UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS MARIA LUÍZA MOREIRA DA SILVA O PITORESCO NAS AQUARELAS DE JEAN BAPTISTE DEBRET NATAL/RN JUN/2018 1 MARIA LUÍZA MOREIRA DA SILVA O PITORESCO NAS AQUARELAS DE JEAN BAPTISTE DEBRET Trabalho de Conclusão de Curso apresenta ao curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do grau de licenciada em Artes Visuais. Orientador: Prof. Dr. Diego Souza de Paiva NATAL/RN JUN/2018 2 MARIA LUÍZA MOREIRA DA SILVA Trabalho de Conclusão de Curso apresenta ao curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do grau de licenciada em Artes Visuais. Aprovada em: ___/___/___ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Diego Souza de Paiva Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria da Conceição Guilherme Coelho Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques de Carvalho Universidade Federal do Rio Grande do Norte NATAL/RN JUN/2018 3 Dedico este trabalho à minha primeira professora Josefa Mira e ao meu estimado avô Chico Moreira, pela atenção que tiveram comigo em relação aos estudos, sempre me incentivando da melhor maneira possível, cada qual do seu jeito. Ela me ensinou a ler, e ele fazia o dever de casa comigo. Ambos transbordavam carinho, amor e paciência: marcas que ficarão em mim para sempre. 4 AGRADECIMENTOS À minha querida e amada mãe Dona Dadá, que me apoiou do início ao fim nessa jornada acadêmica. Agradeço e dedico a ela todas as minhas conquistas. Aos meus queridos sobrinhos Ísis, Aurora Morena e Phillipp. Aos meus irmãos Claudia, Cacau Arcoverde e Lula Moreira. À minha estimada e querida amiga SaskiaVogel, por fazer parte da minha vida desde os dezoito anos de idade e pelas voltas no velho continente, o qual me proporcionou mais conhecimento, inspiração e apreço no universo da história e das artes. À minha tia Lourdes. À minha melhor amiga, Maria Elizabete de Medeiros, por todo apoio e incentivo que tem me dado sempre, meus sinceros agradecimentos. A Ícaro Silva, amigo de todas as horas. Às minhas amigas pelos momentos de alegria e descontração tão necessárias nesse momento, Marina Dantas, Nilza Rebouças, Camila Lopes, Najla Abreu, Ayanna Amaral, Suelem Bissoli, Soraya Araújo, Camila Lopes, Maíra Moura. À Marilene Vicentin Consul (Dega), por toda assistência e carinho que tem me dado nesse percurso. À Ariana, Alessa e Adilma Amaral, por todo apoio e assistência que tem me dado no momento em que fui fazer a pesquisa no Instituto Ricardo Brennand. À minha querida vizinha Claudia Lúcia Corrá, pelos momentos de boa prosa nas madrugadas em que o sono faltava e a seus pets pelo carinho. A Denis Oliveira, pelo carinho e pelo mimo. À Daniele Galindo Wanderley, pelas risadas e momentos de descontração, como as viagens repentinas à nossa cidade Arcoverde-PE, sempre cheias de mistérios e magias Ao meu Orientador Diego, pela sua dedicação, por acreditar no meu projeto e contribuir com tanta dedicação e comprometimento. À Aninha Ferreira, da Biblioteca Municipal da cidade de Coronel Ezequiel-RN. Ao Instituto Ricardo Brennand, pela riqueza do seu acervo presente na Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello e a tão estimada coordenadora da Biblioteca Aruza de Holanda Cavalcanti que me recebeu com muita atenção e compromisso. Da mesma 5 forma, agradeço às bibliotecárias Juliana Maria de Oliveira Santiago e Norma Ciríaco de Arruda Silva, pela assistência e prestatividade tão precisa naquele momento. Ao Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya, por ter contribuído com a parte iconográfica da minha pesquisa, enviando-me as imagens das aquarelas originais do Debret digitalizadas. Agradeço à sua Diretora Vera Maria Abreu de Alencar pela atenção, a Viviam Horta, chefe de Divisão de processos museológicos bem como toda a equipe do departamento de acevo. Admirável a atenção e assistência com a qual me responderam. À professora Doutora e escritora Valéria Lima. Meus agradecimentos por ter me atendido e pelas contribuições que deu para minha pesquisa. A Thiago Costa, também estudioso da área sobre Debret e autor do livro O Brasil pitoresco de Jean-Baptiste Debret (2015). A Hilanete Porpino, pela parte da organização do trabalho. Meus sinceros agradecimentos. A minha queridíssima amiga Sandrine Landais, pelas conexões e traduções. Ao meu professor Vicente Vitoriano, pela inspiração do tema que surgiu através de uma disciplina ministrada por ele: História da Arte no Brasil. E a minha Pet (gatinha) Chica da Silva, por ter estado junto de mim todos os momentos em que eu ia escrever a pesquisa, debruçada no teclado do PC ou sobre os livros, me fazendo companhia e me passando afetividade e calma nesse momento. 6 "Toda expressão de objetos, por mais exatos que eles pareçam, mesmo fotografias, resulta de valores, métodos e pontos de vista que de alguma forma modelam a imagem e frequentemente determinam seu conteúdo" (Meyer Shapiro) 7 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso discute a categoria do pitoresco nas aquarelas do artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que serviram de base para as litografias do livro Voyage pittoresque et histtorique au Brésil (1834-1835- 1839). Inscrita no campo da História da Arte em termos de abordagem, a pesquisa se organiza da seguinte forma: num primeiro momento, discute a trajetória da categoria do pitoresco, com ênfase na sua utilização na literatura de viagens do século XIX; em seguida, analisa as condições de produção da obra para a qual as aquarelas serviram de base; para, ao final, discutir as relações possíveis entre a categoria do pitoresco e as aquarelas de Debret. A proposta pretende contribuir para o universo de pesquisas sobre a obra do artista francês, na medida em que desloca a atenção do que seria o caráter “documental” das aquarelas para pensá-las no campo das Artes Visuais, como expressões de uma linguagem específica. Palavras-chave: Pitoresco. Aquarelas. Jean-Batiste Debret. História da Arte. Artistas Viajantes. Arte no Brasil século XIX. 8 RÉSUMÉ La conclusion de ce travail parle de la tendance du pittoresque dans les aquareles de l’artiste français Jean-Baptiste Debret (1768-1848), qui servira de base aux lithographies figurants dans le livre "Voyage pittoresque et historique au Brésil" (1834- 1835-1839). Inscrit dans le domaine de l'Histoire de l'Art en terme d'approche, la recherche est organisée de la manière suivante:Tout d'abord, nous aborderons la catégorie du pittoresque en mettant l'accent sur son utilisation dans la littérature du voyage du XIXe siècle. Ensuite, nous analyserons les conditions de production de l'œuvre pour laquelle les aquarelles servaient de base; Enfin, nous montrerons les relations possibles entre la catégorie pittoresque et les aquarelles de Debret. Le propos est de contribuer à la recherche sur le travail de l'artiste français, dans le sens où celui-ci transpose l'aspect "documentaire" de ses aquarelles dans le domaine des arts visuels, vu comme l'expression d'une langue spécifique. Mots-clés: Pittoresque. Aquarelles. Jean-Baptiste Debret. Histoire de l'Art. Artistes itinérants. Art du XIXe au Brésil. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: J.D. DEBRET Cestier (Vendedor de Cestos) Aquarela 16x22 cm MEA 0214 Fotógrafo: Horst Merkel. Fonte: Acervo do Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya......................................................................................................... 21 Figura 2: J. B. DEBRET Feitores corrigeant des nègres à la roce - 1828. Aquarela 15x19,8 cm MEA 0148. Fotógrafo: Horst Merkel. Fonte: Acervo do Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya....................................................... 25 Figura 3: Esboço do Debret. Caderno de viagem (2006). Foto: Maria Luíza Moreira a partir do livro de Julio Bandeira. Fonte: Instituto Ricardo Brennand, Recife. Abril de 2018......................................................................................... .. . 34 Figura 4: Esboço do Debret. Caderno de viagem (2006). Foto: Maria Luíza Moreira a partir do livro de Julio Bandeira. Fonte: Instituto Ricardo Brennand, Recife. Abril de 2018......................................................................................... .. . 34 Figura 5: Esboço do Debret. Caderno de viagem (2006). Foto: Maria Luíza Moreira a partir do livro de Julio Bandeira. Fonte: Instituto Ricardo Brennand, Recife. Abril de 2018......................................................................................... .. . 35 Figura 6: J.B. DEBRET Espèce de chântiment que s’execute les diverses grandes places de villes (Castigo de escravo que se executa nas praças públicas) – 1826. Aquarela 16,3x22 cm MEA 0238 Fotógrafo: Horst Merkel – Fonte: Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Março de 2018.................................................................................................................... 40 Figura 7: J.B. DEBRET Marchande de feuilles de banaeiras (sic) (Negra vendendo folha de bananeira) - 1823, Aquarela 17,2x20,2 cm MEA 0148 Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Março de 2018..................................................................................................... 42 Figura 8: J. B. DEBRET Machine à Exprimer le jus de Canne à sucre (Engenho manual que faz caldo de cana) - 1822. Aquarela 17,6x24,5 cm MEA 0211. Fotográfo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro................................................................................................................. 44 Figura 9: J. B. DEBRET Negros ao troco – 1826. Aquarela 14,9x22,6 cm MEA0257 Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Março de 2018................................................................. ..................... 48 Figura 10: J. B. DEBRET Les Barbiers Ambulants (Barbeiros ambulantes) - 1826. – Aquarela 18,7x23 cm MEA 0132. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Março de 2018........................................ 49 Figura 11: J. B. DEBRET Dia Dentrudo (Carnaval) – 1826.Aquarela. 18x23 cm MEA 018. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya Rio de Janeiro. Março de 2018....................................................................................... 50 Figura 12: J. B. DEBRET Retour em ville d’um proprietaire de chácara (Volta à cidade de um proprietário de chácara) – 1822. Aquarela 16,2x24,5 cm MEA 0251 Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Março de 2018..................................................................................................... 51 Figura 13: J. B. DEBRET Loge (sic) da Rua do Valongo 1820-1830 C. Aquarela 17,5x26,2 cm MEA 0231.Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Março de 2018................................................................. 52 Figura 14: Contra capa do primeiro volume do livro de Debret (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 Fonte: Acervo da Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE....................... .. . 66 10 Figura 15: Primeira capa interna do livro (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Acervo da Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE................................................................ 67 Figura 16: Segunda capa interna do livro (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Acervo da Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE........................................................... 68 Figura 17: Brasão presente nas três capas da primeira edição da obra de Debret (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Acervo da Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife- PE........................................................................................................................ 69 Figura 18: Chefe Camacan Mongoyo Prancha Nº 1. Vol. I (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE.............................................. .. . 70 Figura 19: Fille sauvage Camacam (Filha de Camacam) Prancha Nº 2 Vol. I (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 Fonte: Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE....................... .. . 71 Figura 20: Primeira capa interna do livro (1835). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE.............................................................................. 74 Figura 21: Segunda capa interna do livro (1835). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE.............................................................................. 75 Figura 22: Primeira capa interna do livro (1839). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE.............................................................................. 80 Figura 23: Segunda capa interna do livro (1839). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018. Fonte: Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand. Recife-PE.............................................................................. 81 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................. 13 1 O PITORESCO: TRAJETÓRIA DE UM ESTILO ARTÍSTICO...................... 17 1.1 O pitoresco no século XIX: características e finalidades........................... 22 2 O PITORESCO E AS AQUARELAS DE DEBRET....................................... 31 3 ANÁLISE E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO LIVRO VIAGEM PITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL........................................................ 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 87 REFERÊNCIAS................................................................................................ 89 ANEXOS........................................................................................................... 94 12 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa discutir como o pitoresco se expressa nas aquarelas do artista francês Jean-Baptiste Debret. Inicia-se abordando as características desse estilo desde os seus primórdios até chegar ao século XIX, período que o trabalho foca por se tratar do momento em que o artista viveu no Brasil. É discutida também, nesse primeiro momento, a relação do estilo pitoresco com a aquarela e quais os critérios que levavam um artista a usar tal material dentro desse estilo artístico. No segundo momento, o trabalho se inicia abordando a vida e carreira de Debret; os motivos de sua vinda; como ele chega ao Brasil, frisando a Missão Artística Francesa e mencionando quando e como ela foi elaborada, identificando, ainda, os seus componentes. A pesquisa se insere no campo da História da Arte e, nesse sentido, se propõe a analisar o gênero pitoresco nas aquarelas de Debret, orientando-se por duas vias de investigação: pela análise das imagens na relação com o gênero do pitoresco e pelas condições de produção da obra de Debret, ou seja, o contexto no qual o artista decide produzir sua obra, que razões o levaram a tal trabalho, como sua obra está organizada, quando e onde foi publicada. A importância do presente trabalho, portanto, está relacionada ao estudo de uma categoria artística na obra de um pintor que chegou ao Brasil no início do século XIX e que muito contribuiu para a história da arte no Brasil, por ter realizado a primeira exposição de arte no país; por ter colaborado com a construção da primeira escola de artes do país e ter trabalhado no sentido de retratar e divulgar o cotidiano de uma cidade brasileira. O foco da pesquisa é, portanto, discutir a relação do estilo pitoresco com as aquarelas do artista, que se identifica através das seguintes vias: do estilo; do tema; e da técnica. A partir dessas considerações, visa-se responder às seguintes perguntas: quais os critérios que nos permitem inserir a obra de Debret dentro desse estilo artístico? Por que a temática se enquadra dentro do contexto visto como pitoresco? Por qual motivo os artistas que aderiam a esse estilo faziam uso das técnicas da aquarela? A relevância desta pesquisa é contribuir diretamente com as áreas ligadas à história e à arte por tratar da obra de um artista que chegou aqui em um momento no qual o Brasil ainda estava em formação e por questões que envolvem mudanças 13 ocorridas nesses campos ocorridas por interferências políticas. O interesse por esta temática surgiu ainda nos tempos de estudante dos ensinos fundamental e médio. Sempre tive interesse por assuntos que envolvessem tanto história quanto arte. De forma mais específica, me chamava atenção, em particular, os conteúdos que envolvessem os negros escravos, e nesses estavam presentes as aquarelas de Jean Baptiste Debret, que integraram a segunda parte do primeiro volume do seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, obra publicada entre 1834 e 1839, em Paris, pela Casa Firmin Didot. Em 2013, entrei no curso de Licenciatura em Artes Visuais para responder a algumas expectativas pessoais e ali tive mais uma vez contato com a pintura em algumas disciplinas, como: Pintura I, Teoria da Cor e Pintura, Expressão Visual e, por fim, História da Arte no Brasil, na qual decidi aprender mais sobre este tema, que escolhi por envolver de uma só vez assuntos que sempre apreciei. Foi precisamente essa última disciplina que instigou a minha curiosidade e interesse sobre a vinda de artistas ao Brasil, oficializando o Ensino da arte neste país. Entre esses, destacava- se Debret, cujas aquarelas abordando o tema do negro escravo estavam nos livros didáticos. Escolhi este tema porque, ao pesquisar sobre Debret, percebi que o uso do termo “pitoresco” está relacionado diretamente à viagem que o artista fez ao Brasil e ao seu livro. Contudo, o que observei foi que não se discute o termo “pitoresco” como uma categoria ou estilo ao qual o artista adere ao chegar ao Brasil, que também se faz presente em suas aquarelas nas quais a figura do negro é representada. A pesquisa bibliográfica baseou-se em publicações científicas das áreas da história e da arte. Foram abordados autores como Valéria Lima (2004; 2007), que tem seu interesse de pesquisa concentrado na história cultural artística brasileira do século XIX, contribuindo com o trabalho sobre questões que dizem respeito à vida e carreira do artista, bem como abordagens sobre a técnica da aquarela; Lilia Schwarcz (2014), que, por sua vez, associa claramente as aquarelas de Debret ao estilo pitoresco por compreender o que o pintor pretendia nos dizer em entrelinhas, que era realmente a intenção de conferir mais dignidade tanto para os escravos quanto para o sistema que os enquadrava. A autora salienta também que a sociedade local se assemelhava a um belo “modelo pitoresco”, daqueles que os viajantes vinham procurar. Portanto , Schwarcz contribui diretamente com a discussão sobre o pitoresco em suas 14 aquarelas. Julio Bandeira do Lago e Pedro Corrêa (2017; 2008) apresentam uma grande contribuição por tratar da obra completa do artista, ressaltando, a vida e obra de Debret, estando presente em quase todos os três capítulos desse trabalho; Thiago Costa e Pablo Diener abordam as características do pitoresco desde os seus primórdios ao seu ressurgimento no século XIX, discutindo as viagens pitorescas como categoria estética e associando-a à prática dos viajantes, apontando os principais teóricos desse estilo artístico. Com relação à primeira edição da obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, esta foi consultada na Biblioteca do Instituto Ricardo Brennand, na cidade do Recife, Pernambuco, o que me permitiu analisar os três volumes do Viagem pitoresca, como também outras referências bibliográficas sobre Debret encontradas no acervo da Biblioteca, o que de fato muito contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa. Já com relação às imagens que venho aqui analisar e que compõem a parte iconográfica deste trabalho, estas foram cedidas pelo Museu Raymundo Ottoni Castro Maya. Trata-se das aquarelas originais de Debret digitalizadas pelo fotógrafo Horst Merkel. Nesse contexto, o trabalho visa apresentar os seguintes pontos: as principais características do estilo pitoresco tomado em sua trajetória; o percurso do artista (formação, inserção no projeto da Missão Francesa etc.); as relações entre o estilo pitoresco e as aquarelas, e por fim, as condições de produção da obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. O trabalho se estrutura em três capítulos. No primeiro, são apresentadas a origem e definições do estilo pitoresco, discutindo suas características desde os seus primórdios, até chegar ao século XIX, período no qual o trabalho foca, por ser a época em que Debret viveu no Brasil. No segundo, se discute como o pitoresco se expressa nas aquarelas de Debret, através de quais temáticas, quais técnicas, em que resultou o seu trabalho, dentro de que estilo artístico se enquadram suas aquarelas produzidas no Brasil. No terceiro e último capítulo aborda-se a vida e a carreira de Debret; os motivos de sua vinda; como ele chega ao Brasil, frisando a Missão Francesa, mencionando como ela foi elaborada e composta, os objetivos dos seus componentes e os empecilhos que o artista encontrou no Rio de Janeiro; aborda-se também a técnica da litografia, uma técnica de impressão que teve início no século XIX e que o artista 1 5 fez uso para poder ilustrar seu livro, publicado em três volumes. Finalizo esse capítulo com a análise do livro, apontando suas principais características, como intenções do artista, estrutura do livro, ano e lugar de publicação, ou seja, em que circunstâncias a obra é publicada, como foi dividida; abordoainda o gênero do pitoresco e discuto suas relações com as aquarelas. Ressalta-se, também, uma breve história da aquarela, apontando suas características, como Debret compunha suas obras, que era através dos esboços presentes em seu caderno de viagem. Mostra-se a questão da política, que de certa forma interferia não apenas na vida social, mas também nas artes, destacando que a técnica da aquarela é relacionada ao pitoresco quando ocorre um intenso gosto a este estilo proporcionado através das viagens que levam o artista, por sua vez, a pintar muitas aquarelas para si mesmo e para uma vasta clientela internacional. O trabalho frisa uma ruptura na tradição que ocorreu no âmbito da arte no século XIX, mostrando, de acordo com Gombrich (1999), que a primeira mudança nas tradições na pintura se referia à atitude do artista com relação ao estilo, indicando os supostos lugares em que houve essa ruptura no campo da arte, como América, França e Inglaterra, lugares esses associados ao estilo pitoresco. 