1 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE ARTES O ATELIÊ DE ARTE COMO INSPIRAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS NO ENSINO DE ARTES VISUAIS NA ESCOLA JOÃO MARIA DOS SANTOS DAMASCENO NATAL/RN 2016 2 JOÃO MARIA DOS SANTOS DAMASCENO O ATELIÊ DE ARTE COMO INSPIRAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS NO ENSINO DE ARTES VISUAIS NA ESCOLA Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Artes – ProfArtes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ensino de Artes, na área de concentração Ensino de Artes, linha de Pesquisa Processos de ensino, aprendizagem e criação em artes. Orientador: Prof. Dr. Rogério Junior Correia Tavares NATAL/RN 2016 3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Damasceno, João Maria dos Santos. O ateliê de arte como inspiração para a criação de espaços no ensino de artes visuais na escola / João Maria dos Santos Damasceno. - 2016. 131 f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Ensino de Artes, Natal, 2016. Orientador: Prof. Dr. Rogério Junior Correia Tavares. 1. Arte e Educação - Dissertação. 2. Espaço (Arte) - Dissertação. 3. Ateliê de arte - Dissertação. 4. Artes visuais - Dissertação. 5. Arte - Estudo e ensino - Dissertação. I. Tavares, Rogério Junior Correia. II. Título. RN/UF/BS-DEART CDU 7+37(043.3) 4 5 Ao pequeno João Davi. 6 AGRADECIMENTOS Expresso a minha gratidão inicialmente a Deus, supremo Maestro da existência, Criador dos mais complexos sistemas espaciais que a mente humana possa conter, além dos infinitos espaços que não podemos mensurar no cosmos ou no plano transcendental. Ao que desenhou com inteligência suprema tudo que há sob a terra, sobre a mesma, nos céus e sobre os céus. E que projetou o ser humano à Sua imagem e semelhança como o ser existente mais complexo do Seu projeto. Ao que me capacita para toda boa obra. A Ele minha gratidão maior. À minha mãe querida, que com garra e coragem enfrentou muitos obstáculos, vencendo lutas e ultrapassando barreiras para dar o melhor para os seus, entre os quais me incluo com privilégio. Meus sinceros agradecimentos ao Professor Roger Tavares, meu orientador, que me confiou desde o início deste programa de mestrado a tarefa de escrever esta investigação. A sua ajuda, experiência, paciência, competência, compartilhamento de ideias, sugestões e respeito foram determinantes para o meu desempenho e para a conclusão deste trabalho. Menciono aqui meus reconhecimentos aos professores Sávio Araújo, Marcos Andruchack e Maura Bezerra, que se dispuseram a contribuir de forma brilhante para o crescimento deste texto. Agradeço aos que contribuíram para a coleta de dados desta dissertação, especificamente na visita de campo aos artistas, que precisou de auxílio no registro e gravação das entrevistas e dos espaços de trabalho de cada profissional. Para tanto, meu muito obrigado ao amigo e professor Marcos Queiroz e à minha noiva Rayssa Torres por todo apoio prestado com muita gentileza. Grato também à Érica Torres, que pontuou algumas observações que contribuíram muito na construção do croqui do espaço sugerido no capítulo final desta dissertação. Incluo aqui o meu reconhecimento a todos os artistas entrevistados, os quais me receberam com muita prontidão em seus ateliês e deram uma significativa contribuição para o projeto final desta investigação, sendo parte dela coletada através de informações via e-mail. Estes merecem igualmente o meu respeito. Para alguns me refiro de forma muito especial, como Pedro Roberto e Vicente Vitoriano, pois enquanto professores durante a minha graduação colaboraram também para a minha formação acadêmica e profissional. Os demais artistas entrevistados dignos da minha gratidão são Assis Costa, João Antônio e Clarissa Torres. Minha gratidão a todos os meus amigos e colegas desta turma de mestrado. Pelo companheirismo e apoio na passagem de cada etapa. Pelos compartilhamentos profissionais e cumplicidades ao longo deste programa. Por fim, aos que de alguma maneira contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste importante trabalho, o que inclui os meus queridos alunos de ontem e de hoje, sem os quais boa parte deste texto não teria sentido. 7 “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. Paulo Freire (FREIRE, p. 29). 8 RESUMO Esta investigação compreende a importância do espaço de atuação do professor para o processo de ensino e aprendizagem de arte na sala de aula. Traz depoimentos de professores e artistas que ressaltam o ateliê de arte como espaço imprescindível para a produção artística. Toma-se como eixos norteadores desta discussão exemplos de propostas pedagógicas como a Escola da Ponte, Pedagogia de Reggio Emília e as Técnicas Freinet, as quais fundamentam-se em ideias que, epistemologicamente, se contrapõem aos modelos tradicionais, tornando-se inovadoras e merecedoras de atenção para possíveis reflexões sobre a situação educacional brasileira atual, principalmente no tocante ao ensino de Arte em escolas públicas. O trabalho faz referência a alguns artistas atuantes no Rio Grande do Norte que enfatizam a importância do ateliê de arte como lugar de produção de conhecimento. Verifica-se também a opinião de alguns alunos do ensino médio sobre o que os mesmos pensam a respeito do espaço que utilizam na escola para a disciplina de Artes Visuais. Parte-se da hipótese de que o espaço de produção artística torna-se um importante articulador no processo de desenvolvimento para o trabalho de alunos numa escola. Sendo, portanto, um recurso significativo no amparo aos objetivos da disciplina. As discussões problematizadas refletiram sobre os parâmetros e critérios educacionais atuais, os quais indicam o quanto a influência da estrutura física e dos ambientes podem ser determinantes para o ensino- aprendizagem. Também colaboraram para uma proposta de ateliê de arte explicitada no último capítulo. Palavras-chave: Ateliê de arte. Espaço educativo. Escola. Artes Visuais. 9 ABSTRACT This investigation embraces the importance of the teacher's performance space for Arts teaching and learning process in the classroom. Therefore, the text brings testimonials from teachers and artists who emphasize the art studio as essential for artistic production. The guiding principles of this discussion are examples of pedagogical proposals as the ‘Escola da Ponte’, Pedagogy of Reggio Emilia and Freinet techniques, which are based on ideas that, epistemically, counteract the traditional models, becoming innovative and worthy of attention for possible reflections on the current Brazilian educational situation, especially with regard to Arts education in public schools. The paper refers to some artists from Rio Grande do Norte that emphasize the importance of the art studio as a place of knowledge production. There is also the view of some high school students about what they think of the space used in the school subject of Visual Arts. It also assumes that the space of artistic production is fundamental in the process of developing the work of students in school as well as a significant feature in the support to the objectives of the subject. It discusses the gaps, constraints and limitations in the school context in terms of spaces for Visual Arts activities. In addition, the aim is to discuss the subject from current parameters and educational criteria, which indicate how the influence of physical structure and the environment can be determinant in the teaching-learning process. Also contributed to a proposal for art studio explained in the last chapter. Keywords: Art studio. Space. School. Visual Arts. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 - GIOTTO, LAMENTATION. 1306. 21 FIGURA 2 - VITRAL GÓTICO 22 FIGURA 3 - CATEDRAL GÓTICA 22 FIGURA 4 - ALUNO PRODUZINDO NO ATELIÊ DE ARTE 30 FIGURA 5 - ALUNO PRODUZINDO NO ATELIÊ DE ARTE 31 FIGURA 6 - ALUNO PRODUZINDO NO ATELIÊ DE ARTE 31 FIGURA 7 - EXPOSIÇÃO DE ARTE 32 FIGURA 8 - ALUNOS PRODUZINDO EM FRENTE AO ATELIÊ DE ARTE 33 FIGURA 9 - SAGUÃO PARA EXPOSIÇÃO DE ARTE 34 FIGURA 10 - SALA DE AULA MODELO FREINET 41 FIGURA 11 - ESPAÇO CENOTEC 45 FIGURA 12 - ESPAÇO CENOTEC 45 FIGURA 13- FRANCISCANOS, GIOTTO 47 FIGURA 14 - "BICHOS", LYGIA CLARK 48 FIGURA 15 - "CAMINHANDO", LYGIA CLARK 48 FIGURA 16 - ATELIÊ DE MONDRIAN 49 FIGURA 17 - ATELIÊ DE MARCEL DUCHAMP 50 FIGURA 18 - ATELIÊ DE BRANCUSI 51 FIGURA 19 - ATELIÊ DE REGGIO EMILIA 55 FIGURA 20 - ATELIÊ DE REGGIO EMILIA - PLANTA DE AMBIENTE PRÉ-ESCOLAR 56 FIGURA 21 - ATELIÊ DE REGGIO EMILIA (ESCOLA PABLO NERUDA) 56 FIGURA 22 - ALUNOS ELABORANDO ATIVIDADE DE ARTES VISUAIS 63 FIGURA 23 - ALUNOS ELABORANDO ATIVIDADE DE ARTES VISUAIS 63 FIGURA 24 - ALUNOS ELABORANDO ATIVIDADE DE ARTES VISUAIS 64 FIGURA 25 - ENTREVISTA COM PEDRO ROBERTO 68 FIGURA 26 - ATELIÊ DE ASSIS COSTA 69 FIGURA 27 - ATELIÊ DE ASSIS COSTA 71 FIGURA 28 - ATELIÊ DE ASSIS COSTA 71 FIGURA 29 - ATELIÊ DE ASSIS COSTA 72 FIGURA 30 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 73 FIGURA 31 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 75 FIGURA 32 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO - BIBLIOTECA PESSOAL 76 FIGURA 33 - ATELIÊ DE CLARISSA TORRES 77 FIGURA 34 - VICENTE VITORIANO 78 FIGURA 35 - PLANTA BAIXA DE PROPOSIÇÃO DO ATELIÊ DE ARTES VISUAIS 83 11 FIGURA 36 – PLANTA BAIXA DE ATELIÊ EM 3D 84 FIGURA 37 - ASSIS COSTA EM SEU ATELIÊ 93 FIGURA 38 - PINCEIS DE ASSIS COSTA 94 FIGURA 39 - PINCEIS DE ASSIS COSTA 95 FIGURA 40 - ATELIÊ DE CLARISSA TORRES 96 FIGURA 41 - ATELIÊ DE CLARISSA TORRES 96 FIGURA 42 - ATELIÊ DE CLARISSA TORRES 98 FIGURA 43 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 100 FIGURA 44 - JOÃO ANTONIO EM SEU ATELIÊ 101 FIGURA 45 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 103 FIGURA 46 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 105 FIGURA 47 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 106 FIGURA 48 - ATELIÊ DE JOÃO ANTONIO 106 FIGURA 49 - PEDRO ROBERTO EM SEU ATELIÊ 107 FIGURA 50 - ATELIÊ DE PEDRO ROBERTO 108 FIGURA 51 - ATELIÊ DE PEDRO ROBERTO 109 FIGURA 52 - ATELIÊ DE PEDRO ROBERTO 110 FIGURA 53 - PEDRO ROBERTO EM SEU ATELIÊ 111 FIGURA 54 - ATELIÊ DE PEDRO ROBERTO 112 FIGURA 55 - ATELIÊ DE PEDRO ROBERTO 113 FIGURA 56 - AMBIENTES PARA ENSINAMENTOS TÉCNICOS E OFICINAS DE TRABALHOS MANUAIS 120 FIGURA 57 - ÁREA DESTINADA ÀS CIÊNCIAS NATURAIS 121 FIGURA 58 - SALAS PARA CIÊNCIAS NATURAIS 122 FIGURA 59 - SALAS DE MATÉRIAS TÉCNICAS, CONTABILIDADE E ARTE 123 FIGURA 60 - ÁREA DE ENSINAMENTOS TÉCNICOS E ARTESANAIS 124 FIGURA 61 - AMBIENTES PARA MÚSICA E ARTE 125 FIGURA 62 - SALAS DE AULAS CONVENCIONAIS 126 FIGURA 63- PLANTA DE ESCOLA PROFISSIONALIZANTE 127 FIGURA 64 - SALA DE PINTURA 128 FIGURA 65 - SALA DE PINTURA 129 FIGURA 66 - ESPAÇO PARA DESENHO 130 FIGURA 67 - BANCADA DE TRABALHO ALTA 131 12 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - INFLUÊNCIA DO ESPAÇO NO APRENDIZADO EM ARTES ............ 58 GRÁFICO 2 - ESPAÇOS ADEQUADOS PARA ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS NA INSTITUIÇÃO.......................................................................................................59 GRÁFICO 3 - PERCEPÇÃO DOS ESPAÇOS DESTINADOS ÀS ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS........................................................................................................62 GRÁFICO 4 - ÍTENS NECESSÁRIOS NUMA SALA DE ARTES VISUAIS .............. 65 13 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC – Base Nacional Comum Curricular CENOTEC – Laboratório Estudos Cenográficos e Tecnologias da Cena/UFRN IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais PPP – Projeto Político Pedagógico PNE – Plano Nacional de Educação RCN’s – Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 14 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14 2 SALA DE ARTE – UM LUGAR PARA A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO .................................................................................................................................. 20 2.1 As diversas concepções de espaço ................................................................. 21 2.2 O ambiente escolar e a educação ................................................................... 24 2.2.1 Aspectos arquitetônicos ................................................................................... 26 2.3 Arte na educação escolar ................................................................................ 27 2.3.1 Organização do espaço para o ensino de Artes Visuais em algumas escolas .................................................................................................................................. 29 3 REFERENCIANDO O ESPAÇO PARA AS AULAS DE ARTES VISUAIS NAS ESCOLAS – UM LUGAR PARA PENSAR, CRIAR E PRODUZIR ................................... 36 3.1 O ensino de Arte e a Ergonomia no processo de ensino-aprendizagem ......... 36 3.2 A concepção do espaço tradicional x espaço moderno para as aulas de Artes Visuais ....................................................................................................................... 38 3.3 Propostas pedagógicas de instituições e educadores da modernidade .......... 40 3.3.1 Um pouco da Pedagogia Freinet ..................................................................... 41 3.3.2 Construindo a Ponte por uma educação inovadora ......................................... 42 3.3.3 CENOTEC / UFRN: utilização multidimensional do espaço pedagógico ......... 44 3.4 O Ateliê de Arte como inspiração para proposições de espaços na escola..... 45 3.5 O espaço multidimensional em Artes Visuais .................................................. 46 3.6 O papel do ateliê segundo a pedagogia de Reggio ......................................... 52 4 CAMINHOS METODOLÓGICOS .................................................................... 57 4.1 Entrevista com os alunos: opiniões sobre os espaços para atividade artística no ambiente escolar .................................................................................................. 57 15 4.2 Entrevistas com os artistas: a relação do espaço criativo com o trabalho artístico ...................................................................................................................... 67 4.3 Proposição de ateliê na escola: um espaço multifuncional .............................. 80 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 85 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 89 APÊNDICE A - ENTREVISTA COM ASSIS COSTA ................................................ 93 APÊNDICE B – ENTREVISTA COM CLARISSA TORRES ...................................... 96 APÊNDICE C – ENTREVISTA COM JOÃO ANTÔNIO ............................................ 99 APÊNDICE D – ENTREVISTA COM PEDRO ROBERTO ...................................... 107 APÊNDICE E – ENTREVISTA COM VICENTE VITORIANO.................................. 116 APÊNDICE F - QUESTIONÁRIO SOBRE O ESPAÇO EDUCATIVO PARA AULAS DE ARTES VISUAIS NA ESCOLA .......................................................................... 118 ANEXO A - PLANTAS DE PROJETOS DE ERNST NEUFERT ............................. 120 ANEXO B - DIMENSIONAMENTO HUMANO PARA ESPAÇOS INTERIORES EM ATELIÊ DE ARTE ................................................................................................... 128 14 1 INTRODUÇÃO O Mito da Caverna, também chamado de Alegoria da Caverna, é uma das passagens mais conhecidas da história da filosofia e parte constituinte do livro sexto de A República (2011). O filósofo grego Platão discute sobre a teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação de um possível estado ideal. A alegoria nos traz a compreensão sobre a necessidade do ser humano galgar novas etapas de evolução do conhecimento a partir de contextos de vida específicos. Nos conduz a pensar na busca constante do homem por uma idealização do seu viver. A humanidade se apropria de suas características intrínsecas ligadas à racionalidade e efetivamente procura uma maneira de existir em prol de uma melhoria de vida. Por isso, o conhecimento científico encontra lugar na busca pela resolução de problemas e quebra de barreiras pela sucessão de etapas. Ele compreende e respeita etapas em favor de um processo que passará pela pesquisa e culminará na constatação de um evento, teoria, causa ou descoberta. Na pretensão de provocar uma discussão relacionada à construção de conhecimentos a partir da interdisciplinaridade entre a Arte e as demais áreas do conhecimento humano, propõe-se aqui romper barreiras partindo da postura do educador no seu exercício pedagógico. Para esse reforço, a pesquisadora Maria Elisa Ferreira, no livro “Práticas Interdisciplinares na Escola” ressalta que: O prefixo ‘inter’ dentre as diversas conotações que podemos lhes atribuir, tem o significado de ‘troca’, ‘reciprocidade’, e ‘disciplina’, de ‘ensino’, ‘instrução’, ‘ciência’. Logo, a interdisciplinaridade pode ser compreendida como sendo a troca, de reciprocidade entre as disciplinas ou ciências, ou melhor, áreas do conhecimento. (FERREIRA apud FAZENDA, 1993, p. 21-22). Romper com as barreiras entre as disciplinas significa assumir posturas pedagógicas que tragam um olhar diferenciado e crítico sobre as práticas costumeiras, propondo reflexões sobre o homem e as suas práticas (homem e meio – homem e tecnologia). Da mesma maneira que o ensino de Arte pode promover conexões com as mais diversas áreas do conhecimento humano, estabelecendo correlações 15 interdisciplinares e transdisciplinares, assim também o espaço de criação em arte pode, por conseguinte, suscitar diversas possibilidades de alusão. A palavra espaço representa concepções distintas sob o enfoque das diferentes áreas científicas, seja Física, Geografia, Engenharia, Arquitetura, Filosofia ou Arte. Trazer a compreensão dessas diferentes interpretações é uma tentativa de iluminar o foco desta pesquisa, estabelecendo as possíveis relações que articulam o espaço de criação em arte numa escola1 com os meios que a circundam. Torna-se necessário compreender o espaço escolar como uma possibilidade de criação dos sentidos através da concepção de espaços estéticos e sensíveis. Por isso existe uma necessidade urgente de reinventar-se um espaço e um tempo no cotidiano das escolas para que essa experiência de criação esteja presente em todos os momentos da vida de maneira plena. Enquanto espaço de criação, o ateliê de arte constitui-se como espaço aberto, privilegiado e dinâmico. A importância desse espaço é fundante, posto que também estabelece possibilidades para a formação contínua de educadores. Assim, a questão de partida que se faz é: como o professor é inspirado pelo espaço de ateliês no ensino de Artes Visuais na escola? Logo, a pesquisa investiga como o professor é influenciado pelo espaço, focando na área de Artes Visuais como campo profissional. Essa relevância inclui o espaço de trabalho que envolve a relação entre o professor e aluno, seja um lugar interno ou externo. Este espaço educativo é discutido aqui como recurso imprescindível para a efetivação do processo de ensino e aprendizagem em Arte. A partir disto, tem-se como pressuposto trazer aspectos do ateliê de artistas como exemplos de organização espacial para a construção de trabalho do professor de Arte no contexto escolar. Propõe-se também mostrar propostas pedagógicas que cooperam para essa reflexão de configurar melhores espaços para as aulas de artes visuais. A preferência por essa temática se deu em função de perceber-se a pouca atenção que algumas escolas recebem para a construção de espaços adequados às 1 O emprego da palavra escola aqui neste texto se refere às instituições de ensino que se dedicam aos processos de formação da Educação Básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), que adotam a Arte como componente curricular obrigatório, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. 16 atividades artísticas. A escolha partiu de interesse pessoal do autor, uma vez que o mesmo lecionou em diversas instituições públicas e privadas nas quais presenciou tais dificuldades. No capítulo inicial serão apresentados os principais conceitos, apontando inicialmente as diversas formas de concepção de espaço, até chegar ao ambiente escolar e, posteriormente, ao ateliê de arte. Enfatiza-se a importância do Ensino da Arte em nossos dias trazendo pressupostos teóricos conhecidos de arte-educadores e que em função da relevância que possuem carecem ser lembrados sempre que necessário. Muito embora possa parecer redundante mencionar sobre isso, já que existem diversas pesquisas abordando tais aspectos, é de grande valor desenvolver uma justificativa que continue estimando o professor de Arte no cenário escolar. Por isto, o recorte que se faz aqui concorre para o foco espaço da sala de aula como assunto principal. Objeto que busca interessar aos que exercem o ensino de artes visuais nas escolas. A importância cognitiva do ensino da arte se tornou consenso entre os agentes da arte-educação (pesquisadores, professores e críticos). Sua obrigatoriedade a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) foi talvez o principal produto dessa harmonia. Apesar disto, muitos dos espaços onde se realizam atividades de Arte ainda escasseiam de uma maior atenção por parte dos gestores que fazem a instituição escolar. Faz-se necessário discutir sobre esse espaço para que se reflita sobre os problemas que o circunda e para que se propicie o mínimo de condições de trabalho num ambiente onde o conhecimento é construído através da arte. No capítulo seguinte problematiza-se o assunto a partir de conceitos apresentados no capítulo anterior em questão. Serão trazidas elucidações que são incitadas a partir de referenciais que embasam o exercício pedagógico dos professores de artes visuais. Além dos mais variados exemplares paradidáticos da área de arte, que surgiram a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nos anos 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são os mais conhecidos suportes de referência pedagógica para a Educação Básica (Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). O Ministério da Educação (MEC) também estruturou os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico 17 (RCNs). Trata-se de um conteúdo que oferece subsídios à formulação de propostas curriculares para o nível técnico. Foram desenvolvidos para atender às orientações expressas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Também menciona-se aqui um documento que tem gerado bastante interesse no setor da educação vigente. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é um documento organizado pelo PNE (Plano Nacional de Educação) que visa sistematizar os conteúdos ensinados nas escolas do Brasil, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Todos esses exemplos de referenciais trazem consigo orientações à prática artística como estratégia, além de outras. No entanto, percebe-se uma lacuna de ambientes que amparem esses objetivos em várias escolas, configurando uma evidente disparidade entre o que está escrito nesses documentos importantes e o que se percebe na realidade. A questão problematizada não poderia ser resolvida apenas sob o viés da instituição escolar isoladamente. Ou seja, não é um problema que pode ser resolvido ou erradicado exclusivamente pelo professor, pedagogo ou demais profissionais da comunidade acadêmica. Tais membros muitas vezes são os próprios reféns de um sistema que os aprisionam há longos anos. No mesmo capítulo, abordar-se-á o problema do espaço para a produção artística na escola, o qual pode ter sua raiz na pedagogia tradicional (FUSARI & FERRAZ, p. 26, 1993), cujas origens remetem ao século XIX, percorrendo todo o século XX, irradiando-se até os nossos dias. No mesmo capítulo, ilustraremos exemplos de educadores e métodos, cujas propostas se contrapõem aos moldes tradicionais. Menciona-se a Escola da Ponte, nascida em Portugal através das concepções do educador José Pacheco. A abordagem pedagógica de Reggio Emília, escola italiana que dá ênfase na prática artística e que, por isto, valoriza o ateliê de arte em seus projetos como lugar importante nesta construção. E o posicionamento do francês Célestin Freinet, que através da criação das diversas técnicas pedagógicas, marcou o início da Escola Moderna (FREINET, 1975) e trouxe valiosas contribuições para a educação. Além disso, será mostrado um pouco sobre o CENOTEC / UFRN, um espaço pedagógico coordenado pelo Prof. Sávio Araújo, o qual propõe uma configuração 18 espacial dinâmica e merecedora de atenção para reflexões a respeito da utilização dos recursos didáticos na sala de aula. Neste sentido, a configuração da arquitetura escolar atual ainda é influenciada pelo pensamento filosófico tradicional. O reflexo disso pode ser intuído se apenas percebermos a maneira como a maioria das salas de aulas são projetadas, com uma cadeira após a outra, direcionadas a um lugar onde o professor se posiciona como centro da atenção e muitas vezes sem possibilidades de mudanças de arranjos. A localização da escola, estruturação das salas, laboratórios e setores afins, planejamento de iluminação, inserção de plantas etc. são aspectos ligados à arquitetura imprescindíveis ao processo de ensino-aprendizagem. São elementos que, segundo estudos científicos atuais, podem contribuir para melhores condições de trabalho numa escola. Por isso, este trabalho faz menção também a ergonometria e a ergonomia do ensino enquanto áreas relacionadas ao entendimento das relações entre os seres humanos e o meio no tocante ao ambiente escolar. São consideradas ciências que podem gerar importantes contribuições às inquietações concernentes ao trabalho do educador e do aluno em sala de aula, pois cuidam do ambiente físico, atentando para iluminação, temperatura, ventilação, projeto de mobiliários etc. Ressalta-se a importância do ateliê de arte enquanto espaço de criação, reflexão e prática. Para tanto, serão explanadas diversas concepções de ateliês de arte, a partir dos estudos da pesquisadora Marisa Flórido Cesar. O método adotado aqui consiste numa abordagem qualitativa. Enquanto instrumentos de pesquisa foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas para a coleta dos dados, que conforme Diehl e Tatim (2004) tratam-se de perguntas pré- estabelecidas, nas quais o entrevistado expõe verbalmente sua opinião sobre fatos, sensações e fornecendo ao pesquisador a informação que se busca. Bardin (2011, p. 93) sugere que as entrevistas semi-estruturadas devem ser registradas e integralmente transcritas, incluindo hesitações, risos, silêncios, bem como estímulos do entrevistador. O estudo também utilizou como instrumento de pesquisa a observação in locu, que segundo Severino (2007), consiste num processo imprescindível para todo tipo de pesquisa científica que requer esse recurso. 19 Como instrumentos de coleta de dados foram feitos registros por fotografias através das quais pôde ser registrado o espaço de trabalho de cada um dos artistas, exceto os que foram contatados via e-mail. As imagens tentam mostrar detalhes de como é organizado o espaço de cada profissional, expondo a maneira como cada um planeja o próprio ambiente de trabalho, bem como aspectos gerais presentes nos ateliês. As fotografias se constituem como produto das observações de práticas obtidas durante a observação in locu. Tais instrumentos assim foram delineados por se tratarem de métodos adequados a esta investigação social. A respeito da análise dos dados, partiu-se da interpretação dos conteúdos apresentados nos discursos dos entrevistados, além das observações feitas nos devidos espaços. Logo, as falas, a partir de material midiático, foram investigadas pela análise de conteúdo que, segundo Laurence Bardin (2011, p. 93), é o conjunto de técnicas de análises das comunicações visando descrever o conteúdo dos discursos. Para ele, o recurso à análise de conteúdo, para tirar partido de um material dito “qualitativo”, é indispensável. O último capítulo contém a opinião de alguns alunos do ensino médio sobre o espaço destinado às atividades da disciplina de Artes Visuais em sua escola. Também apontará entrevistas com alguns artistas que trabalham com artes visuais no Rio Grande do Norte. Também será sugerida uma proposta de espaço para as atividades da disciplina de artes visuais no contexto escolar. O projeto consiste numa concepção de vários ambientes, a partir dos quais se configura um ateliê de arte constituído por laboratórios de aulas práticas e teóricas, biblioteca de conteúdo específico e sala de informática. 20 2 SALA DE ARTE: UM LUGAR PARA A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO Muitos são os livros didáticos e paradidáticos que reforçam o ensino e aprendizagem em Arte na escola. Eles mostram, expõem e direcionam atividades, articulando conhecimentos e contextualizando processos criativos. Apesar das diferentes opiniões a respeito da sua utilização, os livros podem se tornar instrumentos eficazes na construção e preparação das aulas de muitos educadores. As fontes geralmente são pertinentes, e as bases teóricas são fundamentadas em nomes importantes da arte-educação moderna. No entanto, ainda pouco se fala a respeito do espaço sobre o qual as aulas de Arte são desenvolvidas. Deter-se aos motivos que explicam esse fato não é o que se busca nesta pesquisa. As conjeturas poderiam ser demasiadamente intensas, sendo algumas dentro do campo político e outras estritamente pedagógicas, metodológicas. Portanto, é sobre o espaço em si que queremos discutir como premissa para aspectos afins. É o lugar onde o conhecimento em arte é construído a partir de vivências e práticas na escola. Um ambiente que não se isola ou se define por si mesmo, mas engloba um conjunto de diferentes áreas do conhecimento, o que o torna intrigante e complexo. Refletir sobre o espaço de criação artística no tocante ao ambiente escolar requer inicialmente o entendimento sobre o significado da palavra espaço em si. Por conseguinte, a ideia da definição de espaço, ao se relacionar com a educação, pode remeter a outra questão que passa sobre a concepção do que seria o espaço escolar, o que também nos faz pensar em outra indagação sobre a mesma temática reflexiva, a saber: o que pode ser um espaço educativo? Inicialmente, são muitas as palavras que podem vir à nossa mente a partir do vocábulo espaço. As ligações que se estabelecem são ilimitadas. Poderíamos elencar algumas que podem refletir o ponto de vista em questão: ambiente, lugar, estrutura, dimensão, físico, virtual, infinito, exploração, adequação, investigação, desenho, textura, criação, níveis (alto – baixo), mobilidade etc. Os enfoques também podem ser diversos: físico, geográfico, antropológico, sociológico, filosófico e outros. A seguir tentaremos elencar algumas abordagens sobre a ideia de espaço que podem contribuir para as discussões dos capítulos posteriores deste trabalho. 21 2.1 As diversas concepções de espaço A escritora Margaret Wertheim, em seu livro Uma história do espaço: de Dante à Internet (2001), tece uma análise dos vários tipos de espaço que a humanidade já conheceu. Inicia sua abordagem pelo espaço de Dante Alighieri, como sendo uma estrutura dividida entre céu, purgatório e inferno sob o paradigma medieval a fim de estabelecer conexão com o conceito moderno de ciberespaço. Discute o dualismo cartesiano, que considera o corpo e a mente como estruturas separadas e que ocupariam espaços diferentes no ambiente físico. Esse pensamento seria fruto de concepções moldadas pela cultura ocidental através das filosofias e religiões. Os filósofos Pitágoras, Platão e Aristóteles entendiam os seres humanos e o cosmo em termos bipolares (WERTHEIM, p. 22), sob a distinção de corpo e alma. Na Idade Média as atenções se voltam para a alma. A espiritualidade é expressa inclusive pela arte. Pode ser percebida nas pinturas e na arquitetura. A pintura naquele período exercia uma função pedagógica, uma vez que muitos não sabiam ler, era um importante veículo de promulgação da fé cristã. Estava presente na decoração das igrejas, através de mosaicos, afrescos, retábulos e livros, pelas iluminuras. Segundo Proença (2005, p. 58) o pintor mais importante do final do século XIII e início do século XIV foi o florentino Ambrogiotto Bondone, popularizado pelo nome Giotto. Suas obras enalteciam passagens bíblicas nos muitos afrescos que o artista produziu. Figura 1 - Giotto, Lamentation. 1306. Fonte:https://32minutes.files.wordpress.com/ 2012/04/giotto-the-lamentation-1305.jpg 22 Na arquitetura essa evidência do aspecto espiritualista ainda pode ser percebida nas grandes catedrais de estilo gótico. O interior das mesmas é iluminado pelos vitrais que, ao deixarem a luz do sol penetrar, criam aspecto sereno e multicolorido. Além disso, é comum a presença da verticalidade nos monumentos, que denota imponência e busca pelo transcendente, configurada por técnicas que foram inovadoras naquele momento como os arcos em ogivas. Já a partir do Renascimento até a atualidade ocorreu uma profunda mudança, tendo a atenção ocidental se desviando cada vez mais do conceito teológico de alma para a concretude física do corpo. Desde o Iluminismo, no século XVIII, vivemos numa cultura que tem sido esmagadoramente dominada por preocupações não espirituais, mas materiais. Em suma, no Ocidente moderno vivemos numa era profundamente materialista e fisicalista (WERTHEIM, 2001, p. 23). Neste sentido, para Wertheim, os avanços desenfreados da Ciência contrastam com a visão medieval, no sentido de não haver mais ênfase para a valorização da alma, mas supervalorizando o antropocentrismo. É um raciocínio que não poderia negar necessariamente os muitos avanços também conquistados naquele período, também denominado por alguns historiadores por “Idade das Trevas”, visto que também naquele tempo outros avanços tiveram o seu lugar. Estabelece-se uma visão monista, por meio da qual é admitida apenas a realidade física. A partir daí os cientistas logo percebem o universo como sendo infinito, que se expande, mantendo o cosmo dinâmico, reduzindo o homem de centro deste Figura 3 - Catedral Gótica Figura 2 - Vitral Gótico Fonte:http://historiadomundo.uol.com.br/upload/co nteudo/images/catedral-milao-na-italia-um-dos- simbolos-arquitetura-gotica-53f794ab3d069.jpg Fonte:https://rwt360.files.wordpress.com/2013/ 11/img_8235.jpg 23 universo para um ser puramente físico. Logo, enquanto que no período medieval o homem era concebido como ser físico e espiritual, a visão monista entendia o homem apenas como uma estrutura física do meio, uma maneira de crer que a mente, o espírito e a alma não teriam lugar algum dentro deste campo (físico). Após apresentar e discutir outros tipos de espaços, a autora chega ao mais atual. A concepção de ciberespaço descrita por Wertheim é entendida como paradoxo diante da visão fisicalista do mundo que vemos. Trata-se de um espaço imaterial configurado numa dimensão virtual, resultado de uma nova forma de relação entre as pessoas, onde o contato não é mais físico, pois não está sujeito às leis da física. As próprias formas de ingresso nesse espaço são indefinidas, pois o acesso se dá pela rede (internet) e lá se navega sem necessariamente sair do lugar. Nesse novo espaço, novos mundos podem ser inventados pelos seus participantes, criando meios de interação sob a possibilidade de criação de avatares, os quais podem assumir as mais diversas formas segundo a imaginação dos que se dispõe a adentrá-lo. Para o geógrafo brasileiro Milton Santos, a principal forma de relação entre o homem e a natureza, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. Para ele, técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço. Essa forma de ver a técnica não é, todavia, completamente explorada (SANTOS, p. 16). Assim, o conceito de espaço está diretamente ligado à técnica como algo multidimensional, concebido como dimensão que perpassa os diversos aspectos do meio, estabelecendo uma relação entre a natureza e a cultura (meio), o que ultrapassa a consciência da definição de espaço sob o ponto de vista físico, cartesiano. Seria uma maneira de ver a altura, largura e profundidade, aliadas ao contexto cultural daquele que é e está em algum lugar no espaço. Portanto, o espaço se torna também associado intimamente ao tempo, como também às narrativas de um texto, que é proferido como elemento da composição artística de uma apresentação cênica, por exemplo. O tempo neste sentido é pensado como outra dimensão (WERTHEIM, 2001), a exemplo dos estudos de Albert Einstein sobre a Teoria da Relatividade Geral, ao introduzir o conceito do “continuum espaço-tempo”, onde o tempo se comporta como quarta dimensão ligada às outras três dimensões espaciais. 24 A partir do apresentado, podemos dizer que uma sala de ensino de artes visuais não é apenas um plano físico formado por paredes, chão, teto, móveis e suportes didáticos. Esta é formada por uma pluralidade de espaços distintos, que incluem os já citados, assim como os espaços dos imaginários, dos deslocamentos, relativísticos, ciberespaços e tantos outros. Espaços que são construídos e reconstruídos pelas vivências dos seus próprios agentes, por suas técnicas e meios de instalação desses espaços. Ou seja, evidencia-se aqui a noção de hiperespaço, que compreende as outras dimensões já conhecidas: altura, largura, profundidade e tempo. 2.2 O ambiente escolar e a educação Quanto ao ambiente escolar, o que seria espaço educativo? Mesmo que a resposta a essa indagação seja óbvia, como um lugar onde se estabelece ações de ensino, estudo, pesquisa através de aulas e encontros pedagógicos num espaço, este raciocínio é resultado da seguinte reflexão: na medida em que existe a instituição escola, também existe um espaço geográfico que a compreenda em algum lugar. E este lugar necessariamente precisa ser educativo, já que atende a uma pretensão de desenvolver capacidades intelectuais, emocionais e físicas (práticas esportivas) do aluno de forma integral. A pretensão de educar numa escola está diretamente ligada às atividades de ensino, as quais não são desenvolvidas apenas pelo professor, mas compreende muitas vezes toda uma equipe pedagógica que compõe uma gestão escolar que vai, desde alguém que recepciona os alunos numa portaria, passa pelos funcionários que cuidam do ambiente para que o mesmo permaneça em bons estados de limpeza, bem como os servidores que trabalham nos setores administrativos, até aqueles que auxiliam nas ações educacionais mais próximas do professor. Na escola, as atividades de ensino não acontecem somente em sala de aula ou laboratório. As atividades de ensino numa escola podem ocorrer num auditório, num pátio ou em contextos de atividades extra-sala, aulas de campo etc. Dessa forma, tais atividades estão sempre associadas com espaços e ambientes que são estruturados, projetados para amparar as pretensões da instituição escolar. Os 25 espaços geralmente se constituem como ambientes construídos para este fim. São prédios, salas, pátios, jardins, quadras ou lugares que estabeleçam relações com o que se programa nos planejamentos pedagógicos. São meios físicos construtivos (CARPINTEIRO, 2008), que englobam paredes, tetos, pisos e bancadas. Também são incluídos os elementos que auxiliam nas ações pedagógicas: máquinas, ferramentas e mobiliário. As instalações físicas de uma escola contribuem não apenas para a convivência social de educadores e educandos, mas principalmente para o desenvolvimento do processo pedagógico. Para que o ambiente escolar se torne um espaço apropriado para a educação é necessário que haja uma atratividade ambiental que proporcione um acolhimento dos sujeitos, uma vez que a escola, além de fornecer abrigo às atividades escolares, representa um papel de destaque na memória das pessoas. Dessa forma, “sua arquitetura e espaços associam-se a momentos vividos por professores, funcionários, estudantes e pais de alunos” (CARPINTEIRO, 2008, p. 47). As edificações escolares, suas estruturas arquitetônicas alojam-se no imaginário das pessoas que recordam a sua infância naquele lugar através de relatos, fotografias, livros, jornais, cadernos, que traz à tona lembranças dos lugares e ambientes que ali frequentou. Essas lembranças mostram que a memória e a identidade escolar se relacionam fortemente com o espaço escolar, podendo ter relação positiva ou não, o que dependerá, dentre outros fatores, também da estrutura dos ambientes que faziam parte do cotidiano do sujeito. Fayga Ostrower (1987, p. 18) afirma que “o espaço vivencial da memória representa, portanto, uma ampliação extraordinária, multidirecional, do espaço físico natural”. Ou seja, a atratividade do espaço pode ser influente na memória dos que circulam sobre o lugar. Uma escola é atrativa se possuir ambientes adequados ao trabalho dos que fazem a escola, os agentes escolares diretos (alunos, professores, funcionários) e os outros membros (pais, visitantes e comunidade). Por isto, as condições físicas e socioculturais de um ambiente escolar são qualidades diretamente relacionadas com a arquitetura. Ao projetar-se um edifício, procura-se levar em consideração o terreno e o espaço onde o mesmo será erguido. De fato são múltiplos os olhares possíveis quando nos dispomos a compreender a totalidade da instituição escolar. Professores, crianças e adultos 26 aprendem e ensinam, construindo uma série de relações: sociais, históricas, afetivas, intelectuais e também psicológicas. Quando se pensa na complexidade do que acontece na escola percebe-se a multiplicidade de relações em que está envolvido o ensinar e o aprender (FONTANA, 1997, p. 4). Analisar o cotidiano escolar é entender sua pluralidade no ensino, nas crenças, relações sociais, econômicas, materiais, o que faz com que a escola seja objeto de pesquisa de várias ciências. 