UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM IVONE BRAGA ALBINO CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS EM LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS): uma análise contrastiva entre falantes surdos e falantes ouvintes NATAL-RN 2017 IVONE BRAGA ALBINO CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS EM LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS): uma análise contrastiva entre falantes surdos e falantes ouvintes Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-requisito para obtenção do título de doutora em Estudos da Linguagem. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva. Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque NATAL-RN 2017 IVONE BRAGA ALBINO CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS EM LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS): uma análise contrastiva entre falantes surdos e falantes ouvintes Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-requisito para obtenção do título de doutora em Estudos da Linguagem. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva. BANCA EXAMINADORA À minha mãe, que, mesmo diante da necessidade de sobrevivência, não deixou que eu ficasse ausente da escola [saudades]. Às pessoas surdas amigas e às que integraram esta pesquisa, que permitiram o meu olhar e encantamento sobre a língua de sinais. À minha fonte inspiradora: Mel, que me fez mergulhar no campo da experiência não-auditiva, permitindo a realização deste trabalho e entender melhor a sua condição de surdez. A Duque, exemplo de pessoa humana capaz de discernir cultura surda de cultura ouvinte. AGRADECIMENTOS O presente texto é resultado do sonho de mergulhar no conhecimento da área dos estudos da Língua Brasileira de Sinais – Libras – sob a égide da Linguística Cognitiva, com o olhar voltado para a educação de surdos. Diante disso, o prazer de pesquisar e a necessidade de melhor compreender as dificuldades em torno dos processos de identificação de falantes surdos da Libras, demarcando raízes linguísticas e cognitivas, são razões que ficam explícitas neste trabalho investigativo. Ademais, gostaria de evidenciar o meu agradecimento a tantas pessoas que contribuíram para a efetivação desta tese. Primeiramente a Deus, pela graça de todos os dias eu poder almejar os meus objetivos e fortalecer o cumprimento de etapas em minha vida. À minha família, que compreendeu a minha necessidade de apoio nos momentos ausentes por uma causa justa. Ao admirável Prof. Dr. Paulo Henrique Duque, orientador desta pesquisa, que depositou confiança em mim quando o procurei e lhe disse que, ao acompanhar a construção do primeiro Projeto Pedagógico do Curso de Letras, com habilitação em Língua Brasileira de Sinais – Libras/Língua Portuguesa – LP, na Pró-Reitora de Graduação- PROGRAD, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, floresceu o meu interesse pessoal e profissional de entender como, cognitivamente, acontecem os itens lexicais na mente de falantes surdos de Libras. A nossa história começou assim: eu, pesquisadora na área de educação de surdos; e ele, possuidor de um esforço profissional inquestionável, amante do que faz. Aos falantes de Libras (alunos surdos e profissionais ouvintes tradutores/intérpretes) da UFRN e do curso de graduação Letras/ Libras dessa mesma universidade, que propiciaram condições de a pesquisa acontecer, fazendo parte desta história. Aos meus amigos surdos, que, em nossos encontros, perguntavam sobre o andamento da pesquisa e me incentivavam a continuar. Aos meus amigos professores de Libras da UFRN e de outras instituições de ensino, em especial a Felipe, Pedro, Paulo, Laralis, Helena, Renata, Simone, que contribuem com o incentivo para eu prosseguir no interesse pela educação de surdos, sempre depositando em mim confiança e mostrando importância de acreditar neste trabalho. Aos tradutores/intérpretes de Libras da UFRN Henne, Adiliane, Taanake, Hérica, Sara e Carlos, que traduziram para a língua de sinais os comandos das atividades/testes durante a coleta de dados da pesquisa sempre com paciência e com imensa sensibilidade. Aos colaboradores, professores e alunos integrantes do grupo Cognição & Práticas Discursivas pelas contribuições e melhorias durante a pilotagem. Aos amigos do grupo Cognição & Práticas Discursivas, em especial a Gerlanne Tavares, por me acolherem no grupo e me incentivarem a continuar com o meu percurso de pesquisadora na área da surdez voltada para linguagem e cognição. Aos vários profissionais da UFRN, que contribuíram diretamente ou indiretamente no processo de efetivação da pesquisa e desta tese, em especial, à direção do Centro de Educação (CE), à coordenação do curso de Letras/ Libras, à chefia do departamento de Letras, à direção do Laboratório de Comunicação (LABCOM) e aos servidores técnicos da secretaria do departamento de Letras e do LABCOM, da UFRN. À amiga Yanak Ferreira, tradutora/intérprete de Libras da UFRN, que me proporcionou bons momentos de aprendizado da língua em tela durante a transcrição exaustiva e a tradução/interpretação dos vídeos produzidos em Libras para o português escrito. Aos professores Marcos Antonio Costa, Ada Lima Ferreira de Sousa e Ricardo Yamashita Santos pelas importantes contribuições na qualificação desta tese. Um agradecimento especial aos professores Solange Coelho Vereza, Lodenir Becker Karnopp, José Edmilson Felipe da Silva e Ricardo Yamashita Santos que prontamente aceitaram o convite para participar como arguidores na banca final e às intérpretes de LS Nara e Sara que abrilhantaram esse momento. Estendo os meus agradecimentos à Oficina Livre de Música, que, sem medir esforços, forneceu instrumentos musicais durante o processo de pilotagem desta tese. RESUMO Esta tese tem como objetivo investigar o modo como surdos falantes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) constroem sentidos, tomando por base a Linguística Cognitiva e, dentro desse campo, a Teoria Neural da Linguagem. Em consonância com os pressupostos teóricos, utilizamos as noções de categorização (LAKOFF, 1987; DUQUE, 2001, 2002); de corporalidade (LAKOFF e JOHNSON, 1999; DUQUE e COSTA, 2011, 2012; BERGEN, 2008); e de narrativa (DUQUE, 2012; LAKOFF, 2008). Além disso, apresentamos categorias analíticas como esquemas-I (LAKOFF, 1987; JOHNSON, 1987); esquemas-X (FELDMAN, 2006); frames (FILLMORE, 1976, 1982; DUQUE, 2015); metáforas conceptuais e metonímia (LAKOFF e JOHNSON, 1999, 1980, 2002; GIBBS, 1994, 1999, 2005) em Libras. A tese defendida é a de que a construção de sentidos em narrativas por falantes surdos de Libras está atrelada a processos cognitivos relacionados a ações e percepções no mundo. Desse modo, a linguagem não está dissociada de processos criadores, que refletem, portanto, os processos gerais do pensamento elaborados pelos indivíduos quando criam seus significados e os adaptam a contextos diferentes de interação com outros indivíduos. O corpus utilizado na pesquisa é constituído por vídeos de falantes surdos de Libras (grupo experimental) e de falantes ouvintes de Libras (grupo de controle); o estudo é de natureza qualitativa, pautado na metodologia empírica quase-experimental (MONTERO; LEON, 2007). As análises de dados apontam para a existência de padrões referentes ao modo particular a partir do qual os surdos falantes de Libras compreendem suas relações com o mundo e conceitos específicos, cognitivamente construídos, utilizando a língua visuomotora. A ativação de circuitos neurais corrobora as hipóteses de que os surdos falantes de Libras exploram mais o campo visual; agregam outros aspectos perceptuais relacionados à forma e ao movimento dos objetos (ordenação espacial, foco e atenção); os indexadores linguísticos (sinais) acionam esquemas-I e esquemas-X, frames; e o próprio sinal tem base metafórica e/ou metonímica. A vertente de análise crítica acerca do modo como ocorrem cognitivamente os sinais em seus falantes sugere que, no ensino de Libras, sejam considerados os mecanismos de ativação de processos cognitivos durante a sinalização da língua, cujas experiências se efetivam em ambiente não-auditivo. Palavras-chave: Libras. Linguagem e cognição. Frames. Metáfora. Narrativa. ABSTRACT This thesis aims to investigate how deaf Brazilian Language Signals’ (Libras) speakers construct meanings, basing on Cognitive Linguistic, particularly Language Neural Theory. According to the theoretical assumptions, this study uses categorization notions (LAKOFF, 1987; DUQUE, 2001, 2002); corporality (LAKOFF; JOHNSON, 1999; DUQUE; COSTA, 2011, 2012; BERGEN, 2008); and narrative (DUQUE, 2012; LAKOFF, 2008). In addition to this, it presents analytical categories as schemes-I (LAKOFF, 1987; JOHNSON, 1987); schemes-X (FELDMAN, 2006); frames (FILLMORE, 1976, 1982; DUQUE, 2015); Libras conceptual metaphors and metonymy (LAKOFF; JOHNSON, 1999, 1980, 2002; GIBBS, 1994, 1999, 2005). This thesis confirms sense meaning in narratives of the deaf Libras’ speakers links cognitive processes related to actions and perceptions in the world. In this sense, language is not apart from creator’s processes that reflect general thinking individual processes when they create their meanings and they adapt different interaction contexts with other subjects. This research has as corpus videos with deaf Libras’ speakers (experimental group) and deaf Libras’ listeners (control group), this study has a qualitative nature, with empirical methodology quasi-experimental (MONTERO; LEON, 2007). Data analyses point to the existence of models related to a particular way that deaf Libras’ speakers understand their relationships with the world and with specific concepts, cognitively built, using visual motor language. Neural circuity activation collaborates to the hypothesis that deaf Libras’ speakers explore visual field; they add other conceptual aspects related to the form and movement of the objects (spatial order, focus and attention); linguistic index (signals) that activate schemes-I and schemes-X, frames, and the signal that has a metaphorical and/or metonymical base. The critical analyze about the occurrences of cognitive signal by the speakers suggests Libras teaching must considerate cognitive processes activation mechanisms during language signalization, whose experiences appear in a not hearing space. Keywords: Libras. Language and cognition. Frames. Metaphor. Narrative. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS LC: Linguística Cognitiva Esquema-I: esquema imagético Esquema-X: esquema de ação EM: espaço mental TNL: Teoria Neural da Linguagem ASL: Língua de Sinais Americana LS: Língua de Sinais Libras: Língua Brasileira de Sinais TILS: Tradutor/ Intérprete de Língua de Sinais LP: Língua Portuguesa ASNAT: Associação dos Surdos de Natal OCM: ORIGEM-CAMINHO-META LISTA DE FIGURAS Figura 1: maneiras distintas de sinalizar OLHAR ................................................... 34 Figura 2: Estruturação prototípica em Semelhança de Família............................ 38 Figura 3: Exemplo de estrutura radial................................................................... 39 Figura 4: sinalização de “lixo”.............................................................................. 45 Figura 5: sinalização de história dos insetos......................................................... 46 Figura 6: sinalização de descrição da joaninha .................................................... 49 Figura 7: pares de objetos relacionados ............................................................... 122 Figura 8: sinalização da figura formada pelos objetos escada e bola .................. 127 Figura 9: sinalização da figura formada pelos objetos escada e bola................... 127 Figura 10: sinalização da figura formada pelos objetos escada e bola ................ 128 Figura 11: sinalização da figura formada pelos objetos escada e bola................. 129 Figura 12: sinalização da figura formada pelos objetos prateleira e bola ............ 129 Figura 13: sinalização da figura formada pelos objetos prateleira e bola............. 130 Figura 14: sinalização da figura formada pelos objetos prateleira e bola ............ 131 Figura 15: sinalização da figura formada pelos objetos prateleira e bola ............ 131 Figura 16: sinalização de TEIA (grupo experimental) ........................................... 145 Figura 17: sinalização de TEIA (grupo de controle)............................................... 145 Figura 18: sinalização de “quer comer”................................................................ 147 Figura 19: sinalização de “pegar joaninha”.......................................................... 148 Figura 20: sinalização de “quer joaninha”............................................................ 148 Figura 21: sinalização de “pegar joaninha”.......................................................... 148 Figura 22: sinalização de surdos e ouvintes furando a aranha.............................. 149 Figura 23: sinalização de o surdo é campeão e os ouvintes atrasam ................... 151 Figura 24: sinalização de informações espaciais ................................................. 152 Figura 25: sinalização de expressões de sentimentos .......................................... 154 Figura 26: representação em grafo do frame INSETO sendo caracterizado .......... 160 Figura 27: representação em grafo do frame INSETO no momento de furar a teia 162 Figura 28: representação em grafo do frame INSETO no momento em que INSETO e MOSCAS furam a teia novamente......................................................................... 163 Figura 29: representação em grafo do frame INSETO.................................................... 165 Figura 30: representação em grafo do frame INSETO ........................................................... 166 Figura 31: representação em grafo do frame INSETO ........................................................... 166 Figura 32: representação em grafo do frame INSETO ........................................................... 167 Figura 33: representação em grafo do frame INSETO ........................................................... 168 Figura 34: representação da interligação do frame conceptual básico TEIA com o frame esquema-I CONTÊINER.......................................................................................................... 171 Figura 35: sinalização de domínios conceptuais PRESENÇA e VIDA............................... 176 LISTA DE QUADROS Quadro 1: exemplo da atividade/teste: Transmissão de Posições....................................... 108 Quadro 2: exemplo da atividade/teste: Uso Metafórico do Espaço.................................... 110 Quadro 3: exemplo da atividade/teste: Descrição e Narração dos Detalhes....................... 112 Quadro 4: exemplo da atividade/teste: Projeções Metafóricas Primárias em Libras.......... 113 Quadro 5: exemplo da atividade/teste: Projeções Metafóricas Congruentes em Libras.... 115 Quadro 6: demonstrativo das propriedades levantadas e intensidade de acionamentos.... 124 Quadro7: ocorrências de maior e de menor intensidade de outras propriedades verificadas................................................................................................................... 132 Quadro 8: acionamentos cognitivos durante a estruturação das narrativas do vídeo 1.... 140 Quadro 9: esquemas-I e esquemas-X acionados nas enunciações das ilustrações 8 a 15.......................................................................................................................................... 159 Quadro 10: integração de estados/eventos na narrativa do vídeo 1.................................... 164 NOTAÇÕES DE LINGUÍSTICA COGNITIVA Expressões linguísticas – grafadas “entre aspas duplas” Formas linguísticas – grafadas ‘entre aspas simples’ Domínios conceptuais – grafados em VERSALETE Componentes – grafados em itálico SISTEMA DE TRANSCRIÇÃO DE LIBRAS PARA LÍNGUA PORTUGUESA Os sinais ou itens lexicais são escritos por letras maiúsculas. CAIXA, CADEIRA Na tradução de um sinal que utiliza duas ou mais palavras, estas são separadas por hífen (-). ACIMA-NÃO, NÃO- QUERER, NÃO-PASSAR A formação de dois ou mais sinais, que expressam um único significado, são separados pelo símbolo (^). SUJO^LIXEIRA = LIXO, Nome de pessoas, localidades etc., que não possuem sinal são transcritas por datilologia (alfabeto manual), letra por letra, separadas por hífen (-). J-O-A-N-I-N-H-A, L-I-X-O Os sinais soletrados (empréstimos linguísticos) são transcritos em itálico. V-O-U, V-A-I No sinal não existe desinências para gênero e número, e quando exige na transcrição para a palavra na LP utiliza-se o símbolo (@), em seu final. PEQUEN@, VERMELH@ Na repetição do sinal utiliza-se o símbolo (+), no lado direito e sobrescrito. VOAR + , FURAR + As expressões (facial e corporal) realizadas simultaneamente aos sinais são apresentadas acima do sinal, expressando interrogação, exclamação, utilizando os símbolos -?-, -!- sobrescrito. CHAMAR -?- ERRADO -!- O sinal é classificador e é representado pelas iniciais CL em sobrescrito. SUBIR CL , PRATELEIRA CL O sinal tem concordância de lugar ou de número pessoal, por meio do movimento direcionado. Um número e/ou letra em subscrito indicará: -variável para lugar: i ponto próximo à 1ª pessoa j ponto próximo à 2ª pessoa k e k’ pontos próximos à 3ª pessoas e = esquerda d= direita - pessoas gramaticais: 1s, 2s, 3s 1ª, 2ª e 3ª pessoas do singular 1d, 2d, 3d 1ª, 2ª e 3ª pessoas do dual 1p, 2p, 3p 1ª, 2ª e 3ª pessoas do plural i OLHAR j PERCEBER k e k’LIXEIRA eRUA dRUA 1d ESTAR 3d 3p MOSCAS A língua de sinais, nas mãos de seus mestres, é uma língua extraordinariamente bela e expressiva, para a qual, na comunicação uns com os outros e como um modo de atingir com facilidade e rapidez a mente dos surdos, nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto à altura. Para aqueles que não a entendem, é impossível perceber suas possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre o moral e a felicidade social dos que são privados da audição e seu admirável poder de levar o pensamento a intelectos que de outro modo estariam em perpétua escuridão. Enquanto houver duas pessoas surdas sobre a face da Terra e elas se encontrarem, serão usados sinais. J. Schuyler Long (Long, 1910 apud Sacks, 2010, p.2). SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................. 16 CAPÍTULO 1- REFERENCIAL TEÓRICO.............................................................. 25 1.1 Histórico da Linguística Cognitiva.......................................................................... 25 1.1.1 A primeira geração cognitivista: os gerativista ................................................ 26 1.1.2 A dissidência gerativista ................................................................................... 29 1.2 Corporalidade como alicerce da Libras................................................................... 31 1.3 Categorização como framing................................................................................... 34 1.4 Frames: organização cognitiva construída culturalmente........................................ 44 1.4.1 Frames conceptuais básicos............................................................................... 50 1.4.2 Frames interacionais.......................................................................................... 51 1.4.3 Esquema-I ou esquema imagético...................................................................... 52 1.4.4 Frames de domínio-específico........................................................................... 56 1.4.5 Frames sociais e culturais.................................................................................. 57 1.4.6 Frames descritores de eventos............................................................................ 58 1.4.7 Frames-roteiro.................................................................................................... 60 1.5 Metáfora................................................................................................................... 61 1.5.1 Metáforas primárias e congruentes.................................................................... 69 1.6 Metonímia................................................................................................................. 71 1.7 Narrativa................................................................................................................... 76 CAPÍTULO 2- SURDEZ ............................................................................................. 2.1 Histórico dos estudos da surdez................................................................................ 2.2 Surdez, identidade linguística e cultural................................................................... CAPÍTULO 3- ESTADO DA ARTE........................................................................... 80 80 86 97 CAPÍTULO 4- METODOLOGIA............................................................................... 100 4.1 Natureza da Pesquisa................................................................................................ 100 4.1.1 Preparação para a constituição do Corpus ........................................................ 101 4.1.2 Teste piloto ........................................................................................................ 101 4.1.3 Diário de Campo................................................................................................ 104 4.1.3.1 Modificações da pilotagem ............................................................................. 104 4.1.4 Reestruturação das atividades/testes após a pilotagem e utilizadas na constituição do corpus ............................................................................................. 4.1.4.1 Atividade/teste: Transmissão de Posições...................................................... 107 107 4.1.4.1.1 Participantes ............................................................................................. 108 4.1.4.1.2 Material .................................................................................................... 108 4.1.4.1.3 Procedimentos ......................................................................................... 108 4.1.4.1.4 Predição ................................................................................................... 109 4.1.4.2 Atividade/Teste: Uso Metafórico do Espaço ................................................. 109 4.1.4.2.1 Participantes.............................................................................................. 109 4.1.4.2.2 Material ..................................................................................................... 110 REFERÊNCIAS............................................................................................................. 185 4.1.4.2.3 Procedimentos .......................................................................................... 110 4.1.4.2.4 Predição .................................................................................................... 110 4.1.4.3 Atividade/Teste Descrição e Narração dos Detalhes...................................... 111 4.1.4.3.1 Participantes .............................................................................................. 111 4.1.4.3.2 Material ..................................................................................................... 111 4.1.4.3.3 Procedimentos........................................................................................... 112 4.1.4.3.4 Predição..................................................................................................... 112 4.1.4.4 Atividade/Teste: Projeções Metafóricas Primárias em Libras ....................... 113 4.1.4.4.1 Participantes ............................................................................................. 113 4.1.4.4.2 Material .................................................................................................... 113 4.1.4.4.3 Procedimentos .......................................................................................... 114 4.1.4.4.4 Predição .................................................................................................... 114 4.1.4.5 Atividade/Teste Projeções Metafóricas Congruentes em Libras .................. 114 4.1.4.5.1 Participantes ............................................................................................ 114 4.1.4.5.2 Material .................................................................................................... 114 4.1.4.5.3 Procedimentos ......................................................................................... 115 4.1.4.5.4 Predição .................................................................................................. 115 4.2 Constituição do Corpus ............................................................................................ 115 4.2.1 Participantes da constituição do corpus ............................................................. 116 4.2.2 Descrição de instrumentos e aparatos de pesquisa ............................................ 117 4.3 Procedimentos de análise ......................................................................................... 117 CAPÍTULO 5 - ANÁLISE DOS DADOS ................................................................... 121 5.1 Análise e descrição de Percepção Visual ................................................................. 122 5.2 Análise e descrição de frames ............................................................................... 133 5.3 Análise e descrição de metáforas conceptuais e metonímia em Libras................... 144 CAPÍTULO 6- DISCUSSÃO ....................................................................................... 155 6.1 Discussão sobre esquemas ........................................................................................ 155 6.2 Discussão sobre frames............................................................................................ 159 6.3 Discussão sobre metáfora e metonímia.................................................................... 175 6.4 Discussão sobre narrativa.......................................................................................... 178 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 180 16 INTRODUÇÃO O objetivo central desta tese é analisar, sob os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva (LC), como ocorre o processo de construção de sentidos por falantes surdos de Língua Brasileira de Sinais (Libras), cujas experiências se efetivam em ambientes não-auditivos. Buscamos, pois, uma investigação sobre o modo como falantes surdos da Libras e ouvintes 1 ativam e modelam frames e outros processos cognitivos durante a construção de sentidos, de acordo com as chamadas Ciências Cognitivas, considerando o pressuposto da LC de que nossa mente é corporificada (LAKOFF e JOHNSON, 1999). Em especial, tratamos de noções de esquemas-I (LAKOFF, 1987; JOHNSON, 1987, DUQUE, 2015); esquemas-X (FELDMAN, 2006); corporalidade (LAKOFF e JOHNSON, 1999; DUQUE e COSTA, 2011, 2012); categorização (LAKOFF, 1987; DUQUE, 2001, 2002; ROSCH, 1976); e narrativa (DUQUE, 2012; LAKOFF, 2008). Ademais, analisamos as seguintes categorias analíticas: frames (FILLMORE, 1976; DUQUE, 2015); metáforas primárias e congruentes e metonímia (LAKOFF e JOHNSON, 1999, 1980, 2002) em Libras, utilizando narrativas de falantes surdos dessa língua. Estudos cognitivistas nos mostram que a linguagem não está dissociada de processos criadores, refletindo, portanto, os processos gerais do pensamento elaborados pelos indivíduos quando criam seus significados e os adaptam a contextos diferentes de interação com outros indivíduos. Para que, então, usamos a linguagem? Categorizamos o mundo por meio da linguagem? Existem relações entre os sistemas conceptuais e nossa estrutura sensório-motora? É a partir dessas indagações que focaremos nossos estudos nos pressupostos da LC, enfatizando a reciprocidade entre língua, cognição e corporalidade, bem como o papel da primeira de descrever e explicar a configuração gramatical das línguas em paralelo com processos de construção conceptual. Conforme Duque e Costa (2011b), as novas perspectivas nos estudos da linguagem enfocam um lastro teórico pautado na concepção de linguagem como “manifestação dinâmica 1 O termo ouvinte é utilizado nesta tese para fazer referência às pessoas que experienciam ambientes orais-auditivos. 17 da cognição” (ibid., p. 87), deixando, portanto, de ser apenas relacionada a meios e recursos variados utilizados para estabelecer a comunicação. Esses autores destacam que a linguagem comunga com processos criadores pelos quais organizamos e damos forma às nossas experiências. Assim, reconhecem que as categorias linguísticas são estruturadas por princípios que também se aplicam a outras organizações cognitivas. Para Langacker (1987), na ausência de linguagem o conhecimento cultural e o desenvolvimento cognitivo não podem ocorrer. Nesse sentido, a orientação cognitivista enfoca linguagem como extensão da cognição e da razão humana, sendo vinculada aos corpos e às peculiaridades dos cérebros, e estes, em interações com o ambiente, fornecem as bases dos sentidos em comunicação com o mundo. Dessa forma, existem domínios básicos que têm ligação com a experiência corporal, tais como: espaço, visão, temperatura, paladar, pressão, dor e cor. Assim, linguagem, cognição e cultura constituem novas perspectivas de compreensão dos processos mentais. Diante disso, Duque e Costa (2012a, p. 61-62) consideram importantes os seguintes pressupostos básicos: 1) a linguagem não se separa de outras capacidades cognitivas do ser humano, isto é, os processos cognitivos ocorrem simultaneamente nas interações socioculturais; 2) a estrutura gramatical de uma língua reflete diferentes processos de conceptualização; e 3) o conhecimento linguístico emerge e se estrutura a partir do uso da linguagem. Ao adotarmos a LC corporificada como sustentação teórico-metodológica desta tese, buscamos o atendimento aos seus compromissos do cognitivismo e da generalização (LAKOFF, 1990). Em relação ao primeiro, as questões de pesquisa e as categorias analíticas estão coerentes com o campo de pesquisa indo ao encontro das ciências cognitivas, não traindo os pressupostos dessa área de conhecimento científico e convergindo com a perspectiva cognitivista. Quanto ao compromisso da generalização, lança luz sobre novas investigações a respeito do tema em questão, visto que não se encerra em si mesmo partindo de nossas predições. De acordo com a perspectiva cognitivista, na experiência de mundo temos a linguagem constituída a partir da nossa capacidade cognitiva, orientando as nossas ações e construindo sentidos. Partindo dessa concepção, o nosso desafio é verificar como, 18 cognitivamente, os surdos constroem sentidos e como ocorrem os sinais na Língua Brasileira de sinais, doravante Libras. Ocorre que a Libras não é estabelecida por meio do canal oral-auditivo, mas por vias da visão e da utilização do espaço. Trata-se, pois, de uma língua visuoespacial, materna 2 para as pessoas surdas, e as experiências de seus falantes se efetivam em ambientes não-auditivos. Tal diferença determina o uso de mecanismos sintáticos específicos, diferentes dos utilizados nas línguas orais. As Línguas de Sinais, doravante LS, são organizadas espacialmente de forma bastante complexa, não sendo universais. Levando isso em conta, esta tese foi motivada, pelas seguintes questões norteadoras: ● sendo a Libras uma língua visuoespacial, como ocorre o processo de construção de sentidos por seus falantes? ● como projeções metafóricas e metonímicas estão envolvidas na construção de sentidos em Libras? ● como o mecanismo cognitivo discursivo framing se desenvolve em Libras? A partir dessas inquietações, ressaltamos as seguintes hipóteses: ● o sentido em Libras é de natureza visuoespacial, pois está organizado por um sistema de conceitos que se relacionam entre si, entendidos como mecanismos orientacionais, porque a maior parte deles envolve a orientação, tais como: “cima-baixo, dentro-fora, frente-costas, em-fora, profundo-raso, central-periférico” (LAKOFF e JOHNSON, [1980]2002, p.59, tradução nossa) 3 . Por terem a ver com a orientação espacial, envolvem, também, os corpos que temos e a maneira como funcionam no ambiente. ● as construções metafóricas na Libras são desenvolvidas no próprio corpo por meio de gestos e sinais. É possível que a metonímia prevaleça na Libras devido ao seu caráter visuoespacial de formação (foco e atenção). 2 Fernandes (2003) considera língua materna a forma de oferecimento da língua de sinais ao surdo como a sua primeira língua. Um meio natural de aquisição linguística, assim advoga. Ademais, acrescenta que, do ponto de vista sociocultural, é direito do surdo utilizar o instrumento linguístico característico da comunidade da qual naturalmente pertence. 3 up-down, in-out, front-back, on-off, deep-shallow, central-peripheral. 19 ● os falantes da Libras constroem sentidos por meio da percepção visual, a qual atua recebendo informações sob a forma de textos, imagens e cores, ou seja, em termos de “imagens mentais”. O registro dessas informações é feito pela exploração do campo visual, não existindo sentidos isolados, mas, sim, uma inter-relação de todos os sentidos. Essa inter- relação, como sensibilidade visual integrada ao movimento, garante-nos a construção dos sentidos. ● O falante da Libras pensa e se expressa com sinais e se refere ao mundo de uma determinada maneira. Presta muita atenção aos aspectos visuais, apresentando um maior nível de detalhamento para os objetos, coisas etc. A visão é muito mais focalizadora do que a audição diante das experiências de mundo. ● A construção de sentidos se desenvolve a partir de pistas linguísticas no uso sinalizado. Com esses sinais, são acionados frames e esquemas imagéticos e a integração desses sinais fornece modelos mentais que perfilam simulações perceptuais e motoras, conforme o contexto discursivo. Importante é o papel dos sentidos, visto que o som, a visão, o cheiro e a sensação ocorrem juntos. Nesse sentido, Sacks (2010) defende que os objetos são simultaneamente ouvidos, vistos, sentidos, cheirados num processo de correspondência estabelecida pela experiência e a associação. Para atingir, portanto, o objetivo central desta tese, alguns objetivos específicos necessitam ser desdobrados, a saber: a) identificar que elementos do contexto situacional são evocados no processo de construção de sentido por falantes da Libras; b) identificar como elementos perceptuais e motores estão engajados na construção de sentidos por falantes da Libras por meio do cotejo entre falantes surdos e ouvintes; c) analisar o processo de ativação e acionamentos de frames em Libras; d) identificar como se realizam as projeções metafóricas e metonímicas em Libras. 20 De acordo com a perspectiva cognitivista, a construção de sentidos envolve circuitos neurais ativados durante a percepção e o movimento e a computação neural une as experiências de ouvir e falar com a experiência de percepção, movimento e imaginação. No caso dos surdos, falantes da Libras, essas experiências são fundamentais na construção de sentidos, tendo em vista que, para eles, o mundo é apreendido e experienciado. A linguagem, portanto, é constituída a partir da capacidade cognitiva orientanda à construção de sentidos. Dessa forma, o processo de construção de sentidos por falantes da Libras envolve “aspectos visuais”, verificados em Freeman (1999) e em Bellugi e Klima (1979). Todavia, consideramos que é a integração entre outros espaços (domínios conceptuais) – que contêm representações parciais de entidades e relações em um cenário percebido, imaginado ou lembrado (FAUCONNIER, 1994, 1997) – e a situação comunicativa imediata que dão conta da criação de outros sentidos. Cumpre ressaltar que tratar da língua utilizada por falantes da Libras, que é própria e se diferencia da usada por seus pares ouvintes, é lançar luz sobre o fato de que há uma relação necessariamente mediada pela arquitetura cognitiva desses falantes em termos de suas características e restrições. Contudo, é no processo de compreensão de um enunciado, sob as vias de um contexto comunicativo, que os falantes em Libras fornecem pistas visuais e espaciais para que nós, leitores ouvintes, percebamos a sua expressão e seu conhecimento linguístico. Sabendo que é relevante investigarmos de que modo e em que medida ocorrem os processos cognitivos de falantes surdos da Libras admitimos que os sinais utilizados são processados no cérebro. No entanto, detalhes desse processamento precisavam ser mais conhecidos. Nas palavras de Feldman (2006, p. 14), é prematuro formular teoria de vinculação explícita ligando a linguagem à computação neural. Em compensação, os teóricos em geral estão satisfeitos com os modelos sugestivos, que apesar de não serem precisos, têm conduzido a experimentos interessantes, a partir dos quais as ciências cognitivas gradativamente vêm revelando muito sobre como nossos cérebros produzem a linguagem e o pensamento. [tradução nossa] 4 . 4 […] it is premature (perhaps by centuries) to formulate explicit theories linking language to neural computation. Even theoreticians are usually content with suggestive models, which can’t actually be right, but do suggest interesting experiments. However, the cognitive sciences reveal a great deal about how our brains produce language and thought. 21 Esses pressupostos remetem ao fato de que a convivência com pessoas surdas, no curso Letras/Libras/UFRN, na Associação de Surdos de Natal (ASNAT), no projeto de extensão “Português para Surdos”5, na tutoria e na docência da Educação a Distância (EaD – UFRN) e na convivência com docentes da Libras (na condição de pesquisadores na área da surdez), motivou o desenvolvimento desta pesquisa, focalizando um olhar sobre a Libras, tornando-se um momento instigante para compreender sua essência e, sem dúvida, a importância da surdez relativa à produção de sentidos. Isso posto, percebemos que, em relação à questão linguística, poucos estudos enfatizam a cognição da pessoa surda e que os detalhes de como se dá o processamento de sinais no cérebro são pouco conhecidos. Logo, existe a necessidade de outra perspectiva que não perceba a Libras de forma segmentada, numa visão estrutural. Além disso, a condição da pesquisadora, genitora de uma pessoa com surdez, impulsiona mais a necessidade de se entender melhor questões relativas a essa limitação sensorial. Vemos que é muito mais gratificante tratar sobre LS, Libras, linguagem, cognição e produção de sentidos do que pecar pela limitação de conceber a surdez 6 , indistintamente, como uma patologia audiológica, desconsiderando totalmente o uso da língua materna de quem é surdo a partir de uma construção sociocultural que engloba, segundo Behares (1993, p. 41), “os aspectos identificatórios, comunicativo-interativos, linguísticos e cognitivos”. 5 Uma iniciativa de extensão universitária que permitiu a um grupo de pesquisadores trabalharem a língua portuguesa na modalidade escrita para alunos surdos, falantes de Libras, no ano de 2013, numa escola pública de Natal. O objetivo do projeto era capacitar os surdos para uso da língua portuguesa, em sua modalidade escrita, para que eles pudessem expor ideias e pensamentos com a finalidade de contribuir para sua efetiva participação social e exercício da cidadania. O conhecimento sobre a língua portuguesa escrita para os surdos era (e ainda é) entendido como uma dificuldade que limita a liberdade de acesso à comunicação e à informação numa sociedade que utiliza majoritariamente o português escrito. 6 Não existe a pretensão de abordar neste trabalho concepções históricas sobre surdez, promovendo uma discussão sobre a oposição entre modelos clínicos e antropológicos de surdez e suas significações na vida da pessoa surda (KLIAR, 1997, 2013). O objetivo deste texto é diferente. Trata-se de lançar olhar investigativo sobre a produção de sentidos que transita nos discursos de falantes de Libras sob os pressupostos da LC, focando a linguagem e a cognição. Se houver algum mérito, esperamos que seja, simplesmente, a possibilidade de “tocar” nas essencialidades que contribuíram para a naturalização da língua utilizada pela comunidade surda. A intenção de situar a pessoa surda neste trabalho é a de que a sua identidade é centrada fortemente no ser surdo, consciente linguisticamente pelo específico surdo, cujo espaço cultural no qual realiza a comunicação linguística é visuoespacial dentro de um ambiente linguístico cuja experiência é não-auditiva, cultural e diversa. Portanto, surdo, falante de Libras, pessoa surda, surdez pré-linguística, surdez pós-linguística são termos que incorporam entidades conceptuais, que dão sentido a este trabalho. São, pois, providos de termos linguísticos quando o assunto é língua de sinais, mais especificamente neste trabalho a Libras. A perspectiva do trabalho desmerece formas sinalizadas de línguas faladas oralmente – a exemplo português em sinais –, tidas como meras transliterações. 22 Diante disso, pensamos em como se estrutura a linguagem, o pensamento e a cultura de surdos falantes da Libras quando adaptados ao seu contexto a partir do pressuposto de que a realidade sociocultural da pessoa surda é ainda mais complexa quando há uma questão linguística específica e uma corporeidade mais acentuadas a serem consideradas. Nesses termos, há a necessidade de repensar porque as pessoas que vivem suas experiências em um ambiente auditivo consideram os processos cognitivos de falantes de uma língua visuoespacial iguais aos seus e, por isso, muitas vezes, desmerecem a ausência da modalidade auditiva na comunicação com as pessoas surdas. Para Sacks (2010), somos ignorantes e indiferentes em relação à surdez. Parece-nos, então, que é a modalidade auditiva que prevalece nas interações humanas entre ouvintes e surdos. O desmerecimento sobre como a ausência da modalidade auditiva interfere na forma como o surdo constrói sentidos é a nossa inquietação neste momento. Vale a acepção de que o cérebro humano é capaz de adquirir, armazenar e categorizar, de forma não homogênea, múltiplas informações sobre objetos cognoscíveis, dentre os quais, construções linguísticas e padrões discursivos (DUQUE e COSTA, 2012a). Desse modo, a LC se volta para as relações entre língua e outras estruturas cognitivas. Coerentemente, os processos de categorização formam adaptações à realidade cultural e social. Diante disso, a construção de sentidos é mediada por redes de conhecimento que se organizam na forma de domínios mentais que atuam, simultaneamente, como modelos culturais dos falantes (DUQUE e COSTA, 2012a). Tais afirmações sustentam a linguagem e o desenvolvimento da língua ao adaptarem-se às demandas socioculturais por meio de processos cognitivos. Diante de tais pressupostos, esta tese se situa no interior da LC de base corporificada e está relacionada com as perspectivas de estudos de linguagem e cognição realizados por Duque e Costa (2011a, 2012a), Sousa (2014), Pereira da Silva (2012), Tavares (2014), dentre outros estudos que seguem esse referencial teórico e consideram a integração dos vários aspectos envolvidos na construção de sentidos. Nesse sentido, vimos que a LC investiga os processos cognitivos subjacentes à linguagem. De acordo com Feldman (2006), os estudos mais recentes em neurociências e ciências comportamentais sugerem que a linguagem seja a pedra angular das ciências cognitivas como um todo. 23 Levando isso em conta, percebemos, pois, que a LC busca respostas para essas e outras questões recorrendo a pesquisas sobre aquisição, processamento e compreensão da linguagem a partir da concepção de mente corporificada, aventada por Lakoff (1987) e Johnson (1987). Segundo esses autores, a razão humana se origina da natureza de seus cérebros e das experiências sensório-motoras de seus corpos no mundo. Essas experiências são organizadas na mente humana através de esquemas imagéticos e de execução. É nesses esquemas que buscaremos nos ancorar, em princípio, para responder às questões anteriormente citadas. Como já mencionamos, buscamos uma teoria que pudesse dar conta da comprovação (ou não) de nossas hipóteses, principalmente pela questão da corporalidade, visto que a Libras, apresentando-se como uma modalidade visual, faz com que os falantes dessa língua se utilizem de uma visão mais focalizadora, cuja percepção do espaço e do movimento é necessária para a construção e o acesso a conceitos e conhecimentos. Essas e outras menções são ignoradas por outras teorias, não satisfazendo às nossas necessidades, pois os falantes em Libras, interagindo com o outro e com o meio em que vivem, podem muito bem significar uma forma de comunicação produtora de sentidos. A ideia é que possamos contribuir com a criticidade do ensino para o falante surdo da Libras por se tratar de um sujeito cultural, histórico, que se constitui no social, nas relações com o outro e que tem direito à educação e a desenvolver o seu potencial cognitivo. Nessa perspectiva, esta tese está organizada da maneira a seguir. No capítulo 1, apresentamos aspectos que caracterizam a fundamentação teórica desta tese. Tratamos de uma visão introdutória acerca do itinerário histórico da Linguística Cognitiva e de aspectos conceituais das categorias de análise da LC. Em linhas gerais, discutimos pressupostos que auxiliam esses conceitos com os quais trabalhamos para fins de verificação de suas coerências ao longo do trabalho investigativo. No capítulo 2, apresentamos reflexões acerca da surdez numa perspectiva histórica e de cognição de pessoas surdas, em termos de construção de conhecimentos, de acordo com a especificidade do objeto em estudo. Discutimos especificamente sobre a Libras, tomando-se para estudo os pressupostos teóricos do universo linguístico dos falantes dessa língua. Sutilmente, extrapolamos as questões de ordem linguística ao nos reportarmos a aspectos socioculturais e educacionais de seus falantes, sobretudo, ao situarmos a relevância do 24 processo de aquisição dessa língua como acesso aos conhecimentos e à cultura do mundo pelos falantes da Libras. No capítulo 3, trazemos a importância do Estado da Arte, apresentando considerações sobre estudos que são interessantes para a discussão proposta nesta tese. No capítulo 4, descrevemos os detalhes da metodologia aplicada ao trabalho de pesquisa e o desenrolar desse processo até chegar ao momento das análises do corpus. Apresentamos os procedimentos metodológicos que guiaram a pesquisa e assumimos as nossas predições como propósitos de argumentos, os quais poderiam ser validados ou não. No capítulo 5, tratamos da análise das atividades/testes aplicadas com o grupo experimental (surdos falantes da Libras) e com o grupo de controle (ouvintes falantes da Libras), apresentando as respostas por meio de quadros demonstrativos, figuras, grafo etc. No capítulo 6, complementamos as análises realizando discussões pertinentes à língua em questão. Nesse sentido, aprofundamos os achados da pesquisa específicos da Libras estabelecendo relação com o referencial teórico em tela. Nas considerações finais, comentamos sobre os achados da pesquisa retomando as questões norteadoras e ratificando o objetivo geral da tese. Por fim, apontamos algumas contribuições nas dimensões social, educacional e científica a partir dos desdobramentos da pesquisa. 25 CAPÍTULO 1– REFERENCIAL TEÓRICO As peculiaridades do corpo humano contribuem para as peculiaridades do sistema conceptual. Temos olhos e orelhas, pernas e braços que trabalham de certas maneiras e não de outras. O sistema visual fornece estrutura por meio de mapas topográficos e células sensíveis à orientação, que moldam nossa habilidade de conceptualizar relações espaciais. As habilidades de movimento que possuímos e de perceber o movimento de outros objetos dão ao movimento um papel fundamental em nosso sistema conceptual [...]. (LAKOFF e JOHNSON, 1999, p. 18–19) Para iniciarmos esta tese, faz-se necessário realizar um breve histórico da LC, discutindo alguns pressupostos que caracterizam o surgimento dessa abordagem teórica, arcabouço deste trabalho investigativo contemplado na seção 1.1. Em seguida, nas seções 1.2 a 2.7, discorremos sobre algumas categorias de análise da LC que interessam a esta tese e acerca da concepção de surdez coerente com a perspectiva que aqui assumimos, a saber: corporalidade, categorização, frames, metáfora, metonímia e narrativa. 1.1 Histórico da Linguística Cognitiva Historicamente, a LC vem buscando harmonizar o entendimento sobre a capacidade de conhecer defendida no empirismo racionalista e no empirismo cognitivista. A filosofia racionalista 7 , demarcada principalmente no século XVII, coloca a razão como toda a base do conhecimento e a perspectiva de que somos capazes de conhecer e de identificar, motivados por algo que é universal e, de algum modo, independentemente de nossos sentidos. Essa essência, para que o estudo se torne empírico neste século, parte de uma base que seja estável, apelando para a ideia de que a lógica e a razão são universais, tendo em vista que as coisas não se modificam e que são independentes dos nossos sentidos, inatingíveis pelos nossos desejos. Nesses termos, basicamente, essa perspectiva fundamenta-se numa base estável para dizer que somos capazes de conhecer e que é preciso que não haja a interferência do movimento do tempo, visto que atrapalha o estático, tendo, portanto, como questão central 7 O pensamento racionalista teve o filósofo francês René Descartes, considerado como o primeiro racionalista moderno, defendendo que “o nosso conhecimento do mundo é adquirido pelo uso da razão, uma vez que os dados dos sentidos são inerentemente duvidosos, mais uma fonte de erro do que de conhecimento” (DUQUE e COSTA, 2012, p.47). 26 estabilizar as coisas, ignorando o que é experienciado pelos nossos sentidos e pelo mundo a nossa volta. Outro enfoque, sustentado por uma perspectiva empírica mais recente, a partir do final do século XIX, vem contestar essa forma de pensar, defendendo que nós, seres humanos, somos movidos pelo contato com aquilo que está a nossa volta, isto é, pelas nossas experiências sensório-motoras. Sustenta, pois, empiricamente, ao indagar a respeito dos processos da razão, do pensamento, dos processos mentais internos, que é essa experiência que serve de base para toda a nossa capacidade de conhecer. É por esse entendimento que os processos mentais começam a ser organizados a partir das experiências. Esse empirismo utilizado pelos pensadores dos séculos seguintes lança bases para uma natureza cognitiva 8 , opondo-se ao empirismo racionalista. Feitas essas considerações, podemos observar que, em linhas gerais, ao longo dos séculos, ideias efervescentes caracterizaram momentos que antecederam a LC, cujos pressupostos são pertinentes neste trabalho científico que nos propomos a desenvolver. Vimos, pois, que, até meados do século XX, o entendimento era de que seria preciso romper com as ideias empíricas racionalistas para buscar respostas muito mais abrangentes, visto que a capacidade de produzir linguagem, especificamente humana, não podia se restringir somente à previsibilidade de respostas humanas a partir de estímulos. 