a seguir.
Contrapondo-se à nacionalidade de origem, a nacionalidade adquirida,
secundária, derivada ou de eleição é aquela atribuída por fato posterior ao
nascimento, normalmente em decorrência da manifestação de vontade do Estado
em conceder sua nacionalidade e, em regra, da vontade do indivíduo em adquiri-la,
tudo à luz de certos requisitos legais83.
Vários são os critérios de aquisição dessa modalidade de nacionalidade, a
saber: naturalização; casamento; vínculo funcional; anexação, unificação e cessão
territorial; e vontade da lei (unilateral).
A naturalização é o critério de aquisição da nacionalidade secundária por
excelência e consiste no processo por meio do qual um estrangeiro, atendendo a
certas formalidades exigidas pela lei de um Estado, solicita a este seja declarada
sua aceitação como membro da comunidade interna estatal, cabendo a este mesmo
81PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
292.
82MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 743.
83PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves, op. cit., p. 292.
35
Estado, unilateral e discricionariamente, decidir sobre a viabilidade e conveniência
do pedido84.
A doutrina e a prática internacional identificam, contudo, outras hipóteses de
aquisição da nacionalidade derivada.
Inicialmente, é possível citar o jure matrimonii, que atribui a um cônjuge, pelo
seu casamento com estrangeiro, a nacionalidade deste. Nada obstante não se
permita, no direito brasileiro atual, que o cônjuge estrangeiro adquira, ipso facto, a
nacionalidade brasileira pelo fato de ter se casado com pessoa de nossa
nacionalidade, nada impede que um nacional brasileiro case-se com cônjuge
estrangeiro proveniente de país cuja legislação pertinente adote esse tipo de
nacionalidade secundária, e adquira, por conseguinte, outra nacionalidade85.
Outro meio de obtenção da nacionalidade adquirida diz respeito ao vínculo
funcional, especialmente adotado pelo Vaticano para conceder sua nacionalidade
àqueles que sejam seus servidores86. No Brasil, que não adota esse critério, a
prestação de serviço relevante para o país serve apenas para reduzir a exigência de
prazo de residência no país de quatro para um ano, conforme preleciona o art. 66,
inciso V, da Lei de Migração.
Outrossim, tanto na unificação de entes estatais quanto na anexação de um
Estado por outro os indivíduos pertencentes ao antigo Estado adquirem a
nacionalidade do novo ente estatal. Quando, todavia, apenas parte de um Estado
passa à soberania de outro, os habitantes da região transferida podem ou não,
dependendo do caso, adquirir a nacionalidade da nova pátria em que passaram a
viver87.
A nacionalização unilateral é, por fim, o último critério conhecido de aquisição
de nacionalidade derivada. Sistema segundo o qual a nacionalidade é atribuída a
partir de mero ato do Estado ou “pela vontade da lei”, a nacionalização unilateral foi
adotada no Brasil pela Constituição de 1891, a qual determinou serem brasileiros ”os
estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não
84ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
p. 303.
85MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 751-752.
86PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
293.
87Ibidem, p. 293.
36
declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo
de conservar a nacionalidade de origem” (art. 69, §4°)88.
3.3 A nacionalidade no ordenamento jurídico brasileiro
Em virtude da importância da matéria, ligada à própria existência do Estado, a
nacionalidade é tratada no Brasil na Carta Magna de 1988 e corrobora um direito
público, material e formalmente constitucional, ainda quando vem estatuído em
diplomas infraconstitucionais89.
O Texto Maior reconhece, por meio dos incisos I e II, do art. 12, dois tipos de
brasileiros: os natos e os naturalizados, componentes do que se denomina povo
brasileiro, os quais serão estudados a seguir.
3.3.1 Brasileiros natos
Consideram-se brasileiros natos aqueles indivíduos que, ao nascer – seja no
Brasil ou, eventualmente no exterior – viram-se atribuir a nacionalidade brasileira ou,
quando tal não se dá se maneira automática, têm a perspectiva de um dia virem a
ser brasileiros mediante opção, com efeitos retroativos90.
As três hipóteses constitucionais de atribuição da condição de brasileiro nato
são taxativas e encontram-se elencadas nas alíneas “a”, “b” e “c”, do inciso I, do art.
1291, sendo inviável sua ampliação ou restrição por meio de legislação
infraconstitucional.
Na alínea “a”, consagra-se o critério territorial (do jus soli), atribuindo-se
nacionalidade brasileira a todos os que nasçam em território nacional, inclusive os
88PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
293.
89BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2015. p. 839.
90REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 9. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 177.
91BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de
pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro,
de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República
Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que
sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa
do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
37
filhos de cidadãos estrangeiros, exceto quando estes estejam a serviço de seu
Estado de origem.
A primeira indagação levantada pela doutrina quanto a esta hipótese diz
respeito à definição do que seja território nacional para fins de reconhecimento da
nacionalidade.
Em termos técnicos, a expressão República Federativa do Brasil, a que faz
menção o texto constitucional, abrange o espaço físico onde o Estado exerce sua
soberania sobre pessoas e bens – aqui contemplados os Estados-federados e os
Municípios (território brasileiro); o mar territorial; e os navios e aeronaves militares
brasileiros, onde quer que se encontrem92.
Inexiste, entretanto, qualquer disposição na Constituição Cidadã quanto à
atribuição da nacionalidade nos espaços hídricos, aéreos ou terrestres que não
estão submetidos à soberania de um Estado – a exemplo do alto-mar, do espaço
aéreo, e do continente antártico.
Na concepção de Pontes de Miranda, devem ser considerados brasileiros
natos os nascidos a bordo de navio ou aeronave de bandeira brasileira quando
estiverem em espaço neutro. Ao revés, se o nascimento ocorre em espaço
submetido à soberania de outro Estado, não há que se falar em nacionalidade
brasileira, ainda que se cuide de navio ou aeronave do Governo brasileiro93.
A segunda questão a ser tratada consiste em dizer que a regra constitucional
prevista na alínea “a” só pode ser aplicada aos filhos de pais estrangeiros quando
esses não estiverem a serviço de seu país de origem. Caso contrário, o
ordenamento pátrio abre exceção ao jus soli para prestigiar o critério do jus
sanguinis, acompanhando a regra geral de que os filhos de pessoas que estejam a
serviço de ente estatal diverso têm vínculo com este Estado, e não com aquele em
cujo território nasçam94.
O “serviço”, referido no texto constitucional, desde que público e relativo ao
Estado estrangeiro, não necessita ser exercido de forma permanente no Brasil. Além
disso, é considerado de forma ampla, abrangendo tanto as funções diplomáticas e
92MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 756.
93MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. t.4. p. 431-432.
94PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
294.
38
consulares, quanto os serviços públicos em geral, federal, estadual ou municipal95.
Disso se pode extrair que não se consideram como “a serviço de seu país”
aqueles que trabalham em empresas privadas, nem os funcionários públicos que
estejam no Brasil por outros motivos (como a passeio), sendo plenamente possível
que esses registrem seus filhos como brasileiros natos96.
Importante frisar, por fim, que o termo “pais estrangeiros”, utilizado no plural
pela CRFB/88, significa que ambos os pais devem ser estrangeiros, e não que os
dois estejam a serviço do mesmo país. Basta que apenas um deles esteja
efetivamente a serviço de seu país, podendo o outro não fazer mais que
acompanhá-lo.
Passando-se à alínea “b”, tem-se que também são brasileiros natos os
nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, desde que qualquer deles esteja
a serviço do Brasil.
Trata-se, nesse caso, de uma combinação da regra do jus sanguinis com o
critério funcional. Portanto, além do vínculo de sangue, é necessário que os pais
brasileiros – sejam natos ou naturalizados – estejam cumprindo missão oficial em
nome do Brasil97.
Consideram-se pessoas a serviço do Estado brasileiro os servidores civis e
militares da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de
suas autarquias e empresas públicas, e de organizações internacionais das quais o
Brasil faz parte98, ainda que, nesse último caso, o agente não tenha sido designado
pelos órgãos governamentais brasileiros99.
Interessante destacar, ainda, que o jus sanguinis aqui contemplado não é o
puro, mas sim o impuro ou misto, uma vez que permite que apenas um dos pais (ou
o pai ou a mãe, indistintamente) seja brasileiro, podendo o outro ser estrangeiro100.
Por fim, nos termos da alínea “c”, na redação que lhe deu a Emenda
Constitucional n.º 54, de 20 de setembro de 2007, são também brasileiros natos os
95MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 757.
96VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 184.
97BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2015. p. 843.
98PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
294.
99REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 9. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 188.
100MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 759.
39
nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam
registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir no Brasil e
optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira.
Como se vê, referido dispositivo conjuga o jus sanguinis (sistema principal)
com o critério residencial e a opção confirmativa, consagrando a regra da
nacionalidade potestativa: aquela em que o interessado opta, a qualquer tempo, por
vontade livre e espontânea, pelo vínculo que o tornará componente da dimensão
pessoal do Estado101, sem que esse possa negar o reconhecimento da
nacionalidade. Em outras palavras, o efeito pretendido depende exclusivamente da
vontade do interessado102.
Com efeito, duas são as possibilidades para que os filhos de brasileiros,
nascidos no exterior, adquiram a nacionalidade originária.
A primeira consiste no registro do filho nascido no exterior em repartição
consular brasileira, a fim de que passe, já a partir desse momento, a possuir a
condição de brasileiro nato, ainda que jamais venha a residir no Brasil, não fale o
nosso idioma, não conheça a nossa cultura, etc.
A segunda diz respeito aos filhos de brasileiros nascidos no exterior que, por
qualquer motivo, não tenham sido registrados perante o consulado. Nesse caso,
exige-se o implemento de duas condições para aquisição da nacionalidade
originária, quais sejam: a) a vinda ao país – antes ou depois de atingida a
maioridade – com a finalidade de aqui residir; e b) a opção, em qualquer tempo
depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira103.
Destaque-se que optar tem aqui o sentido de confirmar a vontade de obter
vínculo com o Estado brasileiro, e não de escolher entre a nacionalidade brasileira e
outra eventualmente já existente104.
Sem embargo de posições doutrinárias em contrário, o Supremo Tribunal
Federal entende que o ato de opção tem caráter personalíssimo e só pode ser
exercido depois de adquirida a capacidade civil plena, sem possibilidade de
101BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2015. p. 843.
102SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 328.
103MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 762.
104VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 185.
40
suprimento pela representação dos pais ou de qualquer outra pessoa105.
Desse modo, os que vierem a residir no Brasil enquanto menores deverão
aguardar a maioridade para o exercício do direito de opção, ficando na condição de
brasileiros natos sub conditione. Isto é, a nacionalidade potestativa fica suspensa até
alcançar-se a maioridade de 18 anos106.
É importante observar, ademais, que a Constituição Federal não determina
um tempo mínimo de residência no Brasil para fazer essa opção, nem um prazo
máximo para que seja exercida. Vem-se adotando como regra geral a seguinte
premissa: enquanto a opção não for concretizada, seus efeitos ficam suspensos até
o dia de sua confirmação107.