16 CAPÍTULO 1: O PITORESCO - TRAJETÓRIA DE UM ESTILO ARTÍSTICO No presente capítulo, abordarei a trajetória da categoria do pitoresco, desde seus primórdios nos séculos XVI e XVII na Itália, passando pela sua retomada e modificação nas teorias inglesas do século XVIII relacionadas às paisagens e jardins, até chegar ao seu uso entre as produções dos artistas viajantes do século XIX, para, por fim, situar a produção de Jean-Baptiste Debret nesse contexto mais amplo, vinculando o desenvolvimento desse estilo também à técnica da aquarela e já apontando dois exemplos de relações entre as aquarelas do pintor francês e o pitoresco. Gombrich (1980) aponta que a preocupação com a paisagem concebida enquanto motivo artístico remonta à Itália do século XVI. Nessa época, a elaboração pictórica da natureza servia como ambientação de fundo na qual se conformava o tema central da representação. Para Costa (2015), a origem do estilo pitoresco deve ser buscada na Itália do século XVII, referindo-se às condições plásticas de uma pintura. Dessa forma, o termo “pitoresco” fazia parte da cultura artística italiana, já utilizado por Salvador Rosa1 e Marco Boschini2. De acordo com Argan (2010), a cultura artística inglesa teria herdado da italiana o termo de “pitoresco”, que, de uma forma geral, era algo inerente à atividade técnica e profissional dos pintores: na Itália do século XVII era usado para indicar a maneira de pintar ala brava3, como era próprio do pintor dono de sua técnica. A trajetória do termo, portanto, inicia-se no século XVII, momento em que os italianos lhe atribuem um de seus mais corriqueiros significados: “o que é próprio da pintura ou dos pintores”, “o que se presta à representação pictórica” (LIMA, 2007, p. 223). Ainda com relação aos seus primórdios, Costa (2015) ressalta uma obra pertencente a Willian Gilpin (1724-1804), um reverendo anglicano, como sendo um dos mais relevantes escritos sobre a estética do pitoresco, intitulado Três ensaios sobre a beleza pitoresca. Costa menciona que os textos de Gilpin foram publicados em 1794, mesmo ano em que outros dois importantes tratados teóricos: Ensaio sobre o pitoresco, de Uvedale Price (1747-1829), e o poema A paisagem, de Richard Payne Knight (1750-1829), trabalhos que teriam fornecido as bases sobre as quais o 1 Foi um pintor, poeta, ator e músico italiano do período Barroco. 2 Pintor e gravador italiano do período inicial do Barroco em Veneza. 3 Desembaraçadamente, de impulso (ARGAN, 2010, p. 113). 17 pitoresco pôde tornar-se um corpo autônomo de ideias, com regras de composição e valores formais próprios, contribuindo, desse modo, para o alargamento dos seus sentidos, de maneira a abranger igualmente práticas e atitudes. Ainda de acordo com Costa, numa avaliação geral: as publicações destes três escritores ajudaram a romper com as convenções estabelecidas até então e com as esquemáticas ideias sobre o estilo inglês na jardinaria[...]; ademais, eles propuseram a entrada da natureza ‘selvagem’ nos parques para dotá-los com um toque misterioso, de acordo com a nova sensibilidade do romantismo (COSTA, 2015, p. 85). Conforme Costa (2015), o pitoresco, relativizou a concepção clássica de beleza e, desse modo, ampliou o repertório conceitual e temático da arte. De acordo com o historiador da arte Pablo Diener, no espaço inglês, e além dele mais ainda, essa linguagem do registro visual permitiu que os mais diversos motivos fossem incorporados ao repertório artístico, seja tratando-se de monumentos em ruínas ou não, seja de cenas de costumes e tipos populares. O conceito estético do pitoresco lhes proporcionou a chave para ascender à categoria artística (DIENER, 2008, p. 64). Dessa forma, podemos apontar como características do pitoresco a percepção e registro da realidade em todos os âmbitos, posto que agora não há limitações no que diz respeito às temáticas, pois tudo que compõe a natureza pode tornar-se motivo para ser incorporado na pintura. Segundo Costa (2015), em 1806 a inscrição do termo no Dictionnaire dês Beux- arts, de autoria de Aubin Louis Millin, apresentava “o pitoresco como todo objeto em geral que produza ou possa produzir, por uma singularidade interessante, um belo efeito em uma pintura”. Argan (2010) enfatiza que o pitoresco se aplica em especial, mas não exclusivamente, à paisagem e indica que desde o início, de fato, admite-se a existência de um “pitoresco social” que encontra sua expressão nas cenas de costume e, na maioria das vezes, nas figurações de ciganos, camponeses etc. 18 Em Debret, como veremos, as cenas de costume são inspiradas especialmente na figura do negro, que se mostra presente no contexto social, fornecendo, para o artista, elementos para compor seu estilo pitoresco ligado à representação social. Ainda sobre o pitoresco social enfatizado por Argan, Leenhardt faz uma análise que o aproxima da obra do Debret, quando ressalta os dois gêneros que se identificam na obra do pintor, o formal neoclássico e o pitoresco de rua, salientando que: a mistura de gêneros, a presença de um quadro formal neoclássico ao lado do pitoresco da rua, sublinha que Debret tem plena consciência dos diferentes estágios da evolução social aos quais se encontra confrontando o processo em curso. Esta mistura lhe permite mostrar que o social e o pitoresco tornam-se político e histórico sob o efeito dos movimentos de fundo desencadeados pela fuga da corte portuguesa (2008, p. 73 - 74). É pitoresco o que já foi dito ou pode ser dito mediante a pintura. O pitoresco, então, é uma poética fundada na história. É uma poética e não uma teoria da arte, porque não possui fundamento filosófico, porque não diz o que é arte, mas apenas quais aspectos e valores da natureza melhor favorecem a atividade do artista. Como menciona Argan (2008), fundamento histórico, e não teórico, porque não enuncia princípios, mas indica apenas valores já realizados pelos artistas do passado. Levando isso em conta, é possível identificar a ligação que a obra de Debret tem com esse estilo adotado por ele ao chegar no Brasil. Tanto pelo aspecto histórico quanto pelos valores estéticos já revisados anteriormente em obras de outros artistas, que também se expressavam através desse estilo pitoresco. Vemos isso, antes de tudo, no título do seu livroViagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, no qual Debret recebe já certa influência de outros artistas viajantes que registraram e divulgaram suas experiências em terras distantes. De acordo com Costa (2015), podemos observar que, antes mesmo da vinda de Debret ao Brasil, na França foram lançados vários livros dentro do gênero literatura de viagem, dentre os quais podemos mencionar as narrativas do arquiteto e pintor francês Jean-Pierre Louis LaurenteHoüel, o Voyage pittoresque dês Isles de Sicile, de Malte et de Lipari (Paris, 1782/87) o álbum Voyage pittoresque de la Syrie, de Plénice, de la Palestine et de la Basse Égypte (Paris, 1799); e, em 1802, o Voyage pittoresque 19 et historique de l’Itale et de la Dalmatie; de Louis François Cassas. Sobre uma das características desses livros, Costa (2015) ressalta que as imagens ocupavam um lugar destacado nesses trabalhos e seu sucesso provinha, em parte ao menos, por se comunicar com um público maior de leigos, menos especializado e igualmente curioso e, claro, amante das belas-artes (2015, p. 107). Tais informações que nos fazem supor que Debret, ainda residindo em Paris no momento do lançamento desses livros, já tinha conhecimento desse estilo e de todo o contexto que o envolvia. Constata-se, dessa forma, que Debret, ao tomar conhecimento dessas obras intituladas de “viagem pitoresca”, usou-as mais tarde como referência quando produziu alguns de seus trabalhos relacionados a lugares e tipos humanos os quais ele não tinha conhecido. Para Costa (2015, p. 72), a utilização de variadas fontes, desde consultas a álbuns de viagem aos empréstimos de esboços de seus alunos, como a coleta de informações no Museu Imperial e outros recursos, confluíram no trabalho do nosso pintor. Em verdade, Debret teve poucos contatos com a população indígena e os empréstimos e citações de obras de viajantes naturalistas tinham o sentido de suprir as carências do autor, oferecendo notas pontuais e representações bem ao gosto europeu. Como vimos, pode-se dizer que Debret usou o trabalho de outros artistas como fonte para produzir principalmente o primeiro volume do seu livro, o que trata dos indígenas. Pois fica claro que o artista não teve contato com tribos indígenas, assim como teve com os negros com os quais convivia no centro urbano do Rio de Janeiro, podendo observá-los, fazer os esboços para depois retratar seus costumes, de forma a colocar um toque de sua formação acadêmica na tal composição que exibia negros muitas vezes de um físico exuberante (figura 1). Quem sabe inspirado no álbum Voyage pittoresque de laSyrie, de Plénice, de laPalestine et de la Basse Égypte, de Louis François Cassas, publicado em Paris no ano de 1799. Um ano antes do lançamento dos livros de François Cassas, Debret já estava atuando no âmbito das artes, participando, então, de uma exposição na qual 20 expunha a tela O general messeniano Aristodemo liberto por uma jovem, início da sua participação nos salões do Louvre, (BANDEIRA; LAGO, 2017). Podemos supor que Debret tenha obtido conhecimento da obra de François Cassas sobre o Egito, pois o artista traz na (Figura 1) elementos que nos remete a postura egípcia bem como ao espírito classicista de idealização. Pode-se dizer que esta obra, esteja em concordância com o estilo pitoresco devido aos elementos que a compõem, comoa variedade da paisagem árvores, rochas, casas, montanhas, céu —, o que nos faz perceber “um aproximado” representado pela figura central da obra o negro vendedor de cestos, um outro “espaço intermediário” no qual observamos outros negros trabalhando (fabricando balaios) e “um distante”, correspondente ao fundo da obra, onde tudo parece se confundir na substância da cor clara. Sendo importante salientar que a real intenção do artista era retratar o “costume”, captar o que era típico daquele lugar; não o negro tal qual como era, mas de uma forma idealizada, como é possível conferir na (Figura 11). Podemos ainda acrescentar o pensamento de Gilpin, expresso em Diener (2008), quando ele aponta que o pitoresco inclui a figura humana apenas como um elemento decorativo, seguindo o espírito classicista de idealização. Figura 1: Cestier (Vendedor de Cestos) - 1828. Aquarela 16x22 cm MEA 0214. Fotógrafo: Horst Merkel. Fonte: Acervo do Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya. 21 Adiante, focaremos mais no pitoresco situado no fim do século XVIII e início do XIX, período que o artista embarca para o Brasil, como também momento do ressurgimento desse estilo na Europa já ligado dessa vez à cultura inglesa. Vale ressaltar que o conceito de pitoresco utilizado nesta pesquisa e relacionado as aquarelas do Debret, corresponde ao do século XIX, no qual o termo aparece com outro significado e está ligado por sua vez, à influência inglesa. Como apontam Bandeira e Lago (2008), no tempo de Debret, a expressão “pitoresca” era usada no sentido de pictórico, isto é, relativo à pintura ou, ainda, resultante do trabalho do artista. Literalmente significava “em imagem”, ou seja, qualificava os assuntos privilegiáveis pelo artista como objeto de pintura. Foi justamente o que Debret buscou para seu livro projetado: tudo que fosse mais interessante para ser registrado, tudo de mais pitoresco (2008, p. 60). Desse ponto de vista, as opiniões dos autores associam-se à reflexão de Argan (2010), quando este afirma que são pitorescos os aspectos que agradam aos pintores que, ao exercer a pintura, se formaram num determinado gosto. Na multiplicidade e variedade infinitas dos aspectos naturais, o pintor faz uma escolha, ou seja, identifica valores que julga mais adequados para serem expressos em pintura. 1.1 O pitoresco no século XIX: características e finalidades No século XVIII, o termo pitoresco assume a qualidade de um valor estético incluindo agora outras temáticas, sentido para o qual muito contribuíram as reflexões inglesas sobre a natureza e a pintura de paisagem bem como as obras que procuraram teorizar sobre esse movimento4. E já o final do século XVIII vê surgirem as primeiras obras de um importante subgênero literário: as viagens pitorescas, nas quais, como menciona Lima, “o sentido desse termo assume novas roupagens, acompanhando de perto as transformações de noção de sujeito e autor, que marcam uma nova relação entre o homem e o mundo à sua volta” (LIMA, 2007, p. 224). Ainda de acordo com a mesma autora, pode-se dizer que certamente o pitoresco como ideal estético, herança das reflexões inglesas, sobretudo, está presente em Debret. 4Lima se refere, sobretudo, aos escritos de Edmund Burke, W. Gilpin, U. Price, J. Reynolds e R. P. Knight. 22 Segundo Lima (2004), o termo “pitoresco” traduzia, igualmente, nas primeiras décadas do século XIX a opção por privilegiar, no “retrato” dos povos, aspectos que não estivessem limitados às questões políticas, mas que dessem testemunho da religião, da cultura e dos costumes dos homens. Contudo, foi na Inglaterra de meados do século XVIII que ganhou fundamentação teórica, associado a um tipo de formulação arquitetônica de muita popularidade: os parques e jardins (COSTA, 2015, p. 80). O termo pitoresco aparece mais uma vez situado no século XIX, especificamente relacionado aos artistas viajantes que, faziam uso das técnicas da aquarela, ao que se percebe, mais adequada às condições de produção, dependendo do lugar no qual aquele artista estivesse. Com efeito, ao longo do século XIX o termo “pitoresco” transformou- se em fórmula de uso corrente nos títulos de obras realizadas por artistas-viajantes que percorreram a América e o Oriente (COSTA e DIENER, 2013, p. 176). De acordo com Costa e Diener (2013), os princípios do pitoresco constituíram ferramentas importantes para a apreensão da realidade em todos os âmbitos, e o registro que se fazia aliviava a pretensão científica com uma projeção de valores imaginários na interpretação da América de finais do século XVIII e início do XIX. Os autores discorrem que no século XVII o pitoresco associava-se à construção da paisagem, incluindo parques e jardins, tendo a Inglaterra como percussora no que diz respeito à volta do pitoresco, dessa vez, associado à natureza, e que já no século XIX o termo “pitoresco” sofre outra mudança relacionado agora aos artistas viajantes que percorreram a América e o Oriente, estando presente com frequência nos títulos de obras realizadas por esses artistas que divulgavam o pitoresco nos mais diversos âmbitos, através da paisagem social e natural. Ainda com relação ao termo pitoresco, e na questão da liberdade temática5 que os artistas que aderiam a este estilo tinham, por caber a eles, contudo, saber montar suas composições dentro dos critérios que este gênero trazia consigo, de colocar numa única tela várias cenas contidas em uma determinada paisagem. Não focando apenas em um elemento, mas em vários, buscando uma harmonia com um todo a sua 5Refiro-me aos artistas que procuravam trabalhar fora das academias em favor da livre expressão e espontaneidade e quando o artista se emancipa da encomenda e da Academia, fazendo sua obra baseada nos impulsos da sua alma e na sua própria inspiração. 