UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DERLI MACHADO DE OLIVEIRA ENTRE A FÉ, A OBRA SOCIAL E A PUBLICIDADE: uma análise crítica do discurso da responsabilidade social da Igreja Universal do Reino de Deus NATAL/RN, 2013 DERLI MACHADO DE OLIVEIRA ENTRE A FÉ, A OBRA SOCIAL E A PUBLICIDADE: uma análise crítica do discurso da responsabilidade social da Igreja Universal do Reino de Deus Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em letras, área de Concentração: Linguística Aplicada. Orientadora: Profa. Dra. Cleide Emília Faye Pedrosa. NATAL/RN, 2013 DERLI MACHADO DE OLIVEIRA ENTRE A FÉ, A OBRA SOCIAL E A PUBLICIDADE: uma análise crítica do discurso da responsabilidade social da Igreja Universal do Reino de Deus Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em letras, área de Concentração: Linguística Aplicada. Aprovada em 08.04.2013 BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Cleide Emilia Faye Pedrosa - Orientadora UFRN ______________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Leônia Garcia Costa Carvalho (Examinadora externa) UFS ______________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva (Examinadora externa) UnP ______________________________________________________________________________ Prof. Dr Marcos Antonio Costa (Examinador interno) UFRN ______________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Sulemi Fabiano Campos (Examinadora interna) UFRN ______________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria da Penha Casado Alves (Suplente interna) ______________________________________________________________________________ Prof. Dr Orlando Vian Junior (Suplente interno) NATAL/RN, 2013 AGRADECIMENTOS Vencer as dificuldades desta caminhada só foi possível graças... a Deus, de cuja força e ânimo eu dependi durante todo o percurso à minha orientadora, professora Doutora Cleide Emilia Faye Pedrosa, que com paciência e sábia orientação me conduziu até esse ponto aos professores, membros do corpo docente do PPGEL, da banca examinadora da qualificação e da de defesa, que em muito contribuíram para o aperfeiçoamento deste trabalho aos colegas de pós-graduação, que por meio da amizade, da motivação e da colaboração, tornaram a caminhada mais suave e alegre. Ficarão saudades... à Capes, instituição que me incentivou com a bolsa de estudos à minha família: Daisy, esposa, e Débora e Daniele, filhas, que compreenderam minha ausência e me incentivaram a ir até o fim... Fim! “Estamos num momento extraordinário da história humana, quando reexaminamos nossos arranjos sociais e institucionais para livrá-los das hierarquias de coerção simbólica e material que têm privilegiado poucos, marginalizado e explorado muitos. Além do mais, aqueles privilegiados têm sofrido daquela visão estreita necessária para afirmar e manter seu poder e autoridade” (CHARLES BAZERMAN) LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Capa da edição 1044 de 08.04.2012 do jornal Folha Universal................ 15 FIGURA 2 Reportagem de capa da edição 1044 do jornal Folha Universal............... 16 FIGURA 3 Capa da revista IstoÉ Edição: 1369 de Dez/1995...................................... 19 FIGURA 4 Chute na santa. Fonte: IstoÉ, Edição 1802, de 21 de Abr de 2004........... 20 FIGURA 5 Capa da revista IstoÉ, Edição 1858 de 25 de maio de 2005...................... 44 FIGURA 6 Capa Revista Veja: edição de 16 agosto de 2009...................................... 44 FIGURA 7 Comparação entre a réplica do templo de Salomão e o Cristo Redentor.. 49 FIGURA 8 Panfleto “7 dias da Decisão”..................................................................... 51 FIGURA 9 Divulgação das concentrações e campanhas da IURD.............................. 52 FIGURA 10 Divulgação campanha Fogueira Santa no Portal Arca Universal.............. 54 FIGURA 11 Pedido de sacrifício pela internet............................................................... 55 FIGURA 12 Título de reportagem Inovação Sempre..................................................... 57 FIGURA 13 Subtipos de Julgamento............................................................................. 93 FIGURA 14 Subsistema Atitude (fonte Martin e White, 2005)..................................... 95 FIGURA 15 Relação entre eventos sociais, práticas sociais e estruturas sociais........... 103 FIGURA 16 Capa Folha Universal, edição 968, 24.10.2010......................................... 108 FIGURA 17 Reportagem de capa. Fonte: FU, edição 968............................................. 108 FIGURA 18 Perfil da Folha Universal e de seus leitores............................................... 110 FIGURA 19 Folha Universal, edição 937 de 21 março de 2010.................................... 112 FIGURA 20 Folha Universal, edição 985, 20.02.2011, p. 1 i....................................... 114 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Características do discurso iurdiano de acordo com Peña-Alfaro (2005). 22 QUADRO 2 Classificação do pentecostalismo brasileiro.............................................. 37 QUADRO 3 Principais denúncias e investigações sobre a IURD entre 1992 e 2009.... 42 QUADRO 4 Evolução da IURD na política entre 1990 e 2002 (conf. Oro, 2003)........ 61 QUADRO 5 Relação da linguagem com as estruturas e práticas sociais....................... 104 QUADRO 6 Tipificação das reportagens publicadas na Folha Universal...................... 115 QUADRO 7 O corpus da Folha Universal – janeiro de 2010 a dezembro de 2012...... 116 QUADRO 8 Estratégias discursivas de persuasão encontradas no corpus.................... 117 QUADRO 9 Caracterização do corpus “ARGUMENTOS MERITÓRICOS”.............. 121 QUADRO 10 Caracterização do corpus “ARGUMENTOS NUMÉRICOS”.................. 128 QUADRO 11 Caracterização do corpus “ARGUMENTOS DE AUTORIDADE”......... 140 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Religiões do Brasil de 1940 a 2010, em porcentagem.................................... 29 RESUMO Situada na Linguística Aplicada (PENNYCOOK, 1998; MOITA LOPES, 2003, 2006, 2008, 2009), esta tese, que se inscreve em uma abordagem qualitativo-interpretativista de perspectiva analista critico, se debruça sobre o discurso da responsabilidade social e a forma como este é empregado na busca por legitimação e prestígio dentro do campo religioso neopentecostal brasileiro, mais especificamente da Igreja Universal do Reino de Deus. O objetivo geral desta pesquisa é refletir sobre o discurso da responsabilidade social e a retórica da autopromoção da Igreja Universal através do papel dos atores sociais na construção de sua(s) identidade(s), materializados no jornal Folha Universal. Para isso, conjugamos, nesta pesquisa, análises sociais e discursivas. Na faceta linguístico-discursiva, a pesquisa se baseou na Análise Crítica do Discurso (ACD), principalmente em Fairclough (2001, 2003, 2006), uma proposta que fornece ferramentas teórico-metodológicas para investigar a linguagem além das estruturas linguísticas, ou seja, o discurso, as práticas sociais nas quais ele ocorre e as estruturas sociais mais amplas. Também foram utilizados pressupostos teóricos da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), combinando categorias do Sistema de Transitividade de Halliday (1994, 2004), das formas de representação de atores sociais na perspectiva sócio- semântica de van Leeuwen (1997, 2008) e do Sistema de Avaliatividade de Martin e White (2005). Ao desenvolvermos a argumentação sobre a função social da religião nesta tese, servimo-nos de autores como Freston (1994), Oro (1997, 2003), Campos (1996, 1999), Mariano (1999), Meneses (2008), entre outros. Utilizamos também uma série de conceitos e categorias advindas do campo da comunicação e marketing sobre a responsabilidade social empresarial e o marketing social. Nesta área, tomamos como referências as contribuições de Bueno (2003), Fossá e Sartoretto (2003), Bonotto e Peruzzolo (2003) e Zenone (2006). O corpus do trabalho é constituído por notícias veiculadas no jornal Folha Universal, nas quais são noticiadas as “ações de responsabilidade social” da igreja. O recorte temporal estabelecido ficou sobre as edições dos anos de 2010 a 2012. Os resultados encontrados na análise das notícias sinalizam que os traços semânticos de Avaliatividade do tipo Afeto, Julgamento e Apreciação, muitas vezes acompanhados de Gradação, e a Atribuição, um dos subsistemas do Engajamento, evidenciam avaliações positivas para a Igreja Universal e seus agentes e constituem elementos retóricos estruturadores do discurso da Igreja Universal no jornal Folha Universal constitutivos da sua imagem (estilo) de responsabilidade social. Os resultados mostram que os atores sociais mais frequentes no discurso são, de um lado, a própria Igreja Universal e seus voluntários, os famosos (atores, atrizes, apresentadores), políticos e autoridades, e de outro, a população assistida pelos projetos sociais da Igreja. O primeiro grupo aparece sempre ativado, já esse último, na maioria das vezes, passivado. Estes também são representados por assimilação em boa parte das ocorrências, já aqueles por individualização e nomeação titulada por honorificação, com exceção dos voluntários que ora são representados de forma individualizada, ora como grupo. PALAVRAS-CHAVE: Análise Crítica do Discurso; Sistema de Avaliatividade; Responsabilidade social; Representação de atores sociais ABSTRACT Situated on Applied Linguistics (PENNYCOOK, 1998; MOITA LOPES, 2003, 2006, 2008, 2009), this thesis, which is inscribed in a qualitative-interpretative approach of a critical analysis perspective , lies on the speech of social responsibility and the way like that is employed in seeking for legitimacy and prestige within the neopentecostal brazilian religious field, more specifically of the Universal Church of the Kingdom of God. The general goal of this research is t reflect upon the speech on social responsibility and the rethoric of selfpromotion of the Universal Church through the role of social actors in the making of his her identities, materialized in the newspaper Folha Universal. In order to achieve that, we have conjugated, in this research, social and discursive analysis. On the linguistic-discursive approach, the research is based on the Critical Analysis of Discourse (ACD), specially in Fairclough (2001, 2003, 2006), a proposal that provides theoretical-methodological tools to investigate the language beyond the linguistic structures , that is, the discourse, social practices in which it occurs and more ample structures. Theoretical assumptions were also used of Sistemico-Functional Linguistics(LSF), matching with categories of the Transitivity System of Halliday (1994, 2004), of the forms of representation of social actors in the socio- economic perspective by Van Leeuwen (1997, 2008) and of the Appraisal system by Martin and White (2005). As we develop the argumentation on thesobre social role of religion in this thesis, we make use of the authors such as Freston (1994), Oro (1997, 2003), Campos (1996, 1999), Mariano (1999), Meneses (2008), among several ones. We have also used a series of concepts and categories coming from the field of communication and marketing on the business social responsability and social marketing . In this area, we take as references the contributions of Bueno (2003), Fossá and Sartoretto (2003) and Zenone (2006). The corpus of the work is framed by news taken at the newspaper Folha Universal, in which are given the “social responsibility actions” of the church . The timeframe used was on the editions of 2010 thru 2012. Results found at he analysis of the News lead to semantic features of Assessment of Affection, Judgment and Appreciation, many times followed by Gradation, and the Attribution, one of the subsystems of the Attachment, are evidence of positive assessments for the Universal Church and its agents and make up rethorical elements which provide structure for the discourse of the Universal Church at the newspaper Folha Universal consisted of its image (style) of social responsibility . Results show that the most frequente social actors of the discourse are, on one hand, the Universal Church itself and its volunteers, famous (actors, actresses, presenters), politicians and authorities, on the other hand, the population which was helped by the Church social projects . The first group seems to be Always activated, however the second one, most of the time rather passive. These are also represented by assimilation in most of the occurrences, however the other ones by individualization and nomination entitled by honorification, except for the volunteers that are represented either as an individual, or as a group. Keywords: Critical Analysis of the discourse; Appraisal system; Social Responsability; Representation of social actors RESUMEN Situada en Lingüística Aplicada (PENNYCOOK, 1998; MOITA LOPES, 2003, 2006, 2008, 2009), esta tesis, que se inscribe en un enfoque cualitativo-interpretativo de perspectiva analista crítico, se centra en el discurso de la responsabilidad social y cómo esta se emplea en la búsqueda de legitimidad y prestigio dentro del ámbito religioso pentecostal brasileño, concretamente de la Iglesia Universal del Reino de Dios.El objetivo general de esta investigación es reflexionar sobre el discurso de la responsabilidad social y la retórica de la autopromoción de la Iglesia Universal a través del papel de los actores sociales en la construcción de su(s) identidad(es), materializada en el periódico Folha Universal. Para esto, combinamos en esta investigación análisis sociales y discursivos. En la faceta lingüístico- discursiva, la investigación se basó en el Análisis Crítico del Discurso (ACD), fundamentalmente en Fairclough (2001, 2003, 2006), una propuesta que ofrece herramientas teóricas y metodológicas para investigar el lenguaje más allá de las estructuras lingüísticas, es decir, el discurso, las prácticas sociales en las que él se produce y en las estructuras sociales más amplias. También utilizamos los principios teóricos de la Lingüística Sistémico Funcional (SFL), combinando categorías del Sistema de Transitividad de Halliday (1994, 2004), de las formas de representación de los actores sociales en la perspectiva socio- semántica de van Leeuwen (1997, 2008) y del sistema de Valoración de Martin y White (2005). Al desarrollar la discusión sobre la función social de la religión en esta tesis, hemos recurrido a autores como Freston (1994), Oro (1997, 2003), Campos (1997), Mariano (1999), Meneses (2008), entre otros. Al mismo tiempo utilizamos una serie de categorías y conceptos del campo de la comunicación y el marketing en la responsabilidad social corporativa y el marketing social. En este sentido, tomamos como referencia los aportes de Bueno (2003), y Sartoretto y Fossá (2003) y Zenone (2006). El corpus del trabajo es formado por noticias publicadas en el periódico Folha Universal, en las cuales son difundidas las “acciones de responsabilidad social" de la iglesia. Las noticias elegidas fueron publicadas en las ediciones de 2010 a 2012. Los resultados del análisis de las noticias indican que los rasgos semánticos de la Valoración de tipo afecto, juicio y apreciación, a menudo acompañado de gradación y asignación, uno de los subsistemas de compromiso, resalta críticas positivas de la Iglesia Universal y sus agentes y constituyen elementos la estructuración del discurso retórico de la Iglesia universal en la constituyente Folha universal de la imagen (estilo) de la responsabilidad social. Los resultados muestran que los actores sociales más frecuentes en el discurso son, por un lado, la propia Iglesia Universal y sus voluntarios, los famosos (actores, actrices, conductores), políticos y autoridades, y por otro lado la población atendida por los proyectos sociales de la iglesia. El primer grupo aparece siempre activado, ya este último, en la mayoría de los casos, pasivado. Estos también están representados en gran parte por la asimilación de los acontecimientos, mientras que aquellos por la individualización y designación y se titula por honorificación, con excepción de los voluntarios que están representados en algunas situaciones individualmente, y en otras como un grupo. PALABRAS-CLAVE: Análisis Crítico del Discurso; Sistema de Valoración; Responsabilidad Social; Representación de Actores Sociales. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 1. Contextualização da pesquisa.......................................................................... 13 2. O problema estudado e a justificativa da escolha do objeto empírico............. 17 3. Estado da arte................................................................................................... 21 4. Questões de pesquisa e objetivos .................................................................... 24 5. Suporte teórico................................................................................................... 25 6. Procedimento de coleta de dados e metodologia de análise.............................. 26 7. Descrição dos capítulos...................................................................................... 27 Capítulo 1 - O DISCURSO RELIGIOSO COMO PRÁTICA SOCIAL................ 28 1.1 Fases e tendências na história do Cristianismo................................................ 28 1.2 Pentecostalismo e neopentecostalismo: gênese e expansão............................. 33 1.3 Igreja Universal do Reino de Deus: um novo paradigma teológico- doutrinário e ritualístico cristão.............................................................................. 39 1.3.1 Contexto histórico do neopentecostalismo iurdiano............................... 39 1.3.2 Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil: uma trajetória de expansão e escândalos...................................................................................... 41 1.3.3 Fé, mídia, dinheiro, política e ação social: os pilares de sustentação da IURD................................................................................................................ 48 Capítulo 2 - APARATOS TEÓRICOS...................................................................... 65 2.1 Análise Crítica do discurso: perspectiva crítica de investigação da linguagem em relação com as mudanças sociais e culturais.................................. 65 2.2 Conceitos-chave em Análise Crítica do Discurso............................................ 70 2.2.1 Discurso....................................................................... ............................ 70 2.2.2 Ideologia: relações de hegemonia e poder estabelecidas por meio da linguagem......................................................................................................... 71 2.3 Análise Crítica do Discurso e Linguística Aplicada........................................ 73 2.4 A teoria da representação dos atores sociais.................................................... 75 2.5 Estilo: a texturização das identidades............................................................... 77 2.6 O papel do jornalístico institucional na construção do estilo/identidade......... 80 2.7 O discurso de responsabilidade social.............................................................. 81 2.8 A ACD e sua interface com a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF)........... 85 2.9 O sistema de avaliatividade: origens e pressupostos básicos........................... 87 Capítulo 3 - DIRETRIZES METODOLÓGICAS.................................................... 97 3.1 Posicionamento ontológico: definindo um modelo de interpretação............... 97 3.2 Paradigmas epistemológicos: definindo os caminhos de investigação............ 101 3.3 O gênero notícia............................................................................................... 105 3.4 Coleta de dados................................................................................................ 106 3.4.1 O jornal Folha Universal........................................................................ 106 3.4.2 Coleta, critérios de seleção e descrição do corpus................................. 112 3.4.3 Interação com o corpus: classificação e delimitação.............................. 115 3.5 Procedimentos de análise................................................................................. 118 Capítulo 4 - FÉ, DISCURSO E AÇÃO SOCIAL: ANÁLISE DA RETÓRICA DA AUTOPROMOÇÃO............................................................................................. 119 4.1 Argumentos meritóricos................................................................................... 121 4.2 Argumentos numéricos.................................................................................... 127 4.3 Argumentos de autoridade: a representação do discurso (intertextualidade e engajamento).......................................................................................................... 138 4.4 Discurso da responsabilidade social e retórica da autopromoção: (re)construindo imagem/estilo................................................................................ 151 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 158 REFERÊNCIAS........................................................................................................... 167 13 INTRODUÇÃO 1. Contextualizando a pesquisa As transformações na esfera social, cultural, política e econômica pelas quais tem passado a sociedade nas últimas décadas têm sido muito discutidas em diversas áreas do conhecimento. Seguindo o enfoque conferido à discussão sobre mudança, ao discorrer sobre o conceito de mudança social, Fairclough (2006) enfatiza o caráter dialético implicado na mudança social e mudanças discursivas. Na concepção do autor, a mudança social inclui não só “mudanças no caráter dos eventos sociais, nas práticas sociais, na rede de práticas sociais e nas estruturas sociais (no longo prazo)”, mas também “inclui mudança no caráter dos textos, nas ordens do discurso e (no longo prazo) nas línguas (FAIRCLOUGH, 2006, pp. 32-33). 1 Portanto, a mudança social e sua relação com as mudanças discursivas é objeto central de estudo da Análise Crítica do Discurso. Outro fator importante abordado por Fairclough (2006, p. 34) é que “As mudanças sociais não decorrem de uma única causa; elas envolvem interações complexas entre diversos fatores e forças causais”.2 Ainda de acordo com o autor, os efeitos dos discursos como forças causais em uma mudança social são subordinados a vários fatores: se eles são ou não apropriados em estratégias bem-sucedidas, o quanto estão bem enraizadas nas práticas e ordens social existentes e o quanto condizem bem com as experiências práticas das pessoas na vida social, e se certas precondições econômicas, políticas e sociais existem (FAIRCLOUGH, 2006, p. 34). 3 Com essas palavras, o autor sugere como o discurso, enraizado nas práticas e ordens sociais, relaciona-se com a questão das mudanças sociais, influenciando e sendo influenciado, determinando não só o jeito de ser das pessoas (instituições), mas também regendo as relações 1 Em todo o trabalho, as traduções são nossas. No original: “Social change includes change in the character of social events, in social practices and the networking of social practices and (in the long run) social structures; and in so doing it includes change in the character of texts, in orders of discurses and (in the long run) in languages”. 2 No original: “Social changes are not mono-causal; they involve complex interactions between diverse causal factors and forces”. 3 No original: “And the effects of discourses as causal forces in social change are contingent upon various factors: whether or not they are appropriated in successful strtegies, how well entrenched existing social practices and orders of discourse are, how well they resonate with people’s practical experience of social life, whether certain economic, political and cultural pre-conditions exist”. 14 interpessoais na vida social. Partindo da citação, podemos destacar que as mudanças nas instituições não acontecem por acaso. Elas mudam buscando uma conexão com as transformações que ocorrem a sua volta. Segundo a perspectiva de Fairclough (2001), a nova ordem capitalista envolve uma reestruturação das relações entre domínios econômicos, políticos e sociais, o que inclui a comodificação e marketização de áreas como a educação, que se tornam sujeitas à lógica econômica do mercado. Dessa forma, as mudanças que ocorrem no ambiente religioso também estão relacionadas com as mudanças que ocorrem no cenário sócio-econômico e cultural. Conforme discute Campos (1999a, p. 55), “o dinamismo aparentemente autônomo do campo religioso começa a se atrelar ao dinamismo do mercado, provocando a erosão dos limites tradicionalmente mantidos entre ‘empresa comercial’ e ‘empreendimento religioso’”. Essas incorporações do discurso do novo capitalismo no ambiente religioso denotam mudanças significativas na relação igreja/fiel, confirmando o pressuposto de que os discursos modificam práticas e que a linguagem não só reproduz o mundo como também age sobre ele, modificando-o. Acerca da relação dialética entre sociedade e religião, Berger (2004, p. 61) afirma que a mesma atividade humana que produz a sociedade também produz a religião, sendo que a relação entre os dois produtos é sempre dialética. É, assim, igualmente possível que, num determinado desenvolvimento histórico, um processo social seja efeito da ideação religiosa, enquanto em outro desenvolvimento pode se dar o contrário. Sobre a relação específica do cristianismo com a sociedade, ele assegura que “há uma relação de causalidade histórica entre o cristianismo e alguns traços do mundo moderno” (BERGER, 2004, p. 119). De acordo com a tese weberiana (WEBER, 2004), os grupos religiosos de orientação protestante e suas relações de trocas no mercado simbólico (econômico-religioso) influenciaram para o surgimento de um tipo moderno de capitalismo, ou seja, da relação teologia e economia (mercado). Seguindo a visão dos autores citados, podemos inferir que é nessa sociedade (produto capitalista), projetada pela hegemonia capitalista-neoliberal, que surge o fenômeno (produto) Igreja Universal do Reino de Deus 4, cujo discurso consiste nosso objeto de pesquisa. 4 Utilizaremos também os termos IURD e Universal. 15 Esta pesquisa se coloca numa linha de continuidade com a reflexão desenvolvida na nossa pesquisa de mestrado, a qual versou sobre o discurso religioso cristão na sua versão neopentecostal da Igreja Universal do Reino de Deus, resultando na dissertação intitulada Testemunho, mídia e prosperidade: o evangelho segundo o capitalismo neoliberal. 5 A análise indicou que a instituição IURD é a expressão de uma religiosidade integrada à lógica sistêmica do capitalismo tardio. Para essa instituição, tem prevalecido uma lógica capitalista- neoliberal que transforma os fiéis em compradores de serviços religiosos. A cultura neoliberal, uma cultura de consumo, apresenta a religião como essencial para a melhoria da qualidade de vida (OLIVEIRA, 2010). A princípio, pensamos em continuar na pesquisa de doutorado com o mesmo objeto (gênero testemunho) e o mesmo tema: o discurso do sucesso financeiro (prosperidade) apregoado pela Igreja Universal. Porém, durante a coleta de dados, realizada no periódico da referida agremiação religiosa, Jornal Folha Universal, uma manchete de capa (figura 1) publicada na edição 1044 de 08 de abril de 2012, chamou nossa atenção pelo ineditismo e pela contundência de sua mensagem: Bilhões e Bilhões: Isto é a economia que as ações sociais e espirituais da Igreja Universal geram para o Governo. Estudo inédito revela que, somente com combate às drogas e ressocialização de presos, foram R$ 4 bilhões nos últimos 10 anos. O total do apoio ao poder público, considerando outros projetos de assistência e inclusão social, chega a valores incalculáveis. Figura 1 - Capa da edição 1044 de 08.04.2012 do jornal Folha Universal 5 Disponível em: . Acessado em 20 de junho de 2012. 16 No interior do jornal, a matéria de capa (figura 2) traz o seguinte título: “A igreja que ajuda o Brasil”, acompanhado do subtítulo “Ações sociais da Igreja Universal geraram uma economia de R$ 4 bilhões para o Governo nos últimos 10 anos”. Figura 2 - Reportagem de capa da edição 1044 Como fica evidenciado nas manchetes, estamos diante do “discurso da responsabilidade social” e do “discurso autopromocional” da Igreja Universal, os dois subordinados ao discurso econômico. Além dessa matéria, o jornal passou a publicar uma nova seção sob o título IURD Poupa o Governo, na qual se utiliza de testemunhos de fiéis que foram curados de alguma doença considerada incurável ou que eram pobres e se tornaram ricos empresários, como “comprovação” dessa ajuda ao país (economia para os cofres públicos). A notícia 6 da edição 1.038, publicada em 26 de fevereiro de 2012, traz como título e subtítulo: IURD poupa o Governo. Eis aqui mais uma prova do trabalho social da Igreja Universal: Governo economiza R$ 547 mil após conversão de Maria7, que foi dependente de drogas Assim, para esta pesquisa, tomamos como eixo temático o discurso da responsabilidade social e a retórica da auto-promoção da Igreja Universal do Reino de Deus, materializado em textos publicados no jornal Folha Universal. Esta é a fonte documental a partir da qual se construiu o corpus. 6 Disponível em: < http://www.folhauniversal.com.br/especialiurd/noticias/iurd_poupa_o_governo-10425.html>. Acessado em 20 de maio de 2012. 7 Nos exemplos do tipo relatos de testemunhos, os nomes das pessoas são fictícios. Omitimos os nomes verdadeiros por questões de privacidade. 17 Gostaríamos de invocar, neste ponto, antes de darmos prosseguimento às nossas reflexões, a citação da pesquisadora Eni Orlandi (1987, p.8), que destacou sobre sua pesquisa do discurso religioso: “Pretendemos não estar falando de nossa crença ou descrença religiosa, mas sim de um objeto de conhecimento: o Discurso Religioso”. Após essa importante ressalva, podemos seguir em frente apresentando o problema estudado e a justificativa da escolha do objeto empírico. 2. O problema estudado e a justificativa da escolha do objeto empírico Mergulhadas num contexto sócio-histórico caracteristicamente neoliberal, muitas igrejas recorrem às táticas de marketing para oferecer um produto em situação competitiva de mercado e atrair cada vez mais novos fiéis. Com o objetivo de consolidar sua marca, essas instituições buscam a criação de uma identidade organizacional engajada socialmente através da divulgação positiva de suas ações. Ou seja, assim como as empresas, algumas instituições religiosas, por meio da publicação em jornais e revistas de suas ações assistências, buscam se apresentar como socialmente responsáveis. Como recorte, temos o discurso da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das maiores e mais influentes igrejas protestantes da vertente neopentecostal da atualidade, que tem despertado, nas últimas décadas, a atenção de estudiosos de várias ciências como a Sociologia, a Antropologia, entre outras. A escolha da Igreja Universal como objeto de análise desta pesquisa se dá em razão da sua visibilidade econômica, social e política. Fenômeno religioso reinventado e adaptado às mudanças socioeconômicas, ela é um tema de pesquisa de relevância social, na medida em que seu discurso atinge milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Uma parcela da literatura (Ciências da Religião, Sociologia etc.) tem classificado a Igreja Universal como um “empreendimento religioso”, por causa do uso de técnicas “empresariais” de expansão e comunicação (CAMPOS, 1999; MARIANO, 2005). Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a IURD foi a igreja evangélica que mais perdeu membros, em comparação com o Censo Demográfico de 2000, com uma queda de 11% no número de adeptos. O censo apurou que a igreja tinha mais de 2 milhões de membros em 2000; em 2010, pouco mais de 1,8 milhões. Apesar da queda, a Universal é a 3ª maior igreja evangélica em números de membros e a maior igreja neopentecostal do país. 18 O acelerado crescimento da IURD não se resume só ao Brasil. Fazendo jus ao nome, em trinta e cinco anos de existência (completados em julho de 2012), a IURD transformou-se num empreendimento multinacional e transcultural. Segundo reportagem exibida no programa Domingo Espetacular da Rede Record de Televisão, edição de 19 de agosto de 2012, a Igreja Universal está presente em quase 200 países. Em matéria assinada pelo jornalista Walter Nunes, a revista Época online (Edição nº 509 – 18 de fevereiro de 2008) chega a afirmar que a Universal “é mais globalizada que a rede de lanchonetes McDonald’s”. Paul Freston (1999), especialista em religião, destaca que a expansão da Igreja Universal é um capítulo importante de uma das principais transformações religiosas do final do século XX: a transformação do pentecostalismo em religião global. Com o crescimento numérico e geográfico da IURD, cresceu também o interesse de pesquisadores/as por este fenômeno, principalmente por causa da sua polêmica prática monetária (sistema de arrecadação de ofertas e dízimos). Alguns/as sugerem que os/as fiéis são manipulados pela sede de lucro dessa instituição religiosa, cujos líderes apelam de forma compulsiva para que as pessoas doem tudo para a igreja com a promessa de ganhos financeiros (MARIANO, 1999; ORO, 1993). Sobre a Igreja Universal ser tema de trabalhos acadêmicos, o Jornal Folha Universal, de propriedade da instituição, edição online de 18 de setembro de 2011, com o título “Crescimento da Universal é tema de teses”, publicou a seguinte reportagem (os grifos são nossos): 8 Para Ari Pedro Oro, professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor de um texto sobre as igrejas pentecostais brasileiras, a IURD consiste num dos mais impressionantes fenômenos religiosos do Brasil nos últimos anos. Ele cita ainda uma pesquisa do Instituto Datafolha, no qual a Igreja é percebida pela população como a instituição que mais ganhou poder de influência no Brasil entre os anos 1995 e 2003. “É uma igreja que tem suscitado grande interesse não somente no meio religioso, mas também jornalístico e acadêmico do Brasil e do exterior. De fato, quantas vezes ela não esteve presente nas páginas de ‘Veja’, ‘Época’, ‘Isto é’, ou outras importantes revistas brasileiras?”, escreveu no texto. Segundo ele, na área universitária, o indício da importância da IURD pode ser confirmado pela quantidade de trabalhos acadêmicos onde ela serviu como tema. O Banco de Teses da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) aponta que, somente no Brasil, foram defendidas 11 teses e 40 dissertações. “No exterior, um levantamento provisório mostrou que já foram defendidas teses sobre a Universal nos Estados Unidos, na França e na Suécia. Ao menos 8 Disponível em . Acessado em 04 de outubro de 2011. 19 cinco livros dedicados exclusivamente à Igreja Universal já foram publicados no Brasil e quatro no exterior”, registrou. Como podemos observar, os expressivos números de publicações (teses, dissertações, livros) cujo tema é a Igreja Universal, no Brasil e no exterior, só reforçam a sua “importância” e demonstram a sua influência no quadro religioso mundial, a ponto de ser considerada um dos maiores fenômenos religiosos da atualidade. Porém, nem só de trabalhos acadêmicos vive a “importância” da IURD. Os constantes escândalos chamaram também a atenção da mídia. A capa da revista IstoÉ (figura 3), edição de dezembro do ano de 1995, estampou uma imagem extraída de um vídeo, sob a manchete Edir Macedo ensina: como arrancar dinheiro em nome de Deus. Figura 3 - Capa da revista IstoÉ. Fonte: ISTOÉ N° Edição: 1369 de Dez/1995 Em 22 de dezembro do mesmo ano, o Jornal Nacional da Rede Globo divulgou imagens em que o bispo Edir Macedo, supostamente, ensina os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus como convencer os fiéis a fazer doações. No vídeo, o fundador da IURD cita frases como: “Se não quiser ajudar que se dane, Deus vai ajudar outro” e “Ou dá ou desce”. Na edição de 11 de agosto de 2009, o mesmo telejornal voltou a dedicar um bloco inteiro para reapresentar as mesmas cenas. São vários os destaques na mídia envolvendo a Universal. Porém, o que mais gerou polêmica foi provocado pelo bispo Sérgio Von Helder, que, em 1995, chutou e ofendeu ao vivo, em seu programa, a imagem de uma santa católica, Nossa Senhora Aparecida. 20 Figura 4: Chute na santa. Fonte: IstoÉ, N° Edição: 1802, de 21 de Abr de 2004.9 Mas nem só de trabalhos acadêmicos e reportagens na mídia sobrevive a “importância” da IURD. Nos últimos anos, a Igreja Universal tem sido alvo de investigação policial por causa de denúncias de extorsão. Fiéis que doaram seus bens e dinheiro à igreja acreditando que obteriam a graça de dobrar o patrimônio impetraram ações na justiça querendo recuperá-los. Em 1992, o próprio fundador da Igreja Universal, bispo Edir Macedo, foi preso acusado de charlatanismo, curandeirismo, estelionato, contrabando e evasão de divisas. Recentemente, matérias publicadas na mídia voltaram a destacar denúncias do Ministério Público em que Edir Macedo e outros líderes da Igreja Universal do Reino de Deus são acusados de associação criminosa e lavagem de dinheiro. O Jornal da BAND, da Rede Bandeirantes de Televisão, edição de 13 de setembro de 2011, apresentou uma reportagem de Fábio Pannunzio, na qual noticia que o Ministério Público pediu o enquadramento dos principais dirigentes da Igreja, no artigo 171 do código penal brasileiro, por prática de crime de estelionato, entre várias outras acusações graves. 10 A reportagem, que começa apresentando o documento da denúncia do MP, é ilustrada com vários vídeos da Universal. No Capítulo 1, Seção 1.3.2, faremos uma retrospectiva dos principais escândalos da IURD nos últimos anos noticiados na imprensa. Aqui, cabe ressaltar que ao longo de sua existência (35 anos) diferentes episódios divulgados pela mídia têm contribuído para o fortalecimento de um estigma (imagem negativa) em torno da Igreja Universal do Reino de Deus. 9 Disponível em: . Acessado em 05 de outubro de 2011. 10 Disponível em . Acessado em 12 de setembro de 2011. No capítulo 1.3.2 transcrevemos trechos da reportagem. 21 Nesse cenário, observou-se que, nos últimos anos, a IURD optou por rever sua postura, inicialmente agressiva, e passou a investir em uma remodelação de sua apresentação no espaço público, como tentativa de conquistar legitimidade (reelaboração da imagem). É possível notar que o discurso da “guerra santa” ou “batalha espiritual”, utilizado fartamente pela Igreja Universal desde o início de suas atividades, vem sendo substituído por discursos "politicamente corretos", dentre eles o discurso da responsabilidade social. Para tanto, tem investido não só na realização como também na divulgação (publicidade) de projetos sociais. Como forma de a IURD alcançar legitimação social, não basta apenas a realização de suas ações sociais, elas precisam ser também amplamente divulgadas pela mídia. Cabe-nos aqui ressaltar a inexistência de estudos linguísticos a respeito do discurso de responsabilidade social no campo religioso, mais especificamente da Igreja Universal. Nesse sentido, despertou-nos o interesse de contribuir com o desenvolvimento cientifico nessa área investigando o tema. 3. Estado da arte A Igreja Universal do Reino de Deus, apesar de seu pouco tempo de existência (fundada em 1977), é uma das denominações evangélicas brasileiras que mais tem despertado, principalmente a partir da década de 1990, interesse de pesquisadores/as oriundos/as de diversas áreas de conhecimento, cujas abordagens tratam desde sua estrutura organizacional até seu impacto nos campos político, religioso, econômico e social. Dentre as principais características dessa instituição que já foram mapeadas por pesquisadores/as, destacam-se o empreendedorismo, a autopromoção através da mídia, a ênfase nas práticas “mágicas” como os exorcismos, o discurso da prosperidade, a atuação político-partidária e a inserção no campo das ações sociais (ALMEIDA, 2009; LIMA, 2007; MARIANO, 2004; 2005; ORO, 2001; 2003). Este último tema talvez seja o que menos tem sido investigado. A maior parte das análises tem sido realizada no campo da Sociologia, da Ciências da Religião e da Antropologia, e tem se ocupado com sua caracterização sociológica e demográfica (CAMPOS, 1999). Outro aspecto fundamental ainda referente aos trabalhos realizados em torno da Igreja Universal é quanto aos estudos que se situam nos Estudos da Linguagem (Análise do Discurso de linhas francesa e anglo-americana, Semiótica, Linguística Aplicada etc.), cujo interesse por esse campo tem crescido ultimamente. 22 O fenômeno religioso na pós-modernidade denominado “neopentecostalismo”, mas especificamente a Igreja Universal, configura-se da maior importância como campo de investigação para a Análise Crítica do Discurso, na medida em que reflete explicitamente mudanças na sociedade. Aqui faremos um recorte de pesquisas que se aproximam dos objetivos desta tese, seja pela escolha do objeto de estudo ou pela fundamentação teórica e metodológica. Dentre os trabalhos (dissertações, teses) podemos destacar a tese de Alex Peña- Alfaro (2005), “Estratégias discursivas de persuasão em um discurso religioso neopentecostal”, que deu origem ao livro "Ou dá o Dízimo ou Desce ao Inferno: Análise das Estratégias de Persuasão da Teologia da Prosperidade da Igreja Universal”. O autor destaca que os discursos articulados pela Universal têm como principal característica o hibridismo, ou seja, vários discursos são relacionados, conforme quadro (1): TIPO DE DISCURSO CARACTERÍSTICAS Religioso Três categorias: a) beligerante (da guerra santa); b) persecutório (hostiliza outras crenças e inimigos); c) vitimizador (se diz perseguido e discriminado). Econômico focalizado sobre dinheiro e prosperidade. Político Reforça as atividades político-partidárias da instituição na busca por eleger o maior número de candidatos/as da instituição. Agora tem seu próprio partido o PRB. Maniqueísta Utiliza a dicotomia entre o Bem e o Mal como categorias de análise da realidade onde uma exclui a outra. Esta é uma forma de pensar o mundo. Pós-modernista Característica que imprime pelo uso de linguagem, conteúdos híbridos. Usa expressões de diversas crenças e os reformula. Como também de diversas áreas e os transforma. Quadro 1: Características do discurso iurdiano de acordo com Peña-Alfaro (2005) Nessa pesquisa sobre o discurso de persuasão da Igreja Universal, Penã-Alfaro chegou às seguintes conclusões: (i) As estratégias de persuasão usadas indicam a participação de estruturas linguísticas tal como usadas na propaganda e na publicidade e nas estratégias de marketing; (ii) O uso desses instrumentos demonstra que existe persuasão e manipulação discursiva e ideológica por parte da Universal, instrumentalizando este discurso para obtenção de dízimos e ofertas, como também nas eleições em que a Universal lança seus/suas próprios/as candidatos/as. 23 Quanto à relação da Igreja Universal com a mídia e a publicidade, tema que nos interessa, o trabalho de Olímpio Guedes Júnior, que escreveu “A retórica do jornal Folha Universal: a manipulação da boa fé”, capítulo da obra A retórica das mídias e suas implicações ideológicas (2006), é fundamental, pois o autor, preocupado com o discurso, procura fazer uma análise crítica examinando a problemática do uso da mídia jornal pela Igreja Universal como instrumento de doutrinação e convencimento dos indivíduos e consequentemente do seu projeto expansionista. Os discursos persuasivos estão sendo utilizados pelas religiões no propósito de difundir suas ideologias, de modo que, utilizando-se de discursos articulados, a Igreja Universal vai ‘infiltrando-se’ no cotidiano das pessoas, ditando regras e influenciando comportamentos (GUEDES JÚNIOR, 2006, p. 120, destaque do autor). Na pesquisa realizada por Ana Paula Moreira (2010), cujo título é Estratégias discursivas de persuasão no discurso religioso da Igreja Universal do Reino de Deus: uma análise sistêmico-funcional, encontramos um percurso analítico que, de algum modo, coaduna com a nossa investigação. A partir do quadro teórico da Linguística Sistêmico-Funcional, mais especificamente o Sistema da Avaliatividade – com foco no subsistema do Engajamento (fenômenos linguísticos de contração e expansão dialógica), a pesquisadora propôs-se identificar e analisar recursos avaliativos utilizados como estratégias persuasivas no gênero “mensagem” (sermão), escritas pelo bispo Edir Macedo e publicadas no jornal Folha Universal e nos sites associados à igreja. Moreira (2010) apontou, na conclusão, que há nos textos uma tensão constante entre a construção discursiva de uma figura de autoridade para o locutor (que é porta-voz de Deus) e, ao mesmo tempo, uma tentativa de aproximação desta figura com o seu interlocutor, o fiel ou fiel em potencial. No que diz respeito à figura de autoridade, há o apagamento do locutor, que atribui a Deus e aos profetas e apóstolos mencionados pela Bíblia seu discurso. O líder é o porta-voz de Deus e único autorizado a falar em nome dEle. Ela observa ainda que a mensagem publicada é uma voz institucional que se realiza lexicogramaticalmente em um con te x t o d i a l óg i c o , com predominância de Atribuição, elemento que ocorre quando uma voz externa é introduzida no texto com o objetivo de endossar, reforçar a argumentação. Ou seja, o bispo Edir Macedo, fundador e líder 24 da IURD, faz uso, em suas mensagens, de recursos avaliativos de Engajamento que autorizam o seu discurso, principalmente das vozes advindas da bíblia, incluindo aí a do próprio Deus. Os trabalhos elencados nos ajudaram a compreender um pouco mais o objeto em estudo. 4. Questões de pesquisa e objetivos São estas as questões que orientaram o nosso trabalho:  Como as formas de representação de atores sociais nas notícias contribuem para a construção da imagem positiva da Igreja Universal com relação à questão da responsabilidade social?  Como a IURD é representada pela mídia Universal, mais especificamente no jornal Folha Universal, com base no Sistema de Avaliatividade? Quem avalia e como avalia a Igreja?  Que outros discursos são observados em textos que tematizam a responsabilidade social no contexto da IURD? Esta pesquisa norteou-se pelo seguinte objetivo geral: Refletir sobre o discurso da responsabilidade social e a retórica da autopromoção da Igreja Universal através do papel dos atores sociais na construção de sua(s) identidade(s), materializados no Jornal Folha Universal. Como objetivos específicos, estabelecemos: a) Identificar a representação de atores sociais nas notícias (significado representacional) e como ela contribui para a construção da imagem positiva da IURD com relação à questão da responsabilidade social b) Analisar, com base em ocorrências léxico-gramaticais e semântico-discursivas, a construção dos discursos de valorização sobre as ações de responsabilidade social da 25 Igreja Universal e o papel dos recursos avaliativos na construção de sua identidade (estilo) através da mídia (significado identificacional) c) Analisar os tipos de discurso que estão delineados na amostra discursiva e os aspectos ideológicos e hegemônicos presentes na prática discursiva analisada. 