Assim, no caso de indivíduo maior de idade, residente no Brasil, que ainda
não tenha feito a opção prevista no art. 12, I, “c”, da Constituição, tem-se entendido
que ele não será brasileiro nato enquanto não optar pela nacionalidade brasileira,
sendo um mero estrangeiro ou apátrida residente no país.
Embora potestativa, a opção pela nacionalidade brasileira não tem forma livre,
havendo de ser feita perante a Justiça Federal, por meio de um processo judicial
homologatório não contencioso, em consonância com o que dispõe o art. 109, inciso
X, da Carta de 1988108.
Ademais, tendo em vista a impossibilidade de extradição de brasileiro nato
(estudada no capítulo anterior), o indivíduo que fizer pedido de opção pela
nacionalidade brasileira posteriormente à prática de um delito no exterior não poderá
ser extraditado109. Todavia, a jurisprudência do STF também admite que o processo
de extradição seja meramente suspenso, enquanto tramita o pedido de opção pela
nacionalidade brasileira110.
105BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. RE n.º 418.096/RS. Relator: Ministro Carlos
Veloso. Brasília, DF, 22 de março de 2005.
106MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 763
107BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2015.p. 843.
108BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out.
1988.Artigo 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) X - os crimes de ingresso ou
permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de
sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a
respectiva opção, e à naturalização.
109BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Extradição n.º 778/AT. Relator: Ministro Néri
da Silveira. Brasília, DF, 31 de agosto de 2000.
110BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. AC-QO 70/RS. Relator: Ministro Sepúlveda
Pertence. Brasília, DF, 25 de setembro de 2003. 111BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.Artigo 12. São brasileiros: (...) II - naturalizados: a) os
41
3.3.2 Brasileiros naturalizados
Assim como a aquisição da nacionalidade originária, a obtenção da
nacionalidade brasileira por estrangeiro por meio da naturalização está
regulamentada pela Constituição Federal de 1988, mais especificamente pelo seu
art. 12, inciso II, alíneas “a” e “b”111. No entanto, por ser o tema marcado por
inúmeras nuances, o constituinte ocupou-se em remeter o disciplinamento da
matéria à legislação específica. Em suma, são brasileiros naturalizados aqueles que
adquirem a nacionalidade brasileira na forma prevista em lei.
Até pouco tempo, as regras gerais acerca da naturalização eram tratadas nos
arts. 111 a 124 do Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80), regulamentado pelo
Decreto n.º 86.715/81. Todavia, com a revogação do referido Estatuto pela Lei de
Migração (Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017), as condições para concessão da
naturalização e seus efeitos passaram por algumas alterações, estando
disciplinados, atualmente, nos arts. 64 a 73 do novo diploma legal.
Inicialmente, convém destacar que a Lei de Migração deixou de prever a
concessão da naturalização como faculdade exclusiva do Estado. Conforme se
observa da leitura dos arts. 111112 e 121113 do Estatuto do Estrangeiro, a
naturalização era considerada um ato discricionário do ente estatal, não sendo ele
obrigado a concedê-la, ainda que o estrangeiro preenchesse todos os requisitos
legais para tanto.
Na Lei n.º 13.445/17, no entanto, não existe qualquer disposição nesse
sentido. Nada obstante a ausência de estudos doutrinários a respeito dessa
que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de
qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação
dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
111BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out.
1988.Artigo 12. São brasileiros: (...) II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a
nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência
por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes
na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal,
desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 3, de 1994)
112BRASIL. Lei n.º 6.815. Brasília/DF: 22 ago. 1981. Artigo 111. A concessão da naturalização nos
casos previstos no artigo 145, item II, alínea b, da Constituição, é faculdade exclusiva do Poder
Executivo e far-se-á mediante portaria do Ministro da Justiça.
113BRASIL. Lei n.º 6.815. Brasília/DF: 22 ago. 1981. Artigo 121. A satisfação das condições previstas
nesta Lei não assegura ao estrangeiro direito à naturalização.
42
alteração, em razão do exíguo período de tempo em que a legislação foi publicada,
é possível deduzir da lacuna normativa que a concessão da naturalização passou a
ser obrigatória, não podendo o governo recusá-la quando estiverem satisfeitos todos
os requisitos exigidos pela lei. Tal entendimento já era aplicado, inclusive, no caso
da naturalização prevista no art. 12, inciso II, alínea “b”, da CRFB/88, quando alguns
autores afirmavam ser a aquisição da nacionalidade brasileira um direito do
requerente, não havendo que se falar em discricionariedade114.
Pois bem. Passando-se à análise dos dispositivos da Lei de Migração,
verifica-se que o legislador ordinário decidiu elencar no art. 64 as espécies de
naturalização já propugnadas pela doutrina, a saber: ordinária, extraordinária,
especial e provisória.
A naturalização ordinária é aquela a que o art. 12, II, alínea “a”, do texto
constitucional faz referência. Destinada aos estrangeiros que vivem no território
brasileiro há pelo menos quatro anos, essa hipótese está regulada no art. 65 da Lei
de Migração. De modo diverso do Estatuto115, a nova legislação exige o
cumprimento de uma quantidade reduzida de requisitos, facilitando a aquisição da
nacionalidade brasileira pelo estrangeiro, quais sejam: a) ter capacidade civil,
segundo a lei brasileira; b) possuir residência em território nacional, pelo prazo
mínimo de 4 (quatro) anos; c) comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as
condições do naturalizando; e d) não possuir condenação penal ou estiver
reabilitado, nos termos da lei.
Quando o estrangeiro se tratar, entretanto, de pessoa originária de países de
língua portuguesa, o procedimento para o pedido de naturalização é facilitado. De
acordo com o citado art. 12, II, “a”, da Constituição, basta que o interessado
comprove um ano de residência no país, com título regular, e idoneidade moral.
Importante registrar, nesse ponto, que o referido dispositivo beneficia os
cidadãos portugueses apenas para facilitar a naturalização, não devendo ser
114DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001. p. 176-177.
115BRASIL. Lei n.º 6.815. Brasília/DF: 22 ago. 1981. Artigo 112. São condições para a concessão da
naturalização: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81): I - capacidade civil, segundo a lei
brasileira; II - ser registrado como permanente no Brasil; III - residência contínua no território nacional,
pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização; IV - ler e
escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; V - exercício de profissão
ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família; VI - bom procedimento; VII -
inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que
seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e VIII - boa
saúde.
43
confundido com a norma que lhes permite adquirir os direitos inerentes ao brasileiro
nato. Essa possibilidade decorre dos benefícios do Estatuto da Igualdade, previsto
no art. 12, §1º, da Constituição116, caso em que os portugueses manterão a
nacionalidade portuguesa117.
A naturalização extraordinária ou quinzenária está consagrada, por sua vez,
no art. 12, II, “b”, da CRFB/88 e no art. 67 da Lei de Migração118, atendendo aos
estrangeiros que vivem no Brasil há pelo menos quinze anos e não têm condenação
criminal. Para que se perfectibilize, a única condição imposta é o requerimento do
estrangeiro.
A naturalização especial destina-se, nos termos do art. 68 da Lei n.º
13.445/17, ao cônjuge ou companheiro de integrante do Serviço Exterior Brasileiro
em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior, casado há
mais de cinco anos; ou ao estrangeiro que tenha sido empregado em missão
diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de dez anos ininterruptos.
Nesse caso, exige-se que o interessado preencha os mesmos requisitos exigidos
para a naturalização ordinária, com exceção do tempo mínimo de residência de
quatro anos119.
Tem-se, outrossim, a naturalização provisória, que tem como destinatários os
estrangeiros que vieram para o Brasil antes de completarem dez anos de idade – e
não cinco, como dispunha o art. 115, §2º, I, do Estatuto do Estrangeiro – e
permaneceram no país a título definitivo. Como nessa hipótese o interessado ainda
é menor, a naturalização deve ser solicitada pelos seus representantes legais (art.
70, caput, da Lei de Migração120). É denominada de provisória, porque precisa ser
116BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 12. (...) § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em
favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
117PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções
de direitos humanos e de direito comunitário. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
299.
118BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 67. A naturalização extraordinária será
concedida a pessoa de qualquer nacionalidade fixada no Brasil há mais de 15 (quinze) anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeira a nacionalidade brasileira.
119BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017. Artigo 69. São requisitos para a concessão da
naturalização especial: I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira; II - comunicar-se em língua
portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e III - não possuir condenação penal ou
estiver reabilitado, nos termos da lei.
120BRASIL. Lei n.º 13.445. Brasília/DF: 24 maio 2017.Artigo 70. A naturalização provisória poderá ser
concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional
antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu
representante legal.
44
confirmada quando seu beneficiário atinge a maioridade121.
A respeito disso, o parágrafo único do art. 70 prevê a possibilidade de
conversão da naturalização provisória em definitiva quando o seu detentor assim o
requerer até dois anos depois de atingida a maioridade, ou seja, até completar vinte
anos.
Com relação ao tema, insta consignar, por fim, os efeitos decorrentes da
concessão da naturalização.
Pode-se dizer que a naturalização visa, em primeiro lugar, transformar o
estrangeiro em um nacional brasileiro, integrando-o à comunidade política brasileira
a que passa a pertencer (com basicamente os mesmo direitos conferidos aos
nossos nacionais) e, em segundo plano, desvincular ex nunc (para o futuro) esse
estrangeiro de sua nacionalidade anterior. Sustenta-se que a perda do vínculo com a
nacionalidade de origem se dá ex nunc pelo fato de não se admitir que se
desobrigue o naturalizado de suas obrigações contraídas antes da naturalização122.
De acordo com o art. 122, do revogado Estatuto do Estrangeiro, salvo no caso
da naturalização extraordinária, tais efeitos decorrentes do ato de naturalização só
eram produzidos após a entrega do certificado123. No entanto, com a entrada em
vigor da Lei de Migração, o prazo inicial de produção dos efeitos passou a ser o da
publicação do ato no Diário Oficial (art. 73).
Ainda quanto aos efeitos, a Lei n.º 6.815/80 disciplinava que a naturalização
não importava aquisição da nacionalidade brasileira pelo cônjuge e filhos do
naturalizado, nem autorizava que estes entrassem ou permanecessem no Brasil
sem que satisfizessem às exigências do Estatuto (art. 123), bem como que aquela
não extinguia a responsabilidade civil ou penal a que o naturalizado estivesse
anteriormente sujeito em qualquer outro Estado (art. 124). A Lei n.º 13.445/17 não
reproduziu, entretanto, tais dispositivos, o que sugere, pelo menos em tese, a
extirpação de tais regras do ordenamento jurídico pátrio.
121VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 188.
122MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 770.
123BRASIL. Lei n.º 6.815. Brasília/DF: 22 ago. 1981. Artigo 122. A naturalização, salvo a hipótese do
artigo 116, só produzirá efeitos após a entrega do certificado e confere ao naturalizado o gozo de
todos os direitos civis e políticos, excetuados os que a Constituição Federal atribui exclusivamente ao
brasileiro nato. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81).
45
Em resumo, ao dividir os brasileiros em natos e naturalizados, a Constituição
Federal de 1988 trata de ambas as formas de aquisição da nacionalidade,
consagrando-a como um direito humano fundamental.