23 volta. Com relação à questão da liberdade, para melhor nos explicar, Argan menciona que o conceito-base do Pitoresco é a variedade: uma paisagem “pitoresca” deve ser várias, isto é, conter elementos diversos: árvores, rochas, águas, montanhas, nuvens. O princípio de variedade não contradiz, porém, o da escolha: nem tudo na realidade é igualmente pitoresco; o pintor, portanto, deverá escolher e reunir os objetos que julgar mais pitorescos. Os diferentes objetos possuem um caráter pitoresco mais ou menos marcado; seu valor pitoresco, então, dependerá da vivência de seu caráter (2010, p. 15). Ainda de acordo com o mesmo autor, artista sai em busca do “motivo” e trabalha no lugar, ou seja, sob a influência de uma emoção visual. A memória ou a imaginação histórica se concretizam então não apenas numa emoção e num sentimento, mas na necessidade de fazer aquela vista, de pintá-la. Como sintetiza o autor, nos parágrafos anteriores vimos que o estilo pitoresco associou-se não somente à natureza, mas também à História, como também a um grande leque de temáticas, escolhidas pelo artista. E que o artista sofre uma influência do lugar que por ventura ele venha estar expressando o motivo de estar pintando determinada temática, vivenciando tal situação que escolheu registrar. É significativo também que a Missão Francesa seja chamada por Debret de “expedição pitoresca”, o que bem mostra como o pintor entendia o termo que escolheu para qualificar sua aventura (BANDEIRA; LAGO, 2008). Argan (2008) aponta um dos princípios fundamentais do Pitoresco, afirmando a distinção em três áreas ou espaços: “um aproximado”, normalmente representado por asperezas do terreno, tufos de grama ou moitas ou troncos; “um espaço intermediário”, geralmente representado por um espelho de água; e “um distante”, onde tudo se confunde na substância atmosférica do céu (2008, p. 117). Podemos ver claramente essas características presentes em uma das obras de Debret intitulada Feitores açoitando negros na roça (Figura 2). E ainda, identificar na (Figura 2) características do pitoresco em seus primórdios no século XVI apontadas por Gombrich (1980) quando este diz que o termo servia como ambientação de fundo de uma pintura, na qual se conformava o tema central. Ao observarmos essa obra, podemos ver com clareza que o Debret faz uso dessa ambientação de fundo em 24 alguns de seus trabalhos, dando destaque ao tema central onde este se conforma em diversas condições de luz e sombra, trazendo situações variadas na mesma obra. Figura 2: Feitores corrigeant des nègres à la roce - 1828. Aquarela 15x19,8 cm. Fonte: cedida pelo Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya, em 20 de março de 2018. Entre esses grandes espaços, são detalhados os “objetos” pitorescos: os troncos retos ou contorcidos das árvores com sua casca escabrosa (o “áspero” é outro caráter do pitoresco porque se presta a efeitos vivazes de luz e sombra), os contornos irregulares das bordas dos lagos ou dos rios, formas de ruínas ou de casas de campo, os perfis matizados das montanhas. Mas o que é detalhado e definido não é a vista real daquela paisagem (que ao contrário, evapora e se torna vaga e genérica), e sim aquela imagem que o pintor carregava em si desde que saiu na natureza em busca de um motivo correspondente àquela imagem e capaz de reanimá-la e torná-la “emocionante”, “pitoresca”. É claro que a técnica deve ser a mais apropriada, por simplicidade e rapidez, para realizar a emoção. O artista que deu ao Pitoresco sua técnica foi Gainsborough (ARGAN, 2010, p.118). Pode-se perceber características que nos remetem à técnica da aquarela: a técnica deve ser a mais apropriada, por simplicidade e rapidez, para realizar a emoção. De acordo com o livro A criação da pintura (1994), a aquarela correspondia a um material leve, uma tinta que seca assim que a água evapora. É por isso que 25 todos os pintores naturalistas agregados às grandes expedições marítimas trabalhavam com tintas à base de água (MARCHAND,1994, p. 23). A cena na obra de Debret pode não ser muito agradável aos olhos, mas nos remete a um costume do devido período no qual o artista passou aqui. Lima (2004) frisa ser o castigo fundamentado e justificado com base na legislação pertencente ao código penal brasileiro do século XIX. A intenção do artista era retratar tal “costume” daquela sociedade em que viveu quinze anos. O artista iria compor as suas pinturas através de esboços bem elaborados, pois se tratava de um artista com formação acadêmica o que nos faz pensar que ele iria inserir na sua composição elementos técnicos referentes aos seus estudos nos tempos de academia, se tratando de uma construção mais elaborada. Portanto, não é viável afirmarmos que houve uma ruptura, de fato, do estilo neoclássico do artista ligado à academia quando Debret nos apresenta sua outra faceta, o pitoresco de rua. Logo, a obra pode se enquadrar dentro do estilo pitoresco, mas traz nos seus tipos humanos uma influência clássica, portanto, acadêmica, revelada nos corpos altivos e fortes que o pintor retratou. De acordo com Bandeira (2003), Debret foi inspirado “estilisticamente” e em termos “composicionais” por David6. Com relação a essa observação, podemos observar que David influenciou o artista em duas linhas: tanto na pintura acadêmica quanto nas cenas pitorescas que ele retratava nas ruas do Rio de Janeiro. Pois, além das técnicas e regras acadêmicas que passava para seus alunos, Lima (2004) frisa que David insistia para que fugissem às tradições acadêmicas, pois estas lhes ceifavam toda originalidade e faziam deles prisioneiros de fórmulas prontas. Mas, como podemos conferir nas aquarelas, Debret parece não ter se libertado das fórmulas prontas quando retratava seus tipos humanos. Dessa forma, a categoria estética do pitoresco foi incorporada ao repertório conceitual dos artistas e teóricos da arte nas últimas décadas do século XVIII. Seu conteúdo tem tido sempre um caráter variável. Do significado inicial, que aludia a uma forma de ver e apreender a natureza, passou a ser utilizada com sentido mais abrangente, como uma forma de percepção e registro da realidade em todos os âmbitos (DIENER, 2008, p. 59). 6 Grande renovador do estilo neoclássico, que escolheu a inovação e a transformação como princípios essenciais de sua arte (LIMA, 2004, p. 16). 26 Segundo Diener (2008), trata-se de uma categoria estética, a qual podemos atribuir o valor de um instrumento que serve especificamente ao propósito de apreender as experiências vividas num cenário diferente ao do mundo cotidiano do viajante. O autor ressalta, sobretudo, essa categoria ligada aos artistas viajantes, seus registros e publicações quando estiveram na América nos finais do século XVIII e início do século XIX. Ele aborda que essas obras abrangem um leque temático muito amplo, podendo considerar que o corpo básico está composto por aquelas publicações que geralmente incluíam litografias acompanhadas de algum texto com comentários, cujo título já anuncia que se trata de uma obra de caráter pitoresco. Um exemplo clássico é o Voyage pittoresque dans le Brésil, de Johann Moritz Rugendas, publicado em Paris entre 1827 e 1835; ou também o já citado Voyage pittoresque et historique au Brésil, de Jean-Baptiste Debret (1834-1835-1839)7. É importante ressaltar que todas essas características atribuídas às “viagens pitorescas” por Gilpin estão em total concordância com as aquarelas de Debret, principalmente a que ele retrata a figura do negro escravo e que também compõem a parte iconográfica do seu álbum Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Em um sentido geral, Diener (2008) menciona que pitoresco passou a ser o que apresenta variedade, diversidade e irregularidade. Expõe também a ideia de Humboldt, que sugeria, entretanto, que os pintores construíssem composições nas quais se incluísse tudo aquilo que efetivamente poderia aparecer num determinado ambiente. Tratava-se, pois, de representar um espaço de acordo com as condições que os diferentes fatores geográficos lhe impunham e com tudo o que poderia conter nas suas melhores condições. Sobre as viagens, Diener (2008) aponta que eram vistas como um processo de conhecimento. Essa ideia da viagem como um processo de conhecimento, de educação da sensibilidade, esteve presente na formatação das aventuras americanas empreendidas durante o século XIX por esses personagens que chamamos de “artistas viajantes”. Segundo o autor, eles contribuíram para construir a América Pitoresca, evocando, de forma mais ou menos consciente, os procedimentos que haviam levado a criar os estereótipos de grand tour. 7Sobre a demora de três anos para publicar o terceiro volume, Corrêa do Lago (2017) supõe ter sido por motivo da morte de seu impressor Didot, ocorrida em abril de 1836. 27 Nossa investigação parece indicar que o estilo pitoresco relacionado à obra de Debret traz mais características desse estilo referentes a cultura artística da Inglaterra do século XIX, à técnica da aquarela e aos artistas que por ventura decidiam aventurar-se nas viagens ou grandes expedições, denominados de artistas viajantes. Pois é justamente a intenção de resgatar as particularidades do país e do povo brasileiro que justifica o termo “pitoresco” na obra de Debret, que expressou em suas aquarelas uma interpretação poética de uma atmosfera particular. Foi possível identificar as principais características do pitoresco, as quais podem-se apontar: tem a capacidade de entreter, distrair ou divertir por causa da sua essência própria e diferente; “percepção e registro da realidade em todos os âmbitos”; “tinha pontos em comuns com o romantismo” no que diz respeito à liberdade temática8. Ainda com relação às características do pitoresco identificadas, torna-se viável acrescentar as características apontadas por Lima em Tradução dos Trópicos9: Artes Visuais no Brasil do século XIX: Captar o que era agradável aos olhos; captar o que era típico do lugar; atenção voltada para o que era particular no ambiente; aquilo que era próprio da experiência que os artistas tinham aqui no Brasil; o pitoresco no Rio de Janeiro se mostra através dessa circulação de negros pelas ruas. Portanto, observamos que em Costa (2015), o pitoresco relativizou a concepção clássica de beleza e, desse modo, ampliou o repertório conceitual de arte, num momento em que a imagem tem um grande potencial informativo, se comunicando com o público de leigos que por sua vez não soubesse ler o texto escrito, mas lia e entendia o que aquela imagem queria passar ou dizer. Contudo, é pertinente ressaltar as supostas finalidades que esse estilo estava promovendo no âmbito das artes visuais, bem como no da literatura, identificar qual era seu propósito. Sabe-se que, situado no fim do século XVIII e início do século XIX, tratava-se de um estilo que surgia novamente com outros elementos associados aos temas e aos artistas, agora viajantes. E como tudo tem sua finalidade, questionei-me: qual a sua finalidade naquele dado momento? O que esse estilo queria passar? O que ele queria mostrar e provocar no observador? 8 Quando procuravam se libertar das convenções acadêmicas. 9 Faz parte do ciclo de conferência em Artes Visuais sobre o Brasil do século XIX; foram oito aulas realizadas pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP em outubro e novembro de 2010, transmitidas pela internet. 28 De acordo com as leituras, foi percebido que ele tinha um propósito, uma função, que era uma função “didática”, no intuito de informar o observador de tais pinturas, como também de comover, causar emoção e impressionar. As pinturas eram produzidas sempre em aquarela, depois eram impressas e inseridas nos respectivos livros de “viagens pitorescas”, comparando-se, assim, a uma enciclopédia, pois traziam as imagens impressas acompanhadas de textos explicativos e informativos, atendendo tanto o público leigo que se informava através da apreciação das imagens, quanto o intelectual, que tomava ciência das duas partes, das imagens e dos textos. Os artistas interpretavam a realidade por meio de referências fornecidas pela linguagem artística, pois se tratava de período no qual havia muitas curiosidades sobre as terras distantes e exóticas. E, como aponta Diener (2008), para satisfazer essa curiosidade, os artistas viajantes do pitoresco pretendiam servir de intérpretes, suprindo as expectativas dos seus contemporâneos. Podemos fazer comparações sobre as possíveis finalidades do pitoresco em seus primórdios, situado no século XVII, de origem italiana, com o que reapareceu na Inglaterra do século XIX. Posto que o primeiro, no seu surgimento, estava ligado à maneira como o artista pintava, já o segundo está ligado a um novo contexto, no qual continha uma finalidade didática e ligada a um grupo específico de artistas, os viajantes, bem como se vê nesse dado momento uma valorização da natureza e dos tipos humanos em registros feitos em aquarela e dentro das características cabíveis ao estilo em voga naquele momento, o pitoresco. De acordo com Argan (2010), o pitoresco nesse período continha uma finalidade didática, revelando uma definição do contexto social. Houve, então, nesse momento, o interesse pela natureza e por pessoas comuns do cotidiano. O autor menciona que o pitoresco está sempre relacionado à pintura e que é esta que o reconhece e o revela. Ele salienta também que se trata de uma pintura informativa que se define em livros ilustrados e comentados pelo próprio artista. Como exemplo , podemos citar o livro de Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, que se trata de uma obra que contém informações didáticas expressas em suas imagens e em seus textos descritivos. Já Costa (2015) discorre que sua intenção era oferecer uma visão abrangente de determinados espaços nacionais numa tentativa de traçar identidades culturais. 29 Este capítulo discutiu as principais características do estilo pitoresco, bem como suas finalidades numa época específica — o século XIX —, mencionando sua trajetória desde os seus primórdios, no século XVI, ao seu retorno, onde se situa a viagem de Debret ao Brasil, bem como o período de produção da sua obra na cidade do Rio de Janeiro. Aponta, também, as supostas influências que o artista pode ter vindo a absorver a esse estilo pitoresco que, estava se expandindo naquele período através das habilidades de um grupo específico de artistas europeus, os viajantes, que decidiam viajar para lugares como a América e Oriente, considerados exóticos, com um propósito de divulgar e descrever suas viagens por meio de duas vias, da literatura de viagem e das Artes Visuais. 30 CAPÍTULO 2: O PITORESCO E AS AQUARELAS DE DEBRET O pitoresco na obra de Debret, antes de tudo, vinculado à ideia de produzir um livro discutido no capítulo anterior. A maioria das fontes consultadas sobre o artista e seu trabalho costumam claramente remeter e ressaltar o estilo pitoresco ao livro que o artista publicou. Contudo, para que esse projeto pudesse ser concluído, foi necessário que o artista definisse temáticas para compor a parte iconográfica do seu livro. E essas temáticas foram produzidas através das técnicas da aquarela. Por essa razão decidi estudar, neste capítulo, as aquarelas de Debret que serviram de base para as litografias do livro. São pinturas que têm como tema o cotidiano dos negros, em cenas que se enquadram no estilo pitoresco devido às temáticas e à forma como são compostas pelo próprio pintor. Inicialmente discuti sobre a aquarela, uma tinta à base de água, abordando algumas de suas características e discutindo, também, a sua associação com o pitoresco e a obra de Debret. Era uma tinta que proporcionava agilidade, facilitando ao artista retratar cenas comuns do cotidiano, sendo essa uma das características do estilo pitoresco. Segundo Lima (2007), a técnica da aquarela indica que a França não possuía a tradição aquarelista verificada na Inglaterra e na Alemanha. A autora acrescenta ainda que, apesar de ser um procedimento antigo na história da representação e de sabermos que Albrecht Dürer (1471-1528) registrou em aquarela sua viagem aos Alpes e à Itália em 1490 e que a aquarela se tornou, no século XV, uma técnica empregada para trabalhos considerados menos artísticos, por ser relativamente simples e de fácil execução. O material é então empregado pelos retratistas miniaturistas, pelos decoradores, arquitetos e todo tipo de ofício ligado à ornamentação. Durante o século XVII, a aquarela é ainda um material sobretudo popular; utiliza-se, mas não se coleciona esse tipo de produção artística. Essa situação tende a se alterar no século XVIII, ainda que de forma tímida. Nessa época, o material já se expandiria bastante na França, mas era muito pouco considerada para ser publicamente praticada pelos artistas de renome. Pouco a pouco, a técnica é introduzida no ensino acadêmico, mesmo que de forma localizada e específica. O público, por sua vez, acostuma-se lentamente a essa forma de expressão. Na verdade, podemos dizer que o público descobre na aquarela o veículo por excelência de seus ideais artísticos: uma arte 31 simples e espontânea, voltada para temas mais populares e de fácil compreensão, além disso, os exemplares dessa técnica tornavam-se mais acessíveis, tanto pelo preço quanto pelo tamanho das obras (LIMA, 2007). Em verdade, se confirma a questão do tamanho nas aquarelas de Debret que não foram produzidas num tamanho grande, possuindo, assim, um formato de 14,9x22,6 ou 18x23 na sua maior forma, assemelhando-se a cartões postais por possuir dimensões semelhantes a tal. Os aspectos técnicos e operacionais da aquarela foram fatores fundamentais para sua aceitação e difusão. Os materiais empregados, práticos e acessíveis, se comparados à pintura a óleo, permitem liberdade de ação ao artista, que alcança maior aproximação do que poderia ser sua ideia, seu projeto. Lima (2007) aponta que, ao mesmo tempo, trata-se de uma técnica de efeitos inesperados e, em certa medida, incontroláveis, frisando que a aquarela não está jamais acabada, nem enquanto material (pois as cores contrastantes se alteram com o tempo), nem quanto composição (as imagens e cenas não são definidas com precisão, deixando espaço para a imaginação, pontos inexatos). Apesar de ser uma técnica de “efeitos inesperados”, supõe-se que Debret não tenha realizado trabalhos dessa maneira, não usando a maneura de pintar a la brava, pois no Caderno de viagem (2006), ensaio organizado e publicado por Julio Bandeira, nos indica que ele executava antes de tudo o esboço com o lápis, desenhando e marcando já o nome da cor que pretendia usar para depois compor sua pintura, tudo muito detalhado nesse caderno que nos dá uma ideia precisa de como o artista realizava suas composições, embora ele demostre que experimentava aquarela para colorir alguns de seus desenhos, como mostra a maioria dos esboços contidos no Caderno de viagem. Com relação ao Caderno de viagem (2006), este mostra os esboços feitos por Debret, nos quais evidencia-se seu processo de criação, nos revelando cenas e personagens bem elaborados. Talvez isso se deva por ele ser um artista de formação acadêmica e por ainda estar fazendo experimentos com a aquarela, tinta que até então não manuseava com frequência. Confere-se que, nesse processo, Debret faz seu esboço, numera-o, coloca a data e um suposto título, como também indica a cor que pretendia usar em tal desenho, tudo minuciosamente detalhado. 32 De acordo com Bandeira, O Caderno de viagem (2006) possui trinta e três folhas que variam nas suas dimensões, tendo a maioria 28,5cm por 14cm, com a menor delas medindo 16cm por 11,5cm, e tem sessenta e quatro páginas numeradas irregularmente de três a sessenta e seis. O autor salienta que essas medidas estão próximas das 550 aquarelas e desenhos adquiridos por Castro Maya10 em 1930, pertencentes a Mme. Morize, sobrinha bisneta e herdeira de Debret. Fica evidente que o artista não se afastou de vez das influências que absorveu na Academia, posto que, quando trabalhando com a aquarela, ele faz uso das suas técnicas esboçando tudo antes, o que faz com que suas obras sejam bem elaboradas e produzidas na maior nitidez e tranquilidade. Dessa forma os dois estilos do artista — o neoclássico acadêmico e o pitoresco de rua — andam juntos, ora se distinguindo entre seu trabalho oficial11 e não oficial, se misturando nesse processo composicional, um complementando o outro. Bandeira (2006) discorre que são inúmeros os esboços e em quase todos os negros estão presentes, não só eles, mas também os utensílios que usavam, os instrumentos de tortura: colar de ferro, tronco e correntes. Consta-se, dessa forma, na grande maioria dos elaborados esboços, ou criações, a figura do escravo negro e tudo que o envolvia. É o negro que prevalece esboçado no seu Caderno de viagem e que vai sendo retratado como elemento pictórico na sua obra. Os editores Marcos da Viega Pereira e Victor Burton apontam que as páginas deste caderno foram desenhadas no Brasil nas calçadas do Rio de Janeiro no início do século XIX. Eles acrescentam que se trata de uma obra que colhe o artista francês no instante em que descobre e registra a terra exótica e um novo mundo de costumes e povos (2006, p. 3). As imagens que se seguem – esboços - (Figuras 13, 14 e 15) expressam a segunda faceta de Debret de caráter não oficial, mas que foram construídas a partir de elementos técnicos que o artista adquiriu ainda nos tempos de Academia. 10 Empresário e colecionador de arte; foi responsável por divulgar a obra de Debret no Brasil. 