5. Suporte teórico Conjugamos, nesta pesquisa qualitativa/documental, análises sociais e discursivas. Na faceta linguístico-discursiva, a pesquisa se baseou na Análise Crítica do Discurso (ACD), principalmente em Fairclough (2001, 2003, 2006), uma proposta que fornece ferramentas teórico-metodológicas para investigar a linguagem além das estruturas linguísticas, ou seja, o discurso, as práticas sociais nas quais ele ocorre e as estruturas sociais mais amplas. Uma preocupação central para a ACD tem sido com os efeitos causais dos textos, isto é, como os textos podem provocar mudanças nos conhecimentos, nas crenças, nas atitudes, nos valores, nas identidades e etc. das pessoas e instituições. Também foram utilizados pressupostos teóricos da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), combinando categorias do Sistema de Transitividade de Halliday (1994, 2004), das formas de representação de atores sociais na perspectiva sócio-semântica de van Leeuwen (1997, 2008) e do Sistema de Avaliatividade de Martin e White (2005). Ao desenvolvermos a argumentação sobre a função social da religião nesta tese, servimo-nos de autores como Freston (1994), Oro (1997, 2003), Campos (1997), Mariano (1999), Meneses (2008), entre outros. A pesquisa também se orientou pelos trabalhos de Hall (2006, 2008) acerca da natureza constitutiva do discurso na construção das identidades; de Thompson (2001) sobre discurso da mídia, modernidade e ideologia; de Carvalho (2002) e Coelho (2007) sobre o jornalismo e a publicidade, de Giddens (1991, 2001) sobre a globalização, e de Bauman (1998, 1999) sobre a religião e a pós-modernidade. Para abordar a noção de religião e mercado/economia, nos apoiamos nas formulações de Berger (2004) e Weber (2004). Utilizaremos também uma série de conceitos e categorias advindas do campo da comunicação e marketing sobre a responsabilidade social empresarial e o marketing social. Nesta área, tomamos como referências as contribuições de Bueno (2003) e Fossá e Sartoretto 2003), que concebem a “responsabilidade social” como um exercício planejado de ações e estratégias de relacionamento entre uma organização e seus públicos de interesse que visa à 26 sobrevivência da empresa. Foi importante também a abordagem de Zenone (2006), que destaca a relação entre ação social empresarial e o retorno financeiro, e ainda das reflexões de Bonotto e Peruzzolo (2003), que propõem uma relação indissociável entre a “responsabilidade social”, a “imagem/identidade” e a “competição”. 6. Procedimento de coleta de dados e metodologia de análise Nosso corpus do trabalho é constituído por notícias veiculadas no jornal Folha Universal, nas quais são noticiados os “eventos sociais” da Igreja Universal. O recorte temporal estabelecido ficou sobre as edições dos anos de 2010 a 2012. Na etapa inicial da pesquisa, foram coletadas (impresso e online) e analisadas 153 edições do jornal. Desse total, selecionamos 228 notícias que traziam a temática “trabalho social da IURD”. Diante de um corpus extenso, adotamos critérios, que detalharemos no Capítulo terceiro, sobre metodologia, e selecionamos uma amostra reduzida que será submetida ao procedimento de análise. No que diz respeito à metodologia, primeiramente realizamos uma pesquisa bibliográfica a partir dos livros, teses, dissertações e artigos de referencial teórico e a fonte de corpus, o jornal Folha Universal. Para análise do corpus, trabalhamos com duas perspectivas: uma voltada para a análise textual (linguística) e outra voltada para a representação discursiva (Análise Crítica do discurso). Na primeira, com base na teoria Appraisal System 11 (Avaliatividade), que foi desenvolvida pelos linguistas Jim Martin e Peter White (2005) e do Sistema de Transitividade de Halliday (1994, 2004), tentamos estabelecer uma relação com os recursos semântico-discursivos que falantes/escritores utilizam para expressar emoções, julgamentos e avaliações e construção de identidades. Conforme Martin e White (2005), essa teoria apresenta técnicas para analisar como a avaliação e a perspectiva operam em textos e se interessa na função social dos recursos utilizados por falantes/escritores/as para expressar seus sentimentos e posições. Utilizaremos também as contribuições de Vian Jr. (2009) e Almeida (2010). Na segunda, analisamos a representação de atores sociais nas notícias como recurso determinante no processo de construção das identidades (estilos). Procuramos também interpretar alguns aspectos ideológicos, visto que a representação de atores sociais no discurso 11 No Brasil, essa teoria tem sido traduzida como Teoria da Valoração ou Teoria da Avaliação. Ultimamente, entretanto, o termo Avaliatividade tem ganho preferência. Neste trabalho usaremos este último. 27 é ideológica, pois mostra relações de hegemonia e poder em uma determinada prática social (FAIRCLOUGH, 2003). Quando se discutem questões de poder, hegemonia e identidade, a LSF e a ACD constituem arcabouço teórico-metodológico relevante para a análise discursiva e textual, das escolhas léxico-gramaticais, imagens e outros recursos semióticos utilizados para a produção de significado, pois permitem a desconstrução da estrutura linguística dos textos. 7. Descrição dos capítulos Organizamos essa tese em quatro capítulos. O primeiro, intitulado “O discurso religioso como prática social”, baseado no intercâmbio entre Sociologia, Ciência da religião e Antropologia, recupera a histórica do Cristianismo no mundo, destacando suas fases e tendências. Logo após, aborda a evolução das religiões cristãs no Brasil, com destaque para o surgimento dos movimentos pentecostais e neopentecostais. Tratamos do histórico da Igreja Universal do Reino de Deus a partir do contexto sócio-histórico no qual ela surgiu e abordamos também os pilares de sustentação dessa igreja responsáveis por sua expansão no Brasil e no exterior. No segundo capítulo, “Aparatos teóricos”, apresentamos o paradigma teórico que guiará a investigação, incluindo, além de conceitos, categorias e ferramentas teóricas e metodológicas, uma breve história da Análise Crítica do Discurso (ACD). Ressaltamos a interface da ACD com a Linguística Aplicada (LA) e com a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) e as três metafunções da linguagem, a saber: ideacional, interpessoal e textual, bem como a Teoria da Avaliatividade, desenvolvida por Jim Martin e Peter White (2005). A Teoria de representação de atores sociais de van Leeuwen (1997, 2008) também é apresentada. No capítulo terceiro, apresentamos o percurso metodológico utilizado para a coleta de dados, a sistematização dos dados e a construção do corpus da pesquisa. No quarto, fazemos a análise dos dados. E finalmente, fazemos as considerações finais. 28 CAPÍTULO I O DISCURSO RELIGIOSO COMO PRÁTICA SOCIAL Partindo do pressuposto de que os novos movimentos religiosos têm suas raízes na história, na cultura, na economia e nas mudanças pelas quais experimenta a sociedade, neste capítulo faremos um rápido percurso histórico do Cristianismo no mundo em que procuraremos examinar as relações históricas e culturais entre sociedade e religião desde a hegemonia da Igreja católica e sua influência cultural, política, social e econômica até a ruptura dessa hegemonia promovida pela Reforma Protestante do século XVI. Para compreendermos as transformações impostas pela vida social na postura religiosa do indivíduo contemporâneo, observaremos as contingências histórico-culturais pelas quais a religião passou como o processo de secularização (racionalização e interiorização da fé; pluralismo religioso) e o processo de ressacralização (retomada do caráter místico e sagrado da religião). Por fim, apresentaremos o contexto histórico em que surgiu a Igreja Universal, suas principais características ritualísticas e teológico-doutrinárias e suas bases de sustentação. 1.1 Fases e tendências na história do Cristianismo Na demarcação cronológica que faz da evolução histórica do Cristianismo, Meneses (2008, pp.83-87) destaca três fases e suas respectivas tendências: i) fundação e expansão; ii) divisão (reforma) e secularização e iii) racionalização e crescimento do protestantismo. A primeira, que engloba o Cristianismo nos três primeiros séculos e o Catolicismo Romano a partir do terceiro século até o final da Idade Média, foi caracterizada pela revitalização do sagrado por meio de práticas consideradas mágicas. Durante os três primeiros séculos da era cristã, os/as cristãos/as foram implacavelmente perseguidos pelo Império Romano (perseguição), pelo fato de não aceitarem o sincretismo religioso e o culto ao imperador. Em Roma, muitos/as cristãos/as foram transformados/as em mártires, comidos por leões em espetáculos no Coliseu, como alvos da ira de imperadores que se autodenominavam deuses e exigiam a veneração de suas imagens e estátuas. 29 Com a liberdade religiosa e decretação do Cristianismo como religião oficial do Estado (oficialização), ocorrida durante o governo de Constantino e Teodósio no século IV, passou a imperar o discurso religioso monopolizado pela Igreja Católica. Nesse período, que se estendeu até o fim da Idade Média, a religião era imposta ao ser humano por uma cúpula religiosa que detinha a chave da “porta do céu”. Sobre o impacto social dos meios de comunicação na sociedade, Thompson (2001, p. 52, 53) afirma que na “Europa medieval, a Igreja Católica Romana era a instituição central do poder simbólico, com o monopólio da produção e da difusão dos símbolos religiosos e da inculcação da crença religiosa”. Esse domínio, no entanto, não se limitou ao campo religioso. Nesse período, o Cristianismo passou a controlar todas as esferas da atividade humana, principalmente as artes (pintura, música, esculturas) a arquitetura e a educação. Acerca dessa época, o cientista social, especializado em estudos da Religião, Leonildo Campos, comenta: Com a sua oficialização, o cristianismo se tornou um produtor hegemônico de símbolos, práticas e rituais religiosos. Nesse período, a Igreja aperfeiçoou seus meios de comunicação com a sociedade, inventando o sino, a torre, o confessionário como fonte de poder e de pesquisa, a trilha musical e outras atividades comunicativas, que facilitavam a ‘venda’ de seus produtos simbólicos (CAMPOS, 1999a, p. 170). Na descrição do autor, percebemos o propósito centralizador e controlador dos bens simbólicos por parte da Igreja Católica naquele período. Retomando a análise de Meneses (2008) a respeito das fases do Cristianismo, a segunda destacada por ele é a do Cristianismo Reformado, sob a influência dos movimentos do Humanismo, da Reforma Protestante e do Iluminismo. Esse período do cristianismo, na sua versão católica ou protestante, é caracterizado pela separação entre Igreja e Estado. Teve início o processo denominado secularização da sociedade moderna. O termo refere-se a um processo de construção do mundo (social, político e econômico) pelos próprios seres humanos, com leis racionais, mundanas, e nada relacionadas com a esfera do sagrado (BERGER, 2004). Berger (2004) afirma que a secularização significou o fim do monopólio religioso em favor do pluralismo no qual as sociedades modernas estão inseridas. No entanto, o processo de secularização significou não só o fim do controle da Igreja sobre alguns setores da sociedade como a educação, mas também a emancipação do indivíduo, o que Berger (2004) chama de lado subjetivo da secularização, a secularização da 30 consciência. Ou seja, indivíduos passaram a encarar o mundo e suas próprias vidas sem a tutela da religião. Desse modo, o efeito da “secularização subjetiva” foi a “individualização” ou “privatização” da religião. Nesse sentido, a religião deixou de ser uma obrigatoriedade e passou a ser objeto de escolha, de preferência do indivíduo. Discorrendo sobre o conceito de identidade na pós-modernidade, o sociólogo Stuart Hall (2006) destaca o “individualismo” como uma das características principais do sujeito moderno. Ele diz: a época moderna fez surgir uma forma nova e decisiva de individualismo, no centro da qual erigiu-se uma nova concepção do sujeito individual e sua identidade. [...] As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais (HALL, 2006, p.24,25, destaque do autor). O autor supracitado destaca alguns movimentos importantes no pensamento e na cultura ocidentais que contribuíram para a emergência desse “indivíduo soberano”, dentre eles a Reforma e o Protestantismo, o Humanismo Renascentista, as revoluções científicas e o Iluminismo. Os dois primeiros “libertaram a consciência individual das instituições religiosas da Igreja e as expuseram diretamente aos olhos de Deus”; o segundo, “colocou o homem no centro do universo”; o terceiro conferiu “ao Homem a faculdade e as capacidades para inquerir, investigar e decifrar os mistérios da Natureza”; e o último centrou-se “na imagem do homem racional, científico, libertado do dogma e da intolerância, e diante do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e dominada” (HALL, 2006, p. 25,26). Bauman (1998), ao tratar do tema das relações entre pós-modernidade e religião, destaca que a ideia da auto-suficiência humana, introduzida pelo humanismo, acabou minando o domínio da religião institucional chamando a atenção humana para as coisas que estão disponíveis para serem experimentadas ainda nesta vida. O sociólogo lembra que a modernidade desconstruiu o que o longo domínio do Cristianismo havia construído: “repeliu a obsessão com a vida após a morte, concentrou a atenção na vida ‘aqui e agora’, redispôs as atividades da vida em torno de histórias diferentes, com metas e valores terrenos” (BAUMAN, 1998, p.217). 31 Sobre os debates sociológicos acerca do que as mudanças econômicas e sociais da modernidade tardia significam para os indivíduos, Lilie Chouliaraki e Norman Fairclough (1999, p.44) ressaltam que Tem sido argumentado que a modernidade tardia é uma forma ‘pós- tradicional’ social em que os indivíduos têm que realizar o ‘projeto’ de construção de seus próprios estilos de vida e identidades (Giddens 1991). Eles têm acesso via quase-interação mediada a uma gama de recursos de conhecimentos, práticas, modos de ser, e assim por diante, aos quais podem recorrer. Mas este recurso é moldado em outros lugares, e são oriundos de sistemas sobre os quais eles não tem controle algum. Assim, a autonomia sem precedentes dos indivíduos é acompanhada por uma dependência sem precedentes de recursos simbólicos oriundos da mídia de massa. 12 Como é possível observar na citação, a auto-suficiência na modernidade tardia é relativa. Há uma espécie de controle realizado por “sistemas especializados” e “peritos” que organizam a consciência social (os sistemas) com informações, know-how, formas de raciocínio, estilos de vida etc., em sintonia com o capitalismo (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Giddens (1991, p. 30) define-os assim: Por sistemas peritos quero me referir a sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje. A maioria das pessoas leigas consulta ‘profissionais’ — advogados, arquitetos, médicos etc., — apenas de modo periódico ou irregular. Mas os sistemas nos quais está integrado o conhecimento dos peritos influencia muitos aspectos do que fazemos de uma maneira contínua. Retomando as considerações de Berger (2004) sobre a secularização, é importante ressaltar que, apesar de não limitar nem propor uma hierarquia das causas desse processo, o autor reconhece que o seu palco original foi a área econômica. Ressalta ainda que “o Protestantismo funcionou como um prelúdio historicamente decisivo para a secularização, qualquer que tenha sido a importância de outros fatores” (BERGER, 2004, p. 125). E como consequência, a secularização trouxe implicações não só para os conteúdos religiosos 12 No original: “It has been argued that late modernity is a 'post-traditional' social form in which individuals have to undertake the 'project' of constructing their own lifestyles and identities (Giddens 1991) They have access via mediated quasi-interaction to a huge resource of knowledge, practices, ways of being, and so forth, which they can draw upon. But this resource is shaped elsewhere, it comes to them from systems they have no control over. So the unprecedented autonomy of individuals goes with an unprecedented dependence upon mass mediated symbolic resources”. 32 tradicionais, tornando-os vazios de sentido, mas também para as estruturas das instituições que os abrigam. Outro efeito da secularização destacado por Berger (2004), o qual ele denomina de “secularização objetiva”, foi o “pluralismo religioso”. Com o fim do monopólio das religiões tradicionais, instaurou-se o período do pluralismo religioso, um regime marcado pela concorrência entre diversos segmentos religiosos. Berger (2004) ressalta como característica- chave de todas as situações pluralistas o fato de os ex-monopólios religiosos não poderem mais contar com a submissão do seu público-alvo, pois a submissão torna-se voluntária. Assim, a tradição religiosa que antes era imposta pela autoridade, agora precisa ser colocada no mercado. Precisa ser vendida para uma clientela que não tem mais a obrigação de “comprar”. Assim, de acordo com a tese do autor, os efeitos da situação pluralista afetam não só os aspectos socioestruturais da religião, mas também os conteúdos religiosos, os quais ele denomina de “o produto das agências religiosas de mercado” (BERGER, 2004, p. 156). Dessa forma, após a introdução da dinâmica da preferência do/a consumidor/a na esfera religiosa, ficou cada vez mais difícil manter as tradições religiosas como vertentes imutáveis. Ao contrário, os conteúdos religiosos tornam-se sujeitos à “moda”. Campos (1999a, p. 203) utiliza metáforas gastronômicas como “menu religioso”, “religião à la carte”, “restaurante por quilo”, para se referir ao aumento de números de pessoas que escolhem por elas mesmas o que irão consumir de produtos religiosos. Essa questão do “desejo do/a consumidor/a” no mercado religioso será retomada mais à frente. Nessa guerra mercadológica, em que a cada dia surgem novas igrejas para atender todos os gostos, bolsos e perfis, as igrejas protestantes históricas13, oriundas da reforma ocorrida no século XVI, estão perdendo seus membros para as igrejas chamadas pentecostais e neopentecostais que, para agradarem ao público, adaptaram a sua mensagem às regras do consumo, prometendo solucionar os problemas de ordem física, emocional e financeira em que as pessoas estão mergulhadas nos dias de hoje. Para finalizar esse percurso histórico, na concepção de Meneses (2008), a terceira fase do Cristianismo refere-se ao final do século XIX e às primeiras décadas do século XX. Para o autor, essa fase foi caracterizada pelo abandono da Igreja Católica, principalmente no continente Europeu, dos milagres, dos mistérios, seguindo a crescente onda de racionalização. 13 Os protestantes históricos incluem as denominações: Batista, Adventista, Luterana, Presbiteriana, Metodista, Congregacional, Menonita, Anglicana, Exército da Salvação e outras. Fonte: SEPAL. Disponível em: . Acessado em 13 de maio de 2012. 33 No Brasil, foi caracterizado pelo crescimento do protestantismo. Ao mesmo tempo em que se desenvolvia, ele se fragmentava ainda mais. Na seção seguinte, trataremos do começo e da expansão de um dos ramos do protestantismo conhecido como pentecostalismo/neopentecostalismo. 1.2 Pentecostalismo e neopentecostalismo: gênese e expansão Uma extraordinária transformação se processou no campo religioso brasileiro nas últimas décadas. Os dados oficiais disponíveis apontam para o encolhimento das religiões cristãs tradicionais, como o catolicismo e protestantismo histórico. Na avaliação feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1940-2010 a religião católica sofreu uma redução expressiva no número de adeptos, passando de 95,2% da população brasileira em 1940 para 65% em 2010. Entre 2000 e 2010, esse grupo perdeu 12% de participação no bolo total, mas ainda responde pela maior fatia. Já o grupo denominado “evangélico”, nos últimos dez anos apresentou crescimento de 61%, saltando de 15,4 % da população em 2000, algo em torno de 26 milhões de pessoas, para 22,2% em 2010, 42,3 milhões de fiéis. A tabela a seguir mostra, em percentual, a evolução das religiões no Brasil, durante esse período. Religião 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Católicos 95,2 93,7 93,1 91,1 89,2 83,3 73,8 65,0 Evangélicos 2,6 3,4 4,0 5,8 6,6 9,0 15,4 22.0 Outras religiões 1,9 2,4 2,4 2,3 2,5 2,9 3,5 5,0 Sem religião 0,2 0,5 0,5 0,8 1,6 4,8 7,3 8,0 T O T A L 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Tabela 1 – Religiões do Brasil de 1940 a 2010, em porcentagem. Fonte: IBGE, Censos demográficos. Entre aqueles que se declararam evangélicos em 2010, 60% fazem parte do ramo dos pentecostais (Assembléia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus, Nova Vida, entre outras), e 18,5% pertencem ao ramo do protestantismo denominado histórico ou evangélicos de missão. O percentual restante foi classificado como “outras religiões”. 34 Desse modo, o perfil evangélico brasileiro é majoritariamente pentecostal. A hegemonia do cristianismo protestante passou, portanto, para as mãos das igrejas pentecostais, como Assembléia de Deus, a que mais cresceu entre 2000 e 2010, passando de 8,4 milhões para 12,3 milhões de fiéis, Congregação Cristã no Brasil e O Brasil Para Cristo. Convém ressaltar que, assim como a Igreja Católica Apostólica Romana, algumas igrejas protestantes históricas têm experimentado decréscimo. Pelos dados do Censo Demográfico 2010, IBGE (Tabela 1), concluímos que a evasão de fiéis do catolicismo romano, constatada na pesquisa, deu-se no contexto da expansão dos novos movimentos religiosos de renovação, como o pentecostalismo. Fica claro, também, que o crescimento das igrejas evangélicas acontece graças a esse movimento. O aumento da vertente protestante pentecostal no cenário religioso brasileiro, a partir da década de 1950, tem sido acelerado nas três últimas décadas com o surgimento do neopentecostalismo, sobretudo pela Universal, que apesar da perda de fiéis entre o Censo 2000 14 e o de 2010, passando de 2,102 milhões para 1,873 milhão, no ranking das igrejas de origem pentecostal ela ficou atrás somente da Assembléia de Deus e da Congregação Cristã do Brasil. O jornal Folha Universal publicou, na edição 1.057, de 08 de julho 2012, em chamada de capa, o novo mapa da religião no país: “Evangélicos chegam a 22% da população: Dados do IBGE mostram ascensão da comunidade evangélica no País, ao mesmo tempo em que a religião católica perde força. Em 3 décadas, número de fiéis mais do que triplicou”. A matéria (p. 22) traz a manchete: “Um país de evangélicos: número de fiéis aumenta 61% em dez anos e ultrapassa os 42 milhões. Ao mesmo tempo católicos diminuem sua representatividade no país”. O que nos chamou a atenção no corpo da matéria foi o seguinte destaque: “A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) tem grande responsabilidade nesse crescimento, com 35 anos, recém-cumpridos, de muito trabalho e dedicação”. Ou seja, o crescimento dos evangélicos é atribuído principalmente ao trabalho da Igreja Universal. Até aqui, apresentamos somente os números que comprovam a evolução do pentecostalismo. Entretanto, o pentecostalismo e o neopentecostalismo no Brasil só podem ser entendidos a partir de análises que busquem suas origens históricas, pois há causas sociológicas e históricas importantes por traz do surgimento do pentecostalismo. Para tanto 14 Disponível em Acessado em 16 de maio de 2012. 35 recorreremos a autores como Fernandes et al (1998), Paul Freston (1993, 1999), Mariano (2001, 2003, 2004, 2005), e Campos (1996, 1999), entre outros. De acordo com Fernandes et al (1998, p.51), a palavra pentecostal remete à experiência extraordinária vivida pelos apóstolos em seguida à ascensão de Cristo aos céus. Sentindo-se desamparados e desorientados, os apóstolos reunidos recebem a visitação de uma Língua de Fogo, expressão da força divina, que veio a ser identificada pela teologia como a Terceira Pessoa de um Deus que, paradoxalmente, é uno e trino, ao mesmo tempo. No início do século XX, grande parcela do protestantismo mundial, descontente com os rumos da “Igreja Moderna (organização burocrática, insensível, racional, fria, preocupada muito mais com seus privilégios políticos e sociais do que com a ação de Espírito Santo)” (CAMPOS,1996, p. 79), passam a buscar uma renovação espiritual nos moldes da Igreja Primitiva, com farta distribuição de dons carismáticos e realização de milagres. Campos (1999) destaca que o movimento religioso pentecostalismo surgiu nos Estados Unidos, em 1906 e “se irradiou, dando origem, em várias partes do mundo, a ‘grupo pentecostais’, uns autóctones, outros resultantes da chegada de missionários norte-americanos ou europeus” (CAMPOS, 1999a, p. 49). No Brasil não foi diferente. Dos Estados Unidos vieram o italiano Louis Francescon e os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, para fundar as primeiras denominações de orientação pentecostal no Brasil, na primeira década do século XX. O primeiro, de origem presbiteriana, fundou, em 1910, a Congregação Cristã no Brasil. Os dois últimos, originários da Igreja Batista, em 1911 fundaram a Assembléia de Deus. Segundo Campos (1996, p. 122), as igrejas pentecostais se distinguem das protestantes históricas pelas seguintes características: (i) Centralidade, em suas crenças e práticas, do batismo no Espírito Santo e a evidencia de seus dons, entre os quais o falar em línguas, a cura e a profecia; (ii) participação dos leigos nas atividades litúrgicas; (iii) ênfase na experiência pessoal da fé e na sua exteriorização emotiva através dos testemunhos; (iv) ênfase na segunda vinda de Cristo; (v) leitura e interpretação da Bíblia, geralmente, de modo literal. 36 Com essas formas eclesiásticas e doutrinárias inovadoras, as igrejas pentecostais, na sua maioria filhas e netas das igrejas protestantes históricas, se multiplicaram no Brasil, espalhando-se especialmente pelos bairros mais pobres das grandes cidades do País e atraindo em geral a população com menor renda e menor instrução. Por serem os mais pobres os que mais aderem à fé pentecostal, a mídia e membros das camadas sociais mais intelectualizadas tendem a ver na ignorância popular explicação para o intenso crescimento dessas igrejas, já que consideram como exploradoras da boa vontade do povo pobre e ignorante (MARIZ, 1996, p. 167). Segundo o sociólogo Freston (1993), por aqui a expansão aconteceu em três fases (ou “ondas” históricas). A primeira, denominada “Pentecostalismo Clássico”, compreendida entre 1910 e 1950, deu-se por meio da Congregação Cristã no Brasil e da Assembléia de Deus. Enfatiza-se nessa fase o batismo do Espírito Santo com evidência na glossolalia (dom de falar em línguas estranhas), a cura divina, as profecias, o rigor nos usos e costumes. Atualmente, essa vertente constitui o maior grupo evangélico brasileiro. A segunda, entre os anos 1950 e 1970, denominada “deuteropentecostalismo”, é reconhecida na Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), na Brasil para Cristo (1955) e na Deus é Amor (1962). Nas décadas de 1960 e 1970, o movimento pentecostal invadiu as igrejas tradicionais, fazendo surgir os chamados grupos “renovados”: Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil; Igreja Presbiteriana Independente Renovada; Convenção Batista Nacional; Igreja Metodista Wesleyana, entre outras. A ênfase principal nessa fase é a cura divina. A terceira fase, a partir do final dos anos 1970, denominada “neopentecostalismo” ou “pentecostalismo autônomo”, tem como suas principais representantes a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça (1980), a Renascer em Cristo (1986) e a Comunidade Sara Nossa Terra (1992). A teologia da prosperidade, doutrina que considera a riqueza como prova externa da benção de Deus, dando ênfase à vida abundante terrena, na qual o fiel tem o direito de tomar posse das bênçãos ou de tudo que necessita para ser feliz, pois ele serve a um Deus “dono de todo ouro e toda prata”, cujo maior desejo é dar o melhor para seus filhos nesse mundo (FRESTON, 1994); a batalha espiritual (expulsão de demônios), a estrutura empresarial das igrejas e o liberalismo nos usos e costumes são algumas das características dessa fase. O quadro a seguir apresenta as vertentes do pentecostalismo brasileiro classificadas em ondas e suas ênfases principais: 37 ONDA PERÍODO PRINCIPAIS REPRESENTANTES ENFASES 1)Pentecostalismo Clássico 1910 - 1950 Assembléia de Deus Igreja Cristã do Brasil Glossolalia 2)Deuteropentecostalismo 1950-1970 Igreja do Evangelho Quadrangular O Brasil para Cristo Sara Nossa Terra Milagres e cura divina 3)Neopentecostalismo 1970 Igreja Universal Igreja Renascer em Cristo Teologia da Prosperidade Batalha Espiritual Quadro 2 – Classificação do pentecostalismo brasileiro A partir da década de 1970, líderes religiosos brasileiros receberam e assimilaram influências do exterior, como os ensinamentos do pregador norte-americano Kenneth Hagin, cuja ênfase estava na teologia da prosperidade, e começaram a formar as denominações neopentecostais no Brasil, entre elas a Universal do Reino de Deus, objeto de nossa pesquisa. Segundo Campos (1999), o que diferencia o pentecostalismo do neopentecostalismo é a capacidade desse último de adequação (acomodação) ao capitalismo-neoliberal. Tal como o capitalismo, que procurou se alterar depois do advento da crítica marxista e da implantação do regime comunista em algumas partes do mundo, o pentecostalismo também foi forçado a abandonar a postura contracultura e caminhar em direção a uma religiosidade acomodada em uma sociedade dominada pelo mercado neoliberal. Foi nesse lócus que surgiu o neopentecostalismo (CAMPOS, 1999a, p. 36). Dentre as inovações que o neopentecostalismo trouxe ao campo religioso brasileiro estão: utilização massiva da mídia; prática político-partidária explícita; estruturação da igreja aos moldes empresariais; oferta de serviços tanto no templo, que costumam ficar abertos por várias horas do dia, quanto em seus veículos de comunicação; abolição da rigidez de usos e costumes do pentecostalismo clássico; pregação da teologia da prosperidade; ressemantização dos símbolos e rituais dos cultos católicos, afro-brasileiros e do espiritismo, como a água benta, o óleo consagrado, o copo d’água, roupas brancas, rosas, lenço, dentre outros (CAMPOS 1999; FONSECA 2002; ORO 2003). Para completar esse quadro a respeito do protestantismo e suas vertentes (pentecostalismo/neopentecostalismo), concluímos esse enfoque da relação entre a religião e o contexto sócio histórico ressaltando as palavras de dois especialistas: Campos (1996) e Prandi (1996). O primeiro afirma que 38 O pentecostalismo tem respondido de forma positiva às necessidades sócio- psíquicas das pessoas excluídas da modernidade capitalista. Para elas, não há nenhuma outra utopia no horizonte a lhes garantir a chegada de um tempo de dignidade e de participação nos resultados do desenvolvimento econômico. Tais pessoas foram tocadas pela retórica do modo capitalista de vida, que promete e não cumpre dar a todos igualdade no consumo, prosperidade, saúde, segurança e emprego. Onde faltam essas coisas, ali há um terreno fértil para a efervescência de novos movimentos religiosos. São situações sociais como estas que, ao longo da história, tem tornado possível o surgimento, maturidade e decadência de movimentos religiosos. O pentecostalismo e o protestantismo, seguramente não são exceções e nem pacotes prontos, caídos do céu sobre a terra séculos depois de Jesus Cristo. O sucesso de uma religião se alimenta de causas históricas e sociais, do projeto de vida de pessoas de carne e osso, com necessidades concretas e identificáveis (CAMPOS, 1996, p. 93). Chamou-nos a atenção o destaque dado pelo autor aos aspectos sócio-psíquicos que caracterizam o pentecostalismo, que no contexto econômico capitalista exerce o papel inclusivista, ajudando a restabelecer a dignidade da população empobrecida, abandonada pelo Estado, excluída da divisão de bens de consumo prometidas pelo capitalismo, população marginalizada cultural e materialmente. De acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) do Censo 2010, a população com renda per capita inferior a um salário mínimo é maioria entre evangélicos de origem pentecostal (como a Assembléia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular e a Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras), 63,7% do total. Ainda no entendimento do autor, a falta de acesso da maioria da população às necessidades básicas como a saúde, a segurança e o emprego tem sido “um terreno fértil” para o surgimento de novos movimentos religiosos, cujo sucesso ou insucesso está intimamente relacionado com causas históricas e sociais. Corroborando com a visão de Campos (1996), Prandi (1996, p. 271), ao discorrer sobre o contexto histórico do pentecostalismo/neopentecostalismo e a grande mudança que esse movimento tem promovido entre os seus fiéis, qual seja, o “convencimento de que todos tem o direito à não-pobreza e de que todos deixarão realmente de ser pobres, o que inequivocamente quebra uma tradição de resignação muito arraigada e muito imobilizadora”, chega a afirmar que “é inegável que a religião consegue oferecer um mecanismo de administração da vida que parece promover melhorias na vida do crente”. O autor ainda completa dizendo que 39 A filiação religiosa agora tem um custo que não é mais meramente psicológico e social, mas que pode ser avaliado em função do que se pode receber. Afinal de contas, quem tem tão pouco, e tão pouco pode dar, como avalia aquilo que recebe em troca, ainda que nada material, mas sobejamente importante, como a auto-estima, a revalorização da vida, o interesse pela própria mudança e a confiança que faz romper o ceticismo que se acredita ser herança eterna. Vale a pena pagar por isso tudo, pode ser a resposta do converso. Pois isso é inegável: o pentecostalismo é capaz de devolver aos seus convertidos auto-estima e autoconfiança (PRANDI, 1996, p. 271). Voltaremos a tratar do contexto sócio-histórico em que a IURD foi estabelecida na próxima seção. 1.3 Igreja Universal do Reino de Deus: um novo paradigma teológico-doutrinário e ritualístico cristão Nesta seção, trataremos da Igreja Universal do Reino de Deus. Faremos isso a partir do contexto no qual ela surgiu, com o objetivo de verificar em que medida as mudanças na sociedade (globalização, capitalismo) podem ter colaborado para o surgimento dessa instituição. Além disso, abordaremos os cinco pilares de sustentação dessa igreja e como se deu sua expansão no Brasil e no exterior. 1.3.1 Contexto histórico do neopentecostalismo iurdiano Partimos do pressuposto de que, ao pensarmos em religião, é preciso, primeiramente, compreender que o surgimento e desenvolvimento de todo fenômeno religioso está “atrelado a um conjunto de causas de caráter histórico, sócio-econômico, religioso e cultural, que independem da boa vontade ou do grau de consciência de seus integrantes” (CAMPOS, 1996, p. 93). Com a Igreja Universal não foi diferente. Fundada em 9 de julho de 1977, no subúrbio do Rio de Janeiro, pelo então funcionário da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (LOTERJ) Edir Macedo, que se auto-proclamou bispo, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)15, em pouco mais de três décadas de existência, espalhou-se por quase todo o mundo, conforme noticiou a reportagem de capa do 15 Após uma divisão da Igreja Nova Vida, Edir Macedo e mais dois cunhados fundaram a Cruzada do Caminho Eterno. Romildo Soares se separou e fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus (MARIANO, 2005). 40 caderno Folha IURD da Folha Universal, edição 953 de 11 de julho de 2010, com a manchete “Uma história de lutas e vitórias: a Igreja Universal começou no subúrbio do Rio de Janeiro e hoje está em mais de 180 países”. A organização singular, a determinação e principalmente a fé, são marcas existentes em todas as atividades da Igreja Universal desde a sua fundação há 33 anos, completados no dia 9 de julho. Estes traços seguem o exemplo do próprio bispo Edir Macedo, que era um funcionário público com vida estável financeiramente e que através da fé decidiu deixar tudo em prol do trabalho missionário. Desta forma a IURD escreve uma história de muitas lutas e vitórias. O surgimento da Igreja Universal ocorreu num contexto histórico específico, que coincide com os avanços da globalização e das tecnologias de comunicação de massa e da consolidação do capitalismo. Sobre isso, diz Campos (1996, p. 91): Essas novas denominações são movimentos urbanos identificados com a irrupção de uma sociedade de massas e assumiram um estilo empresarial de produção e distribuição de bens religiosos. Por esse motivo, seria impensável o aparecimento delas sem a transformação de um país ou do mundo numa ‘aldeia global’, através de um processo de informatização e de globalização da economia. Daí a importância que nelas se dá ao domínio profissional dos meios de comunicação de massas, para elas uma questão de vida ou morte. Até porque só sobrevive no mercado religioso quem melhor souber usar tais meios e se apoiar em estratégias do marketing moderno para crescer e ser notado. Destacam-se, na citação, o espírito empresarial adotado pelas novas denominações que investem cada vez mais na profissionalização dos meios de comunicação de massas, fenômeno denominado por Fairclough (2001a) de “tecnologização do discurso”, principalmente nas estratégias de marketing que visam ao crescimento e à notabilidade junto à população. Pesquisadores da área da sociologia da religião apontam na teologia da prosperidade, que encontrou na cultura brasileira um solo fértil para o desenvolvimento de suas doutrinas, um dos fatores responsáveis por esse crescimento. Mariano (2003, p.53) descreve a topografia do terreno brasileiro onde cresceram as raízes dessa ideologia16: 16 O conceito de ideologia que utilizamos está fundamentado na ACD, que vê a ideologia “como forma de conceber a realidade que contribui para beneficiar certo(s) grupo(s) em detrimento de outro(s)” (MEURER, 2005, p. 102). 41 basta atentar, no decorrer desse período, para: a agudização das crises sociais e econômicas brasileiras; o elevado aumento do desemprego; o recrudescimento da violência e da criminalidade; a ‘destradicionalização’ e modernização sociocultural, a vigência de plena liberdade religiosa e de um mercado religioso pluralista; a baixa regulação da religião; o enfraquecimento religioso, a secularização e o declínio numérico da Igreja Católica; a larga e contínua expansão pentecostal. Conforme indica a citação, o cenário brasileiro naquela época era de industrialização, urbanização e crescimento demográfico vertiginoso das grandes cidades. As consequências: falta de moradia, de saúde, de educação, aumento da criminalidade e da violência etc. Acerca desse período Campos, (1996, p. 90) comenta: “Uma terceira onda de pentecostalismo se formou a partir dos anos 70 e encontrou a sociedade brasileira urbanizada, vivendo uma crise econômica e social sem precedentes na sua história”. Na próxima seção abordaremos a trajetória de expansão da IURD. 1.3.2 Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil: uma trajetória de expansão e escândalos A história da Igreja Universal do Reino de Deus, que começou num prédio de uma antiga funerária no subúrbio do Rio de Janeiro, em 1977, e cresceu preconizando o exorcismo e a prosperidade, ganhou ares cinematográficos polêmicos, misteriosos e escandalosos. O bispo Edir Macedo, protagonista do que hoje pode ser considerada uma megaprodução, possui uma vasta ficha judicial: já foi denunciado por práticas financeiras ilícitas, lavagem de dinheiro, estelionato, formação de quadrilha, evasão de divisas, envolvimento com narcotráfico, sonegação fiscal, curandeirismo, charlatanismo, lavagem cerebral, dentre outras. A respeito disso, Campos (1999b, p.356) ressalta o destaque que é dado à IURD pela mídia do mundo inteiro, trazendo como exemplo a opinião pública de um escritor português de renome: José Saramago. a IURD tem sido apresentada na mídia nacional e internacional como exemplo de chantagem e de exploração comercial da ‘fé ingênua das pessoas mais simples’, resultando tais denúncias em processos parlamentares, investigações policiais e judiciais em várias partes do mundo. Por isso, a opinião pública não estranha o teor de afirmações de pessoas tão diferentes como José Saramago: ‘A Igreja Universal do reino de Deus é uma organização criminosa, uma quadrilha que se dedica ao crime e ao roubo’. 42 Em 1985 a Universal abriu seu primeiro templo no Paraguai, dando início a sua expansão externa, cuja concretização se deu em 1987 com sua chegada nos Estados Unidos. Dez anos depois, em 1997, a revista Veja17 já considerava a IURD a “maior multinacional brasileira”, cuja renda, estimada pela revista, teria superado a da Petrobras. Vinte anos mais tarde, a reportagem 18 intitulada Universal chega aos 30 anos com império empresarial, publicada no dia 15 de dezembro de 2007 no jornal Folha de São Paulo 19, revelou que, em 30 anos de existência, “a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado empresarial em torno dela”. Em matéria publicada com o título “Relembre as denúncias e investigações sobre a Igreja Universal: em 17 anos, membros da Universal já foram acusados de importação ilegal, sonegação fiscal e discriminação”, o jornal Estadão, em sua versão online de 11 de agosto de 2009, fez uma retrospectiva dos principais escândalos da IURD nos últimos 17 anos (1992- 2009) 20, reproduzidas no quadro (3). ANO/ MÊS FATO 1992 Estelionato - O Ministério Público denunciou Edir Macedo por "delitos de charlatanismo, estelionato e lesão à crendice popular". Ele ficou preso por 15 dias, mas livrou-se das acusações e investiu na expansão da Record. 1997 Outubro Agressão à imagem da santa - Em 12 de outubro de 1997, data em que os católicos celebram Nossa Senhora Aparecida, o então bispo da Igreja Universal Sérgio Von Helde chutou e deu socos em uma imagem da santa, durante os programas Despertar da Fé e Palavra da Vida, da Record. Von Helde foi indiciado na Justiça por ofensa à fé alheia. 2003 Abril Discriminação religiosa - O bispo Sérgio Santos Correa e os pastores Gilberto Muniz Pereira e Marco Aurélio Trindade, da Igreja Universal, foram denunciados por discriminação religiosa pelo Ministério Público da Bahia, após realizarem ataques ao Candomblé no programa "Ponto de Luz", exibido pela TV Record de Salvador. 2005 Julho Sonegação - João Batista Ramos, um dos principais dirigentes da Igreja, foi preso em Brasília antes de embarcar para São Paulo com sete malas de dinheiro, num valor total de R$ 10 milhões, e acusado de sonegação fiscal. 2006 Fevereiro Importação fraudulenta - A 4ª Vara da Justiça Federal de São Paulo aceitou denúncia contra Edir Macedo e outros seis diretores da emissora acusados de importação fraudulenta de equipamentos para a TV e uso de documentos falsos. 2007 Sonegação fiscal - Com base em uma denúncia do ex-deputado estadual Afanasio 17 Edição de 1 de dezembro de 1997, apud CAMPOS, Lusotopie 1999, p. 355, nota de rodapé. 18 A repórter da Folha de São Paulo, Elvira Lobato, recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo 2008 pela referida matéria. 19 Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u373561.shtml>. Acessado em 21 de outubro de 2011.20 Disponível em: . Acessado em 21 de outubro de 2011. 43 Outubro Jazadji (DEM), a Polícia Federal abriu investigação sobre Macedo pela suposta prática de crimes de falsidade ideológica, contra a fé pública, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia, o líder da Universal teria se apropriado de recursos da igreja para formar patrimônio pessoal em empresas de comunicação. 2008 Fevereiro Falsidade ideológica - A Polícia Federal indiciou Macedo por falsidade ideológica e uso de documentos falsos, suspeito de ter fraudado uma procuração de seu ex-sócio Marcelo Nascente Pires para assumir a emissora de TV Vale de Itajaí, repetidora da Record na região. 2008 Dezembro Concessão de emissoras - Reportagem publicada na Folha de S. Paulo apontava que Macedo era o maior detentor de concessões na mídia eletrônica brasileira, com 23 emissoras de TV, entre elas a geradora da Rede Record, e 40 de rádio. 2009 Março Doação de fiel - O STJ condenou a Igreja Universal a restituir doação de R$ 2 mil ao ex-fiel Luciano Rodrigo Spadacio, que vendeu um carro Del Rey. O veículo era a única propriedade que o fiel tinha, no valor de R$ 2,6 mil. Quadro 3 – Principais denúncias e investigações sobre a Igreja Universal entre 1992 e 2009. Fonte: O Jornal Estadão online. Na década de 1990, uma pesquisa da Vox Populi revelou que a IURD era a mais desaprovada das grandes instituições brasileiras, com apenas 17 % de aprovação, abaixo até do Congresso nacional (Jornal do Brasil, 26 de maio de 1996, apud FRESTON, 1999). Nessa mesma década, olhares acadêmicos e midiáticos passaram a focar a Igreja Universal devido a sua expansão numérica e o seu sucesso empresarial (é proprietária de um grande patrimônio imobiliário e de dezenas de empresas), midiático (possui concessões de redes de rádio e TV; jornais, revistas) e político. Campos (1999) apresenta um levantamento sobre as matérias jornalísticas acerca da IURD publicadas entre os anos de 1988 e 1989 no qual o tema mais abordado, 35,4 % das reportagens, foi o crescimento do patrimônio, mercantilização da fé e charlatanismo. Desse modo, envolvida em diversos conflitos e escândalos policiais e fiscais, a relação entre a Universal e o dinheiro passa a ser objeto de investigação. As suspeitas de ilegalidades no uso de recursos recolhidos nos cultos, como dízimos, ofertas, sacrifícios, desafios e campanhas financeiras, em atividades não religiosas entre as quais uma instituição bancária e uma construtora, além de remessas de dinheiro para paraísos fiscais, levaram a Justiça Federal a investigar os seus líderes. Sob o título “Santa mala”, a revista IstoÉ Online, edição n.1866 de 20 de julho de 2005 21, noticiou a apreensão, pela Polícia Federal, de R$ 10,2 milhões em sete malas, com o bispo e deputado federal João Batista Ramos (PFL-SP), num avião da Universal, no aeroporto de Brasília. A reportagem de capa (figura 9) da referida 21 Disponível em: Acessado em 05 de outubro de 2011. 44 revista, edição 1858 de 25 de maio de 200522, cuja manchete é “As contas secretas da Universal: documentos inéditos mostram como é desviado o dinheiro do dízimo e apontam o senador Marcelo Crivela (PL-RJ) como o operador de empresas offshore nas ilhas Cayman”, ressalta no corpo da matéria: O império – A Igreja Universal está hoje em mais de 80 países, de acordo com seus líderes. Mas, para alcançar esse crescimento, deixou rastros pelo caminho: enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, compra da Record através de laranjas, acusações de curandeirismo e charlatanismo, chutes na imagem de uma santa e dissidências. Figura 5 - Capa da revista IstoÉ, Edição: 1858 de 25 de maio de 2005 Em sua edição de 16 agosto de 2009, Veja 23, a revista de maior circulação nacional, publicou uma reportagem de capa sobre a Universal com a manchete “Fé e dinheiro: uma combinação explosiva”. A imagem que ilustra a capa da revista (figura 6) traz uma bomba dentro de uma sacola, do tipo utilizado para recolher ofertas dos fiéis, com a logomarca da IURD, uma pomba. 22 Disponível em: . Acessado em 05 de outubro de 2011. 23 Disponível em: . Acessado em 21 de abril de 2012 45 Figura 6- Capa Revista Veja A revista, que pertence ao grupo Abril, e este faz parte das Organizações Globo, disponibilizou nada menos do que 10 páginas para abordar os métodos nada ortodoxos de arrecadação de dinheiro da Igreja Universal. Cabe aqui ressaltar que a doação (dízimos, ofertas, sacrifícios, desafios, campanhas, propósitos) na Igreja Universal é baseada na crença de que quanto maior for o sacrifício ou desafio financeiro maior será a recompensa divina. Assim, estimulados pela pregação dos pastores, que dizem que Deus devolve multiplicado o valor ofertado, muitos fiéis “sacrificam” tudo, acreditando que essas doações constituem investimentos financeiros. Esse método de arrecadação está intimamente relacionado ao que teólogos e pesquisadores/as denominaram “teologia da prosperidade”. Observando o arcabouço doutrinário da IURD, percebem-se claramente elementos da teologia da prosperidade herdada dos EUA, em seu corpo doutrinário que, de uma forma ou de outra, foi reinterpretado e ressignificado em território brasileiro. Nos últimos anos, a Igreja Universal tem sido alvo de investigação policial por causa de denúncias de extorsão. Fiéis que doaram seus bens e dinheiro à igreja, acreditando que obteriam a graça de dobrar o patrimônio, impetraram ações na justiça, querendo recuperá-los. Trazemos um exemplo. Sob o título “Igreja Universal é obrigada a devolver dízimo de fiel em Minas Gerais”, o Uol24 publicou em 21 de agosto de 2008 a notícia abaixo: A Igreja Universal do Reino de Deus em Belo Horizonte foi condenada a devolver valores destinados à congregação desde 1996, em valores ainda a serem apurados na liquidação da sentença, e ainda ressarcir um homem em R$ 5.000 por danos morais. Segundo o TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas 24 Disponível em: . Acessado em: 13 de julho de 2012. 