Todo o aporte doutrinário, legal e jurisprudencial levado a efeito nesse
capítulo tem como objetivo auxiliar na definição da nacionalidade daquele que já foi
concebido, mas ainda não nasceu (nascituro), cuja mãe estrangeira esteja residindo
no Brasil e tenha sido submetida a um processo de extradição, a fim de que, ao final,
se possa concluir pela possibilidade ou não do deferimento do pleito extradicional.
No entanto, antes disso, merece ser feita a análise do tratamento dado ao
nascituro no âmbito do Direito Civil, para que seja possível definir o início da sua
personalidade jurídica.
46
4 DAS TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE E A CONDIÇÃO
JURÍDICA DO NASCITURO
O Título I do Livro I do Código Civil de 2002, concernente às pessoas, dispõe
sobre as “pessoas naturais”, reportando-se tanto ao sujeito ativo como ao sujeito
passivo da relação jurídica.
Nas palavras de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, a pessoa natural é o
ser humano e a sua dignidade é o fundamento principal da República Federativa do
Brasil, sendo a base de todo o sistema jurídico. É ela a própria justificativa da ciência
jurídica, que é feita pelo homem e para o homem. A nenhum ser humano é possível
subtrair a qualidade de pessoa enquanto sujeito de direito. Por isso, todo ser
humano (isto é, toda pessoa natural) é dotado de personalidade jurídica,
titularizando relações jurídicas e reclamando uma proteção básica e fundamental,
compatível com sua estrutura biopsicológica124.
As discussões a respeito do nascituro, da sua concepção como pessoa
humana e da proteção de seus direitos não é nova no Direito Brasileiro.
Etimologicamente, a expressão nascituro deriva do latim nasciturus, princípio
passado de nasci, significando aquele que há de nascer. Designa, assim, o ente que
está gerado ou concebido no ventre materno, ou seja, está em vida intra-uterina,
mas ainda não nasceu; está por nascer125.
Interessante sublinhar, nesse ponto, que o nascituro não se confunde com o
concepturo. Enquanto o nascituro é o filho que alguém já concebeu, mas ainda não
nasceu, o concepturo é o filho que alguém ainda vai conceber126.
O Código Civil de 2002 trata do nascituro em seu art. 2º, ao dispor que a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Tal previsão muito se aproxima
do art. 4º, do Código Civil de 1916, segundo o qual a personalidade civil do homem
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os
direitos do nascituro.
124FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1. p. 257.
125DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973. v. III. p. 1051.
126FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 260.
47
Conforme se percebe da leitura dos referidos dispositivos, o legislador
ordinário manteve a imprecisão conceitual do Código anterior no novo Código Civil,
perdendo a oportunidade de dirimir a controvérsia acerca da natureza jurídica do
nascituro, ou seja, a respeito da sua posição topológica no quadro do Direito Civil.
Inicialmente, a legislação afirma que a personalidade civil começa com o nascimento
com vida. No entanto, logo a seguir, o mesmo dispositivo dispõe que os direitos do
nascituro serão postos a salvo, tornando-se inviável a identificação da mens legis
sobre o tema.
A fim de sanar a citada incongruência, a doutrina civilista arquitetou três
teorias a respeito do início da personalidade e da condição jurídica do nascituro,
enxergando a questão sob diferentes prismas. São elas as teorias natalista, da
personalidade condicional e concepcionista.
4.1 A Teoria Natalista
Propugnada pela maioria dos autores clássicos do Direito Civil, a teoria
natalista aduz que a personalidade civil somente se inicia com o nascimento com
vida, não existindo, para o nascituro, direitos, mas mera expectativa de direitos, por
ser uma expectativa de pessoa.
Alicerçando-se em uma interpretação literal e simplificada da primeira parte
do art. 2º, do Código Civil de 2002127, os defensores dessa corrente128 sustentam
que o nascituro não é, e não pode ser, dotado de personalidade jurídica, pois esta
só pode ser atribuída ao ente que nasceu vivo.
A despeito, no entanto, do que dispõe o referido dispositivo do Códex Civil, tal
teoria resta completamente superada pela ordem jurídica atual.
De início, convém destacar que a teoria natalista não consegue responder a
seguinte indagação: se o nascituro não tem personalidade, não é pessoa, seria uma
coisa? Partindo-se da constatação de que haveria apenas expectativas de direitos, a
resposta seria positiva129.
127BRASIL. Lei n.º 10.406. Brasília/DF: 10 jan. 2002. Artigo 2º. A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida (...).
128Como adeptos, da doutrina tradicional, podemos citar Silvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira
e San Tiago Dantas. Na doutrina contemporânea, filia-se a essa corrente Sílvio de Salvo Venosa.
129TARTUCE, Flávio.A situação jurídica do nascituro: uma página a ser virada no direito brasileiro. In:
DELGADO, Mário Luiz; JONES, Figueirêdo Alves (Coord.). Questões controvertidas: parte geral do
Código Civil. São Paulo: Método, 2007. v. 6. p. 89.
48
Além disso, a corrente doutrinária em questão não explica porque a segunda
parte do mesmo art. 2º reconhece direitos e não simples expectativas de direitos ao
nascituro, os quais, assim como os status, efetivamente lhe são atribuídos pelo
Código130.
Do ponto de vista prático, a teoria natalista nega ao nascituro até mesmo os
seus direitos fundamentais, relacionados com a sua personalidade, como o direito à
vida, à investigação de paternidade, aos alimentos, ao nome e à imagem,
esbarrando (como se verá adiante) nos dispositivos do Código Civil que consagram
direitos àquele que foi concebido, mas ainda não nasceu131.
É de se concluir, portanto, que não merece acolhida.
4.2 A Teoria da Personalidade Condicional
A segunda corrente, denominada de personalidade condicional, reconhece a
personalidade desde a concepção, com a condição de o indivíduo nascer com vida.
Como entusiastas desse posicionamento, podem ser citados Washington de Barros
Monteiro, Miguel Maria de Serpa Lopes e Clóvis Beviláqua. Na doutrina atual,
Arnaldo Rizzardo também parece seguir esse entendimento.
De acordo com essa teoria, o nascituro é uma pessoa virtual, cidadão em
germe, homem in spem. Seja qual for a conceituação, há para o feto uma
expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo e
por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Mas, para que estes se adquiram, é
preciso que ocorra o nascimento com vida. Nesse sentido, o nascituro é pessoa
condicional, achando-se a aquisição da personalidade sob a dependência de
condição suspensiva, qual seja, o nascimento com vida132.
O art. 130 do Código Civil vem sendo citado pelos doutrinadores como
fundamento da teoria em análise, pois permite ao titular de direito eventual, como o
nascituro, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, o exercício de atos
destinados a conservá-lo. Assim, poderá o ente concebido, mas ainda não nascido,
130ALMEIDA, Silmara Juny de A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
245.
131TARTUCE, Flávio.A situação jurídica do nascituro: uma página a ser virada no direito brasileiro. In:
DELGADO, Mário Luiz; JONES, Figueirêdo Alves (Coord.). Questões controvertidas: parte geral do
Código Civil. São Paulo: Método, 2007. v. 6. p. 89.
132MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 38. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001. v. 1. p. 61.
49
requerer, representado pela mãe, a suspensão do inventário, em caso de morte do
pai, estando a mulher grávida e não havendo outros descendentes, para se
aguardar o nascimento; ou, ainda, propor medidas acautelatórias, em caso de
dilapidação por terceiro dos bens que lhe foram doados ou deixados em
testamento133.
Com efeito, de acordo com essa teoria, o nascituro já possui, desde a
concepção, os direitos da personalidade, estando os direitos patrimoniais
condicionados, ao contrário, ao nascimento com vida. Tendo em vista, assim, que os
direitos patrimoniais encontram-se condicionados, sustenta essa corrente que a
própria personalidade jurídica está condicionada, apesar de os direitos da
personalidade já serem reconhecidos desde a concepção134.
Dessa forma, assim como a teoria natalista, a teoria da personalidade
condicional não encontra amparo no ordenamento jurídico como um todo.
Conforme se observa das afirmações acima delineadas, ao condicionar a
aquisição dos direitos patrimoniais e, por conseguinte, dos direitos da personalidade,
ao nascimento com vida, a teoria da personalidade condicional faz prevalecer a
visão patrimonialista (que vigorava no antigo Código Civil) sobre a proteção da
pessoa humana (que tem norteado o Direito Civil atual).
Não existe direito de personalidade condicional. Os direitos da personalidade
não podem estar sujeitos à condição, termo ou encargo, como propugna a corrente.
A título exemplificativo é contraditório admitir condicionalmente o direito à vida,
subordinado à condição de nascer com vida.
Nada obstante a Constituição Federal não defina, desde logo, a partir de que
momento se dá a proteção da garantia da inviolabilidade do direito à vida,
consagrada no caput do art. 5º, os diplomas internacionais reconhecem
expressamente esse direito ao nascituro, sem lhe impor nenhuma condição.
O Pacto de San José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos
Humanos (1969), ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e admitida no
Direito Interno por meio do Decreto n.º 678, de 06/11/1992, estabelece no art. 4º, do
Capítulo II (Direitos Civis e Políticos), que “1. Toda pessoa tem direito de que se
respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o
133GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2012. v. 1. p. 98.
134FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1. p. 263.
50
momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989),
ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, considera em seu preâmbulo que:
“a criança, em razão de sua falta de maturidade física e mental necessita de
proteção e cuidados especiais, incluindo proteção jurídica apropriada antes e depois
do nascimento”.
O mesmo vale quanto ao direito à integridade física, uma vez que tem se
reconhecido cada vez mais ao nascituro, na atualidade, a indenização de danos pré-
natais135.
Desse modo, além de restar evidente a impossibilidade de aplicação da
supracitada teoria, a lei e a jurisprudência caminham para a aplicabilidade da teoria
concepcionista, que será estudada a seguir.
4.3 A Teoria Concepcionista
Capitaneada pela maioria dos civilistas136, a teoria concepcionista sustenta
que a personalidade começa da concepção, e não do nascimento com vida, pois
muitos dos direitos e status do nascituro não dependem do implemento dessa
condição, atuando o nascimento sem vida como a morte, para os já nascidos.
Conforme propugnava Pontes de Miranda, pessoa é o titular de direito, o
sujeito de direito. Para ser pessoa não é preciso que seja possível ter quaisquer
direitos, mas apenas um direito. A personalidade, por conseguinte, é a capacidade
de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito
(passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções137.
Da leitura atenta do art. 2º, do Código Civil, percebe-se que a lei civil
resguarda, expressamente, os direitos do nascituro, reconhecendo em seu favor a
existência de direitos e status, e não de meras expectativas de direito.
Buscando-se referências no texto do próprio diploma legal acima
referenciado, podem-se citar como exemplos as regras contidas nos arts. 1.609,
135ALMEIDA, Silmara Juny de A. Chinelato e. Bioética e dano pré-natal.Rio de Janeiro: [s.n], 1999.
p. 297-328.
136Com esse pensar, encontram-se Pontes de Miranda, Renan Lotufo, J. M. Leoni Lopes de Oliveira,
Rubens Limongi França, Francisco Amaral, José Ascensão de Oliveira, Flávio Tartuce, Silmara Juny
de Abreu Chinelato e Almeida, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.