11 Ligado à Corte. São pinturas que retratam cerimônias e membros da corte e que se aproximam mais do neoclássico; a técnica aplicada nesses trabalhos vem a ser a tinta óleo e não aquarela. 33 Figura 3: Caderno de viagem (2006). Foto: Maria Luíza Moreira a partir do livro organizado por Julio Bandeira. Instituto Ricardo Brennand, Recife abril de 2018. Figura 4: Caderno de viagem (2006). Foto: Maria Luíza Moreira a partir do livro organizado por Julio Bandeira. Instituto Ricardo Brennand, Recife abril de 2018. 34 Figura 5: Caderno de viagem (2006). Foto: Maria Luíza Moreira a partir do livro organizado por Julio Bandeira. Instituto Ricardo Brennand, Recife abril de 2018. Podemos presenciar, nos estudos do artista, uma diversidade de objetos que envolvia o universo dos negros. Contudo, Lima (2007) ressalta o entrelaçamento que a política tem com a arte, nesse dado momento, abordando que o que ocorre na política interferiria não só no meio social mas afetava também a arte e seus artistas, que faziam parte de um grupo específico da sociedade. A autora menciona que, nas últimas décadas do século XVIII, a aceleração dos acontecimentos políticos provoca mudanças também na evolução da aquarela. E, para melhor nos explicar esse contexto, frisa a colocação de Huisman em seu livro sobre a aquarela francesa no século XVIII, o qual afirma: O intenso gosto ao pitoresco leva [o artista] a pintar muitas aquarelas, para si mesmo, sem dúvida, mas também para uma vasta clientela internacional, ávida de recordações históricas. Existe um número verdadeiramente pródigo de cenas da época revolucionária pintadas em aquarela [...], essas notações rápidas, tão distantes de uma obra de arte lentamente elaborada, constituem o resultado da aquarela francesa do século XVIII12 (LIMA, 2007, p. 144). Vê-se que, precisamente no final do século XVIII e começo do século XIX , ocorreram mudanças em decorrência de acontecimentos políticos, que 12 P. Huisman, L’ aquarele françaiseau XVIII sièle. Paris: BibliothèquedesArts, 1968, p.18. 35 consequentemente provocaram novidades não apenas no meio social, mas também no meio das Artes, o que ocasionou uma ruptura na “tradição” que atingia a técnica, o estilo e a vontade de se libertar das academias que privavam o artista de se manifestar livremente, impondo, de certa forma, um molde. É importante ressaltar que é exatamente nesse período final do século XVIII e início do XIX que o estilo pitoresco ressurge e com uma nova roupagem, como vimos anteriormente, período também da vinda de Debret para o Brasil. Esse momento mostra uma conexão entre os fatos: ressurgimento do estilo pitoresco associado à difusão da técnica da aquarela e aos artistas denominados de viajantes, ocorrendo por sua vez nos respectivos lugares mais notórios e cogitados daquele período, como Inglaterra, América e França. Portanto, fica claro que a aquarela está associada às composições pitorescas. Sobre essa ruptura que ocorreu no âmbito da arte, Gombrich (1999) a situa na Inglaterra, na América e na França. Nesse período, também se originaram as mudanças nas ideias dos seres humanos sobre a arte. O autor menciona, que a primeira mudança diz respeito à ruptura com as tradições na pintura, referindo-se à atitude do artista em relação ao “estilo”, que passou a questionar o modelo e o estilo da época. Os artistas se questionavam porque tinham que seguir tal modelo. Esse questionamento aconteceu na Inglaterra do século XVIII. De acordo com Gombrich, a Revolução Francesa de 1789 pôs fim a tantos pressupostos tomados por verdadeiros durante séculos. Assim como a grande Revolução tem suas raízes na Era da Razão, também nesse tempo se originaram as mudanças nas ideias do homem sobre arte. A primeira dessas mudanças refere-se à atitude do artista em relação ao que se chama ‘estilo’. Em épocas anteriores, o estilo do período era simplesmente o modo como se faziam as coisas; era praticado porque as pessoas achavam ser essa a melhor maneira de obter certos efeitos. Na era da Razão, as pessoas começaram a ficar exigentes a respeito de estilos. Muitos arquitetos ainda estavam convencidos de que as regras estabelecidas nos livros de Palladio garantiam o modelo ‘certo’ para construções elegantes. Mas, quando nos voltamos para os compêndios, no tocante a essas questões, é quase inevitável encontrarmos quem diga: Mas por que há de ser rigorosamente o estilo de Palladio? Foi isso o que aconteceu na Inglaterra no século XVIII. Entre os connoisseurs mais requintados, havia alguns que queriam ser diferentes dos outros (GOMBRICH, 1999, p. 477). Gombrich (1999) frisa que, até então, os artistas, em particular os que ganhavam a vida pintando “cenários” de casas de campo, jardins ou panoramas 36 pitorescos, não eram considerados verdadeiros artistas. O autor acrescenta ainda que tal atitude mudou um pouco graças ao espirito romântico do final do século XVIII, e excelentes pintores dispuseram-se seriamente a elevar esse tipo de pintura a uma nova dignidade. Como podemos perceber, antes dessa ruptura os artistas que por ventura aderissem a um novo estilo diferente do que era determinado nas Academias não tinham sua obra considerada. Talvez por romper com as regras da Academia, ou ainda, por essas pinturas de cunho pitoresco serem produzida muitas vezes por viajantes ou pessoas que nem eram artistas de formação acadêmica. Essa temática do pitoresco abrange artistas e não artistas, posto que qualquer pessoa poderia relatar sua viagem no gênero literário como também no das artes visuais e, para publicar, bastava ter dinheiro para arcar com os custos da edição. Ainda sobre esse universo da aquarela situado precisamente entre o final do século XVIII e início do século XIX, Bandeira (2006) nos diz que a aquarela foi oficializada em 1814, com a criação da Royall Water Colour Society, apontando que a técnica da aquarela já vinha, desde a segunda metade do século XVIII, sendo empregada em viagens científicas, como a do capitão James Cook que faria, em 1768, o primeiro périplo com artistas profissionais a bordo do Endeavour13, e que, já na viagem filosófica do naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (1755-1815), os artistas “riscadores” portugueses Joaquim José Codina e José Joaquim Freire fariam as primeiras aquarelas da Amazônia brasileira nos anos 1783-1792. O autor ainda acrescenta sobre a aquarela: Considerada uma técnica que habita a fronteira entre as artes do desenho e da pintura, seu préstigio iria crescer na primeira metade do século XIX, confirmando-se, diante dos parcos meios necessários ao seu emprego e à velocidade de sua execução, como instrumento ideal para os artistas viajantes da primeira metade dos oitocentos, sendo o meio ideal para o registro adequado aos instantâneos anteriores à invenção da fotografia por Niepce e Daguerre. Essa preocupação com a rapidez do registro levou o aquarelista Hercule – Romuald Florence (1804-79) a tornar-se, ainda em 1832, o pioneiro da fotografia (BANDEIRA, 2006, p. 10). 13 Era um navio da Marinha Real Britânica do século XVIII, também conhecido como HM Bark Endeavour. Famoso por ser do comando do capitão James Cook. 37 Como aponta Lima (2007), a linguagem da aquarela coloca a questão do efêmero, do pitoresco, da agilidade e, ao mesmo tempo, da transitoriedade dos registros realizados com esse material. Menciona que a aquarela, ao contrário, sempre foi uma técnica voltada à improvisação, a um certo descompromisso com a precisão, seja ela de ideias ou de procedimentos. A autora, para melhor nos esclarecer, frisa a colocação de Diderot14, ao questionar por que um belo esboço em aquarela agrada mais do que um belo quadro, expondo as seguintes considerações a respeito do esboço: É que há nele mais vida e menos forma. Na medida em que introduzimos as formas, a vida desaparece [...] por que um jovem aprendiz, incapaz mesmo de fazer um quadro medíocre, realiza um esboço maravilhoso? É por que o esboço é a obra do calor e do gênio, e o quadro, a obra do trabalho e da paciência, dos longos estudos e de uma experiência consumada da arte [...] talvez o esboço nos atraia tanto porque, estando indeterminado, deixa mais liberdade a nossa imaginação, que nele enxerga o que lhe agrada (LIMA, 2007, p. 144). Sobre a primeira metade do século XIX, Lima (2007) frisa que foi um momento de grande fervor romântico e também palco de acontecimentos que, a despeito de sua natureza política, cultural ou científica, muito influenciaram no devir das artes: o interesse pelo exótico; a difusão do historicismo; a reformulação de fronteiras políticas e contatos diplomáticos entre as grandes nações da época; os depoimentos e registros trazidos à Europa por viajantes dos mais diferentes matizes; os talentos individuais que despontam no mundo das artes e da literatura; enfim, Lima nos aponta que houve novos dados com os quais a cultura da época teve de se defrontar e a partir dos quais se verificam alterações nos mais diversos campos de experiência humana. Ainda de acordo com Lima (2007), podemos dizer que o avanço da aquarela, na primeira metade do século XX, foi o resultado da conjugação de vários fatores, desde os mais objetivos, como a demanda de mercado e a influência dos artistas ingleses, cuja tradição como aquarelistas é bem conhecida, até os mais subjetivos, que devem ser buscados nas experiências pessoais dos artistas que se dedicam a essa técnica. 14 Foi um filósofo e escritor francês, notável durante o Iluminismo. 38 No caso do Debret, na sua relação com a aquarela podemos supor que o artista usou essa técnica a fim de se adequar a todo um contexto bem diferente do que se tinha em Paris. Pois essa técnica se tornava adequada ao lugar, ao contexto e, portanto, ao estilo pitoresco, que estava contribuindo para uma nova concepção de arte naquele período. Lima (2007) discorre que a opção de Debret pela aquarela traduzia uma adequação às necessidades de seu processo criativo. Debret agia à moda dos viajantes, isto é, se preocupando com o registro hábil e rápido das cenas pitorescas que presenciava, na tentativa de captar a porção do real a partir da qual iria, mais tarde, elaborar sua composição. Ou seja, ele primeiro realizava seu esboço de uma forma mais rápida, para depois pintar calmamente os mínimos detalhes. De acordo com Bandeira (2006), a maioria das aquarelas foi concebida de croquis executados com lápis preto, adquirindo posteriormente bons resultados com a rica transparência das aguadas. O autor frisa a fala de Debret sobre os negros: “são eles a parte mais sombria dos obstáculos de ruas obstruídas por uma turba agitada de negros carregadores e de negras vendedoras de frutas (BANDEIRA, 2006, p. 15). Ainda segundo Bandeira (2006), o artista opõe agora pela primeira vez no Brasil uma arte instável e sem artifício e também profana, ao transferir êxtases e sofrimento dos altares e incensórios barrocos de ouro, de prata para a rua. O autor salienta que ele descobre o culto ao sofrimento e à dor do ideal romântico e que o artista se aproximava da dor e da violência de uma realidade que as elites prefeririam não ver. Debret aproxima-se do estilo pitoresco, mostrando nas suas aquarelas questões relacionadas ao “negro escravo” e ao seu contexto envolvendo os maus tratos que os negros recebiam e, sobretudo, o trabalho, demonstrando que eles atuavam em todas as áreas. O pitoresco aparece nos seus trabalhos como uma categoria estética, que de acordo com Diener (2008), pode-se atribuir o valor de um instrumento que serve especificamente ao propósito de apreender as experiências vividas num cenário diferente do mundo cotidiano do viajante. 39 Figura 6: J.B. DEBRET Espèce de chântiment que s’executeles diverses grandes places de villes (Castigo de escravo que se executa nas praças públicas) – 1826. Aquarela 16,3x22 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Aqui, é pertinente registrar as palavras do artista, ao descrever o detalhamento da cena retratada na figura 16. Debret (1978) assim discorre: O povo observa a habilidade do carrasco que, ao levantar o braço para aplicar o golpe, arranha de leve a epiderme, deixando-a em carne viva depois da terceira chicotada. Conserva ele o braço levantado durante o intervalo de alguns segundos entre cada golpe, tanto para contá-los em voz alta como para economizar suas forças até o fim da execução. Aliás, tem o cuidado de fabricar ele próprio seu instrumento, a fim de facilitar essa tarefa. Trata-se, com efeito, de um cabo de chicote de um pé de comprimento, com sete a oito tiras de couro bastante espessas e bem secas e retorcidas. Esse instrumento contundente nunca deixa de produzir efeito quando bem seco, mas ao amolecer pelo sangue precisa o carrasco trocá-lo, mantendo para isso cinco ou seis a seu lado, no chão. O lado esquerdo da cena está ocupado por um grupo de condenados enfileirados diante do pelourinho onde o carrasco acaba de distribuir quarenta ou cinquenta chibatadas. É natural que entre os assistentes os mais atentos sejam os dois negros das extremidades do grupo, pois lhes cabe em geral a um ou outro substituir a vítima mandada para o pau de paciência, como se chama o pelourinho; por isso suas cabeças abaixam à medida que as chicotadas aumentam [...] Embora fortemente amarrado, como mostra o desenho, a dor dá-lhe energia suficiente para se erguer nas pontas 40 dos pés a cada chicotada recebida, movimento convulsivo tantas vezes repetido que o suor da fricção do ventre e das coxas da vítima acaba polindo o pelourinho a certa altura. Essa marca sinistra se encontra em todos os pelourinhos das praças públicas. Entretanto, alguns condenados (e estes são temíveis) demonstram uma grande força de caráter, sofrendo em silêncio até a última chicotada. Logo depois de desamarrado, é o negro castigado deitado no chão de cabeça para baixo a fim de evitar-se a perda de sangue, e a chaga, escondida sob a fralda da camisa escapa assim à picada dos enxames de moscas que logo se põem à procura desse horrível repasto. Finalmente, terminada a execução, os condenados ajustam suas calças e todos, dois a dois, voltam para a prisão com a mesma escolta que os trouxe [...] (DEBRET, 1978, tomo I, p. 356 e 358). Como podemos perceber, tanto na obra de Debret quanto em seu texto descritivo, há uma diversidade nas cenas que compõem o quadro, mostrando claramente mais uma característica do estilo pitoresco: a “variedade” das situações compostas em uma única pintura. Obtendo a capacidade de entreter, distrair ou divertir o observador por causa da sua essência própria e diferente. Pois, cenas como essas não seriam comuns de se ver no contexto social europeu, ainda mais na França. E por ser diferente, carregada de exotismo, se definia, portanto, como sendo uma cena de caráter pitoresco. O que permitiu ao artista qualificar a imagem peculiar de uma paisagem, ou de uma cena de costume como conferimos na obra Castigo de negro que se executa em praças pública (1826). Debret nos informa sobre uma cena corriqueira que costumava ocorrer no contexto social no qual ele passou quinze anos. Diener (2008) discute sobre a questão do registro de indivíduos de um país ou de uma região abordando que, em meados do século XIX, foi desenvolvido um tipo de representação no qual a figura humana ganhava um papel primordial que ultrapassava amplamente o simples caráter de ornamento suplementar. E com relação a esse contexto envolvendo pessoas comuns, no qual o pitoresco se expressa em sua melhor forma, Siqueira salienta um ponto muito importante que nos remete à realidade do Brasil atual, quando diz que: suas aquarelas nos falam da impossibilidade de passar do velho ao novo, de estabelecer uma relação de continuidade entre esses mundos diversos e, consequentemente, de formar uma impressão duradoura sobre essa realidade adversa. Inapreensível, resta a Debret converter a realidade brasileira em elementos particulares, em vistas parciais, em personagens anônimos e maltratados, em detalhes exóticos e insignificantes”. O próprio artista, no livro Viagem pitoresca e histórica ao brasil, apresenta o seu trabalho como uma “coleção”, 41 cujo fim se processa com o retorno à França e a publicação de suas memórias (2007, p. 3). Já em Costa (2013) podemos ver uma outra opinião sobre a obra do artista, apresentada por Ferdinad Denis15, que em uma de suas notas em sua obra elogiou a dimensão “pitoresca” da obra de Debret, bem como a riqueza de detalhes com a qual o autor retratou a vida e os costumes da capital carioca, parabenizando a excitante galeria que nos é oferecida na obra de Debret. Figura 7: J. B. DEBRET Marchande de feuilles de banaeiras (sic) (Negra vendendo folha de bananeira) – 1823. Aquarela 17,2x20,2 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Schwarcz (2014) discorre sobre um novo estilo que o artista Debret adota em terras brasileiras. Dessa forma, podemos cogitar que Debret, ao decidir vir ao Brasil, 15Foi um viajante, historiador e escritor francês especialista em História do Brasil; e administrador da Biblioteca de Santa Genoveva em Paris. 42 já sabia o que iria encontrar. E por se tratar de um artista inserido e atuante em seu tempo era bem provável que ele já tinha um certo conhecimento sobre o pitoresco que desenvolve nas suas aquarelas, pintadas no Rio de Janeiro. Sobre esse contexto, a autora aponta que nas pinturas e nos textos que fez enquanto no Brasil, Debret buscou passar uma imagem “pitoresca” deste país, o qual, segundo ele, caminhava para a civilização. Por isso, o francês apreendeu cenas familiares, aspectos da vida urbana ou fez retratos da nobreza local. Tudo em ordem e em seu lugar: os nobres serão dignos, a realeza elevada por meio das alegorias e paralelos com a antiguidade clássica e os escravos gregos, com seus corpos perfeitos e sempre com os músculos à mostra. Com tantos “poréns” marcando a vida pregressa do pintor, a partida para o Brasil representava um caminho incerto, mas cheio de projeções, e acabaria como pintor oficial de um rei que, formalmente, era inimigo declarado de Napoleão Bonaparte, seu antigo mecenas. A autora frisa ainda que os portugueses não tinham qualquer tradição na pintura de gênero, e que as aquarelas de Debret figurariam como o mais importante “testemunho” dessa época em que o Brasil foi elevado a vice-Reino de Portugal, Brasil e Algarves (SCHWARCZ, 2014, p. 159). Ainda de acordo com a mesma autora, Debret incutiu em suas telas seus próprios valores, assim como introduziu sua visão e interpretação acerca da colônia e do que entendia em seus bons prognósticos. Porém, o que mais chamou a atenção do francês foi o sistema escravocrata que se espalhava por todo o país e era particularmente presente na capital do reino. Os escravos faziam de tudo: Eram carpinteiros, barbeiros, cozinheiros, vendedores, carregadores, lustradores de aluguel, serralheiros, amas; ocupavam qualquer tipo de profissão que se pudesse imaginar. Conforme a definição consagrada do jesuíta Antonil, eles eram “as mãos e os pés do Brasil (SCHWARCZ, 2014, p. 160). Conforme Schwarcz (2014), Debret figurou escravos nas mais diferentes situações e deu a eles ares gregos e romanos, tal como aprendeu em sua formação neoclássica francesa. Conforme a voga da época, era necessário buscar gestos nobres e atos gloriosos na antiguidade clássica e tal perspectiva entraria no país junto com a bagagem dos pintores recém-chegados. 