UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Márcio Adriano de Azevedo Descompassos nas políticas educacionais: a reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN (1999-2006) NATAL 2006 1 Catalogação da Publicação na Fonte UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos Azevedo, Márcio Adriano de. Descompassos nas políticas educacionais: a reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN (1999-2006) / Márcio Adriano de Azevedo – Natal. 2006. 154f. il. Orientadora: Profª Drª Maria Aparecida de Queiroz. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós- Graduação em Educação. 1. Educação rural – Tese. 2. Políticas de educação – Tese. 3. Centro de Ensino Rural – Tese. 4. Jardim de Piranhas/RN – Tese. I. Queiroz, Maria Aparecida de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 37.014.5 (043.3) 2 MÁRCIO ADRIANO DE AZEVEDO Descompassos nas políticas educacionais: a reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN (1999-2006) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento parcial às exigências legais para obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida de Queiroz. NATAL 2006 3 MÁRCIO ADRIANO DE AZEVEDO Descompassos nas políticas educacionais: a reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN (1999-2006) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento parcial às exigências legais para obtenção do grau de Mestre em Educação. DISSERTAÇÃO APROVADA EM: ______/______/______ BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Aparecida de Queiroz Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Orientadora) ___________________________________________________________ Profa. Dra. Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus Universidade Federal do Sergipe – UFSE (Membro) ___________________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Cabral Neto Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Membro) ___________________________________________________________ Profa. Dra. Alda Maria Duarte Araújo Castro Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Membro) 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho, Aos meus filhos: Igor Rasec Batista de Azevedo e a Isa Raquel Batista de Azevedo, por quem o meu coração inflama com o mais profundo e verdadeiro amor. Aos meus irmãos: Marcos, Condinho, Vera, José Aroldo, Fernando, Ana, Orlando e Tático, pelo amor, pelo apoio e pela força manifestada a mim, e aos meus filhos, o que me propiciou cursar esse Mestrado com mais segurança e dedicação. Ao amigo e professor Dr. Antônio Lisboa Leitão de Souza (CERES/Caicó) pelo incentivo e pelo apoio, antes e durante o Mestrado, sobretudo, por ter-me recebido para o Estágio Docência Assistida, o que significou um precioso momento para o desenvolvimento de minha pesquisa. A todos os professores do PROBASICA – CERES, em Caicó: fontes de meus primeiros passos na carreira acadêmica, a qual me realiza a cada momento e a cada conquista. À minha mais recente aquisição materna: a querida orientadora Profa. Dra. Maria Aparecida de Queiroz, pelas sábias, rigorosas e dedicadas orientações, levando-me a construir estes estudos e dar passos mais maduros na pesquisa e na construção do conhecimento científico. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço, A Deus, a quem professo nas Pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Aos meus familiares: à minha mãe Neta, ao meu pai Zezinho (memória), às minhas tias, em especial à Ana Maria e Gorete, aos sobrinhos, em particular à Átila – que me ajudou nas finalizações gráficas deste trabalho –, aos meus primos e primas, cunhados, cunhadas e a todos os que fazem parte da minha linha de família. Aos professores: Antônio Cabral Neto – a quem admiro, e sinto-me profundamente orgulhoso por contar com a sua presença em nossa Banca Examinadora; as professoras Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus (UFSE) e Alda Castro (UFRN), pelas contribuições aos meus estudos na condição de examinadoras, enriquecendo, com as suas proposições, aquilo que construí como dissertação parcial. À professora Rosália de Fátima e Silva, pelo incentivo no período da seleção do Mestrado, e à professora Lenira Rique, pelas ricas reflexões que me instigou a fazer durante a disciplina Filosofia das Ciências. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, na pessoa da professora Márcia Gurgel e Magna França (a quem agradeço também pelas colaborações durante os seminários de orientação de Dissertação), pela competência e seriedade com que coordenam – juntamente com a sua equipe – as atividades desse Programa, bem como pela atenção e pontualidade no que concerne às necessidades e funcionalidades dos professores e pós-graduandos. Ao CNPq, pelo suporte financeiro fundamental para a minha manutenção e pontualidade na exeqüibilidade e no cumprimento do cronograma estabelecido para os estudos. 6 A todos os professores, funcionários e alunos do CERES/Caicó, pela compreensão e pelo apoio que me deram durante a minha atividade de professor substituto, o que me permitiu conciliar os estudos no Mestrado. Aos colegas da Base de Gestão e Política: Márcio Jocerlan, Gorete, Chico, Neila (Pará), Andreza Tavares, a Paulleany, a Valcinete, a Luzimar, a amiga Daniele Dorotéia, a Luciane – a quem admiro pela profunda paz e serenidade que transmite –, pelas colaborações diretas ou indiretas, pela convivência e pelo apoio durante esses dois anos. Aos colegas: Paulo Eimar (Sergipe), Cícera Romana, Daniele Nóbrega, Vera Chalerge (Pernambuco), Oneide (Pará), Tarcimária e todos aqueles com quem convivi durante as disciplinas e os eventos científicos. Aos amigos e compadres: Patrícia Conceição, Teixeira (Netinho), Dedé e Deta, Renato e Betinha, Luciano e Regina, Pe. Lucena, Pe. Gleiber, e todos os que estiveram unidos e reunidos em torno dos meus ideais, dando-me força, apoio e coragem. Às entrevistadas: Maria Ivonete da Silva Régis, Íris Neide Freire de Queiroz Medeiros, Domerina Francisca Alves, Maria de Fátima Oliveira da Silva, Nitalma Queiroz e a Marize Santos (SEMEC), pelos preciosos depoimentos, o que se constituiu de uma rica fonte de informações e conhecimentos. A Secretaria Municipal de Educação de Jardim de Piranhas, na pessoa de Maria Soares, pelas informações durante a coleta de dados e pela Licença deferida, dando-me tranqüilidade e viabilidade para cursar o Mestrado. A todos os profissionais do Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, em Jardim de Piranhas/RN, em particular à gestora Nitalma Queiroz e à Secretária Geral, Maria José Saraiva, pela amizade, pelo profissionalismo e pelo total apoio que me deu, durante a realização dos meus estudos. 7 A Manezão (moto-taxista), pela paciência e pelos serviços prestados durante os mais de 100 Km percorridos pelo meio rural, em Jardim de Piranhas/RN, a fim de realizar as entrevistas, sob o sol forte e entre as vegetações oscilantes do sertão. À Layane Duarte, aluna do curso de Pedagogia do CERES/Caicó, pela contribuição no processo de transcrição das entrevistas. Ao Prof. Dr. Camilo Rosa (Caicó) e ao Prof. Ms. Cássio (Natal), pela correção gramatical deste trabalho. Por fim, às pedras: Ou seja, àqueles que, voluntária ou involuntariamente, foram e/ou se constituíram em pedras no meu caminho, tentando derrubar-me, arranhar ou desanimar. Obrigado! Pois ao perseverar, percebi que vocês foram importantes no alicerce de meu crescimento e amadurecimento pessoal e acadêmico. 8 “Ah, a política de educação do campo? É muito difícil aquilo ali [...] Eu sei que tem que sonhar, mas é difícil. Mas eu tenho fé que ainda vai chegar a política de educação no campo”. (MEDEIROS, 2006). 9 RESUMO O presente trabalho objetiva analisar o processo de reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN, no contexto das políticas de educação, em particular do período de 1999-2006, tomando como referência as transformações no cenário socioeconômico, político e cultural em nível local, regional e nacional, sobretudo a partir da década de 1990. Os estudos realizados em fontes diversas possibilitaram compreender desde o contexto no qual desenvolveram as políticas de educação, em particular, aquela direcionada para o meio rural, bem como as mediações desta com a reorganização da educação no âmbito local. Além destes procedimentos, realizamos entrevistas semi-estruturadas com gestores e professores e analisamos documentos produzidos em nível nacional e local. Do ponto de vista teórico-metodológico, enfocamos a discussão nacional, que vem desenvolvendo-se sob uma nova configuração política e ideológica, sendo intitulada de a Educação do Campo, entendida como uma política voltada para as especificidades da educação nesse setor e consolidada nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (CNE/MEC/2002). Como particularidade desse objeto, destacamos eventos que marcaram a reorganização da educação rural naquele município, especialmente a partir da criação do Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista. Os estudos possibilitam perceber que, até à sua criação, as escolas funcionavam em condições físicas e de infra-estrutura precárias, sem energia elétrica, abastecimento d’água, merenda escolar e a menor estrutura de gestão. Inexistia um projeto ou acompanhamento pedagógico específico para o setor. Ademais, as professoras trabalhavam, predominantemente, com turmas multisseriadas e ainda cumpriam as funções de gestoras, zeladoras, merendeiras e até mesmo de secretária escolar. Contudo, mesmo com a reorganização da educação rural, o sistema municipal de ensino não se tornou capaz de superar problemas como o da evasão e da reprovação escolar, bem como suprimir a sobrecarga de trabalho dos professores, tampouco dar maior consistência ao projeto pedagógico das escolas do campo naquele município. PALAVRAS-CHAVE: Políticas de educação; Educação Rural; Educação do Campo; Centro de Ensino Rural. 10 ABSTRACT The present work has as aim to analyze the reorganization process of the rural education in Jardim de Piranhas-RN, on the context of the education policies, in particular of the period of 1999-2006, having as reference the transformations in the political, cultural and socio-economic setting in the national, regional and local level, above all from the decade of 1990. The studies carried out in diverse sources made possible to understand from the context in which they had developed the education policies, in particular, that one directed for the rural way, as well as the mediation of this with the education reorganization in the local scope. Besides these research procedures, we carry out interviews - semi- structuralized - with managers and teachers, and we analyze documents from the produced ones in national level to those local ones. From the viewpoint theoretician-methodological, we focus the national discussion that comes developing under a new ideological political configuration and, being entitled by the Field Education, understood as a policy directed to education specifities in this sector and consolidated in the Operational Guidelines for the Basic Education in the Field Schools (CNE/MEC/2002). As particularity of this object in Jardim de Piranhas-RN, we emphasize events occurred that had marked the rural education reorganization in that city, especially from the creation of the Rural Education named Center Teacher Maria Edite Batista. Studies make possible to realize that until the Center creation, the schools functioned in rather precarious infrastructure and physical conditions, that is, without electric energy and water supplying, as well as the lack of school snack and the management structure. There was not a project or specific pedagogical accompaniment for the sector. Moreover, the teachers worked predominantly with several grade classes and still they fulfilled the manager functions, caretakers, and cook- in some cases as school secretary. However, exactly with the creation of the Rural Education Center, the education municipal system did not become capable to overcome problems as of the evasion and school failure, as well as decreasing the work overload of teachers, neither to give greater consistency to the pedagogical project of the field schools in that city. Key-words: Education Policy; Rural Education; Field Education; Rural Education Center. 11 LISTA DE SIGLAS BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. BIRD - Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. CEE – Conselho Estadual de Educação. CPT – Comissão Pastoral da Terra. CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte. CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. CERES – Centro de Ensino Superior do Seridó. CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. CNE – Conselho Nacional de Educação. CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura. CUT – Central Única dos Trabalhadores. DIRED – Diretoria Regional de Educação. DRT – Delegacia Regional do Trabalho. EDURURAL/NE - Programa de Expansão e Melhoria da Educação Rural do Nordeste. EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte. ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. ENERA – Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária. EUA – Estados Unidos da América. FETARN – Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Rio Grande do Norte. FETRAF – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte. FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. FIERN – Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte. FMI – Fundo Monetário Internacional. FOCA – Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente. FORMAGEST – Curso de Formação de Gestores. FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. 12 FUNDAC – Fundação Estadual de Trabalho e Ação Comunitária. FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola. GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas. G7 – Grupo dos Sete. IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. MARE – Ministério da Administração da Reforma do Estado. MEC – Ministério da Educação e Cultura. MERCOSUL – Mercado Comum do Sul. MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra. MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. NUCA – Núcleo de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente. OECD - Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento. OMC – Organização Mundial do Comércio. OME – Órgãos Municipais de Ensino. OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo. PAEM – Programa de Assistência Educacional aos Municípios. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste. PROBASICA – Programa de Qualificação dos Professores da Educação da Básica. PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. PROMUNICÍPIO - Projeto de Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal. PROMEDLAC – Reuniões dos Ministros de Educação da América Latina e Caribe. PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola. PROUNI – Programa Universidade Para Todos. RN – Rio Grande do Norte. SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica. SEARA – Secretaria de Assuntos Fundiários de Apoio a Reforma Agrária. SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. 13 SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. SECD – Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Desportos. SEMEC – Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de Jardim de Piranhas/RN. SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. SESI – Serviço Social da Indústria. SINTE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte. SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte. UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido. UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. UNB – Universidade de Brasília. UNDIME – União dos Dirigentes Municipais de Educação. UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. URSS – União Republicana Socialista Soviética. UVA –Universidade do Vale do Acaraú/Ceará. 14 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................... 15 CAPÍTULO 1 - RECENTES MUDANÇAS SOCIOECONÔMICAS: A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O CONTEXTO RURAL 1.1 – A economia global e informacional e a educação.................................... 1.2 – Políticas de educação no Brasil: imposição ou consentimentos?............. 1.3 – Os caminhos da educação rural no Brasil................................................ 23 35 42 CAPÍTULO 2 - DIVERSIDADE DO CAMPO: ALGUNS OLHARES 2.1 – Diversidade do campo brasileiro: fundamentos socioeconômicos, políticos e culturais............................................................................................ 2.2 – Os movimentos sociais, a Reforma Agrária e a educação....................... 2.3 – A política de educação específica à diversidade do campo...................... 49 58 69 CAPÍTULO III – JARDIM DE PIRANHAS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO RIO GRANDE DO NORTE 3.1 – O Estado do Rio Grande do Norte e a política de Educação do Campo 3.2 – Um município e seus traços na história: entre o campo e a cidade, à enxada e o tear................................................................................................... 3.3 – A reorganização da educação no município - uma reforma que modifica a educação local: leis, planos e condutas.......................................................... 3.4 – O Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista: marco organizativo da educação no campo.................................................................. 74 83 89 102 CONCLUSÕES .............................................................................................. 118 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 124 ANEXOS.......................................................................................................... ANEXO A – Diário oficial do Estado do Rio Grande do Norte que publica a incorporação da Escola Municipal Amaro Cavalcanti – Ensino de 2º grau, em Jardim de Piranhas/RN, à rede estadual de ensino...................................... ANEXO B – Termo de ajustamento de conduta e compromisso, firmado em 1999, entre o Ministério Público e o Poder Executivo, em Jardim de Piranhas/RN....................................................................................................... 134 135 136 15 ANEXO C – Lei Municipal que institui o Departamento de Educação, em Jardim de Piranhas/RN, em 1978..................................................................................................................... ANEXO D – quadro demonstrativo do quadro de professores do Centro de Ensino Rural “Professora Maria Edite Batista”, em Jardim de Piranhas/RN, em 2006.................................................................................................................... ANEXO E – Lei Municipal de criação do Centro de Ensino Rural, em Jardim de Piranhas/RN..................................................................................................... ANEXO F – quadro de matrículas do Centro de Ensino Rural (2006)................................................................................................................. ANEXO G – logotipo da bandeira do Centro de Ensino Rural, em Jardim de Piranhas/RN....................................................................................................... ANEXO H – roteiros das entrevistas (semi- estruturadas)................................ 139 140 142 146 147 150 16 INTRODUÇÃO A opção de pesquisar sobre a educação rural em Jardim de Piranhas/RN, do período de 1999 a 2006, partiu de inquietações pessoais e profissionais, estando também a pesquisa associada à nossa relação afetiva com esse lugar, bem como a experiência de estudos correlacionados ao tema educação rural ou, como se denomina atualmente, educação do campo (AZEVEDO, 2004; AZEVEDO e SOUZA, 2005; AZEVEDO e QUEIROZ, 2006). Na fase exploratória da pesquisa, recebemos contribuições específicas de pessoas que trabalharam ou que ainda trabalham no Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista e na SEMEC. Na análise da educação rural em Jardim de Piranhas/RN, sobretudo a partir dos anos de 1990, consideramos o contexto socioeconômico, político e cultural em âmbito local, nacional e internacional, principalmente a América Latina e o Caribe. Neste, estão inseridas inúmeras reformas de cunho educativo, tal como ocorreu e vem ocorrendo no Brasil. A literatura sobre os pressupostos da economia global e informacional que nortearam as reformas no plano político e econômico, influenciando as transformações sociais em várias escalas (local, regional, nacional e internacional), também mudaram os rumos das relações sociais e, em conseqüência disso, o conteúdo político-ideológico dos movimentos sociais que já vinham se organizando desde o final dos anos de 1970. A luta pelo direito à propriedade da terra e à Educação do Campo, entre outros fatores, contribuiu para que entrassem na agenda das políticas educacionais do nosso país, propostas e projetos especiais para o setor rural. A educação rural, no Brasil, historicamente, é marcada por uma profunda negação de direitos e os segmentos da população a qual se destina não participam das decisões que poderiam possibilitar voltar para um projeto compatível com sua identidade sociocultural. Nas últimas décadas, a educação para esses segmentos foi submetida à estratégia político- ideológica por parte do Estado, orientada por agentes financiadores externos, ligados aos interesses do latifúndio e do agronegócio. Nesse contexto, inserem-se o Estado do Rio Grande do Norte e, conseqüentemente, o município de Jardim de Piranhas/RN. Na década de 1970, com a Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, que reforma o ensino de 1º e 2º graus, enfatizou-se a necessidade de adequação da educação rural às 17 novas perspectivas de produção econômica, bem como de contenção da migração campo/cidade, por meio de ações e programas de assistência técnica, como o PROMUNICÍPIO. No período 1970-1980, as propostas de educação para esse setor, apresentadas pelo MEC, objetivavam a transferência de responsabilidades do Governo Federal para os municípios, munindo-os com condições técnicas e financeiras para superarem a desorganização e a inadequação no funcionamento das instituições educacionais. O EDURURAL/NE, do qual mais de 400 municípios participaram, tinha como objetivo superar as contradições socioeconômicas e educacionais na região, por meio de alternativas políticas, como a efetivação de programas especiais e setoriais de desenvolvimento, financiando uma pequena parte, mas, tutelado do ponto de vista político- ideológico e administrativo pelo Banco Mundial. Esse se tornou exemplo de experiência oficial, voltada para a educação rural. A partir de 1990, o Projeto Nordeste II desenvolveu ações específicas para as turmas multisseriadas, efetivando o programa Escola Ativa, logo em seguida transferido para o FUNDESCOLA. Também nessa década, consolidaram-se no país duas vertentes referentes à exploração da terra, decorrentes de interesses socioeconômicos, políticos e ideológicos divergentes. De um lado o sistema capitalista defende a reprodução de um modelo político e econômico desigual, sobretudo para os países periféricos; de outro, um movimento que vai de encontro a esse sistema defende direitos como trabalho e educação. Em torno da terra e do trabalho dos camponeses, o capital dinamiza a produção e a exploração, perpetuando as desigualdades e injustiças sociais. Por outro lado, os camponeses, por meio dos movimentos sociais e sindicais, organizam forças que contestam a exploração capitalista, lutando pelo seu espaço de pertencimento. No centro desse embate, está a reforma agrária, que se apresenta como uma das alternativas políticas para resolver os problemas estruturais do campo. A reforma educativa dos anos de 1990, no contexto da América Latina e Caribe e, em particular, no Brasil, provocou transformações nas políticas de educação, que norteadas por compromissos internacionais – Jomtien e outros –, objetivavam imprimir uma concepção de educação pautada nos interesses do capital. No mesmo contexto educacional, os movimentos sociais articularam-se, em nível nacional, e desencadearam um grande debate em torno de um projeto de educação que considerasse a pluralidade e as especificidades dos sujeitos que vivem e continuam resistindo para morar no campo, 18 visando a construir uma identidade própria de educação, intitulada por seus propositores como a Educação do Campo, fundamentando alguns princípios e concepções pedagógicas para a educação especificamente nesse setor, como o respeito à diversidade cultural e necessidades específicas do fazer pedagógico dos seus sujeitos. Nessa perspectiva, elaboraram-se as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, aprovadas em 2002, pelo MEC/CNE e, assim, A educação do campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social com as realizações da sociedade humana (BRASIL, 2002, p. 4-5). A partir desse momento, as discussões têm optado por suprimir o termo educação rural – quando se alude ao espaço geográfico –, para que se enfatize também a importância dos sujeitos do campo, em sua dinâmica e interações, como orienta o referido documento. Entretanto, em um cenário contraditório de luta de classes, o contexto político apresenta-se com interesses e proposições socioeconômicas e educacionais divergentes, gerando um movimento dialético. No contexto da reforma educativa brasileira, nos anos de 1990, a aprovação da LDB, Lei nº 9.394/96, apresentou particularidades na organização da educação do campo, criando espaço para um debate específico, apesar de muitas questões ainda não estarem definidas. Nessa década, o município de Jardim de Piranhas/RN redimensionou a sua organização educacional, bem como as suas bases socioeconômicas. Na educação, em particular, essa organização passou pela reestruturação do sistema de ensino, municipalizando parte das responsabilidades, inclusive financeiras, promovida em nível nacional. Quanto à educação rural, em 1999, foi criado o Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, reunindo as 19 escolas, denominadas de unidades de ensino. Até à criação desse Centro, essas escolas funcionavam em condições físicas precárias, sem energia elétrica, abastecimento d’água, merenda escolar e a menor estrutura de gestão. 19 Contudo, mesmo com a criação do Centro de Ensino Rural o sistema municipal de ensino não se tornou capaz de superar problemas como a evasão e a reprovação escolar, bem como de amenizar a sobrecarga de trabalho dos professores. Em conseqüência disso, não era percebida maior consistência do projeto pedagógico elaborado posteriormente, de modo que consolidasse, por exemplo, um currículo específico para atender às aspirações de estudo e de vida de quem vive no campo. Ao perceber descompassos da educação rural em Jardim de Piranhas/RN, bem como dificuldade no seu fazer pedagógico, partimos das seguintes questões: a) Que concepções e princípios político-pedagógicos e ideológicos têm norteado a educação, sobretudo no meio rural, em nosso país, especialmente a partir dos anos de 1990? b) Que motivos levaram à reorganização administrativa, pedagógica e financeira da educação rural em Jardim de Piranhas/RN a partir da década de 1990, quando sabemos que, desde os anos de 1970, as escolas desse setor já funcionavam? Ajudado pela nossa experiência como gestor desse Centro de Ensino Rural no período de setembro de 2002 a abril de 2004 e pelos estudos que realizamos acerca da educação nesse município, reportando-nos à década de 1970, propomo-nos a analisar o processo de reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN, no contexto das políticas de educação, em particular no período de 1999 a 2006, tomando como referência as transformações no cenário socioeconômico, político e cultural em nível local, regional e nacional, ocorridos a partir dos anos de 1990. O nosso campo empírico é o Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, que atende a alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (séries iniciais), únicas modalidades de ensino oferecidas nas escolas rurais desse município. Nesse contexto, percebemos que a criação do Centro de Ensino Rural em Jardim de Piranhas/RN se encontra associada a vários fatores, entre os quais, três merecem destaque: 1) as transformações socioeconômicas, políticas e culturais em âmbito internacional, nacional com repercussão local, sobretudo, a partir da Reforma Educativa efetivada nos países da América Latina e Caribe, orientada por organismos multilaterais – denominados 20 em nossos estudos de Proto-Estado-Global –, com o objetivo de superar, entre outros problemas, aqueles relacionados à qualidade, equidade e eficiência dos sistemas de educação; 2) a anuência do Brasil a esses ditames, desencadeando reformas educacionais que adotam princípios como a descentralização administrativa e a reorganização da gestão educativa; 3) e em nível local, em decorrência da assinatura de um termo de ajustamento de conduta1, em 1999, entre o Ministério Público e a Prefeitura Municipal de Jardim de Piranhas/RN, quando acordaram uma série de ações voltadas para o sistema de educação, como a elaboração e a implementação de uma política municipal para esse setor, a elaboração de projetos pedagógicos e a devida aplicação dos recursos do FUNDEF. Pautamos o nosso estudo em uma concepção crítica do conhecimento e em fontes diversas, que possibilitaram compreender não apenas o contexto de desenvolvimento das políticas de educação, em particular aquela direcionada para o meio rural, bem como as mediações desta com a reorganização da educação no âmbito local. Além desses procedimentos da pesquisa, realizamos entrevistas semi-estruturadas com gestores e professores, e analisamos documentos desde os produzidos em nível nacional àqueles locais. Como particularidade desse objeto, destacamos eventos que marcaram a reorganização da educação rural, sobretudo a partir do ano de 1999. Procedemos a uma investigação qualitativa, comum às ciências sociais e humanas. Para Laville e Dionne (1999, p. 33): Se em ciências humanas, os fatos dificilmente podem ser considerados como coisas, uma vez que os objetos de estudo pensam, agem e reagem, que são atores podendo orientar a situação de diversas maneiras, é igualmente o caso do pesquisador: ele também é um ator agindo e exercendo sua influência. . 1 Esse termo decorreu de denúncias do Conselho Municipal do FUNDEF, em Jardim de Piranhas/RN, sobre a má aplicação dos recursos por parte do Poder Executivo Municipal. Associado a esse fato, a DRT/NUCA intensificou as suas ações, sobretudo no combate ao trabalho infantil, o que impulsionou o Ministério Público a adotar tais procedimentos. 21 Nesse sentido, Minayo (2003, p. 21-22) ressalta que a pesquisa qualitativa “[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. A autora enfatiza, ainda, que a metodologia da pesquisa qualitativa requer concepções teóricas de abordagem e que o pesquisador seja, sobretudo, criativo. Tanto as concepções quanto a criatividade estão associadas à maturidade intelectual, ao rigor e à capacidade de produção científica, à capacidade lógico-crítica o que, em nosso caso, vem ocorrendo por meio da reflexão que decorre de leituras, de diversas atividades de interação acadêmica, da orientação de Dissertação, da participação em eventos (locais, nacionais e internacionais), de publicações sobre a temática, da atividade de Docência Assistida (2005.2) realizada no CERES/Caicó, entre outros eventos. Minayo (2003) enfatiza também um efetivo envolvimento afetivo do pesquisador com o objeto e os sujeitos de pesquisa. A nossa experiência como gestor, seguida das atividades de pesquisador e de professor substituto no CERES/CAICÓ, possibilitou mais envolvimento com as atividades acadêmicas. Foi importante a escolha do Centro de Ensino Rural de Jardim de Piranhas/RN como o campo empírico da pesquisa, porque, segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 87), a “[...] escolha do que estudar implica sempre ter acesso aos sujeitos envolvidos no estudo [...]”. Em conseqüência da nossa inserção anterior nesse espaço, tivemos abertura para contatar com os profissionais da SEMEC e do Centro de Ensino Rural, bem como para acessar e analisar os documentos referentes a este Centro. Sobre os instrumentos e técnicas de pesquisa, Minayo (2003) mostra que a escolha adequada possibilita alcançar os objetivos da pesquisa. Diante da escolha do objeto e dos sujeitos desta pesquisa, optamos pelo uso de entrevista semi-estruturada, pois o distanciamento do pesquisador do universo de relações a ele familiar possibilitou lançar outros olhares sobre o campo investigado. As entrevistas são importantes, porque, por meio delas, os sujeitos externam os seus métodos, afetos, experiências, angústias, recordações, emoções, crenças, valores, entre outras formas de manifestações. Realizamos 06 entrevistas. Colaboraram conosco 04 professoras, a gestora do Centro de Ensino Rural e a coordenadora técnica da SEMEC. Das professoras entrevistadas, 03 tinham apenas o Ensino Fundamental completo antes da criação do Centro e 01 participou do processo de qualificação do PROBÁSICA, durante as mudanças ocorridas posteriormente à instituição. 22 A escolha dessas professoras justifica-se por elas serem as únicas que já atuavam nas escolas rurais em Jardim de Piranhas/RN, antes da existência do Centro, possibilitando-nos confrontar a realidade anterior e posterior à sua criação. A entrevista com a gestora foi uma escolha que levou em conta a sua experiência como professora em escolas rurais, desde a sua admissão ao quadro do magistério público municipal, propiciando uma análise mais real dos processos de gestão e de ensino das escolas desse setor. Finalmente, entrevistamos a coordenadora técnico-pedagógica da SEMEC, que conduziu o processo de elaboração do primeiro projeto pedagógico das escolas do campo, no município, bem como a fundação do Centro de Ensino Rural. Outro procedimento de coleta de dados foi a consulta e a análise de documentos, como relatórios, portarias, projetos pedagógicos do Centro de Ensino Rural, entre outros especificados nas referências ou nos anexos deste trabalho. Tal prática se adequa à Linha de Pesquisa: Política e Práxis de educação, cujos temas contemplados remetem a leis, normas, decretos, portarias, atas, etc. Quanto aos dados empíricos, analisamos-los à luz do referencial teórico-metodológico. Estruturamos a nossa dissertação da seguinte maneira: No Capítulo 1, discutimos as recentes mudanças socioeconômicas e políticas, a educação brasileira, sobretudo no rural, a partir dos pressupostos que fundamentam a economia global e informacional, decorrência do processo de industrialização e de sistematização produtiva do capital, provocando significativas transformações na estrutura político-econômica dos países capitalistas e articulando novas formas de poder. Abordamos também o delineamento de reformas estruturais, especialmente no que concerne às políticas de educação, por meio de um enfoque neoliberal, analisando a sua inserção no continente latino-americano e, em particular, no Brasil. Ao tratarmos das políticas de educação no nosso país, sobretudo a partir da gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, apresentamos alguns aspectos que operacionalizaram as reformas promovidas pelo Estado, sobretudo, no âmbito educacional. Nesse sentido, percebemos que essas reformas obedeceram a princípios e bases de cunho neoliberal, atendendo, dessa forma, às orientações de organismos internacionais, em detrimento do direito social à educação. Mostramos, ainda, os caminhos da educação rural no Brasil, destacando alguns dos seus aspectos históricos e políticos, além de algumas especificidades das políticas de educação brasileiras para esse setor, principalmente a partir da efetivação da LDB – Lei n. 9.394/96 –, bem como a reorganização político-ideológica 23 dos movimentos e instituições sociais e sindicais do campo na luta pela conquista de seus direitos, especialmente ao da educação. No capítulo 2, ponderamos a respeito da diversidade no campo brasileiro, sobretudo nos contextos socioeconômico e político e cultural, levando à compreensão de que as relações estabelecidas nesses cenários se efetivam, ao longo da história, de forma complexa e contraditória. Para compreendermos esses aspectos, discutimos as relações e revoluções sociais do campo, especialmente no bojo do desenvolvimento do capitalismo agrário brasileiro. Nesse particular, enfatizamos a gênese do proletariado rural e as suas formas de protestar sobre as condições de vida e de trabalho, configuradas como exploração, e sobre a constituição da propriedade privada da terra, berço do latifúndio, da agroindústria e do agronegócio. Nesse sentido, percebemos que, diante dessas circunstâncias, as relações sociais de produção no campo geraram manifestações por parte dos trabalhadores rurais, impulsionando o surgimento de movimentos coletivos, como o cangaço, as Ligas Camponesas, os sindicatos rurais e os movimentos sociais. Ressaltamos os embates e a luta desses movimentos pela Reforma Agrária, desde a década de 1960. Como resultado dessas lutas, nos anos de 1990, concebeu-se também uma articulação nacional em defesa pelo direito à educação, conhecida como Educação do Campo, posteriormente oficializada pelo MEC/CNE, por meio das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. No capítulo 3, evidenciamos a educação rural no Rio Grande do Norte, principalmente nas últimas três décadas, enfatizando os projetos e programas educacionais desenvolvidos no Estado e municípios, como o EDURURAL/NE e o PROMUNICÍPIO, com ênfase à educação rural. Ainda enfocamos alguns aspectos que fundamentam a discussão da política estadual e municipal de Educação do Campo. Apresentamos o modo como se encontrava a educação em Jardim de Piranhas/RN, em especial no campo, até à criação do Centro de Ensino Rural, em 1999. Discutimos alguns traços históricos do município, bem como os aspectos socioeconômicos, políticos e administrativos, sobretudo a partir dos anos de 1990, quando o município passou por um processo de mudanças nas suas bases econômicas. Em seguida, comentamos sobre algumas problemáticas, como o trabalho infantil, que desencadeou uma série de acontecimentos no município, como as intervenções da DRT e de outras instituições, no setor socioeconômico, e do Ministério Público, na educação municipal. 