137MIRANDA, Pontes de. Introdução: pessoas físicas e jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. p. 245.
51
parágrafo único138 (que permite o reconhecimento da filiação do nascituro, ou seja, o
status de filho ainda no ventre materno); 1.779139 (versa sobre a possibilidade de lhe
ser nomeado um curador); 542140(autoriza que se faça doação ao nascituro) e
1.798141 (reconhece sua capacidade sucessória).
Tendo em vista, portanto, que quem afirma direitos e obrigações afirma
personalidade, sendo a capacidade de direito e o status atributos da
personalidade142, não há dúvidas de que a nossa ordem jurídica confere
personalidade jurídica concreta (e não condicional) ao nascituro, acolhendo,
integralmente, a teoria concepcionista.
De acordo com a corrente doutrinária em questão, a partir da concepção já há
proteção à personalidade jurídica. O nascituro já é titular de direitos da
personalidade. O valor da pessoa humana, que reveste todo o ordenamento
brasileiro, é estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estejam em
desenvolvimento no útero materno. Perceber essa assertiva significa, em plano
principal, respeitar o ser humano em toda a sua plenitude143.
Em que pese a primeira parte do art. 2º do Código Civil afirmar que a
personalidade civil somente tem início a partir do nascimento com vida, o conceito
de personalidade, a previsão expressa de direitos e status ao nascituro desde a
concepção e a não-taxatividade da segunda parte do mesmo art. 2º demonstram,
inequivocamente, que o Código Civil Brasileiro adotou o teoria concepcionista.
Também no Direito Comparado não tem sido diferente o posicionamento de
alguns juristas. Na Itália, Pierangelo Catalano é adepto da doutrina concepcionista,
defendendo a equiparação do nascituro às pessoas nascidas144. Entre autores
portugueses, esse também parece ser o posicionamento de José de Oliveira
138BRASIL. Lei n.º 10.406. Brasília/DF: 10 jan. 2002.Artigo 1.609. O reconhecimento dos filhos
havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: (...) Parágrafo único: o reconhecimento pode
preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
139BRASIL. Lei n.º 10.406. Brasília/DF: 10 jan. 2002. Artigo 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o
pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher
estiver interdita, seu curador será o do nascituro.
140BRASIL. Lei n.º 10.406. Brasília/DF: 10 jan. 2002. Artigo 542. A doação feita ao nascituro valerá,
sendo aceita pelo seu representante legal.
141BRASIL. Lei n.º 10.406. Brasília/DF: 10 jan. 2002. Artigo 1.798. Legitimam-se a suceder as
pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
142ALMEIDA, Silmara Juny de A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
175.
143FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1. p. 261.
144CATALANO, Pierangelo. Diritto e persone: studisu origine e attualità del sistema romano. Torino:
Giappichelli, 1990.
52
Ascensão, ao reconhecer até mesmo direitos sucessórios ao nascituro145. No Direito
Espanhol, Luis Díez-Picazo e Antonio Gullón demonstram toda uma preocupação de
proteção dos direitos do concepturo, principalmente pela proteção da sua vida146.
Prevista apenas na primeira parte do artigo supracitado, a teoria natalista –
segundo a qual somente seria possível reconhecer direitos ao nascituro depois de
nascer vivo – não se sustenta em uma interpretação sistemática, não podendo, por
isso, nortear a lei civil.
Do mesmo modo, não é crível afirmar a adoção da teoria da personalidade
condicional pelo nosso ordenamento jurídico. Embora tênue, a diferença existente
entre essa corrente e a teoria concepcionista é suficiente para determinar a
predominância desta em detrimento daquela.
Embora ambas a teses reconheçam direitos ao nascituro, divergem quanto ao
momento de perfectibilização da personalidade jurídica. Para os condicionalistas,
apesar de o nascituro já titularizar, desde a concepção, os direitos da personalidade,
se os direitos patrimoniais estão condicionados ao nascimento com vida, a
personalidade jurídica também o está. Para os concepcionistas, noutro pórtico, se o
nascituro dispõe de direitos da personalidade é porque já tem a própria
personalidade jurídica, mesmo que os direitos patrimoniais estejam condicionados.
Com efeito, levando-se em conta que os direitos não patrimoniais, incluindo-
se os direitos da personalidade, não dependem do nascimento com vida, mas,
antes, a ele visam, imperioso se faz o reconhecimento do acerto da teoria
concepcionista, segundo a qual o nascituro é pessoa humana, dotada de
personalidade jurídica, com direitos reconhecidos e resguardados pela lei desde a
concepção.
4.4 A proteção dos direitos do nascituro
De acordo com o que foi exposto, o sistema jurídico brasileiro confere ao
nascituro um conjunto de direitos patrimoniais e não patrimoniais, garantindo-lhe
uma proteção jurídica fundamental. A própria Constituição Federal protege os
direitos do nascituro ao prever, em seu art. 225, a proteção do bem ambiental, do
145ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed.,2000. p. 50.
146DÍEZ-PICAZO, Luiz; GULLÓN, Antonio. Sistema de derecho civil. 11. ed. Madrid: Tecnos, 2003.
v. 1. p. 217.
53
meio ambiente ecologicamente equilibrado, visando à sadia qualidade de vida das
presentes e futuras gerações, ou seja, das pessoas já nascidas e das pessoas
concebidas, mas ainda não nascidas147.
Abarcados pela previsão exemplificativa do art. 2º do CC/2002, os direitos da
personalidade do nascituro merecem ser tratados em primeiro lugar, em virtude de
sua especial relevância.
Inerente à pessoa humana e à sua dignidade, essa espécie de direito pode
ser conceituada como aquela necessária ao desenvolvimento do seu titular,
considerado em seus aspectos físico, psíquico e intelectual, sendo os principais os
direitos à vida, à integridade, à honra, à imagem, ao nome e à intimidade.
O direito à vida digna conferido ao nascituro – consagrado tanto no art. 5º,
caput, da Constituição Federal quanto no art. 7º do Estatuto da Criança e do
Adolescente148 (Lei n.º 8.069/90) – impõe a salvaguarda do nascimento do nascituro,
através do reconhecimento do direito à assistência pré-natal, disponibilizando-se
condições saudáveis para o desenvolvimento da gestação149.
É justamente levando-se em conta o fato de que a cláusula constitucional de
proteção à vida humana não se restringe a proteger os que já nasceram que o
Código Penal reconhece, em seus arts. 124 a 128, a criminalização do aborto.
No mesmo sentido, segundo se infere do citado parágrafo único do art. 1.609,
do CC, também é garantido ao nascituro o direito ao reconhecimento de sua filiação
como expressão da sua própria personalidade. A respeito do tema o Supremo
Tribunal Federal já se pronunciou sobre a possibilidade de o nascituro ver realizado
o exame de DNA (por meio da coleta de material biológico da placenta)para
averiguação da paternidade, nada obstante a oposição da sua genitora (submetida à
extradição, in casu)150.
Além disso, também é reconhecida ao nascituro a capacidade de ser parte
ativa em uma relação jurídico-processual (ser autor de um processo), sob o correto
argumento de que a lei lhe confere direitos, resultando naturalmente o
reconhecimento de meios para a defesa deles, através de sua capacitação para a
147PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2001.
148BRASIL. Lei nº 8.069. Brasília/DF: 13 jul. 1990. Artigo 7º. A criança e o adolescente têm direito a
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
149FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1. p. 262.
150BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Reclamação n.º 2.040/DF. Relator: Ministro
Néri da Silveira. Julgado em 21 de fevereiro de 2002.
54
demanda. Interessante exemplo pode ser imaginado com a possibilidade de o
nascituro, através de seu representante legal (a genitora), promover uma ação de
alimentos contra o seu genitor (ou melhor, suposto pai), reclamando uma pensão
para assegurar o próprio nascimento com vida151.
No que tange, especificamente, ao direito de recebimento de prestações
alimentícias pelo nascituro, tanto a legislação infraconstitucional quanto a doutrina
têm entendido pela sua possibilidade.
Com efeito, de acordo com a Lei n.º 11.804/08 é permitida a concessão de
alimentos gravídicos em favor do nascituro, os quais compreenderão os valores
suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam
dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação
especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações,
parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas
indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes
(art. 2º).
Nas lições dos civilistas, o direito a alimentos para o nascituro consiste em
simples consequência da consagração da garantia à vida pré-nascimento, uma vez
que visa conferir meios de subsistência alimentar e de assistência pré-natal à
gestante, de modo a propiciar o nascimento do feto e conferir-lhe uma tutela
adequada e eficaz ao direito da vida intra-uterina152.
Outro exemplo da capacidade do nascituro de figurar no pólo ativo da
demanda diz respeito à reparação por eventuais danos morais suportados. Como se
sabe, os danos morais podem ser conceituados como aqueles que atingem os
direitos da personalidade e, no caso da pessoa humana, a sua dignidade. Como se
reconhecem, portanto, direitos da personalidade ao nascituro, também é possível a
lesão a esses direitos, concluindo-se pela possibilidade de o ser humano concebido,
mas ainda não nascido, pleitear a correspondente indenização por danos
imateriais153.
151FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1.p. 264.
152RIBEIRO, Ana Cecília Rosário. Alimentos para o nascituro: tutela do direito à vida. Curitiba:
Juruá, 2011. p. 171.
153TARTUCE, Flávio.A situação jurídica do nascituro: uma página a ser virada no direito brasileiro. In:
DELGADO, Mário Luiz; JONES, Figueirêdo Alves (Coord.). Questões controvertidas: parte geral do
Código Civil. São Paulo: Método, 2007. v. 6. p. 96.
55
Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que o filho tem
direito a uma indenização pela morte de seu pai, mesmo que o óbito tenha ocorrido
quando ele sequer havia nascido, ou seja, quando ainda era um nascituro154.
Diante de tais considerações, é inequívoco o reconhecimento dos direitos da
personalidade ao nascituro desde a concepção, independentemente do nascimento
ou não com vida. Tanto é verdade que a proteção dada a ele se estende, por igual,
ao natimorto, que, embora concebido, não nasceu com vida. Tal é a intelecção do
Enunciado n.º 1 da I Jornada de Direito Civil155.
Em virtude do reconhecimento desses diversos direitos de caráter
personalíssimo em favor do nascituro é que Maria Helena Diniz distingue a
personalidade jurídica em formal e material. Segundo a referida doutrinadora, o
nascituro possui uma verdadeira personalidade jurídica formal, detendo o exercício e
proteção dos direitos da personalidade desde a concepção, visto ter carga genética
diferenciada já nesse momento. A personalidade jurídica material, ao revés,
referente aos direitos patrimoniais e obrigacionais, que se encontram em estado
potencial, somente se adquire a partir do nascimento com vida. Se nascer com vida
adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer nenhum direito
patrimonial terá156.
É justamente com base nessa premissa que se entende que os direitos de
natureza patrimonial (apreciáveis economicamente), como a doação, a herança, o
legado e a pensão previdenciária, somente serão adquiridos pelo nascituro com o
implemento do nascimento com vida, já que a plenitude da eficácia desses direitos
fica condicionada a esse evento futuro e incerto157.