43 Pela forma como Debret interpreta os escravos, Lima (2004) discorre que Debret não pretendia fazer dessas imagens um libelo abolicionista, mas tão-somente apresentar ao leitor mais um aspecto da realidade brasileira da época. Figura 8: Machine à Exprimer le jus de Canne à sucre (Engenho manual que faz caldo de cana) - 1822. Aquarela 17,6x24,5 cm. Fotográfo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Schwarcz (2014) menciona sobre a questão da composição de Debret, quando aborda que em vez de ele apenas reproduzir as imagens que encontrava, era bem melhor “traduzi-las”, conferindo ao local certa elevação moral. Como mostra o crítico Rodrigo Naves, em Schwarcz (p.160) não há por que procurar por verossimilhança na obra do pintor. Na verdade, ele tenta compatibilizar elementos díspares e até contraditórios, quando desenha escravos musculosos, atléticos; quase exemplos da antiguidade clássica (Figura 8). Pouca violência, raros sinais de fome ou de sevícias; 44 os escravos debretianos parecem basicamente saudáveis, mesmo que portando instrumentos como pegas e ganchos, que denotam violência e controle. A autora salienta também que a sociedade local se assemelha a um belo “modelo pitoresco” daqueles que os viajantes vinham procurar. O que Debret fez foi decalcar as referências que trazia em sua mala de viajante, conferindo mais dignidade a escravos e a um sistema que pouco combinava com as convicções políticas e filosóficas que tinha (SCHWARCZ, 2014, p. 160). Lilia Moritz Schwarcz é uma autora que associa claramente as aquarelas de Debret ao estilo pitoresco. A autora parece compreender o que o pintor pretendia nos dizer em entrelinhas, a sua linguagem, que era realmente a intenção conferir mais dignidade tanto para os escravos como para o sistema que os enquadrava. Contudo, de acordo com as leituras realizadas em referências bibliográficas, como também nas pinturas originais do artista cedidas pelo Museu Castro Maya, percebi que o pitoresco se revela na obra do Debret por três vias: pelo estilo (pitoresco social), pela temática (os negros escravos) e pelo uso da técnica da aquarela. Sobre a primeira das vias — o “pitoresco social” —, Argan (2010) frisa que se admite a existência de um pitoresco social, que encontra sua expressão nas cenas de costume e, na maioria das vezes, nas figurações de ciganos, camponeses etc., que fornecem o elemento anedótico frequentemente ligado à representação paisagística. É possível identificar que Debret adota esse estilo ao reproduzir cenas do cotidiano ou de costumes no Rio de Janeiro, no qual dá um enfoque na população mestiça em abundância naquela capital. Com relação à temática principal, foco da obra de Debret, podemos dizer que o pitoresco se apresenta nas cenas cotidianas do Rio de Janeiro, especificamente centradas na figura do negro escravo e suas atividades diárias. De acordo com Lima (2004), é justamente a intenção de resgatar as particularidades do país e do povo brasileiro que justifica o termo “pitoresco” na obra do Debret, e suas obras traduzem uma grande preocupação com a qualidade artística das imagens, que, executadas com o máximo de apuro, deveriam informar e emocionar o leitor, fazê-lo sonhar. A dimensão do pitoresco que encontramos nas aquarelas de Debret está relacionada certamente às cenas nas quais o negro é o seu principal protagonista na cidade do Rio de Janeiro, e aos variados costumes de uma sociedade ainda em formação. O artista volta-se aos usos e costumes da população negra, divulgando sua 45 representatividade, suas tradições, diante de um país que ainda estava em formação. De acordo com a autora, vê-se, portanto, que: o sentido do pitoresco na obra de Debret estava submetido às exigências de um discurso histórico em favor do qual o artista iria empregar suas imagens. Sua leitura do pitoresco passa, assim, pela necessidade de utilizar a imagem em seu discurso, o que situa sua produção entre os relatos, que se diferenciam, pelo uso da imagem pitoresca, das obras de caráter científico (LIMA, 2004, p.380). Como podemos perceber, o pitoresco se revela na obra desse artista abrangendo suas duas produções: as aquarelas e o livro. Um complementa o outro , se expressando, de certa forma, através das artes visuais, através da técnica da aquarela e da historiografia, por seus temas expressarem particularidades de um contexto social do século XIX. A presença do negro fornece para Debret elementos para que ele possa compor dentro do estilo pitoresco ligado, dessa forma, à representação social. Assim, pode-se dizer que o pitoresco se expressa na obra desse artista francês pela sua temática, focada primeiramente no “negro escravo”, que se mostra como figura exótica dentro daquele contexto social, no qual o artista os retrata de uma forma romantizada, realizando inúmeras atividades que lhes eram impostas. Ao observarmos uma aquarela do artista na qual o negro está presente, podemos ver corpos seminus que revelam uma beleza de caráter clássico, ressaltando uma condição muscular ideal, elementos esses ligados à sua formação acadêmica na França. Outro elemento que revela o pitoresco na obra desse artista é a o material da aquarela, que nesse momento encontrava-se em experimento. Mas já estava sendo usada por um grupo específico de artistas: os viajantes que acompanhavam as grandes expedições. Nesse momento, a técnica da aquarela estava associada a esse estilo pitoresco desde os primórdios, quando era aplicada por Gilpin, e foi retomada pelos artistas viajantes do século XIX, grupo esse que Debret acaba integrando, (por ter tido o projeto de produzir e publicar um livro dentro da literatura de viagem). Leenhardt (2008) aponta o artista como um estudioso que descreve nas suas aquarelas os costumes e crenças e as tradições de uma sociedade, relacionando-as à ciência das etnias, que se baseia na observação e levantamento de hipóteses, onde o etnólogo procurava descrever o que, na sua visão ou interpretação, está ocorrendo 46 no contexto pesquisado. De acordo com as colocações de Leenhardt, podemos dizer que as aquarelas de Debret que retratam os negros são, sem dúvida, a parte mais rica e elaborada do seu trabalho. Nelas, temos claramente uma etnografia dos usos e costumes brasileiros tais quais Debret os conheceu no Rio de Janeiro. É justamente nessas aquarelas que serviram de base para ilustrar o segundo volume do seu livro que Debret afirma a centralidade da contribuição dos negros e negras na formação da nação quando Debret menciona que “tudo assenta, pois, neste país, no escravo negro. Ainda de acordo com Leenhardt (2008), Debret se aproxima do estilo pitoresco mostrando nas suas aquarelas a questão do “trabalho”, demonstrando, a partir daí, que são os trabalhadores negros escravos que fazem o país. Assim, a obra de Debret no Brasil nos revela duas vertentes distintas. Na primeira delas, Debret acompanhou a trajetória de inúmeros outros artistas europeus viajantes. Segundo Costa (2015), enquanto esteve no Rio de Janeiro o pintor circulou por fronteiras culturais diversas e, deste modo, pôde apreender a heterogeneidade da sociedade brasileira em representações múltiplas de uma sociedade predominantemente negra, índia, mestiça. E sobre sua condição, ele frisa a colocação de Sandra Pesavento: viajante-residente ou passante-ficante, o artista manifestou em suas imagens um alheamento no olhar típico do visitante, que sem raízes na terra, vindo de outras paragens, têm outros marcos de referência para apreciação, com o que se apresentam como portadores de um certo estranhamento no olhar (PESAVENTO, apud COSTA, 2015, p. 174). 47 Figura 9: Negros ao tronco – 1826. Aquarela 14,9x22,6 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya. Rio de Janeiro. Lima (2004) frisa que embora critique a crueldade dos feitores, Debret menciona a benevolência dos portugueses no trato de seus escravos e justifica os castigos aplicados com base na legislação. Seus registros de tais punições são coerentes com sua proposta de documentar todos os aspectos da realidade brasileira, e não uma crítica abolicionista. Costa (2015) discorre que estas imagens denunciavam uma realidade extraeuropeia considerada exótica e que, pelo intermédio dos referenciais fornecidos, pelo pitoresco tornava-se accessível. O autor ainda acrescenta: O pitoresco em Debret não se caracterizou apenas com título com o qual o autor alinhou sua obra a um subgênero particular na literatura de viajantes. O pitoresco assumiu um valor com sentido programático, modelando olhares e orientando escolhas, vale dizer, indispensável para a compreensão do seu pensamento a respeito do Brasil, o Brasil pitoresco de Debret (COSTA, 2015, p. 182). O autor aborda uma das características do pitoresco quando aponta que o artista “orientava suas escolhas”, pois dentro deste estilo cabia a ele, portanto, escolher as cenas que iriam compor suas aquarelas. 48 Figura 10: Les Barbiers Ambulants (Barbeiros ambulantes) – 1826. Aquarela 18,7x23 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. O artista costumava primeiramente fazer esboços, para depois compor sua aquarela. Nesta obra dos Barbeiros ambulantes, como nas demais colocadas aqui, é possível perceber várias situações ocorrendo dentro de um quadro só. Esta variedade, por sua vez, condiz com uma das características do estilo pitoresco. Pois, como salienta Argan (2010), “o conceito-base do pitoresco é a variedade”. Uma paisagem pitoresca deve ser várias, isto é, conter elementos diversos. Debret, por sua vez, sempre costumava descrever suas aquarelas e sobre esta diz: “Um pedaço de sabão, uma bacia de barbeiro de cobre, quebrada ou, ao menos, amassada, duas navalhas e um par de tesouras, embrulhados num lenço velho à guisa de maleta; tais são os instrumentos com que esses jovens barbeiros se contentam (...) A cena desenhada aqui se passa nas proximidades do Lago do Palácio, perto do mercado do peixe. Dois negros sentados no chão; a medalha daquele que está ensaboado indica seu emprego na alfandega” (CORRÊA DO LAGO; BANDEIRA, 2017, p. 206). 49 Figura: 11: Dia Dentrudo (Carnaval) - 1826. Aquarela 18x23 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Os momentos recolhidos por Debret mapeiam as relações sociais, indicando as combinações e ajustes que se faziam, por meio de determinadas práticas como as festas. Na cena de carnaval, por exemplo, a descrição de Debret vai formando, ao redor de uma mesma tradição, negros e brancos, africanos, brasileiros e europeus, ricos e pobres. Ao longo de três dias, esses grupos se permitem uma “familiaridade espontânea”, impensável já no quarto dia (LIMA, 2007, p. 286). Ainda sobre esta obra (Figura 11), podemos dizer que ela está composta por uma variedade de cenas diferentes, apesar de estar retratando o carnaval. Em primeiro plano as figuras próximas e coloridas trabalham e se divertem ao mesmo tempo, enquanto há outros ambientes e situações ocorrendo aos fundos, em cenas 50 mais distanciadas onde as tonalidades mais claras refletem pessoas na varanda de uma casa, montanhas e escravos levando coisas na cabeça, onde quase tudo se confunde, devido à suavidade das cores. Figura: 12: Retour em ville d’um proprietaire de chácara (Volta à cidade de um proprietário de chácara) - 1822. Aquarela 16,2x24,5 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acerco do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Do ponto de vista de Lima (2004), os corpos seminus valorizam a beleza clássica, sendo associados aos valores superiores da civilização em que se afirmavam na ideia de um trabalho, pela dignidade do esforço físico e pela sugestão de pertencimento ao grande projeto de fazer avançar a civilização no país, esforço que, como já pontuara o autor, recaem em grande parte nas mãos da raça negra. E que em geral, envolvidos com o trabalho incessante, negros e negras expõe sua força vital e uma presença espiritual que ultrapassam o caráter documental das cenas em que são representados (LIMA, 2004, p. 294). Assim, por um lado, Costa (2015) aponta que consta a preocupação com uma elaboração favorável do homem escravo. Alguns de seus personagens são graciosos de caráter realista, com um tratamento plástico marcadamente classicista. 51 Figura: 13: Loge (sic) da Rua do Valongo 1820-1830 C. Aquarela 17,5x26,2 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Leenhardt (2016) frisa a questão do estranhamento do europeu perante a situação da escravidão no Brasil e salienta ter sido Debret quem estudou e retratou de maneira mais peculiar o efeito desse sistema sobre a sociedade deste país, quando menciona que Debret certamente não foi o único a chocar-se com as formas de violência produzidas pela escravidão, de uma ponta a outra da cadeia ao tráfico. Ele, no entanto, foi quem analisou de maneira mais sistemática as consequências dessas formas de violência sobre a sociedade brasileira. Para que as relações entre os cidadãos não permanecessem sobre a lei da violência na qual se fundava a economia escravocrata (LEENHARDT, 2016, p. 18). Foi possível identificar o pitoresco nas aquarelas de Jean-Baptiste Debret a partir de três vias diretas: do estilo; do tema; e da técnica. Pois o estilo identificava-se com o pitoresco através da temática das suas obras que retratava um cotidiano exótico 52 (tendo como modelo e fonte de inspiração o negro) através da técnica da aquarela, em um momento no qual os artistas estavam promovendo mudanças no âmbito das artes visuais envolvendo essas três vias mencionadas no início do parágrafo. 53 CAPÍTULO 3: ANÁLISE E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO LIVRO VIAGEM PITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL Jean Baptiste Debret nasce em Paris em 18 de abril de 1768, filho mais velho de Jacques Debret, escrivão do parlamento da Capital, e de Elizabeth Joudain. Como Jacques-Louis David16, Debret teve uma educação humanista primorosa e de forte influência enciclopedista no Lycée Louis-le-Grand, considerado o estabelecimento de ensino mais moderno de seu tempo. Foi lá que se formaram dois notórios jacobinos: Robespierre e Camille Desmoulins, os companheiros revolucionários de David. Em 1783, após terminar os estudos no Liceu Louis-Le-Grand, Debret torna-se aluno de David no mesmo ano em que seu mestre foi recebido na Academia. Em 1785 ingressa como estudante de pintura na Academie Royale de Pinture et Sculpture. Em outubro de 1793 é aceito na École Nationale des ponts et Chaussées, graças as recomendações de David. Em 1807, ocorre a viagem a Roma e realização da série Costumes Italiens, gravada em 1808 (BANDEIRA; LAGO, 2009). De acordo com essa informação, podemos dizer que Debret deu início a sua pintura pitoresca nesse momento em que esteve na Itália, lugar de origem desse termo. Já em paralelo à sua atividade como pintor da glória napoleônica, Debret organiza um pequeno álbum de gravuras, onde encontramos personagens típicos italianos que retratam, em cores, os hábitos e costumes da população. Mais tarde, ao observar a população brasileira, Debret vai retomar essa experiência “vestindo” seus tipos de trajes de escravos, índios e brancos livres (LIMA, 2004, p.14). Da mesma forma ocorre quando Debret está no Brasil, a pintura pitoresca em suas aquarelas ocorre também em paralelo a sua atividade na corte portuguesa. Lima (2004) frisa que Debret foi um artista inserido em seu tempo: frequentou um ateliê de pintura, realizou a imprescindível experiência de estudos na Itália, ingressou na Academia de Belas-Artes francesa, esteve presente nos Salões organizados por essa instituição e recebeu alguns prêmios por suas cenas históricas. Na infância, desfrutou de um ambiente em que o pai, funcionário público, demonstrava grande interesse pela história natural. Esse fato sugere uma certa 16 Jacques-Louis David foi um pintor francês, o mais característico representante do neoclassicismo. Controlou, durante anos, a atividade artística francesa, sendo o pintor oficial da corte francesa e de Napoleão Bonaparte. 54 familiaridade de Debret com os debates em torno dessa disciplina, fundamental para sua experiência futura como “artista-viajante”. Ainda adolescente, Debret passa a frequentar o ateliê de Jacques-Louis David (1748-1825), seu primo, que viria a ter uma das trajetórias mais importantes e mais conhecidas da arte francesa. Aos 16 anos, Debret vai com o primo para Roma. E em 1784 Debret entra para a Academia Real de Pintura e Escultura da França (LIMA, 2004). É possível perceber a influência que David, mestre do Neoclássico17 e primo de Debret, teve em sua vida. Podemos, assim, afirmar que a influência está presente em dois sentidos no que diz respeito ao seu trabalho: na sua pintura “oficial”, neoclássica, ligada às encomendas da corte e/ou alguma instituição; e na “extra - oficial”, livre das regras dos ateliês, pintando também o que se via e o que se sentia, contribuindo dessa forma para a originalidade da sua pintura, do seu trabalho, assim como recomendou seu primo e mestre David. É exatamente isso que Debret faz ao chegar ao Brasil, quando vai mergulhar na sua segunda faceta, a “extra-oficial”. De acordo com Bandeira, ele retoma uma prática que havia iniciado na Itália, a de pintar “cenas do cotidiano” e “figuras populares” (2008, p. 09). Dessa forma, e ainda segundo o mesmo autor, graças a Debret somos informados sobre como se vestiam, trabalhavam e se divertiam gente rica e gente simples, livres e escravos. O ano de 1806 marca a entrada de Debret no âmbito das representações pictóricas dedicadas à glória de Napoleão. O objetivo era informar a população a respeito das campanhas napoleônicas e exaltar a figura daquele que foi o grande general do exército francês, primeiro-cônsul e, por fim, imperador. Esse foi um momento especial na carreira de Debret, que se tornou, a partir de então, um dos artistas mais estimados entre seus contemporâneos (LIMA, 2004, p. 12). Feita uma retrospectiva da vida e carreira de Debret, agora se faz viável mencionar quais os supostos motivos que levariam Debret a emigrar e como esse artista veio ao Brasil, bem como qual o propósito da sua vinda. Podemos começar colocando como um dos motivos primeiros da vinda desse artista o fim do império napoleônico. Em 1815, um ano antes da decisão de Debret vir para o Brasil, aconteceu a Batalha de Waterloo e a derrota definitiva de Napoleão, fato esse que contribuiu para que houvesse o retorno da dinastia dos Bourbon na França. 17 Foi um movimento artístico. Surge nas últimas décadas do século XVIII e nas primeiras do século XIX. Tinha a história como modelo, valorizava as academias; os artistas deveriam fazer cópias das obras antigas; marcado pela era napoleônica. 55 Os artistas associados à figura de Napoleão não seriam bem-vindos. Com a queda de Bonaparte, Debret perdeu seu principal mecenas, o que certamente o motivou a integrar-se à Missão Francesa que chegaria ao Brasil em 1816. Veremos, a seguir, que a opinião de diversos autores coincide no que diz respeito aos motivos de sua vinda. De acordo com Bandeira (2000, p. 44), Debret fora levado a partir para o Brasil diante de uma dupla perda: Waterloo e a morte de seu único filho. Outro possível motivo encontrado diz respeito ao exílio de David em Bruxelas. Coagido que foi este último a refugiar-se na Bélgica por suas ligações políticas, certamente deve ter influenciado na decisão de Debret viajar para o Brasil. Aqui acabaria se tornado, junto com Grandejean de Montigny, a mais influente voz entre os artistas componentes da Missão Artística Francesa (BANDEIRA, 2003). Lima (2004) aborda que Debret passava nesse momento por um abalo psicológico causado pela desestruturação familiar, sua carreira viu-se prejudicada pelo retorno da monarquia dos Bourbon ao poder na França. Os artistas associados a Napoleão não seriam bem-vindos entre os monarcas restaurados. Taunay (1956) aponta que Debret vira morrer-lhe o filho único e queria viajar para distrair-se. Encontrava-se Debret não só deprimido pelos acontecimentos, como em más condições econômicas, estancadas as antigas fontes de bem-estar (PRADO, 1989, p. 33). A Jean Baptiste, aconselhavam parentes e amigos o que ele mesmo desejava: que viajasse para atenuar desgostos e conseguir novos meios de vida. Providencialmente, apareceu a ocasião suscitada por convite para trabalhar na Rússia. Na mesma altura, surgiu uma segunda oferta aos artistas mal vistos em Paris pela “legitimité”. Diante de tantos desconfortos, cogitaria o Conde da Barca, ministro de D. João, contratar os parisienses que estavam ansiosos para virem ao Brasil (PRADO, 1989, p. 34). Prado (1989) ainda aponta que Debret e seus companheiros preferiram o Brasil. Além do mais, afigurava mais interesse o país descrito pelos numerosos franceses que acorriam ao Rio de Janeiro, os quais narravam os atrativos da paisagem, da fauna e da flora do trópico e o pitoresco dos usos e costumes de seus habitantes. 