UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA LINHA DE PESQUISA: LETRAMENTO E CONTEMPORANEIDADE OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO ARISBERTO GOMES DE SOUZA Natal - RN 2018 ARISBERTO GOMES DE SOUZA OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para a obtenção do título de doutor em Letras. Área de concentração: Linguística Aplicada Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro Oliveira Natal - RN 2018 ARISBERTO GOMES DE SOUZA OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Letras. Aprovada em ______/______/_______ _______________________________________________ Prof. Dra. Maria do Socorro Oliveira (UFRN) Orientadora _______________________________________________ Profa. Dra. Ângela Bustos Kleiman (UNICAMP) Examinadora externa ______________________________________________ Profa. Dra. Ivoneide Bezerra de Araújo Santos Marques (IFRN) Examinadora externa _______________________________________________ Profa. Dra. Juliana Alves Assis (PUC/Minas) Examinadora externa _______________________________________________ Profa. Dra. Vânia Aparecida Costa (UFRN/DPEC) Examinadora interna _______________________________________________ Profa. Dra. Marlúcia Barros Lopes Cabral (UERN) Suplente externa _______________________________________________ Profa. Dra. Alessandra Castilho Ferreira da Costa (UFRN) Suplente interna A Escola é: o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima: Coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de "ilha cercada de gente por todos os lados". Nada de conviver com pessoas e depois descobrir que não tem amizade a ninguém, nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se amarrar nela. Ora, é lógico... Numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz. Paulo Freire AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida, pela luz e pelas bênçãos; À minha família, pelo apoio de sempre; pela confiança incondicional e pelo amor infinito. Vocês me proporcionam paz, estímulo, força e inspiração e, certamente, fazem parte dessa trajetória; À minha orientadora, Profª. Dra. Maria do Socorro Oliveira, por acreditar na minha proposta e nos meus anseios; por sua orientação exemplar, compreensão e paciência, decisivas para a concretização da pesquisa; pelas sugestões e direcionamentos e, principalmente, pela liberdade que me concedeu para fazer escolhas; Aos colaboradores da pesquisa, alunos, professores, gestores e equipe da escola, pelas contribuições e pela parceria. Às Professoras Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco, Jennifer Sarah Cooper, Maria Bernadete Fernandes de Oliveira, Maria da Penha Casado Alves e Maria do Socorro Oliveira, pelos momentos de convivência em sala de aula nas disciplinas de que participei; Aos demais professores e professoras do PPGEL, pela troca de conhecimentos e pela dedicação que nos concedem; Aos membros das bancas de qualificação e defesa, as Professoras Doutoras Maria do Socorro Oliveira, Ângela Bustos Kleiman, Ivoneide Bezerra de Araújo Santos Marques, Juliana Alves Assis e Vânia Aparecida Costa, pelas valorosas contribuições para a pesquisa e o seu produto, a tese. Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Letras, pela eficiência no atendimento, pela organização e atenção em relação às questões de ordem administrativa, tão importantes; Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio concedido à nossa pesquisa. Aos colegas envolvidos com os estudos dos letramentos, Alana Driziê Gonzatti dos Santos, Fernanda Nayara da Silva, Jaciara Limeira de Aquino, Maria Cleidimar Fernandes de Brito, Maria Aparecida da Costa, Marta Helena Feitosa Silva, Michel Lima Fontoura, Milena de Macedo Barbosa Nascimento e Tereza Paula de Carvalho Leôncio, pelas vivências e pelas trocas de experiências; Aos demais alunos do PPGEL, por compartilharem experiências e conhecimentos. Aos amigos e amigas, pelas palavras de estímulo e incentivo. Ao Programa de Pós-Graduação em Letras, pela oportunidade de poder realizar esta pesquisa; A todos que direta ou indiretamente fizeram parte dessa história. Meu carinho e agradecimentos! RESUMO Na escola em que se situa este estudo, o ensino-aprendizagem costuma estar atrelado, de alguma forma, aos mecanismos de avaliação ou de aferição da aprendizagem institucionais que influenciam as práticas das escolas de Ensino Médio. Há uma forte preocupação em utilizar estratégias que reforcem a participação dos alunos e os tornem aptos a obter sucesso em exames como ENEM e SAEPE. Assim, as estratégias de ensino acabam perdendo em multiplicidade, limitando alternativas e, em virtude disso, fazendo com que não percebamos que existem outras possibilidades de ação. Em língua portuguesa, por exemplo, as estratégias de ensino concernentes à produção textual parecem uniformes e o currículo relativo a esse aspecto chega a se basear apenas nos conteúdos dessas avaliações, evidenciando determinadas noções e procedimentos. Em busca de alternativas que redimensionem essa lógica de ensino, que evidencia mecanismos de controle, seleções classificatórias e aparatos burocráticos conectados às avaliações, decidimos explorar a ideia de projeto de letramento (KLEIMAN, 2000), um dispositivo didático baseado em princípios éticos e solidários, que favorecem a inclusão e a participação dos educandos na diversidade da cultura letrada, ampliando suas possibilidades de emancipação social. Motivados, então, a explorar outras possibilidades de ensino-aprendizagem, objetivamos, com esta pesquisa, refletir sobre como os usos da escrita de jovens estudantes do Ensino Médio, problematizados à luz do referencial teórico- metodológico dos projetos de letramento, podem contribuir para a ressignificação do ensino- aprendizagem. Para tanto, projetamos os seguintes objetivos específicos: investigar os usos sociais da escrita externos à escola por estudantes do ensino médio; problematizar os achados de pesquisa à luz do referencial teórico-metodológico dos projetos de letramento; e desenvolver um projeto de letramento que leve em consideração os aspectos contextuais e que nos auxilie na ressignificação do ensino-aprendizagem da escrita. Fundamentamos as discussões, principalmente, no aporte teórico dos estudos do letramento (BARTON, 1991; BARTON; HAMILTON, 1998; KLEIMAN, 1995a, 1995b; OLIVEIRA, 2010a; STREET, 1984, 2014) e nos projetos de letramento (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA, 2008, 2010a; OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014). Metodologicamente, inserimo-nos no campo da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006) e tomamos como paradigma o qualitativo (DENZIN; LINCOLN, 2006) com abordagem de pesquisa orientada pela pesquisa-ação (THIOLLENT, 2003). Compreendemos, a partir das nossas análises e discussões que o projeto de letramento contribui de maneira relevante aos propósitos didático-pedagógicos comprometidos com um ensino produtivo de escrita, que preza pelo dinamismo e reconhece o protagonismo do aluno e a importância do seu contexto. Esse dispositivo didático se mostrou capaz de fomentar o compartilhamento de conhecimentos e experiências, vincular as práticas escolares àquelas advindas dos diversos domínios sociais e ampliar a competência comunicativa dos estudantes, bem como sua inserção e emancipação no meio social. PALAVRAS-CHAVE: Usos da escrita. Ressignificação do ensino-aprendizagem. Projetos de letramento. Protagonismo do aluno. ABSTRACT At school of this study, the teaching-learning process is usually tied, in some way, to evaluation or learning measurement mechanisms that seem to influence the teaching and learning of secondary school in Brazil. There is a strong concern in using strategies that strengthen the participation of students and make them fit for succeed in exams, such as ENEM and SAEPE. Thus, the teaching strategies end up losing in multiplicity, delimiting alternatives and making us teachers don't realize that there are other possibilities of action. In portuguese language, for example, the teaching strategies concerning the textual production seem to uniform and the curriculum concerning this aspect is based only on the content of these evaluations, highlighting certain notions and procedures. In search of didactic- pedagogical alternatives that mitigate this logic of teaching, that emphasize control mechanisms, classificatory selections and bureaucratic apparatus connected to the evaluations, we face such the idea of literacy project (KLEIMAN, 2000), a didactic device based on ethical and solidarity principles, which favours the inclusion and participation of students in the literate culture, expanding its possibilities of social emancipation. In this way, motivated to explore other possibilities of teaching-learning, we aim with this research reflect on how the uses of writing of young students of the secondary school in Brazil problematized the light of the referencial theoretical-methodological of the literacy projects, can contribute to the ressignification of our practice didactic-pedagogical. For such, our specific objectives are: to investigate the social uses of writing (outside the school) of students secondary school; discussing the findings of research in the light of the theoretical-methodological of the literacy projects; and developing a literacy project that takes into account the reflections triggered by the research and that helps us to resignificate the teaching-learning of writing. To achieve these objectives, we base discussions mainly on the theoretical frame of literacy studies (BARTON, 1991; BARTON; HAMILTON, 1998; KLEIMAN, 1995a, 1995b; OLIVEIRA, 2010a; STREET, 1984, 2014), and of the literacy projects (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA, 2008, 2010a; OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014). Methodologically, we are inserted in the field of Applied Linguistics (MOITA LOPES, 2006), and we take as a paradigm the qualitative (DENZIN; LINCOLN, 2006) with a research-action oriented approach (THIOLLENT, 2003). We understand from our analyzes and discussions that the literacy project can contribute in a relevant way to the didactic-pedagogical purposes committed to a productive teaching that values dynamism and recognizes the importance of subjects and their culture. This didactic device are also capable of fostering the sharing of knowledge and experiences, linking school practices to those arising from different social domains, enhancing students' communicative competence and their insertion and emancipation in the social environment. KEYWORDS: Uses of writing. Resigfication the teaching-learning. Literacy projects. Teaching of writing. Protagonism of the student. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Escola Martins Júnior, Torre, Recife – PE .............................................................. 25 Figura 2 – Vista parcial do bairro da Torre – Recife - PE ........................................................ 27 Figura 3 – Geração de dados junto à administração da escola ................................................. 36 Figura 4 – Interação junto aos colaboradores ........................................................................... 39 Figura 5- Gêneros e usos da escrita que prescindem de recursos de ordem tecnológica ......... 97 Figura 6 – Usos da escrita ligados à tecnologia (bate papo via rede social snapchat, mensagem de texto – sms, postagem junto à rede social instagram). ........................................................ 99 Figura 7- Exemplos de escrita multimodal (Bate papo síncrono via WhatsApp e produção de diário pessoal). ........................................................................................................................ 100 Figura 8 – Usos da escrita nas práticas cotidianas de interação dos colaboradores ............... 102 Figura 9 – A ampla interação ................................................................................................. 105 Figura 10 - Usos cotidianos da escrita .................................................................................... 119 Figura 11 - Exemplo de uso da escrita – gênero lista de compras.......................................... 122 Figura 12 - Gênero e-mail ...................................................................................................... 126 Figura 13 - Comportamento que evidencia a prática de letramento no meio social .............. 137 Figura 14 - Uso da escrita ancorado no gênero mensagem de texto. ..................................... 140 Figura 15 - Práticas de escrita com interlocutores habituais .................................................. 144 Figura 16 – Usos da escrita ancorados no gênero carta pessoal ............................................. 145 Figura 17 - Práticas de escrita de caráter confessional ........................................................... 146 Figura 18 - Postagens em redes sociais .................................................................................. 158 Figura 19 – Assunto abordado por um entrevistado ............................................................... 161 Figura 20 - Interfaces digitais utilizadas pelos colaboradores ................................................ 173 Figura 21 – Aluno praticando a escrita cotidianamente ......................................................... 174 Figura 22 – Uso cotidiano da escrita ...................................................................................... 176 Figura 23 - Praticando a escrita fora da escola ....................................................................... 177 Figura 24 - Logomarca do projeto .......................................................................................... 188 Figura 25 – Projeto de letramento “Celular na sala de aula, sim ou não?” – Turmas 3a e 3b. ................................................................................................................................................ 191 Figura 26 – Gênero Lei ........................................................................................................... 197 Figura 27 – Gêneros artigo de opinião e reportagem ............................................................. 197 Figura 28 – Gênero anotação .................................................................................................. 198 Figura 29 – Gêneros que apoiaram a oficina .......................................................................... 202 Figura 30 - Atividades com vistas ao uso da escrita............................................................... 203 Figura 31 – Gênero tutorial .................................................................................................... 207 Figura 32 – A escrita numa atividade a partir da técnica de origami ..................................... 207 Figura 33 – Oficina de origami .............................................................................................. 209 Figura 34 – Gênero reportagem .............................................................................................. 216 Figura 35 – Grupos fazendo uso do celular para leitura ......................................................... 217 Figura 36 – Gênero questionário ............................................................................................ 218 Figura 37 – Gênero e-mail ...................................................................................................... 219 Figura 38 – Momentos da construção do gênero mural ......................................................... 220 Figura 39 – Gênero questionário ............................................................................................ 224 Figura 40 – Registro das respostas do questionário ............................................................... 225 Figura 41 – Palestra sobre os diversos usos de dispositivos de ordem tecnológica na escola 227 Figura 42 – Perguntas desenvolvidas para o debate ............................................................... 231 Figura 43 – Gênero relatório .................................................................................................. 233 Figura 44 – Gêneros explorados na oficina ............................................................................ 238 Figura 45 - Gêneros produzidos pelos estudantes .................................................................. 239 Figura 46 – Imagens da oficina de produção de cartazes e panfletos..................................... 240 Figura 47 - Gêneros postagem em rede social ........................................................................ 246 Figura 48 - Gênero postagem para redes sociais .................................................................... 248 Figura 49 – Oficina de produção de postagem para redes sociais .......................................... 251 Figura 50 – Campanha de conscientização sobre os usos do celular ..................................... 255 Figura 51 - Postagens nas redes socais no Facebook, Instagram e WhatsApp ...................... 261 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Esquema representativo das etapas de construção dos capítulos da pesquisa ....... 35 Gráfico 2 – Influência das novas tecnologias nos eventos de letramento referentes à vivência dos alunos ................................................................................................................................. 98 Gráfico 3 - Preferências quanto ao uso de linguagens não verbais – em % .......................... 101 Gráfico 4 - Preferências dos alunos quanto às práticas de escrita desenvolvidas – em % ..... 116 Gráfico 5 - Elementos do evento de letramento produção de lista de compras...................... 123 Gráfico 6 - Usos da escrita em eventos de letramento ........................................................... 172 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Planificação das atividades .................................................................................... 45 Quadro 2 - Elementos básicos dos eventos e práticas de letramento ....................................... 58 Quadro 3 - Eventos de letramento referentes à vivência dos alunos fora da escola ................. 95 Quadro 4 – Motivos pelos quais os alunos gostam ou não de praticar a escrita .................... 117 Quadro 5 – Sucesso dos objetivos traçados pelas práticas de escrita ..................................... 120 Quadro 6 - Interlocutores dos alunos no que se refere aos usos da escrita ............................ 136 Quadro 7 – Assuntos dos eventos de letramento de que participam os alunos no meio social externo à escola ...................................................................................................................... 157 Quadro 8 – Assuntos polêmicos abordados pelos alunos ....................................................... 160 Quadro 9 - Locais e recursos das práticas de escrita dos alunos ............................................ 178 Quadro 10 - Configuração geral do projeto ............................................................................ 193 Quadro 11 – Descrição do gênero anotação ........................................................................... 196 Quadro 12 – Descrição do gênero questionário...................................................................... 212 Quadro 13 – Descrição do gênero e-mail ............................................................................... 213 Quadro 14 – Descrição do gênero palestra ............................................................................. 214 Quadro 15 – Descrição do gênero mural ................................................................................ 214 Quadro 16 – Descrição do gênero debate ............................................................................... 215 Quadro 17 – Descrição do gênero relatório ............................................................................ 230 Quadro 18 – Descrição do gênero cartaz ................................................................................ 236 Quadro 19 – Descrição do gênero panfleto ............................................................................ 237 Quadro 20 – Descrição do gênero postagem .......................................................................... 245 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - População do bairro da Torre por cor ou raça ......................................................... 26 Tabela 2 - Cadeias de interação dos alunos ............................................................................ 104 Tabela 3 - Críticas à escrita dos entrevistados ........................................................................ 124 Tabela 4 - Troca de experiências na escrita cotidiana dos alunos .......................................... 138 Tabela 5 - Experiências prévias dos alunos com as práticas de escrita .................................. 142 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................................ 17 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA .......................................................................... 25 1.1 O contexto da pesquisa .............................................................................................. 25 1.2 A inscrição no campo da Linguística Aplicada ......................................................... 29 1.3 A abordagem e o paradigma metodológicos da pesquisa .......................................... 30 1.4 Os métodos e instrumentos de geração dos dados da pesquisa ................................. 31 1.5 As etapas, os colaboradores e os procedimentos de pesquisa .................................... 35 2 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................. 49 2.1 Os letramentos ........................................................................................................... 49 2.1.1 Eventos e práticas de letramento........................................................................ 54 2.1.2 Os domínios sociais ............................................................................................ 59 2.1.3 A escrita e os gêneros textuais ........................................................................... 61 2.1.4 O letramento que se perpetua na escola ............................................................ 64 2.1.5 Os usos contemporâneos da escrita ................................................................... 68 2.2 A perspectiva crítica dos letramentos e suas orientações para o ensino .................... 74 2.3 Pedagogia crítica ........................................................................................................ 79 2.4 Projetos de letramento ............................................................................................... 84 3 AS PRÁTICAS DE ESCRITA DOS ESTUDANTES E O PROJETO DE LETRAMENTO CELULAR NA SALA DE AULA, SIM OU NÃO? ......................................... 94 3.1 As práticas de escrita dos alunos fora da escola e o que elas nos dizem ................... 94 3.1.1 A escrita atrelada às novas tecnologias é uma realidade .................................. 94 3.1.2 A escrita fora da escola é acima de tudo funcional ......................................... 116 3.1.3 No dia a dia, os alunos agem colaborativamente ............................................ 135 3.1.4 Os alunos falam sobre muitas coisas, eles já sabem muito .............................. 156 3.1.5 Os tempos, recursos e espaços dos usos da escrita do dia a dia são dinâmicos ......................................................................................................................................... 171 3.2 O projeto de letramento “celular na sala de aula, sim ou não?” .............................. 187 3.2.1 Oficinas de letramento do projeto .................................................................... 194 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 264 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 269 ANEXOS ................................................................................................................................ 279 Anexo 1 – Termo de compromisso para utilização dos dados............................................ 279 Anexo 2 – Termo de assentimento livre e esclarecido ....................................................... 281 Anexo 3 – Questionário de geração de dados - Escola ....................................................... 282 Anexo 4 – Questionário sociocultural ................................................................................ 284 Anexo 5 – Questionário para entrevistas ............................................................................ 285 Anexo 6 – Questionário para uso durante a execução do projeto ....................................... 287 Anexo 7 – Notas de campo ................................................................................................. 288 17 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Na escola em que se situa este estudo, é muito comum o ensino-aprendizagem estar atrelado de alguma forma aos mecanismos de avaliação ou de aferição da aprendizagem. O currículo, as estratégias e objetivos de ensino, os materiais utilizados, enfim, o aparato teórico metodológico que dá sustentação ao ensino é determinado em função do que se espera de determinados exames avaliativos. Associadas ao discurso de propagação de medidas necessárias ao alcance de resultados significativos no que tange à qualidade do ensino, as ideias das avaliações institucionais impregnaram as políticas de formação continuada de professores e de concepção e desenvolvimento curricular. Além disso, muitas das recomendações que recebemos quanto ao ensino estão centradas no desenvolvimento de competências e habilidades que subjazem formas de controle e mecanismos de prestação de contas. No estado de Pernambuco, por exemplo, as escolas estaduais são submetidas ao Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco – SAEPE, que, a partir do ano de 2008, passou a ser realizado anualmente. “O SAEPE constitui-se numa avaliação padronizada e censitária que permite aferir o desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática no 3º, 5º e 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio” (SIEPE, 2016, p. 23). O retorno dos resultados para a escola é feito por meio de boletins pedagógicos impressos e disponíveis no site da Secretaria de Educação, contendo os resultados por escola e as orientações para os professores e equipes gestora e técnica (SIEPE, 2016). É importante ressaltar que as escolas da rede estadual (nós fazemos parte desse rol) as quais alcançam entre 50 e 100% das metas estabelecidas pelo SAEPE são contempladas com o Bônus de Desempenho Educacional - BDE. Esse bônus representa um percentual adicionado ao salário dos professores e técnicos de educação que pertencem às escolas que atendem positivamente às metas. O valor acrescido ao salário varia, portanto, em razão do desempenho de cada instituição (PERNAMBUCO, 2016). O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) também é uma avaliação de larga escala, o qual impacta significativamente as decisões que envolvem o ensino-aprendizagem na escola, que oferta com exclusividade o Ensino Médio nas modalidades regular e de Educação de Jovens e Adultos – EJA. Esse exame representa a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil, tanto nas instituições de educação públicas quanto em boa parte das privadas. 18 É por meio da realização dessa avaliação, pois, que os nossos alunos obtêm acesso a programas educacionais, como o SiSU (Sistema de Seleção Unificada), que tem como objetivo selecionar candidatos participantes do ENEM, alocando-os em universidades federais e estaduais; ProUni (Programa Universidade para Todos), que oferece bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior; FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), que financia cursos superiores não gratuitos em instituições de natureza particular (SANTANA, 2013). O ENEM, nesse sentido, passou não só a fazer parte do calendário escolar de estudantes que vão completar o ensino médio, mas tornou-se uma das principais razões de os alunos procurarem obter sucesso na escola. O exame ampliou e trouxe, de certa forma, a acirrada disputa pelas vagas em cursos superiores para dentro das escolas. A avaliação em si e, por conseguinte, o desempenho dos alunos passaram a ser assuntos prioritários do planejamento da escola. Direção, coordenadores, professores e alunos preocupam-se em entender profundamente a prova a as dinâmicas referentes ao exame. Na escola, a avaliação do desempenho escolar dos alunos também passa pela realização das chamadas provas. O parâmetro de aproveitamento, que constitui a média aritmética de duas notas bimestrais, atribuídas ao aluno, durante o semestre letivo, é adquirido mediante a realização de exames presenciais obrigatórios realizados em dias previamente estabelecidos. Os alunos realizam, pois, duas rodadas de provas de cada uma das disciplinas em cada semestre. As provas que os alunos realizam em cada um dos bimestres possuem formato bastante semelhante ao dos exames de larga escala, como o SAEPE e o ENEM. É recorrente, na composição dos testes, inclusive, a utilização de questões de natureza objetiva, de provas de vestibulares para instituições de ensino superior. Há uma forte preocupação em utilizar estratégias que reforcem a participação e aptidão dos alunos , de forma a obterem sucesso nesses exames, que parecem parametrizar o ensino aprendizagem em escolas de ensino médio. A atribuição final das notas bimestrais, além do resultado da prova ou exercício de verificação, também leva em conta a assiduidade, a participação e a aplicação aos estudos demonstrados pelos alunos. Desse modo, é relevante observar que a realidade da escola é perpassada pela necessidade de se alcançar os índices de crescimento estipulados pela aferição do SAEPE, em razão do posicionamento da escola no ranking estadual, devido à inevitável comparação de desempenho que se estabelece entre as diferentes escolas e em virtude da obtenção do bônus educacional. 19 A escola também encontra, como um dos grandes desafios nos dias de hoje, a aprovação de seus alunos no ENEM. Essa questão tomou enormes proporções porque tornou- se um consenso na comunidade educacional o fato de a quantidade de alunos aprovados no exame determinar a qualidade da educação ofertada. Além disso, os índices do ENEM referentes a cada instituição são motivo dos mais variados debates, ressaltando sua (não)visibilidade e, em decorrência, a face competitiva das atuais políticas públicas. A busca pelo alcance das notas nas provas internas bimestrais e, por conseguinte, a necessidade de levar os alunos a ‘treinar’ corretamente a responder testes que se assemelham àqueles que são fundamentais para o ranqueamento da escola, também terminam por descaracterizar as particularidades do trabalho de cada docente, mobilizar ações de ensino- aprendizagem para o trato de aspectos referentes às avaliações e enfatizar um tipo de política que parece responsabilizar apenas os professores e profissionais das escolas pelos resultados das instituições. Cabe ressaltar, porém, que as políticas que englobam os diferentes tipos de avaliações favorecem aspectos que são necessários e relevantes para traçar políticas educacionais, monitorar o funcionamento das redes de ensino, mensurar deficiências e potenciais, desenvolver programas educacionais etc. Não é objetivo nosso, portanto, querer afirmar que as ações que envolvem avaliações, tanto internas quanto externas, são desnecessárias ou ineficientes, mas enfatizar que a dinâmica dessas políticas parece ditar o ritmo da escola. Assim, as estratégias de ensino acabam perdendo em multiplicidade, delimitando alternativas e fazendo com que não percebamos que existem outras possibilidades de ação que também podem apresentar bons resultados, inclusive no que confere aos aspectos relacionados ao desempenho dos estudantes em avaliações. Em língua portuguesa, por exemplo, as estratégias de ensino concernentes à produção textual parecem uniformes e o currículo relativo a esse aspecto chega a se basear apenas nos conteúdos dessas avaliações, evidenciando determinadas noções e procedimentos. Dessa forma, o trabalho do professor tende a dar muito destaque a alguns aspectos e pouco a outros. Um desses aspectos que vem recebendo pouca ênfase na escola diz respeito à ausência de uma política de ensino-aprendizagem de escrita baseada em princípios éticos e solidários, que favoreça a inclusão e participação dos educandos na cultura letrada, ampliando suas possibilidades de emancipação social. Contribuir com o objetivo de levar os alunos à faculdade ou cursos técnicos e melhorar o desempenho dos estudantes frente aos exames é demasiado importante, mas precisamos assumir a escrita também numa perspectiva plural, crítica e ideológica que possibilite a 20 inserção e participação dos alunos em atividades conferidas nos diferentes espaços sociais, afinal a escrita representa uma poderosa ferramenta de inclusão social, já que o seu domínio pode ofertar maiores chances de mudança aos que dela se apropriam. Foi pensando nessa perspectiva que saímos em busca de alternativas didático- pedagógicas que redimensionem essa lógica de ensino, a qual evidencia mecanismos de controle, seleções classificatórias e aparatos burocráticos conectados às avaliações. A nossa busca é, portanto, por tentar romper esse raciocínio que vem atravessando o ensino ao longo dos anos, por meio de formas alternativas de enfrentamento em face desse modelo referencial de competência e eficiência no ensino e na aprendizagem que se instalou na escola. Foi numa dessas nossas investidas em busca de novos caminhos que descobrimos um dispositivo didático que, a princípio, chamou-nos muita atenção: os projetos de letramento (KLEIMAN, 2000). Especificamente, nosso primeiro contato com essa alternativa de encarar o ensino e, por conseguinte, o trabalho com a escrita, se deu mediante a leitura da obra Projetos de letramento e formação de professores de língua materna (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). O propósito desse livro, produzido por três professoras atreladas à linha de pesquisa “Letramento e contemporaneidade” do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN, foi o de refletir sobre os projetos de letramento (doravante PL) como uma antiga prática recontextualizada pelas atuais demandas sociais, ou seja, uma alternativa que promete priorizar a inclusão, a participação social e o reposicionamento identitário do professor e do aluno, e destacar a importância dessa prática na formação docente e na ressignificação das práticas de leitura e escrita no contexto escolar (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 7). A leitura desse texto representou uma importante experiência de inspiração, pois no livro constam princípios e aspectos que caracterizam os PL como dispositivos didáticos que procuram respeitar a natureza social dos gêneros e a aprendizagem contextualizada; casos práticos de experiência docente de diferentes professoras que desenvolveram PL com vistas à ressignificação do ensino; reflexões que ressaltam a importância de se evidenciar a pluralidade dos letramentos sociais no ensino, no intuito de buscar promover a justiça social, o empoderamento dos sujeitos e a luta por uma sociedade para além das condições de dominação. “Empolgados”, pois, com a descoberta que acabávamos de experienciar, decidimos por conhecê-la em suas particularidades. Em específico, essa nossa curiosidade acabou por 21 me motivar a me inscrever, como aluno especial no ano de 2014, na disciplina Gêneros textuais/discursivos e ensino, ministrada pelas professoras Maria do Socorro Oliveira, Glícia Tinoco (autoras do livro), e Maria da Penha Casado. Essa motivação também me impulsionou a fazer parte, como aluno regular do curso de doutorado em Estudos da linguagem, do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN e a nos atrelar à linha de pesquisa Letramento e contemporaneidade. Foi dessa forma, portanto, que surgiu a ideia e a motivação para desenvolver essa pesquisa que ora se apresenta. Nessa acepção, a investigação possibilita a nós professores, agora também pesquisadores, repensar, reelaborar e ressignificar a prática docente. Assim, buscamos refletir sobre os usos da escrita dos alunos, acerca dos PL e também desenvolver uma ação prática com vistas a pensar sobre como tais dispositivos didáticos podem se constituir em estratégias da prática docente que levam à emancipação discente, pois “nesse tipo de projeto, a parceria entre professores e alunos torna-os protagonistas de sua história, uma vez que começam a refletir na e sobre as ações realizadas; não se trata, então, de aceitá- las como dadas, mas compreendê-las como construídas” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014, p. 48). Implementar uma proposta de pesquisa nesses moldes pode auxiliar na ressignificação do ensino da escrita porque os PL apontam para estratégias que levam em consideração a inserção e ampliação dos estudantes nos ambientes sociais e enfatizam o aspecto interacional da linguagem, concebendo-a como fator estritamente social que não pode acontecer isoladamente. Essa ressignificação a qual buscamos configura, pois, o nosso problema de pesquisa. É relevante frisar, ainda, que os PL podem ser aplicados à realidade escolar porque a sua implementação pode se dar de maneira esporádica, de forma intercalada às estratégias de ensino de uma dada realidade escolar. No mais, a inserção dos PL ante a comunidade escolar já se mostrou frutífera em experiências anteriores, ajudando na superação do fosso existente entre o saber, o saber-fazer e o saber-agir, entre as manifestações culturais e as educacionais, entre o que é tradicional e o que é novo. Além disso, o estudo dos significados e usos do letramento nas vidas de pessoas específicas oferecem insights gerais sobre a organização humana e o processo social e podem contribuir para informar a instrução do letramento e a prática educacional, à medida que a sociedade contemporânea se torna cada vez mais diversificada culturalmente (STREET, 2006). 22 Cabe ressaltar, ainda, que os PL são dispositivos didáticos que encontram amparo legal frente às orientações oficiais de ensino. Nesse sentido, as proposições para o ensino de língua portuguesa no ensino médio dispostas nos PCN (BRASIL, 2002) assinalam que o trabalho em torno de projetos pode ser o primeiro passo para estimular a comunidade escolar a pensar sobre a descompartimentalização do conhecimento e lançar olhos em direção à integração planejada e sistemática da construção conjunta de novas aprendizagens. O documento acrescenta ainda que as atividades desenvolvidas por meio de projetos, em que os alunos trabalhem a partir de temas de seu interesse – procurando resolver questões relacionadas à realidade do seu contexto ou um problema sugerido pelo grupo ou decorrente da vida da comunidade - configuram um trabalho que enfatiza tanto as questões relativas aos usos da língua e suas formas de atualização nos eventos de interação como as questões relativas ao trabalho de análise linguística e análise do funcionamento sociopragmático dos textos (BRASIL, 2002). Tendo em vista que os PL baseiam-se na relação vida/escola, defendendo os princípios de autonomia, liberdade, igualdade e democracia e buscando, sobretudo, processos de mudança e emancipação social (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014), apresentamos as questões da pesquisa:  quais e como são os usos da escrita de alunos estudantes do Ensino Médio fora da escola?  como esses usos podem ser discutidos à luz do referencial teórico- metodológico dos PL?  como implementar um PL que leve em consideração as práticas de escrita desenvolvidas fora da escola e auxilie na ressignificação do ensino- aprendizagem da escrita no contexto escolar? Postas essas questões, trataremos dos propósitos da pesquisa. O objetivo geral é refletir sobre como os usos da escrita de jovens estudantes do Ensino Médio, problematizados à luz do aporte teórico-metodológico dos PL, podem contribuir para a ressignificação do ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa. Já os nossos objetivos específicos são:  investigar os usos da escrita externos à escola por alunos estudantes do Ensino Médio;  analisar os achados de pesquisa à luz do referencial teórico-metodológico dos PL; e 23  desenvolver um PL que leve em consideração os aspectos contextuais de fora da escola e auxilie na ressignificação do ensino da escrita na escola. Explicitadas as motivações, o problema e os objetivos da pesquisa, passemos agora a tratar dos diferentes capítulos que a compõem: No primeiro capítulo, Contextualização da pesquisa, a preocupação foi explicitar o viés metodológico em que ela se enquadra. Assim, as contribuições se inscrevem no campo da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006) e acompanham o paradigma qualitativo de pesquisa (DENZIN; LINCOLN, 2006), sendo a abordagem que orienta a investigação é a pesquisa-ação (THIOLLENT, 2003). O segundo capítulo, Referencial teórico, marca o aporte teórico da pesquisa. Dispomos as considerações que dão conta de explicitar noções e conceitos imprescindíveis para o embasamento da pesquisa. Nesse sentido, fundamentamos as discussões, principalmente, no aporte teórico dos estudos do letramento (BARTON, 1991; BARTON; HAMILTON, 1998; KLEIMAN, 1995a, 1995b; OLIVEIRA, 2010a; STREET, 1984, 2014), e dos projetos de letramento (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA, 2008, 2010a; OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014). O terceiro capítulo da tese, chamado de As práticas de escrita dos estudantes e o projeto de letramento “Celular na sala de aula, sim ou não?”, marca a análise das práticas de escrita pelos alunos fora da escola e o tratamento dos achados de pesquisa em relação à escola. Esse capítulo foi desenvolvido mediante a construção de duas etapas que se desdobram em dois subcapítulos, chamados de As práticas de escrita dos alunos fora da escola e o que elas nos dizem e O projeto de letramento Celular na sala de aula, sim ou não. Dessa forma, buscamos, em um primeiro subcapítulo, mapear os eventos de letramento vivenciados fora da escola por alunos do ensino médio para, depois, empreender uma gama de considerações acerca de como as praticas de escrita desenvolvidas fora da escola, interpretadas à luz dos preceitos teórico-metodológicos dos PL, podem nos ajudar a pensar na ressignificação das ações de ensino-aprendizagem que versam sobre os usos da escrita na escola. No segundo subcapítulo estão pormenorizadas as ações decorrentes da execução de um PL, intitulado O projeto de letramento “Celular na sala de aula, sim ou não?”, que foi concebido em razão dos achados oriundos do mapeamento dos eventos de letramento de que participam os alunos em práticas sociais e do referencial teórico-metodológico dos PL. O quarto capítulo, Considerações finais, destina-se às respostas as nossas questões de pesquisa, ressaltando as contribuições do trabalho, e às discussões que colaboram de maneira 24 relevante aos propósitos didático-pedagógicos comprometidos com um ensino de escrita produtivo, que preza pelo dinamismo e reconhece a importância dos estudantes e do seu contexto. 25 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA Neste primeiro capítulo, construímos um perfil da comunidade, da escola e dos colaboradores e explicitamos o viés metodológico da pesquisa: a inscrição no campo da Linguística Aplicada, o paradigma qualitativo de pesquisa e a abordagem da pesquisa- ação. Ainda nesse capítulo, detalhamos as etapas e o processo de geração dos dados da pesquisa, que ocorreram mediante a realização de diferentes procedimentos e do uso de variados métodos e instrumentos. 1.1 O contexto da pesquisa A escola pública de ensino médio na qual se ancoraram as ações da pesquisa chama-se Escola Martins Júnior (ver figura a seguir). A escola pertence à rede estadual de educação e funciona em três turnos, atendendo apenas estudantes de ensino médio nas modalidades regular e educação de jovens e adultos. Durante os turnos matutino e vespertino, são oferecidas as chamadas turmas regulares e, no turno noturno, são atendidos alunos da modalidade educação de jovens e adultos. O quantitativo de alunos em turmas regulares de ensino médio no ano de 2016 era de 255, distribuídos assim: 133 alunos em turmas do 1º ano, 69 em turmas do 2º ano, e 53 alunos em turmas do 3º ano. Na modalidade da educação de jovens e adultos, a escola contava com 184 discentes em 2016. Figura 1- Escola Martins Júnior, Torre, Recife - PE Fonte: Acervo da pesquisa. 26 O nome da escola é uma homenagem ao jurista e professor Martins Júnior, nascido no Recife, em 24 de novembro de 1860. Martins Júnior foi deputado federal e também poeta, ocupante da Cadeira 13 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 15 de maio de 1902, na sucessão de Francisco de Castro (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2019). Em termos de infraestrutura, a escola possui 10 salas de aulas, das quais apenas 8 são utilizadas para fins de docência. Além disso, a escola possui sala de diretoria, sala de professores, laboratório de informática, laboratório de ciências, cozinha, biblioteca e banheiro dentro do prédio adequado a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida. O seu quadro de pessoal é composto por 32 funcionários, assim distribuídos: 1 gestor, 2 educadores de apoio, 24 professores (todos com formação em licenciatura plena, 3 destes readaptados), 1 coordenador de biblioteca e 4 agentes administrativos. A escola está situada no bairro da Torre, zona norte da cidade do Recife, Pernambuco. O nome do bairro advém de uma antiga capela que era conhecida por esse nome, a qual passou por uma nova e completa reforma e, hoje, é a igreja matriz do bairro (VAINSENCHER, 2013). O bairro da Torre integra a 4ª Região político-administrativa do Recife. Com área de 117 hectares, o bairro possui 17.903 habitantes e densidade demográfica de 152,68 habitantes/hectare (RECIFE, 2010). Dados da prefeitura (RECIFE, 2010) mostram que a população do bairro é composta em sua maioria por mulheres. Ao todo são 9.984 mulheres, correspondente a 55,77% da população. O número de homens é de 7.919, 44,23% do total de pessoas no bairro. A proporção de mulheres responsáveis pelo domicílio é de 48,56 %. Por faixa etária, o bairro possui 1.020 habitantes de 0 a 4 anos, 5,7%; 2.115 pessoas com idade entre 5 e 14 anos, o equivalente a 11,81%; 704 jovens com idades de 15 a 17 anos, 3,93% do total da população; 2.252 habitantes com idade entre 18 e 24 anos, perfazendo 53,52%; 5.581 pessoas com idade entre 25 e 59 anos, o equivalente a 53,52% da população do bairro; e 2.232 pessoas com mais de 60 anos de idade, 12,46% do total de pessoas (RECIFE, 2010). No tocante ao quesito raça, a população do bairro se divide da seguinte forma: Tabela 1 - População do bairro da Torre por cor ou raça População por cor ou raça % Branca 55,64 Preta 5,36 Parda 37,85 27 Amarela 1,03 Indígena 0,12 Fonte: Recife (2010). Apesar de a Escola Estadual Martins Júnior estar localizada em um bairro considerado nobre (o índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM1 do bairro da Torre é de 0,955, o do Recife é de 0,772 e o do Brasil é de 0,727 (RECIFE, 2010), ele é marcado por desigualdades (ver imagem a seguir), ou seja, no mesmo bairro existem áreas desenvolvidas do ponto de vista da urbanização, oferta de serviços públicos e alta concentração de renda, enquanto também existem áreas sem investimento público, altas taxas de vulnerabilidade social e baixo poder aquisitivo. Figura 2 – Vista parcial do bairro da Torre – Recife - PE Fonte: Lucena (2012). Algumas dessas áreas consideradas de baixa renda, localizadas nas proximidades da escola, são as comunidades Vila Santa Luzia e Abençoada por Deus. Por estarem localizadas dentro de um dos bairros mais ricos da cidade, as comunidades se beneficiam de algumas possibilidades de investimento público existentes: transportes, áreas de lazer, quadras poliesportivas, creche, postos de saúde e escolas. Porém, nas comunidades é comum observarmos deficiências no trato do lixo, precariedade na iluminação pública e no sistema de esgoto sanitário, que, recorrentemente, é 1 O IDHM é um índice composto por três indicadores de desenvolvimento humano: vida longa e saudável (longevidade), acesso ao conhecimento (educação) e padrão de vida (renda). O IDHM do país, por exemplo, não é a média municipal do índice, mas é um cálculo feito a partir das informações do conjunto da população brasileiras em relação aos três indicadores (RECIFE, 2010). 28 despejado sem tratamento no Rio Capibaribe, o qual margeia as comunidades. O fator violência também é um aspecto que vem caracterizando o dia a dia dessas comunidades. Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), de junho de 2016 a junho de 2017, foram mortos 522 jovens (15 a 29 anos) no Recife. Desse total, 514 são negros e pardos (98%). O Ministério Público de Pernambuco, por sua vez, informa que mais de 30 jovens entre 15 e 29 anos foram assassinados na Região Político-Administrativa 4, principalmente no trecho compreendido entre as comunidades Novo Detran, no bairro da Iputinga, e Vila Santa Luzia e Abençoada por Deus, no bairro da Torre (RECIFE, 2017). A grande maioria dos alunos atendidos pela Escola Martins Júnior advém, portanto, dessas comunidades, já que a escola é uma das poucas que ofertam gratuitamente o ensino médio e fica localizada nas proximidades dessas áreas. O serviço de transporte público, por exemplo, é vasto nas áreas nobres do bairro, mas quase todos os alunos chegam andando até a escola ou utilizando a bicicleta como meio de transporte. As informações fornecidas pela prefeitura (RECIFE, 2010) dão conta, ainda, que a taxa de alfabetização da população do bairro com idade de 10 anos ou mais é de 94,9%. Segundo essa mesma fonte, esses dados provêm do Censo Demográfico do IBGE de 2010 e esse é o percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade capazes de ler ou escrever pelo menos um bilhete simples. As mobilizações da escola e de professores com vistas à participação e o efetivo sucesso dos alunos frente a testes de aferição de aprendizagem é muito evidente. Acerca disso, os resultados da escola no que tange ao Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, no último teste realizado antes da pesquisa, foram os seguintes: 69 alunos participaram (taxa de participação de 73,91%). Em termo de notas, obtiveram, na área de linguagens e códigos e suas tecnologias: 475,21 pontos. Em redação: 536,08 pontos. As notas médias obtidas pelo conjunto dos alunos das escolas brasileiras no ENEM, nesse mesmo período, foram: linguagens e códigos e suas tecnologias, média: 514,88 pontos. Em redação, média de 563,08 (INEP, 2016). O último resultado da escola, em razão do desempenho regional, aferido pelo SAEPE - Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco, na área de língua portuguesa, foi de 274,6 pontos. A nota média das escolas estaduais, em Pernambuco, foi de 263,1 (SIEPE, 2016). Importante ressaltar que as escolas que alcançam entre 50 e 100% das metas estabelecidas pela rede de ensino no teste do SAEPE são contempladas com Bônus de Desempenho Educacional - BDE. Esse bônus é um valor disponibilizado aos professores e técnicos de educação pertencentes à escola que atendeu positivamente às metas e que são melhoras nos 29 índices de desempenho dos colaboradores nas áreas de língua portuguesa e matemática (PERNAMBUCO, 2016). 1.2 A inscrição no campo da Linguística Aplicada Os letramentos são fenômenos observados nas diversas práticas de utilização da língua/linguagem que ocorrem no meio social, desde a escola até outras agências sociais: família, igreja, trabalho etc. Nessa perspectiva, os estudos que envolvem os letramentos abarcam um escopo de cunho amplo porque as investigações concernentes aos usos efetivos da língua/linguagem englobam múltiplas facetas das práticas sociais. Todas as reflexões vislumbradas por esta pesquisa, assim como os desdobramentos que a ela subjazem, se inscrevem numa máxima maior, que é o entendimento da língua/linguagem enquanto prática social. Por isso, nossa busca é por contribuir, sobretudo, acerca de questões concernentes ao uso da língua/linguagem, sobre problemas do mundo real, assim como ressaltam as macro-orientações da Linguística Aplicada. A investigação se associa ao campo da Linguística Aplicada porque o nosso objeto de estudo são os efetivos usos da escrita como práticas sociais, efetivas, multifacetadas, em contextos de interação autênticos de uso da língua materna, reveladores de questões relevantes sobre o uso da língua/linguagem. As reflexões empreendidas favorecem a construção de um conhecimento que está associado com a vida contemporânea (MOITA LOPES, 2006). Dessa forma, as contribuições se inscrevem no campo da Linguística Aplicada porque ao conhecer as práticas efetivas de uso da escrita, estamos conhecendo a nós mesmos e criando possibilidades para compreensão da vida social. Colaboramos, portanto, para o desenvolvimento de reflexões no campo da Linguística Aplicada porque esse estudo envolve os letramentos como práticas sociais que legitimam a importância das atividades de ensino-aprendizagem as quais se valem das características concernentes aos efetivos usos da escrita no meio social. A efetivação de ações de ensino- aprendizagem associadas a essas características aproxima a escola da realidade contemporânea, que é marcada pelos múltiplos discursos. 30 1.3 A abordagem e o paradigma metodológicos da pesquisa Na pesquisa de orientação qualitativa, o envolvimento do pesquisador com aquilo que ele investiga é quase obrigatório. O pesquisador busca compreender os fenômenos que estuda – ações dos indivíduos, grupos ou organizações – interpretando-os segundo a perspectiva dos próprios envolvidos na situação. Este paradigma de pesquisa envolve uma abordagem interpretativa do mundo, seus pesquisadores atuam em busca de compreender as coisas, procurando entender os significados dos fenômenos conferidos pelas pessoas. Nessa perspectiva, a pesquisa de cunho qualitativo atribui muita importância aos depoimentos dos colaboradores envolvidos, seus discursos e os significados interpretados. Nessa abordagem, geralmente, as análises primam pela descrição detalhada dos fenômenos e dos elementos que o envolvem (DENZIN; LINCOLN, 2006). Por essas razões, a opção metodológica é por acompanhar o paradigma qualitativo de pesquisa. Optar pela pesquisa de natureza qualitativa condiz com a geração de dados mais detalhados que, por sua vez, promovem interpretações mais ricas acerca da ação humana, dos comportamentos e experiências dos colaboradores envolvidos. O nosso entendimento, portanto, é o de que a pesquisa qualitativa vai além dos dados quantitativos, abordando uma variedade de instrumentos de geração de dados com vistas a apreender e interpretar os significados existentes nas ações dos colaboradores. É pertinente salientar que discutir aspectos quantitativos e qualitativos não significa dizer que uma pesquisa, para ser considerada qualitativa, encerre todas as possibilidades de quantificação. Concordamos com André (2008), quando afirma que esses métodos sempre estarão correlacionados, as análises quantitativas e qualitativas são realizadas a partir dos valores e das referências do pesquisador. Não há como haver uma exclusão completa da influência de um método sobre o outro. Além disso, a pesquisa se insere no contexto educacional, em que a utilização do método qualitativo torna-se mais pertinente porque nos permite apreender o caráter complexo e multidimensional dos fenômenos educacionais e, assim, mostrar o caminho para a captação dos diferentes significados das experiências vividas, auxiliando na compreensão das relações entre os indivíduos, seus contextos e ações (ANDRÉ, 1983). Definido, pois, como paradigma metodológico ao qual está ancorada a pesquisa, o qualitativo. Passemos, então, a estabelecer e explicar o tipo de abordagem que orienta a investigação, a pesquisa-ação (THIOLLENT, 2003). 31 A utilização de uma metodologia baseada na pesquisa-ação, nesse caso, foi considerada mais adequada porque possibilitou mais do que analisar as próprias ações didático-pedagógicas que realizamos. A partir dela, pudemos criar condições para investigarmos nossas próprias práticas. Nesse sentido, atuamos como professores e pesquisadores e pudemos, ainda, desempenhar “um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas” (THIOLLENT, 2003, p. 15). A dinâmica da pesquisa-ação, então, foi importante para alcançar os nossos propósitos, já que essa metodologia representa um tipo de pesquisa social com base empírica, concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e participativo (THIOLLENT, 2003, p. 14). A pesquisa-ação possibilitou estudar, portanto, “dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação” (THIOLLENT, 2003, p. 21). A pesquisa prescindiu, dessa forma, dos elementos que, segundo Barbier (2000), caracterizam uma pesquisa-ação: um problema referente a determinado contexto e inclusão do diagnóstico de uma dada situação passível de melhoria; a formulação de uma estratégia de trabalho; o desenvolvimento das estratégias; a avaliação de sua eficiência e; a análise e a compreensão da nova situação resultado desse processo. 1.4 Os métodos e instrumentos de geração dos dados da pesquisa Os dados da pesquisa foram originados de um detalhado processo de geração que ocorreu mediante a realização pesquisa documental, coleta de documentos, entrevistas, notas de campo e questionários. Dessa maneira, procuramos empreender a implementação de uma pesquisa que empregou métodos e instrumentos diversos em favor da consolidação dos objetivos de pesquisa. A entrevista foi um importante método de busca de dados na primeira etapa da pesquisa, para ter o mapeamento dos eventos de letramento dos alunos em práticas sociais externas à escola. A entrevista consistiu em uma oportunidade de conversar face a face e foi muito utilizada tanto para mapear, quanto para compreender o mundo da vida dos 32 respondentes. Ela nos forneceu informações importantes para uma compreensão detalhada dos textos, atitudes, valores e motivações dos atores sociais e dos contextos sociais específicos da pesquisa (MINAYO, 2008). A entrevista, segundo Martins e Bicudo (1994, pág. 54), É a única possibilidade que se tem de obter dados relevantes sobre o mundo- vida do respondente. Ao entrevistar-se uma pessoa, o objetivo é conseguir-se descrições tão detalhadas quanto possível das preocupações do entrevistado. Não é, tal objetivo, produzir estímulos pré-categorizados para respostas comportamentais. As descrições ingênuas situadas, sobre o mundo-vida do respondente, obtidas através da entrevista, são, então, consideradas de importância primária para a compreensão do mundo-vida do sujeito. Optamos pelo uso de diferentes entrevistas: a estruturada e a semiestruturada (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). O modelo estruturado é representado por um roteiro estratégico de questões previamente estabelecidas, como vistas a garantir uma entrevista uniforme. Utilizamos esse tipo de entrevista para inquirir a gestão acerca do perfil da escola. Os questionários incluíram questões que nos proporcionaram conhecer os diferentes potenciais materiais e profissionais da escola, a infraestrutura, pessoal, funcionamento e as suas potencialidades. As entrevistas semiestruturadas apresentam um determinado conjunto de questões pré- definidas. Elas são uma diretriz, mas não ditam a forma como a entrevista irá decorrer, na medida em que as questões podem ser colocadas numa determinada ordem, não exatamente da mesma forma com que foram inicialmente definidas. Neste caso, mesmo tendo um roteiro de questionamentos e de respostas a serem buscadas, estabelecemos uma comunicação de caráter mais informal, fazendo uso não linear das perguntas, com abertura a escuta e deixando os entrevistados à vontade. A busca foi por desenvolver as entrevistas como que em uma conversa, como amabilidade e confiança entre as partes. Em muitas ocasiões, parafraseamos as perguntas ou explicamos termos e trechos dos questionamentos para que os entrevistados pudessem compreendê-los. Utilizamos as entrevistas semiestruturadas para investigar os usos da escrita dos estudantes nos contextos sociais externos à escola e também para conhecer os próprios jovens. A coleta de documentos de também foi instrumento necessário à pesquisa, à medida que realizamos as entrevistas, procuramos por documentos, artefatos, dados concretos, como textos, fotografias, imagens, gêneros, que evidenciassem os resultados. Essas evidências materiais dos achados de pesquisa foram utilizadas como forma de entender melhor os resultados e explicitarmos com maior riqueza de detalhes as nossas interpretações. 33 A busca consistiu, portanto, em compreender as mais diferentes materialidades que as práticas sociais podem proporcionar. Nos eventos de letramento, por exemplo, podemos elencar uma multiplicidade de artefatos de linguagem que podem ser recuperados. Além de compreender quais e como são as práticas de escrita cotidianas dos jovens, buscamos enriquecer os significados das interpretações por meio da utilização de unidades discursivas que se manifestam materialmente, entre outros achados, como imagens que evidenciassem as práticas de letramento dos entrevistados. A coleta documental foi realizada por meio de materiais que ainda não receberam tratamento analítico, considerados de primeira mão (GIL, 2008). Esse procedimento consistiu na busca por materiais visando uma interpretação. A inserção desses achados permitiu produzirmos e elaborarmos conhecimentos, criando assim formas de interpretar os fenômenos. Visando conhecer melhor o contexto da pesquisa, fizemos também uso da análise de documentos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Os documentos, nesse caso, são registros escritos que contém informações importantes para a compreensão dos contextos e as relações que podem se estabelecer com os achados de pesquisa, ou seja, possibilitam conhecer o entorno social das ações, pois se constituem em manifestações registradas de aspectos da vida social de determinado grupo. Esses documentos (relatórios gerenciais, planos escolares, relatórios e perfis do bairro) proporcionam compreender a dimensão social da pesquisa e os objetos cuja interpretação necessitam de contextualização histórica e sociocultural. Nesse caso, a meta foi traçar um breve perfil da escola e da comunidade, com vistas a contextualizar as análises. Por fim, desenvolvemos e executamos um projeto de letramento (KLEIMAN, 2000) para refletir criticamente sobre a nossa prática pedagógica, visando o delineamento de um novo fazer pedagógico baseado em um dispositivo didático que se apresentou como uma alternativa que prioriza a inclusão, a participação social e o reposicionamento identitário do professor e do aluno, destacando a importância dessa prática na formação docente e na ressignificação das práticas de leitura e escrita no contexto escolar (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). O desejo de desenvolver um projeto de letramento (doravante PL) em conformidade com as especificidades do dispositivo didático e das particularidades de um determinado público surgiu, pois, em virtude de buscarmos alternativas didático-pedagógicas que rompam o raciocínio que vem atravessando o ensino na escola, qual seja o de evidenciar mecanismos de controle, seleções classificatórias e aparatos burocráticos conectados a avaliações. 34 Durante a implementação do projeto, fizemos uso de notas de campo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), que foram importantes para efetuar registros no decorrer da execução da pesquisa-ação. Essas notas representaram, na prática, anotações pertinentes ao objetivo da pesquisa, desenvolvidas nos momentos de realização das ações e eventos de letramento, de modo a não nos desviarmos dos diferentes aspectos e detalhes do desenvolvimento da proposta. No que se refere à coleta de feedbacks acerca das ações e eventos de letramento desenvolvidos no projeto, optamos por distribuir questionários, a serem respondidos pelos alunos envolvidos no projeto. A inserção dos questionários objetivou fornecer informações gerais sobre a apreciação dos sujeitos acerca da participação nas diferentes atividades (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Utilizamos diversos métodos e instrumentos contemplados no paradigma qualitativo de pesquisa. Nesse sentido, entendemos que a configuração da pesquisa é o reflexo das proposições e explanações do pesquisador, que envolvem, necessariamente, um ponto de vista seletivo e uma interpretação (KLEIMAN, 2009). Isso significa afirmarmos a nossa não neutralidade em relação à realidade que está sendo pesquisada e, nesse sentido, as escolhas que fizemos, foram cruciais para o delineamento da pesquisa. No gráfico a seguir, estão dispostas de forma resumida, a disposição dos capítulos da tese, os métodos e instrumentos utilizados na construção desses capítulos e as diferentes etapas da pesquisa-ação: 35 Gráfico 1 - Esquema representativo das etapas de construção dos capítulos da pesquisa Fonte: Acervo da pesquisa. Todas as ações de geração de dados foram desenvolvidas mediante o consentimento e assentimento das partes colaboradoras. Para elaboração dos termos que explicam os detalhes da pesquisa, procedimentos, riscos, benefícios e direitos dos participantes, utilizamos as instruções estabelecidas pela Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRN (UFRN, 2016). A implementação de todos os procedimentos previstos pela pesquisa também teve o comprometimento ético necessário por parte do pesquisador. 1.5 As etapas, os colaboradores e os procedimentos de pesquisa Para traçar um breve perfil da escola e da comunidade, com vistas a contextualizar as análises, fizemos uso de questionário para entrevista (vide anexo 3) e pesquisas de cunho documental. Os questionários incluíram perguntas que proporcionam o conhecimento dos diferentes potenciais materiais e profissionais da escola. As informações consolidadas nesse momento auxiliaram no desenvolvimento de interpretações que se entrelaçam ao contexto social dos alunos. Saber sobre a situação atual da escola, em termos de infraestrutura, pessoal, funcionamento e alunos permitiu a compreensão das suas potencialidades. Entender esses 36 aspectos foi importante porque nas análises vislumbramos as possibilidades de a escola se tornar um lugar em que as práticas de escrita possam ser potencializadas e possam ocorrer de maneira alinhada ao contexto social. Na figura a seguir, mostramos um momento em que gerávamos dados junto à administração da escola. Fonte: Acervo da pesquisa. A análise de documentos também foi útil porque a partir daí pudemos refletir sobre a comunidade da qual a escola faz parte. Nesse sentido, buscamos informações que dessem conta de como é o contexto maior em que a escola se insere, o bairro e a cidade. Os documentos (relatórios gerenciais, planos escolares, relatórios e perfis do bairro) foram fundamentais para refletir sobre a realidade vivenciada por aquela determinada comunidade escolar. Ressaltamos, no entanto, que o desenvolvimento dos marcos metodológicos e teóricos que embasaram esse texto foi se aprimorando ao longo do desenvolvimento da proposta de pesquisa. Essa construção passa, portanto, pela concepção do projeto de pesquisa inicial e vai se desenvolvendo ao longo das pesquisas, das leituras, dos encontros de orientação e dos estudos pilotos realizados. A busca foi pela implementação de um referencial teórico- metodológico o qual, de fato, nos ajudasse a fazer a leitura mais pertinente acerca do objeto de pesquisa. O conjunto dessas muitas informações acessadas está evidenciado de forma sistematizada nos capítulos teórico e metodológico da pesquisa. No que tange aos capítulos de análise e tratamento dos achados da pesquisa, compomos o terceiro capítulo da tese, chamado de As práticas de escrita dos estudantes e o projeto de letramento Celular na sala de aula, sim ou não? Esse capítulo foi desenvolvido mediante à construção de duas etapas que se desdobram em dois subcapítulos, chamados de Figura 3 – Geração de dados junto à administração da escola 37 As práticas de escrita dos alunos fora da escola e o que elas nos dizem e O projeto de letramento Celular na sala de aula, sim ou não? Dessa forma, buscamos, em um primeiro subcapítulo, refletir sobre as práticas de escrita dos estudantes nos espaços fora da escola e empreender uma gama de considerações acerca de como as praticas de escrita desenvolvidas fora da escola, interpretadas à luz dos preceitos teórico-metodológicos dos PL, podem ajudar na ressignificação das ações de ensino- aprendizagem que versam sobre os usos da escrita na escola. No segundo subcapítulo, estão pormenorizadas as ações decorrentes de um projeto piloto orientado e implementado pelos preceitos teórico-metodológicos dos PL. O PL, intitulado Celular na sala de aula: sim ou não?, foi desenvolvido e executado mediante a orientação dos achados advindos do mapeamento dos eventos de letramento de que participam os alunos em práticas sociais e pelo referencial teórico-metodológico dos PL. Esses dois subcapítulos foram desenvolvidos, portanto, da seguinte forma: a) As práticas de escrita dos alunos fora da escola e o que elas nos dizem – esta etapa do projeto marca os procedimentos necessários ao mapeamento dos eventos de letramento vivenciados fora da escola por alunos do ensino médio para, depois, dissertarmos acerca de como foram realizadas as reflexões sobre como essas experiências com a escrita realizadas fora da escola, especificamente a produção textual, podem ser problematizadas à luz dos preceitos teórico-metodológicos dos PL e, por conseguinte, auxiliarem no processo de ressignificação do ensino da produção escrita. Para desenvolver esse subcapítulo, buscamos refletir acerca dos usos da escrita dos alunos e sobre como a produção textual ocorre cotidianamente nos contextos sociais fora da escola. Investigamos os vários usos da escrita fora do ambiente escolar e as rotinas de escrita desses alunos nos ambientes sociais por onde circulam, no intuito de refletir sobre as práticas sociais nas quais se envolvem e os eventos de letramento que surgem dessas demandas. Interessou-nos pesquisar as práticas de escrita essencialmente enraizadas na experiência cotidiana, que servem aos propósitos de todos os dias. Para efetivar essa etapa da investigação, realizamos entrevistas com os alunos a fim de refletir sobre como eles produzem textos em eventos de letramento vivenciados em casa, na rua, em práticas culturais, cotidianas, comunitárias etc. O conjunto de perguntas dispostas no questionário de entrevistas (vide anexo 5) visou à exploração desses aspectos e se baseou em teorizações de Oliveira (2008) e Hamilton (2000a) acerca dos eventos e práticas de letramento. Especificamente, buscamos investigar os elementos visíveis dos eventos de 38 letramento, tais como participantes, artefatos, ambientes e atividades. Por conseguinte, questões concernentes aos elementos não visíveis, decorrentes das práticas de letramento, tais como participantes ocultos, domínios, recursos e rotinas, também puderam ser detectados nessas entrevistas. Nesse sentido, operamos conforme sugerem Kleiman e Borges da Silva (2008), quando afirmam que, em pesquisas referentes ao letramento, nos preocupamos com “toda e qualquer descrição ou explicação sobre os usos da escrita, o contexto da situação, ou seja, todos os elementos do cenário que compõem a situação comunicativa: tempo, local, participantes, suas respectivas imagens e posições (KLEIMAN; BORGES DA SILVA, 2008, p. 18). Buscamos empreender um conjunto de questionamentos que visaram buscar as informações essenciais para a pesquisa. Assim, optamos por desenvolver uma entrevista semiestruturada, constituída por um conjunto específico de perguntas, visto que precisávamos nos reunir com os alunos em muitas ocasiões e o nosso objetivo era mapear os eventos de letramento dos quais participam. É importante mencionar que, apesar de conduzirmos as entrevistas como uma conversa, evitando o uso de palavras e ou termos técnicos, os questionamentos geralmente exigiam respostas curtas e eram introduzidos ao passo da evolução das entrevistas. Essas são algumas das perguntas que fizemos: Que prática de escrita você desenvolveu em seu cotidiano fora da escola?, Para que você desenvolveu essa prática de escrita?, Com quem escreveu?, Quem são essas pessoas?, Alguém te ajudou a desenvolver essa prática de escrita?, Em que local desenvolveu essa prática de escrita?, Quais recursos utilizou para desenvolver essa prática?, Com que frequência você pratica essa escrita?, Você gosta de desenvolver essa escrita? Por quê? etc. Em virtude de o nosso questionário ser ligeiramente extenso, os encontros para a realização das entrevistas ocorriam em diferentes momentos. Geralmente, em duas ou três sessões era possível terminar uma rodada de entrevistas. Ao todo, realizamos seis entrevistas com cada um dos estudantes colaboradores. Para facilitar os encontros com os colaboradores, optamos por entrevistá-los na própria escola, nos momentos em que o período de aulas se encerrava. Os encontros aconteciam nas salas de aulas ou então em outros espaços da escola, como a biblioteca. Antes de efetivarmos às entrevistas, reunimo-nos com os colaboradores para explicar- lhes questões subjacentes à pesquisa, sobre a importância da sua colaboração, das 39 informações prestadas e sobre a necessidade de conhecimento dos envolvidos, para a desinibição dos entrevistados quanto a figura do entrevistador. Já nos momentos de execução das entrevistas, buscávamos descontrair a situação, não enfatizando aspectos que sugerissem o prestígio de determinados usos de escrita. Procuramos desenvolver a entrevista como uma conversa, no intuito de executar pouco a pouco as perguntas previstas e suavizar a formalidade de um evento dessa natureza. É relevante frisar a importância de a dinâmica das entrevistas ter sido descontraída porque buscamos fazer com que os colaboradores revelassem as suas experiências com a escrita, mesmo sabendo que é muito comum nos domínios de natureza vernacular, os textos deliberadamente escondidos, formas pessoais e privadas de lidar com a leitura ou a escrita (HAMILTON, 2000a). O nosso recorte contempla, pois, apenas aspectos aos quais tivemos acesso por meio das respostas que foram dadas. Enfim, o nosso plano foi o de deixar os entrevistados à vontade para que nos informassem acerca de toda e quaisquer rotinas com a escrita e não apenas algumas que considerassem mais legítimas. Na figura a seguir, apresentamos alguns desses momentos em que interagíamos com os colaboradores. Fonte: Acervo da pesquisa. As entrevistas foram comandadas pelo entrevistador que, de forma oral, inquiria individualmente os estudantes a respeito do conjunto de perguntas. Optamos pelas entrevistas nesse formato porque percebemos como seria difícil estar com os jovens em suas vivências Figura 4 – Interação junto aos colaboradores 40 cotidianas, presentes em suas residências, acompanhá-los no espaço do bairro e da cidade por onde circulam, locais esses que envolvem os jovens em eventos de letramento. Os alunos selecionados para colaborar com a pesquisa foram os do ensino médio regular (1º, 2º e 3º ano). Os colaboradores selecionados possuíam, no período em que geramos os dados, idades entre 15 e 17 anos e pertenciam, equitativamente, aos sexos masculino e feminino. Do total de 12 alunos selecionados para as etapas de entrevistas necessárias ao mapeamento de seus usos da escrita realizados fora da escola, 2 deles mencionaram já ter desistido de ano e 1 deles comentou ter sido reprovado uma vez. Nenhum dos colaboradores afirmou estar trabalhando ou fazendo parte de cursos fora da escola. A seleção desses alunos colaboradores ficou a cargo do docente de Língua Portuguesa responsável pelas turmas. Quanto ao perfil dos alunos a serem selecionados, as únicas solicitações que fizemos foram: que fossem escolhidos, de fato, estudantes que vivenciam a comunidade da qual a escola faz parte; que fossem seis colaboradores do sexo feminino e seis do sexo masculino. Os 12 alunos selecionados foram, portanto, essenciais para que pudéssemos mapear os eventos de letramento que participam no dia a dia fora da escola. Quando citados nas reflexões desencadeadas pela pesquisa, esses alunos receberam denominações especiais, em razão de preservamos as suas verdadeiras identidades. Os nomes fictícios que utilizamos foram: Carla, Luiz, Sandra, Cícero, Maria, Roberto, Rita, Manoel, Célia, Augusto, Eliane e Josué. Esses jovens, que residem no bairro da Torre, Recife, convivem com a realidade social que perpassa o entorno da escola e estão a par da multiplicidade de situações e problemas que marcam a comunidade escolar e o bairro. As famílias a que pertencem os alunos são compostas de uma média de quase 5 pessoas por residência. A renda média familiar dessas famílias dos alunos entrevistados gira entre um e dois salários mínimos mensais e boa parte dessas famílias pertence às religiões católica ou evangélica. As rodadas de entrevista aconteceram em diferentes espaços temporais no ano de 2016. Essa questão foi importante porque alguns dos questionamentos que levamos aos alunos podiam desencadear respostas diversas em razão da questão temporal, como gêneros, assuntos, frequência de uso da escrita, interlocutores etc. Não foram utilizadas, nos questionamentos da entrevista, referências às leituras realizadas fora da escola, porque seriam necessários outros instrumentos metodológicos e outros tempos de pesquisa para mensurar essas experiências. Porém, mesmo o nosso recorte 41 não contemplando especificamente os usos da leitura, é possível refletir a respeito desse aspecto, uma vez que escrita e leitura são indissociáveis, práticas que caminham juntas. De maneira concomitante às entrevistas, indagamos os aprendizes acerca das respostas dadas. No intuito de alcançar resultados mais completos, solicitamos que fossem apresentados documentos e artefatos, como textos, fotografias, imagens, gêneros, que evidenciassem as suas respostas. Essa foi, portanto, uma importante parte da geração de dados. As evidências materiais das práticas de escrita dos jovens foram utilizadas como forma de entender melhor como se deram os usos da escrita, ilustrar as interpretações e visualizar na prática como os fenômenos linguísticos acontecem. Como algumas das indagações que realizamos evocam também a noção de práticas de letramento, como costumes, frequências e preferências quanto ao uso da escrita, que são elementos classificados como não visíveis (OLIVEIRA, 2008; HAMILTON, 2000a), solicitamos aos alunos que apresentassem imagens (fotografias) as quais, de alguma forma, representassem esses hábitos no confere à produção textual fora da escola. As análises e reflexões acerca desses achados de pesquisa oriundos do mapeamento dos eventos de letramento vivenciados pelos estudantes fora da escola configuram a segunda parte desse subcapítulo. Refletimos sobre os achados de pesquisa concernentes à realidade de usos de produção textual vivenciadas pelos alunos fora da escola e sobre como essa demanda, revelada pela multiplicidade dos usos da escrita, pode ser importante para a ressignificação das nossas práticas didático-pedagógicas. Todas as discussões empreendidas também tomaram por base as orientações contidas nos documentos oficiais que tratam da Educação Básica no Brasil, em especial aquelas endereçadas ao Ensino Médio, uma vez que as discussões da pesquisa dizem respeito ao ensino-aprendizagem relacionado aos ambientes públicos de educação voltados para essa fase de escolaridade. Esse primeiro subcapítulo do capítulo de análise desdobrou-se em cinco diferentes seções: (I) a escrita atrelada às novas tecnologias é uma realidade; (II) a escrita fora da escola é acima de tudo funcional; (I) cotidianamente, os alunos agem colaborativamente; (II) os alunos falam sobre muitas coisas, eles já sabem muito; e (III) os tempos, recursos e espaços dos usos da escrita do dia a dia são dinâmicos. 