Em outras palavras, o nascimento com vida consolida o direito patrimonial,
dando-lhe integral eficácia, na qual se inclui sua transmissibilidade158. O nascimento
154BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. REsp n.º 399.028/SP. Relator:Ministro Sálvio
de Figueiredo Teixeira. Julgado em 26 de fevereiro de 2002.
155Enunciado I do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil: A proteção que
o Código defere ao nascituro alcança também o natimorto no que concerne aos direitos da
personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.
156DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro:teoria geral do direito civil. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.p. 222.
157ALMEIDA, Silmara Juny de A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
349.
158CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Estatuto jurídico do nascituro: a evolução do direito
brasileiro. In: CAMPOS, Diogo Leite; CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (Coord.). Pessoa
Humana e Direito. Coimbra: Almedina, 2009. p. 432.
56
sem vida atua, de outro lado, como condição resolutiva, problema que não se coloca
em se tratando dos direitos não patrimoniais159.
Assim, é indubitável que o nascituro é, efetivamente, pessoa humana, dotado
de proteção jurídica quanto aos seus direitos desde a concepção.
De acordo com Rosenvald e Chaves, o Direito Civil não pode ser entendido a
partir de conceitos herméticos, devendo estar sintonizado com os anseios sociais e
o progresso da humanidade. Assim, sobreleva-se que sempre tenha como
fundamento a tutela da pessoa humana. Aliás, a Carta Magna privilegia a vida
humana, considerada como supremo bem, cuja proteção toca, a um só tempo, ao
interesse público e privado. O direito à vida deve ser preservado e respeitado em
qualquer circunstância. Por isso, há de se enxergar a matéria com o espírito de
proteger a vida humana em todas as suas manifestações, inclusive no caso
daqueles que já foram concebidos, tenham, ou não, nascido com vida160.
Desse modo, nada obstante a existência de aparente contradição na redação
do art. 2º do Código Civil, a interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico
deixa clara a adoção da teoria concepcionista pelo sistema brasileiro, sanando a
controvérsia existente sobre a condição jurídica do nascituro.
159CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Estatuto jurídico do nascituro: a evolução do
direito brasileiro. In: CAMPOS, Diogo Leite; CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (Coord.).
Pessoa Humana e Direito. Coimbra: Almedina, 2009.p. 428.
160FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral
e LINDB. 13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1.p. 267.
57
5 DA IMPOSSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO DE ESTRANGEIRA GRÁVIDA
Um dos grandes méritos do atual Direito Civil diz respeito à previsão de
proteção dos direitos da personalidade nos arts. 11 a 22, do Código Civil de 2002.
No entanto, as normas contidas nos referidos dispositivos não são suficientes para
tratar da matéria. No que tange aos direitos da personalidade, o nosso Códex Civil
em vigor adotou um sistema aberto, garantindo a proteção de outros direitos além
daqueles consagrados na codificação privada161.
Em virtude do sistema adotado, vigora na ordem jurídica brasileira uma
verdadeira cláusula geral de tutela da pessoa humana, garantindo-lhe uma proteção
ampla e integral162, que alcança os direitos assegurados constitucionalmente,
principalmente os de natureza fundamental, previstos, precipuamente, nos arts. 1º a
5º da Constituição da República de 1988.
Conforme se vislumbra da simples leitura do art. 2º do CC/2002, os direitos
reconhecidos aos nascituros não são taxativos. A enunciação taxativa é indicada
expressamente pelas palavras “só”, “somente”, “apenas” e outras similares. Tais
expressões não constam, entretanto, na redação do referido preceito legal, que
preferiu se referir genericamente a “direitos do nascituro”.
Assim, a tomada de posição no sentido de que o nascituro é pessoa importa
reconhecer-lhe outros direitos, além dos que expressamente lhe são concedidos
pelo Código Civil e outros diplomas legais, uma vez que se afasta na espécie,
porque inaplicável, a regra da interpretação exceptiones sunt strictissima e
interpretationis163, segundo a qual as exceções só podem ser interpretadas
restritivamente164.
Diante de tal premissa, é certo que pode ser atribuído ao nascituro o direito à
nacionalidade, como expressão da sua personalidade, direito que obstará, como se
161Nesse sentido, foi aprovado enunciado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal, realizada entre os dias 25 a 27 de outubro de 2006, com o seguinte teor: Os direitos da
personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula
geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da
pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve
aplicar a técnica de ponderação (Enunciado 274). O enunciado aprovado reúne propostas dos juristas
Mário Luiz Delgado e Maria Celina Bodin de Moraes.
162TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In:
[s.n].Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 36.
163CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Estatuto jurídico do nascituro: a evolução do direito
brasileiro. In: CAMPOS, Diogo Leite; CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (Coord.). Pessoa
Humana e Direito. Coimbra: Almedina, 2009.p. 433.
164Segundo esse princípio geral do direito, a lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe
direitos, só abrange os casos que especifica.
58
verá adiante, a extradição de sua genitora.
5.1 O nascituro e o direito à nacionalidade
No âmbito do Direito Civil, a identificação da pessoa se dá pelo nome, que a
individualiza; pelo estado, que define a sua posição na sociedade política e na
família, como indivíduo; e pelo domicílio, que é o lugar de sua atividade social165.
Nesse ponto, interessa-nos o estudo do estado da pessoa.
O estado civil da pessoa natural consiste no conjunto das diferentes posições
assumidas pelo ser humano no seio da sociedade. Isto é, é a posição jurídica da
pessoa no meio social, que a qualifica, de modo a produzir diferentes efeitos na
ordem jurídica166.
Capaz de definir o modo particular de existir de cada indivíduo, o estado da
pessoa pode ser encarado sob o aspecto individual ou físico, familiar e político167.
O estado individual ou físico diz respeito à idade (maior ou menor de 18
anos), à capacidade (capaz ou incapaz, de acordo com os arts. 3º e 4º do Código
Civil) e ao sexo (masculino e feminino). O estado familiar, por sua vez, denominado
comumente de estado civil, refere-se à situação familiar da pessoa humana, em
relação ao matrimônio (casado, solteiro, divorciado ou viúvo) e ao parentesco (mãe,
filho, irmãos, sogro, nora, cunhado). Já o estado político é aquele que qualifica a
pessoa natural a partir de sua posição frente à nação a que pertence, podendo o
indivíduo ser considerado nacional – nato ou naturalizado – ou estrangeiro168.
Como se vê, o estado da pessoa é a soma de suas qualificações, permitindo
sua apresentação na sociedade numa determinada situação jurídica, para que possa
usufruir dos benefícios e vantagens dela decorrentes, e sofrer os ônus e obrigações
que dela emanam169.
Por ser o estado da pessoa um reflexo de sua personalidade (conjunto de
características pessoais), pode-se afirmar tratar-se de verdadeiro direito da
personalidade, contando com os caracteres de indisponibilidade, indivisibilidade e
165DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro:teoria geral do direito civil. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 226.
166FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1.p. 303.
167DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 243.
168FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 303-304.
169DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 245.
59
imprescritibilidade170.
Não se pode olvidar que os direitos da personalidade são situações jurídicas
reconhecidas à pessoa tomada em si mesma e em suas necessárias projeções
sociais. São direitos que possibilitam a atuação na defesa da própria pessoa,
considerada em seus múltiplos aspectos (físico, psíquico e intelectual). Tratam-se,
sem a menor sombra de dúvida, de noção fluida, em constante e cotidiana evolução,
tendo o escopo de assegurar uma categoria jurídica fundamental para a efetivação
da dignidade humana171.
Nesse viés, tendo em vista que a nacionalidade está presente no estado
político e que todo estado da pessoa tem natureza de atributo da personalidade, não
há óbice em se afirmar ser o direito à nacionalidade um verdadeiro direito da
personalidade, personalíssimo e irrenunciável, em que pese a sua característica
mutável, já que pode ser alterado caso o indivíduo assim o desejar.
Como direito da personalidade que é, o direito à nacionalidade deve ser
protegido desde a concepção, sendo garantido não apenas aos que já nasceram,
mas também àquele que há de nascer, ou seja, ao nascituro.
Corroborando tal entendimento o art. 15 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) prevê que todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. Na
mesma linha, o art. 20 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) dispõe
que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
Com efeito, consoante estudado linhas atrás, é inegável estar o nascituro
enquadrado nas definições de “ser humano” e de “pessoa” – uma vez que a ele são
reconhecidos direitos e status pela ordem jurídica – sendo-lhe garantido, por isso, o
direito fundamental à nacionalidade.
A hipótese posta em análise pelo presente trabalho diz respeito à situação em
que uma estrangeira comete crime em seu país de origem e, antes de lá ser
processada e julgada, vem a residir no Brasil com seu cônjuge brasileiro, quando,
então, engravida deste.
Pois bem. Analisando-se eventual pedido de extradição instrutória realizado
pelo Estado de origem da estrangeira (requerente) ao Brasil (requerido), é possível
perceber que o eventual deferimento do ato extradicional ensejará a extradição
170FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
13. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 1. p. 303.
171 Ibidem, p. 139.
60
indireta de um brasileiro nato, qual seja, o nascituro, o que não é permitido pelo
ordenamento pátrio.
Lastreada no princípio do juiz natural e na proteção que o Estado deve
conferir a seus cidadãos, a regra geral vigente na sociedade internacional é a de que
o nacional não pode ser extraditado. No Brasil, é vedada a extradição de brasileiro
nato, sendo permitida apenas a do naturalizado, nas condições estabelecidas no
preceito constitucional do art. 5º, LI, da Constituição Federal de 1988, caracterizado
como verdadeira cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, IV, do mesmo diploma
legal.
De acordo com o que foi estudado no Capítulo 3, um dos critérios adotados
pelo ordenamento jurídico brasileiro para aquisição da nacionalidade primária é o jus
sanguinis, segundo o qual a nacionalidade de cada indivíduo será determinada pela
sua filiação, não importando onde tenha nascido. Assim, será nacional do Estado o
indivíduo que seja filho de um nacional desse mesmo ente estatal.
No caso hipotético em questão, o fato de o cônjuge da extraditanda e pai do
nascituro ser nacional brasileiro torna plenamente possível a caracterização desse
como brasileiro nato, à luz da Constituição Federal, independentemente de onde
ocorra seu nascimento: no Brasil ou no exterior.
De acordo com o que prevê o art. 12, inciso I, alínea “a”, da CF, considera-se
brasileiro originário todo indivíduo filho de pai brasileiro ou mãe brasileira que tenha
nascido no território brasileiro ou em espaço no qual o Brasil exerça sua soberania.
Essa é a regra geral: filho de brasileiro nascido no Brasil obrigatoriamente é
brasileiro nato.
Além disso, segundo dispõe o art. 12, I, alínea “c”, do texto constitucional,
também se considera como brasileiro originário o indivíduo nascido no estrangeiro
de pai brasileiro ou mãe brasileira. Para tanto, é necessário apenas que seja
registrado em repartição consular brasileira ao nascer, ou que venha a residir no
Brasil e opte, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.