46 Gerais), o fiel foi considerado incapaz de tomar decisões por conta própria. Na sentença, desembargadores entenderam que a Igreja Universal fora negligente ao aceitar as doações. "A instituição religiosa que recebe como doação valor muito superior às posses do doador, sem devida cautela, responde civilmente pela conduta desidiosa", disseram desembargadores da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Conforme relatos do TJ-MG, o fiel fora compelido a participar de reuniões antecedidas ou sucedidas de pedidos de doações financeiras. [...] Ainda de acordo com o tribunal, o homem contraiu empréstimo em instituição financeira e chegou a vender um lote por valor aquém do que o terreno valia em prol da Igreja Universal. Com "promessas extraordinárias", segundo o processo, o homem fora induzido a fazer as doações financeiras e, por seu turno, pessoas que tentavam demovê-lo da prática eram tachados de "demônio". A mãe seria o principal ente do mal para ele. A seguir, manchetes de mais dois casos da mesma natureza em andamento na Justiça de Minas Gerais e do Distrito Federal, respectivamente, que foram noticiados na imprensa. Família de Nova Ponte entra na justiça contra igreja Universal: Pais teriam sido enganados com a promessa de cura do filho 25 Justiça ordena que Igreja Universal devolva Fiat Uno que uma brasiliense deu em forma de dízimo. Veículo era o único bem que ela possuía 26 Mais recentemente, matérias publicadas na mídia voltaram a destacar denúncias do Ministério Público em que Edir Macedo e outros líderes da Igreja Universal do Reino de Deus são acusados de associação criminosa e lavagem de dinheiro. O Jornal da Band, da Rede Bandeirantes de Televisão, edição de 13 de setembro de 2011, 27 apresentou uma reportagem de Fábio Pannunzio, na qual noticia que o Ministério Público pediu o enquadramento dos principais dirigentes da Igreja no artigo 171 do Código Penal Brasileiro por prática de crime de estelionato, entre várias outras acusações graves. A reportagem, que começa apresentando o documento da denúncia do MP, é ilustrada com vários vídeos da Universal. Abaixo, um trecho da reportagem. Esta é a denúncia apresentada pelo procurador da república Silvio Martins de Oliveira à justiça federal. No primeiro parágrafo ele já qualifica como agressiva a política arrecadatória da Igreja Universal. O representante do ministério público afirma que Edir Macedo e o presidente da igreja no 25 Publicado em 28 de julho de 2011. Disponível em: Acessado em: 05 de novembro de 2011 26 Disponível em: . Acessado em: 25 de agosto de 2011 27 Disponível em . Acessado em 12 de setembro de 2011. 47 Brasil, João Batista Ramos da Silva, orientam os pregadores a se valer da fé, do desespero ou da ambição dos fiéis para vender a ideia de que Deus e Jesus olham apenas pelos que contribuem. Desta forma, dinheiro, imóveis e veículos acabam sendo entregues à igreja por fiéis iludidos por fantasiosas promessas de prosperidade. Nos autos do processo foram relacionados vários casos já formalizados perante a justiça. Gláucio Verdi, um ex-fiel, chegou a vender uma motocicleta para doar o dinheiro à Universal. Maria Moreira de Pinho testemunhou ter ouvido do próprio Edir Macedo que os fiéis deveriam fazer ofertas além do dízimo. Dulce Conceição afirma que o filho dela passou a entregar todo o salário que recebia à Igreja e não tinha dinheiro sequer para a condução. Nem mesmo o braço social da instituição, a Associação Beneficente Cristã (ABC) ficou livre de denúncias de corrupção, conforme notícia28 veiculada pelo site do Portal Uol, Última Instância, em 08 de setembro de 2010, com a manchete: “MÁFIA DOS SANGUESSUGAS: MPF denuncia entidade ligada à Igreja Universal por fraude na compra de ambulâncias”. Segue trecho da matéria: O MPF-SP (Ministério Público Federal em São Paulo) ofereceu denúncia contra dez pessoas da entidade Associação Beneficente Cristã, ligada à IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), acusadas de adquirir sete ambulâncias, por meio fraudulento, apresentando informações falsas ao Ministério da Saúde e direcionando as compras a empresas ligadas à chamada “Máfia dos Sanguessugas”. A denúncia foi distribuída à 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo. De acordo com informações do MPF, as emendas orçamentárias que possibilitaram os recursos para os convênios, com o objetivo de comprar as ambulâncias, foram propostas por quatro ex- deputados federais da bancada evangélica, todos ligados à IURD. Estima-se que esquema criminoso, entre 2002 e 2005, teria causado prejuízos aos cofres públicos que, em valores atuais, superam R$ 2,1 milhões. Podemos observar, nos exemplos dados, um quadro nada favorável para a instituição e seus líderes no que diz respeito à boa reputação/imagem. Era de se esperar que tal realidade resultasse em dificuldades para sua consolidação e expansão. No entanto, apesar dos constantes escândalos noticiados envolvendo o nome da Igreja Universal e de seus representantes (bispos e pastores), ela continuou crescendo, como informou em seu próprio site 29 em publicação de 08 de julho de 2011, com a manchete: “Igreja Universal completa 34 28Disponível em: . Acessado em 18 de abril 2014 29 Disponível em: . Acessado em 21 de outubro de 2011. 48 anos no espírito da revolta: Lutas e perseguições são estímulos para a Igreja, que não para de crescer”. É incontestável a consolidação da IURD como organização religiosa e o aumento do seu poderio religioso, midiático, econômico e político nos últimos anos. Na próxima seção, trataremos dos cinco pilares que dão sustentação ao trabalho da Igreja Universal. 1.3.3 Fé, mídia, dinheiro, política e ação social: os pilares de sustentação da IURD Para Machado (2002), a influência da Igreja Universal tem três pilares básicos: a filantropia, a mídia e a política. Segundo a pesquisadora, "A Igreja Universal faz um investimento maciço no assistencialismo e na publicidade de ações sociais. O uso da mídia é forte” (MACHADO, 2002).30 Concordamos com a autora. Porém, observamos que atualmente a estrutura de poder da igreja universal contém basicamente cinco pilares: o religioso, o midiático, o econômico, o político e o social. 1) O suporte religioso No que diz respeito ao suporte religioso/espiritual, a Igreja Universal representa um novo paradigma teológico-doutrinário e ritualístico da religião cristã no Brasil. Os principais elementos desse novo paradigma são: a) O investimento em Megatemplos: No início de suas atividades, a Universal ocupava galpões e antigos cinemas. Ultimamente a IURD tem despertado a atenção e provocado críticas pelos altos investimentos em construções faraônicas das denominadas Catedrais da Fé. O mais recente projeto arquitetônico é a edificação de uma réplica do templo de Salomão31, no bairro do Brás em São Paulo. O edifício, que terá 70 mil metros quadrados de 30 Disponível em: http://veja.abril.com.br/vejarj/250902/capa.html>. Acessado em 20 de outubro de 2012.31 De acordo com a Bíblia, livro dos Reis, Salomão, sucessor do rei Davi, seu pai, construiu o templo em Jerusalém entre 970-930 a.C, período em que reinou sobre Israel. No ano 587 antes de Cristo, o templo de Salomão foi destruído pelos babilônios. Décadas depois, foi reconstruído pelo rei Herodes no mesmo local e, mais tarde, nos anos 70 d.C, destruído novamente, desta vez pelos romanos. O Muro das Lamentações, considerado sagrado por judeus e cristãos de todo o mundo, é a única parte que restou do santuário. 49 área construída, capacidade para receber 10 mil fiéis e custo estimado entre R$ 300 e R$ 350 milhões, tem sua inauguração prevista para 2014, segundo informação publicada na edição 956, de 1 de agosto de 2010, do jornal Folha Universal. A capa trouxe a seguinte manchete: “O sonho que se ergue: Megaprojeto que reproduz o grandioso Templo de Salomão começa a ser construído no próximo domingo. A obra da Igreja Universal ganha destaque nos principais jornais do mundo como um marco da fé cristã”. A seguir, um trecho da matéria: A construção do Templo de Salomão – o empreendimento mais ousado da Igreja Universal do Reino de Deus – está repercutindo em todo o mundo. O jornal britânico ‘The Guardian’ e o norte-americano ‘New York Times’ ressaltaram recentemente a grandeza da obra, que terá 55 metros de altura, equivalentes a um prédio de 18 andares e bem maior do que os 38 metros do Cristo Redentor no Rio de Janeiro – eleito, em 2007, uma das sete novas maravilhas do mundo moderno. Como ficou evidenciado no excerto, a repercussão e a comparação ganham destaques na reportagem. Repercussão do “empreendimento ousado” na mídia internacional e a comparação de sua altura com a estátua do Cristo Redentor, monumento de fama internacional, eleito uma das novas maravilhas do mundo, como a imagem abaixo ilustra: Figura 7 - Comparação entre a réplica do templo de Salomão e a estátua do Cristo Redentor. Fonte: FU, edição 956, de 1 de agosto de 2010 A matéria também é ilustrada com imagens dos sites dos jornais The New York Times e The Guardian. A primeira traz a seguinte legenda: “PRESTÍGIO: Com o título ‘Reconstruindo o Templo de Salomão, em São Paulo’, o site do mais importante jornal dos Estados Unidos, o ‘New York Times’, destaca o projeto e ressalta sua importância para o respeito e o conhecimento das tradições do povo judeu”. A segunda imagem tem a seguinte legenda: “COMPARAÇÃO: O jornal britânico ‘The Guardian’ anuncia: ‘Templo de Salomão 50 no Brasil pode colocar Cristo Redentor na sombra’. Ingleses ainda se referem à Folha Universal e a sua grande tiragem”. De acordo com o líder da Igreja Universal, o projeto, que utilizará materiais importados de Israel, como as pedras da fachada do mesmo modelo das que teriam sido usadas no antigo santuário, ainda terá uma réplica da Arca da Aliança, que para o povo judeu simbolizava a presença de Deus, colocada sobre o altar. Os sociólogos Waldo César e Richard Shaull (1999) interpretam assim o fascínio das novas igrejas pelas grandes construções: As grandes construções que caracterizam as novas igrejas (ou aquisição de cinemas e teatros) – certeza de uma ocupação expressiva – oferece um primeiro sinal de uma nova relação entre o ad intra e o ad extra, uma metáfora de outros espaços. O interior, o salão onde as pessoas se encontram, cria não apenas a solidariedade de uma categoria social que enfrenta os mesmos dilemas e desafios; também abre um horizonte simbólico que se estende muito além de uma obra arquitetônica, em geral despojada – mero espaço de transição entre a vida do mundo e a vida do espírito (CÉSAR e SHAULL, 1999, p.96, destaques dos autores). Em entrevista concedida ao Portal Arca Universal, publicada em 09 de julho de 2010 32, por ocasião do trigésimo terceiro aniversário da Igreja Universal, o bispo Edir Macedo falou sobre a importância das mega construções e rebateu críticas. Reproduzimos a pergunta do jornalista em negrito e a resposta em itálico. Muitas pessoas falam que a construção de catedrais é desnecessária. Por que a Igreja Universal investe em templos grandiosos? Não somente para devolver às pessoas os benefícios de seus dízimos e ofertas, mas, sobretudo, lhes dar visão da vontade de Deus para suas vidas. Jesus veio para trazer vida e vida com abundância. As catedrais provam isso. De acordo com a resposta do bispo, os grandes empreendimentos se justificam, pois além de darem retorno em forma de conforto àqueles que contribuem com dízimos e ofertas, projetam a visão da vontade de Deus na vida dos fiéis, que não é outra senão de abundância material. Na concepção do líder e fundador da Universal as catedrais são uma prova da vida abundante que Jesus veio trazer aos seus seguidores. Em outras palavras, os megatemplos 32 Disponível em: . Acessado em 11 de maio de 2012. 51 servem de modelo, de inspiração aos fiéis (materialização da fé) que devem ter como meta para suas vidas a grandeza, a prosperidade, o sucesso. b) Segmentação dos cultos semanais: A realização de cultos segmentados é uma das primeiras e principais estratégias de atuação da Igreja Universal que a diferencia das demais igrejas evangélicas históricas, pentecostais e neopentecostais. Cada dia da semana, sessões com denominações próprias, como “Nação dos 318”; “Congresso VVV. Vim Vi e Venci”; “Sessão do Descarrego”; “Terapia do Amor”; “Corrente de Libertação”; entre outras, enfocam um tema/problema específico: financeiros, conjugais, profissionais, existenciais etc., tendo em foco um público específico. Além da programação diária e diversificada, dentre os aspectos que a diferenciam das demais igrejas evangélicas está também o fato de ela ficar aberta o dia todo. É possível constatar que, desde o início das suas atividades, a proposta teológica- doutrinária da Igreja Universal é conclamar, convidar o/a fiel a se revoltar contra as mazelas da vida, como desemprego, doenças, problemas emocionais, dentre outros. Um bom exemplo é o slogan PARE DE SOFRER, amplamente difundido nas fachadas de seus mais de 4.748 templos espalhados por quase duzentos países, que evidencia a base sobre a qual está estabelecida toda a sua teologia. Um panfleto-cartela 33 (figura 12) distribuído nas reuniões que antecederam a campanha “7 Dias da Decisão”, realizada em 2011, também ilustra muito bem essa questão. Trata-se de um texto híbrido, com características de texto publicitário (divulgação – convite) e ficha de inscrição, no qual “o revoltado”, além de tomar conhecimento das reuniões temáticas para cada dia da semana (segunda-feira, decisão na vida financeira; terça-feira, decisão da cura (saúde); quarta-feira, decisão para receber o Espírito Santo; quinta-feira, decisão na família; sexta-feira, decisão na vida espiritual; sábado, decisão na vida sentimental; domingo, grande dia da decisão final), também é desafiado a preenchê-lo com o seu nome e entregá-lo nos dias específicos, juntamente com o “sacrifício” (comprovante de pagamento da taxa de participação, sem o qual não há garantia do retorno do investimento). 33 Disponível em:< http://www.iurdexpress.com/2011/07/cartela-7-dias-da-decisao-so-para-os.html>. Acessado em 09 de julho 2011. 52 Figura 8 - Panfleto “7 dias da Decisão”. Voltaremos a abordar a questão da relação revolta/sacrifício mais à frente. c) Ênfase nas campanhas e (mega) concentrações. Uma importante ferramenta para atrair as pessoas são as campanhas e concentrações realizadas pela IURD de forma continuada. Elas ostentam nomes pomposos como “Concentração de Fé e Milagres”; “Vigília das Grandezas de Deus”; “O Dia da Decisão”. Em matéria publicada em 08 de julho de 2012, no Portal Arca Universal34, com o título “Campanhas e concentrações da IURD: Por meio delas, fiéis que conhecem a Palavra de Deus reafirmam seus votos”, encontramos a seguinte explicação. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) deu seus primeiros passos há 35 anos em um coreto de praça pública no Rio de Janeiro. Hoje, a IURD reúne milhões de cristãos na mesma fé inteligente, em mais de 180 países. Os fiéis que obedecem as Escrituras Sagradas e praticam a fé do sacrifício reafirmam seus votos por meio das campanhas e concentrações e, com isso, vêem o resultado da fé prática em suas vidas. Acerca da importância das megaconcentrações, a edição 953, p. 1i, traz a seguinte citação: A grandiosidade deste trabalho evangelístico também é marcada nas megaconcentrações que realiza periodicamente, como o recente “DIA D”, Dia da Decisão, que aconteceu na América do norte, Europa e América do 34 Disponível em: < http://www.arcauniversal.com/iurd/brasil/noticias/campanhas-e-concentracoes-da-iurd- 13345.html>. Acessado em 17 de julho de 2012. 53 Sul. Só no Brasil, este evento reuniu mais de 10 milhões de pessoas em 28 concentrações simultâneas. A divulgação das concentrações e campanhas costuma ocupar as capas e várias páginas do jornal Folha Universal, como podemos observar no exemplo que segue: Figura 9 - Fonte: FU, edição 994 de 24 de abril de 2011 Campanha que acontece, geralmente, duas vezes por ano em todas as IURD do mundo, a chamada "Fogueira Santa de Israel” é o carro chefe das suas campanhas, para a qual a Universal mais se empenha. Durante os períodos em que ela acontece, multiplicam-se os testemunhos que atestam as transformações de vida nos fiéis que "exercitaram a fé inteligente", conceito inventado pelo bispo Edir Macedo que faz distinção entre o que ele chama de fé emocional da fé racional. A “fé inteligente” é aquela que visa aos resultados, especialmente as mudanças financeiras nas vidas dos fiéis. Realizada praticamente desde a fundação da Igreja Universal, a campanha está sempre mudando de nome (ou de monte – lugar sagrado – Fogueira Santa do Monte Sinai; do Monte Moriá; Fogueira Santa de Gideão) e também já apresentou edições especiais, como a Fogueira Santa pela Vida Sentimental. Inspiradas em textos da Bíblia quase sempre descontextualizados, as campanhas são divulgadas com antecedência nos meios de comunicação da Igreja, como podemos observar no texto abaixo publicado no Portal Arca Universal35 em 08 de julho de 2012. A campanha desperta a fé inteligente que há dentro de cada fiel da igreja, desde que deixe de lado a fé emocional. Durante a campanha da Fogueira Santa, a pessoa realiza um sacrifício espiritual e financeiro em prol de algo 35 Disponível em:< http://www.arcauniversal.com/iurd/brasil/noticias/campanhas-e-concentracoes-da-iurd- 13345.html>. Acessado em 17 de julho de .2012. 54 que ela deseja muito. O sacrifício é feito para nós mesmos, para o nosso próprio benefício, porque, quando agimos com a fé racional e nos revoltamos (no espírito e na mente), acontecem as conquistas prometidas na Palavra de Deus. Na última Fogueira Santa, o bispo Macedo disse que a Bíblia Sagrada é um guia para a resolução de todos os conflitos. ‘Tudo aquilo que você quer é possível alcançar por meio das Escrituras. Seja a solução dos seus problemas econômicos ou a ajuda que você precisa para encontrar a pessoa certa para a sua vida’. Agora, a Igreja vive uma nova campanha: a Fogueira Santa do Monte Moriá, que traz como tema a fé de Abraão, que não temeu sacrificar o seu filho amado por amor, fé e obediência a Deus. Como podemos observar, no sistema ritual da IURD36 as correntes ou campanhas, normalmente realizadas durante sete semanas, exercem papel fundamental, pois é através delas que os/as fiéis e frequentadores/as ocasionais de diferentes origens sociais fazem seus “propósitos” ou “compromissos” (entenda-se contribuição financeira) e acabam ficando presos durante certo tempo à instituição aguardando o “milagre”, a promessa de transformação de vida. Numa estratégia de marketing, o esquema ritualístico da Universal é realimentado constantemente com campanhas e propósitos novos, sempre com o objetivo de convergir para os templos os (futuros) fiéis. A capa do caderno Folha IURD do jornal Folha Universal, edição 1017, que traz divulgação da campanha “Corte a Raiz”, com o título “Começa nova campanha da IURD, cujo objetivo é levar as pessoas a identificarem o mal e removê-lo definitivamente”, é um exemplo disso. d) Ênfase no “sacrifício” como oportunidade de sucesso. Tema recorrente na teologia iurdiana, o sacrifício “toma a forma de uma oferta feita diante de Deus, frequentemente uma oferta de tudo quanto a pessoa possui – ou até daquilo que não tem – como prova da fé do crente que a exercita e a qual Deus então está obrigado a responder” (CÉSAR e SHAULL, 1999, p. 195). Para os autores, é a “A teologia de dar para que Deus responda” (CÉSAR e SHAULL, 1999, p. 54). A noção de sacrifício na Igreja Universal está atrelada ao Velho Testamento, principalmente ao exemplo de Abraão. Segundo a Bíblia (Gênesis, 22), para prová-lo, Deus ordenou que ele lhe oferecesse seu próprio filho, Isaac, em sacrifício, o que só não aconteceu pela própria intervenção de Deus, que providenciou um cordeiro no momento em que Abraão preparava-se para cumprir a ordem. 36 Este sistema é o mesmo, com pequenas variações, nos mais de 180 países em que a IURD está presente. 55 A imagem (figura 10), que faz parte da divulgação da campanha Fogueira Santa do Monte Moriá, publicada no site da Universal, retrata esse episódio. 37 Figura 10- divulgação da campanha Fogueira Santa do Monte Moriá Além de disponibilizar contas bancárias para que os fiéis realizem os “sacrifícios”, a Igreja os orienta também a sacrificarem pela internet. Figura 11- Fonte: Portal Arca Universal.38 Em artigo publicado no site Arca Universal39, em 28 de junho de 2011, sob o título “A menor distância entre o querer e o realizar” e subtítulo “Bispo Macedo ensina que quem almeja lograr êxito tem que sacrificar”, o fundador da IURD fala sobre o que seria a principal doutrina da IURD: a doutrina da abundância, ou seja, a obtenção da prosperidade financeira ainda nesta vida através do sacrifício do dinheiro. A edição 998 do jornal Folha Universal, de 22 de maio de 2011, na coluna mensagem do bispo Edir Macedo, traz a seguinte manchete: 37 Disponível em: . Acessado em 17 de julho 2012. 38 Disponível em: . Acessado em 17 de julho 2012 39 Disponível em: . Acessado em: 06 d julho de 2012 56 “Não há pacto sem sacrifício”. Na edição 1006 de 17 de julho de 2011, na referida coluna, ao explicar sobre a campanha Fogueira Santa, o bispo escreve: “Essa campanha não é uma imposição da IURD, mas ensinamos aqueles que creem, sacrificam, os que não creem, condenam, criticam, jogam pedras”. Acerca da monetarização do sacrifício, Campos (1999a, p. 358) escreve: Nos templos da IURD, os consumidores religiosos escolhem aqueles produtos que mais se relacionam com suas necessidades e arquiteturaram em sua própria cabeça o produto desejado, conforme as suas aspirações. Isto é, a Igreja Universal oferece um Kit contendo os ingredientes de um produto retrabalhado no imaginário do “consumidor”. O preço a ser pago para a satisfação dos desejos na IURD é monetarizado. Daí a importância em sua pregação de temas como “sacrifício do dinheiro”, “ofertas de amor”, pois “dar o dízimo é candidatar-se a receber bênçãos sem medida”, repete o fundador. A Universal apregoa, portanto, que a solução dos problemas passa necessariamente pela disposição do fiel em “sacrificar”. Logo, só recebe a “benção” quem faz a “sacrifício”. e) A polarização entre o bem e o mal. Vários/as pesquisadores/as têm destacado a exagerada ênfase dada pela Igreja Universal do Reino de Deus à ação demoníaca. Diferentemente do protestantismo histórico, ela dedica um dia da semana aos cultos de exorcismo e libertação de demônios, a luta entre o bem e o mal, entre Deus e os demônios. Sobre a estratégia da polarização entre bem e mal usada pela IURD, Mário Justino, ex-pastor dessa instituição, escreveu em seu livro Nos Bastidores do Reino: A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus: Aos que vinham pela primeira vez, explicávamos que aquelas pessoas estavam possuídas por demônios e ensinávamos que eram os espíritos malignos a fonte das mazelas como desemprego, problemas financeiros e amorosos. Dizíamos também que as doenças eram sinais físicos dessa possessão demoníaca e, uma vez que estes espíritos eram expulsos, as pessoas ficavam curadas de toda a sorte de enfermidade (JUSTINO, 1995, p. 41). De acordo com a doutrina da igreja, males contemporâneos que afligem as pessoas, sejam eles de ordem física, financeira, emocional ou ainda espiritual, tem como causador o “encosto”, definição abstrata e genérica de todo o mal. 57 f) A prática da unção de objetos e pessoas. Uma das práticas rituais da IURD é a unção de objetos para abençoá-los. Constantemente os/as fiéis são convidados/as a levarem ao templo objetos como fotografias, documentos, roupas, entre outros, para serem abençoados. Enunciados desse tipo são recorrentes nos programas de TV: “Traga o aparelho de celular. Nós estaremos ungindo o seu celular. O sucesso pode chegar até você através de uma ligação. Traga todos os aparelhos, estaremos dando a você uma direção” 40; “Vire a roupa do avesso, dê um nó e traga na nossa reunião. Aqui estaremos desvirando e desatando o nó e todos os seus problemas serão resolvidos”. 41 Nessa concepção mística, objetos absorvem bênção ou maldição. g) Catalisadores de retorno: A IURD usa a estratégia de distribuir gratuitamente, nas suas reuniões, quinquilharias como canetas, chaves, rosas, recipientes com óleo ungido, com areia da terra santa (Israel) e águas do rio Jordão etc., com a orientação para que os/as participantes as tragam de volta nas próximas reuniões a fim de que se concretizem as conquistas. Com isso a igreja garante o retorno dos fiéis. h) Inovação: O mercado religioso é bastante competitivo, e isto faz com que as igrejas tenham de se reinventar constantemente. Dentre as principais características da Universal destaca-se a inovação. Seguindo uma lógica empresarial, que tem como pressuposto o princípio da inovação como essencial ao crescimento, a instituição tem como lema “inovar sempre”, como podemos observar na manchete da notícia (figura 12). Figura 12 - Edição 1030, 01.01.2012 A notícia publicada na edição 950 de 20 de junho de 2010, com o título “Oração DRIVE-THRU” e subtítulo “Em São Paulo, novidade é sucesso em uma movimentada 40 Palavras do pastor apresentador do programa Congresso VVV exibido em 03 de fev de 2012 na IURD TV. 41 Palavras do pastor apresentador do programa Universal exibido na Record News em 15 de jan de 2012. 58 avenida. Essa forma de evangelização já existe na IURD de Houston, nos Estados Unidos”, ilustra muito bem a capacidade de inovação da Igreja. 2) O suporte midiático A disputa pelo poder no concorrido mercado da fé fez a Universal construir um verdadeiro império midiático, atuando praticamente em todos os níveis de comunicação: impresso, televisionado, radiofônico e digital. Na mídia escrita, há o jornal Folha Universal e a Revista Plenitude. Na televisiva, a IURD é proprietária42 da Rede Record de TV e do canal televisivo jornalístico Record News. Na mídia radiofônica, a IURD possui diversas emissoras de rádio, formando uma rede nacional de rádios em AM e FM (21 AM e 31 FM), a Rede Aleluia. Possui ainda o controle da segunda maior associação brasileira de emissoras de Rádio e TV (ABRATEL). Na Internet, há o Portal Arca Universal, além de diversos blogs. Mais recentemente, estreou a IURD TV.COM. Reportagem do site da instituição43, publicada em 08 de julho de 2011, com a manchete “Igreja Universal completa 34 anos no espírito da revolta”, destaca o papel fundamental das novas tecnologias (mídias) no crescimento da instituição: Mídias, o alicerce Para dar respaldo a este crescimento, o uso das tecnologias da informação tem sido fundamental, tanto no Brasil quanto no exterior. As mídias impressas, televisivas, radiofônicas e digitais não são novidades para a IURD, que se utiliza desses meios para propagar o Evangelho e colaborar com ações sociais. Na internet, a Igreja Universal de vários países tem o seu portal. No Brasil, foi lançado, em 2001, o Arca Universal, que vem conseguindo, mensalmente, através do seu complexo, mais de 20 milhões de page views (acessos), atingindo o topo entre os portais evangélicos. No blog do bispo Edir Macedo (www.bispomacedo.com.br/blog), o internauta encontra palavras de vida à luz da Bíblia e pode interagir com o autor. O bispo publica mensagens para o fortalecimento espiritual. [...] Recentemente, a estreia da IURD TV aproximou ainda mais os internautas da Igreja. [...] Na mídia radiofônica, o destaque fica por conta da Rede Aleluia (emissoras de rádio afiliadas que transmitem a programação da IURD no Brasil e no mundo). [...] Hoje, a Rede Aleluia possui 71 emissoras afiliadas e, em âmbito internacional, é transmitida pela internet, via satélite. Entre os impressos, a Igreja conta com diversos veículos de circulação nacional e internacional. No Brasil, destacam-se o jornal “Folha Universal” (foto ao lado), fundado em 1992. Hoje, com a maior tiragem do País – mais de 2,5 42 Na verdade o dono da Rede Record é o bispo Edir Macedo. 43 Disponível em:< http://www.arcauniversal.com/iurd/noticias/-6303.html>. Acessado em: 21 de outubro de 2011. 59 milhões de exemplares –, atende o público, evangélico ou não, com informações de editorias variadas. África do Sul, Moçambique, Argentina e Equador são alguns dos países onde a IURD também possui periódicos. Matéria da Folha Universal, edição 975 de 12 de dezembro de 2010, ressaltou que “A IURD se utiliza de sites e portais para expandir seu trabalho evangelístico e social pelo mundo”. Além da internet, as mensagens enviadas por telefones celulares tem tido um papel muito importante dentre as novas tecnologias de comunicação utilizada pela IURD, como podemos observar na edição 958 de 15 de agosto de 2010, p. 23: “Receba mensagens de fé todos os dias no seu celular. Envie BISPO para 48801. Faça 5 downloads por semana. Baixe wallpapers Ringtones Palavra amiga. Serviço de assinatura válido para todas as operadoras. R$ 4,99 por semana”. Matéria acerca dos 33 anos da instituição, publicada na edição 953 de 11 de julho de 2010, destaca “Comunicação e projetos” com o texto: Acompanhar a evolução da informação e da tecnologia tem sido fundamental no crescimento da Igreja Universal no Brasil e no exterior. As mídias impressas, televisivas, radiofônicas e digitais, além de vários blogs não são novidades para ela. Só o blog do bispo Macedo recebe em média 3,5 a 4 milhões de visitas por mês. Com o título “WEB para todos”, o Portal Arca Universal foi destaque na reportagem de capa do caderno Folha IURD do jornal Folha Universal, edição 951 de 27 de junho 2010. A matéria assinada por Gabriela Jaya traz como manchete: “Reformulado, portal Arca Universal busca número ainda maior de internautas”. O portal ‘Arca Universal’ está de cara nova. Com atualização diária de dezenas de reportagens, sendo apenas três religiosas, o novo site vem conquistando o publico evangélico e aquele que não frequenta igrejas. De acordo com o diretor do ‘Arca Universal’, Rodrigo Prota, ‘o objetivo da reformulação é deixar ainda mais informados os internautas que já visitam a página na web e levar a Palavra de Deus àqueles que ainda não a conhecem’. [...] Navegando pelo site, o internauta tem acesso a 12 canais de interesse geral, como comportamento, meio ambiente e qualidade de vida e outros 1 relacionados à Igreja Universal do Reino de Deus – incluindo o acesso a sete blogs, como os do bispo Edir Macedo, de Ester Bezerra, Cristiane Cardoso e Vivi Freitas, e a informações sobre os projetos sociais da IURD. [...] A estimativa é que, em breve, o portal dobre o número de acessos, que atualmente é de 15 milhões de visitas por mês. Criado em 2001, o ‘Arca Universal’ já recebeu várias premiações entre elas o Prêmio Ibest-2008 de melhor portal da internet brasileira na categoria Religião. 60 A edição 1049 de 13 de maio de 2012, da Folha Universal, destaca que o “Portal Arca Universal, com foco no comportamento cristão, já foi tese de mestrado e busca ambiente de informação e fé”. Na mesma direção, a edição 1002, de 19 de junho de 2011, traz na chamada de capa: “Blog para acadêmicos: Na universidade: com 100 mil acessos por dia, blog do bispo Edir Macedo é tema de tese de mestrado”. A matéria, publicada na capa do caderno Folha IURD, traz o título “Entre doutores: com 100 mil visualizações diárias, blog do bispo Edir Macedo surpreende especialista em Comunicação e vira tema de estudo acadêmico”. A chamada de capa da edição 1010 anunciou o mais novo investimento da Igreja Universal no ramo midiático com a seguinte manchete: “O novo canal da fé: Primeira emissora evangélica pela internet, a IURD TV faz sucesso com programação 24 horas por dia e vira importante meio de comunicação entre fiéis de todo o planeta”. Podemos observar, portanto, o uso maciço dos meios de comunicação por parte da Igreja Universal nas suas práticas discursivas. 3) O suporte econômico A Igreja Universal do Reino de Deus, maior representação religiosa neopentecostal no Brasil, é a que mais tem se adequado aos parâmetros empresariais. A reportagem da jornalista Elvira Liberato, mencionada anteriormente, publicada na Folha de São Paulo44 do dia 15 de dezembro de 2007, trouxe importantes revelações acerca do poderio econômico da IURD. A seguir, estão alguns trechos da reportagem. Em 30 anos de existência, completados em julho, a Igreja Universal do Reino de Deus construiu não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado empresarial em torno dela. Além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, o levantamento da Folha identificou 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos. Entre elas, dois jornais diários --"Hoje em Dia", de Belo Horizonte, e "Correio do Povo", de Porto Alegre--, as gráficas Ediminas e Universal, quatro empresas de participações (que são acionistas de outras empresas), uma agência de turismo, uma imobiliária, uma empresa de seguro saúde. A Iurd tem também sua própria empresa de táxi aéreo, a Alliance Jet, de Sorocaba (SP). Segundo informação da empresa, fatura cerca de R$ 500 mil mensais, tem três aviões, um deles adquirido por US$ 28 milhões, neste ano. Segundo a Junta Comercial de São Paulo, ela pertence a Adilson Higino da Silva, bispo auxiliar de São Paulo, e 44 Disponível em: . Acessado em: 18 de julho de 2012. 61 à MJC Empreendimentos e Participações, a qual, por sua vez, pertence aos bispos Darlan de Ávila, Marco Antônio Pereira e ao mesmo Adilson. Como podemos observar na notícia denúncia veiculada na matéria jornalística acima, as atividades da Igreja Universal ultrapassam as fronteiras do campo religioso, mantendo investimentos em vários setores estratégicos empresariais, o que inclui construtora, banco, financeira, empresa de táxi aéreo, redes de rádio e televisão, jornais seculares diários, seguradoras, dentre outras. 4) O poderio político A participação da Igreja Universal no campo político nacional, iniciada em 1986 com a eleição de um deputado federal, tem crescido a cada pleito. O quadro a seguir, baseado em Oro (2003, pp. 52-53), mostra a evolução da instituição na política partidária entre 1990 e 2002. ANO DEPUTADO/A ESTADUAL DEPUTADO/A FEDERAL SENADOR/A 1990 06 03 00 1994 08 06 00 1998 26 14 00 2002 19 16 01 Quadro 4 – Evolução da IURD na política partidária entre 1990 e 2002 (ORO, 2003). . Até 2006, ano em que ocorreu a extinção do Partido Liberal (PL), a maioria dos políticos ligados à Igreja Universal eram eleitos por meio dessa legenda. Logo depois, filiaram-se ao Partido Republicano Brasileiro (PRB), criado a partir de uma fusão do PL com o PRONA. Além de eleger inúmeros representantes para as esferas municipal, estadual e federal do poder legislativo, a Igreja Universal também tem exercido grande influência nas eleições de representantes do poder executivo, como prefeitos, governadores e até mesmo presidente da república. Desde o ex-presidente Lula, a IURD compõe a aliança de sustentação do governo. A edição 966 do jornal Folha Universal, de 10 de outubro de 2010, p. 6i, apresentou o resultado dos candidatos do Partido Republicano Brasileiro (PRB) naquele ano, considerado o partido da IURD, como já mencionamos anteriormente. Apesar de ter apenas 5 anos de existência, o Partido Republicano Brasileiro (PRB) vem crescendo e dando mostras a cada eleição de que o povo 62 brasileiro entende a sua proposta. No dia 3 de outubro, o senador Marcelo Crivella foi reeleito no Rio de Janeiro com mais de 3 milhões de votos. Já o presidente do partido, Vitor Paulo, foi o quarto deputado federal mais votado no estado, com mais de 157,5 mil votos. [...] Em todo o Brasil, o PRB elegeu oito deputados federais e 16 estaduais. A edição 1.071, de 14 de outubro de 2012, p. 10i, apresentou o resultado das eleições para prefeitos/as e vereadores/as daquele ano com a seguinte manchete: “PRB cresce 54% no País: Partido elege 1.204 vereadores e vai governar 77 cidades, com aumento de 54% de parlamentares e 42% de prefeitos”. Em artigo que versou sobre a inserção da IURD na política nacional, sob o título A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros, Oro (2003) argumenta que em primeiro lugar, o sucesso eleitoral alcançado por essa igreja, até o presente momento, relaciona-se fundamentalmente com o seu carisma institucional, associado ao uso extensivo e intensivo da mídia e de um discurso que traz para o campo político importantes elementos simbólicos do campo religioso; e, em segundo, o sucesso político da Universal repercute tanto no campo religioso – produzindo um efeito mimético em outras igrejas e religiões que procuram, como ela, também expressar o seu capital político e poder institucional – como no campo político, provocando um interesse de alianças por parte dos partidos políticos. Em suma, como observamos na citação, a Igreja Universal estabeleceu uma forte ligação entre o campo religioso e o campo político, consolidando seu poder institucional. 5) O suporte social O jornal Folha Universal publicou, na edição 1.015, de 18 de setembro de 2011, Além do trabalho religioso, a Universal realiza atividades de cunho social e assistencial nos países onde atua, principalmente no Brasil. Voluntários se revezam em presídios, hospitais, asilos ou nas ruas, para levar a palavra de Deus a aflitos e enfermos. Eles também distribuem alimentos para os carentes e investem em ações de serviço social, saúde e cidadania. Além disso, o Força Jovem Brasil leva os jovens da Igreja a diversas ações para melhorar a vida das populações, além de se engajar na luta contra o consumo de drogas. Tudo isso faz a Igreja Universal do Reino de Deus crescer a cada dia. (grifo nosso). 63 Segundo a Folha Universal, edição 953 de 11 de julho 2010, “O voluntariado da IURD é formado por membros, obreiros e simpatizantes da Igreja, que desempenham ações sociais através dos grupos ‘Agente da Comunidade’ e ‘Força Jovem’”. Em entrevista concedida ao Portal Arca Universal45, publicada em 09 de julho de 2010 (grifo nosso), por ocasião do trigésimo terceiro aniversário da Igreja Universal, o bispo Edir Macedo falou sobre a importância dos projetos sociais da instituição. O trabalho da IURD tem sido cem por cento social. Isso por conta da mensagem viva do Evangelho. Jesus não trouxe uma nova religião, mas vida. Quando o ser humano é possuído pelo Espírito de Deus, suas atitudes em relação a Deus, ao próximo e a si mesmo mudam completamente. Daí a razão das pessoas que outrora eram excluídas, hoje, terem suas vidas restauradas e reintegradas à sociedade. Quando o cego passa a enxergar, ele deixa de depender de terceiros, começa a produzir e custear sua própria vida. Quando o bandido é liberto, é menos uma ameaça à sociedade. Infelizmente, a sociedade e o Governo não conseguem enxergar esse benefício social da IURD. O que adianta, por exemplo, dar um prato de comida? Cessará a fome? A IURD, pelo poder da fé na Bíblia, tem conduzido libertação dos escravos de todo e qualquer vício. Assim sendo, ela promove reintegração social muito além do que qualquer outra instituição social. E o melhor, sem receber qualquer ajuda governamental. No site oficial da Igreja Universal do Reino de Deus46, na aba “obras sociais” são apresentadas as atividades consideradas sociais pela instituição:  AMC (Associação de Mulheres Cristãs): Fundada por mulheres, a Associação ajuda o próximo, apóia e incentiva instituições com o mesmo objetivo  EBI (Escola Bíblica Infantil): Conheça o trabalho que a Igreja Universal realiza com crianças e pré-adolescentes em todo o Brasil  Evangelização: Voluntários da Igreja Universal levam uma palavra de conforto e fé a necessitados de todo o Brasil  Força Jovem Brasil Disponível em: . Acessado em: 11 de maio de 2012. 46 Disponível em: . Acessado em 24 de abril de 2012 64  Projeto Nordeste: O surpreendente trabalho social realizado pela Igreja Universal do Reino de Deus, em pleno sertão nordestino, leva vida e esperança ao povo que sofre com a seca na região castigada pelo sol  Ler e Escrever: Veja o trabalho social da IURD através desta Organização Educacional  A Gente da Comunidade: Projeto social da IURD estimula a cidadania entre a população carente no país  IURD na Fundação Casa: Voluntários visitam a Instituição com o objetivo de ressocializar infratores  Momento do Presidiário: Voluntários da IURD levam palavra amiga a detentos e apoio aos seus familiares Diante do que foi exposto, para nós ficou bem claro que a Igreja Universal é um fenômeno histórico e social, ou seja, o contexto sócio-histórico foi crucial para seu surgimento e crescimento. Concluímos que seus rituais litúrgicos, seus princípios teológicos e doutrinários, ou seja, sua produção e circulação de bens simbólicos, seus pilares de sustentação, são influenciados pela cultura do consumo e cultura de massa da pós- modernidade. Em outras palavras, estão sintonizados com a ideologia capitalista neoliberal. 65 CAPÍTULO II APARATOS TEÓRICOS Neste capítulo, explicitaremos as abordagens teóricas que tomamos como base para a análise e reflexões das práticas discursivas jornalísticas da Igreja Universal, incluindo conceitos, categorias e ferramentas teóricas empregados na pesquisa. Apresentamos o capítulo em nove seções. Na primeira, traçaremos uma breve história da Análise Crítica do Discurso (ACD), com ênfase no desenvolvimento de pesquisas norteadas pela ACD no Brasil. Na segunda, destacaremos alguns conceitos-chave para a ACD tais como discurso, ideologia. Na terceira, mostraremos a interface da ACD com a Linguística Aplicada (LA). Na quarta, abordaremos a Teoria da Representação dos Atores Sociais proposta por Theo van Leeuwen (1997, 2008). Na quinta, revisitaremos o conceito de estilo (FAIRCLOUGH, 2003). Na sexta, trataremos do papel do jornalismo institucional na construção de identidades. Na sétima, refletiremos acerca do discurso de responsabilidade social e da cultura da autopromoção. Na oitava, voltaremos nossa atenção para a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) e as três metafunções da linguagem, a saber: ideacional, interpessoal e textual. Ainda na perspectiva sistêmico-funcional, na seção nove será apresentada a Teoria da Avaliatividade desenvolvida por Jim Martin e Peter White (2005). 2.1 Análise Crítica do Discurso: perspectiva crítica de investigação da linguagem em relação com mudanças sociais e culturais De origem britânica, a Análise Crítica do Discurso (ACD)47 expandiu-se, ao longo das duas últimas décadas, para vários países da Europa, Ásia e América do Sul, vindo a estabelecer-se como uma importante área de atividade acadêmica em que estudiosos/as de diversas disciplinas estão envolvidos/as. É um campo que se baseia em teorias sociais e aspectos da linguística, a fim de compreender e desafiar os discursos da contemporaneidade. Fairclough (2001a, p. 28) explica que a abordagem “crítica” implica “mostrar conexões e causas que estão ocultas; implica também intervenção – por exemplo, fornecendo recursos por meio da mudança para aqueles que estão em desvantagem”. Um método crítico para a análise do discurso é necessário, porque segundo o autor “as relações entre a mudança discursiva, 47 Em algumas citações poderão aparecer Análise de Discurso Crítica ou ADC, visto que alguns/mas autores/as brasileiros/as optam por essa tradução em seus trabalhos. 66 social e cultural não são transparentes para as pessoas envolvidas. Nem tampouco o é a tecnologização do discurso” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 28). Teoria caracterizada por Chouliaraki e Fairclough (1999, p.16) como “shifting synthesis of other theories” (síntese mutante de outras teorias), a ACD surgiu com uma proposta interdisciplinar e transdisciplinar que articula pressupostos teóricos da Linguística Sistêmica Funcional (LSF), da Ciência Social Crítica (CSC) e da Semiótica Social (SS). Nas palavras de Chouliaraki e Fairclough (1999, p.16), a ACD é “uma variedade de teorias em diálogo, especialmente teorias sociais de um lado e as teorias linguísticas, de outro”. 48 Na tentativa de definir a nova disciplina, os autores esclarecem: Entendemos a ACD tanto como teoria quanto como método: como um método de analisar práticas sociais com atenção especial aos seus momentos discursivos na junção de preocupações práticas e teóricas e esferas públicas apenas aludidas, em que meios de analisar ‘operacionaliza’ – torna prática – construções teóricas do discurso na (modernidade tardia) vida social, e as análises contribuem para o desenvolvimento e a elaboração dessas construções teóricas (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 16)49. Cabe aqui destacar que, quando começou a se desenhar, no final da década de oitenta e início da década de noventa, essa vertente buscava resolver problemas teóricos e práticos na análise de discursos e preencher uma lacuna deixada por outras teorias, como a Linguística Crítica, um grupo de linguistas que na década de 1970 combinavam as teorias e os métodos de análise textual e da linguística sistêmica de Halliday (1978) com teorias de ideologia, e a Análise de Discurso Francesa, trabalhos de alguns franceses liderados por Michel Pêcheux que desenvolveram uma abordagem de análise de discurso fundamentada especialmente no trabalho do linguista Zelling Harris e na reconstrução de uma teoria marxista de ideologia feita por Althusser. A primeira dava muita ênfase na análise linguística e pouca nos conceitos de ideologia e poder, e a segunda seguia o caminho inverso: voltava-se para o aspecto social e relegava o linguístico. Para Fairclough (2001a), as tentativas anteriores de articulação entre os estudos linguísticos e a teoria social tiveram sucesso limitado. Ele resume assim o que pensa dessas duas tentativas: 48 No original: “We see CDA as bringing a variety of theories into dialogue, especially social theories on the one hand and linguistic theories on the other ”. 49 No original: “we see CDA as both theory and method as a method for analysing social practices with particular regard to their discourse moments within the linking of the theoretical and practical concerns and public spheres just alluded to where the ways of analysing 'operationalisc' - make practical - theoretical constructions of discourse in (late modern) social life, and the analyses contribute to the development and elaboration of these theoretical constructions”. 67 Ambas as tentativas apresentam um desequilíbrio entre os elementos sociais e os linguísticos da síntese, embora tenham pontos negativos e positivos complementares: nos primeiros, a análise linguística e o tratamento de textos linguísticos estão bem desenvolvidos, mas há pouca teoria social, e os conceitos de 'ideologia' e 'poder' são usados com pouca discussão e explicação, enquanto no trabalho de Pêcheux a teoria social é mais sofisticada, mas a análise linguística é tratada em termos semânticos muito estreitos (FAIRCLOUGH, 2001a, p.20). Acrescenta ainda o mesmo autor que as investidas anteriores basearam-se em uma visão estática das relações do poder, “com ênfase exagerada no papel desempenhado pelo amoldamento ideológico dos textos linguísticos na reprodução das relações de poder existentes” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 20). Deu-se, portanto, pouca atenção ao papel da linguagem na luta e na transformação nas relações de poder. Para Fairclough (2001a, p. 23), essas abordagens davam “atenção insuficiente a aspectos sociais importantes do discurso”. Ele aponta alguns fatores que dificultaram a tarefa de “reunir métodos para analisar a linguagem desenvolvidos na linguística e nos estudos de linguagem com o pensamento social e político relevante”, que contribuíssem para o desenvolvimento de uma “teoria social da linguagem adequada”, que fosse útil para investigar as mudanças no uso da linguagem em relação a processos sociais e culturais (FAIRCLOUGH, 2001a, p.19). São eles: a) o isolamento dos estudos linguísticos de outras ciências sociais; b) a dominação da linguística por paradigmas formalistas e cognitivos; c) a falta de interesse pela linguagem por parte de outras ciências sociais; d) tendência de considerar a linguagem transparente Na tentativa de superar essas dificuldades, o pesquisador britânico procurou construir uma abordagem crítica adequada à análise de discurso, buscando uma síntese teórica entre a Ciência Social e a Linguística, a qual denominou Teoria Social do Discurso. Nas últimas décadas, pesquisadores/as de vários campos científicos, com interesses e posturas diferentes, têm utilizado em suas investigações a Análise Crítica do Discurso como ferramenta teórico-metodológica, sem, contudo, perderem de vista o compromisso social assumido explicitamente pela ACD com os grupos em situação de desvantagem. Como ressalta Heberle (2000, p. 290), a ACD “constitui uma área multidisciplinar de estudos da 68 linguagem, voltada para a investigação de fenômenos discursivos diversos, principalmente aqueles ligados a problemas de injustiça e opressão”. Esse compromisso faz com que o foco principal durante o processo de análise sejam as relações de poder. Neste sentido, a ACD busca revelar como os discursos podem servir à emancipação ou podem servir ao exercício do poder. Assim, a ACD vem debatendo questões ligadas ao racismo, à discriminação de gênero social, ao controle e à manipulação institucional, à violência, às identidades, à exclusão social (MAGALHÃES, 2005), e tem sido empregada para revelar mecanismos de poder envolvidos em discursos sobre meio ambiente (BEAUGRAND, 2004; SAINT, 2008); racismo: (TEO, 2000); educação, política (FAIRCLOUGH, 1999, 2003, 2006), dentre outros. A ACD é constituída de uma heterogeneidade de abordagens que tem fundamentado pesquisas acadêmicas. Dentre as principais versões, destacam-se as propostas de Norman Fairclough, que articula uma relação entre a Linguistica Sistêmico-Funcional e Sociologia (vertente dialético-relacional); Teun van Dijk, que articula Linguística Textual, Psicologia Social e Psicologia Cognitiva (vertente sociocognitiva); e Ruth Wodak, abordagem histórica e sociocognitiva. Nesta pesquisa, adotamos a proposta teórico-metodológica de Norman Fairclough. No Brasil, a Análise Crítica do Discurso, especialmente a vertente de Fairclough (1991, 1992; 1999, 2003, 2006), tem se consolidado como aparato teórico-metodológico multidisciplinar na área de Linguística e áreas correlatas das Ciências Humanas e Sociais para a investigação de práticas discursivas e sociais no mundo contemporâneo, principalmente em relação a questões de poder, identidade, ideologias e/ou (des)igualdades socioculturais. Textos orais, escritos e multimodais, de ambientes formais ou de interações informais de diferentes esferas da vida social, principalmente os da mídia, são focos de interesse da ACD. É, portanto, um campo de pesquisa e atuação em franca ascendência e conta com um número crescente de pesquisadores/as. Dentre seus expoentes mais destacados na área da Linguística, podemos arrolar nomes como de Izabel Magalhães, considerada a precursora desta corrente teórica por aqui. Desde a publicação do artigo Por uma abordagem crítica e explanatória do discurso (1986), essa autora vem destacando, em diversas pesquisas na Universidade de Brasília (UnB), a relevância dessa abordagem na investigação de diversas questões contemporâneas (1995, 2000, 2005). A tradução da obra Discurso e mudança social de Norman Fairclough, realizado pela autora, em 2001, é sem dúvida nenhuma uma primeira referência da ACD no Brasil. 