2.2.1 Aspectos arquitetônicos O reconhecido arquiteto Le Corbusier foi considerado um dos mais importantes do século XX. Ele afirma que: a arquitetura visa sobremaneira a organizar espaços e outras condições físicas construtivas para a realização de atividades humanas. A partir das palavras “organização” e “espaço”, podemos dizer que arquitetura é uma atividade de planejamento que envolve ambientes e atividades humanas. Em suma, arquitetura trata com especial atenção do uso, ou seja, daquilo que as pessoas fazem no seu dia-a-dia (LE CORBUSIER, apud CARPINTEIRO, 2008, p. 52). Desta maneira, a organização espacial de um projeto arquitetônico está diretamente ligada às ações humanas em um determinado lugar, o que se relaciona com a setorização dos projetos, conforme também afirma a arquiteta, professora e escritora brasileira Mirian Gurgel (2005, p. 26). Embora sua obra, em suma, se destina aos interesses de projetos comerciais e residenciais, possui conceitos comuns às necessidades de qualquer obra arquitetônica. Ela explica um conjunto de elementos imprescindíveis na configuração de projeto de arquitetura, os quais podem se relacionar também com a ideia de espaço escolar. Destaca-se alguns tópicos como a concepção de design, cujo entendimento ainda é diversificado, por se tratar de uma terminologia recente, do ponto vista histórico. A compreensão simplificada deste conceito é explicitada por Mirian Gurgel como a arte de combinar formas, linhas, texturas, luzes e cores como elementos essenciais para criar um espaço ou objeto que satisfaça três pontos fundamentais: a função, as necessidades objetivas e subjetivas dos usuários e a utilização coerente e harmônica dos materiais 27 (2005, p. 25).Para ela, design em arquitetura considera um processo criativo com princípios ligados ao equilíbrio, ritmo, harmonia, unidade, escala e proporção, contraste, ênfase e variedade (Ibid., 2011, p. 25). Como dito, apesar do conteúdo de muitos livros de arquitetura se destinar muito mais à aplicabilidade de projetos residenciais e comerciais, muitos conceitos podem ser aproveitados para a projeção da arquitetura escolar. A consideração de características prediais, bem como a sua real valorização contribui significativamente para o desenvolvimento das atividades de uma escola. Atentar para um projeto que busque estabelecer conexões harmônicas com o processo de ensino-aprendizagem é uma atitude de respeito à instituição escolar e aos que a representam. O livro Arte de Projetar em Arquitetura (NEUFERT, 2009) reserva um importante espaço destinado às observações de projetos arquitetônicos escolares. O conteúdo da obra é conhecido pela sua completude, se tornando indispensável para arquitetos, engenheiros, urbanistas, construtores e estudantes. Pode-se perceber a preocupação do autor com os diversos níveis da educação, acerca dos quais são propostos diferentes arranjos de organização de projetos de ambientes, incluindo salas para atividades específicas, (conforme figuras do anexo A, p. 100). As proposições do autor são originadas segundo padrões educacionais de países de primeiro mundo. Apesar da discrepância intercultural, é possível estabelecer relações entre os exemplos sugeridos por Neufert com a realidade escolar brasileira, numa perspectiva de apreender as devidas contribuições. Sendo assim, tais contribuições também são aproveitadas para pensar arranjos diferenciados na construção de espaços pedagógicos ligados à arte na escola. 2.3 Arte na educação escolar As aulas de Arte são centralizadas em objetivos que promovem o desenvolvimento da imaginação e criatividade dos alunos, favorecendo o diálogo entre si e o com o professor. Com a complexidade de nossos dias, em virtude dos diversos referenciais pedagógicos propostos, a responsabilidade do professor de Arte na escola se torna 28 maior e diferenciada. Para ensinar arte é necessário ter conhecimentos sobre arte, conforme afirma Rosa Iavelberg: Para trabalhar de acordo com a orientação dos PCNs, o professor de arte precisa de vivências de criação pessoal em arte que lhe propiciem a assimilação de conhecimentos técnicos para realizar a transposição didática nas situações de aprendizagem que envolvem o fazer, a apreciação e a reflexão sobre arte como produto cultural e histórico(2003, p.52). O professor possui como um dos objetivos principais aproximar o aluno do prazer do conhecimento, a fim de torná-lo conectado a ele (ao conhecimento). Para tanto é preciso pesquisar, aprofundar-se nos estudos e evoluir no saber artístico, uma vez que os alunos têm o direito de contar com professores que estudem, e não apenas isso, mas que saibam conectar esse conhecimento ao dia-a-dia. E, de acordo com Fusari, os estudantes têm o direito de contar com professores que estudem e saibam arte vinculada à vida pessoal, regional, nacional e internacional. Ao mesmo tempo, o professor de arte precisa saber o alcance de sua ação profissional, ou seja, saber que pode concorrer para que seus alunos também elaborem uma cultura estética e artística que expresse com clareza a sua vida na sociedade (1993, p. 53). Assim, o professor de arte é um dos responsáveis por ajudar os alunos a aprimorarem as suas sensibilidades e saberes práticos e teóricos em arte (Ibid., FUSARI, p. 53). A arte-educadora Ana Mae Barbosa (2003) ressalta que a arte na educação como expressão pessoal e como cultura é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Por meio da Arte é possível desenvolver a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. É possível constatar a evidência da importância da função da arte para a sociedade quando se percebe o quanto as pessoas se sentem atraídas pelo fazer artístico. Este fazer muitas vezes é propiciado no contexto escolar como espaço motivador desse processo. A obrigatoriedade da presença da disciplina de Arte na escola a partir da LDB 9394/96 foi resultante de conquistas na arte-educação que movimentaram 29 professores, pesquisadores, críticos e artistas. Ao longo da década de 90 os PCNs surgiram como os suportes de referência pedagógica que mais ganharam notoriedade no tocante à Educação Básica. Além destes também foram surgindo outros diversos documentos que sustentam efetivamente o exercício profissional dos arte-educadores, como os mais variados exemplares paradidáticos para o ensino de arte. O MEC também estruturou os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico (RCNs), cujo conteúdo oferece subsídios à formulação de propostas curriculares para o nível técnico. Além disso, o PNE (Plano Nacional de Educação) vem elaborando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - um documento que objetiva sistematizar os conteúdos ensinados nas escolas do Brasil, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. O tópico seguinte mostrará a experiência do autor em escolas do Ensino Médio com ênfase na organização espacial da sala de aula, expondo aspectos positivos e negativos mediante as vivências apresentadas. 2.3.1 Organização do espaço para o ensino de Artes Visuais em algumas escolas Esta etapa pretende explicar a organização espacial dos ambientes que o autor utiliza para as suas aulas. A análise descrita aqui é respaldada pelo sociólogo norte- americano Charles Wright Mills (1986) a respeito da imagem sociológica do artesão intelectual. Ele conecta a auto-reflexão, a originalidade, a escrita e as experiências associadas à vida, a partir de uma construção subjetiva, vinculando o que se faz intelectualmente ao que se experimenta profissionalmente. Logo, a descrição desses espaços se dá a partir da análise do exercício profissional em duas escolas, num período que compreende desde o ano de 2012 até 2016. Uma delas está situada no Seridó, especificamente no município de Currais Novos/RN, e a outra no Agreste potiguar, em Nova Cruz/RN. Ambas se constituem como campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). A organização dos espaços ao qual nos referimos reflete os ideais propostos pelo Projeto Político-Pedagógico do IFRN (2012,p. 100), o qual estabelece o 30 princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como dimensões que amparam as atividades da organização acadêmica no campo prático e teórico. Assim, a atuação profissional descrita aqui compreende ações exclusivamente no campo do ensino e extensão. Comumente a configuração do espaço é instigada pelo projeto que antecede a atividade em sala de aula. A ementa da disciplina, discorrida desde o início de um determinado período de aulas, é composta pelos diversos conteúdos que compreendem a disciplina de Artes Visuais. Em suma, as aulas são pensadas previamente, sob um planejamento que pensa sobre os diversos recursos didáticos e pedagógicos que se farão necessários àqueles encontros. O ensino de Arte no campus Currais Novos/RN acontecia em sua maioria no ateliê como espaço destinado às disciplinas de Música e Artes Visuais. A sala continha um espaço amplo com janelas, prateleiras, carteiras e materiais didáticos para planejamento e execução dos trabalhos, como computador, cavaletes, tintas, lápis de cor e papeis, além dos materiais ligados à área de Música, como os instrumentos musicais diversos, tanto de cordas, percussivos e de sopro. Logo, era um laboratório divido entre as duas áreas. Fonte: Arquivo pessoal Figura 4 - Aluno produzindo no Ateliê de Arte 31 Além das atividades regulares direcionadas aos alunos dos cursos técnico- integrados do Ensino Médio, foram desenvolvidas atividades de extensão voltadas ao público interno e externo à instituição. Os cursos de extensão propõem como uma de suas metas o envolvimento e a interação entre a comunidade interna e externa, instituindo um elo de envolvimento entre a escola e a população de forma efetiva. Nos cursos de extensão é possível aprofundar conhecimentos, debates, conceitos, técnicas e viabilizar experimentações que muitas vezes não cabe ou não dá tempo de executar em outras ocasiões de sala de aula. A temática dos cursos aqui neste caso está voltada para o desenho artístico, pintura e fotografia digital. As imagens ilustram alguns alunos produzindo no ateliê de arte. É possível perceber que existia uma utilização tanto do espaço interno como também do ambiente externo à sala de artes visuais. Embora os alunos não tenham sido perguntados sobre os aspectos positivos ou dificuldades relacionadas ao uso daquele espaço, pode-se elencar sucintamente alguns pontos de vista a partir da ótica do propositor das vivências. Figura 6 - Aluno produzindo no Ateliê de Arte Fonte: Arquivo pessoal Figura 5 - Aluno produzindo no Ateliê de Arte Fonte: Arquivo pessoal 32 Não existia escassez relevantes do ponto de vista da aquisição de materiais didáticos básicos, como papel, lápis, tinta, pinceis, computador, projetor multimídia, lavatório e outros afins. Isto se evidencia como aspecto positivo em relação à utilização daquele espaço em meio à disciplina de artes visuais, pois dinamizava a prática artística em sala de aula, facilitando o processo de ensino e aprendizagem. Após um tempo o ateliê foi sendo equipado com cavaletes, telas e prateleiras para a conservação dos materiais e dinamismo das atividades. As carteiras eram mesas convencionais, mas que podiam se transformar improvisadamente em bancadas para trabalhos em grupo e suportes para as tintas, pinceis, paletas e outros recursos. Antes da chegada de cavaletes, as mesas eram readaptadas para a pintura em tela. No entanto, por não se tratar de um recurso apropriado para este fim, alguns alunos tomavam posturas indevidas, o que causava um pouco de stress na execução da prática. A inclinação das telas teria que ser feita improvisadamente, conforme as figuras 5 e 6. Como na biblioteca setorial da escola não existia um acervo específico da área de artes visuais, era comum que esse material específico fosse trazido pelos próprios agentes que faziam as oficinas que requeriam tal material. Figura 7 - Exposição de Arte Fonte: Arquivo pessoal 33 Sentia-se falta de uma iluminação mais adequada. As lâmpadas fluorescentes emitiam raios que em alguns instantes atrapalhavam as atividades de desenho de observação. A ausência de uma quantidade maior de janelas que fornecesse uma entrada de luz natural boa também era uma das dificuldades. Estas eram solucionadas na medida em que os alunos ficavam no lado de fora do ateliê, o que em alguns instantes incomodava um pouco em função da intensidade do vento, que desestabilizava os materiais, atrapalhando um pouco o andamento dos trabalhos. Outra dificuldade que se tinha era a ausência de elementos que melhorassem a exposição dos trabalhos finais. Estas eram feitas em corredores principais da instituição. No entanto, sentia-se a falta de expositores adequados para a disposição dos trabalhos, pois diminuiria problemas como os danos de cavaletes que em alguns momentos eram derrubados pelo vento, causando transtornos para os alunos e para a exposição como um todo. Problemas como esse poderia ser resolvido caso existisse uma galeria própria para a organização das exposições. No contexto do campus Nova Cruz, a utilização do espaço em artes visuais ainda está em processo de configuração. Existe uma sala destinada às atividades artísticas, no entanto a mesma não comporta as demandas das duas disciplinas que Figura 8 - Alunos produzindo em frente ao ateliê de Arte Fonte: Arquivo pessoal 34 atuam na instituição (Música e Artes Visuais). Atualmente a gestão tem se preocupado em viabilizar uma sala que servirá como o possível ateliê de artes visuais, capaz de atender aos projetos de extensão dessa área e outros grupos ligados à propagação de conteúdos culturais que atuam na escola. Por isso, recentemente as atividades estão sendo realizadas em salas convencionais, cujos arranjos mobiliários não permitem muitas mudanças em suas configurações. Isso dificulta o andamento das aulas, especificamente quando se propõe atividades de cunho prático, pois requerem materiais e recursos adequados como bancadas, lavatórios, cavaletes, além de uma iluminação propícia para atividades de desenho e pintura. Destaca-se no campus a presença de um saguão que se torna adequado para as exposições artístico-culturais da escola, bem como a disposição de alguns expositores que melhoram as exibições. Figura 9 - Saguão para exposição de arte Fonte: Arquivo pessoal 35 Como dito, a organização do espaço para o ensino de Artes Visuais na escola depende do que se quer explorar. As muitas possibilidades de enfoque nesta área evidenciam a complexidade para compor um lugar ideal que propicie um aprendizado significativo. Está evidente que a criação de um “espaço ideal” para a produção em arte na escola pode ser abstrata. Assim como cada artista organiza o próprio espaço de trabalho de maneira particular, assim também o arte-educador possui a mesma característica no ato de arrumar a sala de aula. Esta maneira de configurar o espaço não se torna simples e não precisa ser exata, fechada. Ela depende de muitos fatores. Um destes se relacionam com os níveis de ensino a partir da idade dos alunos. A concepção de sala de aula para crianças possui diferenças com a de Ensino Médio, por exemplo. Isto porque a forma de abordagem dos conteúdos pode sofrer mudanças de acordo com a idade. A metodologia, os instrumentos pedagógicos, bem como os recursos didáticos são passíveis de modificação no decorrer dos diferentes percursos. Algumas dificuldades podem existir quando se pensa na correlação da ementa da disciplina, contida no Projeto-Político-Pedagógico, com o espaço e com os meios (recursos, instrumentos, materiais) que se têm disponíveis para a realização dos trabalhos. Os problemas aumentam quando há um projeto e não existem instrumentos para realizá-lo. Isto acaba gerando improvisos na organização do espaço, dificultando o andamento do processo. A organização inclui a aquisição, seleção e adaptação dos diversos meios para as atividades. E os improvisos na disposição desses instrumentos muitas vezes podem não ser capazes de amparar as devidas disparidades entre o que se está na ementa e o que se tem em mãos para a realização da mesma. Por isto discute-se sobre a influência que o espaço de trabalho do aluno pode exercer no decorrer do processo de ensino e aprendizagem. 36 3 REFERENCIANDO O ESPAÇO PARA AS AULAS DE ARTES VISUAIS NAS ESCOLAS – UM LUGAR PARA PENSAR, CRIAR E PRODUZIR O sociólogo suíço Philippe Perrenoud (2000, p. 19) quando afirma que “o nosso objetivo principal enquanto educador é de não apenas passar conteúdos, mas preparar os alunos para a vida na sociedade moderna” traz uma reflexão sobre o agir do professor, enquanto mediador do conhecimento, e sobre o agir do aluno de hoje, que vem acumulando saberes para passar nos exames e concursos, inclusive para a vida profissional futura, mas não consegue usar o que aprendeu em sala de aula e aplicar em situações reais. Os motivos da falha desse sistema podem ser os mais variados. Alguns destes são discutidos aqui neste trabalho ao longo do capítulo vigente. 3.1 O ensino de Arte e a Ergonomia no processo de Ensino-Aprendizagem Conforme os PCN,s (p. 21), desde o início da história da humanidade a arte sempre esteve presente na formação cultural do homem. O ser humano que desenhou um bisão numa caverna pré-histórica, aprendeu de algum modo essa prática e a ensinou para alguém o que descobriu. O mesmo indivíduo teve que adaptar elementos da natureza que se adequassem às funções que lhe cabia executar no cotidiano. Antes, a pedra era escolhida como arma, pois era o melhor objeto que se adaptava à forma e movimentos de suas mãos. Quase tudo o que as pessoas criam é destinado a utilização pessoal. As dimensões do que fabricam devem, por isso, estar intimamente relacionadas com as do próprio corpo. Assim, a Ergonomia é considerada uma ciência que procura facilitar a relação do ser humano com o ambiente em que ele vive, principalmente no trabalho. Seu surgimento remete-se ao início do século XX, a partir de preocupações de pesquisadores, físicos e fisiologistas sobre o funcionamento do organismo humano em prol de suas atividades diárias. As preocupações iniciais se deram para dinamizar a utilização de máquinas e recursos das guerras que marcaram o referido século. No entanto os meios de atuação da ergonomia se expandiram, incorporando conhecimentos de diversas outras áreas, propiciando, além de estudos e pesquisas relativas à segurança, eficiência e produtividade, como também qualidade de vida, 37 bem-estar social, adequação de ambientes, serviços e produtos ao consumidor em diferentes atividades. Uma das formas de aplicação da Ergonomia está relacionada às atividades de ensino, procurando torná-las mais eficientes. Moro (2005) pondera que o mobiliário escolar, acompanhado de outros fatores, é notadamente, um ambiente da sala de aula que influi no desempenho, segurança e comportamento dos alunos. Afirma que as condições ambientais podem ser responsáveis pelo baixo rendimento dos estudantes. Nas edificações escolares, é importante que o equipamento, o mobiliário e as dimensões dos ambientes sejam adequados às pessoas que os utilizam, pois a falta de conforto influi no desempenho dos alunos em aula, tanto em termos de saúde como em produtividade. Por isto, antes da elaboração de um projeto arquitetônico é necessário o levantamento de dados como: atividades que serão desenvolvidas nos ambientes, quantidades de pessoas, equipamento e mobiliário. De acordo com Itiro Iida (2005, p. 2), a Ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao ser humano. O trabalho, neste sentido, possui uma abrangência que vai além dos executados com máquinas e equipamentos, mas se refere a toda ação que compreende situações em que ocorre o envolvimento do homem com alguma atividade de produção. Para o autor, os postos de trabalho devem propiciar uma boa postura, objetos dentro dos alcances dos movimentos corporais e que haja facilidade de percepção de informações. O posto de trabalho de um aluno é composto por carteira, cadeira e mesas, que ele utiliza dentro da sala de aula, considerando que esta é também um ambiente de trabalho como outro qualquer, onde as pessoas realizam tarefas específicas. E para que se tenha uma maior eficiência entre professor e aluno, é preciso adequar o ambiente de trabalho aos sujeitos envolvidos. Nas edificações escolares é importante que o equipamento, o mobiliário e as dimensões dos ambientes sejam adequados às pessoas que os utilizam. A falta de conforto e de instrumentos adequados influi no desempenho dos alunos, tanto em termos de saúde como em produtividade. A ergonomia também proporciona a verificação das condições climáticas e aspectos da iluminação do ambiente, fundamentais no apoio do aluno em sala de aula. 38 Para Mirian Gurgel (2005), “a iluminação é uma das principais ferramentas utilizadas para iludir o nosso olhar, simular alterações nos espaços ou ainda tapear nossos sentidos” (2005, p.39). Para ela, luz e cor são pensadas na arquitetura de maneira simultâneas. O tipo e a qualidade da luz podem alterar a percepção de uma cor. Portanto, para conceber e atingir os possíveis objetivos das aulas teóricas e práticas faz-se necessário a consulta de conhecimentos ergonômicos na construção de espaços escolares, o que pode melhorar o rendimento e aproveitamento dos estudos acadêmicos. 