Ressalte-se que tanto na hipótese da alínea “a” quanto da alínea “c” basta
que apenas um dos genitores seja nacional brasileiro para que seu filho também o
seja. É o que Mazzuoli chama de jus sanguinis impuro ou misto, uma vez que exige
que somente um dos pais (ou o pai ou a mãe, indistintamente) seja brasileiro,
61
podendo o outro ser estrangeiro172.
In casu, tendo em vista ser o genitor brasileiro, a nacionalidade do feto
decorre da ascendência (jus sanguinis), e não do local do nascimento (jus soli). Com
efeito, revela-se impossível que seja deferida a extradição da genitora (estrangeira)
durante a gestação sob o fundamento de que desse modo o nascituro não nasceria
no Brasil, não sendo, portanto, brasileiro nato.
Conforme já demonstrado, não importa o local de nascimento do feto (no
Brasil ou no exterior). Uma vez comprovado que seu pai é brasileiro, o nascituro
deve ser considerado brasileiro nato desde a concepção – já que a nacionalidade é
um direito da personalidade –, seja por força da alínea “a” seja em razão da alínea
“c”, do inciso I, do art. 12, da CRFB/88, sendo tal condição suficiente para impedir a
extradição de sua mãe, mesmo que estrangeira, em virtude da regra de proibição de
extradição de nacionais.
Noutras palavras, resguardado o direito à nacionalidade ao nascituro pelo
critério da filiação, garante-se que este adquira a nacionalidade originária brasileira
ao nascer, independentemente de qual seja o local do seu nascimento, impedindo,
por conseguinte, a extradição da sua genitora, por força do que prevê o art. 5º, LI, do
texto constitucional.
Importante ressaltar, ademais, que a impossibilidade de extradição da
estrangeira não se manifesta apenas durante o estado de gravidez. A concessão do
pleito extradicional mostra-se inviável mesmo depois do nascimento do feto, sob
pena de patente violação ao direito fundamental da criança à convivência familiar
com sua genitora. É o que será analisado nos tópicos subsequentes.
5.2 Da não recepção da Súmula n.º 421 do Supremo Tribunal Federal pela
Constituição Federal de 1988
Nada obstante a gravidez de brasileiro nato não esteja prevista nem na
Constituição da República nem na Lei de Migração como hipótese de proibição da
extradição, inexiste qualquer óbice na ordem jurídica à sua configuração como tal,
ainda mais quando se tem em mente que o rol de vedações não é taxativo.
O entendimento exarado pela Excelsa Corte Constitucional, por meio do
172MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 759.
62
enunciado sumular n.º 421, de que não impede a extradição a circunstância de ser o
extraditando casado com brasileiro ou ter filho brasileiro, não se aplica à hipótese
em análise, porquanto não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Inicialmente, insta consignar que a Súmula n.º 421 foi confeccionada em
junho de 1964, durante o período ditatorial brasileiro, momento em que o
estrangeiro, por ser difusor dos ideais revolucionários de liberdade, era visto
veementemente como inimigo direto do Estado Antidemocrático nacional.
No entanto, conforme demonstrado nas linhas pretéritas, tal visão restou
completamente superada pela ordem jurídica nacional e internacional. O
entendimento vigente na atualidade – consagrado, inclusive, na Lei de Migração –
consiste em equiparar o estrangeiro ao nacional, considerando-o um verdadeiro
detentor de direitos e garantias fundamentais.
A Constituição brasileira de 1988 garante, no caput do seu art. 5º, aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos por ela
estabelecidos. A referência aos “estrangeiros residentes no País” é de ser
interpretada, todavia, de acordo com a moderna sistemática internacional de
proteção dos direitos humanos, bem como com os valores constitucionais da
cidadania e da dignidade da pessoa humana, que atribuem a todas as pessoas o
caráter de seres humanos universalmente protegidos, independentemente de sua
nacionalidade e do fato de residirem ou não em determinado Estado. Dessa forma, o
entendimento do dispositivo é no sentido de admitir a quaisquer estrangeiros
(residentes ou não no Brasil) os direitos e garantias individuais mínimos
consagrados pela Constituição173.
Analisando-se atentamente o teor da supracitada súmula, percebe-se que
esta é inconstitucional, pois viola tanto o art. 5º, inciso LI (no caso do nascituro)
como os arts. 226174 e 227175 (na hipótese de filho já nascido), todos da Constituição
173MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 789.
174BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
175BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
63
Federal de 1988.
Como é cediço, o consectário lógico e natural é que o filho acompanhe a mãe
onde quer que ela se encontre, esteja ele no ventre materno ou não.
Consoante ressaltado anteriormente, a entrega da extraditanda grávida ao
Estado requerente provoca a extradição indireta do seu filho brasileiro nato
(nascituro), ofendendo frontalmente a norma constitucional insculpida no art. 5º, LI,
da CF de 88. Frise-se, nesse ponto, que é plenamente possível atribuir o status de
filho ao nascituro ainda no ventre da sua genitora, pois, segundo o art. 1.609,
parágrafo único, do CC/02, o reconhecimento da filiação pode preceder o
nascimento do feto.
Noutro quadrante, caso o filho já tenha nascido ao fim do processo de
extradição e permaneça residindo no Brasil, alcançando os efeitos da extradição
apenas a pessoa da extraditanda, ainda se mostra inconcebível o deferimento do
pedido extradicional, pois a separação da mãe e do filho ocasionará a quebra do
núcleo familiar, protegido de forma especial pelo texto constitucional.
Percebe-se da simples leitura da garantia institucional consagrada nos arts.
226 e 227 da Constituição que a família é instituição indispensável à preservação de
certos valores tidos como essenciais para a sociedade, sendo objeto de proteção
especial pela Carta Cidadã.
A permanência da instituição familiar é preservada, na verdade, por
intermédio da proteção das normas essenciais que lhe dão configuração jurídica,
sendo exemplo de tal norma o direito à convivência familiar.
A família é o primeiro agente socializador do ser humano. A falta de afeto e de
amor desta gravará para sempre o futuro da criança. Os pais são os responsáveis
pela formação e proteção dos filhos não só pela detenção do poder familiar, mas
também pelo dever de garantir-lhes os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição, tais como a vida, a saúde, a alimentação e a educação176.
O princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança preceitua que
a criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e
harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o
amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um
ambiente de afeto e segurança moral e material; e, salvo circunstâncias
176LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 11. ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p. 25.
64
excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe.
Sendo assim, é incontroverso que à criança deve ser assegurado, com
absoluta prioridade, o direito de conviver com sua família, sendo o cumprimento de
tal obrigação responsabilidade não só dos genitores, mas também do Estado e da
sociedade.
Examinando-se a legislação acerca da matéria, pode-se perceber que o
referido direito está previsto tanto no texto constitucional (art. 227, caput) como no
Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º, caput177, e art. 19178).
Assentado na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente,
segundo a qual estes devem ser tratados como sujeitos de direitos, e não mais
como meros objetos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) é um
microssistema legislativo, que possui como um dos seus subsistemas o primário de
garantias, consubstanciado justamente no referenciado art. 4º.
Diante do exposto, se já se sabe que a convivência familiar é direito
fundamental indispensável à formação do indivíduo, bem como que a criança e o
adolescente têm direito de ser criado e educado no seio da sua família (art. 19, do
ECA), não se mostra razoável a separação da criança da figura materna por força da
Súmula n.º 421 do STF.
Certamente, a eventual concessão do pedido de extradição não apenas
provocaria a quebra do núcleo familiar, como também prejudicaria o
desenvolvimento físico, social e mental do filho em questão.
Ademais, além da evidente incompatibilidade do enunciado sumular n.º 421
do STF com a CRFB/88, a análise detalhada dos seus precedentes (Ext. 228 e HC
36.744) demonstra que o posicionamento jurisprudencial em apreço foi firmado
diante de casos completamente distintos da situação hipotética estudada pelo
presente trabalho.
O processo de extradição n.º 228, com data de julgamento em 09/05/1963,
177BRASIL. Lei n.º 8.069. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília/DF: 13 jul. 1990. Artigo 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
178BRASIL. Lei n.º 8.069. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília/DF: 13 jul. 1990. Artigo 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e
educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (Redação dada pela
Lei nº 13.257, de 2016).
65
versava sobre pedido extraditório formulado pelo Governo da Itália em face de
cidadão italiano condenado à pena de 6 anos e 3 meses de reclusão e multa por
fraude em falência e emissão de cheque sem fundo, o qual alegava possuir esposa
e filho menor brasileiros179.
Já no Habeas Corpus n.º 36.744/DF (data de julgamento em 05/09/1960), o
estrangeiro Mário Gomes de Gouveia alegava que o pleito de extradição requerido
pelo Governo de Portugal em seu desfavor havia sido concedido e, como se achava
preso, requeria o deferimento do pedido de habeas corpus, fazendo prova que tinha
filho brasileiro180.
Como se vê, os precedentes que deram ensejo à súmula referem-se à
extradição de estrangeiros homens, não apresentando a peculiaridade da situação
hipotética sob exame – mulher estrangeira casada com brasileiro e grávida deste – o
que impõe o afastamento do precedente.
Outrossim, quando do julgamento dos casos acima referenciados, o STF
entendeu que, de acordo com a Constituição vigente à época, o fato de o
estrangeiro ter cônjuge e/ou filho brasileiro(s) impedia a expulsão, mas não a
extradição (art. 143, da Constituição de 1946181).
Observando-se, entretanto, a jurisprudência atual da referida Corte, verifica-
se que esta vem sinalizando uma possível mudança de entendimento, ao cogitar a
possibilidade da proibição relativa à expulsão do estrangeiro, que tenha filho
brasileiro, estender-se, por analogia, à extradição.
Em 25/10/2016, iniciado o julgamento do Processo de Extradição n.º 1.403,
decidiu o Pretório Excelso por adiar a deliberação acerca da legalidade e
procedência do pedido até o pronunciamento final do Plenário sobre o Recurso
Extraordinário n.º 608.898/SP, cuja questão guarda proximidade com o caso versado
no pleito extradicional182.
De acordo com o referido Tribunal, existe repercussão geral na matéria
179BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Extradição n.º 228/Itália. Relator: Ministro
Gonçalves de Oliveira. Julgado em 09 de maio de 1963.
180BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas Corpus n.º36.744/DF. Relator: Ministro
Cândido Motta Filho. Julgado em 05 de setembro de 1960.
181BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: 18 set. 1946. Artigo 143.
O Govêrno Federal poderá expulsar do território nacional o estrangeiro nocivo à ordem pública, salvo
se o seu cônjuge fôr brasileiro, e se tiver filho brasileiro (art. 129, nº s I e II) dependente da economia
paterna.
182BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Decisão no Processo de Extradição n.º 1.403.
Julgado em 25 de outubro de 2016.
66
veiculada no mencionado recurso extraordinário, qual seja, a possibilidade de
expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro nasceu posteriormente ao fato motivador
do ato expulsório183, sendo imprescindível que o julgamento da Extradição n.º 1.403
aguarde a decisão do Plenário a respeito de tal controvérsia, conforme será melhor
estudado a seguir.