24 Nesse particular, debatemos a reorganização da educação no município a partir de 1999 e as reformas educativas efetivadas nesse período, bem como a criação do Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, buscando as conexões entre a reforma educativa dos anos de 1990 na América Latina e a política educacional nos âmbitos nacional e local. Por fim, focalizamos a política de Educação do Campo, cujas discussões surgiram no mesmo contexto, mas em bases histórico-políticas diferentes dos interesses dos propositores da redefinição do papel do Estado. 25 CAPÍTULO 1 - RECENTES MUDANÇAS SOCIOECONÔMICAS: A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O CONTEXTO RURAL 1.3 – A economia global e informacional e a educação No século XX, foi consolidado o processo de industrialização e de sistematização produtiva do capital, provocando significativas transformações na estrutura político- econômica dos países capitalistas. Esse cenário desencadeou-se, principalmente, a partir da segunda metade do século, representado por um longo período de expansão de pós-guerra que se estendeu de 1945 a 1975, tendo como base um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder2 (HARVEY, 1993). Dentre estes, o taylorismo/fordismo, que se baseava na produção em massa de mercadorias, estruturando-se por meio de uma produção homogenizadora e amplamente verticalizada. A produção expandiu-se em vários setores: inicialmente, a indústria automobilística nos EUA, e, em seguida, para quase todos os principais países capitalistas, com incidência sobre significativa parte do setor de serviços (ANTUNES, 2000). Contudo, com o primeiro choque do petróleo3, elevando os preços e levando a economia a novas configurações políticas e sociais (HARVEY, 1993), especialmente, a partir de 1973, o modelo fordista4 entra em crise, decorrente de um cenário de profunda 2 Para Ianni (1993, p. 56), a Primeira Guerra Mundial (1914-1918 – Revolução Russa), a Grande Depressão Econômica Mundial (iniciada em 1929), a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a Guerra Fria (iniciada em 1946 – EUA e URSS) revelam essa situação. “Durante toda a Guerra Fria, desde 1946 a 1989, os Estados Unidos e a União Soviética, Washington e Moscou, sintetizam o contraponto capitalismo e socialismo, dando a impressão de que coordenavam Estados nacionais e regimes políticos. Nessa época, o mundo está divido em dois blocos, dois sistemas, duas geopolíticas, duas superpotências militares e nucleares. O mundo parece galvanizado por duas polarizadas possibilidades predominantes. Mas continua a desenvolver-se a globalização do mundo. Emergem ou desenvolvem-se relações, processos e estruturas sociais, econômicos, políticos e culturais, acentuando e generalizando a mundialização”. 3 Segundo Xavier; Ribeiro; Noronha (1994), essa crise é resultado da manifestação dos países árabes membros da OPEP, que decidiram suspender as exportações, em sinal de protesto ao apoio dado a Israel por países do Ocidente no conflito do Oriente Médio. 4 Essa crise foi desencadeada por diferentes fatores, como: a) econômicos: recuperação da Europa Ocidental e do Japão; queda da produtividade e da lucratividade corporativa depois de 1966, nos EUA; falência técnica da cidade de Nova Iorque (1975); b) sociais: divisão social do trabalho; desqualificação do trabalhador; altos índices de desemprego; greves acentuadas e problemas trabalhistas (1965-1973); c) políticas: a formação do eurodólar e a contração do crédito no período 1966-1967; industrialização fordista competitiva em ambientes internacionais novos; aumento do preço do petróleo (OPEP) – 1973; embargo às exportações do petróleo para o Ocidente (1973); d) ideológicas: embate à hegemonia americana; crise e mudança paradigmática dos movimentos trabalhistas e sindicais (HARVEY, 1993). 26 recessão econômica, instituindo um novo modelo: o de acumulação flexível dos processos de trabalho. Nesse sentido, os estudos de Harvey (1993, p. 140) mostram que esse processo foi caracterizado, essencialmente, pelo: [...] surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas [...]. Antunes (2000, p. 119) também mostra que o pós-fordismo, conseqüência da crise da social-democracia e dos modos fordistas de regulação, seria caracterizado a partir dos anos de 1990, com “[...] novos modos de regulação, adequados a novas formas de produção, que definem tanto os limites como as oportunidades para as novas estratégias políticas. [...]”. Vemos, pois, que o sistema capitalista dinamiza e reestrutura a sua base material de produção, à medida que o mercado vai se complexificando. Nesse particular, identificamos que as últimas décadas do século XX, especialmente os anos de 1990, foram marcados pela globalização da economia mundial, selando também um processo emergente de evolução tecnológica, cuja base organizou-se em torno da informação, compreendida como a revolução tecnológica5, inaugurando, assim, um processo no qual a mente humana torna-se fonte direta de produção, como enfatizam os estudos de Castells (1999, p. 52). Em seus estudos, enfatiza, ainda, que: [...] as novas tecnologias da informação difundiram-se pelo globo com a velocidade da luz em menos de duas décadas, entre meados dos anos 70 e 90, por meio de uma lógica que, a meu ver, é a característica dessa revolução tecnológica: a aplicação imediata no 5 Ao referir-se a essa revolução, Schaff (1995, p. 43-44) ressalta que temos incluídos em um contexto denominado de a “sociedade da informática”. Para Santos (2004, p. 23), “[...] produziu-se um sistema de técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema técnico uma presença planetária [...] Na história da humanidade é a primeira vez que tal conjunto de técnicas envolve o planeta como um todo e faz sentir, instantaneamente, sua presença [...]”. 27 próprio desenvolvimento da tecnologia gerada, conectando o mundo através da tecnologia da informação. [...]. O autor, entretanto, reconhece que essa propagação informacional é seletiva, excluindo, socialmente, milhares de sujeitos do seu acesso funcional, como os moradores de favelas e áreas rurais do mundo inteiro. Na verdade, é o capital que detém, proporciona e/ou limita o acesso à informação e às novas tecnologias para alicerçar o seu sistema econômico e ideológico. Nessa perspectiva, os estudos de Santos (2004, p. 28) mostram que: [...] a informação instantânea e globalizada por enquanto não é generalizada e veraz porque atualmente intermediada pelas grandes empresas da informação. [...] A história é comandada pelos grandes atores desse tempo real, que são, ao mesmo tempo, os donos da velocidade e os autores do discurso ideológico. [...] Fisicamente, isto é, potencialmente, ele existe para todos. Mas efetivamente, isto é, socialmente, ele é excludente e assegura exclusividades, ou pelo menos, privilégios de uso. E ressalta, ainda, que essa informação tem exercido um papel opressivo, ora pelo número de sujeitos que estão às margens do processo, ora pelo caráter manipulador que exerce: O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso é tanto mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. [...] (SANTOS, 2004, p. 39). 28 Tão essencial e imprescindível que essa sociedade da informática, como conceitua Schaff (1995), isto é, a sociedade informacional e global, desloca-se da possibilidade de um progresso científico a serviço de toda humanidade, para atender aos preceitos que interessam ao capital, inclusive, definindo um modelo de política que se submete ao mercado, no qual os grandes atores são as empresas globais, que determinam um quadro obsoleto para os que estão à margem do poder (SANTOS, 2004). Com a emergência dessa nova realidade econômica, que redimensiona o papel do Estado-Nação, o mercado global articula novas formas de poder, no qual o “nacional, o regional e o local são colocados a serviço do novo modelo econômico global transnacional e transcultural [...]” (GANBOA, 2001, p. 96), representando um poderoso Proto-Estado-Nação6. Segundo essa premissa, percebemos que trata-se do predomínio de estruturas mundiais de poder que, na visão de Ianni (2002, p. 226) são: [...] as corporações transnacionais, o Grupo dos 7 (G7), a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), entre outras, que operam de cima para baixo, à revelia dos povos e coletividades que compõem a maioria da população mundial. Acerca da composição do Proto-Estado-Global, destacamos o papel da OMC, do FMI e do Banco Mundial, que, além de negociarem empréstimos em grande parte do mundo, desempenham o papel estratégico de orientação e de reestruturação socioeconômica dos países em desenvolvimento, por meio de políticas de ajuste estrutural. Em estudos anteriores a esses, Ianni (1993) ressalta que essas instituições, como o FMI e o Banco Mundial, “[...] Têm sido capazes de induzir, bloquear ou reorientar políticas econômicas nacionais [...]” (IANNI, 1993, p. 130), a exemplo do que aconteceu no Brasil a partir dos anos de 1990, inclusive, na educação. 6 Os estudos de Ganboa (2001) mostram que esse poderoso Proto-Estado-Global é uma reconfiguração de poder das classes dominantes, como as instituições que são descritas por Ianni (2002). 29 A inserção do continente latino-americano nesse projeto de um Proto-Estado- Global exigiu ajustes fiscais e a superação de natureza socioeconômica, política e educacional, levando os países a efetivarem reformas estruturais, vislumbrando um Estado mínimo do ponto de vista social, mais forte, em relação aos interesses do capital. No delineamento desse Estado forte para o capital, identificamos que a sua atuação é redimensionada nos setores sociais, sobretudo, com os serviços públicos de saúde, educação e segurança, os quais seguem recomendações de uma política com enfoque neoliberal7. No campo das superações, os estudos de Borón (2003) enfatizam que as reformas8 na América Latina giraram em torno de três eixos: a) O desmantelamento do setor público, que, indo de encontro às tendências dos países do primeiro mundo, apresentou uma enorme ineficiência de gestão, fragmentando as suas ações governamentais a programas de governos inconsistentes e assistencialistas; b) As condições desfavoráveis de competitividade e crescimento dos Estados, provocadas pela abertura, liberação e desregulação sem precedentes para empresas e mercados mais fortes; 7 Conforme Anderson (1995, p. 9-10), o neoliberalismo “[...] Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1994 [...] Seu propósito era combater o keinesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro”. Dessa forma, o protecionismo keynesiano deu lugar a uma política que priorizaria o fortalecimento do capital, livre para ampliar os seus mercados e fortalecer as suas bases econômicas regido por um Estado menos ou totalmente descomprometido para com os seus deveres sociais, isto é, Estado mínimo, o fim das fronteiras, a desregulação dos mercados, moedas fortes, privatizações, equilíbrio fiscal, competitividade global, dentre outros fatores. A abertura para as idéias e para as práticas de caráter neoliberal evidenciou-se primeiro na Inglaterra, com Tatcher (1979), sendo, de fato, “[...] a primeira liderança política que colocou em prática o neoliberalismo em todos os fronts, como um programa de reformas internamente coerente. [...] uma resposta às exigências da ‘globalização’ [...]” (grifo do autor) (WAINWRIGHT, 1998). O ideário neoliberal disseminou-se também nos Estados Unidos com Reagan (1980); na Alemanha com Khol (1982) e na Dinamarca, com Schluter (1983). Nos Estados Unidos, as idéias do economista Milton Friedman, um dos precursores neoliberais contemporâneos, influenciaram a sua asserção no cenário político e econômico mundial, a partir dos anos de 1960, com amplo efeito nos anos de 1990 e nos dias atuais. Em seus estudos, Friedman (1988) apresenta dois princípios nesse aporte teórico, enfatizando que “Primeiro, o objetivo do governo deve ser limitado. Sua principal função deve ser a de proteger nossa liberdade contra os inimigos externos e contra nossos próprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforçar os contratos privados; promover mercados competitivos. [...] O segundo grande princípio reza que o poder do governo dever ser distribuído. Se o governo deve exercer poder, é melhor que seja no condado do que no estado; e melhor no estado do que em Washington. [...]” (FRIEDMAN, 1988, p. 12). Poderíamos sintetizar, grosso modo, que o ideário neoliberal defende “menos Estado e mais mercado”, tornando-se uma prática efetiva a partir dos anos de 1990, com o endividamento dos países em desenvolvimento e a derrocada do mundo socialista. 8 Borón (2003) prefere intitular de a las (mal) llamadas reformas del estado, ou seja, de contra-reformas do Estado, tendo em vista o seu caráter excludente e regressivo, o que só ratificou as desigualdades e os impedimentos de um efetivo desenvolvimento econômico e social. 30 c) Os desajustes sociais, conseqüência do descaso governamental dos Estados com relação a áreas críticas de sua competência. De um lado, a dificuldade de implementar políticas sociais consistentes e, de outro, a negligência ao propor e/ou efetivar a sua política econômica, sem consistência, o que gerou a desconfiança dos mercados credores. Diante dessa realidade, foram propostas 10 + 1 ferramentas de igualdade social9, objetivando sair do círculo vicioso e empunhando concretamente ações que reduzissem a pobreza e as iniqüidades sociais, sem comprometer o crescimento e a eficiência econômica (BORÓN, 2001). Por meio de uma disciplina fiscal, moderariam os câmbios e as recessões, a criação de redes de seguridade social, a oferta de escolas para todos, a efetivação de uma política de arrecadação fiscal, sobretudo entre os ricos, a fim de incentivar pequenos negócios, a proteção dos direitos trabalhistas, a superação da discriminação socioeconômica, principalmente entre índios e negros, na reestruturação na política de distribuição de terras. A ferramenta intitulada de mais um dá ênfase à cultura do consumo, e propõe que: a) os países ricos reduzam o protecionismo aos seus mercados, permitindo que os países latino-americanos tenham acesso a estes; b) A instituição de uma política que incentive e gere emprego e renda formais; c) A criação de sistemas de seguridade social, como fundos de pensão, a fim de reduzir a carga previdenciária dos Estados; d) Incentivo e efetividade das privatizações; e) Abertura ao comércio internacional, por meio de blocos econômicos, como o MERCOSUL. Os estudos de Borón (2003) mostram que iniciativas como essas apresentam-se como eixo de prioridades; f) Executar a reforma do setor público, a fim de aumentar a eficiência e a competência gerencial dos Estados. Destacamos, nesse caso, a atenção que é dada à descentralização dos serviços públicos; g) Melhoria da qualidade da educação básica (no caso brasileiro, a ênfase maior recai sobre o Ensino Fundamental) e um nítido incentivo à privatização do Ensino Superior; 9 Indicadas para os governos reduzirem a pobreza e a iniqüidade social de seus países, sem comprometer a eficiência e o crescimento econômico. 31 Em face do exposto, o Banco Mundial tem se concentrado em estudos acerca do novo papel do Estado e em reformas frente a essa tendência e às proposições, incentivando a efetividade de realizações dessa natureza nos países da América Latina; Dentro desse cenário, a educação, que estrategicamente é condicionada aos interesses do mercado, vem enquadrando-se na redefinição de uma nova concepção de sociedade global e informacional – conduzida pelo Proto-Estado-Global –, adequando-se, assim, em seu caráter formador, aos interesses dominantes. Isto é, torna-se estereotipada e impede que os sujeitos se apropriem do saber necessário para a sua formação humana, como acontece na educação do campo. Dá margem a uma nova concepção de formação de força de trabalho que prioriza a “formação técnica, desprezando o potencial humano para a criatividade e a produção científica” (GANBOA, 2001, p. 99). Em sua abordagem sobre o projeto educativo, Torres (2003) ressalta a influência do Banco Mundial sobre o caráter formador e estratégico da educação. Afirma Torres (2003, p. 125) que, nos últimos anos, ele tem ocupado o espaço “[...] tradicionalmente conferido à UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), a agência das Nações Unidas especializada em educação”. A interferência dessa instituição financeira firma-se, dessa forma, como garantia de exeqüibilidade da formação educacional nos padrões definidos pelos interesses vigentes. Ante o exposto, as perspectivas para a educação nos países da América Latina apresentam-se de forma sombria: O ideário de “Mais e melhor educação para todos” parece ser uma frase em extinção na maioria dos países da América Latina, inseridos num mundo onde os computadores, a internet e a informação são os eixos por onde passam as transformações e as possibilidades dos sujeitos terem acesso a eles. [...] Na conjuntura atual, determinada pela globalização da economia e a escalada do Proto-Estado Global, os Estados nacionais dos países periféricos e, dentre eles, os da América Latina, entram em crise e com eles surgem perspectivas sombrias para a educação pública (GANBOA, 2001, p. 100-101). 32 Nessa referência, identificamos as razões de os países desse continente submeterem-se às reformas que foram realizadas na década de 1990, conforme mostraram os estudos de Borón (2003). Discutindo as políticas sociais e o neoliberalismo, Draibe (1998, p. 92), em seus estudos, mostra que a superação das desigualdades socioeconômicas é uma necessidade e uma condição para a estabilidade política: Mas a eliminação da pobreza, a diminuição dos graus mais gritantes de desigualdades e a ampliação do acesso das camadas desfavorecidas aos benefícios do crescimento econômico constituem também condição da estabilidade política. Em outros termos, a estabilidade dos ajustamentos estará comprometida se os piores desequilíbrios sociais não forem eliminados, antes mesmo de se transformarem em desequilíbrios políticos (grifo da autora). Concordando com a análise de Draibe, entendemos que o novo cenário mundial que vem se desenhando requer a capacidade dos países – e a América Latina não está isenta – para desenvolverem mecanismos econômicos e estratégias políticas, capazes de enfrentar a competitividade internacional. Isso implica em desenvolver um potencial científico- tecnológico capaz de competir no contexto da economia global e informacional, o que está longe de acontecer, como mostram os estudos de Ganboa (2001) e Santos (2004). Nesse contexto específico da América Latina, os estudos de Gajardo (1999) ressaltam que, para ocorrerem os ajustes, e necessário desenvolver estratégias que permitam a formação de uma cidadania moderna, vinculada à competitividade dos países, abertura à democracia e à equidade. Pois, apesar dos avanços no contexto das reformas educativas em alguns países do continente latino-americano, como o Brasil, essas não corresponderam, satisfatoriamente, nem para o êxito econômico nem para o combate aos desajustes e às desigualdades sociais, tampouco para a superação da pobreza e para a melhoria da qualidade de vida de parte significativa da população. No caso brasileiro, os desequilíbrios e as desigualdades sociais são percebidos, claramente, na trajetória de sucessivas gestões no âmbito federal. A implementação de planos e programas de governo caracterizam-se por ações fragmentadas, descontinuadas e 33 superpostas, sem que se alterem as condições estruturais ou mesmo a infra-estrutura com políticas de saneamento básico nas áreas de periferias urbanas, salvo as melhorias de alguns índices, como o da mortalidade infantil. Analisando os estudos de Gajardo (1999), identificamos, também, que a Conferência Mundial de Educação Para Todos, em Jomtien (1990), proposta da Cepal e da UNESCO (1992), acena para diversos compromissos firmados com o Banco Mundial e o BID. Nela, estão explícitas orientações aos países da América Latina, para que desenvolvam, efetivamente, políticas educacionais para atender às perspectivas do desenvolvimento socioeconômico no atual estágio de financeirização do capitalismo. Essa proposta de educação gerindo formas democráticas de participação no âmbito educacional pretendia responder aos desafios impostos pela economia global e informacional. Nesse particular, o Banco Mundial definiu algumas metas, dentre as quais, a apresentação de resultados, o fortalecimento da autonomia escolar e a inovação na sua capacidade gerencial, bem como a capacitação de professores à luz de parâmetros técnicos decorrentes daqueles que orientam a economia. No período de 1991 a 1995, destacamos três reuniões10, realizadas entre o Banco Mundial e os Ministros da Educação de países da América Latina e do Caribe, nas quais firmaram-se os principais acordos da reforma educativa. No PROMEDLAC IV, realizado em Quito/Equador (1991), estabeleceram-se compromissos no sentido de investir na formação de recursos humanos e fortalecer iniciativas sociais; promover o desenvolvimento educativo concernente aos desafios do mercado, da equidade social e da democratização política; executar mudanças nos processos de gestão da educação, com ênfase na administração e no planejamento; desenvolver mecanismos e estratégias que proporcionassem a integração de diversos setores, a fim de compartilhar as responsabilidades com a educação; e formular novos currículos, a fim de atender aos princípios básicos de aprendizagens, estabelecidos em Jomtien (1990), para tornar a prática pedagógica das escolas mais significativa. 10 Reuniões do PROMEDLAC (GAJARDO, 1999). Em março de 2001, ocorreu a última reunião, isto é, o PROMEDLAC VII, em Cochabamba. Nessa evento, as instituições promotoras e os participantes analisaram os resultados e a evolução dos 20 anos do projeto principal de educação na América Latina e Caribe, os desafios e perspectivas em âmbito político, social, econômico e cultura, nos quais se desenvolveria a educação na região no período de 2001-2006, bem como foram feitas recomendações sobre as políticas de educação para o início do século XXI. 34 Em Santiago/Chile (1993), na reunião do PROMEDLAC V, os Ministros da Educação acordaram em destinar mais recursos e melhorar a sua aplicação à educação; promover a modernização da gestão educacional, a profissionalização e a melhoria do funcionamento das escolas; priorizar e dar qualidade à educação básica, inclusive, nos processos de ensino-aprendizagem; investir na educação de jovens e adultos; e envolver os meios de comunicação no processo educacional, como agentes educativos. Na reunião de Kingston/Jamaica (1995), o PROMEDLAC VI discutiu a agenda intitulada de transformação educativa. Desse modo, estabeleceram-se mecanismos de controle e de medição para acompanhar e comparar os níveis de competência e de indicadores da evolução do desempenho das escolas, bem como utilizar essas informações para melhorar a qualidade da educação. Discutiram, ainda, ações que propiciassem a valorização dos docentes e, assim, o seu desempenho funcional. Apesar de os acordos enfatizarem a educação em um contexto mais amplo, as atenções para as ações da reforma educativa voltaram-se à Educação Básica e, no Brasil, especificamente, ao Ensino Fundamental. As diversas estratégias, programas e projetos que empunhavam as reformas educativas, a partir dos anos de 1990, concentraram-se em quatro eixos: a) gestão; b) qualidade e equidade11; c) profissionalização docente; d) financiamento, como mostra Gajardo (1999, p. 12): Sobre la base de estos elementos, em las reformas de los noventa se han perfilado com fuerza cuatro ejes de política en torno de los culares se han diseñado estrategias, programas y proyetos de innovación y cambio: el de la gestión, la calidad y equidad, el perfeccionamiento docente y el financiamento. Nos últimos anos, praticamente todos os países da América Latina e Caribe vêm impulsionando ações e esforços nessa direção. No caso brasileiro, os estudos de Gajardo (1999), enfatizam que as reformas educativas encaminharam-se para a reorganização 11 Apenas nesse eixo o meio rural foi especificamente citado. Segundo os estudos de Gajardo (1999), a pobreza rural é um dos fatores que impedem a qualidade e a equidade na educação, sendo necessário, portanto, supera-la. 35 institucional e à descentralização da gestão administrativa, financeira e pedagógica, fortalecimento da autonomia das escolas, no que concerne às ações pedagógicas, curriculares e financeiras, de melhoria da qualidade e da equidade, à profissionalização docente e a outros investimentos em educação. Ressaltamos que a política de municipalização da educação, com ênfase na transferência de responsabilidades da União para os municípios, levou à efetivação de vários programas federais, como a merenda escolar e o PDDE12. Essas e outras iniciativas do governo brasileiro acenavam com a possibilidade de constituir-se a autonomia financeira e pedagógica das escolas, assim como uma gestão “eficiente e eficaz” na utilização dos recursos. A eleição de diretores13 e a criação de Conselhos Escolares14 também constam na pauta das reformas educativas, como medidas plausíveis no que concerne à autonomia administrativa dos sistemas públicos de ensino. Como decorrência da promulgação da Constituição Federal de 1988, foram elaboradas Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais, um marco inovador no processo de democratização e autonomia das escolas brasileiras (GAJARDO, 1999). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 22 de dezembro de 1996 – também compõe o campo normativo educacional, proporcionando, segundo os estudos de Gajardo (1999, p. 24): [...] el marco normativo general, la que regula las políticas que posibilitan el cambio curricular (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental y Reforma Curricular do Ensino medio e do ensino profissional); las que norman el perfeccionamiento, 12 O PDDE e outros programas do governo federal expressam um novo contexto da gestão educacional brasileira, onde há uma recentralização estratégica dos recursos, efetivada por meio da legislação vigente, onde se transferem recursos diretamente aos municípios e “[...] Não por coincidência, a escola passa a ser denominada de ‘Unidade Executora” (VIEIRA, 2004, p. 143). Segundo Libâneo (2003, p. 185), essas unidades executoras têm denominações distintas, como “Associações de Pais e Mestres, Caixa Escolar, Conselho Escolar, Cooperativa Escolar, Círculo de Pais e Mestres, etc”. 13 Modalidade de Gestão Democrática que vem sendo construída a partir da escolha pela comunidade escolar (professores, pais e alunos) dos diretores das organizações escolares, prática esta ainda pouco difundida em muitos municípios. No Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, em 2005, algumas escolas estaduais submeteram-se a esse processo. 14 Analisando a função dos Conselhos de educação como o elo entre o Estado e a sociedade, estudos ressaltam que “[...] cabe, dentro de suas atribuições, a busca incessante do diálogo entre Estado e todos os setores implicados, interessados e compromissados com a qualidade da educação escolar em nosso país” (CURY, 2004, p. 60). 36 remuneración y carrera docente (Plano de Carreira e de Remuneração de docentes), y las que facilitan el funcionamento autónomo de las escuelas (Municipalização do ensino fundamental, Dinheiro na Escola, TV Escola, Programa de Informatização na Educação) así como la eficiencia del rendimiento interno del sistema (Sistema de Avaliação da Educação Brasileira, SAEB). Essas iniciativas marcaram a política educacional durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995, atendendo, dessa forma, aos quatro eixos da reforma educativa. No balanço dessas reformas, o FUNDESCOLA, criado em 1998, é mencionado como um dos programas exitosos do governo brasileiro para a educação. Este Fundo é um programa do governo federal, desenvolvido em parceria com o Banco Mundial, e que voltou-se para a formação continuada de professores de escolas rurais e áreas periféricas urbanas, visando à implantação de metodologias de ensino específicas, à aquisição de equipamentos e de mobiliário, bem como à construção e à reforma de prédios escolares. Ainda com referência às iniciativas do Brasil frente às mudanças no quadro educativo, identificamos que o TELECURSO 200015, programa de iniciativa da Fundação Roberto Marinho, também foi avaliado pelo Banco Mundial como experiência exitosa no contexto da reforma brasileira, sendo uma estratégia inovadora e possível de ser ampliada (GAJARDO, 1999), atendendo, assim, ao que tinha sido firmado no PROMEDLAC V, no Chile (1993). Analisando os aspectos do financiamento da educação no contexto da reforma educativa, Gajardo (1999) também enfatiza que a criação do FUNDEF16, no Brasil, foi uma experiência bem-sucedida. Larrañaga (apud Gajardo, 1999), a autora ressalta que esse fundo representa um marco e uma nova linha na política de financiamento da educação, representando um avanço no que concerne à valorização do magistério, permitindo efetivar e regularizar a situação funcional dos profissionais da educação, por meio de concursos públicos, aperfeiçoamento profissional em serviço, política salarial definida por meio de planos de cargos, carreira e salários, com incentivos decorrentes da produção e do 15 Dirige-se aos jovens e adultos que buscam completar os seus estudos (educação à distância). 16 O FUNDEF foi criado pela Emenda Constitucional 14/96 e a Lei 9.424/96, de 24 de dezembro de 1996. Os recursos desse Fundo são aplicados na manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental público, e na valorização de seu magistério. “Há autores que o consideram um fundinho, em razão do baixo valor do custo aluno/ano e da não participação da União em sua formação” (LIBÂNEO, 2003, p. 196). 37 aperfeiçoamento, a inclusão do planejamento e de atividades extra-escolares, como cursos e eventos, na carga-horária semanal, e melhoria das condições de trabalho. Ainda nesse contexto do balanço das reformas na América Latina, percebemos que o governo brasileiro operacionalizou a transferência de recursos para a rede privada, por meio de programas como o PROUNI, além de incentivar, inegavelmente, a privatização do ensino no país. Outrossim, identificamos, também, que o GIFE – organização de cunho privado – investiu em programas sociais e educativos no Brasil. Dentre eles, destaca-se a Fundação Bradesco, o Instituto C&A de Desenvolvimento Social, a Fundação Roberto Marinho, a Clemente Mariani e a Odebrecht, que desenvolveram, sobretudo, projetos educacionais de melhoria da rede de estabelecimentos públicos patrocinados pelo setor privado. Nessa perspectiva, estudos de Souza (2004, p. 256-257) ressaltam que: No Brasil, assim como em outros países da América Latina, os governantes têm estimulado diversas formas de colaboração das empresas com a educação, que vão desde a oferta de escolaridade inicial ou complementar aos empregados e/ou aos seus filhos, até o desenvolvimento de ações, esporádicas ou não, no sistema público de ensino. Nesse sentido, percebemos que essas empresas participam e desenvolvem cada vez mais programas que contribuam para a melhoria da qualidade e equidade da educação e do ensino, tal como mostra Borón (2003). De forma semelhante, Krawczyk (2002, p. 55) reforça que: [...] organismos insistem em que o uso de dinheiro público para a educação privada é legítimo, porque responde ao direito dos pais de escolher a escola de seus filhos, e pelas evidências de que o ensino privado é de melhor qualidade devido à sua competência. 38 A autora refere-se aos organismos propositores e financiadores da reforma educativa, em especial o Banco Mundial e a CEPAL, que defendem de forma contundente o fomento pelo Estado de políticas privatizantes da educação, em detrimento da educação pública. Essa perspectiva é ressaltada por Krawczyk (2002, p. 56), nos seguintes termos: O Banco Mundial e a CEPAL não escondem o interesse de incorporar recursos privados para financiar a educação, não só quando elogiam as escolas privadas e o direito de a todos assistir, mas também quando elogiam a disponibilidade de pagamento por parte das famílias quando recebem uma educação de qualidade, o que permite incrementar o volume de recursos privados investidos no sistema [...]. Ao contrário do que proclamam esses organismos, as reformas educacionais na América Latina, na prática, não correspondem à superação das desigualdades sociais, mas, ao contrário, reforçaram as disparidades. Exemplo disso é o Brasil, onde sucessivos governos forjaram essa realidade, apresentando campanhas do tipo Acorda Brasil, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995), tentando traduzir a estratégia de mobilização social em busca de uma educação de qualidade, como ressaltam os estudos de Vieira (2000). No cenário brasileiro, evidenciam-se políticas e/ou projetos educacionais que se propõem a promover a equidade social. Essa é uma perspectiva complexa que não seria possível de imediato, conforme mostram os estudos de Draibe (1998). Os avanços da economia global e informacional possibilitam o crescimento do mercado econômico, o avanço da ciência e da tecnologia, bem como das contradições e desajustes sociais, como ressaltam Castells (1999); Ganboa (2001); Ianni (2002); Santos (2004). 