3.2 A concepção do espaço tradicional x espaço moderno para as aulas de Artes Visuais No livro Arte na Educação Escolar (FUSARI & FERRAZ, 1993) as autoras apresentam uma evolução histórica das diferentes práticas educativas que nortearam a educação pelo viés da arte. São as seguintes tendências: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada, Pedagogia Tecnicista e a Tendência Realista- Progressista. Destaca-se a Pedagogia Tradicional como tentativa de pensar na influência que ela ainda exerce sobre os moldes pedagógicos da atualidade. Para Fusari e Ferraz: Nas aulas de Arte das escolas brasileiras, a tendência tradicional está presente desde o século XIX, quando predominava uma teoria estética mimética, isto é, mais ligada às cópias do “natural” e com a apresentação de “modelos” para os alunos imitarem (1993, p. 27). Essas práticas concentram a ênfase estritamente no professor, o qual desempenha um papel autoritário, assumindo a concentração de uma verdade absoluta, evitando o pensamento crítico do aluno. A ênfase é muito mais no produto da prática do que no processo. Dessa forma, ao longo das últimas décadas, o cenário da educação brasileira tem se apresentado como um espaço que provoca intensas reflexões sobre a eficácia do ensino, especificamente o da Arte, no tocante ao ambiente escolar. Ensinar e aprender arte envolve um meandro de diversas ações que giram em torno de estimular habilidades que podem ser desenvolvidas necessariamente 39 através desse componente curricular. Tais benefícios seriam a imaginação, criatividade e sensibilidade. São visivelmente necessárias no aprendizado de muitas outras disciplinas, o que favorece na interdisciplinaridade entre elas. Os critérios educacionais atuais sugerem que a influência da estrutura e dos ambientes nos espaços educativos, incluindo a sala de aula em seu contexto físico e material, como também o uso correto de recursos didáticos são determinantes para o ensino-aprendizagem. A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa (2003), que sustenta os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), bem como os Referenciais Curriculares da Educação Profissional da área de Artes exigem a prática da atividade artística para apreensão dos conteúdos. Logo, é preciso que existam recursos didáticos para tal desenvolvimento efetivo nas escolas. Esses recursos se estendem, desde ao mobiliário até os aspectos físicos do espaço sala de aula, os quais influenciam diretamente nos processos de criação. Uma pesquisa científica recente concluiu que o design, a estética e outros fatores estruturais dos edifícios escolares tem um poder surpreendente para impactar o aprendizado do aluno e o sucesso dele. Para Cheryan (2014), o que existe numa sala de aula, incluindo como ela é decorada, também pode fazer a diferença no desempenho do aluno. A pesquisa também faz menção à iluminação, de forma que os alunos expostos à luz mais natural apresentam melhor desempenho do que os outros. De acordo com as escolas analisadas na pesquisa, a maioria possui iluminação natural insatisfatória. As salas de aulas tradicionais, com uma cadeira atrás da outra, em fileiras, não mais se adéquam à boa parte dos objetivos do ensino nas escolas atuais. Dependendo do objetivo que se quer alcançar na aula, o arranjo do espaço pode ser modificado com vistas a melhorar o entendimento e apreensão dos conteúdos propostos. O biólogo Scott Freeman e um grupo de pesquisadores elaboraram uma importante pesquisa a respeito de métodos de ensino. Freeman afirma que “as universidades foram fundadas na Europa Ocidental em 1050 e aulas tradicionais tem sido a forma predominante de ensino desde então” (FREEMAN, 2016). O grupo de estudiosos propõe estratégias que vão além de aulas em que o aluno apenas ouve. Os resultados mostram que métodos que transformam alunos em participantes ativos, ao invés de apenas ouvintes, reduzem taxas de reprovação e aumentam 40 rendimento dos mesmos. A pesquisa se refere às aulas ministradas nas universidades, mas os métodos e resultados podem ser aplicados e evidenciados em outros contextos educacionais. Da mesma forma, os espaços educativos voltados ao ensino de Arte na atualidade não podem seguir o padrão tradicional, o qual não cabe ou comporta a riqueza de metodologias que tal componente curricular possui enquanto ciência. Até chegar a esse ponto de idealização, caminhamos com o pensamento que nos indaga se ainda é possível proporcionarmos uma boa educação artística aos seres humanos que cruzam nossa estrada, carentes de tal faculdade, digna de ser respeitada e merecedora de mais atenção diante da sociedade. De acordo com os PCN’s, as Artes Visuais com as formas tradicionais que a compõe (desenho, pintura, escultura, gravura, arquitetura), incluem outras modalidades que resultam dos avanços tecnológicos e transformações estéticas a partir da modernidade (fotografia, artes gráficas, cinema, televisão, vídeo, computação, performance). A eficácia do processo de ensino-aprendizagem desses conteúdos depende de diversos fatores, o que inclui materiais didáticos e estruturas físicas que propiciem a aquisição de conhecimentos dos alunos. Por isso faz-se menção às propostas pedagógicas que incitam reflexões sobre como melhorar a maneira de conceber o espaço educativo nas escolas. 3.3 Propostas pedagógicas de instituições e educadores da modernidade Sob o ponto de vista atual, adaptar ambientes que amparem as devidas necessidades dos professores de artes visuais nas escolas, nos força a pensar em métodos que se distanciam de modelos tradicionais. Estes modelos se tornaram a marca da maioria das instituições educacionais, dificultando inclusive a eficácia do ensino de Arte, especificamente no aspecto prático. A seguir mostra-se exemplos de propostas de instituições e educadores que pensaram em métodos diferenciados para o fazer pedagógico. Tais propostas contribuem para as reflexões presentes neste trabalho. 41 Figura 10 - Sala de aula modelo Freinet Fonte: FREINET, Célestin. 1975, p. 85 3.3.1 Um pouco da Pedagogia Freinet O pensamento do educador francês Célestin Freinet trouxe valiosas contribuições para as concepções de espaços educativos modernos. Propõe uma prática pedagógica que até hoje possui destaque no contexto educacional. O pedagogo contribuiu com o desenvolvimento do Movimento da Escola Moderna (MEM), que critica a pedagogia tradicional e a Escola Nova. Propõe uma prática pedagógica centrada na produção e no cooperativismo. Este como fruto do processo da integração, colaboração e cooperação entre os pares. A base do seu pensamento é o naturalismo, cujos métodos propiciavam o desenvolvimento da linguagem (desenho, escrita, gramática), da matemática, das ciências naturais e sociais. Freinet criou várias práticas de trabalho como métodos de ensino e aprendizagem. Uma dessas técnicas é o Jornal escola ou Aula das Descobertas. Afirmava que os interesses das crianças não estavam inseridos dentro da escola, mas fora dela. Por isso utilizava as aulas-passeio para motivar os alunos a trazerem os seus interesses à sala de aula. Um dos instrumentos mais importantes da pedagogia Freinet é o Texto Livre, que permite a libertação da expressão espontânea do aluno, estabelecendo indissociabilidade entre a escola e a vida. Por isso dizia: “não formamos um homem pré-fabricado, mas homens vivos e dinâmicos” (FREINET, p. 52). 42 As crianças aprendem a partir das suas próprias curiosidades, realizando trabalhos em grupo, colaborando uns com os outros num processo de integração. Os alunos lidavam com impressoras (imprensa escolar), com teares, ateliês de artes e até com horta. O objetivo consiste sempre em aproximar a escola da vida. O suporte da concretização das práticas é diversificado, incluindo principalmente a arte. O desenho, enquanto forma de expressão, possui a função de desinibidor psíquico (p. 59) substituindo o texto livre oral. No tocante aos espaços destinados às artes visuais é possível perceber o interesse de Freinet em preservar um ambiente que valoriza a prática. A figura mostra uma sala com capacidade para cerca de 25 alunos. Há um espaço reservado para as vivências artísticas com possibilidades de experimentações para pintura, desenho livre e modelagem. O referido lugar dispõe de bancadas e cavalete para trabalhos em grupo. 3.3.2 Construindo a Ponte por uma educação inovadora Citar a Escola da Ponte neste trabalho é exemplificar uma proposta sobre a qual os paradigmas educacionais de padrões pedagógicos tradicionais são questionados e repensados. Idealizada pelo educador português José Pacheco, a Escola da Ponte se distancia de modelos estritamente tradicionais do ponto de vista pedagógico. A escola faz parte do sistema público de Portugal e há mais de trinta anos promove uma educação de destaque. Na Ponte os alunos é que escolhem sobre a área de interesse que desejam estudar e desenvolvem pesquisas e projetos. Não possui aulas, séries, ciclos, anos, testes, toques de campainha ou separação de turmas por faixa etárias. Em entrevista à Revista Nova Escola, José Pacheco define como são os espaços: Não há salas de aula, e sim lugares onde cada aluno procura pessoas, ferramentas e soluções, testa seus conhecimentos e convive com os outros. São os espaços educativos. Hoje, eles estão designados por área. Na humanística, por exemplo, estuda-se História e Geografia; no pavilhão das ciências fica o material sobre Matemática; e o central abriga a Educação Artística e a Tecnológica (PACHECO, 2004). 43 A educadora brasileira Cláudia Sueli Rodrigues Santa Rosa fundamentou sua pesquisa sobre a Ponte a partir de inquietações sobre a qualidade do ensino da escola pública brasileira. Motivada pela representatividade que a Escola da Ponte exerce e pelos desafios que a educação brasileira enfrenta, Santa Rosa estudou o projeto político-pedagógico (PPP) de uma escola pública vinculada ao Estado português. Neste sentido, afirma: A Escola da Ponte localiza-se num país que enfrenta dificuldades em seu sistema de ensino, não muito diferentes da realidade brasileira. Os resultados das provas de aferição e dos exames oficiais que, a exemplo de como acontece no Brasil, são aplicados em algumas etapas escolares, denunciam as carências no que tange a qualidade da sua educação. Neste contexto, a Escola da Ponte destaca-se pela singularidade do seu projeto, pela especificidade da forma como se organiza e pelos resultados de aprendizagens alcançados junto às crianças de diferentes estratos sociais, tornando-se assim, objeto de estudos de pesquisadores (as), sobretudo portugueses, espanhóis e brasileiros (SANTA ROSA, 2008, p. 23). A crítica que a pesquisadora tece gira em torno da função da escola pública enquanto instituição democratizada. Embora reconheça-se que a mesma é mantida pelo Estado, porém é refém das decisões dos poderes políticos sobre a tomada das próprias decisões, enfraquecendo a sua autonomia e desestabilizando a participação da comunidade escolar (interna e externa). No entanto, Santa Rosa argumenta que a qualidade da escola pública não depende exclusivamente de projetos ou políticas governamentais. Defende que a construção do seu PPP depende da participação efetiva dos profissionais que nela trabalham. O escritor Rubem Alves também visitou pessoalmente a Escola da Ponte e externou seu encantamento pela mesma através da publicação de uma série de crônicas no jornal Correio Popular de Campinas/SP em 2000, todas reunidas em seu livro A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir (2001). Em um de seus textos, Rubem Alves escreve sobre sua ânsia por uma escola retrógrada, fazendo analogia com ateliês de artesãos medievais, os quais produziam suas obras com características únicas, com a unicidade que espelha as intenções de quem as compôs. Quando o mestre-artesão ensina, sugere maneiras de melhorar as produções dos aprendizes, o que resulta em obras originais, fruto da autonomia que gera independência e criatividade. Ele compara as escolas tradicionais com fábricas, cujos operários produzem “objetos” iguais, sob uma linha de montagem. Ao que afirma: 44 Nossas escolas são construídas segundo o modelo das linhas de montagem. Escolas são fábricas organizadas para a produção de unidades biopsicológicas móveis, portadoras de conhecimentos e habilidades. Esses conhecimentos e habilidades são definidos exteriormente por agências governamentais a que se conferiu autoridade para isso. Os modelos estabelecidos por tais agências são obrigatórios, e têm a força de leis. Unidades biopsicológicas móveis que, ao final do processo, não estejam de acordo com tais modelos são descartadas (ALVES, 2001, p. 36). Essas “unidades biopsicológicas” são os alunos. Estes são submetidos a um longo processo de saberes e habilidades que ao final o presenteará com o diploma de formatura. O indivíduo é formado de acordo com a fôrma e que, conforme o próprio Rubem Alves afirma, “se torna mercadoria espiritual que pode entrar no mercado de trabalho” (2001, p. 37). Refletir sobre a Escola da Ponte é abrir as portas para caminhos novos. E precisamente aqui neste texto, é uma oportunidade de reflexão sobre a situação educacional brasileira. O que se espera é que os alunos possam ter acesso a uma escola que preza pela unidade, através dos encontros internos e envolvimento com a família, em favor de uma educação humanizadora e integral. 3.3.3 CENOTEC / UFRN: utilização multidimensional do espaço pedagógico A utilização do espaço multidimensional tem relação com a noção de hiperespaço, apresentado no capítulo inicial. Consiste na concepção de um lugar cujas dimensões extrapolam os planos físicos. Essa relação se faz de maneira relacional, na medida em que existe uma co-relação com este espaço, o que leva em consideração não apenas a questão física do lugar, que inclui paredes, altura, largura ou profundidade, mas envolve uma afinidade em que os contextos imateriais e as experiências dos indivíduos presentes atuam como fatores determinantes na manipulação daquele espaço. É neste sentido, a partir dessa visão de espaço, que o CENOTEC (Laboratório Estudos Cenográficos e Tecnologias da Cena/UFRN) é pensado. 45 Os alunos têm a oportunidade de manter contato com recursos didáticos que propiciam interação com o conhecimento de forma presente. Essa modernidade é proposta por meio de equipamentos tecnológicos que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem. O caráter de inovação do ponto de vista pedagógico, neste caso, se dá através da configuração da sala, que comporta um mobiliário passível de mudanças de arranjo. O espaço serve oficialmente aos alunos do curso de Teatro da UFRN. Funciona como Laboratório acadêmico dedicado ao estudo da Cenografia, entendida como Arte da organização do espaço da cena e suas Tecnologias. O CENOTEC está inserido no Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) sob a coordenação do Prof. Sávio Araújo. 3.4 O ateliê de Arte como inspiração para proposições de espaços na escola É preciso dizer que esta pesquisa não pretende como prioridade comprovar cientificamente a influência do meio (físico ou não físico) como fator determinante sobre o processo criativo e no fazer artístico de um artista, mas problematizar a relação entre o espaço físico e a sua co-relação sobre os trabalhos expressivos decorrentes de vivências numa sala de aula, por exemplo. Nitidamente, essa relação pode, até certo ponto, diferir do trabalho de um artista visual com o de outro. É comum que, em contato com seu próprio ateliê, o artista mantenha um vínculo relacional peculiar e particular com esse ambiente, que Fonte: Sávio Araújo Fonte: Sávio Araújo Figura 12 - Espaço CENOTEC Figura 11 - Espaço CENOTEC 46 pode também ser este um fator que o diferencia de algum outro artista em seus modos de pensar o próprio espaço. O mesmo é refletido de maneira muito íntima de acordo com a experiência de cada artista. Cada um pode construir este espaço de forma diferenciada segundo a própria cultura e vivências. Conforme é mostrado nas imagens do Anexo B: A maioria dos artistas tem preferências individuais quanto ao seu local de trabalho, em termos de organização. Em relação à dimensão humana e à interface do artista com seu espaço, os fatores que devem ser considerados também variam (PANERO, 2002, p. 260). Por isso seria inviável projetar um ambiente que atendesse literalmente à todas as situações do ateliê, já que as técnicas, meios, estilos e processos exercem impacto nas exigências antropométricas (p. 260). As imagens do Anexo B referentes ao livro Dimensionamento humano para espaços interiores - Um livro de consulta e referência para projetos (2002) não pretendem ser compreendidas literalmente, já que não podem atender todas as necessidades pessoais de todos os artistas. No entanto, são imagens que ilustram componentes do espaço que envolve a relação entre o artista e suas atividades de maneira geral, sendo úteis para este contexto. Embora o espaço seja importante para o processo de concepção artística de cada um, entretanto a configuração do ambiente difere. Por isto aponta-se o valor da complexidade existente para a percepção espacial em artes visuais. O tópico seguinte mostrará as diferentes abordagens para o espaço que envolve o trabalho do artista, aspecto que pode ser útil na reflexão sobre a construção de um ambiente escolar para a disciplina de Artes Visuais. 3.5 O espaço multidimensional em artes visuais Remetendo-se ao Renascimento, no tocante à apropriação de percepções de espaço como influência no trabalho de artistas, a técnica da perspectiva linear foi indubitavelmente uma das mais evidentes marcas do momento pós-medieval. Mesmo que artistas como Giotto já apresentassem em suas obras traços de percepções realistas dos planos em direção à perspectiva científica, somente no 47 Renascimento (1300 - 1650) é que essa técnica alcança sua importância definitiva. Isto porque na Idade Média a presença de profundidade era obtida de forma intuitiva, percebida nitidamente pela variação de tamanho dos personagens representados nos afrescos (principalmente). É evidente que esse desprendimento técnico-científico dos artistas medievais era fruto de uma concepção estritamente cultural, fundamentada pela crença religiosa de apresentar expressividades que significassem o contato com o sagrado, profano ou universo transcendental, concernentes ao pensamento ideológico daquela época. Nesse ínterim, da mesma forma, a perspectiva científica renascentista também se caracterizou como fruto de uma imposição cultural, pois não se tratava apenas de uma configuração realista do espaço, e sim racionalista (Ostrower, p.116). Isso reflete o humanismo à mercê do pensamento egocêntrico que trouxe, de fato, as suas contribuições para o ocidente. Logo, a perspectiva deixa de ser entendida como forma expressiva a partir da Modernidade na medida em que o meio não mais a comporta, tornando-a alheia à realidade pelas vivências e conteúdos valorativos, culturais. Desta maneira, Fayga Ostrower defende: Figura 13- Franciscanos, Giotto Fonte: http://www.franciscanos.org.br/wp-content/gallery/giotto-di- bondonne/giotto_di_bondone_-_stygmatyzacja_sw__franciszka_1295- 1300.jpg 48 Figura 14 - "Bichos", Lygia Clark Fonte: http://www.artefazparte.com/2012/09/sempre- em-frente.html Fonte: http://www.revistacliche.com.br/wp- content/uploads/2013/05/2855.jpg Na arte moderna, não se encontra a perspectiva como configuração do espaço. Seria impossível atribuir esse fato a qualquer tipo de ignorância. A perspectiva é conhecida por nós. Ela está sendo ensinada nas escolas e é profissionalmente praticada; um arquiteto, um desenhista industrial, ao projetar uma mesa, lançará mão da perspectiva. Mas hoje a perspectiva representa apenas uma técnica de projeção, um método. (OSTROWER, 1987, p. 116). Tal declaração torna-se evidente quando observamos as rupturas estéticas modernistas do século XX em despeito às tendências acadêmicas de períodos anteriores. A partir de Cézanne, os cubistas tiraram os meios de desconstrução da visualidade direta, fazendo surgir uma nova configuração de espaço pelas superposições de linhas e planos. Assim, dentre outros, como o próprio Manifesto Surrealista e o neoconcretismo, o movimento expressionista também foi uma das tendências que se afastou ainda mais dessa concepção estritamente naturalista da realidade, dando margem a outras realidades, incluindo o imaginário e as sensações intrínsecas ao ser humano, evidenciadas pelo artista nas obras. Esse dinamismo espacial do processo criativo também pode ser percebido na obra da artista brasileira Lygia Clark, especificamente em duas composições: a criação da série “Bichos”, que consiste em construções metálicas geométricas que se articulam por meio de dobradiças e requerem a participação do espectador para estabelecer significados; e a criação da proposição “Caminhando”, que acontece a partir do recorte em uma fita de Moebius praticado pelo participante, estabelecendo uma ligação entre sujeito e obra. A pesquisadora brasileira Marisa Flórido Cesar (2002), defende a concepção da natureza do ateliê do artista como sendo ambígua, que pertence ao universo Figura 15 - "Caminhando", Lygia Clark 49 artístico, mas que paralelamente é extrínseco à obra de arte. Discute mudanças na configuração do ateliê referente à arte ocidental, investigando transformações do sentido da arte, do estatuto do artista e do espectador. A autora pesquisou ateliês de cinco artistas, incluindo brasileiros e estrangeiros. Ao se deparar com os espaços de criações de Mondrian, Brancusi, Duchamp, Carlos Zilio e Tunga, Cesar pôde descrever as diferentes configurações de concepções de cada ambiente. Ao descrever os processos artísticos por meio do ateliê, ela defende que não se pode isolar a obra do lugar onde a mesma foi criada. Analisando os processos criativos de Brancusi e Mondrian, afirma: Brancusi e Mondrian repensariam a moldura e a base em sua estrutura, sua função e sua forma. Refletir sobre a base e a moldura significa cogitar o estatuto ontológico da arte, definir seu papel no mundo e na vida. Em suas investigações, o ateliê seria assumido como o novo enquadramento da obra, como sua moldura, como os limites experimentais que preceituavam a inscrição da obra no mundo (CESAR, p. 18, 2002). Desta forma, o ateliê se institui como extensão da obra, e que também incorpora o processo criativo. No entanto, essa noção espacial apreende novas possibilidades de concepção entre os artistas contemporâneos. Figura 16 - Ateliê de Mondrian Fonte: http://www.pietmondrian.info/mondrian-at-a-glance/immagini- glance/dipinti-grandi-480/atelier-mondrian-1944.jpg 50 Quando cita Marcel Duchamp, Cesar diz que o artista dispensava o ateliê como lugar da artesania da obra ou como espaço sagrado de sua concepção (2002, p. 22). Por isso, admite que com Duchamp, os limites entre fazer e julgar arte, entre autor, espectador e juiz, foram reduzidos ao quase nada (2002, p. 23). Isto porque na arte contemporânea o objeto de arte não mais se extingue como autônomo e finalizado em si, mas, em sua incompletude, depende do espectador, do público, o qual também realiza a obra de arte e a concretiza. O ateliê passa, a partir daí, a não ser mais o refúgio do artista e perde os seus muros, não havendo mais limites entre arte e exterioridade, uma vez que a obra se realiza no espaço do mundo. Figura 17 - Ateliê de Marcel Duchamp Fonte: http://www.toutfait.com/issues/issue_2/Letters/ghalem_119.html 51 Ao discutir a concepção de ateliê na ótica do artista contemporâneo brasileiro Tunga, Marisa Flórido Cesar afirma que o artista não concede ao ateliê qualquer Figura 18 - Ateliê de Brancusi Fonte: http://habituallychic.luxury/wp-content/uploads/sites/2/2014/07/atelier-brancusi-paris- 2014-habituallychic-01.jpg 52 valor extraordinário e eventualmente declara que o seu ateliê é seu “espaço mental” (2002, p. 26). Assim, no contexto da contemporaneidade, o ateliê pode não mais manter a sua concepção espacial de abrigo arquitetônico a partir do qual a obra é construída. Isto pode ser percebido ao apreciarem-se tendências como Arte Conceitual, a Land Art, o Grafite e outras. As proposições fortalecem a concepção de que o espaço em arte não é pensado sob o ponto de vista estático, mas se desenvolve em movimento, numa concepção de espaço contínuo. É um desafio à repensar os hábitos espaciais explorando as muitas possibilidades de movimentos. Esse raciocínio também reflete o processo criativo de muitos artistas, como Jackson Pollock e Tomie Ohtake, além de diversos outros da história da arte moderna e contemporânea, que se destacam por utilizarem o espaço criativo de forma dinâmica em suas produções artísticas. A construção inicial de um trabalho artístico nos leva a pensar esse fazer a partir do conceito da crítica genética, ou crítica de processo, que, segundo Salles (2000), investiga o processo criativo. Embora não seja um desígnio fundamental aqui conceituar e relacionar efetivamente o processo criativo com o meio, para alguns artistas essa relação é estreita. Nesse sentido, mostraremos a opinião de alguns deles no capítulo seguinte, expondo o que cada um pensa sobre o espaço de trabalho, sua influência no processo criativo e as possíveis aspirações por mudanças na construção do próprio ambiente de criação. 