42 Para cada uma dessas seções, procuramos desenvolver uma primeira etapa, acerca dos achados de pesquisa propriamente ditos e uma segunda, buscando refletir sobre como esses achados se conectam aos preceitos teórico-metodológicos dos PL. As conclusões reveladas pelo entrelaçamento das informações referentes aos usos da escrita fora da escola apoiaram a elaboração de um conjunto de reflexões norteadoras que revelam elementos, aspectos e características que podem auxiliar no entendimento, na concepção e no desenvolvimento de ações de ensino-aprendizagem alinhadas ao contexto imediato da escola, decorrentes de interesses reais na vida dos estudantes. Dessa forma, investigamos as práticas de escrita cotidianas para evidenciar características, comportamentos, habilidades, intenções e traços dessas práticas, no intuito de debater sobre como essas vivências comunicativas podem apoiar a construção de uma gama de reflexões acerca de ações de ensino-aprendizagem mais engajadas ao que ocorre no meio social externo à escola. Nesse momento, as ações se amparam na máxima de que o professor que decidir investigar as práticas sociais para subsidiar o trabalho em sala de aula “enfrentará a complexa tarefa de determinar quais são essas práticas significativas e, consequentemente, o que é um texto significativo para a comunidade” (KLEIMAN, 2007, p. 9). b) O projeto de letramento “Celular na sala de aula, sim ou não?” – nesse segundo subcapítulo da seção de análise, está disposto o processo de planejamento das atividades necessárias à implementação de um projeto. Foram imprescindíveis para o delineamento de um projeto de letramento (KLEIMAN, 2000), dessa forma, as orientações advindas do referencial teórico- metodológico do dispositivo didático (OLIVEIRA, 2016) e os achados de pesquisa oriundos do mapeamento dos eventos de letramento de que participam os estudantes. Ainda no que confere as tomadas de decisões referentes à concepção do projeto, levamos em consideração as orientações oficiais acerca do ensino de Língua Portuguesa para o Ensino Médio, as características das turmas envolvidas e o contexto espaço-temporal da escola. Nessa perspectiva, alguns princípios norteadores dos PL receberam especial destaque: o respeito à natureza social dos gêneros e a aprendizagem contextualizada; a importância de se evidenciar a pluralidade dos letramentos sociais e a emancipação e empoderamento dos sujeitos (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 21). Quanto à inclusão dos resultados advindos do mapeamento dos eventos de letramento de que participam os alunos, levamos em consideração a escrita atrelada às novas tecnologias e à contemporaneidade; a funcionalidade decorrente do processo comunicativo; o 43 compartilhamento de conhecimentos e experiências e o trabalho colaborativo; os conhecimentos e experiências prévias dos estudantes; e, por fim, a temporalidade e as possibilidades materiais do contexto. Para o planejamento das atividades necessárias à implementação do projeto, buscamos agir por meio da planificação (QUINTAS, 2008) das atividades, ou seja, objetivamos construir e trabalhar um currículo que procura destacar não apenas os conteúdos programáticos, mas também os valores e propósitos educativos que assumimos ao aderir aos preceitos teórico-metodológicos dos PL. Nessa acepção, a ação de planificar enfatiza o processo participativo e dialógico como central para a tomada de decisões. Leva em consideração, ainda, que sejam ouvidos os colaboradores e que suas necessidades e características sejam abordadas para assim, adotarmos os conteúdos, estratégias, recursos e instrumentos de ensino mais pertinentes. A planificação funciona como um processo dialógico catalisador, pois é a partir daí que surgem as demandas que vão direcionar o trabalho pedagógico. A planificação representa, pois, Um processo de tomada de decisões que ajuda a tornar os actos de ensino mais sistemáticos e intencionais. Utilizada em todos os níveis educativos, permite antecipar o que irá ocorrer no momento educativo, constituindo-se, simultaneamente, num instrumento que encoraja a reflexão sistemática sobre as práticas desenvolvidas (QUINTAS, 2008, p. 80). Planificar as atividades significou conceber o ensino-aprendizagem a partir de um processo reflexivo no qual aprendemos a planejar as etapas e as atividades de modo interativo, de forma que os interesses coletivos se sobressaíssem. Assim, as propostas surgem de um espaço participativo, reflexivo e intencional em que o viés emancipatório é elemento indispensável. Desse modo, demos início à planificação partindo de um princípio indispensável, que foi a busca pelas definições iniciais do projeto – espaços, tempos e público possíveis. Nesse sentido, iniciamos as articulações junto à gestão da Escola Estadual Martins Júnior, já que essa foi a comunidade escolar que selecionamos para o projeto. Conversamos com a gestão da escola e explicitamos a natureza e as intenções de um PL. Foi a partir dessa negociação que fomos orientados pela gestão da escola a tratar diretamente com a professora de Língua Portuguesa responsável pelas turmas regulares do Ensino Médio. Para a equipe gestora, as medidas necessárias ao desenvolvimento e execução do projeto deveriam partir das recomendações dessa profissional. 44 O trabalho colaborativo foi iniciado na escola por meio de articulações com a professora e partiu da definição das particularidades do projeto: tema, situação problema, metodologia, objetivo, público, espaços e tempos necessários a sua execução. Nesse processo de estruturação, as contribuições da professora titular de Língua Portuguesa das turmas foi fundamental para a deliberação das turmas que se envolveriam com a proposta - turmas de alunos do 3º ano do Ensino Médio, duas equipes compostas por 76 alunos. A seleção dessas turmas e, respectivamente, dos espaços necessários ocorreu mediante a anuência da professora responsável pelas turmas e em virtude da necessidade de trabalharmos efetivamente com os mesmos grupos que participaram como colaboradores nas entrevistas da fase de investigação. De posse de todas essas questões e sabendo que os PL são dispositivos didáticos que encontram amparo legal frente às orientações oficiais para o Ensino Médio, definimos o nome projeto, “Celular na sala de aula, sim ou não?”, assim como o objetivo social que buscamos: conscientizar a comunidade escolar compreendida pela Escola Martins Júnior e outras comunidades escolares vizinhas acerca dos diferentes usos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, no contexto da escola. A opção por debater aspectos relacionados ao uso das novas tecnologias no âmbito da escola surgiu da necessidade de explorar um assunto desafiador e, por isso, significativo e motivador para alunos, professores e comunidade escolar em geral. Exploraríamos, por meio de diferentes atividades, os diversos usos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, tanto no que diz respeito ao que é considerado viável quanto não viável do ponto de vista do uso na escola. Os usos cotidianos da escrita fora da escola pelos alunos entrevistados, entrelaçados à utilização de dispositivos oriundos das novas tecnologias, também foram fundamental na definição da temática do PL. Essa foi, portanto, a situação problema que buscamos refletir por meio do desenvolvimento do PL “Celular na sala de aula, sim ou não?”. Essa problemática, cuja temática é significativa para toda a comunidade escolar, se mostra relevante para os alunos, que dão muita importância e buscam utilizar dispositivos oriundos das novas tecnologias a todo o momento, e para professores e demais membros da comunidade escolar, que cada vez mais se preocupam com o uso indiscriminado dos aparelhos. Desse modo, tendo em vista a quantidade de pessoas envolvidas e as características de infraestrutura da escola, que impossibilitou, por exemplo, trabalhar em um mesmo espaço com todo o grupo, programamos um PL dividido em duas frentes de trabalho. O alcance do 45 nosso objetivo aconteceu mediante um trabalho coletivo com características diferenciadas para cada uma das duas turmas. Os momentos em que a definição do possível tempo necessário para o desenvolvimento do projeto entrou em negociação foram os que mais demandaram articulação. Um dos motivos que enfatizaram a necessidade de uma maior negociação decorreu em razão do comprometimento da escola com o cumprimento linear da grade curricular (os conteúdos dos exames). Nesse sentido, foram relevantes as nossas explicitações no sentido de mostrar que os PL, além de recomendados do ponto de vista oficial, são dispositivos didáticos que já foram experienciados por muitos pesquisadores e representam uma oportunidade para pautar o ensino-aprendizagem dos chamados conteúdos curriculares de modo imbricado aos conhecimentos e experiências vivenciados. A professora titular das turmas, ciente dos pormenores da proposta, deliberou e concedeu o tempo suficiente para a implementação do projeto. A seguir, apresentamos a planificação de todas as atividades do projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?”, desenvolvido no ano de 2018 em duas turmas de alunos do Ensino Médio da Escola Estadual Martins Júnior, Torre, Recife – PE. No quadro 1, todas as atividades referentes ao projeto, inclusive as oficinas de letramento do projeto, desenvolvidas nas duas diferentes turmas. Quadro 1 – Planificação das atividades Atividades Objetivo(s) Envolvidos Tempo Acertos iniciais Explicitar a proposta do projeto e discutir a sua viabilidade Pesquisador/professor e gestão da escola Maio Planejamento do projeto Discutir as particularidades do projeto: tema, situação problema, metodologia, objetivo, público, espaços e tempos. Pesquisador/professor e professora Maio Planejamento das oficinas de letramento Organizar as ações/eventos de letramento do projeto (materiais, gêneros, espaços etc) Pesquisador/professor Maio/junho 46 Oficina 1 - Conhecendo o projeto, Celular na sala de aula, sim ou não? Explicitar e pormenorizar o projeto, suas fases, suas estratégias e a sua meta social; entrosar os diferentes integrantes; envolver os estudantes no tange à temática do projeto; captar as impressões dos alunos sobre o tema e o projeto. Pesquisador/professor; colaboradores das turmas 3a e 3b Julho (Re)direcionamentos2 Refletir sobre as atividades programadas Pesquisador/professor Julho Oficina 2 - Problematizando os sentidos dos textos Aprimorar as habilidades e competências referentes ao desenvolvimento da leitura e da escrita; refletir sobre a interdependência (sintático-gramatical, semântica e pragmática) existente entre os elementos textuais, responsáveis pelos sentidos. Pesquisador/professor; colaboradores das turmas 3a e 3b Julho Oficina 33 - Montando uma base para celular de origami Construir uma base para celular com vistas a integrar os alunos, impulsionando-os a refletir sobre a proposta do projeto, desenvolvendo-a da melhor maneira possível. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3b Julho Oficina 4 - Explorando a temática do projeto Desenvolver pesquisas sobre o tema do projeto; explorar o assunto sob os mais diferentes aspectos e embasar as discussões; proporcionar a apropriação do assunto. Pesquisador/professor; colaboradores das turmas 3a e 3b Agosto Oficina 5 - Discutindo o uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola Exercitar a habilidade de expressar-se oralmente; favorecer a troca de informações e a partilha de saberes sobre o uso do celular na escola; consolidar os conhecimentos sobre o assunto. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3ª Agosto Oficina 6 - O uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola em debate Fortalecer os conhecimentos adquiridos sobre o assunto do projeto; favorecer a colaboratividade e a troca de saberes; desenvolver a habilidade de expressar-se oralmente de forma organizada, clara e coerente. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3b Agosto Oficina 7 - Produzindo gêneros para a campanha de conscientização nas escolas vizinhas Produzir cartazes e panfletos com vistas à conscientização do uso do celular na escola. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3b Agosto Oficina 8 - Produzindo gêneros para a campanha de conscientização na escola Martins Júnior Produzir postagens para as redes sociais; elaborar gêneros com conteúdos com vistas à conscientização do uso do celular no âmbito da escola. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3a Agosto 2 Essa foi uma atividade que objetivou o alinhamento das oficinas previstas, contudo, as práticas de diagnóstico, avaliação e (re)direcionamento ocorreram de maneira constante, durante todo o transcorrer do projeto. 3 Essa oficina de letramento foi introduzida posteriormente à pauta de ações, em razão das demandas que surgiram no decorrer da execução do projeto. 47 Oficina 9 - Implementando uma campanha de conscientização sobre o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, nas escolas vizinhas. Desenvolver uma campanha de conscientização junto a duas comunidades escolares vizinhas, localizadas no bairro - a Escola Maciel Pinheiro e a Escola Paroquial Cristo Rei. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3b Agosto Oficina 10 - Implementando uma campanha virtual de conscientização por meio das redes sociais, sobre o uso do parelho celular, na escola Martins Júnior. Desenvolver uma campanha virtual de conscientização por meio das redes sociais, junto à comunidade da Escola Martins Júnior. Pesquisador/professor; colaboradores da turma 3a Agosto Produção de relatório Refletir sobre a participação e desempenho dos estudantes; diagnosticar e avaliar os desempenhos dos alunos Pesquisador/professor Agosto Fonte: Acervo da pesquisa. Em se tratando da execução do projeto, a figura do pesquisador foi determinante. Como a proposta não previu a realização de processos formativos com os professores da escola acerca dos mecanismos teórico-metodológicos que dão sustentação aos PL, ficou inviável que a realização do projeto fosse mediada pelos atuais professores das turmas. O PL concebido foi executado, portanto, pelo pesquisador, que também faz parte do corpo docente da escola Martins Júnior. A configuração da proposta levou em consideração, então, esses aspectos, as limitações e as possibilidades (materiais, temporais etc.) as quais nos deparamos. Nesse quesito, é relevante destacar que o PL que ora desenvolvemos só pôde ocorrer porque pudemos contar com a colaboração da gestão da escola e da professora, que disponibilizaram as turmas. Nessa perspectiva, a professora titular de Língua Portuguesa das turmas envolvidas marcou presença em todo o processo, sendo uma colaboradora fundamental em todas as etapas, sejam elas referentes ao planejamento, ao desenvolvimento ou à execução do projeto. Nesse quesito, é importante destacar a sua participação na configuração geral das atividades: indicação dos diferentes perfis dos estudantes, deliberação de equipamentos e materiais, contribuições frente aos diferentes debates, recomendações quanto à organização de atividades e equipes, articulações com a gestão da escola, orientações sobre o dimensionamento temporal das atividades e incentivo à realização das diferentes etapas do projeto. É importante ressaltar, ainda, que as oficinas do projeto foram norteadas pelo alcance do objetivo social do grupo, e os gêneros que surgiram das situações comunicativas são o 48 resultado de práticas interativas funcionais. Nesse sentido, o conjunto de oficinas de letramento, disposto separadamente no quadro de planificação, foi desencadeado de modo imbricado. O desenvolvimento das diferentes oficinas ocorreu de modo articulado, numa gradação de ações interdependentes e relacionadas ao objetivo social do projeto. Realizamos, no decorrer da execução do projeto, muitas anotações, que funcionaram como importantes registros das diferentes etapas de execução do projeto. Especificamente, fizemos uso das notas de campo, anotações pertinentes ao desenvolvimento do projeto, efetivadas nos momentos de realização das atividades, de modo a não desviarmos dos diferentes aspectos e detalhes da execução da proposta. No que se refere à coleta de feedbacks acerca das oficinas desenvolvidas, optamos por distribuir questionários, a serem respondidos pelos alunos participantes. A inserção dos questionários objetivou a coleta de informações gerais sobre a apreciação dos estudantes acerca da participação nas diferentes atividades. No texto da tese, apresentamos algumas das respostas dadas pelos alunos. Nesse caso, optamos por não apresentar os reais nomes dos alunos e sim nomes fictícios: Patrícia, Samuel, Vilma, Sandra e Luana. 49 2 REFERENCIAL TEÓRICO Nesse segundo capítulo, apresentamos o marco teórico da pesquisa. Aqui, as considerações dão conta de explicitar noções e conceitos que se conectam teoricamente e que foram imprescindíveis para o pleno entendimento do objeto que se discutiu na pesquisa: letramentos, escrita, gêneros, letramentos contemporâneos, letramento na escola, eventos e práticas de letramento, domínios, letramento, pedagogia crítica e PL. 2.1 OS LETRAMENTOS O termo “letramento” é uma tradução para o português da palavra inglesa literacy, que significa “a condição de ser letrado”. No Brasil, o termo “letramento” foi cunhado pela primeira vez pela pesquisadora Mary Kato, no livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística (KATO, 1986). Desde esse período, o termo ganhou muitos outros contornos e interpretações, contudo para chegarmos a uma explicação acerca do conceito de letramento, nos moldes da vertente por nós compartilhada, começaremos as considerações falando sobre a clássica explicação de Kleiman sobre a alfabetização e o letramento. Para Kleiman (1995b), a alfabetização configura uma prática de letramento, neste caso, específica de um dado segmento social, a escola. Inserida, portanto, nessa perspectiva, a alfabetização é apenas uma das muitas práticas de letramento existentes no meio social. Sua relevância decorre do fato de ser realizada pela mais importante agência de letramento: a instituição escolar. Nessa ótica, é pertinente ressaltar que outras práticas podem, de forma marginal, habilitar indivíduos às práticas letradas. Inserir um indivíduo em perspectivas de letramento não é uma prerrogativa apenas da escola e “a alfabetização, portanto, tem características específicas, diferentes das do letramento, mas é parte integrante dele” (KLEIMAN, 2010a, p. 16). Kleiman (1995a) nos explica que o termo letramento se refere a conjunto de práticas sociais, cujos modos específicos de funcionamento têm implicações importantes para as formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem relações de identidade e de poder. Para a autora, “podemos definir hoje letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos 50 específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 1995a, p. 19). A nossa compreensão sobre o termo, portanto, é a do letramento enquanto fenômeno social influenciado pelas condições locais no que diz respeito aos aspectos socioeconômicos, históricos, culturais, políticos, educacionais etc., entendido “como uma prática social plural e motivada por princípios de natureza ideológica” (OLIVEIRA, 2010a, p. 339). Esse entendimento no remete, pois, ao reconhecimento de que o letramento é também contestado nas relações de poder, podendo variar no tempo e no espaço. Assim, pressupomos que o conceito está associado às práticas sociais e podem mudar ao passo dessas. Corroboramos Rojo (2009), quando afirma que o termo letramento implica os usos e as práticas sociais nas quais a escrita está ancorada, compreendendo os mais variados espaços, tais como família, escola, igreja, comércio, mídias etc. O letramento tem natureza heterogênea porque ele é relativamente dependente das práticas sociais de leitura e escrita, estando associado aos diferentes domínios da vida (BARTON; HAMILTON, 2000; BARTON, 2000). Os letramentos, portanto, carregam diferentes características a depender do contexto de uso da escrita e da leitura, assim como defendido por Gee (2000a, p. 36) Então, ‘letramento’ é plural: letramentos. Existem muitas práticas sociais, históricas, de culturas diferentes que influenciam o letramento, assim também são muitos os ‘letramentos’ diferentes (letramento jurídico, letramento de jogos, letramento de música local, letramento acadêmico de muitos tipos diferentes). As pessoas não apenas leem e escrevem a esmo. Elas leem e escrevem tipos específicos de ‘textos’ de maneiras específicas. Essas maneiras são determinadas pelos valores e práticas de diferentes grupos sociais e culturais4 (grifos do autor). Esse posicionamento, que entende o letramento de maneira multifacetada, é também corroborado por Scribner e Cole (1981, p. 236, grifo dos autores), quando o define “como um conjunto de práticas socialmente organizadas que fazem uso de sistemas simbólicos e tecnológicos para produzi-las e disseminá-las [...] a natureza dessas práticas, incluindo, certamente, seus aspectos tecnológicos, determinarão os tipos de capacidades ('consequências') associadas ao letramento”5. 4 Tradução nossa para “So ‘literacy’ is plural: ‘literacies’. There are many different social, historical, and cultural pratices which incorporate literacy, so, tôo, there are many different ‘literacies’ (legal literacy, gamer literacy, country music litercy, academic literacy of many differet types). People do not just read and write in general. They read and write specific sorts of the ‘texts’ in specific ways. And these ways are determined by the valuesand pratices of different social and cultural groups”. 5 Tradução nossa para “A set of socially organized practices that make use of a system of Symbols and of technology to produce and disseminate it [...] the nature of these practices including, of course, its Will determine the types of abilities associated with literacy”. 51 O letramento se apresenta de uma maneira em determinada comunidade, que pode ser diferente em outra. Com isso, é pertinente pensarmos que não é somente ele que varia em função das condições locais, mas essas também se alteram em função do letramento, dinamizando o processo (KLEIMAN, 1995b). É um fenômeno alinhado às efetivas práticas sociais de escrita e leitura. O entendimento dado ao letramento como uma forma de ler e escrever única desconsidera o caráter social e dinâmico das práticas nas quais se apoia. Por essa razão, é apropriado compreender que existem diferentes letramentos, uma vez que os usos dos quais o conceito se origina são variados e essa multiplicidade acaba por torná-lo também múltiplo, assim como assinalam Knobel e Lankshear (2006). Consoante a essa nocão, Street (2006, p. 466) assinala: Existem vários modos diferentes pelos quais representamos nossos usos e significados de ler e escrever em diferentes contextos sociais e o testemunho de sociedades e épocas diferentes demonstra que é enganoso pensar em uma coisa única e compacta chamada letramento. Compreendemos que há uma diversidade de letramentos com os quais os sujeitos lidam no meio social. Um determinado indivíduo pode se sobressair em uma dada prática de uso da leitura e da escrita e não conseguir êxito em outras porque cada evento de letramento requer a utilização de práticas de uso de leitura e escrita específicas que podem ou não coincidir com aquelas habilidades as quais o indivíduo esteja habituado. “As práticas de letramento que ocorrem nos variados contextos – casa, escola, igreja, rua, lojas, empresas, órgãos oficiais, dentre outros – atendem a funções e propósitos diferentes” (OLIVEIRA, 2010a, p. 330). Na sociedade moderna, seria um equívoco, portanto, pensar em indivíduos letrados e iletrados, pois o letramento adentra os ambientes sociais de diferentes maneiras, com os sujeitos, conforme o contexto sócio-histórico que lhes é dado, apresentando experiências distintas e, por conseguinte, diferentes níveis de intimidade com as práticas de leitura e escrita. “Leitura e escrita estão em toda parte. O que circula, portanto, na rua ou em ambientes comunitários são modos de inscrição específicos (placas, propagandas, faixas, outdoors, fachadas etc.) de grande força comunicativa e que, por isso, merecem atenção” (OLIVEIRA, 2010a, p. 330). As práticas culturais e as variadas experiências com a escrita e a leitura nos ambientes sociais dão origem às diversas práticas de letramento existentes. Para cada competência da 52 vida, existem letramentos específicos associados a ela (HAMILTON, 2000b). Em vez de concebidos como uma forma de apropriação de uso da escrita e um conjunto de habilidades individuais, os letramentos são entendidos como formas variadas e multifacetadas de uso da escrita no âmbito das práticas socioculturais, historicamente situadas (LAVE; WENGER, 1991). A utilização da escrita e da leitura é, portanto, interdependente das particularidades de uma dada interação. Nesse sentido, Hamilton (2000b, p. 3) afirma que é preciso “olhar além dos próprios textos, para o que as pessoas fazem com o letramento [...] concentrarmos a atenção nas práticas culturais nas quais a palavra escrita está incorporada [...] considerar os usos diferenciados do letramento em diferentes contextos”6. O contexto é, portanto, crucial para determinar a maneira como os indivíduos lidam com a escrita. Sob esse ponto de vista, os letramentos estão intrinsecamente vinculados ao contexto social em que se inserem os sujeitos, assim como proposto por Gee (1997): O fato é que as palavras dão sentido aos contextos, assim como os contextos dão sentido às palavras. As palavras e o contexto são dois espelhos voltados um para o outro, refletindo infinitamente e simultaneamente um ao outro. [...] o significado e o contexto são mutuamente constitutivos uns dos outros. Uma palavra ou ação toma seu significado de um contexto que, por sua vez, ajuda a criar, dado que ele tem esse significado7. (GEE, 1997, p.14). Emerge, dessa visão de que existem letramentos variados em razão da diversidade de usos da escrita e da leitura, a compreensão dos letramentos dominantes e os vernaculares ou locais (BARTON; HAMILTON, 1998, 2000); (HAMILTON, 2000a, 2000b). Os letramentos dominantes estão associados a organizações formais, ao sistema legal, às burocracias como as da escola e do comércio. Eles fazem parte dos discursos especializados de comunidades de práticas limitadas e são padronizados e definidos em termos dos propósitos formais da instituição, e não em termos de propósitos múltiplos e específicos dos cidadãos individuais e das suas comunidades (BARTON; HAMILTON, 2000). No trato dos letramentos dominantes, existem especialistas, profissionais, professores, por meio dos quais o acesso ao conhecimento 6 Tradução nossa para “Should look beyond texts themselves to what people do with literacy [...] we focus attention on the cultural practices within which the written word is embedded [...] consider the differentiated uses of literacy in varying cultural contexts”. 7 Tradução nossa para “The fact is that words give meaning to contexts just as surely as contexts give meaning to words. Words and context are two mirrors facing each other, infinitely and simultaneously reflecting each other [...] meaning and context are mutually constitutive of each other. A word or deed takes its meaning from a context which it, in turn, helps to create, given that it has that meaning”. 53 é controlado. Esse conhecimento recebe alto valor legal e cultural, “são poderosos em proporção ao poder da instituição que os molda”8 (HAMILTON, 2000b, p. 6). Os letramentos dominantes servem para manter relações de dominação, os seus usos compreendem formas institucionalizadas de utilização de textos que ratificam a ideia de sua importância e relevância consideradas superiores. Esses letramentos, portanto, revelam as relações de poder compreendidas pelos diferentes usos da escrita. Dessa forma, podemos pensar que existem determinados letramentos que são mais poderosos, “práticas dominantes que podem ser vistas como parte das formações discursivas, configurações institucionalizadas de poder e conhecimento incorporadas nas relações sociais”9 (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 12) Entendemos que os letramentos dominantes são tratados como o padrão e privilegiados ante uma variedade de outros usos da escrita existentes. O fato de essa modalidade ser considerada padrão entre muitas revela, pois, que ela se tornou padrão por uma questão de poder (STREET, 2006). Nessa perspectiva, quando outros letramentos são reconhecidos, como, por exemplo, o de comunidades de jovens de periferia, eles são apresentados como inadequados, concebidos como culturalmente menos sofisticados. “O letramento dominante marginaliza outras variedades, afirma sua própria dominação e disfarça sua própria base de classe e de cultura” (STREET, 2006, p. 472). No que tange aos letramentos vernaculares ou locais, eles são essencialmente enraizados na experiência cotidiana, servem aos propósitos de todos os dias. Eles não são regulados ou sistematizados pelas regras e pelos procedimentos formais das instituições, mas têm sua origem nos propósitos da vida cotidiana. Os letramentos vernaculares ou locais não são altamente valorizados pelas instituições sociais formais, embora às vezes eles se desenvolvam em resposta a essas instituições (BARTON; HAMILTON, 2000). Eles podem ser reprovados e banalizados e podem ser contrastados com os letramentos dominantes, que são vistos como racionais e de alto valor cultural. Em muitos casos, alguns profissionais nem sempre os consideram como leitura ou escrita autênticas. É por essa razão que muitos dos letramentos, que são influentes, recorrentes, valorizados na vida cotidiana das pessoas e que são fundamentais nas práticas sociais do dia a dia, são também ignorados e desvalorizados pelas instituições educacionais e não contam 8 Tradução nossa para “Dominant literacies are powerful in proportion to the power of the institution that shapes them”. 9 Tradução nossa para “These dominant practices can be seen as part of whole discourse formations, institutionalised configurations of power and knowledge which are embodied in social relationships”. 54 como formas válidas e socialmente julgadas relevantes para serem exploradas e aprendidas em ambientes institucionalizados. Esses letramentos são mais comuns nos contextos sociais de natureza privada do que nos públicos. Muitas vezes, eles são representados por textos bem-humorados, brincalhões, desrespeitosos, oposicionistas, têm como marca a informalidade. Outra característica desses letramentos é a forma deliberadamente escondida de praticá-los, pois eles incluem formas pessoais e privadas de lidar com a leitura ou a escrita: cartas secretas de amor, crítica e subversão, piadas escandalosas, horóscopos, pornografia etc. Segundo Hamilton (2000b, p. 7), Os letramentos vernaculares ou locais são aprendidos informalmente. Eles são adquiridos em casas e nos grupos de bairro, através das perplexidades cotidianas e curiosidades de nossas vidas [...] estão enraizados em contextos de ação e propósitos e redes cotidianas. Eles se baseiam e contribuem para o conhecimento vernáculo, que é muitas vezes local, processual e minuciosamente detalhado. A aprendizagem e o uso da escrita estão integrados nas atividades cotidianas e os seus elementos são uma parte implícita da atividade10. Esses letramentos que existem na vida cotidiana das pessoas são menos visíveis e considerados menos consagrados. Isso significa afirmar que as práticas de letramento são modeladas por instituições e relacionamentos de poder e que alguns letramentos são mais dominantes, visíveis e predominantes do que outros. É importante ressaltar, contudo, que os “letramentos vernacular e institucional não são categorias de atividade independentes e sempre separadas, mas estão em diálogo e os limites entre eles são permeáveis e mudam”11 (HAMILTON, 2000b, p. 6). 2.1.1 Eventos e práticas de letramento Outras considerações importantes acerca dos letramentos são as que englobam os eventos e as práticas de letramento. “Um evento de letramento é qualquer ocasião em que uma peça de escrita é parte integrante da natureza das interações dos participantes e seus 10 Tradução nossa para “Vernacular literacy practices are learned informally. They are acquired in homes and Neighborhood groups, through the everyday perplexities and curiosities of our lives [...] are rooted in action contexts and everyday purposes and networks. They draw upon and contribute to vernacular knowledge, which is often local, procedural and minutely detailed. Literacy learning and use are integrated in everyday activities and the literacy elements are an implicit part of the activity”. 11 Tradução nossa para “Vernacular and institutional literacies are not independent and for ever separated categories of activity but they are in dialogue and the boundaries between them are permeable and shifting”. 55 processos interpretativos”12 (HEATH, 1982, p. 93). Nessa acepção, qualquer prática cotidiana em que seja demandado o texto escrito é um evento de letramento, assim como postula Barton e Hamilton (2000, p. 8) quando escrevem: "os eventos são episódios observáveis que surgem de práticas e são moldados por elas. A noção de eventos enfatiza a natureza situada do letramento, que sempre existe em um contexto social”13. Compreendemos, pois, que evento de letramento é uma ocasião em que um gênero é constitutivo de uma ação interativa e ou interpretativa por parte dos sujeitos, ainda que na interação entre os participantes, estes estejam ausentes ou sejam imagináveis. O evento é o que as pessoas fazem com a escrita quando são impelidos de fazer a escrita nos contextos sociais, especificamente, é a partir dele que podemos descrever como, quando, com quem e onde as pessoas leem e ou escrevem. Nas palavras de Kleiman (1995b, p. 40), os eventos de letramento são “situações em que a escrita constitui parte essencial para fazer sentido da situação, tanto em relação a interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativa”. Por essa ótica, entendemos que os eventos são tantos e diversificados com as práticas de uso da escrita nos diferentes espaços sociais. Fora da escola, por exemplo, um evento de letramento identificável ocorre quando os pais leem e interpretam histórias a partir de um livro antes de os filhos dormirem (KLEIMAN, 1995b). Independentemente de terem passado pela escola, os sujeitos, nos seus mais variados contextos e situações, vivenciam eventos de letramentos, uma vez que esses fenômenos decorrem dos usos efetivos da escrita. Sobre esse aspecto, Marcuschi (2000, p. 25) explica que O letramento envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação mínima da escrita, tal como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc. , mas não escreve cartas nem lê jornal regularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do indivíduo que desenvolve tratados de filosofia e matemática ou escreve romances. Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita. Muitos eventos de letramento são, portanto, atividades influenciadas pelas expectativas e pressões que acontecem nos lares, grupos de amigos, locais de trabalho etc. 12 Tradução nossa para "Literacy event is any occasion in which a piece of writing is integral to the nature of participants' interactions and their interpretive processes". 13 Tradução nossa para “Events are observable episodes which arise from practices and are shaped by them. The notion of events stresses the situated nature of literacy, that it always exists in a social context”. 56 (BARTON; HAMILTON, 2000). Os textos escritos, por sua vez, são uma parte crucial dos eventos de letramento, já que, obrigatoriamente, os eventos são mediados por eles. Nesse caso, pouco importa se a interação se deu face a face ou não. Os eventos de letramento são ocasiões repletas de singularidades, envolvem a leitura e a escrita e nos possibilitam compreender fenômenos maiores, como por exemplo, as práticas de letramento. As práticas de letramento têm sentido mais amplo que os eventos de letramento, englobando-os. São conceitos interligados, e a respeito deles, Barton e Hamilton (2000, p.8) afirmam: as práticas de letramento são como "as formas culturais gerais de utilizar a linguagem escrita que as pessoas aproveitam em suas vidas. No sentido mais simples, as práticas de letramento são o que as pessoas fazem com o letramento”14. As práticas de letramento envolvem valores, atitudes e questões culturais, advindo das relações que ocorrem no meio social, de “padrões comuns na utilização da leitura e escrita numa situação particular em que as pessoas contribuem com seu conhecimento cultural para uma atividade” (BARTON; LEE, 2015, p. 25). Essas práticas mantêm estreita relação com as formas como as pessoas em uma cultura particular lidam com a escrita, como elas a utilizam e extraem sentido disso. Kleiman (1995b, p. 21) discorre sobre essa questão quando afirma, [...] as práticas de letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas, e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não pressupõe uma relação causal entre letramento e progresso ou civilização, ou modernidade, pois, ao invés de conceber um grande divisor entre grupos orais e letrados, ele pressupõe a existência e investiga as características de grandes áreas de interface entre práticas orais e letradas. Nesse sentido, as práticas de letramento são valores abstratos que ajudam a moldar as maneiras pelas quais as pessoas dentro das culturas usam a escrita. O conceito de práticas de letramento é lançado, portanto, em um patamar de abstração superior porque faz referência ao comportamento e às conceptualizações sociais e culturais que dão sentido aos usos da leitura e da escrita. As práticas de letramento incorporam não somente eventos de letramento, como ocasiões empíricas às quais o letramento se integra, mas também aos modelos populares desses eventos e às ideologias que os sustentam (STREET, 1993). As práticas de letramento são construídas culturalmente e, assim como os demais fenômenos culturais, têm suas raízes em um processo sócio-histórico. Elas são tão fluidas, 14 Tradução nossa para “The general cultural ways of utilizing written language which people draw upon in their lives. In the simplest sense literacy practices are what people do with literacy” 57 dinâmicas e em mudança como as vidas e as sociedades das quais fazem parte (BARTON; HAMILTON 2000). Compreendemos, então, o enfoque teórico que “vê as práticas de letramento como indissoluvelmente ligadas às estruturas culturais e de poder da sociedade e reconhece a variedade de práticas culturais associadas à leitura e a escrita em diferentes contextos” (ROJO, 2009, p. 99) As práticas de letramento revelam historicidade, em que a ideologia, a cultura e as tradições são consideradas. Elas assumem a complexidade da vida social, a pluralidade dos contextos sociais e culturais. São dinâmicas, assim como os processos e as mudanças que ocorrem no meio social. As implicações dessas mudanças e da transformação que ocorrem no meio social são elementos que desencadeiam a reconfiguração das práticas de letramento. No dizer de Street (2006, p. 473), “há mais nas práticas de letramento do que sonha a filosofia ocidental”. Numa tentativa de explicar tanto os eventos quanto as práticas, Barton (1991, p.5), afirma que "os eventos de letramento são as atividades particulares em que a escrita tem um papel: podendo ser atividades repetidas regulares. As práticas de letramento são as formas culturais gerais de utilizar a escrita que as pessoas se baseiam em um evento de letramento"15. Street (2014) também foi um dos que se debruçou sobre o tema. Ele argumenta que, sempre que os sujeitos se envolvem em um evento de letramento, eles utilizam modelos culturalmente construídos do evento de letramento em suas mentes, significados culturais de leitura e escrita, referentes às suas práticas de letramento. Oliveira (2008), com base Hamilton (2000a), construiu uma explicitação elucidativa, no sentido de ilustrar os eventos e práticas de letramento. A autora elencou elementos chave dos dois fenômenos, conforme consta no quadro a seguir: 15 Tradução nossa para “Literacy events are the particular activities in which literacy has a role: they may be regular repeated activities. Literacy practices are the general cultural ways of utilizing literacy that people draw upon in a literacy event”. 58 Quadro 2 - Elementos básicos dos eventos e práticas de letramento Elementos visíveis nos eventos de letramento Constituintes não-visíveis das práticas de letramento Participantes: pessoas que podem ser vistas interagindo em torno de textos. Participantes ocultos: outras pessoas ou grupos de pessoas envolvidas em relações sociais de produção, interpretação, circulação e, de um modo particular, na regulação de textos escritos. Ambientes: circunstâncias físicas imediatas nas quais a interação se dá. O domínio de práticas dentro das quais o evento acontece, considerando seu sentido e propósitos sociais. Artefatos: ferramentas materiais e acessórios envolvidos na interação (incluindo os textos). Todos os outros recursos trazidos para a prática de letramento, incluindo valores não-materiais, compreensões, modos de pensar, sentimentos, habilidades e conhecimentos. Atividades: as ações realizadas pelos participantes no evento de letramento. Rotinas estruturadas e trajetos que facilitam ou regulam as ações; regras de apropriação e elegibilidade – quem pode ou não pode determinada atividade; quem pode ou não pode engajar-se em atividades particulares. Fonte: Oliveira (2008, p.103). Quando os sujeitos se envolvem em eventos específicos de letramento, eles atuam e interagem de acordo com as formas culturais gerais de uso da escrita nas quais estão imersos, dessa forma, atuam socialmente perpetuando esses modelos culturais, podendo inclusive construir novas interpretações para eles. Assim, os eventos de letramento contribuem e constituem parte das práticas de letramento, sejam eles escolares, da família, comércio, comunidade etc. Barton e Lee (2015, p. 25) nos dizem que Exemplos de eventos e práticas de letramentos podem ser encontrados em todos os campos da vida, online e offline. Por exemplo, comentar uma notícia online, reservar um ingresso, jogar ou marcar um encontro com um amigo implica negociar língua escrita: e todas essas atividades são eventos de letramento. Ao decidir onde e quando fazer essas coisas, juntamente com quais estilos de linguagem usar, os participantes empregam suas práticas de letramento. Se levarmos em consideração apenas a escola, um dos muitos ambientes sociais por onde os sujeitos fazem uso da escrita, as práticas e eventos de letramento são envolvidos e moldados pelo seu contexto particular, embebidos de valores em termos dos usos da escrita. Os seus eventos de letramento (aulas expositivas, apresentações, leituras coletivas), ocorrem 59 ancorados em práticas de letramento formais, institucionalizadas e padronizadas, típicas do ambiente escolar. 2.1.2 Os domínios sociais Um conceito também imbricado ao dos letramentos é o de domínios da vida social. Esses domínios não são textos nem discursos, mas originam tipos de discursos muito específicos. São, portanto, práticas discursivas nas quais é possível identificar um conjunto de gêneros e discursos que lhes são próprios, como o religioso, jornalístico, literário, entre outros. Nessa perspectiva, compreendemos que os usos cotidianos da escrita demandam práticas de linguagem que se fazem presentes em todas as instâncias da sociedade: família, igreja, local de trabalho, políticas públicas e outras. Em cada uma dessas instâncias, a utilização da escrita ocorre de maneira particular, de acordo com os valores culturais e a identidade das instituições sociais, desencadeando discursos típicos de cada domínio social. Compreendemos os domínios, pois, como práticas discursivas em que é possível identificar uma gama de gêneros típicos. Para explicarmos o conceito, evocamos Barton e Hamilton (2000). Esses autores afirmam que Os domínios são contextos estruturados e padronizados, nos quais a escrita é utilizada e aprendida. As atividades dentro desses domínios não são acidentais ou variam aleatoriamente: existem configurações particulares de práticas de letramento e existem formas regulares pelas quais as pessoas atuam em muitos eventos de letramento em contextos particulares. Várias instituições apoiam e estruturam atividades em domínios específicos da vida. Estes incluem a família, religião e educação, que são instituições sociais. Algumas dessas instituições são mais formalmente estruturadas do que outras, com regras explícitas para procedimentos, documentação e penalidades legais por infração, enquanto outras são reguladas pela pressão de convenções e atitudes sociais. Letramentos particulares foram criados, estruturados e sustentados por essas instituições16 (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 12). 16 Tradução nossa para “Domains are structured, patterned contexts within which literacy is used and learned. Activities within these domains are not accidental or randomly varying: there are particular configurations of literacy practices and there are regular ways in which people act in many literacy events in particular contexts. Various institutions support and structure activities in particular domains oflife. These include family, religion and education, which are all social institutions. Some of these institutions are more formally structured than others, with explicit rules for procedures, documentation and legal penalties for infringement, whilst others are regulated by the pressure ofsocial conventions and attitudes. Particular literacies have been created by and are structured and sustained by these institutions. Part of this study aims to highlight the ways in which institutions support particular literacy practices”. 60 Os domínios estão presentes em todos os segmentos da vida social, do lar até as instituições mais formais. O que realmente caracteriza esses domínios são as práticas comunicativas que neles coexistem, pois as rotinas organizam formas de interação e estratégias típicas de leitura e de escrita. Os domínios produzem formas típicas de comunicação “que se estabilizam e se transmitem de geração para geração com propósitos e efeitos definidos e claros [...] acarretam formas de ação, reflexão e avaliação social que determinam formatos textuais que em última instância desembocam na estabilização dos gêneros textuais” (MARCUSCHI, 2008, p. 194). Desse modo, no âmbito da perspectiva social do letramento, os usos da escrita são diferentes porque as pessoas estão circunscritas em espaços sociais variados, cada um com sua particularidade. Nesses espaços sociais, a utilização da escrita está imbuída de sentimentos, valores culturais, atitudes e relações sociais, os quais, por sua vez, estão imersos em práticas sociais mais amplas, constitutivas de identidades sociais, discursos típicos, os domínios. É por esse motivo que os domínios dizem respeito às culturas. Eles também estão atrelados a sócio-historicidade das práticas sociais, então, podemos perceber diferentes tipos de discursos e de práticas de letramento, já que são fenômenos situados nas relações sociais. A forma heterogênea na qual os usos da leitura e escrita estão presentes nas práticas sociais revela, dessa forma, letramentos diferentes associados a diferentes domínios da vida (BARTON, HAMILTON; IVANIC, 2000). A multiplicidade de práticas e instâncias sociais proporcionam letramentos socialmente mais poderosos. Nesse sentido, alguns domínios sociais tendem a ser mais prestigiados e a apoiar práticas dominantes de letramento como as dele próprio. Os gêneros oriundos do domínio escolar, por exemplo, geralmente, são reconhecidos socialmente, enquanto outros são considerados menos sofisticados, como aqueles que derivam de domínios de foro mais privado, como o lar e a comunidade. Isso significa dizer que existem práticas de letramento consagradas, consideradas melhores porque são modeladas por instituições sociais e relações de poder. As práticas de escrita e leitura desenvolvidas na escola estão, portanto, incluídas nesse grupo. O domínio social compreendido pela escola normalmente se preocupa com práticas e eventos de letramento dominantes que, necessariamente, não contemplam o rol de usos efetivos da escrita típica do meio social fora da escola. É por esse motivo que o ensino-aprendizagem que trata dos gêneros em sala de aula tende a enfatizar os usos da escrita nas formas estritamente escolares, às vezes ligados aos 61 atributos linguísticos dos textos e a gêneros que só circulam na própria escola ou derivados de domínios sociais de maior prestígio social. A escola costuma, portanto, explorar atividades e textos que lhes são típicos, decorrentes do seu próprio domínio social numa tentativa de perpetuá-los e torná-los socialmente aceitos. Cabe salientar, contudo, que as práticas de letramento ocorrem nos mais variados domínios e não somente na escola. Os diferentes domínios comportam diferentes usos da escrita em práticas sociais que propiciam maneiras características de se fazer uso da escrita, conforme as necessidades comunicativas em que se inserem nos seus contextos específicos. Cada um desses domínios passa a caracterizar o letramento de forma particular, originando letramentos diversos. 2.1.3 A escrita e os gêneros textuais Essa perspectiva acerca dos letramentos, que nos leva a compreender as atividades de escrita no âmbito das práticas sociais em que ocorrem, nos permite atentar, portanto, para os usos efetivos da linguagem, nos diferentes contextos sociais, em diferentes grupos e por diferentes sujeitos. Tal compreensão revela, pois, que os usos da escrita e da linguagem nunca ocorrem no vazio, mas sempre numa situação histórica e social concreta, por meio da interação. Sob esse ponto de vista, compreendemos a escrita do ponto de vista social, em contraste com uma concepção de cunho tradicional, que considera a leitura e a produção textual como competências e habilidades individuais. Por ser uma prática discursiva, cujas múltiplas funções são inseparáveis dos contextos em que se desenvolve, a escrita varia em razão da heterogeneidade das pessoas e dos grupos sociais e as diversas ações dessas pessoas acontecerem de modos muito variados, prescindindo o uso da escrita (KLEIMAN, 2007). Pensar, portanto, em uma concepção da escrita como uma prática independente do sujeito, da história, não situada no tempo e no espaço, faz pouco sentido, pois é por meio da prática social que sabemos como agir discursivamente numa situação, ou seja, quando podemos, de fato, fazer uso da escrita. É a partir das necessidades decorrentes da prática social que utilizamos concretamente a escrita, fazendo uso do(s) gênero(s) mais pertinente(s) para uma dada situação. Atento aos usos efetivos da escrita e a importância desses usos ante a contemporaneidade, Marcuschi (2000, p. 17) afirma: 62 Numa sociedade como a nossa, a escrita, enquanto manifestação formal dos diversos tipos de letramento, se tornou mais do que uma tecnologia. Ela se tornou um bem social indispensável para enfrentar o dia a dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Nesse sentido, pode ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo moderno. Não por virtudes que lhe são imanentes, mas pela forma como se impôs e a violência com que penetrou nas sociedades modernas e impregnou as culturas de um modo geral. Por isso, friso que ela se tornou indispensável, ou seja, sua prática e avaliação social a elevaram a um status mais alto, chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder. Dessa forma, a apropriação da escrita possibilita que as pessoas se insiram e participem das atividades conferidas nos espaços sociais, visto que as diferentes formas de se relacionar com os indivíduos e interagir em sociedade preveem os usos da escrita. É por essa razão que é tão importante pensarmos politicamente em como a escrita pode se tornar um instrumento para transformar as estruturas de poder impostas socialmente. A escrita, dessa forma, está intimamente atrelada às formas de exercício do poder, já que na sociedade em que vivemos, ela representa uma poderosa ferramenta, com os seus variados usos não sendo plenamente acessados pelo conjunto da população. Como consequência disso, algumas poucas pessoas e/ou grupos, detentores do poder econômico e social, são as que dominam as diferentes configurações da escrita e que mais fazem uso dela. Em decorrência dessa compreensão de escrita enquanto processo comunicativo que envolve diferentes posições sociais, é natural visualizarmos inúmeras possibilidades de situações em que os letramentos são parte integrante das práticas sociais. É a partir dessa máxima que surge, portanto, a ideia de que os letramentos, delineados por diferentes propósitos, são concretizados por meio de gêneros. A noção de escrita atrelada à prática social evoca a noção de gênero, já que é por meio dos gêneros que a escrita se revela no meio social. Para Barton e Hamilton (2000, p. 6), por exemplo, o letramento é melhor compreendido como um conjunto de práticas sociais; estas podem ser inferidas de eventos que são mediados por textos escritos, ou seja, por gêneros. Os autores reforçam ainda que os gêneros são uma parte crucial dos eventos de letramento e o estudo do letramento é em parte um estudo de gêneros e como eles são produzidos e utilizados. Em vista disso, a concepção de gênero adotada é a que evoca ação social, assim como proposta por Bazerman (2011, p. 23), quando afirma que “gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser, são frames para a ação social”. Corroboramos, portanto, Tinoco (2008, p. 87), que defende os gêneros “como enquadres possíveis para cada ação de linguagem, ou seja, a partir dos gêneros, que contemplam a dimensão linguística, a 63 cognitiva e a pragmática, as pessoas interagem oralmente ou por escrito, na vida social”. Sobre isso, Bazerman (2011, p. 10), acrescenta [...] gênero dá forma a nossas ações e intenções. É um meio de agência e não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro das quais aquelas ações são significativas e motivadoras. Assim como as ações, intenções e situações humanas, uma teoria de gênero precisa ser dinâmica e estar sempre mudando. Os gêneros constituem e são constituídos pelos diferentes discursos que coexistem no meio social, eles possuem características que os tornam reconhecíveis. Os gêneros possuem determinadas dimensões, formatos, recursos multimodais, estão ancorados em um suporte textual. Os suportes textuais representam o lugar (físico ou virtual) que dá sustentação ao texto, têm formatos específicos, possibilitam a materialização do gênero e, mais importante, suas características também acabam por fazer parte do todo que representa o gênero. A vida social é permeada por linguagens de múltiplas formas, destinadas a diferentes usos, e os gêneros são um desdobramento desses usos, “nada do que fizermos linguisticamente estará fora de ser feito em algum gênero” (MARCUSCHI, 2002, p. 35). Nesse sentido, “as ações que desempenhamos na sociedade na qual estamos inseridos são respaldadas em diferentes formas de linguagem, [...] que se moldam em gêneros textuais a depender da função social que exercemos em determinada situação, em contexto social específico” (DIONÍSIO, 2007, p. 103). Nas palavras de Oliveira (2010a), na sociedade São veiculados gêneros diversos que são praticados por diferentes pessoas nas mais diversas atividades sociais, orientadas a partir de propósitos, funções, interesses e necessidades comunicativas específicas, não obstante a compreensão de que alguns textos são considerados canônicos e, por isso, mais legitimados que outros, socialmente (OLIVEIRA, 2010a, p. 329). São os usos que os sujeitos fazem da escrita que constituem os gêneros. Os integrantes de uma determinada comunidade vão estabelecendo, no decorrer de sua história, maneiras específicas de utilizarem a escrita para atingirem os objetivos das práticas sociais que participam. É por essa razão que as práticas sociais de linguagem vão estabelecendo os padrões a serem usados em determinadas situações sociais. Por esse motivo, cada organização social tem suas próprias configurações de textos, criadas a partir de novas realidades e novos conhecimentos (BAZERMAN, 2011). Compreendemos, pois, que os gêneros organizam a vida social. É a partir deles que são definidos os padrões para as ações de linguagem que realizamos nos diferentes contextos 64 sociais. Os variados domínios sociais possuem, portanto, ‘modelos’ de comunicação que são flexíveis, mas servem de parâmetro para que possamos atuar no meio social por meio da escrita. É esse reconhecimento acerca de como são e funcionam os gêneros que nos possibilitam, por exemplo, decidir como devemos nos comunicar. Conforme ressalta Bazerman (2011, p. 88), “nós criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos”. A apropriação dos gêneros vai além do domínio de uma determinada habilidade, ela depende de um posicionamento reflexivo a respeito da escrita e, consequentemente, dos seus usos, tendo em vista que essa prática é constituída pelos indivíduos e estão intimamente conectadas ao contexto ao qual está inserida. Nesse sentido, Kleiman (2007) afirma que quanto mais um indivíduo participa de situações sociais em que a escrita é requerida, mais ele se apropria das particularidades dos gêneros, “pois é seu conhecimento o que permite participar nos eventos de diversas instituições e realizar as atividades próprias dessas instituições com legitimidade” (KLEIMAN, 2007, p. 08). Toda a gama de conhecimentos e experiências, que advém de práticas cotidianas significativas, é levada em consideração nos processos de aprendizagem dos gêneros por que passam os sujeitos. 2.1.4 O letramento que se perpetua na escola Uma categoria dos letramentos que nos interessa compreender é a que geralmente decorre do letramento na escola. Historicamente, as escolas são caracterizadas como instituições que desenvolvem apenas alguns tipos de experiências com a escrita, determinando uma forma específica de utilizar o conhecimento. Com relação ao texto, a sua interpretação e concepção são determinadas pelo funcionamento/articulação dos elementos internos deste (STREET, 1984). As atividades de produção de textos em contexto de ensino embebidos dessa dinâmica podem apresentar formas bastante prototípicas. O aluno é incumbido de elaborar um texto, durante um período determinado e em um número de linhas também determinado. Geralmente, ele é levado a falar de um tema sobre o qual não encontra respaldo contextual. Além disso, o gênero a ser produzido deve estar de acordo com os moldes de um dado modelo, próprio da tradição escolar. Nesses eventos de letramento escolares, os alunos são levados a fazer coisas do tipo, “ler em voz alta, responder perguntas oralmente ou por escrito, escrever uma redação, fazer um ditado, analisar uma oração (KLEIMAN, 2007, p. 5). 65 Nessa perspectiva, os usos da escrita evidenciam apenas condições de produção escolares, que estão desconectados das funções comunicativas que geralmente respaldam os textos produzidos em ambientes externos à escola. Nessa tradição, a produção textual se baseia em gêneros de referência, cânones que serão, mais adiante, indispensáveis à progressão escolar. Esses gêneros, tidos como de referência, decorrem de práticas tradicionais de produção de textos e sua existência e circulação ficam restritas ao ambiente escolar. É por essa razão que o emprego de determinados modelos se perpetuou nas escolas, num processo que implicou, segundo Geraldi (2000), a construção de uma imagem de verdade incontestável atribuída à escrita. Ademais, há certa valorização por um tipo de prática de letramento, nesse caso, aquela encarada como processo de aquisição de códigos e condutas importantes para o desenvolvimento de competências individuais necessárias para o sucesso e a promoção de proposições que são importantes para a própria escola. Esses códigos e condutas não se restringem apenas à habilidade de ler e escrever, na verdade, “o aluno está aprendendo modelos culturais de identidade e personalidade, não apenas a decodificar a escrita ou a escrever com determinada caligrafia” (STREET, 2014, p. 154). O letramento, assim entendido, representa um tipo de prática de letramento, em se que busca pelo desenvolvimento de um tipo de habilidade em detrimento de outros. Valoriza-se a aquisição de habilidades individuais e, assim, as práticas de leitura e de escrita são tidas como neutras, universais e distanciadas de outros contextos sociais de uso. Kleiman (2010b) pontua, contudo, que apesar de diferentes das práticas que ocorrem em outros contextos, “as práticas escolares de aprendizagem de uso da língua escrita, ainda que ‘estritamente escolares’, são também práticas sociais” (KLEIMAN, 2010b, p. 380). Em uma escola em que se trabalha a escrita nesses termos, as atividades que demandam leitura e escrita integram eventos de letramento específicos, associados à aprendizagem de determinados conteúdos, que, em geral, estão desvinculados dos eventos e práticas associados aos usos de fora da escola. Quando o letramento é visto nessa perspectiva, apenas como habilidades necessárias a determinadas questões, a escrita é usada para medir a adequação da comunicação do indivíduo (se padrão ou desviante), os papéis particulares associados aos que reivindicam o direito de nomear o padrão e julgar os desviantes e os modos pelos quais os escreventes se apropriam das formas padrão para comunicar uma mensagem de forma persuasiva (Marcuschi, 2001, p. 40) 66 Kleiman (1995b, p. 44), discorre sobre o modelo autônomo de letramento (STREET, 1984) e o compara ao letramento que geralmente ocorre na escola. Para ela, [...] o modelo que determina as práticas escolares é o modelo autônomo de letramento que considera aquisição da escrita como um processo neutro, que, independentemente das considerações contextuais e sociais, deve promover aquelas atividades necessárias para desenvolver no aluno, em última instância, como objetivo final do processo, a capacidade de interpretar e escrever textos abstratos, dos gêneros expositivo e argumentativo, dos quais o protótipo seria texto tipo ensaio. Esse modelo que ecoa no ensino-aprendizagem de escrita e leitura oferecido nas escolas não é regra, mas, nesses termos, valoriza-se em demasia as habilidades de cunho individual. Além disso, a leitura e a escrita podem ser consideradas práticas neutras, universais, acarretando um distanciamento do contexto17 de práticas do aluno e do próprio entorno da escola. Consoante essa questão, Street (2014) afirma: “levar os alunos a acreditar que existe uma relação de mão única entre gêneros particulares ensinados na escola e aquelas posições de poder é prepará-los para a frustração e a desilusão” (STREET, 2014, p. 154). Street (2014) discorre, então, sobre o processo de escolarização do letramento. Segundo o autor, apesar de haver uma multiplicidade de letramentos, apenas o escolar é valorizado. O autor afirma que o letramento na escola “[...] passa a ser visto e praticado dentro de um quadro de aprendizagem, ensino e escolarização [...] Essa variedade, portanto, adquire autoridade com relação a tantas outras práticas” (STREET, 2014, p. 117). Ele acrescenta ainda que outros segmentos sociais agem de forma semelhante, privilegiando determinadas categorias de letramento. A ratificação desse privilégio de alguns letramentos em detrimento de outros acontece porque existem indivíduos, como pais e professores, que reafirmam as relações de hierarquia, autoridade e controle que atravessam os usos da língua. No meio social, existem determinados segmentos sociais que desconsideram a variedade de letramentos, assumindo “uma alfabetização única, em que simplesmente impõem pressuposições derivadas da sua própria prática cultural sobre o letramento de outras pessoas” (Street, 2001). Sobre o predomínio e manutenção de alguns letramentos, Gee (1990) apresenta algumas explicações. O autor afirma que a presença efetiva dos discursos dominantes vem permeando o universo da escola e acrescenta, 17 Para nós, o contexto diz respeito não apenas aos cenários e enquadres em que gêneros e ações acontecem. Eles participam de uma relação dinâmica, independentemente e mutuamente constitutiva com os sistemas de gênero que situam. Os sujeitos realizam o contexto à medida que funcionam dentro dele (BAWARSHI; REIFF, 2013). 67 A aquisição de muitos dos principais discursos dominantes baseados na escola por parte dos colaboradores é facilitada pelo fato de que seus discursos primários adotaram algumas das características dos discursos dominantes na sua prática inicial no lar (que seus pais geralmente dominaram), e pelo apoio constante que suas casas dão às escolas. O seu domínio também é facilitado pelo menor conflito que sentem na aquisição e utilização desses discursos dominantes18 (GEE, 1990, p. 179). Os letramentos certamente implicam relações de poder e é na escola, como instituição de prestígio, que alguns letramentos são legitimados. É muito comum encontrarmos nesse espaço o trabalho baseado nos cânones literários e nos clássicos consagrados, pois a escola “tende a apoiar práticas de letramento dominantes, as de outras instituições poderosas e influentes no tecido social, assim como ela própria” (KLEIMAN, 2010b, p. 377). Nessa perspectiva, ficam de fora os usos funcionais da escrita e os textos que servem aos propósitos de todos os dias. Embora haja uma rica variedade de letramentos (familiares, religiosos, da comunidade etc.), as vozes dominantes, como a da escola, ainda os marginalizam. No dizer de Oliveira (2010a, p. 334), É evidente que o letramento escolar goza de legitimação e, em razão disso, é visto como um parâmetro para avaliação dos letramentos locais. Assim sendo, as grandes críticas dirigidas aos letramentos locais referem-se às ‘limitações’ desses letramentos, à forma ‘romântica’ como estes são olhados e às relações que são estabelecidas entre eles e os letramentos distantes, noutros termos, entre o ‘local’ e o ‘global’. Acerca dessa característica do letramento, ainda muito comum nas escolas, os PCN (BRASIL, 2000a, p. 12) ressaltam, contudo, que é preciso [...] garantir a superação de uma escola que, ao invés de se colocar como elemento central de desenvolvimento dos cidadãos, contribui para a sua exclusão. Uma escola que pretende formar por meio da imposição de modelos, de exercícios de memorização, da fragmentação do conhecimento, da ignorância dos instrumentos mais avançados de acesso ao conhecimento e da comunicação. Ao manter uma postura tradicional e distanciada das mudanças sociais, a escola como instituição pública acabará também por se marginalizar. Kleiman (1995b), de posse desse entendimento, chama atenção para duas diferentes perspectivas: uma primeira, em que tanto a escola quanto a sociedade valorizam um tipo de letramento, qual seja a aquisição de habilidades de leitura e de escrita necessárias para se 18 Tradução nossa para “The acquisition of many dominant school-based discourses on the part of mainstream students is facilitated by the fact that their primary discourses have adopted some of the features of these dominant discourses, by their early practice in the home with these dominant discourses (which their parents have usually mastered), and by the constant support in these discourses their homes give to the schools. Their mastery is also facilitated by the lesser conflict they feel in acquiring and using these dominant discourses”. 68 alcançar determinados objetivos. O segundo tipo diz respeito ao letramento das agências, para além da escola: família, igreja, rua, o local de trabalho etc., isto é, são outras práticas sociais que a escola geralmente não se preocupa. São letramentos concernentes aos diferentes espaços sociais, envoltos no cotidiano, e as características e funções da escrita se diversificam em razão da variedade dos espaços sociais. O ensino da escrita, nessa perspectiva, leva em consideração os contextos socioculturais distintos e os usos situados e funcionais da escrita. 2.1.5 Os usos contemporâneos da escrita Compreendemos que as práticas sociais e as variadas experiências com a escrita e a leitura nos ambientes sociais originam novos maneiras de lidar com a escrita e, por conseguinte, novas práticas de letramento. Concordamos com Kleiman (2014, p. 88), quando afirma que “nos espaços e condições da sociedade contemporânea, desenvolvemos, a toda hora, novos e múltiplos letramentos em resposta às demandas de uma cultura dominada pela imagem e a escrita – impressa ou digital — que se caracteriza por rápidas e sucessivas mudanças”. Por esse ângulo, é coerente a afirmação de que existem letramentos específicos, desse tempo, intimamente associados à contemporaneidade. A escrita faz parte do dia a dia das pessoas e é imprescindível para o convívio social, principalmente em uma sociedade em que a intensa diversificação dos meios de comunicação vem transformando as possibilidades de as pessoas escreverem para interagir, registrar, fornecer e buscar informações. Os sujeitos, então, agem por meio de diversificados domínios sociais (comunitário, familiar, religioso etc), assumem diferentes posições, produzem e recepcionam inúmeros discursos e atuam face às múltiplas e novas exigências sociais e, por conseguinte, transformam os letramentos. Nessa perspectiva, é inegável o fato de que os usos de leitura e escrita da contemporaneidade serem, em grande parte, mediados pelas novas tecnologias. É por essa razão que é relevante considerarmos que o uso de novas tecnologias ocasiona mudanças nas relações sociais e nas práticas de letramento. As grandes inovações tecnológicas que vêm ocorrendo nas últimas décadas resultam na inclusão de computadores e outros tantos recursos de natureza contemporânea na sociedade, modificando os cenários sociais e cada vez mais inserindo os sujeitos na cultura digital. Essas considerações nos remetem, portanto, a um conceito que merece ser explicitado: o de letramentos digitais. Nas palavras de Buzato (2006, p. 7), 69 Letramentos digitais (LDs) são conjuntos de letramentos (práticas sociais) que se apoiam, entrelaçam e apropriam mútua e continuamente por meio de dispositivos digitais para finalidades específicas, tanto em contextos socioculturais geograficamente e temporalmente limitados, quanto naqueles construídos pela interação mediada eletronicamente. Em face de estar atrelado às inovações da tecnologia, o letramento digital é o retrato da sociedade atual, que requer o domínio da língua escrita em suas mais diversas configurações, integrado às experiências do convívio social. Ele compreende práticas sociais de leitura e escrita, que estão situadas em contextos histórico-culturais. Muito mais que o domínio de uma habilidade técnica, o letramento digital diz respeito às práticas culturais, sociais e históricas da sociedade. Assim como outras categorias de letramentos, os digitais só podem ser compreendidos em razão de estarem imersos em um contexto social. Sendo assim, eles também podem variar, já que cada grupo socialmente organizado faz uso de diferentes práticas de leitura e escrita. O letramento digital que acontece em uma empresa, por exemplo, pode apresentar características diferentes daquele decorrentes do lar, pois em diferentes ambientes sociais circulam variadas práticas de letramento. Compreendemos os letramentos digitais, dessa forma, como um conjunto de usos sociais da escrita que se encontram, de alguma forma, em dispositivos de natureza digital. É uma noção que também se ancora no letramento enquanto prática social, mas que envolve outros códigos e tecnologias além da escrita alfabética (KLEIMAN, 2014). São letramentos dependentes da mediação digital (BUZATO, 2009). Importante ressaltar, contudo, que, nesse texto, os letramentos digitais não são compreendidos em oposição aos letramentos tradicionais. “Trata-se, na verdade, de querer mostrar que está ocorrendo um processo de absorção e síntese de tipos de letramento (alfabético + digital), em que um pressupõe o outro, o anterior servindo como ponto de partida para a instauração do novo” (XAVIER, 2003, p 200). Entendemos, dessa forma, que esses novos letramentos decorrem da convivência entre as múltiplas possibilidades de uso da escrita e da leitura, resultando “entrelaçamentos, ambiguidades, conflitos e refuncionalizações entre as práticas e os repertórios de habilidades dos sujeitos” (BUZATO, 2009, p. 21). Compreendemos os letramentos digitais, pois, [...] não mais como tipos de letramento contrapostos aos tradicionais, mas como redes complexas e heterogêneas que conectam letramentos (práticas sociais), textos, sujeitos, meios e habilidades que se agenciam, entrelaçam, contestam e modificam mútua e continuamente, por meio, virtude ou influência das TIC (BUZATO, 2009, p. 22). 70 Assim, consideramos que os contextos contemporâneos e o letramento digital desencadeiam uma multiplicidade e variabilidade de textos. As atuais práticas e eventos de letramento, em razão da variedade de usos das diferentes linguagens, nos remetem a um novo conceito de texto, permeado pela multimodalidade (DIONÍSIO, 2005). Os fenômenos presentes nesses textos incorporaram dois ou mais modos de linguagem (verbal, imagética, sonora). Marcuschi (2004, p. 13) argumenta, inclusive, que um dos motivos de o texto digital parecer atraente é o “fato de reunir num só meio várias formas de expressão, tais como, texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados”. Os textos são, portanto, híbridos (multimodais) quanto a sua composição, já que são o resultado de diferentes formas de linguagem. Implicam a construção/negociação do(s) sentido(s), a partir do acionamento simultâneo e não linear de outros elementos que não somente o linguístico. Tanto quem escreve quanto quem lê precisa realizar uma série de escolhas, decisões quanto à melhor forma de organização/entendimento do sistema linguístico aliado a outras linguagens, tais como o tipo de letra, figuras, sons, espaçamentos, cores, formas etc. O conjunto de avanços tecnológicos permitiu a integração e hibridização dessas linguagens (BRAGA, 2010). Os novos usos da escrita, atrelados às novas tecnologias, vêm se tornando cada vez mais comuns, já que nos contextos atuais, os indivíduos sentem a necessidade de utilizá-los para atingir seus objetivos. Assim sendo, é relevante atentarmos para as características dos textos oriundos do letramento digital. Nos ambientes digitais, as configurações textuais são diferentes daquelas típicas da tradição impressa, as imagens, os sons e as animações permitem aos indivíduos vivenciarem situações que estimulam os variados sentidos. Para Kleiman (2014, p. 80), No letramento digital, o texto ou hipertexto tem uma organização em que a linguagem verbal, a imagem e o som têm um papel importante na significação, exigindo uma leitura na qual o próprio leitor define quais elementos ler, em qual ordem, seja ele altamente proficiente ou iniciante no processo de aquisição da língua escrita. As tecnologias digitais acabaram introduzindo novos modos de interação e comunicação, coadunando a linguagem verbal ao uso de imagens, de sons e de animações, proporcionando a combinação dessas modalidades. A sociedade vive cada vez mais mediada pelo texto, que, por sua vez, é multimodal e faz com que os espaços online sejam locais importantes de acesso a informações de todos os tipos (BARTON; LEE, 2015). Atenta a essa perspectiva, Oliveira (2010a, p. 332) explica, 71 [...] a imagem deixa de atuar como um elemento que complementa ou ilustra a palavra para ser um modo estruturante do texto. Dessa forma, ela integra a mensagem, carregando em si mesma um valor semântico. Nesse tipo de gramática textual, o sentido que se atribui ao texto resulta de um ‘design’ mais amplo no qual se incluem caracteres alfabéticos, imagens, cores, texturas, formas em movimento, apresentados todos de modo linear, ou seja, alocados no mesmo espaço textual. As configurações textuais mudaram e trouxeram graus diferentes de complexidade quanto à produção e leitura de textos na contemporaneidade. Esses aspectos apontam para a construção de novos cenários de letramento e novos perfis de leitores e produtores de textos. Os textos não podem ser, nessa perspectiva, estáveis e fixos, pois os sujeitos passam a manuseá-los de maneira diversa e a leitura e a produção de texto deixam de ser lineares (BARTON; LEE, 2015). Isso significa que os sujeitos precisam estar atentos a essas novas possibilidades do chamado letramento digital, pois “se os textos da contemporaneidade mudaram, as competências/capacidades de leitura e produção de textos exigidas para participar de práticas de letramento atuais não podem ser as mesmas” (ROJO, 2013, p.8). Os indivíduos, para construírem seus conhecimentos e exercerem a cidadania na contemporaneidade, precisam se apossar das habilidades de leitura e produção de textos atreladas à multiplicidade de modos semióticos que constroem os significados, que são formados por linguagens variadas: palavras, imagens, cores, sons e outros elementos que se integram na complementação do sentido. Os chamados multiletramentos levam em consideração a multimodalidade ou multissemiose dos textos contemporâneos, ou seja, “textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas [...] para fazer significar” (ROJO, 2012, p. 19) O conceito de multiletramentos sinaliza para dois tipos específicos de “multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente as urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituições dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica” (ROJO, 2012, p. 13). Nessa perspectiva, São necessárias novas ferramentas – além das da escrita manual (papel, pena, lápis, caneta, giz e lousa) e impressa (tipografia, imprensa) – de áudio, vídeo, tratamento da imagem, edição e diagramação. São requeridas novas práticas: (a) de produção, nessas e em outras, cada vez mais novas ferramentas; (b) de análise crítica como receptor (ROJO, 2012, p. 21). 