69 Célia Maria Magalhães, outra pioneira da pesquisa na vertente britânica da análise de discurso no Brasil, organizou, em 2001, a obra Reflexões sobre a Análise Crítica do Discurso, com o objetivo de divulgar as teorias e métodos da ACD. O capítulo 2 da referida obra contém o artigo de Norman Fairclough intitulado A Análise Crítica do Discurso e a Mercantilização do Discurso Público: as Universidades, traduzido por ela, no qual ele apresenta, de maneira resumida, a teoria e o quadro metodológico da ACD para a análise de eventos discursivos. Além dessa importante publicação, essa pesquisadora tem lecionado disciplinas ligadas à ACD na Universidade Federal de Minas Gerais, como também vem realizando e orientando pesquisas enquadradas nesta perspectiva teórica. Viviane Resende e Viviane Ramalho são outras pesquisadoras que figuram na galeria de autores/as críticos/as, tendo publicado várias obras como Análise de Discurso Crítica (RESENDE; RAMALHO, 2006); Análise de Discurso (para a) Crítica: o texto como material de pesquisa (RAMALHO; RESENDE, 2011); Análise de Discurso Critica e Realismo Crítico (RESENDE, 2009), dentre outras. Ramalho (2010) destaca a obra Texts and practices: readings in critical discourse analysis, de Carmen Rosa Caldas-Coulthard e Malcolm Coulthard, da Universidade de Santa Catarina (UFSC) e Birminghan University, publicada em 1996, como outro marco das pesquisas em ACD no Brasil. A autora faz menção ainda às contribuições de estudiosos/as como Figueiredo (2004), Heberle (2000, 2004, 2005), Meurer (2004, 2005, 2006), entre outros/as. Atuação semelhante tem sido desenvolvida pela pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Cleide Emilia Faye Pedrosa, cujas contribuições vão desde a obra Análise Crítica do Discurso: do linguístico ao social no gênero midiático, editada em 2008, até orientações para pesquisas acadêmicas, tendo como norte a ACD. Recentemente, a autora vem desenvolvendo a Abordagem Sociológica e Comunicacional do Discurso (ASCD), vertente de análise de discurso que alia conceitos e métodos oriundos da Sociologia (para a mudança social), (Bajoit 2008), Comunicação para a Mudança Social, (Navarro, 2010), Estudos culturais (Hall, 2006, 2008), entre outros, e as propostas analíticas da Linguística Sistêmico-Funcional (Halliday 1994, 2004; White, 2004 e Martin e White, 2005). 70 2.2 Conceitos-chave em Análise Crítica do Discurso 2.2.1 Discurso Na noção de discurso empregada na ACD, ele ocupa um lugar central na vida social. Acerca desse papel de destaque do discurso, Ramalho (2010, p. 55, 56) enfatiza que “o objeto de estudo da ADC não é a linguagem como estrutura (sistema semiótico), tampouco como evento (texto), mas, sim, como prática social, ou seja, como (ordens de) discurso”. Segundo Fairclough (2006), discurso é um momento das práticas sociais interconectado a outros momentos. As práticas sociais, dentre elas a religião, enquanto formas mais ou menos estáveis de atividades sociais, são formadas por diversos elementos, dentre os quais figura o discurso como um elemento que ajuda na estruturação social e se materializa nos textos que, em ACD, constituem a principal categoria de análise. A relação dialética entre “momento” (discurso) e outros “momentos” da prática social é assim explicada pelo autor: Dizer que relações entre momentos sejam dialéticas significa que, embora elas sejam diferentes umas das outras, e que uma não pode ser reduzida a outra, elas não são distintas, isto é, os limites entre elas são fluidos – eles se ‘imiscuem’ (FAIRCLOUGH, 2006, p. 30). 50 Retomando apontamentos de David Harvey acerca desse tema, (FAIRCLOUGH, 2006, p. 30) 51 ressalta que “discursos internalizam em algum sentido tudo que ocorre como outros momentos, e os efeitos discursivos permeiam e saturam todos os outros momentos”. Dessa forma, continua o autor, “quando mudanças no discurso são operacionalizadas, o discurso, por assim dizer, ‘transforma-se em outras coisas’”. A respeito da relação dialética entre discurso e práticas sociais, Ramalho (2010, p. 117) explica que 50No original: “To say that the relations beetween moments is dialectical means that although they are different from one another and one canot be reduced to another, they are not discrete, i. e. the boundaries between them are fluid – they ‘flow into’ cach other”. 51 No original: “discourses ‘internalize in some sense everything that occurs as other moments’, and ‘ discursive effects suffuse and saturate all other moments’. So for instance when changes in dircourse are operationalized, discourse so to speak ‘turns into other things’ – a neo-libeeral representation of or imaginary for a country, for exemple, ‘turns into’ a neo-liberal political economy, new practices of various sorts, new identities, new material realities”. 71 Uma vez que a ativação simultânea dos mecanismos e poderes do estrato semiótico e de outros estratos não-semióticos gera efeitos em práticas sociais e eventos, entende-se que fenômenos discursivos são, parcialmente, fenômenos sociais, e vice-versa. Fairclough (2003) ressalta que o discurso figura amplamente de três modos nas práticas sociais. Primeiro, como uma parte da atividade social dentro da prática. Por exemplo, no exercício de uma profissão (gerente de loja) a linguagem é usada de um modo particular. Segundo, o discurso figura em representações de práticas sociais. No terceiro modo, o discurso figura na constituição das identidades (estilos). As identidades dos líderes políticos e dos gerentes de negócios, por exemplo, são constituídas discursivamente (FAIRCLOUGH, 2003). Ainda segundo o autor, o discurso como parte da atividade social constitui gêneros que são os diversos modos de agir, de produzir vida social, no modo semiótico. Portanto, o conceito de discurso para a ACD está intrinsecamente relacionado ao de prática social, uma vez que aquele gera efeitos nesta e vice-versa. 2.2.2 Ideologia: relações de hegemonia e poder estabelecidas por meio da linguagem A concepção de ideologia da ACD provém da teoria de Thompson (2001), na qual é ressaltada sua dimensão crítica. Contrapondo-se às concepções neutras que caracterizam fenômenos ideológicos sem associá-los a interesses de grupos em particular, a concepção crítica propõe que a ideologia serve para estabelecer e sustentar relações de dominação, reproduzindo a ordem social que favorece indivíduos e grupos dominantes. Fairclough (2003, p. 9) a conceitua assim: “Ideologias são representações de aspectos do mundo que podem ser mostradas para contribuir para o estabelecimento, manutenção e mudança das relações sociais de poder, dominação e exploração”.52 É por isso que Fairclough (2003, p.9) deixa claro que Representações ideológicas podem ser identificadas em textos [...] como ‘significações ao serviço do poder’, mas ao dizer que as ideologias são representações que podem ser mostradas para contribuir para as relações sociais de poder e dominação, eu estou sugerindo que a análise textual 52 No original: “Ideologies are representations of aspects of the world which can be shown to contribute to establishing, maintaining and changing social relations of power, domination and exploitation”. 72 precisa ser tratada, nesse respeito, em análise social que considera os corpos dos textos nos termos de seus efeitos nas relações de poder. 53 Ainda segundo a concepção do teórico, “se as ideologias são representações, em princípio, elas também podem ser ‘postas em ação’ nas encenações sociais, e ‘inculcadas’ nas identidades dos agentes sociais” (FAIRCLOUGH, 2003, p.9) 54. Desse modo, na perspectiva da ACD, as relações de dominação são compreendidas por meio da análise da ideologia. Para isso são investigados os aspectos linguísticos e semióticos que contribuem para fortalecer os/as que detêm o poder nas relações sociais, através das escolhas que fazem de determinadas frases, palavras, imagens nas produções textuais faladas ou escrita e visual. Assim, de um modo geral, a ACD pretende mostrar, em cada contexto de situação específico relacionado a determinado evento discursivo de determinada instituição, o modo como as práticas discursivas estão imbricadas com as ideologias e as estruturas sociopolíticas mais abrangentes, de poder e dominação. Nessa perspectiva, a linguagem é um meio de dominação e de força social, produzindo textos que se vinculam aos gêneros dos discursos os quais, por sua vez, servem para legitimar as relações de poder estabelecidas institucionalmente. De acordo com Ramalho (2010, pp. 117-118), Como ciência crítica, a ADC ocupa-se de efeitos ideológicos que sentidos de textos, como instâncias de discurso, possam ter sobre relações sociais, ações e interações, pessoas e mundo material. Suas preocupações direcionam-se a sentidos que possam atuar a serviço de projetos particulares de dominação e exploração, seja contribuindo para modificar ou sustentar, assimetricamente, identidades, conhecimentos, crenças, atitudes, valores, ou mesmo ‘para iniciar guerras, alterar relações industriais’ [...]. Esse foco de atenção insere a ADC no paradigma interpretativo crítico, pelo qual intenta oferecer suporte científico para estudos sobre o papel do discurso na instauração e manutenção de problemas sociais. Segundo Ruth Wodak (2003), os estudos da ACD têm interesse especial pela linguagem, pelo fato de ela mediar a ideologia, e levam em conta que o discurso é estruturado pela dominação e historicamente produzido e interpretado. Mais do que uma análise do texto, 53 No original: “Ideological representations can be identified in texts […] as `meaning in the service of power'), but in saying that ideologies are representations which can be shown to contribute to social relations of power and domination, I am suggesting that textual analysis needs to be framed in this respect in social analysis which can consider bodies of texts in terms of their effects on power relations”. 54No original: “Moreover, if ideologies are primarily representations, they can nevertheless also be 'enacted' in ways of acting socially, and 'inculcated' in the identities of social agents”. 73 serve como guia das ações humanas, pois procura desmistificar os discursos, decifrando ideologias e promovendo conscientização e emancipação. Assim, a tríade linguagem-prática social-poder é de fundamental importância para a ACD. Tornar explícitas relações opacas de poder é o principal objetivo desta abordagem. Em relação ao conceito de poder, Fairclough (2001a, p. 122) se baseia na concepção de hegemonia de Gramsci: hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade. Hegemonia é o poder sobre a sociedade como um todo de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais. Portanto, até aqui podemos observar que o conceito de ideologia está intrinsecamente relacionado aos de hegemonia e poder. Desse modo, a desconstrução ideológica de textos que compõem eventos sociais, a fim de desvelar relações de dominação, é prioridade para a ACD. 2.3 Análise Crítica do Discurso e Linguística Aplicada Um dos primeiros a defender que a Linguística Aplicada (LA) também deveria se preocupar com tópicos como ideologia, discurso, identidade, subjetividade, diferença e poder foi Pennycook (1998). Esse pesquisador propõe uma Linguística Aplicada crítica interdisciplinar, como um conhecimento circulante entre as disciplinas adjacentes, todas sob a perspectiva crítica. Ele afirma: Creio que temos que levar essas considerações realmente a sério e tentar ver as conexões entre o nosso trabalho e as questões bem mais amplas de desigualdade social. [...] precisamos repensar a aquisição da linguagem em seus contextos sociais, culturais e políticos, levando em consideração o gênero, a raça e outras relações de poder, bem como a concepção do sujeito como sendo múltiplo e formado dentro de diferentes discursos (PENNYCOOK, 1998, p. 46). Ao defender o estudo da linguagem em sua relação com o poder social, o autor faz menção ao importante trabalho de Fairclough à área reduzida da Linguística crítica ao demonstrar como o Estudo Crítico da Linguagem (ECL) pode revelar os processos pelos quais a linguagem funciona para manter e mudar as relações de poder na sociedade. Ainda 74 apoiando-se nas contribuições de Fairclough, Pennycook destaca um dos principais argumentos do analista crítico, no qual afirma que “analisando o modo como o poder e ideologia estão inscritos no discurso, podemos chegar à consciência crítica da maneira como a língua reflete e constrói a desigualdade social” (PENNYCOOK, 1998, p. 43). Dentre os/as linguistas aplicados/as, cujos postulados teóricos estão na concepção da linguagem não só como reprodutora das práticas sociais e das ideologias, mas também como agente de transformação social, estão Signorini (1998), a qual nos lembra que o estudo de práticas discursivas em contextos culturais e institucionais específicos deve levar em conta uma noção de língua real, falada por sujeitos situados social, cultural e historicamente; Rajagopalan (2003), o qual, partindo da premissa de que a língua é um objeto social que é construído por meio de práticas sociais, propõe uma linguistica crítica engajada em questões sociais que discute e age sobre a realidade. Ele diz: “Acreditar numa linguística crítica é acreditar que podemos fazer diferença. Acreditar que o conhecimento sobre a linguagem pode e deve ser posto a serviço do bem-estar geral, da melhoria das nossas condições do dia-a-dia”. (RAJAGOPALAN, 2003, p. 12). E ainda, Moita Lopes (2003, 2006, 2008, 2009), o qual destaca que na tentativa de decifrar as relações entre linguagem e práticas sociais em diferentes contextos, a Linguística Aplicada vem buscando “inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem papel central” (MOITA LOPES, 2006, p. 14). O que endossa e justifica essa visão multidisciplinar da Linguística Aplicada, segundo Moita Lopes (2003, p. 4), é o fato de que “vivemos em um mundo que está sendo reconstruído em outras bases, tendo em vista uma série de mudanças culturais, econômicas, sociais, tecnológicas pelas quais estamos passando”. Desse modo, nas pesquisas em Linguística Aplicada, sob as novas tendências, o interesse se volta para a compreensão dos processos de linguagem e das práticas discursivas em contextos institucionais diversos e sua relação com as práticas sociais em determinados momentos históricos (MOITA-LOPES, 2008). Em breve histórico que faz do percurso da Linguistica Aplicada, Moita Lopes (2009) destaca os diferentes estágios pelos quais passou a disciplina até chegar à atual formulação a qual ele chamou de uma LA indisciplinar. Segundo o autor, “é indisciplinar tanto no sentido de que reconhece a necessidade de não se constituir como disciplina, mas como área mestiça e nômade” (MOITA LOPES, 2009, p. 19). Pelo fato desse novo paradigma de LA desejar atravessar as fronteiras disciplinares e estar sempre sendo transformado, Moita Lopes acredita que a LA seja melhor entendida como “indisciplinar”. 75 Entre as características da LA indisciplinar, Moita Lopes (2009, p. 21) aponta uma mudança de paradigma na forma de teorizar o sujeito: Quem é o sujeito da LA? É necessário reteorizar o sujeito social em sua heterogeneidade, fluidez e mutações, atrelando a esse processo os imbricamentos de poder e desigualdade inerentes. Tradicionalmente, o sujeito da LA tem sido um ser sem gênero, raça e sexualidade. Ou, no máximo, tem sido construído com um gênero, raça e sexualidade fixos do qual não consegue escapar; com a linguagem refletindo o que ele é, ao invés de ser compreendida como um lugar de construção da vida social e, portanto, dele mesmo. A grande preocupação da nova LA, conforme a citação acima, deve ser a “reteorização do sujeito social”. Em contraposição a uma visão tradicional do sujeito, que o concebe como algo homogêneo, sem identidade ou com identidade fixa, um mero “efeito” do discurso, a visão indisciplinar concebe um sujeito heterogêneo, fluido, constituído pela linguagem e constitutivo da linguagem. Destacando o papel central do sujeito nas práticas discursivas na concepção da Linguística Aplicada indisciplinar, Moita Lopes (2009, p. 21) ressalta que um questionamento é crucial para a LA: “Em que práticas discursivas tal sujeito é construído?”. Nesse sentido, torna-se essencial compreender que o sujeito interpreta as realidades em suas interações discursivas (práticas discursivas) que não são formas universais e a-históricas, pelo contrário, acontecem em contexto sócio-histórico e cultural e atuam na constituição do sujeito. Assim, considerando as diferentes formas de opressões exercidas através do discurso por aqueles/as que detêm o poder ou dele se beneficiam, a Linguística Aplicada e a Análise Crítica do Discurso têm um objetivo comum: tornar os atores sociais mais conscientes das práticas discursivas em que estão envolvidos como produtores e consumidores de textos. 2.4 A Teoria da representação dos atores sociais Proposta por van Leeuwen (1997, 2008), a Teoria da representação dos atores sociais tem como principal objetivo encontrar respostas para as seguintes questões: (i) quais são os modos pelos quais os atores sociais podem ser representados no discurso? (ii) quais escolhas linguísticas que nos possibilita a língua para nos referirmos às pessoas? (iii) como é que os atores sociais de relevo estão representados em um determinado tipo de discurso? 76 Opondo-se ao modelo tradicional de análise crítica do discurso, cujo ponto de partida para a análise é o componente linguístico, van Leeuwen (1997, p.169) propõe um caminho inverso que parte de “um inventário sócio-semântico dos modos pelos quais os atores sociais podem ser representados” estabelecendo a relevância sociológica e crítica das suas categorias, para somente depois observar como elas se realizam linguisticamente. Para alcançar esse objetivo, o autor apresenta um conjunto de categorias para investigar a representação dos atores sociais no discurso. Segundo van Leeuwen (1997, p.171, grifo do autor), elas devem ser vistas como “pan-semióticas”, pois com a crescente utilização da representação visual numa enorme variedade de contextos, torna-se cada vez mais urgente ser capaz de formular as mesmas questões críticas em relação às representações quer verbais quer visuais, ou seja, na realidade, em relação às representações em todos os media que constituem parte dos textos multimedia contemporâneos. Van Leeuween (1997) propõe duas grandes categorias de representação: a exclusão e a inclusão. A exclusão pode ocorrer por supressão, quando não há qualquer referência aos atores sociais no texto, ou encobrimento, quando os atores sociais são colocados em segundo plano. Nesse último caso a exclusão não é tão radical e os atores excluídos aparecem em algum lugar do texto. Já a inclusão pode ocorrer de várias maneiras (VAN LEEUWEN, 1997, 219): ativação, passivação, participação, circunstancialização, possessivação, personalização, impersonalização, genericização, especificação, assimilação, associação, dissociação, indeterminação, diferenciação, nomeação, categorização e sobredeterminação. Neste estudo, deter-nos-emos nas seguintes formas: ativação, passivação, assimilação, individualização, nomeação e categorização, pois são justamente estas que são mais utilizadas pelos/as autores/as dos textos para representar os atores sociais no discurso da Igreja Universal. Na ativação, os atores sociais são representados como os participantes que realizam a ação. Já na passivação, os atores são representados como participantes que se submetem à ação, ou como sendo afetados por ela. Isto pode realizar-se através de papéis gramaticais participantes, por meio de estruturas de transitividade nas quais os atores sociais ativos são codificados como o Ator em processos materiais, como o Experienciador em processos mentais, como o Portador em processos relacionais, como o Comportante em processos comportamentais e como o Dizente em processos verbais (HALLIDAY, 1994; VAN LEEUWEN, 1997). 77 Quando os atores sociais são representados como grupos (grupo de voluntários), van Leeuwen denomina de assimilação. Porém, quando a representação do ator é feita de forma individualizada (Edir Macedo), o autor a categoriza como individualização. Segundo van Leeuwen (1997, p. 195) a “individualização realiza-se através da singularidade, e a assimilação através da pluralidade”. Na categoria nomeação, os atores sociais podem ser representados através de nomes próprios (Edir Macedo) ou de titulações/honorificações (bispo). A categorização ocorre quando os atores sociais são representados através de identidades e funções que partilham com os outros. A representação dos atores sociais consiste numa importante ferramenta para observar a identidade social, na medida em que permite perceber o uso de estratégias de inclusão ou exclusão de atores sociais no texto de forma que atendam os propósitos do/a autor/a. De acordo com van Leeuwen, (1997, p. 180), “As representações incluem ou excluem atores sociais para servir os seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem”. Fairclough (2003) incorpora a proposta teórico-metodológica de van Leeuwen (1997), pois entende que tais representações além de (re)construírem e sustentarem relações de dominação dentro de uma determinada prática, também são ideológicas. Partindo desses pressupostos, um dos objetivos desta pesquisa é analisar a representação de atores sociais nos textos publicados pela Igreja Universal no jornal Folha Universal na construção discursiva da sua identidade (estilo). Nesta pesquisa, os principais atores sociais representados são: a própria Igreja Universal, programas sociais e instituições sociais sob sua administração, os grupos de voluntários formados por seus membros, algumas autoridades públicas, artistas (famosos) e a população assistida pelos projetos sociais da Igreja. 2.5 Estilo: a texturização das identidades Na recontextualização que faz das macrofunções (funções ideacional, interpessoal e textual) de Halliday, Fairclough (2003) sugere no lugar das macrofunções três principais tipos de significado: o significado acional, representacional e o identificacional. O primeiro refere-se à maneira de agir por meio de textos em eventos socias; o segundo focaliza o modo de representação de aspectos do mundo em textos; e o terceiro refere-se ao modo de ser. Todos os significados são modos de interação entre discurso e prática social. 78 O autor supracitado propõe também uma articulação entre os significados e os conceitos de gênero, discurso e estilo, as três principais maneiras do discurso figurar na prática social: (i) Gênero (modos de agir) = significado acional. (ii) Discursos (modos de representar) = significado representacional. (iii) Estilos (modos de ser) = significado identificacional. O autor explica assim esses três elementos de ordens de discurso: Uma das maneiras de agir e interagir é por meio da fala ou da escrita, assim discurso figura primeiramente 'como parte da ação'. Podemos distinguir diferentes gêneros como diferentes maneiras de (inter) agir discursivamente – entrevista é um gênero, por exemplo. Em segundo lugar, o discurso figura nas representações que sempre são partes de práticas sociais – representações do mundo material, de outras práticas sociais, representações próprias reflexivas da prática em questão. A representação é claramente substância discursiva e, podemos distinguir diferentes discursos, que podem representar a mesma área do mundo de diferentes perspectivas ou posições. [...] Em terceiro lugar e finalmente, discurso figura conjuntamente com ex- pressões corporais ao constituir modos particulares de ser, identidades sociais ou pessoais particulares. Chamarei o aspecto discursivo desse item estilo (FAIRCLOUGH, 2003, p. 26). 55 Apesar dos três aspectos do significado e essas categorias (modos) serem analiticamente separados, eles não são distintos – estão dialeticamente interconectados. Neste trabalho, nossa atenção se voltará, em especial, para o modo estilo (significado identificacional). O conceito de estilo tem sido considerado crucial pela ACD para compreender o papel determinante do discurso na construção das identidades sociais e pessoais. Fairclough (2003, p. 159) 56 dá a seguinte definição: Estilos são o aspecto discursivo das formas de ser, identidades. Quem você é, é parte de uma questão de como você fala, como você escreve, assim como é uma questão de incorporação – como você olha, a forma de parar, como se move, e assim por diante. Estilos estão ligados à identificação – usando a nominalização mais do que o substantivo ‘identidades’, enfatiza-se 55 No original: “One way of acting and interacting is through speaking or writing, so discourse figures first as parto f the action. We can distinguish different genres as different ways of (inter) acting discoursally – interviewing is a genre, for example. Secondly, discourse figures in the representations which are always a part of social practices – representations of the material world, of other social practices, reflexive self-representations of the practice in question. Representation is clearly a dircoursal matter, and we can distinguish different discourses, which may represent the same area of the world from different perspectivas or positions. Thirdly and finally, discourse figures alongside bodily behaviour in constituting particular ways of being, particular social or personal identities. I shall call the discoursal aspect of this a style”. 56 No original: “Styles are the discoursal aspecto f ways of being identities. Who you are is partly a matter of how you speak, how you write, as well as a matter of embodiment – how you look, how you hold yourself, how you move, and so forth. Styles are linked to identification using the nominalization rather than the noun ‘identities’ emphasizes the process of identifying, how people identify themselves and are identified by others”. 79 o processo de identificação, como as pessoas se identificam e são identificadas pelas outras. O discurso é, portanto, não só um modo de representar o mundo e de agir nele, mas também um modo de identificar a si mesmo e aos outros. Estilos “constituem o aspecto discursivo de identidades, ou seja, relacionam-se à identificação de atores sociais em textos” (REZENDE; RAMALHO, 2006, p. 76). Segundo Fairclough (2003, p. 166) “o modo como as pessoas se expressam nos textos é uma parte importante da maneira como elas se identificam, ou seja, a estruturação de identidades”. No gênero notícia, por exemplo, a relação identitária entre jornalista-editor/a e consumidor/a-leitor/a pode ser constituída por meio de traços linguístico-discursivos, textuais e composicionais mais formais ou mais informais, mais ou menos solidários, isso dependerá não só da intenção comunicativa que envolve a divulgação da notícia, mas também das representações socioculturais, isto é, crenças e valores que constroem esse tipo de (inter) ação sociocomunicativa. Fairclough (2003) aponta que por meio da análise de diferentes traços linguísticos presentes no texto (vocabulário, gramática etc.) é possível identificar determinados estilos, visto que essas seleções transportam mensagens sobre identidades particulares e sociais. Além dessas marcas linguísticas, o autor destaca a modalidade e a avaliação como categorias relacionadas ao significado identificacional (função interpessoal de Halliday), pois dizem respeito a como os autores se autoidentificam nos textos. Para este estudo, destacaremos o significado identificacional proposto por Fairclough (2003) e a análise textual será balizada pela categoria Avaliatividade da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), tendo em vista que essa categoria linguística é importante porque, ao avaliarmos algo/alguém de uma forma e não de outra, estamos construindo as identidades de uma maneira e não de outra. Segundo Fairclough (2003, p. 197), para realizar análise crítica e linguística de textos, a avaliação é um dos aspectos que devem ser levados em consideração. Para isso sugere essas questões: “A que valores (em termos do que é desejável ou não) os autores se submetem? Como são realizados os valores - como enunciados avaliativos, enunciados com modalidades deontológicas, enunciados com processos mentais efetivos, ou valores supostos?”. Dessa forma, concluímos que a questão do estilo está ligada à construção da identidade ou representações identitárias no e por meio do discurso, o qual é orientado estrategicamente pelo ator social de forma a sugerir por meio dele certa identidade. Um dos 80 propósitos deste trabalho é discutir como a Igreja Universal faz uso de várias estratégias avaliativas para a criação de um estilo agradável, a fim de enfraquecer a sua bem conhecida imagem de “exploradora” e reforçar a sua proximidade com o público-alvo. 2.6 O papel do jornalístico institucional na construção do estilo/identidade Pesquisadores/as de vários campos, principalmente da análise de discurso, são unânimes em afirmar que a mídia exerce um importante papel na construção da identidade. Dentre as ferramentas de comunicação institucional responsáveis pela manifestação da identidade corporativa estão “o jornalismo empresarial, a assessoria de imprensa, a editoração multimídia, a imagem corporativa, a propaganda institucional, o marketing social e o marketing cultural” (PINHO, 2006, p.37). O jornalismo institucional configura-se pelas vozes que ecoam em uníssono e visa veicular notícias de interesse das organizações e do público- alvo, geralmente o que há de positivo em suas ações. Para Silveira (2003, p. 206), “Por meio da mídia, pessoas e instituições são representadas e acabam adquirindo, muitas vezes, uma imagem pública consolidada diante da sociedade”. Sobre isso, para reiterar, Argenti (2006, p.67) salienta que, preocupadas em moldar sua imagem, “as empresas têm publicado informações de desempenho ambiental e social da mesma maneira como tradicionalmente informariam seus resultados financeiros”. Fairclough (2001a) corrobora essa visão quando ressalta que a publicidade está colonizando diferentes instituições e segmentos diversos, e aponta para o hibridismo que envolve informação e publicidade, uma questão de ao mesmo tempo informar e vender produtos. Para ele textos do tipo informação-e-publicidade ou falar-e-vender são comuns em várias ordens de discurso institucionais na sociedade contemporânea. Eles testemunham um movimento colonizador da publicidade do domínio do mercado de bens de consumo, num sentido estrito, para uma variedade de outros domínios (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 151). Ainda segundo o referido autor, essas mudanças nas práticas discursivas nas atividades sociais de educação, medicina, e religião, por exemplo, são frutos da ´invasão do mercado` e resultado da “pressão” para que essas instituições se envolvam “com novas atividades que são 81 definidas em grande parte por novas práticas discursivas (como marketing)” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 25). 2.7 O discurso da responsabilidade social Termos como “responsabilidade social” e “cidadania corporativa” têm sido usados para nomear um processo em voga: o envolvimento das empresas privadas em ações sociais nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, por exemplo, que até então eram de responsabilidade dos governos. Nas últimas décadas, esse tema tem sido assunto de pauta na iniciativa privada. É o que podemos chamar de “cultura do bom samaritano”. A esse respeito, o seguinte trecho de Rocha e Silva (2009, p. 20) é bastante elucidativo. Assistir aos pobres não é um conceito novo no universo dos negócios. É grande o número de empresas, em todo o mundo, engajadas em ações de responsabilidade social corporativa, voltadas para servir ou dar assistência a comunidades pobres e grupos marginalizados. Muitas vezes, elas atuam conjuntamente com organizações do Terceiro Setor, ou com governos, em ações que visam permitir o acesso dos pobres a serviços de saúde, infraestrutura, ou educação. Esforçam-se por ser boas cidadãs, apoiando causas sociais. No Brasil, as primeiras discussões acerca do conceito “responsabilidade social” aconteceram a partir da década de 1970. O que inicialmente era visto como uma prestação de contas à sociedade por parte de algumas organizações da utilização de recursos que não lhe pertenciam, atualmente, de acordo com Bueno (2003, p.106), “responsabilidade social é o exercício planejado e sistemático de ações, estratégias, e a implementação de canais de relacionamento entre uma organização, seus públicos de interesse e a própria sociedade”. Fossá e Sartoretto (2003, p. 120) resumem assim esse “exercício planejado”: De pequenas empresas a grandes conglomerados econômicos, inúmeras organizações tentam das mais diversas formas fazer jus aos títulos de empresa cidadã ou socialmente responsável. Algumas doam alimentos e/ou brinquedos para uma comunidade carente no natal, outras possuem uma gerência responsável pelas questões sociais e comunitárias. Tanto a ação social sazonal (esporádica), quanto a planejada, visam ao mesmo objetivo, que é buscar o reconhecimento da sociedade. Ainda segundo Fossá e Sartoretto 82 (2003, p.130) “é preciso separar o que é conduta socialmente responsável das ações que tem apenas interesse promocional”. Discorrendo acerca dos principais componentes da gestão empresarial contemporânea, Bonotto e Peruzzolo (2003, p. 136) enfatizam que A empresa de hoje não pode mais preocupar-se apenas com sua produção. Os seus interesses envolvem questões que vão desde a preocupação com as boas relações com os colaboradores até o bem-estar da comunidade do qual faz parte. Os cuidados com a responsabilidade social empresarial é, hoje, uma questão de sobrevivência tanto da empresa quanto da sociedade que a fundamenta. Esses autores ressaltam ainda que forças sociais e comunitárias têm incentivado essa nova realidade por meio de instituições como o Instituto ETHOS de responsabilidade social, criado em 1998 por um grupo de empresários e executivos oriundos da iniciativa privada, cuja missão é ajudar empresas a compreender e incorporar o conceito de responsabilidade social na sua gestão. Alem disso, os autores destacam a criação de títulos de qualificação social aplicado às organizações como o certificado AS 8000 (Social Accountability) que certifica a qualidade humana e solidária de uma organização. Tão ou mais importante que as ações sociais é a comunicação (divulgação) dessas ações. Para cuidar da estreita relação com seu público-alvo, as empresas têm investido em peritos da comunicação. Dessa forma, elas acreditam que moldam suas imagens perante a opinião pública (consumidores), sendo recompensadas com maior fidelidade e compras. Segundo Zenone (2006), quando as empresas desenvolvem ações socialmente responsáveis elas visam não só o benefício social das pessoas (filantropia), mas também o retorno econômico (lucro). Além disso, para o autor, os investimentos em ações sociais visam também construir uma imagem positiva, o que caracteriza uma ação de marketing institucional (ZENONE, 2006). Ampliando essa questão, Bonotto e Peruzzolo (2003, p. 141) apontam para a relação indissociável entre a “responsabilidade social”, a “imagem/identidade” e “competição”. Para eles, “tudo o que a empresa faz de bom e correto junto à sociedade vai repercutir positivamente em seus negócios e na sua imagem, enfim, nos seus empreendimentos. A responsabilidade social, pela ótica de mercado, significa um fator de competição”. Segundo Melo e Froes (1999, apud BONOTTO; PERUZZOLO, 2003, p. 141), “Os produtos, serviços 83 e, sobretudo a marca ganham maior visibilidade, aceitação e potencialidade. É o uso da cidadania empresarial como vantagem competitiva”. Fairclough (2001b), discutindo a relação entre discurso e mudança social, argumenta que a nova ordem sócio-econômica baseada no domínio social do consumo influencia, sobremaneira, todas as esferas sociais, causando uma relexicalização da linguagem e novas formas de agir e interagir socialmente, resultando numa cultura promocional do discurso. A matriz dessa nova linguagem promocional é o evento discursivo tratado como bem de consumo, elaborado com base no discurso estratégico do marketing publicitário. O conceito de cultura promocional, na concepção do referido autor, pode ser compreendido, em termos discursivos, “como a generalização da promoção como função comunicativa [...] o discurso como um veículo para a ‘venda’ de bens de consumo, serviços, organizações, ideias ou pessoas – através das ordens do discurso” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 44, destaques do autor). Ainda segundo o autor, Trata-se de uma visão dos fenômenos culturais contemporâneos como quase sempre no desempenho de funções promocionais e de qualquer outra função que tais fenômenos possam ter, como simultaneamente representando, defendendo e antecipando o que quer que esteja sendo referido. A noção de ‘cultura de consumo’ assemelha-se a ela. A co-presença de promoção e outras funções pode ser avaliada detalhadamente por meio da análise textual com grande proveito – em textos políticos, por exemplo (FAIRCLOUGH, 2003, p. 226). Para Fairclough (2001b), a “função promocional” tem colonizado uma variedade de discursos. O caráter promocional da religião, apesar de sempre existente na história das religiões, acirrou-se sobremaneira com o advento do “capitalismo”, sobretudo recentemente com as igrejas neopentecostais. A publicidade, traço marcante da cultura contemporânea, é assim retratada por Coelho (2007): a) a disseminação social da publicidade faz com que seja possível a caracterização da cultura contemporânea como uma cultura publicitária; b) O lugar central ocupado pela publicidade na cultura contemporânea é consequência do desenvolvimento do capitalismo; c) a expansão publicitária é uma consequência da transformação do cidadão em consumidor; d) a lógica da cultura publicitária é uma lógica individualista. Para o autor, “Na cultura publicitária, a lógica mercantil invade todas as dimensões da vida social” (COELHO, 2007, p. 166). Ele ressalta: 84 O traço distintivo desse modo de vida social é a tendência para a transformação de todas as relações sociais em relações mercantis (compra e venda de bens e serviço): o crescimento das manifestações publicitárias acompanha essa tendência. O contexto social contemporâneo, marcado pela hegemonia do neoliberalismo, pode ser considerado como um momento de concretização plena da lógica mercantil capitalista (COELHO, 2007, p. 155, 156). Nas últimas décadas, com a colonização do discurso religioso pelo discurso da publicidade, o poder de persuasão vem sendo maximizado, incorporando técnicas aprimoradas de marketing. Fonseca (2003), em seus estudos sobre religião, enfatiza a relação entre mídia e religião e a sua dimensão mercadológica. O autor destaca que, para muitas analistas, o uso da mídia por religiosos seria um dos principais reflexos da “mercantilização da fé”. Atualmente, como aponta Silva (2004), observa-se, no ambiente das organizações religiosas, características próprias das mudanças sociais e laborais de empresas não religiosas. Nesse sentido, Fairclough (2001a, p.151-152), tem uma boa reflexão: A comodificação, a expansão do consumismo e a marquetização têm efeitos generalizados sobre as ordens de discurso, variando de uma reestruturação penetrante de ordens de discurso institucionais, sob o impacto do movimento colonizador do discurso da publicidade, do mercado e da administração, até a ubíqua ‘relexicalização’ de público, clientes, estudantes e assim por diante como ‘consumidores’ ou ‘fregueses’. Observamos, desse modo, um processo de secularização da religião e do modelo de gestão empresarial, "empresarização" das igrejas, imbricado na gestão de várias igrejas. O marketing religioso se diferencia dos demais porque nem sempre procura vender algo de material, mas principalmente bens de salvação (BOURDIEU, 1999). A incorporação da religião à cultura publicitária significa que a lógica mercantil, da produção de bens em massa voltados para o consumo de massa, na qual a relação igreja/fiel assumiu as características empresa/consumidor, ou seja, o fiel deixou de ser considerado como fiel para ser considerado como consumidor, passou a determinar também a vida religiosa. Desse modo, para reproduzir na vida religiosa o modelo empresarial, são contratados especialistas em marketing como intérpretes das necessidades do “mercado”. Neste contexto, a publicidade passa a ser o elo principal entre igrejas e fiéis, apresentando as igrejas como capazes de satisfazer às necessidades físicas, emocionais, espirituais e materiais 85 dos fiéis (muito mais essa última). E é aí que entra em cena outra função muito importante do discurso publicitário: o poder de constituir uma imagem, ou identidade, para as organizações. Como afirma Fairclough (2001a, p 259), a publicidade é discurso ‘estratégico’ por excelência [...]. É uma questão de construir ‘imagens’ noutro sentido – modos de apresentar publicamente as pessoas, as organizações e as mercadorias e a construção de identidades ou personalidades para elas. A divulgação positiva das suas ações é um dos fatores que contribuem para criação de uma identidade organizacional engajada socialmente. Peças publicitárias, matérias de jornal, legitimam socialmente. Segundo Coelho (2007, p. 160), na grande variedade de produtos à venda no mercado globalizado está a própria identidade: Na cultura publicitária, até a identidade transformou-se em mercadoria: os indivíduos precisam assimilar a lógica publicitária e enxergar a si próprios como produtos. Se na contemporaneidade o capitalismo atingiu seu grau máximo de desenvolvimento, a publicidade encontra-se em toda parte. Cada um de nós deve administrar a si próprio como se fosse uma marca, como sugere o título da revista da Editora Abril: Você S.A.. De tudo o que foi exposto até aqui, é possível concluirmos que o fato de as empresas divulgarem seu trabalho na área social é uma forma de utilizá-lo como marketing institucional. Atualmente, o discurso de responsabilidade social se alastra por diversos campos da sociedade, dentre eles o religioso, objeto de estudo de nossa pesquisa. 2.8 A ACD e sua interface com a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) Estudos realizados na década de 1970 por um grupo de linguistas que desenvolveram uma “linguística crítica” ao combinar as teorias e os métodos de análise textual da “linguística sistêmica” (Halliday) com teorias de ideologia, fizeram parte, dentre outros estudos, daquilo que se convencionou chamar “virada linguística na teoria social”, momento em que se conferiu um papel central à linguagem nos estudos sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Opondo-se à visão autônoma e independente dos sistemas linguísticos propagada pelas correntes formalistas, a linguística crítica toma uma posição funcionalista de acordo 86 com os pressupostos de Halliday e afirma que “a linguagem é como é por causa de sua função na estrutura social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 47). Seguindo essa tendência de união da análise linguística e social, Fairclough reconhece a necessidade de um método multifuncional e adota como ponto de partida a teoria sistêmica da linguagem (Halliday) “que considera a linguagem como multifuncional e considera que os textos simultaneamente representam a realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 27). O funcionalismo concebe a língua como um instrumento de interação social, contextualizando a língua na situação social representada nas estruturas, isto é, nas suas propriedades externas. Segundo Resende e Ramalho (2006, p. 56), Os estudos funcionalistas têm por objetivo, além de estabelecer princípios gerais relacionados ao uso da linguagem, investigar a interface entre as funções e o sistema interno das línguas. A compreensão das implicações de funções sociais na gramática é central à discussão que relaciona linguagem e sociedade. De acordo com a LSF, a língua se realiza por meio de três metafunções: a ideacional, a interpessoal e a textual. As três metafunções co-ocorrem na realização de todo texto. A função ideacional da linguagem representa ou constrói os significados de nossa experiência do mundo real (eventos, elementos), ou as do interior da consciência (pensamentos, crenças, sentimentos etc.) através de seu componente léxico-gramatical, o sistema de transitividade. Pela categoria gramatical da transitividade, pode-se identificar que ações e atividades humanas são representadas no discurso e que realidade está sendo retratada, através de três componentes básicos: os processos, os participantes e as circunstâncias. O processo é representado por um grupo verbal, é a ação propriamente dita; os participantes (agentes ou pacientes afetados) por nomes; e as circunstâncias, pelos grupos de valor adverbial. Juntos revelam quem faz o quê, a quem e em que circunstâncias. Três tipos de processo são tidos como principais: materiais, mentais e relacionais; e três como secundários: comportamentais, verbais e existenciais (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY, 2004). A metafunção interpessoal refere-se às ações sociais que se efetivam no momento da produção discursiva, permitindo ao/à falante participar dos eventos comunicativos e estabelecer relações sociais. É através dela também que o/a falante/escritor/a expressa emoções, julgamentos e avaliações. A Teoria da Avaliatividade, desenvolvida por James 87 Martin e Peter White (2005) surge a partir desta metafunção. Trataremos mais deste assunto na seção seguinte. Finalmente, a função textual, ou seja, a forma como se estrutura o texto indica determinadas ideologias de quem o produz. Nessa ótica, o uso da língua é interpretado através de uma perspectiva social crítica, tentando desvendar efeitos de sentido potencialmente manipulativos. Assim, a análise sistêmico-funcional oferece um sistema de interpretação dos textos na busca de descobrir seus efeitos potenciais. Desse modo, uma análise linguística de base sistêmico-funcional permite investigar não só a escolha de um item linguístico em detrimento de outro, mas também o contexto sócio-cultural específico em que essa escolha foi feita e, portanto, as características da identidade pessoal e institucional que ela reflete e constrói. Esse tipo de análise é dinâmica porque considera o texto dentro do contexto global do discurso. 