3.6 O papel do ateliê no espaço escolar segundo a Pedagogia de Reggio A relevância do que será mostrado a seguir, pode contribuir significativamente para as reflexões discutidas até aqui nesta pesquisa, tendo em vista as devidas repercussões positivas trazidas pela pedagogia de Reggio para o processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de uma maneira de pensar a educação a partir de propostas que fortalecem ainda mais o argumento sobre a necessidade de espaços educativos que atuam como aliados no trabalho dos envolvidos na educação. O que inclui uma responsabilidade que não atende apenas à modalidade infantil, mas se estende também aos adolescentes, jovens e adultos. 53 Após a Segunda Guerra Mundial, na pequena cidade de Reggio Emilia, localizada no norte da Itália, teve início a proposta de uma escola infantil inovadora, baseada nos pensamentos do educador italiano Loris Malaguzzi. Este desenvolveu um princípio de ensino baseado na execução de projetos onde a comunidade escolar conta com a participação não apenas de professores e alunos, mas também com o envolvimento dos pais, reforçando o conceito de coletividade como meio para alcançar objetivos. Através do princípio de ensino em que as disciplinas formais do currículo escolar são descartadas, todas as atividades escolares são organizadas de acordo com projetos. Malaguzzi acredita que a linguagem da Arte está presente naturalmente no ser humano, sendo, portanto, instrumento essencial para o desenvolvimento criativo do aluno. Este fator favorece o efetivo desenrolar do projeto que, ao coletar informações das crianças, que são caracterizadas pela energia e criatividade, permite uma postura mediadora dos professores, onde estes se tornam observadores das crianças, observando-as, criando espaços de bem- estar entre elas, confiança e diálogo ao lado do apoio permanente dos familiares, fortalecendo o trabalho em conjunto. De acordo com a atelierista Vea Vecchi, em seu prefácio para O Papel do Ateliê na Educação Infantil: a inspiração de Reggio Emilia (2012), inserir o ateliê no currículo escolar pode tornar a experiência do processo de ensino-aprendizagem mais completo. Principalmente dentro de um contexto cultural que concorda sobre a relevância das linguagens expressivas como temas tão importantes e essenciais quanto às outras disciplinas consideradas mais privilegiadas. Estruturas específicas das linguagens utilizadas no ateliê, sejam elas visuais, musicais, teatrais e/ou outras, podem combinar emoções de maneira natural e racional, o que favorece o desenvolvimento da imaginação, a compreensão mais ampla da realidade e uma perspectiva mais articulada no processo de aprendizagem (Vecchi, 2012, p. 15). Sobre a importância do ateliê nesse processo, Malaguzzi afirma: Não esconderei de você quanta esperança investimos na implementação do ateliê. (...) Se pudéssemos, teríamos ido além, criando uma escola formada inteiramente por laboratórios semelhantes ao ateliê. Teríamos construído um novo tipo de escola, formada por espaços onde as mãos das crianças pudessem estar ativas para fazes confusão. Sem possibilidade de tédio, mãos e mentes se envolveriam em uma grande alegria libertadora (...) – (MALAGUZZI, Apud GANDINI, 2012, p. 17). 54 O conceito de espaço na pedagogia de Reggio é direcionado para a construção de ambientes que propiciem a valorização da construção cultural, o respeito ao outro e fortalecimento da própria identidade do aluno. As salas onde acontecem as oficinas são projetadas de modo a facilitar modificações e arranjos diferenciados conforme a necessidade das aulas. Outro aspecto a ser enfatizado aqui é a relação que as escolas reggioemilianas possuem com a cidade. Não se trata de um núcleo isolado da comunidade, mas um lugar que cria espaços de diálogos, vivências e conhecimentos sobre a cultura das crianças, o que pode contribuir com a qualidade de vida da população. As escolas de Reggio Emilia surgiram na Itália a partir de um movimento progressista após a Segunda Guerra Mundial. Receberam influências dos trabalhos de diversos intelectuais, tais como Piaget, Dewey, Montessori, Hawkins e outros pensadores considerados inovadores nas diversas áreas, tanto na educação, como na arquitetura, biologia e engenharia. A Abordagem de Reggio é centrada na ideia que toda criança é criativa, portadora de potenciais que, ao serem desenvolvidos, contribuem para a construção cultural da comunidade (escolar e extra-escolar). Para Loris Malaguzzi (1998), as crianças são os juízes mais sensíveis dos valores e da utilidade da criatividade. Para ele, “nossa tarefa é ajudar as crianças a escalar suas próprias montanhas, o mais alto possível”. Esse pensamento faz menção à metáfora de John Dewey (APUD Schaw, 2010 p.31), quando diz que os picos das montanhas representam o trabalho mais admirável de uma cultura, que brota da vida e de experiências do cotidiano. 55 Investir em atividades que favoreçam a prática artística, a exemplo das escolas de Reggio Emilia, pode se constituir como estratégias que visam expandir possibilidades de fazer crescer potencialidades inerentes aos estudantes através de experiências reais que promovam a exploração dos sentidos. Para Dewey (APUD Araújo, p. 110), a experiência inclui o fazer, o ver, o expressar. Segundo ele, alguns filósofos como Platão desprezam os sentidos, o gozo, o impulso e os apetites. Em contraponto, Dewey acredita que os sentidos abrem para a atividade, para a lida com os materiais sensíveis. Logo, trazer experiências como a Pedagogia de Reggio Emília nos impulsionou a pensar sobre uma escola que estimula a aprendizagem em arte de maneira inovadora a despeito do contexto atual, que ainda reflete modelos retrógrados em algumas realidades. Mesmo que a proposta de Reggio se refira especificamente ao ensino infantil, a estrutura atende a objetivos que se adéquam para atividades em níveis mais avançados, conforme o modelo educacional brasileiro. A ênfase que se dá à importância do espaço para atividades artísticas é o que se pode extrair como aspecto fundamental para o presente trabalho científico. Figura 19 - Ateliê de Reggio Emilia Fonte: Gandini, p. 206, 2012 56 As imagens a seguir ilustram como são algumas escolas que trabalham com essa metodologia. A figura 20 mostra a planta de uma delas. Figura 21 - Ateliê de Reggio Emilia (Escola Pablo Neruda) Fonte: Gandini, p. 112, 2012 Fonte: Gandini, p. 36, 2012. Figura 20 - Ateliê de Reggio Emilia - planta de ambiente pré-escolar 57 4 CAMINHOS METODOLÓGICOS 4.1 Entrevista com os alunos: opiniões sobre os espaços destinados à atividade artística no ambiente escolar O questionário continha cinco questões semi-abertas, tanto com possibilidades para opções de escolha por uma das quatro alternativas, como também para o aluno expressar sua opinião a respeito daquele assunto pontuado na questão. As perguntas foram construídas juntamente com três alunos do ensino médio convidados para este fim. Os mesmos demonstraram interesse e paciência durante o processo de criação desta etapa. As questões um, dois e quatro se caracterizam pela possibilidade de resposta semi-aberta, no entanto as demais (três e cinco) dão mais liberdade para o aluno responder conforme o próprio entendimento, inclusive com espaços para opinarem sobre possíveis sugestões. O material foi aplicado nas turmas de Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - Campus Nova Cruz. A participação abrangeu uma turma do primeiro ano, duas turmas do segundo ano e uma do terceiro ano. Ao todo, foram 110 alunos que responderam ao questionário. Segue a análise detalhada das questões a seguir. A questão 1 trouxe a pergunta sobre a influência do espaço no aprendizado em artes visuais. 58 GRÁFICO 1 - INFLUÊNCIA DO ESPAÇO NO APRENDIZADO EM ARTES Conforme pôde ser percebido no questionário, um pouco mais da metade dos alunos, de um total de 110, ou seja, 56 alunos consideram que o espaço influencia no aprendizado, correspondendo a uma média de 50,9%. 37 (média de 33,6%) consideram que o espaço às vezes influencia, ao passo que 12 (média de 10,9%) acreditam que não influencia e 5 alunos (média de 4,5%) não sabem. Cada aluno teve a opção de pontuar considerações pertinentes à esta questão. Surgiram as seguintes afirmações aqui apresentadas: Quando marcada a opção “sim, com certeza”, destacam-se algumas falas: “Um ambiente bem estruturado proporciona harmonia e bem estar, influenciando diretamente no aprendizado do aluno”, “Como aprender arte ou fazer arte sem um lugar adequado para que possamos nos inspirar... Compreender melhor a verdadeira arte”, “Sem um espaço apropriado não há motivação por parte dos alunos e até dos professores”, “Um espaço mais alegre e organizado é mais motivador. E é preciso um bom espaço para realizar as atividades”, “É preciso ter um ambiente agradável para poder se concentrar e trabalhar melhor”, “O espaço nos inspira criatividade”. Quando marcada a opção “Sim, às vezes”, pôde-se compreender as seguintes expressões: “Tipo, se a sala de aula estiver mal organizada, por exemplo”, “Porque depende do número de alunos e do comportamento deles”, “Porém, deve ser QUESTÃO 1 - INFLUÊNCIA DO ESPAÇO NO APRENDIZADO EM ARTES VISUAIS Com certeza Às vezes Não influencia Não sei 10,9% 4,5% 50,9% 33,6% 59 acompanhado de palestras e visitas a exposições”, “Sim, pode ajudar na construção de um aprendizado e isso vai ajudar na construção de um futuro melhor, apesar de eu não frequentar muito, mas com certeza são muito boas as aulas”, “Depende da matéria e atividade que estiver sendo realizada”. Quando marcada a opção “Não acredito que influencia”, a maioria dos alunos não justificou a resposta. Escreveu-se apenas: “Pois tal espaço não é projetado com este intuito”; “Pode ser determinado por cada aluno”. Quando marcada a opção “Não sei”, poucos justificaram resposta. As únicas observações colocadas foram: “Porque nunca tive aula de artes visuais”, “Não posso opinar. Ainda não tive aulas de Arte”. A questão 2 pretendeu fazer o aluno refletir sobre a adequação de espaços para a realização das atividades em artes visuais. Segue o gráfico correspondente: GRÁFICO 2 - ESPAÇOS ADEQUADOS PARA ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS NA INSTITUIÇÃO Conforme o gráfico, a maioria dos alunos identificou que os espaços eram poucos (45 alunos – média de 40,9%) ou inadequados (42 alunos – média de 38,1%) para as atividades de artes visuais na escola. 12 alunos (média de 10,9%) informaram que os espaços são adequados e 11 (média de 10%) não sabem. A questão 3 caracteriza-se por ser a mais aberta do questionário. Os alunos puderam se colocar mais livremente sobre as percepções de cada um a cerca de QUESTÃO 2 - ESPAÇOS ADEQUADOS PARA ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS NA INSTITUIÇÃO Com certeza Alguns espaços Não existem espaços adequados Não sei 10% 10,9% 40,9%38,1% 60 como discernem o ateliê de artes visuais na sua escola. A opinião dos alunos representam preocupações com problemas relacionados a iluminação, infraestrutura e materiais específicos. A seguir, estão elencadas algumas das falas correspondentes ao que representou o pensamento comum às categorias mencionadas: o “Um espaço com vários recursos, tipo revistas em quadrinhos, vídeo games, recursos de cinema e outros” (Aluno 1); o “Uma sala muito grande, com grandes janelas para que possamos nos inspirar com a natureza, com quadros, esculturas e outros, com livros, revistas, cavaletes, com as paredes bem coloridas e desenhadas e outra sala que possamos exibir nossas obras na sala de artes armários com materiais de artes” (A2); o “Uma grande sala, com equipamentos adequados, grandes mesas, que possamos nos sentir à vontade” (A3); o “Deveria ter uma sala fixa para a disciplina. Deveria ser estilo a sala do ArtAtack, com pinceis, tintas, enfim, vários utensílios que podemos utilizar para produzir arte, lugar com quadros, pinturas de vários artistas para inspirar os alunos na hora de produzir” (A4); o “Laboratórios com um maior espaço e materiais adequados” (A5); o “Bem estruturado, diferente o espaço, algo não padrão” (A6); o “Deve ser um espaço amplo, colorido, algo que permita aos alunos terem uma imaginação mais aflorada, o que não ocorre em relação a outras matérias como Matemática, por exemplo. A sala precisa deixar cada um explorar sua subjetividade” (A7); o “Espaço grande, onde os alunos possam se sentir à vontade, com muita luz, desenhos nas paredes, teto colorido, etc.” (A8); o “Deveria ter uma sala específica para esta atividade, na verdade, deveria ter um bloco inteiro destinado às disciplinas de artes visuais, música, etc.” (A9); o “Com cavaletes para expor os trabalhos da melhor maneira possível, um espaço bastante grande, com materiais adequados para realizar as atividades” (A10). 61 Sobre as respostas da questão 3 é possível tecer algumas análises. No geral percebe-se uma nítida preocupação dos alunos com modalidades específicas das Artes Visuais, as quais se restringem em sua maioria à pintura, bem como às inquietações de exposições de trabalhos. No entanto fala-se pouco sobre outros meios de comunicação em arte, alguns deles procedentes dos desdobramentos da globalização e dos avanços tecnológicos, o que pode revelar um pouco da visão tradicionalista nas respostas apresentadas. Curiosamente, algumas modalidades não foram citadas. Das formas tradicionais, que, segundo os PCN’s são desenho, pintura, escultura, arquitetura, gravura, artefato e desenho industrial, apenas o desenho, pintura e escultura foram mencionados. Os quadrinhos também aparecem como meio de expressão de interesse deles. Outros meios, nascidos a partir da modernidade e resultantes de avanços tecnológicos e transformações estéticas, como fotografia, artes gráficas, cinema, vídeo, televisão, computação e performance, receberam pouca atenção de acordo com os comentários dos alunos. Contudo houve menção ao cinema, videogame e fotografia apenas. Na questão seguinte (Questão 4), os alunos foram indagados quanto à opinião deles a respeito dos espaços destinados às atividades de artes visuais na instituição. Percebeu-se que em sua maioria os alunos responderam que os espaços precisariam melhorar, totalizando uma média de 68,18% dos participantes. 62 GRÁFICO 3 - PERCEPÇÃO DOS ESPAÇOS DESTINADOS ÀS ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS Observou-se que nas justificativas feitas pelos alunos referente a questão 4, que a maioria expressou inquietação a respeito da necessidade de espaços físicos mais apropriados, com uma infraestrutura mais adaptada e com possibilidades de ter um lugar específico para a disciplina de artes visuais. Alguns alunos também comentaram que, por falta de um ateliê, as atividades de pintura tiveram que ser realizadas pelos corredores, o que dificultava a execução dos trabalhos. Além disso, foi também comentado sobre a ausência de espaços específicos para a exposição dos trabalhos. QUESTÃO 4 - PERCEPÇÃO DOS ESPAÇOS DESTINADOS ÀS ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS NA INSTITUIÇÃO São ótimos São bons Precisam melhorar Não sei 23,63% 1,81% 6,36% 68,2% 63 Pôde-se perceber que os alunos citaram questões referentes aos quesitos de infraestrutura, lugar particular para a disciplina e a importância da mesma no currículo escolar. Figura 22 - Alunos elaborando atividade de artes visuais Fonte: Arquivo pessoal Figura 23 - Alunos elaborando atividade de artes visuais Fonte: Arquivo pessoal 64 Algumas falas podem ser aqui apresentadas: “a questão não é que precise melhorar, porque na realidade esses espaços nem existem. Uma sala de aula normalmente não é local de uma aula de artes visuais, não é adequada”. Pode-se ainda reproduzir tais falas “porque não existe sala fixa para a disciplina, não existem armários com utensílios suficientes para a aula, não existe um lugar confortável para produzir e expor nossas obras”, “de certa forma, a sala não acomoda todas as pessoas, não é um espaço adequado para todas as práticas que precisam ser feitas. Além de que, não é um espaço só para arte, é dividido com a sala de música”, “precisa de mais material e de que o espaço convide as pessoas a querer desenvolver a arte”, “ajuda na criatividade dos alunos e a melhorar seu desempenho”, “pois não há sala de artes visuais, quando estamos pintando, pintamos no pátio e lá não é muito adequado”. É intrigante observar a afirmativa de que “pintar no pátio não seja adequado”. Tal expressão pode ter relação com a problemática de terem que usar o chão do pátio. O pátio ou os corredores em si não seriam o motivo do problema. A questão pode não ser o lugar, mas a maneira como este é preparado para algum fim. É provável que alguns dos alunos não tenham achado conveniente ou confortável pintar sobre Figura 24 - Alunos elaborando atividade de artes visuais Fonte: Arquivo pessoal 65 os chãos dos corredores. Talvez a carência de bancadas, mesas ou cavaletes tenham incomodado. Retomando as análises, o gráfico mostra, através da cor lilás, que os alunos que não sabem sobre os espaços destinados às atividades de artes visuais na sua escola representam uma média de 23,63%. E que em sua minoria os alunos consideraram como bons e ótimos, representando 6,36% e 1,81% respectivamente. O gráfico a seguir refere-se à questão 5. A mesma corresponde aos itens que os alunos pensam sobre o que pode existir numa sala de artes visuais. GRÁFICO 4 - ÍTENS NECESSÁRIOS NUMA SALA DE ARTES VISUAIS Nessa questão, os alunos tinham a opção de marcar mais de um item que consideravam importantes para compor o espaço de um ateliê de artes visuais. Desse modo, 96 alunos marcaram a opção “obras de arte”, 79 alunos marcaram a opção “mesas que juntem vários alunos”, 76 alunos marcaram “cavaletes”, 99 alunos marcaram “materiais para atividades práticas”, 74 marcaram sobre os “armários e prateleiras”, 37 alunos julgaram ser importante incluir “computadores”, 52 marcaram o item “janelas grandes”, 60 alunos marcaram a opção “livros e revistas”, 92 alunos QUESTÃO 5 - ÍTENS NECESSÁRIOS NUMA SALA DE ARTES VISUAIS Obras de arte Mesas Cavaletes Materiais Armários e prateleiras Computadores Janelas Livros e revistas Paredes coloridas Vídeo games 66 escolheram marcar também “paredes coloridas (desenhada, grafitada, pintadas...)” e 15 alunos marcaram a opção “videogames”. De modo geral, os alunos destacaram em sua maioria a existência de materiais para atividades práticas, obras de arte e paredes coloridas. Em suma, é relevante saber que todos os itens sugeridos foram considerados importantes. No entanto, os alunos se mostraram omissos quanto aos meios artísticos procedentes dos avanços tecnológicos. Na última questão, por exemplo, não houve sugestões como: máquinas fotográficas e filmadoras, ocasionando uma lacuna de pintura à videogame (subproduto da tecnologia informática, representada na resposta por “computadores”). A insuficiência de tais linguagens nas respostas permite imaginar-se que os alunos não as consideram como arte. Essa hipótese pode ser resultante de três razões: a primeira seria pelo fato de muitos dos estudantes não terem a oportunidade de vivenciar atividades práticas que envolvessem as visualidades mencionadas; a segunda pode ser porque no Ensino Fundamental não tiveram aulas de artes visuais especificamente; e a outra razão se daria pelo fato de que no momento da pesquisa em questão os estudantes estavam tendo oficinas de pintura e, por isto, destacaram mais as linguagens afins. 