72 Rojo (2012) aponta para características dos multiletramentos que considera importantes: (a) Eles são interativos, mais que isso, colaborativos; (b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos) [...]; (c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas) (ROJO, 2012, p. 23). Tais configurações passam a exigir, portanto, que os indivíduos desenvolvam diferentes habilidades, de acordo com as práticas de letramento e os contextos aos quais estão imersos. Sendo assim, estar apto aos usos contemporâneos da escrita é poder praticar as tecnologias digitais, respondendo ativamente a diferentes propósitos, em diferentes contextos. De posse desse entendimento, Almeida (2005, p. 40) ressalta que Assim, a partir da busca e da organização de informações oriundas de distintas fontes e tecnologias, valoriza-se a articulação entre novas formas de representação de conhecimentos por meio das mídias e respectivas formas de linguagem que mobilizam pensamentos criativos, sentimentos e representações, contribuindo para a comunicação, a interação entre pessoas e objetos de conhecimento, a aprendizagem e o desenvolvimento de produções. Consoante a esse entendimento, a leitura e a produção textos podem apresentar configurações que variam na medida em que as semioses são organizadas e reorganizadas dentro dos textos. Os usos da escrita e da leitura garantem a possibilidade de significações livres e plurais e, do outro lado, os interlocutores colocam-se abertos a ampliações e modificações. Por essa razão, é fundamental que os sujeitos entendam que mesmo esses textos contemporâneos resultam de um processo sócio-histórico, decorrem da cibercultura, são típicos desse tempo. Sobre os textos contemporâneos, Barton e Lee (2015, p.42) explicam: “são situados no tempo e no espaço. São criados e podem ser escritos de muitas maneiras [...] são então utilizados: são lidos, exercem influência, são respondidos”. Os documentos oficiais corroboram esse entendimento, já que preconizam ao sujeito Conviver, de forma não só crítica, mas também lúdica, com situações de produção e leitura de textos, atualizados em diferentes suportes e sistemas de linguagem – escrito, oral, imagético, digital, etc. –, de modo que conheça – use e compreenda – a multiplicidade de linguagens que ambientam as práticas de letramento multissemiótico em emergência em nossa sociedade, geradas nas (e pelas) diferentes esferas das atividades sociais – literária, científica, publicitária, religiosa, jurídica, burocrática, cultural, política, econômica, midiática, esportiva, etc. (BRASIL, 2006, p. 32) 73 Além disso, para agir no mundo com autonomia os sujeitos precisam compreender as múltiplas possibilidades de produção de texto na contemporaneidade. Não há como ter criticidade sem, inicialmente, dominar as diferentes configurações textuais presentes nos contextos sociais, conhecer a linguagem, programações, condições de produção e de recepção e a diversidade de situações que exigem um posicionamento crítico e reflexivo do indivíduo para fazer suas escolhas e definir suas prioridades. Compreendemos, então, que os sujeitos precisam adentrar no campo do letramento digital para dominar as ferramentas tidas como necessárias para transitar no meio social contemporâneo, sentirem-se integrados, circunscritos pelo sentimento de pertencimento. A inclusão e a participação plena dos sujeitos nos diversos ambientes sociais, inclusive daqueles permeados pelos usos da escrita atrelados às novas tecnologias só acontece, no entanto, quando esses indivíduos estiverem cientes do que podem fazer com os novos conhecimentos. Apenas ter acesso aos recursos de ordem tecnológica, fazendo uso deles, não é suficiente. No dizer dos PCN (BRASIL, 2006, P. 93), [...] um projeto de inclusão poderá aumentar o sentimento de exclusão se considerar o usuário apenas como um consumidor dessa linguagem em vez de lhe abrir oportunidade de compreensão do seu papel também de produtor dessa linguagem. A visão limitadora de “alfabetização” (a que considera o usuário apenas como consumidor da linguagem) deve-se a uma compreensão antiga, ou seja, àquela que vê a linguagem fora de seu contexto significativo. De maneira descontextualizada, a linguagem é trabalhada como pura estrutura lingüística, fora de sua prática social. Porém, é nessa prática social que se encontram as ideologias, as relações de poder, as entrelinhas, as ironias. Se na vida em sociedade as ações das pessoas são permeadas pela tecnologia, é porque essa é uma nova realidade. Os letramentos advindos dos meios digitais podem ter se expandido tanto em virtude do acesso, do baixo custo e das fontes da mais variada ordem e origem. Outrossim, “o aumento e a diminuição de custos envolvidos no acesso à informação e à interação a distância viabilizados pela internet ampliam, ou mesmo criam, novos espaços para a participação social, os quais carregam em si um potencial transformador (BRAGA, 2010, p. 374). Essas questões só reforçam, no entanto, a perspectiva de os indivíduos desenvolverem estratégias para criticar e avaliar as informações que recebem, pois essa multiplicidade de informações pode revelar fatos e versões pouco ou nada fundamentados. Os usos multimodais da escrita, com seus hipertextos, desenhos, figuras, luzes, sons etc., a princípio, podem parecer completos, nos oferecem maior liberdade interativa, mas sob esse emaranhado de significados perceptíveis aos diferentes sentidos, estão subjacentes comportamentos, culturas, crenças, conceitos e ideologias, que precisam ser criticamente 74 compreendidos a fim de que possamos filtrar as informações para, assim, concordar ou discordar delas. Nesse sentido, Rojo (2012) nos lembra que o sujeito crítico deve compreender que os textos não são neutros, já que esses transmitem valores e ideologias. Sobre essa questão, Braga (2007a, p. 80) ressalta [...] a tecnologia, como qualquer produto social, nunca é neutra: sua criação ou adoção por comunidades específicas é guiada por interpretações sociais sobre seu uso potencial para atender a necessidades sociais específicas. Em outras palavras, a direção do desenvolvimento tecnológico e a conseqüente mudança social estão sempre ligadas a valores e ideologias culturais preexistentes que também podem mudar em novas direções, uma vez que a adoção da tecnologia transforma a própria natureza das práticas sociais pré-existentes19. Na contemporaneidade, o letramento digital tem propagado gêneros e práticas de letramento específicos. Nesse sentido, observamos a leitura e a produção textual não mais em ordem sequencial, linear, e também muitas categorias de gêneros perpassados pela multimodalidade, ancorados em suportes textuais digitais. Tantas mudanças podem desencadear atratividade perante os sujeitos, no entanto é relevante que busquemos desenvolver um olhar crítico para refletir sobre as novidades, de modo que não fiquemos passivamente a mercê daquilo que nos é apresentado como moderno. 2.2 A PERSPECTIVA CRÍTICA DOS LETRAMENTOS E SUAS ORIENTAÇÕES PARA O ENSINO As implicações da compreensão de que os usos da escrita estão associados a identidades culturais particulares e de que existem determinados letramentos que são mais poderosos nos levam a atentar para o potencial transformador da escrita. Esse reconhecimento nos conduz a uma visão mais profunda acerca dos tipos de letramento que são e não são dominantes em nossa própria sociedade, fazendo, pois, que compreendamos os letramentos numa perspectiva intercultural, em que fica claro que existe um conjunto de práticas de letramento no meio social, mas que apenas uma pequena parte são consideradas pela agenda oficial das instituições de ensino. 19 Tradução nossa para: “[...] technology, like any social products is never neutral: its creation or adoption by specific communities is guided by social interpretations about its potential use to fulfill particular social needs. In other words, the direction of technological development and consequent social change is always linked to pre- existing cultural values and ideologies that may also change in new directions once technology adoption transforms the very nature of pre-existing social practices”. 75 Nesse sentido, reconhecemos que existe uma multiplicidade de letramentos; que o significado e os usos da escrita estão relacionados com contextos culturais específicos e que estão sempre associadas com relações de poder e ideologia: não são simplesmente tecnologias neutras (STREET, 1984). Por essa razão, nessa pesquisa, entendemos que quaisquer formas de leitura e escrita utilizadas no meio social são válidas, pois elas estão associadas a determinadas identidades e expectativas sociais a depender de quais sejam os papéis aos quais os indivíduos têm a desempenhar. Assim, mostramos “[...] às pessoas mais clareza para lerem o mundo, e essa clareza abre a possibilidade de intervenção política” (FREIRE, 2001, p. 36). Os PCN (BRASIL, 2000a, p.16), nesse sentido, ressaltam: A educação deve estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa [...] para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir por si mesmo, frente às diferentes circunstâncias da vida. Supõe ainda exercitar a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação, para desenvolver os seus talentos e permanecer, tanto quanto possível, dono do seu próprio destino. Por essa ótica, precisamos abandonar o entendimento de que existem sujeitos letrados e iletrados e, em vez disso, estudar e tentar compreender os diversos usos da escrita nos contextos culturais e ideológicos diversos. Nossa premissa, portanto, é a de atentar, primeiramente, para os usos da escrita de onde as pessoas estão, “compreender os significados e usos culturais das práticas de letramento e traçar programas e campanhas com base nelas em vez de com base em nossas próprias suposições culturais acerca do letramento” (STREET, 2006, p. 484). Nessa compreensão crítica acerca dos letramentos, “a linguagem não é simplesmente um meio de expressão ou comunicação; é, antes, uma prática a partir da qual os aprendizes conhecem-se a si mesmos, o seu contexto sociocultural e as suas possibilidades para o futuro” (OLIVEIRA, 2010a, p. 336). As práticas de leitura e escrita e seus significados estão, portanto, ancorados em contextos sociais reais. Todas as formas de os indivíduos lidarem com os processos de escrita e leitura são válidas. Nessa perspectiva, os letramentos são interdependentes da realidade social e, assim, há a necessidade de ir além das dicotomias e generalizações sobre a natureza do letramento e partirmos para reflexões que levam em consideração todos os circuitos sociais existentes e não apenas aqueles dominantes. Por esse ângulo A escola tem a função de promover condições para que os alunos reflitam sobre os conhecimentos construídos ao longo de seu processo de socialização e possam agir sobre (e com) eles, transformando-os, continuamente, nas suas ações, conforme as demandas trazidas pelos espaços sociais em que atuam (BRASIL, 2006, p. 27). 76 “A teoria crítica está preocupada em entender as relações entre poder e conhecimento e em teorizar o papel da linguagem na produção e reprodução do poder na vida cotidiana, na comunidade e nas instituições” (OLIVEIRA, 2015, p. 24). Dessa forma, no letramento crítico, o propósito maior é formar indivíduos com criticidade, no sentido de serem capazes de analisar, compreender e desafiar as forças opressoras da sociedade “de forma a torná-la mais justa, igualitária e democrática; capaz de lutar contra a ‘cultura do silêncio’ e defender a produção de um conhecimento cultural como um elemento de força no jogo de discursos conflitantes” (OLIVEIRA, 2010a, p. 336). Freire e Macedo, ainda na década de 1990, entendiam que esse era o caminho. Para os autores, O ato de aprender a ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisas que os seres humanos fazem antes de ler a palavra. Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram o mundo e, a seguir, escreveram as palavras. Os seres humanos não começaram por nomear A! F! N! Começaram por libertar a mão e apossar-se do mundo. (FREIRE; MACEDO, 1990, p. 15). Nessa abordagem o letramento é inseparável dos contextos sócio-histórico e ideológico nos quais a leitura e a escrita são utilizadas como elementos cruciais para se entender as práticas letradas de uma determinada situação. Esses contextos abrangem, inclusive, a história de vida dos sujeitos, que são encarados como atores ativos e imprescindíveis e, por isso, sua experiência de vida é um dos fatores que contribuem para a compreensão de uma dada interação. “As práticas de letramento de um indivíduo mudam durante toda a vida, como resultado da mudança de demanda, recursos disponíveis, bem como das possibilidades e seus interesses”20 (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 14). Por essa razão, as pessoas usam o letramento para fazerem mudanças em suas vidas e o letramento, por conseguinte, muda a vida das pessoas. Engajado a essa perspectiva, Street (2006) ressalta que [...] em vez de sublinhar como o letramento afeta as pessoas, queremos mudar de lado e examinar como as pessoas afetam o letramento [...] como os indivíduos numa sociedade recém-letrada, longe de serem passivamente transformados pelo letramento, em vez disso aplicam ativa e criativamente as habilidades de letramento para atender a seus próprios propósitos e necessidades; como eles “se apoderam” do letramento, em vez de qual o “impacto” do letramento sobre eles. Um novo letramento é incorporado às convenções e conceitos acerca da comunicação já existente na cultura receptora – os “sujeitos” não são “tábuas rasas” como tantas 20 Tradução nossa para “The literacy practices an individual engages with change across their lifetime, as a result of changing demand, available resources, as well as the possibilities and their interests”. 77 campanhas de desenvolvimento da alfabetização parecem supor (STREET, 2006, p. 475) Concordamos, portanto, com as considerações de Street (2003), quando ressalta que precisamos estar abertos a conhecer os usos da escrita dos alunos, ou seja, os letramentos vernaculares, para poder trabalhar com eles (sem negá-los e/ou marginalizá- los) e para poder instituir outra perspectiva de ensino, relacionada não apenas aos letramentos dominantes. Sobre a questão de levar em conta o contexto do aluno, Gee (2000b), explica que nós raramente construímos sobre suas experiências e sobre seu real distinto conhecimento do mundo da vida. Na verdade, eles são frequentemente convidados, no processo de serem expostos a domínios especializados, a negar o valor de seus mundos de vida e suas comunidades21 (GEE, 2000b, p. 66). Essa orientação nos leva a um engajamento no que diz respeito à ampliação da competência comunicativa dos alunos, a partir do trabalho com os diversos gêneros de diferentes domínios sociais, e não apenas de alguns derivados do letramento dominante. Essa perspectiva, por nós consentida, é a que propõe uma abordagem de ensino que engloba a historicidade, ideologia, cultura e tradições em que as atuais práticas de escrita e leitura estão baseadas. Sobre esse entendimento, Kleiman e Borges da Silva, (2008) explicam que agir nessa perspectiva significa adotar um modelo situado das práticas de uso da língua escrita, em que todos os nuances que explicam os usos da modalidade escrita da língua devem ser devidamente considerados para a compreensão do ato comunicativo. Corroborando essa noção, os PCNEM (BRASIL, 2002, p. 52) enfatizam que uma das preocupações do ensino de língua portuguesa. é a de que o conhecimento acadêmico não desfigure as práticas sociais. Ao sair da escola, o aluno deve ter construído uma sólida competência de analisar criticamente informações e saberes como construções humanas – enraizadas na realidade histórica, não podendo ser dela desvinculados – e não como um universo fragmentado de certezas vazias de ideologia. Trabalhar nessa acepção é desenvolver ações de aprendizagem em que os letramentos sejam o reflexo das aspirações do grupo a que se destina, oferecendo a ele a possibilidade de usar a escrita de forma funcional, ou seja, “como um instrumento que possibilite alternativas para resolver problemas de âmbito local ou que esteja sintonizado com os desejos e 21 Tradução nossa para “We rarely build on their experiences and on their very real distinctive lifeworld knowledge. In fact, they are often asked, in the process of being exposed to specialist domains, to deny the value of their lifeworlds and their communities”. 78 sentimentos daqueles a quem está endereçado” (OLIVEIRA, 2010a, p. 335). Acerca disso, Street (2003), defende uma nova tradição em considerar a natureza do letramento, focalizando não apenas a aquisição de habilidades, como em abordagens dominantes, mas o que significa pensar o letramento como uma prática social (Street, 1985). Isto implica o reconhecimento de letramentos múltiplos, variando de acordo com o tempo e espaço, mas também contestado nas relações de poder 22 (STREET, 2003, p. 77). Consideramos os aspectos da vida cotidiana nas ações de aprendizagem da escrita, pois existem agências de letramento, como a família, a igreja e a rua (como lugar de trabalho), que mostram orientações de letramento muito diferentes daquelas da escola (KLEIMAN, 1995b). Assim, são importantes os usos da escrita provenientes dos diferentes domínios sociais - lar, escola e trabalho, valorizando o que o aluno já sabe, afinal, eles já sabem muito sobre a língua materna, se comunicam o tempo todo, de diferentes maneiras. Essa tendência é validada pelas orientações sobe o ensino de língua portuguesa, particularmente no ensino médio, quando defendem que As práticas de linguagem a serem tomadas no espaço da escola não se restringem à palavra escrita nem se filiam apenas aos padrões socioculturais hegemônicos. Isso significa que o professor deve procurar, também, resgatar do contexto das comunidades em que a escola está inserida as práticas de linguagem e os respectivos textos que melhor representam sua realidade (BRASIL, 2006, p. 28). Nesse sentido, o conhecimento passa a ser construído por meio de um amplo processo de interação, em que são considerados os tipos de saberes, valores, ideologias, significados, recursos e tecnologias, mobilizados em torno das estratégias que visam o ensino- aprendizagem da escrita. O processo de aprendizagem se faz, portanto, pelo uso reflexivo e significativo da linguagem, dentro e fora do contexto escolar, de modo que os sujeitos saibam fazer uso da leitura e da escrita nas práticas sociais. Assim, [...] é na interação em diferentes instituições sociais (a família, o grupo de amigos, as comunidades de bairro, as igrejas, a escola, o trabalho, as associações, etc.) que o sujeito aprende e apreende as formas de funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem; ao fazê-lo, vai construindo seus conhecimentos relativos aos usos da língua e da linguagem em diferentes situações. Também nessas instâncias sociais o sujeito constrói um conjunto de representações sobre o que são os sistemas semióticos, o que são as variações de uso da língua e da linguagem, bem como qual seu valor social (BRASIL, 2006, p. 24). 22 Tradução nossa para “Represents a new tradition in considering the nature of literacy, focusing not so much on acquisition of skills, as in dominant approaches, but rather on what it means to think of literacy as a social practice (Street, 1985). This entails the recognition of multiple literacies, varying according to time and space, but also contested in relations of power”. 79 Entendemos, pois, que é importante atrelar o ensino da escrita aos letramentos múltiplos existentes, uma vez que as habilidades construídas a partir dessa dinâmica podem representar ferramentas de empoderamento e inclusão social dos alunos. Dito isso, é pertinente que abordemos as práticas de linguagem na escola de forma que os usos da escrita não se restrinjam aos padrões dominantes de letramento. A nossa compreensão é a de que o contexto da comunidade em que a escola está inserida também pode ser um campo fértil para exploração dos usos da linguagem e dos respectivos textos que melhor representem sua realidade. Dando sequência a esse raciocínio, defendemos que a abordagem dos letramentos os quais consideram os variados usos da linguagem envolvidos na palavra escrita sejam provenientes dos letramentos dominantes e vernaculares, prevendo, assim, que os alunos sejam expostos ao trabalho com diferentes gêneros, bem como com diferentes formas de interação que pressupõem implicações ideológicas das mais variadas. Dessa forma, o nosso trabalho é orientado para possibilitar a inserção efetiva dos estudantes em diferentes domínios sociais, e para a assunção de uma postura reflexiva acerca da sua condição e da condição de sua comunidade em relação à sociedade da qual faz parte. Desse modo, perceberão que os usos da língua são imprescindíveis para poderem transitar no meio social, segundo as demandas específicas que se deparam. 2.3 PEDAGOGIA CRÍTICA Implementar a lógica plural dos letramentos diante das adversidades encontradas no meio educacional brasileiro exige daqueles que estão envolvidos com a educação uma atitude de engajamento. A pedagogia crítica é uma alternativa possível ao campo dos múltiplos usos efetivos da escrita na escola porque, aqui, educadores acreditam na pluralidade do mundo, comprometem-se com a justiça social e usam o ensino como uma maneira de empoderar sujeitos. Envolvem-se, portanto, com a ampla inserção dos menos favorecidos nos espaços sociais diversos e na luta por uma sociedade para além das condições de dominação. Por essas razões, “as pesquisas críticas e as pedagogias culturalmente sensíveis podem oferecer respostas mais efetivas para uma ‘pedagogia do letramento’” (OLIVEIRA, 2010a, p. 335). A ideia dos defensores e pesquisadores englobados pela pedagogia crítica é a da educação que visa a transformação social, comprometida com o fortalecimento dos indivíduos socialmente mais frágeis, que acredita na capacidade de todos os sujeitos. “A tarefa da 80 pedagogia crítica tem sido descobrir e desafiar o papel que as escolas representam em nossa vida política e cultural” (MCLAREN, 1997, p.192). O grande destaque dentre as ideias difundidas é a possibilidade transformadora da educação e, por conseguinte, o papel indispensável que tem um professor engajado frente à inserção e ampliação da participação do conjunto dos alunos no meio social. Para Giroux (2005, p. 135), Está no âmago da própria definição de pedagogia crítica a vontade coletiva de reformar as escolas e de desenvolver modos de prática pedagógica em que professores e alunos se tornem agentes críticos que questionem ativamente e negociem a relação entre teoria e prática, entre a análise crítica e o senso comum e entre a aprendizagem e a transformação social. Para a pedagogia crítica, a educação é essencialmente política e não existe conhecimento considerado neutro. McLaren (1997) afirma que as escolas são muito mais que simples locais de instrução, elas são “arenas culturais onde uma heterogeneidade de formas ideológicas e sociais frequentemente colidem em luta incessante de poder” (MCLAREN, 1997, p.192). A educação é, portanto, uma das mais importantes ferramentas para a transformação social, porque permite aos colaboradores se situarem frente ao mundo que os cerca, compreendendo e se posicionando frente às relações de poder existentes. Do ponto de vista do ensino, não há que se pensar em ferramentas instrumentais, que se baseiam apenas na mera transmissão de conhecimentos. Aos professores, cabe a tarefa de fazer com que as experiências e conhecimentos confluam, gerando assim um ambiente de troca de saberes e não de competição. Um dos precursores da pedagogia crítica no Brasil, Freire (1987), ressalta: O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 1987, p. 45). O ensino-aprendizagem ancorado no viés da pedagogia crítica está comprometido em compreender e analisar a realidade social na qual se insere a escola. Ele privilegia a consciência histórica dos sujeitos, por meio do uso da dialética nas relações entre a cultura dominante e dominada, permitindo que indivíduos de estratos sociais mais frágeis se apropriem da dinâmica das relações de poder por meio da aquisição do conhecimento e construam a sua própria realidade social. Levar em conta a história dos sujeitos envolvidos é buscar promover a aprendizagem significativa. Dessa forma, os conteúdos a serem discutidos devem versar acerca daquilo que 81 é proposto em termos curriculares, porém as estratégias de ensino precisam revelar uma disposição em relacionar esse conteúdo com aquilo que os alunos já sabem, de maneira consistente e sem imposições. “Temos de começar onde as pessoas estão, compreender os significados e usos culturais das práticas de letramento e traçar programas e campanhas com base nelas em vez de com base em nossas próprias suposições culturais acerca do letramento” (STREET, 2007, 484). Nesse sentido, é importante reconhecer as condições ideológicas e materiais em que as pessoas estão inseridas para que, a partir desse reconhecimento, elas possam desenvolver um discurso crítico e transformar a sociedade por meio de interesses que lhes são próprios (GIROUX, 1997). Assim, em uma escola, os estudantes precisam ter acesso às diferentes configurações da modalidade linguística para se fazerem ouvir e se tornarem aptos a participar do diálogo em sociedade. Para que o letramento na escola se mostre emancipatório, os alunos precisam ser instigados a problematizar as relações de poder e refletir sobre como a escola reconhece as práticas sociais das quais participam. Eles aprendem a usar o discurso e sua palavra pode representar uma ação transformadora. Para que tenham autonomia, devem participar dos momentos de decisão e assumirem seus próprios pontos de vista. Assegurar ao estudante o direito a voz implica aceitá-lo, entender sua dinâmica contextual e partir dessa situação para uma relação de ensino solidária e dialógica. Nesse modelo, a escola atua de forma política e considera as diversas vozes: do aluno, do professor, dos governos etc. Desse modo, favorece o exercício amplo da cidadania, tornando próxima a comunidade e promovendo a democratização das relações de poder. Propor debates que tratam de questões abstratas, sem qualquer conexão com as vivências contextuais, é uma tarefa complicada porque os alunos ficam sem referências. É preciso tornar as ações de aprendizagem motivadoras e os professores só saberão que estão obtendo êxito por meio dos feedbacks dos próprios estudantes. As atividades a serem desenvolvidas, a sua continuidade e redirecionamentos podem partir de assuntos aos quais os alunos demonstram interesse. Na educação crítica, os modelos e programas de ensino prontos dão lugar à análise da totalidade dos fenômenos sociais, para que, frente a esse conhecimento, os indivíduos possam entendê-los e posicionar-se frente às questões que pautam o mundo, em vez de somente reproduzi-las. É preciso, portanto, “pensar alternativas pedagógicas que representem a base para uma educação social democrática e coletivista, despida do individualismo egoísta e relacionamentos sociais alienantes” (GIROUX, 1997, p. 67). 82 A escola, nessa perspectiva, é um local de coletividade, engajamento e solidariedade. A figura do professor nesse cenário é imprescindível, porque a ele caberá desempenhar o papel de articulador de saberes, fomentando a ideia da escola como segmento social público e democrático. A ele caberá a responsabilidade de estabelecer as diretrizes do ensino como prática emancipadora, que não desconsidera as experiências e conhecimentos que cada um carrega. Professores que atuam sob o viés crítico compreendem “a primazia da experiência estudantil como terreno fundamental para compreender-se como a identidade, política e significado constroem ativamente as diferentes intervenções e mediações dentro da esfera do ensino escolar” (McLAREN, 1997, p. 17). Os processos avaliativos concebidos no âmbito da pedagogia crítica acreditam na capacidade dos sujeitos e faz uso dos diagnósticos e resultados em prol da evolução do conhecimento. As vivências e conhecimentos que os alunos detêm são o ponto de partida para a construção de novas experiências e para a construção de novos aprendizados. A noção punitiva de avaliação, baseada apenas em pontuações e notas, com a pretensão de verificação de aprendizado torna-se sem sentido, portanto, diante da forma compartilhada de os sujeitos construírem conhecimento. Para uma pedagogia que se pressupõe crítica, o questionamento e a problematização dos conhecimentos escolares é fundamental. Sobre essa questão, Gandin (2011), ressalta que o discurso da educação, no tocante ao currículo, está basicamente focado em como e por quê transmitir conhecimentos e criar comportamentos ajustados às demandas de grupos sociais dominantes. É essa dinâmica que ocorre, por exemplo, nas avaliações genéricas que medem o conhecimento. Apple (2001, P. 28), acerca dos testes nacionais, assinala: Uma vez instituído o teste nacional, baseado no currículo nacional, regra geral o conhecimento dos grupos de elite econômica e cultural dominará [...] assim, prevejo que o currículo nacional, inexoravelmente [...] em vez que revelar quais os/as colaboradores que necessitam de financiamento e apoio suplementar, confirmará o senso-comum apresentando uma posição tacitamente pervertida que mantém que as crianças pobres e da classe trabalhadora são menos inteligentes. A pedagogia crítica rejeita essa lógica. Assim, os conteúdos precisam de significação real e social, ao passo que devem estar imbricados à realidade do meio social em que as pessoas estão inseridas. É necessário desafiar o caráter centralizador e uniformizante das propostas curriculares institucionalidadas, ensinando “conteúdos sobre os sindicatos, sobre as mulheres, sobre o passado lamentável (e inclusive o presente) das dinâmicas raciais e sua história” (APPLE, 2001, p.20). Assumir o currículo nessa perspectiva, como uma ferramenta inclusiva e emancipatória, significa reinventá-lo, 83 “[...] enxergá-lo como um recurso flexível que possibilita atravessar fronteiras,propiciar movimentos de fora para dentro da escola e vice-versa, estabelecendo elos entre o global e o local, sem priorizar aquele em detrimento deste, desmistificar cânones de linguagem, olhar a escola como um espaço multicultural, reflexivo, catalizador, dinâmico, aberto à multiplicidade de práticas e percepções, enredado a outros sistemas” (OLIVEIRA, 2015, p. 25). Defendemos um currículo que atua também como fundamento ético, político e cultural, que proporcione a escola possibilidades para sua materialização enquanto esfera pública democrática. Nesse aspecto, o currículo é visto como um instrumento que reúne experiências e conhecimentos que levem os sujeitos a discutir e compreender questões de cunho social, para que assim possam assumir posturas proativas para com o meio social que o rodeia. Nas palavras de Kleiman (2007, p. 20), “o currículo precisa deixar de ser uma camisa de força do trabalho escolar para passar “a ser visto como uma organização dinâmica de conteúdos que vale a pena ensinar (e que podem mudar), que levam em conta a realidade local, seja ela da turma, da escola ou da comunidade e que se estruturam segundo a prática social”. O currículo também pode estar a serviço dos conhecimentos que são necessários para a vida dos estudantes. Nesse sentido, ele poderá garantir a apropriação, ampliação e uso do saber dos estudantes. Assim, do ponto de vista das práticas de sala de aula, a escola não assume o monoculturalismo, como se todos os alunos fossem de uma mesma cultura – a cultura dominante – e que precisam se adaptar se quiserem sobreviver no sistema de ensino e atingir o sucesso escolar (COURELA; CESAR, 2012). Na perspectiva da pedagogia crítica, o currículo é entendido como um processo que se efetiva nas relações estabelecidas no cotidiano educacional, relacionado às estruturas sociais e culturais que o produzem, influenciado e condicionado pelas características do meio social ao qual a escola está inserida. Nessa perspectiva, o currículo é o resultado de um movimento que leva em consideração o formal e o informal, o prestigiado e o não prestigiado, o prescrito e o vivenciado, ou seja, temos como parâmetro o currículo oficial, mas levamos também em consideração o cotidiano revelador de situações emergentes que demandam uma prática pedagógica que vai ao encontro de suas necessidades. Os conteúdos precisam ser significativos. Implementar programas pensados de cima para baixo apenas para tornar o conhecimento uma abstração de nada adianta, assim como assinala Freire (1992), 84 Não compreendo conhecimento crítico ou científico que aparece por acaso, por um passe de mágica ou por acidente, como se não precisasse se submeter ao teste da realidade. O rigor científico vem de um esforço para superar uma compreensão ingênua do mundo. A ciência sobrepõe o pensamento crítico àquilo que observamos na realidade, a partir do senso comum (FREIRE, 1992, p.69). O currículo, assim pensado, se assume como ferramenta mediadora entre as culturas da escola e as diversas culturas em que os estudantes participam, contribuindo para o estabelecimento de dinâmicas facilitadoras da valorização das diversas culturas (COURELA; CESAR, 2012). A escola, em consonância com os preceitos da pedagogia crítica, compreende, questiona e desafia os modelos hegemônicos culturais em favor de um ensino preocupado em desfazer preconceitos, valorizar a pluralidade cultural e não aceitar qualquer tipo de desigualdade. É um lugar de reconhecimento das diversas culturas, crenças, etnias, gêneros, saberes e linguagens, que visa potencializar um trabalho que reflete e valoriza a diversidade de agentes, sejam eles alunos, professores ou membros da comunidade, capazes de se situarem frente ao mundo que os cerca, compreendendo e se posicionando ante as relações de poder existentes. 2.4 PROJETOS DE LETRAMENTO Entendidos, aqui, como dispositivos didáticos pensados à luz da pedagogia crítica, os PL conduzem uma maneira alternativa de se pensar o ensino. Algumas das características que o diferem de outros tipos de projeto são os seus aspectos que o caracterizam enquanto prática social: a aprendizagem situada, o ensino com e não sobre gêneros, a não linearidade do espaço/tempo, o ensino-aprendizagem colaborativo, os agentes de letramento, o currículo dinâmico e a resolução de problemas (OLIVEIRA, 2010a). Os PL são vistos como uma concepção de aprender diferenciada, que leva em conta formas de aprendizagem do dia a dia, em que o foco são as práticas sociais cotidianas. Eles se desenvolvem por meio de uma rede de ações coletivas e colaborativas, que visam ao desdobramento de necessidades que surgem de interesses da vida cotidiana de colaboradores e professores. Essas ações, assim como outras práticas sociais, são mediadas pela leitura e pela escrita. Porém, diferentemente do que ocorre no ensino tradicional, elas têm uma função social que não a de o aluno comprovar ao professor que sabe ler e escrever. Nesse dispositivo didático, a leitura e a escrita são instrumentos para que outras ações se realizem. Para Kleiman (2000, p.238), um PL é 85 um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve a escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua capacidade. O projeto de letramento é uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita. Nessa perspectiva, os PL têm “como ponto de partida a prática social, esses projetos visam atender a necessidades sociais e demandas comunicativas específicas de um determinado grupo, a partir de ações coletivas” (OLIVEIRA, 2010a, p. 340). “Os projetos possibilitam o uso social e efetivo da leitura e da escrita, motivado por ocasiões em que os sujeitos escrevem e leem com vistas a demandas e necessidades comunicativas tanto no plano individual quanto no comunitário (OLIVEIRA, 2008, p.115). Nessa acepção, os PL podem se mostrar produtivos, porque neles os participantes têm a possibilidade de agir como no cotidiano, mais abertos aos imprevistos e dispostos a trabalharem em tempos e espaços de aprendizagem diferentes das aulas tradicionais, com vistas ao atendimento de necessidades específicas. Uma orientação fundamental nos PL é, portanto, destacar a importância de a leitura e a escrita serem trabalhadas como ferramentas para a agência social, significando que haja garantia de mudança, emancipação e autonomia por parte dos sujeitos, requisitos indispensáveis ao exercício da cidadania. Os PL “contribuem para a efetiva formação de professores e alunos, porque, sem perder de vista a educação para a cidadania [...], eles atuam por meio de ações cidadãs, no presente, para o alcance, hoje, da autonomia e dos saberes necessários às ações fora da escola” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 101). Os PL têm como parâmetros as práticas sociais, porque a partir delas os sujeitos sabem como agir discursivamente numa determinada situação comunicativa, ou seja, sabem qual gênero usar, “por isso, é natural que essas representações ou modelos que viabilizam a comunicação na prática social – os gêneros – sejam unidades importantes no planejamento. Isso não significa, entretanto, que a atividade da aula deva ser organizada em função de qual gênero ensinar” (KLEIMAN, 2007, p. 12). A ideia é que os participantes do projeto ajam, portanto, em razão do que é necessário fazer em termos de uso da escrita para se atingir um determinado objetivo social e, a partir daí, optem por fazer uso dos gêneros mais pertinentes. Os PL proporcionam, então, “[...] a ressignificação do trabalho com práticas letradas desenvolvidas na escola, porque eles têm o foco centrado nas atividades que se fazem com, sobre e a partir da linguagem, contribuindo para que haja um maior e mais profundo diálogo entre a escola e outras instituições. Nesses projetos, a aprendizagem se dá de maneira 86 experiencial, tendo os alunos um relevante papel no conhecimento que constroem” (SANTOS; OLIVEIRA, 2012, p. 6). Fica claro, dessa forma, que trabalhar com PL significa assumirmos uma perspectiva de ensino com o propósito de desenvolver ou ampliar a competência comunicativa dos estudantes por meio do uso da leitura e da escrita para agir no mundo. Assim sendo, os alunos são instigados a compreender a leitura e a escrita como formas de acesso ao conhecimento, mas também como uma das ferramentas que podem possibilitar desenvolvimento social e econômico e emancipação política e social. Corroboramos Santos e Oliveira (2012, p. 4) quando afirmam que os “projetos de letramento são uma alternativa pedagógica capaz de viabilizar estratégias de ação destinadas ao trabalho com os múltiplos letramentos com propósitos emancipatórios nos contextos de ensino e aprendizagem”. No dizer de Santos (2012, p. 104), Sob esse prisma, os projetos de letramento configuram-se como uma alternativa pedagógica crítica capaz de oportunizar o diálogo entre seus colaboradores, que agem solidariamente, mediante os usos sociais da escrita, para dar voz aos outros. Nesse sentido, tornam-se um espaço dialógico em que vozes se orquestram harmonicamente buscando investir-se de um tom próprio do discurso emancipatório, que confere poder e resiliência aos que precisam se fazer ouvir. O trabalho colaborativo é, pois, uma das premissas para se trabalhar com PL, pois eles funcionam a partir da constituição de comunidades. Nessas comunidades, a aprendizagem e o ensino se dão de maneira compartilhada. Os interesses, conhecimentos e sentimentos são conciliados. Dessa forma, “professores e alunos, na qualidade de agentes de mudança [...] agem colaborativamente, potencializando recursos para compreender o mundo e alcançar resultados que verdadeiramente lhes interessem” (OLIVEIRA, 2010c, p. 130). Esses grupos colaborativos formam as chamadas comunidades de aprendizagem (CROSS, 1998). Elas envolvem diferentes sujeitos e grupos sociais com vistas ao fortalecimento do processo de ensino-aprendizagem. A ideia das comunidades é criar uma rede de conhecimentos a partir de uma experiência de aprendizagem holística, em que os colaboradores estejam integrados. Elas são “como grupos de pessoas envolvidas na interação intelectual para fins de aprendizagem” 23 (CROSS, 1998, p. 4). Em oposição à visão tradicional de ensino-aprendizagem, que se fundamenta na relação de distanciamento entre professores e alunos, as comunidades de aprendizagem se sustentam na máxima da realidade do mundo. Dessa forma, os colaboradores precisam se 23 Tradução nossa para “As groups of people engaged in intellectual interaction for the purpose of learning”. 87 apropriar da realidade externa existente e isso pode ser feito em conjunto, já que a união de esforços converge para os melhores resultados. O processo ganha, portanto, outras dimensões, pois ao construírem o conhecimento em conjunto, as relações tornam-se colaborativas e interdependentes. Nesses moldes, as comunidades de aprendizagem são entendidas como a estrutura social que sustenta o trabalho de um grupo de indivíduos na prossecussão de um objectivo comum, alberga um novo modelo de cultura e de organização educativa que suporta a mudança em contexto educativo. Este modelo manifesta-se pelo empenho contínuo dos intervenientes no trabalho colaborativo e pelo reforço da capacidade de criação de elementos significativos dentro da comunidade. É possível afirmar que a unidade central de uma comunidade de aprendizagem é a equipa e, neste sentido, a capacidade de trabalhar e aprender a aprender em equipa, isto é, colectivamente, são questões cruciais nas organizações em geral e, sobretudo, nas organizações educativas. (AFONSO, 2001, p.428). A construção de ações de aprendizagem ancoradas nos pressupostos de comunidades de aprendizagem deve atentar para o fato de que o conhecimento não ocorre por meio de transferências, de forma autoritária, mas sim como construção dialógica, de forma que professores, alunos e outros agentes possam trabalhar de maneira interdependente, uns apoiando os outros. Essa seria uma maneira de promover a aprendizagem ativa, em que a concorrência dá lugar à cooperação e o isolamento dá lugar ao acolhimento. Sobre essa questão, Oliveira (2008, p. 109, grifos da autora), explica Na comunidade [...] os professores partilham o mesmo tipo de atividade, isto é, engajam-se em rotinas comuns – ensinar e aprender; agem regidos por Objetivos sociais – fazer com que o aluno aprenda, preparar os alunos para as exigências sociais, buscar conhecimentos e estratégias de ação para melhorar a prática; possuem um repertório partilhado de ideias e artefatos culturais – sentem-se desqualificados socialmente, mas se vêem como bons professores; possuem estilos discursivos típicos, em virtude de pertencerem a uma comunidade de discurso específica. Nessas comunidades, a aprendizagem e o ensino se dão de maneira compartilhada, em que interesses, conhecimentos e sentimentos são conciliados. Na comunidade de aprendizagem, “alunos e professores, na qualidade de agentes de mudança, e num contínuo processo de construção do conhecimento, agem colaborativamente, potencializando recursos para compreender o mundo e alcançar resultados que verdadeiramente lhe interessam” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 51). Nos PL, a cooperação é um elemento indispensável. Um aluno pode, por exemplo, atuar orientando os outros colegas até que seja necessário que outro ocupe essa posição ou convide um agente externo à sala de aula para que também contribua no processo. Isso 88 significa que, nos PL, todo e qualquer indivíduo imbuído de saberes pode estar a serviço da construção do conhecimento. É importante frisar esse aspecto, porque quando se imagina um ensino baseado no processo colaborativo, não se está pensando em um lugar onde cada um faz o que quer, mas sim em um ambiente de aprendizagem em que uma rede de ações interdependentes visam a construção do conhecimento, pautadas na valorização e no respeito aos participantes, de forma que todos se sintam mobilizados a pensar em conjunto e a tomar as melhores decisões. A inclusão dos diferentes potenciais como agentes no processo de ensino-aprendizagem é de suma importância para esse dispositivo didático. Por isso, é importante falarmos sobre os agentes e a agência de letramento. As noções de agente e agência de letramento têm estreita relação com o agir social, circunscrito no mundo, com o sujeito posicionado frente a práticas discursivas engajadas, assim como assinalado por Kleiman (2006a, p. 414 - 415) quando afirma que O agente se engaja em ações autônomas de uma atividade determinada e é responsável por sua ação, em contraposição ao paciente, recipiente ou objeto, ou ao sujeito coagido [...] Se por um lado, todos somos agentes exercendo nossa ação sobre objetos do mundo, pelo fato de sermos humanos, a agência é uma condição de poucos, aqueles que agem na coletividade, exercendo sua ação nos outros, em função dos objetivos de um grupo social. Pensar na apropriação da escrita em um contexto social determinado nos remete a noção de que existem indivíduos e/ou grupos deles atuando como mediadores desse processo, em agentes humanos que interagem comunicativamente e propagam os usos da leitura e escrita. Esses indivíduos seriam agentes de letramento. Sobre isso, Kleiman (2007, p. 21), esclarece que, O agente de letramento é capaz de articular interesses partilhados pelos aprendizes, organizar um grupo ou comunidade para a ação coletiva, auxiliar na tomada de decisões sobre determinados cursos de ação, interagir com outros agentes (outros professores, coordenadores, pais e mães da escola) de forma estratégica e modificar e transformar seus planos de ação segundo as necessidades em construção do grupo. Cabe ressaltar, ainda, que para ser um agente de letramento não é necessário ou obrigatório estar atrelado a uma instância formal que promove sistematicamente a aprendizagem, como a escola. “O agente de letramento, que pode ser o professor, um voluntário da comunidade, um pesquisador que orienta o trabalho do aluno fornecendo materiais relevantes e modelos de atividades significativas” (KLEIMAN, 2014, 88). 89 Um indivíduo envolvido em eventos e práticas de letramento pode ser um agente de letramento, pouco importando o seu grau de poder ou influência perante as situações. São agentes de letramento pelo simples fato de se relacionarem socialmente via ações que mobilizam gêneros. “Eles seriam pessoas engajadas no exercício do poder, no sentido de dominar habilidades [...] de linguagem com o propósito de produzir efeitos para (re)construir o mundo” (SANTOS, 2012, p.56). Indivíduos podem ser agentes de letramento pelo simples fato de se relacionarem socialmente via ações que mobilizam gêneros. O agente de letramento seria, conforme Oliveira (2010b, p.51), “um mobilizador de recursos, atentos às necessidades, potencialidades e saberes dos membros da comunidade de aprendizagem (escola) e voltado para a construção da autonomia do aluno”. Nessa perspectiva, [...] o professor adota uma cultura de aprendizagem diferente, alternativa, identificando-se como um ‘mediador agentivo’ de natureza coletiva que opera em uma via de mão dupla, e não como um ‘mediador mental’ voltado para o desenvolvimento individual ou para uma articulação social limitada circunscrita na relação ‘um a um’, e de forma unilateral (de que sabe para quem não sabe) (OLIVEIRA, 2010b, p.51, grifos da autora) O conceito de agência, por sua vez, “pressupõe a ação refletida e estratégica de sujeitos que, em função de um objetivo real e vinculado a uma situação social definida, trabalham coletivamente em busca de uma meta que desejam atingir” (TINOCO, 2008, p. 190). Agência, nesse sentido, é uma forma de poder (OLIVEIRA, 2008). Ela é fundamental para que o sujeito influencie ações e atitudes em outros sujeitos. Um indivíduo que possui conhecimentos acerca da linguagem verbal, por exemplo, quando imbuído de agência, reúne o conjunto de habilidades e competências que possui com vistas a liderar o planejamento, organização e realização de atividades envolvendo o uso da escrita que interessem ao grupo e que tenham alguma função real na sua vida social (KLEIMAN, 2009, p. 25). Um comportamento que implica agência é fundamental, por exemplo, para possibilitar a alunos e professores a condição de agentes de letramento, podendo utilizar, por exemplo, com os meios de agência naturais, os gêneros. Nessa perspectiva, os gêneros são indispensáveis à ação social e, assim, educar com vistas à cidadania implica possibilitarmos aos alunos o domínio das diversas configurações sociais dos textos, os gêneros, para que eles possam participar de eventos de letramento dos mais diversos, favorecendo a ampliação do seu universo de práticas de letramento. 90 Quem optar por trabalhar com PL intimamente atrelados às demandas de escrita que permeiam o contexto social também precisa estar atento aos aspectos atuais e relevantes que dizem respeito às efetivas vivências com a escrita. Esse ponto é relevante porque, dessa forma, a escola foca no que é significativo para o grupo, no que de fato traduza às práticas de escrita e o seu verdadeiro contexto. “Trabalhar, nesse sentido, requer que se organize o currículo como algo flexível, dinâmico, voltado para a realidade local (Oliveira, 2010a, p. 342). Os PL visam atender a muitas outras finalidades sociais, não somente a aprendizagem da escrita. “Esse tipo de projeto promove o desenvolvimento de práticas pedagógicas numa perspectiva inovadora, possibilitando maiores oportunidades de articulação entre teoria e prática” (SANTOS MARQUES, 2016, p. 117). A busca é por transformar “objetivos circulares como ‘escrever para aprender a escrever’ e ‘ler para aprender a ler’ em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e realização do projeto” (KLEIMAN, 2000, p. 238, grifos da autora). Sobre essa questão, Oliveira (2010c) afirma que não há a necessidade de se trabalhar com conteúdos programáticos predefinidos, pois o ponto de partida para o planejamento dos projetos deve ser a prática social, a demanda de situações específicas. Assim, a primeira e mais importante implicação curricular dessa posição “envolve a adoção de uma concepção social da escrita voltada para a prática de ler e escrever, que, nossos estudos e experiências mostram, ajuda a contextualizar os objetos de ensino” (KLEIMAN, 2010b, p. 382). Em razão de as práticas sociais serem múltiplas, é relevante vivenciarmos na sala de aula os múltiplos letramentos (OLIVEIRA, 2008). Se os sujeitos fazem usos da escrita em diferentes domínios e por meio dos diferentes sistemas simbólicos, é importante que essas características sejam assumidas, uma vez que nos PL devemos levar em consideração os diferentes usos efetivos da escrita, as práticas de prestígio e também as práticas locais, de forma que os sujeitos envolvidos reconheçam e incorporem as possibilidades de uso dos gêneros que movimentam e emergem dessas práticas. Nesse quadro, os letramentos locais ganham importância porque eles representam o que as pessoas fazem com a escrita no dia a dia. Nesse sentido, eles precisam ser considerados e explorados, já que na perspectiva dos letramentos enquanto prática social é preciso dar voz a toda complexidade e multiplicidade a que as práticas de letramento estão vinculadas. Por esse motivo, compreendemos que as práticas de letramento que ocorrem nos variados contextos (lar, igreja, comunidade) atendem a funções e propósitos e são válidas como quaisquer outras. Assim, os PL precisam se preocupar com os interesses e necessidades da comunidade escolar 91 a quem é destinada, levando em conta a cultura local dos seus membros, de forma a “horizontalizar as formas de aprender por meio da leitura e da escrita, permitindo, assim, que eles percebam as relações em que estão imersos e que se apropriem dos significados que se lhes são oferecidos, reelaborando-os a partir da sua própria cultura” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 37). Optar por trabalhar com os PL é atentar para as necessidades e interesses dos alunos, em especial para o contexto em que estão inseridos. Nesse sentido, é preciso haver sensibilidade à seleção dos conhecimentos e práticas a serem abordadas, primando pela significatividade. Atenta a esse aspecto, Kleiman (2007, p. 17) nos sugere: Quando o professor opta, ainda, por trabalhar com projetos, ele passa a decidir questões relativas à seleção dos saberes e práticas que se situam entre aqueles que são locais, funcionais para a vida na comunidade imediata dos alunos e os que são socialmente relevantes para a participação na vida social de outras comunidades e que, um dia, poderão ser utilizadas para a mudança e a melhoria do futuro do próprio aluno e seu grupo Considerar e respeitar as vivências dos estudantes é um passo significativo para o fomento do fator motivacional em sala de aula. Desse modo, as propostas dos PL podem nos proporcionar um trabalho que evidencia as múltiplas formas de lidar com a escrita, inclusive efetivando a inserção do letramento digital, se constatarmos que os conhecimentos e experiências referentes a esse letramento em particular são importantes e representem os interesses dos sujeitos envolvidos e as formas como eles circunscrevem no mundo. Em outras palavras, os PL também “propõem o ensino de multiletramentos, isto é, a inclusão no currículo de todas as formas de representar significados dos diferentes sistemas semióticos - linguístico, visual, sonoro ou auditivo, espacial e gestual - inter-relacionados no texto multimodal contemporâneo (KLEIMAN, 2014, p. 81). Trabalhar nessa perspectiva não é uma tarefa difícil, porém é complexa, porque precisamos entender que o aluno já sabe de muitas coisas e as suas vivências e experiências ante o mundo são vastas. Toda essa gama de conhecimento, que advém de práticas cotidianas significativas, pode e deve ser levada em consideração nos processos de ensino- aprendizagem. O professor que decidir investigar as práticas sociais para subsidiar o trabalho em sala de aula “enfrentará a complexa tarefa de determinar quais são essas práticas significativas e, consequentemente, o que é um texto significativo para a comunidade” (KLEIMAN, 2007, p. 08). 92 Um princípio básico que depreendemos desse modo de ensinar e aprender com base também naquilo que é significativo para os alunos reside na consciência de que o aprendizado cotidiano do ser humano se faz a partir de experiências efetivas, ou seja, resolvendo problemas que dizem respeito aos desafios que lhe são postos diariamente. Essa questão também é enfatizada pelos pressupostos teóricos que sustentam os PL. Conforme esse dispositivo tem como ponto de partida a prática social, é natural que eles proporcionem à conscientização e à resolução de problemas do contexto em que o aluno se encontra. Oliveira, Tinoco e Santos (2014, p. 37) argumentam que No ensino orientado para a resolução de problemas, o aluno ganha força e assume um plano significativo no processo educativo. É ele quem busca respostas para um problema real vivenciado ou identificado por ele e/ou pelo professor. Para a resolução de problemas, o aluno recorre a seus conhecimentos prévios, busca novos conhecimentos e integra-os à situação a ser compreendida. O princípio básico desse modo de aprender reside na consciência de que o aprendizado do ser humano se faz a partir de experiências de seu cotidiano – aprende-se, resolvendo problemas, o que implica atividade, criatividade e enfrentamento de situações novas. O ensino-aprendizagem que subsidia apenas notas e pontuações dá lugar a uma organização de aprendizagem em que as pessoas estão continuamente descobrindo e vivenciando o mundo. É uma maneira alternativa de se trabalhar, em que o aprendizado holístico, baseado na resolução de problemas reais integra as questões curriculares da escola. É uma reflexão sobre as experiências com vistas a uma aprendizagem voltada para aspectos morais, sociais e afetivos. Nessa acepção, desenvolver PL pode configurar uma importante ocasião para levantarmos problemáticas relacionadas à realidade do aluno para refletir e trabalhar sobre elas numa perspectiva de busca por entendê-las, bem como agir no sentido de superá-las. Assim, as questões e temáticas em estudo podem partir também do conhecimento que os estudantes trazem de seu contexto, buscando desenvolver investigações com vistas a construir um conhecimento que ajude este aluno a compreender o mundo e a conviver criticamente na sociedade. Tais e quais outras ações sociais, professores, alunos e outros agentes, ao se engajarem em um determinado PL, se posicionam frente à resolução de um problema, cuja compreensão e resolução exigem um esforço colaborativo, em que são compreendidas as incertezas, dificuldades, conflitos, negociações e potencialidades do grupo. Para Oliveira (2015, p. 29), essa questão é importante porque 93 Quando nos inserimos no mundo social dos alunos e nos problemas que os afligem, abrimos a possibilidade não apenas de compreender a realidade que os afetam, mas também buscar com eles soluções para minimizar as suas dificuldades existenciais e aquelas relativas à construção do conhecimento, seja este de natureza procedimental, atitudinal ou conceitual, valorizando a sua capacidade criativa e estimulando a sua autoconfiança e criticidade. É por esse motivo que se faz necessário compreender de que o aluno, assim como o professor, pode ser um agente fundamental no desdobramento das situações de ensino, uma vez que os seus conhecimentos e experiências podem ser cruciais para a elucidação do problema vivenciado. As etapas do projeto e os seus respectivos desdobramentos são pensados pelos agentes envolvidos com o objetivo de atingir metas por meio de ações coletivas e/ou individuais que envolvem a linguagem, valorizando a função social da escrita e conectadas às ações necessárias à solução de um dado problema. O grupo atuando em conjunto interage por meio dos usos da leitura e escrita para resolverem situações-problema que interessam a todos. 94 3 AS PRÁTICAS DE ESCRITA DOS ESTUDANTES E O PROJETO DE LETRAMENTO CELULAR NA SALA DE AULA, SIM OU NÃO? Neste terceiro capítulo, voltado à reflexão dos achados de pesquisa, buscamos, em um primeiro subcapítulo, mapear os eventos de letramento vivenciados por alunos do Ensino Médio fora da escola e empreender uma gama de considerações acerca de como as praticas de escrita desenvolvidas fora da escola, interpretadas à luz dos preceitos teórico-metodológicos dos PL, podem nos ajudar a pensar na ressignificação das ações de ensino e aprendizagem que versam sobre os usos da escrita na escola. No segundo subcapítulo, pormenorizamos as atividades decorrentes da execução de um PL, intitulado “Celular na sala de aula, sim ou não?”, que foi concebido levando em consideração a questão contextual e visou à ressignificação do ensino-aprendizagem. 3.1 AS PRÁTICAS DE ESCRITA DOS ALUNOS FORA DA ESCOLA E O QUE ELAS NOS DIZEM 3.1.1 A escrita atrelada às novas tecnologias é uma realidade Os usos da escrita atrelados às novas tecnologias vêm recebendo configurações diferentes. São práticas que ocorrem por meio de rotinas comunicativas instantâneas e virtuais, com apoio de cada vez mais recursos de natureza não verbal. Na realidade atual, percebemos o franco desenvolvimento de práticas sociais que demandam o uso cada vez mais generalizado e recorrente da escrita frente às novas demandas tecnológicas. Um dos desdobramentos dessas novidades é o surgimento de diferentes gêneros e, por conseguinte, de novos eventos de letramento que transformam as maneiras de se comunicar. As reflexões que iniciamos nesse momento decorrem de informações geradas a partir da realidade contextual de alunos com idades entre 15 e 17 anos e que residem na cidade do Recife. As informações geradas pelas respostas desses estudantes mostram que a lida cotidiana com a escrita cada vez mais é atravessada por regras, recursos e tendências advindas das novas tecnologias. As reflexões iniciais foram feitas a partir das informações contidas na tabela a seguir. Nela, estão compreendidas informações que foram obtidas por meio do seguinte questionamento: Que práticas de escrita você desenvolveu em seu cotidiano fora da escola? 95 Esses achados de pesquisa mostram que grande parte dos usos de escrita é implementada com o intermédio das novas tecnologias. Apesar de os resultados mostrarem alguma prática de escrita em que a utilização de novas tecnologias não foi empregada, é pertinente afirmar que as práticas de caráter mais tradicional vêm dando lugar a outras formas de conceber a escrita. Quadro 3 - Eventos de letramento referentes à vivência dos alunos fora da escola Evento de letramento24 Participação em conversa (tempo real)25 Interação por meio do uso de mensagens26 Realização de pesquisa na internet Escritura de comentários Produção de postagem em rede social27 Produção de legenda (figuras/imagens/foto)s28 Preenchimento de formulário (inscrição) Produção de e-mail Produção de torpedo/mensagem de texto/SMS Produção de carta pessoal Registro de lembretes/notas 24 A categorização evento de letramento decorre de termos buscado, em nossas entrevistas, mapear as ocasiões em que uma peça de escrita era parte integrante da natureza das interações dos colaboradores e pelo fato de nossos questionamentos levarem em conta todo o processo de desenvolvimento de um gênero e não apenas o produto final, embora produto e processo apresentem-se imbricados. Algumas dessas categorias abrangem, portanto, gêneros para serem lidos e compartilhados, mas o recorte da pesquisa contemplou, objetivamente, as vivências dos sujeitos com a produção textual. Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações dos estudantes, do evento de letramento mais citado até o menos citado. 25 Participar de conversa consiste na comunicação escrita em que dois interlocutores ou grupos específicos interagem, dialogam, trocam informações em tempo real por meio de dispositivos móveis ou remotos em ambientes digitais. É uma prática de escrita influenciada pela agilidade e rapidez, e geralmente apresenta uma produção informal, com abreviaturas, marcas da oralidade e linguagens não verbais. Nossos colaboradores interagem sincronamente utilizando diferentes plataformas digitais, como redes sociais, aplicativos para conversas, jogos e chats, fóruns. 26 Interagir por meio de mensagens corresponde à interação via escrita em que os sujeitos enviam mensagens, avisos, recados por meio de dispositivos móveis ou remotos em ambientes digitais. É uma espécie de chat em que os textos são enviados para interlocutores ou grupos específicos para serem lidos oportunamente. É uma prática de escrita que incorpora grandes repertórios de linguagens não verbais: áudios, vídeos, imagens, símbolos, arquivos, etc. 27 Produzir postagem em rede social é uma maneira de os sujeitos divulgarem textos para que sejam vistos publicamente ou apenas por seguidores em ambientes digitais. É uma atividade de natureza interativa. Os textos podem ser mesclados com linguagens não verbais, complementando e ampliando a significação. 28 Legendar figuras/imagens/fotos diz respeito à produção de um texto verbal que acompanha imagens, figuras, fotos, conferindo-lhes um significado ou esclarecimento. Geralmente, o texto das legendas aparece imediatamente abaixo, ao lado ou acima do que se deseja descrever, identificando, contextualizando e acrescentando alguma informação. Esse evento de letramento se dá em ambientes digitais. 96 Produção de lista de compras Preenchimento de formulário (perfil)29 Produção de diário pessoal Registro de orações (religião) Produção de conto Produção de currículo Postagem em microblog30 Fonte: Acervo da pesquisa Boa parte da participação dos estudantes em eventos de letramento fora da escola está atrelada ao uso de novas tecnologias. O letramento digital (BUZATO, 2006) está presente no dia a dia desses sujeitos. Fora da escola, os estudantes usam com frequência os aparelhos celulares para escrever ou ler e as posturas que eles assumem pressupõem a utilização de dinâmicas diferentes das formas tradicionais de letramento e alfabetização, “até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital” (XAVIER, 2005a, p. 135). Os resultados apresentados na tabela acima mostram que fora da escola os alunos convivem muito com a escrita que envolve as novas tecnologias. Refletem, de certa forma, as mudanças que ocorrem no mundo, já que os sujeitos utilizam esses recursos porque lhes são úteis e socialmente funcionais. Nesse sentido, eles escrevem enquanto conhecem pessoas, interagem com amigos, ouvem e compartilham áudios e textos etc. Os colaboradores da pesquisa usam muito à escrita atrelada à tecnologia. Alguns deles, inclusive, afirmaram que, fora da escola, praticamente só escrevem nessa condição. Para fazerem anotações e ou registrar lembretes, por exemplo, utilizam celulares e seus recursos. O uso de recursos de ordem tecnológica faz parte da vida dos sujeitos, se mostra útil, necessário e algo trivial. As imagens a seguir, cedidas por colaboradores, mostram que a escrita atrelada às novas tecnologias e as novas maneiras de se escrever reforçam o argumento de que reflexões sobre o engajamento da escola frente ao trabalho com gêneros de natureza digital pode ser imprescindível. 29 Preencher formulário (status/perfil) consiste em responder/preencher campos ou lacunas com dados com vistas a construir/atualizar determinadas informações. Esse evento de letramento se dá em ambientes digitais. 30 Postar em microblog é uma maneira de os sujeitos divulgarem breves textos (limitados a 40 caracteres) para que sejam vistos publicamente ou apenas por um grupo restrito. Esse evento de letramento se dá em ambientes digitais. 97 Fonte: Acervo da pesquisa. A imagem do meio mostra como a colaboradora Rita31, por exemplo, costuma praticar a escrita32 no dia a dia, revelando que os novos usos da escrita acabam por desencadear posturas costumeiras das novas práticas de letramento. Os alunos cada vez mais desenvolvem suas produções aliadas ao uso de novas tecnologias. As informações contidas no gráfico a seguir ratificam a ideia de os eventos de letramento do dia a dia dos estudantes estarem conectados a utilização de algum recurso oriundo das novas tecnologias. As informações do gráfico foram geradas a partir dos resultados oriundos do seguinte questionamento feito aos alunos: Quais recursos utilizou para desenvolver essa prática? 31 Buscando resguardar a identidade dos nossos colaboradores, optamos por identificá-los com nomes fictícios. 32 Apesar de utilizarmoso termo “escrita” para fazer referência aos textos dos entrevistados, sabemos que, em muitos casos, os textos escritos carregam marcas da oralidade. Na figura acima (imagem à direita), podemos observar os termos “orxii” e “blz” (abreviatura de belza), típicos da fala. Entendemos, pois, como postula Marcuschi (2000), que as linguagens falada e escrita não ocupam os limites de uma linha reta, ou seja, elas não são dicotômicas. Figura 5- Gêneros e usos da escrita que prescindem de recursos de ordem tecnológica 98 Gráfico 2 – Influência das novas tecnologias nos eventos de letramento referentes à vivência dos alunos Fonte: Acervo da Pesquisa. Os aprendizes, em suas interações comunicativas, escrevem com o auxílio de recursos atrelados às novas tecnologias. Dos eventos de letramento que afirmaram participar, a maior parte deles é intermediada por essas novas tendências. Eles afirmaram interagir por meio de redes sociais e as pistas quanto a essa nova dinâmica podem ser percebidas tanto no que diz respeito às formas modernas de escrever e interagir quanto ao uso de expressões utilizadas nas respostas dadas: compartilhar, curtir, retweetar, printar e navegar. Essas “práticas de leitura e de escrita digitais, o letramento na Cibercultura, conduzem a um estado ou condição diferente daquele a que conduzem as práticas de leitura e de escrita quirográficas e tipográficas, o letramento na cultura do papel” (BUZATO, 2009, p. 16). Praticamente todos os usos cotidianos da escrita dos colaboradores estão relacionados às novas tecnologias e isso significa afirmar que esse um dos aspectos que vêm transformando as práticas de letramento atuais. A internet, um dos marcos das novas tecnologias da informação, vem proporcionando significativas mudanças. Sobre isso, Braga (2007a), sinaliza que nenhuma consideração sobre letramento digital e acesso social pode ignorar o fato de que a internet permitiu que qualquer pessoa pudesse divulgar sua voz social de forma pública. Alguns dos alunos estão tão embebidos dessas novas formas de uso da escrita que podem não atentar para o fato de que elas carregarem importantes marcas de práticas de escrita tradicionais. Alguns deles convivem tanto com práticas de escrita ancoradas em dispositivos de ordem tecnológica que estão acostumados com uma escrita característica, podendo não perceber que as demandas de práticas sociais são vastas, que as práticas de escrita que eles dominam são apenas algumas das múltiplas existentes. 99 Muitos dos colaboradores utilizam apenas do “internetês” para praticarem a escrita. Em muitos casos, percebemos que eles utilizam em demasia a escrita alinhada à tecnologia e, assim, lançam mão de gírias, códigos, abreviaturas etc. Na figura a seguir, apresentamos imagens de três diferentes situações: na esquerda, temos um texto que abusa do uso de recursos típicos da internet, abreviaturas e códigos; no meio, um texto com menos incidências desses usos, apenas marcas de oralidade e termos típicos da internet; e na direita, um texto em que os recursos da escrita empregados estão muito próximos das convenções de escrita mais tradicionais. Fonte: Acervo da pesquisa. Outra característica no que diz respeito aos usos contemporâneos da escrita são as possibilidades de coadunação da linguagem verbal escrita com outras linguagens advindas do uso das novas tecnologias. Esse imbricamento acaba por transformar completamente as possibilidades de construção de significação nos textos. A linguagem verbal escrita continua sendo uma importante ferramenta de comunicação, porém para as pessoas se expressarem no mundo de hoje, em que as informações são repassadas rapidamente, as linguagens não verbais são extremamente práticas e permitem o entendimento rápido. Interagindo por meio de conversas em tempo real, os alunos mostram uma ilustração, um desenho, uma fotografia, um áudio, algo que associado à linguagem escrita verbal torna a mensagem mais completa. A linguagem verbal escrita e a não verbal se misturam, fazendo Figura 6 – Usos da escrita ligados à tecnologia (bate papo via rede social snapchat, mensagem de texto – sms, postagem junto à rede social instagram). 100 com que uma provoque alterações na outra e completem o sentido, tornando o texto único, multimodal (ROJO, 2012). Sobre esse aspecto, Dionísio (2008, p. 132), ressalta que “com o advento de novas tecnologias, com muita facilidade se criam novas imagens, novos layouts, bem como se divulgam tais criações para uma ampla audiência [...] textos especialmente construídos que revelam as nossas relações com a sociedade e com o que a sociedade representa”. O uso da linguagem não-verbal no mundo atual é muito significativo e um exemplo disso são os usos da escrita dos colaboradores que decorrem cada vez mais da participação em eventos de letramento, como produção de e-mail, conversas em tempo real, produção de postagens em rede social etc. Nas imagens a seguir, disponibilizadas pelos entrevistados, a linguagem verbal escrita é utilizada alinhada a outras linguagens. Nelas, temos dois exemplos de usos da escrita que incluem mecanismos que os caracterizam enquanto multimodais. A figura da direita, inclusive, é muito representativa dessa influência, pois mesmo praticando a escrita sem o intermédio do uso de novas tecnologias, ainda assim a colaboradora Rita fez uso de linguagens que imitam esse uso (emojis). Fonte: Acervo da pesquisa. Algumas atividades escolares que desenvolvemos, como pesquisas com vistas a verificar significados de termos e expressões por meio de dicionários, exercícios escritos, cópia de conteúdos dispostos no quadro branco, produção de redações, podem não abordar elementos típicos da multimodalidade. Essas práticas, se utilizadas com exclusividade, podem desconsiderar o indivíduo acostumado a utilizar a escrita aliada a imagens, áudios, ícones, Figura 7- Exemplos de escrita multimodal (Bate papo síncrono via WhatsApp e produção de diário pessoal). 101 cores, hipertextos, que escreve em um tempo e espaço diferentes daqueles estabelecidos pela escola. São produções de texto que não reconhecem a heterogeneidade existente no uso da linguagem. Os questionamentos, Quais são essas linguagens? Você prefere produzir textos apenas com linguagem verbal ou que mesclam outras linguagens? também foram fundamentais para refletirmos sobre o impacto da inclusão de outras linguagens em meio ao desenvolvimento da escrita dos aprendizes fora da escola. Empreendemos essas perguntas logo após os colaboradores afirmarem que usam textos que mesclam diferentes linguagens. As informações apresentadas na tabela a seguir mostram, então, como os estudantes utilizam e avaliam essa prática de escrita multimodal. Gráfico 3 - Preferências quanto ao uso de linguagens não verbais – em % 33 Fonte: Acervo da pesquisa. As informações do gráfico podem não ser surpreendentes para aqueles que de alguma já investigaram ou observaram como os alunos de ensino médio de um contexto urbano praticam a escrita no dia a dia, mas quando entendidas enquanto novidade revelam o quanto podem ser desatualizadas às atividades de ensino que pensam os usos da escrita apenas associados à reprodução de modelos tradicionais, que não levam em consideração essa comunicação atual muito atrelada à multiplicidade de produção de sentidos. 33 Não levamos em consideração a participação dos entrevistados em eventos de letramento em que em que não há motivo, permissão, para a utilização de recursos multimodais nos gêneros manuseados. 