1.4 - Políticas de educação no Brasil: imposição ou consentimentos? A década de 1990 foi marcada, no Brasil, por um período de transição que configurou o fim do regime da ditadura civil-militar, na segunda metade dos anos de 1980, 39 e a retomada dos princípios democráticos. Discutindo o assunto, Vieira (2000, p. 90) compreende que: A eleição de Collor traz inúmeras mudanças em relação ao período anterior. No cenário econômico, este momento representa um claro divisor de águas, no sentido de inserir o Brasil dentro de um quadro internacional que impõe novas perspectivas de competitividade no cenário da globalização. Se antes o tema da reforma do Estado era posto timidamente, agora é encarado com todas as letras. Demanda-se o enxugamento do quadro de pessoal da União, e o patrimônio público – de carros velhos a residências ministeriais – é posto a venda. A privatização emerge como palavra de ordem. Essas medidas atendiam às propostas de minimização do Estado, como mostram os estudos de Borón (2003), para que o país se adequasse às exigências do mercado global. O enxugamento da máquina institucional-administrativa foi referendado nos estudos de Gajardo (1999), como um ponto fundamental para a economia brasileira. Essas reformas difundiram-se em vários setores e tinham um caráter amplo, inclusive, no âmbito educacional. No início da década de 1990, são configuradas de tal modo, que Libâneo (2003, p. 163) assim as percebe: O pano de fundo da reforma educacional brasileira começou a delinear-se nos anos 90 com o governo de Fernando Collor de Mello, que assumiu a presidência da República e encetou a abertura do mercado brasileiro, a fim de inserir o País na trama mundial, ocasionando sua subordinação ao capital financeiro internacional. A atrelagem financeira ao mercado globalizado reflete-se nas demais dimensões da vida social, como as políticas públicas de âmbito social e, entre elas, especialmente a educação. Libâneo (2003) enfatiza, ainda, que nesse período houve uma discussão internacional acerca da elaboração de planos decenais de educação, decorrentes dos compromissos assumidos na Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), conforme já foi mencionado nos estudos de Gajardo (1999). Seguindo os pressupostos desse evento, elaborou-se o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), que assim pode ser compreendido: 40 [...] Como desdobramento desse processo e visando a dar subsídios ao Plano Decenal, foi realizada em Brasília, de 10 a 14 de maio de 1993, a “Semana Nacional de Educação para Todos” com intensa participação de órgãos governamentais das três esferas de governo, assim como entidades da sociedade civil. Desse evento resultou o “Compromisso Nacional de Educação para Todos” com o objetivo de orientar a elaboração do ‘Plano Decenal de Educação (PINTO, 2004, p. 110). O processo de discussão e elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, já no governo do Presidente Itamar Franco, despertou por parte das organizações grande interesse em participar das decisões referentes à formulação de políticas educacionais. Analisando esse aspecto, percebemos que: O Ministério enviou cópias do Plano Decenal a todos os estados e municípios, entidades da sociedade civil, incluindo universidades e instituições de formação de professores, e às 45.000 escolas de maior porte no país. A resposta dos estados e municípios se traduziu em planos decenais estaduais, municipais e escolares (VIEIRA, 2000, p. 132). O Plano Decenal de Educação não objetivava caracterizar-se como um Plano Nacional de Educação, isto é, com força de Lei, mas somente atender às determinações do Art. 60 das Disposições Transitórias da Constituição Federal (1988). O artigo prevê, no prazo de dez anos, o combate ao analfabetismo e a ampliação das condições da educação, principalmente para o Ensino Fundamental. Ainda que fazendo parte do projeto nacional de educação, o Plano Decenal, bem como outros aspectos desencadeados à época, não saíram do discurso oficial. Com relação à interlocução entre o governo e os setores organizados da educação, por meio dos sindicatos e associações científicas, no que concerne às discussões sobre as questões educacionais, como o Plano Decenal de Educação para Todos, Peroni (2003, p. 87) ressalta que “[...] a partir de 1995, esse diálogo foi encerrado, e o governo federal passou a dar prioridade a outros interlocutores para a elaboração de suas políticas [...]”, isto é, a base das políticas de educação do Brasil incorporou, de forma sistemática, as imposições dos organismos internacionais que compõem o Proto-Estado-Global. 41 Enfatiza-se, ainda, que assim como as interlocuções em torno do Plano Decenal encerraram-se por iniciativa do poder Executivo, viria a acontecer o mesmo no processo de tramitação e de aprovação da nova LDB – Lei nº 9.394/96 – junto ao Legislativo, ou seja, prevaleceram os princípios orientados por aqueles organismos externos. A despeito desse tema: [...] um movimento que vem ocorrendo na redefinição do papel do Estado, tendência essa que aponta para a incorporação da lógica empresarial da produtividade no interior do próprio aparelho estatal. Portanto, o Estado está privatizando ou repassando parte de suas responsabilidades para a sociedade civil, através das organizações sociais, mas, além disso, o que resta para ele é influenciado pela lógica do mercado [...] (PERONI, 2003, p. 90-91). No primeiro ano do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995) foi criado o MARE, tendo a incumbência de direcionar a Reforma no país, com base no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Analisando os objetivos dessa reforma, Peroni (2003) explica que o seu objetivo foi o de afirmar a capacidade de governabilidade do Estado por meio de uma transição de administração público-burocrática, rígida e ineficiente, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, o que também refletiu na educação, como mostram os estudos de Gajardo (1999). Nesse sentido, é reforçada a perspectiva de que o modelo gerencial volta-se para o cidadão-consumidor ou cidadão-cliente (PERONI, 2003). O Plano Diretor privilegiava como metas as privatizações, a publicização e a terceirização17. A descentralização apresenta-se com a finalidade de democratização da educação, partindo do Estado e concretizando-se como estratégia de isenção de determinadas obrigações sociais por parte do próprio Estado. Nesse quadro de descompromisso social, a educação enquadra-se nas proposições dos organismos internacionais que são acolhidas como metas e estratégias do governo brasileiro. 17 Pereira (1997, p. 7) (apud PERONI, 2003, p. 61-62) define a terceirização “como o processo de transferir, para o setor privado, serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta”. 42 Já em seu primeiro mandato, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, assim como seus antecessores e aliados, adotaram, plenamente, as idéias e as práticas de natureza neoliberais18, de modo particular no campo das políticas educacionais. Analisando essa particularidade, identificamos que: Talvez em poucas áreas como a educação o governo de Fernando Henrique Cardoso deixará uma marca política tão forte [...] A título de exemplo e com forte impacto no financiamento da educação, basta citar que, neste período, foram aprovadas a Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (Lei nº 9.394/1996), a emenda Constitucional nº 14 que, entre outras medidas, criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e sua regulamentação (Lei nº 9.424/1996), e o Plano Nacional de Educação (PINTO, 2004, p. 109). As estratégias19 desse dirigente brasileiro concretizaram-se sob a coordenação do Ministro da Educação, o economista Paulo Renato de Souza20, o qual gozava de prestígio junto aos organismos internacionais. Pinto (2004, p. 110) ressalta, ainda, que: Seu amplo prestígio junto ao Presidente da República, entre as agências internacionais e com generoso, além de pouco crítico, espaço na mídia, possibilitou ao governo influenciar decisivamente na aprovação de vários instrumentos legais que regem hoje a estrutura e organização do sistema nacional educacional brasileiro. Nesse período, foram fomentadas ações no âmbito administrativo, pedagógico e financeiro, no conjunto do sistema educacional, visando à melhoria da qualidade da educação. Na verdade, em alguns aspectos, não passaram de falácia para satisfazer aos anseios dos agentes financeiros internacionais. O Acorda Brasil, conforme falamos, e 18 Para Wainwright (1998), o neoliberalismo ganhou legitimidade através de Fernando Henrique Cardoso, adaptando-se quase que “acriticamente ao consenso neoliberal”. 19 Analisando os documentos “Planejamento Político Estratégico” (1995-1998) e o “Relatório de Atividades do Ano de 1995”, ambos do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, os estudos de Vieira (2000, p. 198) enfatizam que essas medidas fazem parte da proposta de reforma institucional que, em seu primeiro mandato, incluíam: “1. Lei 9.131 – Novo Conselho Nacional de Educação; 2. Redefinição do processo de escolha dos reitores das universidades federais; 3. PEC da educação; 4. Nova LDB; e 5. Outros projetos a serem apresentados ao Congresso em 1996”. 20 O ex-Ministro da Educação foi reitor da Unicamp e vice-presidente do BID. 43 tantos outros enunciados contraditórios não foram capazes de superar, em sua essência, os problemas históricos enfrentados pela escola pública em nosso país21. Ora, se o discurso baseava-se em descentralizar e democratizar as relações nos sistemas educacionais, na prática, a política obedeceu de forma linear e anuente aos interesses do capital, das elites, representados pelos dirigentes nacionais sob a orientação de organismos externos. Daí, prevalecerem e efetivarem-se as estratégias, como os acordos firmados no período de 1991 a 1995, por ocasião das três reuniões do PROMEDLAC, ressaltadas aqui. Tomando os Parâmetros Curriculares Nacionais como exemplo de política, percebemos que “[...] as referências para a elaboração dos PCN foram buscadas na legislação e em agentes externos ao sistema público de ensino fundamental” (BONAMINO E MARTINEZ, 2004, p. 383). Reforçando essa perspectiva, Peroni (2003, p. 104) revela, ainda, que, Além da orientação dos organismos internacionais para a elaboração de parâmetros curriculares nacionais, existe, também, um novo paradigma de conhecimento, proposto pela Cepal, no documento Educação e conhecimento: eixo de transformação produtiva com equidade (1992) [...] O conhecimento é entendido, pela Cepal, como “conhecimento que se adquire pela ação (saber fazer), pela utilização (saber usar) e pela interação (saber comunicar)” [...]. Isso quer dizer que a concepção de conhecimento foi norteada por princípios que enfatizam os saberes referentes às competências, ou seja, por uma formação que prepara os trabalhadores para as exigências atuais do mercado, tais como: a qualidade na prestação de serviços, a negociação, a resolução de problemas e o trabalho em equipe. Assim, é reforçada a concepção curricular que enfatiza a formação técnica, como analisam os estudos de Ganboa (2001). Enfatizamos, também, que a elaboração dos PCN obedeceu a um processo terceirizado e antidemocrático que optou pela centralização técnica. Nesse 21 A título de exemplo, identificamos que aproximadamente 50% das escolas da rede básica de ensino do país estão concentradas no meio rural. Segundo o Censo 2002, “[...] Aproximadamente a metade dessas escolas têm apenas uma sala de aula e oferece, exclusivamente, o ensino fundamental de 1ª a 4ª série” (BRASIL, 2004, p. 18). 44 caso, “[...] tanto os pesquisadores da área quanto instituições vinculadas à educação, foram silenciados [...]” (PERONI, 2003, p. 109). Ainda com relação aos desdobramentos da reforma do Estado brasileiro, a partir dos anos de 1990, especialmente na educação, identificamos que foi consolidado um Sistema Nacional de Avaliação. Pestana (apud Peroni, 1997), salienta que, desde o final da década de 1980, o MEC já havia criado uma comissão ministerial para avaliar as suas ações, porém, as avaliações voltavam-se mais para os programas e projetos específicos do que para o conjunto das políticas educacionais. Dadas as exigências da redemocratização do país, inclusive no campo da educação, a avaliação passou a ser uma estratégia importante frente às diferenças e às especificidades não identificadas dos sistemas de educação – unidades federadas e municípios – do ponto de vista da gestão, da atuação docente e dos resultados do processo de ensino- aprendizagem. Nesse particular, Peroni (2003, p. 112) mostra que: No primeiro momento (1990-91), o MEC solicitou à Fundação Carlos Chagas a elaboração das provas, que foram feitas com base nas propostas curriculares dos Estados. [...] Na segunda aferição (1993-94), foram abordados novamente os três aspectos de 1990: gestão escolar, situação e competência do professor e rendimento do aluno, tendo sido observadas as mesmas séries e disciplinas, com o objetivo de consolidar o sistema de avaliação e de aperfeiçoar técnicas (PILATI, 1995, p. 20) [...] Com a aprovação da nova LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), a avaliação passou a ser obrigatória, e, desde então, os municípios e Estados têm de participar do sistema nacional de avaliação. Vale salientar que, no de 1995, o processo de avaliação promovido pelo SAEB já era desenvolvido pelo MEC, mas, “[...] Com as contratações das fundações, estas passaram a decidir o que seria avaliado e o modo como deveria ser avaliada a política educacional [...]” (PERONI, 2003, p. 114), isto é, com poder indutor. Nessa perspectiva, os estudos de Savianni (1996) ressaltam que esse Sistema de Avaliação, conforme está estruturado, “apenas define os indicadores, padrões e critérios de qualidade, de fora para dentro e de cima para baixo” (SAVIANNI, 1996, p. 59). Ou seja, além de serem passíveis à manipulação, os resultados são ampla e estrategicamente divulgados, e, com isso, os dirigentes pretendem que a Avaliação envolva e conclame a sociedade a colocar-se como 45 “co-responsável” na melhoria da qualidade da educação ou divulguem dados que os promovam politicamente, como acontece com os do PROUNI, atualmente. Cabe lembrar que a avaliação do SAEB, do ENEM e do Provão22 consiste em os alunos submeterem-se a “exames de curso”, carregando consigo a arte do controle das instâncias centrais de poder, [...] Por meio de um Sistema Nacional de Avaliação da Educação, atualmente situado no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, o MEC controla os resultados de todos os níveis de Ensino (Sistema de Avaliação da Educação Básica/SAEB, Exame do Ensino Médio/ENEM e do Exame Nacional de Curso/ENC (PROVÃO) (QUEIROZ, M. 2001-2003, p. 66). Seguindo as recomendações do PROMEDLAC VI, que definiu mecanismos de controle e de medição para acompanhar e comparar os níveis de competência e de indicadores da evolução do desempenho das escolas, conforme mostram os estudos de Gajardo (1999), a educação é, mais uma vez, considerada uma ferramenta indispensável e estratégica aos interesses econômicos. Conforme os estudos de Pinto (2004), Peroni (2003) e Libâneo (2003), essa perspectiva foi concretizada, também, pelo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que conseguiu, como ninguém antes, imprimir tantas reformas ao país, ao contrário de seus antecessores, que só haviam implementado medidas fragmentadas e inconsistentes. 1.3 – Os caminhos da educação rural no Brasil Com as mudanças ocorridas no contexto educacional brasileiro, a partir dos anos de 1990, a educação do campo também ganhou novos contornos. Por volta das décadas de 1970-1980, ocorreu uma intensa migração campo/cidade, decorrente de inúmeros problemas de ordem política, econômica e social porque vinha atravessando o país, o que 22 O Provão foi substituído pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), conforme Lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004. 46 gerou uma forte pressão social em todo o Brasil. Intensifica-se, assim, um processo de urbanização desordenado, sobre o qual o próprio Estado não mantém controle. Os serviços básicos que deveria oferecer, como moradia, transporte, saneamento básico, saúde, educação e segurança não atendem à demanda e à pressão social que decorre desse movimento. Nesse cenário, havia também indiferença por parte dos dirigentes brasileiros acerca da necessidade de ter-se um projeto educacional específico para a escola do campo. Essa possibilidade foi ensaiada nos anos trinta, como mostram Souza; Cabral Neto23 (2004, p.179): Mesmo que a discussão sobre a necessidade de uma escola para o meio rural, como uma proposta pedagógica adaptada a esse contexto específico, remonte aos anos 30, é durante a realização do Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, em 1942, que encontramos as primeiras idéias a esse respeito, sistematizadas e defendidas com veemência por parte de um grupo significativo de educadores brasileiros. Sobre essa temática, Arroyo (1999, p. 32) ressalta que: Temos uma larga história que sempre defendeu que os saberes que a escola rural deve transmitir devem ser poucos e úteis para mexer com a enxada, ordenhar a vaca, plantar, colher, levar para a feira. [...] Essa visão utilitarista sempre justificou a escola rural pobre, os conteúdos primaríssimos, a escolinha das primeiras letras. 23 Tratando sobre as repercussões e os efeitos das orientações desse Congresso, os autores ressaltam que foram desenvolvidas no país diversas experiências, destacando-se: a Campanha Nacional de Educação Rural, a Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, o Serviço Social Rural e o Departamento Nacional de Endemias Rurais. Destacam, ainda, que nos anos de 1960 surgiram novas perspectivas de propostas para o meio rural, como o Método Paulo Freire e o Movimento de Educação de Base (MEB). 47 A própria sociologia brasileira, em seus primeiros postulados, referendou o espaço urbano como o mais viável para o crescimento econômico do país e o rural identificava-se como o atraso. Ricci (2005, p. 2, grifo nosso), mostra que: A sociologia brasileira, nos seus primeiros passos, corroborou a discriminação política e cultural em relação ao homem do campo. Na década de 60, Juarez Brandão Lopes, Alain Tourraine, Fernando Henrique Cardoso e Azis Simão sugeriram que a forte presença rural no emergente proletariado brasileiro fragilizava sua organização e a consciência de classe, facilitando o controle dos sindicatos pelo Estado. O Espaço urbano, então, foi se configurando como o espaço da moralidade, do progresso e do desenvolvimento. Na educação, em particular, já nos anos de 1970, apesar de a Lei nº 5.692/71 acenar para o atendimento das especificidades das escolas do campo, como a adequação do calendário escolar e os ciclos da colheita, continuamos a ver, na verdade, a implantação e efetivação de projetos experimentais e transitórios, como ocorrera com o POLONORDESTE, e o PROMUNICÍPIO que, segundo Leite, Sérgio (2002, p. 48): [...] ao subsidiarem os Órgãos Municipais de Ensino (OME), exigiram deles uma organização mais apurada do processo, sobretudo no que diz respeito não só ao cadastramento das escolas, alunos e professores, como também ao acompanhamento e distribuição de merenda e a um diagnóstico do município em relação à escolaridade nas comunidades rurais. Essas iniciativas não foram suficientes para conter os altos índices de analfabetismo, pois, na opinião de muitos estudiosos as ações não passaram de práticas rudimentares que já vinham se desenvolvendo nos municípios. Nesse sentido, Souza; Cabral Neto; Yamamoto (1997, p. 336) mostram que: A prioridade para a escolarização básica da população rural que veio a ser definida na política educacional dos primeiros anos da década de 80, de verdade foi a oficialização de um processo que já vinha sendo 48 implementado desde a segunda metade dos anos 70, com a vigência do Projeto de Coordenação e Assitência Técnica ao Ensino Municipal (PROMUNICÍPIO) e do Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE) [...] dentre os quais destacou-se o PROGRAMA DE EXPANSÃO E MELHORIA DA EDUCAÇÃO RURAL DO NORDESTE (EDURURAL-NE). Em contraposição às políticas oficiais/estatais, o que acontecia de mais significativo no país era um movimento de retorno ao campo, desta feita em busca de terra produtiva, mas em condições estruturais favoráveis, ou seja, com os serviços essenciais à subsistência. No que concerne à educação, a partir dos anos de 1980, ocorreu um movimento que não estava contemplado nos planos e nem nas políticas do Estado, mas emerge da capacidade de reorganização político-ideológica dos movimentos e instituições sociais e sindicais do campo, como o MST, a CPT e a Contag. Um grande embate é travado de forma organizada focando-se a luta em prol da reforma agrária e por uma educação que leve em conta a identidade e os valores dos camponeses. Esse processo de luta pelo direito à terra, de pertencimento, “não é recente e tem suas raízes na própria história do Brasil” (OLIVEIRA, A. 1999, p. 98), cuja base é de natureza agrária. A organização desses movimentos sociais e sindicais nasceu em um contexto de extrema desigualdade e de descontentamentos. Como já destacamos, este fato acelerou o processo de recuperação dos espaços de luta pela sociedade civil. Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 263-264) ressaltam que: [...] Essa onda de descontentamento se alastrava pelo campo. Segundo dados da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), os trabalhadores rurais estavam mobilizados em torno de algumas questões básicas, como: autonomia e liberdade sindical, não extensão do FGTS ao campo, questão salarial (cerca de 70% dos assalariados rurais recebiam igual ou menos que um salário mínimo) e 80% não tinham carteira assinada. Entre as mulheres, tal proporção superava os 87% e, entre os menores, 95%. [...] No decorrer do ano de 1980, esses fatos levaram aproximadamente 1,5 milhão de camponeses a fazer greve, lutar por terras que lhes tinham sido tiradas, protestar contra as más condições de vida e contra a política agrária e agrícola do governo. 49 No decorrer dos anos de 1980, essas mobilizações intensificaram-se e, nesse particular, os sindicatos e outros segmentos da cidade e do campo ganharam força no embate político. O fim do regime da ditadura civil-militar, a abertura do espaço democrático, o agravamento das questões sociais e a aprovação da Constituição Federal (1988) foram aspectos relevantes para consolidar a organização desses movimentos. A partir dos anos de 1990, o empenho dos movimentos sociais do campo por condições concretas de subsistência, dentre elas o direito à educação, fortaleceu-se. Com a aprovação da LDB – Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996 –, criaram-se novos espaços para um debate específico sobre a educação rural, muito embora alguns pontos não estejam ainda bem claros e definidos. Ao abordar o assunto, os estudos de Leite, Sérgio (2002, p. 54) mostram que: A atual Lei de Diretrizes e Bases promove a desvinculação da escola rural dos meios de performance escolar urbana, exigindo para a primeira um planejamento interligado à vida rural e de certo modo desurbanizado. [...] Porém, não estejam explicitamente colocados, na nova LDB, os princípios e as bases de uma política educacional para as populações campesinas. [...]. Apesar de a LDB não definir, concretamente, esses princípios, em três artigos sugere uma reflexão acerca da particularidade da educação no campo. O Art. 23 apresenta a possibilidade de flexibilizar a organização do projeto pedagógico das escolas da educação básica “em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios” (BRASIL, 1996, p. 27). No Art. 26, identificamos a possibilidade de haver uma complementação ao currículo, desde que seja observada a base nacional comum. Na mesma direção, no Art., os incisos I, II e III dispõem sobre a possibilidade de adaptações do currículo, da metodologia, dos processos de gestão e do calendário escolar à realidade do campo e a de cada região, respeitando-se, dessa forma, as peculiaridades locais. Contraditório à LDB, o atual Plano Nacional de Educação (2001-2010) nega as prescrições legais, ao recomendar, “numa clara alusão ao modelo urbano, a organização do 50 sistema de ensino em séries” (SOARES, 2002, p. 115). Isso parece inviável para as escolas do campo, uma vez que o setor mantém-se com as características de organização das crianças em salas nas quais um mesmo professor trabalha no mesmo espaço e horário com alunos de diferentes níveis de escolaridade, séries e faixa-etária diferentes, isto é, em classes multisseriadas. Nessa discussão, destacamos, também, que, nos PCN, nenhuma alusão é feita à educação no campo, entendida como um espaço específico, cuja identidade de seus sujeitos implica na formação e preservação de valores, crenças e pertencimento à terra. Discutindo em torno dessa temática, Fernandes, B. (1999, p. 65) entende que: [...] A política de educação que está sendo implantada no Brasil, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais, ignora a necessidade da existência de um projeto para a escola rural. [...] Na maioria dos Estados, a escola rural está relegada ao abandono. Em muitos, recebem a infeliz denominação de escolas isoladas. Como predomina a concepção unilateral da relação cidade/campo, muitas prefeituras trazem as crianças para as cidades, num trajeto de horas de viagem, por estradas intransitáveis e as colocam em classes separadas das crianças da cidade, reforçando dessa forma a dicotomia presente no imaginário da sociedade [...] Com relação à política de financiamento da educação, a Lei n. 9424/96, de 24 de dezembro de 1996, que regulamentou o FUNDEF, também menciona a especificidade da educação rural quando se refere ao repasse dos recursos financeiros. O Art. 2º, parágrafo 2º, inciso IV, define que a metodologia de cálculo do repasse dos recursos do custo-aluno seja maior para esse setor, tendo em vista que a matrícula nas escolas do campo, atualmente, é bem menor do que nas escolas urbanas. O que se sabe de mais concreto nesse sentido é que o atual presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, baixou o decreto de nº 5.374/05, de 17 de fevereiro de 2005, determinando o cumprimento da Lei. Apesar do quadro apresentado, nos últimos anos, delineou-se um cenário em que a educação rural saiu de um estado de aparente latência e entrou na pauta das discussões políticas. Mesmo que a LDB acene para a possibilidade de mudanças na organização do trabalho administrativo e pedagógico das escolas rurais, as experiências mais concretas são as dos movimentos sociais. Essas experiências passaram a ser sistematizadas e 51 apresentadas em eventos, como o I ENERA, realizado em julho de 1997, no Distrito Federal. O evento foi protagonizado pelo MST e contou com a parceria da UNB, do UNICEF, da UNESCO e da CNBB. Desse encontro, resultou o propósito de organizar-se a educação do campo, levando em conta a sua realidade e contemplando a sua própria identidade, ou seja, “[...] em termos de sua cultura específica, quanto à maneira de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente e quanto ao modo de viver, de organizar família e trabalho [...]” (KOLLING, NERY e MOLINA, 1999, p. 14). Esta seria um clara indicação de que os camponeses pleiteavam organizar as próprias experiências desenvolvidas nos assentamentos do MST, como cursos de pedagogia da terra, da alternância, que traduzissem a concepção de uma escola do campo, ou seja, com uma prática pedagógica cuja dinâmica expressasse um movimento social. Os estudos de Benjamim e Caldart (2000, p. 65) assim refletem esse projeto de escola: [...] O grande desafio pedagógico é exatamente pressionar para que a escola seja assumida pelos sujeitos que a conquistaram. Em alguns lugares isto inclui os educadores, as educadoras. [...] Mas é também um aprendizado da caminhada do MST: os Sem Terra não fazem sozinhos a sua escola. Assim como não fazem sozinhos a luta pela Reforma Agrária. A leitura pedagógica das práticas sociais do MST, ou a constituição do Movimento como sujeito pedagógico, somente é possível no diálogo com outros sujeitos da práxis educativa. [...]. Assim entendendo como deveria ser a educação do campo, realizaram-se também seminários estaduais e, no conjunto dessas iniciativas, foi realizada a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo, promovida em Luziânia/GO (27 a 31 de julho de 1998). Concluído esse evento, as entidades organizadoras entendiam que algo a mais teria que ser feito no sentido de implementar discussões e as ações de forma sistematizada. Para isso, foi instituído entre estas, um grupo permanente de estudo denominado de Articulação Nacional Por uma Educação Básica do Campo, cuja finalidade seria avançar, em todo o país, atraindo, cada vez mais, forças para realizar o projeto que estava em pauta. 52 Arroyo e Fernandes (1999, p. 78) assim percebem a articulação para redimensionar a educação do campo: Temos dois objetivos básicos como articulação: [...] a) mobilizar os povos do campo para conquista/construção de políticas públicas na área da educação e, prioritariamente, da educação básica [...] b) contribuir na reflexão político-pedagógica de uma educação básica do campo, partindo das práticas já existentes e projetando novas possibilidades. As instituições e os movimentos sociais envolvidos nessa articulação reuniam-se para discutir as estratégias e planejar ações. Várias iniciativas foram desencadeadas, dentre as quais, a produção de uma coleção de livros para divulgar a proposta de Educação Básica do Campo, constituindo-se, assim, as primeiras versões sobre a concepção e os princípios político-pedagógicos que fundamentam a Educação do Campo. As discussões, inicialmente, norteavam-se acerca da educação básica, porém, a articulação nacional entendeu que a política de educação para o campo deveria ultrapassar os limites restritos ao ensino, ampliando, dessa forma, a concepção e as funções sociais e políticas da educação e da escola. No entendimento de Arroyo e Fernandes (1999), esse movimento também deve representar a formação de uma consciência dos direitos à terra, ao trabalho, à justiça social, dentre outros, abrindo, dessa forma, uma nova perspectiva: a da diversidade cultural, intrínseca à educação vigente nas escolas do campo. 53 CAPÍTULO 2 - DIVERSIDADE DO CAMPO: ALGUNS OLHARES 2.1 – Diversidade do campo brasileiro: fundamentos políticos, socioeconômicos e culturais Discutir a diversidade do campo no Brasil, voltando-se, sobretudo para o contexto político, socioeconômico e cultural, requer a compreensão de que as relações estabelecidas nesses cenários efetivam-se, ao longo da história, de forma complexa e contraditória. O campo brasileiro fora tratado ora com indiferença, ora com inferioridade ou subalternidade, ora como mero espaço de exploração do capital para atender a interesses específicos. Na verdade, desde os primórdios da colônia, o campo fora usurpado dos seus verdadeiros herdeiros, para transformar-se em um espaço de mera reprodução, especulação e lucro do capital em mãos dos colonizadores europeus. Tal concepção pode ser identificada nos estudos de George (1976, p. 17-18), ao afirmar que, A primeira forma de relações econômicas e sociais concernentes ao meio rural é a apropriação do solo: apropriação tribal e todas as formas de apropriação coletiva ou parcial derivadas da propriedade tribal ou propriedade individual. [...] As formas de trabalho, de agrupamento residencial, assim como a estrutura social e o comportamento dos grupos humanos diferem profundamente conforme a propriedade rural for uma propriedade comum do povoado, ou estiver repartida entre um maior ou menor número de proprietários. Antes, porém, especificamente no período pré-colonial, essa apropriação do espaço rural delineava-se a partir de condições rudimentares da pesca e da caça para fins de subsistência de pequenos e grandes grupos, como as comunidades tribais. Seguiam-se as apropriações com finalidade econômica, que compreendiam interesses individuais e/ou de grupos econômicos, como os criadores, cujos domínios perpassavam o espaço rural, indo para além deste aos espaços urbanos. Nesse debate, ressaltamos também que a economia colonial e a produção escravista expressaram o capitalismo moderno, onde o antigo 54 sistema colonial e o trabalho escravo foram substituídos pelo neocolonialismo, que vai da abertura dos portos até a extinção do tráfico, com as primeiras leis emancipatórias. Pondo em debate algumas questões sobre o capitalismo agrário brasileiro24 , os estudos de Fernandes, F. (1976, p. 106) esclarecem que esse processo resulta da transição de um sistema de produção escravista25 que, desintegrando-se, pôs-se em transição para o modo e sistema de produção capitalista “[...] através de uma expansão de uma economia de mercado moderna, que conduzia em seu bolo a transformação do trabalho em mercadoria e a universalização do trabalho livre [...]”. Em face dessa relação, criaram-se conjunturas de natureza política e econômica, nas quais o espaço rural ficou associado ao urbano, tendo em vista o seu potencial de absorver os excedentes agrícolas e, conseqüentemente, comercializá-los, estabelecendo-se, dessa forma, uma base econômica agrária, de cunho capitalista. Conforme indicam os estudos de Leite, Sérgio (2002, p. 57), Do ponto de vista econômico, o Brasil teve no sistema agropecuário o seu grande suporte, haja vista a predominância, até pouco tempo, da exportação de produtos como cana-de-açúcar, gado/carne, cacau, café e soja. [...] A diversificação da produção nacional iniciou-se no final do século passado, quando houve a transição do sistema agrário-exportador para o sistema urbano-industrial, transição essa que acarretou mudanças estruturais na sociedade e no modo de vida do brasileiro. Nesse sentido, essas mudanças influenciaram as relações de trabalho no campo, isto é, os camponeses que tinham como base as culturas de subsistência, por meio da agricultura familiar26, passaram a vender a sua própria força, em troca de trabalho assalariado. Os períodos escassos os obrigavam a buscar alternativas de trabalho, pois: 24 “Desde os fins do século XVIII até nossos dias, os estudiosos vêm tentando explicar o significado da economia agrária praticada no Brasil e suas relações com outros ramos da economia e com a organização da sociedade brasileira [...] O ‘campo’, como núcleo da vida social ‘civilizada’ também já foi superestimado, para depois ser esquecido” (FERNANDES, F. 1976, p. 105). 25 No Brasil, essa desintegração ocorreu em 1850, por meio da pressão diplomático-militar inglesa (SINGER, 1976). 26 “[...] 2. A agricultura de subsistência baseia-se no trabalho da família. Em muitas das áreas rurais do mundo, os clãs, as linhagens, e as famílias extensas têm sido tradicionalmente as unidades econômicas da produção [...]” (STAVENHAGEN, 1976, p. 30). 55 [...] Geralmente essas comunidades são também fornecedoras de mão-de- obra assalariada em base temporária, durante os períodos de inatividade na agricultura. Deste modo elas estão ligadas à economia nacional através do trabalho assalariado precisamente por causa de sua agricultura de subsistência, isto é, porque a agricultura de subsistência não oferece emprego durante o ano todo, e porque ela não produz o rendimento monetário que a comunidade necessita. [...] De forma semelhante, no Nordeste do Brasil, um cinturão de estabelecimentos agrícolas de subsistência desenvolveu-se, em torno das áreas iniciais das grandes fazendas açucareiras, à medida que a crescente concentração e monopolização da terra impelia o camponês independente para áreas menos férteis e mais isoladas. (STAVENHAGEN, 1976, p. 29). Um outro argumento do autor sobre essa temática ressalta que a economia monetária, desenvolvendo culturas comerciais e explorando o trabalho assalariado, modificou os padrões de consumo doméstico em áreas subdesenvolvidas. Dessa forma, atraía os setores da população rural atrasada para essa economia, que tem sido priorizada nas políticas de governos nacionais, bem como coloniais, do mundo subdesenvolvido. Estabeleceu-se, assim, a relação campo-cidade, de base monetária, que se destaca nos estudos de Stavenhagen (1976, p. 28-29) da seguinte forma: As sociedades camponesas, como os antropólogos gostam de afirmar, são sociedades parciais. Isto significa que elas estão ligadas – através de comunicações, mercados, estruturas de poder, e assim por diante – à sociedade mais ampla: complexos regionais e nacionais, dos quais se diferenciam por variáveis econômicas, políticas e culturais. [...]. As comunidades agrícolas pequenas e completamente autosuficientes provavelmente sempre foram raras desde os tempos neolíticos. Por mais isolada e tradicional que pudesse ser uma sociedade, certa quantidade de excedentes alimentares existiu sempre em toda parte para fins de troca. [...]