1.1.1 A primeira geração cognitivista: os gerativistas Nos estudos linguísticos do pensamento moderno, final dos anos da década de 1950, destaca-se o nascimento da linguística gerativa nos Estados Unidos, tendo como uma de suas maiores expressões o linguista Noam Chomsky, que, opondo-se à visão comportamentalista do ser humano proposta pelo modelo bahaviorista 9 , firmou-se na defesa de que o indivíduo 8 Vale ressaltar que estudos/interfaces sobre a relação cérebro/mente/corpo e linguagem remontam a um passado distante. Desde os povos egípcios, são encontrados relatos em papiros, sobre a perda de linguagem sem comprometimento de algumas funções cognitivas (anos 1700 a. C.), tratados médicos de Hipócrates sobre relações entre traumas cerebrais e distúrbios da fala (séculos IV e V a. C), relatos sobre a perda da capacidade de ler e/ou escrever ocasionado por trauma no cérebro (ano 30 d. C.), estudos sobre transtornos que afetam a leitura e a escrita (séculos XVII), sobre áreas distintas no cérebro (século XIX), chegando, nos séculos XX e XXI, às grandes contribuições dos estudos sobre a inteligência artificial (ver FROMKIN, 1997; DUQUE e COSTA, 2012; e SOUSA, 2014). 9 A essência do behaviorismo era de que a linguagem humana advinha do condicionamento social, mediante resposta que o organismo produzia a partir de estímulos recebidos. Esse modelo de descrição dos fatos da linguagem perdurou por toda a primeira metade do século XX, tendo como um de seus principais representantes Leonard Bloomfield, linguista norte-americano (ver KENEDY, 2012). 27 age criativamente no uso da linguagem, de forma inata (KENEDY, 2012). Essa revitalização sobre a concepção racionalista nos estudos da linguagem propõe um novo olhar sobre a mente e a linguagem. Proclama, pois, determinismos internos rompendo com as bases do pensamento saussuriano de um sistema linguístico estruturalista 10 inspirado no behaviorismo. Segundo Chomsky, a linguagem é essencialmente humana, sendo necessária a existência de um “órgão mental para representar a linguagem do pensamento” (1957 apud DUQUE e COSTA, 2012, p. 46). As ideias chomskyanas advogam, pois, que todo ser humano possui uma faculdade da linguagem que é inata (sendo ela a responsável por adquirirmos uma língua), uma competência natural, cuja raiz está na biologia cérebro/mente, fazendo com que o falante manifeste linguisticamente elaborações complexas. Em linhas gerais, é nas circunstâncias de rompimento com a perspectiva behaviorista que se lançam bases para a primeira perspectiva cognitivista representada pelo gerativismo chomskyano. Para Chomsky, a criatividade na linguagem é tratada e por isso não dá conta de explicar o fato de os indivíduos compreenderem e formarem frases que nunca foram ouvidas por eles antes, defendendo, portanto, que o ser humano pode demonstrar conhecimento mesmo diante da ausência de estímulos. Com a evolução do pensamento linguístico, as respostas e/ou expressões de termos fixadas pela repetição, após estímulos externos ao organismo humano, inquietaram Chomsky a tal ponto de ele propor um modelo cognitivista desenvolvido pela teoria gerativa transformacional (primeira elaboração do modelo gerativista), cuja essência é pautada na análise da faculdade mental da linguagem. Chomsky não se preocupa com uma linguagem socialmente construída. Não interessa, para a gramática gerativa, estudar o mundo e estabelecer sua relação com a linguagem, de modo que, na busca de bases para entender a faculdade da linguagem, ele faz a distinção entre determinismos internos e externos que compreendem o estudo da linguagem. Desse modo, para os defensores que investigavam os processos cognitivos que estariam envolvidos na compreensão da linguagem e em como as nossas experiências interferem nesses processos (DUQUE e COSTA, 2011), os pressupostos teóricos gerativistas 10 O reconhecimento de que a língua é uma estrutura (ou um sistema) é legado do pensamento científico do início do século XX anunciado por Ferdinand Saussure. O estruturalismo tem como específico a organização estrutural da linguagem. Uma de suas características é o relativismo nas bases do racionalismo, com forte inspiração da psicologia comportamental behaviorista (KENEDY, 2012). 28 impulsionam os seus estudos, configurando-se como uma revolução paradigmática no campo das ciências cognitivas. Chomsky escreveu o livro intitulado Estruturas Sintáticas 11 em 1957, marco da teoria gerativa. O objetivo da obra era esclarecer sobre a produção de linguagem numa abordagem inatista, na qual a língua seguia um conjunto de regras estruturadas na mente, independentes de determinismos externos. Nesses termos, o sentido seria “o resultado das relações gramaticais na nossa mente ancoradas em uma faculdade da linguagem, de acordo com a perspectiva gerativa” (SANTOS, 2011, p.17). Chomsky preocupa-se em analisar como é que as crianças sabem muito diante de poucos estímulos recebidos e também entender como elas demonstram conhecimentos de uma língua bem superiores ao esperado pelo pouco contato que têm com ela. Lança, então, bases para entender como se dá a competência para a linguagem. Desse modo, ele traz para o modelo gerativo da linguagem a ideia de que essa faculdade, quando descrita em termos de uma gramática, é centralizada pelo nível sintático, desconsiderando-se a dimensão social e o extralinguístico, isto é, os processos de interação dos indivíduos que acabam provocando estruturas sintáticas. Dessa forma, a gramática gerativa, como um sistema de regras, em sua primeira idealização, não tem o compromisso de estabelecer relação entre conhecimento de mundo e linguagem. Para os defensores da primeira geração gerativista, esses processos ocorrem separados. Os entendimentos de Chomsky de que a linguagem é um sistema de conhecimentos interiorizado na mente humana (DUQUE e COSTA, 2012, p. 51), depositado no cérebro autônomo (formado por módulos que atuam separadamente no indivíduo e que são responsáveis pela faculdade da linguagem), e de que a variação na estrutura das línguas está presente em todas as línguas do mundo acabam fundando a concepção de uma Linguística da mente-cérebro. A linguagem é postulada por Chomsky como possuidora de “propriedades formais que poderiam ser tomadas como verdadeiros programas cognitivos” (CHOMSKY, 1994, p. 15). Assim, é exatamente pelo perfeito funcionamento de um sistema computacional que os seres humanos são capazes de produzir significados. 11 Syntactic Structures. 29 Essa perspectiva cognitiva da teoria gerativa entende o cérebro como um processador de informações que reage de forma seletiva a características do ambiente (DUQUE e COSTA, 2011). Ademais, [...] A assunção de que o comportamento depende de uma capacidade cognitiva internalizada fundamenta a ideia de que a cognição pode ser bem explicada se for compreendida como uma computação (operação lógica realizada sobre símbolos, repercutindo na execução de determinadas funções). [...] Ao atuar sobre os símbolos, o sistema cognoscente o faz por meio da sintaxe. Não há espaço, nesse sentido, para qualquer tratamento no nível semântico e sua forma de explicar os fenômenos da cognição se associa ao aparecimento dos computadores, na década de 1950. Chomsky sugere a existência de um “órgão mental” para caracterizar a linguagem do pensamento, evitando assim quaisquer fundamentos metafísicos (DUQUE e COSTA, 2011, p. 107). Em termos mais específicos, podemos afirmar que a autonomia atribuída à sintaxe por Chomsky recupera uma base racionalista, buscando na matemática a descrição de processos mecânicos de manipulação de símbolos abstratos, em que a linguagem é manifestada no sentido lógico de regras formais, dissociada de significado. Ainda dentro do paradigma gerativista, a concepção de uma faculdade da linguagem cedeu lugar à hipótese de gramática universal (GU), que, segundo Kenedy (2012, p.135), deve ser entendida como “o conjunto das propriedades gramaticais comuns compartilhadas por todas as línguas naturais, bem como as diferenças entre elas que são previsíveis segundo o leque de opções na própria GU”. Como vimos, podemos afirmar que, na história dos estudos da linguagem, o modo como a nossa mente percebe o mundo vem sendo defendido por estudiosos interessados em buscar respostas para suas inquietações muito mais fundadas numa base racionalista e também universal. Na história do conhecimento, no interior da linguística gerativa, o foco na sintaxe nos faz pensar numa semântica representacional decorrente do resultado de uma representação entre as palavras e as coisas no mundo ou entre as palavras e os processos mentais. 1.1.2 A dissidência gerativista O movimento de estudiosos interessados na relação entre linguagem e pensamento, a partir da década de 1970, distingue-se das tendências vigentes da linguística Gerativa, principalmente no entendimento de que “os padrões linguísticos podem ser explicados por meio de apelos às propriedades estruturais internas e específicas da língua” (KEMMER, 2012 30 apud LENZ, 2013, p. 35). Trata-se de uma dissidência gerativista distinta; Duque e Costa (2012, p. 63) defendem que: Mais do que uma “máquina” o cérebro passa a ser concebido como um ecossistema. E, de acordo com essa perspectiva ecológica, não há espaço para o dualismo entre corpo e alma presente no projeto cartesiano de um método científico no século XVII. Fundamental na tradição ocidental do pensamento, esse dualismo encontra-se presente pelo menos desde que Platão postulou a existência de um “mundo das idéias” como esfera separada e autônoma do mundo concreto sensorialmente cognoscível. Há que se notar que, para os estudos de Lakoff e Johnson (1980), Lakoff (1987), Langacker (1987), Fauconnier (1994) e Talmy (1983, 1988), o fenômeno linguístico é estritamente ligado ao contexto sociocultural em que ocorre, sendo um elemento integrador entre língua, cognição e cultura (DUQUE e COSTA, 2012). Segundo Silva (2004), a LC assume os fatores situacionais, biológicos, psicológicos, históricos e socioculturais como necessários e fundamentais na caracterização da estrutura linguística. Com isso, abrem-se novas perspectivas nos estudos da linguagem, conjuntamente com outros programas, tais como a teoria da metáfora conceptual, protagonizada por Lakoff e Johnson (1980, 1999) e Lakoff (1987, 1993); a teoria de semântica de frames de Fillmore (1976, 1982); a teoria dos espaços mentais e da integração conceptual de Fauconnier (1994, 1997), Fauconnier e Turner (1996, 1998), Coulson e Oakley (2000), Brandt (2000, 2001), Turner e Fauconnier (2002); o estudo de modelos culturais de Holland e Quinn (1987), Palmer (1996), Lakoff (1996); dentre outros, que orientam os diversos estudos linguísticos de base cognitivista. Na linha desses estudos, surgem os experimentos envolvendo modelos computacionais de redes neurais, desenvolvidos por Feldman (2006), os quais apontam evidências que conectam nosso sistema conceptual à nossa percepção. Para os propósitos da simulação das estruturas neurais, modelos computacionais mostram que o nosso cérebro, em princípio, realiza tarefas sensório-motoras e conceptuais simultaneamente. Há também, como avanço da LC, o desenvolvimento da Teoria Neural da Linguagem (TNL) 12 da Linguagem, um projeto interdisciplinar do qual destaca-se a compreensão de que 12 Esse ramo de pesquisa foi desenvolvido na universidade de Berkeley, tendo como expressões Feldman (2006), Lakoff e Johnson (1999) e Narayanan (1997). 31 o pensamento é realizado por circuitos neurais e de que os modos pelos quais esses circuitos estão ligados ao corpo é o que torna o pensamento significativo. Em linhas gerais, busca responder como um cérebro, que é físico, composto de neurônios que funcionam quimicamente, pode dar origem à linguagem humana e a conceitos humanos. Em seguida, ressaltamos os estudos sobre a corporalidade, entendida nesta tese como um alicerce para Libras, pois os seus falantes surdos veem o mundo cheio de detalhes e, por isso, usam suas experiências corporificadas para (re)construírem os significados em suas interações com o mundo. 1.2 Corporalidade como alicerce da Libras Muito importante nesta tese é o conceito de corporalidade, que teve o marco nas ideias dos filósofos Dewey e Merleau-Ponty. De acordo com Lakoff e Johnson (1999), Dewey entende que as experiências são compostas da interação entre organismos e ambientes, tendo as vivências caráter corpóreo, social, intelectual e emocional. Merleau-Ponty também coaduna com a mesma concepção de que é por meio do corpo que as experiências são construídas. É importante ressaltar, na visão corporificada, que há conexão de redes neurais no cérebro quando são acionadas experiências vividas. Desse modo, a cognição é situada mental e fisicamente, lançando bases para a construção de sentidos. Assim, pesquisadores contemporâneos defendem que cérebro e corpo são indissociáveis. Essa visão tem como base as acomodações mútuas entre cognição, linguagem e corporalidade e faz uso, portanto, de percepções, sensações e emoções de modo dinâmico. Uma vez que o campo da LC lança bases para a cognição humana, edificando a natureza da compreensão e do pensamento de modo corporificado, as nossas experiências e as nossas construções conceptuais são realizadas por meio do nosso sistema corpóreo, levando-nos à concepção de que corpo e mente interagem na construção de sentidos. Esses alicerces advindos dos estudos das Ciências Cognitivas evidenciam o modelo de cognição corporificada proposto por Lakoff e Johnson (1999, p. 37 – 38), segundo o qual [...] em uma mente corporificada, o mesmo sistema neural engajado na percepção ou no movimento corporal desempenha um papel central na concepção, ou seja, as mesmas estruturas neurais responsáveis pela 32 percepção, pelo movimento e pela manipulação dos objetos são também responsáveis pela conceptualização e pelo raciocínio. [tradução nossa] 13 . Logo, nos processos de semantização das coisas, as experiências vivenciadas e as características corpóreas individuais são bastante significativas. Além disso, os estudos na área das Ciências Cognitivas sobre a corporalidade revelam que a mente trabalha por meio de esquemas criados com as experiências adquiridas no decorrer da vida. Sendo assim, a cognição humana envolve aspectos culturais e formas de interação com o meio, favorecendo a criação de esquemas mentais a partir dos quais percebemos o mundo e interagimos socialmente (LANGACKER, 1987; JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987, 1999). No contexto da abordagem corporificada, Duque e Costa (2011) argumentam que o significado deve envolver a ativação dos conhecimentos perceptual, motor, social e afetivo na caracterização do conteúdo dos enunciados. Desse modo, vemos que o significado é corporificado quando as experiências de um determinado contexto são apre(e)ndidas e, posteriormente, por meio de uso da língua, recriadas, reativadas e revividas pelas estruturas neurais. De acordo com esses enfoques, as habilidades cognitivas e comunicativas estão em contínua interação com o ambiente. Ainda de acordo com Duque e Costa (2011, p. 108), a epistemologia da corporalidade permite [...] avançar na investigação das relações intrínsecas entre a estrutura fisiológica de nossos corpos e o papel de fatores socioculturais na organização, estruturação e no funcionamento dos sistemas conceptuais. Em conformidade com essas ideias, reivindica-se um papel central para as experiências motoras e perceptivas corporificadas na compreensão da linguagem. Essas contribuições reforçam que o sentido emerge no momento em que a cognição é vista como um todo. Desse modo, a linguagem não pode ser entendida apenas como expressão de pensamentos ou, também, como mera representação do real. Existe nela uma 13 In the embodied mind, it is conceivable that the same neural system engaged in perception (or in bodily movement) plays a central role in conception. That is, the very mechanisms responsible for perception, movements, and object manipulation could be responsible for conceptualization and reasoning. 33 riqueza de mecanismos cognitivos fazendo com que os falantes de uma língua mobilizem elementos linguísticos e não linguísticos na construção da realidade. Em sendo assim, em Libras, considerar a corporalidade é considerar o quanto o corpo está presente nas relações homem-ambiente. Para seus falantes, o corpo é a própria base a partir da qual a língua se constrói, incluindo-se a expressão facial e a postura do corpo. Existe, pois, uma riqueza extraordinária de ampliação de elementos perceptuais e cognitivos, dada a sua natureza visuomotora. É percebendo o mundo e constituindo, historicamente, experiências cognitivas que a corporalidade emerge no modo peculiar dessa língua, moldando possibilidades de conceptualizações do mundo. A linguagem na LS, atrelada às experiências corpóreas, permite-nos dizer que a corporalidade em Libras é ativa e usada o tempo todo como alicerce para a língua. Logo, são evidentes, no sinal, dinamismos de visualidade, movimento corporal, direção, mudança de direção de todos os movimentos de dedos, pulsos, mãos, braços, antebraços, nuances de todas as ações dos olhos, rosto, cabeça, multiplicidade de espaço, tempo, sobrepostos semanticamente, que atestam a compreensão de que linguagem, pensamento e corpo interagem. Logo, é percebido que, na língua sinalizada, o corpo é fundamental. Alguns desses elementos dinâmicos podem ser observados na figura 1, na sinalização de OLHAR, tais como: mãos afastando, aproximando, movendo-se simultaneamente; olho direcionado de modo desconfiado, mau, vigilante, informando esperteza; dedos estirados, parcialmente fechados; rostos com funções linguísticas (oração relativa, pergunta); tórax e abdômen eretos, inclinados; enfim, uma série de inflexões espaciais e de movimento, atividades motoras específicas, focalização do olhar etc., que convergem para produzir informações e conceptualizações no mundo. 34 Figura 1: maneiras distintas de sinalizar OLHAR14 “olhar” > “olhando” > “olhar penetrante” > “olhando um para o outro” > “olhar para o outro” Fonte: corpus da pesquisa Para Lakoff e Johnson (1999), o que importa não é apenas o fato de termos corpos e de nosso pensamento ser, de certa forma, corporificado. O mais importante para ele é o fato de que as peculiaridades de nossos corpos moldam as possibilidades de conceptualizações e de categorização do mundo. Cabe-nos destacar que a incorporação dos estudos da TNL aos estudos cognitivistas produz desdobramentos de grande importância sobre o conceito de corporalidade e de categorização. Conforme será visto na seção seguinte, traços prototípicos e subcategorização existem, entretanto, se dão pela visualidade e pela espacialidade em que os sinais acontecem, de maneira que outras informações se integram à corporalidade e fazem com que seus falantes surdos acionem experiências em forma de conceitos. 1.3 Categorização como framing A categorização, nos estudos clássicos da semântica e da filosofia, tem suas primeiras noções como nomeação de objetos do mundo em função dos traços que os constituem. Nesse ponto de vista histórico, traços são essenciais para separar entes e diferenciá-los de outros traços e, numa relação objetiva, esses traços, sendo de uma categoria, não podem pertencer a outra. 14 A fim de estabelecermos uma uniformidade notacional ao texto, ao tratarmos de expressão linguística em Libras, adotamos versalete, fonte 12; ao tratarmos de expressões linguísticas em Português, adotamos aspas duplas; ao tratarmos de domínios conceptuais, adotamos versaletes, fonte 9; ao tratarmos de forma linguística, adotamos aspas simples; e, ao tratarmos de componentes de um esquema ou frame, adotamos itálico. (ver elementos pré-textuais. 35 Para Duque (2001, p. 90), nos estudos clássicos da categorização o significado das palavras “é baseado numa estrutura de atributos necessários e suficientes para se constituir a essência da entidade ou do conceito com os quais associamos a palavra”. Tal noção advoga que os atributos essenciais que definem a entidade trazem a essência de como ela é através do pensamento lógico. Essa vertente clássica, de mais de dois mil anos, remonta o pensamento dos filósofos da época. Para Aristóteles, alguma coisa é o que é por causa de sua essência. A ideia é que as coisas se limitam ao que realmente são de modo individualizado. Nesse caso, o significado é pré-existente à palavra, tendo relação com a própria essência do objeto no qual se encontra. Se o homem é racional, não importam outros atributos, como ser calvo, pois o atributo se restringe a ser racional. De acordo com Duque (2001, p. 90), à época, a definição de ser racional “revela as característica gerais e específicas que permitem reconhecer um ente e diferenciá-los de outros”, isto é, conhecer a essência de racional. Outro pensamento é que a relação entre linguagem, significado e constituição dos entes está a serviço de uma essência. Aristóteles lança bases para a teoria clássica do significado e da categorização, cuja essencialidade está no mundo da materialidade. Diante disso, ficam evidentes as seguintes suposições: 1) para pertencer a uma determinada categoria, os entes devem exibir traços suficientes; caso contrário, não é possível serem nela incluídos; 2) os traços são binários pelo fato de as coisas possuírem um traço ou não o possuírem; 3) as categorias limitam-se à definição de coisas que pertencem ou não a uma categoria; 4) não existe status de entes, pois um não é melhor do que o outro; 5) existe correlação perfeita entre os atributos dentro da categoria. Em suma, o que importa são os traços gerais das coisas tidas como essenciais. Essa concepção clássica de categorização tem seus pressupostos assumidos pela fonologia e pela semântica, considerando-se que os traços são universais e abstratos. A semântica estruturalista aceita esses pressupostos, no entanto, ao admitir a linguagem como sistema autônomo, reconhece a relação de traços do significado de uma entidade linguística, permitindo questionar o sentido denotacional de que um traço é perfeitamente correlacionado a outro traço. 36 Desse modo, o enfoque clássico de categorização deixa de ser limitado ao tipo de traços quando linguagem e realidade são vistos com o enfoque cognitivo de que “é possível incluir outros aspectos na descrição categorial ou estabelecer modelos alternativos que revelem informações importantes acerca da conceituação das categorias” (DUQUE, 2001, p. 94). Com isso, a semântica cognitiva abre espaço para uma perspectiva sujeita a variações acerca da categorização. Para tanto, adota o pressuposto de que, por meio de modelos diferentes de categorização, as pessoas entendem o mundo. Ademais, considera o conhecimento que as pessoas têm acerca das categorias e que a linguagem nos faz categorizar, mas não como categoria discreta, porque aquelas formam um continuum num efeito prototípico defendido pela teoria dos protótipos, que encontra fundamentos na psicologia cognitiva e na filosofia de Wittgenstein. Contrastando com o modelo clássico, Wittgenstein (1953) preenche a lacuna e busca os usos das palavras e orações, que são experienciados com mais frequência e inumeráveis. Para esse filósofo, a categoria JOGO envolve o traço disputa – como em um jogo de futebol ou de luta, os quais têm efeito de disputa –, no entanto nem todos os jogos o possuem, como no jogo de cartas denominado paciência. Além disso, novos jogos são criados com novas regras; portanto, não há rigidez. De acordo com Wittgenstein (1953), existem semelhanças, parentescos e toda uma série de elos, os quais são caracterizados por semelhanças de família. Na semântica dos protótipos, a noção de traços é reelaborada e passa à noção de atributos com efeitos mais centrais e com efeitos subcategorizados. Por exemplo, o fato de existirem semelhanças entre os membros de uma família de pessoas não quer dizer que todos possuem o mesmo conjunto de características, tais como ter mesma cor dos olhos ou dos cabelos, etc.; dito de outra forma, não deixam de ser parentes por não atenderem completamente a um padrão. Contrariando a noção de que os membros de uma categoria são possuidores de traços simétricos e de que compartilham o mesmo status, a teoria de protótipos ganha mais força a partir dos estudos experimentais de Berlin e Kay (1969), os quais, ao estudarem as cores básicas, demonstram o estabelecimento de ideias de centralidade e de gradiência. Portanto, fica evidente que as categorias exibem uma estrutura prototípica. Assim, para Duque (2001, p. 94), o estudo desses pesquisadores revela que 37 Embora seja certo que as línguas apresentem uma grande variedade de termos de cor, a evidência experimental assinala que existe um inventário universal de onze cores focais (termos de nível básico), de base cognitivo- perceptual. Assim, contrariamente à visão estruturalista, a divisão e organização do continuum da cor em categorias, não se constitui em termos de unidades discretas, mas sim em torno de entidades focais (mais centrais, mais estáveis). Cada categoria de cor tem uma cor focal, um exemplar central primário, de cuja generalização depende a classe de denotação completa da categoria e cuja existência está determinada por fatores biológicos (o olho humano), cognitivos e, inclusive, ambientais. Empiricamente, a não homogeneidade ao categorizar as coisas é reafirmada nos estudos de Rosch (1978), ao sugerir a noção de que não existem traços prototípicos, mas efeitos de prototipicidade dentro de uma categoria a depender do modo como se relaciona cada sociedade com os atributos da categoria. Com isso, é formulada a versão padrão da teoria dos protótipos. Nessa, o modelo de categorização é baseado no modelo experiencial; por exemplo, BALEIA estaria muito distante do protótipo MAMÍFERO “ao oferecer uma categoria dispersa e variável em sua distância em relação ao protótipo central” (DUQUE, 2002, p. 62). Nesse caso, vemos que é diferente do modelo de compreensão de condições necessárias e suficientes, por exemplo, o fato de uma BALEIA ser tão mamífero quanto uma VACA. Levando isso em conta, são introduzidos novos fatores de organização e as pesquisas de Rosch, nos anos 1970, são cruciais, pois estabelecem a existência de uma organização hierárquica entre categorias. Assim, propõem-se três níveis mentais utilizados pelas pessoas para representar relações de inclusão entre as categorias, a saber: 1) nível básico, que é bastante informativo, apresentando muitos atributos comuns; 2) nível supraordenado, o qual apresenta menos informação; e 3) nível sub-ordenado, que exige informações complementares dependentes de uma extensiva carga mental de classificação. Com base em Duque e Costa (2012), pode ser pensado, por exemplo, no continuum Animal (nível supraordenado) > Cachorro (nível básico) > Boxer (nível sub-ordenado). De acordo com Duque (2001), a teoria dos protótipos é problematizada e se cria uma versão ampliada trazendo ruptura com a ideia de protótipo, que deixa de ser causa para ser efeito. Nas palavras de Kleiber (1995, p. 144), A noção de protótipo como exemplar idôneo de uma categoria permanece, mas, como já não tem uma origem única e pode aparecer inclusive nas categorias clássicas (numero ímpar) já não possui o estatuto de entidade fundadora da estrutura categorial, que a versão padrão lhe havia atribuído. 38 Ao possuir várias origens, não é considerada, se não como um efeito. Isso leva os autorevisores (E. Rosh 1978) a falarem mais de graus de prototipicidade do que de protótipo. Dessa forma, a noção de protótipo é convertida na noção de efeitos prototípicos e a noção de semelhança de família em elemento vinculador de membros de uma mesma categoria. Essa última noção tem fator decisivo na noção ampliada de protótipo, pois sugere que “os elementos não se agrupam ao redor de uma característica comum igual a todos eles, mas sim, um a um” (DUQUE, 2002, p. 3). Vemos, por exemplo, na organização AB, BC, CD, DE, da figura 2, em que a última não tem nada em comum com a primeira, a não ser as relações de semelhança. Figura 2: Estruturação prototípica em Semelhança de Família A B C D E Fonte: Kleiber (1995 apud DUQUE e COSTA, 2012, p. 39) De acordo com Kleiber (1995), essa aproximação com a teoria da Semelhança de Família (WITTGENSTEIN, 1953) livra a necessidade de traços comuns em relação ao protótipo. Além disso, pode ser considerada como uma versão polissêmica frente à versão padrão que se apresenta monossêmica. Acrescenta-se a essa questão o fato de os elementos vinculadores dos membros das categorias corresponderem a tipo de referentes e a usos diferentes. Para Rosch (1978), e seguidores, o protótipo atua como ponto de referência cognitiva. É postulado, portanto, que as categorias consideram as manifestações cognitivas e linguísticas na compreensão dos textos e na utilização dos termos. Essa nova Teoria dos Protótipos converge com a formulação da noção de categorias radiais de Lakoff (1987), para o qual “o significado não é uma coisa; ele envolve o que é significativo para nós. Nada é significativo em si mesmo. A significatividade deriva da experiência da atuação como um ser de um certo 39 tipo em um ambiente de certo tipo” (LAKOFF, 1987, p. 292, tradução nossa) 15. Essa nova versão de protótipo amplia o pensamento sobre o uso da linguagem por entender que as categorias radiais geram relações entre subcategorias permitindo extensões diferentes do protótipo em suas características. Baseados na versão de categorias radiais de Lakoff (1987), Duque e Costa (2012) apresentam o exemplo da categoria MÃE, na figura 3, como modelo central que determina as possibilidades de extensão, formando categoria e subcategorias. Figura 3: Exemplo de estrutura radial Fonte: adaptado de Gutiérrez, do site Eles observam que Lakoff sustenta que MÃE é um conceito que se baseia num modelo complexo em que modelos cognitivos individuais se combinam formando uma radialidade. Segundo Lakoff (1987, p. 204), a estruturação radial de uma categoria envolve: “escolha convencional de uma subcategoria ou modelo cognitivo como o caso mais central; princípios de extensão que caracterizam as ligações possíveis entre as subcategorias mais centrais e as menos centrais [...] e extensões convencionais específicas” [tradução nossa] 16. Outro exemplo que corrobora os mecanismos de estruturação radial de uma categoria é o sistema Dyirbal discutido por Dixon (1982). A língua aborígine da Austrália usa um sistema 15 Meaning is not a thing; it involves what is meaningful to us. Nothing is meaningful in itself. Meaningfulness derives from the experience of functioning as a being of a certain sort in an environment of a certaip. 16 A conventional choice of center […]. […] Extension principles. These characterize the class of possible "links" between more central and less central subcategories […] Specific conventional extensions […]. 40 de classificadores que marca a categoria a que os nomes pertencem e o mecanismo linguístico de classificação é aprendido a partir de princípios gerais. Desse modo, os falantes do Dyirbal usam um nome numa sentença precedido por uma variante de uma das quatro palavras: ‘bayi’, ‘balan’, ‘balam’, ‘bala’. A partir delas, são classificados todos os objetos do universo Dyirbal (LAKOFF, 1987). Os pressupostos da LC sugerem que a categorização é a função primária da linguagem. Dito isso, cumpre aqui assumirmos as bases lançadas por essa abordagem, a qual sustenta a ideia de que é nos processos de categorização que organizamos o mundo à nossa volta e damos significados a ele no momento em que nossos corpos, cognição e contexto sociocultural interagem, configurando nossas expectativas acerca de eventos, coisas etc. Assim, podemos inferir que percebemos as coisas e atribuímos sentidos a elas, pois vivemos imersos numa sociedade e numa cultura, de modo que em nossas experiências socioculturais construímos a nossa realidade, produzindo enunciados e empregando categorias. Para Damásio (2011), significamos o mundo em um corpo e em um cérebro, vivos e envolvidos pelo seu ambiente social e cultural, além de pelo ambiente físico e biológico. Para esse autor, o cérebro humano é um cartógrafo e o seu primeiro trabalho começa com o mapeamento do corpo, ressaltando que Tudo o que está fora do cérebro – o corpo propriamente dito, desde a pele até as vísceras obviamente, e mais o mundo circundante, homens, mulheres, crianças, cães e gatos, lugares, tempo quente e frio, texturas lisas e ásperas, sons altos e baixos, mel doce e peixe salgado –, tudo é imitado nas redes cerebrais. Em outras palavras o cérebro tem a capacidade de representar aspectos da estrutura de coisas e eventos não pertencentes ao cérebro, o que inclui as ações executadas por nosso organismo e seus componentes, como os membros, partes do aparelho fonador etc. (DAMÁSIO, 2011, p. 88) Para esse autor, podemos compreender os fenômenos mentais quando eles se encontram num contexto no qual um organismo está em interação com o ambiente que o rodeia (DAMÁSIO, 2007, 2011). O cérebro, ao funcionar recebendo uma corrente constante de informações na forma de impulsos elétricos, determina se a informação exige atenção e, se considerá-la importante, amplifica-a, levando-a a ser representadas em regiões diversas. Em seguida, instrui o corpo a agir adequadamente, gerando planos de ação que originam atividades cerebrais internalizadas ou pensamentos (LAKOFF e JOHNSON, 1999). 41 Frente a isso, esquematizamos permitindo-nos conhecer e falar de tudo o que nos cerca. Nesse processo cognitivo, criamos padrões abstratos e conceituamos as coisas partindo o tempo todo de nossas necessidades diárias. Logo, as experiências socioculturais recorrentes e organizadas que temos são categorizadas, possibilitando-nos construir significados de coisas e de uma ordem social ao mundo. Segundo Johnson (1987), o significado não reside no cérebro e tampouco na mente descorporificada, pois os nichos cognitivos, isto é, os domínios cognitivos, permitem-nos fazer inferências. Estas, quando evocadas e aliadas a outros mecanismos cognitivos, influenciam nossa maneira de pensar o mundo, dando sentido à realidade. Desse modo, considerando que os processos cognitivos são presentes nas rotinas significativas da vida, em nossas experiências perceptivo-corporais, circulamos no mundo de tal maneira que construímos novas categorias para ele, de modo natural e mantendo influência sobre ele. Desse modo, organizamos em categorias, por exemplo, grupos distintos de objetos, de pessoas, de animais, de lugares etc., realizando o tempo todo análises sobre eles. Para a LC, a categorização manifesta capacidade cognitiva geral. Nesse ponto de vista, a linguagem, sendo “meio de conhecimento, em conexão com a experiência humana do mundo” (DUQUE, 2001, p. 89), tem suas unidades e estruturas analisadas como essas manifestações, sendo processo mental, como expressão do pensamento habitual do homem. A partir da teoria dos protótipos, o enfoque cognitivista recorre à competência lexical e pragmática do usuário de uma língua; ao pressuposto de organização da categoria na mente do falante; à compreensão linguística; e ao modo como se estrutura a experiência na vida cotidiana (DUQUE, 2001). Sendo assim, a defesa que se coaduna com esta tese é a de que as experiências dos falantes surdos da Libras interconectam conceitos, de tal modo que a categorização é tida como utilização de frames. Isto é, os falantes de uma língua visuoespacial categorizam o mundo por meio de frames que se juntam a outros frames. Em pontos de vista recentes, encontramos na discussão de Santos (2011) que categorização é fruto de nossas experiências e que estas são conceptualizadas e culturalmente convencionalizadas. Pereira da Silva (2012) menciona que, na categorização, o homem não só reconhece simplesmente pistas linguísticas, mas também conceptualiza o mundo que o cerca. Segundo 42 ele, é no ato de categorizar que “condensamos nossas capacidades cognitivas e sensório-motoras em interação com nossas experiências culturais” (ibid., p. 28). Já Tavares (2014) entende categorização como sendo fundamental na constituição de frames, isto é, um frame (esquema-I) é base para outros frames mais complexos, existindo várias categorizações passando por um processo de integração. Para Sousa (2014, p. 32), a todo instante, organizamos os nossos espaços físicos e socioculturais, ordenando-os em categorias com base “em inúmeros fatores relacionados à sociedade, à cultura, às relações do nosso corpo com o ambiente e mesmo em nossa subjetividade”. Para Araújo (2017, p. 28), “o nosso pensamento e os processos de categorização estão relacionados com as nossas vivências sociais e culturais, bem como, com as nossas restrições corpóreas”. Duque e Costa (2012) citam Binswanger para dizer que os alemães denominam Umvelt o mundo biológico, os objetos à nossa volta, os impulsos, os instintos; e o ambiente, o mundo do afeto, do amor, das relações interpessoais, de Mitwelt; e o mundo próprio de cada um, do relacionamento consigo mesmo e com o mundo, o mundo dentro do indivíduo, de Eigeinwelt. Somamo-nos aos esforços de Lakoff (1987) quando expressa que a maioria de nossas palavras e conceitos designam categorias. Para esse autor, Não há nada mais básico do que a categorização para o nosso pensamento, percepção, ação e discurso. Cada vez que nós vemos algo como “um tipo” de coisa, por exemplo, uma árvore, nós estamos categorizando. [...] A compreensão de como categorizamos é o ponto central para a compreensão de como nós pensamos, funcionamos e, consequentemente, um ponto central para a compreensão daquilo que nos faz humanos. (ibid. 1987, p. 5-6, tradução nossa) 17 . Para Jacob e Shaw (1998, p. 155), na categorização existe um processo cognitivo de “dividir as experiências do mundo em grupos de entidades, ou categorias, para construir uma ordem física e social do mundo”. Esses autores citam a nuance de Markman (1989) de percepção de categorização como “um mecanismo fundamental que simplifica a interação 17 “Most of our words and concepts designate categories. There is nothing more basic than categorization to our thought, perception, action, and speech> Every time we see something as a kind of thing, for example, a tree, we are categorizing […] An understanding of how we categorize is central to any understanding of how we think and how we function, and therefore central to an understanding of what makes us human”. 43 individual com o ambiente: não somente facilitando o armazenamento e a recuperação da informação, mas, também, reduzindo a demanda da memória humana”. As ideias desenvolvidas por esses estudos incorporam conceptualizações que caracterizam categorização como processo cognitivo, em que um frame ou um conjunto de frames funcionam como links que permitem a significação das coisas. De modo geral, esses estudos fazem com que entendamos categorização como “um dos mais fundamentais processos cognitivos e a mais relevante função da linguagem” (DUQUE, 2012, p. 21). Assumimos, assim, que categorizar é uma atividade cognitiva, sociocultural constituída no framing, sendo este um processo cognitivo-discursivo de construção de frames. O framing fornece uma espécie de enquadramento semântico e um direcionamento perceptual, responsável pelo compartilhamento de certas visões de mundo em detrimento de outras. Pode ser, portanto, explicitado para que frames possam ser selecionados conscientemente na produção de discursos persuasivos (DUQUE, 2015). Feito isso, categorizamos por meio da evocação de frames, de constructos perceptuais que representam domínios e ganham finalidades interacionais (DUQUE, 2016). Logo, percebemos que noções de categorização se modificam por meio de estudos empíricos porque formamos padrões o tempo todo relacionando frames envolvidos. Esse pressuposto de que as experiências se tornam conceitos e que estão na base da linguagem passa pela motivação da organização, “em termos de classes, da imensa variedade de entidades que constituem o ambiente externo, dando-lhes significações particulares [...]” (DUQUE e COSTA, 2012, p. 19). É, de fato, relacionando frames e organizando-os que categorizamos o mundo. No discurso de um surdo, nesta tese, o fato de se perceber o substantivo ‘bola’ faz com que se transforme essa percepção no frame BOLA. De fato, quando o indivíduo indexa linguisticamente “bola”, não só pensa no objeto bola que serve para jogar algum tipo de esporte. Dependendo do contexto, acionam-se outras coisas, como o movimento da batida da bola, com qual material ela foi produzida, quem poderá estar pegando nessa bola, onde ela está, por que está ali etc. No contexto da atividade/teste aplicada com o falante surdo da Libras, o frame BOLA, faz com que ele acione o frame BASQUETE. Além disso, organiza cognitivamente outros frames, por exemplo, o frame esquemas-I TRAJETOR-META, quando evoca no discurso- 44 narrativo o movimento da bola, a direção que ela toma para chegar na cesta. Além disso, evidencia a cor da bola ao sinalizar a figura exibida na referida atividade. Para Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 45), conceitos são estruturas neurais relacionadas às nossas ações e percepções cotidianas, “eles estruturam o que nós percebemos, a maneira como nos comportamos no mundo e o modo como nos relacionamos com outras pessoas” Considerando as experiências sensório-motoras, a formação de padrões abstratos e a organização das experiências os falantes surdos da Libras compreendem as coisas e, por meio do uso de sua corporalidade, constroem conceitos. Assim, usam partes de seus corpos, manipulam objetos e inferem formatando uma informação conceptual. Veremos na seção seguinte que, ao categorizarmos, evocamos frames. Os traços prototípicos não são desmerecidos, mas o que nos importa na língua visuoespacial é que os falantes surdos não reconhecem as coisas pelos traços, mas pela relação de conceitos, isto é, pelos frames que estão envolvidos. Os falantes surdos da Libras categorizam o mundo utilizando frames, conforme são tratados na seção seguinte. 1.4 Frames: organização cognitiva construída culturalmente O ser humano aprende a dar sentidos às coisas interagindo o tempo todo com o ambiente, interpretando-o num processo contínuo e construindo imagens perceptivas a partir de uma complexa engenharia neural de percepção, memória e raciocínio. Nesse sentido, todas as percepções se esquematizam no interior de uma cultura para constituir informações novas que se integram para a significação das coisas que rodeiam as pessoas e as mantêm em relação com o mundo. À junção de percepções existentes e de informações novas formando um todo, chamamos de frame. Cumpre ressaltar que, ao frame, cabe o papel de focalizar que aspectos são mais relevantes em uma determinada situação ou dentro de um discurso na formação de outro frame. Frames, portanto, “são mecanismos cognitivos, através dos quais organizamos pensamentos, ideias, e visões de mundo” (DUQUE, 2015, p.26). Para Leffa (1996, p. 26), o conhecimento novo não entra na mente pelos sentidos, agregando-se aos conhecimentos já existentes por um mero processo de justaposição; o 45 conhecimento é antes o conhecimento antigo que, interagindo com o meio, evolui para o conhecimento novo. Na mente humana, segundo a teoria de esquemas na sua acepção mais geral, nada surge do nada, tudo se transforma do que já existe dentro do indivíduo. Podemos observar, então, que o conhecimento armazenado na memória está disposto num conjunto de estruturas reticuladas, em que cada uma “desempenha todo o conhecimento genérico que adquirimos através de nossas experiências passadas com objetos, situações, sequências de ações, conceitos, e assim por diante” (DUQUE e COSTA, 2012, p.77). As experiências perceptuais e motoras geram os esquemas que organizam o conhecimento acerca do mundo. O fato de os esquemas especificarem experiências sensório-motoras faz existir uma estrutura que contém as propriedades e as relações entre os elementos, constituindo frames. Os esquemas isolados, por sua vez, não são capazes de fornecer os únicos elementos para construir sentidos. Isso se faz pela integração desses esquemas de determinadas maneiras, formando categorias por meio da linguagem. Vimos, anteriormente, que a função básica da linguagem é categorizar (DUQUE, 2011). O mundo só faz sentido, então, à medida que criamos categorias, e, em função delas, construímos significados; portanto, é algo tão significativo que somos capazes de nomear e de reconhecer uma categoria, e não apenas suas instâncias. A exemplo disso, as percepções que o surdo falante da Libras reúne permitem que ele veja um todo integrado. Percebemos, na figura 4, que a informante juntou informações como “sujo-lixeira” (SUJ@^LIXEIRA) para obter o conceito LIXO. Ela reuniu aspectos da percepção visual para conceptualizar um todo integrado (lixo), permitindo compreender como o mundo se apresenta para ela a partir das experiências sensório-motoras e culturais, corporificadas, num detalhamento de unidades básicas de percepção e movimento. Figura 4: sinalização de “lixo” Fonte: Corpus da tese 46 O que ocorreu, portanto, foi o acionamento de esquemas ligados à percepção. Diante disso, o avanço dos estudos na área da ciência cognitiva, especificamente os de Langacker (1991), de Johnson (1987) e de Lakoff (1987), sobre a corporalidade humana, categorização e construção de sentido, revelou-nos que a cognição opera por meio de esquemas modelados a partir das experiências adquiridas no decorrer da vida. Segundo esses autores, a cognição envolve aspectos culturais e formas de interação com o meio, favorecendo a elaboração de esquemas mentais a partir dos quais percebemos o mundo e interagimos socialmente. Para a LC, os domínios cognitivos armazenam nossos conhecimentos dando-lhes formas às quais recorremos para dar coerência ao mundo que está ao nosso redor, e é por meio de nossas experiências diárias que esses domínios são realimentados. Esses, para Duque e Costa (2012), são uma espécie de “nichos de sentido” que ficam sempre estocados na forma de frames e de esquemas imagéticos, e a maneira como focalizamos os domínios mais básicos (esquemas básicos) varia de cultura para cultura formando outros esquemas. Vemos, pois, que os esquemas não vêm prontos, eles vão sendo construídos. A noção de esquema, portanto, é um frame básico. Vimos que os esquemas são estruturas básicas perceptuais que são ativadas de forma mais especificada pelos frames. Diante disso, observamos que a noção de mundo que o aluno surdo apresenta por meio de sinais é construída de acordo com as possibilidades perceptíveis do sistema visual humano e de acordo com o acionamento de frames construídos que, além de organizar os esquemas, também focalizam alguma parte da cena. Percebemos, a seguir, que os sinais executados pelo surdo falante da Libras funcionam como indexadores linguísticos que acionam esquemas básicos por meio de frames. Figura 5: sinalização de história dos insetos Fonte: Corpus da tese 47 O que chama a atenção no exemplo da figura 5, ou seja, na sinalização “inseto” (INSETO) “voar” (VOAR++) “furar” (FURAR) “teia” (TEIA), de parte da história dos insetos, é que, vendo os esquemas que são salientes, existe uma trajetória para se atingir um objetivo. A lógica remete ao deslocamento de um trajetor em uma trajetória em direção a uma meta. Na figura 5, a meta é teia. Existe, para isso, um movimento direcionado focalizando a TEIA, não de onde o INSETO partiu, mas aonde ele quer chegar. Isso não quer dizer que o frame inteiro INSETO tenha sido ativado. O indexador focaliza apenas um aspecto desse frame, isto é, o objetivo do inseto. Possivelmente, se fatorássemos as cenas, no sentido de deixá-las o mais livre possível de detalhes, chegaríamos a um conjunto de Esquemas-I (esquemas imagéticos) ativados durante o discurso. A cognição humana envolve aspectos culturais e formas de interação com o meio, favorecendo a criação de esquemas mentais a partir dos quais percebemos o mundo e interagimos socialmente. Os Esquemas-X, ou esquemas de ação, estão presentes em todos os eventos. Mais especificamente, esses esquemas estão ligados a verbos de ação na constituição de cenas. Nesse sentido, cada pessoa aciona um frame de acordo com suas experiências, modelando cenários que se configuram em cenas, que ocorrem, portanto, nos processos de compreensão ao mesmo tempo em que os esquemas nos “orientam a diferenciar os entes em função de suas inserções culturais e contextuais” (PEREIRA DA SILVA, 2012, p. 36). Existe, portanto, um frame que delimita as coisas que as pessoas têm de fazer. Se alguém fala “bola”, ao mesmo tempo essa pessoa aciona tudo o que está relacionado ao conceito BOLA e, dependendo do contexto comunicativo, “bola” torna-se um indexador de outros frames, como QUADRA DE VÔLEI, QUADRA DE BASQUETE, QUADRA DE FUTEBOL DE SALÃO etc. Vemos, pois, que um frame evoca outro frame. Em seu papel de tornar as estruturas cognitivas explícitas, a LC defende que, quando alguém fala, frames são ativados pela linguagem. Fauconnier (1999, p. 1- 2), ao tratar da relação linguagem e sentido, adota a metáfora do iceberg e afirma que “a linguagem visível é apenas a ponta do iceberg da construção invisível do sentido que acontece enquanto pensamos 48 e falamos [tradução nossa] 18”. Diante disso, o autor defende que produzimos e compreendemos diariamente milhares de palavras cujo significado é motivado e interpretado. Nesse sentido, uma palavra ativa circuitos neurais e, a cada nova experiência, são modelados outros circuitos neurais e, assim, são estruturados os frames que aprimoram outros frames, um efeito cascata, como afirmam Lakoff e Wehling (2012). Cada palavra acionada vai refinando essa cascata como estratégia de construção de sentido. Ancorados nos princípios da TNL, esses autores afirmam que cascata (cascade) é: [...] uma rede de neurônios que liga muitos circuitos cerebrais. Todos os circuitos devem ser ativados ao mesmo tempo para produzir uma determinada compreensão. Simplificando, o cérebro não processa ideias simples como entidades separadas: um contexto maior, uma construção lógica dentro da qual a ideia é definida, é evocada a fim de capturar o seu significado (LAKOFF e WEHLING, 2012, p. 29, tradução nossa) 19 . A ideia de estruturação de frames, isto é, de estarem interligados por meio de circuitos neurais, faz com que os frames estejam intrinsecamente ligados aos esquemas e sejam ativados no processo de construção do sentido. Segundo Tavares (2014, p. 22), [...] enquanto os esquemas são originários das nossas experiências sensório-motoras, os frames (juntamente com os esquemas) norteiam o processo de construção de sentido, uma vez que podem ser entendidos como um conjunto de elementos que compõem um dado ambiente ou uma dada situação, em que um elemento componente de um frame pode ser suficiente para acioná-lo. De fato, a cultura é muito presente em nossas vidas e interfere na nossa percepção real fazendo com que a ideia de frame esteja ligada diretamente com os esquemas, formando categorias conceptuais que nos permitem compreender o mundo. Vê-se, pois, que esquemas-I e esquemas-X, isolados, não dão conta de construir sentidos. Assim, estes se constituem à medida que vivemos, experienciamos, organizamos pensamentos e ideias a respeito do mundo 18 “[…] language visible is only the tip of the iceberg of invisible meaning construction that goes on as we think and talk”. 