102 Em grande parte das práticas de escrita realizadas nos espaços sociais fora da escola, os alunos fazem uso de recursos multimodais, pois as práticas apontadas por aqueles que informaram não fazer esse uso são aquelas em que a utilização desses recursos faz pouco sentido: preenchimento de formulários, registro de lembretes/notas. Atualmente, os processos de interação envolvem as mais diferentes linguagens para a construção de sentido, “nessa combinação de múltiplas formas semióticas, a imagem deixa de atuar como um elemento que complementa ou ilustra a palavra para ser um modo estruturante do texto” (OLIVEIRA, 2010a, p. 332). Os alunos passam horas interagindo por meio do uso de novas tecnologias nas suas práticas sociais e essa comunicação virtual envolve muitos usos da escrita. Esse tempo utilizado para a comunicação virtual proporcionam uma rica convivência com recursos de natureza multimodal, mas a escrita verbal é imprescindível. As imagens apresentadas na figura a seguir mostram isso. Fonte: Acervo da pesquisa O conhecimento que o aluno já traz acerca das práticas de escrita é vasto. Eles conhecem várias maneiras de desenvolver suas produções escritas alinhadas à linguagem não verbal e têm as habilidades para utilizar as ferramentas disponíveis. As demandas de escrita atuais estão intimamente atreladas ao contexto social, às vivências sociais. Esse aspecto é Figura 8 – Usos da escrita nas práticas cotidianas de interação dos colaboradores 103 significativo porque diz respeito aos gostos dos alunos e à valoração que é dada por eles a determinados usos. Nesse novo tempo, os usos das diversas linguagens em prol da compreensão são imprescindíveis. Esses usos revelam que as práticas sociais estão em sintonia com as situações e os contextos vivenciados no mundo e com o meio social ao qual os indivíduos estão inseridos. O uso dos recursos advindos das novas tecnologias favorece a construção de discursos engajados à contemporaneidade e revela cadeias de interação, uma faceta muito comum nos processos comunicativos atuais que envolvem a escrita. Os alunos que interagem por meio da internet conversam com várias pessoas ao mesmo tempo, se mantêm informados sobre muitas coisas, divulgam informações que podem ser acessadas por dezenas, centenas e até milhares de outras pessoas. Eles participam de grupos interativos virtuais pelos quais mantêm afinidades e, dependendo do ambiente virtual que optam, têm liberdade para dizer o que querem, conversar com quem desejam, ler, escrever e visualizar aquilo que consideram importante e necessário. No dia a dia, os alunos utilizam uma variedade de gêneros de natureza digital que propiciam ampla interação via escrita: e-mails, postagens em redes sociais, mensagens de sms bate-papos etc. São formas de se relacionar que se popularizaram porque facilitam a vida na rapidez do mundo contemporâneo ao qual estamos inseridos. Muito dessa popularização se deu pelo fato de essas ferramentas serem capazes de diminuir tempos e distâncias entre sujeitos, permitirem a comunicação mais acelerada e, em grande parte, a um baixo custo. Dois outros questionamentos feitos aos entrevistados nos permitiram refletir sobre como as interações cotidianas externas à escola funcionam. As perguntas foram, Quantos seriam os possíveis interlocutores dessa prática de escrita? Quem são essas pessoas? As informações mensuradas desses questionamentos mostram as cadeias de interação e revelam que os alunos estão cada vez mais propensos a comunicação. Eles interagem com pessoas que estão distantes fisicamente, fenômeno que dificilmente ocorreria sem o intermédio dos meios de comunicação advindos das novas tecnologias. Na tabela a seguir, apresentamos as informações concernentes a esse aspecto. 104 Tabela 2 - Cadeias de interação dos alunos Eventos de letramento34 Média de interlocutores35 Participação em conversa (síncrona) 838 Interação por meio do uso de mensagens Não se aplica Realização de pesquisa na internet 39 Escritura de comentários 56 Produção de postagem em rede social 104 Produção de legenda (figuras/imagens/fotos) 317 Preenchimento de formulário (inscrição) Não souberam responder. Produção de e-mail 1 Produção de torpedo/mensagem de texto/SMS 1 Produção de carta pessoal 2 Registro de lembretes/notas 1 Produção de lista de compras Não souberam responder. Preenchimento de formulário (perfil) 1 Produção de diário pessoal 1 Registro de orações (religião) 1 Produção de conto Não souberam responder. Produção de currículo 8 Postagem em microblog 80 Fonte: Acervo da pesquisa. O número médio de interlocutores apresentados em alguns dos eventos de letramento citados pelos colaboradores pode não representar efetivamente a quantidade de pessoas com quem os estudantes interagem diretamente, mas esses números são significativos porque mostram que não há limites para a comunicação nos dias de hoje. “[...] devido à internet, o indivíduo na frente do seu computador, no aqui e agora, pode estar também do outro lado do mundo” (KLEIMAN, 2014, p. 75). Essas informações revelam que a interação por meio da internet acabou por tornar mais fáceis e flexíveis as tradicionais barreiras à comunicação, como é o caso da distância. Os colaboradores da pesquisa, Augusto e Josué, por exemplo, afirmaram interagir com pessoas que estão em outros países por meio da participação em conversas instantâneas e interações 34 Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações dos estudantes, do evento de letramento mais citado até o menos citado. 35 Nossos colaboradores falaram individualmente sobre quantos eram os interlocutores nos eventos de letramento de que participam, mas o número apresentado nessa tabela é uma média da quantidade de interlocutores do conjunto de citações de cada um dos eventos citados. 105 por meio de envio de mensagens, mostrando que a interação está se tornando menos doméstica e regional, passando a ser mais global. Sobre essas novas possibilidades tecnológicas, Leffa e Freire (2013) acrescentam que elas possibilitaram ao sujeito transportar- se para outras cidades e países para, assim, “interagir com o outro em tempo real, construindo com ele um enunciado em conjunto, negociando sentidos, tomando e cedendo turnos de fala, tudo de modo simultâneo, como se estivesse na frente do outro” (LEFFA; FREIRE, 2013, p. 27). Na figura a seguir, temos exemplos do quantitativo de pessoas conectadas aos colaboradores da pesquisa por meio de redes sociais. Ao falarem sobre quem são as pessoas que os “seguem”, eles citaram amigos, familiares, relacionamentos, vizinhos e pessoas que carregam interesses comuns, em face de localização, faixa etária etc. Fonte: Acervo da pesquisa. Os alunos, em suas interações cotidianas fora da escola, convivem com muitos interlocutores e isso pode ser positivo, até porque não há sentido em manter uma rede de relacionamentos que não agrega nada aos seus participantes. Os usos da escrita fora da escola apresentam diferentes configurações. Uma dessas configurações diz respeito às possibilidades de conexão entre muitas pessoas. Além disso, esses relacionamentos interferem nas relações sociais, pois promovem novas formas de interação que acabam orientando os sujeitos quanto aos modos de se relacionar com os outros, novos valores, pontos de vistas, hábitos. Um exemplo prático disso é a afirmação do nosso colaborador Josué, que interage com pessoas de outros países e, assim, tem a oportunidade de aprender algo de outros idiomas. Os usos cotidianos da escrita dos jovens parecem estar muito próximos do que, contemporaneamente, se faz com a tecnologia. Contudo, não podemos deixar de ressaltar que Figura 9 – A ampla interação 106 esses novos usos são muito atrativos e, nesse sentido, os alunos costumam ficar muito apegados a determinadas práticas. A categoria de eventos de letramento “participação em conversa síncrona”, por exemplo, foi muito citada pelos entrevistados e isso significa afirmar que os alunos podem fazer uso da escrita de forma intensa, porém esse uso é repetitivo. Eles participam de um mesmo evento de letramento repetidas vezes durante um mesmo dia e esse aspecto reforça a ideia os usos da escrita estão ancorados em uma pouca diversidade de eventos de letramento. De qualquer forma, as implicações provocadas pela interação por meio do uso das novas tecnologias nos mais variados contextos sociais tratam de mudanças que acarretam mais e mais desdobramentos para os processos de letramento e essas mudanças fazem parte do processo de transformação por que passam os processos de escrita ao longo do tempo. Não se trata de uma defesa em prol de esquecer práticas mais tradicionais, tampouco de pararmos no tempo, mas de percebermos que a afirmação dos novos usos da escrita ante os contextos da sociedade atual desencadeiam aspectos que dizem respeito à contínua transformação da escrita e, por conseguinte, afetam sobremaneira os eventos e as práticas de letramento. Reflexões sobre esses achados de pesquisa Em suas práticas de escrita fora da escola, os alunos participam de eventos de letramento que ocorrem por intermédio do uso de novas tecnologias (vide quadro 3). A maioria dos usos da escrita desenvolvidos em seu cotidiano está de alguma forma atrelada ao uso de novas tecnologias. Assim, o letramento digital está presente no dia a dia dessas pessoas. Inicialmente, o nosso debate girará em torno dessa afirmação de que, no dia a dia, os alunos já lidam com a escrita atrelada às novas tecnologias. Esse aspecto remete a ideia de que a integração do conhecimento referente às novas tecnologias é algo relevante para o ensino-aprendizagem, já que no meio social esse alinhamento já ocorre. As novas tecnologias influenciam os variados usos da língua escrita e acarretam em mudanças também na escola, já que essas “rápidas transformações tecnológicas que hoje se dão afetam profundamente o letramento, na medida em que requerem do indivíduo novas habilidades e estratégias para se adaptar e adquirir os letramentos que emergem” (OLIVEIRA, 2009, p.9). Essas afirmações, por conseguinte, estão em conformidade com o que consta em documentos oficiais de orientação para o ensino médio (BRASIL, 2000a) quando reconhecem que está ocorrendo uma revolução informática, a qual promove mudanças radicais na área do 107 conhecimento e nos processos de desenvolvimento. Por essa razão, a educação vai se transformar mais rapidamente, “em função de uma nova compreensão teórica sobre o papel da escola, estimulada pela incorporação das novas tecnologias (BRASIL, 2000a, p. 5). Nesse sentido, é relevante reconhecer, portanto, que as práticas de letramento atuais estão sendo atravessadas por características típicas desse tempo. Computadores, programas e aparelhos celulares são alguns dos exemplos de recursos que fazem parte da vida das pessoas e que vem revolucionando suas práticas cotidianas de escrita. Os achados de pesquisa, inclusive, mostram os alunos fazendo uso de práticas de escrita cotidianas integradas à cultura das novas tecnologias. A gama de práticas de escrita atrelada às novas tecnologias desenvolvidas fora da escola pelos alunos é representativa. Assim, é pertinente atentar para o fato de as novas tecnologias estarem transformando as práticas de escrita que se estabelecem na sociedade. As mudanças nas formas e possibilidades de utilização da linguagem são um desdobramento das mudanças tecnológicas que vem ocorrendo desde que as novas tecnologias de comunicação começaram a fazer parte intensamente do cotidiano das pessoas (XAVIER, 2005b). Toda incorporação possível quanto ao uso de recursos de ordem tecnológica na escola pode ser encarada como algo que acrescenta. Todavia, é necessário fazer com que os jovens percebam que o que está posto hoje carrega marcas de práticas de escrita anteriores que também são ou foram muito importantes. Fazer o aluno entender as diferenças e semelhanças entre as diferentes práticas ao longo do tempo é extremamente importante, haja vista às novas tecnologias tratarem de uma grande quantidade de informações e de oportunidades de interação e, as práticas de escrita de caráter mais tradicional serem fundamentais para a formação do cidadão contemporâneo. É interessante mostrarmos as diferentes facetas dos usos sociais da escrita para que os alunos entendam que o advento das novas tecnologias trouxe transformações inevitáveis às práticas de escrita, mas que ele representa apenas uma faceta da complexa diversidade dos usos sociais da linguagem. Esse equilíbrio para que os alunos entendam que existem demandas sociais vastas, que desencadeiam múltiplas práticas de escrita. Assim, compreenderão que as práticas as quais dominam muito bem podem não ser as mais adequadas a determinados usos. Os alunos estão acostumados com determinados usos da escrita externos à escola, mas é necessário pensar que fomentar confrontos constantes entre diferentes perspectivas só pode facilitar a construção do conhecimento. Precisamos encorajar essa postura na escola, nunca podá-la. As práticas de escrita dos estudantes fora da escola têm particularidades, mas eles 108 precisam entender que elas não são suficientes para o trânsito em todas as práticas sociais. Podemos contribuir no que confere à ampliação da competência comunicativa do aluno por meio de atividades com gêneros de domínios diversificados, a fim de permitir-lhes compreender o mundo e posicionar-se frente à realidade. “Consumir e saber produzir os inúmeros textos que se distribuem nos mais variados contextos sociais significa não apenas ter acesso a essas práticas comunicativas, mas também assumir uma forma de poder que a muitos é negada” (OLIVEIRA, 2010a, p. 330). Dessa forma, iremos pautar o ensino na compreensão das relações de poder que se instauram nos processos interativos via escrita e nas possibilidades e limitações advindas dos gêneros e conhecimentos abordados pelos alunos. “Trabalhar a linguagem nessa direção envolve decodificar a dimensão ideológica dos textos, das instituições, das práticas sociais e das formas culturais (por exemplo, a televisão, o cinema), para revelar seus interesses seletivos” (OLIVEIRA, 2010a, p. 336). As práticas de escrita que os alunos já dominam são importantes porque revelam em certa medida a sua identidade social, as visões de mundo que possuem. Assim, o ensino da escrita que os considera e que compreende os diferentes usos é relevante, pois os estudantes aprendem com base na própria identidade, podendo atentar para novas perspectivas e entender suas possibilidades e limitações e o melhor caminho para superá-las. Freire (1996) resume bem essa ideia do repensar da prática a partir da reflexão quando ressalta que quanto mais nos assumimos como estamos e somos, mais nos tornamos capazes de mudar, de nos promover. É tudo uma questão de equilíbrio. Não se trata da vivência exclusiva de atividades que não prescindem do uso de novas tecnologias, nem de censurar as formas de escrita adotadas pelos jovens no mundo digital. Muitos profissionais de educação, por exemplo, criticam as características das práticas de escrita atreladas à tecnologia - abreviaturas, repetições, uso de símbolos e ícones - mas recusar aquilo que praticamente já se transformou numa característica da escrita atual pode não ser uma boa ideia. Além disso, é importante atentar para o fato de que “a tecnologia, como qualquer produto social não é neutra: sua criação ou adoção [...] é guiada por interpretações sobre o potencial que elas têm para satisfazer necessidades sociais específicas” (BRAGA, 2007b, p. 80). Por isso, estamos em meio a um debate que sinaliza, de um lado, para a necessidade de adoção dessa nova sistemática da dinâmica social na escola e, do outro, para o despertar crítico acerca do desenvolvimento tecnológico ligado à valores e ideologias culturais capazes de transformar as práticas sociais em patamares que sequer sabemos quais são. 109 No que tange à literatura que trata dos PL, a ideia é que não pode haver abismos entre a escola a vida fora dela, é pertinente o reconhecimento de todas as práticas sociais vivenciadas no mundo. A escola é o lugar que oportuniza a construção da aprendizagem baseada no constante confronto entre as diferentes práticas de escrita, e os PL são os dispositivos pertinentes à experimentação das diversas práticas sociais letradas (KLEIMAN, 2007). Os PL, por fomentarem atividades que aproximam práticas escolares e vivências cotidianas sociais diversas (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA, 2008; OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014), podem atuar nessa perspectiva. Com efeito, nos PL, todo e qualquer potencial - humano e material - é bem-vindo, desde que não fira a integridade dos envolvidos. A ideia é que as atividades possibilitem aos aprendizes integrar o conhecimento tradicional à tecnologia do presente para que eles ressignifiquem experiências culturais, agreguem as formas de ler e escrever no ciberespaço à leitura e escrita lineares (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Corroborando essa perspectiva, o Ministério da Educação propõe que as atividades escolares, sejam elas concretizadas por gêneros oriundos da oralidade ou escritos, devem envolver ações simbólicas, nem sempre exclusivamente linguísticas, já que há um conjunto de outros conhecimentos que contribuem para sua elaboração, relativos aos sistemas semióticos decorrentes do desenvolvimento das tecnologias, fruto de mudanças também sistêmicas nos grupos sociais (BRASIL, 2016). Como os PL são dispositivos didáticos que baseiam suas atividades nas práticas sociais (OLIVEIRA, 2008), um bom caminho a se adotar é o da aproximação, da convivência harmônica, mas não a aceitação passiva de todas as práticas que os alunos desenvolvem cotidianamente, muito menos permitir que aluno faça e pense do jeito que quiser. “A dimensão da contemporaneidade no ensino de práticas de letramento não tem somente a ver com o ensino daquilo que há de mais avançado tecnologicamente, ou aquilo que é mais funcional [...] embora ambos sejam aspectos importantes para determinar objetivos educacionais (KLEIMAN, 2014, p. 82). É pertinente que os alunos entendam, portanto, que as possibilidades de escrita que coexistem no mundo são vastas e aquelas que eles dominam representam apenas uma das muitas vertentes. É crucial fazê-los compreender e aprender diferenciados modos de conceber a escrita. É importante ressaltar que a escrita advinda nos meios digitais é uma realidade. Os achados de pesquisa são uma evidência nesse sentido. Diante disso, a valorização dessas práticas, explorando os seus usos e utilizando-os a serviço da ampliação da competência comunicativa dos estudantes, pode contribuir para a inserção da escrita constitutiva dos 110 sujeitos que compreendem o contexto da escola. Nos PL, tomar a cultura local como objeto de estudo significa tornar a aprendizagem significativa (TINOCO, 2008). Não podemos esquecer que as tecnologias da informação representam um campo rico em criatividade. Os alunos, por exemplo, cada vez mais utilizam formas diferentes para se expressar por meio da escrita. Por outro lado, eles estão muito acostumados com determinados usos. Nesse caso, é importante que as atividades de ensino desenvolvidas estabeleçam e explorem diferentes gêneros, trabalhem situações em que as linguagens sejam amplamente debatidas, sobretudo aquelas ancoradas em gêneros de discursos mais formais, diferentes daqueles que os alunos tanto manuseiam no dia a dia fora da escola. Em síntese, é relevante que aprendizagem não se baseie apenas em atividades de produção de escrita típica escolar, como exercícios escritos, resumos, redações etc., tampouco não é possível deixar que os alunos acreditem que sempre vão obter sucesso em suas investidas comunicativas utilizando uma escrita típica do mundo das novas tecnologias. De qualquer forma, as novas possibilidades de escrita podem ser consideradas como elementos capazes de contribuir para uma maior vinculação entre os contextos de ensino e as culturas que se desenvolvem fora do âmbito escolar, e os PL podem ser uma excelente alternativa nesse sentido. Como ressalta Santos (2012), “o letramento digital é imprescindível à agência dos educandos em projetos de letramento comprometidos com o empoderamento e a emancipação deles, garantindo-lhes maior poder de resiliência e condições para a participação e mudança social” (SANTOS, 2012, p. 212). Nesse contexto, as atividades originadas por PL podem levar em consideração esse novo aluno, acostumado a utilizar a escrita aliada a recursos multimodais: imagens, áudios, ícones, cores, hipertextos. Pessoas que realizam a escrita em tempos e espaços diferentes daqueles estabelecidos pela escola. Ampliar a competência comunicativa dos alunos é instrumentalizá-los linguístico-discursivamente e ir além, visando a sua formação enquanto cidadão, refletindo sobre as novas possibilidades de construir o discurso, por meio da heterogeneidade existente no uso da linguagem. “Se os textos da contemporaneidade mudaram, as competências/capacidades de leitura e produção de textos exigidas para participar de práticas de letramento atuais não podem ser as mesmas” (ROJO, 2013, p.08). Ainda no que diz respeito aos achados de pesquisa, é relevante atentar para o fato de que eles revelam que há certo exagero por parte dos alunos em utilizar a escrita atrelada às novas tecnologias. As informações dispostas no gráfico 2 atestam essa afirmação. Esses dados são sugestivos para que possamos pensar no porquê os alunos estarem propensos ao uso de 111 recursos de ordem tecnológica, especificamente no que tange aos usos digitais da escrita. Seria essa utilização algo positivo na vida dessas pessoas? A resposta a esse questionamento aponta para reflexões que suscitam otimismo e cuidado. A exploração da escrita, em alguns casos sinaliza para possibilidades de usos criativos e até mesmo transformadores no que confere ao empoderamento. As menções sobre interação com sujeitos de outras nacionalidades e sobre o aprendizado da língua estrangeira representam um caso positivo da interação via recursos de ordem tecnológica. Esse é um argumento que reforça a noção de que o uso da escrita frente às novas tecnologias pode promover a capacidade de pesquisa; estimular a troca de conhecimentos e experiências; estabelecer cadeias de interação; atrelar às ações de aprendizagem a estratégias e recursos contemporâneos; otimizar o acesso aos mais diversos assuntos. Se os jovens praticam a escrita deslizando os dedos em uma tela touch screen, (vide figura 6), não há razão para a escola ser indiferente a essa postura. Nessa perspectiva, é relevante implementar atividades pensadas à luz das práticas de letramento atuais. Os alunos podem ser estimulados a escreverem páginas de internet, sites, blogs, e-mails, fazer pesquisas na internet e desenvolverem textos em redes sociais, coisas que eles já fazem muito fora da escola. Sobre essa questão, Barton e Lee (2015) ressaltam que os recursos das redes sociais já são objeto de atividades de ensino-aprendizagem. Eles afirmam que “a função 'grupos’ no facebook é especialmente adequada para facilitar atividades de ensino e aprendizagem iniciadas pelos professores ou pelos estudantes [...] tornando-os uma plataforma relativamente privada e segura para salas de aula” (BARTON; LEE, 2015, p. 209). De forma geral, as práticas de escrita, intermediárias de atividades dessa natureza, podem ganhar contornos diversos. Os estudantes podem ser impelidos a leituras diversas, manusear sites, decidir sobre formatações, produzir notícias, reportagens, boletins, tabelas etc. Acerca da dinâmica e das potencialidades do uso de interfaces36 on-line, como é o caso da função grupo do facebook, citada mais acima, elas “permitem ao professor superar a prevalência da pedagogia da transmissão. Na interface, ele propõe desdobramentos, arquiteta percursos, cria ocasião de engendramentos, de agenciamentos, de significações” (SILVA, 2005, p. 67). Essa atividade pode permitir que as produções textuais digitais sejam acompanhadas e comentadas por diversos leitores, possibilitando participação, interação e trocas. 36 Interface é um termo que na informática e na cibercultura ganha o sentido de dispositivo para encontro de duas ou mais faces em atitude comunicacional, dialógica ou polifônica. Diferentemente da ferramenta, a interface é um objeto virtual. A interface está para a cibercultura como espaço on-line de encontro e de comunicação entre duas ou mais faces (SILVA, 2005, p. 65). 112 A utilização das novas tecnologias, fomentada e problematizada nas atividades de ensino-aprendizagem, pode ajudar os alunos a entender a sociedade e o mundo em que vivem. Mas isso significa um distanciamento do ensino enquanto transmissão de conhecimentos, que pode se perpetuar mesmo diante da adoção de interfaces e ferramentas de ordem tecnológica. Para isso, precisamos garantir que os novos usos evidenciem significações livres e plurais, deixando os aprendizes abertos à compreensão, utilização e transformação dos conhecimentos e experiências a que têm acesso (SILVA, 2005). Por outro lado, é inevitável não pensar em como os constantes usos da escrita mediante recursos de natureza tecnológica podem se apresentar díspares daqueles que a escola comumente explora. No que confere aos achados de pesquisa, por exemplo, somente a participação dos alunos nos eventos de letramento: realização de pesquisas na internet e interação por meio do uso de mensagens, apontou conexão entre o que se faz na escola e fora dela. As respostas dos colaboradores Sandra, Cícero e Célia, no sentido de afirmarem que realizaram pesquisas na internet para buscar informações e aprender, mostram que a conexão entre o que se faz na escola e nos outros ambientes sociais é possível e necessária. Os achados da pesquisa sugerem o trato dos novos usos da escrita pela escola, mas estaria a escola pronta para a mudança na maneira de ensinar a escrever? O espaço escolar é considerado um lugar privilegiado quanto à circulação de diferentes formas discursivas do texto na modalidade escrita. Muitas são as práticas de letramento que estão relacionadas a questões de cunho escolar: exercícios escritos, anotações, cópias, redações, resumos etc. Essas práticas de escrita fazem parte do cotidiano de alunos e professores há muito tempo. As atividades e os gêneros que delas derivam reportam a uma determinada cultura de escrita que também é muito relevante, até porque a escola é uma das mais importantes instâncias sociais de letramento (KLEIMAN, 1995b). Por essa razão, é crucial o entendimento de que a gama cultural de escrita que a escola engloba ainda difere das práticas sociais que integram o letramento digital. Esses novos letramentos que viabilizam o acesso à cultura digital, em princípio, podem passar a compor o leque do ensino da escrita, mas perdem espaço frente à força dos letramentos sustentados pela tradição escolar (KLEIMAN, 2014, p.77). Dessa forma, defendemos a ideia de que, para atender às exigências da sociedade contemporânea, faz-se necessário que agreguemos ao ensino da escrita, práticas que contemplem o trabalho que demandem o uso da escrita atrelada às novas tecnologias. Nas palavras de Gee (2007), o aproveitamento do potencial das novas tecnologias depende de mediação e de ricos sistemas de aprendizagem a serem construídos. 113 Importante pensar sobre essa questão porque não precisamos abandonar os conhecimentos e habilidades adquiridos a respeito de como se ensina a escrever na escola em detrimento de uma escritura relativamente nova, nem tão pouco adotar essa nova dinâmica sem qualquer orientação ou sistematização. Mais uma vez, chamamos atenção para a importância das práticas de letramento tradicionais, pois acreditamos que quanto mais experiente for o sujeito em dominar a escrita nesse sentido, mais ele pode ser capaz de obter sucesso frente à escrita de textos digitais. Por essa razão, “parece ficar mais urgente ainda a criação de projetos que procurem superar esse fosso existente entre o saber-fazer e o saber- usar, entre as manifestações culturais e as educacionais, entre a tradição e o novo” (COUTINHO, 2005, p. 10). Nesse sentido, os achados de pesquisa, mais especificamente as informações contidas no gráfico 3, chamam atenção para questões dessa natureza. As informações referentes aos resultados da pesquisa atentam para os usos da escrita realizados nos espaços sociais fora da escola, em que o uso de recursos multimodais é abundante. Além disso, é relevante frisar que os alunos afirmaram gostar de desenvolverem a escrita verbal atrelada a recursos de natureza multimodal. “A linguagem produzida na integração entre imagens, movimentos e sons atrai e toma conta das gerações mais jovens, cuja comunicação resulta do encontro entre palavras, gestos e movimentos, distanciando-se do gênero do livro didático, da linearidade das atividades da sala de aula e da rotina escolar” (ALMEIDA, 2005, p. 41). Utilizar, na escola, questões que nos abrem aos usos da escrita atrelados a recursos de natureza multimodal só aproximaria as práticas escolares daquelas já comuns em outros contextos sociais. Essas reflexões mostram que existem fatores que induzem a um determinado tipo de trabalho pedagógico: as tarefas fechadas, o currículo, as rotinas diárias, exercícios, provas e notas, vestibulares, testes de aferição de desempenho etc., e aspectos que tornam o fazer escolar um emaranhado de ‘imposições’ e que nos ‘levam’ a trabalhar de determinada maneira. Por outro lado, é significativo refletir, no entanto, acerca de nossa autonomia e criatividade, no quanto podemos ser produtores de nossas próprias estratégias, criando atividades de ensino significativas, as quais levem em consideração o contexto da escola. O engajamento em práticas para o acesso, seleção e uso de textos multimodais da cultura digital pode, então, ser uma das muitas possibilidades, já que as recomendações oficiais curriculares acerca do ensino nos abrem para essa alternativa. Sobre isso, os PCN (BRASIL, 2000a), no que concerne à constituição de competências e habilidades a serem conferidas no ensino médio, preveem a importância de o estudante “entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes 114 meios de comunicação, linguagens e códigos, bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias” (BRASIL, 2000a, p. 95). Os documentos oficiais que parametrizam o ensino médio e, por conseguinte, as propostas didático- pedagógicas acerca dessa fase de escolaridade, atentam ainda para o fato da compreensão e do uso dos “sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de: organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação (BRASIL, 2000a, p. 95). Nesse sentido, o trabalho com PL vai ao encontro das práticas de escrita multimodais porque se baseia naquilo que é importante para os alunos, que é significativo para eles (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). As propostas idealizadas por PL podem incluir, dentre os seus objetivos, a produção de textos multimodais para que os estudantes, ao praticarem a linguagem verbal escrita, também possam fazer uso, se quiserem e se a situação comunicativa permitir, de todas as possibilidades que as multisemioses oferecem. É importante que as diferentes práticas de escrita contemplem categorias atreladas a variados gêneros dos diversos domínios sociais, para que a utilização dos recursos multimodais possa ser desenvolvida. Além de proporcionar o conhecimento das características e funcionalidades dos recursos multimodais, os PL podem possibilitar para os alunos a construção dos conhecimentos de maneira reflexiva, vislumbrando os usos sociais da escrita e as diversas maneiras de construir sentidos. É relevante que os alunos percebam como as diversas linguagens podem contribuir para sua maneira de enxergar o mundo, a sua e as outras culturas. Nessa acepção, acreditamos que o desenvolvimento de PL pode ser fundamental, já que é um dispositivo didático comprometido com o desenvolvimento de um trabalho de didatização que procura respeitar a natureza social dos gêneros (OLIVEIRA, 2010a). É relevante compreender que a escrita contemporânea é atravessada pela flexibilidade e pelo respeito às diferentes culturas, inclusive daquelas de grupos socialmente menos visíveis. Assim, é imperativo “garantir a inserção tranquila do aluno nos novos modos de fazer sentido via escrita na sociedade tecnológica em que imagem e texto escrito imperam” (KLEIMAN, 2014, p. 83). O desenvolvimento de PL, dispositivos didáticos intimamente atrelados às demandas de escrita que permeiam o contexto social (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA, 2008; OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014) pode significar que estamos atentos aos aspectos atuais e 115 relevantes que dizem respeito às vivências com a escrita. Esse ponto é significativo porque diz respeito aos gostos dos discentes e à valoração que é dada por eles a determinadas práticas. Nesse novo tempo, é indispensável que utilizemos as diversas linguagens em prol da compreensão, inclusive aquelas ancoradas em novas tecnologias. Dessa forma, favoreceremos uma postura reflexiva e investigativa por parte dos alunos, colaborando para a construção da autonomia de pensamento e da ação e, por conseguinte, ajudando-os a exercerem a cidadania. Nas palavras de Buzato (2009, p. 34), é necessário “compreender e fomentar os modos pelos quais os sujeitos podem usar as tecnologias da informação e comunicação para definir e implementar suas próprias demandas [...] para conhecer e aprender a respeitar as demandas do outro, num diálogo que será sempre inconcluso”. Sobre a informação de que os alunos, em suas interações cotidianas fora da escola, convivem com um grande número de interlocutores (vide figura 10), é relevante destacar que benefícios podem ser obtidos a partir desse aspecto. Da mesma forma que é possível os colaboradores interagirem com vistas a conhecer pessoas, se distrair, desabafar etc., outros aspectos positivos podem advir dessas conexões, como a inserção em grupos de aprendizagens escolares e ou de disseminação de oportunidades laborais, por exemplo. As características dessas novas práticas de interação que puderem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem são bem-vindas. Os PL, engajados às práticas de escrita e de leitura e atentos às demandas atuais que ocorrem no meio social, podem atuar no sentido de incentivarem práticas de escrita e de leitura que coexistem no meio social, evidenciando as diversas interfaces existentes no ambiente digital e proporcionando a co-criação da comunicação e da aprendizagem, seja por meios da escrita tradicional e/ou oriunda do letramento digital, afinal, “do ponto de vista pedagógico, os projetos apontam para o futuro, abrem-se ao novo, através de ações projetadas” (SANTOS, 2012, p.90). Assim, além de incentivar e naturalizar a utilização de ferramentas de ordem tecnológica como instrumento educativo, iremos ensejar discussões que apontem para o fato de esses usos poderem ser prejudiciais em algumas circunstâncias. É relevante, nesse sentido, a reflexão sobre o uso seguro, responsável e saudável das novas tecnologias, sobre os cuidados que as pessoas devem ter em relação a estes meios. Trazer o uso das novas tecnologias para a escola pode oportunizar, então, o debate sobre as melhores formas de lidar com determinadas situações, como a autonomia de menores de idade frente ao uso da internet, a gestão de relacionamentos e amizade nas redes sociais e as relações de privacidade. 116 3.1.2 A escrita fora da escola é acima de tudo funcional Os achados de pesquisa mostram a escrita como parte integrante das ações sociais e constitutivas do sujeito, pois por intermédio dela os alunos conseguem compreender o mundo e interagir nele. As constatações apontam para a noção de sócio-historicidade de sujeitos e da escrita, marcada por características que são próprias do contexto. Essas características condizem com os parâmetros de uma sociedade de farta e fácil interação e dizem respeito à tendência em fazer uso das múltiplas linguagens aliadas ao desenvolvimento de práticas de escrita. Assim, construídas na interação, a escrita e a leitura são práticas discursivas e dialógicas, carregadas de significados e parte das construções culturais das inter-relações humanas (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995b). Na escrita condicionada às práticas sociais fora da escola observamos engajamento. Os estudantes estabelecem relações e fazem interpretações pertinentes ao que pensam e ao que vivenciam. Nesse sentido, eles opinam, sugerem, reclamam, posicionam-se, escolhem o quê, como e por que escrever. Para ilustrar essas reflexões, tomemos as informações apresentadas no gráfico a seguir. As informações foram geradas a partir do seguinte questionamento direcionado aos colaboradores: Você gosta/gostou de desenvolver essa prática de escrita? Gráfico 4 - Preferências dos alunos quanto às práticas de escrita desenvolvidas – em % Fonte: Acervo da pesquisa. 117 As barras na cor azul, que representam a apreciação positiva quanto aos usos da escrita, mostram que os alunos gostam de escrever fora da escola. A escrita, além de presente na vida dos aprendizes, é realizada mediante a vontade dos próprios alunos. A afirmação dos colaboradores Roberto, Augusto e Eliane acerca do tempo que passam desenvolvendo determinadas práticas de escrita, especificamente, conversando via bate papo síncrono no final da noite, finais de semana e dias livres, por horas a fio, é um argumento que ratifica a noção de que os jovens se sentem atraídos pelas características das práticas de escrita cotidianas. Os usos da escrita fora da escola se mostram atrativos e isso pode ser inferido nas respostas dos estudantes. Para interagirem por meio de bate papo síncrono e envio de mensagens, por exemplo, os entrevistados afirmaram utilizar diferentes plataformas digitais e, às vezes, interagindo com a mesma pessoa ou grupo repetidas vezes e por meio de diferentes recursos. No dia a dia, os alunos decidem o que querem dizer, para quê, para quem escrevem e qual é o gênero mais indicado para aquela dada situação. As informações auferidas do questionamento, Por que você gosta de desenvolver a escrita fora da escola?, propiciaram a reflexão sobre aspectos relacionados aos gostos dos alunos por praticarem a escrita fora da escola. As respostas dos colaboradores revelam questões que apontam para o porquê de essas práticas de escrita cotidianas parecerem prazerosas. Quadro 4 – Motivos pelos quais os alunos gostam ou não de praticar a escrita Motivos pelos quais os alunos gostam de praticar a escrita cotidiana37 Porque converso/distraio-me/desabafo Porque é grátis/mais barato que ligação Porque a comunicação é rápida/instantânea Porque as pessoas veem Porque é prático/útil Porque as pessoas que conheço usam Porque é divertido Porque tem muita informação Porque tive necessidade Porque mostra onde e como estou Porque encontro/conheço/interajo com pessoas Porque opino/alerto/oriento/refuto Porque possibilita usar muitos recursos Porque faltou coragem/tempo para falar Porque forneço/busco informações Porque era o melhor meio de se expressar Porque promovo-me/revelo-me/fico à vontade Porque reflito/medito Porque socializo/tiro dúvida/fico informado Porque guardo informações/ momentos 37 Os resultados foram posicionados de modo que fossem contempladas todas as respostas dos estudantes. Os itens descritos são representativos de cada resposta dada e não uma transcrição literal das citações dos entrevistados. 118 Porque crio/aprendo Porque respondo quando quero Porque o tempo passar rápido Porque posso arrumar trabalho Porque demonstro/requeiro afetividade Porque faz lembrar algo Fonte: Acervo da pesquisa. No dia a dia, os colaboradores da pesquisa conversam, divertem-se, marcam encontros, guardam informações, alertam outras pessoas, criam, refletem etc. Os usos da escrita, seja objeto ou não de prestígio, são repletos de possibilidades interativas. São produtivos, apresentam sequências tipológicas variadas, mesclam recursos da linguagem. Eles são diferentes daqueles típicos da escola, estão ancorados em domínios sociais arraigados dos letramentos vernaculares (BARTON; HAMILTON, 1998, 2000; HAMILTON, 2000a, 2000b), mas são imbuídos de sócio-historicidade como qualquer outro. Nosso colaborador Josué, por exemplo, afirma que escreve porque gosta de conversar com amigos, familiares e namorado e porque realizar uma ligação telefônica custa muito caro. Em termos de letramento, esses aspectos representam uma revolução, pois parece que as pessoas escrevem muito nos dias de hoje, ainda que os eventos de letramento de que participam sejam os mesmos. Outros dois entrevistados, Cícero e Augusto, afirmaram que interagem via escrita porque falta tempo e paciência para ficar falando ao telefone. Ao escreverem, eles não pagam nada e os interlocutores ficam à vontade para “visualizarem” ou responderem quando acharem pertinente. Essa dinâmica de uso da escrita atual é reveladora de novas práticas de letramento. As mudanças ocorridas no meio social provocam profundas modificações sociais, culturais e econômicas que acabam por transformar também as práticas de escrita e de leitura (KLEIMAN, 1995b, 2007; GEE, 2000a; OLIVEIRA, 2010a). Os usos da escrita, dinâmicos, práticos e funcionais vêm revelando outras características para as práticas de letramentos (vide figura a seguir). É uma realidade que revela o momento sócio-histórico dos sujeitos e dos contextos vivos de produção da escrita. 119 Fonte: Acervo da pesquisa Os colaboradores, por conviverem intensamente com os usos da escrita no meio social, internalizam-nos e logo estão imersos à nova cultura. Cotidianamente, eles se relacionam com a linguagem escrita, compreendem sua utilização, características e significados, já que as práticas de escrita fora da escola são divertidas, funcionais, mesclam linguagens e mostram a dinâmica atual de usos. A utilização cotidiana da escrita também é emancipadora, pois visa o desdobramento de situações corriqueiras e contribuem para a inclusão e participação do indivíduo em ambientes sociais diversos. Ao falarem sobre o sucesso ou insucesso das suas pretensões quando utilizam a escrita, os alunos dão pistas quanto a esses aspectos. Os resultados mensurados da pergunta, Seu objetivo foi alcançado?, mostram como os colaboradores descrevem os êxitos obtidos nas suas práticas de escrita fora da escola (vide quadro a seguir). Figura 10 - Usos cotidianos da escrita 120 Quadro 5 – Sucesso dos objetivos traçados pelas práticas de escrita Motivos pelos quais os alunos praticam a escrita fora da escola38 Obtenção de sucesso Conversar espontaneamente/descontrair/fofocar. Sim Fornecer/buscar informações. Sim Demonstrar e requerer afetividade e modos de relacionamento Sim Mostrar que participou ou vai participar de um evento Sim Comentar/informar de um acontecimento local ou externo. Sim Mostrar o estado de espírito/sentimento. Sim Comentar/mostrar as coisas que gosta (artes, leitura, esporte). Sim Torcer/incentivar grupos, pessoas e instituições. Sim Convocar/marcar pessoas ou grupos. Sim Solicitar coisas/opiniões. Sim Questionar, rebater, instigar e se posicionar frente a temas polêmicos. Sim Reclamar/criticar. Sim Dar recados de forma imlícita. Sim Candidatar-se/inscrever-se. Sim Mostrar que adquiriu alguma coisa /conseguiu algo. Sim Lembrar de ocasiões, coisas e situações. Sim Procurar relacionamentos. Sim Mostrar/buscar conhecimento científico ou não científico Sim Mostrar preocupação/admiração/indignação. Sim Fazer autoreflexão. Sim Refletir religiosamente. Sim Fonte: Acervo da pesquisa. Nenhum dos entrevistados respondeu não ter alcançado seus objetivos quando tratava de interagir por meio da escrita fora da escola. Seja fofocando ou na busca por relacionar-se com outras pessoas, a prática comunicativa corriqueira se mostra produtiva, atende positivamente aos anseios daqueles que a desenvolvem. O processo de escrita gera uma ação concreta no mundo – uma resposta direta ou indireta, estar inscrito em algo, uma “curtida”, um encontro, uma amizade nova, lembrar de algo, aproximar-se de grupos afins, um passeio etc. Os alunos obtêm sucesso em suas investidas cotidianas fazendo uso da escrita porque a sua realização está condicionada a uma determinada meta a ser alcançada. O colaborador 38 Os resultados foram posicionados de modo que fossem contempladas todas as respostas dos estudantes. Os itens descritos são representativos de cada resposta dada e não uma transcrição literal das citações dos entrevistados. 121 Luiz, que elaborou um currículo, por exemplo, afirmou ter produzido esse gênero porque precisava atingir o objetivo de se candidatar a uma vaga de estágio e sua meta foi atingida, já que a candidatura foi efetivada. Nenhum dos entrevistados mencionou que o texto ao qual escreveu precisava ser totalmente reescrito para, então, poder ser aceito, recepcionado pelo interlocutor. Os gêneros selecionados pelos colaboradores para atuarem frente às necessidades cotidianas funcionam em consonância com as intenções comunicativas e os seus objetivos sociais. Marcuschi (2002) explica essa questão quando afirma que os gêneros se constituem como atividades sócio-discursivas, orientadas para um propósito comunicativo específico. Nesse sentido, os estudantes revelam-se ativos frente à realidade sócio-cultural que os circunda e são participantes de atividades que demandam à escrita, atuantes na vida em sociedade. Os seus textos estão pautados em reais intencionalidades, pois ao interagirem no mundo, utilizam processos comunicativos contemporâneos, fazem uso de gêneros pertinentes à realidade na qual estão imersos. Nas práticas de escrita, há necessidade de se atingir objetivos concretos, interligados ao contexto e que de alguma forma acrescentarão novas experiências. Uma lição depreendida das informações dispostas no quadro acima é a evidência de uma constatação básica, mas fundamental quando o assunto é interação: toda e qualquer prática de escrita demanda um outro, um interlocutor, uma pessoa ou grupo para a qual a prática de escrita está voltada (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA 2010b). Todas as menções dos entrevistados, quando perguntados sobre os usos da escrita, nos fazem atentar para essa regra máxima, que está intrinsecamente conectada às motivações da escrita. As intenções dos colaboradores ao escrever explicitam uma clara necessidade de se reportar de alguma forma a alguém ou a um grupo. Mesmo naquelas respostas em que não inferimos um interlocutor direto, é possível perceber que, implicitamente, existe outra parte implicada. Grande parte do interesse dos entrevistados pelos usos da escrita reside no fato de haver certa familiaridade com aqueles com quem interagem. É pertinente afirmar que, em praticamente todas as menções dos colaboradores, é possível identificar que há algum tipo de relacionamento prévio entre as partes. Se os entrevistados informam que escrevem para reclamar, é porque conhecem a parte reclamada. Se um dos maiores motivos que os levam a escrever no seu dia a dia é conversar espontaneamente, é porque existem razões prévias que expliquem o fato de eles procurarem determinados interlocutores ou grupo: amigos, colegas de sala ou de escola, família, namorados(as). 122 As motivações das práticas de escrita são variadas, visam contestar informações, fornecer dados, demonstrar curiosidade, dar opiniões, criticar etc., são marcadas pela interatividade e estão em consonância com a realidade. Nas situações reveladas pelos achados de pesquisa, a escrita fora da escola nada mais é que uma prática social. O seu uso está voltado para os sujeitos agirem no mundo (BAZERMAN, 2011). O desejo de se praticar a escrita nasce de um interesse real na vida das pessoas, é permeado por uma determinada intenção e culmina em alguma atuação desse sujeito no mundo. Na imagem a seguir, disponibilizada por um dos colaboradores, é possível observar uma prática de escrita concretizada por meio do gênero lista de compras. Vale ressaltar, contudo, que apesar de a imagem suscitar a ideia de gênero pronto, terminado, interessa-nos compreendê-lo como uma produção que se concretizou em virtude de todo um processo, no caso, um evento de letramento. Fonte: Acervo da pesquisa. O gênero pronto revela somente uma das etapas de uma prática social. O agir no mundo desencadeado pela escrita, no entanto, é vasto e complexo. A colaboradora Carla, por exemplo, que produziu o gênero lista de compras, contou com a ajuda da mãe, a qual precisou realizar uma pesquisa para que os itens fossem dispostos na lista. Ela fez uso de recursos tecnológicos, precisou digitar, revisar, teve de ir a algum lugar adquirir os produtos etc. O gênero lista de compras foi o mais pertinente para essa prática social porque, por meio dele, ela pôde lembrar o que é necessário fazer. Figura 11 - Exemplo de uso da escrita – gênero lista de compras 123 O que caracteriza a interação cotidiana real é o conjunto das muitas ações que estão por trás dela. Essa diversidade de ações diz respeito à atuação de sujeitos no meio social, com vistas ao desdobramento de situações que lhes interessam. Diz respeito às vivências em práticas sociais condicionadas a propósitos comunicativos, e os gêneros que emergem nesse processo representam também formas de agir no mundo (BAZERMAN, 2011). A colaboradora que escreveu a lista de compras, por exemplo, não fez isso ao acaso, por mera abstração. Ela a desenvolveu porque foi motivada por reais intenções derivadas de necessidades cotidianas. Nesse caso em particular, foi encarregada de produzir a lista com base nos itens que estavam em falta na sua casa, com a finalidade de adquiri-los. No gráfico a seguir, estão elencados os elementos que constituem esse evento de letramento, com base nas descrições de Oliveira (2008). Gráfico 5 - Elementos do evento de letramento produção de lista de compras Fonte: Acervo da pesquisa Os achados de pesquisa revelam que a busca é pelo agir no mundo, a meta é interagir com base em preocupações reais. As pessoas não agem com vistas a uma avaliação e o manuseio de um dado gênero ocorre conectado a uma série de aspectos. Elas utilizam os gêneros, mas, acima de tudo, vivenciam eventos de letramento em todos os seus processos. 124 A forma como os aprendizes constroem relacionamentos, lidam com problemas individuais ou familiares, buscam informações, reclamam etc., pode nos mostrar como construir atividades também funcionais. Os usos da escrita que perpassam os eventos de letramento dos quais os alunos participam fora da escola revelam várias visões de mundo e diferentes formas de organização da vida (BAZERMAN, 2011). Sabemos que os textos que escrevemos são objeto de apreciação, julgados pelos interlocutores, mas na vida diária, os alunos também se deparam com pessoas comprometidas com o processo interativo. Geralmente não há pessoas ou grupos policiando suas produções textuais, preocupados em determinar graus de qualidade quanto às práticas de escrita efetivadas. Nesse sentido, um questionamento que proporcionou a compreensão da apreciação dada às práticas de escrita dos estudantes fora da escola ocorreu quando perguntamos aos colaboradores quais foram as críticas dirigidas à sua produção escrita. Na tabela a seguir, organizamos os resultados: Tabela 3 - Críticas à escrita dos entrevistados Críticas39 Quantitativo Sentido confuso 06 Uso de abreviatura 03 Gramática 03 Acentuação 01 Ortografia 01 Fonte: Acervo da pesquisa. As maiores críticas direcionadas à escrita dos alunos fora da escola dizem respeito ao efeito de sentido dos textos. Os interlocutores dos colaboradores alegaram não entender bem o que eles queriam dizer. As transgressões ao não uso da norma padrão existem e podem ser prejudiciais ao processo comunicativo, porém a ausência de enunciados claros foi um aspecto que também se mostrou prejudicial à interação. Além disso, existem muitos recursos (corretores automáticos) que auxiliam no desenvolvimento de uma escrita convencional, com palavras escritas segundo a gramática normativa, o que não acontece quando o problema diz respeito a questões semântico-pragmáticas. 39 Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações dos estudantes, do item mais citado até o menos citado. 125 Esse tipo de problema apontado pelos colaboradores em relação aos textos que produziram vai muito além de problemas pontuais de convenção de escrita. Os aspectos referentes à pragmático-discursividade exigem a harmonia de componentes lexicais, gramaticais e composicionais e são responsáveis pelas expressões individuais, subjetividade, efeitos de sentido provocados pela escrita. Os interlocutores dos entrevistados estão preocupados em compreender globalmente o que está posto no texto, os sentidos que ele propõe. No mais, as poucas informações geradas quanto a esse aspecto mostram que a avaliação da escrita os alunos no dia a dia pouco diz respeito a retificar, rejeitar, sublinhar e apontar erros. Os estudantes entrevistados afirmaram que, nos momentos em que há problemas no processo comunicativo, continuam interagindo e, assim, efetivam novas explicitações e alcançam seus objetivos. Os alunos exercitam seu potencial discursivo por meio da escrita porque eles produzem seus próprios textos com o intuito de mostrar suas ideias, sejam elas no sentido informar, alertar, argumentar, exigir ou descrever aos destinatários aquilo que de fato necessitam. Assim como defendido por (BARTON; HAMILTON, 2000, GEE, 2000a), quando defendem que as práticas de escrita dos sujeitos são o retrato de uma dada situação, uma vez que eles recorrem a diferentes práticas letradas que conhecem para atingirem os seus objetivos. Essas reflexões, contudo, não são uma negação quanto às variadas formas de avaliação por que passam os sujeitos ao interagir e ou quando escrevem. Sabemos que a avaliação integra o cotidiano das pessoas, todos somos avaliados em nosso dia a dia de diferentes formas e segundo os mais variados critérios, mas essa avaliação, no dia a dia, parece não ser explícita, mesmo nos momentos em que os textos destoam das convenções da escrita. 126 Fonte: Acervo da pesquisa. No gênero acima, disponibilizado pela colaboradora Maria, é possível observar que a escrita transgride as recomendações da norma padrão. O uso de pontuação, diferenciação de maiúsculas e minúsculas e de termos típicos da modalidade falada da língua foram utilizados em desacordo com as convenções e esse aspecto se apresenta de maneira recorrente na escrita dos estudantes. Podem ser muitas as explicações para o uso de termos divergentes da norma padrão: despreocupação com questões de escrita, desconhecimento da norma padrão da língua, descuido ou agilidade na escrita, recursos do suporte textual etc. No entanto, esse gênero (e- mail), conforme afirmou o colaborador que o produziu, não passou por uma avaliação explícita, uma interferência explícita do interlocutor. Os usos cotidianos da escrita dos alunos apresentam muitos problemas de natureza linguística, mas o aperfeiçoamento desses aspectos muitas vezes decorre da lógica da interação no mundo, que é a da aprendizagem implícita. O colaborador Luiz, por exemplo, produziu um currículo para concorrer a um emprego/estágio. Essa ação pode não apresentar resultados satisfatórios do ponto de vista obtenção da vaga, mas tendo em vista os usos da escrita, o procedimento foi frutífero porque a candidatura foi efetivada e a experiência foi obtida. Esse aluno poderá perceber, futuramente, que a construção do currículo não levou em consideração elementos importantes e que, aliada a entrega do currículo, deveria ter havido uma apresentação pessoal junto à instituição etc. Essa experiência pode se mostrar importante porque poderá levar esse sujeito, em uma próxima tentativa, a desenvolver uma escrita mais Figura 12 - Gênero e-mail 127 legitimada, conforme o uso padrão da língua. A aprendizagem cotidiana ocorre de modo em que as exigências acontecem de forma muitas vezes indireta. No dia a dia, mesmo que as proposições as quais versam sobre a utilização da escrita não ocorram no âmbito da avaliação explícita, a troca interativa ocorre e torna mais experientes os sujeitos. Aos indivíduos, é assegurado o direito de vivenciar práticas sociais de escrita, baseadas no contexto social de que fazem parte, já as regulações acontecem à medida que as trocas comunicativas ocorrem. Reflexões sobre esses achados de pesquisa Nessa seção, os achados de pesquisa revelam que a escrita cotidiana dos jovens é marcada por aspectos indissociáveis da convivência social, como motivação da escrita cotidiana, funcionalidade dos gêneros e efeitos de sentido desejados. Ratifica, portanto a ideia de que a escrita é uma construção sócio-histórica atrelada ao contexto de uso (BARTON, 1991; BARTON; HAMILTON, 1998). Nessa perspectiva, uma importante característica dos usos da escrita vinculados ao contexto social fora da escola diz respeito ao fato de os aprendizes gostarem de praticar a escrita (vide gráfico 4). As práticas de escrita atuais, embebidas da dinâmica da atualidade, são possibilidades que podem estar inseridas no o rol de atividades a serem utilizadas para o pleno desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Se, cotidianamente, os alunos escrevem, se identificam e gostam de praticar a escrita, como mostram os achados de pesquisa, é porque ela apresenta características que a constituem como atrativa, relevante e representativa. É importante atentar para esse aspecto dos usos contemporâneos da escrita cotidianas fora da escola porque ele está atrelado ao aspecto da motivação, do despertar da curiosidade e dos interesses dos alunos. Nesse sentido, a inserção do trabalho com gêneros e eventos de letramento típicos dos letramentos vernaculares na escola pode fazer parte do rol de atividades da escola Às vezes, as atividades que se tornaram marca da escola podem apresentar características que não têm apelo para com os jovens, podem ser desmotivadoras justamente por serem diferentes das práticas desenvolvidas fora da escola. Talvez, uma das razões que expliquem a recorrente falta de entusiasmo de alunos em praticar a escrita na escola seja o compromisso de reproduzir modelos de texto que nunca mudam: cânones e gêneros que têm o mesmo formato e configuração que tiveram há cem, duzentos anos. 128 Por apresentarem poucos aspectos em comum perante as práticas desenvolvidas fora da escola, as atividades escolares de ensino da escrita podem propiciar um distanciamento dos reais contextos aos quais os alunos estão acostumados. Não estamos afirmando que a vivência de atividades que evidenciem práticas de escrita baseadas em gêneros tipicamente escolares, como redações escolares, resumos, anotações, exercícios, provas escritas, é improdutiva, mas o que nos impede de fazer com que essas práticas façam sentido, sejam objetos significativos de aprendizagem, baseadas em reais possibilidades de uso comunicativo? Tanto faz produzir um e-mail ou desenvolver uma redação? Quanto a esse questionamento, é pertinente salientar que essas práticas podem se diferenciar quanto às formalidades utilizadas, suportes, recursos extralinguísticos, interlocutores, ambas têm características sócio-históricas próprias e desempenham papeis particulares no meio social. Uma não cumpriria a função social da outra e, por isso, ambas podem ser fundamentais para aprendizagem, a depender dos objetivos a serem traçados. Os cotidianos da escrita dos alunos se mostram atrativos, ou, pelo menos, revelam uma necessidade de agir no mundo. Essa afirmação sugere que as atividades comprometidas com a escrita na escola também podem se mostrar conectadas a intenções comunicativas, pois dizem respeito à questão da funcionalidade dos gêneros. “Ensinar a usar e a entender como a linguagem funciona no mundo é tarefa crucial da escola na construção da cidadania” (MOITA LOPES; ROJO, 2004, p. 46). As características de cada prática de escrita são particulares, variam de acordo com os aspectos contextuais (BARTON, 1991, BARTON; HAMILTON, 1998). Para que a produção textual desenvolvida na escola ocorra de maneira alinhada ao que ocorre de fora dela, é necessário que o aluno saiba o que dizer, para quê e para quem escrever, para, a partir daí, optar pelo gênero mais pertinente para aquela dada situação. A seleção de determinado gênero sempre deverá estar a cargo das reais intenções comunicativas (MARCUSCHI, 2008). Os achados de pesquisa mostram que os alunos usam a escrita para agir no mundo, participam de eventos de letramento e produzem gêneros conforme as suas funcionalidades (vide quadro 5). Pedir para que os alunos escrevam um determinado gênero sem que este esteja atrelado a uma intencionalidade comunicativa pode ser algo desmotivador. É muito comum ocorrerem negativas por parte dos alunos quando são convidados a escreverem, por exemplo, nas chamadas das redações escolares. Nesses casos, o aluno acaba escrevendo pouco e, por ser ver obrigado a escrever em razão da obtenção de uma nota, desenvolve um texto sem motivação, em que não se reconhece a funcionalidade do gênero. Visando objetivos pedagógicos, Kleiman (2010a, p. 38) explica essa questão, afirmando que: [...] “em vez de 129 ensinar/aprender que uma receita de salada de frutas tem três partes [...] será mais eficaz fazer a salada de frutas e, depois, rememorando o que foi feito, organizar saberes e atividades numa receita, de forma escrita para lembrar dela no futuro e para poder comunicá- la aos ausentes”. Para Kleiman (2006b), na escola, a realização de uma atividade relacionada à linguagem costuma ser o objetivo final e único. Devido ao processo de naturalização que a escrita sofre nesse ambiente, a atividade se transforma numa ação cuja funcionalidade cessa quando a atividade acaba, pela ausência de sentido e de funções fora da sala de aula para a escrita. É necessário pautar um trabalho com gêneros que valorize todo o processo de produção textual escrita, contextualização, releitura, revisão, reescrita e conhecimentos linguísticos e interacionais (DOLZ, GAGNON; DECÂNDIO, 2008). Os PCN (BRASIL, 2000b) chamam atenção para esse aspecto quando ressaltam que quanto mais os alunos dominam as possibilidades de uso da língua, mais se aproximam da eficácia no trato comunicativo e, nessa perspectiva, os gêneros discursivos cada vez mais flexíveis no mundo moderno, revelam a natureza social da língua. “A funcionalidade dos discursos estipula o como e o que dizer. A linguagem verbal é dialógica e só podemos analisá- la em funcionamento, no ato comunicativo, considerando todos os elementos implicados nesse ato” (BRASIL, 2000b, p. 21). O ensino de língua portuguesa visa, portanto, trabalhar o conhecimento necessário sobre as diferentes formas de realização da linguagem na sociedade, a fim de que os estudantes possam se sobressair em situações comunicativas de que participam e participarão. A aceitação das práticas de letramento dos estudantes é importante porque reconhecê- las é dar importância aos letramentos que partem de domínios sociais por onde eles circulam. Propiciar, nos PL, atividades que remetem à diversidade de usos da escrita é, acima de tudo, evidenciar escolhas que os alunos manifestam fora da escola e consiste em um fator que aproxima o ensino e a aprendizagem da motivação e do desejo, porque, assim, eles agem sabendo o que pretendem alcançar e de forma relacionada à própria vida (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Esse ponto é relevante porque diz respeito aos gostos dos discentes, à valoração que é dada a determinadas práticas e aos usos efetivos e funcionais da escrita. Nos PL, a prática de escrita não deve ser encarada apenas do ponto de vista do produto final, ela necessita estar atrelada a aspectos que a inscrevam enquanto processo, pois assim como ocorre nas práticas de escrita do cotidiano, é necessário saber o quê, para quê, como, quais recursos, canais e suportes utilizar ao praticar a escrita (OLIVEIRA, TINOCO; 130 SANTOS, 2014). Dessa forma, levando em consideração o contexto e desenvolvidas mediante intenções reais de comunicação, as atividades podem evidenciar a funcionalidade das ações comunicativas. Em PL, a ideia é aproximar a produção escrita das reais necessidades enfrentadas no meio social, focando o desenvolvimento de gêneros alinhados às vivências de fora da escola. Estar a par dos aspectos funcionais dos gêneros, portanto, é condição para selecionar o quê, como e para quê escrever. A promoção de atividades engajadas de escrita, além de permitir aos alunos estarem em contato com práticas sociais de uso da língua, ainda pode oportunizar que a escola se aproxime das questões de cunho social, contribua para a plena integração dos estudantes, a promoção da socialização, o reconhecimento de regras coletivas, o desenvolvimento das habilidades e competências, a formação para convivência em cidadania e a orientação para a prática social (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). A tarefa de escrever, portanto, não é algo simples do ponto de vista do comando a ser dado ao aluno. É preciso definir os propósitos da escrita e propiciar um evento de letramento condizente com a produção do texto. Os achados de pesquisa mostram que, fora da escola, os alunos fazem exatamente isso: se comunicam via escrita utilizando os gêneros que estão de acordo com os motivos pelos quais escrevem (vide figura 12). No trabalho com PL, a ideia é que as práticas de escrita possam estar atreladas às funcionalidades sociais, pois, assim, os estudantes podem compreender os diferentes papeis que as pessoas desempenham no meio social e como a escrita é essencial para uma atuação plena nos diferentes domínios sociais. Essa aprendizagem cotidiana, baseada em situações funcionais (KLEIMAN, 2000, OLIVEIRA, 2008), é um dos pilares do aparato teórico- metodológico dos PL. Propormos práticas de escrita atreladas a questões concernentes à intencionalidade comunicativa proporciona a formação de cidadãos engajados porque, além dessa intencionalidade estar atrelada a um agir no mundo, estimula a prática de escrita motivada. A ideia é a de conhecer o contexto em que os discentes estão inseridos para, a partir daí, introduzirmos aspectos dessas vivências ao cotidiano de ensino-aprendizagem. É pertinente que compreendamos que todas as mudanças ocorridas no meio social provocam profundas modificações sociais, culturais e econômicas que acabam por transformar também as práticas de escrita e de leitura (STREET, 1984, HAMILTON, 2000a). Fechar os olhos para essas mudanças significa desconsiderar a necessidade se ressignificar e trazer para o convívio dos alunos as diferentes características dessas práticas da escrita, 131 definindo estratégias frente às diferentes exigências do contexto social ao qual a escola se insere. Os alunos utilizam os conhecimentos que têm, oriundos de diferentes experiências, para desenvolverem múltiplas e diferentes práticas de escrita. Essas práticas apresentam aspectos e dinâmicas historicamente diferentes daquelas utilizadas na escola. Mesmo sendo pouco consagradas no ambiente escolar, por estarem vinculadas a domínios sociais de natureza privada, essas práticas são diversificadas. Os textos apresentam aspetos de natureza argumentativa, descritiva, multimodal, funcional etc. Ao utilizam a linguagem escrita, geralmente os estudantes logram sucesso, compreendem sua utilização, características e significados. Então, é relevante que desenvolvamos atividades vinculadas a essas vivências, atentando para o fato de a escrita cotidiana ser divertida, consistente, funcional, propositiva, e que é importante para o aluno ser bem sucedido em suas investidas interativas. Nesse sentido, ao participarem de eventos de letramento como desdobramentos das práticas sociais, eles fazem uso da escrita para vivenciar situações em que ela foi requerida para agir no meio social. “Na dinâmica da vida social, as práticas sociais regem significativamente as condutas, os interesses e as necessidades das pessoas em geral” (OLIVEIRA, 2015, p. 29). Nessa perspectiva, o ambiente escolar também pode ser o lugar da escrita funcional, fundamental para agir e transformar o mundo. Assim como mostram os resultados da pesquisa, a prática de escrita na escola pode ser considerada um instrumento indispensável para o exercício das responsabilidades cotidianas necessárias, para os sujeitos pensarem e organizarem suas estratégias de atuação social. Ao falarem sobre suas pretensões ao praticarem a escrita cotidiana fora da escola, os colaboradores afirmam que alcançam seus objetivos, seja fofocando, buscando relacionar-se com outras pessoas, conversando etc (vide quadro 5). A prática comunicativa se mostra produtiva, atende aos anseios dos interlocutores envolvidos. Os achados de pesquisa mostram, portanto, que a escrita cotidiana não se desvencilha da prática social. O desejo de se praticar a escrita no contexto social fora da escola nasce de um interesse real, é permeado por uma determinada intenção e culmina em alguma atuação no mundo. As práticas cotidianas de escrita são emancipadoras, porque os diferentes usos dessas práticas visam ao desdobramento de situações corriqueiras que inserem os sujeitos nos ambientes sociais. A forma como os alunos constroem relacionamentos, lidam com problemas individuais ou familiares, buscam informações etc., são potenciais parâmetros para construirmos atividades produtivas. O caso do colaborador que produziu uma lista de 132 supermercado pelo celular (vide figura 12) é um exemplo de que as pessoas adentram nos ambientes sociais por meio do uso da escrita. A lista de compras originou-se de uma necessidade social – a ausência dos produtos na residência. Foi redigida conforme essas necessidades e desencadeou a execução de uma ação no mundo (a compra dos produtos). Esse é um exemplo de que fora da escola as práticas de escrita demandam um agir, estão atreladas a ações que de alguma forma inserem os sujeitos em práticas sociais, emancipando-os. Podemos fazer uso das características dos usos da escrita cotidianas de fora da escola para o planejamento de atividades que proporcionem a aprendizagem. Sobre isso, os PCN (BRASIL, 2000b, p. 4), afirmam que “as diretrizes têm como referência a escola média com identidade, que atenda às expectativas de formação escolar dos alunos para o mundo contemporâneo”. Ressalta, ainda, que o ensino de língua portuguesa deve pautar-se nos processos de produção da vida social, “a organização de seus gêneros, formatos e recursos, procurando reproduzir as dimensões da vida no mundo moderno, o tempo, o espaço, o movimento: o mundo plural hoje vivido” (BRASIL, 2000b, p. 12). Nessa perspectiva, o PL é um dispositivo didático “dirigido a professores de língua materna assim como a alunos e profissionais preocupados em trabalhar leitura e escrita como uma prática sociocultural, situada, voltada, particularmente, para agir no mundo” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 6). Os PL “têm como meta a transformação de consciências, a crença em que o acesso e o domínio às práticas de linguagem permitam ao indivíduo lutar contra as desigualdades sociais e os processos de dominação (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 59)”. Os PL são dispositivos didáticos que buscam pela inclusão e ampliação à cidadania, por habilitar os estudantes para o aprendizado da vida (KLEIMAN, 2000, OLIVEIRA 2008). Neles, a preocupação é por levar os alunos a refletirem acerca das relações que se estabelecem no meio social para, assim, ampliar as suas reais vivências cidadãs. As orientações curriculares para o ensino médio BRASIL (2006, p.28), por exemplo, incentivam essas experiências, pois ressaltam “que a lógica de uma proposta de ensino e de aprendizagem que busque promover letramentos múltiplos pressupõe conceber a leitura e a escrita como ferramentas de empoderamento e inclusão social”. É nesse aspecto que reside um dos motivos que explicam o desenvolvimento dos PL, qual seja a necessidade de se atrelar a aprendizagem da escrita à natureza social dos textos (KLEIMAN, 2000, OLIVEIRA, 2008). Fomentar atividades que compreendem a escrita como forma de acesso ao conhecimento é importante, mas é necessário ir além, buscar emancipar 133 política e socialmente os estudantes. “Ao dar lugar à função agentiva da escrita, “a escola assume uma atitude responsiva à vida social; abre possibilidades para a valorização do capital humano, para o protagonismo, para a inclusão, a inovação e a mudança, constituindo-se em um fator de empoderamento das pessoas” (OLIVEIRA, 2015, p. 23). Nesse sentido, encorajados a terem contato com práticas e gêneros variados em situações comunicativas funcionais, os alunos compreendem os diferentes propósitos dos textos e, ainda, compreendem que os usos da escrita podem ser decisivos para agir e transformar o meio social. Os PL podem representar uma alternativa didática em que o ensino da escrita produza e legitime ações e práticas cidadãs que contribuem “com a produção de conhecimentos emancipatórios que possam subsidiar a compreensão da realidade, desvendando ideologias e relações de poder que atuam para a dominação dos educandos” (SANTOS, 2012, p 221). Os usos cotidianos da escrita são marcados pelas mais variadas trocas, por diferentes formas de dizer e requerem a compreensão da singularidade contextual para ser compreendida. Os alunos, como sujeitos de interação, estão incluídos nessa singularidade contextual, pois vivenciam situações reais de comunicação que também os constituem. A troca interativa, o estabelecimento das relações com os outros e com a realidade que os cerca favorece a construção e apropriação dessas singularidades (STREET, 1984, BARTON, 1991). Os letramentos vernaculares possibilitam a expressão das particularidades e subjetividades dos sujeitos e os efeitos de sentido propostos por quem escreve são reveladores dessa subjetividade. A escrita revela o sujeito que a concebeu, que se constitui e é representado também por ela (STREET, 1984). A construção social a que foram expostos os sujeitos colabora para o delineamento de um ser social, imbuído de diferentes saberes e “disposto a compartilhar e negociar significados nas interações sociais e de utilizar a língua(gem) para interpretar o mundo e agir sobre ele” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 47). Essas questões revelam que é pertinente pensarmos no trato de atividades que abarquem a expressão da subjetividade dos escreventes e dos sentidos que eles propõem aos interlocutores. Dessa forma, as atividades que envolvem a escrita podem ir além da dicotomia certo/errado e se centrar nos preceitos dos variados usos da língua. Os achados de pesquisa, que mostram os alunos preocupados com o entendimento discursivo-pragmático dos textos, sugerem esse enfoque. Privilegiar o potencial discursivo-pragmático dos textos é fazer com que os estudantes produzam seus textos com o intuito de mostrar suas ideias, informar aos destinatários os 134 aspectos que de fato necessitam ou devem saber. Os resultados da pesquisa sugerem isso porque cotidianamente os estudantes argumentam, convencem, informam, reclamam, incitam etc. Não se trata de desacreditar atividades que tenham como meta o aperfeiçoamento de competências linguísticas dos alunos. Essas atividades são essenciais e os achados de pesquisa sugerem o trato desse aspecto na escola, mas é importante pensarmos na importância de se abordar os aspectos discursivos e pragmáticos, imprescindíveis à construção do discurso e que muitas vezes não é objeto do ensino de escrita. O trabalho que parte do trato com a gramática normativa na escola ainda é predominante no ensino de língua portuguesa (KLEIMAN; MORAES, 1999), por essa razão, é interessante que pensemos nas produções textuais dos alunos também à luz dos aspectos discursivos e pragmáticos, necessários para tornar mais claros os entendimentos e evidenciar práticas de escrita que priorizam a expressividade individual. Encarar as práticas de escrita pelo viés discursivo-pragmático representa a constante reflexão sobre a língua e suas vastas peculiaridades, num processo contínuo de apreensão, compreensão e uso de suas regras de funcionamento. Dessa forma, podemos fazer com que os alunos compreendam que as relações estabelecidas entre os elementos envolvidos no processo de construção de sentidos explicam como as pessoas se relacionam com a língua/linguagem no mundo. Nesse sentido, é relevante atuarmos como mediadores das atividades de escrita desenvolvidas pelos alunos, por meio de proposições que versem sobre a criação de situações interativas e pedagógicas que proporcionem ambientes para a reflexão e o embate sobre diferentes saberes e discursos, fazendo com que os estudantes busquem averiguar os diferentes sentidos, confrontando-os com outras possibilidades contextuais de construção. Independentemente das avaliações que ocorrem na escola (sabemos que elas são necessárias e importantes) é necessária a compreensão de que os gêneros produzidos pelos alunos estão conectados a efeitos de sentido que estão atrelados ao meio social. É importante refletirmos sobre essa questão, porque não raramente na escola, esses mesmos indivíduos escrevem apenas com vistas à obtenção de notas atreladas a aspectos que dizem respeito à norma padrão. É comum no ambiente institucional escolar atrelar a funcionalidade da escrita às avaliações de aprendizagem e, em muitos casos, essas avaliações são negativas, as recusas aos textos são constrangedoras, atestando o completo insucesso da prática comunicativa. Fora da escola, a prática comunicativa é construída na interação, a escrita é uma prática discursiva e dialógica, carregada de significados que partem das construções culturais 135 das inter-relações humanas. Nesse sentido, a formação do aluno deve propiciar a sua inserção como cidadão em um mundo letrado e simbólico, para que ele domine as diferentes linguagens como instrumento de comunicação e negociação de sentidos (BRASIL, 2000b). A sócio-historicidade da escrita/leitura, conforme preceituam os PCN (BRASIL, 2006) e os PCNEM (BRASIL, 2000b), passa obrigatoriamente pelas significações atuais desses elementos. A contemporaneidade da escrita, por exemplo, é marcada por características que são próprias do tempo em que ela se dá. Essas características condizem com os parâmetros de uma sociedade de farta e fácil interação e dizem respeito à tendência em fazer uso de diversas linguagens aliadas ao desenvolvimento de práticas de escrita. As atividades proporcionadas pelos PL podem ser, com base nessas premissas, ocasiões de ampla reflexão sobre os usos da língua, privilegiando os níveis pragmático e discursivo dos textos e não somente os preceitos da gramática normativa. Acerca disso, Tinoco (2008), ressalta que os PL possibilitam o desenvolvimento das competências linguístico-enunciativo-discursivas dos estudantes porque leva em consideração os usos da escrita em diferentes domínios sociais. Os PL podem representar uma possibilidade de rompimento com a cultura das avaliações voltadas exclusivamente para o processo de assimilação da informação gramatical oferecida na sala de aula, promovendo uma aprendizagem de escrita centrada na prática de ler e escrever que proporcionem um marco para atribuição de sentidos pelos alunos. Assim, o ensino-aprendizagem de língua portuguesa se preocupa com o funcionamento da língua escrita, “levando em conta a situação sócio-histórica e cultural do aluno, sua época, suas necessidades, as exigências da sociedade, os papéis que se espera possa desempenhar, os novos instrumentos e tecnologias que se deseja que saiba usar” (KLEIMAN, 2010b, p. 382). 