67 4.2 Entrevistas com os artistas: a relação do espaço criativo com o trabalho artístico Esta etapa do texto faz parte do instrumento de investigação que utilizamos a fim de estabelecer paralelo com o ambiente escolar. As entrevistas semi- estruturadas foram organizadas de modo que algumas perguntas preestabelecidas fizeram surgir outras indagações ao longo de algumas entrevistas. As mesmas compreendem a opinião de cinco artistas que atuam no Rio Grande do Norte. Alguns deles residem em Natal/RN e outros na região do Seridó. Os artistas Assis Costa, João Antônio, Pedro Roberto, Clarissa Torres e Vicente Vitoriano se mostraram bastante à vontade para discorrer sobre o próprio espaço de trabalho onde os mesmos planejam, produzem e criam suas obras de arte. Três destes artistas foram entrevistados pessoalmente. Apenas Clarissa Torres e Vicente Vitoriano estabeleceram contato através de e-mail. Sabe-se que o ateliê2 ou estúdio é o espaço de criação do artista. É o lugar onde as reflexões, pensamentos, ideias e indagações são colocadas em materialização. Esse espaço é muitas vezes um lugar preparado para este fim como também um lugar improvisado com os mais diversos elementos estéticos e materiais que ali podem estar. Essa foi uma constatação evidente que se obteve ao entrevistarmos os cinco artistas citados nesta investigação (ver entrevistas na íntegra nos Apêndices). Conforme afirma o professor Pedro Roberto (informação verbal3), o espaço pode influenciar muito mais no quesito processo de produção do que no processo criativo. Pare ele, ter uma sala específica para cada técnica, seja desenho, gravura, pintura ou escultura, é fundamental para a execução de um trabalho em conjunto com alunos. Ele acredita que a Arte é a área de conhecimento que melhor se pode trabalhar a interdisciplinaridade. 2 Lembramos que o ateliê ao qual nos referimos refere-se ao espaço físico arquitetônico tradicional concebido segundo os padrões estéticos da arte ocidental. 3 Entrevista concedida por ROBERTO, Pedro. Entrevista com Pedro Roberto. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Natal, 2015. 1 arquivo mp4 (29 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta dissertação. 68 Atualmente Pedro é aposentado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde lecionou diferentes disciplinas ligadas às artes visuais, incluindo Desenho de Observação, Gravura e diversas outras vinculadas às Técnicas de Comunicação e Expressão Artísticas. No entanto, continua produzindo arte, atuando na construção final de um dos seus ateliês, nos quais se detém na elaboração dos mosaicos que o torna conhecido. Já para o artista potiguar Assis Costa, o ateliê de arte exerce influência direta sobre o seu processo criativo, bem como no resultado final das suas produções. O artista aponta que a organização do lugar contribui para o seu trabalho e que a saúde do espaço é importante para a sua inspiração (informação verbal4). 4 Entrevista concedida por COSTA, Assis. Entrevista com Assis Costa. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Currais Novos/RN, 2015. 1 arquivo mp4 (20 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta dissertação. Figura 25 - Entrevista com Pedro Roberto Fonte: Arquivo pessoal 69 Figura 26 - Ateliê de Assis Costa Fonte: Arquivo pessoal 70 O ateliê de Assis Costa fica na região do Seridó, especificamente na cidade de Currais Novos/RN. Cidade conhecida pela representatividade artística e cultural. Lugar onde moram diversos artistas que escrevem a história da sua cidade, como Luzia Dantas, Adriano Santori, Aranha Jozinaldo, Francinaldo Moura, Caçuá de Mamulengos e outros. Estes contribuem para a cultura norte-rio-grandense estendendo a riqueza da arte brasileira para muitos horizontes. No ateliê de Assis, pode-se apreender a organização dos materiais que o artista utiliza para o desenvolvimento dos seus trabalhos. É possível elencar alguns aspectos do seu espaço de trabalho que favorecem para uma reflexão sobre o ateliê no ambiente escolar. No ateliê de Assis percebemos uma área em que o artista expõe alguns trabalhos de acervo particular, como também para fins de comercialização. Além de bancadas para produção artística e suporte de materiais expressivos, o artista também possui uma estante com livros de estudos e consultas para pesquisas que o auxiliam no processo criativo. Num outro ambiente, Assis reserva um espaço somente para a produção artística. Trata-se de um espaço em primeiro andar do seu ateliê, que contém uma grande janela que propicia uma iluminação favorável para utilização de técnicas que precisam de condições climáticas convenientes, como ventilação e luz natural. Neste mesmo espaço, o artista guarda seus materiais de pintura, como tintas, pincéis, cavaletes etc. 71 Figura 27 - Ateliê de Assis Costa Figura 28 - Ateliê de Assis Costa Fonte: Arquivo pessoal Fonte: Arquivo pessoal 72 Assis é conhecido pelo domínio das mais variadas técnicas das artes visuais. Destaca-se no desenho artístico, pintura, escultura e quadrinhos, além de ser poeta e músico. Possui uma significativa experiência com ateliê e já fez inúmeras exposições ao longo do Brasil. Suas obras exalam a simplicidade e a riqueza da cultura popular. Nos seus traços peculiares, faz menção frequente a São Francisco de Assis, figuras da literatura, como Dom Quixote e Sancho, além de representar a bela paisagem do Seridó. Ao ser questionado sobre como ele pensa a respeito das salas de artes visuais no contexto escolar respondeu: Bem, a meu ver a sala de aula para se ministrar as artes visuais deveriam,acima de tudo, ter um caráter de oficina de arte, meio que galeria, para que durante as discussões teóricas os alunos já tivessem de certa forma o contato com a prática, e essa galeria fosse formada pelo material dos mesmos ao longo do tempo, feitos através de seleção e até mesmo com simbólicas premiações que trariam mais estímulos aos estudantes. A prática aliada a boas teorias voltadas para assuntos de interesse dos jovens com o uso dos tantos recursos tecnológicos existentes faria da sala de artes um lugar muito mais atraente e literalmente conectado com os alunos (Informação via e-email5). 5 Entrevista concedida por COSTA, Assis. Entrevista com Assis Costa. [agosto de 2016]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Natal/RN, 2016. Via e-mail. Figura 29 - Ateliê de Assis Costa Fonte: Arquivo pessoal 73 Também residente em Currais Novos/RN, o artista João Antônio é conhecido como uma das principais representatividades da arte potiguar. Sua notoriedade se constrói devido à grande contribuição que tem dado à cultura local, ao multiplicar sua arte, ensinando a jovens artistas. Seu nome é levado com esmero nos discursos de muitos daquela região, frutos dos preciosos ensinamentos do mestre. João também é artista multifacetado. É desenhista, escultor, pintor e quadrinista. Atualmente dedica seu tempo na coordenação de um espaço cultural6 idealizado por ele na cidade, onde funciona como polo cultural respeitável, ao lado de outros importantes nomes da arte e cultura popular de destaque na região. Para ele, o ateliê é a extensão de si mesmo. A sua relação com o espaço de trabalho funciona como o que ele chama de simbiose, uma relação íntima, uma vez que o lugar é onde o artista descansa e mora com a família. Acredita que o espaço 6 O Espaço Avoante de Cultura foi construído com o próprio salário de professor do artista potiguar João Antônio de Medeiros Neto. É considerado um dos principais pólos culturais do município de Currais Novos/RN, onde acontecem diversos eventos artístico-culturais, como cursos, workshops, palestras e até apresentações nas diversas modalidades estéticas abertos à comunidade. Figura 30 - Ateliê de João Antonio Fonte: Arquivo pessoal 74 de criação é um instrumento necessário na efetivação do processo criativo. Sobre isto ele diz: Todo este espaço aqui são as ferramentas de construção, de idéias, de criação, sabe? Tudo vai ter que passar por essas ferramentas, que é este espaço. E aí quando se fala da ferramenta é assim: é todo o espaço que existe, o tamanho do espaço, as condições de ventilação, a luminosidade, as ferramentas que existem do trabalho, como bancadas ou não bancadas, outras ferramentas pra você executar: serrote, serras... Então tudo isso são ferramentas pra executar qualquer coisa que a gente deve sempre... Eu acredito que o artista deve sempre ter isso (informação verbal7). O ateliê de João Antônio compreende inicialmente uma galeria com exposição de diversas obras. Nessa galeria o artista reúne as principais obras que marcam suas próprias tendências, muitas delas marcadas por influências de vanguardas modernistas. Em seguida seguem-se espaços para produção artística ocupados por bancadas, mesas, prateleiras e materiais diversos. Em seu ambiente de criação também mantém um escritório com estantes e livros. 7 Entrevista concedida por ANTONIO, João. Entrevista com João Antonio. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Currais Novos/RN, 2015. 1 arquivo mp4 (16 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta dissertação. 75 Figura 31 - Ateliê de João Antonio Fonte: Arquivo pessoal 76 Figura 32 - Ateliê de João Antonio - biblioteca pessoal Fonte: Arquivo pessoal 77 A artista Clarissa Torres também atua no Rio Grande do Norte com sua arte versada pela alegria de elementos circenses e personagens peculiares que marcaram o traço da autora. Em entrevista (Apêndice B, p. 96), ela declara que o ateliê é como um espaço sagrado, e que não foi fácil dividi-lo com outros artistas, com os quais trabalha em seu espaço de criação. Ela diz também que o espaço influencia em seu processo criativo e que antes de iniciar suas pinturas, prepara os pincéis, faz esboços, organiza materiais, higieniza objetos, interage com seus animais de estimação etc. A respeito de ambientes para aulas de artes visuais no ambiente escolar, Clarissa expressa a seguinte opinião: É lógico que não existe lugar adequado! Primeiro de tudo teria que ser um espaço amplo e iluminado, livre de cadeiras tradicionais, só com mesas enormes e alguns bancos. Muito material disponível, vários tipos de tintas, pincéis, lápis de tudo que é jeito, papéis para desenhar, colar, amassar, televisão ou projetor, os dois na verdade, para que os alunos pudessem ver, ver, ver e ver muitas obras, documentários, filmes, com acesso à internet para pesquisar técnicas, artistas, tutoriais, livros disponíveis, parede para experimentar técnicas... máquina fotográfica e impressora (informação via e-mail8). 8 Entrevista concedida por TORRES, Clarissa. Entrevista com Clarissa Torres. [Fevereiro de 2016]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Natal/RN, 2015. Via e-mail. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta dissertação. Figura 33 - Ateliê de Clarissa Torres Fonte: Clarissa Torres 78 A artista pontua que apesar da sua formação acadêmica em Educação Artística – Artes Plásticas preferiu não enveredar-se pelo caminho da educação. Passou pela experiência de ensinar em escolas públicas do Estado do RN, mas deparou-se com as dificuldades que permeiam a educação pública brasileira e desistiu do ensino. Após alguns anos de estudos em nível de Pós Graduação e Mestrado, Clarissa concentrou-se na produção artística, por meio da qual realiza diversas exposições cujas fontes emanam do seu próprio ateliê. O mesmo representa atualmente um pólo cultural da cidade de Natal, especificamente no bairro de Ponta Negra, onde une variadas atrações artísticas. O artista, professor, pesquisador e crítico de arte Vicente Vitoriano também disponibilizou gentilmente a sua opinião para esta pesquisa. Natural de Mossoró/RN Vicente é considerado um dos mais conhecidos nomes da arte potiguar. Com diversas exposições em seu currículo, o artista é conhecido pela influência da arte moderna e contemporânea marcantes em suas obras. Figura 34 - Vicente Vitoriano Fonte: Humberto Sales, disponível em http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/abismo- abstrato-de-vitoriano/295276 79 Ao ser questionado sobre a influência do espaço em seu processo criativo, ele respondeu: Meu processo criativo é muito mental e tem desenvolvimento independente de onde eu esteja. Quando vou registrar alguma ideia no escritório, sempre o faço em pequenas peças de papel e, atualmente, tenho usado um livrinho (sketchbook) para isto. Faço também anotações verbais, neste livrinho ou no computador (informação via e-mail9). Seu ateliê é também o seu escritório, onde trabalha planejando aulas e cria possibilidades de construção nas diversas expressividades e técnicas, principalmente a pintura. Apesar dos ambientes de estúdios de artistas serem comumente associados a um lugar de solidão, trazer à tona os exemplos estruturais desses espaços pode contribuir significativamente para a construção de uma concepção de espaço a partir da relação dos ateliês de artistas com os meios onde acontecem aulas de artes visuais nas escolas. 9 Entrevista concedida por VITORIANO, Vicente. Entrevista com Vicente Vitoriano. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Natal/RN, 2015. Via e-mail. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E desta dissertação. 80 4.3 Proposição de Ateliê de Arte na escola: um espaço multifuncional O ensino das Artes Visuais compreende conteúdos que exploram muito mais que uma sala. É composto de elementos que ultrapassam um ambiente construído para aulas estritamente teóricas ou de padrões tradicionais. Os critérios didáticos atuais, principalmente para o ensino da Arte, conforme já explicitado anteriormente, apontam para um ambiente em que a organização do mobiliário e dos ambientes são fundamentais para o processo de ensino-aprendizagem, o que pode fazer surgir mais que apenas um ambiente, e sim, um núcleo de espaços que amparem as diversas possibilidades que compreendem as práticas de ensino de Artes Visuais. Para o artista e professor Pedro Roberto, o ensino de artes visuais deveria ser ministrado em espaços que respeitassem as diversas técnicas, no sentido de separar melhor os ambientes para um enfoque específico. Em entrevista (Ver Apêndice D) ele afirma: Na verdade eu sempre batalhei para que tivessem salas específicas. Específicas de diversas técnicas de artes visuais, você pode fazer experiências diversas com temas. Quando eu dava gravura, eu dava um tema: violência, por exemplo. Eu dava temas que tivessem ligação com o que tava acontecendo. E está acontecendo muito agora, muito mais, né?! A violência urbana! E cada um interpretava a violência dentro da maneira que via (informação verbal10). O comentário do professor Pedro está inserido num contexto de experiência vivenciada num ambiente universitário, onde o mesmo trabalhou lecionando disciplinas nas diversas técnicas e materiais expressivos. Embora ele faça menção também à interdisciplinaridade que o ensino de Arte pode proporcionar, o seu ponto de vista se assemelha com a proposta descrita na etapa atual deste trabalho de pesquisa no sentido de conceber as aulas de artes visuais valorizando as diversas especificidades (desenho, gravura, escultura, pintura, fotografia, vídeo etc.). Para tanto, seria ilusório ter em uma escola apenas uma sala para atividades de artes 10 Entrevista concedida por ROBERTO, Pedro. Entrevista com Pedro Roberto. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Natal, 2015. 1 arquivo mp4 (29 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta dissertação. 81 visuais, sendo a mesma uma área que compõe diversas possibilidades de experimentação. O artista potiguar Assis Costa também colabora com esta pesquisa ao expressar as suas necessidades pessoais por ambientes que favoreçam as diferentes especificidades artísticas. Quando foi questionado sobre a possível modificação de seu ateliê, ao que respondeu: Eu modificaria justamente para ter um espaço para a bagunça. Um lugar para pintar com pistola, por exemplo... Uma estufa. Para trabalhar com escultura em fibra, isopor, barro, que mancha muito, madeira... Precisa- se de um espaço (informação verbal11). Portanto, sistematiza-se aqui a proposta de um ateliê de Arte que visa atender as muitas necessidades da disciplina de Artes Visuais na escola. A pretensão não consiste em categorizar o espaço por nível de ensino, pois trata-se de uma configuração que pode ser ajustada, tanto para crianças, jovens ou adolescentes. Pensou-se num prédio, um tipo ou espécie de edifício complexo multifuncional com vários ambientes. Inicialmente haveria um hall de entrada que serve para recepção, coordenação e monitoramento do ateliê. Este mesmo espaço compreende uma área amplamente propícia para exposições artísticas, tanto para alunos como para artistas convidados. As salas de aulas são separadas por necessidades específicas. São quatro salas de aulas com capacidade média para 40 alunos, uma mini biblioteca com acervo específico de artes visuais e uma sala para depósito de materiais diversos. O ateliê possui os seguintes ambientes:  Sala para aulas expositivas (palestras e exibições audiovisuais);  Sala para a prática artística I (desenho, colagem, gravura e pintura);  Sala para a prática artística II (escultura e modelagem);  Laboratório de informática (técnicas audiovisuais, fotografia etc.);  Mini biblioteca (acervo específico);  Sala depósito (multiuso). 11 Entrevista concedida por COSTA, Assis. Entrevista com Assis Costa. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Currais Novos/RN, 2015. 1 arquivo mp4 (20 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta dissertação. 82 As salas de aulas práticas são estruturadas com bancadas, mesas, lavatórios e janelas para passagem de luz natural. Além dos ambientes mencionados, pensou- se num setor de convivência na entrada do ateliê com bancos e plantas. O desenho da planta do projeto foi inspirado nos estudos de Neufert (2009, p. 302) e produzido com o programa Sweet Home 3D. Como este software contém elementos mais voltados a projetos residenciais, foram feitas adaptações que se adequassem à proposta em questão. Outro ambiente que pode ser inferido, mas que não foi incluído no croqui apresentado, é de caráter externo a esse projeto. Experimentações que requerem luz natural em abundância e ligação direta com o meio ambiente, como técnicas de escultura e pintura ao ar livre, precisariam de espaço externo. Este teria uma reserva de espaço para a estruturação de um forno no apoio às técnicas expressivas em argila. Também é importante dizer que o acesso ao ateliê deve ter estrutura que atenda ao público portador de necessidades especiais. Esse detalhe não pôde ser representado no exemplo do croqui, no entanto faz-se oportuno ressaltar esta característica. Em congruência com as discussões desta dissertação, a configuração do ateliê de arte apresentada aqui está inspirada na opinião dos interlocutores entrevistados (alunos e artistas), as quais foram decisivas para a concepção da referida ideia. A sugestão também se baseia em artistas que se utilizam de espaços, sejam eles físicos ou não, para a construção da sua produção. São profissionais que dispõem de ambientes com materiais e suportes que os auxiliam no processo criativo de cada um, segundo as próprias predileções, técnicas e olhares distintos. Logo, na medida em que o artista faz o uso do seu ateliê como ferramenta fundamental à prática, assim também o mesmo recurso pode ser enfatizado quando se refere a essa prática no contexto escolar. As imagens desta referida sugestão podem ser percebidas nas páginas seguintes através das plantas baixas que representam o projeto. 