19 “[...] a network of neurons that links many brain circuits. All of the linked circuits must be active at once to produce a given understanding. Simply put, the brain does not handle single ideas as separate entities: a bigger context, a logical construct within which the idea is defined, is evoked in order to grasp its meaning”. 49 no qual vivemos, orientados por convenções sociais e culturais, juntando todos os aspectos de percepção a ponto de visualizarmos um todo integrado. Os frames reúnem as experiências biológicas com as culturais e o ambiente e, por meio da combinação de indexadores linguísticos, buscamos estratégias básicas de construção de sentido de acordo com as visões de mundo. Observamos, pois, na figura 6, que, durante a narrativa, os falantes da Libras, fazendo uso da linguagem, utilizam estratégias na produção do discurso. Figura 6: sinalização de descrição da joaninha F Fonte: Corpus da tese Vejamos que a combinação de indexadores linguísticos “inseto” (INSETO) “bolinha” (BOLINH@) “preta” (PRET@) “vermelha” (VERMELH@) “voar” (VOAR), na figura 6, trata de estratégias básicas de construção de sentido para INSETO: JOANINHA VOAR na narrativa, de acordo com a visão de mundo da informante. O discurso é baseado, portanto, no acionamento de frames, permitindo que a informante conte uma história utilizando-se da narrativa. Logo, na figura 6, a falante utiliza indexadores de acionamento de frames: “inseto” (INSETO): “joaninha” (JOANINHA), em que, para o conceito em questão: INSETO, são selecionados outros itens lexicais: “voar” (VOAR), ”bolas” (BOLAS), “vermelha” (VERMELH@) e “preto” (PRET@) para a perspectivação conceptual: JOANINHA. Um sistema de conceitos é relacionado de tal maneira que, para compreender o conceito específico, é necessário compreender o sistema inteiro. Logo, as palavras “inseto”, “voar”, “vermelha”, “bolinhas”, “preta” organizam as experiências do frame INSETO e trazem outra estruturação cognitiva para JOANINHA. Para Lakoff (2001, p. 3), mesmo negados, frames são acionados, o que se evidencia por meio do seguinte relato: “[Disse aos alunos] Faça o que fizer, não pense em um elefante. [E prossegue] Nunca encontrei um aluno que seja capaz de não pensar em um elefante [...] 50 cada palavra, assim como ‘elefante’, evoca um frame, que pode ser uma imagem ou outros tipos de conhecimento” [tradução nossa]20. Nota-se, pois, que os constructos cognitivos-frames “orientam o modo de pensarmos e compreendermos o mundo” (DUQUE, 2015, p. 29) e sua importância centra-se na construção de sentidos a partir de indexadores fornecidos pelo discurso. Para Duque (2015, p. 30), frames são pensados como gestalts 21 “cujas partes ou papéis estabelecem relações entre si”. Essa ideia de os frames estarem relacionados com a percepção, do modo como a organizamos, também é utilizada por Lakoff (2008, p. 22), ao afirmar que “os frames estão entre as estruturas cognitivas com que pensamos” [tradução nossa]22. De acordo com Duque (2015), existem tipologias de frames que abrangem desde os mais simples, que contém poucos papéis de relações básicas, até os mais complexos, que abrangem variados papéis, relações e eventos. Ademais, para esse autor: Muitos critérios podem ser considerados na categorização dos frames, como grau de complexidade, domínio a que pertence (p. ex.: sociedade, política, religião etc.), tipo de expressão linguística a que está associado (categoria gramatical, estrutura gramatical etc.) ou grau de especificidade (ou de universalidade) cultural (ibid., p. 33). Em suma, pensando na adoção de perspectivas visando à análise do discurso fundamentada em frames, Duque (2015) classifica-os 23 como: 1.4.1 Frames Conceptuais Básicos Os frames conceptuais básicos, para Duque (2015), têm o mesmo significado de esquema-I e apresentam-se como o acionamento e a associação direta entre itens e/ou expressões lexicais individuais, nos quais papéis de um conceito específico se interconectam 20 “Whatever you do, do not thing of an elephant. I’ve never found a student who is able to not thing of an elephant. Every word, like elephant, evokes a frame, which can be an image or other kinds of knowledge” (LAKOFF, 2001, p. 3). 21 Entendidas como o modo como conceptualizamos o mundo, isto é, é resultado da interação do aparato cognitivo humano com a realidade, via experiência. Para Lakoff (1987), a todo instante realizamos experiência de gestalt (por proximidade, semelhança, predominância), conforme a focalização que damos às experiências. Focalizamos, portanto, eventos e coisas em primeiro ou segundo plano. 22“Frames are among the cognitive structures we think with”. 23 Para Duque (2015), a ativação de mecanismos cognitivos ocorre simultaneamente. Para este autor, o frame pode ser analisado na dimensão cognitiva (frame conceptual básico, frame descritor de eventos, frame roteiro, frame esquema-I, frame social, frame de domínio específico e frame cultural) e na dimensão interacional (frame interacional). Também ressalta que o acionamento dos frames ocorre por seleção lexical, por arranjo gramatical e/ou por mapeamento metafórico. 51 de tal modo que formam um frame completo, construindo sentido. Em termos gerais, o fato de indexadores linguísticos evocarem frames completos “promove simulações mentais detalhadas, sem que seja necessário apresentar um conjunto exaustivo de itens e expressões lexicais” (ibid., p. 33). Nesse sentido, linguisticamente esse tipo de frame é indexado por substantivos e por expressões nominais que retomam as experiências anteriores, formando estruturas cognitivas mais complexas. Em termos da construção de sentido no discurso dos falantes da Libras, vários indexadores linguísticos (sinais) puderam ser relacionados ao referente INSETO, como “joaninha” (JOANINHA), “pequeno” (PEQUEN@), “bolinhas” (BOLINH@), “vermelho” (VERMELH@), “preto” (PRET@), ressaltando-se que, no discurso apresentado, no caso desse exemplo, o substantivo ‘aranha’ (ARANHA) evoca experiências relacionadas ao conceito ARANHA, isto é, as vivências arquivadas nos cérebros dos informantes evocam pistas linguísticas, tais como “organização” (ORGANIZAÇÃO) e “teia” (TEIA), relacionadas ao inseto “aranha” (ARANHA). E, de acordo com a experiência de cada falante, foi constatada a ativação de outros itens lexicais, como “trabalho” (TRABALHAR) e “fazer a teia” (FAZER TEIA). 1.4.2 Frames Interacionais Os frames interacionais são criados e bem comentados por Fillmore (1976) ao tratar da comunicação (DUQUE, 2015). Basicamente, esses frames tratam da criação de contextos que estão ligados, dando conta das interações sociais. Nesse sentido, são mais ligados ao gênero discursivo, pois têm a ver com a interação das pessoas, “cobrindo a conceptualização de uma situação factual de comunicação entre o falante e o ouvinte ou entre o escritor e o leitor” (DUQUE, 2015, p. 33). A própria noção de interação faz com que esses frames incluam o conhecimento das intenções do falante/escritor e a rotina dos eventos 24 de fala, visto que mecanismos cognitivos existentes na memória de seus falantes contribuem para a efetivação de relações intercambiais nos momentos conversacionais. 24 O evento significa a mudança de estado e um conjunto de eventos que formam o roteiro. 52 O caráter discursivo encontrado nos vídeos apresentados para os falantes da Libras faz com que indexadores linguísticos acionem frames interacionais “vinculados a elementos contextuais disponíveis na mente do leitor/ouvinte” (DUQUE e COSTA, 2012a, p. 119). Nesse sentido, e seguindo a linha de raciocínio de Barsalou (1992), Duque e Costa (2012) sustentam que os constructos da percepção, do planejamento e da memória de eventos, quando frames são usados, podem ser acionados para: Explicarmos a habilidade humana de fazer inferências; criar pressupostos padrão sobre aspectos não mencionados das situações e fazer predições sobre as consequências das ações. Dentro dessa concepção as construções linguísticas são compreendidas em função da criação de frames, independentemente de esses frames se aplicarem a referentes reais, representacionais e hipotéticos (DUQUE e COSTA, 2012a, p. 119). Os frames conceptuais BELEZA e DOENÇA, por exemplo, foram ativados quando o falante surdo da Libras construiu a narrativa em (1): (1) TOD@S LIND@S VOAR++ OUTR@ CASULO SOZINH@ ABRIRCL FEI@ PARECER DOENTE 25 . Logo, em (1) os elementos contextuais disponíveis na mente do falante ativaram esses frames durante o processo de compreensão da história apresentada no vídeo que envolve “lagartas” que se transformam em “borboletas” e que alguém parece “doente”, ajudando na comunicação entre as pessoas. 1.4.3 Esquema-I ou esquema imagético O esquema-I é considerado por Duque (2015) o tipo de frame mais simples que existe, pois se apresenta nas relações espaciais mais básicas, tais como as expressadas por preposições (DUQUE, 2015). O entendimento do autor é que esquemas imagéticos associados às experiências sensoriais devem ser vistos como Gestalts, entendidas como “dimensões autônomas constituídas por experiências perceptuais detalhadas” (ibid, 2015, p. 34). Gestalt é entendido também como “um todo formado por várias partes, sendo que cada uma pode ser 25 Em tradução livre: “Todos lindos voam, voam, voam. Outro casulo abre e sai borboleta sozinha, parece feia e doente”. 53 evidenciada sem que se perca a possibilidade de acionar as demais a qualquer momento, posto que a estrutura inteira permanece ativada” (SOUSA, 2014, p. 52). Conforme Lakoff (1987) e Johnson (1987), esquema-I são padrões repetidos de experiências, isto é, recorrentes nas situações de interações humanas com o meio ambiente e bastante abstratos (esquemáticos). Envolvem, portanto, os corpos que temos e a maneira como funcionam no ambiente. Dizem respeito a imagens de natureza multiestésicas, isto é, a aspectos da atividade humana no espaço, como movimento, equilíbrio, orientação, forma etc., apesar de remeterem ao campo visual a primeira impressão do termo imagético. Partindo dessas considerações, os esquemas-I são estruturas dinâmicas de percepção visual, de ação motora e de imagens mentais e constituem-se em padrões abstratos que vão sendo delineados na interação homem-ambiente. Assim, as situações cotidianas são esquematizadas criando uma realidade cognitivo-conceptual subjacente que orienta os mecanismos de construção de sentido. Desse modo, Duque (2015) aponta os seguintes esquemas-I mais frequentes. Interligado a outros tipos de frames, o esquema CONTÊINER e LIGAÇÃO CONTEÚDO-CONTINENTE, como é chamado por Duque (2015), compreende como experiência corporal básica o fato de que temos um corpo que é experienciado como recipientes (limitados pela pele, cujos aparatos sensoriais boca, nariz, ouvidos etc. são tidos como portais) e como entidades que ocupam espaços limitados (restaurante, igreja, sala de aula etc). Basicamente é ligado à noção de dentro e fora. Os componentes/atributos 26 desse esquema-I são o interior (parte de dentro), o exterior (parte de fora), os limites (as fronteiras), o portal (a via de acesso) e o conteúdo (os elementos interligados). Duque (2015, p. 34) parte do pressuposto de que “toda e qualquer coisa sempre está ou dentro ou fora de um recipiente. Se o recipiente B está dentro do recipiente C, e A está dentro do recipiente B, então A está dentro de C também”. Para o autor, quando dizemos “margens da sociedade”, “fora do casamento”, “entrar para a família”, estamos emulando27 os esquemas-I SOCIEDADE, CASAMENTO e FAMÍLIA, respectivamente. O caso de ligação CONTEÚDO- CONTINENTE ocorre no momento em que se estabelecem relações de inclusão e de pertencimento de classe, como, por exemplo, “inclusão escolar” e “excluídos da sociedade”, 26 Segundo a notação em LC utilizada neste trabalho, esquemas-I são grafados em letras maiúsculas e os componentes/ atributos/papéis em itálico. 27 Emulação é entendida como uma sobreposição de conceito em substituição de sentido a outro. 54 citados pelo mesmo autor. O esquema-I CONTÊINER e LIGAÇÃO CONTEÚDO-CONTINENTE pode ser identificado, no exemplo (2), como o casulo sendo a casa que abriga a borboleta: (2) CASULO COMEÇAR SAIR ASA BORBOLETA. 28 Outra caracterização de Esquema-I é LIGAÇÃO PARTE-TODO, que tem a ver com frames mais completos e integração de esquemas. Para compreender melhor isso, Duque (2015, p. 34) entende que a experiência cultural básica desse esquema-I é a ideia de que “somos seres inteiros, cujas partes podem ser identificadas”. Nossos corpos, portanto, experienciam TODOS com PARTES. Diante disso, os componentes (papéis) envolvidos são: todo (entidade inteira), partes (membros da entidade) e configuração (membros configurados). Assim, “a relação parte/todo é assimétrica, uma vez que se A é parte de B, então B não pode ser de A” (DUQUE, 2015, p. 34–35). Esclarecendo: o todo não pode estar sem as partes, mas estas podem ser realçadas como partes específicas do todo. Caso as partes estejam em CONFIGURAÇÃO, existe o todo. Por exemplo, “a sociedade como um todo”, “faz parte do casamento” etc. No corpus, é possível perceber na base do esquema-I PARTE-TODO o corpo da mosca sendo quebrado, num processo de emulação, em (3): (3) JOANINHA PASSAR PLACA MOSCA CAIR ROLAR CL , QUEBRAR, PERDER VIDA. 29 Outro esquema-I, segundo Duque (2015), é LIGAÇÃO CENTRO-PERIFERIA, cuja compreensão da experiência corporal básica é de que temos em nossos corpos o centro (tronco e órgãos internos) e a periferia (dedos, pele, unhas etc.), além do espaço que também concebe esse tipo de esquema. Esses componentes envolvidos reforçam a ideia que “a periferia depende do centro, não o contrário; as teorias apresentam princípios centrais e periféricos; o importante é entendido como central” (DUQUE, 2015, p. 35). Nota-se, porém, que LIGAÇÃO CENTRO-PERIFERIA coloca algo ao lado de outro, em conexão e dependência, compreendido como central ou periférica uma ENTIDADE ou um CENÁRIO, dependendo de sua 28 Em tradução livre: “No casulo começa a sair asa e depois borboleta”. A base do esquema-I CONTÊINER emula o conceito CASA. 29 Em tradução livre: “A joaninha passa pela placa, a mosca cai, rola, se quebra e perde a vida”. A base do esquema-I PARTE-TODO emula a estruturação de um todo, materializando-se metonimicamente por meio da linguagem e expressada no discurso conceptualizado como “corpo” da “mosca”, quebrado, perdendo a vida. 55 importância. No corpus, pode ser identificado que o falante da Libras é capaz de emular um conceito mais abstrato decorrente da experiência sensório-motora e da construção sociocultural, permitindo-lhe construir e compreender a ideia central da narrativa por meio de esquema-I, cujas ideias abstratas do falante surdo da Libras são corporificadas, assim como a linguagem. Isso pode ser verificado na expressão (4): (4) COMPARAR VÍDEO COMO PESSOA SOCIEDADE. PARECER LAGART@ NASCER NATURAL. UM ESCONDER SOZINH@ VOAR DEFICIENTE 30 . Percebemos que, em (4), as experiências de um contexto apreendido (deficiência) deram um significado corporificado e reativado pelas estruturas neurais do falante da Libras. Nesse caso, o atributo deficiência exerce uma dependência periférica com o centro representado pela sociedade, por meio de ligação. Percebemos, pois, que as experiências adquiridas em um determinado contexto são revividas e recriadas por meio da língua e, desse modo, que a narrativa revela o significado que um evento exerce sobre o outro. Em relação a outro esquema-I, TRAJETÓRIA e LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA, Duque (2015) ressalta que, para cada movimento, é necessário um ponto de partida e outro de chegada e uma continuidade sequenciada de espaços que interligam os pontos em uma determinada direção. Para esse autor, a lógica implícita nesse esquema-I é a de “se um corpo se desloca de uma origem a um destino ao longo de um percurso, deve passar por cada ponto intermediário do referido percurso” (ibid., p. 35). Logo, para o autor, os papéis (atributos) constitutivos desse esquema-I são: origem (refere-se ao ponto de partida), pontos intermediários (refere-se aos espaços percorridos após iniciar a trajetória) e meta (referindo-se ao ponto final do percurso). A ideia é de que esquemas abstratos “traçam metas que emulam objetivos a serem atingidos, entendidos como percorrer uma trajetória, passando por pontos intermediários, até chegar ao destino” (DUQUE, 2015, p. 35). Nesse sentido, emerge a seguinte lógica: ao se deslocar de uma origem a um destino, passando por um percurso, o corpo, necessariamente, passa por pontos intermediários do referido percurso. Os atributos desse esquema podem ser observados em (5). (5) SEMPRE MOSC@ IR JUNTO PERSEGUIR ARANHA TEIA FURAR. 31 30 Em tradução livre: “Comparo o vídeo com as pessoas na sociedade. Parece que o lagarto nascer natural. Um escondido, sozinho, voou, era deficiente”. 56 Vemos, pois, que, em (5), a construção linguística serve de suporte para os papéis de deslocamento de um corpo de uma origem (moscas saindo do lixo), um percurso a ser percorrido (moscas e aranha passando pela estrada) e um destino ao longo do percurso (furar a teia). Outro esquema-I frequente nas situações cotidianas é o de LIGAÇÃO TRAJETOR-MARCO. Duque (2015) afirma que a nossa experiência corporal permite novas experiências de nossos corpos em movimento no espaço e que o fato de nos deslocarmos de um ponto (X) para outro ponto (Y) resulta na existência de um trajetor (que é mais dinâmico) e de um marco (que geralmente é fixo). Ele também ressalta que as ligações TRAJETOR-MARCO estabelecem relação entre agente e espaço e agente e objeto. (6) MULHER VOAR VER ENCONTRAR CONVERSAR INTERAGIR, ACEITAR BEIJAR. 32 Vemos que, em (6), a “mulher” (borboleta emulada pelo falante da Libras como uma figura feminina) é o trajetor e se desloca ao longo da trajetória para chegar ao marco (borboleta na figura masculina), ponto de referência do trajetor. 1.4.4 Frames de domínio-específico Durante toda a nossa discussão nesta tese, estamos retomando que frames não são estáticos; são, na verdade, circuitos neurais em ação (FELDMAN, 2006). Em relação aos frames de domínio-específico, o próprio nome sugere que essa tipologia “evoca conceitos bem específicos (justiça, religião, política, partidária, economia etc.) e muitas vezes conflitam com frames convencionais” (DUQUE, 2015, p 36). Essa noção compartilha o entendimento desse construto como mecanismo cognitivo associado a um certo domínio cultural e específico de algo experienciado coletivamente. Por exemplo, os conceitos ASSASSINO e INOCENTE orientam uma construção de sentidos voltados para o domínio da JUSTIÇA. Nesse mesmo domínio, outros frames são perfilados num contexto mais específico, ganhando vida, 31 Em tradução livre: “Sempre as moscas iam juntas perseguir a aranha e furar a teia”. 32 Em tradução livre: “A mulher voa, encontra a borboleta, conversam, interagem, e ela aceita beijar”. 57 como HOMICÍDIO, JULGAMENTO etc. Trata-se, assim, de um tipo de interação social. O texto jurídico faz parte de um domínio jurídico, o texto religioso faz parte do domínio religioso, o texto informal sobre a vida pessoal etc. Um exemplo desse frame, retirado do corpus, está na expressão (7): (7) JOANINHA OLHAR MEDO CORRER ARANHA. VOAR FURAR TEIA. 33 Em (7), a maneira como foi focalizado o domínio “medo”, no evento: “a joaninha olhar especificamente para a aranha com a intenção de fazer o mal, furar a sua teia, repetidamente”, junta elementos de um cenário interacional (frame interacional – que tem a ver com a brincadeira) e de um cenário que aciona a experiência de GUERRA, por meio de outro conceito, SENSAÇÃO (“medo”), criado a partir desse domínio, vindo da percepção de que reúne um conjunto de atributos como ser “pego”, “ameaçado” etc. 1.4.5 Frames sociais e culturais Os frames sociais correspondem a tipos de cenários que frequentamos desde crianças. Dizem respeito aos frames nos quais vivemos (FAMÍLIA, SOCIEDADE, POLÍTICA, RELIGIÃO, ESCOLA etc.) que “orientam o nosso comportamento e as nossas expectativas sociais” (DUQUE. 2015, p. 36). Para esse autor, esses frames podem ser bem mais complexos quando transferem atributos estabelecidos culturalmente em relação aos papéis existentes. É comum, portanto, projetarmos os papéis encontrados nos domínios: PARTIDO LIBERAL e PARTIDO CONSERVADOR, quando acionamos o frame social FAMÍLIA LIBERAL e FAMÍLIA CONSERVADORA, num processo de ligação por constituência 34 . Assim diz Duque (ibidem, p. 36) em relação ao frame FAMÍLIA: [...] este frame, por ser o nosso primeiro frame social, serve de referência para outros frames sociais. [...] Ao projetarmos o papel padre do frame IGREJA, a partir do papel pai, do frame FAMÍLIA, por exemplo, transferimos também os atributos estabelecidos culturalmente para este 33 Em tradução livre: “A joaninha olha a aranha que está com medo, ela voa e fura a teia”. 34 De acordo com Duque (2015), constituência se caracteriza como mecanismo básico de ligação de frames durante o processo de construção do sentido. A título de exemplo, frames simples acionam frames mais simples ainda até formarem esquemas-I. 58 papel, ou seja, o pai que distingue o certo do errado; o pai como autoridade máxima e que deve ser mantida; o pai que protege e dá apoio; o pai que pune por desobediência; o pai que exige a disciplina; o pai que ensina o filho a ser responsável pelos seus e a lutar para satisfazer seus próprios interesses. Ao considerarmos a narrativa do exemplo (8), da aventura vivida pelo INSETO “aranha” no papel de construtor de sua “teia”, aciona-se o frame SENSAÇÃO no momento em que o evento “medo”, culturalmente, transfere atributos como pavor, destruição etc. Duque (2015) considera que esses frames também se utilizam de papéis sociais que generalizam grupos ou pessoas na forma de estereotipia, idealizando alguns atributos de uma categoria. É o que podemos constatar em (8): (8) UM ESCONDER SOZINH@ VOAR DEFICIENTE COMO? OLHO PROBLEMA FEIO. 35 O cenário em (8) delimita graus de conhecimento e inferência de estereótipos: os de que pessoas diferentes, com “problema” (grifo nosso) em algum órgão dos sentidos ou fisicamente, são feias e deficientes. Segundo Duque (2015), um frame cultural é o que vai filtrar os demais tipos de frames apresentados, passando por uma espécie de filtro cultural para chegar num modelo cultural; assim, chega-se a um frame específico, permitindo verificar o que mais focalizam em cada esquema em uma dada cultura ou manifestação de uma cultura linguística. (9) JOANINHA VOAR VERMELH@ BOLINHA PRET@. 36 O exemplo em (9) demonstra que o que mais se focaliza no esquema perceptual “joaninha” são as cores vermelho e preto, reforçando o frame cultural de que uma joaninha é vermelha com bolinhas pretas. 1.4.6 Frames descritores de eventos Bastante mencionados nesta tese, os frames descritores de eventos são mais ligados aos esquemas-X (esquemas de ação ligados à parte motora do cérebro). Estes contêm papéis e 35 Em tradução livre: “Um escondido, sozinho, voou, deficiente. Como? Ele tem problema no olho e é feio”. 36 Em tradução livre: “A joaninha voou. Ela era vermelha com bolinhas pretas”. 59 relações estáticas e dinâmicas, como eventos, estados e mudanças de estados. Para Duque (2015), estes frames apresentam os seguintes papéis: Tipo de evento; Esquema-X; Participantes; Ajustes temporais e espaciais. Tipo de evento: vinculado ao processo que ativa a cena descrita. O papel é preenchido por uma estrutura argumental. Esquema-X: vinculado à estrutura argumental. Tem o papel de fornecer elementos que preencham os argumentos da estrutura. A exemplo, em uma estrutura X TRANSFERE Y PARA Z, o Esquema-X VENDER exige os elementos VENDEDOR, MERCADORIA, COMPRADOR como X, Y e Z, respectivamente. Logo, os slots preenchem o Esquema-X inteiro. Alguém está vendendo algo para você. Participantes: vinculados aos elementos do processo. Por exemplo, os participantes do Esquema-X VENDER são: o VENDEDOR, a MERCADORIA e o COMPRADOR. As entidades em destaque na cena podem ser personagens, objetos etc. Vemos outro exemplo em: “O falante da Libras vendeu os vídeos para o falante de língua oral”; VENDEDOR: o falante da Libras; MERCADORIA: vídeos; COMPRADOR 37 : falante de língua oral. Ajustes temporais e espaciais: dizem respeito ao tempo e ao espaço da cena respectivamente, fornecendo, portanto, o instante (ou a época) e um cenário para a encenação 38 . Geralmente os ajustes de temporalidade e de espacialidade são acionados por meio de expressões tais como: “No parque”, “No outro dia”, “Naquele dia” etc. O papel segmento discursivo está associado a um frame interacional com papéis, ato de fala e tópico (assunto, tema) do enunciado. Esse papel permite a identificação do valor declarativo ou interrogativo em um evento. Vemos que todo evento tem esses papéis dos frames descritores de eventos. Em relação aos falantes da Libras, percebemos que, à medida que o discurso flui nas narrativas, a capacidade de imaginar modela uma ação, acionando esquemas-I e esquemas-X na construção de sentidos. A seguir, em (9), percebemos que esquemas e frames ocorrem simultâneos nos eventos que compõem a cena no vídeo exibido para os falantes da Libras: 37 Para Duque (2015, p. 37), quando o participante não é revelado, realizamos um preenchimento predefinido (default). Desse modo, a estrutura exemplificada ficaria assim, se não tivesse o participante: “O falante de Libras vendeu os vídeos”; VENDEDOR: o falante de Libras; MERCADORIA: vídeos; COMPRADOR: [default]. 38 Ou enação. 60 (9) ARANHA ORGANIZAR TEIA INSETO VOAR FURAR VER MOSC@ LIXEIRA CHAMAR PERSEGUIR BATER PLACA 39 . Em (9), ao reproduzir a história, o falante recorre aos seguintes esquemas de ação: X ORGANIZAR Y, X VOAR, X FURAR Y, X CHAMAR Y, X BATER Y, X PERSEGUIR Y. Tais esquemas evocam estruturas argumentais que possuem slots a serem preenchidos por referentes apresentados na história ou inferidos do contexto pragmático, no caso, é a aranha que organiza a teia, o inseto que voa, fura a teia e chama as moscas, e as moscas perseguiam o inseto. Trata-se de esquemas de deslocamento (X SE MOVE DE Y PARA Z) e de ação (X AGE SOBRE Y). Os participantes dos eventos descritos são característicos dos textos predominantemente narrativos. ARANHA, INSETO, MOSCAS (que funcionam como agentes ou pacientes) e referentes, como a TEIA (objetivo do inseto e da aranha) e a PLACA em que as moscas se chocam. O tempo é construído pela sequência com que os eventos ocorrem. Para isso, há repetição de situações a fim de se justapor a ordem dos acontecimentos, a qual, às vezes, é estruturada com o auxílio de eventos pragmáticos. Quanto à integração entre estados/eventos, a narrativa se dá como uma sequência de ações intercaladas com estados. 1.4.7 Frames-roteiro Esses tipos de frame são mais complexos, visto que “contém vários papéis e ordenam eventos cronologicamente” (DUQUE, 2015, p. 39). Eles permitem resgatar eventos menores culturalmente e socialmente e como estes se desdobram no dia a dia. Desse modo, a forma como os roteiros são internalizados permite uma sequência de ações experienciadas e admite guiar inferências e quebras de expectativa, utilizando-se de humor, ansiedade, tristezas etc., como formas de compensação dos eventos esperados. Um exemplo de como os roteiros são socioculturalmente internalizados pode ser constatado em um evento como funeral. Embora saibamos que fazem parte de um momento como esse participantes prototípicos, como o falecido, os familiares, entre outros que têm relação com o falecido, alguns aspectos da sequência de ações que organiza esse momento fúnebre de pesar, relembrado no dia de finados, não são os mesmos no México, onde é comum participantes convidados para muita festa e alegria, em casa ou no cemitério, 39 Em tradução livre: “A aranha organiza a teia. O inseto voa e fura a teia. Depois, vê moscas na lixeira e chama. Mosca persegue e bate na placa”. 61 semelhante a uma festa de aniversário 40 . Como os eventos estão sendo criados nos vídeos a partir de outros eventos, há quebra de expectativa no roteiro quando moscas perseguem uma joaninha na narrativa do falante surdo. (10) MOSC@ BATER PLACA MORRER QUEBRAR. 41 Dessa forma, em (10), ao combinar ‘morrer’ e ‘quebrar’, o produtor da narrativa construiu uma conceptualização para MORTE, o que já poderia ter sido delineado, posto que a mosca bateu na placa, mas o que se percebe é que o fato de ela ter quebrado guiou uma inferência do narrador, quebrando a expectativa de que mosca apenas morreria ao bater na placa, que não se quebraria. Vale ressaltar que as pessoas se valem do que existe no ambiente para irem construindo frames, sendo eles aprimorados pelas experiências; a metáfora também se beneficia das considerações feitas por estudiosos da cognição, conforme será visto na seção seguinte. 1.5 Metáfora Ao conceptualizarmos o mundo, os circuitos neurais existentes em nosso cérebro interligam esquemas como partes de um frame. Ademais, a partir de nossas percepções, criamos linguagem e as experiências recorrentes formam padrões e categorias. Para Bergen (2009, p. 1), o processamento linguístico usa áreas motoras e perceptoras do cérebro, não só para perceber caracteres escritos ou sons falados, mas também para extrair o significado de expressões. Quando as pessoas processam a linguagem que descreve cenas perceptivas ou ações realizáveis, estas exibem ativação seletiva de sistemas perceptivo e motor. Assim, arquivamos conhecimentos na forma de conceitos que podem ser modelados por uma série de processos para construir significados. Um destes aqui tratados é a projeção metafórica, que, para a LC, é a base para a organização do pensamento. Nesta tese, 40 http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/mexico/cultura-do-mexico.php 41 Em tradução livre: “A mosca bateu na placa, quebrou-se e morreu”. 62 verificamos como os falantes surdos de uma língua visuoespacial, a Libras, fazem uso desse mecanismo. Fauconnier (1997) considera a linguagem e suas diferentes utilizações como parte de um processo de organização cognitiva complexa que envolve aspectos sociais, culturais e biológicos. A metáfora, fazendo parte desse importante processo de organização cognitiva, nem sempre foi considerada pelos estudiosos a partir dessa perspectiva. Ocorre que, desde que surgiu, a metáfora tem sido abordada de diferentes maneiras. Inicialmente, foi concebida no cerne da Filosofia como uma ornamentação linguística (SANTOS, 2011), um recurso retórico e estilístico sob o ponto de vista objetivista. Desse modo, e na visão tradicional da linguagem, a metáfora é entendida como um “ornamento linguístico, dispensável conceitual e epistemologicamente, característico apenas do discurso retórico ou poético, e que poderia ser substituído ou parafraseado por uma expressão literal equivalente” (VEREZA, 2007, p. 489). Para Vereza, muitos supõem que essa conceituação é atribuída à teoria de Aristóteles, no entanto, com base em Leesenberg (2001), chama a atenção para a inexistência de uma clara e sistemática conceituação de metáfora nessa visão ou de uma sólida proposta que possa, realmente, ser denominada de “teoria da metáfora” (VEREZA, 2010). Ainda fazendo algumas colocações pertinentes à visão tradicional da metáfora, essa autora chama a atenção para o fato de que em apenas uma de suas quatro sub-classificações de metáfora (1– de gênero a espécie; 2– de espécie a gênero; 3– de espécie a espécie e 4– relação de analogia, envolvendo quatro elementos) somente a terceira (de espécie a espécie) pode ser vista como uma transferência metafórica, enquanto as demais são relacionadas a casos de metonímia, hiperonímia, analogia e outras figuras semânticas e retóricas (ibid., p. 202). Referindo-se aos estudos de Lakoff e Johnson (1999) a respeito de como as pessoas compreendem o mundo e sua linguagem, Sousa (2014, p. 29 – 30) afirma que, conforme esses autores, no paradigma objetivista, o mundo é constituído por objetos que são reconhecidos e conceptualizados pelo homem com base em propriedades a eles inerentes. Assim, conhecer o mundo equivale a reconhecer as características das entidades que o compõem. Daí vem a concepção de linguagem como a expressão de palavras 63 correspondentes a conceitos que, por sua vez, simbolizam as categorias às quais pertencem as entidades do mundo. Assim, qualquer recurso que “mascare” a “verdade” detectável nesse mundo não pode ser aceito, posto que turva a razão – que tem caráter transcendental, pois não se situa na mente, tampouco no corpo humano. Nesse contexto, a metáfora está submetida, de forma reducionista, à retórica, opondo-se à concepção aqui defendida. Um fato que merece ser destacado é o surgimento do paradigma subjetivista, também de cunho filosófico e linguístico, no ocidente, cuja ênfase recai sobre o conhecimento intuitivo, as emoções, a imaginação, os sentimentos humanos, as artes (LAKOFF e JOHNSON, [1980] 2002), entre outros, considerados rupturas no entendimento de que a razão está na base da percepção da verdade. O ser humano, nessa visão, é visto como ser dotado de criatividade e construtor de seus próprios conceitos, que não é influenciado pelo ambiente nem pelos fatores sociais e culturais (SOUSA, 2014). Lakoff e Johnson ([1980] 2002) interpretam o objetivismo e o subjetivismo como não adequados ao sentido de compreensão da linguagem do homem, visto que, dentro desses paradigmas, não são consideradas as suas experiências. Os autores criticam o fato de que essas perspectivas reforçam concepções cartesianas, empiristas, kantianas e positivistas, além de outras correntes filosóficas ocidentais. A linguagem é vista, nesse sentido, como um espelho da realidade objetiva e a metáfora é compreendida como mero artefato retórico. Assim, na perspectiva criticada por Lakofff e Johnson ([1980] 2002), o sentido continua não sendo pertinente para a vida das pessoas, tendo em vista que o enfoque recai apenas na linguagem. Segundo Vereza (2007, p. 489), a perspectiva interacional, iniciada por Richards (1932) e desenvolvida por Black (1962), concebe a metáfora como um estatuto cognitivo que antes não existia. No entanto, para essa autora, apesar de ampliar a dimensão cognitiva, essa perspectiva continua “abordada a partir de seu uso na linguagem”. Nos anos 1970, uma reviravolta paradigmática emerge em decorrência da oposição do objetivismo ao subjetivismo, sob a explicação de Lakoff e Johnson ([1980]2003), de que: [...] a razão, no mínimo, envolve a categorização, a implicação, a inferência. A imaginação, em um dos seus muitos aspectos, implica ver um tipo de coisa em termos de outro tipo de coisa, o que denominamos pensamento metafórico [...]. Uma abordagem experiencialista permite-nos estabelecer também uma ponte entre os mitos objetivista e subjetivista no que se refere à 64 imparcialidade e à possibilidade de ser justo e objetivo (apud SOUSA, 2014, p.30 – 31). O realismo experiencialista, proposto por Lakoff e Johnson ([1980]2003), traz um quadro que assume a existência de verdades, e não de uma verdade absoluta. A ideia é que existem percepções de mundo que partem de um sistema conceptual, considerando-se as experiências socioculturalmente construídas, e há uma realidade exterior ao homem que pode ser questionada. Trata-se de uma linguagem que aflora das relações humanas, concordando, pois, que hábitos, necessidades, objetivos e crenças humanas se modificam, ocorrendo reajustes, também, nas estruturas cognitivas. Acompanhando as mudanças nas concepções da linguagem, surge uma vasta literatura e abundantes ideias sobre metáfora 42 , buscando-se status cognitivo e epistemológico, nas últimas décadas, e ressaltando-se que “em vez de mente autônoma, existam relações cognitivas e sociais que emergem em nossa linguagem como faróis de sentidos” (SANTOS, 2011, p.37). Reddy (1979), ao realizar um estudo metalinguístico sobre comunicação, analisa enunciados linguísticos e constata a utilização de metáforas quando os seus informantes de língua inglesa falam sobre a sua própria comunicação. No seu ensaio “Metáfora do canal”43, ele investigou como o conceito de comunicação é conceptualizado metaforicamente, hipotetizando que uma sociedade com melhores comunicadores poderia ter menos conflitos. Exemplificam os estudos de Reddy (1979) os enunciados “você ainda não me deu nenhuma ideia do que quer dizer”44(quando a comunicação perde o rumo) e “você deve colocar cada conceito em palavras com muito cuidado”45 (quando os problemas de comunicação necessitam de soluções). Lakoff e Johnson ([1980] 2002, p. 15–16) defendem a ideia de que “a metáfora do canal é uma estrutura semântica real e poderosa na língua inglesa, 42 Surgem, no século XX, várias teorias que tratam de metáforas. No campo de Psicologia, Gibbs (1999) ressalta as: teoria do desequilíbrio de saliência (Ortony, 1979; Ortony et al, 1985), teoria da interação de domínios (Touran e Sternberg, 1981; 1982), teoria do mapeamento de estrutura (Gentner, 1989; Gentner e Clements, 1988); teoria de inclusão de classe (Glucksberg e Keysar, 1990), teoria da metáfora conceptual (Lakoff, 1987; Lakoff e Johnson, 1980; Gibss, 1994); e, fora do campo da Psicologia, ele cita: teoria dos atos de fala (Searle, 1979); teoria da ausência de sentido (Davidson, 1979), entre outras (p.29-30 apud LAKOFF e JOHNSON, 2002, p. 10). Em seguida, Gibbs e Steen (1999) consideram a teoria de Lakoff e Johson no domínio da LC. 43 The conduit metaphor. Holsbach, Gonçalves, Migliavaca e Garcez (2000) traduzem como metáfora do conduto. 44 You still haven’t given me any Idea of what you mean. 45 You have to put each concept into words very carefully. 65 que pode influenciar os pensamentos e a ação desses falantes”. Segundo Reddy (1979, p. 290), os enunciados evidenciam que: (1) a linguagem funciona como um canal, transferindo pensamentos corporeamente de uma pessoa para outra; (2) na fala e na escrita, as pessoas inserem seus pensamentos e sentimentos nas palavras; (3) as palavras realizam a transferência ao conter pensamentos e sentimentos e conduzi-los à outras pessoas; (4) ao ouvir e ler, as pessoas extraem das palavras os pensamentos e os sentimentos novamente (apud LAKOFF e JOHNSON, ( [1980]2002, p. 16). Assim, a metáfora passa a ser entendida como importante ferramenta para a construção de significados, pois, ao adquirir um estatuto cognitivo que considera as concepções de mundo, passa-se a explorar ao máximo as possibilidades perceptivas do ser humano. Tendo como bases a ideia de que pensar e fazer estão intimamente relacionados e de que as experiências corpóreas subjazem os processos de construção da linguagem (GIBBS, 1999), ocorre uma virada paradigmática quando Lakoff e Johnson (1980) investigam 46 a ideia de que a mente é corporificada e de que o nível do inconsciente faz emergir o pensamento. Nesse sentido, metáfora diz respeito a projeções de domínios; a mente é estruturada por meio das experiências corporais e trabalha com conexões neurais, motivadas pela interação e pelo modo como são mesclados linguagem, cognição e cultura (SANTOS, 2011). Fundamentados em Lakoff e Johnson (1980), Duque e Costa (2012, p. 63) revelam que as metáforas significam: [...] um recurso de pensamento (e portanto, um aparato cognitivo) que nos permite apreender determinados fenômenos de uma maneira e não de outra. São as metáforas que nos permitem estruturar conceitos a partir de outros conceitos mais básicos e concretos, sendo nossa experiência direta do mundo – proporcionada por nosso corpo – a responsável pelo desenvolvimento desse processo. Nota-se, pois, que os pontos de vistas voltados para a expressão do pensamento vão ao encontro de uma construção intersubjetiva e situada no conhecimento da realidade. Logo, a compreensão de mundo constrói um sistema conceptual que envolve as experiências e as 46 Lakoff ([1980] 2002) já buscava na pesquisa um fundamento epistemológico para a teoria da metáfora, investigando a forma como são construídas as categorias que dão sentido à linguagem, sendo a metáfora vista como uma das formas de estruturação de categorias. 66 metáforas estão presentes nesse processo, fazendo parte da linguagem cotidiana e sendo essenciais no modo de conceptualizarmos o mundo. É nesse sentido que Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 19) avançam, propondo que “a linguagem revela um imenso sistema conceptual metafórico, que rege também nosso pensamento e nossa ação”. Diante disso, a metáfora é uma construção conceptual que envolve os esquemas-I e, por meio dela, o homem pode projetar os conceitos de suas experiências. Pensemos, pois, que vivemos imersos em metáforas e que essas consistem em “compreender e experienciar uma coisa em termos de outra” (LAKOFF e JOHNSON, [1980]2002, p. 48). Orientados pela perspectiva de que a maior parte dos conceitos são metafóricos, Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 19) examinam a metáfora DISCUSSÃO É GUERRA 47 . Eles defendem que, ao evocarmos relações entre discussão e guerra, revelamos formas de pensar e agir, como são percebidas em diferentes enunciados, tais como “suas afirmações são indefensáveis”, “suas críticas foram direto ao alvo”, “Eu nunca o venci numa discussão” etc. Nota-se que as pessoas percebem discussão como guerra, pois a concebem em termos das experiências de vencer o outro ou de não vencer, aparecendo os papéis de vencedores e vencidos. Também utilizam a metáfora TEMPO É DINHEIRO, a partir das expressões linguísticas individuais estruturadas em nossas atividades corriqueiras, tais como “Você está desperdiçando meu tempo”, “Eu não tenho tempo para te dar”, “Você está me fazendo perder tempo”48 etc., para dizer que essas e outras expressões revelam a natureza metafórica desses conceitos, visto que experienciamos e agimos referindo-nos a tempo como um bem valioso, na forma de dinheiro, como, segundo Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 51), “algo que pode ser gasto, desperdiçado, orçado, bem ou mal investido, poupado ou liquidado”. Dessa forma, para eles, e, dependendo da cultura, a metáfora TEMPO É DINHEIRO é subcategorizada estruturando outras metáforas, como TEMPO É UM RECURSO e TEMPO É UM BEM VALIOSO. Feito isso, é a partir de outras metáforas que Lakoff e Johnson ([1980]2002, p.19) postulam a existência de uma metáfora conceptual formada por um conjunto de enunciados coerentes que constroem sentidos, integrante de um sistema ordinário do pensamento e da 47 Lakoff e Johnson (2002;[1980]; 1999) utilizam letras maiúsculas para fazer referência às metáforas, sendo esta notação, também, adotada neste trabalho. 48 Expressões manifestadas no inglês contemporâneo (LAKOFF; JOHNSON, 1980[2002]). 67 linguagem. Nesses termos, metáfora, para esses autores, consiste em: “compreender e experienciar uma coisa em termos de outra” (ibid., p. 19). Também é postulado que, ao compreendermos um aspecto de um conceito em termos de outros, acabamos não focalizando outros aspectos e mascarando-os no processo comunicativo. Eles tomam como exemplo a metáfora do canal (REDDY, 1979), ao estruturar a metáfora complexa: IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) SÃO OBJETOS; EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS SÃO RECIPIENTES e COMUNICAÇÃO É ENVIAR, para afirmarem que, de tanto serem utilizadas (convencionalmente) na linguagem, é difícil pensarmos que podem não corresponder à realidade. No entanto, para eles, há casos em que, para o conceito metafórico se aplicar, necessita de um contexto comunicativo, correndo o risco, portanto, de realçar, parcialmente, o sentido metafórico. O olhar na compreensão de mundo, visto que existe um meio que nos configura e que é configurado por nós, faz com que construamos um sistema conceptual metafórico e que nos distanciemos da linguagem literal. Basicamente, quer dizer que, quanto mais nos afastamos do que é concreto e nos aproximamos de abstrações no dia a dia, mais condições temos de demonstrar que a linguagem é densamente metafórica (LAKOFF, 1993). Para entendermos melhor essa questão, utilizamos as nossas experiências concretas para entendermos domínios de natureza abstrata (organizadas na forma de domínios abstratos). Apoiados nessa concepção, Lakoff e Johnson ([1980]2002) advogam que, cognitivamente, as experiências se organizam na forma de domínio-alvo (o que queremos conceptualizar, de natureza abstrata) e de domínio-fonte. Assim, são criadas a metáfora DISCUSSÃO É GUERRA e outras, visto que existem relações entre os elementos do domínio-fonte: “guerra” e os do domínio-alvo: “discussão”. Isso faz com que as dicotomias literal/metafórico e linguagem literária/cotidiana caiam por terra, tendo em vista que são consideradas equivocadas por Lakoff e Johnson ([1980] 2002) Esse fato faz com que outras ideias sobre metáfora, de outros autores, como Turner (1989) e Hesse (1974) 49 , também sejam consolidadas. 49 Turner (1989), junto com Lakoff, defende que o sistema metafórico convencionalizado serve como pano de fundo para a compreensão e a produção das metáforas do texto literário. Hesse (1974) chama a atenção para o importante papel da metáfora no campo científico, propondo uma reconceptualização desse papel. Para Steen (1997), não existem dúvidas de que expressões linguísticas refletem metáforas conceptuais, procurando investigar até que ponto a linguagem utilizada pelas pessoas traduz o pensamento metafórico. Gibbs (1999) e Steen (1999) procuram analisar a interação existente entre metáfora na linguagem e metáfora no pensamento. 68 Em síntese, Lakoff e Johnson deixam o importante legado de que a metáfora une razão e imaginação. Basta percebermos que muitos conceitos básicos que ocorrem em nossas interações cotidianas (tempo, quantidade, estado, ação, amor, raiva etc.), ligados aos esquemas básicos, esquemas-I, são metafóricos. E, assim, utilizamos metáforas para compreender o mundo. Os estudos, portanto, lançam bases para “o importante papel que a metáfora tem na compreensão do mundo, da cultura e de nós mesmos” (LAKOFF e JOHNSON, [1980] 2002, p. 22). Logo, esses autores chamam de metáforas estruturais os casos nos quais um conceito é estruturado metaforicamente em termos de outro. Outra dicotomia questionada por esses autores é a de mente/corpo, pelo fato de que a nossa corporalidade e a nossa mente interagem o tempo todo, dando sentidos ao mundo. Diante disso, ao enunciarmos “estou me sentindo para cima” e “estou me sentindo para baixo hoje”, é notório que subjazem a essas expressões os conceitos metafóricos FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É PARA BAIXO, respectivamente. Trata-se de outra das categorias diferenciadas de metáforas, chamadas orientacionais por terem a ver com orientação espacial, tais como: para cima – para baixo, dentro – fora, frente – trás etc. Essas foram descritas por Lakoff e Johnson ([1980]2002). Nessa categoria de metáfora, a ênfase é a experiência atrelada à nossa corporalidade, expressada por uma base física no mundo no qual vivemos. Diz respeito, portanto, a experiências que tivemos incluindo direções, organizando “todo um sistema de conceitos em relação a um outro” (ibid. 2002, p. 59). Percebemos, pois, que, ao ficarmos tristes, a nossa postura é caída e que, quando nos encontramos em situações de felicidade, a nossa postura é ereta. Podemos, ainda, verificar isso no exemplo da metáfora MAL É PARA BAIXO na sentença “estou me sentindo para baixo hoje”. Outras metáforas, as ontológicas, são utilizadas para dar concretude às nossas experiências sem ficar restrita a alguns conceitos de base orientacional. Compreende, portanto, as experiências humanas em termos de objetos e substâncias, permitindo a seleção de partes delas, tratando-as como entidades discretas ou substância de uma espécie uniforme, fornecendo uma base para raciocinar sobre elas, de modo que é possível fazer referências, categorizar e até mesmo quantificar. 69 Nesse sentido, “as metáforas ontológicas servem a vários propósitos e as diferenças que existem entre elas refletem os diferentes fins” (LAKOFF e JOHNSON, [1980]2002, p. 76). Por exemplo, podemos verificar na metáfora ontológica INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE como um meio de poder se referir à seguinte experiência com a inflação: ‘a inflação está aumentando assustadoramente o valor dos preços no mercado’. Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 88) ainda trazem outra categoria de metáfora, classificada como personificadas, as quais são extensões de metáforas ontológicas, mas, especificamente, relacionadas a pessoas. Por exemplo, podemos verificar a metáfora INFLAÇÃO É UMA PESSOA. Segundo os autores, não se trata de um processo geral e único; difere, pois, em termos dos aspectos humanos que são selecionados, podendo a metáfora interferir tanto na maneira de pensar como na maneira de agir da entidade, como é o caso de INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO. Logo, as perspectivas nos estudos da linguagem, conjuntamente com outros programas, tais como a teoria da metáfora conceptual, continuam sendo protagonizadas, sobretudo, por Lakoff e Johnson (1980) e estes lançam bases para pesquisas empíricas quando publicam a obra Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge to Western thought, em 1999, pela qual desafiam a explorar as metáforas conceptuais que fundamentam alguns conceitos mais caros à filosofia ocidental, tais como: “eu”, “tempo”, “causalidade” e “moralidade”. Consonante a pesquisa desses autores, destacam-se as contribuições de Kövecses (2005), ao afirmar que, tratando-se de um fenômeno linguístico, conceptual, sociocultural, neural e corpóreo (apud SANTOS, 2014, p. 44), a metáfora envolve nossas experiências, isto é, o modo como construímos cultura a partir de nossas concepções de mundo. 1.5.1 Metáforas primárias e congruentes O entendimento de metáfora como um processo cognitivo corpóreo lança bases para a formulação de metáfora primária. De acordo com Grady (1997), vivenciamos experiências cotidianas corpóreas universais, a saber, vemos o mundo direcionado para a frente, comemos, deitamos, levantamos, temos dois braços, duas pernas etc., fazemos, portanto, uma série de coisas que dão base, inconscientemente, a metáforas primárias, as quais são evocadas por meio de mapeamentos cognitivos imediatos e processadas por conexões neurais (FELDMAN, 70 2006). Santos (2014, p. 44), complementando essa visão, afirma que “as metáforas primárias são construídas pelo fato de nos locomovermos pelo mundo, experienciarmos nossos aspectos corpóreos e, desse modo, sistematizarmos essas experiências através de esquemas de base”. Podemos exemplificar com as metáforas AFEIÇÃO É CALOR, em “eles me receberam calorosamente”, e FELIZ É PARA CIMA, em “eu estou para cima hoje” (LAKOFF, 1999, p. 50). Para Santos (2014), as metáforas primárias são o resultado de projeções envolvendo esquemas-I e domínios conceptuais. As metáforas congruentes, por sua vez, são ressaltadas nos estudos de Kövecses (2005). Os resultados apontam que a intermediação cultural agrega experiências socioculturais às metáforas primárias. Logo, o autor verifica variações metafóricas quando as metáforas primárias são analisadas socioculturalmente. Recebem, nesse caso, contornos específicos, verificando-se variações metafóricas (KÖVECSES, 2005 apud SANTOS, 2014). Desse modo, a metáfora congruente é interpretada por Kövecses (2005) como uma integração entre linguagem, cognição e cultura, reconhecendo que metáforas primárias sofrem influência direta da cultura. O autor, por exemplo, analisa a metáfora PESSOA COM RAIVA É UM CONTÊINER COM PRESSÃO e afirma que essa metáfora existe em variadas culturas (em chinês, japonês, húngaro, wolof, zulu e polonês), mas que ela não é universal, pois atuam em um nível genérico, recebendo um conteúdo cultural específico. Para entendermos que a metáfora congruente constitui um esquema genérico, preenchido por cada cultura, Kövecses (2005) cita evidências de que a metáfora PESSOA COM RAIVA É UM CONTÊINER COM PRESSÃO não especifica aspectos como: tipo de contêiner que é usado, como a pressão aumenta, se o contêiner é quente ou não, que tipo de substância está no container, que consequências a explosão teria etc. Conforme os postulados de Kövecses (2005), considerando-se os domínios PESSOA COM RAIVA e CONTÊINER e o local da raiva no interior do corpo, verificamos que esse entendimento é diferente em outras culturas, a saber: Japão (RAIVA ESTÁ NO ESTÔMAGO), Zulu (RAIVA ESTÁ NO CORAÇÃO), China (RAIVA ESTÁ VOANDO PELO CORPO). Assim, metáforas primárias e congruentes também são verificadas nos discursos dos falantes surdos da Libras de acordo com a sua cultura. Eles associam esquemas e expressam emoções em Libras, conforme verificaremos nas análises de dados e discussões a esse respeito. 