. Esclarece, ainda, que uma das maiores transformações concretizadas nas relações políticas, econômicas e sociais do campo, ocorreu em função do estabelecimento da terra como propriedade privada. “[...] A propriedade privada da terra tornou-se o padrão geral na América Latina” (STAVENHAGEN, 1976, p. 33). Essa perspectiva é ratificada pelos estudos de Borón (2003), segundo o qual, esse continente no mundo reserva a maior 56 concentração de terras no poder de poucos proprietários. Nesse contexto, vale ressaltar que o Brasil ocupa a segunda maior concentração fundiária do planeta, o que agrava as relações de poder entre proprietários, trabalhadores e o próprio Estado. Estudos indicam dados do PNUD, mostrando que o nosso país: Só perde, em termos de concentração da terra, para o Paraguai, que tem 406.752 Km², ou seja, aproximadamente 40 milhões de hectares, enquanto o Brasil, com 8.514.876 Km², tem 850 milhões de hectares. Significa que aqui são encontrados os maiores latifúndios do planeta. Somente para ilustrar, a extensão das 27 maiores propriedades existentes no país atinge uma superfície equivalente ao Estado de São Paulo (TONELLI, 2004, p. 8). Ainda referindo-nos à economia agrária, percebemos que três aspectos de natureza socioeconômica a influenciaram, tendo em vista que, Privado de outras fontes de expropriação de riquezas, o Brasil dependeu e ainda depende da economia agrária como recurso ou técnica de acumulação originária de capital. Assim, as parcelas do excedente econômico, que se transferem do campo para a cidade e nela são retidas, servem de base material para a reprodução de sociedades urbanas em mudança, com seu mercado capitalista moderno, com suas tendências à intensificação da divisão social do trabalho, de diferenciação e de integração do trabalho assalariado, etc. (FERNANDES, F. 1976, p. 113). Essa economia é resultado de uma complexa revolução que se operou por meio de bases urbano-comercial/urbano-industrial, que incentivavam a economia de mercado, incluindo benefícios aos produtores – fazendeiros, por exemplo – e a reprodução do trabalho assalariado, em meio a um contexto no qual as relações nos centros urbanos, cada vez mais, ganhavam o caráter político e econômico. Nesse particular, tornava-se necessário, a diversificação da cultura decorrente da dinâmica do próprio sistema, na viabilização dos negócios, ou seja, no escoamento da produção agrícola para fins de consumo. Criou-se, assim, de forma indireta, o papel do homem de negócios, mediando o processo de acumulação capitalista, conforme mostra Fernandes, F. (1976, p. 114), que afirma: “a base material dessa conexão repousava nas 57 probabilidades que os mencionados agentes econômicos tinham de participar do excedente econômico apropriado diretamente na economia agrária”. Diante desse cenário, delineou-se a concretização de um capitalismo que buscava no campo, novas formas de acumulação do capital, sendo que: [...] os principais representantes desse momento da revolução burguesa no Brasil ou tinham uma posição destacada na economia agrária ou possuíam fortunas de origem rural mais ou menos recente. Ao assumir novos papéis e funções na economia urbana, evidenciavam a contribuição da economia agrária para a diferenciação e a reorganização do sistema econômico como um todo. (FERNANDES, F. 1976, p. 114-115). Uma terceira influência enaltecida por esse autor diz respeito ao dialético e paradoxal processo de relação econômica estabelecido entre o campo e a cidade. O campo, com todas as suas potencialidades, foi submetendo-se à especulação, na qual os excedentes produtivos eram negociados nos centros urbanos, privilegiando, dessa forma, os agentes econômicos cujas condições políticas e estruturais favoreciam a participação nesse processo. No início do século XX, consolidara-se uma oligarquia rural, suprimida pela hegemonia da cidade sobre o campo, quando as estruturas de poder do país suplantaram econômica e politicamente o setor agrícola. Três causas contribuíram para o fim dessa oligarquia rural no Brasil: Em primeiro lugar, a Grande Depressão Econômica dos anos 1929-33 e a Revolução de 1930 [...] Foi nessa época que as burguesias agrária e comercial, ligadas ao setor externo (exportação e importação), perderam o controle exclusivo do poder político para as classes urbanas emergentes (empresários industriais, classe média, militares, operários). [...] a verdade é que a Revolução de 1930 representou uma vitória da cidade sobre o campo; isto é, das classes sociais urbanas sobre as classes sociais rurais (IANNI, 1976, p. 149). 58 Temos, pois, uma situação particular que privilegia o setor industrial sobre o setor agrário, sobretudo a partir dos anos de 1950. Outrossim, identificamos que, em função do desenvolvimento no setor industrial, a economia urbana foi acelerada em maiores proporções do que a agrária, uma vez que aqueles centros atendiam, com maior vigor, à reprodução do capital industrial em escala mundial. “[...] as transformações políticas e sociais que acompanham a crise dos anos 1920-33 e a Segunda Guerra Mundial de 1939- 45 criaram as condições propícias à transição para um sistema econômico em que predomina o setor industrial. [...]” (IANNI, 1976, p. 149). Diante dessa realidade, configurou-se, nos anos de 1950-1960, uma estrutura política e econômica em que prevaleciam os interesses da burguesia industrial urbana. Não obstante, “[...] no âmbito das forças produtivas (capital, tecnologia, força de trabalho e divisão social do trabalho) [...] (IANNI, 1976, p. 149)”, o campo e a cidade, em suas relações de produção capitalista, mantiveram-se interligadas. Como terceira causa dessa suplantação campo-cidade, identificamos também que: [...] foi-se desenvolvendo cada vez mais a dupla dependência que caracteriza a situação da sociedade agrária brasileira desde a época em que a burguesia agrária perdeu a hegemonia política para as outras classes sociais, particularmente, a burguesia industrial. Já não era apenas o produto do trabalho agrícola que somente podia realizar-se como mercadoria no âmbito da cidade e do comércio mundial – ou seja, sob o controle de outras empresas, grupos econômicos e interesses – mas, o próprio excedente econômico efetivo produzido pelo setor agrário passou a ser apropriado em outras esferas do sistema econômico nacional e mundial (IANNI, 1976, p. 149-150). Delineou-se, assim, um contexto em que o rural foi sendo cada vez mais caracterizado por uma nova concepção socioeconômica, ou seja, apesar de ainda existir o rural profundo27, predomina hoje, no campo, uma diversidade tamanha, segundo a qual o rural não pode mais ser compreendido como somente agropastoril ou mesmo agroindustrial. Atualmente, predominam três tipos de atividades no campo: agrícolas, não- 27 Áreas rurais que não sofreram nenhuma influência metropolitana. Esse conceito foi apresentado por Couto Filho (2005), em debate na Mesa Redonda “Agricultura familiar no Nordeste: pluriatividade e alternâncias tecnológicas de produção”, por ocasião do Colóquio de Ciências Sociais da UFRN, realizado no período de 22 a 25 de novembro de 2005. 59 agrícolas e pluriativas28. No Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, 61,8% das atividades desenvolvidas no campo correspondem àquelas não-agrícolas. Em Jardim de Piranhas/RN, além das atividades agropecuárias, desenvolvem-se diversas atividades, como a indústria têxtil, dentre outras, resultantes da terceirização, como o processo de acabamento das redes de dormir, contando-se, então, os camponeses que trabalham nessas indústrias, na cidade, enquadrando-se às atividades pluriativas (CAMPOS, 2001). Segundo Silva, A. (2005), em palestra proferida sob o título O Novo Rural no Rio Grande do Norte29, essa situação foi provocada pela crise do algodão e da cana-de-açúcar, gestada nos anos de 1970 e 1980 e, por outro lado, deve-se ao surgimento de atividades recentes, ligadas ao turismo rural, à interiorização dos sistemas produtivos no campo, bem como à intensificação da produção agrícola empresarial e familiar. Deve-se, também, à transformação de áreas rurais em setores industriais e/ou de serviços, como ocorreu em Jardim de Piranhas/RN. Diante do fato de o sistema capitalista ter suas bases concentradas na produção industrial, e esta ser focalizada nos centros urbanos, gerou-se, no campo, uma categoria de sujeitos assalariados, cuja força de trabalho é empregada em atividade de uma outra natureza, como uma mercadoria barata, a fim de prover a sua subsistência, porém, necessária, para alimentar o sistema econômico em ascensão. Assim, à luz dos estudos de Ianni (1976), compreendemos que a história política do trabalhador agrícola brasileiro divide-se em três períodos: [...] no primeiro, predomina o escravo; no segundo, o lavrador; e no terceiro, o proletário. Os antagonismos, crises e lutas havidos na sociedade agrária brasileira, desde a Lei do Ventre Livre, de 1871, até ao Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, assinalam as condições em que se desenvolve o longo processo de transformação do escravo em trabalhador livre. [...] (IANNI, 1976, p. 148). Esse processo de transição de um estágio a outro, além de lento e conflituoso, até hoje se perpetua no âmbito do econômico, do político e do social. Tem acarretado problemas que se acentuam desde os tempos remotos de nossa história, sendo objeto de um 28 Atividades agrícolas e não-agrícolas desenvolvidas por camponeses residentes em áreas rurais. 29 Exposição realizada no Colóquio de Ciências Sociais da UFRN (22 a 25 de novembro de 2005). 60 intenso debate entre os interesses daqueles que exploram a terra como seus proprietários ou como trabalhadores que, efetivamente, lutam por seus direitos, pela condição de sujeitos da terra com valor de pertencimento e de possibilidades de subsistência30. Foi o campo, como é geograficamente definido, que proporcionou o surgimento da sociedade brasileira, permeado por uma demasiada pluralidade cultural, e por interesses políticos e econômicos divergentes. Não obstante, um fator que produziu essa concepção foi, literalmente, a propriedade privada da terra, ou mais especificamente, a fazenda e o gado. Nessa perspectiva: No desenvolvimento do processo de ocupação humana na terra brasileira, a fazenda foi tomando características próprias, antes de tudo peculiares à função econômica, sem prejuízo do sentido social que o fundamentava. Da criação sucessiva desses núcleos, em áreas diferentes do território, resultou a expansão do Brasil, não só geográfica – com a ocupação positiva da terra – mas igualmente demográfica – com o crescimento da população. Cada etapa do desenvolvimento desse processo – o de ocupação humana mais que a simples colonização – encontrava nesses núcleos seu centro de fixação e de estabilidade: fixação dos homens numa atividade, fixação dos homens nas relações étnicas, fixação dos homens num processo de relações culturais. [...] Foi assim que, em etapas diferentes da ocupação humana do Brasil, foram surgindo os engenhos de açúcar na faixa litorânea do Nordeste [...] (DIÉGUES JÚNIOR, 1976, p. 122). Nas demais Regiões do país, outras formas de ocupação, exploração e cultivo da terra, bem como a disseminação cultural e populacional brasileira, caracterizam-se também por meio das fazendas, surgindo os engenhos de açúcar, a criação de gado, os sítios agro- extrativos, dentre outras modalidades de uso da terra. Identificamos, assim, que, [...] Foi aí, nesse ambiente – o da fazenda – que se formaram as populações rurais do Brasil, na variedade de aspectos em que as 30 “[...] Esse é o contexto mais geral (histórico-estrutural) em que se criam as condições sociais, econômicas, políticas e culturais nas quais surgem fenômenos tais como o messianismo, o cangaço, a liga camponesa, e o sindicato rural. E é por intermédio desses movimentos sociais e políticos que ocorre a paulatina metamorfose do lavrador em proletário [...]” (IANNI, 1976, p. 151), situando-nos e levando-nos a compreender o embate político-ideológico do MST e de outros movimentos sociais pela Reforma Agrária e por direitos, como a educação. 61 poderemos estudar: não apenas os aspectos físicos, que nos apresentam as variedades mestiças do Brasil de hoje, mas também os aspectos sociais e culturais, que envolvem o relacionamento entre o homem e a terra, as atividades que se realizam, os tipos de trabalhos, as nuances da estrutura social, enfim, a diferenciada caracterização que nos permite estudar as populações rurais do Brasil sob distintos ângulos [...] (DIÉGUES JUNIOR, 1976, p. 123). No contexto dessa diversidade do campo, caracterizou-se, também, uma estrutura dual, ou seja, foi também nas fazendas que se denotou uma minoria tida como os donos das terras – o proprietário – e o trabalhador rural assalariado que, podado de outras possibilidades, obrigou-se a oferecer a sua força de trabalho, para prover as suas necessidades de sobrevivência no campo. Ser proprietário de terras, ou fazendeiro, implicava – e até hoje, ainda implica – na condição de usufruir de prestígio social, poder e influência econômica e política. Ao contrário dessa posição, [...] No outro extremo, encontramos o trabalhador não proprietário, sem terra, às vezes arrendando-as ou trabalhando em parceria. De modo geral é o que se chama de trabalhador rural, com variada nomenclatura, segundo as regiões e o tipo de exploração econômica. Podemos distinguir os que trabalham em terras alheias em duas grandes divisões: (1) os arrendatários e parceiros; (2) os trabalhadores de campo, também conhecidos como “trabalhadores da enxada”. [...] (DIEGUES JUNIOR, 1976, p. 129). Na atualidade, tal como se apresenta no conjunto das sociedades capitalistas, encontramos, no campo, essas duas formas de trabalho. Conforme vimos, no Brasil a forma de nomear os sujeitos que se submetem a diferentes tipos de trabalho varia de acordo com a Região. No Nordeste e, particularmente, no Estado de Rio Grande do Norte, as expressões arrendatário e meeiro são as mais comuns, enquanto que o trabalhador da enxada, como também estes são chamados, varia de acordo com os costumes locais. Em Jardim de Piranhas/RN, por exemplo, encontramos as expressões: fazendeiros, meeiros, arrendatários e trabalhadores rurais. Concretamente, via de regra, o camponês estabeleceu-se no campo, como força de trabalho para o pequeno ou para o grande produtor. Apesar das tendências atuais, o 62 pequeno produtor continua sendo fator básico de sustentação da produção agrícola para alimentar o sistema capitalista, de modo que, [...] subsiste e desenvolve-se a pequena produção. O pequeno proprietário sobrevive e até mesmo se afirma. Nos mais diversos países e continentes, assim como nas mais diferentes atividades agrícolas, são numerosos ou mesmo inúmeros os pequenos produtores. Trabalham a terra com a família e em certos casos assalariando alguns trabalhadores em épocas de preparo da terra, plantio ou colheita. São pequenos produtores autônomos, situados em posição especial, em face do assalariado agrícola permanente ou temporário, e em face do grande empresário. A pequena produção continua a ser importante no conjunto da vida socioeconômica no mundo agrário. [...] Entretanto, essa pequena produção encontra-se em geral determinada pelas exigências da grande produção [...] (IANNI, 2002, p. 39). Os sujeitos do campo, se assim os podemos chamar, encontram-se, nesse caso, entre duas vertentes produtivas: um sistema de produção capitalista que contraria os seus interesses, estereotipando-os em força de trabalho e, por outro lado, continuam respaldando e consolidando os pequenos senhores da terra – os fazendeiros – que não são muito diferentes e exploram a força de trabalho dos trabalhadores rurais. 2.2 – Os movimentos sociais, a Reforma Agrária e a educação O proletário ou trabalhador rural, emanado da força de trabalho estabelecida no campo, argüido de seus interesses e de suas necessidades específicas de subsistência – de base familiar – vê-se, em larga escala, inserido na estrutura capitalista, na qual o seu valor baseia-se, unicamente, naquilo que é capaz de produzir, apesar de a terra lhe conferir valores que perpassam o seu próprio trabalho, pois representa sua própria identidade, suas raízes. Nesse sentido, identificamos, nos estudos de Ianni (1976), a insignificância dada ao pertencimento camponês-campo. Na verdade, “[...] ele parece ser o vértice de uma pirâmide invertida, no sentido em que o produto do seu trabalho se reparte por muitos, sobrando-lhe pouco [...]” (IANNI, 1976, p. 155). 63 Diante disso, delineou-se um quadro crescente no qual os trabalhadores rurais são explorados e vendem a sua força de trabalho, instituindo-se na forma de empregados ou moradores. Nesse último caso, os trabalhadores recebem um salário para atuar na agricultura e na pecuária, dedicando uma jornada que excede 8 horas diárias de trabalho, persistindo, ainda, relações de trabalho do tipo escravocrata. Diante dessas circunstâncias, as relações sociais de produção geram manifestações por parte dos trabalhadores rurais, nascendo, assim, várias formas de protestar sobre as suas condições de vida e de trabalho, configuradas como exploração. Tais condições, quando exacerbadas, provocam movimentos coletivos, conforme ocorreu no início do século XX, com a consolidação do cangaço, que nasceu: [...] muito mais diretamente do sistema de violência monopolizado pelos fazendeiros ou coronel. Ele nasce das relações políticas de denominação vigentes numa região em que o poder público não está presente; ou está presente em termos apenas simbólicos. Nesse sentido, ele exprime as tensões e os conflitos surgidos entre os próprios fazendeiros, no processo de concentração da propriedade; ou nas lutas pelas áreas de influência e mando [...] Em outro momento, o cangaço passa a exprimir as reações da “classe baixa”, contra as condições econômicas de apropriação vigentes [...] (IANNI, 1976, p. 154). Por motivos semelhantes, ocorreram, também, manifestações religiosas pacíficas, como as rezas e as procissões, que reluziam as insatisfações dos agricultores com as condições de exploração e subsistência, sendo que, de acordo com os estudos de Leite (2002), até os meados do século XX, não existiu nenhum movimento sindical no campo com maior consistência. Além do movimento do cangaço, somente a partir de 1955, surgiram aqueles de caráter reivindicatório, como as Ligas Camponesas31 e os sindicatos rurais32 “[...] surgem quando se clarificam as fronteiras reais (econômicas, sociais, 31 As Ligas Camponesas surgiram em 1955, quando “[...] os trabalhadores rurais do Engenho Galiléia, no interior do Estado de Pernambuco, liderados por Francisco Julião, ao defenderem seus interesses e das famílias rurais da região, criaram um movimento reivindicatório pró-rurícolas, organizando, dessa maneira, a primeira Liga Camponesa no país – entidade de caráter classista na defesa dos direitos do cidadão e do trabalhador rural. [...]” (LEITE, Sérgio, 2002, p. 68). A partir de abril de 1964, as ligas camponesas perderam o seu vigor, haja vista as pressões e os embates dos segmentos econômicos do campo e da cidade, bem como das forças políticas reinantes. “Aos olhos dos novos governantes do país, elas eram demasiado politizadas, e independentes do controle do aparelho estatal” (IANNI, 1976, p. 156). 32 Os sindicatos rurais são desdobramentos políticos e ideológicos das Ligas Camponesas. Com a aprovação do Estatuto do Trabalhador, em 1962, muitas Ligas converteram-se em sindicatos rurais (SILVA 1990 apud LEITE, Sérgio, 2002). Apesar de terem sofrido uma ríspida interrupção do governo militar do Marechal 64 culturais, políticas, ideológicas) que dividem o fazendeiro e o trabalhador rural; quando o lavrador se transforma em proletário [...]” (IANNI, 1976, p. 154). Ainda que as Ligas Camponesas sejam consideradas um movimento de expressão política, assim como os sindicatos rurais, foram submetidos à intervenções freqüentes por parte do Estado. Apesar de ter representado uma espécie de ameaça política ao governo da ditadura civil-militar, as Ligas Camponesas impulsionaram, a partir dos anos de 1960 uma discussão em âmbito político e social, sobre a necessidade de haver uma legislação específica que assegurasse aos camponeses direitos iguais aos dos trabalhadores urbanos. Nesse sentido, “Destacam-se, aqui, as discussões sobre a elaboração do Estatuto do Trabalhador Rural e sobre a implantação da Reforma Agrária, movimentos esses sufocados e controlados pela ideologia de caserna imposta pela ditadura militar de 1964 [...]” (LEITE, Sérgio, 2002, p. 69). No debate histórico sobre a Reforma Agrária, perpassavam conteúdos de ordem ideológica, política, econômica e social, o que não esclarecia, sobretudo, as decisões políticas que se expressavam em sua formulação e efetivação no país. A concentração injusta de terras, associada aos interesses do latifúndio/capital, tenta impedir investidas políticas exitosas, por meio de estratégias de controle e de repressão desenvolvidas conjuntamente pelos aparelhos de Estado (justiça, polícia, entre outros). Nessa perspectiva, identificamos os postulados de Nyerere (1981, p. 21), segundo quem: A experiência mostra que onde a propriedade da terra é injusta, a mudança efetiva não depende somente da aprovação de uma Legislação de Reforma Agrária. Atualmente há poucos países que não possuem algum tipo de leis para a Reforma Agrária. Mas em muitos dos casos estas leis servem de enfeite ou o mecanismo estatal não as utiliza contra a oposição de interesses locais e internacionais. Retomando os estudos de Borón (2003), entendemos que para analisar os fatos que vimos discutindo sobre as 10+1 ferramentas de igualdade social que a questão agrária Humberto de Alencar Castello Branco, os sindicatos rurais conseguiram consolidar-se, tendo em vista o seu caráter de reivindicar por meio de negociações e acordos. Contudo, “[...] Foram eliminados da cena política brasileira vários líderes de movimentos que se desenvolviam no meio rural: Francisco Julião, Miguel Arraes, Gregório Bezerra, Leonel de Moura Brizola e outros [...]” (IANNI, 1976, p. 157). 65 impõe aos governos que pretendem reduzir a pobreza e a iniqüidade de seus países, sem sacrificar a eficiência e o crescimento econômico: América Latina tiene la mayor desigualdad en la distribución de tierras que cualquier otra región. La concentración en la propriedad de la tierra está asociada con una mayor concentración de la renta, incluso en aquellos países en donde la relevancia de la agricultura ha disminuido [...] (BORON, 2003, p. 29, grifo nosso). Reafirmando essa posição, os estudos de Stavenhagen (1976) revelam que essa é uma problemática antiga no Continente Latino-americano. Mesmo antes de a terra ter sido transformada em mercadoria, os espanhóis e os portugueses foram presenteados com grandes lotes de terras, como recompensa por suas conquistas e, nesse particular, a “[...] propriedade privada da terra tornou-se o padrão geral na América Latina” (STAVENHAGEN, 1976, p. 33). No Brasil, a luta pela Reforma Agrária33 iniciou, concretamente, a partir dos anos de 1960, e vem atravessando décadas, sem que se tenha nenhuma definição e nenhuma operacionalização política consistente para resolver a questão da propriedade privada. Nesse sentido, As posições sociais e políticas do latifúndio se mantiveram nas reordenações jurídicas de passagem, na mudança das capitanias para governadoria geral, do reinado para a independência, no primeiro e segundo impérios, na república, na revolução de trinta, na ditadura de Vargas, na redemocratização do após guerra, na ditadura militar e, recentemente, na Constituição de 1988. (SÁ, 2004, p. 34). 33 “Sua expressão mais alta foi o Estatuto do Trabalhador Rural, sancionado em maio de 1963, que estendeu o direito de sindicalização e outras regalias do trabalhador urbano ao assalariado agrícola. E, também, o projeto de reforma agrária do próprio poder executivo, constante da Mensagem Presidencial de março de 1964 e que, provavelmente, teria sido aprovado, se o governo Goulart não caísse, deposto por um golpe militar” (RIBEIRO, 2004, p. 28). 66 Discutindo, ainda, sobre assunto em âmbito nacional, Sá (2004) faz saber que o latifúndio, no Brasil, apresenta uma particularidade sui generis com relação aos outros países da América Latina, uma vez que, Estas imensas propriedades, improdutivas ou de superada criação extensiva, como se viu, resistiram às rupturas políticas e transformações supraestruturais. Adaptou-se às formas capitalistas de produção e comercialização, deixou-se assimilar pela organização empresarial avançada e garantiu, pelo domínio territorial, o fortalecimento e a sobrevivência da burguesia rural com notável transcendência política (SÁ, 2004, p. 34). Ou seja, as forças e os interesses dominantes do latifúndio brasileiro perpetuam-se ao longo da história e parece consolidarem-se com a agroindústria - da colônia -, com a cana-de-açúcar, - nos dias atuais -, acirrando, cada vez mais, o quadro de desigualdades no campo. Diante desse cenário, sobretudo para os que propugnam a reforma agrária como um direito social e de sustentabilidade das populações do campo, essa realidade vem ganhando novos contornos. Nesse sentido, [...] assiste-se à consolidação de um setor altamente modernizado da agricultura, o chamado Agrobusiness, que se propõe a superar a dicotomia entre agricultura e indústria, ao englobar a produção, a industrialização e o comércio de produtos agrícolas, representando quase 50% do PIB brasileiro, ao lado de um setor, como os Sem-Terra, que lutam por um pedaço de terra para produzir (MENEZES NETO, 2005, p. 1-2). Ademais, a partir dos anos de 1980 e 1990, ocorre a propagação de novas tecnologias – microeletrônica, engenharia genética, química, biotecnologia –, que consolidam esse modelo agroindustrial, beneficiando alguns e expulsando a maioria historicamente excluída. Os camponeses, que em grande parte estão à margem dos avanços 67 tecnológicos, ficam também à deriva dos benefícios políticos, socioeconômicos e culturais que esses avanços podem oferecer, como frisa Castells (1999), ao ressaltar o seu caráter seletivo, e Santos (2004), ao enfatizar o número de sujeitos que estão à margem desse processo. Diante disso, ressaltamos que: A agricultura no Brasil conhece, dessa forma, o seu processo de modernização dependente, por um lado da interferência estatal, e por outro, das necessidades da indústria. Este processo trouxe um setor “moderno” e concentrado, mas trouxe também a deteriorização das condições de trabalho e uma maior demanda pela questão da terra, simbolizada pela consolidação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) (MENEZES NETO, 2005, p. 08). Configura-se, desse modo, sobre o campo brasileiro mais um ciclo de discussões antagônicas e díspares acerca da reforma agrária. Nessa discussão, conforme Maia (2003) enfatiza, “É difícil conciliar na mesma mesa latifundiários e camponeses, que são classes que têm interesses contrários e se confrontam entre si desde sua existência” (MAIA, 2003, p. 226). Reivindicando a reforma agrária, sobretudo nos anos de 1990, o MST, como uma das máximas expressões dos movimentos sociais do campo, enfrentou uma forte repressão por parte das forças do Estado brasileiro, sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso, a despeito de apresentar-se sob a orientação de uma outra realidade que os contraria: No Brasil a face mais visível da repressão direta atinge o MST. Durante o regime militar foram assassinados 1.106 trabalhadores rurais. No governo FHC o quadro não mudou e, pior, a impunidade pelos assassinatos não decorre do chamado “período de exceção”: ocorre em um quadro de democracia formal. Cada vez mais os assassinatos são direcionados contra os militantes que se destacaram na luta [...] (LEHER, 2002, P. 187). 68 Apesar dessas contraposições, o governo brasileiro de então não se constrangia em proclamar, por inúmeras ocasiões, e divulgar, com o apoio da mídia, que a sua gestão havia movido uma política efetiva de reforma agrária. Denunciando essa falácia do Presidente, os estudos de Maia (2003, p. 226) ressaltam que “[...] o governo Fernando Henrique (1994- 2002) em parceira com governos estaduais não se constrange em dizer que está fazendo reforma agrária e entregando terra aos trabalhadores rurais [...]”. O que, de fato, não se concretizou como política agrária, expressa a postura de um dirigente que não pretendia “[...] confrontar os interesses dos latifundiários com os do MST. Porque o próprio governo tem consciência que esse problema é histórico e que ele mesmo prefere não colocar em xeque as elites do país” (MAIA, 2003, p. 232). Em relação a esse aspecto histórico da reforma agrária, os estudos de Tonelli (2004, p. 8) ressaltam que, Desde que aqui chegaram os portugueses – e depois os espanhóis, os holandeses e os franceses, começaram as lutas pela terra. Das lutas dos indígenas, dos escravos e dos trabalhadores livres e, posteriormente dos imigrantes, desenvolveram-se no Brasil lutas camponesas contra a expropriação produzida pelo desenvolvimento do capitalismo. Vemos, pois, que, na prática, o aparelho estatal contribuiu para consolidar as disparidades entre os interesses do capital e dos camponeses, agravando o quadro de injustiças sociais e acirrando a luta34, cada vez mais veemente, dos movimentos sociais do campo. Contrários aos movimentos reivindicatórios que se organizavam política e ideologicamente, em defesa de seus direitos, o governo e as forças repressivas do Estado – representantes do poder e dos interesses do capital – não mediam esforços para coibir as ações dele decorrentes, utilizando-se do aparato legal e policialesco contra quem apresentasse expressões representativas. Ainda a respeito desse assunto, vemos que: 34 Essas lutas, muitas vezes compreendidas ou difundidas como “revoluções”, não são recentes. Os estudos de Wolf (1976) nos mostram que “Seis importantes conflagrações sociais e políticas, que irromperam com o apoio de camponeses, abalaram o século XX: a revolução Mexicana de 1910; as Revoluções Russas de 1905 e 1917; a Revolução Chinesa, que passou por várias fases de 1921 em diante; a Revolução Vietnamita, cujas origens remontam à Segunda Guerra Mundial; a rebelião argelina de 1954; e a Revolução Cubana de 1958. Em certa medida, todos esses movimentos tiveram por base a participação de populações rurais [...]” (WOLF, 1976, p. 94). 69 Outro aspecto, mais sutil, pode ser evidenciado na criminalização da ação política. Grande parte das lideranças intermediárias dos Sem-Terra já não são mais primários, em virtude dos inúmeros processos judiciais em curso. A desmoralização política, assumida como política de governo, é veiculada como propaganda de TV e nas Revistas e jornais dos conglomerados que dominam a mídia brasileira. A Já tristemente célebre edição de Veja n. 1648 (10/05/2000), cuja capa mostra uma bandeira vermelha do MST, tremulando, com o título: “a tática da baderna” e subtítulo: “o MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista, atualiza a ideologia da ordem” (LEHER, 2002, p. 192-193). Podemos, assim, constatar que, nos últimos dez anos, o MST35 e outros movimentos sociais do campo ocuparam um espaço político significativo, cujas manifestações são matéria freqüente da mídia nacional. Em recente publicação, a revista Veja – n. 1864, de 28.07.2004, em carta ao leitor, apresenta o MST como um “um asilo de idéias”, mostrando que as suas reivindicações são francamente decrépitas. Ademais, o semanário considera, ainda, que a defesa da reforma agrária e, intrinsecamente, a luta pelo direito à educação, “comunga de uma visão de mundo deslocada no tempo e no espaço” (UM ASILO..., 2004, p. 9). Em outra edição – n. 1870, de 08.09.2004 –, a mesma revista apresenta uma matéria de quatro páginas, abrindo uma reportagem sob o título: os “madraçais do MST”, seguido de um preâmbulo que ressalta: “assim como os internatos mulçumanos, as escolas dos sem-terra ensinam o ódio e instigam a revolução. Os infiéis, no caso, somos todos nós” (SETE..., 2004, p. 47). Essa matéria, que expressa uma visão política conservadora das elites brasileiras, além de ressaltar a proposta de educação dos movimentos sociais, como o MST, como um perigo para a nação, parece ignorar a necessidade de qualquer projeto 35 O MST apresenta-se, inegavelmente, como uma força propulsora no embate contra a negação e a passividade dos governos, sobretudo durante o de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), com relação à Política de Reforma Agrária. Adjacente a essa empreitada, nasceu também esse movimento de luta pelo direito constitucional à educação. Os estudos de Ricci (2005, p. 4), ao intitularem o MST como o “renascimento da utopia”, descrevem a sua trajetória histórica e ideológica, explicitando que, em 1989, finalmente se “autocaracterizou como um movimento de massas, com base social camponesa, mas não apenas de camponeses. Havia um caráter sindical, pois em certos aspectos a luta pela terra é corporativa e, portanto, sindical”. Para Oliveira, A. (1999, p. 101), o MST “é o mais organizado e combativo no campo brasileiro, constituindo um novo marco na luta política dos trabalhadores brasileiros pela reforma agrária”, apresentando-o, ainda, em alusão a Chomsky, que o Movimento é uma grande novidade pós-90. A partir dos anos de 1990, a relevância do MST é enfatizada como fator preponderante nesse processo de luta por terra e educação, respeitando-se a identidade, as especificidades, os valores e dando condições reais de subsistência no campo para os camponeses. Os estudos de Andrade; Di Pierro (2004); Molina (2004) e Paiva (2004) corroboram essas concepções. 70 educacional específico para os camponeses, como pressupõe a atual LDB e outros aparatos legais da legislação educacional brasileira. Matérias como essas tendem a confundir o sentido de um projeto educativo de quem deseja viver, possuir e integrar-se plenamente à terra e nela usufruir, dentre outros direitos, a educação pública, gratuita e com qualidade. Nessa perspectiva, os estudos de Caldart (2002, p. 49, grifo da autora) mostram que: O MST tem uma pedagogia. A pedagogia do MST é o jeito através do qual o Movimento historicamente vem formando o sujeito social de nome Sem Terra, e que no dia a dia educa pessoas que dele fazem parte. E o princípio educativo principal desta pedagogia é o próprio movimento. Olhar para esta pedagogia, para este movimento pedagógico, nos ajuda a compreender e a fazer avançar nossas experiências de educação e de escola vinculada ao MST. Em nosso entendimento, os assentamentos do MST, bem como de outros movimentos sociais do campo estão longe de ser comparados a madraçais36. Os Sem-Terra querem viver da terra e na terra, sonham com trabalho, educação, saúde, dentre outros direitos. Quem efetivamente convive em nobres madraçais tem dificuldade em compreender as dificuldades que enfrentam as pessoas que vivem em inúmeros lugares da pobreza, inclusive, no campo. Esse, talvez, seja um dos motivos que geram matérias jornalísticas como a que foi divulgada na Veja. Ademais, compreendemos que essas matérias, muitas vezes, são veiculadas a serviço dos interesses dominantes, e é por isso que “[...] tudo o que se lê e se ouve atualmente na mídia nacional sobre a questão da reforma agrária está diretamente associado à baderna e à violência, numa escancarada postura de criminalização dos movimentos sociais [...]” (TONELLI, 2004, p. 8), apesar de demonstrarem, em algumas situações, desequilíbrios na forma como organizam os seus movimentos reivindicatórios, gerando atos de violência e desordem pública. Ressaltamos, ainda, que as pessoas que não entendem a luta dos camponeses pela dignidade, condenam seus ideais revolucionários, atribuindo-lhe desvalores. Para muitos, os Sem-Terra representam uma revolução danosa, perigosa e nociva à nação. Parecem 36 [Do ár. madrasa(t), 'escola'; de or. asiática.]. S. m. Ant. 1. Casa de estudos, ou escola muçulmana. 2. Palácio, ou grande casa em que residiam ou se hospedavam nobres, senhores, famílias ricas, etc. Cf. Ferreira (2001). 