2.9 O sistema de avaliatividade: origens e pressupostos básicos Diariamente, nos eventos comunicativos, atores sociais expressam pensamentos, sentimentos, opiniões e atitudes sobre algum objeto, fenômeno, evento, pessoa, etc. Em outras palavras, o ser humano dotado da faculdade da linguagem está constantemente avaliando e sendo avaliado. Para tanto, os/as usuários/as da língua têm à disposição no sistema linguístico recursos léxico-gramaticais e semântico-discursivos que lhes possibilitam não só fazer avaliações como também fazê-las em diferentes graus de intensidade, de acordo com suas percepções de mundo (crenças, valores) e intenções comunicativas. Dizer que o dia está bonito (1) é diferente de dizer que ele está lindo (2) ou maravilhoso (3). Da mesma forma que dizer ele está feio (1) não é a mesma coisa que dizer ele está horrível (2) ou ele está horroroso (03). Nos primeiros itens lexicais (1), a avaliação expressa menor grau de intensidade, nos segundos (2), grau médio, e nos terceiros (3), grau máximo. Acerca disso, referindo-se aos estudos de White (2001) acerca da Teoria da Avaliatividade, Fairclough (2003) ressalta que A avaliação efetiva-se em uma ‘escala de intensidade’ (White, 2001). Os adjetivos e advérbios de juízo de valor, bem como os verbos referentes a processos mentais afetivos se mesclam em conjuntos semânticos de termos que variam de uma baixa intensidade até uma alta intensidade. Por exemplo, ‘eu gosto/amo/adoro este livro’, ‘este livro é bom/maravilhoso/fantástico’, 88 ‘isto foi escrito de forma ruim/porcamente’, ou ainda com outro tipo de verbo (‘os soldados mataram/massacraram/esquartejaram os moradores’). (FAIRCLOUGH, 2003, p.176). Desse modo, em menor ou em maior grau de intensidade, estamos constantemente avaliando e sendo avaliados. Avaliar, portanto, é intrínseco à realidade humana. Para se referirem a essa organização sistêmica, James R. Martin e Peter R. R. White (2005) utilizam o termo Appraisal System (Sistema de Avaliatividade).57 A conceituação da categoria avaliatividade representou um ponto importante do estudo funcionalista, pois tornou possível uma melhor apreciação da avaliação como construto teórico, conforme observamos na introdução do livro The language of evaluation: appraisal in English, de Martin e White (2005, p.1): Este livro está preocupado com o interpessoal na linguagem, com a presença subjetiva de escritores/falantes em textos que adotam posições tanto para o material que apresentam e aqueles com quem se comunicam. Ele está preocupado com a forma como os escritores/falantes aprovam e disaprovam, se entusiasmam e abominam, aplaudem e criticam, e com a forma como eles posicionam os seus leitores/ouvintes a fazerem o mesmo. Ele está preocupado com a construção de textos de comunidades de sentimentos e valores comuns, e com os mecanismos linguísticos para a partilha de emoções, gostos e avaliações normativas. Ele está preocupado com a forma como os escritores/falantes interpretam para si identidades particulares autorais ou personagens, com a forma como eles se alinham ou disalinham- se com os entrevistados, reais ou potenciais, e com a forma como eles constroem para seus textos um público-alvo ou ideal.58 Como podemos depreender da citação, os processos de avaliação na linguagem, ou seja, os diferentes recursos usados na atribuição de valor a elementos de nossa experiência social, muito mais do que servir como recurso de expressão de opinião, são instrumentos de construção e negociação de valores socialmente compartilhados. 57 Apesar de existirem algumas traduções como Avaliação e Valoração, utilizaremos nesse trabalho o termo Avaliatividade, tendo como respaldo Vian Jr (2009,2010). 58 No original: “This book is concerned with the interpersonal in language, with the subjective presence of writers/speakers in texts as they adopt stances towards both the material they present and those with whom they communicate. It is concerned with how writers/speakers approve and disapprove, enthuse and abhor, applaud and criticise, and with how they position their readers/listeners to do likewise. It is concerned with the construction by texts of communities of shared feelings and values, and with the linguistic mechanisms for the sharing of emotions, tastes and normative assessments. It is concerned with how writers/speakers construe for themselves particular authorial identities or personae, with how they align or disalign themselves with actual or potential respondents, and with how they construct for their texts an intended or ideal audience” 89 White (2004) define avaliatividade como uma abordagem que explora, descreve e explica a forma pela qual a língua é utilizada para avaliar, adotar uma postura, construir personas textuais59 e lidar com posicionamentos interpessoais. Inscrito no arcabouço teórico da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994; 2004), e aplicado num primeiro momento na década de 1980 em trabalhos no campo da linguística educacional na Austrália (programas de letramento baseados em gêneros textuais), o Sistema de Avaliatividade é um dos três maiores recursos semânticos do discurso. Os outros dois são: sistema de negociação, que trata das funções das falas e das trocas; sistema de envolvimento, que se refere aos recursos linguísticos como gírias e termos técnicos que determinados grupos utilizam para estabelecer solidariedade (MARTIN; WHITE, 2005). Os três associam-se aos significados interpessoais constituídos no texto. Portanto, a avaliatividade está ligada à metafunção interpessoal (descrita na seção anterior), na medida em que as avaliações presentes nos textos têm a função de estabelecer relações entre o/a escritor/a/falante e o/a leitor/a/ouvinte. Nas palavras dos autores, “podemos localizar a avaliação como um sistema interpessoal ao nível da semântica do discurso”.60 (MARTIN; WHITE, 2005, p.33). A “semântica do discurso”, que se interessa pelo significado além da oração, segundo os autores, é o terceiro dos três níveis de realização linguística (diferentes níveis de abstração) no qual a língua como um sistema semiótico estratificado está envolvida. O primeiro seria a fonologia (fala) e a grafologia (escrita) e o segundo é a oração, realizada por meio da léxico-gramática (sintaxe e vocabulário). Martin e White (2005, p. 9) dão mais detalhes do nível “semântica do discurso”: Este nível está em causa com vários aspectos da organização do discurso, incluindo a questão de como pessoas, lugares e coisas são introduzidas no texto e mantido os registros uma vez lá (identificação); como os eventos e estados de coisas estão ligadas um ao outro em termos de tempo, a causa de contraste e de semelhança (conjunção); como os participantes estão relacionadas como parte de um todo e sub-classe a classe (ideação); como situações alternadas são organizadas em permutas de bens, serviços e informações (negociação), e como avaliação é estabelecida, amplificada, mirada e recebida como fonte (de avaliação). 61 59 O termo persona textual é usado nesta pesquisa conforme o sentido usado por White (2004) e Martin e White (2005), ou seja, para indicar a identidade autoral que o falante constrói para si mesmo no texto. 60No original: “we can locate appraisal as an interpersonal system at the level of discourse semantics”. 61 No original: “This level is concerned with various aspects of discourse organisation, including the question of how people, places and things are introduced in text and kept track of once there (identification); how events and states of affairs are linked to one another in terms of time, cause, contrast and similarity (conjunction); how participants are related as part to whole and sub-class to class (ideation); how turns are organised into exchanges of goods, services and information (negotiation); and how evaluation is established, amplified, targeted and sourced (appraisal)”. 90 Nesse sentido, essa teoria tem como principal objetivo identificar a avaliação presente na linguagem, ou seja, quais são os recursos avaliativos que o/a produtor/a textual utiliza e como os negocia nas relações interpessoais. Para Vian Jr. (2010, p. 25), a avaliatividade está relacionada a todo o potencial que a língua oferece para [...] expressarmos pontos de vista positivos ou negativos, para graduarmos a força ou foco do que expressamos e para negociarmos a inter-subjetividade e assim por diante. Nessa negociação intersubjetiva, as escolhas linguísticas utilizadas pelo/a falante/escritor/a para avaliar pessoas, objetos e situações estão impregnadas de crenças, valores, concepções sobre o mundo, ou seja, refletem a ideologia e a cultura nas quais os atores sociais estão inseridos. Desse modo, a teoria da avaliatividade explora também o significado valorativo na difusão da ideologia na construção de estilos textuais e identidades autorais. Conforme observam Martin e White (2005, p. 2), as avaliações presentes nos textos “são interessantes não somente porque revelam os sentimentos e valores do falante/escritor”, mas também porque essas avaliações “podem estar relacionadas ao status de autoridade do falante/escritor construído pelo texto”. 62 Outro ponto relevante no estudo da avaliatividade é sua relação com o conceito bakhtiniano de dialogismo, conforme ressaltaram Martin e White (2005, p. 92): nossa abordagem é informada pelas noções de Bakhtin/Voloshinov, atualmente amplamente aceitas, de dialogismo e heteroglossia, sob as quais toda a comunicação verbal, seja escrita ou falada, é ‘dialógica’, na medida em que falar ou escrever é sempre revelar a influência de, referir-se a, ou assumir de alguma forma, o que foi dito/escrito antes, e, simultaneamente, antecipar as respostas de leitores/ouvintes reais, potenciais ou imaginários. 63 Para os autores, essa perspectiva dialógica é importante porque permite a observação da “natureza da relação à qual o falante/escritor é apresentado ao entrar com ‘enunciados 62 No original: “These attitudinal evaluations are of interest not only because their expression can be related to the speaker’s/writer’s status or authority as construed by the text” . 63 No original: “our approach is informed by Bakhtin’s/Voloshinov’s now widely influential notions of dialogism and heteroglossia under which all verbal communication, whether written or spoken, is ‘dialogic’ in that to speak or write is always to reveal the influence of, refer to, or to take up in some way, what has been said/written before, and simultaneously to anticipate the responses of actual, potential or imagined readers/listeners”. 91 anteriores na mesma esfera’ – com os outros falantes que já tomaram uma posição com relação à questão em consideração” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 93). 64 Dessa forma, o interesse está no grau em que os falantes/escritores reconhecem esses falantes anteriores e nas formas nas quais se engajam com eles. Estamos interessados em saber se eles se apresentam a favor, contra, indecisos, ou como neutros a respeito desses outros falantes e de suas posições de valor (MARTIN; WHITE, 2005, p. 93). 65 Bakhtin (2005) concebe o dialogismo como princípio constitutivo da linguagem. Assevera também que textos produzidos cotidianamente nas diferentes esferas sociais e nos diversos eventos de interação social são constituídos de valores de ordem ideológica. Retomando as concepções de Martin e White (2005) sobre a avaliatividade, os autores propõem a existência de três sistemas que compõem a abordagem, a saber: Atitude, Engajamento e Gradação. Cabe aqui ressaltar que os dois últimos estão fortemente relacionados ao primeiro, porquanto “a atitude abrange as avaliações, o engajamento contempla as fontes ou as origens da atitude; e a gradação focaliza a intensificação para mais ou para menos das avaliações” (ALMEIDA, 2010a, pp. 39-40). No sistema Atitude, que ocupa um lugar central no processo avaliativo, pois é responsável por “nossos sentimentos, incluindo reações emocionais, juízos de comportamento e avaliação das coisas” 66 (MARTIN; WHITE, 2005, p. 35), encontram-se os subsistemas Apreciação, Afeto e Julgamento (daremos maiores detalhes a seguir). O sistema Engajamento ou posicionamento dialógico trata dos recursos semântico- discursivos “que fornecem os meios para a voz autoral se posicionar com relação a, e, portanto, se ‘engajar’ com as outras vozes e posições alternativas interpretadas como parte do jogo no atual contexto comunicativo”. 67 (MARTIN; WHITE, 2005, p. 94). Ainda conforme Martin e White (2005, p. 99, 100), esse sistema divide-se em Monoglossia (quando os 64No original: “nature of the relationship which the speaker/writer is presented as entering into with ‘prior utterances in the same sphere’ – with those other speakers who have previously taken a stand with respect to the issue under consideration ”. 65No original: “in the degree to which speakers/writers acknowledge these prior speakers and in the ways in which they engage with them. We are interested in whether they present themselves as standing with, as standing against, as undecided, or as neutral with respect to these other speakers and their value positions”. 66 No original: “our feelings, including emotional reactions, judgements of behaviour and evaluation of things”. 67 No original: “which provide the means for the authorial voice to position itself with respect to, and hence to 'engage' with, the other voices and alternative positions construed as being in play in the current communicative context”. 92 enunciados não fazem nenhuma referência a outras vozes e pontos de vista) e Heteroglossia (quando eles invocam ou permitem alternativas dialógicas). Finalmente, o sistema Gradação, composto por dois subsistemas - Força e Foco -, refere-se aos “mecanismos pelos quais falantes/escritores “gradam”, quer seja a força do enunciado ou o foco da categorização pela qual valores semânticos são identificados”.68 (MARTIN; WHITE, 2005, p. 94). Relembrando, os/as falantes/escreventes, ao se engajarem nas relações interpessoais, mobilizam um conjunto de recursos semânticos que lhes permitem expressar avaliações afetivas (a emoção), avaliações de comportamento (a ética) e apreciação das coisas (a estética.). Essas três regiões semânticas correspondem respectivamente aos subsistemas avaliações de Afeto, Julgamento e Apreciação, os quais detalharemos a seguir. Segundo Martin e White (2005, p. 42), “Afeto diz respeito ao registro positivo e negativo de sentimentos: sentimo-nos felizes ou tristes, confiantes ou ansiosos, interessados ou entediados?” 69. Ou seja, o recurso semântico afeto, manifestado de forma explícita (representado em nível lexical através de adjetivos, verbos, advérbios e nominalizações) ou implícita (realizado mesmo quando não há o léxico avaliativo por meio dos significados ideacionais), tem a função de expressar linguisticamente as emoções no discurso. Essas emoções são agrupadas em três conjuntos: (i) In/Felicidade: emoções relacionadas ao coração, como tristeza, raiva, felicidade, amor etc.; (ii) In/Segurança: emoções relacionadas ao bem-estar social como ansiedade, medo, (des)confiança etc., (iii) In/Satisfação: emoções relacionadas aos objetivos realizados como tédio, (des)prazer etc. (ALMEIDA, 2010b). O subsistema Afeto está presente nos enunciados em que as avaliações são direcionadas e afetam diretamente o/a avaliador/a, ou seja, as avaliações são explicitamente subjetivas como, por exemplo, na oração “Este livro me fascina”. No exemplo a seguir, retirado do corpus dessa pesquisa, em que a matéria jornalística faz uso do depoimento da vice-presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba acerca do trabalho de ressocialização de presidiários realizado pela Igreja Universal, encontramos exemplo de avaliação atitudinal por afeto (destacado em itálico): 68 No original: “mechanisms by which speakers/writers ‘graduate’ either the force of the utterance or the focus of the categorisation by which semantic values are identified”. 69 No original: “Affect is concerned with registering positive and negative feelings: do we feel happy or sad, confident or anxious, interested or bored?” 93 Exemplo (1) - (FU, edição 1.044 - 08/04/2012). Para a desembargadora de Justiça Maria das Neves do Egito, atual vice-presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, a ressocialização de apenados é possível quando há incentivos. "Fico muito feliz com os trabalhos realizados pela Igreja Universal ”. Quando se refere aos trabalhos sociais da IURD, a desembargadora diz ficar “feliz”, expressando, portanto, avaliação sentimental afetiva positiva. Entendido como “institucionalização dos sentimentos”, o subsistema “Julgamento diz respeito às atitudes do comportamento, que admiramos ou criticamos, aprovamos ou condenamos” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 42). 70 Ou seja, são recursos avaliativos (positivos ou negativos) dos/as falantes/autores/as sobre o comportamento humano segundo as normas sociais (a ética e a moralidade) estabelecidas por instituições como a Igreja, o Estado, dentre outras. Existem duas categorias de Julgamento: (i) Estima social: refere-se às avaliações morais (admiração ou crítica) que elevam ou rebaixam o indivíduo na estima de sua comunidade, e está relacionado à normalidade (quão especiais as pessoas são), à capacidade (quão capazes as pessoas são) e à tenacidade (quão resolutas as pessoas são), sem, contudo, envolver implicações legais; (ii) Sanção social: trata-se das regras e códigos legais (normas e padrões) que são estabelecidas por instituições sociais por meio de leis, preceitos morais e religiosos que regem os grupos. Tem como subtipos a Propriedade (quão éticas as pessoas são) e a Veracidade (quão honestas as pessoas são) (ALMEIDA, 2010a, p. 95). Os tipos e subtipos do subsistema Julgamento podem ser representados por meio da figura a seguir: Figura 13 - Subtipos de julgamento 70 No original: “Judgement deals with attitudes towards behaviour, which we admire or criticise, praise or condemn”. Julgamento Estima Social SançãoSocial Normalidade Capacidade Tenacidade Propriedade Veracidade 94 No exemplo a seguir, retirado do nosso corpus, observa-se avaliação atitudinal de Julgamento destacada em itálico: Exemplo (2) - (Folha Universal, ed 1018, 09.10.2011). COMPROMISSO: Carla Oliveira é a psicóloga que ajuda os menores que vivem em risco O segmento destacado, “compromisso”, representa uma avaliação de Julgamento, subtipo Estima social – Tenacidade, que reflete o posicionamento/comprometimento do/a jornalista que escreveu a matéria, em relação ao comportamento da psicóloga que ajuda no projeto Casa Mão Amiga da IURD de PORTUGAL. A subcategoria tenacidade refere-se à resolução, disposição, à inclinação de alguém frente a alguma situação/evento. Por fim, a terceira categoria da Atitude, o subsistema Apreciação que “envolve avaliação de fenômenos naturais e semióticos, de acordo com as formas em que eles são valorizados ou não em um determinado campo” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 42). 71 Refere- se às avaliações no âmbito da estética, da forma etc., e o foco da avaliação é direcionado ao objeto/instituição/fenômeno/situação avaliado, como na oração “Este livro é fascinante”. Portanto, diferentemente do afeto, não envolvem avaliações subjetivas. Martin e White (2005, p.56) subdividem a Apreciação em três tipos, sendo que o primeiro, Reação, que corresponde às reações que as coisas provocam nas pessoas, é dividido em Reação-impacto e Reação-qualidade. Esta se refere à qualidade dos objetos e pode ser identificada por meio das perguntas: As coisas chamam nossa atenção, nos dão prazer? Já aquela corresponde ao impacto que os objetos provocam nas pessoas e pode ser identificada perguntando: Isso corresponde às expectativas? É bem recebido? Mexe comigo? No segundo tipo, Composição, que se divide em Equilíbrio e Complexidade, encontram-se os sentimentos que dizem respeito à avaliação do equilíbrio e complexidade do objeto avaliado. Nesse caso aplicam-se as perguntas: Isso me parece bem elaborado? Foi fácil/difícil de entender? Por último, o tipo Valoração que tem a ver com a inovação, autenticidade e relevância do objeto/situação avaliado. Para identificá-lo pergunta-se: Isso valeu a pena? No fragmento que vem a seguir, extraído da parte final da notícia referida acima, no exemplo (2), encontramos um exemplo de avaliação atitudinal por Apreciação Reação/Impacto (destacado em itálico): 71 No original: “Appreciation involves evaluations of semiotic and natural phenomena, according to the ways in which they are valued or not in a given field”. 95 Exemplo (3) Vejo o trabalho da IURD como uma grande contribuição Um panorama do subsistema Atitude é dado no diagrama abaixo: Figura 14 - Subsistema Atitude (fonte Martin e White, 2005). De acordo com Martin e White (2005, p. 237), “afeto, julgamento e apreciação podem ser usados para formar comunidades em torno de sentimento e atitudes compartilhadas”.72 Essa é mais uma razão para utilizamos essa teoria na investigação do discurso da Igreja Universal, uma vez que um dos objetivos da abordagem da Avaliatividade é analisar a construção de textos de comunidades que partilham os mesmos valores e crenças. Nesta pesquisa, de cunho qualitativo, a análise será feita sob a perspectiva do sistema da Atitude e Engajamento pelo fato de esses sistemas serem predominantes nos textos que fazem parte do corpus. Destacaremos também os itens lexicais utilizados para realizar o subsistema Gradação, sem, contudo, classificá-los. Como ressaltamos anteriormente, os três subsistemas estão diretamente interligados. Isso fica bem destacado por Martins e White (2005, p. 44, grifo dos autores) quando afirmam que a atitude envolve gradação de significados, que tem o potencial para serem intensificados e comparados [...] Sentimentos têm profundidade, em outras palavras, uma característica que talvez possamos interpretar como oferecendo a sua tendência para derramar e se espalhar em áreas/fases do discurso”. 73 72 No original: “affect, judgement and appreciation can all be used to form communities of feeling around shared attitudes”. 73 No original: “attitude involves gradable meanings, which have the potential to be intensified and compared […]. Feelings have depth, in other words, a feature we can perhaps interpret as affording their tendency to spill out and sprawl over a phase of discourse”. SUBSISTEMA ATITUDE AFETO emoções JULGAMENTO comportamento humano APRECIAÇÃO objeto (in)felicidade (in)satisfação (in)segurança estima social sanção social reação composição valoração 96 Como já destacamos, o Sistema de Avaliatividade está diretamente associado à metafunção interpessoal. Isto ocorre porque os elementos lexicais e gramaticais selecionados para fazer avaliações num evento comunicativo têm a função de estabelecer relações entre o/as escritor/a/falante e o/a leitor/a/ouvinte. Segundo os pressupostos teóricos da Gramática Sistêmico-Funcional, que dá suporte à Linguística Sistêmico-Funcional através da descrição e análise das realizações linguísticas concretas de forma funcional (os usos da linguagem) e sistêmica (as relações entre uso e sistema), observando fatores sociais e semióticos, é por meio da função interpessoal que a língua executa um de seus principais propósitos de comunicação: proporcionar interação entre as pessoas. Apesar do Sistema de Avaliatividade associar-se à metafunção interpessoal, esse sistema também pode ser realizado por meio dos significados ideacionais (MARTIN, 2000; MARTIN; WHITE, 2005). Retomando apontamentos de Christie e Martin (1997), Almeida (2010a, p. 44) ressalta que “os significados ideacionais podem ser usados para efetuar as avaliações mesmo quando não há o léxico avaliativo”. Com base nos autores, Almeida destaca ainda que “ao se analisar o sistema de avaliatividade em um texto, é necessário se levar em consideração a avaliação implícita realizada pelos ‘tokens’ ideacionais, juntamente com aqueles que são explicitamente inscritos” (ALMEIDA, 2010a, p. 44). Pelo viés sistêmico-funcional, a metafunção ideacional, responsável pela representação de nossa experiência exterior e interior, “constrói o mundo de experiências gerenciável pelos tipos de processos” (HALLIDAY, 2004, p.170). Nesse trabalho observaremos também os recursos avaliativos que ocorrem por meio do Sistema de Transitividade, pois através desse sistema pode-se identificar que ações e atividades humanas são representadas no discurso e que realidade está sendo retratada. Concluímos informando que nas últimas décadas, a abordagem da Avaliatividade tem sido aplicada a uma grande variedade de textos. No caso do discurso publicitário de responsabilidade social, materializado por meio de realizações linguísticas no gênero notícia, foco da nossa pesquisa, essa abordagem pode nos auxiliar a compreender como os/as falantes/escritores/as expressam suas avaliações acerca da instituição que está em análise, a Igreja Universal, com efeito potencial de obter solidariedade dos/as leitores/as do jornal Folha Universal. 97 CAPÍTULO III DIRETRIZES METODOLÓGICAS Neste capítulo, apresentamos as diretrizes metodológicas, entre elas a definição de um modelo de interpretação, os paradigmas epistemológicos (definição de categorias de investigação); conjugamos teoria e método retomando a metodologia proposta por Fairclough (2003) para a Análise Crítica do Discurso. Depois, apresentamos a constituição e descrição do corpus, os instrumentos de coleta e o percurso da análise dos dados. 3.1 Posicionamento ontológico: definindo um modelo de interpretação Como apresentamos anteriormente, o objetivo geral deste trabalho é refletir sobre o discurso da responsabilidade social e a retórica da autopromoção da Igreja Universal através do papel dos atores sociais na construção de sua(s) identidade(s), materializados no Jornal Folha Universal. Assim sendo, as seguintes questões de pesquisa orientaram o nosso trabalho:  Como as formas de representação de atores sociais nas notícias contribuem para a construção da imagem positiva da Igreja Universal com relação à questão da responsabilidade social?  Como a IURD é representada pela mídia Universal, mais especificamente no jornal Folha Universal, com base no Sistema de Avaliatividade? Quem avalia e como avalia a Igreja?  Que outros discursos são observados em textos que tematizam a responsabilidade social no contexto da IURD? Nossa pesquisa está inserida na Linguística Aplicada Crítica e na Análise Crítica do Discurso, que estabelecem uma relação entre o estudo no campo da linguagem e questões mais amplas da sociedade, e nossos procedimentos metodológicos estão baseados no quadro teórico de Fairclough (2003), através dos quais procuramos analisar algumas questões cruciais para a ACD, como de identidade (estilo), ideologia, hegemonia e poder na linguagem. A análise do conteúdo linguístico-discursivo será feita com base nos pressupostos teóricos da 98 Linguística Sistêmico-Funcional, combinando categorias do Sistema de Transitividade (HALLIDAY, 1994, 2004), das formas de representação de atores sociais (VAN LEEUWEN, 1997) e do Sistema de Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005). Para isso, o entendimento do contexto social, histórico e cultural é fundamental para se compreender a realidade social construída nos textos. Por isso, fez-se necessário a adoção de um enfoque metodológico qualitativo, por ele fornecer meios para a descrição e interpretação do nosso objeto de pesquisa, haja vista que as pesquisas qualitativas são, por natureza, interpretativas. Segundo Bauer e Gaskell (2008), para interpretar realidades sociais, a pesquisa qualitativa é a mais apropriada. Nas palavras de Denzin e Lincoln (2006, p. 34), as pesquisas qualitativas são “guiadas por um conjunto de crenças e de sentimentos em relação ao mundo e ao modo como este deveria ser compreendido e estudado”. Eles também afirmam que o paradigma qualitativo garante ao/à pesquisador/a o seu lugar no mundo na medida em que esse tipo de pesquisa permite um posicionamento reflexivo do/a pesquisador/a por meio da interpretação, da representação e da ressignificação (DENZIN; LINCOLN, 2006). Nesta mesma linha de raciocínio, Chizzotti (2005, p. 79) afirma que A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. Dessa forma, para realizar pesquisas qualitativas, é preciso, antes de qualquer coisa, que o/a pesquisador/a tenha uma definição de sua concepção do mundo social, ou da natureza da realidade, ou seja, é necessário um posicionamento ontológico. Segundo Resende (2009, p.19), “A ontologia diz respeito ao modo como se entende a natureza do mundo social, aos componentes essenciais da realidade social”. Para a autora, como não existe uma verdade universal que possa ser tomada como tácita, a definição de uma perspectiva ontológica clara do mundo social deve ser o primeiro passo para a execução de uma pesquisa. O Realismo, enquanto uma teoria filosófica do conhecimento, tem se apresentado como uma forma de se compreender o mundo. Existem dois tipos de realismo: o Realismo Empírico (ingênuo): atitude natural do ser humano que é a de aceitar como existente aquilo 99 que o rodeia e de acreditar que o conhece tal como é; e o Realismo Crítico (RC). De acordo com Resende (2009, p. 21), a principal diferença entre Realismo Crítico e Realismo Empírico (ingênuo) pode ser resumida em duas teses. A primeira afirma que “nossa capacidade de observar efeitos e ações sociais não esgota o que poderia existir ou de fato existe, ou seja, o empírico não é correspondente nem ao potencial nem ao realizado”. E a segunda afirma que “o acesso ao potencial e ao realizado por meio da observação é ‘contingente’: não é impossível mas também não é garantido”. Para o RC, há a necessidade de compreender as camadas mais profundas da realidade. É exatamente nas camadas mais profundas que se escondem as contigências causais, incluindo os agentes causais e seus poderes. Roy Bhaskar (1989), um dos principais pensadores do realismo crítico, assegura que é preciso conhecer as causas dos fenômenos para transcender os fatos e as aparências dos eventos. O mundo é constituído por três domínios ontológicos: o real (POTENCIAL), o actual (REALIZADO) e o EMPÍRICO, e diferentes estratos que operam simultaneamente (físico, químico, biológico, econômico, semiótico etc.). Fairclough (2003, p. 14) afirma: “A perspectiva social em que me baseio é realista, baseada em uma ontologia realista”. Portanto, alicerçada nos princípios oriundos do RC, a ACD concebe a linguagem como um dos estratos da realidade. As diversas dimensões e níveis da vida – incluindo físico, químico, biológico, econômico, social, psicológico, semiológico (e linguístico) – têm suas próprias estruturas distintas, as quais produzem efeitos gerativos distintos em eventos, através de mecanismos particulares. [...] A vida, portanto, não pode ser concebida como um sistema fechado – é um sistema aberto que é, de fato, determinado por mecanismos (e, portanto, estruturas), mas de forma complexa (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 19).74 A noção de poderes causais do Realismo Crítico é recontextualizada por Fairclough (2003) na observação do potencial que os textos têm de provocar mudanças na sociedade. O autor afirma: Textos como elementos de eventos sociais [...] têm efeitos causais, isto é, produzem mudanças. Em um primeiro contato, os textos podem provocar 74 No original: “The various dimensions and levels of life – including physical, chemical, biological, economic, social, psychological, semiological (and linguistic) – have their own distinctive structures, which have distinctive generative effects on events via their particular mechanisms. […] Life therefore cannot be conceived as a closed system – it is an open system, which is indeed determined by mechanisms (and therefore structures), but in complex ways”. 100 mudanças em nosso conhecimento (nós podemos aprender coisas novas a partir deles), nossas crenças, nossas atitudes, valores e etc. Os textos também têm efeitos em longo prazo. Pode-se dizer, por exemplo, que a experiência prolongada com propagandas contribui para moldar as identidades das pessoas como ‘consumidoras’. Os textos também podem iniciar guerras, contribuir com mudanças na educação, mudar relações industriais e muito mais. Seus efeitos podem incluir mudanças no mundo material, como mudanças em modelos urbanos, ou arquitetura e design de tipos específicos de prédios (FAIRCLOUGH 2003, p.8). 75 Neste mesmo sentido, Resende (2009, p.46) ressalta o aspecto constitutivo do discurso apontando que “textos como parte de práticas sociais não apenas recebem informação oriunda das estruturas sociais como também têm efeitos na reprodução/transformação dessas mesmas estruturas”. Partindo desta premissa, a autora enfatiza que “Quando se analisa um texto em termos de gênero, o objetivo é examinar como o texto figura na (inter)ação social e como contribui para ela em eventos sociais concretos (RESENDE, 2009, p. 34). Portanto, a relação de causalidade entre práticas sociais e textos é de mão-dupla: textos podem ter efeitos causais nas práticas sociais, assim como há causas sociais implicadas na construção de textos. Para a Análise Crítica de Discurso, o efeito ideológico é um dos efeitos causais dos textos que tem se constituído em preocupação central (FAIRCLOUGH, 2003). Partindo desta perspectiva, a ACD, enquanto ciência crítica, ocupa-se de efeitos ideológicos que sentidos de textos, como instâncias de discurso, possam ter sobre relações sociais, ações e interações, pessoas e mundo material. Suas preocupações direcionam-se a sentidos que possam atuar a serviço de projetos particulares de dominação e exploração, seja contribuindo para modificar ou sustentar, assimetricamente, identidades, conhecimentos, crenças, atitudes, valores (RAMALHO, 2010, p. 117,118). Dessa forma, partindo do pressuposto de que a linguagem é parte de toda prática social, e como tal configura-se um sistema aberto que interage dialeticamente com os vários domínios da vida social, para essa investigação, seguindo a ACD, adotamos uma visão crítico-realista. 75No original: “Texts as elements of social events (see chapter 2) have causal effects — i.e. they bring about changes. Most immediately, texts can bring about changes in our knowledge (we can learn things from them), our beliefs, our attitudes, values and so forth. They also have longer-term causal effects — one might for instance argue that prolonged experience of advertising and other commercial texts contributes to shaping people's identities as 'consumers', or their gender identities. Texts can also start wars, or contribute to changes in education, or to changes in industrial relations, and so forth. Their effects can include changes in the material world, such as changes in urban design, or the architecture and design of particular types of building”. 101 Outro aspecto importante da investigação qualitativa, destacado por Denzin e Lincoln (2006, p.20), é o seu caráter multidisciplinar, isto é, “um conjunto de atitudes interpretativas que não privilegia nenhuma única prática metodológica”. A pesquisa qualitativa, portanto, “é um campo interdisciplinar, transdisciplinar e, às vezes, contradisciplinar [...] tem um foco multiparadigmático” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.21). A respeito do processo da pesquisa qualitativa, Chizzotti (2005, p. 105) ressalta que ele “não obedece a um padrão paradigmático. Há diferentes possibilidades de programar a execução da pesquisa. Vale muito o trabalho criativo do pesquisador e dos pesquisados”. Acerca dos objetivos da pesquisa qualitativa, o referido autor ressalta que, em geral, ela visa “provocar o esclarecimento de uma situação para uma tomada de consciência pelos próprios pesquisados dos seus problemas e das condições que os geram, a fim de elaborar os meios e estratégias de resolvê-los” (CHIZZOTTI, 2005, p. 104). No que concerne aos objetivos desse tipo de pesquisa, de acordo com as classificações de Gil (1999), ela é uma pesquisa exploratória que se utiliza dos seguintes procedimentos técnicos: pesquisa bibliográfica e documental. Portanto, inserida no paradigma interpretativo crítico, esta pesquisa terá como principal foco de atenção a investigação de textos como elementos de eventos sociais que têm efeitos causais, seja contribuindo em curto prazo para modificar conhecimentos, crenças, atitudes, valores etc., ou em longo prazo moldando as identidades das pessoas e organizações, promovendo mudanças na educação, nas indústrias, nas religiões, o que é o caso aqui (FAIRCLOUGH, 2003). 3.2 Paradigmas epistemológicos: definindo os caminhos de investigação Após termos definido o paradigma interpretativo, o desafio foi traçarmos estratégias de investigação para responder às questões de pesquisa apresentadas no início desta tese, analisamos os dados com base em diretrizes metodológicas da Análise Crítica do Discurso de vertente faircloughiana, quadro teórico-metodológico de 2003. Meurer (2005) ressalta que a ACD é descritiva, interpretativa e explicativa. Segundo Fairclough (2003, p. 194 -197), para realizar análise crítica e linguística de textos, alguns aspectos devem ser levados em consideração, quais sejam: 102 a) Eventos sociais: De qual evento social, ou elos de eventos sociais, o texto faz parte? A que prática social ou redes de práticas sociais os eventos podem estar se referindo ou de quais tomam parte? O texto é parte de um elo ou de redes de textos? b) Gêneros discursivos: Em que gênero o texto se situa? O texto se caracteriza por uma mistura de gêneros? Que gênero o texto delineia e quais são suas características (em termos de atividade, relações sociais e tecnologias de comunicação)? c) Intertextualidade: Daquilo que é importante em textos e vozes, o que está incluso e significativamente excluído? Que outras vozes estão inclusas? São atribuídas e caso sejam, de forma específica ou não? Tais vozes são atribuídas ao discurso direto e indireto? Como se constroem outras vozes em relação à voz original e como se dá a relação entre elas? d) Discursos: Que discursos estão delineados no texto, e como são construídos conjuntamente? Existe importância na mescla de discurso? e) Avaliação: Como são realizados os valores - como enunciados avaliativos, enunciados com modalidades deontológicas, enunciados com processos mentais efetivos, ou valores supostos? Antes, porém, de aplicarmos este modelo de análise proposto por Fairclough (2003), apresentaremos algumas de suas definições acerca da relação entre eventos sociais, práticas sociais e estruturas sociais. Para Fairclough (2003, p.23), “as estruturas sociais são entidades muito abstratas [...] (tal como uma estrutura econômica, uma classe social, uma sistema de castas, ou uma língua)” que podem ou não vir a concretizarem-se nos eventos sociais, eventos concretos como uma aula, uma reunião acadêmica ou um culto religioso. Os textos também são elementos dos eventos sociais que se relacionam dialeticamente com elementos não- discursivos. O autor define assim: Eventos sociais são causativamente moldados por redes de práticas sociais – práticas sociais definem maneiras particulares de ação, e embora os eventos reais possam, mais ou menos, diferir dessas definições e expectativas (porque eles perpassam diferentes práticas sociais e também por causa dos poderes causativos dos agentes sociais), eles ainda são, em parte, moldados por práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2003, p. 25) 76. 76 No original: “Social evens are causally shaped by (networks of) social practices – social practices define particular ways of acting, and although actual events may more or less diverge from these definitions and expectations (because they cut across different social practices, and because of the cause powers of social agentes), they are still partly shaped by them”. 103 Práticas sociais são concebidas pelo autor “como articulações de diferentes tipos de elementos sociais associados com áreas particulares da vida social” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 25). 77 Cita como exemplo de prática social as práticas de ensino e práticas de administração escolar na educação britânica contemporânea sob influência da “marquetização”. Um aspecto importante destacado pelo autor (2003) acerca das práticas sociais é a articulação que elas promovem entre o discurso e outros elementos sociais não-discursivos. Portanto, toda prática social é o resultado da articulação destes elementos: “ação e interação, as relações sociais, as pessoas (com crenças, atitudes, histórias etc.), o mundo material e o discurso” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 25). 78 As práticas sociais “são entidades organizacionais intermediárias entre estruturas e eventos” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 23). 79 A figura a seguir ilustra esse processo. Figura 15 - Relação entre eventos sociais, práticas sociais e estruturas sociais. Dessa forma, são as práticas sociais que controlam o repertório léxico-gramatical responsável pela construção de sentidos materializados nos textos que são produzidos em domínios sociais particulares, por exemplo, no domínio da medicina, da religião ou do ensino. Fairclough (2003) ressalta, ainda, que a linguagem (semiose) é um elemento do social que está presente em todos os níveis. 77 No original: “as articulations of different types of social element which are associated with particular áreas of social life”. 78 No original: “Action and interaction; social relations, persons (with beliefs, attitudes, histories etc.), the material world, discourse”. 79 No original: “there are intermediate organizational entities between structures and events”. 104 Quando chegamos aos textos como elementos de eventos sociais, a ‘superdeterminação’ da linguagem por outros elementos sociais torna-se massiva: textos não são apenas efeitos de estruturas linguísticas e de ordens de discurso, são também efeitos de outras estruturas sociais, e de práticas sociais em todos os seus aspectos, de maneira que se torna difícil separar os fatores que modelam textos (FAIRCLOUGH, 2003, p. 25) 80. Essa relação da linguagem com as estruturas e práticas sociais é representada conforme esquema abaixo (FAIRCLOUGH, 2003, p. 24): Estrutura social Língua Práticas sociais Ordens de discurso Eventos sociais Textos Quadro 5 - Relação da linguagem com as estruturas e práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2003, p. 24) O autor conceitua assim uma ordem de discurso: . Uma ordem de discurso é uma rede de práticas sociais no aspecto linguístico (da língua). Os elementos de ordens de discurso não são coisas como nomes e sentenças (elementos de estruturas linguísticas), mas discursos, gêneros e estilos (FAIRCLOUGH, 2003, p. 24). De acordo com Fairclough (2003, p. 26), o discurso figura na prática social como gênero (modos de agir); discursos (modos de representar) e estilos (modos de ser). Ele conceituou assim o discurso: “Uma das maneiras de agir e interagir é por meio da fala ou da escrita, assim discurso figura primeiramente 'como parte da ação'. Podemos distinguir diferentes gêneros como diferentes maneiras de (inter) agir discursivamente”.81 Como se pode depreender a partir da citação acima, os gêneros do discurso são diferentes maneiras de (inter) agir discursivamente. Nesta pesquisa, focaremos nossa análise em textos materializando o gênero notícia. 80 No original: “When we come to texts as elements of social events , the ‘overdetermination’ of language by other social elements becomes massive: texts are not just effects of linguistic structures and orders of discourse, they are also effects of other social structures, and of social practices in all their aspects, so that it becomes difficult to separate out the factors shaping texts”. 81 No original: “One way of acting interacting is through speaking or writing, so discourse figures first as part of the action. We can distinguish different genres as different ways of (inter)acting discoursally”. 105 3.3 O gênero notícia Partimos do pressuposto de que as notícias são práticas discursivas ligadas às práticas sociais do jornal, construídas mediante o emprego de recursos semióticos na formulação de textos multimodais, que fazem parte de um contexto sócio-histórico-cultural e têm como função a reprodução, manutenção ou transformação das representações sociais, das identidades e das relações sociais. Seguindo o modelo de Fairclough (2003), como texto a notícia deve ser vista como o resultado do trabalho do/a jornalista no qual ele/a é socialmente motivado a fazer escolhas léxico-gramaticais e de estruturação que produzem determinados efeitos de sentidos. Ainda nesse aspecto, a notícia segue técnicas de redação, como as de elaboração do título, subtítulo, etc., sofrendo adaptações de acordo com os diferentes jornais e as diferentes seções. Ainda no que tange à produção, além da participação do/a jornalista, há também o envolvimento de uma equipe formada por editores/as, revisores/as, diagramadores/as, entre outros, todos/as sujeitos/as ao crivo editorial do periódico (linha editorial) que contingência a produção. Na dimensão das práticas discursivas e sociais, que contempla os contextos culturais e sociais, a notícia tem que ser analisada levando-se em consideração o conceito de hegemonia no sentido de um modo de exercício do poder. Lopes (2006, p.8), no artigo “A notícia como produtora de sentidos”, escreve: É neste sentido que pensamos a notícia, enquanto eixo de poder constituinte do campo jornalístico, como instrumento de luta ideológica na dimensão das práticas discursivas e sociais, e como processo de negociação e articulação de sentidos, no mercado simbólico. Como eixo de poder, a notícia emerge como faceta da luta hegemônica, a qual contribui, em graus variados, para a reprodução ou transformação não apenas da ordem de discurso, como também das relações sociais assimétricas existentes. No mercado simbólico, as instituições, em geral, desenvolvem estratégias de luta, com o intuito de conquistarem o poder de dar a última palavra sobre determinada temática. Como prática discursiva e social, a notícia tem sido um poderoso instrumento de luta ideológica e ferramenta de poder na sociedade moderna. Para muitas instituições, a comunicação por meio da notícia é uma questão de sobrevivência. Essa necessidade de comunicação das empresas/instituições, tanto com seu público interno quanto com o externo, fez surgir outro tipo de jornalismo: o institucional, bem como da notícia de cunho institucional. Diferentemente da notícia jornalística tradicional, que tem como principal objetivo manter as pessoas atualizadas com informações do cotidiano, a notícia institucional 106 pode-se dizer que assume um papel promocional, na medida em que mostra somente o lado positivo quanto à imagem e serviços/produtos das organizações. Nesse sentido, passa a ser utilizada como uma estratégia de poder sobre a opinião pública. Em outras palavras, o gênero notícia institucional assume um caráter híbrido, que mistura notícia com texto propagandístico, ou seja, notícia-propaganda. Acerca da hibridização de gêneros na prática discursiva jornalística, Seixas (2009, p. 15) afirma que “Com as novas mídias, surgem novos formatos, se hibridizam, se embaralham os gêneros”. De acordo com Torquato (1992), o principal objetivo da comunicação institucional não é só conquistar a simpatia, a credibilidade e confiança da opinião pública, mas também influenciá-la. Nesse sentido, adotam-se procedimentos estratégicos que visam difundir informações de interesse geral e as ações e os objetivos das organizações. Dessa forma, a notícia institucional é uma importante ferramenta de comunicação criadora de imagem e os jornais institucionais servem de ‘incubadoras’ para criação e manutenção de estilos/identidades. Ultimamente, devido ao disputado mercado simbólico religioso, essa prática chegou também às instituições religiosas que, com o objetivo de atrair novos fiéis, têm se utilizado do discurso jornalístico para consolidar uma dada imagem. Aqui nos referimos especificamente ao ciberespaço e ao jornal impresso como suportes, como estratégia de luta hegemônica e ideológica. Nessa pesquisa, analisamos as matérias jornalísticas de cunho institucional provenientes da Igreja Universal do Reino de Deus, veiculadas no jornal Folha Universal. Para isso, partimos do pressuposto de que as notícias institucionais são poderosos instrumentos na criação e manutenção da imagem organizacional. 