71 Ao sintonizarmos nossos estudos sobre metáforas em Libras, verificamos que, o tempo todo, a percepção conceptual de falantes dessa língua acontece num grau de detalhamento. Sendo assim, na próxima seção, apresentaremos considerações voltadas para a projeção metonímica com base, também, nos estudos da LC. 1.6 Metonímia Na raiz da concepção clássica, o entendimento sobre a metonímia é que ela é restrita a um recurso linguístico, pois dispõe de estilo limitado, surgindo apenas entre as palavras e os termos, e novas relações não são reveladas (ULLMAN, 1970). Além disso, Filipak (1983) afirma que, comparada à metáfora, a metonímia é mais fácil de ser percebida. Esse autor argumenta que é “detectável apenas pela análise linguística ou estilística” (ibid., p. 135). Vemos que, tradicionalmente, a metonímia tem a função de figura de linguagem e que, de fato, ela recebe um olhar investigativo menor em relação à metáfora. Entretanto, os estudos cognitivistas se expandem, permitindo, também, outros tratamentos oportunos à metonímia. De acordo com Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 93), a metonímia tem função referencial porque permite o uso de uma entidade para representar outra, porém, ela merece um desenvolvimento mais adequado, porque não se trata de “um mero recurso diferencial. Ela também tem a função de propiciar o pensamento”. Diferente dos estudos clássicos, nesta tese adotamos a concepção de que metonímia é um recurso cognitivo de construção de sentidos. Logo, entendemos que ela tem função de focalizar, de modo mais específico, aspectos da entidade que estão sendo referidos. Nesse sentido, os estudos da LC sustentam que a metonímia é um processo cognitivo e oferece possibilidade de tratamento distintivo no campo dos estudos da linguagem. É na possibilidade de diferenciação conceitual que Panther e Thornburg (1999) entendem a metonímia como processo cognitivo. Ao utilizarem o exemplo: “ela é somente um rosto bonito”, os autores enfatizam a relação referencial, permitindo-nos entender que a palavra “rosto” é usada para substituir a palavra pessoa. Para os mesmo autores, as metonímias O ROSTO PELA PESSOA E A PESSOA PELO ROSTO complementam, portanto, uma a outra: o rosto da pessoa invoca a pessoa e a pessoa invoca o rosto da pessoa. Desse modo, há inter-relação de significados que configuram uma nova forma complexa de significados. 72 Para Abrahão (2008), a metonímia se apresenta para além de uma questão de estilo. Sob a perspectiva de produção de sentidos, a autora destaca os processos sociais, históricos e culturais, além da experiência física, como sustentações da significação da metonímia. Conforme Abrahão (2008, p. 2), A metonímia, tão conhecida como “figura de linguagem” ou mais especificamente “figura de palavra”, dentro da tradição aristotélica de estudos da linguagem, hoje tem merecido um tratamento menos reducionista à palavra e aos fatores de estilo, usos especiais da linguagem, para ser encarada como processo cognitivo ou processo de produção de sentido, que produz efeitos de sentido social e historicamente bem demarcados, como os acima apresentados. Essa autora se vale da expressão linguística “Suor, sangue e lágrimas”, enunciada pelo britânico Winston Churchill (1940), para realçar que ela ativa uma relação metonímica. Como podemos verificar, a compreensão de metonímia, como produtora de sentidos, tem sua importância na constituição da linguagem. Vemos, pois, que não estabelece uma simples relação entre nomes. Nesses termos, as concepções tradicionais não dão conta de abranger a possibilidade de a metonímia ser muito mais significativa do que apenas uma substituição de palavras. Nesse momento, vale destacar que a Semântica Cognitiva compreende que as relações de proximidade de sentidos são frutos da sistematicidade que faz menção ao modo de pensar e de agir das pessoas. Isso é explicado quando compreendemos uma expressão ou um termo linguístico fazendo distinção conceptual entre entidades envolvidas por meio de esquemas e de motivações pragmáticas, visto que, a habilidade cognitiva básica de esquematização – isto é, do processo de abstração a partir da consolidação de eventos de uso recorrente (LANGACKER, 1991; DUQUE e COSTA, 2011) – não diz respeito somente à estrutura linguística. É diferente, portanto, de se focar apenas em aspectos formais e descritivos da língua sem se considerar o reconhecimento de padrões e de formas recorrentes nas experiências do dia a dia. Vemos que a metonímia decorre da ligação entre mundo, corpo, cérebro, mente e linguagem. De acordo com Sousa (2016, p. 105), a metonímia “é ativada por pistas linguísticas, tem contrapartida corpórea, envolve especificidades concernentes a questões sociais e culturais e é processada mediante conexões neurais”. 73 Diante dessas considerações, existem estudiosos voltados para a metonímia que questionam se ela é realmente referencial. Ibáñez (2003) afirma que metonímias predicativas não são referenciais, tomando como exemplo “John é um Picasso”, John é um pintor genial. Lakoff (1987) contribui com a ideia de que metonímia não é somente referencial de protótipos metonímicos fundamentados em estereótipos. Ele entende que os estereótipos sociais são metonímicos. Para essa defesa, ele utiliza o exemplo “mãe dona de casa” como parte de um todo, e ainda ressalta que, dentre os estereótipos sociais mais subjacentes à construção da figura materna, o estereótipo MÃE é mais representativo dessa categoria, visto que é mais comum uma mulher ser considerada como mãe, assim categorizada, do que uma MÃE QUE NÃO É DONA DE CASA. Desse modo, Lakoff (1987, p. 79) defende que “uma subcategoria tem um status socialmente reconhecido como representante da categoria como um todo, usualmente com a proposta de fazer julgamentos rápidos acerca das pessoas” [tradução nossa]50. Lakoff e Johnson ([1980] 2002) ressaltam, ainda, que, caracterizada como referencial ou não, existe contiguidade conceptual na metonímia, expressa na linguagem. Para eles, o fato é que uma expressão com significado A sustenta um significado B. Nesse sentido, no exemplo da metonímia PARTE PELO TODO51, na expressão “precisamos de sangue novo na organização”, a entidade A SANGUE NOVO expressa a entidade B NOVAS PESSOAS. A ideia de que partes mais representativas expressam um todo perpassa o conceito de metonímia que considera a organização do pensamento e das ações como relações interconectadas construindo sentidos por meio, justamente, das conexões estabelecidas. Assim, ao permitir a conceptualização de uma coisa por sua relação com outra, a metonímia é atribuída a possibilidade de evidenciar características da entidade a que se faz referência. Nesse sentido, segundo Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 93), a metonímia tem, pelo menos em parte, o mesmo uso que a metáfora, mas ela permite-nos focalizar mais especificamente certos aspectos da entidade a que estamos nos referindo. Assemelha-se também à metáfora no sentido de que não é somente um recurso poético ou retórico, nem é somente uma questão de linguagem. Conceitos metonímicos (como PARTE PELO 50 Social stereotypes are cases of metonymy - where a subcategory has a socially recognized status as standing for the category as a whole, usually for the purpose of making quick judgments about people. 51 Lakoff e Johnson ([1980] 2002, 1999) utilizam letras maiúsculas para fazer referência às metonímias, sendo essa notação também adotada neste trabalho. 74 TODO) fazem parte da maneira como agimos, pensamos e falamos no dia a dia. Diante disso, os autores chamam a atenção para a metonímia ROSTO PELA PESSOA como um caso especial da metonímia PARTE PELO TODO, mencionada anteriormente. Ainda para essa metonímia, Lakoff e Johnson (ibid., p. 94), utilizam os exemplos “há uma impressionante quantidade de caras lá na platéia” e “precisamos de umas caras novas por aqui”, e nos falam que esse tipo de metonímia é frequentemente utilizada em nossa cultura. Segundo os autores, tradicionalmente, utilizamos retratos baseando-se na metonímia ROSTO PELA PESSOA. Eles tomam como exemplo o fato de uma pessoa solicitar uma foto de um filho de outra pessoa e, como resposta, é mostrada uma foto do rosto dele, o que deixará a solicitante satisfeita. No entanto, se no lugar da foto do rosto, for apresentada uma foto do corpo sem o rosto, a pessoa achará estranho e não ficará satisfeita. Provavelmente, sentirá necessidade de perguntar: “Mas como ele é?”. Esse exemplo representativo de uma cultura faz com que Lakoff e Johnson (ibid., p. 94), afirmem que, [...] a metonímia ROSTO PELA PESSOA não é meramente uma questão linguística. Em nossa cultura, nós olhamos o rosto da pessoa – mais do que sua postura ou seus movimentos – afim de ter uma informação básica de como a pessoa é. Nós percebemos o mundo em termos de uma metonímia, quando identificamos uma pessoa pelo rosto e agimos de acordo com essa percepção. Uma vez que os autores tratam conceitualmente a metonímia, eles apontam, ainda, outras relações metonímicas, a saber, PRODUTOR PELO PRODUTO (“Ele tem um Picasso em seu gabinete”), OBJETO PELO USUÁRIO (“Os ônibus estão em greve”), CONTROLADOR PELO CONTROLADO (“Ozawa deu um concerto terrível ontem à noite”), INSTITUIÇÃO PELOS RESPONSÁVEIS (“A Esso aumentou seus preços novamente”), LUGAR PELA INSTITUIÇÃO (“A Casa Branca não está se pronunciando”) e LUGAR PELO EVENTO (“Watergate mudou nossa política”) Com esses exemplos representativos da cultura, os autores apresentam evidências de que os conceitos metonímicos se baseiam nas experiências cotidianas das pessoas e, também, estruturam linguagem, pensamento, atitudes e ações. Os conceitos são, portanto, sistemáticos e possuem motivação sociocultural e causalidade. Envolvem, dessa forma, associações físicas, causais diretas e estratégia de focalização (estratégia gestáltica figura-fundo) 52 , como 52“O aspecto focalizado tem status de figura sobre os outros, categorizados como fundo” (SOUSA, 2014, p. 107). 75 podemos observar em alguns exemplos citados por Lakoff e Johnson ([1980]2002, p. 97) “PARTE PELO TODO – modo pelos quais as partes estão relacionadas com o todo. PRODUTOR PELO PRODUTO – relação de causalidade entre o produtor e seu produto e LUGAR PELO EVENTO – experiência com a localização física dos acontecimentos”. Para entendermos melhor a metonímia como um processo cognitivo, referimo-nos a outros estudos, a saber, “um processo cognitivo no qual uma entidade conceptual, o veículo, fornece acesso mental à outra entidade conceptual, o alvo, dentro do mesmo modelo cognitivo idealizado” (RADDEN e KOVECSES, 2005, apud PANTHER e RADDEN, 1999, tradução nossa) 53 ; fenômeno de ponto de referência (veículo, fonte), sendo capaz de acessar uma zona ativa (alvo) (LANGACKER, 1987); domínio funcional em que, dentro dele, existem subdomínios (alvos), mas, dependendo do contexto, apenas um será ativado (BARCELONA, 2003). Os conceitos metonímicos estruturam também representações visuais, sentidos olfativos e gustativos quando evocam imagens, cheiros e sabores (RADDEN, 2005); e contos de fadas, visto que o encantamento não é aleatório (ROCHA, 2005). Lakoff e Johnson ([1980]2002) entendem o simbolismo cultural e religioso como casos especiais de metonímia, e no contexto do Cristianismo, os autores citam o exemplo POMBA PELO ESPÍRITO SANTO. Para os autores, ela é relacionada à concepção de pomba, na cultura ocidental, e a concepção do Espírito Santo, na teologia cristã. E explicam que existe a fundamentação que a pomba é o símbolo do Espírito Santo, visto que, “a pomba é concebida como sendo bela, amável, gentil e, sobretudo, pacífica. Por ser uma ave, seu habitat é o céu que, metonimicamente, representa a eternidade, o habitat do ESPÍRITO SANTO (ibid, p. 98). Para Kövecses (2008), metonímias motivam metáforas. O autor defende, ainda, que a motivação não é apenas linguística ou conceptual, mas também em aspectos físicos do corpo que estão envolvidos em emoção. Para demonstrar essa importante conexão, o autor levanta exemplo representativo entre metáforas de emoção e metonímias, pelo qual sustenta o fato de existirem aspectos na conexão. Estes, levados em conta por Kövecses (2008), são fatorados em dois tipos: comportamentais e fisiológicos. 53 Metonymy is a cognitive process in which one conceptual entity, the vehicle, provides mental access to another conceptual entity, the target, within the same idealized cognitive model. 76 Por exemplo, COMPORTAMENTO SEXUAL ÍNTIMO e COMPORTAMENTO VISUAL AMOROSO são respostas comportamentais que indicam metonimicamente amor, enquanto UM AUMENTO NA FREQUÊNCIA CARDÍACA é um comportamento fisiológico. Ambos os tipos podem ser específicos ou genéricos. COMPORTAMENTO VISUAL AMOROSO é específico para amor, mas UM AUMENTO NA FREQUÊNCIA CARDÍACA é geral, na medida em que caracteriza tanto amor quanto raiva, entre outras emoções. Outra propriedade de tais metáforas baseadas em comportamento – e fisiologia – é que, tomadas em conjunto, elas fornecem um perfil específico para os conceitos de emoção de nível básico, como raiva, medo e amor (ibid. p. 382, tradução nossa) 54 . Em seguida, focalizamos o processo de produção da linguagem na narrativa. Ressaltamos que, considerando a intensificação da sensibilidade visual dos falantes surdos da Libras no mundo, ganha foco, nesta tese, a importância do espaço de sinalização para a organização do pensamento. 1.7 Narrativa A princípio, os estudos sobre narrativa foram introduzidos na área da Sociolinguística por Labov (1972, p. 359), sendo conceituada como “um método de recapitular experiências passadas, combinando uma sequência verbal de orações com uma sequência de fatos que (infere-se) ocorreram de fato”. Basicamente, a concepção de a narrativa é a de representação de eventos. Em seguida, Bruner (1997) entende narrativa como uma reconstrução de experiências baseada na concepção de que sempre revemos nossas histórias em função da situação na qual estamos envolvidos, num contexto e numa cultura. O autor tem a preocupação com os processos cognitivos envolvidos no relato e na compreensão de histórias. Para ele, somos dotados da capacidade de framing, que permite a sequência de eventos a partir de experiências diferentes. Bruner (1997, p. 54) afirma que “se não fôssemos capazes de fazer essa 54 “For example, INTIMATE SEXUAL BEHAVIOR and LOVINGVISUAL BEHAVIOR are behavioral responses that metonymyically indicate love, while ANINCREASE IN HEART RATE is a physiological one. Both types can be specific or generic. LOVING VISUAL BEHAVIOR is specific to love but AN INCREASE IN HEART RATE is general, in that it characterizes both love and anger, among other emotions. Another property of such behavior – and physiology – based metonymies is that, taken jointly, they provide a specific profile for basic-level emotion concepts, such as anger, fear, and love”. 77 esquematização, estaríamos perdidos na escuridão de uma experiência caótica e provavelmente, de qualquer modo, não teríamos sobrevivido como espécie”. Polkinghorne (1991) também contribui com o estudo da narrativa e afirma que é um procedimento cognitivo, pois dá sentido aos eventos temporais identificando-os como parte de um enredo. O autor afirma que damos coerência às nossas experiências por meio da gestalt. Desse modo, as coisas não acontecem de forma isolada, mas relacionadas umas às outras, desafiando a ideia tradicional de que a estruturação cognitiva se limita a identificar objetos isolados. Para Polkinghorne (1991, p. 135), “[...] Nossa experiência é uma construção que resulta da interação de processos de organização cognitiva com pistas emanando de nossos sentidos perceptivos externos, sensações corporais internas e memórias cognitivas” [tradução nossa] 55 . Para esse autor, a nossa identidade é o drama que estamos desenvolvendo. Outras abordagens da tradição etnometodológica, da Análise da Conversa e da Psicologia Discursiva trazem a concepção de identidade reconstruída em forma de narrativa, focalizando o modo como os participantes na interação identificam a si próprios e aos outros em suas falas. O interesse recai na organização interacional e linguística e nas ocasiões e nos motivos que levam identidades a se tornarem relevantes. Nessa discussão sobre a relação entre identidade e discurso, Van Dijk (2010) defende que o aparato cognitivo contribui atuando em processos de categorização e em categorias sociais. Na visão desse teórico, nossas crenças e o nosso conhecimento são cognitivamente conceitualizados em termos de representações mentais de estados de coisas caracterizando situações (ou mundos). Segundo Van Dijk (2010, p. 52), Identidades sociais são construções mentais compartilhadas de grupos e seus membros, exibidos em coordenadas práticas e reproduzidas por texto e fala. Essas representações são provavelmente organizadas por um esquema com um número limitado de categorias definindo os parâmetros básicos dos grupos: membros, atividades, objetivos, normas e valores, relações com outros grupos e ideologias. Essas identidades subjacentes controlam as experiências individuais das pessoas, discursos e outras ações como representadas nos seus modelos mentais subjetivos, com intuito de controlar essas “expressões” e promulgações de suas identidades sociais. [tradução nossa] 56 . 55 “[…]Our experience is a construction that results from the interaction of cognitive organizing processes with cues emanating from our external perceptual senses, internal bodily sensations, and cognitive memories. 56 “Social identities are shared mental constructs of groups and their members, exhibited in coordinated practices, and reproduced by text and talk. These representations are probably organized by a schema with a limited number of categories defining the basic parameters of groups: membership, activities, aims, norms and 78 Desse modo, o conhecimento é visto como uma estrutura mental e a narrativa como forma de organização de experiências, incluindo as experiências passadas, armazenadas como modelos mentais individuais, e as experiências sociais, armazenadas em memórias sociais. Alguns pesquisadores também dão importância ao estudo sobre modelos computacionais de narrativa, vistos como sistemas que capturam informações finas e sensíveis da estrutura e do conteúdo das narrativas, o que não é simples porque o sistema deve ser capaz de processar informações que compreendam dimensões da estrutura narrativa, tais como: ações, motivações, metas, eventos. Destacam-se no estudo sobre esses modelos Lakoff e Narayanam (2010), os quais criaram um sistema piloto computacional chamado de Karma. Logo, a visão de narrativa como eventos passados, pré-estabelecidos por propriedades fixas, passa a ser entendida como forma de compreendermos a vida. Nesse sentido, os estudos fazem emergir a ideia de que a narrativa estrutura a nossa visão de mundo e de nós mesmos, recebendo influência do contexto histórico, social e cultural. Além disso, é por meio de modelos mentais que a construção das identidades organiza o pensamento na narrativa, nesse caso, frame que é base para outros frames. Isso é evidente e ganha foco na concepção cognitivista com o estudo de Lakoff (2008), quando trata a narrativa como frame básico de organização do pensamento. O autor contribui com a visão de que as narrativas são frames que evidenciam estruturas mentais de como devemos ou não levar nossas vidas, pois existe um propósito, uma moral. O autor diz que os eventos em narrativas são coisas que acontecem, podendo ser ruins ou boas, e que existem emoções apropriadas para os eventos. Dessa forma, existe, nos frames narrativos, a integração de conteúdos intelectual e emocional. Além disso, Lakoff (2008) vê as narrativas como casos especiais de frames, pois elas podem tratar de pessoas em geral, de pessoas específicas ou de tipos de pessoas ou de coisas. De acordo com Duque (2012, p. 1.120), “durante o processo de compreensão de uma história, construímos representações de personagens, eventos, estados, objetivos e ações que são descritos no decorrer da narrativa”. O autor observa que é característico de cada evento da values, relations to other groups and ideologies. These underlying identities control people’s individual experiences, discourses and other actions as represented in their subjective mental models, which in turn control these ‘expressions’ or ‘enactments’ of their social identities. 79 história indexar frames: do tempo, da região espacial, do protagonista envolvido, da causalidade dos eventos e da relação desses eventos com os objetivos do protagonista (DUQUE, 2012). Para o autor, essas dimensões dos eventos são monitoradas e ajustadas quando há mudança(s) em alguma delas. Portanto, as narrativas são fluidas. O efeito disso é observado nas narrativas dos falantes surdos da Libras, isto é, as suas apresentam significado fluido e contextual. Quanto a isso, Karnopp e Klein (2016, p. 100) verificam a inscrição do surdo em tramas narrativas diversas e constatam que “os surdos não só narram histórias que dão sentido às práticas sociais, mas também trazem histórias que os ajudam a dar sentido ao mundo, evidenciando traduções de si e dos outros”. Os ajustes acontecem, portanto, em narrativas de pessoas surdas. Encontramos nessa língua um espaço de sinalização, ou um espaço linguístico, que é extraordinariamente complexo, pois a comunicação ocorre simultaneamente, coincidindo as múltiplas dimensões. Frente a essas concepções nos estudos sobre a narrativa, interessa-nos discuti-la a partir dos pressupostos aqui adotados, prevendo se é provável ou não que os conceitos existentes para análise deem conta de explicar o que observamos nessa categoria analítica, considerando-se a importância da corporalidade no estudo sobre Libras. O desafio desta tese recai, então, sobre esse espaço em que ocorrem os sinais. Esse aspecto fundamental na Libras possibilita-nos entrar em questões que se diferenciam da narrativa dos estudos clássicos. Vimos que, em linhas gerais, somos capazes de tornar a narrativa coerente com a nossa própria vida trazendo uma identidade contida que se desloca de um tempo, de um espaço e de um contexto socioculturalmente construídos. Somos capazes de compreender um enunciado que se propõe narrar sobre acontecimentos, experiências, lembranças já vividas e, sendo assim, enunciar o que aconteceu com alguém ou alguma coisa em dada época e, assim, associarmos construções linguísticas a entidades e nos tornarmos narradores e compreendedores de uma situação. Passamos agora ao capítulo 2, no qual são apresentadas considerações sobre a surdez, com foco em algumas perspectivas que assumimos nesta tese. 80 CAPÍTULO 2 – SURDEZ O corpo interage com o meio circundante, e as mudanças causadas no corpo pela interação são mapeadas no cérebro. Sem dúvida é verdade que a mente toma conhecimento do mundo exterior por intermédio do cérebro, mas é igualmente verdade que o cérebro só pode obter informações por meio do corpo (DAMÁSIO, 2011, p. 121). 2.1 Histórico dos estudos da surdez Assim reafirma Sacks, a partir do pensamento de Platão: “Se não tivéssemos voz nem língua e ainda assim quiséssemos expressar coisas uns aos outros, não deveríamos, como aqueles que ora são mudos 57 , esforçar-nos para transmitir o que desejássemos dizer com as mãos, a cabeça e outras partes do corpo?” (SACKS, 2010, p. 25). Em 2010, esse pesquisador registrou que a cultura e a natureza da surdez são tão importantes quanto a sua função biológica. Acreditando nesse princípio, o estudo desse pesquisador, na área da surdez, fez com que suas observações e reflexões 58 levassem-no a discernir novos modos de considerar as bases neurológicas da linguagem e do pensamento e as formas singulares que podem assumir nos surdos. Para ele, desconsiderar o social e a historicidade no que é distintivamente humano é tornar-nos ignorantes e indiferentes em relação à surdez. Desse modo, uma língua visual, acompanhada das intensificações da percepção e inteligência visual, demonstra que “o cérebro é rico em potenciais que nunca teríamos imaginado e também revela a quase ilimitada 57 Diferente de surdez, a mudez é a privação da língua. Na forma da afasia, a língua é privada em ocasião de um acidente cerebral na mente já formada, num indivíduo completo (SACKS, 2010). Nesse caso, não existe ausência de desenvolvimento da linguagem, visto que, mudo é aquele que não faz uso de seu aparelho fonador para a fala ou qualquer outra manifestação vocal. Pessoas ou crianças psicóticas, por exemplo, podem apresentar mudez como um sintoma de sua alteração psíquica. Há ainda aqueles que, por serem acometidos por câncer na laringe, fazem uma laringectomia (cirurgia para a retirada do órgão responsável pela produção sonora da fala), tornando-se temporariamente “mudos”, pois, ainda assim, podem reaprender a falar usando outras estratégias, como a voz esofágica (produzida pelo esôfago). Se não acometidas por alterações psíquicas e/ou orgânicas que interfiram em suas pregas vocais, pessoas surdas podem, sim, produzir sonorização vocal. Ainda que se comuniquem por meio de língua sinalizada, apresentam vocalização quando estão em perigo. 58 Sacks (2010) considerou no seu valiosíssimo trabalho sobre a surdez as pesquisas de Bellugi (1980), Schaller (1991), Schlesinger (1972), Stokoe (1960), Bruner (1966, 1983), Goldberg (1989), Lane (1984), cujos estudos eram dedicados a entender e estudar os surdos e sua língua específica: a língua de sinais, essa que os surdos utilizam na linguagem, no pensamento, na comunicação e na cultura. 81 flexibilidade e capacidade do sistema nervoso, do organismo humano, quando se depara com o novo e precisa adaptar-se” (SACKS, 2010, p. 11). Nesses termos, focalizar a surdez e a sua respectiva língua visuoespacial é estudar as relações mútuas entre a língua e as estruturas cognitivas. Tal perspectiva aproxima-nos das pessoas que ouvem com dificuldade e utilizam aparelho auditivo para ouvir a fala do outro; das pessoas que são consideradas seriamente surdas, mas ainda ouvem a fala com a ajuda de aparelhos auditivos mais novos, de alta qualidade (computadorizados); e das pessoas que são surdas profundamente – ou surdas totalmente –, cuja língua de comunicação com seus pares é sinalizada, pois estes não têm a esperança de ouvir qualquer fala 59 . Somamo-nos, assim, aos esforços dos que julgam relevante o estudo sobre a pessoa que tem audição ausente desde o seu nascimento ou que adquire essa condição depois, na infância ou na fase adulta, isto é, que tem surdez. Conforme Sacks (2010), a surdez pré-linguística – antes de a língua ser adquirida –, qualitativamente, oferece uma condição bem diferente das demais pessoas, com surdez pós-linguística, pois estas podem chegar a ouvir com a ajuda da tecnologia, por meio de próteses auditivas. É importante ressaltar que as pessoas com surdez pós-linguística – que não tiveram a privação de uma língua, pois esta lhe fora apresentada na sua aquisição inicial – passam por um difícil processo na maneira como vão se comunicar com o mundo. O som passa a ser ilusório, pois existem as projeções do hábito e da memória, que permanecem por muito tempo acompanhando a condição de surdez, como bem sinaliza Sacks (2010). Nesse sentido, os surdos pós-linguísticos também necessitam falar utilizando uma língua com experiências de um ambiente não-auditivo e que lhes proporcione continuar a desenvolver as funções cognitivas. Sabemos, pois, que a proximidade desses surdos é muito mais com pessoas que vivem experiências auditivas e que muitos, ao longo de suas vidas no processo de perda auditiva, leem os lábios de quem está falando, sem perceberem que os olhos inconscientemente traduzem o movimento em som – uma experiência inteiramente visual. 59 Algumas concepções de identidade de pessoas surdas são encontradas em Sacks (2010) e em Perlin, apud Skliar, (2013). Perlin entende algumas categorias a partir da experiência ouvinte e da experiência visual da pessoa surda. Sacks aproxima-se da questão linguística, com ênfase na idade ou estágio em que a surdez ocorre. 82 Logo, para os surdos pós-linguísticos, existem imagens mentais a que recorrem e as vozes que ouvem são muito mais as experiências de fala quando antes tinham a experiência de ouvintes. Para Sacks (2010, p. 38), “uma ‘tradução’ instantânea e automática da experiência visual para uma experiência auditiva correlata (baseada na vivência e na associação) – uma tradução que provavelmente tem base neurológica (de conexões visuais estabelecidas por experiência)”. Ademais, normalmente os surdos pós-linguísticos passam pelo reconhecimento de uma surdez que continua convivendo com a séria imposição de uma língua oral, o que lhes traz resultados assustadores, como a ideia de que o mundo que eles vivem ainda é repleto de sons para eles, de modo que a preocupação é, sobretudo, fazer com que utilizem a língua oral 60 , como um modo de supressão da língua sinalizada, que perdura desde a aprendizagem de sinais metódicos (transliterando uma língua falada oralmente – francês – para a LS – no século XVIII) 61 , passando por sua total proibição no Congresso de Milão (1880) 62 e chegando a anos vindouros de trabalho de ouvintes que ainda utilizam língua falada, fazendo com que a pessoa surda se esforce a falar 63 . Assim, a filosofia oralista, segundo Goldfeld (2002, p. 94), não considera os aspectos cognitivos que são determinados pela linguagem e pela cultura e prende-se ao canal que deve ser utilizado para a transmissão de conteúdos. Para essa filosofia, apenas o canal auditivo-oralfonatório é considerado eficaz e, portanto, todos os esforços devem ser centrados com o intuito de levar a criança surda a oralizar. 60 Pensamos que nos dias de hoje ainda existem equívocos acerca da pertinência da LS na vida da pessoa surda, como a visão mentalista – a linguagem apenas como um meio de comunicação. A prática ouvintista disseminadora de que a forma de linguagem é a oral, a partir da qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte (SKLIAR, 2013), perdurou por muito tempo, pondo, ainda, sob reflexão a premissa de que a educação é um direito de todos, veiculada de forma recorrente nos discursos governamentais. 61 No contexto do século XVIII, a fé provinha da escuta da palavra de Cristo, visando à salvação do homem, e que o abade l’Epée – ouvinte que aprendeu a LS –, bem intencionado com as pessoas surdas (que moravam nas ruas de Paris e eram consideradas pessoas comuns com a sua língua de sinais nativa), não admitia que elas ficassem ausentes da Sagrada Escritura, dos momentos de Confissão de seus pecados e da Catequese. Na sua inocência, utilizou o método de combinar LS nativa com a gramática francesa traduzida em sinais. Desse modo, impulsionou no mundo inteiro o resgate de sinais, proporcionando a educação para os surdos, porém, lendo e escrevendo em francês. Num período anterior (século XVI), um monge beneditino espanhol usava uma sinalização rudimentar para se comunicar, mais baseada em gestos, devido a ter feito opção pelo voto de silêncio. No início do século XVII, um padre espanhol publicou Relação das Letras e Artes de Ensinar os Mudos a Falar, na França, em 1620, considerado o primeiro tratado para o ensino dos surdos (SILVA, 2016). 62 Durante esse Congresso, em Milão, em 1880, a decisão tomada em torno do uso de LS é que esta seria banida das escolas voltadas para as pessoas surdas, promovendo-se a adoção do oralismo como a única alternativa para o ensino (SILVA, 2016). 63 A língua oral: é assim que a maior parte dos surdos tem acesso à escolarização, ficando desprovidos de suas necessidades linguísticas, sociais, culturais e curriculares. E acaba que muitos surdos pensam que uma língua oral e uma visuoespacial são uma mesma língua, sendo diferente (somente isso) em sua modalidade de apresentação (GÓES, 1996; LODI, 2014). 83 Várias abordagens (SOUSA, 1998; GOLDFELD, 1997; SKLIAR, 1999; SOARES, 1999, CAPOVILLA, 2008; BEYER, 2006; SÁ, 2006; DORZIAT, 2009, 2011, 2013; GOMES, 2011; SANTOS FILHO, 2015) acerca de possíveis rupturas no histórico da educação do sujeito surdo sinalizam uma educação tardia, conflituosa, estimulada por meio auditivo, voltada para uma sociedade padronizada e para o obscuramento da diferença, com pouca possibilidade de a pessoa surda aprender. Segundo Silva (2016, p. 22), As rupturas, quanto aos meios, materializam-se nas propostas de integração, de inclusão, no uso da oralidade, no uso dos sinais, no implante coclear; práticas que podem ser consideradas como objetivação das filosofias educacionais. Não percebemos, por outro lado, uma proposta de educação emancipadora – oficializada, cidadã (que se oponha à lógica do mercado), embora tenha ficado notório para nós a resistência “aos meios”, por isso, as rupturas com relação a algumas das práticas “educativas”. Mas não há, reafirmamos aqui, rupturas quanto aos fins da educação dos surdos. Esta é a nossa conclusão. Logo, a especificidade linguística da população escolar surda continua demarcando um cenário de falta quanto à LS, trazendo danos à condição de ser humano da pessoa surda, tornando-se, muitas vezes, deficiente na linguagem pelo fato de não desenvolver as capacidades intelectuais devido à ausência da língua materna no tempo certo (SACKS, 2010). No geral, sabemos que os estímulos provenientes do meio, percebidos através do sistema somestésico (sensibilidade à dor, ao tato e à temperatura) e de outros sentidos, como paladar, olfato, visão e audição, são atrelados aos corpos que temos e à maneira como funcionam no ambiente a informação física (perceptual) e a informação semântica (construída linguisticamente). A audição é um dos sentidos que compõem as experiências de interação homem-ambiente e, do ponto de vista biológico, o ouvido humano é concebido como um órgão, dividido em ouvidos externo, médio e interno. Em relação ao funcionamento desse órgão, encontramos a seguinte explicação 64 : As ondas sonoras chegam à orelha e são levadas até o tímpano, que vibra. O estribo – um osso bem pequeno – provoca uma movimentação dos líquidos que ficam dentro da cóclea. As células enviam impulsos elétricos ao nervo auditivo que os mandam até o cérebro onde são interpretados como som. Se a pessoa humana apresentar uma alteração fisiológica no ouvido externo 64 Programa da Globo New. “Assunto em Debate: Pais de crianças surdas enfrentam o dilema entre a escola especial e a rede regular”. Disponível em: . 84 trata-se de uma limitação na condução de som, o mesmo ocorre no ouvido médio. Se a alteração atingir o ouvido interno a pessoa não vai conseguir transformar o som na energia elétrica que o cérebro consegue entender. Assim, é importante ter o diagnóstico da surdez o mais cedo possível, nas primeiras semanas de vida, tendo em vista que, ao se detectar a surdez, 65 a aquisição da língua materna deve ser logo feita. Desse modo, não se trata de ignorar a condição biológica da surdez, mas de abandonar a ideia estereotipada de que os surdos vivenciam totalmente o silêncio e, por isso, não precisam de uma língua comum para sua comunicação com o mundo. Vê-se, pois, que, na ausência de uma língua comum, o conhecimento linguístico da pessoa surda, principalmente da criança surda, é ainda mais incompleto. Podemos ressaltar que crianças surdas, filhas de pais ouvintes e distantes de uma língua sinalizada, adquirem uma linguagem rudimentar e precária ao interagirem com os adultos ouvintes. Com a intenção de apresentar evidências sobre essa questão, Goldfeld (2002, p. 62) esclarece que: A diferença é que, não tendo acesso a uma língua estruturada, a qualidade e a quantidade de informações e assuntos abordados são muito inferiores àqueles que os indivíduos ouvintes, em sua maioria, recebem e trocam. Os surdos, nestas condições, só conseguem expressar e compreender assuntos do aqui e agora. Para falar sobre situações passadas, lugares diferentes e, principalmente, sobre assuntos abstratos é quase impossível – se realmente não o for. Assim como Goldfeld (2002), seguimos a linha de pensamento de que as habilidades cognitivas e comunicacionais são resultantes da existência da pessoa falante de uma língua em contínua interação com o ambiente e de processos criativos formando as suas experiências. É, portanto, a língua constituída por léxicos flexíveis e adaptáveis, que concebe os processos criativos “que nos permitem organizar e dar forma às nossas experiências, tornando-as coerentes” (DUQUE e COSTA, 2012, p.14), permitindo o funcionamento de uma linguagem “constituidora do pensamento, como um fator essencial para o desenvolvimento cognitivo da criança” (GOLDFELD, 2002, p. 15), “direcionada pela cultura e pela experiência corporal e ação humana, num processo de cognição corporalizada e de esquemas conceptuais” (BERGEN, 2008, apud DUQUE e COSTA, 2012, p. 148). 65 O teste fisiológico da reação do cérebro ao som mede os chamados potenciais auditivos evocados do tronco cerebral (SACKS, 2010). 85 Dessa forma, na linguagem devem estar contempladas as relações sociais, históricas e culturais nas quais se enreda o ser humano, como também a interação física com seu entorno. Nesse sentido, as experiências corpóreas estão na raiz da construção de parte das estruturas mentais evidenciadas no uso da linguagem. Lakoff e Johnson (1999, p.18-19), intencionados em apresentar evidências de corporalidade, admitem que as “particularidades do organismo, produzindo, aprendendo e compreendendo a linguagem pode ter um efeito do caráter da linguagem” (apud DUQUE e COSTA, 2013, p. 32). É por meio de uma língua que lhe seja acessível visualmente que a criança surda estabelece interação com os outros por meio da linguagem e que a constituição de sua subjetividade se dá. É nas interações estabelecidas com os outros pela criança que ampliará suas relações com o mundo, desenvolverá suas funções mentais superiores e constituir-se-á sujeito da linguagem (LODI e LUCIANO, 2014). A LS, como extensão da cognição, pode oferecer um suporte para os seus falantes darem conta de conteúdos e categorias. É imprescindível que ressaltemos a estruturação visuoespacial da Libras na prática social da pessoa surda, pois reflete a capacidade cognitiva própria dos usuários falantes dessa língua, de forma que os domínios cognitivo-culturais, resultantes de estruturas de conhecimento organizadas, decorrem das interrelações entre a constituição biológica e as experiências no mundo. Em outras palavras, organiza-se como estrutura conceptual significativa, formada por conceitos que governam o pensamento sob o arcabouço de nossos movimentos corporais no espaço, de nossas manipulações de objetos e de nossas interações psicológicas, físicas e sociais (LAKOFF e JOHNSON, [1980] 2002). Para Lakoff e Johnson (ibid., p. 46), “na maioria dos pequenos atos da nossa vida cotidiana, pensamos e agimos mais ou menos automaticamente, seguindo certas linhas de conduta que não se deixam apreender facilmente”. Logo, Os autores observam que o nosso sistema conceptual não é algo de que normalmente temos consciência. Essas investigações, até então, indicam que conhecer o funcionamento da mente humana e da estruturação da língua pela qual os surdos se comunicam permite viabilizar a comunicação humana, pois os seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem, desenvolvendo-os normalmente. É por meio da linguagem que a criança pode aprender sobre o mundo, beneficiando-se da experiência, numa relação interpessoal ao permitir a comunicação social, o que vai além da 86 mera observação direta e da imitação de seu entorno. Capovilla e Raphael (2008, p. 1480) afirma que há também na linguagem a função intrapessoal ao permitir “o pensamento, a formação e o reconhecimento de conceitos, a deliberada resolução de problemas, a atuação refletida e a aprendizagem consciente”. Góes (1999, p. 80) entende que uma “força positiva” da criança surda está em sua capacidade de aprender a língua de sinais da comunidade em que está inserida, não é somente porque tem maior disponibilidade para o “processamento visual, mas porque é nessa língua que as interações fluem efetivamente”. Essa realidade faz com que percebamos que o surdo tem a LS como a sua língua materna pelo fato de esta fazer fluir as interações sociais e criar bases para outras capacidades de seus falantes. A seguir, discorremos sobre Libras com ênfase no fato de que os seus falantes vivem numa sociedade na qual a maioria dos participantes usa línguas orais-auditivas fazendo com que existam problemas na relação pessoas ouvintes/pessoas com surdez, acompanhados de resultados assustadores na vida destas. Do ponto de vista biológico, Rodrigues (1993), fazendo uma reflexão em conformidade com o que vem sendo apontado pelas pesquisas sobre a LS e sua aquisição por crianças surdas, apresenta-nos as seguintes expectativas: são línguas naturais, porque se organizam no cérebro da mesma forma que as línguas orais; seu aprendizado tem período ideal para a aquisição da linguagem, por se tratarem de línguas naturais; a sua aquisição está se dando de forma deficiente, visto que as crianças surdas estão iniciando tarde e estão sendo ignoradas, sendo-lhes imposta uma língua oral em vez de língua sinalizada. 2.2 Surdez, identidade linguística e cultural Não podemos deixar de nos surpreender com o fato de que, apesar das “sensibilizações” para a questão da surdez, ao longo dos anos, alguns equívocos foram cometidos acerca dessa condição, dentre eles: a ideia de que a LS é universal; de que é possível idealizá-la como algo rudimentar, pantomímico e gestual; de que se poderia submeter o seu léxico à gramática do país, cuja língua majoritária é a do ouvinte, destituindo-a de uma gramática própria. Com base nisso, pensemos no estado da criança surda que vive em um ambiente sem ter uma língua apropriada para o seu desenvolvimento linguístico, devido ao fato de seus pais 87 serem ouvintes, partindo-se da concepção de que não haverá a possibilidade de usar a língua oral. Outra questão a pensar é que, a família ouvinte fica tão vulnerável quanto a criança surda no momento em que esta nasce. Pensemos também que a língua dá refinamento ao sentido. Diante dessas observações, temos um sujeito surdo que interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura, principalmente pela Libras (ALBINO, 2016), e, na ocorrência de perda auditiva de leve a profunda, a surdez faz com que a pessoa surda pertença a uma comunidade sinalizadora e que a oportunidade de acesso à língua ocorra durante o desenvolvimento da linguagem. Portanto, concordando com Capovilla e Raphael (2008, p. 94), “crianças surdas se comunicam em Libras, pensam em Libras, sonham em Libras, porque têm na Libras a sua língua materna”. Por tudo isso, os estudos sobre as línguas visuoespaciais vêm, ao longo do tempo, apresentando evidências de que os aspectos linguísticos das LS podem ser analisados no nível semântico, tal qual o estudo sobre metáforas na língua de sinais americana (WILCOX, 2000), bem como em outros níveis. Massone (1993, p. 81-83) contribui para a visão crítica acerca da continuidade dos estudos linguísticos sobre a LS, tomando-se como base as línguas orais-auditivas. Essa autora vê a língua sinalizada à sombra da tradição, distante de outra língua, cuja materialidade é distinta, logo para ela, ao estudar uma língua de organização visual e tão diversa à da língua estabelecida num ambiente experienciado oralmente, deve-se analisar os aspectos que as distinguem. Assim a autora indaga: Até que ponto as línguas de sinais podem ser entendidas dentro do marco convencional da linguística, quer dizer, tomando como pontos de referência teóricos modelos que foram projetados para línguas baseadas nos sons e derivados de formas lingüísticas formalizadas? [...] Os modelos que provêm da linguística tradicional e ocidental são suficientes para a análise das línguas de sinais? Podem as línguas de sinais ser descritas nos mesmos termos das línguas faladas? Essas “ilusões” de analisar a LS comparando-a com uma língua de modalidade oral e de quem é ouvinte são encontradas desde L’Epée (século XVIII) e permanecem quase que uma verdade para muitos ouvintes. Basta lembrarmos que a atitude “respeitosa” do referido abade acabou por constituir um recurso cognitivo e linguístico para os surdos se escolarizarem naquele contexto, visto como o verdadeiro meio de comunicação e de desenvolvimento do 88 pensamento deles, fazendo com que a LS, em sua essência, fosse ignorada em vários aspectos, sobretudo, não apresentando justificativa para tornar-se objeto de estudo pelos filósofos e linguistas daquela e de época posteriores. No século XX, o linguista Stokoe 66 – não concordando que a LS era uma espécie de pantomima ou código gestual, ou uma “espécie de inglês estropiado com as mãos” (SACKS, 2010, p. 70) – estudou e demonstrou que não se tratava disso, pois essa língua satisfaz todos os requisitos linguísticos de uma língua genuína no léxico e na sintaxe. A partir dos parâmetros 67 , Stokoe (1960) fez a primeira descrição de uma LS, notavelmente a Língua Americana de Sinais (ASL), o que tornou seus estudos base para outras pesquisas em outros países, efetivando-se, assim, descrições linguísticas diferenciadas. Uma questão que chama atenção é que esses parâmetros eram vistos (e ainda há quem assim os veja) como semelhantes a fonemas das línguas faladas. Sacks (2010) nos fala que trata de princípios diferentes para o emprego de uma notação para fins de estudo, e não para uso comum. Ademais, o discurso e a prática de oralismo (as pessoas surdas ensinadas a falar, a ler e a escrever) perduram nos séculos XIX, XX e XXI, fazendo da surdez algo a ser corrigido e desconsiderando, muitas vezes, outros olhares sobre o assunto. Ocorre que os surdos representam, para muitos ouvintes da sociedade, uma minoria linguística 68 . É importante destacar, nessa perspectiva de conhecimento linguístico, os impedimentos de tornar viva a língua e de evidenciar a cognição da pessoa surda. Nesses termos, ressaltamos a prática ilusória, que se arrasta no decorrer de muitos e muitos anos por estudiosos falantes de línguas orais, de aproximar a organização linguística da LS à da língua oral. Esse equívoco 66 Willian Stokoe era professor na Gallaudet College, atualmente Gallaudet University, em Washington. Essa é a primeira e única, no mundo, instituição de Ensino Superior para surdos. 67 Na década de 1960, o linguista Stokoe, em seu exercício de magistério com surdos, também sensibilizou-se com a LS e verificou que os sinais não eram invenções de seus falantes e não aconteciam aleatoriamente. Logo, seus estudos voltaram-se para a análise dos parâmetros e revelam que, em cada um, existem combinações que oferecem à língua uma organização interna própria, possibilitando aos seus falantes comunicação plena e meios de discussões e aprendizagens sobre assuntos de qualquer natureza. Os sinais foram constituídos por parâmetros denominados por Stokoe (1960): configuração de mão (CM), ponto de articulação (PA) ou locação (L) e movimento (M). Outros parâmetros encontrados nos estudos linguísticos pioneiros, a exemplo de “Klima; Bellugi e Battison”, na década de 1970, são: o de orientação de mão (O) e o de expressões facial (EF) e expressão corporal (EC). 68 Segundo Sánchez (1990, p. 13), o surdo “vive inserido em um grupo majoritário que reconhece apenas nos modos de fala a condição de cidadão e sujeito cognoscente”. 89 impediu, por muito tempo, a promoção de um grande deslocamento na forma de estudar a língua visuoespacial e difundi-la na sociedade. Para Sacks (2010), o uso linguístico do espaço das LS é uma característica que diferencia essa língua das demais línguas e atividades mentais, visto que existe um emaranhado complexo de padrões espaciais. Em razão disso e da importância da complexidade cultural que envolve LS como língua de instrução para os surdos, seus falantes vêm participando de movimentos que tratam a surdez não como uma deficiência auditiva, no sentido estritamente biológico (SÁ, 2010), mas como condição de pessoas que pertencem a um determinado contexto cultural, linguístico e identitário, e que se encontram distantes de um enquadramento de deficiência tratada clinicamente. Sacks (2010) nos fala que a LS é extraordinariamente expressiva e bela para quem a utiliza e afirma que “na comunicação uns com os outros e como um modo de atingir com facilidade e rapidez a mente dos surdos, nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto à altura” (2010, p. 2). Diante disso, a LS representa uma língua estruturada e a oportunidade de o sujeito surdo ter acesso à aquisição da linguagem e de conhecimento de mundo e de si mesmo. Capovilla e Raphael (2008) corroboram essa ideia ao tratarem do movimento de explosão de pesquisas que vêm ocorrendo no mundo acerca da estrutura linguística da LS, que está se tornando, dessa forma, um rico objeto de estudo da Linguística, da Psicologia, da Neurologia, da Educação, da Sociologia e da Antropologia. Assim, a visibilidade dessa língua vem, cada vez mais, se reafirmando e sua legitimidade acompanha a resistente história da evolução de seus falantes no mundo. Sem dúvida, os aspectos visuais e espaciais dessa língua estabelecem a comunicação entre os membros de uma comunidade linguística ou de um grupo social. Em termos mais específicos da LS, o sistema de comunicação dos surdos é considerado uma língua, apresenta as características básicas de uma língua natural e pode ser explicado além de mecanismos formais, pois a sua estrutura é construída em um contexto real e cultural. A forma visuoespacial de apreensão, de construção e de expressão de conceitos faz com que se configure a diferença cultural que a LS representa. O canal de comunicação propicia o desempenho na aquisição da língua e “também a sua habilidade linguística que se manifesta na criação, no uso e no desenvolvimento dessa língua” (DORZIAT, 2011, p. 26). 