71 entender que a única condição aceitável para o camponês é aquela histórica, que visa ampliar e concentrar o capital nas mãos de poucos. Insistimos em dizer que a educação no campo jamais ocupou o devido espaço na pauta das políticas educacionais. Porém, quando acena com novas possibilidades, os postulantes são taxados, de forma pejorativa, como revolucionários. Estudos reforçam essa perspectiva ao afirmarem que a política de educação vigente retrata os interesses do capital e esses, por sua vez, [...] defendem uma sociedade em que só os capitalistas possam, legitimamente, definir suas metas (que se resumem a uma só: ganhar mais dinheiro) e construir suas instituições (as empresas) capazes de atingi-las. Se os agentes sociais não capitalistas também organizam projetos claros (escola para todos, segurança alimentar, ou direito ao trabalho, por exemplo) e criam instituições fortes para levá-los adiante (entidade públicas, sindicatos, movimentos), isso atrapalha as metas dos capitalistas (BENJAMIN, 2000, p. 17). Talvez por isso, os movimentos sociais do campo, como o MST, não só atrapalham esses interesses como também configura-se como um movimento que tem habilidade para reagir e mobilizar outros que os contrariam. Conforme Souza (2002), o papel desse movimento é reconhecido internacionalmente “[...] como exemplo de resistência social às políticas econômicas e de desenvolvimento capitalista [...]” (SOUZA, 2002, p. 117). Outrossim, entendemos que parte das experiências acumuladas por esses Movimentos tem sido considerada na construção de uma política de educação para os camponeses, e transformadas em diretrizes oficiais pelo MEC/CNE. Aliás, a discussão concernente à Educação do Campo é resultado dessa capacidade dos movimentos sociais, de levar à frente os seus projetos educacionais, e conseguido institucionalizá-los, como mostram os estudos de Benjamim e Caldart (2000). O último aspecto que queremos abordar, ainda, diz respeito a uma reportagem especial da revista Veja – n. 1873, de 29.09.2004 –, em circulação alguns dias após a publicação da matéria sobre os perigos do MST ao país. Nessa edição, a revista destaca: “[...] a civilização do campo: quem são e como vivem os protagonistas da revolução do agronegócio brasileiro” (A CIVILIZAÇÃO..., 2004, p. 88-89). Nessa matéria, é dada toda uma ênfase positiva ao desenvolvimento produtivo e tecnológico do agronegócio, esse sim, um empreendimento legítimo, porque é do capital. 72 Diante desse embate político e ideológico, percebemos que a verdadeira civilização do campo – os camponeses – é ignorada pelo protótipo capitalista. Talvez, muitos dos que desfrutam dos lucros do agronegócio nunca conheceram ou pisaram no campo, senão para tirar e extrair dele o lucro. Em contrapartida, os pobres repatriados, como os Sem-Terra, Sem-Teto e tanto outros atores sociais excluídos do nosso e de outros países do mundo, continuam à procura do seu recôndito: Os Sem Terra estão por aí em cada canto do território brasileiro, clamando por terra para trabalhar no campo e para erguer suas moradias no campo e na cidade. Então perguntamos onde está a terra dos brasileiros? Não existe! Os oprimidos não têm terra nem pátria. Pela opressão, eles são universais. Em qualquer lugar do mundo, eles se assemelham e os afortunados possuem terras e moradias sofisticadas em tantos lugares, quanto o seu dinheiro possa comprar (SILVA, L. 2004, p. 84). As ambigüidades e as discrepâncias, a indiferença e as atitudes antidemocráticas de tantos governos brasileiros, bem como os artifícios e desdobramentos que foram atribuídos em favor do capital – latifúndio e agronegócio brasileiro –, para infamar a imagem dos movimentos sociais do campo e de tantos outros camponeses defensores dos seus direito à terra, ao trabalho, ao longo da história, não foram suficientes para esbarrar os seus ideais. Apesar de o governo atual não tratá-los com a mesma rigidez, e de o Presidente Luís Inácio Lula da Silva ter usado o boné vermelho do MST, não percebemos, ainda, uma proposta plausível, nem vontade política suficiente para promover a reforma agrária nos moldes propostos pelos movimentos sociais. Diante dessas evidências, percebemos que, no debate político sobre a reforma agrária, sobretudo a partir dos anos de 1990, desencadearam-se duas concepções que expressam interesses contrários. De um lado, o Estado atende aos grupos dominantes, reproduzindo e mantendo as bases histórico-políticas e, ao mesmo tempo, apoiando e fomentando o modelo de desenvolvimento econômico do campo, sob o prisma da modernização agrícola conservadora urbano-industrial e do agronegócio. Dessa forma, constatamos que, 73 No debate sobre o caráter da Reforma Agrária nos anos 90 foi majoritária a idéia de que esta política pública não era mais necessária do ponto de vista do desenvolvimento econômico do país. Por essa concepção, grandes produtores respondem às demandas do mercado. Nesta etapa, é caro capitalizar e tornar competitivos os pequenos agricultores beneficiários da Reforma Agrária (MOLINA, 2004, p. 65). Partindo desse pressuposto, os latifundiários e os agroindustriais entendem que a reforma agrária deve atender apenas a uma política social compensatória, tendo em vista que o país já conseguiu responder aos desafios impostos pelo mercado e pela produção no setor agrícola. Em contraposição a esses argumentos, a autora referenciada analisa que: A visão de Reforma Agrária como política social compensatória ignora que este desenvolvimento agrícola, considerado “eficiente”, só alcançou resultados porque o próprio Estado propôs, garantiu e viabilizou a entrada do capital no campo, transformando a agricultura em uma questão indissociada do sistema financeiro (MOLINA, 2004, p. 66-67). Assim entendidos, os interesses dos movimentos sociais e dos camponeses vão de encontro a esse modelo. Eles defendem que o Estado desenvolva uma política de reforma agrária, de cunho econômico-social, que gere impacto nos processos produtivos e redistributivos, que produzam mudanças estruturais. Propõem, dessa forma, que o Estado volte a sua atenção para um novo modelo de organização e de produção agrícola, com base na Agricultura Familiar. No entanto, essa proposição constitui-se em um desafio, tendo em vista que “A agricultura hoje é majoritariamente patronal por força de determinadas correlações políticas históricas. O que não significa que o modelo do agronegócio seja o único caminho para uma agricultura moderna (MOLINA, 2004, p. 69)”. Ademais, defende, ainda, que a Reforma Agrária pautada em modelo de Agricultura Familiar enseje a possibilidade de incluir os camponeses no espaço de seus direitos e de seus anseios como cidadãos. Nesse horizonte, 74 [...] uma mudança no modelo de desenvolvimento requer a reorientação das políticas públicas, com a readequação da importância do campo na elaboração de políticas macroeconômicas. Nesta estratégia, a Reforma Agrária ocupa papel nuclear, porque seria instrumento para estimular e desencadear o processo de aumento e geração de renda à imensa parcela da população brasileira que está à margem do processo de globalização. [...] (MOLINA, 2004, p. 70). Entendendo também que a reforma agrária depende de decisões políticas efetivas e de direitos plenamente assegurados, “[...] a reforma agrária começa a se apresentar hoje como uma luta pela transformação da própria sociedade brasileira para um outro sistema, onde o trabalhador não só trabalhe, mas também se aproprie dos frutos do seu trabalho” (SILVA, J. 2001, p. 106). Diante dessa discussão, podemos constatar que a última década do século XX e a atual, que vêm selando um projeto socioeconômico e político de cunho neoliberal em nosso país, tem proporcionado a retomada de princípios e de anseios por uma sociedade mais digna e mais justa para os sujeitos sociais, inclusive, do campo, a despeito da opressão, das tensões e das mortes no campo e nas cidades, decorrentes dos conflitos de terra e de outras formas de violência. Nesse cenário, destacamos a importância do embate dos movimentos sociais do campo que desencadearam uma luta organizada, exercendo pressão sobre as forças políticas, o que continua sendo imprescindível às conquistas logradas. Os movimentos sociais têm demonstrado a sua capacidade de organização e de luta político-ideológica, contrapondo-se aos interesses dominantes. Na pauta desse movimento, inserem-se as reivindicações pelo direito à educação, como já dissemos, traduzida no ideário Por uma Educação do Campo, construído em meio aos desencontros e descaminhos políticos da história brasileira, em particular, das últimas décadas. 75 2.3 – A política de educação específica à diversidade do campo A partir de 1997, por ocasião dos inúmeros seminários estaduais de educação do campo, bem como pela I Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, realizado, em 1998, em Luziânia/GO, sugeriu-se que a expressão educação rural fosse suprimida. Essa nova concepção de educação para o espaço e para os sujeitos do campo foi adotada para caracterizar a política educacional que os camponeses vislumbram, como projeto educativo e cultural. A expressão Por uma remete ao direito de pensar-se uma política voltada aos anseios dos camponeses, a qual assuma, “[...] de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente como ajuda efetiva no contexto específico de um novo projeto de desenvolvimento do campo” (KOLLING, 1999, p. 29). Atualmente, a oferta, na maior parte do país, concentra-se no Ensino Fundamental. O termo do Campo propõe substituir o usual meio rural para que seja resgatado o conceito e a importância do camponês. Kolling (1999, p. 29, grifo do autor) esclarece que: Este do campo tem sentido do pluralismo das idéias e das concepções pedagógicas: diz respeito à identidade dos grupos formadores da sociedade brasileira (conforme os artigos 206 e 216 da nossa Constituição). Não basta ter escolas no campo; quer-se ajudar a construir escolas do campo, ou seja, escolas com um projeto político-pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo. Dessa forma, temos uma política e projetos pedagógicos específicos para os sujeitos do campo e não para o meio rural. Estudos enfatizam que “[...] além de não reconhecer o povo do campo como sujeito da política e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeitá-lo a um tipo de educação domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos” (CALDART, 2002, p. 28), o que é reforçado e contextualizado nos estudos de Arroyo (1999); Benjamin e Caldart (2000) e Fernandes (1999). Para tanto, faz-se necessário que tenhamos todos os níveis de escolarização da Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos, além da 76 Educação Profissional em Nível Técnico e Universidades do Campo, como propõem os camponeses. No início desse século XXI, no âmbito da educação do campo, destacaram-se dois aspectos novos, resultantes das lutas e articulação nacional, construída pelos movimentos sociais, como o MST, a Federação de Trabalhadores da Agricultura, as Escolas de Famílias Agrícolas, dentre outros. Atento a essa tendência, o Estado brasileiro também passou a assumir algumas posições políticas, tais como apoiar e participar das discussões, e editar medidas, como o Parecer nº 36/2001, de 04 de dezembro de 2001. Após 500 anos de negação do camponês como sujeito da história e estes resistirem e alimentarem a esperança, o Conselho Nacional de Educação aprovou o relatório que dispunha sobre as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, com o objetivo de nortear as ações educacionais nesse setor. Com a Resolução 01/2002 do Conselho Nacional de Educação e da Câmara da Educação Básica – publicada no Diário Oficial da União, no dia 09 de abril de 2002 –, o MEC reconhece os anseios populares dos sujeitos do campo. Em virtude dessa medida que institucionaliza as Diretrizes para uma educação específica do campo, suas escolas ganharam mais atenção, ocupando mais espaço no debate político e pedagógico nacional. Essas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo são compostas por dezesseis artigos, e dispõem sobre as formas de organização e gestão dos sistemas de ensino – Estado e municípios – para as escolas do campo, nos níveis da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio na modalidade normal, respeitando a diversidade e a identidade dos camponeses. Nessa perspectiva, versam, ainda, as disposições sobre os projetos pedagógicos das escolas do campo, o currículo, o calendário escolar, a formação em nível superior dos professores e o financiamento da Educação do Campo, estabelecendo os princípios norteadores dessa política. Os estudos de Leite, Sérgio (2002) mostram que a atual LDB, que aborda esses mesmos aspectos de forma genérica, não particularizou esses princípios para a realidade do campo. Aprovadas as Diretrizes, a articulação nacional promoveu, em Brasília, o Seminário Nacional Por uma Educação Básica do Campo, entre os dias 26 e 29 de novembro de 2002 77 e 37discutiu a situação e as novas probabilidades dos povos do campo, no Brasil de hoje, frente aos avanços e às conquistas, resgatando experiências de políticas públicas que já vinham sendo implementadas em âmbito municipal, estadual e federal. Enfatizou, também, os desafios de efetivar as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Em 2003, os movimentos sociais, assim como as instituições empenhadas nessa política de educação do campo exigiram do MEC uma posição acerca das políticas públicas, inclusive a sua universalização para o setor, podendo ser referência para a operacionalização das Diretrizes. Ressaltamos, outrossim, que as discussões e a articulação em torno da educação do campo, bem como a persistência da articulação nacional, levaram o MEC a instituir um grupo permanente de trabalho com o objetivo de reunir a experiência acumulada dos movimentos sociais e das instâncias oficiais. O objetivo do grupo é discutir, definir e articular políticas que, efetivamente, atendam às necessidades educacionais e sirvam de instrumento para o desenvolvimento sustentável do campo. A despeito dessas iniciativas, sabemos que os problemas do campo perpassam a educação. Reunido em Brasília, em outubro de 2003, o grupo elaborou as Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo, divulgadas em um caderno de subsídios, publicado pelo MEC, em 2004. O seu conteúdo apresenta o perfil da educação do campo no país, bem como apresenta a realidade atual da educação nesse setor, fundamentado em dados oficiais, e propõe várias sugestões para a efetivação das Diretrizes. De 02 a 06 de agosto de 2004, realizou-se, mais uma vez, em Luziânia, no Estado do Goiás, a II Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, contando com um total de 1.100 participantes e a adesão de outros agentes e sujeitos educacionais, como a UNDIME. Vários debates foram realizados em torno de temas, como o cumprimento das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, os anseios e perspectivas para a efetivação dessa política nos Estados e municípios e as proposições para a sua plena efetivação. No mesmo ano, Molina e Jesus (2004) lançaram o quinto livro da coleção Por uma Educação do Campo, discutindo a construção de um projeto de educação do campo, voltado para as aspirações dos seus propositores. 37O evento contou com 372 participantes de 25 Estados e com a presença de várias organizações sociais. Dele também participaram “[...] representantes de diversas universidades do país, de Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e de outros órgãos públicos federais [...]” (KOLLING, CERIOLI e CALDART, 2002, p. 8). 78 As ações socioeconômicas e políticas de cunho neoliberal em nosso país, a partir da década de 1990, correspondeu, também, a um período de retomada dos princípios e dos anseios de segmentos organizados da sociedade por uma realidade mais digna e mais justa, sobretudo, para os que vivem no campo. Em função disso, entrou na pauta a discussão de uma política educacional que levasse em conta a diversidade, a identidade, os valores e as especificidades dos camponeses, pois, “[...] A vida no campo diferencia-se da urbana não só pelo espaço que ocupa geograficamente, mas principalmente pela ligação que as pessoas têm com a terra e seus frutos” (GENTILLE, 2002, p. 46). Não obstante, os sujeitos do campo têm sido estereotipados por um modelo econômico excludente e que irreleva a sua identidade e os seus direitos, dentre eles, o da educação. Essa realidade reflete nas condições de subsistência e trabalho, apesar de Ianni (2002) afirmar que a pequena produção ainda tem o seu espaço no campo. No que concerne à escola, identificamos que elas estão fechando e esvaziando-se. Nesse sentido, vale ressaltar os estudos de Arroyo (1999, p. 42): Só quando tem 20 alunos, abre-se uma escola. Nós temos que acabar com isso. Temos que acabar com esse critério, e exigir que seja garantido o direito à educação para todos, 10, 15, 4, 8, 6. Temos que inventar formas de garantir a educação como direito de cada ser humano. A problemática da educação do campo recoloca para os sistemas educacionais – União, Estados e os municípios – a necessidade de uma redefinição da educação no campo, envolvendo os sujeitos sociais e não uma educação para um campo, o qual a continuar assim, poderia resultar no desaparecimento dos sujeitos que ali vivem dependendo da terra. Ao discutirmos o atual movimento pedagógico do campo como parte de sua própria história, verificamos que, apesar das injustiças que ainda o norteiam, sobretudo no que diz respeito ao pertencimento e ao valor cultural que a terra tem para com os seus mais legítimos donos – os sujeitos do campo –, registram-se avanços nesse particular, ainda que não se apresentem com a visibilidade suficiente para superar o que ocorre em termos de injustiças. Os movimentos sociais têm a sua luta própria e de caráter revolucionário, mas foi, talvez, a aliança com outros agentes e instituições que os oportunizou a entrar na pauta 79 oficial de discussões, reclamando uma possibilidade de educação que atenda às particularidades dos camponeses. Por isso, pensar a educação do campo nos sistemas oficiais tornou-se, nesse momento, um propósito que se insere em uma discussão dialética, como já afirmamos em estudos anteriores (AZEVEDO, 2004) e recentes (AZEVEDO e QUEIROZ, 2006). Os organismos internacionais que exercem influência sobre as políticas de educação, certamente não terão nenhum interesse em fomentar uma política de educação do campo nesses moldes, uma vez que a sua ideologia é incompatível com a que fundamenta as Diretrizes da educação do campo, tal como ressaltam os estudos de Benjamin (2000); Maia (2003); Molina (2004). O marco das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, resultado de uma articulação nacional, consolida-se cada vez mais e, aos poucos, a discussão vai ganhando contornos nos Estados e, ainda vagamente, nos municípios, por meio de eventos articulados tanto por movimentos sociais quanto pelo atual governo. A cada evento em torno dessa discussão, identificamos a adesão de novos sujeitos e agentes do campo, de instituições governamentais e não- governamentais, nacionais e internacionais. 80 CAPÍTULO 3 - JARDIM DE PIRANHAS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO RIO GRANDE DO NORTE 3.1 - O Estado do Rio Grande do Norte e a política de Educação do Campo O modelo de educação desenvolvido no Estado do Rio Grande do Norte, em particular no campo, a partir dos anos de 1970, está vinculado aos moldes das políticas incrementadas e “[...] marcada pela consolidação de medidas legais em todos os níveis de ensino, onde se destaca a Lei 5692/71 de ensino de 1º e 2º graus” (QUEIROZ, M. 1984, p. 1). Os programas destinados ao campo funcionam como estratégia político-ideológica, quando o Estado civil-militar buscava a hegemonia nas Regiões mais pobres do país (Norte e Nordeste). Discutindo a negação do direito à educação aos sujeitos pobres do campo, e sobre uma escola com a sua identidade, Queiroz, M. (1984, p. 36) mostra que, [...] em todos os casos, não se têm notícias de que tenham surgido por iniciativa dos trabalhadores. E, menos ainda, que estes tenham decidido sobre as finalidades desta escola e sobre o seu significado para a população trabalhadora rural. [...] Analisando esta situação, pode-se verificar que historicamente a educação rural no Brasil se situa no interior do aparelho estatal [...]. Ressaltamos, pois, que na década de 1970, houve uma maior ênfase à educação no campo, tendo em vista a necessidade de os camponeses adaptarem-se à emergente modernização e às novas formas de produção, bem como para conter a migração campo/cidade, por meio de ações e programas de assistência técnica. “Esta perspectiva da educação rural consolida-se, em nível nacional e estadual, a partir de 1975, com o Programa de Assistência Educacional aos Municípios (PROMUNICÍPIO)” (QUEIROZ, M. 1984, p. 39), articulando as iniciativas – de organização da educação e no campo pedagógico – entre os governos Federal e Municipal. 81 Ainda nesse contexto, estudos do MEC/UNESCO sobre a Região do Seridó mostram a necessidade de atribuir-se à educação no campo, determinadas particularidades. Esses estudos tinham o objetivo de caracterizar a educação no meio rural da Região Nordeste, subsidiando, assim, a implantação e a operacionalização de projetos para o setor tal como consolidou-se o projeto de Educação Rural para o Nordeste/EDURURAL/NE. No que se refere, ainda, à reorganização da política educacional do país, sob o signo do fisiologismo, os planos incrementados pelo Estado estão submissos às exigências dos organismos internacionais – sobretudo o Banco Mundial – conforme mostram os estudos de Torres (2003), os quais, do ponto de vista técnico e financeiro, exigiam mudanças na política econômica e, conseqüentemente, nas políticas educacionais do país. Observa-se, assim, uma nova fase, na qual se estabelecem prioridades ao desenvolvimento regional, movidas, inclusive, pela educação no campo. No caso do Nordeste, identificam-se estratégias de mudanças no âmbito da Educação no campo, como o Pólo Nordeste, um programa de ações socioeconômicas integradas e o EDURURAL, cujas metas consistiam na “[...] expansão das oportunidades educacionais e a melhoria das condições de educação no meio rural do Nordeste, bem como o fortalecimento do processo de planejamento e administração educacionais” (QUEIROZ, M. 1998, p. 13). Diante da precária situação socioeconômica das famílias rurais no período de desenvolvimento do EDURURAL/NE, impedia-se que as crianças freqüentassem a escola, pelas condições irrisórias de sobrevivência que impunham às famílias colocá-las para trabalhar. Ademais, os municípios não tinham estrutura nem condições financeiras para atender à demanda escolar. A educação no campo padecia, mais ainda do que atualmente, com as caóticas condições físicas, burocrático-administrativas e pedagógicas. Os ambientes escolares eram improvisados, atípicos a um espaço escolar que requer condições pedagógicas adequadas ao funcionamento de uma escola. Estudos de Azevedo (2004), dentre outros, ressaltam que, em Jardim de Piranhas/RN, assim como em outras partes deste país, muitos locais, como casas de família, armazéns, garagens, “latadas” e até debaixo de árvores são intitulados escolas ou salas de aula. Quanto aos prédios escolares, na década de 1970, prevaleciam os grupos escolares, construídos por volta de 1930 e 1940. Segundo Queiroz, M. (1998, p. 6), “mantiveram-se aqueles com uma única sala de aula e um professor para atender a uma ou mais séries no mesmo horário (classes multiseriadas)”. Os estudos da autora mostram, ainda, que, até por 82 volta dos anos de 1970 e 1980, este modelo de escola prevalecia como a modalidade mais comum às escolas no campo. Na verdade, esse quadro não foi ainda alterado de modo significativo. A organização dessas escolas, conforme o Censo Escolar de 2002, mostra que “64% daquelas que oferecem o Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries são formadas, exclusivamente, por turmas multisseriadas ou unidocentes” (BRASIL, 2004, p. 21), sendo que a média nacional é de 27 alunos por turma. As demais condições de funcionamento dessas escolas, na realidade, permanecem praticamente as mesmas, isto é, atualmente, 94% das escolas rurais têm menos que cinco salas de aula, e oferecem, quase que exclusivamente, o Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série (BRASIL, 2004). Vale ressaltar que essas condições perduram, também, nas escolas rurais da Região do Seridó e, de modo particular, em Jardim de Piranhas/RN, onde as escolas não ultrapassam duas salas de aula. As escolas mantidas pela Secretaria Estadual de Educação ainda funcionam no modelo de Escolas Isoladas, traduzindo, assim, o isolamento que prevalece na real conjuntura da educação no campo, mantida pelos órgãos oficiais. Retratando essa situação da educação no campo, especificamente no Nordeste, nas décadas de 1970 e 198038, Queiroz, M. (1997, p. 22) acrescenta que, [...] As normas, os conteúdos curriculares, a avaliação do rendimento escolar, bem como o material de ensino e de aprendizagem – livros e manuais didáticos – não consideravam os aspectos gerais ou específicos dessa realidade na vida dos alunos. Os conteúdos educacionais estavam, predominantemente, direcionados à realidade da vida urbana. Tal fato não somente desvalorizava a vida rural, como também estimulava a migração rural para os centros urbanos. 38A década de 1980 inseriu a educação no campo em mais um projeto originado dos agentes externos, com a pretensão de superar as contradições socioeconômicas e educacionais da Região Nordeste. Aludimos ao Projeto Nordeste que pretendia “[...] ser uma ampla estratégia de desenvolvimento regional, concebida pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial [...]” (CABRAL NETO, 1997, p. 13). Esse projeto, como já foi dito, redimensionaria as ações e os programas em exercício para o desenvolvimento da Região Nordeste. Elaborado e coordenado pela SUDENE, esse projeto vislumbrava elaborar alternativas políticas para a Região, imprimindo novas estratégias do governo no campo, por meio da implantação e da efetivação de programas especiais e setoriais de desenvolvimento regional. Objetivava, ainda, viabilizar mecanismos de desenvolvimento para o campo, apoiando, também, por meio de programas, o pequeno produtor rural em diferentes níveis do aparelho estatal. Mais uma vez, essa prática não correspondia ao previsto nos esboços e nas linhas do referido Projeto. No caso do Estado do Rio Grande do Norte, houve uma distância significativa entre a elaboração da proposta educacional, feita pela Secretaria Estadual de Educação e a sua exeqüibilidade, conforme mostra Cabral Neto (1997). 83 Essa realidade também continua predominando na atualidade, apesar de a LDB (Lei n. 9.394/96) prever mudanças nesse universo da educação. Sabemos, pois, que a escola do campo reflete as diretrizes didático-pedagógicas da escola urbana, sendo a ela subalterna, quando se trata da estrutura e do funcionamento das redes de ensino municipal e estadual, sobretudo pessoal docente e de apoio. Naquele período, não identificamos um esforço político que consolidasse um modelo de educação condizente com os sujeitos do campo. Na época, tal como hoje, o governo enfatizava os interesses do capital, prevalecendo as forças políticas de sustentação ao regime civil-militar. Quaisquer reivindicações ou movimentos contrários a esses interesses eram rigidamente ofuscados, ao contrário do que acontece hoje, com a forte presença político-ideológica dos movimentos sociais, como mostram os estudos de Leher (2002); Menezes Neto (2005); Oliveira, A. (1999); e Souza (2002). Naquela ocasião, A proposta de Educação elaborada para a zona rural do Rio Grande do Norte, na primeira fase de negociação do Segmento Educação do Projeto Nordeste, no que se refere à gestão democrática, não teve desdobramentos práticos. Serviu, em essência, para alimentar um debate entre a cúpula dos técnicos da SEC sobre a democratização. Ademais, a proposta de gestão democrática nela contida se constituiu, na verdade, num discurso sobre gestão, elaborado de forma autoritária na medida em que não envolveu uma discussão com as bases do sistema educacional e nem houve uma demanda dos atores solicitando esse tipo de gestão (CABRAL NETO, 1997, p. 189). Conforme essa literatura estudada, naquele contexto, nenhuma ação política de educação no Estado do Rio Grande do Norte, voltou-se, diretamente, para os interesses dos sujeitos do campo. A década de 1980 foi, assim, considerada uma década em que as propostas de educação para o campo consistiram em projetos experimentais, portanto, tal como os atuais, focalizados na pobreza do Norte e Nordeste do Brasil e com duração transitória. Segundo Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 285) no período anterior à Carta Constitucional (1988), observa-se “[...] a inexistência de uma política nacional de Educação integrada e articulada”, tal qual ocorreu com os programas e projetos que não se configuravam como uma política nacional de educação para o campo. Nos anos de 1990, portanto, no Estado do Rio Grande do Norte, desenvolveu-se sob os auspícios do Projeto Nordeste um projeto-piloto em escolas rurais multiseriadas, 84 intitulado de Programa Escola Ativa39. Em 1999, o Programa passou a ser coordenado pelo FUNDESCOLA, por meio de uma coordenação estadual, sediada na Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desporto. De acordo com os estudos de Mariz (2005, p. 30), “[...] O Escola Ativa surgiu como resposta aos persistentes problemas da ineficiência interna e baixa qualidade da educação, oferecida em escolas situadas em áreas rurais”. Centrada no aluno, essa metodologia propõe um processo de ensino-aprendizagem diretamente relacionado à vida dos estudantes, cuja efetividade requer que as escolas sejam adaptadas física e pedagogicamente. Dentre as suas peculiaridades, destacam-se os cantinhos e os guias de aprendizagem, e a gestão estudantil40. A operacionalização desse Programa, no Brasil, iniciou em 1997, e, no RN, foi criado em quinze escolas, escolhidas, à época, para desenvolver o Programa, duas das quais estão localizadas em Caicó e Currais Novos. Atualmente, o Programa Escola Ativa está presente em 36 municípios desse Estado, efetivando-se em 195 estabelecimentos de ensino do campo, atendendo a um total de 6.612 alunos de turmas multiseriadas. Desse total, 13 municípios pertencem à Região do Seridó, compreendendo 62 escolas41 e 1.444 matrículas. Para a sua efetivação, os técnicos do Programa capacitam os coordenadores pedagógicos nos municípios contemplados, a fim de sistematizar a metodologia nas turmas multiseriadas. A partir de 2001, o FUNDESCOLA transferiu para os municípios a responsabilidade de efetivação do Programa, o que foi intitulado de “expansão autônoma”. Nessa perspectiva, permanecia como responsabilidade do FUNDESCOLA somente o monitoramento do Programa, a capacitação dos técnicos (coordenadores pedagógicos) e o fornecimento dos manuais metodológicos. Os recursos para a adaptação física das escolas, 39 As informações foram prestadas por Glauciane Pinheiro Andrade, coordenadora do Programa Escola Ativa no Estado do Rio Grande do Norte. Em conversa informal, ocorrida no dia 28 de novembro de 2005, anotamos e registramos por escrito alguns dados, sistematizados neste trabalho. O Programa desenvolve uma metodologia pautada na Pedagogia da Escola Nova, inspirada nos Centros de Interesse, de Ovide Decroly, operacionalizando um sistema integrado de estratégias curriculares, comunitárias, de capacitação de professores e de administração escolar, atendendo, dessa forma, aos anos iniciais do Ensino Fundamental. 40 Conforme os estudos de Adurramán et all (2004), os guias de aprendizagem levam em consideração fatores importantes que promovem melhor a aprendizagem quanto à utilização de textos e livros didáticos, a interação dos alunos e a dinamização quanto a outros recursos de aprendizagem. Os cantinhos de aprendizagem são espaços estabelecidos na sala de aula para cada matéria básica do plano de aulas, nos quais os alunos encontram materiais didáticos sugeridos pelos módulos e pelo professor para desenvolver atividades que envolvem a manipulação, a observação e a comparação de objetos ou a realização de experimentos, prática ou pesquisa. A gestão estudantil é uma estratégia curricular, desenvolvida pelo Escola Ativa, que objetiva favorecer o desenvolvimento afetivo, social e moral dos alunos por meio de situações vivenciais, como a eleição do governo estudantil, levando-os a cooperar e participar, democraticamente, na co-gestão da escola. 41 O Programa não atende às escolas do campo, em Jardim de Piranhas/RN. 85 a capacitação dos professores e a aquisição dos kits pedagógicos, a fim de montar os cantinhos de aprendizagem, ficaram sob a responsabilidade dos municípios. Uma vez que o Programa Escola Ativa não está presente em todos os municípios do Estado do Rio Grande do Norte, atendendo apenas às escolas dos municípios onde se operacionaliza, sua representatividade é limitada. Identificamos que, dos 2.31242 estabelecimentos de ensino do Estado, presentes no campo, apenas 195 desses operacionalizam o Escola Ativa, o que corresponde a 8,4% de escolas atendidas. Outra limitação reside no fato de a metodologia atender apenas aos estudantes do primeiro segmento do Ensino Fundamental e não dá continuidade aos demais, tendo, pois, o caráter de um experimento e não de uma efetiva metodologia específica para a educação do campo. Apesar de ter uma coordenação funcionando na sede da Secretaria Estadual de Educação, o Programa não se vincula ao sistema estadual de educação, mas, diretamente à coordenação estadual do FUNDESCOLA. Assim como o Escola Ativa, outras iniciativas e ações de cunho educacional e com o mesmo caráter são desenvolvidas no meio rural do Rio Grande do Norte. Alguns municípios, como Caicó e Mossoró, implantaram a nucleação em escolas rurais do Ensino Fundamental. A nucleação objetiva unir as escolas isoladas, formando, assim, escolas- núcleo, e visa também melhorar a sua infra-estrutura. Nesse processo, é imprescindível que os gestores e coordenadores pedagógicos disponham de condições para visitar, periodicamente, as escolas-núcleo, a fim de acompanhar o processo de ensino-aprendizagem; e que os alunos tenham acesso aos transportes escolares para dirigirem-se a essas escolas. Estudos de Bencini (2005) ressaltam que a garantia do transporte escolar e a aprovação da comunidade são fatores imprescindíveis para o êxito da nucleação. Projetos como o PRONERA também são desenvolvidos em nosso Estado. Coordenado pelo INCRA, O PRONERA é executado mediante uma ampla articulação interinstitucional, que envolve Estado, universidades e movimentos sociais. O objetivo geral do Pronera é fortalecer a educação nos assentamentos, estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias específicas para o campo. O Pronera tem como essência a preocupação de capacitação dos membros das próprias comunidades onde serão desenvolvidos os projetos, na perspectiva de que sua execução seja um 42 Dados fornecidos pelo setor de estatísticas da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desporto. 86 elemento estratégico na promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável (BRASIL, 2004, p. 34). Instituições como a UFRN e a UERN são referências quanto à exeqüibilidade de projetos dentro do PRONERA, junto às áreas de assentamentos de reforma agrária. Ainda em âmbito estatal, a EMATER, que completou meia década em 2005, desenvolve serviços de assistência técnica e extensão rural43. O Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural surgiu, no Rio Grande do Norte, em 27 de julho de 1955 e, bem diferente de suas aspirações iniciais, tem hoje a missão de promover o agronegócio e o bem-estar da sociedade, “[...] com foco no agricultor familiar, através do serviço de assistência técnica e extensão rural pública com qualidade, para o desenvolvimento sustentável” (MACEDO, 2006, p. 1). Dentre os projetos desenvolvidos, atualmente, pela EMATER/RN, está o de alfabetização de jovens e adultos que objetiva promover a cidadania do homem rural. De igual modo, a Secretaria Estadual de Assuntos Fundiários e Apoio à Reforma Agrária desenvolve, em vários municípios do Estado, o Projeto de Leitura Arca das Letras, objetivando desenvolver a competência leitora dos alunos das escolas do campo. Trata-se, pois, de um baú (arca) itinerante de livros de literatura infanto-juvenil, e percorrem as escolas do campo, realizando atividades, como oficinas de leitura. Esse projeto é importante porque oferece às crianças e aos jovens a oportunidade de ter acesso ao “mundo da leitura”, com a possibilidade de criar e recriar histórias, sobretudo, das suas vidas, do seu lugar. Nesse particular, ressaltamos que o número de bibliotecas em escolas do campo é insignificante. No Brasil, apenas 4,7% das escolas do Ensino Fundamental (I segmento) dispõem de biblioteca. Na Região Nordeste, esse percentual cai para 1,9%. Em nosso Estado, não existem bibliotecas públicas para as escolas do primeiro segmento do Ensino Fundamental. Os movimentos sociais e sindicais do campo, como a FETARN e o MST, também desenvolvem projetos e programas voltados para a educação do campo na esfera estadual. Este último, inclusive, desenvolve a experiência da Pedagogia da Terra, um curso em nível 43 Os estudos de Queda; Szmrecsányi (1976, p. 219) mostram que o extensionismo rural tem as suas origens nos Estados Unidos da América, no começo do século XX. A partir de 1938, essa experiência viabilizou-se nos países subdesenvolvidos, especificamente, os da América Latina, a fim de ajudá-los economicamente. No Brasil, o movimento extensionista surgiu como uma “reação ao malogro da educação rural, tendo sido definido pelos seus idealizadores como um processo de educação extra-escolar”. Na mesma perspectiva, Leite, Sérgio (2002, p. 33) ressalta que a extensão rural no Brasil pretendeu, em suas origens, combater as carências, subnutrições e doenças, bem como “[...] aqueles que integravam a sociedade rural, classificados como desprovidos de valores, de sistematização de trabalho ou mesmo de tarefas socialmente significativas”. 