3.4 Coleta de dados 3.4.1 O jornal Folha Universal No site da igreja, há um link atuação na mídia, que apresenta assim o jornal Folha Universal (FU): 82 Forte aliada no processo de evangelização, desde 1992 a Folha Universal é o jornal evangélico de maior circulação no Brasil e no mundo. [...] apresenta 82 Disponível em: < http://www.igrejauniversal.org.br/midia-impressa.jsp>. Acessado em 20 de julho de 2012. 107 uma linha editorial heterogênea voltada para a evangelização e o fortalecimento espiritual dos membros da igreja, sem deixar de lado a preocupação do cotidiano dos leitores [...] A Folha, hoje, é um jornal politizado, que acompanha o seu tempo e permite aos seus leitores uma visão analítica e crítica do que está acontecendo no Brasil e no mundo (grifos nossos). Ficou bem destacado nessa autoapresentação que a FU segue uma linha editorial heterogênea, de caráter secular e religioso, cujos objetivos, também variáveis, visam desde a informação, evangelização, diversão e até mesmo a politização de seus/suas leitores/as, os/as quais pertencem a todos os níveis sociais. Trata-se, portanto, de um veículo híbrido, ou seja, de um lado, possui uma face de jornal secular e, de outro, de jornal institucional. A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE) conceitua assim o suporte jornal institucional: Publicação com conteúdos informativos, interpretativos, opinativos e de entretenimento, dirigida a um ou mais elementos componentes do Público Externo (clientes, consumidores, fornecedores, comunidade, distribuidores, revendedores, imprensa, governo, universidades, associações de classes, entre outros) e/ou Público Interno (empregados e familiares e empregados de empresas terceirizadas que prestem serviços em caráter permanente). 83 O projeto editorial do jornal Folha Universal, com três cadernos, a saber: Folha Universal, Folha IURD e Folha Mulher, prevê o alcance do público interno e externo, mas o foco principal são os fiéis da Igreja Universal. Por isso ele pode ser classificado na categoria jornal endógeno, pois se enquadra nas características desse suporte. Ainda segundo o site da ABERJE, a comunicação interna e externa por meio de jornal institucional exerce importante papel na construção e gestão da imagem de uma organização. a identidade organizacional influencia como as pessoas se relacionam com a organização e como eles se comportam em seu nome. Influencia também as decisões que tomam e as imagens que projetam. Uma gestão cuidadosa da identidade organizacional – por meio da comunicação interna e externa, por meio dos compromissos empresariais e das ações simbólicas - é, portanto, fundamental para a elaboração da estratégia e gestão de imagem. 84 83 Disponível em: < http://www.aberje.com.br/acervo_cmr_conceitos.asp.> Acesso em 27 de setembro de 2012. 84 Disponível em: . acessado em 27 de setembro de 2012. 108 Em artigo publicado na edição comemorativa de número 1000, de 05 de junho de 2011, sob o título “Páginas de salvação”, no qual o bispo e fundador da Igreja Universal fala da importância da FU, é possível entender o porquê do caráter híbrido da publicação. A Folha é um instrumento ímpar para a divulgação do Evangelho. O jornal chega onde o rádio, a televisão e a internet não conseguem chegar. Além disso, as notícias e mensagens espirituais trazem fortalecimento interior. Edificam, confortam e nos ensinam. As reportagens seculares nos atualizam e, muitas vezes, abrem nossos olhos para certas verdades. Alertam a todos nós para o que não vemos nos demais jornais e revistas que, maldosamente e sem escrúpulos, manipulam a informação por preconceito ou por outros interesses escusos. Como podemos observar nas palavras do bispo, no papel de veículo de comunicação institucional, o jornal é mais um mecanismo de evangelização e fortalecimento espiritual. Já como veículo de comunicação secular, além de fornecer atualização de notícias, faz chegar ao público “verdades” que seriam distorcidas por outros jornais e revistas. Desse modo, o jornal atuaria como uma espécie de blindagem contra alguns órgãos de imprensa, principalmente daqueles ligados à Rede Globo de Televisão, que costumeiramente publicam matérias contra a Universal. A reportagem de capa da edição 968 (figura 16 e 17) é um bom exemplo disso. Figura 16- Capa. FU, Ed. 968, 24.10.2010 A Folha Universal pode ser associada a duas funções precípuas: a função de relatar notícias e a função de promover uma visão particular de mundo. Num artigo intitulado “A Fig. 17 - Reportagem de capa. Fonte: FU, Ed.968 109 retórica do jornal Folha Universal: a manipulação da boa fé”, Olímpio Guedes Júnior escreveu: A utilização do jornal e dos outros meios de comunicação servem, a princípio, como um importante canalizador da mensagem institucional da Igreja, que, disfarçada de mensagem jornalística, consegue indiretamente criar parâmetros religiosos em seus leitores pela adequação da notícia aos seus interesses (GUEDES JÚNIOR, 2006, p. 121). Ainda sobre o modelo híbrido da publicação, outro texto contido na edição 1000 destaca: Não é só pelo volume de sua tiragem que a Folha Universal é única. Também não existe no País um modelo de publicação que combine uma forte mensagem evangelizadora a um conteúdo secular, com informações destinadas à toda família e embalado num modo tão especial: no formato de jornal, mas com conteúdo de revista, com reportagens elaboradas, infográficos e amplitude de temas, contemplando tanto as inúmeras atividades da IURD como o noticiário de interesse geral (FU Edição 1000, 05 de junho de 2011). Publicada desde 1992, de periodicidade semanal e com circulação nacional, a Folha Universal costuma ser distribuída gratuitamente em frente aos templos da Igreja Universal. As reportagens sobre temas genéricos são publicadas em seções fixas, dentre elas destacam-se Entrevista, Especial, Brasil em Xeque, Ponto Final, Seu corpo, Geral, Olhar feminino, Esporte, Curiosidades, Sete dias. As notícias que têm vínculo direto com a instituição são publicadas no encarte “Folha IURD”, que conta com colunas como “Em nome do bem”, “Força Jovem”, “Política e Fé”, “Internacional”, dentre outras. A FU é um veiculo de informação que está em constante mutação, como ocorreu nas edições 939 a 942 em que a coluna “Em Nome do Bem” do encarte Folha IURD deixou de ser publicada para dar lugar à seção chamada “Especial”, usada sempre que há interesse em divulgar algum evento especial da Igreja, como campanhas, concentrações etc. Nesse caso específico, o espaço foi usado para fazer propaganda do evento denominado “O DIA D”. Na edição 942, publicada após a realização do “DIA D”, a matéria sobre o evento ocupou 16 das 22 páginas do jornal. Outra mudança importante na FU contemplou as mulheres, seu maior público leitor. O semanário, que já tinha uma sessão de uma página chamada “Olhar 110 Feminino”, com receitas e dicas de beleza, a partir da edição 1.049 de 13 de maio de 2012 passou a publicar também o caderno “Folha Mulher”, com quatro páginas. Propagandeado pela própria Universal como “o maior jornal de circulação no Brasil e da América Latina” (Edição 1000, de 05 de junho de 2011), o jornal Folha Universal, que possui também uma versão online, já chegou a ter uma tiragem semanal de 2,5 milhões e conta com 1.800 mil exemplares de tiragem média atualmente. Mesmo com a queda, essa tiragem ainda é quase o dobro da revista Veja que tem a maior circulação nacional, com menos de um milhão de exemplares. Em palestra realizada no Congresso Nacional sobre Mercados Emergentes 2010, Celso Fonseca, editor da FU, apresentou o perfil do jornal e de seus/as leitores/as, como podemos ver na figura (18). 85 Figura 18 - Perfil da Folha Universal e de seus leitores De acordo com o estudo apresentado, a maioria das leitoras da FU é do sexo feminino (79%) e é da faixa etária entre 30 e 39 anos (40%). Com referência ao perfil socioeconômico dos/as leitores/as, só 2% são da classe A, 18% da classe B, 56% da classe C e 24% da E. Quando chegou à marca histórica da edição de número1000, a FU reapresentou sua trajetória de 19 anos referindo-se a si mesma como “um dos veículos impressos mais lidos do País”. Segundo a reportagem, quando foi criada, em 1992, a FU tinha uma tiragem relativamente modesta: apenas 100 mil exemplares e uma equipe de apenas três pessoas. A primeira reformulação aconteceu em 2003, quando o jornal deixou o formato standard e passou para o tablóide (formato mais reduzido). A segunda ocorreu em 2007, com a criação de uma redação nacional em São Paulo e a contratação de 32 novos profissionais. A partir de 85 Disponível em . Acessado em 12 de maio de 2012. 111 então, o jornal foi dividido em duas partes: a Folha Universal (secular) e a Folha IURD (caderno de notícias internas). Assim, ainda segundo a reportagem, “o semanário atinge sua meta e passou a ser citado por professores em universidades e por profissionais de comunicação” (edição 1000, 05 de junho de 2011). Com o título “Saudações dos principais nomes do País à Folha Universal”, a referida edição comemorativa publicou vários depoimentos de políticos, artistas, desportistas, dirigentes sindicais, dentre outros. Transcrevemos, a seguir, apenas dois. "Parabéns pela milésima edição deste importante jornal, que traz sempre bons exemplos para a sociedade brasileira. É sempre importante transmitir informações que reforcem o elo entre a religião e as ações de pessoas que ajudam a melhorar o cotidiano dos brasileiros. Que a Folha Universal siga neste padrão que já a tornou um dos maiores veículos jornalísticos do País". Michel Temer (PMDB), vice-presidente da República "Saúdo a Folha Universal pela sua edição de número 1.000. Todos os seus leitores e a equipe que faz o jornal estão de parabéns por este marco importante na vida de uma das mais importantes publicações da imprensa brasileira. Parabéns". José Sarney (PMDB/AP), presidente do Senado Os depoimentos de autoridades sugerem a importância do jornal. A mesma edição traz ainda, sob o título “Lido no Congresso: Jornal circula entre políticos brasileiros e ganha respeito dos parlamentares federais”, uma reportagem ressaltando a importância da FU no congresso: “A Folha Universal se tornou um dos veículos de comunicação respeitados no Congresso pela transparência e posicionamento crítico e independente e circula semanalmente pelos gabinetes do legislativo federal”. Entre os depoimentos de parlamentares publicados na matéria, destaca-se o do senador (PRB-RJ) e bispo da Universal Marcelo Crivela, que, ao felicitar a edição mil da Folha, definiu assim a publicação: “Em tiragem, o maior jornal do Brasil. Em mensagem, o melhor!”. Para concluirmos essa apresentação do órgão oficial da IURD, utilizaremos a definição do pesquisador Campos (1999a, p. 263, grifo do autor), para quem “o jornal Folha Universal é um dos principais meios de comunicação utilizados pela Universal tanto como marketing interno (junto aos fiéis) como externo”. Ou seja, o jornal é uma excelente ferramenta de publicidade institucional neste processo de construção de uma imagem positiva. Além de informar sobre temas gerais, é nítida a intenção de divulgar principalmente a realização de trabalhos sociais no Brasil e nos países onde atua. 112 Concluímos, portanto, que o jornal Folha Universal faz parte da estratégia da Igreja Universal para seduzir e persuadir os/as leitores/as visando ampliar o número de seus fiéis. 3.4.2 Coleta, critérios de seleção e descrição do corpus O corpus de análise se constitui de textos coletados do jornal Folha Universal do período que compreende os anos de 2010, 2011 e 2012. Trata-se de textos jornalísticos, em sua maioria publicados com assinatura, em que os/as jornalistas expressam o ponto de vista da Igreja Universal, responsável pela publicação. Em tais textos, é recorrente a divulgação dos trabalhos sociais realizados pela Igreja Universal. No geral, as matérias apresentam o título acompanhado do subtítulo e fotos legendas, como pode ser observado no exemplo a seguir (Edição 937, 21 de março 2010, p 1i): TÍTULO: FORÇA AO CHILE SUBTÍTULO: Voluntários doam sangue e distribuem alimentos para vítimas de terremoto. LEGENDA: MOBILIZAÇÃO: Pastores, obreiros e membros distribuíram toneladas de alimentos para vítimas do abalo no Chile. Figura 19 - Fonte: Folha Universal, edição 937 de 21 março de 2010, p. 1i - capa folha IURD. Nos textos, além da linguagem verbal, são utilizadas também semioses não-verbais como fotos e diferentes tipos de fonte e diagramação. Todavia, no presente trabalho esses elementos semióticos não-verbais não serão analisados. 113 Na maioria das notícias, a Igreja Universal é mencionada diretamente; nas demais, aparece na divulgação de forma segmentada, por meio de um grupo de voluntários/as, como o Força Jovem e Associação de Mulheres Cristãs (AMC). As ações divulgadas são variadas, indo desde eventos, cursos, seminários promovidos, visitas de membros às instituições de caridade, casamentos coletivos, etc. Nossa proposta de análise, num primeiro momento, foi identificar as notícias que faziam menção ao trabalho social realizado pela IURD. Seguindo esse norte metodológico, primeiramente fizemos uma varredura, leitura completa e criteriosa de todas as edições do jornal Folha Universal do período delimitado (2010-2012), visando mapear e quantificar as notícias que versavam sobre o tema. Essa leitura foi necessária porque, apesar de o jornal dispor de uma coluna específica para noticiar as ações sociais da instituição, “Em Nome do Bem”, após um olhar panorâmico do periódico, percebemos que mesmo em textos cujos títulos não evocavam o tema investigado, havia referencia à ação social, como podemos observar no exemplo a seguir: TÍTULO: Evento pela paz na Europa SUBTÍTULO: Evento já aconteceu na França, Alemanha e Portugal Em diversos países da Europa, a Igreja Universal do Reino de Deus está realizando a evangelização e ações beneficentes com o objetivo de promover o encontro com Deus e o apoio aos necessitados. [...] Em Alhandra, distante 30 quilômetros da capital portuguesa, o dia foi dedicado à saúde e à beleza da população. Milhares de pessoas contaram com serviços gratuitos de aferição de pressão arterial e glicose, apoio jurídico, manicure, tratamento de pele e corte de cabelo. Além dos serviços prestados a comunidade recebeu roupa e alimentos. Lendo o título da notícia, publicada na edição 978 de 02 de janeiro de 2011, p.7i, na seção Internacional, o/a leitor/a espera encontrar algo parecido com informações sobre a realização de uma passeata, ou um show a favor da paz, pois a manchete não evoca a principio o tema “ação social”. Porém, o corpo da matéria dá destaque ao trabalho social da instituição (destaques em itálico) logo no primeiro parágrafo. A matéria a seguir (FU, Edição 972, 21 de novembro de 2010, p. 7i), que noticia a realização de batismos, é outro exemplo: TÍTULO: Milhares são batizados em Angola SUBTÍTULO: Cerimônia aconteceu nas praias de Luanda e em vários locais. Também foram realizadas ações sociais e de conscientização no combate ao HIV 114 Em Angola, [...] a Igreja Universal do Reino de Deus tem promovido transformação espiritual e social aos habitantes do país, há 19 anos, por meio dos templos espalhados em quase 20 províncias. [...] Neste dia, a IURD também realizou atos de conscientização e apoio aos menos favorecidos. No largo da independência, em Luanda, aconteceu uma campanha de combate a AIDS e a outras doenças sexualmente transmissíveis, realizada pela Associação Beneficente Cristã (ABC), órgão social da Igreja Universal. Como podemos observar no subtítulo e no corpo da matéria do exemplo acima, o enfoque (destacado em itálico) está mesmo na prática social, e não no batismo como parecia sugerir o título. Transcrevemos excerto de outra matéria que põe em destaque o trabalho social da IURD no seu corpo (destaque em itálico), contrariando a proposta temática do título e do subtítulo. “Mesmo diante de um quadro de tantas dificuldades, a Igreja Universal do Reino de Deus mantém um trabalho missionário em plena expansão na África, com inúmeras ações sociais, doações de cestas básicas e de sangue” (Edição 994, 24 de abril de 2011, p. 16 e 17). O título desse exemplo é: “Direto do Front”. Acompanha o subtítulo “De Abidjan, na Costa do Marfin, missionários da IURD contam as ameaças e as privações em meio a uma sanguinária guerra civil”. A legenda da foto que ilustra a matéria também dá ênfase ao trabalho social: “Ação social: jovens da IURD nas ruas de Abidjan, doação de alimentos e sangue”. Esses exemplos já dão uma boa ideia da importância da “garimpagem”. Entretanto, outro caso que nos chamou bastante a atenção foi a publicação da foto com legenda no final de uma matéria da edição 985 (figura 20) que tem como título e subtítulo: Difamação traiçoeira : jornal “O Globo” manipula informações sobre imigração para os EUA a fim de prejudicar IURD. Figura 20 - Fonte: FU Edição 985, 20.02.2011, p. 1 i 115 A notícia, que aparentemente trata de refutar uma denúncia divulgada no jornal O Globo de que pastores da igreja estariam nos Estados Unidos de forma ilegal, acabou se transformando em peça publicitária (divulgação dos trabalhos realizados pela IURD naquele país). Aqui vale aquele ditado esportivo: “A melhor defesa é o ataque”. Nesse caso, o ataque configura-se na auto-avaliação positiva destacada na legenda: “EVANGELIZAÇÃO: Presente há 25 anos nos Estados Unidos, IURD realiza várias atividades, entre elas, batismos e trabalhos sociais” (grifo nosso). 3.4.3 Interação com o corpus: classificação e delimitação Num primeiro momento, a interação com o material empírico permitiu definirmos uma linha de ação visando à classificação e à delimitação do corpus que pautou-se pela verificação do conteúdo e classificação dos textos a serem analisados em categorias temáticas. Desse modo, estabelecemos uma tipificação dos textos do corpus constituído que foram classificados e quantificados conforme o quadro (6): Tipo Característica Genéricas Notícia sem especificação que menciona de forma geral os trabalhos sociais realizados pela Igreja. Projetos específicos Notícias vinculadas diretamente a projetos (instituições) internos da IURD, como a Fazenda Canaã, no Brasil, e o Ler e escrever e Casa de Acolhimento Mão Amiga, de Portugal, etc. Eventos/visitas beneficentes Notícias cuja ênfase está nos mutirões com vários serviços como aferição de pressão e taxa de glicose, corte de cabelo etc.; visitas de voluntários da IURD a creches, hospitais, asilos, presídios, hemocentros, etc. Campanhas de conscientização Notícias cujos focos são as campanhas contra drogas, principalmente o crack; combate à dengue etc. Eventos meritóricos Notícias que destacam eventos de premiação, homenagem etc. Ações emergenciais Notícias que divulgam ações da instituição ao atendimento as vítimas de desastres naturais como enchentes, terremotos etc., em nível nacional e internacional. Crise financeira Global Noticiam assistências aos atingidos pela crise econômica global. Socioambiental Notícias relacionadas com o meio ambiente, como ações de reflorestamento, limpeza de praias etc. 116 IURD poupa milhões ao governo Notícias cujo enfoque está nos testemunhos de pessoas que foram curadas, saíram da prisão etc. e isso representou economia para o governo. Outros Refere-se a notícias de formaturas, congressos, festas, bailes, casamento coletivo, dentre outras, mencionadas como ação social da IURD. Quadro 6 - Tipificação das reportagens publicadas na Folha Universal Um exemplo catalogado na categoria “Outros” foi o destaque dado na edição comemorativa 1000 ao papel social do jornal na ajuda de localização de crianças desaparecidas (em todas as edições, o jornal publica fotos de crianças desaparecidas). A divulgação das ações sociais da Igreja Universal no meio impresso jornal Folha Universal no período de 2010 a 2012 pode ser verificada de acordo com o quadro (7). Tipo 2010 2011 2012 Total Genéricas 4 20 7 31 Projetos específicos 3 5 2 10 Eventos/ Visitas beneficentes 21 29 18 68 Campanhas de conscientização 15 11 12 38 Eventos meritóricos 4 2 2 8 Ações emergenciais 8 9 0 17 Crise financeira Global 4 0 0 4 Socioambiental 2 2 0 4 Outros 10 1 0 11 IURD poupa o governo 0 0 38 38 Total 71 79 78 228 Quadro 7 – O corpus da Folha Universal – janeiro de 2010 a dezembro de 2012. As notícias da seção IURD POUPA MILHÕES AO GOVERNO passou a ser publicada depois da matéria de capa da edição de 8 de abril de 2012, cuja reportagem faz menção à importância da Igreja Universal para a economia do país com a manchete: “Bilhões e Bilhões: Isto é a economia que as ações sociais e espirituais da Igreja Universal geram para o Governo”, o que fez com que mudássemos o foco desta pesquisa, conforme já foi destacado na introdução desta tese. Como mostra o quadro (7), identificamos no período delimitado para a coleta, 228 referências sobre o tema “ação de responsabilidade social”, sendo que 71 em 2010, 79 em 2011 e 78 em 2012. A partir dos dados do Quadro (7), podemos ver que entre 2010 e 2012 houve um aumento desse foco que se estabilizou em 2012. 117 Das 48 edições coletadas no ano de 201086, somente seis não tiveram nenhuma matéria com enfoque no trabalho social da Igreja. Já no ano de 2011 – 52 edições –, em dez não encontramos notícias que fizesse menção ao trabalho social da IURD. Por fim, das 53 edições coletadas em 2012, seis não abordaram o tema. Após esse procedimento, o próximo passo foi uma leitura prévia do corpus, o que possibilitou identificarmos que o discurso de responsabilidade social é articulado em textos publicados no jornal Folha Universal por meio de algumas estratégias discursivas de persuasão, categorizadas por nós conforme quadro a seguir: 1) ARGUMENTOS MERITÓRICOS (qualificadores) a) Premiação endógena b) Premiação exógena 2) ARGUMENTOS NUMÉRICOS (quantificadores) a)Números que testemunham b) Testemunhos que enumeram 3) ARGUMENTOS DE AUTORIDADE a) Bíblica b) Midiática c) Social d) Pública Quadro 8: Estratégias discursivas de persuasão encontradas no corpus Essa classificação por tipos de estratégia de persuasão foi importante para redefinirmos o norte da nossa análise, que passou a ser orientada por ela e não mais por grupos temáticos (primeira classificação conforme o quadro 6). Como algumas notícias coletadas apresentam muitas semelhanças, foram selecionados para análise, a fim de não tornar o corpus muito extenso, alguns exemplos de cada categoria. 3.5 Procedimentos de análise Para análise do corpus, trabalhamos com duas perspectivas: uma voltada para a análise textual (linguística) e outra voltada para a representação discursiva (Análise Crítica do discurso). Na primeira, com base na teoria da Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005) e do Sistema de Transitividade (HALLIDAY, 1994, 2004), tentamos estabelecer uma relação com os recursos semântico-discursivos que falantes/escritores utilizam para expressar emoções, julgamentos e avaliações e construção de identidades. Na segunda, analisamos a representação de atores sociais (VAN LEEUWEN, 1997, 2008) nas notícias como recurso 86 Não conseguimos ter acesso a todas as edições deste ano porque já não estavam disponíveis no site (versão online). Ficaram faltando 4 edições do mês de janeiro. 118 determinante no processo de construção das identidades (estilos). Procuramos também interpretar alguns aspectos ideológicos, visto que a representação de atores sociais no discurso é ideológica, pois mostra relações de hegemonia e poder em uma determinada prática social (FAIRCLOUGH, 2003). CAPÍTULO IV 119 FÉ, DISCURSO E AÇÃO SOCIAL: ANÁLISE DA RETÓRICA DA AUTOPROMOÇÃO Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; Para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente (Mateus 6:1-4). Apresentaremos, neste capítulo, seguindo os passos discriminados na metodologia, a análise do corpus e a interpretação dos dados. Os textos analisados, enquanto objetos de estudo da Análise Crítica do Discurso, são concebidos como produtos de eventos discursivos, resultado de práticas sociais contextualmente localizadas e ideologicamente determinadas. A partir de dois dos três tipos de significados apresentados por Fairclough (2003), a saber, o representacional e o identificacional, foram selecionadas a Avaliatividade e a Representação de Atores Sociais como categorias analíticas com o objetivo de traçar um panorama acerca da representação e da identificação da Igreja Universal nos textos. Segundo Fairclough (2003), há uma correspondência entre representação e discursos, identificação e estilos, que são, na ordem, meios relativamente estáveis e duráveis de representar e identificar. Fairclough (2003, p. 35, grifo nosso) enfatiza ainda que “Discursos, gêneros e estilos são elementos de textos e são também elementos sociais”. Buscamos, portanto, em nossa análise, a correlação entre a estrutura linguística e a estrutura social com o propósito de identificar como são construídos sistemas de conhecimento e crença (significado representacional) e compreender como são constituídas identidades sociais (significado identificacional) no interior de uma prática discursiva religiosa. Hall (2008, p. 109), enfatizando a natureza constitutiva do discurso na construção das identidades, alerta: É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. 120 Entendemos, assim como Hall (2008), que o discurso de responsabilidade social da Igreja Universal foi/está sendo produzido dentro de um contexto específico, conforme ressaltamos na seção 1.3.2, qual seja, de denúncias de práticas ilícitas por parte da liderança da instituição como lavagem de dinheiro, estelionato, formação de quadrilha, dentre outras, destacadas na grande mídia do mundo inteiro, ao longo de sua história. 87 Assim, numa tentativa de se contrapor à imagem negativa perante a sociedade, a IURD tem se empenhado em promover nos seus espaços de atuação, no Brasil e no exterior, uma imagem positiva. Conforme destacado anteriormente, por meio do Sistema de Avaliatividade, enquadre metodológico localizado na LSF, é possível mapear e analisar, por meio da observação da estrutura léxico-gramatical, não só os recursos avaliativos presentes em um texto, como também os padrões avaliativos de textos pessoais ou institucionais. No que diz respeito a observar como os atores sociais são representados no discurso, van Leeuwen (2008, p. 4) ressalta que “no ponto de vista da Análise Crítica do Discurso, os textos podem ser estudados tanto como representações quanto interações”. 88 Para o desenvolvimento da análise das representações de atores sociais, foram utilizadas as categorias sócio-semânticas, propostas por van Leeuwen (1997/2008). O ponto de partida foi a categoria Inclusão e com base nela foram observadas as subcategorias ativação, passivação, assimilação, individualização, nomeação e categorização, já explicadas anteriormente no capítulo dois (Aparatos teóricos). A análise do corpus será feita com base nas estratégias de persuasão apresentadas na metodologia, quais sejam: (1) Argumentos meritóricos (qualificadores) que se subdivide em premiação endógena e premiação exógena; (2) Argumentos numéricos (quantificadores), dividida em dois tipos: números que testemunham e testemunhos que enumeram; e (3) Argumentos de autoridade, subdividido em autoridade bíblica, midiática, social e pública. Dada a impossibilidade da transcrição das notícias na íntegra, devido a sua extensão, utilizamos o símbolo “(...)” para indicar os recortes dos textos, haja vista que nos interessam apenas as partes em que os recursos de avaliatividade são evidenciados e que contemplam as estratégias de persuasão e as representações de atores sociais. Em alguns exemplos vamos precisar do título, subtítulo das matérias para respaldar a análise. Em outros, apenas excertos do corpo da matéria. 87 O quadro 3 na seção 1.3.2 ilustrou as acusações endereçadas à Igreja Universal durante sua trajetória de expansão. 88 No original: “From the point of view of critical discourse analysis, texts should be studied as representations as well as interactions”. 121 4.1 Argumentos meritóricos Nesta seção, analisaremos a estratégia de persuasão “Argumentos meritóricos” presente nas notícias, cujo enfoque são os eventos de premiação aos/às voluntários/as da IURD que se destacaram pelo envolvimento em trabalhos sociais. Dividimos em duas subcategorias: premiação endógena (interna) e premiação exógena (externa). Para esse bloco trazemos quatro exemplos, conforme quadro a seguir. QUADRO 9: Caracterização do corpus “ARGUMENTOS MERITÓRICOS” a) Premiação endógena Exemplo 1 Troféu heroínas (Título da matéria) Mulheres recebem premiação da AMC por seu trabalho social (Subtítulo da matéria) Em sua segunda edição, o “troféu Heroínas”, promovido pela Associação de Mulheres Cristãs (AMC), foi um sucesso. O evento foi realizado recentemente no Bourbon Convention Ibirapuera, localizado no bairro de Moema, em São Paulo, e contou com a presença de empresários, artistas, autoridades, personalidades da televisão e de outros setores (...). As premiadas se destacam pelo envolvimento nas causas sociais e por suas atividades, muitas vezes simples, que fazem uma grande diferença na sociedade. (...) Os profissionais do jornalismo e os apresentadores do programa “Hoje em dia” da “Rede Record”, também marcaram presença na entrega dos troféus. (Corpo da matéria) Exemplo 2 Troféu talento 2010 (Título da matéria) Santa Catarina – O Força Jovem Brasil do estado realizou recentemente no Clube XII, localizado no centro da capital Florianópolis, o Troféu Talento 2010. O evento teve como objetivo homenagear líderes e integrantes do grupo que se destacaram durante todo o ano. A premiação foi dividida em várias categorias, incluindo: Jovem Revelação, Jovem do Ano, Obreiro do Ano, Líder do Força Jovem do Ano, Grupo de Teatro Destaque, Jogador Exemplo Data Edição Argumentos meritóricos 1 02.05.2010 943, p. 1i Premiação endógena 2 13.01.2011 984, p.4i Premiação endógena 3 29.08.2010 960, p. 1i Premiação exógena 4 25.03.2012 1.042, p. 12i Premiação exógena 122 de Futebol Destaque, Projeto do ano e Blog Destaque. O organizador da festa e responsável pelo Força Jovem no estado, pastor Anderson Samir, sente-se feliz em acompanhar passo a passo todo o trabalho realizado pelo grupo. “Foi um prazer ter homenageado todos os que em 2010 procuraram ser solidários na recuperação de outros jovens”, declarou. Na categoria Responsável pela Mídia destaque, o prêmio foi para Leandro Fernando Oliveira, de 22 anos. “Sou muito grato por fazer parte desta família. Tudo que preciso, nela encontro”, afirmou. (Corpo da matéria) A estruturação da igreja aos moldes empresariais é uma das principais inovações que o neopentecostalismo, vertente do cristianismo na qual a IURD se insere, trouxe para o campo religioso, fazendo com que essas instituições organizem-se como empresas e adotem uma racionalidade sistêmica administrativa interna e usem técnicas mercadológicas e de marketing na atuação social (CAMPOS, 1999). No processo competitivo do mercado capitalista, algumas empresas adotam, dentre outras estratégias, a meritocracia como modelo de gestão, sistema que premia os funcionários com base no desempenho, com homenagens do tipo funcionário do mês, do ano etc. No princípio da meritocracia os/as melhores precisam ser recompensados (remunerados, aplaudidos) para que se sintam estimulados a continuar fazendo o melhor, satisfazendo assim os interesses das empresas/organizações, o que faz da prática meritocrática um dos principais componentes da base do capitalismo de sucesso. Como podemos observar, os dois excertos apresentados acima noticiam eventos em que voluntários/as da Igreja Universal são premiados/as. A homenagem em (1) é feita às mulheres que integram a Associação de Mulheres Cristãs (AMC). Já em (2), o alvo da premiação são os jovens que integram o Força Jovem. Ambos são grupos de ação social da Igreja Universal. Uma das questões cruciais para a ACD (VAN LEEUWEN 1997) é identificar os modos pelos quais os atores sociais são representados no discurso através de escolhas linguísticas feitas estrategicamente para atender os propósitos (intenções) dos autores em relação aos leitores a quem se dirigem. Nesse sentido, essas representações, além servirem para (re)construírem e sustentarem relações de poder, servem como veículos ideológicos. Na análise da forma de representação de atores sociais nesse primeiro grupo, cuja ênfase é a premiação de pessoas, observamos que os principais atores incluídos no texto são: em (1): mulheres, empresários, artistas, autoridades, personalidades da televisão e de outros setores, os profissionais do jornalismo e os apresentadores do programa Hoje em dia da Rede Record; em (2): O Força Jovem Brasil, pastor Anderson Samir e Leandro Fernando Oliveira. Com exceção dos dois últimos, incluídos por meio da individualização, os demais atores 123 sociais estão referidos como grupos, de forma coletiva, logo ocorre uma assimilação por coletivização. Sendo que, dos dois referidos por individualização, um é representado através da nomeação titulada sob a forma de honorificação, isto é, a adição de titulo/cargo, qual seja, “pastor Anderson Samir”. Nas relações sociais vigentes o pastor é representante da voz de Deus, evidenciando papel de autoridade incontestável. Um fato interessante que se sobressai é a presença da inclusão através da ativação, aplicada aos atores sociais “famosos”, vinculados à Rede Record, em “Os profissionais do jornalismo e os apresentadores do programa ‘Hoje em dia’ da ‘Rede Record’, também marcaram presença na entrega dos troféus”. Esta estratégia revela o propósito do/a autor/a em associar a presença de famosos no evento à imagem da Igreja Universal, o que dá credibilidade e notoriedade não só ao fato noticiado, mas também à própria instituição. A inclusão de atores sociais da mídia (celebridades) nos textos caracteriza uma estratégia de marketing que visa à visibilidade da Igreja junto às massas. Como destacamos na fundamentação teórica, a Avaliatividade é uma importante estratégia discursiva na representação de atores sociais. No que se refere à análise desses recursos semântico-discursivos, identificamos nesses primeiros exemplos várias escolhas linguísticas que constroem uma avaliação e representação positiva dos atores sociais que foram premiados. Em (1), os/as jornalistas utilizaram-se de Julgamento de estima social positivo do tipo tenacidade (a pessoa é confiável, bem disposta, heróica, decidida?) no enunciado “As premiadas se destacam pelo envolvimento nas causas sociais e por suas atividades, muitas vezes simples, que fazem uma grande diferença na sociedade”, em específico, no item lexical “envolvimento”. Além disso, cabe aqui destacar que o próprio nome da premiação “Troféu heroínas” possui uma carga semântica de avaliação positiva, sugerindo que as pessoas estão sendo premiadas pela prática de atos heróicos. Em (2), o Julgamento social positivo por capacidade (a pessoa é capaz, competente?) fica evidenciado no trecho “O evento teve como objetivo homenagear líderes e integrantes do grupo que se destacaram durante todo o ano”, mais especificamente no processo material “se destacar”. Da mesma forma que o título da premiação do texto (1), o dessa também possui carga semântica avaliativa: “Troféu talentos”. Na visão empresarial, reconhecer talentos é necessário, pois as melhores empresas são feitas de funcionários talentosos. Em (1), notamos também o uso da Apreciação reação qualidade (isto é satisfatório?) no excerto “atividades, muitas vezes simples, que fazem uma grande diferença na sociedade”. 124 Evidencia-se no grupo nominal “grande diferença” o uso de recurso avaliativo de gradação “grande”. Observamos ainda em (2), que dois atores sociais tiveram suas vozes introduzidas no texto por meio do discurso direto, a saber, o pastor, organizador da festa e responsável pelo Força Jovem, que expressou avaliação positiva por meio de Afeto em “Foi um prazer ter homenageado todos os que em 2010 procuraram ser solidários na recuperação de outros jovens”. Leandro Fernando Oliveira, um dos premiados na festa, fez uso do mesmo recurso avaliativo positivo com relação ao grupo Força Jovem (Igreja Universal) em “Sou muito grato por fazer parte desta família”. No enunciado “Tudo que preciso, nela encontro”, da mesma citação, podemos identificar avaliação positiva por Apreciação reação/qualidade (isto é satisfatório?). Esses recursos destacados têm como principal objetivo chamar a atenção do/a leitor/a para as qualidades dos/as voluntários/as da Universal, o que de certa forma remete à representação da Igreja. b) Premiação exógena Exemplo 3 Sangue pela Nicarágua (Título da matéria) Ministério da Saúde do país reconhece valor da IURD por promover campanhas de doação (Subtítulo da matéria) Além do trabalho evangelístico em todos os continentes, a Igreja Universal realiza o trabalho social que também já é reconhecido em vários países. Este ano, a IURD foi premiada pelo Ministério da Saúde da Nicarágua e pela Organização Pan-mericana da Saúde (OPAS) por promover a doação de sangue. Este país foi escolhido pela OPAS como o anfitrião do “Dia do Doador de Sangue” na América Latina e no Caribe, em reconhecimento ao avanço desta ação no país. (Corpo da matéria) Exemplo 4 Reconhecimento (Título da matéria) Força Jovem Brasil é homenageado na Assembléia Legislativa de São Paulo (Subtítulo da matéria). Devido ao trabalho social realizado com a juventude brasileira, o Força Jovem Brasil (FJB) foi homenageado, recentemente, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. De iniciativa do deputado estadual Gilmaci Santos, a sessão solene contou com a presença de milhares de voluntários do FJB, que lotaram o salão Juscelino Kubitschek da Alesp. O evento foi aberto com a exibição do vídeo institucional do Força Jovem, muito 125 elogiado durante os discursos das autoridades presentes. Em seguida, foi entregue uma Moção de Aplauso e Agradecimento aos líderes regionais do Força Jovem de São Paulo e aos responsáveis pelos projetos Jovem Nota 10, Dose Mais Forte, Se Liga 16, Esportes, Cultura, UP e Uniforça. (Corpo da matéria) Segundo Fairclough (2003), as identidades (estilos) são constituídas discursivamente. Dessa forma, a maneira como as pessoas se expressam nos textos tem papel importante na estruturação de suas identidades. Por isso nas análises em ACD são investigados os aspectos linguísticos nos termos de seus efeitos de sentido no estabelecimento/manutenção das relações de poder. Em (03), o título da matéria “Sangue pela Nicarágua” produz um efeito de sentido diferente do conteúdo da notícia, parecendo tratar-se de pessoas que estão lutando, guerreando dando o sangue, a vida pelo país, quando na realidade o real enfoque são as campanhas de doação de sangue promovidas pela Igreja Universal, o que só fica evidenciado no subtítulo: “Ministério da Saúde do país reconhece valor da IURD por promover campanhas de doação”. Neste fragmento, a avaliação positiva do tipo Apreciação qualidade, realizada linguisticamente pelo processo mental “reconhecer” e o atributo “valor”, é feita por um órgão público da Nicarágua, o que outorga legitimidade para a Universal. O mesmo acorre no enunciado que compõe o corpo da matéria “Este ano, a IURD foi premiada pelo Ministério da Saúde da Nicarágua e pela Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) por promover a doação de sangue”, mais especificamente no trecho “foi premiada”. Nesse último excerto o reconhecimento ganha o reforço de uma organização respeitada internacionalmente. No excerto “a Igreja Universal realiza o trabalho social que também já é reconhecido em vários países”, identificamos ocorrência de apreciação positiva tendo como recurso linguístico o processo material “realizar”, no qual o ator social Igreja Universal é incluído por meio da ativação. Um dos objetivos da adoção do discurso da responsabilidade social por parte das empresas é a busca do reconhecimento da sociedade. As empresas se esforçam para serem “boas cidadãs” apoiando e desenvolvendo projetos sociais. (ROCHA; SILVA, 2009). Para muitas empresas, envolver-se com a responsabilidade social é uma questão de sobrevivência, pois ao fazê-lo se obtêm, além de benefícios para sua imagem/identidade, vantagem competitiva (BONOTTO; PERUZZOLO, 2003). Em (4), o reconhecimento vem da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, por meio de uma “moção de aplauso e agradecimento” entregue em evento solene. A notícia 126 destaca logo no seu início que a homenagem é “Devido ao trabalho social realizado com a juventude brasileira” pelo Força Jovem Brasil (FJB) da Igreja Universal. Os principais atores sociais desse exemplo são os voluntários do Força Jovem, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e o deputado estadual Gilmaci Santos (autor da iniciativa e político ligado ao PRB, partido vinculado à Igreja Universal), único a ser incluído por nomeação titulada por honorificação. Como observamos anteriormente, um dos pilares de sustentação da IURD é a participação no campo político que busca a consolidação do seu poder institucional. Por meio do uso extensivo da mídia, a Igreja procura eleger seus representantes na esfera legislativa e executiva. A linguagem é um meio de dominação e de força social. Nesse sentido, textos são produzidos para legitimar as relações de poder estabelecidas institucionalmente. Partindo desse pressuposto, para a Análise Crítica do Discurso é prioridade a desconstrução ideológica de textos que compõem eventos sociais com o fim de identificar as relações de dominação. Em relação a esse estudo cujo foco é compreender o papel determinante do discurso na construção do estilo/imagem de responsabilidade social da Igreja Universal, é possível constatar que as práticas discursivas da IURD estão imbricadas com as ideologias e as estruturas sociopolíticas de poder e dominação. A aproximação da Igreja Universal com a política, com o poder, revela a tentativa de reconhecimento pela sua atuação social por parte da população. A assembléia legislativa teoricamente é a casa dos representantes do povo. Portanto, um reconhecimento por meio da “voz do parlamento” representaria, em tese, o reconhecimento do povo. Considerações preliminares Como podemos ver nos exemplos elencados, seguindo uma lógica empresarial, a Igreja Universal também adota a meritocracia, sistema que premia os voluntários com base no desempenho. Além desse sistema de premiação interna, a instituição busca também reconhecimento (premiação) externo. O mérito é valorizado pelo reconhecimento público, como descrito no exemplo (4), em que o Força Jovem recebe uma “Moção de Aplauso e Agradecimento”. O posicionamento expresso aqui é o de que adotar a prática meritocrática e valorizar os melhores voluntários leva a igreja a obter sucesso. 127 Notamos, portanto, que a “competição” que a Igreja Universal do Reino de Deus estimula em seus fiéis por meio da prática meritocrática, é, na verdade, uma estratégia que rende à instituição uma dedicação extra por parte dos/as fiéis, e acaba por contribuir com a construção da imagem/identidade de igreja cidadã. A tentativa é de representar o ator social Igreja Universal positivamente no mercado religioso que é bastante competitivo. Foi possível notar, na maneira como se realizou a representação dos atores sociais nestes exemplos, os propósitos do/a autor/a que foram exaltar, enfatizar a figura dos/as voluntários/as, da Igreja Universal, suas ações, por ativação e assimilação e por meio do uso dos processos materiais. Quanto aos recursos avalitativos, observamos a preponderância do Julgamento e da Apreciação. Identificamos a presença do Afeto em duas ocorrências, o que indica uma busca de sensibilização do/a leitor/a para o assunto tratado, bem como para os atores sociais representados na notícia. Os principais atores sociais identificados foram os grupos de voluntários vinculados a IURD, quais seja o Força Jovem e a AMC, as personalidades da televisão (Rede Record), autoridades políticas e órgãos públicos de nível nacional e internacional. Foi possível constatar que tanto a representação dos atores sociais quanto as escolhas dos recursos avaliativos contribuem positivamente para a construção da autoimagem da Universal. 4.2 Argumentos numéricos Os elementos persuasivos e avaliativos arregimentados neste segundo tipo de estratégia de persuasão são os dados quantitativos. Notícias foram construídas buscando formas de quantificar o trabalho social da IURD. O uso dos números como elementos argumentativos/persuasivos é bastante recorrente nos textos analisados. Dividimos as amostras em duas subcategorias: números que testemunham e testemunhos que enumeram. Na primeira os números falam por si. Na segunda, busca-se comprovar, por meio de testemunhos de fiéis, que a Igreja Universal representa economia ao Governo. No quadro a seguir listamos as notícias investigadas nessa etapa. Exemplo Data Edição Subtipo 5 17.04.2011 993, p. 7i Números que testemunham 6 08.04.2012 1044, p.1i Números que testemunham 128 QUADRO 10: Caracterização do corpus “ARGUMENTOS NUMÉRICOS” a) Números que testemunham Exemplo 5 Coração doador (Título da matéria) Grupo “Coração de Ouro”, da IURD em Portugal, se destaca em ações sociais (Subtítulo da matéria) O “Coração de Ouro” é uma instituição criada pela Igreja Universal do Reino de Deus em Portugal com o objetivo de ajudar o próximo. Por meio desta iniciativa e esforço diário dos voluntários, todos os anos milhares de pessoas são beneficiadas. Ao fazer o balanço das ações ocorridas em 2010, o resultado foi positivo. Só de produtos não perecíveis foram 47. 487 mil quilos de alimentos distribuídos no ano passado. Um exemplo das ações feitas pelo grupo foi na Ilha da Madeira, em Portugal, após enchente que provocou o desaparecimento de mais de 42 pessoas. Nas chuvas, ocorridas no início do ano, mais de 120 pessoas ficaram feridas. Na ocasião, a IURD ajudou 250 famílias com roupas, cobertores, móveis, eletrodomésticos e alimentos. O evento “Eu Sou da Paz”, realizado em outubro de 2010, reuniu mais de 30 mil quilos de alimentos, beneficiando 2,5 mil famílias. A Associação de Amigos da Criança e da Família “Chão de Meninos”, em Évora, também foi ajudada pelo evento com a doação de 150 kg de alimentos. Corpo da matéria Ações do Coração de ouro (Boxe colorido – destaque na matéria) 400 famílias são apoiadas, mensalmente, na área da Grande Lisboa 150 famílias de bairros carentes como Portugal Novo, Sete Céus, Quinta do Barrucha, Apelação, Moinhos e Camarote são ajudadas ocasionalmente com cestas básicas e roupas 10 apartamentos foram mobiliados completamente. Foram feitas ainda doações individuais de frigoríficos, fogões, aquecedores, sofás, mesas, camas etc. Exemplo 6 A Igreja que ajuda o Brasil (Título da matéria) Ações sociais da Igreja Universal geraram uma economia de R$ 4 bilhões para o Governo nos últimos 10 anos (Subtítulo da matéria) Os programas sociais da Igreja Universal, envolvendo milhares de voluntários, em todos os Estados do País geram, por ano, cerca de R$ 413 milhões de economia ao Governo, além de já ter proporcionado dignidade, cidadania e recuperação da autoestima para aproximadamente de 2,4 milhões de brasileiros. Ou seja, quase meio bilhão de reais podem ser aplicados, por ano, pelo Governo em outros setores como saúde, educação e 7 19.02.2012 1037, p. 5i Testemunhos que enumeram 8 26.02.2012 1038, p.5i Testemunhos que enumeram 129 saneamento. Nos últimos 10 anos, a economia para o Governo foi de R$ 4,1 bilhões. (Corpo da matéria) A nova ordem sócio-econômica, baseada no domínio social do consumo, tem influenciado todas as esferas da sociedade, resultando numa cultura promocional do discurso, na qual tem havido uma generalização da promoção como função comunicativa, ou seja, os discursos estão sendo elaborados com base nas estratégias de marketing para venda não só de bens de consumo, mas também de ideias, organizações, pessoas etc. Essa cultura promocional tem colonizado uma variedade de discursos, inclusive o religioso (FAIRLOUGH, 2001b). Dessa forma, no contexto social contemporâneo, a lógica mercantil tem transformado todas as relações sociais em relações de “venda”, como afirmou Coelho, “na cultura publicitária até a identidade transformou-se em mercadoria” (COELHO, 2007, p. 160). Fairclough (2001a), citando Habermas, destaca que a progressiva colonização do “mundo da vida” pela economia e pelo estado, resulta numa substituição das práticas comunicativas por práticas estratégicas. No caso da Igreja Universal, essas estratégias, traçadas por peritos (GIDDENS, 1991) visam à construção de uma imagem organizacional responsável e em sintonia com os problemas atuais. Nesse sentido, a IURD busca retomar o domínio por meio de sistema de peritos. Uma das estratégias dos peritos que estão a serviço da Universal é a utilização do poder de persuasão dos argumentos fundamentados em imperativos econômicos (quantificação), ou seja, mostrar a eficiência e a produtividade traduzida em números. O primeiro aspecto que chama a nossa atenção nos exemplos apresentados acima, são os itens lexicais com carga semântica de quantificação. Trata-se, segundo o Sistema de Avaliatividade (MARTIN; WHITE), da Gradação do tipo força - recursos para graduar qualidades e processos. Em (5) esse tipo de recurso fica evidenciado nos fragmentos “todos os anos milhares de pessoas são beneficiadas”; “47. 