90 Frente a isso, a pessoa surda é colocada dentro de sua identidade cultural. Com base nessa perspectiva, Goldfeld (2002) nos fala que é pela linguagem que se constitui o pensamento da pessoa humana. Hall (2006, p. 47), aproximando-se de um conceito de identidade sob variadas interpretações, parte da ideia de que no mundo moderno: As culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso, estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial. Considerando essa afirmativa, a condição de ser surdo se deve à ausência de sensorialidade, e o modo como esses indivíduos vivem no mundo permite-lhes construir sentidos que influenciam e organizam tanto suas ações quanto as percepções que têm de si mesmos e, assim, eles acabam identificando e construindo a sua identidade. Dos muitos aspectos que identificam as pessoas surdas, aqui realçamos o desejo destas de viver em conjunto com seus pares, surdos, da cultura surda. De certo, “a construção de cada sujeito sobre determinado objeto depende do lugar que ele ocupa no tempo e no espaço e da articulação com as construções de outros sujeitos que também ocupam posições particulares no tempo e no espaço (DORZIAT, 2011, p. 30)”. Seguindo a mesma concepção de Hall (2006), argumentamos que a identidade é definida historicamente e, enquanto sujeitos, assumimos identidades diferentes e, muitas vezes, deslocadas. Isso se deve ao fato de que, ao mesmo tempo em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos, segundo Hall (2006, p. 13), “confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente”. Desse modo, é possível inferir que a importância de consolidar a cultura surda é visível no momento em que há a necessidade da aquisição do próprio sistema linguístico, tecido pela condição sociocultural, pois unifica o longo processo de conquista forçada pela diferença linguística e cultural. 91 Se pensarmos que, no dia a dia, no reconhecimento de um objeto qualquer, associamos representações visuais e táteis – em relação à forma, ao manuseio, à utilização etc. – e utilizamos palavras como unidades arbitrárias, convencionais e recombinativas, entenderemos melhor porque a Libras também é plena para as pessoas surdas brasileiras, pois o mesmo ocorre com ela, expressa por meio de sinais. Consideremos os esforços de estudos de psicólogos experimentais para ressaltar que o preconceito em relação a associar sinais a gestos de mímica e pantomima é resultante da ausência de conhecimento de que gestos apresentam o mesmo canal visuoespacial e quiroarticulatório que o da LS (CAPOVILLA; RAPHAEL 2008). É por meio da linguagem que a criança pode aprender sobre o mundo, beneficiando-se da experiência numa relação interpessoal, ao permitir a comunicação social, e vai além da mera observação direta e imitação de seu entorno. Percebemos, pois, a linguagem como constituidora do pensamento, como “um fator essencial para o desenvolvimento cognitivo da criança” (GOLDFELD, 2002, p.15). Capovilla e Raphael (2008) afirmam haver também na linguagem a função intrapessoal, ao permitir “o pensamento, a formação e o reconhecimento de conceitos, a deliberada resolução de problemas, a atuação refletida e a aprendizagem consciente” (p. 1480). Sob essa ótica, há a necessidade de rever os preconceitos que perpassam a Libras, esta desenhada no emaranhado dos Estudos Surdos, como sendo um fator de desenvolvimento global da pessoa surda, sobretudo, linguístico. Sem dúvida, o modo visuoespacial de apreender e construir conceitos configura a comunidade surda e, consequentemente, sua cultura. No presente, a Libras tem respaldo oficial na legislação vigente e o reconhecimento de que se trata de uma língua humana e natural, tornando-se, desse modo, mais fortalecida, apesar do preconceito linguístico e das pesquisas linguísticas tardias (DINIZ, 2011). Outrossim, as descrições em torno de línguas visuais permitem verificar o valor fundamental da linguagem na própria vida, pois permite compartilhar experiências emocionais e intelectuais. Além de ser utilizada para exercer o pensamento, refletir, criar, recriar, o ser humano pode empregá-la de acordo com a modalidade de percepção e a produção desta. Sendo assim, a LS é uma língua natural tão humana quanto as demais e não se limita a um código restrito de sinais nem de gestos. 92 Como consequência dessa maneira de conceber a linguagem, as pessoas surdas “planejam a condução de suas vidas e a de sua comunidade” (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2008, p. 1479). Também a elas é permitido organizar discursivamente as experiências compreendendo melhor convenções e adaptações a uma dada realidade social e cultural, não apenas tornando o conhecimento de mundo perceptível, mas, sobretudo, “sociocognitivamente existente” (KOCH, 2002 apud DUQUE e COSTA, 2012, p. 14). Logo, de mãos em mãos, as LS adquirem novas versões e sotaques e são mescladas pelas influências e empréstimos linguísticos (GESSER, 2009). Existem, pois muitas línguas de sinais, como: Língua de sinais Francesa, Chilena, Portuguesa, Americana, Argentina, Venezuelana, Peruana, Italiana, Japonesa, Chinesa, Urubus-Kaapor 69 . É fato que, ao longo de seu percurso histórico, a LS passou por muitos desafios até chegar ao status de língua, tendo em sua forma de estudá-la os moldes da língua falada (MASSONE, 1993). Entretanto: A maioria dos linguistas havia descrito línguas faladas, todos eram ouvintes [...]. Quando aceitaram o desafio de analisar uma língua numa modalidade diferente, deveriam reestruturar sua forma de pensar já que estavam tratando com um objeto que, além de não ser a sua língua nativa, era uma língua transmitida numa modalidade visuo-gestual (MASSONE, 1993, p. 82). Por essa razão, desde a antiguidade clássica, a LS vem passando por ideias preconceituosas do senso comum, principalmente, as de que a língua falada é a única forma de linguagem e que o processo de aprendizagem ocorre por meio da audição. Com muitos esforços, os estudos descritivos demarcaram a investigação científica das LS e as incluíram nas denominadas línguas visuoespaciais ou espaço-visuais, diferenciando-se os canais de recepção e emissão no estabelecimento da comunicação mediante a sua aquisição. De acordo com Fernandes (2003, p. 17), As línguas são denominadas orais-auditivas quando a forma de recepção não grafada é a oralização. De outro lado, são espaço-visuais quando a recepção se dá pelo sentido da visão. Nos dois casos, mesmo diferentes, os canais de recepção cumprem a função de permitir a comunicação e a interação entre membros de um grupo cultural. A língua a ser utilizada – oral-auditiva ou espaço-visual – é adequada para o caso e comunicação entre ouvintes e surdos, respectivamente, pois atingirá os canais de recepção linguística específicos a cada sujeito, em seu contexto cultural. 69 Para citar apenas algumas (). 93 Cumpre ressaltar, portanto, que os falantes da Libras têm uma relação intensa com a língua, pois conseguem se comunicar e entender uns aos outros e quebram paradigmas e visões filosóficas arraigadas na forma de ver e compreender o mundo de seus usuários. Sendo assim, a ideia de que a identidade surda é construída dentro da cultura visual é uma diferença que precisa ser percebida. Essas pesquisas validam as LS como sistemas linguísticos que expressam ideias, sentimentos e ações e utilizam o canal espaço-visual ou visuoespacial como modalidade linguística. Em outras palavras, a sua realização acontece por meio da visão e da utilização do espaço e não por meio dos canais oral-auditivos. Conforme Desloges (apud SACKS, 2010, p. 29), A língua [de sinais] que usamos entre nós, sendo uma imagem fiel do objeto expresso, é singularmente apropriada para tornar nossas ideias acuradas e para ampliar nossa compreensão obrigando-nos a adquirir o hábito da observação e análise constantes. Essa língua é vivida; retrata sentimentos e desenvolve a imaginação. Nenhuma outra língua é mais adequada para transmitir emoções fortes e intensas. Essa concepção postula que, por ser completa, a LS permite a seus falantes “discutir qualquer assunto, concreto ou abstrato, de um modo tão econômico, eficaz e gramatical quanto a língua falada” (SACKS, 2010, p. 29). Em linhas gerais, a LS tem uma gramática própria, e em cada região é construída culturalmente, com suas variedades regionais. Gesser (2009) esclarece que os estudos sobre a gramática da LS americana são aprofundados pelos linguistas Battison (1974), Klima e Bellugi (1979). Esses linguistas descrevem a orientação da palma da mão (O) após observarem que esse parâmetro pode mudar o significado do sinal. É necessário ainda realçar que, além das mãos, na estrutura das línguas de sinais, são utilizados marcadores não manuais, constituídos de expressões faciais (movimentos da cabeça, dos olhos, da boca, da sobrancelha etc.), para produzir a informação linguística. De acordo com Baker (1993, apud FERREIRA, 2010), As expressões não manuais (movimento da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco) prestam-se a dois papéis nas línguas de sinais: marcação de formas sintáticas e atuação como componente lexical. As expressões não manuais que assinalam sim-não, perguntas retóricas, condições, orações relativas ou topicalizações operam uma função sintática, enquanto as expressões que 94 funcionam como uma referência específica ou como uma referência pronominal, uma partícula negativa, um advérbio, um modificador ou uma marca de aspecto constituem componentes lexicais (p. 240). Não adianta dizer, portanto, que sinais (itens lexicais) são gestos, pantomima, mímica, ou buscar interfaces conceituais entre a articulação oral e a perceptual, pois a língua oral e a visuoespacial apresentam-se em suas modalidades numa complexidade linguística diferente de uma para a outra. Quem de nós já não se perguntou por que uma palavra, em uma dada língua, quando traduzida para a outra, pode ficar diferente na forma? Gesser (2009, p. 24) toma como referência de análise a metáfora do “pacote” para indicar o modo como cada língua dá forma aos conceitos em unidades linguísticas. Segundo ela, cada língua “empacota seus conceitos em unidades linguísticas”, ou seja, o “conteúdo e a informação nas palavras de certas línguas são empacotados distintamente”. Para exemplificar, a linguista afirma que, “no alemão, o sintagma nominal a associação dos fabricantes de copos de suco de laranja tem a seguinte forma: dieorangensaftglasherstellervereinigung. Em Libras, a pergunta que horas são? é a sinalização apenas da palavra hora com expressão facial” (p. 24). Cabe lembrar que a expressão facial é que marca a pergunta. Diante do exposto, estudos educacionais, linguísticos e culturais (SKLIAR, 2013, 2015; DORZIAT, 2011; SANTANA, 2007) trazem o propósito de problematizar as mudanças conceituais e estruturais que dizem respeito ao reconhecimento das peculiaridades humanas, sobretudo, das pessoas surdas, e do fato de que a Libras é uma língua independente de outras línguas. A valorização da LS para as pessoas surdas, de acordo com Dorziat (2011, p. 27), é questão essencial, bem como oportunidade de igualdade de condições de desenvolvimento entre as pessoas. Contudo, para essa autora, a abordagem dessa língua deve ser relacional e contextual, e não restrita a códigos e a padrões predeterminados. Desse modo, a Libras é vista como a única língua que o surdo brasileiro pode dominar plenamente, servindo para as suas necessidades de comunicação e de atividades cognitivas. Caso contrário, isto é, se os surdos não têm acesso à língua alguma, acabam privados de compartilhar as informações mais óbvias de uma comunidade e, sem um instrumento linguístico acessível, sofrem enormes dificuldades na constituição de sua própria consciência, ou seja, não se constituem com base 95 nas características culturais de sua comunidade e com isso desenvolvem uma maneira de ser e de pensar muito diferente dos indivíduos falantes (GOLDFELD, 2002, p. 54). Brito (1993) corrobora a visão de que consequências graves surgem na vida das crianças com surdez, se elas não forem expostas à LS. De fato, segundo essa autora, pode vir a ocorrer na vida da pessoa surda: perder a oportunidade de uso da linguagem, senão o mais importante, pelo menos um dos principais instrumentos para a solução de tarefas que se lhe apresentam no desenvolvimento da ação inteligente; não há de recorrer ao planejamento para a solução de problemas; não supera a ação impulsiva; não adquire independência da situação concreta; não controla seu próprio comportamento e o ambiente e não se socializa adequadamente (BRITO, 1993, p. 41). Notavelmente, a ênfase é nos sinais utilizados nos momentos de interações formais e informais, acreditando-se que o modo mais simples dos surdos viverem no mundo é por meio da utilização de sua própria língua. Por isso, até agora afirmamos que falar de surdez é enfatizar a língua própria dos surdos, de modo a inferir que estamos tratando sobre um sujeito que é cultural, histórico, que se constitui nas relações sociais com o povo surdo, absorvendo de maneira individual os valores de sua própria cultura. Falamos de surdo/surdez considerando-se a experiência visual e levando-se em conta o processamento cognitivo. De acordo com a perspectiva de que linguagem e pensamento não se dissociam e que a LS promove a capacidade cognitiva do surdo falante dessa língua, orientando a construção de sentidos, ressaltamos ainda o olhar investigador sobre os sujeitos que nascem ou muito cedo se tornam surdos e são falantes da Libras. Partimos da discussão de um dos aspectos mais problemáticos na vida dos falantes da Libras: a aquisição da língua de forma tardia. De acordo com Sacks (2010, p. 19), as crianças com surdez pré-linguística (aquelas que não ouvem nem seus pais) podem vir a ficar “seriamente atrasadas, quando não permanentemente deficientes, na compreensão da língua, a menos que se tomem providências eficazes com toda a presteza”. Logo, não se atende, nesta tese, entender a Libras numa perspectiva de língua segmentada, estrutural e sintatocêntrica, tendo como base a perspectiva de que a faculdade da linguagem pode ser compreendida como um órgão. Considerando essa abordagem chomskiana, Santana (2007) nos fala que, nessa perspectiva: 96 [...] a aquisição de uma língua assemelha-se ao crescimento dos órgãos em geral: é algo que acontece com a criança, e não algo que ela faz. Assim, cada língua é resultado da atuação de dois fatores: o estado inicial e o curso da experiência. O estado inicial é um “dispositivo de aquisição de língua” que tem a experiência como “dado de entrada” e fornece a língua como “dado de saída”, um “dado de saída” que é internamente depositado na mente/cérebro (SANTANA, 2007, p. 97). Língua sinalizada, entendida como um sistema de conhecimentos interiorizados na mente, nos leva a pensar que a particularidade da experiência visual implica ter uma língua que siga padrões em comum com as demais. Não implica, portanto, o uso de uma língua diferente na teia social, que a pessoa surda tece no seu ambiente natural, isto é, nas disposições com as quais nasceu. Reunindo mais investigações sobre essa questão, citamos a visão de Perlin (2013), a qual reforça a identidade surda como algo em construção, transformada e que não se dilui na vivência em meios socioculturais ouvintes. Esse entendimento de que existem, de fato, sinais específicos de uma língua utilizada pela comunidade surda, distantes de serem tomados no modelo de língua oral e de modo segmentado, é reforçado pelas reflexões feitas a partir das análises dos dados e discussões apresentadas nesta tese. No entanto, antes de apresentar as análises e discussões, dedicamo- nos a desenvolver outros dois capítulos: o estado da arte, a saber, uma apresentação de possíveis lacunas observadas em outros estudos, que este trabalho pode confrontar com a proposta aqui lançada e, na sequência desse capítulo, a metodologia utilizada na pesquisa que deu origem a esta tese. 97 CAPÍTULO 3 – ESTADO DA ARTE Não apenas temos sido inacabados, mas nos tornamos capazes de nos saber inacabados. Paulo Freire (FREIRE, 1995, p. 75) Neste capítulo, discorremos sobre pesquisas – especialmente dissertações, artigos e teses – que envolvem a Libras (língua), abordando seus aspectos linguísticos e abarcando construção de sentidos. Basicamente, a nossa intenção, pautada no caráter cognitivo, é apresentar possíveis referências ao que já se tem estudado sobre o tema pesquisado. Vimos, em nosso aparato teórico, concepções que recordam os grandes desafios linguísticos que os falantes de LS enfrentaram e, por conseguinte, o modo singular como a Libras se apresenta. Tais elucidações nos levaram a concordar que “não basta usar a língua como instrumento, mas torná-la símbolo de uma cultura diferente, pois ela não é pior, nem melhor, apenas diferente” (DORZIAT, 2013, p. 30). Desse modo, as interpretações da realidade encontradas nesta pesquisa instigam-nos a continuar observando as lacunas em relação a estudos sobre a temática para, assim, desestabilizarmos ideias que se reportem à exibição da experiência auditiva como superior frente às dos sujeitos surdos (PERLIN, 2013). Diante disso, uma distorção da realidade que consideramos neste momento é o fato de que, por muito tempo, a existência de línguas sinalizadas dizia respeito à concepção de que, embora registrada a sua existência de língua para ser utilizada entre surdos com surdos e surdos com ouvintes, eram consideradas manifestações gestuais isoladas, espontâneas, artificializadas. Eram tidas, pois, como gestualidades misturadas a pantomimas e mímicas. Essas concepções inadequadas remetiam à concepção de que as LS não eram capazes de expressar conceitos abstratos (QUADROS e KARNOPP, 2004). Nesses termos, os sinais eram vistos como representações analógicas e icônicas (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2008). Abrimos parênteses para dizer que não há como não considerar o trabalho (artigo) de Petitto (1987) sobre a autonomia da linguagem e do gesto, evidenciando a aquisição de pronomes pessoais na ASL. A pesquisadora traz o entendimento de que as LS trazem os gestos para dentro da língua, aproveitando o potencial que eles têm, de maneira que seriam reestruturados em sinais visuais, isto é, em léxicos, envolvendo a forma de organização da 98 língua. A autora se propõe a analisar a passagem do uso gestual para o uso gramatical da apontação, verificando que a criança americana, em seu processo de aquisição da ASL, utiliza o gesto visual. Porém, ela reorganiza o uso da apontação recolocando-o na estrutura gramatical da língua de sinais. Vimos, que o uso do gesto pode ser algo concomitante à língua, todavia, há gestos que passam a fazer parte da gramática da língua.. Depois desse começo de caminhada, que vai ao encontro de nossa perspectiva, interessa-nos comentar, de modo sucinto, que há lacunas de estudos em conformidade com os fundamentos teóricos que orientam esta tese. Grosso modo, podemos dizer que, após empreendermos algumas buscas preliminares, não encontramos nenhum trabalho que aborde a mesma temática desenvolvida nessa tese sobre a construção de sentidos por falantes surdos de Libras. O que encontramos são pesquisas (dissertações e teses) alinhadas teoricamente com a nossa, desenvolvidas pelos membros do grupo Cognição & Práticas Discursivas/UFRN, porém, diferenciadas na perspectiva experimental em sua metodologia, na modalidade da língua e na constituição do corpus. Ressaltamos que vários estudos fazem comparações entre surdos e ouvintes falantes de Libras e que trazem questões que são diferentes nessa língua visuoespacial. No entanto, nenhum dos trabalhos encontrados aborda questões cognitivas baseadas nas noções de frames. Em relação a metáforas em Libras, alguns estudos (artigos) foram encontrados, mas, mesmo assim, chegam a ser questionáveis, pois, por exemplo, mostram que falantes surdos de Libras constroem metáforas, porém, as conclusões a que chegam não condizem com o que encontramos nesta pesquisa. Para exemplificar, dentre os achados de tais estudos é apontada a noção de metáfora na Libras como algo estilístico e também há casos em que metáfora é confundida com metonímia. Logo, é despercebido o quão a metáfora é imbricada nas dimensões socioculturais e cognitivas, sendo ela, portanto, um recurso cognitivo que participa ativamente na construção de sentidos. Encontramos no grupo de estudos considerações sobre a narrativa que se diferencia da proposta dos estudos clássicos: a narrativa enquanto frame básico de organização do pensamento e de ativação de estruturas cognitivas para compreensão dos processos que subjazem à construção de sentidos (ARAÚJO, 2017), por exemplo. No entanto, nesta tese queremos entrar em algumas questões que se diferenciam por acreditarmos que não são 99 suficientes para discutirmos o espaço de sinalização usado pelos falantes de uma língua visuoespacial. A nossa pesquisa também encontra lacuna na ideia de que falantes surdos da Libras não aprendem bem uma segunda língua, como, por exemplo, as questões de partículas, de preposições etc. Vemos, nesta tese, que, se fosse assim, eles não ativariam o esquema-I, sendo, na verdade normalmente ativados os esquemas. O que ocorre é que eles não têm o sinal específico só para preposição, por exemplo, em relação ao sentimento gostar de uma pessoa (com quem está falando); a base linguística da Libras dá condições de seus falantes sinalizarem “gostar você” e de estabelecerem a comunicação do seu sentimento por essa pessoa. Vemos, pois, que, quando o falante surdo de Libras sinaliza, ele dá noção de esquemas e que estes estão embutidos cognitivamente. Logo, Libras é uma língua que não tem preposições, mas elas podem ser ensinadas para os falantes surdos da Libras na modalidade escrita, como na expressão linguística “mosca bater placa”. Vemos que há, nesse caso, esquema de bloqueio (que tem a ideia de uma coisa contra a outra). Entretanto, como a questão dos esquemas não é trabalhada com os falantes surdos, diferente do que é feito na língua dos ouvintes, aqueles não fazem uso e pensam que é só colocar “mosc@ bater placa” na escrita do português escrito. Evidentemente, essas ressalvas apontam para o fato de que análises mais criteriosas sobre a LS, do ponto de vista da cognição corporificada, evidenciam aspectos linguísticos que emergem da necessidade irreprimível que tem o indivíduo humano de pensar, de se comunicar e de incorporar histórias e visões de mundo. 100 CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA O universo não é uma ideia minha. A minha ideia do universo é que é uma ideia minha. A noite não anoitece pelos meus olhos. A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos. Fernando Pessoa (Pessoa, 1981, apud Tutato, 2011, p.225) Este capítulo está organizado em três seções, que descrevem o percurso metodológico do estudo. Na seção 1, tratamos sobre a natureza da pesquisa; na seção 2, descrevemos o processo de constituição do corpus; e, em seguida, na seção 3, também descrevemos os procedimentos de análise utilizados no desenvolvimento da pesquisa. 4.1 Natureza da pesquisa Esta pesquisa é de natureza qualitativa, pois, nela, dedicamo-nos à análise de dados coletados que partem de uma investigação quasi-experimental (MONTERO e LEON, 2007), tendo em vista que, na aplicação de atividades/testes, os participantes da pesquisa estão em situações naturais. De acordo com o referencial teórico adotado, nossa experiência direta no mundo proporciona o uso concreto da língua, sendo possível observar padrões que emergem dos contextos socioculturais. Como bem nos assinala Turato (2011, p. 168), trabalhar qualitativamente implica “entender/interpretar os sentidos e as significações que uma pessoa dá aos fenômenos em foco [...] em que são valorizados o contato pessoal e os elementos do setting natural do sujeito”. Portanto, faz-se necessário entender que, numa abordagem qualitativa, é realizado um processo de reflexão e análise da realidade por meio da utilização de métodos e técnicas para melhor detalhamento do objeto em estudo. Assim sendo, Flick (2009, p. 23) contribui apontando os seguintes aspectos da abordagem qualitativa: “apropriabilidade de métodos e teorias, perspectivas dos participantes e sua diversidade, e reflexividade do pesquisador e da pesquisa”. 101 Desse modo, o nosso interesse tem como foco fazer uma investigação pautada em dados empíricos, utilizando-nos de atividades/testes 70 com grupo experimental. Para responder aos questionamentos de pesquisa, inicialmente foram realizadas pesquisa bibliográfica e fundamentação teórica, que tratam sobre a temática em questão. Simultaneamente, houve a elaboração de instrumentos de pesquisa, que subsidiariam a coleta de dados. Nesse sentido, como ferramentas de coleta de dados, utilizamos uma entrevista motivada e a caderneta de campo, contendo atividades/ testes. 4.1.1 Preparação para a constituição do corpus Motivados pela natureza e pelos objetivos da pesquisa, seguimos para o momento de aplicação de algumas atividades/testes para a coleta de dados e para a constituição de um corpus que subsidiaria a pesquisa. Esses procedimentos utilizados conduziram à análise e à interpretação dos dados, descritos posteriormente. Antes da efetivação da coleta de dados da pesquisa, foi realizado o teste piloto com pessoas surdas e com ouvintes falantes da Libras que aceitaram, voluntariamente, participar desse momento de pilotagem. Basicamente, para esses grupos variantes, os principais critérios de participação foram a aproximação do nível escolar e da idade com os futuros participantes da pesquisa principal e a fluência na Libras. A seguir, descrevemos o processo de pilotagem da pesquisa, com ênfase na aplicação de atividades/testes específicos para essa finalidade: 4.1.2 Teste piloto O processo de pilotagem contou com a participação de dois alunos surdos, que fazem parte da primeira turma do curso de graduação em Letras, com habilitação em Língua Brasileira de Sinais – Libras/Língua Portuguesa – LP 71 , da UFRN, e cursavam o quarto 70 As atividades/testes foram criadas e testadas durante a pilotagem para atender aos objetivos da pesquisa. 71 Criado em março de 2013, por meio da Resolução nº 41 - CONSEPE, o curso de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa está inserido no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Consta no seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC) que objetiva formar professores para atuar no ensino da Língua Brasileira de Sinais, tendo a Língua Portuguesa como segunda língua. A primeira turma passou pelo processo seletivo simplificado para preenchimento de 40 vagas em 2013.1 e iniciou o curso em 2013.2. A turma ficou composta por 13 alunos surdos e 24 alunos ouvintes, todos falantes de Libras. Os candidatos à vaga no curso foram submetidos a um teste de verificação de habilidades específicas – THE (PPC curso Letras, habilitação em Libras/Língua Portuguesa (2013). 102 período, no semestre 2015.1, em que ocorreu o teste piloto. O outro grupo de participantes foi formado por dois ouvintes, tradutores/intérpretes 72 da Libras, que fazem parte do quadro de servidores efetivos da UFRN. Ressaltamos que esses participantes não foram considerados para a pesquisa principal, isto é, não fazem parte do grupo de controle nem do grupo experimental. Inicialmente, para a realização da pilotagem, a pesquisa foi apresentada aos alunos da turma do 4º período do curso Letras/Libras/Língua Portuguesa (LP), no horário de aula cedido pelo professor de sala. Em seguida, foi passada uma folha para a assinatura dos alunos surdos falantes da Libras que desejassem participar, com e-mails e telefones para agendamento posterior dos dias, dos locais e dos horários da participação na pesquisa. O mesmo procedimento foi realizado com profissionais tradutores/intérpretes da Libras (TILS) da UFRN, em seus devidos locais de trabalho. A aplicação do teste piloto foi na UFRN (locus da pesquisa), em dias e horários marcados de acordo com a disponibilidade dos participantes. Nesse sentido, as atividades/testes foram conduzidos pela pesquisadora, acompanhada de profissional tradutor/intérprete da Libras, lotado na coordenação do curso Letras/Libras/Língua Portuguesa. O tempo de participação na pesquisa foi de aproximadamente 4 horas, dividido em dois momentos, devido ao cuidado com a rotina dos participantes e ao estresse que poderia surgir em decorrência dessa atividade. Dentre os procedimentos utilizados durante a pilotagem, destacamos: ● contatos com a coordenação de curso e a chefia de departamento para a apresentação da pesquisa e a solicitação de intérprete para atuar como apoio durante a pilotagem; ● contato com a turma do terceiro período da UFRN para a apresentação da pesquisa e o convite à participação dos alunos surdos, fluentes na língua, de forma voluntária; ● contato com a coordenação do Laboratório de Comunicação – LABCOM, da TV Universitária, solicitando o estúdio e um profissional para a filmagem das respostas dos comandos dos testes; 72 No ano da pesquisa, a UFRN contava com 17 intérpretes de Libras, distribuídos nos Centros de Educação – CE (2) e de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA (12) e na Comissão que trata de apoiar o estudante com alguma necessidade educacional especial (3). 103 ● agendamento com os participantes voluntários que se dispuseram a participar do momento de pilotagem; ● recolhimento das assinaturas dos participantes (alunos e intérpretes) no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE e das autorizações de imagem e de voz; ● realização de atividades/testes na sala do orientador da pesquisa (teste “Descrição e Narração dos Detalhes”) e no LABCOM (testes “História Contada”, “Transmissão de Posições”, “Uso Metafórico do Espaço”, “Projeções Metafóricas Primárias em Libras”, “Projeções Metafóricas Congruentes em Libras”), seguidos de filmagem no estúdio 73 ; ● transcrição das respostas dos comandos dos testes para a língua portuguesa; ● análise do processo para fins de validação do instrumento de pesquisa. Ao todo, seis atividades/testes foram elaboradas e aplicadas na pilotagem: a) atividade/teste “História Contada”, elaborada a partir da necessidade de identificar que esquemas e frames os falantes da Libras acionam durante a produção/compreensão de narrativas envolvendo domínios espaciais; b) atividade/teste “Descrição e Narração dos Detalhes”, elaborada a partir da necessidade de identificar que estruturas corporificadas dinâmicas são evocadas nas especificações semânticas resolvidas para produzir inferências apropriadas; c) atividade/teste “Transmissão de Posições”, elaborada a partir da necessidade de verificar como são construídas as especificações semânticas a partir da análise construcional de enunciados, na narrativa; d) atividade/teste “Uso Metafórico do Espaço”, elaborada a partir da necessidade de identificar como se realizam as projeções metafóricas e metonímicas; 73 Fotos da disposição dos objetos e dos equipamentos nas salas, durante a pilotagem, podem ser visualizados no anexo 5. 104 e) atividade/teste “Projeções Metafóricas Primárias em Libras”, elaborada a partir da necessidade de identificar como se realizam as projeções metafóricas primárias em Libras; f) atividade/teste “Projeções Metafóricas Congruentes em Libras”, elaborada a partir da necessidade de identificar como se realizam as projeções metafóricas congruentes em Libras. As atividades/testes e os comandos que foram considerados após a pilotagem estão exemplificados, posteriormente, no momento de ressaltar as atividades/testes após o processo de reestruturação destas. 4.1.3 Diário de campo Um grande aliado da pilotagem foi o diário de campo, pois este possibilitou o registro das ocorrências e das dificuldades enfrentadas. Dentre elas, destacamos a seguir algumas que interferiram na aplicação dos testes: ● greve dos servidores técnico-administrativos na instituição, lócus da pesquisa; ● horários das aulas dos alunos surdos e do trabalho do intérprete assistente do LABCOM e do intérprete colaborador, que não coincidiam com o horário planejado para a aplicação dos testes; ● período de férias do ano letivo. A duração do processo de pilotagem foi de, aproximadamente, 5 meses, devido, principalmente, às situações anteriormente apresentadas. Diante do exposto, o processo de condução da pilotagem permitiu algumas modificações nesta, após a análise dos resultados, sendo necessárias as providências apresentadas no tópico a seguir para a realização da coleta de dados da pesquisa. 4.1.3.1 Modificações da pilotagem 1- Eliminar a atividade/teste que tratava sobre história contada (filme de Chaplin). 105 Observamos que, pelo fato de Chaplin representar no vídeo dois personagens conduzindo um caso de confusão de identidades, um rico bêbado (que despreza sua apaixonada esposa) e um vagabundo (que fantasia uma vida maravilhosa com ela), o filme tem sons típicos de cenas quando o contexto é sério, mas, quando é um momento de comédia, os sons variam. Assim, na compreensão da narrativa, o ouvinte leva vantagem porque, para os surdos, não é usado o recurso do som. Então eles vão prestar muito mais atenção na manifestação visual do que em uma de outra natureza. 2- Mudar o comando da atividade/teste que tratava sobre projeções metafóricas congruentes em Libras. Verificamos que o comando poderia ser mudado, tendo em vista que os participantes/alunos e intérpretes ficavam restritos à descrição das imagens. Para tanto, o comando foi alterado para que o participante comentasse sobre as imagens exibidas. 3- Mudar o local de filmagem das respostas aos comandos das atividade/testes. Percebemos que a filmagem da atividade/teste “Descrição de Detalhes” foi realizada em um local muito distante da observação dos objetos. Os participantes observavam os detalhes dos objetos na sala do professor orientador, localizada no CCHLA, e, depois, deslocavam-se para o LABCOM, situado distante do CCHLA, o que poderia trazer implicações na resposta dos comandos efetivados. Além disso, houve um momento em que foram observados os detalhes da sala por um participante surdo e, quando este chegou ao LABCOM, não foi possível o comando de resposta e a filmagem porque estava fechado. 4- Filmar as respostas dos comandos de forma mais natural possível. Analisamos que a filmagem deveria ocorrer por meio de situação(ões) real(is) de discurso(s), por exemplo, uma conversa informal sobre o meio acadêmico. 5- Aumentar o número de câmeras para a filmagem. Concluímos que se deveria aumentar o número de câmeras de filmagem de 1 (uma) para 2 (duas), favorecendo melhor o procedimento de pesquisa científica. 106 6- Dispor, na sala do professor orientador, para a atividade/teste “Descrição de Detalhes”, menos objetos que produzissem som e mais objetos distratores. Observamos que existiam muitos objetos que produziam som e que, reduzindo-os e acrescentando alguns objetos distratores (na mesma proporcionalidade de tamanhos, cores, quantidade etc.), isto é, que não estivessem no foco do objetivo da atividade/teste, poderiam fazer parte do contexto como possibilidades aparentes de respostas. 7- Mudar a quantidade de vídeos utilizados na atividade/teste que trata sobre “Metáforas Primárias”. Observamos que a exibição de 5 vídeos ficou cansativa e que, reduzindo esse número para 3 vídeos, não se comprometeria o objetivo da atividade/teste. 8- Pleitear, junto à coordenação do curso Letras/Libras/LP, aceitação de carga horária para os participantes da pesquisa, como atividade complementar do curso. Cada participante recebeu declaração de participação na pesquisa com carga horária de 5 horas. 9- Alternar as atividades/testes e construir predições bem definidas, com vistas a atingir o objetivo central da pesquisa. Desse modo, finalizamos o teste piloto. Esse momento de pilotagem foi realizado a fim de corrigir eventuais falhas na construção/condução das atividades/testes do experimento principal e validar esse instrumento de pesquisa desenhado pela pesquisadora. Segundo Yin (2005), “o estudo de caso piloto auxilia na hora de aprimorar os planos para a coleta de dados tanto em relação ao conteúdo dos dados quanto aos procedimentos que devem ser seguidos” (p. 104). De acordo com Breakwell (2010), trata-se de “uma técnica que atende qualquer estratégia de coleta de dados que queira conseguir que os participantes forneçam informação conectada a uma estrutura temporal” (p. 262). Nessa perspectiva, também foi possível que a pesquisadora se familiarizasse com as possíveis atividades/testes, previamente planejados, para a coleta de dados da pesquisa. Além disso, houve a discussão com os pares (o professor orientador e os componentes do grupo de 107 estudos Cognição & Práticas Discursivas) sobre a realização das atividade/testes: se precisava de modificações e se o que foi desenhado como atividades/testes possibilitaria incluir e/ou cortar questões, após conhecer os resultados práticos e, assim, atingir os objetivos da pesquisa. Ratificamos que essa estratégia metodológica auxiliou a validação do instrumento de pesquisa desenhado pela pesquisadora, e o quantitativo de participantes foi determinado a partir da aceitação de participação voluntária e em concordância com o orientador deste estudo. Feita a pilotagem, houve a reestruturação das atividades/testes e, em seguida, o momento de sua aplicação para a coleta de dados com os participantes surdos falantes da Libras e com os tradutores/intérpretes de LS, 74 participantes ouvintes, também fluentes em Libras. 4.1.4 Reestruturação das atividades/testes após a pilotagem e utilizadas na constituição do corpus Vimos que, na análise do processo de pilotagem, houve a necessidade de reestruturar alguns testes em relação aos seus comandos e à sua aplicação, de modo a atender melhor os objetivos da pesquisa. Diante do exposto e de acordo com o diário de campo (que serviu de base para algumas considerações), exemplificamos e descrevemos abaixo como ficaram as atividades/testes depois das modificações. 4.1.4.1 Atividade/teste: Transmissão de Posições A primeira atividade/teste aplicada, após o processo de pilotagem e a reestruturação dos testes, foi a de “Transmissão de Posições”, constituída de cartões contendo figuras de formas geométricas em diferentes posições e estabelecendo diferentes relações entre si, os quais solicitavam ao participante que sinalizasse sobre as relações espaciais representadas. Nessa atividade/teste, era observado se o participante conseguia compreender as figuras no processo de categorização e, a partir disso, sinalizar o conteúdo do cartão, construindo sentidos de espacialidade por meio da percepção visual. 74 Segundo Turato (2011, p. 351), nas pesquisas em que seres humanos são os alvos do estudo, é impossível, por razões práticas, abordar todos os sujeitos que compõem o grupo de interesse do pesquisador, salvo quando o recorte do objeto de estudo compreenda comunidades numericamente restritas. 108 4.1.4.1.1 Participantes Esse teste teve a participação de 5 (cinco) alunos, falantes surdos da Libras, voluntários, pertencentes ao curso de graduação em Letras, habilitação Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (considerados grupo experimental) e de 5 (cinco) intérpretes de língua de sinais, falantes ouvintes da Libras, voluntários, que desenvolvem suas atividades no âmbito da UFRN (considerados grupo de controle). 4.1.4.1.2 Material O material utilizado foram cartões impressos em folha de papel A4, peso 40mg, contendo figuras de formas geométricas em diferentes posições, conforme quadro 1. Quadro 1: Exemplo da atividade/teste: Transmissão de Posições Figuras de formas geométricas em diferentes posições: atrás, ao lado, acima, sobre, à frente, dentro, fora, entre, embaixo. Fonte: arquivo pessoal 4.1.4.1.3 Procedimentos 109 Essa atividade/teste foi aplicada individualmente, em uma sala, e foi gravada. O entrevistado recebeu um comando que consistia em observar as figuras contidas nos cartões e, em seguida, informar, utilizando a Libras, sobre a posição dos objetos ilustrados a partir do que verificasse. Para o participante/aluno surdo, falante da Libras, havia o auxílio do intérprete de LS. 4.1.4.1.4 Predição Os falantes surdos em Libras constroem sentidos por meio da percepção visual, que atua recebendo informações sob a forma de textos, imagens e cores. O registro dessas informações é feito pela exploração do campo visual, sem que sejam utilizados sentidos isolados, mas, sim, inter-relacionados (ordenação espacial, foco, atenção). Essa inter-relação, como sensibilidade visual integrada ao movimento, garante a apreensão do real. Os falantes ouvintes da Libras, por sua vez, constroem sentidos utilizando percepção visual e registram, de fato, a realidade, mas exploram menos o campo visual e espacial. Logo, apresentam menos detalhes a respeito das relações entre os objetos e de como eles funcionam no ambiente. 4.1.4.2 Atividade/teste: Uso Metafórico do Espaço A segunda atividade/teste, “Uso Metafórico do Espaço”, foi desenvolvida para verificar se o sentido de espacialidade (em cima, embaixo, ao lado etc.) apresentado pelo participante é de natureza metafórica, pois está organizado por um sistema de conceitos que se relacionam entre si e envolvem, também, os corpos que temos e a maneira como funcionam no ambiente. Nesse caso, o falante da Libras deveria ler frases de cunho metafórico ou não acerca de espacialidade e sinalizá-las. 4.1.4.2.1 Participantes Esse teste teve a participação de 5 (cinco) alunos, falantes surdos da Libras, voluntários, pertencentes ao curso de graduação em Letras, habilitação Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (considerados grupo experimental) e de 5 (cinco) intérpretes de língua de sinais, falantes ouvintes da Libras, voluntários, que desenvolvem suas atividades no âmbito da UFRN (considerados grupo de controle). 110 4.1.4.2.2 Material O material utilizado consistiu em um conjunto de cartões contendo frases, impressas em uma folha de papel A4, peso 40mg, em que apareciam expressões linguísticas de espaços físicos literalmente ou metaforicamente descritos, conforme o quadro 2. Quadro 2: Exemplo da atividade/teste: Uso Metafórico do Espaço 1 A raiva ficou dentro do coração. 10 A bíblia estava entre os objetos. 2 João está à frente do seu tempo. 11 Ele ficou na posição mais baixa na competição. 3 A camisa estava dentro do baú. 12 A bola rolou para debaixo da mesa. 4 A bicicleta está à frente da casa. 13 Eu descobri a intenção dela através das palavras. 5 Ele se esconde atrás do conhecimento. 14 Eu via o bombeiro através da fumaça. 6 Ela está atrás da casa. 15 Tem gente que se acha acima do bem e do mal. 7 O livro está sobre a mesa. 16 O avião passou acima da montanha. 8 Eu estou do seu lado para o que der e vier. 17 Há uma parede entre mim e você. 9 O livro está do seu lado. - Expressões linguísticas com sentidos de espacialidade (dentro, à frente, entre, através, debaixo, atrás, acima, sobre, ao lado). Fonte: arquivo pessoal 4.1.4.2.3 Procedimentos Seguindo os mesmos procedimentos das demais atividades/testes em relação à gravação e ao apoio do intérprete, essa atividade foi aplicada individualmente. Ao participante, foram apresentadas as frases e, depois de ler cada frase, ele sinalizou o conteúdo apresentado. 4.1.4.2.4 Predição Os falantes surdos da Libras têm dificuldades em traduzir as construções metafóricas do Português 75 para a LS, tendo em vista que tais construções vão muito além das experiências visuais e motoras sobre as quais a Libras se constrói. Já os falantes ouvintes da Libras, embora tenham de criar expressões na língua visuoespacial, não têm muitas dificuldades em traduzir as construções metafóricas da língua portuguesa escrita para a 75 Os falantes surdos de Libras têm domínio da língua portuguesa como segunda língua, na modalidade escrita. 111 Libras, tendo em vista que esses participantes têm bases linguísticas de experiências sensoriais (auditivas). 4.1.4.3 Atividade/teste: Descrição e Narração dos Detalhes A terceira atividade/teste aplicada, após o processo de pilotagem e a reestruturação dos testes, foi a de “Descrição e Narração dos Detalhes”, que ocorreu em uma sala organizada com instrumentos musicais e objetos distratores (de formatos semelhantes aos de instrumentos musicais). Nessa atividade/teste, era observado se o participante percebia os objetos que não apresentavam aspectos sonoros, visto que não contavam com a audição, e, por isso, não eram destaques para ele. Nesse momento, os falantes da Libras deveriam procurar, em uma sala, objetos com forma retangular. 4.1.4.3.1 Participantes Esse teste teve a participação de 5 (cinco) alunos, falantes surdos da Libras, voluntários, pertencentes ao curso de graduação em Letras, habilitação Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (considerados grupo experimental) e de 5 (cinco) intérpretes de língua de sinais, falantes ouvintes da Libras, voluntários, que desenvolvem suas atividades no âmbito da UFRN (considerados grupo de controle). 4.1.4.3.2 Material Os materiais utilizados foram: sala organizada com objetos típicos (computadores, quadros, impressora, armário etc.), objetos de natureza musical e de produção de som e objetos distratores, na mesma proporcionalidade de tamanhos, cores, quantidade etc., conforme quadro 3. 112 Quadro 3: Exemplo da atividade/teste: Descrição e Narração dos Detalhes Imagem de sala com computadores, quadros, impressora, armários, mesa, cadeiras (objetos típicos), flauta, pandeiro, violão (objetos de natureza musical e de produção de som), raquete, espanador de poeira, panela (objetos distratores). Fonte: arquivo pessoal 4.1.4.3.3 Procedimentos Essa atividade/teste foi aplicada individualmente, em duas salas, e sua realização foi filmada. O entrevistado recebeu dois comandos: no primeiro (efetivado na 1ª sala), ele deveria procurar objetos com forma retangular e, no segundo (efetivado na 2ª sala), teria de enumerar todos os objetos que foram observados enquanto procurava os de forma retangular.4.1.4.3.4 Predição 4.1.4.3.4 Predição O falante surdo da Libras apresenta uma percepção mais detalhada dos objetos, tendo em vista que não pode contar com objetos sonoros na sua percepção. Além disso, os instrumentos musicais são mencionados sem que haja qualquer tipo de destaque para eles. O 113 falante ouvinte da Libras, por sua vez, como pode contar com a audição, tende a notar os objetos sonoros com mais facilidade. 4.1.4.4 Atividade/Teste: Projeções Metafóricas Primárias em Libras A quarta atividade/teste aplicada, após o processo de pilotagem e a reestruturação dos testes, foi a de “Projeções Metafóricas Primárias em Libras”, que procurava investigar se os falantes da Libras acionam estruturas cognitivas, tais como espaços mentais, frames e esquemas imagéticos, à medida que a narrativa é apresentada em vídeos. 4.1.4.4.1 Participantes Esse teste teve a participação de 5 (cinco) alunos, falantes surdos da Libras, voluntários, pertencentes ao curso de graduação em Letras, habilitação Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (considerados grupo experimental) e de 5 (cinco) intérpretes de língua de sinais, falantes ouvintes da Libras, voluntários, que desenvolvem suas atividades no âmbito da UFRN (considerados grupo de controle). 4.1.4.4.2 Material O material utilizado nessa atividade constituiu-se de um conjunto de 3 vídeos de curta duração, conforme apresentados no quadro 4. Quadro 4: Exemplo da atividade/teste: Projeções Metafóricas Primárias em Libras Figuras relacionadas aos vídeos exibidos. Minúsculos, no Brasil, ou Minúsculo, em Portugal, ou Minuscule, nos EUA e na França, é uma animação cujos protagonistas são insetos e tem, em média, cinco minutos. Os vídeos de animação narram aventuras fictícias e bem-humoradas do mundo dos insetos, como a joaninha, o lagarto, a borboleta, a aranha etc. Os cenários fazem parte do ambiente rural da França e incluem estradas, cercas, casas etc. Fonte: https://archive.org/details/Minuscule 114 4.1.4.4.3 Procedimentos Seguindo os mesmos procedimentos das demais atividades/testes em relação à gravação e ao apoio do intérprete, essa atividade foi aplicada individualmente. Ao participante, foram exibidos três (3) vídeos, sem som. Depois de assistir a cada vídeo, ele sinalizava cada situação apresentada 4.1.4.4.4 Predição Tanto para os falantes surdos da Libras quanto para os falantes ouvintes, a construção do sentido deve acionar estruturas cognitivas tais como frames e esquemas imagéticos, e a integração dessas pistas fornece modelos mentais que perfilam simulações perceptuais e motoras, conforme o contexto em que se dá a narrativa. 4.1.4.5 Atividade/teste: Projeções Metafóricas Congruentes em Libras A quinta atividade/teste, “Projeções Metafóricas Congruentes em Libras”, verificou se os falantes da Libras recorriam a recursos linguísticos a fim de mapear metaforicamente seus relatos. 4.1.4.5.1 Participantes Esse teste teve a participação de 5 (cinco) alunos, falantes surdos da Libras, voluntários, pertencentes ao curso de graduação em Letras, habilitação Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (considerados grupo experimental) e de 5 (cinco) intérpretes de língua de sinais, falantes ouvintes da Libras, voluntários, que desenvolvem suas atividades no âmbito da UFRN (considerados grupo de controle). 4.1.4.5.2 Material O material utilizado foi um conjunto de cartões contendo imagens de temas-tabu, impressas em uma folha de papel A4, peso 40mg, conforme quadro 5. . 115 Quadro 5: Exemplo da atividade/teste: Projeções Metafóricas Congruentes em Libras Figuras de temas-tabu: homossexualidade, alcoolismo, deficiência, virgindade Fonte: arquivo pessoal 4.1.4.5.3 Procedimentos Seguindo os mesmos procedimentos das demais atividades/testes em relação à gravação e ao apoio do intérprete, essa atividade foi aplicada individualmente. Ao participante, foram apresentadas cinco (5) imagens contendo temas-tabu. Depois de visualizar cada imagem, ele tecia comentários sobre as imagens exibidas. 4.1.4.5.4 Predição Os surdos falantes da Libras têm dificuldade em representar as imagens contendo conceitos metafóricos, tendo em vista que tais conceitos se distanciam do caráter visuoespacial da Libras. Já os falantes ouvintes da Libras conseguem detectar as metáforas, mas precisam criar formas de expressão na Libras para elas. 4.2 Constituição do corpus Para a realização da pesquisa, devidamente submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UFRN – Anexo 4), foi construído um corpus (produção de vídeos) a partir da aplicação de atividades/testes. 116 Durante a coleta de dados, foram utilizadas duas câmeras (filmadoras) nas salas: uma filmando em plano aberto, para oportunizar registros de acontecimentos reais, e outra focando os falantes da Libras, a fim de atender melhor às informações visuoespaciais específicas da Libras. Além disso, foram utilizados tripés, computador, datashow, vídeos, fichas contendo figuras, 1 sala com objetos específicos (computador, mesa, impressora etc.), auditório para a exibição dos vídeos e a realização da filmagem, pastas, objetos e ilustrações como recursos de apoio indispensáveis à pesquisa, considerando-se a complexidade das atividades/testes e os objetivos a serem alcançados. Cumpre ressaltar que os participantes foram voluntários e autorizaram, no momento da entrevista motivada, o uso das informações, por meio do Termo de Consentimento Livre e esclarecido – TCLE (anexo 1), acompanhado de autorizações de gravação de voz (anexo 2) e de uso de imagens-fotos e vídeos (anexo 3). Nesse momento, o tradutor/intérprete de LS sinalizava o que os participantes/alunos surdos não entendiam durante a leitura desses documentos, os quais necessitavam ser assinados. Além disso, os comandos das atividades/testes também foram sinalizados pelo tradutor/intérprete de LS para o grupo experimental (alunos surdos). Foi esclarecido para os participantes (alunos surdos e intérpretes), durante a coleta de dados, que as atividades/testes não tinham caráter avaliativo e que não era necessária a identificação nominal. 