83 Figura 35 - Planta baixa de proposição do Ateliê de Artes Visuais Fonte: Arquivo pessoal 84 Figura 36 – Planta baixa de Ateliê em 3D Fonte: Arquivo pessoal 85 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa procurou investigar como o professor é influenciado pelo espaço e como o ateliê de artistas estabelece possibilidades de criação dos sentidos através da concepção de espaços estéticos e sensíveis. Isto porque existe uma necessidade urgente de reinventar-se um espaço e um tempo no cotidiano das escolas para que essa experiência de criação esteja presente em todos os momentos da vida de maneira plena. Refletiu-se sobre como o processo de ensino e aprendizagem é influenciado pelo espaço, focando na área de Artes Visuais como campo profissional. O objeto de pesquisa foi enfatizado a partir das percepções diversas, a começar pelo seu conceito, o qual demanda diferentes possibilidades de investigação. Falar do espaço, principalmente neste contexto, permite pensar em diferentes campos de estudo, o que torna o assunto ainda mais intrigante. O que se buscou aqui foi elencar algumas dessas formas de ver o espaço, para que tal conceito esteja mais bem compreendido no âmbito da educação, especificamente sob o ponto de vista estrutural como ponto de partida. E não apenas enquanto estrutura física, mas também enfatizando os alcances que excedem a fisicalidade cartesiana. Os recortes das discussões da escritora Margaret Wertheim reforçam que os ambientes não se encontram apenas sob a visibilidade direta, mas expandem-se para dimensões sobre as quais não se podem ter limites. Daí a evidência de que não se pensa numa idealização de espaço sem considerar que o mesmo possui relações com outros espaços, os imaginários, que também inclui os contextos culturais de cada indivíduo, suas experiências e formas de pensar o mundo. Procurou-se, a partir das concepções dos investigados, trazer aspectos de ateliês de artistas enquanto espaços de criação, para contribuir no processo de aprendizagem, o qual é influenciado pelo espaço. Na medida em que o artista faz o uso do seu ateliê como ferramenta fundamental à prática, assim também o mesmo recurso pode ser enfatizado quando se refere a essa prática no contexto escolar. Portanto, estar em contato com alguns artistas em seus próprios ateliês reforçou o argumento de que cada um tem o seu próprio jeito de pensar o próprio espaço de trabalho. Os encontros, sejam de forma virtual ou presencial, trouxeram 86 significados ainda mais importantes para este trabalho. Entrar no espaço de trabalho de cada um deles, perceber que seus ateliês não se tratam apenas de um lugar de ofício, mas de criações e percepções sensoriais comprova o porquê desses ambientes serem considerados campo de estudo e investigação para muitos pesquisadores. As experiências que se podem extrair desses territórios trazem um convite para vivenciar e aprender ainda mais sobre os contextos distintos, marcados na singularidade de cada um. Logo, alguns dos artistas entrevistados defenderam seus pontos de vistas a respeito da influência que o espaço exerce sobre os seus trabalhos. Assim, apropriando-se da relação entre espaço e trabalho, ambiente e prática, pôde-se trazer as mesmas relações para o contexto escolar, tomando-se como parâmetro os sujeitos afins (professor, aluno e comunidade escolar). Uma vez que o espaço pode determinar resultados sobre o trabalho de artistas em seus próprios ateliês, assim também o espaço motivará resultados positivos ou negativos na sala de aula. Nesse contexto, é certo que não se pôde estudar detalhadamente sobre os diversos aspectos do ateliê de arte, como também não seria intenção aqui de explorar as muitas variações que se poderiam investigar, pois se adentraria em extensões que causaria devaneios em relação à discussão aqui presente. Elencar as diferentes propostas de ateliês de artistas seria um desafio de pesquisa para outras oportunidades. Por isso, deixa-se de falar sobre outras formas de ateliês, como os coletivos, virtuais, assim como os espaços de ateliês de cineastas, cenógrafos, dramaturgos, designers, arquitetos, músicos, escritores e outros que vão surgindo conforme o processo criativo de cada um. Tais aspectos se tornam temas relevantes para um aprofundamento nos próximos estudos. Nesse estudo, a riqueza diversificada que se pode extrair desses espaços (ateliês de artistas) pode ser pensada para refletir sobre os espaços educativos do contexto escolar. Desta forma, cria-se oportunidades de aprendizado em que os alunos tenham contato com ambientes que favoreçam o fazer, o pensar e o contextualizar arte, favorecendo o processo de ensino e aprendizagem no contexto das escolas. Reflexões como essas instigam propostas inovadoras no processo de criação desses tipos de espaços. Fazem pensar-se sobre a relevância dos espaços 87 educativos e como os mesmos podem ser repensados com vistas a melhorar ainda mais os encontros em sala de aula, principalmente no tocante à disciplina de Arte. Por isso, apresentaram-se aqui exemplos de métodos desenvolvidos por educadores que se preocuparam com a emancipação de ideias e promoveram possibilidades de mudanças por uma educação idealizada. Citou-se a Pedagogia Freinet e Escola da Ponte como maneiras de quebrar paradigmas em busca de uma escola que pensa criativamente. A pedagogia de Reggio Emília como um exemplo de que ter um ateliê para práticas artísticas na escola é possível e é de fundamental importância nesse processo. Como parte da metodologia foi importante saber a opinião dos alunos sobre os espaços educativos que os circundam e o que estes representam para eles. As entrevistas apresentadas puderam ilustrar a ótica deles, suas impressões, percepções e sugestões. Não havia como continuar o estudo desta dissertação sem compreender a visão dos alunos a respeito do assunto. Pôde-se perceber que os mesmos apreciam o ambiente destinado às atividades de artes visuais na escola e que possuem ciência sobre as devidas necessidades para melhorias. Suas contribuições através das sugestões, críticas e depoimentos se constituem como elementos essenciais para esta pesquisa. Quando se propôs uma concepção de espaço para as aulas de Artes Visuais, lembra-se também das outras linguagens artísticas que estão presentes no currículo da escola (Música, Teatro e Dança), as quais também possuem as suas muitas dificuldades também na conquista por espaços físicos mais adequados nesse mesmo contexto. Assim, propor uma idealização neste sentido é pensar na possibilidade de uma multifuncionalidade de espaços. Ou seja, um centro ou núcleo de arte, no qual seriam construídos ambientes mais amplos que englobassem as diversas linguagens artísticas – artes visuais, música, dança e teatro, afim de que as mesmas sejam apreciadas efetivamente no contexto escolar. Deixaremos que essa proposição seja a motivação para trabalhos futuros. Logo, tratou-se de se configurar aqui uma proposta de discussão do ambiente de arte na escola, valorizando-o na inclusão das diversas modalidades, o que não caberia em apenas um local, mas na construção de um departamento, um complexo multifuncional. Um setor de arte na escola que incluísse as diversas modalidades. 88 Cada uma delas ocuparia um andar de um prédio, com características que amparassem as diversas necessidades no contexto escolar. Esta seria uma maneira de continuar a discussão deste trabalho como proposta para estudos posteriores. O que se espera é que outros debates sobre as questões apontadas aqui sejam intensificados, em prol de uma melhoria na democratização do conhecimento da arte na escola. Espera-se também que outros estudos, como um doutorado, sejam realizados para continuar reforçando as necessidades dos professores de Arte no contexto escolar, no tocante aos espaços destinados para atividades práticas e teóricas, bem como aos diversos instrumentos que se relacionam com estruturas que amparam o exercício do arte-educador. A expectativa é de que esta pesquisa promova maiores reflexões sobre a influência do espaço no processo de ensino e aprendizagem em Artes Visuais. Que as investigações provoquem a viabilização de espaços físicos mais bem estruturados aos devidos fins descritos aqui. Assim, acredita-se que a investigação discutida neste texto possa também suscitar outras muitas nuances, trazendo a convicção de que as intenções de análises e discussões apontadas aqui não se restringem a olhar a pesquisa apenas nessa ótica, visto que outras questões, não mencionadas ao longo desta dissertação, também podem ampliar o campo de pesquisa e serem merecedoras de atenção. 89 REFERÊNCIAS ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas, SP: Papirus, 2001. ANTONIO, João. Entrevista com João Antonio. [Setembro de 2015]. Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Currais Novos/RN, 2015. 1 arquivo mp4 (16 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta dissertação. ARAÚJO, I. Arte como Experiência. Revista Redescrições, Ano II, Número 4. 201. Online, p. 108-114. BARBOSA, Ana Mae. Cunha, F. P. da. (orgs.)_a. A Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010. _______b. 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Entrevistador: João Maria dos Santos Damasceno. Curruais Novos/RN, 2015. 1 arquivo mp4 (20 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta dissertação. 90 DANTAS, A. C. C.; COSTA, N. M. L. (orgs.) Projeto Político-Pedagógico do IFRN: uma construção coletiva: documento-base / Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Natal: IFRN Ed., 2012. DIEHL, Astor Antônio; Tatim, Denise Carvalho. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Prentice Hall, 2004. FAZENDA, Ivani C. A. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1993. FONTANA, R. & CRUZ, N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. 240p. FREEMAN, Scott. [Et. Al]. Active learning increases student performance in science, engineering, and mathematics. Disponível em: http://www.pnas.org/content/111/23/8410.full. Acesso em: 04 de abril de 2016. FREINET, Célestin. As técnicas Freinet da Escola Moderna. 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Borges; Revisão Técnica: Paulo Vaz – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 93 APÊNDICE A ENTREVISTA COM ASSIS COSTA Entrevista realizada em setembro de 2015 sob o auxílio de Marcos Queiroz COMO É O RELACIONAMENTO COM O SEU ESPAÇO DE TRABALHO? Isto é interessante! Ontem mesmo eu estava discutindo isso com a minha mulher. Quando construímos este espaço para o atelier, eu trabalhava num alpendre da minha outra casa ao lado. Na época, percebi que este espaço ficava muito exposto à chuva, vento, sol, poeira... Eu tinha um espaço dentro da casa para trabalhar, mas precisei desocupar e ficou sendo o quarto da minha sogra. Ela adoeceu e precisávamos de um canto mais fácil para se mobilizar com ela. Na época ela teve que fazer uma cirurgia de hérnia de disco e fiquei meio que de escanteio, e já planejando um dia... Porque a gente tinha uma casinha aqui antes. Com o tempo fui adaptando o lugar, expandindo-o como parte da extensão da outra casa. Eu ficava pensando: “vou ter que um dia construir um canto em que eu possa fazer toda a ‘bagunça’, serrar, bater, sujar o chão sem medo, né?!” Aí escolhi construir aqui. Finalmente em 2012 a gente construiu aqui. Aí fiz uma casinha bem bonitinha. Meus planos nos últimos tempos seriam assim... Como eu pretendo ir para o Rio Grande do Sul, morar lá, me estabelecer lá, a casa teria que estar num ponto para vender, alugar, mas, para mim, isto aqui é o meu ateliê. Figura 37 - Assis Costa em seu ateliê Fonte: Produção do próprio autor 94 A relação pra mim aqui é muito boa, porque aqui eu descanso, eu vejo televisão, fico tocando violão, aí fico compondo aqui... É muito arejado este espaço. Planejei um jardim, mas não tem dado muito certo, porque a água é horrível, o calor, o clima não favorece... Recebo os amigos aqui. Fiz um quarto de hóspedes, que é um escritório, mas é para receber as pessoas. Projetei um móvel que além de ser sofá, vira uma cama também. VOCÊ CONSIDERA QUE O ESPAÇO INFLUENCIA NA SUA CRIATIVIDADE OU NO SEU RESULTADO FINAL? Influencia porque eu tenho uma filosofia que é assim: mantenho os pincéis limpos e arrumados. Tem um armário com gavetas, cada um com estilo de tinta diferente. Então, eu acho que a saúde do lugar, a organização para a inspiração, é muito boa. Agora tem gente que acha que não.Eu passo o dia pintando e não se vê uma mancha em minha unha! Eu pinto muito. As pessoas perguntam como é que eu pinto metros e metros de pintura e não tenho nenhuma mancha de tinta. É porque eu pinto usando o pincel e não a mão! O artista tem que ser organizado para pintar, para fazer as coisas... Eu acho que a organização faz parte da criação. SE VOCÊ PUDESSE MODIFICAR O SEU ESPAÇO, O QUE VOCÊ FARIA E POR QUÊ? Eu modificaria justamente para ter um espaço para a bagunça. Um lugar para pintar com pistola, por exemplo... Uma estufa. Para trabalhar com escultura em fibra, isopor, barro, que mancha muito, madeira... Precisa-se de um espaço. Figura 38 - Pinceis de Assis Costa Fonte: Produção do próprio autor 95 VOCÊ JÁ MINISTROU AULAS NESSE ESPAÇO? Não. Na verdade aulas não. Eu dei palestras para crianças de algumas escolas que eu recebo aqui. Tive uma experiência como professor em 1998 na escola agrícola, onde passei dois bimestres dando aula.Depois dei aula na Casa do Pobre dando oficinas de arte para as crianças. Na época eu estava com 21 anos e já estudava arte há quase dez anos. Comecei com doze anos fazendo oficinas de desenho de observação e com 13 anos fui fazer oficinas com João Antônio. Foi muito intenso dos doze até os quinze anos e o acúmulo de conhecimentos que eu aprendi durante essa fase foi muito grande, de realizações etc. É tanto que aos quinze anos eu já tinha a meu próprio ateliê. Eu já tinha construído minha própria casinha no quintal da casa dos meus pais, onde construí meu próprio atelier. Dois vãos com um banheiro e um alpendre. Figura 39 - Pinceis de Assis Costa Fonte: Arquivo pessoal 96 Figura 41 - Ateliê de Clarissa Torres Fonte: Clarissa Torres APÊNDICE B ENTREVISTA COM CLARISSA TORRES Entrevista concedida no dia 11 de fevereiro de 2016 via e-mail. COMO É O RELACIONAMENTO COM O SEU ESPAÇO? (O espaço que me refiro seria o ateliê ou o espaço de criação que você utiliza em casa ou outro lugar para produção artística). É como se lá fosse uma espécie de universo paralelo, eu sei que estarei em paz só com minhas criações. Antes de formar o Coletivo Aboio eu considerava o ateliê como uma espécie de templo, nem faxineira podia ficar lá sem a minha presença, ficava de olho se ela trocaria um papel amassado no chão de lugar, rs. Depois que Viviani Fujiwara e Rodrigo Fernandes começaram a frequentar me transformei numa pessoa mais relaxada em relação à posse do lugar. Foi ótimo em muitos sentidos, aprendi a trabalhar com muitas mãos na mesma tela e muitos corpos no mesmo espaço, compartilhando técnicas e materiais. Hoje não tenho frescura; o espaço é grande e é para ser usado! VOCÊ CONSIDERA QUE O ESPAÇO INFLUI NA SUA CRIATIVIDADE OU NO RESULTADO FINAL DA SUA PRODUÇÃO ARTÍSTICA? Sim, bastante! Tem todo um ritual para começo de pintura. Organizo os pincéis, raspo restos de tinta de godês, organizo as cores das tintas, cato um mato ou outro da grama do jardim, converso com meus gatos, revejo alguns esboços Figura 40 - Ateliê de Clarissa Torres 97 antigos... Desenho um pouco para soltar a mão e começo a pintar. Nada disso tem uma ordem. SE VOCÊ PUDESSE MODIFICAR O SEU ESPAÇO DE CRIAÇÃO, O QUE VOCÊ FARIA E POR QUÊ? Não sei! Nunca pensei numa mudança lá, talvez só um pouco de organização. Minha mãe, que é arquiteta, disse que faltam prateleiras, rs. Eu tentei fazer uma espécie de zonas de trabalho, tipo: em uma mesa ficaria apenas material de aquarela, outra seria só para desenho e nanquim, na outra contas, contratos, documentos referentes ao funcionamento do Surto Cultural e coisas pessoais, daí por diante... lógico que não funcionou, só separei a parte burocrática da criativa. VOCÊ JÁ MINISTROU AULAS NESTE ESPAÇO? Não, nunca. Também não pretendo. Não por conta de energia e etc., mas porque como professora sou uma grafiteira/artista, rs. EM SUA OPINIÃO, COMO DEVERIA SER O ESPAÇO DE ENSINO DAS ATIVIDADES EM ARTES VISUAIS NUMA ESCOLA? Nossa! Coitadinhos dos alunos de hoje. Eu passei num concurso público para professora do estado e não aguentei nem um ano, pedi exoneração. É lógico que não existe lugar adequado! Primeiro de tudo teria que ser um espaço amplo e iluminado, livre de cadeiras tradicionais, só com mesas enormes e alguns bancos. Muito material disponível, vários tipos de tintas, pincéis, lápis de tudo que é jeito, papéis para desenhar, colar, amassar, televisão ou projetor, os dois na verdade, para que os alunos pudessem ver, ver, ver e ver muitas obras, documentários, filmes, com acesso a internet para pesquisar técnicas, artistas, tutoriais, livros disponíveis, parede para experimentar técnicas... máquina fotográfica e impressora. Um sofá para simplesmente observar os outros ou fazer nada... São milhares as possibilidades. Quanto maior e mais informação melhor para os alunos desenvolverem suas próprias linguagens e técnicas e (antes de tudo, na verdade) que pudessem aprender a fazer arte. 98 Figura 42 - Ateliê de Clarissa Torres Fonte: Clarissa Torres 99 APÊNDICE C ENTREVISTA COM JOÃO ANTÔNIO Entrevista realizada em setembro de 2015 em Currais Novos/RN com o auxílio de Marcos Queiroz. COMO É O SEU RELACIONAMENTO COM O ESPAÇO DE TRABALHO (SEU ATELIÊ)? Olha, este espaço aqui, além de ser o espaço de trabalho é o espaço onde eu moro. Eu moro no espaço de trabalho. Já tem uma relação diferente. Então eu vivo o espaço de trabalho. O espaço de trabalho é a ferramenta, é a extensão dos seus recursos enquanto ser humano para executar as coisas. Então todo este espaço aqui são as ferramentas de construção, de idéias, de criação, sabe? Tudo vai ter que passar por essas ferramentas, que é este espaço. E aí quando se fala da ferramenta é assim: é todo o espaço que existe, o tamanho do espaço, as condições de ventilação, a luminosidade, as ferramentas que existem do trabalho, como bancadas ou não bancadas, outras ferramentas pra você executar: serrote, serras... Então tudo isso são ferramentas pra executar qualquer coisa que a gente deve sempre... Eu acredito que o artista deve sempre ter isso. Mas isso também... Eu já vi artistas... Eu já passei por situações que eu não tinha este espaço. E tem artistas também que eu conheço que certa vez eu estava reclamando: “ah, eu não tenho espaço, eu não produzo, eu não tenho espaço, eu não produzo”, aí eu fui ver um artista, tava lá no corredorzinho, no beco da casa, no recantozinho, bem improvisado pintando. Outro artista pegava a sua tela e ia para o campo, adaptava o bagageiro da sua bicicleta, ia pro campo, pintava, ficava uma beleza, um momento de observação riquíssimo, que é pintar direto no campo, e fazia o seu trabalho. Aí fica assim essas questões, mas eu ainda defendo que as pessoas devem ter as condições básicas pra desenvolver a criação, pra executar, ter as ferramentas pra executar as obras. 100 VOCÊ CONSIDERA QUE O SEU ESPAÇO DE TRABALHO INFLUENCIA PROCESSO CRIATIVO OU PRODUTO FINAL DE CADA TRABALHO? ACHA QUE O ESPAÇO TEM RALAÇÃO COM O PROCESSO CRIATIVO? Sim. Eu vou dar um exemplo: por aqui a gente vive numa comunidade que tem vizinhos e essas coisas todas. Aí aconteceu recentemente de um esgoto estourar na parte de trás onde entra toda a ventilação deste espaço. Aí era insuportável ficar aqui. Eu jamais teria condições de criar dentro de um espaço hostil, poluído. Isso já dá um sinal de que o espaço contribui de certa maneira. Agora, por exemplo, como este espaço aqui é uma extensão e eu venho construindo ele ao longo do tempo, então existe uma adaptação. Mesmo ele tendo situações precárias, não satisfatórias, do jeito que eu imaginaria, mas existe toda uma adaptação. Então eu me sinto confortável. Eu não sinto muito empecilhos pra criação não. Eu me sinto aconchegado porque ele foi construído. Parece uma simbiose entre o meu ser e as extensões dele. Tem essa marca da extensão. É como se fosse uma expansão do nosso corpo pra executar as coisas. Fonte: Arquivo pessoal Figura 43 - Ateliê de João Antonio 101 SE VOCÊ PUDESSE MODIFICAR O SEU ESPAÇO DE TRABALHO, O QUE VOCÊ MUDARIA? Eu melhoraria, sabe. Porque tem uma questão de poeira aqui nesta região, muito grande. A cobertura eu acho que não é adequada, que são telhas coloniais. E nesta época seca fica muito quente também. O pé direito é baixo. Então o teto, cobertura, já seria uma modificação que se faria? O teto seria uma modificação que daria mais conforto e tranquilidade. Porque se eu for escolher esta época de verão bravo aqui em final de ano para eu produzir, talvez eu não consiga produzir às 13h. Eu vou ter que produzir noutro horário porque às 13h é muito quente aqui a ventilação. Aqui é um local baixo que fica na base de Figura 44 - João Antonio em seu ateliê Fonte: Arquivo pessoal 102 um rio, então a ventilação já fica mais comprometida. Não é um lugar alto. Aí tem essas acomodações que eu quero fazer ainda, como forrar pra evitar poeira, colocar mais bancadas também, sabe, que eu preciso, armários, livros. Tem que adequar mais os livros para as estantes não ficarem tão empoeiradas... Em relação à exposição dos seus trabalhos, você acha que faria ainda outra galeria? Sim, uma galeria com iluminação com condições mais adequadas pra mostrar o trabalho, né?! Os visitantes chegam e querem ter acesso ao que você produz e teriam um lugar agradável. Você acha que a galeria que você já tem aqui na parte frontal ainda é pequena pra amparar todo o trabalho? Eu acho! Eu gostaria que tivessem quadros aqui em todo o espaço, sabe. E aquela galeria ali é de certa maneira improvisada. Ela não é definitiva. Ele tem um teto muito baixo e eu criei aquela solução de cobertura, de compensado revestido de chitão, um tecido bem estampado pra dar um colorido, um toque diferente e evitar poeira que descia das telhas. Aí ficou até bonitinho o corredor! Aí eu permaneci com aquela mesma formatação do espaço ali. Mas tem a questão de pia, cavaletes adequados, coisas assim... Você acha que um galpão onde você pudesse trabalhar com materiais que sujam mais, você faria também, ou não tem necessidade em função de técnicas que você utiliza, e não precisaria? A gente tem uma produção que exige tempo. Toda produção exige tempo. Então se o artista está envolvido em muitos tipos diversificados de produção aí ele fica subdividido. Aqui por exemplo eu pinto. Agora estou pintando mais raramente. Pinto, mas não constantemente porque eu tenho que fazer quadrinhos, eu tenho que trabalhar com o pessoal da Associação Avoante pra organizar as coisas, tenho que dar aula na escola estadual... Aí o tempo fica subdividido. Só em fazer as histórias em quadrinhos toma um tempo danado pra produzir! Aí o que acontece... Eu gostaria de trabalhar com esculturas porque eu amo escultura. Gostaria de ter uma oficina para escultura. E eu não consigo misturar aqui a área de pintura com o pó disto ou daquilo outro... Fica meio esquisito! Até uma escultura que eu comecei a fazer de isopor, você precisa de um espaço porque isopor sai pro espaço! 