487 mil quilos de alimentos distribuídos no ano passado”; “a IURD ajudou 250 famílias”; “reuniu mais de 30 mil quilos de alimentos, beneficiando 2,5 mil famílias”; “doação de 150 kg de alimentos”. Em (6), o recurso avaliativo de Gradação se repete. A sustentação do argumento “A igreja que ajuda o Brasil” ressaltado no título da notícia, vem através de dados numéricos sem comprovação. Os itens lexicais com carga semântica de quantificação ocupam toda a matéria. Os fragmentos “geraram uma economia de R$ 4 bilhões para o Governo nos últimos 10 anos” (subtítulo), “geram, por ano, cerca de R$ 413 milhões de economia ao Governo”; “quase meio bilhão de reais podem ser aplicados, por ano, pelo Governo em outros setores como saúde, 130 educação e saneamento” e “Nos últimos 10 anos, a economia para o Governo foi de R$ 4,1 bilhões” (corpo da matéria), destacam a quantificação numérica financeira. Já os trechos “Os programas sociais da Igreja Universal, envolvendo milhares de voluntários” e “além de já ter proporcionado dignidade, cidadania e recuperação da autoestima para aproximadamente de 2,4 milhões de brasileiros” (corpo da matéria), quantificam os atores sociais voluntários da Igreja Universal e brasileiros. O primeiro, no papel ativo de quem pratica a ação, o segundo, apassivado, aquele que recebe a ação. Como já destacamos, os números são recursos de avaliação do subsistema Gradação do tipo força - recursos para graduar qualidades e processos. A quantificação, nesse caso, tem a função de ressaltar a importância dos projetos social desenvolvidos pela Igreja Universal no país. Quanto maior a economia que a instituição proporcionar ao país, maior será também a sua imagem perante o/a leitor/a. Diante da crise de credibilidade pela qual passa a Igreja Universal (o último censo apontou decréscimo no seu número de membros), o texto propaga que ela ajuda o Brasil, em oposição às denúncias de charlatanismo, desvios de dinheiro etc. Nas matérias podemos identificar também outros recursos avaliativos importantes para a construção da representação do ator social Igreja Universal, que passaremos a desatacar a seguir. Em (5), a notícia destaca um grupo de voluntários que atua na IURD em Portugal, denominado “Coração de ouro”. Notamos a presença dos processos materiais “se destacar” no enunciado “Grupo ‘Coração de Ouro’, da IURD em Portugal, se destaca em ações sociais” e ‘ajudar’ (reiterado três vezes), indicando avaliação positiva do tipo Apreciação. Observamos ainda em (5) na expressão “esforço diário dos voluntários”, a ocorrência de recursos avaliativos atitudinais por Julgamento de estima social/tenacidade (quão determinado alguém é), representando um alto grau de envolvimento dos voluntários do “Grupo Coração de Ouro” com a assistência social. O item lexical “diário” é um recurso lexical de intensificação utilizado para graduar o termo ‘esforço’, que não é anual, nem mensal, é “diário”. Notamos também em (5), a ocorrência da categoria semântica atitudinal de Apreciação do tipo reação/qualidade no excerto “o resultado foi positivo”, referindo-se ao balanço das ações ocorridas em 2010, qualificado como ‘positivo’. Em relação à representação de atores sociais, notamos que em (5) o ator social mais importante é a Igreja Universal de Portugal, referidos no texto por ativação por meio do 131 processo material “ajudar”, como em “Na ocasião, a IURD ajudou 250 famílias com roupas, cobertores, móveis, eletrodomésticos e alimentos”. Em (6), o ator social “BRASIL” (Título da matéria), retomado como “GOVERNO” no subtítulo e no corpo da matéria, é passivado, ao passo que o ator social Igreja Universal é ativado pelos processos materiais “ajudar” em “A igreja que ajuda o Brasil” e “gerar” nos excertos “Ações sociais da Igreja Universal geraram uma economia de R$ 4 bilhões para o Governo”; “Os programas sociais da Igreja Universal (...) geram economia ao Governo”. É importante salientar que, no momento em que a matéria escolhe representar o Brasil/Governo como ator social beneficiário, ela procura estender a ação benéfica da Igreja Universal a todos/as os/as brasileiros/as, independentemente da opção religiosa; ou seja, com a Igreja Universal, toda a sociedade brasileira é beneficiada. Aqui, a representação indica que a Igreja Universal é capaz de melhorar o Brasil. Essa avaliação resulta, sem dúvida, em Apreciação positiva. No exemplo (06), os itens lexicais “dignidade”, “cidadania” e “recuperação da autoestima”, são recursos lexicais avaliativos de apreciação, utilizados para representar o ator social Igreja Universal que, por meio dos seus projetos sociais, não só gera economia financeira para o Governo, como também proporciona o resgate da dignidade, da cidadania e da autoestima das pessoas. De acordo com a proposta de representação de atores sociais oferecida por Van Leeuwen (1997, 2008), identificamos que nesse grupo de notícias a representação do ator social Igreja Universal se realiza por ativação, principalmente nas funções de ator nos processos materiais “ajudar” e “gerar”. Essas escolhas léxico-gramaticais representam a Igreja Universal como agente, e as pessoas, famílias de Portugal em (05) e o Brasil em (06) como beneficiário. Desse modo, evidencia-se a ideia de que, diante da crise econômica pelas quais atravessam os dois países, a Igreja Universal é um fator de geração de economia e consequentemente de estabilidade social e econômica. 132 b) Testemunhos que enumeram Exemplo 7 Fé em cadeia (Título da matéria) Ex-detento gerou alto custo aos cofres públicos. Trabalho social da IURD nos presídios garantiu economia ao governo e mudança de vida (Subtítulo da matéria) A criminalidade é um problema sério no Brasil. O sistema carcerário mostra-se ineficiente e depende cada vez mais de recursos do governo. Dados oficiais mostram que o País gasta mais de R$ 40 mil anuais com um preso, enquanto a manutenção de um aluno universitário numa instituição federal custa em torno de R$ 15 mil. É uma situação que só traz prejuízos, em todos os sentidos, para a sociedade. Mas a fé tem ajudado a amenizar essa realidade, como mostra a trajetória de José, de 41 anos. Com uma vida destruída, ele chegou ao fundo do poço e passou pelas piores situações que um ser humano pode experimentar. Porém, graças ao projeto social e evangelístico da Igreja Universal nos presídios, teve a chance de mudar sua história. Ainda muito jovem, conheceu sua primeira esposa, uma moça que tinha influência com pessoas ligadas às drogas. "Tivemos um filho, mas, ao completar 10 meses, ele faleceu. Foi quando descobri que ele era soropositivo. Escolhi o pior caminho ao me envolver com a criminalidade; andava com as pessoas erradas e usava vários tipos de drogas e álcool", lamenta. José afirma que andava armado e cometia delitos. Acabou ficando preso 6 meses após a morte do filho, além de perder a esposa, vítima também da aids. Aos 25, ele foi condenado a 9 anos de detenção. Dois anos depois, conheceu a IURD através do trabalho de evangelização realizado nas prisões. Cumpriu sua pena e ajudou outros presos a serem evangelizados. "Na primeira vez dentro da Igreja, decidi entregar a minha vida ao Senhor Jesus. Tudo foi mudando a partir dali." Hoje, casado, pai de família e com a vida financeira estabilizada, ele enfatiza: "Tenho 14 anos de IURD, estou liberto de todos os vícios e de todo o mal. Ajudo a ganhar vidas para o Senhor Jesus. Possuo um carro importado, um caminhão, duas lojas – uma mercearia e um hortifrúti –, além de sete casas alugadas", conclui. Trabalho social da IURD trouxe benefícios • Graças ao trabalho da IURD, o governo não tem mais gastos com esse ex detento, que hoje contribui com a sociedade • José possui um hortifrúti e uma mercearia • Tem quatro funcionários • Possui sete casas alugadas (Corpo da matéria) Quanto José custou aos cofres públicos Governo do Rio de Janeiro gasta anualmente R$ 21 mil por preso José ficou preso 9 anos. Custou R$ 189 mil aos cofres públicos, com alimentação e estadia no presídio. Ele fez dois cursos profissionalizantes na prisão: Comércio (R$ 8.040) e Primeiros Socorros (R$ 2.010) Segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, 85% dos presos acabam voltando para a cadeia. Se José tivesse voltado ao sistema carcerário e permanecido mais 7 anos (tempo de liberdade), teria custado mais R$ 147 mil ao governo. Durante 9 anos foram gastos R$ 199.050,00 (cento e noventa e nove mil e cinqüenta reais com ele 133 Previsão de custos caso tivesse retornado ao sistema prisional: R$ 147.000,00 (Cento e quarenta e sete mil reais). Custo total: 346.050,00* (trezentos e quarenta e seis mil e cinqüenta reais) Nestes cálculos, não estão inclusos eventuais gastos com problemas de saúde (Quadro que ilustra a matéria) Exemplo 8 IURD poupa o Governo (Título da matéria) Eis aqui mais uma prova do trabalho social da Igreja Universal: Governo economiza R$ 547 mil após conversão de Maria, que foi dependente de drogas (Subtítulo da matéria) O vício das drogas tem feito milhares de vítimas em todo o mundo. O crack, a mais devastadora delas, é capaz de tornar o usuário dependente já no primeiro uso. Em sua maioria, os dependentes são jovens, e a idade média para início do uso de droga é 13 anos. Durante 5 anos, a microempresária Maria, de 41 anos, fez parte desta estatística, quando era pequena. O contato com as drogas começou bem cedo, quando ajudava a mãe a prepará-las para serem vendidas. "Através da minha mãe passei a conviver nesse meio. De tanto traficar e roubar, ela foi presa por 5 anos. Quando foi solta, ela me vendeu, aos 13 anos, para uma casa de prostituição, a fim de ter dinheiro para se drogar." Maria afirma que pelo fato de a mãe ter se viciado, os traficantes não cediam mais a droga para ela vender e por causa das dívidas estava jurada de morte. "Este período foi o pior para mim. Comecei a trabalhar em casa noturna e me viciei na cocaína para enfrentar aquela vida desgraçada", lembra. Ela afirma que chegou a gastar R$ 800 com cocaína em uma só noite. Em outro momento, ela, um amigo e mais duas mulheres passaram 5 dias em um motel se drogando de forma incessante. Neste período, a mãe de Maria foi morta pelos traficantes, de forma cruel. Dos 13 aos 18 anos, Maria consumiu drogas quase que diariamente, durante as noitadas. Quando a mãe faleceu, ela estava grávida do terceiro filho e por causa deles tentou parar com o vício. "Sentia que tinha o dever de parar por eles, mas foi pior porque meu filho começou a se viciar. Me revoltei e fui buscar a Deus na Igreja Universal do Reino de Deus", diz. Hoje, a vida dela e da família foi completamente restaurada. Ela e o filho conseguiram se libertar dos vícios e, agora, o dinheiro que antes era gasto para comprar drogas é utilizado para o bem-estar da família. "Tudo mudou na minha casa. Hoje sou microempresária e sei que Deus ainda tem muitas coisas para fazer na minha vida. Se não tivesse me convertido, minha vida estaria totalmente destruída. Hoje, a sociedade pode se beneficiar do meu testemunho, pois eu poderia estar assaltando pessoas na rua para manter o vício. Atualmente, realizo um trabalho de evangelização em Centros de Recuperação para menores infratores. Quero ajudar aqueles jovens a ter uma nova vida com Deus, assim como eu tenho hoje", assegura. (Corpo da matéria) Os números do vício No ano passado, o governo gastou R$ 33 milhões em programas de prevenção . Até 2014, há a promessa de investir mais R$ 4 bilhões Em 2011, os centros de recuperação do governo gastaram R$ 490 milhões. A diária pode custar R$ 300, e caso Maria tivesse buscado tratamento gratuito por um período de 5 anos, o governo teria gasto mais de R$ 547 mil com o tratamento individual. Em uma casa de recuperação particular, o gasto mensal é de R$ 1.200, no eixo Rio-São Paulo. Se Maria tivesse se internado, ela poderia ter gasto até R$ 72 mil em 5 anos de tratamento. Um interno na FEBEM tem custo mensal de R$ 5.600 para o governo 134 Em 5 anos de uso constante das drogas, Maria gastou aproximadamente R$ 150 mil. Com este valor, ela poderia adquirir: uma franquia de perfumaria ou um apartamento de dois quartos na zona norte do Rio de Janeiro, ou 4 carros populares novos. (Quadro que ilustra a matéria). Nesse grupo, a Igreja se caracteriza como possuidora da solução para os problemas do país, o que lhe confere uma posição de poder. Os/as produtores/as dos textos da Folha Universal recorrem ao argumento de autoridade, trazendo para a publicação “vozes exteriores”, testemunhos de fiéis para confirmarem a sua atuação. Assim, no nível do texto linguístico, deparamo-nos com uma pequena narrativa, utilizada pelo/a jornalista como estratégia argumentativa. O testemunho na propaganda é a melhor e mais eficaz forma de promoção que um produto ou serviço pode ter, pois é revestida de extraordinária força, principalmente quando este testemunho é transmitido por alguém de confiança, carrega toda a credibilidade de quem o propaga. Nesse sentido, o testemunho reúne características de um discurso híbrido de depoimento-e-publicidade. Analisando os exemplos quanto a sua estrutura composicional, podemos observar que seguem a mesma ordem: 1. Informa-se o/a leitor/a sobre determinado problema social (prisão, doença, dependência química) que gera despesa ao Governo, oferecendo números que comprovem o fato abordado. 2. Insere-se o testemunho de um/a fiel que enfrentou e venceu o problema por meio do discurso direto e indireto 3. Começa-se, a partir daí, a relacionar o problema em questão com a atuação social da Igreja Universal. 4. Utilizam-se números (valores) que possam dimensionar ainda mais o problema, a ponto de gerar admiração no/a leitor/a. 5. Destaca-se a eficiência da Igreja Universal em relação ao problema. 6. Distribuídos ao longo das notícias, estão alguns boxes contendo informações quantitativas. Nos dois exemplos desse grupo temático, observamos que tem as vozes de atores sociais, introduzidas por meio de discurso direto e indireto, os beneficiados (fiéis) das ações sociais promovidas pela IURD. Os fiéis aparecem representados por ativação, na função de ator, como mostram os excertos a seguir: “Escolhi o pior caminho ao me envolver com a 135 criminalidade; andava com as pessoas erradas e usava vários tipos de drogas e álcool" (ex. 7); “Atualmente, realizo um trabalho de evangelização em Centros de Recuperação para menores infratores. Quero ajudar aqueles jovens a ter uma nova vida com Deus, assim como eu tenho hoje" (ex. 8). Cabe ressaltar que eles são representados também de forma individualizada. Um ponto que merece destaque nas descrições é o uso dos adjetivos depreciativos pelos/as editores/as quando se fala sobre a vida anterior à chegada do/a fiel na Universal, pois são termos que buscam sempre a persuasão, como mostram os excertos “Com uma vida destruída, ele chegou ao fundo do poço e passou pelas piores situações que um ser humano pode experimentar” (ex. 7); "Este período foi o pior para mim. Comecei a trabalhar em casa noturna e me viciei na cocaína para enfrentar aquela vida desgraçada" (ex. 8). As narrativas ressaltam também a importância das pessoas terem encontrado a Igreja Universal e com ela a transformação de suas vidas, como em “Porém, graças ao projeto social e evangelístico da Igreja Universal nos presídios, teve a chance de mudar sua história” (ex. 7); “’Me revoltei e fui buscar a Deus na Igreja Universal do Reino de Deus’, diz. Hoje, a vida dela e da família foi completamente restaurada” (ex. 8). Observamos que os textos dão atenção especial à prosperidade financeira dos fiéis, como em (7) "Possuo um carro importado, um caminhão, duas lojas – uma mercearia e um hortifrúti –, além de sete casas alugadas"; e em (8) "Tudo mudou na minha casa. Hoje sou microempresária e sei que Deus ainda tem muitas coisas para fazer na minha vida. Se não tivesse me convertido, minha vida estaria totalmente destruída. Hoje, a sociedade pode se beneficiar do meu testemunho, pois eu poderia estar assaltando pessoas na rua para manter o vício”. A concorrência no mercado religioso, cada vez mais acirrada, tem feito com que as instituições religiosas procurem se tornar cada vez mais atrativas oferecendo serviços e produtos que agradem cada vez mais os consumidores. Assim, as pessoas são atraídas com a promessa de algum ganho, seja ele de caráter físico, emocional ou financeiro. Boa parte da população brasileira não tem acesso às necessidades básicas como a saúde, a segurança e o emprego, e isso se tornou “um terreno fértil” para o surgimento de novos movimentos religiosos, como a Igreja Universal, que têm se especializado no atendimento das necessidades sócio-psíquicas dessas pessoas excluídas da modernidade capitalista, exercendo, de certa forma, o papel inclusivista, ajudando a restabelecer a dignidade desses grupos marginalizados cultural e materialmente (CAMPOS, 1996). A estratégia da IURD tem sido localizar nichos de pessoas insatisfeitas com a promessa de que 136 todos deixarão de ser pobres, quebrando a tradição de resignação muito arraigada no cristianismo histórico (PRANDI, 1996). Dessa forma, o testemunho, neste viés, passa a estimular as necessidades e interesses do/a leitor/a, tendo como argumentos vantagens financeiras, a estimular as necessidades e interesses do/a leitor/a, tendo como argumento vantagens financeiras, como pode ser verificado nos exemplos, resultado da mercantilização da religião que promete ao cliente fiel o acesso ao paraíso aqui e agora (a conquista do sucesso, da vitória física, emocional e material). Sobre essa questão, Guedes Júnior (2006, p. 125) traz uma boa contribuição ao afirmar que: A mídia generalista, característica daquelas mídias preocupadas em retratar da melhor forma possível a realidade, não se faz presente nos meios de comunicação religiosos, onde os fatos servem apenas de suporte às conclusões doutrinárias que os antecedem. Dentro desse contexto, até os depoimentos são previamente selecionados de acordo com os interesses da instituição; por outro lado, o uso constante de aspas proporciona à matéria a necessária isenção e a neutralidade da instituição em relação ao que está sendo relatado, fator fundamental para gerar credibilidade. Em relação aos depoimentos (testemunhos), cabe acrescentar uma outra conduta estrutural que se faz notar: a explicação dada pelo fiel segue rigorosamente a mesma sequência pregada pela instituição em suas mensagens, ou seja, demonstra-se o mal e depois evidenciam-se as “obras” da Igreja em suas vidas. Oferecer um testemunho muitas vezes proporciona a esses fiéis uma distinção social e visibilidade na instituição, bem ao estilo das teorias de Max Weber, que via no reconhecimento social uma forma de motivação. Fica evidenciado na citação que nos meios de comunicação religioso até a inserção dos testemunhos nas notícias segue uma seleção predeterminada de acordo com os interesses da instituição e faz parte de uma estratégia que tem como objetivo gerar credibilidade. O excerto “Eis aqui mais uma prova do trabalho social da Igreja Universal”, em (08), confirma isso. Assim, o testemunho é uma espécie de sustentação, já que carrega o status de verdadeiro. Nesse sentido, podemos afirmar que essa prática é incentivada tanto por uma proposta de concorrência quanto pela exigência de auto-afirmação da IURD junto ao seu público-alvo. Utilizam, portanto, os testemunhos de cura, libertação etc., com fins promocionais. O que está em evidencia não é a transformação ocorrida na vida das pessoas, mas o papel de executora do ator social Igreja Universal nessa mudança. Essa estratégia provavelmente tem como objetivo a representação positiva da instituição para atrair novos fiéis e negar os desvios de dinheiro e exploração aos fieis pelos dízimos e ofertas. O pressuposto aqui é que os testemunhos conferem credibilidade à Igreja Universal. Os elementos linguísticos escolhidos 137 pelos/as autores/as dos textos analisados para manifestar representações sociais fornecem evidências disso. Nos exemplos, o ator social Igreja Universal aparece representado por ativação, na função de ator nos processos materiais “garantir” em (7): “Ex-detento gerou alto custo aos cofres públicos. Trabalho social da IURD nos presídios garantiu economia ao governo e mudança de vida” (subtítulo da matéria); “trazer” em (7): “Trabalho social da IURD trouxe benefícios” (corpo da matéria); e “poupar” em (8): “IURD poupa o Governo” (título da matéria). O foco aqui é a economia para o Brasil como estratégia de argumentação, afinal os números não mentem jamais. Analisando os recursos de Avaliatividade empregados nos excertos, verificamos que os itens lexicais com carga semântica de Gradação/quantificação permeiam todo o texto. Os números garantem um elevado estatuto de verdade, já que culturalmente se atribui a dados numericamente apresentados um alto grau de legitimidade. Desse modo, utiliza-se de dados estatísticos, mesmo sem qualquer comprovação de fontes, para dar credibilidade à avaliação. Nesse caso, a quantificação tem a função de caracterizar a importância do projeto social desenvolvido pela Igreja Universal: quanto maior a economia para o país, maior será também a imagem da instituição na opinião pública. Identificamos também marcas de apreciação, como em “Trabalho social da IURD trouxe benefícios” e “graças ao projeto social e evangelístico da Igreja Universal”, ambos no exemplo (7). Podemos constatar que a intenção dos/as editores/as do jornal é destacar a importância da Igreja na atual conjuntura socioeconômica do país. Com temática centrada nas ações sociais da Igreja Universal, seu principal objetivo é convencer os/as leitores/as de que a Universal é importante para a economia do país. Assim, a estratégia é aumentar a credibilidade da instituição perante a opinião pública. Esses exemplos articulam depoimentos que representam a confirmação da imagem da Igreja Universal na vida das pessoas, representada como agente da mudança. Notamos, portanto, que há dentro da notícia um claro interesse de criar no/a leitor/a uma opinião sobre o papel da Igreja Universal. Aqui o ponto de vista defendido é que a Igreja Universal representa vantagens ao país (governo), é importante para a economia do país. O texto das notícias relata numericamente a quantidade de recursos que a Igreja economizou para o país para sustentar a idéia de que ele é relevante e merece crédito das pessoas. Assim, os números são usados como prova irrefutável de que a Igreja Universal ajuda o Brasil. 138 Os testemunhos dos fiéis são usados como sustentação da tese de que a IURD poupa milhões ao Governo e endossam o discurso da responsabilidade social propagandeado pela instituição. São, portanto, recursos de avaliação do tipo Engajamento por Atribuição. Nesse caso, os testemunhos qualificam a informação quantitativamente enunciada. Nessas notícias, a intenção é apresentar ao/à leitor/a de forma prática a atuação da Igreja como modificadora da realidade do país. Considerações preliminares Nesses exemplos, destaca-se a ligação econômica da exploração do tema responsabilidade social por parte da Igreja Universal, ou seja, a acomodação da religião ao mercado neoliberal que precisa de números, pois sobrevive de números, muitos números. Notamos a estrutura da religião adaptando-se ao modelo empresarial que precisa informar suas ações. Essa modalidade de discurso persuasivo pode ser facilmente encontrada no jornal Folha Universal, como ocorre na edição 1041 de 18 de março de 2012, página 5i, que tem a seguinte manchete: “Sou economia para o SUS”: Após descobrir o câncer, Manuela foi submetida a tratamentos que custaram mais de R$ 300 mil, valor que poderia ser duplicado, chegando a R$ 600 mil. Os exemplos dos dois grupos, “números que testemunham” e “testemunham que enumeram”, apresentam a mesma linha avaliativa em relação à Igreja Universal e a sua forma de ajudar o país, predominando a Apreciação positiva. Quanto à representação de atores sociais, tanto a Igreja Universal (grupos de voluntários) e os fiéis foram incluídos por ativação, sendo que estes últimos foram representados também por individualização/nomeação. Nesses textos, a realidade é desconstruída e construída sob a ótica dos interesses da Igreja. Assim, a construção da identificação da Igreja Universal nos textos que compõem esse grupo temático dá-se de modo fortemente ancorado na qualificação e na quantificação. Os testemunhos qualificam o trabalho social da IURD, já os números quantificam. As análises mostram, portanto, que as funções léxico-gramaticais associadas às marcas de avaliatividade e as formas de representação dos atores sociais exemplificadas acima representam o ator social Igreja Universal como benfeitora do Brasil. 139 4.3 Argumentos de autoridade: a representação do discurso (intertextualidade e engajamento) Nos textos analisados, observamos previamente que os/as jornalistas e editores/as da FU selecionam vozes de prestígio social, vozes merecedoras de credibilidade para servirem de evidência de seus argumentos que sustentam a construção da imagem/identidade de organização socialmente responsável da Igreja Universal. Denominamos essa estratégia persuasiva de “argumentos de autoridade”. A concepção de “argumentos de autoridade” aqui segue o conceito de “discurso competente” de Chauí (1989) e de “discurso autorizado” de Bourdieu (1996). Chauí (1989) chama de “discurso competente” o discurso instituído que autoriza quem pode dizer e o que pode dizer em determinado lugar ou circunstância. De modo análogo, na discussão que faz sobre o conceito de discurso autorizado, Bourdieu (1996) afirma que os poderes da linguagem (discurso) dependem da posição social dos interlocutores. A eficácia da palavra depende de uma autoridade, do capital simbólico acumulado por determinados grupos. Verificamos que a representação do discurso89 presente nas matérias ocorre principalmente através do discurso direto. Para Fairclough (2001) a representação do discurso é um dos aspectos da intertextualidade manifesta em que outros textos estão explicitamente marcados na superfície textual. Ele a define assim: A representação do discurso é uma forma de intertextualidade na qual partes de outros textos são incorporadas a um texto e explicitamente marcadas como tal, com recursos, como aspas e orações relatadas (por exemplo, “ela disse” ou “Maria afirmou”) (FAIRCLOUGH, 2001a, pp. 139-140). O referido autor chama a atenção também para a importância da representação do discurso, “não só como um elemento da linguagem de textos, mas também como uma dimensão da prática social” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 140). Nessa dimensão é possível constatar o entrelaçamento entre gênero, representação do discurso e a ideologia. Para Fairclough (2001) a existência estreita entre eles acontece porque a ideologia é constituída por significações, formas de ver o mundo, manifestadas no texto (significado representacional). 89 Fairclough (2001a, p. 153) utiliza a expressão “representação do discurso”, em vez do tradicional “discurso relatado”. 140 A representação do discurso é parte importante no domínio discursivo jornalístico, pois confere credibilidade à notícia. A delegação de voz é recorrente nesse gênero. No discurso direto, o narrador procura apresentar as palavras do outro, simulando uma reprodução fiel de todas as suas particularidades. O discurso direto é um artifício que garante autenticidade ao que é relatado, dando credibilidade às informações que veicula. No Sistema de Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005), esses são recursos Avaliativos de Atribuição, categoria existente na subcategoria Expansão dialógica (Heteroglossia) do subsistema Engajamento (recursos usados para negociar valores sociais e posições discursivas). Na Atribuição, o locutor traz vozes externas para corroborar ou não com o seu discurso. Portanto, nesse terceiro grupo, constam os exemplos da estratégia de persuasão “Argumentos de autoridade”, divididos em quatro tipos: autoridade bíblica, midiática, social e pública. Na bíblica, busca-se a força de argumentação dos textos bíblicos, na fala de Cristo e dos apóstolos. A estratégia de argumentação midiática procura trazer para o texto vozes de outros órgãos de imprensa que não sejam do grupo Universal para reforçar seu discurso/imagem. Na autoridade social destacam-se as citações de personalidades (celebridades) da televisão, como atores, atrizes, jornalistas etc. Por fim, na pública, os argumentos persuasivos provem de autoridades públicas, como representantes dos poderes legislativo, executivo e judiciário, dentre outras. No quadro a seguir listamos as notícias investigadas nessa etapa. Exemplo Edição Data Argumentos de autoridade 9 930, p. 4 i 31.01.2010 Argumento de autoridade bíblica 10 979, p. 7i 09.01.2011 Argumento de autoridade midiática 11 973, p. 1i 28.11.2010 Argumento de autoridade social 12 1.046, p. 10i 22.04.2012 Argumento de autoridade social 13 1.044, p.3i 08.04.2012 Argumento de autoridade pública 14 1038, p.12i 26.02.2012 Argumento de autoridade pública QUADRO 11: Caracterização do corpus “ARGUMENTOS DE AUTORIDADE” a) Autoridade bíblica Exemplo 9 Nossa Missão (Título da matéria). Em encontro em São Paulo, bispo Edir Macedo fala sobre auxílio ao próximo (Subtítulo da matéria). 141 [...] O Bispo citou a passagem bíblica que fala de um homem que se encontrava ferido na estrada, sendo ignorado por muitos e mesmo pelos religiosos da época. Até que um samaritano o acolheu, oferecendo-lhe estadia e cuidados médicos, sem querer saber nada sobre o seu passado ou religião (leia Lucas 10.25). “Essa é a missão da IURD: estender a mão para aqueles que precisam de ajuda, não importa quem sejam, o que tenham feito, ou deixado de fazer, pois esse foi o ensinamento do Senhor Jesus na terra”, concluiu. (Corpo da matéria) De acordo com Orlandi (1987), o discurso alicerçado em textos bíblicos torna-se extremamente autoritário pelo fato de não poder ser contestado. As citações bíblicas permeiam grande parte do discurso religioso-cristão, que é contextualizado a cada momento para influenciar na adesão do público. Observamos que os/as editores/as do jornal Folha Universal recorrem constantemente a textos bíblicos em busca de apoio para a construção da imagem/identidade da Igreja Universal, conforme o exemplo (9). A notícia em questão destaca uma reunião no templo da IURD em São Paulo, ocasião em que o bispo Edir Macedo ressaltou, na sua pregação, a missão filantrópica da IURD. Destacamos, primeiramente, sob a perspectiva de análise do Sistema de Transitividade da Linguística Sistêmico-Funcional, os processos do tipo verbais “citou” e “concluiu”, que projetam citações. Na notícia, o/a jornalista introduz, por meio do discurso indireto e direto, a fala do bispo Edir Macedo, que por sua vez, para justificar a “missão auxiliadora” da igreja, utiliza-se da citação de um texto bíblico, incontestável, registrado no evangelho de Lucas 10.15, conhecido como a parábola do bom samaritano, contada por Jesus Cristo, como estratégia – como argumento de autoridade. Percebemos, nesta amostra, que o bispo Edir Macedo representa tanto a voz de Deus quanto a voz institucional (IURD). Ao introduzir um texto pré-existente no discurso, fazendo surgir a intertextualidade (FAIRCLOUGH, 2003), o/a jornalista produz efeitos de sentido (o efeito de verdade) que visam a legitimação do discurso da Universal e à adesão do/a leitor/a. Dessa forma, a Universal, através do seu periódico, passa para o/a leitor/a a imagem de que é uma igreja que cumpre os ensinamentos de Jesus prestando “auxílio ao próximo”. No exemplo, o bispo Edir Macedo faz referência à voz de Jesus para autorizar o seu discurso e assim aproximar-se dos fiéis, estabelecendo uma identificação entre ele (Igreja Universal) e Jesus Cristo, conforme sugerido pelo trecho: “pois esse foi o ensinamento do Senhor Jesus na terra”. Em relação aos recursos avaliativos empregados no texto, observamos que a Igreja Universal é avaliada positivamente por meio da Apreciação, categoria do Sistema de Avaliatividade que está relacionada a avaliações do que é positivo ou negativo em relação a 142 um grupo. O trecho “Essa é a missão da IURD: estender a mão para aqueles que precisam de ajuda” procura indicar que a Universal se preocupa em ajudar ao próximo. Na análise da representação de atores sociais no texto, conforme van Leeuwen (1997, 2008), observamos que o principal ator social é o Edir Macedo e está sendo representado mediante individualização. Há também referência a esse ator social por meio da nomeação titulada através da honorificação, ou seja, o uso do título/cargo “bispo”. Nessa notícia, coincidentemente encontrada na primeira edição do jornal que coletamos para compor o corpus, nos deparamos com um texto chave para entendermos o discurso da responsabilidade social da Igreja Universal. Em oposição às denúncias de formação de quadrilha, lavagem e desvio de dinheiro dos fiéis para beneficio próprio, o fundador da IURD cria uma representação social de “bom samaritano” e apresenta como principal missão da sua igreja a assistência social nos moldes dos ensinamentos de Jesus Cristo. Desse modo, por meio da retórica da autopromoção, a IURD trabalha na desconstrução da imagem de vilã e ao mesmo tempo constrói a imagem de Igreja cidadã. Conforme destacamos anteriormente, um dos pilares de sustentação da instituição é o trabalho social, pelo menos é o que afirmou o seu líder em entrevista concedida ao Portal Universal em 09 de julho de 2010: “O trabalho da IURD tem sido cem por cento social”. Ele lamentou: “Infelizmente, a sociedade e o Governo não conseguem enxergar esse benefício social da IURD”. b) autoridade midiática Exemplo 10 O jornal “Sowetan Live”, da África do Sul, que criticou a Igreja Universal numa edição de 2009, se rendeu ao forte trabalho social desenvolvido pela IURD cobrindo e destacando o evento “Celebração do Ano Novo”, No FNB Stadium, em Nasrec, no Soweto. Essa matéria traz uma imagem do jornal Sowetan Live em que é noticiado o evento Celebração de Ano Novo realizado pela Igreja Universal na África do Sul, com o seguinte texto-legenda: “RECONHECIMENTO: Página do “Sowetan Live” postada na segunda-feira, 3 de janeiro de 2011”. No entanto, a matéria conduz o/a leitor/a para outra publicação realizada pelo referido jornal dois anos antes, em que criticava a IURD. 143 A referência à matéria no texto do jornal Sowetan Live com destaque para o evento da IURD, parece ter a intenção de destacar o apoio que a Igreja Universal agora recebe deste veículo de comunicação que em edição publicada dois anos antes a havia criticado. Interpretação distorcida, haja vista que o jornal só noticiou um evento realizado pela Igreja. Daí isso ser tratado como ‘reconhecimento’ há uma distancia enorme. A expressão “se rendeu ao forte trabalho social desenvolvido pela IURD”, evidencia carga avaliativa de apreciação com gradação por meio do atributo “forte”, produzindo o sentido de uma ‘retratação’ por parte do jornal Sowetan Live. Assim, a notícia do jornal Folha Universal foi construída de maneira a dar uma resposta indireta à reportagem do jornal sul africano. Há um ocultamento de parte da notícia anterior publicada no jornal sul africano, sendo mencionado somente seu conteúdo crítico, mas não os motivos que geraram as críticas. O importante é o destaque positivo que foi dado agora. Na introdução e no primeiro capítulo desta tese, apresentamos algumas notícias veiculadas na imprensa nacional acerca das denúncias de corrupção, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal contra dirigentes da IURD. Ou seja, a imagem da Universal na mídia não é nada positiva. Apresentamos também a declaração do bispo Edir Macedo em que explica a função do jornal Folha Universal, afirmando que serve para abrir os olhos para certas verdades e também como alerta para o que se publica em outros órgãos de imprensa que agem maldosamente e sem escrúpulos, manipulando as informações por preconceito e interesses escusos. c) Autoridade social Exemplo 11: Voluntárias em ação (Título da matéria) Composta por mulheres cristãs, a associação tem por objetivo levar amor e ajudar o próximo (Subtítulo da matéria) Desde a fundação, no ano de 2007, a Associação de Mulheres Cristãs (AMC) é composta por mulheres voluntárias (donas de casa e profissionais de diversos segmentos) que se reuniram em prol de um desejo em comum: ajudar o próximo, sem distinção. [...] A AMC atende a inúmeras instituições e realiza visitas constantes a orfanatos e asilos. Além de colaborar com doações (sempre de acordo com as necessidades), essas mulheres oferecem o que de mais precioso têm, que é a vida delas em prol das de seus semelhantes. “Quando se faz um trabalho voluntariado, o maior beneficiado é aquele que dá, é uma 144 riqueza incalculável”, definiu Rosana. “Personalidades da televisão também têm colaborado constantemente com a AMC, proporcionando momentos inimagináveis aos assistidos”, acrescentou Rosana. Exemplo disso foi o recente encontro no asilo Raiar do Sol, em São Paulo, onde foi realizado o baile da saudade. O apresentador Rodrigo Faro, do programa “O Melhor do Brasil”, da “Rede Record”, foi um dos que prestigiaram a festa. “É uma atitude linda, humana, verdadeira, que não se resume apenas nas confraternizações. As voluntárias da AMC sempre estão aqui, doando o que tem de melhor, que é o amor”, afirmou. Outro evento marcante foi o realizado há alguns dias em parceria com o apresentador Augusto Liberato, o Gugu – também da “Record”-, no orfanato Lar do Menor, em Carapicuíba, grande São Paulo. (...) “A chegada do Gugu como parceiro da AMC foi uma das respostas às nossas orações”, disse Rosana. (Corpo da matéria). Exemplo 12 Chá beneficente da Mulher V (título da matéria) O evento, ocorrido no Terraço Itália, contou com a presença de Luciano Szafir e Fábio Arruda (Subtítulo da matéria) No último domingo, 15 de abril, o grupo "A Mulher V" de São Paulo preparou para cerca de 170 pessoas, entre integrantes e convidados, um chá beneficente no restaurante Terraço Itália, centro da capital. O evento contou com a presença de Luciano Szafir, como apresentador, e do consultor de etiqueta Fábio Arruda, que realizou uma palestra sobre comportamento. Segundo Marilene Silva, responsável pelo grupo de São Paulo, o objetivo do chá foi arrecadar fundos visando aos trabalhos filantrópicos que o grupo promove, como visitas em asilos e presídios. "Mas também queremos mostrar para as pessoas que não participam da nossa fé o trabalho que as mulheres da IURD estão fazendo", explicou. O mestre de cerimônias, Luciano Szafir, apresentou o grupo "A Mulher V", suas etapas e transformações, enumerando os trabalhos voluntários que o grupo executa todo mês e citando os lugares aos quais já chegou. "É muito legal ver tantas pessoas engajadas, o que é uma característica do brasileiro. Elas são mulheres virtuosas e vitoriosas", frisou. Durante a palestra de Fábio Arruda, ele mencionou o livro "A Mulher V", de Cristiane Cardoso. "Gostei do que está na capa de trás, que deu origem ao grupo. Aliás, o livro todo é muito bom. Parabenizo a autora. Ele serviu de inspiração para o que irei falar com vocês sobre etiqueta", disse Fábio Arruda. No encerramento do evento, o consultor sorteou produtos, como uma TV de LCD, um GPS, uma jaqueta Empório Armani, um relógio Guess, lenços da Victor Hugo, porta-celulares e vários kits de agendas. (Corpo da matéria). Nos exemplos acima, ficou evidenciado que para mostrar o trabalho que realiza, a IURD recorre à presença de “famosos” da Rede Record não só nos eventos, como também nas notícias. Para exemplificar essa associação entre igreja e empresa há uma citação bastante interessante feita por Scheliga (2010, p. 138, destaques da autora). Além das atividades específicas de cada um dos grupos, note-se ainda que a partir de 2010 os grupos A gente da comunidade, Universitários Solidários e AMC passaram a apoiar a promoção de eventos sociais de grande porte 145 patrocinados pelo Instituto Ressoar, batizados de Ressoar nos bairros. Uma significativa publicidade e um considerável número de participantes no evento, muitos atraídos pelas apresentações musicais e pela presença de apresentadores de programas televisivos da Rede Record, tem marcado estes eventos. A noção de responsabilidade social tem sido assim acionada para designar tanto o compromisso de uma empresa, a Rede Record, quanto o de uma igreja, a IURD, com os seus respectivos públicos. Na citação, a autora nos mostra que grupos de voluntários de fiéis da IURD passaram a apoiar eventos promovidos pelo Instituto Ressoar, braço social da rede Record, que por sua vez recebem o reforço de artistas e apresentadores numa estratégia de marketing que acaba “matando dois coelhos com uma cajadada só”: constrói ao mesmo tempo a imagem de responsabilidade social tanto da empresa quanto da igreja. Em (11), a representação do ator social AMC ocorre por meio da ativação, o que fica demonstrado no uso de processos matérias como “ajudar”, “atender”, “realizar”, “colaborar” etc. Os principais atores sociais incluídos no texto são Rosana, Rodrigo Faro, nomeado por titulação (apresentador), voluntárias da AMC, personalidades da televisão. Destaque para Gugu Liberato que é mencionado como parceiro da AMC, também nomeado. Na análise dos recursos de Avaliatividade, observamos afeto no fragmento “a associação tem por objetivo levar amor e ajudar o próximo”, sobretudo pelo uso do substantivo “amor”. Na teoria da Avaliatividade, o afeto pode ser indicado por verbos de emoção (amar, gostar), advérbios (amavelmente), adjetivos (amável, alegre) e por substantivos (amor). A avaliação por meio de afeto “amor” representa alguém dotado de sentimento. Por meio de escolhas léxico-gramaticais, os/as autores do texto procuram deixar explícito o envolvimento afetivo das voluntárias da AMC com os mais carentes. Notamos aqui a representação social do amor fraterno. No exemplo 11, é utilizado o Julgamento de estima social positiva (tenacidade), tendo o sentido de resoluto, valente, heróico, em “essas mulheres oferecem o que de mais precioso têm, que é a vida delas em prol das de seus semelhantes”. No fragmento que introduz a voz do ator social Rodrigo Faro por meio do discurso direto, identificamos a avaliação Apreciação: “É uma atitude linda, humana, verdadeira, que não se resume apenas nas confraternizações”. Na mesma citação, observamos o afeto novamente expresso no item lexical “amor”: “As voluntárias da AMC sempre estão aqui, doando o que tem de melhor, que é o amor”. No exemplo 12, destacamos a declaração avaliativa do ator Luciano Szafir, cujos elementos avaliativos são os epítetos “engajadas” “virtuosas” e “vitoriosas” em "É muito legal ver tantas pessoas engajadas, o que é uma característica do brasileiro. Elas são mulheres 146 virtuosas e vitoriosas". Nesse Julgamento de estima social tenacidade, avalia-se quão resolutas as pessoas são. Tem sido considerado crucial pela ACD a compreensão do papel do discurso na construção das identidades sociais e pessoais. Os aspectos discursivos que determinam as identidades, Fairclough (2003) denominou de estilo. A construção da identidade ou representações identitárias ocorre no e por meio do discurso, sendo orientada estrategicamente pelo ator social de forma a sugerir por meio dele certa identidade. Os exemplos (11) e (12) exploram a representação positiva das celebridades, indicando que existe uma identificação entre a instituição IURD e os famosos. Temos, então, um exemplo de hibridização discursiva, em que o discurso religioso busca credibilidade e legitimidade através do discurso da mídia. Associando a sua imagem à imagem de artistas e apresentadores, a Igreja Universal faz uso de estratégias avaliativas para a criação de um estilo agradável, popular, a fim de contrapor a sua imagem de “exploradora” de fiéis e dessa forma reforçar a sua proximidade com o público-alvo. No Brasil, a classe artística goza de grande prestígio. Em vista dessa credibilidade, a IURD faz uso da imagem dos/as famosos/as para conferir legitimidade ao seu discurso socialmente responsável. Ou seja, os/as famosos/as, do elenco da Rede Record, estão fazendo o papel de garotos/as-propaganda da Universal. d) Autoridade pública Exemplo 13 Nos trabalhos evangelísticos e sociais realizados pela IURD nas unidades prisionais por todo o País, há mais de 20 anos, estima-se que mais de 400 mil pessoas, dentre elas detentos e seus respectivos familiares, tenham sido beneficiados. Segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, 85% dos presos acabam voltando para a cadeia. Considerando que 15% dos 100 mil presos evangelizados pela IURD durante essas duas décadas se ressocializem e larguem a vida do crime, calcula-se que mais de R$ 315 milhões sejam economizados com os gastos durante pelo menos um ano num presídio estadual, cujo gasto médio atual chega aos R$ 21 mil anual por preso. Para a desembargadora de Justiça Maria das Neves do Egito, atual vice-presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, a ressocialização de apenados é possível quando há incentivos. "Fico muito feliz com os trabalhos realizados pela Igreja Universal, como também a Secretaria de Administração Penitenciária com o Programa de Ressocialização dos Apenados pelo Governo do Estado da Paraíba. Vejo o trabalho da IURD como uma grande contribuição, principalmente através da palavra de Deus, que transforma o homem", afirma. (Corpo da matéria) 147 Exemplo 14 Apoio aos eventos esportivos (Título da matéria) Ministro dos Esportes aprova participação do Força Jovem na Copa e nas Olimpíadas (Subtítulo da matéria) Nas últimas semanas, o Força Jovem Brasil conquistou mais uma vitória em prol do País. O coordenador do FJB, pastor Jean Madeira, foi à Secretaria de Esportes do Distrito federal, onde recebeu o apoio do secretário Célio René Trindade e do adjunto Júlio César Ribeiro. O intuito do coordenador do projeto era firmar parceria para que os integrantes do FJB fossem voluntários na Copa 2014 e na Olímpiada 2016, o que foi conquistado. (...) Em seguida, o pastor Jean se dirigiu ao gabinete do ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, e lá falaram sobre os benefícios que o FJB vem proporcionando à sociedade brasileira. Ele colocou à disposição, aproximadamente 300 mil jovens voluntários que atuam em todo o País. "É importante associar o combate às drogas ao esporte, pois precisamos preencher essa lacuna que existe na cabeça dos jovens através da atividade física", declarou o pastor Jean. Rebelo aceitou prontamente a ajuda oferecida: "Vamos precisar de voluntários nas ruas dando boas-vindas, pois isso é um diferencial para acolher os turistas e ninguém melhor do que a juventude". O ministro deu sua opinião acerca do projeto contra o crack ao tomar conhecimento das campanhas realizadas pelo FJB em no Brasil: "O crack é uma batalha de vida ou morte. Muitas mães estão perdendo seus filhos para as drogas. Esse trabalho de proteger e mobilizar feito pelo Força Jovem é muito nobre", declarou. (Corpo da matéria) Discursos são maneiras particulares de representar atores sociais envolvidos em eventos e práticas sociais. A forma como atores são incluídos ou excluídos e a que atores é dada proeminência podem indicar posicionamentos ideológicos (FAIRCLOUGH, 2003). As intenções dos/as autores/as de textos, principalmente dos gêneros midiáticos, são refletidas na maneira como se realiza a representação dos atores sociais. A mídia é uma poderosa ferramenta de (re)construção de identidades/estilos. Silveira (2003, p. 206) afirma que “Por meio da mídia, pessoas e instituições são representadas e acabam adquirindo, muitas vezes, uma imagem pública consolidada diante da sociedade”. Quanto à representação de atores sociais nos textos apresentados, observamos que em (13) o principal ator social é a desembargadora de justiça Maria das Neves do Egito, representado por meio da nomeação titulada através da honorificação título/cargo “desembargadora” e “vice-presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba”. Outro ator social relevante é a Igreja Universal, representado por ativação como por meio do processo material “realizar”, como mostra o trecho “Nos trabalhos evangelísticos e sociais realizados pela IURD nas unidades prisionais por todo o País, há mais de 20 anos, 148 estima-se que mais de 400 mil pessoas, dentre elas detentos e seus respectivos familiares, tenham sido beneficiados”. Os outros atores são os presos e seus familiares, representados por passivação, ou seja, beneficiários da ação da IURD e de forma genérica (categorização). No exemplo (14), os atores sociais representados são o grupo Força Jovem e o ministro dos esportes, Aldo Rebelo. Observamos que o ator social Força Jovem ora aparece ativado, como no trecho “o Força Jovem Brasil conquistou mais uma vitória em prol do País”, ora passivado como em “Ministro dos Esportes aprova participação do Força Jovem na Copa e nas Olimpíadas”. Os/as voluntários/as, atores sociais que participam do Força Jovem, estão referidos como grupo, de forma coletiva, logo ocorre uma assimilação por coletivização. O ator social mais relevante desse exemplo é o ministro dos Esportes, representado por meio da nomeação titulada através da honorificação (título/cargo) “ministro”, voz de legitimação, o que dá respaldo ao discurso da IURD. Em relação aos recursos de Avaliatividade presentes nos textos, observamos que em (13), a matéria jornalística, que noticia o trabalho de ressocialização de presidiários realizado pela Igreja Universal, faz uso do depoimento da vice-presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba para legitimar sua ação. Quando se refere aos trabalhos sociais da IURD, a desembargadora diz ficar “feliz”, expressando, portanto, avaliação sentimental afetiva positiva. No exemplo, o afeto (subtipo felicidade) é concentrado no atributo “feliz” precedido pelo processo relacional “ficar”. O uso do afeto faz parte de uma estratégia de sensibilização do/a leitor/a buscando sua solidariedade para com o tema tratado na notícia, bem como para com os atores sociais representados. No excerto “vejo o Trabalho da IURD como uma grande contribuição”, a expressão de apreciação presente no item lexical “contribuição” é dimensionada, aumentada pelo intensificador “grande”. Ocorre, então, uma gradação do tipo força – intensificação (MARTIN; WHITE, 2005). Esse mesmo trecho que introduz a avaliação atitudinal na voz da desembargadora é retomado na publicação na forma de intertítulo, destacado entre aspas no meio da página. No exemplo (14), a matéria jornalística faz uso do discurso direto para introduzir um depoimento do ministro dos esportes, Aldo Rebelo, acerca das campanhas sociais realizadas pela Igreja Universal através dos voluntários do Força Jovem Brasil (FJB): “Esse trabalho de proteger e mobilizar feito pelo Força Jovem é muito nobre". Aqui, a apreciação é novamente realizada, dessa vez pelo epíteto “nobre” que está sendo intensificado por “muito” (intensificador + epíteto). 