4.2.1 Participantes da constituição do corpus O processo de constituição de um corpus para a pesquisa contou com a participação de cinco (5) alunos surdos falantes da Libras do mesmo curso dos participantes da pilotagem (considerados grupo experimental) e de cinco (5) tradutores/intérpretes de LS, ouvintes, que também desenvolviam suas atividades no âmbito da UFRN (considerados grupo de controle). Esses participantes consultados tinham idades entre 25 e 35 anos (tradutores/intérpretes da Libras) e entre 21 e 30 anos (alunos surdos), e todos residiam na mesma cidade e compartilhavam a necessidade de qualificação na educação de surdos, em virtude de inserção no mercado de trabalho. 117 4.2.2 Descrição de instrumentos e aparatos de pesquisa Foram utilizados para a coleta dos dados: ▪ entrevista motivada; ▪ caderno de atividades/testes; ▪ gravação de vídeo; ▪ diário de campo. Em relação ao uso de duas câmeras digitais, a primeira capturava as imagens dos participantes falantes da Libras (alunos e tradutores/intérpretes), numa situação mais específica, e a segunda o cenário de atuação para a coleta de dados, numa situação mais de amplitude das ações. Quanto a isso, Loizos (2015, p. 149) enfatiza a importância da funcionalidade do registro de dados “sempre que um conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único observador, enquanto ele se desenrola”. Para melhor efetivação desse momento, houve mudança dos espaços físicos da UFRN na aplicação das atividades/testes e nas respostas aos comandos. Para acontecerem as atividades/testes 1 (Transmissão de Posições), 3 (Uso Metafórico do Espaço) e 4 (Projeções Metafóricas Congruentes em Libras), foi utilizada a sala do professor colaborador. Para a exibição dos vídeos referentes ao teste 5 (Projeções Metafóricas Primárias em Libras), foram utilizados os auditórios B e C do CCHLA. A aplicação do teste 2 (Descrição e Narração dos Detalhes) continuou na sala do professor orientador 76 . 4.3 Procedimentos de análise Feitas a coleta de dados e a formação do corpus, gravações de aproximadamente 70 vídeos, durante o período compreendido entre os meses de outubro de 2015 e março de 2016, a etapa seguinte foi a de transcrição desses vídeos, no decorrer de um período de trinta dias alternados, que compreendeu os meses de abril e maio de 2016, utilizando-se de aproximadamente 60 horas de transcrição. 76 Fotos da disposição dos objetos e dos equipamentos nas salas durante a construção do corpus podem ser visualizadas no anexo 6. 118 Entendemos, pois, que, dada a riqueza sintática e semântica permitida pelos recursos espaciais tridimensionais da LS e das expressões facial e corporal (componentes não-manuais nessa língua), é possível o registro, na forma gráfica, entendido como uma aproximação dos significados permitidos pela língua. Essa etapa de transcrição dos vídeos contou com a participação de um tradutor/intérprete de LS 77 e, nela, foi utilizado o sistema de notação em palavras em português (FELIPE, 2009; FERREIRA, 2010) 78 . O uso de palavras da LP vem sendo adotado por pesquisadores de línguas de sinais no Brasil e em outros países porque “as palavras de uma língua oral-auditiva são utilizadas para representar aproximadamente os sinais” (FELIPE, 2009, p. 24). Quadros e Karnopp (2004, p. 37), em suas ilustrações em sinais, optaram por utilizar glosas com palavras do português nas transcrições, visando a “apresentar mais detalhes referentes à estrutura das línguas de sinais”. Ferreira (2010, p. 207 – 209) também optou por esse sistema de notação, usando a palavra em português para “transcrever enunciados e textos maiores em língua de sinais”. É importante ressaltar, neste momento, que não é do nosso interesse utilizar o sistema de escrita de uma língua oral auditiva e fonoarticulatória, como a LP, para corresponder à língua sinalizada, pois sabemos que a LS apresenta complexidade própria, e a pessoa com surdez tende a recorrer às propriedades visuais e quiroarticulatórias 79 que constituem a forma de sua sinalização interna (CAPOVILLA e RAPHAEL, 2008, p. 1492). Também é preciso esclarecer que as convenções utilizadas podem não dar conta de apresentar a riqueza de detalhes que uma língua visuoespacial apresenta. Nesse sentido, as convenções de uso da palavra em LP, adaptadas, utilizadas na transcrição do corpus deste trabalho, representam tentativas de maior aproximação do sentido expresso, por meio da Libras. Portanto, julgamos adequadas, apesar de existirem outras formas de transcrição de Libras 80 . Segundo Felipe (2009, p. 27), estas convenções podem ser 77 Justifica-se a presença do profissional de apoio tradutor/intérprete de língua de sinais no procedimento metodológico de transcrição das falas, em Libras, visto que, mesmo registradas em vídeos, há informações que não poderiam ser perdidas, como o movimento, a mudança na direção do olhar, as expressões facial e corporal etc. 78 O sistema de transcrição de Libras para língua portuguesa (adaptado) é encontrado nos elementos pré-textuais. 79 quiro, do grego mão (CAPOVILLA e RAPHAEL, 2008). 80 Quadros e Pizzio (2009 apud Machado, 2012, p. 88), apresentam vários softwares que possibilitam a transcrição da língua de sinais. São eles: Filemaker pro; ANVIL (anotações de vídeo e dados de linguagem), CLAN (Análise Computadorizada da Linguagem); TRANSANA; ELAN; Signstream e Berkeley Transcription 119 utilizadas para “representar, linearmente, uma língua gestual-visual, que é tridimensional”, neste caso, a Libras. Com essa perspectiva, não optamos pela tradução/interpretação da LS para a LP, por entender que o tradutor/intérprete de LS – TILS utiliza estratégias cognitivas complexas no processamento de significação de narrativas e, por isso, necessita de adequações linguísticas para fornecer informações cognitivas. A esse respeito, Machado (2012), ao tratar sobre a tarefa e o desafio do tradutor/intérprete de línguas naturais, esclarece que, no ato tradutório, principalmente na tradução simultânea 81 , o Tradutor Intérprete de Língua de Sinais (TILS) “obriga-se a fazer escolhas mais rápidas e imediatas que, nem sempre, expressam o sentido intencionado no discurso fonte” (MACHADO, 2012, p. 8). Diante dessa questão, ressaltamos que também utilizamos uniformidade notacional da LC 82 , conforme Duque (2015); Duque e Costa (2012). Entendemos que sinais em Libras são expressões linguísticas indexadas e apontam domínios conceptuais, acionando frames ou esquemas. Desse modo, são grafados entre aspas duplas, por exemplo, na expressão linguística “joaninha voar”, e em versalete, por exemplo, no domínio conceptual INSETO. Tal convergência corrobora a perspectiva de que a Libras é expressão e transformação do pensamento, de modo complexo. Em alguns momentos, durante as transcrições das narrativas, ocorrem descrições livres de sinais da Libras, na língua portuguesa escrita. Na análise de frames conceptuais básicos, estes são representados em forma de grafos, que, conforme Duque (apud Araújo, 2017, p. 44), “é uma estrutura reticulada usada para representar relações entre as coisas. Essas coisas são chamadas de nós (ou vértices) do grafo. Cada relacionamento entre nós, por seu turno, é denominado de aresta”. Nas ilustrações gráficas (composta por grafos), os nós são representados por círculos e as arestas por linhas que conectam esses círculos. Além disso, Duque (apud Araújo, 2017, p. 44) mostra que, no caso dos frames, “[...] os nós da estrutura correspondem aos componentes (papéis) do frame e as arestas correspondem ao tipo de ligação entre esses papéis (PARTE-TODO, CENTRO-PERIFERIA, System – BTS. Dentre os softwares disponíveis Machado (2012) utilizou o ELAN, sistema criado pelo Instituto Max Planck de Psicolinguística. 81 Na tradução simultânea, o TILS ouve/vê uma língua-fonte e passa-a para outra língua no tempo da enunciação. 82 As notações de Linguística Cognitiva são encontradas nos elementos pré-textuais. 120 CONTÊINER-CONTEÚDO, TRAJETOR-MARCO etc.)”. Esse autor também esclarece que cada nó (componente), se focalizado, pode constituir um grafo (frame) em si. Cumpre esclarecer que analisamos dados retirados de um corpus rico em informações acerca de uma língua visuoespacial e tridimensional. Para tanto, mencionamos os participantes durante a análise dos dados da seguinte maneira: FSL1, FSL2, FSL3, FSL4 e FSL5 (para os falantes surdos da Libras) e FOL1, FOL2, FOL3, FOL4 e FOL5 (para os falantes ouvintes da Libras) . Em virtude de sua dimensão, o corpus é utilizado parcialmente, visto que as sinalizações apresentadas atendem às análises em questão. Por fim, apresentamos, de forma livre, a narrativa do vídeo 1 (encontrado em: https://archive.org/details/Minuscule), retirado do corpus, tendo em vista que foi exibido sem discurso oral e está sendo utilizado para fins de análise e discussão acerca de frames, metáforas e metonímia. A narrativa fictícia, ocorrida no ambiente rural, trata sobre três insetos: joaninha, aranha e mosca. A protagonista, a joaninha, fura a teia da aranha três vezes consecutivas, parecendo uma ação intencional de malvadeza. Na primeira vez, ela observa a aranha presa na teia e, em seguida, voa passando pela teia, furando-a. Na segunda vez, ela provoca muitas moscas que estão numa lixeira e é perseguida por elas, passando novamente pela teia que está sendo tecida pela aranha. E, na terceira vez, após ela novamente provocar outras moscas que estão em outro local (aparentemente, um depósito com lixo), estas, na ação de persegui-la, passam pela teia que está sendo novamente reorganizada pela aranha. No primeiro momento de provocação e de perseguição das moscas, uma delas bate em uma placa de aviso, cai, rola e morre. A narrativa termina com a joaninha sendo perseguida pelas moscas num ambiente composto por árvores e matas” (narrativa escrita pela pesquisadora a respeito do vídeo 1). Encerrados os aspectos referentes à metodologia, prosseguimos com momentos de análises dos dados coletados e discussões. 121 CAPÍTULO 5 – ANÁLISE DOS DADOS Posso escutar tudo pelos olhos... Posso expressar pelas mãos... Posso sentir os barulhos pelo corpo [...] (Ser surda, Carilissa Dall’Alba, 2013). Neste capítulo, analisamos os dados obtidos a partir da aplicação das atividades/testes, detalhadas na metodologia desta tese. Para tanto, utilizamos duas atividades/testes: “Transmissão de Posições” e “Projeções Metafóricas Primárias em Libras” por fornecerem subsídios para o alcance dos objetivos da tese. Os resultados e os desdobramentos produzidos pelos participantes do grupo experimental (alunos surdos falantes da Libras) e pelos participantes do grupo de controle (intérpretes ouvintes falantes da Libras) levam em conta indexadores linguísticos, em narrativas expressas por meio de língua sinalizada, cujas experiências visuais proporcionam interação, desenvolvimento da linguagem e constituição da subjetividade de seus falantes. Diante disso, considerando que a construção do sentido envolve vários processamentos cognitivos simultâneos, pretendemos organizar a estrutura das análises com o propósito de torná-las mais didáticas e, assim, facilitar a compreensão do leitor em face da expressividade e da complexidade que uma língua sinalizada oferece, nesse caso, a Libras. Com base em tais considerações, é nosso propósito analisar o acionamento de frames, enfatizando as tipologias descritas anteriormente – inclusive os frames mais básicos (esquemas imagéticos), projeções metafóricas primárias e congruentes, além de outros processos cognitivos que fornecem pistas linguísticas para encontrarmos respostas às questões de pesquisa a seguir. ● Sendo a Libras uma língua cujo modo é visuoespacial, como ocorre o processo de construção de sentido por seus falantes? ● De que maneira projeções metafóricas e metonímicas estão envolvidas na construção de sentidos em Libras? 122 ● De que modo o mecanismo cognitivo discursivo framing se desenvolve nos falantes surdos da Libras? É, portanto, a partir dessas questões que procuramos descrever e analisar os achados da pesquisa em tela, ressaltando-se todas as impressões ao verificar o corpus. 5.1 Análise e descrição de percepção visual Para essa finalidade, utilizamos a atividade/teste “Transmissão de Posições”, que é constituída de 17 (dezessete) cartões impressos contendo uma sequência de figuras de objetos de formas geométricas diferentes, em posições diferenciadas, mostrando que estabelecem diferentes relações entre si. A disposição dos objetos nesses cartões faz com que visualizemos pares cujas posições entre si diferem de lugar, a exemplo de “bola atrás da caixa”, “bola entre caixas”, “jarro em cima da mesa” etc. No total de figuras, a maioria tem o objeto bola estabelecendo relações espaciais com os outros objetos, especialmente caixa e mesa. Essa sequência de figuras também contém outros objetos, como prateleira, escada etc., conforme a figura 7. Figura 7: Pares de objetos relacionados Fonte: Corpus da pesquisa Ao receberem o comando para observar as figuras nos cartões e, em seguida, informar a posição dos objetos ilustrados, os participantes são desafiados a compreender as figuras no processo de categorização e a demonstrar, sinalizando, a construção do sentido de espacialidade por meio da percepção visual. O que nos interessa, nessa sequência de figuras, são os momentos sinalizados nos quais os participantes falantes da Libras constroem sentidos. 123 Com relação às nossas predições, ressaltamos a possibilidade de os falantes surdos construírem sentidos por meio da percepção visual, que atua recebendo informações sob a forma de textos, imagens e cores. Pelo fato de explorarem mais o campo visual, é esperado que agreguem outros aspectos perceptuais relacionados à forma e ao movimento dos objetos, como ordenação espacial, foco e atenção, garantindo a apreensão do real. Já com relação aos falantes ouvintes da Libras, é possível que construam sentidos utilizando menos aspectos da percepção visual e, pelo fato de as coisas possuírem nomes, é possível que sinalizem os pares de objetos, de cada cartão, mais focados em outros aspectos sensoriais, como auditivos, por exemplo. Logo, os falantes ouvintes da Libras dão menos pistas de detalhes das relações entre os objetos e de como eles funcionam no ambiente. Essa nossa pretensão de verificar como o participante consegue categorizar, por meio da percepção visual, e depois sinalizar em Libras o conteúdo do cartão, construindo sentidos de espacialidade, faz com que identifiquemos como os elementos perceptuais e motores estão engajados nesse processo. Assim, a análise dos dois grupos de falantes da Libras favorece o cotejo na forma como, dependendo da ausência, ou não, de audição, recuperam os elementos perceptuais expressos no discurso durante o processo de construção do sentido. É importante ressaltar, neste momento, que a descrição das respostas tem como pano de fundo alguns elementos que contribuem para a produção de sentidos. Tais elementos configuram alguns aspectos da cognição e da corporalidade que a Libras apresenta, numa engrenagem cognitiva, isto é, são complementares às respostas adquiridas com a aplicação da atividade/teste em questão. São exemplos: 1- sensibilidade visual ao movimento e à espacialidade; 2- relação e organização entre entidades, fazendo emergir significações particulares; 3- estabilização de domínios cognitivos de acordo com as experiências; 4- fundamentação cognitiva na experiência visuoespacial; 5- inter-relação na construção dos sentidos (sentidos não isolados); 6- acionamento de componentes de estruturas mais amplas; 124 7- caracterização precisa de atributos de uma estrutura. Nesses termos, vimos que, apesar de algumas semelhanças nas respostas dos dois grupos, há diferenças no modo como os participantes utilizam a percepção visual no momento de agir, frente à necessidade de construir sentidos. É por isso que apresentamos o quadro 6, como um recorte, complementando os achados, para captarmos até que ponto os participantes constroem o sentido de espacialidade, com mais ou menos acionamentos cognitivos. Para tanto, utilizamos os sinais + (mais) ou – (menos) para nos referirmos ao grau de intensidade das propriedades levantadas, de acordo com as respostas apresentadas pelos participantes da pesquisa. Quadro 6: Demonstrativo das propriedades levantadas e intensidade de acionamentos Propriedades verificadas Surdos falantes da Libras (grupo experimental) Ouvintes falantes da Libras (grupo de controle) Exploração do campo visual + _ Uso de cores + _ Uso de classificadores + _ Utilização do movimento corporal + _ Integração movimento, espaço e corpo + _ Riqueza de detalhes + _ Detalhamento das figuras + _ Incorporação de outros conhecimentos no espaço + _ Determinação de objetos estanques (com sentidos fixos) _ + Agrupamento de entidades distintas + _ Expressão facial + _ Fonte: elaborado pela autora 125 Essas propriedades verificadas descrevem elementos que contribuem para a produção de sentidos dos falantes analisados a partir do corpus. Como vimos, estruturamos em maior ou menor intensidade a exploração do campo visual, tendo em vista que é possível (ou não) que os participantes agreguem outros aspectos perceptuais em relação às figuras apresentadas. Ao observarmos o quadro 6, verificamos que os falantes surdos exploram com mais intensidade o campo visual do que os falantes ouvintes. Nesse sentido, os surdos, ao categorizarem os objetos conceituados, como ESCADA, BOLA, MESA etc., trazem à tona experiências com esses elementos e sinalizam algo a mais que realizam experiencialmente, como, por exemplo, “escada com degraus”, “bola de basquete”, “mesa de plástico”, de tal maneira que outros elementos complementam o sentido de forma concreta ou abstrata. Desse modo, a sinalização dos falantes surdos ativa outras experiências com os objetos, procurando visualmente e espacialmente descrevê-los de modo mais detalhado. Já a percepção visual do grupo de controle é mais voltada para os elementos existentes na figura, como algo fixo. Tratando, pois, da Libras, as experiências recorrentes de seus falantes, formadoras de categorias, podem ser identificadas a partir da análise da sinalização, uma vez que a ênfase se dá no modo visuoespacial em que ela se apresenta. Logo, verificamos, em partes dos vídeos, a percepção dos participantes, considerando-se as suas experiências mais próximas e mais abstratas com o ambiente físico. Assim, vimos, na figura 7, a composição de 17 pares de objetos relacionados entre si em posições variadas. Interessa-nos agora verificar, no corpus, qual o grupo participante que apresenta maior ou menor sensibilidade ao movimento e à espacialidade. A título de exemplificação, retiramos, parcialmente, algumas transcrições cujos enunciados são referentes à figura de uma escada com uma bola em seu topo, em 13, e à figura composta de uma prateleira sob a qual se encontra uma bola, em 14, conforme as figuras correspondentes envolvendo falantes surdos (FS) e falantes ouvintes (FO). (13) FS1: “escada” (ESCADA) “subir” (SUBIRCL) “bola” (BOLA) “basquete” (BASQUETECL) “em cima” (EM CIMA). 126 FS2: “escada” (ESCADA) “subir” (SUBIRCL) “bola” (BOLA) “basquete” (BASQUETECL) “em cima” (EM CIMA). FO1: “escada” (ESCADA) “subir” (SUBIRCL) “em cima” (EM CIMA) “bola” (BOLA) “em cima” (EM CIMA) “bola” (BOLACL). FO2: “escada” (ESCADA) “subir” (SUBIRCL) “bola” (BOLA) “em cima” (EM CIMA) “bola” (BOLA CL ). (14) FS3: “bola” (BOLA) “basquete” (BASQUETECL) “prateleira” (PRATELEIRACL) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO). FS4: “prateleira” (PRATELEIRACL) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO). FO3: “prateleira” (PRATELEIRACL) “ter” (TER) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO). FO4: “prateleira” (PRATELEIRACL) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO). Para verificar de forma mais precisa o modo de apreensão das figuras, isto é, se os participantes agregam outros aspectos perceptuais em suas análises, apresentamos transcrições referentes a essas falas com o intuito de tornar mais explícitos os enunciados transcritos em (13) e (14). A ênfase é dada nos elementos perceptuais e motores recuperados no processo de construção do sentido pelos falantes da Libras. Além disso, a nossa intenção é verificar os domínios cognitivos dos falantes surdos e ouvintes com maior ou menor intensidade, de acordo com as suas experiências, e, assim, propiciar uma fundamentação cognitiva com base na experiência visuoespacial de falantes da Libras. Tentamos, portanto, nos aproximar da legitimação dos sinais no momento em que estes estão acontecendo, durante a transmissão de posições de objetos, analisando a percepção visual dos participantes da pesquisa. Nesse sentido, nas figuras de 8 a 11 (referentes à figura composta por uma escada com uma bola no seu topo) e nas de 12 a 15 (referentes à figura formada por uma prateleira sob a qual se encontra uma bola), descrevemos alguns achados. 127 Figura 8: Sinalização da figura formada pelos objetos “escada” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa Na expressão linguística indexada “escada” (ESCADA) “subir” (SUBIRCL) “bola” (BOLA) “basquete” (BASQUETECL) “em cima” (EM CIMACL), na figura 9, analisamos que FS1 usa as duas mãos para sinalizar os pares de objetos relacionados: uma para sinalizar a escada e a outra para sinalizar a bola. Verificamos também que, na construção do sentido para “uma bola em cima de uma escada” ou “uma escada com uma bola em cima”, esse falante da Libras, ao sinalizar “bola”, abre a mão e bate duas vezes para frente e para trás, classificando- a como “BOLA-DE-BASQUETE”, isto é, ele caracteriza a bola utilizando uma configuração de mão incorporada ao sinal de “bola”. Simultaneamente, o sentido de espacialidade também é explícito quando a mesma mão (sinalizando a bola e incorporando batidas para chegar ao tipo de bola e ao tipo de esporte) se fecha e permanece em cima da escada. O falante da Libras, na figura 9, ao explorar o campo visual, na sinalização “escada” (ESCADA) “subir” (SUBIRCL) “bola” (BOLA) “basquete” (BASQUETECL) “em cima” (EM CIMA CL ), dá mais pistas ao caracterizar a bola. Figura 9: Sinalização da figura formada pelos objetos “escada” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa 128 Vimos, então, que o participante da pesquisa também faz uso de uma mão para sinalizar a escada e a outra para sinalizar a bola. No entanto, na construção do sentido para a relação entre escada e bola, outros elementos perceptuais estão engajados para chegar à construção BOLA DE BASQUETE. É notório, portanto, o seu esforço cognitivo para chegar a essa construção descrevendo que batemos na bola, ela sobe para a cesta e desce, sendo, portanto, uma BOLA DE BASQUETE. Desse modo, observamos, na sequência das sinalizações, que ele incorpora outras experiências (e outros sinais complementares) para categorizar a bola. Em relação à escada, também utiliza concordância da bola com a ação de subir, de modo simultâneo, utilizando configurações de mãos, incorporadas a outros sinais que estabelecem relação espacial, fundamentais para tornar mais claro e compreensível o significado do que ele quer enunciar. Fica evidente que a sua percepção visual dá conta de sinalizar que a bola (a palma da mão se fecha) sobe e fica em cima da escada, logo depois de incorporar outros sinais para caracterizar a bola observada. Nas figuras que seguem, os participantes do grupo de controle usam sinais semelhantes para “bola”, “escada” e “em cima”, porém o modo como sinalizam as relações espaciais se diferencia dos participantes citados, em alguns momentos, na percepção de detalhes das figuras. Figura 10: Sinalização da figura formada pelos objetos escada e bola Fonte: Corpus da pesquisa O participante da figura 10 sinaliza “escada” (ESCADA ) “subir” (SUBIR CL) “em cima” (EM CIMA) “bola” (BOLA) “em cima” (EM CIMA CL) e também faz uso do sinal “escada” e de outro sinal de apoio para informar “a ação de subir da bola”. No entanto, ele interrompe essa sequência de ação fazendo outra configuração de mão para conceptualizar “em cima”, depois sinaliza “bola” E, em seguida, “bola em cima da escada”, de modo que incorpora os sinais. Observamos que ele não incorpora de imediato a relação entre os objetos, como o grupo experimental, tampouco fornece mais detalhes, como o tipo de bola. 129 A informante da figura 11 sinaliza “escada” (ESCADA ) “subir” (SUBIR CL ) “bola” (BOLA) “em cima” (EM CIMACL) e “escada” com apoio de um sinal complementar para “a ação de subir da bola”. De imediato, recupera cognitivamente os elementos perceptuais de que a bola sobe e fica em cima da escada. Logo, observa-se que ela foca o objeto em si, a bola, sem mais detalhes. Figura 11: Sinalização da figura formada pelos objetos “escada” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa Em relação à figura que contém uma prateleira e uma bola relacionadas entre si, por meio da orientação “embaixo”, os indexadores linguísticos apresentados pelos participantes do grupo experimental, a seguir, permitem descrever como acontecem os sinais utilizados no momento de enunciar o que se explorou no campo visual. Figura 12: Sinalização da figura formada pelos objetos “prateleira” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa Ao visualizarmos a figura 12, verificamos a sinalização “bola” (BOLA) “basquete” (BASQUETE CL ) “prateleira” (PRATELEIRACL) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO). Inicialmente, ele usa o sinal de “bola” incorporando outro sinal para classificá-la como “bola de basquete”. Em seguida, faz uso de pelo menos 4 configurações de mãos para reproduzir a prateleira, isto é, utiliza formas marcadoras de concordância desse objeto, tomando como referência a sua relação espacial (que ela é reta e tem apoios nas laterais). Assim que faz toda 130 a descrição da prateleira e do tipo de bola, ele localiza espacialmente a prateleira e a bola embaixo e no meio. É importante na sinalização “prateleira” (PRATELEIRACL) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO) “meio” (MEIOCL), na figura 13, a participante também usar configurações de mãos para sinalizar “prateleira”, elevando a sinalização no espaço neutro para a superfície plana e lateral e, em seguida, baixando as mãos para fazer o sinal de “bola”, isto é, espacialmente o sinal de “bola” fica abaixo do conceito PRATELEIRA, ao realizar o movimento de orientação “embaixo”, o que se pode observar na figura 13. O sentido de a bola estar no meio é percebido quando ela centraliza a bola no seu corpo. Figura 13: Sinalização da figura formada pelos objetos “prateleira” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa Na sinalização “prateleira” (PRATELEIRACL) “ter” (TER) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO), a participante da figura 14 sinaliza “prateleira” dando a ideia de VERTICALIDADE. Em seguida, faz o sinal “ter” e, depois, procura indicar o sentido da relação espacial incorporando os sinais “prateleira”, “bola” e “embaixo”. Observamos que a sua atenção não fica voltada para o fato de a bola estar no meio da prateleira. Figura 14: Sinalização da figura formada pelos objetos “prateleira” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa 131 Também na sinalização “prateleira” (PRATELEIRA CL) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO), com relação à ordenação espacial, a participante da figura 15 descreve, por meio de um sinal, a forma da prateleira. Em seguida, faz o sinal de “bola” e se utiliza de um formato de mão que representa a BOLA (com a palma para cima e na horizontal), indicando que ela está embaixo. Figura 15: Sinalização da figura formada pelos objetos “prateleira” e “bola” Fonte: Corpus da pesquisa Somando-se às descrições ressaltadas acerca do modo como ocorrem os sinais na língua, verificamos a intensidade com que os falantes surdos utilizam o movimento corporal; a integração movimento, espaço e corpo; a riqueza de detalhes das figuras; e a incorporação de outros conhecimentos. Além disso, as unidades de sinal e o fato de explorarem mais a espacialidade fazem com que o grupo experimental utilize mais o rosto com as expressões faciais mais intensas, visto que esse elemento apresenta funções linguísticas especiais, por exemplo: indicar construções sintáticas, como tópicos, orações relativas e perguntas; funcionar como advérbio; ou, ainda, quantificar (SACKS, 2010). Ademais, ao utilizarem uma língua visuoespacial, os falantes surdos trazem as formas particulares com as quais compreendem suas relações com o mundo mais intensamente, como é o caso da identificação das cores ao sinalizarem os objetos apresentados nas figuras. A trajetória de suas vivências também faz com que enxerguem fortemente esquemas organizacionais de experiências do dia a dia, a exemplo da adoção de classificadores no uso linguístico do espaço durante a enunciação dos eventos. Já sabemos que, nas sinalizações dos falantes, a descrição dos objetos, a reprodução do seu formato, do seu movimento e da sua relação espacial tornam mais claros e compreensíveis os significados sobre o que precisam enunciar. Assim, no quadro 7, encontramos enunciações dos falantes surdos e ouvintes, com maior (+) e menor (–) intensidades referentes às outras propriedades verificadas, tais como: 132 classificadores, cores, movimento corporal integrado ao espaço, riqueza de detalhes das figuras e incorporação de outros conhecimentos. Quadro 7: Ocorrências de maior e de menor intensidade de outras propriedades verificadas Falantes surdos (+ intensidade) Figura Falantes ouvintes (– intensidade) FS1: “caixa” (CAIXACL (ABERTA LARGA ALTA)) “vermelho” (VERMELH@) “semicírculo” (SEMICÍRCULOCL (FORMA– ACIMA-HORIZONTAL)) “semicírculo” (SEMICÍRCULOCL (FORMA)). FS2: “caixa” (CAIXACL (ABERTA)) “bola” (BOLA) “meio” (MEIOCL) “bola” (BOLACL (FUTEBOL)). FS3: “mesa” (MESACL (REDOND@)) “toalha” (TOALHA) “flor” (FLOR) “vaso” (VASOCL) “livro” (LIVRO) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXOCL (MOVIMENTO)). FS4: “caixa” (CAIXA) “cor” (COR) “cinza” (CINZA) “em cima-não” (EM CIMA-NÃO) “acima” (ACIMA). FS5: “dentro” (DENTRO) “bola” (BOLA) “dentro” (DENTRO) “bola” (BOLA) “espaço” (ESPAÇO) “em cima” (EM CIMA) “espaço” (ESPAÇO) “material/objeto” (MATERIAL/OBJETO) “dentro” (DENTRO). FO1: “mesa” (MESACL) “atrás” (ATRÁS) “cadeira” (CADEIRA) “atrás” (ATRÁS). FO2: “caixa” (CAIXACL) “dentro” (DENTRO) “bola” (BOLA) “dentro” (DENTRO). FO3: “mesa” (MESACL (REDOND@)) “ter” (TER) “bola” (BOLACL (EMBAIXO)). FO4: “caixa” (CAIXA) “bola” (BOLA) “acima” (ACIMA). FO5: “caixa” (CAIXA) “bola” (BOLA) “em cima” (EM CIMA CL (BATER)). Fonte: elaborado pela autora Dessas e de outras propriedades verificadas, é pertinente relatar que os resultados revelam a existência da determinação de objetos estanques em maior intensidade nas enunciações dos falantes ouvintes da Libras. Logo, ao descreverem as figuras, em (15) e (16), deixam-nos perceber a existência de sentidos fixos. (15) “caixa” (CAIXA) “lado” (LADO) “bola” (BOLA). (16) “caixa” (CAIXA) “bola” (BOLA) “embaixo” (EMBAIXO). Vê-se, pois, que, na sinalização da figura, o objeto “bola” é enunciado como estando “ao lado” ou “embaixo da caixa”, de modo muito mais fixo no espaço do que relacionada com a caixa. Nesse sentido, os falantes ouvintes, cuja proposição da fala se encerra na sucessão de sinais como referentes aos objetos, demonstram considerar menos aspectos perceptuais 133 ligados à forma destes e a como se movimentam,. Já os falantes surdos inter-relacionam os objetos durante a sinalização, o que é demonstrado quando agregam outros aspectos na emissão do pensamento por meio de suas enunciações, tais como: “caixa aberta”, “bola ao lado direito”, “bola de futebol”. Existe aqui uma forma distinta de expressar a sintaxe: os falantes ouvintes são mais tópicos e os falantes surdos criam uma ligação. Segue a análise e a descrição de frames – especificamente os Conceptuais Básicos, Interacionais, Esquema-I, Domínio-específico, Sociais, Descritores de Eventos, Roteiro e Culturais, seguindo o modelo que apresenta uma tipologia de frames, proposto por Duque (2015) –, retirados do corpus, entendidos como um conjunto de pistas a partir das quais compreendemos o mecanismo cognitivo discursivo framing em Libras. 5.2 Análise e descrição de frames Nesta seção, tratamos da categoria analítica frames, apresentada na 1.5, discorrendo sobre as relações lexicais envolvidas nas narrativas dos participantes da pesquisa que configuram framing. Apesar de comentarmos sobre basicamente oito frames individualizados, no referencial teórico, é importante ressaltar, neste momento, que eles estão interligados, isto é, os frames são acionados de modo simultâneo nos momentos em que os falantes constroem suas narrativas, não existindo, portanto, frames secundários ou menos importantes. Sendo assim, o que ocorre é um modo de explicar as formas de pensamento que existem, tendo em vista que essas acontecem num processo de estruturação de frames mais complexos por outros mais simples, ou seja, num mecanismo de ligação de frames conceituando constituência (DUQUE, 2015). Nessa perspectiva, amostras de vídeos são exibidas reforçando que o teste aplicado se direcionou pelo seguinte questionamento: como o mecanismo cognitivo discursivo framing se desenvolve em Libras? Como se dá, então, o acionamento de frames? Partimos de pressupostos de que a construção do sentido dos falantes da Libras exige que indexadores linguísticos, no caso, os sinais, acionem estruturas cognitivas conhecidas como frames (LAKOFF, 1987; JOHNSON, 1987; LAKOFF e JOHNSON, 1999; FELDMAN, 2006; DUQUE, 2015). 134 O presente recorte traz, pois, uma amostra da aplicação de um vídeo exibido para os dois grupos participantes (cinco alunos surdos falantes da Libras, do grupo experimental, e cinco intérpretes ouvintes falantes da Libras, do grupo de controle). Após a descrição dos resultados, no momento de discussão, retomamos a nossa predição de que, no contexto em que se dá a narrativa, a construção do sentido aciona processos cognitivos, tais como frames e esquemas, e a integração desses fornece modelos mentais que formam simulações perceptuais e motoras. Como já mencionamos, aplicamos atividades/testes constituídos de vídeos que narram aventuras vividas por insetos no campo. Em relação ao vídeo 1: Minuscule. S01E01. DVD Rip.x264-mOt.The.Ladybug, apresentamos, em (17), (18), (19), (20), (21), (22), (23), (24), (25) e (26), a transcrição das narrativas dos participantes FS1, FS2, FS3, FS4 e FS5 (grupo experimental) e dos participantes FO1, FO2, FO3, FO4 e FO5 (grupo de controle). Logo em seguida, comentamos sobre a descrição dos dados analisados e apresentamos o campo semântico de frames cognitivos e interacionais das narrativas de cada participante do grupo experimental. Vídeo 1: Minuscule.S01E01.DVDRip.x264-mOt.The.Ladybug 83 (17) Transcrição 84 do FS1 “parecer pequen@ joaninhacl sozinh@ aranha ver organizar teia colar pres@ quer esperar comer joaninha cl voar furar teia depois joaninha cl voar ++ ver sujo lixeira cl ter mosca pequen@ vári@ muit@ ver joaninha cl chamar perseguir cl voar cl de novo ver aranha furar teia quebrar cl placa cl bater placa cl cair joaninha cl sozinh@ de novo outr@ suj@ lixeira cl moscas ver dois perseguir embora de novo aranha organizar de novo fazer ver quebrar de novo perseguir cl rua embora”. (18) Transcrição do FS2 83 Encontrado em: . A tradução livre do vídeo encontra-se na seção que trata sobre a metodologia utilizada nesta tese. 84 Os sinais em Libras são representados por itens lexicais da Língua Portuguesa em letras maiúsculas (FERREIRA, 2010). Nas transcrições do vídeo 1 apresentamos as narrativas dos participantes da pesquisa entre aspas duplas por se tratar de enunciações linguísticas, isto é, de indexadores linguísticos que acionam frames ou esquemas, na LC. Em tradução livre: “Lá no vídeo que assisti, entendi, ficou claro! Parece uma joaninha, pequena e sozinha. Ela voa, pousa na flor e fica olhando para a aranha. A aranha também observa a joaninha e quer esperar para comer a joaninha. Ela organiza a teia e fica colada, presa. A joaninha voa e fura a teia da aranha. Depois, a joaninha vê muitas moscas, pequenas, numa lixeira, várias. Ela chama as moscas e começa uma perseguição, as moscas voando atrás da joaninha. Durante a perseguição, passam pela aranha e furam a sua teia. A teia fica quebrada, diminui. No caminho, encontram uma placa, a mosca bate na placa e cai. Depois, a joaninha, sozinha, encontra outra lixeira e começa outra perseguição, vão embora, moscas atrás da joaninha. De novo, encontram a aranha fazendo a teia, organizando. Quebram de novo a teia e vão embora”. 135 “árvore matos inseto voarcl flor pousarcl flor calma calad@ outr@ lugar aranha teiacl olh@ el@ homem vermelh@ calad@ aranha ver vontade pegar el@ teia cl organizar homem vermelh@ ver eu achar organizar 3smatar1s entender rápido embora furar teia grudar colar escapar embora ver podre mosc@ ver homem não-precisar árvore cheirar combinar sujo podre não vontade avisar não-poder você-não homem vermelh@ raiva ideia perseguir ++ árvore avisar placa cl esperar bater cl placa cair cl homem voar triste avisar fazer-não junto observar aconselhar homem ter l-i-x-o sujo sempre mosc@ fazer ir junt@ perseguir cl aranha sempre”. (19) Transcrição do FS3 “Vídeo bonito1saranha teia fio branco fazer ver 2soutr@ vermelh@ 2s joaninha cl olhar aranha fazer teia olhar aranha querer joaninha cl olhar perceber saber aranha pegar rápido furar teia cl aranha assustar joaninha cl voar ++ floresta verde voar ++ chegar ver outr@ joaninha cl mosc@ também perseguir ver encarar começar sentir medo correr voar ++ perseguir atrás outr@ ver p não-parar lutar ++ voar ++ longe vencer comoef -?- pensar estudar outr@ perseguir ver placa pensar desviar bater cair vida um cair cansadoef voar outr@ também antes aranha furar fazer de novo teia furar diminuir el@ voar outr@ gord@ mosca olhar encarar também de novo correr voar muito perceber el@ cl olhar ter descer lutar conseguir sumir não-parar continuar forte aranha vencer também”. (20) Transcrição do FS4 “árvore flor bonita árvore joaninhacl voar vermelh@ bolinha preta voar flor pousar flor outr@ pessoa aranha fazer trabalhar casa teia cl ver olhos outr@ joaninha olhar medo pegar correr aranha pegar joaninha cl voar embora furar teia buraco perder voar longe ver mosc@ suj@ lixeira cl l-i-x-o joaninha cl voar pegar comer ver pesso@ 6 mais ou menos 7 mosc@ ver bater você eu chamar correr perseguir cl Em tradução livre: “Tem árvores, matos e um inseto voando, ele pousa na flor e fica calmo, calado. Em outro lugar, tem uma aranha organizando a teia, ela fica olhando para o homem vermelho e este pensa que a aranha quer lhe matar. Rapidamente, o homem vermelho vai embora e fura a teia e a aranha escapou, pois estava colada, grudada, na teia. Depois, ele vê moscas no lixo podre, e tem vontade de avisar que não precisa ficar no lixo podre. As moscas com raiva perseguem o homem vermelho. Na perseguição, o homem vermelho tem vontade de avisar que tem placa, mas as moscas batem e caem. O homem vermelho voa triste, tentou avisar para não fazer isso, mas sempre as moscas, juntas, perseguiam a aranha, sempre”. E Em tradução livre: “No vídeo bonito, a aranha faz a teia e vê outro, vermelho, joaninha, que tem os olhos grandes, olhando para ela. Os dois se olham. O outro, joaninha, percebe que a aranha quer pegá-la e, rapidamente, voa e fura a teia, deixando a aranha assustada. O outro, joaninha, continua voando pela floresta verde e vê outros, moscas, e sente medo. A joaninha corre longe e é perseguido pelas moscas, e pensa como esperar para vencer a luta. E voa longe, muito longe. No caminho, vê uma placa e pensa em desviar. As moscas não desviaram e bateram na placa, uma caiu, rolou e ficou viva. O outro, aliviado, voa. Antes disso, furaram a teia e a aranha ficou fazendo, de novo, a sua teia. Ele voa. Outras moscas, gordas, o encaram também e, de novo, ele corre e voa muito. Ele venceu, lutou, não parou, continuou forte. A aranha também”. 136 joaninha ideia placa eu v-o-u perder joaninha passar placa mosc@ cair cl rolar cl quebrar cl perder vida quebrar joaninha voar outr@ ter muito pessoa muito não-poder voar furar teia aranha fazer de novo organizar falha fura vári@ não-poder perder voar perseguir cl voar embora”. (21) Transcrição do FS5 “então lá inseto normal explicar exemplo um vencer exemplo inseto parecer sinal exemplo achar tod@ ouvir um surdo mosquito parecer campeonato entrar saber mosquito furar tentar um furar longe não- poder depois seguir furar mosquito passar seguir bater cair olh@ sentir muito desculpa cair depois não-poder mosquito seguir furar porque conseguir visual vencer surdo um outr@ atrasar então saber seguir o que -? - não-conseguir tentar ver não-seguir fim”. (22) Transcrição do FO1 “verde floresta mat@ joaninhacl vermelho preto bolinha joaninhacl voar flor pousar que-?-aranha teiacl organizar ver encarar joaninha cl voar ++ teia bater continuar voar ++ ali lixeira cl podre mosca m-o-s-c-a-s encarar joaninha cl perseguir ++ ali aranha teia consertar organizar perseguir teia furar perseguir ++ rua caminho perseguir ali placa cl mosca bater rolar não-conseguir joaninha cl voar ver lixeira m-o-s-c-a-s ali olhar aranha teia consertar perseguir furar teia aranha medo perseguir rua caminho perseguir ++”. Em tradução livre: “Árvore, começando, árvore, flor e outras árvores próximas, muito bonitas. Existia um inseto de cor vermelha com bolinhas pretas voando e pousou na flor. Em outro lugar, tem uma pessoa, uma aranha, fazendo sua teia, que é a casa dela. A aranha observa, tem vários olhos, e a joaninha observa a aranha e fica com medo e pensa: - Acho que a aranha quer me pegar, eu vou fugir. E a aranha pensa: - Eu vou pegar você! E a joaninha voa, foge e fura a teia da aranha, e a teia furada. A joaninha voa e mais adiante existe uma lixeira com algumas moscas voando, procurando algum alimento. A joaninha se aproxima, as moscas veem, são 6 ou 7 moscas, e pensam: - Nós vamos pegar você! E a joaninha provoca: - Vem, vem! E começa a perseguição. Perseguem, voa, voa, e a joaninha viu uma placa e teve uma ideia: - Eu vou ganhar essa perseguição! Vou passar pela placa! E assim fez. As moscas bateram na placa e caíram e muitas morreram. Uma caiu, ficou deitada com olhos abertos e a joaninha voou e encontrou outras pessoas. - Nossa! Que susto! Voou mais um pouco, perseguiu e furou novamente a teia, no caso a aranha estava reorganizando da primeira furada. E a joaninha furou junto com as moscas e perderam. Voou novamente e as moscas ficaram acompanhando a joaninha”. E Em tradução livre: “Então, lá tem um inseto, normal, vou explicar, exemplo, um vence, o inseto, parece, eu acho que são todos ouvintes e um surdo, o mosquito. Parece que entraram num campeonato. Uma aranha sabe que vai ser atacada, furada. O inseto (surdo) tentou, furou e voou para longe. A aranha ficou atingida (surdo). Depois, surdo e ouvintes voltam. Os ouvintes perseguem o surdo e juntos furam a teia da aranha e continua a perseguição. Os ouvintes batem num obstáculo e caem. O surdo olha, sente muito, e pede desculpas pela queda. De novo, outra perseguição entre surdo e ouvintes e todos furam a teia. Por que conseguiu? O surdo venceu porque é visual e os ouvintes, atrasados, não conseguiram”. 137 (23) Transcrição do FO2 “inseto vermelh@ pret@ nome j-o-a-n-i-n-h-a ter “joaninhacl pret@ asa vermelh@ bolinh@cl pret@ 3 lado 3 outro flor joaninha cl pousar cl olhar ter aranha olhar começar organizar t-e-i-a el@ olhar medo como -?- aranha a-r-a-n-h-a organizar teia cl pronto -!- joaninha olhar medo voar furar teia depois joaninha cl encontrar ter m-o-s-c-a-s pret@ olhar vermelh@ quanto -?- 7 encarar olhar fugir voar ++ perseguir furar teia depois voar ++ acompanhar ter placa triângulo desviar mosc@ bater cair ver lixo cl sujo ter mosc@ vári@ j-o-a-n-i-n-h-a fugir perseguir voar de novo furar teia aranha furar destruir perseguir continuar fim terminar”. (24) Transcrição do FO3 “nome j-o-a-n-i-n-h-a ter desafio a-r-a-n-h-a primeiro mostrar como-?- aranha ter costurar organizar ter o que -?- ver v-a-i conseguir pegar el@ vermelh@ ter bolinh@ cl pret@ organizar aranha organizar ver esperar hora vai voar ter pronto -!- teia pegar esperar el@ resolver ir furar correr encontrar outro grupo m-o-s-c-a chamar vamos lá voltar lá perseguir ++ rápido então el@ ter o que -?- aranha ver furo como -?- organizar de novo esperar inseto então asa pret@ junto vermelh@ perseguir furar aranha balançar o que -?- ver ter buraco como -?- então organizar junto perseguir procurar o que -?- perseguir aqui líder joaninha cl perseguir atrás várias m-o-s-c-a-s perseguir ter triângulo mosca bater rolar morrer joaninha cl chamar mosc@ não-ligar então procurar outro grupo voar ver sujo l-i-x-o ver chamar vamos ok foi junto também perseguir voltar lá aranha ir perseguir líder el@ joaninha cl ter aranha esperar sentir tremer o que -?- ver buraco ah -!- de novo -!- acabar. Em tradução livre: “Lá no vídeo tem verde, grama, joaninha vermelho com bolinhas pretas que pousa numa flor. Vê o quê? Uma aranha, organizando sua teia. Ela olha para o inseto e os dois ficam se encarando. O inseto voa em direção à aranha, fura a teia e continua voando. O inseto vê uma lixeira e algumas moscas sobrevoando. As moscas olham para o inseto e a perseguem. Lá a aranha conserta a sua teia e os insetos furam a teia e a perseguição continua em uma rua. Continua e no caminho tem uma placa, o inseto desvia, as moscas batem, caem e morrem. O inseto volta, olha e continua a voar, vê outra lixeira com moscas voando e as moscas perseguem o inseto. Lá a aranha conserta a teia, o inseto e as moscas furam a teia. A aranha treme de medo. Na rua, caminho, a perseguição continua”. Em tradução livre: “No vídeo, tem inseto vermelho e preto, o nome é joaninha. Lá tem um inseto preto voando, vermelho, tem bolinhas pretas. Tem três bolinhas pretas em cada asa. Em uma flor, a joaninha pousa e olha uma aranha, as duas se encaram. A aranha começa a organizar a teia, a joaninha olha e fica com medo. Como? A aranha organiza e termina de fazer a teia. Na flor, a joaninha olha com medo, voa e fura a teia. Depois, voando, encontra moscas pretas com olhos grandes e vermelhos, quantidade de sete, se encaram, a joaninha foge e as moscas a perseguem. Na perseguição, furam a teia. Depois, continua a perseguição, em uma placa triangular, a joaninha desvia, as moscas batem e caem. A joaninha encontra uma lixeira e várias moscas sobrevoando. A joaninha olha para os insetos e foge. Os insetos perseguem a joaninha e, de novo, furam a teia que some. Os insetos voam sem fim”. 138 (25) Transcrição do FO4 “inseto nome j-o-a-n-i-n-h-a encontrar flor pousarcl ficar distante aranha perceber começar organizar teia pensar ver pegar organizar começar trabalhar organizar ++ distante encarar aranha sempre trabalhar organizar depois inseto j-o-a-n-i-n-h-a organizar voar ++ teia furar quase acabar teia aranha organizar sempre cl joaninha voar ++ forte voar ++ encontrar também mosc@ lixo ter muit@ mosc@ organizar comer lixo perceber também j-o-a-n-i-n-h-a continuar voar ++ mosc@ continuar perseguir voar rápido até encontar placa usar placa bater mosc@ todo bater cair só 1 continuar perseguir escorregar cair terminar”. (26) Transcrição do FO5 “história explicar agora ter j-o-a-n-i-n-h-a a-r-a-n-h-a aranha el@ parecer inseto voar muitas árvores flor árvores ter joaninha cl pousar cl ficar aranha parecer pegar el@ joaninha cl el@ medo fugir voar ++ longe chamar amig@ ajudar contra aranha joaninha cl el@ parecer comunicar mosc@ cl m-o-s-c-a-s inseto voar parecer comunicar contato asas voar chamar ajudar vamos muit@ aranha teia quebrar inseto depois raiva furar teia aranha perder inseto voltar junto também outr@ inseto”. Em tradução livre: “A história tem o quê? Explica como é a vida de um inseto, nome joaninha, contra uma aranha. Primeiro mostra como a aranha costura e organiza a teia. Por que vê que tem o quê? Vê a joaninha e, oba! Vou conseguir pegá-la. A joaninha é vermelha e tem bolinhas pretas. A aranha organiza a teia e espera a hora que a joaninha vai voar até a teia que ficará grudada e, pronto, peguei e espero.A joaninha tem uma ideia para confundir a aranha e voa rápido, fura a teia, foge e encontra um grupo de moscas e conversa. A joaninha voa rápido com o grupo de moscas. Lá a aranha vê buracos na teia, organiza, de novo, à espera de um inseto. A joaninha preta e vermelha voa e fura a teia, a aranha balança na teia e quando olha para baixo vê vários buracos. Mas como? E organiza a teia. A joaninha junto com as moscas voando, procurando o quê? Não sei, voam. A joaninha líder, na frente, e, atrás, várias moscas voam. Tem uma placa de ferro, a joaninha desvia e as moscas batem, caem e morrem. A joaninha conversa com as caídas no chão e nada, então, vai procurar outro grupo. Voa e vê que tem uma lixeira, vê e as chama, Ok! Juntas voltam até a aranha. A líder joaninha vai na frente. A aranha esperando sente tremer e quando olha para baixo vê vários buracos. Ah! Não, de novo!”. Em tradução livre: “Tem um inseto, o nome dela é joaninha. Ela encontra uma flor e pousa. Bem longe uma aranha percebe e começa a organizar a teia para pegar a joaninha. De longe, as duas se encaram. A aranha continua trabalhando e organizando a teia. A joaninha voa e fura a teia e quase que perde. A aranha organiza a teia e a joaninha continua a voar longe. Ela encontra insetos na lixeira e muitos comem lixo e percebem a joaninha, que continua a voar e os insetos a perseguem. Voam rápido até encontrar uma placa. Todos batem na placa e caem, só um continua perseguindo a joaninha, ele escorrega e cai.Terminou”. Em tradução livre: “Vou explicar a história agora. Tem uma joaninha e uma aranha. A joaninha voa, parece um inseto. Tem muitas árvores e flores. A joaninha pousa na flor. Parece que a aranha quer pegar a joaninha. Ela foge com medo e voa longe e chama as amigas para ajudá-la contra a aranha. Ela se comunica com insetos que voam e têm asas. A joaninha chama muitas moscas para ajudá-la a provocar a aranha, quebrar a teia dela, um inseto. Depois, a joaninha e as moscas, com raiva, furam a teia e a aranha perde. O inseto (joaninha) volta junto, também, com os outros insetos (moscas)”. 