3.1.3 No dia a dia, os alunos agem colaborativamente A aprendizagem via interação colaborativa é uma tendência na realidade pesquisada. Cotidianamente, os aprendizes trocam informações e experiências, pois estão imbuídos de saberes e não hesitam em ajudar e serem ajudados por outros sujeitos. A cooperação é um elemento indispensável e recorrente. Os alunos, em suas práticas cotidianas fora da escola, atuam orientando outros sujeitos e, da mesma forma, também são auxiliados por outros indivíduos. Iniciamos essas reflexões, portanto, atentando para informações que apontam para o aspecto colaborativo das práticas sociais externas à escola. Sobre esse aspecto, vejamos as 136 informações do quadro abaixo, referentes às respostas dos colaboradores ao questionamento Quem são os sujeitos que você ajudou e que ajudaram você a desenvolver essa prática de escrita? Quadro 6 - Interlocutores dos alunos no que se refere aos usos da escrita40 Sujeitos ajudados pelos estudantes Sujeitos que ajudaram o estudante Amigos da comunidade, amigos virtuais, colegas de escola, avós, irmãos(s), mãe, namorados(as), padrinhos, primos, tios, vizinhos. Amigos da comunidade, amigos virtuais, colegas da escola, irmãos, mentor da igreja, namorados(as), pessoa desconhecida, primos, vizinhos. Fonte: Acervo da pesquisa. Ao desempenharem suas práticas de escrita fora da escola, os alunos atuam exercendo ação sobre outros sujeitos, como potenciais agentes de letramento. As informações apresentadas na tabela acima mostram, por exemplo, que eles ensinam e aprendem na convivência diária, o que inclui familiares, amigos, pessoas da comunidade e até outros sujeitos que sequer eles conhecem. O aluno atua de forma agentiva, já que “se engaja em ações autônomas de uma atividade determinada e é responsável por sua ação, em contraposição ao paciente, recipiente ou objeto, ou ao sujeito coagido” (KLEIMAN, 2006a, p. 414). Mesmo acontecendo de forma não sistematizada como na escola, a aprendizagem proporcionada pela convivência diante de práticas cotidianas é relevante. A aprendizagem adquirida nesses moldes pode não versar sobre os conteúdos curriculares, mas, de alguma forma, representam um enorme potencial oriundo da interatividade do dia a dia. São experiências nas quais “as pessoas têm a capacidade de decidir sobre um curso de ação, de interagir com outros agentes e de serem capazes de modificar ou mudar seus planos segundo as ações (KLEIMAN, 2006a). Para registrar orações religiosas baseadas em suas crenças, nosso colaborador Manoel, por exemplo, afirmou receber o auxílio de alguém com uma experiência diferente da sua. O mentor da igreja, segundo respondeu o colaborador, conversa recorrentemente com ele e o 40 Os resultados foram posicionados de modo que fossem contempladas, em ordem alfabética, todas as respostas dos estudantes. Os itens descritos são representativos de cada resposta dada e não uma transcrição literal das citações dos estudantes. 137 aconselha a refletir sobre a sua postura e a registrar, em um caderno, as atitudes consideradas positivas e aquelas passíveis de melhora. Essa afirmação é significativa porque revela que a aprendizagem das práticas de letramento, principalmente nos domínios sociais do lar e comunitário, de caráter mais vernacular, se prolifera a partir da atuação dos seus próprios integrantes. Nesses domínios, existe uma dinâmica de troca de informações e experiências muito rica. Sobre isso, Barton e Hamilton (1998, 2000) explicam que o letramento nas práticas sociais de diversas comunidades está inserido no cotidiano das pessoas. Estes letramentos diários ou vernaculares são aprendidos informalmente, têm suas raízes no dia a dia das pessoas. É uma aprendizagem não sistematizada por uma autoridade externa. Na figura apresentada a seguir, podemos visualizar situações em que a troca de informações entre os jovens ocorre. No dia a dia, eles fazem isso com muita frequência, conversam, se interessam pelos pontos de vistas dos outros, trocam informações e experiências sobre assuntos dos mais diversos. Essas trocas de experiências e informações ocorrem por meio de ações sociais variadas que, de alguma forma, incluem os usos da escrita. Fonte: Acervo da pesquisa. No dia a dia, eles dividem o espaço de construção de saberes com outros sujeitos. É uma vivência que leva em conta a sistemática da colaboração, favorece a ampla participação, estimula o contato interpessoal, fortalece as relações afetivas e colabora na construção do conhecimento. Figura 13 - Comportamento que evidencia a prática de letramento no meio social 138 Os entrevistados afirmaram que recorrem a vizinhos, primos, colegas de sala e namorados(as) para ajudá-los, e a prática de escrita decorre do fato de eles materializarem seus discursos na busca por uma orientação, reclamação, curiosidade etc. Eles utilizam os conhecimentos linguísticos que possuem para interagirem, assim como defendido por Bazerman (2011, p. 23), quando ressalta que buscamos os gêneros porque “são familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não familiar”. Os colaboradores com mais facilidade em determinadas questões apoiam outras pessoas, sendo não somente aqueles que estão sendo ajudados os maiores beneficiados, mas os indivíduos que atuam na função de apoiadores também aprendem muito à medida que ensinam, numa dinâmica em que todos saem ganhando. Nessa perspectiva, a família é uma importante agência de letramento. Mães, pais, irmãos, primos, tios e outros familiares são importantes apoiadores da aprendizagem cotidiana dos alunos e, além disso, são importantes agentes na interação relacionada à escrita. Eles são interlocutores do dia a dia dos entrevistados, comungam da mesma realidade social e, por isso, promovem o alinhamento necessário à aprendizagem que se opera no meio social. No que confere às práticas de escrita, constatamos que os diferentes membros familiares sinalizam participação. O engajamento dos familiares em aspectos relacionados à aprendizagem de escrita dos jovens é semelhante à interação que ocorre com os demais membros da comunidade. As informações advindas dos resultados de outras duas perguntas lançadas aos colaboradores, Alguém já ajudou você a desenvolver essa prática de escrita? Você já ajudou alguém a desenvolver essa prática de escrita?, ajudaram na compreensão dos efeitos das trocas de experiências e informações cotidianas. A seguir, seguem os resultados auferidos: Tabela 4 - Troca de experiências na escrita cotidiana dos alunos Evento de letramento41 Já ajudou alguém nesse evento Já foi ajudado nesse evento Sim Não Sim Não Participação em conversa (síncrona) 10 01 11 -- Interação por meio do uso de mensagens 09 04 07 05 41 Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações dos estudantes, do evento de letramento mais citado até o menos citado. 139 Realização de pesquisa na internet 12 -- 11 01 Escritura de comentários 11 01 12 -- Produção de postagem em rede social 04 07 01 10 Produção de legenda (figuras/imagens/fotos) 05 02 03 04 Preenchimento de formulário (inscrição) 03 02 05 -- Produção de e-mail 04 -- 04 -- Produção de torpedo/mensagem de texto/SMS 01 02 01 02 Produção de carta pessoal 02 01 03 -- Registro de lembretes/notas 01 02 01 02 Produção de lista de compras 01 01 02 -- Preenchimento de formulário (perfil) 02 -- 02 -- Produção de diário pessoal 01 01 -- 02 Registro de orações (religião) 01 01 -- 02 Produção de conto -- 01 01 -- Produção de currículo 01 -- 01 -- Postagem em microblog -- 01 01 -- Fonte: Acervo da pesquisa. Nos momentos em que há dificuldade ou dúvidas com base na produção de determinado uso da escrita, os colaboradores contam com a ajuda de terceiros, num processo mútuo de colaboração. Em um dos eventos de letramento que os colaboradores afirmaram participar - produção de postagem em rede social - eles ajudaram e foram ajudados, numa confluência de compartilhamentos. Sobre esse evento de letramento, a colaboradora Eliane afirmou já ter perguntado sobre como utilizar determinada plataforma digital e a colaboradora Sandra afirmou que a mãe já ajudou quanto à produção de um texto para uma postagem. Essas afirmações são exemplos de que as trocas de experiências e informações no meio social ocorrem e têm impacto nos processos de escritura. A aprendizagem nas práticas sociais ocorre por meio da interação social frequente. Os alunos participam de eventos de letramento e produzem diferentes gêneros, os observam, perguntam e são perguntados a respeito deles. É um aprendizado que mostra que as diversas práticas sociais dinamizam os gêneros que coexistem no mundo, transformando-os a cada dia, conforme postula Geraldi (2000, p. 101) quando afirma que “[...] no cotidiano distante dos bancos letrados, gestam-se outros modos de conceber o mundo, outras linguagens e mil formas outras de sobreviver na ‘cidade das letras’”. Ao se depararem com dúvidas ou dificuldades acerca do manuseio da escrita, os aprendizes recorrem a pessoas que mostram experiência e que geralmente fazem parte do seu círculo social. Eles aprendem com os outros por meio da busca por resolver uma 140 problemática, percebem que a inserção do outro para elucidar uma questão é fundamental. Os diferentes sujeitos possuem diferentes histórias de vida, são atores ativos e versáteis que utilizam e dominam diferentes práticas letradas (BARTON; HAMILTON, 2000, GEE, 2000a). Os conhecimentos e habilidades que eles não dominam podem ser encontrados em outros indivíduos, num processo de construção que leva em consideração a comunhão de potenciais. Uma das colaboradoras que afirmaram utilizar a escrita quando da participação no evento de letramento produção de mensagem de texto, Rita, foi impelida a praticar a escrita porque precisava da ajuda do outro e para comunicar algo, nesse caso, enviar um aviso a mãe por meio do gênero mensagem de texto (vide figura a seguir). As necessidades que a levaram a escrever estavam pautadas, portanto, em problemáticas e necessidades cotidianas que precisavam ser resolvidas. Figura 14 - Uso da escrita ancorado no gênero mensagem de texto. . Fonte: Acervo da pesquisa Nesse uso, que se baseou na resolução de problemas e em necessidades cotidianas, os diferentes sujeitos sociais se tornam imprescindíveis, pois a busca por contornar um problema faz com que sinta necessidade de agir e a escrita é um dos recursos utilizados para concretizar a ação no mundo. A vivência dos estudantes fora da escola é amplamente participativa e, diante de problemas corriqueiros, demonstram posturas proativas, muitas vezes lançando mão da ajuda de pessoas com as quais convivem. Esses problemas diários acontecem naturalmente, ao passo das necessidades e revelam a busca pela sua resolução, possibilitando uma rica troca de 141 conhecimentos e experiências. As pessoas fazem uso da escrita constantemente porque as suas necessidades sociais requerem esse uso. Essas práticas de letramento estão inseridas nas atividades cotidianas da vida e permitem que as pessoas aprendam a lidar com elas, ressignificando-as constantemente (BARTON, 1991; BARTON; HAMILTON, 2000). A aprendizagem que ocorre mediante experiências diárias é relevante porque tanto o sujeito implicado em determinada problemática quanto outros que o auxiliam unem-se em torno da superação, e a participação dos diferentes integrantes acontece com base nas necessidades. Essas características fazem com que as práticas sociais em que a escrita está imbricada se transformem em momentos de rica interação, já favorecem a interação e a troca de experiências entre os diferentes sujeitos, familiares e comunidade, contribuindo para que os indivíduos se efetivem socialmente. Trabalhar com vistas a resolver problemas ou satisfazer uma necessidade proporciona ao indivíduo entender as possibilidades de uso da escrita, atentar para as diferenças entre as suas habilidades e competências dos demais, para, a partir daí, montar estratégias, formular hipóteses, sintetizar ideias, se unir a outros esforços e construir laços. O sujeito entende que o próprio meio social oferece mecanismos para auxiliá-lo. O trabalho em conjunto e os propósitos comunicativos fazem com que a troca de conhecimentos e experiências seja enriquecedora. No dia a dia, a aprendizagem se dá de maneira constante e os conhecimentos se consolidam por meio de trocas diversas. Além de relevantes do ponto de vista da construção do conhecimento, as experiências advindas da resolução de problemas são vastas. Na vida cotidiana fora da escola, os alunos sempre têm uma questão a ser elucidada. A busca por uma saída para situações desfavoráveis, por resolver problemas corriqueiros, decorre do fato de a sua solução poder ocorrer por meio da orientação oriunda de experiências já vivenciadas por outros. É assim, por exemplo, quando afirmam que escrevem com vistas a desabafar, conhecer pessoas, buscar e guardar informações, candidatarem-se, darem opiniões etc. As informações decorrentes das respostas à pergunta, Antes de fazer uso dessa escrita, você já havia presenciado alguém desenvolvendo-a?, proporcionou a reflexão acerca de quais usos da escrita os alunos já mantinham algum contato antes mesmo de desenvolvê-los, dando pistas de como a prática social proporciona a aprendizagem. A seguir, estão as informações acerca dessa questão: 142 Tabela 5 - Experiências prévias dos alunos com as práticas de escrita Evento de letramento42 Já havia observado Sim Não Participação em conversa (síncrona) 11 -- Interação por meio do uso de mensagens 12 -- Realização de pesquisa na internet 12 -- Escritura de comentários 12 -- Produção de postagem em rede social 11 -- Produção de legenda (figuras/imagens/fotos) 07 -- Preenchimento de formulário (inscrição) 04 01 Produção de e-mail 03 01 Produção de torpedo/mensagem de texto/SMS 02 01 Produção de carta pessoal 03 -- Registro de lembretes/notas 03 -- Produção de lista de compras 01 01 Preenchimento de formulário (perfil) 02 -- Produção de diário pessoal 01 01 Registro de orações (religião) 02 -- Produção de conto 01 -- Produção de currículo 01 -- Postagem em microblog 01 -- Fonte: Acervo da pesquisa. Os alunos aprendem muito observando e convivendo com diferentes práticas sociais. Os colaboradores Maria, Roberto e Célia, por exemplo, afirmaram que já haviam observado outros sujeitos produzindo o gênero e-mail em eventos de letramento dos quais participaram. Isso significa pensar que as habilidades necessárias adquiridas por eles para desenvolverem esse gênero passaram também pela prática da observação, decorrente da experiência em já ter presenciado alguém manuseando esse gênero. Os alunos aprendem quando estão perto de alguém que faz uso de determina escrita, quando vivenciam um evento de letramento, mesmo que apenas observando. Acerca dessa questão, Dolz, Gagnon e Decândio (2008) afirmam que esse modo de aprender é um dos mais produtivos que existem, pois há uma vinculação com o contexto. Esses autores afirmam que “a aprendizagem da língua oral e escrita se faz pela confrontação com um universo de textos 42 Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações dos estudantes, do evento de letramento mais citado até o menos citado. 143 que já nos são dados de antemão. É uma apropriação de experiências acumuladas pela sociedade” (DOLZ, GAGNON; DECÂNDIO, 2008, p.40). Mesmo o sujeito não escrevendo, efetivamente, no seu dia a dia, ele presencia outros indivíduos lidando com a escrita e o aprendizado oriundo dessa experiência é marcante porque é possível atentar para os seus resultados: o irmão que constrói um currículo e se candidata a uma vaga de emprego, o amigo que preenche um formulário e efetua uma reclamação etc. São experiências que servem de gatilho para subsidiar vivências sociais que prescindem da escrita. É um processo natural de aprendizagem, em que é possível compreender a dinâmica funcional da escrita. A interação efetivada por meio da escrita fora da escola requer interação fluida, disputas, recusas, aceitação e rejeição. Os caminhos são diversos e há uma busca constante pelo entendimento mútuo. É uma aprendizagem que se dá por meio de uma trama de relações que se estabelecem. Assim, as ações das pessoas não estão pautadas no que dizem especialistas, as normas e regras que governam os letramentos atuais são mais fluidas e menos permanentes que aquelas de letramentos tradicionais, da cultura do papel. Elas têm a ver com fenômenos sociais e históricos (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007). Os achados de pesquisa mostram que a convivência com outros sujeitos proporciona a troca de experiências e conhecimentos, porque tanto os alunos quanto outros sujeitos estão envolvidos num determinado contexto. Quando produzem a escrita com vistas a interagirem com pessoas com as quais já mantêm algum tipo de relacionamento, por exemplo, os jovens tendem a se apresentar motivados, dispostos a interagir. Quando interagem por meio da escrita com familiares e ou membros da comunidade com os quais mantêm alguma relação, os colaboradores se mostram motivados e têm muita coisa a dizer. Nas imagens a seguir, mostramos dois exemplos de produções escritas em que eles dizem muitas coisas. As ligações afetivas parecem encorajá-los a escrever. 144 Fonte: Acervo da pesquisa. A produção de texto ganha outros contornos quando está relacionada a pessoas ou grupos com os quais os alunos mantêm alguma relação, principalmente quando envolve afetividade. As condições e motivações para essa prática de escrita podem estar presentes no modo como os colaboradores percebem e são percebidos pelos sujeitos com os quais interagem. Parece que há uma influência na conduta dos aprendizes gerada pelos seus relacionamentos. A participação de familiares e da comunidade é uma aliada importante perante as motivações que eles apresentam na hora de desenvolver a escrita. As consequências trazidas pela incorporação desses atores sociais revelam que a escrita ancorada ao aspecto afetivo parece ser muito produtiva. Um desses casos de escrita relacionada a pessoas com as quais os colaboradores mantêm afetividade diz respeito ao gênero carta pessoal. Na figura a seguir, temos algumas imagens referentes a esse gênero. Figura 15 - Práticas de escrita com interlocutores habituais 145 Fonte: Acervo da pesquisa. Nosso colaborador Josué se mostrou encorajado a escrever ao participar do evento de letramento produção de carta pessoal. Mais um indício de que o fator afetivo pode impulsionar o desenvolvimento da escrita. A produção textual atrelada a interlocutores próximos, conhecidos, pode possibilitar motivação, prazer por interagir. Em relação às produções escritas desenvolvidas fora da escola, a participação desses agentes, próximos dos alunos entrevistados, nos mostra que é imprescindível saber quem vai ler o seu texto. Esse conhecimento acerca do interlocutor é tão importante quanto saber o que dizer, aliás, esses são aspectos indissociáveis: é necessário saber para quem vai escrever para então determinar aquilo que precisa ser dito. O aluno que produziu os textos acima, por exemplo, nos disse que eles seriam endereçados a um tio, com o qual mantém uma relação de muita proximidade. As atividades escritas diárias em que os sujeitos têm conhecimento acerca de para quem se escreve orientam a produção de texto, mesmo que esse interlocutor seja o próprio sujeito escrevente, como nos casos da chamada escrita confessional (vide figura a seguir). Figura 16 – Usos da escrita ancorados no gênero carta pessoal 146 Fonte: Acervo da pesquisa. O conteúdo do gênero diário pessoal é destinado ao próprio sujeito que o concebeu, porém ele mantém todos os fundamentos de uma interação, já que apresenta um formato próprio, um destinatário (elementos linguísticos como saudações, vocativos e despedidas conferem essa dimensão) e suas elocuções versam sobre determinadas metas - registro de objetivos e o seu acompanhamento, autoconhecimento, processamento de acontecimentos passados, reflexão acerca de pensamentos e sentimentos. Nesse caso, a definição clara do “destinatário” da produção escrita e o fator afetividade implicado entre as partes parecem impulsionar o processo comunicativo. Locutores e interlocutores são compreendidos como agentes sociais e os diálogos travados se ancoram no conhecimento das partes e, assim, a comunicação via práticas de escrita se mostra produtiva. . Reflexões sobre esses achados de pesquisa As informações suscitadas pelos resultados da pesquisa revelam que a aprendizagem via interação colaborativa é uma tendência na realidade pesquisada. Nas práticas sociais cotidianas, os estudantes trocam informações e experiências porque estão imbuídos de saberes e não hesitam em ajudar e serem ajudados pelos outros. A cooperação é, portanto, um elemento indispensável e recorrente. Eles atuam orientando outros sujeitos e, da mesma forma, também são auxiliados por outros indivíduos. Figura 17 - Práticas de escrita de caráter confessional 147 Os achados de pesquisa mostram, portanto, que os indivíduos são imbuídos de saberes e podem estar a serviço da construção do conhecimento, com a cooperação sendo um elemento indispensável nesse sentido. As informações mostradas no quadro 6 revelam essa característica nas práticas cotidianas fora da escola. Os alunos auxiliam e são auxiliados quando atuam socialmente e as suas experiências com a escrita estão incluídas nesse jogo. Eles atuam de maneira semelhante a agentes de letramento e recebem auxílio de outros sujeitos que desempenham papel semelhante. Mesmo os estudantes não atuando na articulação de grupos, ainda assim eles se assemelham a agentes de letramento porque ensinam e aprendem na convivência diária com familiares, amigos, pessoas da sua comunidade e até outros sujeitos que sequer conhecem. Eles se relacionam socialmente via ações que mobilizam gêneros (OLIVEIRA, 2010a). A concepção de que os alunos podem trazer muitas informações externas sobre o que está em pauta na escola é muito mais aceita nos dias de hoje. Porém, isso significa dividir o espaço de construção de saberes com eles. É necessário, portanto, levar essa possibilidade em consideração na hora de planejar atividades na escola. Uma vivência que leva em conta essa sistemática favorece ampla participação, divide responsabilidades, estimula o contato interpessoal, fortalece as relações afetivas e beneficia o processo de construção do conhecimento. Os achados da pesquisa apontam para as possibilidades de encontrarmos muitos potenciais agentes de letramento entre os estudantes. O processo colaborativo advindo dessa união de esforços proporciona um ambiente de aprendizagem em que uma rede de ações interdependentes visa a construção do conhecimento, pautada na valorização e no respeito aos participantes, de forma que todos se sintam mobilizados a pensar em conjunto e a tomar as melhores decisões, caracterizando uma comunidade de aprendizagem. Assim, a escola deixa de pautar suas ações “de forma isolada e fechada, ignorando as possibilidades de troca que possam se efetivar na vivência escolar com vistas ao desenvolvimento do educando” (OLIVEIRA, 2016, p. 256). O agente de letramento seria, conforme Oliveira (2010b, p.51), “um mobilizador de recursos, atentos às necessidades, potencialidades e saberes dos membros da comunidade de aprendizagem (escola) e voltado para a construção da autonomia do aluno”. Nessa perspectiva, podemos tirar proveito do potencial das interações cotidianas fora da escola porque, nessa comunicação, os alunos costumam compartilhar experiências e conhecimentos. Não há razão para atuarmos como donos do saber se é possível encarar as situações de ensino- aprendizagem coletivamente, por meio da ampla participação e da divisão de 148 responsabilidades. Muitos dirão que atuar dentro desses padrões dá muito trabalho, vai de encontro ao sistema, é uma bagunça. São inúmeras as justificativas, porém é possível trabalhar colaborativamente em sala de aula. Os achados da pesquisa, que mostram o jogo colaborativo do dia a dia dos alunos, sugerem essa postura. Nesse sentido, é possível torná-los agentes de letramento, já que o contexto social que circunda a escola pode estar repleto de potenciais agentes de letramento. Se os sujeitos ensinam e aprendem na convivência diária com familiares, colegas de sala, pessoas da sua comunidade e até outros sujeitos que sequer conhecem, essa dinâmica de aprendizagem advinda de práticas cotidianas pode ser adotada em atividades desenvolvidas na escola. Precisamos estar a par dessa dinâmica porque ela pode enriquecer suas possibilidades de ensino. Por isso, é importante pensar uma escola em que “o educando, em interação com os outros, pode se (re)construir em cada espaço e em cada momento, aprendendo a saber o que pode esperar do outro, de si mesmo e o que dele podem esperar” (OLIVEIRA, 2015, p. 27). A força tarefa para uma atuação nesse viés pode, pois, estar dentro da sala de aula, entre os próprios alunos. O ritmo de aprendizagem dos estudantes varia, o próprio histórico de cada um, seja em razão de questões biológicas, psicológicas, sociais ou culturais, determina essas nuances de aprendizagem. O fato de alguns dos alunos apresentarem maior facilidade diante de atividades pode ser encarado como algo natural. Precisamos acreditar na heterogeneidade existente nas turmas e encarar esse fato como mais um potencial a ser explorado. Em vez de encarar essas características como algo problemático, podemos tirar proveito da situação, utilizando o potencial de cada um para que o grupo todo possa trabalhar em colaboração, respeitando os ritmos de aprendizagem. Proporcionar maior participação no meio escolar com vistas à construção do conhecimento, além de ser considerada uma condição quase que consensual nos dias atuais, deve ser encarada, principalmente, como orientação oficial, advinda de normas e parâmetros legais. O Ministério da Educação - MEC, por exemplo, orienta por meio de dois diferentes documentos (BRASIL, 2000b, 2001a), que trocar informações com outros sujeitos é condição crucial para a construção do conhecimento. No que tange a literatura que trata dos PL, a ideia é acreditar no ensino-aprendizagem experienciado a partir de trocas entre os sujeitos. Nesse sentido, os participantes interagem uns com os outros numa dada atividade, envolvendo-se nas práticas socioculturais vivenciadas (OLIVEIRA, 2008). Com efeito, a maior interação entre os integrantes no processo de ensino- aprendizagem, que poderia ser entendida como falta de domínio de classe, pode se tornar uma 149 ferramenta para os docentes que compreendem o potencial da dimensão colaborativa como postura necessária na ressignificação do processo de ensino-aprendizagem. Com isso, maiores poderão ser os avanços conquistados em relação aos alunos, que estarão cada vez mais mobilizados quanto à própria transformação e atuação no meio social. Nessa direção, os PL são uma alternativa para o desenvolvimento de um trabalho contextualizado com os gêneros e uma oportunidade para a mobilização de práticas de natureza colaborativa e fortalecedora da ação docente (OLIVEIRA, 2009). Os alunos com mais facilidade em determinadas atividades podem ser convidados a apoiar os colegas, já que, geralmente, eles tendem a se comunicar com muita proficiência uns com os outros, utilizam linguagens parecidas e, por isso, as explicações, debates, diálogos e questionamentos facilitam a compreensão. Ao mobilizarmos os recursos do grupo e ao promover “estrategicamente a participação de todos, segundo as suas capacidades, em prol dos objetivos coletivos, o agente de letramento ajuda, como ator social que é, a criar contextos para que outros atores que se engajarão em atividades relevantes para o grupo venham a se constituir” (KLEIMAN, 2006a, p. 422). Podemos encontrar alunos mais aptos a auxiliar por meio de diagnósticos básicos e, assim, orientá-los e supervisioná-los na tarefa de ajudar os colegas, tornando-os agentes de letramento imprescindíveis. As atividades a serem reforçadas com a ajuda dos alunos mais proficientes podem ser determinadas de acordo com a disponibilidade daqueles que podem auxiliar e também em função das necessidades dos que precisam de um auxílio nos estudos. Precisamos institucionalizar comportamentos comprometidos com a cooperação no ambiente da sala de aula. Trabalhar em virtude da prática social favorece o manuseio de gêneros das mais diversas instâncias e a realização das ações corre a partir da cooperação de diferentes participantes (KLEIMAN, 2006b). Além disso, os achados de pesquisa sugerem que, corriqueiramente, os alunos já atuam nesses moldes. As informações apresentadas pelos achados de pesquisa (vide quadro 6) sugerem que a família é relevante no que confere a troca de conhecimentos e experiências das quais os alunos participam. A família é uma importante agência de letramento e pode se tornar um relevante apoio para estudantes e professores. Mães, pais, irmãos, primos, tios e outros familiares podem ser importantes apoiadores da aprendizagem dos alunos. É necessário promovermos a integração entre familiares dos alunos e escola, pois eles podem atuar como interlocutores acerca do desempenho do aluno, fomentando maior presença, participação nas atividades e proporcionando atitudes mais engajadas no que confere ao trato da escrita. 150 Kleiman (1995b) destaca que a família letrada é a agência de letramento mais eficiente para garantir o sucesso escolar, já que, no contexto familiar, as práticas sociais que englobam a escrita são cotidianas, envolvendo leitura de jornais e livros, escrita de bilhetes, receitas, cartas etc. Neste caso, o letramento se dá a partir da participação em situações sociais em que a escrita é abordada, permitindo o conhecimento sobre suas funções e usos. A escola é uma importante agência de letramento, mas existem outras agências, como a familiar, por exemplo, que influenciam sobremaneira os sujeitos em termos de letramentos. Os próprios alunos podem buscar incentivar a participação de seus familiares para fazerem parte do dia a dia da escola. Para tanto, precisamos atentar para situações práticas em que a presença dessas pessoas seja imprescindível. É tudo uma questão de acostumar os alunos e as famílias a esse tipo de rotina. À medida que o convite para pais, avós, tios, padrinhos e outros para fazerem parte das ações da escola se fizer rotineiro, os próprios familiares perceberão a importância de estarem presentes na escola. O espaço dado pela escola para a participação familiar pode ser ampliado. É importante reconhecer que os papéis da família no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos pode ser bem mais representativo. Seria uma maneira de estimular e desenvolver uma perspectiva mais universal e ampliada de participação e pode garantir sucesso. Os achados de pesquisa mostram que as possibilidades de trabalho cooperativo envolvendo a família podem ser possíveis. Além disso, as bases legais que orientam o ensino de língua portuguesa no Ensino Médio sugerem que aprender sobre a sociedade, “o indivíduo e a cultura e não compreender ou reconhecer as relações existentes entre adultos e jovens na própria família é perder a oportunidade de descobrir que as ciências também contribuem para a convivência e a troca afetiva” (BRASIL, 2000a, p. 81). O melhor domínio da língua se alcança quando se entende como ela é utilizada no contexto da produção do conhecimento científico, da convivência, do trabalho ou das práticas sociais e isso as relações familiares (BRASIL, 2000a). A participação das famílias na escola geralmente ocorre mediante a realização de eventos específicos, como reuniões de pais e mestres, construção do projeto político pedagógico, comemorações etc., porém atividades desenvolvidas a partir da dinâmica dos PL podem servir de gancho para aproximar os familiares dos alunos da escola em outros momentos, já que é necessário “engajar as famílias na escola, estimulá-las a se comprometerem com a aprendizagem e desenvolvimento dos filhos por meio do apoio e compartilhamento de desafios e responsabilidades inerentes à tarefa de educar” (OLIVEIRA, 2015, 34). 151 Nos PL, a eleição da prática social como parâmetro para as atividades a serem desenvolvidas prescinde do apoio dos diferentes atores sociais, inclusive, dos familiares, que podem apresentar saberes e experiências relevantes. Nesses dispositivos didáticos, é imprescindível a compreensão de que os sistemas de conhecimento e de informação estão em rede e convocam a escola a produzir, de forma cooperativa, agregando esforços de várias instituições (família, escola etc.), saberes de diferentes agentes sociais (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). A inserção e permanência da família na escola podem ser importantes, porque além das muitas possibilidades de engajamento dos familiares em aspectos relacionados à aprendizagem, pode colaborar na questão do acompanhamento do processo de aprendizagem e no auxílio frente às dificuldades que podem surgir ao longo do processo. Os PL, por sua vez, podem representar uma alternativa para realidades escolares em que a efetivação da participação das famílias seja uma necessidade. Os achados de pesquisa suscitam, ainda, a importância das trocas de experiência que ocorrem também com membros da comunidade. Em suas práticas de escrita fora da escola, os alunos mostram que aprendem com dicas de vizinhos, amigos da igreja, membros da comunidade etc. Essas pessoas, com as quais convivem cotidianamente, podem estar presentes na escola porque os laços que elas mantêm com os alunos precedem trocas de experiências e de conhecimentos enriquecedores. Os membros da comunidade podem ser importantes aliados quando da realização de seminários, mobilizações, encontros, palestras, jogos, feiras, trocando e explicitando experiências, auxiliando no diagnóstico da aprendizagem, acompanhando progressos, apontando materiais, estratégias e assuntos, atuando na elucidação e resolução de problemas. Enfim, não há lógica em convidar a comunidade a participação apenas uma ou duas vezes durante o ano. Se a comunidade participa de atividades de cunho comemorativo, nada impede que essa presença ocorra também em atividades de caráter pedagógico. Fora da escola, os alunos praticam a escrita para pedir permissões aos pais, informar coisas aos amigos, fazer reflexões solicitadas pelo pastor. Eles atuam como locutores de um processo comunicativo em que a parte interlocutora existe e, certamente, apreciará de alguma forma a mensagem. Os eventos de letramento que os alunos participam no dia a dia englobam sujeitos aos quais possuem vinculação e esse aspecto parece estimular o processo. As consequências trazidas pela incorporação desses atores sociais podem revelar estratégias de ensino mais conectadas ao aspecto afetivo e, por conseguinte, mais produtivas. Freire (1996) 152 já sinalizava para a importância dessa questão. Para o autor, é necessário reconhecer o valor das emoções, da sensibilidade e da afetividade como potencializadores do processo educativo. Introduzir a participação de familiares e da comunidade nos contextos das atividades pode acarretar em ações com a escrita que mobilizam a atenção dos alunos, pois quando produzem a escrita com vistas a interagirem com pessoas com as quais já mantêm algum tipo de relacionamento, os jovens tendem a se apresentar motivados, dispostos a interagir (vide figuras 16 e 17). Aquela velha postura de não ter o que dizer ou estar com preguiça de escrever parece não ser muito comum na comunicação cotidiana com parentes e amigos. Precisamos atentar para a inserção de atividades que envolvam usos da escrita com interlocutores sociais reais, pessoas que os alunos conheçam ou fiquem conhecendo a partir do momento em que forem instigados a escrever. Os exemplos dados pelos próprios colaboradores nas entrevistas revelam quem podem ser esses sujeitos que incentivam a prática de escrita (vide quadro 6). Assim como ocorre com a participação da família, a inserção da comunidade na escola não é algo recorrente e decorre, quase sempre, de questões de cunho comemorativo. Os resultados mostram, no entanto, que a convivência com membros da comunidade pode influenciar de maneira positiva na aprendizagem. As atividades desencadeadas pelos PL, por exemplo, podem servir de mote para uma aproximação entre escola e meio comunitário, já que o PL permite “gerar conhecimento, além de descentralizar a ação e redimensionar a função do professor e do aluno, salientar habilidades, saberes e competências de todos os agentes envolvidos na ação de ensinar e aprender, geralmente apagadas pelo monopólio da docência” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 55). Essa integração pode ser importante para o desenvolvimento de atividades que promovem a transformação social e os PL, teórico e metodologicamente, sugerem questões dessa natureza, já que nesse dispositivo didático “a sala de aula funciona como uma ‘comunidade de aprendizagem’ em que todos ensinam e todos aprendem, conciliando interesses, conhecimentos e sentimentos” (OLIVEIRA, 2010a, p. 340). A inclusão dos diferentes atores como agentes no processo de ensino-aprendizagem decorre da “compreensão de que os sistemas de conhecimento e de informação estão em rede convoca a escola a produzir, de forma cooperativa, agregando esforços de várias instituições (família, escola, igreja, trabalho)” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 55-56). Os benefícios advindos de atividades que adotam uma conduta colaborativa (alunos-alunos, escola-família, escola-comunidade) são muitos: trabalho em conjunto, maior interação, descentralização do conhecimento, compartilhamento de experiências, melhor aproveitamento 153 e a garantia de um conjunto mais entrosado afetivamente. Aliás, cultivar afetividade é uma atitude que deve ser estimulada, porque pode influenciar nos processos de desenvolvimento cognitivo e está presente nas interações que se estabelecem no meio social, seja com os colegas, família e ou comunidade. Nesse sentido, os achados de pesquisa sinalizaram que interações afetivas podem ser um aspecto motivador do processo de escrita (vide figuras 16, 17 e 18). Trazer a comunidade e a família para o convívio escolar dos alunos é um procedimento que pode dar muito certo. Com relação às produções escritas, a participação desses agentes é fundamental e tende a transformar as atividades porque a definição clara de quem vai ler os textos é algo tão importante quanto saber o que dizer. A participação de interlocutores reais com os quais os alunos mantêm ou irão manter aproximação faz com que a prática de escrita flua. À escola, foi dada a incumbência de ensinar, e esse ensino pode ocorrer de maneira engajada. Essa questão está posta nas orientações e regulamentações educacionais, quando defendem que é dever da escola “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola (BRASIL, 2000a, p. 28). Nesse sentido, os PL representam uma alternativa, pois “constroem uma nova relação educativa, baseada em ações colaborativas entre os agentes da comunidade escolar e os da comunidade do entorno (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 110). Os professores são os mediadores do processo de ensino-aprendizagem na escola, mas é necessário buscar a cooperação de outros agentes de letramento - alunos, familiares, comunidade. A junção dessas forças pode melhorar o desempenho escolar, formar para a cidadania, agregar afetividade, instruindo o estudante sobre seus direitos e deveres, sobre como viver atuar no mundo, integrando-o e ampliando sua participação no meio social. A introdução de modelos que propiciem a interação entre escola, família e comunidade, reconhecendo as contribuições e os limites de cada uma dessas partes na educação, pode ser essencial para diversificar as estratégias de ensino, promover parcerias educativas e trazer para dentro da escola diferentes atores sociais. O trabalho colaborativo em sala de aula, com base nos diversos potenciais dos quais a escola dispõe, é um princípio didático que pode ser considerado por todos. É a partir da troca de experiências que os novos saberes podem ser mais adequadamente agregados, em um processo de construção colaborativa (e não de “transmissão”) de conhecimentos. A troca de experiências e de saberes na escola parece ser mesmo um mecanismo que favorece o sucesso do ensino e da aprendizagem, indo além disso: contribui para que todos se 154 sintam membros constituintes do grupo e essenciais diante das necessidades das situações de aprendizagem. Uma organização da prática escolar que leva em consideração esses pressupostos concebe os diferentes integrantes como sujeitos tanto em transformação quanto transformadores. Em outras palavras, são sujeitos que, a partir da interatividade, podem ser capazes de agir e de intervir no mundo. A participação da comunidade e da família na escola representa uma oportunidade para os alunos vivenciarem problemáticas reais e utilizarem as suas práticas de escrita em prol da resolução de questões de interesse deles próprios e da comunidade. Adentrar em desafios específicos da realidade pode garantir a promoção de sinergias para o enfrentamento de problemáticas e necessidades de ordem coletiva. Fora da escola, os alunos constroem redes de contato com outros sujeitos para compreenderem e construírem conhecimentos (vide tabela 4), para buscarem a resolução de uma problemática e a satisfação de necessidades. Essas questões fazem com que os alunos observem, perguntem, sintam-se curiosos e a inserção do outro para sanar dúvidas é fundamental. É por essa razão que, nas atividades que se baseiam na resolução de problemas, os diferentes sujeitos sociais podem se tornar significativos para a aprendizagem. No dia a dia, os alunos buscam sanar dúvidas, resolver problemas, e isso faz com que eles procurem outros sujeitos que os auxiliem, que ajudem a aprender algo novo e adquiram experiências. As informações apresentadas pelos achados de pesquisa sugerem que trabalhar com vistas a resolver problemas pode proporcionar ao aluno compreender suas possibilidades e atentar para as diferenças entre o que sabe e habilidades e competências dos outros sujeitos. As informações apresentadas na tabela 5, que mostram como os alunos aprendem implicitamente a escrita, revelam o potencial agentivo das vivências cotidianas. Atividades atreladas à resolução de uma problemática podem ser enriquecedoras porque os objetivos são sentidos pelo grupo. Nos PL, por exemplo, o ensino pode ser orientado para a resolução de problemas e, assim, o aluno busca respostas para uma questão vivenciada ou identificada pelo grupo. Ele recorre a seus conhecimentos prévios, busca novos conhecimentos e integra-os à situação a ser compreendida. “O princípio básico desse modo de aprender reside na consciência de que o aprendizado do ser humano se faz a partir de experiências de seu cotidiano – aprende-se, resolvendo problemas” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 43). O PL é um dispositivo didático que possibilita o envolvimento e a articulação dos diferentes potenciais em prol do ensino-aprendizagem. Ele envolve uma rede de componentes 155 que permite, por exemplo, que tratemos o trabalho com a escrita a partir da prática social e da resolução de problemas. É um projeto que tem como ponto de partida a prática social e visa a resolução de problemas que englobam a comunidade em que o aluno se encontra. Dessa forma, o elemento central das vivências passa a ser sentido pelo próprio aluno. (OLIVEIRA, 2008). Vincular as atividades à resolução de uma problemática comum, além de favorecer a reflexão, propicia o pensamento crítico, já que os aprendizes utilizam os próprios potenciais e os potenciais dos outros para transformar o meio social. Além disso, “a integração dos diferentes conhecimentos pode criar as condições necessárias para uma aprendizagem motivadora, na medida em que ofereça maior liberdade aos professores e alunos para a seleção de conteúdos mais diretamente relacionados aos assuntos ou problemas que dizem respeito à vida da comunidade” (BRASIL, 2000a, p. 22). As atividades ancoradas nas premissas da dinâmica do todo social podem acabar por tornar a escola um ambiente onde os variados potenciais se encontram. Nessa perspectiva, ela se torna uma comunidade de aprendizagem em que estudantes, professores, profissionais da escola, família, comunidade e outros agentes de letramento recorrem uns aos outros, buscando respostas para os problemas que necessitam resolver, tratando de compreender e encontrar informações que melhor elucidem aspectos do mundo que são objeto de suas preocupações. Atuar frente a problemáticas da vida real, em consonância com questões de cunho coletivo, ajuda, ainda, os alunos a buscarem justificativas e argumentos com vistas a defenderem um posicionamento com o qual estão comprometidos, que lhes é útil e que também atenda ao grupo. Nesse sentido, eles aprendem por meio de experiências que se tornam significativas, porque sua atuação foi imprescindível para a superação de situações desfavoráveis. No meio social existem muitas experiências válidas além daquelas sistematizadas, formais, da escola. Além de relevantes do ponto de vista da construção do conhecimento, essas experiências advindas da resolução de problemas da vida cotidiana são vastas. No dia a dia, sempre há uma ou outra questão a ser elucidada, solucionada. Diferentemente do que ocorre na escola, quando normalmente a justificativa para a realização das atividades é a aprovação, resolver problemas no mundo é buscar saídas para situações desfavoráveis, alcançar objetivos, lutar por melhorias. É importante atentar para essa questão, porque a vivência de práticas sociais diversas demanda, necessariamente, experiências vivas com os diferenciados gêneros, pois, socialmente, agimos por meio da escrita. Assim como sugerem as informações apresentadas 156 na tabela 5, que mostra como os alunos aprendem implicitamente no cotidiano, o aprendizado que se dá por meio da convivência social, por meio da participação, é muito produtivo. A lógica dessa aprendizagem é a das necessidades desencadeadas pela vida em sociedade e as atividades proporcionadas pelos PL podem ser muito produtivas se incorporarem essa forma de aprendizado. Kleiman (2008) ilustra uma situação nesses moldes quando afirma que se o assunto que afeta os estudantes é a presença do lixão na comunidade, podemos definir, com os alunos, o que pode ser feito: “uma campanha, para pressionar o poder público ou para mobilizar os moradores, está dentro das possibilidades de uma classe e certamente envolverá elaborar cartazes, entrevistar pessoas da comunidade, escrever cartas abertas, abaixo-assinados, inclusive artigos de opinião” (KLEIMAN 2008, p. 508). Em atividades encabeçadas por PL, é a necessidade de agir que determina o(s) gênero(s) a ser(em) mobilizado(s) e, portanto, ensinado(s). Essa dinâmica também foi detectada nos achados de pesquisa, pois os alunos vivem experiências diárias, em que tanto o sujeito implicado em determinada problemática quanto outros que os auxiliam, unem-se em torno de sua superação e a participação dos diferentes integrantes acontece com base nas necessidades. Esse princípio dos eventos de letramento cotidianos revela que corriqueiramente os alunos aprendem de várias maneiras, nas discussões e práticas específicas das quais participa e por meio da simples convivência e interação com as práticas e pessoas envolvidas. Orientados pela necessidade de resolver uma problemática; tirar uma dúvida, desabafar, mostrar o estado de espírito etc., os estudantes buscam os melhores meios para cumprir a tarefa e utilizam a escrita para isso. Como destacam Barton e Hamilton (2000), as práticas de letramento dos sujeitos mudam durante sua vida como resultado de exigências diferentes, recursos disponíveis e suas possibilidades e interesses. 3.1.4 Os alunos falam sobre muitas coisas, eles já sabem muito Para o início das reflexões sobre esse ponto, tomemos as informações que mostram os assuntos que os alunos debatem cotidianamente (vide quadro a seguir). As informações foram geradas a partir do resultado de um questionamento que fizemos aos estudantes acerca dos assuntos tratados por eles em práticas de escrita cotidianas que desenvolvem fora da escola. 157 Quadro 7 – Assuntos dos eventos de letramento de que participam os alunos no meio social externo à escola Assuntos dos eventos de letramento43 Lembretes, compromissos, ocorridos, necessidades, dados pessoais, reclamações, dúvidas, agendamentos, elogios, congratulações, experiências, aconselhamentos; relacionamentos (familiares, amorosos, de amizade); curiosidades e humor (piadas, notícias, trocadilhos, ironias, memes); atualidades e acontecimentos marcantes locais e externos (eventos, acidentes, incidentes, clima; comemorações (encontros, festas, reuniões); artes, cultura e esporte (música, cinema, dança, literatura, ficção, esporte, tv); posicionamentos sobre questões polêmicas/instigantes (drogas, estupro, crime, política, preconceito); tecnologia (computadores, jogos, videogame, celulares, programas); estudos e tarefas escolares; viagens e passeios; compras, gastos, dinheiro, dívidas; autoanálises; religião e saúde. Fonte: Acervo da pesquisa. Nas práticas de escrita do dia a dia, os alunos escrevem sobre várias coisas. Essa parece ser uma questão impulsionadas pelas informações que eles acessam por meio do uso da web, já que recorrentemente participam do evento de letramento realização de pesquisa na internet. Tendo em vista esse aspecto, eles escrevem sobre diversos assuntos, inclusive questões de cunho global, como costumes, valores e acontecimentos externos ao Brasil. Sobre essa questão, Braga (2010) ressalta que a participação dos grupos socialmente desfavorecidos - não só nas esferas locais, mas também nas esferas de prestígio e poder social – vem utilizando as possibilidades da internet, inclusive na “participação mais democrática nos modos de consumo e produção da cultura mais ampla” (BRAGA, 2010, p.377). Nesse sentido, os achados de pesquisa sinalizam para o fato de que os alunos já carregam muitos conhecimentos e experiências e as possibilidades de trabalho em sala aula sobre poderem ficar mais descomplicadas, já que as probabilidades de aliar as pautas curriculares aos conhecimentos prévios são vastas. Outra informação importante suscitada pelos assuntos debatidos pelos alunos é a grande capacidade que certos temas têm em mobilizar atenção. Os assuntos que estão em evidência em determinados momentos, por exemplo, são atrativos e despertam muito interesse: desastres, crimes, política, eventos etc. 43 Os resultados foram posicionados de modo que fossem contempladas todas as respostas dos estudantes. Os itens descritos são representativos de cada resposta dada e não uma transcrição literal das citações dos estudantes. 158 Todos os colaboradores estão na fase da adolescência, num período de descobertas, escolhas, questionamentos. Eles vivem refletindo sobre o seu papel e a sua vivência no mundo. Eles discutem diferentes perspectivas, se fazem ouvir. O cotidiano de escrita desses alunos também é assim, diverso e disposto aos mais variados debates. Alguns assuntos são extremamente significativos em dados momentos, como eventos esportivos, acontecimentos marcantes, temas polêmicos etc. São assuntos que mobilizam a atenção dos estudantes e não levá-los em conta é desconsiderar o que, muitas vezes, pode ser significativo, motivador para eles. Talvez seja uma oportunidade perdida abrir mão dos assuntos que aguçam a curiosidade dos jovens. A violência contra a mulher, por exemplo, foi um desses assuntos que suscitaram o interesse dos entrevistados. Esse tema foi citado pelas colaboradoras Carla e Maria, quando perguntadas sobre o que escreviam. A figura a seguir revela que as atenções delas com relação ao assuntos deriva de tendências e posturas que emergem na sociedade, evidenciadas por um interesse. Fonte: Acervo da pesquisa Realizadas por colaboradores diferentes, mas em espaços temporais bem próximos, os gêneros postagens em rede social vão muito além de meros passatempos, eles partiram de um mesmo interesse. As colaboradoras Carla e Maria, ao serem questionadas sobre o porquê de escreveram sobre as mulheres, afirmaram que as causas nasceram de preocupações pessoais e Figura 18 - Postagens em redes sociais 159 do anseio por um futuro mais favorável. Ela se posicionaram sobre o assunto porque acham importante se engajar em causas que as interessam. Esse uso da escrita revela, portanto, momentos que representam sentimentos, tendências e inclinações coletivas que ocorrem em determinadas circunstâncias. A realidade dos alunos é perpassada por momentos em que as vivências, interesses e sentimentos apresentam certa convergência. Os textos de diferentes estudantes revelam momentos em que os interesses se conectam. Os interesses partilhados dos alunos mostram que as pautas cotidianas nem sempre condizem com as formas geralmente harmônicas com que são trabalhados os diferentes temas pela escola. No meio social externo à escola, eles assumem posturas de posicionamento frente às mais diversificadas causas. Os anseios, intenções, interesses e propósitos são o reflexo do que acontece no mundo em sua volta e são revelados também na escrita. Os estudantes são produtores de discursos políticos que legitimam e dão significado às suas ações. Eles estão atentos e conectados aos problemas e realidades do mundo social. As práticas de escrita dos alunos revelam quais os seus gostos culturais; como se comportam; como é a comunidade de que fazem parte; as instituições e organizações com que se relacionam; as questões de maior interesse etc. Eles estão imersos em uma realidade repleta de significados e os gêneros que perpassam os eventos de letramento de que participam são reveladores dos seus interesses. A escrita que esses alunos desenvolvem estão de acordo com os letramentos em que estão imersos, pois as diferentes instituições sociais, como escola, família e comunidade, utilizam a língua conforme as suas particularidades (KLEIMAN, 2010a). No dia a dia fora da escola, os alunos mostram muito interesse por assuntos voltados para aspectos de foro mais privado. Lembretes, compromissos, necessidades particulares, dados pessoais, reclamações, dúvidas, agendamentos, elogios, congratulações, relacionamentos, curiosidades, atualidades e acontecimentos marcantes locais. Porém, alguns temas se revelam muito significativos porque estão sendo pautados pelas mídias em geral. São temas que despertam o interesse dos sujeitos porque estão sendo evidenciados naquele determinado espaço temporal, motivados por uma provocação, preocupação, interesse etc. A maior parte dos assuntos pautados pelos aprendizes nas práticas de escrita fora da escola deriva dos domínios do lar e comunitário. Eles disseram que recorrentemente escrevem sobre compromissos, lembretes, necessidades, dados pessoais, reclamações, dúvidas, agendamentos, elogios, congratulações, experiências, aconselhamentos, relacionamentos, encontros, festas e reuniões. Esses assuntos estão pautados em gêneros, como mensagens de 160 texto, mensagens instantâneas, comentários, postagens em redes sociais etc. Os assuntos e os gêneros que eles utilizam nada mais são do que “os modos culturais de se utilizar a linguagem escrita com que as pessoas lidam em suas vidas cotidianas.” (ROJO, 2010, p. 26) Os gêneros que derivam dos domínios do lar e comunitários, atrelados às instâncias sociais de natureza privada, revelam assuntos e gêneros que representam os múltiplos olhares sobre as práticas sociais particulares dos grupos, relacionadas às diferentes experiências. São compostos por particularidades na sua produção e na linguagem. São vivenciados em eventos de letramento típicos da realidade social fora da escola a que pertencem os alunos (BARTON, 1991; BARTON; HAMILTON, 2000). A afirmação da colaboradora Sandra, de que envia fotos e de que, por meio da mesma interface digital, interage e escreve, é um exemplo de como são esses eventos de letramento de que participam. O que os alunos escrevem e a maneira como eles escrevem no dia a dia são relevantes porque cumprem uma função no mundo, atendem a determinados regras e estão atrelados a processos comunicativos complexos como quaisquer outros, porém os propósitos e funções comunicativos são diferentes daqueles típicos de instituições formais, como a escola. Sobre essa questão, Oliveira (2010a, p. 6) explica que “um bilhete que circula no ambiente familiar não apresenta as mesmas características de outro que é produzido, por exemplo, num local de trabalho, ou mesmo, na escola”. Os estudantes, nessa etapa de ensino, convivem com temas considerados difíceis de serem abordados na escola, conhecidos como temas tabus. No quadro a seguir, estão dispostas as respostas dos entrevistados sobre assuntos dessa natureza. As informações foram obtidas a partir do resultado auferidos da seguinte pergunta: Do que você fala nessa prática de escrita? Quadro 8 – Assuntos polêmicos abordados pelos alunos44 Assuntos polêmicos Colaboradores que os mencionaram Política Maria, Roberto, Josué Direito das mulheres, estupro Carla, Maria Diversidade sexual. Maria, Josué Violência, drogas. Luiz Fonte: Acervo da pesquisa. 44 Os resultados foram posicionados de acordo com o quantitativo de citações dos entrevistados, do item mais citado até o menos citado. 161 Ao explicarem os motivos que os levam a falar sobre política, os colaboradores Maria, Roberto e Josué foram diretos em afirmar que se sentem incomodados, inconformados, que o assunto lhes diz respeito porque afeta o seu futuro, o dia a dia, assim eles tentam alertar outras pessoas por meio da escrita (vide exemplo a seguir). Figura 19 – Assunto abordado por um entrevistado Fonte: Acervo da pesquisa. Fora da escola, os alunos falam sobre sexualidade, violência, preconceito etc., assuntos que, a princípio podem suscitar espanto ou perplexidade. Ao falarem acerca de assuntos considerados tabus como esses, os alunos se mostram conscientes sobre questões sociais que podem influenciar suas próprias vidas. Eles atuam como agentes aptos a compreender e a ajudar a construir a realidade social. Entender os direitos e responsabilidades que estão relacionados tanto a sua vida pessoal, quanto da comunidade da qual fazem parte. Os alunos têm consciência cidadã, estão dispostos a reclamar, a reivindicar o uso correto do dinheiro público. Estão preocupados com assuntos que englobam interesses mútuos porque os afeta e porque querem melhorias para o conjunto das pessoas. Nas discussões das quais participam, abordam valores referentes à comunidade e à cidadania que, muitas vezes, são delicados e exigem maturidade. As práticas de letramentos dos estudantes, múltiplas e historicamente situadas, nada mais são que construções culturais, marcadas pela heterogeneidade e relacionadas aos papéis e aos lugares sociais que eles ocupam, ou são levados a ocupar, na sociedade (GEE, 1990; BARTON; HAMILTON, 2000). Ao se engajarem sobre temas como sexualidade, preconceito, consumo de drogas, e outros julgados de relevância para sua realidade contextual, os alunos revelam que pertencem e estão imersos em um determinado contexto, eles se mostram presentes à vida cotidiana, integrados às abordagens diversas, principalmente àquelas relacionadas a aspectos ligados à atualidade e ao seu contexto. São sujeitos comprometidos com assuntos de natureza atitudinal, 162 que invocam ação social. Comprometidos com temas que fazem referência à formação de atitudes e valores, com vistas à intervenção frente à realidade que os cerca. Reflexões sobre esses achados de pesquisa Uma das ideias que inferimos dessa etapa da análise é que os indivíduos discutem e se interessam por assuntos que são representativos para eles. Os resultados apresentados suscitam, assim, a noção de que, no dia a dia, os alunos costumam interagir sobre os mais variados assuntos e os usos da escrita estão implicados nessa interação. Nesse sentido, é relevante atentar, portanto, para a informação de que os estudantes escrevem sobre várias coisas no seu dia a dia e apresentam desenvoltura, opiniões e pareceres acerca de vários assuntos. Isso ocorre porque eles são imbuídos de saberes e experiências. Decerto, é plausível afirmar que na escola é possível discutir muitos assuntos, já que dentro dessa nova dinâmica de acesso a informação, os estudantes mostram amplo conhecimento sobre os mais diversos temas. Levando em consideração essa questão, entendemos que o fato de os alunos terem acesso aos mais variados assuntos por meio do amplo acesso a informação pode ser um importante recurso para a implementação de atividades na escola. Eles debatem tantas coisas no dia a dia fora da escola que as possibilidades de conexão que podem ser estabelecidas entre o que o está no currículo e os conhecimentos que já apresentam são inúmeras. Matêncio (2000), por exemplo, acredita que há uma relação direta entre a experiência com a palavra escrita que os alunos têm e as estratégias discursivas que esses mesmos alunos utilizam na leitura e na produção de texto na escola. Ao renunciar ao contato que o aluno tem com a palavra escrita em seu cotidiano, podemos estar desconsiderando um importante recurso em prol do ensino-aprendizagem, que é a significatividade. O aporte teórico-metodológico que rege os PL também corrobora essa perspectiva. Oliveira, Tinoco e Santos (2014), ao tratarem dessa questão, afirmam que o conhecimento de mundo pode e deve ser considerado para o ensino, já que “o aprendizado do ser humano se faz a partir de experiências de seu cotidiano” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 44). As ações de aprendizagem implementadas sob o viés do conhecimento prévio do estudante suscitam problematizações cujas resoluções exigem novos conhecimentos, porém atrelados àquilo que os alunos já sabem. São atividades que favorecem a articulação entre o conteúdo curricular e o contexto de vida dos alunos, à realidade que os cerca, “à ideia de 163 cotidiano no seu sentido mais amplo: o cotidiano do aluno, o da escola e o da comunidade” (OLIVEIRA, 2015, p. 20). A ideia, portanto, é atrelar as situações de ensino-aprendizagem, os conhecimentos que o aluno carrega e as possibilidades locais da comunidade aos conhecimentos científicos que devem ser aprendidos. Assim, os alunos passam por situações práticas e conectam as experiências que têm àquilo que para ele ainda é novo. As ações de aprendizagem engajadas a essa perspectiva aproximam ensino e contexto, alinham-se às vivências sociais. Oliveira, Tinoco e Santos (2014) afirmam que os PL se centram na prática social e os procedimentos de ensino que deles decorrem se tornam mais significativos e atraentes porque os estudantes veem sentido nas tarefas que terão de cumprir. “Os projetos de letramento requerem um movimento pedagógico que vai da prática social para o “conteúdo” (seja ele uma informação sobre um tema, uma regra, uma estratégia ou procedimento), nunca o contrário” (KLEIMAN, 2010b, p. 383). Nessa perspectiva, as atividades na escola podem almejar a criação de oportunidades de se experimentar essa escrita que é significativa para os estudantes. É relevante que elas estejam presentes na sala de aula porque a aprendizagem é de assuntos diversos e estaria conectada esses conhecimentos e experiências. Essa visão é compactuada pelas orientações oficiais das diretrizes curriculares para os cursos de Letras, já que defendem que o ensino de língua portuguesa deve “[...] fundar-se na percepção da língua e da literatura como prática social e como forma mais elaborada das manifestações culturais” (BRASIL, 2001b, p.31). Essa noção, que o dia a dia de escrita dos alunos revelou, é explicitada pelos PCNEM (BRASIL, 2000a) no que confere ao processo pedagógico. O documento ressalta que a aprendizagem significativa se concretiza por meio do processo de interação na relação sujeito- objeto e detalha como um dos principais aspectos, o estabelecimento de relações entre o conhecimento prévio do aluno e o curricular. A inclusão dos assuntos das práticas de escrita cotidianas dos alunos realizadas fora da escola para a realidade escolar pode, a princípio, causar estranhamento para aqueles profissionais muito acostumados ao ensino baseado na produção de textos canônicos. Porém, cabe ressaltar que “a aprendizagem de leitura e de produção de qualquer texto de qualquer gênero [...] envolve capacidades de articular o gênero à situação social e capacidades de textualização para agir e fazer sentido por meio da escrita [...] essas capacidades constituem o objetivo final de todo programa de letramento escolar” (KLEIMAN, 2008. p. 509). O fato de os alunos escreverem acerca de diferenciados assuntos, assim como mostrado pelos achados de pesquisa, mostra que ao se buscar a significatividade para uma 164 dada atividade de aprendizagem, é pertinente atentar para o fato de a escrita a ser explorada poder partir dessas vivências as quais os estudantes já estão acostumados. É por essa razão, por envolver interesses e por focar em questões oriundas do próprio grupo, que atividades baseadas nesse aspecto se tornam significativas. Os PL, por exemplo, são dispositivos didáticos estritamente dispostos a dialogar com o novo (OLIVEIRA, 2008; OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014) e, por essa razão, podem ser utilizados enquanto instrumentos para experienciarmos diferentes estratégias. É preciso, contudo, saber o que é interessante, relevante para os alunos. É preciso que o ensino de língua portuguesa, portanto, “esteja em sintonia com a concepção de linguagem que se coaduna com os pressupostos de um letramento crítico, voltado para os interesses, assim como para as intenções e necessidades reais dos estudantes” (SANTOS, 2012, p.52). Uma pesquisa junto aos discentes pode revelar e suscitar muitas inspirações para o trabalho escolar. E não é nada difícil identificar temáticas de interesse dos alunos em sala de aula. Uma pesquisa com vistas a compreender esses interesses pode partir de uma simples conversa informal. As conversas dos alunos sobre dado assunto é tão perceptível que às vezes somos interpelados a responder e opinar nas discussões. Estabelecer ganchos entre o que está previsto formalmente para ser pautado em sala de aula e os assuntos já debatidos pelos alunos não é uma tarefa difícil, mas essa postura pode ser determinante para tornar significativa uma determinada situação de aprendizagem. Conforme postula Kleiman (2002), numa teoria da aprendizagem significativa é central estabelecer o conhecimento prévio do sujeito como referência explicita, já que este é o elemento básico e determinante na organização do ensino. Nesse sentido, os assuntos que estão em evidência em determinados momentos são atrativos, despertam muito interesse entre os jovens e podem ser levados até à sala de aula. Por se tratarem de adolescentes, em uma fase de descobertas, escolhas, questionamentos, oscilações temperamentais, os jovens acabam refletindo acerca do seu papel e a sua vivência no mundo e se sentem à vontade para discutir diferentes perspectivas, se fazerem ouvir. Podemos, então, compreender e aproveitar esses momentos de ampla efervescência discursiva para pôr em prática situações de aprendizagem que associem os aspectos curriculares àqueles aos quais os alunos demonstram interesse. Estudiosos e profissionais de educação podem até fazer críticas a quem recorre a esse tipo de procedimento, muitas vezes taxando-o de improvisação, mas a utilização de propostas metodológicas que incorporam elementos concernentes aos interesses dos alunos pode ser eficaz. 165 Não se trata de improvisação, pois atividades dessa natureza podem ser planejadas e detalhadas. Além disso, não é possível determinar se uma atividade que foi improvisada será pouco produtiva do ponto de vista da aprendizagem, pois enfrentamos situações mais ou menos transitórias e variáveis e, por essa razão, tendemos, ao improvisar, a recorrer a experiências já conhecidas para atuar, o que torna essa prática não tão improvisada. Se determinada temática “invadir” as discussões em sala de aula em dados momentos, cabe a quem está mediando o processo de aprendizagem atentar para estratégias que conjuguem diferentes pontos de vista de modo que ocorram avanços na aprendizagem dos alunos. Uma das marcas dos PL é fazer uso, em favor da aprendizagem, de aspectos que são significativos, relevantes e de amplo interesse para os alunos. A utilização de mecanismos dessa natureza torna a aprendizagem bem mais significativa e ajuda nas questões concernentes à motivação dos jovens quanto aos usos da escrita. Oliveira, Tinoco e Santos (2014) afirmam que a inserção dos assuntos que aguçam o interesse dos alunos confere motivação às atividades com a escrita. Vale ressaltar, ainda, que, em PL, a busca pela significatividade passa pela defesa das produções escritas dos aprendizes como um recurso imprescindível para aproximar as atividades da escola dos usos da escrita atrelados a outras realidades sociais. A ideia é que as possibilidades de unirmos as práticas sociais de particularidade do grupo com outras já existentes podem proporcionar o desenvolvimento de posturas mais engajadas por parte dos alunos, já que estariam atuando por meio de parâmetros muito próximos da sua vivência contextual. Nesse contexto, trabalhar na perspectiva de PL significa, sobretudo, tornar à sala de aula um lugar de construção das múltiplas identidades (KLEIMAN, 1998). Assim, viabilizamos os conhecimentos de forma que a pauta não se desvincula da realidade cotidiana e nem sejam apenas meras abstrações. A significância da escrita dos alunos e dos assuntos aos quais eles debatem nas práticas de escrita, conforme apresentados pelos achados da pesquisa, sugerem que as atividades podem fazer uso dos conhecimentos e habilidades que os alunos já carregam, como importantes elos entre estas as pautas oficiais. É importante frisar esse aspecto porque a escola, normalmente, vem fracassando nesse sentido, uma vez que “[...] nas práticas de letramento em que os brasileiros se envolvem (letramentos múltiplos) e nas capacidades de leitura e escrita que o envolvimento nessas práticas acarreta (níveis de alfabetismo), com as quais, parece, a escola não está conseguindo se confrontar” (ROJO, 2010, p. 23). Além disso, a coadunação de saberes prévios e curriculares implica tornar a escrita do aluno reconhecível para eles próprios, tornando as aulas de ensino de produção 166 textual um lugar dos diferentes letramentos. Dessa forma, “a linguagem não é simplesmente um meio de expressão ou comunicação; é, antes, uma prática a partir da qual os aprendizes conhecem-se a si mesmos, o seu contexto sociocultural e as suas possibilidades para o futuro” (OLIVEIRA, 2010a, p. 336). Historicamente, as práticas de escrita dos estudantes e os eventos de letramento dos quais participam são diferentes daqueles tradicionais da escola. Em referência a essa questão, Barton e Hamilton (1998) afirmam que existem os letramentos vernaculares ou locais, que são essencialmente enraizados na experiência cotidiana e servem aos propósitos de todos os dias. Já os letramentos dominantes são aqueles que estão associados a organizações formais, ao sistema legal, às burocracias como as da escola e do comércio. Diante disso, é relevante trazer as práticas de escrita dos alunos para o ensino na escola, como uma forma de privilegiar a posição cultural dos estudantes, circunscritas nos letramentos vernaculares. É trazer para o convívio escolar os “letramentos locais, de resistência, adquiridos em trajetórias pessoais singulares, às margens da educação formal, que moldam a vida cotidiana das pessoas” (KLEIMAN, 2010b, p. 377). A realidade que perpassa a comunidade e ou a escola a qual estamos inseridos pode ser de extrema relevância para o pensar e o fazer das ações de ensino-aprendizagem da escrita. Assim, evidenciamos uma dinâmica pautada por questões advindas das demandas sociais e que transformam o próprio espaço social, já que sociedade muda a todo momento. Reconhecer os usos da escrita que os alunos é tornar visíveis as práticas de letramento cotidianas em toda a sua complexidade. Nos PL, a dinâmica também é essa, pois há uma busca compartilhada pela compreensão da prática social a partir do capital cultural do grupo envolvido na aprendizagem, assim como a necessidade de se pautar a escrita com diferentes gêneros e suportes (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Oliveira (2010a) argumenta, no entanto, que essa não é uma tarefa fácil, pois, nos dias de hoje, professores enfrentam o desafio de promover o conhecimento com grupos que carregam práticas e visões muito particulares, arraigadas do seu contexto e, por outro lado, sujeitos que chegam à escola completamente clivados pelo processo de modernização. Ao pautar os letramentos dominantes e vernaculares – estes últimos evidenciados pelos achados de pesquisa - tornamos a escola um espaço de acolhimento aos múltiplos saberes, uma vez que, de um lado, buscamos a inclusão de alunos oriundos de tradições culturais em que a escrita é repleta de particularidades do seu contexto, e de outro, permanecemos engajados a historicidade da própria escola, qual seja a de ensinar a escrita a partir de modelos de textos advindos de domínios sociais mais formais. Trata-se de uma 167 agenda desafiadora, porém, trabalhando nessa perspectiva, ressignificamos as possibilidades da escola, mostrando mais abertura ao diálogo frente às diferentes vertentes sociais. São sugestivas as informações dos achados de pesquisa que dão conta de como a atenção dos alunos, ao praticarem a escrita cotidiana fora da escola, volta e meia se concentra em determinados assuntos (vide quadro 7). Em muitos casos, esses temas partem de tendências que podem servir de oportunidade para a realização de atividades na escola. Momentos como esse podem caracterizar uma oportunidade para o desenvolvimento de ações mais engajadas, uma vez que a conjunção de fatores que revelam esses interesses muda continuamente. Os programas e currículos institucionais obrigatórios, que contemplam quase que exclusivamente conteúdos de base conceitual, pouco contemplam situações práticas, relevantes, de interesse comum. No entanto, o contexto o qual está atrelada a escola e os interesses dos estudantes são reveladores de tendências e causas que interessam a coletividade e, por isso, podem ser considerados pelos programas e currículos das aulas de língua portuguesa. Para Oliveira (2015, p. 25), a escola que age nessa perspectiva enxerga o currículo como um recurso “flexível que possibilita atravessar fronteiras, propiciar movimentos de fora para dentro da escola e vice-versa, estabelecendo elos entre o global e o local, sem priorizar aquele em detrimento deste”. A autora acrescenta, ainda, que trabalhar dessa forma implica desmistificar cânones de linguagem, olhar a escola como um espaço multicultural, reflexivo, catalisador, dinâmico e aberto à multiplicidade de práticas e percepções. Para a implentação do currículo na escola, levamos muito em consideração fatores externos ao interesse dos alunos: os exames, a aprovação, índices educacionais, vestibulares etc. Essas questões são importantes, mas mesmo essas podem estar em consonância com a realidade dos estudantes, pois esse tipo de conciliação só tende a melhorar o desempenho dos alunos. É relevante compreender que os estudantes participam de experiências de escrita desencadeadas a partir da vivência comunitária. A escola pode se apropriar dessa dinâmica porque também é um dos ambientes do espaço social. É relevante pensar o currículo atrelado a contextos específicos, vivenciados pelos envolvidos na prática escolar, os estudantes. Assumir o currículo nessa perspectiva é entendê-lo como ferramenta mediadora entre as culturas da escola e as diversas culturas em que os estudantes participam, podendo contribuir para o estabelecimento de dinâmicas regulatórias da participação (COURELA; CÉSAR, 2012). 