87 superior, ministrado por instituições de ensino superior, como a UFRN, destinado aos assentados. Sabemos que existe hoje uma vasta mobilização social e política, sobretudo por parte dos movimentos sociais, que conclamam e põem em prática diversas experiências de educação do campo. Essas e outras iniciativas fazem parte das atividades que devem consolidar uma política coesa de educação do campo, prevista nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Apesar de essas Diretrizes terem sido aprovadas em 2002, somente em abril de 2005, o nosso Estado realizou o 1º Seminário Estadual de Educação e Diversidade do Campo44, evento promovido pelo MEC/SECAD em todo o país, desde a aprovação dessas Diretrizes. Como já foi dito, o Seminário foi coordenado pela SECAD, criada pelo governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva para discutir, articular e executar, dentre outras tarefas, a política de Educação do Campo. Nos debates, Munarim (2005), coordenador da SECAD, discutiu as políticas do MEC para a Educação do Campo e, na ocasião, dois pontos de sua fala nos chamaram a atenção. O debate foi sustentado em três eixos: o primeiro consiste na necessidade de os sistemas oficiais de educação (estadual e municipal) se articularem com os movimentos sociais, tendo em vista a experiência desses movimentos no campo educacional. Em nosso entendimento, essa proposição respaldaria o político-pedagógico para se construir uma educação próxima à identidade dos camponeses. Contudo, no segundo ponto de seu discurso, ficou entendido que os municípios devem incorporar e protagonizar a exeqüibilidade dessa proposta, pois “Há um grande chamado para que os municípios assumam a política” (MUNARIM, 2005). Nesse particular, fica a grande incógnita sobre quais as bases para os municípios efetivamente abraçarem essa causa política, em educação. O segundo eixo da discussão foi apresentado por Soares (2005), relatora do parecer que culminou nas Diretrizes Operacionais do Campo, acentuando-se que, naquela ocasião, foram definidas as bases para a construção de uma política Nacional de Educação do 44 O Seminário aconteceu no período de 27 a 29 de abril de 2005, em Natal, capital do Estado, contando com a participação de representantes dos movimentos sociais e sindicais do campo, secretários municipais de educação, representantes da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desporto, representantes de diversos órgãos estatais e não-governamentais vinculados às questões do campo, membros de instituições de ensino superior, como a UFRN e a UERN, representantes SINTE/RN, Igreja Católica, dentre outros. 88 Campo. No terceiro e último eixo, Carvalho45(2005) ressaltou os desafios para a efetivação dessas Diretrizes, seguindo-se à apresentação de experiências de educação do campo, no Estado, como o Programa Escola Ativa, a nucleação, dentre outros já mencionados por nós. Discutiu-se, ainda, em grupos temáticos, as perspectivas para a construção e operacionalização dessa política no RN. Como resultado dos trabalhos desses grupos, sistematizou-se, na plenária final, a Carta do Rio Grande do Norte para a Educação do Campo, também conhecida como a Carta de Natal46. Assim sendo, [...] o resultado dos trabalhos desenvolvidos no I Seminário Estadual de Educação do Campo do Rio Grande do Norte, o evento teve como objetivo principal a sensibilização dos Gestores públicos para a implementação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo, além do mapeamento das demandas específicas do Estado e dos Municípios e a socialização das experiências locais desenvolvidas pelo Governo Estadual, Governos Municipais, organizações não- governamentais e movimentos sociais [...] (BRASIL, 2005, p. 1). Essa Carta de Intenções, como também ficou conhecida, foi assinada pelo Secretário de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, à época, Wober Lopes Pinheiro Júnior, e pelo coordenador da SECAD e representante do MEC, Antônio Munarim. Ainda com relação aos desdobramentos do Seminário, foi criado o Comitê Executivo, ou Comitê Gestor de Educação do Campo, sendo composto por representantes da SECD, CEE, UERN, UFRN, FETARN, FETRAF, MLST, MST, Arquidiocese de Natal, UNDIME, CUT, CEFET, INCRA, SEARA, EMATER, Escola Agrícola de Jundiaí, UFERSA, FUNASA, IBAMA, MEC, TV ESCOLA e pela Secretaria Municipal de Educação do município do Natal. Atualmente, os trabalhos do Comitê Gestor de Educação do Campo no Rio Grande do Norte concentrou as suas atenções para a elaboração e a aprovação do seu regimento interno, bem como à formulação de propostas de projetos junto ao FNDE, para a educação do campo. 45 Representante do Fórum Estadual do Campo, do Estado da Bahia, e integrante do Grupo Permanente do MEC, que discute a política para esse setor. 46 Essa Carta trata da Agenda e da efetivação da política de Educação do Campo no RN. Nela, apresentam-se encaminhamentos sobre o financiamento para a educação do campo, universalização do acesso, construção da política nacional e criação de conselhos de educação do campo. 89 Por demais, providenciou também, logo após a realização do Seminário, as propostas de construção dessa política para ser implementada ao Plano Estadual de Educação, em processo de tramitação na Assembléia Legislativa. A política de Educação do Campo, também em discussão no RN consiste, ao nosso ver, em um desafio, mas, acima de tudo, na conquista de um desejo popular dos que pertencem ao campo. O que vem ocorrendo nessa realidade nos faz aludir aos estudos de Caldart (2002, p. 28), quando comenta que: Todas as Universidades, Secretarias de Educação e demais Entidades e pessoas que estão participando ou apoiando esta nossa articulação por uma educação do campo reconhecem (devem reconhecer) o povo do campo como sujeito das ações e não apenas sujeitos às ações de educação, de desenvolvimento [...]. Historicamente, a concepção dominante da educação para os segmentos pobres da população que vive no campo no Brasil e no Estado do Rio Grande do Norte os tem distanciado das definições políticas, isto é, da possibilidade de pensar na sua própria história, de vislumbrar com uma identidade cultural e pedagógica. A educação do campo tem sido uma utopia como política, mas vislumbra como embrionário, o fato que acontece em alguns lugares, podendo fecundar-se como realidade. Aos poucos, a discussão está sendo posta e, nesse sentido, as vozes de muitos atores – organizações e pessoas – e instituições estão articuladas. Assim, a Educação do Campo parece assumir novas perspectivas, podendo apresentar-se como proposta de uma política nacional. 3.2 – Um município e seus traços na história: entre o campo e a cidade, à enxada e o tear A história do município de Jardim de Piranhas/RN está associada ao contexto histórico da Região do Seridó, isto é, envolvida por lendas e mitos que enriquecem os costumes, as crenças, os valores, alimentando as tradições, ou seja, as culturas. Conforme Araújo, Sales e Macário (1994), “[...] os seus primeiros fundamentos de colonização 90 ocorreram no século XVIII e a primeira proprietária de terrenos na área que hoje constitui o município era Margarida Cardoso”47. Dessa forma, a origem do município está ligada aos fatores agrários, cujas bases são evidentes, considerando-se tanto os hábitos nas culturas e os costumes do campo, quanto na vida urbana, onde o seridoense delas é parte. Esses traços que estão associados à cultura de subsistência da agropecuária, ainda são predominantes em Jardim de Piranhas/RN, onde os limites entre o campo e a cidade, em alguns lugares, são quase imperceptíveis. Isso também é comum em outras áreas do Rio Grande do Norte, conforme mostram os estudos de Silva, A. (1999), pelo fato de, na Região Nordeste, o Estado ter o maior número de pequenos municípios “[...] com população de até 20 mil habitantes, totalizando 86,2% [...]” (SILVA, A. 1999, p. 4). O nome do município faz uma alusão ao Rio Piranhas, um dos principais do Estado. Jardim de Piranhas48-RN foi criado pela Lei estadual nº 146, de 23 de dezembro de 1948. A sua instalação ocorreu no dia 1º de janeiro do ano seguinte. Antes, porém, era um distrito do município de Caicó/RN. Localiza-se na Mesorregião do Oeste Potiguar e na Microrregião do Seridó Ocidental, a uma distância de 315 Km de Natal, capital do Estado. Segundo o último censo do ano 2000 (IBGE), tem uma população composta por 11.991 habitantes e, tal como em muitos outros 75% vivem no meio urbano e 25% no campo. Essa realidade já foi diferente. Conforme Araújo, Sales e Macário (1994) ressaltam, na década de 1970, havia 2.430 domicílios na zona urbana e 5.480 no campo, ou seja, 69,27% dos domicílios situavam-se no meio rural e apenas 30,73% na zona urbana. Em 1980 o total de domicílios do meio rural (4.809) ainda superava o da zona urbana (3.692). A população do município era de 8.501 habitantes, sendo 57% rural e 42% urbana. Nas décadas de 1960 e 1970, vários acontecimentos marcaram a história e a organização sócio-administrativa de Jardim de Piranhas: inaugurou-se o serviço de fornecimento de energia elétrica, por meio da CHESF, muito embora atualmente ainda 47 Em conversa informal com Alcimar Araújo, um dos autores do livro “Jardim de Piranhas-RN: ontem e hoje”, nos informamos de que há indícios de que Margarida Cardoso não foi a primeira proprietária das terras jardinenses. Tal informação será oficializada na republicação da obra, prevista para o ano de 2006 ou 2007. 48 Os seus limites estão assim definidos: ao Norte, pelos municípios de Jucurutu-RN e São Fernando-RN; ao Sul, com os municípios de Serra Negra do Norte-RN e São Bento-PB; ao Leste, Com São Fernando e o município de Timbaúba dos Batistas-RN; e a Oeste, com os municípios de Brejo do Cruz-PB e São Bento- PB. O município está ligado às malhas rodoviárias do ordenamento estadual e federal, sendo uma das mais importantes, a RN 288 e encontra-se na divisa com o Estado da Paraíba. A sua hidrografia caracteriza-se por rios e riachos intermitentes, com exceção do rio Piranhas, que é perene. Apesar de ter o rio Piranhas como um manancial por excelência, inúmeros açudes, de pequeno, médio e grande porte, fazem do município, a exemplo da Região do Seridó, a maior bacia açudífera da América Latina. O clima é megatérmico e semi- árido. O total anual de chuvas gira em torno de 700 a 900mm. 91 existam determinadas partes do município que não dispõem do serviço49; a primeira mulher a assumir o cargo de prefeita - Daura Saldanha da Cruz – (governando de 31 de março de 1969 a 30 de janeiro de 1973); criação das primeiras Escolas Municipais da cidade, a Marinheiro Saldanha (Ensino Fundamental – I segmento) e a Monsenhor Walfredo Gurgel, que hoje atende exclusivamente ao Ensino Fundamental II, reunindo os alunos da cidade e do campo. Inaugurou-se, ainda, a Escola Municipal Amaro Cavalcante, que atendia ao 2º grau, hoje Ensino Médio. Em 1998, essa escola foi incorporada à rede estadual de ensino, conforme o Decreto nº 14.060, de 14 de julho de 1998 (ANEXO A), muito embora permanecesse funcionando no prédio municipal. Atualmente, o Ensino Médio é oferecido nessa escola e em uma outra estrutura, construída pelo governo do Estado, em 2002. Sobre os aspectos econômicos, o município foi originariamente marcado pelo cultivo da terra, sob as práticas agropecuárias. Associado ao domínio de terras da Igreja, as terras da Santa, como já foi dito, foram se concentrando também inúmeras propriedades de cunho privado, onde os fazendeiros monopolizavam a sua ocupação, exploração e controle do cultivo e de criação de gados. A maior parte dos moradores do campo não possuem as próprias terras e ficam dependendo dos fazendeiros para poderem trabalhar. Esse processo encontra eco nos estudos de Stavenhagen (1976) e Tonelli (2004), quando discutem os aspectos políticos e econômicos da propriedade privada da terra e da concentração de terras. Nesse contexto, disseminou-se, no município, três segmentos do processo socioeconômico: o dos fazendeiros, dos arrendatários ou meeiros e dos trabalhadores rurais assalariados ou trabalhadores da enxada, a exemplo do que mostram os estudos de Diegues Junior (1976). Essa divisão social do trabalho no campo perdura até os dias atuais, sobretudo na pequena produção, e continua sendo relevante no contexto da vida socioeconômica do mundo agrário, como mostram os estudos de Ianni (2002). Apesar da atividade agropecuária ter um forte traço, o município vem desenvolvendo também a atividade têxtil, que se constituiu na base econômica predominante, inclusive no campo, no conjunto das atividades não-agrícolas50, como 49 Duas escolas situadas no campo, em Jardim de Piranhas/RN ainda não têm energia elétrica: Unidades de Ensino Marechal Castelo Branco, no sítio Góis; e Maria Donina Maia, no Panorama; “. 50 É muito comum, no município, que o trabalho da enxada seja desenvolvido juntamente com atividades terceirizadas da indústria têxtil local. É comum, ainda, que os agricultores conciliem as duas atividades. Durante a semana trabalham no tear e, aos sábados e domingos, na enxada, em seus roçados. 92 descrevem os estudos de Silva, A. (2005). A história da indústria têxtil51 de Jardim de Piranhas está ligada à cidade de São Bento, na Paraíba, que comporta um dos maiores parques industriais têxteis daquele Estado. No início da década de 1980, surgiram os primeiros teares mecânicos, advindos de fábricas da Região Sudeste do país, que os vendiam porque se tornavam obsoletos na produção e na tecnologia. O processo de produção têxtil local foi aperfeiçoando-se, gerando emprego e renda, provocando, inclusive, a migração de inúmeras famílias do campo para a cidade. Nesse particular, os estudos de Campos (2001, p. 160) mostram que, Na medida em que as atividades ligadas à agricultura foram inviabilizadas e desenvolveu-se na cidade, “a indústria da rede”, tanto os antigos moradores dos sítios ou pequenas fazendas, parceiros e meeiros, transferiram-se para a zona urbana, quanto residentes de cidades próximas [...] mudaram-se para Jardim de Piranhas, acarretando significativas modificações no tecido social, no interior do núcleo familiar, na estrutura do trabalho [...]. Além da migração campo-cidade52, a consolidação da indústria têxtil53, em Jardim de Piranhas/RN, atraiu dezenas de famílias de outros municípios do próprio Estado do Rio Grande do Norte, dentre outros, contribuindo para o aumento de 14% da população, como mostram os estudos de Faustino (2002). Quanto à organização das fábricas, a maioria instala-se nos quintais das residências dos seus proprietários, o que reforça a informalidade do setor. Muitas empresas atuam informalmente, os trabalhadores não têm os seus direitos respeitados, sujeitando-se a jornadas excessivas de trabalho, sem que sejam utilizados os devidos equipamentos de segurança do trabalho. 51 Segundo os estudos de Araújo, Sales e Macário (1994), os primeiros teares instalados no município datam de 1945. Muitos desses teares funcionavam no meio rural, sob condições rudimentares. Nessa perspectiva, os estudos de Oliveira, F. (1998, p. 10) mostram que os teares, as espuladeiras, as urdideiras e meadeiras – instrumentos utilizados para a fabricação dos produtos têxteis – eram “[...] todos de madeira e movidos à mão ou pé humano, eram confecionados na própria localidade”. 52 Para Campos (2002), essa migração também ocorreu em face da concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, o que precarizou as condições de subsistência e trabalho no campo, levando muitos trabalhadores da enxada a substituir essa ferramenta pelas atividades da indústria têxtil. 53 A partir do final dos anos de 1980 e início de 1990, os teares mecânicos e outras máquinas começaram a ser substituídas por máquinas automáticas, como ressaltam os estudos de Oliveira, O. (1990), o que diversificou, ainda mais, a produção e a variedade de produtos têxteis e o surgimento de inúmeras fábricas. No entanto, esse crescimento ocorreu de forma desordenada e contraditória. Apesar de a indústria movimentar mais de 2 milhões de reais por mês, não existe agência bancária no município, obrigando os empregadores a recorrer às cidades circunvizinhas, como Caicó/RN e São Bento/PB. 93 O município não dispõe de um sistema de tratamento de esgoto nem de saneamento básico54, isto é, todos os dejetos das fábricas, que contêm produtos químicos, como cloro, tinta e outras substâncias, escoam livremente pelas ruas e vão diretamente para o rio. Estudos, como os de Faustino (2002), revelam que mais de 100 toneladas de cloro são jogadas nas ruas todos os meses. Ademais, metais pesados, como o mercúrio já foram identificados na água do rio, o que pode provocar altos índices de doenças, como o câncer, tendo em vista que o tratamento dágua do município é precário e não detém esses metais. Outro fator agravante, nesse contexto, é a utilização da força de trabalho infantil55 na indústria, em Jardim de Piranhas/RN. Essa exploração, muito comum, no município, compromete o ingresso e a permanência das crianças na escola, facilitando o acesso ao consumo de drogas. Essa realidade outorgou ao município o status de maior explorador da mão-de-obra infantil do Estado do Rio Grande do Norte (JORNAL DO CRESS, 1996). Nos anos de 1990, essa problemática56 foi coibida pela atuação do Ministério do Trabalho. Em 1998, após inúmeras visitas de fiscalização e orientação, a DRT desenvolveu um Projeto denominado de Empregador legal, trabalhador cidadão57. Com relação à erradicação do trabalho infantil, além das fiscalizações junto às fábricas, por meio da DRT, o município foi contemplado, em 1998, com o Programa Jardim Esperança, objetivando atender às crianças que trabalhavam nas fábricas de Jardim de Piranhas. Conforme Campos (2001, p. 175), esse Programa foi: 54 O sistema de tratamento d’água, em Jardim de Piranhas/RN, funciona nas mesmas condições de quando foi inaugurado, em 1970, isto é, sem quaisquer adaptações para combater os poluentes desses esgotos e dos dejetos tóxicos da indústria têxtil. 55 O trabalho infantil, em Jardim de Piranhas/RN foi tema de uma tese de Doutorado intitulada de a Pobreza e trabalho infantil no capitalismo, de autoria de Campos (2001). 56 Apesar da oferta de emprego e do padrão de vida financeiro relativamente alto, o “progresso” da indústria têxtil foi acompanhado do aumento de problemas, dos riscos à saúde do conjunto das famílias e dos trabalhadores, em particular, poluição sonora, poluição do Rio Piranhas, bem como a exploração do trabalho infantil e as implicações negativas no processo educacional do município, como os altos índices de evasão e reprovação escolar. Dentre os problemas de saúde, destacam-se os respiratórios. O fato de que as fábricas funcionam dentro do perímetro urbano, ou seja, vizinhas ou próximas às residências. O pêlo expelido pelo algodão espalha-se por todas as casas, provocando patologias como alergias, sinusites crônicas, dentre outras. Os estudos de Faustino (2002) ressaltam que as crianças são as mais afetadas e que “[...] 4,18% das mortes em Jardim de Piranhas, nos últimos dez anos, teve como causa principal, esse tipo de doença” (FAUSTINO, 2002, p. 07). 57 Por meio da DRT/NUCA, várias entidades foram envolvidas nesse processo de conscientização e regularização do setor têxtil do referido município, sobretudo da exploração do trabalho infantil. Dentre elas, destacaram-se, a Justiça da Comarca de Jardim de Piranhas, a FUNDAC, o SEBRAE, a FIERN, o SENAI, o SESI, a UFRN e o UNICEF. A regularização e a organização do setor têxtil tem demonstrado sinais positivos nos últimos anos, como a formalização de várias indústrias e da situação dos trabalhadores. Quanto às condições de segurança e saúde, os embates e os desafios continuam. 94 [...] financiado pelo Fundo das Nações Unidas Para a Infância – UNICEF –, desenvolvendo um projeto de complementação escolar, com atividades de esporte, arte e lazer. Sua coordenação foi assumida pelo Centro de Promoção Social Padre João Maria e a Prefeitura, com recursos do Programa Criança Cidadã – BCC –, concorria com o pagamento de alguns educadores, assim como com o lanche servido. As atividades foram iniciadas no ano de 1998, com 125 crianças, passando a 145 no ano 2000. Ressaltamos, porém, que o Programa Jardim Esperança foi desenvolvido em um contexto de conflitos políticos de diferentes naturezas entre a sua coordenação e o Poder Executivo Municipal. No ano 2000, com a adesão do município ao PETI, 400 crianças e adolescentes de 7 a 14 anos passaram a perceber uma bolsa mensal de R$ 40,00. Contudo, o número de crianças atendidas pelo Programa só significava 1/3 das que estavam trabalhando precocemente. Estudos enfatizam que no ano 2000, dados de um ofício do FOCA/RN indicavam que, no município, havia 1.200 crianças e adolescentes trabalhando na indústria têxtil, o que reforça a possibilidade de o trabalho infantil ainda prevalecer fortemente, sobretudo no campo, por meio das atividades de acabamento, que geralmente são terceirizadas. Concernentes à educação, dois fatos se destacaram no contexto do Empregador legal, trabalhador cidadão. Tendo em mãos o relatório desse Projeto e, em particular, dados que apontavam altos índices de evasão e repetência escolar, o Ministério Público local, à época representado pelo Promotor de Justiça, Jovino Pereira da Costa Sobrinho, instituiu Inquérito Civil Público para apurar a responsabilidade pelo alto índice de evasão de crianças e adolescentes no município, conforme mostram os estudos de Oliveira, F. (1999). Naquele momento, foram indiciados 202 pais que deixaram de colocar os seus filhos na escola, sob o argumento de crime de abandono intelectual. O fato, inédito no país, gerou uma grande polêmica, tendo sido noticiado pela imprensa escrita e pelos telejornais, como o Jornal Nacional, da Rede Globo. A Promotoria de Justiça de Jardim de Piranhas/RN também instaurou Inquérito Civil Público para apurar irregularidades na aplicação dos recursos do FUNDEF local, resultando em um termo de ajustamento de conduta e compromisso entre o Ministério Público e a Prefeitura Municipal de Jardim de Piranhas/RN (ANEXO B), determinando uma série de medidas educacionais. 95 Nesse particular, a Prefeitura Municipal comprometeu-se com a implementação e execução de uma efetiva política municipal de educação; com a elaboração, a fiscalização e o acompanhamento dos projetos político-pedagógicos das escolas municipais; com a admissão e a contratação de profissionais para integrar o corpo técnico da Secretaria Municipal de Educação; em apresentar um plano pedagógico que coibisse a evasão e a repetência escolar, no município; em implantar, ampliar e aperfeiçoar o atendimento à Educação Infantil, inclusive no meio rural; em garantir o transporte e a alimentação escolar; dentre outras obrigações (OLIVEIRA, F. 1999). Com relação à organização político-administrativa do município, nos anos de 1990, identificamos que, em 03 de abril de 1990, foi promulgada a Lei Orgânica Municipal, a fim de “[...] organizar o município, observando os princípios fixados na Constituição da República Federativa do Brasil e na Constituição do Estado do Rio Grande do Norte [...]” (JARDIM DE PIRANHAS/RN, 1990, p. 03). Percebemos, assim, que a sua elaboração está associada ao que Gajardo (1999) denomina de marco inovador no processo de democratização e autonomia das escolas brasileiras. Em seu capítulo II, onde trata da política educacional, cultural e desportiva, a Lei Orgânica Municipal, nos Arts. 165 e 166, estabelece que a organização curricular e o calendário escolar levem em conta as peculiaridades climáticas, culturais e condições sociais e econômicas dos alunos, o que viria a ser estabelecido pela LDB, em seu art. 26, em referência à organização das escolas do campo. Em 19 de dezembro de 1997, foi sancionada a Lei que instituiu o Regime Jurídico Único dos servidores públicos municipais e, em 1998, o município realizou o primeiro concurso público, efetivando os servidores municipais para atuar em seu quadro de pessoal, inclusive na educação. Sobre esse aspecto, identificamos que Alves58 (2006), Régis59 (2006) e Silva, Marize60 (2006), foram nomeadas, à época, por simples indicação. 58 Professora há 23 anos. Foi contratada em 15 de março de 1983. Ensina na Unidade de Ensino Manoel Félix Marinho, na comunidade rural Assembléia, onde também reside. Concedeu entrevista em 11.01.2006. 59 Professora do Magistério Municipal há 23 anos. Foi admitida em 01 de março de 1982. Sempre morou e atuou em escolas do campo. Atualmente é professora da Unidade de Ensino Manoel dos Santos, na comunidade rural Caldeirão. Concedeu entrevista em 27.01.2006, em sua residência, no sítio Piedade. 60 Pertence ao quadro do magistério desde o dia 04 de fevereiro de 1986, portanto, há 20 anos. É residente no sítio Panorama, onde atua como professora na Unidade de Ensino Maria Donina Maia. Um dado inusitado é que essa unidade de ensino só ganhou estrutura física de escola no final de 2004. Antes, sempre funcionou em uma casa, em condições precárias. Concedeu entrevista em 27.01.2006. 96 Bastava baixar portaria para que o servidor fosse contratado. Medeiros, I.61 (2006), Queiroz, N.62 (2006) e Santos, M. (2006) 63, submeteram-se a concurso público. 3.3 – A reorganização da educação no município - uma reforma que modifica a educação local: leis, planos e condutas Os registros acerca da educação, em Jardim de Piranhas/RN, datam de 1800, quando o Sr. Amaro Soares de Brito, conhecido como Mestre Amaro64, já lecionava em sua casa. A primeira escola oficial do município de Jardim de Piranhas/RN foi a Escola Estadual Pe. João Maria, criada em 17 de janeiro de 1922 e funcionava na cidade. Por volta de 1930 e 1940, a educação do município estava mais concentrada no campo, onde também habitava a maior parte da população, conforme mostram os estudos de Medeiros, F. (2003). As primeiras escolas rurais isoladas1 do município de Jardim de Piranhas/RN foram construídas, nos anos de 1960, nas comunidades rurais Campo da Paz, Santa Cruz e Ferreiro, e as escolas municipais rurais: Manoel Calixto Batista, no sítio Juazeiro; Francisco Brás, sítio Piedade; e Marechal Castelo Branco, no sítio Góis ou Riacho da Palha. Esta última, até hoje só dispõe de uma precária sala de aula, nos moldes da época. A merenda é feita na casa da merendeira, ao lado da escola. Na década de 1970, quatorze escolas rurais foram construídas – maior número de escolas rurais construídas no campo, em Jardim de Piranhas. Ao final dos anos de 1970, o município de Jardim de Piranhas/RN, consolidou a estruturação e organização do seu sistema municipal de ensino. Em 1978, foi sancionada a Lei Municipal nº 292/78, de 26 de abril de 1978, modificando a denominação do órgão 61 Professora do Magistério Municipal há 11 anos. Mora e ensina na Unidade de Ensino Antônio Augusto da Silva Freire (avô da professora), na comunidade Lagoa Rachada. Concedeu entrevista no dia 26.01.2006. 62 Atual Diretora do Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, em Jardim de Piranhas/RN. Foi admitida ao cargo em 2004. Atua no Magistério Municipal desde 1999, onde também atuou como professora de escolas do campo, apesar de morar na cidade. É a primeira diretora do Centro com experiência docente exclusiva em escolas do campo. Entrevista concedida em 16.01.2006. 63 Especialista em Educação, do quadro efetivo do Magistério Público Municipal. Atualmente, atua como Assessora Técnico Administrativa da Secretaria Municipal de Educação de Jardim de Piranhas/RN. Em 1999, quando também ocupava essa função, conduziu o processo de criação do Centro de Ensino Rural. Concedeu entrevista em 20.04.2006. 64 Pai do jurista Amaro Cavalcanti e ao Pe. João Maria Cavalcanti de Brito, pessoas influentes na Região e nacionalmente. 97 municipal de Educação do município para Departamento de Educação do Município, com a finalidade de ordenar as ações educacionais (ANEXO C). O Departamento era composto pela Secretária Municipal de Educação e por duas supervisoras pedagógicas. As supervisoras não tinham formação pedagógica e a educação do município era orientada e acompanhada pelo PAEM, órgão da SECD/RN, que acompanhava e controlava as ações educacionais e as programações da educação no campo, conforme mostram Queiroz, M. (1984); Cabral Neto (1997) e Leite, Sérgio (2002). Esse Departamento, que funcionava na sede da prefeitura, mudou-se para um outro local, onde antes funcionava uma maternidade. Dessa forma, instituiu-se a Secretaria Municipal de Educação e Cultura, que passou a conduzir, com mais consistência, o sistema educacional do município65. Os primeiros transportes escolares que traziam os alunos do campo para a cidade datam desse período, no entanto, o êxodo rural foi constatado, especialmente na década de 1980, quando a indústria têxtil tornou-se a principal atividade econômica do município, acelerando o processo de urbanização e, conseqüentemente, concentrando o maior número de crianças, jovens e adultos na cidade. As estruturas físicas dos prédios escolares, no campo, estavam obsoletas e as condições didático-pedagógicas eram inadequadas para atender à demanda específica dos quatro últimos anos do Ensino Fundamental. No caso daqueles que se deslocam dos sítios, temos depoimentos denunciando o fato de que o deslocamento dos filhos para estudar na cidade deixa os pais apreensivos, uma vez que saem cedo de casa, enfrentando, às vezes, longa viagem. Outro fator de mudança é a dimensão cultural, que corresponde aos valores e à vida pessoal e familiar dos alunos. A professora ressalta que: Atrapalha ele indo pra rua. Atrapalha porque eu tenho exemplo aqui de um ex-aluno meu muito tímido, criado no sítio, trabalha com o pai. Menino de sítio, chegou na cidade e começou sendo discriminado o ano passado. Ele chegou a perder o ano. Porque ele, bem no popular, é bem beradeiro de sítio, aí chegou na cidade, os colegas começaram a discriminar, outros batiam nele e ele com medo de contar em casa, só chorava escondido [...] (RÉGIS, 2006, p. 5-6). 65 Nessa década, ainda, construíram-se quatro escolas, sendo 03 no campo: Manoel Simplício Irmão, na comunidade de Batalha; Elpídio Olegário dos Santos, em Catingueira; e Manoel Paulino dos Santos, em Caldeirão; e a Escola Municipal Maria Cruz de Medeiros, na cidade, também foi construída na ocasião. 98 Contudo, além de só poderem continuar os estudos na cidade, é nesse espaço também onde os estudantes têm acesso às atividades culturais, promovidas pelos clubes locais, bem como o acesso aos jogos eletrônicos e a internet. Esses aspectos não só atraem as crianças e os jovens do campo para a cidade, como também implica na sua assiduidade às aulas, o que fica difícil para os pais controlarem e acompanharem. Nessa situação, o acompanhamento escolar também fica comprometido, pois “[...] É difícil até pra controlar, saber se os filhos estão estudando”, afirma Queiroz, N. (2006, p. 5-6), atual diretora das escolas do campo, em Jardim de Piranhas/RN. Porém, apesar dessa e de outras implicações, a entrevistada reconhece que o município não tem estrutura para manter esses estudos no campo. Somam-se a esses fatores aos longos trajetos, transportes escolares inadequados66 a desmotivação e o cansaço, que interferem no desenvolvimento cognitivo, além da dificuldade de interação com os colegas da cidade. “[...] muitos deles vem de longe, nos carros cheios, nos ônibus, sabe? É muito cansativo. Mas tem que estudar, né? Muitos deles também trabalham pra ajudar os pais, aí você sabe: cansa, né?” (ALVES, 2006, p. 7). O trabalho também concorre para o desânimo aos estudos, pois muitos alunos ajudam aos seus pais, no campo, principalmente aqueles que não recebem os benefícios dos programas oficiais do governo federal, como o PETI ou Bolsa Escola. Identificamos que: O município de Jardim de Piranhas apresenta, pois, um quadro nada alentador: 58,1% da renda familiar são produzidos por uma força de trabalho composta por crianças e adolescentes que freqüentam a escola de forma irregular, bem como por aqueles, juntamente com adultos, que nunca a freqüentaram (CAMPOS, 2001, p. 208). O quadro abaixo apresenta a situação da reprovação nos anos de estudos iniciais do Ensino Fundamental, nas escolas do campo, em Jardim de Piranhas, a partir de 1999: 66 Segundo o Censo de 2002, 69% dos alunos residentes no campo que concluem o primeiro segmento do Ensino Fundamental são conduzidos para as escolas urbanas. “O mais grave desse processo é que, como mostram estudos na área, os alunos da zona rural, ao continuarem seus estudos numa escola urbana, passam por uma dura vivência de preconceito, que muitas vezes os leva ao abandono escolar” (BRASIL, 2004, p. 30), como enfatiza Régis (2006). 99 ANO MATRÍCULA APROVAÇÃO REPROVAÇÃO 1999 549 307 55,91% 126 22,95% 2000 507 208 41% 181 35,7% 2001 441 210 47,61% 158 35,82% 2002 399 192 48,12% 140 35,08% 2003 350 174 49,71% 98 28% 2004 327 142 43,42% 101 30,88% 2005 397 168 42,31% 100 25,18% QUADRO 1 Número de matrículas, aprovados e reprovados nas escolas do campo, no período de 1999-2005, nos anos de estudos iniciais do Ensino Fundamental *Não estão incluídos os dados de evasão e transferência. FONTE: Secretaria Municipal de Educação de Jardim de Piranhas/RN - 2005. Os anos de 1999 e 2000 apresentam uma demanda maior de matrículas nas escolas do campo, o que foi decorrência da ação da Promotoria, ao determinar um termo de ajustamento de conduta entre o Ministério Público e o Executivo Municipal, conforme mostram os estudos de Oliveira, F. (1999), a fim de coagir a exploração do trabalho infantil, bem como fomentar o acesso à educação. Nesse termo de ajustamento, o poder executivo municipal se comprometeu, dentre outros compromissos, a executar uma política municipal de educação, elaborar projetos político-pedagógicos para todas as escolas do município, instrumentalizar um plano pedagógico de coibição à evasão e repetência escolar, implantar e aperfeiçoar o atendimento à Educação Infantil, inclusive no meio rural, aperfeiçoar o transporte e a merenda escolar e aplicar devidamente os recursos do FUNDEF. Apesar dessas ações da Promotoria de Justiça local e das que foram efetivadas pelo Executivo municipal, a partir de 1999, os números da reprovação, em Jardim de Piranhas/RN, mantiveram-se altos, ou seja, em torno de 30%, principalmente, nas escolas do campo. Analisando, porém, esses dados relativos à 1ª série67, identificamos que os resultados realmente são assombrosos, como ressaltou o documento elaborado por Batista et al (2002). O quadro abaixo ilustra a situação dos últimos 5 anos: 67 O termo de ajustamento de conduta (ANEXO B, p. 2) estabelece que o município diminua o índice de repetência na 1ª série. 