139 Diante das narrativas transcritas, referentes ao vídeo 1, verificamos muitos sinais que indexam referências relacionadas a INSETO na construção de sentido nos discursos dos falantes da Libras do grupo experimental e do grupo de controle. Desse modo, vários indexadores linguísticos (sinais) podem ser relacionados ao referente INSETO: fazendo referência ao conceito de “joaninha” (JOANINHA), por exemplo, temos “pequen@” (PEQUENO), “bolinh@” (BOLINHAS), “vermelh@” (VERMELHO), “pret@” (PRETO), “calad@” (CALADO), “visual” (VISUAL), “surd@” (SURDO), “asa” (ASA), “distante” (DISTANTE), “comunicar” (COMUNICAR); ao conceito de “aranha” (ARANHA), relacionam-se os indexadores “ouvinte” (OUVINTE), “presa” (PRESA), “grudar” (GRUDAR), “colar” (COLAR), “fazer” (FAZER), “consertar” (CONSERTAR), “medo” (MEDO), “costurar” (COSTURAR), “organizar” (ORGANIZAR); e, referindo-se ao conceito de “mosca” (MOSCA), encontramos “pequena” (PEQUENO), “vari@” (VÁRIAS), “suj@” (SUJO), “bater” (BATER), “correr” (CORRER), “rolar” (ROLAR), “desviar” (DESVIAR), “destruir” (DESTRUIR). Ademais, ressalta-se que, nos discursos apresentados, o substantivo ‘joaninha’ (JOANINHA) evoca experiências relacionadas ao conceito JOANINHA, isto é, as vivências armazenadas nos cérebros dos informantes evocam pistas linguísticas, tais como: “furar” (FURAR) e “teia” (TEIA). Além disso, a experiência dos falantes constata outros itens lexicais, a exemplo de “furar a teia” (FURAR TEIA). Em relação ao substantivo ‘aranha’ (ARANHA), as vivências armazenadas evocam experiências e pistas linguísticas que se relacionam ao conceito ARANHA, tais como: “organização” (ORGANIZAÇÃO) e “teia” (TEIA) De acordo com a experiência de cada falante, é constatada, também, a ativação de outros itens lexicais, como “trabalho” (TRABALHAR) e “fazer a teia” (FAZER TEIA). Já em relação ao substantivo ‘mosca’, as experiências com o conceito MOSCA trazem pistas linguísticas como: “perseguição” (PERSEGUIÇÃO) e “teia” (TEIA), ativando outros itens lexicais, como “voo” (VOAR) e “destruir a teia” (DESTRUIR TEIA). Diante dessas constatações, apresentamos, no quadro 8, algumas descrições de dados, como forma complementar de nossas análises, visando a entendermos de que modo os participantes constroem sentidos durante as narrativas, enfocando, pois, o acionamento de pistas linguísticas mais básicas, como os substantivos, as expressões nominais indexadas e os verbos de ação. Para tanto, utilizamos os sinais + (mais) ou – (menos) para nos referirmos à 140 intensidade de acionamentos cognitivos durante a construção das narrativas, ou seja, da maneira como os participantes compreendem o mundo e estruturam eventos na forma de roteiros e de cenas no processo de organização cognitiva, como demonstram apreensão de mundo, acionando esquemas-I e esquemas-X, situando-se no contexto histórico-cultural em narrativas. Quadro 8: Acionamentos cognitivos durante a estruturação das narrativas do vídeo 1 Acionamentos Surdos falantes da Libras Ouvintes falantes da Libras Apresentação de detalhes. + _ Consideração sobre a Libras (visual, muito detalhista e descritiva). + _ Expressão do lócus dos referentes 85 . + _ Expressão de locativo(s) no contexto narrativo 86 . + _ Estabelecimento de referentes para os verbos (quem está fazendo a ação em relação a quem). + _ Incorporação de outros movimentos no espaço de sinalização 87 . + _ Uso de sinais classificadores. + _ Uso de datilologia. _ + Condução da narrativa na primeira pessoa. + _ Utilização de diferentes formas de apontação (dêixis) 88 , de direção do olhar, do uso do corpo etc., no espaço de sinalização. + _ Fluidez na narração, incluindo novas considerações e emoção nos eventos. + _ Engajamento na construção da narrativa (narrador e interlocutor). + _ Fonte: elaborado pela autora 85 Lugar em que está localizado o referente ao qual o falante/narrador está se referindo, isto é, o lugar que tem o personagem do evento (teia/aranha, lixeira/mosca, flor/joaninha). 86 Lugares que são cenários para os eventos (floresta, matas, rua). 87 É o espaço em frente ao corpo no qual se distribuem os sinais. 88 O termo dêixis designa a função que os pronomes pessoais e demonstrativos, as formas gramaticais que indicam tempo, inúmeras palavras e uma variedade de outras formas linguísticas desempenham ao fazer referência à situação de produção narrativa. Encontramos em Duque ( 2012, p. 132) que o centro dêitico (Deictic Center), segundo Rapaport et al. (1994), é um modelo mental de informações a respeito do personagem, do tempo e do espaço acionadas pelo leitor no decorrer do processo de compreensão da narrativa. 141 Vimos que, apesar de os participantes falarem a mesma língua sinalizada (Libras), há considerações sobre o grupo experimental a fazer na descrição dos resultados, isto é, sobre as estruturas cognitivas que advêm das experiências sensório-motoras por meio das quais os participantes acionam pistas e formam simulações de pensamento no processo de estruturação de frames, tendo como base a estrutura linguística da língua visuoespacial e das relações lexicais que se configuram em framing. Conforme evidenciado no quadro 8, a língua visuoespacial tem, em sua estruturação, o caráter da visualidade e, por ser muito descritiva, precisa utilizar sinais classificadores que acompanhem a construção do sentido. Desse modo, os falantes da Libras do grupo experimental agregam mais a corporalidade dentro de um contexto narrativo, isto é, o seu próprio corpo parece estar dentro da cena. Nesse sentido, ao sinalizarem a narrativa, incorporam mais referentes aos eventos, utilizando-se de locativos (floresta, matas, rua) e de lócus do referente (teia da aranha, lixeira das moscas, flor da joaninha), com muito mais detalhes durante as suas descrições. É interessante ressaltar que esses participantes conduzem toda a narrativa para a primeira pessoa, fazendo novas considerações, nesse caso, para o INSETO (“mosquito”), uma representação de um surdo e outra representação de pessoas ouvintes, que participam de um campeonato, como vimos na transcrição do FS5. Observamos, também, que esse falante da Libras, na construção do sentido de FURAR A TEIA, toma o seu próprio corpo para sinalizar a furação repetida do inseto “mosquito”, isto é, ele compartilha uma configuração corpórea para esse esquema-X. As interações físicas com o ambiente também se sobressaem quando eles conduzem a narrativa utilizando a apontação (dêixis); o olhar; o movimento corporal; a necessidade de referentes para os esquemas-X (de quem está fazendo a ação em relação a quem); a incorporação de outros movimentos, a saber, usar a mão em concha como sinal classificador para a joaninha e a outra mão, que está abaixo, abrindo os dedos e os mexendo para se referir à aranha; e a utilização de outras formas de apontação para se referir a um personagem ou a coisas, a exemplo da sinalização de joaninha voando, seguindo movimentos rápidos, incorporando a ação de voar. Assim, percebe-se que o grupo experimental apresenta mais fluidez na sinalização, pois utiliza mais dêixis para falar de tal evento e retomá-lo, sendo o espaço de sinalização 142 mais explorado, e “à frente”, “ao lado”, “abaixo” etc. estabelecidos pelo próprio corpo, agregando o referente. Diante do exposto, vimos que os participantes surdos falantes da Libras ativam suas experiências de mundo e as reconfiguram nas práticas sinalizadoras proporcionadas pelas relações espaciais, visuais e de movimento, num nível de abstração e de um modo específico de se relacionar com o mundo. De fato, as pistas linguísticas encontradas nas narrativas do grupo experimental focalizam mais atributos para o INSETO “joaninha” (ter bolinhas pretas, asas e parecer uma conchinha); sinais classificadores para a “teia” (descrevendo o fio, tecendo, aumentando, sendo organizado de novo); o formato da “placa” (detalhando a sua sustentação na verticalidade, comunicando que ela está presa ao solo); e a informação de que, pela segunda vez, existem “moscas junto ao lixo”. Ademais, expressam mais emoção quando sinalizam a “aranha” tremendo de medo da “joaninha” (usando um sinal para a aranha e um classificador, incorporado, para a ação de tremer), na ocorrência de aconselhamento e de pedido de desculpas na competição entre surdo e ouvinte; e utilizam mais o movimento e a expressão corporal para dar sentido de quantidade aos referentes (muitas moscas, uma mosca) e às vezes que se repetiu o evento (“um INSETO”, “vári@ moscas”, “perseguir de novo”, “lixo dois”), bem como quando usam o sinal de moscas parecido com o de aranha (mão para baixo, dedos mais caídos para “aranha” e dedos mais levantados para “moscas”). Observamos, também, que outras categorias (homem, pessoa, surdo, ouvinte) e indexadores de outros elementos perceptuais, como a cor branca do fio da teia, foram atribuídos ao INSETO. Além disso, a característica de ser visual foi relacionada ao inseto surdo, bem como os acionamentos de frames conceptuais básicos, a saber, as noções de perigo (pela aproximação da joaninha), de estratégia (pensada pela joaninha para derrubar os outros), de campeonato (a ideia de uns vencendo os outros). Vimos que o grupo de controle, por sua vez, também realiza acionamentos cognitivos que se relacionam com a narrativa apresentada. Observa-se, contudo, que esses participantes apresentam menos imersão no acionamento de frames, o que orientam a maneira como constroem sentidos e como ativam outros eventos com seus respectivos papéis. Também observamos que as estruturas cognitivas exploradas nas narrativas são menos refinadas em 143 relação ao conhecimento de mundo experienciado, e esse refinamento poderia motivar outros eventos e resultados na narrativa, sobretudo modelando cenários. Deixando fluir a nossa descrição amplamente, é importante destacar que, no desenrolar de suas narrativas, os falantes ouvintes da Libras dão pistas da utilização de dois domínios cognitivos no processo de simulação de eventos, a saber: um domínio é o do léxico da LS, e o outro é o da estrutura sintática do português oral. Isso converge com o pensamento de que é como se eles não utilizassem a mesma LS usada pelos surdos falantes da Libras, mas, sim, o português em sinais. É um uso conjunto da LS e da língua falada, mesmo que não empreguem, em suas respostas, uma língua oral-auditiva. Nesse sentido, mesmo sabendo que os participantes ouvintes não fazem uso da fala na modalidade oral, em suas respostas ao comando de narrar a exibição do vídeo, simultaneamente à sinalização, percebemos, no desenvolvimento do pensamento, todo o instrumental linguístico de sua língua materna. Podemos inferir, com isso, que a sua língua de instrução provoca interferência na outra, que está sendo sinalizada, esta que é diferente em modo e pertence a outro canal de comunicação. Essa consideração tem a ver com o bimodalismo, prática comum entre os educadores de surdos nas décadas de 1980 e 1990 e que, provavelmente, continua nos dias atuais. Silva (2016) entende o bimodalismo como sendo o uso simultâneo de sinais da LS e de outros sinais estranhos a ela, juntamente com a oralidade. Em outras palavras, é como se fosse a mesma língua, mas em duas modalidades diferentes, por isso o termo bimodal e não bilíngue (SILVA, 2016, p. 45). Os estudos de Sacks (2010) a respeito da cultura própria e dos desafios linguísticos que as pessoas surdas enfrentam afirmam que falar e usar sinais simultaneamente não assegura vantagens de ambas as línguas na prática. De acordo com esse autor, pode ser neurologicamente impossível usar língua sinalizada e falar oralmente ao mesmo tempo. Para ele, “a própria fala tende a ser artificialmente desacelerada para permitir que sejam feitos os sinais, mas, mesmo assim, a comunicação por sinais sai prejudicada, tende a ser mal executada e pode, de fato, omitir sinais importantes” (p. 188). 5.3 Análise e descrição de metáforas e metonímia em Libras 144 O fato de desenvolvermos, no referencial teórico, conceitos de metáfora e de metonímia de modo separado não significa dizer que assim são entendidos nesta tese. Nesse momento de análises e nas discussões posteriores, evidenciamos o quanto esses fenômenos cognitivos estão associados. Desse modo, vemos que os falantes surdos e ouvinte da Libras acionam frames quando expressam informações já ativadas, seguindo uma linha de raciocínio e um campo semântico explorado. Sendo assim, os discursos dos participantes se baseiam em narrativas, ou seja, nos próprios frames que contam a história. Logo, recorrem a recursos linguísticos que estruturam eventos e, na constituição destes, encontramos a metáfora e a metonímia. Assim, analisamos se existem preenchimentos de detalhes em suas narrativas que permitem identificar esses fenômenos cognitivos. Nessa perspectiva, utilizamos as narrativas do vídeo 1, em análise, direcionado pelo seguinte questionamento: Como se realizam projeções metafóricas e metonímicas em Libras? Inicialmente, verificamos que a própria escolha de um determinado sinal em Libras tem base metafórica, isto é, há integração de circuitos neurais fazendo com que sejam estabelecidos mapeamentos metafóricos. Entretanto, há também, na ocorrência do sinal, a prevalência de uma (ou mais) parte(s) saliente(s) que evoca(m) o frame inteiro. Desse modo, podemos inferir que os surdos falantes da Libras tendem a realizar projeções metonímicas com frequência, ou seja, o que mais se destaca no campo visual do falante surdo da Libras passa a representar o todo. É o que observamos, por exemplo, na criação de sinais para as pessoas, em que o falante surdo da Libras observa um detalhe saliente, uma característica física qualquer, na pessoa, que passa a servir de base para a construção desses sinais. É básico, portanto, o uso metonímico em Libras, visto que, no processamento dessa língua, cognitivamente, os falantes (surdos) utilizam-se desse mecanismo para conceptualizarem um domínio e, nele, conceptualizar outro domínio para, assim, conceptualizar um TODO e/ou uma PARTE, de modo complexo, associados a descrições pormenorizadas. Logo, os surdos falantes da Libras focalizam os detalhes dos objetos a partir da realização de um rastreamento visual linear. Sendo assim, são captados todos os detalhes do ambiente, sendo descritos de modo a focalizarem elementos salientes. Esses elementos em destaque são utilizados, então, para conceptualizar o todo. Os ouvintes falantes da Libras, por 145 sua vez, vasculham o ambiente em busca de formas e texturas já conhecidas sem se ocupar dos detalhes envolvidos nessas formas. Isso é evidenciado nas figuras 16 e 17, por exemplo. Figura 16: sinalização de TEIA Figura 17: sinalização de TEIA (grupo experimental) (grupo de controle) Fonte: corpus da pesquisa Vemos, nas pistas, que as experiências organizadas mentalmente no falante surdo da Libras envolvem relações cotidianas na representação de uma teia. O sistema conceptual permite a evocação do padrão TEIA por meio do acionamento de esquemas, tais como: puxar um fio (usando a configuração de mão fechada, e apenas o indicador aberto para cima); puxar outro(s) fio(s) (mesma configuração de mão, dessa vez usando as duas); organizá-los (mãos para cima, palmas para frente, e indicadores e polegares juntos, fazendo movimento circular) até metonimicamente sinalizar a teia (mãos para cima, palmas para fora e apenas os polegares para frente, fazendo movimento para fora). No grupo de controle, aqui também representado por um falante da Libras, vimos que a TEIA é evocada por meio do sinal “organizar” (mãos para baixo, palmas para baixo, e indicadores e polegares juntos, fazendo movimento circular) para sinalizar e destacar a TEIA. Outro exemplo que merece ser destacado neste momento de análise de projeção metonímica em Libras é o acionamento, feito pelos falantes dos dois grupos, do esquema-X PERSEGUIÇÃO (aranha querendo atacar a joaninha, e moscas perseguindo a joaninha) provocando medo. Desse modo, é o medo, incorporado nos sinais, que designa a perseguição. Ao perceberem o mundo dessa maneira, os surdos falantes da Libras constroem expectativas e formas de pensar ancorados em detalhes do aspecto visuoespacial dos ambientes. Toda a estrutura cognitiva, desde os esquemas mais básicos até os esquemas mais complexos (frames,) é fundamentada na experiência corporificada (EVANS e GREEN, 2006, 146 apud DUQUE, 2015). No caso do falante surdo da Libras, essa experiência se fundamenta principalmente na visão. Teorizar sobre algo envolve domínios conceptuais (GRADY, 1997 apud DUQUE, 2015; LAKOFF e JOHNSON, 1999) sobre os quais construímos pensamentos abstratos. Sendo a experiência dos surdos falantes da Libras predominantemente visuoespacial, como é possível a formulação de domínios mais abstratos? Pensamos que a LS também envolve recursos metafóricos na produção de sentidos mais abstratos. Se, de acordo com Lakoff e Johnson ([1980] 2002), as metáforas emergem das nossas relações corporais e, sendo o corpo a base da Libras, é evidente o papel das metáforas primárias (GRADY, 1997, apud DUQUE, 2015) na construção dos sentidos para o falante surdo da Libras. Vemos, por exemplo, que a sinalização do item lexical (sinal) parte do corpo. Existe, pois, uma ponte entre a proximidade corporal e o ambiente físico, fazendo com que os sinalizadores realizem rastreamentos o tempo todo nas relações entre si e as coisas e suas evocações. Com relação à formulação de domínios mais abstratos, é possível verificar nos surdos falantes da Libras esquemas que servem de base para as projeções metafóricas. Desse modo, verificamos a evidência de metáforas primárias. Nesse sentido, vemos, nas figuras 17 a 21, que os esquemas corporais das sinalizações dos surdos falantes da Libras têm a ver com as construções metafóricas, o que será descrito a seguir. Para tanto, consideramos os acionamentos cognitivos de FS1, FS2, FS3, FS4 e FS em suas evocações. (FS1) “[...] aranha ver organizar teia colar pres@ quer esperar comer joaninhacl [...]”. Em tradução livre, A aranha quer comer o inseto joaninha. (FS2) “[...] outr@ lugar aranha teiacl olh@ el@ homem vermelh@ calad@ aranha ver vontade pegar el@ [...]”. Em tradução livre, A aranha quer pegar o homem vermelho que é a joaninha. (FS3) “[...] ver outro vermelho olhar aranha querer joaninhacl olhar perceber saber aranha [...]”. Em tradução livre, A aranha quer para si o outro vermelho que é a joaninha. (FS4) “[...] outr@ pessoa aranha fazer trabalhar casa teiacl ver olhos outr@ joaninha olhar medo pegar correr aranha pegar joaninha cl [...]”. Em tradução livre, A outra pessoa aranha quer pegar a joaninha. (FS5) “[...] achar tod@ ouvir um surdo mosquito parecer campeonato entrar saber mosquito furar tentar um furar longe [...]”. Em tradução livre, A aranha é furada pelo surdo e os mosquitos ouvintes. 147 Logo, percebemos na sinalização da narrativa, figura 18, que o desejo da aranha de se alimentar da joaninha faz com que o sinalizante acione o sinal “comer”, ativando o esquemas- I CONTÊINER e ORIGEM-CAMINHO-META (OCM). Figura 18: sinalização de “quer comer” Fonte: corpus da pesquisa Nesse momento, o sinal executado pela sua mão (estava aberta e em seguida se faz o movimento de fechar para sinalizar que quer se alimentar da joaninha, o movimento de comer) fechada é conceptualizado como um CONTÊINER, em que o interior é a palma da mão e o seu próprio corpo. Desse modo, o interior é a cavidade bucal e o portal é conceptualizado pela boca em si. O conteúdo é a própria joaninha preenchendo o desejo de ter alimento. Vemos que essa sinalização aciona, também, o esquema-I COM, em que o interior da boca é a meta. O falante surdo da Libras, nesse caso, está mostrando o próprio corpo como sendo um CONTÊINER em que ele insere coisas. Na sinalização da narrativa, na figura 19, percebemos que pegar também ativa o esquema-I CONTÊINER, em que a mão (que se fecha), sinalizando a ação de pegar, aciona um CONTÊINER, e a coisa que vai se pegar, a joaninha, passa a ser o conteúdo. Figura 19: sinalização de “pegar joaninha” Fonte: corpus da pesquisa Na figura 19, vemos que o falante surdo da Libras abre a mão, para baixo, em direção ao INSETO/joaninha (outro, homem vermelho) e, em seguida, fecha, sinalizando a ação de pegá-lo. 148 Nas sinalizações das figuras 20 e 21, observamos que, ao sinalizarem o movimento de querer a joaninha para si, os surdos falantes da Libras se valem de metáforas primárias envolvendo um movimento direcionado. No esquema-I OCM, a meta é o próprio surdo sinalizador (ele está se colocando na posição da joaninha), nesse caso. Figura 20: sinalização de “quer joaninha” Figura 21: sinalização de “pegar joaninha” Fonte: corpus da pesquisa Na Figura 20, vemos que o falante surdo da Libras abre as duas mãos para cima sinalizando que quer o INSETO/joaninha e, em seguida, vira as mãos para baixo e fecha fazendo o movimento para si. Na figura 21, a falante surda da Libras utiliza a mão aberta, direcionada para baixo, e, em seguida, fecha-a, sinalizando que a aranha quer pegar a joaninha. Vimos, nas figuras anteriores, que os falantes da Libras constroem metáforas primárias que envolvem o corpo como base para a construção do significado, no entanto, os surdos falantes da Libras promovem quebra de expectativa, adquirindo outras nuances, como utilizar elementos da própria cultura. É importante destacarmos que, nas narrativas, existem mais do que metáforas primárias. No caso da figura 22, a falante evoca um surdo no lugar da joaninha, ouvintes no lugar das moscas e a aranha é o seu próprio corpo. Vemos que essa sinalização aciona também metáfora congruente, pois, culturalmente, a falante sinalizadora compara seu universo com o universo dos insetos, de modo que o universo dos insetos é conceptualizado como o universo dos surdos. Nesse sentido, ao sinalizar que o surdo vence porque é visual e que os ouvintes perdem pelo fato de se atrasarem, a sinalizante faz uma comparação, fazendo-nos perceber que, em sua narrativa, a metáfora é congruente, pois está fundamentada na cultura, ou seja, a 149 falante propõe um estado de oposição de entidades, que, nas relações de mundo, evocam outras escolhas subjetivas. Nesse sentido, na narrativa apresentada, são considerados aspectos culturais para criarem metáforas congruentes e a falante consegue perceber que os insetos têm muita similaridade com os surdos. A falante, portanto, consegue identificar os papéis da joaninha, das moscas e da aranha e o que esses insetos têm de recursos de ataque e de defesa. Figura 22: sinalização de surdos e ouvintes furando a aranha Fonte: corpus da pesquisa Vemos, pois que, na figura 22, a falante surda da Libras sinaliza “surdo (mosquito) outr@ (moscas/ouvintes) aranha furar”89, isto é, para sinalizar o surdo (mosquito), usa a configuração de mão formada pelo indicador e polegar juntos. Em seguida, sinaliza as moscas/ouvintes usando a outra mão aberta, junto com o sinal para “surdo”. Após a identificação desses referentes no espaço de sinalização, ela representa a aranha por meio do seu próprio corpo, utilizando-se das duas mãos abertas e de expressões corporal e facial, fazendo movimento direcionado para dentro do corpo curvado, isto é, o espaço de sinalização da aranha é o interior do próprio corpo. Em seguida, para sinalizar que surdo e ouvintes furam a aranha, a falante surda da Libras mantém o corpo curvado para a frente (aranha) e realiza o movimento necessário do ato de furar a teia da aranha, utilizando-se das duas mãos (uma é o surdo e a outra o ouvinte) para o interior do seu corpo (espaço onde está a aranha). Nesse processo de simulação mental, vemos que a falante constrói sua narrativa no espaço mental contrafactual por meio de uma sequência de ações que ativam esquemas e frames integrados, os quais são evidenciados em domínios conceptuais distintos. Nesse caso, os fatores culturais aparecem fortemente no discurso desse participante do grupo experimental. 89 Em tradução livre: “O surdo e os ouvintes furam a aranha”. 150 De fato, a falante da Libras, por meio das pistas linguísticas, evoca circuitos neurais relacionados à ação de furar a teia, à percepção de um campeonato, e à experiência cultural de que ser surdo é viver numa batalha, em que existem vencedores e vencidos. Nesse contexto, os indexadores linguísticos orientam a simulação de um determinado sentido que, nesse caso, é orientado pela cultura da pessoa surda. Vimos que, durante a simulação mental, refinamos informações e ajustamos o nosso sistema neural por meio de inferências. Tomando como exemplos as metáforas primárias CORPO É CONTÊINER e MÃO É CONTÊINER, podemos dizer que as inferências esquematizam o esquema-I frame básico conceptual CONTÊINER. Nesse caso, corpo e mão fazem emergir outras inferências metafóricas. Vejamos, na figura 23, um exemplo de metáfora congruente: UNIVERSO DO INSETO É UNIVERSO DO SURDO. Figura 23: sinalização de o surdo é campeão e os ouvintes atrasaram Fonte: corpus da pesquisa Nessa figura (23), “Furar++ porque conseguir visual vencer surdo um outr@ atrasar”90, vemos que existem diferentes indexadores do universo linguístico e cultural da Libras sinalizados com diferentes configurações de mãos, construindo sentidos para a expressão linguística. Assim, a sinalizante utiliza as mãos com o dorso para a frente, fechadas, e apenas os indicadores abertos apontando para si, fazendo movimento de entrar, para sinalizar a ação de furar (mais de uma vez); em seguida, ela utiliza essa mesma configuração de mãos, sendo uma com o dorso para cima e a outra com o dorso para baixo, para indexar “também”. 90 Em tradução livre: “Todos furam. O surdo consegue ser campeão porque é visual. Os outros (ouvintes) atrasaram”. 151 Depois, com uma mão, indexa “conseguir”, utilizando a mão fechada para baixo e apenas o indicador e polegar abertos, passando próximo ao seu pescoço, da esquerda para direita. Em seguida, indexa o sentido de visual utilizando as duas mãos em V, palmas para baixo e fazendo movimento circular em frente ao seu corpo, para dar o sentido de vencer. A falante surda da Libras utiliza uma mão parcialmente fechada, com o indicador aberto, com o dorso de lado, embaixo da outra mão, parcialmente fechada, com o indicador, o médio e o polegar separados, de lado, fazendo o movimento de passar por cima e depois se fechando. Ao analisar a metáfora congruente UNIVERSO DO INSETO É UNIVERSO DO SURDO, podemos dizer que as inferências que surgem a partir do domínio UNIVERSO DO INSETO são a) no mundo dos insetos, há disputa do espaço entre os seres; b) na disputa, a joaninha é mais esperta; c) por ser mais esperta, a joaninha leva mais vantagem; d) alguém (a joaninha) vence os outros (aranha e moscas). As inferências feitas a partir do domínio UNIVERSO DO INSETO são transferidas para o domínio UNIVERSO DO SURDO: a) no mundo dos surdos existe competição com os ouvintes; b) o surdo usa melhor a visualidade e percepção das coisas; c) é mais vantagem ser visual; d) com o poder da visualidade, o surdo consegue vencer os ouvintes. Assim, as experiências concretas envolvendo SURDO e UNIVERSO são tidas como bases para os mapeamentos e ligações entre os domínios. A possibilidade de vencer o outro, de ser tão capaz de competir e de vencer, fornece subsídios para construir a sua identidade surda frente à imposição cultural (e outras) da pessoa ouvinte. Quando a falante surda da Libras transfere essa necessidade de viver em sociedade, como qualquer pessoa, ela consegue criar abstrações ao ponto de simular mentalmente que, no universo em que se encontra a pessoa surda, também há formas de empoderamento, que permitem fluidez em suas formações discursivas. 152 Frente a essas considerações sobre essa língua visuoespacial, percebemos na sinalização de informações espaciais do falante surdo da Libras: “ter” (TER) “pessoa” (PESSOA) “acima” (ACIMA) “bem” (BEM) “mal” (MAL), na figura 24, que ele utiliza a sua corporalidade para expressar o bem (para cima) e o mal (para baixo). Figura 24: sinalização de informações espaciais Fonte: Corpus da tese Vemos que, para o falante da Libras sinalizar que tem pessoa que está acima do bem e do mal, ele faz uso metafórico de espaço diferenciando a orientação com o sinal de “bem” e de “mal”, mas também utiliza sinalização “acima” como sendo PARTE-TODO de uma informação espacial. Quando ele enuncia “acima do bem”, utiliza-se do espaço físico, da orientação, do movimento e da expressão facial voltados para cima do seu espaço de sinalização. O mesmo não ocorre quando enuncia “acima do mal”, pois, nesse caso, o espaço físico, a orientação, o movimento e a expressão facial estão voltados para baixo. Vemos que: acima do bem, os olhos estão para cima; e acima do mal, os olhos e a boca estão caídos. Sendo assim, a expressão metafórica TEM GENTE QUE SE ACHA ACIMA DO BEM E DO MAL. Verificamos, pois que o modo como processam cognitivamente a expressão metafórica TEM GENTE QUE SE ACHA ACIMA DO BEM E DO MAL segue a base corpórea consonante a forma como se locomovem no mundo utilizando-se de esquemas de base realizando construção metafórica. Logo, o conceito ACIMA DO BEM organiza o conceito de orientação espacial PARA CIMA. Além disso, o falante surdo da Libras faz valer o processo metonímico PARTE-TODO ao realizar a associação física da sinalização, ou seja, quando emerge a experiência cotidiana de que ACIMA é espacialmente localizada no alto do espaço de sinalização. Podemos inferir que, nesse caso, a metonímia é um elemento motivador na estabilização da atividade cognitiva 153 metafórica, atrelada a fatores socioculturais, e, também podemos dizer, à localização espacial dos sinais executados. Metáforas orientacionais (Lakof e Johnson, [1980]2002) baseadas em conceitos físicos – como vimos: ACIMA, ABAIXO, etc. – são consideradas simples e fundamentais no sistema conceptual de qualquer falante de uma língua, entretanto, podemos elaborá-las em termos muito mais específicos, de modo que podemos detalhar e estruturar muito mais conceitos. Como dissemos anteriormente, a base corpórea na língua visuomotora permite que seus falantes expressem domínios conceptuais resultantes da relação corpo, ambiente e cognição, de maneira que a corporalidade fica bastante evidente na construção de sentidos. Esse entendimento e o postulado de que o corpo é um CONTÊINER e visto como algo que possui uma TRAJETÓRIA possibilitam verificarmos que os falantes da Libras expressam os sentimentos utilizando o corpo, isto é, o interior e o exterior do seu próprio corpo. Dito de outra forma, o corpo é um recipiente que comporta os sentimentos. Logo, SENTIR, RAIVA, ASSUSTAR, CANSADO e MEDO são conteúdos que podem sair do corpo do sinalizante ou entrar, definindo conceitos que mostram que compreendem o mundo mais corporificado que o falante de língua oral. Fato a destacar é que corporalmente os falantes surdos utilizam-se de expressões faciais que auxiliam o sentimento mais intensificado, como pode ser visualizado na figura 25. Figura 25: sinalizações de expressões de sentimentos SENTIR RAIVA ASSUSTAR CANSADO MEDO Fonte: corpus da pesquisa Logo, percebemos que metáforas primárias e congruentes são conceptualizadas no corpo. Consideram, pois, domínios como PESSOA COM SENTIMENTO, PESSOA COM RAIVA, PESSOA COM SUSTO, PESSOA COM CANSAÇO, PESSOA COM MEDO e CONTÊINER e o movimento da TRAJETÓRIA desses e de outros sentimentos para dentro ou para fora do corpo, cujo sinal pode ser localizado na cabeça, estômago, coração, lado do tórax etc. 154 CAPÍTULO 6 – DISCUSSÃO Comecei a interessar-me pelos surdos – sua história, suas dificuldades, sua língua, sua cultura – quando recebi os livros de Harlan Lane para fazer a crítica. Em especial, obcecaram-me as descrições de pessoas surdas isoladas que não haviam conseguido aprender nenhuma língua: suas evidentes incapacidades intelectuais e, tão grave quanto isso, os reveses no desenvolvimento emocional e social que podiam vitimá-las na ausência de uma língua ou comunicação autêntica. Oliver Sacks (SACKS, 2010, p. 41). Passado o momento de análise dos elementos que estão subjacentes ao domínio linguístico, procedemos à discussão dos dados apresentados, relacionando-os ao referencial teórico da LC e da TNL, aportes deste trabalho. Inicialmente, considerando-se a importante função da linguagem de categorizar o mundo em que os seres humanos atuam, por meio de um processo de ordenamento cognitivo e discursivo, interessa-nos discutir esquemas na noção de atribuir sentido às coisas, partindo das experiências recorrentes que formam padrões abstratos. Para tanto, as enunciações durante a análise de percepção visual a respeito das figuras formadas pelos objetos “escada” e “bola”, “prateleira” e “bola”, relacionados entre si, fornecem pistas que possibilitam verificar a ativação de esquemas-I e de esquemas-X. 6.1 Discussão sobre esquemas Entendidos por Johnson (1987) como estruturas cognitivas, formadas a partir das experiências sensório-motoras, os esquemas-I, conforme se expôs na seção 1.5.3, oferecem noções básicas de orientação, de movimento, de forma, de equilíbrio etc. Desse modo, observamos os seguintes esquemas-I: LIGAÇÃO PARTE-TODO, LIGAÇÃO CENTRO-PERIFERIA, TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA e LIGAÇÃO TRAJETOR-MARCO, acionados pelos indexadores linguísticos e evocados pelos participantes da pesquisa. A percepção que envolve experiências corpóreas recorrentes a partir de um contexto, como base, no momento da percepção gestáltica, ou seja, da focalização de eventos e de 155 coisas, permite ativar o esquema-I LIGAÇÃO PARTE-TODO. Esse é constituído no momento em que os falantes tomam a consciência da configuração dos objetos, isto é, de que existe um todo – a escada, a bola, a prateleira – formado por partes – as pernas da escada, os braços da prateleira, o formato arredondado da bola. No aporte teórico, vimos que nesse frame básico só existe o todo se as partes estiverem em uma configuração (membros configurados). Assim, as partes são realçadas como específicas do todo, configurado como escada com uma perna, escada com duas pernas, prateleira formada de componentes horizontais e de componentes verticais. Nesse sentido, a estrutura da língua visuoespacial dá suporte a domínios cognitivos culturais, considerando-se as manipulações e as interações com os objetos, de modo que o refinamento da língua é resultante de recriações, reativadas e revividas pelas estruturas neurais. Aos sinais, interligam- se os classificadores, discutidos anteriormente como modificações no sinal para referenciar e/ou descrever alguma característica dele, construindo significado no contexto discursivo. Também é evidente o acionamento do esquema-I LIGAÇÃO CENTRO-PERIFERIA, nos enunciados linguísticos sob análise, estruturado pelos papéis centro e periferia, visto que o espaço também é concebido com esses papéis. Esse esquema é ativado quando os falantes, em seus discursos, percebem quais elementos são tidos como figura – por exemplo, a enunciação de que existe uma caixa e, atrás dela, com o papel de fundo, existe uma bola ou um semicírculo ou até mesmo uma cadeira. Notavelmente, os surdos falantes da Libras ativam conteúdos não associados a experiências sensoriais auditivas e, por isso, apresentam um detalhamento muito maior dos atributos que se constituem mais como figuras. As experiências corporais mais básicas dos falantes da Libras também fundamentam o esquema-I TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA, evocando movimentos que pressupõem a ativação de circuitos neurais envolvidos na realização de deslocamento espacial. Nesse sentido, a fundamentação cognitiva na experiência visuoespacial faz com que os falantes ativem circuitos neurais e evoquem conceitos de movimentos orientacionais (embaixo, em cima, meio etc.) presentes nas sinalizações das figuras. A partir das sinalizações dos surdos falantes da Libras, esse esquema (mais evidenciado) pode ser ativado, pois as enunciações revelam que um objeto está se deslocando de um ponto de partida (origem); que existe um objetivo, a meta de chegada desse objeto; e que este deve passar por pontos intermediários (a bola percorrendo a trajetória para subir na 156 escada, a bola percorrendo a trajetória para passar e ficar embaixo da prateleira). Por fim, a sequência de espaços conecta os pontos de partida e de chegada em uma direção. Ao observarmos as ilustrações de 9 a 16, é pertinente ressaltar que os surdos falantes da Libras acionam intensamente os papéis desse esquema no desenvolvimento do pensamento em fluxos contínuos. Ainda entendidas como um conjunto de pistas, as enunciações dos falantes da Libras ativam o esquema LIGAÇÃO TRAJETOR-MARCO, pois veem as entidades se moverem de um ponto (origem) a outro (marco) no espaço. O trajetor é uma bola que se desloca (por isso mais dinâmico) em direção a um marco (algo fixo), que, no caso das figuras, é representado por outro objeto (que pode ser escada, prateleira, caixa, mesa etc.), aonde o trajetor vai chegar. Os esquemas-I ativam a capacidade de assentar as nossas experiências em contextos específicos e de construir sentidos. Logo, criamos percepção o tempo todo acerca das coisas, muito embora limitada por aspectos físicos e sensoriais, de acordo com a nossa capacidade experiencial. Em linhas gerais, além de nossa percepção gestáltica 91 (LAKOFF, 1987; LAKOFF e JOHNSON, 1999), também temos capacidade de ação ao considerarmos os eventos e as coisas que estão ao nosso redor, envolvendo locais, objetos etc. Temos, portanto, a percepção da affordance, essa capacidade cognitiva que permite construir possibilidades de interação entre organismo e ambiente (GIBSON, 1979). Continuando essa discussão, podemos dizer que o modo como categorizamos o mundo, partindo de um ponto de vista determinado, tem base nos domínios cognitivos, construídos por meio de percepções sensoriais que moldam a nossa compreensão das coisas. Imaginemos uma pessoa com surdez que vive num mundo não auditivo. Ela vai ter sua capacidade sensorial diferente de outra pessoa que vive em outro ambiente, no caso, auditivo. No entanto, como a base para construir sentidos é experiencial, suas experiências individuais distintas também são compreendidas no contexto sociocultural. Desse modo, os eventos que 91 Segundo Santos (2014, p. 48), a percepção gestáltica não pode ser compreendida como a percepção do real, pois envolve uma experiência corpórea. Por esse motivo, podemos compreender situações que abranjam fatos ficcionais. 157 envolvem objetos em contextos situados, que, por sua vez, também envolvem a manipulação desses objetos, fazem com que um frame básico seja acionado, de acordo com o que já está existente na memória. Nesse processo de ativação de circuitos neurais ligados às experiências sensoriais e socioculturais, os esquemas-X também são ativados, pelo fato de estarem ligados à simulação de ações. Mais detalhadamente, vimos que esses esquemas estão ligados a verbos de ação na constituição de eventos e fazem com que cada pessoa modele uma cena. Nesse caso de verificar a construção do sentido de espacialidade, por meio da percepção visual, o repertório conceptual dos falantes da Libras pode ser ativado no que concerne à experiência espacial e motora. Desse modo, na simulação perceptual, além de marcadores de concordância dos objetos, as configurações de mãos (mão parcialmente fechada com os dedos indicador e médio se movimentando – para indicar a subida da bola na escada – e mão aberta – para indicar a batida da bola de basquete), são utilizadas pelos falantes da Libras como marcadores de ação – subir e descer – e como proporcionadores da experiência visual de esquemas-X. Os domínios cognitivos permitem, portanto, criarmos a concepção de que uma bola foi lançada até chegar à escada, associando-lhe o movimento e o formato da bola. Nesse sentido, quando os falantes categorizam o objeto bola, nas situações diferenciadas (apresentadas), eles conceptualizam, mas também dizem o que sabem a respeito do objeto determinado, isto é, para que serve, qual a cor, o tamanho, o formato etc., de modo a organizar as entidades e a atribuir-lhes, assim, significações particulares. No quadro 9, visualizamos esquemas-I e esquemas-X acionados nas enunciações transcritas referentes às figuras de 8 a 15. 158 Quadro 9: Esquemas-I e esquemas-X acionados nas enunciações das figuras de 8 a 15 Esquemas-I Esquemas-X TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA (BAIXO - EM CIMA) (BOLA) X SUBIR EM Y (ESCADA) TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA (BAIXO - EM CIMA) (BOLA) X SUBIR EM Y (ESCADA) TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA (BAIXO - EM CIMA) (BOLA) X SUBIR EM Y (ESCADA) TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA (BAIXO - EM CIMA) (EU) X COLOCAR Y EM Z (PRATELEIRA) Elaborado pela autora A seguir, apresentamos discussões sobre o acionamento de frames pelos falantes da Libras, fazendo-nos entender como o framing se desenvolve nas narrativas apresentadas no vídeo 1, exibido durante a aplicação das atividades/testes. 6.2 Discussão sobre frames Ao realizarmos a leitura das transcrições dos falantes surdos da Libras e verificarmos as formas particulares como os participantes compreendem suas relações com o mundo e, assim, constroem sentido, ressaltamos o frame conceptual básico INSETO e localizamos, sob essa perspectiva conceptual, outros frames, como ARANHA e MOSCA. Frame INSETO Neste momento, destacamos três eventos como variações nos discursos narrativos em relação ao vídeo 1: (i) evento em que o INSETO é caracterizado pelos narradores; (ii) evento em que o INSETO fura a teia; e (iii) evento em que o INSETO fura a teia novamente. Considerando-se que os discursos dos surdos e dos ouvintes falantes da Libras são baseados em frames, e estes, por meio de narrativas, contam a história do vídeo (1), tomamos para as discussões as narrativas de FS1, FS2, FS3, FS4 e FS5. 159 Verificamos, no momento das narrativas, que os falantes tratam sobre o INSETO sendo caracterizado pelos narradores (i) e que esse frame (INSETO) é indexado por meio da verificação das expressões linguísticas “[...] parecer pequen@ joaninhaCL sozinh@ aranha ver organizar teia [...] 92” (FS1); “[...] outro lugar aranha teiaCL olh@ el@ homem vermelh@ calad@ aranha ver [...] 93” (FS2); “[...]1sAranha teia fio branco fazer ver 2soutr@ vermelh@ 2s joaninha CL olhar aranha fazer teia olhar aranha querer joaninha CL olhar perceber [...] 94” (SF3); “[...] árvore flor bonita árvore joaninhaCL voar vermelh@ bolinha preta voar flor pousar flor [...] 95” (FS4); e “[...] um vencer exemplo inseto parecer sinal exemplo achar tod@ ouvir um surdo mosquito parecer campeonato [...] 96” (FS5). (grifos nossos) Logo, o frame INSETO é acionado por meio dos itens lexicais em destaque nas narrativas dos surdos falantes da Libras. As expressões nominais e os itens lexicais que participam da construção desse frame descrito estão na figura 26. Figura 26: Representação em grafo do frame INSETO sendo caracterizado Fonte: elaborado pela autora 92 Parece pequena a joaninha e está sozinha. A aranha organiza a teia e vê a joaninha. 93 Em tradução livre: “Em outro lugar a aranha, na teia, olha o homem vermelho que está calado”. 94 Em tradução livre: “A aranha faz a teia com o fio branco, o outro, vermelho, a joaninha olha a aranha fazendo a teia. A aranha olha, percebe e quer pegar a joaninha”. 95 Em tradução livre: “Tem árvore, flor bonita. A joaninha vermelha, com bolinhas pretas, voa e pousa na flor”. 96 Em tradução livre: “Um vence, exemplo, parece o sinal, eu acho. Todos ouvintes, e um surdo mosquito, parece um campeonato”. 160 Vimos, pois, que o INSETO, para esses participantes, pode ser uma joaninha, um mosquito etc., mas essa “identidade” (grifo nosso) para ele (INSETO) é extrapolada, chegando a ser uma pessoa e, além disso, também é existente a subcategorização de surdo e ouvinte. As expressões nominais “joaninha”, “homem”, “mosquito” “ouvinte” e “surdo” estão associadas à forma como os surdos falantes da Libras categorizam a identidade do INSETO e também são indexadas pelas expressões “calado”, “pequeno”, “vermelho”, “normal” e “sozinho”. Essas características do frame INSETO parecem refinar a visão que esses falantes têm do pequeno ser que abre a história, que, a princípio, parece ser indefeso e dócil, mas, depois, é autor de disputa e malvadeza. Nas narrativas que tratam sobre o INSETO furar a teia (ii), esse frame (INSETO) é indexado por meio da verificação das expressões linguísticas “[...] esperar comer joaninhaCL voar furar teia [...] 97” (FS1); “[...] vontade pegar el@ teiaCL organizar homem vermelh@ ver eu achar organizar matar entender rápido embora furar teia grudar colar escapar embora [...] 98” (FS2); “[...] saber aranha pegar rápido furar teiaCL aranha assustar joaninhaCL voar++ floresta verde voar ++ [...] ”99 (FS3); “[...] medo pegar correr aranha pegar joaninhaCL voar embora furar teia buraco perder [...]”100 (FS4); “[...] furar tentar um furar longe não-poder depois seguir furar mosquito [...] 101”(FS5). (grifos nossos) Esses itens lexicais em destaque nas narrativas dos surdos falantes da Libras apresentam a maneira como o frame INSETO é modelado. As expressões nominais e os itens lexicais que ainda participam da construção desse frame descrito estão na figura 27. 97 Em tradução livre: “Esperando para comer a joaninha, mas ela voa e fura a teia”. 98 Em tradução livre: “Vontade de pegar a joaninha. O homem vermelho vê a aranha organizar a teia e entende que ela irá matá-lo, rápido fura a teia que a aranha estava colada, grudada e vai embora”. 99 Em tradução livre: “A joaninha sabe que a aranha quer assustá-la e, rápido, fura a teia e voa pela floresta verde”. 100 Em tradução livre: “A joaninha tem medo de que a aranha a pegue. Ela voa, fura a teia e vai embora. A aranha perde, ficou com os buracos na teia”. 101 Em tradução livre: “A joaninha (mosquito) tenta furar longe, não pode. Depois, fura e segue”. 161 Figura 27: Representação em grafo do frame INSETO no momento de furar a teia Fonte: elaborada pela autora Vimos que a intenção do INSETO é praticar a ação de furar a teia que está sendo organizada, mas, também, o outro INSETO quer praticar alguma ação, como comer, matar, assustar, e sua atitude é de esperar o momento certo para assustar, passar pela teia etc. e, depois, correr do lugar. As expressões“comer”, “matar”, “passar” e “assustar” estão associadas à ação/intenção da protagonista ARANHA e também são indexadas pelas expressões “esperar”, “pegar”, “escapar” e “correr”. Essas atitudes indexam frames mais básicos, tornando clara a visão que os falantes têm de que, ao ver a joaninha, a ARANHA apresenta um comportamento que também não é bom em relação a ela. Em relação às narrativas que tratam sobre INSETO e MOSCAS furando a teia novamente, o frame INSETO é indexado por meio da verificação das expressões linguísticas “[...] joaninhaCL chamar perseguirCL voarCL de novo ver aranha furar teia quebrarCL [...]102” (FS1); “[...] homem ter L-I-X-O sujo sempre mosc@ fazer ir junt@ perseguirCL [...]103” (FS2); “[...] chegar ver outr@ joaninhaCL mosc@ também perseguir ver encarar começar sentir medo correr voar ++ perseguir [...]”, “[...] aranha furar fazer [...]104” (FS3); “[...] voar furar teia 102 Em tradução livre: “A joaninha chama as moscas e, de novo, voa e tem perseguição. Ela vê a aranha e fura a teia, deixando-a quebrada”. 103 Em tradução livre: “O homem vê que tem lixo e sempre as moscas, juntas, perseguem”. 104 Em tradução livre: “A joaninha chega e vê outras moscas. Elas se encaram e depois há perseguição. A aranha está fazendo a teia e sente medo. A joaninha corre e fura a teia”. 162 aranha fazer de novo organizar falha fura vári@ não-poder perder voar perseguir CL voar embora [...] 105” (FS4); “[...] seguir furar porque conseguir visual vencer surdo um outr@ atrasar [...] 106” (FS5). (grifos nossos) Novamente o frame INSETO é acionado por meio de itens lexicais em destaque nas narrativas dos surdos falantes da Libras. As expressões nominais e os lexicais que participam da construção desse frame descrito estão na figura 28. Figura 28: Representação em grafo do frame INSETO no momento em que INSETO e MOSCAS furam a teia novamente Fonte: elaborada pela autora Observamos que o INSETO “joaninha” persiste em repetir a má ação de furar a teia e, novamente, ela vê moscas num local com lixo e direciona-lhes xingamentos, começando outra perseguição. No caminho, uma mosca bate numa placa, rola e perde a vida. Vimos, então, que a protagonista malvada continua persistindo na ideia de furar a teia, que sempre está sendo reorganizada pela aranha. As expressões “lixeira”, “xingamento”, “perseguição”, “bater”, “cair” e “morrer” estão associadas à persistência do INSETO em continuar destruindo a teia da aranha e indexam outras 105 Em tradução livre: “A aranha faz, organiza de novo as falhas da teia. As moscas não podem perder, voam perseguem, furam a teia e vão embora”. 106 Em tradução livre: “O surdo segue, fura e consegue vencer voar porque é visual. Os outros atrasam”. 163 expressões, como “luta”, “vencer”, “campeonato” e “não-perder”. Assim, os falantes narram a ideia de que a “joaninha”, o “homem”, o “mosquito”, o “surdo” etc. estão sempre em disputa, na qual um quer vencer o outro. Na descrição e na análise dos frames descritores de eventos, ao reproduzirem a história do vídeo 1, os falantes recorrem aos seguintes esquemas de ação: X ORGANIZAR Y, X VOAR, X FURAR Y, X CHAMAR Y, X BATER Y, X PERSEGUIR Y. Tais esquemas evocam estruturas que possuem slots a serem preenchidos por referentes apresentados na história ou inferidos do contexto pragmático, no caso, é a aranha que organiza a teia, a joaninha que voa, fura a teia e chama as moscas, e as moscas perseguem a joaninha. Trata-se de esquemas de deslocamento (X SE MOVE DE Y PARA Z) e de ação (X AGE SOBRE Y), e os participantes dos eventos descritos são característicos dos textos predominantemente narrativos. O tempo é construído pela sequência com que os eventos ocorrem. Para isso, há repetição de situações a fim de se justapor a ordem dos acontecimentos e, às vezes, a ordem é estruturada com o auxílio de eventos pragmáticos. Quanto à integração de estados/eventos, as narrativas se dão como uma sequência de ações intercaladas com estados, conforme o esquema contido no quadro 10, que apresenta a integração entre estados e ações na constituição dos eventos da maioria das narrativas, durante o mecanismo cognitivo-discursivo. Quadro 10: Integração entre estados/eventos na narrativa do vídeo 1 Fonte: elaborada pela autora 164 Nesse sentido, verificamos que os surdos falantes da Libras (FS1, FS2, FS3, FS4 e FS5), com pequenas diferenças, ao acionarem esses frames conceptuais, recorrem a indexadores linguísticos (sinais e classificadores) que acionam outros frames e estruturam os sentidos. Isso pode ser constatado nas figuras de 29 a 33, por meio do grafo 107 do frame INSETO. Figura 29: Representação em grafo do frame INSETO Fonte: elaborada pela autora Na representação em grafo, na figura 29, verificamos a relação direta entre os elementos que compõem o frame, a saber: a ARANHA está vinculada à TEIA, as MOSCAS ao LIXO, o INSETO é PEQUENO e SOZINHO etc. 107 Os frames conceptuais são representados, em nossas análises de frames em forma de grafo, conforme ressaltado nos procedimentos de análise, na seção 3.3. 