168 Trabalhar com vistas ao ensino da escrita a partir de planos elaborados de acordo com o interesse e as necessidades dos estudantes podem promover uma maior participação e, consequentemente, uma melhora no ensino e na aprendizagem, já que as atividades terão um tom mais significativo, em virtude de estarem baseadas em um planejamento atrelado à realidade que é vivenciada. Oliveira (2010a) ressalta que estratégias como essa já vem sendo desenvolvidas em países desenvolvidos. Nesses países, têm-se “investindo em políticas públicas que valorizam o ‘capital humano’, o que indica a necessidade de reinventar o currículo escolar no que diz respeito às competências de linguagem para as demandas de um letramento diferente” (OLIVEIRA, 2010a, p. 331). Não há restrições legais que nos impeçam de atuar nesse sentido, a opção por refletir também sobre as variadas e efetivas condições sociais práticas é, de certa forma, uma prerrogativa da escola. No texto dos PCN (BRASIL, 1997), por exemplo, encontramos muitas ressalvas nesse sentido. Numa dessas passagens encontramos a seguinte afirmação: “apesar de apresentar uma estrutura curricular completa, os Parâmetros Curriculares Nacionais são abertos e flexíveis, uma vez que, por sua natureza, exigem adaptações para a construção do currículo de uma secretaria ou mesmo de uma escola” (BRASIL 1997, p. 29). Nos PL, em particular, há a necessidade de se promover atividades atreladas à realidade, principalmente porque podem apresentar resultados que atravessam as vivências dos estudantes (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Os assuntos de grande interesse - como a violência contra a mulher, evidenciado pelos achados de pesquisa - podem revelar oportunidades para alinharmos à prática escolar, os conteúdos curriculares, aos assuntos de interesse dos alunos. Podemos refletir sobre nossa prática e demonstrar mais interesse em atuar de modo a considerar os conhecimentos e experiências dos alunos em favor da ressignificação do currículo. Da mesma forma, as novas formatações curriculares, atreladas aos interesses do grupo, podem favorecer um processo em que os estudantes transformam suas experiências a partir dos assuntos e habilidades trabalhados. As atividades proporcionadas por PL podem ser uma oportunidade para ressignificarmos o currículo escolar por meio de assuntos e/ou problemas conectados ao mundo social. A concepção de currículo, nesse sentido, é pautada pela colaboração, já que o seu formato leva em consideração anseios, intenções e interesses de todos os envolvidos. “O currículo se define no processo de produção do conhecimento, ou seja, ele se (re)desenha a partir de questões que emergem das práticas de letramento escolar organizadas em eventos 169 que objetivam atender necessidades de linguagem específicas de uma comunidade de aprendizes (OLIVEIRA, 2009, p. 13). Numa prática curricular desenvolvida nesses moldes, os integrantes estão situados em um dado contexto social e se tornam imprescindíveis porque são produtores de discursos que legitimam e dão significado as coisas. Não estamos afirmando, contudo, para deixar de lado as pautas oficiais para privilegiar determinadas pautas. Pelo contrário, aqueles temas e conteúdos instituídos pelos programas institucionais são obrigatórios e devem ser contemplados, só que a sua execução pode ficar relativamente dependente dos entrelaçamentos estabelecidos com situações práticas, relevantes, de interesse comum. Em PL, a construção do currículo é algo que se dá em conjunto, com base nas vivências e experiências do grupo. A escola, nesse caso, torna-se um espaço onde as experiências são vivas, desenvolvidas a partir do olhar de todos os envolvidos na prática educativa: alunos, professores, familiares, comunidade, funcionários. Faz pouco sentido pautarmos o currículo somente em aspectos atrelados a noções abstratas. É relevante compreender que os contextos específicos, vivenciados pelos envolvidos na prática escolar, também são fundamentais para o reconhecimento dos fenômenos compreendidos pelos conteúdos curriculares. O currículo assim, concebido de forma alternativa, pensado a partir dos conhecimentos e necessidades dos envolvidos no processo de aprendizagem se distancia do aparato de orientações das propostas prontas, representa uma oportunidade para fazer dos alunos atores essenciais no processo educativo. Oliveira (2015) afirma que, quando o currículo é assim pensado, “o foco está na valorização do público-alvo (alunos que se encontram nas fronteiras da exclusão social e do abandono escolar) e na questão da multiculturalidade, a ser compreendida como uma moeda de mais valia e não como uma ameaça ao empobrecimento das aprendizagens” (OLIVEIRA, 2015, p.25). Os achados de pesquisa mostram também que os nosos alunos, no dia a dia social, escrevem sobre assuntos considerados difíceis de serem abordados na escola, os chamados temas tabus (vide figura 19). Do ponto de vista curricular, esses assuntos tratados pelos colaboradores em seus cotidianos sociais fora da escola se enquadram numa perspectiva que vai além das tradicionais disciplinas. São considerados transversais (BRASIL, 1997), isto é, não fazem parte do rol de conteúdos de uma determinada disciplina, mas estão atreladas a todas elas ao mesmo tempo. Tratar de assuntos tabus, em muitos casos, transcende as atribuições das disciplinas tradicionais, pois são assuntos que encadeiam uma série de discussões que são necessárias à 170 escola e que se enquadram no chamado trabalho transdisciplinar. No que tange o trabalho na escola, os projetos podem ser aliados importantes nesse sentido. Sobre isso, Rojo ressalta que os projetos, como a organização didática que tem um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, delineia um produto final que, necessariamente, tenha destinação, divulgação e circulação social na escola ou fora dela, e uma das várias vantagens pedagógicas da organização por projetos é seu caráter interdisciplinar e a possibilidade que apresentam de tratamento dos temas transversais (ROJO, 2000, p. 36) Em atividades desencadeadas em PL, esse tipo de discussão é muito significativa, porque a busca é por tornar os alunos agentes do próprio processo de ensino-aprendizagem, aptos a compreender e construir a realidade social e os direitos e responsabilidades que estão relacionados tanto a sua vida pessoal, quanto da comunidade da qual faz parte (KLEIMAN, 2000; OLIVEIRA, 2010a; OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Sobre as propostas orientadas por temas de natureza transversal, a concepção de projetos para sua efetivação é pertinente, uma vez que eles não apresentarem estruturas organizacionais rígidas (BRASIL, 1997). A partir dessa máxima, podemos entender que os PL podem representar um importante dispositivo didático para lidar de propostas dessa natureza. Tratar desses temas em sala de aula é relevante porque eles suscitam iniciativas comportamentais éticas nos alunos e remetem a pautas socialmente sensíveis. São questões que fazem referências à formação de atitudes e valores e, mesmo delicadas, são tratadas recorrentemente pelos alunos nos ambientes sociais externos à escola. Assim, os temas que encabeçam atividades de natureza escrita podem versar sobre sexualidade, preconceito, desigualdade social, meio ambiente, consumo de drogas e muitos outros temas que forem julgados de relevância social para a realidade contextual dos alunos. A inserção dessas discussões na escola revela uma noção de currículo flexível, que ganha diferentes contornos, já que leva em consideração o que é importante e já é discutido pelos alunos. Em outras palavras, trazer para o ensino da escrita na escola questões que dizem respeito aos assuntos pelos quais os alunos mostram preocupação é defender as especificidades de um currículo partilhado, distante das propostas totalizadoras, que buscam homogeneizar os saberes. “Tais questões envolvem o poder de tomadas [colectivas] de decisão a nível local, de um currículo que nasce das bases e não do topo e que responde cada vez mais às necessidades, histórias e culturas das pessoas oprimidas [...] e de uma pedagogia socialmente mais responsiva” (APPLE, 2001, p. 8). Os achados de pesquisa sugerem que as 171 discussões que os alunos travam podem, sim, ser incluídas no trabalho em sala de aula como uma forma de evidenciar a heterogeneidade cultural do mundo. Além disso, essa possibilidade de transformação no currículo é uma tentativa de acolher a diversidade e de mostrarmos que a identidade dos alunos é fundamental para a construção dos saberes na escola, que o tratamento dado a eles diz respeito a reflexões e ações educativas que tomam por base os pressupostos culturais de um determinado grupo de pessoas que também faz parte do conjunto da sociedade. É uma dinâmica que favorece o entrelaçamento das diversas culturas, “nomeadamente entre a cultura da escola e os conhecimentos escolares e as culturas de minorias socioeconomicamente desfavorecidas, pouco valorizadas socialmente” (COURELA; CÉSAR, 2012, p. 330). Ao atuar desse modo, iremos considerar o espaço da sala de aula como o verdadeiro local de concretização do currículo, minimizando os efeitos de um currículo puramente formal, que são os programas das disciplinas, os manuais didáticos, os roteiros de avaliação etc. Nessa perspectiva, negociaremos outras habilidades e conhecimentos a serem pautadas pelo currículo oficial. Nas palavras de Oliveira (2015), esse redesenhar do currículo representa concebê-lo como uma ferramenta inclusiva e emancipatória, enxergando-o “como um recurso flexível que possibilita atravessar fronteiras, propiciar movimentos de fora para dentro da escola e vice-versa, estabelecendo elos entre o global e o local, sem priorizar aquele em detrimento deste [...] aberto à multiplicidade de práticas e percepções” (OLIVEIRA, 2015, p. 25). 3.1.5 Os tempos, recursos e espaços dos usos da escrita do dia a dia são dinâmicos Os desdobramentos apontados pelos achados de pesquisa sinalizam a ideia de que nos espaços sociais externos à escola, os aspectos referentes ao tempo, espaço e materiais atrelados aos usos da escrita são múltiplos. Revelam as muitas possibilidades de tempo, de espaço e dos recursos que permeiam as ações dos sujeitos perante suas trajetórias cotidianas atravessadas pela escrita. Para começar, refletiremos sobre um dos questionamentos destinados aos alunos. As informações mensuradas na pergunta Quanto tempo você leva para desenvolver essa prática de escrita? mostram que os aspectos referentes à dinâmica temporal dos eventos de letramento que os estudantes participam nos ambientes de interação fora da escola. Para desenvolver o gráfico a seguir, levamos em consideração apenas a participação dos colaboradores Maria e Manoel, em eventos de letramento que possibilitam a produção 172 textual em uma determinada semana. Desse modo, percebemos que as categorias de eventos são diferentes e a distribuição temporal que eles demandam para cada um dos usos da escrita também varia. Essa oscilação decorre porque cada um dos diferentes usos da escrita está conectado a aspectos de variadas naturezas: motivações, recursos, disponibilidade, estratégias, interlocutores etc. São fatores fundamentais e influenciam na configuração de cada um dos eventos de letramento, inclusive no tange ao aspecto temporal. Gráfico 6 - Usos da escrita em eventos de letramento Fonte: Acervo da pesquisa Os aprendizes demandam grande parte do tempo que têm utilizando a escrita em práticas sociais. Uma das características desses usos fora da escola é a grande atratividade que eles exercem em relação aos sujeitos, já que muitos dos colaboradores afirmaram que ficam curiosos para saber algo, obter uma resposta, instigar outros sujeitos a falar etc. São razões que os fazem passar muito ou pouco tempo nessas práticas. As práticas são atrativas para os alunos porque nesses momentos de interação eles encontram os assuntos e sujeitos com os quais têm afinidades. Os alunos que afirmaram demandar mais de uma hora média diária batendo papo de maneira síncrona, por exemplo, fazem isso porque se sentem atraídos outros motivos que os levam também a escrever. Nesse sentido, temos a afirmação do entrevistado Augusto, que afirmou fazer uso da escrita para interagir com outros sujeitos por meio de bate papo síncrono. Nesse caso específico, o nosso colaborador afirma utilizar três diferentes interfaces 173 digitais (SILVA, 2005) para interagir (Facebook, WhatsApp e Snapchat) a depender de quem são as pessoas com as quais interage. Todos os dias, ele faz uso da escrita nesses moldes, chegando a passar mais de oito horas em dias livres e finais de semana, e o uso da escrita está atrelado à prática social, porque ele utiliza o bate papo para interagir com sujeitos que, segundo ele, são amigos. Aliás, todos os entrevistados afirmaram se envolver em eventos de letramento que englobam a participação em conversa em tempo real. Alguns com uso menos intenso, outros com um uso mais frequente, como é caso dos colaboradores Roberto e Eliane, que quase chegam a duas horas de uso em dias de semana e, em dias livres ou finais de semana, utilizam essa escrita por mais de três horas. Alguns dos motivos de os alunos qualificarem como participação nesses eventos de letramento atrativa a é o fato de muitas pessoas que conhecem utilizarem as mesmas interfaces digitais que eles. Figura 20 - Interfaces digitais utilizadas pelos colaboradores Fonte: Acervo da pesquisa. Cabe ressaltar, porém, que o fato de os alunos estarem passando longos períodos participando de eventos de letramento que englobam o uso da escrita não significa que esses usos sejam organizados e sistematizados. Essa enxurrada de informações trocadas ocorre em momentos segmentados, conforme determinados motivos como interagir com namorado(a), amigo(a) ou familiar, conhecer pessoas etc. Nesses casos, o acesso ocorre de maneira 174 exagerada e, assim, muitas vezes, eles deixam de vivenciar outras práticas sociais que fariam com que vivenciassem diversas práticas de letramento. De qualquer forma, não podemos deixar de perceber que os aprendizes desenvolvem a escrita em curtas periodicidades no dia a dia, repetindo-a muitas vezes, revelando que são instigados a desenvolvê-la. Essa informação mostra que as práticas sociais nas quais os alunos estão imersos requerem a utilização da escrita e são importantes porque revelam como são as práticas de letramento cotidianas. É um fenômeno de letramento que extrapola o mundo da escrita, tal qual é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos em práticas letradas (KLEIMAN, 1995, p. 20). Os tempos em que acontecem esses momentos de uso da escrita revelam uma maneira bastante peculiar de escrever. Os alunos, no dia a dia fora da escola, aproveitam momentos em que estão desocupados para ler e também escrever, como é o caso da colaboradora Rita (ver imagem a seguir), que afirmou participar do evento de letramento envio de mensagens enquanto espera a hora de ir à escola, no intervalo das aulas ou caminhando para chegar a algum lugar. Fonte: Acervo da pesquisa. Essas dinâmicas das práticas de letramento dos alunos mostram que os processos de produção de texto podem ser muito diferentes daquilo que costumeiramente fazem na escola, quando são instigados a dar conta de uma atividade em uma determinada fração de tempo. Barton e Hamilton (2000) já destacavam que as práticas sociais e eventos de letramento nos Figura 21 – Aluno praticando a escrita cotidianamente 175 quais os sujeitos estão inseridos no meio social contrastam com o aporte tradicional, que entende o letramento como uma habilidade para fins específicos. As práticas de letramento atuais propiciam posturas cada vez mais diversificadas por parte dos sujeitos. Eles aproveitam para interagir no pouco tempo entre uma tarefa e outra. Às vezes, alguns segundos ou minutos são necessários para que consigam escrever algo, para interagir. Fora da escola, os alunos não perdem a oportunidade de escrever ou ler em momentos diversos e não é preciso estar de posse de papel de caneta. Assim, eles interagem, fazem registros ou anotações, enviam ou gravam áudios, comunicam-se por meio de viva voz. São ações sociais que prescindem do uso escrita e a pronta deliberação da situação de interação acontece ao passo das necessidades dos sujeitos. A diversidade de práticas de letramento dos estudantes realizadas em seu cotidiano fora da escola revela, em certa medida, como são as práticas sociais nas quais estão imersos. São práticas sociais que requerem o domínio de ferramentas de ordem tecnológica que podem ser acionadas instantaneamente e derivar formas de linguagem diversas, sendo úteis para a interação e inserção nas mais variadas situações sociais. Elas são fruto da diminuição das distâncias temporais ou contração de tempo, que ocorrem em virtude da velocidade das informações, dos produtos culturais e das mídias (ROJO, 2009). Os usos da escrita podem ocorrer em função de chamamentos, recebimentos de notificação, curiosidade etc. Para exemplificar essa característica, apresentamos a imagem a seguir, em que é possível perceber o sujeito utilizando a escrita para fazer perguntas e saber a opinião do outro por mais de uma vez em horário distintos e próximos, numa mesma data, o que reforça a tese de que essas práticas sociais cotidianas fora da escola são instigantes porque requerem um retorno, um feedback. 176 Fonte: Acervo da pesquisa. Se os estudantes demandam uma grande parte do seu tempo para praticarem a escrita cotidiana, como podemos afirmar que essa prática é exaustiva, ocorra sem prazer e/ou necessidade? As práticas sociais cotidianas solicitam diversificados usos da escrita que, por sua vez, revelam uma série de características particulares e uma dessas características diz respeito ao fato de os alunos utilizarem a escrita para interagir em vários momentos em um mesmo dia. Diferentemente do que ocorre na escola, os horários em que essa prática de escrita acontece são flexíveis, já que podem ocorrer a qualquer momento, em pequenos intervalos, como enquanto se caminha ou se descansa por um momento (vide figura a seguir). É uma dinâmica de prática de escrita que difere em muito das realizadas na escola. Figura 22 – Uso cotidiano da escrita 177 Fonte: Acervo da pesquisa. Essa dinâmica das práticas sociais oportuniza aos indivíduos vivenciarem diferentes possibilidades temporais de uso da escrita. Assim, eles se sentem à vontade quanto à escolha dos melhores momentos para apreciar informações ou as solicitações que recebem, porém, geralmente, eles sempre encontram tempo para atendê-las. É um conceito de tempo muito diferente daquele que acontece na escola, em que a regra é ensinar fragmentos de conhecimento distribuídos em pequenas parcelas de tempo, correspondente às aulas. Na vida fora da escola, os estudantes praticam a escrita ancorada em práticas de letramento carregadas de características da modernidade, que representam uma das muitas facetas dos letramentos (BARTON, 2000) concebidos e institucionalizados nas rotinas do cotidiano, revelando os variados modos de ler e escrever e os significados sociais dessas práticas. Outras duas perguntas dirigidas aos alunos: Em que local você desenvolveu essa prática de escrita? e Quais recursos utilizou para desenvolver essa prática de escrita? possibilitaram entender mais uma das facetas dos eventos de letramento de que participam: os locais em que os usos da escrita se dá e o apoio material necessário para concretizá-las. As informações referentes às respostas desses questionamentos encontram-se apresentadas no quadro a seguir: Figura 23 - Praticando a escrita fora da escola 178 Quadro 9 - Locais e recursos das práticas de escrita dos alunos45 Locais em que ocorrem os usos da escrita Recursos materiais necessários à escrita fora da escola Própria residência Internet Casa de amigos Celular próprio Rua Computador da residência (Computador de mesa) Escola (pátio, corredores e refeitório) Computador da residência (Computador portátil) Instituições (empresas, igreja) Celular da mãe Lan house Papel e caneta ou lápis Lápis coloridos Fotografia Cola Fonte: Acervo da pesquisa. A grande maioria dos entrevistados afirmou que utiliza a escrita em casa. Perguntados sobre o porquê de preferirem praticar a escrita em casa e não em outros locais, eles explicam que a internet é um recurso indispensável para a produção escrita e, por isso, fazem uso dessa prática em casa, já que eles possuem a disponibilidade desse recurso nesse local. A afirmação do colaborador Manoel ratifica a ideia de que a internet tem se tornado um recurso muito relevante quando das práticas interativas dos dias atuais. Esse colaborador afirmou que, para participar de eventos de letramento, como postar em rede social, conversar via bate papo e fazer pesquisas, vai até lan houses ou utiliza o recurso da internet dos celulares de familiares (mãe), amigos e de residências de pessoas que conhece. De toda forma, é relevante refletir sobre a possibilidade de os ambientes que possuem a disponibilidade do recurso da internet se tornarem atrativos para os sujeitos que fazem uso desse recurso no dia a dia. Essa discussão é relevante, pois é por meio da utilização de alguns recursos que muitos indivíduos têm acesso à participação em eventos de letramento e, por conseguinte, fazem uso da escrita. Os eventos de letramento dos quais os alunos participam no dia a dia estão atravessados pelo uso de recursos materiais indispensáveis ao exercício das práticas sociais cotidianas. São recursos que proporcionam a produção textual e vão além do uso exclusivo 45 Os resultados foram posicionados de modo que fossem contempladas todas as respostas dos entrevistados, da mais até a menos citada. Os itens descritos são representativos de cada resposta dada e não uma transcrição literal das citações dos entrevistados. 179 dos clássicos papel e caneta/lápis, muito enfatizados no trabalho em sala de aula. No meio social externo à escola, vemos que a utilização de materiais como celulares (smartphones), internet e computadores portáteis e de mesa ganham cada vez mais relevância. Os achados da pesquisa mostram que os estudantes estão cada vez mais habituados ao letramento digital, desenvolvendo outras habilidades para escrever, utilizando os dedos em uma tela touch screen ou em teclados. Fica difícil dimensionar quais são os impactos de tantas mudanças, mas é interessante atentar para as “facilidades” que esses novos usos da escrita podem proporcionar: as autocorreções, as abreviações, os compartilhamentos, o uso do não verbal etc. As práticas sociais nas quais os sujeitos estão imersos demandam o uso dessas ferramentas. Os usos da escrita fora da escola ocorrem mediante a utilização de recursos materiais que não parecem ser inacessíveis nessa realidade conjuntural da pesquisa. Muitas vezes, essas práticas, que são extremamente eficientes do ponto de vista comunicativo, são realizadas por meio de suportes materiais, como um celular ou um computador com acesso à internet. Os estudantes entrevistados desenvolvem a escrita e, necessariamente, não possuem recursos materiais sofisticados, utilizando seus celulares para escrever. Na falta deles, usam os celulares das mães, o computador da residência, das lan houses e fazem muita coisa com esses recursos. Reflexões sobre esses achados de pesquisa Os achados da pesquisa mostram que, ao falar sobre a regularidade com que praticam a escrita em ambientes externos à escola, os colaboradores sugerem que os eventos de letramento dos quais participam demandam longos períodos, mas também podem ocorrer em curtas periodicidades, sempre ao passo das necessidades e oportunidades. Assim, eles mostram vontade e necessidade de escrever, fazendo isso durante horas a fio ou em vários momentos em um mesmo dia, em horários flexíveis, a qualquer instante, em pequenos intervalos. As práticas de letramento com as quais os alunos estão acostumados são, assim, dinâmicas. Diferentemente do que ocorre na escola, nesses momentos de interação, não há muita necessidade de seguir modelos prontos, rituais clássicos. O tempo gasto pelos estudantes participando de eventos de letramento fora da escola é muito relevante, porque revela trajetórias contemporâneas de usos da escrita. 180 Nesse sentido, recomendar que desenvolvam atividades na escola que prescindam dessa dinâmica pode ser produtivo, porque eles estariam acostumados a agir dessa forma no mundo. A literatura que trata dos PL trata dessa questão e, nesse sentido, a orientação é a contemplação de estratégias que levem em consideração possibilidades de ensino- aprendizagem que proporcionem atividades que não se encerrem nas possibilidades do tempo da sala de aula. Na escola, temos as disciplinas escolares e o currículo distribuídos de forma compartimentada. “A escola está tão preocupada com sua própria estrutura feita de conteúdos, de grades curriculares, de seriações, que se esquece de ver e de sentir outras dimensões das coisas, das narrativas que utiliza, enfim, da própria vida que pulsa dentro e fora dela” (COUTINHO, 2005, p. 20). Já na vida social cotidiana, a complexidade dos fenômenos não pressupõe a fragmentação, mas a complementação de ações que nos ajudam a entender esses mesmos fenômenos (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Nessa perspectiva, o desenvolvimento de PL pode ser uma alternativa de ressignificação do fazer docente e discente, já que “também podem nos aproximar mais do tempo, do espaço e das práticas sociais da vida real e isso pode trazer como consequência um novo olhar da comunidade escolar e do entorno acerca da importância da escola e do que nela se faz” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 21). Aliados a essa ótica, os PCNEM (BRASIL, 2000a) ressaltam que a escola pode optar por organizar projetos, pois eles buscam o comprometimento e o envolvimento dos alunos com as atividades e com a própria aprendizagem; a interrelação necessária entre as práticas de uso da linguagem e de reflexão sobre a linguagem; o caráter interdisciplinar e transdisciplinar; e, muito importante, a flexibilização do tempo. Precisamos atentar para a série de características de cada um dos usos da escrita implicadas no meio social e compreender que os aspectos dessa escrita são primordiais em tempos de ampla interação, visto que podem aproximar as práticas de escrita da escola daquelas inerentes à convivência social. As limitações de tempo das aulas e das disciplinas podem ser relativizadas com o desenvolvimento de projetos. Nas escolas, tornou-se regra ensinar fragmentos de conhecimento distribuídos em pequenas parcelas de tempo, as aulas, mas em atividades proporcionadas por PL essa lógica pode dar lugar a possibilidade de os estudantes alcançarem metas em razão das suas necessidades e interesses. Em PL, as características das práticas de escrita cotidianas podem ser assumidas, pois esse dispositivo didático oportuniza aos alunos vivências diferentes e possibilidades temporais 181 de desenvolver a escrita em instantes singulares e diversos dos que são ofertados em sala de aula. Para Oliveira (2008), os PL nos abrem para os imprevistos, ampliam os tempos e espaços de aprendizagem, bem como se apoiam na diversidade de agentes e de formas de participação em função de eventos específicos e necessidades locais. As situações de ensino- aprendizagem precisam ser concebidas de modo que os estudantes se sintam à vontade quanto à escolha dos melhores momentos para se executar as tarefas ao passo das suas necessidades e potencialidades, desde que elas sejam atendidas. Os achados de pesquisa apontam para o fato de as práticas de letramento dos estudantes serem diferentes daquelas típicas da escola. Dessa forma, sugerem a adoção de atividades de ensino-aprendizagem ancoradas nas novas dinâmicas de uso da escrita para propiciar a exploração de textos e a participação em eventos de letramento em que o aspecto da responsabilidade acerca das trocas de conhecimentos e experiências recaia sobre estudantes. Desse modo, a ampla participação pode revelar os indivíduos e ou grupos mais e menos aptos a se engajarem na articulação de conhecimentos e habilidades necessárias à implementação de atividades a serem desenvolvidas e, assim, dinamizarem as melhores formas e tempos necessários. Nessa situação, inserir “o aluno significa envolvê-lo no processo educativo, dividindo com ele responsabilidades, tarefas e formas de sentir (entusiasmo, desejo, cansaço, tristeza, alegrias, sucesso, incertezas) (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p.35). A formação de grupos de estudantes para ficarem responsáveis pelo desenvolvimento de determinada atividade pode desencadear em atitudes agentivas por parte deles, de modo que se assegure a ampla participação e eles próprios possam optar por desenvolverem as atividades nos tempos que acharem pertinentes a depender das atribuições a que foram encarregados, configurando uma comunidade de aprendizagem. Quando estão imersos num processo de natureza colaborativa, os educandos se transformam em agentes sociais efetivos, pois adquirem autonomia para sugerir ou escolher os gêneros que leem e produzem e selecionar o que dizer, formas de dizer, quando dizer ou a quem dizer sua palavra (SANTOS, 2012). Essa forma flexível de encarar as atividades, típica de projetos, pode fazer com que os participantes atuem enquanto agentes de letramento, de maneira que as diferentes funções dentro de uma atividade possam ser estipuladas e alternadas regularmente e de acordo com as aptidões e necessidades de cada um. Se um grupo de professores, por exemplo, decidir trabalhar nessa perspectiva em uma determinada semana, a ampliação do repertório referente à organização do tempo muda e os horários e dias específicos para o desenvolvimento das 182 atividades não precisam ficar rigidamente condicionados ao espaço temporal dos 50 minutos de uma aula. Além de tempo necessário, as vivências das práticas sociais cotidianas são diferentes das que a escola oferta, os achados de pesquisa sugerem que os recursos materiais e suportes textuais que intermedeiam o desenvolvimento dessas mesmas práticas e, por conseguinte, dos usos da escrita, também representam uma nova realidade social. Tais recursos e suportes descendem muitas vezes das novas tecnologias da informação e comunicação, que vêm revolucionando os processos de escrita. Nesse sentido, precisamos estar a par da importância desse aspecto, pois no seu convívio social, os usos da escrita estão associados às novas tecnologias. Hoje, as diferentes categorias de suportes textuais que apoiam as práticas de escrita fora da escola estão ligadas, em sua maioria, aos recursos de natureza digital: celulares smartphones, computadores de mesa ou portáteis etc. Por isso, a escola precisa atentar para esse fato. Urge, portanto, a necessidade de a escola disponibilizar o manuseio desses materiais que parecem essenciais para o desenvolvimento da escrita, mas também é relevante pensar na nossa condição no que diz respeito à preparação necessária, à mediação de atividades que prescindam desses materiais. Ademais, nada impede que busquemos, dentre as possibilidades contextuais da comunidade, formas alternativas de conseguir levar os estudantes até locais em que essa utilização seja possível. A escola precisa se inteirar acerca dos recursos materiais atuais que apoiam a escrita, e isso não significa abolir os tradicionais usos, quais sejam a utilização do papel e lápis/caneta e o manuseio de suportes textuais impressos, pois, ao fazer isso, estaríamos ratificando a ideia equivocada de que essas práticas não mais existem ou, então, de que elas não têm ou não tiveram significação para os processos evolutivos da escrita. Nesse sentido, precisamos nos dar conta que, de certa forma, estamos submetidos às possibilidades de recursos materiais da realidade escolar da qual fazemos parte. Essa relativa dependência pode, portanto, restringir determinados usos da escrita, já que essa utilização requer a disponibilidade de recursos de ordem material, como internet, computadores etc. A escola, por exemplo, pouco atende às novas necessidades de recursos materiais necessários aos usos atuais da escrita. Existe o serviço que disponibiliza internet via wi-fi, por exemplo, todavia o funcionamento do serviço oscila. Os alunos, inclusive, reclamam dessa questão. Os achados de pesquisa mostram que os estudantes dominam e utilizam os recursos materiais oriundos das novas tecnologias com propriedade, ou seja, são muito mais que meros 183 suportes, apoios, eles fazem parte da vida dos sujeitos. Com isso, é preciso refletir sobre como os sujeitos podem vivenciar situações de interação que prescindem os usos da escrita nos dias atuais. A escola pode se tornar obsoleta ao não se conectar às reais vivências sociais que ocorrem fora dela. Ainda que a escola não seja um referencial em termos de disponibilidade de uso de recursos materiais, é necessário que ela, ao menos, reconfigure suas possibilidades materiais para aproximar as atividades das vivências sociais que ocorrem fora da escola. É importante que o cenário escolar atenda minimamente às necessidades de recursos materiais atuais para propiciar práticas que estejam de acordo com aquelas vivenciadas no mundo. Essas considerações mostram que é importante atrelar as atividades de ensino da escrita também aos usos de novos suportes, muitas vezes digitais e, caso a escola não possua os meios materiais necessários às atividades dessa natureza, que sejamos firmes em solicitar ou cobrar dos gestores ações nesse sentido. “O processo de apropriação de uma tecnologia ou de algum outro recurso midiático — o acesso — depende das estratégias forjadas pelos próprios sujeitos para fazer uso do material” (KLEIMAN, 2014, p.76). Além disso, a pauta de reivindicações pode passar também pela necessidade de estar apto à exploração das “novidades”, tendo em vista ser essa uma forte demanda. É imperativo que os responsáveis por mediar as atividades aprendam a gerenciar os recursos materiais, integrando-os às práticas já existentes, fomentando a construção contínua do conhecimento. O simples acesso aos materiais novos em si não garante uma exploração consciente desses recursos. “A disponibilidade diz respeito apenas às condições materiais existentes; sem uma construção individual, o recurso disponível é inutilizável. Há muitas instituições que têm muitos recursos disponíveis, aos quais, no entanto poucos têm acesso” (KLEIMAN, 2014, p.76). Diante disso, defendemos que a superação desse quadro com uma postura tal e qual postula Kleiman (2006) quando afirma que o processo de mudança é iniciado a partir da reformulação de cursos de formação (inicial ou continuada), visando a habilitação reflexiva dos professores e uma atitude autônoma quanto à atuação em novos contextos. As premissas contidas nos PCN (BRASIL, 2000b), no que diz respeito à área de língua portuguesa no ensino médio, reforçam esse nosso argumento de a escola precisar atentar para o aspecto dos recursos materiais quando afirmam que é necessário o aluno “entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar” (BRASIL, 2000b, p. 95). Acrescentam, ainda, que é fundamental o entendimento do impacto das tecnologias da comunicação e da informação nos processos de produção pelos estudantes, 184 no desenvolvimento do conhecimento e na vida social para aplicá-las no trabalho e em outros contextos relevantes da vida social (BRASIL, 2000b). Precisamos, portanto, repensar os materiais da escola de acordo com as atividades que precisam ser desenvolvidas e não o contrário. Esses materiais podem ser imprescindíveis, pois fazem parte do âmago das vivências em práticas sociais atuais. Os achados de pesquisa sugerem que a reorganização dos recursos materiais escolares é algo significativo, uma vez que é crucial atender às novas e reais necessidades sociais. O uso exclusivo do livro didático e de outras atividades baseadas nos suportes textuais impressos pode converter o ensino em algo descontextualizado, tornar a escola um ambiente limitado de possibilidades, em que a inovação e a transformação das atividades escolares ficam restritas. Assim, precisamos atentar para as coisas que vem ocorrendo em circunstâncias fora da escola e que o aparato material que a escola dispõe pode não acompanhar as evoluções vivenciadas pelos alunos em outras instâncias do meio social. Se mudanças ocorrem no meio social, não há razão para que a escola pare no tempo. A reconfiguração dos recursos materiais pode acabar por mudar os métodos utilizados para o ensino e isso é de grande relevância, pois se eles são significativos (inovadores, atrativos, atuais), estimulam a curiosidade e o interesse dos educandos, certamente facilitarão a aprendizagem. Rojo (2010) reflete sobre esse aspecto e salienta que a escola ainda se encontra distante das práticas de leitura e escrita significativas para o alunado, proporcionando desinteresse e desmotivação. O aparato teórico metodológico referente aos PL se volta para o aspecto dos recursos materiais escolares, já que um dos objetivos desses dispositivos didáticos (não o principal) é proporcionar aos estudantes “a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos” (KLEIMAN 2000, p. 238). Nesse sentido, o uso de recursos materiais contemporâneos pode ser requerido, pois as práticas sociais do momento proporcionam o emprego diversificado da escrita que, por sua vez, demandam que os tais recursos sejam acionados. Assim, o ensino se centra no “funcionamento da língua escrita, levando em conta a situação sócio-histórica e cultural do aluno, sua época, suas necessidades, as exigências da sociedade, os papéis que se espera desempenhar, os novos instrumentos e tecnologias” (KLEIMAN, 2010, p. 382). Nos PL, é importante que os recursos materiais fomentem o uso da escrita atual. Nessa perspectiva, esses dispositivos didáticos podem representar uma proposta para o ensino de multiletramentos e de inclusão bem-sucedida dos alunos na cultura da escrita da contemporaneidade, já que assumem “uma concepção de ensino da leitura e da escrita 185 diferenciada e inovadora, capaz de diminuir o fosso entre aquilo que os estudantes fazem na escola e na vida cotidiana” (SANTOS, 2012, p. 42). Ações desenvolvidas sob a ótica dos usos de recursos materiais contemporâneos podem ser representativas, pois se tornam imprescindíveis à sobrevivência do cidadão na sociedade da tecnologia e da informação, da transformação e da transitoriedade. A implementação de PL lança mão desse princípio e pode representar para aos alunos possibilidades de acompanhamento das novas demandas da sociedade contemporânea, em que ele próprio deve desenvolver estratégias de acesso à informação e traçar os caminhos que fazem sentido para ele (KLEIMAN, 2014). Precisamos perceber que é necessário reinventar, reutilizar, reciclar. Por vezes, não notamos que é possível desenvolver muitas atividades a partir das possibilidades existentes na comunidade da qual a escola faz parte. Nesse sentido, precisamos nos preocupar em organizar atividades levando em consideração o arsenal de possibilidades que temos em mãos, pensando em como ele pode contribuir para a efetivação de nossos objetivos. Os achados de pesquisa mostram que os alunos interagem na rua, na casa dos vizinhos, na lan house, na igreja etc. Com isso, eles fazem uso da escrita em diferentes espaços sociais, não apenas na escola. Tendo em vista esse princípio, é de suma importância fazer com que a gerência de atividades realizadas fora dos muros da escola se torne um hábito. Sendo assim, Kleiman, Ceniceiros e Tinoco (2013) afirmam que é importante considerar os arredores de uma comunidade escolar, sejam físicos ou sociais, no sentido de extrair de cada um deles elementos que contribuam para a construção de experiências educativas. Visitas orientadas, usos de acervos e ambientes públicos, idas até instituições privadas, aulas de campo, estudos do meio, visitas externas, excursões e passeios, tudo isso pode fazer parte da rotina escolar. É necessário flexibilizar a permanência em sala de aula, explorando outros espaços, principalmente no ensino médio, em que as atividades desenvolvidas precisam ampliar as possibilidades de aprendizagem, integrando reflexão e ação. O currículo obrigatório integrado aos diversos ambientes próximos da realidade dos estudantes podem ser explorados, podendo proporcionar experiências práticas. Se os alunos estabelecem conexões entre o que aprendem e as situações reais, experimentais, ligadas ao que se estuda, a aprendizagem, além de mais significativa, pode propiciar vivências que de fato representem ações sociais práticas, desenvolvidas sob a égide de necessidades sociais, em que as metas e os resultados visam ao atendimento de interesses ligados à escola e ao contexto. 186 A utilização de ambientes fora da escola para o desenvolvimento de atividades de ensino-aprendizagem pode servir de mote para a ressignificação dos espaços escolares, porque preveem o atravessamento da infraestrutura regular imposta pela escola. Não há razão para que todos os ambientes de ensino-aprendizagem proporcionados aos alunos se resumam ao espaço da escola. O desenvolvimento de habilidades e competências necessárias às vivências contemporâneas solicitam a utilização de espaços diversos e amplos, versáteis, alinhados com recursos materiais que estimulem a colaboração e a interação. A escola pode se integrar ao bairro, da comunidade e da cidade da qual faz parte. As diferentes áreas do conhecimento e as pautas a serem debatidas podem guiar na criação de itinerários pedagógicos que mesclem circuitos culturais e ambientes sociais e atividades implementadas com o intuito de discutir, pensar e repensar os conhecimentos. Os PCNEM (BRASIL, 2000b), nessa perspectiva, ressaltam que as diferentes propostas pedagógicas devem refletir acerca do melhor equacionamento possível entre os variados recursos, sejam eles referentes a finanças, materiais, tempos e espaços. O documento afirma, por exemplo, que a organização de um projeto deve incluir, em seu planejamento, saídas da escola para trabalho prático, para contato com instituições e organizações, sem necessariamente exigir que procedimentos como este se enquadrem como carga horária ou atividade extra. A premissa é que a escola seja o lugar da inovação e do acesso aos mais variados ambientes, no intuito de proporcionar o desenvolvimento de atividades diversas: idas a bibliotecas, empresas, universidades etc. Enfim, que possamos utilizar outros espaços para construção, movimentação e transformação dos saberes, com vistas a satisfazerem as práticas de escrita baseadas nas demandas sociais. Oliveira, Tinoco e Santos (2014) ressaltam que ir além dos muros da escola é uma estratégia importante e que os PL podem nos aproximar mais do espaço e das práticas sociais da vida real. Com efeito, isso pode trazer como consequência um novo olhar da comunidade escolar e do entorno acerca da importância da escola e do que nela se faz. Dessa forma, os PL também acreditam na aprendizagem que se baseia a integração entre vivências escolares e extraescolares, baseada “na relação vida/escola, defendendo os princípios de autonomia, liberdade, igualdade e democracia buscando, sobretudo, processos de mudança e emancipação social” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p.12). 187 3.2 O PROJETO DE LETRAMENTO “CELULAR NA SALA DE AULA, SIM OU NÃO?” O delineamento do PL se sustenta nos achados de pesquisa oriundos do mapeamento dos eventos de letramento de que participam os estudantes, nos preceitos teórico- metodológicos dos PL, nas orientações oficiais acerca do ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio e nas decisões que tomamos em conjunto com a professora das duas turmas de 3º ano envolvidas. No que confere à concepção das ações do projeto, dedicamos especial lugar às características das turmas envolvidas e ao contexto espaço-temporal da escola. Foi pensando nesses aspectos que definimos o nome projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?”, assim como o objetivo buscado: conscientizar a comunidade escolar, compreendida pela Escola Martins Júnior e outras comunidades escolares vizinhas, acerca dos usos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, no contexto da escola. A opção por debater aspectos relacionados ao uso das novas tecnologias no âmbito da escola surgiu em razão dos achados de pesquisa. Os resultados apontam para a tendência de os alunos se envolverem em eventos de letramento apoiados por dispositivos oriundos das novas tecnologias. O aparelho celular, em particular, é um dispositivo muito comum e, na escola, dificilmente encontramos estudantes que não possuem esse tipo de dispositivo. Os aparelhos, que variam em termos de marcas e modelos, apresentam recursos consideráveis. Muitas vezes, nos deparamos com situações que são delicadas do ponto de vista disciplinar: atendimento do celular em sala, utilização de fones de ouvido, toques de recebimento de chamadas e/ou mensagens, cliques de fotografia etc. Ademais, existem muitas situações em que uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias é frutífero do ponto de vista pedagógico, mas não é efetivado em razão do nosso posicionamento, muitas vezes, contrário à sua utilização. Como o uso do celular (e de outros dispositivos) é uma constante pelos estudantes, podendo ou não ser contemplado nas práticas didático-pedagógicas desenvolvidas, optamos por explorá-lo, por meio de diferentes atividades, os seus diversos usos, tanto no que diz respeito ao que é considerado viável quanto ao não viável, do ponto de vista do trabalho escolar. Acreditamos que, no contexto atual da escola, esse assunto seja controverso e, por isso, significativo e motivador para alunos, professores e comunidade escolar em geral. Essa foi, portanto, a situação problema que buscamos discutir por meio da implementação do PL “Celular na sala de aula, sim ou não?” Essa problemática é significativa 188 para toda a comunidade escolar. Mostra-se relevante para os estudantes, que dão muita importância e buscam utilizar dispositivos oriundos das novas tecnologias a todo o momento, como também para os professores e demais membros da comunidade escolar, que cada vez mais se preocupam com o uso indiscriminado desses aparelhos. Faz-se, assim, cada vez mais necessária a reflexão sobre as possibilidades de utilização de celulares e outros dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito das escolas. Optamos por nomear o projeto dessa forma porque o mapeamento dos eventos de letramento de que participam os colaboradores da pesquisa evidenciam a importância dada pelos estudantes aos aparelhos celulares nos espaços sociais. Além disso, o destaque que demos ao celular no título do projeto, em vez de um nome genérico, chamou muito a atenção dos estudantes, motivando-os a participarem efetivamente das oficinas. Na figura a seguir, apresentamos a logomarca do projeto que, assim como o seu título, buscou instigar os participantes do projeto, fazendo-os refletir sobre o tema: Figura 24 - Logomarca do projeto Acervo da pesquisa As oficinas vivenciadas buscaram a transformação de uma situação controversa vivida pela comunidade, a qual foi munida pelos gêneros textuais voltados para as necessidades das “práticas sociais nas quais a escrita tem um papel relevante no processo de interpretação e compreensão dos textos orais ou escritos circulantes na vida social. O elemento-chave é a escrita para a vida social” (KLEIMAN, 2010b, p. 377). O trabalho com projeto orientado para a resolução de problemas conduz o aluno a ganhar força e assumir um plano significativo no processo educativo, já que busca respostas para um questionamento real vivenciado ou identificado por ele e/ou pelo professor. Assim, “o aprendizado do ser humano se faz a partir de experiências de seu cotidiano – aprende-se, 189 resolvendo problemas, o que implica atividade, criatividade e enfrentamento de situações novas” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 43). Ainda no que diz respeito às influências dos achados de pesquisa para o delineamento do projeto, mereceram destaque as seguintes características: a resolução de problemas; o trabalho coletivo e compartilhado; a autonomia; os sentidos dos textos; o espírito agentivo; o debate acerca de questões polêmicas; os usos contemporâneos da escrita; o respeito à natureza social dos gêneros; os letramentos vernaculares; as habilidades e posturas das novas práticas de letramento; e o uso de materiais e tempos das práticas cotidianas. As atividades, de modo geral, sustentam-se em aspectos relacionados aos próprios estudantes, evidenciando o protagonismo deles frente ao projeto. Assim sendo, o PL encontra respaldo na forma como é concebido por Kleiman (2000, p. 238), quando ressalta que esses projetos representam “um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão lidos, em um trabalho coletivo de estudantes e professor, cada um segundo sua capacidade”. Em função disso, buscamos embebê-lo com o que é crucial em PL: pluralidade dos letramentos; protagonismo do aluno; aprendizagem significativa; trabalho compartilhado; ênfase no aspecto interacional da linguagem; agência; empoderamento; e inclusão, ampliação e participação no meio social. A proposta se fundamenta nas orientações oficiais para o Ensino Médio, já que buscamos empreender um conjunto de atividades políticas e sociais, que são condições essenciais para o exercício da cidadania. A sequência de oficinas de letramento planificadas para o projeto visou a superação da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, fomentando o desenvolvimento “da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema [...] do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento” (BRASIL, 2000a, p. 12). Nessa perspectiva, o projeto representou uma forma de aprender diferenciada, que levou em conta formas de aprendizagem do dia a dia, em que o foco são as práticas sociais cotidianas. Ele se desenvolveu por meio de uma rede de ações coletivas e colaborativas, em que a construção de ações de aprendizagem se ancora nas trocas de conhecimentos e experiências. Assim, professor e alunos e outros agentes puderam trabalhar de maneira coordenada, uns apoiando os outros, como que em uma comunidade de aprendizagem (CROSS, 1998). 190 O projeto contou com a participação de duas turmas de estudantes do Ensino Médio - duas equipes compostas por aprendizes do 3º ano dessa etapa de ensino. Tendo em vista esse grupo, o projeto foi dividido em duas frentes de trabalho. O alcance dos objetivos dependeu de um trabalho que primou pela divisão de responsabilidades, mediante um trabalho coletivo com características diferenciadas para cada uma das turmas. Uma primeira turma ficou encarregada de promover a conscientização sobre o uso dos dispositivos de ordem tecnológica no âmbito da escola em duas comunidades escolares externas - vizinhas da escola -, enquanto na segunda turma, a proposta foi desenvolver a conscientização na nossa própria comunidade escolar. Nessa perspectiva, a primeira equipe (3a) ficou responsável por realizar uma campanha de conscientização em duas comunidades escolares que se encontram no mesmo bairro da Escola Martins Júnior - a Escola Maciel Pinheiro e a Escola Paroquial Cristo Rei. Já a segunda turma (3b) foi incumbida de desenvolver uma campanha de conscientização na própria escola. Apesar de algumas das ações terem sido desenvolvidas nas duas turmas, é importante ressaltar que buscamos respeitar as particularidades e ritmos de cada uma das equipes, levando em consideração as heterogeneidades, que são naturais em se tratando de grupos de pessoas. De modo geral, planejamos diferentes configurações de trabalho para cada uma das turmas. A opção por delegar diferentes tarefas às turmas envolvidas surgiu da necessidade de implementar ações que, de alguma forma, fossem pertinentes às características das equipes, num processo de produção do conhecimento que “se (re)desenha a partir de questões que emergem das práticas de letramento escolar organizadas em eventos que objetivam atender a necessidades de linguagem específicas de uma comunidade de aprendizes envolta em propósitos também particulares” (OLIVEIRA, 2010a, p. 336). A turma 3a (na figura a seguir, à esquerda) é composta por um grupo heterogêneo, cheio de energia, mas ao mesmo tempo centrado. São estudantes inclinados à reflexão e competentes em atividades que requerem debates, diálogos pautados na argumentação. Foi essa uma das principais razões para termos selecionado essa equipe para efetivar a conscientização nas comunidades escolares vizinhas. As características desses estudantes foram fundamentais porque, em determinados momentos, foi necessário sair da escola para implementar ações que demandam o convencimento de outros sujeitos por meio do contato direto. Os alunos que compõe a turma 3b (na figura a seguir, à direita) apresentam diferentes perfis. De maneira geral, os integrantes são mais agitados e, apesar de se revelarem ávidos por 191 participarem das atividades, são inquietos e bons em relacionar-se com os colegas. Por essa razão, foi delegada a esses estudantes a tarefa de comandar as mobilizações em prol da conscientização da própria comunidade escolar, em virtude de terem um bom relacionamento com o conjunto dos alunos da escola. Figura 25 – Projeto de letramento “Celular na sala de aula, sim ou não?” – Turmas 3a e 3b. Fonte: Acervo da pesquisa. Assim sendo, delegamos missões com características distintas, todas voltadas para a meta do grupo, numa tentativa de ressignificação do fazer docente e discente, pressupondo um trabalho coletivo, compartilhado, que contou com a participação ativa dos alunos, os quais precisaram alcançar o objetivo do projeto, definido previamente (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 43). O objetivo traçado representa o norte de todas as oficinas realizadas no projeto, orientando, assim, as estratégias de ensino e as atividades. No transcorrer das oficinas implementadas, os usos da oralidade, da leitura e da escrita voltaram-se para a prática social, como postulado por Kleiman (2000, p. 238), quando afirma que “o projeto de letramento é uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita”. Nesse sentido, o que importa é falar, ler e escrever para transformar o mundo social, incluindo-se o universo escolar. Os alunos foram estimulados a falar, ler e produzir textos orais ou escritos com o intuito de mostrar suas ideias, sejam elas no sentido informar, alertar, argumentar etc. Eles agiram como se estivessem fora da escola e aprenderam, principalmente, por meio da troca 192 interativa. Essa atitude assegura aos estudantes o direito de vivenciar práticas sociais de escrita, baseadas no contexto social de que fazem parte. Desse modo, aprendem à medida que as trocas comunicativas ocorrem. O projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?” contou com um conjunto coordenado de atividades. No gráfico a seguir, pormenorizamos o caminho traçado: desde a problemática que deu origem ao projeto, as turmas, as oficinas, os gêneros textuais até o objetivo social alcançado. 193 Quadro 10 - Configuração geral do projeto Fonte: Acervo da pesquisa. 194 É importante ressaltar, ainda, que as oficinas foram norteadas pelo alcance do objetivo social proposto e os gêneros surgidos das situações comunicativas são o resultado de práticas interativas funcionais. O projeto não incentivou os estudantes a falar, escrever ou ler com vistas à obtenção de notas, porém sabemos que não há objeção em refletir sobre os desdobramentos do projeto numa perspectiva avaliativa. Nesse sentido, foi produzido um relatório com especificações acerca do desempenho individual dos estudantes. Além disso, a professora das turmas acompanhou as atividades e teve acesso às produções dos estudantes, podendo fazer uso dessas produções para diagnosticar e avaliar a turma. Por fim, reconstruímos, a seguir, as oficinas de letramento da pesquisa, pormenorizando as estratégias e os gêneros baseados em atividades derivadas da oralidade, leitura e escrita. 3.2.1 Oficinas de letramento do projeto Neste subcapítulo, construímos as dez diferentes oficinas de letramento desenvolvidas no projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?” Pormenorizamos as estratégias e o percurso de um conjunto coordenado de atividades que geraram ações e, por conseguinte, gêneros textuais ancorados na oralidade, na leitura e na escrita, em um movimento orientado por um objetivo social coletivo. Esta oficina marcou nosso primeiro encontro com as turmas. Foi uma ocasião em que contextualizamos a proposta e os objetivos do projeto. Também foi crucial para a nossa socialização junto às turmas e para captação de impressões e conhecimentos prévios.  Tema Conhecendo o projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?”  Objetivos Oficina de letramento 1 195 Explicitar e pormenorizar o projeto, suas fases, suas estratégias e a sua meta social; entrosar os diferentes integrantes; envolver os estudantes no que tange à temática do projeto; captar as impressões dos alunos sobre o tema e o projeto.  Grupos Turmas 3a e 3b  Gêneros que apoiaram a oficina Anotação, artigo de opinião, discussão em grupo, lei, logomarca, reportagem.  Sobre a oralidade As discussões em grupo permearam toda a realização desta oficina. Nesse sentido, enfatizamos o tema do projeto e interpelamos os estudantes sobre as experiências que já haviam desenvolvido quanto ao uso dos aparelhos celulares no espaço escolar. O uso dos celulares no âmbito da escola foi problematizado por meio de argumentos favoráveis e desfavoráveis no que diz respeito a sua utilização. Alinhada às leituras dos gêneros enfatizados na oficina, promovemos uma discussão em grupo acerca dos pontos mais marcantes de cada uma das leituras dos gêneros disponibilizados. As discussões ocorriam simultaneamente à leitura e, na maioria das vezes, aconteciam em razão de provocações do mediador que lançava perguntas para o grupo, do tipo: Essa lei é necessária para o contexto em que estamos vivendo? O que vocês acham desse ponto da lei que trata do uso pedagógico dos celulares na escola? Nesse texto, há uma afirmação de que os alunos não conseguem administrar o tempo quando usam o celular na sala de aula, o que vocês acham disso? As diferentes opiniões dos estudantes ocorriam de maneira espontânea, quando o texto ou as discussões efetivadas os instigava. As perguntas, respostas e considerações, colocadas de forma oral, ajudaram na interpretação das informações discutidas e foram relevantes, pois representaram um momento de socialização da diversidade de pontos de vista. Também discutimos em grupo a importância de os estudantes realizarem anotações acerca da oficina que ora se desenvolvia. Conversamos no sentido de promover a conscientização sobre a importância de anotar os aspectos que lhes interessam, incentivando a prática. Nesse sentido, alertamos sobre a relevância de se registrar os pontos decisivos da oficina e, assim, exploramos o gênero anotação com base em perguntas que ensejavam o conhecimento prévio dos estudantes: No dia a dia, vocês fazem anotações? Para quê e o que 196 vocês anotam? As informações anotadas são acessadas em momentos posteriores? A seguir, mostramos as informações do gênero anotação exploradas: Quadro 11 – Descrição do gênero anotação Gênero anotação46 O gênero anotação é composto por escritos breves, podendo ser abreviações e ou registros acerca de pontos relevantes advindos da determinada experiência. Exemplos de anotações são os apontamentos realizados em aulas, as notas e as observações em forma de rascunho. Características As anotações marcam presença constante e intensa nas atividades diárias das pessoas, seja nas instituições que frequentam, na rua ou nas residências. Nesse sentido, as anotações podem partir de necessidades advindas de uma ida ao shopping ou de um telefonema, por exemplo. Elas são produzidas quando precisamos registrar o que pensamos sobre as diversas situações do cotidiano de que participamos. É um gênero que obedece a princípios lógicos e de particularidade do sujeito que o produz, já que a sua organização espacial, a sua composição e a escolha do conteúdo são o resultado de decisões pessoais. As anotações não obedecerem a regras rígidas de construção, ainda assim somos capazes de reconhecê-las. Fonte: Baseado em Costa (2012). O incentivo à prática do gênero anotação foi uma estratégia que utilizamos para os estudantes esquematizarem as informações que acham mais relevantes e poderem acessá-las e explorá-las posteriormente, nas demais oficinas do projeto.  Sobre a leitura Para ilustramos e consolidarmos o nome e a importância do projeto, apresentamos aos estudantes a logomarca que foi construída para representar o projeto. A leitura desse texto, que ocorreu por meio da apreciação dos seus elementos verbais e não verbais, representou um momento para encorajar os diferentes integrantes a participar das atividades. As discussões mais embasadas sobre a temática do projeto foram fundamentadas nas leituras e reflexões sobre a Lei Estadual nº 15.507, de 21 de maio de 2015 (PERNAMBUCO, 2015), que regulamenta a utilização de aparelhos celulares e equipamentos eletrônicos nas salas de aulas, bibliotecas e outros espaços de estudos das instituições de ensino públicas no Estado de Pernambuco (vide figura a seguir). 46 Procuramos desenvolver um trabalho detalhado no que tange ao trato com os gêneros, focando nas atividades que envolvem a produção textual. Especificamente no trabalho com a produção da escrita, recuperávamos o conhecimento prévio dos estudantes e, em conjunto com as planificações das atividades, rememorávamos e sistematizávamos as diversas facetas dos gêneros a serem explorados, assim como na descrição do quadro acima. 197 Figura 26 – Gênero Lei Fonte: Pernambuco (2015) A leitura compreensiva e a análise da Lei – que não era conhecida pela maioria dos estudantes – ocorreu por meio do texto impresso entregue aos estudantes, mas que também foi apresentado no projetor de slides para que pudéssemos fazer uma leitura coletiva e discutirmos cada um dos pontos do documento. Os estudantes também leram os gêneros artigo de opinião e reportagem (vide imagem a seguir). Esses textos foram lidos por meio da utilização de um computador com acesso à internet, apresentados a partir do projetor de slides. Figura 27 – Gêneros artigo de opinião e reportagem Fontes: Diversas47 47 Imagem à esquerda: Terra (2013). Imagem à direita: Tuma (2013). 198 Nesse momento, também disponibilizamos cópias impressas desses textos. Alguns estudantes preferiram acompanhar a leitura acessando-os por meio dos seus próprios celulares, já que o uso foi recomendado.  Escrita No que tange à escrita, os estudantes fizeram anotações (vide figura a seguir) acerca dos pontos que lhes chamaram à atenção. Nesse momento, eles realizaram o registro de informações importantes à medida que as discussões fluíam e a leitura dos diferentes textos era vivenciada. Figura 28 – Gênero anotação Fonte: Acervo da pesquisa. As atividades de escrita foram efetivadas por meio do gênero textual anotação, que funcionou como um organizador das ideias e pontos relevantes que eram objeto de discussão.  Reflexões acerca da oficina Nesta oficina, foi efetivada a apresentação dos alunos e do pesquisador pela professora titular da turma e houve uma relevante conversa sobre a importância do empenho de cada um no desenvolvimento do projeto proposto e para a transformação da situação adversa vivenciada pela comunidade. Foi uma ocasião em que contextualizamos a proposta do projeto 199 junto aos estudantes, sendo um momento crucial para a socialização das turmas e o entrosamento necessário às próximas etapas do projeto. Nessa ocasião, explicitamos e pormenorizamos o projeto, comentando e esclarecendo suas fases e discutindo a meta a ser alcançada. Realizamos uma exposição oral e, assim, discussões diversas ocorriam em razão de dúvidas e sugestões surgidas. As discussões sobre a Lei representaram um marco para o início do projeto, já que trouxeram mais segurança e proporcionaram o entendimento de que a utilização de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola não pode ocorrer de forma aleatória, indiscriminada. Do mesmo modo, foram profícuas as discussões que abordaram as possibilidades de uso do celular no contexto da escola e da sala da aula, já que essa mesma Lei prevê a liberação de uso, quando relacionado a propósitos pedagógicos. Esse encontro inicial foi relevante para captarmos as impressões e os conhecimentos prévios dos estudantes no que tange à temática do projeto: o que pensam sobre o uso do celular na escola e fora dela, as experiências já vivenciadas, as sugestões sobre o assunto etc. As impressões que eles carregam sobre o assunto foram de grande relevância para o (re)direcionamento das atividades. Foi um importante momento para mobilizar as turmas, incentivando-as a contribuir com as atividades por meio de ações e ideias. O entrosamento que buscávamos decorreu de um diálogo com os alunos, fazendo-os compreender e aderir à proposta do projeto. Assim, eles entenderam que o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias pode comprometer o rendimento mas, ao mesmo tempo, pode ser um aliado eficiente e relevante para o aprendizado. Dessa forma, embebidos do espírito do projeto, estavam motivados a participar das diferentes etapas do projeto. Sobre essa questão, um dos integrantes do grupo 3a, nos prestou o seguinte depoimento: Eu estou gostando desse projeto porque, diferentemente dos assuntos dados na escola, foi falado do celular. É importante falar disso porque na escola podemos usar para tradução de textos em inglês e outras coisas que precisamos ficar sabendo. Eu acho que o celular pode ser muito favorável para uso educacional (Patrícia). Nessas considerações, a aluna se mostra entusiasmada com a possibilidade de explorar o celular na sala de aula e chama nossa atenção para a pauta do projeto. Ao tratar da questão do uso dos dispositivos na escola como algo novo, diferente daquilo que está acostumada a fazer em sala de aula, Patrícia revela que a propositura do projeto é positiva, já que está 200 pautada em um tema pouco evidenciado pela escola, mas importante para o conjunto dos estudantes. Ela corrobora, portanto, nosso ponto de vista de que as discussões iniciais foram proveitosas e de que a nossa meta de introduzirmos a pauta e de nos conectarmos aos estudantes foi vista como positiva. A oficina que ora realizamos está conectada ao objetivo social do grupo; está relacionada às outras ações desenvolvidas, assim como proposto por Oliveira, Tinoco e Santos (2014), quando afirmam que, nos PL, as ações isoladas, que fomentam uma visão micro e fragmentada, dão lugar a um conjunto de ações encadeadas, que se interconectam em razão de uma meta compartilhada, de interesse comum. Nesta oficina, proporcionamos aos alunos o aprimoramento das suas habilidades e competências referentes ao desenvolvimento da leitura e da escrita, particularmente, no que confere ao exercício da recepção e da produção dos sentidos dos textos  Tema Problematizando os sentidos dos textos  Objetivos Aprimorar as habilidades e competências referentes ao desenvolvimento da leitura e da escrita; refletir sobre a interdependência (sintática, semântica e pragmática) existente entre os elementos textuais, responsáveis pelos sentidos.  Grupos Turmas 3a e 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anúncio publicitário (jornal impresso), cartaz, charge, discussão em grupo, encarte, panfleto, postagem em rede social.  Sobre a oralidade Oficina de letramento 2 201 As discussões desencadeadas pela oficina foram pautadas a partir de explanações acerca das anotações que foram desenvolvidas na primeira oficina. Desse modo, questionamos os estudantes para que falassem sobre a importância da temática do projeto e acerca de como é relevante tratar dos usos de dispositivos de natureza tecnológica no universo da escola. Seguimos explorando o tema do projeto, só que agora buscamos enfatizar os textos verbais (slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas e instituições) que estão presentes e são fundamentais na composição dos gêneros. As discussões fluíram na medida que avançávamos a pauta e recuperávamos os conhecimentos e experiências dos alunos quanto aos diferentes gêneros por meio de questionamentos que versavam sobre o tamanho dos textos, o léxico empregado, as opções sintáticas, os objetivos e sentidos buscados, as conexões com os interlocutores etc. Concomitantemente à realização das leituras, análises e reescrita dos textos verbais dos gêneros trazidos para estudo, íamos discutindo a respeito de cada uma das mensagens apresentadas. A ideia foi a de que os integrantes das turmas opinassem acerca do que era debatido e socializassem seus posicionamentos por meio de perguntas e opiniões. Nesse sentido, o mediador buscava operar no sentido de instigar os estudantes e fazê-los contribuir com os colegas e com o bom andamento das atividades.  Sobre a leitura As atividades que envolveram leitura nesta oficina se iniciaram a partir dos gêneros que subsidiaram as discussões. As diferentes categorias apresentadas foram de suma importância, para que pudéssemos fundamentar as leituras e reflexões acerca de como a linguagem verbal completava e era decisiva para o entendimento dos sentidos globais dos gêneros. Quanto às leituras desenvolvidas com vista às reflexões sobre as características dos gêneros, conduzimos as atividades atentando para os trechos verbais e, ao mesmo tempo, questionávamos os alunos sobre os seus conhecimentos prévios. No que diz respeito aos textos dos gêneros, buscamos implementar às leituras a partir de diversas perguntas lançadas aos estudantes: Por que neste gênero as frases utilizadas são tão curtas? Foram utilizados verbos nesta construção textual? As palavras utilizadas são de fácil entendimento? Qual a intenção do texto? O sentido do texto tem alguma conexão com os outros elementos dispostos no gênero? 202 A oficina favoreceu a imersão dos alunos no universo plural de gêneros de domínios sociais diversos, já que nesse evento de letramento eles puderam ler e refletir sobre os sentidos dos gêneros em seus suportes textuais. A seguir, mostramos alguns exemplares desses gêneros abordados na oficina: Figura 29 – Gêneros que apoiaram a oficina Fontes: Diversas48 As leituras e reflexões sobre gêneros de naturezas diversas fizeram parte da nossa estratégia de mostrar aos estudantes que os textos verbais dos gêneros apresentam características que mudam em razão das funcionalidades que exercem e que a infinidade de situações comunicativas a que somos expostos socialmente acabam por concretizar inúmeras categorias de gêneros (BAZERMAN, 2011; OLIVEIRA, 2010a).  Escrita As atividades de escrita foram realizadas com vistas ao exercício da produção de diferentes mensagens e efeitos de sentido. Nesse momento, foram realizadas atividades que tiveram como objetivo refletir e empregar corretamente questões relacionadas aos aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticas na produção de textos. Especificamente, pedimos aos alunos que realizassem uma análise dos diferentes gêneros, elencando os recursos verbais presentes e os efeitos de sentido pretendidos nas diferentes categorias. 48 Imagem acima à esquerda: anúncio publicitário divulgado na versão impressa do jornal Folha de Pernambuco. Imagem abaixo à esquerda: postagem da Caixa na rede social Facebook. Imagem à direita: encarte publicitário distribuído nas lojas físicas do supermercado Walmart - Recife. 203 Em uma dessas atividades em que foi requerida a escrita, os estudantes foram convidados a pensar em outras possibilidades para os textos em estudo, empregando os recursos linguísticos pertinentes e respeitando as possibilidades dos assuntos tratados e a funcionalidade dos diferentes gêneros (ver figura a seguir): Figura 30 - Atividades com vistas ao uso da escrita Fonte: Acervo da pesquisa.  Reflexões acerca da oficina Nesse momento do projeto, os estudantes tiveram acesso a uma série de gêneros em seus suportes originais. As reflexões, especificamente, se voltaram para as questões linguísticas presentes nos diferentes gêneros, no que confere aos aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos. Nesse caso, optamos por discutir os textos a partir dos conhecimentos prévios dos estudantes, destacando as diferentes características textuais que os gêneros apresentam e analisando discursivamente os efeitos de sentidos presentes em: slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas etc. Demos especial destaque ao estudo de aspectos como intencionalidade, aceitabilidade, situacionabilidade, informatividade, intertextualidade e inferência (KOCH; TRAVAGLIA, 1993). Assim, permitimos aos estudantes construírem e perceberem a coerência textual na recepção e na produção de textos significativos. A implementação dessa oficina foi importante para mostrarmos que os textos verbais dispostos nos diversos gêneros podem variar em razão do assunto a ser tratado, do espaço do suporte, do contexto temporal e dos objetivos e funcionalidades de cada categoria. Em 204 especial, buscamos desenvolver a habilidade no trato da leitura e produção de textos a partir do emprego de formas verbais e frases nominais e do treino acerca do uso da pontuação. Oportunizamos aos estudantes a reflexão sobre gêneros que carregam diferentes mensagens e a se prepararem para as próximas ações do projeto. Nesse sentido, a oficina foi relevante porque os estudantes perceberam que ter atenção na hora de produzir textos é imprescindível, já que uma produção mal elaborada pode prejudicar a interação e impedir o alcance dos objetivos comunicativos. Assim, eles se tornaram mais hábeis na produção de textos que primam pela clareza e puderam exercitar essa habilidade. Essa etapa do projeto foi implementada, principalmente porque nas próximas ações do projeto os estudantes serão incentivados a produzirem gêneros com foco no aspecto dos sentidos dos textos. Além disso, os alunos envolvidos no projeto têm, recorrentemente, seus textos contestados no que confere à questão do sentido nas práticas de uso da escrita fora da sala de aula. O desenvolvimento da oficina sobre a problematização dos sentidos dos textos foi uma possibilidade de trabalharmos um aspecto curricular (que é obrigatório para essa fase de escolaridade dos estudantes) a partir de uma demanda contextual, em um trabalho que visou operar sobre as dificuldades sentidas pelos estudantes. Desse modo, levamos à prática as reflexões de Oliveira (2010c), quando esta afirma que não há a necessidade de se trabalhar com conteúdos programáticos predefinidos, pois o ponto de partida para o planejamento dos projetos deve ser a prática social, a demanda de situações específicas. Levamos em consideração questões que estão em consonância com o contexto dos alunos, mas que, ao mesmo templo, contemplam outras preocupações da escola, como exames, aprovações, índices educacionais, vestibulares etc. A iniciativa de desenvolvimento da oficina foi uma oportunidade de os alunos vivenciarem uma atividade que envolve os usos da escrita e um ensejo para se contemplar o currículo não do ponto de vista da obrigatoriedade, mas em razão de dificuldades e particularidades dos alunos. 205 Nesta oficina, promovemos a construção de uma base para aparelhos celulares feita a partir da técnica origami. As bases, feitas com folhas de papel sulfite coloridas, são usadas para apoiar o celular de forma que sua tela se posicione direcionada para a face do aluno e serão utilizadas no decorrer das demais oficinas para apoiar as atividades.  Tema Montando uma base para celular de origami49  Objetivo Construir uma base para celular com vistas a integrar os alunos, impulsionando-os a refletir sobre a proposta do projeto, desenvolvendo-a da melhor maneira possível.  Grupos Turmas 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Discussão em grupo, tutorial50.  Sobre a oralidade Nesta oficina, explanamos acerca do projeto, seu tema e suas diferentes fases. Nessa ocasião, retomamos alguns pontos debatidos na oficina 1 e, indagando os estudantes sobre os pontos debatidos e anotados no primeiro encontro, discutimos sobre como o uso do celular poderia ser pertinente ou não no universo da sala de aula, com possibilidades como a de realização de pesquisas diversas e da sua visualização nas telas dos celulares. A partir daí, introduzimos a ideia das bases de celulares como importante apoio material nessas atividades. 49 A palavra origami provém do japonês e significa arte de dobrar o papel. Sua composição nasceu da junção de duas expressões – ‘ori’ descende do verbo ‘oru’, com o sentido de dobrar, e ‘gami’ nasce do vocábulo ‘kami’, denotando papel. Trata-se de uma técnica utilizada para dobrar folhas de papel de diferentes tamanhos. A técnica consiste em realizar dobras no estilo geométrico, que dispostas de formas variadas, compõem imagens e objetos. 50 O tutorial é um gênero que costuma ser usado para se ensinar algo. Trata-se de um manual, um conjunto de instruções ou explicações relativas a um assunto específico. É muito comum encontrarmos tutoriais relacionados a conteúdos de informática ou tecnológicos. Esse gênero costuma apresentar uma orientação breve e de escassa profundidade (COSTA, 2012). Oficina de letramento 3 206 Conversamos a respeito da organização das atividades e sobre como desenvolveríamos a oficina: por meio de orientações advindas do gênero tutorial em vídeo. O gênero foi explorado com base nos conhecimentos prévios dos alunos e, assim, discutimos as suas características, pormenorizando-o a partir dos conhecimentos e experiências que tinham. A oficina disponibilizou dois tutoriais51, que foram amplamente explorados por meio de discussões diversas e, assim, funcionaram como um passo a passo acerca de como proceder para a construção das bases de celulares por meio de instruções proferidas com o auxílio especial da linguagem verbal oral. As discussões em grupo aconteceram simultaneamente à exibição dos tutoriais e os estudantes compartilharam as diferentes informações e sugestões recebidas por meio de conversas. Os tutoriais, que foram apresentados por meio de vídeos, eram pausados recorrentemente. Durante essas pausas, discutíamos e retomávamos as orientações que eram postas pelo gênero. Nessas conversas, os alunos lançavam perguntas e considerações, além de ajudarem uns aos outros com sugestões e explicações acerca da execução da tarefa.  Sobre a leitura Esta oficina foi apoiada pela exibição de dois tutoriais em vídeo, que explicam como fazer bases para celulares a partir da técnica origami. A exibição dos tutoriais, que contam com explicações orais e com orientações escritas, foi uma oportunidade de a turma refletir sobre um gênero que é típico dos novos tempos e que explicam de maneira breve e objetiva como se fazer uma determinada coisa. Esse gênero (vide exemplo a seguir), que já era conhecido por boa parte dos alunos, foi utilizado em conformidade com a sua função social. Funcionou, assim, como um guia prático acerca de como proceder para se obter as bases de celulares por meio de instruções didáticas que são mostradas com o auxílio da linguagem oral, de imagens e também por meio de instruções escritas para serem lidas. 51 Manual do mundo (2017); Easy origami (2017). 207 Figura 31 – Gênero tutorial Fonte: Manual do mundo (2017). As leituras e interpretações realizadas com vistas a entender como se faz a base para celular ocorreram de modo que estudantes puderam seguir os passos do tutorial acompanhando as instruções verbais e não verbais.  Sobre a escrita A escrita também foi requerida nesse momento, pois os estudantes tiveram que fazer marcações nos materiais e registrar as medidas (ver figura a seguir) necessárias para a confecção da base, tal qual eram explicitadas no tutorial. Figura 32 – A escrita numa atividade a partir da técnica de origami Fonte: Acervo da pesquisa. 208 Nesse sentido, a escrita foi utilizada porque era necessário delimitar as folhas de papel sulfite e, principalmente, em razão de ela funcionar como um registro das medidas que passadas por meio de orientações do gênero tutorial.  