56 Como podemos ver, era um momento bastante delicado e doloroso de sua vida. E, talvez, ele tenha se sentido como se não tivesse mais nada a perder, aceitando fazer parte da viagem ao Brasil, terra conhecida pelo seu exotismo e longínqua. De certa forma, a aventura brasileira ao lado dos companheiros até então sem perspectivas parecia lhe ter devolvido a alegria, ou pelo menos a alegria de viver uma nova vida em novo contexto. Sob a qualificação de “pintor de história”, Debret juntou- se à Missão Artística. Esclarecidos os motivos de sua decisão de vir ao Brasil, faz-se necessário apontar como este artista chega ao Rio de Janeiro, por meio da “colônia Lebreton”, também conhecida como missão artística francesa. De uma forma geral, pode-se dizer que a Missão Artística Francesa se constituiu num grupo de artistas e artífices franceses que, deslocando-se para o Brasil, trouxe novidades no âmbito das artes18 ao país, introduzindo o sistema de ensino superior acadêmico (Artes). Esse era o objetivo primeiro da Missão: fundar uma Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. Schwarcz (2008) cogita duas perguntas sobre o que seria essa missão, se vinha a ser um plano estratégico de D. João e de sua corte ou uma espécie de exílio, um afastamento compulsório de artistas ligados as lides napoleônicas? Supõe ainda que a Missão Francesa de 1816 pode ter surgido através da conjunção de duas situações: de um lado uma série de artistas, formados pela Academia de Artes Francesa, no mais estrito estilo neoclássico, vinculados ao Estado napoleônico e inesperadamente desempregados. De outro, uma corte estacionada nos trópicos, longe, portanto da metrópole europeia e carente de uma representação oficial (SCHWARCZ, 2008, p.13). A referida autora diz ter sido dessa maneira e das conjunções dessas duas situações que surgiu aquela que é hoje conhecida como a Missão Francesa de 1816, ou então a colônia francesa, denominação que naquele contexto se deu ao atual grupo de artistas, o qual aportou no país em inícios do século XIX. E discorre: nada como um casamento feliz de eventualidades (SCHWARCZ, 2008, p.14). Porém, Bandeira (2003) aponta em seu ensaio sobre a missão artística francesa a colocação do historiador Taunay19, na qual ele menciona que a iniciativa 18 Que até então era voltada para temáticas religiosas apenas. 19 Descendente de Nicolas Antoine Taunay, artista que integrava a missão artística francesa de 1816. 57 teria partido de Antônio de Araújo Azevedo, o conde da Barca, com o apoio de Dom João VI. De acordo com Taunay (1956), O Conde da Barca, que era homem de cultura, escreveu ao Marquês de Marialva, embaixador recentemente (1815), e mandou-lhe ordens para que contratasse quanto antes os docentes da nova academia e alguns hábeis mestres de ofícios de que também muito precisava o Brasil, onde as indústrias estariam atrasadíssimas. Só não se sabe em que questão ele estava pouco inteirado, como frisa Schwarcz (2008). Seria com relação a situação pessoal e política que envolvia esses artistas ou sobre a vinda, a qual ele mesmo ordenou a contratação? Xexéu frisa como um dos maiores motivos da vinda da missão a situação política que estava desfavorável: tratou-se de uma hipótese com a probabilidade de ser a mais correta, já que Lebreton e Taunay já não eram jovens e somente uma situação-limite, o desfavor político, os fariam tomar a drástica decisão de abandonar a França, a Europa, e aventurar-se em um lugar pouco conhecido e considerado exótico como o Brasil (XEXÉU, 2003, p. 68). Como mais um dos motivos referentes à vinda desses artistas, o autor expõe a colocação do historiador Taunay sobre o objetivo da vinda desses artistas franceses: A série de ilustríssimas fundações, devidas à ação real desde 1808, quis o ilustre homem de estado ajuntar um instituto artístico: uma Academia de Belas-Artes que viria a ser a primeira criada na América do Sul (XEXÉU, 2003, p. 67). Ainda de acordo com o mesmo autor, consta-se que ele evidencia que a ideia original que norteou a seleção de artistas e artesãos fora a fundação de um Liceu de Artes e Ofícios, mas do que uma Escola de Belas-Artes, o que se evidencia no primeiro nome da instituição, que teve outras denominações até sua inauguração tardia, dez anos depois da chegada dos franceses. A organização da Missão de 1816 ocorreu quando D. João, príncipe regente de Portugal, se viu obrigado a refugiar-se no Brasil. O Rio de Janeiro, agora capital da monarquia portuguesa, necessitava de estabelecimentos de educação que 58 completassem iniciativas levadas a cabo desde 1808. D. João tomou medidas que favoreceram o país, a abertura dos portos20 foi uma delas (TAUNAY, 1956, p. 7). De acordo com Gomes Pereira (2008), a vinda do príncipe regente e da Corte portuguesa em 1808 promoveu, no Brasil, uma grande transformação política, econômica e cultural. É apenas em 1808, logo após a abertura dos portos do Brasil, que a curiosidade estrangeira, durante tanto tempo represada, ganha oportunidade para finalmente conhecer e reconhecer a famosa natureza do Brasil. Até então, os portugueses, ciosos em preservar sua rica colônia, haviam feito de tudo para evitar que os estrangeiros dominassem, invadissem ou simplesmente conhecessem suas terras americanas (SCHWARCZ; VAREJÃO, 2014, p. 155). Sobre a abertura dos portos, podemos dizer que ocasionou consequências importantes também no plano cultural, já que, além dos comerciantes, passaram a entrar livremente no Brasil cientistas e estudiosos de variados tipos, interessados em conhecer o país. Nesse momento, passam a ocorrer importantes expedições científicas, promovendo um levantamento sobre a realidade do país. Debret chegou ao Brasil em 25 de março de 1816, no veleiro Calpe, junto com outros participantes de que se convencionou chamar Missão Artística Francesa. O grupo era chefiado por Joachim Lebreton, antigo secretário da classe de Belas-Artes do Institut de France. Vieram, inicialmente, organizar o ensino das artes e ofícios no Rio de Janeiro, que era então a sede da monarquia portuguesa (XEXÉU, 2003, p. 73). De acordo com Schwarcz (2008), os artistas traziam na bagagem uma arte neoclássica, cujo modelo implicava buscar na Antiguidade os rastros das glórias perdidas e os modelos de virtude. Dessa maneira, Debret acompanhou todo processo político de aclamação de D. João VI, declaração de independência e coroação de D. Pedro, organização do império, abdicação do primeiro imperador e aclamação do seu filho D. Pedro II. É esse o contexto histórico em que se situam os artistas vindos na missão. Então, como podemos ver, o objetivo principal do grupo era implantar no Brasil a educação artística com caráter oficial. Franco (1974) assim discorre: 20 Ocorre em 28 de janeiro de 1808 a “abertura dos portos às nações amigas”, fato esse que muito contribuiu para a vinda das chamadas “Missões científicas e artísticas” ao Brasil. Como também assegurava aos estrangeiros o direito de receber sesmarias (terras) nas mesmas condições que os portugueses. 59 Mas, de um lado, havia os franceses, levados pelo empenho louvável de executar com esmero a missão que lhes havia sido confiada, e, do outro, a inépcia interesseira de medíocres artistas portugueses, chefiados pelo pseudo pintor Henrique Silva, artista incompetente, mas cortesão combativo e ambicioso, conhecedor dos meandros da emperrada e ignorante burocracia de D. João VI. Henrique Silva, nomeado diretor da Academia, durante anos entorpeceu a ação dos franceses, provocando intrigas e providências administrativas contraditórias e longas polêmicas de imprensa, nas quais Debret se envolveu (FRANCO,1974, p. 44). Todo esse conflito atrasou, portanto, a inauguração da Academia, que, de acordo com Lima (2004), só veio ocorrer em cinco de novembro de 1826. Depois de longas marchas e contra-marchas, disputas com funcionários da coroa e artistas locais, tais como o pintor português Henrique José da Silva (1772- 1834), os franceses, liderados por Debret e Grandjen de Montigny, materializaram o sonho embalado desde 1816 com a inauguração do prédio da Academia Imperial de Belas Artes (BANDEIRA, 2006, p. 73). A atuação de Debret como professor no Brasil foi notável, sobretudo levando - se em consideração as enormes dificuldades enfrentadas pelos mestres franceses na implantação da Academia, motivadas em grande parte pela rivalidade com o pintor português Henrique José da Silva, designado diretor da Academia após a morte de Lebreton, em 1818. Dessa maneira, Franco (1974) menciona que Debret só conseguiu estabelecer sua aula de pintura depois da derrota de Henrique Silva. Pois, antes disso, Debret era como se fosse um funcionário fantasma, recebia, mas não tinha lugar para lecionar como professor de pintura histórica. Segundo aponta Vilaça (1993), “Como uma das consequências da missão, pode-se dizer que marcou, desde suas primeiras atividades, a ruptura, sob as influências de uma concepção nova da arte de tradição colonial, de origem portuguesa, e o conflito entre a arte de expressão litúrgica e o laicismo21 francês, importado pela missão” (VILAÇA, 1993, p. 453). Bandeira (2003) frisa que há prós e contras apresentados por historiadores e críticos na avaliação dessas consequências que ocorreram no Brasil com a chegada dos artistas franceses no âmbito das artes. Aponta um argumento clássico contrário à 21 Que rejeitava a influência da igreja considerando que os assuntos religiosos devem pertencer somente à esfera privada do indivíduo. 60 influência dos artistas franceses e seus imediatos seguidores brasileiros, mencionando que o desenvolvimento natural da arte brasileira dentro dos princípios formais do Barroco foi interrompido abruptamente por uma proposta alienígena que impediu a continuidade da trajetória natural da nossa arte, formulada no período colonial. Ainda sobre as supostas consequências positivas e negativas, Bandeira afirma que pessoalmente concorda com o historiador de arte e crítico Mário Barata, em seu ensaio As Artes Plásticas de 1808 a 1889, quando diz que: “A missão não pode ser culpada de haver cortado o desenvolvimento do Barroco no Brasil. Este corte foi devido à própria situação histórica” (2006, p. 69). O mesmo autor ainda argumenta que foi a ação dos membros da missão e da Academia por eles estruturadas que possibilitou a profissionalização em grande escala de inúmeras gerações de artistas brasileiros durante o transcorrer do século XIX. A Missão trouxe um sistema de ensino em academia ainda inexistente na própria metrópole lusa, que não havia atingido esse estágio de educação e representatividade artísticas, que no século XVII já se generalizava em tantas cidades europeias de importância, ampliando-se no século XVIII, mas não chegando a Portugal. “Nenhum país na Europa produzia número tão limitado de poetas e pintores como Portugal” (WEFFORT, 2000, p. 46). Podemos dizer que a missão de fato abriu uma era nova para a arte brasileira. Houve terríveis dificuldades concretas, intrigas, difamações mesquinhas, até que conseguissem os franceses criar aqui a primeira Academia de Belas Artes. Foi uma batalha surda e terrível. E Debret, de uma coragem, de uma persistência notável. Uma quase obstinação. Havia nele entusiasmo pelo Brasil. E pela sua tarefa (VILAÇA, 1993, p. 22/23). A ação dos artistas franceses também nos legou um tesouro de obras de arte, de imagens: Cenas urbanas, paisagens, composições que dão testemunho de eventos históricos, que retratam personagens importantes do período, que ilustram os usos e costumes do Brasil de então e que, hoje, nos fazem conhecer melhor a nós mesmos. Os artistas, que partiram do Havre em 22 de janeiro, no veleiro norte-americano Calpe, fazem parte de um capítulo formativo e inesquecível da nossa história cultural e artística (XEXÉU, 2006, p. 70). 61 Debret é visto pelos autores como sendo o maior pintor da missão, como podemos ver em mais de uma opinião. São mencionados como sendo uns de seus maiores membros Nicolas Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret. O primeiro, por sua representatividade no cenário artístico francês do final do século XVIII e início do XIX, e o segundo por sua importância para o conhecimento da sociedade brasileira do começo deste último século, que descreveu em centenas de desenhos e aquarelas, plenas de vivacidade e elegância, feitos para serem incorporados à sua obra máxima, a Voyage Pittoresque et Histórique au Brésil (1834-1835-1839) (XEXÉU, 2003, p. 73). Corrêa do Lago (2017) discorre sobre a questão da fama de Debret, se teria ficado conhecido caso não tivesse lançado o Livro da Viagem Pitoresca22, frisando que ainda que Debret não tivesse publicado este ambicioso álbum de gravuras, conhecido no Brasil como Viagem Pitoresca23, e tivesse preferido se contentar em nos deixar apenas sua imensa obra gráfica de mais de 830 esboços, aquarelas e desenhos o pintor francês seria mesmo assim reconhecido hoje como o maior de nossos artistas viajantes do século XIX. Está claro que o livro produzido por Debret é mais ressaltado do que suas aquarelas. E que o pitoresco é quase sempre a ele associado com relação à viagem descrita no livro. Mesmo que a ideia do livro tenha sido paralela à produção das aquarelas, e que para o livro conter imagens tenha sido preciso que antes ele reproduzisse as aquarelas, mais tarde usadas como base para as litografias. Sobre a litografia, Lima (2004) aponta ser uma técnica de impressão que revolucionou o mercado das gravuras no início do século XIX, permitindo maior rapidez e recursos mais diversificados no processo de reprodução de imagens. Debret transformou suas aquarelas em litografias, exercendo, ele mesmo, a função de litógrafo no estabelecimento dos irmãos Thierry, sucessores de Engelmann em Paris. Não sabemos quando Debret teria aprendido essa técnica, mas tudo indica que nos dois anos em que preparou seus originais para publicação ele se tenha capacitado e tenha realizado algo que não era comum entre as publicações de livros de viagem: que o próprio autor das imagens as litografasse. Ao dar às suas aquarelas 22Essas viagens tinham a intenção de resgatar as particularidades de um povo, o que justifica o termo “pitoresca”; tornaram-se cada vez mais referências para se compreender a reflexão dos viajantes a respeito do momento histórico em que viviam (LIMA, 2004, p. 30 - 32). 23 Que disseminou sua obra e consolidou sua fama (CORRÊA DO LAGO, 2017, p. 55). 62 a forma litográfica, Debret tem consciência de seu poder de divulgação (LIMA, 2007, p. 31). Sobre a técnica da litografia, os autores Corrêa do Lago e Bandeira (2017, p. 59) frisam que a litografia técnica de impressão de gravuras escolhida por Debret para seu livro era um processo de descoberta relativamente recente, mas que já estava revolucionando a gravura na França e seria exatamente usado pelos maiores artistas da geração seguinte à de Debret. Os autores ainda explicam como se procede com relação a essa técnica. No processo da litografia, desenha-se sobre uma pedra calcária, lisa e porosa, a imagem desejada com instrumentos apropriados, como lápis e pincéis especiais. Para a impressão, coloca-se a folha de papel sobre a pedra úmida e preparada e usa-se a prensa para obter a estampa. O artista executa geralmente o desenho preparatório num papel transparente de decalque, que tem a vantagem de permitir-lhe reproduzir sua imagem original sem precisar invertê-la (CORRÊA DO LAGO, BANDEIRA, 2017, p. 59). Foi, sem dúvida, o seu livro que o tornou famoso principalmente no Brasil, onde a edição original é um dos mais preciosos itens da nossa bibliografia histórica e artística (BANDEIRA, 2003, p.108). Sobre a ideia de quando e como surgiu o pensamento do livro no espírito de Debret são questões pouco documentadas, e só restam alguns parcos indícios para supor as etapas de desenvolvimento do projeto, à medida que o pintor estendia sua estadia no Brasil. A ideia do álbum deve, portanto, ter crescido em Debret por volta de 1820 e em 1821, o conceito do livro já havia amadurecido o suficiente para que o pintor realizasse uma página de rosto na tentativa da futura obra, datável de antes de 1822, pois carrega ainda o Brasão do Reino Unido de Portugal e Brasil (BANDEIRA; CORRÊA DO LAGO, 2017. p. 56-57). Segundo Schwarcz (2014), não se sabe se o pintor chegou ao Rio de Janeiro com o plano de documentar a terra e produzir um livro sobre essa parte curiosa do novo mundo, que tanto interesse despertava. De toda maneira, essa era uma voga bastante arraigada e os livros pitorescos de lugares exóticos e longínquos apareciam por todas as partes, constituindo um mercado promissor. Sobre a temática, Corrêa do Lago (2017) aponta que, desde o início, é provável que Debret não pretendesse inserir muitas paisagens brasileiras no seu Viagem 63 Pitoresca, álbum que o pintor concebia, sobretudo, com retratos dos costumes citadinos do Rio de Janeiro, da vida oficial, dos índios e dos negros do Brasil. Ao deixar o Império, levava Debret o material, tão avultado quanto precioso, que o habilitou a escrever a sua famosa e monumental obra Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, dedicada à Academia das Belas Artes do Instituto de França (TAUNAY, 1956, p. 280). Segundo a Diretora dos Museus Casto Maya, Vera Alencar, depois de passar quinze anos de sua vida no Rio de Janeiro, o pintor francês voltava à França tendo como projeto a edição de um livro ilustrado com gravuras tiradas da imensa coleção de aquarelas e desenhos executados no Brasil. Assim, em 1834 Debret publicava o primeiro volume de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em que recontava ao ávido público europeu um verdadeiro rio de novidades: os particulares da vida nesse lugar novo, distante, quente e exótico (ALENCAR, 2015, p. 6). De volta à sua casa natal, Debret dedica-se quase que exclusivamente à organização do material que trouxe do Brasil, cuidando ele mesmo das litografias feitas a partir de suas aquarelas e dos textos que comporiam os fascículos de sua obra. Esta atitude particulariza sua obra diante de outros exemplares da literatura de viagem (LIMA, 2004, p. 28), pois o que costumava acontecer, na maioria das vezes, era que os artistas que faziam registros feitos durante viagens e expedições atribuíam a terceiros a tarefa de elaborar as gravuras e textos finais para publicação. Não foi o caso de Debret, que se se dedicou minuciosamente desde o início ao seu trabalho de publicar esse livro em três volumes. Lima (2004) frisa a questão da origem das imagens, direcionando-as não apenas ao talento do artista, mas também a um grande interesse da época por livros de viagem, o que podemos supor que esse fator tenha contribuído para a ideia do artista de ter posto em prática seu projeto dentro desse gênero literário e artístico. Em outras palavras, a força das imagens reunidas por Debret em seus volumes sobre o Brasil não tem origem apenas em seu talento e habilidade artística, mas em uma demanda da época por livros ilustrados. Esta e mais algumas características formais de seus volumes indicam como estava conectado com o mundo editorial da época, adotando alguns princípios básicos desse gênero literário e atraindo, assim, o interesse do público por sua obra. 64 De acordo com Bandeira e Corrêa do Lago, Debret escolhe para seu livro o título de Viagem pitoresca. Não por acaso, é o mesmo que escolherá Rugendas, no ano seguinte, para sua própria obra, outro álbum in-fólio ilustrado com 100 gravuras. Ainda sobre a questão do pitoresco na obra do artista francês, os autores frisam que nos álbuns “pitorescos”, tanto no caso de Rugendas quanto no de Debret, essa palavra assume também uma conotação de “variedade”, que é certamente uma característica destes que são os mais famosos livros ilustrados sobre o Brasil do século XIX. E na preparação do seu livro escolhe aquelas imagens mais “pitorescas”, para as quais prevê maior interesse e aceitação entre o público que pretende atingir. Nesse processo, junta, muitas vezes, numa mesma composição, em vista da futura gravura, duas ou mais das aquarelas executadas no Brasil, sobretudo, quando as cenas lhe parecem relacionadas entre si. Já várias outras aquarelas são copiadas exatamente iguais na pedra litográfica (BANDEIRA; CORRÊA DO LAGO, 2017, p. 60). Ainda sobre o livro, os mesmos autores frisam que a obra foi concebida por Debret e Didot, seu impressor, como um tríptico que abordaria em cada volume um grupo de assuntos. O primeiro volume contém 48 pranchas numeradas, das quais 36 são dedicadas aos índios e 12 à natureza brasileira, além de duas não numeradas, o retrato de Debret e um mapa do Brasil. O assunto exclusivo do é a vida dos índios, seus artefatos e utensílios e a flora, esta última dividida nas seções “Florestas Virgens do Brasil” e “Estatística Vegetal”. O segundo tomo contém 49 pranchas numeradas e uma não numerada correspondente a da Baía do Rio de Janeiro. É dedicado à vida urbana e aos costumes do Rio de Janeiro e seus arredores. O terceiro tomo, terminado em dezembro de 1838, segundo folheto de Didot, é geralmente considerado como publicado em 1839. Contém um texto mais volumoso, 54 pranchas numeradas, uma planta não numerada da cidade do Rio de Janeiro e a carta de D. Pedro I. O volume III é ainda dedicado aos costumes da capital, com ênfase na vida oficial e da Corte, e contem algumas vistas (2017, p. 58). Tais informações podem ser conferidas nas páginas seguintes, nas quais será possível certificar detalhes dos três volumes do livro de Debret, bem como as intenções desse artista, a estrutura do livro, ano e lugar de publicação. Esses detalhes que estão presente nas variadas referências de estudiosos no assunto, como também nas edições originais conferidas na Biblioteca do Instituto Ricardo Brennand. 