165 Figura 30: Representação em grafo do frame INSETO Fonte: elaborada pela autora Na figura 30, há a relação direta entre os elementos que compõem o frame INSETO. Nesse sentido, esse frame é ativado por JOANINHA, a ARANHA se vincula à teia, e as MOSCAS à LIXEIRA, mas são relacionadas também ao LIXO. Figura 31: Representação em grafo do frame INSETO Fonte: elaborada pela autora 166 No grafo da figura 31, também existe a relação direta entre os elementos que compõem o frame em destaque: a ARANHA está vinculada à ação de FAZER TEIA, as MOSCAS à LIXEIRA, e a JOANINHA quer FURAR TEIA. Figura 32: Representação em grafo do frame INSETO Fonte: elaborada pela autora Na figura 32, representa-se a relação direta entre os elementos que compõem o frame, a saber: a ARANHA está vinculada à TEIA, que é como uma casa para ela, as MOSCAS são encontradas em contato com o LIXO, o frame INSETO é acionado por JOANINHA que pousa, voa, e depois faz buracos na teia etc. 167 Figura 33: Representação em grafo do frame INSETO Fonte: elaborada pela autora O grafo da figura 33 representa a relação entre os elementos que compõem o frame INSETO da seguinte forma: INSETO é ativado metaforicamente como SURDO que vence o campeonato, é visual; e as MOSCAS representam OUVINTES que batem, caem, atrasam e perdem o campeonato. Observamos também que, nesses grafos do frame INSETO, os surdos falantes da Libras ativam a relação direta entre os elementos que compõem o frame, a saber: a joaninha está vinculada à flor; a aranha, à teia; as moscas, à lixeira; e o inseto, que representa a joaninha, é pequeno, sozinho, etc. Logo, se atentarmos para as transcrições desses participantes, é notório o refinamento da visão que eles têm dos insetos: joaninha, aranha e moscas. Melhor esclarecendo, as expressões linguísticas “joaninha”, “homem” e “surdo” são associadas à forma como o participante surdo categoriza o INSETO, que também é indexado pelas expressões “furar a teia”, “vontade de pegar a aranha” e “o surdo vencer a competição”. Essas características do frame INSETO são mais evidentes nesse grupo (experimental), visto que também indexam linguisticamente itens lexicais, como “maldade”, “luta”, “perseguição”, “bravura” e “competição”, junto com as expressões linguísticas mencionadas, 168 reforçando a ideia de que o INSETO “joaninha” tinha sempre a intenção de provocar o INSETO “aranha” e o INSETO “mosca” com atitudes de maldade, principalmente a de destruir a teia que abrigava a “aranha”. O fato de o participante constituir frames mais complexos se torna menos evidente no grupo de controle, quando observado o acionamento de domínios cognitivos, isto é, as estruturas cognitivas que são armazenadas em suas memórias se restringem à descrição de eventos na categoria discursiva narrativa apresentada. Assim, o INSETO que quer atacar a aranha é sempre uma joaninha, a aranha é sempre medrosa e não reage, e as moscas têm o papel de perseguir a joaninha e de contribuir com tantos furos na teia da aranha. O frame roteiro, acionado no vídeo 1, evoca um conjunto de eventos relacionados à ação de furar a teia, ou seja, ocorre o acionamento de eventos menores dentro de eventos maiores e os papéis contidos nos eventos são ordenados cronologicamente. Nesse sentido, eventos maiores, como FAZER O MAL A ALGO OU A ALGUÉM, FURAR A TEIA OU FURAR ALGUÉM, fazem com que os surdos falantes da Libras focalizem subeventos envolvidos em eventos mais amplos que, nesse caso, possibilitam a captura de inferências que recuperam experiências de interação com o meio, como é o caso de DISPUTAR O PODER COM ALGO OU COM ALGUÉM, FURAR ALGO OU ALGUÉM. De acordo com as narrativas dos surdos falantes da Libras, as suas experiências recorrentes modelam roteiros socialmente armazenados em seus cérebros, fazendo com que outros conceitos sejam evocados ao longo de suas narrativas. Dessa forma, o frame “roteiro” permite identificar pistas linguísticas que fazem referências à percepção de que algo ou alguém (considerando-se todas as narrativas) vai ser o trajetor e, numa sequência de ações, alcançará o seu marco, num movimento causado. Para efeito de exemplo, verificamos que, em “[...] quer esperar comer voar furar teia depois joaninha voar [...] 108” (FS1); “[...] el@ homem vermelh@ calad@ aranha ver vontade pegar matar furar teia escapar embora [...] 109” (FS2); “[...] joaninhaCL olhar perceber saber aranha pegar rápido furar teia [...] 110” (FS3); “[...] joaninhaCL voar furar teia buraco perder [...] 111” (FS4); e “[...] tod@ ouvir um surdo mosquito parecer campeonato entrar saber 108 Em tradução livre: “A aranha quer esperar para comer a joaninha. Depois, a joaninha voa e fura a teia”. 109 Em tradução livre: “A aranha tem vontade de pegar e matar o homem vermelho (joaninha), mas ele voa, fura a teia e escapa, vai embora”. 110 Em tradução livre: “A joaninha olha e percebe que a aranha quer pegá-la. Rápido, ela fura a teia da aranha”. 111 Em tradução livre: “A joaninha voa, fura a teia, fazendo buracos. A aranha perde”. 169 mosquito furar [...] 112” (FS5), pistas linguísticas fazem referência ao “ato de furar algo ou alguém”, o que sinaliza uma das formas de DISPUTA-DE-PODER. Em FS1, é evidente a maneira como o INSETO JOANINHA espera o momento de voar; ela quer comer a aranha, mas apenas fura a teia e, em seguida, voa. Vimos que ela não comeu a aranha, no entanto esse frame possibilita a inferência de que há o desejo de se fazer o mal de outra forma: abrindo uma fenda na localização da aranha, isto é, quebrando a expectativa do estado da teia com outro frame mais básico – LIGAÇÃO PARTE-TODO. Em FS2, o frame “roteiro” também evidencia a ideia da relação de poder, na ação de voar, a partir do acionamento de pistas linguísticas pelas quais o falante sinalizador infere que o INSETO, a JOANINHA, é um homem que vê uma ‘aranha’ e tem vontade de pegá-la e de matá- la, mas fura sua teia, escapa e vai embora. Cabe, nesse momento, ressaltar que a motivação do inseto é a disputa pelo poder. Em FS3 e FS4, está associada à percepção do inseto ARANHA a ideia de que a JOANINHA (agente trajetor) vai pegá-la, mas acaba furando, fazendo buraco, em sua teia (MARCO). Em FS5, a marca linguística prototípica de INSETO se diferencia, via inferência de que o surdo está em um campeonato com os ouvintes. Nesse caso, a ideia sobre a relação de poder provavelmente é acionada na mente desse falante surdo da Libras, devido à expressão linguística “furar porque conseguir visual vencer”. Essa inferência é resolvida por meio do acionamento do frame ROTEIRO, isto é, o falante focaliza, em sua narrativa, o conjunto de ações relacionadas a INSETO, MOSCAS, bem como o deslocamento para FURAR na disputa com alguma coisa ou com alguma pessoa, tornando relevante a relação de poder. Vimos no referencial teórico que o frame esquema-I envolve experiências corpóreas recorrentes. Interessa-nos, então, neste momento, o evento em que a ARANHA tece a teia (organiza, faz), pois o esquema-I aparece bem mais estruturado, permitindo acionar o esquema-I PARTE-TODO. Ocorre que o movimento e a orientação detectados nas pistas linguísticas reforçam a saliência do atributo parte da teia, esta sendo tecida e fazendo com que os surdos falantes da Libras simulem o todo, em suas narrativas. 112 Em tradução livre: “São ouvintes e surdos e parece que estão num campeonato. O surdo (mosquito) fura a teia”. 170 Outro frame básico que pode ser ativado é o esquema-I CONTÊINER, que se configura nos momentos em que FS4 e FS5 fazem referência à teia, isto é, nas expressões linguísticas “fazer trabalhar casa teia” (FS4) e “entrar saber mosquito furar” (FS5). Nesses casos, a TEIA que abriga a ARANHA pode ser conceptualizada como um CONTÊINER. Desse modo, os slots são preenchidos pelas expressões “casa” e “entrar”, esta sendo enunciada no discurso narrativo utilizando o próprio corpo, e indexam linguisticamente o frame em questão. Vimos, assim, que, num processo de constituência, também é conceptualizada uma representação entre as coisas, a exemplo da expressão linguística “casa” (FS4). Além disso, é evidente, na narrativa sinalizada por FS5, a ação de furar voltada para o seu corpo, fornecendo pistas deste frame mais complexo: o esquema-I CONTÊINER. Pode-se verificar a estrutura reticulada de como esses frames se inter-relacionam na figura 34. Figura 34: Representação da interligação do frame conceptual básico TEIA com o frame esquema-I CONTÊINER TEIA PARTE-TODO CONTÊINER partes: fio limites: fios da extremidade da teia todo: teia LIGAÇÃO interior: arredamento da teia exterior: default conteúdo: aranha Fonte: elaborado pela autora Observamos que, em (FS4) e (FS5), o atributo limites é preenchido por fios da extremidade da teia; o atributo interior é preenchido por arredamento da teia; e os atributos exterior e portal não aparecem linguisticamente, podendo ser recuperados via default. Também percebemos que um CONTÊINER rompido faz com que o conteúdo vaze. 171 Temos, ainda, os esquemas-I integrando os domínios cognitivos que são ativados. Logo, os participantes demonstram a capacidade de assentar as suas experiências em momentos específicos, mostrando que não há significados prontos, mas contextos ricos e dinâmicos. Diante disso, as pistas linguísticas nos levam a concluir que esses participantes ativam o esquema-I LIGAÇÃO TRAJETOR-MARCO, pois eles veem as entidades se moverem de um ponto (origem) a outro (marco) no espaço. Desse modo, o trajetor é um INSETO, representado por uma joaninha, por um surdo, por um homem etc., que se desloca (por isso, o contexto é mais dinâmico) em relação a um marco (algo fixo), no caso, outro INSETO, a aranha, aonde o trajetor vai chegar. Percebemos também que determinados conceitos evocados por frames de domínio específico muitas vezes conflitam com frames convencionais (DUQUE, 2015), como é o caso dos frames NATUREZA e COMPETIÇÃO encontrados nas narrativas dos surdos falantes da Libras. O frame NATUREZA evoca um domínio específico de ambiente natural de seres em geral, incluindo a zona rural, cenário das narrativas apresentadas no vídeo 1, em destaque. Já o frame COMPETIÇÃO evoca um domínio específico de algo ou de alguém sair VITORIOSO de algum evento ou obstáculo, logo evoca outros frames mais básicos, como DISPUTA pelo território, pela luminosidade, ou o simples ato de perversidade, em um construto baseado na interação (frame). Isso foi possível de ser observado no discurso que se baseia em frames (DUQUE, 2015), a partir do material linguístico, isto é, das narrativas, as quais apontam eventos que acionam frames de domínio contrafactual específico, envolvendo a natureza e a esperteza de algo ou de alguém. É o que mostram, por exemplo, as expressões presentes nas enunciações dos surdos falantes da Libras FS1, FS2, FS3, FS4 e FS5. (FS1) “[...] aranha ver organizar teia”, “[...] joaninha voar, furar teia [...]113”; (FS2) “[...] árvore, matos, inseto voar flor”, “[...] rápido embora furar teia [...]114”; (FS3) “[...] aranha fio branco fazer”, “[...] pegar rápido furar teia [...]115”; (FS4) “[...] árvore, flor bonita árvore”, “[...] correr perseguir joaninha [...]116”; 113 Em tradução livre: “A joaninha vê a aranha organizando a teia, mas ela voa e fura a teia”. 114 Em tradução livre: “Tem árvore, matos e o inseto (joaninha) voa e pousa na flor. Rápido, ela fura a teia e vai embora”. 115 Em tradução livre: “A aranha faz teia com um fio branco e quer pegar a joaninha, que fura a sua teia”. 172 (FS5) “[...] lá inseto normal”, “[...] parecer campeonato entrar saber mosquito furar [...]117”. Logo, verificamos que os conceitos são perfilados por um contexto específico, isto é, o domínio NATUREZA é acionado pelo frame INTERAÇÃO NO AMBIENTE, como mecanismo cognitivo associado a um domínio cultural e específico. Entendemos que, ao trazer sentido para as ações, os eventos, os objetos etc., (re)construímos frames, focalizando parte, ou todo, de tipos de cenários com os quais experienciamos de modo recorrente. De forma mais complexa, os frames sociais lançam atributos estabelecidos culturalmente em relação aos papéis existentes no mundo em sociedade. Como podem ser confirmadas nas descrições das narrativas, algumas representações do mundo animal (INSETOS) são acionadas para focalizarem domínios perceptuais e papéis no ambiente natural rural, indexado pelo substantivo ‘mundo’, sendo o primeiro frame social identificado. Além disso, os frames sociais também orientam as expectativas, criando outros frames mais complexos; assim, MUNDO DOS INSETOS, NATUREZA, COMPETIÇÃO, DESAFIO, PERSEGUIÇÃO, VENCER são indexados e podem ser confirmados nas narrativas dos participantes surdos. Cumpre ressaltar que se verificam esses frames sociais a fim de chamar a atenção para o fato de que existem eventos considerados ruins, que acontecem na vida em SOCIEDADE dos INSETOS: “furar a teia”, “bater na placa”, “mosca quebrar, morrer”, “mosca perseguir joaninha”. É importante ressaltar que as experiências sensório-motoras, em FS5, anunciam protagonistas humanos, associados à noção de oposição entre pessoas, e parecem evidenciar construtos de categorização social de surdos e de ouvintes. Melhor esclarecendo, de um lado estão os ouvintes, pessoas que vivem num mundo auditivo; de outro lado, a identidade surda, centrada no ser surdo, consciente linguisticamente. Vejamos que o motivo para inferir que o surdo venceu (ser visual) é ressaltado na narrativa desse participante como transferência de atributos estabelecidos culturalmente em relação aos papéis existentes entre surdos e ouvintes. Isso pode ser observado nas enunciações “um surdo mosquito parecer campeonato” (em tradução livre: “o mosquito é um surdo e parece um campeonato”) e “mosquito seguir furar porque conseguir visual vencer” (em 116 Em tradução livre: “Tem árvore e flor bonita. A joaninha corre e as moscas a perseguem”. 117 Em tradução livre: “Lá tem inseto normal. Parece um campeonato. O mosquito sabe e fura”. 173 tradução livre: ”o mosquito segue, consegue furar e vencer, porque ele é visual”). Esse modo de evocação oferece pistas linguísticas de que, no discurso, o falante da Libras traz essa narrativa para si, isto é, usa suas experiências corporificadas e entra em cena, também. Com base nisso, lembramos que, na sinalização de FS5, o frame esquema-X FURAR, os trajetores (entidade INSETO/MOSQUITO/MOSCAS/SURDO/OUVINTE) e o marco (entidade ARANHA/TEIA) são representados pelo seu próprio corpo, incorporado, reconstruindo o significado, como se FS5 estivesse na situação narrada e não fora dela. Logo, o participante da narrativa ficcional incorpora essas entidades conceptuais, trazendo representações mentais de experiências perceptuais, motoras e afetivas do mundo (DUQUE, 2012). Dessa forma, envolve as sensações de movimento e de posição e a essência de DISPUTA e de VENCER, dando sentido à sua narrativa com base em sua experiência corporal. Em relação aos frames culturais, vimos que o ser humano é imerso numa cultura e possui experiência de mundo, que lhe é dada por meio dos sentidos. Sendo assim, em sua interação com o ambiente, na mediação social, recebe informações físicas e perceptuais, bem como informações linguísticas (DUQUE, 2016). Nesse sentido, ao tratarmos dos aspectos culturais que emergem da constituência de frames, verificamos que a cultura surda é limitada pela ausência de um sentido (sensorial), a audição. Entretanto, sabemos que, no caso desses indivíduos, as informações perceptuais são captadas por outros sentidos, como a visão, a somestesia etc. Em se tratando das pessoas surdas, a visão tem um papel relevante na maneira como os frames são evocados, ou seja, os frames não seriam constituídos a partir de informações auditivas, mas a partir de uma cultura que toma o sentido da visão como principal forma de captar informações perceptuais do mundo, para construir seus conceitos. O efeito disso é que a LS também se apresenta numa estrutura específica cinemática, como se fosse um filme montado. Nesse caso, cada falante dessa língua sinalizada “situa-se de um modo muito parecido com o de uma câmera: o campo e o ângulo de visão são dirigidos, mas variáveis” (SACKS, 2010, p. 80). Ademais, seus interlocutores compreendem que existe a orientação visual em relação ao que está sendo comunicado. Esse entendimento está presente quando, em suas narrativas, os surdos falantes da Libras conceptualizam o frame INSETO/JOANINHA linguisticamente, indexando mais itens lexicais de descrição, tais como “bolinha”, “preta”, “vermelho”, “sozinho”, “calado”, “surdo” etc. Os ouvintes falantes da Libras, por sua vez, apresentam um ângulo de visão mais focado 174 no inseto/joaninha em si. Dessa forma, tendem a não descrever tão detalhadamente os objetos e as personagens da narrativa. Diante disso, em suas simulações, os surdos falantes da Libras evocam experiências perceptuais, motoras e afetivas, nos momentos em que perfilam as narrativas com faculdades únicas, típicas de espacialidade e de cinemática. Por meio dos itens lexicais, esses indivíduos acionam frames que expressam um pensamento mais complexo, ou seja, mais focalizado pelo sentido visão, e fazem os eventos serem variáveis culturalmente, quebrando expectativas. Vimos que o frame cultural emerge da constituência de frames, pois existem domínios básicos que se ligam à experiência corporal com espaço, visão, temperatura, paladar, pressão, dor e cor. No tocante aos frames culturais, específicos da cultura surda, esses emergem dos frames construídos a partir de experiências fundadas em uma percepção visual predominante. É a partir desses frames culturais que são elaboradas as visões de mundo específicas da pessoa que vive em um ambiente não-auditivo. Daí, falamos em cultura surda. Outro tipo de frame que destacamos são os interacionais, pois estes são acionados nas narrativas, visto que existe um contexto – vida de insetos no campo, que promove as interações sociais de entidades. Desse modo, os falantes da Libras promovem a comunicação entre os interlocutores, efetivando-se relações intercambiais em suas narrativas, logo a categoria discursiva orienta o comportamento e as expectativas que são criadas a partir da narrativa da história do vídeo apresentado, além de organizar pistas linguísticas que orientam os elementos contextuais livres para serem indexados. É importante ressaltar, conforme já foi observado pelos pesquisadores, que o processamento cognitivo de compreensão da história apresentada no vídeo 1 privilegia o espaço da narrativa, como pode ser visto nas expressões linguísticas “floresta”, “folhas balançando”, “matas”, “árvores” etc. 6.3 Discussão sobre metáfora e metonímia Os falantes surdos e ouvintes da Libras vivem imersos em processos cognitivos utilizando construções metafóricas e metonímicas em suas sinalizações. O referencial teórico e as análises mostram que metáfora e metonímia em Libras também são fenômenos cognitivos processados mediante conexões neurais. Quando indexados, os sinais em Libras envolvem questões cognitivas, corporalidade, detalhamentos, fatores culturais e sociais da cultura surda. 175 Assim, as conexões neurais, o corpo e as redes socioculturais estão envolvidos na construção de sentidos na Libras, essa língua de modalidade diferente. Seguindo esse mesmo raciocínio, os falantes surdos da Libras conceptualizam metaforicamente e metonimicamente o mundo com as suas expressões corporais (e faciais), focalizando domínios simultâneos aos que se constituem como alvos e os que são tomados como fonte. Segundo a pesquisa, o corpo do falante dessa língua é base para a expressividade do pensamento e da linguagem e fundamental na construção de sentidos na vida cotidiana. Logo, ele é utilizado na comunicação do falante de língua sinalizada com o mundo. Podemos inferir que o corpo é um esquema CONTÊINER, que se interliga a outros frames, isto é, a domínios conceptuais expressos como resultantes da relação corpo, ambiente e cognição, de modo que, o uso metafórico e metonímico é evidente na construção de sentidos. Tal constatação evidencia diversas metáforas subjacentes, como, por exemplo, CORPO É CONTÊINER DE SENTIMENTOS, CORPO É CONTÊINER DE EMOÇÕES, CORPO É CONTÊINER DE IDEIAS. Tomamos, por exemplo, a metáfora subjacente PRESENÇA É VIDA, figura 35, para inferirmos que, na cultura surda, os falantes surdos da Libras conceptualizam a presença de alguém utilizando o sinal “vida”, isto é, para os domínios conceptuais PRESENÇA e VIDA, utilizam o sinal “vida” (VIDA). Figura 35: sinalização de domínios conceptuais PRESENÇA e VIDA Fonte: corpus da pesquisa Isso é explicado também quando, na narrativa, os falantes da Libras enunciam a expressão linguística “moscas bater cair um vida”118, produzindo o sentido de que as moscas bateram na placa, mas que uma sobrevive, isto é, continua viva, presente na narrativa. 118 Em tradução livre: “As moscas batem na placa, mas uma não morre”. 176 Como vimos, os conceitos discutidos também apontam que, no modo visuoespacial da Libras, a metonímia tem um papel relevante porque os falantes são capazes de focalizar com muita facilidade os elementos dentro de um contexto. Em vista de a capacidade de foco ser grande, usam muito o visual, por isso, identificar o todo pela parte ou a causa pela consequência é muito presente. Pelo mesmo motivo, os falantes surdos da Libras são capazes de construir mais elementos metonímicos do que metafóricos. Em relação aos falantes surdos, quando sinalizam uma PRATELEIRA e uma BOLA, relacionados, ativam experiências socioculturais obedecendo a uma sistematização de pensamento e de ação a tal ponto de, no espaço de sinalização, representarem, detalhadamente, as PARTES (do apoio, dos formatos existentes etc.) de um TODO (que é a prateleira). Na cultura do ouvinte, o simples fato de enunciar uma BOLA num movimento direcionado (embaixo da prateleira) dá conta da percepção de que existe esse objeto embaixo de outro objeto. Vimos, pois, que, de acordo com a percepção do falante surdo, o que é significativo para enunciar uma relação entre coisas ou pessoas, nesse caso BOLA e PRATELEIRA, não é sinalizado do mesmo jeito. O conceito metonímico é evidente no sinal criado em Libras para a UFRN. Na criação dele, cognitivamente, os falantes surdos estabelecem conexão de PARTE (MONUMENTO), concebido para representar ensino, pesquisa e extensão, como expressão de um TODO (UFRN). É provável que, se o sinal for criado por falantes ouvintes da Libras, cujas experiências são auditivas, o que prevalece, que torna a fundamentação do sinal, é a própria Reitoria, pelo fato de tanto ouvirem comentários de que ela é o órgão superior executivo da entidade UFRN. Logo, a característica da língua em tela utilizada por esses falantes permite que eles focalizem mais especificamente aspectos dessas entidades, considerados padrões, propiciando maior entendimento do que está sendo enunciado. Anunciam, pois, utilizando-se de um conhecimento padrão na língua compartilhado entre seus falantes. Isso não ocorre por uma questão de linguagem, mas pela própria relação entre as entidades construindo sentido. Características específicas que, interconectadas, constroem sentidos. A visão das coisas no mundo, para os falantes surdos da Libras, tem, também, as acomodações mútuas entre cognição, linguagem e corporalidade e faz uso, portanto, de percepções, sensações e emoções de modo dinâmico. 177 6.4 Discussão sobre narrativa Os falantes surdos e ouvintes da Libras constroem-se discursivamente nas interações. Ao assumirem posicionamentos sociais, constroem significados dependentes do modo como interagem com o mundo por meio de sua própria língua. Assim, ao narrarem eventos, escolhem quais as experiências vão relatar e como serão inseridas num contexto. É no espaço de sinalização, situado à frente do seu corpo, que, ao tomarem conhecimento de alguma história, circunscrevem os entes, colocam-nos em relação com os outros num determinado tempo e espaço; criam, portanto, um mundo social no qual abre-se a possibilidade para tratarem os entes em processo de transformação. Podemos inferir que falantes da Libras lançam mão de recursos visuais e sociais para (re)criarem e manterem as identidades dos entes, utilizando-se de suas experiências corporificadas para reconstruir o significado “em vez de meramente ativar representações conceituais abstratas preexistentes” (DUQUE, 2012, p. 1.115). Esse extraordinário lócus, o espaço de sinalização da língua, além de se tornar um referente na narrativa, também estabelece outros referentes localizados num tempo e num espaço. Logo, distribui eventos e cenários num contexto. Vemos que processamento mental de espacialidade e de temporalidade e semântica dos sinais fazem com que os eventos sejam produzidos, e, quando necessário, ajustados, tornando os significados facilmente compreendidos, fundamentados em experiências corpóreas. Vemos o relevante papel do corpo na construção de sentidos. Tentamos imaginar a falante surda da Libras narrando a história dos insetos exibida no vídeo 1: ao narrar, ela contextualiza um cenário (campeonato); estabelece referentes (surdos, ouvintes); traz esses referentes para um tempo (presente); e, no espaço de sinalização (no próprio corpo, para sinalizar o INSETO “aranha”) produz eventos semânticos sinalizando-os, abrangendo experiências perceptuais, motoras, afetivas, socioculturais, entre outras, atreladas à ativação de estruturas neurais relacionadas a essas experiências, permitindo ao surdo fazer uma série de inferências no processamento discursivo. Vemos, portanto, que existe o custo da modalidade e que na Libras, sendo visuoespacial, o custo é o olho (visão), pois é muito mais rápido para captar informações do 178 ambiente. Diante disso, inferimos que a capacidade de conhecimento é a mesma para todos e a pessoa surda não tem atraso cognitivo. Assim, a diferença não está na cognição da pessoa que tem surdez, mas na modalidade na qual sua língua materna está inserida. Feitas essas considerações, a seguir, apresentaremos considerações finais desta tese e algumas contribuições que apontam para a continuidade da pesquisa. 179 CONSIDERAÇÕES FINAIS No princípio desta pesquisa, afirmamos que a construção de sentidos por falantes de uma língua visuoespacial, considerando-se a estruturação da linguagem, do pensamento e da cultura, ainda é pouco explorada no interior da Linguística Cognitiva. Ao focalizarmos a Libras, realizando uma comparação entre falantes surdos e não-surdos, consideramos os processos cognitivos atrelados às estruturas neurais relacionadas à ação e à percepção visual, espacial e de movimento no mundo que é apreendido e experienciado por todos. Pensando, pois, que o processamento linguístico é ligado ao aparato cerebral e que tem como base as experiências corpóreas, à medida que circuitos neurais são ativados, motivo pelo qual pensamos em analisar como ocorre o processo de construção de sentido em surdos falantes da Libras, cujas experiências se efetivam em ambientes não-auditivos. Para tanto, consideramos um corpus (constituído de narrativas em vídeos de falantes surdos e ouvintes da Libras) para fins de análise cognitiva do discurso em narrativas. Além disso, dialogamos com os pressupostos teóricos da LC e da TNL, com ênfase em suas categorias de análise. Grosso modo, com a compreensão de que a mente é corporificada (LAKOFF e JOHNSON, 1999), realizamos momentos investigativos sobre como pessoas surdas e ouvintes falantes de uma língua visuoespacial ativam e modelam esquema-I e esquema-X, e como acionam frames, metáforas conceptuais e metonímias. Assim, confirmamos o desejo de contribuir com a pesquisa acerca da construção de sentido e, neste momento de considerações finais, reafirmamos que, durante o percurso, buscamos dar conta dos objetivos definidos partindo das questões motivadoras e considerando o referencial teórico e as análises de dados. Desse modo, pretendemos externar as evidências encontradas nesse percurso a partir de nossas questões de pesquisa, as quais serão mencionadas e ratificadas nos parágrafos a seguir. Ao verificarmos que elementos perceptuais e motores são recuperados no processo de construção do sentido por falantes da Libras e também como o contexto situacional favorece (ou não) esse processo de construção de sentido, nas questões motivadoras a esse respeito, podemos afirmar que os falantes surdos da Libras usam suas experiências corporificadas para (re)construírem o significado, rastreando todos os detalhes do ambiente, isto é, a forma de verem o mundo é cheia de detalhes. 180 Desse modo, a forma como surdos rastreiam o mundo é diferente da cultura do ouvinte. Observamos que, nos momentos narrativos, eles começam com a descrição de cenários, e não com a narração em si. Utilizam-se, pois, de detalhes durante a sinalização (no espaço de sinalização) que os falantes ouvintes da Libras não conseguem captar pela percepção visual. Os falantes ouvintes da Libras ativam, literalmente, representações conceituais abstratas preexistentes, não rastreando os detalhes. Ao observarem um ambiente, falam o que imediatamente já reconhecem, o que é, ou seja, eles já vêm com uma expectativa pronta. Ratificamos, dessa forma, as nossas predições de que, pelo fato de os falantes surdos da Libras construírem sentidos por meio da percepção visual, exploram mais esse campo e agregam outros aspectos perceptuais relacionados à forma e ao movimento dos objetos. Em relação aos falantes ouvintes da Libras, estes são menos detalhistas por utilizarem mais os aspectos sensoriais auditivos. Em relação às experiências corpóreas, as pistas linguísticas evocam esquemas-I e esquemas-X. Desse modo, o esquema-I LIGAÇÃO PARTE-TODO é ativado quando os participantes da pesquisa focalizam os eventos e as coisas (LAKOFF, 1987; LAKOFF e JOHNSON, 1999). Grande é o papel de sinais classificadores intensificando a produção de sentido nas narrativas dos falantes surdos da Libras. Semelhante a essa evocação, o esquema-I LIGAÇÃO CENTRO-PERIFERIA é acionado quando os falantes da Libras percebem quais elementos são tidos como figura. Os falantes surdos da Libras ativam conteúdos que não estão ligados às experiências sensoriais auditivas e, por isso, apresentam um detalhamento muito maior dos atributos que se constituem mais como figuras. Quanto ao esquema-I TRAJETÓRIA E LIGAÇÃO ENTRE OS PONTOS DA TRAJETÓRIA, a modalidade visuoespacial da Libras favorece os falantes surdos da Libras, fazendo com que evoquem conceitos mais ligados a movimentos orientacionais. Ainda entendidas como um conjunto de pistas, as enunciações dos falantes da Libras ativam o esquema LIGAÇÃO TRAJETOR-MARCO, pois veem as entidades se moverem de um ponto (origem) a outro (marco) no espaço. O trajetor é uma bola que se desloca (por isso mais dinâmico) em relação a um marco (algo fixo) que, no caso das figuras, é representado por outro objeto (que pode ser escada, prateleira, caixa, mesa etc.) aonde o trajetor vai chegar. 181 De maneira geral, o modo como os falantes surdos da Libras experienciam e categorizam o mundo tem como base domínios cognitivos a partir das percepções visuais e motoras. Observamos também o processo de ativação de esquemas-X durante as simulações de ações nos frames descritores de eventos. Especificamente, os falantes surdos da Libras demonstraram ser capazes de modelarem as cenas com mais percepção visual e sociocultural. Motivados pelo questionamento de como mecanismos cognitivos são acionados e como se desenvolvem em Libras, considerando-se o contexto sociocultural, é pertinente ressaltarmos o achado de que, na imersão da língua, os falantes surdos da Libras acionam frames mais básicos e frames mais complexos (LAKOFF, 1987; JOHNSON, 1987; LAKOFF e JOHNSON, 1999; FELDMAN, 2006; DUQUE, 2015). Essas estruturas cognitivas integradas favorecem modelos mentais que formam simulações perceptuais e motoras. Desse modo, os falantes surdos da Libras realizam considerações novas em suas sinalizações, emergindo outras formas de movimento, apontação, agregação de outros referentes, exploração do espaço estabelecido pelo próprio corpo etc., visto que exploram mais o espaço de sinalização e a percepção aguçada das coisas. Diante disso, ratificamos a influência da oralidade nas narrativas dos falantes ouvintes da Libras ao verificarmos que, durante a sinalização, fazem uso de sinais, porém, há interferência da oralidade. Nas análises de metáforas primárias, a princípio foi ilusório elaborar atividades/testes considerando a cultura do ouvinte, como se os falantes surdos da Libras não tivessem uma cultura específica. Em sendo assim, ao utilizamos o filtro cultural, ratificamos que o corpo tem base metafórica e que serve de alicerce para a língua. A metonímia tem um papel relevante porque os falantes da Libras são capazes de focalizar com muita facilidade os elementos dentro de um contexto. A capacidade de focalizar deles é muito grande. Como usam muito o visual, a capacidade de identificar o todo pela parte ou a causa pela consequência é muito forte. Diante do que vimos na pesquisa, é possível elencar alguns achados (pressupostos) sobre a narrativa nessa língua visuoespacial: 1) a sinalização ocorre em quase primeira pessoa pelo fato de ser visuoespacial; 2) a 1ª pessoa é quase 100 % utilizada; 3) o tempo é sempre baseado no aqui e agora, pois ele não é pensada no passado; nesse caso, observamos que, 182 mesmo a narrativa sendo contada a partir de eventos passados, eles vivenciam (situam) os protagonistas no presente. Nesta tese, portanto, vemos que o discurso-narrativo de falantes surdos da Libras precisa de outros olhares, pelo viés da cognição, para darem conta dos fenômenos cognitivos que alicerçam a construção de sentido em Libras. Diante do exposto, é elucidativo que as nossas proposições encaminham desdobramentos para as pesquisas futuras a respeito da construção de sentido por falantes surdos da Libras, visto que, em nossas considerações, há pertinência de contribuições que podem lançar bases para outras questões a serem investigadas. A princípio, chamamos a atenção para a importância da corporalidade, que é a base linguística para os falantes surdos da Libras. Cada sinal utilizado da língua em tela é uma construção inteira (construção pareamento de forma e significado). Logo, a Libras é (re) construída a cada interação de seus falantes. Em seguida, social e linguisticamente, a Libras é uma língua, não sendo, portanto, uma tradução da língua portuguesa (que é oralizada e cujos falantes vivem em ambiente auditivo) para a língua sinalizada (que é visuoespacial e cujos falantes vivem em ambiente não-auditivo). Logo, a limitação que existe é de ausência de percepção auditiva, e não das múltiplas possibilidades que o ser humano tem em interação com o ambiente. Existem, pois, capacidades mentais intactas nos surdos falantes da Libras e não há porque haver limitação para aprender qualquer coisa quando o assunto é a surdez. Nesse sentido, é preciso ter em mente, nas considerações finais desta tese, que a capacidade de conhecimento de mundo é a mesma para todos. Os dados da pesquisa em tela apontam que a ausência de um dos sentidos tem repercussão na forma de apreender mais detalhes do mundo. Os falantes surdos da Libras, por exemplo, apresenta na formação de frames, de metáforas e de metonímias um grau de detalhamento bem maior do que os falantes de língua oral que se comunicam usando a Libras. Dito isso, o foco que a pessoa surda dá ao mundo é diferente do que é dado pela pessoa ouvinte. Pensar sobre essa língua diferente, que precisa ser disseminada na sociedade, e na contribuição acadêmica que esta investigação pode oferecer, outras contribuições podem ser apontadas neste estudo comparatista, como: criar projetos pedagógicos de cursos de graduação voltados, realmente, para as pessoas surdas; acabar com a visão assistencialista 183 com; possibilitar que, antes de os surdos aprenderem a língua portuguesa, reflitam sobre o que é uma língua oral (criar disciplina para os surdos voltada para a linguística da oralidade); criar cursos voltados para ouvintes, mas com os próprios surdos como professores para, cada vez mais, o ouvinte emergir na língua sinalizada e compreender que ela é autônoma; ter laboratório específico de surdez nos cursos que proporcionem momentos não-auditivos. Ressaltamos nesta tese o fato de que as investigações não se dão por encerradas. Esperamos que as ideias tecidas em torno da cognição da pessoa surda sejam apenas pontos de partida para outros estudos pertinentes, os quais poderão fornecer mais subsídios para o campo de investigação sobre a educação de surdos. Assim, concluímos parafraseando Sacks (2010): permitiremos que a comunidade surda seja ela própria, com sua cultura singular em nosso meio, e ainda assim a aceitaremos como coiguais em todas as esferas de atividades? 184 REFERÊNCIAS ABRAHÃO, Virgínia Beatriz B. A metonímia em London London, conto de Caio Fernando. Abreu. Revista do SELL, v.1, n.1, PP 1-7, 2008. Disponível em: < http :// www . uftm . edu . br / revistaeletronica / index . php / sell / article / view /11 > Acesso em: 12 de setembro de 2017. ALBINO, I. B. Processo de Construção do Sentido por Falantes de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). In: XXVI Jornada do Gelne. Anais Eletrônicos da XXVI Jornada do Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste. 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ANEXOS Anexo 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Esclarecimentos Este é um convite para você participar da pesquisa O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DE ESPAÇO POR FALANTES SURDOS EM LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS), que é coordenada pela professora mestre Ivone Braga Albino. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a qualquer momento, retirando seu consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade. Caso ocorra a utilização de questionários, formulário ou entrevistas, como instrumentos de pesquisa, é assegurado ao participante o direito de se recusar a responder as perguntas que lhes cause constrangimento de qualquer natureza. Essa pesquisa procura analisar como, a partir de pistas linguísticas em Libras, os falantes surdos constroem o sentido de espaço em narrativas, pois acreditamos na importância e na necessidade de se investigar e compreender os processos cognitivos do ser humano e a sua relação com a linguagem. Caso decida aceitar o convite, você será submetido (a) ao(s) seguinte(s) procedimentos: participar de uma entrevista motivada e de testes que apresentam imagens e textos, nos quais deverá narrar história a partir de vídeo(s), observar sequência de imagens, textos, respondendo os procedimentos de uma determinada ação, sinalizando em Libras, sendo todas as respostas gravadas para posterior transcrição e análise, no qual fará uso da sua própria percepção do mundo e dos objetos para responder aos testes. O risco envolvido com sua participação é: a alteração da rotina, que será minimizado através das seguintes providências: serão criados horários de acordo com a disponibilidade do participante para a aplicação dos testes. Você terá o seguinte benefício ao participar da pesquisa: acesso através de relatório aos resultados obtidos sem a identificação dos demais participantes. Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome não será identificado em nenhum momento. Os dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados será feita de forma a não identificar os voluntários, em cumprimento às determinações éticas propostas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – CNS. Se você tiver algum gasto que seja devido à sua participação na pesquisa, você será ressarcido, caso solicite. Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você terá direito a indenização. Você ficará com uma cópia deste Termo e toda a dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Ivone Braga Albino ou pelo e-mail Braga@ufrnet.br. Em caso de dúvidas sobre a ética da pesquisa deverá ser acionado o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 9193-6266. Consentimento Livre e Esclarecido Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos e benefícios envolvidos e concordo em participar voluntariamente da pesquisa O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DE ESPAÇO POR FALANTES SURDOS EM LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS). Participante da pesquisa: Nome:_________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Assinatura Pesquisadora responsável: Ivone Braga Albino E-mail: braga@ufrnet.br ____________________________________________________________________ Assinatura Dúvidas em relação à pesquisa entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 9193-6266. Campus Universitário- Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova, 3000. E-mail: cepufrn@reitoria.ufrn.br ESTE DOCUMENTO DEVERÁ SER ELABORADO EM DUAS VIAS; UMA FICARÁ COM O PARTICIPANTE E OUTRA COM O PESQUISADOR RESPONSÁVEL. Anexo 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ Eu,__________________________________________________________________, depois de entender os riscos e benefícios que a pesquisa intitulada: O processo de construção do sentido de espaço por falantes surdos em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)poderá trazer e, entender especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente da necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, os pesquisadores Ivone Braga Albino e Paulo Henrique Duquea realizar a gravação de minha entrevista sem custos financeiros a nenhuma parte. Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso dos pesquisadores acima citados em garantir-me os seguintes direitos: 1. Poderei ler a transcrição de minha gravação; 2. Os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos e jornais; 3. Minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das informações geradas; 4. Qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita mediante minha autorização; 5. Os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade do(a) pesquisador(a) coordenador(a) da pesquisaIvone Braga Albino, e após esse período, serão destruídos e, 6. Serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista. Natal, 15 de setembro de 2014. ____________________________________________________________________ Assinatura do participante da pesquisa __________________________________________________________________________ Assinatura e carimbo do pesquisador responsável ESTE DOCUMENTO DEVERÁ SER ELABORADO EM DUAS VIAS; UMA FICARÁ COM O PARTICIPANTE E OUTRA COM O PESQUISADOR RESPONSÁVEL. Anexo 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGENS (FOTOS E VÍDEOS) Eu,__________________________________________________________________, AUTORIZO (a) Prof(a) Ivone Braga Albino, coordenador(a) da pesquisa intitulada: O processo de construção do sentido de espaço por falantes surdos em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)a fixar, armazenar e exibir a minha imagem por meio de foto e/ou vídeo com o fim específico de inseri-la nas informações que serão geradas na pesquisa, aqui citada, e em outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos e jornais. A presente autorização abrange, exclusivamente, o uso de minha imagem para os fins aqui estabelecidos e deverá sempre preservar o meu anonimato. Qualquer outra forma de utilização e/ou reprodução deverá ser por mim autorizada. O pesquisador responsável Ivone Braga Albino, assegurou-me que os dados serão armazenados em meio digital e eletrônico, sob sua responsabilidade, por 5 anos, e após esse período, serão destruídas. Assegurou-me, também, que serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e/ou solicitar a posse de minhas imagens. Natal, 15 de setembro de 2014. ______________________________________________________________________ Assinatura do participante da pesquisa ___________________________________________________________________________ Assinatura e carimbo do pesquisador responsável ESTE DOCUMENTO DEVERÁ SER ELABORADO EM DUAS VIAS; UMA FICARÁ COM O PARTICIPANTE E OUTRA COM O PESQUISADOR RESPONSÁVEL. Anexo 4 DADOS DO PROJETO DE PESQUISA Título da Pesquisa: O processo de construção do sentido de espaço por falantes surdos em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) Pesquisador: Ivone Braga Albino Área Temática: Versão: 2 CAAE: 37534114.0.0000.5537 Instituição Proponente: Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem Patrocinador Principal: Financiamento Próprio DADOS DO PARECER Número do Parecer: 925.004 Data da Relatoria: 19/12/2014 Apresentação do Projeto: A pesquisa em apreço tem nível de abrangência de Doutorado e será desenvolvida na UFRN, no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Serão analisados dados qualitativos e quantitativos numa amostra de 20 participantes que serão arrolados no período de maio a junho de 2016. Neste trabalho, os pesquisadores tentarão entender como a Teoria Neural da Linguagem pode explicar o processo de construção de sentido de espaço em indivíduos surdos usuários da Língua Brasileira de Sinais (Libras). A pesquisa será realizada por meio de um estudo retrospectivo com um grupo-chave de 10 estudantes surdos falantes de Libras e um grupo, considerado de controle, de igual quantidade, composto por estudantes ouvintes, falantes de Língua Portuguesa, pertencentes ao curso de graduação em Letras, habilitação Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN.Portanto, esta pesquisa tem por objetivo investigar que mecanismos são acionados durante narrativas por estes participantes durante a construção do sentido de espaço. Baseados nos pressupostos teóricos da Teoria Neural da Linguagem e na reflexão em alguns estudos já existentes em outras ciências neurais sobre o mesmo tema. Para atingir os objetivos propostos, a pesquisa será quali-quantitativa, pois visa a uma análise empírica dos dados "ex post facto", e será realizada através de uma investigação quase experimental, pois durante a aplicação das atividades os indivíduos estarão em situações naturais. Desse modo, é foco de interesse do presente trabalho fazer uma investigação pautada em dados empíricos, advindos de testes com grupos de controle. Como ferramentas para a coleta de dados, será utilizada uma entrevista motivada e atividades/ testes. Antes da aplicação do experimento, será realizado um PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP Endereço: Av. Senador Salgado Filho, 3000 Bairro: Lagoa Nova CEP: 59.078-970 UF: RN Município: NATAL Telefone: (84)9193-6266 E-mail: cepufrn@reitoria.ufrn.br Página 02 de 04 Continuação do Parecer: 925.004 teste piloto com pessoas que se dispuserem a participar da pesquisa de forma voluntária. Tal teste terá como critério a aproximação do nível escolar e da idade com os grupos variantes. Em relação à análise de dados, os quantitativos terão como auxílio, no processo analítico, o programa de análise estatística SPSS. Para a análise qualitativa, as respostas fornecidas pelos participantes, nos dias de experimento, serão analisadas empiricamente, em conjunto com os resultados quantitativos e à luz dos pressupostos teóricos envolvidos na Teoria Neural da Linguagem. É foco dessa investigação o trabalho de elaboração, organização e manipulação de esquemas interpretativos e imaginativos relacionados à natureza construcionista das operações cognitivas. Objetivo da Pesquisa: Objetivo Geral: Analisar como, a partir de pistas linguísticas em Libras, os falantes surdos constroem o sentido de espaço em narrativas. Objetivos Específicos: 1. Identificar que esquemas e frames os falantes de Libras acionam durante a produção/compreensão de narrativas envolvendo domínios espaciais. 2. Verificar como são construídas as especificações semânticas a partir da análise construcional de enunciados sobre espaço. 3. Analisar como ocorre a projeção de eventos de especificação semântica no contexto comunicativo corrente. 4. Identificar que estruturas corporificadas dinâmicas são evocadas nas especificações semânticas resolvidas para produzir inferências apropriadas. Avaliação dos Riscos e Benefícios: Riscos: o risco envolvido com a participação é: a alteração da rotina, que será minimizado por meio da seguinte providência: os dias e horários serão marcados de acordo com a disponibilidade da turma e do docente que estiver em sala de aula. Benefícios: o benefício é o acesso, por meio de relatório, aos resultados obtidos (sem a identificação dos participantes). UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE / UFRN CAMPUS CENTRAL Endereço: Av. Senador Salgado Filho, 3000 Bairro: Lagoa Nova CEP: 59.078-970 UF: RN Município: NATAL Telefone: (84)9193-6266 E-mail: cepufrn@reitoria.ufrn.br Continuação do Parecer: 925.004 Página 03 de 04 Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Trata-se de um estudo quali-quantitativo cujo objetivo principal é analisar como, a partir de pistas lingüísticas em Libras, os falantes surdos constroem o sentido de espaço em narrativas. O referido projeto possui um bom referencial teórico e é passível de execução. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Os termos de apresentação obrigatória estão adequadamente apresentados na versão atual. Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: As pendências levantadas no parecer consubstanciado 875.925 foram solucionadas na atual versão. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não Considerações Finais a critério do CEP: Em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde - CNS e Manual Operacional para Comitês de Ética - CONEP é da responsabilidade do pesquisador responsável: 1. elaborar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE em duas vias, rubricadas em todas as suas páginas e assinadas, ao seu término, pelo convidado a participar da pesquisa, ou por seu representante legal, assim como pelo pesquisador responsável, ou pela (s) pessoa (s) por ele delegada(s), devendo as páginas de assinatura estar na mesma folha (Res. 466/12 - CNS, item IV.5d); 2. desenvolver o projeto conforme o delineado (Res. 466/12 - CNS, item XI.2c); 3. apresentar ao CEP eventuais emendas ou extensões com justificativa (Manual Operacional para Comitês de Ética - CONEP, Brasília - 2007, p. 41); 4. descontinuar o estudo somente após análise e manifestação, por parte do Sistema CEP/CONEP/CNS/MS que o aprovou, das razões dessa descontinuidade, a não ser em casos de justificada urgência em benefício de seus participantes (Res. 446/12 - CNS, item III.2u) ; 5. elaborar e apresentar os relatórios parciais e finais (Res. 446/12 - CNS, item XI.2d); 6. manter os dados da pesquisa em arquivo, físico ou digital, sob sua guarda e responsabilidade, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE / UFRN CAMPUS CENTRAL Endereço: Av. Senador Salgado Filho, 3000 Bairro: Lagoa Nova CEP: 59.078-970 UF: RN Município: NATAL Telefone: (84)9193-6266 E-mail: cepufrn@reitoria.ufrn.br Página 04 de 04 Continuação do Parecer: 925.004 por um período de 5 anos após o término da pesquisa (Res. 446/12 - CNS, item XI.2f); 7. encaminhar os resultados da pesquisa para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal técnico integrante do projeto (Res. 446/12 - CNS, item XI.2g) e, 8. justificar fundamentadamente, perante o CEP ou a CONEP, interrupção do projeto ou não publicação dos resultados (Res. 446/12 - CNS, item XI.2h). NATAL, 22 de dezembro de 2014 _____________________________________________ Assinado por: LÉLIA MARIA GUEDES QUEIROZ (Coordenador) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE / UFRN CAMPUS CENTRAL Endereço: Av. Senador Salgado Filho, 3000 Bairro: Lagoa Nova CEP: 59.078-970 UF: RN Município: NATAL Telefone: (84)9193-6266 E-mail: cepufrn@reitoria.ufrn.br Anexo 5 Anexo 5 – Fotos dos momentos de pilotagem E Estúdio do LABCOM/UFRN Sala com objetos específicos e instrumentos musicais – CCHLA Exibição de vídeo no LABCOM Participação do intérprete no LABCOM Anexo 6 Sala com objetos específicos, instrumentos musicais e distratores. Sala utilizada para aplicação das atividades/testes e e filmagem. Sala utilizada para exibição de vídeos e filmagem. P Participante assistindo ao vídeo.