100 ANO 2001 2002 2003 204 2005 1ª série 96 50% 84 59% 59 43,7% 55 54% 62 55% 2ª série 36 33,33% 36 31,8% 17 24,63% 26 33% 21 26% 3ª série 10 12,65% 16 21,6% 12 16,43% 14 23% 12 17% 4ª série 09 16,36% 04 5,88% 10 22,22% 06 13% 05 7% QUADRO 2 Números da reprovação escolar nas escolas do campo, em Jardim de Piranhas/RN – por série, no período de 2001-2005 FONTE: Secretaria Municipal de Educação de Jardim de Piranhas/RN - 2005. O caso de Jardim de Piranhas/RN revela e confirma a trajetória brasileira de descaso para com a educação do campo. Parece-nos que falta um projeto pedagógico, que considere as reais necessidades dos sujeitos no contexto escolar, como as adequadas para se desenvolver o processo de ensino-aprendizagem. Sabemos, ainda, que existem muitos alunos que moram no campo e que deveriam estar no 6º ano do Ensino Fundamental, mas que não freqüentam a escola68. Ademais, as condições físicas, materiais e didático- pedagógicas das turmas multisseriadas comprometem a qualidade do processo de ensino- aprendizagem, pois as professoras não conseguem atender e trabalhar, satisfatoriamente, tendo em vista o acúmulo de séries no mesmo turno e na mesma sala de aula. Entre os que se deslocam do campo para a cidade, dando continuidade aos estudos, percebe-se um certo conformismo dos que compõem o sistema municipal de educação: “É ruim, né, porque o aluno vai pra rua. Os pais se preocupa, eles às vezes perdem aula. Mas tem o transporte. Só tem lá. Tem que ir mesmo” (SILVA, M. 2006, p. 5, grifo nosso). Nesse sentido, Santos (2006), que trabalha como assessora técnica, na SEMEC, entende que a estrutura física e pedagógica das escolas do campo não comporta os anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9ª ano ou 5ª a 8ª séries) e defende que “[...] na zona urbana as condições são melhores, visto que o acompanhamento pedagógico é mais direto [...]” (SANTOS, M. 2006, p. 21). Em contraposição às falas anteriores, Medeiros, I. (2006) ressalta que se houver interesse do poder público, a situação pode ser mudada, muito embora reconheça os desafios. Concordamos que as estruturas das escolas do campo são arcaicas – até mesmo para funcionar com os anos de estudos iniciais do Ensino Fundamental. Esse é um 68 A Secretaria Municipal de Educação de Jardim de Piranhas não dispõe desses dados sistematizados. 101 problema político e histórico, no Brasil, conforme mostram os estudos de Arroyo (1999); Benjamin; Caldart (2000); Queiroz, M. (1998) e Souza e Cabral Neto (2004). À despeito da precariedade em que funciona, a escola no campo não desaparece e continua funcionando, resistindo ao descaso do poder público e aos reveses socioeconômicos, políticos e culturais. Mas, o que faz os sujeitos moverem-se de seus lugares, senão a busca pelo direito que lhes é negado em seu próprio espaço de pertencimento: o campo. Ademais, o acompanhamento pedagógico das escolas urbanas é mais direto, como relata Santos, Marize (2006), porque os coordenadores estão presentes na escola, diariamente, o que não acontece no campo. Tentando resolver os problemas concernentes ao funcionamento das escolas do campo, discutem-se algumas alternativas, como a nucleação. Para Medeiros, I. (2006) e Queiroz, N. (2006), essa seria uma alternativa para as escolas do campo, em Jardim de Piranhas. A nucleação69, como já vimos, reúne as escolas isoladas em escolas-núcleo ou escolas-pólo, como sugerem as entrevistadas e como mostram os estudos de Bencini (2005). Os anos de 1990 marcaram a organização do sistema educacional no município de Jardim de Piranhas/RN, de tal forma que hoje se consolida pela composição de 06 escolas (públicas) do Ensino Fundamental (1º ao 5ª ano): 04 municipais e 02 da rede estadual; 01 escola pública do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano); e 01 escola do Ensino Médio (pública). Nenhuma dessas escolas públicas possui laboratórios de informática e apenas a Escola Municipal Mons. Walfredo Gurgel (6º ao 9º ano) possui biblioteca. Nesse período, surgiram também 02 escolas privadas (1º ao 9º ano). No campo, existem 19 escolas, denominadas de unidades de ensino, atendendo à Educação Infantil e aos anos de estudos iniciais do Ensino Fundamental. Em 1998, como exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) e da Lei do FUNDEF (Lei nº 9.424/96) foi sancionada a Lei Municipal nº 457, de 23 de junho de 1998, instituindo o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração do Magistério Público Municipal, bem como os Conselhos70 de Controle e Acompanhamento, além da transferência de responsabilidades, como a merenda escolar e os recursos 69 Analisando os estudos de Bencini (2005), compreendemos que a nucleação implicaria investir na infra- estrutura das escolas e a contratação e deslocamento de pessoal, motivos que levam Queiroz, N. (2006) a reconhecer ,também, que o município não dispõe de estrutura política e financeira para implementá-la. 70 Conselho Municipal de Educação, Conselho do FUNDEF, Conselhos de Escola, etc. 102 provenientes do PDDE. Submetendo esses fatos à analise, compreendemos que eles decorrem das políticas de educação do Brasil, sobretudo na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando ocorreu, não apenas no Brasil, a transformação educativa, conforme mostram os estudos de Gajardo (1999); Peroni (2003) e Pinto (2004). Nesse sentido, ocorreu, ainda, em Jardim de Piranhas, junto com uma série de encaminhamentos e de desdobramentos dessas políticas, a implantação da política salarial do município. Em 1998, com a aprovação do Plano de Cargos, Carreira e Salários do Magistério Municipal, evidenciaram-se mudanças significativas, como a definição de um teto salarial para os servidores. Tratando o assunto, Régis (2006) relata que “[..] Antes a gente não tinha dia certo pra receber. Eu mesma perdi seis meses. Trabalhei e não recebi. [...] A gente trabalhava e não tinha data prevista. Era meio salário mínimo” (RÉGIS, 2006, p. 3-4). Alves (2006), Medeiros, I. (2006) e Silva, M. (2006), que também trabalhavam antes da aprovação do Plano, confirmam a versão apresentada por Régis (2006). Atualmente, os salários variam entre R$ 394,15 e R$ 463,14, dependendo da formação e do nível dos profissionais do magistério municipal. Em Jardim de Piranhas, o Plano de Cargos, Carreira e Salários apresenta uma particularidade para os professores residentes na cidade, que desempenham as suas funções no campo. No Art. 41, inciso IX, está determinado o direito de “[...] auxílio transporte destinado ao seu deslocamento” (RIO GRANDE DO NORTE, 2001, p. 10). Na verdade, o professor não percebe esse auxílio nos seus vencimentos, mas a SEMEC disponibiliza o transporte (carro e moto) para o seu deslocamento. Associado a esse direito há também um beneficiamento político para os proprietários de transportes que firmam contrato de serviço com a Prefeitura. Em relação a esse aspecto do deslocamento, há uma unanimidade por parte das entrevistadas, sobre os professores da cidade que ensinam no campo, especificamente quanto ao envolvimento dos professores com a comunidade escolar. Queiroz, N. (2006, p. 9), que reside na zona urbana foi incisiva em sua afirmação: Com certeza, existe. Quem mora na zona rural conhece de perto a realidade dos alunos. Moram lá, não é? Mas, infelizmente nós não temos professores devidamente preparados que moram em todas as localidades rurais. Outra coisa, foi feito o concurso e várias pessoas se inscreveram, também de outras cidades. Aí, então, o que fazer, não é? Mas se o professor tiver a consciência ele vai procurar fazer o trabalho direito. 103 Tem muito professor que não mora no sítio, mais tem até mais compromisso do que o que mora. Outro aspecto concerne à falta, muitas vezes, de pessoas devidamente qualificadas, residentes nos sítios. Em décadas passadas – 1960 e 1980 –, por exemplo, quando as escolas já estavam construídas, a maioria dos professores atuava sem que houvesse critérios de formação, muitas vezes, pela simples indicação dos fazendeiros, como mostram estudos de Azevedo (2004). Nessa perspectiva, Alves (2006, p. 01) enfatiza que, quando começou a ensinar só “[...] tinha o ginásio completo. Eu substituí a professora Maria Rita dos Santos, e ela só tinha a 3ª série [...]”. Ademais, muitos professores de outros municípios também submeteram-se ao concurso público, o que poderia dificultar, ainda mais, a articulação destes com a comunidade escolar. Para as entrevistadas, à medida que se pertence à comunidade, adquire-se um conhecimento mais profundo dos seus problemas e de sua realidade. Medeiros, I. (2006) ressalta que: Eu conheço a família de cada um, sei como vive, as dificuldades, os problemas em casa, eu conheço tudo. E aquela que mora lá na cidade e vem todo dia, ela não tá preocupada com isso. Ela chega na escola, dá a aula dela e vai embora. E eu que tô convivendo, eu convivo diretamente com eles, tô sempre em contato com eles, com os pais, com as mães. Aqui acolá vou na casa de um, eles vêm aqui. Eu tenho conhecimento da realidade de cada um. Por meio desse depoimento, percebemos que ter o conhecimento da realidade de cada um, como disse a entrevistada, é imbuir-se do sentimento de pertença, de compreender as suas necessidades, os valores, a realidade, como enfatizam os estudos de Arroyo; Fernandes (1999); Gentille (2002) e de Kolling (1999). Isso não significa dizer, necessariamente, que aqueles que não moram no local da escola não tenham o sentimento de pertencer, de conhecer ou de inserir-se de forma subjetiva e socialmente na vida dos camponeses. Ademais, o campo não está isolado ou dissociado da cidade, pelo contrário, eles devem interagir nos seus mais variados aspectos. 104 Retomando um outro aspecto da reforma educativa, que se refletiu em Jardim de Piranhas, podemos afirmar que a formação dos professores leigos da rede municipal tem um significado particular. Pelo menos, os professores com o Ensino Fundamental incompleto cursaram, respectivamente, o Telecurso 2000, da Fundação Roberto Marinho e destes, 05 ensinavam no campo, dentre as quais, Régis (2006), Alves (2006) e Silva, M. (2006). Régis (2006) conta que quando começou a ensinar só cursara até a 7ª série, portanto, “Antes de fazer o Muito Mais Mestre71, eu fiz o Telecurso 2000. Nós tinha aulas com os professores e também com vídeos. Eram programas que eles passavam” (RÉGIS, 2006, p. 1). Realizando a política de capacitação do quadro docente, a prefeitura também firmou convênio com o CERES/Caicó para formar os professores em Pedagogia/PROBASICA. Posteriormente, instituições de Ensino Superior, como a UVA72, ocuparam esse espaço na Região. Ao ser indagada sobre as contribuições da formação em nível superior, Medeiros, I. (2006) – que graduou-se em pedagogia pelo PROBASICA – foi contundente na sua afirmação: Muito importante! Contribuiu para a ampliação dos meus conhecimentos, para o melhoramento da minha prática diária na sala de aula [...] Apesar das dificuldades que eu encontrei para concluir esse curso, porque eu moro na zona rural e era difícil o acesso. Eu tive que andar, era 6 Km todo dia a pé para poder pegar um ônibus pra chegar até Caicó. E muitas vezes eu atravessava o rio, à noite, já com muito medo [...] (MEDEIROS, I. 2006, p. 3). O curso de formação teve início no período 1999.1. Ao todo, foram formados 20 professores, dos quais 08 atuam nas escolas do campo, em Jardim de Piranhas. Queiroz, N. (2006) também graduou-se pelo PROBASICA, e também enfrentava dificuldades, pois estudava pela manhã, em Caicó, e ensinava à tarde, em uma escola do campo: “Eu moro 71 O Muito Mais Mestre foi um Programa coordenado pelo SESI, objetivando capacitar os professores em nível de magistério. Em 1999, o Programa capacitou 15 professoras em Jardim de Piranhas, dentre elas, 08 de escolas do campo. O curso acontecia quinzenalmente, aos sábados, e estendeu-se até o final do ano 2000. Esse programa fez parte das estratégias inovadoras das iniciativas do governo brasileiro no contexto educativo dos anos de 1990, conforme ressalta Gajardo (1999). 72 A Universidade do Vale do Acaraú/CE, em parceria com instituições privadas, oferece cursos de Pedagogia, entre outros, em diversas partes do Estado do RN. 105 em Jardim, como você sabe. Eu chegava de Caicó de 12:40h e, praticamente ia direto pra o sítio, ensinar. Foi difícil, mas a gente venceu, né73?” (QUEIROZ, N. 2006, p. 3). Recentemente, o município celebrou convênio com a UERN, por meio do PROFORMAÇÃO, para qualificar aqueles professores que ainda não tinham curso superior, com habilitação em pedagogia. Régis (2006), Alves (2006) e Silva, M. (2006) não participaram dessa outra oportunidade porque não estavam devidamente informadas sobre o processo seletivo e os critérios de funcionamento do curso74. Régis (2006), apesar de ter perdido essa oportunidade, tem o objetivo de cursar pedagogia. “[...] Eu ainda vou fazer, mesmo que seja a UVA, mas eu vou fazer, porque cada curso que a gente faz não estamos perdendo, estamos adquirindo novos conhecimentos. E essa é minha vontade, meu objetivo”(RÉGIS, 2006, p. 3). Atualmente, dos 27 professores que compõem o quadro das escolas do campo, em Jardim de Piranhas, 13 são graduados em pedagogia (48,1%), 06 estão cursando (22,2%) e 08 têm a formação em magistério (Ensino Médio), pelo Muito Mais Mestre (29,7%). Isto é, praticamente a metade dos professores tem a formação em nível superior, e esses números colocam o município em uma situação privilegiada, ante o cenário nacional da educação do campo. Analisando esse aspecto, identificamos que: No ensino fundamental de 1ª a 4ª série, apenas 9% apresentam formação superior [...] O percentual de docentes com formação inferior ao ensino médio corresponde a 8,3% na zona rural, indicando a existência de 18.035 professores sem habilitação mínima para o desempenho de suas atividades. Isso sem considerar aqueles que, apesar de terem formação em nível médio, não são portadores de diploma de ensino médio normal (BRASIL, 2004b, p. 25-26). O município apresenta, pois, uma média significativamente alta em relação ao cenário nacional e o equivalente à Região Nordeste, que chega a 55,5% de professores com esse nível de formação, conforme o Censo Escolar 2002 (BRASIL, 2004, p. 26). Ademais, 73 Quando ela ressalta que a gente venceu, está nos colocando no contexto, uma vez que os nossos estudos de graduação aconteceram no mesmo período, pelo PROBASICA. 74 Uma das entrevistadas relatou, ainda, que uma pessoa da SEMEC – não identificada – sugeriu que ela não participasse do processo seletivo, tendo em vista a sua proximidade à aposentadoria. 106 todos os professores do município têm a formação mínima exigida, em nível de magistério (Ensino Médio). Outros cursos de formação também foram oferecidos no município: em 2001, a SEMEC implantou o programa de formação continuada dos Parâmetros Curriculares Nacionais, conhecido como PCN em Ação, muito embora o município não tenha aderido à organização do Ensino Fundamental em ciclos. Essa capacitação, no entanto, não apresentava nenhuma especificidade no currículo, por conseguinte, para os professores que trabalham com as turmas multisseriadas. Nesse contexto, as entrevistadas reconhecem como benefícios, a ampliação dos conhecimentos, porém, não especificamente, para as escolas do campo, onde permanecem as mesmas deficiências. Alves (2006, p. 1-2) ressalta que, [...] pra zona rural não tinha nada de diferente, não. Era todo mundo por igual. Eu sei que esses cursos que eu já participei contribuíram. Se viesse outra que fosse outra capacitação mais em cima da prática pedagógica, sabe? Porque a gente que trabalha com alfabetização e 1ª série, aí precisa muito de uma capacitação bem melhor. Ressaltando o caráter unilateral dos PCN em Ação, a entrevistada reforça a necessidade de uma estratégia metodológica específica para as escolas do campo. Assim, corrobora o que constatam os estudos de Fernandes, B. (1999), ao afirmar que as políticas implantadas no Brasil por meio dos PCN, ignoram um projeto específico para o campo. Analisando essa situação, em Jardim de Piranhas, estudos de Azevedo e Souza (2005), mostram que, embora a LDB e as próprias Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo assegurem a possibilidade de flexibilização organizacional e curricular para escolas desse setor, as proposições curriculares que decorrem da política educacional vigente não apresentam direcionamento específico para a educação do campo. Nesse sentido, o referido Programa foi, na verdade, PCN sem Ação para as escolas do campo. Por demais, ao recomendar a organização do sistema de ensino em séries, vimos que o Plano Nacional de Educação, além de contrariar o Art. 23 da LDB e de aludir claramente à preferência de um modelo urbano, como ressalta Soares (2003), irreleva que 107 57% das escolas do Ensino Fundamental do país estão concentradas no campo (BENCINI, 2005). Essas inconsistências que as políticas nacionais de educação apresentam, refletem- se, sobretudo, na prática pedagógica dos professores, que trabalham com as turmas multisseriadas, sem quaisquer direcionamento, como acontece em Jardim de Piranhas. As falas das entrevistadas confirmam essa perspectiva. Para Medeiros, I. (2006, p. 07): É a maior dificuldade que a gente tem na zona rural é isso. É o multiseriado. Hoje já melhorou. Hoje tá melhor. [...] A faixa da idade dos alunos é de 4 a 14 anos. Eu sempre recebo aluno com, assim, vem matriculado na 3º série com 14, 15 anos, que nem conhece o alfabeto. [...] Então tem que ter um jogo de cintura pra gente conseguir. Todas as entrevistadas afirmam que têm dificuldades, em sua prática pedagógica, para trabalhar com essas turmas75 e, enquanto não se define uma estratégia específica, vão cumprindo o seu papel, usando a metodologia do jogo de cintura, como afirmou a professora Medeiros, I. (2006). Quando perguntamos sobre os métodos didáticos para trabalhar com turmas de alunos de várias séries na mesma sala e, ao mesmo tempo, as respostas das professoras encaminham-se em idêntica direção. Régis (2006, p. 8) assim descreve: Eu junto os alunos de pré a 1ª série um nível só. A 1ª tem dias que eu junto com 2ª, 3ª com 4ª, outro dia está a 4ª sozinha e fica 2ª com 3ª e a cada dia vai mudando, nunca fica só num canto os alunos. Tem dia que a 3ª está junta com a 2ª. Eu trabalho 4ª série, eu deixo nos livros enquanto eu vou trabalhar com os menores. Já que eu tô trabalhando com os pequenininhos, os da 2,ª com 3ª, já vão pesquisar, vão pra o dicionário. Vai e volta de vez em quando. Às vezes eu deixo os pequenininhos só, vão recortar, vão olhar o alfabeto móvel, formar palavras enquanto eu estou com a 4ª série. 75 No anexo D, deste trabalho, apresentamos, detalhadamente, a lista com os nomes dos professores e a composição das turmas multisseriadas, em Jardim de Piranhas/RN. 108 É consenso, entre as professoras, trabalhar com os alunos, agrupando-os por séries aproximadas. Sobre essa particularidade, Alves (2006, p. 7-8) relata: Eu divido os grupinhos e vou trabalhando cada grupo de acordo com o seu nível. Eu passo aquela tarefa de acordo com o nível de cada grupo. Às vezes eu ministro 1ª série com pré. Inclusive, essa menina de 16 anos entrou agora em 2005, ela não conhecia a letra A. Ela chegou na escola e não conhecia a letra “A”. Então eu juntava ela com as criancinhas de pré. Às vezes eu ficava até chateada porque uma moça de 16 anos no grupo de crianças de 4 anos. Ela era muito tímida, aquela pessoa que mal fala. Eu perguntava a ela se ela não achava ruim ficar ali. Ela dizia: não, do jeito que me botar... Mas eu sentia que ela não ficava ali à vontade. Fatos como esses não podem deixar também um(a) professor(a) à vontade. Seria necessário repensar a metodologia das turmas multisseriadas, apropriando-se de experiências já existentes, como as que propõe Arroyo (1999), os movimentos sociais, a nucleação ou até mesmo a do Programa Escola Ativa. As professoras entrevistadas ressaltam, também, que um desafio ainda maior está associado aos alunos dos 1º e 2º anos (Alfabetização e 1ª série), o que é confirmado por Medeiros, I. (2006, p. 07), ao enfatizar, angustiada: Eu mesmo já me estressei, tem dia que eu falto enlouquecer, porque quando chega o final do ano a gente quer um resultado, pelo menos eu sou assim, quando eu chego ao final do ano eu quero um resultado e muitas vezes eu não tenho o resultado que eu desejo, eu não consigo alcançar meus objetivos, aí eu vou dizer: de quem foi a culpa? Foi minha? A onde foi que eu errei? Essa angústia pode estar associada à falta de uma metodologia que direcione a prática pedagógica para as turmas multisseriadas, produzindo, dentre outros resultados, altos índices de reprovação, como já vimos, tendo em vista a sobrecarga de trabalho dos 109 professores, sobretudo para planejar, ensinar, avaliar, e, muitas vezes, também desempenhar o papel de gestor, tudo sozinhos. Em 2002, diante dos indicadores de reprovação e abandono escolar, que permaneceram altos, mesmo com as iniciativas do Ministério Público, do Executivo Municipal e de outras instituições, como já foi dito, o município enquadrou-se no Programa de Melhoria da Educação do Município, coordenado pelo CENPEC, para tentar, mais uma vez, amenizar a situação. Nas escolas do campo, a situação praticamente perpetuou-se. 3.4 – O Centro de Ensino Rural “Professora Maria Edite Batista”: marco organizativo da educação no campo Até agosto de 1999, todas as escolas do campo, em Jardim de Piranhas, funcionavam como escolas municipais Isoladas. Com as exigências da LDB, em seu Art. 12, inciso I – dispondo sobre a elaboração e execução de projetos pedagógicos – e da SECD, bem como do termo de ajuste e conduta celebrado entre o Ministério Público local e a Prefeitura Municipal, foi promovida a organização político-pedagógica para as escolas municipais, inclusive, as do campo. Assim, em junho de 1999, a SEMEC elaborou, por meio de sua equipe técnica, o primeiro projeto político-pedagógico dessas escolas, sob o signo de uma atividade conhecida como Preparação para uma nova consciência pedagógica da Educação Rural (RIO GRANDE DO NORTE, 1999, p. 3). Analisando o documento, identificamos que essa nova consciência estaria associada à situação administrativo-pedagógica das escolas do campo até aquele momento, isto é, funcionavam sem acompanhamento pedagógico e com uma estrutura física precária, sem banheiros, sem cozinhas, faltava merenda escolar regularmente, não havia merendeira, com muitos professores leigos, dentre outros aspectos. Realmente, as inovações administrativo- pedagógicas trouxeram novo ânimo para as escolas do campo, inclusive, à época, 16 escolas foram restauradas e passaram por adaptações. Na apresentação do projeto, consta que sua elaboração contou com a participação dos professores e funcionários, respondendo a questionários que foram aplicados pela equipe técnica. Logo, percebemos que a nova consciência pedagógica da educação rural resumiu-se a atores internos da SEMEC, pois, que a construção de uma nova identidade de 110 escola do campo não era concebida na ocasião, uma vez que os sujeitos e as especificidades ficaram à revelia de participação como proposta democrática. Nenhuma alusão direta é feita à LDB, especialmente aos Art. 23, 26 e 28, que tratam de particularidades concernentes à educação no campo. Na bibliografia do Projeto não consta nenhuma obra associada à discussão desse contexto específico. Tais aspectos permite-nos reafirmar que a identidade dos sujeitos ou a nova consciência resumiu-se ao discurso, inclusive, positivo, porque até à sua elaboração os sujeitos e a educação do campo, em Jardim de Piranhas/RN, estavam no anonimato. Quando perguntamos às professoras entrevistadas sobre o envolvimento da comunidade escolar na elaboração desse projeto político-pedagógico, ficaram confusas e afirmaram que não lembravam do que ocorrera. Quanto à sua participação nesse processo, também não lembraram de terem participado. No plano de metas e ações desse projeto, identificamos que se voltou para redução dos índices de reprovação, repetência e evasão, que já vinham sendo discutidas desde a efetivação do Projeto Empregador legal, trabalhador cidadão. Frisa, ainda, a necessidade de promover atividades de capacitação e de atualização, em serviço, dos professores, o que, realmente, foi consolidado no município, de forma gradual e contínua. Outro ponto que merece destaque na análise desse projeto é a inserção da modalidade de Educação Infantil nas escolas do campo, muito embora as crianças dessa modalidade tenham sido inseridas nas mesmas turmas, isto é, associaram-se aos alunos das turmas multisseriadas, aumentando os dilemas da prática pedagógica nesse contexto. Mesmo assim, essa iniciativa representou um avanço na educação local, uma vez que as crianças na faixa-etária de 4 a 6 anos não freqüentavam ainda a escola. Meses depois, a Secretaria Municipal de Educação percebeu que seria necessário organizar melhor as escolas do campo nos aspectos administrativo-pedagógicos. Nesse sentido, seguindo as orientações da SECD, organizam-se as escolas em torno de um Centro, uma vez que a falta de um quadro de administradores – diretor e coordenadores pedagógicos – dificultava o trabalho pedagógico. Assim foi fundado o Centro de Ensino Rural, regulamentado pela Lei Municipal nº 485, de 16 de setembro de 1999 (ANEXO E), com a denominação de Centro Municipal do Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, em alusão a uma educadora do município que estudou e ensinou no campo por muitos anos. 111 Atualmente, reúne 19 unidades de ensino, atendendo à Educação Infantil e os cinco anos de estudos iniciais do Ensino Fundamental (ANEXO F). Em 2006, registrou uma matrícula de 36776 alunos, sendo 77 na Educação Infantil e 290 no Ensino Fundamental, com uma média de 19 alunos por turma. A média nacional, conforme o Censo Escolar de 2002 é de 27 alunos. A partir daquele momento, as escolas deixaram de ser denominadas de Escolas Municipais Isoladas e passaram a ser chamadas, conforme a Lei Municipal que o criou, de Unidades de Ensino. Segundo Santos, M. (2006), essa mudança de nomenclatura foi orientada pela SECD, para estruturar e organizar melhor as escolas em torno do Centro de Ensino Rural. Analisando essa mudança, compreendemos que, ao organizarem-se com a nova denominação, as escolas do campo – pelo menos, teórica e burocraticamente – mudariam a concepção de escolas municipais isoladas e passariam a compor um Centro. Essa iniciativa de criação do Centro de Ensino Rural de Jardim de Piranhas está associada, dentre outros fatores, ao o que foi enunciado no PROMEDLAC IV, em Quito, e no PROMEDLAC V, no Chile, quando firmaram-se compromissos de operacionalizar mudanças nos processos de gestão educacional, enfatizando, especificamente, a administração e o planejamento, visando a promover a modernização desse processo de gestão, a profissionalização e a melhoria do funcionamento das escolas. Essa orientação parece ter-se concretizado nas iniciativas de criação do Centro de Ensino Rural. Com a sua criação: Melhorou, porque antes a gente não tinha nenhum apoio. Aconteceu comigo de sair daqui com problema e ir pra cidade pensando em resolver e chegar lá não tinha com quem encontrar, alguém que resolvesse o problema. E hoje não, a gente sabe pra onde vai, encontra as pessoas, tem quem nos apóie. Facilitou muito. Tem material pros alunos, porque antes não tinha (RÉGIS, 2006, p. 3). Alves (2006) também enfatiza os mesmos aspectos, acrescentando que, além de estar mais organizado o processo de gestão e de ensino nas escolas, os professores do 76 Segundo dados da SEMEC, esses números representam 15,79% do número total de matrículas do município, nas referidas modalidades. Considerando que, no campo, em Jardim de Piranhas, habitam, hoje, 2.798 pessoas e que destas, existem 827 na faixa-etária entre 5 e 19 anos, isto é, com idades comumente escolarizáveis, evidenciando que muitos sujeitos estão fora da escola. Esses números foram informados pela SEMEC. 112 campo saíram do descaso pedagógico: “[...] A gente era muito esquecido, tudo era muito difícil” (ALVES, 2006, p. 4). Os depoimentos de Medeiros, I. (2006) e Silva, M. (2006) ressaltam outros aspectos que mudaram no funcionamento das escolas. Antes de o Centro ser criado, a professora era obrigada a desempenhar outras funções: Por que quando eu comecei a ensinar era, eu varria a escola, eu fazia a merenda e eu ensinava, dava aula. E hoje não, já tem uma merendeira, já tem uma pessoa que arruma a escola e o meu serviço é somente dar aula. Depois que criou-se o Centro, né? Melhorou muito, muito, bastante. Os alunos recebem material, a gente também (MEDEIROS, I. 2006, p. 4). Essa prática de varrer a escola, fazer a merenda, abastecer a escola com água e até mesmo desempenhar as funções de secretário escolar foi muito comum nos anos de 1970 até o início dos anos de 1980. No depoimento acima, identificamos que até a criação do Centro, as professoras ainda limpavam a escola e faziam a merenda. Silva, M. (2006) confirma a mesma versão. Também são unânimes em afirmar que, antes, nem elas e nem os alunos dispunham de material escolar, como cadernos, lápis, coleção, cartolina, etc. Dessa forma, além de contar com um gestor e coordenadores pedagógicos, o quadro do Centro de Ensino Rural também foi composto por um diretor, dois supervisores pedagógicos, 01 Coordenador Administrativo, 01 secretário geral, 02 secretários auxiliares e um mecanógrafico, trabalhando na sede do município, além dos professores e merendeiras que atuam diretamente no campo. Atualmente, para cada unidade de ensino há uma merendeira, que também faz a limpeza. Apesar de algumas mudanças em suas estruturas, como a construção de cozinhas e/ou de banheiros, pinturas e outras adaptações, as unidades de ensino continuaram com as mesmas estruturas, ou seja, com classes unidocentes e/ou multisseriadas, a exemplo do que mostram os estudos de Queiroz, M. (1998) e o Censo Escolar 2002. O abastecimento d’água das unidades de ensino é feito por meio de carros-pipa, e o seu tratamento é executado pelos agentes comunitários de saúde que, em alguns casos, orientam os professores a fazê-lo. As merendeiras também são orientadas a ferver a água. Mesmo assim, a cultura predominante é o uso dessa água da forma como vem do rio, uma prática comum nas comunidades rurais. 113 Com isso, casos de hepatite, verminoses, alergias, entre outras doenças, são comuns no município, principalmente entre os camponeses, exatamente por consumirem a água sem o devido tratamento. Ressaltamos, ainda, que os esgotos dos hospitais, das casas, das fábricas – com produtos tóxicos, como cloro e tinta – e do matadouro público escoam diretamente para o rio, sem quaisquer formas de contenção ou controle. Ressaltamos, ainda, que, com a criação do Centro também foi viabilizado o fornecimento de energia elétrica para 15, das 19 unidades de ensino, representando 78,9%, indicador que se apresenta um pouco acima da média nacional. Segundo o Censo Escolar 2002, 72,3% das escolas do Ensino Fundamental (5 anos iniciais), no Brasil, possuem energia elétrica. Quanto ao planejamento, a despeito das limitações de espaço físico, as entrevistadas são unânimes em afirmarem que, após a criação do Centro de Ensino Rural, ocorrem mudanças significativas. Régis (2006, p. 9) lembra que o planejamento era em conjunto com os professores do município e havia discriminação: A gente ia e até se sentia constrangida. O pessoal da cidade tinha mais direito, eram mais preparadas e ficava aquela turminha da zona rural, tinha até medo de falar – que não é como hoje. A gente da zona rural era excluído, era muito difícil. A gente ia planejar uma vez por mês, as vezes até duas vezes por ano. Pegava só aquele plano já todo escrito, não tinha nenhuma explicação. Ao que parece, tanto a metodologia quanto as condutas de discriminação imprimiam ao planejamento um caráter burocrático – mera listagem de conteúdos – e autoritário. É o que vemos, também, no que fala Alves (2006, p. 9), quando afirma que “[...] O planejamento era bimestral, a gente listava os conteúdos e daí a gente fazia o planejamento semanal”. Atualmente, o planejamento acontece quinzenalmente, e é conduzido por duas coordenadoras pedagógicas, que trabalham especificamente com os professores do campo. O planejamento é sistematizado por meio de reflexões, da leitura de textos, e de encaminhamento metodológico para melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Conta também com a participação da diretora para discutir e encaminhar medidas administrativas. As professoras revelam como trabalham: 114 Aqui na zona rural trabalho com jogos e material confeccionado aqui mesmo. Junto com os alunos na sala de aula confecciono material com eles. Eu tenho lá na escola, bingo, aquele joguinho de encaixe e eu trabalho com muito material: palito de fósforo, essas coisas assim. Aqui na zona rural, aula de ciências, aula de campo mesmo, sobre vegetação, eles tem um conhecimento bem melhor (MEDEIROS, I. 2006, p. 10). A esses recursos acrescentam: Com os livros eu separo a leitura e vou trabalhar aquela leitura. Vou contar pra eles aquela historinha, depois eu vou explorar tudo aquilo com a participação deles. Eles não escrevem, nem sabem ler, mas eles sabem responder oralmente. E com as revistas é recorte e colagem, e os jogos recreativos eu trabalho a matemática, trabalho também as letras (ALVES, 2006, p. 10). Sempre eu faço um caixinha com leitura e boto pra eles ler recorte dos livros. Os livros didáticos de português eu boto eles pra ler, os de matemática a gente completa, os de ciências a gente também lê as leiturinhas e completa sempre com figuras, que é o que tem, e todos é assim, completando os livros e completa da matéria (SILVA, M. 2006, p. 10). Problemas de infraestrutura ainda comprometem o trabalho nas escolas do campo. A falta de energia elétrica limita o uso de determinados recursos didáticos, como a TV, vídeo e som, além do desconforto de não ter geladeira para conservar as verduras e os alimentos perecíveis da merenda escolar. Mesmo assim, “[...] copia a música e trabalha com ela” (RÉGIS, 2006, p. 10). Usando a versatilidade didática, as professoras recriam métodos de ensino e operacionalizam as aulas, inclusive, nas turmas multisseriadas. Além dos aspectos intra-escolares, o entorno da escola também é objeto de reflexão, sendo usados como conteúdo curricular por elas. A poluição do Rio Piranhas é uma temática explorada: Nós já fomos ao rio, já fizemos uma campanha sobre a despoluição do rio, conscientizando eles. Porque aqui no sítio a mãe lava a roupa e vai 115 lavar no rio né? Aí leva a caixa de sabão, o tubo de água sanitária, o papel que vai enrolado, o plástico que vai enrolado a barra de sabão. Eu tô sempre mostrando a eles, assim, a questão deles não jogarem nem aquelas roupas velhas. Chega lá no rio diz: há eu vou jogar essa roupa aqui por que os peixes vão comer [...] Aqui na Estiva vem bastante gente de São José lavar roupa. Toda semana vem uma camioneta cheia de gente, lavar roupa. Então nós fizemos, assim, uns cartazes pedindo pra elas não jogarem o lixo no rio. Que eles trazem de fora, pra não jogar. Por que sempre colocando, e se por acaso algum aluno meu tiver lá – porque eles tomam muito banho lá – pedir a elas, se vir elas jogando o tubo da água sanitária lá pedir pra não jogar. Por que se ela continuar jogando que em pouco tempo esse rio não vai mais existir. Essas coisas assim. É muito bom trabalhar ciências, geografia (MEDEIROS, I. p. 11-12). O ambiente externo à escola é reconhecido como fonte de conteúdo de ensino, articulando as várias disciplinas: Em volta do colégio a gente anda e ensina o que é. Quando é mais ciências, mas também a gente tem ciências e já entra matemática e português, que tem as palavras e tem as quantidades que entra matemática. Tem pedrinhas, a gente vai ver as pedrinhas e conta. Eu quero tantas pedrinhas!, a gente manda o aluno pegar e ele trás e a gente vai conferir. Como é em ciências, as plantas? Arranca o pé de bicho, mostra a raiz, mostra o caule, a folha, o fruto e assim vai. Aí tem as palavrinhas, a gente conta quantas letras tem na palavra, quantas vogais, quantas sílabas e assim vai (SILVA, M. 2006, p. 11-12). Apesar de os PCN em Ação não se direcionarem para a formação específica para dos professores do campo, em Jardim de Piranhas, fica evidente, no exemplo de Silva, M. (2006), que eles próprios afinaram os métodos e, de forma interdisciplinar, articularam temas transversais na abordagem dos conteúdos. Ainda que a criação do Centro de Ensino Rural tenha contribuído para reordenar as escolas, suas atividades concentram-se na SEMEC. Santos, Marize (2006) justifica essa medida pelo fato de o Centro não dispor de uma sede própria e a Secretaria ter espaço suficiente para abrigá-lo. Assim, a sede é uma sala onde trabalham a diretora e as coordenadoras pedagógicas. Comporta, também, armários do material e livros didático- pedagógicos, birôs, mesa, além do serviço de mecanografia. Conforme Santos, Marize (2006), esse espaço é suficiente para as funções que agrega. Em contraposição ao que 116 afirma a referida entrevistada, o depoimento de Medeiros, I. (2006) ressalta que há a necessidade de o Centro ter a sua sede própria: É isso que falta. Pronto, o que falta é o Centro ter uma sede própria. Poderia ser em alguma parte do meio rural ou poderia ser na cidade mesmo, porque toda semana a gente tá participando de planejamento, né? Eu só queria que saísse de dentro da secretaria de educação, caminhasse com seus próprios pés. Para Queiroz, N. (2006, p. 17) – gestora –, com a sede própria, passariam a ter mais “[...] autonomia para resolver as questões que se referem ao Centro, já que muitos interferem no nosso trabalho”. A instalação deste na SEMEC, no entanto, interfere na autonomia da gestão do Centro de Ensino Rural e, contrariando, assim, os princípios da reforma educativa estabelecidos no PROMEDLAC V (1993) e da própria LDB77. Por outro lado, o fato de existir, atualmente, um gestor é um prenúncio de mudanças que podem ocorrer. Medeiros, I. (2006, p. 4) enfatiza que, quando as escolas não tinham uma gestão específica, “[...] procurava a Secretaria de Educação, aí lá muitas vezes não tinha quem atendesse. E com a criação do Centro, aí hoje a gente chega tem o diretor, que a gente procura e consegue muita coisa”. O acompanhamento pedagógico junto às escolas também fica comprometido, pois a SEMEC dispõe apenas de um veículo para atender a todas as necessidades das escolas urbanas e rurais. Talvez por isso, ressalta uma professora: O acompanhamento não foi tão bom, porque – de minha parte – o ano passado, só vieram uma vez, e eu queria que viessem mais vezes. Ela veio uma vez e só essa vez ainda nos ajudou. A mim, me ajudou muito, porque tinha uma menina que ela não queria nada e quando Eurânia veio, a gente conversou com ela, eu, Eurânia, Nitalma e essa menina melhorou (RÉGIS, 2006, p. 16). 