Reflexões acerca da oficina Essa etapa do projeto só foi, de fato, inserida no cronograma de atividades do projeto no decorrer do seu desenvolvimento. Decidimos por introduzir uma atividade dessa natureza porque sentimos a necessidade de uma integração dos alunos dessa turma, de fazê-los refletir com mais afinco sobre a proposta do projeto. As exibições de dois tutoriais em vídeo, que explicam como fazer bases para celulares a partir da técnica de origami, foram momentos de atenção, pois os estudantes apreciaram a produção da base para celulares. As bases para celulares, feitas com folhas de papel sulfite coloridas e usadas para apoiar o celular de forma que sua tela se posicione direcionada para a face do sujeito, funcionaram para a realização de atividades nas diferentes oficinas e após o uso, as bases, que são dobráveis, eram guardadas entre as folhas de um caderno e/ou livro, para uso oportuno. Para construírem as bases, os estudantes lançaram mão de recortes de papel e do uso de dobraduras, assim como requerido na técnica origami. O nosso propósito, no entanto, também foi o de fazer com que os alunos focassem na proposta do projeto. A ideia era fazê- los entender que a base de origami, em construção naquele momento, seria de muita valia para o dia a dia na sala de aula e, também, para as próximas oficinas do projeto. Essa oficina proporcionou um momento de concentração por parte de uma equipe propensa à dispersão e, acima de tudo, foi uma atividade que estimulou a motivação. Nossa intenção foi a de adequar às ações do projeto às características dos estudantes e promover uma prática pedagógica que fosse atrativa, pautada por um dos princípios cruciais dos PL, qual seja o de agir para redimensionar as ações de aprendizagem com vistas a torná-las mais eficazes na motivação dos educados para a aprendizagem (OLIVEIRA, 2008). A base de celular feita por meio da técnica de origami funcionou como um elemento material que levou os alunos a atentarem para os desafios do projeto, já que o manuseio da base para celular os despertava para a pauta das ações. Abaixo, mostramos algumas imagens da oficina: 209 Figura 33 – Oficina de origami Fonte: Acervo da pesquisa. A implementação dessa oficina representou uma oportunidade de incentivarmos a turma 3b a abraçar o projeto, uma vez que essa equipe é composta por alunos mais dispersos, mas que apresentam boa desenvoltura em atividades práticas, as quais requerem o manuseio de materiais em conjunto com a questão motora. Vejamos o que disse um dos alunos sobre o fato de participar dessa atividade: O tempo passou tão rápido nessa aula que eu nem percebi. É por isso que eu acho bom fazer trabalhos assim, manuais, com recortes e dobraduras, pois a aula fica mais interessante [...] essa base que eu fiz ficou igualzinha a que apareceu na explicação; vou usá-la muito para ver vídeos e quando for pesquisar também (Luana). A introdução da oficina no cronograma do projeto representou uma ocasião em que pudemos refletir efetivamente sobre como devemos agir focando nas necessidades e interesses do grupo e não o contrário. O desenvolvimento dessa atividade foi um ensejo para entendermos que uma situação relevante pode emergir no decorrer do processo. 210 O mote desta oficina foram as pesquisas implementadas por meio de textos impressos e do uso da internet. Funcionou como uma ocasião para o aprofundamento e apropriação do tema do projeto e para embasar as próximas oficinas - uma palestra (turma 3a); e um debate (turma 3b).  Tema Explorando a temática do projeto  Objetivos Desenvolver pesquisas sobre o tema do projeto; explorar o assunto sob os mais diferentes aspectos e embasar as discussões; proporcionar a apropriação do assunto.  Grupos Turmas 3a e 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotação, artigo de opinião, discussão em grupo, e-mail, gêneros diversos acessados em buscas na internet, mural, questionário e reportagem.  Sobre a oralidade A introdução da oficina se deu mediante discussões sobre a retomada do tema do projeto e de reflexões acerca de reportagens52 em vídeos que foram exibidos. Esses gêneros apresentados aos estudantes versavam sobre a temática do projeto – uso de dispositivos de natureza tecnológica, como os celulares, no âmbito da escola – só que sob dois aspectos diferentes. Um enfatizava a utilização dos aparelhos de forma produtiva, enquanto o outro enfatizava a utilização sob o ponto de vista negativo. Os vídeos oportunizaram um momento de amplas discussões, pois abordavam o tema de forma polêmica e instigavam os estudantes a se posicionarem. A configuração das reportagens deu início à nossa estratégia de dividir as turmas 3a e 3b em grupos menores. Desse modo, refletimos sobre o planejamento e as estratégias das atividades de pesquisa e 52 Raridade (2014); Canal futura (2014). Oficina de letramento 4 211 decidimos que metade dos grupos abordaria o uso positivo dos celulares e outros dispositivos de natureza tecnológica na escola, enquanto que a outra parte se incumbiria de explorar a utilização não produtiva desses recursos. As discussões em grupo continuaram acerca de como se organizaria as atividades e sobre a importância da realização de pesquisas para o aprofundamento do assunto do projeto. Nesse momento, as conversas que tivemos acerca das informações e experiências abordadas nas oficinas 1 foram de grande relevância. As atividades escritas desenvolvidas por meio do gênero anotação proporcionaram uma introdução do assunto e do norte das pesquisas. As discussões em grupo foram muito importantes porque por meio delas pudemos nos aprofundar acerca de como se daria o andamento das atividades. Nesse sentido, alguns pontos receberam destaque quanto da organização da pesquisa: atentar para os usos que os próprios estudantes já fizeram no que confere a exploração dos aparelhos celulares em sala de aula e na escola; estimular a pesquisa chamando à atenção para os pontos que podem representar avanços para os estudantes e para a escola; e, por último, focar no tema de estudo e na situação-problema que desejávamos refletir – é cabível o uso de aparelhos celulares e outros dispositivos de natureza tecnológica no universo da escola? Quais os usos recomendados e não recomendados? Por quê? Como essas questões se dariam na prática? Para subsidiarmos as pesquisas, convidamos os estudantes a explorarem os conteúdos de quatro diferentes gêneros53: dois artigos de opinião e duas reportagens que versavam sobre a temática do projeto, sob os pontos de vista positivos e negativos do uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola. Distribuímos os textos de acordo com a orientação dada a cada grupo – usos positivos e negativos do celular – e, assim, eles começaram a conversar sobre os assuntos dos textos e a partir daí iniciaram as pesquisas. A distribuição de textos impressos foi uma maneira de negociarmos com os estudantes diferentes estratégias discutidas nas turmas: aqueles estudantes que possuem aparelhos celulares poderiam fazer uso deles para a realização de pesquisas e aqueles que não os possuíssem focariam nas contribuições dos textos impressos, na organização das informações acessadas ou trabalhariam em conjunto aos outros que usassem os dispositivos. Ainda nessa oficina, conversamos com os estudantes do grupo 3a sobre como as pesquisas fundamentariam a produção de um questionário e um e-mail. No que confere à produção do questionário, as discussões ocorreram no sentido de explicitarmos que a próxima oficina nesse grupo, uma palestra interativa, não aconteceria como uma conferência, em que o 53 Instituto Dom Barreto (2016); GOCRONQR (2015); França (2018); Mlearn (2017). 212 ato de transmitir era o princípio norteador. Dessa forma, iniciamos uma conversa chamando atenção para o fato de que apenas prestar atenção a toda informação discutida na palestra não seria suficiente. A ideia, nesse caso, foi a de gerar uma atuação ativa dos estudantes, estimulando-os a pensarem em perguntas e a indagar a respeito da pauta da palestra. Advertimos os estudantes sobre a importância do exercício de perguntar para sistematizar o aprendizado e tornar a próxima oficina – a palestra - mais significativa, já que as perguntas feitas ao convidado socializariam o conhecimento, estabeleceria as dúvidas e as soluções mais plausíveis para as curiosidades. No quadro a seguir, mostramos as explicitações que foram discutidas sobre o gênero questionário: Quadro 12 – Descrição do gênero questionário Gênero questionário Trata-se de um gênero composto de uma série de perguntas que serão dirigidas de forma oral ou por escrito a um determinado interlocutor, produzindo uma interação entre duas pessoas ou grupos. Características O questionário de perguntas é essencial para a indagação a um determinado sujeito. O sujeito responsável pelos questionamentos faz as perguntas, e o entrevistado (convidado), as responde. É um gênero implementado por meio da escrita ou de forma oral. Os interlocutores podem ser, de um lado, sujeitos incumbidos de investigar determinada pauta e, do outro, especialistas ou profissionais em dado assunto. A sua execução visa à obtenção de conhecimento, a formação de opinião ou posicionamento crítico frete a um debate sobre determinado tema, onde o discurso direto é sua principal característica. Já as respostas às perguntas podem ser transcritas de maneira fiel ou por meio das ideias principais explicitadas. Nesse gênero, é comum o uso de linguagem formal, tanto da parte de quem pergunta quanto de quem responde. Fonte: Baseado em Costa (2012). Ainda no que diz respeito às discussões no grupo 3a, falamos sobre a produção de um e-mail, que seria desenvolvido para convidar um profissional para a palestra da próxima oficina da turma. Para embasarmos as produções do gênero e-mail, conversamos acerca do resultado das pesquisas e provocamos os estudantes sobre outras curiosidades e dúvidas que merecem exploração. No tocante as discussões acerca da produção do e-mail, buscamos questionar os estudantes acerca do conhecimento prévio do gênero, retomando aspectos importantes, como interlocutores, funcionalidade, suporte, recursos materiais, características dos textos verbais etc. No quadro a seguir, mostramos as questões discutidas sobre o gênero: 213 Quadro 13 – Descrição do gênero e-mail Gênero e-mail O e-mail ou mensagem eletrônica é um gênero textual epistolar advindo do universo das novas tecnologias da informação muito explorado no meio social atual. Características O e-mail tornou-se um importante gênero no mundo moderno. Para que as pessoas possam utilizá-lo, precisam criam contas numa página específica chamada de provedor, que são empresas destinadas a oferecer esses serviços, como por exemplo, Outlook ou gmail. Para acessar a página de e-mail, a pessoa, dono da conta, cria uma senha que será solicitada sempre que quiser entrar e ter acesso a sua conta. Normalmente, o e-mail costuma obedecer a um determinado padrão: nome@provedor.com.br. Quanto às suas características textuais, o e-mail se assemelha a outros gêneros, como por exemplo, a carta. Geralmente, neste tipo de mensagem, usamos o vocativo, que se refere à pessoa para a qual a mensagem é destinada; o texto - caracterizado pela mensagem propriamente dita; e a despedida ou desfecho, seguido da assinatura do remetente. Quanto à formalidade da linguagem, esta pode variar de acordo com o grau de intimidade entre os interlocutores, podendo haver uso exclusivo da norma padrão e, em outros casos, o uso de abreviaturas, emojis, fontes coloridas e outros recursos que evidenciam uma relação menos formal. No e-mail, o locutor também pode encaminhar, junto à mensagem, arquivos de naturezas diversas, como fotografias, textos, links etc. Fonte: Baseado em Costa (2012). Tanto a produção do gênero questionário quanto o gênero e-mail foram influenciados pela execução da próxima oficina na turma 3a: uma palestra interativa. Por essa razão, também convidamos os estudantes a discutir sobre esse gênero textual que seria produzido posteriormente. Nesse sentido, buscamos pormenorizar a organização da palestra atentando para o fato de a exposição não ser efetivada por meio de um monólogo. Os estudantes poderiam participar com perguntas e comentários, de acordo com a distribuição de questionamento e tempos de cada grupo que também discutimos. As conversas seguiram no sentido de explicitarmos as peculiaridades do gênero e os estudantes se prepararem para a próxima oficina, conforme o disposto no quadro a seguir: 214 Quadro 14 – Descrição do gênero palestra Gênero palestra A palestra diz respeito a uma exposição oral feita sobre determinada área de conhecimento ou assunto. A exposição, normalmente, feita por um profissional ou pessoa dotada de determinada experiência, é dirigida a uma ou mais pessoas, geralmente por um período específico. Características A palestra é usada para expor informações importante, podendo essas ser de natureza prática ou teórica. Como exemplos, temos o discurso de um político em um comício e o sermão de um padre. Geralmente, o palestrante fica em uma posição de destaque, para facilitar a difusão do conteúdo da palestra e a visualização pelos interlocutores. A ideia da palestra é a defesa de ideias e sua difusão para um determinado ponto de vista. Trata-se, portanto, de um gênero de natureza informativa/persuasiva, já que o seu intuito é o de informar, esclarecer ou convencer sobre um assunto. Na palestra, é muito comum a utilização de expressões nos gestos, na entonação, no olhar, na postura etc. Na maioria dos casos, a opção é pelo uso de um vocabulário acessível, mas na norma padrão língua. O palestrante, nesse caso, conta com a utilização de marcas da interlocução: vocativos, saudação, despedida, pronomes dêiticos, entonação pela pontuação etc. Fonte: Baseado em Costa (2012). No que tange às discussões no grupo 3b, explicamos que as pesquisas fomentariam a produção de um mural. As discussões ocorreram no sentido de explicitarmos a organização e o andamento das atividades e dirimir as dúvidas surgidas. Para explorarmos o gênero mural e suas características, mais uma vez, recorremos às discussões embasadas no conhecimento que os estudantes já carregam, intercalando outras informações, como disposto no quadro a seguir: Quadro 15 – Descrição do gênero mural Gênero mural O mural é um gênero de natureza expositiva que se configura em um espaço (quadro, parede, muro etc), em que são dispostos materiais ou informações como intuito de expô-los de forma aberta para quem circula pelo ambiente em que se encontra, seja uma sala, um corredor, um quarto, um saguão etc. Características O mural é muito comum nos ambientes institucionais. Podemos encontrá-lo com muita frequência em repartições públicas e empresas em geral. Como é um gênero de natureza expositiva, possui finalidades específicas, que podem ser: expor e/ou informar. Uma família, por exemplo, pode organizar um mural no sentido de expor os momentos especiais de determinada viagem ou momento. Já em uma empresa, o mural pode ser confeccionado com vistas a mostrar os funcionários contemplados pelos melhores resultados em determinado mês. Os murais geralmente ficam em locais abertos, com ampla exposição. Também é muito comum de serem nomeados mediante um título, que especifica a natureza dos materiais e ou informações dispostas. Fonte: Acervo da pesquisa. 215 Oportunizamos discussões em grupo a partir das leituras e informações que eram acessadas. Efetivamos questionamentos aos integrantes dos diferentes grupos formados no sentido de que fossem debatidos e socializados os pontos mais importantes das pesquisas, por meio de posicionamentos e opiniões dos estudantes. A produção do mural foi permeada por conversas sobre a sua organização e a troca de conhecimentos e experiências dos diferentes integrantes. As informações da pesquisa, além de utilizadas para a construção do gênero mural, que ficou exposto para apreciação de outras turmas de estudantes, foram imprescindíveis para nos organizarmos para a próxima ação programada para a turma 3b: um debate. Nesse sentido, convidamos os estudantes para sistematizarem as informações que obtiveram quando participaram da pesquisa e da produção do mural, com vistas a fundamentar perguntas, opiniões e argumentos para o debate. As discussões em grupo versaram sobre como os diferentes grupos confrontariam seus os posicionamentos e, assim, adentramos nas particularidades do gênero, que foram discutidas conforme as seguintes informações: Quadro 16 – Descrição do gênero debate Gênero debate O debate é um gênero textual de cunho argumentativo pertencente ao campo da oralidade, cujo objetivo é trocar ideias a partir de diferentes argumentos e opiniões. Geralmente, é regido por regras que dizem respeito aos seus elementos essenciais: tempo, pauta e troca de turno de fala. Nesse gênero, é muito comum a figura do moderador ou mediador que é responsável pelo seu bom andamento e pelo controle do equilíbrio entre as partes que estão debatendo. Características No debate, os participantes discutem, apresentam argumentos e contra-argumentos acerca de um tema de interesse coletivo. A intenção é convencer ou sermos convencidos por meio do confronto de argumentos e opiniões. Um exemplo clássico é o debate entre políticos, o qual se evidencia pela dinâmica dos participantes, dispostos a convencer o eleitorado. Os posicionamentos de cada debatedor obedecem a certas regras preestabelecidas. O mediador tem a função de organizar o debate, procurando colocar em prática as regras acordadas. A linguagem que caracteriza o debate é regida pela norma padrão. Entretanto, em algumas ocorrências, o grau de formalidade pode variar em função da intimidade entre os participantes. As ideias debatidas são utilizadas para aceitar ou refutar argumentos e opiniões, assim, é muito comum o emprego de expressões como: penso que, do meu ponto de vista, na minha opinião, concordo, discordo, concordo em parte etc. Fonte: Baseado em Costa (2012). As discussões, nesse momento, foram relevantes porque pudemos planejar a próxima oficina da turma 3b com base nas experiências e informações geradas pelas pesquisas. As conversas giraram em torno de como o debate ocorreria e, nesse sentido, os estudantes 216 entenderam como deveriam proceder quanto à fundamentação dos seus questionamentos e posicionamentos, assim como sobre as condutas e posturas necessárias para essa atividade.  Sobre a leitura Com relação aos gêneros acessados por meio da leitura, os estudantes das duas turmas apreciaram quatro gêneros impressos diferentes. Esses gêneros, artigos de opinião e reportagens, foram lidos de maneira a levarmos aos estudantes informações sobre a temática do projeto sob diferentes perspectivas. As reportagens (ver exemplo a seguir) e os artigos de opinião oriundos de sites e blogs traziam o conteúdo do projeto sob diferentes aspectos e as leituras desses textos, realizadas pelos grupos, fomentaram a realização das pesquisas. Figura 34 – Gênero reportagem Fonte: Instituto Dom Barreto (2016) Ainda no que diz respeito à leitura, convidamos os estudantes a realizarem pesquisas sobre o tema fazendo uso de aparelhos celulares para acessar informações. Os alunos, então, acessaram, por meio da leitura, textos e informações buscadas a partir do uso dos próprios celulares (ver figura a seguir), que foi recomendado para esse momento do projeto. Foi uma atividade relevante porque os alunos puderam acessar muitas informações e conhecimentos. Nessa ocasião, a base para celular, feita a partir da técnica origami na oficina 3, foi utilizada e cumpriu sua função social – apoiar os celulares e, assim, auxiliar na visualização das informações dispostas na sua tela. 217 Figura 35 – Grupos fazendo uso do celular para leitura Fonte: Acervo da pesquisa.  Sobre a escrita A sistematização da oficina de pesquisa ocorreu de maneira diferente em cada uma das turmas, mas, em ambos os grupos, envolveu a escrita. Na equipe 3a, ocorreu mediante a produção do gênero questionário que seria utilizado na oficina seguinte: uma palestra interativa. Em função disso, delegamos a cada um dos grupos da turma a responsabilidade por elaborar diferentes perguntas. A gestão dos grupos foi, assim, gerenciada: alguns grupos com questões voltadas para o uso positivo de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola e outros com perguntas direcionadas ao trato não produtivo desses recursos. A figura a seguir mostra um dos questionários produzidos pelos alunos: 218 Figura 36 – Gênero questionário Fonte: Acervo da pesquisa. As perguntas abordadas pelos estudantes nos questionários foram as mais variadas possíveis e representaram, de fato, a compreensão do assunto pesquisado e as dúvidas cabíveis a serem exploradas. Nesse questionário mostrado acima, por exemplo, os alunos destacaram os recursos dos aparelhos celulares, como gravadores, calculadora e outros aplicativos. A produção do questionário constituiu-se, desse modo, em uma importante ferramenta para os alunos se apropriarem do tema-problema do projeto. Outra atividade que requereu o uso da escrita na equipe 3a consistiu na produção coletiva do gênero e-mail (ver figura abaixo) que, fundamentado pelas informações pesquisadas e pelas necessidades do grupo, foi enviado para convidar um especialista na área de pedagogia, que trata diretamente de aspectos referentes ao uso dos dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito pedagógico, para promover uma palestra interativa na escola. 219 Figura 37 – Gênero e-mail Fonte: Acervo da pesquisa. A produção do gênero e-mail, que se deu de forma colaborativa, foi importante porque nas idas e vindas dos processos de escrita e reescrita, exploramos o uso da variedade padrão da língua portuguesa, chamando atenção, mais uma vez, para a importância dos sentidos dos textos e do seu uso mediante situações mais formais. Os estudantes, além de participarem da elaboração do gênero no que tange a escolha dos argumentos do convite feito por meio de um e-mail, puderam participar da produção do texto, feita de modo coletivo a parir do uso do projetor de slides e do quadro branco. A sistematização dos achados da oficina de pesquisa na turma 3b ocorreu mediante a produção de um mural. O desenvolvimento coletivo desse gênero foi uma ocasião em que os alunos puderam expor, por meio da escrita, os argumentos mais relevantes pesquisados. Respeitando a dinâmica da atividade, convidamos os diferentes grupos dessa turma a elaborarem textos persuasivos e coerentes, que abordassem questões direcionadas para o uso produtivo de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola e para aspectos voltados ao trato negativo desses recursos. A figura a seguir mostra alguns dos momentos da oficina: 220 Figura 38 – Momentos da construção do gênero mural aa Fonte: Acervo da pesquisa. Para a implementação do mural, os alunos foram estimulados a colorir, desenhar e preencher a tela de um celular de papel com os argumentos que elegeram como mais relevantes. Essa atividade representou uma oportunidade para a socialização de resultados e compartilhamento de informações. A produção do gênero mural, além de utilizada para a divulgação das informações para apreciação de outras turmas de estudantes, foi imprescindível para a organização da próxima oficina programada para a turma 3b: um debate.  Reflexões acerca da oficina A realização desta oficina, que focou na pesquisa, ocorreu em ambas as turmas e foi relevante porque era necessário aprofundar o tema do projeto junto aos alunos, fazendo-os se apropriarem com mais afinco do assunto. A realização de pesquisas se tornou relevante em razão da possibilidade de explorar o assunto sob os mais diferentes aspectos, bem como foi uma ocasião para embasar as próximas ações do projeto: uma palestra (turma 3a) e um debate (turma 3b). Para instigar os estudantes acerca da necessidade de se investigar o assunto, exibimos vídeos e distribuímos textos impressos. Para a realização das pesquisas, decompomos as turmas em grupos menores, com vistas a dividirmos as tarefas e as responsabilidades, sendo que um dos estudantes coordenava as estratégias e resultados. 221 Os estudantes, responsáveis pela articulação dos grupos, alunos que se dispuseram a prestar esse papel e que demonstram habilidades para coordenação, agiram no sentido de coordenar as atividades, compartilhar conhecimentos e experiências, liderar e delegar atribuições, atuando também como intermediadores dos demais integrantes. Nossa ideia, nesse momento, foi a de fomentar o espírito agentivo (KLEIMAN, 2006a) daqueles estudantes mais propensos a cooperação. Levamos em consideração os muitos potenciais agentes que podem e devem ser explorados nas atividades. Essa foi uma estratégia relevante para o desenvolvimento da oficina porque encontra respaldo nas características dos próprios estudantes que, nos espaços sociais externos à escola, são muito bons em ajudar outros sujeitos no que confere aos usos da escrita. As pesquisas foram realizadas pelos grupos e os diferentes integrantes lançaram mão de textos por nós fornecidos e de informações buscadas por meio do uso do celular. O manuseio de celulares nessa oficina foi um exemplo prático de que o que estávamos discutindo era relevante e uma ocasião em que os estudantes usaram materiais, habilidades e posturas das práticas de letramento realizadas fora da escola. Nesse momento, tomamos o cuidado de selecionar, em cada grupo, pelo menos um estudante que possuísse um celular smartphone e se disponibilizasse a utilizá-lo na realização de buscas na internet, já que a pesquisa era uma das incumbências das atividades previstas. Reconhecemos, contudo, que o uso do celular foi uma constante, uma vez que a grande maioria dos estudantes possui o dispositivo e, assim, os grupos se mostraram bastante integrados. Ademais, objetivamos apostar no aprendizado consciente e, sobretudo, autônomo, orientado a partir do uso seguro e do o fato de a internet apresentar informações muitas vezes contraditórias e sem o devido trato científico. Sabendo, pois, que a internet é uma importante fonte de conhecimento acessível às pessoas, os alunos precisaram ter cautela, buscando na rede informações advindas de endereços eletrônicos respaldados científica e socialmente. Assim, “a escola é compreendida como um espaço de cultura e uma comunidade onde se busca o conhecimento e a autonomia a partir de um trabalho participativo, caracterizado pelo respeito aos diferentes saberes, habilidades e ritmos dos membros que a integram” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 100). As pesquisas foram muito importantes para que os estudantes se apropriassem dos assuntos, construindo e inferindo informações. Além disso, todos os resultados concernentes às pesquisas foram devidamente registrados pelos diferentes grupos. A produção textual 222 esteve presente durante toda a oficina e, nesse sentido, os alunos foram instados a refletir sobre gêneros como o e-mail, que é contemporâneo e muito comum para eles. Os usos da oralidade, leitura e escrita nessa oficina foram estimulados por meio de gêneros diversos utilizados com vistas a sua função social. A leitura, a escrita e a oralidade representaram uma oportunidade de os alunos escreverem, lerem e discutirem com vistas a agirem no mundo, como proposto por Kleiman (2008, p. 508), ao afirmar que “quando se age pela linguagem em diversas situações sociais, os gêneros são mobilizados segundo necessidades imediatas de comunicação, assim como segundo determinantes macrossociais.” Nesta oficina, as atividades giraram em torno de uma palestra, que favoreceu a troca de informações, a partilha de saberes e o exercício da oralidade. A palestra, ocorreu de modo interativo e foi realizada por agente de letramento externo à nossa comunidade escolar. .  Tema Discutindo o uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola  Objetivos Exercitar a habilidade de expressar-se oralmente; favorecer a troca de informações e a partilha de saberes sobre o uso do celular na escola; consolidar os conhecimentos sobre o assunto.  Grupo Turma 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotações, questionário e palestra interativa.  Sobre a oralidade Nesta oficina, as discussões se centraram, inicialmente, na introdução do tema da palestra e na importância de efetivarmos as atividades de forma produtiva. Nesse sentido, retomamos alguns pontos que dizem respeito à organização do evento, como: tempos Oficina de letramento 5 223 disponíveis, participação dos integrantes dos grupos, perguntas a serem realizadas, registro das discussões, respeito às falas e posicionamentos proferidos. Por meio de discussões em grupo, o professor mediador apresentou o palestrante. O convidado, por sua vez, tratou de introduzir sua fala por meio de considerações acerca da temática do uso do celular no âmbito da escola e, com o auxílio do professor mediador, respondeu às perguntas apresentadas pelos grupos. Os estudantes fizeram os questionamentos formulados previamente. Contudo, eram proporcionados momentos para réplicas, caso essa fosse uma necessidade daqueles estudantes do grupo que dirigiram as perguntas. Também era dada a oportunidade para que os integrantes dos demais grupos pudessem colocar seus posicionamentos. Desse modo, os diferentes grupos puderam introduzir todas as perguntas e as discussões fluíram à medida que as respostas aos diferentes questionamentos eram prontamente atendidas. Esta oficina, vivenciada por meio de uma palestra interativa, representou uma oportunidade para o exercício da oralidade. Nesse momento, tanto o palestrante quanto o mediador e os estudantes participantes nos diferentes grupos tiveram a oportunidade de expor seus posicionamentos acerca dos pontos que eram colocados em pauta. Ainda no que diz respeito às discussões em grupo, fizemos um apanhado de todas as informações acessadas. Esse foi um momento em que rememoramos as etapas do projeto, questionando os estudantes acerca das perguntas que precisávamos responder para entender o projeto em seu âmago. Sobre as ideias que discutimos, foram destacadas: o respeito à legislação que regulamenta o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, no âmbito da escola; o uso dos dispositivos mediante a anuência de professores e demais integrantes da gestão escolar; e a utilização dos aparelhos para o atendimento de questões pedagógicas. As conversas continuaram e, assim, foram exploradas questões específicas que dizem respeito aos usos produtivos e improdutivos dos aparelhos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola, bem como sugestões com vistas ao aprimoramento desses usos nos ambientes escolares. Essa sistematização das atividades subsidiou as discussões sobre a produção final do questionário iniciado na oficina 4.  Sobre a leitura Nesta oficina, os estudantes retomaram os questionários desenvolvidos no momento anterior. As perguntas dispostas no questionário, elaboradas com o auxílio da oficina de pesquisas foram dirigidas ao palestrante convidado por meio da leitura. O gênero questionário 224 (ver imagem a seguir) que, na oficina anterior, foi trabalhado sob o ponto de vista da escrita, agora foi utilizado para a leitura em voz alta, já que os diferentes grupos que os produziram ficaram responsáveis pelas indagações na palestra interativa. Figura 39 – Gênero questionário Fonte: Acervo da Pesquisa. As leituras de perguntas de naturezas diversas fizeram parte da estratégia da oficina de evidenciar o assunto do projeto sob os mais diversos aspectos, embasados na curiosidade dos estudantes. Nessa ocasião, as atividades de leitura funcionaram como elementos para fazer com que as produções dos grupos fossem debatidas e socializadas para toda a turma.  Sobre a escrita Os usos da escrita também foram requeridos na oficina. As atividades de produção textual ocorreram de forma imbricada aos questionamentos realizados junto ao palestrante. À medida que as perguntas eram realizadas, os integrantes pertencentes ao grupo responsável 225 pelas indagações ficavam incumbidos de promover o registro das respostas (vide imagem a seguir). Para cada uma das perguntas realizadas, eram registrados resumos dos feedbacks que eram dados pelo palestrante e por outros componentes da turma. Figura 40 – Registro das respostas do questionário Fonte: Acervo da pesquisa. Os diferentes grupos, que anteriormente produziram questionários com perguntas elaboradas por eles próprios, procuraram registrar as respostas, posicionamentos e ideias resultantes das discussões oportunizadas pela palestra. O gênero questionário foi desenvolvido em duas frentes e, em ambas as etapas de sua implementação, buscou-se respeitar a sua natureza social. A produção do questionário foi importante porque os alunos puderam organizar, por meio da escrita, os conhecimentos discutidos. Aqui, mais uma vez, eles foram estimulados a produzir um gênero voltado para as necessidades comunicativas, já que era indispensável sistematizar os conhecimentos. 226  Reflexões acerca da oficina A realização da palestra resultou em um momento em que os alunos consolidaram as opiniões que haviam formado sobre o assunto. A promoção desse tipo de evento de letramento interativo foi fundamental porque favoreceu não só a troca de informações, mas a partilha de saberes e o desenvolvimento de um apanhado de resultados indispensáveis à viabilidade da ação seguinte: uma oficina de produção de cartazes e panfletos. A implementação da palestra, realizada por um agente de letramento externo à nossa comunidade escolar, foi uma oportunidade de trazermos para o projeto a contribuição de um agente de letramento integrante da comunidade. Fizemos valer a recomendação de Kleiman (2014) acerca da importância de se trazer para o universo da escola um “agente de letramento, que pode ser o professor, um voluntário da comunidade, um pesquisador, que orienta o trabalho do aluno fornecendo materiais relevantes e modelos de atividades significativas” (KLEIMAN, 2014, 88). Essa iniciativa também foi impulsionada pelos achados do mapeamento dos eventos de letramento de que participam os alunos em seu dia a dia. Esses eventos mostraram a realidade social dos alunos, envolta pela interação e pela troca de experiências e conhecimentos com sujeitos da comunidade. A ideia do convite do palestrante, que faz parte do quadro de pessoal da Secretaria de Educação do município de Jaboatão dos Guararapes, surgiu em razão do planejamento do nosso projeto e em virtude da experiência do convidado frente aos aspectos que precisávamos discutir. A sua vinda até a escola ocorreu de maneira voluntária e todos os detalhes da sua participação foram articulados via e-mail. Nas imagens abaixo, mostramos alguns momentos da palestra realizada: 227 Figura 41 – Palestra sobre os diversos usos de dispositivos de ordem tecnológica na escola Fonte: Acervo da pesquisa. A palestra, iniciada por meio da apresentação do palestrante, que também introduziu suas considerações, transcorreu por meio das perguntas formuladas pelos estudantes, as quais foram pautadas à medida que as discussões fluíam, gerando discussões. A palestra fo um momento em que os estudantes expuseram os resultados de suas pesquisas e exercitaram a oralidade por meio do amplo debate. Foram discutidas questões referentes à pauta do uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola e também questões polêmicas, que dizem respeito à vida em sociedade: consumismo, dependência da tecnologia, facilidades cotidianas, invasão de privacidade, fake news etc. A inserção desses aspectos na pauta de discussões desencadeou um amplo debate, já que os alunos, no uso cotidiano da escrita fora da escola, estão acostumados a tratar de questões controversas. Sobre a participação nessa oficina, vejamos o que nos diz um dos estudantes da turma 3b: [...] gostei muito dele poder responder as nossas dúvidas. O professor sabe muitas coisas, mas esse convidado faz muito isso, então ele é experiente, sabe profundamente. Eu achei interessante porque você passa a ter um leque de informações diferentes e outra visão. Eu acho isso importante porque privar as informações ou deixar só para o grupo não é muito legal, pois tudo o que fizemos foi para o benefício da sala, levantando dúvidas e todos sabendo as respostas. Em outra atividade dessas eu gostaria de ver outras pessoas, como o governador Paulo Câmara (Samuel). 228 Nesse depoimento, o estudante nos dá um importante feedback acerca da ação que realizamos. Chamou-nos atenção, em particular, sua percepção em achar relevante a socialização daquilo que internamente o seu grupo discutiu. Esse aspecto, que às vezes não é considerado em atividades escolares, é fundamental, porque na vivência social cotidiana isso sempre acontece. No dia a dia, os alunos sempre compartilham conhecimentos e experiências. Nessa ocasião, os estudantes agiram como nas práticas de usos cotidianos da escrita fora da escola, levando suas produções a outros interlocutores. Foi uma estratégia que proporcionou aos estudantes o compartilhamento de suas produções com outros sujeitos, tornando-as significativas.. Sobre isso, Kleiman (2000) e Oliveira (2010b) ressaltam que toda e qualquer prática de escrita demanda outro, um interlocutor, uma pessoa ou grupo para a qual a prática de escrita está voltada. Por fim, os diferentes grupos terminaram seus questionamentos, iniciados por meio dos conhecimentos explorados nas pesquisas e, depois, rediscutidos na palestra interativa. Mais uma vez, eles foram incitados a produzir um gênero visando necessidades comunicativas, já que era indispensável sistematizar os conhecimentos explorados. Além disso, o questionário seria crucial para a implementação das nossas próximas ações e, em particular, para o desenvolvimento da oficina de construção de cartazes e panfletos. Um debate orientou o andamento desta oficina, o que favoreceu o exercício da oralidade, o compartilhamento de informações e o espírito colaborativo. Foi uma oficina que primou pela ampla troca de conhecimentos, acessados por meio de posicionamentos, ideias e perguntas, derivados dos participantes.  Tema O uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola em debate.  Objetivos Fortalecer os conhecimentos adquiridos sobre o assunto do projeto; favorecer a capacidade de colaboração e a troca de saberes; desenvolver a habilidade de expressar-se oralmente de forma organizada, clara e coerente. Oficina de letramento 6 229  Grupo Turma 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotação, relatório, debate, discussão em grupo.  Sobre a oralidade As atividades que proporcionaram o exercício da oralidade representaram o ponto alto desse evento de letramento. Nessa ocasião, tanto os estudantes quanto o mediador foram oportunizados a expor seus posicionamentos acerca dos pontos que eram ensejados. As discussões foram iniciadas pelo mediador da oficina e moderador do debate, que promoveu as considerações iniciais e apresentou o tema e as estratégias do evento. Em vista disso, as regras do debate foram relembradas: organização dos participantes e argumentadores de cada grupo; tempos das considerações e intervenções de cada debatedor; determinação dos turnos e direitos de resposta de cada equipe; manutenção da discussão dentro do tema e dos objetivos da oficina. Os estudantes colocaram suas dúvidas no tange ao andamento da oficina e uma discussão em grupo aconteceu, de modo que todos os detalhes fossem explicitados. Os alunos fizeram os questionamentos formulados previamente por meio das informações levantadas nas pesquisas e na produção do mural e debatiam com argumentos embasados nas oficinas anteriores. O debate foi uma oportunidade para a ampla troca de conhecimentos, pois aos estudantes eram proporcionados momentos para posicionamentos, perguntas, réplicas e tréplicas. O exercício da oralidade foi efetivado porque nesta oficina os diferentes integrantes puderam fazer uso da fala sempre que necessário. Também era dada oportunidade para que os integrantes dos demais grupos pudessem colocar seus posicionamentos. Desse modo, os grupos puderam introduzir todas as perguntas e as discussões fluíram à medida que as respostas aos diferentes questionamentos eram prontamente atendidas. O conhecimento gerado pelos próprios estudantes instaurou o sucesso da oficina. Nesse sentido, a oralidade foi amplamente explorada, já que as recepções e pronunciamentos aconteceram de forma livre, respeitando os turnos e tempos de exposição do outro; a expressão de ideias foi efetivada em condições de igualdade; houve respeito às exposições acerca dos diferentes posicionamentos e os participantes evitaram utilizar argumentos repetidos e observaram as normas anteriormente combinadas. 230 Por meio de discussões em grupo, buscamos mostrar a necessidade de sistematização das informações e experiências que foram exploradas no debate. Nesse sentido, os estudantes foram estimulados a produzir um relatório para organizar a experiência da participação no debate. As discussões aconteceram no sentido de dirimir as dúvidas dos estudantes sobre o gênero. No quadro a seguir, mostramos como a caracterização do relatório foi explorada por meio das respostas dadas pelos alunos no que confere o conhecimento sobre o gênero e das explicitações realizadas pelo mediador. Quadro 17 – Descrição do gênero relatório Gênero relatório O relatório é um gênero que tem como foco o ato de descrever ou relatar a respeito de um determinado acontecimento ou atividade na escola, na universidade, no trabalho etc., enfatizando seus aspectos relevantes. É um gênero que se apresenta nas modalidades escrita ou oral e traz um conjunto de informações pormenorizadas sobre determinado tema. Características Há certa diversidade de tipos de relatórios, alguns relatórios podem ser críticos, com presença de argumentação. Outros apresentam predominância de textos expositivos, de caráter narrativo e descritivo. A linguagem presente nos relatórios é formal, com a utilização da norma padrão da língua. Outros dados podem ser expressos no relatório visando à sua complementação: gráficos, tabelas, quadros, dados numéricos, figuras etc. O relatório é produzido com base no assunto tratado e de acordo quem o solicita, podendo ser um professor, um órgão público ou uma instituição particular. Como exemplo de situações que podem desencadear a feitura de um relatório, temos: participação num evento ou atividades culturais, apreciação sobre um filme, atividade em sala de aula etc. Fonte: Baseado em Costa (2012). As discussões foram profícuas, no sentido de explorarmos as informações acessadas no decorrer do projeto. Em função disso, recuperamos as pautas anteriores questionando os estudantes e buscando elencar questões-chave do projeto: respeitar a lei que regulamenta o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, no âmbito da escola; entender que o uso dos dispositivos na escola só pode ser efetivado mediante a anuência de professores e demais integrantes da gestão escolar; e utilizar os aparelhos no ambiente escolar somente para o atendimento de questões pedagógicas. As discussões também versaram no sentido de sintetizar os aspectos específicos que dizem respeito aos usos produtivos e improdutivos dos aparelhos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola e sugestões com vistas ao aprimoramento desses usos nos ambientes escolares. Essa sistematização das informações subsidiou as discussões sobre a produção final do relatório. 231  Sobre a leitura Nesse momento, foram imprescindíveis as informações e conhecimentos que os estudantes haviam sistematizado a partir das pesquisas e do mural que desenvolveram na oficina 4. Muitos dos argumentos expostos na oficina foram retomados e reelaborados a partir das atividades desenvolvidas anteriormente. Um exemplo foram as perguntas enunciadas durante o debate (vide imagem a seguir), que surgiram de reinterpretações dos estudantes acerca dos conhecimentos e informações já explorados. A leitura das perguntas implementadas a partir dos argumentos organizados anteriormente ocorreu de forma regrada, à medida que os diferentes grupos eram acionados durante a atividade. Figura 42 – Perguntas desenvolvidas para o debate Fonte: Acervo da Pesquisa. 232 As considerações e pontos importantes debatidos eram sistematizados de forma escrita pelo mediador no quadro branco e representaram uma síntese dos argumentos apresentados pelos diferentes debatedores, destacando os pontos mais representativos. Esses argumentos eram constantemente abordados em forma de leitura para embasar respostas e pontos de vista dos participantes. Assim, as atividades de leitura ocorreram no sentido de rememorar pontos- chave do debate e rediscuti-los sob outras perspectivas.  Sobre a escrita As atividades com vistas à produção de texto aconteceram de forma imbricada ao debate. À medida que as perguntas, falas, exposições, ideias e argumentos eram proferidos, os integrantes pertencentes aos grupos, principalmente aqueles não responsáveis pelas indagações, efetivavam o registro das diferentes considerações. A escrita, nesse caso, foi de fundamental importância para a organização das ideias debatidas. Assim, os estudantes se organizaram no sentido de fazer réplicas e tomar o devido cuidado para evitar repetições de argumentos e se posicionar de forma pertinente às provocações. . A realização desta oficina representou, ainda, uma oportunidade para os alunos se debruçarem sobre o assunto do projeto a partir das contribuições de todo o grupo. O conjunto de informações que eram geradas e registradas forneceu subsídios para o desenvolvimento de um relatório acerca do que era debatido. Os relatórios foram decisivos para que os estudantes organizassem as informações produzidas, de forma que ficassem sistematizadas. Mais uma vez, os alunos fizeram uso um gênero respeitando a sua natureza social. A elaboração dos relatórios (ver figura abaixo), além de relevante do ponto de vista do registro de informações, seria fundamental para as próximas ações do projeto nessa turma. 233 Figura 43 – Gênero relatório Fonte: Acervo da pesquisa. O trabalho com o debate e, posteriormente, a produção dos relatórios, ratifica nossa postura de criar condições sociais de uso da escrita, pois, os usos efetivados ocorrem em razão de necessidades comunicativas do grupo. Os registros realizados e a produção dos relatórios, além de produtivos do ponto de vista da organização dos conhecimentos e informações, funcionaram como elementos para a próxima oficina.  Reflexões acerca da oficina A realização de um debate surgiu da necessidade de fazermos com que os estudantes se apropriassem com mais afinco das informações e opiniões que já haviam discutido e pesquisado. O debate consistiu num espaço valioso, no qual foi possível promover discussões e aprofundamentos sustentados por uma aprendizagem verdadeiramente colaborativa. 234 Para a realização do debate, permanecemos com a formação da turma em grupos, divididos entre os que argumentariam em favor do uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola e aqueles que apontariam os aspectos negativos referentes a essa utilização. A ação fluiu por meio da exposição de um determinado grupo por meio de explanações e discussões, que, em seguida, eram comentadas e questionadas pelo outro, e vice-versa. Nessa ocasião, a pauta extrapolou as discussões concernentes ao uso das tecnologias na escola. Foram abordados, também, outros aspectos que despertam curiosidade nos estudantes, por exemplo: economia, mídias e redes sociais, hábitos e problemas de saúde típicos do uso exagerado do dispositivo, notícias falsas etc. O trato desses assuntos polêmicos foi importante, pois os alunos costumam travar debates dessa natureza no cotidiano de práticas de escrita fora da escola. Além disso, são assuntos que fomentam mudanças atitudinais. A implementação desse evento de letramento representou uma oportunidade para os estudantes discutirem o assunto e exercitarem a oralidade a partir dos conhecimentos que eles mesmos haviam construído. Tudo feito conforme o ritmo de cada participante. “Nesse processo, não há só ensinantes nem só aprendentes. Juntos, todos ensinam e aprendem, devendo a construção do conhecimento ocorrer num clima autêntico de trocas e de compromissos” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 44). Mediados pelo professor moderador, os alunos foram envolvidos em uma atividade que valoriza a experiência reflexiva e a ação compartilhada, garantindo “que a aprendizagem se dê como uma ação coletiva, traduzindo-se não como resultado de um conteúdo transmitido em grupo e para o grupo, mas como uma ação partilhada pela palavra do discente e do docente na busca da compreensão de uma situação-problema significativa para ambos” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 35). A promoção desta oficina significou uma oportunidade para os estudantes se debruçarem sobre o assunto e produzirem um relatório acerca do que foi debatido. Os relatórios foram decisivos para que os estudantes organizassem os conhecimentos acessados e atentassem para a função social do gênero abordado. O trabalho com o debate e depois com a produção dos relatórios ratifica, portanto, nossa postura de criar condições sociais de uso da leitura e da escrita, pois esses usos não ocorrem no vazio, mas sempre numa situação histórica e social concreta. Assim como ressaltado pelo aporte teórico-metodológico dos PL, incentivamos os estudantes a escreverem 235 não apenas em virtude da obtenção de notas e aprovações, mas em razão de concretizarem ações sociais diversas. A produção dos gêneros cartaz e panfleto representou o norte desta oficina. Nesse sentido, os estudantes foram incentivados a produzir gêneros com vistas à realização de uma campanha de conscientização em duas comunidades escolares vizinhas.  Tema Produzindo gêneros para a campanha de conscientização nas escolas vizinhas.  Objetivo Produzir cartazes e panfletos com vistas à conscientização do uso do celular na escola.  Grupo Turma 3a  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotação, cartaz, panfleto e questionário.  Sobre a oralidade Nesta oficina, foram discutidas muitas questões em grupo. Numa dessas primeiras explorações, relembramos os momentos das oficinas anteriores (2, 4 e 5) e as informações e experiências que pudemos trocar naqueles eventos de letramento. As atividades escritas desenvolvidas com intuito de problematizar os sentidos dos textos e os questionários, compostos com perguntas e respostas, advindos de apanhados das pesquisas e da palestra, serviram como subsídio para as discussões. Mereceram destaque as conversas acerca de como os textos verbais (slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas e instituições), que estão presentes e são fundamentais na composição dos gêneros, variam em função de vários aspectos: tamanho ou volume de informações, léxico empregado, opções sintáticas, objetivos buscados, sentidos apreendidos e conexões com os interlocutores etc. Buscamos reintroduzir Oficina de letramento 7 236 uma discussão que foi vivenciada na oficina 2, mas que seria de extrema valia para a execução desse evento de letramento. No que tange às orientações acerca da produção dos gêneros, buscamos questionar os estudantes sobre os conhecimentos prévios sobre o gênero cartaz. As discussões em grupo foram desencadeadas por meio de perguntas como: Quais são os elementos organizacionais e estruturais dos cartazes? Qual a função desse gênero no meio social? Em que locais podemos encontrá-los? Como é a linguagem empregada? Há uso de linguagens não-verbais? Como são essas linguagens? No quadro a seguir, apresentamos um resumo dos elementos explorados: Quadro 18 – Descrição do gênero cartaz Gênero cartaz O cartaz é um gênero textual geralmente apresentado em papel sem um tamanho definido, mas em muitos casos, opta-se por uma dimensão grande, para que possa ser visto a certa distância. É marcado especialmente pela função informativa, bem como pela função persuasiva. Por isso, representa um importante meio de publicidade e de informação visual, já que é usado quando desejamos divulgar algo, alguém ou alguma coisa. Características O cartaz é um gênero muito comum, pois é frequente nos depararmos com eles nas ruas, nas manifestações, nos cinemas, hospitais, farmácias, escolas etc. A escolha dos lugares certos para afixá-los é uma tarefa muito importante, por isso, devemos optar por locais estratégicos, onde passem muitas pessoas, para que o cartaz seja percebido e tenha uma fácil visualização. No que confere à finalidade discursiva, a sua importância recai na mensagem a ser transmitida aos interlocutores desejados. No geral, eles possuem um texto conciso, claro, objetivo e atrativo, aliado à presença de recursos da multimodalidade como, imagens, cores, fontes de tamanhos e formas diversas. Aliás, essa sua característica de imbricar o verbal e o não-verbal é um dos seus recursos mais utilizados a fim de chamar a atenção do olhar das pessoas. Em muitos casos, tanto as letras quanto os outros recursos desse gênero possuem tamanhos grandes para que possam ser vistos e lidos a certa distância. Fonte: Baseado em Costa (2012). Ainda no tocante às discussões em grupo, exploramos aspectos referentes ao gênero panfleto. Os conhecimentos prévios dos estudantes foram fundamentais para introduzirmos as conversas sobre o gênero, que ocorreram por meio de perguntas como: Vocês já fizeram uso de um panfleto? Em que local isso aconteceu? Qual era o tamanho do texto desse gênero? Quais eram as informações ou orientações contidas do gênero? Qual era o objetivo da empresa ou instituição que promoveu os panfletos? As informações ou orientações recebidas estavam claras? Por quê? No quadro a seguir, apresentamos outras características do gênero panfleto exploradas: 237 Quadro 19 – Descrição do gênero panfleto Gênero panfleto O panfleto constitui-se de um texto de natureza publicitária, geralmente em tamanho pequeno para facilitar o seu manuseio. É composto por folha avulsa em um material que pode variar em razão do objetivo e dos recursos disponíveis. Ele é distribuído de forma presencial em locais em que há grande circulação ou deixado em locais estratégicos para serem acessados pelas pessoas. Características A sua principal função é a de conscientizar, instruir ou persuadir as pessoas, a depender do objetivo do locutor, que pode ser uma empresa interessada em vender seus produtos ou uma instituição visando informar ou instruir determinado público. As temáticas dos panfletos podem ser as mais variadas. Na escola, por exemplo, elas podem versar sobre um assunto de grande relevância para o grupo. Quanto aos suportes, os panfletos geralmente circulam de forma impressa. No que diz respeito às suas características estruturais e linguísticas, os panfletos podem apresentar linguagem verbal e não verbal ou serem compostos por apenas uma dessas. A linguagem empregada é direta e objetiva, com informações claras sobre o assunto em pauta. É muito comum o emprego de um léxico acessível à maioria dos leitores. Fonte: Baseado em Costa (2012). As diferentes orientações e discussões estabelecidas embasaram as ações dos estudantes, que, em grupos, debateram os gêneros de natureza institucional e particular e planejaram as opções mais viáveis para a produção dos gêneros e decidiram sobre quais elementos comporiam suas produções. Os gêneros produzidos contaram com a orientação do professor, mas representam o resultado das escolhas dos próprios alunos.  Sobre a leitura As atividades que demandaram leitura nesta oficina se iniciaram a partir das produções textuais que foram desenvolvidas nas oficinas anteriores. As diferentes produções dos estudantes foram cruciais para que pudéssemos fundamentar as leituras de apoio. Em especial, foram de muita valia os textos produzidos nas oficinas 2, 4 e 5 – as atividades de estudo dos sentidos dos textos, e os apanhados realizados nas pesquisas e na palestra, dispostos em forma de questionário com perguntas e respostas. No que tange aos estudos referentes às características dos gêneros explorados, as atividades de leitura foram relevantes porque os estudantes puderam refletir sobre os diferentes elementos que os compõem com base na análise de gêneros em seus suportes, coletados na comunidade e trazidos para estudo (vide exemplos a seguir). 238 Figura 44 – Gêneros explorados na oficina Fonte: Diversas54 As leituras, acompanhadas de discussões em grupo, eram realizadas de forma a observar e analisar os diferentes gêneros. À medida que realizávamos as leituras, instigávamos os estudantes acerca dos conhecimentos prévios. As atividades de leitura tinham como foco os elementos organizacionais e estruturais dos gêneros, as linguagens empregadas, verbais e não verbais etc. Mereceram destaque nesse momento as leituras referentes às configurações dos cartazes e panfletos e o predomínio da utilização de linguagens verbais e não verbais em ambos os gêneros, evidenciando a multimodalidade. As muitas semioses que compõem os gêneros (imagens, cores, fontes, formas etc.) são muito presentes nessas categorias de gêneros e esse foi um aspecto que exploramos por meio de muitas leituras.  Sobre a escrita As atividades que abordaram a produção de texto aconteceram de modo que os estudantes colocassem em prática os conhecimentos acessados por meio das leituras e discussões. A escrita foi, nesse caso, o elemento para a concretização das ideias e anseios de cada grupo. Os diferentes grupos produziram, cada um, pelo menos um cartaz e um panfleto, tomando como base a dinâmica das ações anteriores: a primeira metade dos grupos pautou as 54 Imagem à esquerda: cartaz de divulgação da Campanha de Doação de Leite do Ministério da Saúde. Imagem à direita: panfleto da marca Imecap distribuído em farmácias. 239 produções acenando para os usos produtivos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, e a segunda metade evidenciou, em suas produções, a utilização não recomendada dos dispositivos. As atividades realizadas com vistas à escrita representaram um importante momento para a utilização de linguagens verbais e não verbais. Nessa perspectiva, os estudantes produziram textos verbais fazendo uso das diferentes semioses para compor os gêneros (imagens, cores, fontes, formas etc.). Todas as produções partiram de uma criação exclusiva dos grupos, sem que fossem utilizadas imagens e ou modelos prontos. Convidamos os estudantes a produzirem duas diferentes categorias de gêneros que geralmente se utilizam de múltiplas linguagens na sua composição. Assim, para produzirem os cartazes e os panfletos, os estudantes, experientes no trato da interação que levou em conta a multimodalidade, fizeram uso de uma série de artifícios para incrementar suas produções: fotografias tiradas pelos seus celulares, recursos de cores de fundo, fontes de cores e tamanhos diferentes, desenhos etc. Abaixo, mostramos algumas dessas produções que os alunos desenvolveram: Figura 45 - Gêneros produzidos pelos estudantes Fonte: Acervo da pesquisa. Dessa forma, incentivamos os alunos a utilizarem as linguagens sob diferentes aspectos, considerando inclusive os interlocutores. Nesse sentido, os estudantes produziram gêneros utilizando diferentes recursos verbais e não-verbais, a fim de atingirem o objetivo que pretendiam, coadunando as diferentes linguagens. Os estudantes, mais uma vez, fizeram uso dos seus aparelhos celulares para a produção dos gêneros cartaz e panfleto. A utilização dos celulares pelos alunos foi muito útil 240 para a execução das atividades da oficina, pois foi possível utilizar o aparelho para diversificar as fontes e cores usadas, tirar fotografias, ajustar brilho e intensidade das imagens etc. Abaixo, mostramos imagens que mostram os materiais e alguns momentos da oficina de produção de cartazes e panfletos: acima à esquerda, aluna tirando uma foto para produzir os gêneros; acima à direita, cartaz impresso para ser finalizado; abaixo, alunos segurando os seus cartazes e panfletos já produzidos. Figura 46 – Imagens da oficina de produção de cartazes e panfletos Fonte: Acervo da pesquisa. Esse foi um evento de letramento em que os alunos participaram e fizeram uso de diferentes habilidades e recursos. Foram utilizadas, recorrentemente, as câmeras dos aparelhos celulares, os programas de edição de imagem, o touch screen, o control+“c” – control+“v” etc. As atividades foram executadas levando em consideração as habilidades e competências dos alunos e as possibilidades materiais possíveis. 241  Reflexões acerca da oficina Esta oficina, em que promovemos a produção de cartazes e panfletos, consistiu em uma ação que colocou os alunos frente ao desafio de produzir conteúdos que agregassem as diversas reflexões que realizaram até o momento. Nesse sentido, eles foram incentivados a produzir gêneros demonstrando coerência e considerando as suas finalidades, suas características e os seus interlocutores, que eram integrantes de outras comunidades escolares. A produção de dois gêneros de características diferentes, mas de naturezas parecidas, foi uma forma de estudantes montarem estratégias que visam ao convencimento de outros sujeitos, já que seria a partir da utilização dos cartazes e panfletos produzidos que realizaríamos uma campanha de conscientização em duas comunidades escolares vizinhas a nossa, a próxima e última etapa do projeto nessa turma. A oficina foi um evento de letramento realizado mediante a manutenção dos mesmos grupos que haviam se formado anteriormente. Foi colocada em prática por meio de orientações acerca das particularidades dos gêneros a serem produzidos. Dessa forma, falamos aos estudantes sobre como os cartazes e panfletos compõem o quadro de mais um dos gêneros textuais que circundam o nosso cotidiano, pois podemos encontrá-los nas ruas, repartições públicas, estabelecimentos comerciais, cinemas, teatros, dentre outros. Fizemos a contextualização sócio-histórica dos dois gêneros e retomamos muitas das discussões que já haviam sido explicitadas quando da realização das oficinas anteriores. Os diferentes grupos ficaram responsáveis, portanto, por produzirem, cada um, pelo menos um cartaz e um panfleto, levando em consideração a dinâmica das ações anteriores: os grupos que trataram dos usos produtivos de dispositivos oriundos das novas tecnologias pautariam seus gêneros nessa perspectiva, já aqueles grupos que discutiram a utilização não recomendada dos dispositivos focariam suas produções nesse aspecto. Uma orientação relevante que fizemos quanto à configuração dos cartazes e panfletos corresponde à obrigatoriedade de utilização de linguagens verbais e não verbais. O uso de diferentes semioses compôs os gêneros (imagens, cores, fontes, formas etc.), a partir de criações de exclusividade dos grupos, evitando, portanto, modelos prontos e/ou imagens recuperados da internet. Os estudantes se debruçaram para compreender gêneros que apresentam de forma imbricada textos verbais e outras linguagens, como as imagens. Todos esses aspectos trabalhados foram fundamentais, já que despertaram a criatividade nos estudantes. 242 Assim, para produzirem os cartazes e os panfletos, os estudantes, experientes no trato da interação multimodal, fizeram uso de uma série de recursos para incrementar suas produções: fotografias tiradas pelos seus celulares, recursos de cores de fundo, fontes de cores e tamanhos diferentes, desenhos etc. Eles agiram conforme propõem Kleiman e Borges da Silva (2008), quando ressaltam que trabalhar desse modo significa adotar um modelo situado das práticas de uso da língua, em que todas os nuances que explicam os usos da modalidade escrita devem ser devidamente considerados para a compreensão do ato comunicativo. Nessa perspectiva, os estudantes recorreram às produções textuais das etapas anteriores e as reflexões geradas naquele momento. Essa oficina se mostrou representativa porque os estudantes foram incentivados a usarem as habilidades que possuem para produzir os gêneros. Nesse sentido, eles foram estimulados a tirar fotografias, configurar imagens, criar frases de impacto etc. Os alunos trabalharam a partir de uma seleção de saberes e práticas que lhes são familiares, situadas entre aquelas funcionais para a vida na comunidade, além de serem socialmente relevantes para a participação na vida social de outras comunidades que, um dia, poderão ser utilizadas para a mudança e a melhoria do futuro do próprio aluno e seu grupo (KLEIMAN, 2007). A oficina representou uma oportunidade para os estudantes produzirem gêneros que pertencem a domínios sociais do campo da propaganda e que, normalmente, podem não ser tão comuns na escola, pelo menos do ponto de vista da produção. Procuramos agir de forma a ampliar a competência comunicativa dos alunos e de buscar vincular as práticas escolares àquelas advindas de outros domínios sociais (OLIVEIRA, 2010a). Nesse sentido, Kleiman (2007) afirma que quanto mais um indivíduo participa de situações sociais em que os gêneros são requeridos, mais ele se apropria das suas particularidades, “pois é seu conhecimento o que permite participar nos eventos de diversas instituições e realizar as atividades próprias dessas instituições com legitimidade” (KLEIMAN, 2007, p. 08). Essa ação do PL “Celular na sala de aula, sim ou não?” exemplificou de forma concreta uma ressignificação no que diz respeito aos usos dos materiais necessários as atividades desenvolvidas na escola. Mesmo sem os estudantes e nem a escola disporem de recursos materiais considerados sofisticados, ainda assim foi possível realizar várias atividades com os recursos disponibilizados pela turma e a escola. Com vistas a exemplificar na prática o objetivo do projeto, instamos os estudantes a, mais uma vez, utilizarem os celulares para a produção dos cartazes e panfletos. Tomando o devido cuidado para que todos os grupos tivessem condições materiais suficientes para dar 243 conta das tarefas, incentivamos os diferentes grupos a produzirem os gêneros levando em consideração os recursos dos seus dispositivos. Na prática, a introdução dos celulares dos alunos para o desenvolvimento das atividades agradou muito a eles. Como o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias em ações cotidianas dos jovens é algo corriqueiro, não demorou para que os diferentes grupos começassem a mobilizar suas habilidades, aplicativos e outros recursos de diferentes naturezas para a execução da oficina. As atividades consideraram, contudo, não só os aparelhos celulares dos estudantes, mas também as especificações dos dispositivos, de forma que todos os grupos tivessem plenas condições de execução da tarefa. Os eventos de letramento de que os alunos participam no dia a dia estão atravessados pelo uso de recursos materiais que são indispensáveis ao exercício das práticas de letramento cotidianas. São recursos que proporcionam a produção textual e vão além do uso exclusivo dos clássicos papel e caneta/lápis, muito enfatizados no trabalho em sala de aula. Nesse sentido, a participação dos estudantes na oficina foi uma oportunidade para eles utilizarem tanto o celular como os seus recursos, como as câmeras, o touch screen, o control+“c” – control +“v” etc., enfim, todas as possibilidades em prol do sucesso da atividade. Ainda no que diz respeito aos recursos necessários à realização da oficina, é relevante salientar que todas as atividades foram executadas levando em consideração as possibilidades materiais da turma e da escola. Começamos pelos usos dos celulares para compor os arquivos digitais dos cartazes e panfletos. Após isso, fizemos uso da impressora e da máquina copiadora da própria escola para imprimir os arquivos e finalizamos recortando os panfletos e montando os cartazes. O trabalho em grupo, por meio do compartilhamento de informações e experiências, fez com que os estudantes responsáveis por coordenar as atividades prestassem um papel importante no que diz respeito à socialização das ideias e opções quanto à produção dos gêneros. Nessa oficina, pudemos perceber a importância dos potenciais individuais e o estímulo decorrente de ações que partem de decisões e necessidades dos próprios estudantes. Foi uma oportunidade para envolver os alunos, compartilhar tarefas e dividir responsabilidades com vistas ao alcance de um objetivo comum. Os cartazes e panfletos foram imprescindíveis para a execução da próxima e última ação referente à turma 3b: uma campanha de conscientização junto às comunidades escolares vizinhas, que contará com a colagem dos cartazes e a distribuição dos panfletos. Assim como proposto pelo referencial teórico-metodológico dos PL, as ações e gêneros desencadeados pelo nosso projeto estão interconectados e miram o alcance do objetivo social do grupo. 244 A condução desta oficina ocorreu mediante à produção do gênero postagem. Foi uma atividade que levou os estudantes a produzirem um gênero de forma muito parecida com as suas interações cotidianas, tendo em vista o desenvolvimento de uma campanha virtual de conscientização, objeto da próxima oficina.  Tema Produzindo gêneros para a campanha de conscientização na escola Martins Júnior  Objetivos Produzir postagens para as redes sociais; elaborar gêneros com conteúdos com vistas à conscientização do uso do celular no âmbito da escola.  Grupo Turma 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotação, postagem e relatório.  Sobre a oralidade Nesta oficina, as discussões em grupo se iniciaram a partir de explicitações sobre os momentos e informações acessados nos momentos anteriores do projeto. Particularmente, foram exploradas as produções, informações e experiências abordadas nas oficinas 2, 4 e 6. As atividades escritas desenvolvidas em razão da problematização dos sentidos dos textos e os relatórios, compostos com o apanhado das pesquisas e do debate foram cruciais para o embasamento das discussões e para o desenvolvimento desse evento de letramento. Em função disso, foram importantes as conversas sobre como as os textos verbais (slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas e instituições), disponíveis nos gêneros, podem ganhar diferentes configurações e variar em função do tamanho dos textos, do léxico empregado, das opções sintáticas, dos objetivos buscados, dos sentidos apreendidos e das conexões com os interlocutores etc. A reintrodução dessa Oficina de letramento 8 245 discussão, vivenciada na oficina 2, foi de fundamental relevância para a produção das postagens para redes sociais. Sobre as orientações acerca da produção do gênero postagem, os estudantes foram indagados acerca dos seus conhecimentos prévios no que diz respeito a esse gênero, que é muito comum para eles. Assim, as discussões, por meio de perguntas direcionadas aos alunos, foram iniciadas para que pudessem recuperar o gênero e refletir sobre ele a partir dos próprios conhecimentos: Geralmente, como é uma postagem? Quais são os elementos que a compõem? Qual a função desse gênero? Que recursos utilizamos para acessá-las? Podemos interagir por meio dela? Quem são as pessoas com quem interagimos nesse gênero? Como é a linguagem empregada? Há uso de linguagens não-verbais? Como são essas linguagens? No quadro a seguir, apresentamos os elementos explorados: Quadro 20 – Descrição do gênero postagem Gênero postagem A postagem, popularmente conhecida como post (em razão do verbo em inglês to post) trata-se de um gênero textual próprio do ambiente digital, já que tem como suporte textual a rede social. Esse gênero é utilizado pelos integrantes de determinada comunidade com o intuito de tornar algo público num contexto eminentemente interativo. O conteúdo ou produto da postagem é variável, de acordo com a função da rede social, podendo ser textos verbais, imagens, links, vídeos etc., ou esses elementos imbricados. Características O gênero postagem é o resultado de uma produção individual de alguém ou alguma instituição/Grupo. Um dos elementos do gênero é o nome da pessoa e ou Grupo/instituição responsável pela sua produção. Geralmente, a postagem versa sobre alguma temática em particular: esporte, viagem, reflexão pessoal etc., que podem ser encontradas na linha do tempo do locutor. A postagem é passiva de visualizações tanto de membros da rede social a que pertence o locutor, quanto por outras pessoas que tenham ligação com a rede social e possam acessá-la. Necessariamente, a postagem não implica uma interação instantânea, mas pode favorecer, entre os integrantes da rede social utilizada, a participação, inclusive por meio de outros gêneros. Os elementos e a linguagem empregada dependem da rede social utilizada e ou do nível de intimidade das pessoas conectadas. Fonte: Acervo da pesquisa. As discussões em grupo continuaram à medida que a oficina fluía. Nesse sentido, as conversas eram desencadeadas em função dos planejamentos, estratégias, questionamentos e necessidades de cada integrante ou grupo e por meio de observações do mediador acerca do andamento das atividades. Em razão disso, os estudantes debateram acerca de demais características dos gêneros e de modelos que inspiraram suas produções com base em pesquisas realizadas na internet. 246  Sobre a leitura Acerca das atividades que implicam leitura, nesta oficina, os materiais produzidos nos momentos anteriores foram muito importantes. As diferentes produções textuais desenvolvidas pelos estudantes funcionaram como leituras relevantes para apoiar o andamento das atividades. Particularmente, os estudantes fizeram a leitura dos textos produzidos nas oficinas 2, 4 e 6 – as atividades referentes ao estudo dos sentidos dos textos, e as produções desenvolvidas nas pesquisas e no debate, sistematizados em forma de relatório. Com relação às leituras referentes às características do gênero postagem, as atividades ocorreram no sentido da exploração dos seus diferentes elementos. As leituras do gênero, acompanhadas de questionamentos que buscavam investigar o conhecimento prévio dos alunos, tiveram o apoio de gêneros digitais exibidos pelo projetor de slides, coletados nas redes sociais e trazidos para estudo (vide exemplos a seguir). Figura 47 - Gêneros postagem em rede social Fonte: Diversas55. Enfatizamos as leituras com foco nas configurações das postagens no que diz respeito à utilização de linguagens verbais e não verbais, o que evidenciou o predomínio da multimodalidade. Os diversos recursos que compõem o gênero (imagens, cores, fontes, formas etc.), foram explorados por meio de leituras. 55 Imagem à esquerda: postagem do Grupo Fiat na rede social facebook. Imagem à direita: postagem do Ministério da Educação na rede social Intagram. 247 As discussões em grupo e as leituras realizadas a partir dos gêneros que ensejavam propósitos diferentes por parte dos locutores (vender, persuadir, expor etc.), foram desenvolvidas de forma a subsidiar o planejamento e a execução das produções textuais dos estudantes. As atividades de leitura também focaram elementos organizacionais e estruturais dos gêneros, as linguagens empregadas, verbais e não verbais etc. As leituras também foram realizadas com base em pesquisas na internet realizadas pelos celulares, que, mais vez, foram recomendados. Em razão disso, os estudantes acerca de características dos gêneros e de modelos de categorias diversas com vistas à inspiração.  Sobre a escrita No que confere à produção textual, as atividades aconteceram de modo que os estudantes colocassem em prática os conhecimentos acessados por meio das leituras e discussões realizadas nesse momento e nas oficinas anteriores. A escrita representou a concretização das ideias e anseios de cada grupo. Os grupos produziram, cada um, pelo mesmo um gênero postagem. Nesse sentido, eles foram divididos em dois blocos: parte dos grupos teceu as produções acenando para os usos produtivos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, e a outra parte evidenciou, em suas produções, a utilização não recomendada dos dispositivos. As atividades realizadas com vistas à escrita representaram um importante momento para a utilização da multimodalidade. Dessa forma, os alunos produziram textos verbais fazendo uso dos diferentes recursos linguísticos e também incrementaram os gêneros produzidos com diversas semioses (imagens, cores, fontes, formas etc.). Os gêneros foram concebidos e implementados a partir do processo criativo dos estudantes, sem que fossem utilizadas imagens e ou modelos prontos. Os alunos produziram o gênero postagem prezando pela harmonia advinda da coadunação imagem e texto. Nesse sentido, eles fizeram uso da criatividade e buscaram, em alguns momentos, utilizar fotografias deles próprios, buscando representar uma situação alinhada aos textos também produzidos por eles. A seguir, mostramos algumas dessas produções que os alunos desenvolveram: 248 Figura 48 - Gênero postagem para redes sociais Fonte: Acervo da pesquisa. As pautas das postagens versaram sobre diferentes aspectos dos usos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, tanto no que diz respeito às questões produtivas quanto negativas de uso. Os alunos utilizaram as linguagens, considerando as redes sociais nas quais efetivariam as postagens e os seus interlocutores. Nesse sentido, os estudantes produziram gêneros utilizando diferentes recursos verbais e não-verbais, com vistas a atingirem o objetivo que pretendiam, imbricando diferentes linguagens. Essa foi mais uma oficina em que os estudantes puderam fazer uso dos seus aparelhos celulares para a produção do gênero. O manuseio do dispositivo foi um ensejo para evidenciarmos o uso produtivo dos dispositivos e uma oportunidade para a plena execução das atividades da oficina, pois foi possível fazerem uso dos mais diferentes recursos disponíveis.  