65 Figura 14: Contra capa do primeiro volume do livro de Debret (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. 66 Figura 15: Primeira capa interna do livro (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 – Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. 67 Figura 16: Segunda capa interna do livro (1834). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. . Através do acesso que tive aos três livros originais de Debret e do manuseio minucioso que pude fazer, me foi possível constatar as seguintes informações sobre o primeiro volume, o qual o artista também chama de “Tomo”24: lançado no ano de 1834, de tamanho 49,9 cm x 34, 1 cm, contém um total de 36 pranchas e aproximadamente 75 páginas distribuídas entre a parte escrita e a parte iconográfica. Possui capa dura com detalhes de couro trazendo um brasão também presente nos demais livros. O título presente na capa do livro original não traz o nome “pitoresca” nem “histórica”. Apenas: DEBRET VOYAGE AU BRÉSIL I. Está assim descrito na 24 Divisão editorial de uma obra. 68 capa dura, mas, dentro, a obra traz o nome que conhecemos: Voyage Pittoresque et Historique au Brésil. Como temática central, trata-se dos povos indígenas e objetos que compõem seu universo como instrumentos musicais, armas, plantas e frutas. O artista classificou cada tribo existente e suas devidas características. Figura 17: Brasão presente nas três capas da primeira edição da obra de Debret. Foto: Maria Luíza Moreira, abril 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. 69 Figura 18: Prancha Nº 1 Vol. I (1834) – Chefe Camacan Mongoyo Foto: Maria Luíza Moreira, 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. 70 Figura 19: Filles sauvage Camacam (filha de Camacam). Prancha Nº 2 Vol. I (1834). Foto: Maria Luíza Moreira, 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. Observa-se, na parte iconográfica, que as imagens masculinas sempre antecedem às femininas. Debret aponta em seu livro que o que o motivou a dar início ao primeiro volume da sua coleção diz respeito a dois dias depois da sua chegada ao Rio de Janeiro, mostraram-lhe indígenas botocudos, já instigando o artista a retratá-los. Sobre esse fato, o próprio artista acrescenta: Quanto à história particular dos selvagens, uma circunstância feliz forneceu-me os primeiros materiais: dois dias apenas depois de nossa chegada, foi-nos dado ver indígenas botocudos recém-trazidos ao Rio 71 de Janeiro por um viajante que me facilitou desenhá-los com cuidado, acrescentado a essa amabilidade informações tão fidedignas quão interessantes acerca dos costumes desses índios entre os quais vivera. O caso levou-me assim a iniciar, no centro de uma capital civilizada, essa coleção particular dos selvagens, que eu devia acabar nas florestas virgens do Brasil (DEBRET, [19--] p. 13). Ainda na introdução do seu livro no volume I, Debret ([19--] p.14) aponta: “A obra que ofereço ao público é uma descrição fiel do caráter e dos costumes dos brasileiros em geral. Devo, portanto, a fim de seguir uma ordem lógica, começar pela história do índio selvagem, primeiro habitante desta parte do globo tão admirada pela abundância dos benefícios que a natureza lhe prodigalizou”. Debret frisa ainda um segundo motivo que o impulsionou a iniciar seu livro, o qual ele menciona o momento da sua chegada que coincidiu com a morte da mãe do príncipe regente Dom João. Fato esse que já o levou a fazer uso do seu talento no qual ele discorre: Desde esse momento, especialmente ocupado com retraçar uma longa série de fatos históricos nacionais, tive à minha disposição todos os documentos relativos aos usos e costumes do novo país que eu habitava e que constituíram o ponto de partida de minha coleção (DEBRET, 1972, p. 12). O artista aborda as características sobre cada tribo, frisando também os respectivos lugares de origem de cada uma delas. São apresentados indígenas de várias regiões do Brasil em uma ordem numérica. Primeiro, Debret descreve todas as imagens; em seguida, ele apresenta todas as imagens que compõem integralmente o seu primeiro volume, cada uma devidamente numerada. Ao final da parte iconográfica do livro que retrata os índios, é apresentada uma tabela numerada na qual ele menciona os respectivos nomes de suas obras e quantidade ali inserida — 36 pranchas que tratam de diversos assuntos relacionados aos indígenas. Após essas informações contidas na tabela, ele apresenta as plantas, a flora, ou seja, o alimento e plantas medicinais usadas por essas tribos devidamente caracterizadas no seu livro, no qual aponta, nas pranchas, frutas, utensílios, instrumentos musicais, acessórios usados por eles, colares, armas e vários tipos de flechas que o artista denomina como armas ofensivas. 72 Sendo assim, após a última prancha, de número 36 (armas ofensivas), Debret nos mostra um mapa do Brasil (carte du Brésil), sucedido por Forêst Vierge les Bordsdu Parahïba (floresta virgem das margens do Paraíba), seguida dos vegetais das florestas virgens du Brésil, encerrando seu primeiro tomo. É importante salientar que a numeração dos seus três volumes contém uma forma desregrada, posto que a parte das descrições tem uma numeração, as pranchas têm outra, não seguindo uma ordem numérica sucessivamente, como deveria ser. Assim, o primeiro volume (1834), como foi possível conferir, apresenta a figura do índio nativo e o universo que o envolvia. Como justificativa às referências que o artista buscava para compor seu livro, o próprio Debret menciona na introdução do seu primeiro volume, alegando que seu posto de professor na Academia lhe proporcionou ter acesso a partes do Brasil que ele não conhecia: eu ensinava, então, pintura de história na Academia do Rio de Janeiro, fundada por nossa colônia; por isso tive a oportunidade de manter, constantemente, por intermédio dos meus alunos, relações diretas com as regiões mais interessantes do Brasil, relações que me permitiram obter, em abundância, os documentos necessários ao complemento de minha coleção já iniciada (DEBRET, [19..], p. 13). Vale salientar que nesse primeiro volume Debret não teve muito acesso ao que retratou, posto que construiu seu volume I através de relatos dos seus alunos, diferentemente do volume II, o artista de fato presenciou e vivenciou situações referentes aos escravos, assunto principal deste tomo. 73 Figura 20: Primeira capa interna do Livro (1835). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 – Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. 74 Figura 21: Segunda capa interna do livro (1835). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. . O segundo volume, publicado em 1835, contém aproximadamente 139 páginas, incluindo 49 pranchas. Lançado em Paris pela Firm Didot Frères, Imprimeurs de L’ institut de France, libreires, Rue Jacob, nº 24. M DCCC XXXV 1835. Na introdução, o artista menciona que propunha ressaltar nesse volume a marcha progressiva da civilização do Brasil; do progresso e limitações da indústria da colônia brasileira; das tradições da mãe pátria. Debret (1835) também ressalta nessa parte da introdução a presença do escravo negro e suas condições: mediocremente alimentado, maltratado, exposto a castigo público, revoltante para um europeu. 75 Debret deixa claro que esse volume II será dedicado aos negros escravos. Já examinado os volumes I e II, fica evidente que o artista pretendia seguir e expor um roteiro racial do Brasil, começando primeiro com os nativos indígenas, seguido dos negros no segundo livro, no qual denuncia, a condição do escravo e o primitivismo da indústria brasileira, se comparado com a Europa, uma vez que já acontecia o processo de industrialização na Inglaterra. Assim como o primeiro volume, o segundo inicia com a introdução e segue com as características e informações sobre cada imagem, as quais o artista chama de pranchas. Depois da parte escrita, vêm as imagens, contendo, na sua grande maioria, os escravos. Mas as primeiras pranchas presentes nesse segundo volume vêm a ser o Pic Ténérif, Cap. Frio e Cote de Rio de Janeiro. Para finalizar, ele expõe mais oito páginas distribuídas da seguinte maneira: duas ilustrações do mapa do Rio de Janeiro; seis imagens correspondentes à floresta e vegetação. Consta-se que este segundo volume é dedicado aos negros que circulavam no centro urbano do Rio de Janeiro e suas proximidades, mostrando suas atividades constantes. De acordo com as imagens de Debret, podemos perceber que eles estavam em todas as partes possíveis. Praticamente não se via um ambiente sem escravos. O texto que antecede a descrição das pranchas desse volume inclui informações gerais sobre o país, de caráter histórico e geográfico, atendendo às preocupações estatísticas de uma obra desse gênero. Destaque-se, porém, que a natureza dessas observações é de tal forma objetiva que elas funcionam como uma despretensiosa exposição do estado de coisas no país (LIMA, 2007, p. 132). De acordo com as fontes consultadas, é viável informar que os volumes I e II chegaram ao Brasil, em 1841, às mãos dos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro encarregados de avaliarem os dois primeiros tomos. De acordo com Lima (2004, p. 57), o parecer25 apresentado por eles em 1841 iria marcar definitivamente a insatisfação dos membros do Instituto com relação à parte II. Se a parte I dedicada aos índios foi julgada como uma grande contribuição prestada por Debret ao Brasil, a parte II do livro de Debret, que tratava do negro escravo, foi criticada. O que mais incomodou os membros do Instituto Histórico brasileiro foram as 25 Lisboa, Bento da Silva e MONCORVO J. D. Attaide. “Parecer sobre o primeiro e segundo volume da obra Voyage pittoresque et HistoriqueauBrésil, par j. -b.”, Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. III, 1841, pp.95-99 (LIMA, 2007, 314). 76 cenas que abordavam o tráfico e os castigos impostos aos negros. Para eles, tais cenas careciam de serenidade e veracidade. Diante de tantas “inverdades”, concluíram que o Segundo Volume era de pouco interesse para o Brasil. Leenhardt (2016, p.13) aborda que o segundo tomo tem um título não menos interessante que o primeiro: A indústria do colono brasileiro. Título que ressoa de maneira paradoxal, uma vez que Debret não se cansa de repetir que os portugueses não trabalham. Por que, então falar da sua “indústria”? Quando Debret explora seu argumento sobre o desdém mantido pelos portugueses em relação ao trabalho, não deixa de sublinhar que, em compensação, eles sabiam muito bem como fazer os outros trabalharem! Os trechos sobre os escravos na economia brasileira não podem ser mais claros: Tudo se assenta, pois, neste país, no escravo negro; na roça, ele carrega com seu suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante fá-lo carregar pesados fardos; se pertence ao capitalista, é como operário ou na qualidade de moço de recados que aumenta a renda do senhor.26 O autor acrescenta, ainda, que as imagens dessa “indústria” constituem testemunhos tanto da capacidade de trabalho dos escravos quanto de sua aptidão para todo e qualquer ofício. Sobre as colocações dos autores em relação ao parecer do Instituto Histórico, podemos perceber a partir daí o quanto o brasileiro possui um caráter hipócrita, em relegar a obra de Debret e querer omitir o que estava evidente: a escravidão e suas práticas brutais que ocorreram, sim, no Brasil. Posto que não são apenas as aquarelas do artista que nos revelam cenas desse período macabro da nossa história, mas várias outras fontes, como as construções daquele tempo, que trazem em suas casas uma parte reservada à “senzala”, lugar onde os negros ficavam aglomerados, os instrumentos de tortura que em certos lugares existem até hoje, pesquisas históricas, enfim, temos, além das aquarelas do Debret, várias outras evidências que nos confirmam a prática da escravidão e a condição do negro no Brasil. Nesse caso, os membros desse Instituto querer negam uma situação tão evidente e que nos assombra até os dias de hoje, posto que os descendentes desses negros vivem numa condição de injustiça social, são vítimas de racismo e mal vistos pelos ditos brancos que se acham superiores no país. Os negros de hoje constituem, como na época de 26 Jean-Baptiste Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Op. Cit., p. 149. 77 Debret, a maioria dos ambulantes do país. Costume que o artista retratou e que está tão presente no nosso dia a dia. Basta sair nas ruas que logo vê pessoas vendendo milho, ou qualquer outra coisa que seja comestível ou não. É uma situação que não evoluiu, que se estagnou ou, podemos ainda dizer, que se perpetuou ao longo dos séculos. Se trata de uma questão que o Brasil ainda não resolveu. Por esse motivo, o artista pretendia, ao produzir seu segundo volume, descrever: “A marcha progressiva da civilização no Brasil”, do que ele fornece claramente o princípio motor: a escravidão: “tudo se assenta pois, neste país, no escravo negro” (LEENHARDT, 2008, p. 40). É importante ressaltar que algumas dessas imagens presentes no volume II fazem parte das aquarelas que me foram concedidas pelo Museu Castro Maya para compor a parte iconográfica do capítulo três no qual trato do assunto das aquarelas. Já de acordo com Bandeira e Corrêa do Lago (2017, p. 58), o segundo tomo, publicado em 1835, contém 49 pranchas numeradas e uma não numerada da Baía do Rio de Janeiro. É dedicada à vida urbana e aos costumes do Rio de Janeiro, como já foi mencionado antes. “O segundo tomo, datado de 1835, é a pintura e descrição da sociedade brasileira. São quarenta e oito estampas preciosíssimas, graças às quais podemos reconstruir perfeitamente o meio fluminense tão pitoresco, de princípios do século XIX, abrangendo todas as manifestações da vida social” (TAUNAY, 1956, p. 280). Assim, o presente trabalho tem a intenção de analisar o estilo pitoresco nas aquarelas de Debret produzidas no Brasil, o que por sua vez serviram de modelo para as litografias que vieram compor a parte ilustrativa do volume II do livro discutido neste capítulo. Como aponta Lima (2007, p. 31), a organização das aquarelas da Viagem demandou, antes do processo litográfico, um trabalho de seleção. Pois muitas das aquarelas elaboradas durante sua estada no país não fazem parte de seus livros e é justamente esse processo de triagem que nos dá pistas de sua intenção ao publicar uma obra a partir de sua experiência no Brasil. A partir da obra original publicada em 1835, fica claro que as imagens selecionadas por Debret retratam, o cotidiano dos negros escravos, trazendo características do estilo pitoresco, apresentando uma paisagem social e urbana escolhida pelo próprio artista, que nos mostra a aparência do Rio de Janeiro representada pelo negro, que trabalhava em tudo, e pela ociosidade portuguesa. O 78 artista mostra, realmente, nas suas composições o caráter explorador do colono. Mal sabia Debret que sua ideia de “marcha progressiva” acabou não fluindo muito e que a sociedade atual tenha ainda arraigada certos costumes e hábitos do tempo em que ele passou no Brasil imperial acompanhado a passagem da Colônia para o Império, evidenciando, por sua vez, que os seres escravizados naquele momento seriam os negros africanos, não havendo mais muita preferência pelo indígena. Então, é o negro o modelo vivo que o artista escolhe para retratar nesta parte do seu livro. Como exemplo disso, temos a introdução com as colocações do próprio Debret e a parte iconográfica que nos revela o tema principal — a escravidão retratada em todas as esferas da nossa sociedade brasileira, produzida a partir dos esboços realizados com o auxílio do lápis, pincel e da paleta de cores aquareláveis do artista, que assim contribuiu tanto para assuntos relacionados à Arte quanto à História do Brasil. 79 Figura 22: Primeira capa interna do Livro (1839). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. 80 Figura 23: Segunda capa interna do livro (1839). Foto: Maria Luíza Moreira. Abril de 2018 - Biblioteca José Antônio Gonsalves de Mello, do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE. Sobre o Volume III, ele contém cinquenta e quatro pranchas. Foi publicado em 1839, também pela Firm Didot em Paris. Inicia-se de uma forma diferente dos outros dois volumes anteriores, não contendo de início uma introdução, mas uma nota histórica escrita sobre o Rio de Janeiro. Ou seja, ele inicia o terceiro volume com várias notas históricas distribuídas em oito páginas nas quais discorre sobre o Rio de Janeiro, sobre a educação de Dom Pedro, a regência provisória, para depois vir a introdução na qual escreve: 81 Finalmente, a terceira parte, de que me ocupo agora, a da história política e religiosa ao reflexo das cominações diplomáticas da Europa, continuamente agitada desde 1789, constitui um quadro interessante, rico de episódios colhidos in loco e cujo encadeamento contribuíra para estabelecer os traços quase apagados dos primeiros passos que trouxeram à civilização esse povo recém-regenerado (DEBRET, 2015, p. 337). É, portanto, uma obra mais volumosa por tratar de uma diversidade maior de temas, onde estão retratados todos que formavam a sociedade brasileira daquele período, incluindo a história política e religiosa, bem como os costumes e cerimônias do povo. Podemos ver nesse terceiro volume cerimônias tradicionais realizadas por diversas camadas da sociedade como, por exemplo, velório ou um casamento. Nessa parte, Debret faz uma conjuntura de como é esse povo todo miscigenado, já retratando e incluindo também nesse terceiro volume cenas de cerimônias envolvendo negros de alto poder aquisitivo. Era uma sociedade diversificada cujos costumes diferentes se colidiam ou se misturavam o tempo inteiro. Por esse motivo, pode-se supor que Debret tenha iniciado nos volumes anteriores uma espécie de roteiro etnológico tentando explicar as raízes mais profundas desse povo que aqui estava se formando, trabalhando primeiramente a representação do índio e depois do negro e dos europeus. É o que temos na estrutura do volume um do livro. Primeiro, temos a representação dos indígenas. No segundo volume, dos negros, em queambos se misturam por sua vez com os europeus, retratando, o artista esta miscelânea cultural no seu “terceiro volume”, em que se percebe a mistura de todo esse povo bem como de seus costumes. Nessa parte, já se pode ver, por exemplo, negros em uma outra condição diferente da de escravo, certamente por ter conseguido comprar sua liberdade ou pertencer a casa de um senhor rico. Percebe-se, dessa forma, que todos se mesclam, o que permitiu ao artista obter uma variedade de temas, resultando assim, em uma edição mais volumosa. De acordo com Bandeira e Corrêa do Lago (2017), o terceiro volume foi publicado em 1839. Abre com “Notes historiques écrites à Rio de Janeiro”, seguido da introdução e descrição de 54 gravuras, retrato do autor, sumário das pranchas do volume e quadro geral dos sumários. 