77 O Promedlac V orientou sobre a necessidade de modernizar a gestão educacional. Nessa direção, percebemos que o Art. 15, da LDB, estabelece que os sistemas de ensino assegurem, dentre outros aspectos, a autonomia pedagógica e administrativa das escolas. 117 Ao nosso ver, o fato de as coordenadoras pedagógicas não realizarem o acompanhamento regular, sistemático junto às unidades de ensino, os problemas relacionados ao ensino-aprendizagem se acumulam, quando uma visita poderia resolvê-los, encaminhar soluções. Para amenizar os problemas, uma das professoras entrevistadas comenta que, Quando a gente tem algum problema aí leva lá pra Secretaria, aí Nitalma, ou as meninas, é... Eurânia ou Gracinha, aí elas resolve. Tem o planejamento, né? Nitalma sempre pergunta como está, o que tá faltando. É assim. Eu gosto do trabalho delas nas escolas (SILVA, 2006, p. 16). As pessoas citadas são as coordenadoras pedagógicas que atendem às escolas do campo, em Jardim de Piranhas/RN. Têm a formação em pedagogia e são especialistas em educação, o que não havia antes da criação do Centro. As falas das professoras inferem que o trabalho da gestora e das coordenadoras, enquanto prática pedagógica, apresenta determinados avanços, apesar das dificuldades que ainda enfrentam. Apesar de existir um cronograma de visitas para as unidades de ensino do campo, a dificuldade de transporte para locomoção das supervisoras às unidades de ensino, o atendimento in loco fica limitado a uma visita anual. Sobre as dificuldades de conduzir o processo de gestão do Centro de Ensino Rural, em Jardim de Piranhas/RN, Queiroz, N. (2006, p. 19) ressalta: [...] Acompanhar diariamente o trabalho dos professores nas unidades que atuam, reuniões com os pais, falta de compromisso de alguns funcionários, falta de energia elétrica em algumas unidades, tecnologia que talvez não chegue até às mesmas. Não é fácil superá-las, mas estou tentando realizar a minha função de gestora com muito amor e dedicação, pois as dificuldades são muitas, e nossa clientela é muito carente. O que vemos perpassa os aspectos meramente administrativos, o desejo de acesso à tecnologia que está longe de chegar às escolas do campo, em Jardim de Piranhas/RN, a exemplo do que acontece em outros lugares. Essas evidências correspondem ao que 118 mostram os estudos de Castells (1999) e Santos (2004), sobre o caráter excludente e seletivo da propagação informacional, sobretudo no que concerne ao acesso a áreas rurais. A infra-estrutura precária – estradas, falta de energia elétrica – não possibilitam que as escolas do campo tenham acesso às tecnologias modernas. A ideologia que orienta as políticas de educação, dentre outras, tem neste setor uma expressão de atraso, muito embora os seus sujeitos apresentam-se potencialmente capazes de operar com eles, desde que sejam formados. Com relação à interação da gestão com os pais, as entrevistadas afirmam que o contato é mínimo, pois, as visitas da direção às comunidades escolares do campo não são freqüentes. Nesse particular, as professoras fazem a mediação entre os pais e a gestão do Centro de Ensino Rural. Medeiros, I. (2006, p. 17) ressalta que “[...] As coisas da escola a gente resolve por aqui mesmo. Quando querem alguma coisa, eles vêm aqui. Aqui todo mundo é conhecido, eles sempre passam. As casa é tudo perto”. Por outro lado, a relação dos professores – especialmente dos que moram nas comunidades rurais – com os pais, é a melhor possível. Esse fato fica evidenciado nas falas das entrevistadas. Régis (2006) afirma que até mesmo a reunião na escola é dispensável: “Aqui eu conheço todo mundo, quando eu tenho um problema eu vou diretamente a ele. Eu não faço reunião na escola, mas eu moro perto de todo mundo e tenho contato com eles, diariamente” (RÉGIS, 2006, p. 18). Para Medeiros, I. (2006, p. 18), alguns pais chegam até a ficar na escola durante todo o horário das aulas, ajudando à merendeira e conversando com outros pais: Eles vêm à escola, muitos vem deixar os filhos e ficam por aqui até a aula terminar. Qualquer problema que acontece assim com o aluno, porque toda escola tem, eu procuro conversar primeiro com os pais [...] mas eu me relaciono muito bem com os pais dos meus alunos. Bem demais! Diferentemente das outras, esta fala evidencia uma relação afetiva com os pais, sobretudo de amizade, e isso reforça o que diz Gentille (2002), quando diferencia a vida no campo pela ligação que as pessoas estabelecem com a terra e com seus frutos, bem como a amizade e os laços que se criam entre as professoras e a comunidade escolar, as quais 119 nascem do sentimento de pertencimento e da identidade, dele resultando como força propulsora. Um exemplo concreto dessa afirmação está na bandeira78 do Centro de Ensino Rural. Em 2003, a direção lançou um concurso de desenho para a escolha do logotipo da sua bandeira e todos expressaram aspectos da natureza, isto é, da terra. No entanto, apenas pertencer não garante uma educação de qualidade. Nesse particular, identificamos que a criação do Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista não superou, ainda, alguns descompassos da educação nesse setor, como os altos índices de reprovação, um problema universal da educação no meio rural em nosso país e que o município de Jardim de Piranhas/RN não foge à regra. O quadro abaixo, demonstra a situação dos últimos 7 anos: ANO MAT. EVASÃO ÍNDICE TRANSF. ÍNDICE APROV. INDICE REPROV. INDÍCE 1999 549 41 7,47% 75 13,66% 307 55,91% 126 22,95% 2000 507 54 10,65% 64 12,62% 208 41% 181 35,7% 2001 441 35 7,99% 35 7,99% 210 47,61% 158 35,82% 2002 399 22 5,54% 43 10,83% 192 48,12% 140 35,08% 2003 350 22 12,72% 28 8,6% 174 49,71% 98 28% 2004 327 31 11% 11 4% 142 43,42% 101 30,88% 2005 397 35 10% 30 9% 168 42,31% 100 25,18% QUADRO 3 Números da matrícula, aprovação, reprovação, evasão e transferência dos alunos das escolas do campo, em Jardim de Piranhas/RN, no período de 1996-2005. FONTE: Secretaria Municipal de Educação de Jardim de Piranhas/RN. Analisando os números de evasão, percebemos que, a partir de 1999, quando o Centro de Ensino Rural foi criado, esses casos diminuíram. Analisando, ainda, os números de transferência, observamos que, nos anos de 1999 e 2000, respectivamente, tivemos os maiores índices. A explicação para esses fatos justifica-se, em meio a outras razões, na ação do Ministério Público de Jardim de Piranhas, que em 1999, instituiu Inquérito Civil Público para apurar a responsabilidade pelo alto índice de evasão de crianças e adolescentes no município e indiciou 202 pais da cidade e do campo por crime de 78 O trabalho premiado (ANEXO G) foi o de Jucélio Dantas Cassiano, à época, matriculado na 4ª série. 120 abandono intelectual, como mostram os estudos de Oliveira, F. (1999). Como resultado dessa ação, percebemos que nos dois anos subseqüentes, ou seja, 2001 e 2002, ocorreram os menores índices. Naquele momento, muitas famílias, especialmente do campo, matricularam os seus filhos nas escolas ou mudaram-se para outros municípios. Entretanto, os números dos anos de 2003 a 2005 voltaram a apresentar um aumento da evasão, principalmente em 2003. Tal situação está associada ao fato de a maioria dos trabalhadores rurais do município dependerem do trabalho assalariado nas fazendas. Acontece que, em sua maioria, os moradores ou trabalhadores rurais são subordinados a viver nas terras de fazendeiros que, conforme Diegues Júnior (1976), torna-se mais complexa, pois, a concentração de terras é um problema universal. Em relação ao Continente Latino-americano, esta problemática é ressaltada nos estudos de Boron (2003); Ianni (1976); Nyerere (1981); Stavenhagen (1976), e torna-se evidente na particularidade do município de Jardim de Piranhas/RN, como mostra Queiroz, N. (2006). No ano de 2003, em particular, houve uma estiagem maior do que nos anos anteriores, provocando um ciclo mais intenso dentro do meio rural, bem como de migração para a cidade, buscando trabalho nas indústrias têxteis. Além da evasão e das transferências, um problema muito freqüente nas escolas do campo consiste na falta dos alunos às aulas durante o ano letivo. Dentre os motivos, os mais referenciados pelas entrevistadas foi o período eleitoral, quando os camponeses são atraídos pelos “showmícios” e levados em massa à cidade, pelos candidatos. Sobre a influência do processo eleitoral nas faltas dos alunos, Medeiros, I. (2006) enfatiza que: [...] durante a política é assim, um Deus nos acuda. Eles faltam aula demais, demais mesmo. Aí esse ano eu já tô pensando assim, que esse ano tem política, tem a copa e com certeza acontece novamente. Eles faltam demais. Qualquer coisa assim, qualquer acontecimento, qualquer coisa diferente que esteja acontecendo. Para este ano de Copa do Mundo, Medeiros, I. (2006) prevê que a freqüência às aulas será comprometida. Neste caso, o professor do campo não tem como remediar, pois, em alguns casos, as escolas sequer dispõem de energia elétrica, sendo impossível assistir aos jogos e enriquecer o trabalho pedagógico com os conteúdos que poderiam suscitar a 121 ampliação do currículo. O professor do campo não possui recursos audiovisuais, como a televisão, para trabalhar essa temática na escola. Ademais, atualmente, é muito comum nas casas das pessoas que moram no campo, mesmo as famílias mais pobres possuírem aparelho de televisão e antena parabólica. O período das chuvas também incide na falta dos alunos às aulas, porque os riachos e travessias impedem a sua passagem em direção à escola. Nesse período, os alunos também ajudam os seus pais nas atividades de colheita. A falta dos alunos preocupa as professoras e a direção do Centro de Ensino Rural, nos termos em que Medeiros, I. (2006, p. 18) se expressa: (Dá um suspiro) Ah! É difícil, Márcio. Eu faço reunião, converso com os pais. Eu sempre tô reunindo os pais aqui. Quando eu vejo que a coisa tá piorando muito assim, aí eu converso, chamo eles, faço uma reunião. Aí aqui, é o seguinte: porque a escola aqui é longe, fica distante. Da Lagoa Rachada até o Góis são 3km. E tem uns que tem 5, 6 anos e é difícil. Aí a mãe diz: “Não mulher, é porque tem dia que amanhece o dia e o menino diz que não vem pra escola porque tá cansado, porque é longe. É muito distante”. Nesse depoimento, identificamos também que um outro problema é a distância entre a residência dos alunos e a escola. Como as crianças ainda são pequenas, nem sempre estão dispostas a caminhar por distâncias maiores. Nesses casos, as professoras procuram compensar as faltas com atividades extras, a exemplo do que mostra Silva, M. (2006, p. 18): Sempre a gente dá uma tarefinha pra eles levar para casa. Quando falta a gente dá uma tarefa. Se hoje vem um aluno e o outro não pôde vim por conta do riacho, a gente, no outro dia quando ele vem, volta as aulas, a gente dá a matéria a ele. Manda ele pegar a matéria, e revisa. 122 Para melhor posicionar-se diante dessas situações, Queiroz, N. (2006) relata que busca informações com colegas gestores de outros municípios e tem constatado que o fato é peculiar a outras escolas do campo. Vemos, assim, que a educação do campo, em Jardim de Piranhas/RN, apresenta-se em um contexto de descontinuidades, sobretudo na sua trajetória político-pedagógica. Mesmo com a criação do Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, essa trajetória continua associada à realidade educacional histórica do país, quer pelas políticas de educação, quer pelas questões concernentes à educação no campo. O Centro de Ensino Rural foi criado, mas não está devidamente credenciado junto à SECD. A sua existência legal é meramente representada pela Lei municipal que o criou: Na época da criação do Centro, toda a documentação exigida foi encaminhada para a SEMEC, onde deveria ser analisada e posteriormente, autorizada. Mas por equívocos do Executivo Municipal na redação do documento de criação que, ao invés de unidades de ensino, colocou escolas, fez voltar o processo para as devidas alterações. Uma nova Lei dispôs as alterações, porém, não deram continuidade ao processo, ou seja, não encaminharam ao órgão competente a documentação para a autorização do referido Centro (SANTOS, Marize 2006, p. 21). A entrevistada reporta-se ao período 2001-2004, ao ressaltar que a SECD devolveu à SEMEC os documentos pertinentes à regularização do Centro, para que fossem feitos os devidos ajustes, mas o processo não teve continuidade. Diante desse fato, o Centro Rural é reconhecido apenas como uma entidade municipal, mantendo-se, exclusivamente, com recursos dessa instância, exceto os do FUNDEF. Os recursos do PDDE, destinados às unidades de ensino, por exemplo, estão vinculados à Prefeitura Municipal, uma vez que estas não possuem um Conselho nem um Caixa Escolar estruturados, além de não ser credenciado junto à SECD. Somando-se a estas e outras dificuldades que enfrenta a gestão do Centro de Ensino Rural, a perspectiva 123 de autonomia administrativo-financeira e pedagógica torna-se, cada vez mais, difícil. Estudos79 de Medeiros e Fernandes (2002, p. 29), mostram que: De acordo com os dados levantados, o Centro de Ensino Rural [...] está distante de se tornar uma gestão mais aprimorada, devido os empecilhos dos dirigentes políticos, já que não temos sede própria e ficamos à mercê da Secretaria Municipal de Educação. Com relação à gestão do processo pedagógico, identificamos significativas mudanças, ocorridas por meio do ordenamento dos aspectos propostos nas políticas nacionais de educação, sobretudo, a reforma do ensino, em vigor a partir dos anos de 1990, o que obrigou à reorganização da educação em todos os âmbitos do país. Sobre a temática da política de Educação do Campo, em Jardim de Piranhas/RN, o debate está em vias de formação. Em 2002, quando as Diretrizes Operacionais foram aprovadas, o Centro de Ensino Rural reformulou o seu projeto político-pedagógico, mas, não em função destas. Também não estabeleceu uma diretriz específica sobre a política de Educação do Campo. A reformulação pautou-se nas orientações do plano de ação do Programa Melhoria da Educação do Município, elaborado pelo CENPEC, e, mais especificamente, como culminância do FORMAGEST.80 A exemplo do primeiro projeto político-pedagógico, nenhuma alusão foi feita às especificidades da LDB para as escolas do campo, nem às Diretrizes Operacionais, recém- editadas. Em linhas gerais, como pontos positivos, o projeto caracterizou as unidades de ensino, descrevendo as suas precárias condições, as quais: [...] na sua maioria, não possuem estrutura física adequada, faltando um pátio para realização de atividades recreativas, em algumas unidades, existem currais muito próximos às escolas, o que favorece o 79 Trabalho de caracterização e avaliação institucional do Centro de Ensino Rural, realizado por Medeiros e Fernandes (2002), na disciplina Organização e Gestão da escola, do curso de pedagogia – PROBASICA/Caicó. 80 O FORMAGEST foi orientado pela 10ª DIRED. As coordenadoras pedagógicas das escolas, inclusive as do campo, coordenavam esse trabalho junto aos professores, por meio de jornais temáticos – sobre o Projeto Político-Pedagógico – editados pelo Jornal a “Tribuna do Norte”. Essa capacitação teve uma carga-horária de 180 horas, e exigia como trabalho final, a reelaboração desses projetos, nas escolas. 124 aparecimento de moscas, mal-cheiro, etc, além da invasão de pardais e morcegos [...] (RIO GRANDE DO NORTE, 2002, p. 16) Essa situação, concernente às escolas que se localizam próximas aos currais, ainda permanece, pelo fato de estas localizarem-se, por exemplo, em propriedades privadas, dos fazendeiros. Nas metas do Projeto, constam as necessidades de oferecer um aparato metodológico para as turmas multisseriadas, melhoria e ampliação das unidades de ensino, como a eletrificação das escolas, maior articulação entre os sujeitos pedagógicos nos processos de gestão e de ensino do Centro de Ensino Rural, bem como a construção da sua sede própria. Ainda merece destaque o fato de ter considerado como relevante a interação dos alunos organizados em turmas multisseriadas, a exemplo do que ressalta Arroyo (1999), embora não apresente proposições concretas para superar os problemas que decorrem dessa organização. Os profissionais do Centro de Ensino Rural, em Jardim de Piranhas/RN, só tomaram conhecimento da política de Educação do Campo, assim como da existência das Diretrizes Operacionais por ocasião de nossa aprovação no Mestrado do Programa de Pós-graduação em Educação, da UFRN, quando levamos essa discussão para alguns sujeitos do Centro de Ensino Rural, dentre os quais Queiroz, N. (2006), atual diretora. Em abril de 2005, quando a SECAD promoveu o I Seminário de Educação e Diversidade do Campo, em Natal/RN, Queiroz, N. (2006) fez-se presente, representando, oficialmente, a SEMEC de Jardim de Piranhas/RN, bem como o Centro de Ensino Rural. Na ocasião, junto com outros representantes dos municípios do Estado, tiveram a oportunidade de integrar-se a essa discussão nacional. Em novembro de 2005, a SEMEC de Jardim de Piranhas/RN realizou o 1º Seminário Municipal de Educação do Campo, a fim de discutir as Diretrizes Operacionais. Participamos deste evento como convidado a fazer uma retrospectiva histórica das Diretrizes e o seu significado para a educação no campo. Ao encontro, estavam presentes o Prefeito do município, a Secretária Municipal de Educação, vereadores, representantes de associações rurais, do empresariado local, professores, alunos e pais. Na ocasião: Aconteceram oficinas em que os participantes demonstraram suas dificuldades e o que almejam na educação do campo. O público-alvo [...] 125 ressaltou que deseja muito uma educação de qualidade, efetiva e significativa, que seja condizente com a realidade social das crianças, que haja, nas escolas, melhor estrutura física, com quadra de futebol e água de boa qualidade [...] (JARDIM DE PIRANHAS, 2005, p. 6). Esse Seminário constituiu-se em um marco da educação do campo no município, pois nunca havia ocorrido algo semelhante. O Seminário propiciou, ainda, discutir sobre perspectivas, entraves e avaliar a conjuntura atual. Segundo o relatório do evento, o “[...] encontro foi de suma importância para todos que fazem a educação do campo, e acreditamos que unidos lutaremos para chegarmos a uma educação de qualidade” (JARDIM DE PIRANHAS, 2005, p. 6). Na oportunidade, podemos divulgar e enfatizar a importância dos nossos estudos para a discussão da política de educação do campo no município. Concordamos que esse Seminário, em Jardim de Piranhas/RN, tenha sido um passo importante para que os sujeitos que integram o Centro de Ensino Rural possam vislumbrar repensá-lo, dimensionando-o para atender ao novo projeto de Educação do Campo. Mas a discussão ainda é estranha, até mesmo para as professoras que participaram desse evento. Quando perguntamos sobre a política de educação do campo no município, uma das entrevistadas respondeu que não sabia de nenhum assunto relacionado à questão: “Não tenho esse conhecimento. Eu até refleti sobre isso, essa pergunta eu só sei dizer não, porque eu pensei, imaginei, mas não sei.” (ALVES, 2006, p. 19). Na mesma perspectiva, Silva, M. (2006, p. 19) ressaltou ignorar o assunto: “Essa política? Eu não sei não”. As entrevistas foram realizadas em janeiro de 2006, dois meses depois da realização do Seminário. Evidenciamos, dessa forma, que o debate ainda não está articulado e/ou não teve uma continuação junto à comunidade escolar, em seu cotidiano. A política de Educação do Campo, em Jardim de Piranhas/RN, assim como em todos os sistemas de educação do país é uma utopia necessária, pois, como afirma Queiroz, N. (2006), “[...] ainda continua no papel. Espero que um dia ela seja inserida em nosso município” (QUEIROZ, N. 2006, p. 6). Para Medeiros, I. (2006, p. 6): A política de educação do campo? É muito difícil aquilo ali. Conversando com as mães que participaram – é difícil – elas não acreditam, né? Eu sei que tem que sonhar, mas é difícil. Mas eu tenho fé ainda que vai chegar a política de educação no campo. Seria muito interessante. 126 Nesse sentido, discordamos da entrevistada, pois simplesmente sonhar e ter fé não são suficientes para que uma política seja efetivada. Porém, como sujeitos de direito e da política, podemos reagir e também sonhar, é claro, com um Centro de Ensino Rural de Jardim de Piranhas/RN, que não só tenha problemas, pois é em suas contradições que mantém as unidades de ensino em funcionamento, crianças e jovens estudando – e sonhando também –, ainda que diferente do passado, porque tudo mudou e a escola também muda. 127 CONCLUSÕES Em nosso estudo, propusemo-nos a estudar o processo de reorganização da educação rural em Jardim de Piranhas/RN, no contexto das políticas de educação, em particular no período de 1999-2006, analisando as transformações no cenário socioeconômico, político e cultural em nível local, regional e nacional. Nesse contexto, em 1999, foi fundado o Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, em um contexto de reformas educativas em âmbito internacional e nacional, com repercussão local, promovendo a reorganização do sistema de educação municipal. Até à criação do Centro, as escolas funcionavam em condições físicas e de infra- estrutura por demais precárias, ou seja, sem energia elétrica, nem abastecimento d’água, merenda escolar e a menor estrutura de gestão. Inexistia um projeto pedagógico específico para o setor. Ademais, as professoras que trabalhavam, predominantemente, com turmas multisseriadas, ainda cumpriam as funções de gestoras, zeladoras, merendeiras e até mesmo de secretária escolar. Atualmente, existe uma zeladora/merendeira, para cada unidade de ensino. Contudo, mesmo com a criação desse Centro, o sistema municipal de ensino não se mostrou capaz de superar problemas que enfrentava. Também não conseguiu diminuir a carga de trabalho dos professores, tampouco dar maior consistência ao projeto pedagógico elaborado e reelaborado em 1999 e 2002, respectivamente, sob a justificativa de oferecer a essas escolas uma nova consciência pedagógica. Em meio a esse processo, houve uma intervenção da DRT no quadro socioeconômico do município, a fim de corrigir a informalidade do setor têxtil, visando à regularização das relações de trabalho, à melhoria das condições de segurança e saúde na atividade da indústria têxtil, à regularização de alguns aspectos ilegais, como a retirada de crianças e adolescentes do trabalho precoce, o que gerava, por exemplo, altos índices de abandono e reprovação escolar. Outro acontecimento ligado à educação esteve relacionado a essa ação da DRT. Na mesma época em que combatiam a informalidade e a irregularidade de alguns setores da atividade têxtil em Jardim de Piranhas/RN e a erradicação da exploração do trabalho infantil, o Ministério Público local também recebeu denúncias do conselho municipal do FUNDEF em 1999, sobre a aplicação indevida desses recursos por parte do poder executivo municipal. A promotoria, que já vinha atuando como parceira da DRT nas ações 128 do projeto Empregador legal, trabalhador cidadão, instituiu um inquérito civil público a fim de apurar essas irregularidades na aplicação desse fundo. Em decorrência desse processo, em 1999, a prefeitura municipal assinou um termo de ajustamento de conduta, comprometendo-se não só a aplicar devidamente os recursos, bem como a efetivar uma série de medidas político-pedagógicas para o sistema de ensino local, inclusive para as escolas do campo. Foi nesse contexto que a educação rural do município foi reorganizada. Com a implantação e a devida aplicação dos recursos do FUNDEF, os profissionais da educação do Centro de Ensino Rural, a exemplo de outros em Jardim de Piranhas/RN, asseguraram a definição de uma política salarial, consolidada no Plano de Cargos, Carreira e Salários do Magistério Municipal, que antes não existia. Ainda com relação a esse fundo, foi proporcionada ao gestor, às coordenadoras pedagógicas e aos professores a participação em cursos de formação, como o PROBASICA. Essa medida colocou o município em uma situação privilegiada, porque a maioria dos professores do Centro passou a ter formação mínima exigida para a docência, em nível médio, curso superior completo ou em curso, o que ainda é uma dificuldade a ser superada em âmbito nacional. Outra particularidade positiva neste Plano foi a garantia de um auxílio transporte para os professores que trabalham no campo e moram na cidade. Com isso, o município cumpre o seu dever de atender à demanda de alunos matriculados nas 19 unidades de ensino, evitando que esses se desloquem do campo para a cidade. Há uma unanimidade entre as entrevistadas, quanto à importância da melhoria na provisão de material didático e de apoio e da merenda escolar. Todas concordam com a necessidade de melhoria nas condições do perfil administrativo-pedagógico e no acompanhamento pedagógico. Antes da criação do Centro, não existia merenda escolar regularmente, além de as professoras acumularem outras funções, como já foi dito. Com o Centro, os professores dessas escolas passaram a realizar um planejamento específico, o que não ocorria anteriormente, muito embora não haja, ainda, especificidades, como um calendário escolar e nem um currículo adequado às atividades sazonais das escolas do campo, como propõe a LDB e as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Ademais, as escolas funcionavam isoladamente, sem qualquer direcionamento administrativo-pedagógico. Com a reorganização educacional, as escolas passaram a dispor de uma diretora, de uma coordenadora administrativa e de duas coordenadoras pedagógicas, permitindo a descentralização pedagógica da SEMEC, embora não existisse 129 uma vice-diretora e a sede do Centro ainda estivesse centralizada na SEMEC e em condições funcionais desfavoráveis. Contudo, as escolas rurais ainda permancem isoladas, geograficamente, o que explica a grande quantidade de morcegos e de pardais no interior dessas escolas. Antes desse processo de reorganização, também não era realizado o abastecimento d’água nas escolas, o que obrigava as professoras a desempenhar essa tarefa em lombos de jumentos ou em latões de alumínio. O material escolar, para os alunos, e o de expediente e o didático-pedagógico, para as professoras, também não eram fornecidos. Após o Centro, passou-se a distribuir, todos os anos, esses tipos de material. Antes também não havia energia elétrica nas escolas do campo. Hoje, 17, das 19 unidades, dispõem do serviço. Apesar da melhoria na estrutura física de algumas, com a construção de cozinhas e banheiros, as salas de aula permanecem as mesmas da década de 1970, além de não contarem com espaço para o lazer nem para a refeição dos alunos. Nenhuma escola do campo, em Jardim de Piranhas/RN, possui biblioteca nem acesso a recursos da informática. Potencialmente, tanto essas escolas quanto as pessoas que nelas trabalham ou estudam teriam condições de desenvolver habilidades e estudos na área tecnológica, requeridos pela economia global e informacional. No entanto, as políticas de educação vigentes em nosso país, sobretudo aquelas voltadas para o campo, parecem adiar ou mesmo impedir tais possibilidades. Sabemos, ainda, que muitas pessoas lutam e relutam para fazer-se pertencer cada vez mais ao campo. Nesse aspecto, o município se destaca, visto que muitas escolas, na Região do Seridó, já fecharam. Mesmo com um número limitado, as unidades de ensino garantem o direito à educação dos anos de estudos iniciais do Ensino Fundamental. E esse é, entre outros, um dos princípios fundamentais para a garantia de uma política de educação de qualidade, quer no campo, quer na cidade. Entretanto, percebemos que, ao contrário do que acontece com os estudantes da cidade, os alunos que moram no campo não podem continuar os estudos no seu próprio lugar, senão, deslocando-se, muitas vezes de forma inadequada, em transportes do tipo pau-de-arara ou em ônibus superlotados, para prosseguir estudos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, além de sofrerem preconceitos por parte dos seus colegas da cidade. Essa realidade, como já vimos, não é uma peculiaridade desse município, mas expressa a limitação das condições de atendimento, o que não deixa de ser um descaso das políticas de educação do país para esse setor. 130 Um dos maiores problemas, ou até mesmo o maior, que chega quase a incomodar sobremaneira as professoras, como Medeiros, I. (2006) manifestou, é o trabalho com as turmas multisseriadas. Nesse aspecto, praticamente não aconteceu nenhuma mudança, embora, algumas turmas tenham sido subdivididas em turnos diferentes. Os espaços físicos permanecem limitados e o atendimento escolar comprometido. Associado a isso, está a precariedade das condições materiais das escolas, a sobrecarga de trabalho dos professores, a falta de acompanhamento pedagógico específico, o planejamento e o currículo deslocados da realidade, como já dissemos. Daí resulta o fracasso escolar, que gera altos índices de reprovação e a distorção série-idade, reunindo alunos de idades díspares, como relatam as pessoas entrevistadas. Nenhum curso e nenhuma capacitação, entre aquelas que descrevemos e analisamos em nossos estudos, consideraram essa problemática. Existe, por exemplo, a metodologia do Programa Escola Ativa, que desenvolve um trabalho específico para as turmas multisseriadas. Porém, o município ainda não conseguiu adesão a esse programa e mesmo que o faça, supomos a sua não operacionalização em todas as escolas. Mesmo que isso suceda gradativamente, não podemos afirmar que esse programa garanta a qualidade da educação nas escolas do campo, porque não há nenhuma avaliação a seu respeito. Para vislumbrar proposições ou amenizar os problemas identificados na educação rural, quer no país, quer em Jardim de Piranhas/RN, é necessário repensar as políticas, a prática e a práxis pedagógica e pôr em prática aquilo que já está determinado nas leis, como na LDB e nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Os programas emergenciais e inconsistentes, ou até mesmo as políticas efetivadas até então, não foram capazes de amenizar os descompassos existentes na educação do rural, senão só reforçou o caráter desqualificado e atrasado com que a tratam. Nesse sentido, observamos que, nos últimos anos, os movimentos sociais e sindicais do campo, bem como pessoas e instituições interessadas em construir um cenário diferente para a educação nesse setor e as referidas diretrizes aprovadas em 2002, representam um marco de conquista. Isso resultou de muitos debates, lutas e até rebeldias desses movimentos, uma vez que eles não se limitaram ao conformismo e não cruzaram os braços diante das indiferenças dos sucessivos governos e das inoperantes políticas, inclusive, as de educação. Quanto ao exemplo do município de Jardim de Piranhas/RN, supomos que a garantia da qualidade da educação, em particular no campo, exija dos integrantes da 131 comunidade escolar do Centro de Ensino Rural Profª Maria Edite Batista superação dos sonhos ou do só tem lá, tem que ir mesmo, como afirmam as entrevistadas. É necessário que partam para um debate mais consistente no campo pedagógico, construindo uma proposta de educação de qualidade, pautando-se, inclusive, nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e na LDB, o que não ocorreu em seu processo de reorganização. Tais iniciativas devem partir daqueles que são ou que se julgam ser sujeitos de uma nova consciência da educação rural, como proclamam os projetos político-pedagógicos das escolas rurais desse município. Ao pensar em construir e/ou reformular a proposta pedagógica do Centro de Ensino Rural de Jardim de Piranhas/RN, é imprescindível assegurar o espaço e a participação dos sujeitos que compõem a comunidade escolar. Isso pode evitar o surgimento de propostas que desconhecem e ignoram, muitas vezes, as especificidades dessas pessoas, que têm uma identidade e uma realidade próprias. Afinal, o município é um dos poucos da Região que, ao concentrar a maior parcela dos seus habitantes no espaço urbano, conseguiu, em meio a todos os entraves e descompassos, manter a maior parte das escolas do campo em funcionamento. Sabemos que é um desafio, pois a história e as políticas de educação do nosso país não têm contribuído para se vislumbrarmos tais perspectivas. Nesse contexto, a discussão da Educação do Campo – enquanto política de educação – e das próprias Diretrizes Operacionais para a Escola Básica nas Escolas do Campo ainda é desconhecida pela maioria das Secretarias Municipais de Educação. Apesar de o município de Jardim de Piranhas/RN já ter avançado nesse sentido, uma vez que promoveu o I Seminário Municipal de Educação do Campo, a fim de apresentar e discutir as diretrizes, percebemos nas falas das entrevistadas que o assunto ainda é vago, inconsistente. Assim, entendemos que os nossos estudos introduziram a possibilidade de ampliar essa discussão não só em Jardim de Piranhas/RN, como também na Região do Seridó. Durante a execução de nossa pesquisa, tivemos a oportunidade de difundi-la na esfera estadual, regional e municipal. Quando iniciamos os nossos estudos em nível de Mestrado, no período 2004.2, sequer o Estado do Rio Grande do Norte discutia as Diretrizes Operacionais da Educação Básica nas Escolas do Campo. Tanto é, que fomos convidados a colaborar na organização e realização do I Seminário Estadual de Educação e Diversidade do Campo, em abril de 2005, em Natal/RN. Em nível regional, articulamos diversas 132 atividades acadêmicas no CERES/Caicó, relacionadas à nossa pesquisa, inclusive, orientando trabalhos, como projetos e monografias sobre a temática. Especificamente em Jardim de Piranhas/RN, estamos dando um retorno educacional importante para o município, tendo em vista que uma pesquisa científica ultrapassa os limites do senso comum, do não sei por que as coisas são assim ou do eu acho que tem que ser assim mesmo. Abrem-se os espaços para uma reflexão pedagógica direcionada à práxis dos sujeitos que compõem o Centro de Ensino Rural Professora Maria Edite Batista, partindo de uma realidade repleta de contradições e de desafios, mas também de possibilidades de mudanças político-pedagógicas para a educação do campo em Jardim de Piranhas/RN. 133 REFERÊNCIAS A CIVILIZAÇÃO do campo: quem são e como vivem os protagonistas da revolução do agronegócio brasileiro. Veja, São Paulo, ano 37, n. 39, p. 88-96, 29 set. 2004. ADURRAMÁN, Wilson Leon. et al. Escola Ativa: capacitação de professores. Brasília: MEC/FUNDESCOLA, 1999. ALVES, Domerina Francisca. Entrevista concedida a Márcio Adriano de Azevedo. Jardim de Piranhas/RN, 11 jan. 2006. ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: EMIR, Sader; GENTILI, Pablo. (Orgs). Pós-neoliberalismo: as políticas e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ANDRADE, Márcia Regina; DI PIERRO, Maria Clara. 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