149 No segmento “Apoio aos eventos esportivos” (título da matéria) o substantivo de conotação positiva “apoio” é relevante na caracterização da imagem da Igreja Universal, afinal, trata-se de apoio a dois eventos de maior relevância para o país que são a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Temos, nos exemplos (13) e (14), novamente, a manifestação da heteroglossia. O poder da Igreja Universal, aqui mais do que nos outros exemplos, é reafirmado por vozes externas de autoridades de peso (desembargadora, ministro), para corroborar o seu discurso. A aprovação das autoridades também é utilizada como estratégia de legitimação do trabalho social da IURD. A ideia de que foi aprovada pelas autoridades, também deve ser aprovada pelo/a leitor/a, pela opinião pública. Considerações preliminares Diante da interpretação das representações que os textos fazem da Igreja Universal, neste grupo, constatamos que, em termos de recursos avaliativos, o que predomina é o Engajamento por atribuição, seguido da Apreciação. Os textos analisados apresentam diversas ocorrências com a utilização da citação direta ou indireta como argumento de persuasão. Ou seja, nas notícias analisadas, diversas vozes são articuladas para fundamentar a imagem de instituição politicamente correta, corroborando para a construção da identidade/estilo de organização cidadã. Tem-se, aí, a configuração do Engajamento (recursos de expansão dialógica), subsistema da Teoria da Avaliatividade, em que diferentes vozes estão presentes no texto. A edição 1030, de 01 de janeiro de 2012, que faz uma retrospectiva do trabalho realizado pela IURD em 2011, traz uma notícia com a manchete “Força a quem precisa: em 2011, a Igreja Universal realiza campanhas de ajuda humanitária e tem o trabalho reconhecido por autoridades”. Fica evidenciado que para a instituição não basta o reconhecimento das autoridades, ele também precisa ser divulgado. Na primeira estratégia de persuasão analisada, “argumentos de autoridade bíblica”, observamos que a Igreja retoma, muitas vezes, discursos bíblicos para reafirmar sua imagem de executora da vontade do próprio Cristo. Desta maneira, inicialmente, apresentamos um exemplo em que o bispo Edir Macedo, representação de uma figura de autoridade, reproduzindo o discurso bíblico, tem sua imagem associada ao “bom samaritano”, contrastando assim com a imagem depreciativa divulgada na grande mídia nas últimas 150 décadas, construída sob a acusação de ter praticado variadas modalidades de crimes como: lavagem de dinheiro, estelionato, sonegação fiscal etc. Na notícia, ele simboliza a integridade, a bondade, a solidariedade, um representante do nome de Deus. Ainda quanto à representação de atores sociais, é interessante notar, nos demais exemplos (autoridades públicas e sociais), que na maioria das vezes em que as celebridades (famosos/as) ou autoridades públicas foram representadas, elas foram individualizadas, nomeadas pelo seu título/cargo/função, isto é, tiveram não só sua identidade (nome) especificada, mas também sua titulação (honorificação). No nosso contexto social, algumas profissões e posições sociais carregam uma “autoridade” natural, como juízes, ministros etc. Com os atores sociais de maior prestígio na sociedade sendo nomeados pelos seus títulos nas notícias, reforçam a imagem da Igreja. Dessa forma, o discurso da responsabilidade social da IURD se estrutura na voz de autoridades (pessoas com credibilidade no meio social) permeadas de avaliações positivas de Apreciação. Van Leeuwen (1997) chama a atenção para a importância da categoria individualização para a analise crítica do discurso, devido ao elevado valor que é atribuído a individualidade em diversas esferas da sociedade. O autor aponta para o fato de que “os jornais dirigidos à classe média tendem a individualizar as pessoas pertencentes às elites e a assimilar ‘pessoas comuns’, enquanto jornais dirigidos à classe trabalhadora, por vezes, individualizam ‘pessoas comuns’ (VAN LEEUWEN, 1997, p. 194). Portanto, que quem avalia é fundamental para que o/a leitor/a possa dar crédito ao que foi dito. Pesa sua posição social e seu grau de engajamento. Desse modo, as notícias procuram produzir, como efeito de sentido, no/a leitor/a do jornal Folha Universal a legitimação da sua argumentação em favor de sua conduta socialmente responsável que vai de encontro às denúncias das quais tem sido alvo. A Igreja Universal constrói, nessas notícias, a defesa de sua transparência e credibilidade no uso dos recursos doados pelos fiéis. Todos os atores sociais elencados servem como avalistas da honestidade e da transparência de suas ações, contribuindo na tarefa de autopromoção. Com a presença de vozes de autoridades, os/as editores/as defendem a ideia de que a Igreja Universal é importante para a sociedade brasileira. Quem foi desaprovada em pesquisas de opinião pública, agora tenta provar por meio do depoimento de autoridades, famosos, de órgãos da imprensa, que investe no social. Busca provar por meio de números, que o dinheiro não é desviado para contas particulares, mas é aplicado em ação social. 151 Assim, diante do quadro desfavorável, as notícias publicadas no jornal Folha Universal com ênfase nas atividades sociais são importantes ferramentas na construção de uma contra-imagem. Desse modo, ao analisarmos as vozes de autoridade incluídas nos textos, percebemos que elas auxiliam na construção de uma representação do ator social Igreja Universal como séria, honesta, responsável etc. 4.4 Discurso da responsabilidade social e retórica da autopromoção: (re)construindo imagem/estilo Para a ACD, no período atual em que vive a humanidade, denominado modernidade tardia, a linguagem (discurso) assume papel central em relação ao modo de produção do novo capitalismo (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Ramalho (2010, p. 15) define modernidade tardia como um estágio da modernidade, que é produto social e de lutas hegemônicas, marcado pela radicalização dos traços desencaixadores básicos da modernidade e por um paradigma econômico capitalista baseado na oferta de serviços e no manuseio de informações. Partindo da citação, podemos destacar “o paradigma econômico capitalista baseado na oferta de serviços e no manuseio de informações” como uma das principais características desses tempos de “modernidade tardia”. Sobre o manuseio de informações, Chouliaraki e Fairclough (1999) vão afirmar que há uma relação de poder (controle) dos recursos simbólicos oriundos da mídia de massa sobre a autonomia do individuo. O conceito de “peritos”, formulado por Giddens (1991) e retomado por Chouliaraki e Fairclough (1999), foi denominado mais tarde por Fairclough (2001) de “tecnologização do discurso”, uma das três tendências que tem afetado o discurso na contemporaneidade que consiste na profissionalização, cada vez mais, dos diferentes discursos, principalmente nas estratégias de marketing. As outras duas são a democratização e a comodificação. 90 90 Democratização refere-se à tendência de eliminar marcadores explícitos de poder, está intimamente ligada à informalidade nas práticas discursivas, cuja importância tem sido bastante acentuada pelos valores culturais contemporâneos. A comodificação é um processo que configura-se na organização de domínios sociais diversos – cujo alvo não é a produção de bens de consumo – em estruturas de produção, distribuição e consumo: discursos associados com a produção de bens de consumo colonizam outros discursos institucionais (FAIRCLOUGH, 2001a) 152 Norman Fairclough (2001, p. 264) chama de “tecnologização do discurso” um conjunto de técnicas que são usados estrategicamente para “ter efeitos particulares sobre o público”. Essas “técnicas” têm sido cada vez mais utilizadas por um grupo de pessoas detentoras de “habilidades especiais”, geralmente especialistas no manejo da linguagem, das técnicas linguísticas, de conhecimentos sobre a sociedade e seu funcionamento, na tentativa frequente de controle sobre a vida das pessoas. Desse modo, a tecnologização do discurso é caracterizada como uma forma de poder, como instrumentos dominação das práticas discursivas. As tecnologias discursivas estabelecem uma ligação íntima entre o conhecimento sobre linguagem e discurso e poder. Elas são planejadas e aperfeiçoadas com base nos efeitos antecipados mesmo nos mais apurados detalhes de escolhas lingüísticas no vocabulário, na gramática, na entonação, na organização do diálogo, entre outros, como também a expressão facial, o gesto, a postura e os movimentos corporais. Elas produzem mudança discursiva mediante um planejamento consciente. Isso implica acesso de parte dos tecnólogos ao conhecimento psicológico e sociológico (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 265). É possível constatar essa relação de poder nessa nova relação religião/cliente modelada pelo paradigma econômico capitalista, em que a imposição é feita por meio de estratégias de marketing. A mídia tem sido o espaço ideal para a tecnologização dos discursos das igrejas neopentecostais. Magalhães (1997) classificou o discurso neopentecostal como ‘tecnologia discursiva’, centralizado na linguagem associada a outros recursos tecnológicos (meios de comunicação de massa), o que contribui para fortalecer o poder político e econômico dessa corrente religiosa. A Igreja Universal, uma das principais representantes desse movimento, tem assumido um estilo empresarial de produção e distribuição de bens religiosos no qual o domínio profissional dos meios de comunicação de massas tornou-se questão de sobrevivência, mesmo porque no competitivo mercado religioso atual só sobrevive quem melhor souber usar tais meios e se apoiar em estratégias do marketing. De acordo com Campos (1999a, p.32, destaques do autor), “A Igreja Universal é um empreendimento religioso ligado ao surgimento de um capitalismo tardio e a um quadro cultural, em que as ferramentas de marketing desempenham um papel importante”. 153 Portanto, as estratégias destacadas nesta pesquisa não são gratuitas, estão relacionadas a sistema de peritos, à tecnologização do discurso. Foi precisa a atuação dos peritos a serviço de uma construção simbólica maior (Igreja Universal) para servir seu discurso ideológico. Nessa relação de poder, um conjunto de atores sociais permanece inteiramente submisso à organização religiosa. Nesse sentido, consideramos que o corpo editorial do jornal, na condição de “sistema de peritos”, participam da formação da imagem da IURD como co- produtores de significado. O jornal é produzido por profissionais de comunicação a serviço dos interesses da IURD. A análise demonstra, evidentemente, que todas as estratégias de persuasão foram estabelecidas tendo como objetivo principal destacar as características da representação social referentes à Igreja Universal que contribuísse para o reforço da imagem pública da instituição. Essas estratégias sustentam uma atitude de defesa, de confrontação a outras mídias por parte da Igreja Universal e, consequentemente, geram uma imagem positiva para si mesma. O discurso da responsabilidade social e a retórica da autopromoção seriam, então, uma resposta aos “ataques” sofridos pela Universal, conforme podemos observar na matéria publicada na edição 944, p.1i, de 9 de maio de 2010, com a manchete: “Resposta na Ásia: ofertas permitem que IURD amplie trabalhos evangelísticos e sociais no continente”. Do corpo da matéria destacamos o argumento de contra-resposta aos ataques: Enquanto muitos se preocupam em atacar a Igreja Universal com calúnias, levantando polêmicas sobre assuntos que não correspondem à verdade, ela continua trabalhando para que o Evangelho alcance todo o mundo. Em resposta aos ataques, a IURD não para de avançar, inclusive no continente asiático, onde realiza trabalhos evangelísticos e ajuda humanitária, como acontece no Japão, China, Filipinas e outros países. Isto só é possível porque há o prazer em ofertar, a fim de que mais igrejas sejam inauguradas. O excerto “Em resposta aos ataques, a IURD não para de avançar, inclusive no continente asiático, onde realiza trabalhos evangelísticos e ajuda humanitária” deixa bem claro que a ação social da instituição faz parte de um conjunto de estratégias de (re)construção da sua imagem. Acerca disso, Scheliga (2010 pp. 138-139), afirma: O sustentáculo do modelo de assistência da IURD encontra-se, portanto, na atividade de evangelização, atualmente subdividida em diferentes grupos (Grupo do Hospital, evangelização nas “comunidades”, visitas a instituições de asilo e detenção). É por meio dela se compõem um repertório de práticas discursivas em torno das quais gravitam noções de responsabilidade social e comunidade em oposição às acusações de charlatanismo e seita. 154 Zenone (2006), discorrendo sobre o discurso de responsabilidade social, afirma que é uma pura peça da estratégia empresarial para dar visibilidade à marca da empresa (imagem positiva) e atrair lucro. Já Bonotto e Peruzzolo (2003) chamam a atenção para a relação indissociável entre a responsabilidade social, a imagem/identidade e a competição. Desse modo, as notícias aqui analisadas podem ser consideradas peças publicitárias, pois constituem um meio de divulgação da marca IURD. Nesse sentido, trata-se de uma publicação colonizada pela linguagem e ideologia mercadológica. Marshall (2003) considera a modernidade uma era marcada pela queda de barreiras, dentre elas a distinção entre jornalismo e publicidade, que a cada dia se torna menos evidente. É o que ocorre no jornal Folha Universal, onde encontramos exemplos dos chamados gêneros híbridos, nesse caso, a notícia exercendo função de propaganda e publicidades disfarçadas de notícia. Fairclough (2003) destaca a proliferação dos gêneros promocionais no novo capitalismo: gêneros que têm o propósito de 'vender' produtos, marcas, organizações ou indivíduos. Um dos aspectos do novo capitalismo é a imensa proliferação de gêneros promocionais [...] os quais constituem uma parte da colonização de novas áreas da vida social em mercados (FAIRCLOUGH, 2003, p.33).91 Na concepção de Fairclough (2001a), a tendência à comodificação do discurso explica o caráter híbrido, interdiscursivo dos gêneros discursivos que é composto por configurações de diferentes gêneros e discursos. Trata-se, portanto, de um tipo de texto jornalístico com propriedades publicitárias, ou seja, expõe um fato, relata um acontecimento com intenções explícitas de promoção mercantil, de vender uma marca, uma organização. Na grande variedade de produtos à venda no mercado globalizado está a própria identidade, como bem destacou Coelho (2007). A notícia publicada na edição 1.046 de 22 de abril de 2012 (exemplo 12), cuja ênfase foi a realização de um chá beneficente promovido pelo grupo denominado "A Mulher V", traz a declaração da responsável pelo grupo que sintetiza bem qual é o principal objetivo das ações sociais desenvolvidas pela Universal (destaques nossos): “Segundo Marilene Silva, 91 No original: “genres which have the purpose of ‘selling’ commodities, brands, organizations, or individuals. One aspect of new capitalism is an immense proliferation of promotional genres (…) which constitutes a part of the colonization of new areas of social life by markets”. 155 responsável pelo grupo de São Paulo, o objetivo do chá foi arrecadar fundos visando aos trabalhos filantrópicos que o grupo promove, como visitas em asilos e presídios. ‘Mas também queremos mostrar para as pessoas que não participam da nossa fé o trabalho que as mulheres da IURD estão fazendo’, explicou”. Constatamos, portanto, que a tecnologização do discurso tem provocado mudanças no discurso religioso, por meio de mudanças nas ordens de discurso das instituições e na configuração e articulação de novos gêneros discursivos, como é o caso da notícia, contexto da nossa pesquisa. Nesse caso, a mudança discursiva é planejada em detalhes, estrategicamente, para atingir objetivos predeterminados. Na pós-modernidade, a escolha da religião está condicionada ao que o mercado oferece. Essas ofertas são criadas dentro de um sistema simbólico. Por meio do discurso da responsabilidade social, a Universal oferece um menu religioso no qual se apresenta como “sendo a melhor”. Vale aqui retomar a declaração do bispo Edir Macedo que citamos na seção 1.3.3 quando nos referimos à ação social como um dos pilares de sustentação da IURD. Nela o líder da Universal compara assim a ação social desenvolvida pela sua instituição com outras entidades filantrópicas: “Assim sendo, ela promove reintegração social muito além do que qualquer outra instituição social. E o melhor, sem receber qualquer ajuda governamental”. Para Martino (2003, pp.11,12), “O produto simbólico produzido pelas instituições religiosas precisa aparecer para ser conhecido. Mais do que isso, precisa provar que é melhor. O único caminho para isso no mundo atual é a mídia”. Com relação à representação da Igreja Universal, verificamos que os textos apresentaram um predomínio de ocorrências de processos verbais materiais. As orações matérias são definidas como orações que constroem “ações e eventos”, ou seja, trata-se dos processos do “fazer”. No caso dessa pesquisa, que focalizou o campo religioso, e teve como foco o discurso da responsabilidade social da IURD, esses processos apareceram descrevendo ações desenvolvidas por essa instituição (ou por grupos de voluntários associados a ela), como por exemplo “ajudar”, “gerar”, “doar” etc. Desse modo, o ator social Igreja Universal é representado por ser capaz de ter atitudes para melhorar (ajudar) o Brasil e garantir economia aos cofres públicos. Os grupos de voluntários como o Força Jovem, a AMC, as autoridades públicas, as celebridades, os/as fiéis, foram responsáveis, em grande parte, pela construção de representações da Igreja Universal como instituição socialmente responsável, por meio dos recursos avaliativos Atitudinais, principalmente do tipo Apreciação positiva. Outro recurso 156 avaliativo importante e recorrente no corpus foi o Engajamento por Atribuição, que ocorre quando vozes são trazidas para o texto pelos autores para ratificar os seus argumentos. Enfim, todos os recursos avaliativos destacam as qualidades da IURD, indicando-a como algo imprescindível para as pessoas e para o país. Outro recurso persuasivo do discurso da mídia, principalmente da propaganda, é a voz de uma testemunha, visto que ela provoca um efeito legitimador pelo fato de passar a ideia de ser o portador da verdade, de só dizer o que viu, ouviu ou experimentou. No caso das notícias analisadas, há o uso de depoimento de fiéis, o que representa, de uma certa maneira, o uso de testemunhos para atingir seus objetivos. Observamos também que, para alcançar seus objetivos nas notícias, os/as editores do jornal utilizam-se dos números e dados quantitativos como verdadeiro valor-notícia. Seguindo um modelo empresarial, a Universal presta conta de suas ações por meio de números, estatísticas, para influenciar a opinião pública. Nesse momento em que o país atravessa por crise econômica, a Universal vem proclamar-se “A Igreja que ajuda o Brasil”, remodelando, assim, a sua imagem de exploradora de ignorantes. As notícias procuram explicar que o dinheiro das doações, ao contrário do que se propaga em outros meios de comunicação, vai para projetos sociais. Cabe, ainda, destacar que todo esforço do conselho editorial do jornal em (re)construir a imagem da IURD como instituição socialmente responsável fundamenta-se, na maioria das vezes, em argumentos de autoridade externas, de um lado convocando para reforçar essa imagem autoridades públicas, procuradores, governadores, ministros, prefeitos etc, de outro, valendo-se de celebridades. Todas as autoridades trazidas aos textos dão credibilidade ao que está sendo noticiado devido ao seu papel social. A escolha desse tipo de representação pode estar relacionada a uma tentativa por parte do jornal/Igreja de criar um efeito de identificação entre os diferentes públicos-alvo. O/a leitor/a popular que se identifica mais com as personalidades representadas da televisão, o/a leitor/a de uma classe social mais alta que se aproxima dos discursos das autoridades, etc. Sobre essa capacidade de se adequar a diferentes públicos, Campos (1999a,p. 53) destaca que a Igreja Universal não possui um conjunto de produtos a serem empurrados, de qualquer jeito, para públicos indiferenciados. Muito pelo contrário, ela procura conhecer as demandas do público, segmenta e escolhe os grupos que deseja satisfazer com intensidade, oferecendo-lhes produtos diferenciados. 157 Concluímos que o gênero pesquisado não se tratava de uma notícia convencional, com a transmissão de um fato, antes, trata-se um de uma propaganda em defesa da Igreja, uma tentativa de melhorar a sua imagem perante a opinião pública. Esse hibridismo, misto de notícia-publicidade, produzido pelos editores ou pela área de redação, objetiva diretamente a busca de divulgação das instituições. A evocação de um espaço jornalístico consegue dar foro de credibilidade e legitimidade à marca, à empresa, ao serviço ofertado pela instituição. Podemos observar, a partir da análise apresentada, que o discurso de responsabilidade social é reforçado pela avaliação positiva de várias vozes. Avaliações positivas são incluídas no discurso citante como estratégia para desmistificar a imagem de igreja vilã e construir a imagem de uma igreja cidadã. Assim, o comportamento da igreja Universal segue o modelo das empresas, que para se manterem competitivas, investem não só nas ações sociais, mas principalmente na divulgação delas. 158 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta pesquisa, focamos nossa atenção nas práticas discursivas da Igreja Universal do Reino de Deus relativas ao discurso da responsabilidade social, tentando responder às seguintes questões de pesquisa:  Como as formas de representação de atores sociais nas notícias contribuem para a construção da imagem positiva da Igreja Universal com relação à questão da responsabilidade social?  Como a IURD é representada pela mídia Universal, mais especificamente no jornal Folha Universal, com base no Sistema de Avaliatividade? Quem avalia e como avalia a Igreja?  Que outros discursos são observados em textos que tematizam a responsabilidade social no contexto da IURD? Nosso objetivo central foi refletir sobre o discurso da responsabilidade social e a retórica da autopromoção da Igreja Universal através do papel dos atores sociais na construção de sua(s) identidade(s), materializados no Jornal Folha Universal. Traçamos como objetivos específicos: a) Identificar a representação de atores sociais nas notícias (significado representacional) e como ela contribui para a construção da imagem positiva da IURD com relação à questão da responsabilidade social; b) Analisar, com base em ocorrências léxico- gramaticais e semântico-discursivas, a construção dos discursos de valorização sobre as ações de responsabilidade social da Igreja Universal e o papel dos recursos avaliativos na construção de sua identidade (estilo) através da mídia (significado identificacional); c) Analisar os tipos de discurso que estão delineados na amostra discursiva e os aspectos ideológicos e hegemônicos presentes na prática discursiva analisada. Para constituir o corpus de pesquisa, coletamos notícias publicadas no referido jornal, cujo conteúdo aludisse às ações social realizadas pela Universal, no período de 2010 a 2012. Para o trabalho de análise, amparamo-nos, primeiramente, na Análise Crítica do Discurso, que propõe o estudo do discurso interconectado às práticas e às ordens sociais, observando sua relação com a questão das mudanças sociais. Para essa abordagem, interessa saber de que forma o discurso influencia e é influenciado, e como ele determina não só o jeito de ser das pessoas e das instituições, mas também rege as relações interpessoais na vida 159 social. Assim, a ACD parte do pressuposto de que as mudanças nas instituições não acontecem por acaso, pois elas mudam buscando uma conexão com as transformações que ocorrem a sua volta. Na perspectiva de Fairchough (2006), as práticas discursivas são eminentemente sociais e políticas. Nesse sentido, estão voltadas tanto para o contexto em que as mesmas são produzidas, quanto para as intenções dos atores sociais envolvidos. Desse modo, o discurso da responsabilidade social, enquanto um elemento dos eventos e práticas sociais, está também dialeticamente interconectado com outros momentos (FAIRCLOUGH 2006). Partindo dessa visão, destacamos as mudanças ocorridas no campo religioso e sua relação com as transformações da sociedade. As transformações sociais, descritas no capítulo primeiro desta tese, deram origem, como já vimos, a um amplo leque de mudanças no campo religioso, dentre eles a secularização, que significou o fim do controle da Igreja sobre a sociedade, fazendo a religião passar a ser um artigo de escolha e não mais de imposição. Um dos efeitos da secularização foi o “pluralismo religioso”, em que a atividade religiosa passou a ser dominada pela lógica da economia do mercado (BERGER, 2004). A partir das mídias modernas, temos uma re-configuração dos princípios do cristianismo tradicional (clássico). A mais relevante pode ser indicada como o embaralhamento entre mercado e fé. As notícias publicadas nos jornais institucionais podem ser percebidas como um dos exemplos de registro dessa atitude religiosa-midiática- mercadológica. Verificamos que o “neopentecostalismo”, um dos principais fenômenos religiosos da pós-modernidade, no qual a Igreja Universal está inserida, reflete esses mudanças ocorridas na sociedade. O jornal Folha Universal é um evento discursivo relevante no contexto sócio- histórico brasileiro, devido sua abrangência, como podemos ver no capítulo de metodologia. Nosso olhar analítico, portanto, para a Igreja Universal e o seu jornal institucional, partiu de uma concepção do contexto histórico de sua origem e expansão, principalmente em torno dos escândalos e denúncias. Neste estudo, estabelecemos um diálogo entre a proposta de Fairclough (2003), no que diz respeito aos significados representacional e identificacional, a de van Leeuwen (1997, 2008) para a análise da representação de atores sociais e os estudos sobre Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005). Do significado representacional, investigamos as escolhas lexicais (processos) e algumas das categorias de uma rede de sistemas propostas por Van Leeuwen (1997) para a análise da representação de atores sociais, a saber: ativação, passivação, assimilação, individualização, nomeação e categorização. As representações são 160 construídas com base nas escolhas dos processos verbais, dentre eles o material, mental, relacional etc. Nosso enfoque foi observar os processos enquanto recursos avaliativos. Os processos materiais, que estão relacionados aos verbos do fazer, do agir, do acontecer e expressam a noção de que uma entidade faz algo que afeta outra entidade (HALLIDAY, 1994, 2004), apareceram como os mais relevantes, tendo a Igreja Universal como participante Ator. Para a análise do significado identificacional, que procura identificar os modos de ser, estilo/identidade, utilizamos os recursos da Avaliatividade, conforme descritos por Martin e White (2005). A investigação das escolhas para a representação do ator social Igreja Universal nos possibilitou a identificação da ideologia nos textos e a percepção dos efeitos de sentido construídos por meio dessas escolhas nos textos jornalísticos. Segundo Van Leeuwen (1997) a maneira como os atores sociais são representados nos textos podem indicar posicionamentos ideológicos em relação a eles e suas atividades. Obviamente, nos textos publicados no jornal institucional predominaram as avaliações positivas da Igreja Universal. O que nos chamou a atenção foi que os atores sociais que avaliam a Igreja Universal se localizam em diferentes lugares sociais e em diferentes domínios discursivos (esferas da sociedade). As opiniões desses atores sociais, que foram registradas, em sua maioria, na forma de discurso direto, visam garantir a legitimidade e a visibilidade das obras sociais da Igreja Universal. Portanto, os discursos em defesa da imagem da Igreja Universal se fundam em diferentes domínios discursivos, como o religioso, o midiático, o publicitário, o político etc. As análises das notícias do jornal Folha Universal, feitas com esses recursos, permitiu-nos chegar a um conjunto de conclusões. Primeiramente constatamos, no período delimitado para a pesquisa, 2010-2012, um volume considerável de notícias publicadas no jornal Folha Universal com destaque para o tema da responsabilidade social, conforme apresentamos no capítulo três, evidenciando, assim, que o discurso de responsabilidade social passou a ser um tema central da prática discursiva iurdiana. A razão para o foco das notícias estarem tão centradas nas benfeitorias que a Igreja Universal realiza pode estar na ameaça ao seu monopólio (apesar do decréscimo no número de membros, ela ainda é a terceira maior igreja evangélica do Brasil, segundo o Censo 2010). O mercado religioso contemporâneo é marcado pelo pluralismo que por sua vez gera competição e a necessidade de constante inovação, fazendo com que as Igrejas tenham que se renovar constantemente. Dessa forma, ao alardear suas obras através da mídia iurdiana na 161 “idade mídia”, a Universal retoma o papel do sino da idade média como fonte de poder, cujas badaladas tem como objetivo manter a comunicação com os fiéis e facilitar a venda dos seus produtos simbólicos. Nesse sentido, o discurso da responsabilidade social torna-se uma estratégia de retomada da manutenção do monopólio, do domínio, que na pós-modernidade se dá pela utilização de recursos simbólicos estratégicos veiculados na mídia como o marketing. A preocupação com o tema da responsabilidade social está ligada, portanto, à gestão da imagem da organização, com o fortalecimento da marca, e não necessariamente ao filantrópico, o que deveria ser o objetivo do trabalho social. Desse modo, concluímos que as notícias veiculadas no jornal Folha Universal não são um instrumento neutro de difusão da informação, muito pelo contrário, estão a serviço da Igreja Universal e tem o poder de manipular a opinião pública de acordo com os seus interesses e visão de mundo (conhecimento e crenças - significado representacional), buscando solidariedade do/a leitor/a para com seu discurso, influenciando diretamente no seu modo de agir, de pensar (significado identificacional). Notícias publicadas em jornais de caráter institucional, como a Folha Universal, constituem instrumentos midiáticos que assumem papel fundamental na construção da identidade/estilo das organizações. A análise nos mostrou a tentativa do discurso da Igreja Universal, manifesto no jornal Folha Universal, de remodelar a sua imagem, através de estratégias de persuasão, as quais classificamos como (i) Argumentos meritóricos, (ii) Argumentos numéricos e (iii) Argumentos de autoridade, valendo-se de recursos de Avaliatividade e das representações de atores sociais. A prática e a divulgação da meritocracia, eventos de caráter interno e externo que premiam os melhores voluntários da instituição, mostrou ser um recurso importante de persuasão utilizado nos textos, que contribui não só para a construção da representação do ator social Igreja Universal, mas também cria um clima de competição entre os/as voluntários/as da instituição e consequentemente a melhora não só dos serviços sociais prestados à sociedade como também da marca (imagem) Universal junto à população. Com a mercantilização da religião, o “fiel” torna-se o público-alvo do mercado. E as estratégias de marketing (publicidade e propaganda) desenvolvidas pelas instituições religiosas têm como foco principal concretizar sua marca e expandir mercado. Percebemos também a intenção comunicativa de Avaliatividade na utilização de números que mostram hipoteticamente a economia que a IURD gera para o país (estratégia de persuasão “Argumentos numéricos”. 162 O testemunho de pessoas que ascenderam, ganhando visibilidade depois que passaram a frequentar a Igreja, também é uma importante estratégia de persuasão, por meio de recursos avaliativos na construção da imagem da IURD, identificada nas amostras. Quanto aos “argumentos de autoridade”, observamos o uso recorrente de vozes de autoridade (bíblica, midiática, social e pública) como sustentação da imagem/identidade de organização socialmente responsável da Igreja Universal. Em relação à representação de atores sociais (Objetivo 1: Identificar a representação de atores sociais nas notícias - significado representacional) e como ela contribui para a construção da imagem positiva da IURD com relação à questão da responsabilidade social), os resultados mostram que os atores sociais mais frequentes no discurso são, de um lado, a própria Igreja Universal e seus voluntários, os famosos (atores, atrizes e apresentadores da Rede Record), políticos e autoridades, e de outro, a população assistida pelos projetos sociais da Igreja. O primeiro grupo aparece sempre ativado, não só no tocante ao uso do processo material, mas também do verbal. O segundo grupo aparece, na maioria das vezes, passivado. Estes também são representados por assimilação, ou seja, referidos genericamente, de forma abstrata (números) em boa parte das ocorrências, já aqueles por individualização, com exceção dos voluntários que ora são representados de forma individualizada, ora como grupo (muito mais desse último modo). Os atores sociais que pertencem à elite (autoridades, celebridades, pastores, bispos etc.) são, na maioria das vezes, referidos de forma individualizada e nomeados por meio da titulação (honorificação). A Igreja Universal está sempre em primeiro plano, isto é, sempre desempenhando um papel extremamente ativo em relação às demandas sociais, e muitas vezes é individualizada e nomeada, ou seja, personificada na pessoa dos bispos, pastores e obreiros. No que diz respeito aos recursos linguísticos avaliativos (Objetivo 2: Analisar, com base em ocorrências léxico-gramaticais e semântico-discursivas, a construção dos discursos de valorização sobre as ações de responsabilidade social da Igreja Universal e o papel dos recursos avaliativos na construção de sua identidade (estilo) através da mídia - significado identificacional), os resultados encontrados na análise das notícias sinalizam que os traços semânticos de Avaliatividade do tipo Afeto, Julgamento e Apreciação, muitas vezes acompanhados de Gradação, e a Atribuição, um dos subsistemas do Engajamento, evidenciam avaliações positivas para a Igreja Universal e seus agentes e constituem elementos retóricos estruturadores do discurso da Igreja Universal no jornal Folha Universal constitutivos da sua imagem (estilo) de responsabilidade social. O Engajamento por Atribuição, recurso avaliativo em que outras vozes são trazidas ao texto pelo locutor para endossar o seu discurso, foi 163 identificado na análise como o mais recorrente e principal recurso avaliativo. Os/as produtores/as dos textos da Folha Universal recorrem ao argumento de autoridade, trazendo para a publicação “vozes exteriores”, dentre elas a de autoridades, celebridades e fiéis para confirmarem a sua imagem de responsabilidade social (estratégia de persuasão “Argumentos de autoridade”). Dentre as subcategorias de avaliação da categoria Atitude, a saber, Afeto, Julgamento e Apreciação, essa última foi a mais preponderante no corpus. Isso mostra a estratégia de persuasão, pois esse recurso avaliativo é orientado para a criação de significados interpessoais, são expressões avaliativas que buscam gerar emoções no/a leitor/a (reação/ impacto). É possível afirmar que os significados representacionais e as relações interpessoais estabelecidas entre os/as leitores/as e atores sociais representados nos textos, por um lado, promovem a imagem da Igreja Universal tanto por meio da inclusão de atores sociais de destaque (autoridades, famosos), quanto pelas escolhas léxico-gramaticais e semântico- discursivas empregadas nos textos com o uso recorrente de recursos avaliativos positivos. Portanto, a representação midiática do ator social IURD, nas notícias analisadas, se organiza ao redor da notoriedade dos atores sociais e da avaliação positiva. Em relação à presença de outros discursos nos textos que tematizam a responsabilidade social no contexto da IURD (Objetivo 3: Analisar os tipos de discurso que estão delineados na amostra discursiva e os aspectos ideológicos e hegemônicos presentes na prática discursiva analisada), foi possível constatar que o discurso da IURD está imbricado com outros discursos. Os principais discursos articulados pela Universal identificados na pesquisa foram:  Discurso do capitalismo neoliberal: colonização da esfera religiosa pela lógica e linguagem da economia que prepondera no ambiente organizacional empresarial em que tudo se torna produto, ganha valor, número, ou seja, é quantificado, e que é representada pela ideologia neoliberal. Pressionadas pelo mercado competitivo, assim como as empresas, as Igrejas têm se visto cada vez mais obrigadas a construir uma imagem, um discurso e uma prática que lhes garantam legitimidade e que justifiquem sua atuação como ator social ativado no campo em que estão inseridas. Assim como acontece nas empresas, ficou evidenciado que o discurso da responsabilidade social da Universal articula-se com o campo econômico e a ideologia neoliberal vigente. A lógica econômica empresarial ficou caracterizada principalmente na estratégia de 164 persuasão “Argumentos numéricos” em que a Igreja busca demonstrar que incorpora em suas ações de responsabilidade social algumas demandas do governo e, a partir delas, poupa recursos públicos.  Discurso do marketing/propaganda (retórica da autopromoção): a generalização da publicidade como função comunicativa. Nesse sentido, o discurso torna-se veículo para vender bens, serviços. No campo religioso pós-moderno, em que as igrejas disputam por fiéis, as estratégias de marketing estão fazendo parte do diferencial competitivo. Assim como as empresas que investem no discurso politicamente correto, ou seja, na identidade socialmente responsável, a IURD também segue um discurso de autopromoção organizado, planejado, em que procura mostrar preocupação ambiental, filantrópica, ou seja, as ações sociais, bem como as publicações das mesmas adequam- se ao interesse de melhorar a sua imagem. A adoção do discurso da responsabilidade social confere prestígio e reputação não só no campo religioso, mas também na sociedade de um modo geral. A respeito das avaliações e representações de atores sociais, a análise aponta que a IURD conta com a estratégia de marketing para sustentar o vínculo ideológico IGREJA UNIVERSAL/RESPONSABILIDADE SOCIAL. Nesta pesquisa, em que aliamos aspectos linguísticos e sociais, buscamos mostrar as estratégias linguístico-discursivas da Igreja Universal usadas na construção de uma imagem/identidade fortemente alicerçada no discurso da responsabilidade social. Essas estratégias podem resultar em vantagens como a legitimidade política e apoio popular. Além disso, este trabalho procurou revelar a “outra face” do discurso da responsabilidade social da Igreja Universal, pois a Análise Crítica do discurso tem como objetivo principal debater questões como o controle e a manipulação institucional (MAGALHÃES, 2005), bem como desvelar ideologias que servem para estabelecer e sustentar relações de dominação, reproduzindo a ordem social que favorece indivíduos e grupos dominantes (FAIRCLOUGH, 2003). Para a ACD, as práticas discursivas estão imbricadas com as ideologias as quais são representações que podem ser postas em ação nas representações sociais e inculcadas nas identidades dos agentes sociais (FAIRCLOUGH, 2003). Nesse sentido, os textos, materializados em gêneros discursivos, servem para legitimar as relações de poder estabelecidas institucionalmente. Nessa perspectiva, as notícias analisadas têm um claro 165 objetivo de restabelecer a imagem da Igreja frente aos ataques contra a exploração de fieis, desvios de dinheiro para paraísos fiscais, tentando convencer os/as leitores/as e a opinião pública acerca da sua seriedade e responsabilidade. Assim, embora a notícia tenha um funcionamento linguístico-discursivo e formal do que seja uma linguagem jornalística (título, subtítulo, relato de um acontecimento), opera com a linguagem marquetizada da persuasão e sedução da venda, carregando a ideia de promoção mercantil. O funcionamento comunicativo deste gênero então é híbrido: informa para vender e vende para informar. É possível identificar também a relação entre a representação da IURD nas notícias e o interesse na manutenção do poder. Ao agir dessa forma, a Igreja demonstra que está preocupada em conservar sua posição no ranking das preferências religiosas no competitivo mercado religioso. Dessa forma, podemos concluir que:  A adoção do discurso de responsabilidade social faz parte de uma estratégia de legitimação social.  O discurso de responsabilidade social constitui estratégia de hegemonia por parte da Igreja Universal.  A Igreja Universal, cerceada pelo processo de tecnologização, numa bem-sucedida interação da religião com a dinâmica da cultura pós-moderna, tem no discurso da responsabilidade social uma estratégia que legitima o seu discurso. Assim, registramos que por meio do aparato teórico/metodológico adotado, foi possível responder as questões de pesquisa, identificando os atores sociais e a forma de representação destes nas notícias analisadas, bem como a importância dos recursos avaliativos tanto na construção do discurso da responsabilidade social da IURD quanto na construção da sua imagem/estilo de organização cidadã. Ressaltamos que ficou evidenciado, pelos resultados das análises, que o discurso da responsabilidade social e a cultura da autopromoção, da Igreja Universal, estão articulados aos discursos do capitalismo neoliberal e do marketing/propaganda e são regidos por um só preceito: “não basta fazer, tem que divulgar”. Podemos afirmar que temos nos textos analisados anúncios publicitários em forma de notícias, em que predomina o propósito estratégico promocional. 166 Desse modo, com nossa pesquisa, julgamos ter contribuído para o desenvolvimento dos campos científicos com os quais dialogamos, quais sejam, a Linguística Aplicada, a Linguística Sistêmico-Funcional e a Análise Crítica do Discurso. No campo da Linguistica Aplicada, em sua nova concepção (LA Indisciplinar, Interdisciplinar, Transdisciplinar), que busca compreender as práticas linguísticas no contexto sócio-histórico e cultural da sociedade da qual elas são parte como constituinte e constitutiva, nossa pesquisa também procurou, fundamentada no estudo da linguagem como prática social, romper fronteiras na busca de novos conhecimentos no campo dos estudos linguísticos interconectado com as práticas sociais da contemporaneidade, estabelecendo para isso relações com outros campos disciplinares. Quanto à Linguística Sistêmico-Funcional, os pesquisadores nesta área estão mapeando o funcionamento da linguagem a partir da compreensão da sua multifuncionalidade, ou seja, textos simultaneamente representam a realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades. Nesse sentido, nossa pesquisa buscou interpretar o uso da língua através de uma perspectiva social crítica, desvendando efeitos de sentido potencialmente manipulativos, identificando as escolhas léxico-gramaticais e as características da identidade pessoal e institucional que elas refletem e constroem. Em relação à contribuição para a área da Análise Crítica do Discurso, nosso trabalho reforça o posicionamento da ACD que tem como foco central desvelar estratégias de persuasão que estão a serviço da criação, manutenção das ideologias que circulam nos textos. Para essa abordagem, as práticas discursivas têm relação intrínseca com a vida social; desse modo elas devem ser compreendidas em sua historicidade. Seguindo o traço que esses três campos de estudo têm em comum, ou seja, estudar a relação dialética entre a linguagem e a sociedade, nossa pesquisa espera contribuir para tornar os atores sociais mais conscientes das práticas discursivas em que estão envolvidos como produtores e consumidores de textos. Para finalizar, convém ressaltar também que reconhecemos algumas lacunas nessa pesquisa, pois representa apenas um estudo inicial acerca do discurso da responsabilidade social no campo religioso, deixando uma abertura para trabalhos futuros relacionados com essa temática, para um aprofundamento maior das discussões. 167 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fabíola Aparecida Sartin Dutra Parreira. A avaliação na linguagem. Os elementos de atitude no discurso do professor. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010a. ______. Atitude: afeto, julgamento e apreciação. In: VIAN JR. Orlando; SOUZA, Anderson Alves de; ALMEIDA, Fabíola Aparecida Sartin Dutra Parreira (Orgs). 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