82 Sobre todo esse contexto que envolve os três volumes de Viagem Pitoresca, Lima (2004) frisa que, à primeira vista, parece que Debret faz uma divisão “racial”, isolando as experiências de índios, negros e brancos. Vindo à luz em 1839, consagrando a história política e religiosa e o estudo das Belas Artes, há ainda numerosas estampas referentes a particularidades de costumes fluminenses; dessa forma ajuntou Debret a reprodução dos seus quadros, desenhos de diversas cerimônias e acontecimentos notáveis, retratos da família imperial e de diversos personagens ilustres, a representação de trajes de gala, insígnias majestáticas e honoríficas, vistas tomadas de diferentes pontos do Rio de Janeiro, imagens de frutas e flores brasileiras, plantas arquitetônicas etc, etc. (TAUNAY, 1956, p. 281). O terceiro volume contém tudo o que se refere à instrução pública, culto religioso, eventos políticos e, finalmente, às festas e cerimônias, retratos dos principais personagens que aí tem figurado (COSTA, 2015, p. 42). Ainda de acordo com o mesmo autor, o terceiro volume compreendeu 54 pranchas. Verificando-se nesta terceira parte do Viagem Pitoresca de Debret uma variedade temática maior que nos conjuntos anteriores: peças da cultura material cortesã, moedas e insígnias reais, manifestações da religiosidade da população batismos, casamentos, cortejos fúnebres, junto com episódios da história política do país (COSTA, 2015, p. 44 - 45). Podemos dizer que, devido a uma maior variedade temática, por tratar de vários assuntos, o livro seja, assim, o mais volumoso de todos e por isso Debret tenha também se demorado mais a publicá-lo. Pois, ao verificar e manusear o terceiro volume, com suas aproximadamente 195 páginas, percebe-se o trabalho e dedicação de Debret. É notório que o artista deve ter tido mesmo muitos textos a redigir, detalhes como erratas e outras minúcias a mais, muitas aquarelas para selecionar e, só a partir daí, tem o início do processo de litografia, constituindo a parte iconográfica do seu livro. Contudo, nos deparamos com um fato curioso relacionado ao terceiro volume, o fato de ele ter sido publicado três anos depois do segundo volume, apresentando um intervalo maior de tempo se comparado aos volumes um e dois, que foram publicados um após o outro, nos respectivos anos de 1834 e 1835. E com relação a essa questão de ocorrer uma certa demora no lançamento do terceiro volume, Corrêa 83 do Lago (2017) menciona, dessa forma, que em 1836 morre o editor Firmin Didot, causa provável da demora em publicar o terceiro volume da Viagem pitoresca (2017, p. 63). É provável que seus sucessores tivessem menos entusiasmo que o patriarca por uma obra cara e de venda difícil, para qual não parece ter havido sequer uma subscrição prévia, que garantia a pré-venda de alguns de seus exemplares, encomendados por instituições, bibliotecas ou grandes personagens, como era de costume da época (CORRÊA DO LAGO, 2017, p. 58). Entretanto, parece haver uma contradição quando a obra é colocada como sendo de “venda difícil”. Se era uma obra que estava em voga naquele momento por aguçar a curiosidade dos europeus por se tratar de lugares distantes e exóticos, além do mais tratava-se de uma obra de cunho informativo e didático, servindo muitas vezes de orientação para quem por ventura resolvesse aventurar-se, como seria difícil a venda? De toda maneira, para SCHWARCZ (2014), essa era uma voga bastante arraigada e os livros pitorescos de lugares exóticos e longínquos apareciam por todas as partes, “constituindo um mercado promissor”, certamente por despertar a curiosidade de um povo. Sobre encomendas por parte das instituições, tal prática pode não ter ocorrido, mesmo porque Debret, talvez com a iniciativa de divulgar seu trabalho, faz doações, dedicando seus três volumes a instituições ligadas às artes, como a Academia de Belas Artes do Instituto Francês (dedicação presente na segunda capa interna dos seus livros) e Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, supondo que, para ambos, pudesse ser de interesse por contribuir, ao menos no caso do Rio de Janeiro, para que enxerguemos as origens de nossas desigualdades e de nossas contradições, contribuindo também para assuntos que dizem respeito tanto à História quanto à Arte do Brasil. Sobre a obra ser “cara”, de custo muito alto, esse fator não parecia ser empecilho para Debret, que recebia uma pensão paga pelo governo português por sua prestação de serviços realizados no âmbito das artes no período que esteve no Brasil. Pelo que consta, ele começou a receber dois anos depois de publicar o Tomo II. Em 1837 o governo brasileiro, reconhecendo os grandes serviços que prestara ao Brasil, concedeu-lhe uma pensão (BORBA DE MORAIS, 1993, p.14), o que nos leva a supor que Debret tinha suas finanças organizadas e esse fator não lhe era um 84 problema, posto que ele poderia custear as edições dos seus livros, como também custeou a primeira exposição de artes realizada no Brasil em 1829, pouco antes de seu regresso à França, como nos evidencia Julio Bandeira e Corrêa do Lago: Em 2 de dezembro de 1829 é realizado o primeiro salão brasileiro de pintura na Academia, com 115 obras, organizado por Debret, que paga do próprio bolso a edição do catálogo e participa com dez obras de sua autoria, inclusive seu projeto para o teto do salão nobre da Academia Imperial de Belas Artes (2017, p. 63). Contudo, podemos dizer que a demora em publicar o terceiro volume tenha sido mesmo por motivo da morte do “editor” Firmin Ditot e não por motivos financeiros. Pois, como verificamos nos parágrafos anteriores, o lado financeiro e das vendas no mercado não parecia afetar diretamente o andamento da terceira edição, mas já a morte do editor sim. Ainda neste terceiro volume do livro do artista, encontram-se na parte que trata das florestas “virgens do Brasil”, relatos do próprio Debret esclarecendo para seus conterrâneos o que lhe foi possível fazer em meio a várias atividades que lhes eram confiadas, mencionando o livro e a sua terceira parte como mérito disso, acrescentando que nunca os havia esquecidos, almejando ainda ser útil, no momento que regressasse a Paris, sua terra natal. Referindo-se ainda ao tomo três, por ser o mais volumoso, o pintor francês se expressa dizendo o que ele esperava do seu retorno à França: Esta coleção, pela sua extensão e variedade, provará pelo menos aos meus compatriotas, que em meio às inúmeras ocupações que me eram impostas no Rio de Janeiro sempre tive presente no meu pensamento o desejo e a esperança de lhes ser útil por ocasião do meu regresso a França (DEBRET, 1972, p. 289). Portanto, nas pinturas e nos textos que fez enquanto no Brasil, Jean-Baptiste Debret buscou passar uma imagem “pitoresca” deste país, o qual, segundo ele, caminhava para a civilização. Por isso, o francês apreendeu cenas familiares, aspectos da vida urbana ou fez retratos da nobreza local. Tudo em ordem e em seu lugar: os nobres serão dignos, a realeza elevada por meio das alegorias e paralelos 85 com a antiguidade clássica e os escravos quase gregos, com seus corpos perfeitos e sempre com músculos à mostra. Debret, ao chegar aqui, encontra uma monarquia portuguesa estacionária e carente de qualquer tipo de representação oficial. (SCHWARCZ, 2014, p. 157). De acordo com a mesma autora, o mais importante é que Debret se converteria no “etnógrafo”, ou melhor, numa espécie de memorialista dos tempos de Dom João. E não lhe faltavam recursos para tal. Então, além de todo cenário natural e social que o envolvia por completo, podemos dizer que os três volumes apresentam um sentido cronológico no qual percebemos os temas que são tratados e os relatos que Debret faz sobre o Brasil. 86 CONSIDERAÇOES FINAIS O desenvolvimento do presente trabalho possibilitou uma análise de uma outra vertente da obra de Jean-Baptiste Debret. O tema tratou do pitoresco em suas aquarelas, o que contribuiu para outras possibilidades de análise na obra desse artista, que na maioria das vezes tem o foco centralizado apenas no seu livro Viagem pitoresca, o qual só foi possível sua produção após a execução das aquarelas, manifestação primeira do artista. Ao fazer essa análise das aquarelas do artista, verificando-se características do estilo pitoresco vistas a partir de três vias: do estilo; do tema; e da técnica. Tais observações possibilitou identificar que o devido estilo se expressava em sua obra através da temática, que por sua vez, foi retratada através da técnica da aquarela, técnica essa, associada ao pitoresco devido à sua praticidade. No que diz respeito ao tema que o artista escolhe - o negro escravo - podemos perceber que este fornece elementos para que Debret possa compor dentro do estilo pitoresco, ligado, dessa forma, a uma representação social, que é expressa nas cenas de cotidiano. Dessa maneira, percebe-se que o estilo pitoresco em Debret não se caracteriza apenas com o título do seu livro, mas também, em suas aquarelas, as quais o artista, através da observação, coleta elementos, escolhe e esboça seus modelos, o que de certa forma nos tira o foco do livro e de seu título, fazendo-nos ver que o pitoresco se faz presente primeiramente e, antes de tudo, nas aquarelas. Pode-se dizer que os reais objetivos propostos para a pesquisa foram esclarecidos e alcançados, a partir de vários fatores abordados como abordar a trajetória do artista (formação, inserção no projeto da Missão Francesa etc.); a vida e trajetória do artista; motivos da sua vinda ao Brasil; como e quando aportou no Rio de Janeiro; considerações sobre seu livro, como foi produzido, organizado e publicado, para ao final analisar as aquarelas e verificar em qual estilo elas se enquadram. Portanto, este trabalho possibilitou esclarecer que o pitoresco se dimensiona na obra de Debret, não apenas centralizado no livro, mas também em sua pintura não oficial, que não estava ligada à corte, se diferenciando desta, tanto através de elementos composicionais quanto da técnica. Acreditamos que a pesquisa teve um bom desenvolvimento, o que foi proporcionado pelas orientações do professor Dr. Diego de Paiva, pelos fichamentos, 87 leituras de livros e artigos, bem como a observação constante das aquarelas de Debret. Em consonância com as informações contidas neste trabalho, tem-se, de uma maneira geral, um tema que aborda a história das artes no Brasil do século XIX, focado na obra de um artista francês que promoveu mudanças nesse âmbito, oficializando o Ensino da arte no país, o que nos instiga a buscar novos questionamentos a respeito desse universo no qual se situa a obra de Debret. 88 REFERÊNCIAS ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna na Europa: de Hogarth a Picasso. 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[Rio de Janeiro]: Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1956. 351p., il., p&b. 93 ANEXOS 94 ANEXO A AÇÃO PEDAGÓGICA Maria Luíza Moreira da Silva Tema: O pitoresco nas aquarelas de Jean-Baptiste Debret Descrição: Mini-curso (8hs) correspondente à ação pedagógica, requisito obrigatório para a avaliação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC II), intitulado O pitoresco nas aquarelas de Jean-Baptiste Debret, sob orientação do professor Dr. Diego Souza de Paiva. Ação realizada nos dias 21, 22 de junho, na Escola Estadual Maria Araújo, na disciplina de História sob responsabilidade da professora Dinorah Bernardo de Lima Freire. Objetivo Em formato de minicurso, a referida ação tem como objetivo apresentar os resultados da pesquisa realizada ao longo dos TCC I e II, que buscou investigar as relações entre a categoria do pitoresco e as aquarelas realizadas por Jean-Baptiste Debret, que serviram de base para compor a litografia que ilustraram seu livro Viagem Pitoresca e História ao Brasil (1835) Metodologia Aula expositiva, auxiliada por slides, com destaque para as imagens em alta resolução das aquarelas de Debret, fornecidas pelo Museu Castro Maya, onde se encontram os originais. Conteúdo Em termos introdutórios, iniciarei a aula com uma contextualização, indagando aos alunos sobre a relação entre a produção artística e os acontecimentos políticos. Isso, tendo em vista que o tema abordado envolve eventos importantes, como o fim do Império Napoleônico, e a vinda da Família Real ao Brasil, que estão, por sua vez, diretamente relacionados à vinda dos artistas franceses para o Brasil no século XIX, entre eles Jean Baptiste Debret. Em seguida, abordarei os seguintes pontos: 1- O artista O pintor francês Jean-Baptiste Debret nasceu em Paris na França no ano de 1768. Foi um dos principais artistas que integraram o que ficou conhecido como Missão Artística Francesa, que chegou ao Brasil em 1816 aportando na cidade do Rio de Janeiro. 2- A Missão Artística francesa Foi um grupo de artistas franceses, organizado por Joaquim Lebreton que, deslocando-se para o Brasil no início do século XIX, foi responsável pela introdução do sistema de ensino acadêmico no país.  As causas principais causas que levaram os seus membros a emigrar para o Brasil: A queda; 95  O objetivo desse grupo de artistas? Tinha como principal objetivo implantar no Brasil a Educação Artística, com caráter Oficial e Superior, com a construção da Academia Imperial de Belas Artes.  Os principais artistas da Missão: Jean Baptiste Debret (por sua importância para o conhecimento da sociedade imperial, que descreveu em centenas de aquarelas), e Nicolas Antoine Taunay (por sua representatividade no cenário artístico francês do final do século XVIII e início do XIX). 4- Debret e as duas vertentes de sua obra Distingue-se a obra de Debret na história da arte brasileira em duas vertentes: a oficial, ligada mais diretamente à sua formação acadêmica e ao estilo Neoclássico; e a não oficial, vinculada à produção de suas aquarelas dentro da categoria do pitoresco e da literatura de viagem, e que serviram de base para as ilustrações do livro.  O neoclássico: Tinha a História como modelo; valorização das academias; os artistas deveriam fazer cópias de obras antigas; marcado pela era napoleônica.  O pitoresco: Tem a capacidade de entreter, distrair ou divertir por causa da sua essência própria e diferente; Percepção e registro da realidade em todos os âmbitos; tinha pontos em comuns com o romantismo, no que diz respeito a liberdade temática. 5- O livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil De volta à sua cidade Paris, Debret dedica-se quase que exclusivamente à organização do material que trouxe do Brasil, as aquarelas pintadas no Rio que serviram para ilustrar o seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes, lançado em Paris; o primeiro volume em 1834, o segundo em 1835 e o terceiro em 1839;  O primeiro volume refere-se exclusivamente aos indígenas e à natureza;  O segundo traz a descrição da sociedade no qual retrata na sua grande maioria os escravos negros;  E o terceiro volume trata da história política e religiosa, com desenhos de diversas cerimônias e acontecimentos notáveis. As aquarelas trazem cenas pitorescas do cotidiano de uma cidade brasileira, Rio de Janeiro Século XIX. Ao final, esclarecidos os pontos, apresentarei as imagens aos alunos, discutindo como o pitoresco se associava à obra desse artista, bem como colocações sobre a temática que trazia os escravos e suas condições naquele período. Assim, será possível construir uma reflexão junto com os alunos sobre o artista, conseguir retratar e mostrar ao observador, que a escravidão não se limitava às grandes fazendas de café, cana-de-açúcar ou a outros produtos de exportação, mas que estava difundida por toda a sociedade brasileira da referida época. Referências SILVA, Maria Luíza Moreira da. O pitoresco nas aquarelas de Jean Baptista Debret. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Artes Visuais (Licenciatura) – Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal , 2018. 96 ANEXO B DECLARAÇÃO DE AÇÃO PEDAGÓGICA Declaramos, para os devidos fins, que Maria Luíza Moreira da Silva, CPF: 011.597.494-69, aluna regular do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, matrícula 2013002820, realizou ação pedagógica como requisito obrigatório para avaliação de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC II), intitulado O pitoresco nas aquarelas de Jean-Baptiste Debret, sob orientação do professor Dr. Diego Souza de Paiva. A referida ação, em formato de minicurso, totalizando 8hs, foi realizada na Escola Estadual Maria Araújo, nas turmas de primeiro ano da disciplina de História, no turno vespertino, sob responsabilidade da professora Dinorah Bernardo de Lima Freire. Natal, 25 de junho de 2018. _________________________________ Prof.º Dr.º Diego Souza de Paiva Siape-2384437 (Orientador) 97 ANEXO C Les Barbiers Ambulants (Barbeiros ambulantes) – 1826. Aquarela 18,7x23 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 98 Feitores corrigeant des nègres à la roce – 1828. Aquarela 15x19,8 cm. Fonte: cedida pelo Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya, em 20 de março de 2018. 99 Dia Dentrudo (Carnaval) – 1826. Aquarela 18x23 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 100 Machine à Exprimer le jus de Canne à sucre (Engenho manual que faz caldo de cana) – 1822. Aquarela 17,6x24,5 cm. Fotográfo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 101 Cestier (Vendedor de Cestos) - 1828. Aquarela 16x22 cm MEA 0214. Fotógrafo: Horst Merkel – Fonte: Acervo do Museu Raymundo Ottoni de Castro Maya. 102 J. B. DEBRET Marchande de feuilles de banaeiras (sic) (Negra vendendo folha de bananeira) - 1823. Aquarela 17,2x20,2 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 103 Loge (sic) da Rua do Valongo 1820-1830 C. Aquarela 17,5x26,2 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 104 J.B. DEBRET Espèce de chântiment que s’execute les diverses grandes places de villes (Castigo de escravo que se executa nas praças públicas) – 1826. Aquarela 16,3x22 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 105 Retour em ville d’um proprietaire de chácara (Volta à cidade de um proprietário de chácara) - 1822. Aquarela 16,2x24,5 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acerco do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 106 Negros ao tronco – 1826. Aquarela 14,9x22,6 cm. Fotógrafo: Horst Merkel – Acervo do Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. 107