Reflexões acerca da oficina Esse evento de letramento ocorreu de maneira muita similar a oficina de produção de cartazes e panfletos realizada no grupo 3b. A oficina de produção de postagens para redes sociais foi uma ação que levou os estudantes a produzirem gêneros de forma muito similar com o ocorre no dia a dia. A diferença é que, aqui, a busca foi por pensar em gêneros coerentes e pertinentes para levar mensagens a um público formado por estudantes de idades e de turmas diversas. Em específico, o grupo 3a se responsabilizou por conscientizar a comunidade escolar acerca dos diferentes usos do celular, no contexto da escola. As postagens em rede social 249 produzidas seriam utilizadas, portanto, para fazer valer o desenvolvimento de uma campanha de conscientização digital, especificamente por meio do uso das redes sociais. O grande atributo dessa ação do projeto está no fato de ela primar pelo que é de particularidade do grupo. Desse modo, os alunos foram incentivados a agir sob a perspectiva dos letramentos vernaculares ou locais (BARTON; HAMILTON, 1998, 2000). Eles foram convidados a produzir gêneros e a trabalhar de maneira sistematizada com base em conhecimentos e habilidades que são comuns no seu convívio cotidiano. No dia a dia, os alunos interagem por meio das redes sociais e de gêneros diversos e gostam muito de fazer isso. As práticas sociais desenvolvidas nos espaços sociais externos à escola corroboram a ideia de que as atividades desenvolvidas nesta oficina são representativas para os estudantes, pois ao estabelecermos relações entre o fazer pedagógico e o conhecimento prévio dos sujeitos, trabalhando sob a égide da significatividade (KLEIMAN, 2002). Numa ação de aprendizagem dessa natureza, em que foi requerida a inclusão de habilidades e experiências decorrentes das práticas de escrita cotidianas dos alunos, “a linguagem não é simplesmente um meio de expressão ou comunicação; é, antes, uma prática a partir da qual os aprendizes conhecem-se a si mesmos” (OLIVEIRA, 2010a, p. 336). Os gêneros produzidos funcionaram como uma “ferramenta para descobrir os recursos que os alunos já trazem consigo, ou seja, os gêneros que trazem de sua formação e de sua experiência na sociedade (BAZERMAN, 2011, p. 31). Para executar a ação, mantivemos os grupos formados anteriormente, com alguns alunos focando no uso produtivo e outros na utilização não recomendada de dispositivos oriundos das novas tecnologias. Aliás, a formação em grupos se mostrou frutífera porque houve interação e compartilhamento de informações e experiências entre os integrantes. Os estudantes responsáveis por intermediar as atividades, por exemplo, prestaram um papel importante porque socializavam as ideias e opções do grupo quanto à produção dos gêneros. A atividade foi uma oportunidade para estimular os potenciais individuais e para evidenciar a força decorrente de ações em que os estudantes têm voz e poder de decisão. Dessa forma, nossa tentativa de responsabilizar alguns estudantes a se engajarem na articulação dos grupos foi promissora porque, assim, dinamizaram as melhores formas e tempos necessários à execução das atividades. Nessa situação, a inserção do estudante significou “envolvê-lo no processo educativo, dividindo com ele responsabilidades, tarefas e formas de sentir (entusiasmo, desejo, cansaço, tristeza, alegrias, sucesso, incertezas) (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p.35). 250 Nessa ação, também contextualizamos sócio e historicamente os gêneros em evidência e retomamos muitas das discussões que já haviam sido explicitadas quando da realização das oficinas anteriores, em que muitas discussões foram desenvolvidas. Assim, solicitamos aos estudantes que produzissem suas postagens imbricando diferentes linguagens, de forma a complexificar os gêneros e atrair para eles maior audiência e propagação. Para dar conta desse objetivo, os estudantes mobilizaram conhecimentos, habilidades e experiências com vistas a utilizarem linguagens verbais e não verbais, (textos verbais, imagens, cores, fontes, formas etc.), que fossem de criação do grupo, sem o uso de modelos prontos e ou imagens copiadas da internet. Para a composição dos textos verbais que fariam parte dos gêneros, os estudantes exploraram os relatórios que produziram nas ações anteriores. Guiados pela influência dos usos da escrita desenvolvidos nos espaços externos à escola, convocamos os alunos a produzir uma categoria de gênero que preza pela harmonia advinda da coadunação imagem e texto. No aspecto criatividade, essa ação também foi uma das que mais motivou os estudantes, já que estavam agindo de maneira muito próxima de quando interagem fora da escola. As pautas das postagens versaram, pois, sobre diferentes aspectos dos usos de dispositivos oriundos das novas tecnologias. Nesse sentido, incentivamos os estudantes a focarem nos usos do celular e, em especial, acerca de como esse recurso material pode ser ou não utilizado em razão do manuseio na sala de aula, na escola e nas diferentes disciplinas da grade curricular. Com base na Lei Estadual nº 15.507, de 21 de maio de 2015, que regulamenta a utilização de aparelhos celulares e equipamentos eletrônicos nas salas de aulas, bibliotecas e outros espaços de estudos das instituições de ensino públicas no Estado de Pernambuco e nas discussões que travamos ao longo do projeto, os alunos produziram textos, nos quais eles próprios e seus colegas de escola foram os interlocutores, argumentando sobre qualidades, desafios e pontos positivos do uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias, para, assim, conscientizarem e convencerem outros alunos. A oficina representou, pois, uma oportunidade de os alunos construírem diversos conteúdos para as redes sociais. Esses conteúdos, que versaram sobre os usos produtivos e também não recomendados de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola, estavam pautados na harmonização das mensagens e, portanto, na “combinação de múltiplas formas semióticas, a imagem deixa de atuar como um elemento que complementa ou ilustra a palavra para ser um modo estruturante do texto” (OLIVEIRA, 2010a, 332). 251 Foi uma ação de ensino e aprendizagem que envolveu a utilização de novas tecnologias, porém, os recursos materiais necessários à realização desse evento de letramento foram aqueles acessíveis aos jovens, decisivos para a significatividade das atividades desenvolvidas. Os aparelhos celulares, que tanto encantam os estudantes, foram, portanto, peças-chave para a implementação da oficina. No que compete aos usos dos celulares e das diversas linguagens nesse evento de letramento, um dos integrantes da turma 3b nos relatou: [...] devemos acompanhar o avanço da tecnologia e divulgar o conhecimento porque assim podemos mostrar que existem formas de usar o aparelho celular para o nosso benefício. Nas minhas postagens eu disse o que queria e misturei o texto com a imagem porque assim as pessoas visualizam o verdadeiro sentido [...] essa atividade demonstrou a felicidade das pessoas ao usar a tecnologia (Vilma). Nessas considerações, é possível apreender que a aluna enxerga como positiva a utilização de celulares na escola. Esse depoimento também é importante, porque nos faz perceber que a utilização de dispositivos oriundos das novas tecnologias na escola é motivadora para os estudantes. Não podemos negar, dessa forma, que a inserção dos celulares nas atividades consistiu num fator que aproximou o ensino e a aprendizagem da motivação e do desejo dos estudantes, porque, assim, eles agiram sabendo o que pretendiam alcançar e de forma relacionada à própria vida (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014). Abaixo, mostramos alguns momentos representativos dessa ação: à esquerda, um grupo reunido para planejamento e à direita, aluna editando uma imagem por meio do uso do seu aparelho celular: Figura 49 – Oficina de produção de postagem para redes sociais Fonte: Acervo da pesquisa. 252 A oficina de produção do gênero postagem foi a penúltima ação implementada pelo grupo 3b e foi relevante porque permitiu aos estudantes enxergar “a sala de aula como um lugar para a comunicação de informações, para o estabelecimento de relações sociais e para a expressão da identidade e de atitudes.” (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 49-50). Essa ação também se mostrou indispensável, pois, por meio dela, começamos a colocar em prática a próxima e última ação do projeto nesse grupo: uma campanha de conscientização na comunidade escolar, que contará com a propagação dos conteúdos e gêneros produzidos nas redes sociais. Nesta oficina, última da turma 3a, o foco foi a realização de uma campanha de conscientização que englobou duas comunidades escolares vizinhas. A campanha chamou à atenção para uma questão que é importante para todos: o uso dos celulares no âmbito da escola.  Tema Implementando uma campanha de conscientização sobre o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, nas escolas vizinhas.  Objetivo Desenvolver uma campanha de conscientização junto a duas comunidades escolares vizinhas, localizadas no bairro - a Escola Maciel Pinheiro e a Escola Paroquial Cristo Rei.  Grupos Turmas 3a  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotação, discussão em grupo, cartaz e panfleto.  Sobre a oralidade Nessa ocasião, as discussões em grupo foram importantes para explorar as estratégias da campanha de conscientização e as atividades por ela compreendidas. Discutimos o plano Oficina de letramento 9 253 previsto e, nessa direção, foi enfatizado o fato de a promoção da campanha concretizar uma ação coletiva com vistas a chamar à atenção de comunidades escolares sobre uma questão que é importante para todos, principalmente para os envolvidos diretamente no evento de letramento. Com vistas à pormenorização, por meio de conversas, das metas e estratégias da atividade, discutimos as seguintes questões: distribuição de atribuições aos diferentes participantes; afixação dos gêneros cartaz e distribuição do gênero panfleto em pontos estratégicos; utilização dos gêneros de forma a mobilizar e envolver o maior número de pessoas em torno da questão em pauta; reunião de esforços para compartilhar as diferentes atribuições; disposição das estratégias no que confere à chegada, permanência e saída dos locais da campanha; efetivação da campanha de forma a buscar a solução para o problema: despertando consciências e auxiliando quanto a mudanças de atitudes e comportamentos no que confere aos usos do celular no âmbito da escola. As discussões em grupo foram importantes para alertar os responsáveis pela distribuição dos panfletos sobre as responsabilidades de responder perguntas quanto ao conteúdo dos gêneros àqueles interlocutores que buscarem informações complementares. Durante a execução da oficina, nas escolas selecionadas para as campanhas, os estudantes discutiram questões referentes à afixação dos cartazes e a distribuição dos panfletos, ajustando alguns aspectos em razão do contexto.  Sobre a leitura Nesta oficina, os estudantes foram estimulados a ler as sistematizações escritas decorrentes das discussões sobre as metas e estratégias da atividade dispostas no quadro branco. Os estudantes dos grupos responsáveis por responder perguntas sobre o conteúdo do gênero panfleto realizaram leituras no sentido de recuperar informações sobre a pauta do projeto.  Sobre a escrita As atividades que envolveram os usos da escrita dizem respeito a anotações desenvolvidas em razão dos pontos discutidos sobre as metas e estratégias da campanha de conscientização e suas responsabilidades para com a execução do evento. Outras anotações foram efetivadas pelos estudantes dos grupos responsáveis por responder perguntas sobre o conteúdo do gênero panfleto, no que confere às informações sobre a pauta do projeto. 254  Reflexões acerca da oficina Esta oficina, que foi a última desenvolvida com o grupo 3a, consistiu no desenvolvimento de uma campanha de conscientização junto a duas comunidades escolares vizinhas localizadas no nosso bairro - a Escola Maciel Pinheiro e a Escola Paroquial Cristo Rei. A realização de uma campanha de conscientização que engloba outras comunidades escolares objetivou colocar em prática uma das principais orientações teórico-metodológicas concernentes aos PL: destacar a importância de a oralidade, a leitura e a escrita serem trabalhadas como ferramentas para a agência social, significando que haja garantia de mudança, emancipação e autonomia por parte dos sujeitos, requisitos indispensáveis ao exercício da cidadania. Na prática, a oficina foi uma oportunidade para o grupo refletir sobre o seu papel como cidadão num contexto maior que a sala de aula, como a escola, a comunidade e a cidade da qual faz parte. A realização da campanha de conscientização por meio da ênfase na importância do tema que partiu deles mesmos representou um agir no mundo consciente, orientado pelos seus próprios interesses e de muitas outras pessoas, já que a temática do projeto é relevante para a nossa e para as demais escolas. A propagação das mensagens para a comunidade, com vistas à conscientização ou mudança de comportamento, ganhou contornos que ultrapassaram os muros da escola, pois tratou de uma questão relacionada à cidadania, civilidade e boa convivência. As sensibilizações ocasionadas pela campanha de conscientização tiveram início desde a saída do grupo até as outras comunidades escolares. Assim, como já havíamos nos articulado com as gestoras das outras escolas por meio de negociações acerca dos dias e horários propícios a realização das campanhas, nos dirigimos às escolas em caminhada pelo bairro, já que as instituições que participaram da campanha se encontram relativamente perto. A efetivação da afixação dos cartazes ocorreu em pontos estratégicos das escolas, em que todos os seus integrantes transitam, fazendo valer a máxima dos gêneros, de que as pessoas que passam sempre pelo local do cartaz lerão a mensagem muitas vezes. Quanto aos panfletos, garantirmos que chegassem ao maior número de pessoas possíveis em um momento em que estavam dispostas a lê-los e assim, refletir sobre as informações recebidas. Sobre participar desse evento de letramento, um integrante da turma 3a nos contou: A melhor parte desse projeto foi quando fomos para as outras escolas e levamos nossos cartazes e os panfletos, eu adorei essa parte. Os alunos das 255 outras escolas ficaram nos perguntando coisas, prestando atenção no que nós fizemos. Eu achei muito importante porque eles estavam aprendendo muitas coisas sobre os celulares; coisas que foram nós que pensamos (Sandra). Esse depoimento da estudante remete a ideia de que a oficina, além de uma oportunidade de trabalho coletivo e agentivo, funcionou como uma desencadeadora de processos diversificados, que podem contribuir, efetivamente, para a conscientização e mudança comportamental de pessoas. A oficina também oportunizou aos estudantes saírem de uma rotina de atividades a qual estavam acostumados, realizando uma atividade que é não muito comum para o seu contexto escolar. Na figura a seguir, mostramos algumas imagens referentes à campanha de conscientização nas comunidades escolares vizinhas: acima, da esquerda para a direita, grupo caminhando e na chegada às duas escolas; abaixo, da esquerda para a direita, a colagem de cartazes e a panfletagem. Figura 50 – Campanha de conscientização sobre os usos do celular Fonte: Acervo da pesquisa. 256 A campanha de conscientização foi mais um momento do projeto em que os estudantes fizeram uso de gêneros com vistas ao atendimento de uma necessidade social. Os gêneros cartaz e panfleto, planejados à luz da multimodalidade, interlocutores, contexto social e suportes textuais, chegaram até os sujeitos de outras comunidades, tal e qual como em uma situação comunicativa desse tipo. A partir do trabalho com os gêneros cartaz e panfleto, os alunos se fizeram ouvir para intervir, buscando a participação e a mudança social, já que puderam agir em função de um interesse coletivo. O projeto representou uma experiência de empoderamento e favoreceu a compreensão dos estudantes de que podem vislumbrar a transformação da ordem social. Vale salientar que, ao participarem de uma ação dessa natureza, os alunos compreendem que podem agir no sentido de interceder junto ao comportamento de outros sujeitos e, assim, transformar uma realidade social. A participação nas atividades conferiu aprendizagem aos estudantes , assim como o desenvolvimento das “capacidades de análise e crítica, habilidades tão importantes para a compreensão e transformação da realidade sociocultural e política em que todos (alunos e professores) estão envolvidos” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 44). As atividades foram importantes para despertar o sentimento de agência, evidenciando os potenciais individuais e a força da coletividade quando em um momento de reunião de esforços. O grupo compreendeu, então, que a participação e o envolvimento de cada um e de todos podem ocorrer não apenas para reflexão interna, no espaço da sala de aula, mas em virtude de uma causa maior, como transformar outras comunidades escolares. As mobilizações decorrentes da campanha de conscientização oportunizaram aos estudantes compreenderem que os usos da escrita também podem ser decisivos para agir e transformar o meio social. O projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?” representou, pois, uma alternativa didática em que a escrita e a leitura foram entendidas como práticas cidadãs que contribuem com a produção de conhecimentos capazes de “subsidiar a compreensão da realidade, desvendando ideologias e relações de poder que atuam para a dominação dos educandos” (SANTOS, 2012, p 221). “Nesse sentido, tornam-se um espaço dialógico em que vozes se orquestram harmonicamente buscando investir-se de um tom próprio do discurso emancipatório, que confere poder e resiliência aos que precisam se fazer ouvir” (SANTOS, 2012, p. 104). As práticas de oralidade, leitura e escrita, nessa perspectiva, não demonstram neutralidade, pois tanto a sua concepção quanto o seu uso foram pautados por interpretações sobre o potencial que elas têm para satisfazer necessidades sociais específicas e de 257 transformar de alguma forma o meio social. A função agentiva da escrita foi evidenciada, pois a escola assume “uma atitude responsiva à vida social; abre possibilidades para a valorização do capital humano, para o protagonismo, para a inclusão, a inovação e a mudança, constituindo-se em um fator de empoderamento das pessoas” (OLIVEIRA, 2015, p. 23). Nessa etapa do projeto, enfatizamos a ação e, como é fato que agimos no mundo social através de textos, escritos ou falados, a atividade linguística letrada foi fundamental. Além do respeito à natureza social dos gêneros, que foram produzidos e lidos em razão de suas funções sociais e das necessidades do grupo, a leitura e a escrita foram práticas recorrentes durante o desenvolvimento de todo o projeto e utilizadas para atingirmos outros fins, que vão além da mera aprendizagem da escrita (KLEIMAN, 2000). A conscientização de grupos ou pessoas de outras comunidades escolares representou uma possibilidade de os alunos fazerem uso social e efetivo do letramento, motivados por ocasiões em que a escrita e a leitura partem de demandas e necessidades comunicativas tanto no plano individual quanto no comunitário (OLIVEIRA, 2008). Nessa acepção, [...] “eles atuam por meio de ações cidadãs, no presente, para o alcance, hoje, da autonomia e dos saberes necessários às ações fora da escola” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 101). Dessa forma, alunos e professores, a nossa e as outras comunidades escolares, puderam refletir sobre a importância do uso produtivo e não recomendado de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola e sobre as posturas pertinentes para a convivência em um ensino-aprendizagem produtivo com ou sem o uso dos aparelhos. O foco desta oficina, desfecho das atividades na turma 3b, foi uma campanha virtual de conscientização que englobou a comunidade escolar Martins Júnior. A campanha despertou o interesse da comunidade escolar e a sua conscientização sobre a questão do uso dos celulares no âmbito da escola.  Tema Implementando uma campanha virtual de conscientização por meio das redes sociais, sobre o uso do parelho celular, na escola Martins Júnior. Oficina de letramento 10 258  Objetivo Desenvolver uma campanha virtual de conscientização por meio das redes sociais, junto à comunidade da Escola Martins Júnior.  Grupos Turmas 3b  Gêneros que apoiaram a realização da oficina Anotação, discussão em grupo e postagem.  Sobre a oralidade Nesta oficina, as discussões em grupo fizeram parte da nossa tática para explorar as estratégias da campanha virtual de conscientização e as atividades referentes a ela. Nessa direção, enfatizamos o fato de a realização da campanha representar uma atividade compartilhada na qual o objetivo central era despertar o interesse da comunidade escolar sobre uma questão que movimenta a todos: o uso dos celulares no âmbito da escola. No que diz respeito à especificação, por meio de conversas, das estratégias da atividade, focamos as seguintes questões: distribuição de atribuições aos diferentes participantes; recomendação quanto às posturas adotadas nos ambientes digitais; determinação de quais redes sociais seriam utilizadas como suportes textuais para o gênero postagem; utilização dos gêneros de forma a mobilizar e envolver o maior número de pessoas em torno da questão em pauta; reunião de esforços para compartilhar as diferentes atribuições; especificação das produções, aparelhos celulares, dias e horários referentes às postagens; monitoramento das reações e abrangência das diferentes ações; efetivação da campanha de forma a buscar a solução para o problema: despertando consciências e auxiliando quanto a mudanças de atitudes e comportamentos no que confere aos usos do celular no âmbito da escola. Por meio das discussões, exploramos os procedimentos e condutas adotados para responder a dúvidas e comentários feitos em razão do conteúdo das postagens, bem como os textos que apoiariam a efetivação da postagem. Durante a execução da oficina os estudantes também discutiram ajustes quanto a questões referentes à postagem dos gêneros nas redes sociais, em virtude de dúvidas surgidas. 259  Sobre a leitura As leituras realizadas pelos estudantes dizem respeito às sistematizações escritas decorrentes das discussões sobre as metas e estratégias da atividade dispostas no quadro branco. Os estudantes fizeram uso da leitura dos comentários e dúvidas dos interlocutores surgidas em decorrência das postagens realizadas.  Sobre a escrita Acerca dos usos que envolveram a escrita, os alunos fizeram anotações sobre os pontos discutidos e as suas incumbências na campanha virtual de conscientização. A escrita também foi importante para registrar as frases que acompanhavam o gênero postagem e os comentários desencadeados em razão de dúvidas e posicionamentos dos interlocutores.  Reflexões acerca da oficina Nessa última ação implementada com a turma 3b, os estudantes foram incentivados a desenvolver uma campanha de conscientização acerca dos usos produtivos e não recomendados de dispositivos oriundos das novas tecnologias no âmbito da escola. Porém, diferentemente do que aconteceu com o grupo 3a, aqui, os estudantes desenvolveram uma mobilização via redes sociais, virtual. Uma das grandes virtudes dessa etapa do projeto consistiu no fato de alunos estarem utilizando conhecimentos, habilidades e experiências trazidas de suas vivências cotidianas com a escrita. Nesta etapa do projeto, eles foram estimulados a fazer algo muito semelhante ao que fazem cotidianamente. Só que em vez de postarem conteúdos de cunho particular, tiveram de socializar produções que objetivam transformar uma realidade social: conscientizar e mudar comportamentos no que confere aos usos produtivos e não recomendados do celular em sala de aula e na escola. Na prática, para levarem os conteúdos produzidos efetivamente ao maior número de pessoas possíveis, solicitamos aos diferentes grupos que mapeassem as categorias de redes sociais que mais interessam à comunidade escolar. Dessa forma, foram listadas todas as redes sociais possíveis de exploração, em especial aquelas já existentes e que reúnem estudantes e outros integrantes da escola. Procuramos por perfis individuais, mas a busca principal foi por selecionar aquelas redes em que já havia certa organização de pessoas. Nesse sentido, elencamos grupos de WhatsApp, perfis coletivos e individuais das redes sociais Facebook e Instagram. 260 Definidas as redes sociais em que colocaríamos em prática a campanha virtual de conscientização, dividimos as tarefas entre os diferentes grupos. Assim, orientamos os estudantes acerca dos procedimentos a serem considerados para execução das tarefas e ressaltamos também a relevância da pauta e dos gêneros produzidos. Aqui, mereceu especial destaque a distribuição da divulgação dos conteúdos, num cronograma que levou em consideração tempos que não são necessariamente aqueles em que os estudantes estão na escola. As postagens em rede social produzidas foram introduzidas, pois, de maneira escalonada e respeitando um determinado período entre uma e outra, de forma que fosse evidenciado um cronograma de execução e de respostas aos compartilhamentos e comentários. Uma orientação importante sobre a realização da campanha virtual diz respeito à busca pelo engajamento dos estudantes no desenvolvimento das atividades. O fato de as postagens produzidas serem lançadas em redes sociais é relativamente simples, mas, a partir daí, os diferentes integrantes entraram em cena no sentido de utilizarem diferentes tempos para a divulgação dos gêneros e repercutirem a campanha, por meio de compartilhamentos, encaminhamentos, marcações, curtidas, comentários, hashtags etc., e, assim, chegar a mais a mais pessoas. Nessa direção, os estudantes foram incentivados a trabalhar de modo sistematizado, numa configuração de trabalho que apresentou organização temporal divergente do costumeiro tempo das aulas. Eles agiram como no cotidiano social, abertos aos imprevistos e dispostos a trabalhar progressivamente, com vistas ao atendimento de necessidades específicas. Essa dinâmica do projeto oportunizou aos estudantes vivenciarem diferentes possibilidades temporais de uso da escrita, optando pelos melhores momentos para recepcionar informações ou produzir textos, de modo a se aproximarem mais do tempo, do espaço e das práticas sociais da vida real, trazendo, como consequência, “um novo olhar da comunidade escolar e do entorno acerca da importância da escola e do que nela se faz” (OLIVEIRA, TINOCO; SANTOS, 2014, p. 21). Estimulados, os estudantes se mostraram participantes ativos, motivados e dispostos a compartilhar as atividades e conhecimentos. Eles foram os responsáveis pela construção dos conhecimentos e experiências vivenciados, já que distribuíram responsabilidades e uniram esforços para alcançar um objetivo comum. O protagonismo dos estudantes foi determinante para o sucesso da campanha. A campanha virtual de conscientização foi um momento do projeto em que os estudantes se envolveram e mais uma vez compartilharam gêneros com vistas ao atendimento 261 de necessidades e para serem recepcionados, lidos e interpretados por sujeitos diversos em um contexto social situado. O ensino, nessa perspectiva, centra-se no “funcionamento da língua escrita, levando em conta a situação sócio-histórica e cultural do aluno, sua época, suas necessidades, as exigências da sociedade, os papéis que se espera possa desempenhar, os novos instrumentos e tecnologias” (KLEIMAN, 2010b, p. 382). Na figura a seguir, estão dispostas algumas imagens em que os gêneros produzidos ganharam as redes sociais: Figura 51 - Postagens nas redes socais no Facebook, Instagram e WhatsApp Fonte: Acervo da pesquisa. Vale ressaltar que, ao participarem de atividades como essas, os estudantes entendem que as suas ações e os gêneros que dela decorrem podem influenciar outros sujeitos e transformar a realidade social. Os gêneros, assim compreendidos, dão forma as ações e intenções. São um meio de agência e não podem ser ensinados divorciados das ações e das situações dentro das quais são significativas e motivadoras (BAZERMAN, 2011, p. 10). O projeto, executado nesses termos, está consonância com os preceitos da pedagogia crítica, já que os estudantes desafiaram os modelos hegemônicos culturais em favor de uma aprendizagem que valoriza a pluralidade textual. A aceitação e inclusão de postagens em rede social como uma atividade respaldada pela escola evidenciaram o reconhecimento às diversas culturas, saberes e linguagens e visaram potencializar um trabalho que considera os alunos e suas experiências culturais em favor do seu próprio empoderamento enquanto cidadãos. Assim, os gêneros evidenciados cumprem a “função do texto na vida social do aluno, 262 convidando também a ampliação do conjunto de textos de modo a incluir gêneros próprios do cotidiano do aluno (KLEIMAN, 2007, p. 10). Nessa perspectiva, os usos da leitura e da escrita, provenientes de um domínio social vernacular, valorizaram aquilo que o aluno já sabe. As ações do projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?” oportunizaram uma ressignificação no que tange ao ensino, porque as práticas de linguagem tomadas no espaço da escola não se restringiram à palavra escrita nem se filiam apenas aos padrões socioculturais hegemônicos, já que procuramos, “também, resgatar do contexto das comunidades em que a escola está inserida, as práticas de linguagem e os respectivos textos que melhor representam sua realidade (BRASIL, 2006, p. 28). A oficina foi uma oportunidade de diversificar as atividades de linguagem, destacando e valorizando outros letramentos, não apenas o escolar. Nesse sentido, o letramento digital mereceu destaque. Esse letramento, comum para os alunos, consiste numa fonte de propagação de gêneros e práticas de letramentos específicos. Afinal, se na vida em sociedade as ações dos estudantes são permeadas pela tecnologia, é necessário adentrar nessa seara, já que os letramentos advindos dos meios digitais vêm se expandindo. Ademais, as atividades desenvolvidas nessa oficina proporcionaram aos estudantes um agir no mundo com autonomia, compreendendo as múltiplas possibilidades de produção de texto na contemporaneidade. Aqui, eles adentraram no campo do letramento digital por meio de uma atividade que carrega a marca deles, mas que aconteceu com o respaldo da escola. No mais, a realização de uma campanha de conscientização colocou os alunos diante do desafio de produzir gêneros com vistas a transformar uma situação social controversa na qual estão imersos. Os usos da escrita e, por conseguinte, dos gêneros produzidos, carregados de agência, foram introduzidos em um evento de letramento que objetivou atuar frente a uma problemática da vida real, com vistas ao interesse coletivo. Nesse sentido, os estudantes aprendem por meio de experiências que se tornam significativas porque colaboraram para a superação de uma situação desfavorável. A campanha de conscientização em redes sociais nasceu da necessidade de buscarmos meios alternativos e criativos de desenvolver ações na escola. Uma campanha nesses moldes favoreceu a comunidade escolar, que ganhou em orientação e informação e beneficiou a turma, que se sentiu mais incluída socialmente. A realização da campanha reforçou nos alunos a consciência cidadã acerca da preservação do meio ambiente, já que estava circunscrita enquanto prática sustentável, sem o isso de recursos materiais que fossem descartados posteriormente. 263 Os diferentes integrantes da turma 3a e demais integrantes da comunidade escolar puderam refletir acerca da importância do uso produtivo e não recomendado dos celulares no âmbito da escola por meio de uma campanha desenvolvida a partir dos atributos dos próprios dispositivos deles, em uma junção de esforços que acarretou num trabalho de natureza coletiva mais abrangente e significativo. Os recursos materiais utilizados foram aqueles disponíveis pelo contexto. 264 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS No capítulo das considerações finais, fizemos uma reflexão que mostra, em síntese, como as discussões que desenvolvemos respondem às questões de pesquisa, ressaltando as contribuições do trabalho, e às discussões que colaboram de maneira relevante aos propósitos didático-pedagógicos comprometidos com um ensino de escrita produtivo, que preza pelo dinamismo e reconhece a importância dos estudantes e do seu contexto. Uma primeira e importante ressalva quanto à experiência de implementar um PL diz respeito à relevância de sua concepção. Para colocar em prática uma experiência dessa natureza, era preciso refletir sobre as práticas de escrita dos alunos colaboradores desta pesquisa fora do âmbito escolar para pensar em uma ação de ensino-aprendizagem situada na escola, mas que atentasse para os usos efetivos da linguagem em outros contextos sociais. Em razão disso, a realização do mapeamento dos eventos de letramento dos alunos em práticas de letramento externas à escola foi importante, porque, a partir desse ponto, pudemos conceber um projeto à luz dos textos, dos valores, interesses e das motivações dos atores sociais envolvidos. Um dos pontos relevantes dessa investigação diz respeito aos usos da escrita atrelados às novas tecnologias. São práticas repletas de interatividade que ocorrem por meio de rotinas comunicativas instantâneas e virtuais, com apoio de cada vez mais recursos de natureza não verbal. Nesse sentido, é relevante reconhecer que as práticas de letramento atuais estão sendo atravessadas por características típicas desse tempo e toda incorporação possível quanto ao uso de recursos de ordem tecnológica na escola pode ser encarada como algo que acrescenta, já que podemos contribuir no que confere à ampliação da competência comunicativa do aluno por meio de atividades com gêneros de domínios diversificados, a fim de permitir-lhes compreender o mundo e ressignificarem experiências culturais e formas de ler e escrever que circundam no ciberespaço. Na escrita condicionada às práticas letradas fora da escola observamos que os estudantes estabelecem relações, fazem interpretações e gostam de escrever. A escrita fora da escola é divertida, funcional e realizada mediante a vontade dos próprios alunos. No dia a dia, os alunos decidem o que querem dizer, para quê, para quem escrevem e qual é o gênero mais indicado para aquela dada situação. Assim, a escrita é situada e significativa, pois visa o desdobramento de situações corriqueiras e contribui para a inclusão e participação do aluno 265 em ambientes sociais diversos. Propormos práticas de escrita atreladas a questões concernentes à intencionalidade comunicativa proporciona a formação de cidadãos engajados no sentido de que a intencionalidade está atrelada a um agir no mundo. Trata-se, pois, da função agentiva da escrita. A aprendizagem via interação colaborativa é uma tendência fora da escola. Cotidianamente, os aprendizes trocam informações e experiências, ajudam e são ajudados por outros sujeitos oriundos da família e da comunidade. É uma vivência participativa que, diante de problemas corriqueiros, permite que estes lancem mão da ajuda de pessoas com as quais convivem e também exerçam ação sobre os outros, como potenciais agentes de letramento. Nessa perspectiva, a participação dos estudantes, aliados aos familiares e à comunidade, todo como agentes de letramento. As consequências trazidas pela incorporação desses atores sociais na escola podem revelar uma escrita ancorada ao aspecto afetivo e, por isso, ser produtiva. O processo colaborativo, advindo dessa união de esforços, pode proporcionar um ambiente de aprendizagem em que uma rede de ações interdependentes visa à construção do conhecimento, caracterizando uma comunidade de aprendizagem. O trabalho colaborativo em sala de aula, com base nos diversos potenciais dos quais a escola dispõe, é um princípio didático que pode (e deve) ser considerado por todos. No dia a dia fora da escola, os estudantes escrevem sobre várias coisas e fazem uso de diferentes gêneros. Por meio desses gêneros, eles tratam de diversos temas, inclusive daqueles considerados difíceis de serem abordados na escola. São usos da escrita que revelam sentimentos, tendências e inclinações coletivas. Esses aspectos podem ser considerados para o ensino, já que o conhecimento prévio do estudante pode favorecer a articulação entre o conteúdo curricular e o contexto da vida, ou seja, da realidade que os cerca. Alguns assuntos e gêneros são significativos, mobilizam a atenção dos estudantes. Não levá-los em conta é desconsiderar o que, muitas vezes, pode ser significativo, motivador para eles. Estabelecer ganchos entre o que está previsto, formalmente, para ser tratado em sala de aula, assuntos e gêneros de natureza vernacular não é uma tarefa difícil. Se, assim, procedermos, podemos viabilizar a construção dos conhecimentos de forma que a pauta não se desvincule da realidade cotidiana e nem seja apenas meras abstrações. Nos espaços sociais externos à escola, os aspectos referentes ao tempo, espaço e materiais atrelados aos usos da escrita são múltiplos. É uma dinâmica de práticas sociais que oportuniza aos indivíduos a utilização de recursos materiais, tempos e lugares acessíveis aos estudantes. Muitas vezes, essas práticas, que são extremamente eficientes do ponto de vista comunicativo, podem ser efetivadas com um celular e do uso serviço de wi-fi do vizinho, por 266 exemplo. Nesse sentido, recomendar que os estudantes desenvolvam atividades na escola se utilizem dessa dinâmica pode ser produtivo, já que estão acostumados a agir dessa forma no mundo. Precisamos, portanto, repensar os materiais, tempos e lugares de aprendizagem, atentando para as coisas que vêm ocorrendo nas instâncias do meio social. Tendo em vista essas questões, operamos a implementação do PL “Celular na sala de aula: sim ou não?”, que levou em consideração as práticas de escrita dos estudantes fora da escola. O projeto surgiu de uma demanda que partiu dos próprios estudantes, em um trabalho que visou operar sobre as dificuldades sentidas pelo grupo. No movimento de delineamento do projeto, também consideramos as orientações oficiais acerca do ensino de Língua Portuguesa para o Ensino Médio. O PL desenvolvido configurou uma possibilidade de transformação no modelo de prática de ensino-aprendizagem ao qual estávamos acostumados, já que o seu ponto de partida é sempre a prática social. Nesse caso, a meta social estabelecida estava alinhada à resolução de problemas que englobam a comunidade, com o objeto selecionado para o trabalho sendo de interesse dos integrantes do projeto. O projeto foi perpassado por orientações a partir da resolução de problemas e, nesse sentido, as oficinas vivenciadas evidenciaram aspectos típicos da contemporaneidade, como características textuais, recursos materiais, tempos, gêneros e habilidades, próprios desse momento atual, tornando as discussões significativas e motivadoras. O desenvolvimento das diferentes etapas não ocorreu de forma fragmentada, visando apenas aspectos de cunho avaliativo. Os alunos vivenciaram atividades articuladas, participando de eventos de letramento relacionados entre si e ao objetivo social do grupo. Nessa perspectiva, o trabalho com a oralidade, a leitura e a produção textual não estava atrelado somente a notas, testes e/ou avaliações institucionais, mas vinculado a um conjunto de atividades que respeitam a natureza social dos gêneros. Os alunos foram incentivados a falar, a ler e a produzir textos com vistas ao atendimento a necessidades sociais. Gêneros que foram recepcionados, lidos e interpretados em um contexto social situado. Outro aspecto que merece destaque diz respeito ao trabalho colaborativo. Os diferentes integrantes se envolveram nas diversas atividades e o ensino-aprendizagem ocorreu de maneira compartilhada. Os interesses, conhecimentos e sentimentos foram conciliados. Os grupos colaborativos funcionaram como verdadeiras comunidades de aprendizagem, uma vez que os diferentes sujeitos e grupos agiram com vistas ao atendimento de uma meta comum. 267 A aprendizagem, desse modo, ocorreu por meio de um processo sócio-histórico, situado e apoiado por relações interpessoais. Além disso, ela foi construída num processo em que todos os membros são importantes. São vistos como sujeitos embebidos de autonomia e responsáveis pela própria aprendizagem. As pautas abordadas, por sua vez, encontraram respaldo nas próprias necessidades sentidas pelo grupo. Sob esse olhar, os estudantes se mostraram participantes ativos, motivados e dispostos a desenvolver as atividades em conjunto e com foco. Eles foram os responsáveis pela construção dos conhecimentos e experiências vivenciados, já que uniram esforços para alcançar um objetivo comum por meio de atividades interativas e significativas. Nestas, eles se engajaram, sendo protagonistas na construção do seu próprio conhecimento. A implementação do PL ajudou na superação do fosso existente entre o saber, o saber- fazer e o saber-agir, entre o que é tradicional e o que é novo. Mostrou o quanto é significativo refletir acerca da autonomia e da criatividade; do quanto podemos ser produtores de nossas próprias estratégias, criando atividades de ensino significativas, que levam em consideração o contexto da escola. No projeto “Celular na sala de aula, sim ou não?”, as práticas de oralidade, leitura e escrita não foram encaradas com neutralidade, como geralmente ocorre na escola. Nessa direção, os estudantes, despertos para o problema, saíram da escola, conscientizaram outras pessoas. Por meio dessa ação, foi possível utilizar a escrita como ferramenta para a agência social, já que os diversos usos foram pautados por interpretações sobre o potencial que estes têm para satisfazer necessidades sociais específicas e de transformar de alguma forma o meio social. Os alunos se fizeram ouvir para intervir, buscando a participação e a mudança social. Em função disso, tiveram acesso a informações e, a partir do trabalho com gêneros, puderam agir em função de um interesse coletivo. O projeto representou uma experiência de empoderamento e favoreceu a compreensão dos estudantes de que podem vislumbrar a transformação da ordem social. As atividades do projeto representaram uma possibilidade didática em que a oralidade, a leitura e a escrita foram tomadas como práticas cidadãs, que contribuem com a produção de conhecimentos capazes de transformar de alguma forma o meio social. Os estudantes agiram no mundo social por meio de textos, escritos ou falados, que foram produzidos e lidos em razão de suas funções sociais e das necessidades do grupo; a leitura e a escrita foram práticas recorrentes durante o desenvolvimento de todo o projeto e utilizadas para se atingir outros fins, que vão além da mera aprendizagem da escrita (KLEIMAN, 2000). 268 A implementação de um projeto nesses moldes auxiliou na ressignificação do ensino da escrita, porque utilizamos estratégias que enfatizam a inserção e acesso dos estudantes aos ambientes sociais. Este fato destaca o aspecto interacional da linguagem, concebendo-a como um fator estritamente social, que não pode acontecer isoladamente. A concepção e execução do projeto “Celular na sala de aula: sim ou não?” levou em consideração princípios que, de fato, ressignificaram nossa prática. Isso porque centramos em uma abordagem de ensino voltada para o aluno, nas preocupações e particularidades do grupo envolvido, nas problemáticas da vida cotidiana dos alunos, em metas compartilhadas, na divisão de responsabilidades e, sobretudo, nas singularidades típicas do contexto em que a escrita, atualmente, se enquadra. No mais, é relevante frisar que o PL que ora desenvolvemos pôde ser aplicado à nossa realidade escolar porque a sua execução se deu de forma imbricada à organização pedagógica que vem determinado o ensino na escola, voltada, predominantemente, às pautas das diferentes avaliações institucionais. A implementação do PL ante a comunidade escolar se mostrou exitosa porque ajudou na diversificação do ensino, principalmente no que diz respeito à valorização dos letramentos vernaculares. 269 REFERÊNCIAS AFONSO, A. P. Comunidades de aprendizagem: um modelo para a gestão da aprendizagem. 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Unicamp, 2005b. 279 ANEXOS Anexo 1 – Termo de compromisso para utilização dos dados UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Projeto de pesquisa: OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO- APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Linha de Pesquisa: Letramento e Contemporaneidade Orientadora: Maria do Socorro Oliveira TERMO DE COMPROMISSO PARA UTILIZAÇÃO DE DADOS Título do projeto: Práticas de escrita de alunos do ensino médio em contextos escolares e não escolares: subsídios para a construção de projetos de letramento Pesquisador responsável: Arisberto Gomes de Souza Setor/departamento: Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Telefone para contato: 81 XXXX XXXX Instituição colaboradora: Escola Martins Júnior - Torre – Recife - PE 280 O pesquisador responsável pelo projeto supracitado se compromete a preservar a privacidade dos sujeitos colaboradores (alunos e profissionais da escola) cujos dados serão obtidos por meio de relatórios, questionários e documentos que evidenciem as respostas aferidas nas entrevistas. O pesquisador concorda, igualmente, que estas informações serão utilizadas única e exclusivamente para a execução do presente projeto e seus desdobramentos, não podendo ser utilizadas para nenhum outro fim, sem a autorização individual e expressa dos sujeitos envolvidos. As informações somente poderão ser divulgadas de forma anônima, garantindo o sigilo dos participantes e informantes. Recife, 22 de fevereiro de 2016 Assinatura do pesquisador responsável ____________________________________________________ Assinatura do diretor da escola ____________________________________________________ 281 Anexo 2 – Termo de assentimento livre e esclarecido UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Projeto de pesquisa: OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO- APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Linha de Pesquisa: Letramento e Contemporaneidade Orientadora: Maria do Socorro Oliveira TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Nós, alunos do ensino Médio da Escola XXXXXXXXXXXXX, Recife – PE, estamos sendo convidados a participar da pesquisa Práticas de escrita de alunos do ensino médio em contextos escolares e não escolares: subsídios para a construção de projetos de letramento, coordenada pelo pesquisador, Arisberto Gomes de Souza. Nossos pais permitiram a nossa participação. Estamos cientes que os objetivos da pesquisa dizem respeito à investigação das práticas situadas de escrita por nós desempenhadas para fins de geração de dados, características gerais, que subsidiem a construção de projetos de letramento. Também estamos cientes de que a nossa participação nessa pesquisa é opcional. Todas as etapas da geração de dados serão feitas na escola, em horários oportunos e com o consentimento de professores e da administração da escola. Para isso, serão utilizados relatórios de observação, questionários para entrevistas e instrumentos para geração de documentos (fotos, imagens, textos) que evidenciem as respostas dadas. Na pesquisa, nossas identidades serão preservadas e os resultados dos dados fornecidos por nós vão ser publicados na tese de doutorado supracitada. Dessa forma, aceitamos participar da pesquisa supracitada, e, ao mesmo tempo, entendemos que poderemos deixar de participar a qualquer momento, caso esse seja o nosso desejo. Os pesquisadores tiraram nossas dúvidas e por isso estamos de acordo. Assinatura do aluno Série ___________________________________________________ _______________ Recife, ____de _________de __________. _______________________________________________ Assinatura do pesquisador 282 Anexo 3 – Questionário de geração de dados - Escola UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Projeto de pesquisa: OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO- APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Linha de Pesquisa: Letramento e Contemporaneidade Orientadora: Maria do Socorro Oliveira QUESTIONÁRIO DE GERAÇÃO DE DADOS - ESCOLA 1. INFORMAÇÕES GERAIS 1.1 - Nome da escola: __________________________________________________________________________ 1.2 - Localização: ____________________________________________________________ 1.3 - A localidade onde a escola está situada é considerada área de risco em termos de violência (roubos, furtos, assaltos, troca de tiros, consumo de drogas, homicídios etc.)?____- ___________________________________________________________________________ 1.4- Contatos: _______________________________________________________________ 1.5 - Entidade Mantenedora ( ) Estadual ( ) Municipal ( ) Particular 1.6 - Funcionamento: ( ) parcial ( ) integral ( ) semi ____________________________ 1.7 - Horário dos turnos: ( ) manhã ( ) tarde ( ) noite ____________________________ 1.8 - Séries e classes: Educação Infantil: __________________________________________________________ Ensino Fundamental: __________________________________________________________ Ensino Médio: _______________________________________________________________ 2. ESTRUTURA FÍSICA DA ESCOLA ( ) Sala de Professores _______________________________________________________ ( ) Sala de Multimídia/ TV Vídeo ______________________________________________ ( ) Ambiente de Leitura/ Biblioteca _____________________________________________ ( ) Materiais para os alunos ___________________________________________________ ( ) Sala de reuniões __________________________________________________________ ( ) Laboratório de Informática _________________________________________________ ( ) Rede wi-fi para os alunos ___________________________________________________ ( ) Laboratório de Ensino de Ciências e da Natureza ________________________________ ( ) Acessibilidade a Portadores de Necessidades Especiais ___________________________ ( ) Ambientes para atividades de Lazer / Quadra de esportes _________________________ ( ) Auditório para atividades da Escola __________________________________________ ( ) Sala de Refeitório ________________________________________________________ 283 ( ) Dependências direcionada à Atividades Pedagógicas _____________________________ 3. QUADRO DE PESSOAL DA ESCOLA - DOCENTE E ALUNADO 3.1- Total de docentes efetivos e estagiários: _______________________________________ 3.2- Equipe de funcionários administrativos: _______________________________________ 3.3 – Quantidade de alunos:____________________________________________________ 4. ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA DA ESCOLA 4.1 - A Escola possui coordenador (a) pedagógico (a)? ( ) Sim ( )Não 4.2 – A escola possui psicólogo? ( ) Sim ( )Não 4.3 - A escola regimento escolar? ( ) Sim ( )Não 4.4 - A escola possui projeto político pedagógico? ( ) Sim ( )Não 4.5 - A escola possui conselho de classe? ( ) Sim ( ) Não 4.6 - A escola participa de algum programa desenvolvido pelo MEC ou de outra entidade? ( ) SIM ___________________________________________________________________ ( ) NÃO 4.7 – Como funciona o horário para o planejamento docente e coordenação pedagógica? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4.8 – Como os alunos chegam até a escola?_____________________________________________________________________ 284 Anexo 4 – Questionário sociocultural UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Projeto de pesquisa: OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO- APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Linha de Pesquisa: Letramento e Contemporaneidade Orientadora: Maria do Socorro Oliveira QUESTIONÁRIO SOCIOCULTURAL 01 Nome: 02 Idade: 03 Sexo: 04 Número de pessoas na família: 05 Renda familiar: 06 Já foi reprovado? Quantas vezes? 07 Já desistiu de ano? Quantas vezes? 08 Trabalha ou já trabalhou? Em que? 09 Estuda em outros lugares? Descreva: 10 É praticante de alguma religião? Qual? 11 Como funciona a participação de familiares e da comunidade na escola? 285 Anexo 5 – Questionário para entrevistas UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Projeto de pesquisa: OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO- APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Linha de Pesquisa: Letramento e Contemporaneidade Orientadora: Maria do Socorro Oliveira QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA - ALUNOS56 01 Que prática de escrita você desenvolveu em seu cotidiano fora da escola? 02 Para quê você desenvolveu essa prática de escrita? 03 Seu objetivo foi alcançado? 04 Essa prática de escrita exige uma resposta? 05 Com quem escreveu? 06 Quantos seriam os possíveis interlocutores dessa prática de escrita? 07 Quem são essas pessoas? 08 Alguém já ajudou você a desenvolver essa prática de escrita? 09 Você já ajudou alguém a desenvolver essa prática de escrita? 10 Quem são os sujeitos que você ajudou e que ajudaram você a desenvolver essa prática de escrita? 11 Alguém ou alguma instituição pede/espera que você pratique essa escrita? 12 Quem ou qual instituição pede/espera que você pratique essa escrita? 13 Qual a distância do(s) 56 As perguntas foram apresentadas à medida em que as questões puderam ser colocadas, não exatamente da mesma forma com que foram inicialmente definidas. Neste caso, estabelecemos uma comunicação de caráter mais informal, com abertura a escuta e deixando os entrevistados à vontade. Em muitas ocasiões, parafraseamos as perguntas ou explicamos termos e trechos dos questionamentos para os entrevistados. 286 interlocutor(res)? 14 Qual o meio necessário para sua produção escrita chegar ao(s) interlocutor(es)? 15 Alguém já apontou problemas nessa sua prática escrita? (ortografia, gramática, etc.) 16 Se sim, quais problemas foram apontados na sua escrita? 17 Refaz, revê ou edita o texto antes de socializá-lo? 18 Em que local desenvolveu essa prática de escrita? 19 Por que prefere desenvolver a escrita nesse local? 20 Quais recursos utilizou para desenvolver essa prática? (tinta, lápis, caneta, pincel, cola, tablet, computador, celular, giz, etc.) 21 A sua prática de escrita se ancora em qual suporte textual? 22 Quanto tempo em média você leva para desenvolver essa prática de escrita? 23 Com que frequência você pratica essa escrita? 24 Você gosta de desenvolver essa escrita? 25 Por que você (não) gostou/gosta de desenvolver essa prática de escrita? 26 Você acha difícil desenvolver essa prática de escrita? 27 Você utilizou linguagens não verbais em conjunto com a escrita (imagem, som, movimento, textura, cor, formas, etc) 28 Quais são essas linguagens? 29 Você prefere produzir textos apenas com linguagem verbal ou que mesclam outras linguagens? 30 Do quê você fala nessa prática de escrita? 31 Por que você fala disso? 32 Você se considera uma pessoa que escreve muito? 33 Antes de fazer uso dessa escrita, você já havia presenciado alguém desenvolvendo-a? 287 Anexo 6 – Questionário para uso durante a execução do projeto UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Projeto de pesquisa: OS USOS DA ESCRITA DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO COMO ELEMENTOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO- APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO DE LETRAMENTO Linha de Pesquisa: Letramento e Contemporaneidade Orientadora: Maria do Socorro Oliveira QUESTIONÁRIO - ALUNOS57 01 Atividade que participou: 02 Que gêneros você foi motivado a escrever? 03 Fale sobre a experiência de participar dessa atividade: 57 Em muitas ocasiões, parafraseamos as perguntas ou explicamos termos e trechos dos questionamentos para os entrevistados. 288 Anexo 7 – Notas de campo NOTA DE CAMPO 1 Atividade: Acertos iniciais. Objetivos: Explicitar a proposta do projeto e discutir a sua viabilidade. Data: Maio de 2018 Nessa ocasião, demos início à busca pela viabilidade do projeto, conversando com a gestão da escola Martins Júnior de modo a definir aspectos iniciais – espaços, tempos e públicos possíveis. Conversamos com a gestão da escola e explicitamos a natureza e as intenções de um projeto de letramento. Foi a partir dessa negociação que fomos orientados pela gestão da escola a tratar diretamente com a professora de Língua Portuguesa responsável pelas turmas regulares do Ensino Médio. Para a equipe gestora, as medidas necessárias ao desenvolvimento e execução do projeto deveriam partir das recomendações dessa profissional. NOTA DE CAMPO 2 Atividade: Planejamento do projeto Objetivos: Discutir as particularidades do projeto: tema, situação problema, metodologia, objetivo, público, espaços e tempos. Data: Maio de 2018 Demos início ao trabalho colaborativo na escola por meio de articulações com a professora e partiu da definição das particularidades do projeto: tema, situação problema, metodologia, objetivo, público, espaços e tempos, necessários a sua execução. Para estruturação das etapas e estratégias pertinentes, deliberamos acerca de quais turmas se envolveriam com a proposta - turmas de alunos do 3º ano do Ensino Médio, duas equipes compostas por 76 alunos. A partir daí, tratamos dos espaços necessários e a viabilidade do projeto decorreu mediante à anuência da professora responsável pelas turmas e também em virtude da necessidade de trabalharmos efetivamente com os mesmos grupos que participaram como colaboradores nas entrevistas da fase de investigação do projeto. O nome projeto, Celular na sala de aula, sim ou não?, assim como o objetivo social que buscamos foram também definidos: conscientizar a comunidade escolar compreendida pela Escola Martins Júnior e outras comunidades escolares vizinhas acerca dos diferentes usos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, no contexto da escola. 289 Os momentos em que a definição dos tempos possíveis para o desenvolvimento do projeto entrou em negociação foram os que mais demandaram articulação. Nesse sentido, foram relevantes as nossas explicitações no sentido de mostrar que os projetos de letramento, além de recomendados do ponto de vista oficial, são dispositivos didáticos que já foram experienciados por muitos professores/pesquisadores e representam uma oportunidade para pautar o ensino-aprendizagem dos chamados conteúdos curriculares de modo imbricado aos conhecimentos e experiências vivenciados. A professora titular das turmas, ciente dos pormenores da proposta, deliberou e concedeu o tempo para a implementação do projeto. NOTA DE CAMPO 3 Atividade: Oficina 1 - Conhecendo o projeto, Celular na sala de aula, sim ou não? Objetivos: Explicitar e pormenorizar o projeto, suas fases, suas estratégias e a sua meta social; entrosar os diferentes integrantes; envolver os estudantes no tange à temática do projeto; captar as impressões dos alunos sobre o tema e o projeto. Data: Julho de 2018 Resultado: A oficina foi iniciada a partir da ênfase ao tema do projeto e a partir de interpelação feitas aos estudantes sobre as experiências que já haviam desenvolvido quanto ao uso dos aparelhos celulares no espaço escolar. O uso dos celulares no âmbito da escola foi problematizado por meio de argumentos favoráveis e desfavoráveis no que diz respeito a sua utilização. Foram realizadas leituras sobre os gêneros lei, artigo de opinião e reportagem (Lei Estadual nº 15.507, de 21 de maio de 2015 (Pernambuco, 2015); Na sala de aula, não (TUMA, 2013); Pesquisadores criticam celular em aula: jovens não são multitarefa (TERRA, 2013), enfatizados na oficina. A seguir, promovemos uma discussão, em grupo, acerca dos pontos mais marcantes de cada uma das leituras dos gêneros disponibilizados. As diferentes opiniões dos estudantes ocorreram de maneira espontânea, quando o texto ou as discussões efetivadas os instigava. As perguntas, respostas e considerações, colocadas de forma oral, ajudaram na interpretação das informações discutidas. Os estudantes realizaram anotações acerca da oficina. Nesse sentido, alertamos sobre a relevância de se registrar os pontos decisivos. Incentivamos a prática do gênero anotação para os estudantes esquematizassem as informações que achassem mais relevantes para poderem acessá-las e explorá-las posteriormente. Referências: 290 TERRA. Pesquisadores criticam celular em aula: jovens não são multitarefa. In: Terra: Educação. 25 de ago. de 2013. Disponível em: . Acesso em 20 jul. de 2018. TUMA, R. Na sala de aula, não. In: Revista Carta Capital: saúde 30 de out. de 2013. Disponível em: . Acesso em 20 de jun. de 2018. PERNAMBUCO. Lei nº. 15.507 de 21 de maio de 2015. Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. 2015. Disponível em:< https://bit.ly/1Mc29Bv>. Acesso em: 16 de ago. de 2018. NOTA DE CAMPO 4 Atividade: Oficina 2 - Problematizando os sentidos dos textos Objetivos: Aprimorar as habilidades e competências referentes ao desenvolvimento da leitura e da escrita; refletir sobre a interdependência (sintático-gramatical, semântica e pragmática) existente entre os elementos textuais, responsáveis pelos sentidos. Data: Julho de 2018 Resultado: Iniciamos a oficina com discussões sobre a pauta do gênero anotação, que foi desenvolvido na primeira oficina. Desse modo, questionamos os estudantes para que falassem sobre a importância da temática do projeto e acerca de como é relevante tratar da temática dos usos de dispositivos de natureza tecnológica no universo da escola. Seguimos explorando o tema do projeto, enfatizando os textos verbais (slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas e instituições) estão presentes e são fundamentais na composição dos gêneros. Em função disso, os estudantes realizaram leituras a partir dos gêneros que subsidiaram as discussões. A oficina favoreceu a imersão dos alunos no universo plural de gêneros de domínios sociais diversos, já que nesse evento de letramento eles puderam ler e refletir sobre os sentidos dos gêneros em seus suportes textuais: anúncio publicitário (jornal impresso), cartaz, charge, encartes, panfleto e postagem em rede social. As atividades de escrita foram realizadas com vistas ao exercício da produção de diferentes mensagens e efeitos de sentido, com objetivo refletir e empregar corretamente questões relacionadas aos aspectos sintático-gramaticais, semânticos e pragmáticas na produção de textos. Especificamente, pedimos aos alunos que realizassem uma análise dos diferentes gêneros, elencando os recursos verbais presentes e os efeitos de sentido pretendidos nas diferentes categorias. 291 NOTA DE CAMPO 5 Atividade: Oficina 3 - Montando uma base para celular de origami Objetivos: Construir uma base para celular com vistas a integrar os alunos, impulsionando-os a refletir sobre a proposta do projeto, desenvolvendo-a da melhor maneira possível. Data: Julho de 2018 Resultado: Começamos a oficina explanando acerca do tema do projeto e suas diferentes fases, retomando pontos debatidos na oficina 1 e, indagando os estudantes sobre questões anotadas no primeiro encontro. Discutimos sobre como o uso do celular poderia ser pertinente ou não no universo da sala de aula, exemplificando a possibilidade do seu uso para a realização de pesquisas diversas e da sua visualização nas telas dos celulares. A partir desse ponto, introduzimos a ideia das bases de celulares feitas da técnica origami como importante apoio material nessas atividades. Desenvolvemos a oficina por meio do uso gênero tutorial, apresentado em vídeo. Os dois vídeos explorados (Apoio de papel para celular - MUITO FÁCIL! 2017 (MANUAL DO MUNDO, 2017); Base / Apoio para Smartphone 3.0 - Instruções em Português BR (EASY ORIGAMI, 2017) funcionaram como um passo a passo acerca de como proceder para a construção das bases de celulares por meio de instruções proferidas com o auxílio especial da linguagem verbal oral. Os tutoriais foram pausados recorrentemente para retomarmos as orientações que eram postas. Os estudantes seguiram os passos do tutorial, fazendo marcações nos materiais e, assim, produziram as bases. Referências: MANUAL DO MUNDO. Apoio de papel para celular - MUITO FÁCIL! 2017. Disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2018. EASY ORIGAMI. Origami: Base / Apoio para Smartphone 3.0 - Instruções em Português BR. 2017. Disponível em: < https://bit.ly/2JfIbt7>. Acesso em: 02 jun. 2018. NOTA DE CAMPO 6 Atividade: Oficina 4 - Explorando a temática do projeto Objetivos: Desenvolver pesquisas sobre o tema do projeto; explorar o assunto sob os mais diferentes aspectos e embasar as discussões; proporcionar a apropriação do assunto. Data: Agosto de 2018 Resultado: Introduzimos a oficina mediante discussões sobre o tema do projeto a partir de reflexões sobre reportagens em vídeos (Lei proíbe o uso de celular em salas de aula em Minas 292 Gerais; Uso da tecnologia nas salas de aula) que foram exibidas. Esses gêneros versavam sobre a temática do projeto sob dois aspectos diferentes. Um enfatizava a utilização dos aparelhos de forma produtiva e o outro sob o ponto de vista negativo. Prosseguimos as atividades formando grupos e dividindo-os entre os abordariam o uso positivo dos celulares e os que tratariam de explorar a utilização não produtiva desses recursos. Nesse momento, retomamos as conversas que tivemos acerca das informações e experiências abordadas nas oficinas 1. Discutimos o andamento das atividades mostrando os pontos importantes, focando na situação-problema que desejávamos refletir – é cabível o uso de aparelhos celulares e outros dispositivos de natureza tecnológica no universo da escola? Quais os usos recomendados e não recomendados? Por quê? Como essas questões se dariam na prática? Os estudantes realizaram as pesquisas inicialmente explorando dois artigos de opinião e duas reportagens (O uso do celular e as consequências negativas para o rendimento escolar (INSTITUTO DOM BARRETO, 2016); 40 funções do celular na sala de aula (GOCRONQR. 2015); Celular na sala de aula: Como fazer dele um aliado (MLEARN, 2017); e Como aproveitar o uso do celular em sala de aula (FRANÇA 2018), e a partir daí deram continuidade à atividade. Nessa ocasião, convidamos os estudantes a realizarem pesquisas sobre o tema fazendo uso de aparelhos celulares para acessar informações. Os alunos, então, acessaram, por meio da leitura, textos e informações buscadas a partir do uso dos próprios celulares. A sistematização da oficina de pesquisa ocorreu de maneira diferente em cada uma das turmas. Na equipe 3a, a organização deu mediante a fundamentação do gênero questionário e pelo gênero e-mail, que foram pautados pelas informações pesquisadas e construídos com vistas à próxima oficina. Na turma 3b, a sistematização de deu mediante a produção do gênero mural, de modo coletivo. Para a implementação do mural, os alunos foram instados a colorir, incrementar e preencher a tela de um celular de papel com os argumentos que elegeram como mais relevantes nas pesquisas. A produção desse gênero será imprescindível para a organização da próxima oficina programada para a turma 3b, um debate. Referências: INSTITUTO DOM BARRETO. O uso do celular e as consequências negativas para o rendimento escolar. In: Instituto Dom Barreto, 2016. Disponível em: . Acesso em 20 de jun. de 2018. GOCRONQR. 40 funções do celular na sala de aula. In: GoCronqr. 2 de mar. de 2015. 293 Disponível em: . Acesso em 20 de jun. de 2018. MLEARN. Celular na sala de aula: Como fazer dele um aliado. In: MLearn: Educação móvel. 28 de set. de 2017. Disponível em: . Acesso em 20 de jun. de 2018. FRANÇA, L. Como aproveitar o uso do celular em sala de aula. In: Tecnologia da educação . 27 de jun. de 2018. Disponível em: . Acesso em 20 de jul. de 2018. NOTA DE CAMPO 7 Atividade: Oficina 5 - Discutindo o uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola Objetivos: Exercitar a habilidade de expressar-se oralmente; favorecer a troca de informações e a partilha de saberes sobre o uso do celular na escola; consolidar os conhecimentos sobre o assunto. Data: Agosto de 2018 Resultado: Nesta oficina, as discussões foram iniciadas a partir da introdução do tema da palestra e da pormenorização das suas regra: tempos disponíveis, participação dos integrantes dos grupos, perguntas a serem realizadas, registro das discussões, respeito às falas e posicionamentos proferidos. Após isso, o convidado, palestrante, tratou de introduzir sua fala por meio de considerações acerca da temática do uso do celular no âmbito da escola e, com o auxilio do professor mediador, respondeu as perguntas apresentadas pelos grupos. Os estudantes introduziram questionamentos e, assim, foram proporcionados momentos para posicionamentos e ideias. Nesta oficina, os estudantes retomaram os questionários desenvolvidos no momento anterior. As perguntas dispostas no questionário, elaboradas com o auxílio da oficina de pesquisas foram dirigidas ao palestrante convidado. Fizemos um apanhado de todas as informações acessadas. Esse foi um momento em que rememoramos as etapas do projeto, debatendo e socializando conhecimentos. Os estudantes produziram respostas escritas para o gênero questionário, à medida que as discussões eram realizadas. NOTA DE CAMPO 8 Atividade: Oficina 6 - O uso dos aparelhos celulares no âmbito da escola em debate. Objetivos: Fortalecer os conhecimentos adquiridos sobre o assunto do projeto; favorecer a colaboratividade e a troca de saberes; desenvolver a habilidade de expressar-se oralmente de 294 forma organizada, clara e coerente. Data: Agosto de 2018 Resultado: As atividades foram iniciadas pelo mediador da oficina e moderador do debate, que promoveu as considerações iniciais e apresentou o tema e as estratégias do evento: organização dos participantes e argumentadores de cada grupo; tempos das considerações e intervenções de cada debatedor; determinação dos turnos e direitos de resposta de cada equipe; manutenção da discussão dentro do tema e dos objetivos da oficina. Os estudantes colocaram suas dúvidas no tange ao andamento da oficina e uma discussão em grupo aconteceu de modo que todos os detalhes fossem explicitados. Os alunos fizeram questionamentos diversos, que formulados previamente por meio das informações levantadas nas pesquisas e da produção do mural. Eles debatiam com argumentos embasados nas oficinas anteriores. Desse modo, os diferentes grupos puderam introduzir todas as perguntas e as discussões baseadas nas informações do mural que desenvolveram na oficina 4, proporcionando momentos para posicionamentos, réplicas e tréplicas. A sistematização das informações e experiências exploradas aconteceram de forma imbricada ao debate. À medida que as perguntas, falas, exposições, ideias e argumentos eram proferidos, os integrantes efetivavam o registro das diferentes considerações. O conjunto de informações geradas e registradas forneceu subsídios para o desenvolvimento de um relatório acerca do que era debatido. Os relatórios serão decisivos para as próximas ações do projeto nessa turma. NOTA DE CAMPO 9 Atividade: Oficina 7 - Produzindo gêneros para a campanha de conscientização nas escolas vizinhas. Objetivos: Produzir cartazes e panfletos com vistas à conscientização do uso do celular na escola. Data: Agosto de 2018 Resultado: Nesta oficina, relembramos os momentos das etapas anteriores, as informações e experiências que pudemos trocar naqueles eventos de letramento. Mereceram destaque as conversas acerca de como os textos verbais (slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas e instituições), que estão presentes e são fundamentais na composição dos gêneros. 295 No que tange às orientações acerca da produção dos gêneros, buscamos primeiro, explorar o gênero cartaz e, depois, o gênero panfleto. Em razão disso, os estudantes puderam refletir sobre os diferentes elementos que os compõem com base na analise de gêneros em seus suportes, coletados na comunidade e trazidos para estudo. Após isso, os estudantes, em grupos, debateram e planejaram as opções mais viáveis para a produção dos gêneros, evidenciando as muitas semioses que os compõem (imagens, cores, fontes, formas etc). Essas foram questões muito presentes nos gêneros. Os diferentes grupos produziram, cada um, pelo mesmo um cartaz e um panfleto, tomando como base a dinâmica das ações anteriores: a primeira metade dos grupos pautaram as produções acenando para os usos produtivos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, e a segunda metade evidenciou, em suas produções, a utilização não recomendada dos dispositivos. Ainda nessa oficina, os alunos fizeram uso de diferentes habilidades e recursos. Foram utilizadas as câmeras dos aparelhos celulares, os programas de edição de imagem, o touch screen, o control “c” – control “v” etc. NOTA DE CAMPO 10 Atividade: Oficina 8 - Produzindo gêneros para a campanha de conscientização na escola Martins Júnior. Objetivos: Produzir postagens para as redes sociais; elaborar gêneros com conteúdos com vistas à conscientização do uso do celular no âmbito da escola. Data: Agosto de 2018 Resultado: Nesta oficina, as atividades se iniciaram a partir de explicitações sobre as informações acessados nas etapas anteriores. Em função disso, debatemos acerca dos textos verbais (slogans, títulos, descrições, mensagens, endereços, dados, nomes de marcas e instituições), disponíveis nos gêneros. Após isso, os estudantes foram indagados sobre os conhecimentos prévios no que confere ao gênero postagem, que é muito comum para eles. A seguir, apresentamos os elementos característicos dos gêneros a partir de categorias exibidas pelo projetor de slides, coletados nas redes sociais e trazidos para estudo. Enfatizamos as configurações das postagens no que diz respeito à utilização de elementos organizacionais e estruturais, as linguagens empregadas, verbais e não verbais, etc. Os estudantes também realizaram pesquisas na internet com os próprios celulares acerca de 296 características dos gêneros e de modelos de categorias diversas com vistas à inspiração. Os grupos produziram, cada um, pelo mesmo um gênero postagem: parte dos grupos teceu as produções acenando para os usos produtivos de dispositivos oriundos das novas tecnologias, e a outra parte evidenciou, em suas produções, a utilização não recomendada dos dispositivos. Os alunos produziram os gêneros considerando as redes sociais nas quais efetivariam as postagens e os seus interlocutores. Essa foi mais oficina em que os estudantes puderam fazer uso dos seus aparelhos celulares para a produção do gênero. O manuseio do dispositivo foi produtivo e uma oportunidade para a plena execução das atividades da oficina. NOTA DE CAMPO 11 Atividade: Oficina 9 - Implementando uma campanha de conscientização sobre o uso de dispositivos oriundos das novas tecnologias, como o celular, nas escolas vizinhas. Objetivo: Desenvolver uma campanha de conscientização junto a duas comunidades escolares vizinhas, localizadas no bairro - a Escola Maciel Pinheiro e a Escola Paroquial Cristo Rei. Data: Agosto de 2018 Resultado: Começamos a oficina com discussões em grupo para explorar as estratégias da campanha de conscientização e as atividades por ela compreendidas. Desse modo, enfatizamos que a promoção da campanha concretizar uma ação coletiva com vistas a chamar à atenção de comunidades escolares sobre uma questão que é importante para todos, principalmente para os envolvidos diretamente no evento de letramento. Pormenorizamos as metas e estratégias da atividade: distribuição de atribuições aos diferentes participantes; afixação dos gêneros cartaz e distribuição do gênero panfleto em pontos estratégicos; utilização dos gêneros de forma a mobilizar e envolver o maior número de pessoas em torno da questão em pauta; reunião de esforços para compartilhar as diferentes atribuições; disposição das estratégias no que confere a chegada, permanências e saída dos locais das campanhas; efetivação da campanha de forma a buscar a solução para o problema: despertando consciências e auxiliando quanto a mudanças de atitudes e comportamentos no que confere aos usos do celular no âmbito da escola. As sensibilizações ocasionadas pela campanha de conscientização tiveram início desde a saída do grupo até as outras comunidades escolares. A efetivação da afixação dos cartazes ocorreu em pontos estratégicos das escolas, em que todos os seus integrantes transitam, fazendo valer a máxima dos gêneros de que as pessoas que passam sempre pelo local do cartaz 297 lerão a sua mensagem muitas vezes. Quanto aos panfletos, garantirmos que chegassem ao maior número de pessoas possíveis em um momento em que estavam dispostas a lê-los e assim, refletir sobre as informações recebidas. NOTA DE CAMPO 12 Atividade: Oficina 10 - Implementando uma campanha virtual de conscientização por meio das redes sociais, sobre o uso do parelho celular, na escola Martins Júnior. Objetivo: Desenvolver uma campanha virtual de conscientização por meio das redes sociais, junto à comunidade da Escola Martins Júnior. Data: Agosto de 2018 Resultado: Iniciamos a oficina com discussões em grupo sobre as estratégias da campanha virtual de conscientização e as atividades referentes ela. Nessa direção, enfatizamos o fato de a realização da campanha representar uma atividade compartilhada na qual o objetivo central despertar o interesse da comunidade escolar sobre uma questão que movimenta a todos: o uso dos celulares no âmbito da escola. Nessa ocasião, tratamos das estratégias da atividade: distribuição de atribuições aos diferentes participantes; recomendação quanto às posturas adotadas nos ambientes digitais; determinação de quais redes sociais seriam utilizadas como suportes textuais para o gênero postagem; utilização dos gêneros de forma a mobilizar e envolver o maior número de pessoas em torno da questão em pauta; reunião de esforços para compartilhar as diferentes atribuições; especificação das produções, aparelhos celulares, dias e horários referentes às postagens; monitoramento das reações e abrangência das diferentes ações; efetivação da campanha de forma a buscar a solução para o problema: despertando consciências e auxiliando quanto a mudanças de atitudes e comportamentos no que confere aos usos do celular no âmbito da escola. Os estudantes desenvolveram a campanha de conscientização socializando produções pra transformar uma realidade social. Em função disso, foram listadas todas as redes sociais possíveis de exploração, em especial aquelas já existentes e que reúnem estudantes e outros integrantes da escola: grupos de Watsapp, perfis coletivos e individuais das redes sociais Facebook e Instagram. A partir desse ponto, os estudantes divulgaram os conteúdos de maneira escalonada e respeitando um determinado período entre uma e outra, de forma que fosse evidenciado um cronograma de execução e de respostas aos compartilhamentos e comentários.