103 Quer dizer que pra esse tipo de técnica requer um espaço extra? É, um espaço destinado àquele tipo de material, sabe. Porque de repente você tá pintando aqui aí você tá trabalhando com isopor num espaço muito pequeno. Aí o isopor solta aqueles “fragmentosinhos” aí vai flutuando, vagando pelo espaço, bate na pintura, entra nos buraquinhos disso e daquilo... Cria toda uma problemática que o cara tem que resolver depois. Se a pessoa tivesse lá no lugar adequado... Porque toda produção requer uma estratégia de realização. Você tem que planejar toda aquela execução. Quando eu vou pintar... Agora isto depende muito de cada artista. Eu tenho o pecado de ser mais racional até certo ponto, aí, por exemplo, se eu vou pintar eu organizo toda a bancada com a tinta... É tanto que eu problematizo tanto o fato de executar que às vezes eu deixo de pintar porque eu não tenho o mínimo de organização pra executar. Isso é um bloqueio! Lógico! Mas isso é uma questão de recursos que você não possui ou é uma questão mesmo de não conseguir pessoalmente organizar o espaço? Às vezes é condições materiais mesmo que a pessoa não tem. E outras é o seguinte: por exemplo, este painel aí, esta tela grande. Eu pintei uma tela sobre um compensado lá em frente à Casa de Cultura. Comecei a pintar lá. E eu disse: “eu vou continuar no meu ateliê”. Daí eu disse: “mas eu preciso de um compensado pra esticar novamente o pano!” Aí eu tive que comprar o compensado, aí quando comprei o compensado (mas o compensado é de madeira e tem que impermeabilizar), aí fui comprar o plástico, estico o plástico pra impermeabilizar, aí Figura 45 - Ateliê de João Antonio Fonte: Arquivo pessoal 104 coloco a tela e começo a pintar. E quando vou pintar eu digo: “preciso de uma bancada pra dispor as tintas que é pra quando eu pegar a paleta (a bandejinha de isopor) ta tudo organizado ali.” Aí eu disse: “não, mas... Cadê aquela conchazinha que eu tirava tinta pra não ficar melando e fazer o maior meladeiro?!” Aí vou lá numa loja comprar as conchas de plástico. Às vezes a falta desse material acaba prejudicando o processo de criação né, João? É por isso que depende de caca artista porque aquele artista que pegou a tela, colocou-a no bagageiro da bicicleta e saiu, acho que ele não tem muito disso não! Mas eu ainda acho que o fato de você criar, você tem que pensar sobre a forma de execução dela, o processo de execução, planejamento de execução. Isso eu acho um elemento básico pra qualquer coisa do ser humano. Qualquer coisa que você faz tem que pensar no começo, meio e fim. Certo? Então você tem que planejar as coisas. Agora talvez o meu pecado seja planejar demais ou não! Talvez sejam questões materiais. A insuficiência de material, de ferramenta que faz com que a produção não saia instantaneamente. Não tem empecilho de materiais. Claro que se eu tivesse um espaço mais adequado eu não ia comprar um compensado, não ia atrás disso ou atrás daquilo passando umas duas semanas só organizando o espaço pra poder dar a primeira pincelada. Então você considera que o espaço ainda está num processo de construção conforme as próprias necessidades de criação? É! Isto! Como eu falei que é quase uma extensão, mas só que a gente sempre ta... Quando a gente tem uma ideia, a gente tem que ter as ferramentas (adequadas) pra executar aquela ideia. Nesse caso da pintura eu precisava desses elementos. Não era mais um cavalete que eu precisava. Antes era um cavalete, mas agora não. Eu quero uma extensão maior onde eu possa estender. Então eu não tinha esse suporte pra executar esse trabalho dessa maneira. Aí pronto, houve uma mudança. Então houve uma mudança porque a criação, a obra necessitava dessas condições. Aí a gente vai atrás das condições. Por isso é que o espaço sempre vai se adequando. Vai se construindo. Agora, claro que tem artistas que tem espaços... Artistas de longas datas que já trabalham a muito tempo, então ele já fez muitas 105 experiências, ele já explorou muitos recursos. Aí eu acredito que o espaço vai estar mais fácil de executar qualquer tipo de obra. VOCÊ JÁ MINISTROU AULAS EM SEU ATELIÊ? JÁ TEVE ESSA EXPERIÊNCIA DE MINISTRAR AULA NO ATELIÊ? Não. Eu tentei dar uma aula aqui de desenho e pintura (particular), mas não foi bem-sucedido não. Poderia dizer por que não deu certo? Porque o aluno quando está pagando cria uma relação diferente do aluno de escola pública. O fato de eles estarem pagando se acham no direito de dizer: “hoje eu não estou inspirado pra fazer nada!” Aí como é que eu vou convencer “esta figura” de que não existe isso? Que o importante é ele começar a trabalhar ali que ele vai começando a romper com esse bloqueio que ele tem. Figura 46 - Ateliê de João Antonio Fonte: Arquivo pessoal 106 Figura 47 - Ateliê de João Antonio Fonte: Arquivo pessoal Fonte: Arquivo pessoal Figura 48 - Ateliê de João Antonio 107 APÊNDICE D ENTREVISTA COM O PEDRO ROBERTO Entrevista realizada em 25 de setembro de 2015 em Natal/RN sob o apoio de Rayssa Torres. COMO É O SEU RELACIONAMENTO COM O ESPAÇO DE TRABALHO (SEU ATELIÊ)? Olhe, meu pai foi professor de Desenho. Foi quem primeiro iniciou em Natal fábricas de bólogas, malas e outras coisas mais... E ele sempre me disse que nós tínhamos que ter, toda e qualquer que fosse produzir alguma coisa, tínhamos quer ter um espaço, vamos dizer próprio. E eu infelizmente tenho mania de tentar fazer muitas coisas ao mesmo tempo e agora estou querendo direcionar mais para o mosaico e a gravura, eu vou criar espaços específicos para cada técnica, inclusive à do vidro, que é uma novidade. Fiz uma amizade com um senhor de 76 anos ou é 77, que tem uma ateliê que quase não produzia e eu tô trazendo coisas novas, estamos fazendo coisas novas. E eu me sinto muito à vontade quando vou trabalhar. Eu separo todo o material, as ferramentas, para facilitar, que é isso que estou criando no ateliê da Afonso Pena. Ele tem espaços; um espaço vai ser para aulas e palestras; tem uma parte no centro onde vai ser exposto as peças e tem uma parte onde eu vou dar aulas de mosaico e gravura. Isto já está sendo preparado com espaços específicos para essas técnicas que eu quero ver se a partir de agora eu Figura 49 - Pedro Roberto em seu ateliê Fonte: Arquivo pessoal 108 passo a trabalhar mais direcionado. Porque a ideia é também fazer um ponto de reunião dos antigos alunos, que nunca deixam de ser alunos, pelo menos telefonam sempre... Eu estou há oito anos aposentado e sempre comemoram o meu aniversário. Neste ano colocaram “hoje é dia de Pedro!” na internet! Foi um tal de gente me telefonar em abril!! E eu pretendo fazer isso. Me sinto bem à vontade porque quando vou trabalhar eu separo os instrumentos específicos para aquela parte que vou trabalhar. Além de ser um trabalho de criação, o senhor também mora no seu ateliê? Esta daqui é a minha residência. Na verdade era uma casa que estava abandonada e Ivana, que é aluna e minha amiga até hoje pediu pra eu vir. Eu fiz uma reforma na casa e está sendo criada aqui ao lado direito uma ateliê onde tem três ambientes: a parte de baixo como uma espécie de loja, a parte aula e a parte de produção em cima, porque eu tenho inclusive uma oficina de marcenaria. As bases do material de mosaico que eu faço, base de madeira que eu faço, confecciono também a base de madeira. Compro o material e faço para facilitar. Primeiro porque eu tenho as máquinas que eu trouxe de fora do país e facilita bastante. Porque você vai trabalhar numa oficina de marcenaria qualquer e eles cobram uma exorbitância. Aí eu prefiro ter as máquinas. Figura 50 - Ateliê de Pedro Roberto Fonte: Arquivo pessoal 109 Daí economiza? Economizo e produzo dentro daquilo que eu espero facilitar o trabalho também. VOCÊ CONSIDERA QUE O SEU ESPAÇO DE TRABALHO INFLUENCIA PROCESSO CRIATIVO OU PRODUTO FINAL DE CADA TRABALHO? ACHA QUE O ESPAÇO TEM RALAÇÃO COM O PROCESSO CRIATIVO? Não muito com o processo criativo; tem com o de produção. Porque se você tiver o espaço adequado, você consegue fazer o material com melhor qualidade. É isso que eu lutava muito lá na universidade, tanto que me deram salas específicas pra cada minha disciplina. Em Desenho de Observação eu tinha sala própria. Às vezes faltava cavalete e outras coisas mais quando tinha bastante aluno. E eu não dava aula só para o curso de Artes, de Artes Visuais, porque tinha sempre estudantes de Ciências Sociais, Arquitetura, Comunicação... Eu sempre tive alunos de outras disciplinas que conseguiam furar na hora da matrícula o sistema da universidade e se matriculavam muitas vezes ficando os alunos. Eu limitava o número de 25 porque a partir de 25 alunos você não ia ter condições de transmitir Figura 51 - Ateliê de Pedro Roberto Fonte: Arquivo pessoal 110 aquilo que você gosta (e eu amava o que eu fazia) e ia dificultar. Aí eu limitava em 25, alguns se matriculavam antes e sempre ficavam alguns de fora. Então o senhor acha que o espaço influencia muito mais no quesito processo de produção do que no quesito processo criativo? Isso para o que eu trabalho: gravura, mosaico, vidro... O espaço provoca muito isso. A gente pensa, certo, e põe em execução. Ele (o espaço) ajuda a gente a desenvolver um melhor trabalho com mais rapidez.Tanto que essas mesas que estão aí fora estão a algum tempo primeiro porque eu tive que fazer umas duas viagens de novembro para cá pra ver meus netos e isto atrapalhou um pouco. Mas influencia muito mais na produção. Tem alguns artistas, como Reinaldo Rego, este aqui, e Reinaldo Fonseca, o ateliê dele era na cassa dele e ele tinha uma certa ligação com o processo de criação porque ele fazia muitas vezes... Criava o objeto que ele ia pintar, criava o ambiente e pintava. Foi o meu primeiro professor de Desenho de Observação. Ele utilizava esses artifícios. E sabia utilizar muito bem. Figura 52 - Ateliê de Pedro Roberto Fonte: Arquivo pessoal 111 SE VOCÊ PUDESSE MODIFICAR O SEU ESPAÇO DE TRABALHO, O QUE VOCÊ MUDARIA? Olha, este daqui, por exemplo, ele vai ter uma melhor facilidade. Lá em baixo era uma vila pertencente ao espólio Dr. Onofre Lopes, tem uma grade que atrapalha um pouco a entrada, mas são seis casas e eu alugo uma delas. Na frente tem uma grega que faz restauração e trabalha com vitral. Ela foi... Ela estava sem atleiê, eu ia ampliar o meu ateliê pra esse outro ateliê que eu cedi pra ela pra fazer justamente uma espécie de galeria de arte. E é o que eu quero fazer lá em baixo. Porque eu sempre fui da filosofia de repartir. Certo?! E vou ver se junto uns três ou quatro artistas pra gente diminuir, vamos dizer, um pouco as despesas e dinamizar cada um, fazendo trabalhos e fazendo a divulgação pra ele ser bem frequentado, fazer de vez em quando reuniões com os alunos, palestras sobre temas específicos de Arte. Um deles, por exemplo, vai fazer uma das primeiras palestras: Dorian Gray. Foi ele que começou em Natal, com Newton Navarro e outros artistas. Gosto de Dorian. Ele foi um dos precursores do Modernismo aqui em Natal, no Rio Grande do Norte. Ele, Newton Navarro e outros. E ele está vivo até hoje e produzindo. Ainda está produzindo. VOCÊ JÁ MINISTROU AULAS EM SEU ATELIÊ?JÁ TEVE ESSA EXPERIÊNCIA DE MINISTRAR AULA NO ATELIÊ? Sim, tive quando eu tinha um ateliê na Rua Mipibú. E a ideia deste outro é fazer justamente isto também,entende? O problema é que mosaico me levou a certa Figura 53 - Pedro Roberto em seu ateliê Fonte: Arquivo pessoal 112 preocupação de eu não conseguir o que eu conseguia há alguns anos atrás quando meu ateliê era na Rua Mipibú, quando tiveram duas alunas que toparam (eu, como disse a você, gosto de fazer a coisa tudo compartilhada, tudo democrática) de a gente fazer parceria e dividir o ganho. Eu fazia o projeto, elaborava o desenho na própria base e depois cada um produzia e depois a gente dividia as despesas e o lucro. Uma foi Sonia Herrera, a outra foi Joana, que era uma pessoa fabulosa, mas infelizmente suicidou. Ela era bipolar e era meio complicada. Entrou numa crise e foi rapidinho. Era uma pessoa que eu gostava muito. Às vezes eu tava trabalhando e ela desaparecia: “Não, eu fui... Passei uns dias... surfando!” Outras vezes desaparecia... Depois eu tava viajando, inclusive quando o meu neto nasceu, o primeiro, eu fui passar dois meses fora. Ela telefonou pra minha irmã; minha irmã telefonou pra mim; lá dos Estados Unidos eu liguei pra ela; ela tava querendo trabalhar. Aí eu consegui (como ela era muito bonita, falava inglês, era uma pessoa que já tinha trabalhado em recepção de hotel, em tudo) eu consegui uma vaga pra ela num restaurante que ia abrir lá em Ponta Negra. Ela não foi justamente pra dar um certo apoio à mãe. Terminou havendo crises e ela terminou se enfocando. Muito complicada a história dela. Quase todo dia eu me lembro dela. Me deram uma peça aonde eu penduro as minhas chaves. Sempre eu me lembro de Joana em função também dos trabalhos que ela fazia. EM SUA OPINIÃO, COMO DEVERIA SER A SALA DE ARTES VISUAIS NUMA ESCOLA PÚBLICA? Figura 54 - Ateliê de Pedro Roberto Fonte: Arquivo pessoal 113 Na verdade eu sempre batalhei para que tivessem salas específicas. Específicas de diversas técnicas de artes visuais, você pode fazer experiências diversas com temas. Quando eu dava gravura, eu dava um tema: violência (por exemplo). Eu dava temas que tivessem ligação com o que tava acontecendo (e tá acontecendo muito agora, muito mais, né?!), a violência urbana. E cada um interpretava a violência dentro da maneira que via. Então seria um núcleo de espaços ligados às diversas técnicas? Para você apresentar filmes, que existem bastante, que você pode utilizar o Arte na Escola, que eu tenho toda a relação, que é uma parceria que existe no Brasil todinho. Existem filmes específicos para cada área ou cada técnica, de pessoas que foram boas na área, entende? Artistas e aqueles que souberam também dinamizar o ensino da Arte. Alguns ex-alunos conseguem fazer bons trabalhos. Então a gente teria que ter um núcleo onde amparasse todas as diversas linguagens que seriam: desenho, gravura, um espaço para exposição de cinema... Figura 55 - Ateliê de Pedro Roberto Fonte: Arquivo pessoal 114 Na verdade, existe uma lei hoje federal que é obrigado você passar filmes para as crianças. Não necessariamente no tempo curricular normal, mas existe uma lei obrigando a isso. Existe outra em que todo colégio tem de fazer a reciclagem. Eu comecei a fazer reciclagem quando eu era estudante, aliás, reutilizar. Antigamente jornais eram impressos em fotolitros, sem ser em fotolitros, e as gravuras eram feitas em clichês de metal. E eu descobri que se jogava tudo isso fora. Fui falar com o professor. Não tinha gravura na minha grade curricular, aí eu fui procurar a Escolinha de Arte de Recife, que criada por Abelardo da Hora, onde uma amiga minha me passou todos os conhecimentos de gravura. Eu fiz muito isto. Eu sempre fui atrás. Quando eu fui pra Recife, eu fui fazer Arquitetura. Fiz vestibular para Arquitetura. Eram 40 vagas e eu fui o 42º. Tiveram três que nunca compareceram, mas eu entrei com um processo e nunca consegui entrar e como eu passei também em Artes, comecei a frequentar e gostei. Descobri que eu era propenso em ensinar e isso foi o que me entusiasmou. No segundo ano eu já fui presidente do diretório acadêmico e tentei dinamizar a escola. O senhor sempre teve esse perfil de buscar melhoria pra escola, pra universidade... Com certeza, tanto que na época eu descobri que existia uma pequena gráfica, que era do gráfico amador, que era Luiz Maganhães, Reinaldo Fonseca, Gastão de Holanda, que tinham essa gráfica e fizeram a doação para a universidade. Tava abandonada; fui ao reitor; o reitor pediu pra Gastão de Holanda, que era um dos vivos na época; e foi pra lá e criamos, eu criei quase como uma extensão dos diretórios, pois passamos a fazer convites; eu passei a ter uma certa renda, eu fazia convites de casamentos e outras coisas mais para pessoas numa tipografia manual, numa máquina manual. Eu tenho uma delas que está lá na universidade, que eu vou até apanhar pra trazer. E lá (em Recife) tinha salas específicas. Foi uma luta pra dar Desenho de Observação aqui porque as salas eu praticamente montei tudo e funcionou. Então, no universo escola hoje em dia (eu sei que as universidades têm as suas particularidades, como também suas dificuldades), mas como a gente 115 tem muitos professores de artes em efetivo exercício, a ideia é que este trabalho possa de alguma forma, tanto problematizar essas questões de espaço, como também trazer algo que possa despertar, tanto nos educadores como nos gestores, nos pedagogos, nos diretores que formam a escola, como algo que venha a melhorar o aprendizado nessa área do conhecimento que deve ser tão respeitada. Mas é como você falou. Na área de conhecimento específica Artes, onde pode se facilitar a interdisciplinaridade. Para isso tem que haver um bom relacionamento e se fazer crer que o ensino através da Arte você pode provocar uma interdisciplinaridade muito mais rápida e produção, levando em consideração, cobrando, aliás, que tenham espaços específicos. Então a gente entra em conclusão que estas salas de aulas de característica tradicional, onde às vezes uma cadeira está atrás da outra e tem aquele espaço, aquele quadro grande lá na frente como um palco montado para um professor ou um pseudo-educador, já se torna algo meio que obsoleto e meio que desnecessário especificamente para a nossa disciplina? Com certeza. A sala tem que ser mais “multivalente”. A pessoa pode usar ela com várias técnicas, entende? E uma coisa que é interessante: se você olhar bem, as artes visuais ainda é uma arte de uma pessoa só. Dificilmente você vê artes de criação coletiva em artes visuais. Tem às vezes Os Gêmeos, que são tão entrosados que um começa num canto e o outro noutro e terminam a obra única, mas você vê uma grande diferença no teatro, na música... Normalmente se consegue espaços para as artes coletivas. Tem muito isso, sabe?! O teatro, em função de ser uma arte coletiva, eles batalham muito e interagem melhor entre si. Já o artista visual em si trabalha muito mais só. E às vezes, por coisas bobas, eles não são tão unidos como são as artes coletivas. 116 APÊNDICE E ENTREVISTA COM VICENTE VITORIANO Entrevista concedida em setembro de 2015 via e-mail. COMO É O RELACIONAMENTO COM O SEU ESPAÇO? (O ESPAÇO QUE ME REFIRO SERIA A O ATELIER OU O ESPAÇO DE CRIAÇÃO QUE VOCÊ UTILIZA EM CASA PARA PRODUÇÃO ARTÍSTICA); Apesar de ter sido planejado por mim, não sou satisfeito com o meu espaço, no sentido de que gostaria que fosse maior. Refiro-me à parte interna que eu chamo de escritório e onde também produzo quase todo o meu trabalho artístico. Há um terraço contíguo que uso esporadicamente, quando trabalho com suportes maiores do que os que costumo usar e que são, em geral, pequenos. Na maior parte do tempo, o espaço (interno) está organizado para eu fazer as tarefas relacionadas à Universidade. Quando vou fazer arte (desenhar, pintar, montar molduras, etc.), há sempre o trabalho prévio de distribuição do material que, devido às dimensões do ambiente, estão sempre à mão. Chamo este processo de "armar o circo". Trata-se, pois, de um espaço híbrido que procuro explorar da melhor forma possível. VOCÊ CONSIDERA QUE O ESPAÇO INFLUI NA SUA CRIATIVIDADE OU NO RESULTADO FINAL DA SUA PRODUÇÃO ARTÍSTICA? É possível que sim, mas não tenho isto como uma coisa determinada. Meu processo criativo é muito mental e tem desenvolvimento independente de onde eu esteja. Quando vou registrar alguma ideia no escritório, sempre o faço em pequenas peças de papel e, atualmente, tenho usado um livrinho (sketchbook) para isto. Faço, também anotações verbais, neste livrinho ou no computador. SE VOCÊ PUDESSE MODIFICAR O SEU ESPAÇO DE CRIAÇÃO, O QUE VOCÊ FARIA E PORQUÊ? Como dito, acho o escritório pequeno. Gostaria de ter um espaço interno maior que coubesse outra mesa além da que já uso e tivesse melhor (maior) iluminação natural. VOCÊ JÁ MINISTROU AULAS NESSE ESPAÇO? 117 Aula de arte, não. Tenho usado, muito pouco, para fazer orientações de alunos em seus trabalhos de TCC. EM SUA OPINIÃO, COMO PODERIA SER O ESPAÇO DAS ATIVIDADES EM ARTES VISUAIS NUMA ESCOLA? Considerando o número de alunos que costumam inserir numa turma, deveríamos ter espaços amplos que coubessem várias mesas de trabalho, cavaletes, plintos e armários para guardar material de uso ou produzido. Áreas livres de chão também são importantes nestes espaços, assim como uma abundante iluminação natural. Outros equipamentos que deveriam caber: pia, bancadas livres, tanque de argila, computadores, aparelhos de dvd e televisão, etc. 118 APÊNDICE F QUESTIONÁRIO SOBRE O ESPAÇO EDUCATIVO PARA AULAS DE ARTES VISUAIS NA ESCOLA NOME/TURMA: 1. VOCÊ CONSIDERA QUE O ESPAÇO DA SALA DE AULA INFLUENCIA NO SEU APRENDIZADO EM ARTES VISUAIS? o SIM, COM CERTEZA o SIM, ÀS VEZES o NÃO ACREDITO QUE INFLUENCIA o NÃO SEI OBSERVAÇÕES: 2. VOCÊ ACREDITA QUE NA SUA ESCOLA EXISTEM ESPAÇOS ADEQUADOS PARA AS ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS? o SIM, COM CERTEZA o SIM, ALGUNS ESPAÇOS APENAS o NÃO EXISTEM ESPAÇOS ADEQUADOS o NÃO SEI OBSERVAÇÕES: 3. EM SUA OPINIÃO, COMO DEVERIA SER O ESPAÇO PARA AS ATIVIDADES DA DISCIPLINA DE ARTES VISUAIS NA SUA ESCOLA? 119 4. SOBRE OS ESPAÇOS DESTINADOS ÀS ATIVIDADES DE ARTES VISUAIS EM SUA ESCOLA, MARQUE A OPÇÃO CORRESPONDENTE: o SÃO ÓTIMOS. EXPLIQUE O PORQUÊ. o SÃO BONS. EXPLIQUE O PORQUÊ. o PRECISAM MELHORAR. EXPLIQUE O PORQUÊ. o NÃO SEI. JUSTIFICATIVA DA RESPOSTA: 5. MARQUE OS ITENS QUE CORRESPONDEM AO QUE VOCÊ ACREDITA QUE PRECISA EXISTIR NUMA SALA DE ARTES VISUAIS: o Obras de arte o Mesas que juntem vários alunos o Cavaletes o Material para atividades práticas o Armários e prateleiras o Computadores o Janelas grandes o Livros e revistas o Paredes coloridas (desenhadas, grafitadas, pintadas...) o Vídeo games SUGESTÕES DE OUTROS ITENS OU OBSERVAÇÕES GERAIS: 120 ANEXO A PLANTAS DE PROJETOS DE ERNST NEUFERT Fonte: NEUFERT, p. 300, 2009. Figura 56 - ambientes para ensinamentos técnicos e oficinas de trabalhos manuais 121 Figura 57 - Área destinada às ciências naturais Fonte: NEUFERT, p. 300, 2009. 122 Figura 58 - Salas para ciências naturais Fonte: NEUFERT, p. 300, 2009. 123 Figura 59 - Salas de matérias técnicas, contabilidade e arte Fonte: NEUFERT, p. 300, 2009. 124 Figura 60 - Área de ensinamentos técnicos e artesanais Fonte: NEUFERT, p. 300, 2009. 125 Figura 61 - Ambientes para música e arte Fonte: NEUFERT, p. 300, 2009 126 Figura 62 - Salas de aulas convencionais Fonte: NEUFERT, p. 310, 2009. 127 Figura 63- Planta de escola profissionalizante Fonte: NEUFERT, p. 305, 2009 128 ANEXO B Dimensionamento humano para espaços interiores em Ateliê de Arte Figura 64 - Sala de Pintura Fonte: PANERO, p. 260, 2002. 129 Figura 65 - Sala de Pintura Fonte: PANERO, p. 260, 2002. 130 Figura 66 - Espaço para desenho Fonte: PANERO, p. 261, 2002. 131 Figura 67 - Bancada de trabalho alta Fonte: PANERO, p. 262, 2002.