5.3 Do Processo de Extradição n.º 1.403 e do Recurso Extraordinário em
Repercussão Geral n.º 608.898
O processo de extradição n.º 1.403184 trata de pedido de extradição instrutória
da nacional argentina Verónica Alejandra Vulcano, formulado pelo Governo da
Argentina, com base no artigo IV do Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e a
Argentina, em virtude da referida estrangeira estar sendo processada pela suposta
prática do delito de roubo, qualificado pelo uso de arma imprópria (art. 166, inciso II,
§1º, do Código Penal argentino), sob o Processo de nº 14-05-006082-09, em curso
perante a Área de Investigações Criminais do Distrito de San Fernando, sob a
responsabilidade do Juízo de Direito da 1ª Vara de Garantias em Assuntos Criminais
e Correicionais, do Departamento Judiciário de San Isidro, Província de Buenos
Aires.
O pedido de prisão preventiva para fins de extradição foi apresentado pelo
Ministro de Estado da Justiça, nos termos do art. 6º do Tratado de Extradição
firmado entre o Brasil e a Argentina, e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal
por meio do Aviso 668/MJ, tendo sido deferido em 10/06/2014, conforme decisão de
fls. 16/18 e 29/31 da PPE 717.
Tendo a defesa da extraditanda requerido que fosse revogada a prisão
preventiva para fins de extradição ou, subsidiariamente, que a medida fosse
substituída pela prisão domiciliar ou, ainda, que permanecesse a estrangeira nas
dependências da Polícia Federal, decidiu a Eminente Ministra Relatora pela
substituição da prisão preventiva em domiciliar, em 10/05/2015 (vide fls. 146/153 da
PPE 717.).
Após a formalização do pedido extradicional pelo Governo da Argentina no
183BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.º 608.898/SP. Relator Ministro Marco Aurélio.
Repercussão geral reconhecida em 11 de março de 2011.
184Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento processual. Disponível em:
. Acesso em: 24 out. 2017.
67
dia 03/06/2015, o interrogatório da extraditanda em 11/08/2015 e a apresentação de
defesa escrita, sobreveio, no dia 08/10/2015, parecer do Ministério Público Federal
pelo deferimento da extradição (fls. 05, 62, 64/79 e 108/11).
Ao tempo da defesa escrita a extraditanda contava com um filho com pouco
mais de 2 anos (Dionísio Liberato Vulcano Wagner) e estava grávida de 4 meses e
meio do seu segundo filho, com previsão do término da gestação para o mês de
dezembro de 2015. Segundo consta nos autos, o nascimento do segundo filho da
extraditanda ocorreu em 28/12/2015 (fls. 117/118).
Em 25/10/2016, iniciado o julgamento desta extradição e diante da
ponderação do Ministro Marco Aurélio no sentido de se aguardar pronunciamento do
Plenário em questão que guarda proximidade (RE n.º 608.898/SP), o julgamento foi
adiado.
Pois bem. Analisando-se o referido recurso extraordinário, percebe-se que
este foi interposto pela União em face de decisão do STJ proferida no Agravo
Regimental no Habeas Corpus n.º 115.603/DF, com alegada base na alínea a, do
inciso III, do art. 102, da CF/88, em virtude de suposta violação aos arts. 227 e 229
da CF185.
Segundo consta no acórdão do RE, em 26/08/2009, ao conceder a ordem no
Agravo Regimental no Habeas Corpus n.º 115.603/DF, o Superior Tribunal de
Justiça assentou a proibição de expulsão de estrangeiro que tenha concebido prole
brasileira posteriormente ao fato motivador do ato expulsório. A despeito do que
prevê o art. 75, § 1º, da Lei n.º 6.815/80186, afirmou a Corte ser a concepção de filho
brasileiro, após o fato ensejador da expulsão, óbice à concessão da medida, tendo
em vista os princípios da proteção do interesse da criança e da garantia do direito à
identidade, à convivência familiar e à assistência pelos pais, presentes na Carta
Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente187.
Inconformada com tal pronunciamento, a Advocacia-Geral da União aduziu
que, na coexistência da proteção dos direitos da família e da criança com a proteção
da soberania e do território nacional, a Lei n.º 6.815/80 previu a impossibilidade de
expulsão de estrangeiro somente quando a prole brasileira fosse anterior ao fato
185BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.º 608.898 RG/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio.
Brasília, DF, 7 de fevereiro de 2011.
186Ressalte-se que o Estatuto do Estrangeiro ainda estava em vigor na época do julgamento.
187BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Habeas Corpus n.º 115.603/DF. Relator: Ministro
Castro Meira. Brasília, DF, 26 de agosto de 2009.
68
motivador da expulsão, e não posterior, não podendo prosperar o entendimento do
STJ.
Ao se debruçar sobre o caso, o Supremo assentou a existência de conflito
entre os valores envolvidos – soberania nacional, com manutenção de estrangeiro
no país, de um lado, e proteção à família, ante a existência de filho brasileiro, de
outro – reconhecendo, em 11/03/2011, a repercussão geral da questão
constitucional suscitada.
Não obstante o RE n.º 608.898/SP ainda não ter sido julgado, é indubitável
que assiste razão ao Superior Tribunal de Justiça em priorizar a proteção à família
em detrimento da soberania nacional, sendo medida da mais lídima justiça a
extensão do entendimento desta Corte ao instituto da extradição, no sentido de
considerar a impossibilidade de concessão do pleito extraditório de estrangeira
grávida de brasileiro ou que já possua filho brasileiro.
A maior vulnerabilidade e fragilidade das crianças e adolescentes, como
pessoas em desenvolvimento, faz com que sejam destinatários de um tratamento
especial188. Desse modo, foi consagrado constitucionalmente o princípio que
assegura a esses seres humanos, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem como que os coloca
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (art. 227, da CF).
Toda essa gama de direitos e garantias deve ser assegurada pela família,
pela sociedade e pelo Estado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º
8.069/90) é o microssistema responsável por disciplinar a forma de implementação
desses direitos, através de normas de conteúdo material e processual (civil e penal),
bem como por abrigar toda a legislação que reconhece os menores como sujeitos de
direito189.
O ECA rege-se pelos princípios do melhor interesse, da paternidade
responsável e da proteção integral, visando a conduzir a criança ou o adolescente à
maioridade de forma responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida, para
188 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2015. p. 50.
189 Ibidem, p. 50.
69
que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais190. Conforme aduz
Paulo Lôbo, o princípio da proteção integral não é uma recomendação ética, mas
sim diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais,
com sua família, com a sociedade e com o Estado191.
Ao proibir a expulsão de estrangeiro que tenha prole brasileira, o legislador
ordinário tinha como objetivo proteger os interesses da criança não só no que se
refere à assistência material, mas também no que tange à garantia dos direitos à
identidade, à convivência familiar e à assistência pelos pais, resguardando, por
conseguinte, sua proteção em sentido integral.
Em face da garantia à convivência familiar, há toda uma tendência de buscar
o fortalecimento dos vínculos familiares e a manutenção de crianças e adolescentes
no seio da família natural192.
Sendo o habitat natural do ser humano, por força do status familiae, a cada
criança e adolescente deve ser dado o direito de crescer no seio de sua família, pois
somente assim poderá desenvolver plenamente sua personalidade193.
A família, quer de direito, quer de fato, não deixa de ser realmente o lugar
ideal para a criação e educação da criança ou adolescente, pois será justamente em
companhia de seus pais e demais membros que eles terão condições de um melhor
desenvolvimento. Os pais são os maiores responsáveis pela formação e proteção
dos filhos, tendo não só o pátrio poder sobre eles, mas também o pátrio dever de
lhes garantir os direitos fundamentais194.
Como bem diz Álvaro Villaça Azevedo, a vida familiar com segurança jurídica
é o ideal, também porque o Estado está preocupado em sua própria existência. A
família é seu forte, seu sustentáculo, sua própria vida, a menor porção da sociedade
dentro do lar. E a família, por sua vez, encontra sua força na convivência pacífica e
segura de seus membros, irmanados no amor195.
Assim, sempre que possível deve-se manter ou reintegrar a criança ou o
190 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Fundamentos
principiológicos do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso. Revista
Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, 2004. n. 26. p. 26.
191 LÔBO, Paulo. Código Civil comentado. Famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 45.
192 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2015. p. 50.
193 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº. 8.069, de
13 de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 31-32.
194 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado: Lei n.º 8.069, de
13 de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1996.
195 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Do concubinato ao casamento de fato. Cejup, 1986. p. 259.
70
adolescente à sua família biológica. Somente após acompanhamento técnico-
jurídico verificatório da inexistência de condições dos genitores é que se inicia a
colocação em lar substituto196. À família deve ser dado todo o apoio necessário,
conforme previsto no ECA.
Diante disso, embora o Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80) – vigente
na época do julgamento do HC n.º 115.603/DF – previsse, em seu art. 75, § 1º197,
que a concepção de filho brasileiro posteriormente ao fato motivador do ato de
expulsão não constituía circunstância suficiente a impedir o ato expulsório, a
jurisprudência do STJ, após o julgamento do HC n.º 31.449/DF198, de que foi relator
o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, adotou interpretação sistemática do dispositivo
em face da legislação superveniente (Constituição Federal, Estatuto da Criança e do
Adolescente e Convenções Internacionais recepcionadas pelo nosso ordenamento
jurídico), para admitir a permanência do estrangeiro também nesse caso, desde que
comprovada a dependência econômica do filho nacional.
De acordo com a referida Corte, a partir dessas inovações legislativas, a
infância e a juventude passaram a contar com proteção integral, que as insere como
prioridade absoluta, garantindo, entre outros, o direito à identidade, à convivência
familiar e comunitária e à assistência pelos pais, consoante consagrado nos arts.
227199 e 229200 da CF/88.
Na mesma linha, a Convenção sobre os Direitos da Criança, recepcionada
pelo Brasil por meio do Decreto n.º 99.710, de 21/11/90, estabelece que os Estados
Partes comprometem-se a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade,
inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem
interferência ilícitas (art. 8º, inciso I), bem como a zelar para que a criança não seja
196 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São
Paulo: Atlas, 2006.
197BRASIL. Lei n.º 6.815. Brasília/DF: 22 ago. 1981.Artigo 75. Não se procederá à expulsão: (...) § 1º.
não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro
supervenientes ao fato que o motivar.
198BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção. Habeas Corpus n.º 31.449/DF. Relator para
acórdão: MinistroTeori Albino Zavascki. Brasília, DF, 12 de maio de 2004.
199BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
200BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988.
Artigo 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
71
separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão
judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os
procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da
criança (art. 9º, inciso I).
Com efeito, se a redação do art. 75, II, b, da Lei nº 6.815/80 já trazia em seu
bojo a finalidade de, ampliando as hipóteses de permanência dos pais estrangeiros,
evitar prejuízos à criança, seu comando ganha novo vigor com a nova legislação,
devendo ser interpretado de forma sistemática. A interpretação literal e estrita, que
enfatiza mecanicamente a dependência econômica e a concepção do filho antes do
ato ensejador da expulsão, não se compatibiliza com os princípios decorrentes do
novo quadro normativo.
Tanto é verdade que é vedada a expulsão de estrangeiro cujo filho foi
concebido após o cometimento do crime que ensejou o processo expulsório que o
art. 55 da Lei de Migração afastou a referida distinção, proibindo genericamente a
expulsão de estrangeiro que tenha filho brasileiro sob sua guarda ou dependência
econômica ou socioafetiva, tenha ele sido concebido antes ou depois do ato que
motivou a expulsão.
No que tange, especificamente, à extradição (objeto do presente trabalho),
muito embora o legislador não tenha reproduzido o teor do citado art. 55 na Seção I
do Capítulo VIII da Lei de Migração, é certo que as regras constitucionais e legais de
proteção ao núcleo familiar também devem ser observadas nesse instituto, a fim de
melhor tutelar os interesses da criança.
Desta feita, caso, ao final do julgamento do RE n.º 608.898/SP, o STF
entenda pela prevalência do direito da criança à convivência familiar em detrimento
da ideia de soberania nacional, impedindo a expulsão do estrangeiro cujo filho
nasceu depois do fato motivador do ato expulsório, far-se-á necessária a aplicação,
por analogia, do entendimento em questão também ao processo de extradição n.º
1.403, com o indeferimento do pleito extraditório formulado pela Argentina em face
de sua nacional, mãe de dois filhos brasileiros natos.
Nesse caso, tendo em vista que a nacionalidade originária brasileira das
crianças impediria a extradição indireta destas, bem como que a extradição apenas
da estrangeira Verónica Alejandra Vulcano violaria o núcleo essencial do direito
fundamental à convivência familiar dos seus filhos (que deve ser assegurado com
prioridade absoluta), a solução jurídica mais prudente a ser adotada para efetivação
72
do princípio da justiça universal – razão maior de ser da extradição – consistiria no
julgamento da extraditanda pela Justiça Brasileira.
Ressalte-se que, em situações análogas, já decidiu o Supremo Tribunal
Federal que se a extradição não puder ser concedida, por inadmissível, em face de
a pessoa reclamada ostentar a condição de brasileira nata, legitimar-se-á a
possibilidade de o Estado brasileiro, mediante aplicação extraterritorial de sua
própria lei penal (art. 7º, II, b, e respectivo §2º, do CP), fazer instaurar, perante o
órgão judiciário nacional competente (art. 88, do CPP), a concernente persecutio
criminis, em ordem a impedir, por razões de caráter ético-jurídico, que práticas
delituosas fiquem impunes201.
Assim, em que pese não ser possível a extradição da estrangeira mãe de
brasileiro nato – nascido ou que há de nascer – mostra-se possível, mediante a
aplicação extraterritorial da lei penal, que o Estado brasileiro instaure processo penal
contra a agente pelos fatos que motivaram o pedido de extradição, conforme
autorizam os Códigos Penal e de Processo Penal.
201BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 83.113/DF.Relator: Ministro Celso de
Mello. Julgado em 29 de agosto de 2003. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. Extradição
n.º 1.349/Uruguai. Relator: Ministra Rosa Weber.Julgado em 10 de fevereiro de 2015.
73
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fundada no princípio da justiça universal e na assistência jurídica mútua entre
os entes estatais, a extradição é medida de cooperação jurídica internacional em
matéria penal por meio da qual um Estado solicita a outro a entrega de um indivíduo
acusado ou condenado pela prática de determinado crime, visando a impedir que
esse fique impune pelo simples fato de se refugiar no território de outro ente estatal.
Elaborado o pedido extraditório pelo Estado solicitante, fica o Estado
solicitado livre para concedê-lo ou não. No entanto, é obrigatório que esse ente
estatal examine o referido pleito à luz dos dispositivos previstos em sua legislação
interna, bem como nos tratados internacionais, a fim de que o defira apenas quando
atender aos requisitos pertinentes.
No Brasil, a extradição é matéria regulada tanto na Constituição Federal de
1988 como na Lei de Migração (Lei n.º 13.445/2017). Ao revogar o arcaico Estatuto
do Estrangeiro (Lei n.º 6.015/80), referida legislação infraconstitucional aboliu a ideia
de que o estrangeiro seria uma ameaça à segurança nacional para consagrá-lo
como um verdadeiro detentor de direitos e garantias fundamentais.
O disciplinamento constitucional acerca do instituto em questão está
insculpido, inicialmente, nos incisos LI e LII do art. 5º, e, em seguida, no art. 102,
inciso I, alínea “g”. De acordo com os dispositivos contidos no rol dos direitos e
deveres individuais e coletivos, é vedado ao Brasil conceder a extradição dos
nacionais brasileiros, sobretudo dos detentores de nacionalidade originária (inciso
LI), bem como dos estrangeiros que tenham cometido delito com natureza de crime
político ou de opinião (inciso LII do art. 5º). No que tange, por sua vez, à regra
prevista na alínea “g”, do inciso II, do art. 102, infere-se que vigora no Estado
brasileiro o sistema de contenciosidade limitada, segundo o qual só é permitido ao
Supremo Tribunal Federal a análise da legalidade e procedência do pleito
extraditório, sendo proibido qualquer juízo de valor acerca do mérito do processo
penal em andamento no Estado requerente.
Enquanto a Carta Magna dispõe de um escasso regramento acerca da
extradição, a Lei de Migração prevê entre os arts. 81 a 99 (“Seção I” do “Capítulo
VIII”) diversas regras para regular a efetivação dessa medida de cooperação jurídica
internacional. Desta feita, são disciplinados em seus dispositivos os requisitos para
concessão da medida, as hipóteses de vedação, as regras que regem a prisão
74
cautelar, o procedimento do processo extradicional e as medidas necessárias para a
entrega do extraditando ao ente estatal solicitante, no caso de deferimento da
extradição.
Atentando-se, especificamente, para o preceito constitucional que versa sobre
a proibição de extradição de nacionais, tem-se que a nacionalidade é o vínculo
jurídico-político que se estabelece entre o indivíduo e determinado Estado, tornando-
o componente da dimensão pessoal desse ente estatal, situação a partir da qual
decorrem direitos e deveres para ambas as partes. Matéria exclusivamente de
jurisdição doméstica dos Estados, compete a cada Estado soberano o poder de
discipliná-la da forma que melhor lhe interessar.
No Brasil, a Constituição de 1988 enquadrou o direito à nacionalidade como
cláusula pétrea, porquanto integrante do rol de direitos fundamentais individuais. No
âmbito internacional, a matéria foi alçada à categoria de direito fundamental da
pessoa humana, tendo sido tratada por convenções internacionais globais e
declarações e tratados internacionais de direitos humanos.
Observando-se o que dispõe a CF/88, percebe-se que o direito brasileiro
abrange, em seu art. 12, ambas as formas de aquisição da nacionalidade, quais
sejam: a originária (atribuída em decorrência do nascimento) e a derivada (adquirida
por fato posterior ao nascimento). Para melhor compreensão da regra insculpida no
inciso LI do art. 5º, o presente trabalho fez uma análise acerca dos incisos I e II do
art. 12, buscando compreender quais indivíduos poderiam se enquadrar como
brasileiros natos e quais se configurariam como naturalizados.
Noutro quadrante, a fim de entender como se manifesta o direito à
nacionalidade para aquele que já foi concebido, mas ainda não nasceu, fez-se um
estudo do tratamento jurídico dado ao nascituro pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Embora a legislação afirme que a personalidade civil só tem início a partir do
nascimento com vida, ela própria reconhece direitos ao nascituro desde a
concepção, criando uma incongruência a respeito do início da personalidade civil e
da condição jurídica daquele que foi concebido, mas ainda não nasceu.
A teoria concepcionista prevê que a proteção à personalidade já existe desde
a concepção do feto. A personalidade começa, portanto, na concepção, e não do
nascimento com vida, pois muitos dos direitos e status do nascituro não dependem
da ocorrência dessa condição. Assim, tendo em vista que a personalidade jurídica é
atribuída a todos aqueles que possuem direitos e obrigações, titularizando relações
75
jurídicas – como ocorre com o nascituro –, não há como se negar o reconhecimento
da personalidade civil desde a concepção.
Ao nascituro é garantida uma verdadeira proteção jurídica fundamental, que
abarca tanto os direitos da personalidade quanto os direitos patrimoniais, nada
obstante o exercício destes últimos esteja condicionado ao nascimento com vida.
Em virtude da cláusula geral de tutela da pessoa humana adotada pela ordem
jurídica brasileira, os direitos da personalidade atribuídos àquele não estão restritos
ao rol previsto no Código Civil, abrangendo também os direitos fundamentais
assegurados na Constituição Federal de 1988.
Haja vista ser o direito à nacionalidade um direito fundamental constitucional,
bem como um componente integrante do estado político da pessoa (atributo da
personalidade), depreende-se ser o nascituro um verdadeiro detentor do direito de
personalidade consistente no direito à pátria, o qual deve ser reconhecido e
resguardado desde a sua concepção.
Consoante demonstrado, a hipótese posta em análise pelo presente trabalho
diz respeito à situação em que uma estrangeira comete crime em seu país de
origem e, antes de lá ser processada e julgada, vem a residir no Brasil com seu
cônjuge brasileiro, quando, então, engravida deste. Diante de todas as
considerações tecidas pelo presente ensaio, conclui-se ser incabível o deferimento
do eventual pedido extraditório formulado pelo Estado de origem em face da
estrangeira, tanto durante o estado de gravidez quanto depois do nascimento do seu
filho (considerado brasileiro nato).
O primeiro argumento jurídico capaz de embasar a referida tese consiste
justamente no fato de que o deferimento da extradição da estrangeira grávida
ensejará a extradição indireta de um brasileiro nato por força do critério do jus
sanguinis, qual seja, o filho que carrega em seu ventre, o que é expressamente
vedado pelo art. 5º, inciso LI, do texto constitucional.
O segundo concerne à inexistência de óbice à configuração da gravidez como
hipótese de vedação da extradição, uma vez que a súmula n.º 421 do STF não foi
recepcionada pela CF/88, por flagrante violação ao supracitado art. 5º, LI e aos arts.
226 e 227, que consubstanciam o direito da criança à convivência familiar.
O terceiro e último argumento reside, por fim, na análise do entendimento
jurisprudencial do STF e do STJ. Segundo sublinhado no desenvolvimento da
presente monografia, o STF adiou o julgamento do pedido de extradição de nacional
76
argentina grávida e mãe de um filho até que fosse decidida a possibilidade ou não
de expulsão de estrangeiro(a) cujo filho nasceu depois do ato expulsório
(repercussão geral em recurso extraordinário).
A impossibilidade de que seja concedida a expulsão nesses termos foi
assentada pelo STJ, o qual entendeu, a partir de uma interpretação sistemática, que
o direito da criança à assistência material, à identidade e à convivência familiar deve
se sobrepor à soberania nacional.
Com efeito, tendo em vista que o melhor interesse da criança deve ser
resguardado tanto na expulsão quanto na extradição, é imperiosa a aplicação do
entendimento do STJ também para o caso da referida nacional argentina, com o
consequente indeferimento do pedido de extradição. Diante de tal circunstância,
deve o Brasil se comprometer a processar e julgar a extraditanda segundo sua lei
penal, garantindo a efetivação do princípio da justiça universal, razão maior de ser
do instituto em questão.
77
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